A Música para Piano de J. Peixinho - Procurando Características e Especificidades
A Música para Piano de J. Peixinho - Procurando Características e Especificidades
A Música para Piano de J. Peixinho - Procurando Características e Especificidades
10:00 às 19:00
a) O pianista, tocando obras de Liszt aos seus contemporâneos, até ao fim da sua vida;
e) Professor e formador de composição e análise, nos Conservatórios do Porto (anos 60) e de Lisboa
(anos 80 e 90) e através de cursos para professores do GETAP.
Sem dúvida que estas diferentes carreiras e perspectivas de Jorge Peixinho decorreram de forma
interligada e coerente, não havendo aparentemente contradições ou antagonismos no seu percurso.
No entanto, sabemos que houve diferentes níveis de actuação e resultados distintos em cada uma
delas. Gostaria de mostrar alguns pedaços de vida relevantes para a compreensão da sua obra.
Dodecafonismo em Portugal
Em 1959 apareceram em Portugal as primeiras obras utilizando técnicas dodecafónicas em Portugal:
as Cinco Pequenas Peças para piano de Jorge Peixinho (datadas de 28 de Junho a 13 de Julho de
1959) e a Sinfonia Breve de Álvaro Cassuto.
Sabemos, no entanto, que as “Cinco Pequenas Peças” ultrapassam largamente a aplicação de uma
técnica composicional já com 4 décadas e tornada quase obsoleta pelo bouleziano “Schönberg est
mort” (1952). Um pouco como as Notações de Boulez, estas peças são miniaturas onde o compositor
usa diferentes tipos de técnica, algumas com séries de 12 sons, e diferentes possibilidades
expressivas, algumas ainda próximas do expressionismo do início do séc. Mas, em especial nas 2
últimas peças, Jorge Peixinho deixa-nos perceber o seu interesse por um outro piano, onde
simultaneamente se podiam conceber mundos sonoros diferentes, ressonâncias através de vibrações
por simpatia, massas sonoras que se transformam, tessituras com cores e possibilidades múltiplas.
OUVIR PEÇA V
1
Álvaro Cassuto em http://www.editions-ava.com/pt/store/work/615/, acedido a 29 de Outubro de 2009
2
Cf. Cassuto, Álvaro (1958) “Livros”, Arte Musical, n.3 May/June 1958, e Cassuto, Álvaro (1959), “Bases
Fundamentais do Dodecafonismo Serial”, Arte Musica,l n. 5/6 August 1959
3
Sucessões Simétricas I
Sucessão Simétricas I, composta entre Roma e Montijo, datada de 28 de Julho de 1961, a sua
segunda obra para piano solo no catálogo, é verdadeiramente paradigmática para uma definição do
que será a sua produção futura.
PP7
Desde logo aparece, em folha separada, uma explicação sobre os sinais de notação usados, onde
“clusters”, repetições, ressonâncias diversas, pedais e movimentos de braço são explanados. A sua
assinatura abrevia-se para “Jorge R. Peixinho”, e não “Jorge Manuel Rosado Marques Peixinho”
como nas Cinco Pequenas Peças.
PP8
As Sucessões Simétricas I são a sua primeira obra vanguardista, pensada em múltiplas dimensões
expressivas e composicionais, que simultaneamente cativa e choca o ouvinte menos acostumado.
Reconhece-se o contacto com os Cursos de Darmstadt do ano anterior - 1960, nas técnicas, nas
sequências punctilistas, no efeito de choque que, desde início, pontua esta obra, em especial através
dos clusters. Reconhece-se também uma vertente lírica, um profundo interesse pelo desenvolvimento
harmónico, por uma harmonia não tonal mas claramente próxima da usada nos cem anos que
medeiam Wagner e Boulez. E ainda a utilização de repetições, uma espécie de prolongamento da
harmonia num instrumento de percussão através do tremolo, mas também a repetição como
insistência, duplicação ou transformação lenta de um material harmónico.
E, assim, aparecem-nos três factores que, a meu ver, são importantes em toda a produção para piano
de Jorge Peixinho:
1 – O uso de sonoridades punctilistas, sem harmonias e melodias definidas, usando ritmos com
múltiplas quiálteras, fugindo a uma qualquer métrica e a uma relação linear próxima entre as alturas
dos sons;
2 – O uso da harmonia como razão fundamental de uma expressividade específica, algo wagneriana;
4
3 – A repetição: o uso de um material - mínimo ou mais complexo – consecutivamente, com
pequenas alterações, jogando na dialéctica entre a repetição ou a alteridade.
A influência de Jorge Peixinho em Portugal foi sendo cada vez mais importante e notada. Entre
múltiplas actividades organizou um concerto em Novembro de 1964 onde apresentou, entre outras,
uma primeira obra de Emmanuel Nunes (a obra Conjuntos I). É interessante que esta apresentação de
Conjuntos I permitiu a Emmanuel Nunes obter uma bolsa de Estudo da Fundação Gulbenkian e
tornar-se o compositor que hoje conhecemos; a obra foi mais tarde retirada do catálogo pelo
compositor.
PP16
Álvaro Cassuto, neste caso no papel de crítico musical do Diário de Notícias 7/11/1964, relatou um
grande alvoroço à volta deste concerto de Jorge Peixinho e propõe, no seu texto, uma efectiva
educação musical para as gerações mais novas. E, nesse sentido, a Juventude Musical Portuguesa
organizou um debate em Dezembro, moderado por João de Freitas Branco, onde essencialmente
foram discutidas as ideias de John Cage. Porque Cage era, em Portugal, uma espécie de símbolo de
uma vanguarda aterradora, desconcertante, contra a qual já se tinham definido as posições:
“Contra o meu hábito, não pude deixar de passar cerca de metade do tempo
que durou o espectáculo a rir às gargalhadas.(...). Basta uma explicação:
acompanhavam os bailarinos os dois pianistas John Cage e David Tudor. O
norte-americano John Cage é o conhecido <<músico>> da vanguarda e os
seu <<piano preparado>> obteve uma já grande popularidade ... e admiração
da parte dos que gostam de ir ao circo.” Álvaro Cassuto in Arte Musical (1960
- n. 11/12): p. 403.
1965 - HAPPENING
PP17
Mas salientemos ainda o início de 1965. A 7 de Janeiro, um grupo de artistas portugueses produziu
um “Concerto e audição pictórica” na Galeria Divulgação. Trata-se do primeiro happening em
5
Portugal relatado por E. M. de Melo e Castro3. Os artistas eram Melo e Castro, António Aragão,
Salette Tavares (estes três ligados à poesia experimental), Manuel Baptista (artista plástico), Clotilde
Rosa (harpista), Mário Falcão (também harpista) e Jorge Peixinho. O programa é interessante:
PP18
Cartridge Music — John Cage4
No intervalo I executar-se-á como música de fundo
O Funerão do Aragal — António Aragão
Peça 59 (música negativa) — E. M. de Melo e Castro (estreia mundial)
A Porta Preta — Jorge Peixinho
Zzzzzzz.................Rrrrrrr!...
(esta obra não será dada ao público por provocar sono)
Suite for Toy Piano —John Cage
Electrovagidos — Jorge Peixinho
"Sonata ao Lu...Ar Livre"
(esta peça não será apresentada cá porque não há ar livre)
No intervalo II
Foco e Ruído
Concerto a Metro (Marcha Militar)
Balophonia
Com a participação do Espírito Humano
Bidotrafico
3
Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro. Cf. Melo e Castro (1977): página 59.
4
Obra tocada em primeira audição em Colónia, em 1960, por John Cage, Cornelius Cardew, Hans G Helms, Nam June
Paik, Benjamin Patterson, William Pearson, Kurt Schwertsik, David Tudor.
6
Interpretes: António Aragão, Clotilde Rosa, E. M. de Melo e Castro, Jorge Peixinho, Manuel
Baptista, Mário Falcão, Salette Tavares.
PP19 e 20
Ernesto de Melo e Castro conta que Jorge Peixinho tocou violino com um extintor e bebeu
champanhe de um bidet; Salette Tavares cantou a ária ao cri-cri-cri-tico, António Aragão cantou de
dentro de um caixão, e Melo e Castro dirigiu uma spotlight de 1000 Watts para o público.
PP21 e 22
COLLAGES – 1963/65
A obra Collages , de Jorge Peixinho, para 2 pianos, a 3ª obra para piano do catálogo, iniciada em
1963, parece reflectir todo um trabalho e estudo profundos sobre as técnicas do serialismo integral e
derivados, tais como o controle de técnicas aleatórias e aquilo a que Jorge Peixinho veio a chamar o
para-serialismo.
Esta obra é dividida em diversas partes, sendo a ordem da sua execução (ou a exclusão de uma parte)
determinada pelos intérpretes:
É interessante o texto de Jorge Peixinho, escrito dois anos mais tarde, sobre novas técnicas nas
diversas artes.
PP24
A primeira parte (Collage I) foi gravada pelo compositor e por Filipe de Sousa em 1971.
Perspectivando o total da produção para piano deste compositor, Collage é, a meu ver, uma obra
algo atípica pela intencionalidade técnica que parece apresentar.
PP25
HARMÓNICOS – 1967
Mas, com a data do texto acima referido, aparece Harmónicos I, de 1967. Esta obra parece
apresentar uma diferente atitude experimental na obra de Peixinho. Trata-se de uma obra totalmente
improvisada, usando uma curta série de harmónicos. O resultado da improvisação é gravado e,
passados 6 a 8 segundos, emitido na sala durante a execução da peça. O resultado é um cânon
perfeito, onde o pianista interage com a gravação e emissão em tempo real. É, ainda, uma obra que
pressupõe uma reflexão exaustiva sobre
Jorge Peixinho, no entanto, era um compositor romântico: romântico no sentido mais pueril do
termo. E tal é evidente no seu Estudo I “Mémoire d’une présence absente”. Trata-se, na verdade, de
uma obra dedicada a Christine Rasson – uma paixão sua na altura – que tinha deixado em Itália e
que, ao chegar a Portugal, o enlevou em saudades.
Esta obra de 1969 contrapõe texturas de diferente ordem: modais, seriais (ou para-seriais, nas
palavras do compositor) e tonais. Usa a repetição exaustiva de um pequeno excerto, usa
improvisação, clusters e mesmo uma clara citação do acorde de Tristão de Wagner: e, desta forma, é
quase uma espécie de manifesto onde o compositor, a meu ver, nos declara:
PP26
• a sua não filiação nas maneiras mais estritas de composição da época (um não ao serialismo
mais estrito, mesmo no estilo de Collage),
• o facto de não abdicar nem da tradição harmónica e melódica nem, por outro lado, das infra-
estruturas mais vanguardistas (as séries),
E é curioso que, ao observarmos as múltiplas obras para piano, observam-se nalgumas o uso de uma
ou de todas estas características.
1976 Estudo 3 – em Si 1 1 1
bemol maior
1987 Villalbarosa... 1 1 1
homenagem a
10
Villa-Lobos
1988 Aquela tarde - Epitáfio 1 1
a Joly Braga Santos,
(versão 19/20/1988).
1989/90 Glosa 1 1 1
1992 Nocturno 1 1
Nocturno para o cabo do
Mundo – 3 pianos.
1995 Janeira
3. Estudo III em SIb, onde repete e varia uma pedal – um acorde de Sib Maior, (com ou sem
sétima). É, sem dúvida, uma ironia sobre a tonalidade e sobre a modernidade.
4. A peça Music Box, é, no geral, um outro jogo irónico entre diferentes camadas de percepção
tonal: cada uma das 3 caixas de música e a parte de piano, esta também imitando caixas de
música ou comentando de diferentes formas a sonoridade total. Mas a ironia, aqui, passa
também pelo aleatório das caixas de música, as particularidades estéticas e sociais próprias
de cada uma.
5. O Estudo IV, para piano preparado, onde são tocadas, quase sempre nas cordas do piano,
melodias da tradição oral portuguesa, entremeadas por efeitos sonoros nas cordas.
6. Glosa I, pelo forte e complexo jogo de camadas harmónicas simultâneas que propõe, cada
uma delas já rica em si de expressividade harmónica e melódica.
7. 4 -