Tese - Quatro Poetas Do Período Colonial Brasileiro - Francisco Topa PDF
Tese - Quatro Poetas Do Período Colonial Brasileiro - Francisco Topa PDF
Tese - Quatro Poetas Do Período Colonial Brasileiro - Francisco Topa PDF
DO PERÍODO COLONIAL
Edição do Autor
Porto — 1998
Para Arnaldo Saraiva, mestre e amigo,
a quem devo a descoberta do interesse
pela literatura brasileira do período colonial
À Teresa,
aos meus pais
e aos amigos de sempre
ÍNDICE
Apresentação ..................................................................................................... 7
II. Basílio da Gama: A obra por vir — 7 inéditos e uma nova versão ............. 29
-8-
NORMAS DE TRANSCRIÇÃO DOS TEXTOS INÉDITOS
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modo, e dado entendermos que a pontuação deve pautar-se por um critério essen-
cialmente sintáctico, decidimos eliminar dois traços característicos da escrita da
época, ambos respeitantes à utilização da vírgula antes de conjunções: perante a
conjunção copulativa e, só a mantivemos nos casos em que o uso moderno a acon-
selha; perante a partícula que – que pode cumprir diversas funções morfossintácti-
cas – também optámos por mantê-la apenas nos contextos previstos pela norma
actual.
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I. OS PROBLEMAS AUTORAIS E TEXTUAIS
— Alguns exemplos*
*
Comunicação apresentada ao «II Congresso Nacional de Linguística e Filologia», Rio de
Janeiro, Universidade Federal, 5-9 de Outubro de 1998.
1
«Gregório de Matos: Poesia e controvérsia», in Ana Pizarro (org.), América Latina: Palavra,
Literatura e Cultura – Volume 1: A situação colonial, São Paulo, Memorial; Campinas, UNICAMP,
1993, p. 337.
2
Feita por Januário da Cunha Barbosa no Parnazo Brasileiro, vol. 2.º, caderno 5.º, Rio de
Janeiro, Typographia Imperial e Nacional, 1831, pp. 53-64.
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nuamos a não dispor de uma edição crítica da obra de Gregório, o que favorece a
disparidade de juízos de críticos e historiadores da literatura.
Apesar disso, devemos reconhecer que as condições para uma leitura serena
da obra gregoriana são hoje consideravelmente melhores do que eram há décadas
atrás. De facto, surgiram nos últimos quinze anos, em áreas diversas, trabalhos que
– não sendo talvez definitivos – lançaram bases muito sólidas para um estudo rigo-
roso do poeta e da sua obra: poderíamos citar, no campo da biografia, a obra de
Fernando da Rocha Peres3; no domínio dos estudos literários, os ensaios de João
Carlos Teixeira Gomes4 e de João Adolfo Hansen5; no domínio da versificação, o
trabalho de Rogério Chociay6; e, quanto ao vocabulário, as obras de Ruy Maga-
lhães de Araújo7. Por outro lado, e apesar da demora da reclamada edição crítica,
dispomos de duas edições monumentais – a de Afrânio Peixoto8 e a de James
Amado9 –, as quais, apesar dos defeitos evidentes que lhes têm sido apontados,
3
Sobretudo Gregório de Mattos e Guerra: Uma re-visão biográfica, Salvador, Edições Macu-
naíma, 1983, que retoma a parte mais significativa da dissertação de mestrado que o autor apresentou
em 1971 à U.F.B.A. Antes e depois dessa obra, Rocha Peres publicou uma série de artigos mais por-
menorizados sobre a biografia do poeta baiano.
4
Em particular Gregório de Matos, o Boca de Brasa – Um estudo de plágio e criação intertex-
tual, Petrópolis, Vozes, 1985.
5
A Sátira e o Engenho – Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, São Paulo, Companhia
das Letras / Secretaria de Estado da Cultura, 1989.
6
Os Metros do Boca: Teoria do verso em Gregório de Matos, São Paulo, Editora da Universi-
dade Estadual Paulista, 1993.
7
Gregório de Matos à Luz da Filologia: Glossário das poesias maldizente e fescenina, disser-
tação de mestrado apresentada em 1988 ao Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de
Letras da U.F.R.J.; Glossário Crítico-Etimológico das Poesias Atribuídas a Gregório de Matos e
Guerra, dissertação de doutoramento apresentada em 1993 ao mesmo departamento.
8
Obras de Gregorio de Mattos, 6 vols., Rio de Janeiro, 1929-1933.
9
A primeira edição, em 7 volumes, é de 1969. A segunda, em 2 volumes, saiu em 1990: Gregó-
rio de Matos – Obra Poética, Rio de Janeiro, Record.
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parte dos casos, e dada a ausência de erros comuns, estabelecer um stemma codi-
cum rigoroso; todos estes factores tendem a fazer da edição de cada texto um pro-
blema individualizado, tanto mais que, quase sempre, cada um deles apresenta uma
tradição diferente. Nestas condições, optámos por editar a versão que, caso a caso,
nos pareceu a melhor: em termos gerais, por pertencer a um códice dos mais anti-
gos e mais isentos de erros ou de atribuições erróneas; em termos particulares, por
oferecer, em confronto com as restantes, uma lição idónea e coerente para o poema
em causa. Na ausência de stemma, procurámos, ao nível da fixação do texto, seguir
sempre a mesma lição, evitando assim a construção de um texto híbrido, resultante
do contributo de testemunhos diversos. Mesmo assim, não nos furtámos à respon-
sabilidade de corrigir erros materiais. Tais correcções são feitas a partir de uma
cuidada análise das passagens em questão, ao nível da filologia, da retórica, da
estilística, da arte poética, e com base nos preceitos da crítica textual, como o da
lectio difficilior ou do usus scribendi do autor.
Posto isto, passemos então ao primeiro caso que pretendemos discutir: o sone-
to iniciado pelo verso «Madre Abadessa, sancristãs, porteiras». Curiosamente, tra-
ta-se de um texto que em nenhuma testemunho manuscrito vem atribuído a Gregó-
rio de Matos. Apesar disso, foi publicado em seu nome por Afrânio Peixoto.
Tudo parece indicar que o testemunho utilizado por Peixoto foi o manuscrito
que se guarda no cofre 50.3.16 da BNRJ, designado por James Amado como
«Códice de Évora». De acordo com o que se lê no f. 31r, trata-se de uma «Cópia
feita em Évora pelo Dr. Lino de Assumpção em Maio de 1885». Por outro lado,
como o próprio copista tem o cuidado de esclarecer, a transcrição foi feita a partir
de três testemunhos manuscritos secundários daquele que é hoje o Fundo Rivara da
Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora: os Ms. CXXX/ 1-17, CV/ 1-9 e CXIII/ 1-
30. Entre o material copiado, encontram-se – como o copista teve o cuidado de
notar – dois poemas que no primeiro dos manuscritos referidos surgem como anó-
nimos: o soneto «Quis hua hora o Seneca julgar» e a décima «S.or Antonio de
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10
«‘Boca do Inferno’ conta mais uma», in Folha Ilustrada, 4.º caderno, p. 1.
11
Nesta comunicação, fazemos uso das seguintes: ACL – Academia das Ciências de Lisboa (A
– Azul); BA – Biblioteca da Ajuda; BADE – Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora (FR – Fundo
Rivara); BGUC – Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra; BNL – Biblioteca Nacional de Lis-
boa; BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; TT – Torre do Tombo (L – Livraria)
12
Nesta comunicação, utilizamos as seguintes siglas: ADN – Adelino Duarte Neves, Poemas de
D. Tomás de Noronha – Edição do manuscrito 49-III-71 da Biblioteca da Ajuda de Lisboa, disserta-
ção de mestrado em Literatura Portuguesa apresentada em 1992 à Faculdade de Letras da Universida-
de de Lisboa; AP – Afrânio Peixoto, Obras de Gregorio de Mattos, 6 vols., Rio de Janeiro, 1929-
1933.
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Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana Historica, Critica, e Cronologica, tomo III,
Lisboa, Officina de Ignacio Rodrigues, 1752, pp. 745-746.
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Testemunhos manuscritos secundários: TT, L, 1659, f. 57v (an.) = A / BA, 49-III-71, p. 8 (D. Tomás
de Noronha) = A1 / ACL, 693A, f. 155v (an.) = A2 / BADE, FR1, CXXX/1-17, f. 106v (an.) = A3 /
BNL, 6204, p. 812 (an.) = A4 / BNL, 4259, p. 286 (D. Tomás de Noronha) = A5 / BGUC, 526, f. 173r-
173v (an.) = B
Testemunhos impressos: ADN, p. 15-16 (D. Tomás de Noronha) = A1 / AP, III, p. 45 = A6
Versão de A
Às Freiras
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Legenda. À deixação do Autor das Freiras de certo Mosteiro A1 D. Tomás a umas Freiras muito inte-
resseiras A5 Soneto às Freiras. É de quem já tinha dado tudo B Ausente em A2 A3 A6
1. sancristãs" sancristã A3 A5 A6
3. Que estando já metidas" Que metidas estando A5
4. Quereis inda jogar" Quereis ainda jogar A2 Quereis inda sugar A6 Ainda vos quereis pôr B
5. anciã e!s" anciãs A1 A2 A3 A4 A5 A6 B
6. na bolsa" na bola A6 nas bolsas B
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7. o trigo já," o trigo já A2 A3 B o trigo, já A4 A5 o trigo já; A6, fiquei em palha" ficai em palha A6 fiquei
na palha B
8. quatro esteiras" três esteiras B
9. Se destas" Se estas B
10. Com Maria" Ou Maria B, e Ana Lourença" Ana ou Lourença A1 A2 A3 A5 A6 ou Lourença A4 ou
Ana Lourença B
12. Mas saiba a minha" E creia minha B, Clara" cara A3 A4 A6, sofronisa" safronisa A1 A5 sofornisa A3
A4 Loformiza A6 a quem a avisa B
14. Requiescat" E requiescat B
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2. Gaspar Mosco-#so" – Trata-se de D. Gaspar Moscoso da Silva (1685-1752), mais conhecido por
Frei Gaspar da Encarnação. Franciscano professo no Convento de Varatojo e deão da Sé de Lisboa,
destacou-se sobretudo como reformador da Congregação dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz e
como ministro de D. João V, na parte final do seu reinado (1747-1750).
3-4. Referência ao motu proprio (e não bula, propriamente dita) In supremo Apostolatus solio de
Clemente XI, de 7 de Novembro de 1716, pela qual a cidade e diocese de Lisboa foi dividida em duas
partes, ficando reservada a ocidental à colegiada, agora elevada à categoria de igreja metropolitana, e
recebendo o seu arcebispo o título de Patriarca de Lisboa Ocidental.
5. três — Supomos que a primeira das personalidades referidas será D. João da Mota e Silva, mais
conhecido por Cardeal da Mota (1691-1747). Nomeado por D. João V cónego magistral da Colegiada
de S. Tomé, viria a receber a púrpura cardinalícia em 1727. Colaborador próximo do rei, tornar-se-ia,
a partir da morte de Diogo Mendonça Corte Real, em 1736, uma espécie de primeiro-ministro, apesar
de nunca ter sido nomeado para o cargo. As outras duas personalidades serão o já referido Frei Gaspar
da Encarnação e o cónego Pedro da Mota e Silva, irmão do Cardeal da Mota, que, entre outros cargos,
foi Secretário dos Negócios do Reino entre 1736 e 1756.
rei – D. João V, O Magnânimo (1689-1750), foi o 24.º rei de Portugal, tendo governado a partir de
1706. Conseguiu estreitar as relações com a Santa Sé, dela obtendo grandes privilégios, como a con-
cessão do título de patriarca ao bispo de Lisboa.
10. rapazia – Conjunto de rapazes; o mesmo que rapazio.
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11. o seu corre-#io" – Supomos que se refere a Pedro da Mota e Silva, que em 1721 foi presidente da
embaixada de Roma, e depois, entre 1722 e 1728, enviado extraordinário na mesma cidade.
14. acci-#pere" – Infinitivo do verbo latino accipio, que significa aceitar, receber.
Para terminar, apresentaremos um exemplo por assim dizer inverso aos ante-
riores, dado que se trata agora de validar uma atribuição que, à partida, não reúne
as condições ideais. Trata-se do soneto «A coronarte subes, Castro, al cielo», que é
transmitido por um único testemunho manuscrito principal – BNRJ, 50.2.7 –, a
partir do qual seria publicado por AP. Acontece porém que outros condicionalis-
mos reforçam a credibilidade da atribuição. A começar, não existe nenhum teste-
munho que proponha outra autoria. Mas, mais importante que isso, é o facto de o
soneto fazer parte de uma espécie de mini-ciclo consagrado à morte do Governa-
dor-geral do Brasil Afonso Furtado de Mendonça, ocorrida em 1675. Desse ciclo
fazem parte outros quatro sonetos: «Furtado ao Brasil foi, si, foi forçoso», «Aquele
Afonso jaz em cinza fria», «Chore a pátria, Afonso esclarecido» e «Se maravilhas
buscas, peregrino». Todos eles são transmitidos por dois testemunhos manuscritos
principais: BA, 50-I-2 e BNRJ, 50.2.7. Portanto, o facto de o soneto castelhano ser
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Versão de A
Ao mesmo
Legenda. Ao mesmo – Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça, 1.º Visconde de Barbacena,
nascido em Lisboa, em data desconhecida, e falecido na Baía, em 1675. General de artilharia, foi
governador de Armas da Beira e ocupou o cargo de Governador-geral do Brasil entre 1671 e 1675.
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ABBA / ABBA / CDE / CDE
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II. BASÍLIO DA GAMA: A OBRA POR VIR
*
Este trabalho começou por ser apresentado sob a forma de comunicação ao «II Congresso Por-
tuguês de Literatura Brasileira», Porto, 8-10 de Maio de 1997. Com algumas alterações, e sob o título
«Basílio da Gama: A obra por vir – 17 inéditos e uma nova versão», seria depois publicado na Revista
da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série, vol. XIV, Porto, Faculdade de Letras, 1997.
A presente versão corrige alguns aspectos da anterior, resultando daí a modificação do título.
1
Epopéia e Modernidade em Basílio da Gama, dissertação de mestrado; São Paulo, Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da U.S.P., 1987.
2
Tem Papagaio no Pombal – Leitura d’ “O Uraguay”, dissertação de mestrado; Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras da U.F.R.J., 1989.
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da edição das Obras Poéticas de Basílio da Gama, organizada pelo primeiro dos
investigadores referidos4. Apesar disso, passado o bicentenário da morte do poeta
mineiro, o estudo da sua obra continua a apresentar muitas lacunas, da mesma for-
ma que a edição dos seus textos continua sendo uma tarefa inacabada. Com efeito,
ao contrário do que acontece com os seus contemporâneos Cláudio, Gonzaga ou
Alvarenga Peixoto, a obra de Basílio não está ainda convenientemente reunida e
fixada.
A recente edição de Ivan Teixeira, representando um avanço importante nesse
domínio – sobretudo no que respeita ao apuramento textual dos poemas mais
difundidos –, não resolveu contudo o problema. Em primeiro lugar, compreende-se
mal que o seu organizador se tenha limitado, conforme declara, «por estratégia de
trabalho, ao corpus estabelecido por Norberto5/Veríssimo6», não operando assim
«nenhum expurgo de atribuição indevida ou acréscimo de inédito com autoria
comprovada» (p. 183). Na verdade, não vemos motivos que justifiquem o facto de
o autor ter seguido a edição de José Veríssimo no que respeita ao estabelecimento
do corpus, na medida em que, como é sabido, há uma série considerável de textos
menores – tanto dos publicados em vida de Basílio quanto dos publicados postu-
mamente, inclusive pelo próprio Veríssimo – em relação aos quais os testemunhos
de atribuição são insuficientes ou discordantes, exigindo assim um estudo porme-
norizado, que poderia levar à exclusão de alguns deles ou à sua remissão para um
3
“O Uraguay” e a Fundação da Literatura Brasileira – Um caso de diálogo textual, disserta-
ção de doutoramento; 2 vols., Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, 1990.
4
Obras Poéticas de Basílio da Gama – Ensaio e edição crítica, São Paulo, Editora da Univer-
sidade de São Paulo, 1996.
5
O autor refere-se a um conjunto de apontamentos biobibliográficos e de documentos destina-
dos a uma edição das obras de Basílio que Joaquim Norberto de Sousa Silva não chegaria a publicar.
Esse material está hoje depositado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro.
6
José Veríssimo, Obras Poéticas de José Basilio da Gama, precedidas de uma biografia critica
e estudo literario do poeta, Rio de Janeiro / Paris, Garnier, s. d. #1920".
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apêndice. Por outro lado, também não nos parece aceitável que poemas dados a
conhecer depois da edição de 1920 – alguns dos quais impressos em vida do poeta
e sem quaisquer dúvidas de atribuição – tenham sido excluídos por Ivan Teixeira
da sua edição. Num outro plano, também não entendemos que uma edição que o
seu autor apresenta como crítica despreze em muitos casos as versões manuscritas
de textos publicados postumamente, ou considere apenas as que Veríssimo explici-
tamente seguiu. Por último, o modelo e a forma de apresentação daquilo que deve-
ria ser uma aparato crítico suscitam também muitas reservas.
Em conclusão, podemos dizer que, apesar de alguns progressos alcançados, a
observação feita por Ivan Teixeira segundo a qual «o poeta anda mal editado»
(p.185), continua, infelizmente, a ser verdadeira.
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2.2. A décima, iniciada pelo verso «Vi huma noite ajuntar», está no Ms. 1912
da Biblioteca Pública Municipal do Porto, f. 12v.
Até ao momento, eram conhecidas duas décimas do autor, ambas publicadas
postumamente e ambas excluídas da edição de Ivan Teixeira: «Não virão Sol nem
Estrellas»7 e «Conheceu não muito cêdo»8. Um pouco à semelhança delas, também
esta revela esse lado mais ligeiro e gracioso da veia poética de Basílio, agora posto
ao serviço do retrato de uma dama para cuja identificação o autor desafia – numa
estratégia próxima da adivinha – o leitor (ou o ouvinte).
2.3. Temos depois uma versão manuscrita da glosa feita por Basílio da Gama
à quadra do Duque de Lafões, publicada pela primeira vez em 18149. Incluída no
Ms. 1912 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, f. 76r-77r, essa versão revela
uma série de divergências importantes face à lição apresentada por Ivan Teixeira,
pelo que julgámos útil a sua publicação, que será acompanhada por um aparato em
que virão assinaladas essas diferenças.
7
Publicada por Januário da Cunha Barbosa no Parnazo Brasileiro, ou Collecção das melhores
poezias dos poetas do Brasil, tanto ineditas como ja impressas, vol. 1.º, caderno 3.º, Rio de Janeiro,
Typographia Imperial e Nacional, 1830, p. 36.
8
Publicada por Alberto Pimentel em Zamperineida – Segundo um manuscripto da Bibliotheca
Nacional de Lisboa; Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho, 1907, p. 216.
9
In Jornal de Coimbra, VII, n.º XXXV – Parte I, Lisboa, Impressão Regia, 1814, p. 213.
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2.4. A encerrar o conjunto dos poemas que publicaremos à frente, virá o sone-
to «Eu vi Amor a militar armado». Com base no Ms. 10, 1, 15 da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, em que ele vem atribuído a «J. B.» no f. 121v, tínha-
mos considerado o poema como sendo de Basílio na versão anterior deste trabalho.
Acontece porém que tivemos entretanto oportunidade de descobrir dois outros tes-
temunhos manuscritos em que é indicado como seu autor João Pereira. Os teste-
munhos em causa são o códice 8610 da Biblioteca Nacional de Lisboa, p. 265, e o
Ms. 542 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora, p. 270.
Perante estes novos elementos, cremos que a exclusão do soneto do cânone da obra
basiliana não é passível de contestação. Apesar disso, como dissemos, apresenta-
remos uma edição crítica do texto, com um aparato de tipo negativo.
Quanto ao seu provável autor, João Pereira, não conseguimos até agora encon-
trar nenhuma referência. Podemos apenas acrescentar que, nos dois códices que lhe
atribuem o soneto referido, há 7 outros poemas seus: os sonetos «Da van Soberba
pelo Templo hum dia» (BNL, 8610, p. 266 e BADE, FM, 542, p. 271), «Prateada
nuvem pelo ar ondea» (BNL, 8610, p. 267), «Neste dia felis, eu não t’offreço»
(BNL, 8610, p. 268 e BADE, FM, 542, p. 272) e «Vejo as Nimphas gentis do pego
undante» (BADE, FM, 542, p. 269); e a ode «Se de vorazes, crepitantes chamas»
(BADE, FM, 542, pp. 264-268).
2.5. Antes de terminar, importa ainda fazer outra correcção. Na versão anterior
deste trabalho, incluímos nove outros poemas cuja indicação de autoria nos ofere-
cia algumas dúvidas. Dissemos na altura que essa indicação constava de «J. B. da
G.a». Tendo tido oportunidade, graças à colaboração de Vânia Pinheiro Chaves, de
consultar novamente os testemunhos manuscritos em causa, verificámos que a
última consoante não é um G, havendo algumas possibilidades de se tratar de um S.
Seja como for, e embora seja ainda necessário aprofundar a questão de forma a ser
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identificado o autor, não restam dúvidas de que os poemas não pertencem a Basílio
da Gama. Para deixar este ponto claro, passamos a fornecer a relação dos textos em
causa:
– uma ode anacreôntica iniciada pelo verso «N’h Campo esmaltado», incluída no
volume I, f. 91v-93r, de um cancioneiro manuscrito já referido que apresenta na
lombada o título «FLORES/ DO/ PARNASO» e pertence actualmente ao Dr. José
Mindlin;
– quatro sonetos que surgem, de forma não consecutiva, no volume III da mesma
miscelânea: «Se Eu tão rico me visse, que encerrasse» (f. 20v); «Nereidas que
habiaes a vêa pura» (f. 26v); «Brilha, em Teus lindos olhos vencedores» (f. 27r); e
«Quantas vezes, Senhor, pulsando a Lyra» (f. 28r);
– quatro glosas, recolhidas no mesmo volume III da miscelânea em causa: «Que
estranho caso contemplo!» (f. 134r); «Se os humanos peitos ferem» (f. 134v);
«Dize, Cupido: Te assusta» (f. 136r e v); e «Campinas, ameno Prado» (f. 137r e v).
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SONETO I
Testemunho – Miscelânea manuscrita intitulada Flores do/ Parnazo/ ou/ Collecção/ de/ Obras Poeti-
cas/ de/ Differentes Auctores/ Junctas pelo cuidado/ de/ J... N... S... M...; p. 175. Na lombada vem a
indicação «Vol. V». A miscelânea recolhe poemas de autores da segunda metade do século XVIII.
Tendo pertencido à colecção de Rubens Borba de Moraes, o códice está hoje na biblioteca do Dr. José
Mindlin. Cota: RBM/5/b.
Observações – No cabeçalho, como indicação de autoria, está escrito «B.o».
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO II
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO III
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10. Esta aférese é imposta pela métrica.
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SONETO IV
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3. servir" Parece tratar-se de uma emenda, embora não definitiva: a palavra está escrita acima da
linha, sobreposta a « viver», mas sem que esta esteja riscada.
7. O verso está incompleto no original.
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SONETO V
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO VI
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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DÉCIMA
Testemunho – Ms. 1912 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, f. 12v. Trata-se de uma miscelâ-
nea poética que recolhe textos de autores da segunda metade do século XVIII. O códice não apresenta
título.
Observações – No final, como indicação de autoria, está escrito «De Joze Bazilio».
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Trata-se de uma décima espinela, que recorre portanto ao esquema ABBAACCDDC.
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GLOSA
Mote
Muita terra tenho andado
Muita gente ferquentei
Com todos tive fortuna
Mas nunca melhor me achei.
Glosa
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33. Pelo qual" Por quem eu IT
34. Tanta terra" Tantas terras IT
38. E as Muzas em largo giro" Segui das Musas o giro IT
39. Orno em paz o meu retiro" Hoje vivo em mais retiro IT
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SONETO EXCLUÍDO
Testemunhos – Cod. 8610 da Biblioteca Nacional de Lisboa, p. 265 (atribuído ao P.e João Pereira). O
códice apresenta o seguinte título: «Collecção/ de/ Sonetos,/ que se não achão/ impressos, extra=/
hidos dos ms./ antigos, e/ moder/ nos/ 1786.».
– Ms. 542 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora, p. 270 (atribuído a João
Pereira). A miscelânea intitula-se «Collecção/ de varias obras poeticas/ dedicadas/ ás Pessoas de bom
gosto/ por/ Henrique de Brederode» e reúne matéria poética da segunda metade do século XVIII.
– Ms. 10, 1, 15 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, f. 121v (atribuído a J. B.). O códice não
apresenta título e recolhe também textos de autores da segunda metade do século XVIII.
BNL, 8610, p. 265 (P.e João Pereira) = A / BADE, FM, 542, p. 270 (João Pereira) = A1 / BNRJ, 10, 1,
15, f. 121v (J. B.) = A2
Versão de A
A um Amor
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9. Eis" E A2, toda a arte" tod’arte A1 toda arte A2
14. A linda" A bela A2
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III. DUAS QUADRAS INÉDITAS
*
Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série, vol.
XV, Porto, Faculdade de Letras, 1998.
FRANCISCO TOPA
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vem anónima, mas é sabido que ela corre como sendo do poeta barroco D. Tomás
de Noronha; a quinta e última vem atribuída a Basílio e principia por «No largo
Campo de Ourique».
Apresentamos de seguida os dois textos atribuídos a Basílio da Gama. A nossa
intervenção passou pela actualização da ortografia – que aliás não coloca proble-
mas – e pela deslocação da legenda para o início do texto (no original, ambas as
legendas vêm depois da quadra).
De José Basílio
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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IV. UM SONETO INÉDITO DE ALVARENGA PEIXOTO*
Como é sabido, foi Rodrigues Lapa1 quem – dando continuidade aos esforços
do cónego Januário da Cunha Barbosa2, Joaquim Norberto de Sousa Silva3 e
Domingos Carvalho da Silva4 – procedeu ao trabalho decisivo de reunião e apura-
mento textual da obra poética do malogrado inconfidente Inácio José de Alvarenga
Peixoto. Chegou assim o grande estudioso da poesia arcádica brasileira a um total
de 33 poemas, entre os quais 25 sonetos (5 deles até à altura inéditos).
*
Este artigo foi publicado na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série,
vol. XV, Porto, Faculdade de Letras, 1998. Anteriormente, e em conjunto com o capítulo seguinte,
serviu de base à comunicação intitulada «Da Precaridade das Edições Críticas – O caso de Alvarenga
Peixoto: Um inédito e algumas variantes», que apresentámos ao II Congresso Nacional de Linguística
e Filologia, Rio de Janeiro, 5-9 de Outubro de 1998.
1
Vida e Obra de Alvarenga Peixoto, edição de M. Rodrigues Lapa; Rio de Janeiro, Ministério
da Educação e Cultura – Instituto Nacional do Livro, 1960.
2
Parnazo Brasileiro, ou Collecção das melhores poezias dos poetas do Brasil, tanto ineditas,
como ja impressas, Rio de Janeiro, 1829-1832.
3
Obras Poeticas de Ignacio Jozé de Alvarenga Peixoto, Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1865.
FRANCISCO TOPA
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4
Obras Poéticas de Alvarenga Peixoto, São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo / Clu-
be de Poesia, 1956.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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4. Trata-se seguramente de um erro cometido pelo copista, por analogia com o verso anterior. A
sintaxe de regência de roncar não autoriza o uso deste pronome, cuja presença criaria, além disso,
dificuldades métricas. Com esta supressão, e admitindo a existência de uma sinérese no final de ofi-
cial, a métrica fica também regularizada.
10. Supomos tratar-se igualmente de um lapso de cópia. A não ser assim, não conseguiríamos vislum-
brar o sentido do verso.
3. Estrugir – atroar.
10. Roceiro – o que faz e planta roçados.
Tropa – caravana de animais equídeos, especialmente os de carga.
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FRANCISCO TOPA
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13. tinha," tinha
13. Tinha – designação comum a várias espécies de infecções cutâneas fúngicas; no contexto, supo-
mos que o termo surge numa acepção mais genérica de peste, epidemia, no seu sentido conotativo.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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5
Servimo-nos da segunda edição preparada por Rodrigues Lapa: Obras Completas de Tomás
Antônio Gonzaga – I: Poesias; Cartas Chilenas, edição crítica de M. Rodrigues Lapa; Rio de Janeiro,
Ministério da Educação e Cultura – Instituto Nacional do Livro, 1957.
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FRANCISCO TOPA
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tam/ muitos pretos já livres e outros homens/ da raça do país e da europeia,/ que,
diz o grande chefe, são vadios/ que perturbam dos povos o sossego» (III, vv. 144-
148).
Outros aspectos focados no soneto e nas Cartas são os problemas da alimenta-
ção e das doenças. Sobre este último, diz Critilo na carta seguinte, uma vez mais
em tom de denúncia: «O calor da estação e os maus vapores/ que tantos corpos
lançam, mui bem podem/ empestar, Doroteu, extensos ares./ A pálida doença aqui
bafeja,/ batendo brandamente as negras asas» (IV, vv. 126-130).
Como se vê, cada um dos textos aproximados aborda o tema numa perspectiva
própria. Ainda que o último terceto do poema de Alvarenga Peixoto pareça traduzir
um distanciamento crítico pontuado de alguma ironia, não poderíamos esperar dele
a mesma virulência que se encontra nas Cartas Chilenas. De resto, não podemos
esquecer que, conforme mostrou Rodrigues Lapa, Peixoto devia alguns favores a
Cunha Meneses, a começar pela nomeação para coronel do 1.º regimento de cava-
laria da Campanha do rio Verde.
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V. NOVAS VERSÕES PARA SETE POEMAS
DE ALVARENGA PEIXOTO
*
Publicado na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série, vol. XV, Porto,
Faculdade de Letras, 1998.
1
Vida e Obra de Alvarenga Peixoto, edição de M. Rodrigues Lapa; Rio de Janeiro, Ministério
da Educação e Cultura – Instituto Nacional do Livro, 1960.
FRANCISCO TOPA
_________________________________________________________________________
parecem oferecer melhores soluções que as apresentadas por Lapa na sua edição.
São os resultados do trabalho de colação entre estes novos testemunhos e a edição
do estudioso português que iremos agora apresentar, de forma esquemática. As
passagens dos poemas em causa serão transcritas de acordo com os critérios segui-
dos por Lapa, mas segundo a norma ortográfica portuguesa.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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É a peça n.º 14 da edição de Lapa (pp. 17-19). Até ao momento não era
conhecida nenhuma versão manuscrita identificada desta ode. A que nós lográmos
identificar encontra-se nas pp. 125-129 da miscelânea referida nos pontos anterio-
res, atribuída a «Alvarenga». Há seis passagens em que se evidenciam variantes
significativas relativamente ao texto de Rodrigues Lapa.
A primeira diz respeito à legenda, ausente em Lapa, e que no nosso testemu-
nho consta do seguinte: Ao Marquês de Pombal.
A segunda ocorre no v. 58, que na lição de Lapa se lê deste modo: e em vez de
sustos, mortes e desmaios, ao passo que o nosso testemunho regista: em vez da
morte, sustos e desmaios. Antes de nos pronunciarmos sobre as duas lições, aten-
temos no contexto:
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Trata-se da peça n.º 7 da edição de Lapa (p. 7). Na mesma miscelânea manus-
crita que vimos citando, este texto aparece na p. 130, atribuído a «Alvarenga». Há
apenas uma variante significativa, respeitante ao v. 11: em vez de rumorosas, o
nosso testemunho regista cavernosas, que nos parece uma solução bem melhor.
Vejamos então todo o primeiro terceto do poema:
Supomos que é bastante mais lógico qualificar as grutas como cavernosas, tanto
mais que é a ideia de esconderijo que se pretende transmitir.
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É a peça n.º 33 da edição de Lapa (p. 54). Na nossa miscelânea vem na p. 132
e passa a constituir o único testemunho manuscrito conhecido do soneto. Uma pri-
meira diferença ocorre ao nível da legenda, ausente na edição de Lapa, e que o
nosso testemunho apresenta assim: Feito pelo Doutor Inácio José d’Alvarenga, e
junto aos autos e embargos da sua defesa, pelo crime imputado da sublevação de
Minas. A segunda variante respeita ao v. 5: em vez de eternas, o nosso manuscrito
propõe humanas. Vejamos o contexto:
Como se verifica, tanto do ponto de vista semântico como métrico, ambas as solu-
ções são admissíveis.
Trata-se da peça n.º 32 da edição de Lapa (p. 53). No testemunho que vimos
citando, o texto ocorre na p. 133. Para além deste testemunho manuscrito, desco-
brimos um outro: o códice 854 da Biblioteca Nacional de Lisboa, f. 58v. Este
manuscrito constitui também uma miscelânea.
Neste caso, possuímos duas versões desconhecidas e o número e tipo de
variantes é consideravelmente maior, razão por que optámos por transcrever na
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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íntegra o soneto tal como foi publicado por Rodrigues Lapa, anotando depois em
rodapé as variantes. À primeira versão (a do manuscrito de Évora) chamaremos A,
e à segunda B. Neste caso não nos pronunciaremos sobre a qualidade das variantes,
na medida em que isso exigiria um trabalho mais complexo, que está fora dos pro-
pósitos deste artigo.
_________________________
Legenda. Do mesmo, feito depois da prisão A Soneto que fez o réu Inácio José d’Alvarenga, ouvindo
ler a sentença e que o réu Doutor Cláudio Manuel da Costa, seu amigo, se matara na prisão B
2. a estreita prisão, escura e forte; B
4. irreparável de um" inseparável dum A
7. que é ventura também" é ventura também A pois também é B
9. Ah, quão depressa então eu não sentira A
10. este enredo, este sonho" este sonho, este enredo B
11. e é mentira" e que é mentira A
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12. Se filhos, se consorte" Se filhos e consorte A Se os filhos e consorte B
13. e do amigo as virtudes" se do amigo as virtudes A se as virtudes do amigo B
14. só de vida um momento não quisera A nem da vida um instante só quisera B
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9. pomo" pão
12. é bem verdade" isto é verdade
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VI. SILVA ALVARENGA: DA TEORIA À CRÍTICA LITERÁRIA
*
Este texto começou por ser apresentado como comunicação ao XIII Congresso Brasileiro de
Teoria e Crítica Literária / XII Seminário Internacional de Semiótica e Literaturas / VII Simpósio
Paraibano de Estudos Portugueses, Campina Grande, Paraíba, 15-21 de Setembro de 1996. Em con-
junto com o capítulo seguinte, integrou depois o artigo Dois Estudos Sobre Silva Alvarenga, publica-
do na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série, vol. XIV, Porto, Faculdade de
Letras, 1997. Na presente edição, foi objecto de algumas modificações.
FRANCISCO TOPA
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1
Obras Poeticas de Manoel Ignacio da Silva Alvarenga (Alcindo Palmireno) collegidas, anno-
tadas e precedidas do juizo critico dos escriptores nacionaes e estrangeiros e de uma noticia sobre o
auctor e suas obras e acompanhadas de documentos historicos por J. Norberto de Souza S.; 2 tomos,
Rio de Janeiro, Livraria B. L. Garnier, 1864.
2
Uma parte desse trabalho foi apresentada, sob a forma de dissertação, à Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, em 1994, tendo em vista as nossas Provas de Capacidade Científica: Silva
Alvarenga – Contributos para a elaboração de uma edição crítica das suas obras.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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xoto6 ou Vânia Pinheiro Chaves7. Sem ignorar esses trabalhos, procuraremos con-
tudo encarar a questão de forma diferente, mostrando como a prática da reflexão
teórica em Silva Alvarenga foi acompanhada do exercício da crítica, realizada sob
modalidades e registos diversos. Por outro lado, acrescentaremos dados novos à
matéria em análise, na medida em que convocaremos dois textos desconhecidos do
autor, um dos quais inteiramente inédito.
3
Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos) – 1.º volume (1750-1836), 2.ª ed.,
São Paulo, Martins, 1964.
4
Manifestações Literárias do Período Colonial (1500 – 1808/1836), 3.ª ed., São Paulo, Cultrix,
1972.
5
Do Barroco ao Modernismo, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1979.
6
A Consciência Criadora na Literatura Brasileira, dissertação de doutoramento; Rio de Janei-
ro, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987.
7
“O Uraguay” e a Fundação da Literatura Brasileira – Um caso de diálogo textual, disserta-
ção de doutoramento; 2 vols., Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, 1990.
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da na ideia de que à poesia cumpria não apenas deleitar mas também instruir, como
filha que era da filosofia moral. No entanto, como veremos, a obra de Silva Alva-
renga apenas em parte confirma essa observação.
De qualquer modo, é certo que a tendência didáctica constitui nela uma marca
bem saliente, imprimindo a alguns dos textos um cunho de certo modo militante,
adequado ao espírito ilustrado da época. Essa tendência está de resto perfeitamente
de acordo com o perfil cívico de um autor que, como escreveu António Cândido,
foi «provavelmente o primeiro escritor brasileiro que procurou harmonizar a cria-
ção com a militância intelectual, graças ao senso quase didático do seu papel»8.
Bastará para o efeito recordar o seu trabalho, no Rio de Janeiro, como professor de
Retórica e Poética ou como dinamizador da Sociedade Literária.
A marca mais evidente dessa orientação será provavelmente o seu pombalis-
mo, traduzido sobretudo no apoio às reformas conduzidas pelo ministro de D. José
no campo educativo e cultural. Dois textos o exemplificam de forma muito clara: a
ode Á Mocidade Portuguesa por ocasião da reforma da Universidade de Coimbra
(publicada pela primeira vez – e este é um dado novo – em 17829, embora sem
indicação de autoria, mas seguramente composta dez anos antes) e O Desertor,
publicado em 177410.
Na parte final do prefácio em prosa que antecede este último texto, intitulado
«Discurso sobre o Poema Heroi-Comico», ao sublinhar a utilidade do género,
Alvarenga apresenta de modo claro o seu conceito de poesia:
8
Literatura e Sociedade, São Paulo, Companhia Editôra Nacional, 1965, p. 93.
9
Miscellanea Curiosa, e Proveitosa, ou Compilação tirada das melhores obras das nações
estrangeiras, traduzida, e ordenada por ***C.I.; vol. IV, Lisboa, Typografia Rollandiana, 1782.
10
O Desertor. Poema Heroi-comico por Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, na Arcadia
Ultramarina Alcindo Palmireno, Coimbra, Real Officina da Universidade, 1774. As citações deste
poema serão baseadas nesta edição, do mesmo modo que citações de outros textos impressos do autor
serão sempre feitas a partir da primeira edição respectiva.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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3. O percurso que fizemos até agora representa apenas uma parte – e, segura-
mente, não a mais interessante, até pela sua conformidade com as concepções
dominantes da época – do pensamento de Silva Alvarenga em matéria de doutrina
literária. Deixando de lado os textos em que nos surgem reflexões sobre géneros ou
modalidades específicas de discurso12, tentemos completar esse percurso, comen-
tando três poemas prioritariamente dominados por uma orientação teórica e crítica.
11
Ás Artes Poema que a Sociedade Litteraria do Rio de Janeiro recitou no dia dos annos de
Sua Magestade Fedilissima. Por Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, Secretario da Sociedade, Lis-
boa, Typographia Morazziana, 1788.
12
É o caso do já referido «Discurso sobre o Poema Heroi-Comico» – em que fundamentalmente
se discute e se justifica a natureza dúplice dessa forma – e da sátira publicada n’ O Patriota (1.ª série,
n.º 4, Rio de Janeiro, Impressão Regia, Abril de 1813, pp. 11-20), em que Alvarenga apresenta uma
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síntese histórica sobre esse tipo de discurso e distingue «o libello que as justas Leis offende» (v. 19)
da «satira urbana, que os vicios reprehende» (v. 20).
13
A Termindo Sipilio Arcade Romano por Alcindo Palmireno Arcade Ultramarino. Epístola,
Coimbra, Officina de Pedro Ginioux, 1772.
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14
Obras Completas, texto fixado, prefácio e notas por António José Saraiva; vol. I, Lisboa, Sá
da Costa, 1957, pp. 227-232.
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15
Op. cit., vol. I, p. 134.
16
Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & C.ª, 1876; nota 22, pp. 350-353.
17
Teófilo Braga (A Arcadia Lusitana – Garção, Quita, Figueiredo, Diniz, Porto, Chardron,
1899, pp. 351-352), discutindo a hostilidade de Alvarenga e de Basílio da Gama para com a Arcádia,
refere-se ao texto «que Camilo possuia com outras composições ineditas de Alcindo Palmireno»,
confirmando a autoria do poeta mineiro e transcrevendo dois versos da sátira.
18
Seguem-se três poemas que julgamos serem inteiramente inéditos: a Resposta por António
Isidoro dos Santos (3v-4r), o Discurso aos Poetas do Mondego (5r-5v, anónimo) e, por fim, uma Ode
em resposta ao Discurso acima, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga (5v-6r).
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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tes de pormenor e uma outra diferença muito significativa: Camilo publica apenas
os primeiros 78 dos 132 versos do texto contido no manuscrito em causa.
Embora sob a forma satírica, há momentos em que o texto consegue situar-se
estritamente no domínio da crítica literária, como na passagem em que o autor
reflecte sobre o convencionalismo vazio de boa parte da poesia bucólica, retoman-
do assim uma ideia já presente na epístola a Basílio da Gama. No entanto, este
problema não chega a ser suficientemente aprofundado, dado que o texto visa
menos uma reflexão global que o ataque concreto a determinadas figuras que
dominavam o panorama das letras em Portugal e que hoje temos dificuldade em
identificar. Essa dificuldade – e, no fundo, também esse propósito – é de resto
anunciada pelo autor no final do texto, quando diz:
Ao mesmo tempo que efectua essa denúncia, o autor reconhece algum mere-
cimento a figuras como Correia Garção e João Xavier de Matos e vai sugerindo um
novo tipo de poesia, que teria em O Uraguay o seu monumento de glória. A defesa
desta obra é feita de modo particularmente empenhado:
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cado pela primeira vez no Parnazo Brasileiro de Cunha Barbosa19, não se encontra
datado, sendo contudo certo que a sua redacção ocorreu durante o governo de Vas-
concelos, isto é, entre 1779 e 1790.
Não apresentando o mesmo tipo de reflexões teóricas que tínhamos encontra-
do na epístola, as quintilhas revelam contudo uma orientação crítica muito seme-
lhante. Distinguem-se porém, antes de mais, pelo tom jocoso e pelo discurso paró-
dico usado por Alvarenga, num processo que faz lembrar muito nitidamente o
conhecido soneto de Gregório de Matos iniciado pelo verso «Um soneto começo
em vosso gabo».
Embora tendo por alvo principal a poesia laudatória – que o próprio Alvarenga
praticou com alguma frequência, posto que em moldes diferentes –, são flagrantes
as coincidências com as críticas que se encontram na epístola atrás comentada,
onde inclusivamente havia alguns momentos de nítida tonalidade jocosa. Assim, a
sátira é dirigida, por um lado, a heranças barrocas, verificáveis ao nível da expres-
são – a «Crespa frase entortilhada» (v. 54) –, do vocabulário – as «Palavras sequis-
pedaes» (v. 55) –, ou das metáforas e comparações; e, por outro, a lugares-comuns
da poesia arcádica.
4. Depois deste percurso que fizemos pela obra publicada de Silva Alvarenga,
cremos que terá ficado claro que estamos perante um autor com uma sólida forma-
ção literária, apto a reflectir sobre as mais diversas questões de doutrina e poética, e
que passa com frequência da teoria à crítica, emitindo – sob registos diversos –
juízos críticos sobre a literatura que domina o panorama da sua época, ao mesmo
tempo que vai propondo um caminho alternativo, por vezes concretamente identifi-
cado com um modelo que teria em Basílio da Gama o seu melhor representante.
19
Parnazo Brasileiro ou Collecção das melhores poezias dos poetas do Brasil, tanto ineditas
como já impressas, tomo I, caderno 4.º, Rio de Janeiro, Typographia Imperial e Nacional, 1830, pp.
65-69.
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20
No dia da collocação da Estatua Equestre de El Rey Nosso Senhor. Ode de Manoel Ignacio
da Silva Alvarenga, Estudante na Universidade de Coimbra, s. l., s. impr., s. d.
21
2.ª série, n.º 3, Setembro de 1813, pp. 54-57.
22
Efectivamente, conforme tivemos oportunidade de mostrar na dissertação referida na nota 2,
outros dois textos passaram pelo mesmo processo: a écloga intitulada O Canto dos Pastores, cuja
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se. A crítica que o poeta mineiro aqui faz a Domingos Monteiro revela indícios
muito fortes de ter sido escrita como uma espécie de resposta a uma outra crítica de
Monteiro à ode de Alvarenga23, que o teria levado a corrigir o seu poema. É de
supor que a versão emendada dessa altura, isto é, de 1775/7624, seja a mesma que
foi publicada n’ O Patriota, 38 anos depois.
Mas, acima de tudo, estas Reflexões são importantes por completarem a visão
de Alvarenga como teórico e crítico do arcadismo luso-brasileiro. O texto deve,
porém, ser lido com alguma cautela. Para a sua correcta avaliação, devemos desde
logo levar em linha de conta as circunstâncias imediatas que determinaram a sua
elaboração. Não nos deve por isso surpreender que, apesar das insistentes declara-
ções em contrário, surpreendamos ao longo de todo ele uma acrimónia mal disfar-
çada que encontra na ironia e mesmo no humor as principais formas de expressão.
Sem comprometer, de um modo geral, a validade da argumentação crítica, este
procedimento denuncia contudo a contradição de Alvarenga, que se mostra incapaz
de assumir em plenitude o estatuto de crítico que ele mesmo esboça, partindo de
teóricos anteriores, sobretudo Horácio.
versão original é a da edição autónoma de 1780, viria a ser publicada com alterações significativas 33
anos depois n’ O Patriota (2.ª série, n.º 5, Novembro de 1813, pp. 43-47); e a canção A Tempestade,
que foi publicada pela primeira vez n’ O Patriota (2.ª série, n.º 3, Setembro de 1813, pp. 52-53), com
o subtítulo «Canção no dia dos annos da Fidelissima RAINHA Nossa Senhora em 17 de Dezembro de
1797», teve uma versão anterior, por nós encontrada no Ms. 406 da Biblioteca Geral da Universidade
de Coimbra, em que figura com o subtítulo «Canção. De Alcindo Palmireno Arcade Ultramarino a
Termindo Sipilio Arcade Romano. 1780».
23
Perante esta indicação, fizemos todos os esforços para localizar esse texto de Domingos Mon-
teiro. Infelizmente, as nossas pesquisas não surtiram efeito até ao momento.
24
Os motivos que justificam esta proposta de datação são bastante pacíficos: a inauguração da
estátua equestre ocorreu em 1775; em Junho de 1776, Alvarenga – que obtivera o grau de bacharel a 6
de Julho do ano anterior – conclui a formatura, deixando assim de ter direito ao título de «estudante»
com que se apresenta no manuscrito em causa.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Por outro lado, não deverá também constituir motivo de surpresa o modelo de
análise que o texto traduz. Começa por fazer críticas globais sobre a pobreza da
rima e os atentados à musicalidade do verso, que remata com o seguinte comentá-
rio:
Jamais se desculparão estes defeitos com um ou outro exemplo dos nossos Poe-
tas antigos; nós devemos imitar as suas belezas e evitar os seus descuidos, prin-
cipalmente quando são daqueles que ofendem o ouvido delicado:
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#f. 1r"
Reflexões Críticas Sobre a Ode do Bacharel
Domingos Monteiro
$%&'()**+,**-(**.&.(/**,01,/**,2**,-,3(/**)+,)/*
$4-()**+**(-&/**5()61,/7**(4**%)/60.(1,/8*
Sosícrates1
Introdução
Feliz o Autor que pode ver com olhos indiferentes tudo o que produz o seu
engenho! E que tem ânimo para ouvir a censura dos seus descuidos, sem que lhe
venha à memória o defendê-los! Os meus Amigos sabem qual é a docilidade do
1
Tradução: «Somos felizes quando produzimos e não pensamos em procurar o mal alheio».
Devemos ao nosso colega Dr. Carlos Morais a leitura desta parte do manuscrito, bem como a fixação
do texto – incluindo a colocação dos acentos, ausentes em Silva Alvarenga – e a tradução.
Quatro poetas brasileiros do período colonial
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2
Embora tenhamos feito todos os esforços para localizar estas Reflexões, até ao momento as
nossas pesquisas não surtiram efeito.
3
No dia da collocação da Estatua Equestre de El Rey Nosso Senhor. Ode de Manoel Ignacio
da Silva Alvarenga, Estudante na Universidade de Coimbra, s. l., s. impr., s. d.
4
cherchent" chercher. Embora não nos tenha sido possível identificar a citação, parece haver
gralha no original.
5
lhe#s"" lhe
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Tive o gosto de ser criticado por um homem a quem desagrada tudo o que é
bom; nem poderia haver mais justa prevenção contra as minhas obras do que serem
dignas da sua escolha e aprovação. #f. 2r" Ele sustenta, e por meio dos seus Discípu-
los tem espalhado, que a minha Ode encerra um grosseiro Anacronismo. Para
desenganar principiantes, que o escutam como oráculo e pelas suas pegadas se
desviam da estrada do verdadeiro gosto, ofereço ao Público estas Reflexões e ao
mesmo tempo a minha Ode6.
Não porque me passe pela imaginação propô-la por modelo; mas porque, ao
aclarar os versos em que o meu crítico universal achava o Anacronismo, não me
6
Contrariamente ao que seria de esperar, o texto da versão corrigida da ode de Alvarenga não
se encontra anexado ao manuscrito que contém as Reflexões. Procurámos localizá-lo, tanto na Biblio-
teca de Évora como noutras bibliotecas e arquivos, mas sem êxito. É provável que a versão dessa ode
publicada n’ O Patriota (2.ª série, n.º 3, Rio de Janeiro, Setembro de 1813, pp. 54-57) seja a mesma a
que o autor se refere nesta passagem.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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pude ter que não retocasse (segundo o meu costume), aqui e ali, alguns outros luga-
res. Esta é a mais segura prova de que sou dócil. Quero ver se também ele, usando
uma vez de ingenuidade, emenda e castiga a sua obra. Creio-o com a Instrução que
basta para conhecer que eu posso estimar em muito a sua pessoa sem que me agra-
dem os seus versos; e, ainda que eu não tenha a honra de o conhecer, estou pronto
para conceder em seu favor tudo, menos as qualidades necessárias para ser bom
Poeta. Isto, e não outra coisa, dizia o Crítico da França7 em caso semelhante.
Reflexão 1.ª
7
É possível que se trate de uma alusão a Boileau, que – na esteira aliás de Horácio – defende
por várias vezes, na sua Art Poétique, a importância da crítica sã e a necessidade de ela ser indepen-
dente das relações pessoais.
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Nas estrofes 8.ª, 11.ª, 12.ª, 14.ª, se acha nove vezes a rima em ente. Podem-se
disfarçar estes defeitos quando se atribuam a descuido em uma obra dilatada e
cheia de belezas; mas não naquelas em que os versos bons aparecem como:
Jamais terá desculpa quem desafina tantas vezes em #f. 3r" tão pequeno espaço
de tempo, girando sempre dentro do limitado círculo das suas ideias:
(...) citharoedus
8
São os vv. 131-132 da sátira Que alegre era o Entrudo em outros tempos, presumivelmente da
autoria de José Basílio da Gama. A citação de Alvarenga corresponde à lição publicada n’ O Rama-
lhete, (3.ª série, 6.º ano, n.os 300-301, Lisboa, 1843, pp. 370-371 e 379-380). Na Zamperineida de
Alberto Pimentel (Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho, editor, 1907, pp. 177-184), a
passagem apresenta-se com um verso diferente de permeio: «Nem a todos concede a natureza,/ Como
concede a ti, e á tua seita,/ Orelhas de aço, tímpanos de bronze».
Surgido na fase da Guerra dos poetas relacionada com a cantora italiana Ana Zamperini, esse
texto ataca os dois contendores mais encarniçados: o P.e Manuel de Macedo e Domingos Monteiro.
Os versos citados por Silva Alvarenga integram-se numa longa passagem em que Basílio (a ser ele o
autor da sátira) critica ao segundo o recurso à «antiga eloquoção aspera, e dura» e o aconselha a que
«(...) nunca vocabulos nos digas/ Que arranham o bichinho dos ouvidos». Ao responder com a elegia
Tu, magoada, tristissima elegia, Domingos Monteiro não deixou passar em branco esse aspecto da
sátira: discorrendo com azedume sobre questões gramaticais e de versificação, critica a determinada
altura o emprego de duas palavras, retomando a acusação de que tinha sido alvo: «Tenho-te uma
pergunta aqui guardada./ Quem cunhou retinante, e dobradiças?/ A mim, que sou dos taes orelhas d’
aço,/ Os cabellos, dizendo-mas, me irrissas» (vv. 138-141).
9
Virgílio, Aeneis, I, v. 118.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Reflexão 2.ª
Não é menos notável a fúria com que entra pela Mitologia. Como a sua paixão
dominante é afectar erudição, varreu o Teatro de Los Dioses, e desde a primeira
estrofe até à última encheu dos nomes da Fábula, preferindo os que lhe pareceram
mais raros. Ali se vê Jove e as suas sábias filhas, a Cítara Febeia, o torvo Marte
irado, o ministro dos raios, segunda vez Jove, o Tridente azulado, o sólio Neptuni-
no, o Hemo, o ‘Strímon, Orfeu e Délio, Mnemósine de Júpiter Esposa, o opaco
Letes, Evias, Tirso, Pã e Naide, Neptuno depois de Tridente azulado, e sólio Nep-
tunino; outra vez o Tridente, outra vez Marte com a Irmã potente, Trismegisto,
Nereu e as Elísias campinas; quarta vez Jove, e Minerva, Prometeu, Témis, e ainda
mais Neptuno, o ensífero Oríon, Clio, o Híbleo monte e as cem bocas (...) da que a
terra gerou. Isto não é condenar o uso da mitologia; eu terei sempre por bárbaros
os que tomarem a resolução:
#f. 3v"
10
Horácio, Ars Poetica, vv. 355-356.
11
Boileau, Art Poétique, III, vv. 220-223.
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FRANCISCO TOPA
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Mas digo (e que o não dissesse, sabem-no todos) que o seu uso deve ser o
mesmo que o do sal, que torna insuportáveis as viandas tanto que se derrama às
mãos cheias. Os Poetas, assim como os Pintores, não devem carregar de muito
ornamento as suas obras. Uns e outros se expõem a que a cada passo lhes digam:
Reflexão 3.ª
Quando li os primeiros versos desta Ode, admirei-me de ver que em tão pouco
tempo mudasse o Autor de sentimento sobre a utilidade da Poesia. Não era ele
deste parecer quando escrevia a Domingos dos Reis Quita o que podem ver os
curiosos na sua carta mandada imprimir a Castela15, onde diz na pág. 12: Teima o
12
Horácio, op. cit., v. 19.
13
Plauto, Poenulus, I, 2, v. 30; Horácio, Satirae, I, 1, v. 106.
14
Trata-se dos vv. 1-2 da ode de Domingos Monteiro. Para as restantes citações deste texto, o
número dos versos virá directamente assinalado no corpo do documento.
15
Carta Escripta ao Senhor Domingos dos Reys Guita, que serve de resposta a outra, que lhe
escreveu hum seu amigo; e corre impressa com os seus versos. s. l., s. impr., s. d..
Esta carta foi impressa sem o nome do autor e, ao que parece, em Espanha, como o sugere a
inscrição «Con las licencias necessarias». Inocêncio Francisco da Silva (Dic. Bib., II, p. 9) admite a
hipótese – baseando-se na comparação de estilos e nas ideias aí defendidas – de a carta ter sido escrita
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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seu Amigo #f. 4r" em dizer-nos que a Poesia criou as Artes (...); esta proposição
(...) é tão bárbara, tão contrária ainda àquelas primeiras ideias, que os homens
têm das Artes e Ciências, que o refutá-la fora perder inutilmente o tempo em con-
denar um tão evidente absurdo. O Autor cai em semelhantes contradições porque,
não conhecendo sistema em coisa alguma, pensa conforme as circunstâncias em
que se acha, chegando a tal excesso o entusiasmo de contradizer que nem a si
mesmo perdoa. Contudo as suas obras merecem algum favor, visto que ele não tem
por Francisco de Sales (professor régio de Retórica e Poética, natural de Minas Gerais, que viveu
entre 1735 e 1800 ou 1801, tendo sido membro da Arcádia Lusitana, com o pseudónimo de Títiro
Partiniense). Refere ainda ter a impressão de que alguém, apoiando-se na semelhança da ortografia
adoptada e do ideário, tentara atribuí-la a Luís António Verney. Atendendo a esta afirmação tão clara
do contemporâneo Silva Alvarenga, o problema da autoria parece ficar resolvido.
Trata-se de um texto ignorado pelos historiadores literários deste período, posto que não seja
inteiramente desconhecido. Teófilo Braga, tratando de Reis Quita em Filinto Elysio e os Dissidentes
da Arcadia (Porto, Chardron, 1901, p. 143), menciona-a de passagem e cita parte de um soneto de
António Lobo de Carvalho em que ela vem referida. Não sendo embora um texto de grande profundi-
dade ou em que abundem ideias novas, apresenta um certo interesse, sobretudo pelo modo frontal
como o autor se opõe a um dos princípios contidos na outra carta dirigida a Reis Quita e que saiu
impressa juntamente com as obras deste poeta: o da utilidade da poesia.
Apoiando-se numa série variada de citações, Domingos Monteiro (a ser ele o autor do texto)
defende que a poesia, tal como a música ou a pintura, serve para o divertimento, incluindo-se no
número das artes agradáveis, e não das artes úteis. Por isso, depois de uma reflexão demorada sobre a
origem, a definição e a finalidade da poesia, nega que ela tenha surgido para instruir os homens ou
para sua utilidade, na medida em que – sendo a imitação a sua base – o fim do poeta só poderia ser o
imitar bem.
Como é fácil de ver, estas ideias estão em clara oposição ao pensamento do próprio Silva Alva-
renga sobre a matéria. Também por isso, se entende a criteriosa selecção de passagens a que o poeta
mineiro procede, numa estratégia quase caricatural que passa pela sua descontextualização. Com
efeito, se lermos o texto da carta na íntegra, verificamos que a contundência da primeira passagem se
esbate claramente perante os argumentos e as citações que a rodeiam; quanto à segunda, o que aí se
diz serve apenas para justificar uma abordagem menos aprofundada do tema, não autorizando por isso
as conclusões que Silva Alvarenga dela extrai.
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FRANCISCO TOPA
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feito estudos na Poética, como confessa na pág. 7 da referida carta: Nem também
pareceria justo que eu furtasse aos necessários estudos da minha faculdade um só
instante, para o empregar em coisas que apenas servem para entreter a curiosida-
de. E, com efeito, os seus versos provam demonstrativamente que não conhece esta
Província. Para ser Poeta é necessário mais Génio e maiores estudos:
Reflexão 4.ª
#f. 4v"
16
Horácio, Ars Poetica, vv. 268-269.
17
Id., ibid., vv. 414-416. O sublinhado e a interrogação final são da responsabilidade de Silva
Alvarenga.
18
Id., Odae, IV, 4, v. 1.
19
Horácio, Ars Poetica, v. 119; a forma integral do verso é «Aut famam sequere aut sibi conve-
nientia finge».
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Espero que ninguém dirá que o ministro dos raios é personagem nova; devemos
pois conformar-nos com o carácter que os Poetas lhe deram e com o que nos deixa-
ram escrito:
Reflexão 5.ª
Não sei que acho de implicância neste lugar com outro em que o Autor diz a
Délio que não quer tantos dons, que basta que lhe sopre um raio do seu fogo21. Para
um Hino imortal devera pedir mais; e, nestas ocasiões, ou se pede tudo, ou nada,
porque o mais é ser medíocre até nos desejos. Por cúmulo de contradição faz não
menos de quatro invocações no pequeno grupo desta Ode.
#f. 5r"
Reflexão 6.ª
A Rainha das Virtudes uns dirão que é a Caridade, outros a Justiça, outros a
Humildade; à Verdade não se deve dar privativamente um título, que lhe não com-
20
Id., ibid., vv. 123-124.
21
Domingos Monteiro, op. cit., vv. 20-21: «Para o teu Vate, ó Délio, não te rogo/ Tantos dons;
sopra um raio do teu fogo».
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Reflexão 7.ª
Dizer o negrume horrendo do Caos! Isto sim, que é mais que começar a guer-
ra troiana pelos ovos de Leda, ou
Perguntei a um Amigo qual era o negrume deste caos, e ele, depois de meditar
um grande espaço, respondeu que o Autor queria entender por isto a grande escuri-
dade da sua mesma obra.
#f. 5v"
Reflexão 8.ª
22
Horácio, Ars Poetica, v. 146.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Mnemósine! Que bela palavra! Quanto mais simples e mais nobre é dizer
Memória, ou
Reflexão 9.ª
23
Torquato Tasso, Gerusalemme Liberata, I, 36.
24
Luís de Camões, Os Lusíadas, III, 15, 7-8.
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#f. 6r"
Esta proposição, assim, não é verdadeira; todos sabem que não foram sempre
as Tropas as que decidiram do direito ao Império Romano.
É grande o Rei, que doma a torpeza dos vícios rebeldes26 – é fazer prosa
rimada.
São repetições que nada aumentam e vêm a ser ociosas e pueris; desta sorte
não há verso que se não encha.
25
Horácio, Ars Poetica, v. 72.
26
Domingos Monteiro, op. cit., vv. 40 e 42, apresentados por Alvarenga de modo inexacto: «É
grande o REI, que doma»/ «(...) dos rebeldes vícios a torpeza».
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Não pode deixar de ser duro e áspero o verso onde se acham tro, tra, tro.
Devemos dar mais alguma autoridade ao ouvido, que é o Juiz, não da Poesia, mas
do verso. Não é bastante que os Poemas encerrem outras belezas, é preciso também
que tenham doçura:
Reflexão 10.ª
27
Horácio, Ars Poetica, v. 99.
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À primeira vista, parece falar da Deusa Cibeles; mas esta não é donzela, antes
a Mãe dos Deuses. Para ser Lisboa, também devia ser Matrona. Matronas se figu-
ram Roma, Tróia, Cartago, etc. De todas elas são conhecidos os Filhos:
Talhar uma capa roxa ao Silénio (v. 67), é vesti-lo contra o uso. Roxo não é
sinónimo de negro, nem de escuro; antes se toma por carmesim, purpúreo. Os nos-
sos melhores Poetas disseram a roxa Aurora, as roxas nuvens. Dizemos o Mar
Roxo, por Vermelho, etc. Recitando eu este verso, e deixando-o imperfeito, Os
roxos véus do Irmão..., acabou um dos que estavam presentes: do Irmão dos Pas-
sos. Além disto, já outra #f. 7r" Musa tinha nesta ocasião apresentado o mesmo
Irmão da Eternidade em pessoa. É necessário afastarmo-nos mais das pegadas uns
dos outros.
Contar as causas da Lealdade28 é prosaico. O colosso (...), que o Tempo
afronta (v. 69) é anfibológico.
Os feros estranhos29 – não é a Lusa indústria quem os despreza, mas o Luso
Valor. Este é, e foi sempre, o carácter dos Portugueses e o que os fez sempre temi-
dos e respeitados. Os nossos Heróis têm sido mais semelhantes ao Valeroso Filho
de Tétis do que ao sagaz Autor do Cavalo de madeira.
Eu deixo agora Trismegisto recolhendo as boninas das ciências (vv. 85-86),
que ainda não sei o que é, e passo ao esquecido Gama (v. 90). O Gama esquecido!
Quem tal diria, depois de ser cantado por Camões, que, antevendo a glória que ia
dar ao seu Herói, disse:
28
Domingos Monteiro, op. cit., vv. 68 e 70, transcritos por Alvarenga de forma inexacta: «Da
grata Lealdade»/ «As mil causas benéficas reconta».
29
Id., ibid., v. 82, em que os elementos da expressão surgem em ordem inversa: «E os vãos,
estranhos feros».
- 98 -
Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Pode o Autor da Ode ter a certeza de que o Argonauta Português é tão conhe-
cido como o Cabo da Boa Esperança. Enquanto as Nações se lembrarem deste
Promontório, não será esquecido o nome de Vasco da Gama.
É muito torcida a ordem das palavras nestes versos:
e esta imagem está repetida por quase todos os Poetas. Ainda temos muito fresca a
memória destoutros que correm impressos:
Reflexão 11.ª
Verso semelhante na aspereza ao de que acima falámos – tro , tra , tro –, além
da anfibologia que se segue; porque não se sabe se o Orbe teme a Prole, ou a Prole
o Orbe. Quase toda esta Ode é pouco clara, mas os quatro primeiros versos desta
30
Luís de Camões, op. cit., I, 12, 7-8.
- 99 -
FRANCISCO TOPA
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Reflexão 12.ª
Mênfis triste (v. 106) bem pode ser; mas sem nome, isso não. Mênfis, Tróia,
Numância, Cartago, são mui célebres pelas suas ruínas, e o seu nome é mais
conhecido ainda hoje do que talvez nunca foi no tempo da sua maior prosperidade.
A Idade armada do Oríon e do Austro não é que fez os maiores estragos, mas,
paulatinamente e sem estrépito:
31
Diogo Bernardes, «Carta XXVII – A dom Gonçalo Coutinho estando em uma sua quinta, que
chamam dos Vaqueiros», vv. 7-9, in O Lima.
32
Id., ibid., vv. 19-20.
- 100 -
Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Reflexão 13.ª
É prosa, e não muito boa. Reconta (v. 70), revoam (v. 114), ressoam (v. 117),
têm seu lugar, mas deve-se usar deles menos vezes, e nunca tão defronte que pare-
çam conversar uns com os outros.
Eu não daria fim às minhas reflexões, se quisesse notar todos os defeitos desta
Ode. #f. 8v" O Autor deveria deixar-se da Poesia, visto que as Graças e as Musas o
não olharam com semblante risonho, e empregar-se noutros estudos em que pudes-
se fazer melhor progresso. O avisado é aquele que sabe conhecer o seu Génio e
seguir a sua inclinação, já que a Natureza não deu a todos os mesmos dotes:
988:*(4*560**&1&*5&/-&*+4/;0,&)*&4-(0*,<,0'&)8*
&<<6*1,/*%&3*(6.,*',(0*5(<,1;)&*,3%&7*
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33
Na verdade, trata-se dos vv. 729-731. Para a correcta transcrição deste excerto, servimo-nos
da edição de Paul Mazon (Paris, “Les Belles Lettres”, 1974), de acordo com a qual seria a seguinte a
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respectiva tradução: «não podes, sozinho, ter tomado tudo para ti. A um a divindade outorga os traba-
lhos da guerra, a outro a dança, a outro ainda a cítara e o canto».
- 102 -
A El-Rei Nosso Senhor D. JOSÉ I. O Magnânimo
Ode
I
Que hei-de ofertar de Jove às sábias filhas,
Que as Artes educaram?
E as memórias daquelas maravilhas,
Que os tragadores séculos gastaram
5 Ilesas conservaram
Trasmudadas em lúcidas Estrelas,
Onde o tempo não voa a escurecê-las?
II
Tu, Cítara Febeia, que enterneces
O torvo Marte irado,
10 Que o ministro dos raios adormeces
Sobre o ceptro de Jove repousado;
E o Tridente azulado
Fazes depor no sólio Neptunino,
Excita para o voto o imortal Hino.
III
15 Se pelo Hemo em tropel acelerado
Os bosques vão descendo;
FRANCISCO TOPA
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IV
Rainha das Virtudes, entra ousada
Das Piérides Divinas
Na concha de áureas rédeas: solta amada,
25 Limpa verdade, as vozes cristalinas;
E ao som das Cabalinas
Murmuradoras águas vai dizendo
Do antigo Caos o negrume horrendo.
V
Envolta Creta em densa escuridade,
30 Só os Deuses distinguiam
Justo, Injusto, Virtude, Iniquidade,
Legislou Minos, sábias Leis se ouviam,
Cem Cidades se erguiam:
Oh dos antigos Lusos sombras tristes,
35 Levantai-vos, é Elísia, a que vós vistes!
VI
Quando o Ceptro da Augusta Potestade
JOSÉ PRIMEIRO toma,
Dá-lho a Justiça, adorna-lho a Piedade.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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VII
Prudentíssima Astreia, as tuas belas,
Tuas filhas formosas,
45 Teciam para os Lusos mil Capelas:
Soltava Eunómia as vozes sonorosas,
E as Irmãs carinhosas
Justiça, Paz, terníssima Equidade,
Derramavam feliz tranquilidade.
VIII
50 Que infando caso! No Etena inflamado
Tífon soberbo freme,
As cem cabeças move, e o peito ansiado:
Ao revolver-se o monstro o monte geme
A Madre Terra treme;
55 E Átropos mostra à destroncada gente
Os reinos de Prosérpina indolente.
IX
Mas que formosa, que louçã Donzela
De frente torreada,
Que o Neto de Titã não viu mais bela,
60 C’o a veste de ouro, e perlas recamada
- 105 -
FRANCISCO TOPA
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Se levanta c’roada?
Ah onde estou! Que vejo! Quem me inspira!
Far-te-á Febo imortal na minha lira.
X
Mnemósine de Júpiter Esposa,
65 Que espalhas claridade
No opaco Letes, rasga luminosa
Os roxos véus do Irmão da Eternidade.
Da grata Lealdade,
Que o Colosso erigiu, que o tempo afronta,
70 As mil causas benéficas reconta.
XI
Já Evias cinge a fronte avermelhada
Com a parra frondente;
Vibra o Tirso enramado, anela, e brada.
Vai Pã tangendo a flauta docemente;
75 E a Naide contente,
Que o Vaso da Abundância recebera
Frutos entorna, e longa Primavera.
XII
Tu, grão Neptuno, bates o Tridente;
Brotam Ginetes feros:
80 Desligas Marte, que c’o a Irmã potente
Cinge de armada gente os fins Iberos.
E os vãos, estranhos feros
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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XIII
85 Lá se vê Trismegisto recolhendo
Das Ciências as boninas.
Para adornar, os Cedros vêm descendo
De Nereu as Espáduas cristalinas.
Nas Elísias campinas
90 De novo exulta o esquecido Gama
Renascer vendo o seu trabalho, e fama.
XIV
Quanto na terra há bom do Céu dimana.
Gerou de Jove a mente
A Divina Minerva à gente humana,
95 Numa grande na paz, Tito clemente,
Aurélio sapiente,
Que os Numes deram, e outra vez tomaram;
Aos Lusos num só Príncipe tornaram.
XV
Do Sábio Prometeu Prole prevista
100 Teme o Orbe apagado:
Témis a arte lhe dá, com que resista
Ao solto abismo de Neptuno irado.
Para que o tempo ousado
Não cubra o Herói c’o véu do esquecimento,
105 Lhe ergue Ulisseia o Equestre Monumento.
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XVI
Não tema Elísia, vendo a Mênfis triste
Sem nome, e destoucada,
Que a idade, a quem o bronze não resiste,
Do ensífero Oríon, do Austro armada
110 Contraste denodada
O Padrão consagrado à MAJESTADE,
Pois Clio o escuda, e of’rece à Eternidade.
XVII
Alvos Hinos de louro coroados
Em torno lhe revoam,
115 Quais lá pelo Híbleo monte os congregados,
Doces enxames todo o ar povoam.
Das cem bocas ressoam,
Da que a terra gerou, vozes tamanhas,
Que eterno o fazem nas Nações estranhas.
- 108 -
VII. OS SONETOS DE SILVA ALVARENGA
*
A primeira versão deste trabalho foi apresentada como comunicação ao V Encontro Interna-
cional da Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário: Memória cultural e edições, Salva-
dor, Baía, 3-7 de Novembro de 1996. Com algumas modificações, integraria depois o artigo «Dois
Estudos Sobre Silva Alvarenga», publicado na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literatu-
ras, II Série, vol. XIV, Porto, Faculdade de Letras, 1997. Para a presente edição, foi novamente objec-
to de correcções.
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_________________________________________________________________________
1
Mosaico Brasileiro ou Collecção de ditos, respostas, pensamentos, epigrammas, poesias,
anecdotas, curiosidades e factos historicos de brasileiros illustres, Rio de Janeiro, B. L. Garnier, s.d.
- 110 -
Quatro poetas brasileiros do período colonial
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2
Curiosidades – Noticias e variedades historicas brazileiras, Rio de Janeiro, B. L. Garnier,
1873.
3
Homens do Passado – Chronicas dos seculos XVIII e XIX, Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1875.
4
In Curiosidades, p. 18.
5
In Homens do Passado, p. 29.
6
Vida e Obra de Alvarenga Peixoto, Rio de Janeiro, M.E.C., I.N.L., 1960, p. XXIX.
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7
A Termindo Sipilio Arcade Romano por Alcindo Palmireno Arcade Ultramarino. Epístola,
Coimbra, Officina de Pedro Ginioux, 1772.
8
O Desertor. Poema Heroi-comico por Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, na Arcadia Ultra-
marina Alcindo Palmireno, Coimbra, Real Officina da Universidade, 1774.
9
Publicado pela primeira vez por Januário da Cunha Barbosa no Parnazo Brasileiro ou Collec-
ção das melhores poezias dos poetas do Brasil, tanto ineditas como já impressas, tomo I, caderno 4.º,
Rio de Janeiro, Typographia Imperial e Nacional, 1830, p. 65-69.
- 112 -
Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Para além destas duas atribuições de Moreira de Azevedo, existem pelo menos
outras quatro, três das quais feitas por Teófilo Braga.
O historiador português, em A Arcadia Lusitana10, refere-se nas pp. 352-353 a
«alguns sonetos» produzidos com a intenção de defender Domingos dos Reis Quita
das sátiras do Dr. Zuniga – Caetano Francisco Xavier Zuniga – dando-os como de
Manuel Inácio (da Silva Alvarenga?, interroga-se o próprio ensaísta). Mais à fren-
te, nas pp. 507-508, transcreve de uma colecção manuscrita de versos – de que não
dá pormenores – três sonetos, repetindo a dúvida quanto ao apelido do autor. Trata-
se dos seguintes poemas: «Dormindo vi a candida Poesia», «Que phantasmas, que
aspectos horrorosos» e «Sobre as azas o Tempo equilibrado». Acrescente-se que
descobrimos há pouco um testemunho manuscrito dos dois primeiros textos, even-
tualmente o mesmo que Teófilo Braga utilizou: trata-se do Ms. 49-I-58, n.º 19r e v
da Biblioteca da Ajuda, em que é indicado como autor o «D.r Manoel Ign.o».
Logo à partida, esta atribuição deve ser encarada com muitas reservas, tanto
mais que o ensaísta, na mesma obra, na p. 227, tinha dado – erradamente – Inácio
José de Alvarenga como participante na última sessão da Arcádia Lusitana, justa-
mente a defender Quita das sátiras de Zuniga. Parece portanto haver confusão entre
os dois Alvarengas.
Por outro lado, o primeiro dos três sonetos em exame não era um inédito e
tinha como autor o próprio Quita: como notou Alberto de Faria em Aérides11, esta-
va publicado – com algumas variantes – nas Obras desse autor. Enganou-se contu-
do Faria ao afirmar que tal publicação ocorrera apenas na edição de 1831; na ver-
10
A Arcadia Lusitana – Garção, Quita, Figueiredo, Diniz, Porto, Chardron, 1899.
11
Arcades sem Arcadias, in «Aérides – Literatura e Folk-Lore», Rio de Janeiro, Jacintho Ribei-
ro dos Santos–Editor, 1918.
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dade, ele já vem incluído na edição anterior, a segunda12. O próprio Teófilo Braga
acabaria por reparar o seu erro: em 1918, na Recapitulação da Historia da Litera-
tura Portuguesa – IV. Os Arcades13, volta a falar nos três sonetos alegadamente da
autoria de Silva Alvarenga, transcrevendo os dois primeiros, mas – numa discreta
nota apresentada na p. 271 – informa que o primeiro deles estava publicado na
edição de 1781 das obras de Reis Quita.
Perante isto, a hipótese de a autoria caber a Silva Alvarenga fica seriamente
comprometida, até porque – como também observou Alberto de Faria – as relações
do poeta mineiro com Quita não parecem ter sido as melhores. Efectivamente, na
epístola que em 1772 dirigiu a Basílio da Gama, Alvarenga afirma a determinada
altura:
Este comentário, como lembra ainda Alberto Faria, não ficaria impune: Cruz e
Silva, no soneto LXXV da centúria III14, responde a Alvarenga de modo particu-
larmente violento, sublinhando a falta de respeito perante alguém que já havia fale-
cido (Quita morreu a 26 de Agosto de 1770) e não perdendo a oportunidade para
satirizar a sua ligação a Basílio:
12
Obras de Domingos dos Reis Quita, chamado entre os da Arcadia Lusitana Alcino Micenio,
segunda edição correcta, e augmentada com as Obras Postumas, e Vida do Author; tomo I, Lisboa,
Typografia Rollandiana, 1781, p. 284 (soneto LXXV).
13
Porto, Chardron, 1918, pp. 269-271.
14
in Poesias, tomo I, Lisboa, Lacerdina, 1807, p. 277.
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15
Op. e ed. cit., tomo II, pp. 14-16.
16
Anthologia da Lingua Vernacula organisada como curso de literatura brazileira, Bahia,
Livraria Catilina, 1913.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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3. Terminada esta discussão acerca dos seis textos atribuídos a Alvarenga por
Moreira de Azevedo, Teófilo Braga e Almáquio Diniz, vejamos agora sete sonetos
inéditos, conservados em três códices diferentes, que, em geral, não parecem colo-
car dificuldades de maior quanto à questão da autoria.
Os primeiros seis poemas encontram-se numa miscelânea manuscrita que
recolhe poemas de autores da segunda metade do século XVIII, intitulada Flores
do/ Parnazo/ ou/ Collecção/ de/ Obras Poeticas/ de/ Differentes Auctores/ Junctas
pelo cuidado/ de/ J... N... S... M.... Na lombada vem a indicação «Vol. IV». Tendo
pertencido à colecção de Rubens Borba de Moraes, o códice está hoje na biblioteca
do Dr. José Mindlin.
São os seguintes os sonetos em causa: «Junto do Mondego manso, e arenozo »
(p. 45; será o soneto III da nossa edição); «Trago a minha confuza fantazia» (p. 46;
soneto IV); «Eu vi Marfida sobre a mam fermoza» (p. 47; soneto V); «Lizandra
17
O Canto dos Pastores. Egloga offerecida a *** por Manoel Inacio da Silva Alvarenga, Arca-
de Ultramarino, Lisboa, Regia Officina Typographica, 1780.
18
Obras Poeticas de Manoel Ignacio da Silva Alvarenga (Alcindo Palmireno) collegidas, anno-
tadas e precedidas do juizo critico dos escriptores nacionaes e estrangeiros e de uma noticia sobre o
auctor e suas obras e acompanhadas de documentos historicos por J. Norberto de Souza S.; tomo I,
Rio de Janeiro, Livraria B. L. Garnier, 1864, pp. 319-328.
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FRANCISCO TOPA
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bela, Ninfa sem brandura» (p. 48; soneto VI); «Deixa, Doris, do fundo, e verde
pégo» (p. 58; soneto VII); «Ja vai a noute as azas encolhendo» (p. 59; soneto VIII).
Todos eles ostentam no cabeçalho, como indicação de autoria, «M.el In.o», o
que nos poderia levar imediatamente a colocar a hipótese de estarmos perante um
caso idêntico ao dos sonetos atribuídos por Teófilo Braga a Alvarenga. A probabi-
lidade de Manuel Inácio de Sousa ser o autor dos textos em discussão é, porém,
francamente diminuta: na p. 31 do tomo V da miscelânea figura um soneto – «No
fundo desta selva tenebroza» – que apresenta como indicação de autoria «M.el In.o
de Sz.a». Significa isto que o organizador da miscelânea distinguia claramente os
dois autores, Alvarenga e Sousa, referindo-se ao primeiro – talvez por se tratar de
um poeta mais conhecido – apenas como «Manuel Inácio» e optando para o segun-
do pela menção do apelido.
Comentando rapidamente os seis sonetos, começaríamos por notar que se trata
de textos líricos dominados pelo tema do amor, apresentando-se quase sempre
marcados pelo motivo do desencontro e do consequente sofrimento do sujeito.
Sob esta orientação global, encontramos uma gama considerável de cambian-
tes, que acompanham assim a mudança de destinatária: Zélia, a presença mais fre-
quente (sonetos III, IV e VIII), Marfida (V), Lisandra (VI) e Dóris (VII). Esses
cambiantes podem ser a declaração amorosa sob a forma de canto que a tudo se
impõe, como ocorre no soneto III: «Tudo se cala enfim, tudo se admira;/ Porque o
Nome de Zélia então soava/ Na minha doce e venturosa Lira»; como podem ser a
contemplação da amada «em doce sono descansando» (V); a promessa de «um
amor constante,/ Que é dádiva mais rara e excelente/ Que o frio ouro, que o lúcido
diamante» (VII); o contraste entre os «tristes gemidos» do sujeito e a alegria cir-
cundante (VIII); ou ainda a «breve glória» proporcionada pela «nuvem do engano»,
isto é, pelo sonho (IV).
O cenário alterna entre o fluvial (III e VII), o marítimo (VI) e o campestre (V
e VIII), adaptando-se assim aos diferentes motivos. Assumindo geralmente contor-
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nos idílicos, pode apresentar também elementos menos aprazíveis, como acontece
no soneto VI: «De cima desta rocha cavernosa,/ Onde as salgadas ondas vêm que-
brar».
Outro aspecto interessante tem a ver com a representação dos cambiantes de
luminosidade, correspondentes às diversas fases do dia. Assim, para além da «noite
escura e fria» (IV), Alvarenga regista o raiar do sol: «Este bosque, que mais espes-
so e horrendo,/ Abafado, co’as sombras parecia,/À bela e clara luz do alvo dia/ Que
alegre, que frondoso, se está vendo!» (VIII); e o ocaso: «Eu vi Marfida sobre a mão
fermosa/ Estar em doce sono descansando,/ Quando o sol para a terra ia inclinando/
Os brandos lírios, a vermelha rosa» (V).
Do ponto de vista da linguagem e do estilo Alvarenga não se afasta muito da
moeda corrente da literatura da época. Ao nível da adjectivação, por exemplo,
encontramos o «Mondego manso e arenoso», o «pego undoso», a «noite escura e
fria», o «gesto brando», o «firme amante»...
Como síntese, podemos dizer que estes sonetos, apesar de não se afastarem
consideravelmente do imaginário e da linguagem do arcadismo, são bem construí-
dos e não desmerecem em absoluto da melhor realização lírica de Alvarenga –
Glaura –, inclusivamente na vertente musical. Veja-se, a este respeito, o modo
como o autor, demonstrando embora preferência pelo decassílabo heróico, experi-
menta outros modelos acentuais e em particular o pentâmetro iâmbico, com o qual
consegue obter interessantes variações melódicas.
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FRANCISCO TOPA
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se por contraste como um mero sobrevivente do amor: «Que eu, triste de mim
mesmo entre agonias,/ Trabalho por fugir da dura morte,/ Pois morro às mãos de
amor todos os dias» (soneto IX).
Embora o motivo que preside à construção do texto seja um tópico bastante
recorrente, cremos que é legítimo chamar a atenção para a proximidade existente
entre a composição de Alvarenga e o soneto de João Xavier de Matos iniciado pelo
verso «Afoito córte o mar o navegante», incluído no primeiro volume das suas
Rimas, publicado em 177019. A diferença mais significativa entre os dois textos
reside no desfecho, na medida em que Xavier de Matos termina com uma declara-
ção de desprezo pela ambição e pela riqueza: «Já huma alta ventura não me enga-
na:/ Seja a todos pequeno embora o Mundo,/ Que eu caibo muito bem nesta chou-
pana».
19
Lisboa, Regia Officina Typografica, 1770, p. 1.
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O primeiro deles, impresso, é um folheto sem folha de rosto com matéria rela-
tiva à inauguração da estátua, encadernado numa miscelânea cuja primeira peça é
«Narração dos Applausos com que o Juiz do Povo e Casa dos vinte-quatro festeja a
felicissima inauguração da Estatua Equestre onde tambem se expõem as allegorias
dos Carros, Figuras, e tudo o mais concernente ás ditas Festas. Lisboa, Regia Offi-
cina Typografica, anno MDCCLXXV». O soneto vem na p. 11, sem indicação de
autoria.
O segundo testemunho é o Ms. 542 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arqui-
vo Distrital de Évora, vindo o poema atribuído a «Seixas (seguramente Joaquim
Inácio de Seixas Brandão) na p. 122. A miscelânea intitula-se «Collecção/ de varias
obras poeticas/ dedicadas/ ás Pessoas de bom gosto/ por/ Henrique de Brederode» e
reúne matéria poética da segunda metade do século XVIII.
Perante estes novos elementos, parece-nos evidente que o texto deve ser
excluído do cânone da obra de Silva Alvarenga, até porque, em rigor, nenhuma dos
três testemunhos identificados lho atribui. A fazer fé no manuscrito de Évora, Joa-
quim Inácio de Seixas Brandão é que deverá ser considerado o seu autor. Para des-
fazer a confusão criada, apresentaremos no final uma edição crítica do texto, com
um aparato de tipo negativo.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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SONETO I
Testemunho – 1.ª ed.: s. l., s. impr., s. d.; 1 fl. Ao fundo, vem a seguinte indicação: «De
Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, Estudante Ultramarino na Universidade de Coimbra».
_________________________
ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO II
12. Na versão de Azevedo, o verso apresenta 11 sílabas métricas, o que parece pouco plausível. Outra
razão que parece autorizar esta proposta de emenda é o efeito de paralelismo com a oração seguinte.
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SONETO III
Testemunho – Miscelânea manuscrita intitulada Flores do/ Parnazo/ ou/ Collecção/ de/ Obras Poeti-
cas/ de/ Differentes Auctores/ Junctas pelo cuidado/ de / J... N... S... M...; p. 45. Na lombada vem a
indicação «Vol. IV». A miscelânea recolhe poemas de autores da segunda metade do século XVIII.
Tendo pertencido à colecção de Rubens Borba de Moraes, o códice está hoje na biblioteca do Dr. José
Mindlin. Cota: RBM/5/b.
Observações – No cabeçalho, como indicação de autoria, está escrito «M.el In.o».
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SONETO IV
_________________________
ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO V
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO VI
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO VII
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ABBA / ABBA / CDC / DCD
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SONETO VIII
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6. A métrica impõe esta apócope.
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SONETO IX
Testemunho – Ms. 1129 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, p. 84. Trata-se de uma miscelânea
poética que recolhe textos de autores da segunda metade do século XVIII. O códice não apresenta
título.
Observações – No cabeçalho, como indicação de autoria, está escrito «De Manoel Ignaçio de Alva-
renga».
_________________________
13. trabalho" trabalharei
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13. Duas razões justificam esta proposta: na versão original, o verso teria 11 sílabas métricas, o que
parece pouco aceitável; por outro lado, a utilização do presente do indicativo concorda com a forma
que surge no verso seguinte.
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SONETO EXCLUÍDO
Testemunhos – Folheto sem folha de rosto com matéria relativa à inauguração da estátua equestre de
D. José, encadernado numa miscelânea cuja primeira peça é «Narração dos Applausos com que o Juiz
do Povo e Casa dos vinte-quatro festeja a felicissima inauguração da Estatua Equestre onde tambem
se expõem as allegorias dos Carros, Figuras, e tudo o mais concernente ás ditas Festas. Lisboa, Regia
Officina Typografica, anno MDCCLXXV». O soneto vem na p. 11, sem indicação de autoria.
– Ms. 542 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora, p. 122 (atribuído a Seixas,
seguramente Joaquim Inácio de Seixas Brandão). A miscelânea intitula-se «Collecção/ de varias obras
poeticas/ dedicadas/ ás Pessoas de bom gosto/ por/ Henrique de Brederode» e reúne matéria poética
da segunda metade do século XVIII.
– Miscelânea manuscrita sem título que apresenta na lombada a seguinte inscrição: «Collecção Poeti-
ca – tomo II», f. 139v (vindo o soneto sem indicação de autoria). Trata-se de uma antologia poética
que reúne matéria da segunda metade do século XVIII. Proveniente da colecção de Rubens Borba de
Moraes, o códice pertence hoje à biblioteca do Dr. José Mindlin, de São Paulo. Cota: RBM/5/b.
Versão de A
_________________________
Legenda. Falta em A1 e A2
5. de prisões" das prisões A2
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_________________________
ABBA / ABBA / CDC / DCD
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VIII. EDIÇÃO E ESTUDO DE UM POEMA INÉDITO
DE SILVA ALVARENGA:
*
Publicado na Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, II Série, vol. XV, Porto,
Faculdade de Letras, 1998.
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Lisboa, em 1780, que surge datada «Do Rio das Mortes em o 1.º de Novembro de
1779». O máximo que podemos dizer quanto à sua ida para o Rio é que ela terá
ocorrido até 1782, data a partir da qual o nosso poeta passa a desempenhar o cargo
de professor régio de retórica e poética, por nomeação do vice-rei Luís de Vascon-
celos e Sousa. Assim, temos de admitir que esta versão A da cantata terá sido escri-
ta entre 1780 e 1782, em Minas Gerais. Por outro lado, conhecido o seu motivo,
compreende-se o seu menor fôlego, traduzido num conjunto de 96 versos.
A versão do manuscrito da biblioteca do Dr. José Mindlin – a que passaremos
a chamar versão B – apresenta uma legenda que nos remete para uma outra data,
um outro espaço e diferentes circunstâncias: «Esta obra é de Manuel Inácio
d’Alvarenga, que ele recitou no Passeio Público do Rio #de" Janeiro, por ocasião da
inauguração do Busto da Rainha Maria Primeira, de Portugal». O espaço é, portan-
to, o Rio de Janeiro, e a data será muito provavelmente 1783, altura em que o Pas-
seio Público foi inaugurado.
Trata-se de uma das obras públicas que marcou o consulado do vice-rei Luís
de Vasconcelos e Sousa (30 de Abril de 1778 / 9 de Maio de 1790). Iniciada em
1779, essa obra consistiu na transformação de uma lagoa que existia nas proximi-
dades do Convento da Ajuda, conhecida como Lagoa do Boqueirão da Ajuda, num
magnífico jardim. O tema voltaria a ser abordado por Alvarenga em dois outros
poemas: na canção intitulada Apotheosis Poetica, publicada em Lisboa, em 1785:
«Lago triste, e mortal, no abysmo esconda/ Pestiferos venenos;/ E o leito, onde
dormia a esteril onda,/ Produza os Bosques, e os Jardins amenos,/ Que adornando
os fresquissimos lugares,/ Dem sombra á terra, e dem perfume aos ares» (vv. 31-
36); e na ode iniciada pelo verso «Longe, longe daqui, vulgo profano», recitada
perante o vice-rei a 12 de Outubro de 1788: «Ó generosa mão, que não desmaias/
No meio das fadigas! Ou dos montes/ Desção as puras fontes,/ Ou fuja o mar infes-
to as nossas praias:/ Ou a peste horrorosa, magra, e escura/ Ache no antigo lago a
sepultura» (vv. 55-60).
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FRANCISCO TOPA
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Cercada pelo mar e pelos morros do Castelo, de Santo António e das Man-
gueiras, a lagoa – como se vê pelas passagens citadas – não passava de um pânta-
no, admitindo-se que tenha sido responsável por uma epidemia de gripe surgida por
essa altura. Depois de drenado e aterrado, esse espaço viria a transformar-se no
jardim do Passeio Público, concebido por Valentim da Fonseca e Silva de acordo
com o estilo francês dos jardins geométricos. Segundo as descrições a que tivemos
acesso, o jardim incluía também um terraço, um chafariz e diversas estátuas, sendo
o acesso feito através de um magnífico portão de pedra, em estilo rococó. Este
portão incluía um medalhão de bronze que apresentava as armas reais e as efígies
de D. Maria I e do seu marido, o príncipe D. Pedro. Dado que não conseguimos
encontrar nenhuma alusão ao busto de D. Maria I mencionado tanto na legenda
desta versão da cantata como no próprio poema, talvez seja de admitir que Silva
Alvarenga se refira ao mencionado medalhão de bronze com a efígie da soberana.
De facto, os vv. 178-185 parecem confirmar essa hipótese: «Ditosa Terra que em
teus fortes ombros/ O Pórtico sustentas,/ O Pórtico feliz onde aparecem,/ Dum lado
as Régias Quinas vencedoras,/ E doutro lado o Bronze esclarecido,/ Monumento de
glória que retrata,/ Por nobre empenho d’alta mão robusta,/ A bela Imagem da
Rainha Augusta».
Por este conjunto de dados, verificamos portanto que a versão B é posterior,
datando pelo menos de 1783, que foi composta num outro espaço – o Rio de Janei-
ro – e que celebra um acontecimento público de maior relevância, o que talvez
justifique a sua maior extensão, traduzida nos seus 257 versos.
Terminadas estas breves considerações introdutórias, editaremos agora as duas
versões da cantata, após o que apresentaremos uma reflexão um pouco mais demo-
rada sobre elas.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Versão A
O Bosque da Arcádia
_________________________
Legenda. D. Maria José Ferreira Eça e Bourbon – É a esposa de D. Rodrigo José de Meneses, gover-
nador da Capitania de Minas Gerais entre 1780 e 1783.
Alcindo Palmireno – É o pseudónimo arcádico de Manuel Inácio da Silva Alvarenga.
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Coro
Alegre, a Primavera
Por ti seus dons entorne
15 E novos anos torne
Festiva a numerar.
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
20 À Deusa tutelar.
#Coro"
As Graças melindrosas
E os Amorinhos belos
30 Lhe prendem os cabelos
E os tornam a soltar.
Ó loiros do Parnaso,
_________________________
28. Graças – Divindades da Beleza, correspondentes às Cárites gregas. Moravam no Olimpo, na
companhia das Musas, integrando o séquito de Apolo.
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Coro
As cândidas virtudes
E os dotes soberanos,
No giro dos seus anos,
Voam a multiplicar.
50 Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
À Deusa tutelar.
_________________________
36. Tempe – Vale da Tessália, entre o Olimpo e o Ossa.
Citera – Ilha do Mar Egeu, de onde era natural Afrodite, ou Vénus. Aí existia um templo consagrado
à deusa.
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Coro
65 Ó dia venturoso,
De glória e de prazer,
O Amor te viu nascer
E o Templo eternizar.
Ó loiros do Parnaso,
70 Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
À Deusa tutelar.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Coro
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
À Deusa tutelar.
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Versão B
O Bosque d’Arcádia
1.ª Noite
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Coro
Alegre, a Primavera
Por Ti seus dons entorne
E novos anos torne
15 Festiva a numerar.
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
À Deusa Tutelar.
Coro
As Graças melindrosas
E os Amorinhos belos
Lhe prendem os cabelos
30 E os tornam a soltar.
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
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Coro
As Cândidas Virtudes
E os Dotes Soberanos,
45 No giro de seus anos,
Voam a multiplicar.
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
50 À Deusa Tutelar.
_________________________
40. A análise da frase claramente mostra que o sujeito de «respeite» é «a Paz», do v. anterior. Assim,
tanto «o bronze» como «o Nome de Maria» são o objecto directo, pelo que, na ausência – provavel-
mente por lapso do copista – da conjunção aditiva, se torna necessário introduzir a vírgula para evitar
ambiguidades.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Coro
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
O voto que elevamos
À Deusa Tutelar.
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FRANCISCO TOPA
_________________________________________________________________________
Coro
Ó loiros do Parnaso,
Cobri com vossos ramos
75 O voto que elevamos
À Deusa Tutelar.
_________________________
82. Não comprometendo a métrica, a presença do artigo definido parece-nos essencial ao equilíbrio
do verso, atendendo até à construção quiasmática que ele apresenta.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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2.ª Noite
Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
Vive imortal.
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Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
110 Vive imortal.
Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
_________________________
116. Este verso, e o conjunto da estrofe, refere-se à transformação do Boqueirão da Ajuda no aprazí-
vel Passeio Público, devida à iniciativa do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa e de acordo com o
projecto de Valentim da Fonseca e Silva. A inauguração do novo espaço ocorreu em 1783.
122. Vasconcelos – Luís de Vasconcelos e Sousa, vice-rei do Brasil entre 1778 e 1790.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Coro
Na cópia bela
140 Do bronze Augusto,
O Régio Busto
Vive imortal.
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FRANCISCO TOPA
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Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
160 Vive imortal.
Mote
Neste público Passeio
As três Graças se ajuntaram.
Glosa
A amenidade, o recreio,
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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A frescura e o prazer,
Tudo junto chego a ver
Neste público Passeio.
165 Apolo a admirá-lo veio,
As Musas o acompanharam;
Batendo as asas chegaram
Os delicados Amores;
E para enlaçar as flores
170 As três Graças se ajuntaram.
3.ª Noite
Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
Vive imortal.
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Coro
Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
Vive imortal.
Coro
200 Na cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Vive imortal.
Coro
220 Na Cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
_________________________
207. Considerando a métrica, esta aférese é imprescindível.
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Vive imortal.
Coro
Na Cópia bela
Do bronze Augusto,
O Régio Busto
240 Vive imortal.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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Coro
Na Cópia bela
255 Do bronze Augusto,
O Régio Busto
Vive imortal.
_________________________
246. Harpias – Monstros fabulosos, com rosto de mulher e corpo de abutre.
247. Amalteia – A ama que alimentou Zeus em criança e o criou em segredo, subtraindo-o assim às
buscas de Crono, que o queria devorar. Zeus viria a oferecer-lhe aquele que ficaria conhecido como
Corno de Amalteia ou da Abundância, caracterizado pela miraculosa particularidade de se encher do
que a sua dona desejasse.
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FRANCISCO TOPA
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Passando agora a uma reflexão um pouco mais detalhada sobre as duas ver-
sões do poema, devemos começar por notar que a versão B é, fundamentalmente,
uma ampliação de A. Com efeito, até ao v. 90, B retoma o texto de A, introduzindo
contudo algumas inovações significativas.
Assim, para além da diferença ao nível da legenda, a que já tivemos oportuni-
dade de fazer referência, verifica-se que B não retoma a primeira quadra da quinta
estrofe do coro de A (vv. 65-68). Em relação às estrofes restantes, a situação é um
pouco mais complexa.
Na primeira, os cinco versos iniciais são iguais, havendo porém uma diferença
no v. 9: A regista jaspe, enquanto B opta por bronze. B intercala depois um verso
novo, colocando em seguida o v. 10 de A, mas com uma variante: os anos de A dão
lugar a a Glória em B. Os vv. 11-12 de A, os últimos da estrofe, são desprezados
na versão B.
A segunda estrofe de A é integralmente mantida em B, ocorrendo no entanto
uma variante no verso inicial: em A, temos venturosos bosques, ao passo que B
opta por bosques venturosos.
Na estrofe seguinte, B retoma os dois primeiros versos de A, despreza os dois
seguintes e conserva os vv. 40-42, ocorrendo uma variante no 41.º: ao sagrado
Tejo de A corresponde o famoso Tejo de B. O verso seguinte de B é diferente, sen-
do conservados em seguida os dois últimos de A, com uma pequena diferença no
45.º ao nível da forma verbal.
Na quarta estrofe, os 4 primeiros versos são comuns, com uma variante no
primeiro: casto Amor de A é substituído por terno Amor em B. O quinto verso de A
foi eliminado por B, que retoma os quatro seguintes, com uma variante no último:
em A ocorre O Jaspe, ao passo que B regista O bronze. Os dois últimos de A foram
substituídos em B por novos versos.
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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te e outras três após uma quadra diferente. Nas outras duas partes do poema, a qua-
dra do coro é sempre a mesma.
As restantes estrofes são em número de 16: na primeira parte há 6, ao passo
que as outras duas apresentam 5 cada uma. Estas estrofes são irregulares, variando
o seu número de versos entre 7 e 16. Do ponto de vista métrico – e à excepção da
11.ª estrofe, de que falaremos separadamente –, o decassílabo alterna com o hexas-
sílabo, num esquema irregular: na 1.ª estrofe, são hexassílabos os vv. 3, 4 e 6; na
2.ª e na 3.ª, apenas o v. 3; na 4.ª, os vv. 3, 4, 8 e 9; na 5.ª, todos os versos são
decassilábicos; na 6.ª, são hexassilábicos os vv. 2, 5, 10, 12 e 13; na 7.ª, os vv. 5, 7
e 10; na 8.ª, os vv. 1, 3 e 8; na 9.ª, os vv. 4 e 7; na 10.ª, os vv. 3, 7, 9, 10 e 12; na
12.ª, os vv. 1 e 5; na 13.ª, os vv. 2 e 6; na 14.ª, os vv. 7, 13 e 14; na 15.ª, os vv. 1, 3,
6, 9, 11 e 12; e, na 16.ª, os vv. 5 e 7. Quanto à acentuação, há uma vantagem clara
do decassílabo heróico sobre o sáfico. Relativamente ao hexassílabo, a acentuação
é variada, sendo os padrões mais frequentes 2-6 e 4-6. No que respeita à rima,
domina o verso branco, ocorrendo contudo em todas as estrofes, segundo um
esquema irregular, a rima toante emparelhada.
Diferente de todas as outras é a 11.ª estrofe. Trata-se de uma glosa em forma
de décima espinela (obedecendo portanto ao esquema rímico abbaaccddc), que
recorre ao verso redondilho maior. Esta glosa tem por mote aquilo a que geralmen-
te se dá o nome de colcheia, isto é, um mote formado por dois versos, depois reto-
mados como 4.º e 10.º versos da décima.
Para terminar, impõe-se uma breve comparação entre as duas versões da can-
tata no que respeita ao plano do conteúdo.
Confirmando inteiramente a legenda, a versão A limita-se a celebrar a passa-
gem do aniversário da destinatária, num texto que não oferece particulares motivos
de interesse. O autor constrói um cenário idílico, centrado na Arcádia e recheado
de figuras e referências mitológicas, colocadas ao serviço da exaltação das virtudes
e do nome de Maria. Reservando-se uma função de mensageiro e ao seu verso uma
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Quatro poetas brasileiros do período colonial
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FRANCISCO TOPA
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