As Faces Do Amor Na Psicanálise
As Faces Do Amor Na Psicanálise
As Faces Do Amor Na Psicanálise
GRANDE DO SUL
CURSO DE PSICOLOGIA
Patricia Winck
Ijuí – RS
2013
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Patricia Winck
Ijuí
2013
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Patricia Winck
Banca Examinadora:
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Prof. Ms. Daniel Ruwer
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Prof. Dr. Gustavo Héctor Brun
Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas
centenas, amo apenas um (...). Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências
surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil,
convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo
Esse? Por que o desejo por tanto tempo, languidamente?... (BARTHES, 1981, p. 14-15).
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RESUMO
Este trabalho tem como tema principal a escolha do objeto de amor. A opção por este
tema se deu após a interrogação acerca de como ocorre essa escolha, e também de como
ela aparece e influencia na clínica psicanalítica. Porque uma pessoa escolhe
determinado indivíduo para ser seu par amoroso ao invés de outra pessoa, é a base do
questionamento que deu origem a este trabalho. Mediante a construção psicanalítica de
Freud e Lacan pretendemos responder a esta questão, utilizando para isto a leitura de
textos destes autores bem como de alguns outros que embasam esta pesquisa de cunho
bibliográfico. Poderemos observar como o conceito de libido, juntamente com o da
sexualidade, irá desempenhar papel fundamental nesta escolha, e ainda como o amor
influencia em uma análise por meio da transferência, aproximando os dois conceitos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................7
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................29
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como tema a escolha do objeto de amor, e se caracteriza como
uma pesquisa fundamentalmente teórica acerca de como um sujeito escolhe determinada
pessoa para ter uma relação amorosa, e também de como esse conceito aparece no fazer
clínico. Foi utilizada para responder estas questões a teoria de cunho psicanalítico, para,
no decorrer do texto, desenvolver a conceituação de Freud acerca de como se dá durante
a constituição de um sujeito essa escolha. Empregando o autor Jacques Lacan,
discorremos sobre o amor na clínica psicanalítica e como ele aparece intimamente
ligado à transferência.
O termo amor circula de forma livre no senso comum. Desde o início da História
há relatos que têm este tema como referência. Todos têm alguma contribuição para fazer
quando falamos sobre ele. O conceito popular de amor, de modo geral, seria a formação
de um vínculo emocional com alguém, e é visto por muitos como um objetivo, ou como
a única forma de alcançar a felicidade. Construímos o presente trabalho para diferenciar
o amor do senso comum daquele que falamos quando usamos como base a Psicanálise.
amor. Constatamos, com essa contribuição freudiana, que as primeiras relações que
construímos em nossas vidas, ainda na época de bebês, irão afetar o modo como nos
relacionamos quando adultos.
CAPÍTULO 1
A libido está para o desejo sexual como a fome para a necessidade de alimento.
O conceito de libido é de extrema importância, pois, inclusive, está postulado como
pano de fundo de toda a neurose. Os sintomas dos quais os pacientes se queixam seriam
resultantes dessa energia. Ao investigarmos a vida de um indivíduo poderemos
facilmente perceber os aspectos polivalentes que todos carregam, por exemplo, o fato de
que de forma inconsciente temos uma pulsão de crueldade durante a infância, e esta
seria a responsável por, mais tarde, permitir a transformação do amor em ódio, pois toda
pulsão tem um par de oposto.
O conceito de pulsão por si só não tem real valor, mas o que podemos encontrar
de importante nela seria sua fonte e o seu alvo; o primeiro sendo sempre um órgão e o
alvo a supressão imediata desse estímulo (FREUD, 1996a, p. 159). A esses órgãos
excitatórios damos o nome de zonas erógenas, não sendo estes necessariamente genitais,
podendo ser qualquer parte do corpo.
Como nos interessa saber sobre a escolha do objeto de amor nos neuróticos,
passamos agora para o desenvolvimento da sexualidade na puberdade e isso como
influência na vida sexual adulta. É nessa fase que a pulsão sexual deixará de ser
autoerótica e encontrará um objeto sexual. Todas as pulsões parciais se unem a há uma
primazia da zona genital. Também haverá duas correntes que serão direcionadas para o
objeto escolhido: uma de ternura, que abrigaria em si resquícios da sexualidade infantil,
e uma que seria essencialmente sexual. Nesse período a energia sexual se coloca a
serviço da reprodução.
Haveria também uma que seria diferenciada, que chamamos de libido do ego.
Esta seria observável quando a mesma tivesse se convertido em libido de objeto: o
sujeito investiria nos objetos e nas representações psíquicas destes, visando à satisfação
sexual. Ao retirá-la do objeto, ela volta para o interior do ego, e passa a ser então libido do
ego. Mais adiante a veremos como o investimento narcísico que o sujeito faz.
O primeiro amor de alguém é dirigido a sua mãe, a pessoa que lhe fornece o
seio. Posteriormente a criança passa a amar também todos aqueles que, de algum modo,
satisfaçam as suas necessidades. Essa primeira relação da criança – a satisfação
encontrada nesse primeiro objeto – é o que sempre tentaremos ter de volta, por isso o
encontro do objeto seria, na verdade, sempre um reencontro (FREUD, 1996a, p. 211). A
escolha do objeto sempre se apoiará de alguma forma nas figuras paterno-materna,
mesmo quem teve um desenvolvimento normal da libido.
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Devemos salientar que Freud coloca o masculino no lugar de atividade, por isto está do
lado da escolha anaclítica. Já o feminino estaria em uma escolha mais narcisista. Essas
mulheres querem ser amadas e não amar; elas estão no lugar de passividade na medida
em que o modelo aqui é a imagem de si mesma; encontramos aí a fantasia de que basta
a si mesma. Haveria duas formas de elas alcançarem o desenvolvimento narcísico
secundário: primeiro tendo um filho ou, segundo, que seria antes da puberdade, quando
se desenvolvem tendências mais masculinas e que, após alcançarem a maturidade
feminina, mantêm um ideal masculino.
Neste texto faz alusões às várias escolhas de objeto sexual que uma pessoa pode
fazer que, muitas vezes, podem ser vistas como pervertidas pelos olhos da sociedade. O
primeiro grupo são os que renunciaram a uma escolha de união de dois genitais,
trocando, por exemplo, a vagina pela boca. Também os que mantêm o objeto, mas
modificam a função, como o ânus e sua função excretória. Ainda aqueles no qual o
corpo não desempenha função alguma; para estes a satisfação está em outro lugar para
além, como uma roupa, um sapato; estes são os fetichistas. Há os sádicos que se
satisfazem infligindo dor no outro, e os masoquistas que preferem sentir essa dor. Para a
maioria, todas essas escolhas seriam consideradas depravações, desvios de conduta, que
diferem de uma vida sexual normal.
Neste período elas passam a fazer suas próprias investigações acerca do sexual.
No primeiro momento não há uma diferenciação sexual, até que o menino se depara
com a vagina da menina e percebe que ela não tem um pênis. Ele, como defesa, nega
essa falta, depois passa a temer por seu próprio órgão, caindo assim no complexo de
castração. A menina, por sua vez, ao perceber a diferença, começa a invejar os meninos
por o terem e deseja o ter para si.
prevalência a este outro que se torna objeto de amor. Freud (1996c, p. 113) afirma que
“O amor por si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros, o amor por
objetos”. Apenas por intermédio do amor, desse laço libidinal, podemos nos relacionar
de forma mais duradoura com os outros.
Outra forma de nos ligarmos aos objetos de amor seria pela identificação. Esta,
por sua vez, aparece associada diretamente com o Complexo de Édipo, pois o menino
investe na mãe como objeto sexual e se identifica com o pai – ele que ser o pai. Com o
advento deste complexo, o menino passa a ver o pai como um empecilho para
conquistar a mãe. O pai passa a ser um adversário na busca deste amor tão precioso.
Pode ocorrer também uma inversão, quando o menino passa a buscar o pai como objeto
sexual – neste caso o menino quer ter o pai.
CAPÍTULO 2
AMOR NA TRANSFERÊNCIA
No caso Dora, Freud (1996a) faz algumas considerações sobre o conceito. Neste
texto vemos a transferência como uma forma na qual revivemos experiências psíquicas,
que seriam reeditadas na figura do analista. Nesse caso, Freud nos apresenta um “erro”
em seu manejo da transferência. Ele não teria percebido que Dora estava colocando-o
no lugar do pai e depois no lugar do sr. K, e que, por não ter reconhecido essas
substituições, ele não consegue sustentá-la e Dora abandona o tratamento. Nesta época
ele ainda não havia diferenciado objeto de amor de Identificação, por isso não percebe
que na verdade Dora não amava o sr. K, mas se identificava com ele.
Até esse momento não havia se dado conta do papel importante que o próprio
analista desempenha durante a análise. Ao recusar o lugar no qual Dora tentava colocá-
lo, acaba por criar na paciente uma transferência negativa. Com isso ele conceitua o
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Outra questão importante é que até o tratamento desta paciente Freud acreditava
que o analista não tinha uma participação importante na transferência. Ele a via como
um trabalho que se daria da parte do paciente. Ao terminar a análise de sua paciente ele
reformula a questão e recoloca o papel do analista nessa dinâmica.
Ao revermos esse caso, assim como Lacan o fez, percebemos uma série de
“inversões dialéticas” (LACAN, 1998). A primeira se dá quando Freud questiona a
própria paciente sobre qual seria a sua contribuição na história da qual se queixava.
Com esse questionamento fica clara a participação ativa da mesma em toda a cena que
relata na sessão.
A segunda inversão ocorre quando se observa que o objeto de ciúme não seria
realmente o pai, mas isto só estaria encobrindo a verdade. Também pergunta como Dora
venera a sra. K mesmo após ela a ter traído, ao testemunhar contra a mesma revelando
as suas confissões. Com isso passamos a terceira inversão, que é quando aparece o real
valor da sra. K como objeto – neste sentido de objeto – porque o mistério da
feminilidade estaria na sra. K.
Lacan chama a atenção para uma cena infantil que irá desempenhar papel
importante na formação dos seus sintomas futuros. Nela, Dora estaria chupando o
polegar da mão esquerda enquanto com a direita puxava a orelha do irmão mais velho
de um ano e meio. Ela se identificava com os homens; primeiro o sr. K e depois o
próprio Freud, mas este acreditava que as reivindicações que ela fazia ao pai eram na
verdade um esboço da relação com o sr. K, mas ele não percebe que ela não se permite
estar na posição de objeto de desejo do homem. Nesse momento reside o que podemos
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Com essa paciente podemos ver a transferência como uma repetição dos modos
como ela constituiu seus objetos, por isso a importância de manter-se neutro durante o
processo e deixar espaços para que advenham as construções dos pacientes sem que
façamos sugestões. Podemos ver claramente o importante papel que o analista exerce
como suporte das rememorações do paciente.
Outro texto importante no qual Freud trata novamente sobre este conceito, é
intitulado “Dinâmica da Transferência”. Nele podem-se marcar alguns aspectos
importantes, como a resistência, a transferência positiva e negativa e imagos parentais.
Todo sujeito utiliza uma parte de sua libido para realizar atividades da vida,
como estudar, trabalhar, relacionar-se. Parte desta libido, no entanto, fica retida,
inconsciente. Se essa libido presente na realidade não é satisfeita, o indivíduo vai se
aproximar de cada nova pessoa com ideias libidinais antecipadas. Essa energia que está
colocada por antecipação se liga a alguma imago já formada na vida inconsciente do
paciente. Esta imago, que pode ser paterna, materna ou fraterna, irá se acoplar à figura
do analista, ou seja, o paciente repetiria durante a transferência as relações que teve com
a imagem de uma das figuras, como o pai ou a mãe.
Algo deste material retido é o que apareceria na Transferência. Para dar conta de
explicar o porquê de ela surgir diretamente ligada à resistência, temos de distinguir a
Positiva da Negativa. Na positiva teríamos dois tipos de sentimentos: de um lado os
afetuosos e do outro o erótico. Sabemos que todo laço social primeiramente é sexual.
Fazemos amizades e nos relacionamos sempre com intuito sexual. Frustrando parte
dessa libido podemos conviver em sociedade. O motor para a transferência seria esses
desejos eróticos originários, esse impulso sexual. Ela só será proveitosa em um
tratamento se dirigirmos ao analista todo esse erotismo reprimido. Devemos ter em
mente, no entanto, que durante um tratamento o paciente pode alternar entre positiva e
negativa. Também encontramos forças que tentam impedir que tornemos conscientes
fatos inconscientes, e é somente sob o domínio da transferência que isso se torna
possível.
...O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas
expressa-o pela atuação ou atua-o... Ele o reproduz não como lembrança,
mas como ação, repete-o, sem naturalmente saber o que está repetindo
(FREUD, 1914, p. 196).
Devemos ter em mente que o paciente não irá repetir apenas aquilo que lhe foi
prazeroso. Ele pode trazer questões que lhe foram realmente ruins e desprazerosas.
Essas repetições seriam pulsões que teriam como curso a sua satisfação, mas que
acabam sendo interrompidas e trazem desprazer.
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Para dar conta desse lugar vazio de não saber, nasce o amor. Ele seria uma
resposta possível a esta relação entre o sujeito de desejo e o objeto; disso surgiria o
amor. Essa questão da falta seria também todo o problema do amor, porque afinal,
ambos, amante/amado, estão em falta, por isso o amor não passaria de uma metáfora, na
medida em que ele serve de substituição para aquilo que nos falta. Lacan nos diz “Amar
é dar o que não se tem a alguém que não o quer” (LACAN, 1992, p. 46).
O autor, ao longo do seu livro, vai discorrendo sobre cada um dos discursos
proferidos no texto de Platão. Podemos destacar alguns, além do já mencionado
anteriormente, que contribuem de maneira significativa para o tema proposto.
No seu discurso, Pausânias acaba por colocar valor sobre o amor, afirmando que
há um tipo certo e que a este, para ter acesso, o homem precisa seguir algumas regras.
Isso nos aproxima do que vem a ser chamado por Lacan de Psicologia dos Ricos,
quando a relação com os outros é medida pela posse de bens, ou melhor, da posse do
amado, em que apenas quem é digno seria merecedor de tê-lo. Também somente um
amor poderia ser considerado um deus, e apenas um homem em busca do Bem teria
acesso a ele, e por ele, até mesmo ser enganado seria considerado algo bom, seria, em
suma, ligado diretamente ao valor. Para ele, o amante faria qualquer coisa pelo amado,
inclusive atitudes que nem mesmo um escravo teria para com o seu senhor, mas todas as
suas atitudes seriam perdoadas pelos deuses, pois qualquer coisa feita em nome do amor
seria perdoável.
O amante faz tudo isso [serviços para o amado] com certa graça, o que lhe é
permitido pela liberdade de nossos costumes, sem incidir na menor censura
de ninguém, como se tratasse de um ato louvabilíssimo. E o mais de admirar
é que, no dizer do povo, somente o amante obtém perdão dos deuses, em
caso de perjuro. Não há juras de amor, dizem. Desse modo, tanto os deuses
como os homens concedem plena liberdade a quem ama o que nossas leis
confirmam (JAEGER, 1969, p. 727).
Ele começa afirmando que todas as pessoas teriam como desejo supremo tornar-
se um só para toda a eternidade. Duas almas em um só corpo. Seria isso que todos os
mortais almejariam no amor. Para falar sobre isso é utilizado um mito. Em um momento
existiam seres, que seriam dois em um, ligados um ao outro, formando uma espécie de
esfera; um dia essas esferas se unem e decidem tentar alcançar os deuses; para isso
resolvem que cada esfera irá subir na outra até alcançá-los. Os deuses, assistindo a isso,
decidem castigá-los, partindo-os ao meio, tornando o que antes era um em dois. Com
isso, estas partes passariam o resto da eternidade tentando encontrar-se e novamente
tornar-se um.
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O fato de esse mito utilizar uma esfera para denominar esses seres, não passa
despercebido a Lacan, pois essa forma seria considerada perfeita, a que daria mais
prazer ao ser olhada. Essa esfera Empédocles chama de Sphäiros. Ela teria a forma de
uma bola, seria solitária, na medida em que não necessitaria de mais nada nem ninguém,
portanto, ela se bastava. Haveria três tipos de esfera: uma toda macho, uma fêmea e
outro macho e fêmea. Na tentativa vã de se unirem novamente, eles retiram seus
genitais e os recolocam no ventre. É a primeira vez que vemos o amor tão próximo ao
falo.
Seguindo a ordem da roda, vemos falar Agatão. Este acaba de vencer o concurso
de tragédias e se encontra muito orgulhoso de si mesmo, permitindo-se fazer um
discurso mais do lado cômico ou poético. Para ele, o amor é algo que coloca o que ele
chama de as leis da cidade, e que também seria o responsável por fazer com que nos
reconheçamos ante os outros. O amor não teria qualquer intenção ruim, podendo
concluir, com isso, que qualquer coisa feita em nome dele está do lado do bem.
No decorrer do Banquete surge uma figura que, a princípio, não havia sido
convidada – Alcebíades. O mesmo chega à casa do anfitrião embriagado e declarando o
seu amor a Sócrates. Ele diz ser o único que viu o objeto interior precioso que está em
Sócrates. A esse objeto precioso dá-se o nome de Agalma.
Esse objeto seria precioso, algo que está no interior. Devemos prestar atenção
neste objeto, pois, sempre que pensarmos que o encontramos, se observarmos bem,
veremos que não o é. Por Agalma podemos entender aquele objeto que acaba por nos
capturar. Devemos lembrar que, ao contrário de Freud, quando o amor era a repetição
de protótipos infantis, agora em Lacan ele seria a crença de que encontramos na figura
da pessoa amada aquilo que perdemos para sempre, aquele objeto que nos é mais
precioso. Somente amamos aquele que supomos que o outro tenha dentro de si,
escondido; esse objeto de desejo – Agalma.
precioso que, como vimos anteriormente, podemos chamar de Agalma, ou seja, ele tem
o objeto do seu desejo, mas Sócrates não aceita essa posição e diz que nada tem, e na
verdade o discurso de Alcebíades estaria dirigido a Agatão.
Pensando ainda nessa questão, podemos ver que o sujeito, na medida em que
está inscrito em uma cadeia de significantes, utiliza a metonímia para conseguir deslizar
seu desejo de maneira infinita pela mesma. Ele também faz uso da metáfora para
conseguir dar uma amarragem a estes significantes. A primeira é importante, uma vez
que alguém, em algum momento desse deslizamento, encontra alguma coisa, um objeto
que chama e prende a sua atenção, e que é investido. Nesse instante há uma parada
nesse deslocamento. A isso que o sujeito encontra podemos chamar de a.
Lacan faz uma distinção entre o amor e o objeto, pois o primeiro seria aquilo que
nos aliena; tornamo-nos submissos a ele, como se diante dele houvesse um apagamento
do sujeito. Já esse objeto que supracitamos nos devolve a condição de sujeito do próprio
desejo.
Nesse momento, pensando desta forma, podemos concluir que não existiria uma
completa neutralidade. Ela poderia, inclusive, ser vista como algo ruim. O que se deve
levar em conta são os sentimentos que o analista experimenta na análise, e seria isso a
contratransferência. Assim podemos reformular um pouco essa questão, pois ela
deixaria de ser completamente negativa, mas também tampouco poderia contribuir no
tratamento. Ela pode estar ali sem causar qualquer perturbação. A questão seria o que
fazer com ela.
Apesar de ela existir, no entanto, não deveria ser dada tamanha importância, pois
seria algo comum em uma transferência, apenas um efeito dessa situação, pois, a partir
do momento em que ela se coloca no tratamento, já estamos na posição de ser quem tem
a agalma. A única ressalva é se em algum momento o analista coloca o seu objeto
agalma no paciente.
No fim, apesar de em alguns momentos ser dada uma grande ênfase neste
conceito, ele não deve ser motivo de preocupação. É normal o seu surgimento durante o
curso de uma análise, e decorre dessa situação transferencial.
Poderíamos pensá-lo vindo como apoio para o sujeito. É nele que ele se
reconhece como ser de desejo; é também por esse objeto que ele tenta responder o que é
o desejo do Outro, abrindo, assim, a possibilidade de atingir seu gozo. Não há
significante que venha dar conta de responder a pergunta do desejo do Outro. Para isso
o sujeito se apoia neste objeto. Ele vem no lugar de significante que falta, mas nem por
isso é ele mesmo um significante.
Este objeto a foi recortado do corpo do sujeito e é aquilo que decai. Ele é
separado do sujeito por um corte. Por exemplo, o seio que se perde. Isso ocorre para dar
conta do lugar do Outro como lugar do significante. Ele se perde e se torna a causa do
desejo, quando o sujeito sempre busca um reencontro, porém estamos fixados, e sempre
buscamos alcançá-lo, mas quanto mais nos aproximamos desta satisfação, mais nos
afastamos, pois uma das características principais é que, uma vez perdido, jamais é
reencontrado.
Outra característica do gozo seria que, para havê-lo, é necessário um corpo vivo,
mas ele não está submetido às condições físicas deste corpo; ele está fora desse corpo,
este é a sua origem, mas ele está fora. É preciso pensar o gozo e também o objeto como
um fora do corpo.
Devemos ressaltar que esse objeto não é um objeto no real, algo palpável, mas,
na verdade, um conceito, e este desempenha papel fundamental quando falamos de
fantasia. Ele é central para entendermos a construção da fantasia no neurótico. Também
é diferente do que encontramos no falo; jamais o encontraremos por ser justamente algo
que está sempre para além.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No senso comum, pensa-se que o amor é algo destinado apenas aos adultos, que
crianças apenas o sentiriam de forma pura e direcionada aos seus pais e familiares, ou
ainda que os adolescentes viveriam a ilusão de estarem amando, mas que na verdade
este sentimento estaria destinado a apenas já crescidos, aqueles que já teriam alguma
experiência para entender o que seria afinal o amor. Também há uma tendência a
fazerem dessa escolha amorosa algo puro e distinto, quase divino, encontro de almas
gêmeas que antes estavam perdidas, e que no decorrer da vida vão se relacionando com
pessoas até encontrar esta que estava à espera. O sexual estaria colocado em uma
segunda posição.
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A pergunta que iniciou esta pesquisa parecia querer ser respondida com apenas
uma resposta, mas, como podemos constatar, não é de forma simples e tão direta que
respondemos uma questão tão complexa como esta. Não podemos, também, trazer
como uma regra que todos compartilham, mas sim que há bases parecidas que fazem
diferença na constituição de um sujeito e que vão influenciar na hora de escolher o seu
objeto de amor.
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REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. (1901-1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras
Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. (Ed. Standart Brasileira Vol VII).
______. Sobre o narcisismo: uma introdução. (1914). In: Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1996b. (Ed. Standart Brasileira Vol XII).
______. Psicologia das massas e análise do ego. (1921). In: Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1996c. (Ed. Standart Brasileira Vol. XV).
______. Recordar, repetir e elaborar. (1914). In: Obras Completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1996d. (Ed. Standart Brasileira Vol. XII).
______. Observações sobre o amor de transferência. (1915). In: Obras Completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1996e. (Ed. Standart Brasileira Vol. XVI).
______. A vida sexual dos humanos. (1916). In: Obras Completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1996g. (Ed. Standart Brasileira Vol. XVI).
______. Dinâmica da transferência. (1912) In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago,
1996h. (Ed. Standart Brasileira Vol. XII).
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Herder, 1969.
______. Intervenções sobre a transferência. (1951). In: Escritos. São Paulo: Jorge
Zahar, 1998.