Artigo
Artigo
Artigo
IPDMS
IPDMS
Realização:
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS
Organização:
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS
Núcleo de Estudos Filosóficos – NEFIL/PPGD/UFPR
Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania – NDCC/PPGD/UFPR
Núcleo de Estudos de Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e
Desenvolvimento – PRO POLIS/PPGD/UFPR
Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular Isabel da Silva – MAJUP Isabel
da Silva/UFPR
Apoio:
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná –
PPGD/UFPR
Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná – SCJ/UFPR
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
PROGRAMAÇÃO .......................................................................................................................p. 22
EMENTA .................................................................................................................................... p. 30
ARTIGOS
RESUMOS
ED 2 – CIDADE E DIREITO
ARTIGOS
RESUMOS
ARTIGOS
7. Quem segurava com força a chibata agora usa farda: a política da Polícia
Militar – Marina Zminko Kurchaidt ............................................................................ p. 497
RESUMOS
ARTIGOS
ARTIGOS
3. A verdade está lá fora: Escritos Sobre Uma Realidade Não Vista – Análise
dos Relatos Sobre o Testemunho de Familiares de Adolescentes Internados na
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
FASE – Ariane Oliveira .................................................................................................... p. 719
RESUMOS
ARTIGOS
RESUMOS
ARTIGOS
RESUMOS
ARTIGOS
RESUMOS
ARTIGOS
1. O poder do ativismo social no século XXI – Diana Carolina Valencia Tello .......
................................................................................................................................................ p. 1217
RESUMOS
ARTIGOS
11. Violação a direitos nas aldeias guarani nos municípios de Terra Roxa e
Guaíra/PR – Adriele Fernanda Andrade Précoma, Dulce María García y García,
Elis Cristina Alves Pereira ............................................................................................ p. 1429
RESUMOS
ARTIGOS
2. PEPo (Pólo de Extensão Popular): por uma construção popular e crítica de pes-
quisa e extensão – Jonathan Jaumont, Ana Carla Ribas, Karen Cecconello, Caroline
Antunes, Talita Machado, Nathalia Rangel, Leonardo Silva e Sabrina Freitas ................
................................................................................................................................................ p. 1490
RESUMOS
APRESENTAÇÃO
Reunimos aqui os trabalhos apresentados no IV Seminário Direito,
Pesquisa e Movimentos Sociais, que ocorreu entre os dias 16 e 20 de
setembro de 2014 em Curitiba. O encontro foi realizado pelo Instituto de
Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), em parceria com a
Universidade Federal do Paraná, instituição que aprovou, neste mesmo ano, a
criação de uma turma de Direito voltada aos beneficiários do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), ou seja, acampados e
assentados da reforma agrária e remanescentes de comunidades quilombolas.
Apesar de grandes esforços, realizados nas últimas décadas, de crítica
aos modelos hegemônicos de educação e pesquisa jurídicas reproduzidos no
país por quase dois séculos, ainda são bem limitados os espaços, no âmbito
das Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, em que é possível
realizar pesquisa, educação e extensão universitária em novos formatos que
permitam o diálogo com forças sociais populares democratizantes e com
saberes insurgentes e descoloniais.
O IPDMS foi criado por nós, professores, professoras, pesquisadores,
pesquisadoras, militantes, profissionais e estudantes ligados, principalmente, à
área do Direito, para realizar e fomentar pesquisas comprometidas com o
fortalecimento das lutas populares. Ao mesmo tempo em que pretendemos
negar o suposto “monopólio do saber” invocado pelas Universidades,
buscamos provocar mudanças democratizantes em suas bases, tendo o IPDMS
como espaço de articulação das reflexões coletivas e do trabalho em rede.
O IV Seminário, a própria criação do IPDMS e a turma do PRONERA
são materializações de desejos e lutas de várias pesquisadoras e
pesquisadores de todos os estados brasileiros pelo fortalecimento das vias
emancipatórias de articulação entre Direito e movimentos sociais.
Muitos dos trabalhos apresentados no encontro, distribuídos em 11
Espaços de Discussão (EDs), são resultantes de pesquisas que tiveram seu
início ou redefinição decorrente de inquietações produzidas nos espaços dos
seminários anteriores. Os recortes metodológicos, marcos teóricos e temas
abordados também demonstram o enorme esforço em se aprofundar os
vínculos entre saber científico e demandas/saberes populares.
Comissão organizadora
Anna Carolina Lucca Sandri
Anna Carolina Murata Galeb
Assis da Costa Oliveira
Celso Luiz Ludwig
Diana Melo Pereira
Eloísa Dias Gonçalves
Fabiana Cristina Severi
Kamila Anne Carvalho da Silva
Lawrence Estivalet de Mello
Paula Talita Cozero
Pedro Pompeo Pistelli Ferreira
Ricardo Prestes Pazello
Tchenna Fernandes Maso
PROGRAMAÇÃO
IV SEMINÁRIO NACIONAL DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
De 16 a 20 de setembro de 2014
UFPR, Curitiba, Paraná
16 de setembro (Terça-feira)
17h – Credenciamento
19h00 – Abertura do IV Seminário
Ricardo Prestes Pazello (IPDMS e UFPR)
Anna Carolina Lucca Sandri (Promotoras Legais Populares – PLPs)
José Rafael de Oliveira (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST)
Róbson Sebastian Formica (Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB)
Fernando G. V. Prioste (Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos)
Caroline Blum (Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT)
Daniele Regina Pontes (Ambiens Sociedade Cooperativa)
Tailaine Costa de Andrade (Centro de Referência em Direitos Humanos –
CRDH Dom Hélder Câmara)
17 de setembro (Quarta-Feira)
18 de setembro (Quinta-feira)
19 de setembro (Sexta-feira)
20 de setembro (Sábado)
CARTA DE ABERTURA
IV Seminário Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais
para os encarcerados.
Canto aos párias da vida…
aos bêbados, aos vagabundos e aos toxicômanos.
Canto as prostitutas
e as mulheres que foram embora com o homem amado.
...
ESPAÇOS DE DISCUSSÃO
(EDs)
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 1
Avaliadores:
Alexandre Bernardino Costa (UnB)
Liziane Pinto Correia (UFPB)
Katya Regina Isaguirre (UFPR)
EMENTA
Relações entre a assessoria jurídica popular (AJP), educação popular e
educação jurídica; Formas de abordar o Estado e o Direito com a reflexão
crítica da educação jurídica, baseada na práxis; Discutir a ideologia na
educação, nas produções técnica e acadêmica; Experiências sobre extensão
popular e pesquisas – refletindo sobre os espaços de prática jurídica dentro e
fora das IES; Contextualizar a educação jurídica popular, ou a educação
popular em direitos humanos, presente inclusive em projetos de extensão; A
educação jurídica na perspectiva popular, interdisciplinar e indissociabiliza-
dora; A assessoria jurídica universitária popular (Ajup) na RENAJU, FENED,
e\ou outras organizações; Diferenciar educação formal, não-formal e popular;
Analisar a advocacia popular e o debate sobre os serviços jurídicos alternati-
vos, práticas jurídicas insurgentes, advocacia estratégica em direitos huma-
nos, advocacy, entre tantas outras abordagens presentes na RENAP, escritórios
de direitos humanos e organizações não-governamentais; Sistematizar e
resgatar o histórico de experiências das assessorias com os movimentos e
grupos sociais, sobretudo na América Latina; especialmente a luta das mulhe-
res assessoras populares, no contexto dos feminismos e outras importantes
bandeiras, como a da diversidade sexual. São referenciais teórico-metodoló-
gicos: A pesquisa-ação, a educação popular transformadora, com perspectiva
de indissociar pesquisa, ensino e extensão, como norte das discussões a com-
juntura política da educação jurídica no Brasil, para que as práticas estudantis
e técnicas do direito contribuam para a construção de uma educação jurídica
que está com os Movimentos Sociais Populares, construindo atividades e pro-
duzindo teoricamente sobre as reflexões de suas práticas. Também, o Movi-
mento de Educação Popular de Paulo Freire, o Movimento Educação de Base,
O Teatro do Oprimido de Augusto Boal, as propostas educativas dos movi-
mentos sociais, das redes de advogados e de estudantes. Roberto Lyra Filho,
que é um marco com o Direito Achado na Rua e o Alberto Warat, com a sua
multidiversidade surrealista. Ainda citamos Jacques Alfonsin, Miguel Baldez e
Miguel Pressburger. O desafio é a construção e consolidação da AJP como um
marco teórico-metodológico. É preciso refletir sobre seu histórico, carac-
terísticas, relações de produção de conhecimento, metodologias de trabalho
com movimentos populares e formação de novos educadores.
ARTIGOS
1. Introdução
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB, coordenadora do
Grupo de Pesquisa Marxismo, Direito e Lutas Sociais. Professora de Teoria do Direito na UFPB.
2
Duas das mais conhecidas organizações de assessoria jurídica popular (embora não sejam as
únicas) são a RENAAP (Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares) e a RENAJU (Rede
Nacional de Assessoria Jurídica Universitária).
3
Participaram da pesquisa 7 (sete) das 9 (nove) ajups existentes nas universidades públicas
federais organizadas pela RENAJU até o momento (julho de 2012). Dos grupos listados na tabela,
apenas o NAJUP – Direito nas Ruas (UFPE) e o PAJE (URCA) estão ausentes.
ocorre, por exemplo, com o “Diálogos Pés no Chão”, no Najup Negro Cosme
(UFMA), com o “Diálogos Urbanos” do CAJU (UFC) e com momentos de
debate do Cajuína (UFPI) e também no Lições de Cidadania (UFRN). Este
último grupo, inclusive, coloca que nos dois momentos de debate que
promoveu sobre o direito à cidade, trouxe os atingidos pelas violações para
compor a mesa.
namento ao patriarcado, que não foi inventado pelo capitalismo, mas este
último se alimenta dele para aprofundar as desigualdades sociais. Da mesma
forma ocorre com os sujeitos que vivenciam a sexualidade de uma maneira
fora do padrão dominante; o pano de fundo da homofobia é também o
patriarcado, embora tenhamos uma maior complexidade para compreender
essa realidade, que permitirá aos LGBTT ocupar o lugar de consumidores, mas
não os locais de poder na sociedade burguesa.
O NEP Flor de Mandacaru, por exemplo, pensa que “todas essas lutas
estão ligadas ao modelo de desenvolvimento, pois ele está ligado ao homem,
ao proprietário, ao heterossexual, cristão, que anda de carro...”. A maioria dos
membros do grupo (entre os que estavam presentes, obviamente) expressam
o entendimento de essas lutas não terão sucesso dentro do capitalismo, são
incompatíveis com a lógica do capital. Muito embora algumas dessas opres-
sões não tenham surgido no capitalismo, ele as fortaleceu, gerou mais violên-
cia e acirrou os conflitos, de modo que esses sujeitos só poderão ter sucesso
nas suas lutas se mudarem radicalmente a ordem sócio-econômica atual.
A questão nos remete à possibilidade de efetivação dos direitos
humanos dentro do modo de produção capitalista. Isso porque todas essas
lutas a que nos referimos estão resolvidas no plano do nosso ordenamento
jurídico, em especial através da garantia dos direitos sociais. No entanto, estes
direitos não conseguem ser efetivados, e os sujeitos que deles carecem
parecem se distanciar da condição de sujeito de direitos. Tudo indica que a
condição de proprietário é que leva o sujeito a, de fato, ocupar o lugar de
sujeito de direito, ainda que a ordem jurídica indique que “todos são iguais”
independentemente da condição social, raça, gênero, etc. É o que sustenta
Karl Marx em Sobre a Questão Judaica, quando coloca que o Estado anula
formalmente a propriedade privada como condição para ter acesso aos
direitos, mas essa formalidade descrita nas leis não se concretiza porque o
Estado permite que, no plano fático, a propriedade atue como este limitador
(MARX: 1991, p.39).
Conclusão
dos trabalhadores ou da parte “mais fraca” nessas lutas, o que implica sempre
em algum nível de enfrentamento ao modelo dominante de desenvolvimento.
No entanto, os objetivos desses grupos, aliados às classes e grupos
oprimidos na defesa de seus direitos, esbarram nos limites intransponíveis do
modo de produção capitalista. Enfim, todos esses sujeitos com os quais os
grupos de assessoria jurídica popular lutam representam um questionamento
ao modo de produção capitalista, já que o modelo de desenvolvimento deste
último implica necessariamente na “exclusão social” daqueles. Não se trata de
incluí-los na ordem posta, o que, ao nosso ver, é impossível (porque a
exclusão é algo estrutural ao capitalismo), mas de superar essa ordem, destruí-
la, substituí-la por outra que lhe seja radicalmente diferente. É por isso que
discordamos da concepção neo-desenvolvimentista, que, ao nosso ver, é uma
continuidade da proposta neo-liberal com uma falsa promessa de concretizar
os direitos sociais.
Estamos certos de que nem todos os grupos de assessoria jurídica
popular pensam dessa maneira. Mas também podemos perceber que esse
entendimento vem crescendo, ou seja, o ponto de vista do marxismo vem
ganhando espaço nesse campo da educação jurídica (essa questão merece
uma atenção mais cuidadosa em outras pesquisas).
Precisamos pensar, como Mészáros (2008), uma educação para além
do capital, porque a tarefa histórica que temos pela frente é bem maior do
que a negação do capitalismo, visto que precisamos criar alternativas viáveis e
concretas para uma nova ordem social. Isso porque a educação cumpre um
papel essencial nesse processo, tanto para a “elaboração de estratégias
apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução,
como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar
a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente”
(MÉSZÁROS: 2008, p.65). Entendemos que na assessoria jurídica popular
universitária pode estar um gérmen desse processo, por isso investimos nela
com tanto carinho e cuidado.
Referências bibliográficas
MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Ed. Moraes LTDA, 1991.
"A rua grita. A rua grita e não é escutada pelos juízes, advogados,
teóricos do Direito, professores (...) temos que reaprender a
escutar a rua enquanto produtora do novo."
Introdução
1
Aluna do 9º período do curso de graduação em Direito, da Universidade Federal de Goiás,
Campus Jataí. Email: [email protected]
2
Aluna do 9º período do curso de graduação em Direito, da Universidade Federal de Goiás,
Campus Jataí. Email: [email protected]
3
O projeto de extensão “Gênero, direitos e violências” também se intitula o coletivo “As
Libertárias”.
4
PATEMAN, 1993, p.15.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
52
5
PATEMAN, 1993, p.15-18.
6
PATEMAN, 1993, p.38.
7
IASI, 1991, p.7.
8
PATEMAN, 1993, p.21.
9
IASI, 1991, p.1-3.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
53
10
IASI, 1991, p.3.
11
FREIRE, 1983, p. 15.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
54
12
FREIRE, 1983, p. 29.
13
FREIRE, 1983, p. 13.
14
FREIRE, 1983, p. 13.
15
FREIRE, 1983, p. 30.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
55
16
FREIRE, 1983, p. 21.
17
FREIRE, 1983, p. 16.
18
FREIRE, 1983, p.28.
19
FREIRE, 1983, p. 9.
20
GATOTTI, 2001, p. 120.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
56
21
FREIRE, 1970, p. 39.
22
FREIRE, 1983, p. 21.
23
GADOTTI, 2001, p. 119.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
57
24
FÓRUM GOIANO DE MULHERES, 2012, p.13.
25
FÓRUM GOIANO DE MULHERES, 2012, p.13.
26
BOAL, 2012, p. 11.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
59
27
BOAL, 2012, p. 19.
28
Augusto Boal trabalha com o conceito de Spect-atores, para elucidar como todos os sujeitos são
atores e protagonistas de suas vidas.
29
BRASIL, 2008b.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
60
30
BRASIL, 2008a.
31
BRASIL, 2009.
32
SOUZA JUNIOR et al, 2011, p.28.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
61
33
SANTILLI, 2009, p. 82.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
62
Conclusões
Referências bibliográficas
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras leituras políticas. 12ª ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
3C7D-437A-A5B6-
22166AD2E896}&BrowserType=IE&LangID=ptbr¶ms=itemID%3D%7BC37
B2AE9%2D4C68%2D4006%2D8B16%2D24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=
%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D>. Acesso
em: 10 mar 2013.
IASI, Mauro Luis. Olhar o mundo com olhos de mulher. Amsterdã: Instituto
internacional de investigações e formação, 1991.
1. Introdução
1
Advogada. Mestranda junto ao Programa de Pós Graduação em Direito da UFSC (PPGD/UFSC).
Bolsista CNPQ. Antiga integrante do NAJUPAK/PA, período 2010-2011, email:
[email protected].
2
Para saber mais, ler Desigualdade e Indicadores Sociais no Brasil, trabalho de Luna, Francisco
Vidal e Klein, Herbert; publicado na obra O Sociólogo e as Políticas públicas: Ensaios em
Homenagem a Simon Schwartzman / Luisa Farah Schwartzman, Isabel Farah Schwartzman, Felipe
Farah Schwartzman, Michel Lent Schwartzman, org. —Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. Pp 97-
116. ISBN 9788522507368 e disponível em:
<http://www.schwartzman.org.br/simon/fest5_herb.pdf> Acesso em 13/10/2013.
impressão de que nada de positivo pode ser dito relativamente à situação dos
Direitos Humanos” (2007: 30).
Lado a lado a esse histórico, nesse contexto, não se pode negar que
muitos e muitas lutaram pela transformação social ou pela melhoria da
qualidade de vida dos brasileiros. Desde o processo da democratização, após
as recentes ditaduras militares (anos 64-88), e da promulgação da chamada
“Constituição Cidadã” de 1988, evidencia-se um processo de luta pela
proteção e garantia de direitos humanos, com a formação de um grande
número de associações e no desenvolvimento de uma ação política que se
apoia em direitos e garantias constitucionais, movimento que vem sido
caracterizado como “democracia participativa” conforme Dallari.
Sem dúvidas, a Constituição de 1988 ampliou o leque de direitos, a
partir de conjunto de princípios expressamente estabelecidos nos quais
verifica-se o papel protagonista da dignidade humana, ficando os interesses
econômicos subordinados ao respeito aos direitos fundamentais dos
indivíduos e à considerações sobre os interesses sociais, sendo exemplo claro
a questão da garantia da propriedade, apenas enquanto cumprir uma função
social. No entanto, é evidente que não bastou a existência da nova
Constituição para que os direitos humanos fossem efetivamente
institucionalizados e respeitados.
Paulo Freire, nascido Paulo Reglus Neves Freire (1921 - 1997), foi um
educador brasileiro com atuação e reconhecimento internacional, por ter
desenvolvido um método inovador de alfabetização para adultos e por uma
vasta obra em que trabalha com a lógica da educação para libertação, na
chamada educação popular. Preso na ditadura, considerado subversivo, viveu
16 anos no exílio, tendo contribuído pela educação em diversos países,
especialmente na América Latina e África.
Freire desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente
político. Em sua obra, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno, o
que significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a
entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação.
Dessa forma, a alfabetização de adultos, por exemplo, deve estar diretamente
relacionada ao cotidiano do trabalhador. Assim, o adulto através da sua
realidade adquire capacidade para inserir-se de forma crítica e atuante na vida
social e política.
Dessa forma, o trabalho de Freire está vinculado a nova epistemologia
que rompe com a educação tradicional, elitista, formalista. Trata-se de pensar
3
Ver mais sobre a Década de Educação em Direitos Humanos da ONU em:
<http://www.dhnet.org.br/dados/lex/brasil/leisbr/edh/mundo/diretrizes.htm> Acesso em
13/10/2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
69
4
Disponível em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCsQFjAA&ur
l=https%3A%2F%2Ffanyv88.com%3A443%2Fhttp%2Fportal.mec.gov.br%2Findex.php%3Foption%3Dcom_docman%26task%3Ddoc_d
ownload%26gid%3D2191%26Itemid&ei=GgpcUsfnFqfuyQGFq4HwCA&usg=AFQjCNGB6mcHyR09
x1iLiOeCa8gN4U6QGQ&bvm=bv.53899372,d.aWc> Acesso em 14/10/2013.
5
ONU. Documento A/51/506/Add. 1, apêndix, para.
Conclusão
Referências bibliográficas
1
Defensora Pública do Estado da Bahia. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Aluna regular do Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos
Aires (UBA). Professora de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, Bahia. E-mail:
[email protected]
2
Defensor Público do Estado da Bahia. Especialista em Mediação e Prevenção de Conflitos
Fundiários.E-mail: [email protected]
1. Introdução
3
Cf. Relatório da atuação da Justiça Nos Conflitos Fundiários Urbanos. Ministério da Justiça-
Secretaria da Reforma do Judiciário. São Paulo/Brasília,2013, p.45.
4
WARAT, Luís Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, Vol. III, p.26.
pelo Estado, logo, restou-lhes a via da pressão política pelas ocupações, que
se tornam, então, suas moradias, mesmo precárias.
O contexto urbano 5 que propicia estes conflitos é gerado pela
“impossibilidade de aquisição, por parte significativa da população, de imóveis
providos de infraestrutura urbana (calçamento, esgotamento sanitário e
pluvial, rede elétrica, transporte público) no mercado formal do solo é
resultante, assim, da ausência de políticas públicas efetivas para provimento
habitacional em escala compatível com o crescimento da demanda e da
manutenção do valor dos salários em patamares proibitivos ao pagamento do
preço da moradia”6.
5
Dentro do contexto urbano, podemos definir o conceito de prevenção dos conflitos fundiários
urbanos como um conjunto de medidas voltadas à garantia do direito à moradia digna e
adequada e à cidade, com gestão democrática das políticas urbanas, por meio da provisão de
habitação de interesse social, de ações de regularização fundiária e da regulação do
parcelamento, uso e ocupação do solo, que garanta o acesso à terra urbanizada, bem localizada e
a segurança da posse para a população de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis.
6
CAFRUNE, Marcelo Eibs. Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos: do debate teórico à
construção política. Revista da Faculdade de Direito UniRitter, Porto Alegre, n. 11, p. 197-217,
2010.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
86
7
Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de outubro de 2009, determinou que a Defensoria
Pública também atuasse na defesa dos conflitos coletivos.
2. Conclusão
8
WARAT, Luís Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1, p.88.
3. Referências bibliográficas
9
BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005 p.88.
1. Introdução
1
Verifica-se que apesar da autoria de duas pessoas, o presente artigo parte de ações e reflexões
conjuntas da equipe da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – ou seja, é um artigo que
parte da coletividade.
2
Graduanda do 7° período em Direito pela Universidade Federal de Goiás – Regional Cidade de
Goiás (UFG-RCG). Monitora da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – Residência Agrária
(INCRA/PRONERA/UFG/CNPq).
3
Graduando do 9° período em Direito pela Universidade Federal de Goiás – Regional Cidade de
Goiás (UFG-RCG). Monitor da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – Residência Agrária
(INCRA/PRONERA/UFG/CNPq).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
94
4
Atualmente existem mais duas Turmas de Direito do PRONERA, ambas localizadas na Bahia: na
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Na Universidade Federal do Paraná (UFPR) encontra-se em estágio bastante avançado para a
implementação de mais uma turma.
UFG-RCG, o que possibilita que estes tenham uma formação e uma prática
associadas à questão agrária e vivência com integrantes dos movimentos
sociais – no sentido de contribuir com reflexões sobre a formação acadêmica.
5
A ausência citada no texto pode ter como justificativa o momento histórico que os presentes
autores chegaram à instituição. Tendo em vista, que quando os autores chegaram à UFG a
efervescência no debate universitário sobre as ações afirmativas para camponeses já estava
bastante reduzido.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
99
6
Imagem do acervo da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – Residência Agrária.
Verifica-se que as atividades propostas para o dia 30/11 e 01/12/2014 não foram realizadas no
momento do ciclo diante problemas operacionais e de término do semestre letivo. Verifica-se que
o cartaz de convite já apresenta alguns elementos centrais para a compreensão da atividade do
Ciclo de Debates, tais como: o seu surgimento diante o Grupo de Estudos em Direitos Sociais do
Campo; as temáticas que foram discutidas; e a proximidade e articulação com os movimentos
sociais camponeses na construção e realização do mesmo – compreendendo-os enquanto sujeitos
essenciais na luta por direitos sociais.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
101
7
A verificação da ausência de debates jurídicos mais consolidados sobre a temática dos
agrotóxicos foi observada pelo Cerrado Assessoria Jurídica Popular – organização que está
atuando nas demandas envoltas ao incidente.
8
Síntese dos autores sobre a relatoria produzida no dia 12 de setembro de 2013 - que versava
sobre a fala de Natanael. Relatoria do acervo da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo.
9
Síntese dos autores sobre a relatoria produzida no dia 26 de setembro de 2013 - que versava
sobre a fala de Mauro Lemes. Relatoria do acervo da Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo.
10
Organização Internacional de camponeses que é composta por diversos movimentos e
organizações sociais com o intuito de contribuir e articular mobilizações à nível internacional na
luta pela terra.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
104
11
Sistematização feita através da Relatoria do Ciclo de Debates: Questão Agrária e Universidade
do dia 21 de novembro de 2013 do acervo da Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo –
Residência Agrária. E é uma sistematização da fala das seguintes estudantes de Direito: Carlos
Vitor Matos Diniz, Emília Joana Viana de Oliveira, Geraldo Miranda Pinto Neto, Mariana Gullo
Paixão, Nayara Araújo Moreira e Renato Cavalcante Calixto.
12
Avaliação feita pelo estudante do 7° período em Direito e estagiário da Defensoria Pública da
União (DPU), Frederico Ribeiro Machado, sobre a sua participação no Ciclo de Debates: Questão
Agrária e Universidade.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
107
6. Conclusão
7. Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50° ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2011.
LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
LYRA FILHO, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre. Fabris.
1980.
Introdução
1
Graduando do 7º semestre do curso de Direito da UFPA. Bolsista voluntário do NAJUP ALDEIA
KAYAPÓ, e militante do Levante Popular da Juventude. E-mail: [email protected].
2
Graduanda do 5º semestre do curso de Direito da UNAMA. Bolsista voluntária do NAJUP ALDEIA
KAYAPÓ, e militante do Levante Popular da Juventude.E-mail: [email protected].
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
113
3
SANTOS, 2011, p. 76.
4
BOBBIO, 2006, p. 135.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
114
5
FREIRE, 2012, p. 63.
6
FREIRE, 2012, p. 34.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
115
A Universidade de ideias
7
SARAMAGO, 2013, p.41.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
116
8
SANTOS, 2010, p. 103.
9
BOBBIO, 2006, p.135.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
117
10
FILHO, 1984, p. 01.
11
BAUER, 2010, p. 57.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
118
12
CHAUÍ, 2003, p. 5.
13
SANTOS, 2010, p. 106.
14
JÚNIOR, 2008, p.121.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
119
15
SANTOS, 2011, p. 75.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
120
16
SANTOS, 2010, p. 108.
17
FREIRE, 2012, p.75.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
121
Educação popular
18
FREIRE, 2012, p.32.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
122
19
FREIRE, 2012, p.33
20
FREIRE, 2012, p.57
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
123
21
FREIRE, 2012, p 80.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
124
Conclusão
22
Serão citados os temas dos rodas e alguma conclusões que o núcleo obteve após os rodas, mas
não colocaremos de forma aprofunda, pois ainda não concluímos as atividades.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
125
Referências bibliográficas
BAUER, Carlos. A classe operária vai ao campus. São Paulo, editora Instituto
José Luís e Rosa Sunderman, 2010.
FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. Coleção primeiros passos. Ed. 11ª.
Editora brasiliense, 2008.
______. Por que Estudar Direito, Hoje? Brasília: Edições Nair, 1984. Disponível
em: http://direitounitri.wordpress.com/materias/introducao-ao-direito/por-
que-estudar-direito-hoje/. Acesso em: 25.05.2014.
1. Introdução
1
Advogado, graduado e mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo. Este trabalho é
parte de pesquisa individual em andamento para elaboração de dissertação de mestrado.
2
Nesse sentido, Kelsen afirma que “Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento
do Direito em face destas disciplinas [psicologia, sociologia, ética e teoria política], fá-lo não por
ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo
metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos
pela natureza do seu objeto.” (KELSEN, 2006, p. 2). E ainda, “A ciência jurídica procura apreender
seu objeto ‘juridicamente’, isto é, do ponto de vista do Direito. Apreender algo juridicamente não
pode, porém, significar senão apreender algo como Direito, o que quer dizer: como norma jurídica
ou conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através de uma norma jurídica.” (KELSEN,
2006, p. 79).
3
Como parte do movimento de expansão e consolidação da Defensoria Pública, a Emenda
Constitucional n° 80, de 4 de junho de 2014, alçou a nível constitucional a Defensoria como
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
130
5
Nesse sentido, Luiz Gonzaga Belluzzo “As novas instituições e as políticas econômicas do Estado
social estavam comprometidas com a manutenção do pleno emprego, com a atenuação, em
nome da igualdade, dos danos causados ao indivíduo pela operação sem peias do ‘mecanismo
econômico’.” (BELLUZZO, 2013, p. 164).
6
O marco utilizado por CAPPELLETTI e GARTH (1978) é a criação da Office of Economic
Opportunity nos Estados Unidos em 1965 como início da primeira onda de reformas sobre acesso
à justiça.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
132
7
No Brasil, uma das principais inovações processuais nesta seara foi a Lei da Ação Civil Pública de
1985. Segundo Cappelletti e Garth (1978), as vantagens da class action são evitar custos de criar
uma organização permanente e possíveis compensações financeiras em razão de eventuais
honorários. Como desvantagens, o desestímulo do risco de derrota, a baixa capacidade técnica do
litigante individual quando comparada com a capacidade de grandes organizações (empresas e
governos), e ausência de estrutura para se envolver em atividades extra-jurídicas, como lobbies.
que nos Estados Unidos, por exemplo, que chegou a fundar a Legal Services
Corporation. Na América Latina, o acesso à justiça nunca foi visto como um
direito durante muito tempo. Nem mesmo o primeiro modelo típico dos
países centrais, de “ajuda legal para os pobres” (legal aid), difundiu-se pela
América Latina. Muito menos os “escritórios de interesse público” e as
reformas legais que permitissem a representação de interesses coletivos no
Judiciário. Ainda, os mecanismos informais de solução de conflitos não foram
frutos de uma visão de ineficiência dos tribunais ou de práticas empresariais
de grandes corporações. Pelo contrário, segundo Hurtado (1989), como
diversos grupos sociais não tiveram durante bastante tempo condições de
serem representados nos tribunais, desenvolveram, por si só, formas
alternativas, não-estatais, de resolução de conflitos.
Em verdade, enquanto o surgimento dos serviços legais nos Estados
Unidos e Europa decorreram de políticas de Estado, na América Latina os
fatores são outros: a) a esquerda em sentido amplo e advogados de perfil
ideológico mais progressista; b) apoio da Igreja Católica; c) apoio financeiro e
ideológico externo; d) o surgimento de novos movimentos sociais. São esses
quatro fatores que podem explicar o surgimento dos serviços legais na região
e também os diferentes ritmos de desenvolvimento em cada país específico.
No Brasil na década de 1980, no contexto da redemocratização
política, da emergência de movimentos sociais e da promulgação de uma
Constituição de inspiração social-democrata, foram formados grupos de
Assessoria Jurídica Popular, tanto no meio universitário, quanto na própria
advocacia profissional (LUZ, 2008). Tratam-se de experiências pioneiras de
democratização do Acesso à Justiça, considerados como um novo tipo de
serviço legal voltado para os emergentes movimentos sociais, distinto das
formas tradicionais e caritativas até então prevalecentes. Na época, o
ineditismo de tais grupos residia, entre outros fatores, na ocupação de
espaços jurídico-institucionais dos quais os movimentos sociais estavam até
então praticamente alijados; e na forma de relação que contribuísse para a
organização dos movimentos sociais, substituindo uma postura paternalista
dos advogados (CAMPILONGO, 2011).
Numa apertada caracterização desse tipo de serviço legal inovador, a
Assessoria Jurídica Popular priorizava demandas coletivas, em contraposição
ao tradicional enfoque individual e atomizado. Funda-se numa macroética,
que estimula a relação horizontal entre advogados e movimento social, com
vistas à conscientização e educação em direitos do grupo atendido. Busca-se
3. A Defensoria Pública
8
III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Ministério da Justiça, Brasil, 2009. pp. 266.
Disponível online em:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/III%20Diagn%C3%B3stico%20Defensoria%2
0P%C3%BAblica%20no%20Brasil.pdf Acesso em 13 de julho de 2014.
9
Um exemplo nos últimos anos em São Paulo foi a participação da Defensoria Pública no projeto
“nova luz” no centro de São Paulo: “O projeto Nova Luz, que prevê a revitalização de 45
quarteirões do centro da capital por meio da concessão das obras à iniciativa privada, foi
suspenso pela Justiça anteontem. (...) Ao conceder a liminar, a juíza atendeu a pedido da
Defensoria Pública, que, por sua vez, foi procurada por movimentos de moradia dos bairros da Luz
e Santa Ifigênia.” (Estado de São Paulo, 2012).
10
Nesse sentido, Pochmann afirma que “A abolição do trabalho escravo desacompanhado da
realização da reforma agrária se deu com o ingresso de significativo contingente de trabalhadores
imigrantes europeus, o que favoreceu o surgimento de grande contingente de trabalhadores
sobrantes logo na formação do mercado de trabalho livre no país (final do século XIX).”
(POCHMANN, 2012, p. 24).
11
“No caso do Banco Mundial e do FMI, as diretrizes regulatórias em matérias trabalhistas e
ambientais, para efeitos de reformas legais de âmbito nacional, têm sido impostas aos Estados por
meio de uma combinação de sugestões, de pressões econômicas e de estímulos financeiros.”
(FARIA, 2011, p. 66).
12
“Em 1990, a população com renda inferior a 70 reais mensais somava 13,4%. Segundo os
organismos internacionais, que usam como parâmetro a renda per capita de 1,25 dólar por dia,
25,5% dos brasileiros eram extremamente pobres. Em 2012, o cenário captado pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, era diferente: 3,5% dos habitantes viviam
com menos de 70 reais mensais, ou 3,6% com renda de 1,25 dólar ao dia. O Brasil estaria muito
próximo, portanto, de erradicar a miséria, uma vez que o Banco Mundial considera residual uma
taxa de 3%.” (CartaCapital, 2014, pp. 32-35).
13
“(...) a prevalência do regime democrático tem sido contemporânea da maior expansão do
crescimento econômico com melhoras sociais significativas, o que ressalta a singularidade da
transformação social atual.” (POCHMANN, 2012, p. 16).
14
Em relação ao debate sobre a emergência ou não de uma nova classe média no Brasil, conferir
POCHMANN (2012), POCHMANN (2014), NERI (2011) e FERREIRA et al (2013).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
140
15
“(...) destaca-se que, nos últimos anos, a maior expansão quantitativa de ocupações ocorreu
justamente no primeiro decênio do século XXI, com saldo líquido 44% superior ao verificado no
período entre 1980 e 1990 e 22% superior à década de 1970.” (POCHMANN, 2012, p. 19).
16
“Em geral, observa-se que o maior saldo líquido das ocupações abertas na década de 2000
concentrou-se naquelas de salário de base, ou seja, ao redor do salário mínimo nacional. Dos 2,1
milhões de vagas abertas anualmente, em média 2 milhões encontram-se na faixa de até 1,5
salário mínimo mensal.” (POCHMANN, 2012, p. 22).
17
“Na década de 2000, a expansão do emprego assalariado com carteira assinada foi expressiva:
para cada grupo de dez ocupações abertas para trabalhadores de salário de base, sete foram de
empregos formais, e a cada vaga aberta de emprego assalariado informal, três outras eram criadas
para o trabalho com carteira assinada. Nos anos 1990, o emprego assalariado formal teve a
redução de mais de 260 mil postos de trabalho de salário de base, e as ocupações por conta
própria foram as que mais cresceram no Brasil.” (POCHMANN, 2012, p. 38).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
141
18
“(...) parcela considerável da força de trabalho conseguiu superar a condição de pobreza,
transitando para o nível inferior da estrutura ocupacional de baixa renumeração; embora não seja
mais pobre, tampouco não pode ser considerada de classe média. Esta, por sinal, praticamente
não sofreu alteração considerável, pois se manteve estacionada na faixa de um terço dos
brasileiros (...)” POCHMANN, Márcio. Op. Cit., p. 20. E também p. 22. A PEA, em 2009, estava
dividida da seguinte forma: 14,3% detentores da renda da propriedade (lucro, juros, renda da terra
e aluguéis); 32% nível médio da renda do trabalho; 46,3% nível inferior da renda do trabalho; 7,2%
de pobres.
19
Ao analisar as eleições de 1989, Singer aponta que o então candidato Lula venceu em todos os
estratos sociais, exceto o de renda familiar mensal até 2 salários mínimos. Lula teve 41% das
intenções de voto nessa faixa de renda, enquanto Collor teve 51%. Como essa é a fração de classe
mais numerosa da sociedade, foi o suficiente para a vitória eleitoral de Collor. No estrato social
entre 2 e 5 S.M., Lula vence com 49%, contra 43% de Collor; o que se repete na faixa entre 5 a 10
S.M. (51%/40%, respectivamente) e mais de 10 S.M. (52%/40%); (SINGER, 2012, p. 224). Ainda
sobre as eleições de 1989, Singer afirma que a “onda democrática” e o “reformismo forte”, projeto
do então candidato Lula, “esbarrou nos obstáculo do qual este livro fala desde o início: a vasta
fração subproletária, a metade mais pobre da população brasileira, que desejava (e deseja)
integrar-se à ordem capitalista e nela prosperar, e não transformá-la de baixo para cima, até
porque isso não está ao seu alcance.” (SINGER, 2012, p. 196).
20
Nesse sentido, “Não seriam os mais pobres e desavantajados os grupos socialmente
mobilizados em protestos. Ao contrário, aqueles que se rebelam são os que percebem
possibilidades de ascensão social ou estão nas posições mais propícias para a melhoria. A
insatisfação decorreria, também nesse caso, da percepção de injustiça ou privação relativa.”
(CAMPILONGO, 2012, p. 24).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
143
5. Conclusão
6. Referências bibliográficas
BOITO JR., Armando. Governos Lula: a nova burguesia nacional no poder. In:
Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. São Paulo: Alameda, 2012,
p. 69-104.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Access to justice: the newest wave in the
worldwide movement to make rights effective. Buffalo Law Review. N° 27,
1978.
_____. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988.
DANTAS, Tiago. Justiça barra projeto Nova Luz pela 3ª vez. Jornal Estado de
São Paulo. 8 de junho de 2012.
FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. São Paulo: Saraiva,
2011.
_____. Justiça e conflito - os juízes em face dos novos movimentos sociais.
Revista dos Tribunais, São Paulo: 1991.
1. Introdução
1
Integrante do SAJU-USP; e-mail: [email protected]
2
Integrante do SAJU-USP; e-mail: [email protected]
3
Integrante do SAJU-USP; e-mail: [email protected]
4
CALDEIRA, 2000, p. 211.
5
SANTOS, 1993, p. 74.
6
Para melhor compreensão do processo de urbanização e políticas habitacionais no Brasil,
conferir MARICATO, 2000.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
149
7
Conforme a definição adotada pelo poder público municipal na recente proposta da PPP
habitacional, o centro da cidade é composto pelos distritos da Sé, República, Santa Cecília,
Consolação, Bom Retiro, Pari, Belém, Brás, Mooca, Cambuci, Liberdade e Bela Vista.
8
Utilizamos dados relativos a esses distritos porque é no subdistrito da Sé que fica a ocupação
Margarida Maria Alves, motivo deste artigo.
9
SILVA, 2000, p. 26.
10
Dossiê Centro Vivo, 2007.
11
É nesse processo que se insere, por exemplo, o caso da Vila Itororó, que teve seus moradores
removidos no final de 2012 pelo Poder Público, que deseja construir no local um centro cultural. O
SAJU-USP apresentou no V Congresso do IBDU, em 2008, reflexões sobre a atuação da Vila, nos
artigos “Vila Itororó: direito à cultura como ameaça ao direito à moradia?” e “A experiência do
SAJU-USP na Vila Itororó: assistência e assessoria podem caminhar juntas?”. Ambos os textos
15
BOAVENTURA apud FURMANN, 2003, p. 45. “(...) que se traduziu na crítica do isolamento da
universidade, na torre de marfim insensível aos problemas do mundo contemporâneo, apesar de
sobre eles ter acumulado conhecimentos sofisticados e certamente utilizáveis na sua resolução”.
16
Sobre o debate da extensão, conferir MIRANDA, 2010.
17
FURMANN, 2003, p.69.
18
Nesse trabalho, nos guiaremos pela definição principiológica apresentada pelo SAJUP-UFPR em
2003, durante uma oficina de capacitação.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
152
19
FREIRE, 1987, p. 67.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
153
20
De acordo com o noticiado em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/07/1315769-palco-
de-clipe-dos-racionais-predio-invadido-sera-moradia-popular.shtml. Último acesso no dia
24/07/2013.
21
MARICATO, 2000, p. 155.
22
Exceção feita às ‘ocupações relâmpago’, que, com o intuito de apenas pressionar o poder
público, são intencionalmente desocupadas após pouco tempo.
23
De acordo com a definição da relatoria especial da ONU para o direito à moradia adequada.
Vide http://direitoamoradia.org/?page_id=46&lang=pt. Acessado em 29/07/2013.
24
Conforme veiculado nos endereços: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-01-
07/grupos-de-sem-teto-ocupam-predios-na-regiao-central-de-sao-paulo.html e
http://www.youtube.com/watch?v=yJ63Es6tyq0. Último acesso em 25/07/2013.
25
“O Instituto Lula diz que assumirá todos os custos da construção do museu e ressalta que o
terreno seria cedido pela prefeitura por meio de concessão administrativa – isto é, sem
transferência de posse”. Hoje há ação civil pública questionando a cessão da área. Vide
http://noticias.r7.com/brasil/noticias/instituto-lula-confirma-construcao-de-museu-na-nova-luz-
20120202.html - http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2012/05/vereadores-aprovam-em-
definitivo-concessao-de-terreno-a-instituto-lula. Acessado em 25/07/2013 e
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1422346-liminar-que-impede-prefeitura-de-doar-
terreno-ao-instituto-lula-e-mantida.shtml. Acessados em 20/05/14.
26
Conforme notícia veiculada pelo Jornal Luzilândia, disponível no sítio
http://www.jornaldeluzilandia.com.br/txt.php?id=22296. Último acesso em 29/07/2013.
27
Sobre a vida de Margarida Maria Alves: http://www.mst.org.br/node/10399. Acesso em:
27/07/2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
158
28
FURMANN, 2005.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
159
29
Algumas páginas online que veicularam o ato são:http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/sp-
ato-por-moradia-defende-ocupacao-de-predio-doado-para-instituto-
lula,74f05a963f4af310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html, e
http://saopaulo.mpl.org.br/2013/07/09/informes-dos-atos-da-ultima-semana/. Acesso em :
24/07/2013.
30
Para a polêmica relativa ao bolsa-aluguel:
http://redeextremosul.wordpress.com/2011/05/19/conjuntura-sobre-o-bolsa-aluguel/. Acesso em:
28/07/2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
160
31
Conforme promessa de campanha de Fernando Haddad:
http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/18964. Acesso em: 28/07/2013.
32
Fato divulgado pela mídia em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1382142-sem-teto-
deixam-terreno-do-instituto-lula.shtml. Acessado em 20/05/14.
33
As críticas dos movimentos de moradia à forma como tem sido conduzida a proposta são
muitas, e incluem a crítica à indefinição sobre a execução da desapropriação e à falta de
participação popular por meio dos Conselhos Gestores das ZEIS 3. A Carta Aberta “Questões para
a PPP da ‘Casa Paulista’ para o centro de São Paulo” pode ser acessada no endereço
http://raquelrolnik.wordpress.com/2013/04/22/os-perigos-da-anunciada-parceria-publico-
privada-de-habitacao-no-centro-de-sao-paulo/. Último acesso em 29/07/2013.
6. Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
MARICATO, Ermínia.. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In:
ARANTES, Otília, VAINER, Carlos e MARICATO, Ermínia. A cidade do
pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2000.
SOUZA, Felipe Francisco de. A Batalha pelo Centro de São Paulo: Santa
Ifigênia, Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz. São Paulo: Paulo’s
Editora, 2011.
RESUMOS
Resumo
1
Extensionista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
2
Bolsista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
3
Extensionista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
4
Extensionista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
5
Extensionista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
6
Bolsista pela Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP/UFMG).
Objetivos gerais
Objetivos específicos
Metodologia
Conclusões
Instituição de extensão
Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal de
Minas Gerais (AJUP - UFMG)
Orientação
Professor Doutor Adjunto da UFMG, Dr. Daniel Gaio.
1
Todos graduandos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 2
CIDADE E DIREITO
Avaliadores:
Henrique Botelho Frota (UNICHRISTUS)
Leandro Franklin Gorsdorf (UFPR)
André Filipe Pereira Reid dos Santos (FDV)
Fabiana Cristina Severi (USP)
EMENTA
Os movimentos sociais são instrumentos essenciais da sociedade e tem uma
importância fundamental na construção dos problemas sociais e na sua colo-
cação na agenda positiva política. A Constituição Federal de 1988 estabelece o
compromisso público do fortalecimento dos arranjos participativos, que são
originários dos movimentos sociais, quando do seu exercício da cidadania ati-
va. As cidades brasileiras progressivamente tem se convertido em espaços de
desigualdades, em virtude das oportunidades de desenvolvimento não serem
distribuídas equitativamente em seu interior. Além disso, as inúmeras formas
de opressão (gênero, etnia, liberdade religiosa, classe social, orientação e ex-
pressão sexual, imigrantes etc.) estão presentes no contexto urbano desigual.
A realização de grandes obras públicas e privadas, ligadas ou não aos mega-
eventos que serão sediados pelo Brasil nos próximos anos, acirram os proces-
sos de exclusão e violência, o que demanda uma resposta dos movimentos
sociais e das instituições públicas em defesa da cidade como um direito. Nesse
sentido, pretende-se criar um espaço de diálogo interdisciplinar com a inter-
venção de pesquisadores que individualmente ou coletivamente possam agre-
gar diversas perspectivas e abordagens, contribuindo na construção de redes
que promovam a reflexão crítica sobre as cidades brasileiras e seus habitantes,
assim como sobre as múltiplas facetas e mudanças que as afetaram nas últi-
mas décadas. O objetivo deste espaço é de articular de maneira crítica e pro-
positiva: ideias; orientações e estratégias, para a construção coletiva de uma
cidade múltipla, justa e livre, com a finalidade de garantir e ampliar o Direito à
Cidade. Respeitado um marco de irrestrito pluralismo que estimule a expres-
são das distintas linhas de pesquisa e correntes de pensamento, provocando
um debate frutífero e enriquecedor para todos os participantes. Os eixos te-
máticos são: Nova ordem urbanística instituída pela Constituição Federal de
1988; A função social da cidade e da propriedade como instrumentos de Ges-
tão Urbana; Os instrumentos do Estatuto da Cidade como controle social da
desigualdade territorial; O Plano Diretor e o Ordenamento das Cidades; Novas
Identidades Urbanas e construção de subjetividades; Governos Locais, Gestão
Urbana e Ordenamentos das Cidades; Demandas cidadãs e Movimentos So-
ciais Urbanos; Redes Urbanas e Serviços para a População; Poder local, partici-
pação cidadã e políticas públicas; Conflitos socioambientais e desenvolvimen-
to local; Cidade Corporativa, Produção Imobiliária, Grandes Equipamentos;
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
173
ARTIGOS
1. Contextualização
1
Aluna de mestrado no Programa de Pós Graduação de Mídia e Cotidiano, da Universidade
Federal Fluminense (PPGMC/UFF), Brasil, integrante do Laboratório de Pesquisas Aplicadas (LaPA).
E-mail: [email protected]
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
176
2
Portal R7 (2013), "Adolescentes se juntam para fazer arrastões em dois shoppings e PM entra em
ação", 19 de outubro. Página consultada em 11/01/2013. Disponível em <www.hojeemdia.com.br/
minas/adolescentes-se-juntam-para-fazer-arrast-es-em-dois-shoppings-e-pm-entra-em-ac-o-
1.183425>.
3
Gazeta Online (2013), "Confusão no Shopping Vitória deixa clientes em pânico", 30 de
novembro. Página consultada em 11/01/2013. Disponível em <gazetaonline.globo.com/_conteudo
/2013/11/noticias/cidades/1470338-confusao-no-shopping-vitoria-deixa-clientes-em-
panico.html>.
4
Folha de S.Paulo (2013), "Jovens marcam encontro pela internet e causam tumulto em shopping
em SP", 8 de dezembro. Página consultada em 11/01/2013. Disponível em
<www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/2013/12/ 1382637-shopping-em-sp-sofre-arrastao-apos-
6000-jovens-invadirem-o-local.shtml>.
5
A música cantada pelos meninos era “Deixa eu ir”, de Mc Daleste, morto com um tiro em 6 de
junho de 2013, enquanto se apresentava num de seus show em Campinas (SP). O refrão diz: “Eita,
porra, que cheiro de maconha/ Os moleque da zona sul gosta mais do que lasanha/ Os moleque
da zona norte gosta mais do que lasanha/ Os moleque da zona oeste gosta mais do que lasanha/
Os moleque da zona baixada gosta mais do que lasanha/ E a rapa do interior gosta mais do que
lasanha/ Os moleque da zona leste gosta mais do que lasanha”, e é uma parceria com Mc Yoshi.
6
G1 (2013), "PM é chamada para conter arrastão em shopping de Guarulhos, SP", 14 de
dezembro. Página consultada em 11/01/2013. Disponível em <g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/2013/12/pm-e-chamada-para-conter-arrastao-em-shopping-de-guarulhos-
sp.html>.
7
Folha de S.Paulo (2013), "'Rolezinho' causa tumulto em shopping na zona sul de SP", 22 de
dezembro. Página consultada em 11/01/2013.
Disponível em <www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/ 1389158-rolezinho-causa-tumulto-
em-shopping-na-zona-sul-de-sp.shtml>.
8
BRUM, Eliane. Rolezinhos: o que esses jovens estão “roubando” da classe média brasileira. 2013.
Disponível em: <geledes.org.br/em-debate/colunistas/22538-rolezinhos-o-que-estes-jovens-
estao-roubando-da-classe-media-brasileira-por-eliane-brum>. Acessado em: 11/01/2013.
9
Folha de S.Paulo (2013), "Polícia impede 'rolezinho' em shopping Campo Limpo, na zona sul de
SP", 21 de dezembro. Página consultada em 11/01/2013. Disponível em
<www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ 2013/12/1389017-policia-impede-rolezinho-em-shopping-
campo-limpo-na-zona-sul-de-sp.shtml>.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
178
10
Ver Alagia, A., Batista, N., Slokar, A. & Zaffaroni, E. R. (2003). Direito Penal Brasileiro: primeiro
volume – Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan. pp. 43 – 45.
11
O funk de ostentação é uma vertente do funk carioca, surgida na periferia de São Paulo por
volta de 2008. Cada dia mais o estilo ganha adeptos, provavelmente devido às suas letras mais
leves, onde a temática que prevalece não é a de crítica social ou sexo, mas a de uma vida de luxo.
Em matéria da Carta Capital: ““Estamos quebrando barreiras”, conta entusiasmado MC Nego Blue,
nascido em Cidade Tiradentes e morador de São Mateus, zona leste de São Paulo. “O funk de
ostentação me levou onde nunca sonhei estar. Quando me vi no Hard Rock Café, em Belo
Horizonte, onde só para entrar são 200 reais, fiquei bobo. Não sabia se olhava os carros
pendurados no teto ou para o público cantando”, lembra.”. In: Gombata, M. (2013, 08 set.). Sem
crítica social, funk de ostentação cai no gosto da classe média. Carta Capital. Disponível em:
<www.cartacapital.com.br/cultura/sem-critica-social-funk-de-ostentacao-cai-no-gosto-da-classe-
media-1321.html>. Acesso em 17 mar. 2014.
12
Bauman, Z. (2003). Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
180
13
O Nu-Sol é uma associação de pesquisadores libertários voltados para problematizar relações de
poder e inventar liberdades. Procuramos por meio de pesquisas, cursos regulares e abertos ao públi-
co, como os cursos livres, e experimentações com linguagens levar a debates com a universidade e o
público os resultados de nossas pesquisas e incômodos à flor da pele. (Texto retirado da página na
internet. Disponível na íntegra aqui: <www.nu-sol.org/nu-sol/nu-sol.php?tipo=2>. Acesso em:
11/01/2014).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
181
14
Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Ciências Sociais da PUC-SP. Comunidade. Disponível em:
<www.nu-sol.org/verbetes/index.php?id=30>. Acesso em: 11 jan. 2014.
15
Rodrigues, B.C. (2013, 16 dez.). Rolezinho é ação afirmativa contra racismo. Disponível em:
<www.quadradodosloucos.com.br/3994/rolezinho-e-acao-afirmativa-contra-racismo/>. Acesso
em: 12 jan. 2014.
16
Wacquant, L. A black city within the White; revisisting America’s dark ghetto, Black renaissance
2.1 (Outono/Inverno 1998), p.141-51. Apud Bauman, Z. Comunidade: a busca por segurança no
mundo atual. 2003: 105.
17
Para esta referência e para ler mais sobre a teoria de periferias como prisões a céu aberto, ler:
Augusto, A. (2010). Para além da prisão-prédio: as periferias como campos de concentração a céu
aberto [versão eletrônica]. Cadernos Metrópole, 12 (23). 263-276.
18
Para esta referência e para se aprofundar nos “tipos de guetos” de Wacquant: Weitman, S.
(2004). Habitantes de guetos de todos os países: uni-vos! Vocês não têm nada a perder, a não ser
os muros! [versão eletrônica]. Revista de Sociologia e Política, 23.
19
“não há como tomar a experiência estadunidense como parâmetro para o que ocorre no Brasil,
nem mesmo incorporar essa analogia como solução explicativa do que ocorre, simultaneamente,
com a prisão e com as chamadas áreas de risco. É o próprio Wacquant, no mesmo livro, quem faz
questão de sublinhar as diferenças marcantes entre o gueto negro nos Estados Unidos e as favelas
brasileiras (2008, p. 84). Entretanto, quando se lida com a situação de jovens considerados
infratores no Brasil, não é difícil observar uma série de práticas de controle que funcionam como
estratégias de circunscrição desses jovens nas periferias, e nesse sentido, próxima de uma prática
prisional. Entretanto, não configuram essas periferias como gueto que reproduz a organização de
uma instituição austera, mas como campos de concentração a céu aberto que disseminam
práticas de contenção de liberdade”. Os meninos da periferia precisam se libertar do espaço que a
sociedade designou para eles. Para ler mais: Augusto, A. (2010). Para além da prisão-prédio: as
periferias como campos de concentração a céu aberto [versão eletrônica]. Cadernos Metrópole, 12
(23). 263-276.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
186
20
“O que fazia sentido para nós três, já naquele tempo, dezembro de 1999, era a pergunta sobre a
violência: o que fazer com ela? Como compreendê-la e domesticá-la? Como evitar a espiral que a
realimentava, com o combustível do medo e do ódio? Pois este era mais exatamente o tema que
Flávio servia para o jantar: o ódio. Este era o novo ingrediente (...) O novo, o que é
perturbadoramente novo é o ódio, o volume e a qualidade do ódio que corre nas veias dos
garotos.” Ler: Soares, L.E. Ódio. In: Athayde, C. et al. (2005). Cabeça de Porco. Rio de Janeiro:
Objetiva. p.109.
21
Ver Bauman, Z. (2003). Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed. p.111.
22
A violência anômica (é ela quando aspectos cruéis se fazem visíveis nas ruas, na mídia e índices
crescentes engrossam estatísticas oficiais de criminalidade), de acordo com Sodré, é aquela que
mais ganha espaço nas páginas de jornais. São os mesmos crimes toscos, descritos pelos
criminologistas críticos. Os crimes que entram nas estatísticas. Os crimes cometidos pelos
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
187
“inimigos” que pretendemos eliminar. Para mais, sobre violências, ver: Sodré, M. (2006). Sociedade,
mídias e violência. Porto Alegre: Sulina. pp. 10-12.
23
Ver Soares, L.E. Invisibilidade, reconhecimento e a fonte afetiva do crime. In: Athayde, C. et al.
(2005). Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva. p.175.
24
Folha de S.Paulo (2013), "Funk assusta shopping". Dezembro. Página consultada em 11/01/2013.
Disponível em <www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/143948-funk-assusta-shopping.shtml>
25
Mesmo com todas as evidências comprovadas de que nada foi furtado, um dos locais que
estava sendo cogitado para ser ocupado pelos jovens descobriu, através das mídias sociais, e
conseguiu uma liminar para barrá-los. Portal R7 (2013). “Com liminar que impede "rolezinho",
shopping JK Iguatemi confere identidade de frequentadores”. 11 de janeiro de 2013. Página
consultada em 13/01/2013. Disponível em: <noticias.r7.com/sao-paulo/com-liminar-que-impede-
rolezinho-shopping-jk-iguatemi-confere-identidade-de-frequentadores-11012014>. Até a data de
entrega deste artigo, juristas avaliavam a legitimidade deste documento.
5. Considerações finais
26
Brum, E. (2013). Rolezinhos: o que esses jovens estão “roubando” da classe média brasileira.
Disponível em: <geledes.org.br/em-debate/colunistas/22538-rolezinhos-o-que-estes-jovens-
estao-roubando-da-classe-media-brasileira-por-eliane-brum>. Acesso em: 11 jan. 2013.
E no fim das contas, ainda que não existam as anomias que tanto
alimentam a imprensa, o inimigo público já está criado, seu estigma reificado,
e a iminência do crime passa a ser notícia em todos os canais.
5. Referências bibliográficas
Alagia, A., Batista, N., Slokar, A. & Zaffaroni, E. R. (2003). Direito Penal
Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro:
Revan.
Bill, M.V., Athayde, C. & Soares, L.E. (2005). Cabeça de Porco. Rio de Janeiro:
Objetiva.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
190
Co-autores:
Andressa Nunes Soilo2
Anna Thereza de Carli Hanel3
Aretha de Azevedo Claudiano dos Santos4
João Gabriel Maracci Cardoso5
Lisiane Molina6
Lívia Zanatta Ribeiro7
Victória Hoff da Cunha8
1
Graduanda do 7° semestre do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
2
Mestranda em Antropologia Social e cientista social pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) e bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER). E-mail:
[email protected]
3
Graduanda do 5° semestre do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]
4
Graduanda do 2° semestre do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected]
5
Graduando do 5° semestre do curso de Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected].
6
Graduanda do 7° semestre do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]
7
Graduanda do 7° semestre do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
8
Graduanda do 2° semestre do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
Introdução
9
Deste modo, preferiu-se utilizar neste trabalho o termo em inglês.
10
Definition of gentrify in English: gentrify. Syllabification: gen·tri·fy. VERB (gentrifies, gentrifying,
gentrified). [WITH OBJECT]. Renovate and improve (especially a house or district) so that it
conforms to middle-class taste. In: GENTRIFY. In: Oxford Dictionaries Online. Disponível em:
http://www.oxforddictionaries.com/us/definition/american_english/gentrify?q=gentrify Acesso em:
13 jun, 2014
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
195
11
Termo regional para favelas.
12
O programa Minha Casa, Minha Vida é uma política pública de oferta habitacional para famílias
com renda mensal de até R$ 1.600,00 criado pelo governo federal na Lei nº 11.977 de 07 de julho
de 2009. Atualmente, contempla também famílias que possuem renda de até R$ 5.000,00.
Disponível em: <www.caixa.gov.br/novo_habitacao/minha-casa-minha-vida/index.asp> Acesso
em: 22, jun, 2014.
Assim que Porto Alegre foi eleita como uma das sedes da Copa do
Mundo da FIFA (Federação Internacional de Futebol), o governo municipal,
com o apoio da INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura
13
Desmembramentos: Quando filhos constituem suas próprias famílias e formam novo núcleo
familiar, separado dos pais. Os pais que realizaram cadastro social tinham direito a uma casa, para
eles e seus filhos. O processo está prevendo concessões de casa também para os casos de
desmembramento.
Adensamentos: No sentido tratado aqui, os adensamentos referem-se às pessoas que se
instalaram na Vila Dique depois da realização do cadastro social e/ou início do processo de
relocação.
No caso da Vila Dique, pelo fato do cadastro ter-se realizado em 2006 e as remoções não terem
sido concluídas até o presente ano, diversos foram os novos núcleos familiares que surgiram neste
período, os quais também reivindicam uma moradia.
unidades habitacionais: “se ficasse nas mãos deles (do DEMHAB), a gente não
podia vender e alugar as casas”. Manuel, que tem uma propriedade na Porto
Novo destinada à sua “caixaria”, estava tendo problemas para alugar metade
do espaço para uma igreja, como forma de complementar sua renda.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar ainda que cerca de 30% dos
moradores da Vila Dique, antes da remoção, trabalhavam com a triagem e a
reciclagem de lixo. O local possuía, inclusive, um galpão de reciclagem que
fora construído pelos próprios moradores. No Porto Novo, apesar da
construção de um centro de triagem, as unidades habitacionais de 38m² não
possuem espaço nem para as carroças, nem para os animais, fato que
impossibilita o trabalho de um terço dos moradores que, em virtude disso,
optaram por não ir para o Porto Novo.
O trabalho, assim, restou dificultado não somente por essas questões,
mas também pela dificuldade de acesso ao transporte público. Aqueles que
residem na Nova Dique queixaram-se da falta de linhas de ônibus que levam a
seus locais de trabalho, pois as possibilidades de emprego são, em sua
maioria, em áreas centrais da cidade e a demanda por transporte é maior do
que a oferta.
Pedro, outro interlocutor presente na roda de conversa e que ainda é
habitante da Vila Dique, destacou que o Porto Novo seria extremamente
violento e assolado por assaltos, assassinatos e tráfico. Existe, portanto, outro
fator que faz com que as 380 famílias que ainda restam na Velha Dique não
queiram se mudar para o novo local: o medo. Manuel, complementando o
discurso de Pedro, afirmou que a polícia é extremamente ineficiente na
proteção das famílias da Nova Dique: a segurança não chega por aqueles
cantos porque, nas palavras do morador, “eles (polícia) dizem que não tem
gente para botar lá”.
Percebe-se, dos relatos dos interlocutores, que os vínculos e convívio
comunitário foram alterados, tanto no plano das relações internas como no
plano das relações externas à Vila Dique. Por um lado, a nova formatação e
localização das unidades habitacionais do Porto Novo não seguem os mesmos
moldes da antiga vila, acarretando uma perda simbólica dos vínculos e laços
criados entre a vizinhança interna. Por outro lado, com a realocação também
emergem aspectos territoriais de inclusão dos moradores em um novo espaço
que não foi aceito por parte da população que já habitava os arredores do
Porto Novo, que manifestou-se através de assaltos e assassinatos,
como aqueles que não tinham mais dinheiro para pagar o aluguel de suas
casas”.
O crescimento da Vila foi acompanhado pela divisão da mesma em
terrenos familiares, o que a configurou como uma comunidade. Envolvidos no
processo, os moradores iniciaram o desenvolvimento de infraestrutura no
local. Destaca-se aqui a atuação do Clube de Mães, que, percebendo a
marginalização que seus filhos sofriam nas escolas e creches dos bairros
próximos, lutaram pela construção do que chamaram “escolas 100% Dique”: o
resultado foi o Colégio Migrantes, destinado especialmente aos filhos dos
habitantes da comunidade. Manuel, inclusive, enunciou todos os estabeleci-
mentos que foram construídos pelos próprios moradores da Dique: “O Clube
das Mães, o Chico Pão (padaria), o Centro Comunitário...”. Assim, a construção
destes espaços que existiam na Velha Dique foi produto da pressão dos
moradores frente aos órgãos públicos. Margarida afirmou que os moradores
da Dique “ganharam deles pelo cansaço” e que, “em muitas ocasiões, tiveram
que dormir na frente da prefeitura”. Atualmente, entretanto, estes foram
destruídos e substituídos na Nova Dique: a perda, nesse sentido, foi mais
subjetiva do que material.
Notamos que, ao longo do diálogo, não foram poucos os momentos
em que os moradores mencionaram suas inúmeras conquistas na antiga Vila
Dique. Ressaltaram que com muito esforço construíram o Clube das Mães, o
Chico Pão (padaria), o Centro Comunitário, bem como conquistaram a
instalação de um posto de saúde no local e uma escola para seus filhos.
Entendemos que o fato de serem transferidos a um novo local de moradia
mesmo que com todos estes aparatos disponíveis carrega ainda assim um
valor de perda imensurável, uma vez que estes foram resultado de uma
mobilização coletiva e simbolizam conquistas cidadãs. Esta perda se relaciona
com as reflexões acerca da noção de território já explanada neste artigo,
calcada em um rompimento de nexos de pertencimento e apropriação destes
espaços.
Os interlocutores também enfatizaram as mudanças do projeto de
realocação que ocorreram ao longo da execução e que romperam com o
acordo inicial feito com os moradores da Vila Dique: a cada cinco casas
originalmente destinadas para residentes da Dique, uma foi concedida à
moradores da Vila Morada do Sol, Vila Nazaré ou Vila Keddie. “Isso é uma
trapaça”, afirmou Margarida, que ficou ainda mais chocada diante do perigo
gerado por essa política, tendo em vista as rivalidades existentes entre os
Considerações finais
Referências bibliográficas
GLASS, Ruth. London: aspects of change, London: MacGibbon & Kee, 1964.
1. Introdução
1
Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais na UFRGS, membro do Grupo de Assessoria Justiça
Popular (GAJUP) do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU).
2
Graduanda em Ciências Sociais na UFRGS.
3
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais, membro da Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e
integrante do Fórum Estadual de Reforma Urbana (FERU-RS) e do Movimento Nacional de Direitos
Humanos (MNDH).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
209
4
DEMHAB. Projeto de trabalho técnico social: Vila Chocolatão. Porto Alegre, 2010.
5
Antes da remoção foi entregue ao Ministério Publico Federal Laudo Técnico Social organizado
pela Associação de Geografos Brasileiros, estudo que previa retrocessos em caso de remoção feita
da forma apresentada pelo Departamento de Habitação, levantandando basicamente: a falta de
previsão da inclusão dos moradores no trabalho; alta densidade de ocupações irregulares e falta
de preparação do terrritório periférico para receber uma nova Vila; o metodo vertical da Rede
para a Sustentabilidade da Vila Chocolatão;a falta de preparação das escolas, postos de saúde e
creche para recepção das famílias removidas; retrocesso social em relação a direitos já
conquistados no local de moradia como saúde, acesso a trabalho, educação.
6
Firmou-se, no ano de 2000, pedido de remoção daquelas famílias da área ocupada, por
intermédio da ação possessória promovida pela União (ação de reintegração de posse ajuizada
sob número 2000.7100.000973-1).
7
destacado pelo magistrado, hoje Desembargador Dr. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, que
conduziu boa parte do processo, demostrando o entendimento de que não cabia ao Estado
promover a violação de direitos humanos fundamentais, mas sim a obrigação de efetivá-los,
reduzindo as desigualdades sociais.
8
Esta rede foi composta por iniciativa da Secretaria Municipal de Governança Local (SMGL) e do
Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), responsável pelo projeto de reassentamento
da Vila Chocolatão, com participação do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4),
Secretaria Municipal de Indústria e Comércio(SMIC), da Secretaria Municipal de Educação (SMED),
da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), da Secretaria Especial dos Direitos dos Animais (SEDA),
da Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), da Fundação de Assistência Social e
Cidadania (FASC), da Câmara Municipal de Porto Alegre, da Companhia Estadual de Energia
Elétrica (CEEE), do IBGE, da Macarroni Fast Food, da Soluções em Aço Usiminas S/A, do Instituto
Vonpar, das ONGs: Camp, Parceiros Voluntários e Cirandar, do sistema FIERGS, da Proceconta
Consultoria Contábil e Empresarial, da Juchem Advocacia, do Instituto C&A, do Ministério Público
Estadual do RS e dos Irmãos Maristas; contando com a participação da Associação de Moradores
da Vila Chocolatão (AMVIC), a partir do ano de 2008.
9
Embargos de terceiro em face da união Federal, em ação de reintegração de posse ajuizada sob
no 2000.7100.000973-1.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
219
7. Apontamentos finais
8. Referências bibliográficas
KOWARICK. Lúcio. A espoliação urbana. 5ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LEFEBVRE. Henri. O direito à cidade. 5ª edição. São Paulo: Editora Centauro, 2008.
REDE BRASIL ATUAL. Urbanista quer classe média em cena, mas não a que
“olha só para o próprio umbigo”. 2014. Disponível em:
<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/07/erminia-maricato-
precisamos-ter-setores-de-classe-media-nao-essa-estupida-conservadora-
2389.html>. Acesso em julho de 2014.
Introdução
1
Graduanda do curso de direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (FDRP/USP). Extensionista e ex-estagiária do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de
Ribeirão Preto (NAJURP).
2
Professora de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direitos Humanos da FDRP/USP.
Coordenadora do NAJURP.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
228
3
Sobre o histórico da inserção do NAJURP nessa demanda, ver Relatório de Direitos Humanos do
NAJURP 2011-2012 e 2012-2013, disponível em http://najurp.direitorp.usp.br/. Disponíveis em:
<http://www.najurp.direitorp.usp.br/>.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
229
4
A comunidade João Pessoa se localiza dentro do perímetro formado pela Avenida João Pessoa e
as ruas Bragança Paulista e Americana. Esta última é o que separa a comunidade e o alambrado
do Aeroporto.
5
Para mais informações, acessar:
<http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com.br/p/aeroporto-leite-lopes-dados-gerais.html>.
6
De acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Ribeirão Preto (2010), no
complexo do Aeroporto se situam as favelas como BAC, Itápolis, Jóquei Clube, da Mata, Leão
Leão/Recife, Adamantina, Vila Brasil, João Pessoa, Flórida Paulista, Avelino Palma. Com as recentes
remoções, reocupações e novas ocupações, esse quadro mudou, mas ainda permanece similar.
7
Sobre a remoção da favela da Família: <https://www.youtube.com/watch?v=jgTN7mpPZeA>;
<https://www.youtube.com/watch?v=iVA4HjRzRsQ>;
<https://www.youtube.com/watch?v=dJxdLHbbyKw>.
8
A exemplo da TEAD Brasil, ver notícia: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2007-08-
08/administradora-de-aeroporto-paulista-diz-que-acusacoes-de-lobby-sao-confusao-tremenda
9
Sobre a assinatura do convênio, segue a seguinte notícia:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/1115924-convenio-preve-r-1706-mi-para-
obras-no-aeroporto-de-ribeirao-preto.shtml>.
10
Sobre estes movimentos, acessar:<http://movimentopromoradiaecidadania.blogspot.com.br/> e
<http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com.br/>.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
232
11
O primeiro inquérito instaurado diz respeito à apuração da legalidade dos procedimentos
realizados pela Administração Pública municipal e estadual para a concretização do projeto de
ampliação do Aeroporto. O segundo foi aberto para apurar o impacto das obras nas comunidades
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
233
12
Notícia que corrobora o relato da postura assumida pelos governos municipal e estadual:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeirao/32238-novo-impasse-trava-obras-no-leite-
lopes.shtml>.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
235
13
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, disponível em
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm>.
14
Conceito desenvolvido por Raquel Rolnik durante o período de sua relatoria, disponível em
<http://direitoamoradia.org/?page_id=46&lang=pt>.
15
Emenda Constitucional nº 26/2000.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
237
habitantes. Dessa forma, uma das finalidades de toda política urbana envolve
a realização do direito à moradia, uma das funções sociais da cidade.
A Lei Federal n.º 10.257/01 (Estatuto das Cidades) é a principal norma
brasileira responsável por trazer aos administradores e planejadores urbanos
brasileiros, uma série de diretrizes para efetivação da política urbana (artigo
2º), dentre as quais, destacamos:
16
Serviços públicos (água, esgoto, coleta de lixo, transporte, etc.), equipamentos públicos (escolas,
creches, postos de saúde, bases de segurança, praças, espaços de lazer, etc.), áreas verdes, áreas
comunitárias, entre outros exemplos.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
239
lei (MARICATO, 2013). E vai além: “há uma lógica entre legislação urbana,
serviços públicos (terceirizados ou não), obras de infraestrutura e
financiamento de campanhas eleitorais” (MARICATO, 2013, p. 19).
O planejamento urbano e a aplicação de instrumentos jurídicos são
fundamentais para a hegemonia do poder econômico sobre a cidade,
demarcando as fronteiras da cidadania (ROLNIK, 1997). Segundo Rolnik, a lei
funcionaria apenas aparentemente, como modelo para a cidade ideal, e esse
seria o seu exato sentido. Ao ser aplicada à realidade de produção imobiliária
da cidade, a lei estabelece “formas permitidas e proibidas, acaba por definir
territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena cidadania e
regiões de cidadania limitada”. (ROLNIK, 1997, p. 13-14).
E, nesse sentido, a lei determina apenas a menor parte do espaço
construído, deixando de fora de sua proteção a maior parte do espaço e dos
sujeitos que nele habitam. Para a autora, isso não é de forma alguma
despropositado e se dedica a entender como essas dinâmicas se constroem.
Ao contrário do senso comum, para Rolnik não se trata de “desordem” ou
“falta de plano”, mas sim da “formulação de um pacto territorial que preside o
desenvolvimento da cidade” (ROLNIK, 1997, p. 14).
Faria, ao olhar para a realidade de Ribeirão Preto e da campanha pelas
obras de expansão do Aeroporto Leite Lopes, apresenta análises bem
próximas às acima apresentadas: a falta de políticas públicas que vinculem
projetos de infraestrutura na cidade não significa uma falta de planejamento,
mas o que ele denomina de desplanejamento17. Trata-se, então, na realidade,
de um planejamento interessado, pautado por um discurso estratégico-
competitivo que pretende vender o mais novo produto de uma cidade-
mercadoria, travestido da ideia de desenvolvimento municipal (FARIA, 2007).
Todas as medidas que serão acarretadas pelas obras de infraestrutura,
como o deslocamento de submoradias localizadas no entorno do atual Aero-
porto, podem e devem ser feitas, para o autor, independentemente da expan-
são do sítio aeroportuário, como o equacionamento da problemática habita-
cional dos moradores da região do Aeroporto. As posturas assumidas pelos
governos municipais, para Faria, levaram à constatação da incapacidade de
17
Posição reiterada em palestra realizada em 21 de maio de 2012 na Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto, organizada pelo NAJURP, proferida pelo Prof. Rodrigo de Faria, da UnB:
Desenvolvimento regional e cooperação intermunicipal: internacionalização do Aeroporto Leite
Lopes e o (des)planejamento intramunicipal em Ribeirão Preto.
Considerações finais
18
A notícia a seguir exemplifica o discurso acima exposto, proferido pela Prefeita Dárcy Vera:
<http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2012/10/26/41609/>.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
243
19
Esse estabelecimento no local se traduz num aspecto mais material, em relação ao investimento
na construção da habitação em si e à proximidade das fontes de renda e subsistência de várias
famílias (horta, criações de pequenos animais, oficina mecânica, quitanda, depósito de sucata,
entre outros), bem como no âmbito do estabelecimento de laços culturais e afetivos, de
identificação com aquela comunidade.
esse processo, já que não faz sentido fazer remoções em favelas se os novos
locais não apresentam aquilo que as pessoas precisam. A necessidade de ser
realizado um planejamento urbano que dê conta das demandas básicas das
pessoas que serão os futuros moradores de uma parte da cidade, devendo o
bairro e as casas ser pensados, primordialmente, para essas pessoas.
Dessa forma, o que aparentava ser uma completa falta de organiza-
ção, comunicação, transparência, aponta se tratar de um planejamento
adequado a interesses específicos. A tônica determinante dos instrumentos de
planejamento urbano tem sido a promoção da imagem de uma cidade aberta
aos negócios, aos investimentos e às oportunidades, na qual se coaduna o
projeto de ampliação do Aeroporto. Para os moradores de comunidades de
favela, seus direitos são negados, constantemente flexibilizados em prol do
“bem de todos os ribeirão-pretanos”.
Apesar de Ribeirão Preto não ser sede da realização de megaeventos,
a campanha pela realização da internacionalização do Aeroporto Leite Lopes
apresenta posturas governamentais muito semelhantes às observadas nas
grandes cidades sedes. Temos em comum a preocupação com um planeja-
mento voltado à venda de uma cidade aberta aos negócios, aos investimentos
e às oportunidades, através da realização de uma grande obra de infraestru-
tura, que supostamente traria o desenvolvimento para a cidade e esses efeitos
seriam sentidos por todos os seus cidadãos, o que justifica, para a consecução
desse objetivo, a suspensão de direitos, como o direito social à moradia.
Fomos percebendo que as dificuldades de efetivação de direitos em-
contradas pela comunidade João Pessoa estão intimamente ligadas a uma ló-
gica de produção capitalista do espaço, atrelada a um planejamento estraté-
gico realizado pelo Poder Público. Dessa forma, os esforços do NAJURP, movi-
mentos sociais e da comunidade para dar visibilidade à problemática, para
acionar órgãos públicos, exigir informações E posicionamentos. Todas essas
pressões mais evitaram maiores abusos do que concretizaram o direito à
moradia digna.
Referências bibliográficas
__________________; AFONSIN, B. M.; FERNANDES, E.; SAULE JR., N., et. al. (orgs.).
Regularização da Terra e Moradia: o que é e como implementar. Instituto
Pólis. Disponível em: <http://www.polis.org.br/uploads/949/949.pdf>.
Karine Grassi1
Renata Piroli Mascarello2
1
Mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, bolsista CAPES.
2
Mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, bolsista CAPES.
Introdução
3
A cidade que possuir mais de 20 mil habitantes é obrigada a estabelecer o plano direitor,
conforme art. 182, § 1º e 2º da CF/88.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
251
4
Segundo o Censo 2010, 81% da população brasileira vive nas cidades.
5
Acerca dos diversos atores sociais, Ribeiro (2003, p. 109-110) identifica os seguintes: “os
proprietários fundiários e imobiliários; os incorporadores e a construção civil; os empreiteiros de
obras públicas; os concessionários de serviços públicos e as camadas sociais médias e altas que
buscam manter ou melhorar as condições de vida do seu habitat, de forma a reproduzir e ampliar
a sua distância social em relação às camadas populares”.
6
Roberto Lobato Corrêa (1999, p. 7-10) consigna que cidade do capital, desde a sua concepção,
foi calculada para que as relações humanas fossem baseadas no consumo exagerado, no
detrimento ao meio ambiente, na supressão da pluralidade e na violência urbana. Não obstante, a
cidade capitalista é profundamente desigual e mutável, razão pela qual as condições e relações de
produção são reproduzidas por obras fixadas pelo homem, na constituição do meio ambiente
artificial.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
253
7
Gentilli (2005, p. 95), ao citar Salvatore Veca, aponta que a expressão “democracia de massas”
alude a uma efetiva socialização da política a um governo de cidadãos, não de súditos. O autor
refere, também, que termo “massa” diz respeito à uma massa de pessoas livres e emancipadas,
vistas na sociedade como politicamente autônomas e conscientes, capazes de viver em civilização,
não na barbárie.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
255
8
As críticas de Wood, transcritas acima, são dirigidas à democracia representativa, muito embora
os apontamentos sirvam para diagnosticar os entraves à efetivação da democracia participativa,
ou, até mesmo, a democracia em si.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
256
9
Muito embora a constatação de Paulo Bonavides em muito se encaixe no contexto apresentado
alhures, observa-se ela é utilizada pelo autor, originalmente, para criticar a democracia
representativa.
10
Por “propiedade”, entende-se aquela comercializada tanto para fins de moradia, como para fins
de prestação de serviços.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
257
11
Sobre cidade-mercadoria, entre outros: COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das cidades:
questões teórico-metodológicas. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério. (Orgs.) O direito
ambiental das cidades. 2 ed. rev. atual. amp. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; VAINER, Carlos.
Quando a cidade via às ruas. In: MARICATO, Ermínia. [et al.] Cidades rebeldes: passe Livre e as
manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1 ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.
12
De acordo com Villaça (2001, p. 143), o mais conhecido padrão de segregação da metrópole
brasileira é o do centro versus periferia: “o primeiro, dotado da maioria dos serviços urbanos,
públicos e privados, é ocupado pelas classes de mais alta renda; a segunda, subequipada e
longínqua, é habitada, na maioria, pelos excluídos”; pode-se observar, nesse cenário, que espaço
atua como um mecanismo de exclusão.
13
Para exemplificar tais “direitos”, leia-se o artigo 2°, inciso I da Lei n° 10.257/01, cujo rol é,
diferentemente do direito à cidade de Lefebvre e Harvey, taxativo.
14
Alegação presente no processo judicial, que será abordado a seguir.
elababoração do plano diretor; fixou multa (dez milhões de reais), bem como
improbidade adminstrativa ao Prefeito, em caso de descumprimento (SANTA
CATARINA, TRF4, ACP n. 5021653-98.2013.404.7200/SC, 2014). Atualmente, o
processo continua em sede recursal, em apelação do Município de
Florianópolis e União (Apelação Nº 5021653-98.2013.404.7200).
Considerações finais
Referências bibliográficas
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 4.ed. São Paulo: Ática, 1999.
1. Introdução
1
Levante Popular é um movimento social de jovens voltado para a luta de massas em busca da
transformação da sociedade. Surgido no Rio Grande do Sul em 2006, o movimento se
nacionalizou em 2012, após o 1º Acampamento Nacional, ocorrido em Santa Cruz do Sul (RS) e,
atualmente, o Levante está organizado em 20 estados.
2
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais com formação
complementar em Ciências Políticas.
3
Bacharelanda em Direito Pela Universidade Federal de Minas Gerais.
4
Projeto Popular é um projeto construído em assembleias populares por inúmeros movimentos
sociais e visa retomar a capacidade propositiva das organizações e instituições de caráter popular.
Assim, defende-se que a sociedade, como um todo, deve construir um projeto que organize o uso
de sua capacidade criativa e produtiva, tendo em vista atingir um futuro desejado. Ademais, visa
trazer à tona o debate sobre a distribuição do poder, por isso o seu caráter popular. Acredita-se
que as instituições necessárias para levar adiante um projeto da maioria devem ser, por natureza,
públicas, coletivas e democráticas e que tenham expressividade em âmbito nacional. Portanto, o
projeto popular é um projeto que visa atingir reformas tais como a reforma agrária, urbana,
educacional e política, dentre outras. Um projeto que busca dialogar com a consciente política do
atual momento histórico e com as necessidades populares concretas.
Além disso, afirma ainda o referido autor que a luta pelo direito à
cidade assume papel central no processo de resistência ao domínio do capital,
aos seus mandos e desmandos frente às reais necessidades e escolhas da
população e que essa resistência ocorrerá, precipuamente, através do controle
5
Em debate na palestra inaugural do seminário “Lutas pela reforma urbana: o direito à cidade
como alternativa ao neoliberalismo”. Em janeiro de 2009. Leia mais em:
<http://www.deriva.com.br/?p=46> Acessado em 10/06/14.
6
Segundo o Ministério do Meio Ambiente em dezembro de 2013. Leia mais em:
<http://www.mma.gov.br/informma/item/9858-problemas-das-zonas-urbanas-v%C3%A3o-ficar-
ainda-mais-cr%C3%ADticos-em-2020>Acessado em 10/06/14.
7
Sobre o tema ver BORON, Atílio. 2010. O socialismo no século 21: há vida após o neoliberalismo?
São Paulo. 1ª edição. Expressão Popular 2010.
8
A população brasileira era estimada em 41 milhões na década de 40 passando a aproximada-
mente 120 milhões na década de 1980. Em menos de 30 anos, de 1940 a 1970, a população
brasileira deixa de ser eminentemente rural para tornar-se majoritariamente urbana.
9
FRANCA, Marylinda Santos de, ABIKO, Alex. Minha Casa Minha Vida: uma avaliação preliminar.
Disponível em:
<http://lares.org.br/2013/artigos/895-1041-1-SP.pdf> Acessado em 10/06/2014
10
BRASIL, Ministério das Cidades. Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/DHB_2008_Final_2011.pdf
> Acessado em 10/06/14
11
Segundo a Agência Brasil em 11/12/2010. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-12-11/numero-de-casas-vazias-supera-deficit-
habitacional-brasileiro-indica-censo-2010> Acessado em 10/06/14
12
ANCOP. Disponível em:
<http://comitepopulario.files.wordpress.com/2011/12/dossie_violacoes_copa_completo.pdf>
Acessado em 10/06/14
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
275
13
Maricato, Ermínia. “Cidades-Urgente: colocar a questão urbana na agenda nacional”. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/detalheImprimir.cfm?conteudo_id=25307&flag_destaque_longo_c
urto=C> Acessado em 10/06/14
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
276
14
Segundo a Agência Estado, em 30/06/2013, <www.ultimosegundo.com.br>, acessado em
10/06/14
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
279
conotação mais popular, 56% dos manifestantes não tinham renda familiar
acima de cinco salários mínimos (SINGER, 2013, p.10). Por óbvio, houve
variações durante as diversas manifestações.
As manifestações ganharam feição popular à medida que apareceram
palavras de ordem contra os gastos da Copa do Mundo. Estava em questão a
destinação do dinheiro público para construir estádios monumentais e o
grande rendimento para o capital nacional e internacional, porém, de pouco
interesse para população de um país onde os pobres não têm casa, esgoto,
transporte aceitável, hospitais e, agora, por ironia da Copa, passaram a ser
excluídos também do futebol. O mal-estar era difuso e o questionamento da
ordem sistêmica não esteve em pauta para a grande maioria dos
manifestantes. Pautas de centro ganharam espaço e preponderância, como a
da corrupção e a da PEC 37. Como analisa Andityas Matos (2013, p. 02):
15
BELO HORIZONTE. Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=129779
&pIdPlc=&app=salanoticias> Acessado em 10/06/14
16
Jornal O Tempo. “Moradores criam propostas para modificar o Nova BH”. Disponível em:
<http://zip.net/bnnNJJ> Acessado em 10/06/14
Municipal de Política Urbana17. Nessa linha, cabe destacar, mais uma vez, os
dizeres de Milton Santos (2000, p. 35):
17
Jornal Estado de Minas. “Oposição dá trégua para liberar pauta de votação na Câmara de BH”.
Disponível em: <http://zip.net/btnNT0> Acessado em 10/06/14
18
BELO HORIZONTE. “BH tem 13% da população em favelas, índice superior ao de SP”. Disponível
em: <http://zip.net/bbnNN8> Acessado em 10/06/14
19
BELO HORIZONTE. URBEL: Vila Viva – integração das vilas à cidade. Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMe
nuPortal&app=urbel&tax=8178&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&%3E> Acessado em 10/06/14
20
BELO HORIZONTE. Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMe
nuPortal&app=urbel&tax=8173&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&> Acessado em 10/06/14
21
Como demonstra a reportagem do Jornal O Tempo, “Belo Horizonte tinha, no início da década
de 2000, 60 mil lotes vagos. Agora, são apenas 20 mil lotes em condições de receber
empreendimento”. A reportagem ainda destaca a disputa das construtoras pelos lotes onde
localiza-se a Vila Acaba Mundo, situada na zona centro-sul da cidade. Leia mais em:
<http://www.otempo.com.br/capa/economia/belo-horizonte-tem-apenas-20-mil-lotes-vazios-
para-obras-1.358936> Acessado em 10/06/14
22
DIAS, M. T. F. ; GUSTIN, M. B. S. . (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 4. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2013. Pag. 8
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
288
5. A corporeidade do urbano
23
Sobre o tema ver Mayer, Joviano. “Carnavalizar o urbano. Avante BH!” Disponível em:
<http://terrorismobranco.wordpress.com/2012/02/27/carnavalizar-o-urbano-avante-bh/>
Acessado em 10/06/14
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
291
Referências bibliográficas
FRANCA, Marylinda Santos de. Minha Casa Minha Vida: uma avaliação
preliminar. Disponível em: <http://lares.org.br/2013/artigos/895-1041-1-
SP.pdf> Acessado em 10/06/2014
FREIRE, P. 2002. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 24ª ed.
HARVEY, David. Rebel cities: from the right to the city to the urban
revolution. London: Verso, 2012
PAULA, João Antônio de. “As cidades”, em As cidades da cidade. Pág. 29. BH:
UFMG, 2006.
“Vila Viva ou vila morta?” Belo Horizonte, Setembro de 2008. Disponível em:
<http://brasil.indymedia.org/media/2008/10//429698.pdf> Acessado em
10/06/14.
1. Introdução
1
Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.Extensionista do projeto
Direito e Cidadania: a luta pela moradia.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
294
2. O espaço urbano
2
Por habitação adequada entende-se, de acordo com o Comentário Geral nº 4 do Comitê sobre
os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, aquela que cumpre
os requisitos de segurança legal da posse; disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e
infraestrutura; custo acessível; habitabilidade; acessibilidade; localização; adequação cultural.
3
Por movimento popular entende-se um grupo constituído enquanto coletivo social oriundo do
bloco histórico dos oprimidos que compartilha uma identidade comum e se organiza para superar
aspectos de desigualdades sociais oriundas de um ou mais dos três cortes estruturais da
sociedade: classe, raça e gênero. Esse conceito provisório se constrói a partir das construções
teóricas de GONH (1997), CAMACHO (1987) e PAZELLO (2011).
4
Dados utilizados nas petições inicias das ações de usucapião coletiva de imóvel urbano movidas
pela Associação de Moradores das Vilas Esperança e Nova Conquista, como uma das atividades
do Projeto Direito e Cidadania.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
301
5
Informação apresentada pelo Ministério Público do Paraná na petição inicial da Ação Civil
Pública nº 38.9100/02.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
303
surgiram maiores subsídios para a Ação Civil Pública. Em 2005 o projeto foi
ampliado, passando a ser integrado também pela entidade de direitos
humanos Terra de Direitos, Ambiens Sociedade Cooperativa e estudantes da
PUC-PR e Universidade Positivo. O projeto incentivou e acompanhou a
mobilização entre os moradores e moradoras da região, os orientou quanto as
implicações da ação civil pública, realizou formações sobre direito à moradia,
direito à cidade e outros temas relacionados à questão enfrentada na região.
Em assembleias de moradores, as vilas Eldorado, Esperança e Nova
Conquista decidiram ingressar com ações de usucapião coletivo especial
urbano, já orientadas do que era essa ação e quais poderiam ser os seus resul-
tados. A via jurídica foi o último recurso encontrado pela comunidade, uma
vez que a continuidade do diálogo com a COHAB se tornará impossível. No
entanto, os três presidentes das associações de moradores dessas vilas eram
ligados a então gestão municipal e se declararam contrários à entrada das
ações e as atividades do projeto. Os presidentes instigaram a intervenção da
Prefeitura e da Federação de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana
(FEMOCLAM), também próxima da gestão municipal, e ainda se negaram a
convocar as assembleias que aprovariam a entrada da ação. Assim, a comuni-
dade passou a convocar e organizar por si assembleias, com a participação da
equipe do projeto Direito e Cidadania. (BRAGA, DUTRA, 2009). Durante a fase
de decisão pela ação de usucapião, os moradores e moradoras enfrentaram
pressões políticas constantes dos agentes da COHAB e da Prefeitura Mu-
nicipal, que realizaram um verdadeiro trabalho de contra informação na
região.
Considerando que nas ações coletivas de usucapião a comunidade
deve ser representada pela associação de moradores, a própria comunidade
decidiu pela criação de novas associações que legitimassem o processo. Os
moradores e moradoras da Vila Eldorado reativaram uma antiga associação
comunitária da área e as Vilas Esperança e Nova Conquista criaram uma nova
associação, que passou a representar as duas comunidades. (BRAGA, DUTRA,
2009). Assim, com a assessoria jurídica da Terra de Direitos, foram propostas
três ações de usucapião coletivo especial urbano, uma para cada vila.
Durante os trabalhos do projeto Direito e Cidadania, a comunidade
das Moradias Sabará também decidiu criar um veículo próprio de
comunicação, a Folha do Sabará, financiado com o apoio de comerciantes da
região. O jornal circula atualmente com a tiragem de três milexemplares.
6
Urbanização de risco é a exclusão dos menos abastados das regiões onde existe infraestrutura
urbana instalada e seu deslocamento para regiões distantes, em sua maioria irregulares, onde
residem sem segurança jurídica da posse, em regiões afastadas do centros econômicos da cidade,
locais onde a maioria dessa população trabalha.
7
Trinta e cinco famílias ficaram desabrigadas por ação de desocupação de terreno no Guarituba
por questões ambientais. A ação policial que retirou as famílias do lugar foi realizada por mais de
mil homens da PM-PR. As famílias foram abrigadas em uma escola, da qual também foram
retiradas. Mais informações disponíveis em
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
311
5. Conclusão
<http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=422:familias-
permanecem-sem-abrigo-e-relatoria-do-direito-humano-a-cidade-se-
manifesta&catid=129:relatorios&Itemid=152> Acesso em 14 jul 2014.
tipo ideal desse agente, além de mostrar a sua interferência e relação com o
Estado na construção do espaço urbano.
Já com relação aos grupos socialmente excluídos, o caso concreto
apresenta sua ação diferenciada quando desorganizada e pautada na garantia
do mínimo para a sobrevivência no espaço urbano e quando organizada em
movimento popular urbano pautado na persecução de direitos que garantam
a vida digna. No segundo momento, se estabelece uma relação em que o
Estado é identificado, por meio do Poder Executivo – mais especificamente
pela COHAB – como principal antagonista, ao mesmo tempo em que é
utilizado como arena de lutas, como exemplifica a decisão de ingressar com as
ações de usucapião especial urbano coletivo, no qual o movimento consegue
conquistas, como a transformação das vilas Esperança e Nova Conquista em
SEHIS.
6. Anexos
7. Referências bibliográficas
1
Bacharel e mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
2
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada no curso de
Especialização em Gênero e Sexualidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais.
1. Introdução
Associação Famílias Beira Linha que tinha como finalidade o disposto no item I
de seu estatuto social:
I. - DOS FINS
Melhorar a qualidade de vida de seus associados em ge-ral.
Defendendo-os organizando-os e distribuindo aos mesmos,
gratuitamente, benefícios alcançados junto aos Órgãos
Municipais, Estaduais, Federais e a iniciativa Privada.
Diante disso, percebe-se que por meio de uma semântica coletiva dos
conflitos sociais, pela via da formação de um sujeito coletivo de direito, na luta
por reconhecimento da justeza de suas demandas, as famílias beira linha
formataram um modelo de organização que foi capaz de fazer um
enfrentamento direto à empresa Vale com resultados positivos no processo de
negociação. Ou seja, a produção de identidade coletiva contribui na formação
de um novo ator social que traça novas fronteiras de atuação, transformando
demandas sociais em demandas políticas.
3
Por adversário, entende-se o sujeito, que pela afirmação da diferença nos interesses em jogo,
delimita a criação de um nós.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
327
6. Conclusão
O trabalho apresentou o caso das famílias beira linha e sua luta por
moradia digna. Após o relato dos acontecimentos passou-se a demonstrar
como a formação da Associação Famílias Beira-Linha contribui para a
coletivização do conflito e a consequente melhoria nos parâmetros de
negociação e indenização propostas pela empresa Vale.
Dessa forma, através de uma semântica coletiva do conflito social
colocado, formou-se um sujeito coletivo de direito que em sua luta por
reconhecimento buscou justiça frente à maneira como a empresa Vale tratava
os despejos forçados. Por meio de um modelo de organização coletiva, da
formação de uma identidade coletiva, politizou-se o conflito e a Associação
conseguiu com que a Vale modificasse os critérios de indenização
proporcionando o acesso à moradia digna para as famílias associadas.
Para se chegar a esse ponto demonstrou-se a importância da
mobilização social como instrumento de aglutinação de demandas dispersas e
difusas em uma pauta politizada e bem fundamentada acerca do direito social
à moradia e à cidade dos quais as famílias beira linha eram titulares.
Por fim, demonstrou-se que estavam em disputa dois projetos de
cidade: um projeto privatista levado à cabo pela Vale e que privilegia a repro-
dução do espaço urbano a partir de uma lógica mercantilista transformando a
cidade em mercadoria. E, por outro lado, um projeto de cidade que privilegia a
7. Referências bibliográficas
Introdução
1
Acadêmica do quinto ano do curso de direito da Universidade Estadual de Londrina; Bolsista de
iniciação científica pelo CNPQ no Projeto de Pesquisa: O Direito à Moradia – aplicabilidade e
efetividade dos instrumentos jurídicos na região metropolitana de Londrina – PR, cadastrado sob
o nº 7951; Colaboradora do Projeto Integrado de Extensão Lutas: Formação e Assessoria em
Direitos Humanos, cadastrado sob o nº 1680.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
333
social constituída por uma vontade coletiva ou, em geral maior desenvolvi-
mento a um sujeito social político.
No Brasil, há vários movimentos em busca do direito à moradia e do
direito à cidade e eles se encontram em vários níveis de organização, e, como
será visto, vários deles são movimentos populares. Como todos esses
movimentos buscam o direito à moradia e o direito à cidade, eles todos
podem ser enquadrados como movimentos sociais populares por demandas
específicas, podendo ter uma abrangência local ou regional e classista ou
pluriclassista, a depender de sua organização e composição.
Segundo MORAES e VIVAS (2014, p. 154), os movimentos por defesa
da moradia e do direito à cidade tem passado por diversas etapas. No Brasil,
historicamente, a luta do homem pela terra é uma luta em busca do direito
pelo trabalho e moradia, luta que se coletiviza, justamente por constituir uma
forma mais legítima e eficaz de se garantir o direito à terra, através de ações
políticas, embates contra o Estado mediador dos interesses das classes
dominantes. Desta forma, por questionarem a estrutura do Estado,
requererem uma mudança substancial e representarem a luta de pessoas
pertencentes ao povo, estes movimentos sociais de luta pela terra são,
sobretudo, movimentos sociais populares.
De acordo com MORAES e VIVAS (2014, p. 154), a luta pela terra no
Brasil ganhou maior força a partir de 1970, quando posseiros, colonos, enfim,
trabalhadores assalariados do campo, lutavam pela permanência na terra.
Esses movimentos passaram a ser chamados de movimentos sem-terra,
formado por classe social que vive no campo sem ser proprietária e que
reivindica melhorias nas condições de trabalho e terra para economia familiar.
Essa luta levou à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), que ganhou notoriedade e ressignificação em 1990. Enquanto a
luta da conquista da terra pelo trabalho no meio rural tornou-se ponto
simbólico do movimento, no meio urbano, a bandeira defendida é a terra para
moradia, e, mais recentemente, o direito à cidade. Deste modo, para que se
tenha a dimensão das lutas sociais em defesa da moradia e do direito à
cidade, é necessário analisar os movimentos sociais que buscam esses direitos.
região, que conta com uma alta especulação imobiliária. A concessão deste
auxílio só foi possível devido à pela pressão feita pelo movimento junto aos
órgãos públicos. Após dois anos da desocupação do local, e várias
reivindicações, foi iniciada a construção de um conjunto habitacional para essa
população, pelo programa Minha Casa Minha Vida.
De acordo com Guilherme BOULOS (2012, p. 67-69), a ocupação e
consequente remoção das pessoas do terreno pertencente à massa falida da
empresa de Naji Nahas era uma terra pública, advinda de herança vacante que
passou por um processo de grilagem para que pertencesse à empresa. Ainda,
a reintegração de posse só foi possível porque houve uma articulação do
governo municipal com a presidência do tribunal de justiça de São Paulo com
o governo estadual, a fim de disponibilizar muitos policiais militares no
momento da reintegração de posse, uma vez que as pessoas já estavam
esperando a desocupação e se preparando para resistir. Por outro lado, para a
área desocupada, estavam previstos mais de cinquenta empreendimentos
imobiliários, o que contribuiu ainda mais para o interesse de desapropriação.
Muito embora esse seja um caso em que o movimento, em um
primeiro momento, logrou êxito, foi expulso e tem a promessa de conseguir
um local, na atualidade há exemplos de ocupações que deram certo, conforme
anunciado no site do próprio movimento (MTST, 2014b). Em 11 de junho de
2014, por exemplo, foi conquistada a construção de duas mil moradias no
local em que havia uma ocupação e, na mesma ocasião, o governo federal se
comprometeu a criar uma comissão contra despejos e também mudar a forma
de gerir seus programas habitacionais. Este é um exemplo das conquistas dos
movimentos em defesa da moradia, o que demonstra que, para além da
positivação de direitos, é possível conquista-los de forma concreta com essas
ações.
De acordo com Jacques ALFONSIN (2006a, p. 61), à exclusão territorial
e ao descumprimento da função social da propriedade, multidões de pessoas
sem-teto e sem-terra têm respondido com ocupações massivas de solos sobre
os quais os direitos de propriedade têm sido mal exercidos. As reações a esses
gestos de defesa de direitos humanos fundamentais têm sido consideradas,
sob a perspectiva dos proprietários, invasões, portanto, criminalizadas pelo
ordenamento jurídico.
Essa criminalização aparece sob dois aspectos: tanto no penal, que de-
fine o crime, quanto no cível, que respalda ações de reintegração de posse. Em
ambos os casos, tentam caracterizar o ilícito penal e civil do esbulho possesso-
rio. De acordo com o artigo 162, §1, II do Código Penal, comete esbulho
possessório aquele que “invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou
mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o
fim de esbulho possessório” (BRASIL, 1940). Já no âmbito civil, quando
ocorrem as ações de reintegração de posse, é alegada pelos proprietários do
terreno a prática do ato ilícito de esbulho possessório, que, de acordo com o
artigo 1.210, § 1º (BRASIL, 2002), permite até que o proprietário até se utilize
de desforço imediato para se manter na posse e, além da ação de reintegração
de posse, é garantido ao proprietário o direito de indenização
No entanto, de acordo com Jacques ALFONSIN (2006a, p. 61), estes
gestos estão excluídos da ilicitude, seja no âmbito civil ou penal, por com-
figurarem estado de necessidade2, uma vez que a moradia é uma necessidade
inerente a todas as pessoas e, além disso, trata-se de um direito fundamental
protegido constitucionalmente. Deste modo, respaldados pelo estado de
necessidade, por estarem diante de uma clara lesão a seus direitos mínimos
existenciais, não se pode vislumbrar a prática de ilícito penal e sequer civil.
Isso se dá também pelo fato de que, por ser um direito à moradia um
direito fundamental social titularizado por todas as pessoas, e, ocupar um
espaço, morar em algum lugar é uma necessidade inerente à condição
humana. Não existe qualquer indivíduo que não necessite de um local para
morar. Deste modo, a simples ocupação de um local por uma pessoa
miserável, que não tenha outro modo de garantir seu direito à moradia, não é,
de modo algum crime, mas, sobretudo, um simples exercício de direito que,
quando violado, deve ser reivindicado, seja por meio de ocupações ou pela
reivindicação desses direitos dentro do próprio ordenamento jurídico.
Conclusão
2
Estado de necessidade é uma das excludentes de ilicitude previstas no Código Penal no artigo 23
e definida no artigo 24: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar
de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”
(BRASIL, 1940 – grifos nossos). Como excludente de ilicitude prevista no Código Civil, o estado de
necessidade é previsto no inciso II do artigo 188: “Artigo 188. Não constituem atos ilícitos: II - a
deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo
iminente” (BRASIL, 2002 – grifos nossos).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
345
todo. Frente a esse Estado segregador, para que algum direito possa ser
consolidado, surgiram diversos atores sociais que buscam e reivindicam esses
direitos. Neste contexto, os movimentos sociais surgem como dinâmicas
representantes da luta do povo e, quando, além de representarem a camada
oprimida e explorada da população visarem uma mudança estrutural no
Estado a seu favor, se constituem em movimentos populares.
O direito à moradia e o direito à cidade, por serem direitos
fundamentais inerentes ao ser humano, são direitos que ganham especial
destaque nas reivindicações, dos movimentos sociais, que se organizam em
torno dessas temáticas. Para a conquista destes direitos há diversas estratégias
utilizadas por esses movimentos, que consistem, basicamente, na luta pela
positivação e concretização de novos direitos, junto ao poder legislativo e
executivo e também pela ocupação de terras para a moradia.
Entende-se que ambas as estratégias são fundamentais para a
conquista destes direitos. A luta pelo reconhecimento de direitos no
ordenamento jurídico se deu desde a inclusão dos artigos na Constituição
definidores da política urbana até a formulação de políticas púbicas
participativas voltadas a atender este direito, além da efetiva participação
nessas políticas. A eficácia disto está no fato de que esses direitos, uma vez
reconhecidos pelo ordenamento jurídico, são passíveis de reivindicação e
também permitem a participação das pessoas nessas decisões.
As ocupações, por outro lado, apresentam um papel de igual
relevância, no sentido de reivindicar esses direitos de forma concreta e ver
cumprido o que já está positivado, além de garantir uma maior visibilidade à
luta e agregar novas pessoas. Muito embora esse tipo de ação constitua um
legítimo exercício de direito perante o ordenamento jurídico, pois se trata da
reivindicação de direitos fundamentais sem os quais as pessoas não podem
viver, há a tentativa de criminalização das ações desses movimentos sociais,
considerando-os verdadeiros ilícitos penais ou civis.
No entanto, não se pode considerar o exercício legítimo de um direito,
de uma necessidade, um crime. Quando ocorrem ocupações de terras para o
exercício do direito à moradia e direito à cidade por pessoas que estão em
situação de miserabilidade, elas se encontram em uma situação de estado de
necessidade, o que, além de excluir a pretensa ilicitude do ato, garantem que
elas exerçam esse direito constitucional de moradia.
Além disso, se considerar o exercício de direitos e sua reivindicação
como algo criminoso, resultaria na própria negação dos direitos que estão
Referências Bibliográficas
BOLOUS, Guilherme. Por que ocupamos?: Uma introdução à luta dos sem-
teto. São Paulo: Scortecci, 2012.
FNRU. Fórum Nacional pela Reforma Urbana. Quem somos. Disponível em <
http://www.forumreformaurbana.org.br/quem-somos> Acesso em 14/03/14.
FSM. Fórum Social Mundial. Carta Mundial Pelo Direito à Cidade. Porto
Alegre, 2006. Disponível em <
http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf> Acesso em
21/02/2014
site/1228-vitoria-mtst-tem-reivindicacoes-nacionais-atendidas> Acesso em
13/06/14.
Introdução
1
Professor universitário e advogado. Pós-graduado em gestão estratégica pública e em direito
ambiental e urbanístico. Mestre em ciências sociais.
2
Estas ações ficaram conhecidas como políticas higienistas, pois se utilizam do argumento
sanitário para retirar as ocupações populares dos centros urbanos.
3
A Fundação Casa Popular construiu, entre 1946 a 1960, um saldo de total de 143 conjuntos
residenciais compostos por 16.964 casas.
4
Esta solução vem acompanhada de um problema facilmente visualizado em nossas cidades, a
proliferação de assentamentos marcados por precariedade social, ambiental e urbanística.
5
Neste passo, os movimentos sociais, têm se mostrado um instrumento que pode conferir maior
organicidade e conscientização aos “sem moradia”, no sentido de evidenciar o papel histórico das
lutas urbanas de se contrapor a um modelo de cidade (e de sociedade) que está colocado.
6
Dados da CPT (2010) informam que os conflitos ocorridos no meio rural resultaram em 25
assassinatos e 71 pessoas torturadas em 2009.
7
Muitas vezes a disputa se dá com falsos proprietários. Pessoas que não tem nenhum tipo de
documento comprobatório ou que se valem de documentos falsos.
8
Pode-se citar, por exemplo, as legislações nacionais e internacionais a necessidade dos despejos
serem feitos na observância do devido processo legal com analise do Poder judiciário, das normas
que falam sobre os horários em que podem se efetuados os despejos e do dever do Estado
prover condições de resguardo às pessoas mais vulneráveis.
9
Cumpre destacar que o foco deste trabalho está na mediação e não na prevenção. Entende-se
que a prevenção são todas as ações existentes de combate ao déficit habitacional, presente nos
programas governamentais que visam a construção de casas populares e de regularização
fundiária. Já a mediação seriam as ações do Estado realizadas a partir dos conflitos fundiários.
10
Em três dos casos relatados, quais sejam, CAJI, Rua Chile e Mangabeira, houve a saída das
famílias antes de finalizada a mediação.
não pode servir como parte de uma estratégia de convencimento para a saída
das famílias sob a contrapartida de não mobilizar os recursos jurídico-
repressivos do Estado. Isto seria nada mais do que uma chantagem, que se
prestaria a manter a proteção da propriedade privada e enfraquecendo as
lutas populares contra o sistema de dominação. Entende-se que a solução
pacífica deva ser uma forma de, justamente, evitar que o Estado atue com seus
mecanismos repressivos, pois as ocupações populares urbanas precisam ser
tratadas, sempre, como uma questão social a ser resolvida por meio da
política e jamais da polícia.
Em uma atuação dos agentes da mediação conectada à luta da classe
não-proprietária é necessário mediar tendo em conta a autonomia dos
movimentos sociais, a importância da sua atuação combativa na luta por
direitos, e, notadamente, a importância das ocupações como meio de
explicitação das contradições que envolvem o modelo de desenvolvimento
das cidades.
Trata-se, portanto, de uma atuação capaz de desmistificar o discurso
da neutralidade do Estado, que é em si capitalista, e que, no campo mais
concreto de suas práticas e ações, é fruto da disputa entre classes com
interesses distintos11. E nessa esfera de disputa, ele, ou tende para o lado da
classe que já detém a propriedade ou daquela que necessita acessá-la para
sua sobrevivência e dignidade. Assim, para caminhar no sentido da superação
das relações de dominação nas cidades, é preciso se posicionar na busca de
soluções que possam minimizar o poder dos proprietários capitalistas sobre os
não-proprietários, é preciso assumir, que se trata de um espaço direcionado a
favorecer a parte histórica e contextualmente mais fraca, cumprindo com
preceitos constitucionais da função social da propriedade e do direito à
moradia e à cidade.
11
No modo de produção capitalista o Estado é garantidor de última instância dessa forma de
organização econômica, por meio de funções essenciais como garantir a acumulação capitalista,
proteger a propriedade privada e manter comercialização da força de trabalho. No entanto, apre-
senta, além das determinantes gerais da classe dominante, outras influências, seja da classe traba-
lhador, seja de frações de classe, seja de interesses de parte da burocracia estatal que se incor-
poram na sua ação concreta. Exemplo disso esta em respostas que são dadas pelo Estado a certas
demandas de organizações de trabalhadores que nem sempre atendem interesses imediatos da
classe dominante. (Percepção encontrada em autores como David Harvey, Nicos Poulantzas e
Guillermo O´Doneel). Neste sentido, como arremata O´Donell, “o Estado já é por si só Capitalista,
antes de perguntar se favorece ou é instrumentado por esta ou aquela classe” (1981, p. 193).
Referências bibliográficas
UOL. Kátia Abreu quer Força Nacional contra o MST para evitar que
fazendeiros façam bobagem. São Paulo, 14 abr. 2011. Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/04/14/katia-abreu-quer-forca-
nacional-de-seguranca-contra-o-mst-para-evitar-que-fazendeiros-facam-
bobagem.jhtm>. Acesso em set. 2011.
RESUMOS
Orientadora:
Luly Rodrigues da Cunha Fischer
Objetivo geral:
O objetivo geral deste projeto é realizar um estudo jurídico sobre as
ocupações irregulares na beira de rio no meio ambiente urbano à luz do novo
código e antigo código florestal, com vistas à convalidação de ocupações ur-
banas de área de proteção permanente e a violação do artigo 225, §1º, lll, CF/88.
Objetivos Específicos:
Os objetivos específicos são discutir a visão do novo e antigo Código
Florestal quanto às questões urbanas voltadas para ocupações irregulares de
beira de rio, analisar como ocorre a possibilidade de regularização de áreas de
ocupação irregular na beira de rio urbana e identificar que razões levam as
pessoas a ocuparem irregularmente estas áreas.
Metodologia:
A metodologia utilizada para a realização deste projeto está baseada
em uma pesquisa teórica de natureza qualitativa, onde será utilizado o
método dialético. Haverá também a presença da pesquisa bibliográfica, a qual
é baseada em dados, em fontes secundárias, que será necessária para o
desenvolvimento do objeto de estudo, já que para que se compreenda o que
leva a resposta do problema deste é necessário que a pesquisa seja voltada
1
Graduanda do Curso de Direito , bolsista no Programa de Iniciação Científica da Universidade da
Amazônia (UNAMA).
Vinculação: Universidade da Amazônia – Instituto de Ciências Jurídicas – Programa de Iniciação
Científica (PIC).
Conclusões:
Em síntese a existência de ocupações irregulares em áreas de
preservação permanente no meio ambiente urbano não viola o artigo 225, §1º,
III, CF, já que não se pode considerar que existam conflitos entre direito ao
meio ambiente e direito à moradia, ambos direitos fundamentais previstos
constitucionalmente. Sabendo da desconsideração sobre o conflito entre os
direitos supracitados, há a utilização de ponderação entre eles. Para o Código
Florestal de 2012 há possibilidade de convalidação das ocupações que estão
em áreas de preservação permanente, desde inseridas em requisitos do
próprio código e de lei ordinária 11.977/09 (Programa Minha Casa,Minha
Vida).
2. Referências bibliográficas
KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia
Prado. DESAFIOS DO DIREITO AMBIENTAL NO SECULO XXl: Estudos em
homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. Malheiros Editoras LTDA, São
Paulo, 2005.
SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo.
Editora Saraiva, 2013.
Resumo
Referências bibliográficas
1
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do
Programa de Educação Tutorial (PET) em Direito da UFSC.
CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: terra e paz, 1983. Trad.
Arlene Caetano.
Orientador:
Cláudio Oliveira de Carvalho2
Referências bibliográficas
1
Grupo de Pesquisa Direito Ambiental, Urbano, Agrário e Movimentos Sociais; Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB/Bahia. E-mail: [email protected].
2
E-mail: [email protected]
Objetivos
Metodologia
1
Coordenador - CRDH/FURG
2
Supervisora de estágio – CRDH/FURG
3
Assistente social – CRDH/FURG
4
Estagiária – CRDH/FURG
5
Estagiária – CRDH/FURG
6
Bolsista – CRDH/FURG
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
381
Conclusões
Referências bibliográficas
Orientador:
Claudio Oliveira de Carvalho2
Resumo
1
Acadêmico de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Integrante do
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA. [email protected]
2
Professor Assistente de Direito Ambiental, Urbano e Agrário da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA. Mestre
em Direito. Advogado. [email protected]
Referências bibliográficas
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo:
Moraes, 1991.
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 3
CRIMINOLOGIA CRÍTICA E
MOVIMENTOS SOCIAIS
Avaliadores:
Carla Benitez Martins (UFG)
Eduardo Granzotto Mello (SOCIESC)
Marcel Soares de Souza (UFSC)
EMENTA
Muitos estudos têm apontado para o crescimento do processo de
controle social voltado para a pobreza em geral e para os movimentos sociais
organizados. Esse controle se manifesta tanto no campo penal, visível no
aumento vertiginoso das taxas de encarceramento, mas também pela
medicalização, que reúne os interesses das indústrias farmacêuticas na
ampliação da comercialização das drogas lícitas como mecanismo de controle
comportamental. A ampliação das estruturas de controle como resposta
imediata ao crescimento da violência, decorrente da concentração de riquezas
que a gestão do capital de cunho neoliberal sedimentou em escala global,
acaba por legitimar práticas autoritárias em múltiplos campos como na
internação compulsória, no controle de comunidades pelas chamadas UPPs,
em legislações estabelecendo regimes diferenciados de cumprimento de pena,
no extermínio da pobreza diante de uma ação cada vez mais militarizada
como forma de controle da pobreza, na expulsão violenta de comunidades
tradicionais, enfim, uma legitimação de territórios enquadrados no conceito
de estado de exceção. O objetivo do presente espaço de discussão está em
realizar uma troca de análises a partir das múltiplas configurações em que se
estabelecem a relação de controle por parte do poder seja no campo penal,
seja no campo médico, possibilitando-se assim desvelar o atual cenário com
uma perspectiva analítica dialética para sua superação por parte dos
movimentos sociais organizados, que em grande medida são o público alvo
das políticas de controle, gestando-se dessa forma uma perspectiva
emancipatória.
ARTIGOS
Introdução
1
Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Doutorando em
Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2
Assinalando a necessidade de se conceber alguma modulação nesse princípio interpretativo,
mais precisamente daquele que aponta para a tendência em a pena se tornar mais aflitiva em
períodos de abundância de mão-de-obra, ver (SPIERENBURG, 1998).
3
É o que designei, noutro lugar, de política integral do Estado. (SOUZA SERRA, 2009: 236).
4
Também de Foucault a aula de 17 de março de 1976, encontrada em FOUCAULT (1990).
Desenvolvimento
5
Basta lembrar o episódio que ficou conhecido como Watts Riots, vivenciado em 1965 em Los
Angeles, resultando em aproximadamente 34 mortos, 2 mil feridos e 3 mil presos. Nela a pilhagem
das lojas foi também um dos aspectos marcantes.
além de traduzir uma opção pela gestão punitiva dos escombros do Estado
caritativo, implicou também uma mutação das políticas de corte social, que
passaram a se descobrir carregadas de uma intencionalidade policialesca. É
disso que ele extrai a originalidade teórica que resulta do reconhecimento do
imbricamento e da convergência das políticas social e penal.
Em Onda Punitiva Wacquant se esmera ainda por esquadrinhar a
substituição da política de bem-estar protetora (welfare), pela imposição a
fórceps do trabalho desregulamentado e precarizado (workfare) (WACQUANT,
2007, p. 89). Esforça-se ainda para desvelar - e com sucesso -, que o inchaço
do poder punitivo (prisonfare) no âmago do campo burocrático foi determina-
do não pela elevação da criminalidade, mas por uma mais ou menos meditada
deliberação reativa aos avanços sociais experimentados pelos Estados Unidos
nos anos 1960, com um sentido classista e racial (WACQUANT, 2007; 2012, p.
13). Dela também resultou, numa dimensão significativa, a produção de uma
expressiva reestruturação do mercado de trabalho, disseminando um regime
de precarização que sucede ao fordismo, e também responsável pela promo-
ção de uma objetiva insegurança social nas regiões inferiores do espaço social.
Por certo é desde uma constatação dessas que Wacquant conclui,
especialmente em relação aos Estados Unidos, pela construção de um Estado
centauro, guiado por uma cabeça liberal mas com uma base paternalista e
autoritária, cada uma delas orientada ao governo dos dois extremos da
pirâmide social (WACQUANT, 2012, p. 37).
Embora não seja possível - ou pelo menos recomendável -,
estabelecer uma conexão direta entre os resultados produzidos pelo
neoliberalismo nos Estados Unidos e nos países europeus, é difícil negar a
reprodução de muitas das novidades institucionais, (inclusive legislativas) na
velha Europa, as quais redundaram, inclusive, em sensíveis aumentos nas taxas
de encarceramento.6 7 Mais uma vez esse fenômeno pode ser compreendido
no nível das tendências, sem descer aos detalhes das inúmeras experiências
culturais e institucionais dos países europeus, quer em nível nacional ou em
6
Nesse sentido, WACQUANT, 2002; 2007, especialmente capítulos VIII e IX; e, principalmente,
WACQUANT, 2001
7
Em seu conjunto as taxas de detenção da maior parte dos países da Europa ocidental
aumentaram no curso dos últimos quinze anos, sendo que Holanda, Portugal e Espanha, com
experiências muito distintas, inclusive dos pontos de vista econômico e social, mais que dobraram
suas taxas depois de 1984. (DÜNKE e SNACKEN, 2005, p. 15).
8
Dünkel e Snacken apontam, por exemplo, que países pertencentes a Europa Central ou Oriental
têm taxas médias de detenção que representam o dobro ou o triplo da maioria dos países
ocidentais. (DÜNKEL e SNACKEN, 2005, p. 12).
9
O conjunto da população carcerária brasileira atual (dez/2012) aponta uma sobrerrepresentação
baseada na cor/etnia (cerca de 60% do total são negros ou pardos), na escolaridade (70% tem até
o ensino fundamental completo) e na faixa etária (cerca de 30% com até 24 anos de idade). Fonte:
InfoPen – Ministério da Justiça.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
399
10
Enquanto a população, entre os anos 1990 e 2012, cresceu cerca de 30%, a população carcerária
passou de aproximadamente 90 mil para 550 mil presos, crescendo mais de 500%.
11
Os trabalhos apresentados acham-se publicados em ABRAMOVAY e BATISTA (org.), 2010.
12
Mais uma vez merece destaque a capacidade heurística mas nada simplificadora que Bourdieu
aportou ao conceito de habitus. Cf. entre tantos outros de seus inúmeros trabalhos: BOURDIEU,
2013, p. 86 e segs; 2011, p. 164: “Estrutura estruturante que organiza as práticas e a percepção das
práticas, o habitus é também estrutura estruturada: o princípio de divisão em classes lógicas que
organiza a percepção do mundo social é, por sua vez, o produto da incorporação da divisão em
classes sociais.”
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
401
13
A esse respeito cabe recorrer às já clássicas interpretações de ANDRADE, 1997, p. 266; CIRINO
DOS SANTOS, 2000; especialmente, o já citado BARATTA, 1999.
parece certo, resultará das vantagens que seu emprego pode produzir para o
domínio das pesquisas empíricas.14
Recorda Wacquant que dessa forma se combina a dimensão simbólica
àquela estrutural-econômica. À primeira incumbe franquear o acesso às
representações que os agentes alimentam acerca do mundo social, sem com
isso implicar qualquer reducionismo, facilitando o entendimento de como as
classes sociais se distinguem e também se relacionam, a partir da percepção
dos indivíduos que as compõem (BOURDIEU, 2013b).
Conclusão
14
Cabe aludir, vez mais, às importantes pesquisas empíricas empreendidas - inclusive lançando
mão do arsenal conceitual bourdieusiano – por Jessé Souza. (SOUZA, 2009; também a obra mais
recente, que constitui continuação das mesmas pesquisas voltadas essencialmente para investigar
a desigualdade brasileira: SOUZA, 2010).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
403
15
“A investigação espetacularizada de um crime tem muitas utilidades públicas, e a primeira delas
é ocupar o espaço da própria política. O noticiário da investigação, muito mais do que transmitir
informações sobre as iniciativas policiais e criminalísticas, produz sentidos e consolida o senso
comum criminológico.” (BATISTA, 2011).
Referências bibliográficas
______. Capital simbólico e classes sociais. In: Novos Estudos, n. 96, 2013b, p.
105-115.
MOURA, Clóvis. Brasil: as raízes do protesto negro. São Paulo: Global, 1983.
SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2009.
SPIERENBURG, Pieter. The body and state. In: MORRIS, Norval; ROTHMAN,
David J (org.). The oxford history of prison: the practice of punishment in
Western society. New York: Oxford University press, 1998, p. 44-70
Objetivos
Metodologia
1
Projeto de pesquisa “Criminalização dos movimentos sociais”, Curso de Direito, Universidade
Federal de Goiás.Orientação: Professora Ms. Carla Benitez Martins
2
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.
3
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.
Conclusões
4
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, 2007, p. 44
5
ROSA, Alexandre Morais. 2009. p 5/6.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
411
6
ROMAN, Vicente apoudAlexandre Morais Rosa. 2009. p 41.
7
GIAMBERARDINO, André Ribeiro.2008.
8
GIAMBERARDINO, André Ribeiro.2008.
Referências bibliográficas
JESUS, Maria Gorete Marques de; OI, Amanda Hildebrando; ROCHA, Thiago
Thadeu da; LAGATTA, Pedro. Prisão Provisória e Lei de Drogas: um estudo
sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo. São
Paulo: Núcleo de Estudos da Violência, 2011.
1
(Doutora em Direito pela UnB. Coordenação Geral do Programa de Pós Graduação em Direitos
Sociais do Campo – Regional Goiás/ UFG. Contato: [email protected])
2
Segundo Kymlicka (1996), através das políticas assimilacionistas esperava-se que ‘o outro’
abandonasse sua cultura distintiva e fosse gradualmente incorporando a cultura. Já a teoria do
mosaico étnico, buscava a integração das minorias culturais sem justaposição. A teoria do
melting-pot apregoava que todos tinham espaço, mesmo não se integrando.
3
Compreendemos o conceito de acesso à justiça em sua dimensão alargada, como nos ensina
José Geraldo de Sousa Júnior (2008, 2009).
4
De acordo com Dallari (2010:8): “No judiciário o passado determina o presente, influindo tanto
na forma das solenidades, rituais e dos atos de ofício quanto no conteúdo de grande número de
decisões. Esse é um dos principais motivos pelos quais há evidente descompasso entre o Poder
Judiciário e as necessidades e exigências da sociedade contemporânea”.
5
De acordo com a exposição de “uma trajetória cidadã”, no informativo sobre o histórico do STJ,
“na primeira composição do STJ, em 1989, novos ministros eram egressos dos TRF”. Disponível em
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=698. Acesso em: 03 de Outubro
de 2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
420
6
Nesse sentido, uma rápida pesquisa na jurisprudência do extinto TRF (disponível na página
eletrônica do STJ) demonstra a continuidade da forma de pensar e julgar as ações penais. Foram
78 ocorrências para a palavra-chave indígena e 86 para índio. Entre elas, o mesmo discurso: índio
aculturado e trabalhador. Majoritárias são as decisões relacionadas ao conflito de terra. Em função
da inexistência da alusão ao índio na constituição vigente daquele tempo (artigo 125, inciso IV da
Emenda Constitucional nº 1/69), “a solução jurisprudencial focava exclusivamente o interesse da
União, reconhecia-o, ou não, fosse a terra da União, ou não (FONTELES, 1993, p. 203)”. Naquele
período reconhecia-se a competência da justiça federal, apenas em função de conflito pela posse
das terras e dentro da “reserva indígena”.
7
CF. notícias disponíveis em
http://www.conjur.com.br/2008-dez-16/racismo_existe_quando_vontade_discriminar, e também
A denúncia foi feita com base no art. 20 da Lei 7.716/1990, que assim
estabelecia: “Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou
por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça,
por religião, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão de dois a cinco
anos8”.
No entanto, pela leitura da decisão monocrática, o contexto cultural,
situacional ou mesmo a ponderação entre os campos argumentativos das
partes, não apareceu. Ao contrário, o voto do Ministro está restrito a questões
técnico-processuais, uma vez que de acordo com sua concepção “não há
necessidade de incursão na matéria fático-probatória(AI 853522/ SC. Min.
Joaquim Barbosa. Julgamento em 15/05/2012)”.
Assim, fica a dúvida de quais os fundamentos que levaram o Ministro
a concluir pela ausência de dolo, na tipificação da conduta. Como verificar a
presença ou da intencionalidade do ato, para caracterizar o dolo, sem se
remeter ao conjunto fático probatório? Qual campo de argumentação que
serviu de base para a ponderação do convencimento de que não houve
intencionalidade? Como verificar se a conduta denunciada enquadra-se ou
não no crime de racismo? Será que a declaração de um político, que
posteriormente veio a ser eleito Prefeito de um município, não gera efeitos
sobre o acesso ao trabalho e a terra?
O que encontramos foi o entendimento de que a liberdade de
expressar opinião, mesmo que de caráter preconceituoso ou generalista
contra os indígenas, não deve ser considerado crime de racismo. Será que
fazer menção aos PI como indiada, já não reflete uma conotação
preconceituosa? Este é o campo onde permeiam as bases valorativas da
concepção de bem comum do Ministro Joaquim Barbosa. Vale dizer que não
foi localizada interposição de embargos de declaração ou outro instrumento
questionando a decisão da Corte.
http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2006/03/esse-o-pfl-dos-bornhausens-e-
efrains.html, visitados em 16/10/2013.
8
Os artigos 1º e 20º da Lei 7.716/89 foram alterados pela Lei 9.459/ 97. Além da legislação
infraconstitucional, temos na CF/88 a garantia do Princípio da Dignidade Pessoa Humana e
compromisso de combater todas as formas de preconceito e racismo, em todas as suas formas de
manifestação. Em consonância também com a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as formas de Discriminação Racial de 1965, ratificada pelo Brasil em 1968.
10
0
AM AP BA TO SP SC MS DF PA MT MA PR GO
9
Cf. Moreira (2011), no município de Amambaí/ MS, chamou atenção o quantitativo de audiência
no fórum de justiça de ações de cancelamento de empréstimo e retirada de seguro DPVAT
decorrente de acidente de trânsito. Vale dizer que na entrada e saída da cidade existem duas TI.
À guisa de conclusão
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
RIBEIRO, Darcy. Os Índios e a Civilização. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.1ª ed.:
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
WARAT, Luís Alberto. O senso comum teórico dos juristas, in SOUSA JÚNIOR,
José Geraldo de (Org.). Introdução Crítica ao Direito. Série o Direito Achado
na Rua. Experiências Populares de Craiação do Direito e Construção de
Cidadania no Brasil. Vol. 1. Brasília, UnB, 1993.
Jurisprudência
Introdução
1
Bolsista de Iniciação Científica (CNPQ /PIBIC/UFF), graduando em Direito na Universidade Federal
Fluminense (UFF), pesquisador-iniciante na área de antropologia do Direito e Saúde; orientando
pelos professores Roberto Kant de Lima (INEAC/UFF) e Lenin dos Santos Pires (LAESP/INEAC/UFF).
Membro do TaCAP- UFF (Tamoios Coletivo de Assessoria Popular da Universidade Federal
Fluminense) e do LAESP (Laboratório de Estudos sobre Conflitos, Cidadania e Segurança Pública)
vinculado ao INCT - InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Análise Institucional de
Conflitos).
2
Nome fictício
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
437
“Alguém que olha para ela na rua pensa que ela é aparentemente
normal.”
boa atenção durante a conversa, dirigindo-se a quem lhe fazia perguntas, sua
percepção seria regular. Em relação ao exame do pensamento da paciente,
observaram sua fala, dentro de uma perspectiva formal, concluindo que
possuíra um curso normal, ou seja, enquanto falava ela realizava as pausas
adequadamente, ainda que de maneira acelerada, não fugia do padrão.
Notaram, ainda, que havia certa coerência interna em suas histórias.
Ultrapassado esse âmbito formal, os psiquiatras passaram a analisar o
conteúdo de sua fala, nesse sentido traduziriam os fatos narrados em sintomas
clínicos, classificaram os tipos de alucinações que ela sofria em verbais e não-
verbais, afirmaram que seu humor encontrava-se preservado, dentre uma série
de pontos, os quais, formariam um possível quadro de esquizofrenia.
Estabelecido tal diagnóstico, listaram uma série de fármacos para o
tratamento da doença de Rita.
E, por fim, decidiram que Rita não deveria ser internada, pois “não
apresentava risco para si ou para os outros”.
***
‘... Oh! Você também, objeto desprezível, isto é coisa que se faça?
Não lhe disse para que vigiasse o fogo? Você se lembrará disto!
Como punição pelo descuido, queimarei sua boca e você não a
usará mais!’ Então pegou um pedaço de madeira em chamas e
queimou a boca de seu ânus... e gritou de dor pois estava
castigando a si próprio. (RADIN apud DOUGLAS; 1976, p. 101).
Em fuga
3
Nome Fictício
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
442
Quase...
Outro fato curioso relatado em uma dessas reuniões foi quando uma
psicóloga contou que, durante sua procura por um dos adolescentes
atendidos pela clínica, soube que Paulo 4 ao tentar, voluntariamente, ser
internado em uma das instituições responsáveis por abrigar os usuários de
crack e outras drogas compulsoriamente recolhidos, teve sua solicitação
negada. Pois, segundo os funcionários, ali só se poderia internar
compulsoriamente. Dessa maneira, o menino deu algum jeito e conseguiu ser
internado, conforme os “requisitos” institucionais.
***
Nesses três exemplos, principalmente no último, temos claramente a
presença de certa ambiguidade, ou seja “um tipo de afirmação sujeita a duas
4
Nome Fictício
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
443
“Na clínica sempre surgirão fatos fora das regras, [e nesses casos]
deve-se negociar”
“Toda ação aqui deve ter uma direção, mesmo que não se saiba a
direção que se está tomando”.
O que podemos extrair dessas falas, seria por um lado que a institui-
ção deve aprender a lidar com situações marginais (fora das regras) em rela-
ção ao funcionamento ideal da clínica (dentro das regras) e, por outro, que a prá-
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
444
tica institucional deva ser previsível, embora acometida por situações imprevi-
síveis, ou seja, deve se saber que direção tomar, ainda que não se saiba qual.
As três narrativas acima expostas parecem reforçar a lógica das falas
destacadas, em todos os casos fica evidente a complexa relação entre sujeitos
e instituições de saúde. Em todos os exemplos seja para sair da instituição
(primeiro exemplo), seja para permanecer (segundo), ou para entrar (terceiro),
são acionados mecanismos pessoais de socialização, o famoso “jeitinho
brasileiro”. Tanto subornando o guarda do Hospital Psiquiátrico, a negociação
para que não se chamasse a polícia ou se aplicasse a lei, quanto a internação
compulsória “forjada” se inscrevem de maneira paradoxal entre a tensão de
elementos individuais (leis e regras morais/institucionais) e pessoais (resolução
pessoal do conflito). Nesse sentido uma questão parece permear o campo:
Duarte (2003), aponta ainda que com o advento das reflexões de Louis
Dumont sobre a sociedade indiana, ocorreu a relativização da perspectiva in-
telectual dos ocidentais sobre as culturas não-ocidentais, Dumont ressaltaria a
5
A aproximação dos ofícios fora escolhida, como estratégia elucidativa, embora se reconheça as
divergências entre as abordagens de ambos profissionais, inclusive de suas dissidências internas,
para mais informações ver Jane Russo (2002).
6
Nome Fictício.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
449
7
Jane Russo (1999,2002) ressalta o “establisment psiquiátrico” na formação do cenário da
psicanálise carioca nos anos de 1950. Cenário esse que se alterou nos anos 70 e 80 com o
aparecimento e fortalecimento do discurso anti-psiquiátrico e das escolas de psicanálise
lacanianas ou de outras tendências alternativas.
E agora José?
8
Nome Fictício
9
Nome Fictício
10
Nome Fictício
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
452
***
“Tem que confirmar o diagnóstico, ver qual o grau dele [se é] leve,
grave, gravíssimo... Esse déficit está dentro dos cromossomos. A in-
teligência tem diferentes dimensões. Ele não sabia esfregar os pés...”
“Mas não acredito que ele não sabia, aquilo [esfregar os pés no
banho] não é importante para ele.”
11
Nome Fictício
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
453
Conclusão
Talvez por isso, nesse caso, houve uma forte resistência pelo psiquiatra
em alocar o comportamento desorganizado no plano sócio-cultural, ao
contrario, tal atitude desorganizada, aparentemente, fortaleceu o diagnóstico
biológico.
Além de divergirem “teoricamente”, como foi colocado, o conflito
também ganhou proporções pessoais, quando o psiquiatra reforçou sua
posição hierárquica, fortalecendo seu caráter de autoridade na instituição
(DaMatta,1997) ao sugerir à estagiária que “estudasse mais”.
Ao mesmo tempo em que há tensão entre as representações
referentes à ideologia individualista (Duarte, 2003), o que se pretende destacar
aqui, mais uma vez, é de que maneira se relacionam essas representações
individuais e as representações pessoais, no cotidiano da prática clínica.
No entanto, conforme já fora mencionado, essas representações
pessoais e individuais na prática clínica à brasileira se relacionam, se
tensionam de maneira produtiva e limiar (DaMatta; 2000). Lembro-me de
quando em uma das reuniões do corpo técnico do CAPS, o coordenador do
Referências bibliográficas
Introdução
1
[email protected] acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás –
Regional Jataí.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
457
2
O nome Jornadas de Junho foi retirado do livro: HARVEY, D. et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre
e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boi Tempo, 2013
3
Segundo o dicionário online Aulete “estopim” significa: 2. Fig. Elemento, ação, circunstância etc.
que deflagra um acontecimento ou uma série de acontecimentos
1. Os estopins
1987). Assim, acabaram (re) expulsando pessoas que já não tinham para onde
ir.
Esse contexto político-social de diversas Repúblicas dentro de uma
República e das constantes intervenções de um Estado na vida de uma
população que se não se considerava parte deste mesmo, pode ser
considerado um dos fatores na grande participação popular na Revolta da
Vacina. E neste ponto encontramos o estopim para a participação popular na
Revolta: a intervenção do Estado no último reduto de privacidade que aquela
população ainda possuía após as ações de Pereira Passos e Oswaldo Cruz: a
honra do chefe de família através da implementação obrigatória da vacina
contra a varíola.
seu artigo afirmando que o problema do caos na saúde pública vai além da
falta de profissionais. Madeiro (2013) escreve que:
4
Blog do Juca. Disponível em: <http://blogdojuca.uol.com.br/2012/03/muito-alem-da-lei-da-
copa-derrame-de-dinheiro-publico/> Acesso em junho de 2014.
5
Mundo Educação. Disponível em: http://www.mundoeducacao.com/geografia/a-qualidade-
transporte-publico-no-brasil-os-protestos.htm> Acesso em junho de 2014.
em seus direito básicos. É certo que este controle social exercido pela mídia
não cessou na República Velha. Portanto, estudaremos a seguir, a mani-
pulação e o controle que foram realizados nas Jornadas de Junho de 2013.
6
Portal Urano História, Revolta do Buzú: onde tudo começou. Disponível em:
<http://uranohistoria.blogspot.com.br/2013/06/revolta-do-buzu-onde-tudo-comecou.html>
Acesso em: 13 de julho de 2014.
7
Portal Revolta da Catraca. Disponível em: <http://revoltadacatraca.wordpress.com/about/>
Acesso em: 13 de julho de 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
466
8
Os Protestos de São Paulo em 7 atos. Disponível em: <http://www.vice.com/pt_br/vice-
news/teenage-riot-em-sao-paulo>. Acesso em maio de 2013.
9
Uol Notícias. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/album/2013/05/28/protesto-contra-
aumento-de-tarifa-de-onibus-termina-em-confronto-em-goiania.htm> Acesso em julho de 2014.
10
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1291116-
manifestantes-deixam-rastro-de-vandalismo-na-regiao-central-de-sp.shtml> Acesso em junho de
2013.
11
Folha de São Paulo. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/112751-
protesto-contra-aumento-de-onibus-tem-confronto-e-vandalismo-em-sp.shtml > Acesso em
junho de 2013.
12
Movimento Passe Livre São Paulo. Disponível em:<http://saopaulo.mpl.org.br/2013/06/07/nota-
sobre-a-manifestacao-do-dia-6/> Acesso em junho de 2013.
13
Folha de São Paulo. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1293597-
apos-confronto-com-a-pm-manifestantes-fecham-pista-da-paulista.shtml> Acesso em junho de
2014.
14
Portal Conversa Fiada. Disponível em:
<http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/06/07/protesto-em-sao-paulo-nao-tinha-
trabalhador/> Acesso em junho de 2013.
15
Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1294438-
alckmin-diz-que-nao-e-possivel-reduzir-valor-de-passagem-em-sp.shtml> Acesso em junho de
2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
470
Paulo vive noite de caos”17, o anúncio era acompanhado de uma foto de dois
policiais derrubando um casal e outra imagem da repórter ferida18.
O prefeito Fernando Haddad, que já vinha defendendo uma postura
mais dura da polícia, declarou na reportagem publicada pela Folha de São
Paulo no dia 14 de junho que: “a imagem que ficou foi a da violência policial.”
O jornalista Arnaldo Jabor, comentarista da rede globo, que adotava a postura
de crítico das manifestações, afirmando que apenas integrantes da classe
média e baderneiros faziam parte das mesmas, disse que ele e outros colegas
haviam criticado erroneamente um movimento que inicialmente aparentava
ser uma provocação inútil. A Revista Veja trazia em sua capa: “Contra o
aumento: a Revolta dos Jovens”. Assim, é claramente constatado que somente
a partir do momento em que a violência alcançou/incomodou a grande
mídia19 é que esta voltou seus olhos para as reivindicações dos protestos e a
truculência da polícia na repressão dos atos.
A mudança na percepção social – da grande massa populacional - das
manifestações acontecia de acordo com a mudança nas notícias veiculadas
pela grande imprensa e nas redes sociais. Assim, o quinto ato, marcado para o
dia 15 de junho, passou a contar com o apoio de diversos grupos antes
indiferentes às manifestações. Carlos Vainer afirma que há muito tempo
“diferenciadas e dispersas manifestações de insatisfação” multiplicavam-se no
tecido social e naquele momento explodiram junto com a onda de protestos
que tomou o país. Trás que o motivo dessa união entre pautas e grupos tão
distintos em certos pontos se deu, essencialmente, pela arrogância e
brutalidade dos detentores de poder:
17
Acervo da Folha de São Paulo. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/14/2/>
Acesso em junho de 2014.
18
Uol Notícias. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2013/06/13/reporter-da-tv-folha-e-atingida-no-olho-por-bala-de-borracha-durante-
protesto-em-sp.htm> Acesso em junho de 2014.
19
O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/conflito-em-sp-comecou-durante-
negociacao-entre-policia-manifestantes-8689954> Acesso em junho de 2014.
20
Roda Viva TV Cultura. Disponível em: http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-
movimento-passe-livre-17-06-2013-bloco-1> Acesso em junho de 2014.
21
Jornal Estadão. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,haddad-e-alckmin-
anunciam-reducao-de-tarifas-do-transporte-publico-em-sp,1044416> Acesso em junho de 2014.
levou ao sétimo ato, no qual o MPL continuava na busca por uma tarifa zero,
enquanto outros manifestantes comemoravam a redução reivindicavam outras
pautas.
Conclusão
22
Blog da Boi Tempo. Eduardo Tomazine. Disponível em:
<http://blogdaboitempo.com.br/2014/07/04/nao-vai-ter-protesto-evolucao-tatica-da-repressao-
durante-a-copa/> Acesso em junho de 2014.
Referências bibliográficas
ANCOP. Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa. (São Paulo, SP).
Megaeventos e Violação de Direitos Humanos no Brasil. São Paulo: 2012.
1
Graduada em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria,
acadêmica do 9º semestre do curso de Direito no Centro Universitário Franciscano e bolsista de
iniciação científica PROBIC na mesma instituição. Email: [email protected].
2
Acadêmica do 6º semestre de Direito no Centro Universitário Franciscano. Email:
[email protected].
3
Acadêmico do 6º semestre de Direito no Centro Universitário Franciscano. Email:
[email protected].
4
Doutora em direito na Universidade Federal do Paraná. Atua em pesquisas na área de Direito,
com ênfase em Sociologia jurídica, Criminologia e Direito penal; e de Jornalismo, com ênfase em
Teoria e ética do Jornalismo. Atualmente é professora do Mestrado em Direito da Faculdade
Meridional (IMED) e do curso de direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).
Introdução
se vestir de preto, cobrir seus rostos e aderir à tática, não sendo necessário ser
adepto de uma ideologia ou grupo específico. Verifica-se, portanto, errônea a
afirmação de que todos os “manifestantes black blocs” são anarquistas, pois
não há impedimentos ideológicos, apenas a concordância quanto à existência
do inimigo em comum: o capital.
A tática black bloc é uma forma de se comportar nas manifestações. O
principal objetivo de seus participantes é chamar atenção para uma crítica
radical contra a violência estrutural gerada pelo sistema político e econômico
capitalista. Não se filiam a uma pauta específica, pois acreditam que cada uma
é parte essencial na luta contra o capitalismo. Portanto, não possuem a
intenção de serem revolucionários e nem nutrem a ilusão de que a utilização
da tática isolada é suficiente para conseguir alcançar as mudanças que
almejam, acreditam nela como um meio de viabilizar e dar visibilidade as
reivindicações presentes nas mobilizações (DUPUIS-DÉRI, 2014).
Podemos visualizar a presença da tática black bloc protegendo os
manifestantes contra a repressão policial e praticando seus atos contra
símbolos do capitalismo, na maioria das vezes depredações de bancos,
concessionárias automotivas e estabelecimentos de grandes multinacionais,
não sendo obrigatória a presença de ambos para haver a caracterização da
tática. Ou seja, é perfeitamente possível a presença pacífica dos manifestantes
black blocs, sendo suficiente a estética visual do bloco negro para estar
caracterizada a crítica radical pretendida. Contudo, a presença dos
manifestantes black blocs só costuma ser percebida quando há a face proativa
dos mesmos, promovendo as depredações dos patrimônios públicos e
privados, motivando, ou em resposta, à ação policial.
Trazer visibilidade às manifestações é um dos objetivos dos
manifestantes black blocs: a violência performativa tornou-se o principal
instrumento na efetivação desse objetivo e uma característica relevante dessa
tática que conseguiu a visibilidade midiática. Contudo, a representação social
da tática nos meios de comunicação é a de vândalos, marginais, desocupados,
que cometem uma violência sem sentido. Apesar da evidente deslegitimação
pela mídia das ações praticadas, elas continuam a ser realizadas para
conseguir os holofotes midiáticos, ainda que por ângulos não muito
favoráveis. A ação dos black blocs adentra o “espetáculo midiático, na medida
em que busca introduzir um contra espetáculo, ainda que, de certa forma, este
dependa do espetáculo oficial, e da mídia pública e privada” (DUPUIS-DÉRI,
2014, p. 12).
seguida afirma que “integrantes do movimento dizem à ÉPOCA que sim, eles
recebem” (LIMA; CORRÊA, 2013, P. 33). Adiante, fala em “os Black Blocs e
outros grupos que promovem atos violentos” (LIMA; CORRÊA, 2013, P. 33). A
Época tenta negar o caráter de tática e de espontaneidade na reportagem “Por
dentro da Máscara dos Black Blocs”: “É voz corrente que eles não têm
organização e aparecem nas manifestações como que por geração
espontânea. Ao contrário, eles têm método, objetivos, um programa de
atuação e acesso a financiamento de entidades estrangeiras” (ROCHA, 2013, p.
37). A Época também afirma o caráter militarizado da organização:
que aderem a ela, seja através da sua qualificação como sem sentido, seja
como criminosa. A partir dessa análise, parte-se para a identificação do
conceito de violência e criminalidade como tratada pelas revistas, de modo a
buscar compreendê-las criticamente no estudo da tática black bloc.
manifestantes não estarem presos e de justificar essa questão com o rigor das
garantias constitucionais, direitos de quaisquer cidadão.
Com toda essa destruição, por que não há vândalos presos? Para
que uma pessoa tenha a prisão cautelar ou preventiva decretada
nos flagrantes de vandalismo, é necessário comprovar que, solta,
representaria risco à ordem pública. Essa decisão tem de partir de
um juiz, que, para tomá-la, precisaria estar amparado numa
investigação policial – que até hoje não foi feita, ao menos de
forma sistemática. Outra opção seria enquadrar os arruaceiros pelo
crime de formação de quadrilha, além de dano ao patrimônio.
Ocorre que, também nesse caso, é necessário haver uma
investigação prévia que comprove que as pessoas se juntaram de
modo estável e contínuo para cometer os delitos (MEGALE;
ARAGÃO, 2013, p. 79 - grifou-se).
Assim, cabe afirmar que esse discurso pinta uma violência irracional,
sem motivo, ainda que haja um caráter instrumental da violência promovida,
de servir de meio para expressão de uma indignação. Caráter esse que as
revistas, Veja e Época, buscam menosprezar e ridicularizar, ou que a Carta
Capital problematiza superficialmente e isenta-se de qualquer afirmação sobre
sua legitimidade. O que mais resta demonstrado é que os enunciadores, ao
falar da violência promovida segundo a tática, muito falam em depredação,
vandalismo, destruição, mas sequer tangenciam a complexidade do tema e a
profundidade da violência estrutural e suas consequências sociais em
contraponto com os danos materiais da ação black bloc.
3. Conclusão
que encaram tal violência. Enquanto a revista Carta Capital traz a emergência
da discussão sobre o uso de violência em manifestações, a Veja afirma que
trata-se de uma violência irracional e criminosa, o que para a Época é
inaceitável e antidemocrático. Todavia, a violência performativa tem intenção
de comunicar e expressar uma violência muito mais danosa e nociva que o
"vandalismo" contra uma vidraça. Nesse sentido, resta evidente a
desproporcionalidade entre os pequenos danos materiais causados pelos
manifestantes em black blocs e a grande violência estrutural, implícita nas
relações de dominação e opressão do sistema capitalista.
Através da análise empreendida, é possível conhecer como três das
principais revistas semanais do país falam sobre a tática e identificam os
manifestantes. Essa compreensão é primordial para análises futuras que
busquem detectar as estratégias argumentativas que enquadram a conduta
dos manifestantes como criminosa. É nessa busca que a pesquisa pretende se
desenvolver nas próximas etapas. Para analisar a criminalização dos
manifestantes em black blocs e da conduta que individualiza a tática em si,
como o uso de máscaras e a leitura de material de cunho anarquista. Além
disso, percebendo os meios de comunicação como parte do processo de
construção social de identidades, é necessário conhecer como estes meios
reconhecem e representam os manifestantes e a tática, para então analisar
como esses são criminalizados.
Referências bibliográficas
BOURGOIS, Philippe. The Power of violence in war and peace: post-cold war
lessons from El Salvador. Ethnography. Volume 2(1) p. 5-34. Londres: Sage
Publications, 2001
LIMA, João Gabriel de; CORRÊA, Hudson. Todos contra a violência. Época,
São Paulo, p. 32-34, 11 nov. 2013.
LOCATELLI, Piero; VIEIRA, Willian. O black bloc está na rua. Carta Capital, São
Paulo, p. 22-26, 7 ago. 2013.
ROCHA, Leonel. Por dentro da máscara dos black blocs. Época, São Paulo, p.
36-42, 11 nov. 2013.
ŽIŽEK, Slavoj. O violento silêncio de um novo começo. In: HARVEY, David et.
al. Occupy. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 15-26.
RESUMO: A Polícia Militar sempre serviu às elites, e a grande mídia sempre foi
muito eficaz em varrer sua sujeira para debaixo do tapete e ainda perpetrar a
ideia de que bandido bom é bandido morto, ideia que hoje se tornou senso
comum. A partir disto, pretende-se analisar a relação existente entre a
crescente sensação de insegurança experimentada pelos brasileiros nos
últimos tempos, os altos índices de criminalidade urbana e os meios
empregados pelo poder público a fim de tentar diminuir este quadro, através
de sua política de segurança pública. Esta política é uma política de
intervenções na sociedade civil empregadas com extrema violência, que
desrespeita a integridade física e moral dos brasileiros, os princípios jurídicos
basilares, como o da presunção de inocência, e direitos fundamentais, como o
direito de ir e vir e o direito à privacidade e à intimidade.
PALAVRAS-CHAVE: Polícia Militar; segurança pública; criminalização;
redemocratização.
Introdução
1
Verso da música Todo camburão tem um pouco de navio negreiro – O Rappa
2
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduanda em Direito Penal e
Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal.
não definidos legalmente como tal excluídos deste rol, por mais nefastos que
sejam, como o imperialismo, o genocídio, a exploração do trabalho etc.
Permanecem excluídos também alguns comportamentos que são
efetivamente definidos como crime, mas não são processados nem reprimidos
pela justiça criminal.
Os exemplos mais recorrentes dessa obscuridade produzida pelo
Estado são os crimes de colarinho branco: corrupção governamental, evasão
de impostos, fixação monopolista de preços, enfim, são as mais diversas
formas de abuso do poder econômico e político (CIRINO DOS SANTOS, 2008:
11). Estes crimes convenientemente não aparecem nas estatísticas criminais: a
criminologia tradicional procede através de uma distorção ideológica. Não se
opera somente com o que está excluído da definição legal, mas também com
o que está incluído nessas definições.
Este cenário caracteriza as chamadas cifras negras da criminalidade. Os
crimes da classe trabalhadora desorganizada, que têm natureza essencialmen-
te econômica, ou seja, os crimes contra a propriedade
Em dez anos, entre 2001 e 2010, 93% das pessoas que morreram
em supostos tiroteios com a Polícia Militar em São Paulo
4
moravam na periferia .
3
Disponível em
http://www.pco.org.br/negros/negros-sao-maioria-nas-prisoes-brasileiras/zeoi,s.html
4
Disponível em
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/07/29/confrontos-com-pm-93-
morrem-na-periferia.htm
5
Disponível em
http://revistasamuel.uol.com.br/conteudo/view/20469/Pm_do_rio_dez
_mil_mortes_em_dez_anos.shtml
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
503
população esteja mais envolvida com o crime, mas sim que ela é mais
frequentemente tida como criminosa (CALDEIRA, 2011).
Ainda no campo dos dados, depara-se com uma deslavada distorção
estatística do crime. Como a polícia é a responsável por registrar tais dados,
ela o faz de maneira com que eles reflitam a sua visão do que seja a
população criminosa, seus crimes e sua maneira de agir, perpetuando a
vigência das cifras negras. É a partir desta lógica que argumenta Paixão - autor
utilizado por Caldeira e que estudou os métodos de classificação da polícia
brasileira -, que
mendiga, ser funkeira, ser prostituta, não ser proprietária, não estar
empregada etc. Neste contexto, essa abordagem do “suspeito” configura uma
atuação extremamente preconceituosa e opressora da Polícia Militar “por não
se fundar em atitudes, mas sim em qualidades do sujeito abordado” (SULOCKI,
2007: 175).
Nilo Batista utiliza a expressão “cidadania negativa” para se referir ao
único conceito de cidadania conhecido pelas pessoas das classes dominadas,
que seriam menos cidadãs que aquelas pertencentes às elites. Este sequestro
da condição humana é praticado pelo Estado através do Direito que, com o
mesmo discurso jurídico que cria cidadania, encontra formas de desconstruí-
la, quando exerce o controle social criminalizando apenas alguns tipos de
condutas (SULOCKI, 2011:166). Os direitos fundamentais desta parcela
marginalizada são abstração legal, enquanto que o esmagamento promovido
pelas leis penais é grosseiramente concreto.
A formação cultural, social, política e econômica do Brasil é uma
história marcada por preconceitos, racismo, machismo, abusos, supressão de
direitos e garantias fundamentais e negação dos direitos humanos. Esse
comtrole social é característico do colonialismo, do neocolonialismo e da
globalização.
ou ruim é a polícia que vocês precisam, para dar segurança de qualquer jeito”
(NETO, 2013). Fica a pergunta: segurança pra quem?
Em Notícias de uma guerra particular, documentário produzido pelo
cineasta João Moreira Salles, que retrata o cotidiano de moradores, traficantes
e policiais do morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, nos anos 1997 e 1998, o
lugar da fala de cada “ator social” diz muito sobre o processo de intervenção e
brutalidade da Polícia Militar.
Ao ser questionado sobre o sentimento que experimenta ao matar
alguém, o Capitão Rodrigo Pimentel, ex-comandante no BOPE-RJ responde:
suas experiências com a polícia são de arbitrariedades. Polícia que mata por
engano e depois encoberta o assassinato, polícia que usa extrema violência
contra trabalhador e depois tenta disfarçar seu erro.
No Notícias de uma guerra particular, Janete, outra moradora do
morro, compartilha sua experiência com a Polícia Militar:
Não se está querendo dizer que, por ter alguém como suspeito, ou
mesmo como criminoso confesso, a Polícia Militar teria a liberdade para
operar no abuso e na exceção, mas apenas que a maneira tosca com que
procede em sua repressão criminal apenas contribui para o sentimento de
medo e desconfiança da população, manchando ainda mais sua imagem
perante a sociedade.
Na barbárie da ação militar, os direitos humanos tendem a ser vistos,
tanto pela polícia, como pela maioria dos brasileiros, como um privilégio aos
suspeitos e àqueles que cometeram crimes. É muito comum ouvir-se a
disparatada expressão “direitos humanos para humanos direitos”. Os
adversários dos direitos humanos aproveitam-se de preconceitos e estratégias
da fala do crime para articular seu discurso com base nas categorias
estereotipadas que relacionam a visão maniqueísta do bem contra o mal
(CALDEIRA, 2011).
Uma significativa parcela da população considera que tratamentos
humanitários e o respeito aos direitos humanos a criminosos ajudam a
aumentar o volume de crimes. Este discurso leva a cobrança, por parte da
população - geralmente, elites e classe média -, de punições mais severas,
incluindo torturas, execuções sumárias e até mesmo a pena de morte
(CALDEIRA, 2011).
A pena de morte foi legal no Brasil durante o Império, de 1822 a 1889,
para casos de insurreição de escravos, homicídio e latrocínio. A última
execução legal ocorreu em 1855, e foi um caso de erro judiciário (CALDEIRA,
2001:350). De tempos em tempos, quando um crime violento chama a atenção
da sociedade, políticos reacionários tentam renovar a proposta de ressuscitar
esta punição primitiva. Quando isso ocorre, o debate midiático se dá somente
entre as elites, as opiniões a respeito são sempre preconceituosas e atendem
ao interesse de apenas um lado. Fala-se que, frente ao fracasso do sistema
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
508
judiciário, somente uma medida desta magnitude seria capaz de oferecer uma
solução satisfatória. Satisfatória a quem? Apenas àqueles que acreditam em
uma higienização social e se recusam a ir às raízes e as causas dos problemas
para tentar encontrar medidas alternativas de uma real solução. Assim, a pena
de morte é pensada mais em termos de vingança pessoal do que em eficácia
da lei para reduzir a criminalidade (CALDEIRA, 2011).
Se o ordenamento jurídico tipifica como crime hediondo o homicídio,
não pode instituir a pena de morte (informação verbal)6, porém, as execuções
sumárias das pessoas marginalizadas são penas de mortes sentenciadas e
executadas pela Polícia Militar.
Desse modo, a Polícia Militar segue operando na exceção. Sua prática
é de abusos e de tortura, mesmo com todo arcabouço constitucional criado
para tentar frear essa herança cruel. Estas disposições são desrespeitadas, com
a fala de que os dispositivos legais representam um obstáculo a boa atuação
da polícia, atrapalham o seu trabalho, servindo para proteger apenas o
bandido (CALDEIRA, 2011).
DaMatta, citado por Caldeira (2011: 138), afirma que a violência
brasileira é mais um instrumento utilizado quando os demais meios de
hierarquizar falham de maneira irremediável. Posta deste modo, a violência
parece algo extraordinário, mas, na realidade, toda a história da polícia
brasileira é de violência institucional. A violência é o padrão regular de
operações da Polícia Militar.
O que mais perturba neste panorama todo não é o aumento do crime
e da violência urbana, fato comum em várias cidades do mundo, mas sim que
a Polícia Militar parece contribuir para este crescimento, em vez de controlá-lo
(CALDEIRA, 2011). Histórias sinistras fazem parte da normalidade da atuação
de nossa Polícia Militar. Massacre do Carandiru, Chacina da Candelária,
Chacina do Vigário Geral, Pinheirinho, Crimes de Maio, Chacina da Maré e
incontáveis outras perturbadoras histórias de sangue e de morte compõem o
moto contínuo da violência policial.
Brasil, o país da impunidade: esta afamada expressão só encontra
aplicação às elites, à mídia, aos políticos e ao sistema criminal, principalmente
as suas polícias. Invariavelmente, ao serem questionados do porquê dessa
atuação mortífera, os policiais militares repetem, de forma robótica, que
“apenas cumpriam ordens superiores”. Muito embora seja dever, dentro da
6
Fala do professor Jacinto Coutinho em uma de suas aulas de Processo Penal para o 5º ano
diurno de Direito UFPR, em 2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
509
7
O termo é da língua inglesa e não há tradução para o português, mas se aproxima da expressão
responsabilização.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
510
Conclusão
Referências bibliográficas
PM. PM de SP mata mais que a polícia dos EUA. Jornal a Folha de S. Paulo,
em 22.07.2012. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/55888-pm-de-sp-mata-mais-que-
a-policia-dos-eua.shtml. Acessado em 03.05.2013.
quatro-anos-77-policiais-foram-afastados-por-transtorno-mental. Acessado
em 08.08.2013.
NETO, José Francisco. PMs são flagrados com armas letais durante protesto
no Rio de Janeiro. Jornal Brasil de Fato, em 18.07.2013.Disponível em:
brasildefato.com.br/node/13653. Acessado em 03.08.2013.
Notícias de uma guerra particular. Direção Katia Lund e João Moreira Salles.
Produção Raquel Freire Zangrandi e Mara de Oliveira. Brasil. 1998-1999.
Documentário. DVD (56 min). Colorido.
8. CONCILIAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
1
Acadêmico de direito do 6° período da UFPR (pesquisador voluntário incluso no PIBIC (Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica), monitor de antropologia jurídica e aluno bolsista do
projeto de extensão "- A Realidade sobre a Violação dos Direitos Humanos no Âmbito de Curitiba
e a Doutrina Penal").
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
518
Roberto LYRA FILHO chama de “direito achado na rua”2, motivos pelos quais o
aparato repressor ideológico e penal do Estado visam sua supressão.
O principal ponto em comum entre ambas é a causa básica de seus
surgimentos: o aumento da sensação de insegurança pública provocado pela
ausência de credibilidade dos executores da lei e, portanto, representantes da
garantia de uma ordem instituída, devido aos contínuos abusos sofridos pelos
destinatários da norma. Sobre esses fatos é interessante observar que, em se
tratando de relações humanas, o grau de previsibilidade quanto à “causa e
efeito” é consideravelmente baixo, entretanto, analisando-se o tema de
maneira mais aprofundada, é possível explicar a razão de ser deste paradoxo
entre a ocorrência de resultados diversos, frutos, entretanto, de causas
basicamente semelhantes, ressalvadas as devidas proporções.
2
Termo que o referido autor usa para se referir a uma maneira extra-estatal que membros da
sociedade integrantes das classes periféricas, orquestrados a partir de um movimento social, por
exemplo, estabeleceram para reger suas relações e organizar seu modo de vida a partir de normas
próprias as quais são mais coniventes com a sua realidade, seus costumes e foram formuladas
conforme as necessidades e peculiaridades de seus destinatários específicos. A descrição “achado
na rua” seria justamente para evidenciar que este não é um direito proveniente de uma imposição
que parte de cima, de uma instituição que visa garantir a perpetuidade de uma ordem, mas sim da
criação conjunta dos membros de determinada comunidade, unidos por alguma característica em
comum , seja sua perspectiva, ou sua tradição, com o objetivo de preservar seu modo de vida e
garantir o convívio harmônico em seus moldes culturais. Tal expressão, portanto, nasce para se
referir a um evento que demonstra a existência do “pluralismo jurídico”.
3
POLÍCIA COMUNITÁRIA – Sistema de Seguridad y Justicia Comunitaria de la Costa Chica y
Montaña de Guerrero. Disponível em: http://www.policiacomunitaria.org/content/quienes-somos .
Acesso em: 09 de jul. de 2014.
4
Idem.
5
Idem.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
521
sua forma de atuação com base no já citado Regimento Interno. Howard ZERH
(2008. p. 93-97, 199-201) afirma que a justiça comunitária, embasada no
diálogo e na consideração da figura alter, tem suas raízes nas tradições
indígenas de povos espalhados pelos continentes. Nos referidos moldes,
portanto, a maneira como aquelas sociedades buscam a resolução dos
conflitos, tem como enfoque uma restauração do bem (físico ou imaterial)
lesado pela ofensa e a posterior responsabilização do ofensor a partir de uma
censura comunitária e não apenas pela aplicação fria da pena. A justiça
comunitária então confere o protagonismo da resolução conflitual às partes e
à comunidade envolvida a partir do diálogo e do respeito mútuo.
A organização dessas comunidades para sanar seus conflitos
assemelha-se, e muito, com a maneira adotada pelos habitantes da favela de
“Pasárgada”, nome fictício conferido por Boaventura DE SOUZA SANTOS
(1988.p.09-17), o qual, a partir de um estudo empírico da organização social
desta, buscou compreender os fenômenos próprios de uma cultura jurídica
diversa e do pluralismo jurídico propriamente dito. Tem-se no caso em tela e
na forma organizacional de Pasárgada a dicotomia entre legalidade e
legitimidade. Ora, enquanto o direito oficial, reconhecido pelo Estado, declara-
se como universal e representa o monismo jurídico incorrendo na tentativa de
confundir os referidos conceitos, ambas as diversas formas de direito citadas
não possuem qualquer pretensão universalizante ou mesmo insurgente, pois
inclusive recorrem subsidiariamente ao direito positivado quando este lhes
fornece soluções convenientes.
O foco do direito de Pasárgada e daquele promovido pela CRAC é
garantir uma ordem social que espelhe as tradições e atenda às necessidades
de seus destinatários, promovendo aquilo que LYRA FILHO (1981.p.12)
entende como “justiça social”, o produto de um direito autêntico e
reconhecido como tal, pois também identifica e atende aos anseios das
minorias, ao passo que objetiva a resolução de conflitos e oferece parâmetros
conforme as peculiaridades destes destinatários e não meramente a
conveniência de seus operadores. Desse modo, a observância destes direitos,
pelos povos os quais estes visam reger (ameríndios e habitantes de
Pasárgada), acarreta na evidência do pluralismo jurídico e os torna legítimos,
pois representam formas de direito autênticos, ainda que sejam declaradas
6
Esse último adjetivo se dá, pois o monismo tem a pretensão de assimilar novas lógicas e
institucionalizar determinadas estipulações somente na medida da conveniência de seus
operadores, dessa forma enquanto o monismo parece estar cedendo espaço a novas culturas
jurídicas, na verdade ele as está assimilando e as sistematizando conforme sua própria lógica, seu
próprio modus operandi e através do discurso, esse ato de anexação torna-se propaganda para
que os adeptos de cultura jurídica diversa sintam-se representados pelo direito oficial,
observando, dessa forma, seus demais pressupostos.
7
Nesse sentido “oficial” se refere àquilo que o Estado e as demais instituições sociais reconhecem
como legítimo.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
526
8
Como exemplos pode-se citar os seguintes projetos: a) “Prédios Antenados”: a fim de se reduzir
o número de assaltos, furtos, roubos de veículos, sequestros-relâmpago e arrastões nos edifícios,
alguns moradores da região de Pompéia e Sumaré (Cidade de São Paulo/SP), em parceria com o
Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG) e as polícias civil e militar, interligaram 13 prédios
com um sistema de rádio e monitoramento cuja a própria polícia também tem acesso, o resultado,
segundo os moradores, foi muito positivo, houve a redução considerável da prática destes crimes
e o projeto recebeu o “Prêmio Franco Montoro de Participação Comunitária” em 2006; b) “Base
Comunitária Móvel”: a fim de reduzir o número de assaltos de estabelecimentos comerciais no
bairro de Nova Floresta, em Belo Horizonte (MG), os policiais militares da 20ª Companhia do 16º
Batalhão e moradores da região criaram um “Serviço de Policiamento Comunitário Move” a partir
do equipamento de trailer com rádio de comunicação operacional e comunicação com a rede de
vigilância comunitária, telefone móvel comunitário e computador, a base móvel é remanejada a
cada dez dias para diferentes regiões do bairro e oferece, além da vigilância, serviços de consulta
de logradouros, possibilidade de “registro de evento de defesa social” e consulta aos sites das
entidades ligadas ao Poder Executivo; em 2006, ano de início do projeto, houve uma redução de
49,2% dos registros de ocorrência no bairro em comparação com o ano de 2005. NÚCLEO DE
ESTUDOS DE VIOLÊNCIA DA UNIVERSIDADE DE S O PAULO (NEV/USP). “Manual do Policiamento
Comunitário – Polícia e Comunidade na Construção da Segurança”.2009. p. 26, 31, 34-36, 57-58,
86-87.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
527
9
Poder para definir o que pode, ou não, ser considerado crime.
10
Sobre a questão pode-se consultar os jornais, a título de exemplo: THE GLEANER.“Community
Policing Reaps Success In Coral Gardens”.12.07.2014. Jamaica. Disponível em: http://jamaica-
gleaner.com/gleaner/20140712/western/western2.html; DOHA NEWS. “New Qatar community
policing arm created as part of MOI reshuffle”. 09.07.2014. Disponível em: http://dohanews.co/moi-
creates-new-community-policing-directorate/; AMAMBAI NOTÍCIAS. “Dourados recebe Curso
Nacional de Promotor de Polícia Comunitária”. Disponível em:
http://www.amambainoticias.com.br/cidades/dourados-recebe-curso-nacional-de-promotor-de-
policia-comunitaria. Acessos em 13 de jul. de 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
532
3. Conclusão
Referências bibliográficas
DOHA NEWS. New Qatar community policing arm created as part of MOI
reshuffle. 09.07.2014. Disponível em: http://dohanews.co/moi-creates-new-
community-policing-directorate/.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. “Em Busca das Penas Perdidas”. Editora Revan. 5ª
ed. , Rio de Janeiro, 2010.
RESUMOS
Referencial teórico
1
aluna do 7º período do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Goiás
2
aluna do 9º período do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Goiás
Objetivos
Metodologia
Conclusão
3
Stultifera navis, segundo Michel Focault em “A história da loucura”. Essa nau passava nas cidades
europeias recolhendo a mão de obra excedente e desviante à ordem social, e o destino destes
“loucos” era a morte em alto mar. Esse instrumento foi substituído pelo encarceramento em hos-
pícios, quando a lepra é erradicada e os leprosários passam a ficar esvaziados. Surge uma nova
necessidade: ocupar os antigos leprosários com contraventores da ordem social ou qualquer pés-
soa que estivessem à margem do sistema hegemônico. Assim nasce o cerne da fabricação da Lou-
cura pelo mundo ocidental e a construção da ciência médica psiquiátrica nasce para fortalecê-la.
surjam pontuais inovações no plano nacional, como o PAILI, ainda não foi
implementada uma política nacional antimanicomial de tratamento ao
paciente que é submetido a medida de segurança.
E ainda que sejam, o caráter punitivo da medida de segurança, que
advém da sanção penal, a fim de criminalizar a doença, persiste. Isto porque
ainda é tratamento compulsório, regulado por legislação penal, que possui o
objetivo real de reprimir e controlar a periculosidade social de indivíduos
considerados “inimigos sociais”.
Ademais, ainda há vários limites nos programas considerados
inovadores. O PAILI ainda não consegue romper com a lógica da
periculosidade, na prática, ainda que humanize o tratamento e insira
minimamente a reforma psiquiátrica no cumprimento de medidas de
segurança. Diferente, de forma drástica o é do restante do país, que persistem
locais em que a crítica vai de encontro com a não implementação de medidas
que respeitem os direitos humanos dos pacientes e os ideais da reforma
psiquiátrica brasileira.
Referências bibliográficas
<http://www.aatr.org.br/site/uploads/publicacoes/dh_pessoas_com_transtorno
s_mentais_autoras_de_delitos.pdf >. Acesso em: 19 dezembro 2013.
Co-autor:
Kennedy Alves de Aguiar2
Orientadora:
Carla Benitez Martins
Objetivos
Metodologia
1
Aluna do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) regional Jataí
2
Aluno do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) regional Jataí
Conclusão
proteger e não torturar ou matar. Outro fator dessa triste realidade brasileira é
que esse modelo de polícia serve aos interesses da classe dominante,
possibilitando que ela se perpetue no poder e mantenha a ordem vigente,
mesmo que para isso haja a massificação da pobreza, dos vulneráveis,
marginalizados e oprimidos por um sistema capitalista injusto de competições,
no qual sobressai não quem tem capacidade, mas aqueles que o sistema tem
interesse que sobressaiam.
A problemática, dessa forma de combater o crime, dessa instituição
policial está no fato de não conseguir com isso, diminuir a criminalidade, pelo
contrário, a violência policial aumenta o caos social, já que a população nunca
sabe se a polícia vai proteger ou agredir. É, portanto, objetivo desse trabalho,
refletir sobre as ações violentas da polícia militar no intuito de contribuir com
o debate já em voga sobre a necessidade de repensar o papel dessa
instituição do poder estatal.
Nesse sentido, visa buscar compreender as causas e consequências de
sua ação violenta. Discutir não apenas sua formação histórica-cultural, mas
levantar e analisar elementos jurídicos e políticos que permitam e/ou facilitem
a perpetuação cultural e institucional de uma polícia de guerrilha, que tortura
sem ser punida.
Diante do exposto, é relevante o debate sobre a forma de ação da
polícia militar brasileira na tentativa de se pensar na necessidade de buscar
caminhos possíveis para que essa instituição possa, de forma pacífica e
democrática, manter a ordem pública, ordem essa muito importante para
todos os brasileiros, mas que não pode ser buscada a qualquer custo, muito
menos sob a falácia de ser a polícia um instrumento de segurança, que
trabalha pelo povo e para o povo, mas o tortura.
Assim, o presente trabalho se propõe a oferecer reflexões que
exponham a necessidade de “desmontar, despir, desarmar” essa instituição de
segurança pública de sua armadura de guerra e repensar seu papel, suas
ações. Refletir sobre a possibilidade de desmilitarizar e porque não, unificar as
polícias, criando uma nova polícia. Uma polícia de proteção, de manutenção
da ordem social e não da ordem hierárquica. Uma polícia que veja no outro,
não um inimigo, mas um indivíduo de direitos. Uma polícia que sirva e
trabalhe para a efetivação e permanência do Estado Democrático de Direito e
que renegue a perpetuação de práticas ilícitas de um Estado Ditatorial em
favor do Poder Capitalista. Isso porque o modelo de polícia que se apresenta
hoje, não atende as necessidades de segurança pública do Estado
Referências bibliográficas
Objetivos
1
Trabalho desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “Criminalização dos movimentos
sociais”, do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí, coordenado pela
profa. Ms. Carla Benitez Martins.
2
Aluno do quinto período do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.
3
Aluna do nono período do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.
4
Aluna do quinto período do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.
5
FIFA e demais instituições controladoras da realização dos megaeventos possuem apenas
expectativas de crescimento contínuo da riqueza. “Assegurar essas expectativas é um trabalho de
hegemonia, que recai sobre o Estado e se veicula pela mídia.” (HARVEY, 2005, p. 39).
Metodologia
Considerações finais
Referências bibliográficas
Orientadora:
Carla Benitez Martins
Objetivos
Metodologias
Conclusões
1
Estudante Graduação – Direito UFG regional Jataí
2
Estudante Graduação – Direito UFG regional Jataí
Referências bibliográficas
JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 10ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2013.
NED, Ludd (org.). Urgência das Ruas: Black Block, Reclaim the Streets e os
Dias de Ação Global. São Paulo: Conrad Editora, 2002
Orientadora:
Carla Benitez Martins
Objetivos
1
Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí
Metodologias
Conclusões
Referências bibliográficas
Juarez Cirino dos Santos por seu 70º aniversário. Org. Jacson Zillo e Fábio
Bozza. Curitiba: LedZe Editora, 2012.
Beatriz A. Coutinho1
Objetivos
Resumo
1
Estudante do Curso de Relações Internacionais da UFF/ INEST.
Metodologia
Conclusões
Referências bibliográficas
Shaw, Richard. Como começar uma revolução. Produzido por, Cailean Watt e
James Ottis, distribuído pela TVF international, lançado em setembro de 2011.
Escócia. 86 minutos.
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 4
DIREITO E MARXISMO
Avaliadores:
Alexandre Aguiar dos Santos (UFG)
Moisés Alves Soares (SOCIESC)
Ricardo Prestes Pazello (UFPR)
EMENTA
O Espaço de Discussão “Direito e Marxismo” tem por objetivos: 1)
Analisar/Inventariar as contribuições marxistas à compreensão da gênese e
funcionamento da forma jurídica; 2) Resgatar a centralidade de uma crítica es-
trutural ao fenômeno jurídico; 3) Discutir as possibilidades de resistência /
insurgência dos movimentos sociais, no atual cenário do mundo do capital,
através das relações sociais regidas pelos mecanismos do direito. O Espaço de
Discussão pretende realizar um exame crítico das pesquisas que analisaram o
direito através das lentes fornecidas pelo marxismo. Tal resgate crítico passa:
1) As configurações teóricas assumidas pelo fenômeno jurídico na trajetória da
obra de Marx e Engels; 2) Os desdobramentos da construção de uma teoria e
filosofia do direito marxista no pensamento jurídico soviético; 3) As críticas
marxistas do direito ou teorias críticas do direito inspiradas no “marxismo oci-
dental”; 4) As relações entre a crítica marxista do direito e os movimentos
jurídicos críticos latino-americanos; 5) Análise das aproximações e limites da
crítica marxista do direito com a crítica jurídica não-marxista. Além das pesqui-
sas teóricas, o Espaço de Discussão Direito e Marxismo deve, igualmente,
abarcar pesquisas empíricas nos diversos campos do direito que se utilizem do
instrumental desenvolvido pela tradição marxista. Por fim, sobretudo, o
referido Espaço de Discussão busca fomentar a construção necessária do diá-
logo entre uma crítica estrutural à forma jurídica com a formulação de uma
práxis jurídica que vislumbre as possibilidades e limites de resistência /
insurgência dos movimentos sociais através da mediação do direito.
ARTIGOS
Coautoras:
Camilla Arcanjo de Sousa Araújo
Rafaela Oliveira de Souza
Sarah Fogaça da Silva2
Introdução
O modo como o ser social reage frente aos conflitos sociais que lhe
são apresentados são determinados ideologicamente, de forma que as
ideologias, as visões de mundo e a superestrutura que correspondem ao
processo de determinação social em nível de uma classe social orientam
subjetivamente o modo como o momento de pôr teleológico se torna pores
teleológico. A ideologia seria assim um reflexo das relações materiais, e como
1
Autora pesquisadora do Curso de Graduação em Direito na Regional Goiás da Universidade
Federal de Goiás, integrantes do Grupo de Ontologia Crítica da UFG.
2
Coautoras pesquisadoras do Curso de Graduação em Direito na Regional Goiás da Universidade
Federal de Goiás, integrantes do Grupo de Ontologia Crítica da UFG.
reflexo de uma realidade não é possível ser afirmada como a realidade em si,
sendo assim a ideologia é o reflexo social condicionada às visões sociais de
mundo que determina as respostas individuais do ser.
A forma jurídica surge através dos conflitos sociais, sendo
essencialmente uma das formas de sua resolução, ou seja, surge no momento
a priori do conflito e como parte do aparato social de conflitos possui as suas
determinações teóricas voltadas a uma perspectiva que considera como
consenso. Constitui-se como um dos reflexos da sociedade e apresenta,
logicamente, o modo como parte dela se relaciona com os demais complexos
sociais.
3
Destaque para o papel ideológico exercido pelo Heliocentrismo no sec. XV e XVI.
ideologia, chega assim os fins dos conflitos. Para que tal fato seja possível, o
fim dos conflitos, e consequentemente o fim da ideologia, é necessário que as
contradições reais cheguem ao fim de fato, ou seja, o fim da sociedade de
classes (supressão da divisão social alienada do trabalho) e também o ‘
definhamento do Estado, só possível pela ação progressiva do próprio estado.
teleologia passa então a ter uma função social, ou seja, é necessário que o
outro cumpra com aquilo que lhe foi esperado, surge então o direito como a
interação interna e externa entre os complexos sociais. Apesar de que
efetivamente apenas quando a sociedade passa a ser dividida em uma
sociedade de classes, a introdução das relações antagônicas como as dos
escravos e com o patronato e as dos devedores e credores, que os conflitos
sociais tiveram de ser regulados socialmente.
O desenvolvimento da divisão de trabalho gera uma dinâmica que
desencadeia um processo que ao atingir a necessidade humana se encontra
com o fato da reprodução no âmbito das necessidades que engloba as
categorias sociais. O trabalho é assim o ponto de partida para o ser social em
geral, e este ser social realiza atividades indispensáveis para a devida
manutenção da própria vida. Com esse processo se adquire a dinâmica das
relações socioeconômicas e a reprodução nesse aspecto também tem uma
tendência imanente de elevação, no qual as formas simplórias são elevadas a
formas mais socioeconômicas que responde dialeticamente com o
desenvolvimento que as engloba.
O trabalho então ao ser o modo como o ser social age, de forma
orientadamente ideológica determinada pelo momento do não ser desta,
influencia os demais complexos sociais através de relações materiais, se
constitui então como uma ideologia genérica que influencia as demais
ideologias especificas, entre elas o direito.
Quando o trabalho supera a produção exclusiva para a subsistência e
passa a produzir excedente, e com isso, potencializa o surgimento de conflitos
em torno dos processos de apropriação do excedente e da produção social,
conduz a sociedade a conflitos sociais novos, em que as novas formas de
propriedade tornam-se necessárias para mediar os conflitos daí decorrentes. A
sociedade comunista primitiva vai se dissolvendo em detrimento da sociedade
de classes. Deste processo de diferenciação na produção exige novas formas
de regulação social que estão na gênese da formação do estado como novo
mecanismo para mediação de conflitos e estabelecimento de uma regulação
social mediada pela distinção entre proprietários e não proprietários. Pode-se
afirmar que havia formas de regulamentação anteriores em sociedades mais
primitivas, contudo não possuíam este nível de organização social, articulada a
criação do Estado. Possuem assim a função de manter coesa uma sociedade
permeada de conflitos sociais irreconciliáveis. A jurisdição surge como um
momento específico da sociedade de classes, com a constituição de
Conclusão
Referências bibliográficas
LUKACS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social I – São Paulo: Boitempo,
2012.
1. Introdução
1
Doutorando em Direito pelo PPGD-UnB.
2
Vide por exemplo ATIENZA (1983). A má incorporação do pensamento de MARX por este “pós-
marxismo” é o que leva à sua aproximação das teorias sociais pequeno-burguesas a la WEBER,
PARSONS etc., e que com o chamado “giro linguístico”, terminará como uma mera teoria da
5
Marx dizia nos Grundrisse: “Hegel não é um cachorro morto!”. Daí o problema de tentar
representar o ideário de Marx sem a presença de Hegel, como faz por exemplo um Antonio
NEGRI, ao buscar uma reconstrução da perspectiva marxiana a partir de Spinoza.
6
DUSSEL (1986, p. 151).
7
Vide nesse sentido DUSSEL (1974).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
585
8
Para MARX, apenas com a emancipação humana (conceito que veremos a seguir) será possível
criar as condições para que o homem abandone a religião. Ver MARX (s/d, 37)
9
DUSSEL (2007b, p. 373).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
586
10
DUSSEL (2007b, p. 354).
11
Vide LEVINAS (2006).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
587
12
DUSSEL (1986, p. 137)
13
DUSSEL (2007b, p. 351).
14
Essas metáforas relacionadas ao sangue são de origem semita, conforme demonstra DUSSEL
(1969, 1993).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
588
15
MARX (s/d; p. 26).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
589
16
MARX (2005; p.52).
17
MARX (s/d; p. 41).
18
Veremos adiante que tais direitos não foram tão universais assim.
segurança. Liberdade como direito de fazer tudo que não prejudique os outros
(e com isso cria-se uma cerca entre os homens, e que terá como aplicação
prática a propriedade privada absoluta); igualdade como “igualdade da
liberdade de todos”; e segurança como o “(...) conceito social supremo da
sociedade burguesa, o conceito de polícia, segundo o qual toda a sociedade
existe para garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa,
de seus direitos e de sua propriedade”19.
19
MARX (s/d, p. 44).
20
MARX (s/d, p. 45.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
591
21
MARX (s/d; p. 52).
22
Vide ENGELS (Ludwig Feuerbach..). Cap. 2 e 3.
23
MARX (s/d; p. 59).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
592
24
DUSSEL (1994, p. 49).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
593
25
Há que lembrar que o proletariado apenas conquistou o direito de voto após a segunda metade
do século XIX.
26
DUSSEL (2007b, p. 351).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
594
27
Nem sempre o proletariado consegue ver a dimensão dessa barbárie, em virtude de sua posição
funcional dentro deste sistema. É por isso que afirmamos em trabalho anterior a necessidade de
um “ponto de vista da Exterioridade”, que subsume o proletariado e outros grupos sociais
oprimidos pela Totalidade vigente. Vide DIEHL (2010).
28
É a posição de ATIENZA (1983).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
595
obra, do início ao fim29. O fato de MARX por muito tempo considerar esse
movimento de expansão do Capital como “necessário” e “civilizador” tem mais
a ver com sua perspectiva ainda hegeliana da História, que entrará em crise
definitiva ao se deparar com os narodniks russos.
Defender os povos originários e as comunidades que mantêm
relações sociais não-capitalistas contra o avanço do capital não é portanto um
“marxismo hetedoroxo”. O auto-intitulado “marxismo ortodoxo” ainda tem
como tarefa interpretar devidamente a mudança de posição de MARX em
relação a esses temas, sobretudo ao longo da década de 1850, e em sua
posição definitiva nas décadas de 1860-70, para não cair na lamentável
opinião de que a posição do “último MARX” em relação ao tema devia-se ao
“cansaço em relação à persistência da sociedade burguesa”30.
Consideramos portanto como dogmático o marxismo que atribui
apenas ao proletariado o papel de crítica e superação do capitalismo,
enquanto o marxismo “ortodoxo” é aquele que articula todas as classes e
grupos oprimidos conferindo papel de destaque ao proletariado 31 . Já o
marxismo “heterodoxo” é aquele que incorpora a crítica de MARX porém sem
atribuir um papel central ao proletariado32, enquanto as perspectivas que
excluem o proletariado e se referenciam apenas em povos originários ou
mesmo que rejeitam a contradição social entre classes sociais no capitalismo
como perspectivas claramente não-marxistas.
Marx pode ver com novos olhos, pode criticar o próprio ser do
capitalismo (o capital-valor) com base numa exterioridade prática
que lhe exige explicitar para os oprimidos uma teoria que
explique aos trabalhadores o fundamento de sua alienação.
Criticar a ontologia, o ser (o capital), a partir da exterioridade
prática e a ontologia, o ser (o capital), a partir da exterioridade
prática e utópica (isto é, de organizações históricas que lutam
contra o sistema como totalidade e da proposta e esperança de
um “Reino da liberdade”) é o que denominados de
33
“transcendentalidade analética”.
29
DUSSEL (2007b, p. 429-449) afirma: “O Capital é uma ética”.
30
Posição manifestada por LOWY (1989).
31
É a posição por exemplo de LENIN, ou, na América Latina, de MARIÁTEGUI. Aqueles que
procuram expor o marxista peruano como um “heterodoxo” e apologeta dos povos indígenas
como “sujeito revolucionário” esquecem que isso apenas é possível, em sua opinião, desde que
haja uma ligação entre os povos indígenas e o proletariado.
32
Nos parece ser a posição de DUSSEL.
33
DUSSEL (1986, p. 283).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
596
6. Conclusão
34
DUSSEL (2007b, p. 379).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
597
7. Referências bibliográficas:
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LYRA FILHO, Roberto. Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o Direito.
Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1983.
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
LYRA FILHO, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 1980b.
Roja, 1968.
1. Introdução
1
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
2
O presente artigo mostra-se ainda como uma primeira reflexão que pretende abordar, mais a
longo prazo, essa questão da estratégia política e o uso do direito dentro do contexto brasileiro.
Como primeiro passo, fazemos uma incompleta revisão de textos marxianos, todavia tem-se no
horizonte a perspectiva de fazer essa análise política a partir, também, de influentes marxistas
(como Lenin e Luxemburgo); da crítica brasileira ao direito (em especial Lyra Filho e a corrente do
direito insurgente); e a aplicação concreta desse método de análise política na realidade brasileira
mesma, dentro de uma perspectiva histórica, que almejará analisar os principais momentos de
efervescência política de nosso país: as décadas de 1950-60 e a de 1980. Tendo caráter inicial, não
se pretende, aqui, fazer uma síntese do pensamento marxiano, mas sim fomentar o debate acerca
dessa questão fundamental a uma crítica marxista ao direito.
3
"Marx planejou escrever um vasto tratado sobre A filosofia do direito", durante sua estada na
universidade, em 1837. "Depois de ter escrito cerca de trezentas páginas, porém, abandonou o
projeto, considerando-o confuso e equivocado". Após isso, teve uma breve tentativa de produção
literária que também terminou fracassada. Em 1837, voltou-se ao estudo da filosofia e almejava
tornar-se catedrático em Bonn (KONDER, 1999, p. 19).
4
Marx, na mesma carta ao pai, admite que aceitaria trabalhar como juiz assessor, depois do
terceiro exame de direito, uma vez que, diz ele, “prefiro realmente a Ciência do Direito a todas
Ciências da Administração” e, assim, teria a possibilidade de ascender a assessor do Supremo
Tribunal Estadual da Vestfália. Então, seria mais fácil obter um título de doutor e, por fim, teria
“perspectivas muito mais fáceis de poder atuar, imediatamente, como Professor Extraordinário”
(MARX, [1837]).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
605
5
A conclusão de que Marx mostrava-se ligado a um jusnaturalismo pode ser encontrada em LYRA
FILHO, 1983. Tem-se acordo com o comentador brasileiro que Marx passa de uma afirmação a
uma negação do direito, todavia não se aceita a hipótese de que, depois, este passaria a uma
negação da negação do fenômeno jurídico. Além disso, cabe ressaltar que, dado o exíguo espaço
desse artigo, não será possível explorar as peculiaridades do jusnaturalismo marxiano, que, por
vezes, invoca o direito consuetudinário para permitir que os camponeses recolham a madeira
caída dos bosques de outras propriedades e, em outros momentos, critica a Escola Histórica de
Savigny por absolutizar o costume e entravar o progresso social.
6
“Esse homem, o membro da sociedade burguesa, passa a ser a base, o pressuposto do Estado
político. Este o reconhece como tal nos direitos humanos [...] A constituição do Estado político e a
dissolução da sociedade burguesa nos indivíduos independentes – cuja relação é baseada no
direito, assim como a relação do homem que vivia no estamento e na guilda era baseada no
privilégio – se efetiva em um só e mesmo ato. O homem, na qualidade de membro da sociedade
burguesa, o homem apolítico, necessariamente se apresenta então como o homem natural”
(MARX, 2010a, p. 52-53).
7
Dussel entende que é com o contato com o proletariado francês que a teoria marxiana sofrerá
uma guinada fundamental, distanciando-se cada vez mais do hegelianismo e do idealismo,
quando “comienza a usar nuevos instrumentos interpretativos (la economía política)” e, também,
Marx “deja de ser um intelectual orgánico de la burguesía y comienza a serlo del proletariado”
(DUSSEL, 1982, p. 232).
8
"As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar
a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias [...] Eles devem, portanto, [para realizar
a troca] reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja
forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que se reflete
a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dado por meio da
relação econômica mesma. As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de
mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias" (MARX, 1996, p. 209-210). Logo,
Pachukanis (1989, p. 75), baseando-se no trecho de Marx citado acima, conclui que "A categoria
de sujeito jurídico é, evidentemente, estabelecida no ato de troca que ocorre no mercado [...] é
justamente no ato de troca que o sujeito se manifesta pela primeira vez em toda a plenitude das
suas determinações".
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
607
9
Certamente, para um mais completo desenvolvimento do presente estudo, seria necessário
comparar a interpretação leniniana da política marxista com as outras formuladas e explanar por
que as análises do líder da Revolução Bolchevique destacam-se. Todavia, não será possível realizar
essa pesquisa no presente trabalho.
10
O termo aqui é empregado no sentido usado por Lukács (2012, p. 88): “o extraordinário
realismo com que Lenin tratou todos os problemas do socialismo durante a ditadura [...] é apenas
a aplicação coerente do marxismo, da concepção histórico-dialética aos problemas cada vez mais
atuais do socialismo. Nos escritos e discursos de Lenin – como, em geral, também nas obras de
Marx – pode-se encontrar muito pouco sobre o socialismo como situação realizada”.
11
Lenin (2011, p. 73), comentando sobre a postura de Marx diante da Comuna de Paris, comentou:
“Muito embora o movimento revolucionário das massas [A Comuna de Paris] falhasse ao seu
objetivo, Marx viu nele uma experiência histórica de enorme importância, um passo para a frente
na revolução proletária universal, uma tentativa prática mais importante do que centenas de
programas e argumentos. Analisar essa experiência, colher nela lições de tática e submeter à
prova a sua teoria, eis a tarefa que Marx se impôs”.
12
“O marxismo difere de todas as formas primitivas do socialismo porque não subjuga o
movimento a qualquer forma de combate único e determinado. Admite os métodos de luta mais
variados; mas não os ‘inventa’; limita-se a generalizar, organizar, tornar conscientes os métodos de
luta das classes revolucionárias, que surjam espontaneamente mesmo no decurso do movimento
[...] Absolutamente hostil a todas as formas abstractas, a todas as receitas doutrinárias, o marxismo
quer que se considere atentamente a luta de massa que se desenvolve e que, à medida do
desenvolvimento do movimento, dos progressos da consciência das massas, do agravamento das
crises económicas e políticas, faça nascer sem cessar novos sistemas, cada vez mais variados, de
defesa e de ataque. É a razão porque o marxismo não repudia de uma maneira absoluta nenhuma
forma de luta" (LENIN, [1906]).
13
“O realismo de Lenin, sua realpolitik, é, portanto, a liquidação decisiva de todo e qualquer
utopismo, a realização concreta do conteúdo do programa de Marx: uma teoria que se tornou
prática, uma teoria da práxis” (LUKÁCS, 2012, p. 89).
14
“A revolução em geral [...] é um ato político. Por isso, o socialismo não pode efetivar-se sem
revolução. Ele tem necessidade desse ato político na medida em que tem necessidade da
destruição e da dissolução. No entanto, logo que tenha início a sua atividade organizativa, logo
que apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o socialismo se desembaraça do seu
revestimento político" (MARX, 2011a, p. 154).
capaz de dar uma alma social progressista para a revolução política. Por isso
Marx e Engels (1998, p. 66) repreendem, nos socialistas utópicos 15, a forma
como estes não percebem no proletariado "nenhuma iniciativa histórica,
nenhum movimento político que lhes seja peculiar", nem as condições
materiais do desenvolvimento da classe, trocando-se a "organização gradual e
espontânea do proletariado em classe por uma organização da sociedade pré-
fabricada por eles". Também pelo mesmo motivo os dois, em 1879, condenam
as opiniões no Manifesto dos três de Zurique, segundo as quais o partido
político social-democrata deveria deixar de lado seu caráter proletário, porque
os intelectuais burgueses, tendo mais tempo livre, seriam melhor capacitados
para realizar o trabalho parlamentar. Assim, Marx e Engels ([1879]) reafirmam,
já no final de suas trajetórias políticas, a importância do caráter proletário do
partido e opõem-se àqueles “que abertamente afirmam que os operários são
demasiado incultos para se libertarem a si próprios e que só a partir de cima
têm de ser libertados, por grandes e pequenos burgueses filantrópicos” 16.
Depreende-se de tais leituras a seguinte conclusão: desde 1843 Marx
já percebe as limitações do Estado e das transformações meramente políticas;
em 1844, reafirma tais limitações, mas não deixa de assumir que a revolução
social deverá, também, ser política, mas terá que ter, acima de tudo, uma alma
social; em 1847 Marx percebe que toda revolução política traz traços sociais,
fortalece os vínculos entre as transformações sociais e políticas e assevera,
enfim, que a revolução proletária, se realizada, será a última revolução política
da História, porque tem como tarefa a abolição das classes, da sociedade civil
e do Estado; em 1848, por fim, em um clássico da revolução mundial, Marx e
Engels reafirmam os limites da política, mas não abrem mão da revolução
política e da tomada do Estado, tendo-se em vista que as meras reivindicações
sem a tomada do aparelho estatal não permitem uma real transformação das
condições materiais da classe trabalhadora. Percebe-se que as limitações do
15
As principais críticas ao socialismo utópico feitas por Marx, a nosso ver, não se centram na
dicotomia socialismo utópico vs. científico, mas sim em uma dicotomia entre socialismo utópico
vs. proletário. Podemos citar como exemplos disso as repreensões feitas pelos utópicos
perceberem apenas o lado negativo da miséria (o sofrimento) e não seu lado positivo (os
movimentos operários), presentes em: ENGELS; MARX, 1998, p. 66 e MARX, 1985, p. 118-119.
Também são pistas para tal dedução as afirmações de que o socialismo utópico e suas limitações
existiam especialmente porque a ele faltava a base social proletária e seus movimentos, sobre isso
Cf. MARX, 1985, p. 118-119 e MARX, 2011b, p. 139-140.
16
Esse texto, razoavelmente desconhecido nos debates marxistas, recebeu análise e importante
impulso para debate por parte de Michael Löwy (2012, p. 203-207).
17
Marx e Engels (2010b, p. 64) afirmavam: “para nós, não se trata de modificar a propriedade
privada, mas de aniquilá-la, não se trata de camuflar as contradições de classe, mas de abolir as
classes, não se trata de melhorar a sociedade vigente, mas de fundar uma nova”.
18
Para complementar nossa incompleta interpretação da Ideologia Alemã, é interessante explicitar
a síntese feita por Michael Löwy (2012, p. 154-155) sobre o processo de formação da perspectiva
revolucionária dentro do proletariado. Didaticamente, Löwy apresenta três etapas desse processo:
i) o proletariado só torna classe propriamente dita quando se insere na luta de classes, contra
alguém; ii) em meio a tal luta, o proletariado é levado a se utilizar de meios revolucionários, “ainda
que no início sua ação não ponha em causa o regime”; iii) na prática revolucionária, durante e em
meio dela, desenvolve-se a consciência comunista, que só é possível em movimento prático, o que
culmina na coincidência do transformar as circunstâncias (revolucionar as bases da sociedade) e
do transformar-se a si mesmo (engendrar a consciência comunista).
19
Marx via na instabilidade dos salários um importante fator que manteria os trabalhadores
sempre mobilizados: "eu estou [...] convencido de que a periódica queda e ascensão dos salários,
e os contínuos conflitos entre chefes e empregados resultantes dela, são, na presente organização
da indústria, os meios indispensáveis de elevar o espírito das classes trabalhadoras, de combiná-
las em uma grande associação contra as usurpações da classe dominante, e assim prevenir os
trabalhadores de se tornarem instrumentos de produção apáticos, não-pensantes e mais ou
menos bem alimentados" (MARX, 2010b, p. 169, tradução nossa).
20
Na décima reivindicação, Marx e Engels (2010a, p. 54) propõem a substituição de bancos
privados por um único e estatal, a fim de “vincular os interesses dos burgueses conservadores à
revolução”.
21
Como reconheceria posteriormente o próprio Marx ([1848]): "A burguesia prussiana não era,
como a francesa de 1789, a classe que defendia toda a sociedade moderna face aos
representantes da velha sociedade, a realeza e a nobreza [...] sem fé em si própria, sem fé no povo,
resmungando contra os de cima, tremendo perante os de baixo, [...] revolucionária contra os
conservadores, conservadora contra os revolucionários, [...] sem iniciativa, sem fé em si própria,
sem fé no povo, sem vocação histórica universal [...] sem olhos, sem ouvidos, sem dentes, sem
nada — assim se encontrava a burguesia prussiana depois da revolução de Março ao leme do
Estado prussiano".
22
“Não há a menor dúvida de que, no próximo desenvolvimento da revolução, a democracia
pequeno-burguesa se tornará, por algum tempo, a fração mais influente na Alemanha” (ENGELS;
MARX, 2010b, p. 64).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
617
23
Essa tática é aplicada porque “no início do movimento, os trabalhadores naturalmente ainda
não poderão propor medidas diretamente comunistas”. Por exemplo, se a pequena-burguesia
propõe um imposto proporcional, “os trabalhadores exigirão o imposto progressivo”. Assim, “as
reivindicações dos trabalhadores devem orientar-se [...] sempre nas concessões e medidas
propostas pelos democratas” (ENGELS; MARX, 2010b, p. 74).
24
"Assinalemos por último que, ao fixar como tarefa do governo provisório revolucionário a
aplicação do programa mínimo, a resolução elimina deste modo as absurdas idéias
semianarquistas sobre a realização imediata do programa máximo, sobre a conquista do poder
para levar a cabo a revolução socialista. O grau de desenvolvimento económico da Rússia
(condição objectiva) e o grau de consciência e de organização das massas do proletariado
(condição subjectiva, indissoluvelmente ligada à objectiva) tornam impossível a libertação
imediata e completa da classe operária [...] Se num momento determinado alguns operários nos
perguntarem porque não realizamos o nosso programa máximo, responderemos indicando-lhes
como estão ainda longe do socialismo as massas do povo impregnadas de espírito democrático,
como se encontram ainda pouco desenvolvidas as contradições de classe, como estão ainda
desorganizados os proletários. Tentai organizar centenas de milhares de operários em toda a
Rússia, difundir entre milhões a simpatia pelo vosso programa! Experimentai fazer isso, não vos
limitando a frases anarquistas sonoras mas ocas, e vereis imediatamente que alcançar esta
organização, difundir esta educação socialista, depende da realização mais completa possível das
transformações democráticas" (LENIN, [1905]).
25
Sobre isso, Cf. LENIN, [1918] e sua crítica à postura pequeno-burguesa de não analisar a
correlação de forças. "Mas os nossos comunistas 'de esquerda' — que gostam também de se
chamar comunistas 'proletários', pois têm particularmente pouco de proletário e particularmente
muito de pequeno-burguês — não sabem pensar na correlação de forças, não sabem tomar em
consideração a correlação de forças. Nisto reside o âmago do marxismo e da táctica marxista"
(LENIN, [1918]).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
618
Foi muito difícil encaixar o texto de forma que nosso [i.e., de Marx e
de Engels] ponto de vista apareceria em uma forma que seria
aceitável ao presente contexto do movimento dos trabalhadores
[...]. Levará algum tempo até que o renascimento do movimento nos
permita a antiga ousadia de linguagem usada. Nós devemos ser
'fortiter in re, suaviter in modo' [firmes na ação, suaves nos modos]
(MARX, 2010d, p. 19, tradução nossa).
26
“Uma concepção que queira atribuir à teoria uma existência própria, fora do movimento real,
não seria desde logo nem materialista, nem sequer dialético-hegeliana, mas sim simples
metafísica idealista” (KORSCH, 1971, p. 30).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
620
27
Tendo em vista que "a forma jurídica [...] surge numa sociedade composta de sujeitos com
interesses privados egoístas e isolados" (PACHUKANIS, 1988, p. 63).
28
Se "a idéia da submissão incondicional a uma autoridade normativa externa não tem a mínima
relação com a forma jurídica" (PACHUKANIS, 1988, p. 61), quando o proletariado organizado
pressiona a burguesia e arranca dela decisões ou leis favoráveis, parece haver aí muito pouco de
forma jurídica.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
621
Referências bibliográficas
KONDER, Leandro. Marx: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
LYRA FILHO, Roberto. Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o direito.
Porto Alegre: Fabris, 1983.
______. Russian policy against Turkey – Chartism. Em: ______; ENGELS, Friedrich.
Marx & Engels collected works: Marx and Engels, 1853-54. vol 12. Londres:
Lawrence & Wishart, 2010b, p. 163-173.
______. The indian question. – Irish tenant right. Em: ______; ENGELS, Friedrich.
Marx & Engels collected works: Marx and Engels, 1853-54. vol 12. Londres:
Lawrence & Wishart, 2010c, p. 163-173.
______. Marx to Engels: 4 November 1864. Em: ______; ENGELS, Friedrich. Marx
& Engels collected works: Letters 1864-68. vol 42. Londres: Lawrence &
Wishart, 2010d, p. 11-19.
______. Glosas críticas marginais ao artigo "o rei da Prússia e a reforma social".
De um prussiano. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 3,
n. 1, p. 142-155; fev. 2011a.
______. O Capital: Crítica da economia política. Vol 1. Livro Primeiro. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 1996.
1. Introdução
1
Graduando em Direito pela Universidade de São Paulo, Pesquisador no Grupo de Pesquisa
Direito e Subdesenvolvimento: o desafio furtadiano.
1. Problemática gramsciana
2
E. Sader, “Gramsci – poder, politica e partido”, 2012, São Paulo, Expressão Popular, pp. 95-98
3
L. Gruppi, O conceito de hegemonia em Gramsci, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de
Janeiro, Graal, 1978, p. 5
4
E. Sader, Gramsci, op. cit. (nota 1, supra), p. 96
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
627
5
E. Sader, Gramsci, op. cit. (nota 1, supra), p. 97
6
A.Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 3., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 249
7
Ver capítulo 4 (“Pachukanis”)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
628
8
A. Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 43
9
L. Konder, A questão da ideologia em Gramsci, acessado em 21/12/2013
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv61.htm>.
10
A. Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 1., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 96
11
Idem, p.256
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
629
12
A. Octaviani, Hegemonia e Direito, in M.M. Barreto Lima; E. Bello (Org.), Direito e Marxismo, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 350
13
F. Engels – K. Kautsky, Socialismo Jurídico, São Paulo, Boitempo, 2012, p. 18
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
630
14
Idem, p. 21
15
Idem, p. 34
16
F. Engels – K. Kautsky, Socialismo Jurídico, op.cit. (nota 15, p. 5, supra), p. 28
17
Anton Menger (1841-1906) foi Jurista austríaco, partidário de reformas sociais, um dos
representantes do chamado «socialismo jurídico», que tinha como objetivo criar um sistema de
transformação puramente jurídica, legislativa, do regime capitalista em
socialista. (http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/m/menger_anton.htm)
18
F. Engels – K. Kautsky, Socialismo Jurídico, op. cit. (nota 15, p. 5, supra), P. 37
19
Idem, p. 46
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
631
20
Idem, p.47
21
A. Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 1., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 414
22
P. Stucka,Direito e Luta de Classes, São Paulo, Editora Acadêmica, 1988, pp.51-52
23
Idem, p. 105
24
Idem, p. 16
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
632
25
Idem, p.77
26
Idem, p.39
27
P. Stucka, Direito e Luta de Classes, op. cit. (nota 22, p.7, supra), p.84
28
Idem, p. 159-160
29
Idem, p.70
30
Idem, p. 47
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
633
por meio da figura do Estado que, mediante suas leis, sempre volta ao poder
da classe dominante, assumindo o papel de organização do domínio de classe:
4. E. Pasukanis
31
Idem, p. 64
32
A. Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 28: “Uma
concepção do direito que deve ser essencialmente renovadora [...] deverá ser libertada de todo
resíduo de transcendência e de absoluto, praticamente de todo fanatismo moralista, embora me
pareça que não possa partir do ponto de vista de que o Estado ‘não pune’, mas apenas luta contra
a ‘periculosidade’ social [...] O direito é o aspecto repressivo e negativo de toda a atividade
positiva de educação cívica desenvolvida pelo Estado. Na concepção do direito, deveriam ser
incorporadas também as atividades que ‘premiam’ indivíduos, grupos, etc.”
33
P. Stucka,Direito e Luta de Classes, opcit (nota 22, p.7, supra), p. 116
34
Idem, p.42
35
Idem, p.47
36
Idem, p. 75
37
E. Pasukanis, A Teoria Geral ,opcit (nota 34, p. 9, supra), p. 76
38
E. Sader, Gramsci – poder, politica e partido, São Paulo, Expressao Popular, 2013, p.80 “[...] Na
realidade, o Estado deve ser concebido como ‘educador’ na medida em que tende precisamente a
criar um novo tipo ou nível de civilização. Dado que se opera essencialmente sobre as forças
econômicas, que se reorganiza e se desenvolve o aparelho de produção econômica, que se inova
a estrutura, não se deve concluir que os fatos de superestrutura devam ser abandonados a si
mesmos, a seu desenvolvimento espontâneo, a uma germinação casual e esporádica.”
39
Idem, p. 115
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
635
40
Idem, p. 138
41
Idem, p. 119
42
E. Pasukanis, A Teoria Geral ,opcit (nota 34, p. 9, supra), pp.44-46
43
Idem, pp. 67 e 75
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
636
5. Nicos Poulantzas
44
Idem, p. 97
45
N. Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, São Paulo, Martins Fontes, 1977, p.271
46
N. Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, opcit (nota 46, p. 11, supra), p.273
47
Idem, p. 281
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
637
48
Idem, p. 283
49
N.Poulantzas,O Estado, O Poder, O Socialismo, São Paulo, Graal, 1981, p.54
50
A.Gramsci, Cadernos do Cárcere, Vol. 1., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 97: “[...] um
grupo social, que tem sua própria concepção do mundo, ainda que embrionária que se manifesta
na ação e, portanto, de modo descontínuo e ocasional – isto é, quando tal grupo se movimenta
como um conjunto orgânico -, toma emprestado a outro grupo social, por razoes de submissão e
subordinação intelectual, um concepção que não é a sua, e a afirma verbalmente, e também
acredita segui-la, já que a segue em ‘épocas normais’, ou seja, quando a conduta não é
independente e autônoma, mas sim submissa e subordinada”.
51
N.Poulantzas,O Estado, O Poder, O Socialismo,opcit (nota 50, p. 12, supra), p. 63
52
Idem, p. 64
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
638
6. Conclusão
53
Idem, pp. 76-79
54
Idem, p. 79
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
639
7. Referências bibliográficas
5. IRRACIONALISMO E DECISIONISMO
RESUMO: o trabalho tem por objetivo expor a crítica empreendida por György
Lukács a Carl Schmitt em A destruição da razão. Para tanto, apresenta-se,
inicialmente, o contexto histórico e as principais teses contidas no texto que
Lukács dedica à temática do irracionalismo. Em seguida, são trazidos
elementos do pensamento de Carl Schmitt, em cotejo com a caracterização da
filosofia irracionalista.
PALAVRAS-CHAVE: György Lukács, Carl Schmitt, Irracionalismo,
Decisionismo, Direito.
1. Introdução
1
Mestre e Doutorando em Direito pela UFSC
2
A análise, contudo, não equipara essas filosofias. É o que expõe José Paulo Netto:
“Estabelecendo a directa filiação de O Ser o Nada a O Ser e o Tempo, Lukács evidencia que as
sensíveis diferenças históricas que cercam a elaboração das duas obras — a de Heidegger, em
vésperas da ascensão de Hitler, expressa e reforça a passividade da intelectualidade burguesa; a
de Sartre, em pleno vigor da Resistência, expressa e reforça o activismo dos intelectuais patriotas
— respondem pelos traços específicos do trabalho sartreano; por exemplo, enquanto em
Heidegger «o Nada é um dado ontológico tanto quanto a existência», em Sartre «o Nada não tem
existência independente do ser é absolutamente inseparável dele» ou ainda: o ser-para-a-morte
heideggeriano é permutado, em Sartre, pelo ser-para-a-liberdade.” (NETTO, 1977. pp. 20-21).
3
O primeiro texto de Lukács publicado no Brasil foi justamente o prefácio de A destruição da
razão, em 1956, na Revista Estudos Sociais, que agrupava intelectuais comunistas que buscavam a
renovação do marxismo. Mesmo assim, diante da configuração internacional das organizações
comunistas, o trecho só foi publicado acompanhado de um texto “explicativo” do então Ministro
da Cultura húngaro Joszef Szigeti – que articulava a investida contra as obras do filósofo na
Hungria. (Cf. FREDERICO, 2010). As teses sobre o irracionalismo orientaram importantes obras no
Brasil, como Introdução ao fascismo, de Leandro Konder, Estruturalismo e a miséria da razão, de
Carlos Nelson Coutinho, além de Lukács e a crítica da filosofia burguesa, que José Paulo Netto
publicou em Portugal durante o período em que lá esteve exilado.
4
Evelyne Pisier, embora esquecendo das importantes contribuições de Gramsci e Lukács, arrola
algumas tentativas de interpretação do fascismo, geralmente caracterizadas pelo predomínio de
uma causa ou pela generalização de alguns elementos. Nesse sentido, se refere às hipóteses
culturalistas (Meinecke, Neuman), econômicas (Poulantzas, Mandel, Bettelheim), psíquica (Reich,
Fromm) e sociológicas (Organski, Moore Jr.), além da tese do totalitarismo (Arendt, Furet,
Kershaw). (PISIER, 2004, pp. 345-365).
puramente cultural, como se revela com maior clareza que em qualquer outro
lugar, na Fenomenologia do espírito”.
Entre a classe trabalhadora, pesavam a desorganização, a limitação
material imposta pelo atraso econômico, além da ausência de um centro de
gravidade geograficamente capaz de concentrar insurreições Contava, ainda, o
sentimento de que uma insurreição popular pudesse terminar em guerra civil.
Do contexto, decorreu que a unificação alemã e o início de um acele-rado
desenvolvimento de suas forças produtivas – principalmente a “moderni-zação”
da agricultura – se deu sob hegemonia da Prússia e por uma concer-tação, “pelo
alto”, dos interesses de classe, mantendo-se privilégios da aristocracia.
Lukács está, assim, a aplicar o conceito leninista de via prus-
siana, em meio ao debate sobre o desenvolvimento burguês nas economias
agrárias e ao papel do campesinato nesse processo. Segundo Lenin,
Mas a análise lukacsiana vai além daquela operada por Lenin. Como
observa Carlos Nelson Coutinho (1980, p. 75), Lukács lida com uma espécie de
“via prussiana ampliada”, na medida em que o conceito leninista enfocava o
momento infraestrutural, e Lukács estende essa compreensão também à
esfera política5.
5
Nesse sentido, ocorre uma complementariedade entre o conceito de via prussiana e aquele de
revolução passiva, cunhado por Antonio Gramsci. Essa complementariedade se mostra mais forte
se tomarmos em conta que o dirigente italiano viu no conceito uma chave para a compreensão
das condições de emersão do fascismo na Itália. Para Gramsci, “ter-se-ia uma revolução passiva no
fato de que, por intermédio da intervenção legislativa do Estado e através da organização
corporativa, teriam sido introduzidas na estrutura econômica do país modificações mais ou menos
profundas a fim de acentuar o elemento “plano de produção”, isto é, teria sido acentuada a
socialização e a cooperação da produção, sem com isso tocar (ou limitando-se apenas a regular e
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
646
6
Esta questão, com efeito, é fundamental, e só comporta duas atitudes: aquela que distingue
entendimento de razão, mas compreende na razão a instância que totaliza na medida em que
ultrapassa os limitespostos pela positividade abstracta própria do entendimento, ou aquela que
identifica, imediatamente, entendimento e razão. A primeira atitude caracteriza o pensamento
dialéctico ; a segunda cuja forma inicial é a contraposição rígida entre os dois termos, redundando
na in- tangibilidade da razão e, portanto, no extremo, reduzindo-a ao entendimento — caracteriza
tanto o irracionalismo como o racionalismo não-dialéctico (formal). No caso do irracionalismo, a
consequência é a destruição da razão; no caso do racionalismo não-dialéctico, a mencionada
identificação conduz a um agnosticismo que, desenvolvido, irá articular o que já se denominou
como a miséria da razão”. NETTO, 1977, p. 45.
7
“No primeiro caso, cabe todavia uma crítica relativamente fundada, baseada no conhecimento
das coisas e encaminhada a manifestar os defeitos e as limitações reais da dialética idealista.
Porém, na segunda etapa nos damos conta, pelo contrário, de que os filósofos burgueses se
mostram incapazes de toda crítica e francamente covardes em estudar realmente o adversário,
incapazes de tentar sequer refutá-lo seriamente”. (LUKÁCS 1967, pp. 6-7)
nivelação se esconde no fato de que o devir não pode engendrar nada novo
(frente à sociedade capitalista), a menos que traia a função que desempenha
no sistema nietzscheano”. (Ibidem, p. 307)
Após analisar a chamada filosofia da vida, Lukács percorre um imenso
itinerário de autores, de Simmel a Jaspers, de Scheler a Heidegger, além da
sociologia alemã dos períodos pré-fascista e fascista, na Alemanha. E apesar
de implacável em sua argumentação, reconhece que o fascismo está presente
tão-somente enquanto possibilidade no seio da filosofia irracionalista (Cf.
Ibidem, p. 27).
A história revelou, contudo, que a visão de mundo nacional-socialista
encontrou em vários dos traços das filosofias irracionalistas pressupostos em
relação aos quais não era inerentemente contraditória. Esse nexo fica claro,
por exemplo, se analisamos o conceito de fascismo de Leandro Konder:
8
Em oposição a Kelsen, que advoga que o controle de constitucionalidade deve ser feito por uma
Corte superior, Schmitt vê no poder executivo, especificamente no presidente do Reich, o fiador
da vontade política constitucional: “A Constituição busca, em especial, dar à autoridade do
presidente do Reich a possibilidade de se unir diretamente a essa vontade política do guardião e
defensor da unidade e totalidade constitucionais do povo alemão. A esperança de sucesso de tal
tentativa é a base sobre a qual se fundam a existência e a continuidade do atual Estado alemão”
(SCHMITT, 2007c, p. 234)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
662
manifesta sua discordância com Kelsen: a norma não pode ser analisada fora
das condições de sua aplicação.
A concepção fundamental para a teoria schmittiana, contudo, está na
Teologia política, de 1922, que se inicia com a célebre definição de soberania:
“Soberano é quem decide sobre o estado de exceção” (SCHMITT, 2007b, p. 7).
Como afirma Giorgio Agamben (2004, p. 54), as ideias de estado de
sítio e de ditatura expostas em A ditadura, dão lugar, em Teologia política, ao
conceito de estado de exceção. O escopo nos dois livros, contudo, é “inscrever
o estado de exceção num contexto jurídico” (Ibidem, p. 12). Isso não significa
reconhecer a necessidade de inscrever a previsão do estado dentro da ordem
jurídica positiva vigente – ao contrário, Schmitt acusa o art. 48 da Constituição
de Weimar de manifestar uma recusa ao enfrentamento da questão da
soberania (SCHMITT, 2007b, p. 12) –, mas expor o paradoxo do direito: ele não
precisa de direito para ser criado.
A norma, diz Schmitt, tem pouco a dizer sobre o direito, pois só opera
nas situações de normalidade. É a exceção que constitui o momento revelador
do direito.
Uma de suas teses centrais é a de que “Todos os conceitos
significativos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos
secularizados [...] O estado de exceção tem um significado análogo para a
jurisprudência, como o milagre para a teologia. (Ibidem, p. 35) O milagre-
exceção concentra a zona de interesse pelo jurídico. “O que é normal nada
prova, a exceção comprova tudo; ela não somente confirma a regra, mas esta
vive da exceção” (Ibidem, p. 14).
Toda a teoria jurídica liberal teria desprezado esse fato elementar,
tentando inscrever o estado de exceção em um domínio extrajurídico, político
ou sociológico. A exceção se inclui no direito na medida em que está fora
deste. O elo entre esse estar dentro e ao mesmo tempo fora, é uma decisão
irredutível à racionalidade.
Schmitt entende que a ficção do normativismo constrói um modelo
fechado de legalidade, que se contrapõe à “legitimidade de uma vontade
realmente existente” (SCHMITT, 2007a, p. 5), impondo um “funcionalismo
desprovido de objeto de referência” (Ibidem, p. 9)
A organização do ordenamento proposta por Kelsen, em um sistema
normativo no qual cada nível extrai sua validade do nível que lhe é superior,
remete a um limite em que norma funda norma (a norma fundamental),
expulsando do direito a questão que, segundo Schmitt, lhe deveria ser central:
A pretensa afinidade para, no entanto, por aí: ainda no que Schmitt tenha
de certeiro quando analisa o discurso liberal, toda a orientação de sua construção
é fundamentalmente antidemocrática, visando a “por em relevo o irredutível
Para Lukács, assim, não soa estranho que Schmitt tenha aderido a
Hitler e que sua filosofia do direito tenha se adequado tão tranquilamente aos
desígnios do líder nazista.
9
Ibid., p. 51. Quanto à relação mais imediata entre o capital financeiro e o fascismo, Konder
observa que Mussolini (1919) foi apoiado grupos, como o siderúrgico Ilva. Hitler, em 1932,
aplaudido entusiasticamente em palestra no Clube da Indústria de Dusseldorf, por industriais e
banqueiros. Documentadamente Hitler teve o apoio de Fritz Springorum, da Hoesch (indústria
química), Albert Vögler, Ernst Poensgen e Ernst Brandi (das Empresas Unidas de Aço, Vereinigte
Stahlwerke), Wilheml Kepple, Rudolf Bingel (Siemens & Halske), Emil Meyer (Dresdner Bank),
Friedrich Heinhardt (Commerz und Privatbank) Kurt Von Shroder (Bankhaus Stein) e diversos
outros. Os autos do ‘Processo contra os principais criminosos de guerra perante o Tribunal Militar
o
Internacional de Nuremberg (de 14 de novembro de 1945 a 1 de outubro de 1946) comprovam,
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
667
5. Considerações finais
6. Referências bibliográficas
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PISIER, Evelyne. História das ideias políticas. Tradução de Maria Alice Farah
Calil Antonio. Barueri/SP: Manole, 2004.
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 5
DIREITO, INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA
Avaliadores:
Ilana Lemos de Paiva (URFN)
Assis da Costa Oliveira (UFPA)
Márcio Soares Berclaz (MP/PR)
EMENTA
O presente Espaço de Discussão tem como foco discutir as temáticas
relativas à infância e adolescência no cenário nacional e internacional, sendo
que sua importância reside na necessidade imperiosa de analisar e refletir, de
forma crítica, as inovações normativas proporcionadas nas ultimas décadas e
sua (in)efetividade no plano fático, bem como o papel social das crianças e
adolescentes na sociedade. O grupo objetiva analisar as questões referentes à
criminalização da infância e juventude, à violência institucional, ao ato infracio-
nal e o Sistema Socioeducativo, ao Sistema de Garantia dos Direitos infanto-
juvenis (SGD), à redução da maioridade penal, ao direito à educação, à
prioridade absoluta e sua relação com as políticas públicas pensadas para
crianças e adolescentes, à participação e ao protagonismo infanto-juvenil, ao
papel da comunicação na perspectiva infanto-juvenil, à história social da
infância, ao papel do Poder Judiciário na efetivação dos direitos infanto-
juvenis, ao trabalho infantil e à violência sexual contra crianças e adolescentes.
O referencial teórico do grupo partirá das mudanças normativas
proporcionadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, pela
Constituição Federal de 1988 e pela Convenção dos Direitos da Criança da
ONU de 1989, através da doutrina da Proteção Integral, entendendo esta
como fruto da luta do movimento infanto-juvenil entre as décadas de 70-80
do século passado que provocou mudanças sobre o papel social da criança e
do adolescente no plano normativo interno e internacional, bem como partirá
de uma análise crítica da realidade histórica imposta para determinadas
crianças e adolescentes, num cenário de desigualdades e de inefetivação de
direitos.
ARTIGOS
1. PERICULOSIDADE E VULNERABILIDADE
Introdução
1
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Direito pela Universidade
Federal de Santa Catarina. Especialista em Pensamento Político Brasileiro pela Universidade
Federal de Santa Maria. Graduada em Direito e em Jornalismo pela UFSM. Professora do Mestrado
e Graduação em Direito da Faculdade Meridional. Professora no Curso de Direito do Centro
Universitário Franciscano.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
675
(BUSTOS;HORMAZÁBAL, 1999).
Daí a crítica de que o princípio de culpabilidade deve servir como
limitação da pena, para garantir a liberdade do cidadão contra o poder do Es-
tado, ao contrário de fundamentar a pena e legitimar o poder do Estado com-
tra o indivíduo (SANTOS, 2008). Busca-se, com isso, fugir da culpabilidade pela
conduta de vida, enfocando-a na “[...] capacidade de motivação do agente
para o fato por ele realizado, em face dos apelos normativos da ordem jurídica
aos quais tivera acesso” (TAVARES, 2011, p. 127)2. Além disso, tal perspectiva
conduz o juízo de culpabilidade a uma vinculação às funções declaradas da
pena, defendida, por exemplo, por Roxin (2007): daí a sua associação com a
determinação da responsabilidade com base na necessidade da pena3.
Em seu conceito normativo, é amplamente aceita na doutrina
brasileira a definição de culpabilidade como reprovabilidade, construída por
Frank (2002), em 1907. Tal definição é duramente posta em xeque por Batista
(2011), para quem a reprovação somente é possível se baseada em um juízo
moral, que torna necessária a adoção de uma determinada ordem de valores
como sendo superior às demais. Contudo, no Estado de direito, em que a
Constituição incorpora o princípio da autonomia moral da pessoa, o juiz não
tem o direito de censurar ou repreender o condenado, o que seria uma
concessão a preconceitos morais e religiosos inadmissíveis no direito penal
(BATISTA, 2011). Em sua opinião, “talvez tenhamos que renunciar,
definitivamente, ao conceito de culpabilidade, tão central na civilização
judaico-cristã ocidental para tentar salvar, de toda contaminação moral [...] o
conceito moderno de responsabilidade” (BATISTA, 2011, p. 178).
A superação do conceito de culpabilidade também é proposta por
Bustos e Hormazábal (1999, p. 340): “Culpabilidade é responsabilidade, não é
2
Desse ponto decorrem as causas supralegais de exclusão da culpabilidade de que trata Santos
(2008): o fato de consciência, a desobediência civil, o conflito de deveres etc. Também entra aí a
questão dos limites do erro de proibição que, segundo o autor, “[...] em sociedades com elevadas
taxas de exclusão do mercado de trabalho e do sistema escolar – ou seja, marcadas pela pobreza
e pela ignorância, como é o caso da sociedade brasileira -, a frequência do erro de proibição e a
imprecisão dos critérios de evitabilidade/inevitabilidade respectiva reclama atitudes democráticas
na sua avaliação: bitola larga para a inevitabilidade, bitola estreita para a evitabilidadedo erro de
proibição. Ainda, a abordagem de Zaffaroni e Pierangeli (2008), a respeito da ampliação dos
limites do erro de proibição em razão da não introjeção da norma, o que, em sociedades
multiculturais é uma realidade que não pode deixar de ser tida em consideração pelo jurista.
3
Para Bustos (1999, p. 329), a percepção de Roxin de que a culpabilidade deve ser fundada na
finalidade da pena é um evidente salto lógico, pois “[...] os fins da pena não podem substituir seus
pressupostos”.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
677
4
Para Zaffaroni et. al. (2010, p. 65), a culpabilidade de ato, medida pelos critérios da
imputabilidade, potencial consciência da antijuridicidade e exigibilidade de conduta diversa tem a
função de apresentar o limite do poder punitivo. Porém, após essa análise, é necessário identificar
um outro dado a determinar a culpabilidade: a vulnerabilidade. Nessa perspectiva, dada a
arbitrária seletividade criminalizante, que “privilegia” alguns com a sanção criminal mais do que
outros, é necessário observar que dadas as características do autor, o esforço que ele realizará
para ser controlado pelo sistema será menor ou maior conforme o seu afastamento ou
proximidade ao poder. Assim sendo, quanto mais vulnerável é o autor de uma conduta, menor é a
sua culpabilidade, dado que menor esforço precisa ser feito para que seja surpreendido pelo
sistema de controle penal.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
678
5
Na percepção de Zaffaroni (2007), essa crise das medidas de segurança existe desde o seu
princípio, tendo em vista que a racionalização que permitiu a sua aceitação pela doutrina apenas
busca ocultar que as medidas de segurança são penas sem os limites nem as garantias das penas.
Apesar da incoerência, foi possível um desenvolvimento retribucionista para os iguais (pessoas) e
outro determinista periculosista para os estranhos (coisas perigosas).
6
A noção de “sujeito perigoso” é o resultado de uma evolução da inserção da psiquiatria no
direito, que, no estudo de Foucault, se inicia no século XIX com a patologização do crime,
especialmente a partir do criação da “monomania homicida”. A partir desse momento, a
psiquiatria ganha espaço, atribuindo ao tratamento da loucura um caráter de defesa social, e a
própria pena vai assumir esse caráter de ingerência estatal no indivíduo em razão do risco
potencial de voltar a praticar crimes. A principal consequência da inserção do periculosismo no
direito penal é a transformação da ideia de responsabilidade, por um lado, e a mudança no
sistema de Justiça, que “tende a se exercer sobre aquilo que se é” (FOUCAULT, 2004, p. 24).
7
Dois exemplos rapidamente buscados sem qualquer dificuldade, apenas utilizando os termos de
busca “periculosidade e ato infracional” nos sites do TJ-RS e do STJ: “Tratando-se da prática de
fato grave, definido como roubo tentado, pois foram apreendidos logo após a prática delitiva, que
foi realizada com concurso de agentes e emprego de arma de fogo, no qual os adolescentes, que
apresentam expressivo rol de antecedentes, revelaram extrema agressividade, ousadia, ausência
senso crítico e de limites, revelando periculosidade social, mostra-se cabível e necessária a
imposição da medida socioeducativa de internação sem atividades externas” (RIO GRANDE DO
SUL, 2012). E em decisão do STJ: “[...] Ainda que assim não fosse, o Juiz da Infância e da Juventude,
ao fixar a medida [de internação], justificou motivadamente sua necessidade, especialmente em
razão do comportamento desajustado do Paciente, de sua personalidade voltada para a prática de
atos equiparados a crimes e de sua extrema periculosidade” (BRASIL, 2012).
8
A revista Istoé do dia 29 de abril 2011 publicou uma reportagem com esse título, para tratar
sobre o caso Champinha. Champinha foi condenado pelos assassinatos de Felipe Caffé e Liana
Friedenbach, mortos em novembro de 2003 em Embu-Guaçu, na grande São Paulo. O adolescente
tinha 16 anos à época e foi internado. Nas vésperas de encerrarem os três anos da medida de
internação o adolescente foi interditado civilmente através de pedido do Ministério Público e
então foi levado à Unidade Experimental de Saúde, como o seu primeiro interno. Assim, mesmo
sem que tenha cometido novo ato, e já cumprida a medida socioeducativa pelos fatos anteriores,
o adolescente permanece privado de liberdade até os dias atuais (AZEVEDO, 2012).
9
No dizer de Foucault, a “norma”, entendida como regra de conduta, como lei informal, como
princípio de conformidade; a norma a que se opõem a irregularidade, a desordem, a esquisitice, a
excentricidade, o desnivelamento, a discrepância, é introduzida pela psiquiatria no campo sinto-
matológico, em fins do século XIX e início do século XX. Daí que a psiquiatria será essencialmente
a ciência e a técnica dos anormais, dos indivíduos anormais e das condutas anormais. “O que
acarreta evidentemente, como primeira consequência, que o encontro crime-loucura não será
mais, para a psiquiatria, um caso-limite, mas o caso regular” (FOUCAULT, 2010, p. 139).
10
Para uma análise detida de todos os projetos de lei da Câmara dos Deputados dos últimos dez
anos que buscam aumentar o prazo de internação, dentre outras justificações, em razão da
periculosidade do agente, cf. Budó (2013a).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
687
11
SERRA diz que bandido tem de ser 'engaiolado'. Estadão.com.br, 26 abr. 2010. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,serra-diz-que-bandido-tem-de-ser-
engaiolado,543311,0. htm> Acesso em: 18 dez. 2012.
12
Um curto artigo de Foucault, escrito em 1978 no Libération, explica bem a relação entre prisão e
periculosidade: “1. Se a periculosidade é uma categoria psicológica entre outras, ela não poderia
acarretar nenhuma pena, nem nenhum suplemento de pena. 2. Se a periculosidade é uma
possibilidade de delito ou de infração, nenhuma lei autoriza a punir uma simples virtualidade. 3.
Depois do final da última guerra, a expertise psiquiátrica, à qual se submete todo acusado que
deve passar pelos tribunais, deve estabelecer se o indivíduo é perigoso. Isso não tem muito
sentido em psiquiatria e é exorbitante no que concerne ao direito. O veredicto, de todo modo,
leva em conta essa suposta periculosidade. É demasiado, sem dúvida, mas isso basta. 4. Ora, o
decreto de 1975 autoriza a administração penitenciária a modificar o desenvolvimento da pena e
a situar o condenado em um local de segurança máxima caso se descubra nele uma
“periculosidade”. Periculosidade que não é mais manifestada pelo delito, mas suscitada pela
prisão. Pois bem, a prisão cria um perigo que lhe é específico: é a prisão que se deve suprimir. 5.
Por fim, na menor das prisões, o diretor recebeu o direito de pôr em segurança máxima todo
detento, mesmo se ele ainda não foi a julgamento, mesmo que não tenha sido considerado
perigoso por nenhum experto. Unicamente porque ele avalia que esse indivíduo é perigoso na
prisão que ele dirige e em relação a ela. É, portanto, sua prisão e a maneira como ele a dirige que
são criadoras de perigos. [...] Conclusões: se a prisão cria o perigo, é justo e legítimo querer escapar
dela” (FOUCAULT, 2012, p. 113-114, grifou-se).
13
A psiquiatria teve o papel de formular a existência do instinto criminal dos criminosos,
chegando a forjá-la como categoria nosográfica – a monomania homicida, por exemplo -, de
modo a legitimar cientificamente a relação entre crime, anormalidade e perigo, sobretudo nos
casos dos chamados “monstros”, que praticam os crimes sem razão. “Em suma, foi preciso que a
psiquiatria, para funcionar como eu lhes dizia [como ramo da higiene pública], estabelecesse a
pertinência essencial e fundamental da loucura ao crime e do crime à loucura” (FOUCAULT, 2010,
p. 102).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
689
14
A polêmica em torno da UES é tamanha que em abril de 2013 o Ministério Público Federal
ingressou com Ação Civil Pública para determinar o fechamento da instituição, em conjunto com
organizações de defesa da criança e do adolescente. Contudo, ainda não houve o julgamento da
ação e a UES permanece em funcionamento. Em 2011 a ONU já havia recomendado ao Brasil o
fechamento da instituição. (FERNANDES, 2014).
Conclusão
Referências bibliográficas
BENTES, Ana Lúcia Seabra. Tudo como dantes no quartel d’Abrantes: estudo
das internações psiquiátricas de crianças e adolescentes através de
encaminhamento judicial. Dissertação (Mestrado). Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1999. 141 f.
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: parte geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris/ICPC, 2008.
Introdução
1
Graduando do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás.
2
Graduando do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás.
3
SCHEUFELE, DA e TEWKSBURY,D. '' Framing, agenda Setting, and Priming: the evolution
of thre media effects models''. Journalof Communication, V.57, International Communication
5
REALE JÚNIOR, Miguel. A Razão da idade: mitos e verdade. Brasilia:
MJ/SEDH/DCA,2001.Coleção Garantia de Direitos, Série Subsídios Tomo. VII, p.174
6
GUARESCHI, Pedrinho A.etalli. Os construtores da informação: meios de comunicação,
ideologia e ética.2.ed. Petrópolis: Vozes,2003,p.43. (Apud MASCARENHAS, Oacir Silva. A
influência da mídia na produção legislativa penal brasileira. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII,
n. 83, dez 2010. Disponível em:
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
701
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8727>. Acesso em ago
2013.)
7
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas: São Paulo: Martin Claret, 2001.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
702
8
SANTIN, Giovane. Mídia e Criminalidade. uma leitura interdisciplinar a partir de Theodor
Adormo. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduaçãoem ciências criminais da
faculdade de direito da pontifícia Universidade Católicado Rio de Grande do Sul como requisito
parcial á obtenção do grau de mestre.(Apud MASCARENHAS, Oacir Silva. A influência da mídia na
produção legislativa penal brasileira. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010.
Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8727>. Acesso em ago
2013.)
9
REALE, Miguel (Apud. RIMONATO, Marcelo Augusto. Menores infratores devem ser julgados
como adultos? São Paulo: RT.Jornal do Advogado nº319, 2007,p.12).
Direito Comparado
Inconstitucionalidade
10
SPOSATO, Karyna B. Porque dizer não à redução da idade penal. Disponível em:
<http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/idade_penal/unicef_id_penal_nov2007_compl
eto.pdf.> Acesso em: Ago. 2013.
11
SPOSATO, Karyna B, ibid, p. 20.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
706
12
SPOSATO, Karyna B. Porque dizer não à redução da idade penal. Disponível em:
http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/idade_penal/unicef_id_penal_nov2007_comple
to.pdf. Acesso em: 01 de ago. de 2013. “De acordo com dados da Subsecretaria de Promoção dos
Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), o numero de adolescentes em conflito com a lei no
ano de 2004, em cumprimento de medidas socioeducativas, não atingia 1% do universo da
população adolescente.”.
13
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
a
fundamentais e a construção do novo modelo.3 . Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
14
WAISELFISZ, JulioJacobo. Mapa da Violência 2012: Crianças e Adolescentes do Brasil. Rio de
Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.
15
WAISELFISZ, JulioJacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil. Rio de
Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.
a faixa etária entre 12 e 21 anos) caiu 33% entre brancos e, entre os negros,
cresceu 23,4%.
A mídia, contudo, não é nada expressiva quanto à vitimização de
crianças e adolescentes no Brasil, o Governo tampouco determina a devida
atenção para o assunto. Os jovens brasileiros só saem do esquecimento para
serem lembrados como criminosos, assassinos, delinquentes, entre outros
jargões. São evidenciados apenas os resultados de um descaso político e
cultural quanto à juventude do país. As reais causas de tamanha negligência
com os futuros adultos brasileiros ganham uma quase perfeita camuflagem
graças ao alarde feito pelos meios de comunicação e acabam passando
despercebidas pelos olhos menos atentos. E é nessa facilidade que o
esquecimento e a opressão são transformados em condenação, repressão e
punição, num ciclo vicioso de violência gerando violência.
Diante disso, é salutar destacar que a prática de crimes pelos menores
pode significar, sumariamente, um pedido de ajuda direcionada a sua defesa
ou um comportamento antissocial para demonstrar sua insatisfação diante
daqueles que tinham o dever legal de protegê-los, mas não o fazem,
tornando-os verdadeiras vítimas da violência.
Nesse contexto, a possibilidade de uma aplicação de leis mais
rigorosas e taxativas ou o aumento descabido na quantidade das penas
previstas não será fator determinante para que a incidência corriqueira de
situaçõesviolentas diminua. Conforme essas circunstâncias, para que haja
contribuições positivas para a redução da violência, deve-se investir e adotar
medidas políticas e administrativas na direção de distribuir igualitariamente a
justiça social e ainda universalizar as condições de acessibilidade às políticas
sociais, pois é a partir de programas de prevenção ao uso de drogas e
proteção contra os abusos sofridos pelos jovens que se terá suporte para
combater à violência.
Além disso, é importante orientar e propor métodos coesos para a re-
estruturação das famílias, as quais são responsáveis por amparar suas crianças
e adolescentes, dando-lhe atenção, proteção e afeto de modo a ensiná-las as
responsabilidades e as noções necessárias para sua completa formação.
Nessa mesma vertente, é necessário que se retire os menores da
condição de marginalizados - esta entendida como o não recebimento dos
benefícios oriundos da sociedade - e os insira num contexto de uma educação
institucional de qualidade, comprometida com a inclusão social e capacitada
para dar respaldos ao desenvolvimento de pessoa hábil a exercer sua
Conclusão
Referências bibliográficas
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas: São Paulo: Martin Claret, 2001.
Ariane Oliveira1
Introdução
1
Graduanda do IX Semestre do Curso de Direito da UFRGS, integrante do Grupo de Pesquisa
Constitucionalismo e Justiça de Transição e do grupo de extensão universitária, Coletivo Fila.
2
http://www.amnesty.org/es/library/asset/AMR19/025/2005/es/d6c16d41-d49c-11dd-8a23-
d58a49c0d652/amr190252005pt.html.
3
Legados autoritários são conformações institucionais que se mantém mesmo após a
democratização, impedindo sua implementação substancial (Pereira, 2010).
penais e não quem age em desacordo com as regras, uma vez que, se o
sujeito não for selecionado pelas agências de controle, não será considerado
deliquente pela sociedade (Baratta, 2002). Os mecanismos de criminalização
secundária (poder judiciário e instituições de segurança pública) acentuam
ainda mais a seletividade do sistema penal.
Dessa forma institui-se a sociedade de controle, “que comporta todo
um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de
aplicação, de alvos” (Foucault, 1987, p. 177), que podem ficar a cargo tanto de
instituições formais do sistema penal (como o sistema penitenciário), quanto
de instâncias informais de disciplina- como a escola e o hospital. A partir disso,
situam-se os castigos legais no ponto em que os valores “universais” da lei
aplicam-se a determinados indivíduos e sempre aos mesmos, tornando-os,
através da condenação judicial, sujeitos objetos de saber, que de infratores
passam ao status de deliquente, sendo mais facilmente vigiados. Cuida-se que
isso não significa que apenas os pobres sejam selecionados pelo sistema
disciplinar e penal, mas que a seleção tende a recair sobre eles de maneira
preferencial (Bacila 2008).
A mídia também corrobora com o processo de estigmatização. Os
meios de comunicação não se limitam a informar. Julgam e condenam com
base em preconceitos e estigmas, aumentando o temor e a ignorância
daqueles a quem deveria informar. Veiculam teses acadêmicas apenas quando
elas reforçam os estereótipos de suas mensagens. “Tivemos a amarga
experiência do poder da palavra na geração de preconceitos e estigmas
durante o regime militar. Era uma guerra aberta contra os chamados
subversivos. Hoje a guerra é outra” (Mello, 1999, p. 139).
Trata-se de tornar toda a população empobrecida culpada pela
violência. Através da palavra atrelada à imagem criam-se os rótulos que
desumanizam os atores sociais implicados numa realidade violenta. Se a vítima
for das classes dominantes, pugna-se pela punição, mas quando o massacre
acontece na periferia, silencia-se, fazendo crer que existem mortos dignos e
indignos (Mello, 1999).
Nesse sentido, Zaffaroni fala em uma criminologia midiática baseada
em preconceitos e inexatidões, que influencia a opinião da maior parte das
pessoas e acaba pautando decisões políticas por subordinar os governantes a
uma pressão social induzida pela mídia de massa. A criminologia midiática
propõe um modelo de Estado policial em oposição ao modelo de Estado de
bem-estar social (Zaffaroni, 2012).
4
O deliquente se distingue do infrator pelo ato de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que
mais o caracteriza. A operação penitenciária, para ser uma verdade reeducação, deve totalizar a
existência do deliquente, tornar a prisão uma espécie de teatro artificial e coercitivo onde é
preciso refazê-la totalmente. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de
Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Vozes, 1987, p. 211.
5
O Núcleo PIPA da Universidade Federal do Rio Grande do foi criado em 2011 a partir das
demandas do Programa de Prestação de Serviços à Comunidade – PPSC da UFRGS que constitui,
há 16 anos na Faculdade de Educação, uma unidade de execução de medidas socioeducativas
para adolescentes, atuando como parceiro do Programa municipal responsável pela execução das
medidas de meio aberto em Porto Alegre (PEMSE). A necessidade de um trabalho de atenção
integral ao adolescente levou a articulação interdisciplinar do PPSC com Grupos de Extensão já
existente na Universidade: o EstaçãoPsido Instituto de Psicologia e o G10 do Serviço de Assessoria
Jurídica Universitária, Faculdade de Direito.
Ela conta que seu filho fora pego em flagrante, mas fora preso
apenas quatro meses depois, em uma invasão a sua casa onde
seu filho menor (10 anos, o rapaz que foi preso tinha 17 a época
do delito) foi agredido pelos policiais. Depois disso, ela diz, sua
casa fora invadida por eles algumas vezes mais, sem que em
nenhum momento se apresentasse um mandado.
Eles fizeram coisas muito erradas, mas eles não precisam ser
tratados quem nem, bichos. Os filhos delas foram pegos juntos e
sofreram uma violência policial horrível. Ela conta que colocaram
um saco na cabeça do filho e ficavam dando soco nele, a camisa
toda ensangüentada, ele desmaiou 3 vezes. E picaram a roupa dos
guris e os tênis deles (ela conta que o tênis era novo, ela ainda
nem pagou o carnê). Repete várias vezes que eles não podem
fazer isso com os guris, que eles erraram mas os policiais erram
mais ainda, que assim os guris vão sentir raiva.
zes anexos que tem mecanismos legais de punição em suas mãos (Foucault,
1987).
Um testemunho bastante denso com relação a esse assunto, mas
também com relação à discriminação por parte do judiciário e sobre a
dificuldade de cuidar dos filhos frente à necessidade do trabalho, foi o
relatado no dia 29 de setembro de 2013:
As falas dos familiares dizem de algo que não se pode silenciar, apesar
da dificuldade de ser dito. Contam de um passado que nunca deixou de estar
presente. A tortura, a violência, a vigilância compõe uma realidade diária na
vida dessas pessoas, que tem suas casas invadidas a qualquer tempo. A polícia
é vizinha e, se não tem autorização judicial, tem autorização midiática e de um
senso comum antidemocrático e sem memória.
O judiciário faz sua parte para completar o quadro de violação a que
essas pessoas estão submetidas: com seus jargões inacessíveis, defensores
incógnitos, promotores e juízes destilando preconceito em suas acusações e
sentenças prontas. A falta de qualquer amparo que possa tornar possível uma
compreensão do que estão passando: ninguém explica nada a eles. Aos olhos
da sociedade de controle, são eles que devem explicações à polícia por suas
características indesejadas. Todavia, suas falas, enquanto denunciadoras de
uma política autoritária, não tem validade. A violência que sofrem é invisível.
Não é violência- é “tática de segurança pública”. Até quando?
Como causadores da violência, seus filhos são “pegos”, espancados e
encarcerados, mas é tudo para sua própria proteção. A socioeducação tratará
de impor-lhes as regras que nunca seguiram e profissionalizá-los para um
mercado de trabalho precário. Maconha não se pode usar, mas o remédio
tarja preta vem junto com a comida. E nesse processo, tornam-se objetos de
saber-poder. Sobre eles recairá um poder de vigilância. Serão sempre
lembrados pela autoria de um crime. Mas o autoritarismos é passado...
Considerações finais
Referências bibliográficas
1. Introdução
1
Assistente Social Graduada em Serviço Social pela Universidade Católica de Brasília – UCB Brasília
– DF.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
741
calçadas e embaixo das marquises de prédios, muitas vezes são vistas mais
não enxergadas como indivíduos de direito.
As diversas situações que levam adolescentes a estarem em situação
de rua são fatores preocupantes, considerando que essas vulnerabilidades
podem afetalos psicologicamente e fisicamente.
O objetivo desse estudo é a identificação de alguns dos fatores que
possam favorecer que crianças e dos adolescentes estejam em situação de Rua
na Rodoviária do Plano Piloto - DF referem-se ainda, a um levantamento dessa
realidade e dos provavéis enfrentamentos que possam contribuir para
fortalecimento de seus vínculos familiares.
A falta de proteção, a ausência do Estado, a falta de estratégias para o
fortalecimento afetivo, social e econômico dessa população, bem como
politicas publicas com benfeitorias para a solução desses problemas, acabam
ocasionando um aumento consideravél das diversas situações conflituosas,
que favorecem a saída de crianças e adolescentes para as ruas.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente –
CONANDA e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente - SNPDCA, divulgaram o acentuado crescimento de crianças e
adolescentes em situação de rua em decorrência dos conflitos familiar, bem
como a necessidade de investimento em projetos que visem reintegrar esse
jovem a família e a sociedade, isso mostra a importância de investimentos em
ações de prevenção, divulgação e sensibilização para a garantia dos direitos
das crianças e dos adolescentes (CONANDA, 2006).
Esses adolescentes em situação de rua, precisam realmente ser vistos
pelo Estado e pela sociedade, precisam não somente ter seus direitos
reconhecidos, mas de fato respeitados, e assim oportunizando os mesmos
para que se tornem autores de suas próprias transformações sociais em busca
de mudanças da sua atual realidade.
Ressalta-se que este trabalho proporcionou subsídios que despertam
a atenção para reflexões e debates, quanto à necessidade de aprimorar o
acesso as politicas públicas que possam intermediar as necessidades dos
adolescentes em situação de rua, promovendo a cidadania e a igualdade de
seus direitos.
O trabalho resultou neste artigo que, além desta introdução e das
considerações finais, compõe-se de oito partes. A primeira realiza uma
reflexão entre o espaço da casa e a rua; a segunda aborda o conceito sobre o
termo situação de rua; a terceira discute sobre o adolescente em situação de
2. A casa e a rua
vivida por eles envolvem fatores que favorecem exposições a riscos que
comprometem a sua segurança e seu próprio bem estar.
Para as autoras Bellenzani e Malfitano (2006) o conceito de
vulnerabilidade social busca dimensionar o contexto sociocultural como os
direitos violados e os direitos negligenciados.
Neste sentido as autoras acrescentam a esse conceito que
Ainda que não seja objeto deste estudo, vale ressaltar que a relação
homoafetiva também é uma configuração familiar, sendo necessário
compreender que a identidade sexual não é o que distingue os vínculos
afetivos, e nem mesmo os vínculos familiares, portanto não devendo ser
obstáculos como reconhecimento a essa configuração familiar. Esta formação
está determinada na CF 1988 (art. 1º., inciso III) ao afirmar que toda forma de
vínculo que tenha como referência o afeto deve ter o status de família. Além
disso, deverá ter atenção do Estado uma vez que incide na norma pétrea
“respeito à dignidade da pessoa humana.
As famílias no decorrer dos últimos anos sofreram mudanças nas suas
configurações familiares, não se deve levar em consideração apenas os laços
sanguíneos como fator predominante sobre o conceito de família, ou seja, o
modelo de familia tradicional foi se alterando, se modificando e tomando
novas formas ao longo do tempo.
Segundo o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direto
de Crianças e Adolescentes (2006) no tocante aos novos modelos familiares
diz “que a desnaturalização do conceito de família, a desmistificação de uma
estrutura que se colocaria como ideal e, ainda, o deslocamento da ênfase da
importância da estrutura familiar e sim para a importância das funções
familiares pautando os cuidados e a socialização”.
Logo, podemos afirmar que a família é o ponto de partida para o
desenvolvimento intelectual do adolescente, sendo necessário e considerado
como fundamental para a iniciação dos seus desenvolvimentos morais e
intelectuais, mas quando se torna vulnerável, requer recursos para enfrentar
essa problemática.
Conforme o Plano Nacional de defesa da criança e do adolescente
“família” independente de seu formato é mediadora das relações entre
sujeitos e a coletividade, e geradora de modalidades comunitárias de vida.
Uma vez identificada os processos de vulnerabilidades sociais que
permeiam a instituição familiar, torna-se relevante pensar em ações do Estado,
que não sejam somente emergencias, mas que tenham objetivos e
perspectivas de totalidade, realizando intervenções que fortaleçam os vínculos
familiares.
Relacionada a esta necessidade verificou-se através de pesquisas que
as vulnerabilidades sofridas causam um rompimento com o vínculo familiar,
por isso é relevante estudar as configurações familiares até para entender e
desmistificar as compreensões imediatista sobre o mesmo. É importante
Toda adolescente que vive dentro de uma relação familiar onde seus
vínculos se encontram fragilizados, sejam por situações decorrentes de fatores
estruturais ou fenômenos mais complexos, entendem-se dentro desta ótica
que as fragilizações de vínculos familiares ocorrem em todas as classes sociais,
mas se faz necessários esforços para acessos a politicas públicas que
estimulem e fortaleçam os vínculos fragilizados.
Para tanto o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito da Criança e Adolescente a Convivência Familiar e Comunitária, traz a
seguinte reflexão
LEGISLAÇÃO DIREITOS
Quantos são?
Situação
Alguém trabalha?
Não sei, sei lá, não sei da minha família. 02
irmãos e a Mãe (doméstica). Não conheceu o A1
pai. Só a minha mãe trabalha.
04 irmãos e a Mãe. Pai ausente. A2
Não possui contato com os pais, moram em
Brasilinha, possui contato apenas com uma A3
irmã que mora na Samambaia.
06 irmãos e a mãe. Não encontra coma família
e nem a família vem atrás dele. A mãe trabalha A4
e sustente os irmãos.
Não conheceu o pai, tem 04 irmãos e a mãe
A5
fazia bicos e recebia ajuda de um tio.
05 irmãos e a mãe. Só o pai trabalha. Não sabe
A6
se eles continuam morando na mesma casa.
Tabela 2. Benefícios
Situação Socioeconômica
Benefícios (bolsa família, cestas
básicas, BPC)
Não soube responder. A mãe ganha pouco e
A1
sustenta todo mundo.
Drogas
Sou usuário de crack. 03 anos morando na rua. A1
7. Conclusão
aos cidadãos adultos no seu artigo 5º. Dentre estes direitos fundamentais da
cidadania está o direito à convivência familiar e comunitária.
Ao levantarmos os aspectos acima citados, no que diz respeito à
família, compreende-se que é necessário o trabalho de desenvolvimento no
fortalecimento do núcleo familiar, fortalecendo sua base, contribuindo para
que possam enfrentar as diversas situações de vulnerabilidades, assim
constituindo um ambiente favorável para a construção e manutenção de suas
relações.
Em outras palavras, o enfrentamento dessa realidade não é somente
da família, mas também de participação do Estado, pois esses adolescentes
estão desprotegidas de seus direitos e consequentemente sujeitos a riscos e
expostas a diversas vulnerabilidades.
É clara a necessidade de uma sólida efetivação dos direitos desses
adolescentes, onde o planejamento de politicas voltadas a essa realidade,
realmente tencione atender as demandas que surgem cada vez mais a
respeito de adolescentes em situação de rua.
A ausência do vínculo familiar dessas crianças e adolescentes em
situação de rua na localidade mencionada acima, deixou claro que os mesmos
passam a estarem em constantes situações de vulnerabilidades e riscos
pessoais, onde desconfiam de qualquer aproximação ou abordagem para com
eles, onde cada vez mais ficam distantes do convivio social.
Para continuarmos avançando é necessário trabalhar a participação
ativa destes adolescentes enquanto sujeitos de direitos e deveres, e como
colaboradores com fundamental importância na transformação de uma
sociedade melhor e igualitária para todos.
Dessa forma o grande desafio tanto para os profissionais do Serviço
Social que atuam com essa problematica e demais orgãos que trabalham com
a efetivação do reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente em
situação de rua, deve-se desenvolver estrategias direcionadas para uma
resolução conjunto com outras redes sociais, que possam criar dispositivos
que não traga soluções apenas imediatista, mas com proposito de soluções
na sua totalidade.
A pesquisa realizada com esses adolescentes, teve limitações em que
na qual o tema ficou pouco explorado, mais o exercicio dessa discussão
permitiu reflexões e abriu um novo olhar para a realidade de meninos e
meninas que estejam em situação de rua.
8. Referências bibliográficas
NOTO, Ana Regina; GALDURÓZ, J.C.F.; NAPP, A.S.; FONSECA, A.M.; CARLINI,
C.M.A; MOURA, Y.G.; CARLINI, E.A. Levantamento nacional sobre o uso de
drogas adolescentes em situação de rua nas 27 capitais brasileiras. São
Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas/
Universidade Federal de São Paulo, 2003.
RIZZINI, Irene (Coord) Vida nas Ruas, Crianças e Adolescentes nas Ruas:
trajetórias inevitáveis? Rio de Janeiro, Editora Puc Rio, 2003.
Co-orientadora:
Erci Ribeiro
1
Graduada em Serviço Social pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
5. Material e métodos
6. Resultados e discussão
7. Considerações finais
7. Referências bibliográficas
______. Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987.
RESUMOS
Orientadora:
Carla Benitez Martins2
Objetivos
Metodologia
1
Estudantes de graduação do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí;
grupo de pesquisa “A criminalização dos Movimentos sociais”.
2
Docente da Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí
Conclusões
Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 6
GÊNERO, SEXUALIDADE
E DIREITO
Avaliadores:
Tchenna Fernandes Maso (MAB)
Roberto Efrem Filho (UFPB)
Diana Melo Pereira (UnB)
EMENTA
O Espaço de Discussão “Gênero, sexualidade e direito” busca reunir
pesquisadoras, pesquisadores e militantes da causa feminista para
compartilharem suas reflexões críticas sobre o direito, as práticas jurídicas ou o
sistema de justiça que tenham como foco questões de gênero, ademais as
transpassadas por outros recortes como raça e etnia. Tendo preferência pela
análise dos trabalhos sob a ótica da pesquisa participante. Os conceitos
centrais que orientarão a análise do objeto de pesquisa são a observação de
trabalhos que abordem as relações entre direito, feminismo e marxismo, a
partir de quatro eixos: 1 – Relações de gênero e movimentos sociais: o papel
das mulheres nas lutas cotidianas dos movimentos sociais por emancipação e
direitos; 2 – Relações de gênero e Academia: Educação Jurídica e Direitos
Humanos; 3 – Relações de gênero e Assessorias Jurídicas Populares; 4 –
Relações de questões de gênero e o sistema de justiça.
ARTIGOS
1. Introdução
1
∗ Graduada em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Cursando pós-graduação nas
áreas de direito penal e criminologia junto ao Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC).
2
Esclarece ANDRADE, ainda: “Estamos perante o simbolismo de gênero com sua poderosa
estereotipia e carga estigmatizante. Este simbolismo (enraizado nas estruturas) que homens e
mulheres, no entanto, reproduzem, apresenta a polaridade de valores culturais e históricos como
se fossem diferenças naturais (biologicamente determinadas) e as pessoas do sexo feminino como
membros de um gênero subordinado, na medida em que determinadas qualidades, bem como o
acesso a certos papéis e esferas (da política, da economia e da justiça, por exemplo) são
percebidos como naturalmente ligados a um sexo biológico e não ao outro” (2007, p. 174).
Crescimento 2000
% Nº Absoluto
- 2012 (%)
1
- 232.755 Total 2000
00
4 Mulheres
- 10.112
,3
9
Homens
5,7 222.643
--
1 Total
138,7 555.605 2012
00
6 Mulheres
254,8 35.874
,5
9 Homens
133,4 519.731
3,5
3
Dados obtidos junto ao Ministério da Justiça, através do Sistema INFOPEN. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-
22166AD2E896}&BrowserType=IE&LangID=pt-br¶ms=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-
4006-8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-
A26F70F4CB26%7D>. Acesso em 21 de junho de 2014.
4
Este conceito foi desenvolvido por Edwin Sutherland e diz respeito à parcela de delitos que não é
computada nas estatísticas oficiais, seja por permanecerem na obscuridade, seja pela conivência
dos órgãos de justiça criminal com as classes sociais hegemônicas, protegidas pelo manto da
impunidade.
5
São as duas etapas do processo seletivo de criminalização. A primária corresponde ao ato de
elaboração de leis penais que incriminam determinadas condutas, realizada, portanto, pelas
agências políticas (Executivo e Legislativo). A secundária, por sua vez, corresponde à efetivação do
programa legislativo, materializada na ação punitiva realizada sobre as pessoas concretas pelos
agentes do sistema de justiça criminal (policiais, promotores, advogados, juízes, agentes
penitenciários). (ZAFFARONI; et al, 2011, p. 43).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
795
mantê-las em uma posição de inferioridade? Como se, por sua natureza frágil,
não fossem dotadas da capacidade de praticar delitos, coordenar ações
criminosas e de assumir a responsabilidade por suas escolhas?
Por outro lado, qual é o significado desse crescimento súbito nas
estatísticas do encarceramento feminino nas duas últimas décadas? Isso seria
reflexo das conquistas alcançadas pelo feminismo? Representa uma maior
participação das mulheres no mercado de trabalho e na luta pela
sobrevivência? Ou, ainda, uma maior liberdade para a prática de condutas
consideradas tipicamente masculinas? Ou é consequência de uma mudança
operada no âmbito da seleção e proteção de bens jurídicos, correspondente
ao aumento da severidade no tratamento e punição de alguns delitos pelo
Estado?
Certamente a resposta abrangeria um pouco de cada uma dessas
divagações. O fenômeno da criminalidade feminina sofre influência de uma
série de fatores complexos, sendo, sem dúvida, profundamente marcado por
estereótipos enraizados pelos séculos de discriminação que caracterizam o
passado da mulher. Este trabalho não tem a pretensão de apresentar
conclusões prontas para todas essas indagações. O objetivo é contribuir para
o aprofundamento de uma reflexão necessária e urgente sobre o tema, a
partir da sistematização de alguns aportes teóricos, históricos e empíricos.
6
Zaffaroni e Batista enquadram a atividade dos médicos na categoria que eles denominam de
sistemas penais paralelos e subterrâneos: “[...] a atenção discursiva, centrada no sistema penal
formal do estado, deixa de lado uma enorme parte do poder punitivo exercido por outras
agências que têm funções manifestas bem diversas, mas cuja função latente de controle social
punitivo não é diferente da penal, do ângulo das ciências sociais” (2011, p. 69).
7
Nesse aspecto, vale salientar que a mulher está sujeita a mecanismos de controle informal e
formal bem mais fortes que os dos homens. Existe uma série de forças complexas e restritivas que
agem sobre as mulheres de forma a limitar suas condutas, evitando que cheguem a violar as leis
penais.
8
O adultério foi considerado uma conduta criminosa até o ano de 2005, quando sofreu abolitio
criminis, com a promulgação da Lei 11.106/2005.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
801
‘sexo frágil’, e que as mulheres eram capazes de manter a castidade por longo
tempo, o que era uma atitude impensável para um homem, devido a sua
sexualidade ‘irrefreável’. Assim, considerando que a natureza da mulher não a
predispunha a este tipo de transgressão, era justificável que a criminalização
do adultério somente recaísse sobre ela (SOIHET, 2011, p. 381).
Isto explica o fato de que, no Código Penal de 18909, bem como na
Consolidação das Leis Penais de 1932, a mulher adúltera era punida com pri-são
celular de um a três anos, ao passo que a conduta masculina somente constituía
um delito se fosse comprovado que o homem mantinha amante fixa.
É evidente que o intuito em criminalizar a conduta feminina era salva-
guardar a herança e o patrimônio familiar, ameaçados pela eventual existência
de bastardos. A grande problemática era que, muitas vezes, a traição
terminava em tragédia: antes mesmo de ser punida pela justiça criminal, a
mulher infiel perdia sua vida nas mãos do marido transtornado. E o pior: esta
reação masculina era considerada legítima. Acreditava-se que o homem era
movido por uma “cólera justa” e pelo desejo de recuperar sua honra maculada
(BORELLI, 2000, p. 301). “[...] dizia Lombroso que o tipo puro de criminoso
passional seria sempre masculino, pois nunca a explosão da paixão na mulher
poderia ser tão violenta quanto no homem” (SOIHET, 2011, p. 381).
Seguindo essa linha, o criminologista Enrico Ferri criou um perfil para
o criminoso passional, cuja principal característica era pertencer ao sexo
masculino. A imagem é a de um bom cidadão, trabalhador e cumpridor das
leis, que comete o crime sem premeditação, movido por um estado de
perturbação dos sentidos, seguido de arrependimento. Este ideal jurídico foi
amplamente utilizado para justificar a absolvição de cônjuges acusados pelo
assassinato da esposa (BORELLI, 2000, p. 301).
9
“Art. 279. A mulher casada que commetter adulterio será punida com a pena de prisão cellular
por um a tres annos. § 1º Em igual pena incorrerá: 1º O marido que tiver concubina teuda e
manteuda; [...]”.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
802
10
Segundo Zaffaroni e Batista, “as mulheres são criminalizadas em menor número que os homens,
porém são vitimadas em medida igual e superior. Em geral, a distribuição da seleção
criminalizante as beneficia, mas a seleção vitimizante as prejudica” (2011, p. 55).
A vítima que acessa o sistema de justiça criminal acaba por ser ela
mesma julgada (pela Polícia, pelo Ministério Público, pela Lei e pelo Judiciário),
com base nos valores misóginos, incumbindo-lhe comprovar que é digna da
proteção jurídica. As demandas femininas são contempladas com
desconfiança e submetidas a uma hermenêutica da suspeita (ANDRADE, 2007,
p. 178), especialmente se o autor não corresponde ao estereótipo de
estuprador. A mulher é avaliada pelo seu comportamento e pela sua vida
pregressa; está em jogo a sua ‘reputação sexual’. No campo da moral sexual, o
direito penal promove uma inversão do ônus da prova, colocando a ofendida
na condição de suspeita11.
Não à toa a contribuição da vítima 12 está entre as circunstâncias
judiciais analisadas para a fixação da pena-base. Este elemento é
frequentemente aventado no julgamento dos crimes sexuais com o fim de
justificar a redução da pena do agente. Em tais casos, a vestimenta ou o
comportamento da mulher violentada são considerados chamarizes para a
11
Para análise pormenorizada da questão, ver ADAILLON, Danielle; DEBERT, Guita Grin. Quando a
Vítima é Mulher: Análise de julgamentos de crimes de estupro, espancamento e homicídio. Brasília:
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1987.
12
A introdução desta expressão na reforma de 1984 é justificada da seguinte maneira no Item 50,
da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal Brasileiro, de 1940: “Fez-se
referência expressa ao comportamento da vítima, erigido, muitas vezes, em fator criminógeno, por
constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o
pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes”.
13
Acusados. Direção: Jonathan Kaplan. Estados Unidos/ Canadá, 1988. DVD (108 min.). Colorido.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
807
5. Conclusão
14
Informações disponíveis em: < http://www.compromissoeatitude.org.br/quem-nao-gosta-da-
lei-maria-da-penha-leila-linhares-barsted-comenta-o-caso-luana-piovani/>. Acesso em 22 de
junho de 2014.
15
Informação disponível em: < http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-e-unanime-dado-
dolabella-deve-ser-julgado-sob-a-lei-maria-da-penha-por-agressao-a-atriz-luana-
piovani/?print=1>. Acesso em 22 de junho de 2014.
ainda possíveis. É provável que haja uma cifra negra maior entre os crimes
praticados por mulheres, tanto pelo desinteresse/preconceito das agências de
criminalização secundária em sua persecução, como por serem cometidos, em
maior número, no âmbito doméstico. Além disso, existem interesses sociais na
ocultação dos delitos femininos, tendo em vista o seu papel de mãe e, muitas
vezes, de chefe de família. Por outro lado, devido às conquistas femininas
rumo à emancipação nas últimas décadas e à redução na disparidade entre os
sexos, a mulher está adentrando cada vez mais no universo de uma
criminalidade tida como tipicamente masculina e isso pode acarretar uma
transformação gradual no tratamento conferido a ela pelo sistema de justiça
criminal.
O indiscutível é que enquanto houver correntes, simbólicas ou reais,
acorrentando a mulher, oprimindo suas manifestações espontâneas,
controlando os seus comportamentos e inibindo o seu livre desenvolvimento,
a dominação masculina irá se perpetuar. Assim, a luta pela emancipação das
mulheres e pela igualdade genuína entre os sexos deve resistir, mantendo-se
viva e forte, até que todas as grades que aprisionam o feminino sejam
derrubadas, uma a uma, trilhando-se, assim, o caminho para uma sociedade
fraterna.
Referências bibliográficas
BARSTED, Leila Linhares. Quem não gosta da Lei Maria da Penha? Disponível
em: < http://www.compromissoeatitude.org.br/quem-nao-gosta-da-lei-maria-
da-penha-leila-linhares-barsted-comenta-o-caso-luana-piovani/>. Acesso em
22 de junho de 2014.
ENGEL, Magali. Psiquiatria e feminilidade. In: Mary Del Priore (Org.); Carla
Bassanezi Pinsky (Coord. de textos). História das Mulheres no Brasil. 10. ed.
São Paulo: Contexto, 2011, p. 322-361.
FARGE, Arlette; DAVIS, Natalie Zemon. Dissidências – Introdução. In: Georges
Duby e Michelle Perrot (Coords.). História das Mulheres no Ocidente: Do
PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012.
PRADO, Débora. STJ é unânime: Dado Dolabella deve ser julgado sob a Lei
Maria da Penha por agressão à atriz Luana Piovani. Disponível em:
<http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-e-unanime-dado-dolabella-
deve-ser-julgado-sob-a-lei-maria-da-penha-por-agressao-a-atriz-luana-
piovani/?print=1>. Acesso em 22 de junho de 2014.
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: Mary Del
Priore (Org.); Carla Bassanezi Pinsky (Coord. de textos). História das Mulheres
no Brasil. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011, p. 362-400.
Filme:
Acusados. Direção: Jonathan Kaplan. Estados Unidos/ Canadá, 1988. DVD (108
min.). Colorido.
Legislação:
BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal.
Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=847&tipo_
norma=DEC&data=18901011&link=s>. Acesso em: 21 de junho de 2014.
2. A VIOLÊNCIA DO PRESENTE1
1
Este trabalho é parte das atividades do NEP – Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru, da
Universidade Federal da Paraíba. Os nomes próprios empregados durante o texto são fictícios, à
exceção, claro, dos nomes das autoras e das referências bibliográficas.
2
As autoras do texto são estudantes dos cursos de direito da UFPB e integram o NEP – Núcleo de
Extensão Popular Flor de Mandacaru.
Introdução
A agência
3
Em vários depoimentos as vítimas e agressores referem-se a essa fala de uma das garotas
assassinadas de diferentes formas. Enquanto a esposa do idealizador do crime diz ter ouvido
aquela pedir ajuda a seu marido. A principal depoente, diz ter ouvido sua irmã gritar: “Henrique,
Henrique, tanto que eu te ajudei, mainha não vai aguentar isso não.”.
Conclusão
Referências bibliográficas
Introdução
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.
2
Já que o envio do texto na íntegra precede a sua comunicação oral. Com isto atento para os usos
dos tempos narrativos, bem como o tempo da narrativa: requereu-se colocar nota de rodapé
inicial referente ao título do trabalho como se o mesmo já tivesse sido apresentado. Ora, o
Encontro, enquanto “evento”, de fato ainda não ocorreu! Brincadeiras à parte, percebe-se o peso
da formalidade estilística que impõe um padrão técnico normativo à apresentação dos trabalhos,
diretamente relacionado à sua forma escrita – ou à escrita de sua forma.
3
Importante seria advertir o leitor de que se trata de um trabalho em aberto, ainda não
consubstanciado num corpo de pesquisa concluído; desculpo-me, pois, pela inexistência de
maiores dados empíricos e uma maior extensão teórico-bibliográfica. Ocorre que a saída a campo
ainda não se realizou, porém será objeto para outra oportunidade, já que daria um trabalho à
parte.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
831
comunicavam – eles já não querem mais falar aos “homens” terrenos (no caso,
a Nandé Randall), esse tempo de se sentir eleito/a se foi...
Se existe um decréscimo generalizado da comunicabilidade da
experiência; se não se escuta o conto/a contação para apre(e)ndê-la e re-
contá-la; se já não há a cumplicidade e implicabilidade/interdependência do
contador em relação ao ouvinte (já que é incidentalmente parte integrante do
próprio processo de criação da estória, por consequência); se já não se
apresenta qualquer utilidade nisso (e daí a sua decadência e nostalgia),
perdem-se os nexos lógicos e morais que possibilitam a mesma liberdade e
originalidade imaginativa. Tal capacidade era possibilitada pelo vácuo
explicativo das contações de estórias e pela abertura imaginativa dada ao
ouvinte por parte de seu contador-interlocutor, a qual ativaria uma re-
memoração posterior mais eficaz – e mais propensa ao re-contar. Tal
capacidade se exaure na ausência narrativa; seu espaço de operação não
ocorre, nem se materializa, visto que a colonização da forma-informação não
prescinde de uma explicação previamente dada e possui canais de transmissão
que a veiculam de forma praticamente acabada (em termos de forma e
conteúdo), sem muitas mediações.
Destacados tais aspectos, a importância dos estudos sobre a forma
narrativa, dentro de uma perspectiva política e cultural, se deve em parte
também à reflexão relativa ao lugar da língua(gem), dialeticamente vinculada a
dimensões objetivas, subjetivas e intersubjetivas – dimensões dialogais,
referenciais e relacionais. Para compreender este processo, que também é
histórico e contextual, à parte da prática social que lhe caracteriza, cumpre
observar que os campos semânticos que lhe correspondem estão direta e
indiretamente integrados na representação discursiva; se constituem numa
relação de mutualidade entre os sentidos do real e da experiência
cognitivamente/linguisticamente apreendida e estruturada.
Como as narrativas constroem significados que são efeitos de
conjunto dos campos de força da enunciação – os atos de fala –, o que (não)
acontece quando não se narrativiza – o que se deixa de falar, o que se
desconsidera, que disputas estão implicadas na narrativização?
Estas são questões-limites, que nos fazem pensar na imprescindibili-
dade das narrativas “quando se vive num mundo onde parece não haver nada
mais para se ouvir, e nada mais para se dizer”, “um mundo de experiência
incompartilhável, fragmentada e solitária” (STEEDLEY, 1993, p.207). No livro de
Kathleen Stewart (1996), pensa-se nos espaços ainda indefinidos que se abrem
4
Faz-se alusão ao texto de Olívia Rangel Joffily, “O corpo como campo de batalha” (JOFFILY,
2010).
5
Esta discussão encontra ancoradouro na fértil exposição que faz Alejandra Oberti sobre as formas
de “habilitar novos vínculos entre o público e o privado, o pessoal e o político; por meio de um
movimento que inscreve o geral no singular, o político no privado” (OBERTI, 2010, p29.).
6
A partir das formas determinadas de produção das vítimas deste sistema, material e
simbolicamente, e das suas relações sociais inerentes. Seria o que Dussel diria, através da análise
que faz da ontologia da modernidade através da exterioridade constitutiva da mesma, da
dominação que produz vítimas num tipo de violência percebido como inevitável, “e com o sentido
quase-ritual de sacrifício; o herói civilizador reveste as suas próprias vítimas da condição de serem
holocaustos de um sacrifício salvador (o índio colonizado, o escravo africano, a mulher, a
destruição ecológica, etc.) (DUSSEL, 2005, p. 65).
7
É o que a autora aborda também no texto “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. In:
Educação e Realidade. Porto Alegre: s/ed., vol. 20, n.2, jul./dez., 1995, p. 71-99.
8
Morro como um país – cenas sobre a violência de Estado. Kiwi Cia. de Teatro. Dir.: Fernando Kinas,
São Paulo: 2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
840
9
Carta redigida por vítima da violência paramilitar das Autodefesas Unidas de Colômbia (AUC),
em oficinas de Memória oferecidas nos encontros da Rede de Mulheres Vítimas do Nororiente, e
compiladasna “Galeria da Memória das Vítimas”, pela Comissão Nacional de Reparação e
Reconciliação, organismo criado pela Lei de Justiça e Paz (Lei 975 de 2005). Nestas oficinas, as
participantes, vítimas do conflito armado, escreviam aos seus seres queridos assassinados,
desaparecidos, seqüestrados; em outros casos, se endereçavam às instituições que acompanham
os processos. São reflexos do sentir das vítimas, de como encaram suas perdas e seus anseios pelo
futuro de suas vidas. (PEÑA, 2009, p. 81)
10
“Justiça transicional é uma resposta concreta às violações sistemáticas ou generalizadas aos
direitos humanos. Seu objetivo é o reconhecimento das vítimas e a promoção de possibilidades
de reconciliação e consolidação democrática. A justiça transicional não é uma forma especial de
justiça, mas uma justiça de caráter restaurativo, na qual as sociedades transformam a si mesmas
depois de um período de violação generalizada dos direitos humanos. [...] Algumas iniciativas:
aplicação do sistema de justiça na apuração dos crimes ocorridos nas ditaduras, em especial,
aqueles considerados como crimes de lesa-humanidade; criação de Comissões de Verdade e
Reparação, que são os principais instrumentos de investigação e informação sobre os abusos
chave de períodos do passado recente; programas de reparação com iniciativas patrocinadas pelo
Estado que ajudam na reparação material e moral dos danos causados por abusos do passado.
Em geral, envolvem não somente indenizações econômicas mas também gestos simbólicos às
vítimas como pedidos de desculpas oficiais; reformas dos sistemas de segurança com esforços
que buscam transformar as forças armadas, a polícia, o poder judiciário e as relacionadas com
outras instituições estatais de repressão e corrupção em instrumentos de serviço público e
integridade; políticas de memória vinculadas a uma intervenção educativa voltada desde e para os
direitos humanos, bem como práticas institucionais que implementem memoriais e outros
espaços públicos capazes de ressignificar a história do país e aumentar a consciência moral sobre
o abuso do passado, com o fim de reconstruir e invocar a idéia da “não- repetição”. (GENRO;
ABRÃO, 2010, p. 23)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
842
11
Tomo emprestada a frase de um título do capítulo 6 do livro “Política de Memória Histórica: um
estudo de sociologia histórica comparada”, de Fernando Ponte de Souza, ao comparar as
realidades sociais de Brasil e Espanha, em respeito à relação construída nos períodos de
autoritarismo de Estado e após o processo de “redemocratização”, no que concerne as políticas
relativas à memória histórica levadas a cabo – principalmente com base na pressão dos
movimentos sociais locais (SOUSA, 2011, p.73). Um interesse primário pelo estudo comparado
balizou a minha aproximação da temática e permeou toda a construção do objeto de estudo, o
que me acompanha há já alguns anos, desde a experiência primeira de contato com movimentos
sociais argentinos atuantes na área da memória, verdade e justiça, bem como com o ensino e as
pesquisas acadêmicas afins desenvolvidas por professores da Universidade de Buenos Aires, com
os quais tive contato numa experiência de intercâmbio à Faculdade de Direito e Ciências Sociais
em 2007. Daí em diante o estímulo já estava bem internalizado, e a partir disso me inquietei por
problematizar a ausência ou pouca visibilidade do debate em âmbito nacional. Ao entrar em
contato com a realidade colombiana, um novo panorama ainda mais grave e complexo se me
apresentou, deixando-me ainda mais inquieto e estimulado a compreender e a contribuir para o
conhecimento das particularidades da formação sócio-histórica e da realidade social, política e de
direitos humanos da Colômbia. Imbuído do espírito internacionalista de solidariedade entre os
povos e de integração latino-americana, em que pese o desconhecimento mútuo e a comum
ignorância que permeia nossas inter-relações (ou a falta delas), espero desenvolver a contento
uma interface das políticas de memória histórica e de direitos humanos, sistematizando algumas
referências bibliográficas e adensando a produção teórica deste campo incipiente de estudos –
que possa porventura tornar-se futuramente eminentemente comparativo, entre as distintas
realidades dos países latino-americanos. De início me sentiria satisfeito com uma abordagem da
história social e política contemporânea da Colômbia que contribua para a análise dos sentidos
políticos dos movimentos regionais do campo da verdade, justiça e reparação, do mapeamento
da organização política das vítimas da violência de Estado, de forma que possa servir como uma
espécie de termômetro (tendo em consideração constantemente outras dinâmicas do continente,
isto é, o sentido mais global dos movimentos de memória, verdade e justiça em toda América
Latina, com que estaremos sempre dialogando, bem como sua interface com os feminismos), e
que assim possa se criar subsídios para se (re)configurar o imaginário social que temos em
respeito ao país vizinho.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
844
toda uma coletividade que cada vez mais exige uma saída negociada e
dialogada da “guerra”. O terrorismo de Estado e as políticas de terror
observadas nos países vizinhos do Cone Sul ficam diminuídos ao levarmos em
conta a expressão continuada da dinâmica genocida que impõe
sistematicamente sua naturalização.
Daí a ênfase à particularidade do caso colombiano e tal escolha se dá
igualmente pelo desconhecimento generalizado em relação aos dados e fatos
históricos recentes relacionados ao país vizinho – muito se fala das
experiências argentina, chilena; contudo, a despeito de se assemelharem
quanto ao método empregado nestas regiões, na Colômbia verificamos uma
permanência regular de governos civis (sua ultima experiência de golpe de
Estado foi realizada nos anos 50 e durou pouco tempo). Estes outros países
experimentaram golpes truculentos nos anos 60 e 70, diferentemente de
como se desenvolveu o processo social colombiano:
Considerações finais
Referências bibliográficas
BURKE, Peter. Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro. In:
BURKE, Peter (org.). “A escrita da história: novas perspectivas”. São Paulo: Ed.
Unesp, 1992.
12
Esta rede de movimentos sociais possui uma página eletrônica no seguinte endereço:
http://www.rutapacifica.org.co/ .
13
Disponível em: < http://tv.us.es/de-madres-de-soacha-a-sujetas-politicas-capacidad-de-
agencia-ante-la-impunidad-en-colombia/ >. Acesso realizado em 14/07/2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
846
JOFFILY, Olívia Rangel. O corpo como campo de batalha. In: PEDRO, Joana
Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (orgs.). “Gênero, feminismos e ditaduras no
cone sul”. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010.
LE GUIN, Ursula. It was a dark and stormy night; or, why are we huddling
about the campfire?. In: MITCHELL, W.J.T. (ed.). “On narrative”. Chicago:
Chicago University Press, 1981.
SCOTT, Joan. Experience. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan. W (org.). “Feminists
theorize de political. New York: Routledge, 1992.
_____. “História das Mulheres”. In: BURKE, Peter (org.). “A escrita da história:
novas perspectivas”. São Paulo: Ed. Unesp, 1992.
TAUSSIG, Michael. The sun gives without receiving. In: “Walter Benjamin’s
grave”. Chicago: Chicago University Press, 2006.
Iuri Assunção1
Liziane Pinto Correia2
Introdução
1
Graduado em Relações Internacionais, mestrando em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-
graduação em Ciências Jurídicas da UFPB.
2
Graduada em Direito pela UFPB, aluna especial do Programa de Pós-graduação em Ciências
Jurídicas da UFPB.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
849
inicialmente levantou o debate sobre o Passe Livre, pauta política que traz ao
engajamento muitos jovens trabalhadores.
A insatisfação com os problemas do país naquele momento era tão
latente que outras pautas logo se somaram: a saúde, a educação, a
participação popular nas decisões, a moradia, a transparência etc. Já eram
diversas pautas que atingiam não só jovens, não só trabalhadores\as, não só
uma classe social: milhares de brasileiros\as foram às ruas.
Para Giovanni Alves3 (2014), o momento em que vivemos propiciou a
entrada de uma parte específica desses milhares nas lutas das ruas. Para o
autor, há uma disposição de parte da juventude que se encontra prejudicada
pelo momento político-econômico que passamos. O momento atual retira de
vários jovens a possibilidade de uma formação educacional de qualidade
somada à uma consequente resposta compatível no mercado de trabalho, ou
seja, um trabalho também de qualidade que possibilite a compra de seus
meios básicos para sobrevivência.
O neodesenvolvimentismo causou um choque repentino na
consciência social por criar: instrumentos de participação política, inclusão no
capitalismo – maior participação no consumo de bens, como também,
inclusão de trabalhadores\as em postos de trabalho precarizados. Esses
fatores levam à uma inesperada resposta das massas aos problemas e sua
predisposição à inserção em organizações políticas que desejem discutir e
disputar os rumos políticos do país.
Segundo o IBOPE4, em junho de 2013, encontravam-se nas ruas em
sua maioria: jovens de 14 a 29 anos (63%), com ensino médio completo e su-
perior completo\incompleto (93%), trabalhadores\as (76%) e com renda entre
2 a 5 S.M. (30%). Este perfil dos\as manifestantes de junho, para Giovanni
Alves (2014), faz parte do precariado, que seria, para o autor “a camada média
do proletariado urbano, constituída por jovens-adultos altamente
escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social”.
Percebe-se então que esta camada do proletariado, que vem se
formando desde o período neoliberal, adquire força social e ganha visibilidade
a partir do enfrentamento das contradições que aparecem na ordem burguesa
3
Disponível em <http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/>, Acesso
02/07/2014.
4
Pesquisa do IBOPE retirada do sítio oficial
online<http://pt.slideshare.net/NucleoMultimidiaEstado/pesquisa-cni-ibope-julho-13>
Acesso 02/07/2014
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
851
5
Disponível em <http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/> Acesso
02/07/2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
852
6
As ditaduras iniciaram-se em 1964 no Brasil.
7
http://www.cepal.org/oig/doc/VenezuelaResolucion080721.pdf. Acesso em 07/07/2014
8
http://www.cepal.org/oig/WS/getCountryProfile.asp?language=spanish&country=ECU Acesso
em 07/07/2014
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
858
“Artículo 11
I. El Estado adopta para su gobierno la forma democrática
participativa, representativa y comunitaria, con equivalencia de
condiciones entre hombres y mujeres. (...)
Artículo 26
1. Todas las ciudadanas y los ciudadanos tienen derecho a
participar libremente en la formación, ejercicio y control del poder
político, directamente o por medio de sus representantes, y de
manera individual o colectiva. La participación será equitativa y en
igualdad de condiciones entre hombres y mujeres. (...)
Artículo 147
II. En la elección de asambleístas se garantizará la igual
participación de hombres y mujeres.” (BOLÍVIA, 2009).
9
http://www.cepal.org/oig/WS/getCountryProfile.asp?language=spanish&country=BOL Acesso
em 07/07/2014
10
A Marcha Mundial de Mulheres é uma organização internacional de mulheres que existe desde
2000, surgindo numa ação internacional de combate à pobreza e violênca, a partir do chamado
“2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
860
11
Já em 1964, durante a Ditadura Militar brasileira foi fundado o Estatuto da Terra que já tratava
de uma possível Reforma Agrária com base nesta lei, no entanto, a pauta não tinha conjuntura
propícia, tornando o Estatuto da Terra um instrumento ineficaz.
12
Segundo o relatório da Constituinte, da época, apresentam-se os seguintes partidos como
representantes da pluralidade de ideais que foram votados para decidir os rumos da CF de 1988:
“As eleições para a Constituinte realizaram-se em 15 de novembro de 1986 com a participação de
nada menos que 30 partidos. Foram eles: PDS - Partido Democrático Social, PDT - Partido
Democrático Trabalhista, PT - Partido dos Trabalhadores, PTB - Partido Trabalhista Brasileiro,
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PPB - Partido do Povo Brasileiro, PDC -
Partido Democrata Cristão, PMC - Partido Municipalista Comunitário, PTN - Partido Trabalhista
Nacional, PH - Partido Humanista, PSC - Partido Social Cristão, PL - Partido Liberal, PCB - Partido
Comunista Brasileiro, PC do B - Partido Comunista do Brasil, PFL - Partido da Frente Liberal, PMB -
Partido Municipalista Brasileiro, PN - Partido Nacionalista, PTR - Partido Trabalhista Renovador,
PLB - Partido Liberal Brasileiro, PASART - Partido Socialista Agrário e Renovador Trabalhista, PCN -
Partido Comunitário Nacional, PNR - Partido da Nova República, PMN - Partido da Mobilização
Nacional, PS - Partido Socialista, PRT - Partido Reformador Trabalhista, PJ - Partido da Juventude,
PND - Partido Nacionalista Democrático, PRP - Partido Renovador Progressista, PDI - Partido
Democrático Independente, PSB - Partido Socialista Brasileiro. Desses partidos, apenas 13
conseguiram eleger um ou mais representantes.”.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
861
13
A informação pode ser encontrada nos arquivos do sítio online da Câmara, que traz a lista dos
deputados constituintes:
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-
da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-1988 . Acesso em julho de 2014.
14
Ata da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, na
Constituinte de 1987, sob a Presidência do constituinte João Menezes, Assembleia Nacional
Constituinte,
<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-
da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-1988 >, acessado em julho de 2014.
“E essa mulher vai ser criminalizada por isso? (...) deveriam ser
criminalizadas as pessoas que provocam esses abortos em
mulheres de classe alta, em clínicas de luxo. Essas deveriam ser
penalizadas. Mas, neste caso, aqui se penalizará a pobre mulher
de classe baixa, que não tem o que comer, que tem de usar talo
de couve para fazer aborto. Uma mulher que chega a fazer um
aborto está na última instância de sua condição (...)”.
15
Patriarcado, de modo genérico, significa a dominação masculina sobre as mulheres, na formação
social em que os homens concentram o poder.
Considerações finais
Referências bibliográficas
BAREIRO, Lide; SOTO, Clyde; SOTO, Lilian. La Inclusión de las Mujeres en los
Procesos de Reforma Política en América Latina. Washington D.C: Banco
Interamericano de Desarrollo, 2007.
1
Bacharel em Direito pela UFPR. Mestra em Direito pela UFSC
2
A decisão pela auto-organização foi tomada pelas mulheres do coletivo, seguindo a linha de
outros coletivos feministas, não sem discussões sobre a questão, mas por entendermos que este
seria o momento de privilegiar a formação para as mulheres: desde um argumento de ordem
subjetiva, pelo fato de sentirmo-nos mais à vontade de compartilhar histórias e experiências
estando em meio a mulheres, somente – incluam-se casos de violência –, e também outro de
faceta mais política, devido à necessidade de formarmos mulheres para serem as “protagonistas
de sua própria libertação”.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
869
3
Como o trabalho de Alba Zaluar (2000), em análise aos moradores da Cidade de Deus.
4
Paulo Freire debruçou-se especialmente sobre o que era um dos grandes problemas de sua
época, as altas taxas de analfabetismo da população contextualizada em uma sociedade marcada
por relações de opressão e situada na geopolítica mundial da dependência em relação a outros
países.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
871
5
Apesar da existência de barreiras outras que separavam o “nós” e o “elas” – as mulheres que
compunham a organização e as educandas.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
872
servia aos fins de tornar o espaço das atividades mais confortável às mulheres
– com as místicas, por exemplo –, para permitir a elas que se expressassem e
narrassem suas experiências também como construtoras de saberes e do
próprio curso. O tema norteador é o da violência contra as mulheres; não raro,
elas relatavam terem sido vítimas de violência – na maior parte das vezes,
pelos companheiros ou por pessoas que lhes eram próximas.
Em alguns momentos, a diferença aparecia com a cara da “autoridade
do saber” que as mulheres que trabalham no campo jurídico detêm –
supostamente –, colocando-as em lugar privilegiado em relação às que nele
não atuam. Também, o lugar de classe e de cor (a maioria da organização era
branca e teve/tem acesso a universidades públicas) se fazia perceber como
distintivo. A proposta de compartilhar conhecimentos e de construir outros
tantos, sobretudo voltados a projetos em comum, entretanto, era vista como
um ponto que conseguia nos conferir proximidade dentro do curso.
Muitas das questões críticas colocadas por Butler e outras que
problematizam a unidade da luta feminista eram superadas pelos princípios
fundamentais do projeto baseadas na pedagogia freireana, de respeito à
alteridade, que permanentemente eram postos à prova.
O alerta sobre o universalismo imposto é caro a esta e outras práticas
que se constituem a espaços de formação.
Observo que, não raro, os diversos movimentos feministas e de
mulheres se unificam em momentos contingenciais com objetivos estratégicos
colocados pelo contexto6. É notória a fragmentação do feminismo no Brasil,
em especial desde os anos 1990, com a emergência das ONGs e de alterações
no quadro da organização da sociedade civil. O que gera incômodo é a crítica
que parece não atentar à existência de estruturas de exploração e dominação
constituídas por elementos historicamente heterogêneos, “que provém de
histórias específicas e de espaços-tempos distintos e distantes entre si, que
desse modo têm formas e caracteres não só diferentes, mas descontínuos,
incoerentes e ainda conflituosos entre si, em cada momento e ao longo do
6
Em Curitiba, no mês de junho, realizou-se uma marcha contra o Estatuto do Nascituro que, como
projeto de lei, está tramitando no Congresso. Para a realização da marcha, e a partir desse fato
concreto, pontual, as organizações feministas se uniram, realizaram debates acerca da temática,
foram às ruas. A unidade se colocou contingencialmente, a posteriori de um fato concreto que
permitiu a unidade dessas diversas mulheres (inseridas em diferentes organizações, como a
Marcha Mundial de Mulheres, Movimento de Mulheres Negras, Promotoras Legais Populares,
sindicatos, partidos políticos de esquerda etc).
7
“As estruturas jurídicas da linguagem e da política constituem o campo contemporâneo do
poder; consequentemente, não há posição fora desse campo, mas somente uma genealogia
crítica de suas próprias práticas de legitimação” (BUTLER, 2010, p. 22).
8
Como coloca SAFFIOTI: “O habitus nasce justamente da interação entre o processo de
socialização e o equipamento genético de que é portador o agente social. Este conceito tem
utilidade, mas incomoda por sua quase absoluta permanência, ou seja, quase impossibilidade de
mudar. Se assim não fora, Bourdieu não teria escrito, com a colaboração de Passeron, um livro
sobre reprodução, ao qual atribuiu exatamente este título” (2004, p. 67).
9
Como já se observou, é distinta a percepção daquilo que o feminismo do ocidente moderno, ou
a intelectualidade defensora de direitos humanos das mulheres em perspectiva universalista
considera como uma barbárie, clara violação à humanidade (ou humanização) das mulheres,
daquela tida por elas próprias nos contextos em que se inserem – e dentre elas também há
percepções distintas. Saliente-se os casos trazidos por Spivak sobre a problemática acerca do
ritual do sacrifício das viúvas (2010, p. 94 e ss.); por Sarti quanto ao entendimento das feministas
ocidentais que se colocaram frontalmente contrárias ao fundamentalismo islâmico na IV
Conferência Mundial sobre a Mulher em 1995 (2004, p. 46); a percepção de Rigoberta Menchú
sobre como é ser uma mulher quiché, camponesa, desde o olhar dos costumes de seu povo
(BURGOS, 1993); as percepções trazidas pelas entrevistas de Ecléa Bosi às mulheres operárias que
trabalham em uma fábrica de São Paulo a respeito das relações por elas estabelecidas com a
cultura, o conhecimento, os livros (BOSI, 2009); o modo como mulheres pobres que trabalham em
regimes temporários visualizam as tarefas domésticas como dignificantes quando bem
executadas, apesar de não o considerarem atividade produtiva (CARLOS, 2008).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
882
livremente seu modo de vida distinto, sua diferença. Isso nos leva a pensar em
como desenvolver ações coletivas que mirem a alteração das estruturas de
dominação e de exploração, a partir da alteridade dos sujeitos.
Construir contra-hegemonia gera a inevitabilidade de fazer uso
contra-hegemônico de instrumentos que são hegemônicos. As diferenças de
mulheres que são invisibilizadas pelo sujeito histórico homogeneizado pelo
feminismo precisa se fazer aparecer como crítica à crítica feminista. A tomada
de consciência quanto à sua condição de subalterna, de obscuridade, revela-se
como ponto inicial para levar as suas histórias inclusive disputando espaços
dentro do feminismo – como um movimento social heterogêneo, descontínuo
e alimentado por uma série de tensões internas. O pressuposto é o da tensão,
e a revelação do outro possibilitada pela abertura permanente disposta no
diálogo – elemento indispensável ao processo de conscientização inclusive das
feministas internamente aos movimentos dos quais fazem parte – relembra
incessantemente as distinções entre os diversos sujeitos do feminismo e a
necessidade de articulação entre elas para que, inclusive, permitam uma a
outra conhecer realidades distintas. De outro modo, estariam fechadas em
guetos incomunicáveis lutando cada uma pelo seu pirão em uma sociedade
que correria o risco de cair na intolerância ao Outro.
O lugar da enunciação de um discurso deste que se revela na condição
de alteridade é o das margens, das fronteiras, da diferença. Como o enunciado
por Gloria Anzaldúa, estudiosa chicana, que revela concretamente o que é viver a
distinção de ser uma mulher atravessada por diversos eixos de poder e, sobretu-
do, de estar na fronteira, nos limites de um paradigma. Em “Border-lands/La fron-
tera”, discorre acerca da consciência da mestiza que vive a dualidade, o limite já
enunciado em momento anterior por Stuart Hall. “Soy un amasamiento, eu sou
um ato de esmagamento, de união e junção que não só produziu tanto uma cria-
tura da escuridão como uma criatura da luz, mas também a criatura que questiona
as definições de claro e escuro e dá a elas novos significados”10 (ANZALDÚA,
1987, p. 81). Ela, como mulher, lésbica, mexicana vivendo nos Estados Unidos,
vivencia as tragédias de ser uma mulher atravessada por outros eixos de poder
em uma sociedade em que tem de se mostrar competente inclusive nos valores
da ordem dominante.
10
Tradução livre do trecho: “Soy un amasamiento, I am na act of kneading, of uniting and joining
that not not only has produced both a creature of darkness and a creature of light, but also a
creature that questions the definitions of light and dark and gives them new meanings.
Referências bibliográficas
Para que se possa falar do judiciário como campo de luta dos movi-
mentos sociais e, especialmente nesse artigo, do movimento social de mulhe-
1
Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Socias da UNESP – Campus de
Franca. Bolsista FAPESP. Membro do LEDMUS - Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre
Direito e Mudança Social. Link para o Currículo Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4389564A1
2
Professor Assistente Doutor de Sociologia e Sociologia do Direito na Faculdade de Ciências
Humanas e Socias da UNESP – Campus de Franca. Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Análise e Planejamento de Políticas Públicas. Líder do LEDMUS - Laboratório de Estudos
Interdisciplinares sobre Direito e Mudança Social. Link para o Currículo Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4704697P3
3
O modelo cético, professado por movimentos teóricos como o realismo jurídico, a teoria crítica e
boa parte das ciências sociais, descrê da autonomia do direito em relação à política e aos
fenômenos sociais em geral.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
888
4
Parte-se aqui, do princípio de que, sob o prisma do Ocidente, existe um conceito genérico de
emancipação social “diferente daquilo que é a emancipação individual e de projectos
emancipatórios de grupos sociais diferentes, ocorridos em contextos históricos diferentes”
(SANTOS, 2003, p. 8).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
889
modo a adequar o direito aos anseios dos grupos sociais subalternos e seus
movimentos, numa perspectiva contra-hegemônica5.
Boaventura de Sousa Santos aplica, em sua análise, o método de
sociologia das emergências, ou seja, interpreta de maneira expansiva as
iniciativas, movimentos e organizações que se mostram resistentes ao modelo
neoliberal de globalização e à exclusão social, de modo a tornar visíveis suas
tendências e possibilidades, identificando qualidades e entidades emergentes,
que corriam o risco de ser descartadas por seu caráter ainda embrionário.
Sob esse prisma, embora as experiências de avanço social conduzidas
pela via do Judiciário possam ser consideradas por alguns autores como
insuficientemente representativas, são apresentados abaixo alguns
pressupostos e exemplos ilustrativos de um direito de caráter contra-
hegemônico e emancipatório.
É preciso, antes de qualquer coisa, ter em mente que o direito e a
política de direitos podem – e devem – integrar-se numa luta política mais
ampla, voltados para uma perspectiva contra-hegemônica, pugnando por
ampla inclusão e acesso ao judiciário, de modo a promover uma égide dual de
ferramentas jurídicas e políticas, posto que o acesso à procedimentalização na
aplicação da norma proporciona uma forma de cidadania social e participação
na vida pública. Impõe-se, ainda, a busca pela transformação do judiciário
atual, de características predominantemente restaurativas (com vistas a
promover a solução de conflitos de interesses privados), em um judiciário
transformador, que vise à promoção de efetiva justiça social.
Não se pode ignorar as experiências jurídicas que conduzem a um
aprofundamento da dialética de mudança social que se nos apresentam.
Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 43-53) apresenta cinco conjuntos de
5
A perspectiva contra-hegemônica do direito a que nos referimos no presente trabalho refere-se
às práticas que combatem as mazelas econômicas, sociais e políticas da globalização hegemônica.
Fundamenta-se na concepção de que o Ocidente vive, contemporaneamente, uma globalização
em que prepondera a ordem neoliberal, assente no aumento dramático da desigualdade nas
relações sociais, contra a qual se deve lutar. “O direito que vigora neste modelo [neoliberal] não é
o direito reformista, seja em versão demo-liberal, seja em versão demo-socialista. O direito
conservador neoliberal não faz mais do que fixar o quadro em que uma sociedade civil baseada
no mercado funciona e floresce, cabendo ao poder judiciário garantir que o Estado de direito é
amplamente aceite e aplicado com eficácia. Afinal, as necessidades jurídicas e judiciais do modelo
de desenvolvimento assente no mercado são bastante simples: há que baixar os custos das
transacções, definir com clareza e defender os direitos de propriedade, fazer aplicar as obrigações
contratuais, e instituir um quadro jurídico minimalista” (SANTOS, 2003, p. 11).
6
Neologismo que traduz-se na busca para que os bens, serviços públicos e instituições sociais
não sejam sujeitos às regras de mercado capitalistas.
7
O processo de feminização da cultura “significa que as mulheres não apenas entraram no mundo
da cultura, dos negócios e da política, ou seja, conquistaram o direito à vida – o que não ocorre
sem acirrados conflitos, dificuldades e tensões –, mas também têm continuamente feminilizado as
próprias formas de existência social, a partir de suas práticas e de seus olhares diferenciados,
trazendo perspectivas promissoras, embora não exclusivas, de construção de um novo mundo”
(RAGO, 2004, p. 33).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
892
8
Como, por exemplo, a Marcha da Família com Deus e a Propriedade, precedente ao golpe militar.
9
Em 5 de outubro de 1988, em discurso proferido no Congresso Nacional , por ocasião da
promulgação da Constituição Federal, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia
Nacional Constituinte, assim qualificou a nova Constituição, buscando ressaltar seu amplo sistema
de direitos e garantias individuais e coletivas, bem como em razão da grande influência dos
diferentes partidos, tendências ideológicas e movimentos populares em seu texto e seu objetivo
de remover os resquícios autoritários, foi capaz de articular interesses e atender a boa parte das
demandas sociais do período.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
894
10
O Código Civil de 1916 consagrava a superioridade masculina. O marido detinha a chefia da
sociedade conjugal, a família era comandada por ele, que tinha autoridade sobre a mulher e os
filhos. A esposa era considerada relativamente incapaz, equiparada aos pródigos, indígenas,
maiores de 18 e menores de 21 anos.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
895
11
Desde 1982 realizam-se encontros nacionais anuais (bianuais a partir de 1992) e cada vez é
maior o número de participantes. Em 1986,em Garanhuns, Pernambuco, estiveram presentes
cerca de mil mulheres, sendo 70% dos setores populares e 20% de"feministas históricas", segundo
o Relatório do Encontro. Os conflitos que ocorrem durante a realização desses encontros, devido à
participação tão heterogênea de mulheres, são muito semelhantes aos que têm sido apontados
nos Encontros Feministas Latino-americanos: o que é o feminismo, sua relação com os partidos
políticos, a não hierarquização das organizações de mulheres, a negação de representação "das
mulheres" etc. Este espaço dos encontros possibilitou a articulação de outros segmentos do
movimento, Por exemplo, a partir de 86 foi importante a discussão sobre o lesbianismo, que
embora estivesse sempre presente no movimento feminista nunca tinha sido debatido pelo
conjunto das feministas e pelo movimento de mulheres. Os encontros nacionais feministas
propiciaram também a articulação das mulheres negras (SOARES, 1994, p. 19).
12
Os direitos humanos vêm se afirmando em uma visão integral, que conjuga direitos civis com os
direitos econômicos, sociais e culturais. Os referenciais jurídico-normativos mostram-se limitados e
escassos para a abordagem e compreensão dos direitos fundamentais. Seu congelamento como
norma de máximo status e confinamento ao plano do direito estatal restringe sobremaneira seu
potencial democratizador e emancipador. Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 23) propõe a
hermenêutica diatópica, ampliando a consciência de incompletude mútua e exigindo a produção
coletiva, interativa, intersubjetiva e reticular de conhecimento. Faz-se necessária uma
compreensão dos direitos fundamentais como processos de criação contínua de reconhecimento
de subjetividades, baseado num diálogo multicultural, incluindo a troca de saberes e culturas, de
diferentes universos de sentido. A produção do conhecimento e do direito deve partir de uma
prática democrática pluralista que permita a expressão do direito à diferença, à identidade
coletiva, à autonomia e à igualdade de acesso a direitos
13
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
14
O grupo ANIS produziu um filme que tornou-se famoso na internet, chamado “Uma Vida
Severina”, sob a direção de Débora Diniz e Eliane Brum. O filme conta a história de Severina, uma
mulher que viu sua vida ser alterada pelos ministros do STF. Foi internada em um hospital em
Recife, com um feto ser cérebro em seu útero, aos 20 de outubro de 2004. No dia seguinte,
começaria o processo de interrupção da gravidez. Na mesma data, os ministros revogaram a
medida cautelar que permitia às mulheres como Severina antecipar o parto, quando o bebê é
incompatível com a vida. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=65Ab38kWFhE
4. Considerações finais
Referências bibliográficas
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Ed.
Fundação Perseu Abramo, 2003.
RAGO, Margareth. Ser mulher no século XXI ou carta de alforria. In.: VENTURI,
Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely de (org.). A mulher brasileira nos
espaços público e privado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. p.
32-42.
RESUMO: O estudo apresentado tem como ponto de partida a análise dos ES-
tudos de Michel Foucault sobre a sexualidade humana e o biopoder, para pen-
sar a desconstrução da heteronormatividade, de acordo com as perspectivas da
Teoria Queer de Judith Butler. Se Foucault desconstruiu a noção de sujeito, a
Teoria Queer continua esta jornada desconstrutivista na seara da identidade de
gênero. Objetiva-se, portanto, uma breve análise da noção de sexualidade pelo
viés Foucaultiano e a rejeição da naturalidade de gênero da Teoria Queer, pela
teórica norte-americana Judith Butler, para ao final mostrar que a importante
decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecimento de união estável entre
pessoas do mesmo sexo, apesar de denotar um avanço em termos de direitos,
fundamentou a decisão exclusivamente na remodelação dos valores modernos
de igualdade e liberdade. Usar Foucault e a Teoria Queer, pode apresentar para
o próprio debate jurídico o acréscimo de debates específicos sobre gênero.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria Queer, heteronormatividade, união homoafetiva,
Michel Foucault, Judith Butler.
Introdução
1
Professora Doutora em Filosofia do Direito da Universidade Positivo.
E-mail: [email protected]
2
Aluna do segundo ano de Direito da Universidade Positivo. [email protected]
3
“Assim, no processo de histerização da mulher, o ‘sexo’ foi definido de três maneiras: como algo
que pertence em comum ao homem e à mulher; ou como o que pertence também ao homem por
excelência e, portanto, faz falta à mulher; mas, ainda, como o que constitui, por si só, o corpo da
mulher, ordenando-o inteiramente para as funções de reprodução e perturbando-o continuamen-
te pelos efeitos destas mesmas funções: a histeria é interpretada nessa estratégia, como o jogo do
sexo enquanto ‘um’ e ‘outro’, tudo e parte, princípio e falta” (FOUCAULT, 1988, 143).
4
No último capítulo da Historia da sexualidade I – a vontade de saber, Foucault registra que o
dispositivo da sexualidade em suas estratégias faz aparecer a ideia do sexo “e o faz aparecer, sob
as quarto grandes formas – da histeria, do onanismo, do fetichismo e do coito interrompido”
(FOUCAULT, 1988, 144).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
909
5
Conhecidamente este texto de Foucault questiona o lugar da negação e da violência na lógica
dialética, que conduz o momento negativo a uma síntese.
6. Conclusão
Referências bibliográficas
BUTLER, J. Gender trouble: feminism and the Subversion of Identity. New York:
Routeledge, 1990.
BUTLER, Judith. Bodies that Matter: on the discursive limits of “sex”. London
and New York: Routledge, 2011.
1
Graduanda em Direito pela UFPR, integrante da coordenação do projeto de Projeto de
Promotoras Legais Populares de Curitiba e Região, pesquisadora do CNPq, membro do NEFIL –
núcleo de estudos filosóficos da pós-graduação da UFPR. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8400146951452641
2
Nos momentos de ápice das campanhas nos Estados Unidos, as mobilizações chegaram a contar
com 2 milhões de mulheres nas ruas (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 44)
vagos dos homens operários que foram impelidos aos campos de batalha3.
Frisa-se também as ideologias nazistas e fascistas deste período que
culminavam num maior controle feminino e na tentativa de reforçar os papeis
sociais como inerentes e naturais e marcaram o arrefecimento das
mobilizações populares como um todo (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 49-50).
Com o término das guerras mundiais houve a retomada masculina do
mercado industrial e, visto que no capitalismo não existe pleno emprego e há
necessidade da formação do exército de reserva, este novamente se torna
essencialmente feminino. O papel estatal e midiático teve fundamental
influência no retorno da mulher ao espaço doméstico e domesticado. As
propagandas neste período exaltam a figura da dona-de-casa servil ao
marido, do papel de esposa e mãe e do fomento à indústria de beleza e
estética4 (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 50).
Desta feita, diversas teóricas feministas começam a questionar o
reforço de tais papeis culturais e sociais e procuram retomar certas conquistas
atingidas pelo ingresso no mercado do trabalho, como: o espaço público
(ainda que precarizado e desvalorizado); o ingresso nas universidades; e a
conquista de democracia representativa, de forma a romper os entraves das
reivindicações formais da primeira onda feminista.
O cenário mundial também é marcado por uma intensa efervescência,
como o movimento hippie nos EUA, a Guerra do Vietnã, o maio de 1968 em
Paris, o lançamento da pílula anticoncepcional e os levantes populares (PINTO,
2010), o que fomenta também o retorno das organizações políticas de
mulheres.
A segunda onda, portanto, compreende o período entre as décadas
de 1960 e 1980 num avanço de percepção e análise do movimento como um
todo, incorporando diversas frentes de luta e denunciando o patriarcado
como forma de expressão do poder político exercido através da dominação
masculina e inferiorização das mulheres que ultrapassa o campo do privado,
invade todos os espaços da sociedade e representa uma estrutura de poder
3
“Durante a Primeira Guerra Mundial, a proporção de mulheres francesas economicamente ativas
sofreu grande elevação. (...) A elevação, entretanto, não se manteve; terminada a guerra, o
trabalho feminino regride aos níveis anteriores. (...) Durante a última guerra a força de trabalho
feminina efetiva na Inglaterra chegou a sofrer um aumento de 40%”. (SAFFIOTI, 2013, p. 79)
4
Neste período inclusive há a criação das maiores revistas de moda, beleza, e cozinha
especialmente para as mulheres, numa corrente de reforço da futilidade, subserviência e
secundarização.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
921
5
Não são raros os relatos dos suicídios das mulheres negras e indígenas, dos abortos forçados
dos fetos frutos de relações violentas dos senhores colonizadores, das fugas e composições de
organizações de resistência, como os quilombos, comunidades predominantemente matrilineares.
6
No Brasil, a grande impulsão das organizações feministas num partido e de grandes quadros da
militância de mulheres teve o auge na formação dos Partidos dos Trabalhadores, nas décadas de
80/90, o que trouxe um acúmulo considerável ao partido e ao recorte classista das reivindicações
partidárias, transformando em alguma medida a questão “coorporativa” em questão de interesse
geral (PINTO, 1992, p. 148).
7
Nos países europeus e norte-americanos as principais pautas giram em torno da sexualidade
feminina e da livre disposição do corpo pela própria mulher, assumindo total autonomia sobre
suas decisões. Eclodem movimentos que lutam contra a sexualização excessiva dos corpos e de
sua mercantilização, trazendo também o debate da culpabilização feminina em casos das diversas
formas de violência contra a mulher.
Há ainda, nos últimos anos uma nova politização dos movimentos feministas europeus,
principalmente dos partidos de esquerda, quanto à flexibilização aos direitos trabalhistas frente à
crise econômica mundial, em que se ampliam as desigualdades entre os sexos e as mulheres que
já ocupavam os postos de trabalho mais precarizados tendem a sofrer mais na retirada de serviços
essenciais do Estado.
Importante situar, ainda de que forma superficial, a diferença de reivindicações das mulheres
progressistas nos países asiáticos, principalmente nos de religião islâmica, a qual situa-se nos
primeiros passos de liberdade de expressão, deslocamento, disposição de atos civis, como o
divórcio e a guarda dos filhos, a recusa aos casamentos arranjados e as relações sexuais forçadas
com maridos, a exposição mínima do corpo, a educação formal e o ingresso nas universidades, a
remuneração e reconhecimento no mercado de trabalho e principalmente o fim das mutilações
genitais ou sexuais das mulheres e crianças, além das penas de apedrejamento e morte ao
adultério, por exemplo.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
934
Referências bibliográficas
MARINI, Ruy Mauro. TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (orgs). Ruy
Mauro Marini – vida e obra. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
Rio Grande do Sul, v.5, (parte II). Fundação de Economia e Estatística, p.1-13,
2005.
1
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. (UnB). Extensionista na Assessoria Jurídica
Popular - Roberto Lyra Filho (AJUP - UnB). Pesquisadora no Programa de Iniciação Científica da
Universidade de Brasília (UnB) 2014-2015.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
939
1. Introdução
4. Interseccionalidade
de gênero, porque elas não são separadas do corpo e situação do sujeito. Elas
existem simultaneamente. Segundo Danièle Kergoat,
13 de março de 2010
Uma das mais combatentes e aguerridas dirigentes do MST,
integrante da direção estadual de Pernambuco e coordenadora
da regional Mata Norte, Luiza Ferreira, 52 anos, mãe de cinco
filhos e avó de sete netos, foi assassinada em 11/3, quando
realizava uma assembléia no assentamento Margarida Alves, no
Município de Aliança, onde era assentada.
Mulheres:
contra a violência,
contra o capital,
contra o machismo,
contra o facismo neoliberal!
importante para a propriedade da terra uma vez que é por meio dele que se
escolhe os representantes que irão delinear as políticas públicas rurais e os
impostos e orçamentos.
6. Conclusão
7. Anexos
8. Referências bibliográficas
LOVELL, Terry. "Teoria social feminista". In: TURNER, Bryan S. Teoria social.
Algés, Portugal: Difel, 1996.
RESUMOS
1. Objetivos
1
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília, Coordenadora do Curso de PLPs do DF e
Entorno, Membro da Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho, Membro do
Grupo de Educação Tutorial PET Direito UnB, Membro da Comissão de Ensino, Pesquisa e
Academia do Centro Acadêmico de Direito.
2
Juliana e Luísa são também graduandas em Direito pela UnB e Coordenadoras do Curso de PLPs
do DF e Entorno.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
955
2. Metodologia
3. Conclusões
4. Referências bibliográficas
Orientadora:
Luciana Santos Silva
1
Graduanda em Direito - Faculdade Independente do Nordeste. Bolsista e Pesquisadora pelo
Cnpq em Direito Educacional. Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa - NAJA. Marcha Mundial
das Mulheres - Núcleo Maria Rogaciana.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
959
Referências bibliográficas
Orientadora:
Professora Doutora Érika Macedo Moreira
Resumo
Objetivos
1
Acadêmicas de Direito da Universidade Federal de Goiás.
Metodologias
Conclusão
Referências bibliográficas
PARR, Todd. Tudo bem ser diferente. 6. ed. Panda Books, 2008.
Objetivos
1
Acadêmica do 9º período do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de
Goiás/Regional Jataí.
2
Mestre, professora efetiva do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás/Regional Jataí.
Metodologias
Conclusões
Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 7
Avaliadores:
Marcus Orione Gonçalves Correia (USP)
Paula Talita Cozero (Declatra/PR)
Danilo Uler Corregliano (USP)
EMENTA
As transformações por que tem passado a classe trabalhadora, com a
reestruturação produtiva e o refinamento nas técnicas de exploração do
capital sobre o trabalho, colocam em evidência a necessidade de analisar
quais as implicações dessas mudanças no campo das lutas sociais. No Brasil, o
movimento sindical, depois da expressividade atingida na década de 80,
perdeu espaço no cenário social, principalmente após o desmonte dos
sindicatos operado pelo neoliberalismo. Entretanto, os últimos anos parecem
apresentar sinais de ligeiro “reaquecimento” das lutas sindicais, como
comprovam alguns indicadores quantitativos e qualitativos da atividade
grevista. Recoloca-se, assim, o debate sobre o papel do movimento sindical na
superação do sistema de exploração vigente. Neste contexto, alguns assuntos
têm se destacado: aumento do ritmo de trabalho, do tempo de trabalho, dos
trabalhos informais, da competitividade, do controle no ambiente laboral, dos
problemas de saúde ligados ao trabalho. Ou, ainda, temas como a divisão
sexual e internacional do trabalho, o neoescravismo e as discriminações
vivenciadas pelos trabalhadores. Mesmo entendendo que todas as relações
trabalhistas sobre a égide do capitalismo são marcadas pela precariedade e
exploração, é possível identificar que, historicamente, há momentos que se
apresentam como mais favoráveis para o acúmulo das forças da classe
trabalhadora. E o Direito do Trabalho se apresenta como um bom termômetro
da correlação dessas forças sociais em disputa, à medida que reprime as
iniciativas da classe trabalhadora na luta política, revelando concretamente sua
natureza capitalista. Desta forma, este Espaço de Discussão busca debater a
conjuntura do mundo do trabalho e das lutas dos trabalhadores e sua relação
com o Direito, discutindo, ainda, o papel do Judiciário Trabalhista, a questão
do trabalho na teoria sociológica, e sua articulação com temas como
educação, ideologia, Estado e Economia Política.
ARTIGOS
Apresentação
1
Graduanda em Ciências do Estado UFMG - 2011/2014
2
Graduanda em Ciências do Estado UFMG - 2011/2015
2. Mundialização do capital
Considerações finais
ainda mais junto com o Estado, e faz com que esse chegue a vias de perecer,
talvez o ponto seria uma volta a uma condição anárquica, onde nenhum ente
tenha condições de gerir o Estado e a guerra. Historicamente isso é possível, e
tem reflexos, porém implica em mudarmos toda a ordem humana, ou de
coloca-lá a beira do fim. Os problemas do mundo do trabalho na verdade são
os problemas do mundo em si.
Referências bibliográficas
Stephanie Wakabayashi1
Introdução
1
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Contato:
[email protected].
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
986
2
Utiliza-se aqui a concepção de MÉSZÁROS (2011), para quem o sistema do sociometabolismo
do capital é constituído por três elementos essenciais: capital, trabalho e Estado. Segundo ele,
somente com a abolição conjunta de todos os pilares é possível a superação do capital.
3
Neste estudo, a concepção de direito de Óscar Correas será basilar. Segundo CORREAS (1995, p.
137, tradução livre), o direito cria um mundo fictício: “O ato de imputação, na realidade, tem como
efeito a criação de uma ficção. Isso porque, a rigor, desde o ponto de vista sociológico, que se
refere à realidade, não existe o funcionário F, mas sim o indivíduo I; não existe o ato jurídico AJ,
mas sim a conduta C. O direito cria, como se pode ver, um mundo de ficções [...].”
4
A concepção do direito juspositivista, hoje predominante e extremamente difundida, advém de
uma necessidade histórica da consolidação do capitalismo. A burguesia passara séculos
defendendo uma filosofia do direito jusracionalista para contrapor-se à realidade absolutista.
Defendia, assim, um direito natural da razão capaz de assegurar seus interesses no absolutismo.
Com as mudanças estruturais ocorridas em momento posterior às revoluções burguesas (séc. XIX
e XX), não era mais necessário opor, em face do Estado, algum direito da razão individual. “O
Estado já era burguês. A própria burguesia que defendia um direito universalista, consolidava-se
no poder de cada Estado nacional e se adaptava às contingências específicas valendo-se do
direito positivo que agora lhe pertencia. A burguesia que passara séculos defendendo uma
filosofia do direito jusracionalista, agora era juspositivista. Sua visão jusfilosófica que se pretendia
eterna e universal, paradoxalmente mudou.” (MASCARO, 2010, p.237).
5
Getúlio Vargas importou um modelo sindical corporativista do regime fascista de Benito
Mussolini, na Itália, cujas bases perduram até hoje no Brasil. Antunes (1994, p.24) explica que “Em
1927, Mussolini decretou a Carta Del Lavoro, que organizou os sindicatos italianos nos moldes
corporativistas: as corporações tornaram-se subordinadas e dependentes do Estado fascista. Ex-
pressava a política da paz social, da colaboração entre as classes, conciliando o trabalho ao capital,
negando violentamente a existência de lutas de classes, com o nítido objetivo de garantir a
acumulação capitalista em larga escala e com alto grau de exploração da classe operária.”
6
CORREAS (1995, p.229, tradução livre) bem sintetiza: “(...) o direito é a forma [tradução prescritiva
da descrição] das relações sociais, mas uma forma distorcida. Isso ocorre devido ao sentido
ideológico do direito”.
7
CORREAS (1995, p. 264-265, tradução livre) adverte: “A chamada Dogmática [jurídica], é uma
ciência impossível. Em primeiro lugar, porque não pode cumprir com os requisitos exigíveis para
as ciências em geral. Ou, pelo menos, não é uma ciência como as demais.”
8
Informações disponíveis em SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. As ilegalidades cometidas contra o
direito de greve: o caso dos metroviários de São Paulo. Blog da Boitempo, São Paulo, 08 Jun.
2014 e VELOZO, Amanda Mont'Alvão. Metroviários podem reverter demissão por justa causa,
afirma especialista. R7 Notícias, 10 Jun. 2014.
9
Informações disponíveis em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/07/mp-pede-multa-
de-r-354-milhoes-ao-sindicato-dos-metroviarios-por-greve.html>
que revelou sua ideologia conservadora, pode ser visto como a própria
personificação do capital.
Como se pode perceber, ainda que os trabalhadores superem as
dificuldades geradas pela forma jurídica do sindicato e pela estrutura sindical
impostas, uma série de ficções jurídicas são utilizadas na repressão da luta
operária, entre as quais se inserem, inclusive, a legitimidade do judiciário, a
neutralidade do Estado e seu suposto monopólio da violência. O
constrangimento do capital continua a estreitar a margem de atuação do
sindicalismo, blindado agora pelo direito e pelo judiciário, que lhe conferem
legitimação para tanto.
Mas, afinal, a questão que se levanta é: uma ficção existe ou não?
Correas (1995, p. 102) responderia:
Conclusão
Referências bibliográficas
MARX, Karl. Salário, preço e lucro. In: O capital: crítica da economia política.
Volume I. Tomo 1. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição.
São Paulo: Boitempo, 2011.
<http://blogdaboitempo.com.br/category/colunas/jorge-luiz-souto-maior-
colunas/> Acesso em: 12 jul. 2014.
Introdução
1
Autor pesquisador do Curso de Graduação em Direito na Regional Goiás da Universidade Federal
de Goiás, integrantes do Grupo de Ontologia Crítica da UFG
2
Co-autores pesquisadores do Curso de Graduação em Direito na Regional Goiás da Universidade
Federal de Goiás, integrantes do Grupo de Ontologia Crítica da UFG.
Daqui em diante, eis nosso labor cotidiano e nossa inabalável decisão: lutar
contra a raiz do mal e não contra os efeitos”(EINSTEN, 1945).
O trabalho desenvolve-se de maneira coletiva e está sempre inserido
em um conjunto de outros sujeitos. Nos primórdios as comunidades
caçadoras-coletoras se desenvolviam de forma com um pequena divisão social
do trabalho. Já havia uma diferenciação do trabalho em torno do gênero
(masculino e feminino). Entretanto, não era pautado de forma a submeter à
mulher ao homem. Na medida em que houve um desenvolvimento das forças
produtivas ocorreu uma intensificação da divisão social do trabalho e o
desenvolvimento da estrutura patriarcal de dominação.
Ao lado do entendimento do caráter ontológico do trabalho é
essencial compreender também as suas determinações históricas que poderão
indicar elementos contra-tendenciais do desenvolvimento do ser social. Neste
momento a reflexão teórica sobre a centralidade do trabalho para a análise
dos distintos complexos do ser social necessita explicitar que esta contradição
não elimina a relevância analítica da investigação ontológica, ao contrário,
estabelece que uma análise adequada da realidade necessite captar estas
contradições da categoria do trabalho tanto no seu aspecto histórico como
ontológico, articulando estas categorias comoformas de determinação
reflexiva entre essência e aparência.
Para a finalidade deste trabalho é suficiente chamarmos a atenção
para a complexidade destes problemas do ponto de vista analítico e ao
mesmo tempo poder indicar que o trabalho como fundamento ontológico do
ser social se constitui num modelo para a práxis. Ou seja, a partir do trabalho
como fundamento do ser social podemos nos aproximar analiticamente de
outras categorias que se articulam e se constituem como complexos próprios
do ser social, cujo momento predominante é o processo de mediação com a
natureza, que é intensiva e extensivamente ampliado do ponto de vista das
interações sociais.
O desenvolvimento da formação social capitalista contemporânea
possibilita captar a contraditória relação entre o trabalho do ponto de vista
ontológico e sua constituição histórica contemporânea.
Conclusão
Referências bibliográficas
______. Para uma ontologia do ser social 2. 1ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.
LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2009.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 4ª. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2011.
______. O capital: crítica da economia política: livro I. 27ª. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. 1ª. ed. 4ª. reimpr. São Paulo:
Boitempo, 2012.
Introdução
1
Discente do 5º ano do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Contato:
[email protected].
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1018
Estado e capitalismo
2
Versões brasileiras mais recentes da obra de Marx, como a recente edição d‘O Capital da editora
Boitempo (tradução de Rubens Enderle), têm utilizado a expressão mais-valor para traduzir a
categoria Mehrwert. Sem adentrar neste debate terminológico, ressalto que, neste trabalho, é
utilizada a expressão mais-valia, somente tendo em vista que a edição d’O Capital pesquisada é a
da editora Nova Cultural, com tradução de Regis Barbosa e Flávio Kothe, alinhando-se à
terminologia por eles empregada.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1019
3
Em relação ao à tradução de Veräusserung, do original em alemão, pelo termo alienação, cabe
um pequeno aprofundamento. Muitos autores têm indicado a necessidade de não se confundir as
categorias Entäusserung, Entfremdung e Veräusserung – muitas vezes traduzidas inadvertidamente
para o mesmo termo da língua portuguesa: alienação. O termo que Marx utiliza na passagem
citada é Veräusserung, que, na realidade, estaria mais próximo de “ato de alienação” ou, até
mesmo, de venda. Trata-se de uma categoria mediadora entre a exteriorização e o estranhamento.
Dessa forma, o termo alienação no trecho citado é empregado identificando o ato da venda da
força de trabalho como forma de reprodução do trabalho enquanto “atividade exterior ao
homem, como atividade alienada, estranhada”. (COSTA, 1999, p.97)
afirmar que, com ela, não seria possível vislumbrar qualquer perspectiva de
superação da exploração capitalista. Isso porque, na forma jurídica e na forma
política estatal, o jogo sempre será nos limites da igualdade jurídica e da
forma-valor, que correspondem propriamente a pressupostos da valorização do
valor e, consequentemente, da reprodução da sociabilidade capitalista.
Cegos a essa limitação estrutural da Justiça do Trabalho, boa parte
inclusive da classe trabalhadora acredita que não há alternativa a essa
dimensão da luta social. Historicamente, o Estado preparou terreno para essa
crença social ao regulamentar, por exemplo, o funcionamento dos sindicatos e
o direito à greve. Dessa forma, quando se pensa em querer algo a mais,
geralmente já existe um instituto jurídico garantido pelo Estado capaz de
absorver tal demanda.
Só que, para poderem ser absorvidos, os desejos sociais precisam
necessariamente se adequar às formas sociais – forma-valor, forma política
estatal e forma jurídica. Em uma palavra, no momento em que um trabalhador
enclausura a luta de classes dentro da Justiça do Trabalho, o desejo-de-
querer-mais e seu sujeito passam por um processo de con-forma-ção – ou
seja, por uma convergência à forma.
Com efeito, é um fato concreto que a sociabilidade capitalista logrou
êxito em instalar uma ideologia hegemônica de que devemos “jogar conforme
as regras do jogo”. Na década de 90, por exemplo, ganhou larga aderência a
tese de que o capitalismo representaria o “fim da história”, exponenciada,
entre outros, por Fukuyama. A ideologia da conformação, de fato, parece ser a
grande regra na relação entre o querer-mais dos explorados e a ação concreta
que esse sentimento reflete na relação entre eles e a sociedade.
Não prospera, portanto, a indignação dos porta-vozes do capital em
relação à existência de uma Justiça do Trabalho tendenciosa e favorável aos
trabalhadores. Em última instância, ela é uma instituição do Estado e, portanto,
também terceira-garante da valorização do valor. Sem isso, a sociabilidade
capitalista não sobrevive. Aos grandes proprietários, então, mais autêntico que
ficar reclamando seria fazer coro com o milionário estadunidense Warren
Buffet e dizer: “There’s class warfare, all right, but it’s my class, the rich class,
that’s making war, and we’re winning” – entrevista ao The New York Times
(STEIN, 2006).
A derivação das formas sociais torna a Justiça do Trabalho o palco
permanente de uma das dimensões da luta de classes. Contudo, uma
dimensão que já perdeu as pernas. Nela, incapaz de pular por sobre a forma-
ou, quando muito, veem-se obrigadas a agir da mesma forma que as grandes
empresas. É uma das facetas do chamado dumping social. Nesse
encadeamento de consequências, que sempre segue a lógica do capital sob a
forma-valor, o resultado final é a precarização completa das relações sociais,
principalmente das condições dos trabalhadores, fatalmente localizados na
extremidade desse rolo compressor.
Quanto à dimensão subjetiva dos trabalhadores, a realidade da
jurisdição trabalhista apresenta-se como uma estrutura não menos sufocante.
Apesar de precarizados, é como se, ao reivindicarem direitos trabalhistas, seus
desejos entrassem em um grande edifício e lá perdessem de vista tudo aquilo
que pode existir acima do teto da sociabilidade capitalista. Eis os limites
estruturais da Justiça do Trabalho: nela, qualquer possibilidade de acréscimo
das condições sociais dos trabalhadores passa para dentro da forma-valor.
Conclusão
Referências bibliográficas
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e sua reparação. Revista LTr. São
Paulo, SP, v. 71, n.11, p.1317-1323, nov., 2007.
STEIN, Ben. In class warfare, guess which class is winning. The New York
Times, New York, 26 Nov. 2006. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2006/10/24/business/24econ.html?_r=1&ref=busin
ess&oref=slogin>. Acesso em: 16 jun. 2014.
1
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP, campus
de Franca. Integrante do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA) e extencionista do
grupo Assessoria Jurídica Popular (AJUP).
Introdução
2
Segundo Fábio Konder Comparato (2003, p. 23), o desenvolvimento do capitalismo promoveu a
reificação do homem e a personificação do capital de modo expressivo, implicando na “inversão
completa da relação pessoa-coisa”. “Enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado
à dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é alvitado à condição de mercadoria, de mero
insumo no processo de produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo
financeiro, dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável” (2003, p. 24).
3
Embora a Constituição Federal Brasileira de 1988 garanta em seu artigo 7º, inciso XXX - é
proibido “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil” – a inconstitucionalidade da diferenciação salarial por motivo de
sexo, o que se observa a partir da análise da realidade social do trabalho feminino, em especial
nos países do chamado “Terceiro Mundo”, é a completa negação de tal dispositivo; uma vez que o
trabalho da mulher é duplamente precarizado, pois se insere no contexto de exploração e
precarização do trabalho (latu sensu) e de opressão de gênero.
4
Pode-se afirmar que com a transferência dos trabalhos manuais do espaço da fábrica para o do
domicílio, houve um aumento expressivo do trabalho infantil nas atividades de costura de
calçados. “O trabalho de crianças na produção de calçados em Franca, bem como em outras
regiões produtoras de calçados do país, vem sendo amplamente denunciado e combatido desde
o início da década de 1990, período que coincide com o crescimento da terceirização, que
normalmente significa produção doméstica, praticamente fora do alcance da fiscalização
trabalhista, que tem como consequência a burla da legislação e o desrespeito às poucas
conquistas trabalhistas já obtidas” (NAVARRO, 2006, p. 423)
Conclusão
5
Neste contexto insere-se a discussão desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos acerca do
contratualismo – que se trata do processo de inclusão de grupos sociais ao contrato social, do
qual grupos e interesses sociais são excluídos da sociabilidade - e da questão dos “não-cidadãos”.
Tais dinâmicas de sociabilidade são permeadas pela lógica de exclusão, que se reflete na “precari-
dade da vida e a servidão geradas pela permanente angústia dos trabalhadores no que toca à
quantidade e continuidade do trabalho; pela angústia dos desempregados à procura de emprego,
ou pela daqueles que nem se quer reúnem condições para procurar emprego; pela angústia dos
trabalhadores por conta própria no que toca à continuidade no mercado – que eles mesmos têm
que gerar diariamente, para garantirem a continuidade do rendimento; e, finalmente, pela angus-
tia dos trabalhadores migrantes indocumentados, desprovidos de quaisquer direitos sociais”
(SANTOS, 2003, p. 19).
6
Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo “Poderá o direito ser emancipatório”, tece ampla
reflexão acerca do contexto de criação do direito por parte de uma classe dominante com a
finalidade de regulação da tensão social. Boaventura (2003, p. 4) esclarece que “assim que o
Estado liberal assumiu o monopólio da criação e da adjudicação do direito - e este ficou, assim,
reduzido ao direito estatal -, a tensão entre a regulação social e a emancipação social passou a ser
um objecto mais da regulação jurídica”; sendo assim, “só seriam permitidos os objectivos e
práticas emancipatórios sancionados pelo Estado e, por conseguinte, conforme os interesses dos
grupos sociais que lhe estivessem, por assim dizer, por trás”.
7
Segundo Boaventura de Sousa Santos a dialética regulada advinda dos conflitos sociais
transforma-se, em suas palavras, em uma “não dialética regulada” (2003, p.4).
de instituída pelo Estado a partir da luta cotidiana dos sujeitos sociais que têm
consciência da urgência da construção de uma nova concepção da direito e
juridicidade. Ou seja, “não mais um direito desatualizado, estático, ritualizado
e equidistante das aspirações da coletividade, mas ‘direitos’ vivos referentes à
subsistência, à saúde, à moradia, à educação, ao trabalho, à segurança, à
dignidade humana etc” (WOLKMER, 2001, p. 157/158).
Referências bibliográficas
BISOL, Rossana. “Dialética social do direito”. In: SOUSA, José Geraldo (Org.).
Introdução crítica ao direito. 4. Ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993.
(Série o direito achado na rua, v. 1).
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução de Sérgio Milliet. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. V. 1.
MÉSZÁROS, I., Para Além do Capital. Boitempo Editorial, São Paulo, 2002.
1. Introdução
1
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2
Usamos, como boa parte da literatura, os substantivos diaristas, empregadas e trabalhadoras já
que mais 90% de seu contingente é feminino.
7.000.000
6.000.000
5.000.000
Negras e
4.000.000 pardas
3.000.000 Brancas
2.000.000
1.000.000
0
1995 1997 1999 2002 2004 2006 2008
salutar salientar que esse número é um pouco mais elevado nas trabalhadoras
negras e pardas, chegando a 3,1% no mesmo ano de referência. Outra
alteração importante diz respeito ao número médio de horas trabalhadas nas
atividades de serviço doméstico. Em 1995, a média de trabalho era de 41,7
horas semanais, em 2009, a média foi de 35,3 horas semanais, inferior a média
de trabalhadoras ocupadas em geral que é de 40 horas. Por fim, uma última
transformação significativa em relação às modalidades de trabalhadores do-
mésticos, é o crescimento dos regimes de trabalho diaristas em contraposição
à diminuição dos regimes mensalistas, conforme mostra a Figura 5.
2009
2007
2005
2003
Mensalista
2001
Diarista
1999
1997
1995
1993
2500
Cons
2000
Com
1500
1000 Serv
500
Educ
admi
0
Industria
Construção
Comércio
Serviços à empresas
Figura 6 - Rendimento por anos de estudo conforme
grupamento de atividades (R$). Regiões
Educação, saúde e
administração pública metropolitanas brasileiras, 2012. Fonte: Elaboração
própria com dados da PME
ais anos Serviços Domésticos
tudo
5. Considerações finais
Referências bibliográficas
HIRATA, Helena, Trabalho (Um conceito de). In: HIRATA, H; LABORIE, F. ; Doaré,
H. L; SENOTIER, D. (Orgs). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo:
Editora UNESP, 2009.
KOFES, Maria Suely. Entre nós mulheres, elas as patroas e elas as empregadas.
In: KOFES, Maria Suely et al. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família no
Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1989.
MOTTA, Alda Britto da. Emprego Doméstico: revendo o novo. Cadernos CRH,
n.
16, 1992.
RESUMOS
Orientador:
Claudio Oliveira de Carvalho2
1
Acadêmica de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Integrante do
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA. assunçã[email protected]
2
Professor Assistente de Direito Ambiental, Urbano e Agrário da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA. Mestre
em Direito. Advogado. [email protected]
Referências bibliográficas
Orientador
Prof. Msc. Moisés Alves Soares
Resumo
1
Vinculado a Unisociesc de Joinville/SC – cursando a 10ª Fase de Direito
Metodologia
Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 8
OBSERVATÓRIO DO SISTEMA DE
JUSTIÇA, DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DO
LEGISLATIVO
Avaliadores:
Rodrigo Vieira Costa (UFSC)
Giovanna Bonilha Milano (UP)
George Meszaros (Warwick)
EMENTA
Esse espaço de discussão se constitui em torno de um dos eixos do
Instituto de Pesquisa em Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS: Observatório
do Sistema de Justiça, de Políticas Públicas e do Legislativo. Há quase uma
década a Emenda Constitucional Nº 45 deu início à Reforma do Sistema de
Justiça no Brasil, descortinando novo cenário político-jurídico. Verifica-se,
nesse contexto, que o diálogo entre os Poderes da República encontra-se
permeado por dinâmicas próprias das instituições do sistema de justiça e
alcança audiência nacional, como ilustra a repercussão social da Ação Penal Nº
470/STF. Delineia-se uma política judicial que revela dimensões da justiça
pouco exploradas nos debates da esfera pública. Vislumbra-se, portanto,
campo para a elaboração de interpretações inovadoras da questão, que
possam retratar as expectativas surgidas quanto à capacidade da sociedade
civil de se organizar com o objetivo de constituir elementos de uma
democracia funcional no sistema de justiça, o que se exemplifica pelas
conferências e audiências públicas, ouvidorias externas, dentre outras
iniciativas similares de participação popular. Diante desse quadro, importante
conhecer os projetos para o sistema de justiça concebidos pelos Poderes da
República e aprofundar o debate sobre política judicial. Para tanto, chamamos
trabalhos que observem de forma crítica e construtiva tais projetos. Os
estudos comparados também são bem vindos para esse aprofundamento.
Pretende-se facilitar em tal espaço a reflexão sobre essa temática e a
construção conjunta de plano de ação para o respectivo Grupo de Trabalho no
âmbito do IPDMS.
ARTIGOS
Considerações iniciais
1
Advogada, Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pelo Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal do Maranhão –PPG|UFMA.
2
Segundo informações disponíveis no site do Tribunal de Justiça do Maranhão foram criadas 112
(cento e doze), sendo que uma delas ainda não foi implantada.
3
De acordo com informações obtidas no site da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, há
Núcleos instalados em 31 (trinta e uma) comarcas do Maranhão.
Considerações Finais
Referências bibliográficas
Introdução
1
É graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense e vinculada ao INCT- inEAC,
Instituto de pesquisa na área de Ciências Sociais e Humanas, voltado para temas de Segurança
Pública e Administração institucional de Conflitos. Atualmente desenvolve pesquisa empírica
tendo como objeto de análise a construção e apropriação de discursos normativos em uma
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
possuírem um acordo de visitação fixado em juízo há dois anos atrás. Uma das
estagiárias chamada Miriam, que acompanha seu caso, comenta comigo e
com as demais, ao final do atendimento: “Estou com peninha dele, já viu
quantas vezes ele veio aqui? A mãe não deixa ele ver o filho de jeito nenhum.
Vou fazer uma busca e apreensão2 pra ele. Vou tentar despachar direto com o
drº. Maurício [juiz], para ser mais rápido.”
Esta passagem, registrada em meu caderno de campo em virtude de
minhas observações e vivências em um órgão da defensoria pública do Estado
do Rio de Janeiro, no Brasil, há alguns anos poderia provocar um certo
estranhamento, digamos, demasiado. Como estudante de Direito fui socializa-
da a acreditar que o ambiente do poder judiciário é império de técnicas, onde
os sentimentos são colocados em segundo plano em benefício da interpreta-
ção e aplicação literal dos dispositivos legais, entendidas pelos atores desse
campo como um método eficiente de “resolução” de conflitos.
Contrariando minhas expectativas construídas com base na socializa-
ção com o conteúdo teórico do Direito, a experiência prática na Defensoria
Pública, como estagiária desta unidade, me revelou aspectos peculiares a res-
peito da forma como os conflitos são administrados nesse espaço. Através
dessa experiência, foi possível visualizar que a suposta “cartilha de etiqueta”
como uma referência compartilhada de formas ideais de co-relações pautadas
pela estrita estilística dogmática é, na verdade, reinventada a partir de outras
diretrizes não tão literais assim. Isso significa que o tom das relações neste
ambiente não são pautadas pela dogmática tão somente, mas também, e de
modo mais recorrente do que a teoria me fazia supor, por moralidades, que
podem se fazer dominantes sobre outras, configurando diferentes dinâmicas
possíveis das relações entre os atores desse campo, que se apropriam de
diferentes formas de manifestação do discurso normativo.
Além disso, a experiência empírica nesse ambiente me permitiu
perceber que a prevalência do tratamento formal e objetivo ou informal e sub-
jetivo para cada caso concreto que se apresentava, fazia parte de um processo
anterior e ainda mais complexo, pautado também por uma moralidade
orientadora da seleção discricionária que resultava na diferenciação a respeito
da forma e do método utilizado para administrar conflitos da mesma natureza.
Esses elementos observados me levaram a formular uma série de
questionamentos. A proposta do presente paper é tornar evidentes esses
questionamentos para, a partir dessa visibilidade atribuída aos conflitos e
2
Artigos 839 à 843 do CPC
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1091
Em busca de um estágio
era curta. Pedi licença e me dirigi à porta onde uma placa indicava que ali se
encontrava a Vara de Família da Defensoria Pública.
Ao entrar, a primeira coisa que notei foi uma mesa, ao lado direito,
encostada na parede ao lado da porta, onde se encontrava sentada a
recepcionista. Era ela a intermediária entre o corredor do 5º andar e as salas
dos defensores, e responsável pelo primeiro contato das pessoas com o
atendimento pela Defensoria Pública. O ambiente era composto por esta sala
da recepção, onde se podiam visualizar três portas entreabertas. Nesta sala,
além da recepcionista, que se apresentou a mim como Andréia, havia pessoas
com aproximadamente a mesma idade que eu, de pé, realizando atendimen-
tos ao público, com caneta e papel na mão. Andréia me indicou a sala que eu
estava à procura, que era a sala da 1ª Vara de Família. Ao chegar na sala
indicada, me deparei com um espaço que não condizia com a quantidade de
pessoas e informações ali dispostas. Era uma sala pequena, dividida entre três
mesas pequenas e uma mesa grande, que logo identifiquei ser ocupada pelo
Defensor Público, um armário, e uma pequena geladeira. Sobre as mesas,
computadores e muitos papéis e processosAlguns minutos de conversa com a
Defensora, cujas questões mais evidentes estavam centradas em minha
disponibilidade e motivação para o estágio pretendido, e uma frase de
aprovação que marcou o que seria o princípio de um estágio e também de um
futuro campo de pesquisa.
Uma vez aprovada, estava novamente no fórum para o meu primeiro
dia como estagiária da Defensoria Pública. Carla, a secretária, logo começou a
me explicar as funções básicas desempenhadas pelas estagiárias. Por estar no
campo há mais tempo e, consequentemente, estar mais familiarizada com
suas práticas, acaba tendo uma função de orientadora das demais, oscilando
ente guru e iniciadora (BARTH, FREDRIK, 2000). Dentre as funções, constava o
atendimento direto ao público, segundo ela “o mesmo papel do Defensor”,
escrever petições 3 , protocolar as petições realizadas diariamente e ir ao
cartório para “pegar” os processos que seriam analisados no dia. Não
demorou muito para que a estagiária mais antiga me explicasse a estrutura de
funcionamento das varas, que implicava diretamente na distribuição dos
3
Na definição de Humberto Theodoro Júnior, petição inicial é "O veículo de manifestação formal
da demanda é a petição inicial, que revela ao juiz a lide e contém o pedido da providência
jurisdicional, frente ao réu, que o autor julga necessária para compor o litígio" (THEODORO
JÚNIOR, 2000:313). Tem seus requisitos dispostos no art. 282 do CPC
4
Constitui ato processual do juiz que dá andamento ao processo. De acordo com o artigo 162, §
3º, do Código de Processo Civil, "são despachos todos os demais atos do juiz praticados no
processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma"
5
Constitui ato processual do juiz que dá andamento ao processo. De acordo com o artigo 162, §
3º, do Código de Processo Civil, "são despachos todos os demais atos do juiz praticados no
processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma"
respectivas partes, drº Fernando e drª Miriam. Todos estavam ali para presen-
ciar o processo de mediação. No meu caso, seria a primeira vez que assistiria a
uma mediação, e me provocou uma certa surpresa o fato do primeiro contato
com esse instituto ter se dado na Defensoria Pública. Aproveitei a oportunida-
de para observar atentamente o processo, que teve início da seguinte maneira:
as partes são convidadas a sentar, uma ao lado da outra, em frente à mesa da
secretária, à princípio, a responsável pela mediação. Depois de um breve relato
a respeito da exposição da versão dos fatos por ambas as partes, Drª Carla se
dirige aos assistidos: "O que a gente quer aqui, é que vocês cheguem a um
acordo, então eu preciso saber de vocês exatamente o que está acontecendo,
só quero que vocês falem a verdade para mim, para que a gente possa pensar
junto em uma solução para o problema de vocês." Dirige-se, então,
diretamente à Vanda: "Vanda, ele tá dizendo que você não deixa ele ver o filho
dele...". Vanda interrompe: Isso é mentira dele, não dá pra chegar a um acordo
com ele não Drª, porque ele é um mentiroso! Tá falando que eu não deixo ele
ver o filho no dia da visita dele e é mentira isso. Ele que acha que pode pegar
a criança quando ele quer, e não é assim né? pô, eu sou a mãe dele, a gente
tem um processo aí que fala os dias dele, mas aí ele chega e quer pegar a
criança no final de semana que não é dele, aí fica difícil né..". Interrupção de
Geraldo: Isso que você tá falando não é verdade, teve vários fins de semana já
que era minha vez de ver o garoto e você não deixou eu levar meu filho. Drª,
como eu te falei, eu sempre chego lá e a criança tá toda maltratada, ela não
coloca roupa direito no garoto, o moleque fica andando com a roupa rasgada,
com tênis rasgado, sujo, e comigo não é assim, sempre compro roupa pro
garoto, dou tudo de melhor...". E na iminência do estopim de uma discussão
entre os dois, Carla faz sua intervenção apesar das tentativas de intervenção
de ambos entre sua fala: “Olha só, vocês não vieram aqui pra brigar. A gente
está aqui falando do filho de vocês, e ele é filho dos dois. Vocês acham que é
bom para a criança ver os pais brigando o tempo inteiro por ela? Imagina o
psicológico da criança como fica abalado com isso? Vocês acham que só
porque é criança não entende o que tá acontecendo? (...) Imagina se é bom
pra ele ver sempre a polícia chegando na casa dele para buscar ele à força?
Então o ideal é que vocês consigam dialogar sobre o filho de vocês como pai
e como mãe, e não como dois inimigos que estão disputando alguma coisa”.
As estagiárias, por sua vez, também faziam intervenções, em tom conselho
pessoal de cunho psicológico e moral, reforçando as palavras ditas por Carla.
As interrupções realizadas por elas às falas de Carla e dos assistidos eram
tantes das partes a fim de restabelecer uma suposta harmonia entre elas que
levaria à conclusão do processo (NADER, 1978; LEITE, 2003).
A partir dessa análise, algumas questões se evidenciam. A primeira
que se poderia ressaltar, é o fato de que a maior parte dos processos de ação
que diz respeito a relação entre os assistidos e a Defensoria Pública é realizado
pelos próprios estagiários. Um outro aspecto que ganha relevo está no fato de
que a interação, no interior da Defensoria, se dá de forma estratificada e,
podemos dizer, também, com um grau elevado de imprevisibilidade. Nesse
sentido não há um “padrão” disponível de atendimento, e, tampouco, de
socialização de acordo com pressupostos materiais, ou seja, com o conteúdo
que deve orientar as ações práticas dos estagiários. Do contrário, há uma
contradição do discurso sobre as práticas pautadas em um suposto conteúdo
dogmático em relação às práticas randômicas desprovidas de critérios
respaldados em um conteúdo acessível a todos. No capítulo seguinte,
proponho a apresentação de outros casos a fim de fundamentar, a partir de
evidências empíricas, os questionamentos apresentados.
6
Trata-se de repartição onde funciona o ofício no fórum e se mantém os respectivos documentos,
isto é, considera-se vara o ofício onde se guardam as minutas dos julgamentos e onde as
declarações referentes ao processo são realizadas. Cada magistrado na justiça estadual será
responsável por uma vara, indicando inclusive, sua competência.
Encontra previsão legal nos artigos 96, inciso I, "d"; 109, §3º; e 110 da Constituição Federal e 207;
263; e 279, parágrafo único, do CPC
7
É o território ou circunscrição territorial em que o juiz de direito de primeira instância exerce sua
jurisdição. Para a criação e a classificação das comarcas serão considerados os números de
habitantes e de eleitores, a receita tributária, o movimento forense e a extensão territorial dos
municípios do estado, conforme legislação estadual. Cada comarca compreenderá um ou mais
municípios, com uma ou mais varas. Encontra fundamentação no Código de Organização e
Divisão Judiciária de cada Estado
ele tem muita coisa pra ler". Os defensores, por sua vez, enfatizavam essa
questão da economia de palavras.
Certa vez, atendi uma assistida chamada Lucimar. Ao analisar seu
processo, verifiquei que o momento processual que validava sua manifestação
era a chamada réplica 8 , que implicava na exposição de razões para a
discordância sobre uma determinada ação ou omissão do réu em sua
manifestação anterior, na chamada contestação9. Expliquei os fatos na petição,
com base em sua exposição de razões, a fim de fundamentar sua defesa. Ao
terminar, fui até a sala do Defensor Público, drº Fernando, responsável por
aquele processo, a fim de verificar a correção das questões jurídicas da
petição. Drº Fernando me respondeu que as questões jurídicas estavam corre-
tas, mas com uma ressalva: " Por que você escreveu tanto? não precisava
escrever isso tudo, era só falar que ela não concordava e pronto". Com um
certo estranhamento quanto a essa afirmação e um tanto quanto inquieta,
comentei com as demais estagiárias e com a secretária sobre isso: "Escrevi
toda a réplica e o drº Fernando disse que eu só precisava escrever uma frase,
dizendo que ela discordava da contestação só e pronto!". Carla, e estagiária,
então argui: "É, drº Francisco é mais pragmático mesmo, ele gosta de tudo
bem resumidinho. A drº Pâmela não, ela gosta mais de detalhes, as petições
dela são mais explicadinhas".
Então pude perceber que dentro do modelo de construção dos fatos
codificados no código de processo civil, existia uma série de variações e
possibilidades de modelos distintos que eram ordenados de acordo com a
discricionariedade de cada defensor. Não existia um único modelo de petição
legítimo de acordo com a consonância entre o procedimento previsto em lei e
o aplicado na prática pelos atores do campo, mas sim, um modelo
8
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida num sentido formal ou
material: naquela primeira acepção, a réplica é o articulado que o autor apresenta em resposta à
contestação do réu; em sentido material, a réplica consiste na contestação de uma excepção
oposta pelo réu ou na dedução de uma excepção contra o pedido reconvencional formulado pelo
réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela impugnação ou a dedução daquela
excepção, a réplica em sentido formal é-o também em sentido material.
9
Tata-se do meio pelo qual o réu contrapõe-se aos pedidos formulados na inicial, devendo
concentrar todas as manifestações de resistência à pretensão do autor. É na contestação que o
réu pleiteia que o juiz não acolha o pedido feito pelo autor. De acordo com o artigo 300, do
Código de Processo Civil, "compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa,
expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as
provas que pretende produzir".
Considerações finais
Referências bibliográficas
Introdução
1
Neste artigo são apresentados dados do Relatório de Pesquisa-ação do GEAP Miguel
Pressburguer, sobre o “Estudo de caso 3: Os usos do Direito e as ações do Estado no tratamento
das manifestações de rua na cidade do Rio de Janeiro, jun.-nov. 2013”. Aquele foi confeccionado
por Diogo Justino, Géssica dos Santos Oliveira, Luis Antonio Fasson de Oliveira e Silva, Luiz Otávio
Ribas e Maíra Neurauter.
2
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Filosofia e Teoria do Direito da UERJ e
professor.
3
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da UFF e advogada.
4
Optamos por adotar essa terminologia em virtude da discussão em torno da expressão "armas
não letais" utilizadas geralmente pelos órgãos oficiais do Estado, já que o uso em excesso de tais
armas podem causar lesões graves e, até, causar a morte.
(ii) Dificuldades
acusados, dispersão dos detidos por várias e distantes DPs, desinformação sobre
o destino dos detidos. Especificamente o desrespeito das prerrogativas dos
advogados por parte da polícia foi apontado por grande parte dos
entrevistados.
A ausência de preparo dos policiais no que diz respeito aos direitos que
o cidadão tem na hora da prisão; a larga utilização e instituição ilegal das
prisões para averiguação e dos assim denominados "sarqueamentos"; a
dificuldade em obter informações da polícia sobre os manifestantes detidos,
principalmente em relação à qual delegacia seria o detido conduzido; e a
dificuldade em realizar o acompanhamento das revistas policiais e detenções –
por diversas vezes eram criados "cinturões'' por agentes de segurança pública -
foram outros impedimentos relacionados à atuação policial, identificados nas
respostas.
Também foram apontadas a ausência de identificação de alguns
agentes policiais e o uso excessivo de armas de menor letalidade, como gás,
spray de pimenta, balas de borracha, recorrentes nas manifestações.
Não foi apenas nas ruas que os entrevistados encontraram dificuldade
na sua relação com a polícia, mas também nas delegacias. Um dos entrevista-
dos resumiu as dificuldades enfrentadas nas delegacias: Delegados de Polícia
impedindo a entrevista particular entre advogado e assistido; Delegados que
impedem que o advogado adentre as instalações das delegacias; Registros de
Ocorrência ou Lavratura de Flagrantes sem a presença do advogado, mesmo
este estando em sede policial; Policiais Militares sem identificação ou apenas
alfanuméricas; sarqueamentos; Policiais Militares condutores acompanhando o
depoimento do conduzido, mesmo quando solicitados a se afastarem.
Foi apontada por alguns entrevistados a atuação da imprensa
corporativa, identificada como criminosa e promovedora da estigmatização dos
defensores de direitos humanos.
A atuação do Judiciário também foi levantada como uma dificuldade,
na medida em que se mostra conivente com a logica do tratamento punitivo
das demandas sociais. Aliado a isso, o reconhecimento de fé publica aos
depoimentos dos policiais em juízo, cria uma dificuldade diante das falsas
acusações direcionadas a manifestantes.
Por fim, muitos entrevistados identificaram como dificuldade a própria
articulação entre os advogados, que possuem diferentes ideologias e
interesses diante da defesa dos manifestantes. Segundo um dos entrevistados
formar uma rede de advogados que torne possível a convivência de atuações
Considerações finais
Referências bibliográficas
Vinícius Alves1
Rosane M. Reis Lavigne2
1
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do grupo de
pesquisa Poder Judiciário, Direitos Humanos e Sociedade – DHPJS/UERJ. Integrante do grupo de
articulação Fórum Justiça.
2
Mestrado e MBA em Poder Judiciário pela FGV Direito Rio. Defensora Pública do Estado do Rio
de Janeiro. Membro do grupo de pesquisa Poder Judiciário, Direitos Humanos e Sociedade –
DHPJS/UERJ. Feminista, integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB. Integrante do
grupo de articulação do Fórum Justiça.
1. Introdução
1.1. Apresentação
3
“O Fórum Justiça é um espaço aberto a movimentos sociais, organizações da sociedade civil,
setores acadêmicos e agentes públicos do sistema de justiça para discutir coletivamente política
judicial com redistribuição e reconhecimento de direitos e participação popular, enfatizando a
justiça como serviço público. Esse Fórum dá continuidade ao seminário realizado no Rio de
Janeiro em 2009 sobre as 100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça de Pessoas em Condição
de Vulnerabilidade e confirma o compromisso da Associação Nacional dos Defensores Públicos –
ANADEP de contribuir para potencializar o exercício de direitos, no eixo da democracia e com o
paradigma dos direitos humanos. Nesse sentido, o Fórum Justiça estimula o uso de mecanismos
democráticos que possam aprofundar a relação entre atores sociais e políticos com a finalidade
de provocar a expansão das capacidades institucionais do sistema de justiça, tornando-o mais
eficaz na concretização das demandas populares e, ainda, facilitando a circularidade de políticas
públicas promotoras de igualdade. Cf. BRITTO, Adriana; REBELLO, Arlanza M. Rodrigues, VESTENA,
Carolina, MAGNO DE OLIVERIA, Patrícia, REIS LAVIGNE, Rosane M. F: construção coletiva de
espaço para discutir política judicial com reconhecimento, redistribuição e participação popular.
ROCHA, Amélia [et al.]. In: Defensoria Pública, Assessoria Jurídica Popular e Movimentos Sociais e
Populares: novos caminhos traçados na concretização do direito de acesso à justiça. Fortaleza: Dedo
de Moças Editora e Comunicação Ltda. 2013. x p. E-Book ISBN 978 – 85 – 64698 – 14 – 7.
4
Deputado Alessandro Molon é integrante da Comissão de Constituição e Justiça - CCJ, da
Câmara dos Deputados e um dos autores do Projeto de Emenda Constitucional 04/2014,
posteriormente aprovada e convertida na Emenda Constitucional nº 80/14, que equipara a
Defensoria Pública às demais instituições essenciais à justiça e prevê a sua presença em todas as
comarcas em um prazo de 8 anos.
2. Desenvolvimento
5
CASARA, Rubens. In: ALVES, Vinícius. Relatório Geral Assembleia Geral Extraordinária – AGE
ANADEP/Fórum Justiça Defensoria Pública: ação estratégica para a garantia de direitos em
manifestações populares. Rio de Janeiro, 2014. p. 11. Trabalho não publicado.
6
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul realizou, no
dia 30 de abril, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS, audiência pública convocada
para debater a atuação das forças de segurança durante as manifestações, sendo convidados
representantes de movimentos sociais que participaram das mobilizações. A audiência pública
destinou-se a "coletar informações relacionadas a inquéritos que tramitam na Procuradoria da
República no Rio Grande do Sul para averiguar excessos cometidos pelas polícias contra pessoas
que participam das manifestações na capital" e também a "acompanhar a implementação do
Plano de Gestão de Multidões no estado, elaborado pelo Ministério da Justiça, no sentido de
evitar a repetição dos fatos durante a Copa do Mundo 2014." Cf. notícia do sítio da Procuradoria
da República no Rio Grande do Sul, disponível em:
<http://www.prrs.mpf.mp.br/app/iw/nti/publ.php?IdPub=73882>. Acesso em:14 jul. 2014.
7
“O SAJU divulgou amplamente um número de emergência e seus advogados atuaram nas dele-
gacias. Somente no dia 21 de junho conseguiram se reunir com a Defensoria Pública do Rio Gran-
de do Sul, que havia pedido ajuda para entender o que estava acontecendo e para traçar uma
atuação em conjunto. No mesmo dia montaram uma operação para acompanhar a manifestação e
eles foram todos identificados com o colete. Nos atos em que eles estavam com colete, notou-se
uma diminuição da violência policial e imagina-se que foi pelo fato de que estavam presentes
Defensores Públicos e não meros advogados populares. Por outro lado, a Brigada Militar prendeu
mais pessoas nesse dia.” WILASCO, Melina. In: ALVES, Vinícius. Op. Cit., p. 19.
8
MALAQUIAS, Arilson. In: Ibid. p. 15.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1129
9
BARROS, Ciro. In: Ibid. p. 16
10
ARAÚJO, Larissa da Silva. In: Ibid. p. 15
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1130
11
VIRGÍNIA, Ana. In: Ibid. p. 13.
12
XAVIER, Luana. In: Ibid. p. 14.
13
Ibid. p. 18.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1131
14
PINHEIRO, Eduardo Cavalieri. In: Ibid., p. 20
15
MENDES, Alexandre F. In. Ibid., p. 22-23.
16
Cf. MENDES, Alexandre F. A nova luta da Vila Autódromo e dos moradores que resistem à
remoção: reconstruir a Defensoria Pública e sua autonomia. Disponível em
http://uninomade.net/tenda/a-nova-luta-da-vila-autodromo-e-dos-moradores-que-resistem-a-
remocao-reconstruir-a-defensoria-publica-e-sua-autonomia/ Acessado em: 14 jul. 2014.
17
ALVES, Vinícius. Op. Cit.,. p. 29.
18
Art1º: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a
orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1133
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,
assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;
Art. 3º-A: São objetivos da Defensoria Pública:
I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;
II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as
pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais
técnicas de composição e administração de conflitos;
19
Código de Processo Penal, Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus
agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
3. Considerações finais
Referências bibliográficas
*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.
Integrante dos Núcleos de Pesquisa “Pró-Pólis” e Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania. E-
mail: [email protected]
**
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.
Integrante dos Núcleos de Pesquisa “Pró-Pólis” e “Propriedade, Democracia e Conflitos Sociais”. E-
mail: [email protected]
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1140
1
Exemplo disso foi a aprovação do Plano Diretor de Florianópolis, que no início desse ano foi
revogado por decisão judicial devido à não realização das audiências públicas previstas
legalmente para viabilizar a participação popular.
2
Exemplo de tal atitude é a construção, pelo Estado, de conjuntos habitacionais em áreas
absolutamente periféricas, distante do centro e sem qualquer infraestrutura, como aqueles
produzidos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida.
3
“A base da coleta foi acórdãos, com trânsito em julgado, proferidos em Apelação Cível e Agravos
de Instrumento (para estes últimos apenas os relativos à questão liminar da posse) que versavam
sobre conflitos fundiários coletivos, urbanos e rurais, no período compreendido entre 11.10.1988
até 02.10.2008, nos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Paraná e nos Tribunais Regionais
Federais da 3ª e 4ª Regiões. [...] Assim, optou-se pela problemática que permeia osconflitos
fundiários coletivos, a partir de algumas combinações de palavras, como segue: [...] No âmbito
urbano: “regularização fundiária”, “favela” + posse, “cortiço”, “sem-teto” + moradia,“loteamento
irregular” + posse, “loteamento clandestino” + posse, “conjunto habitacional” +posse.”
(PENSANDO O DIREITO, 2009, p. 16).
ações houve a procedência do pedido inicial, sendo que em nove das ações o
princípio assegurado pela decisão foi o da segurança patrimonial e apenas
uma única decisão garantiu a moradia.
Ao apresentar as conclusões referentes à jurisprudência paranaense a
equipe que elaborou a pesquisa destaca que:
4
Site: http://www.tjpr.jus.br
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1146
Conclusão
Referências bibliográficas
CARVALHO, Orlando de. Direito Civil: Direito das Coisas. Coimbra, 1968-69.
FERNANDES, Edésio. Cidade legal x ilegal. In: VALENÇA, Márcio Moraes (org).
Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
________. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: MARICATO,
Ermínia; ARANTES, Otília; VAINER, Carlos B. A cidade do pensamento
único: desmanchando consensos. 7. ed.Petrópolis: Vozes, 2012.
MELO, Lígia. Direito à moradia no Brasil: política urbana e acesso por meio
da regularização fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à cidade como direito humano coletivo. In:
ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Coord.). Direito urbanístico:
estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
1. Introdução
1
Graduado em Letras Inglês e Literatura da Língua Inglesa, FAJESU; em Serviço Social, UNOPAR;
em Administração Pública, UEG. Especialista em Gestão de Políticas Públicas Integrados para
Infância e Adolescência, IECO; Metodologia e Docência no Ensino de Língua Inglesa, IECO; Gestão
de Políticas Públicas em Gênero e Raça, UNB. Cursando Especialização em Patrimônio, Direito
Cultural e Cidadania, UFG e Mestrando em Serviço Social, PUC-Goiás. Professor da Faculdade
Projeção. E-mail: [email protected]
Na fala da autora pode-se perceber que nesta definição, ela traz uma
diferenciação, porém interligada com decisões políticas, onde nem todas as
decisões são políticas públicas, como nem toda política pública derivam de
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1160
decisões políticas, assim, fica clara a ideia de que nem sempre as políticas
estão ligadas ás decisões governamentais.
Para Giovanni e Nogueira (s/d) o conceito de política pública pode ser
definido como:
Fatos complexos, dinâmicos e multifocais. Não podem ser
reduzidos ao momento “administrativo”. São formas de exercício
do poder e resultam da abrangente interação entre Estado e
sociedade. Trata-se de uma intervenção estatal, de uma
modalidade de regulação política e de um expediente como qual
se travam lutas por direitos, justiça social e espaços políticos.
Sobre elas, pesam diferentes aspectos da economia, da estrutura
social, do modo de vida, da cultura e das relações sociais.
2. Políticas afirmativas
Conclusão
Referências Bibliográficas
BENTO, Maria Aparecida Silva. Branquitude e poder: a questão das cotas para
negros. In: SANTOS, Sales Augusto dos (Org.). Ações afirmativas e combate
ao racismo nas Américas. Brasília, Ministério da Educação; UNESCO, 2005.
BONETI, Lindomar Wessler. As políticas públicas no contexto do
capitalismo globalizado: da razão moderna à insurgência de processos e
agentes sociais novos. PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso
de Ciências Sociais da UNIFAP Macapá, n. 5, 2012.
1. Introdução
1
Graduando na Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]
1. Conceitos de religião
Paradoxalmente o juiz escreve que não vai entrar “no pantanoso cam-
po do que venha a ser religião”, mas já no parágrafo anterior definira a sem-
tença: “no caso, ambas manifestações de religiosidade [candomblé e umban-
da] não contêm os traços necessários de uma religião a saber, um texto base
(corão, bíblia etc), ausência de estrutura hierárquica e ausência de um Deus a
2
A sentença pode ser conferida na íntegra (pdf) no endereço eletrônico:
http://www.ebc.com.br/sites/default/files/religiao_desicao_justica_federal_0.pdf.
O agravo de instrumento, que traz detalhadamente os fatos do caso concreto, inclusive a extensa
linguagem pejorativa, pode ser conferido também na íntegra em:
http://s.conjur.com.br/dl/agravo-instrumento-interposto-mpf-rj.pdf.
3
www.dgsi.pt/pgrp.nsf/0/d7bf5d064bd721608025661700421141?OpenDocument&ExpandSection
=-2
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1184
Continua a sentença:
4
INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. População residente, por situação do
domicílio e sexo,segundo os grupos de religião – Brasil, 2010. Disponível na internet em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/
tab1_4.pdf
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1186
humana (art.1º., inc. III). Este discurso de ódio colide, em última análise, com
os ideais que devem sustentar um Estado Democrático de Direito
(Constituição Federal, art.1º caput). Compreende-se que “assim como as
demais liberdades públicas, também a liberdade religiosa não atinge grau
absoluto, não sendo, pois permitidos a qualquer religião ou culto atos
atentórios à lei, sob pena de responsabilização civil e criminal”(Alexandre de
Moraes,2007: 43).
A sentença também não cumpre com sua função de proteção à
própria cultura brasileira (Constituição Federal, art. 23, inc.III), diversificada e
enriquecida pela cultura negra. O magistrado, situado na cidade do Rio de
Janeiro, está, teoricamente, inserido entre a população desta metrópole que,
em 2007, contava com 1 424 529 de negros (12,3% da população carioca5).
Negar às religiões afro-brasileiras status de religião é negar ao povo brasileiro
negro sua história e suas raízes, negar aos seus praticantes a proteção jurídica
da faceta espiritual da dignidade da pessoa humana.
A decisão ainda ignora lei específica sobre proteção à liberdade
religiosa afro-brasileira (Lei Nº 12.288 de 2010) e diversos tratados internacio-
nais, como o de São José da Costa Rica. Todavia, pela lei específica ser muito
extensa, e os tratados serem muitos, não é interessante analisa-los aqui, pois a
visão crítica-social aqui realizada das normas e conceitos expostos abrange e
ultrapassa qualquer lei.
Seguindo a classificação de Bobbio (2014), com tantas normas válidas
(emanadas de poderes legítimos) e justas (objetivam valores do ordenamento
jurídico e da sociedade em seu momento histórico), o descumprimento e a
não aplicação delas as tornam ineficazes. Há, no que tange à liberdade
religiosa, um Direito justo e válido; contudo, inaplicado, tornando-o mero con-
junto de enunciados que não tocam a realidade social, impedindo, portanto,
mudanças. A Igreja Universal não cumpre seu papel de cidadã; e o Judiciário,
que deveria corrigi-la, ignora as normas. Justiça e validade, quando sem eficá-
cia, são meros adornos jurídicos e de classificação. Judiciário sem justiça válida
e eficaz é Instituição de Desmandos, de Ilusões, de Palavras Vazias.
5
INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de Indicadores Sociais de 2007.
Disponível na internet em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2007/Tabelas
dignidade da pessoa humana para o mundo futuro (pois prega que somos
todos irmãos criados à imagem e semelhança de Deus, e devemos amar ao
próximo), não deve ser execrado pelos absurdos intolerantes e cheios de ódio
praticados por um representante de um segmento do cristianismo. Toda
religião possui suas virtudes, e todo pregador, humano, possui seus vícios.
Mas estes, quanto nocivos à sociedade e à liberdade e dignidade dos demais,
deve ser reprimido e reeducado; talvez, no caso aqui analisado, reeducado nos
preceitos da própria religião que prega; na religião de todos iguais, irmãos,
que devem amor um ao outro.
A liberdade ilimitada, como simples direito negativo, gera injustiças e
abusos, como ocorreram no Estado Liberal. O Estado atual, social, deve
conceber e garantir aquele direito visando à harmonia da sociedade, e esta
harmonia às vezes só é garantida por meio de intervenções do Poder Público.
A liberdade negativa ficou no Estado Liberal e em sua indiferença. Os limites
constitucionais de nosso Estado Social não devem ser encarados como
repressão de direito, mas repressão de abusos. Caso contrário, tem-se arbítrio
no lugar de liberdade. Desta, alerta os perigos Ferry Comte-Sponville (1999:
28; apud Bittar; Almeida, 2012, 574):
5. Justiça e Sociedade
Se alguma igreja não possui o bom senso de não gritar o ódio, cabe
ao Judiciário impedir a manifestação desta intolerância. Assim, ninguém preci-
sará se fingir de surdo, a melhor mercadoria será escolhida de acordo com a
espiritualidade de cada um, ou nenhuma, como é direito de todos (ateísmo,
agnosticismo etc). Entre dois barulhos, que haja duas discussões tolerantes e
plurais. Muito mais de duas.
A poesia de Charles Bukowski (2013: 217-219) traz versos sobre a
hipocrisia. Típica do autor, é cheia de ironia e pessimismo. Na vida, em alguns
momentos, ela faz extremo sentido. É o caso do poema O Gênio da Multidão
(traduzido por Pedro Gonzaga). Nele podemos situar as ilicitudes da Igreja
Universal e a incompreensão da sentença. Transcrever-se-á os principais
versos para este artigo:
Conclusão
É-se necessário, destarte, que casos desse tipo sejam punidos, pois o
discurso discriminatório e de ódio no campo religioso, se não for contido e
eliminado, vai abrindo sorrateiramente as portas da intolerância. Portas estas
fáceis e leves de se abrirem, mas difíceis e pesadas de serem fechadas. A
intolerância é o caminho para a ruína da sociedade, do Estado Democrático de
Direito e de seus pilares fundamentais para o funcionamento harmônico da
vida plural e digna. O pluralismo deve ser incorporado como algo natural ao
humano. Sermos, enfim, humanos, na Justiça, no convívio social, na vida.
Referências bibliográficas
Bittar, E.C.B; de Almeida, G.I. Curso de filosofia do direito. 10ª edição. São
Paulo: Atlas, 2012.
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_
Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf
RESUMOS
Orientadora:
Dra. Erika Macedo Moreira3
Objetivos
1
Acadêmica da Universidade Federal de Goiás - Regional Cidade de Goiás. Curso de Direito 8º
Período. Estagiária da Associação Cerrado Assessoria Jurídica Popular. Integrante do Grupo de
Mulheres Negras Malunga. Integrante da AMNB - Articulação de Ong's de Mulheres Negras
Brasileiras
2
Acadêmico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Campus Monte Alegre, Curso de
Direito - 2º Período.
3
Universidade Federal de Goiás
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1200
Metodologia
Conclusões
Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15. ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil.
2011.
http://luizfernandoadv.blogspot.com.br/2014/05/justica-federal-define-que-
cultos-afro.html <Acesso em 13/07/2014>
http://s.conjur.com.br/dl/agravo-instrumento-interposto-mpf-rj.pdf<Acesso
em 13/07/2014>
4
Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/agravo-instrumento-interposto-mpf-rj.pdf
Introdução
Metodologia
1
Graduado em Letras Inglês e Literatura da Língua Inglesa, FAJESU; em Serviço Social, UNOPAR;
em Administração Pública, UEG. Especialista em Gestão de Políticas Públicas Integrados para
Infância e Adolescência, IECO; Metodologia e Docência no Ensino de Língua Inglesa, IECO; Gestão
de Políticas Públicas em Gênero e Raça, UNB. Cursando Especialização em Patrimônio, Direito
Cultural e Cidadania, UFG e Mestrando em Serviço Social, PUC-Goiás. Professor da Faculdade
Projeção.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1205
Resultados e discussões
Conclusão
Referencias bibliográficas
Adriana Britto
Alexandre F. Mendes1
Carolina Anastácio2
Roberta Fraenkel3
Rosane M. Reis Lavigne4
1
Professor UERJ
2
Defensora Pública
3
Idem
4
Ibidem
5
Sobre a possibilidade de serviços públicos comuns, cf: NEGRI, A. Fabbrica de porcelana. Per una
nuova grammatica política. Milano: Giangiacomo Feltrinelli, 2008.
6
Para mais informações conferir: http://www.forumjustica.com.br/. Acesso em 26 de novembro de
2013.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1208
2. Aportes teóricos
7
Sobre a Lei Complementar 132/2009 e sua relação com a promoção dos direitos humanos e de
mecanismos participativos, cf: GARCIA DE SOUSA [Org.], J.A. Uma nova Defensoria Pública pede
passagem: reflexões sobre a Lei Complementar 132/09. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1209
8
Conferir os três volumes existentes com artigos e orientações didáticas sobre o direito achado na
rua: SOUZA JR., José Geraldo de (org.). Introdução Crítica ao Direito. Brasília: UNB, 1993; SOUZA
JR., José Geraldo de, e AGUIAR, Roberto A. R. de (orgs.). Introdução crítica ao direito do trabalho –
Série O direito achado na rua. Volume II. Brasília, UnB. 1993, e SOUZA JR., José Geraldo de, MO-
LINA, Mônica Castagna e TOURINHO NETO, Fernando da Costa (orgs.). Introdução crítica ao direi-
to agrário – Série O direito achado na rua. Volume III. Brasília, UnB, 2002. Conferir também:
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva,
2001
9
A abertura para a ação social, segundo o jurista, pode ser compreendida a partir de aberturas
epistemológicas (múltiplas produções culturais), aberturas interculturais (múltiplas lutas pela
dignidade) e aberturas políticas (a radicalização democrática). (FLORES HERRERA.J, 2005, p.68)
3. Objeto do artigo
4. Referências bibliográficas
SOUZA JR., José Geraldo de, MOLINA, Mônica Castagna e TOURINHO NETO,
Fernando da Costa (orgs.). Introdução crítica ao direito agrário – Série O
direito achado na rua. Volume III. Brasília, UnB, 2002.
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 9
Avaliadores:
Renata Ribeiro Rolim (UFPB)
Maurini de Souza Alves Pereira (UTFPR)
EMENTA
O Espaço de Discussão Observatório Mídia, Direitos e Políticas de
Comunicação apresenta um recorte teórico-metodológico que envolve, de
forma abrangente, temáticas como direitos humanos, direito à comunicação,
regulação de radiodifusão e de telecomunicações, liberdade de expressão e de
imprensa, entre outros temas correlatos à compreensão da comunicação
como direito humano. Em face disso, entende-se como inescapável a
abordagem da comunicação entre todos os (as) profissionais e ativistas de
sindicatos, movimentos sociais e de organizações não-governamentais, dada a
transversalidade de sua influência política, cultural e simbólica – em resumo,
subjetiva -, à parte seus condicionamentos econômicos, que são estruturais e
superestruturais. Considera-se, com consonância com o Relatório MacBride,
publicação produzida pela Unesco no final dos anos 1970 e publicada em
1980 (‘Um Mundo, Muitas Vozes’), entende-se que “a comunicação é um
aspecto dos direitos humanos”. No entanto, há um avanço qualificador: ele é
cada vez mais concebido como o direito de comunicar, mais do que o simples
e limitado direito de receber comunicação ou de ser informado. Esse novo
processo, multidirecional, no qual os (as) participantes – individuais ou
coletivos – mantêm um diálogo democrático e equilibrado, em oposição à
ideia de monólogo, é a própria base de muitas das ideias atuais que levam ao
reconhecimento de novos direitos humanos. A consequência primeira ao
reconhecer o direito à comunicação é “entender de que ela precisa ser vista
como passível de discussão e ação enquanto [sic] política pública essencial, tal
como políticas públicas para os segmentos de saúde, alimentação,
saneamento, trabalho, segurança, entre outros” (Murilo César Ramos). Ou seja,
constitui-se de modo transversal e interdependente, com uma verve
marcadamente simbólico-cultural, com os demais (político [executivo,
legislativo e judiciário] e econômico, principalmente). É exatamente por isso
que o conceito de políticas de comunicação está mais próximo do termo em
inglês politics, a “ação do poder sobre o poder”, do que de policy, a ação
racional de múltiplos agentes públicos ou privados (Ramón Zallo). Dessa
forma, políticas de comunicação são “conjuntos integrados, explícitos e
duradouros de políticas parciais de comunicação harmonizadas em um corpo
coerente de princípios e normas dirigidos a guiar a conduta das instituições
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1215
ARTIGOS
RESUMO: No século XXI, o espaço público global surge como um novo ES-
paço de encontro entre diferentes atores globais e locais que podem interagir
facilmente em tempo real, com ajuda das novas tecnologias da informação. Na
atualidade o Estado já não tem o monopólio sobre a esfera pública, tampouco
tem o monopólio sobre as relações internacionais. A sociedade internacional
agora é policêntrica, formada por múltiplos atores que são protagonistas de
naturezas diferentes e, por isso, a organização internacional já não pode
constituir-se só com as iniciativas dos Estados,pelo contrário, devem
estruturar-se novos mecanismos de inclusão da sociedade civil representada
por suas organizações.No presente artigo descreveremos o poder do ativismo
social no século XXI, analisando especificamente as organizações da sociedade
civil, caracterizadas por ter estruturas bem organizadas e, as redes sociais
caracterizadas por ser flexíveis, sem ter estruturas bem organizadas.
PALAVRAS-CHAVE: espaço publico global, movimentos sociais, redes, ONG,
novas tecnologias.
1. Introdução
1
Advogada pela UniversidaddelRosario, Bogotá - Colombia. Especialista em Direito Administrativo
(2004) e Ambiental (2006) pela UniversidaddelRosario. Advogada do Departamento Administrativo
de laFunción Pública de Colombia (2004-2005). Chefe Jurídica do Fondo Paz - Presidencia de la
República de Colombia (2006). Subdirectora Administrativa Ministerio de Agricultura y Desarrollo
Rural de Colombia (2007-2009). Diretora de Comcaja (2009). Mestre em Direito do Estado (2011) e
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2013). Pesquisadora e professora na
UniversidaddelRosario (2012-2013) e Universidad de laSabana (2013). Estagio de pós-doutorado
na Universidade Federal do Paraná (2014). Trabalha temas de gestão pública, reforma ao Estado,
teoria do Estado, governo eletrônico e governança. [email protected]
Nos últimos anos, tem-se evidenciado o poder das redes sociais para
congregar indivíduos a favor de projetos e ideias compartilhadas, latentes nas
comunidades. As convocações lançadas virtualmente na rede têm sido capazes
de mobilizar multidões em favor de causas que, em muitas oportunidades,
colocam em apuros as velhas instituições, especialmente o Estado. Também é
verdade que na atualidade existem casos exitosos do uso das redes sociais
para melhorar a governabilidade em comunidades especificas.
A flexibilidade das redes sociais potencializadas pelas novas
tecnologias da informação permite que os indivíduos se unam a diferentes
redes e movimentos sociais com diversos objetivos gerais ou específicos,
ampliando a comunicação em níveis nunca antes alcançados.
Na sequência, analisaremos duas tendências opostas surgidas desde as
redes sociais. A primeira tendência é a formação de movimentos sociais para or-
ganizar protestos contra o sistema, as entidades públicas, as grandes corporações
privadas, a corrupção, os políticos, etc. A segunda tendência, oposta à anterior, é a
utilização das redes sociais para comunicar informação relevante em tempo real,
ajudando na consolidação de comunidades virtuais que participam ativamente na
consecução de objetivos, ou auxiliam de diferentes formas as entidades públicas
ao cumprimento de suas obrigações e deveres constitucionais.
4. Conclusão
representa, per se, maior vontade por parte dos governantes para que os
cidadãos participem, nem tampouco representa aumento das capacidades dos
cidadãos para participar de maneira responsável e comprometida com a
melhora da democracia. Assim, ainda que as condições tecnológicas permitam
novas possibilidades de comunicação, é necessário avaliar as diferentes condi-
ções existentes em cada contexto, para então poder determinar as mudanças
factíveis nas instituições em cada período de tempo.
6. Bibliografia
BBC MUNDO. 2013c. Brasil y Turquía: diferentes protestas con los mismos
símbolos. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2013/06/130620_brasil_protesta_simbol
os.shtml Acesso em: 20/06/2013.
BBC MUNDO. 2013d. ¿Se cierra la vía democrática para los islamistas tras
el golpe en Egipto? Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2013/07/130702_egipto_medio_oriente
_jrg.shtml Acesso em: 05/07/2013
BBC MUNDO. 2013e. ¿Qué pasa hoy en los países de la Primavera Árabe?
Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2013/02/130208_primavera_arabe_tune
z_dp.shtmlAcesso em: 08/12/2013.
RESUMOS
Orientador:
Dr. Gustavo Ferreira Santos2
Introdução
1. Objetivos
1
Estudante de Direito e bolsista PIBIC da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
2
Professor de Direito Constitucional na UFPE e na Unicap, na graduação e nos programas de pós-
graduação. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
3. Metodologia
4. Resultados e discussão
5. Conclusões
6. Referências bibliográficas
1
Graduandas em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; compõem o
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA; estudantes no Grupo de Pesquisa Direito
Ambiental, Urbano, Agrário e Movimentos Sociais Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –
UESB.
Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 10
POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS, QUESTÃO AGRÁRIA E
CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Avaliadores:
Carlos Frederico Marés de Souza Filho (PUCPR)
Mariana Trotta Dallalana Quintans (UFRJ)
Eduardo Faria Silva (UP)
Erika Macedo Moreira (UFG)
EMENTA
O espaço de discussão tem por tema povos e comunidades tradicio-
nais, políticas de desenvolvimento e conflitos socioambientais. Pretende-se
discutir como as políticas de desenvolvimento governamentais e/ou não go-
vernamentais têm impactado esses sujeitos coletivos e outras populações
locais, assim como gerado conflitos socioambientais em que as relações entre
Estado, Direito, Mercado, Mídia e Movimentos Socais são foco de tensões,
repressões, garantia de direitos e negociações. Com isto, objetiva-se refletir
sobre aspectos históricos, sociais, econômicos, jurídicos, políticos, antropológi-
cos, étnico-raciais e culturais que demarcam as possibilidades de crítica aos
modelos de desenvolvimento e a repercussão da perspectiva dos direitos
humanos, da sustentabilidade e da diversidade cultural, em âmbito local,
nacional e internacional, na confrontação e proposição de modelos alternati-
vos e insurgentes. Neste ED, pretende-se contribuir com análises interdiscipli-
nares para o tema, articulando as questões com marcadores sociais da dife-
rença (classe social, geração, gênero, sexualidade, raça, etnia, entre outros), as-
sim como à aplicação empírica, jurídica e crítica dos instrumentos reguladores
do acesso à terra, aos recursos naturais e aos direitos em dimensões espaciais
múltiplas: patrimônio cultural e conhecimento tradicional, repartição de
benefícios, consulta prévia, laudos antropológicos, pesquisa-ação, processos
judiciais, repercussão política nos Tribunais.
ARTIGOS
Introdução
1
Bacharel em Direito e Mestrando em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
2
Conceito cunhado pelo professor da UFJF Jessé Souza.
3
Termo cunhado pelos pensadores idealizadores da chamada democracia radical ou agonismo,
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1250
4
Também se sabe da relevância de uma discussão histórica e antropológica plena e abalizada
acerca da formação do Brasil em seus termos territoriais, desde a colonização, mas, como já
salientado, e apesar da vontade de se debruçar sobre temas coligados nesse sentido que
requereriam ao menos uma dissertação, o presente estudo focalizará apenas nos temas propostos
no capítulo introdutório. A luta das Ligas Camponesas e outros Movimentos de luta por terra a
partir de meados de 1950 e, sobretudo, a partir do regime militar, também merecem destaque
especial, ainda que apenas na presente nota.
3. Mas que gente toda é essa que demanda por reforma agrária
no Brasil?
5
Apesar de se tratar de um conceito sempre precário e contingencial, que pode mudar e se
readequar constantemente, atualmente são definidos como povos e comunidades tradicionais as
seguintes identidades coletivas no Brasil: povos faxinalenses, povos ciganos, povos indígenas,
quilombolas, catadoras de mangaba, quebradeiras de coco-de-babaçu, povos de terreiro,
comunidades tradicionais pantaneiras, pescadores, caiçaras, extrativistas, pomeranos, retireiros do
araguaia e comunidades de fundo de pasto.
6
Pesquisa constante no sitio eletrônico da Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1295478-entenda-demarcacoes-de-terras-
indigenas-e-conflito-com-proprietarios-rurais.shtml, publicada em 15 de junho de 2013 e
acessada em 20 de julho de 2013. A pesquisa conta com diversos outros dados referentes à
distribuição de terras no país, a concentração da população indígena em espaços urbanos e rurais.
Porém, o objetivo principal deste ponto do estudo é conferir uma discussão acerca das
demarcações de terras indígenas.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1254
7
Alguns representantes da chamada bancada ruralista no Congresso Nacional não se eximem de
declarar publicamente que a questão indígena, entre outras, representam um entrave ao
desenvolvimento nacional e aos interesses do grande capital. Tais demandas devem, segundo
eles, ser o quanto antes “retiradas de campo”. Prova disso são os Projetos de Lei que estão em
discussão nesse Congresso, com destaque à PEC 215, PLP 227 e Portaria 303 da AGU, entre outros
declarados flagrantemente inconstitucionais por órgãos judiciários como o Ministério Público
Federal e Ordem dos Advogados do Brasil, mas que, todavia, tem uma articulação contundente
para entrar em vigor no Ordenamento Jurídico brasileiro o quanto antes.
8
Dados constantes no sítio eletrônico http://reporterbrasil.org.br/2014/02/lentidao-na-titulacao-
de-terras-quilombo(-nao-sao-prioridade-no-governo-federal/, publicado em 03/02/2014 e
acessado em 20/04/2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1256
não se vê nesses casos. Fato também que, mesmo que muitos não acreditem
ou se esforcem para se eximir de contribuir nesse debate crítico, está posto
em ação o último “grande gás” do projeto expansionista do grande capital
nacional e internacional no Brasil. Esta investida tem impacto direto, sobretudo
nos povos da Amazônia e no cerrado brasileiro que vai de Minas Gerais ao
nordeste do país.
9
Dados constantes no sítio eletrônico: www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/metade-dos-
documentos-de-posse-de-terra-no-brasil-e-ilegal
7116.html?fb_action_ids=679978142073209&fb_action_types=org.recommends, publicado em
20/06/2013 e acessado em 10/02/2014.
10
Idem
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1258
11
Importante salientar que tamanho déficit habitacional não tem relação direta com a falta de
oferta de imóveis na cidade, mas, na verdade, com o modelo de cidade-mercado que ganha cada
vez mais espaço. Segundo dados do IBGE e Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte, em 2010,
existiam aproximadamente 75 mil imóveis ociosos entre terrenos e edificações, contra um déficit
habitacional de 55 mil famílias sem-casa. Isso mostra que a demanda é grande, mas a falta de
vontade política em proceder com sua resolução ainda maior. Essa inércia reflete, atualmente, no
fenômeno das Ocupações Urbanas organizadas - assunto que deverá ser discutido de forma
pormenorizada em outro momento que não este - que, entre 2010 e 2014 já somam 14 na região
metropolitana de Belo Horizonte.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1259
mais, por vários motivos acima expostos, e por alguns que passam agora a
complementá-los, acredita na viabilidade econômica da desapropriação de
terras privadas no Brasil, ainda que, como dito, os terrenos públicos espalha-
dos pelo campo sejam muitos e mais facilmente “negociáveis” para este fim.
Acredita-se veementemente que a alta concentração de terras no
Brasil representa um obstáculo claro e contundente a uma perspectiva demo-
crática de estado, tendo em vista que exalta o poder de poucos, que possuem
influencia política gigantesca, sobretudo no plano legislativo nacional, em
detrimento de uma população que, ainda que tenha baixas constantes em seu
número, constitui ainda 20 milhões de pessoas e, como explicitado, não
obstante as demandas esparsas e pouco conectadas entre si, possui sim um
leque de reivindicações que demonstram a urgência de Reforma Agrária no
país. Acredita-se que antidemocrático é o alto índice de terras griladas no
país. Antidemocrático é o número elevado de pistoleiros e jagunços que
matam diariamente, por mando de seus patrões, milhares e milhares de
populações campesinas que lutam pelo direito à terra. Antidemocrático é o
conluio político partidário no cenário atual que perpetua a visão coronelista e
neodesenvolvimentista, e obedece alguns setores de interesses escusos e
privados, como o do agronegócio, exercendo influência decisiva nos rumos
das criações de leis e alternativas legislativas e de decisões judiciais em torno
do tema, sempre no intuito de seguir uma lógica opressiva sobre os pobres do
campo, retirando-os todo e qualquer direito em nome de uma cruzada sem
limites que alia a expansão das atividades de agropecuária extensiva ao
aumento considerável de atividades mineradoras e do setor hidrelétrico, sem
que haja discussão séria e concisa com as diversas populações do campo que
são constantemente atingidas - direta e indiretamente – por essas ações. Sem
discussão, sem deliberação conjunta, sem participação popular no processo de
tomada de decisões, não há como se falar em democracia no Brasil.
Como se não bastasse, o estado brasileiro, em suas diversas esferas, se
utiliza do instrumento das Audiências Públicas como saída para justificar a de-
mocracia e participação popular em suas ações, fazendo dela um instrumento
de consulta popular altamente falacioso e frágil e, por isso, ruim para o apri-
moramento daquilo que pode ser chamado de democracia deliberativa, ainda
que essa mereça discussão e atenção mais pormenorizada, dada a série de no-
vos teóricos políticos que visam superar a visão idealista e procedimentalista
criada por Jurgen Habermas que norteia, sobremaneira, pelo menos em teoria,
os moldes como se faz política pública no Brasil nesse sentido.
Existe sim uma maioria urbana, mas nunca desvinculada das lutas e
reivindicações no campo. Existe sim um numero considerável de populações e
categorias identitárias coletivas que reivindicam o direito de morar, plantar, se
utilizar dos recursos provenientes da terra e ter segurança em sua posse. Existe
demanda por Reforma Agrária no Brasil.
Ainda que a democracia seja um conceito sempre em reconstrução e
reinvenção, dado que o antagonismo dos mais variados discursos é também
sempre precário, contingente e multipolarizado, e que a disputa entre discur-
sos hegemônicos e contra hegemônicos seja sempre reativado e rein-ventado,
além de que as identidades e as práticas articulatórias em torno de direitos e
garantias, bem como as posições ocupadas pelos sujeitos e os interesses que
eles defendem estejam também em constante transição e mutação. Trata-se
da precariedade das próprias relações humanas, bem ao sentido apregoado por
aqueles defensores da chamada democracia radical, como Ernesto Laclau e
Chantal Mouffe. É certo que buscamos viver numa sociedade democrática e que
não é a irrecorribilidade das ações de desapropriação, conquista do processo
constituinte democrático em torno da Constituição de 1988 - o que é total-
mente legítimo -, mas sim todos os fatores acima explicitados que demonstram
os traços ditatoriais e coronelistas que, todavia, dominam o espaço decisório da
esfera pública no Brasil, dominados pelo mercado e pelo interesse econômico
nele perpetrado, mais ainda em relação à Questão Agrária.
Os atores no campo são variados, múltiplos e plurais. Suas vozes,
interesses, reivindicações e racionalidades - superando-se a velha concepção
de que existe somente uma racionalidade, aquela pertencente ao chamado
ethos capitalista, no mundo rural, ou uma única sociabilidade, o que aqui se
combate com efusividade - ainda que em constante construção de discursos e
práticas articulatórias, são as certezas de que poderá se chegar à democracia
no Brasil, onde exista de fato participação dos seus mais variados atores nos
processos decisórios. Não há que se falar em falta de força política dos
diversos grupos rurais para justificar a não iminência de uma Reforma Agrária
no Brasil. Claro que se somarem suas demandas, interesses e forças em prol
de uma reivindicação consistente e consolidada, dando a ela um único nome,
isso facilitará a luta e a capacidade desses sujeitos em intervir nas decisões,
muitas vezes unilaterais e autoritárias do estado brasileiro. Porém, não é esse
o motivo que deve impedir, ao menos na teoria, a construção dessa pauta.
Dias melhores virão aos povos rurais do Brasil. E a Reforma Agrária é o
caminho para estes dias.
5. Considerações finais
Referências bibliográficas
CASTRO, Eduardo Viveiros de. No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem
não é. In: RICARDO, Beto; RICARDO, Fany (ed.). Povos indígenas no Brasil:
2001-2005. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006, p. 41-49.
1
Advogado e Bacharel em Direito pela a Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) e pesquisador
do Núcleo de Extensão e Pesquisas em Assessoria Juridica Universitária Popular (NEAJUP).
2
Estudante do Curso de Direito da UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas; e-mail:
[email protected]
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1266
1. Introdução
3
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil. 3ed. São Paulo: Vozes, 1983.
p.21.
4
ANDRADE, Manuel Correia de. Lutas Camponesas no Nordeste. São Paulo: Ática,1986. p. 5-6.
5
MARTINS, José de Souza. op. cit. p.15.
6
Idem, ibdem.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1268
“(...) a palavra camponês não designa apenas o seu novo nome, mas
o seu lugar social, não apenas no espaço geográfico, no campo em
contraposição à povoação ou à cidade, mas na estrutura da
sociedade; por isso, não é apenas um nome, mas pretende ser
7
também a designação de um sentido histórico.”
A partir daí a sua condição social pode ser vista como uma injustiça, o
que produz um estado de revolta. Essa revolta vivida de forma coletiva, a
partir das organizações construídas, possibilita uma ação coletiva, e “a ação
coletiva coloca as relações vividas num novo patamar. Vislumbra-se a
possibilidade de não apenas se revoltar contra as relações predeterminadas, mas
de alterá-las.”8 E assim o campesinato se constitui numa força de resistência.
Tendo em vista que o termo camponês reflete uma a delimitação
política, o certo é que cada organização rural acabou por adotar por
camponês aquele agrupamento social ao qual se dispôs a organizar. Os
critérios, assim, seriam essencialmente políticos e adaptados a abrangência da
organização. Nesse trabalho procuramos formular o conceito a partir de uma
síntese das diversas correntes, ficando o entendimento de que o Campesinato
é composto por homens e mulheres socialmente subordinados a uma
classe rural dominante.
7
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil. 3ed. São Paulo: Vozes, 1983.
p.22-23.
8
IASI, Mauro. Ensaios Sobre Consciência e Emancipação. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 29.
9
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2005.
10
Ver MARTINS
11
MARX, Karl. Miséria da filosofia. 2ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. p.190
12
MOURA, Clóvis. Sociologia Política da guerra Camponesa de Canudos. São Paulo: Expressão
Popular, 2000. p.25
13
Ver IASI, Mauro. Metamorfoses da Consciência de Classe. São Paulo: Expressão Popular, 2005
14
Neste trabalho conscientização é entendida como o processo de “desvelamento” ou
“desmistificação”da realidade, como uma constante descoberta do real. Isso significa dizer que a
conscientização é um processo que nunca se encerra daí, portanto, tratarmos no texto de várias
escalas de ação e de consciência política. O processo de conscientização se dá de forma interna à
classe oprimida, mas é uma mediação com o espaço real. Não pode vir dos opressores, pois os
mesmos se nutrem justamente da mistificação da realidade. Ver FREIRE, Paulo. Conscientização:
Teoria e Prática da Libertação. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
“(...) unir o direito dos homens do campo a uma força do Estado que
obrigue a que esse direito já existente passe a ter função e fosse
cumprido. Em outras palavras: tem um papel integrativo, isto é, ao
invés de criar um direito alternativo, contestatório, o que eles
18
querem é ser legitimados social e juridicamente.
15
Ver: HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Barcelona: Critica, 2001
16
Ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Nova Fronteira, 1997.
17
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil. 3ed. São Paulo: Vozes, 1983.
p.67
18
MOURA, Clóvis. Sociologia Política da Guerra Camponesa de Canudos. São Paulo: Expressão
Popular, 2000. p.121
19
IASI, Mauro. Op. Cit.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1272
20
LUKÁCS, George. História e Consciência de Classe. Porto: Escorpião, 1974. p. 91-92
21
SANTIAGO, Vandeck. Francisco Julião: Vida, Paixão e Morte de um Agitador. Recife:
Assembléia Legislativa de Pernambuco, 2001. p 37.
22
JULIÃO, Francisco. Que são as Ligas Camponesas?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.
23
MOURA, Clóvis. Sociologia Política da Guerra Camponesa de Canudos. São Paulo: Expressão
Popular, 2000. p.120
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1274
24
In: SANTIGO, Vandeck. Op. Cit. p.19
25
Ver LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição: Um Sujeito Histórico na Luta por
Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
6. Conclusão
26
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. Porto: Escorpião, 1974.
27
MASCARO, Alysson. Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latim,
2003.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1276
7. Referências bibliográficas
CASTRO, Josué de. Sete Palmos de Terra e um Caixão. São Paulo: Brasiliense,
1965.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret,
2005.
MARX, Karl. Miséria da filosofia. 2ed. São Paulo: Martin Claret, 2008.
1. Introdução
1
Bacharela em Direito
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1279
2
INCRA. SR30. Processo n° 54100.001230/97-10. Instaurado para a criação do Projeto de
Assentamento Rio Trairão. Belém, 1997.
2. Um pouco de história
2. O assentamento
3. Sementes da Floresta
4. Violência e grilagem
3
Entrevista registrada em áudio, concedida por Angela Sauzen, no município de Uruará, em
setembro de 2013.
4. Considerações finais
Referências bibliográficas
BRENNEISEN, Eliane. Da luta pela terra a luta pela vida: entre os fragmentos
do presente e as perspectivas do futuro. São Paulo: Annablume, 2004.
CUNHA, Candido Neto da. “Pintou uma chance legal: o programa Terra Legal
no interior dos Projetos Integrados de Colonização e do Polígono
Desapropriado de Altamira, no Pará”. Agrária. Laboratório de Geografia
Agrária - DG/FFLCH/USP. ISSN 1808-1150. nº 10/11, 2009, p. 20-56.
1
Acadêmica do 3º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL.
Membro do NEAJUP - Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria Jurídica Universitária Popular da
UNEAL. Contato eletrônico: [email protected]
2
Acadêmica do 3º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL.
Membro do NEAJUP - Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria Jurídica Universitária Popular da
UNEAL. Contato eletrônico: [email protected]
3
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Advogado, Pós graduando
em Política e Sociedade. Pesquisador do NEAJUP - Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria
Jurídica Universitária Popular da UNEAL. Contato eletrônico: [email protected]
ABSTRACT: The "land of the marshals", Alagoas, is one of many places where
the Right to Food is existing on paper; however, what is prevalent in the lives
of thousands of people is hunger. This not only is present in Alagoas soil, but
also in Brazil and worldwide. It has always existed and everywhere. At other
times, it is thought that food production would not be sufficient to meet all
human beings. But the contemporary world shows another reality. This reality
is no less disturbing; never theless, there is much more cruel. Foods that are
produced to give food more than 6 billion lives. The concentrations of income
and land are very typical of the Forest Zone in the Wasteland and Hinterland
Alagoas, where the mill owners, the powerful, the great landowners "steal"
daily bread of those who are served with a sugar, which does not is able to
sweeten their bitter lives. Which live dry after dry, with the excuse that it is a
natural problem and that there is much to do, just compensatory measures.
The State is acting, but much still needs to be done. Nothing inherent in man
than hunger, desire to eat; and nothing more worthy of the human being to
have that need satisfied. In the land of lakes a major cause of the serious
problem of hunger is the land; land that is not eaten, but where plant in order
to eat. Alagoas needs, and that is in the near future be a rich state for failing to
poverty, misery and hunger.
KEYWORDS: Alagoas. Cane sugar. Right to Food. Hunger. Public Policy.
1. Introdução
2. Conceitos fundamentais
o
§ 1 A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as
dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais.
o
§ 2 É dever do poder público respeitar, proteger, promover,
prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do
direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os
mecanismos para sua exigibilidade.
o
Art. 3 A segurança alimentar e nutricional consiste na realização
do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos
de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o
acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base
práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a
diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e
socialmente sustentáveis.
2.2 Fome
Há vários tipos de fome, que não cabem aqui ressaltá-los. Mas a fome
que existe em Alagoas é uma fome endêmica e epidêmica: que não tem fim.
No território alagoano o direito humano e fundamental à alimentação ade-
quada não é respeitado. É grandioso o número de famílias que vivem em si-
tuação de insegurança alimentar. Que dignidade da pessoa humana, que direi-
to ao alimento e, até mesmo, à vida são esses que, muitas vezes, são procu-
rados junto ao lixo?
3. A historiografia da fome
4.1 Zona da Cana (Leste, Litoral ou, mais comumente, Zona da Mata)
tonelada de cana gastasse 800 reais, e essa mesma tonelada é vendida por mil.
Se não fossem subsidiados (de onde advém parte de seus lucros), os homens
da cana já teriam falido há muito tempo.
Os usineiros de Alagoas não se modernizam porque não constitui
prioridade para eles produzirem mais e melhor, visto que são subsidiados e
que, de uma ou de outra forma, sempre se mantém no poder, e também por-
que não vão investir em tecnologia com o próprio capital e um bom estudo
para tal iria demorar. Eles não diversificam suas plantações e produções por
insegurança e, igualmente, para manterem sua hegemonia. O estado encon-
tra-se parado no tempo. De 1600 a 2000 pouco mudou, principalmente e es-
pecificamente no setor canavieiro. Dificilmente, essa condição será modificada,
pois os novos que entram no poder estão subordinados e condenados a essas
primitivas mazelas e, da mesma forma, simplesmente (para eles) porque não
querem transformar essa triste e cruel realidade. Impedem, verdadeiramente,
sem nenhuma máscara, o desenvolvimento de Alagoas (entenda-se Alagoas
como sendo seu povo). Uma Alagoas que, nos dizeres de Fernando José de Lira
em sua espetacular obra Formação da Riqueza e da Pobreza de Alagoas, sempre
representou o grande guarda-chuva protetor de seus poderosos, de suas elites
agrárias, de suas oligarquias políticas. Encontra-se presa como que em uma
camisa de força, com gritantes atrasos econômicos e sociais. Um local tão rico
em potencial natural e humano, onde suas anomalias não são vulcões,
maremotos, muito menos terremotos; mas são sim, seus próprios políticos e
usineiros. Estes “usando e abusando” da natureza, do Estado e da sociedade. De
acordo com José Inaldo Valões (2009, p. 64): “[...] o corpo, o suor e sangue do
camponês, do índio, do negro, formam o maior adubo do canavial alagoano”.
Os homens da cana são os detentores do poder. Poder político, poder
econômico, influência social, detentores das terras, dos meios de produção. São
os donos do jogo. Dos 102 municípios alagoanos, 54 possuem plantações de
cana-de-açúcar (Fonte: SINDAÇÚCAR, 2010). Segundo Arnaldo Jabor, em suas
crônicas para o Jornal da Globo, é o “silêncio da miséria”. Atualmente existem 24
usinas em Alagoas (Fonte: Sindaçúcar-AL). E não coincidentemente uma
catastrófica concentração de renda, especialmente nas mãos de 24 famílias.
Mas, em que mesmo a cana não coopera para que a fome seja extinta
do estado? Ou melhor, como ela contribui para que haja a manutenção da
fome? Como os usineiros não pagam impostos e ainda recebem ajuda do
Governo, Alagoas fica pobre e com poucos recursos para investimento. É certo
que, de acordo com Edivaldo Junior (2008, p. A7), a agroindústria
sucroalcooleira contribui com 20% (alguns falam em até 40%) do PIB alago-
ano. Mas se tal setor não dá lucro, como apresenta uma contribuição tão alta
e significativa? Através dos incentivos do Governo. No entanto, os valiosos e
preciosos frutos do “ouro verde” não chegam até a população. Ficam
estanques nos donos do poder, e não atendem a parte mais necessitada: o
povo que sofre e agoniza de dor, miséria e fome. A monocultura canavieira
representa: atraso econômico e social; concentração de poder; de renda; de
educação; trabalho em degradante condição; exploração; concentração de
terra. As usinas não se modernizam; os usineiros não investem em outros tipos
de plantações e, muito menos, permitem ou dão espaço para que outras
atividades se desenvolvam e, desenvolvam-se junto com elas o estado e o
povo. Os imensuráveis latifúndios tomam os lugares das pequenas
propriedades; os poucos usineiros os lugares tomam dos inúmeros pequenos
produtores, os quais não têm aonde, nem como e nem condições de plantar,
o que geraria muito mais emprego e renda. Os donos da cana produzem para
fora, enquanto que o estado tem que importar os gêneros alimentícios mais
básicos. Enquanto alguns se afogam no açúcar e na riqueza, muitos morrem
de fome e miseráveis. Um trabalhador corta, em média, de 8 a 10 toneladas de
cana por dia, para ganhar uma “mixaria”, e tantas vezes sai de casa sem ter
tomado, ao menos, nem uma xícara de café (porque não tem).
6. Conclusão
Referências bibliográficas
NETO, João Cabral de Melo. Morte e vida severina. Obra Completa. Rio de
Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1994.
RODRIGUES, Cau. PIB cresce, mas Alagoas ainda está entre economias mais
pobres do país. Disponível em:
<http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2013/11/pib-cresce-mas-alagoas-
ainda-esta-entre-economias-mais-pobre-do-pais.html>. Acesso em: 17 de
junho de 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª edição.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
1. Introdução
1
Bacharela em Direito pela UFPR
2
Adotamos o termo “desapropriação socioambiental” neste sentido, a exemplo de Renata D’Ávila
(2011). Por conseguinte, a dimensão ambiental da função social é a “função socioambiental”. Há
variações na doutrina especializada, entretanto. Roxana Borges (1999), Joaquim Modesto Pinto
Júnior e Valdez Adriani Farias (2005) adotam a nomenclatura “função ambiental”. Juliana Santilli
(2005), por sua vez, está dentre os autores que afirmam que a “função socioambiental” seria o
conjunto dos quatro requisitos contidos no art. 186 da CF.
3
Fazenda Nova Alegria (Minas Gerais; Decreto de 19/08/2009), Fazenda Escalada do Norte (Pará;
Decreto de 07/12/2009) e Fazenda Santa Elina (Rondônia; Decreto de 15/04/2010). Atente-se que
o caso da Fazenda Santa Elina envolve o terrível massacre de Corumbiara, e que passou-se mais
de uma década até o início da construção dos assentamentos (CORUMBIARA, 2013).
4
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20,
foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Ela marcou os vinte anos
de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-
92).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1319
5
José Gomes da Silva esclarece que o caso brasileiro foi de uma Constituinte Congressual, e não
uma verdadeira Assembleia Nacional Constituinte (SILVA, 1989). A despeito desta importante
distinção, manteremos a nomenclatura oficial.
6
Basta notar que a fundação do MST se dá em 1984 e a da UDR em 1985. Embora existissem
outras entidades, ambas tornaram-se as mais representativas de cada segmento.
7
Um caso que evidencia as tensões então existentes é o ocorrido em reunião da Comissão de
Ordem Econômica sobre a reforma agrária, em 14 de julho de 1987. O jornal Correio Braziliense
assim descreveu o episódio: “O tumulto começou quando as deputadas Beth Azize (PSB/AM) e
Raquel Capiberibe (PMDB/AC) puxaram os fios dos microfones da mesa da comissão, para impedir
que fosse encaminhada a votação dos três substitutivos apoiados pelo grupo liberal. Os
progressistas queriam votar o Anteprojeto de Severo Gomes. Vários constituintes (...) subiram à
mesa para impedir. Em meio à confusão, o primeiro vice-presidente da comissão, deputado Hélio
Duque, renunciou ao cargo, alegando que não compactuaria com a estratégia dos liberais. A partir
daí, começou uma onda de agressão física e troca de palavrões que culminou com um tapa no
rosto do presidente da comissão, deputado José Lins, desferido pelo constituinte Aldo Arantes, do
PC do B de Goiás. Os substitutivos foram rasgados e lançados ao ar. A bandeira do Brasil quase foi
ao chão. Nas galerias, os trabalhadores sem-terra e os representantes da UDR partiram para
ataques furiosos, aos gritos de ‘assassinos’ e ‘vagabundos’.” Houve pelo menos um ferido, que
teve de ser levado ao hospital. Vale ressaltar que o clima de tensão deveu-se também à notícia de
que o advogado Paulo Fontelles, suplente de deputado federal e defensor de posseiros no Pará,
fora assassinado naquele mesmo dia (SILVA, 1989, p. 103-104).
8
No Paraná, o deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), coordenador da bancada ruralista, fundador e
presidente da UDR no Paraná de 1987 a 1990, chegou a afirmar que "os grandes proprietários
rurais vão desencadear uma violenta reação às futuras invasões de áreas - produtivas ou
improdutivas. (...) A reação vai começar e será violenta. Quem invadir nossas propriedades vai ser
recebido à bala" (TERRA, 2005, p. 18).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1321
9
Para José Gomes da Silva, o termo “terra produtiva” diz respeito às condições de fertilidade do
solo, sendo, portanto, incorreto utilizá-lo para fazer referência ao aproveitamento que se dá à
terra. Sugere, deste modo, que se utilize o termo “terra aproveitada” (SILVA, 1989).
(...)
Art. 7º
Serão permitidos destaques para aprovação ou supressão de
parte do projeto ou de substitutivo, na forma do art. 4º desta
resolução, considerando-se incluída ou excluída do texto
10
Bloco que se identificava como “centro democrático”, e era formado por parlamentares aliados
da ditadura e também aqueles vinculados a segmentos empresariais (urbanos e rurais). De modo
geral, eram filiados do PFL, PMDB (ala conservadora), PDS e PTB (MARCELINO; BRAGA; COSTA,
2010).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1323
Art. 8º
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, poderá ser votado
requerimento de destaque, para votação em separado de partes
do texto do projeto ou do substitutivo, desde que subscrito por,
no mínimo, 187 (cento e oitenta e sete) Constituintes.
Parágrafo único. A matéria destacada na forma deste artigo
somente será incluída no texto constitucional, se aprovada pela
maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional
Constituinte. Caso não atinja este quorum, será tida como
rejeitada, sem prejuízo das emendas que hajam sido destacadas
para o mesmo texto. (...)
Art. 10
Ocorrendo a rejeição de Capítulo e de suas respectivas emendas,
será a sessão suspensa pelo prazo de até 48 (quarenta e oito)
horas, devendo o Relator apresentar texto circunscrito à matéria
existente, sem prejuízo da faculdade atribuída à maioria absoluta
dos membros da Assembléia Nacional Constituinte de oferecer
texto, nas mesmas condições do Relator.
11
PT, PDT, PCB e PC do B.
12
Ou seja, a propriedade produtiva teria que respeitar os quatro requisitos usuais de cumprimento
da função social, hoje contidos no art. 186, CF. Todavia, por ser economicamente produtiva,
haveria um grau de cumprimento mínimo, a ser estabelecido por lei.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1325
13
Originalmente, não era esta a intenção do relator, que desejava utilizar como base a proposta
do “Centrão”. Todavia, após discussão com o parlamentar Mário Covas, líder do PMDB, e outras
lideranças de esquerda, aceitou abrir a possibilidade de desapropriação de terras produtivas.
(REFORMA, 1988)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1326
14
A numeração varia de acordo com a etapa da votação. Corresponde ao atual art. 185 da CF.
15
Vale salientar que, neste ponto, segundo turno das votações, decidiu-se não ser mais possível a
utilização de destaque para votação em separado.
16
José Gomes da Silva aponta como motivos para a “amplificação da derrota”: a convenção do
PDS, ocorrida na véspera, e que elegeu o ex-coronel e ex-governador do Pará, Jarbas Passarinho,
figura extremamente conservadora e inflexível, na qual a Direita se reorganizou; a guinada
conservadora do Governo Sarney; e a pressão da UDR, que trouxe muitos filiados para as galerias
do Congresso, e ostentava, no recinto, desde soco inglês a armas de fogo (SILVA, 1989).
189”, a qual foi retirada pela manobra do DVS. Todavia, o “Centrão” não com-
seguiu, por duas vezes, aprovar sua proposta de substituição, tendo apenas
246 e 237 votos, respectivamente. Por outro lado, na votação para reinclusão
da frase supracitada, houve 268 votos a favor. Afirmou o Constituinte: “Em
outras palavras, conseguimos, nesta Assembleia Nacional Constituinte, através
de uma mudança regimental, fazer com que um texto que obteve 237 votos
ganhasse de um texto que obteve 268 votos. Esse foi o paradoxo.” (BRASIL,
1988b, p. 13710)
Não à toa, o constituinte Ademir Andrade (PSB- PA) afirmou que “[O
capítulo da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária] é o único
capítulo do texto constitucional que não combina com seu todo, porque é a
parte mais fechada, mais antidemocrática, mais dura e irreal de toda a
Constituição do Brasil.” (BRASIL, 1988b, p. 13707).
2. Conclusão
resse; todavia, estes interesses não seriam produtos da vontade humana, mas
teriam origem nas relações econômicas entre os homens (2011). O cons-
tituinte Domingos Leonelli (PMDB-BA) parece ter descrito bem os interesses (e
as relações econômicas) que permearam a redação final do referido artigo:
17
Por reconhecer a igualdade de gênero, ampla gama de direitos (fundamentais, sociais,
trabalhistas), proteção ao meio ambiente, direito dos indígenas às suas terras, direito à
demarcação das terras quilombolas, etc.
18
Afirmou o então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), em discurso na finalização
dos trabalhos da ANC: “esta Assembléia Nacional Constituinte teve o prazer de dar aos camponeses
brasileiros um texto mais retrógrado do que aquele que era o Estatuto da Terra, elaborado na época
do Marechal Castello Branco” (BRASIL, 1988e, p. 2).
4. Referências bibliográficas
CONFLITO Agrário. Folha de São Paulo, Brasília, 13 jun 1987, Caderno Política,
p. 4.
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Fabris, 2003.
MAUÉS, Antonio Gomes Moreira; SANTOS, Élida Lauris dos. Estabilidade
constitucional e acordos constitucionais: os processos constituintes de
Brasil (1987–1988) e Espanha (1977–1978). Revista Direito GV, nº 8, São
Paulo, Jul-Dez 2008, p. 349.
1
Pesquisa realizada sobre a orientação de José Inaldo Valões, bacharel em Direitopela
Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Advogado, Pós graduando em Política e Sociedade.
Pesquisador do NEAJUP - Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria Jurídica Universitária Popular
da UNEAL. Contato eletrônico: [email protected].
2
Acadêmica em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; membro do Neajup
(Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria Jurídica Universitária Popular da Uneal); email:
[email protected]
3
Acadêmica em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; membro do Neajup
(Núcleo de Extensão, Pesquisa e Assessoria Jurídica Universitária Popular da Uneal); email:
[email protected]
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1337
1. Introdução
tantas famílias, e que tais têm a seu favor a superioridade dos dispositivos
constitucionais.
Vê-se que, o grande desafio para o jurista contemporâneo, quando da
resolução de conflitos que por ventura venham a deparar-se em sua carreira,
não é o de encontrar normas que possam ser utilizadas, mas sim, o de como
encontrar meios para concretizá-las. Tem-se, a bem da verdade, uma Consti-
tuição que conseguiu alcançar os anseios sociais, que possui em seu bojo pro-
gramas para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Resta, em-
tretanto, planos que a efetivem, que possibilite que suas "promessas" passem
de símbolos, à realidade, de utopia à veracidade.
4
Boaventura de Sousa Santos, Os tribunais nas sociedades contemporâneas, citado por Jacques
Távora Alfonsin, "A terra como objeto de colisão entre o direito patrimonial e os direitos humanos
fundamentais", in Juvelino José STROZAKE (org.) A questão agrária e justiça, pp. 220-221.
em coisa, ou seja, pode ser trocado por um outro bem, possui preço. A
dignidade da pessoa humana é um conjunto de direitos e deveres
fundamentais que garantem à pessoa as condições necessárias para o alcance
de uma existência honrada, com uma vida saudável, com o acesso ao mínimo
existencial, além do incentivo a participação nos destinos de sua própria
existência, ou seja, sua autonomia, e no envolvimento com a coletividade. A
dignidade da pessoa humana é inalienável, não podendo ser cedida a outro e
irrenunciável, não consistindo em algo que pode simplesmente ser abdicado.
Após uma curta análise do princípio da dignidade da pessoa humana
é indispensável demonstrar sua relação com a grande necessidade de acesso à
terra, principalmente se tratando daqueles que precisam da ascensão a mesma
por uma questão de subsistência.Se é evidente que faz parte da natureza do
princípio da dignidade humana assegurar uma qualidade de vida virtuosa,
para que tal princípio seja de fato concretizado é preciso que a justiça se faça
presente, também, na distribuição de terras, justamente porque muitas
famílias só poderão alcançar a felicidade e a realização quando possuírem
terras para habitar e plantar, tanto para si, quanto para a coletividade.
O princípio da dignidade humana atua como um meio para efetivar a
concretização do artigo 3º da Constituição de 1988, que dispõe, justamente,
sobre os objetivos estatais, discorrendo cerca da dignificação do homem. Em
seu inciso terceiro está o objetivo que assegura "erradicar a pobreza e a mar-
ginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". Esse ponto é de fun-
damental importância para demonstrar que um Estado que preza pela extinção
da pobreza e da marginalização deve atender aos anseios da população para
conseguir atingir o seu objetivo, que nesse caso é a redução das desigualdades.
Grande parte da população necessita de terras para produzir sua
subsistência e então conseguir atingir seu estado de realização tanto pessoal
quanto como membro da sociedade, sendo útil a ela. Neste caso, é essencial a
distribuição de terras, de maneira justa e que consiga suprir a demanda do
povo. A concentração de propriedade nas mãos daqueles que já possuem
uma quantidade mais que necessária para a sua realização − constituindo-se,
assim, apenas em egoísmo e pensamento de lucratividade − gera desconten-
tamento por parte daqueles que da terra necessitam como requisito funda-
mental mínimo para ter acesso a uma vida honrada e digna.
Assim sendo, nota-se que enquanto para uns a terra constitui objeto
de lucro, para outros ela representa um meio de concretizar a dignidade
humana, um modo de continuar sua existência no mundo. Desse modo, o
acesso à terra é uma necessidade humana protegida pelo Estado, mesmo que
não fosse explicitamente assegurada − porém, de fato é − mas faz-se pré-
sente pelo simples fato de a Constituição apresentar como um dos objetivos
da República a destruição da pobreza e da marginalização. Enquanto a justiça
no que diz respeito a terra não for alcançada entre todos os membros da
sociedade, e apenas os já possuidores de terras continuarem a adquirir ainda
mais propriedades, o inciso terceiro do artigo terceiro da Constituição Cidadã
não poderá ser posto em prática em sua totalidade, visto que privará aqueles
mais necessitados de alcançarem sua realização e felicidade. É, sem dúvidas,
uma questão de humanidade tratar dos problemas dos que mais precisam e
pouco podem fazer sem políticas públicas − ajuda do Estado − que extirpem
suas condições de excluídos.
reito, outrossim, deveria ser exercido em prol de um bem maior, acima do indi-
vidualismo burguês, o bem coletivo. Teria, assim, que exercer uma função social.
A função social, pressuposto para o legítimo exercício do direito à
propriedade, possui um conteúdo um tanto quanto impreciso. Foi definida no
artigo186, da atual Constituição brasileira,sendo ainda tratada como prisma
para a validação da posse, no art. 184 da mesma carta magna.
Dispõe o supracitado art. 186:
uma pobreza crescente, e resta aos pobres organizarem-se para defender seus
direitos, seus ideias, suas necessidades, suas vidas.
A luta do MST pela terra acontece devido à necessidade de sobrevi-
vência dos trabalhadores rurais que como único modo de garantia de seu sus-
tento e de sua família possuem o trabalho agrário. Consiste numa ação pelo
próprio direito à vida, ao trabalho na terra, ao reconhecimento da dignidade
humana, enfim ao cumprimento de princípios assegurados constitucionalmen-
te. Então, quando famílias do movimento ocupam terras, estão apenas lutando
por uma vida digna e para que o Estado observe suas condições, e, no
mínimo, democratize o acesso à terra para a efetivação da dignidade humana.
Conclusão
à terra é uma necessidade suprema para aqueles que dela retiram seu susten-
to e o dos demais de suas famílias.
Se a propriedade não exerce sua função social compete a União
desapropriá-la para fins de reforma agrária, como dispõe a própria Constitui-
ção do Estado. Assim, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
consiste numa pressão popular para que seja cumprido o que assegura a
CF/88 e seja protegida a igualdade de todos, e esta não apenas em seu
sentido formal, mas sim, essencial. A reforma agrária é algo necessário para
que não haja concentração de terras nas mãos dos mais ricos e para que a
desigualdade e a injustiça mantenham-se distantes da população, como um
todo, e principalmente daquela classe que não consegue ser alcançada pelo
olhar do Estado, ou seja, os mais necessitados.
Referências bibliográficas
1
Professor (a) da Universidade do Estado de Mato Grosso. Departamento de Ciências Jurídicas.
[email protected].
2
Professor (a) da Universidade do Estado de Mato Grosso. Departamento de Educação e
Linguagem. [email protected].
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1352
Q.11 - Tinha muita festa, eu fazia muita festa de São Sebastião todo ano
tinha, mas nunca tiramos esmola pra fazer nossa festa, era tudo cortado pra
quando chegava janeiro tinha marmota e garrote pra matar, eu fazia doce, fazia
biscoito, como era forno, lá no mato, àqueles cupim grande né, eu limpava ele,
cavucava, e fazia forno, assava bolo, tudo. Ave Maria! Juntava gente e tudo, o que
fazia dava com sobra, ai àquelas que me ajudavam na cozinha, quando era fim
da festa, tirava de cada coisa e dava um pouquinho pra cada uma levar pra casa.
Q.01 – Hoje o pessoal não faz mais festa, mas quando eu era mais novo
tinha, eram muitas festas, o meu vô fazia festa, o meu tio fazia festa. Hoje meu
tio tá lá na Chapada, tá velhinho, não faz mais, agora as coisas consegue com
mais dificuldade. Esse meu tio fazia festa de São João e meu avô de Santo Reis,
dizia que era o dia que eles faziam aniversário né.
Q.09 – Resolver eu acho que ter a terra não resolve nada não!
Q.06 - Pergunta difícil né. Talvez sim, talvez não, nós por sermos uma
comunidade pequena a gente tem pouca visita de pessoal que quer melhoria
pra comunidade, vereador mesmo é uma vez por ano, época de eleição, prefeito
também, se você for lá reivindicar alguma coisa pra comunidade fica no papel
ou ali na palavra né, então eu não sei te responder se vai melhorar ou não, a
não ser que aumente a população aqui, talvez se vir gente de fora.
Q.07 - A gente compra água na cidade né, mas a maioria tudo usa essa
ai. Essa água não tem condição não, por esse tempo de chuva, ai tem que pedir
pro vizinho ali quando vai pra cidade vê as coisas dele.
Q.09 - A saúde?! Quando vem o médico que eles arrumaram aqui traz
remédio vencido! É um péssimo doutor isso sim! Você vai lá ele ta falando com
você e falando no telefone e você fica lá esperando parecendo um palhaço e é
um péssimo atendimento, ele já deu remédio vencido várias vezes aqui, até
xarope de adulto pra uma criança ele já deu! Não melhorou nada não, eu acho
que piorou!
Q.06 - Na área da saúde também, que tem uma vez por mês e a ultima
vez que vieram aqui foi em outubro ou setembro, disseram que ia vir outro
médico, mas até agora não veio ninguém. A gente já ta consciente que o médico
só vai vir aqui depois do carnaval, como se doença tivesse alguma coisa a ver
com festa né! E quando vêm eles ainda reclama, você acredita?! –“ Toda vez que
a gente vai na comunidade tem um doente! – O lugarzinho de povo que fica
doente!”.
Q.02 - O médico vem aqui uma vez por mês pra poder atender, ai
atende aqui na minha casa porque não tem nenhum postinho de saúde, não
tem nada, ai tem que reunir todo mundo aqui, tudo que faz é aqui.
Q.07 - A saúde nossa aqui tem vez o médico vem, outras não vem, mas
nem remédio traz, outras vez passa receita pra você, vai ver não tem remédio,
tem que ir na cidade pra pegar, isso ai é complicado. Vem por vim, às vezes vai
lá com a receita e volta com a mão limpa ou tem que comprar.
Q.10 - A saúde é assim, a gente tem um médico que vem aqui uma vez
por mês e atende no bar, porque a gente também não tem posto de saúde,
lutamos e não ganhamos, ele atende lá e traz remédio tudo e se o problema for
mais sério eles dão encaminhamento. Ai tem que procurar na Chapada o posto,
mas ainda é bastante precário, você não tem uma intimidade com o médico,
você não fala abertamente porque sempre tem gente passando ou ta lá dentro
mesmo, então você não tem intimidade e um posto de saúde faz muita falta. O
atendimento não é bom não, ele é muito rápido, você ta falando e ele já deu a
receita do que você tem, nem espera explicar o que é, nem nada, acho que é
pressa, às vezes cansaço, mas não é bom não, ele deveria dar mais atenção ao
pessoal.
Q.05 - Tem que ir pra Chapada, porque não tem um posto de saúde
aqui. Ai tem que ir pra Chapada ou até pra Cuiabá mesmo. Quando fui ganhar
neném, teve que ir pra Cuiabá, porque Chapada também não tem recurso.
Q.06 - Tem que ir pra cidade fazer exame e esperar no outro mês pro
médico vê! Legal né?! Esses dias eu tava com começo de anemia que eu fui
toma um remédio pra fungo na mão, eu fui tomar o remédio e esse remédio
começou a me dar anemia, ai eu cheguei lá na cidade fraca, emagreci bastante,
cheguei lá e pedi ao menos um soro, “- ah não posso te atender porque você
tem que ir no seu médico”. Eu falei, moço o médico foi mês passado lá eu vou
esperar o próximo mês pra ele ir pra me passar um soro, um remédio?! Ai eu
falei – então ta bom! Levantei e já ia desistindo, ai ele falou: - “Vem aqui eu vou
te avaliar”, ai falou: “– Ah não, você ta muito fraca mesmo”. Eu mal tava conse-
guindo andar, ai me passou um soro, e falou que era só isso que podia fazer e o
dia que o médico for lá você pede os exames de sangue pra vê se ta com anemia
e que tipo de remédio você pode ta tomando, e até hoje o médico não apareceu,
coisa que ele podia ta fazendo e não fez. Lá é só emergência, qualquer coisa eles
te encaminham pra cá, pro seu médico ta fazendo, ta pedindo os exames pra
poder ir lá, tem toda é essa dificuldade.
recurso próprio pra isso, tem que ser fundo a fundo, então o governo federal
entra com uma parte com todos os municípios onde está sendo feito os PSFs e
vai para os PSFQ e na sequência o governo entra coma contrapartida que é
colocar profissionais pra trabalhar na área. Logicamente que o profissional não
vai estar lá de segunda à sexta, vai ter um período que cada dia da semana terá
um profissional da saúde lá pra atender o pessoal da comunidade quilombola.
Q.10 - A escola das crianças, o que pega é o horário, tem criança que
levanta 3 e meia da manhã 4h, a maioria, todos eles e demora pra chegar
porque a rota do ônibus é bastante longa, eles sai daqui 4h30 e chaga na escola
as 6h40, sai de lá 11h, chega aqui 1h, 2h, acho que isso também prejudica
bastante no aprendizado, eles já chega lá cansado, chega em casa eles não
querem nem pega mais no caderno, acho que se mudasse a linha e pegasse só
daqui pra Chapada também ajudaria bastante.
Q. 04 – Aqui mais pra frente da pra fazer uma sala de aula e de vez ter
professor daqui 30 km em chapada, pode ter um professor vir aqui dar aula,
parte da manhã ou parte da tarde e pode volta.
Q.10 - Até porque o pessoal queria pedir uma escola aqui, mas não
adianta porque não tem aluno suficiente pra ter uma escola, única coisa que
deveria mudar mesmo era o horário do ônibus e a rota, ajudaria muito.
o
§ 1 Os entes federados estabelecerão nos respectivos planos de
educação estratégias que:
o
§ 2 Os processos de elaboração e adequação dos planos de
educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de
que trata o caput deste artigo, serão realizados com ampla
participação de representantes da comunidade educacional e da
sociedade civil.
Q.09 - Olha, na verdade, se for ver mesmo, acho que tem uns 12 mais
ou menos, analfabeto, tem uns conhece alguma coisa, mas não sabe nada , não
tem noção. Eu acho que é falta de coragem mesmo, tem uns que falam: “- Eu to
cansado, trabalhei a semana inteira, não vou te como”. Eu falo: “- Enquanto
vocês tiverem cansado, sem tempo, tempo nenhum vai fazer por você não, ai é
assim mesmo, falta de interesse”. Outros falam bem assim: “- Eu to quase
morrendo vou estudar pra quê?” Falta de interesse, envelheceu as ideias.
Grande parte dos jovens, com idade entre 16 e 18 anos, não frequenta
mais a escola, sendo apontadas como principal motivação as dificuldades em-
frentadas para acordar cedo, a necessidade de trabalhar e a falta de oportu-
nidade na continuidade dos estudos. Apenas dois membros entrevistados na
comunidade possuíam o segundo grau completo e ambos nutrem o desejo de
cursar uma faculdade (pedagogia, agronomia ou história) e aplicar o
conhecimento na comunidade, mas sem perspectiva de concretização.
Q.09 – A experiência foi boa, gostei sim, foi só um ano que eu dei aula
na comunidade e eu to pensando em fazer uma faculdade de pedagogia.
Vontade eu tenho, mas como faz né?! Num tem!
Q.06 - Não fui pra frente com os estudos até porque Chapada não
oferece nada pra você, não te dá auxílio, tipo, vamos fazer um projeto pra levar
os alunos de baixa renda pra estudar na cidade, porque se você quiser alguma
coisa é em Cuiabá, família em Cuiabá a gente não tem pra ta morando, o
PROUNI saiu quase na mesma época que eu terminei meus estudos, terminei
em 2007 e o PROUNI foi firmar em 2009, por ai, então já perdi, perdi dois anos,
ai logo eu já tava morando pra cá, ai continuei meu trabalho com horta. Se
tivesse como eu ia fazer história, se eu tivesse acesso, minha professora pegava
no meu pé com isso, mas da minha vontade, mas hoje em dia se eu fosse fazer,
eu já ia fazer agronomia, para aplicar aqui. Gosto do lugar tranquilo, de mexer
com a terra.
Q.06 - Por sermos uma comunidade pequena a gente tem pouca visita
de pessoal que quer melhoria pra comunidade, vereador mesmo é uma vez por
ano, época de eleição, prefeito também, se você for lá reivindicar alguma coisa
pra comunidade fica no papel ou ali na palavra né, então eu não sei te
responder se vai melhorar ou não, a não ser que aumente a população aqui,
talvez se vir gente de fora.
Considerações finais
Referências bibliográficas
OLIVEIRA, T. Uma Escola para meu quilombo, Carta Fundamental. 49. ed.
Outubro, 2013. http://www.cartafundamental.com.br/single/show/42
Introdução
1
Artigo 68 do ADCT: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos.”
2
ADI 3239 em trâmite no Supremo Tribunal Federal desde o ano de 2004.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1374
3
“A identidade é um princípio de coesão interiorizado por uma pessoa ou um grupo. Permite-lhes
reconhecerem-se e serem reconhecidos. A identidade consiste num conjunto de características
partilhadas pelos membros do grupo, que permitem um processo de identificação das pessoas no
interior do grupo e de diferenciação em relação aos outros grupos” (LABURTHE-TOLRA, Philippe;
WARNIER, Jean-Pierre. Etnologia-Antropologia. Trad. Anna Hartmann Cavalcanti; revisão da
trad., org. literária e editoração Jaime A. Clasen; revisão técnica Antônio Carlos de Souza Lima.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 409)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1375
4
PRATS, Llorenç. Antropología y patrimonio. Barcelona, España: 1997, p. 62.
5 a
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2 . ed.
Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2002. p. 93.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1377
6
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001. p. 58.
7
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural Dois. Trad. e coordenação de Maria do Carmo
Pandolfo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976. p. 349.
8
LARAIA. Ob. cit., p. 25.
9
ANDRADE, Julieta de. Identidade Cultural no Brasil. Vargem Grande Paulista: A9 Editora e
Empreendimentos, 1999. p. 19.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1378
10
O processo civilizatório: Etapas da evolução sociocultural. São Paulo: Companhia das Letras,
2005; RIBEIRO, Darcy. As américas e a civilização: Processo de formação e causas do
desenvolvimento desigual dos povos americanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; Os
índios e a civilização: A integração das populações indígenas no Brasil moderno.3. reimp. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996; RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1379
11
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política
na transição paradigmática. Vol. I: A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da
experiência. 4ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 60-61
12
Idem, p. 313-314.
13
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os direitos invisíveis. In: OLIVEIRA, Francisco de;
PAULI, Maria Célia (ORG). Os sentidos da Democracia: políticas do dissenso e hegemonia
global. Rio de Janeiro: Vozes Editora, 1999. p. 309.
14
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução
de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.p. 236.
15
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre:
UE/Porto Alegre, 1997. p. 36-37.
16
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito.
Curitiba: Juruá, 2005. p. 168.
17
DULCE, María José Farínas. La tensión del “pluralismo” desde la perspectiva filosófica
intercultural. In Derechos y Libertades. Madrid: Revista Del Instituto Bartolomé de Las Casas. Año
VIII. Enero/Diciembre. Número 12. Universidad Carlos III de Madrid. Boletín Oficial del Estado.
2003. p. 191-204.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1381
Conclusões
Referências bibliográficas
18
Consoante expressamente declarou o ministro relator na ADI 3239.
BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Trad. Celso Castro. 6. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2010.
BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 11. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Tad. Sérgio Góes de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2000.
FRY, Peter; VOGT, Carlos. Cafundó a África no Brasil, São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
HOBSBAWM, Eric J. Sobre História. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
PINSKY, Jaime. Escravidão no Brasil. 3. ed. São Paulo: Global, 2000 (História
Popular, 4).
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Trad. Bárbara Sette. Rev. Téc. Márcia
Bandeira de Mello Leite. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A função Social da Terra. Porto
Alegre: Fabris, 2003.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas
para o Direito. Curitiba: Juruá, 2005.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os direitos invisíveis. In: OLIVEIRA,
Francisco de; PAULI, Maria Célia (ORG). Os sentidos da Democracia: políticas
do dissenso e hegemonia global. Rio de Janeiro: Vozes Editora, 1999.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica.
Porto Alegre: UE/Porto Alegre, 1997.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica.
Porto Alegre: UE/Porto Alegre, 1997.
Introdução
1
Advogada.Mestranda no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito-PPGSD da
Universidade Federal Fluminense-UFF. Email: [email protected]
2
Vale destacar que o conceito de populações tradicionais, embora apareça em legislação
infraconstitucional posterior à previsão constitucional dos direitos socioambientais, ainda é muito
mal definida juridicamente, tendo sido vetada a definição operada pelo art. 2º da Lei nº
9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), qual
seja: “Grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um
determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita
dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando recursos naturais de forma
sustentável.” Na época o veto foi apoiado tanto por preservacionistas, que consideraram a
definição operada demasiado ampla, quanto pelos socioambientalistas, representados na ocasião
pelo movimento dos seringueiros da Amazônia, que a consideraram restritiva principalmente por
conta da exigência de três gerações anteriores na área. Para mais detalhes sobre essa discussão
ver SANTILLI, 2005: 110-134.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1395
3 3
Conforme se verifica através do Mapa da Injustiça Ambiental e da Saúde no Brasil , projeto
realizado pela Fundação Oswaldo Cruz desde 2010, observa-se que o Recôncavo Baiano é palco
de inúmeros conflitos em torno do controle dos recursos naturais ali existentes, tendo enquanto
protagonistas, via de regra, os interesses de grandes empresas do setor de mineração,
hidroelétrica e construção naval. Disponível em:
http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=mapas. O Mapa da Injustiça
Ambiental e da Saúde no Brasil consiste em um mapa onde estão identificados grande parte dos
conflitos socioambientais existentes no país.
4
Informações obtidas através do site do Instituto Votorantim:
http://www.institutovotorantim.org.br/pt-
br/RSC/meioAmbiente/Paginas/centralHidreletricaPedraCavalo.aspx
5
Conforme exposto no primeiro item do presente artigo, a despeito da importância do marco
socioambiental da atual Constituição Federal, e da previsão dos direitos territoriais indígenas e
quilombolas, muitas outras populações tradicionais vem se mobilizando para construção e
fortalecimento da identidade coletiva que conquista a positivação de seus direitos territoriais.
Neste sentido vale destacar a realização pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais
(MPP) da Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios das Comunidades Tradicionais
Pesqueiras que objetiva apresentar projeto de lei de iniciativa popular que regulamente o direito
das comunidades pesqueiras ao território tradicionalmente ocupado. Conforme site da campanha:
< http://mpppeloterritorio.blogspot.com.br/>
6
Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2013/10/1-crqs-certificadas-
ate-25-10-2013.pdf>
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1401
7
Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D36C756314237439C
DA2780B2E89399E.proposicoesWeb2?codteor=780988&filename=Tramitacao-PL+5892/2009
8
Entrevista concedida pelo senhor Geraldo*, liderança comunitária da Associação dos
Remanescentes de Quilombo de Santiago de Iguape, no dia 04 de abril de 2014.
*nome fictício
9
Entrevista concedida no dia 03 de abril de 2014, pelo senhor Fabiano*, que vive principalmente
da produção de mel e atualmente é responsável pela Casa de Samba de Santiago de Iguape.
10
Associação cultural samba de roda Dalva Damiana, Grupo Cultural Filhos de Nagô e Associação
de pesquisa em cultura popular e música tradicional do recôncavo baiano
11
Art. 216 da Constituição Federal de 1988: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos
quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;(...)
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1406
Eu saí uma vez só pra trabalhar fora, mas eu não gostei e voltei, e
falei não saio mais daqui e pronto. Fiquei por aqui mesmo fazen-
do uns trabalhozinho aí e fazendo e aprendendo e ensinando
também. Pegando os meninos e botando aqui perto de mim, va-
mo aprende e pronto. Aí falei, vamo ensina a samba. Hoje eu te-
nho um grupo de jovens e tá todo mundo sambando já. (...)Só
que a pescaria é uma das coisas que ou melhora ou então bota
tudo abaixo. Porque o pessoal não tem como ficar, se o samba
fosse valorizado na maneira que merece, eles fazerem, tocar e ter
o cachê certinho pra tocar pelo menos todo mês. Mas não tem,
pra poder ajudar, não tem então eles vão ficar só sambando, em
ensaio e não ganha nada, treinamento, uma tocada uma vez no
ano e pronto, como é que fica? E o trabalho? Tem que ter um
12
apoio.
12
Entrevista concedida no dia 03 de abril de 2014, pelo senhor Fabiano*, que vive principalmente
da produção de mel e atualmente é responsável pela Casa de Samba de Santiago de Iguape..
13
Entrevista concedida pelo senhor Geraldo*, liderança comunitária da Associação dos
Remanescentes de Quilombo de Santiago de Iguape, no dia 04 de abril de 2014..
14
Entrevista concedida no dia 03 de abril de 2014, pelo senhor Fabiano*, que vive principalmente
da produção de mel e atualmente é responsável pela Casa de Samba de Santiago de Iguape...
Considerações finais
15
Entrevista concedida pelo senhor Luis* , membro do Conselho Quilombola do Vale do Iguape,
na data de 30 de março de 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1410
Referências bibliográficas
PROST, Catherine. Resex marinha versus pólo naval na Baía do Iguape. In:
Novos Cadernos NAEA, v.13, n.1, p.47-70, jul-2010. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/viewFile/391/694.
RIST, Gilbert. 2000. “La cultura y el capital social: cómplices o víctimas del
‘desarrollo’?” In. KLIKSBERG, Bernardo; TOMASSINI, Luciano(comp.). Capital
Social y Cultura: claves estratégicas para el desarrollo. Buenos Aires: BID,
Fundación Felipe Herrera, Universidade de Marland, Fundo de Cultura
Econômica, 2000. p. 129-150.
Introdução
1
Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).
Doutorando em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR), com bolsa de estudos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Advogado. Contato: [email protected].
2
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Integrante do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Contato: [email protected].
(...)
Art. 5º Serão soccorridos pelo Thesouro do preciso, até que os
Juizes de Orphãos os depositem, onde tenham salarios, ou
aprendam officios fabris.
3
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1279077-bancada-ruralista-pede-
criacao-de-cpi-para-investigar-funai.shtml>. Acesso em 10. jun. 2013.
Ao que nos parece, o Governo Federal tem cedido às pressões dos de-
tentores do capital agrário, pois, de acordo com o Conselho Indigenista Mis-
4
Disponível em <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/indgenas-tomam-o-congresso-em-
protesto/blog/44800>. Acesso em 10. jun. 2013.
5
Disponível em <http://www.fpagropecuaria.com.br/sem-categoria/fpa-promove-paralisacao-
nacional-dia-14-de-junho>. Acesso em 10. jun. 2013.
Tal clima de tensão vem sendo cada vez mais agudo, sendo agravado
a cada dia por atos e declarações de ambos movimentos, indígenas e rura-
listas, e não surpreenderá a ocorrência de conflitos e mortes no campo. To-
6
Disponível em
<http://www.cimi.org.br/site/pt-br/index.php?system=news&action=read&id=6868>. Acesso em
10. jun. 2013.
7
Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520823-assassinato-de-indios-aumenta-168-
nos-governos-lula-e-dilma>. Acesso em 11. jun. 2013.
mando como exemplo, temos o Estado do Mato Grosso do Sul como o maior
foco nos últimos anos de mortes de indígenas no país. Estatísticas demons-
tram que o Estado concentra mais da metade (57%) dos assassinatos de índios
em todo o Brasil8, com a morte de um índio terena9, dia 30 de maio de 2013,
pela Polícia Federal no cumprimento de uma ordem judicial de uma reinte-
gração de posse em uma fazenda que havia sido ocupada por índios visando
acelerar o processo de demarcação e retomada de seu território, eis que tal
terra já havia sido declarado como indígena por outra decisão judicial.
A forma de contornar o conflito narrado, que aparenta ser consensual
entre ruralistas, indígenas e alguns órgãos oficiais, embora não haja previsão
legal, é a de o governo demarcar as terras indígenas, com a indenização aos
que nela hoje se encontram, não somente pelas benfeitorias e aos que tenham
ocupado o território com boa-fé, nos termos do artigo 231, parágrafo sexto,
da Constituição Federal, mas pagando aos mesmos também o valor de
mercado das terras que ocupam.
Outra grande investida da bancada ruralista aos direitos dos povos
indígenas é a intenção de revogar a subscrição do Brasil à Convenção 169, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que se manifestou inicialmente
através de requerimento de audiência pública realizada há aproximadamente
um mês na Comissão de Agricultura, Pecuário, Abastecimento e Desenvolvi-
mento Rural. Se trata ainda de iniciativa recente, na qual não poderemos tecer
maiores comentários, mas não nos furtamos de comentá-la em virtude da
gravidade que esta ameaça inicial representa.
Outra questão atual no cenário nacional que envolve os indígenas e
que merece destaque é a localização do Relatório Figueiredo. O documento,
que ficou com paradeiro desconhecido por mais de 40 anos, expõe violência
extrema contra povos indígenas e práticas corruptas de integrantes do Serviço
de Proteção aos Índios (SPI), foi localizado no Museu do Índio, localizado na
cidade do Rio de Janeiro. A localização do documento se dá no momento em
que a Comissão Nacional da Verdade, órgão criado para investigar crimes
cometidos por militares durante a ditadura, está em pleno funcionamento no
intuito de trazer ao cenário jurídico e político nacional uma justiça de
8
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1292185-ms-responde-por-57-
dos-indios-mortos-em-todo-o-pais.shtml>. Acesso em 10. jun. 2013.
9
Disponível em <http://racismoambiental.net.br/2013/05/indio-terena-morre-em-confronto-com-
a-policia-durante-desocupacao-em-sidrolandia-ms/>. Acesso em 10. jun. 2013.
Considerações finais
Referências bibliográficas
1
Aluna do mestrado em Direito Econômico e Socioambiental na Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC/PR), especializou-se em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito
Constitucional (2012), graduou-se em Direito na PUC/PR (2010) e em Comunicação Empresarial e
Institucional na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2007). Trabalha como assessora de
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, no Núcleo de Combate aos
Crimes contra a Ordem Econômica e Tributária. Participante do Grupo de Pesquisa Meio
"Ambiente: Sociedades Tradicionais e Sociedade Hegemônica" (PUC-PR) e integrante do Projeto
de Pesquisa “A Questão Indígena no Oeste do Paraná e a Reconstrução do Território Avá-
Guarani”.
2
Possui graduação em Direito pela Universidad de las Americas Puebla (2003) e mestrado em
Droit International et Comparé pela Université Toulouse 1 Capitole (2008). Doutoranda em Direito
Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil.
3
Graduanda em Direito da PUC/PR, Pesquisadora bolsista do Pibic com o tema "As terras
reservadas para a proteção da vida, do meio ambiente e das populações tradicionais no Brasil e na
América Latina", sob orientação do Prof. Dr. Carlos Frederico Marés e integrante do Projeto de
Pesquisa “A Questão Indígena no Oeste do Paraná e a Reconstrução do Território Avá-Guarani”.
Introdução
4
Os números de famílias e de pessoas foram informados pelas lideranças indígenas na ocasião
das visitas técnicas realizadas pelos integrantes do Projeto de Pesquisa “A Questão Indígena no
Oeste do Paraná e a Reconstrução do Território Avá-Guarani” nos meses de maio e junho de 2014,
conforme item 2 a seguir.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1431
1.1. Os Guarani
5
Schaden explica que havia diferenciações étnicas Guarani anteriores à chegada do europeu, pelo
isolamento dos diferentes subgrupos da tribo. Havia, logo, apenas relativa uniformidade no
tocante à língua, à religião, à tradição mítica e a outros setores da cultura. A diferenciação se foi
acentuando muito nos tempos coloniais, quando parte das populações foi submetida, durante
mais de um século, à tutela jesuítica, retornando algum tempo após a expulsão dos missionários, a
suas primitivas condições de existência. Depois, pela progressiva ocupação do antigo território
Guarani por elementos de origem portuguesa e espanhola, empenhados em atividades de
economia sobretudo extrativa, mas também produtora, os índios da tribo entraram em situações
de contato cultural bastante variadas. E finalmente, nos últimos 130 anos, os movimentos
migratórios de uma série de hordas Guarani em direção ao litoral brasileiro vieram aumentar
ainda o número de modalidades de experiência cultural, levando mesmo alguns grupos da tribo a
contatos mais ou menos frequentes com a moderna civilização urbana (SCHADEN, 1974., p. 11).
6
O termo “brancos” será utilizado neste artigo para designar genericamente os não-índios.
7
Muitas vezes o contato dos indígenas com nossa civilização foi-lhes imposta (BANDEIRA,
BORGES, DIETRICH, VALENTINI, 2012, p. 111-113), e por outras, é-lhes importante, como qualquer
cultura viva (sob pena de morrer cristalizada, no sentido apontado por SOUZA FILHO, 2006, p. 21),
adaptar-se até mesmo como forma de manter-se. É possível verificar que o acesso à tecnologia, a
convivência com nossa cultura, e outras adaptações não os afastam de sua origem cultural, não os
fazem deixam de ser índios (BANDEIRA, BORGES, DIETRICH, VALENTINI, 2012, p. 111-113).
8
Nas palavras de Evaldo Mendes da Silva, tekoha “seria o ponto de convergência que une a
dimensão sócio-cosmológica (o “modo de ser”) e a dimensão espacial (o “lugar”) constituindo-se,
assim, como um sistema total” (SILVA, 2007, p. 139).
9
O antropólogo Paul Little explica o que significa esse reconhecimento dentro de um Estado
unitário, guiado por um padrão prevalente que se expressa na ordem jurídica constituída. Aqui, a
questão territorial não se deixa levar pela lógica estatista do mundo moderno, mas reclama por
outra lógica, que respeite a diferença e o exercício pleno dos direitos dos povos tradicionais. Para
esses grupos, que mantiveram seus territórios sociais durante longo tempo sem o apoio do
governo (ou apesar dele), a problemática do ordenamento territorial é uma questão de defesa de
seus territórios históricos. Em um plano ainda mais amplo, o que está em jogo é a capacidade do
Estado brasileiro em lidar com novas exigências de pluralismo levantadas por membros da
sociedade nacional, não só na esfera territorial, mas nos âmbitos legal, étnico e social também
(LITTLE, 2002, p. 20-21).
10
A partir das mobilizações de indígenas, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos e outros povos
tradicionais, foi alcançada uma proteção constitucional para os seus direitos. Juliana Santilli,
tratando do surgimento do socioambientalismo no Brasil, indica que “A Constituição [de 1988]
adotou uma concepção unitária do meio ambiente que compreende tanto os bens naturais
quanto os bens culturais” (SANTILLI, 2005, p. 70). Assim, sem ignorar desafios ainda não superados
e outros que surgiram, houve uma assimilação constitucional do multiculturalismo, que reconhece
e protege os diferentes grupos que compõem a sociedade nacional, com o que as populações
tradicionais têm resguardado o direito de manter sua identidade cultural diferenciada, para o que
lhes devem ser asseguradas as “condições de sobrevivência física e cultural”, cuja essência é o
território (Ibidem, p. 80-83).
11
SILVA, Evaldo Mendes da, op. cit., p. 74.
12
Em setembro de 1986, enviaram carta ao Banco Mundial, denunciando o tratamento que
receberam no Oeste do Paraná, o qual se deu com o financiamento da instituição financeira, no
caso da construção de Itaipu. A partir de então, o Banco Mundial enviou uma equipe para verificar
a situação em campo e exigiu esclarecimentos sobre o respeito aos direitos dos indígenas por
Itaipu. Conquanto a empresa tenha buscado responsabilizar a Funai no que se referia à ampliação
das terras Guarani, a necessidade de possuir uma boa imagem junto aos organismos
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1437
internacionais pesou a favor dos Avá. Ainda, houve manifestações dos indígenas, que inclusive
realizaram um acampamento, na segunda metade da década de 1990, no local por eles conhecido
como Paraná Porã, onde se encontra instalado o Refúgio Biológico Bela Vista, mantido por Itaipu
(ALBERNAZ, 2008, p. 136).
13
A qualidade da área correspondente à Terra Indígena Tekohá Añetete, sob a visão Guarani,
pode ser avaliada a partir da análise do número de pessoas que a habitam. Conforme dados
publicados pelo Instituto Socioambiental (ISA), o espaço abrigava até 2013 uma população de 414
pessoas, sendo que em 1997 eram 160 pessoas (ISA [Instituto Socioambiental]. Reserva Indígena
Tekohá Añetete. 2013. Disponível em: <http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-
indigenas/4108>. Acesso em: 12 jul. 2014). Por sua vez, a reserva de Ocoy, cuja área corresponde a
menos de 15% do Tekohá Añetete, possuía 676 pessoas em 2013, mais que o dobro das 215
pessoas que residiam no local em 1993 (ISA [Instituto Socioambiental]. Avá Guarani/Ocoí. 2013.
Disponível em: <http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3606>. Acesso em 12
jul. 2014). Quando estabelecida, em 1982, a área recebeu inicialmente apenas as cinco famílias
identificadas pela Funai.
14
Observa-se que nenhuma área foi oficialmente reconhecida como território tradicionalmente
ocupado pelos Guarani. As áreas foram compradas e repassadas aos indígenas, diferentemente do
que ocorre quando há o reconhecimento de uma Terra Indígena.
15
ITAIPU. Reservas e Refúgios. Disponível em: <http://www.itaipu.gov.br/meioambiente/reservas-
e-refugios>. Acesso em: 12 jul. 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1438
16
BRASIL. 1ª Vara Federal de Umuarama-PR. Ação de reintegração de posse nº
2005.70.04.001764-3/PR. Requerente: Itaipu Binacional, Requerido: Inácio Martins e outro, Juiz:
Luiz Carlos Canalli. Umuarama-PR, 17/12/2007. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/
trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=
jfpr&documento=2255445&DocComposto=&Sequencia=&hash=bb3e85a9a79750c2dd4077dda2
9164e7>. Acesso em: 09 out. 2013.
17
A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) encaminhou à Presidente da
República Dilma Roussef um manifesto em que fundamenta a inexistência de direito indígena
sobre os espaços ocupados em Guaíra e Terra Roxa com o argumento de que os índios teriam se
deslocado “clandestinamente principalmente o Paraguai e de outros estados” (FAEP, 2013, p. 8).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1439
18
AGÊNCIA BRASIL. Glesi Hoffmann esclarece proposta do governo para demarcar terras
indígenas. 08/05/2013. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-05-
08/gleisi-hoffmann-esclarece-proposta-do-governo-para-demarcar-terras-indigenas>. Acesso em:
12 jul. 2014.
19
No mesmo dia (08/05/13) em que se veiculou a notícia da suspensão das demarcações no Pa-
raná (AGÊNCIA BRASIL, 2013), a Embrapa publicou nota prestando esclarecimentos acerca da sua
competência, manifestando que “não tem por atribuição opinar (...) sobre aspectos antropológicos
ou étnicos envolvendo a identificação, declaração ou demarcação de terras indígenas no Brasil”,
não emitindo laudos antropológicos, cuja atribuição é da Funai (EMBRAPA, 2013). Mesmo sem
terem sido publicizadas informações concretas a respeito do conteúdo desse laudo da Embrapa
que ensejou a suspensão da demarcação de terras indígenas, abriu-se espaço nos grandes
veículos de comunicação para especulações sobre o documento, pelo qual se demonstraria que a
Funai buscava demarcar, nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, terras indígenas em que não
existem índios (Por exemplo: GLOBO.COM, 2013) . Diante das notícias, em 08/06/2013, a Casa Civil
produziu nota esclarecendo que a Embrapa “elaborou estudo informativo sobre a realidade
fundiária e sua ocupação na região Oeste do Paraná, a partir de 1985, em razão de possível
conflito de interesses entre índios e produtores rurais”, mas em momento algum teria feito juízo
de valor a respeito dos direitos dos povos indígenas ou dos agricultores (BRASIL. Casa Civil, 2013),
como sugeririam as matérias veiculadas. O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, por sua vez
negou ter contestado os estudos da Funai, afirmando que “a empresa apenas forneceu à Casa
Civil as análises sobre ocupação e o uso das terras rurais. [...] Questionado se a Embrapa teria feito
algum levantamento específico sobre as áreas que estão sendo demarcadas no Paraná, Lopes
respondeu que as informações sobre terras indígenas do Brasil e suas populações são de domínio
público” (ESTAD O, 2013). Apesar das notas da Embrapa, a Câmara dos Deputados, em agosto de
2013, insistia em discutir o tal relatório (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2013), sempre com o
fim de questionara legitimidade a até mesmo a legalidade da atuação da Funai.
20
Jovem Guarani, recepcionista na sede da FUNAI, irmã do cacique Inácio Martins, é raptada, sofre
ameaças e tentativa de estupro por três homens. A vítima relatou as ameaças dos homens, que
disseram para ela entregar um recado aos funcionários da Funai: “nós vamos acabar com a FUNAI
e os índios; os fazendeiros não vão permitir que eles fiquem aqui”, sendo que ameaçaram também
as lideranças indígenas de Guaíra (PORTAL GUAÍRA.COM, 2013b). Na mesma reportagem são
noticiadas as constantes ameaças de atropelamento que os indígenas vêm sofrendo por parte de
veículos com adesivos de campanhas pela extinção da FUNAI.
21
De janeiro a julho de 2013 “quatro jovens indígenas cometeram suicídio e nos municípios do
oeste paranaense a hostilidade contra os indígenas cresce em campanhas que afirmam que os
Guarani querem tomar as cidades, inflacionando o tamanho das áreas reivindicadas” (PORTAL
GUAÍRA.COM, 2013a).
22
Publicada no DOU de 19/02/2014.
23
As tekoha (aldeias) do Município de Guaíra são: 1) Marangatu; 2) Porã; 3) Y’hovy; 4) Tatury; 5)
Mirim; 6) Poha Renda; 7) Yvyraty Porã; 8) Tajy Poty. As tekoha do Município de Terra Roxa são: 9)
Aragajú; 10) Guarani; 11) Nhemboete; 12) Karumbe-y; e 13) Jevy.
24
O jornal regional noticiou que os governos municipal e estadual usam o argumento da não
regularização das terras para a falta de prestação de serviços públicos, mas o procurador da
República em Guaíra, Henrique Oliveira, esclarece que os direitos básicos da Constituição
independem da regularização fundiária. Informou, ainda, que a atuação do MPF aconteceria por
etapas, priorizando a garantir de que “os Guarani tenham o que comer, água potável,
saneamento, educação e saúde” (PORTAL GUAÍRA.COM, 2013).
25
Além disso, instauraram um procedimento investigatório criminal, e requisitaram a instauração
de dez inquéritos policiais para apurar fatos levantados durante as visitas (MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL, 2013).
26
O projeto tem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e é executado por egressos, professores e alunos de graduação, mestrado e
doutorado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), sendo todos integrantes do
Grupo de Pesquisa “Meio Ambiente: Sociedades Tradicionais e Sociedade Hegemônica”.
famílias das 13 tekoha (aldeias) Guarani, que somam cerca de 2200 pessoas27 -
números informados pelas lideranças Guarani entrevistadas na ocasião.
Puderam-se verificar avanços com relação à água potável, disponibili-
zada a quase todas28 as tekoha avaliadas, ainda que em alguns locais seja insu-
ficiente, e na maioria não seja encanada, abastecidas em caixas enchidas por
caminhões-pipa. Com relação ao atendimento à saúde também houve pro-
gresso, pois os Guarani entrevistados relataram que há visitas periódicas para
consultas e vacinações, além das emergenciais, ou há atendimento nas Cida-
des, apesar de alguns apontarem insuficientes os atendimentos e a escassez
de medicamentos. Além disso, a documentação pessoal de grande parte dos
indígenas está regularizada, e, com isso, muitos já possuem atendimento da
previdência e assistência social, porém restam pendências documentais que
inviabilizam a assistência. Com relação à educação indígena também se
avançou, pois em várias tekoha foram implantadas escolas Guarani, embora as
instalações sejam precárias, sem o recebimento de merenda e material escolar.
Por outro lado, praticamente a totalidade das tekoha visitadas perma-
necem sem luz elétrica; em praticamente nenhuma delas há coleta de lixo, e
não há assistência à moradia, permanecendo a situação de extrema preca-
riedade das casas, construídas de improviso com lonas e materiais encontra-
dos nos lixos urbanos ou por doações. Além disso, em poucas aldeias conse-
guem produzir o próprio alimento, seja por falta de terra, seja por serem im-
pedidos pelos proprietários de terras, e a maioria dos que produzem o fazem
de forma insuficiente ao abastecimento da comunidade. O auxílio em termos
de alimentação, em quase todas, foi apontado como insuficiente, além de não
o receberem de forma periódica.
Com relação à situação fundiária, as tekoha não têm situação
regularizada para a ocupação indígena e, em regra, as áreas são assoladas por
conflitos pelas terras. Infelizmente só excepcionalmente há aldeias sem
conflitos pelas terras29.
27
O MPF apurou a existência de cerca de 1800 indígenas vivendo na região em junho de 2013
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2013).
28
Nas tekoha Guarani e Mirim ainda não há água potável, conforme relatos das lideranças
indígenas.
29
A Tekoha Nhemboete localiza-se no sítio arqueológico Cidade Real do Guairá, no município
de Terra Roxa (INSTITUTO DE TERRAS, CARTOGRAFIAS E GEOCIÊNCIAS, 2008). Nela,
excepcionalmente, não há conflito com relação à terra.
30
O Estatuto da Funai foi aprovado e publicado no anexo I do Decreto nº 7778/2012. Sua
finalidade está determinada no artigo 2º do Estatuto.
31
Regulamentam as demarcações: DECRETO 1775/96, Lei 6.001/73, Portaria MJ 14/96 e Portaria
MJ 2498/2011.
32
. Nesse ponto cabe ressaltar um dos ataques dos representantes políticos dos grandes
proprietários de terras, que formam a maioria no Congresso Nacional. Para fazer frente ao
ressurgimento das populações indígenas reivindicando o território que outrora lhes pertencia, os
chamados ruralistas propuseram uma emenda à Constituição - a PEC 215 - que visa atribuir
exclusivamente ao Congresso Nacional a aprovação das demarcações de terras indígenas, além da
confirmação das terras já demarcadas. Se fosse aprovada essa absurda proposta, o processo
demarcatório, que já é extremamente demorado e burocrático, teria ainda conseguir façanha
intangível de ser aprovada pelos congressistas mormente ruralistas. Ou seja, seria esperar o
impossível ou miraculoso. Além disso, a absurda PEC ainda quer o retrocesso no árduo caminhar
pelo reconhecimento das terras ancestrais: que sejam homologadas por esses mesmos
congressistas as terras que a duras custas foram demarcadas.
33
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Decreto/D8065.htm#art6>. Acesso em: 12 jul. 2014.
34
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relat_final_4CNSI.pdf>.
Acesso em: 12 jul. 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1445
35
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 12 jul. 2014.
36
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm>.
Acesso em: 12 jul. 2014.
37
Lei Complementar nº 75/93.
38
BRASIL. STJ. Ação de conflito de competência 2008.00092468. 17/06/2010. Disponível em:
<http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>.
39
Vide site institucional: http://www.indigena.mppr.mp.br/
4. Conclusão
40
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em 12
jul. 2014.
41
Disponível em: <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf>. Acesso em 12
jul. 2014.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1447
Referências bibliográficas
GLOBO.COM. Embrapa diz que terras pedidas pela Funai não são
ocupadas por índios. 08/06/2013. Disponível em:
<http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2013/06/embrapa-diz-que-
terras-pedidas-pela-funai-nao-sao-ocupadas-por-indios.html>. Acesso em: 12
jul. 2014.
LUGON, Clovis. A República Guarani. São Paulo, SP: Expressão Popular, 2010.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção
Jurídica. Curitiba: Juruá Editora, 2006.
RESUMOS
Objetivos
Metodologia
1
Acadêmica de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Grupo de Pesquisa
Direito Urbano, Agrário, Ambiental e Movimentos Sociais.
2
Professor Doutor Assistente de Direito Ambiental, Urbano e Agrário da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB. Grupo de Pesquisa Direito Urbano, Agrário, Ambiental e Movimentos
Sociais. Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA.
Conclusões
rias, sem acesso a direitos humanos básicos, como água potável, segurança
alimentar, serviços de saúde, educação e transporte. Um conjunto de fatores
tem levado a um êxodo sistemático da população para a cidade de Andaraí e
vizinhança, na busca por melhores condições de vida, fenômeno que tem ge-
rado uma completa desagregação da sociabilidade local, enfraquecendo os
laços de pertencimento e comprometendo a própria existência da comunida-
de. Assim, observa-se que embora o ordenamento jurídico brasileiro reconhe-
ça, seja por meio da Constituição Federal, pela legislação infraconstitucional
ou pelos tratados internacionais, os direitos culturais e territoriais dos povos e
comunidades tradicionais no Brasil, na prática, muitos entraves existem para a
efetivação de tais direitos, devido a conflitos diversos envolvendo tais povos,
seja frente aos latifundiários e grileiros, seja frente ao Estado, como no caso
em questão. No caso estudado, nota-se que, no conflito entre preservação
ambiental e garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, o
primeiro tem prevalecido, pois os moradores da Fazenda Velha estão
sobrevivendo à margem de condições fundamentais para a existência humana.
Entretanto, compreende-se que esta suposta colisão existente entre os
objetivos de preservação da natureza (criação de unidades de conservação) e
o respeito aos direitos constitucionais dos povos residentes, na verdade de-
corre da adoção de uma visão equivocada de proteção ambiental, fruto da
importação acrítica do modelo norte-americano de parques nacionais
(Yellowstone), que parte do pressuposto de que a presença humana neces-
sariamente atrapalha a conservação ambiental, alijando as populações locais
dos processos decisórios, e, perdendo, com isto, a possibilidade de aproveitar
os conhecimentos tradicionais de manejo e preservação da biodiversidade que
milenarmente tais povos têm utilizado para conviver harmonicamente com a
natureza. Neste sentido, o processo de criação do Parque Nacional da Chapa-
da Diamantina - conforme o caso estudado - ilustra perfeitamente as críticas
feitas à forma como eram criadas as UC’s, sem consulta prévia à população re-
sidente e sem observância às questões socioculturais referentes ao território
que foi demarcado, mas referindo-se tão somente às questões de ordem téc-
nica, conforme afirma Benatti (1998), tomando como base apenas as Ciências
Naturais (informações do meio físico), desconsiderando, entretanto, os pro-
cessos sociais, econômicos, agrários e culturais existentes na área a ser pro-
tegida. Isto revela a incapacidade dos agentes estatais em orientarem-se por
uma concepção mais ampla e holística de meio ambiente, como um todo
composto por recursos naturais, artificiais e culturais, que inclua o ser humano
e suas atividades.
No caso do conflito entre a Comunidade Fazenda Velha e o Parque
Nacional da Chapada Diamantina, acredita-se ser necessária uma intervenção
urgente por parte do ICMBio, pois a situação vivenciada pela Comunidade diz
respeito à privação de direitos humanos mais elementares. O PNCD deve
enfrentar com prioridade esta questão, abrindo um canal de diálogo com a
Comunidade para discutir a situação de forma horizontal e democrática,
visando a sua composição de forma a harmonizar os objetivos da UC com o
respeito aos direitos da população tradicional, compreendendo e valorizando
também o papel que a Comunidade tem cumprido na preservação da
natureza local. A legislação nacional já prevê possibilidades de composição
destes conflitos – como a formulação de um Termo de Compromisso, ou
ainda, a desafetação da área ocupada pela população tradicional para
posterior criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável –,
demandando, portanto, a iniciativa do órgão estatal em buscar uma solução
adequada ao caso concreto.
Referências bibliográficas
<http://nupaub.fflch.usp.br/sites/nupaub.fflch.usp.br/files/color/C%C3%B3piad
eNovaintroduoaorelatorioconflito279.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2014.
REIS, J. J.; GOMES, F. dos S. Uma história de liberdade. In: REIS, J. J.; GOMES, F.
dos S. (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. (2ª reimpressão). p. 9-25.
Introdução
Objetivos
1
Estudante de Direito (PUCPR),integrante do Grupo de PesquisaMeioAmbiente:
SociedadesTradicionais e SociedadeHegemônica, liderançaquilombola (CONAQ).
2
Advogada, doutorandaemDireitoEconômico e Socioambiental (PUCPR),
bolsistaFundaçãoAraucária - convênio CAPES, integrante do Grupo de PesquisaMeioAmbiente:
SociedadesTradicionais e SociedadeHegemônica.
Metodologia
Considerações finais
Referências bibliográficas
MARES, Carlos Frederico. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3ª. Ed.
Curitiba: Juruá. 2005.
A. B. I. Oliveira2
M. F. R. Medina3
1. Objetivos
1
Comunidade Mumbuca, nome originado de uma abelha negra, rara na região do Jalapão,
localizada a 23 km da cidade de Mateiros, no leste do estado do Tocantins. Nela há 42 (quarenta e
duas) famílias, reconhecidas pela Fundação Palmares como remanescentes de quilombolas e
migradas de terras baianas, as quais herdaram muitos saberes dos antepassados. Tais saberes
refletem no modo de vida, de pertencer ao ambiente, a própria integração social, inclusive de
construir, muitas vezes improvisando, condições básicas de sobrevivência. Por exemplo, as casas,
feitas de adobe, tipo de tijolo feito de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha de buriti
ou piaçaba. Na década de 30, do século passado, um missionário americano, da Igreja Batista,
manteve laços de amizades com alguns moradores. E convenceu o então líder da comunidade, o
senhor Silvério Ribeiro Matos, a professar a religião Batista, e, junto com ele, todos da
comunidade passaram a professar a fé cristã protestante, segundo a informante Santinha (2009
apud MEDINA, 2011, p. 4). Parte do projeto de pesquisa “Voz e performance na tessitura das
palavras e do capim dourado: as manifestações de artesãos do Tocantins”, Centro Universitário
Luterano de Palmas/ Universidade Luterana do Brasil.
2
Acadêmica do Curso de Direito e Voluntária do Programa de Iniciação Científica - PROICT do
CEULP/ULBRA. Email: [email protected].
3
Doutora em Filologia Hispânica, professora do Curso de Letras do CEULP/ULBRA.
2. Metodologia
que não eram suas, o entrevistador afirmou ser feito a fusão de perguntas e
respostas, Marcuschi (2003) comenta
Se fosse um discurso indireto teria sido menos acintoso aos olhos
doentrevistado. O problema é que, além de haver uma operação de
transformaçãocom acréscimos e fusões, há ainda a atribuição de autoria desse
mesmo segmento. Baste isso para mostrar como a retextualização é perigosa.
Dentre os elementos elencados pelo autor como variável no processo
de retextualização, nos nortearam dois: relação entre produtor do texto
original e o transformador, e os processos de formulação típicos de cada
modalidade. Na primeira, quando o transformador é o produtor do texto
original, as mudanças poderão ser drásticas, pois, apesar de não eliminar as
características orais do texto, pode transformar o sentimento do momento da
produção do depoimento para o do momento da transcrição. Porém, uma
pessoa que retextualiza o texto de outra tem mais respeito pelo original. Por
isso enfatizamos a ausência ao máximo de características do transcritor.
A segunda variável, os processos de formulação típicos de cada
modalidade, são as estratégias de produção peculiar a cada modalidade
textual (oral e escrita). Características específicas impossíveis de serem
codificadas em outra modalidade, uma vez que sempre há algo que escape ou
mude, por exemplo, a gesticulação. E não é possível com os códigos do texto
oral similar as palavras aos gestos do produtor.
Além de passar da linguagem oral para a escrita, é necessário que os
procedimentos convencionados sejam compreensíveis a quem tenha acesso
ao acervo formado. Assim, utilizamos as normas de transcrição de Fávero et all
(2003), sem preocupação com a reprodução fonética de forma minuciosa, pois
o objetivo maior da transcrição é formar um acervo para que as falas não se
percam com o tempo.
3. Conclusões
bastante tempo para identificar as palavras, o que nem sempre foi possível,
deixando lacunas em algumas falas.
Após as apresentações das fitas e das leituras recomendadas, com o
aparato da obra A Ordem do Discurso (FOUCAULT), passamos a comentar a
relação dos agentes externos e internos que podem ter influenciado na
formação do discurso dos membros da comunidade. Por exemplo, como a
religiosidade foi utilizada como mecanismo de coerção social (DURKEIM,
1902), através da internalização da habitualidade, ou seja, os indivíduos da
comunidade se conformaram com a religião protestante, internalizando e
transformando em hábitos as regras trazidas de fora, deixando de praticar
suas raízes culturais de ascendência afro.
Tais transformações são realizadas de forma natural dentro da trans-
formação social da comunidade, por intermédio de uma sanção espontânea. O
próprio grupo se adapta, sem intervenção institucionalizada, ocorrendo coer-
ção quando determinada conduta não se adapta à estrutura já posta dentro
do grupo. Na comunidade Mumbuca notamos esse processo na supervaloriza-
ção das peças do capim dourado em detrimento a outros elementos culturais
igualmente ou ainda mais relevantes, como as manifestações poéticas, por
exemplo.
A princípio, as peças de capim eram produzidas como nas sociedades
pré-capitalistas, quando os indivíduos se identificavam, por meio da família, da
tradição e dos costumes, permanecendo em geral independentes e autôno-
mos em relação à divisão do trabalho social, uma espécie de artesãos primiti-
vos. As interferências do sistema capitalista fez a comunidade passar para a
solidariedade orgânica, onde ocorre a divisão do trabalho.
Na comunidade não ocorreu a interdependência pela divisão do
trabalho social, porém cada família passou a produzir de forma independente,
visando o lucro. O surgimento da visão lucrativa, então, interferiu em outras
áreas, vez que a produção das peças se tornou a principal forma obtenção de
recursos financeiros, visto que a maior parte das famílias deixou de lado a
atividade de plantio. O arroz, milho, feijão, batata, passaram a ser comprados.
O tempo que antes era investido para confecção de roupas de algodão e
manutenção de utensílios domésticos, como vassouras de palha, bancos de
madeira e buriti e balaio, por exemplo, atualmente é dedicado à fabricação
das peças de capim dourado cuja venda possibilita a aquisição desses
utensílios industrializados.
4. Referências bibliográficas
ESPAÇO DE DISCUSSÃO 11
Avaliadores:
Breno Marques Bringel (UERJ)
Renata Versiani Scott Varella (UERJ)
Efendy Emiliano Maldonado Bravo (UFSC)
EMENTA
O presente Espaço de Discussão pretende debater as distintas formas
e práticas de produção de conhecimentos nos movimentos sociais e/ou nas
Universidades (e principalmente na interface entre ambos) na América Latina,
notadamente na temática de geração de direitos. Existem diferentes experiên-
cias tanto de produção de conhecimentos teóricos e práticos pelos movimen-
tos sociais, quanto de “coprodução” por meio de diálogos entre pesquisadores
e movimentos sociais, o que é normalmente chamado pesquisa-militante, pes-
quisa-participativa ou pesquisa-ação. Contudo, questiona-se quais os termos e
os objetivos desse diálogo; como as formas e práticas de conhecimentos lo-
cais, populares e coletivos podem nos fazer repensar a produção de conheci-
mento científico e estimular a construção de um outro tipo de saber; como
criar espaços legítimos de interlocução e coprodução; e como abrir, repensar e
formular as agendas de pesquisa universitária. Desse modo, o presente espaço
de discussão faz parte de um esforço mais amplo no sentido de discutir, avan-
çar e construir metodologias de pesquisa e de ação capazes de orientar e pro-
duzir, de maneira responsável e ética, conhecimentos, atuações e interações
que contribuam para a mudança social, política e econômica. Pretende-se, as-
sim, contribuir na articulação de diferentes experiências, que já realizaram e
realizam significativos avanços nessa seara, tanto teoricamente como na práti-
ca cotidiana. É necessário retomar o debate clássico sobre teoria e práxis, Edu-
cação popular, pesquisa e militância orientada para a interpretação e para a
transformação, para recolocá-lo em relação aos desafios hoje postos pelo con-
texto socioeconômico, pelos movimentos sociais e pela transformação tanto
da Universidade atual como de outros centros e lócus de produção de conhe-
cimento. É fundamental a participação de distintos atores, como movimentos
populares, professores, estudantes e profissionais, que, apesar de possuírem
uma atuação significativa e exemplar, atualmente se encontram desarticula-
dos, atuando com frequência de maneira isolada no que concerne à constru-
ção de formas alternativas de produção e reprodução do conhecimento. Pro-
pomos, para estimular o debate, a projeção de trechos de documentários so-
bre experiências significativas (como por exemplo, o documentário Resistência
em Linha Negra produzido pelo povo indígena Arahuaco do norte da Colôm-
bia), o compartilhamento de materiais sobre processos interessantes como a
Pluriversidad comunitária Amawta y Wasi (Equador), a intelectualidade Mapu-
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1471
ARTIGOS
1. Introdução
1
Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de Extensão do
Projeto Lutas: Formação e Assessoria em Direitos Humanos.
2
Professora do departamento de direito público da Universidade Estadual de Londrina.
3
Em Londrina/PR, desenvolvida Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão “LUTAS: Formação e
Assessoria em Direitos Humanos”, na Universidade Estadual de Londrina.
4
Para fins deste trabalho, tomarão destaque as duas primeiras.
5
Segundo Dussel: “Cuando hablamos del mundo nos referimos al horizonte cotidiano dentro del
cual vivimos. El mundo de mi hogar, de mi bario, de mi país, de la clase obrera. Mundo es entonces
una totalidad instrumento de sentido”. (DUSSEL, 1995, p. 26).
6
“O poder só é capaz de garantir o status quo, adquirindo mais poder; só pode permanecer
estável ampliando constantemente sua autoridade através do processo de acúmulo de poder”
(ARENDT, 1989, p. 171).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1483
5. Conclusão
6. Referências bibliográficas
Jonathan Jaumont1
Ana Carla Ribas2
Karen Cecconello3
Caroline Antunes4
Talita Machado5
Nathalia Rangel6
Leonardo Silva7
Sabrina Freitas8
1
Assistente Social
2
Estudante em Serviço Social
3
Estudante em Serviço Social
4
Estudante em Serviço Social
5
Estudante em Ciências Sociais
6
Estudante em Ciências Sociais
7
Estudante em Educação Física
8
Estudante em Serviço Social
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1491
1. Introdução
3. Funcionamento do PEPo
1. Formação
2. Serviço Social
3. Oficinas Artístico-Culturais
uma das lições que, desde já, ficam da experiência vivenciada na referida Ocu-
pação é que não se pode ignorar o conhecimento popular, pelo contrário, é
necessário um diálogo permanente. Em seu texto, Fals-Borda (1978) traz
exemplos de como colocar as pessoas organizadas como protagonistas de
seus processos de mudança, trazendo a educação e os conhecimentos popu-
lares para dialogar diretamente com o conhecimento científico, dito como
intelectual. Tal efeito é revelador para o resultado do trabalho para ambos os
lados, o que tornará possível alcançar as melhorias e mudanças no futuro.
A partir desse panorama geral metodológico, a validação do
conhecimento produzido não é apenas efetivada pela aprovação da produção
técnica e/ou teórica pela Universidade, na medida em que a validação do
trabalho tal como aqui proposto deve passar necessariamene pelo critério da
ação concreta, ou seja, pela dimensão teórico-prática. Portanto, todos os
momentos descritos mostram-se essenciais para que se avance nos trabalhos
de extensão e de produção de conhecimento transformador, contudo se
encontram em permanente construção e re-formulação, sendo, pois, um
processo desafiador.
4. Breve conclusão
Referências bibliográficas
BRINGEL, Breno (2012). “Com, contra e para além de Charles Tilly: mudanças
teóricas no estudo das ações coletivas e dos movimentos sociais”. Revista
Sociologia e Antropologia – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vol.
2, nº 3, junho de 2012.
1
Ana Caroline de Sousa é aluna do quarto ano do curso de Direito da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca-SP,
e membro do NEDA.
2
Carolina Sabbag Salotti é aluna do quarto ano do curso de Direito da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca-SP,
e membro do NEDA.
3
Fernanda Cristina Barros Marcondes é aluna do terceiro ano do curso de Direito da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de
Franca-SP, e membro do NEDA.
4
José Roberto Bernardo Bettarello é aluno do segundo ano do curso de Direito da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de
Franca-SP, e membro do NEDA.
5
Juliana Simões Casagrande é aluna do segundo ano do curso de Direito da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de
.
Franca-SP, e membro do NEDA
6
Nathália Ito Abéé aluna do quinto ano do curso de Direito da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca-SP, e membro do
.
NEDA
7
Palloma Comoti éaluna do segundo ano do curso de Direito da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca-SP, e
membro do NEDA.
1. Introdução
Nessa linha, Luiz Fernando Coelho (1991, p. 61 - 62) trata dos obstá-
culos epistemológicos enfrentados pela teoria crítica, sendo estes a necessida-
de da ciência de eliminar, a partir de uma perspectiva sempre renovadora, fal-
sas imagens da realidade criadas através de estudos lógico-positivistas. Desta
forma, “a epistemologia crítica é pois uma teorização prospectiva. Eis que todo
conhecimento experimental não se reduz a uma descrição do real, mas com-
siste numa (re)construção da realidade com os dados de que a ciência dispõe”
Historicamente, a Teoria Crítica do Direito surge no século 60 sob
forte influência da ideologia marxista e gramsciana. Nesse momento, observa-
se o início da contestação do juspositivismo vigente e uma primeira
aproximação entre o Direito e a realidade social. Nos anos 70, ocorre o
processo de difusão do pensamento jurídico crítico pela Europa, em especial
na França, Itália, Portugal e Alemanha. Em cada uma dessas nações, a teoria
assumiu suas peculiaridades. Na França, verifica-se a corrente que sustentava a
“associação crítica do Direito” frente a crença na atuação neutra do sistema
jurídico. Já na Itália, surge o "uso alternativo do Direito" como instrumento de
resolução dos conflitos de classes, inclusive daqueles gerados pelo próprio
ordenamento (ALVES,2013,p.430).
Na França, a teoria crítica, oposta ao individualismo formalista e ao po-
sitivismo normativista, priorizou o materialismo histórico como referencial meto-
dológico, com dois momentos de destaque: a tentativa de reconstruir o Direito,
tendo por base o materialismo histórico-dialético, a partir da percepção de que
a atuação neutra do Direito só garante a dominação do modo de produção
capitalista, uma vez que Estado e Direito são fenômenos gerados pelas
oposições sociais; e o amadurecimento da crítica, com a tomada de consciência
e a sistematização da pesquisa concreta sobre mecanismos de organização e
regulamentação da prática jurídica no contexto social burguês (WOLKMER,
2002, p. 39). Com força crescente a partir da década de 70, foi de grande
influencia para a formação da vertente jurídico-crítica no Brasil e no México,
que, a partir dos anos 80, sofreu grandes influências de suas matrizes marxistas.
Também com destaque nos anos 70, o movimento crítico na Itália e na
Espanha propôs, diante da dominação e conservação do Direito burguês
capitalista, seu uso no sentido de uma prática emancipatória, voltada aos
setores e classes sociais menos favorecidos. Uma aplicação do Direito
diferente da dogmática, com predominância de pressupostos neomarxistas
contemporâneos, buscando minimizar as contradições da ordem jurídica posta
e vigente. Seus principais destaques foram a análise da relação entre a função
novas funções que haviam sido atribuídas a ela, como a produção de mão de
obra qualificada que seja útil ao avanço do capitalismo, através da produção
de conhecimentos instrumentais na universidade. Finalidades estas que são
contraditórias entre si. Com este afrontamento de funções, deu-se a crise da
hegemonia da universidade, uma vez que esta deixou de ser a única institui-
ção no ensino superior e na produção de pesquisa, e passou-se a buscar ou-
tros meios de se atingir a segunda finalidade, a de produção de mão de obra
qualificada útil ao sistema capitalista de produção.
Por fim, a crise de legitimidade é devida ao confronto que se teve
entre as suas finalidades, ou seja, contradição entre os saberes especializados
comprometidos com o conhecimentos instrumental e as exigências de uma
universidade democrática, comprometida social e politicamente.
Em análise mais específica brasileira, precisamente do Estado de São
Paulo, em que as três estaduais paulistas (USP, UNESP e UNICAMP) estão em
greve desde final de maio, podemos fazer um elo direto com as três crises su-
pramencionadas, pois hoje as estaduais não escapam de nenhuma delas. Para
breves exemplos, pode-se dizer que há o descaso do Estado para com as poli-
ticas públicas da educação, levando-se a buscar outros meios de conhecimen-
tos úteis ao capital, como, por exemplo, a crescente formação de mão de obra
técnica em cursos profissionalizantes, além da grande expansão de cursos à
distância, que muito se confrontam com a função de uma universidade.
Nos últimos anos, pôde-se verificar o descomprometimento do Estado
enquanto ente responsável pela manutenção das universidades e a transferên-
cia dessa responsabilidade para quem, infelizmente, ela está se voltando: o
mercado. Com este quadro, a universidade torna-se cada vez mais sucateada e
a educação é transformada ao poucos em mercadoria.
Como solução para a crise financeira que passam as três estaduais, a
mídia vem transmitindo, descaradamente, alternativas de uma onda de privati-
zação que as nossas universidades públicas poderiam sofrer, como, por exem-
plo, as doações por ex-alunos e a cobrança de mensalidade para alunos mais
ricos e a concessão de bolsas para os mais pobres. Observa-se que os valores
da sociedade de hoje se invertem em todos os setores: não é mais o ensino
público que deve ser de qualidade e para todos. Agora querem, como tantos
discursos que se vê por aí, o ensino de qualidade privado e voltado para
alguns poucos que podem pagar por ele. Para combater o fortalecimento do
ensino mercantil, a favor do capital, e a atrofia do pensamento crítico, com-
5. Conclusão
Referências bibliográficas
COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2.ed. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra,1987.
LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 1ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1984.
SANTANA, Paulo Victor Pinheiro. Ensino jurídico no brasil: uma análise pelo
prisma da epistemologia jurídica. In: Pedro Heitor Barros Geraldo; Fernando de
Castro Fontainha; Orides Mezzaroba. (Org.). Direito, educação, ensino e
metodologia jurídicos. 1ªed. Florianópolis: FUNJAB, 2012. p. 441-458.
Introdução
1
Também contribuíram para a elaboração do presente artigo Frederico Oderich Muniz e Gabriela
Santos Martel, graduandos da UFRGS e pesquisadores do GEDAP.
calendário, ele não terminará de fato, pois levará ao ano de 2014 uma série de
questões não resolvidas. Os efeitos de Junho de 2013 serão sentidos, para o
autor, nas eleições de 2014, ainda que a posição seja mantida, pois a eventual
vitória da situação não significará o prolongamento e a adesão ao contexto
atual. Tal vitória pode ser atribuída a pouca confiança nas oposições e a ideia
de que a situação pode apontar novas oportunidades para recompor as
relações entre Estado e sociedade, considerando que “o alerta emitido pelas
ruas ainda está vivo e as forças que o determinaram permanecem ativas”
(NOGUEIRA, 2013a).
Conclusões
Referências bibliográficas
ALVES, Giovanni. Precariado: a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353
cidades brasileiras. Cadernos IHU ideias, ano 1, nº 191, 2ª ed., 2013.
AMARAL, Roberto. A grande rede e a explosão das ruas. In: SOUSA, Cidoval
Morais de.; SOUZA, Arão de Azevedo. Jornadas de junho: repercussões e
leituras. Campina Grande: EDUEPB, 2013.
COHEN, Jean L.; ARATO, Andrew. Sociedad civil y teoría política. México:
Fondo de Cultura Económica, 2000.
ERREJÓN, Íñigo. 15M completa dois anos em meio à crise do regime espanhol.
Opera Mundi, 2013. Disponível em:
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/28886/15m+completa+doi
s+anos+em+meio+a+crise+do+regime+espanhol.shtml>. Acesso em: 16 mar.
2014.
GOHN, Maria da Glória. Após atos, governo não tem interlocutores. Jul.
2013. Disponível em: <http://www.unipress.blog.br/as-manifestacoes-de-
junho-de-2013-e-os-movimentos-sociais-por-maria-da-gloria-gohn/>. Acesso
em: 20 mar. 2014.
LEITÃO, Rui. O gigante quis apenas dar um susto? In: SOUSA, Cidoval Morais
de.; SOUZA, Arão de Azevedo. Jornadas de junho: repercussões e leituras.
Campina Grande: EDUEPB, 2013.
MOREIRA, Orlandil de Lima; SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima. Vem prá
rua: os protestos de junho. In: SOUSA, Cidoval Morais de.; SOUZA, Arão de
Azevedo. Jornadas de junho: repercussões e leituras. Campina Grande:
EDUEPB, 2013.
Ermínia; et. al. Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram
as ruas do Brasil. São Paulo: Carta Maior e Boitempo, 2013.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. O ano que não terminou. O Estado de São Paulo,
28 de dezembro de 2013b, p. A2.
NYC GENERAL ASSEMBLY. General Assembly Minutes 9/29 7pm. Occupy Wall
Street, 2011. Disponível em: <http://www.nycga.net/2011/09/general-
assembly-minutes-929-7pm>. Acesso em: 19 mar. 2014.
RICCI, Rudá. A disputa política está nas ruas. Cadernos IHU ideias, ano 1, nº
191, 2ª ed., 2013.
ROGERS, Simon. Occupy protests around the world: full list visualized. The
Guardian, nov. 2011. Disponível em:
<http://www.theguardian.com/news/datablog/2011/oct/17/occupy-protests-
world-list-map?newsfeed=true>. Acesso em: 19 mar. 2014.
SCHNEIDER, Nathan. Occupy Wall Street: FAQ. The Nation, set. 2011.
Disponível em: <http://www.thenation.com/article/163719/occupy-wall-street-
faq>. Acesso em: 19 mar. 2014.
Diogo Justino1
A Irrupção da memória
1
Mestre e doutorando em teoria e filosofia do Direito (UERJ), professor da Universidade Cândido
Mendes.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1554
sas. Existe, por exemplo, o dever de esquecer o crime pelo qual o agressor já
pagou2, quando a memória consistiria em violação, implicando uma espécie
de bis in idem, ou o dever de esquecer o que nem a vítima quer lembrar
(TODOROV, 2000, p. 25). Contudo, o primeiro caso suscita uma discussão, pois
se esse crime possui uma razão política e é cometido em uma conjuntura de
repressão, a situação se altera. Como esquecer os crimes cometidos pelos na-
zistas punidos em Nuremberg? Ainda que punidos, estes crimes permanecem
no imaginário coletivo. Neste caso, a memória pode ter um lugar, mas se
abusaria dela para reavivar o ódio, como no alerta lançado por Tzvetan
Todorov, mencionando a crueldade dos sérvios contra outros povos da ex-
Iugoslávia, que teve como uma de suas grandes justificações a memória de
sofrimentos passados.3 Todorov diz que o culto à memória nem sempre serve
à justiça, e muitas vezes é desfavorável para a própria memória (2000, p. 56).
Na Europa de hoje, a memória da Segunda Guerra mundial permanece viva,
conservada por inúmeras comemorações, publicações e transmissões de rádio
e televisão, mas a repetição do ritual de que “não podemos esquecer” não tem
repercutido sobre os processos de limpeza étnica, racismos, torturas e execu-
ções em massa que se produzem ao mesmo tempo (TODOROV, 2000, p. 58). A
mesma preocupação embala a luta de Cecília Coimbra. Segundo ela, falar de
memória e reparação é também colocar em análise certa política de segurança
pública que se fortalece na contemporaneidade e se justifica em nome da
guerra aos perigosos produzindo a fascistização do cotidiano (2008, p. 20).
2
Sobre o assunto, recentemente o Conselho da Justiça Federal, na VI Jornada de Direito Civil,
aprovou o seguinte enunciado:
“ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o
direito ao esquecimento.
Artigo: 11 do Código Civil.
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando
nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações
criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a
ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a
finalidade com que são lembrados.”
Após isso o STJ aplicou o “direito ao esquecimento” em dois casos, ambos relacionados ao
programa “Linha direta - justiça” da TV Globo. No REsp. 1334097 a TV Globo foi condenada por
danos morais, enquanto que no REsp. 1335153 apesar da aceitação da tese do “direito ao
esquecimento”, entendeu-se que, no caso, não houve dano moral.
3
Todorov diferencia a recuperação do passado do seu uso, afirmando que não há um
automatismo vinculando os dois gestos. Para essa discussão, ver TODOROV, 2000, p. 27; MATE,
2006. p. 127; e ainda MATE, 2008. p. 173.
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1556
4
Em Mate vemos que pouco serviria uma história a partir dos vencidos, se esta for tão particular
quanto a dos vencedores. O que importa é transcender vencidos e vencedores. MATE, Reyes.
Meia-noite na história: comentário às teses de Walter Benjamin “Sobre o conceito de
história”. 2011. p. 174.
5
Em Si esto es un hombre Primo Levi conta seu pior pesadelo: está novamente em casa e é um
prazer imenso, porém ao narrar o que lhe havia acontecido no campo, seus amigos não
conseguem prestar atenção, e sua irmã vai embora. Não conseguem ouvir o relato estarrecedor
(LEVI, 2002. p. 35).
ANAIS DO IV SEMINÁRIO DIREITO, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1557
6
Tese seis “Sobre o conceito de história” (BENJAMIN, 1984, p. 224-225).
7
Gagnebin vê nessa afirmação uma recusa clara ao ideal de ciência histórica que Benjamin,
pejorativamente, qualifica como historicista e burguesa. Uma ciência que pretende fornecer uma
descrição mais exata e exaustiva possível do passado. Tal recusa se fundamenta em razões
epistemológicas e ético-políticas (2006. p. 40).
8
O que seria do Partido Comunista Brasileiro hoje, não fosse a perseguição sofrida durante todo o
período da ditadura?
9
Para mais sobre a polêmica com Lenin e Kautsky, ver LOWY, 2005, p.109; e MATE, 2011, p. 264-
265.
uma vez que a questão colocada diz respeito à forma como iremos valorar os
acontecimentos do passado em nosso tempo.
Mate (1997, p. 11) enfrenta a relação da ciência com os pensadores
esquecidos inicialmente trazendo à baila o pensamento dos judeus esquecidos
da Modernidade, mas sua filosofia vai além. Para ele, enquanto os filósofos de
ofício desfrutavam seus êxitos de laboratório, outros analistas da realidade
acionavam o sinal de alarme. Não era a filosofia um desafio do logos ao mito?
Pois enquanto os filósofos celebram o triunfo do logos, o mito se apodera da
rua. Resgatar do esquecimento o ponto de vista das vítimas da modernidade,
significa rastrear a experiência dos que se sentiram excluídos, mas não
renunciaram ao pensamento (MATE, 1997, p. 14). O esquecimento não pode
ser confundido com renúncia, já que o pensamento existe, mas simplesmente
não cabe em uma razão que não suporta a diferença.
O chamado novo pensamento10, com o qual Mate dialoga, tem como
proposta a construção de um projeto de universalidade a partir da diferença,
ou seja, tendo em conta a marginalidade. Afinal, como nos mostrou Santos
(2000, p. 37), universalismos abstratos quase sempre ocultam preconceitos
racistas e eurocêntricos. A experiência, diz Mate (1997, p. 178), não é um
recurso retórico, mas um ponto arquimédico de um novo pensar.
Franz Rosenzweig, vastamente citado por Mate, remete a ciência e
seus princípios para as coordenadas da experiência. A ciência não se opõe à
experiência. Mais do que a objetividade do conhecimento, importa o valor da
situação para as pessoas. A experiência não sabe de objetos, senão de
recordações e vivências. Isso significa que o homem faz seu primeiro contato
com a realidade na ordem do valor, e não do conhecimento, e é exatamente
essa qualidade que possibilita o conhecimento (MATE, 1997, p. 182).
O sujeito desta experiência não é o eu, mas se situa na intercessão da
pluralidade do real, a novidade da experiência. A verdade do conhecimento
não se expressa pelo objeto, ela está em função do outro e se mede em dois
sentidos: a verdade é verdade para alguém, e verdade é aquilo que pode ser
confirmado como verdadeiro por alguém. Assim, Rosenzweig põe o teste-
munho em primeiro plano, uma vez que a verdade se mede a partir deste, e
pelos vínculos criados entre os homens. Ora, o conhecimento é interessado e
nesse momento da história perdeu toda inocência (MATE, 1997, p. 185).
10
Ver ROSENZWEIG, Franz. El nuevo pensamiento. Madrid: Visor, 1989.
Considerações finais
11
Essa pista é seguida muito bem por Marcelo D. Torelly, que estuda a memória coletiva como fonte
do senso comum democrático. Ver TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Cons-
titucional de Direito: perspectiva teórico-comparativa e análise do caso brasileiro. 2012. p. 271.
12
Essa é uma das tarefas do senso comum para Santos (1989. p. 44).
Referências bibliográficas
LOWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses
“Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
RESUMOS
Introdução
Objetivo
Métodos
1
Discente do curso de Direito – Universidade do Estado de Mato Grosso
2
Docente do curso de Direito – Universidade do Estado de Mato Grosso
Resultados e discussão
Conclusões
Palavras-chave
Referências bibliográficas