PROJETO E MISSÃO, O MOVIMENTO FOLCLÓRICO BRASILEIRO 1947-1964. VILHENA, Luís Rodolfo Da Paixão. 1995 PDF
PROJETO E MISSÃO, O MOVIMENTO FOLCLÓRICO BRASILEIRO 1947-1964. VILHENA, Luís Rodolfo Da Paixão. 1995 PDF
PROJETO E MISSÃO, O MOVIMENTO FOLCLÓRICO BRASILEIRO 1947-1964. VILHENA, Luís Rodolfo Da Paixão. 1995 PDF
MUSEU NACIONAL
Projeto e Missão:
Rio de Janeiro
1995
R - 37.014
6473/02
UFRN
LUÍS RODOLFO DA PAIXÃO VILHENA
PROJETO E MISSÃO:
Rio de Janeiro
1995
À Ana
Agradecimentos
trabalho de pesquisa — que no meu caso durou, com interrupções, mais de seis anos
no desenvolvimento de seu trabalho, ele fica obrigado a, por alguns meses, isolar-
se e diminuir suas atenções aos colegas e instituições que compõem o seu cotidiano
profissional, dedicado ao trabalho solitário de sua tese. Mas, à medida em que vai
momento em que digita o seu tão aguardado ponto final, sente vontade de
compartilhar esse triunfo — se não intelectual, pelo menos pessoal — com todos
tive durante todo esse tempo, me levaria a escrever outro capítulo desta tese. Cito
desta pesquisa, reconhecendo que sou grato a todos aqueles que deram sugestões ou
simplesmente me incentivaram.
Em primeiro lugar, devo registrar que Gilberto Velho, meu orientador, foi
primeira vez com o tema, ao ler nossos primeiros textos, ele já se preocupou em nos
compromissos. Essa tolerância, pela qual sou grato, nunca o impediu de ser um
orientador rigoroso e atento. Qualquer um que leia esta tese perceberá o quanto
brasileira.
então diretora Amália Lucy Geisel. Reencontrando Maria Laura alguns anos após,
trabalho, até então só iniciado, em minha tese, o que ela acolheu com grande
entusiasmo. Desde então, tive várias oportunidades de discuti-lo com ela, sempre
primeira fase da pesquisa. Foi nas nossas discussões de pesquisa que formulei
então setor de pesquisa do INF, Lígia Segalla e Ana Heye. Meu afastamento dessa
De volta ao PPGAS, onde já tinha feito meu mestrado, pude mais uma vez
por meu orientador e pelo prof. Howard S. Becker. Mesmo tendo redefinido meus
Entre os colegas com os quais tive mais oportunidade de discurtir meu projeto,
tese. !
tempo em que iniciava meu doutorado, sou grato pelo incentivo constante e pelas
várias oportunidades que tive para discutir meu projeto. Patrícia Birman foi uma
interlocutora aguda nos momentos iniciais da tese. Helena Bomeny, com quem
gostaria de destacar José Augusto Rodrigues, Cecília Mariz , Luís Eduardo Soares,
que sei sobre o tema. Pude assim usufruir do interesse e das sugestões de José
Reginaldo Gonçalves, Lúcia Lippi, Angela Castro Gomes e Ricardo Benzaquém de
Araújo, entre outros.
sempre tratado como "da casa". As suas bibliotecárias foram de uma boa vontade
pesquisa da instituição, tinha também o prazer de, nos intervalos, trocar idéias
com seus novos integrantes do setor: Ricardo Gomes lima, Elisabete Travassos e
Regina Abreu.
Em minha "reta final" contei com ajudas que foram indispensáveis para
conseguir terminar esta tese nos prazos necessários, num semestre em que dei
cinco cursos diferentes e ajudei a dirigir um Departamento. Tive na minha avó,
intelectual com tal respeito pelo seu tema de estudos. Os erros que permanecem
então na tese uma rival que diminuía o nosso precioso tempo de convivência, foi
"projeto" que foi minha tese, foi principalmente, como no caso dos intelectuais
que estudo, porque encontrei nele um "sentido", construído pela relação, por
tanto de um ponto de vista quanto de outro, devo-lhe muito mais do que caberia
trabalho, mas uma das maneiras de expressar que nossa convivência é um dos
motivos principais pelos quais vejo sentido e tenho prazer naquilo que faço.
Resumo
distribuídos por todo o Brasil entre os anos de 1947 e 1964, coordenada pela
uma disciplina social autônoma. Durante esse período, em que se luta pela
Introdução . 1
Abreviaturas 409
Bibliografia 411
concentrando-se no período que vai de 1947 a 1964, marcado por uma grande
mobilização em torno desse tema, e que foi identificada pelos seus próprios
estados do país. Nessas reuniões, além dos debates intelectuais em torno do tema de
çou o seu maior prestígio e sua maior visibilidade pública, nos levará também a
torno da valorização da cultura popular, definida por eles não apenas como um
dade nacional.
/
/Através da descrição do movimento folclórico, pretendo mostrar que, apesar
oda a vitalidade aparente desse período, ele foi décisivo na definição do lugar
fora das instituições universitárias por "diletantes". Tudo isso apesar de, no tempo
nossas Ciências Sociais daquele momento — intelectuais como Arthur Ramos, Roger
dade dos folcloristas que hoje prevalece de forma difusa no nosso mundo intelec-
tual — principalmente entre os cientistas sociais —, uma vez que ela está baseada
primeiros indícios dessa postura, que ainda será discutida bastante ao longo desse
"das últimas décadas se referem aos Estudos de Folclore não como um campo de
intelectuais variáveis, mas como uma fase do desenvolvimento dos estudos sobre
uma crítica aos autores que veicularám essa visão, muito difundida para ser atri-
buída apenas a alguns segmentos precisos das Ciências Sociais brasileiras. O que
1 - Para citar para cada caso um único exemplo escolhido a esmo: "A cultura do povo tornou-se
sem dúvida, um tema de moda. [...] À 'fase folclorística' dos estudos sobre as manifestações de
origem dita popular está sucedendo um novo e fecundo período de confronto orgânico entre o
analista científico e a realidade questionante da prática cultural do povo" (Valle & Queiroz,
{1979]: 9); "[Os] estudos de 'comunidades' rurais [...] apresentavam diversas vantagens em
relação aos estudos 'folclóricos' do catolicismo popular. [...] pretendiam ser descrições com-
pletas das localidades focalizadas, isto é, ofereciam dados sobre diversos aspectos da vida
social local, permitindo-se evitar-se a descrição 'folclórica' dos ritos religiosos fora do seu
contexto social" (Zaluar, 1983: 14).
3
tante, demonstrar como a análise cuidadosa desse período poderá nos esclarecer os
motivos pelos quais essa desvalorização se deu de uma forma específica no Brasil.
folclore. O ponto de partida para a formulação de alguns dos problemas que exami-
associação ao tema da "identidade nacional" (cf. Burke, 1989: 31-49 e Ortiz, 1992).
como uma espécie de obsessão dos intelectuais brasileiros ao longo de nossa histó-
ria. Apesar disso, entre os estudos sobre os "ideólogos do caráter nacional", sobre
os "inventores do Brasil", etc., pouco se tem dito sobre os folcloristas, que, mesmo
que não tenham sido os mais brilhantes protagonistas desse debate, a ele se incor-
poraram com as armas de uma tradição intelectual com uma longa trajetória.
nosso mundo intelectual desde o final do século passado, escolhi um período preci-
so como objeto de meu trabalho, que, sem deixar de fornecer referências sobre
endidos entre 1947 e 1964. Seria importante justificar os vários motivos que
período de nossa história política, iniciado com o fim do Estado Novo e a conse-
rios militares. Além disso, esse intervalo entre 45 e 64 pode também ser caracteri-
4
modelos, muitas vezes efêmeros. Em fins dos anos sessenta, já em pleno regime
em grande parte pela Reforma Universitária, que definiu um novo padrão institu-
cional que vigora até hoje para essas Ciências, incluindo a departamentalização
ção do financiamento (raro até então) regular à pesquisa por agências financiado-
só uma derrota para o movimento que a Comissão liderava, como também um declí-
funcionando no novo regime, mas não mais serão promovidos, por exemplo,
Sociais os Estudos de Folclore como uma disciplina autônoma, que teria, além de
tanto, não obteve sucesso, ficando esses estudos fora do novo arranjo institucional
daquelas ciências. Em função desse processo, é natural que a história dessa tradi-
ção intelectual seja hoje pouco conhecida e seria importante apresentar, em meio
toda obra, por mais inovadora que seja, sempre se pode indicar precursores. No
pelo inglês William John Thoms do neologismo anglo-saxão (folk-lore) que foi
adotado com ligeiras adaptações pela maioria das línguas européias. Porém, o pró-
prio texto de Thoms2 reconhece que o novo termo vinha em substituição a outros —
A idéia de neles identificar uma sabedoria (lore) também não era propriamente
nova 3 . Thoms cita também, com inveja, a sistematicidade com a qual estudiosos
parte pelo interesse nas tradições populares despertado pelo romantismo naquele
país. Porém, a consagração do novo termo, graças à Folklore Society que Thoms
campo de pesquisa como uma ciência positiva (cf. Ortiz, 1992: 28).
atingindo, para além da poesia oral, as melodias, danças, festas, costumes e crenças
das populações rurais. A ampliação de seu objeto, que passou a incluir cada vez
mais aspectos da vida cultural das camadas populares foi apenas um dos fatores que
2 - A íntegra da carta de Thoms, que funciona, como veremos, como uma espécie de "mito de
origem" para os folcloristas, está no Apêndice 3.
3 - Natalie Zemon Davies (1973) registra a existência na Europa, desde o século XV de uma
tradiçao de coleta erudita de ditados populares, freqüentemente tomados como exemplos de
uma sabedoria a ser usada em exercícios retóricos, o que não impedia que, em outros contex-
tos, ela se articulasse à tentativa de corrigir as "superstições" que esse estudo revelaria
6
com argúcia Peter Burke, "povo", sendo um termo muito vago, foi definido de
várias formas pelos folcloristas. No século XIX, porém, muitas delas convergiam na
direção de uma definição "purista", segunda a qual ele seria apenas composto pelos
camponeses, que "viviam perto da natureza, [e] estavam menos marcados por
modos estrangeiros", o que lhes teria permitido preservar "os costumes primiti-
vos" por um longo período (1989: 49). Isso os levava a negar a condição de "popu-
lares" às manifestações não apenas das elites, como também às das camadas médias
sentado no caso brasileiro pode nos indicar algumas peculiaridades desse processo
em nosso país 4 .
seu objeto e da abordagem adotada. Entretanto, por mais válidas e necessárias que
tomadas são eventos casuais que, ao longo de sua vida profissional, o colocaram
descobre serem preciosas. Para que eu me interessasse por meu objeto foi decisivo
o convite que recebi, logo após a conclusão de meu mestrado, para participar de
com os quais eu não havia sido socializado durante a minha formação como antro-
pólogo; socialização essa que, até onde eu podia perceber, não destoava da dos meus
res. Porém, para minha grande surpresa, percebi que essa área de estudos, que
aparecia para mim como sendo naquela época praticamente subterrânea, já fora
meu contato com essa produção intelectual que, embora soando tão longínqua,
humanas e sociais" (cf. INF, 1987), aquele projeto tinha um caráter extremamente
pesquisas que incorporasse as perspectivas modernas das Ciências Sociais, mas que
também dialogasse com a tradição de estudos que lhe dera origem. Interrompido
tornando nulo o convênio em que se baseava seu financiamento, que até então
estava apenas suspenso (cf. Cavalcanti, 1990). Esta tese é o resultado de minha
como uma investigação individual, com um recorte mais preciso e ajustado aos
cia ativa e passiva daquela comissão. Algumas pastas separavam as cartas também
7 - Irei citar freqüentemente as cartas arquivadas pela CNFL, identificando-as com algumas
convenções. Cada referência trará em primeiro lugar as iniciais dos correspondentes (identi-
ficadas na Bibliografia, item 5) ligadas por barra — o remetente antes, o destinatário depois — e
a data da carta (unidos por barras o dia, o número do mês e os dois últimos algarismos do ano)
e, por fim, a abreviatura do caderno em que ela se encontra arquivada (conforme a Bibliografia,
item 4), cada um desses elementos separados por vírgulas. Assim, "RA/OC, 0 1 / 0 1 / 5 0 , corr.
exp." identifica uma carta enviada por Renato Almeida para Oswaldo Cabral no dia primeiro
de janeiro de 1950, arquivada no caderno de "correspondência expedida" da CNFL Uma des-
sas três informações poderá não estar presente quando ela já tiver sido dada no próprio texto.
Quando a abreviatura "tel." seguir-se à data, isso significa que trata-se de um telegrama.
Algumas cartas do arquivo não estão datadas — o que será indicado pela abreviatura s. d.. Para
que um pesquisador possa reencontrá-las nos arquivos, em minha referência, será indicada a
data da carta que se encontra encadernada imediatamente antes nos volumes de correspondên-
cia, que estão organizados em ordem cronológica (antecedida pela palavra pós unida à data por
9
inclui, como veremos ao longo de minha exposição, cartas bastante pessoais. Esses
dois últimos casos ocorrem com menos freqüência na correspondência ativa. Essa
última, naturalmente, é composta apenas das cópias das cartas enviadas. Era
burocrática fria, uma carta pessoal mais íntima na qual explicava suas razões para
ia lendo aquela correspondência, podia perceber que grande parte da receita para
Almeida, um personagem que eu, até então, pouco conhecia. Além disso, uma das
um hífen). Assim, em "RA/OC, s.d., pós-01/01/50, corr. exp.", a carta de Almeida para Cabral
estaria sem data, mas antes dela encontra-se no caderno de "correspondência expedida" uma
outra carta, datada de primeiro de janeiro de 1950.
8 - Contando-se apenas a correspondência até 1952, arquivada na BAA, encontramos 864 car-
tas expedidas e 970 recebidas. O número de cartas aumenta no ano seguinte, em função da
realizaçao do Congresso Internacional de Folclore e vai diminuindo até o ano de 1959 quando
ela se interrompe. Isso demonstra uma diminuição do ímpeto documentador de sua história
por parte dos folcloristas, a qual acompanha, como veremos, um declínio do seu "movimento"
10
uma periodicidade quase inteiramente regular, uma lista de artigos sobre folclore
campo de estudos 10 . A lista dos títulos e autores dos Documentos veiculados até
1964, que, junto com os boletins respectivos, foram integralmente lidos e fichados
minha bibliografia 11 .
Por mais casual que tenha sido a descoberta desse material organizado pelos
tivo da atuação desse estudiosos, de difícil acesso à maioria dos estudos sobre histó-
ria intelectual./junto com a tradicional análise dos textos publicados dos folcloris-
tas, irei utilizar me aqui fartamente de uma série de informações dos "bastidores"
dados é útil em qualquer estudo da vida intelectual, ele ganha maior relevância
as idéias e as pesquisas dos seus participantes, estas ganham todo o seu sentido no
interior de uma mobilização que inclui gestões políticas, apelos à opinião pública,
minado — mesmo que não sistemático — dessa expressão pelos próprios folcloristas
que, "sem dúvida, já possuímos um lugar na história das ciências sociais e antropo-
lógicas no Brasil" (1959: 14). Poucos seriam talvez aqueles que admitiriam que essa
mente datado dessa produção? No caso dos intelectuais coordenados pela CNFL,
pode parecer à primeira vista que sua atuação como um "movimento" retoma a
f 12 - O termo movimento pode ser encontrado com freqüência em artigos e textos dos folcloris-
tas congregados em torno da CNFL Para citar apenas alguns entre os vários exemplos disponí-
veis (alguns dos quais incidentalmente aparecerão ao longo deste trabalho em citações), em
1952, em um discurso, Renato Almeida cita Manuel Diégues Júnior como "uma das figuras
centrais do movimento folclórico brasileiro" (Doe. 2 4 2 / 5 1 : 1); o primeiro, por sua vez, é
qualificado por Guilherme dos Santos Neves em outro discurso como o "grande e inteligente
dinamizador do movimento folclórico no Brasil" (Doe. 4 7 3 / 6 3 : 1 ) ; enfim, na apresentação do
primeiro número da Revista Brasileira de Folclore, editada pela Campanha de Defesa do Fol-
clore Brasileiro, Édison Carneiro, seu diretor, afirma que esse seria o primeiro periódico
nacional do "movimento folclórico brasileiro".
12
mente localizado na sua vertente brasileira — é sua ênfase nos aspectos "autênti-
festações como uma base adequada para a definição do caráter nacional./ Associada
várias distorções no material coletado nas quais os versos são corrigidos e os costu-
mes de seus informantes são suavizados para corresponder mais fielmente a essa
imagem 1 3 . //A partir daí, toda essa tradição intelectual passou a ser alvo da
acusação, por vezes justa, que lhe dirige Renato Ortiz, ao indicar a insatisfação que
atinge "qualquer estudioso que tenha lido os livros dos folcloristas" ao perceber
que os seus dados, na verdade, "dizem pouco sobre a realidade das classes subalter-
nas, [e] muito sobre a ideologia daqueles que os coletaram" (1992: 7).// Baseados
como um resgate nada mais seria que o "seqüestro" do discurso do outro; isto é: que
está em jogo aqui. Para justificar meu empenho em estudar a forma pela qual essa
não é sempre de baixo para cima, como supõem as expressões mais ingênuas da
13 - Nesse sentido, há casos clássicos, sendo o mais notório o dos versos épicos de um pretenso
bardo das Highlands escocesas, Ossian, que atraíram a admiração de vários artistas românti-
cos como Goethe, e que se revelou terem sido inteiramente forjados por James MacPherson
(Trevor-Hoper, 1984: 27-9). No campo das "adaptações", que não chegavam à ousadia falsifi-
cadora dos escoceses, veja-se a descrição das versões originais de contos populares como o de
"Chapeuzinho Vermelho", cuja extrema crueza foi suavizada pelas coletâneas dos irmãos
Grimm, a partir das quais elas costumam ser conhecidas hoje (Darnton, 1986: 26-34).
t/\ 4 - A radicalização dessa linha de argumentação acaba levando à recusa de qualquer defini-
ção do conceito (mais aceito do que o de folclore) de cultura popular (cf. Revel et al., 1989). ; /
13
Bakhtin (1970) e Ginzburg (1987: 21), seguirei ao longo deste trabalho a hipótese
de que há uma relativa circularidade entre esses dois níveis culturais, ou seja, um
No caso dos Estudos de Folclore, uma das perguntas que emergem é: porque
popular", mesmo que vista por um sem número de vieses deformantes, e tomá-la
porque o "povo", ou um certo segmento desse "povo", foi "bom para pensar" (cf.
Lévi-Strauss, 1962: 132) a nação? Mais que uma mera descrição de um movimento
serão enfrentadas aqui principalmente a partir da forma particular pela qual elas
que desencadeará vigorosas polêmicas com seus colegas estrangeiros, que defen-
dem os parâmetros clássicos dessa área de estudos. Por outro lado, lutando pela
clore nasce nesses embates e o retrato que dá origem à desqualificação seu estudo é
rando uma discussão que vem sendo levantada por vários estudiosos do tema,
problemática mais ampla lançada pelos próprios folcloristas. / Esta tese procura
logia que buscam uma postura auto-reflexiva, isto é, voltam-se para o exame da
descrever um grupo de intelectuais "exóticos" de uma fase das Ciências Sociais que
própria legitimidade do termo folclore. Não são poucos a assinalar que o empiri-
"manifestação cultural" estudada — e o que nomeia seu estudo (por exemplo, Ortiz,
primeiro com a letra inicial minúscula, a segunda com maiúscula; outros, reco-
nhecendo que tal distinção apenas é possível na expressão escrita, propõem termos
15
Ciência do Folclore, Folclorologia, etc. Nenhuma dessas soluções parece ter obtido
esse ponto de vista, teríamos apenas um campo de estudo freqüentado por espe-
que tanto pode identificar um campo de estudos como uma disciplina à parte.
Escrevo-a com letras iniciais maiúsculas como farei com todas as áreas de
conhecimento — disciplinares ou não — citadas nessa tese. Essa locução é por vezes
usada por integrantes do movimento folclórico (por exemplo, Carneiro, 1962a e b).
referir a algo relativo à cultura popular tradicional tal qual definida pelos folclo-
va em jogo nesses debates, tentando mostrar o que representou cada uma dessas
posições.
então, formando toda uma geração de estudiosos que ainda têm um presença
importante dentro dessa área em nosso país. Em segundo lugar, acredito que as
opções que eles irão tomar em sua política de estruturação institucional dos Estudos
postos mais amplos a partir dos quais conduzirei minha investigação, o último
quais vêm sendo estudada a história das Ciências Sociais no Brasil, como procurarei
indicar a forma como os Estudos de Folclore se podem inserir nesse debate. Será
necessário definir mais precisamente a posição que eles ocupam hoje em nosso
campo intelectual, a maneira como esse último se teria estruturado, para que, por
gia dos intelectuais e da ciência irão, dessa forma, aparecer apenas refratados nos
autores brasileiros que deles fazem uso ao comentar sua história específica. Por
outro lado, o levantamento desses autores não pretende ser exaustivo e irá atender
Por sua vez, os três capítulos descritivos que se seguem não adotarão um
segundo capítulo, para serem retomados nos dois seguintes, vistos sob outros
quanto algumas relações entre os temas que eles levantaram e algumas discussões
da Antropologia.
cia da CNFL até 1958 e as suas publicações periódicas, que se encontram na Biblio-
teca Amadeu Amaral 16 . Tive igualmente acesso a pastas com documentos internos
periódicos que eles leram e que os influenciaram, todos eles explorados na medida
entrevistas com folcloristas, parte delas realizadas pela primeira fase da pesquisa —
na BAA18.
não pôde impedir o viés que, reconheço, ele determina para minha pesquisa. Nela,
carioca, a CNFL Articulada a essa, no entanto, havia uma imensa rede montada por
ração nos estados — que, como veremos, compõe um dos ingredientes mais caracte-
livros e das cartas dos intelectuais que não moravam no Rio de Janeiro ligados à
to. Entretanto, o tipo de fonte com a qual eu lidei me levou a privilegiar o movi-
como a ação dos folcloristas estava calcada na mobilização dos seus integrantes e da
sugeridos por Gilberto Velho, na medida em que eles nos permitem fugir de visões
pantes. Os dois que receberão de mim mais atenção, Renato Almeida e, em menor
grau, Édison Carneiro, merecem esse privilégio não pela originalidade de seus
cias breves salpicadas aqui e ali19. Não vingando a institucionalização dessa área
que renderiam muitos trabalhos interessantes, que captariam matizes que sou
mostrar aqui que sua participação no movimento folclórico foi uma tentativa de
perdidas" — de forma análoga àquela pela qual, segundo Lévi-Strauss ([1952]: 139),
como ocorre em muitos outros trabalhos antropológicos, uma busca desse sentido
mento.
20 - A citação completa do trecho de Lévi-Strauss na sua língua original, que traduzi para não
truncar a leitura, é: "D'innombrables fêlures, survivant seules aux destructions du temps, ne
donneront jamais l'illusion du timbre originel, là où, jadis, résonnèrent des harmonies
perdues".
Capítulo.1: Apresentação do problema: a "marginalização"
/.. J les faits sociaux sont, si je puis dire, non des surfaces, mais
des volumes; il faudrait leur appliquer la géometrie dans l'espa-
ce, attendre que chaque fait social se présente avec une infinité
de facettes différentes toutes en dépendance l'une de l'autre, et
dont pourtant l'ensemble constitue un tout particularisé.
Folclore raramente tenham sido tomados como um objeto relevante para essas
ções que sugerirei depois e revelando a forma pela qual o estudo do movimento
os ignorava antes de entrar em contato com os arquivos e obras da BAA, pelo baixo
dos motivos pelos quais esses estudos teriam sido relegados a essa posição. É como
se essa leitura nos levasse a pensar que esta pesquisa irá, no fundo, constatar algo
que a bibliografia que praticamente ignora o tema já afirma. Trata-se em grande
vários autores que analisarei aqui obriga-me a, para construir uma abordagem
O contraste entre o vigor dos estudos folclóricos que encontramos nos anos
graças aos quais seus participantes conseguiram chamar a atenção para a impor-
clara desse declínio nos permite falar, como fiz em um artigo a quatro mãos
ser, no entanto, colocada entre aspas, já que, em certos segmentos desse campo, os
Bôas ao analisar o levantamento que realizou dos livros de Ciências Sociais publi-
cados no período que vai de 1945 a 1964, o qual, entre outros dados, acusa a impor-
Ciências Sociais, ela conclui que, por um lado, "os estudos de folclore não alcan-
em Instituto Nacional de Folclore em 1976 (Lima, 1992: 206), abriu caminho para
gestões pela incorporação dos seus estudos ao espaço universitário, o que lhes
uma pesquisa para sua tese de doutoramento (1992b), à época em andamento2, que
(141 livros), a maioria (48) era sobre folclore, isto é, sobre "tradições populares"
(1992a: 117). A rubrica identificada pela autora que apresenta a segunda maior
mas ela abrange tanto trabalhos sobre "grupos indígenas" (35), quanto sobre "os
de pesquisa coordenado por Sergio Miceli desde 1986 no IDESP. Uma primeira
cobre principalmente o período de 1930 a 1964, foi publicada (Miceli, org., 1989).
No interior desse volume, não há qualquer menção à obra dos principais folclo-
dos Estudos de Folclore — que tanto ocuparam cientistas sociais influentes do perí-
odo (cf. Cavalcanti & Vilhena, 1990) — ou mesmo aos trabalhos sobre fenômenos
2 — Embora o artigo tenha o mesmo ano de publicação da tese, ele foi originalmente uma
comunicação apresentada ao "Seminário Folclore e Cultura Popular", realizado em 1988 pelo
INF.
25
zados pela equipe de pesquisa: a Revista Brasileira de Folclore, editada desde 1961
pela CDFB, é citada entre as "revistas publicadas no Rio de Janeiro, na área de Ciên-
cias Sociais" de 1940 a 1964 (p. 206) 3 ; o folclore é mencionado como o quinto tema
quim Nabuco de Recife (p. 358); e é o sexto assunto como maior número de títulos
publicados pela coleção Documentos Brasileiros4 (p. 399), coleção de maior prestí-
mais publicado, junto a dois outros escritores (p. 409). Porém, a crer nas análises
dessa pesquisa, os debates em torno da cultura folclórica parecem não ter desem-
Essa ausência não deve ser atribuída a uma possível negligência. Essa
em nosso país (Miceli 1989a: 5). Isso determina uma preocupação, central em toda
3 — Entretanto, esta revista não é mencionada no Anexo 4 da coletânea, que compara a periodi-
cidade das publicações de Ciências Sociais do Brasil como um todo.
4 — Diga-se de passagem, o número de títulos dedicados ao folclore citado (três) parece subes-
timar a presença desse tema. Revendo a lista evocada por Heloísa Pontes, que vai até o ano de
1960 e inclui os primeiros 171 livros da coleção, consigo identificar seis cujos objetos princi-
pais podem ser claramente definidos pelos critérios da época como "folclorísticos": O negro e
o garimpo em Minas Gerais (n° 42), de Aires da Matta Machado Filho; Folclore dos bandeiran-
tes (n° 53); os dois volumes de Folclore brasileiro (n° 75), de Sílvio Romero; e Geografia dos
mitos brasileiros (n° 52), Cinco livros do povo (n° 72) e Literatura Oral (n° 63-E), todos de
Luís da Câmara Cascudo. Com seis títulos, o folclore subiria na colocação estabelecida pela
pesquisadora da sexta para a quarta posição entre os temas mais abordados, caso se mantives-
sem as demais avaliações (que ficam por inteiro sob suspeição, um vez que elas não se
mostraram corretas para os Estudos de Folclore). Possivelmente, esse equívoco se deve ao fato
de Pontes se ter baseado apenas nos títulos dos livros, que, como o é caso do primeiro que cito
(escrito por um membro ativo do movimento folclórico), podem ser enganosos. De qualquer
forma, essa pequena correção não altera o padrão geral revelado por aquele levantamento, qual
seja, o grande domínio dos temas da historiografia típica dos Institutos Históricos ("Biografia
e memória", "História" e "Ensaios de interpretação sobre o Brasil"). Minha pesquisa traz
elementos que confirmam a avaliação da autora acerca do declínio dessa matriz, cujo espaço,
como veremos, o movimento folclórico procurou ocupar, sem grande sucesso.
26
compõem aquelas ciências (p. 12). Ao escolher os meados dos anos 1960 como o
Tal fracasso parece ser hoje admitido pelos próprios folcloristas. A CNFL,
Fundação Cultural do município de São José dos Campos, em São Paulo, um Simpósio
folclore e a temas afins, mesmo sem possuírem uma vinculação direta com aquela
bendo hoje pouca atenção dos programas de pós-graduação no interior dos quais a
ros e nem sejam todos precisos em suas informações6, somando essas descrições é
Nesse primeiro plano, em relação à esfera federal, pode-se dizer que o órgão
que o movimento folclórico ajudou a fundar no final dos anos cinqüenta sofreu
6 — Na nota anterior, vimos que, embora desigual quanto à representatividade das diferentes
regiões do país, a proveniência dos participantes parece acompanhar a distribuição da
atividade do movimento folclórico. Deve-se entretanto ressaltar que os representantes de
Minas Gerais, de Sergipe e de Pernambuco não forneceram uma descrição da presença do
folclore nas universidades locais, enquanto que, em relação a São Paulo e ao Rio de Janeiro, até
pela maior diversidade da vida universitária desses dois estados, foi apresentado um quadro
completo relativo apenas às universidades de que fazia parte cada um dos participantes (res-
pectivamente, USP, UFRJ, UERJ e UNI-RIO).
28
menos nove estados (AL, BA, CE, ES, MG, PA, PB, SC, SE). Por exemplo, em Sergipe, o
Laranjeiras, marcados sempre para janeiro para coincidirem com as festas de Reis
(p. 61). O governo catarinense, por sua vez, apoiou, de 1948 até hoje, a pubücação
do Boletim da comissão de folclore daquele estado (p. 196). Mesmo aonde não havia
comissões, existiam, em alguns casos, órgãos oficiais que cuidam do folclore, como
encontrava "em recesso" há oito anos, registra que o governo do estado realiza
secretário geral da Comissão Paulista de Folclore desde sua fundação) e que igual-
mente mantém uma "Escola de Folclore", única do gênero no país, cujo curso tem a
duração de dois anos. O que mais chama a atenção na leitura das participações
e São José dos Campos). Essa evidência de aparente municipalização corre o risco
Paulo, o que fez com que o número de participantes daquele estado fosse maior do
que o dos demais. Entretanto, podemos conjecturar que, caso se confirme, tal ten-
é patrocinado pelo maior banco privado do país; enquanto que a Comissão de São
ciso, pelos menos nos mostram que, mesmo que não na proporção em que o movi-
da agenda de política cultural do país nas esferas federal, estadual e mesmo muni-
cipal. Esse relativo sucesso, porém, não parece ter sido alcançado nos dois pontos
tiva a esses dois setores, obter um painel abrangente e acurado é também difícil.
tema 8 . Nesse sentido, foram bastante comuns as queixas quanto à falta de orienta-
que não teriam recebido uma orientação adequada sobre o tema durante a sua
formação (ver, por exemplo, SNEPF, 1992: 93, 214, 284 e 339).
ção da presença dessa área de estudos no ensino, o que fez com que a maioria das
setor. Esses dados indicam claramente que, na organização formal das universida-
des brasileiras, não há nenhum reconhecimento dos Estudos de Folclore como uma
Mais uma vez, não farei aqui uma enumeração exaustiva dos dados de cada estado
fornecidos pelo Simpósio, até porque eles são apresentados com graus variáveis de
precisão e abrangência. Procurando dar uma visão geral, pode-se dizer que, nos
doze estados acerca dos quais foram levantadas informações, estão sempre presen-
diferentes carreiras, nas quais ele é sempre visto como um tema complementar à
8 — Durante as minhas pesquisas (não de campo, mas bibliográficas), pude testemunhar essas
barulhentas "invasões" na BAA.
31
Ciências Sociais, ela tende a ser optativa9, enquanto que é muito mais comum e
mais flexíveis e os programas das disciplinas são elaborados de forma muito mais
um tema nessa área são as linhas de pesquisa existentes nos programas de mestra-
do e doutorado, e as dissertações e teses por eles produzidas. Os dados aqui são mais
escassos ainda, mas o contraste constatado na graduação pode ser também verifi-
cado nas poucas referências disponíveis. José Jorge de Carvalho (1992a) realizou
fazer algumas considerações sobre a forma ambígua pela qual o termo Ciências
quais essa expressão possa ser definida, creio que podem ser reconhecidos, parti-
seu emprego.
endido por aquelas dedicadas ao estudo dos fenômenos que se dão na esfera social, e
que contrastaria com outro mais antigo, que engloba as chamadas "ciências
derive da posição teórica a partir da qual essa oposição está sendo definida, todos
em Cavalcanti & Vilhena, 1990 e que será retomada no terceiro capítulo) segundo a
qual esses estudos não constituiriam uma prática "científica", fazendo parte das
seria objeto, desse ponto de vista, de uma ciência específica, mas de uma "discipli-
na humanística".
A outra forma pela qual a expressão "Ciências Sociais" é usada é mais estrito
dedicado a qualquer uma dessas disciplinas12, sendo, porém, muito comum essa
separação nos diplomas oferecidos pelos cursos de pós. Todo esse processo fez com
que o termo Ciências Sociais passasse a ser utilizado com bastante freqüência em
premissas, podemos dizer que ^sses estudos parecem ter conseguido maior sucesso
Música 14 . Diga-se de passagem que, nos dois casos, a preocupação com os estudos
folclóricos significou uma maior aproximação com o discurso das Ciências Sociais,
stricto e lato sensu . Na produção folclórica, por definição, fica mais claro o
traremos a presença mais rarefeita, embora ainda constante, do folclore nas ciên-
indícios do Simpósio, verificamos que essa presença quase que desaparece por
completo quando entramos nas ciências sociais "puras", no sentido lato e estrito: o
Ciência Política. A única exceção, apesar das indicações de José Jorge de Carvalho
Todas esses indícios nos levam a fazer um balanço bastante negativo dos
Essa relação com a Literatura e com a Música já existia quando ele emergiu, como
tradições de estudo dedicadas a cada um desses temas no Brasil. Ora, como podere-
ciência social autônoma a recusa de uma identificação muito estreita de sua área de
estudos com a arte, motivo pelo qual as posições de Florestan Fernandes sobre o
estatuto da disciplina foram tão mal recebidas por esse movimento. Entretanto, o
que os dados do Simpósio indicam é que o plano das Ciências Sociais — que se
apresentam como os discursos científicos sobre o social por excelência — foi o que
das Ciências Sociais, na qual poderíamos encontrar indícios das causas que deter-
má-la, uma vez que raramente o menciona. Mesmo assim, como sugeri acima, ela
não só inclui elementos que podem balizar uma investigação em torno dessa ques-
tão, como também, através das interpretações que vem formulando acerca das
/Em um artigo, hoje clássico, Wanderley Guilherme dos Santos (1978) distin-
16 — A obra folclorística desses dois autores, muito influente no movimento folclórico, será
analisada nos capítulos seguintes. Para a importância do tema no conjunto de cada obra, ver,
respectivamente, Matos (1994) e Moraes (1983: 74-139).
36
nal" e a "sociológica". Esse autor distribui entre essas três rubricas os textos de
uma listagem relativamente exaustiva de trabalhos sobre esse tema 1 7 . Para resu-
mir essa tipologia em uma fórmula, podemos dizer que cada uma dessas matrizes
privilegia um dos três planos que, com diferentes graus de distância, envolvem a
respectivamente, esse discurso é articulado a dois níveis cada vez mais externos à
entre as duas outras alternativas 18 . Essa oscilação é bem ilustrada pelos trabalhos
na qual se atribui à criação dos cursos universitários de Ciências Sociais "o caráter
ção intelectual brasileira" (p. 26). Se, para esta perspectiva, o fator explicativo
17 — Embora publicado depois, o artigo reproduz uma conferência realizada em 1975, sendo o
ano anterior, portanto, a data limite para a listagem que apresenta.
18 — A matriz ideológica é definida pelo autor por sua "preocupação de analisar os textos
brasileiros de reflexão social com o objetivo explícito de buscar sua caracterização conceituai
própria, independentemente dos azares da empiria" (p. 31). Mesmo que ele julgue essa alter-
nativa a mais estimulante, não deixa de criticar a forma pela qual seu único representante
entre os comentadores do nosso pensamento social arrolados, Guerreiro Ramos, aplicou-a
concretamente, utilizando critérios de classificação que julga discutíveis (p. 32).
37
Por matriz "sociológica " entende-se a análise que se desenvolve tomando como parâ-
metro características da estrutura econômico-social, quer como no caso de Fernandes
[...] para explicar variações ocorridas sobretudo no conteúdo das preocupações dos
investigadores sociais, como decorrência de modificações processadas na estrutura
sócio-econômica, quer, em casos extremos, para deduzir os atributos ou dimensões do
pensamento social dos atributos e dimensões do processo social.// (1978:27)
logia do conhecimento" (p. 28) (daí o adjetivo com o qual as classifica, que não tem
parece estar muito mais presente na matriz sociológica. Nesse sentido, ela reflete
primeira fase de estudos sobre o pensamento social brasileiro e um dos temas que
/Como os títulos das duas obras indicam, a procura de um caráter e uma cultu-
por Mota. Assinalando a matriz "sociológica" comum a que se filiam, o último toma
o primeiro como um interlocutor com o qual dialoga (1977: 239) e cujo trabalho
tem sua importância destacada. Porém, Mota radicaliza essa matriz comum, encon-
Baptista (1985), a única análise pormenorizada de que tenho notícia. Essa autora
optou por estudar a obra dé dois dos principais representantes dos folcloristas
lhos desses dois autores focalizados por Alcione Baptista não estejam circunscritos
(Santos, 1978: 56). Preocupado com a questão das dificuldades encontradas na implantação da
ordem burguesa no Brasil, Wanderley Guilherme dos Santos privilegia as questões "político-
sociais" em prejuízo das que poderíamos chamar de "culturais".
2 0 — Leite discute as idéias de Johann Gottfried Herder ao tratar das origens românticas da
noção de "caráter nacional", embora não faça qualquer referência a suas pesquisas folclóricas
(1976: 29-31), enquanto Mota faz uma análise também breve da colaboração de Luís da Câmara
Cascudo à coletânea de Edgard Cavalheiro Testamento de uma geração , de 1944 (1977: 93-4).
39
adotei aqui, e que vai de 1945 a 1964. Dentro da orientação que caracteriza a
Mesmo que a posterior descoberta de outro trabalho mostre não ser esse o
único trabalho acadêmico de fôlego que mereceram até aqui os folcloristas, Alcio-
ne Baptista parece se ressentir do fato de ter escolhido "um tema que sempre este-
ve ausente dos meios universitários" (p. 5). Na sua introdução, ela confessa que
sentiu
hesitação em abordar um tema, de certa forma, exaurido e, para alguns, até mesmo
bizarro, que talvez ficasse melhor se acompanhado pelo silêncio. A reconstituição de
um tema de antiquário poderia configurar um truísmo, o arrombamento de portas
abertas, um ponto de partida para chegar a resultados consabidos, que dispensariam
esta travessia, (p. v)
por estar tratando de "uma literatura extremamente anacrônica" (p. 5), escrita sob
uma "perspectiva 'pré-científica'", uma vez que, segundo ela, hoje em dia, a "cul-
tura dita popular, em sua maioria, passou a ser discutida à luz dos mecanismos de
entre as classes sociais" (p. 6). Entretanto, embora considerasse que, "do ponto de
vista da produção cultural de 'ponta'", essa fosse "uma linha de estudo aparente-
mente morta", Alcione Baptista escolheu o folclorismo como objeto por estar
convencida que ele "parece constituir-se numa idéia poderosa", contando "com
alguns refúgios" (p. 7). Temos aqui novamente apresentado, com tintas mais
justifica a escolha dos dois autores que estuda, uma vez que foram aqueles que
Dois dos três primeiros capítulos do seu trabalho são dedicados a uma crítica
sentaria uma espécie de último estertor da visão das elites agrárias decadentes que
teriam, segundo a avaliação de Mota, em Gilberto Freyre seu principal ideólogo (p.
ponsável por sua reificação como símbolo de uma cultura nacional que ocultaria as
base das idéias dos folcloristas, não é difícil para ela apontar o caráter "retrógra-
do" das formulações de Renato Almeida. Mas, diante das posições explicitamente
ser sustentada. Isso faz com que a autora, no seu último capítulo, faça uma aproxi-
"sociológica", escrito por Caio Navarro de Toledo (1977) e que se dedicou especifi-
tão afastados como Renato e Édison acaba, porém, por contradizer um dos princi-
pais argumentos da análise de Carlos Guilherme Mota. Para ele, Gilberto Freyre é o
cia agrária decadente que elaborou a idéia de "cultura brasileira" — expressa sob
21 — Fundado em julho de 1954, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) era uma
instituição subordinada diretamente ao Ministério da Educação e Cultura, organizada sob a
forma de um centro de altos estudos sobre os problemas brasileiros. Com sede na então capital
da República, ele era composto de um grupo de juristas, economistas, filósofos e sociólogos que
anteriormente haviam se reunido no IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Polí-
tica) com o objetivo de influenciar as elites políticas, técnicas e empresariais brasileiras no
sentido da adoção de uma política nacionalista e desenvolvimentista. Ao longo de sua trajetó-
ria, ele irá conhecer uma série de conflitos internos que acompanham o clima de radicalização
política do período, até que será extinto pelo governo militar que toma o poder em 1964 (sobre
sua história, ver também Abreu, 1975).
22 — Carlos Guilherme Mota elogia e incorpora a análise de Toledo ao comentar os "ideólogos da
cultura brasileira" do ISEB (cf., por exemplo, Mota, 1977: 157).
41
(1977: 59) — como uma expressão de "uma busca do tempo perdido" de uma "elite
uma "concepção [...] explicitamente política" (p. 110-1). A politização que emerge
no período que se segue ao Estado Novo teria dividido nossos intelectuais em duas
Sem entrar ainda no mérito dos julgamentos expressos por Carlos Guilherme
Mota, deve-se assinalar que, para ele, na passagem das concepções conservadoras
de Gilberto Freyre — que Alcione Baptista associa a Renato Almeida — para o "pen-
samento progressista[, ...] mas não revolucionário" (p. 153) dos desenvolvimentis-
tas — que nossa autora atribui a Édison Carneiro — poderiam ser notadas "as dife-
plano social 2 4 . Porém, embora sua análise se tenha concentrado em Renato Almei-
23 — Para uma crítica aguda da interpretação que Mota propõe da significação histórica da obra
de Gilberto Freyre, ver Vianna (1994: 59).
24 — "O desenvolvimento 'progressista' da economia liberal, o desenvolvimento planejado
começava a se anunciar nos horizontes da intelectualidade mais aberta às novas tendências do
final da guerra. A reconstrução material da Europa, a articulação da economia japonesa, os
planos qüinqüenais da União Soviética, as marcas do NewDeal indicavam nesta área 'periféri-
ca' — para utilizar expressão cara aos nacionalistas — a direção a seguir, rumo ao desenvolvi-
mento planejado. E largos setores de intelectualidade não estiveram alheios ao problema; pelo
42
cionalização desses estudos — deixando de lado autores talvez mais influentes, mas
(p. 8) —, Baptista acaba construindo toda sua análise apenas utilizando os trabalhos
escritos dos dois autores, sem qualquer referência mais detalhada ao seu engaja-
mento. Se isso fosse feito, talvez se solucionasse a dúvida que permanece com o
leitor após a leitura de seu trabalho: como intelectuais de perfil tão diferente, a
sua versão mais simples, ou seja, a que apenas deduz "os atributos ou dimensões do
pensamento social dos atributos e dimensões do processo social" (Santos, 1978: 27),
por premissa exatamente o que incumbe demonstrar, isto é, que os processos sociais
são de racionalidade cristalina, a qual pode ser captada imediatamente, com escassas
possibilidades de engano, permitindo assim aos atores sociais descobrirem facilmente
onde se encontram os seus interesses. (1978:28)
pela dinâmica da história, o que explicaria por fim o fracasso das "ideologias"
momento histórico em que viviam — como faz Carlos Guilherme Mota (1977: p. 105-
brasileiros, muito pelo contrário. Fazendo uma analogia aproximativa com o caso
situação social e quanto aos projetos que elaboram, os nossos intelectuais compar-
suas esperanças de mudança social despertadas pelo triunfo das causas abolicio-
nistas e republicanas que haviam apoiado, essa intelligentsia vai se engajar nos
cionais e de política cultural, através das quais eles se aproximam do Estado como
uma força capaz de vencer a inércia de nossa sociedade "atrasada", tinha como
produzisse um lugar social legítimo para esses intelectuais (p. 7 9 ) / T o d a essa ativi-
dade é justificada a partir de uma idéia de "missão", segundo a qual eles seriam o
na medida em que a sociedade civil ainda era incipiente em nosso país, o Estado
acaba sendo o principal ator desse processo, que teve como conseqüência uma cen-
sua pesquisa, exatamente a mesma geração, Daniel Pécaut (1989) enfatiza a vocação
política" dirigista específica. Podemos, porém, ver esses dois aspectos como extre-
mos de uma tensão: a missão de dar forma a uma sociedade inorgânica reivindicada
de classe, nossa intelligentsia não apenas responde a interesses políticos, mas visa
25 — Para uma análise cuidadosa de como a política educacional e cultural do primeiro governo
Vargas absorve as pressões dos diferentes grupos de interesse e das diversas correntes
ideológicas em disputa no período, através de pactos, cooptações e exclusões para, por fim,
formular um projeto claramente centralizador, ver Schwartzman et al. (1984).
45
aquela época.
dicados pela nossa emergente intelligentsia. Porém, com a queda do Prefeito Pedro
26 — Esses historiadores não só discordam quanto a esse critério, como também na preferência
por investigar essas ciências no seu sentido estrito ou lato. No primeiro caso está a pesquisa
coordenada por Sérgio Miceli, que esclarece que "as disciplinas que são [seu] objeto central"
são a "Sociologia, Antropologia e a Ciência Política" (1989a: 6); Gláucia Villas Bôas, porém,
situa-se no segundo, já que os livros que levantou se situavam "nas disciplinas que em defini-
ções correntes integram as Ciências Sociais: Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Geogra-
fia Humana, História, Economia Política e Psicologia Social" (1992b: 21), uma vez que sua
pesquisa teria percebido "como se complementavam e interpenetravam" todas elas, levando-a a
não se limitar "às perspectivas [dos] três campos de conhecimento" que "costumam ser
reconhecidos no Brasil, com base na organização de departamentos, faculdades e institutos
universitários" (p. 23)
46
Brasil (cf., também, Schwartzman et alii, 1984: 210-4). Ao contrário do que ocorreu
na então capital do país, "a potência econômica de São Paulo" teria permitido que a
mia (relativa) que a Constituição de 1934 deixava aos Estados da Federação em maté-
intelligentsia , uma vez que, até aquele momento, as principais posições na USP
por Sérgio Miceli avança até o período em que seus primeiros e mais talentosos
dor da USP, este o mais destacado cientista social por ela formado — são identifica-
"matriz institucional" (Santos, 1978: 25-27). Não é difícil atribuir a proposta desses
duzir na vida intelectual em nosso país. Em alguns dos textos de Fernandes, pode-
socialmente desvinculada", que seria capaz de, segundo Mannheim (1980: 180-1),
27 — O artigo de Martins utiliza-se do termo "campo cultural" num sentido "neutro, descriti-
vo", o do "espaço, ao mesmo tempo abstrato e físico, onde se concentram as atividades culturais
e suas instituições" (p. 79n). Ao explicitá-lo, ele distingue seu emprego da significação pre-
cisa que o conceito de campo tem na obra de Pierre Bourdieu, que leva as últimas conseqüên-
cias o princípio de que a organização daquele espaço permite uma relativa autonomização
dessas atividades, que passam a ser em grande parte influênciadas pelo conjunto de forças e
regras de legitimidade que constituem esse mesmo campo (cf. Bourdieu, 1977). É também
nesse sentido descritivo que usarei aqui essa expressão.
47
«história das Ciências Sociais" no Brasil, mesmo que essa história ainda seja na
qual emerge.
Na pesquisa coordenada por Miceli, por sua vez, as instituições são mais do
década de 1930. Nesse momento, segundo o autor, os diferentes destinos que têm a
em nosso país (1989a: p. 72), que destacariam São Paulo dos demais centros do país.
Sua pesquisa também teria concluído que as clivagens que separam as três
disciplinas constitutivas das Ciências Sociais stricto sensu, hoje, não seriam ainda
tardiamente, como Minas Gerais e Pernambuco (1989a: 6). Em todos esses casos, "o
28 — "[•••] o trabalho do cientista social pode e deve ser examinado à luz da obrigações, dos
procedimentos e dos ideais que possuem caráter 'universal'. São as obrigações, os
procedimentos, e os ideais que não derivam das comunidades servidas pelas instituições
científicas; mas, diretamente, da própria institucionalização das atividades cientificas"
(Fernandes, [1958a]). Evidentemente, Florestan Fernandes admite que as coisas podem não se
passar assim, mas isso seria devido à incipiência ou a falhas no processo de
institucionalização.
48
entre os destinos da USP e da UDF são os pontos de partida para a análise das produ-
ções paulista e carioca, enquanto que os estados em que as Ciências Sociais se insti-
destruídas pelo Golpe de 1964 3 1 (cf. Almeida, 1989: 214-5). Essa fragilidade insti-
como também faria com que a produção intelectual se voltasse para perspectivas
Miceli descreve essa produção de forma severa: "No máis das vezes, tratava-se de
social muito mais sólida, não apenas na USP, mas também na Escola Livre de
Sociologia e Política (ELSP), instituição privada, apenas eles poderiam ser chama-
por sua condição de capital federal, as Ciências Sociais em São Paulo se beneficia-
sentido, Miceli conclui que a "Ciência Social enquanto tal constituiu uma ambição
Sociais, a USP e a ELSP, a idéia de que "o Rio de Janeiro está para a política assim
como São Paulo está para a ciência" (Miceli, 1989b: 89) emerge em diversos outros
disputas entre o Museu Nacional, sediado no Rio, e o Museu Paulista 33 , assim como
32 — Em outro momento, numa nota, Miceli admite que os únicos representantes da ciência
social paulista nos seus primeiros tempos que se dedicaram à militância política foram Flo-
restan Fernandes e Antonio Candido (1989b: 89, n. 18). A julgar pela influência que ambos
adquiriram ao longo de suas carreiras e que exerceram sobre as novas gerações de cientistas
sociais, essa é talvez uma exceção muito importante para não colocar em risco a regra que ela
contraria.
33 — Lilia Schwarcz destaca que nesse debate, mais do que questões intelectuais, o que estaria
em jogo seriam "disputas institucionais e de prestígio", nas quais se defrontam, "de um lado
50
Ciência Social carioca (Miceli, 1989: 91-93 e Arruda, 1989), enquanto que a
desse desenvolvimento em nosso país/ Em nota, Lilia Schwarcz concorda com a crí-
pragmática e política" (1989a: 71, n. 55 e 70, n. 52). Apesar dessas observações, isso
nunca é feito nos artigos que compõem a primeira coletânea dessa pesquisa 35 .
H. von Ihering [diretor do Museu Paulista], exemplo de cientista apenas radicado no país, mas
sem qualquer vínculo mais explícito; de outro, uma perspectiva realmente vinculada a um
projeto nacional [isto é, a do Museu Nacional]" (1989a: 60).
34 — Além da referência de Luciano Martins, já mencionada acima, pode-se também citar
Schwartzman et al. (1984: 226-7).
35 — Os dois artigos (1989a e b) dessa autora que citei como representativos da pesquisa coor-
denada por Miceli reaparecem ligeiramente modificados como capítulos da versão publicada de
sua tese de doutorado (Schwarcz, 1993). A esse último trabalho, são acrescentadas descrições
de outras instituições influentes no período anterior ã fundação dos primeiros cursos univer-
sitários de Ciências Sociais: além dos institutos históricos e dos museus científicos, as facul-
dades isoladas de Direito e de Medicina. Nessa análise, embora indicando-se características
dessa produção derivadas dos contextos institucionais e regionais nos quais se desenvolveram,
a referência que articula o trabalho é o paradigma racista importado da Europa (discutido no
51
//Muito pouco é dito acerca das teorizações substantivas propostas por nossos pre-
ção da atividade acadêmica em cada um dos dois centros principais do país acaba
ca, derivados tanto dos paradigmas teóricos que são importados dos grandes centros
examino criticamente seus pressupostos é por reconhecer, por outro lado, a impor-
tância de seu esforço e perceber que a forma pela qual ele organiza esse material e
formula sua visão de conjunto oferece algumas hipóteses úteis para as dificuldades
ções ligadas diretamente ao Estado, praticados por autores polígrafos sem treina-
suas pesquisas, esses estudos, no período coberto por minha pesquisa, parecem ser
"marginalização" dos Estudos de Folclore (Vilhena, 1992b: 193). Por outro lado,
esse campo não só desenvolve antes de 1964 uma forte identidade disciplinar, como
sua área de estudo, sendo a Comissão Paulista a mais ativa nesse sentido. Assim, se o
^agnóstico sugerido implicitamente pelos trabalhos de Miceli è sua equipe nos dão
elementos para que possamos supor alguns motivos que teriam levado ao processo
de sua "marginalização", ele não é suficiente para a identificação das causas que
Esse autor generaliza uma conclusão que Peter Burke havia proposto espe-
cificamente para o contexto europeu, em que este afirmava que os estudos folclóri-
pa e dos diversos países que a compõem" (Burke, 1989: 41). Isso significava dizer,
em primeiro lugar, que houve um entusiasmo maior pela pesquisa das manifesta-
ções populares em países que ainda não possuíam autonomia cultural ou uma
36 — Além disso, como desenvolverei nos capítulos seguintes, houve também esforços dos
folcloristas de introduzir sua disciplina nos currículos universitários de Ciências Sociais. O
que teremos de esclarecer quanto à questão do modelo de institucionalização — sugerida pela
pesquisa coordenada por Miceli — é, portanto, o grau de prioridade que os folcloristas
concederam a esse objetivo e as estratégias que adotaram para implementá-lo, de maneira a
escapar a classificações dicotômicas de movimentos intelectuais.
37 — Fiz anteriormente alguns comentários sobre esse artigo (Vilhena, 1992a: 56-8), onde
sugeri que um dos problemas da sua análise, apesar dos méritos que possui por sua minúcia e
seu pioneirismo, reside na universalização de indícios encontrados no exame apenas do caso
inglês e do caso francês. Naquele momento, examinei uma versão (1985b) que foi revista e
bastante modificada em 1992, onde o autor não menciona a existência da primeira edição.
Considerando, porém, que a versão mais recente deva corresponder ao pensamento mais atua-
lizado do autor, irei referir-me preferencialmente a ela, a não ser quando for comentar aspec-
tos suprimidos do texto que lhe deu origem, o que será devidamente indicado.
54
Mesmo que minha descrição tenha sido excessivamente breve para fazer
inteira justiça aos esforços recentes no estudo da história das Ciências Sociais no
Brasil, vemos como é ainda forte, mesmo depois da publicação da crítica de Wan-
pode anular os efeitos dessa última. Porém, os processo sociais e políticos mais
amplos, por outro lado, podem explicar a forma pela qual a institucionalização se
processa: forte em São Paulo ("centro interno mais dinâmico dos processos de
obras produzidas nesse contexto, desvalorizadas por serem mais datadas e engaja-
' vivida por sua geração, em que as cassações de professores universitários a leva-
universidade. Nesse sentido, ele afirma que, nas poucas vezes em que a institucio-
reação política que estancou esse processo 41 ./ Porém, o locus onde ele se teria
traços, somados à sua obsessão pelo tema da nossa "identidade nacional", parecem
mente uma espécie de modelo paradigmático que permitiria, numa análise rápida,
classificá-los, a confiar nas referências dos autores que analisei acima, na nossa
história intelectual.
sustentam a atividade intelectual das Ciências Sociais hoje. Ao elegê-los como refe-
tantes das matrizes institucional e sociológica correm o risco de, apesar desse apelo
reduces the mediating processes by which the totality of an historical past produces
the totality of its consequent future to a search for the origins of certain present
phenomena. He seeks out in the past phenomena which seem to resemble those of
concern in the present, and then moves forward in time by tracing lineages up to the
present in simple sequential movement. When this abridging procedure is charged
unth normative commitment to the phenomena whose origins are sought, the linear
movement is "progress" and those who seem to abet it are progressive. ([1965]: 3-4)
rece quando constatamos que a hierarquização de autores que todos realizam é bas-
utilizam já estavam presentes na obra do autor que é tomado quase sempre como
da pela Escola Paulista de Sociologia de Fernandes e seu livro é muito mais rígido ao
opor as antigas perspectivas às novas, das quais faz parte. A dimensão valorativa
Dante Moreira Leite e traça um quadro muito mais indefinido. Há também uma.
menos enfatizada para que sua defesa do conhecimento acadêmico seja o elemento
a ser valorizado no seu confronto com as Ciências Sociais cariocas. São convenien-
mentismo que também faziam parte da agenda dos debates entre os intelectuais do
na sociologia paulista nossos "pais fundadores", eles sem dúvida apontam para um
"herói civilizador" que Florestan Fernandes produziu para si foi necessária para
que ele operasse esse corte, o mito que ele nos forneceu não precisa mais perma-
necer nos orientando. / Esse mito, como vimos, se atualiza diferentemente nos
(1958: Cap. XI), estrutura todo mito, explica sua riqueza e sua capacidade de se
manter sempre atual 4 3 . Somos todos hoje descendentes desse "pai fundador"
(embora não só dele), mas assim como ele rompeu com os mitos que aprisionavam o
pensamento social brasileiro em sua época, temos que romper com aqueles que se
interior de um campo mais amplo, que venho aqui chamando de pensamento social
brasileiro, podemos supor recortes ainda mais estreitos, que delimitem estudos
sobre cada umas das disciplinas que compõem esse campo. Nesse nível, ganham
uma vez que foi sempre esse o segmento das Ciências Sociais com o qual os folclo-
ristas ligados à CNFL sentiam maior afinidade. Esse gênero de estudos vem conhe-
gida pelo mesmo George Stocking acima citado. Na medida em que o estudo de sua
história se torna um setor importante de uma disciplina social, não se pode fazer de
conta que se está lidando com um objeto alheio ao pesquisador e a seus métodos de
the history of anthropology differs significantly from that of certain inquiries. For the
historian of physics, the methods and concepts of that discipline do perhaps have
relevance only as subject matter. For the historian of anthropology, they are not only
the object of inquiry, but may provide also the means by which it is pursued. As (A.
Irving] Hallowell argued several decades ago 11965], the history of anthropology
should be approached as "an anthropological problem ". (Stocking, 1983: 6-7)
gy" (subtítulo de sua tese, defendida nos EUA); o que não deixa de representar
significa ignorar que essa perspectiva é, em parte, produto dessa história e seu
estudo não deixa de ter reflexos nas concepções que a Antropologia tem sobre si
59
lhos na área da história da disciplina e discutir, da.mesma forma que fiz anterior-
mente com a história do pensamento social e das Ciências Sociais, as questões que
Começo pelo próprio trabalho de Peirano que, pelo recorte amplo que reali-
za, dialoga muito mais de perto com os trabalhos citados anteriormente. Aos invés
partir da análise de alguns dos autores chaves nessa trajetória 44 o que lhe permi-
/Peirano estabelece como premissa para sua análise a relação entre as "ideologias
v"mento dessa correlação "does not necessarily affect the scientific validity of a
particular work" (p. 19). Outro pressuposto de seu trabalho é a idéia de que, ao se
neighboring disciplines" (p. 2 2 ) / Iniciando seu estudo com a análise dos debates
país, ela mostra como a criação dos primeiros cursos universitários de Ciências
estava presente nos próprios fundadores desses novos cursos (p. 62-4).
/Ao final do seu trabalho, ela reconhece que um discurso de natureza distinta
passou a ser produzido nas universidades, em parte, sem dúvida, devido à uma
"autonomia relativa" que a posição acadêmica permite; mas isso, porém, não signi-
(p. 254). Pelo contrário, a maioria deles, inclusive através das entrevistas que
ideal fosse posto em prática de forma diferente em cada um dos casos (p. 254-5).
Apesar das diferenças, ela constata que, nas décadas de 1950 e 1960, há uma enorme
mesmas do que com sua relação com a sociedade nacional. Dentro do processo de
teriam se mostrado mais problemáticas do que a primeira, o que fez com que a
tradição de estudos que se construiu em torno delas deslocasse seu interesse para o
nacional, que já havia "sociologizado" a etnologia, acabou por tornar o estudo das
Fernandes — Antonio Candido — , nas quais o Brasil deixaria de ser estudado prefe-
uma oscilação em seu trabalho em relação à questão da natureza das identidades das
seu início 45 , ele, ao seu final, parece admitir, implicitamente uma relativa conti-
talvez fosse melhor dizer, de uma cena perspectiva sociológica — na qual conceitos
das Ciências Sociais nos permite, então, algumas pistas, agora no plano do debate
45 — "I do not make a priori distinction between different social sciences as, for instance,
between sociology, history, anthropology, or political science. Rather 1 want to see how some
social scientists, starting with a common stock of concepts and approach, proceeded to
disengage the several disciplines from them" (Peirano, 1981: 18-9).
4 6 — Após citar a análise de Candido sobre as diferentes formas pela qual o poema Caramuru,
foi interpretado na vida literária brasileira, ela afirma: "Looking at literature as a cultural
phenomenon, what I call Candido's 'anthropological perspective' is here exemplified by his
attempt to link a structural to a historical analysis; he concludes that the study of the
'literary-historical function of a work only acquires full meaning when intimately referred to
its structure' * (p. 220). A essa análise, soma-se a forma pela qual um trabalho hoje clássico
daquele autor, Os parceiros do Rio Bonito, teria sido mal recebido pela banca que o examinou
porque não seria "pure sociology" (p. 207).
62
por Julio Cesar Melatti (1984). Ao contrário do trabalho de Peirano, que se concen-
abordagem mais teórica são qualificados como fruto de "uma pouco elaborada
de Maria Isaura Pereira de Queiroz, Octávio Ianni e Oswaldo Elias Xidieh, todos
ligados à USP — são apresentados como "de importância para os etnólogos", mesmo
que tenham sido "desenvolvidos por sociólogos", por serem responsáveis pela
introdução do método funcionalista no estudo do folclore (p. 16). Melatti nos indi-
história das Ciências Sociais, pois, embora ele reconheça essa área de estudos como
pertinente para a trajetória da disciplina que, dentre estas ciências, estaria mais
próxima deles, seu levantamento afirma que, curiosamente, não foram os etnólo-
47 — A única ênfase explícita de Melatti recai sobre o que ele chama de "etnologia", termo
utilizado de forma ampla, englobando todos os trabalhos de Antropologia Social e Cultural que
envolvem contato direto do pesquisador com o grupo, excluindo assim a Arqueologia (p. 5).
48 — Essa polêmica, discutida em Cavalcanti & Vilhena (1990), voltará a ser analisada no meu
terceiro capítulo.
responsáveis pelos parcos momentos em que seu estudo se mostrou teoricamente
relevante.
período que vai de 1930 a 1960. Seu objetivo seria fazer um "mapeamento" do
maneira pela qual ela justifica o seu recorte de pesquisa podemos encontrar um
contraste com a forma pela qual alguns autores comentados anteriormente defi-
nem o tema das fronteiras disciplinares. / Sérgio Miceli, dado o baixo nível de
*1970, sugeria que, ao longo das quatro décadas atingidas por sua pesquisa, essas
^ Marisa Peirano, por sua.vez, parece oscilar entre uma relativização das fronteiras
"holistic idea of 'social sciences' dominant during the thirties and forties" (1981:
tucional, sem excluir o papel das instituições na história intelectual. Tomar como
revela as concepções, sempre mutáveis, pelas quais os atores pautam sua ação. Seja
64
qual for o valor dessa perspectiva para a análise do pensamento social brasileiro
como um todo, ela é particulannente estratégica para o estudo da história dos Estu-
dos de Folclore/Até por possuir uma fraca densidade institucional, a adesão à iden-
nio da vida intelectual brasileira. Fazer uma antropologia dos Estudos de Folclore —
indicando que, mesmo que a identifiquemos como uma disciplina científica, sua
disso, é produto de uma classificação que, como todas as classificações, tem uma
Os critérios pelos quais esse corte é realizado têm implicações não apenas "cientí-
portanto, não só é a base da delimitação do meu objeto, como é também uma das
desta categoria nativa "folclore" tem muito mais a ver com o destino dos estudos
podem ser dados desse fenômeno e eu começaria pelo de Suzel Ana Reily que,
desse conceito pelo de "cultura popular". Segundo ela, "a não-utilização da pala-
Temos nesse exemplo o caso de uma antropóloga que teve contato com uma
e a análise desse processo é a tarefa dos próximos capítulos, mas, a partir de alguns
intelectual seria Gilberto Freyre. Ora, em um artigo recente, no qual busca justa-
críticas que foram feitas na década de 1950 à análise feita pelo sociólogo pernam-
expressão que sintetiza essas críticas: Freyre teria produzido uma "folclorização"
49 — Segundo o relato dessa autora, os próprios grupos populares estariam tendendo a evitar
essa terminologia, embora o único exemplo que ela forneça provenha da Comissão de Cultura do
Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (Reily, 1991: 24), onde ela
própria atua (cf. Reily & Silva, 1991). O Seminário organizado por ela e por Sheila Doula na
USP de onde eu extraí essas referências tem um título revelador. Do folclore à cultura popular.
50 — "Guerreiro Ramos denunciou essa ênfase nos aspectos puramente exóticos ou pitorescos
do passado cultural do escravo, argumentando ainda que, a ênfase no pitoresco [...] acabaria por
gerar - ou reforçar - vários mitos sobre o negro brasileiro. Roger Bastide, acrescentou, na
mesma linha de argumentação [...], que Freyre acentuou demasiadamente o sincretismo cultural
entre escravos e senhores em detrimento de uma análise da cultura negra per se. [...] Que sua
obra tenha produzido, de fato, uma caricatura do passado cultural do negro e do mulato brasi-
leiro, como indicaram as críticas de Bastide e Guerreiro Ramos, representa, a nosso ver uma
crítica severa, mas justa" (Santos, 1985: 95-6; grifos do autor).
66
associada à obra de Florestan Fernandes, reside mais precisamente nos seus estudos
sobre as relações raciais em São Paulo, que teriam denunciado o "mito da democra-
por sua vez, no senso comum. Maria Laura Cavalcanti (1987), por exemplo, citou
a sociedade civil não se organizasse com relação à área cultural, [...] 'Talvez [ape-
festa religiosa local afirmando que "Isto sim é que é folclore!"; e, por fim, a de uma
"uma porca e seus porquinhos", que seriam valorizados em certa cidade, dizendo
que aquilo era assunto para o Instituto Nacional de Folclore 52 . Fora a exclamação
51 — Mais uma vez devo insistir que o uso desse sentido pejorativo do termo é generalizado e a
referência a Castro Santos é apenas um exemplo. Ele faz esse comentário reproduzindo outros
autores e, se o menciono, é porque seu artigo é uma referência relativamente elogiosa da obra
de Gilberto Freyre. O próprio Carlos Guilherme Mota já apresentava formulações semelhantes:
"[...] na esfera internacional, o que a obra [de Freyre] oferecia era a 'folclorização' do Nordeste
e do Brasil, para consumo acadêmico e, não raro, mais do que acadêmico." (1977: 63). E mais
adiante: "[Nela,] o mundo do trabalho surge desarticulado, quando não 'folclorizado' (no que
de pejorativo se pode atribuir ao termo). Quando Freyre se aproxima da explicação para a
dinâmica dos relacionamentos entre 'dominantes' e 'dominados', intervém uma tal quantidade
de problemas ligados a status e tutelagem familiar que o objeto evanesce" (p. 66).
52 — Esse curto artigo de Maria Laura Cavalcanti está nas origens da pesquisa do INF, através
da qual comecei a entrar em contato com o tema que desenvolvo em minha tese.
67
imagino que a maioria dos leitores está familiarizada com várias dessas utilizações
fazem com que, mais do que lutar contra uma visão na qual eles estão associados a
ramos específicos que analisei aqui mostraram como o folclore foi se tornando, até
pela forma com que geralmente era omitido das descrições, um tema esquecido e
nheza" dos leitores pela insólita escolha do tema. Renato Ortiz, tomando por base a
lógicas contra essa produção, apresenta uma descrição minuciosa em que, mesmo
assim, se revela o espanto que a sua leitura pode proporcionar ao cientista social
folcloristas, onde ele estranha o relativo desinteresse por esta questão numa
disciplina que tanto se esforçava para ser reconhecida como uma ciência:
Um dos poucos manuais de folclore que existem /sic], e talvez um dos primeiros a
serem escritos, é o de Georges Gomme; nele, um dos capítulos é dedicado ao procedi-
mento empírico. [...] A sugestão Icontida naquele capítulo] é no mínimo ingênua,
[...]. Conseguiria uma ciência positiva erigir-se sobre um alicerce tão frágil e conjun-
tural? Nosso autor parece não se dar conta dessas contradições e seu argumento
envereda por um terreno cada vez mais instável e movediço. (1992:42)
[... 1 os folcloristas são contidos quanto à explicação do método, mas loquazes quantjo a
"captura" última, ao mapa gerado pelo acúmulo de material colegido. Para eles, nada
analisados por Ortiz. Mesmo assim, ao ler seus trabalhos ou as descrições de seus
tatar que o principal debate nos primeiros números dos Documentos publicados
pela CNFL girava em torno das origens e dos diferentes significados do "bodoque",
j.
discussões sobre um assunto que todos nós hoje classificaríamos como irrelevãnte
para motivar tantas discussões5^" Isso é inevitável, uma vez que somos herdeiros
qual a já citada idéia de que "a história da Antropologia deve ser antropológica"
movimento folclórico hoje exige uma relativização das concepções que o pesquisa-
dor possui sobre o trabalho intelectual; caso contrário, corre-se o risco de não se
compreender como uma produção "sem sentido" tenha sido "tão abundante" num
certo momento da nossa história. ^Dessa forma, minha pesquisa não corresponde
mas também implica, nos termos das indicações citadas de Marisa Peirano, uma
da CNFL
serão contextualizadas dentro dos modelos de ciência do movimento folclórico no
Capítulo 4.
69
uma história que valoriza mais os "contextos" do que as "causas" (1987: xii). Não
* que estas não devam ser investigadas; mas elas não são tão evidentes como a ilusão
f
presentista nos faz crer. Para que possamos compreender as determinações do
mente sincrônico e diacrónico de sua dinâmica (p. xiv). Sua proposta de se subor-
dinar o segundo pólo desta tensão ao primeiro mostra que, além das influências
explícitas de Thomas Kuhn e Franz Boas, seu trabalho também revela uma reflexão
//Na
" suas primeiras reflexões sobre o tema, a oposição entre o presentismo e o histori-
cismo — este último definido como o inverso perfeito do primeiro — é falsa. Tenho
70
segunda atitude também é equivocada, pois corre o risco de cair num falso relati-
ria desta disciplina, está implícito que é como antropólogos de nosso tempo que o
fazemos. As perguntas que fazemos ao passado, como aquelas que fazemos a cultu-
ras diferentes da nossa, são determinadas por nossas questões presentes; mas, se
queremos aprender algo com nossos "objetos", temos que perceber que eles tam-
intelectual, Wanderley Guilherme dos Santos mostra sua simpatia pela perspectiva
contexto, acompanhei as críticas daquele autor às outras duas vertentes não para
mas para indicar que, cada vez que enfatizamos de forma unilateral esses dois
car alguns dos "mitos" a partir dos quais os seus formuladores procuraram legiti-
nais e sociológicas envolvidas, e não irei esquecê-las nos próximos capítulos. Mas
em que agem.
/Essas questões nos mostram que, como a citação de Stocking ilustra, o exer-
caráter simbólico da vida social permite uma compreensão mais profunda dos
fenômenos históricos. Essa aproximação entre essas duas disciplinas nos leva a
tar as mudanças históricas, assim como a idéia oposta de que essas últimas seriam
apenas o produto da ação de forças materiais dadas (cf. Sahlins, 1985).^A preemi-
nência que confiro aqui ao fator "ideológico" — nos termos de Wanderley Guilher-
acerca de nossa intelligentsia foi o sentido de "missão" pela qual esta justificava
sua atuação, criando uma tensão entre uma vertente "institucionalizante", pela
Apesar das múltiplas dificuldades desse esforço, até os anos 4 0 elas estão muito
próximas, o que faz Daniel Pécaut afirmar que, para esse período, encontraríamos
uma mistura entre os campos intelectual e político (1989: 75). Vimos também que
Sérgio Miceli acredita que, na década seguinte, esses dois campos, pelo menos em
pouco cedo para supor-se que esse sentido de missão tenha deixado de ser relevante
para compreendê-la.
72
projeto proposto por Gilberto Velho, encontramos neste uma busca tanto de
ciência social acadêmica que polemizou com os folcloristas, um resíduo que tende a
sionalizado, o cientista social teria então definido sua identidade social e agiria a
intelligentsia procura definir o sentido dos seus primeiros projetos — que hoje
certamente não são mais os mesmos e ganham outros "sentidos" —, ele expressa
também a percepção de que "projetos sociais" têm sempre uma "dimensão política"
(Velho, 1981: 33)/Dessa forma, a vida social não se desenvolve de uma forma auto-
mática, mas inclui sempre uma dimensão de negociação. Mesmo que possamos
pelos sujeitos sociais (abertura que lhes permite "projetar" e, assim, agirem
socialmente) e explicar porque tais eventos tomaram o seu curso histórico preciso./'
Capítulo 2: Em busca da institucionalização dos Estudos de
pontos de vista a partir dos quais seus historiadores a estudam; vimos também que a
de instituições um dos seus objetivos centrais. Não é por acaso que os dois marcos
74
seu diretor, conseqüência do golpe militar de 1964. Essa última referência nos
segunda perspectiva, sem negar esse fato, partem do princípio de que a institucio-
que ela organiza. Por isso, os segmentos da produção intelectual brasileira que
sempre benévola) do Estado, talvez seja necessário não trabalhar com uma dicoto-
que define uma variedade de arranjos possíveis. A isso deve ser acrescido o fato de
que, nessa análise, não comparamos projetos onipotentes, mas trajetórias que se
co, por exemplo, sempre desejou uma inserção própria na Universidade e nunca a
conseguiu. Por outro lado, não há dúvida de que a criação de uma agência estatal
desse movimento foi produzido e das conseqüências que ele teve para o seu desen-
problemática não pode ser o produto meramente da adesão a uma teoria genérica,
sobre o problema.
de tempo que minha pesquisa cobre é porque, para esses intelectuais, como para
75
vários dos seus interlocutores, ela se apresentou como um problema essencial. Isso
gostaria de iniciar analisando um artigo escrito por Édison Carneiro pouco, depois
históricos, etc. — esses dados foram organizados a partir de uma perspectiva clara-
momento por seu autor, que nele procurava justificar o seu programa de atuação
estudos em nosso país, e, dessa forma, nos apresenta uma visão de como o núcleo de
Édison Carneiro nos fornece ali uma porta de entrada para essa história
—, mas que deve ser apropriada de forma bastante crítica. A perspectiva institu-
1 — Esse texto de Édison Carneiro é extremamente rico, tendo sido analisado por mim (e meus
antigos companheiros de pesquisa) em alguns artigos, explorando algumas das várias possibi-
lidades que encerra. Em Cavalcanti et ai. (1992) utilizamo-lo como roteiro, centrando nossa
análise nos três autores que Carneiro implicitamente elege como os mais importantes do perío-
do anterior à fundação da CNFL: Sílvio Romero, Amadeu Amaral e Mário de Andrade. Já em
Vilhena (1992) discuti o deslocamento do foco principal de interesse dos Estudos de Folclore,
que se teria dado na seqüência formada por esses autores e completada pela emergência da
Comissão, questão que aprofundarei no terceiro capítulo. De qualquer forma, até pelo contexto
em que foi escrito, acredito que a questão institucional seja o viés principal (como irei mos-
trar) a partir do qual o texto ser constrói.
76
artigo. A forma pela qual ele menciona apenas de passagem a obra do folclorista
deste autor. No número seguinte da publicação oficial da CDFB, na qual havia saído
corrigir o estrago. Mesmo reconhecendo que essa operação parecia, como diria o
seu amigo "Calça Larga, da escola de samba do Salgueiro, 'remendo preto em calça
branca'" (1962b: 42) e alegando as "condições especiais [...] e [o] prazo excessiva-
mente curto" em que o artigo anterior havia sido redigido, seu autor procura nessa
cometido (p. 39), pedindo ao leitor que inclua no texto original novos trechos com
Brasileira de Folclore.
certamente o responsável pela obra mais extensa existente nesse campo. Entre-
tanto, apesar do prestígio nacional que conquistou como intelectual, nunca deixou
o seu estado natal, o que acabou determinando sua menor participação nas duas
qual trata os vários autores que analisa, destacando alguns personagens que lhes
teriam servido de inspiradores. Ele chega a mostrar que, em alguns pontos, esse
esses pioneiros. Isso fica claro na forma como Carneiro constrói seu histórico,
de Folclore no pós-guerra:
Tudo podia acontecer. As orientações antigas — que levavam a considerar a discipli-
na como parte da literatura, da lingüisitica ou da história — ainda tinham muita
força, mas, por outro lado, os folcloristas brasileiros começavam a confiar na associ-
ação de esforços, criando condições para um tipo de labor intelectual diverso do que
prevalecera antes. (p. 47)
//Já nesse primeiro parágrafo, aparece a oposição que domina toda primeira
pela qual todo o período que antecede a 1945 aparece apenas em flash-back, domi-
nado pelos impasses que só se resolveriam em favor das tendências modernas com
i
a fundação da CNFL/
Nessa descrição, o traço que caracteriza as tendências renovadoras seria sua
folclórica até então. Assim, ao mesmo tempo que descreve a passagem de uma
concepção literária e diletante dos Estudos de Folclore para uma visão científica,
guerra, estariam as obras dos dois autores que inspiravam as forças renovadoras:
Amadeu Amaral e Mário de Andrade. São esses os autores que, portanto, recebem
Sua descrição inicia-se com uma rápida referência à breve obra de Celso de
âmbito muito mais vasto" pelos estudos de "seu colega" Sílvio Romero (p. 47).
estudos de Romero] continham em favor do estudo .da poesia popular" (p. 48). Ao
contrário deste último, que merece alguns comentários críticos sobre sua obra —
autores, que inicialmente domina o panorama dessa área de estudos, será mais
tarde confrontada com uma segunda linhagem, a que seguiu a orientação dos dois
Amadeu Amaral e Mário de Andrade. Apresentada como aquela que detém a visão
evocado por Carneiro, aparece apenas como um elemento que conspira contra os
são citados diferentes distúrbios políticos e sociais, apenas para ilustrar que, "con-
//A conseqüência do estilo de sua narrativa é o realce dado à atuação abnegada e cla-
que a produção folclorística brasileira de seu tempo padeceria de "três males prin-
popular 4 (p. 50). ^Para mudar esse quadro, ele teria proposto em 1925 a criação de
uma "Sociedade Demológica" em São Paulo. Embora ela tenha produzido resultados
imediatos praticamente nulos, o seu programa, tal qual Carneiro o reproduz, inclui
de São Paulo, que o escritor dirigiu de 1935 a 1938 5 . Ilustrando claramente a forma
superficial pela qual Édison Carneiro se utiliza em sua narrativa dos contextos
aspecto importante da ação de Mário mencionada por Carneiro foi sua influência
estudo do folclore: Luís da Câmara Cascudo, que cria em Natal a Sociedade Brasileira
4 — No primeiro caso, Carneiro — que não cita as páginas — resume as críticas de Amadeu Ama-
ral à produção folclorística de seu tempo (cf. 1948: 2-5); no segundo, reproduz o desenvolvi-
mento que esse autor dá a proposição de Arnold van Gennep segundo a qual os fatos folclóricos
"não se apresentam como superfícies, mas como volumes" (p.59; cf. van Gennep, 1924: 37), que
comentarei no próximo capítulo.
5 — Na verdade, ao resumir as tendências renovadoras apenas com as idéias de Amadeu Amaral,
Carneiro trai sua convicção de que, no fundo, Mário de Andrade não teria se mantido fie} às
orientações do primeiro no plano metodológico. Ele chega a afirmar que, ao contrário de Ama-
ral, Mário "interessava-se apenas pela origem dos fenômenos, pomo era costume antes de
ambos" (p. 52). Essa nítida preferência dificilmente apareceria na pena de membros do movi-
mento folclórico maus influenciados por Mário, como Renato Almeida ou Rossini Tavares de
lima. Dessa forma, se há aspectos do texto de Carneiro que refletem uma avaliação do conjunto
do movimento folclórico, há outros que são pessoais e idiossinci áticos, diferença a que procu-
rei manter-me atento ao longo de minha análise.
80
Oneyda Alvarenga, que permanece à frente da Discoteca Pública criada por Mário
Musical de São Paulo. Mas dificuldades de toda ordem teriam impedido o desenvol-
vimento de todas essas instituições6, e as pesquisas nesse campo não teriam conse-
acerca da tradição intelectual que lhe deu origem, o artigo de Édison Carneiro será
uma fonte de acesso importante aos valores que orientaram a ação desse movimen-
como um "sinal para a unificação de esforços", até então dispersos, que teria par-
tido de Renato Almeida, essa instituição tem então sua história relatada na segunda
6 — Segundo Carneiro, a produção da Discoteca teria sido prejudicada pela "rotina burocráti-
ca", o centro de pesquisas do Conservatório teria permanecido num âmbito exclusivamente
regional (depois, com Tavares de Lima dirigindo a Comissão Estadual Paulista da CNFL, ele se
integraria ao movimento folclórico nacional), as pesquisas da Escola de Música se teriam
enfraquecido com a ida de seu idealizador para a UNESCO, enquanto que a Sociedade de Cascu-
do "era pouco mais que um nome" (p. 5 3 ) /
7 — Na única frase em que Édison Carneiro menciona os pesquisadores que permaneceram rela-
tivamente à margem da CNFL, ele afirma: "estudiosos e pesquisadores que, apesar de membros
titulares dela, procuraram trabalhar isolados ou independentes, como Alceu Maynard de
Araújo e Luís da Câmara Cascudo, que em 1954 nos brindou com o útil e compreensivo Dicio-
nário do Folclore Brasileiro, muito [...] devem [à Comissão Nacional]", (p. 59)
81
Isso, porém, exigiria uma outra tese, maior do que esta, que se propõe apenas a
artigo revela seu valor, apresentando uma versão importante da forma pela qual o
composta por Sílvio Romero, Amadeu Amaral e Mário de Andrade a qual teria dado
análises. Irei igualmente analisar mais a fundo os contextos em que cada uma de
ca deste capítulo, acompanhando a seqüência formada por essas três obras, pode-
mos acompanhar mais de perto como o folclorismo se situa em relação aos primei-
Édison Carneiro, porém, dá, comparado aos outros dois folcloristas da tríade,
menos destaque ao nome de Sílvio Romero. Pode-se atribuir a forma rigorosa com
aquele artigo e que estava ausente da trajetória de Romero. Mas a mera escolha
revela a significação que sua obra oferece aos olhos do movimento folclórico.
Os primeiros artigos que Romero dedicou ao tema, publicados pela primeira vez em
1879 na Revista Brasileira — reunidos depois em livro com o título de Estudos sobre
8 — Existem outros históricos anteriores importantes, como os dos próprios Amadeu Amaral
(1948: 1-11) e Mário de Andrade [1942], ambos bastante críticos sobre a tradição que descre-
vem. Há também um detalhadíssimo histórico de Basílio Magalhães (1939). Embora Mário o
qualificasse de "indispensável" ([1942]: 288), Carneiro critica-o por — ao levantar "o nome de
todos os escritores nacionais que algum dia se referiram ou afloraram o estudo das coisas
populares" sem um plano de exposição nítido — ter composto um texto "que parece uma
passeata ou uma sessão espírita" (Carneiro, 1962a: 54). Rica fonte de consulta, o artigo de
Magalhães é excessivamente inclusivo para um autor que avalia seus antepassados intelec-
tuais, com critérios muito definidos, discutidos acima.
82
ros escritores a tratar do folclore brasileiro: não apenas Celso de Magalhães (que
chega a ser mencionado por Carneiro), mas também outros como José de Alencar,
Couto de Magalhães, Araripe Júnior, etc., todos eles copiosamente citados pelo
autor. Mesmo assim, essa precedência é também reconhecida por vários outros
antecessores, reconhecendo que, se teria sido "Celso [de] Magalhães [...] o primeiro
que lançou um pouco de ordem no caos de idéias" ([1948]: 6), Romero teria fundado
identificou esse último autor como o responsável pela "primeira, e até hoje, única
a realizar um estudo mais objetivo do nosso folclore, fazendo uma colheita mais
Sílvio Romero incorpora, porém, a ambigüidade típica dos começos. Aquele que
inicia uma tradição traz consigo os seus vícios de origem e os germes para a reno-
vação que se fará, entretanto, contra ele. Nesse sentido, a literatura sobre a histó-
ria dos Estudos de Folclore no Brasil costuma indicar que Romero teria permane-
cido aquém das exigências que introduzira nesse campo (Andrade, [1942]: 287).
Romero não conseguiu seguir os princípios que lançou, permanecendo preso aos a
priori dos pesquisadores que criticara (1948; 7-8). Magalhães alertou que, apesar
Janeiro e Rio Grande do Sul) não podendo ser comparado aos Cancioneiros produ-
zidos pelos folcloristas europeus que inspiraram sua tarefa (p. 23). Essa contradi-
ção entre o valor do programa que Romero estabeleceu e a sua realização deficien-
83
te tende a ser atribuída em parte aos custos do seu pioneirismo. É o que faz, por
{...] o caminho a seguir (...] o próprio Sílvio Romero [...] apontou I...]. E se ele
mesmo nem sempre o seguiu exatamente, isso se explica um pouco pelo seu tempera-
mento, um pouco pela sua maneira febril de trabalhar e, ainda, pela própria vastidão
da obra que teve que realizar quase só, em tanta angústia de tempo e tanta escassez de
meios. (1948: 8)
destacado o isolamento em que teria produzido seu trabalho. Embora não possamos
lado, Sílvio Romero sempre procurou reforçar essa impressão de isolamento, com
ria. Esse escritor sergipano foi um dos pioneiros e um dos mais típicos represen-
tantes da geração que emerge na vida cultural brasileira a partir de 1870, respon-
9 — Na dedicatória dos Contos populares do Brasil, Romero escreve, com um certo exagero: "A
Mello Moraes Filho, companheiro único que tenho neste gênero de estudos no Brasil". Para
uma discussão sobre a maneira pela qual o gosto pela polêmica e a disputa intelectual domina-
vam o nosso mundo das letras na virada do século — em que se destacava a figura de Sílvio
Romero — ver Ventura (1991).
84
mesmo que ainda tênue, que lhes permitem "tomadas de posição coletivas, enquan-
uma carta aberta a um jornal carioca, fica clara a intenção de Sílvio Romero em
demonstrar como, também nesse campo, ele buscava a atualização de nossa vida
intelectual:
"Quando todos os países da velha Europa possuem já amplas coleções de suas poesias
e tradições populares, o Brasil, e somente ele, não tem dado um passo assinalável
nesse sentido.
Levado por meus estudos de crítica científica e de história literária a ocupar-me com o
desenvolvimento intelectual do nosso povo, para logo deparei com tamanha lacuna e
procurei removê-la. I...] depois de quatro anos de constante trabalho e fadigas, con-
segui reunir e colecionar um vasto repertório de poesias e histórias populares [...] a
que dei o nome de Cantos e contos do povo brasileiro. {...]
Acontece, porém, que semelhante trabalho, que considero um patrimônio nacional
(...], e que tia Europa constituiria uma fortuna para o seu autor, por ser indispensá-
vel para os modernos estudos de filologia, antropologia e ciência dos mitos, acha-se
recluso em minha gaveta, porque eu não sou um feliz que disponha de alguns contos
de reis e nem pude encontrar ainda um editor.... (apud Mendonça, 1938:205-6)
A publicação de sua obra não é apresentada como uma postulação pessoal, mas
10 — Celso Magalhães, cuja obra irei comentar diretamente somente no capítulo seguinte, estu-
dou também na Faculdade de Direito de Recife, tendo falecido cedo, antes que seu colega Rome-
ro publicasse seus primeiros estudos sobre o folclore. Essa filiação explica as referências
elogiosas que também merece nos históricos sobre os nossos Estudos de Folclore.
85
quatro anos mais tarde através de uma editora de Lisboa e com o apoio de um pes-
quisador português, Teófilo Braga. Entretanto, o primeiro irá constatar que, além
lização do campo intelectual não significou que ele não tenha participado de
que hoje são as ciências sociais, lato sensu. O mais antigo centro que congregava
ção, que incluía tanto intelectuais com obras consagradas, como proprietários de
prestígio de serem seus membros, nos permitem perceber que seu potencial para a
nista e preocupações marcadas pela estética e pela retórica" (p. 115), tornou-se um
dos maiores adversários de Sílvio Romero, com quem alimentava violentas polêmi-
Euclides da Cunha (p. 112) — Romero não costumava freqüentar as sessões daquele
grêmio literário. Nas suas próprias palavras, sua participação naquela instituição
teria sido uma exceção, aberta por "honra da firma", uma vez que ele explicita-
Seja por esse cultivo do isolamento intelectual, seja pela fragilidade dos
aqui, teria tido poucos continuadores — permanecerá para eles como um exemplo
ência de, por um lado, Sílvio Romero e, por outro, de Amadeu Amaral e Mário de
momentos decisivos na história de nossa intelligentsia, tal qual nos foi apresen-
sua identidade como categoria social, no contexto dos debates públicos em favor de
onda, que se segue à consolidação do poder oligarca na República, não impede que,
nos anos vinte, eles superem o seu "desalento" com a situação brasileira e com a
posição secundária que ocupavam na vida nacional, passando a uma ação efetiva
/Segundo seu grande amigo e editor de suas obras completas, Paulo Duarte, é
justamente nessa década que o jornalista e escritor paulista Amadeu Amaral come-
ça a estudar o folclore de forma mais sistemática — após ter lançado, em 1920, o seu
estudo a respeito do Dialeto caipira (Duarte, 1976: 39)/ Embora hoje pouco lembrado
nos trabalhos sobre nossa história intelectual, esse autor gozava então de grande
prestígio como poeta parnasiano, o que lhe rendeu a eleição para a Academia
Brasileira de Letras ocupando a cadeira que fora de seu amigo Olavo Bilac (p. 13).
Morrendo em 1929, Amaral não irá ver a conseqüências finais da crise da ordem
Getúlio Vargas. É no interior das mudanças políticas envolvidas por esse novç
mudanças, um escritor mais jovem que Amaral, Mário de Andrade, que já partici-
nalização dessa área de estudos ter partido de regiões periféricas do Brasil, são de
São Paulo as propostas que o movimento folclórico escolherá como suas precurso-
ras. //De fato, a década de 1920 representou para a capital paulista um período de
Arte Moderna de 1922, que começa a contrabalançar o domínio, até então incontes-
te nesse campo, do Rio de Janeiro. ^Contamos hoje com uma descrição detalhada
Sevcenko (1992). Ele procura mostrar como, numa cidade que crescia vertigino-
/^No que diz respeito ao folclore, o próprio Amadeu Amaral percebe como
certo tom modesto, típico de Amadeu Amaral, não o afirme claramente, São Paulo
anos 20: na obra de escritores de prestígio como Afonso Arinos (p. 238-40) e Corné-
lio Pires (p. 249), nos saraus regionalistas lançados pela revista A cigarra e nos
(p. 2 4 7 ) / / Sevcenko apresenta Amadeu Amaral como uma "figura chave" nesse
placente e laudatório que eles vinham denotando até então" (p. 252).
renovador ligado ao jornal O Estado de S. Paulo, onde assinava sua coluna sobre
dente e em 1928 pelo Partido Democrático —, contando sempre com o apoio daquele
ral — e, com ela, da tradição à qual se filia o movimento folclórico — nos importan-
tes debates que envolviam essas iniciativas. O grupo ligado ao Estado é o mesmo
90
^ea cultural, de que fez parte a criação da USP. Amadeu Amaral não viveu para
ver esse triunfo, mas, por exemplo, foi um dos entrevistados do "Inquérito sobre
j41), esse inquérito teria sido uma peça de propaganda em favor dos educadores
mente quando se trata de um autor hoje tão pouco conhecido —, mas que nos deixa-
riam muito distantes de nosso objeto principal. Mesmo assim, em função da impor-
institucionais que aquele grupo realizou, gostaria de apenas evocar alguns aspec-
tos sugeridos pela leitura das respostas ao inquérito. Pretendo indicar assim que,
institucionalização das Ciências Sociais, sua participação naquele grupo não signi-
• minuciosa que o grupo de "educadores" renovadores que apoiou Dória e que assu-
miria a direção do ensino paulista de 1930 a 1937, tinha como estratégia a amplia-
ção do sistema educacional pelo seu topo. Dessa forma, se opunham às influências
afirma-se que o "[...] problema capital, em uma democracia, [é] a formação de elites
intelectuais" 1 3 /
Amaral, que fora um dos escalados para responder a essa seção capital do
respondido nesse mesmo tom por Amaral: "A fundação de uma ampla e orgânica
dicação que será atendida pelo governo provisório de Vargas, após a Revolução de
1930 15 . Amaral mostra-se menos cético; mas demonstra antecipar os perigos rela-
desvinculadas das perguntas que lhe foram dirigidas. Uma delas, com a qual
nos coloca diante da visão peculiar que ele tinha do caminho para o desenvolvi-
mento do espírito de investigação no Brasil, também buscado por aqueles que irão
14 - Além da de Amaral, a única resposta não entusiástica a essa proposta foi a do professor
Ovídio Pires de Campos, catedrático da Faculdade de Medicina, que qualifica o projeto de
prematuro. Sua cautela pode ser facilmente relacionada à resistência das escolas profissiona-
lizantes ao projeto de integrá-las por intermédio de uma instituição "desinteressada", papel
que será atribuído à FFCL Essa possibilidade aparece na resposta de Reinaldo Porchat à mes-
ma pergunta: "Acho excelente a idéia da criação de uma universidade em S. Paulo, reunindo-
se, sob uma organização sistemática, os institutos de ensino já existentes, que devem Ficar
debaixo de uma superior direção única" (apud Azevedo, 1937: 420).
15 — O movimento de renovação na educação não envolveu apenas intelectuais paulistas; o
anseio por reformas educacionais emergiu em diversos outros estados (Corrêa, 1988a). Mesmo
que o principal representante do grupo paulista, Fernando de Azevedo, tenha sido marginali-
zado pelo governo getulista, outros membros foram incorporados ao Ministério da Educação e
Saúde, entregue inicialmente a um educador renovador mineiro, Francisco Campos.
93
que vão lhes ensinar o método científico, Amaral imagina a mobiüzação da juven-
tude como o caminho para estimular esse gosto pela investigação. Ê o que mostra a
//Em 1921, Amadeu Amaral e seu amigo Paulo Duarte fundaram uma Sociedade
mes, linguagem, folclore e o mais que se referir à vida espiritual do povo paulista"
(âpud Duarte, 1976: 41). O impulso para essa iniciativa veio dos esforços, posterio-
cultura popular como Monteiro Lobato e Cornélio Pires. Porém, segundo Duarte, a
conseguiu ser realizada após a de sua fundação, o que levou Amaral a devolver as
serão citadas por Êdison Carneiro no seu artigo de 1962 — Amadeu Amaral atribui
esse estado à falta de "um centro autorizado que os corrija, os norteie, que lhes
recolha os trabalhos, os examine e os critique" (p. 22). Sugere então que esse
^papel seja assumido pela Comissão de Brasileirismos daquela agremiação, que seria
amplia o espectro dessa proposta à Academia, que, além desse papel supervisor,
interessantes do assunto em toda a extensão do país" (p. 32). Embora ainda atribu-
indo à Academia um papel central nesse projeto, nessa segunda versão ampliada,
vação do caráter próprio de um povo" (p. 22). Meses depois, porém, ele afirma ter
constatado que a Academia, "ou porque a minha mofina eloqüência não lograsse
demovê-la, ou porque julgue que não lhe compete entrar nesse domínio, seja
enfim porque for, nada fez nem nada fará no sentido indicado" (p. 49).
favorável de novembro de 1925 assinado por João Ribeiro e Gustavo Barroso, ambos
autores ligados ao tema do folclore. O que na verdade parece ter condenado defini-
nenhuma relação com a proposta e de cuja comissão julgadora Amaral fazia parte.
Diante de um "golpe" que desrespeitou a decisão que essa última havia tomado e da
concessão do prêmio a um autor que não havia sido sequer analisado até àquele
acadêmicos, de nada adiantou o parecer que afinal foi favorável; Amaral já forma-
lizaria seu rompimento com a instituição dois meses depois./Assim, pode-se dizer
que lhe foram atribuídas no interior do campo intelectual, ou seja, funcionar como
95
„ovas tarefas/
primeiro apelo e no qual ele amplia sua proposta, afirma, com um ponta de ironia,
que "não esperava [...] que minhas tímidas sugestões [...] fossem objeto de meditação
e de sério exame [...], [pois] a Academia tem outras preocupações mais urgentes ou
caráter mobilizador dos projetos que concebe, o que acabava por aumentar enor-
sua frente.
Mesmo assim, ele retoma pela última vez sua proposta acerca da coordena-
que Édison Carneiro cita em seu histórico. Esse último apelo, em princípio, se diri-
mente a esse estado, que seria, segundo seus planos, apenas a vanguarda de um
16 — Desilusão da qual já havia sido vítima o idealizador da Academia, José Veríssimo, que se
demitiu de sua secretaria em 1911 devido à eleição do Ministro de Transportes e Obras Públi-
cas de Rodrigues Alves, Lauro Müller, que havia até então escrito um único livro (Ventura,
1991: 113). A autonomização do campo literário em relação ao plano político que a Academia
pretendia realizar mostrou-se assim incompleta.
17 — Esse artigo, como todas as propostas e críticas que dirigira à Academia, foram publicados
originalmente em sua coluna em O Estado de S. Paulo.
18 — Pelo menos é isso que ele deixa entrever quando afirma que a Sociedade daquele estado,
"onde todos os dias brotam iniciativas novas e bonitas, [poderia ser] a primeira de nossas
associações folclóricas (ou, se preferem, 'demológicas')" (p. 50). O termo Demologia, assim
como, Demopsicologia, foram tentativas de substituir Folclore, por um neologismo com radicais
gregos, não conseguindo, porém, substituir o termo de origem anglo-saxã.
96
pão p a r e c e ter ignorado as dificuldades existentes nessa nova proposta, que conta-
ria apenas com a boa vontade daqueles que nela se quisessem engajar. De fato,
essa nova sociedade também não saiu do papel. Ele parecia já prever esse destino,
ao encerrar seu artigo com uma reflexão que expressa bem o "espírito de missão"
após uma série de desencontros, ocorridos apesar de uma simpatia mútua que
Renato Almeida, aquele que, mais de duas décadas depois, organizará e liderará a
Comissão Nacional de Folclore. Como relata Mário em uma crônica escrita em 1939,
Almeida alertou-o para a mágoa que teria causado a Amaral um artigo em que
rando-lhe que fora mal interpretado, o poeta modernista enviou uma carta a Ama-
ral, que, respondendo-lhe, selou a amizade que passou a existir entre ambos.
numa livraria. Segundo Mário, a conversa "desviou fácil para o folclore que
19 — Embora poeta parnasiano, Amaral causou grande surpresa a seus amigos em 1922 quando
escreveu, nas páginas de O Estado de S. Paulo, uma crítica elogiosa à Paulicéia desvairada, pri-
meiro livro modernista de Mário de Andrade (cf. Duarte, 1977: 126-8).
97
^bos amávamos, e era mesmo o assunto que nos prendia um ao outro. Em litera-
tura havia sempre o espaço abismal de duas gerações contíguas; em folclore éra-
mos da mesma geração" (s. d.: 158). Mesmo assim, ele nunca atendeu ao convite de
^maral para ir a sua casa por medo de que pudesse encontrar seus inimigos lite-
mo" (apud Duarte, 1971: xiv). A diferença entre esses dois momentos será muito
bem expressa por um depoimento de Paulo Duarte, cuja grande amizade com esses
dois intelectuais é mais um dos seus pontos de contato. Ele evoca as reuniões perió-
Pois foi nessa sala, em torno da mesa fria de granito, que um de nós — quem poderia
saber qual de nós? — falou na perpetuação daquela roda numa organização brasileira
de estudos de coisas brasileiras e sonhos brasileiros. Mas cadê dinheiro? O nosso
capital eram sonhos, mocidade e coragem. Havia quem conhecia homens ricos em São
Patdo. Mas homem rico não dá dinheiro para essas loucuras. Quando muito deixa
para a Santa Casa. Caridade espiritual, jamais. Que testamento pinchou legado para
uma universidade ou para uma biblioteca? A nossa gente ainda está no paleolítico da
caridade física. A vista de tantos argumentos, ficou decidido que um dia seríamos
governo. Só para fazer tudo aquilo com o dinheiro do governo. (Duarte, 1971: 50)
to de Cultura do Município de São Paulo, uma iniciativa do grupo que, sob a lide-
realização quase tão importante no campo cultural quanto a criação da USP. Foi
98
p uar te, chefe de gabinete do prefeito paulistano Fábio Prado, que sugeriu em 1935
qUe Mário de Andrade fosse escolhido para dirigir o órgão. Não se deve subestimar
política21.
^ 1988: 74). Embora constituída como uma reunião de sócios interessados pela
ffO&>
matéria e que contribuíam para 9 sustento da Sociedade, ela contava, desde o seu
jpício, com o apoio do Departamento, que editou os sete números dos seus Boletins
principal da Sociedade passou a ser o curso de extensão ministrado por Dina Lévi-
Strauss — mulher do jovem professor francês contratado pela USP Claude Lévi-
Como idealizador desse curso, Mário afirma que, "organizado sob bases emi-
nentemente práticas, [ele] teve como intenção principal formar folcloristas para o
antiga aluna de Mário no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (onde ele
era professor), também assistiu ao curso — aliás como o próprio Mário o fez — e
cursos de Ciências Sociais em São Paulo — e que se tornarão, mais tarde, seus
professores, — como era o caso de Mário Wagner Vieira da Cunha e Lavínia Costa
Sociologia e Política.
denada por Lélia Coelho Frota sobre a SEF (que resultou em Coelho Frota, 1983),
^e buscar novas linhas para esses estudos, e uma confiança muito grande, um
juntos, estendendo os debates levantados nas reuniões noturnas da SEF até as duas
dade de Filosofia. Eles também costumavam passar os seus fins de semana e feri-
ados prolongados em viagens de campo, como as que Mário Wagner fez com Mário
de Andrade a Bom Jesus do Pirapora — que resultou no famoso artigo desse último
sobre "O samba rural paulista" [1941] — ou a que Antônio Rubbo Miller fez a Ati-
afirma ele, "respondia muito bem Dina Lévi-Strauss, que era também muito inde-
Folclore não se descuidam dos "leigos". Todos eles incluem a sessão "Instruções
tes-• a pesquisa que ele e Mário de Andrade realizam em Atibaia, por exemplo,
pasceu do convite do prefeito dessa cidade, preocupado em divulgar suas festas
populares.
sucesso do primeiro inquérito, destaca que, nele, o mais importante teria sido a
em que, junto com Mário de Andrade, Dina e Claude Lévi-Strauss, jovens folcloris-
tas e jovens cientistas sociais discutiam suas primeiras experiências com a pesqui-
nalização dos Estudos de Folclore foram todos postos a perder com a mudança dos
voltando para São Paulo somente em 1942, onde viveria os seus três últimos anos de
102
vida. A falta do apoio oficial, que fora tão importante em várias iniciativas da SEF,
pelo Handbook of Brazilian studies24. O artigo abre e encerra com uma frase
peremptória, que marca a avaliação que Mário de Andrade faz do campo: "A situa-
ção dos estudos de Folclore no Brasil ainda não é boa" ([1942]: 285 e 298). Justifi-
cando essa avaliação, ele repete as queixas que Amadeu Amaral tinha dirigido à
pela "tradição religiosa da 'caridade', de auxílio a pobres e doentes [...] ainda não
sabem brincar de proteger as ciências nem as artes como seus luminosos colegas
projetos da SEF, teriam permitido "a fixação de uma tendência nova, muito mais
23 — Oneyda Alvarenga relata que, com a saída de Mário, tentou-se salvar a Sociedade de Etno-
grafia e Folclore nomeando como seu presidente Nicanor Miranda, que pouco participara de
suas atividades até então, mas que foi um dos poucos membros da equipe do Departamento que
conseguiu as boas graças do novo governo municipal (Alvarenga, entrevista). Como Miranda
não tinha grande interesse na Sociedade, ela, sem ter sido formalmente extinta, acabou deixan-
do de existir.
24 — Esse artigo foi escrito, como revela sua correspondência com Paulo Duarte, em 1942 (cf.
Duarte, 1972: 254), para a coletânea organizada por Rubens Borba Moraes e William Berrien, e
publicada em português apenas seis anos depois.
25 - Também nesse último, Mário de Andrade teve atuação destacada, tendo sido o autor do seu
primeiro anteprojeto — bastante alterado em relação à versão definitiva, diga-se de passagem —
e, durante muito tempo, seu delegado em São Paulo (cf. Andrade, 1981). Durante o período em
que permaneceu no Rio de Janeiro, trabalhando em órgãos do Ministério da Educação, ele che-
gou também a encaminhar ao ministro Gustavo Capanema — que substituíra o seu conterrâneo
Francisco Campos — as "bases para uma entidade federal destinada a estudéir o folclore musi-
cal brasileiro, propagar a música como elemento de cultura cívica e desenvolver a música eru-
dita nacional", que, aparentemente, não foi adiante (Schwartzman et ai., 1984: 90-1). Antes
disso, ele já havia pedido, por carta, a seu amigo Capanema que "salvasse", pelo menos parcial-
mente, o Departamento de Cultura, vítima dos novos governantes de São Paulo que sempre se
opuseram particularmente a iniciativas como "a Discoteca Pública, [e] as pesquisas de Folclore
e Etnografia, [...]" (p. 368). Mais uma vez, ele só obteve naquele momento um meio sucesso.
103
([ 1942]:289).
artigo relaciona outras iniciativas institucionais, bem mais recentes, que tentam
gia, fundada em 1941 por Arthur Ramos e "que estende suas atividades para os
clore, criada por Luís da Câmara Cascudo em Natal, também em 1941, já mencionada
no início deste capítulo (p. 291-2). Não é o caso aqui de descrever detalhadamente
o desenvolvimento de todas elas. Seria importante apenas assinalar como cada uma
delas foi dependente das figuras individuais, mostrando a fragilidade dos seus
do Brasil, para a qual fora indicado Arthur Ramos, cadeira que até então não exis-
tia nos cursos universitários brasileiros27. Embora organizada, segundo seus esta-
tutos, como "sociedade civil com personalidade jurídica", ela funcionava em estrei-
mento de Ciências Sociais da UNESCO, em Paris, onde viria a falecer, poucos meses
depois de assumir o novo cargo. Embora ligada diretamente a uma cátedra univer-
0s quais estava Mário de Andrade), que colaboravam para o seu sustento e partici-
pavam de suas sessões mensais (Azeredo, 1983: 269-80), ela pretendia ganhar, a
médio prazo, uma "dimensão nacional, com sucursais nos estados" (p. 70). Seu
objetivo imediato foi o de "dar início a uma série de pesquisas de campo, dentro de
um espírito científico amplo"; mas, não contando com verbas para tanto, limitou-
de debates, publicando ainda quatro monografias nos seus últimos anos (p. 86).
Talvez a ida de Arthur Ramos para a UNESCO pudesse ter mudado esse panorama,
mas o fim da Sociedade provou que ela era excessivamente dependente de sua
presença.
encontrei qualquer referência, mas foi possível levantar alguns dados sobre o
Federal" que menciona e que teria dado origem a esse Instituto. Sua história —
relatada por Mariza Lira (1953; e também no Doe. 1 6 / 4 9 ) — inicia-se com a indica-
ção de Mário de Andrade, então no seu "exílio" carioca, para coordenar a Comissão
ção de folclore carioca. Resolvendo voltar para São Paulo, ele apenas deixou as
instruções para essa exposição, sendo Joaquim Ribeiro escolhido para substituí-lo.
1941, durante uma semana, ao final da qual o acervo ficou guardado no Hotel Caste-
lo, sede da Comissão. Mariza Lira dirigiu então, em uma carta aberta no Jornal do
autor, o incentivo do escritor paulista foi fundamental para seu interesse pelo
amizade cresceu com a segunda das duas "viagens etnográficas" que Mário reali-
zou no final da década de 1920 ao norte do país, permanecendo quase quarenta dias
n
no Rio Grande do Norte (Andrade, 1976).
Ao procurar, no seu "Adendo", corrigir a ausência de referências à SBF em
sem citar sua fonte) para mostrar as dificuldades que esse encontrou em manter
viva sua instituição. Já em meados da década de 1940, ele se queixava que sua
No final da década, "mais difícil que a lida de Jacob nos campos de Labão, pois não
divisava Lia nem Raquel, parecia a Luís da Câmara Cascudo sua tarefa de presidir a
Sociedade Brasileira de Folclore" (p. 42). Naquele momento, aquela Sociedade, que
se intitulara "brasileira", viu surgir uma outra instituição que se define como
"nacional", a CNFL, liderada por Renato Almeida. Essa contraposição será fonte de
poucos dados que pudemos encontrar sobre sua existência mostram que o impacto
ções populares no estado (cf. p. 41 e Andrade [1942]: 292). Sua existência e suas
justifica o seu diagnóstico pessimista. Mesmo vendo com bons olhos a emergência
de algumas instituições na área de política cultural no período, não pode deixar ver
o resultado final com amargura, já que, apesar do sentido de missão que — seguindo
mostrado
a necessidade de arregimentação dos estudiosos no assunto. Este movimento asso-
ciativo, se ainda muito desprotegido, reflete o desejo seguro de um alevantamento
científico dos estudos folclorísticos no país, e por certo trará resultados, pois além da
estimulação coletiva produtora de maior atividade, tem especialmente o benefício do
controle nas pesquisa e estudos. ([1942]: 291)
estudos:
Eu creio que, com as novas sociedades seria bom reunir os nossos folcloristas mais
importantes, num congresso destinado exclusivamente a decidir certas questões
primordiais [...] para facilitar aos estudiosos a atitude científica, lhes determinando
os campos de pesquisa e os métodos de trabalho, (p. 298)
guiu realizar o congresso imaginado por ele no final do seu artigo. Mesmo assu-
mindo em seus nomes oficiais o epíteto de nacional, nenhuma delas perdeu o cará-
então acanhada capital potiguar. Arthur Ramos poderia ambicionar mais e, de fato
na —, imaginava dar à SBAE "dimensão nacional, com sucursais nos Estados" (Aze-
redo, 1986: 70). De qualquer forma, independente das reais chances de que dispu-
nha para esse projeto, já comprometido pela sua dificuldade em firmar sua prece-
dência no contexto carioca — haja vista sua rivalidade com o Museu Nacional (cf. p.
ligada a um órgão municipal, a SEF foi muito mais longe que suas sucessoras.
Iniciando suas pesquisas com uma expedição ao Nordeste, o próprio Mário, explica-
abarcar com sua pesquisas tudo, "com uma audácia incomparável", de forma que,
Sandroni, 1988:120)
curta passagem de Mário de Andrade pelo Rio de Janeiro marcou bastante o mundo
Ir
folclorístico da cidade. Além de participar, de alguma maneira, de duas das insti-
30 — Paulo Duarte revela que o Departamento era a ponta de lança de um importante item do
programa de governo da candidatura à presidência de Armando Sales de Oliveira, a criação do
Instituto Brasileiro de Cultura (Duarte, 1971: 61). Na época, Renato Almeida, em carta em que
consola Mário após seu afastamento do orgão, reconhece o seu caráter nacional: "Você fez obra,
que transcendeu a sua esfera de ação, pois seu Departamento nunca foi municipal, senão
nacional (o que de mais nacional se tem feito no assunto)" (apud Mello e Souza, 1991: 10).
108
Musical ocupada por Luiz Heitor Corrêa de Azevedo na Escola Nacional de Música.^
193131 (Zamith, 1991). Esses três centros formavam um circuito mais ou menos
para esse network de estudiosos deve ter sido certamente a 42' sessão ordinária da
te-americano de sua geração, Stith Thompson. Fazendo parte de sua viagem à Amé-
rica do Sul, que realizou durante o seu ano sabático na Universidade de Indiana
(cf. Thompson, 1961: 94), ele foi então saudado pelos representantes das três socie-
dades: Arthur Ramos, Joaquim Ribeiro e Luiz Heitor (cf. Azeredo, 1986: 202-3).
das atividades de coleta promovidas por Mariza Lira (cf. lira, 1953: 16), o escritor e
folcloristas cariocas. Ele também mantinha uma antiga amizade com Mário de
Andrade, que conhecera pela primeira vez na famosa leitura de Paulicéia desvai-
sentido, Marina de Mello e Souza registra que, no arquivo de Mário, há várias car-
tas escritas por Almeida, do período de 1936 até 1941 — quando aquele se muda para
o Rio — nos quais este o consulta sobre assuntos de música folclórica (Mello e Souza,
31 — Para um balanço, mais uma vez negativo, de sua primeira experiência no Ministério, ver
Andrade, ([1938]: 28)
— Seu nome aparece nas transcrições das atas das reuniões dessa instituição encontráveis
no livro de Azeredo (1986) como conferencista por duas vezes (cf. p. 123 e 154) e diversas
como participante dos debates que se seguiam às conferências.
33 — A melhor biografia sobre Almeida foi escrita por seu grande amigo e colega de Itamaraty,
Vasco Mariz (1983: 91-115), utilizando-se inclusive de informações e documentos cedidos
pela família.
109
guindo, por fim, constituir uma instituição com o sentido nacional buscado pelos
dois escritores. Apesar do lugar importante que ele ocupava no mundo folclorís-
tico brasileiro, isso não explica o motivo pelo qual ele seria o pesquisador capaz de
Rio de Janeiro, Stith Thompson ainda classifica Luís da Câmara Cascudo como
com Ronald de Carvalho (Mariz, 1983: 97). Vinte anos depois, ele ocupava a posição
ção internacional que criou a UNESCO, definiu-se que cada um dos seus países
todos os assuntos que a eles se referirem" (Boletim do IBECC, 1 (1): 13). O Brasil foi
tério das Relações Exteriores, motivo pelo qual Renato Almeida esteve presente na
foi, desde 1926, diretor do Lycée Trançais do Rio de Janeiro. Como tal, fora convi-
dado pelo governo francês a visitar oficialmente o país em 1947 (cf. Mariz, 1983:
95). Durante essa estadia na Europa, manteve intenso contato com colegas fran-
ceses, como Arnold van Gennep, André Varagnac e A. Marinus 36 . Como resultado
depois, pelas tensões da Guerra Fria. Essas relações garantiram a Renato Almeida
Tendo uma diretoria eleita trienalmente c liderada nos seus primeiros anos
pelo jurista Levi Carneiro, o IBECC, que tinha sua sede no Itamaraty, era composto
cas e culturais cujo contato com a UNESCO ele deveria intermediar, possuindo ainda
tação", "meios de difusão cultural", etc. —, que promovem debates, fazem relatórios
O grande responsável por isso parece ter sido Renato Almeida. Em primeiro
lugar, sua posição no primeiro escalão do Ministério das Relações Exteriores foi
essencial. Formalmente, a CNFL não tinha uma autonomia completa. Por exemplo,
o convite a novos membros devia ser aprovado pela diretoria do IBECC, assim como
era o presidente deste quem deveria assinar os convênios celebrados pela Comissão
ou por suas comissões estaduais. Porém, fazendo parte dessa diretoria, Almeida
Comissão. No final de 1953, ele foi transferido para a chefia do Serviço de Docu-
ata daquela reunião para termos uma idéia da importância que Renato Almeida já
Pediu a palavra então o prof. Celso Kelly. Disse que, não sendo admissível que o sr.
Renato Almeida, alma da Comissão de Folclore, a deixasse, propunha que, por nova
resolução, a Diretoria decidisse que os Secretários Gerais das Comissões Permanentes
pudessem ser diretores do IBECC ou uma autoridade na matéria, escolhida pela Dire-
toria. O prof. Lourenço Filho, presidente Ido IBECC] , declarou que o sr. Renato
Almeida podia continuar como secretário-geral da Comissão Nacional de Folclore,
pois as funções podiam ser exercidas também por membros do Conselho Deliberativo
ou Consultivo; e assim punha a matéria em debate, sendo unanimemente aprovada.
O Presidente apresentou, então, uma segunda proposta, no sentido de que o Secretá-
rio-Geral da Comissão Nacional de Folclore fosse convocado a estar presente às reu-
niões da Diretoria, o que foi unanimemente aprovado. Foi ainda, proposta do prof.
Dante Costa, aprovado um voto irrestrito de agradecimento ao prof. Renato Almeida
— o mais antigo membro da Diretoria, e que incansavelmente ali trabalhara por
vários anos. (Boi. Bib., dez., 1953: 3)
ção de tesoureiro (cf. Boi. Bib., jul., 1955: 2). Em 1963, ele ocupa o cargo de vice-
presidente, tornando-se, por fim, presidente do IBECC de 1965 a 1973 (cf. Mariz,
37 — Para se ter uma visão comparativa, a Comissão de Ciências Sociais só teria se formado em
1956, tendo como integrantes Édison Carneiro, Antônio Carneiro Leão, Luís de Castro Faria,
Darcy Ribeiro, Hermes Uma, Luís da Costa Pinto, Luís Dodsworth Martins e Nilton Campos (cf.
Boi. Bib. CNFL, mai., 1956: 4). Em minha pesquisa, não achei qualquer outra menção às ativi-
dades dessa comissão e a única referência <^ue ainda encontrei sobre outras comissões perma-
nentes foi a de Música, da qual Vasco Mariz se teria tornado o primeiro secretário geral em
1953 (cf. Mariz, 1983: 99).
112
instituto — que aparentemente não tinha uma estrutura burocrática própria muito
mente para a CNFL. Todos os outros membros tinham como responsabilidades fixas
no campo, não pertencentes ao Instituto, mas por ele convidadas. Ela deveria ser
o folclore, a participação nas suas reuniões era muito desigual 40 . Dentre os folclo-
38 — Uma grande colaboração a Almeida era prestada por Iracema Lobo Bethlem, sua secretária
no Itamaraty, que controlava a correspondência e datilografava os boletins bibliográficos men-
sais enviados aos folcloristas de todo o Brasil, acompanhados de noticiários, e os Documentos
da CNFL, esses últimos listados no Apêndice 2 deste trabalho.
39 — Aqueles documentos apresentam uma longa lista de integrantes da CNFL, segundo várias
categorias: Edgard Roquete-Pinto, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos, Lorenzo Fernandes,
Gustavo Barroso, Heloísa Alberto Torres, Arthur Ramos e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, todos
esses enquanto membros do IBECC; um grupo de instituições participantes (com seus repre-
sentantes entre parênteses) composto pela Escola Nacional de Música (novamente Luiz Heitor),
seu Centro de Pesquisas Folclóricas (Dulce Lamas), pelo Conservatório Nacional de Canto Orfe-
ônico (Brasílio da Cunha Luz), pela SBAE (Sílvio Júlio de Albuquerque lima), pelo Instituto
Nacional de Cinema Educativo (Pedro Gouvêa Filho) e pelo SPI (Herbert Serpa); e, finalmente,
por folcloristas especialmente convidados pela diretoria do IBECC, no caso: Cecília Meireles,
Oneyda Alvarenga, Mariza Lira, Basílio de Magalhães, Luís da Câmara Cascudo, Bernardino
Souza, Lindolfo Gomes e Manuel Diégues Júnior.
4 0 — Pessoas já muito comprometidas com outras instituições, como Roquete-Pinto, Heloísa
Alberto Torres (ambos do Museu Nacional) e Arthur Ramos raramente estiveram presentes nas
reuniões. O mesmo pode se dizer de Gilberto Freyre, na época deputado federal, embora, como
poderemos ver, ele fosse consultado para alguns assuntos importantes. Villa-Lobos, músico
consagrado e amigo de Renato Almeida, apesar de seu conhecido interesse pelo folclore, a
113
pstas mais ligados a Mário de Andrade, por uma série de motivos, a participação
jajxibém não era tão grande. Oneyda Alvarenga, em São Paulo, e Luís da Câmara
Cascudo, em Natal, raramente participavam das reuniões. Luiz Heitor, que parece
te r contribuído bastante para a criação da CNFL (Mariz diz que ele teria sugerido a
trabalhar em Paris, na UNESCO, onde passou o resto de sua vida, mantendo-se cada
vez mais distante dos assuntos da CNFL. Com o tempo, outras instituições e pessoas
foram sendo convidadas 41 . Pode-se dizer que, com o tempo, consolidou-se em torno
reuniões e dos congressos, o qual incluía Manuel Diégues Júnior, Joaquim Ribeiro,
tipo: "entender-se com órgãos competentes em cada área, não dispondo a Comissão
de recursos próprios" (cf. Doe. 3 / 4 8 ) . Na ausência desses últimos, ela pôde, afinal,
contar apenas com a dedicação dos folcloristas que nela se integraram sem nenhu-
grande parte o seu sucesso. No final da primeira ata, registra-se que "cogita a
realizar seu programa em todo o país". Já na reunião seguinte, decide-se dar "ple-
partir do qual realizou muitas de suas composições de estiio nacionalista, aparentemente não
tinha tempo para participar da maioria das reuniões. A correspondência da CNFL está cheia
de congratulações pelo sucesso do compositor em suas constantes viagens.
41 — Édison Carneiro, por exemplo, só seria convidado para participar da CNFL em 1951,
tendo, a partir de então, uma atuação intensa.
42 — Ver "CNFL - sua organização, diretivas, programas", in: Does. CNFL 1948.
(114
para um intelectual do estado que seria seu secretário geral. Com a aceitação do
dade dessa homologação, a escolha dos secretários gerais cabia sempre a Renato
Almeida. As indicações para o cargo, quando ele não dispunha de nomes que
Bahia, ele achou melhor pedir ao presidente da Academia Baiana uma sugestão,
sendo apontado Antônio Vianna, que, segundo sua própria filha, ainda não havia
indicara (Vianna, 1992: 276). Isso não impediu que a Comissão Baiana, como
/Uma das explicações para isso é que, como irei desenvolver com mais deta-
lhes no meu quarto capítulo, junto com a nomeação formal, Almeida dirigia aos
Guilherme dos Santos Neves, que o secretário da CNFL conheceu quando o primeiro
que Almeida comparecera como diretor do Lycée — o trabalho "O folclore nas esco-
las" (cf. RA/GSN, 29/03/48, Corr. exp.). Santos Neves organizara em 1946 a Acade-
Porém, afirma, como uma Subcomissão da CNFL, ela estaria agora "melhor e mais
justas como o paulista Alceu Maynard de Araújo 43 a fundar, por iniciativa própria,
comissão criada como um "elo desta grande corrente que reunirá os folcloristas de
doutrinário. Na verdade, elas dependiam muito desse secretário, que, "pela organi-
zação do IBECC", era, como define em carta Renato Almeida, "a alma viva de todo o
secretário, e, quando este era obrigado a dela se afastar em função de outras ocupa-
Andrade, implicava diversas vantagens. Numa área de estudos que toma por objeto
43 - Vimos que Édison Carneiro o qualificava com um dos folcloristas que estiveram à margem
da CNFL. Alceu Maynard de Araújo participou ativamente dos primeiros anos da CNFL, desen-
volvendo uma intensa amizade com Renato Almeida. Mas, em função de uma briga pessoal com
o secretário geral de São Paulo, Rossini Tavares de Lima, ele se afastou, a partir de 1951, do
movimento folclórico.
(116
folclore.
Andrade no final de sua vida. Eles foram precedidos pelas Semanas de .Folclore, a
em São Paulo, Porto Alegre e Maceió 44 — já permitido o contato dos principais líde-
enfim, debater seu programa comum. Nesse último encontro, como resultado dos
mento que ela apresentava. O grupo que era antes definido frouxamente como a
passa a ser definido como o seu Conselho Técnico-Consultivo. Acima desse, está o
Conselho Deliberativo da CNFL, composto pelo secretário geral, por sete delegados
folclórico. Dessa forma, o único contexto em que esse Conselho Deliberativo pode
após. É ele, portanto, que vota e aprova a Carta, assim como as diversas moções que
cada uma dessas reuniões apresenta e que serão analisadas nos capítulos seguintes.
desses eventos. O mesmo, porém, não ocorria com a atividade cotidiana de pesquisa
que se esperava das comissões estaduais e que elas tinham grandes dificuldades de
implementar.
da criação de órgão para proteção e defesa do folclore, tema que será objeto do pró-
ximo segmento deste capítulo. No plano estadual, surge uma idéia mais imediata,
definiu um modelo de convênio que poderia ser celebrado entre elas (representa-
das oficialmente pelo IBECC), e os respectivos governos estaduais, nos quais esses
maioria dos estados em que havia comissões estaduais ativas — embora não em todos
—, não significou um sucesso completo, uma vez que o apoio e a transferência das
que caracterizava esse movimento no período dominado pela CNFL. Para esclare-
45 — Essa última denominação se deveu ao fato delas poderem se organizar em qualquer unida-
de da federação (menos o Distrito Federal, onde já estava a Comissão Nacional). Mas, como não
existiu qualquer comissão nos então territórios federais (nem percebi qualquer esforço nesse
sentido), elas passaram a ser chamadas mais comumente de Comissões Estaduais. É esse nome
genérico que venho utilizando aqui.
(118
nio do Rio Grande do Norte, estado onde as relações pessoais com o governador
rista fez com que ele fosse incluído, desde o início, na Comissão Nacional — depois
em relação a Oneyda Alvarenga, que dirigia a Discoteca Pública de São Paulo. Logo
solicitando que a submetesse ao exame da CNFL ( 2 5 / 0 2 / 4 8 , Corr. rec.). Com isso, ele
folclóricas".
porém, receber várias críticas, a mais veemente delas vinda de Joaquim Ribeiro.
Nela, este afirma que "esse assunto não deveria ser ventilado individualmente",
pois "a terminologia científica, de regra, é definida e consagrada por consenso dos
cientistas, acima de critérios nacionais e, muito menos individuais" (p. 1). Mais do
"dificultosa" (p. 2). Nos documentos seguintes editados pela CNFL, duas outras
toxionomias folclóricas são sugeridas pelos seus membros: Renato Almeida faz um
(Doe. 1 1 / 4 8 : 1); enquanto que Mariza lira reproduz a classificação que utilizou na
Exposição que coordenara em 1941 — narrada acima — ressaltando que não queria
impor o seu ponto de vista sobre o tema, que seria decidido pelo I Congresso Brasi-
(119
jeiro de Folclore, que "deverá ser realizado ainda no corrente ano de 1948" (Doe.
Embora o congresso não tenha sido realizado nessa data, seu anúncio assina-
la uma nova orientação nos Estudos de Folclore introduzida pela atuação da Comis-
entidade que poderiam ter sido consultados são certamente todos seus discípulos,
incapazes de discutir no mesmo nível com aquele que sempre reinou nos Estudos
de Folclore do Rio Grande do Norte. Agora, porém, os critérios pelos quais o folclo-
re brasileiro seria investigado deveriam provir de uma decisão coletiva, e, cada vez
passou a ser discreta. Renato Almeida, sempre diplomático, procurava dar mostras
convida Manuel Rodrigues de Melo para ser seu secretário geral, nome indicado
por Cascudo para o cargo. A carta é escrita segundo um modelo relativamente fixo,
tadas as suas funções e os direitos e deveres que lhe cabiam frente à CNFL. Além
esclarecia que ele deveria trabalhar "em harmonia com Luís da Câmara Cascudo e
46 — Além de Cascudo, mereceram essa deferência apenas Gustavo Barroso, que recomendou a
secretária cearense Henriqueta Galeno (RA/HenG, 3 1 / 0 3 / 4 8 , corr. exp.), e Gilberto Freyre,
que indicou o secretário pernambucano Getúlio César, que deveria estar, segundo a carta-
convite, "sempre em contato" com aquele sociólogo (RA/GC, 0 9 / 0 3 / 4 8 , Corr. exp. e GF/RA
09/03/48).
(120
pseudo não tenha receio, pois este será o nosso orientador em tudo" ( 2 3 / 1 1 / 5 0 , CE
Cascudo tinha ótimas relações com o prefeito de Natal no final dos anos
(je Melo, discípulo dileto de Cascudo, como seu chefe de gabinete. Terminado seu
cia bem, manda-lhe uma carta, felicitando-o pela eleição e pedindo para que não se
de Melo, "é meio desanimado (isso aqui entre nós)", mas destaca que wo Veríssimo é
dinâmico e pode fazer muito". Ressalta também que o Rio Grande do Norte tem que
ter uma participação importante no I Congresso, já que "essa terra, graças ao nos-
gerais que se haviam revelado até então pouco operantes. O Rio Grande do Norte
era até então uma das principais decepções. Como se pode depreender por cartas
conforma com sua saída comentando inclusive que o novo titular, Hélio Galvão,
Não pude checar se esse último argumento seria apenas um consolo ofereci-
ano, o governador eleito do Rio Grande do Norte morre, assumindo Sylvio Pedroza.
vários estados já terem assinado os seus convênios, o Rio Grande do Norte, que con-
(121
0 sobre as negociações com o governo estadual. Após um certo tempo, ele lhe
[...] Natal possui quatro estudiosos da matéria. E duas entidades a ela dedicadas. A
Sociedade Brasileira de Folclore e la representação brasileira do] Club Internacional
de Folclore47, que contam com o desvelado carinho de seus respectivos fundadores,
Câmara Cascudo e Veríssimo de Melo.
Vê-se desde logo a impossibilidade de dar vida a uma terceira entidade. Desde que o
Manuel Rodrigues de Melo já se tinha previamente desobrigado, restaria a Comissão
Estadual somente o meu concurso. Faz verão uma só andorinha? (HG/RA,
12/03/52, CErec.)
que motivou uma segunda carta de Almeida, que teria novamente interrogado
Galvão sobre o assunto. Este último, então, envia novas explicações, onde é mais
menciona que a SBF já tinha nos seus primeiros anos uma subvenção do governo
do Estado (1962b: 41). Isso cria um impasse que levará Renato Almeida a fazer ges-
do, aproveitando uma vinda do governador ao Rio de Janeiro (cf. RA/SP, 16/06/52,
Corr. exp.), após a qual Almeida comunica a Galvão a notícia, instigando-o: "o ins-
trumental de trabalho está pronto e tudo o que se trata, agora, é de seu cumpri-
mento" (11/10/52, Corr. exp.). O ato formal, entretanto, não garante a ativação da
comissão potiguar e Galvão nem responde à carta (cf. RA/SP, 26/12/52, CE exp.)/
texto de Édison Carneiro que iniciou este capítulo, foi objeto de muita especulação.
47 — Esse "Club" foi uma associação formada por folcloristas de diversos países relacionados
com Cascudo. Voltarei a ele e aos conflitos que sua organização no Brasil gerou em minhas
conclusões.
(122
pias que prefere permanecer morando em Natal, longe dos grandes centros inte-
lectuais brasileiros 49 . Isso obriga Almeida, que tinha Cascudo como um de seus
amigos pessoais, a entreter, como secretário geral da CNFL, uma relação ambígua
sua relação com Cascudo, a sua — que é positiva — e a de seu colega de Itamaraty e
Essa última deferência a Cascudo não foi a única que ele recebeu do secretá-
rio geral da CNFL. Almeida sabia do lugar que o primeiro ocupava nos Estudos de
tos relativos à sua posição nesse movimento e voltarei ao tema em outros momentos
de meu trabalho, mostrando como essa era uma questão chave para se compreen-
der como se articula o movimento folclórico. No que diz respeito à forma pela qual
48 — No "Adendo" ao seu artigo sobre a "Evolução dos Estudos de Folclore no Brasil", Édison
^arneiro apresenta a longa lista de folcloristas estrangeiros que se correspondiam com
Cascudo (p. 41-2).
f ? 9 ~ Américo de Oliveira Costa relata que Afrânio Peixoto teria qualificado Cascudo como um
^Provinciano incurável". Citando um livro desse último (Nosso amigo Castríciano), reproduz
m trecho que corrobora essa interpretação: "Provou-me que a vida interior, quieta, humilde,
.compreendida, iluminada pelas fadas do conhecimento, pela sensibilidade constante, pela
lidSdiaÇã0 a s c e n c i o n a l > determina a independência das compensações exteriores, a dispensabi-
e r l d °. S a p l a u s o s > o s ^ p u l s o s votivos de estímulo. Graças a esse mundo interior, suficiente
5 0 ^ n i n o , fiquei na província e trabalhei sem prêmio "//(apud Costa, 1969: 10)
lev M a r Í Z n à o e x P l i c i t a a fonte de onde extraiu a opinião de Paulo de Carvalho Neto, o que nos
a a acreditar que essa tenha sido uma comunicação pessoal.
4
123
poderia assumir uma secretaria estadual. Porém, qualquer folclorista potiguar que
o fizesse ficaria localmente ofuscado por Cascudo, fazendo com que o estado que
Estudos de Folclore no Brasil, abordar sua maior conquista nesse campo, a criação
da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Mais uma vez, não pretendo descre-
ver com detalhes a sua trajetória até 1964, mas discutir as conseqüências que seu
tos particulares poderão ser focalizados mais de perto, como foi acima o caso daque-
51 — Quando, em 1956, Renato Almeida pede a Veríssimo de Melo que assuma a secretaria do
Rio Grande do Norte, ele lamenta que um estado "onde há valores reais" não participe da CNFL.
Entre esses últimos, deixa claro, ele "exclui o nosso querido Cascudo, nosso companheiro da
Comissão", ao qual nunca pediu "nada no sentido regional". Aparentemente, Veríssimo, sendo
principal discípulo de Cascudo e participando intensamente de projetos desse último (como o
Club Internacional de Folclore), não havia sido cogitado para essa missão. Nesse momento, ele
i aceita, mas não chega nem a participar dos últimos congressos do movimento folclórico (cf.
fcA/VM, 0 2 / 0 8 / 5 6 , corr. exp.).
(124
apenas na medida em que nos ajudem a compreender melhor esses aspectos. Por
essa análise nos irá permitir um balanço dos diferentes projetos institucionais
intelectual no Brasil.
Amaral, passando pela Sociedade privada apenas apoiada por um órgão federal de
Renato Almeida expressa sua convicção de que proteger o folclore "não é tarefa de
estudiosos nem de alguns homens de boa vontade, é obra do Estado" (II SNF, 1950:
apelando para o Presidente da República para que crie "um organismo, de caráter
Vista, depois de ter sido convidado pelos folcloristas que foram em audiência a seu
gabinete. Os dois encontros parecem ter sido auspiciosos para os planos do movi-
52 — No mesmo documento, a CNFL também dirigia "um apelo às autoridades competentes, pro-
pondo a criação, nos cursos de Ciências Sociais e de Geografia e História das Faculdades de
Filosofia, da cadeira de Folclore, na qual se ensinem, em uma parte geral, os métodos de pes-
quisa, observação e análise dos fatos folclóricos em todas as suas modalidades, e, em parte
especial, as formas e processos do folclore nacional" (p. 82).
(125
jnento folclórico 5 3 . Após a audiência, Renato Almeida dirigiu carta circular aos
-de [sic] encontro a antigas idéias suas, para proteger as artes tradicionais do povo
rado", prometendo "auxiliar tais realizações na medida que lhe fosse possível"
(26/05/51, corr. exp.). Encerrado o congresso, junto com a carta enviada a todos os
com o suicídio de Vargas, sem que qualquer passo nessa direção tenha sido tomado.
/No ano de 1957, porém, quando se realizava o III Congresso Brasileiro de Fol-
tschek enviou um discurso, lido no plenário pelo Ministro Paschoal Carlos Magno,
Lima.
Cl6vis Salgado, ele confessa sua surpresa pela "exclusão oficial da Sociedade mais
idoneidade cultural dos nossos colegas do Rio de Janeiro", ele se queixa da desvalo-
excluiu "oficialmente do Folk-lore [sic] quando [era] o responsável pela pior [sic] e
ministro uma carta delicada onde este esclarece que o grupo de trabalho foi criado
Envia-lhe o projeto elaborado pelo grupo 54 , afirmando que, uma vez sancionado
precisam ser apreciadas com máxima urgência, deixa entrever que elas foram
1958), estava prevista uma organização com uma dualidade estrutural básica que
opunha o seu diretor executivo ao Conselho Técnico. Este último, com cinco mem-
cados à resolução de problemas que exigiam uma intervenção mais urgente. Veremos que os
jolcloristas ficaram insatisfeitos com esse arranjo, tentando desde logo transformar a CDFB em
nstituto. Antes disso, em 1951, outra instituição havia sido criada com uma denominação
semelhante: a CAPES (Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior), voltada
Para a qualificação de docentes universitários (Corrêa, 1988a: 14), e que hoje, com funções
ampliadas, tornou-se também permanente.
(127
Para esse último cargo, o Ministro Clóvis Salgado nomeou Mozart Araújo, um
folclorista de sua confiança, sem qualquer ligação prévia com o movimento folcló-
CNFL: além de seus membros natos — Araújo e Almeida, este na condição de secretá-
* rio geral da CNFL — estavam três dos quatro outros integrantes do grupo de traba-
iho: Ribeiro, Diégues e Carneiro. Cascudo, mais uma vez, de fora. Com essa dualida-
esse tipo de acusação, Mozart Araújo tenta justificar sua atuação em uma carta
Com esse último na direção, indicado pelo governo Jânio Quadros e mantido
pelo de João Goulart, foi ampliado o Conselho Técnico, no qual foram incluídos os
56 - Preocupação que também foi, na época, de Renato Almeida, como revela a carta que envia a
ascnoal Carlos Magno, que, segundo ele, "apadrinhou" a criação da CDFB, pedindo-lhe que
nterviesse junto ao Governo para impedir o "imobilismo" de Mozart de Araújo (cf. 0 3 / 0 4 / 5 9
t o rr.exp.). '
D u r a n t e e s s a gestão, que Carneiro qualifica como de " dolce far niente", teriam sido
penas aprovados dois prémios a monografias folclóricas e dois projetos de pesquisa, ainda não
meiramente concluídos, um de Joaquim Ribeiro sobre a região de Januária em Minas Gerais e
s o b r e ° samba, a ser coordenado pelo próprio Carneiro (cf. Carneiro, 1962a: 60).
(128
Çâ40 que demonstrou em seu primeiros meses, Édison Carneiro reconhece, "em face
doS planos de economia do governo, que reduzem pela metade as despesas públi-
cas", as difíceis perspectivas para o biênio 1962/63 (p. 61). Dessa forma, a conjun-
t a de crise política e fiscal que caracterizou o governo Goulart parece ter preju-
Carneiro, que talvez tenham auxiliado sua permanência no órgão durante aquele
fechada no dia primeiro de abril com um cartaz na porta que tinha estes dizeres:
nência de Carneiro, surge uma articulação para salvar o órgão, que seria assumido
por Renato Almeida, sobre o qual não recaíam suspeitas ideológicas. Somente em
agosto Almeida é nomeado, mas num quadro marcado pelo afastamento de vários
de congressos que haviam caracterizado a sua atividade até então. O relativo declí-
58 — Desde 1963, Carneiro pertencia ao Comando dos Trabalhadores Intelectuais, "frente úni-
ca, democrática e nacionalista" constituída para dar apoio ao programa de reformas de Goulart
e sob a influência do Partido Comunista (cf. Pécaut, 1989: 127).
59 — Além de Carneiro, segundo o depoimento de Sales, Bráulio do Nascimento também teve que
se afastar. Outro integrante da equipe, Mauro Vinhas, aparentemente impressionado com os
sons das torturas realizadas na delegacia do DOPS na parte de baixo do prédio em que se
encontrava a CDFB (na rua Pedro Lessa, no Centro), suicida-se com uma bala na cabeça no dia
três de março.
60 — Ainda conforme Vicente Sales: "Édison foi acusado de corrupção, mas [...] foi um homem
que empenhou as jóias da mulher para pagar salários de funcionários de baixa renda [...] na
época em que o governo não soltava dinheiro paira sustentar a repartição. [...] [Ele] provou tudo;
nesta parte financeira, ele saiu absolutamente sem nenhum arranhão, mas [tudo isso] incomoda
e isso deve ter concorrido para agravar os seus males físicos, até morrer precocemente."
(129
Carneiro — será objeto das primeiras páginas de minha conclusão. Minha descri-
to do órgão que representa seu maior sucesso, provocado pela influência direta,
co, busca como modelo a antiga proposta de Amadeu Amaral. Vimos que Carneiro
realizar a coleta primária que julgava indispensável (p. 51). Esse último ponto,
Folclore, tinha sido realizado, talvez numa abrangência que Amaral nunca havia
lho" traçado pela Comissão, mas pouco pôde ser feito nessa direção. A idéia de um
tentativas como veremos nos capítulos seguintes. Mas as verbas e os recursos para
r0 chega mesmo a identificar esse último à Sociedade proposta por Amaral. Quando
p 0 r Amaral, uma vez que, como vimos, mesmo ao formular esses planos pela
primeira vez, seu idealizador já se encontrava com fortes dúvidas acerca de sua
qualquer forma, nada nos leva a crer que ela incluísse uma participação que não
inclua alguma forma de apoio à atuação dos pesquisadores individuais. Esse apoio,
diferentemente do que pensava Amadeu Amaral, passa a ser visto como de origem
como organismos de apoio à pesquisa e à criação. Mais do que isso, elas se mostra-
vam pouco protegidas das influências do campo político, o que derivava do fato
Projetos mais ambiciosos e produzindo uma trajetória mais sujeita a altos e baixos.
(131
O IHGB, por exemplo, que desde a sua fundação tinha no governo imperial —
mação política de uma nação unificada — o seu principal apoio (cf. 1989b), sofre
vida política da República Velha. Nesse sentido, Vargas, nos primeiros anos de seu
governo irá tornar-se "uma espécie de mecenas do IHGB" (Guimarães, 1991: 74),
até que discordâncias subseqüentes façam com que esse apoio decline.
nesse grande painel nacional ambicionado pelo IHGB, leva à fundação de institutos
Porém, vimos ao longo deste capítulo que a Comissão não é o ponto de partida
demia de Letras local, o Instituto Histórico Baiano cedeu suas instalações para serem a sede da
Comissão de Folclore local e custeou inicialmente as despesas de expediente (AV/RA,
1 1 / 0 8 / 4 8 , CE rec.)
(132
Almeida numa das cartas em que ainda procurava incentivar Hélio Galvão em
Já entrei em contato com todas as Comissões Estaduais e tenho sentido que são
idênticas as dificuldades, oriundas por via de regra de nosso fraco espírito associativo.
Acontece, porém, que pelo estatuto do 1BECC, as comissões não são sociedades
privadas, são órgãos do Instituto e vivem pelo seu secretariado-geral, ao qual incumbe
toda a direção executiva. (10/05/51, CE exp.)
dinamizam o movimento folclórico, mas são ainda frágeis, pois dependem quase
sempre das relações pessoais com aqueles governos./^Ao comemorar os dez anos da
:NFL, quando ela já tinha uma história de sucessos, refletidos nos vários congres-
Se a Comissão Naàonal de Folclore tivesse sido uma sociedade civil, uma instituição
particular, penso que não poderia ter ido adiante, pois somos pouco associativos e
diversas tentativas anteriores, posto que conduzidas com inteligência e amor, não
tinham vencido. [...]
Foi o IBECC — organismo para-estatal, instituído por lei e em virtude de uma
convenção internacional, a fim de ser um comissão nacional da UNESCO — que deu
abraço à Comissão e, com uma inabalável confiança em todos nós, permitiu [que]
realizasse seus intentos, na medida das nossas possibilidades e bem além de seus
parcos recursos. (Doe. 392/58:1)
do numa data comemorativa, esse trecho mostra que, para os folcloristas, a sua
cional. Como tal, os recursos de que ele dispõe são extremamente reduzidos, depen-
de governos estaduais. Por isso, desde cedo, segundo as palavras de Édison Carnei-
por "um órgão capaz de, com verbas oficiais, imprimir um ritmo firme ao estudo e
escolha de seus dirigentes e, por fim, na demissão de seu diretor por motivos ideo-
lógicos^ O declínio do movimento folclórico tem várias causas, que serão examina-
das também nos capítulos seguintes. Mas podemos encerrar essa primeira análise
seguir, com mais detalhes — o movimento folclórico alcançou o seu auge em termos
tivas anteriores, que só vingaram quando contavam com um apoio oficial por trás.
como "frouxa e maleável", acabou se revelando importante, uma vez que, por essas
tendo obtido vários apoios locais. Os secretários gerais não eram agora meros cor-
federal. Apesar do nome, foi a "comissão" que deu de fato à atuação dos folcloristas
ção dos Estudos de Folclore seria capaz de fornecer, além de recursos, uma orien-
dos componentes dessa estratégia, pouco mencionado aqui, mas que muito preocu-
pou os folcloristas, como veremos no próximo capítulo, foi a introdução desse tema
necessários, também o era balizar sua atuação a partir de critérios científicos que,
governador potiguar Sylvio Pedroza a apoiar a comissão local, fala dos progressos
do movimento folclórico:
Está na Câmara, proposto pelo deputado catarinense Wanderley Jr., um projeto crian-
do uma cadeira de Folclore nas faculdades de filosofia. Creio que será essa a maior
conquista em toda essa nossa atividade, porque garante o estudo sério, acaba com toda
a improinsação auto-didata e prepara especialistas. Queria solicitar-lhe, com todo o
empenho, que se interesse junto à sua bancada, afim de apoiar essa iniciativa, em que
os folcloristas do Brasil põem tantas esperanças. (16/06/52, corr. exp.)
desse projeto na Câmara, o diálogo com as Ciências Sociais que se faziam nas facul-
dades de filosofia irá tornar-se tenso nas década de 1950. A forma pela qual se arti-
desse processo suas relações terminarão por não serem tão cordiais como o foram
de uma disciplina, e que explica em grande parte a ênfase que esse tema tem rece-
de
uma renovação sistemática dos quadros que irão compor essa carreira. Esse era um
aspecto que podemos verificar através da carta de Renato Almeida, citada no final
reforçando a identidade comum que une aqueles que o integram. O texto de Lucia-
pela expansão da organização social dessas atividades, essa expansão pode atender a
/O histórico dos Estudos de Folclore, proposto por Édison Carneiro, com cuja
análise iniciei o capítulo anterior, nos servirá mais uma vez de ponto de partida.
caracterizariam não só por seus esforços no plano institucional, mas também pela
campo em que hoje se situam as ciências sociais Jato sensu. A superação dessa
prio do folclore. Ele sugere isso claramente ao iniciar a descrição do período ante-
parte da literatura" (p. 47). Essa assimilação é apresentada como uma espécie de
pecado original dos Estudos de Folclore, do qual eles só se teriam livrado gradativa-
Sociais. Antonio Candido, numa análise que se tornou clássica, afirma que,
1 - A referência aos estudos lingüísticos, que, não sendo tão fortes institucionalmente, pare-
cem ter preocupado menos os folcloristas, traduz uma característica do processo de formação
do proprio campo do folclore no resto do mundo, que, através da análise da literatura oral era
uma fonte importante para o estudo da linguagem popular e dos dialetos regionais. No Brasil,
essa area esteve desde o início ligada diretamente ao campo literário, como exemplifica á
sugestão de Amadeu Amaral para que se realizassem pesquisas folclóricas numa Comissão de
uialetologia na Academia Brasileira./
2 - Além da visão literária do folclore, apenas a perspectiva que o aproximaria da psicologia
merece, dentre aquelas que ameaçariam a autonomia dos Estudos de Folclore nos seus primei-
ros tempos no Brasil, referências concretas no texto, através da crítica discreta a João Ribeiro
e Arthur Ramos (p. 54-5). Mas a relação do movimento folclórico com esses dois autores não
deixade ser mais tolerante. João Ribeiro, autor influenciado pela Völkerpsychologie alemã
[ct. Ribeiro, 1919) sempre mereceu um certo reconhecimento no movimento folclórico uma vez
que era pai de um dos seus mais destacados representantes, Joaquim Ribeiro. Arthur Ramos -
que merecera mais comentários no decorrer deste capítulo - reintroduziu no nosso mundo
intelectual essa tradição alemã, atualizada através da influência da psicanálise e da chamada
tscola Historico-Cultural, tendo, por sua vez, influenciado vários membros da CNFL, princi-
palmente o próprio Carneiro.
(138
«diferentemente do.que sucede em outros países, a literatura tem sido aqui, mais do
(1953-5: 130). Esse autor chega a afirmar que a grande influência que o discurso
literário teria exercido sobre nossa vida intelectual fez com que apenas em 1939
insights presentes nos seus trabalhos, todos esses autores estariam ainda excessi-
flivro [1967] — a Sociologia teria aparecido como um "ponto de vista" e não como um
p.
impulso para a "pesquisa objetiva da realidade", o que faz com que componham um
filosofia e a arte", que seria "uma forma bem brasileira de investigação e desco-
berta do Brasil". Ao dizer que esses trabalhos não seriam estritamente sociológi-
intelectual nesse período, embora isso não significasse absolutamente a sua profis-
rigor grave da ciência objetiva à expressão literária que dominava nossa cultura.
nova visão científica de nossa realidade social, como era o caso de Eucüdes da
marcada muito cedo por essa tensão entre a Literatura e as Ciências Sociais, tensão
que também aparece na trajetória dos Estudos de Folclore tal qual é resumida por
sociedade brasileira, Sílvio Romero — o nosso primeiro grande crítico desse movi-
mento estético — pode ser caracterizado como um dos responsáveis pela emergên-
cia desse estado de tensão. Esse aspecto nos escaparia, porém, se adotássemos
nossos estudos folclóricos. Entretanto, também aqui, uma análise mais detida nos
lise sistemática de nossa história literária (cf. Romero, [1943]). Os estudos folclóri-
cos inserem-se nesse projeto através de uma coletânea de nossas tradições orais
realizada com uma abrangência inédita até então (1954a e b). Em compensação, ao
longo de toda sua obra, se revela, nas palavras de Antonio Candido, uma postura
(140
sigência com a qual defendia a visão de que a obra literária "só pode ser compre-
Romero terminava por avaliar o valor dos escritores brasileiros que examinava a
mento de progresso social ou meio de conhecimento objetivo" (p. 40). luma vez
sucedidas incursões pela poesia, ele passou a atribuir sua forma de escrever dura e
ra e Ciência irá aparecer nesse autor de uma maneira inversa à que se tornará
te sobre as questões sociais, sua obra se caracterizou pela tentativa dar um trata-
conhecimento. Ele expressa sua identidade como intelectual através de uma defi-
3 - Reconhecendo esse traço, excepcional em uma época em que o bem escrever era uma quali-
dade essencial para um intelectual, vários comentadores tentaram mostrar como seu estilo
seria ajustado à maneira pela qual esse autor concebia sua tarefa crítica: "[Sua] linguagem
tinha que ser como ele próprio: um instrumento de luta e de conquista da vida, sem nenhuma
preocupação de beleza" (Rabello, [1944]: 193).
4 — Nesse momento, a vertente cientificista que defende não propriamente a especialização,
mas pelo menos a definição de fronteiras mais precisas entre os saberes que abrangem as ciên-
cias sociais, lato sensu, é representada pelos positivistas ortodoxos como Miguel Lemos. É o
que se verifica na resposta de Romero à crítica desse último autor à "anarquia científica de
nosso tempo", onde se multiplicavam descontroladamente "todas essas ciências novas que se
denominam antropologia, etnografia, pré-história, ciência das religiões...'' (apud Romero,
1980: 144). Sílvio Romero defende essa multiplicação disciplinar, à qual acrescenta no texto
em questão uma outra recém-criada pelo alemães — a Völkerpsychologie — e, afirmando que
todas essas devem ser convocadas na tarefa de compreender a nossa "psicologia nacional",
rejeita a imutabilidade que os positivistas atribuíam ao quadro das ciências elaborado por
Augusto Comte, no qual reinava sozinha, no campo das ciências sociais, a Sociologia.
(141
/...] para mim a expressão literatura tem a amplitude que lhe dão os críticos e histo-
riadores alemães. Compreende todas as manifestações da inteligência de um povo: —
em política, economia, arte, criações populares, ciências... e não, como era costume
supor-se no Brasil, somente as intituladas belas letras, que afinal cifravam-se quase
exclusivamente na poesia !... (Romero, 1980: 58)
qUe o literato gozava no campo intelectual de sua época, Romero reconhece essa
acesso para a compreensão de seu "caráter nacional" 6 , tema que persegue em toda
rico como os precursores de uma perspectiva científica para essa área de estudos
como aquele primeiro autor executou seu programa, Amadeu Amaral e Mário de
fizesse de uma forma científica, isenta dos impressionismos literários que domina-
Nesses dois autores, a relação entre suas atividades como folcloristas e como
literatos será tensa. Vimos no capítulo anterior que Amadeu Amaral era poeta par-
nasiano e seu prestígio levou-o à Academia Brasileira de Letras. Porém, não só seu
estilo poético em nada refletia seu interesse pelo folclore, como, segundo Paulo
Duarte, no período em que começou a dedicar-se mais detidamente a esse estudo, ele
parou de escrever poesia (1976: 56). Mário de Andrade, por sua vez, procurou
5 — Em seus textos, ele define canonicamente a crítica como "a parte da lógica aplicada que,
estuda as condições que originam as leis que regem o desenvolvimento de todas as criações do
espírito humano", verificando "o bom ou mau emprego de tais leis pelos escritores que de tais,
criações se ocuparam" (Romero, 1980: 343-4). Segundo Antonio Candido, a crítica acabou se
tornando, em última análise, a "denominação genérica com que [Romero] caracterizava sua
atitude mental" ([1945]: 109).
6 - Em 1871 — portanto, com dezenove amos de idade — Sílvio Romero já escrevia um artigo
intitulado "O caráter nacional e as origens do povo brasileiro" (cujas conclusões são
reproduzidas em Mendonça, 1938: 74-75). Esse título poderia resumir toda a trajetória dos
Estudos de Folclore tal como a acompanharemos na parte final deste capítulo.
(142
piais que tenha demonstrado nessa obra o seu grande conhecimento acerca da
Quando Amaral fez suâ proposta para que a Academia coordenasse a pesqui-
sa folclórica no Brasil, pudemos ainda ver presente nela a idéia de que os estudos
ponto, centralizar" os nossos Estudos de Folclore seria para esse autor "óbvia":
Embora entrando por certos lados nos domínios de outras especialidades, mais defini-
das, o estudo das tradições populares não vai sem o auxílio constante da literatura e
da erudição em geral. São os homens de letras, e, notadamente, os homens de muita
leitura e com certo gosto e inteligência dos métodos científicos de observação, de
comparação e de crítica, os que se acham indicados para tomar parte nessa tarefa.
(Amaral, 1948: 30)
O papel dos literatos, imagina esse autor, seria o de "rasgar caminhos", ou seja, de
disposição
Enquanto em Sílvio Romero essa etapa recaiu exclusivamente sobre suas costas, a
vo. Em seguida, haveria ainda três passos a serem dados: o material folclórico cole-
tado seria objeto de pesquisas pelas diversas ciências sociais, serviria de motivo de
^ento folclórico, cabendo sua coordenação não mais aos "homens de letras", mas
ao próprio "folclorista", personagem que não parece ter muita nitidez para Ama-
Assim, nesse artigo, ele faz uma profissão de modéstia em relação ao tema:
Não sou folclorista profissional, não ando propriamente "enfronhado" nesta ordem de
assuntos, não pretendo de modo algum entrar em competência com os que nela toma-
ram assento eganharam uma autoridade difícil de conquistar. [...] eu só dispunha de
arraigada convicção, [...] de que estes estudos podem e devem ser muito desenvolvi-
dos e intensificados, com maior vantagem da ciência, do nosso país, e também daque-
les próprios que têm para eles excepcionais e já provadas aptidões, (p. 27)
tico que atribuiríamos às suas atividades, dando a esse adjetivo o sentido que
brasileiro, todos os folcloristas dessa época eram ainda "amadores", isto é, dedica-
à política — como ocorrera com Sílvio Romero. Dispondo de uma coluna folclórica
num importante diário de São Paulo e tendo publicado o seu Dialeto, ele poderia
considerar-se numa posição razoável dentre aqueles que se dedicavam a esses estu-
dos no Brasil do seu tempo. Apesar de tudo isso, Amaral era um homem exigente do
ponto de vista intelectual, inclusive em relação a sua própria obra 7 . Assim, mesmo
intitulando-se um "amador", grande parte dos seus estudos serão marcados pelas
tantismo" através das quais Édison Carneiro caracteriza a ação renovadora daquele
autor em sua época (Carneiro, 1962a: 50). Diletantismo esse que, nas palavras do
não tem, na verdade, nem a curiosidade científica nem a gravidade, nem a objeti-
vidade, e antes leva a brincar com os assuntos: e a divertir o leitor fácil de conten-
visão literária e a visão científica do folclore e que será retomado pelo movimento
quando esse movimento vivia um dos seus momentos mais intensos, Renato Almei-
da saudava o fato de que, "já não [seria] mais do folclore uma posição de devaneio e
enlevo pela poesia dos sertões". Embora Almeida destaque "o intenso lirismo do
folclore" e reconheça, seguindo Herder, que "a verdadeira poesia nasce do povo",
Amaral:
aparece pela primeira vez em meio aos relatos de sua "expedição etnográfica" ao
Já afirmei que não sou folclorista. O folclore hoje é uma ciência, dizem... Me
interesso pela ciência porém não tenho capacidade para ser cientista. Minha intenção
é fornecer documentação para músico e não, passar vinte anos escrevendo três
volumes sobre a expressão fisionômica do lagarto...
Porém me sinto desgostoso... E triste a gente viver ao léu das informações, praceando
da
sua rua calçada, bonde lapa, escrevendo, trabalhando, querendo ser útil, dando por
paus e por pedras e a vaidade. (Andrade, 1983:232)
Colocando-se como escritor, ironicamente desinteressado da atitude científi-
ca, Mário limitava aqui seu interesse à coleta de músicas folclóricas para composi-
tores brasileiros. Um ano antes, em 1928, ele havia publicado o seu Ensaio sobre a
''ela deveria ser aproveitada pelos compositores eruditos brasileiros. Dessa forma,
música, e tendo estudado para ser concertista, Mário nunca compôs, sendo a
!•••] por infelicidade minha, sempre me quis considerar amador em folclore. Disso
derivara' serem muito incompletas as minhas observações tomadas até agora. O fato
de me ter dedicado a colheitas e estudos folclóricos não derivou nunca duma preocu-
pação cientifica que eu julgava superior às minhas forças, tempo disponível e outras
preocupações. Com as minhas colheitas e estudos mais ou menos amadorísticos, só
tive em mira conhecer com intimidade a minha gente e proporcionar a poetas e músi-
cos, documentação popular mais farta. Hoje, que os estudos folclóricos se desenvol-
veram bastante em São Paulo, me arrependo raivosamente da falsa covardia que en-
fraquece tanto a documentação que recolhi pelo Brasil, mas é tarde. (11941]: 112-3)
Apesar de, ao longo desse intervalo, ter constituído aquele que é, segundo
Oneyda Alvarenga "até hoje o maior e melhor acervo de música folclórica brasilei-
ra registrado por pesquisador sozinho e por grafia musical direta" (1984: 18),
Mário de Andrade parece ter-se convencido de que todo esse esforço não tinha sido
refere tem evidentemente muito a ver com o seu empenho à frente da Sociedade de
Dessa forma, tanto Amadeu Amaral quanto Mário de Andrade podem ser
objetiva e científica para esses estudos. Por outro lado, essa não é uma preocupa-
(146
ção exclusiva desses dois autores ou apenas do campo do folclore. Ela, na verdade,
nossa sociedade e nossa cultura, perspectiva que se inicia com a "geração de 1870",
Carlos Guilherme Mota identificava a oposição ao ensaísmo social como uma das
cia de Mário de Andrade com Augusto Meyer, que ilustra de maneira exemplar a
1931, Mário escreve àquele escritor gaúcho pedindo colaborações para a Revista
Nova , que fundara com Paulo Prado e Alcântara Machado e que pretendia publicar
"muita crítica e muitos estudos de qualquer ordem que tenham imediata correlação
com o Brasil", mas "muito pouca literatura, pelo menos literatura gratuita"
(Andrade, 1968: 83). Meses depois, Meyer elogia a "parte etnográfica da revista"
(isto é: a parte folclórica) que Mário confessa ser "a menina dos [seus] olhos" (p.
88). Porém, já em meados de 32, ele reconhece que o último número da revista "foi
Sociais em São Paulo e no Rio de Janeiro foi tomada pela bibliografia analisada em
formalmente na organização desses cursos, onde não havia cadeiras nem cursos
tema. Irei aqui descrever as relações desse campo de estudo com as universidades
seus esforços institucionais, analisados no capítulo anterior, seja na sua obra, que
comentarei na próxima sessão. Neste momento, irei apenas explorar alguns indí-
cios acerca da presença do folclore nos cursos paulistas, onde, do ponto de vista da
9 — Isso não se dá apenas em prejuízo de futuras pretensões dos foleloristas que analisarei
adiante. Tanto na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (Maciel, 1978), quanto na
Escola Livre de Sociologia e Política (ARM/RA, 0 3 / 0 4 / 5 1 , Corr. exp) a cadeira de Antropologia
só foi criada respondendo à necessidade, estabelecida pela política centralizadora do Ministé-
rio Capanema, de seguir a estrutura da Faculdade Nacional de Filosofia. Mesmo nessa estrutu-
ra, ela desempenhava um papel secundário na formação de Ciências Sociais, correspondendo
apenas a um período, em contraste com os três períodos em que estava presente na formação de
História e Geografia (cf. Faria, 1984: 234-5). Na FFCL sempre houve duas cadeiras de Socio-
logia (ocupadas inicialmente por Fernando Azevedo e pelos Bastides — Paul Arbouse até 1940,
Roger até 1954), contra essa de Antropologia, criada tardiamente e que teve como primeiro
ocupante o alemão Emílio Willems. Comparando os cursos em Ciências Sociais das faculdades
cariocas até a Reforma Universitária, Lecticia De Vincenzi (1991) nos mostra que, contra esse
único período da disciplina de Antropologia, a de Sociologia era lecionada durante pelo menos
três anos.
(148
maior clareza uma tradição acadêmica, /ka década de 1930, como vimos no capítulo
jlguns dos primeiros alunos dos cursos de Ciências Sociais participado ativamente
Rubbo Müller e Mario Wagner Vieira da Cunha, tornaram-se mais tarde professo-
res da ELSP e da USP. Outros jovens cientistas sociais formados por essas institui-
ELSP são apresentadas através da carta que António Rubbo Müller envia a Renato
percebe pelo tom extremamente formal da carta. Parecem, porém, ter discutido
No ano seguinte Müller, que voltara de seus estudos em Oxford, tornou-se professor
da cadeira. Em 1950, foi realizada nova reforma, cujo currículo (infelizmente não
se pode entrever é que, após essa mudança, vários professores passaram a minis-
Brown, voltou a se interessar pelos "ritos caboclos", aos quais tinha sido apresen-
(149
"[...] continuei nas minhas aulas de Antropologia Social a fazer viagens com os
alunos nas épocas que havia interesse: por exemplo, festas religiosas, festas do
divino, e outras festas, visitas a santuários como, por exemplo, o santuário de
Bonsucesso, que antes ficava no sertão de Guarulhos." (Müller, entrevista)
ano como estudante, foi pedido pelo professor da cadeira de Sociologia I, o francês
Roger Bastide, um trabalho sobre "O folclore em São Paulo". Jovem de origem
Lavínia Costa Vilela 11 . Entretanto, para a decepção do jovem aluno, ele recebeu
uma nota nove, com a qual absolutamente não se conformou. Achando insuficien-
pesquisa sobre relações raciais em São Paulo na década de 1950, já com Fernandes
10 — Roger Bastide relata, em sua comunicação ao 1 Congresso Nacional de Folclore, que também
outro professor da ELSP, Oracy Nogueira — que veremos mais adiante como um participante dos
debates conceituais em torno do folclore — realizava "viagens de fins-de-semana" ao interior
paulista para a realização de curtas etnografias folclóricas (I CBF, 1955: 337).
11 - Lavínia Costa Vilela (depois Raymond) participou do curso de Dina Lévi-Strauss na SEF,
tendo sido a responsável, segundo Oneyda Alvarenga (entrevista), pela elaboração das suas
apostilas. Com Bastide como orientador, ela defende em 1945 sua tese doutorado com um estu-
do sobre folclore, A Igumas danças populares no estado de S. Paulo. Esse e o trabalho de Egon
Shaden (Ensaio etnosociológico sobre a mitologia heróica de algumas tribos indígenas do Bra-
sil ), defendida naquele mesmo ano, são as duas primeiras teses de doutorado de Antropologia
da USP (cf. Maciel et al., 1978).
(150
esses estudos" (p. 295). Roger Bastide irá citar o próprio Mário ao apresentar a
Florestan Fernandes com o tema, desde o início, não foi tranqüila 1 2 . O entusiasmo
que a proposta de estudar a cultura dos bairros populares paulistanos que habitara
que fez uso da "amizade com meninos e meninas" daquelas localidades (cf. Fernan-
des, 1947: 19) — era contrabalançado por profundas dúvidas teóricas sobre o signi-
ficado do folclore como tema de pesquisa. Talvez com a intenção de não contrastar
com o prefácio de Bastide, Fernandes resolveu extrair da versão original das "Tro-
cinhas" um prefácio teórico, publicado, como ele próprio esclarece (p. 20), num
car entre a disciplina folclórica e um tipo de formação que vinha adquirindo fora
trotskista em São Paulo, dentro do qual lhe couberam várias tarefas intelectuais,
entre as quais a tradução de Para a crítica da Economia Política de Marx (cf. Fer-
nandes 1977a: 172)/É do ponto de vista da visão de mundo marxista que ele elabora
>
modernas no seio das camadas populares das sociedades avançadas, que resistiriam
teria refutado esse pressuposto dos folcloristas, revelando que "os meios folclóricos
que "o folclore é menos uma ciência à parte do que um método de pesquisas" (p.
45), é apenas como um método que ele é utilizado no trabalho sobre as "Trocinhas",
da cultura e dos grupos infantis" (1947: 18). Dessa crua crítica ideológica — tam-
bém presente em outros artigos do mesmo período, mas que logo desaparece da
campo disciplinar sui generís. Eles fazem parte de um domínio mais amplo, o da
para quem "uma ciência só tem razão de existir quando possui por matéria uma
ordem de fatos que não é estudada pelas demais ciências" (apud Fernandes,
[1945a]: 46).
acerca dos Estudos de Folclore tenha sido publicado em 1945, ele deveria ter saído
em 1943 (cf. Fernandes, 1947: 20n), o que nos leva a crer que tenha sido escrito
mesmo
•x
antes dessa data. Esses detalhes são importantes na medida em que as posi-
f
~ões desse autor sofreram uma sutil evolução que possivelmente acompanhou sua
familiaridade crescente com essa área de estudos 14 . A partir de 1945, ele publica
uma série de artigos mais simpáticos à tradição dos Estudos de Folclore, dedicados à
análise de autores brasileiros, mais precisamente, dos três que compõem a genea-
afirmavam que Romero, em sua pesquisa das raízes da cultura brasileira, teria se
limitado a uma busca de "origens", Fernandes ressalta que "o estudo de fontes [...,]
apesar de todos os seus defeitos e falhas inerentes ao tipo de análise que dá origem,
cultural, tem a sua importância" (p. 180). O principal defeito de sua obra seria sua
perspectiva dicotômica, que, apesar de conter uma vigorosa análise de nossa cultu-
ra literária e de nossa cultura oral, não o impediu de articular esse dois níveis.
14 — Ele relata que a orientação de Lavínia Vilela, "se limitara a introduzir alguns conceitos
básicos de Sébillot e Saintyves". A influência teórica decisiva para seu trabalho teriam sido
as aulas de Bastide sobre Mauss e Durkheim, que lhe teriam permitido "projetar o folclore no
'meio social interno' " (1977a: 161). Porém, a influência teórica internacional principal em
seus trabalhos na década de 1950 será, como veremos adiante, a dos Estudos de Folclore norte-
americanos.
(153
de Sílvio Romero permaneciam como uma referência útil mas incompleta para o
Sobre essa fórmula 15 , é interessante notar que Fernandes a elogia por colo-
ririam ao estudo do folclore um caráter mais científico, mesmo que ele não se
em grande parte elogioso, afirmando que, mesmo apesar de Mário não se ter con-
ele teria sido, na verdade, "um grande folclorista". Entretanto, logo no parágrafo
ano em que é publicada a coletânea Tradições populares. O seu objetivo é, como ele
15 — Fórmula que, embora Fernandes não o indique, foi letirada de uma obra então recente de
Joaquim Ribeiro (1944: 213-8).
(154
ca de Amadeu Amaral, desconhecida em seu real valor e em seu real alcance — mes-
mo por parte dos especialistas" ([1948]: 112). Dentre esses "especialistas", muito
trabalhos de Mário de Andrade 17 . Isso talvez explique porque, no seu artigo sobre
esse escritor, ele tenha construído uma genealogia diferente da que havíamos
encontrado em Édison Carneiro. Mas a série de três trabalhos que venho anali-
sando, todos com títulos semelhantes, os dois últimos mais extensos do que qualquer
outro dedicado por Fernandes a outros folcloristas, parecem traduzir a sua adesão à
Outro ponto comum com esse movimento é a ênfase que esse autor dá à
clara dos problemas fundamentais do folclore e um agudo senso crítico" (p. 146),
científica" (p 117). Porém, assim como ocorrera com Mário de Andrade, "apesar
dos amplos conhecimentos que acumulou sobre o folclore como disciplina cien-
são, alimentada pelos Estudos de Folclore, de se tornarem uma ciência, seguida por
16 - Apesar dos grandes elogios que Mário de Andrade faz a Amadeu Amaral em seu artigo
para o Handbook, no levantamento bibliográfico que lhe serve de apêndice é citada apenas A
poesia da viola, conferência que, fora os artigos de jornais de difícil acesso até a publicação da
coletânea póstuma organizada por Paulo Duarte, foi tudo que esse autor publicou especifica-
mente sobre folclore.
17 - Antes de entrar na Universidade, rememora Fernandes, ele "valorizava muito mais Mon-
teiro Lobato do que Mário de Andrade" (1978: 31).
(155
uma longa evolução ém que a leitura dos clássicos brasileiros desse campo lhe
fornecem uma visão mais positiva, Florestan Fernandes parece admitir, por um
instante, que o projeto de Amadeu Amaral de fundar essa nova ciência em nosso
ções de brasileiros à qual foi oferecida essa "aprendizagem sistemática" que tanto
chega a sugerir que Fernandes poderia ser o intelectual que atenderia às esperan-
em nosso país. Será que, em algum momento, ele chegou a imaginar que caberia a
/Num pequeno artigo publicado logo depois do que dedicou à obra de Mário de
brasileiro indica que, a essa altura, Fernandes possivelmente não tinha mais tanta
certeza acerca da validade da definição dos Estudos de Folclore apenas como método.
Sua única conclusão no texto é a afirmação de que "os folcloristas brasileiros terão
com os recursos de uma formação teórica bastante defeituosa" (p. 219-20). De fato,
de 1948 a 1956, Fernandes não aborda mais esse tema.//Durante esse período, ele
caso) e teóricos (no segundo) que definiriam uma nova concepção na sociologia
brasileira dentro de parâmetros acadêmicos (cf. Peirano, 1981: cap. 3). Qjiando ele
(156
^^itiente voltou a examinar a situação do campo de estudos que fora seu antigo
jpteresse, acabou percebendo que os folcloristas — com uma formação teórica por
pela junção de esforços através de grandes congressos, a década de 1950 foi aquela
em que os Estudos de Folclore teriam travado "batalhas decisivas por se fazer reco-
como uma espécie de "ensaio geral" para esses combates futuros. Esse aspecto
transparece numa mesa redonda coordenada por Renato Almeida e composta por
(157
ainda, como as "semanas" que se seguiriam, uma reunião local, esse debate não
visava a, como esclarece o coordenador Almeida, "de modo algum fazer determina-
Comissão" (I SNF: 15). Embora essa fala inicial enfatize o caráter "interno" do
debate, para ele são convocados dois intelectuais que, apesar de não estarem intei-
mento que gozavam naquele momento como os dois maiores expoentes brasileiros
Mostrei no capítulo anterior como, no caso deste último autor, seu empenho
de sua cátedra na Universidade do Brasil. Antes disso, Ramos havia sido catedrático
ram seus dois primeiros trabalhos fora da área estritamente médica da qual provi-
folk-lore, que estendia para esse campo as perspectivas adotadas em função de sua
18 - Além de Arthur Ramos, Gilberto Freyre e Joaquim Ribeiro, cujas comunicações serão bre-
vemente comentadas em seguida, participaram ainda da mesa-redonda os seguintes membros da
CNFL (com o títulos de suas comunicações entre parêntesis): Cecília Meireles, ("Folclore e
educação"), Mariza Lira ("Calendário folclórico") e Alceu Maynard de Araújo ("Técnica de
coleta folclórica"), este último integrante da então Subcomissão Paulista de Folclore.
19- Tal conversão aos "novos métodos da Antropologia Cultural" — sob a declarada influência
de Melville Herskovits (1937: 16) — é assinalada por seu livro As culturas negras no Novo
Mundo. Sem as referências constantes à Antropologia alemã e à Psicanálise que marcavam seus
primeiros trabalhos, esse livro explicita em sua introdução o momento de transição vivido pôr
seu autor (inclusive, como vimos acima, também no plano institucional) ao definir-se como um
"ensaio de psicologia social e de Antropologia Cultural". Quando publica os Estudos de Folk-
lore, a transição para essa última identidade disciplinar já estava completa. Ramos, porém,
não conseguiu concluir esse livro, tendo morrido um ano após a Semana. Os capítulos que já
tinham sido finalizados foram publicados postumamente, com um prefácio de Roger Bastide
(Ramos, 1949).
4
158
//Em sua contribuição à Semana, Arthur Ramos faz um amplo histórico dos
Estudos de Folclore — que ele insiste em definir como folk-lore, grafado à inglesa e
ainda com hífen —, mostrando como, de uma tradição de estudos limitada à pesquisa
seus domínios, englobando dimensões cada vez mais amplas da vida popular, até
(p. 19). Tais confusões, porém, teriam sido superadas graças ao "desenvolvimento
Antropologia" (p. 20). É no interior dessa disciplina abrangente que esse ramo de
Ribeiro, a quem caberia falar sobre "Folclore e Etnografia". Ele não apenas defen-
uma ambigüidade semântica presente no nome oficial da cadeira ocupada por seu
cátedra 20 , Joaquim iria dar ênfase à dimensão descritiva do segundo. Deste último
ponto de vista, o Folclore seria "uma ciência de recursos mais amplos, [que] não se
contenta com a simples descrição dos fatos, não podendo", segundo esse último
Esse duelo de definições 21 nos introduz num dos temas recorrentes dos deba-
que identidades disciplinares rivais disputavam espaços. Porém, ele não foi adian-
te, uma vez que Ramos não estava presente à mesa redonda, tendo apensas enviado
o texto escrito que foi lido por Renato Almeida. Além disso, Gilberto Freyre, o
convidado seguinte, que dissertou sobre "Folclore e Sociologia", não era a pessoa
mais indicada para falar em nome da identidade daquela última disciplina 22 . Pelo
ciências que eles supunham suas "vizinhas", à medida que, a partir da realização
dos seus congressos, eles começaram a definir os contornos de sua área de estudos.
0 caráter de "luta por territórios" assumido por esses conflitos traduz em grande
nição de uma identidade comum a essa área de estudos, o documento que resume as
Durkheim sobre o "fait social" (cf. Durkheim, [1894]: 95-107). Essas definições —
O texto final da Carta sintetizava duas propostas. A primeira delas foi apre-
ção do Congresso, presidida por Renato Almeida, constando de quatro itens. Os dois
23 — "Une science, en effet, se définit par son objet; elle suppose par conséquent que cet objet
existe, qu'on peut le désigner du doigt, en quelque sorte, marquer la place qu'il occupe dans
l'ensemble de la réalité" (Durkheim, [1922]: 70-1). É curioso notar que, ao fazer essas consi-
derações, o sociólogo francês cita a Antropologia como "ume des sciences en train de naître et
de se constituer", características que a levam a "embrasser assez confusément une pluralité
d'objets différents" (p. 71). Certamente a combinação de perspectivas biológicas e sócio-
culturais buscada por essa disciplina, particularmente na sua versão anglo-saxã, mostra-se,
desse ponto de vista, inadequada. A segunda daquelas perspectivas foi identificada pela esco-
la francesa a partir do termo "ethnologie", cuja tradução portuguesa seria, como poderemos
verificar, o termo preferido por Florestan Fernandes para designá-la nos seus textos da déca-
da de 1950. Essa postura de Durkheim, análoga à dos antropólogos norte-americanos a que me
referi acima, rendeu-lhe acusações explícitas de "imperialismo sociológico" (cf. Lukes, 1985:
398-405).
24 — A primeira aparição dessa expressão deve-se a Rossini Tavares de lima, secretário geral
da Comissão Paulista em uma comunicação de 1949 na qual, depois de comentar definições de
autores estrangeiros e reconhecer suas insuficiências, propõe uma primeira definição do "fato
folclórico", ainda distante das que apresentaria mais tarde a Congressos de Folclore (cf. Doc.
98/49).
(161
Cultural. Nas primeiras, Diégues afirmava que o fato folclórico não precisaria ser
bém englobar a cultura material. Nas outras duas, definindo o fato folclórico como
essencialmente cultural, ele propunha que seu estudo fosse incluído no interior
"das ciências antropológicas e culturais", estudo esse que deveria ser realizado "de
preferência [com] o uso dos métodos históricos e culturais" (I CBF, 1955: 41, grifos
uma proposta semelhante que havia sido apresentada numa outra comissão do Con-
r-'
gresso. Na sessão seguinte da primeira comissão, foi então lida essa outra proposta,
de Lima ( seu secretário geral) e Oracy Nogueira, professor da ELSP. Seu objetivo
também era explicitamente encontrar uma definição "tão ampla quanto possível"
do objeto dos Estudos de Folclore. Assim, após uma análise de várias posições de
autores clássicos, ela propunha que o "fato folclórico" fosse definido como aquelas
^ maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição oral e pela
imitação e menos influenciadas pelos círculos e instituições que se dedicam à reno-
vação e conservação do patrimônio científico e artístico humano l...]e afixação de
uma orientação religiosa efilosóficaJ (p. 7)
Foram vários os debates em torno das duas propostas convergentes, tal como
nos revela a leitura das atas das reuniões. Sintomaticamente, as reações maiores
nome da prioridade que deveria ser dada à atividade de coleta. O argentino Tobias
a0s folcloristas brasileiros, dizendo que toda teoria deve ser internacional. A res-
posta de Renato Almeida a esses questionamentos nos mostra o objetivo que o esta-
co. Segundo ele, o que se pretendia, em última análise, era uma "ação folclórica" e,
debates apenas uma "'base de trabalho' a ser revista noutros Congressos" (I CBF,
1955:41-3).
redigida 26 :
3. O Congresso Brasileiro de Folclore reconhece o estudo do Folclore como integrante
das ciências antropológicas e culturais, condena o preconceito de só considerar folcló-
rico o fato espiritual e aconselha o estudo da vida popular em toda a sua plenitude,
quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual.
2. Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo,
preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente
influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e
conservação do patrimônio científico e artístico humano ou a fixação de uma
orientação religiosa efilosófica.
3. São também reconhecidas como idôneas as observações levadas a efeito sobre a reali-
dade folclórica, sem o fundamento tradicional, bastando que sejam respeitadas as ca-
racterísticas de fato de aceitação coletiva, anônimo ou não, e essencialmente popular.
4. Em face da natureza ctdtural das pesquisas folclóricas, exigindo que os fatos cul-
turais sejam analisados mediante métodos próprios, aconselha-se, de preferência, o
emprego de métodos históricos e cülturalistas no exame e analise do Folclore. (I CBF,
1952: 77)
programa do movimento folclórico, Cascudo cita uma defesa que ele anteriormente havia feito
da manutenção dos critérios de "anonimato, antigüidade, divulgação e oralidade" para distin-
guir o folclórico do não-folclórico, cita as enormes dificuldades em encontrar-se uma defini-
ção consensual, e apenas aceita a de seus colegas paulistas como "provisória e móbil" (I CBF,
1953: 10).
26 - A Comissão de Redação Final do Congresso era c o m p o s t a de Joaquim Ribeiro, Édison
Carneiro, Manuel Diégues Júnior, do Senador Anísio Jobim (secretário geral da Comissão
Amazonense) e de Cleofe Pearson de Mattos, esta última musicóloga integrante da CNFL.
163,
objeto dos folcloristas, verifica-se uma estratégia de ampliação do seu objeto e, por-
propor essa última tese aos membros da I a Comissão do Congresso, Manuel Diégues
Júnior apresentou pela primeira vez o polêmico conceito pelo qual se descreve
conceito supõe que o surgimento de certos fenômenos folclóricos possa ser teste-
munhado pelo pesquisador — ou que, pelo menos, sua origem recente possa ser
traçada por ele —, o que vai de encontro tanto às primeiras concepções românticas
do folclore, que lhe atribuíam um "primitivismo" pelo qual ele seria constituído de
^Essa posição dos folcloristas brasileiros — embora isso não seja explicitamente
F
reconhecido — provavelmente tem origem na obra de um autor que teve grande
influência sobre eles, Arnold van Gennep. Num de seus livros — que Amadeu
re "ce n'est sont pas des restes d'instituitions anciennes [...], ce qu'on nomme des
superstitions, ou des survivances, mais aussi des faits actuels, ceux que j'ai proposé
sentir e agir"). As qualificações dos itens um e três somente ampliam sua defini-
ção: não apenas "espiritual", não apenas "tradicional", não apenas "anônimo",
excludente surge unicamente no próprio segundo item, onde se delineia uma opo-
prefere reter apenas uma, a que distingue a cultura que é transmitida pelo próprio
povo 29 daquela que é difundida por escolas, igrejas, indústria cultural, academias,
sileiro em ampliar de forma até então inédita a abrangência dos Estudos de Folclo-
re. Nessa atitude, há uma inegável dimensão estratégica: para o movimento folcló-
rico seria mais viável atingir os espaços acadêmicos e institucionais que ambicio-
nava uma vez claramente delimitado um objeto próprio do qual derivaria sua
um método, como suspeitava aquele sociólogo, mas uma ciência social com objeto
29 - Mas
não necessariamente criada pelo povo. Há inúmeros exemplos de manifestações fol-
clóricas que os folcloristas reconhecem serem de origem erudita mas que foram depois apro-
priadas pelo "povo". Daí a fórmula "maneiras [...] que não sejam diretamente influenciadas
pelos círculos eruditos e instituições".
-Í6S
fia da Universidade do Paraná e secretário geral do estado, foi um dos que reagiram
vra" (cf. Fernandes, 1953: 14), posição de despertará as reações de outros membros
do movimento folclórico 3 Q J/
Depois de uma estadia na Europa, onde viu suas dúvidas em relação às defini-
referido Instituto, sob a alegação de que os estudos folclóricos não comporiam uma
disciplina distinta, mas seriam apenas uma divisão dos estudos etnológicos. Essa
desenvolvidas por Renato Almeida para tentar apagar o incêndio provocado pela
buscando uma posição de consenso que não ferisse a qualquer um dos envolvidos
na crise, enviando uma carta aos seus três principais protagonistas (RA/JLF, FCA e
lhe envia, junto com essa carta a três destinatários, uma mensagem pessoal em que
pede, que, como "seu amigo mais íntimo" no Paraná, não o "deixe sozinho nesse
carta de demissão, em que afirmava não ser a pessoa indicada para coordenar a
mando que o "Folclore quando estudado por homens de ciência, e não por homens
qual ele se refere especificamente deve ser Fernando Corrêa de Azevedo, musicõ-
logo, que coordenava a seção extinta. Esse último, ao esclarecer a crise ao secretá-
rio geral da CNFL, reproduz as opiniões que teriam sido expostas oralmente por
Loureiro, contando que, entre outras coisas, esse último teria afirmado que "os
comissão naquele estado, uma das mais produtivas até então, ilustra o quanto era
posição própria era no campo das artes, no caso, nas escolas de Música.32.
Renato Almeida tinha fortes razões para supor que o Congresso Internacio-
não apenas no que diz respeito às imensas tarefas envolvendo a sua organização,
mas, principalmente (e, aí, talvez Loureiro não seria muito útil), para os debates
CNFL, era especificamente sobre "a definição do fato folclórico", a ser discutido
por umas das comissões do Congresso. À essa última, a Comissão Paulista de Folclore
mais uma vez enviou uma proposta, tendo como relatores Rossini Tavares de Lima,
pela definição incorporada pela Carta, mas também por serem os anfitriões dos
Best, que participou daquela comissão, afirma que a principal resistência proveio
32 - Com esse conflito desfaz-se o arranjo pelo qual o Instituto de Pesquisas financiava as pri-
meiras pesquisas da Comissão Paranaense de Folclore. Apesar desses estragos institucionais
irremediáveis, manteve-se a amizade de Almeida e Loureiro, que, em sua última carta sobre-o
tema, declarava-se "amigo de sempre, não obstante as nossas divergências folclóricas" (JLF/
RA, 2 8 / 0 5 / 5 4 , CE rec.). Mais tarde, Almeida convidado não só para hóspede oficial do Con-
gresso Internacional de Folclore, como também para integrar o Conselho Técnico-Consultivo da
CNFL, elogiando o "entusiasmo com que se tem consagrado à nossa causa, da defesa do patrimô-
nio da cultura popular brasileira e de seu estudo e pesquisa, com qualquer nome que queira-
mos dar à disciplina que visa esse conhecimento" (RA/JLF, 2 3 / 0 9 / 5 4 , Corr. exp.). Loureiro
ainda fará parte do Conselho Nacional de Folclore da CDFB, organizado na década de 1960.
(168
trárias (Best, 1954: 18), Manuel Caetano da Silva, membro da Comissão Espírito-
proposta dos seus colegas paulistas, mas que "no fundo não lhe alteraram a estru-
tura" (Silva, 1954: 2)./Mesmo assim, a moção consensual da Comissão não agradou
Paris, Georges Henri Rivière (p. 2-3). Decidiu-se então nomear uma comissão
terminologia unificada, com um apelo à UNESCO para que convocasse uma reunião
de peritos que resolvesse finalmente a matéria (cf. Best, 1954: 20; Silva, 1954: 3),
Rossini Tavares de Lima, que liderava a Comissão Estadual que sempre estivera à
nal, "sob o ponto de vista da orientação teórica dos folcloristas brasileiros, [...]
acenou com a possibilidade de uma vitória nossa, que infelizmente não se concre-
tizou". Essa derrota, afirma ele, deveu-se à "falta de unidade doutrinária da delega-
não se pode dizer que os folcloristas brasileiros não estivessem conscientes das
Diégues Júnior reconhecia que a Carta "encarou o folclore no Brasil num sentido
ficados com o sentido tradicional da palavra" (Diégues Jr., 1954: 13-4). Dessa
33 — Presidida por Antônio Jorge Dias, essa comissão era formada por Rivière, (secretário e
fundador do Comissão Internacional de Artes Populares), Thompson (representando a Ame-
rican Folklore Society), pelo peruano Luis Valcárcel (presidente do Comitê Interamericano de
Folclore) e pelo brasileiro Joaquim Ribeiro (pela CNFL).
(169
forma, teria sido "natural [...] que aos europeus tivesse soado como heresia essa
Diégues, "é esse conceito que nos cumpre defender e defender ardorosamente, nos
ao movimento folclórico brasileiro podem ter prejudicado sua ação diante das
leiros pudessem contar com um grau de coesão maior, a resistência dos seus cole-
gas europeus e norte-americanos a suas inovações conceituais parece ter sido bem
grande e dificilmente seria vencida./No início de 1956, foi promovida pela CIAP
(ou Volkskunde) de Folclore, reservando a esse último apenas o aspecto oral (Boi.
ficou vago (Boi. Bib., mai. 1957, p. 4). Em 1960, realiza-se em Buenos Aires um novo
americanos, mas onde a participação européia é menor que em São Paulo. Nesse
tivas da Carta (cf. Doe. 458/60) e decide-se pela criação, na Argentina, de uma
órgão representativo dos folcloristas de todo o mundo (Boi. Bib., jan. 1961, p. 2). Em
34 — Luís da Câmara Cascudo — que Efraín Best qualifica de "sin duda alguna el más calificado
estudioso dei folklore brasileno" (1954: 13) — não esteve presente. Na bibliografia sobre o
Congresso consultada, não há, apesar do convite oficial de Renato Almeida, registro da presen-
ça de José Loureiro Fernandes.
(170
não contando com a participação de Jorge Dias, nem com a de folcloristas sul-
americanos e sem que se leve em conta a comissão formada pelo Congresso de Bue-
nos Aires (nov. 1962, p. 2)./O resultado final dessas articulações teria sido a funda-
quatro países fundadores era de europeus, estando ainda representados dois países
lamenta: "[...] na hora atual, [em] uma sociedade de folclore que arvora o título de
vam dos seus colegas europeus. Em 1970, em Caracas, uma reunião de folcloristas
colisão com seus colegas europeus e norte-americanos, voltarei pela última vez ao
ção da Carta do folclore brasileiro — em que ele alertava que os folcloristas não
científico — tende a parecer justificada, ^No entanto, poucas áreas de estudo pare-
cem tão sujeitas a assumir perfis nacionais diferenciados como a do Folclore. Por
de sessenta, um amplo panorama das correntes teóricas que marcaram esse campo
turalistas — algumas das "national folklore theories" (1963: 96). Nessas últimas,
<âo movimento folclórico aparecem como um traço recorrente de toda essa tradição
cultura popular, como mostra Peter Burke, nasceu em meio a concepções que ele
,dade" e/ou sua "antigüidade" (1989: 48-9). A definição das propriedades específi-
des nacionais, é objeto de grande disputa, uma vez que os critérios de sua identifi-
cação implicam a distinção entre os fenômenos que, por sua "aura", são objeto de
folclore. Nesse momento, elas nos mostram que a homologia entre o esforço de
mostrar que fenômenos como a divisão do trabalho e a taxa de suicídios não eram
tinha algo de importante a dizer sobre tudo isso. O exame da dimensão "social"
desses processos cabia apenas a ele, uma vez que a sociedade era um plano da rea-
social apenas pode ser explicado a partir de outro fato social 36 (cf. [1874]: 202).
essa qualidade tende a ser muito mais restringida do que ampliada. A primeira
folclórica, entre eles não há diferenças ontológicas, eles não pertencem a planos
36 — A incorporação por Florestan Fernandes dessa perspectiva se manifesta não apenas nos
seus debates com os folcloristas, mas também com os antropólogos. Em uma reunião da Associ-
ação Brasileira de Antropologia, por exemplo, ele criticou a visão excessivamente abrangente —
que vimos defendida por Arthur Ramos — que apresentava essa disciplina como "a ciência do
homem" (Fernandes, [1961]: 209). Citando Kroeber, Fernandes afirmava que a identidade
dessa disciplina estaria na "cultura", "como um nível ou ordem ou emergente de fenômenos
naturais, um nível marcado por uma certa organização distintiva de seus fenômenos caracte-
rísticos" ( apud Fernandes, [1961]: 210).
(173
tural ao seu objeto. Dessa forma, as manifestações não folclóricas também seriam
fenômenos culturais, embora não interessem diretamente aos estudos dos folcloris-
tas. Mesmo uma definição que será acusada de excessivamente permissiva como a
da Carta, gira toda em torno dos critérios a partir dos quais uma determinada cate-
goria de fatos culturais pode ser colocada à parte e conceituada como "folclore" 3 7 /
co" se deve à adesão, entre esses intelectuais, de forma coerente com o culturalis-
manifestações" (cf. Velho & Viveiros de Castro, 1980: 6). Para os folcloristas, a
ras; apesar disso, seus métodos poderiam ser os mesmo de outras disciplinas, como a
termos brasileiros", afirma que, ao longo da seqüência formada pelos três pionei-
ros e pela CNFL, teria havido um deslocamento no foco principal de suas pesquisas:
37 — Isso não significa que não tenha havido conflitos com os antropólogos — como já acompa-
nhamos na crise da Comissão Paranaense — mas esses foram menos graves do que aqueles com
os representantes da Sociologia, que descreverei no próximo segmento. No IV Congresso, reali-
zado na Bahia em 1957, os folcloristas voltaram aos debates conceituais e convidaram um
antropólogo, Thales de Azevedo, para dissertar sobre "Folclore e Ciências Sociais" (Doe.
3 7 6 / 5 7 ) . Este fez uma longa análise de diferentes conceituações, finalizando com um apoio
discreto à perspectiva norte-americana que restringe esses estudos à literatura oral. Reagin-
do de forma bem mais suave à que encontraremos nos debates com os representantes da Socio-
logia, Édison Carneiro reconheceu o "tom conciliatório" de Azevedo, que teria tentado "antes
expor o problema do que resolvê-lo" ([1961]: 64).
38 — "[...] a rigor, não se pode falar de método folclórico. O Folclore, abrangendo elementos de
cultura popular, se nos apresenta numerosamente e nos obriga a estudá-lo a partir de vários
métodos científicos pertinentes à modalidade que se nos depara" (Renato Almeida, Doe.
3 9 7 / 5 8 : 2; texto que reproduz uma comunicação a uma reunião da ABA).
(174
O interesse principal do estudos de folclore, que era a poesia no período dominado por
Sílvio Romero, mudara, com Mario de Andrade e seus colabordores, para a música.
Com a Comissão de Folclore a ênfase novamente se transferiu para os folguedos popu-
lares. (1962a: 56)
dos, passando pela música —, Carneiro reafirma a condição de Amaral como o prin-
esse autor pertence ainda à fase em que os estudos folclóricos brasileiros se con-
de exploração aberto no Brasil a toda sorte de cientistas jovens" que deveriam cola-
Ciência brasileira? Sim, uma ciência não apenas feita de generalidades aprendidas e
de verdades por outrem descobertas e alhures verificadas, mas também construída
com os "nossos" recursos, baseada na observação direta e independente das "nossas"
coisas, impulsionada por iniciativas livres da "nossa" razão experimental diante das
interrogações da "nossa " natureza, e assim capaz de não ser apenas um aluna sub-
missa da grande ciência universal e sem pátria, mas colaboradora operosa e original,
'ça e também a corrija, que é maneira não menos valiosa de enriquecer,/t
Embora Carneiro não cite especificamente esse trecho, pode-se afirmar que
foi julgando atender a esse apelo que o movimento folclórico procurou expandir os
limites ao seu ver ainda estreitos dos Estudos de Folclore, mesmo correndo o risco
(175
cia genealógica traçada por Édison Carneiro, dessa vez para acompanhar esse
polêmicas conceituais.
zar-se na literatura acima de tudo a "poesia", ele não apenas concentrou sua ativi-
dade de coleta folclórica na literatura popular, como intitulou sua principal análi-
se sistemática de Estudos sobre a poesia popular no Brasil, livro que se inicia com
da pobreza de nossas tradições nessa área. Tudo o que teríamos seriam fragmentos
caracteriza nosso povoamento. Mas, três anos após, teria começado a perceber
a poesia popular revela o caráter dos povos... Ao lado, de peças antigas, ainda hoje
cantadas em nossas festas de Natal e de Reis, como a Nau Catarineta de origem
portuguesa e que dá a idéia de um povo navegador, ouvem-se entre nós os verdadeiros
cantos que nos definem e nos individualizam. ([1879]: 31-2)
Superadas essas duas fases, Romero declarou ter por fim chegado a uma
produção original, "que mais de perto nos pertence e individualiza", ele, por outro,
Romero, o critério racial foi uma das referências fundamentais. A nossa "falta de
coesão nacional", é, para ele, "um fato étnico, físico, antropológico", revelando-se
(176
racistas, que nossos intelectuais absorveram tão avidamente durante aquele perío-
tica de nossa formação étnica (cf. Schwarcz, 1993: 11-4). Ao mesmo tempo que
praticamente introduz esse debate em nosso pensamento social, aquele autor adota
uma solução original para os impasses nele envolvidos. Se a mestiçagem era vista
pelos teóricos europeus como uma fonte de degeneração racial, Romero irá susten-
tar que esse processo é o único capaz de produzir uma nacionalidade original para
nosso país.
Celso de Magalhães também foi um pioneiro desse ponto de vista, ao tomar "a
Romero, [1879]: 56). Permanendo, teria porém ainda preso à visão européia.
foram submetidos a pobreza de nossas tradições. Se Romero aprova essa critica aos
ufanismos românticos, ele também reconhece que seu colega teria sido estreito em
suas conclusões ao não perceber que a perda do vigor dessas três raças fundadoras
abria caminho para um tipo racial novo, o mestiço. Este, para Romero,
é o brasileiro por excelência, pode-se considerar uma raça nova, deformação histórica
e servir de base ao estudo de nossas tradições populares. Os brancos puros e os negros
puros que existem no país, e ainda não estão mesclados pelo sangue, já estão mesti-
çados pelas idéias e costumes, e o estudo dos hábitos populares e da língua fornece a
prova dessa verdade, (p. 60-1; grifo do autor)
sões do que Roberto da Matta denominou a "fábula das três raças", "ideologia
século passado até os nossos dias, [...] tanto no campo erudito (das chamadas teorias
do que teria ocorrido nos Estados Unidos, onde o racismo opera segundo uma lógica
(177
daquela sociedade nacional (cf. Dumont, [1960]), o discurso racial teria assumido no
Brasil um perfil original, no qual as relações entre as raças são altamente valori-
zadas. Ao invés de uma "discriminação violenta, [...] que [...] assumiu caracteristi-
Matta, 1981: 78), teríamos em nosso país uma "recorrente preocupação com a
IHGB uma polêmica entre duas perspectivas. A primeira, identificada com a obra
grupos étnicos que compuseram a população (Guimarães, 1988: 10). A segunda era
brasileira" (p. 21; ver também Schwarcz, 1993: 113). Note-se que os dois pólos em
(reequilíbrio que não significa, note-se bem, simetria). A indiferença pela qual os
negro "cruzou muito mais com o branco" ([1943]: 120), como que "sua contribui-
(178
ção em relação aos costumes" seria maior (p. 128). Apesar disso, o português con-
tinua tendo a primazia. Segundo Sílvio Romero, "mais robusto por sua cultura" e
clo", o branco predominará na definição do novo tipo, passando a ter "a preponde-
rância absoluta no número, como já a tem nas idéias" ([1879]: 39). Ao final do pro-
de um tipo branco, fortificado pelo influxo das outras duas raças que, entre outras
entrever a originalidade da criação popular brasileira (cf. 1954a e b). Mais do que
no caso dos "contos", no dos "cantos" — mais estudados por Romero — o desequi-
líbrio entre as três fontes étnicas é ainda maior, já que a adaptação de versos
Os autores diretos Ide nossa poesia popular], repitamos, que cantavam a língua
como sua, foram os portugueses e os mestiços. Quanto aos índios e negros, verda-
deiros estrangeiros e forçados ao uso de uma língua imposta, a sua ação foi indireta,
ainda que real. Na formação da psicologia do mestiço [...] é que se nota seu in-
fluxo. A ação psicológica dos sangues negros e tupi no genuíno brasileiro explica-lhe
a força da imaginação e o ardor do sentimento. Não ha'aqui, pois, em rigor, vencidos
e vencedores, o mestiço congraçou as raças e a vitória é assim de todas as três.
([1879]: 197; grifos do autor)
Quando tenta sistematizar as coletas provenientes da área de São Paulo, ele não
três raças formadoras, cujo "amálgama [...] tem colaborado na composição da cha-
mada 'alma coletiva'", imprimindo à nossa "poesia popular [...] feições nacionais"
(1948: 148-9). Mesmo assim, nas suas análises concretas, predomina a cautela,
influência Idas raças formadoras] não é por toda a parte do pais tão profunda, nem é
sempre tão fácil de discriminar como a cada momento se pretende. A mistura das
contribuições, salvo raríssimos casos, é extraordinariamente inextricável, (p. 148)
Além disso, o que até então se coletou e examinou não nos autoriza, segundo
relativamente original:
Do exposto se vê que uma conclusão se pode tirar, desde logo, do estudo do nosso
cancioneiro: a trova popular de S. Paulo, e portanto do Brasil, não é senão uma lenta
evolução da trova popular portuguesa conservada com ligeiríssimas alterações. Dá-se
nessa matéria o mesmo que se dá com a língua, (p. 83)
trever, do alto de toda a sua cautela metodológica, a fusão perfeita entre as três tra-
e que giravam em torno da conexão entre nosso folclore e nosso "caráter nacio-
nal". Em primeiro lugar, como Édison Carneiro havia assinalado, a ênfase nas
são explicitados logo no seu primeiro trabalho sobre o tema, o seu famoso Ensaio,
com uma afirmação peremptória: "A música popular brasileira é a mais completa,
mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora" (1928: 8). Em
C'i yiUií
(180
segundo lugar, o paradigma racial que Sílvio Romero havia introduzido no pensa-
mento social brasileiro entra em crise naquela década 39 , para ser substituído por
"fábula das três raças", pois o que era antes o produto da mestiçagem do "sangue"
passagem de uma introdução de Arthur Ramos — autor que exerceu uma grande
Uma única ressalva podemos fazer aqui ao trabalho do mestre baiano. É quando faz
intennr slogan da época: a degenerescência da mestiçagem como causa precípua
dos desajustamentos sociais. [...] Essas idéias são inaceitáveis para os nossos dias.
/...J Se substituímos os termos raça por cultura, e mestiçamento por acultura-
ção, por exemplo, as suas concepções adquirem completa e perfeita atualidade
(1939:12-3) J
suas origens são atribuídas a três fontes étnicas, como quando traça, por exemplo,
39 — Um dos protagonistas dessa crise foi Monteiro Lobato que, após ter criticado o "caipira"
como "inadaptável à civilização" ( apud Campos, 1986: 15) e tê-lo estereotipado logo a seguir
com a criação do famoso personagem "Jeca Tatu" - caracterizado pela preguiça, pela supers-
tição e pelo fatalismo - (p. 16-7), revê um ano depois sua posição, afirmando que, se "a raça
dos bandeirantes é a mesma do Jeca Tatu", não são deficiências inatas que explicam suas
mazelas (p. 37). Lilia Schwarcz qualifica esse como um "caso exemplar" da mudança de atitu-
de que nossa intelectualidade irá sofrer em relação a questão racial (1993: 248-9). Lobato
tinha estreitas relações com Amaral, tendo ambos participado da Liga Nacionalista e da Revis-
ta do Brasil, esta última fundada pelo primeiro e que teve o segundo como editor. Refletindo a
relaçao entre aquele debate e a questão da imigração (Campos, 1986: 43), um dos discursos da
primeira campanha política de Amadeu Amaral intitula-se exatamente "O Jeca e o japonês"
onde critica os apoios oficiais a "núcleo[s] de população completamente inassimiláve[is]
enquanto o camponês nacional não tem ferramentas, nem saúde, nem estradas" (1976: 39-41)
4 0 - Na introdução de As culturas negras no Novo Mundo - que assinalei acima como o marco
da virada culturalista definitiva de Ramos - , seu autor esclarece que seu ponto de partida foi
uma conferencia que realizou na abertura do curso de Dina Lévi-Strauss promovido pelo
Departamento de Cultura, ou seja, o curso em torno do qual giraram as atividades da Sociedade
de Folclore e Etnografia (p. xxiii).
(181
estudos folclóricos, tal como nos indica. Édison Carneiro. Para ultrapassarmos a
avaliação subjetiva que Mário realizou acerca de nossa música tradicional, deve-
mos examinar os pontos que tenho levantado sobre a genealogia estabelecida por
"o estudo de seus versos populares (cf. Burke, 1989: 39-41). Tratava-se naquele caso
car a influência dos grupos étnicos não europeus, mostrando de forma mais clara
como eles ajudaram a estabelecer padrões que nos afastavam dos modelos portu-
gueses/
trinta. Aquela foi a década em que ganhou maior vigor a corrente nacionalista de
41 — Fernandes cita aqui o último verso de um clássico soneto de Olavo Bilac intitulado "Músi-
ca Brasileira", em que a idéia de que as formas musicais brasileiras são o produto da combina-
ção das três heranças étnicas é formulada antes de aparecer em Mário de Andrade. Só que, en-
quanto o poeta vê "Acordes [que] são desejos e orfandades / De selvagens, cativos e marujos"
(1926: 287), o musicólogo, como assinalo numa nota a seguir, não consegue identificar o ele-
mento propriamente musical da colaboração indígena. A descrição de Bilac ainda se encontra
sob a influência da idéia — expressa também na sua busca de Romero pela "psicologia do mes-
tiço" — de que a mestiçagem deu origem a uma emotividade própria brasileira. Numa análise
menos "literária", mais técnica, mostrou-se mais difícil a identificação precisa dessa contri-
buição ameríndia. Devo a indicação da referência de Bilac a Cleonice Berardinelli.
(182
des. Foi também no plano musical que os Estudos de Folclore alcançaram suas pou-
Estudos de Folclore no Brasil, não sendo por acaso que a Comissão tenha sido orga-
nizada por Renato Almeida, um especialista dessa área. A maioria dos seus inte-
o elege como tema principal, cabendo às comissões estaduais de cada estado a tarefa
/Creio que uma das explicações para essa nova transformação deriva mais
"fábula das três raças". As teorias de Mário de Andrade atribuíram um papel claro
último expresso pela sempre repetida referência à síncope — que sintetizaria nossa
trado em Mário de Andrade. Nos momentos em que procura identificar essa contri-
42 — Ainda em 1952, Renato Almeida, ao falar na conferência do IFMC, reconhece "ser o folclo-
re musica] o [campo] que maior desenvolvimento vem tendo no Brasil" (1952: 10).
43 — Lorenzo Fernandes reconhece isso na sua conferência na 1 Semana: "excluído o elemento
indígena, cuja contribuição direta carece de importância, a fusão dos elementos luso e negro
[na nossa música] constitui um fenômeno de fácil constatação" (I SNF, s. d.: 37). Mais tarde
Renato Almeida diz o mesmo: "Na música brasileira, a contribuição negra é muito importante'
A dos índios é menor [...]" (1957: 83).
(183
vezes representam cenas da vida tribal" (1953: 183). /nos dois casos citados, porém,
Para dar conta dessa influência indígena é necessário examinar essas formas como
proporiam mais tarde o termo "folguedos populares" como uma denominação mais
tradicionais que não apresentam música, como é o caso das cavalhadas (cf. Doe.
nadas pela definição inicial, permitissem precisá-la — desse termo como descre-
vendo "todo o fato folclórico, dramático, coletivo e com estruturação" (p. 2 ) / Regis-
medida em que permite dar conta das três etnias formadoras de nossa cultura. Na
verdade, ele não substitui os dois outros temas, mas os engloba em sua definição.
foco de interesse dos estudos folclóricos, buscava uma maior contextualização dos
Amadeu Amaral extraído de Arnold van Gennep, que, como eu indiquei no início do
capítulo anterior, Édison Carneiro rememora em seu histórico dos Estudos de Fol-
clore no Brasil. Ele é apresentado por Amaral no artigo em que propõe a criação
da Sociedade Demológica:
(184
Os fatos, como nota van Gennep, não se apresentam como superfícies, mas como
volumes, o que quer dizer que têm varias faces. Os observadores geralmente os enca-
ram por uma só face, descurando as demais, muitas vezes como se não existissem.
Assim, as coletâneas de poesia popular, na sua maioria, são meras coletâneas de ver-
sos. Ora, a poesia popular, de ordinário, não se separa da música; a música está na
gênese da peça poética, ou porque esta é composta sobre uma tela rítmica e estrófica,
determinada por aquela, ou porque uma e outra se organizam ao mesmo tempo. As
vezes, os versos se resumem num simples 'pretexto', destituído de valor e até de signi-
ficação. I...]
Mas a música e a poesia, por sua vez, estão freqüentemente ligadas à dança, numa
troca de ações e reações: {...].
Assim, deveríamos ter, não só coletâneas de versos, mas também 'cancioneiros' com-
pletos, lítero-musicais, com indicações precisas sobre os bailados quando esses também
ocorressem.
I...] Em regra, só pesquisadores locais, bem familiarizados com o seu pequeno meio,
podem levar a efeito, pouco a pouco, essas observações conexas em redor dos vários
aspectos dos fatos, — sempre, está claro, que impossibilidades invencíveis, como o
desconhecimento da música, não se anteponham a tal desígnio. 4 4 (1948:59-60)
Tentando montar uma trama coerente com os vários fios que fomos perse-
guindo ao longo deste capítulo, voltamos ao tema da identidade que acredito arti-
cular todo esse conjunto. Estabeleceu-se, rio ponto em que nos encontramos, um
pela ênfase dada ao estudo dos folguedos populares e pela reconceituação do folclo-
re que ela exigia, para uma maior contextualização dos fenômenos que ele estuda-
4 4 — Embora formulada claramente pela primeira vez por Amadeu Amaral, essa preocupação
com a contextualização pode ser encontrada mesmo em Sílvio Romero. Nos Estudos sobre a
poesia popular do Brasil, ele reconhecia que as "festas religiosas [...] exclusivamente popula-
res" são onde "melhor se aprecia em ação a poesia popular", fazendo em seguida referências a
"brinquedos" como o "bumba-meu-boi, os marujos, o cego, etc." ([1879]: 45, sem os grifos
originais). Mais tarde, na segunda edição de seus "Cantos" e "Contos", ele saudaria a obra de
Mello de Morais Filho — cujo traço principal é justamente a descrição dessas festas populares
—, sugerindo que estudos como os dele deveriam multiplicar-se para que tivéssemos "então a
representação nítida da poesia popular em ação" (Romero, 1954: 711). Se Romero mais uma vez
não chegou a realizar o que propôs, vemos indícios de que o final da citação acima traduz um
sentimento de impotência experimentada também por Amadeu nesse sentido. Mário de Andra-
de, ao relembrar seus encontros com o escritor, afirma que Amadeu Amaral — de cuja filha,
Mário fora professor de música (cf. Duarte, 119) — se lamentava por não conhecer teoria musi-
cal para poder registrar as melodias dos versos que coletava (s. d.: 158).
(185
domínio próprio, ou então não teriam ido suficientemente longe nesse processo.
folclórico, tentei indicar que, ao definir o seu objeto próprio, os folcloristas esta-
suas fontes européias, tomando a literatura oral como via de acesso privilegiada ao
nossa intelligentsia emerge, como mostra Luciano Martins, em crise com sua
ves Dias. Como reconhece ao iniciar seus Estudos, suas coletas iniciaram-se "como
uma base para uma refutação a um escrito de José de Alencar, O nosso cancioneiro"
(p. 32). Quando o movimento folclórico toma Romero como seu antecessor, o prin-
popular. Seu objetivo era dar uma mostra da originalidade dos versos cantados
pelo nosso povo e, seguindo mais uma vez o modelo ortodoxo romântico, rebater as
(186
de sua obra, dois aspectos das reflexões de Alencar são os mais criticados por Rome-
ro. Em primeiro lugar, o povo era tomado por aquele romancista como uma refe-
rência capaz de legitimar seu estilo literário, e, portanto, suas tradições são vistas
sob uma ótica falsamente otimista. O resultado é que, achando que tudo que vem do
povo é autêntico e bom, os versos são retocados ([1879]: 129). Logo no início de seu
livro, Romero já havia criticado o conjunto do movimento romântico por adotar "a
célebre teoria de Jacob Grimm da inerrância popular" (p. 37). Segundo essa, se o
dios da estória contada que ferem sua sensibilidade estética e moral, ele poderia
sar de todo o seu merecimento como literato, não tinha uma preocupação científica
suficiente para tratar dessas matérias" (p. 104). Dessa forma, os Estudos de Folclo-
Romero lhe endereça. Ao tomar o povo como referência infalível para questões de
estilo, sua análise permaneceria nesse plano. Tendo a retórica como seu paradig-
ma, aquele autor, "em vez da análise etnológica e social[,] dá-nos liçõezinhas de
45 — Entretanto, mostrando como a perspectiva de Alencar sobre o tema não vingou, os escritos
que motivaram a réplica de Romero, originalmente veiculados na imprensa, serão publicados
pela primeira vez em livro somente na década de 1960.
4 6 — Verifica-se, porém, o caráter ambíguo da avaliação póstuma da contribuição de Sílvio
Romero não só pela rejeição às suas teorias racistas, consagradas nas definições iniciais da
Carta do folclore brasileiro, como no fato, indicado, por exemplo, por Mário de Andrade, de
(187
nos lembra Loureiro Fernandes em sua polêmica com seu colega Fernando Corrêa
gração cultural de uma sociedade formada por origens étnicas distintas e lingüisti-
camente diferenciadas. Mas a forma recente pela qual essa sociedade se formara
também oferecia problemas nesse plano. Isso é revelado pela reação de Mário de
{...] A bem dizer, o Brasil não possui canções populares muito embora possua,
incontestavelmente música popular. Pelo menos não existem elementos por onde
provar que tal melodia tem sequer um século de existência. (...] Existem textos
populares /...] que permanecem até agora cantados (E mesmo destes, uma grande
figura de folclorista, como Amadeu Amaral, levado pelo conceito do anonimato
plurissecular e generalização popular do Folclore, se viu obrigado a aceitar apenas um
número muito restrito, nos seus estudos.) Porém, esses documentos recebem melodias
várias em cada região em mesmo em cada lugar. (...]
Assim não teremos o que cientificamente se chamará de "canção popular". Mas seria
absurdo concluir por isso que não possuímos música popular! Tanto no campo como
na cidade florecem, com enorme abundância, canções e danças que apresentam todos
os caracteres que a ciência exige para determinar a validade folclórica duma
manifestação. Essa melodias nascem e morrem com rapidez, é verdade, o povo não as
conserva na memória. Mas se o documento musical em si não é conservado, ele se
cria sempre dentro de certas normas de compor, de certos processos de cantar, reveste
sempre de certas formas determinadas, {...] . Não é tal canção determinada que é
permanente, mas tudo de que ela é construída. A melodia, em seis ou dez anos
poderá obliterar-se na memória popular, mas os seus elementos constitutivos
permanecem usuais no povo, e com todos os requisitos, aparências e fraquezas do
"tradicional". (p. 287-8; grifos do autor)
questões conceituais nesse campo. Ele justifica assim a necessidade de uma "con-
importada e histórica, com os da nossa América". Mas, ressalta esse autor, "essa
que "quem [...] tenha algum conhecimento da maneira com que o povo canta, não pode deixar de
se inquietar um bocado com a perfeição técnica" das coletas daquele autor (Andrade, [1942]:
287). Mais uma vez, ao também retocar seu material, Romero permaneceu aquém das exigên-
cias que introduziu no campo dos Estudos de Folclore.
47 — Essa argumentação é repetida literalmente em seu trabalho A música e a canção populares
no Brasil.
(188
conceituação nova deve ser cientifica", pois se o conceito europeu encurta exces-
nismo igualmente absurdo" (p. 278). Daí, a necessidade de que essa questão pudes-
dos por esse autor 4 8 , o que lhe conduzirá às reconceituações e à dedicação prefe-
ceu a hipótese de que a constituição das Ciências Sociais brasileiras poderia ser
ção do padrão acadêmico dessas ciências naquele período, as hipóteses dessa autora
podem nos permitir uma visão mais complexa sobre o lugar dos Estudos de Folclore
anterior a essa cisão que opõe, de um lado, os estudos sobre relações interétnicas e
formulada, via folclore, no plano cultural, seu caráter singular seria também, con-
forme a "fábula das três raças", um produto histórico da "integração" dos estratos
tentada pelos três pioneiros do movimento folclórico que Édison Carneiro identifi-
reconceituação proposta pelo movimento folclórico, ele afirma que isso permitiria
cias Sociais. Essas últimas, segundo ele, "não obstante a sua inclusão no currículo
letrados, [...] muito enredadas nas tecnicalidades americanas", não estariam vendo
"com bons olhos a vizinhança do folclore", não demonstrando interesse pelo estu-
do "dos fenômenos que [ele] abrange" (1962a: 57). Nesse breve comentário, Édison
Mas a resposta mais veemente desse autor nesse sentido foi um artigo que publicou
restan Fernandes - qualificado como "o novo comandante de [uma] nova investida
contra o folclore" ([1959]: 69) Roger Bastide e duas alunas desse último, Maria
(190
Isaura Pereira de Queiroz e Lavínia Costa Vilela (já então com o sobrenome de
casada Raymond).
obras de Mário de Andrade e Amadeu Amaral, e um balanço recente acerca dos "es-
tudos folclóricos em São Paulo". Nesse balanço, retomando o tema depois de vários
gorias, de acordo com a maneira pela qual o "folclore" seria encarado em cada um
nessas três rubricas, Fernandes se esforça, ao longo de toda sua análise, em mos-
"orientação estética". Apenas nessa última seria possível captar "conexões psico-
dade, Fernandes pretende alocar nesse plano a disciplina do Folclore. Desse ponto
de vista,
o campo de trabalho do folcloristas é simétrico ao dos especialistas no estudo das artes,
da literatura e da filosofia. Apenas duas diferenças parecem relevantes: a) o folclorista
precisa fundir, com freqüência, indagações que podem ser feitas separadamente por
aqueles especialistas; b) quando o folclorista trata de expressões orais ou dramáticas
do folclore, muitas vezes se vê obrigado a documentar, ele próprio, os exemplares
que pretende investigar, (p. 95, grifo do autor)
por uma análise puramente estética e/ou histórica do folclore, ou então por uma
autónoma" (p. 82), dedicar-se-iam a uma tarefa fadada ao fracasso, malgrado dos
tas por ele como uma "lição ex cathedra" que o sociólogo paulista "pretende dar aos
como disciplina" estuda seu objeto de "modo diametralmente oposto ao das ciências
clore como tradição oral" ([1959]: 72). Para Carneiro, o que estava em jogo não era
uma questão de método, mas sim — mais uma vez — um problema conceituai49.
como "uma ramo das ciências sociais" (Carneiro: [1959]: 72), Édison Carneiro por
49 — Essa interpretação é corroborada por um outro artigo de Fernandes [1958b], esse explici-
tamente crítico ao movimento folclórico, em que reage à crítica de Renato Almeida (expressa
em Almeida, 1957: 36-41) às conclusões do Congresso Internacional de Folclore. Diante da
pretensão ensaiada pelos brasileiros — e documentada pelo projeto que a Comissão Paulista
apresentou à primeira comissão do evento (cf. Doe. 3 0 9 / 5 5 ) — de aprovar uma definição que
ampliaria abusivamente os domínios do folclore, Florestan Fernandes aprova a decisão da
comissão de notáveis que resolveu adiar essa decisão.
(192
admitir, seguindo a tradição francesa, que o folclore é uma ciência social parti-
definições do I Congresso — do qual ele declara ter tido "a honra de participar"
com seu pólo negativo, num conjunto dialético" —, Bastide prega em seguida que os
folcloristas também se utilizem do método sociológico, uma vez que "o folclore não
por Carneiro como derivadas de uma diferença conceituai. Nesse plano conceituai,
os Estudos de Folclore seriam reduzidos a "uma ramo das antiquités populaires" (p.
68) — voltando-se ao tempo de William Thoms —, "o professor francês recua ainda
Varagnac, que transforma o folclore em algo que nos vêm diretamente da época
neolítica ..." 5 0 (p. 74). Embora a matriz francesa a que se filia Bastide não defina os
dos fatos "nascentes" — concentrou suas análises no exame de como a maior parte
50 — Além da discussão das posições conceituais dos dois autores, esse artigo apresenta várias
críticas de detalhe. Carneiro critica a pequena abrangência do conhecimento de Fernandes —
que se concentra em alguns poucos autores americanos — sobre a teoria folclórica internacio-
nal, indica várias imprecisões factuais nas análises de Bastide e na tese de sua orientanda
Lavínia. )/0 trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz sobre a dança de São Gonçalo é elogi-
ado como "uma boa pesquisa de folclore" (p. 80), mas que, injustificadamente, no seu final,
,resolve concluir com discussões metodológicas sobre a diferença entre as abordagens folcló-
rica e sociológica, quando apresenta a "descoberta" sociológica — que a Édison Carneiro parece
óbvia — de que "a dança preencheria determinadas funções de coesão grupai" (p. 76)./J
(193
tradicional, de origem pré-cristã, cujos rituais cíclicos poderiam ainda ser perce-
bidos naquele folclore até praticamente o século XIX 51 /(cf. Varagnac, 1948).
dois sociólogos parecem representar cada uma das duas perspectivas "nacionais"
seria a base do folclore brasileiro, tendo "a dupla contribuição do índio e do Afri-
cano [...] pouca importância quando comparada ao conjunto das tradições vivas"
(1959: 10). Os principais traços dessa herança européia, por sua vez, pertenceriam
parte às dos folcloristas estrangeiros, podemos vê-lo sob outro ângulo. O tema da
51 — Varagnac e van Gennep foram certamente as figuras mais importantes do folclore francês
no seu tempo, cultivando uma rivalidade que se exprimiu em disputas por influência junto às
associações folclóricas de seu país. Para um exemplo dessas discordâncias relacionado aos
problemas que tratamos aqui pode-se citar, por exemplo, um comentário do primeiro que
contém uma crítica relativamente velada ao segundo: "[mon] contact permanent avec la réalité
folklorique [...] mettait en pleine lumière ce que la plupart des enquêteurs sérieux avaient
signalé depuis cinquante ans et plus: le folklore non seulement évoluait, mais diparaissait.
Quelques spécialistes, égarés par certaines théories en vogue outre-Rhin, s'obstinaient à
proclamer que le folklore, étant co-extensif à la vie du peuple, se recrée sans cesse sous
d'autres formes". Segue-se a essa frase uma referência a uma nota de pé de página que cita
explicitamente Le folklore de van Gennep (Varagnac, 1948: 16).
(194
como uma busca de afirmação do espaço próprio a cada uma delas. Mas se levarmos
parece irritar mais o movimento folclórico é que cientistas sociais brasileiros (ou
ciência social, resultado do novo perfil propiciado pelo alargamento do seu campo
Veremos como tanto Florestan Fernandes quanto Roger Bastide estavam atentos à
52 — Embora a interpretação da seção anterior tivesse sido esboçada em Vilhena (1992) — tendo
devido bastante à leitura anterior do trabalho de Marisa Peirano (1981) no estabelecimento
dessa relação do movimento folclórico com o processo de "construção nacional" — a forma pela
qual Uli Linke (1990) conecta diretamente esse processo e os estudos folclóricos reforçou mi-
nhas idéias a esse respeito e forneceu-me subsídios para as sugestões comparativas que farei
em minha conclusões. Agradeço à própria Marisa Peirano pela indicação desse último texto.
53 — "[...] o folclore brasileiro, ao contrário do europeu, ainda não está cristalizado; apresenta
uma extraordinária fluidez e [•••] muitas danças dramáticas, características do folclore atual,
(195
esse dinamismo seria típico do folclore "mestiçado" e poderia ser melhor captado
"De uma forma geral podemos dizer que as formas mais mestiçadas e com maior
capacidade de aglutinar novos elementos são as mais duradouras. A dança por
exemplo. Não temos um tipo de dança brasileira, mas um modo brasileiro de
dançar, que vai criando nas cidades várias modalidades, com uma interminável
variedade rítmica. Já os romances tradicionais vão se arcaizando [...]."
(1953a: 339)
música e o folguedo — atribui a essa última uma maior dinâmica, que se expressa na
dos trabalhos franceses nesse campo. Mas sua referência principal não é van
torno da qual se teria cristalizado o folclore mediterrâneo e seus rituais ligados aos
ciclos anuais e aos grupos de idade. Daí, emerge uma visão diametralmente oposta
herança portuguesa dominaria nosso folclore, todo ele passa a ser examinado por
rio sul (1959: 10-11). Em seguida, ele identifica os efeitos da dispersão da população
num território imenso (p. 12), visto pelo colonizador como hostil e imaginaria-
mente habitado não pelos seres fantásticos familiares do folclore europeu, mas
pelas entidades hostis dos indígenas (p. 14). Isso teria oferecido condições privile-
a conciliar seus dogmas aos ritmos cósmicos e crenças locais pagãs, ela poderia, na
nova terra, tentar sobrepor-se de forma mais decisiva a esse fundo tradicional,
foram introduzidas no Brasil muito mais tarde, provavelmente no século XVIII. [...) estamos em
presença de um folclore móvel, que se decompõe e se recria a cada instante [...] (Bastide, 1958:
9).
(196
enfraquecido por todos esses fatores (p. 15-6). Mas a esses últimos somava-se um
populações não européias que deveriam ser integradas ao universo mental cristão/
/Ao abrir seu livro sobre o folclore brasileiro com uma profissão de fé na
operam na estrutura social em que elas ocorrem (p. 3). As manifestações "mestiça-
mos folguedos como o sairé, o cateretê e a dança de Santa Cruz, conseqüências dos
dos segundos, Bastide define os folguedos de influência africana como produtos das
tações musicais dos negros eram incentivadas para "manter a rivalidade entre
transformações sociais sofridas pelo país alteram a seguir esse quadro. Teríamos
portugueses que chegavam à colônia (p. 30). Além disso, as condições de vida das
maneira que, com a dispersão da vida rural no Brasil, o "folclore artificial" indíge-
de
negros" (p. 19-20), ou na lembrança de velhos, formando "ilhas culturais" que
(197
vo desse folclore, cujos últimos indícios passarão [...] para o carnaval" (p. 21-2)1
são, para Bastide, um sinal da dinâmica de uma cultura nova que resulta da harmô-
nica integração das contribuições de três raças formadoras, muito pelo contrário:
Os três folclores — índio, negro, branco — não se confundem, nem mesmo quando
patrocinados e controlados pelo clero. Eles se superpõem e coexistem. A linha de
escravidão bem como a das cores domina sobre a cooperação comunitária. I...] Os
imigrantes por sua vez transmitem elementos exóticos ao folclore de seu nozx> país.
I...]
Passagem pois de um grupo étnico para outro. [...] Entretanto, estas mudanças todas,
tais passagens de uma cor a outra, não impedem que os limites se mantenham. Por-
que um divertimento usado pelos negros é logo abandonado pelos brancos. E o branco
não acolhe a dança negra senão metamorfoseando-a completamente numa dança de
salão (o maxixe doutrora, o samba de hoje). [...] O que decisivamente determina que
a democracia racial do Brasil não impeça que o folclore não misture as cores nem as
classes. Cada qual tem seu folguedo, (p. 32-5)
clores diferenciais de cada grupo" cooperam numa festa que "não é possível senão
através da solidariedade total da comunidade" (p. 35), no Brasil teríamos uma socie-
do as bases sociais nas quais elas foram produzidas, para Bastide, o fato da sociedade
tante é que a forma pela qual esses folguedos se expressam socialmente documenta
uma sociedade não integrada. Ao invés de uma análise equilibrada, temos aqui um
futuro. /Este último nunca teve a pretensão de fazer, como o seu antigo professor,
trabalho de curso sobre o tema que descrevemos anteriormente, ele afirma ter
alimentado nos seus primeiros anos como pesquisador, a idéia de produzir "um
do qual vinha sendo desviado até então por diversas outras tarefas, é publicado
extenso corpus que coletara na década de 1940: 110 páginas de versos, adivinhas,
a forma pela qual Fernandes dicotomiza esses dois aspectos de sua análise. Não há
nela qualquer tentativa de articular o corpus que compõe o quarto capítulo do seu
artigo e o curto estudo que o precede. Lembremo-nos, de que, nos seus primeiros
nesse estudo uma ciência autônoma, propunha que ele incorporasse o "método
Folclore deveria ser definido como uma disciplina humanística e não científica.
Embora sempre ressalte que essas tarefas são tão necessárias quanto as do sociólo-
analisa a "função social" dos materiais que pesquisa —, Fernandes não desenvolve
nenhum esforço nesse sentido em relação ao material que coletou, que se limita a
transcrever.
/Porque esse tipo de estudo humanístico não o motiva tanto? Talvez pelas
(1961b: 16) — que se destacam particularmente quando se estuda, como ele fez, o
folclore infantil —, esses mecanismos não se mostravam tão vigorosos nos con-
textos sociais que pesquisou. Isso se deve ao processo de "mudança social" acele-
rado sofrido pela cidade de São Paulo, problema que Fernandes afirma não ter
previsto no momento em que iniciou sua pesquisa, mas que se teria imposto "por
Cidades como "Recife, São Salvador ou Rio de Janeiro — para citar as mais impor-
rado que sofreu a capital paulista, "perderam-se [...] valores irrecuperáveis que",
Uma das implicações mais importantes da "faouia das três raças", concepção
denaram a famosa pesquisa sobre relações raciais em São Paulo, hoje reconhecida
nesse ponto uma das raízes para as incompatibilidades entre o movimento folcló-
Vemos assim que, aliados às críticas metodológicas que são dirigidas aos fol-
Quando se compara o Brasil aos Estados Unidos, descobre-se que a unidade nacional
de sociedades com passado colonial recente tende para o padrão lfundado na imposição
cultural de cima para baixo] (o que ocorreu em ambos os países). E uma unidade
nacional em que se perdem heranças culturais, que não podem ser harmonizadas às
condições em que os estratos dominantes tendem a realizar a integração nacional
através da sua própria dominação estamental. Mesmo que, mais tarde, sujam novas
possibilidades de acomodação em bases democráticas, o mal já está feito. Não se pode
recuperar o que se perde nem refazer os caminhos históricos da integração econômica,
sócio-cultural de uma sociedade nacional cultural e racialmente homogênea
(1972:15-6)
Brasil, "crenças e religiões muito diferentes puderam ser conciliadas e por vezes
fundidas". Esse seria, porém, o caso apenas das "comunidades de subsistência" (p.
que diz respeito ao folclore quanto às relações raciais, essa cidade seria para ele
urbano. Mas, no fundo, a civilização que se vincula a este mundo é, por necessidades
internas, a civilização por excelência da tecnologia racional, da ciência e do pensa-
mento racional. ([1956]: 22)
Desse ponto de vista, ele continua, não importa que a "antiga ordem tradi-
país" (p. 23-4). A passagem dessa ordem estamental para a moderna sociedade de
classes, objeto que domina a obra madura de Fernandes, poderia ser captada de
como a cidade de São Paulo, [onde] uma nova mentalidade está em formação" (p.
21). Mesmo reconhecendo que, no contexto brasileiro, ela representa, "um ponto
disperso", "são esses pontos [...] que interessam a análise, pois é através deles que a
que com tristeza, sua relativa desimportância na "reconstrução" nacional que ele
se propõe a estudar.
paulistano como uma mera expressão "bairrista", que explicaria, em última análi-
i
y
se, seus conflitos com o movimento folclórico sediado no Rio de Janeiro. Bastide,
/
>
não sendo brasileiro e construindo uma reflexão sobre o folclore do conjunto do
país, converge com o seu ex-aluno no diagnóstico do papel secundário que a nossa
dois autores, a cultura folclórica se tornou para ambos um objeto secundário para o
55 — Para um outro exemplo da "representatividade" de São Paulo: "Esta cidade é mais tipica-
mente brasileira do que parece, no sentido do que foi tradicional ou, no oposto, do que é
moderno, oferecendo um bom campo para o estudo do padrão brasileiro de relações raciais"
(1972: 7).
(202
Sociais no momento em que essa Sociologia produzida em São Paulo começa a defi-
Embora esse aspecto da obra dos dois importantes sociólogos tenda a ser
esquecido, o folclore ainda era um tema ao qual ambos sentiam-se ligados. Para as
"construção nacional", explorado por Marisa Peirano. Dessa forma, ele não é uní-
nas, como as que procurei mostrar neste capítulo. Não se trata de meramente
apropriar-se de espaços, mas de, na medida em que isto é feito, redefinir seu perfil
mos ver que, até porque as instituições são frágeis, torna-se importante discutir as
discussões teóricas que acompanhamos aqui, ela inclui a afirmação de valores que
les que a ele aderem/ Esse aspecto, no que diz respeito ao movimento folclórico, é o
MUSEU NACIONAL
Projeto e Missão:
(2 o volume)
Rio de Janeiro
1995
Capítulo 4 - Congressos e rumor: o movimento
folclórico em ação
tidade como um grupo que não apenas compartilha um tipo de produção intelectual
ções populares. Nos dois capítulos anteriores, vimos que essa mobilização era, ao
institucionais por eles desejadas e a forma pela qual eram decididas suas principais
posições conceituais. Neste novo capítulo, irei desenvolver essa idéia dos próprios
atuação nesse período; o que também significará, num outro plano, adotar a preo-
ação".
delas. Em minha exposição, irei apresentar neste capítulo cada um desses planos,
gias que ele pôs em prática, para, por fim, completar com o perfil dos protago-
(204
definindo no seu decorrer. Este será não apenas o capítulo mais extenso, como o
que mais se concentrará no período que vai de 1947 a 1964, utilizando fartamente
levantei.
camos que, mesmo existindo matizes nas posições de cada participante individual,
j,uma agenda consensual foi sendo definida ao longo das reuniões e congressos. /Um
' resumo desse programa é fornecido através de uma fórmula sugerida por um arti-
go de seu principal porta-voz, Renato Almeida. Nesse texto, ele aponta três "pro-
//A articulação entre esses três pontos é apresentada de forma bastante sim-
ples. A pesquisa é colocada em primeiro lugar, uma vez que é necessário "saber
quais são e como são os fatos folclóricos no Brasil" (p. 341) para fundamentar os
porque o fato folclórico não é coisa morta, como uma peça arqueológica ou um
documento histórico, queremos conhecer, para manter, para guardar, para perpe-
tuar" (p. 3 4 3 ) /
recer" os estudos nessa área (p. 345). Além disto, ensinado não apenas a futuros
cia.
disso, foi em torno dele que se configuraram os conflitos mais sérios enfrentados
vam entre si uma definição comum do que seria a "ciência" e, nesse sentido, suas
tipo de divergência em jogo, aquela que opõe os paradigmas pelos quais cada um
que se propuseram.!)
brasileiro teria sido até aquele momento "escassa e pouco autorizada". Para ele, a
como "órgão coordenador". Como tal, ela teria dado continuidade ao trabalho de
Mário de Andrade que, "à frente do Departamento de Cultura de São Paulo, iniciou o
definida". Mesmo assim, apesar dos esforços das comissões estaduais que compõem
a CNFL, o trabalho continua sendo feito "gratuitamente, [...] como produto de sim-
ples boa vontade". A solução para esse estado de coisas é a criação de um "organis-
sistemático, realizado por técnicos em equipe e preparado para o estudo nos siste-
Renato Almeida não recai sobre a falta de capacidade desses pesquisadores, mas
os adjetivos que nosso autor emprega em seu curto programa para o futuro
""exemplo, parte de uma concepção segundo a qual "o cientista" é definido como "o
inclusive leigos. Esse era o caso, por exemplo, das "pessoas verdadeiramente escla-
teria sido, segundo o Boletim da SEF citado no capítulo anterior, o seu principal
saldo positivo/
"ocorrências folclóricas" poderiam ser coletadas foi obteve resultados numa escala
que talvez Mário de Andrade nunca tivesse imaginado. Temos visto como a
seus respectivos estados, produziu uma rede espalhada por grande parte do terri-
naquela série (cf. Quadro 1 no apêndice 1). Através deles, podemos ter acesso à
curtos, que freqüentemente não passavam de três laudas datilografadas2, nas quais
o autor por vezes apenas registra alguns versos que coletou, uma festa a que
res que recolheu. Nenhum detalhe é pequeno demais para que não mereça uma
referência, para que não possa justificar uma publicação. /O caráter assumida-
mente modesto dessas contribuições é bem expresso por um termo muito usado
sei 3 , esse termo indica que o autor não pretenderia apresentar hipóteses gerais ou
informações a um debate4. /
2 — Para sermos mais precisos, a média de páginas de cada Documento do período compreendi-
do entre 1947 a 1963 foi de aproximadamente 2,88.
3 — São os Documentos 6 8 / 4 8 , 1 8 2 / 5 0 , 2 3 8 / 5 1 , 3 5 3 / 5 6 . Em carta, Nelson de Sena se refere ao
texto que envia por carta a Renato Almeida — e que será publicado como o Doe. 5 5 / 4 8 — como
"suas achegas sobre o maxixe" ( 2 5 / 1 0 / 4 8 , CE exp.), enquanto o livro prometido por Mariza
Lira no Doe. 1 6 / 4 8 acerca da exposição folclórica que organizou em 1941 é publicado com o
subtítulo de "achegas para a história do Folclore no Brasil" (cf. Lira, 1953).
4 — Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (que chegou a participar da CNFL), em seu conhecido
dicionário, dá os seguintes sinônimos para achega: "acréscimo", "auxílio", "subsídio". Curio-
samente, o único exemplo fornecido nesse verbete com autor identificado provém justamente de
um trabalho de Renato Almeida. Note-se que os significados apresentados permitem que se
pense naqueles artigos não apenas como achegas ao "tema", mas ao próprio objeto, ou seja, ao
folclore. Nesse sentido, "achega" e o seu sinônimo "achego" expressam uma aproximação inti-
ma, ("achego materno" é um doe empregos da palavra exemplificados); ambas são derivadas do
verbo "achegar", que pode significar "avizinhar", "aconchegar" (Ferreira, 1986: 29). Esse
(209
exemplos da copiosa produção sobre o folclore que era então publicada pela
ral se queixavam. Porém, na verdade, essa atenção apaixonada aos mais ínfimos
meiro capítulo, de que os Estudos de Folclore possuiriam uma certa essência que os
no Brasil. Mas, se por um lado não se pode naturalizar a identidade desses estudos,
isso também não significa, por outro, que, sendo o produto de uma tradição inte-
lectual específica, não possamos encontrar certos traços constitutivos que reapa-
tempo que divulgava o novo termo cunhado por William Thoms para identificar
esse tipo de pesquisa, imprimir uma orientação científica aos estudos folclóricos,
populares" a que a carta de Thoms se refere eram então apenas um dos temas dos
último aspecto mostrar-se-á mais relevante quando formos discutir a relação peculiar do
folclorista com o seu objeto de estudo.
(210
gliano descreve a trajetória dessa tradição de pesquisa5, que conheceu o seu auge
aos testemunhos literários clássicos, então sob rigorosa crítica metodológica (1983:
264).
Iluminismo, ficaram claras as limitações dos métodos dos primeiros, cuja mentali-
dade seria caracterizada pelo "goût excessif des classifications et du détail insigni-
com a qual ele se relacionava com seus objetos: "L'antiquaire était un connaisseur
para a variedade e a especificidade dos objetos que observa e descreve. Essa aten-
ção particularizante não era um dos alvos das críticas dos pioneiros do movimento
dos à pesquisa no campo das ciências sociais já fazia sentir seus efeitos, qualificará
dos de Folclore, "as obras de síntese [... que], com raríssimas exceções, são prematu-
ras e em grande parte derivadas do gosto nacional pela adivinhação". Estas esta-
riam sendo substituídas por pesquisas imbuídas de "uma orientação mais técnica"
neste campo, marcando a entrada no Brasil de uma "fase monográfica [...] que vai
zação.
pesquisa" dominante no seu tempo, "feito assim à ligeira e à solta" (1948: 21),
7 — Não pensemos, porém, ser esse um traço apenas dos folcloristas brasileiros. Vinte anos
após, fazendo um balanço sobre a teoria folclórica no presente século, Richard M. Dorson,
começa reconhecendo que "a restrained and cautious mood dominates folklore studies of the
twentieth century, in reaction to wild and extravagant theories advanced by European
folklorists and mythologists in the nineteenth century in general" (Dorson, 1963: 93). Nesse
sentido, ele compara dois exemplares paradigmáticos desse campo de estudos, "the magnum
opus of folklore scholarship in the Victorian era", Thegolden bough de James Frazer, e os seis
volumes do Motif-Index of Folk-Literature de Anti Aarne e Stith Thompson, que, com sua
minuciosa catalogação de temáticas da literatura popular, procura apenas proporcionar uma
referência para estudos históricos específicos precisos que deram, particularmente nos
Estados Unidos, respeitabilidade acadêmica a esse gênero de pesquisa.
(212
co, utilizando "a mesma objetividade do naturalista, que tanto observa o roble
dos protozoários" (p. 34). Para que, no futuro, seja possível "examinar, comparar e
de um informante, a idade, o sexo, a condição social das pessoas ouvidas" (p. 46).
como concebido por Amadeu Amaral, era menos a de propor interpretações acerca
Entretanto, nem sob esse aspecto preliminar, pode-se dizer que os Documen-
tos da CNFL conseguiram, na maioria das vezes, elevar o nível dos trabalhos folclo-
naquela série. Após a apresentação desse material, ele comenta rapidamente sua
semelhança com nossas "modas de viola" e confessa não se lembrar do "livro raro"
diretamente pelo autor, que formam a absoluta maioria das comunicações, é muito
comum que ele não se preocupe em precisar onde, quando e como testemunhou os
/Na verdade, no que diz respeito à adoção de um tom mais científico ou mesmo
taram uma inovação nos padrões da literatura folclorística vigente no país. Para
abrangência dessa série de publicações. Dos 503 números publicados até 1963, 422
eram assinados por 183 autores diferentes, dos quais 139 eram brasileiros 8 .
não tinham como objetivo apenas apresentar a produção "de ponta" da área.
semanas de folclore).
estudos (como nos debates de Édison Carneiro com os "sociólogos paulistas", Doe.
8 — O conjunto de artigos assinados por autores brasileiros compõe um total de 371 artigos, o
que dá uma média aproximada de 2,7 documentos por autor. Isso dá uma idéia da importância
do acima citado Aluísio de Almeida, que assinou seis diferentes artigos nos Documentos da
CNFL Essa conta seria perfeitamente exata se todos os artigos tivessem um único autor;
porém, para simplificar, ignoro aqui os quatro artigos do período assinados a quatro ou seis
mãos. Além disso, não considerei, para chegar a essa média, um documento produzido pela
Comissão Espírito-Santense de Folclore (Doe. 3 1 7 / 5 5 ) — atribuído a uma instituição e não a um
autor individual —, nem outro de autoria de Roger Bastide (Doe. 3 0 4 / 5 5 ) . No Quadro 1, porém,
ambos estão incluídos entre os trabalhos produzidos por autores pertencentes a comissões
estaduais, uma vez que esse último autor é identificado no cabeçalho do documento como
membro da Comissão Paulista de Folclore.
(214
regiões do país, esses últimos não deixando de mostrar que havia ainda muito a
Nesses termos, podemos dividir, como faz o Quadro 1 (no Apêndice 1), o con-
Em maior número, vêm aqueles assinados por membros plenos do movimento fol-
comissões estaduais (juntos perfazendo 63,2% do total publicado entre 1948 e 1963).
todo o país, propiciando a mobilização nacional visada pela Comissão/ Na sua cor-
9 — Nas duas categorias, esse autores eram, na sua maioria, folcloristas. Obviamente há exce-
ções que não foram registradas por minha classificação, como, por exemplo, autoridades polí-
ticas (o ministro da educação Clóvis Salgado), cientistas sociais de outras especialidades
(como o etnólogo Alfred Métraux), compositores (como Béla Bartók), poetas (como Manuel Ban-
deira; no seu caso, não assinando um artigo analítico, mas versos comemorativos a um evento de
significação folclórica). Esses casos não mereceram uma categoria à parte, não apenas pelo seu
pequeno número, mas principalmente pelo fato deles também representarem as fronteiras do
movimento folclórico, estando menos próximos comparados do movimento do que os folcloristas
brasileiros que não pertenciam à CNFL e que os estrangeiros, mas ainda relacionados a ele
através da presença do tema do folclore em seus textos.
Zlb
comissões estaduais para suas pesquisas, Almeida pondera que haveria nelas "mui-
improvisação e não se pode dispensar essa contingência, porque vem muitas vezes
nas seções seguintes deste capítulo — há nessa tolerância elementos que derivam
muito raros. Quanto mais longe se estivesse dos grandes centros, onde se concen-
mais rico seria o campo para pesquisar. Em um discurso comemorativo dos dez
anos da CNFL, o secretário geral gaúcho Dante de Laytano elogia Renato Almeida
pela formação universitária — ainda escassa em nosso país — não seria um requisito
essencial para a coleta científica do folclore// Essa perspectiva pode ser encontrada
(216
mesmo entre aqueles folcloristas que receberam esse tipo de socialização, como
cação do documentário da CNFL, ele tinha escrito cinco comunicações, das mais
extensas, todas elas apresentando resultados dessas pesquisas. Isso lhe proporcio-
ria" e a "científica":
Esta é feita sob inspiração de uma teoria de interpretação dos fatos folclóricos. Não
pode ser realizada senão por pessoas que possuam a formação teórica necessária. Não
obedece a regras rigorosas. E viva, amolda-se às teorias e aos problemas especiais que
o pesquisador tem na mente, obedece a critério de seleção unilateral. (I SNF, s. d.:
26)
possíveis e legítimas, o autor afirma que a última delas seria a mais adequada "na
fase de desenvolvimento dos estudos folclóricos de então", uma vez que pode "ser
feita por pessoas sem a necessária formação teórica". Propõe, então, que a Comis-
10 - O catedrático de Administração na USP era Mário Wagner Vieira da Cunha, cuja participa-
ção na SEF de Mário de Andrade pudemos acompanhar. Com o apoio de Cunha, Maynard
desenvolvia um projeto de pesquisas folclóricas apoiado pela secretaria de turismo do Estado.
(217
com apriorismo não vai com objetivo documentário nem com ciência" (p. 2 8 ) . /
trabalho de coleta nesse campo./ O que não pudesse ser preservado, seria pelo
implícita na comunicação realizada por esse último, de que os dados falariam por si
dos informantes descobertos por seu inquérito (apud Coelho Frota, 1983: 21),
sárias para a prática do registro, já citados, há uma crença de que os amantes "sin-
ceros" do folclore, uma vez bem orientados, poderiam ser coletores extremamente
11 — Para os folcloristas, informante não tem apenas o sentido hoje empregado pela Antropolo-
gia, ou seja, o do "nativo" que fornece informações ao pesquisador; ele pode significar também
um amador que recolhe dados aplicando um questionário elaborado por um especialista.
(218
Quando puder, registrar também a música da cantiga, da trova, do romance, mas sem
nada alterar ou enxertar. I...]
Anotar o nome, a idade, profissão, grau de instrução, lugar de nascimento do
informante; onde ouviu ou viu o que relata ou canta. Indicar também a data e local
da conversa ou da colheita. [...]
Tal colheita é urgente. A "civilização" tem alterado e destruído muitos desses
elementos precisos, e tal desperdício prosseguirá inclemente se não houver o interesse
patriótico de recolher e resguardar o que nos resta dessas tradições do nosso povo.
A Comissão de Folclore renova, por isto, o seu caloroso apelo aos capixabas de boa
vontade, esperando o seu concurso nessa obra necessária e prestante.
Toda a correspondência para a Caixa Postal 517 - Vitória. (A Gazeta, Vitória, ES,
2 2 / 0 8 / 5 7 , Emeroteca da BAA)
defesa dessa coleta científica ganha um caráter anti-elitista. Homens "de boa
12 — Por exemplo, em uma palestra o gaúcho Walter Spalding afirma que o "legítimo
folclorista" deveria conhecer "história, ser sociólogo e filósofo e ter senso de crítica"; no
entanto, "quem tais conhecimentos não tiver, poderá ser excelente coletor". Conclui,
declarando que seria "esse elemento coletor, fiel e sincero, que nos falta. O povo, próprio
criador dessas cousas, é, ainda, o melhor coletor desde que anote tudo quanto puder nesse
terreno ou, pelo menos, informe e oriente coletores e folcloristas" (Doe. 6 4 / 4 8 : 1).
(219
Mesmo artigos que descreviam temas muito específicos podiam motivar compara-
ções a serem realizadas por pesquisadores com acesso a outras regiões. Essas,
porém, freqüentemente se sucedem sem que se tente em nenhum dos artigos uma
conclusão final ou mesmo apenas uma síntese do que foi sendo levantado 13 . Um
Carlos Stellfeld, cujo artigo, por sua vez, já era um comentário de um livro de um
enumeram as variações que encontram em seus estados acerca do seu uso e fabri-
cação e mesmo de sua denominação local (bodoque, funda, baladeira, etc.).//o inte-
ser uma das poucas formas de sistematização compatível com o gosto pela empiria
13 — Um desses debates já foi iniciado pelo primeiro artigo assinado da série, de autoria de
Lindolfo Gomes — um dos folcloristas de maior prestígio no período, mas que, já estando na
época com graves problemas de saúde, participou pouco da Comissão —, discutindo a origem da
palavra maxixe (Doe. 2 / 4 8 ) . Sua hipótese, discutida numa das primeiras reuniões da CNFL,
(cf. Doe. 3 / 4 8 : 1), foi revista pelo próprio autor (Doe. 1 2 / 4 8 ) , motivou consultas de Renato
Almeida a estudiosos estrangeiros (RA/EB, corr. exp., 2 6 / 0 2 / 4 8 ) e brasileiros (CM/RA, corr.
rec., 1 2 / 0 4 / 4 8 ) e comunicações de outros folcloristas (cf. Doe. 5 5 / 4 8 ) . Só não foi em nenhum
momento dito ao longo desse debate qual seria o seu significado para a melhor compreensão da
música folclórica brasileira. Assim, essa parece ser uma daquelas coletas que, nos termos de
Alceu Maynard de Araújo, " não servem para nada". O mesmo ocorre no debate, motivado por
uma comunicação do folclorista português Armando Leça acerca de certas características
harmônicas de corais populares portugueses (cf. Doe. 2 6 / 4 8 ) , que também motivou outras
comunicações (cf. Doe. 3 3 / 4 8 e Doe. 5 3 / 6 4 ) e consultas de Almeida a especialistas de
comissões estaduais (cf. DL/RA, 0 2 / 0 6 / 4 8 ) .
apenas resumiria o que cada pesquisador individual teria recolhido, sem romper
com o nível empírico. Nessa forma de sistematização, esse último nível não seria
remetido a nenhum outro que possuísse uma maior realidade no plano explicativo;
sua relação com níveis nacionais ou regionais, tão importantes para o estabeleci-
perceber como ele apresenta aos candidatos a pesquisador uma descrição mínima
"do que interessa ao folclore", isto é, dos critérios pelos quais se define o que é o
englobados por essa qualificação, //o problema das classificações — que por vezes
folcloristas.^
cupou-se em não deixar que essas questões permanecessem ao sabor das inclina-
ções dos diversos autores dos Documentos da CNFL É possível dizer que a tolerância
uma "reserva" de coletores que poderia ser utilizada no momento em que o traba-
ocupar esse espaço, e, não sendo um órgão com um corpo permanente de funcio-
que esse tipo de questão fosse postergado para "futuros congressos". Dessa forma,
Mais do que isso, veremos como neles irão dar-se as primeiras iniciativas para
definiu pela primeira vez os parâmetros iniciais dos projetos de pesquisa do movi-
15 — Antes do início dos congressos, a CNFL chegou a imaginar experiências mais restritas,
que, aparentemente, não chegaram a ser postas em prática. Cecília Meireles foi incumbida, em
uma reunião da CNFL de 1948, de organizar "um roteiro para o inquérito inicial [...] sobre
existências folclóricas no Brasil" (Doe. 9 / 4 8 : 1) e chegou-se a planejar uma experiência-piloto
de inquérito no Estado de Alagoas (cf. Boi. Bib. CNFL, jul., 1948: 3; também citada em RA/TB,
2 5 / 0 5 / 4 8 e 3 1 / 0 5 / 4 8 ; RA/Circ., 0 4 / 0 4 / 4 9 , corr.exp.).
(222
as regiões do país" (I CBF, 1952: 77), a serem "executados por equipes", que inclui-
lingüistas, além dos folcloristas necessários". É também enfatizado que tais traba-
lhos deverão ser feitos "em moldes científicos" e regulamentados pela Comissão
(p. 78).
apenas pelo sucesso da reunião de folcloristas de todo o país, como também pelas
cretiza, seis anos depois, este ainda não terá os recursos necessários para desen-
que sempre foi a força do seu movimento, o poder mobilizador que tinha o seu
de-se que para o II Congresso, no ano seguinte, cada comissão estadual prepararia
um relatório acerca dos seus folguedos populares locais, que serviriam de ponto de
gráfica como a forma principal de sistematização dos dados a serem coletados, eles
16 — Alguns meses antes da realização do encontro, Manuel Diégues Júnior dedicou sua coluna
semanal no Diário de Notícias aos temas que seriam discutidos em Salvador, artigo republicado
pelo documentário da CNFL Diégues reconhecia que não se pensava então em preparar esse
mapa "de um jato, tantas as dificuldades que sua elaboração apresenta" (Doe. 3 6 7 / 5 7 : 1).
Nesse sentido, citava um levantamento, feito pela Comissão Paulista de Folclore, dos folguedos
populares do estado como um exemplo nesse sentido a ser seguido. Destacando a importância
dos folguedos para "o conhecimento de aspectos culturais de nossa sociedade", ele também
ressalta, fazendo eco à Carta, a necessidade da "contribuição de disciplinas diversas" para a
elaboração desse mapa pela "ciência do Folclore" (p. 2).
17 — Essa tensão revele-se no parecer de Araújo ao anteprojeto "Plano de Pesquisas 59-60",
escrito por Édison Carneiro como membro do Conselho Nacional de Folclore. Naquele texto, ele
faz referência a uma entrevista em que Renato Almeida teria declarado à imprensa o seu temor
de que, sem "conceitos doutrinários" estabelecidos de forma segura por um plano nacional de
pesquisas, prevaleceria o amadorismo nas investigações folclóricas. Tomando essa declaração
como uma crítica à Campanha, seu diretor responde que, enquanto se dá a "longa e penosa" es-
pera pela definição desse plano, ele pretende entregar a incumbência de levantamentos locali-
zados a pesquisadores reconhecidos, citando as pesquisas, em estudos na época, de Édison
Carneiro sobre o samba, e de Luís da Câmara Cascudo sobre a "cantoria nordestina" (Arq.
CDFB: 1 3 / 0 4 / 5 9 ) . Com um curto mandato à frente da instituição, provindo sua indicação de
(224
(1962a: 61-2)//
ceiros que teve de enfrentar, algumas das principais dificuldades para sua imple-
los sob uma rígida coordenação centralizada. Dessa forma, em 1952, Manuel Dié-
gues Júnior afirmava que o Plano Nacional de Pesquisa Folclórica deveria "coorde-
capacitados pelo uso das mesmas técnicas e permitindo [que] seja idêntica a apre-
tros cientistas sociais nas equipes de pesquisa 18 . Além destes, há alguns profissio-
sua relação pessoal com o ministro da educação de Kubitschek, Araújo assumiu nesse terreno a
posição pragmática de encomendar levantamentos específicos a folcloristas consagrados.
18 —Em seu discurso de posse na Campanha, Édison Carneiro assume o tradicional tom mobili-
zatório e conclama "antropólogos, sociólogos, lingüistas, humanistas em geral para a tarefa,
cada dia mais premente de revelar, e possivelmente analisar e interpretar, em toda a sua
grandeza, o folclore brasileiro" (Doe. 4 6 3 / 6 1 : 2; grifo meu). Note-se como, através da palavra
grifada, sutilmente Carneiro reafirma a precedência da coleta sobre a interpretação.
(225
nais também importantes, não apenas por uma competência explícita, mas por sua
a Alagoas, Renato Almeida afirma que, para sua aplicação, pretenderia contar com
rias — e os médicos do interior (Doe. 1 1 6 / 4 9 : 1). Todos eles associam duas caracte-
Cascudo (cf. Doe. 1 / 4 8 ) e, anos depois, a Carta do folclore brasileiro definiria sua
Tanto num caso como no outro é natural que o folguedo popular se torne o
facilmente de região em região e não têm uma época do ano definida para ocorrer,
o folguedo, sendo um ritual elaborado que envolve uma certa quantidade de recur-
sos e de pessoas organizadas para ser executado, tem suas coordenadas temporais e
espaciais mais estáveis, prestando-se mais a esse dois tipos de registro. No caso do
mesmo de sua promoção. Nesse ponto, nos aproximamos das íntimas relações entre
Brasileira de Folclore, dirigida por Luís da Câmara Cascudo em Natal, parece ter
aparecia em seu esforço para que essas manifestações populares fossem isentadas
país. O comando, porém, saía sempre do centro para o qual convergiam todos os
21 — Mariza Lira conseguiu publicar, com apoio da prefeitura carioca, uma "Calendário Folcló-
rico do Distrito Federal" (1956). A coletânea póstuma de Édison Carneiro Folguedos tradicio-
nais, abre-se com um artigo sobre "Festas tradicionais" apresentando uma classificação — pro-
visória, "enquanto não se levantar o Calendário Folclórico Nacional" — em que reconhece que
essas comemorações populares no Brasil "em geral são religiosas, e obedientes ao calendário
católico" (p. 19).
(227
organizadas, Renato Almeida envia uma carta circular a todos os secretários gerais
ridades locais para que colaborem com essa iniciativa ou que, pelo menos, não lhes
leiros, ele define nossas "artes e tradições populares" como "não apenas de alta
Embora reconheça que os prefeitos que mantêm essas taxas devam julgar os
É interessante notar que, junto a esse esforço na defesa dos folguedos, algu-
mas tentativas protecionistas também foram feitas nos primeiros tempos do movi-
musical e o em que os folguedos se firmaram como o foco dessas pesquisas. Ajm dos
Pedro Gouveia Filho, que apoiou essas sugestões e a elas acrescentou outras tantas,
22 — Essa manifestação resultou em uma resolução oficial desse Congresso criticando a cobran-
ça de impostos sobre a realização de folguedos, (cf. Eol. Bibi. CNFL, mai. 1950: 2)
(228
re musical o mesmo empenho que a CNFL dedicou à tarefa de proteção dos folgue-
ridades políticas locais mais fáceis de serem atingidas e que, uma vez conquistadas,
foi aprovado oficialmente pelo III Congresso. O texto é marcado por um paradoxo
vida pela UNESCO na qual se teria reconhecido que, uma vez que "a proteção repre-
que ela envolvesse, "ao mesmo tempo, intervenção e Uberdade — muita liberdade"
23 — Lembremos, nesse sentido, que um dos poucos atributos que a Carta admitia como exclu-
sivo do "fato folclórico" (ao contrário do que ocorrera com o anonimato, a oralidade, a origem
puramente popular, etc.) era sua relativa independência em relação aos "círculos eruditos e
instituições que se dedicam ou ã renovação e conservação do patrimônio científico e artístico
humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica" (1 CBF, 1952: 77).
(229
pelos peritos da UNESCO" (p. 102). Porém, no caso das regiões em que "o interesse
dos 24 . Nesse caso, haveria necessidade de uma intervenção mais drástica: não
seria mais o caso de "proteção", mas de uma "restauração". Os cuidados aqui deve-
amigos" (p. 108)./ Édison Carneiro tem em mente o exemplo das Escolas de Samba
cariocas, cuja organização nessas bases lhes permitiu uma grande expansão/
Através dessa estratégia, seria possível "fixar e dar unidade a grupos tantas vezes
24 — Curiosamente, nessa distinção feita sem maiores explicações, Édison Carneiro coloca na
primeira posição — a mais favorável para a permanência dos folguedos — os "Estados de Alagoas
e São Paulo, da Amazônia, da Guanabara, do Recife e de algumas cidades do interior do Paraná,
de Santa Catarina e de Minas Gerais" (p. 101). Note-se que, à exceção dos dois estados do Nor-
deste e da menção à região Norte, as demais referências identificam justamente as regiões mais
dinâmicas do país do ponto de vista econômico, o que deveria enfraquecer suas manifestações
folclóricas. Em várias delas, por outro lado, havia comissões estaduais extremamente ativas,
fator que nosso autor não parece levar em conta quando diagnostica o vigor de seu folclore.
25 — G Boletim Noticioso da CNFL anuncia, em janeiro de 1959, que "Manuel Diégues Júnior e
Édison Carneiro vão orientar a reconstituição de folguedos folclóricos, sob o patrocínio da
Confederação Nacional da Indústria, em vários estados do Brasil". Embora não haja notícias
sobre a concretização desse projeto, há registros de várias iniciativas locais de comissões
estaduais "restaurando" folguedos (como as da comissão capixaba, no Doe. 4 2 8 / 5 9 ; ou as da
alagoana, cf. Boi. Bib., jun. 1949: 3).
(230)
tões. O próprio Carneiro já liderara tentativas importantes desse tipo, como quando
dor. Segundo Beatriz Góis Dantas, embora a entidade tivesse tido uma curta exis-
tência, ela foi um episódio importante no contexto em que a luta contra a repressão
desses modelos de autenticidade e, portanto, na própria forma que eles irão tomar
folcloristas da CNFL aparecem como aqueles que podem dar a chancela de que certa
manifestação é "folclórica" e, como tal, não mereceria ser reprimida pelas autori-
iades, devendo, ao invés, receber o seu apoio. Em carta enviada a Renato Almeida,
mesa, assinadas pelos dois autores (publicadas em Carneiro, 1964: 188-9), defende-
neiro tentara implantar na Bahia, com a criação de Federações de cultos que per-
mitissem sua oficialização. Dessa forma, ressalta-se que os "excessos, que por acaso
poderão ser corrigidos através de sua aplicação" (p. 198). De qualquer forma, a
principal preocupação dos pareceristas seria, como destaca Manuel Diégues Júnior
ao resumir as conclusões daquela mesa, a de que "o processo aculturativo" dos cul-
tos "se faça mais rápido, mais eficiente e sobretudo dentro de um espírito naciona-
já não são formas africanas de religião, mas também ainda não constituem formas
brasileiras de cultos, [e] representam um passo importante para a nacionalização da
vida espiritual do negro; (...] esse processo tem que ser pacífico para poder dar os
resultados que desejamos, mas que não obteríamos, antes retardaríamos, com o uso de
proibições e violências; e, finalmente, a experiência nos tem demonstrado, cabalmente,
que os 'xangós' satisfazem necessidades de ordem moral, física e espiritual que a
sociedade brasileira, no estado em que se encontra, não tem maneiras de satisfazer 28.
(18/03/52, corr.rec.)
dos governos em relação a essas manifestações 29 . Seu principal atributo seria sua
Vimos alguns momentos em que essa precedência foi reconhecida por autoridades
públicas. Mas há outros em que eles se queixavam de que sua orientação não esta-
Sul do país e com a participação de aproximadamente dez mil figurantes (Boi. Bib.,
mai., 1962: 3). Entretanto, ele receberá uma violenta crítica de Mário Ypiranga
Nessa fase, segundo ele, seria "tudo muito limpo e muito folclórico. Nada de pro-
pagandas caras em revistas do sul, a exemplo do que sucede quase todos anos, nem
promotores dos festivais teriam descoberto "a mina popular e [a] transformaram
em sucursal viva de campanhas eleitorais", fazendo com que "o folclore citadino"
Comissão Amazonense, que tentaram por três anos corrigir esses desvios, foram
o "estímulo [por] via monetária" (Doe. 4 8 7 / 6 2 : 1). Em função desse tipo de incen-
Amazonense não conseguiria mais realizar seus próprios festivais, já que os gru-
pos não se satisfaziam mais com a parca verba de que ela dispunha, proveniente de
doações da CDFB. Conclui o desolado Ypiranga que, "diante [...] da competição exis-
tente, não se pode mais falar em folclore puro na cidade de Manaus" (p. 2) 3 0 .
za seu longo trabalho "em benefício do folclore amazônico" como uma "contribui-
político, dos promotores — contrastado com o sentido de missão que ele atribui ao
seu combate contra a "ignorância" (p. 3). Essa forma de apresentação também
parte do intelectual.^
Renato Almeida afirma que não cabe à CNFL subvencionar planos turísticos folcló-
separar o joio do trigo nesse domínio, sua ação é essencial em algum nível não só
aparece também nos esforços — menos intensos que os relativos aos folguedos —
Costa Pereira. Este último já integrava desde o ano passado a CNFL, convidado por
exemplo que oferece a Bahia, organizando o artesanato popular, afim de que os nossos
rudes artesãos e artistas, em cuja fantasia e habilidade há tanta beleza e engenho, não
continuem definhando até as vizinhanças do aniquilamento. [...] Almejamos o seu
êxito e que possa servir de modelo aos demais Estados. (Doe. CNFL 374/57:3
/ / Porém, no congresso seguinte, por motivos que não ficam claros na docu-
mentação a que tive acesso, os folcloristas já não vêem com o mesmo entusiasmo a
qualidade artística e a função social da cerâmica popular brasileira" (IV CBF, 1959:
das obras, os folcloristas destacam a necessidade de que essa dimensão estética seja
permitiria romper com o círculo vicioso no qual toda a intervenção externa, mes-
tas, se revele importante também para esses últimos. Essa apropriação torna-se
melhor aos processos aculturativos como aqueles que teriam dado origem ao nosso
caráter nacional:
Uma técnica de trançado não sofreu o mesmo ritmo de um romance, sendo que o
caráter nacional se vai acentuando nas formas mais úteis e mais acessíveis, de
sobrevivência menos erudita. Estas possuem menor resistência, aquelas maior poder
de adaptação [e] pelo próprio valor funcional. (Almeida, 1953a: 339; grifo meu)
servacionista procura eximir a CNFL da acusação de que pregaria uma defesa cega
mente porque "são fatos vivos", os fatos folclóricos estariam, ao mesmo tempo,
portadores" 3 3 (1957: 54). A idéia de que cada uma dessas manifestações desempe-
nha importantes "funções" que poderiam ser respondidas por formas diferentes,
mente.
//Na variedade folclórica sobre a qual, como vimos, recai a ênfase da política
dinamismo que lhes era atribuído) permitiriam uma evolução guiada apenas pelas
32 — Para uma distinção das teorias funcionalistas de Bronislaw Malinowski e de A. R.
Radcliffe-Brown, e uma discussão de sua importância sobre a antropologia britânica, ver
Kuper (1978).
33 — Lembremo-nos, nesse sentido, do parecer de Édison Carneiro e René Ribeiro, citado acima,
sobre os cultos afro-brasileiros, onde se afirma que eles não devem ser perseguidos por
satisfazerem "necessidades de ordem moral, física e espiritual que a sociedade brasileira, no
estado em que se encontra, não tem maneiras de satisfazer", permitindo assim um "processo
pacífico" de "nacionalização" que só seria retardado com proibições.
(237
argumentação de Almeida:
/...] o folclore é fato vivo, e portanto sujeito às influências da sociedade em que emer-
ge. Folclore é realidade num grupo social, tem uma função a exercer na sociedade.
Conseqüentemente, recebe as influências ou os influxos dessa sociedade. O que se
verifica, em nossos folguedos, é justamente uma adaptação ou integração às condições
ambientais, tanto do meio como da sociedade em que surgem.
[...] Proteção aos folguedos popidares não é, portanto, orientá-los ou dirigi-los; nem
mesmo apenas conservá-los inalteráveis, impedir as transformações, evitar as modifi-
cações; temos de aceitar nossa sociedade, aqui ou onde a estudemos, como ela é, na
riqueza de suas manifestações culturais. Proteger o folclore é permitir que o povo
apresente seus folguedos, suas danças, seus cantos, tal como ele os cria ou os reinter-
preta. É facilitar sua apresentação, impedindo-se as taxas absurdas que são cobradas.
(Doe. 380/57: 4)
4.1.3.Folclore e educação
folclórico. Para tornar mais eficiente a sua divulgação no ambiente escolar, seria
fosse um tema novo na agenda dos folcloristas brasileiros, nem que ele não esti-
primeiro noticiário publicado pela CNFL, ganha destaque o apelo do III Congresso
escolas (jan. 48 1948, p. 2). Essa moção foi provavelmente produto da iniciativa do
próprio Renato Almeida, então diretor do Colégio Franco Brasileiro, onde, como ele
o objetivo "não só [de] revelar o folclore nacional como ainda [de] despertar a
educação, citando o exemplo da Escola de Belas Artes do Paraná, da qual era diretor,
onde a cadeira de Folclore era obrigatória para todos os alunos e não só para os de
tempo do movimento.
Quando se organiza a primeira Semana Nacional de Folclore, um dos temas
"Folclore e educação", tema que ficou a cargo de Cecília Meireles. Em sua apresen-
tação, ela procurou deixar claro que, no que diz respeito à criança, os estudos fol-
mas sim orientando a ação pedagógica e recreativa das professoras como um todo:
Nas escolas primárias e instituições pré-escolares, o Folclore não pode ser encarado
especulativamente, mas vivido, cada dia, na sua realidade, justamente para assegurar
a sua permanência e prosseguir na sua evolução. [...] o Folclore deve constituir a
atmosfera da criança não só nos seus momentos de recreio (cantigas, danças, adivi-
nhas, parlendas, jogos, contos, brinquedos), como na inspiração de trabalhos manuais
(rendas, bordados, trançados, modelagens, etc.). (ISNF: 15)
Folclore aos programas de ensino". Essa importância seria mais aguda em escolas
que ocorreria nas escolas "regionais e rurais", torna "o conhecimento direto das
fontes vivas de informação [...] impossível ou difícil" (p. 16). Também no caso dos
cívico". Entretanto, para Amaral, entre aquele e o ensino folclórico, haveria uma
Ao mesmo tempo que essa ação através dos sentimentos confere aos elemen-
ceber como ela ajuda a lidar com os paradoxos da intervenção na dinâmica "espon-
tânea" do folclore. /Dizer, como faz essa autora, que ele "não pode ser encarado
.especulativamente, mas vivido", equivale a dizer, como faz Amaral, que ele não é
aprendido, como o ensino cívico, mas "sentido". Para Meireles, um dos motivos
seria não apenas "assegurar sua permanência", mas também garantir que ele
Ainda que os folcloristas afirmem que, em seus estudos, estão apenas tentan-
de, há algumas expectativas muito claras do que se irá encontrar. Uma das mais
salientes por tudo que temos examinado aqui é a "identidade nacional", elemento
relação das crianças com a cultura de seu país que se pretende reforçar com essa
Nacional de Folclore:
Não exagero dizendo que o cultivo de folclore, para defesa das artes e tradições
populares, é matéria de interesse nacional, principalmente em países de imigração,
I...]. Abandonar o folclore é contribuir para desnacionalizar, é cometer o mesmo
crime que deflorestar as nossas terras. Como as árvores protegem o solo, a tradição
popular protege a alma do povo, evitando que as reservas do passado se dissolvam ao
embate das transformações cotidianas da existência. (IISNF, 1950:18)
O secretário geral da CNFL fala em "países de imigração", mas, como é
sabido, esse fluxo migratório externo se dirigiu em maior grau a certas regiões
Folclore realizada em São Paulo, estado brasileiro que recebeu o maior número de
contra uma invasão. Dado o papel desempenhado pela "fábula das três raças" nas
concepções dos folcloristas, sua fala tende sempre a realçar mais a capacidade do
integridade desse todo, incorporar-se a ele. Para Fernando Corrêa de Azevedo, por
exemplo, no Sul do país, se estaria "formando um folclore diferente mas que nem
por isso deixa de ter seu interesse. [...] É um veio que se abre e que, quiçá, será
^críticas que recebeu pelo filme em que documentava uma congada paranaense,
de. Replica Loureiro que não lhe cabe culpa, pois esse "é fato há muito verificado"
na Lapa, cidade em que realizou sua pesquisa. Para ele, em última análise, seria
um aspecto "que depõe a favor do mérito dos folguedos folclóricos existir nesta
tário no conjunto total servido pelas escolas brasileiras, o folclore não apenas se
utilizaria da educação como um meio para a sua divulgação, como também seria um
naquela unidade (que, até onde eu tenha informação, não se concretizou). Refor-
çando a sua importância, ele define como um dos objetivos da introdução dessa
cipais funções das faculdades de filosofia desde sua criação original. Essa medida
como contribuição para a didática, seja [para] despertar vocações dos folcloristas"
luta dos folcloristas pela criação da cátedra de folclore naquelas faculdades, bus-
educação 35 .
cas. ^Nos seus momentos de maior ambição, os folcloristas chegam mesmo a afirmar
que a solução dos mais importantes problemas sociais brasileiros passaria pelo
sido o momento em que esse aspecto foi formulado de forma mais enfática:
Como vamos resolver a erradicação do analfabetismo nas zonas rurais, como vamos
encaminhar e estabelecer as linhas de defesa da saúde e da alimentação de nossas
populações subdesenvolvidas, como vamos efetivar a reforma agrária, se não fizermos
uma análise extensa e intensa da vida folk do pais, se não conhecermos com minúcia
o modo-de-ser da nossa gente do povo, sua exata mentalidade, na dependência da
teologia natural e social das diversas regiões do Brasil? As leis, os regulamentos, os
planos estabeleàdos no Legislativo e nos gabinetes governamentais, por perfeitos que
sejam, não podem ser executados na sua plenitude e com os almejados resultados, se
não tivermos procedido a esses longos estudos, nos quais a participação do folclore é
fundamental como meio capaz de nos indicar diretivas para assegurar o êxito das
soluções aplicáveis, conforme o comportamento do povo, suas tendências e inclina-
ções, movidas em larga faixa, ao influxo das ondas da magia. Julgo o momento de se
revelar à nação ser esse um dos motivos fundamentais do estudo do folclore e da sua
nacionalidade. /(Doe. 497/63: 5)
sua busca de reconhecimento social, da oposição entre o Brasil dos bacharéis e dos
que anunciava a criação do grupo de trabalho que acabaria por criar a Campanha
de Defesa do Folclore Brasileiro, parece ter absorvido em parte essa idéia. Pelo
menos, nas palavras que dirigiu aos folcloristas, ele afirma que o estudo de nossas
busca e os objetivos das metas do Governo" (Doe. 3 7 5 / 5 7 : 1). Mesmo que as ações de
Kubitschek tenham ficado aquém das expectativas que criou para o movimento
folclórico naquele momento, ele parecia então fazer eco ao apelo formulado por
(244
Renato Almeida no II Congresso, quando afirmava que "o povo não é apenas uma
res só dariam frutos uma vez que seus resultados fossem aplicados no processo edu-
cativo. Por tudo isso, as diferentes posições teóricas que separavam sociólogos e
define o folclore infantil através de dois traços constitutivos: seu caráter "sociali-
r
zador" e "espontâneo". Essa última característica seria imediatamente rompida,
afirma ele, com sua introdução nas escolas. Nesse contexto, "o folclore cessa de ser
um jogo espontâneo para se tornar um dever imposto; deixa de ser uma iniciação
desejada, para se tornar uma obrigação escolar". Mas o ponto de discórdia princi-
transmitir valores nacionais, uma vez que "ele não é nunca nacional, pois que
quisado diretamente o folclore infantil, ele destaca com mais ênfase o ponto em
que todos os interlocutores desse debate concordam, o papel socializador das mani-
velmente 'boa' no plano formal" (p. 63), o folclore além de oferecer às crianças a
vida, do homem, dos sentimentos e dos valores, pondo a criança em contato com um
mundo simbólico e um clima moral que se perpetua através do folclore" (p. 62). Ao
velmente 'más'", acabariam por distanciar as crianças "do mundo que se formou
clore uma disciplina específica, mesmo que humanística. Apesar disso, refere-se,
não recomendável" (p. 64). O debate em torno da educação, que arremata o progra-
capitulo anterior.
creta pela qual eles tentaram atingir tais objetivos, isto é, a sua estratégia. Esta
rico e deve ser deduzida de uma análise mais cuidadosa da documentação que
Há uma noção que define muito bem o principal aspecto dessa estratégia e
Ela surge quando ele critica o fato de que a maior coleção de gravações de música
37 — Foi graças a Maria Laura Cavalcanti — a quem coube na pesquisa, inacabada, sobre história
do folclore no Brasil, fichar inicialmente o material dessa Semana — que pela primeira vez tive
minha atenção atraída para esse trecho do discurso de Almeida e pelo uso dessa expressão.
Sem ter como assegurar que ela concorde inteiramente com a forma pela qual vou explorar aqui
o seu significado — pela qual assumo evidentemente toda a responsabilidade —, deixo ao menos
registrada a perspicácia de minha antiga coordenadora em notar a sua importância.
(247
cas à postura que os folcloristas iriam assumir a partir da sua organização em tor-
no da CNFL, que poderia ser vista como incompatível com a sobriedade associada à
zadas pelo movimento folclórico para obter apoios em seus esforços em favor da
Podemos distinguir vários níveis diferentes que deveriam ser atingidos por
1949, quando a CNFL não tinha nem dois anos de vida e suas comissões estaduais
estavam há pouco instaladas, Renato Almeida dirigiu uma carta circular a algumas
delicado "ultimamente não tenho tido o prazer de suas notícias", ele as incentiva a
dades das comissões, afirmando que, "inicialmente", os esforços deveriam ser con-
sini Tavares de Lima. Logo após sua primeira realização importante, a II Semana
desses fatos era notificado por carta aos secretários e, em cada carta de incentivo,
Cada festival folclórico organizado, cada boletim que conseguia ser publica-
do por uma comissão estadual não só era amplamente divulgado por Renato Almei-
da, como merecia uma carta de agradecimento especial dirigida ao secretário local.
Como um exemplo do efeito que esse estilo tinha sobre os seus liderados, cito apenas
uma resposta de Guilherme dos Santos Neves, o secretário capixaba, aos incentivos
de Almeida:
38 — Como exemplo dessas conclamações, cito o final da carta que dirige a todos os secretários
gerais após a realização da III Semana: "Precisamos, mais do que nunca, aproveitar as possibi-
lidades que estão sendo abertas aos nossos trabalhos, para incentivar, em todo o país, o inte-
resse e o desvelo pelo folclore, principalmente entre os moços." ( 2 8 / 0 7 / 5 0 , corr. exp.)
(249
correspondia com os secretários, uma vez que os arquivos que consultei, tendo sido
organizados pela CNFL, dispõem apenas das cartas enviadas para as quais foram
feitas cópias. Uma amostra mais confiável pôde ser obtida através de um arquivo
que vem sendo hoje organizado pelos sucessores de Renato na Comissão40. O único
segmento a que tive acesso, o das cartas aos folcloristas baianos, registra um cifra
1952, quando seu primeiro secretário geral, Antônio Vianna, falece subitamente,
Renato Almeida enviou a esse último sessenta cartas, o que dá uma média de duas
cartas por mês. Vianna foi um secretário que desenvolveu uma relação particu-
larmente profunda com Almeida e esse número não pode ser projetado para todos
os demais, nem para todos os momentos do movimento folclórico. Mas devo lem-
brar que havia ainda cerca de quatorze comissões funcionando durante a maior
parte do movimento 41 .
em parte pelo fato de todo esse esforço desenvolver-se em um terreno que se defi-
39 — Para dar mais um exemplo do entusiasmo que Renato Almeida conseguia obter, cito apenas
uma resposta de Alceu Maynard de Araújo, que, na época, conhecera-o a menos de um ano (e de
quem, em 1952, se afastaria, em função de uma séria briga pessoal entre ele e Rossini Tavares
de Lima): "Grande foi o contentamento meu ao receber a sua preciosa carta. A alegria que tive
foi igual àqueLa que um filho sente quando o pai lhe faz uma referência elogiosa que pervadiu
minh'alma quando li e reli a sua cartinha. [...] Depois que perdi Mário de Andrade, que
animava e conduzia, que corrigia e entusiasmava, estou feliz porque encontrei Renato Almeida.
Dele ficou a saudade imorredoira e do sr. tenho a amizade que é uma almenara radiosa que
aponta a boa trilha dos novos. Muito grato pela sua carta, aliás, ela é ao mesmo tempo um
documento valioso para mim. É um título para um concurso!" ( 5 / 8 / 4 8 , CE rec.).
40 — Como esclareci na introdução, tive acesso a esse arquivo em função de um projeto — ainda
em andamento e sob coordenação de Cássia Frade — de publicar parte da correspondência de
Renato Almeida, viabilizado por solicitações a alguns veteranos do movimento folclórico que
franquearam cartas que o antigo secretário geral lhes havia enviado.
41 — Para precisar um pouco mais essas projeções muito aproximativas, ressalte-se que sete
das sessenta cartas eram circulares, isto é, um modelo enviado quase sem alterações a todos os
secretários.
4 2 — Integrantss do movimento folclórico reconheciam plenamente a importância desse esforço
de Renato Almeida, como menciona, em seu discurso comemorativo dos dez anos da CNFL,
Manuel Diégues Júnior: "A ele devemos o que foi feito, porque nele encontramos o estímulo, o
entusiasmo, a dedicação e até o sacrifício. Cada um de nós trabalhou, e se fez alguma coisa,
deve a Renato Almeida, porque dele vinha o exemplo constante e maior. Convocando uns, entu-
siasmando a outros, atraindo a terceiros, estimulando os menos animados, ei-lo sempre na
frente, nunca «Desanimado, por maiores que sejam os instantes de desesperança, que nestes dez
anos não foram poucos" (Doe. 3 8 0 / 5 7 : 6).
(250
nia como desfavorável. Assim, Renato Almeida, ao felicitar Manuel Anísio Jobim,
então secretário geral amazonense, por um artigo que havia escrito em defesa da
Por isso mesmo nosso esforço deve ser rèdobrado" ( 1 0 / 0 5 / 5 0 , corr. exp.). A cada
conquista, deve ser enfatizado o quanto de esforço ela custou. Em 1961, ao ser
CDFB, já então sob a direção de Édison Carneiro e cheia de grandes projetos, Renato
importante, mas, por outro lado, em grande parte, ela visava a incentivá-los a
favorável". De fato, a CNFL se esforçou para que esse ambiente fosse verdadeira-
tanto a opinião pública quanto as autoridades locais, que, muitas vezes, com a
comissões estaduais para serem divulgados nos meios de comunicação locais, "em
vel nossas festas populares, ameaçadas de regressão por inúmeros fatores, a que
ação, o secretário geral do Espírito Santo, Guilherme dos Santos Neves envia
tários sua veiculação na imprensa local. Eles, por sua vez, respondiam a Almeida,
enviando-lhe as matérias sobre o assunto, que eram publicadas nos seus estados 43 .
dência cartas em que Renato Almeida pede não só a jornais, mas à própria Agência
firma particular, a Agência Lux, que selecionava recortes de todo o país os quais
clórico exigiria toda uma nova pesquisa, que constatasse a presença de suas ativi-
dades na imprensa da época. Mesmo não me propondo a fazer isso, deixarei aqui
apenas um dos indícios encontrados que nos levam a supor que os folcloristas obti-
veram, nesse ponto, sucesso. Ele provém da leitura do Diário de Notícias, principal
periódico carioca de oposição ao Estado Novo e que atingiu o auge do seu prestígio
43 — Às vezes, Renato Almeida pedia que se veiculassem artigos inteiros, como "Folclore e
educação" de Cecília Meireles (que sairia nos anais da 1 Semana) cuja publicação em um jornal
catarinense é enviada por Oswaldo Cabral (OC/RA, 2 8 / 0 5 / 5 0 , CE exp.). Para se ter uma idéia
da importância que o secretário geral da CNFL conferia a essa atividade, veja-se a carta do
secretário mineiro, Aires da Matta Machado Filho, em que ele ameaça demitir-se devido à falta
de tempo que o impede de atender às exigências que sua função exige, comentando que, "entre
aquelas exigências mínimas, devo-me referir novamente à remessa de recortes folclóricos da
imprensa local. À iniciativa relativamente fácil deve-se mesmo atribuir a importância que v.
lhe confere" ( 2 5 / 0 4 / 4 9 , CE rec.).
(252
uma das conclusões a que chegou foi a de que, embora o período tivesse sido mar-
tros de pesquisa, etc. —, eles "nem de longe tiveram a repercussão, nas páginas do
SLDN ["Suplemento Literário" do Diário de Notícias], que foi alcançada pelas ini-
com uma frase que repete a surpresa que experimentei — como relato em minha
Renato Almeida confessa seu descontentamento com o fato de a CNFL só ter tido
fosse notada. Essa seria, segundo ele, a primeira vez na história da CNFL em que
não participa". Almeida reconhece "que muita coisa se pode, e estimo mesmo
assim aconteça, fazer fora do âmbito da Comissão, mas não na sua ignorância".
Particularmente grave nesse episódio teria sido o fato de que, apesar das queixas
no para a causa do folclore, este teria fornecido o local e duzentos mil cruzeiros de
subvenção para o museu. Ele reforça sua argumentação citando o caso da criação
"nossa Comissão", mas que teria, entre seus dez integrantes, sete pertencentes a
exp.)
mir em relação a todas as atividades folclorísticas do país é também por ela reivin-
dicada diante dos fóruns internacionais. Vimos que um dos pontos que motivaram
apoiadas pela UNESCO. Nos primeiros meses de existência da CNFL, quando é feita
1954, ao realizar-se uma nova Assembléia geral da CIAP, o seu então presidente,
mente, uma vez que nesse país já haveria uma entidade que deve ser considerada a
Renato Almeida em carta a Tobias Rosemberg, folclorista argentino com o qual ele
(254
desenvolveu uma intensa amizade que rendeu a esse último a condição de único
Por mais importante que fosse o apoio da opinião pública aos folcloristas,
para o apoio de suas atividades em favor do folclore. Mesmo que Renato Almeida se
orgulhasse em dizer, como havia feito a Stith Thompson, que contara com muito
mais dedicação do que recursos, sem estes últimos seria, em última análise, impos-
/Tudo indica que, além da condição de ocupar uma posição oficial de governo
busca de apoio —, o fato da CNFL fazer parte do Ministério das Relações Exteriores
não lhe rendia recursos muito maiores do que aqueles de que o seu secretário geral
Imprensa 4 5 .
45 — Nesse espaço também foram realizadas várias conferências promovidas pela Comissão
Nacional de Folclore, inclusive os debates da I Semana de Folclore. A julgar por sua corres-
pondência, Renato Almeida tinha relações de amizade com Herbert Moses, então presidente da
ABI, motivo pelo qual este lhe oferecia seus salões sempre com gentilezas epistolares. O cul-
tivo dessa amizade fez parte da política de boas relações com a imprensa, desenvolvida por
Almeida, de forma a contribuir para o "rumor folclórico".
(255
Almeida se o IBECC não teria recursos para, pelo menos, custear as atividades roti-
neiras de sua comissão (por exemplo, RTL/RA, 08/05/48 e 10/07/48, CE rec.; AV/RA,
11/08/48 e 29/08/48, CE rec.). Renato Almeida respondia que não e, a julgar por
cartas posteriores (RA/RTL, 30/11/48, corr. exp. e AV/RA, 03/10/49, CE rec.), esti-
grande apoio oficial; outras, obtiveram auxílios de governos estaduais e das prefei-
turas, como foi caso da de Porto Alegre e de Maceió 48 . Mas todo esse esforço foi
Não tendo mais o caráter regional das Semanas, tanto a sua exposição folclórica,
quanto o seu festival incluíram atrações de diversas regiões. Além disso, a ele
da apelou para o governo federal em suas diversas instâncias. A fórmula pela qual
essa ajuda foi obtida é sintetizada de forma reveladora numa carta ao secretário
geral do Pará:
o auxílio que eu tenho recebido do governo não se traduz em dinheiro, mas em favo-
res, o que no fim dá no mesmo, embora exigindo muito mais trabalho, porque esbarra
na burocracia que força uma atividade muito mais numerosa que teria se pudesse
pagar tudo no contrato. (RA/JCO, 25/06/51, corr. exp.)
tos", enviados logo depois do final do evento, que mostra como o I Congresso Brasi-
48 — A informação sobre a II e a III Semanas pode ser encontrada numa carta de Renato Almei-
da ao secretário alagoano, Théo Brandão, que então organizaria a quarta ( 1 1 / 0 9 / 5 0 , CE exp.).
Para essa, Brandão parece ter também alcançado sucesso na busca de apoio oficial, o que pode
ser verificado pela realização de um grande festival folclórico em Maceió e pela presença de
governadores na sua sessão de abertura, como o alagoano Arnon de Mello e o potiguar Sylvio
Pedroza.
49 — Através das cópias arquivadas de 46 cartas, (todas do dia 3 1 / 0 8 / 5 1 ) podemos ter uma
noção do conjunto de instituições, órgãos governamentais e autoridades que viabilizaram o
evento: a FAB transportou os folcloristas, o material da Exposição de Arte Popular e o Centro
de Tradições Gaúchas "35" (que se apresentou no festival); o Ministério da Guerra permitiu a
hospedagem no Forte de Copacabana dos membros do Centro de Tradições Gaúchas "35"; a Polí-
cia Militar da capital hospedou os participantes dos demais grupos folclóricos que integraram
o festival; a imprensa Nacional imprimiu os cartazes; a Prefeitura do Distrito Federal ofereceu
ao Congresso um concerto de Alice Ribeiro; outro concerto foi oferecido pelo Conservatório
Nacional de Música; a Estrada de Ferro Central do Brasil transportou os congressistas paulis-
(257
sido fortemente apoiados pelos governos dos estados em que se realizaram, sem que
muito mais modestas que o primeiro, realizado na capital federal. O único que
superou esse congresso foi o Internacional de São Paulo, encaixado dentro das
Comissão Organizadora dos festejos para essa data. Após as sucessivas renegocia-
ções entre a CNFL e a Comissão constituída pela prefeitura paulista, fica difícil
dizer quanto foi gasto em sua realização, mas o total deve ter ficado entre o milhão
de cruzeiros com que Renato Almeida contava no início das negociações e os 650
movimento folclórico desde seus primeiros tempos, e uma das formas pelas quais se
supôs que ele poderia perder esse caráter episódico, manifestando-se apenas em
fazia (o que ocorreu na maioria dos casos), buscava-se valorizar folcloristas que
dispunham de relações com essas autoridades. Quando Renato Almeida tenta criar
um novo cargo que evite a sobrecarga dos secretários gerais, o de secretário exe-
cutivo, ele elogia Oswaldo Cabral, de Santa Catarina, por ter indicado Victor Peluso
— então secretário estadual de agricultura — para aquela posição, afirmando ser ele
tas; o Fluminense Football Club cedeu o ginásio para as demonstrações populares; a Escola
Nacional de Música ofereceu o seu auditório para a apresentação de um festival de rodas infan-
tis e para uma palestra do compositor Almirante sobre a história do samba carioca; o Liceu
Literário Português ofereceu um sarau em homenagem ao 1 CBF; a Companhia Aérea Cruzeiro do
Sul ofereceu passagens aos participantes; governadores de diversos estados (AM, BA, GO, MA,
MG, PA, PB, PE, PI, SE, SP) colaboraram com envio de peças para a Exposição de Arte Popular; a
maioria das delegações teve sua presença também financiada pelos seus governadores, embora
nesse caso eu não possa precisar quantas.
(258
governos locais são importantes mas não decisivas para a escolha dos postos no
movimento folclórico. Podem também ser encontradas várias cartas em que Rena-
culdades que encontram em obter apoio dos governos estaduais, propõem a sua
casos foi o do secretário gaúcho, Dante de Laytano, que, diretor do Museu do Estado,
filiara-se ao PTB. Com a derrota desse partido nas eleições estaduais, Laytano se
Almeida é imediata:
tas dessa luta, colocando-se, portanto, em primeiro lugar. Essa perspectiva não
impede Renato Almeida de manter uma visão bastante pragmática, na qual, diga
ração das comissões, o apoio do governador potiguar Sylvio Pedroza, amigo pessoal
Renato Almeida inverte essa prioridade. Ele afirma que, com a presença desses
C o n ?°' P ° r templo, quando o baiano José Calazans se considera incapacitado para assumir
recO1"30 Cm fUnÇã° d e n ã ° P° s s u i r "Rações no Palácio" (JC/RA, 0 5 / 0 6 / 5 3 , II CBF
(259
representantes dos governos locais que a reestruturação previa, "o auxílio conce-
dido pelo governo ficará não direi fiscalizado, mas supervisionado pelos seus
ção oficial no seio da Comissão" e seu nome não será escolhido, "de ora em diante,
desse esforço de Renato Almeida em interessar Pedroza pela sua comissão estadual,
secretários gerais, até porque, em última análise, raramente esses políticos mani-
Além dessa atenção dada aos governos estaduais , esse movimento também
selecionou outros alvos que lhe apareceram como estratégicos para sua produção
brasileira (cf. Oliveira, 1985; Zaluar, 1983:15), essa ação procurava disciplinar os
rituais do catolicismo popular que, aos olhos desses religiosos, não distinguiriam
essas reações eram, em diversos casos, responsáveis diretas pelo declínio de várias
como Guilherme dos Santos Neves, em seu parecer ao texto de Édison Carneiro
disposição para realçar seus pontos de vista e explorar cada fato que representasse
um esforço amplo pela defesa e estudo do folclore. Dessa forma, o "rumor" produ-
zido pela CNFL, ao mesmo tempo que fortalecia a rede organizada em torno de si,
formada por folcloristas de todo país, tentava garantir os apoios necessários à sua
mais interno. Podemos fazer um balanço das mudanças de ênfase nesse trabalho
documentos.
até 1963, a que nos referimos acima (registrada pelo Quadro 1; Apêndice 1), não
significa que não tenha havido mudanças na política editorial dessa série durante
todo esse período. Se escalonarmos aquela divisão quanto ao tipo de autoria dos
textos por cada um dos anos desse período, perceberemos grandes oscilações. O Qua-
tos publicados por ano começa bastante alto — variando entre 55 e 90 — para decli-
nar e nunca mais retomar esse volume. Há um primeiro declínio acentuado nos
anos de 1953 e 1954, uma recuperação nos anos seguintes e, por fim, uma volta à
média de quinze documentos anuais nos três últimos anos desse período. Enquanto
longo prazo, que culmina com o próprio declínio da mobilização coordenada pela
Internacional 53 .
clínio numérico dos documentos assinados por integrantes das comissões acompa-
nha o declínio do total. Apenas em dois anos, 1955 e 1963, eles não são a categoria
majoritária. O significado dessas oscilações fica difícil de avaliar uma vez que a
comparando não o número absoluto de documentos de cada uma das cinco catego-
rias, mas sim sua percentagem no total 54 . Nele, percebemos uma evolução clara
que diferencia o início, o meio e o final do período pesquisado. Embora, nos três
de vinte por cento do total, cifra que só é ultrapassada, fora esses dois casos, pela
amos dizer, portanto, que a queda dos índices dessa última categoria em relação à
sua cifra inicial corresponde, grosso modo, a cada uma daquelas duas oscilações.
Mas duas últimas fases desse período, o lugar ocupado pelos integrantes das comis-
movimento folclórico.
cional. Até então, a predominância dos artigos de folcloristas das comissões per-
maneceu representando 60% dos documentos (cf. Quadro 2), mas 1953 foi o ano em
segunda fase começa em seguida, com o Congresso de São Paulo. A CNFL começa
artigos "não assinados", categoria que identifica os textos que não apresentam
discriminar os vários tipos de textos que são englobados por essa categoria ampla.
Até 1957, por volta de dois terços dos documentos que caíram nessa rubrica (37 em
(colegiado que até a reestruturação daquele órgão era definido como a Comissãô).
eram solicitados pareceres das comissões estaduais (por exemplo, Doe. 5 1 / 4 8 e Doe.
(263
370/55). Mesmo que essas atas emanassem do centro do movimento, sua publicação
A partir de 1958, porém, apenas uma ata é publicada e outros tipos de docu-
mentos "sem autoria" ganham o primeiro plano. São principalmente textos infor-
passa a ser publicado, em todos os janeiros, o "ano folclórico", resumo não assinado
das conquistas e realizações dos doze meses anteriores 55 . Diferentes das cartas em
que Renato Almeida divulgava aos secretários cada pequena conquista do movi-
editorial dos Documentos da CNFL, cada vez eles divulgam menos as ações dos
tes desse processo podem ser detectadas. As mudanças que identificamos acima são
significativas, mas não alteram o fato de que a maioria simples dos Documentos,
produzida nos dois últimos dos três períodos comparados nesse quadro, continua a
medida que o tempo passa, além da diminuição de sua diferença em relação aos
ver no Quadro 4, onde se compara, para cada ano, o número de documentos assina-
dos por secretários gerais das comissões estaduais ou pelos outros membros.
Enquanto nos três primeiros anos há uma relação percentual relativamente cons-
55 — Certamente era Renato Almeida quem redigia os "Anos folclóricos", mas, não os
assinando, dava-lhes um ar impessoal e informativo.
(264
tante de 18 para 82 entre, respectivamente, esses dois tipos de autores, essa dife-
rença vai diminuindo e, nos últimos anos, praticamente desaparece. Assim, não só
termos absolutos e relativos, como essa categoria sofrem uma nítida mudança na
sua composição, onde os secretários gerais eram inicialmente uma clara minoria.
proporções nas três fases do movimento folclórico que venho confrontando. Para
ilustrar as tendências reveladas por essa comparação, é curioso ainda notar que,
até 1952, os três autores com o maior número de títulos nessa coleção são Alceu
ocuparam a posição de secretário geral 56 . Nos cinco anos posteriores, o autor com
seguido por Édison Carneiro (4), da Comissão Nacional. Importante para explicar
essas posições não é apenas o lugar que ocupam na estrutura do movimento fol-
Por fim, de 1958 a 1963, o autor mais publicado é Renato Almeida, o líder do movi-
Guilherme dos Santos Neves e 5 de Tavares de Lima. Os demais autores não ultra-
Concluindo esta sessão, podemos dizer que a série dos Documentos da CNFL,
endida pelo movimento folclórico, e aquele que pode ser estudado de forma mais
56 — Respectivamente, eles assinaram no período 14, 12 e 12 artigos. Em seguida vieram
Renato Almeida e Mariza Lira, ambos integrantes da Comissão Nacional — com 9 e 8 artigos —, e
Rossini Tavares de Lima — secretário geral da Comissão de São Paulo — com 8.
57 — Não dispondo de ciados completos sobre a forma pela qual Renato Almeida selecionava os
artigos dos Documentos, essas tendências não devem ser atribuídas apenas a uma intenção
deliberada (ou então inconsciente) do secretário geral em privilegiar certos temas e autores.
Pode refletir também em parte a produtividade desses autores. Mesmo assim, seria igualmente
revelador das tendências que venho aqui discutindo, se esta, gradativamente, tivesse
diminuído na periferia e crescido no centro do movimento folclórico, na medida em que foi se
desenvolvendo.
(265
sistemática, indica uma mudança de ênfase nos níveis em que era empreendida
que isso, tendo esses pesquisadores como seus principais destinatários, essa
tenham continuado a ter uma dimensão essencial da atuação da CNFL, à medida que
3 tempo foi passando, percebe-se pelas séries que montei que o seu papel diminuía.
velmente. Quando Édison Carneiro foi afastado da Campanha pelo novo governo, o
inclusivo da sua ação. Nesse sentido, chamei a atenção, no início desse capítulo,
mento folclórico ter tido uma grande tolerância em relação ao "leigo" e ao "extra-
clorista", não tenham sido atribuídos, ao longo desse período, traços específicos.
lização por ele sofrido, dimensão que pretendo aqui descrever utilizando um antigo
e seus rituais, Naven./Nesse livro — formando par com um outro conceito também
formulado a partir de uma noção grega, o eidos — o conceito de ethos lhe permitiu
redefinido, esse par conceituai será retomado por Clifford Geertz, que substitui
eidos pelo conceito de "visão de mundo". Apesar dessa alteração, Geertz também
Esse par conceituai vem sendo hoje utilizado por todo um conjunto de traba-
— como aqueles que nos levam a utilizar noções genéricas como a de "classe média"
grande heterogeneidade cultural interna (cf. Velho & Machado, 1977). Atento,
vo" (1981: 18; grifo do autor), Velho usa os conceitos articulados de ethos e de visão
com particular dramaticidade "o dilema de mudar ou permanecer" (p. 108). Dentre
descrita por Dumont e por outros autores que estudaram essa mesma problemática:
a produção da ciência como discurso sobre o real não valorativo centrado na razão,
na, devemos nos dar conta de que "não há um único individualismo" (p. 50). Essa
>
tidade" (p. 44; todos grifos do autor), deve ser vista de forma dinâmica, envolvendo
das formas pelas quais essa variedade de "estilos de vida" que compõem o indivi-
dualismo moderno pode ser mapeada é justamente através dos conceitos de ethos e
visão de mundo 6 0 /
intellectual English men or women [...] talking and joking together vyittily and
with a touch of light cynicism" (p. 119). Numa interação como essa, afirma ele,
típica dos dons do St. John's College, um certo "tom" do comportamento seria
conversa seria vista como uma transgressão, eventualmente assinalada por uma
esse campo de estudos. Alguns dos traços desse ethos folclorístico tornaram-se
cas dos seus membros, são de elementos articulados aos valores que tenho procu-
/ U m dos traços mais salientes do discurso dos folcloristas e que eles procuram
to nesse campo de estudos 61 . Renato Almeida é sem dúvida aquele que encarna
ele como um esforço coletivo que não lhe pertencia individualmente, movido que
nião pública e às autoridades políticas com cujo apoio contavam, Almeida procura
também sustentar essa definição do significado dessa ação junto a seus companhei-
envia uma carta circular a todos os secretários gerais dos estados e expressa seu
contentamento pelo apoio recebido, do qual resultou uma obra coletiva animada
. [...] essa Campanha não é senão o começo do programa que o Governo conta alargar
e ampliar, valorizando o seu estudo científico e prestigiando sua ação social, /...].
Nesses dez anos não tive dissabores na Comissão Nacional de Folclore e as dificulda-
des que enfrentei, as dúvidas e as ansiedades, tudo foi recompensado, com juro alto,
pela sua amizade e a dos demais companheiros, com os quais marchamos de braço
dado, confiantes e seguros de que estávamos servindo, com devoção, entusiasmo e
amor, ao folclore brasileiro. (RA / Circ., 2 0 / 1 2 / 57, Corr. exp.)
O fato dele se preocupar em, através dessa carta circular, dividir essas vitó-
so pelo qual o movimento folclórico define sua ação, freqüentemente expresso por
servia para que Renato Almeida os incentivasse, em momentos de crise ela era um
em favor do folclore. Depois que, através de uma moção que José Loureiro Fernan-
enviou então uma carta aos três principais participantes daquela comissão, exor-
s(
(272
convocado para assumir a secretaria geral do estado. Dessa forma, ele o exorta:
impõe agora evitar que o ideal pelo qual se bateram venha a fracassar" ( 2 1 / 0 6 / 5 5 ,
conseguiu com o apelo foi o empenho deste para que Edgard Chalbaud Sampaio,
assumisse o cargo (Boi. Bib., dez. 1955: 3), o que não parece ter devolvido vigor à
de Folclore, uma carta de Renato Almeida parece tê-lo feito mudar de idéia e retirar
movimento folclórico suas obrigações, ele obtém respostas a seus apelos porque se
K
apresenta como o primeiro a responder às obrigações colocadas pela causa
movimento, ele procura assumir a relação fraternal que deve envolver todos os
Câmara dos Deputados uma subvenção, pede-lhe uma resposta rápida, ressaltando
que, "em matéria de congresso, temos que agir sempre de comum acordo, em abso-
^Síesse sentido, desde o momento em que, através da carta convite padrão pela
dência dessa apenas expressa a forma pela qual o movimento folclórico procura
seguir a estrutura federativa pela qual o país se organiza. Ele exprime essa idéia
influente do movimento:
O plano de nossos trabalhos é dirigido pela Comissão Nacional pelo fato de encontrar-
se no Rio de Janeiro, mas, na realidade, todas as comissões estaduais a ela se congre-
gam num mesmo centro de estudos e pesquisas, posto tenham elas autonomia. E a
prova é que os membros das Comissões Estaduais que transferem residência para o
Rio de Janeiro passam a fazer parte da Comissão Nacional, que é apenas a comissão
central. Somos um só todo, unido e harmonioso prosseguindo em diretivas idênticas.
!• • •] O Delegado da Comissão nos estados é o Secretario Geral, através de seu legí-
timo representante. Jamais a CNFL fez qualquer coisa nos Estados sem ser por
intermédio do Secretario Geral da Comissão local, único autorizado a representá-la
quer nas relações com a própria comissão quer com terceiros. (RA/RTL
23/12/50, corr.exp.)
•O
Essa ênfase na ação comum não deve ser visa como mera consideração tática
ênfase na ação. O essencial é que essa ação seja comum, mesmo que haja concep-
pelo secretário geral da CNFL nos permite a exploração de uma analogia com o
ethos militar, sugerido pela própria idéia de movimento. Celso Castro (1991) mos-
primeiros anos do movimento folclórico, usa em carta a Renato Almeida uma metá-
fora militar que expressa a precedência que o último gozava, independente de sua
secretaria geral, ele ressalta: "com eles ou sem eles, eu continuarei a trabalhar
pelo folclore. Eu estou metido nisso é por ideal. Nessa luta em prol do folclore o sr.
exp.)/
gem é sem limites. Nesse sentido, é importante ressaltar o uso disseminado do ter-
Folclore a Manuel Diégues Júnior, por ocasião de sua visita ao estado, assinada por
sos, seja através dos discursos, da apreciação comum das manifestações folclóricas
proporcionada. Mas se esses eram os momentos que, pela sua força mobilizatória —
como ainda irei sublinhar bastante antes de concluir este capítulo —, exprimiam
nuamente "Renato Almeida dirigia aos secretários gerais foi a das dirigidas a Oswal-
o diabo é que eu faço tudo: editorial, arranjo desenho para capa e agora para cliché,
recorto as notícias, consigo as colaborações, entrego os originais depois de arrumados
na imprensa, brigo com o chefe das oficinas para não demorar, espinafro com o da
clicherie para andar mais lépido, discuto as cores da capa, faço a revisão, vou buscar e
levar as provas, recebo os exemplares e colo as etiquetas para aqueles que os devem
receber... (28/05/50, CE rec.)
63 — Além da carta citada acima de Alceu Maynard de Araújo, essa metáfora é utilizada em
outros momentos pelos próprios folcloristas. Por exemplo, Guilherme dos Santos Neves, dis-
cursando em nome do conjunto dos secretários no III Congresso, afirma: "Precisamos de nóvos
soldados para o nosso movimento; de seiva nova para a causa do folclore brasileiro: [...] reserva
jovem com que possamos contar no futuro, quando tivermos de ensarilhar de vez as nossas
armas" (Doe. 3 7 9 / 5 7 : 3).
6 4 — Veja-se, particularmente, a interessante análise de Castro de como a divisão em "armas",
idealmente definidas a partir de determinados papéis específicos em uma situação de combate,
segregam os jovens oficiais a partir de um certo momento de sua formação, acabando por defi-
nir ethoi específicos, que tipificam um "infante", um "artilheiro", etc.
(276
Num outro cumprimento pelo novo número do Boletim, Renato Almeida faz a
Cabral um dos seus maiores elogios, dos muitos que dirigiu a secretários estaduais:
«Dizia há dias à Oneyda Alvarenga que Você tinha sido minha melhor conquista
para o folclore", é "de trabalhos como o seu que precisamos, para conhecer as
coisas como são, sem literatice besta mas mostrando o fato na sua estruturação e
dinâmica". Mais adiante, tentando consolá-lo pela relativa solidão do seu trabalho,
procura mostrar que o que ocorre com ele também acontece com o secretário geral
da CNFL e conclui reconhecendo que "a gente tem que fazer mesmo e fingir que
era o da constituição de uma grande rede, cobrindo todo o país, tendo nos secretá-
rios gerais apenas os seus pontos de articulação, o resultado concreto obtido foi
mais tímido do que o pretendido. Em certos estados, como, por exemplo, o do Ama-
zonas, podemos encontrar o seu secretário afirmando: "somente eu, nesta terra, me
dedicava — como revela quando se desculpa pelo pequeno tamanho de suas contri-
buições ao II Congresso. Nessa outra carta, Mário Ypiranga Monteiro alega não só
sio, 3 turnos, no jornal onde emprego minhas atividades e nos serviços de advoca-
cia" ( 1 5 / 0 7 / 5 3 , II CBF rec.). Esse cotidiano assoberbado era a tônica entre a maio-
ria dos secretários e vários poderiam fazer deles as palavras do amazonense, para
65 — Queixas como essas, porém, também aparecem sob a pena de secretários de estados com
uma vida intelectual mais dinâmica, como a mineira: "As condições de trabalho da Subcomis-
são são precárias. Ou porque o Secretário Geral é um homem ocupadíssimo, ou porque lhe fal-
tam insubstituíveis qualidades de aliciamento, ou porque a falada 'apatia mineira' constitui a
mais frizante manifestação da nacional carência de espírito associativo, o certo é que os planos
traçados no começo não têm sido executados e o arrefecimento do relativo entusiasmo inicial
torna praticamente inexequíveis as próprias reuniões, havendo-se ainda malogrado os esforços
e os apelos no sentido de torná-las interessantes. Contra a sua vontade, o Secretário Geral tem
desenvolvido ação puramente individual, professando cursos [...]" ( 2 5 / 0 4 / 4 9 CE rec.).
(277
engajamento dos secretários gerais. A maioria deles não só é composta — como foi o
caso citado acima de Oswaldo Cabral — de "conquistas" para o folclore, como, para
que esse novo interesse pela matéria se torne relativamente constante, necessita
tava a importância do folclore, a dedicação que era exigida dos primeiros exigia
sentido, podemos identificar mais uma função desse evento central no movimento
dades cotidianas das comissões nacionais. /Ura dos motivos que explicam o entu-
siasmo com o qual governantes locais apoiaram a maioria das reuniões folclóricas
imprensa 6 ^
estados para a constituição das comissões locais, dois dos indicados se envolveram
com congressos locais que devem ter colaborado para demonstrar ao movimento
folclórico o interesse que os governos estaduais tinham por esse tipo de reunião.
66 — Para o mais bem sucedido entre os festivais folclóricos realizados nos Congressos, o de
1954 em São Paulo, há referências que mencionam a afluência de um milhão de pessoas a essas
apresentações, que envolveram cerca de mil participantes (cf. Lima, 1958: 13).
(278
ana em Santa Catarina, em 1948, do qual o futuro secretário local, Oswaldo Cabral,
rio gaúcho Dante de Laytano como seu representante (RA/HSF, 4 / 1 0 / 4 8 tel., corr.
exp.). No seu relatório à CNFL, esse último dará destaque às atividades do certame
relacionadas diretamente ao folclore, que haviam sido sugeridas durante sua orga-
dedicou sua sexta sessão ao tema "Folclore e Lingüística" (sob a presidência de Luís
"ensejo" para "aparecer" diante da opinião pública 67 . Mas o que acabou prevale-
cendo naquele momento foi a segunda alternativa colocada por Almeida, a introdu-
centenárias, ele acabou sendo incluído na sua Comissão Organizadora, tendo sido
tuais e comemorativas realizadas nos estados. Na escolha das datas dos congressos
buições menos conhecidas nesse campo: Manuel Querino, Vale Cabral e Pereira da
Costa68. Porém, os dois outros congressos dentre os que obtiveram mais recursos
que aqueles que contavam com maiores recursos tenham sido exatamente os que
coincidiam com esse tipo de data comemorativa. Dessa forma, sendo um evento
que, ao mesmo tempo, possui legitimidade cultural e apresenta toda essa visibilida-
68 — Entretanto o afã de assinalar todas essas efemérides causou alguns problemas. Sílvio
Romero, por exemplo, é um autor cuja importância é amplamente reconhecida e seu aniversário
foi o primeiro a ser evocado quando se pensou na organização do congresso naquele ano (cf
JC/RA, 1 1 / 9 / 4 9 , CE rec.). Porém, Sílvio Júlio, um dos quatro oradores escolhidos para discur-
sarem sobre cada um dos quatro patronos, manifestou seu estranhamento com o convite para
homenagear Vale Cabral, pois, ao pesquisar seus trabalhos, não teria encontrado nada que o
convencesse de que esse autor "devesse figurar entre os folcloristas do Brasil" (1 CBF, 1952:
124). Tentando corrigir essa gafe, em seu "Relatório-geral do Congresso", sua secretária geral,
Cecília Meireles, exaltou a "obra inédita" de Vale Cabral (p. 130-1).
(280
apenas ao oportunismo dos folcloristas. Para eles, a despeito do que estivesse sendo
zavam em agosto, abrangendo o dia 22, mais tarde consagrado como dia do folclore
por ter sido aquele em que teria sido publicada a carta de William Thoms propondo
a adoção da palavra folk-lore. Nos anos e mesmo nas cidades em que não houvesse
apresentações folclóricas 69 .
companheiros a sua simpatia e a sua boa vontade para que este congresso pudesse
realmente apresentar resultados efetivos, num ambiente de harmonia e compreensão,
onde todos os trabalhos, dos mais modestos aos mais eruditos fossem interpretados
como expressão do sentimento de solidariedade nacional em torno de um ideal
comum. (I CBF, 1952: 37)
abria com a reunião do Rio de Janeiro como mais do que um conjunto de ocasiões
69 — O dia em que foi publicada a carta de Thoms, acaba se tornando o "dia do folclore"; que o
governo Castello Branco oficializa por decreto, em resposta ao empenho da CDFB (RBF, 5 ( 1 1 ) ,
mai.-ago., 1965: 182). Até hoje, no mês de agosto as bibliotecas especializadas são invadidas
por estudantes que receberam dos seus mestres a incumbência de realizar pesquisas escolares
sobre o tema. O texto de Thoms, republicado na primeira página dos volumes sobre as três
semanas publicadas pela CNFL, tornou-se o "mito de origem" para o movimento folclórico da
sua disciplina e é transcrito no Apêndice 3 desta tese.
(281
tros. De fato, é o próprio secretário geral da CNFL que nos autoriza a dizer isso com
uma formulação ainda mais precisa nesse sentido do que a citada acima, desta vez
lecer planos de ação que devemos desenvolver e, acima de tudo, reanimar em todos
A pesquisa acerca desses eventos foi facilitada pelos cadernos especiais que
três primeiras semanas (I SNF, s. d.; II SNF, 1950; III SNF, 1953), assim como pelos
três volumes dos Anais do I Congresso (I CBF, 1952; 1953; 1955). Fez parte de uma
relação aos eventos seguintes. Eles acabaram sendo divulgados através de dois
Catarina. Essa restrição nos permite, porém, perceber, através dos critérios pelos
quais foi selecionado o material divulgado, os aspectos desses congressos mais valo-
rizados pelo próprio movimento. Essa análise mostra que os tipos de eventos privi-
legiados foram, pela ordem, os discursos, as moções e as descrições dos festivais fol-
tário geral da CNFL (no Ceará houve também o discurso de Édison Carneiro, como
que sua inspiração lhe faltava logo nos primeiros momentos de seu improviso,
decide-se entoar a conhecida canção folclórica "Peixe vivo", sendo logo acompa-
Janeiro — e dos embaraços que esse ímpeto de homenagear produziu. Isso perma-
nece até o último congresso, realizado em Fortaleza, quando cinco cearenses ilus-
tres — folcloristas e artistas que pesquisaram o folclore — são lembrados com cinco
panheiros em seu empenho comum em favor do folclore, /isso não era apenas retó-
rica: a forte ritualização desses encontros acabava por produzir esse sentimento
Nunca se adequou tão bem o velho conceito de Saintyves sobre o Folclore — "a ciên-
cia da amizade" — como recentemente no Congresso Internacional reunido em S.
Paulo, l...].
I...] só o encontro cordial e amistoso dos folcloristas de trinta povos garantiria o pleno
êxito do Congresso. {...] A cordialidade espontânea e sincera, que ali congraçou
tantos e tão variados membros da grande família folclórica, foi, sem sombra de dúvida,
a nota mais expressiva e marcante. Diferente do que ocorreu, segundo nos consta, em
outros congressos, realizados tia mesma ocasião em S. Paulo, onde cada congressista
preferia cercar-se do amianto de sua vaidade, esperando, fria e orgulhosamente, a
reverência dos demais73 (1954:28)
pela primeira vez esse tipo de evento, como revela a carta enviada a Renato Almei-
da pelo fazendeiro alagoano José Aloísio Vilela, que, com seu depoimento, nos dá
Congresso:
como também expressa algumas idéias interessantes para que possamos definir
'folclore deveria ser um homem simples, que não apenas documenta a realidade
folclórica com fidelidade, como também é capaz de com ela se identificar. A partir
Almeida. Seria natural, por exemplo, que a imprensa se referisse ao festival fol-
carioca:
Talvez seja esse o aspecto mais importante do Congresso, para os que desejavam um
contato mais íntimo com a cultura popular paranaense: assistir o Pau-de-Fita, ver
dançar o Boi-de-Mamão, presenciar um Fandango, encantar-se com a dança das
Balainhas, acompanhar o espetáculo esplêndido da Congada. E realmente foi, sem
dúvida, dos instantes culminantes da reunião: a exibição em Paranaguá, de diversos
folguedos, e a apresentação, em Curitiba, da Congada. (13/09/53, in: II CBF, jor.)
empirismo que identificamos nos textos dos Documentos da CNFL, há uma conce-
nacional. Na sua parte nacional, a CNFL a idealizou — como revela a carta circular
que enviou a todos os secretários gerais — como "uma série de quadros regionais
.aue dêem, com o aspecto ecológico, a nossa realidade folclórica". A cada estado
Bahia, a estância ao Rio Grande do Sul, etc. Esses "centros de interesse", embora
Arq. CNFL)./
mostrando-nos aspectos nossos dos quais não nos damos inteiramente conta, esta-
belecem uma conversação do espectador com o seu eu oculto presente nos objetos.
Dessa forma,
o mais simples observador poderá, contemplando as imagens que ora lhes são ofereci-
das, confrontá-las, compará-las, conversar com elas, indagar a sua origem, sua razão
de ser, as raízes de que procedem, o fim a que se dirigem, a mensagem que trazem, o
mistério de onde surgem, e as soluções que levam de volta, depois de cumprida sua
função a serviço do homem. / (p. 18)
Nem todos os folcloristas são capazes de dar esse tom metafísico à experiên-
cia da contemplação das manifestações folclóricas, mas podemos dizer que a ênfase
No seu vigor as atividades folclóricas nos fazem encontrar com o que o povo possui de
mais íntimo e representativo. Anteontem à noite, uma representação de "Pastori-
nhas", em plena zona urbana do Rio, levou-me a evocar, pela autenticidade e caráter
étnicos, certas telas de Portinari... Eis um retrato do Brasil (...]. (Doe. 78/49:1)
cultura brasileira, dentro desse discurso dominado pela relação especular, o movi-
mento folclórico também se pensa como um reflexo dessa cultura que pretende
o povo brasileiro:
(287
Subcomissões como esta, que, a par do trabalho que vem desenvolvendo na pesquisa e
na defesa das nossas tradições populares, hão-de também, certamente, reavivar e
manter, à porfia, o tradicional espírito de hospitalidade que caracteriza e assinala o
brasileiro de todos os rincões, (s. d., pós-3/9/48, CE rec.)
»'mais que uma simples reunião de especialistas, é uma celebração do folclore brasi-
relações cordiais de inspiração popular pode ser encontrada mesmo nos contextos
mais "formais" dos contatos entre os folcloristas reunidos pelo congresso. Por
entrega, "em nome de sua Comissão", pelo secretário alagoano Théo Brandão, de
"um chapéu e uma pala de couro, de uso dos cangaceiros". Em seguida, foram
De fato, o Congresso de Porto Alegre parece ter sido uma ocasião privilegia-
que ainda houve uma grande presença de estudiosos de diversos estados, animados
prio Théo Brandão, que, com ironia e verve, expressa não apenas esse ethos cor-
folclore:
Sul, donde amanhã sairemos partidos de dor, como na noite de Reis saem Reisados,
Guerreiros e Pastorinhas de minha terra, infelizmente sem a promessa, nem a
esperança, como eles, de voltarmos até para o ano, se nós ainda vivos formos.
I...] Foi com lagrimas nos olhos e alegria no coração que eu — um papa-sururu da
beira das lagoas, do mesmo modo que o mestre da pagelança Bruno de Menezes, a
jangadeira Cândida Galeno, o cabeça chata Domingos Vieira, o babalorixá René
Ribeiro, a mãe de santo Hildegardes Vianna, o almirante de marujada Guilherme dos
Santos Neves, as porta bandeiras de Escola de Samba cariocas Aracy do Prado Couto
e Zaide Maciel de Castro, a fluminense Gertrud Burlein, o curandeiro Rossini Tava-
res de Lima, a cantadeira de catifa Regina Lacerda — presenciei aqueles espetáculos
magníficos que foram as excursões a Caxias do Sul, Novo Hamburgo e Guaíba. I...]
[...] Essa impressão, meus caros companheiros de Congresso, é que eu quero aqui
relatar-vos, porque ao lado dos seus resultados científicos, essa é uma das mais impor-
tantes conquistas e resultados de nossos congressos de Folclore; porque, abraçados a
estes homens das coxilhas e dos pampas, como ontem aos cariocas, os paraenses Isic],
aos paidistas e aos baianos, é que melhor ficaremos, não somente conhecendo, mas
amando e querendo o Brasil, melhor trabalhando na ciência do Folclore, porque
exatamente o Folclore é quem nos diz, através dos autos, das canções, das técnicas, da
poesia que os modos tradicionais de pensar, agir e sentir, embora vindos de outros
continentes, de outras cidades, de outras civilizações, pode Isic] ser o Brasil, é /sic] o
Brasil, será Isic] o Brasil. (Brandão, 1959:17-8)
Através do estilo de Brandão — que declara desde o início não querer fazer
duzida pela dos seus estudiosos, a despedida final dos folguedos é contrastada com a
tes de cada estado. No final da citação, ele une a integração dos folcloristas de
cultura brasileira.
Dessa forma, o discurso dos folcloristas nos indica que o próprio modelo do
movimento folclórico, tal como venho tentando caracterizar neste trabalho, teria
Existe nas zonas rurais de nosso pais um interessante e belo costume: o de se congre-
garem os pequenos lavradores de um bairro para executar certos serviços de vulto no
(289
descrição de suas diferentes modalidades que, "sem que [...] varie [sua] essência",
se reúnem para trabalhos agrícolas pesados que exigem muitos braços, recompen-
"pixirum", etc.), os folcloristas fazem eco a Amaral, afirmando que sua essência em
Nota-se, e com insistência, que (...] o alemão, confinado a suas áreas de colônia, não
participava desse gênero de verdadeira festa. Somente muito mais tarde a adaptação
foi se completando, com o abandono das tradições germânicas, e seu acaboclamento
progressivo, então, também se voltaram para esse uso. (Doe. 287/54:4)
eles como um "mutirão" (como faz, por exemplo, Renato Almeida no Doe. 4 7 0 / 6 1 : 2).
secretário capixaba Guilherme dos Santos Neves. Este último teria reagido à
não teria sido em relação ao evento em si, mas sim à forma pela qual ele foi deno-
minado. Assim, o secretário geral da CNFL concorda com o seu confrade que o ter-
tiva e cordial do seu objeto — tão diferente do ethos do meio universitário britânico
Vieira Filho sobre folia do Divino em São Luís, onde ele caracteriza a festa pelo
raças" (Doe. 1 7 4 / 5 0 : 1). Outro exemplo é a descrição de Paulo Carvalho Netto acerca
das festas populares de Aracaju, que, segundo ele, "congregavam toda a população
As festas sempre foram uma força de acomodação social. Ajudam a integrar o ádvena
ao novo ambiente para onde veio sob o julgo servil. Quilombos, Reizados, Guerreiros,
Baianas, etc., eram as distrações profanas permitidas. A recreação é uma função
orgânica e ao mesmo tempo integradora do homem no meio social. Ela estabelece e
facilita as relações de cordialidade78 (Doe. 283/53:1)
ção nesse sentido abre a obra de Mário de Andrade sobre as Danças dramáticas do
Brasil:
78 — Note-se que aqui, conforme mostrei no capítulo anterior, inverte-se o esquema proposto
por Roger Bastide acerca da constituição de nossa cultura folclórica. O que Alceu Maynard de
Araújo define como "cordialidade", o sociólogo francês apresenta como estratégias para a
dominação de grupos oprimidos, motivo pelo qual ele enfatiza os esforços dos negros de
reconstituírem, através do candomblé autêntico nagô, seus laços de solidariedade originais,
desfazendo-se do sincretismo imposto pelo branco. Por outro lado, deve-se ressalvar a
concepção particular sobre o folclore de Édison Carneiro, que, influenciado pelo folclorismo
soviético, enfatiza que o folclore também contém formas de "uma reivindicação social, embora
[...] rudimentar" ([1950: 22). Essa posição, porém, não é encontrada em outros autores do
movimento folclórico.
objeto maior de interesse nas pesquisas do movimento folclórico. A constatação
dos três ramos que compuseram o povo brasileiro é "fatigante" para aquele autor
Porém, o que o "comove" é que nossas abundantes danças dramáticas — que ele
ainda não definia como um domínio autônomo, mas como uma "manifestação [...] da
música popular brasileira" — não apenas ilustram essa tríplice origem, mas a
Guerra do Paraguai.
"pretos" e "caboclos", etc. Embora a maioria dos rituais simulem conflitos, o seu
ressucitados. Por mais que incorporem episódios que hoje avaliamos como histori-
que se refere, em última análise, à história portuguesa, mas que pode ser incorpo-
descritas por Oswaldo Cabral (Doe. 146/49). Ao relatar as cavalhadas que observou
mouros derrotados são por fim batizados, seria uma sobrevivência das relações
mação retoma uma interpretação clássica da formulação da "fábula das três raças"
(293
Bem sucedidos em relação aos primeiros, no lugar dos quais eles conseguiram
hegemonizar o campo folclorístico do país, essa vitória foi prejudicada por não
junto à sociedade.
S mento folclórico representaria um "projeto social", nos termos propostos por Gil-
í>erto Velho (1981: 33). Este autor define o "projeto" como "uma tentativa consci-
ente para dar um sentido a uma experiência fragmentadora" (p. 31). As "experi-
Muitos dos traços do ethos folclórico que acabamos de examinar são comu-
até então. Por outro lado, espero ter mostrado neste capítulo que esse mesmo ethos
se", esses projetos dependem "de sua eficácia em mapear e dar um sentido às
clórico parecem buscar exatamente isto. Resta, por fim, examinar a especificidade
5 . 1 . 0 fim do movimento
pari passu nessa descrição. Antes, porém, é necessário discutir um pouco a "con-
hoje ativo. Não seria aqui o caso de discutir o significado de todas as mudanças —de
merece ser feito mas ultrapassa a proposta deste trabalho. O fato é que, sucedendo
A queda de Édison Carneiro acabou por determinar mais uma mudança qua-
litativa do movimento folclórico, que um declínio que teria precedido o seu "fim".
Campos, que descrevi no meu primeiro capítulo, mostra nesse sentido um esforço
recente desse desenvolvimento ainda em curso, não me sinta capaz de sugerir uma
não se trata de uma "retomada" nos mesmos termos em que o antigo movimento se
fundação desta última, pela qual se deu um refluxo da mobilização e uma concen-
mento/ Tudo isso nos leva a tomar a data que finaliza o período coberto pela minha
tese como a de uma derrota dos folcloristas, a qual não está associada
gia 4 jf Para compreendermos essa mudança muito mais qualitativa do que quantita-
2 — Assim, o atual secretário da CNFL, Ático Vilas Boas da Mota, reconhece o período imediata-
mente posterior à morte de Almeida como de "hibernação", na qual "ela não contava com verba
sequer para comprar selos ou custear telefonemas" (1992: 28).
3 — No momento em que redijo esta conclusão, tenho notícia de que, neste ano, um novo con-
gresso será realizado em Salvador. A Coordenadoria de Folclore e Cultura Popular da Funarte
içá dar apoio ao evento, mas a iniciativa é da recriada Comissão Nacional de Folclore. No últi-
mo Boletim dessa comissão, que consultei (n° 15, 2* época, jan,-jul., 1994), são listadas 18
comissões estaduais em atividade: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe (p. 2-3).
4 — Sob a direção de Renato Almeida, a CDFB, com poucos recursos, pouco pôde fazer na área da
pesquisa e da proteção dos folguedos, além de editar, com relativa regularidade, a Revista Bra-
sileira de Folclore, e de promover o "dia do folclore". O esforço por transformar num instituto
a Campanha, órgão originalmente de estatuto provisório, foi tentado pelas gestões de Carneiro e
de Almeida, mas só foi obtido durante a gestão de Ney Braga à frente do MEC, período de
grande vitalidade institucional na política cultural (cf. Miceli, 1984: 55-6). Manuel Diégues
Júnior ocupava uma posição estratégica como diretor geral do Departamento de Assuntos
Cu'turais do Ministério, convidando Bráulio do Nascimento — pesquisador de literatura oral e
(297
óva, não temos que nos afastar demais do período em que concentrei minha pes-
um discurso revelador em que faz um balanço de sua atuação de vinte anos à frente
nha era uma versão reduzida do que seria o Conselho Deliberativo da CNFL, que
rios estaduais. Se esse último colegiado, pela sua amplitude, só podia efetivamente
reunir-se nos congressos, o primeiro, com apenas doze membros, realizaria reu-
que esse órgão consultivo se reunisse com mais freqüência/ Isso, porém, não foi
anos da Campanha. O Conselho foi instalado em 1961 — ano em que deveria ter sido
realizada no ano seguinte, "por motivos de força maior", sua segunda reunião, que
estava programada para Curitiba (RBF, 1 (2), jan.- abr., 1962). Em seguida, a II
última 6 .
folclore que trabalhara com Édison Carneiro na CDFB - para finalmente substituir o já cansado
Renato Almeida, a época com quase noventa anos. O apoio com que contou essa nova gestão
permitiu a retomada de iniciativas em clara continuidade com as propostas do antigo movimen-
to - como a do projeto do "Atlas Folclórico Nacional" e a rearticulação com as comissões esta-
duais (cf. Nascimento, entrevista, 1988). A posse, no governo seguinte, de uma direção não
ligada a esse movimento - numa conjuntura de redefinições conceituais e de reaproximações da
nova gestão do MEC com o contexto académico (cf. Miceli, 1985a: 107) - implicou mudanças
importantes, que incluíram o abandono daquelas duas últimas iniciativas
5 - Os Congressos idealmente seriam bianuais. Entre o segundo e o terceiro, houve também
uma distancia de quatro anos. Nesse caso, porém, o atraso não demonstra propriamente um
enfraquecimento do movimento folclórico, pois fora realizado nesse intervalo o Congresso
Internacional, a maior e a mais trabalhosa das reuniões promovidas pelo movimento folclórico
b - Nesta reunião do Conselho, Renato Almeida propõe que esse se torne "órgão essencialmente
consultivo, destilado a dar pareceres sobre questões específicas, participando assim, mais
(298
ta, organizando uma programação mais tímida que a dos congressos. Mesmo assim
(ou talvez justamente por isso), Renato Almeida pronuncia em sua abertura o seu
ixiaior discurso em reuniões dessa natureza. É um longo balanço dos vinte anos de
fase. /Almeida, que sempre marcara seus pronunciamentos por uma exortação ao
Renato Almeida nos apresenta aqui o resultado paradoxal a que, ao que pa-
trabalho de pesquisa e defesa do folclore não seria uma tarefa pessoal e sim de pro-
consolidadas, ainda não teria sido possível a elas substituir essa ação pessoal. E
"Folclore não ter entrado ainda, senão de forma ocasional, nas Universidades".
plano de entusiasmo, muito fecundo, mas que não será duradouro, se os seus
resultados não tiverem uma evidência e uma função claras" (p. 233).
ativamente, da vida da Campanha e não apenas em reuniões anuais, que nem sempre se concre-
tizavam, em virtude de falta de verbas" (III RCNF, 1967: 220). Porém, em vez de provocar sua
dinamização, esse evento marcou o fim do Conselho.
(299
salvo num determinado Estado, é de todo impossível. [...] Há mais professores do que
p s congressos:
a necessidade de adotar uma nova linha de atuação, indicada pela experiência pas-
//Num importante trecho do seu discurso, Almeida faz uma autocrítica e praticamen-
te renuncia à idéia de que a produção do "rumor" ainda deva ser a estratégia bási-
ca do movimento folclórico:
A experiência de vinte anos tem de iluminar os noxxts caminhos. Já não temos mais
a desculpa de que estávamos num período inicial, em que era preciso fazer as coisas
para aparecer, para chamar a atenção para o movimento. Hoje sou radicalmente
7 — Essa não era uma preocupação nova do movimento folclórico. Já no quinto e último
Congresso Renato Almeida bradava: "Reclamo folcloristas jovens! Quase só os temos de cabelos
brancos, por isso mesmo devemos conclamar a juventude a esses estudos, a fim de efetivar a
integração do folclore na realidade nacional [...]" (Doe. 4 9 7 / 6 3 : 4). O tema da 'renovação dos
quadros dos folcloristas brasileiros foi objeto de uma das mesas redondas do congresso, sob
coordenação do próprio diretor da CDFB, Édison Carneiro (cf. Doe. 4 9 8 / 6 3 : 2).
iOO
contra essa idéia, que já explorei, mas que agora me parece perimida. Acho que
devemos orientar toda nossa atividade para trabalhar em profundidade. Agora só
podemos fazer as coisas bem, já saímos do campo do moinmento, da propaganda, do
barulho. Agora só nos imporemos pela perfeição do nosso labor, pelo caráter
proveitoso que apresentar, ^(p. 235)
atuação dos folcloristas como movimento, na acepção mais precisa que venho utili-
conjuntas dos folcloristas, mas para um estilo claramente mobilizatório que eles
procuraram desenvolver/
//O tom pessimista do discurso do Simpósio não deixa de apresentar uma certa
rontinuação com o que podemos encontrar nos últimos meses de Édison Carneiro
semana, por abnegados estudiosos, mas em âmbito limitado", e, em função dos par-
Carneiro:
Se [após 12 anos de congressos] temos o direito de estar contentes, não podemos, não
devemos estar, entretanto, satisfeitos.
Muita coisa resta afazer, até que possamos considerar pelo menos bem encaminhada,
segura, indestrutível, a tarefa que nos impusemos. (...] Se pusermos a mão na
consciência, poderemos ver, com nitidez, e talvez com angústia, que tudo o que
fizemos, isolada ou coletivamente, em plano regional ou nacional, constitui ainda
quase nada do que deveríamos ter feito, quase nada do que devemos fazer. (Doe.
498/63: 1)//
momento em que isso fica claro para o principal formulador do modelo no interior
Porém, que podemos encontrar a forma pela qual ele contribui para definir o
(301
completa, mas que buscou ser sistemática, apresentando o que foi possivelmente o
meu primeiro capítulo nos faria entrever a influência dos folcloristas naquele
período. A minúcia com que tentei conduzir essa reconstrução etnográfica corres-
Resta então concluir. Cada um dos três capítulos descritivos desta tese já
serão as duas vias pelas quais irei explorar os desdobramentos das discussões ini-
de Folclore. Se lanço mão aqui de hipóteses acerca desses dois níveis, meu objetivo
que apresentar uma discussão exaustiva sobre esses dois panos de fundo de minha
descrição. Por outro lado, esse esforço é essencial para que possa demonstrar aqui
antiquário.
/V
meu primeiro capítulo. Vimos como a maioria desses trabalhos, quando não ignora
atribui uma posição secundária, a de um personagem que sai de cena sem alarde
mostra desde o seu início é que os Estudos de Folclore estão envolvidos desde seus
primeiros tempos nos debates relativos a esse processo. Mas, antes de fazer um
desse movimento. É um termo genérico que faz, como reconheci na minha intro-
ria dos seus participantes ou estão fora dessas instituições, ocupando as atividades
para o interior do pais, onde o campo intelectual mal começou seu processo de
des intelectuais em si. Boa parte dos secretários estaduais são advogados ou médicos
era necessariamente mais reduzido, como a própria elite local era menor, fazendo
com que as conexões pessoais entre os seus membros fossem mais estreitas e a
autonomia entre o campo intelectual e o político fosse menor ainda do que a que
de Folclore, faltou esclarecer que esse governador, Jones dos Santos Neves, era
ráter reduzido das elites locais fazia com que muitos desses secretários estivessem
intelectual dos estados que facilitava os "contatos políticos" dos folcloristas era a
vez que, pela lei, o signatário do convênio em nome da comissão local não poderia
ser um funcionário público. Dessa forma, diz ele, seria difícil encontrar um nome
para esse encargo, já que "muitos, ou quase todos os nossos são funcionários do
mas, se pudéssemos examinar com mais detalhe os fios do movimento folclórico nas
suas ramificações locais — coisa que, como esclareci na minha introdução, não é
que não era apenas o líder da CNFL cujo auxílio "recebido do governo", como
9 — São os casos de José Loureiro Fernandes no Paraná (cf. Doe. 7 1 / 4 9 ) , Rubens Falcão no Rio
de Janeiro (cf. RA/RF, 2 4 / 0 5 / 5 5 , corr.exp.) e do Cónego José Trindade em Goiás (cf. CNS/RA,
1 0 / 0 5 / 5 2 CE rec.). Também há informações acerca de integrantes de Comissões Estaduais em
outras posições no primeiro escalão de governos estaduais: José Maria de Melo, secretário de
finanças de Arnon de Mello em Alagoas (cf. RA/JMM, 0 8 / 0 2 / 5 1 , corr.exp. ), e Victor Peluso,
secretário de agricultura em Santa Catarina (cf. RA/OC, 3 0 / 1 1 / 5 3 , CE exp. ). Quando Loureiro
era secretário de educação, o segundo principal participante da comissão paranaense, Fernan-
do Corrêa de Azevedo, era então o seu diretor de cultura (cf. FCA/Circ., 2 3 / 0 8 / 4 9 , CE rec.).
(305
2 5 / 0 6 / 5 1 , corr. exp.).
rial a que tive acesso — tenha permitido um aprofundamento dos contextos esta-
sas regiões do país é o seu traço mais saliente, possivelmente inédito em nossa
história intelectual.
em atender aos apelos que a CNFL lhes dirigia, isso não significa que ela não lhes
longe dos grandes centros 10 . Seja com pequenos favores — como nas informações
sobre o bônus da UNESCO para comprar livros estrangeiros que Théo Brandão,
permitiu a eles integrarem-se em circuitos mais amplos. Como afirma Laytano, "a
10 — Mesmo antes do movimento folclórico entrar plenamente em ação, a capixaba Maria Stella
Novais revela, em carta a Renato Almeida, o quanto era importante a correspondência com os
"confrades", descrevendo-lhe o quanto em "Vitória é [...] difícil o trabalho intelectual, [onde
não há] editoras, amparo do governo para a publicação de livros, etc." ( 0 3 / 0 4 / 4 8 , CE rec.).
11 — O agradecimento dentro do qual Laytano faz este comentário refere-se à publicação de sua
comunicação ao I Congresso nos Anais do evento, afirmando ser "bom sair numa esplêndida
publicação oficial como a sua". É interessante contrastá-lo com uma carta de José Loureiro
Fernandes, na época organizando o II Congresso, na qual manifesta a Almeida seu desejo de que
seus relatores fossem "severos", ao contrário do que ocorrera na reunião do Rio de Janeiro,
onde teria havido "excesso de tolerância" por aquele ter sido "o primeiro". Nesse sentido,
Loureiro evoca um encontro entre os dois, no qual Renato Almeida teria mostrado a Loureiro o
motivo pelo qual não teria sido ainda possível publicar os Anais : "material bom asfixiado por
numerosas contribuições medíocres" ( 0 8 / 0 7 / 5 3 , II CBF rec.).
(306
pejorativa — desse último termo deriva do fato de que, quando se fala em "provín-
cia", estamos geralmente lidando com um padrão regional em que a "capital" (ou a
vel em relação às outras regiões. Esse é o caso clássico francês e o do Brasil monár-
víncia paulista converte sua elite à causa republicana, e sua vitória traz a adoção
tante na afirmação desse novo padrão federativo foi a transferência, cinco anos
ral para uma cidade planejada com funções puramente administrativas no centro
do país; como fora também o caso de Washington, localizada entre os Estados do Sul
EUA, onde o modelo federativo é original, problemas surgem numa transição como
essa, que não elimina automaticamente a orientação centralista em que o país foi
constituído.
(307
ganhar se incorporasse uma reflexão sobre esse dilema do nosso processo de cons-
federativo. Desse novo ponto de vista, o contraste entre as Ciências Sociais paulista
e carioca que domina sua análise seria menos a expressão de interesses regionais
versidades das províncias. Apesar dessa pretensão, elas já nasceram com essa
sua hegemonia política representada pela Revolução de 1930, revolução essa que
to dessas ciências no nosso país, onde esses dois grandes centros, com estilos pró-
ciência social produzida no Rio de Janeiro, seja daquela que estava na Universida-
de, seja a que estava em órgãos de pesquisa ligados diretamente ao Estado (como o
ISEB). Sintomaticamente, ele não chega a penetrar com força em Minas e Pernam-
lugar (cf. Quadro 8, Apêndice 1), é muito pequeno, levando-se em conta sua posição
sua vez, produziu menos documentos que outros estados nordestinos importantes,
um 1 3 .
Nos outros estados, a pesquisa de Miceli não parece ter identificado a forma-
ção de projetos institucionais de igual importância aos desses quatro. Essa lacuna
regiões. Vimos que foi nesses grêmios que o movimento folclórico geralmente
13 — Vimos as queixas do secretário mineiro Ayres da Matta Machado Filho sobre a "apatia"
dos seus conterrâneos, pela qual justificava a pouca eficiência de sua comissão. Por outro
lado, Renato Almeida teve grandes dificuldades com Getúlio César, secretário pernambucano
indicado por Gilberto Freyre, mas cuja atuação julgava muito apagada (cf., por exemplo,
RA/WO, 1 7 / 0 7 / 5 0 CE exp.). Aquele, por sua vez, se sentia melindrado com a relação pessoal
entre Almeida e René Ribeiro, renunciando quando esse último é nomeado, sem seu prévio
assentimento, secretário adjunto da comissão estadual (GC/RA, 1 9 / 1 0 / 5 3 , CE rec.). Através de
Ribeiro, o secretário geral da CNFL busca celebrar um convênio entre a Comissão e o Instituto
Joaquim Nabuco (onde o primeiro chefiava o Departamento de Antropologia), para o qual
chegou a haver entendimentos (PM/RA, 1 7 / 0 5 / 5 4 , corr. rec.), não concluídos enfim. Quando
Almeida desiste de seus escrúpulos, aceita finalmente a demissão de César e indica Ribeiro
para a secretaria geral, este não a aceita, indicando um substituto (cf. RA/RR, 2 3 / 0 2 / 5 6 ;
RA/CRC, 1 6 / 0 3 / 5 6 , corr .exp.). Nada disso conseguiu erguer a comissão no Estado, onde à
presença do IJN era possivelmente muito forte para que ela se tornasse um centro de referên-
cia autónomo.
áuy
por Miceli para o período entre 1930 e 1964, segundo o qual as clivagens que
do que por "iniciativas de 'regionalização' das Ciências Sociais" (Miceli, 1989a: 6).
sua vez, ocupa uma posição privilegiada na mobilização promovida pela CNFL,
revelada por vários indicadores: foi a que produziu maior número de Documentos,
sua condição de capital federal, sendo a autonomia dos secretários estaduais sempre
se uma especificidade a esse último sem que a unidade do primeiro seja por isso
movimento folclórico:
14 — Veja-se nesse sentido a carta de Renato Almeida ao secretário paulista na qual explica a
"autonomia" das comissões estaduais citada no capítulo anterior (RA/RTL, 2 3 / 1 2 / 5 3 , corr.
exp.).
(310
vas devem ser feitas. A primeira é que, como pudemos constatar da análise da
raras nas análises desses autores. /A dialética entre o nacional e o regional que o
suas conclusões. Ao invés, ela funciona como um pressuposto implícito, que, por
tos, como, por exemplo, nas hipóteses sobre o mutirão e suas variações (citadas no
envolvem a figura do "boi" (cf. Doe. 3 6 3 / 5 7 ) . Renato Almeida expressa esse pres-
suposto dos folcloristas ao confessar sua convicção de que "a cultura popular bra-
idênticos valores folclóricos embora com uma maior ou menor acentuação, deri-
tas cobrindo o território brasileiro. A CNFL foi fundamental para essa articulação,
mas era ainda claramente insatisfatória para o apoio que os seu próprios membros
julgavam ser necessário à consolidação das pesquisas folclóricas, motivo pelo qual
lutaram pela criação de um órgão federal — que, por sua vez, não conseguiu o apoio
nal que produziram essa visão regionalizada; ela foi estruturada assim a partir de
uma avaliação dos folcloristas acerca do trabalho que deveria ser feito. IA relação
^ntre a organização social dos folcloristas e sua produção não corresponde a uma
nos mostra é uma relação de duas mãos: a de um conjunto de atores sociais que, a
(311
partir de um certo ethos e visão de mundo (no caso, incluindo essa definição das
te por Renato Almeida com intenções precisas. Um dos folcloristas que atenderam
organização igualmente a mesma visão de nação que ele constrói em seus estudos.
É nesse autor que podemos ver também uma das principais fontes das reflexões de
sobre o nosso pensamento social, qual seja, a associação do estilo de análise desses
escritor pernambucano.
impacto mesmo sobre intelectuais que, mais tarde, serão associados a um tipo de
15 — A influência de Gilberto Freyre sobre a obra daquele autor aparece em seu depoimento a
uma pesquisa do IDESP a que tive acesso (graças a uma gentileza de Sérgio Miceli e Silvana
Rubino). Diégues, bacharel de Direito em Recife, deve parte de sua iniciação à pesquisa a seu
trabalho como assistente de Gilberto Freyre na preparação de Sobrados e mucambos.
(312
ciência social responsável pelo declínio de seu prestígio (cf. Candido, [1967]: xi-xii)
Roberto da Matta através da expressão "fábula das três raças". Tendo seu primeiro
clorística,
1R ela também desempenha um papel importante na obra de Gilberto Frey-
re . Embora seja nítida essa continuidade entre Romero e Freyre — que reaparece
boa parte do nosso pensamento social e do qual Romero foi um dos primeiros
representantes.
16 — O próprio Florestan Fernandes, no primeiro trabalho de fôlego que publica, define Casa-
Grande & Senzala como o ponto de partida para o estudo sobre os materiais do folclore
brasileiro tomados como padrões culturais em relação concreta com o comportamento (cf.
Fernandes, 1947: 7).
z/17 — Vimos que Renato Almeida consultou Gilberto Freyre acerca da escolha do secretário
pernambucano, mas, como também indiquei (seguindo Freston, 1989), os investimentos desse
último no plano institucional se dirigiram a um projeto de cunho bastante pessoal, o Instituto
Joaquim Nabuco. Outro ponto já visto foi o caráter excessivamente pessoal assumido por sua
obra para se subordinar a uma filiação disciplinar estrita, como a que o movimento folclórico
queria consolidar.//
18 — A própria estrutura de sua principal obra, Casa-Grande & Senzala, segue literalmente
esse esquema: depois de um primeiro capítulo em que resume seus argumentos principais
sobre a colonização portuguesa no Brasil, seguem-se quatro em que é desenvolvida essa inter-
pretação, um primeiro sobre o indígena, o seguinte sobre o português e os dois últimos sobre o
"escravo negro".
(313
por ele como ainda indefinido, mas em processo de resolução na medida em que
avançasse a mistura racial, teve diversos desdobramentos, alguns até mais "otimis-
tas" que os do seu formulador original (cf. Seyfert, 1995:183 e 185-6). Mas, em
alguns dos autores mais influentes dentre os que seguiram suas pegadas, surgiram
(Seyfert, 1995:182; cf. também, Rodrigues 1954: 90); dúvidas que também encontra-
ram obras influentes partindo do paradigma racial, vemos que o esquema simples
proposto pelo escritor sergipano começa a ser questionado a partir de uma análise
pos bantos dos sudaneses — distinção que teria uma longa história na literatura
dois tipos nas diferentes regiões do Brasil se teria dado de forma heterogênea, ele
obra, enfatizará, por sua vez, a influência do meio, tematizando a oposição entre o
nica do mestiço desponta[ria] inteiriça e robusta" ([1902]: 79), uma vez que sua
por Ricardo Benzaquém de Araújo. Como esse último mostrou, Freyre, em seu pri-
integrar esse dois pontos de vista a partir da adoção de uma perspectiva neo-
lamarckiana (1994: 40) que lhe permitiu retratar a cultura brasileira como o
Embora uma análise minuciosa das descrições das relações raciais apresen-
tadas em Casa-Grande & Senzala nos mostre um quadro complexo, no qual se dá uma
19 — Através dessa oposição simples — que procura resumir um debate muito mais amplo e com
mais matizes —entre Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, exemplificando os desdobramentos
da perspectiva racial e de sua solução "branqueadora", poderíamos ver também como o folclore
passou a ser tomado como um elemento de referência para as reflexões de inspiração científica
sobre a formação da sociedade brasileira. Enquanto Rodrigues, para enfatizar a importância
do influxo africano, tentou mostrar como o "ciclo do jabuti", reconstituído nos Contos de
Romero e atribuídos por este ao indígena, seriam na verdade de origem nagô (Rodrigues,
[1933]: 183-213), Euclides de Cunha, para caracterizar os hábitos e a mentalidade do sertane-
jo, descreve suas "vaquejadas" e as quadras populares que recolheu ([1903]: 90). Em ambos, o
folclore era apenas um dos indícios usados para sustentar suas hipóteses, cuja causalidade
estava predominantemente no plano racial. A julgar pelas queixas de Amadeu Amaral, depois
de Sílvio Romero o tema só foi analisado sistematicamente por autores com meras motivações
literárias.
20 — Concentrando-se em Casa-Grande & Senzala — e no desdobramento de sua argumentação
nos trabalhos imediatamente posteriores — a citada tese de Benzaquém de Araújo ilustra esses
antagonismos principalmente referindo-se às relações raciais e ao período colonial. Uma das
análises onde mais nitidamente essa perspectiva de Freyre é aplicada à questão regional é a
sua conferência sobre as idéias de "Continente e ilha", a partir das quais ele expressa metafo-
ricamente a relação entre unidade nacional e especificidade regional: "Continente e ilha: anta-
gonismos que o Brasil ou concilia e equilibra, seguindo aliás a geografia, ou se sujeita a uma
verdadeira guerra civil na sua psicologia social e dentro da sua cultura" ([1940]: 155).
'W'
(315
"intimidade" com o escravo (Benzaquém de Araújo, 1994: 53), essa descrição, ao ser
comparada à experiência norte-americana, acabou por fazer com que o livro, não
sem a anuência do seu autor, fosse tomado como um retrato da "democracia racial"
brasileira. /Seu elogio da mistura racial acabou tornando-se uma ideologia oficial
cada vez maior do Estado brasileiro com a sua 'integração étnica', o nome oficial
para a miscigenação" (Vianna, 1994: 76). A tese de Hermano Vianna que cito aqui
reexamina essa relação entre Freyre e a política cultural desse período, dedicando-
A política cultural do Estado Novo, como nos mostra Mônica Pinto Veloso,
atuava em duas frentes: uma coordenada pelo MEC de Gustavo Capanema, atraindo
DIP, que agia diretamente sobre a cultura de massas (1987: 4). Nesse contexto, o
controle sobre o rádio e o incentivo sobre o que será então chamado de "música
Ügado àquele último orgão, Álvaro Salgado, da expressão musical "como o meio
pal que usa é justamente o desse gênero musical (cf. [1942]: 2 9 8 ) 2 1 . fcomo mostra
culturas popular e erudita, como fazia a ação segmentada do Estado Novo ? 1 . O culto
do folclore se integra ao que esse autor chama de "modelo clássico da redonda esfe-
diferem das dos criadores da USP), são vistas como dizendo respeito à formação das
dos comentários sobre o Estado Novo é com a intenção de enfatizar que o movimen-
parte dos seguidores da perspectiva racial, reside na sua hipótese de que a coloni-
de Araújo, 1994: 110-30). Na década de 1940, porém, Caio Prado Júnior torna-se o
coisa mais do que um simples 'contato fortuito' de europeus com o meio", dando
origem nos trópicos ao que Casa-Grande & Senzala identificava como "uma socie-
salta que "tal caráter mais estável, [...] orgânico, [...] só se revelará mais tarde aos
poucos, dominado e abafado que é pelo que precede", isto é, pelo "sentido da colo-
26 — Para citar outro dos "intérpretes do Brasil" destacados por Antonio Candido [1967],
podemos comparar o Sérgio Buarque de Hollanda dos anos 3 0 com o dos 50: o primeiro, em
Raízes do Brasil, traça a génese colonial de nosso "homem cordial", apresentando-o como "a
contribuição brasileira para a civilização" (p. 106) e concluindo com sua dúvida acerca da
(318
leiro mereçam, pela sua complexidade intrínseca, uma análise mais cuidadosa, essa
revisão rápida nos permite caracterizar o que parece ser um corte, ocorrido apro-
ximadamente na passagem dos anos trinta para os quarenta, na visão que a nossa
Fernandes:
in the twenties and thirties, when Brazil was dominated by the ideology of the
"new country", the concept of "culture" played an important role in sociological
studies. However, this phase was superseded by one in which the notion of the
'underdeveloped country' predominated and, in that context, it was not the richness
of Brazil, but its inequality vis-à-vis other countries which became the most impor-
tant issue in the national ideology. Retrospectively, the first phase was
characterized by a mild "consciousness of retardation", in which national identity
was the primarily concern, while the second phase involved a consciousness of
retardation which was "catastrophic". /...J The concepts of underdevelopment and
dependency, advanced by sociologists during the fifties and sixties, came to full
flower. (1981: 237)
posição intermediária entre essas duas posições dominantes que se sucedem. Para
constituída durante nosso passado colonial, estaria sendo alterada por influências
diferentemente do que parece ocorrer com Gilberto Freyre, é mais grave para os
folcloristas, uma vez que seu lastro folclórico não teria ainda firmado um padrão
aculturativos" dos folguedos, ainda não estaria estabilizado, o que torna a urgência
viabilidade da sobrevivência desse padrão de sociabilidade nos novos tempos iniciados pela
abolição da escravatura e pela urbanização; já o segundo encerra o seu Retrato do Paraíso com
a frase inicial da primeira citação que reproduzo de Caio Prado, antecedida p e l a conclusão de
que "o país vive, a bem dizer, do exterior e para o exterior" ([1952]: 333). Nas posições desse
autor, como nas dos demais que venho aqui rapidamente comentando, pretendo apenas identifi-
car tendências gerais de nosso pensamento social. Caio Prado Jr. não foi o primeiro a ler os
nosso dilemas nacionais sob a chave da subordinação colonial. Manuel Bonfim, por exemplo, já
o tinha feito, o que lhe vale um elogio de Dante Moreira Leite — que é obrigado a reconhecer,
Porém, que seu trabalho "passou mais ou menos despercebido" (Leite, 1976: 250).
(319
vista do debate sobre a "identidade nacional", ela também o é na sua forma de or-
giões "atrasadas" pouco têm a oferecer à reflexão que eles desenvolvem sobre os
panorama, como enfatizei no início dessa seção, por sua ênfase na integração
regional. Mas enquanto que, para Gilberto Freyre, o "regional" está num passado
Brasil ainda está se compondo em meio à sua diversidade. Descobrir esse todo
como uma espécie de base comum que permite balizar as variações regionais 27 .
Esse é o aspecto pelo qual o movimento folclórico converge com várias represen-
dinâmica:
27 —Para uma outra citação nessa direção: "Foi o elemento português que deu os alicerces de
nossa formação cultural. [...] Tanto a influência indígena ou a negra, como a do próprio ambi-
ente ecológico, contribuíram para que tal processo decorresse sem mais dificuldades; e a
diversidade regional do País pôde assentar numa base de unidade cultural" (Diégues 1960*
481).
(320
culturalista que caracteriza sua obra, obra que tinha maiores ambições, preten-
também podemos encontrar alguns esforços para sistematizar os dados até então
(1972), onde ensaia algumas fórmulas semelhantes à da citação acima, onde esse
estilo nacional:
No terceiro capítulo, tentei mostrar que essa ênfase nos folguedos se deve
folclore não tinha como objetivo congelar suas manifestações ou mesmo voltar às
formas originais. Eles não mereceriam ser preservados por si mesmos, mas porque
Folclore, no seu todo, não é coisa bonita, nem feia, não é boa e nem ruim, e assim
devemos considerá-lo, para que possamos realizar nossos trabalhos. [...] Se agirmos
dessa forma estaremos, também, combatendo uma outra moléstia, que atinge muita
gente que se aproxima do folclore — o saudosismo. Devemos trabalhar pelo folclore,
não porque suspiremos pela volta dos tempos idos, mas por desejarmos conhecer a
essência ea substância da alma do povo, nessa rápida transformação por que ela
(321
passa nos dias presentes. Esse deve ser o sentido de nossas atividades. O que passou
[, passou] e não volta mais, por mais que choremos.28 (Almeida, 1953a: 343)
nossa nacionalidade, vemos que seus diagnósticos sobre a formação de nosso cará-
ter nacional constantemente expressam seu sentimento, para usar expressões pin-
i
çadas por Mariza Peirano, de "anomaly, estrangement, or [...] [of] being 'desterra-
dos na própria terra'" (1981: 259), a partir de uma comparação com os modelos
Essa dissonância, no caso do movimento folclórico, não provém nem de nossa ori-
gem heterogênea (como supunham os racistas), nem de uma perda de contato com
essas origens produzida por influências externas (como supõe Freyre), nem mes-
está "em processo", e esse devir inevitável deve ser vigiado para que não perca o
nâncias que persistirão sob a unidade nacional básica que se almeja preservar: a
28—Para uma conferência de Rossini Tavares de Lima, pronunciada cinco anos antes do dis-
curso de Almeida e na qual encontramos uma passagem em que aparece uma crítica ao "saudo-
sismo", repetindo inclusive várias expressões usadas por Almeida, ver III SNF (1953: 102).
29 — Tenho perfeita consciência de estar esquematizando as correntes aqui citadas, mas meu
interesse é apenas o de revelar a especificidade do movimento folclórico; não o de teorizar
sistematicamente sobre o conjunto do pensamento social brasileiro ou de oferecer interpreta-
ções aprofundadas sobre os autores que vêm sendo aqui evocados. Benzaquém de Araújo pode-
ria perfeitamente retrucar que, mesmo em Casa Grande & Senzala, Freyre não apresenta uma
civilização patriarcal isenta de contradições, como as que serão descritas com mais preocupa-
ção nas análises do processo de urbanização em Sobrados e mucambos; assim como as versões
mais sofisticadas das teorias que pensam o Brasil a partir da sua relação subordinada com o
exterior — no interior das quais incluo as de Florestan Fernandes — sabem que, internamente, a
sociedade reduplica essa contradição externa, e essas dissonâncias internas que acabam por
ganhar uma relativa autonomia. Mas creio que esse quadro genérico identifica alguns traços
gerais de cada uma dessas vertentes e querer aprofundar tudo isso nos desviaria do objeto
desta tese quando nos aproximamos do seu final.
^30 — Nesse sentido, se os folcloristas estão preocupados com as questões da "integração de
estratos" e da "integração territorial" que compõem a agenda dominante das Ciências Sociais
(322
tradição dos Estudos de Folclore e irei abordá-la na próxima sessão deste capítulo.
Sociologia carioca trabalham com uma oposição entre o atraso e a mudança que
Guidi, 1962); estudos que certamente não marginalizam a reflexão sobre contextos
grande influência no seu tempo, inclusive fora do contexto brasileiro, ela envol-
nas décadas de 1950 e 60, eles, além de também privilegiarem a "integração cultural" a ser
recuperada pela Antropologia mais adiante, não acreditam que tal integração vá apagar intei-
ramente essas diferenças./
31 — Há múltiplas relações entre essa tradição de estudos e o movimento folclórico, mas desen-
volvê-las aqui nos desviaria mais do que o possível da minha linha de argumentação. Vimos
que sociólogos ligados a ela, como Oracy Nogueira, chegaram a ter participação em alguns epi-
sódios importantes do movimento. A formação como pesquisador de Alceu Maynard de Araújo,
por exemplo, se deve basicamente a sua experiência na Escola Livre de Sociologia e Política,
onde o trabalho de campo relacionava-se àquela tradição. No congresso de Porto Alegre, che-
gou a ser votada uma moção em que se defendia a articulação entre levantamentos folclóricos e
"estudos de comunidades" (IV CBF, 1959: 3), o que nunca parece ter sido posto em prática e
despertou grandes protestos de Édison Carneiro [1960].
(323
j^ariza Corrêa, estava sediado no Rio, mas teve grande impacto nas Ciências Sociais
Sem poder dedicar mais tempo a essa tradição do que o que venho conceden-
rico. ^As vicissitudes do tema do regional que tenho aqui levantado têm grande
Yelação com a utilização desse método, mas não do ponto de vista da sua diversidade.
ilustra esse processo mais amplo (o que não significa que não tenham resultado em
que, por exemplo, para o Cunha de Emílio Willems, "a cultura caipira [aparece]
como 'o pano de fundo' para o problema a que realmente se dedicava, o da mudan-
ça cultural" (Carneiro, [I960]: 82). Referindo-se, por sua vez, à rica etnografia de
palavras daquele autor, mostrando que "sua preocupação foi, não tanto 'o aspecto
não eram relevantes, uma vez que as pesquisas eram conduzidas por cientistas
sociais vindos dos grandes centros, treinados para realizarem inquéritos de campo
mias locais para construírem uma imagem da nação unificada mas que, por outro
importante, mas, além de não ser a única (a trindade Sílvio Romero, Amadeu Ama-
ela fornece devem ser atualizadas para outros tempos. Qualquer um que agora leia
autores membros de comissões estaduais — terá sua atenção atraída para o seu estilo
empolado, que trai um esforço meio envergonhado de fazer literatura. Mas eles
não podem fazer como Freyre, que, com todo o seu prestígio, recusava posições
com grande ambigüidade. Um bom exemplo está no contraste entre os dois pará-
cantadeira e a voz saída do peito do homem humilde, matéria prima de toda essa
construção prodigiosa e formidável.
Não estou me perdendo em lirismo e não estou me comprazendo no efeito dos
contrastes. Quero mostrar que na cultura do povo encontramos os valores sobre
os quais se constroem as civilizações. Integro o folk no conjunto de todas as
afirmações da coletividade, porque onde a tradição não brota da sua alma, resulta
urna importação e toda obra conseqüente é seca, artificial e inconsistente. As grandes
virtudes paulistas, a sua força atuante, o seu dinamismo criador não se afastam, mas
se integram infrangivelmente na. unidade do povo, de que o folclore é expressão
modesta mas densa de sugestões e ensinamentos. (1954: 4; grifos meus)
Embora longa, a citação nos permite flagrar essa tensão presente no estilo
censura, esclarece: o interesse pelo folclore não é movido pela poesia; ele tem uma
função objetiva, retrata valores da "coletividade" e deve ser, por um lado, estudado
pela literatura de Graça Aranha e Mário de Andrade; o segundo, que não esqueceu
exercitam e reprimem seu veio literário. A solução mais comum para essa ambi-
güidade está mais uma vez em Gilberto Freyre: proustianamente, muitos deles usam
sentam como etnografias. Não gostaria de multiplicar as citações, mas, de fato, não
infância, em sua cidade de origem, na fazenda em que passavam as férias. Isso cria
citadas acima, mesmo que, como nesse caso, o autor hesite em reconhecer a signi-
ficação das mudanças sofridas pelas tradições populares, suas origens não são
freqüência não só nas academias de letras locais, como nos institutos históricos
estaduais. De fato, a designação pela qual muitos deles são definidos antes de
Freyre fornece o ponto de partida. Sua obra surge como um paradigma importante
marcara até então a produção dos institutos (cf. Schwarcz, 1989b e Guimarães,
1988). Manuel Diégues Júnior, talvez a principal ponte de ligação entre a obra do
escritor pernambucano e o movimento folclórico, pode nos ilustrar mais uma vez o
A história, por mais estranho que pareça, não se faz apenas com os heróis, com os
lideres, com os chefes: ela é movimentada pela grande massa anônima dos
desconhecidos, dos simples, dos obscuros. [...] A mesma massa que faz os
aconteamentos que se tornam históricos faz também o folclore. Os que criam os fatos
históricos criam também os fatos folclóricos. (Diégues, 1953: 1)
A adesão dos historiadores dos estados, que até então tinham como objetivo, a
»
nível regional, compor a "história das elites" construída pelos institutos, ganham
Ribeiro — ele mesmo professor de história — comporá uma fórmula que resume esse
r'Júnior diferencia "cinco épocas distintas, de natureza histórica, através das quais
vés dos seus versos e folguedos característicos, ainda presentes no nosso folclore,
clorismo pelo próprio Manuel Diégues Júnior. Isso define uma ponte para com a
História mas também impele os folcloristas a irem além dela. Observando o desen-
orientação fornecida, primeiro pela Comissão, depois pela Campanha. Dessa forma,
do esse esforço são intelectuais de fortes referências regionais e que não se enga-
tismo 38 .
cial, pois, como diz Dante de Laytano numa citação transcrita no capítulo, as tra-
forma, ingredientes específicos, relevantes não apenas para aquele que está no
38 — Êdison Carneiro e Renato Almeida baianos, Manuel Diégues Júnior alagoano e Joaquim
Ribeiro carioca, mas filho de um intelectual sergipano discípulo de Sílvio Romero, João
Ribeiro.
(329
tendo que ser conciliada com todo tipo.de solicitações provenientes de outros
reconheci não ser possível a todo momento identificar essas diferenças pessoais,
apresentado como "o último, talvez, dos polígrafos brasileiros" — "faz parte do
identidade natal" (Faria, 1993: 227 e 232), percebe-se a marca de sua passagem pelo
movimento folclórico.
específica a partir da qual poderiam ser pensadas questões que estão em jogo
cido pela sociedade, permite avanços em direção aos seus objetivos./ No caso em
para [ele] existir precisa expressar-se a partir de uma linguagem que visa o outro
[...]. Sua matéria-prima é cultural e, em alguma medida, tem de "fazer sentido",
num processo de interação com os seus contemporâneos, mesmo que seja rejeitado.
(Velho, 1981: 27)
que apenas consideremos essa busca de reconhecimento social que está, como
Nesse contexto, o que singulariza o movimento folclórico é sua opção por uma
fora do Brasil. Meu objetivo, nessa segunda parte de minhas conclusões, é forne-
cer mais alguns elementos sobre essa linhagem a que os intelectuais da CNFL se
filiaram, de maneira a indicar alguns dos motivos pelos quais essa tradição foi
tes desses debates. Porém, se ele não foi constituído meramente por um conjunto
/
(331
de diletantes exóticos anacrónicos, mas faz parte do nosso pensamento social, esse
"objeto" foi responsável pela constituição do campo intelectual no qual nos situa-
mos e agimos hoje. Dentro do paradoxo da alteridade, tão explorado pela literatura
antropológica, o nosso objeto fala de um outro que também somos nós mesmos. Em
especial, a tradição folclorística é uma vertente que fez (e faz) parte da história da
Antropologia, disciplina a partir da qual minha pesquisa pretende falar sobre seu
objeto.
No caso do Brasil, temos podido verificar que há uma relação ambígua dos
Renato Almeida, outro intelectual que aderiu profundamente a essa última iden-
tidade foi Rossini Tavares de Lima. Convivendo em seu estado — às vezes com
[...] quero dizer algumas palavras sobre nossas relações com sociólogos, etnólogos,
etnógrafós, ou antropologistas. Tal como a resolução do Congresso Internacional de
S. Paulo, julgo indispensável para o progresso de nossos estudos, que se
intensifiquem estas relações. Mas, sem que percamos a nossa personalidade e tão
pouco nos inferiorizemos ante a presença desses cientistas. Nós o somos também e
em conseqüência é natural que os consideremos em nível idêntico ao nosso, ainda que
muitos dentre eles nos situem em plano secundário. Também é chegado o momento
de nos definirmos sobre o campo de nossas atividades, a fim de que não aconteça o
que já temos notado com este e aquele companheiro: não sabem se acendem um vela a
Deus ou ao Diabo. É mais que necessária a definição: somos ou não somos
folcloristas, e se tais nos julgamos, não me parece admissível que estejamos
preterindo a designação 'folclorista" em relação a de "etnógrafo", "etnólogo",
"antropologista", "sociólogo", únicas na opinião destes, que relacionam os cientistas
sociais e culturais. Se integramos a Comissão Nacional de Folclore, participamos de
sus congressos e reuniões, damos sugestões no plenário e discutimos nas mesas
redondas, votando, inclusive, assuntos de Folclore, penso eu com justeza, é porque
nos consideramos também folcloristas e admitimos acertadas as resoluções que
contribuímos para serem votadas, a exemplo daquela que situa a nossa matéria no
gwacfro das ciência "sóáo-culturais", com características muito precisas. (1959:
Sociais. Nesse momento, enquanto as universidades criadas nos anos 1930 tentam
institucional só emergirá no final dos anos 60, no rastro das mudanças que acom-
tório de Théo Brandão. Mas o mesmo otimismo que permite esse clima favorável,
Como ele deixa entrever, ao lado dos congressos de folclore, alguns desses
disciplina começava a desenvolver uma identidade coletiva mais nítida a partir das
1988b). Vimos, no terceiro capítulo, que alguns conflitos foram ensaiados contra
mana, mas eles foram adiante, uma vez que os projetos desse autor não sobrevive-
pela criação da FNFi, embora ainda tendo, como vimos, um papel reduzido nos curso
des de filosofia nos estados. A maioria dos ocupantes das novas cátedras de Antro-
ficidade cultural de suas regiões. Ao mesmo tempo eles dessa forma se integravam
a um campo disciplinar com uma identidade cada vez mais legítima. Talvez para
presidentes da ABA: José Loureiro Fernandes (1958), Manuel Diégues Júnior (1966-
nada contra a corrente, associado que está com uma certa perspectiva culturalista
ainda vigente na época em boa parte de nossa Antropologia, na qual, segundo Luís
lugares das manifestações concretas das variações raciais e culturais" (1984: 238;
grifo do autor). Nesse sentido, vimos no primeiro capítulo essa forte presença dos
criação dos seus centros de pós-graduação, não é essa perspectiva culturalista que
(1981: 120)/Tudo isso faz com que aquela autora, ao definir o perfil adquirido pela
[...], there is an apparent paradox in the way anthropolgy and sociology developed
in Brazil, in contrast to more advanced industrialized societies. In Europe and the
United States, for example, the anthropologist fms often studied societies other than
his own, whereas the sociologist has mainly been identified with the problems of his
own society. In Brazil, the opposite relationship developed — whereas
anthropology looked at the internal "other", sociology took as its main concern
external relations with the more advanced societies. (1981: 265-6)
lho pela referência às reflexões de Louis Dumont e de Norbert Elias, que privile-
péias, desprovidas de impérios coloniais, o tema central passou a ser "the relation
tam uma forma de Antropologia curiosa. Seu objetivo final é uma indagação não
sobre um "outro" distante, mas sobre a própria identidade da nação a que pertence
o estudioso. Porém, sua relação com o seu objeto imediato não deixa de estar marca-
da
43 — As duaseram
analfabetos normalmente
expressões combinamalvo
as do desprezo
mesmas do homem
palavras, educadorespectivamente
que significam europeu (cf.
"povo" e "conhecimento". Sua única diferença reside na partícula adicionada ao prefixo: "er",
que o coloca no plural (junto à necessária flexão da vogal temática); e "s", que corresponde em
alemão ao genitivo. Assim, Völkerkunde é um equivalente aproximado de Etnografia, ou seja,
o conhecimento dos (diversos) povos. Volkskunde significa o estudo do povo no singular, isto
é, povo não como designação genérica para um grupo social culturalmente singular, mas como
um segmento social específico de sociedades complexas {demos, não ethnos; daí a tentativa de
um neologismo equivalente utilizando uma etimologia grega através do termo demologia, que
não vingou, mas que encontramos em Amadeu Amaral). Como podemos ver pela analogia que
Thoms faz com o neologismo fatherland (derivado do alemão Vaterland), Volkskunde parece ter
sido a fonte de folk-lore (cf. Apend'ce 4).
(336
Ortiz, 1992: 15).^A sua súbita revalorização no final do século XVIII, acompanhando
a sociedade e a cultura alemãs descritas por Norbert Elias. Esse autor irá caracte-
"ascendentes que, não conseguindo ser absorvidas nas frágeis cortes alemães, irão
tion. O culto da sinceridade, dos modos simples e da natureza irá traduzir-se nesses
Volkes ("cultura popular"), forjado pela primeira vez por J. G. Herder, filósofo
A
romântico e pioneiro dos estudos de Volkskunde, representa uma das formas pelas
quais esse conceito foi perdendo o seu conteúdo valorativo inicial e começando a
identificar alteridades (Burke, 1989: 4 9 ) ^
/Porém, o uso da idéia de alteridade tanto por Peirano quanto por Stocking
não nos deve confundir: o "internal other" ao qual a primeira se refere ao descre-
tam uma "alteridade interna" que é alheia à sociedade nacional envolvente (como
//Os métodos e teorias produzidos para conhecer a alteridade mais ambígua do folclo-
nào se revelaram, ao contrário do que ocorreu em vários outros contextos, muito
.rano deixa entrever que talvez isso tenha a ver com as relações que a Antropologia
•desenvolveu no interior das Ciências Sociais, em particular nas suas relações com
4 4 — Velho & Viveiros de Castro (1980: 4) mostram a importância dessa origem do conceito,
comparando^ ao destino do conceito de civilisation, que Tylor, na sua formulação clássica
tentou fazer equivaler ao de cultura (Tylor, [1871]: 3). Para dois outros autores quê
recentemente fizeram uma revisão histórica do conceito de cultura popular, "Herder was the
first to speak of 'cultures' rather than 'culture' in the singular. He began to use the term in a
way that would become standard in anthropology and sociology a century later" (Mukerji &
Schudson, 1991: 2). Ao contrário, segundo Stocking, Tylor utilizava o termo sempre no
singular e, quando falava na cultura de um grupo, referia-se na verdade ao "'culture-stage' or
the 'degree of culture' of that group" ([1965]: 81).
(337
humaines et sociales par un sujet d'études qui lui sera propre", mas por uma
para que os países centrais, em confronto com elas na tentativa de expandirem seu
em atraso em relação aos centrais, o embate com a alteridade em relação aos mode-
formação dos Estudos de Folclore, quando uma certa definição de "povo" surge
(lore) nos seus contos, versos e ditados. Próximos à natureza, infensos ao cosmopo-
litismo das elites, esses segmentos guardariam assim expressões que serviriam de
base (tanto como inspiração, quanto como justificação) aos artistas que pretendiam
que se dediquem à coleta das tradições populares antes que seja tarde. Descobre-se
o "povo" quando ele está a ponto de "desaparecer" (cf. Burke, 1989: 43), isto é,
to que ele nunca observou 48 . Podemos ver num caso "falsificações" e no outro um
como várias posições intermediárias do contínuo de muitas gradações que pode ser
47 — Nesse sentido, desde o início, esse "povo" dos folcloristas não é a massa urbana, já coloca-
da inevitavelmente em contato com a modernidade e a grande cidade. Peter Burke explora bem
esse contraste citando um trecho de Herder em que este afirma que "o povo [das Volk ] não é a
plebe das ruas [der Põbel auf die Gassen J que nunca canta nem compõe, mas grita e mutila"
(apud Burke, 1989: 49).
48 — Para uma análise do "presente etnográfico" e de outras convenções da etnografia moderna,
ver Clifford [1983]. Para um exemplo do tom "apocalíptico" por vezes assumido pelos antropó-
logos em função da evanescência de seu objeto, veja-se as últimas palavras do Argonautas de
Malinowski: "Infelizmente o tempo é curto para a etnologia, e talvez [...] seu real significado e
importância não sejam reconhecidas antes que seja tarde demais" (p. 371).
(339
caso das sociedades primitivas, isso produzia a ilusão de serem "sem história". Uma
memória de cada um dos seus intérpretes, versos e contos orais não têm "autor" e,
portanto, não têm "data de composição" — o que induz muitos a considera-los pro-
tica de estruturas estáveis e múltiplas versões, pode ser aplicada (e vem, de diver-
"povo" a que são dirigidos seus produtos, o que gera acusações acerca das dimen-
fora relativo e que muitos conteúdos que encontramos em meio às suas tradições
dos seriam reinterpretados pelo povo, num processo inteiramente determinado por
49 — Não nos esqueçamos de que a principal fonte — confessa — da teoria estrutural dos mitos, e
de algumas das fontes russas do estruturalismo, foi um estudioso do conto oral, Vladimir
Propp (cf. 1984). Sobre a definição desse autor acerca do folclore como disciplina, ver ProDD
(s. d.). H
(340
clorístico não lhe são intrínsecas, mas sobrepostas a ele por um efeito de sua
soe g iiiodêrp e aos problemas de identidade que ela produz; enquanto que a
Gonçalves desenvolve esse último ponto, através de uma análise da forma pela qual
50 - Porém, o mesmo argumento pode ser transposto para o circuito da indústria cultural
Varias pesquisas empíricas mostram que o controle absoluto das grandes empresas do mercado
de cultura sobre o seu público é muito mais aparente do que efetivo, particularmente porque
em função da própria fragmentação e individualização constitutivas da sociedade moderna a
possibilidade de releituras e reapropriações expande-se. Veja-se, por exemplo, o circuito do
/un* carioca estudado por Hermano Vianna, onde a fruição de uma música produzida nos EUA é
redefinida no contexto dos bailes suburbanos da cidade, associandc^se a valores diferentes
dos "originais" e com a indústria cultura] se dando conta do fenômeno e do seu potencial
economico apenas a posteriori (cf. Vianna, 1988 e 1990).
51 - Esse princípio faz com que o critério de delimitação do folclore, mais do que a origem
rural, seja o de "tradicionalidade". Renato Almeida, por exemplo, descreve uma apresentação
de pastorinhas numa favela do Rio de Janeiro e elogia-a "não só pela exatidão com que se fez o
folguedo, como pelo clima tradicional em que se desenvolveu". Embora na apresentação fossem
adaptadas melodias de operetas e de canções "popularescas" (A viúva alegre e Jura, de Sinhô)
ele afirma que "as contaminações da cidade, que subiram até lá, não serviram para deformar'
pois se folclonzaram como legítimas sobrevivências" (Doe. 1 6 7 / 5 0 : 1).
52 - "[...] cultura é um conceito que só existe a partir da constatação da diferença entre nós e
os outros " (Velho, 1994: 63).
53 - Seria muito interessante uma comparação entre os discursos sobre o patrimônio histórico
no Brasil e os dos folcloristas, inclusive sobre a forma pela qual cada um deles expressa sua
retórica da perda". Sem poder, por razões de espaço, avançar muito nessa direção, destacaria
apenas que os primeiros lograram sua institucionalização no primeiro governo Vargas com a
enaçao do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, liderado por Rodrigo de Mello
341,
Neiva de Matos identifica já em Sílvio Romero essa tendência em supor que o regis-
tro deixaria sempre a dever aos eventos que descreve. Radicalizando essa idéia,
como indica essa autora, o próprio ato da inscrição dos cantos e contos populares se
texto no papel, ele poria a perder, ou seria incapaz de apreender a natureza especí-
fica da poesia oral" (Matos, 1994: 179). A "perda" da autenticidade, lamentada nos-
narrativa, como já dissemos, não haveria problemas com a autenticidade por não
contingência de sua criação, ele se encontra muito mais preso "às condições da
folclore: o folguedo. Essa seria também, como vimos, uma forma mais dinâmica,
teórica da qual mais se orgulhavam lhes custou o isolamento, tanto em relação aos
tura brasileira. A análise de cada um deles nos permitirá concluir nosso quadro
tual.
dessa última com Cascudo não podem ser reduzidas à disputa, que descrevi no
países (Melo, 1951), essa organização tinha sua representação brasileira localizada
Renato Almeida para colaborar com a instituição, este receberá do secretário geral
(343
da CNFL uma resposta dura, numa das expressões mais claras da forma pela qual ele
/Nessa carta temos uma das mais enfáticas definições do sentido de missão
ainda são incipientes. Para ele, o Brasil só lhes será relevante quando puder
com contribuições próprias, originais; caso contrário, tudo que receberemos dos
Porém, Luís da Câmara Cascudo era muito bem relacionado com folcloristas
a capital federal para obter projeção, sua atração para o folclore também foi influ-
enciada por Mário de Andrade. Nesse sentido, Veríssimo de Melo destaca uma carta
dos estudos folclóricos" deste último (Andrade, 1991a: 16). Em 1937, em função da
falência da firma do pai de Cascudo, este pediu ajuda ao amigo de São Paulo, que lhe
convite, vão reprimendas por seu estilo de trabalho, típicas do Mário "doutrina-
dor" (cf. Moraes, 1983: 75). Por um lado, Mário censura Cascudo por perder tempo
o Conde d'Eu. Por outro, critica sua metodologia pouco cuidadosa, representada por
etnográficos sobre fatos locais a que ele, e só ele, seria capaz de ter acesso (p. 146-
50).
vazio" (p. 147). Mas, dedicando-se a pesquisas folclóricas locais, seus dados ainda
são relevantes só para folcloristas estrangeiros, já que uma rede nacional de fol-
boa parte dela no tema da literatura popular e, apesar do alerta de Mário de Andra-
de, mobiliza sua espantosa erudição para realizar exercícios comparativos amplos,
liza através de sua comissão situada no Rio de Janeiro, ele também condenava a
/Essa conexão fica clara quando Veríssimo de Melo descreve os objetivos do Club 57 :
privilegiar o conto popular (o folktale) como objeto de suas análises, Stith Thomp-
son também exerce uma escolha: concentra-se numa expressão folclórica que,
sendo identificada apenas pelo seu conteúdo narrativo e não por sua forma de
que lhe pretenderam dar um perfil científico (cf. Ortiz, 1992: 28).//bessa forma, por
59 - Ao enfatizar a difusão dos folktales, Thompson dava seqüência a uma preocuparão difu-
sionista mtroauzida nos estudos folclóricos norte-americanos por Franz Boas, que teve impor-
tância em seus debates com as interpretações evolucionistas do folclore. Como indica
//Stocking, a sua principal diferença em relação a estas é que, enquanto o evolucionismo via as
mmifestaçoes folclóricas como essencialmente sobrevivências, Boas procurou estudá-las como
um elemento "central to the maintainance of society through its rationalization of traditional
forms of behaviour"/[1966]: 225).
(347
separaria o que seria folclórico do que não seria. Aqui, os folcloristas da CNFL se
afastaram tanto dos seus colegas norte-americanos quanto dos europeus. Essa
zação de uma pesquisa sobre o samba, a ser coordenada por Édison Carneiro, que,
interrupção não foi causada por nenhum desentendimento entre este e o diretor
Folclore que opuseram Renato Almeida e Carneiro, levando esse último a desistir do
projeto 62 .
Almeida (Doe. 4 3 7 / 5 9 ) , no qual ele defende que, no que diz respeito às escolas de
maticamente não parece ter sido oficialmente apoiado pela CDFB). Desse encontro,
Carneiro:
Esse documento, que por assim dizer oficializa o samba, garante copyright dos
autores, solicita do Congresso dispositivos legais que disciplinem os problemas de sua
divulgação, afasta de vez e em definitivo o Samba dos quadros do folclore, que,
afinal, é tudo que não é oficial. Naturalmente, que tudo isso se refere à forma urbana
e popular do samba, não intervirá nos batuques e sambas de roda da gente do povo,
que continuarão em sua forma puramente folclórica, no seu perpétuo vir-a-ser, na
sua interminável fluidez, (dez. 1962, p. 2)
tle Édison Carneiro de oficialização dos grupos populares como recurso para sua
do samba urbano/Não que esse autor não reconheça valores estéticos nesse gêne-
ro de música. Ele admite que, em grandes nomes, como Ernesto Nazaré, Chiquinha
Gonzaga, Pixinguinha ou Ari Barroso, "é possível rastrear-se certos valores psico-
lógicos marcantes". Porém, "feita para divertir", com seus autores se preocupando
diagnóstico, concluindo que "aquilo que está sujeito à transitoriedade da moda não
63 - Curiosamente, porém, essa outra Carta guarda um elemento essencial do ethos folclorís-
tico, mas que não influenciará na evolução dessas agremiações populares: a crítica ao caráter
competitivo dos desfiles (cf. [1962c]: 199).
(349
determinação de sua dinâmica. O folclórico seria tudo "o que não é oficial", e a for-
popular, que fascinara antes Amadeu Amaral, é o elemento que atrai seus discípu-
armas do folclore:
dos grandes centros), seguindo a estrutura federativa que ordena essa diversidade
ocorrida nesse domínio. Por fim, seu processo de institucionalização não pretende
tiva já pudemos entrever na visão que Amadeu Amaral tinha da criação da univer-
sidade em São Paulo, ao vermos sua oposição à idéia da "ciência com um vasto
dicos, em conserva", contra a qual ele propõe defini-la "como uma forma de ativi-
citada nas definições da Carta, está subjacente à maioria das classificações dos
julga o caráter "autêntico" dos folguedos populares, é ela que funda os juízos
legalmente, imaginam eles, a escola de samba não é mais folclórica 64 . Isso desfa-
mostrando é que os símbolos que o senso comum tende a identificar com a "brasili-
Vianna, 1994; Leite Lopes & Fanguer, 1994; Giacominni, 1992). O "purismo" dos
que, se fosse buscado dentro dos padrões clássicos europeus, acabaria por não seria
nacional. Mas a tolerância em relação a esses traços não pôde ir além do compro-
/Isso se deve ao fato de que a oralidade parece ser também fonte de uma
"aura" própria à arte popular, pois a faria escapar do princípio das "técnicas de
reprodução técnica" que caracterizam cada vez mais o mundo moderno (cf. Ben-
jamim, 1983).^A essa valorização do não escrito, está associada uma postura, pre-
sente na história da filosofia ocidental desde Platão, batizada por Jacques Derrida
significado que ela teria o papel de apenas veicular (Derrida, 1973: 8). O livre jogo
produzida66.
real existente nas relações entre os estratos que compõem nossa sociedade. Vítimas
a lição que, por exemplo, o carnaval carioca nos traz é a de que, numa sociedade
produtores das relações "comunitárias" que definem a relação entre uma escola de
possibilidade de uma interação com os diversos grupos que compõem essa socie-
dade, englobados pela festa, que expressa tanto suas identificações quanto seus
forma, se relaciona a um contexto mais amplo e não deve ser atribuída apenas à
fundamental levar em conta essas intenções para compreender tais processos, essa
institucionalização das Ciências Sociais, isso não significa que ele se tenha sentido,
//Uma das propostas centrais desta tese, pensar, a partir do lugar assumido
Revendo esse passado tão recente — e que, não obstante, nos parece tão remoto! —
sou forçado a fazer certas constatações melancólicas. Os cientistas soáais perderam
muito terreno na comunicação com o chamado "grande público" e na colaboração
{ freqüente em jornais diários ou rexnstas de "alta cultura". A comunicação de massa
destruiu os nichos que ainda davam cobertura a uma maior participação intelectual
dos cientistas sociais, na discussão de temas de interesse geral; e a sociedade de
consumo fez o resto, absorvendo o seu tempo de lazer em atividades que são caracte-
rísticas dos setores médios "afluentes". Doutro lado, uma profissionalização mal
entendida tende a reproduzir, aqui, os mesmos estragos que fez nos Estados Unidos,
incentivando o isolamento intelectual e politico dos "acadêmicos", fechados cada vez
mais dentro dos seus muros e entre os seus pares./ (1978b: 2)
Destacando que o interesse pelo folclore teria estado "desde fins do século
tos [...] mais humildes e mais conspícuos do Povo" (p. 3), Fernandes lamenta que
esse tema tenha sido retirado dos grandes debates intelectuais. Essa foi uma ques-
tão pela qual, em meio aos temas mais prioritários que O ocuparam, sempre se
interessou. Porém, tentei mostrar que um dos fatores que determinaram a reação
cias Sociais.
cado no primeiro capítulo, de que esse intelectual nunca se viu apenas como um
pertencimento a identidades regionais ou étnicas não parece ter sido uma preocu-
pação de sua obra. Sua ambição, nunca concretizada plenamente, como ele próprio
confessa, foi a de ser "um cientista social ao mesmo tempo vinculado com a univer-
conciliar esses dois pólos, não revê, ao confessar aquela ambição, sua avaliação
falharam. Nesse momento, ele indica que, além da "continuidade", que privilegiou
são cultural de identidades. Isso nos faz lembrar que, assim como o movimento
esclarecer a opinião pública e no qual o lazer deste último não o afastava dos seus
67 — Aqui, mais uma vez, o exemplo paradigmático vem de Florestan Fernandes (paradigmático
por exprimir mais claramente uma tensão que aparece atenuada e com outros elementos em
outros contextos): "Um professor que tenha um alto nível salarial, como sucede em algumas
universidades do país, se identifica muito mais e com maior intensidade com o nível de vida de
classe média, penetra fundo na sociedade de consumo em massa e se condena como intelectual.
Ele fica uma peça da ordem [...]. He pulveriza a vida intelectual comprimindo-a entre outras
exigências, nascidas das atividades mundanas do consumo conspícuo e dos fins de semana
sedutores" (p. 164-5).
(355
nização que quebrou uma "continuidade" que, se havia inquietado mais de perto os
folcloristas, não lhe era indiferente.
mesmo que os resultados propiciados peto Estado Novo tenham ficado aquém de
recente de um autor de que, embora, a partir dessa época, a esfera da cultura passe
a ser cada vez mais regida por uma pura lógica do mercado, o tema da cultura de
massa que então se constituía só será objeto dos intelectuais brasileiros tardiamen-
te (cf. Ortiz, 1988: 14). O mundo da cultura, negligenciado pelas Ciências Sociais,
tentou estabelecer uma "continuidade" pela ação política, da qual emergiu uma
à visão de mundo que mapeei, foram vistos pela posteridade como "conservadores"
por terem buscado continuidades no que era uma sociedade em rápida mudança,
fraturada por conflitos sociais. Mas a opção pelo plano cultural, recusada por boa
Carneiro, um esforço para não confundir "o que deve perecer com as coisas que, se
65) — nos indicam, como dissemos acima, que o plano da cultura não é isento das
que caracteriza o movimento folclórico. Na análise que hoje podemos fazer dele,
que nos leva a indicar seus limites em relação às exigências que hoje estabelece-
mos para essa tarefa —, cabia-lhe uma tarefa mais difícil ainda, cuja complexidade
atribui aquela primeira tarefa como uma "missão". Para esses intelectuais, a auto-
seríamos, nas palavras de Cecília Meireles, "frutos amadurecidos à força, com uma
ser valorizada pelos folcloristas por nos permitir, imagina ela, que não percamos
Quadro 1
• com. ést
CNFL
ü bras. s/ com.
m estrangeiro
• s/ autor
Total 503
Nota: A classificação do autor de cada Documento nestas cinco categorias toma por base a indi-
cação presente no cabeçalho de cada uma dessas publicações que, ou identificavam a comissão
estadual, a qual o autor integrava ou indicava seu pertencimento à CNFL Nos casos em que não
havia tal classificação, dividi os textos entre aqueles assinados por autores brasileiros não
pertencentes nem à CNFL, nem a comissões estaduais, por estrangeiros e aqueles não assinados
(documentos produzidos por Congressos e Colóquios, Leis, Regulamentos, Noticiários, etc.). Na
maioria dos casos de estrangeiros, a identificação era feita também no cabeçalho, mas em al-
guns poucos tive que pesquisar a origem do autor. Seguindo esses critérios, por exemplo, um
texto de Roger Bastide publicado nessa série foi computado como pertencente ao grupo de tex-
tos das comissões estaduais, já que, mesmo sendo francês, ele foi identificado no cabeçalho
como membro da Comissão Paulista de Folclore. Por outro lado, quando um autor era apresen-
tado como membro de uma comissão num Documento, mas não era em outro, os dois documentos
foram computados segundo a primeira identificação, uma vez que não temos condição de saber
se isso foi uma omissão ou resultado de um desligamento da comissão (ou posterior admissão).
De qualquer forma, indica-se o pertencimento do autor à comissão em algum momento do movi-
mento folclórico, não coincindindo com a publicação do seu texto em poucos casos.
358
Quadro 4
Distribuição das cinco catgorias de autores dos Documentos da CNFL, por ano
(n° de documentos X ano)
| Com. est.
| CNFL
ü estrang.
| s/ autor
ü total
Quadro 4
60
50-
• Com. est
40-
CNFL
30-
bras. s/ com
20- i estrangeiro
s/ autor
10-
0-1 1 1 —
194B-52 1953-.57 195B-63
Quadro 4
ano
• s e c
Q m e m
Quadro 7
Quadro 7
Quadro 7
• SP 26.0%
• BA 14.5%
11 RS 10.3%
E3 ES 7.4%
• CE 7.0%
^ PE 5.8%
ü AL 5.4%
[3 MG 5.4%
• PR 5%
S3 outros 13.2%
Total 242
Apêndice 2: Documentos da Comissão Nacional de Folclore
tadores1.
bibliografia, assim como uma fonte de informação sobre uma produção extensa e
qual eles são identificados nas referências do texto da tese), o autor (quando existe,
jornais, etc.), a sigla do estado da comissão a que pertence o autor (ou CNFL, quando
1 — Existem dois exemplares de cadernos da maioria dos anos, e o único ano que não está
presente na coleção é o de 1969.
366
título — sempre entre colchetes para explicitar que isso não consta do original.
podem ser também encontrados. Há comunicações que não possuem título em seu
cabeçalho, motivo pelo qual são identificadas por um descrição dada por mim,
3 - [Relatório mais
fevereiro detalhado
de 1948, 3 p. sobre a reunião descrita no Documento n° i.], 23 de
4 - MAYNARD DE ARAÚJO, Alceu (SP). "A festa de N. S. do Rosário e a coroação do Rei
Congo em Cunha", 8 de março de 1948, 3 p.
de abril de 1948, 3 p.
11 de abril de 1948, l p .
23 - ITIBERÊ, Brasílio
do cinema: (CNFL). "Aefunção
considerações educacional
proposta à CNFL", 26dodefolclore,
abril deatravés
1948, 1do
p. rádio e
24 - [Sexta reunião da CNFL], 28 de abril de 1948, 2 p.
3 0 - VELOSO, Milagros (Chile). "O folclore nas artes manuais escolares [discurso
proferido na apresentação de objetos escolares chilenos realizado no Colégio
Franco-Brasileiro em sessão conjunta da CNFL e do Instituto Brasileiro-
Chileno de Cultura]", 23 de junho de 1948. 2 p.
33 - PEARSON DE MATTOS, Cleofe (CNFL). "Um caso dos corais do povo português- a
propósito da comunicação do prof. Armando Leça", 24 de junho de 1948, 1 p.
3 4 - ALMEIDA, Renato (CNFL). "O bumba-meu-boi e o 'boeuf-gras' francês" I o de
julho de 1948,1 p. '
368
57 - GOMES, Antônio Osmar (BA). "O São João no baixo São Francisco", 25 de
novembro de 1948, 3 p.
64 - SPALDING, Walter (RS), "O folclore [palestra lida na Rádio Gaúcha por ocasião
das comemorações do dia do Folclore em Porto Alegre promovidas pela Sub-
comissão do Rio Grande do Sul em 22 de agosto]", 10 de dezembro de 1948,1 p.
^ 6 5 - SERRAINE, Florival (CE). "Matéria de folclore e etnografia em jornais e outras
publicações cearenses", 14 de dezembro de 1948, 1 p.
l pAN
102 - Vl . NA, Hildegardes (BA). "Bodoque, funda e sétria", 9 de junho de 1949,
103 - ALMEIDA, Luís R. de (BA). "Em festa de jacu, inambu não vai", 9 de junho de
1949, 2p.
junho de 1949, 2 p.
108 - NOVAES, Maria Stella de (ES). "O primeiro de abril", 14 de junho de 1949, 2 p.
109 - SETTE, Mário (PE). "Vida íntima de outrora nos versinhos populares", 14 de
junho de 1949, 3 p.
119 - CBINO, Aldo (RS). "O folcloristas do Dialeto caipira", 18 de julho de 1949,1 p.
121 - EU ARTE, Abelardo (AL). "O folclore da cheia de 49", 20 de julho de 1949, 2 p.
123 - ALVES, Marieta (BA). "O guaraná: lenda do Amazonas", 28 de julho de 1949
lp.
124 - ALMEIDA, Luís R. de (BA). "O arapaçu e o picapau ou 'A folha do picapau'", 29
de julho de 1949,2 p.
125 - MOSES, Thomas. "Folclore maranhense: o picapau", 30 de julho de 1949, 2 p.
1949,1 p.
142 - FREITAS E CASTRO, Ênio (RS). "O folclore e a música", 5 de outubro de 1949, 3
P-
146 - CABRAL, Oswaldo (SC). "As danças de congo no Sul do Brasil", 19 de outubro
de 1949, 5 p.
148 - CALDAS,
lp. Terezinha (PE). "O santo que não vê a festa", 21 de outubro de 1949,
149 - BELFORT DE MATTOS, Dalmo (SP). "A contribuição européia no folclore
paulista", 24 de outubro de 1949,6 p.
153 - MAYNARD DE ARAÚJO, Alceu (SP). "Arthur Ramos, orixalá do negro no Brasil;
palavras proferidas no Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade,
em homenagem a A. Ramos [por ocasião do seu falecimento]", 26 [sic] de
novembro de 1949, 6 p.
161 - METRAUX, Dr. Alfred (Suíça). "Um mundo sem folclore seria o 'melhor dos
mundos?' - Artigo publicado no Correio da UNESCO, 2 ( 1 1 ) , novembro de
1949]", 05 de janeiro de 1950,3 p.
172 - aiVEIRA Agenor Lopes de. "Danda, danda, prá ganhá ten-ten", 4 de março
de 1950,2 p. v
173 - STIEU Roberto Correia & Décio RODRIGUES. "Pequenos apontamentos sobre o
folclore", 6 de março de 1950, 3 p.
174 - VIEIRA FILHO, Domingos (MA). "A festa do divino em São Luiz", 08 de marco
de 1950,3 p. v
184 - FREITAS, Newton. "A festa da Penha no Espírito Santo", 17 de maio de 1950,
lp.
de 1950,2 p.
de julho de 1950, 2 p.
194 - ALMEIDA,
Folclore Renato
em (CNFL).
Portode
Alegre "Discurso aodeinaugurar
22 ademal
III Semana Nacional
p. de
195 - MELO, Veríssimo (RN).a 22 de agosto
"Café 1950",
requentado e xícara agosto de 1950,2
lavada; a propósito
de 'ABC do caboclo', resposta ao Sr. Gustavo Barroso", 5 de setembro de 1950,
2p.
196 - CARNEIRO, Levi. "Mensagem do presidente do IBECC ao sr. Dante de Laytano
[secretário geral da Comissão Gaúcha de Folclore] por ocasião da Hl Semana
Nacional de Folclore", 5 de setembro de 1950, 2 p.
199 - ALVES, Pórcia Guimarães (PR). «Uma quadra baiana e outras quadras" 19 de
setembro de 1950,1 p.
200 - "Hl Semana Nacionaí de Folclore: relato dos trabalhos feitos, no discurso de
encen-amento, por Cecília Meireles; discursos do Sr. Dante de Laytano
[secretario geral da Comissão Gaúcha de Folclore] e do Sr. Ildo Menegheti
[prefeito de Porto Alegre]", 19 de setembro de 1950,11 p.
maio de 1951,1 p.
2 3 0 - "XXI
maioReunião da p.
de 1951,1 Comissão Nacional de Folclore [em 13 de maio de 19511" 5 de
231 - SERRAINE, Florival (CE). "Em torno de uma lenda", s/d, 2 p.
233 - NOGUEIRA, Oracy (SP). "A função das Ciências Sociais; aula inaugural do
curso de técnicas de pesquisa social patrocinado pela Comissão Paulista de
Folclore" 27 de junho de 1951, 6 p.
252 - LAMAS, Dulce Martins (CNFL). "A coreografia negra e sua influência na
musica erudita", 8 de março de 1952, 5 p. 8 miiuencia na
263 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "Um velho romance versificado: Ricardo,
269 - "Reunião
[em 24 de do Conselho
outubro Técnico-Consultívo
de 1952]", da 1952,
27 de outubro de Comissão
2 p. Nacional de Folclore
270 - PINTO, Fulgêncio (MA). "A lenda do olho d'água", 13 de novembro de 1952,
lp.
2 7 9 - PIO XII (Itaha). "S.S. o Papa e o folclore [discurso pronunciado pelo Sumo
Pontífice aos participantes do Festival Folclórico de Nice, que lhe foram
saldar], 29 de julho de 1953, 2 p.
2 8 0 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "A 'gesta' do Cirino", 5 de agosto de 1953 4
P-
2 9 5 " ^ ^ ^ t ^ o l ^ ã ^ d o ^ f l u n ü n e n s e : c o m o s m e n d * o s
296 - FREITAS E CASTRO, Ênio (RS). "Consideração sobre 'A canção popular
portuguesa' de Fernando Lopes Graça", 7 de junho de 1954, 3 p. P°Pular
299 - CORSO, Raffaelle (Itália). «Em busca de afinidades humanas de uma região
comum [comunicação apresentada ao Congresso Internacional de Folclore
de São Paulo]", 30 de setembro de 1954,3 p. a e *OICIOre
381
305 - CHAVES, Luís (Portugal). "O 'fato etnográfico', o 'fato folclórico' e o 'fato
popular' [comunicação apresentada ao Congresso Internacional de Folclore
de São Paulo]", 13 de janeiro de 1955,3 p.
309 - TAVARES DE LIMA, Rossini; Oracy NOGUEIRA; Lizete Toledo Ribeiro NOGUEIRA
(SP). "Características do fato folclórico" [comunicação apresentada ao
Congresso Internacional de Folclore de São Paulo], 5 de março de 1955, 3 p.
333 - MARS, Jean-Prince (Haiti). "A influência negra no folk-lore das Américas
[comunicação apresentada ao Congresso Internacional de Folclore de São
Paulo]", 6 de março de 1956, 3 p.
365 - BURLEIN, Gertrud Urlman (RJ). "Folclore do mar e dos rios", 13 de março de
1957, l p .
372 - "De luto o folclore francês: Arnold van Gennep (1873-1957); comunicação da
Fédération Folklorique d'Ile-de-France", 16 de junho de 1957, 1 p.
3 7 8 - CASTRO, Zaide
em Parati", Maciel
2 de de & de
setembro Araci do 2Prado
1957, p. COUTO (CNFL). "A dança dos velhos
3 7 9 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "Discurso do secretário geral da Comissão
Espírito-Santense de Folclore no encerramento do III Congresso Brasileiro
de Folclore", 3 de setembro de 1957,4 p.
387 - FIGUEREDO FILHO, I de. "Milindrô, dança popular do rico folclore caririense:
nas noites enluaradas, seu ritmo escoava nas quebradas dos pés-de-serra —
será de origem local ou veio das plagas alagoanas?", 3 de dezembro de 1957,
3p.
405 - GOMES, Antônio Osmar (CNFL). "Ao Deus dará", 4 de julho de 1958, 2 p.
408 - organização
"Campanhae execução",
de Defesa2 de
do agosto
Folclore Brasileiro:
de 1958, 4 p. instruções para a sua
414 - ALMEIDA, Renato (CNFL). "O IBECC e o folclore; transcrição da carta enviada
ao jornal Correio da Manhã e publicada por esse periódico em 5 de
novembro", 5 de novembro de 1958, 2 p.
janeiro de 1959, 3 p.
4 2 1 - "Contos
ALMEIDA, Aluísio [pseudônimo
Populares [5o parte]", 13 do Cónego1959,
de março Luís 4Castanho
p. de Almeida] (SP).
maio de 1959,2 p.
433 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "Festas tradicionais do Espírito Santo;
trabalho apresentado ao IV Congresso Brasileiro de Folclore", 4 de setembro
de 1959,5 p.
435 - CARDOSO, Fausto. "Quando os zulus eram felizes - II", 3 de novembro de 1959,
5 p.
442 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "De luto o folclore brasileiro [homenagem
póstuma a Gustavo Barroso]", 3 de fevereiro de 1960, 2 p.
443 - CQMÈNE, Angela (Romênia). "O menor e o mais antigo dos instrumentos
musicais: 'drimba'", 7 de março de 1960, 6 p.
448 - CARDOSO, Fausto. "Quando os zulus eram felizes - VII - O nome da árvore" I o
de julho de 1960,4 p.
setembro de 1960, 3 p.
467 - ANDRADE FILHO, Oswald de (SP). "O feio nas artes folclóricas", 4 de julho de
1961.2 p.
473 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "I Curso de Folclore no Espírito Santo;
476 - TAVARES DE LIMA, Rossini (SP). "João Phoca, caiçara do Mato Grosso
santista", 15 de janeiro de 1962,3 p.
391
477 - LAYTANO, Dante de (RS). "Um amigo do Brasil [sobre Gastão Bittencourt]", 29
de janeiro de 1962,4 p.
478 - DORNAS FILHO, João (MG). "A abdicação e a musa popular de 1831", 5 de
fevereiro de 1962, 4 p.
4 8 0 - THOMPSON, Stith (EUA). "Os tipos dos contos folclóricos [prefácio à 2a edição
do livro desse mesmo tipo, de Anti Aarne]", 26 de abril de 1962, 4 p.
482 - DJARTE, Ophir Martins (PA). "O desenvolvimento das religiões afro-
brasileiras em Belém", 20 de junho de 1962, 5 p.
4 8 4 - DORSON, Richard (EUA). "O que é o folclore e seu estudo [transcrição de uma
carta à Comissão de Orçamento do Senado dos EUA e da nota introdutória que
a precedia ao ser publicada originalmente no Journal of American
Folklore]", 10 de agosto de 1962,6 p.
4 8 9 - LIMA JR., Félix de (AL). "Almas de outro mundo, botijas e casas mal
assombradas", 14 de janeiro de 1963, 5 p.
492 - "A reorganização da CIAP [notícias dos esforços para reorganizar esse
comitê, sem autoria identificada, mas certamente escrita por Renato
Almeida], 27 de março de 1963, 2 p.
392
496 - ARGUEDAS, José Feüpe Cortes (Peru). "O elemento tempo no tradicional
folclórico [artigo que é atribuído a Renato Almeida, mas que na verdade, ele
próprio reconhece apenas transcreve a comunicação daquele folclorista,
equivocadamente identificado como boliviano, ao Congresso Internacional
de Folclore de Buenos Aires]", 24 de junho de 1963, 2 p.
502 - NEVES, Guilherme dos Santos (ES). "Ogum é vaqueiro das encruzilhadas", 19
de novembro de 1963, 2 p.
504 - ALMEIDA,
4p. Renato (CNFL). "O folclore no ano de 1963", 9 de janeiro de 1964,
5 0 6 - ANDRADE FILHO (SP), Oswald de. "No início era a magia e a magia se tornou
arte", 28 de fevereiro de 1964, 2 p.
de Ambrose Merton, na qual propõe a palavra FOLK LORE, empregada então pela
"As suas páginas mostraram amiúde o interesse que toma por tudo quanto
seja mais precisamente um saber popular do que uma literatura e poderia ser com
saber tradicional do povo), que não perdi a esperança de conseguir a sua colabora-
ção na tarefa de recolher as poucas espigas que ainda restam espalhadas no campo
romances, refrãos, superstições, etc., dos tempos antigos deve ter chegado a duas
salvar, com esforços oportunos. É o que Hone procurou fazer com o seu 'Every-Day
Book', etc. e Atheneum, com sua larga circulação, pode conseguir com eficácia dez
leitores, e conservá-los em suas páginas até que surja um James Grimm e preste à
um livro mais notável, imperfeito como seu próprio autor confessa na sua segunda
primeiro os recolheu.
lhe seu reconhecimento pelas notícias que lhes transmite todas as semanas, envi-
ando algumas recordações dos tempos antigos, uma lembrança de qualquer uso
Tal serviço não seria apenas para o tradicionalista inglês. A conexão entre o
um exemplo dessas relações: Num dos capítulos de Grimm, que trata largamente do
papel do Cuco na Mitologia Popular — do caráter profético que lhe deu a voz do
povo: e cita muitos casos de derivar predições do número de vezes que seu canto é
ouvido. E menciona também uma versão popular 'Que o Cuco nunca canta antes de
costume que existia outrora na Yorkshire, que ilustra o fato da conexão entre o
ainda estejam) a cantar uma roda em torno da cerejeira com a seguinte invocação:
Cuco. Cerejeira.
Eu sei que o verso infatil que citei se conhece bem, a maneira, porém de
aplicá-lo nào foi anotado por Hone, Brande ou Ellis: — É um desses fatos que,
como uma mera referência que poderá auxiliar o leitor ao longo da descrição
referências listadas também não procuram compor uma seleção qualitativa da obra
de cada um desses pesquisadores, destacando apenas alguns dos seus trabalhos mais
estudo. Essas breves notas não têm qualquer pretensão de cobrir a lacuna deixada
por meu trabalho, que não envolveu uma análise mais reflexiva sobre as
trajetórias de cada um dos participantes desse movimento. Para tanto, seria neces-
ção coordenada pela CNFL, o que exigiria novas pesquisas, para as quais os resulta-
Folclore, da qual permaneceu secretário geral até sua morte. Nesse posto
grupo modernista carioca liderado por Graça Aranha, escreveu trabalhos sobre
Obras principais:
1922: Fausto; ensaio sobre o problema do ser. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil;
1942: História da música brasileira. 2* ed., corr. e aum. Rio de Janeiro: F. Brigniet
e Comp.
faculdades no estado. Foi membro ativo da Comissão Paulista de Folclore, com parti-
Antônio Rubbo: entrevista; Cascudo, 1988; capas das publicações abaixo; fontes
documentais da pesquisa).
Obras principais:
1961: Medicina rústica. São Paulo: Ed. Nacional. (Col. Brasiliana, 300)
1929. Fundou, em 1930, com Luciano Gallet, Lorenzo Fernandes, Antonieta de Souza
Obras principais:
1956:150 anos de música no Brasil: 1800-1950. Rio de Janeiro: José Olympio ed. (Col.
entre 1930 e 32 em Recife e, neste último ano, voltou para Maceió onde assumiu o
Folclore, da qual foi sócio correspondente. Foi o secretário-geral, desde sua fun-
Obras principais:
depois para a de Antropologia, onde foi efetivado. Foi o primeiro diretor da Facul-
Obras principais:
1937: Santa Catarina (histórico-evolução). São Paulo: Ed. Nacional. (Col. Brasilia-
na, 80)
1954: Cultura e folclore; bases científicas do folclore. Pref. Roger Bastide. Floria-
nópolis: Comissão Catarinense de Folclore.
1960: João Maria; interpretação da campanha do Contestado. São Paulo: Ed. Nacio-
nal. (Col. Brasiliana, 310)
"Academia dos Rebeldes", formado, entre outros, por Jorge Amado. Influenciado
por Arthur Ramos, começou a pesquisar os cultos baianos e, para isso, foi contra-
tado pelo jornal Estado da Bahia , em 1936, e comissionado pelo Museu Nacional, em
1939. Neste ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, tendo trabalhado como jornalista
[1948]).
Obras principais:
Civilização Brasileira.
1947: O quilombo dos Palmares. São Paulo: Brasiliense. (2* ed. rev., São Paulo, Ed.
1950: Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro, [s. ed.] (nova ed. ampl., Rio de Janeiro:
de Folclore desde sua fundação, em 1948, até 1957 (cf. capas da publicação abaixo;
Obra principal:
Obras principais:
1952:Literatura oral. Rio de Janeiro: José Olympio ed. (Col. Documentos Brasileiros, .
1954-.Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: INL (Em 1962, edita uma ed.
Freyre, que voltava dos EUA. Este convidou Diégues a participar do grupo de
que então se organizava, convidado por seu conterrâneo Waldemar Lopes, tendo
sete anos uma coluna sobre "Folclore e História". Foi catedrático de Antropologia
Obras principais:
1952: Etnias e culturas do Brasil. Rio de Janeiro: MEC. (várias reedições com
ampliações)
dirigiu até 1976. Foi vice-presidente da ABA em 1953 e presidente em 1958, tendo
sido várias vezes membro do seu Conselho Científico (cf. Helm, 1978; Corrêa, 1987).
Obras principais:
1958: "Os índios da Serra de Dourados (os Xetá)", Anais da Hl Reunião Brasileira de
Antropologia.
Laytano, Dante ( 1 9 0 8 - )
ensino, até por fim integrar o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS,
Obras principais:
1955: Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. Porto Alegre: Comissão Estadual do
Rio Grande do Sul.
1968: A Igreja e os orixás. Porto Alegre: Comissão Estadual do Rio Grande do Sul.
cadeira de Folclore Musical, tendo criado, três anos depois, o Centro de Pesquisas
1954 em São Paulo. A partir da Exposição Folclórica organizada para aquele evento,
Ibirapuera. Nesse museu, que hoje recebe seu nome, foi criado um curso de
formação em Folclore em 1968, com dois anos de duração. Sustentado por uma
hoje conduzido por seus discípulos, que se mantém rigorosamente fiéis a expressão
(cf. Revista Fluminense de Folclore, 1 (2): 2-3, Niterói, 1976; fontes documentais da
pesquisa).
Obras principais:
Cultura/Comissão de Literatura.
407
cria Folclore, o primeiro e mais prolífico boletim estadual de folclore, tendo edita-
Obras principais:
Obras principais:
Ribeiro, R e n é ( 1 9 1 4 - 1 9 9 0 )
Travou contato com Melville Herskovits em Í943, tendo sido por ele convidado para
Obras principais:
1945: "On the amaziado relationship and other aspects for the family in Recife
ABREU, Regina
1990 Sangue, nobreza e política no templo dos imortais; um estudo antro-
pológico da coleção Miguel Calmon no Museu Histórico Nacional.
Rio de Janeiro: PPG AS/MN/TJFRJ. 346 p. (Dissertação de mestrado,
dat.)
1992 "Por um museu de cultura popular", Ciência em museus, 2(61): 61-72.
Brasília: CNPq.
ALENCAR, José de
[1874] O nosso cancioneiro, (cartas ao sr. Joaquim Serra); intr. e notas de
Manuel Esteves e M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Liv. São
José, 1962. 70 p.
ALMEIDA, Renato
1922 Fausta, ensaio sobre o problema do sêr. Rio de Janeiro: Anuário do
Brasil; Porto: Renascença Portuguesa.
1926 Historia da musica brasileira. Rio de Janeiro: F. Brigniet e Comp.
238 p.
1942 História da música brasileira. 2a ed., corr. e aum. Rio de Janeiro: F.
Brigniet e Comp. 507 p.
1950 "Os folguedos populares no Brasil", Folclore, 1 (5): 1-2. Vitória: Co-
missão Espírito-Santense de Folclore, mar.-abr.
1952 "Saudação aos membros da V Assembléia do Conselho Internacional
da Música Popular", Folclore, 5 (19-21): 9-10. Vitória: Comissão
Espírito-Santense de Folclore, jul.-dez.
1953a "Essências do folclore brasileiro", in: CALMON, Pedro et alii. Aspectos
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