A Arte Da Denúncia e Do Anúncio em Paulo Freire
A Arte Da Denúncia e Do Anúncio em Paulo Freire
A Arte Da Denúncia e Do Anúncio em Paulo Freire
Resumo O artigo discorre sobre a arte do anúncio e da denúncia em Paulo Freire sob o olhar
da teologia e destaca alguns aspectos em seus escritos que se aproximam do profetismo
bíblico e, sobretudo, as questões que coloca sobre a figura do profeta na perspectiva da
educação. O artigo também constrói uma relação de aproximação entre as crônicas de Elias
Boaventura que o identificam como um educador profético ao escrever sobre as crises da
Unimep entre 2006 e 2008, em especial as considerações que faz acerca do diálogo como
caminho a ser percorrido para a superação das crises e do intervencionismo no projeto
educacional da Unimep levado a efeito no final de 2006 pela mantenedora da Universidade
e que podem ser identificadas como proféticas, pois o tom que as caracteriza é de anúncio
e denúncia.
Palavras-chave: Anúncio. Denúncia. Diálogo. Educação libertadora. Protestantismo e
educação.
Abstract This paper discusses the art of announcement and denunciation in Paulo Freire
through the eyes of theology and highlights some of the aspects in his writings that re-
semble the biblical praxis of prophecy and, most importantly, the questions he raises about
the prophet’s figure from the perspective of education. The paper builds a close relationship
with Elias Boaventura’s chronicles that identify him as a prophetic educator when writing
about the crises faced by Unimep between the years 2006 and 2008, specially his insights
on dialogue as a way to overcome the crises and the interventions in Unimep’s educational
project brought about in late 2006 by the Sponsoring Institution, that can be seen as pro-
phetic due to its tone of denunciation and announcement.
Keywords: Announcement. Denunciation. Dialogue. Emancipatory Education. Protes-
tantism and Education.
Introdução
Para Paulo Freire, Deus está presente na história e não impossibilita que os homens
atuem para fazer da sua uma história de libertação e de transformação. Ao ler a Bíblia e a
vida, Paulo Freire interpreta que Deus é contra toda e qualquer situação de exploração e de
miséria que impedem que a vida seja vivida plenamente. Ele está sempre ao lado da justiça,
da paz, do amor e da verdade. Assim, a história humana é sempre um tempo de conquistas e
de possibilidades a partir das transformações vivenciadas pelos sujeitos que constroem sua
história e seu futuro em uma perspectiva de liberdade. Deus é a favor desta liberdade, pois
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criou o homem e a mulher para viverem a vida em sua integralidade, e a liberdade é sinal
concreto deste propósito do criador.
Paulo Freire também considera que é propósito de Deus criar condições para que as
pessoas e comunidades atuem neste trabalho de construção de uma sociedade livre e justa.
E estas condições expressam-se na fé, na esperança, no amor e no sonho utópico, realizável
pela luta das pessoas conscientizadas e comprometidas com a dignidade da vida.
O mundo, para ele, é a realidade na qual as pessoas estão inseridas, embora elas não
tenham plena consciência desta realidade e não se assumam como sujeitos da história.
“Estar no mundo implica necessariamente estar com o mundo e com os outros” (FREI-
RE, 2006, p. 20).
A realidade opressora é como uma força que aniquila e domestica as consciências.
Desta forma, o mundo é o lugar de tensão entre opressores e oprimidos que precisa e pode
ser transformado; mundo onde os opressores não se movem para transformar a realidade
de opressão em libertação e onde os oprimidos estão imersos em suas consciências e impo-
tentes ante a realidade em que se encontram (FREIRE, 2006, p. 43).
Assim, o mundo é a realidade em transformação pela ação e pela reflexão da ação dos
oprimidos que, em relação uns com os outros, mediados pela realidade, adquirem conscien-
tização a partir da práxis, ou seja, da ação-reflexão em uma relação dialética crítica, cons-
ciente e transformadora do ambiente em que vivem e na libertação da opressão promovida
pelos poderosos e opressores, bem como na tomada de posse da realidade.
É justamente neste mundo, que se apresenta pronto para os oprimidos, mas que, na
verdade, está em construção ou desconstrução pelas forças que operam em favor da desu-
manização, que as palavras de denúncias e de anúncios expressam-se e tornam-se práxis.
Embora não se apresente como teólogo, Paulo Freire lê e interpreta as Escrituras, espe-
cialmente o Antigo Testamento, onde encontra o diálogo entre Deus, que criou a vida para a
liberdade, e Moisés, que apresenta o clamor do povo contra a opressão que vivenciava.
No diálogo registrado no livro de Êxodo, a denúncia e o anúncio estão presentes (Êxo-
do 3.7-10).1 Paulo Freire fala da Páscoa como práxis, mudança de consciência e compro-
misso histórico. Em outras palavras, ele está falando de um processo de conversão que, na
sua compreensão, é morrer para viver. A tomada de consciência é a compreensão dos dife-
rentes fatos e situações que estabelecem um ambiente de injustiças que não são da vontade
de Deus. Ser cristão, neste sentido, é uma busca constante pelo morrer para esta situação de
opressão e viver, ou renascer, para uma vida marcada pela liberdade e pela solidariedade. A
Páscoa, portanto, é um processo de transformação constante em busca da libertação.
Ao tocar no tema da Páscoa, ou seja, a libertação do povo, Paulo Freire destaca um
dos principais temas da teologia bíblica e constata que, se Deus age na história humana,
ele o faz para a transformação e para a libertação. O ser humano é criado para a liberdade e
“Disse ainda o Senhor: Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por
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causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento; por isso, desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios e
para fazê-los subir daquela terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel; o lugar do cananeu, do
heteu, do amorreu, do ferezeu, do heveu e do jebuseu. Pois o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e
também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vem, agora, e eu te enviarei a Faraó, para
que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito” (Êxodo 3.7-10).
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tem, de forma inerente, a força para lutar contra e qualquer ação que impede que esta seja
uma realidade e que a vida seja vivida integralmente. Neste sentido, o processo de cons-
cientização é fundamental para que o ser humano tenha consciência das desumanizações
como frutos da opressão e atue para transformar esta realidade junto com outros sujeitos
conscientizados. Ele insere elementos da teologia, tais como fé, amor e esperança, no pro-
cesso de uma educação humanizadora e libertadora, adentrando, assim, no ambiente da
igreja cristã e chamando-a a participar do momento histórico de transformação.
É importante ressaltar a afirmação de Paulo Freire (2000a) de que a Igreja não é neutra
na história e de que a missão que ela preconiza e desenvolve também não é, pois ela está
inserida na realidade concreta em que se encontra e não há como estabelecer neutralidade
em sua vida e missão com este contexto histórico. Paulo Freire afirma que:
As Igrejas, de fato, não existem, como entidades abstratas. Elas são constituídas
por mulheres e homens ‘situados’, condicionados por uma realidade concre-
ta, econômica, política, social e cultural. São instituições inseridas na história,
onde a educação também se dá. Da mesma forma, o quefazer educativo das
Igrejas não pode ser compreendido fora do condicionamento da realidade con-
creta em que se acham. (2000a, p. 105).
A esta igreja que se insere na realidade Paulo Freire denomina profética. Ele compara
três tipos de igrejas: tradicional, modernizante e profética. E destaca a terceira porque esta
se faz presente na vida e na caminhada do povo, bem como na luta pela libertação dos opri-
midos. A educação desenvolvida pela igreja profética apresenta-se como método de ação
que liberta e transforma a pessoa e a sociedade.
Em carta endereçada a um jovem teólogo, Paulo Freire afirma que
Neste sentido, a religião deve ser promotora da denúncia da opressão e anúncio de uma
nova mentalidade cristã que leva as pessoas a atuar, em nome da fé, por uma nova sociedade,
transformada, liberta e justa. Para Streck, foi esta perspectiva cristã que motivou Paulo Freire
a ir até as periferias “num exercício de liberdade e na busca de libertação com homens e mu-
lheres condenados a viverem como prisioneiros em sua realidade” (2005, p. 50).
Esta aproximação acontece também no que diz respeito à valorização do ser humano
e no reconhecimento de ele, como sujeito da história, pode viver plenamente sua realidade
e experimentar os limites de sua existência se for livre.
O eixo freireano, denúncia e anúncio, indica o profetismo veterotestamentário, mais
propriamente os nabis, não apenas como receptáculos da palavra de Deus, mas compro-
metidos com sua proclamação, que se dava por meio da denúncia e do anúncio. Os nabis
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não eram “meros prognosticadores; eram porta-vozes da palavra viva de Deus” (SCOTT,
1968, p. 23). Eles recebiam a revelação divina, interpretavam-na, contextualizavam-na e
comprometiam-se com a mensagem. Não eram extáticos e nem estáticos, mas estavam
inseridos na dura realidade do povo. A mensagem dos nabis invariavelmente versava sobre
o direito e a justiça de Deus. Na linguagem dos profetas, o direito e a justiça de Deus eram
para garantir a vida do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro, grupos identificados
como marginalizados no mundo da época.
Neste sentido, é importante destacar a aproximação de Paulo Freire do profetismo,
quando afirma que “somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, compro-
metidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os
homens possam ser mais” (FREIRE, 2005, p. 32).
Para ele, o profeta não é um sujeito romântico, preocupado com suas vestes e procla-
mador de palavras sem sentido. Pelo contrário,
O profeta é o que, fundado no que vive, no que vê, no que escuta, no que per-
cebe, no que intelige, a raiz do exercício de sua curiosidade epistemológica,
atento as sinais que procura compreender, apoiado na leitura do mundo e das
palavras, antigas e novas, à base de quanto e como se expõe, tornando-se assim
cada vez mais uma presença no mundo à altura de seu tempo, fala, quase adi-
vinhando, na verdade, intuindo, do que pode ocorrer nesta ou naquela dimen-
são da experiência histórico-social. Por outro lado, quanto mais se aceleram os
avanços tecnológicos e a ciência esclarece as razões de velhos e insondáveis as-
sombros nossos, tanto menor é a província histórica a ser objeto do pensamento
profético. (FREIRE, 2000b, p. 54).
Não seria melhor restituir ao temo u-topia o sentido forte de horizonte para
além do realizável (outópos=não-lugar), mas que tem a função de pólo atrator
radical, irrealizável como tal neste mundo, mas dinamizador e direcionador de
todos os passos da esperança? (ASSMANN, 1996, p. 228).
Por sua vez, ao se referir à educação desenvolvida pelas instituições metodistas, Elias
Boaventura afirma que
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A escola não é estática, não esgota sua tarefa na transmissão do saber organi-
zado, mas, ao contrário, deve constituir-se em centro de permanente denún-
cia a todo e qualquer tipo de discriminação e dominação. (BOAVENTURA,
1983, p. 32).
Ao fazer esta relação da denúncia e do anúncio com a palavra dos profetas, Paulo
Freire foca também o verbo, o logos, a palavra que se torna práxis, ou seja, a palavra que
encarnou denunciando os sinais de morte e anunciando uma nova vida que poderia surgir,
contraditoriamente, pelo ato de morrer. Se Paulo Freire lê o diálogo entre Deus e Moisés,
ele também lê o Evangelho, que é o diálogo de Deus com o Cristo, o verbo que se tornou
gente (João 1.1-14),2 e que, por sua morte e ressurreição, inspira a luta dos pequenos, dos
diminuídos, dos que valem menos, dos oprimidos e injustiçados.
Assim, Paulo Freire (TORRES, 1979) não considera que a teologia, ou a mensagem
dos profetas e dos Evangelhos, seja supérflua ou que não tenha nenhuma contribuição a
dar para o processo histórico em que se vive. Para Paulo Freire (TORRES, 1979, p. 38),
“a teologia deveria estar envolvida com a educação libertadora e uma educação libertado-
ra deveria estar envolvida com a teologia”. Ele também considera que, na perspectiva da
denúncia e do anúncio, deveria haver uma constante discussão sobre “a palavra de Deus e
nossas relações com a palavra de Deus” (TORRES, 1979, p. 38).
É neste confronto que se localiza o ato criador e transformador da vida e da sociedade.
Ouvir a Deus, segundo Paulo Freire (1977), é comprometer-se com a mensagem libertado-
ra, que denuncia e anuncia.
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“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como
do unigênito do Pai” (João 1.14).
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O Prof. Elias Boaventura faleceu no dia 7 de janeiro de 2012.
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É Sguissardi quem destaca outro aspecto profético nos escritos de Boaventura, con-
forme delineado a partir das considerações de Paulo Freire, ao registrar que as crônicas
contribuíam para “informar e alimentar o debate, assim como fortalecer o ânimo dos que,
cada um à sua maneira, resistem às forças da opressão autoritária” (2010, p. 9).
Assim foi Boaventura, sobretudo nos momentos de crise vivenciados pela Universi-
dade em que atuava. Ele se entregava ao debate conclamando todos ao diálogo; compro-
metia-se com o resgate da autonomia universitária, questionando a Igreja Metodista da qual
era membro professo e apontando caminhos para a superação da crise.
Pode-se dizer que Elias Boaventura respondeu ao chamado freireano para entrar na
história e, por meio da educação humanizadora e libertadora, em nome de uma educação
confessional, participava e contribuía para a transformação da sociedade.
O principal caminho apontado por Boaventura era o diálogo. Não se cansava de escre-
ver sobre este tema. Invariavelmente ele aparece em suas crônicas em um tom provocador,
convidativo e profético. Ao comentar uma das assembleias dos docentes da Unimep, ele
afirma categoricamente:
Não é a primeira vez que o diálogo na Unimep funciona bem, aponta rumos e
firma o princípio de que em uma universidade confessional que se preze, não
há lugar para medidas autoritárias nem para truculências intervencionistas que
desrespeitem o processo solidário e democrático e não levem em consideração
a natureza essencialmente complexa e dialógica de uma instituição universitá-
ria. (BOAVENTURA, 2010, p. 23).
Fica claro também neste parágrafo que, além do anúncio, o autor percorre os ca-
minhos da denúncia dos processos intervencionistas que interferem na universalidade e
autonomia de uma instituição confessional. Para ele, é muito clara esta questão e não tem
dúvidas em proferir os equívocos daqueles que “apostaram no impasse e jogaram suas
fichas na adoção de medidas repressivas, unilaterais, sem levar em consideração a voz do
diferente…” (BOAVENTURA, 2010, p. 23).
Em uma das crônicas publicadas no livro em questão, Boaventura revela sua veia
profética quando se refere à mantenedora da Universidade, no caso a Igreja Metodista,
fazendo um trocadilho com a frase: “tem cupim na cumeeira, que não sabe que é cupim;
e pior: pensa que é carpinteiro” (BOAVENTURA, 2010, p. 133). Trata-se de uma metá-
fora instigante, ao modo dos profetas veterotestamentários, para deixar uma reflexão que
requer coragem e desprendimento, para entender a mensagem implícita, denunciadora e
anunciadora. Foi enfático ao afirmar: “sustentei que o diálogo sério é o único caminho para
a solução do problema, capaz de manter a harmonia interna e fortalecer as esperanças…”
(BOAVENTURA, 2010, p. 66).
Embora anunciasse o diálogo como um caminho da superação, aproximando-se das
práticas proféticas, Boaventura denunciava, chamando a cúpula administrativa da Igreja
Metodista de omissa (2010) com relação à gestão que impunha na Instituição uma inter-
venção injusta e desqualificadora da política acadêmica.
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Nesta mesma linha, o professor do conflito e do diálogo, em crônica escrita em abril
de 2007, destacando as raízes da Unimep e a intransigência da cúpula metodista, afirmou
É importante ressaltar que o sonho unimepiano tem a sua gênese nas Diretrizes para
a educação na Igreja Metodista, documento que já completou trinta anos, e apresenta a
filosofia educacional que fundamenta a política acadêmica da Universidade Metodista de
Piracicaba. Daí o incômodo causado pelas ações intervencionistas na instituição e que ne-
gavam a filosofia educacional que nutria a Unimep.
O cronista profeta, em meio às lutas e às agruras da crise que se instalara na Unimep,
sentiu o cheiro da vida nos sinais de morte que teimavam em se manifestar no seio da insti-
tuição. Em março de 2008, leu o texto bíblico no Evangelho de João (11.1-44),4 que relata a
morte e a ressurreição de Lázaro como uma metáfora para a situação unimepiana daqueles
tempos (BOAVENTURA, 2010). No texto em questão, pergunta: “De quem foi o milagre?
Dos homens ou de Deus?” (2010, p. 120), e deixa transparecer que sua resposta é que o
milagre é da força da vida, portanto, dos homens e de Deus.
Elias Boaventura demonstrou ter sabido ouvir a Deus, por isso comprometeu-se com
a mensagem de libertação e transformação como “dador” de aulas e “pastor”, como costu-
mava se apresentar no início das aulas. Em suas crônicas, fazia a síntese dos antagonismos,
ajudando os diferentes atores a localizarem-se em meio a tantos conflitos.
Mais do que isto, Elias Boaventura inseriu-se nos meandros das machucaduras e racha-
duras provocadas pela crise de 2006. Sua sala de trabalho no bloco 7 do campus Taquaral
transformou-se em um ponto de encontro, de conversas, de choro, de lamento, de consolação,
de pastoreio e de orientação. O professor não ficou anunciando ou denunciando de longe,
mas se juntou às pessoas que lamentavam e buscavam forças para o enfrentamento da crise.
Assim como os profetas do Antigo Testamento, foi amado e odiado, mas não mudou
o tom profético e sacerdotal, apontando caminhos e acreditando na superação das crises.
Sua mensagem de abril de 2007, após a greve dos docentes na Unimep, continua a ecoar:
“Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria era
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aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo ir-
mão Lázaro estava enfermo. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que
tu amas. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o
Filho de Deus seja glorificado por ela. Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Ouvindo, pois, que
estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava. Depois disto, disse aos seus discípulos: Vamos
outra vez para a Judéia. Disseram-lhe os discípulos: Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e
tornas para lá? Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê
a luz deste mundo; mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. Assim falou; e depois disse-lhes:
Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono” (João 11.1-11).
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Que a Igreja Metodista, Conselho Diretor e Direção Geral do IEP compene-
trem-se de que é esse o modelo de escola certo para, além dos compromissos
próprios de universidade, levar a proposta missionária libertadora, tão acentu-
adamente presente no documento “Diretrizes para a Educação na Igreja Meto-
dista”. (BOAVENTURA, 2010, p. 75).
Desta forma, não seria apressado concluir que Elias Boaventura foi um educador pro-
fético, conforme preconizado por Paulo Freire:
Os profetas são aqueles e aquelas que se molham de tal forma nas águas da sua
cultura e da sua história, da cultura e da história de seu povo, dos dominados
do seu povo, que conhecem e seu aqui e o seu agora e, por isso, podem prever
o amanhã que eles mais do que adivinham, realizam. (FREIRE, 1982, p. 101).
Considerações finais
Escrever este artigo foi um misto de reflexões e recordações da vida e obras do Prof.
Elias Boaventura. Da mesma forma, ler Paulo Freire sempre instiga-nos a lutar em prol da
educação libertadora e humanizadora. Ler Elias Boaventura conforta-nos e estimula a lutar
em prol da educação confessional metodista, também libertadora e humanizadora.
Extrair parte de um artigo da tese de doutorado, cujo orientador foi Elias Boaventura,
e cuja temática é a filosofia educacional metodista e a educação preconizada por Paulo Frei-
re, foi um desafio estimulante, pois o ato de aproximar-se dos escritos dos referidos autores
é alcançar novas percepções e compreensões da educação libertadora e, em particular, da
arte da denúncia e do anúncio.
Neste sentido, procurou-se assinalar, do ponto de vista da teologia, a arte da denúncia
e do anúncio em Paulo Freire e verificar nas crônicas de Elias Boaventura o viés profético
na perspectiva freireana. É o início de uma reflexão ou diálogo entre os dois educadores
que pode ganhar outros contornos, mas que, para este momento, assinala que a educação,
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a partir dos referenciais da teologia, pode contribuir para a transformação da sociedade e
a formação de cidadãos autônomos e reflexivos, especialmente quando educadores assu-
mem-se como proféticos ao anunciarem e denunciarem em meio às lidas do processo de
ensino-aprendizagem.
Referências
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