O Conceito de Teologia e Pedagogia em Commenius
O Conceito de Teologia e Pedagogia em Commenius
O Conceito de Teologia e Pedagogia em Commenius
Introdução
“A escola, portanto, erra na educação das crianças quando elas são
obrigadas a estudar a contragosto. [...] é imprescindível despertar nas
crianças o amor pelo saber e pelo aprender [...]. Nas crianças, o amor pelo
estudo deve ser suscitado e avivado pelos pais, pelos professores, pela escola,
pelas próprias coisas, pelo método, pelas autoridades”. (Comenius, 1997)
Meu interesse em estudar Comenius é motivado pelo fato de ele ser um autor que
conseguiu romper com a forma tradicional da escolástica, verdadeiramente ele causou uma
ruptura teórica no processo de concepção educacional.
Comenius viveu na Europa renascentista entre os séculos XVI e XVII, naquela época
os reformistas como Lutero e Juan Hus, lutavam contra a inquisição criada pela igreja católica
na tentativa de reaver a fé e a pureza. Recuperando a supremacia sobre os homens
encabeçados pelo Papa.
Juan Amós Comenius é um dos grandes cristãos que pouco se houve falar com tal.
Escreveu 154 livros, sendo que a maioria deles foram queimados durante a rebelião na
Holanda.
Comenius foi um autor além de seu tempo, pois vivenciou um período de transição
entre a idade média e a moderna. Conseguiu com precisão traduzir para o cenário educacional
as mudanças políticas, econômicas e sociais.
(*) Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Bacharelando em Teologia
pelo Seminário de Teologia da Assembléia de Deus no Estado do Ceará (STADEC). Agente de
Leitura pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (SECULT).
(**) Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC),
vinculado ao programa de Pós-graduação em Educação Brasileira, na Linha de Pesquisa de
Movimentos Sociais, Educação Popular e Escola, no eixo de Educação Ambiental, Espiritualidade,
Juventude, Arte e Escola. Doutorou-se em Ciências (Ecologia Educação Ambiental) pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).
Ele conseguiu ver na escola o que muitos ainda não viram, ou por outro, não
enxergaram, que a escola deve despertar nas pessoas o prazer pelo estudo, pelo conhecimento,
pela vida. Levando-os a eudaimonia, ou seja, a felicidade.
Ele atribuiu à educação categorias que somente vieram a ser pensadas séculos depois,
como o diálogo entre professor e aluno. Uma educação que se dava por meio do diálogo em
sala de aula, ou melhor, pela primeira vez naquela época, alguem diz que o aluno deveria ser
ouvido.
Outro ponto é a questão axiológica sendo tratada na educação, assim sendo Comenius
atribui como teleológica da educação os valores como o amor, a virtude, o bem e a
valorização do outro.
A dimensão ecológica é bem característica em Comenius, aliás, ele faz desta sua
metodologia e base de toda sua teoria. É dela que comenius inspira-se para elaborar a sua
mais importante obra a Didática Magna. O homem deve valorizar a natureza e não tomar
posse dela, destruindo-a completamente.
Outra categoria que consigo extrair de seu pensamento é a universalidade do saber
historicamente construído pela humanidade. Isso aliado ao seu pensamento a idéia de que
todos devem ter acesso a este saber, seja, pobre, rico, prostituta, louco, criança, jovens ou
adultos.
Comenius viveu uma época marcada por muitas mudanças, como por exemplo, a
liberdade de interpretação das Sagradas Escrituras, fomentada pelos reformadores cristãos,
como Lutero, Calvino etc. O início do capitalismo com o advento da moderna manufatura,
quando começava a se instalar a racionalização da atividade produtiva, e ainda, os novos
métodos de investigação da natureza preconizados por Francis Bacon. Conforme Oliveira,
Comenius foi uma voz quase solitária em seu tempo.
Para o pedagogo Comenius teologia e pedagogia dependem uma da outra, visto que a
educação deve conduzir a piedade e, por extensão, ao verdadeiro conhecimento de Deus.
Comenius partia do pressuposto de que a educação é a salvação comum do gênero humano.
Segundo Lopes (1993), Comenius preconizava a necessidade da instituição escolar,
entretanto, fazia severas críticas quanto à maneira como estava funcionando. O problema não
estava na instituição, mas em alguns princípios que deveriam ser melhorados ou
reformulados.
Comenius considerava a escola enfadonha, severa e a disciplina, exercida como
pancadas. Ele estava consciente de que a arte de ensinar e aprender fora, em grande parte,
desconhecida nos séculos anteriores.
Depois de uma análise dos métodos didáticos presentes nas escolas de sua época,
Comenius considerou-os violentos, obscuros, confusos, duros e intricados, tornando a escola
ineficiente e local de tortura para a mente das crianças, castigando-as com coisas inúteis (op.
Cit.).
“Além disso, na educação da juventude, usou-se quase sempre um método tão duro
que as escolas são consideradas como os espantalhos das crianças, ou as
câmaras de tortura das inteligências. Por isso, a maior e a melhor parte dos
alunos, aborrecidos com as ciências e com os livros, preferem encaminhar-se para as
oficinas dos artesãos, ou para qualquer outro gênero de vida”. (Comenius
1997:149).
Para Comenius a educação da juventude deve estar voltada para todas as coisas que
podem tornar o homem sábio, honesto e piedoso. Essa formação, em sua concepção, é a
preparação para a vida, deve ser concluída antes da idade adulta. E seja tal que se desenvolva
sem severidade e sem pancadas, sem nenhuma coerção, com a máxima delicadeza e
suavidade, quase de modo espontâneo.
Essa educação não deve ser cansativa, mas facílima: que aos exercícios de classe não
sejam dedicados mais de quatro horas, de tal modo que um só preceptor possa ensinar até cem
alunos simultaneamente com um trabalho dez vezes menor do que o atualmente necessário
para ensinar apenas um. (Comenius, 1997:110).
Em sua construção epistemológica, Comenius dividiu seu método em três partes
distintas: a síntese, a análise e a síncrise.
Esses métodos, ainda que distintos, são na visão de Lopes (op. Cit.) complementares,
todavia, há, conforme Gasparin, uma ordem na utilização de cada um deles, para que se torne
um único método na sua forma de operar:
[...] cabe ainda falar sobre o modo ou o método de apresentar os objetos aos
sentidos, para que a impressão seja dourada. O método deve ser extraído do
processo visual externo: para que se veja alguma coisa de modo correto é
preciso que: 1) o objeto esteja diante dos olhos; 2) não longe, mas a justa
distância; 3) não lateralmente, mas perpendicularmente aos olhos; 4) não
emborcado nem torto, mas direto; 5) de tal modo que os olhos possam ver antes
o objeto em seu conjunto; 6) e depois passar em revista as partes uma a uma; 7)
seguindo certa ordem do princípio ao fim; 8) depois se detendo longo tempo em
cada parte; 9) até que todas as coisas sejam conhecidas com as respectivas
diferenças. (Gasparin, 1994, p.237 apud. Lopes 2003).
Síntese
Para Comenius o que for dado ao conhecimento, que seja dado antes de modo geral, e
depois por partes. A síntese é integradora e globalizante e tornar-se imensamente vantajosa
para consolidar o conhecimento das coisas.
Na concepção de Comenius, o método sintético tem prioridade em relação ao
analítico, uma vez que o objetivo do método sintético é mostrar o todo, para depois
compreendermos as partes.
Análise
Entretanto, somente a análise e a síntese não são suficientes para garantir a eficiência
da ação docente e discente em sua totalidade, é necessária também, a síncrise.
Síncrise
A palavra síncrise procede etimologicamente dos elementos gregos syn, que expressa a
idéia de simultaneidade, podendo ser traduzida por “com, juntamente”, e de crinein, e de
crinein, cujo sentido básico é “determinar, julgar, comparar, decidir”. Trata-se conforme
Lopes (op. Cit.) de um método que confronta duas ou mais idéias, ou realidades, buscando
compreendê-las dentro de uma totalidade.
Para Comênio o método sincrítico consiste na ação da mente que compara uma coisa
com outra, fazendo-as passar por um crivo a fim de separar, discernir o que é o melhor de
todo resto (Gasparin, 1994).
A natureza
Comenius declara que a educação deve ser oferecida desde a tenra idade. Podemos ver
em seu ideal um dos precursores na defesa da educação infantil.
Deve-se dar inicio à formação do homem durante a idade primaveril, ou seja,
durante a infância (de fato, a infância é o símbolo da primavera; a juventude, do
verão; a virilidade, do outono; a velhice, do inverno), as horas matinais são as
mais propicias aos estudos [...]. Tudo o que será aprendido deve ser disposto
segundo a idade, para que nunca se ensine nada que não possa ser
compreendido. (Comenius, 1997, p. 148).
Comenius assevera que a escola ideal deve ensinar aos homens não somente para as
ciências, mas principalmente, para a vida piedosa. Nisto consiste que “nada se aprende apenas
para a escolaridade, mas para vida, de tal sorte que, deixada a escola, não seja tudo levado
pelo vento” (Comenius 1997, p.227).
Para Comenius ensinar para vida é relacionar os conteúdos escolares com o cotidiano.
Esta, aliás, é uma das bases educacionais na Didática Magna.
Como vemos a associação entre educação e o cotidiano do educando já fora algo
pensado por este brilhante autor. Comenius propõe que o professor deve utilizar todos os
meios possíveis para que a aprendizagem se realize de modo completo e global, visto que a
natureza ajuda a si mesma de todas as maneiras que pode.
Na visão de Comenius o livro didático deve partir de alguns princípios: partir de
princípios simples para complexos; deveria ser escrito em uma linguagem familiar e comum;
deveria ser elaborado em forma de diálogo; Haveria uma necessidade de uma representação.
Sendo assim, Comenius propõe que, também nas salas, deveriam ser pintadas, nas paredes,
resumos ou ilustrações de textos com os quais os sentidos, a memória e o intelecto dos alunos
poderiam se exercitar.
A escola, por sua vez, deve ser um lugar tranqüilo, bonito, bem iluminado, limpo,
ornando por pinturas, retratos de homens ilustres, mapas, recordações históricas ou emblemas.
Deve haver, fora dela nas imediações da escola, um espaço não só para brincar e andar, mas
também, um jardim onde seja possível levar os alunos para que aprendam a admirar árvores,
flores, relva.
“A escola, portanto, erra na educação das crianças quando elas são obrigadas a
estudar a contragosto. [...] é imprescindível despertar nas crianças o amor pelo
saber e pelo aprender [...]. Nas crianças, o amor pelo estudo deve ser suscitado e
avivado pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas próprias coisas, pelo
método, pelas autoridades”. (Comenius, 1997, p. 168-169)
Considerações Finais
Creio que está correto o adágio “Regredir a Comenius é progredir”. Afinal, além de
ser precursor na defesa da democratização do ensino, Comenius elaborou sua didática
universal em um período que guarda similitudes com o presente.
Com este estudo não pretendo transpor ou adaptar as soluções propostas por Comenius
para os problemas atuais da educação e da didática, mas como afirmou Gasparin (op. Cit.)
saibamos apreender como podemos encaminhar as necessidades e os desafios que a prática
social e a educacional determinam.
Particularmente, estudar a obra de Comenius é gratificante. Um homem que conseguiu
pensar além de seu tempo, muito embora preso a escolástica. Como Teólogo e Filosofo
conseguiu deixar sua contribuição a sua geração e a vindoura. Evidente que existem questões
mais amplas e abordagens que potencializam uma leitura mais ampla da relação do ser
humano com Deus e a natureza na atualidade. Entretanto, não podemos deixar de exaltar o
contributo importante que nos legou Comenius em seu contexto de vida.
Que Deus possa iluminar pessoas que tenham o mesmo ideal e virtude criando novos
paradigmas que possibilitem um avanço na compreensão do processo educacional, superando
os desafios que os atuais modelos hoje nos proporcionam.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA SAGRADA, Ed. revista e corrigida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1987.
COMENIUS, J. A. Didática Magna. 4ª ed. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, [s.d.].
______________. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
COSTA, Jairo Cardoso. Pedagogia do Amor. O Povo, Fortaleza, 12 de outubro, 2008,
Espiritualidade, p32.
GASPARIN, J.L. Comênio ou a arte de ensinar tudo a todos. Campinas: Papiros, 1994.
_____________.Comênio: a emergência da modernidade na educação. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 1998.
LOPES, E.P. O Conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São
Paulo: Editora Mackenzie, 2003.
OLIVEIRA, J.R. Educação dos excluídos: dádiva ou dívida? Rio de Janeiro, Eduerj, 1998.