Fascismo

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INTRODUÇÃO: TOTALITARISMO & FASCISMO

Os horrores do fascismo não foram os primeiros, nem os últimos de


sua espécie. Tampouco foram os piores, não importa o que se diga 1.
Esses horrores não foram piores do que os massacres ocasionados
pelas guerras, pela fome e outras calamidades consideradas normais
para o bom funcionamento do capitalismo. No que diz respeito aos
proletários, o fascismo nada mais foi do que uma versão sistemática e
compacta dos terrores experimentados em 1832, 1848, 1871, 1919...
Todavia, o fascismo tem ocupado uma posição destacada no circo de
horrores do Capital.

É verdade que, durante o fascismo, alguns capitalistas e uma parte da


oligarquia política foram reprimidos, junto com os líderes e militantes
das organizações tradicionais da classe operária. Para a burguesia e
a pequena burguesia, o fascismo foi um fenômeno anormal, uma
degradação dos valores humanitários que tentam explicar recorrendo
à psicologia.

O antifascismo liberal considerou o fascismo uma perversão da


civilização ocidental, cujos efeitos seriam observáveis, como o
fascínio sadomasoquista que os badulaques nazis exercem sobre
seus colecionadores. Assim, o humanista burguês jamais
compreendeu que os Hell´s Angels usavam as suásticas para
expressar a imagem invertida de sua própria visão do fascismo. A
lógica dessa agressão simbólica pode ser assim resumida: "Se o
fascismo é o pior de todos os males, então inverteremos todos os
valores ao escolher o mal." Este fenômeno é típico de uma época
desorientada.

As análises marxistas não costumam enfatizar o uso da psicologia. A


caracterização do fascismo como instrumento do grande capital
tornou-se clássica desde Daniel Guérin 2. Contudo, a seriedade de
suas análises não impediu a ocorrência de um erro central. A maioria
desses estudos sustenta que, apesar de tudo, o fascismo foi evitado
em 1922 e 1933. O fascismo é, além disso, reduzido a uma tática
usada pelo capitalismo, num certo momento. Afirmam, também, que o
fascismo não teria triunfado se o movimento dos trabalhadores tivesse
resistido a ele, em vez de dividir-se em disputas sectárias. Admitem
que não ocorreria uma "revolução", mas garantem que no mínimo a
Europa teria escapado do nazismo, dos campos de concentração, etc.

Apesar de algumas observações corretas sobre as classes sociais, o


Estado, e a íntima conexão entre o fascismo e o grande capital, os
defensores dessa opinião ignoram ou fingem esquecer que o fascismo
foi a conseqüência de dois fracassos: o primeiro, dos revolucionários,
que foram massacrados pelos sociais democratas e seus aliados
liberais; o segundo, dos liberais e social-democratas incapazes de
gerenciar efetivamente o capital.

A natureza do fascismo e seu ascenso ao poder continuarão


incompreensíveis se não estudarmos as lutas de classes do período
anterior e os erros cometidos pelo movimento revolucionário. Uma
coisa não pode ser entendida sem a outra. Significativamente, Guérin
se equivoca não apenas quanto ao fascismo, mas também quanto à
Frente Popular Francesa, que ele rotulou de "revolução esquecida". O
essencial da mistificação antifascista consiste em que os social-
democratas representam e difundem uma imagem distorcida do
fascismo, usando e abusando do radicalismo verbal, denunciando isso
e aquilo, por toda parte. Isto ocorre mesmo nos dias de hoje.

Boris Souvarine escreveu, em 1925 3: "Fascismo aqui, fascismo lá.


Action Française - isto é, fascismo... Diariamente, há seis meses, a
humanidade é apresentada a uma nova surpresa fascista. Num dia,
um enorme título de seis colunas, em letras garrafais: `O Senado é
fascista até a medula´. Noutro dia, uma gráfica - por recusar-se a
imprimir um jornal comunista - foi denunciada como ´uma ameaça
fascista à liberdade de imprensa´... Hoje, na França, o que existe não
é bolchevismo nem fascismo, porém algo mais do que simples
kerenskismo. O fascismo que preparam para nós não é viável, as
condições objetivas para a sua existência ainda não estão dadas...
Pode-se ou não deixar o campo livre para reação. Mas não é
necessário batizar a reação de fascismo para lutar contra ela."

Numa época de inflação verbal, "fascismo" é apenas uma palavra-


chave usada pelos esquerdistas para ostentar radicalismo. Seu uso
indica, além de confusão mental, uma importante concessão teórica
ao Estado e ao Capital. A essência do antifascismo consiste em lutar
contra o fascismo apoiando a democracia. Em resumo, o antifascista
não luta contra o capitalismo, mas para impedi-lo de assumir uma
forma totalitária. Ao identificar o socialismo com a democracia total, e
o capitalismo com o crescimento do fascismo, os antifascistas
abandonam a contraposição proletariado/capital, comunismo/trabalho
assalariado, proletariado/Estado em favor da oposição
democracia/fascismo, que apresentam como a quintessência da
perspectiva revolucionária.

O antifascismo confunde dois fenômenos: o fascismo, propriamente


dito, e a evolução do Capital e do Estado rumo ao totalitarismo.
Quando substitui o todo pela parte - isto é: o totalitarismo pelo
fascismo - o antifascismo mistifica as causas do fascismo e do
totalitarismo, reforçando, consciente ou inconscientemente, o que
pretendia combater.

Em síntese: o fascismo foi apenas um episódio na evolução do Capital


rumo ao totalitarismo, uma evolução na qual a democracia
desempenha uma função diferente mas tão contra-revolucionária
quanto a do fascismo. Mas falar hoje em dia de um fascismo não-
violento, "amigável", que deixa intactas as organizações tradicionais
do movimento dos trabalhadores é um deboche macabro.

O fascismo foi um movimento limitado no tempo e no espaço. A


situação na Europa, depois de 1918, deu-lhe suas características
originais, que nunca mais se repetirão. Basicamente, o fascismo está
vinculado à unificação econômica e política do Capital, uma tendência
que se generalizou a partir de 1914. O fascismo foi a maneira como o
Capital realizou seu objetivo em certos países - Itália e Alemanha,
principalmente - onde o Estado era incapaz de manter a ordem (no
sentido burguês da palavra), mesmo depois que a revolução proletária
já tinha sido esmagada. O fascismo tem as seguintes características:
1) nasce nas ruas; 2) gera desordem, enquanto prega a ordem; 3)
reduz mais ou menos violentamente a classe média; e, por fim, 4)
regenera, de fora para dentro, o Estado tradicional, incapaz de
resolver as crises capitalistas.

Inegavelmente, o fascismo foi uma solução para a crise do Estado,


durante a fase de transição para o total domínio do Capital sobre a
sociedade. Antes, o enquadramento dos trabalhadores pela social-
democracia impediu a revolução proletária; depois, o fascismo entrou
em cena com objetivo de "pôr um fim à desordem reinante". Mas a
crise nunca foi realmente superada pelo fascismo: a eficiência do
Estado fascista era apenas superficial, porque se baseava na
exclusão sistemática da classe operária da vida social. Sem dúvida, a
crise tem sido melhor administrada pelo Estado em nossa época.

De fato, o Estado democrático usa todas as técnicas do fascismo,


mas, de um modo geral, tem preferido integrar as organizações dos
trabalhadores a destruí-las. Hoje, a unificação social vai além daquela
imposta pelo fascismo, que desapareceu após cumprir sua tarefa de
expandir a capacidade disciplinadora do Estado, numa situação
verdadeiramente única. A burguesia tomou emprestado o nome
"fascismo" das primitivas organizações dos trabalhadores rurais da
Itália, que se autodenominavam "fasci" (feixes). Não deixa de ser
sintomático que o fascismo primeiro se definiu como uma forma de
organização, e não como um programa. Seu objetivo declarado era
unir todos em fasci, arregimentar todos os elementos dispersos em
corporações. "O fascismo roubou do proletariado seu segredo: a
organização... Liberalismo é somente ideologia sem organização,
fascismo é só organização sem ideologia." (Bordiga)
Apesar do que afirma um certo antifascismo radical, a ditadura não é
uma arma do Capital, mas uma tendência do Capital que se
materializa sempre que necessário. Retornar ao parlamentarismo
democrático após um período de ditadura - como na Alemanha,
depois de 1945 - significa apenas que a ditadura é desnecessária (por
enquanto) para submeter as massas proletárias ao Estado.

Não se trata de negar que a democracia oferece uma exploração mais


suave do que a ditadura. Qualquer um, em sã consciência, preferiria
ser explorado à maneira sueca do que à brasileira. Mas, a questão é:
temos escolha? O que sabemos é que a democracia se transforma
em ditadura tão logo seja necessário para assegurar os lucros do
Capital. Assim, o Estado tem desempenhado sua função, democrática
ou ditatorialmente. Pode-se preferir o primeiro modo ao segundo, mas
ninguém pode forçar o Estado a manter-se democrático.

Historicamente, constata-se que as formas políticas oferecidas pelo


capital não dependem mais da ação da classe operária do que das
intenções da burguesia. A República de Weimar não "capitulou diante
de Hitler". Na verdade, deu-lhe boas-vindas e recebeu-o de braços
abertos. A Frente Popular francesa não "evitou o fascismo", pelo
simples fato de que a França não precisou unificar seu capital nem
reduzir sua classe média, em 1936. Tais transformações não
requerem qualquer escolha política da classe operária.

Hitler foi subestimado por ter adaptado aos seus objetivos os métodos
de propaganda que aprendera, quando jovem, com a social-
democracia vienense. E daí? A social-democracia é mais conhecida
por esses métodos do que por qualquer outra coisa. O problema da
social-democracia e do nazismo era: como enquadrar as massas
trabalhadoras e, se for o caso, reprimi-las. Foram os socialistas e não
os nazistas que massacraram as insurreições proletárias. Isto não
impediu que o SPD (partido social-democrata alemão), outra vez no
governo, cinicamente lançasse um selo em homenagem a Rosa
Luxemburgo, por ocasião do aniversário de sua morte, fingindo
esquecer que ela foi assassinada pelo mesmo SPD, em 1919.

A ditadura se instala sempre depois que os proletários foram


derrotados pela social-democracia, com a ajuda dos sindicatos e
partidos da esquerda. Por outro lado, tanto a social-democracia como
o nazismo contribuíram para a melhoria temporária do nível de vida.
Como o SPD, Hitler tornou-se o instrumento de um movimento social
que julgava controlar. Como o SPD, ele lutou pelo poder, pelo
exercício da mediação entre os trabalhadores e o capital. Mas Hitler e
o SPD, cada um à sua maneira, eram instrumentos do capital e foram
descartados por ele, quando suas respectivas tarefas haviam sido
cumpridas.

O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO


Desde que o regime fascista surgiu, no período entre as duas guerras
mundiais, o termo "fascismo" tem se mantido em voga. Que grupo
político não acusou seus adversários de usar "métodos fascistas"? A
esquerda nunca parou de denunciar o fascismo ressurgente, a direita
por sua vez insistia rotulando o PCF como o "Partido Fascista".
Significando tudo e nada, a palavra foi perdendo significado a partir do
momento em que os liberais de todos os países passaram a identificar
todo e qualquer Estado forte como fascista.

As ilusões dos fascistas dos anos 30 ressurgem e são apresentadas


como realidade, nos dias de hoje. Na Espanha, Franco pretendia ser
tão fascista quanto seus mentores, Hitler e Mussolini, mas o fato é
que nunca houve uma internacional fascista. Os coronéis gregos e
generais chilenos são chamados de fascistas, mas eles apenas
representam variantes ditatoriais do Estado capitalista. Intitular de
fascista o Estado é o mesmo que acusar os partidos que o governam.
Assim, não se critica o Estado, só se denunciam aqueles que o
dirigem. Os esquerdistas tentam parecer radicais fazendo alvoroço em
torno do fascismo, mas rejeitam a crítica ao Estado. Na prática,
limitam-se a propor outra forma de Estado (democrática ou popular)
em substituição à atual, qualquer que seja ela.

O termo "fascista" é ainda menos relevante nos países capitalistas


desenvolvidos, onde os partidos comunistas e socialistas pretendem
desempenhar um papel central no futuro. No discurso esquerdista,
Estado "fascista" é todo aquele que reage contra o movimento
revolucionário. Ora, neste caso, é muito mais correto falar de Estado
pura e simplesmente, e deixar o fascismo fora disso.

Há um aspecto sob o qual o fascismo triunfou e seus objetivos foram,


em geral e ainda que por outros meios, alcançados: a unificação do
Capital e a eficiência do Estado. Mas a verdade é que o fascismo
desapareceu como movimento político e como forma de Estado.
Apesar de algumas semelhanças, os partidos hoje considerados
fascistas já não almejam, desde 1945, conquistar um Estado frágil de
fora para dentro. 4

Insistir com a ameaça do fascismo é ignorar o fato de que o fascismo


revelou-se despreparado para a tarefa, que assumiu mas não
realizou. Assim, por exemplo, em vez de fortalecer o Capital alemão, o
nazismo terminou dividindo-o em dois Estados. Durante a segunda
guerra mundial, a polarização fascista/antifascista foi enriquecida com
novos elementos. Do ponto de vista do Capital, a guerra entre dois
blocos imperialistas era, mais uma vez, a solução necessária para os
problemas econômicos (crash de 1929) e sociais (a classe operária -
rebelde, ainda que não revolucionária - tinha de ser subjugada). Deste
modo, a II guerra mundial é mistificada como uma guerra contra o
totalitarismo, na forma de fascismo. Esta é a versão que permanece.

A constante lembrança, por parte dos imperialismos vitoriosos de


1945, dos crimes nazistas serve para justificar a guerra, dando-lhe o
caráter de cruzada humanitária na qual tudo, mesmo a bomba
atômica, pode ser admitido para derrotar tão bárbaro inimigo. Esta
interpretação não é, entretanto, mais digna de crédito do que a
demagogia dos nazistas, que diziam lutar contra o capitalismo e a
plutocracia ocidental.

O bloco democrático incluía um Estado tão totalitário e violento quanto


a Alemanha de Hitler, a União "Soviética" de Stálin, cujo código penal
prescrevia a pena de morte para os infratores de 12 anos de idade.
Em suas colônias, os governos democráticos utilizavam métodos
similares de terror e extermínio sempre que achassem necessário. O
ocidente esperou a guerra fria para denunciar a existência dos
campos de prisioneiros na URSS. Mas cada país capitalista tem que
lidar com seus problemas. A Inglaterra não enfrentou uma guerra
como a da Argélia. Os EUA não tiveram de organizar campos de
concentração 5, mas desencadearam uma guerra colonial no
Vietnam. A União "Soviética", cujo Gulag foi denunciado no mundo
inteiro, concentrou em algumas décadas os horrores cometidos
durante séculos nos mais velhos países capitalistas, horrores que
também resultaram em milhões de vítimas, basta lembrar a
escravidão dos negros e o extermínio dos índios.

Ao longo da história, o desenvolvimento do Capital tem certas


conseqüências, entre as quais: 1) opressão mais ou menos brutal dos
trabalhadores, que inclui a eliminação física; 2) competição com
outros capitais nacionais, freqüentemente resultando em guerra.
Quando o Estado é administrado pelos "partidos dos trabalhadores",
apenas uma coisa muda: a demagogia trabalhista é mais evidente,
mas os trabalhadores não serão poupados da repressão mais severa,
se esta for necessária para o bom andamento dos negócios. O triunfo
do Capital nunca é completo, a não ser quando os trabalhadores se
mobilizam por uma "vida melhor".

A pretexto de defender os proletários dos "excessos do Capital", o


antifascismo apóia a intervenção do Estado. O antifascismo tem sido
o campeão do Estado forte. Assim, por exemplo, o PCF (Partido
"Comunista" Francês) nos pergunta: "Que espécie de Estado é
necessário na França de hoje?... O nosso Estado é estável e forte,
como o presidente da república diz? Não, ele é fraco, é impotente
para tirar o país da crise política e social na qual está atolado. Na
verdade, o presidente da república está encorajando a desordem".6

Ambas, ditadura e democracia propõem o fortalecimento do Estado,


como uma questão de princípio. Com o pretexto de nos proteger,
mudam os estilos mas o objetivo é sempre o mesmo: "de cima para
baixo", com os ditadores, ou "de baixo para cima", com os
democratas, o capitalismo se mantém. Então, comparando ditadura e
democracia, poderíamos falar de uma luta entre duas facções
sociologicamente diferentes do Capital? Não. Simplesmente, estamos
diante de dois diferentes métodos de arregimentação do proletariado:
pela força, reprimindo-o; ou assimilando-o, através de "suas" próprias
organizações.

O Capital opta por uma dessas soluções, de acordo com as


exigências do momento. Na Alemanha, depois de 1918, a social-
democracia e os sindicatos eram indispensáveis para assimilar os
trabalhadores e isolar os revolucionários. Depois de 1929, a Alemanha
tinha de concentrar sua indústria, minimizar a dispersão da classe
média e unificar a burguesia. O movimento operário tradicional, a
social-democracia, que dependia do pluralismo político e defendia os
interesses imediatos dos trabalhadores, tornou-se um peso morto
para o Capital.

As "organizações dos trabalhadores" apoiavam firmemente o


capitalismo, seja porque já não eram ou porque nunca tinham sido
autônomas. Desempenharam um efetivo papel contra-revolucionário,
em 1918-21, contribuindo decisivamente para a derrota da revolução
proletária na Alemanha. Em 1920, essas organizações deram o
primeiro exemplo de antifascismo contra-revolucionário (antes mesmo
do surgimento do fascismo, na Itália). 7

Mais tarde, a hipertrofia das organizações social-democratas, na


sociedade e no Estado, exasperou o conservadorismo social, o
malthusianismo econômico, e elas foram eliminadas. Mas a social-
democracia preencheu uma função abertamente contra-revolucionária
em 1918-1921, ao defender a manutenção do trabalho assalariado.
Foi por isso que se tornou necessária para representar os interesses
imediatos dos assalariados, ainda que, mais tarde, viesse a dificultar a
reorganização do Capital como um todo.

O nazismo tinha como objetivo a destruição violenta do movimento


dos trabalhadores, contrariamente aos partidos fascistas de hoje. Esta
é a diferença crucial. A social-democracia, que havia cumprido muito
bem sua função de domesticar os trabalhadores, ocupava uma
posição importante no Estado, mas era incapaz de unificar a
Alemanha. Essa foi a tarefa do nazismo, que soube como atrair e
subjugar todas as classes e camadas sociais, dos proletários
desempregados ao Capital monopolista.

No Chile de Allende, a Unidade Popular conseguiu integrar os


trabalhadores, mas sem reunir a nação inteira atrás de si. Mesmo
assim, tornou-se necessário subjugá-los pela força. No entanto, até
novembro de 1975, não houve nenhuma repressão massiva. Se
Allende proclamou a "Revolução na Legalidade", não foi para levar ao
poder os trabalhadores ou porque as organizações democráticas
quisessem evitar o golpe de Estado da direita. Os partidos de
esquerda e sindicatos jamais conseguiram evitar qualquer coisa
semelhante, exceto quando o golpe de Estado era prematuro, como o
de Kapp, na Alemanha de 1920. Se não houve terror branco em
Portugal, foi por falta de necessidade, pois o Partido Socialista
conseguiu unificar a sociedade como um todo atrás de si.

Quer se admita ou não, o antifascismo tem sido a forma necessária


para a colaboração entre trabalhadores e burgueses reformistas. O
antifascismo os une afirmando representar o verdadeiro ideal da
revolução burguesa, traída pelo Capital. A democracia é considerada
como um embrião de socialismo, já presente na sociedade capitalista.
E o socialismo é representado como a plena democracia. A luta pelo
socialismo consistiria em obter o máximo de direitos democráticos
dentro do capitalismo. Com a ajuda do espantalho fascista, o
gradualismo democrático é revitalizado.

A democracia é uma das formas políticas do Capital. Sua expansão,


neste século, aumentou o isolamento dos indivíduos. Nascida como
solução ilusória para o problema da alienação na sociedade, a
democracia é impotente para resolver o problema da mais alienada
das sociedades, em toda a história, a sociedade capitalista. O
antifascismo só consegue viabilizar o totalitarismo, na medida em que
sua luta por um Estado democrático se resume ao fortalecimento do
Estado, pura e simplesmente.

Por vários motivos, as críticas dos revolucionárias ao fascismo e ao


antifascismo – em particular, as que se referem à guerra civil
espanhola - são ignoradas, mal entendidas e mesmo intencionalmente
distorcidas. Na melhor das hipóteses, são consideradas abstratas; na
pior, uma contribuição ao fascismo. Assim, o discurso antifascista
veicula que: a) o PCI ajudou Mussolini por não levar o fascismo a
sério e, especificamente, por não se aliar com as forças democráticas;
b) o KPD facilitou a tomada do poder por Hitler, ao tratar o SPD como
o inimigo principal; c) na Espanha, pelo contrário, teríamos um
exemplo de luta antifascista, que poderia ter sido bem sucedida se
não fossem as deficiências dos stalinistas (ou: socialistas,
anarquistas, etc., - a escolher, segundo a preferência de cada um).
Ora, esses argumentos se baseiam numa completa distorção dos
fatos.

ITÁLIA E ALEMANHA
Revirando o lixo histórico das falsificações e meias-verdades que são
a matéria-prima do discurso antifascista, pode-se encontrar o relato
distorcido do caso em que, no mínimo, uma importante facção do
proletariado lutou contra o fascismo com seus próprios métodos e
objetivos: a Itália, de 1918 a 1922. Esta luta não foi especificamente
antifascista: lutar contra o Capital significa lutar contra o fascismo e
contra a democracia parlamentar.
Esse episódio é significativo porque o movimento em questão foi
liderado pelos comunistas, e não pelos socialistas reformistas - que
haviam aderido à Terceira Internacional, como o PCF - ou pelos
stalinistas do KPD (partido "comunista" alemão), que entoava a
ladainha da "revolução nacional", no início dos anos 30, competindo
vergonhosamente em demagogia patriótica com os nazistas. Por
estranho que pareça, foi o caráter intransigentemente proletário da
luta que permitiu aos antifascistas difamarem a experiência
revolucionária italiana: o PCI, então liderado por Bordiga e seus
camaradas da esquerda comunista, foi acusado de favorecer o
acesso de Mussolini ao poder.

Vale a pena analisar esse episódio, pois ele demonstra, sem qualquer
ambigüidade, que as posteriores derrotas dos revolucionários –
incluídas as guerra da "democracia" contra o "fascismo" (guerra civil
espanhola e a segunda guerra mundial)- não foram conseqüência do
sectarismo de puristas que, ocupando-se apenas com a Revolução
Social, recusam-se a fazer outra coisa que não seja preparar-se para
o Grande Dia. Essas derrotas resultaram do desaparecimento,
durante os anos 20 e 30, do proletariado como potência histórico-
mundial, na qual ele havia se constituído no fim da guerra de 1914-
1918.

A repressão fascista ocorreu somente depois da derrota proletária.


Não destruiu o movimento revolucionário do proletariado, pois isto
apenas as organizações tradicionais (partido e sindicatos) do antigo
movimento operário poderiam, direta e indiretamente, fazer e o
fizeram. Os revolucionários foram derrotados pela democracia, que
recorreu a todos os meios disponíveis, incluída a ação militar. Na
verdade, o fascismo limitou-se a destruir os oponentes que restavam,
entre eles o movimento reformista dos trabalhadores, que se tornara
um estorvo para o Capital. Portanto, afirmar que a tomada do poder
pelo fascismo começou nas ruas, onde os trabalhadores teriam sido
derrotados, é falsificar deliberadamente a história.

Na Itália, em 1919, a luta proletária foi derrotada pela repressão do


Estado e pelas eleições políticas. Em 1922, o Estado concedeu maior
liberdade de ação aos fascistas, facilitou-lhe os procedimentos
judiciais e desarmou unilateralmente os trabalhadores. Além das
medidas de proteção armada ocasional, o socialista Bonomi, em
outubro de 1921, já tinha destacado 60.000 oficiais para chefiar os
grupos de assalto fascistas. Antes da ofensiva fascista, o Estado
recorreu às eleições. Durante as ocupações de fábricas, em 1920, o
Estado evitou atacar os proletários, deixando que sua luta se
esgotasse por si mesma, com a ajuda do CGL, central sindical
socialista, que se encarregou de quebrar as greves. Ao mesmo tempo,
os democratas formaram um "bloco nacional", que incluía liberais,
direitistas e fascistas, para as eleições de 1921. Nos meses de junho
e julho de 1921, o PSI concluiria um "pacto de paz" com os fascistas.

Certamente, o golpe fascista, em 1922, não foi uma transferência de


poder. O objetivo da "marcha sobre Roma" dos sequazes de Mussolini
- o qual, por via das dúvidas, resolveu ir de trem - não era pressionar
o governo, mas assestar um golpe publicitário. No ultimato que
entregou ao governo, em 24 de outubro, Mussolini não ameaçava com
a guerra civil. Limitava-se a comunicar aos titulares do governo que,
doravante, o PNF (Partido Nacional Fascista) era a única força política
em condições de chefiar o Estado e unificar a sociedade, segundo os
interesses do Capital. Sem mais delongas, o rei pediu a Mussolini que
formasse um novo governo, que incluiu os liberais. Todos os partidos,
excetuados o PCI e o PSI, aceitaram os termos do PNF e votaram a
favor de Mussolini no parlamento. E o poder do ditador foi ratificado
pela democracia.

Com pequenas variações, o espetáculo se repetiu na Alemanha. Hitler


foi nomeado chanceler, pelo presidente Hindenburg (eleito, em 1932,
com a apoio dos social-democratas que viam nele um baluarte contra
Hitler). Mas os nazistas eram minoritários no primeiro gabinete de
Hitler. Depois de alguma hesitação, o Capital patrocinou Hitler a partir
do momento em que identificou nele a capacidade política para unir o
Estado e, portanto, a sociedade. Se o Capital devia ou não ter
calculado as desastrosas conseqüências da tomada do Estado pelos
nazis é uma questão secundária.

Nos dois países, Itália e Alemanha, as organizações tradicionais do


proletariado, controladas pela social-democracia, nada tinham a ver
com o movimento revolucionário do proletariado. Funcionavam
apenas para preservar sua existência institucional e estavam
dispostas a aceitar qualquer regime político, de direita ou de
esquerda, desde que fossem toleradas. Na Espanha, o PSOE (Partido
Socialista Operário Espanhol) e sua central sindical (U.G.T.)
colaboraram, entre 1923 e 1930, com a ditadura de Primo de Rivera.

Já em 1932, as centrais sindicais alemãs, ou melhor, seus líderes


socialistas, declararam-se independentes de qualquer partido político
e indiferentes quanto à forma do Estado, tentando obter um acordo
com Schleicher (o infeliz predecessor de Hitler). Em 1933, tentaram o
mesmo com Hitler, que os convenceu de que o nacional-socialismo
autorizaria sua existência. Satisfeitos, os sindicalistas alemães
empunharam imediatamente as bandeiras nazistas e suásticas, no 1º
de maio de 1933, desfigurado no "festival do trabalho alemão". Mais
tarde, os nazistas mandariam os líderes sindicais para prisões e
campos de concentração, o que serviu para atribuir aos sobreviventes
a reputação de terem sido resolutamente "antifascistas" desde o
início.

Na Itália, os líderes sindicais quiseram fazer um acordo de tolerância


mútua com os fascistas. Eles contactaram o PNF, no final de 1922 e
em 1923. Um pouco antes de Mussolini tomar o poder, eles
declararam: "Neste momento em que as paixões políticas estão
exacerbadas e que duas forças estranhas ao movimento sindical, o
PCI e o PNF, disputam ferozmente o poder, a CGL sente-se no dever
de avisar os trabalhadores sobre as intenções dos partidos e
agrupamentos políticos que desejam envolvê-los numa luta em
relação à qual devem permanecer absolutamente neutros, se não
quiserem comprometer sua independência."

Em contrapartida, na Áustria, em fevereiro de 1934, ocorreu uma


insurreição operária, organizada pela esquerda do Partido Social
Democrata contra o aparato do Estado, que se mostrava cada vez
mais ditatorial e conciliava com os fascistas. Esta luta não era de
caráter revolucionário, apenas resultava de não ter havido nenhum
combate de rua na Áustria, desde 1918. Os proletários mais
combativos não haviam sido derrotados e continuavam filiados à
social democracia, que, em função disso, tinha algumas veleidades
revolucionárias. Mas essa resistência logo foi esmagada, por falta de
um mínimo de coordenação.

A crítica revolucionária desses eventos não chega numa conclusão do


tipo "tudo ou nada", como alguém que insiste em lutar somente pela
"revolução". Há muito falatório do tipo: Devemos lutar por reformas
quando não é possível fazer a revolução. Uma luta bem dirigida por
reformas prepara o caminho para a revolução. Quem pode fazer mais,
pode fazer menos; mas quem não pode fazer menos, não pode fazer
mais. Quem não sabe como se defender não saberá como atacar, etc.
Mas essas banalidades nada acrescentam de válido.

A polêmica entre os marxistas, desde a II Internacional, não gira em


torno da necessidade da atuação comunista em lutas reformistas, que
são, em todo caso, uma realidade. Trata-se, antes, da questão de
avaliar concretamente se uma dada luta mantém os trabalhadores sob
o controle (direto ou indireto) do Capital e em particular, do Estado, e
que posição os revolucionários devem adotar. Para um revolucionário,
a "luta" (essa palavra é deliciosamente esquerdista) não tem qualquer
valor em si mesma. As ações mais violentas tem geralmente
terminado na formação de partidos e sindicatos que mais tarde se
tornariam inimigos mortais do comunismo. Qualquer luta, não importa
quão espontânea ou enérgica foi em sua origem, que coloque ou
mantenha os trabalhadores sob a dependência do Estado só pode ter
uma função contra-revolucionária. A luta antifascista, que proclama e
objetiva um mal menor - "Melhor é ter um capitalismo democrático do
que um capitalismo fascista." - eqüivale a ter que escolher entre o
fogo e a brasa. Quem se coloca sob a proteção do Estado deve
aceitar todas as conseqüências, inclusive a repressão que será
exercida, quando necessária, contra os trabalhadores e
revolucionários que quiserem ir além do antifascismo.

Os que acusam Bordiga e o PCI de 1921-1922 pelo triunfo de


Mussolini, deveriam questionar a fraqueza perpétua do antifascismo,
cujo retrospecto é incrivelmente ruim: afinal, quando foi que o
antifascismo evitou ou no mínimo reduziu o totalitarismo? A segunda
guerra mundial foi justificada com o pretexto de salvaguardar a
existência de Estados democráticos, mas as democracias
parlamentares são hoje uma exceção. Nos países chamados
socialistas, o desaparecimento da burguesia tradicional e as
exigências do capitalismo de Estado resultaram em ditaduras que
diferem muito pouco das ditaduras fascistas. Os maoístas negam a
existência de milhões de trabalhadores escravizados na China 8,
exatamente como os stalinistas negaram a existência dos campos de
concentração na URSS, durante 30 anos. África, Ásia e América
Latina vivem sob um regime unipartidário ou ditadura militar. Pode-se
ficar horrorizado com os crimes da ditadura brasileira, mas a
democracia mexicana não vacilou em disparar seus fuzis contra uma
manifestação de estudantes, em 1968, matando 300 deles.

Mas os antifascistas insistem, alegando: "No mínimo, a derrota das


potências fascistas trouxe a paz..." Sim. Mas apenas para os
europeus, não para os que continuam morrendo em guerras
incessantes e, de fome crônica, todos os dias. Em síntese, a tal
guerra para acabar com todas as guerras e o totalitarismo foi um
fracasso. A resposta dos antifascistas é automática: "A culpa é do
imperialismo americano ou russo..." "Ou dos dois - diz o antifascista
mais radical. Na sobrevivência do capitalismo está a causa das
guerras." Aqui, estamos de acordo! Mas o problema continua. Como
poderia uma guerra entre Estados capitalistas ter qualquer outro efeito
que não fortalecer o Capital?

Os antifascistas (especialmente os "revolucionários") concluíram


exatamente o oposto. Um novo lançamento do antifascismo, que deve
ser continuamente radicalizado para avançar o máximo possível. Eles
jamais desistem de denunciar "ressurgimentos" e/ou "métodos"
fascistas, mas não deduzem disso a necessidade de destruir a raiz do
mal: o Capital. Ao contrário, decidem relançar o "verdadeiro"
antifascismo, proletarizá-lo, recomeçar o trabalho de Sísifo que
consiste em democratizar o capitalismo.

Pode-se odiar o fascismo e amar a humanidade, mas isso não muda


algumas questões essenciais: (1) o Estado capitalista (ou seja: todos
os Estados) está cada vez mais constrangido a mostrar-se repressivo
e totalitário; (2) todas as tentativas de exercer pressão sobre o
Estado, no intuito de forçá-lo numa direção mais favorável para os
trabalhadores ou para "liberdades democráticas" irão terminar, no
melhor dos casos, em nada. No pior, ou seja, na maioria dos casos,
contribuirão para reforçar a ilusão de que o Estado é o árbitro da
sociedade, uma força neutra que está acima de todas as classes.

Os antifascistas são bastante capazes de: 1) repetir enfadonhamente


as análises marxistas clássicas, que definem o Estado como um
instrumento de dominação de classe; e, ao mesmo tempo, 2) propor o
"uso" desse mesmo Estado. Os mesmos antifascistas, que estudaram
os escritos de Marx sobre a abolição do trabalho e da troca, agora
difamam a revolução social ao representá-la como uma ultra-
democratização do trabalho assalariado. Estes são os que vão mais
longe. Eles adotam parte das teses revolucionárias anunciando que o
Capital é sinônimo de fascismo, que a luta pela democracia contra o
fascismo implica na luta contra o capitalismo. Mas em que terreno
eles lutam? Lutar sob a liderança de um ou mais Estados capitalistas -
porque eles possuem recursos materiais e detém o controle da luta - é
contribuir para a derrota do proletariado na luta contra o Capital. A luta
pela democracia não é um atalho que permitiria aos trabalhadores
colher os frutos da revolução sem ter de fazê-la. O proletariado só
destruirá o totalitarismo se destruir a democracia e todas as formas
políticas ao mesmo tempo. Até lá, haverá uma sucessão de sistemas
"fascistas" e "democráticos" no tempo e espaço; os regimes ditatoriais
transformam-se em regimes democráticos e vice-versa; as ditaduras
coexistem com as democracias; um tipo serve, como justificação e
contraste, para o outro.

Há quem diga que a democracia é mais propícia do que a ditadura


para uma atividade revolucionária, ignorando ou esquecendo que o
mais democrático dos sistemas torna-se ditatorial tão logo se sinta
ameaçado pela revolução. E ainda mais rapidamente quando os
"partidos dos trabalhadores" estão governando. Se alguém deseja
levar o antifascismo às últimas conseqüências de sua lógica, terá de
imitar certos liberais de esquerda que nos dizem: "Desde que o
movimento revolucionário pressiona o Capital à ditadura, vamos
renunciar toda revolução e nos contentar em ir o mais longe possível
com as reformas, sem pressionar o Capital." Mas esta prudência é por
si só utópica, porque a "fascistização" que se tenta evitar resulta não
apenas da ação revolucionária, mas da concentração dos capitais.

Pode-se discutir a validade e os resultados efetivos da participação


dos revolucionários em movimentos democráticos até o início do
século XX. Mas, hoje, esta possibilidade está excluída, uma vez que o
Capital exerce total dominação sobre a sociedade. Portanto, uma
conclusão é inevitável: a democracia tornou-se uma mistificação, um
passatempo para imbecis. Toda vez que os proletários dependeram
da democracia como uma arma contra o Capital, ela se transformou
no seu oposto... Os revolucionários rejeitam o antifascismo por
saberem que não é possível lutar exclusivamente contra uma forma
política sem apoiar uma outra, que é a tática antifascista por
excelência. O erro do antifascismo não é lutar contra o fascismo, mas
dar prioridade a essa luta, que se revelou inefetiva. Os revolucionários
não denunciam o antifascismo por não "fazer a revolução", mas por
serem impotentes na luta contra o totalitarismo e por reforçar,
voluntariamente ou não, o Capital e o Estado.

A democracia sempre se rendeu ao fascismo, praticamente sem luta.


Mas o fascismo também se converteu à democracia, quando se viu
forçado pela correlação de forças socio-políticas. Em 1943, a Itália
aderiu ao campo dos vitoriosos. O ditador Mussolini, derrotado no
Grande Conselho Fascista, foi submetido ao veredito democrático
daquele órgão e aprisionado. Um dos oficiais fascistas, marechal
Badoglio, convocou a oposição democrática e formou um governo de
coalizão. Tais fatos são conhecidos na Itália como a "revolução de 25
de agosto". Os democratas hesitaram, mas pressionados pelos russos
e o PCI, aceitaram um governo de unidade nacional, em abril de 1944,
dirigido por Badoglio, ao qual Togliatti e Benedetto Croce
pertenceram. Em junho de 1944, o socialista Bonomi formou um
ministério que excluía os fascistas. Foi estabelecida a fórmula
tripartidária (PCI-PSI-Democracia Cristã), que dominou os primeiros
anos do pós-guerra. Vimos, pois, um exemplo de transição organizada
e parcialmente conduzida pelos fascistas.

A democracia metamorfoseia-se em fascismo e vice-versa, de acordo


com as circunstâncias, numa sucessão de composições políticas que
asseguram a preservação do Estado como garantia do capitalismo.
Mas o retorno à democracia está longe de produzir, em si mesmo,
uma retomada da luta de classes. Na verdade, os partidos dos
trabalhadores quando chegam ao poder são os primeiros a falar em
Capital nacional. Antes, o sacrifício material e o abandono da luta de
classes foram justificados pela necessidade de "derrotar o fascismo".
Depois, foram mantidos, mas em nome do ideal de resistência forjado
na luta contra o fascismo. As ideologias fascista e antifascista são,
ambas, adaptáveis aos interesses do Capital, de acordo com as
circunstâncias.
Desde o início, o grito "o fascismo não passará" – que, aliás, para
nada servia, pois o fascismo sempre passou – soava como uma forma
grotesca de demarcação entre fascismo e não fascismo, seguindo
uma linha em constante movimento. Assim, por exemplo, a esquerda
francesa denunciou o perigo "fascista" depois de 13 de maio de 1958,
mas os dirigentes SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária,
atual partido socialista francês) colaboraram com a redação da
constituição da quinta república, como queria o general De Gaulle.

Portugal e Grécia também ofereceram episódios de auto-reciclagem


de ditaduras em democracias. Sob a pressão de circunstâncias
externas (questão colonial para Portugal, questão de Chipre para a
Grécia), os militares preferiram entregar o regime para salvar o
Estado. Na Espanha, o júbilo dos democratas e seus atos foram
exatamente iguais quando os franquistas renunciaram ao poder. O
partido "comunista" espanhol expressou precisamente essa opinião
(para isso o Capital espanhol necessita do PCE e por isso o mantém):
"A sociedade espanhola deseja que se proceda de tal forma que o
funcionamento normal do Estado seja assegurado, sem sobressaltos
ou convulsões sociais. A continuidade do Estado exige a não
continuidade do regime." Ocorreu, pois, a transição de uma forma do
Estado para outra, transição da qual o proletariado é excluído e sobre
a qual não exerce o menor controle. Se o proletariado tentar intervir,
terminará integrado ao Estado e, em suas lutas futuras, enfrentará as
maiores dificuldades, como o caso português demonstrou claramente.

NOTA:

[1] Simon Leys – The Chairman´s New Clothes: Mao and the Cultural
Revolution, London (1977).

CHILE
Provavelmente, o exemplo do Chile tem feito muita gente ressuscitar a
falsa oposição democracia/fascismo. Este caso ilustra muito bem todo
o mecanismo do êxito da ditadura, implicando a tripla derrota do
proletariado. Contemporânea aos eventos na Europa, a Frente
Popular Chilena dos anos 30 já havia designado seu inimigo como a
"oligarquia". A luta principal era contra o controle oligárquico do
parlamento, considerado sufocante. A maioria conservadora facilitou a
evolução no sentido de um sistema presidencial mais centralizado,
com poder estatal reforçado, capaz de incentivar reformas, isto é, o
desenvolvimento industrial. Essa frente popular (que existiu
essencialmente de 1936 à 1940) corresponde a uma conjuntura de
ascenso movimento da classe média urbana (burguesia e
trabalhadores de colarinho branco) e das lutas da classe operária.

A classe operária foi organizada pela Federação Socialista do


Trabalho, posteriormente dizimada pela repressão; pelos anarco-
sindicalistas da CGT, sob influência da I.W.W., combativos, porém
débeis (20 a 30 mil membros de um total de 200.000 sindicalizados); e
especialmente pela Federação dirigida pelo partido comunista. Os
sindicatos de trabalhadores de colarinho branco haviam feito greves
duras, nos anos 20, as dos trabalhadores industriais e daqueles dois
bastiões da militância proletária: o nitrato (mais tarde, cobre) e o
carvão. Mesmo insistindo na reforma agrária, a Coligação dos
socialistas, stalinistas e radicais não conseguiu impor isso à
oligarquia. A Coligação pouco fez para recuperar as riquezas
remetidas para o exterior, mediante a exploração de recursos naturais
(primeiramente, nitrato). Mas engendrou um salto na produção
industrial, como o Chile nunca tinha visto antes, por meio de
instituições semelhantes, reestruturando o Estado capitalista, que
concentrou recursos no estímulo à indústria pesada e à energia. A
produção industrial aumentou, durante esse período, cerca de 10% ao
ano; desse período à 1960, 4% anuais; e durante os anos 60, de 1 a
2% ao ano. A fusão das centrais sindicais socialista e stalinista
começou no fim de 1936 e enfraqueceu ainda mais a CGT. A Frente
Popular acabou com qualquer iniciativa verdadeiramente subversiva.

A coligação durou até 1940, quando o Partido Socialista saiu do


governo. Mas o regime estava apto para continuar até 1947,
sustentado pelo partido radical e pelos stalinistas – além dos
intermitentes apoios da falange fascista, ancestral da democracia
cristã, partido de Eduardo Frei 9. Os stalinistas apoiaram o regime até
1947, quando o partido radical o abandonou.

Como os esquerdistas sempre nos dizem, as Frentes Populares


também são produtos da luta da classe operária. Mas de uma luta que
ocorre sob o controle do Capital e que tem contribuído para
modernizá-lo. Depois de 1970, a Unidade Popular propõe-se o
objetivo de revitalizar o Capital nacional chileno (que o PDC – Partido
Democrata Cristão - não havia sabido proteger durante os anos 60),
integrando os trabalhadores. No final das contas, o proletariado
chileno seria triplamente derrotado.

A primeira, quando renunciou às lutas econômicas para seguir a


reboque da esquerda, aceitando o novo Estado apoiado pelas
"organizações dos trabalhadores". Em 1971, fizeram a Allende a
seguinte pergunta: "Na sua opinião, é possível evitar a ditadura do
proletariado?" E ele respondeu: "Eu acho que sim. Para este fim é que
estamos trabalhando." 10.

A segunda foi a repressão militar, depois do golpe de Estado. Ao


contrário do que imprensa esquerdista disse sobre "resistência
armada", os proletários haviam sido desarmados materialmente e
ideologicamente pelo governo de Allende, que os havia forçado a
entregar suas armas em várias ocasiões. A transição para a ditadura
militar iniciou-se quando Allende nomeou um general para o cargo de
ministro do interior, aceitando a tutela dos militares para evitar o golpe
militar e proteger o Estado democrático, que era congenitamente
incapaz de evitar o totalitarismo. Deste modo, a Unidade Popular
imobilizou os proletários revolucionários, entregando-os indefesos à
direita fascista. Um acordo entre a UP e o PDC afirmava: "Nós
desejamos que a polícia e as forças armadas continuem a garantir
nossa ordem democrática, a qual implica o respeito da estrutura
hierárquica do exército e da polícia."
Porém, a mais ignóbil de todas foi a terceira derrota. Dever-se-ia
conceder à esquerda internacional a medalha que merece. Depois de
ter apoiado o uso do Estado com a intenção declarada de reformar o
capitalismo, a esquerda e a extrema-esquerda posaram de profetas:
"Nós os avisamos: o Estado é a força repressiva do Capital". Os
mesmos que, 6 meses antes, haviam encorajado a infiltração dos
revolucionários no exército e a inserção organizada nos órgãos da
vida política e social, agora diziam que o exército havia permanecido
"o exército da burguesia", e que eles sabiam disso há muito tempo...

Evidentemente, tratavam de justificar a derrota. Para tal, exploraram a


emoção e o choque causado pelo golpe militar, tentando impedir que
os revolucionários proletários (no Chile ou em qualquer outro lugar)
extraíssem lições desses eventos. Em vez de analisar o que a UP fez
e o que não deveria ter feito, esses esquerdistas limitaram-se a
reeditar velhas táticas políticas, agora carregando na cor vermelha. A
foto de Allende empunhando um fuzil-metralhadora tornou-se o
símbolo da ala esquerda da democracia. Finalmente, resolviam lutar
contra o fascismo. A luta é necessária, mas não é suficiente: há que
ter armas. Esta é a tardia lição que a esquerda dá ao Chile, utilizando
a morte de Allende, prova "física" da derrota da democracia, como
símbolo de sua vontade de lutar.

"Se, no momento da ação, seus interesses se revelaram


desinteressantes e sua potência impotente, de pouco sentem-se
responsáveis os nocivos demagogos que dividiram as pessoas em
campos diferentes e hostis. Ou, então, o exército estava embrutecido
e demasiado cego para compreender que os puros objetivos da
democracia são a melhor coisa para ele... Seja como for, o democrata
sempre parece, após a mais humilhante derrota, tão imaculado quanto
era inocente quando tudo começou." Marx 11.

Questionar a natureza da Unidade Popular, na dinâmica da luta


política (num dia, com votos; com balas, no outro), só é possível, em
poucas palavras, questionando a natureza do capitalismo, do
comunismo e do Estado. Outro problema é que atitude tomar diante
de um "ataque fascista". Caberia perguntar, também, porque a
vanguarda do proletariado ficou isolada, completamente sem
recursos, nos cinturões industriais.

Mas é tempo de juntar as peças: a derrota, mais do que a vitória, faz


com que os antifascistas se unam. Rechaçam toda crítica, sob a
alegação de que isso enfraqueceria o "movimento". Uma das
primeiras declarações dos trotskistas portugueses, depois do 25 de
abril de 1974, foi denunciar como "ultra-esquerdistas" os
revolucionários que se recusaram a jogar o jogo da democracia.

Resumindo, a esquerda internacional uniu-se para impedir a


compreensão dos eventos chilenos, para distanciar ainda mais os
proletários da perspectiva comunista. Desta maneira, a esquerda
prepara o retorno da democracia chilena e se põe à disposição do
Capital, para quando este necessitar dela novamente.

PORTUGAL
O caso português é um enigma insolúvel apenas para aqueles (a
maioria) que não sabem o que é a revolução. Revolucionários
sinceros e confusos, mantém-se perplexos frente ao colapso do
movimento, que lhes parecia tão vigoroso. Esta incompreensão é o
resultado de numa confusão. Portugal ilustra o que o proletariado é
capaz de fazer, demonstrando novamente o que o Capital pode
recuperar. A ação proletária talvez não seja o motor da história, mas
num plano social e político, constitui-se no principal fator da evolução
de qualquer país capitalista. Entretanto, a irrupção do proletariado na
cena histórica não é, necessariamente, sinônimo de avanço
revolucionário. Fundir os dois, teoricamente, é confundir a revolução
com o seu contrário.

Referir-se aos acontecimentos de 25 de abril de 1974 como


Revolução Portuguesa é chamar de revolução uma simples
reestruturação capitalista. Enquanto a ação do proletariado mantém-
se nos limites econômicos e políticos do capitalismo, não apenas as
bases da sociedade permanecem inalteradas, mas até mesmo as
reformas obtidas (liberdades políticas e melhorias econômicas) estão
condenadas a durar pouco. Não há concessão feita pelo Capital, sob
pressão da classe operária, que ele não possa recuperar, no todo ou
em parte, tão logo a pressão dos trabalhadores relaxa. O movimento
está derrotado de antemão, quando se limita a pressionar o
capitalismo. Dessa maneira, os proletários agem como se tentassem
derrubar um muro a cabeçadas.

A ditadura portuguesa deixara de ser a forma adequada para o


desenvolvimento de um Capital nacional, como ficou evidenciado pela
sua incapacidade de resolver a questão colonial. Longe de enriquecer
a metrópole, as colônias a desestabilizaram, pondo em xeque a
carcomida ditadura lusitana. Mas, para lutar contra o "fascismo",
havia... o exército português. Única força organizada no país, apenas
o exército poderia iniciar a mudança, mas concluí-la com êxito é um
outro problema.

Agindo de acordo com o hábito, ansiosas por cumprir as exigências


do poder e sob o controle do Capital, a esquerda e a extrema
esquerda decretaram uma profunda subversão no exército. O mesmo
exército no qual, previamente, haviam visto os oficiais como
torturadores coloniais, agora era enaltecido como o exército do povo.
Com a ajuda da sociologia, eles demonstraram as origens populares e
as aspirações dos líderes militares, que supostamente tendiam para o
socialismo. Assim, cultivaram as boas intenções desses oficiais, os
quais, segundo nos diziam, queriam apenas ser "iluminados pelos
marxistas".

Do PS até os mais extremos esquerdistas, todos pareciam ignorar que


o Estado não havia desaparecido e que o exército continuava sendo o
seu instrumento essencial. Diziam que as brechas no aparato estatal
permitiriam o acesso de militantes da classe operária e que o Estado
havia mudado de função. Porque se expressou em linguagem popular,
o exército foi considerado um aliado dos trabalhadores. Por causa da
relativa liberdade de expressão obtida, afirmou-se que a "democracia
dos trabalhadores" tinha sido estabelecida.

Mas havia preocupantes indícios de retomada da autoridade em


certos locais, onde o Estado mantinha seus velhos hábitos.
Novamente, a esquerda e a extrema-esquerda concluíram que era
necessário exercer ainda mais pressão sobre o Estado, mas sem
atacá-lo, sem jogá-lo nos braços da "direita". Nesse ínterim,
executavam rigorosamente o programa da direita e adicionaram algo
de que a direita é geralmente incapaz: a integração dos trabalhadores.
A abertura do Estado para a esquerda não o enfraquece, muito pelo
contrário. A esquerda utilizou uma ideologia populista e manipulou o
entusiasmo dos trabalhadores a serviço da construção do capitalismo
nacional português.

A aliança entre a esquerda e o exército foi precária. A esquerda trouxe


as massas; o exército, a estabilidade garantida pelas armas. Foi
necessário, para o PCP e o PS, controlar firmemente as massas. Para
fazê-lo, tiveram de conceder vantagens materiais que punham em
risco o frágil capitalismo português. Daí os conflitos e sucessivos
acordos políticos. As "organizações dos trabalhadores" apenas são
capazes de dominar os trabalhadores se distribuírem, entre eles, uma
parte dos lucros do Capital. Mais tarde, faz-se necessário resolver os
conflitos e restabelecer a disciplina. A falsa revolução havia servido
para cansar os mais resolutos, para desencorajar muitos outros e
isolar os revolucionários.

Depois, o Estado reprimiu brutalmente, demonstrando que nunca


havia desaparecido. Aqueles que pretendiam conquistar o Estado
infiltrando-se nele conseguiram apenas sustentá-lo até um momento
crítico. Um movimento revolucionário não é possível em Portugal, pois
depende de um contexto mais vasto e, e em qualquer caso, será
possível apenas em outras bases que não as da contra-revolução
democrática ou democratização contra-revolucionária de 25 de abril
de 1974.

Mas a luta dos proletários, mesmo por objetivos reformistas, cria


dificuldades para o Capital e, mais ainda, constitui uma experiência
necessária que os torna aptos para a revolução. A luta prepara o
futuro. Mas essa preparação pode ter duas conseqüências (nada é
automático): sufocar ou fortalecer o movimento comunista. Portanto,
nunca é demais insistir na autonomia dos proletários. Sem esquecer
que a autonomia operária é mais do que um abstrato princípio
revolucionário, pois exige a atuação resoluta de minorias conscientes
no movimento dos trabalhadores.

A revolução proletária rechaça o falso dilema entre democracia e


ditadura. Somente tomando certas medidas, os proletários manterão a
direção da luta. Se se limitarem a uma ação reformista, mais cedo ou
mais tarde a luta escapará ao seu controle e será dirigida por uma
organização de tipo sindicalista, que talvez se intitule "comitê de
base". A autonomia não é uma virtude revolucionária em si mesma.
Toda organização depende, na forma e no conteúdo, do objetivo para
o qual foi criada. A ênfase não pode ser dada à autonomia dos
trabalhadores, exceto sob uma perspectiva comunista, pela qual
efetivamente a classe operária combate a liderança de partidos
tradicionais e sindicatos. O conteúdo da ação está determinado por
seu objetivo. A revolução social não pode ser reduzida a um problema
de "vontade da maioria". Dar prioridade à autonomia operária leva a
um beco sem saída. Em nome da "democracia dos trabalhadores",
confina os proletários à empresa capitalista, com seus problemas de
produção, e não consegue ver a revolução como destruição da
empresa capitalista. Na melhor das hipóteses, reinventa o
sindicalismo revolucionário.

ESPANHA: GUERRA OU REVOLUÇÃO?


No mundo inteiro, a democracia capitulava frente à ditadura. Mais
exatamente, a democracia dava boas vindas à ditadura, de braços
abertos. E a Espanha? Longe de constituir uma feliz exceção, a
Espanha representou um caso extremo de confronto armado entre
democracia e fascismo, sem mudar a natureza da luta: há sempre
duas formas de desenvolvimento capitalista que se opõem, duas
formas políticas do Estado, dois regimes disputando a legitimação do
Estado capitalista. O confronto foi violento porque os trabalhadores
haviam se levantado em armas contra o fascismo. A complexidade da
guerra na Espanha vem deste duplo aspecto: uma guerra civil
(proletariado versus Capital) transformada numa guerra capitalista
(proletários em ambos os lados, lutando por formas de Estado).

Depois de facilitar a preparação do golpe de Estado, a república


pretendia negociar e/ou se submeter, quando os proletários se
sublevaram, impedindo seu sucesso na metade do país. A guerra
espanhola não teria sido acontecido sem essa autêntica insurreição
proletária (que foi uma irrupção espontânea). Mas este fato não é
suficiente para caracterizar a guerra espanhola como um todo e seus
eventos subseqüentes. Define apenas o primeiro movimento da luta,
que foi efetivamente uma insurreição proletária. Após derrotarem os
fascistas em um grande número de cidades, os trabalhadores
tomaram o poder. Esta foi a situação imediatamente depois da
insurreição. Mas o que fizeram com esse poder? Eles o devolveram
ao Estado republicano ou o usaram para ir mais além, na direção do
comunismo? Eles confiaram no governo legal, isto é, no Estado
capitalista.

Todas as ações seguintes foram dirigidas pelo Estado. Este é o ponto


central. Na luta armada contra Franco e nas transformações sócio-
econômicas, todo o movimento operário espanhol seguiu a reboque
do Estado capitalista. Logo, sua direção teria de ser capitalista. Houve
tentativas isoladas de ultrapassar a direção capitalista, mas
permaneceram hipotéticas porque o Estado foi mantido. A destruição
do Estado é uma condição necessária (ainda que não suficiente) para
a revolução comunista. Na Espanha, o poder foi exercido pelo Estado
e não pelas organizações, sindicatos, coletivos, comitês, etc.. Mesmo
a poderosa CNT teve de se submeter ao PCE (muito fraco, antes de
julho de 1936). Isto se verifica pelo simples fato de que o Estado foi
capaz de usar brutalmente seu poder quando requerido (maio de
1937, em Barcelona). Não há revolução sem destruição do Estado. O
que era óbvio para Marx e foi esquecido por 99% dos marxistas,
confirma-se uma vez mais na tragédia espanhola: "Uma das
características das revoluções em que o povo parece avançar
rapidamente para uma nova era tem sido a facilidade com que se
deixa novamente subjugar pelas ilusões do passado, entregando o
poder e a influência, que tão duramente conquistaram, aos homens
supostamente representaram o movimento popular numa época
anterior." 12

Ainda assim, não se trata de comparar as colunas de proletários


armados da segunda metade de 1936 com sua posterior militarização
e redução ao nível de órgãos do exército burguês. Uma diferença
considerável separou essas duas fases: primeiro, houve o despertar
revolucionário, durante o qual o movimento dos trabalhadores se
expressou com uma certa autonomia, um certo entusiasmo, bem
descritos por Orwell 13. Depois desta fase, superficialmente
revolucionária, criaram-se as condições para uma guerra
convencional, essencialmente antiproletária, como todas as guerras.

As colunas saíam Barcelona para combater o fascismo em outras


cidades, principalmente Saragoça. Se queriam estender a revolução
além das zonas republicanas, era necessário revolucionarizá-las,
antes ou simultaneamente 14. Durruti sabia que o Estado não havia
sido destruído, mas ignorou esse fato. Na marcha, sua coluna,
composta por 70% de anarquistas, implantava a coletivização. A
milícia ajudou os camponeses e propagou idéias revolucionárias.
Segundo Durruti: "Nós temos apenas um objetivo: destruir os
fascistas. Nossa milícia nunca defenderá a burguesia, somente não a
atacamos." Quinze dias antes de sua morte (em 20 de novembro de
1936), Durruti dizia: "Um único pensamento, um único objetivo...:
destruir o fascismo... No momento presente, ninguém está
preocupado em aumentar ou diminuir as horas de trabalho... Para
sacrificar-nos, para trabalhar tanto quanto necessário, devemos
formar um bloco sólido de granito. Está na hora de os sindicatos e
organizações políticas acabarem com o inimigo de uma vez por todas.
Na retaguarda, as experiências administrativas serão necessárias,
quando esta guerra terminar... Não vamos provocar, pela nossa
incompetência, outra guerra civil entre nós... Para nos opormos à
tirania fascista, devemos ser uma força única: deve existir uma única
organização, com uma única disciplina."

Mas a simples vontade de lutar não pode substituir uma luta


revolucionária. Além disso, a violência política é facilmente utilizada
com objetivos capitalistas (como o terrorismo o prova). Aqueles que se
deixam seduzir pela "luta armada" são os mesmos que rapidamente
apontam suas armas e disparam contra os proletários, para defender
uma forma qualquer (democrática ou popular) de Estado. Em
condições diferentes, a militarização do campo antifascista
(insurreição, seguida por milícias e, finalmente um exército regular)
lembrava a guerra de guerrilhas antinapoleônica, descrita por Marx:
"Comparando os três períodos da guerrilha com a história política de
Espanha, percebe-se que eles representam as etapas em que o
espírito contra-revolucionário do governo se impôs, assim que refluiu
o etusiasmo popular. Começando pelo levantamento de todos os
povoados, a insurreição se deixou conduzir pelos bandos de
guerrilheiros, que tinham sua reserva nos lugarejos rurais, para
terminar degenerando em banditismo ou sendo enquadrada em
regimentos de um exército." 15. Ora, o compromisso invocado por
Durruti - da unidade a qualquer preço - poderia apenas dar vitória
primeiro ao Estado republicano (sobre o proletariado) e depois para
Franco (sobre o Estado republicano).

Houve um começo de revolução na Espanha, mas fracassou tão logo


os proletários depositaram sua confiança no Estado. Não importa
quais foram suas intenções. Mesmo que a grande maioria dos
proletários, que estavam prontos para lutar contra Franco sob a
liderança do Estado, tivesse preferido atrelar-se a um poder
verdadeiro, apesar de tudo, e apoiado o Estado apenas por
conveniência, o fator determinante é seu ato e não sua intenção.
Depois de se organizarem para derrotar o golpe de Estado, com
rudimentos de uma estrutura militar autônoma (as milícias), os
proletários aceitaram a direção da coligação das "organizações dos
trabalhadores" (a maioria abertamente contra-revolucionária), que
impuseram a autoridade do Estado. Alguns proletários imaginavam
deter o poder (o qual haviam efetivamente conquistado por um
período curto), enquanto que, para o Estado sobraria apenas a
aparência do poder. Isso foi um grave erro, pelo qual pagariam muito
caro.

Alguns críticos das opiniões antifascistas concordam com nossa visão


sobre a guerra espanhola, mas insistem em que a situação
permaneceu "aberta" e que poderia ter evoluído. Era, pois, necessário
ajudar o movimento autônomo dos proletários espanhóis (no mínimo,
até maio de 1937), apesar de esse movimento ter adquirido formas
inadequadas. Nossa resposta é que, ao contrário, o movimento
autônomo do proletariado rapidamente desapareceu, absorvido pela
estrutura do Estado, que sufocou qualquer tendência revolucionária.
Isso ficou visível, em maio de 1937, mas os "dias sangrentos de
Barcelona" serviram apenas para desmascarar uma realidade
existente desde o fim de julho de 1936: o poder efetivo havia passado
das mãos dos trabalhadores para as mãos do Estado capitalista.
Permitam-nos acrescentar, para aqueles que igualam fascismo e
ditadura burguesa, diferenciando-os da democracia, que o muito
democrático governo republicano não hesitou em usar "métodos
fascistas" contra os trabalhadores. Certamente, o número de vítimas
foi muito menor em comparação com a repressão de Franco, mas isso
está relacionado com a função das duas repressões, a democrática e
a fascista. E não era mais do que uma elementar divisão de trabalho:
o alvo do governo republicano era muito menor (elementos
incontroláveis, POUM, esquerda da CNT...).
OUTUBRO DE 1917 & JULHO DE 1936
A revolução não se desenvolve num dia. Há sempre um movimento
social confuso e multiforme. O decisivo é a capacidade dos
revolucionários para avançar irreversivelmente. A comparação,
mesmo superficial, entre Rússia e Espanha demonstra-o bem. Entre
fevereiro e outubro de 1917, os soviets (sovietes, conselhos)
instituíram-se em poder paralelo ao do Estado. Mas, na maior parte do
tempo, apoiaram o Estado e desse modo não agiam de forma
revolucionária. Pode-se até dizer que, no início, os conselhos eram
contra-revolucionários. Mas isso não implica que eles estivessem
fixados nesse modo de ser. Na verdade, os conselhos foram alvo de
uma longa e tenaz disputa entre as correntes revolucionárias
(representadas, especial mas não somente, pelos bolcheviques), e
vários grupos conciliadores. Foi apenas no final da luta que os
sovietes tomaram posição contra o Estado 16. Seria, pois,
inadmissível para um comunista dizer, em fevereiro de 1917: "Os
conselhos não estão agindo de forma revolucionária, devo denunciá-
los e lutar contra eles." Porque os conselhos não estavam
estabilizados. O conflito que animou os sovietes por meses não foi
meramente uma luta de idéias, mas o reflexo de um antagonismo de
interesses sociais genuínos. "Serão os interesses - e não os princípios
- que impulsionarão a revolução. Na verdade, é precisamente dos
interesses, e deles sozinhos, que os princípios se desenvolvem. Isto
quer dizer que a revolução não será apenas política, mas social".
Marx 17.

Os operários e camponeses russos queriam a paz, a terra e reformas


democráticas, que o governo se recusava a dar. Esse antagonismo
explica a crescente hostilidade e o resultante confronto que separou o
governo das massas. Mas a exasperação dos antagonismos de
classes estimularam a formação de uma minoria revolucionária que
sabia mais ou menos (não esqueçamos as vacilações da liderança
bolchevique, depois de fevereiro) o que queria, e organizou-se para
esses fins, contrapondo as exigências das massas ao governo. Em
abril de 1917, Lenin disse 18: "Falar em guerra civil antes que as
massas tenham compreendido sua necessidade é agir como um
blanquista. Agora, são os soldados e não os capitalistas que possuem
as armas. Os capitalistas estão obtendo o que querem não mais pela
força, mas pelo desânimo. Então, falar de violência não tem sentido...
Por hora, não usaremos esse slogan (´Todo o Poder aos Sovietes!´),
mas apenas por hora." Tão logo conquistou a maioria dos
sovietes/conselhos, em setembro, Lenin voltou a pregar a conquista
do poder pelas armas.

Nada semelhante foi o que aconteceu na Espanha. Apesar de


freqüentes e violentos, os confrontos que ocorreram depois da
primeira guerra mundial não serviram para unificar os proletários
espanhóis enquanto classe. Forçados à luta violenta pela repressão
do movimento reformista, lutaram sem cessar, mas fracassaram na
tentativa de concentrar suas forças contra o Capital. Neste sentido,
não houve um "partido" revolucionário na Espanha. Não porque a
minoria revolucionária não foi bem sucedida em matéria de
organização: isso seria formular erroneamente o problema. As lutas,
por violentas que fossem, não resultaram num claro antagonismo de
classes, entre o proletariado e o Capital. Eis porque a classe operária
não atacou o coração do inimigo, não se emancipou da tutela da CNT
- uma organização basicamente reformista, como toda organização
sindical está condenada a ser, apesar de sua militância revolucionária.
Enfim, o movimento não se organizou de modo comunista porque não
agiu de modo comunista.

O que aconteceu na Espanha serve também para demonstrar que a


intensidade da luta de classes – indiscutível, no caso espanhol - é
descontínua. Os proletários espanhóis nunca relutaram em sacrificar
suas vidas, mas não ultrapassaram a barreira que os separava de um
ataque direto contra o Capital (o Estado, sistema econômico
comercial, o Banco de Espanha...). Eles pegaram em armas, tomaram
iniciativas (comunas libertárias, antes de 1936; depois,
coletivizações...), mas não foram muito além disso. Rápida e
ingenuamente, aceitaram o controle de suas organizações armadas
pelo comitê central das milícias. Este órgão, como qualquer outro que
tenha emergido dessa forma na Espanha, não pode ser comparado
aos conselhos russos. A posição ambígua do CC das milícias -
simultaneamente um apêndice da Generalitat (governo catalão) e uma
espécie de coordenação das várias organizações militares
antifascistas - decorria de sua integração ao Estado, tanto mais fácil
porque era completamente permeável às organizações que
disputavam o poder no interior do Estado. 19

Na Rússia, houve a luta, entre a minoria organizada e capaz de


formular uma perspectiva revolucionária e a maioria, oportunista e
conciliadora, pela direção dos sovietes. Na Espanha, os elementos
radicais, não importando o que pensavam, aceitaram a posição da
maioria: Durruti saía para lutar contra Franco, deixando o Estado
intacto na retaguarda. Quando os radicais se opuseram ao Estado,
não procuraram destruir as "organizações dos trabalhadores" que os
estavam "traindo" (inclusive a CNT e o POUM).

A diferença essencial, o motivo pelo qual não houve um "outubro


espanhol" foi a falta de um verdadeiro antagonismo de interesses
entre os proletários e o Estado. "Objetivamente", proletariado e
Capital estão em oposição, mas essa oposição existe num nível de
princípios, que não coincidem com a realidade. Em seu movimento
social efetivo, o proletariado espanhol não lutava em bloco contra o
Capital e o Estado. Na Espanha, não ocorreram as exigências que,
por serem absolutamente necessárias, poderiam influenciar os
trabalhadores a atacar o Estado para obtê-las (como na Rússia: "Pão,
Paz e Terra"). Esta situação não-antagônica estava relacionada com a
falta de um "partido", que se faria sentir nos momentos decisivos.

Ao contrário da instabilidade russa, entre fevereiro e outubro, a


situação espanhola caminhava para a normalização, no início de
agosto de 1936. Se o exército do Estado russo desintegrou-se, depois
de fevereiro de 1917, o do Estado espanhol se recompôs, depois de
julho de 1936, sob uma forma "popular".
A COMUNA DE PARIS
Aqui, uma comparação requer exame e impõe que se critique a visão
marxista usual, que tenta passar como se fosse a do próprio Marx.
Investigando a experiência da Comuna de Paris, em 1871, Marx
aprendeu uma lição importante 20: "A classe operária não pode
simplesmente se apoderar da máquina estatal, e utilizá-la para seus
próprios interesses." Todavia, Marx não conseguiu estabelecer uma
nítida separação entre o movimento insurrecional, de 18 março de
1871, e o começo de sua recuperação, mais tarde, pela eleição da
"comuna" de 26 de março. A fórmula "Comuna de Paris" confunde os
dois momentos. O movimento inicial foi certamente revolucionário, na
tentativa de superar a confusão e estender as lutas ao conjunto do
país. Mas esse movimento estava muito próximo de assumir uma
forma política, no sentido capitalista do termo. Na verdade, a Comuna
eleita mudou apenas as formas anteriores da democracia burguesa. A
burocracia e o exército permanente assumiram as feições
características do Estado capitalista, mas não constituem sua
essência. Marx assinalou que: "A Comuna realizou a promessa das
revoluções burguesas, um governo barato, simplesmente destruindo
as duas maiores fontes de despesas: o exército permanente e o
Estado burocrático." 21

O governo da Comuna era grandemente dominado por burgueses


republicanos. Os comunistas, cautelosos e em minoria, haviam sido
obrigados a se expressarem pela imprensa republicana. Tão fraca era
sua própria organização, que não teve muito peso na vida da Comuna
e pouco influenciou o programa da Comuna - esse é o critério decisivo
- que prefigurou o programa da terceira república francesa. Mesmo
sem qualquer maquiavelismo por parte da burguesia, a guerra de
Paris contra Versalhes (muito mal conduzida, aliás) serviu para
esvaziar o conteúdo revolucionário e canalizar o movimento inicial
para uma atividade puramente militar. É curioso notar que Marx
definiu a forma governamental da Comuna pelo seu funcionamento, e
não pelos seus resultados, como "a verdadeira representação de
todos os elementos saudáveis da sociedade francesa, e ainda mais o
verdadeiro governo nacional". Mas como um governo capitalista, e
não um "governo dos trabalhadores".22

Não examinaremos aqui porque Marx 23 adotou tal posição


contraditória (em público, na Primeira Internacional; mas se mostrou
mais crítico, em particular). Em todo caso, o mecanismo para
impulsionar o movimento revolucionário assemelha-se com o de 1936.
Como em 1871, a república espanhola usou como bucha de canhão,
enviando-os para a linha de frente, os revolucionários proletários
(certamente, os mais inclinados a destruir o fascismo) sem dotá-los de
todos os recursos necessários e disponíveis. Na falta de uma análise
de classe do estado republicano (como no exemplo de 1871), esses
fatos aparecem como "erros" ou "traição", mas não são
compreendidos e explicados em sua própria lógica.

MÉXICO
Outra comparação é possível. Durante a revolução burguesa
mexicana, a maior parte do proletariado organizado subordinou-se ao
Estado democrata e progressista para pressionar a burguesia e
garantir seus próprios interesses, como assalariados. Os Batalhões
Vermelhos, de 1915-1916, expressavam a aliança militar entre o
movimento sindicalista e o Estado, encabeçado na época por
Carranza. Fundada em 1912, a Casa do Operário Mundial (COM)
decidiu "suspender a organização sindicalista profissional" e lutou
junto com o Estado Republicano contra a "burguesia e seus aliados
imediatos, os militares e o clero". Uma facção do movimento dos
trabalhadores recusou-se e se opôs violentamente a Casa do
Operário e seu aliado, o Estado. A COM tentou sindicalizar todos os
trabalhadores nas zonas constitucionalistas com o apoio do exército.
Os batalhões vermelhos lutaram contra as outras forças políticas que
aspiravam o controle do Estado capitalista e, também, contra os
camponeses rebeldes e os proletários revolucionários 24.

Os batalhões vermelhos se organizavam de acordo com a ocupação


ou profissão (tipógrafos, trabalhadores ferroviários, etc). Na guerra
espanhola, algumas milícias também levaram o nome das profissões.
Já em 1832, na insurreição de Lyon, o proletariado se agrupou de
acordo com a hierarquia do Capital: os trabalhadores estavam
reunidos por oficina e comandados pelos capatazes. Desta forma, os
assalariados pegaram em armas como assalariados para defender o
sistema existente contra as "usurpações" (Marx) do Capital.

Uma diferença qualitativa separa a revolta de Lyon, em 1832, direta


contra o Estado, dos exemplos mexicano e espanhol, em que os
trabalhadores organizados apoiaram o Estado. Mas a questão mais
relevante é a reprodução, pelos operários, de formas decalcadas de
sua organização pelo Capital. Se ela não destrói o Estado, a luta está
de antemão condenada à derrota, seja por integração ao Estado ou
pela repressão. A vitória do movimento só é possível se os proletários
forem além da revolta elementar (mesmo armada), que não ataca o
sistema baseado no trabalho assalariado. Os proletários terão de
conduzir a luta armada sem perder de vista o objetivo maior, que é
destruir sua condição de assalariados.

NOTA:

[1] A. Nunes – Les Revolutions du Mexique, Flammarion (1975), pp.


101-102.

GUERRA IMPERIALISTA
Para fazer uma revolução, o mínimo necessário é começar atacando
os baluartes da sociedade: o Estado e a organização econômica. Foi
assim, na Rússia: começou em fevereiro de 1917 e acelerou-se pouco
a pouco... Não se pode dizer o mesmo da Espanha, onde os
proletários se submeteram ao Estado. Desde o começo, tudo que
fizeram (luta militar contra Franco, transformações sociais...) foi sob o
domínio do Capital. A melhor prova disso foi o rápido desenvolvimento
de atividades que a esquerda antifascista é incapaz de explicar. A luta
militar logo adotou métodos burgueses e estatistas, que foram aceitos
pela extrema Esquerda sob o pretexto da eficiência (e que quase
sempre foram ineficientes).

O Estado democrático sempre reluta em conduzir a luta armada


contra o fascismo, que tem preferido alcançar o poder pacificamente.
Era, pois, normal que o Estado Republicano burguês da Espanha
rejeitasse os métodos de guerrilha social - utilizados para
desmoralizar o inimigo de classe e confraternizar os soldados
(proletários fardados) de ambos os lados – e preferisse a
convencional guerra de frentes, apesar (ou por causa?) de saber que
não teria a menor chance frente a um exército moderno, melhor
equipado e treinado para esse tipo de combate. Quanto às
socializações e coletivizações, faltando-lhes o impulso comunista, não
se fizeram acompanhar pela destruição do Estado e a organização
pela base de uma produção antimercantil - no conjunto da sociedade,
e não em comunidades precariamente justapostas e desprovidas de
um mínimo de ação comum.

O Estado logo restabeleceu sua autoridade. Não houve revolução e


nem mesmo começo de revolução na Espanha, depois de agosto de
1936. Ao contrário, o movimento no sentido da revolução foi obstruído
e sua retomada se fez cada vez mais improvável. Isto ficou visível, em
maio de 1937: os proletários novamente poderiam ter atacado o
Estado, mediante uma insurreição armada, mas não conseguiram
prolongar a batalha até o ponto de ruptura. Depois de terem se
submetido, em 1936, os proletários ainda eram capazes de sacudir as
fundações do Estado, em maio de 1937, se tivessem se
desvencilhado das "organizações representativas" que lhes
aconselhavam que entregassem suas armas. O proletariado enfrentou
o Estado, mas não o destruiu. Preferiu ouvir os pedidos de
moderação, vindos do POUM e da CNT. Até mesmo o grupo radical
"Amigos de Durruti", omitiu-se ao não conclamar os proletários para a
destruição de todas as organizações contra-revolucionárias.
Na Espanha, pode-se dizer que houve uma guerra, mas não uma
revolução. A primeira função dessa guerra era resolver um problema
capitalista: a construção de um Estado legítimo na Espanha, que
desenvolveria o Capital nacional da maneira mais eficiente possível,
integrando o proletariado. Vistas por este ângulo, as análises da
composição social dos dois exércitos inimigos eram irrelevantes,
como as análises que medem o caráter "proletário" de um partido pela
percentagem de trabalhadores entre seus filiados. Tais fatos, embora
reais e dignos de ser levados em conta, são secundários, se
comparados à função social que estamos tentando entender. Um
partido que apóia o capitalismo é contra-revolucionário, mesmo que
seus membros sejam operários.

O exército republicano espanhol - que incluía um grande número de


trabalhadores, mas lutava por objetivos capitalistas - não era mais
revolucionário do que o exército de Franco. A fórmula "guerra
imperialista" aplicada ao conflito espanhol poderá chocar aos que
vinculam o imperialismo com a luta pela dominação econômica, pura
e simples. Mas o propósito declarado das guerras imperialistas, de
1914-1918 até o presente, é resolver as contradições econômicas e
sociais do Capital, esmagando toda e qualquer tendência ou
potencialidade comunista. É irrelevante que, na Espanha, a guerra
não estivesse diretamente ligada à luta por mercados. O importante
foi o papel que ela desempenhou, polarizando os proletários do
mundo inteiro, nos países fascistas e nos democráticos, em torno da
falsa oposição fascismo/antifascismo. Era a preparação da Santa
Aliança, de 1939-1945. Todavia, os motivos econômicos e
estratégicos não eram suficientes. Era necessário, para os campos
opostos que ainda não estavam bem definidos, conseguir aliados e/ou
obter neutralidades benévolas, além de testar a solidez das alianças
já firmadas.

Compreensivelmente, a Espanha não participou da segunda guerra


mundial, para a qual já havia contribuído como ensaio geral e campo
de provas. Além disso, não era necessário, uma vez que, na Espanha,
o problema social havia sido resolvido pelo duplo (democrático e
fascista) esmagamento do proletariado, durante a guerra de 1936-
1939. Quanto aos problemas econômicos, estes foram decididos pela
vitória da ala mais conservadora do Capital, que limitaria o
desenvolvimento das forças produtivas para reduzir os antagonismos
sociais.

Mas, contrariando sua ideologia, o anticapitalista e "feudal" fascismo


espanhol começou a desenvolver a economia, nos anos sessenta. A
guerra de 1936-1939 preencheu, na Espanha, a mesma função da
segunda guerra mundial para o resto do mundo. Mas com a seguinte
e importante diferença (que não modificou o caráter nem a função do
conflito): na Espanha, ela começou com uma insurreição proletária,
forte o bastante para derrotar o golpe de Estado e obrigar a
democracia a enfrentar a ameaça fascista, mas demasiado fraca para
destruí-los, ambos, o fascismo e a democracia. Por não ter destruído
o Estado, a revolução foi domada, pois o fascismo e a democracia
nada mais são do que formas do Estado capitalista. Na guerra
imperialista, não importa qual tenha sido o vencedor, o proletariado
certamente será o derrotado.

SEGUNDA PARTE

O CENTRISMO
No debate sobre a Espanha, "Bilan" enfrentou dois tipos de
adversários. Uns, no interior do movimento revolucionário, apesar de
várias limitações, em certos pontos tinham uma visão mais correta do
que "Bilan". Outros se situavam no que se chamava centrismo. Este
termo deve ser explicado. Nos anos trinta, a esquerda italiana, assim
como Trotsky, designava com o termo "centrismo" os P.C.’s,
considerando que Stalin representaria uma linha conciliadora entre a
esquerda (Trotsky) e a direita (Bukarin) na política interna e externa.
Esta idéia participava da recusa trotskista (que durante muito tempo
foi também de Bordiga 25) de se pronunciar sobre a natureza
capitalista da Rússia, assim como sobre sua orientação: a linha
staliniana seria um compromisso entre a burguesia e o proletariado na
Rússia, e entre o capital mundial e a defesa das “conquistas de
Outubro” no plano internacional. Disso decorria sua incapacidade de
compreender a função dos P.C.’s, que julgavam sobretudo
“oportunistas”.

De fato, o termo “centrismo” era de uso freqüente entre os


revolucionários, depois de 1914, para designar o centro
zimmerwaldiano (que, como os espartaquistas, queria lutar contra a
guerra, mas rejeitava o derrotismo revolucionário), e depois aqueles
que se separavam da Segunda Internacional sem aderir ao
comunismo. Para a esquerda alemã, centrista era a maioria da
Terceira Internacional que recomendava o parlamentarismo, o
sindicalismo, os partidos “de massa” etc. O P.C. da Itália (e depois a
esquerda italiana) ainda permanecerá na Terceira Internacional e terá
uma posição diferente, pelo menos até a vitória de Stálin no P.C. russo
(1926).

A partir do final dos anos vinte, uma série de cisões sacudiu os


partidos socialistas e stalinistas. Eles atuavam sob um ponto de vista
tático (sinal da incapacidade dos partidos socialistas e comunistas de
resistir ao fascismo), sem visão global. Agiam como se a linha fosse
falsa, quando era a própria organização que se tornava contra-
revolucionária. E mesmo quando a organização adotava uma política
suicida (como na Alemanha), não era uma aberração. Os grupos ou
partidos saídos dessas cisões compartilhavam o horizonte teórico e
político da época. Atualmente, o “centrismo” seria representado por
todas as formas de esquerdismo, ou seja, de fixação de revoltas e
movimentos confusos sobre pontos parciais, inofensivos para o
capital. Com freqüência, os grupos centristas se incumbem das
reivindicações reformistas abandonadas ou até combatidas pelas
organizações sindicais e políticas oficiais.
Centrismo é tudo que rompe com o “movimento operário” integrado
sem evoluir para posições revolucionárias, pára no meio do caminho e
contribui para desviar os proletários na tentativa de fazer pressão
sobre o movimento operário considerado, apesar de tudo, como a
verdadeira organização da “classe”. Tratar os P.C.’s como centristas e
traidores, à maneira de “Bilan”, é iludir-se. Em sentido estrito, o
“centrismo” espanhol era constituído pelo P.O.U.M. e pela esquerda
da C.N.T.

Nota:
[1] Cfr. sua carta a Korsch, de 28 outubro de 1926, in Invariance,
1a série, no. 10, pp. 67-70.

O P.O.U.M.

Para a imensa maioria dos grupos de esquerda e extrema esquerda


da época, a revolução burguesa estava por fazer na Espanha 26.
Todos os que sustentavam esta tese concordavam quanto à
debilidade da burguesia espanhola. Segundo eles, a revolução
burguesa seria derrotada se não demonstrasse mais audácia, se não
fosse mais “popular” do que nos paises capitalistas modernos. Porém,
divergiam a respeito do caráter mais ou menos radical dessa
superação. Só havia um jeito de consegui-lo: a “unidade”. Num artigo
de “Masses”, A. Patri citava como exemplo a Catalunha, onde o Bloco
Operário e Camponês e o Partido Socialista tinham se aliado: “Antes
que um general desembainhe outra vez sua espada, é necessário que
o movimento operário se constitua na Espanha. É a única
possibilidade de salvação” 27.

Trotsky acreditava na necessidade de uma fase democrática,


realizada pela classe operária que a forçaria a ir mais longe, até a
revolução socialista. A este esquema de “revolução permanente”, ou
seja, de nexo indissolúvel entre as duas fases, o P.O.U.M. opunha a
tese de uma etapa democrática burguesa distinta, na qual o
proletariado faria “pressão” sobre a revolução burguesa sem assumir
suas tarefas.
Em 1931, o P.O.U.M. definia a próxima revolução espanhola como um
novo 1789: “O mercado interno se ampliará em proporções fabulosas
e a indústria sairá de seu raquitismo tradicional” 28. Havia indecisão
no P.O.U.M.: Maurin defendia uma estrutura governamental burguesa;
Nin preferia novas estruturas de poder (“juntas revolucionárias”). Esta
questão se ligava a outras divergências no P.O.U.M. Maurin era
próximo ao separatismo de diversas províncias, enquanto Nin
recomendava uma solução que ligasse unidade nacional e autonomia
regional. O ex-BOC dirigido por Maurin e que dava ao P.O.U.M. o
grosso dos militantes, estava mais inserido na situação real e sofria
ainda mais as pressões democrático-reformistas, que não afetavam o
pequeno grupo de Nin, vindo do trotskismo. Mas a divisão Maurin-Nin
não teve qualquer efeito prático durante a guerra. Maurin, prisioneiro
dos nacionalistas, era tido por morto. Nin dá ao P.O.U.M. um discurso
de esquerda e uma orientação de direita.

Na metade de 1936, o espectro político da esquerda espanhola diferia


do de outros países. O movimento operário tradicional, era
basicamente a C.N.T., e, em menor medida, o PSOE e sua central
sindical UGT. O P.C. era muito fraco, comparado ao “centrismo”
representado pelo P.O.U.M. (mas, como vimos, Bilan qualifica o
P.C. de “centrista”). O P.C.E. só se desenvolverá no poder, com o
controle do Estado e o apoio russo. Desde 1934-1935, o P.O.U.M.
defendia a frente única, enquanto o P.C.E. defendia a linha “sectária”
dita “classe contra classe”. Generalizando a experiência das Astúrias
e da Aliança Operária de 1934, o P.O.U.M. recusou no começo a
Frente Popular, propondo a Aliança Operária. Rejeitava no plano
eleitoral aquilo que no fundo aceitava, incapaz de ver que o problema
estava antes de tudo na natureza das organizações “operárias”, não
importando se unidas numa frente de “luta” ou numa coalizão
parlamentar.
Depois de julho de l935, frente ao PCE que dizia: “sobretudo, nada de
socialismo, defendamos somente a democracia”, o P.O.U.M.
sustentava: “nós lutamos pela democracia e pelo socialismo”. Jamais
buscou os meios, nem indicou que a condição de uma luta pelo
socialismo era uma ruptura efetiva com o capital. P.C. e P.S.
arregimentavam as massas. O P.O.U.M. servia para justificar a guerra
de um ponto de vista “revolucionário”. No final de 1936, ele queria
“um governo operário e camponês ... que não derrame sangue por
uma república democrática, mas por uma sociedade liberada de toda
exploração capitalista” 29. O P.O.U.M. foi, então, levado a colidir com
o Estado espanhol e com a Rússia, sem jamais atacá-los
frontalmente: uma política suicida. Mas a repressão que sofreu não
faz dele um grupo revolucionário.

As reformas apoiadas pelo P.O.U.M. (como a da Justiça, no ministério


Nin) foram abandonadas, tendo cumprido sua função, que era iludir as
massas para desviá-las da luta contra o Estado. As coletivizações
agrícolas e industriais exprimiam um enorme ímpeto revolucionário.
Mas tais impulsos, se não superam os limites políticos (Estado) e
sociais (economia mercantil) capitalistas, estão condenados. A fim de
contribuir para a evolução de tais formas além desses limites, a crítica
revolucionária se faz mais incisiva, mostrando até onde o capital
pode ir para se reformar, cedendo em tudo para manter o essencial. O
P.O.U.M. fez o contrário. Reconheceu que o Estado permanecia como
antes, inclusive em suas funções chave: “O P.O.U.M. não consegue
absolutamente influir sobre a policia” 30. O que não o impediu de
estimular transformações econômico-sociais, privadas então de
qualquer fundamento.

O P.O.U.M. foi incapaz de ver, em maio de 1937, uma vitória do


Estado, que atacou e fez ceder (depois de uma viva resistência) os
operários que ainda acreditavam nele, embora se opusesse a eles
pelas armas. O P.O.U.M. e a C.N.T., que haviam apoiado o Estado
em julho de 1936, outra vez buscaram o compromisso com ele em
maio de 1937, e chamaram - com sucesso - os operários a depor as
armas 31. O P.O.U.M. e a C.N.T. aceitam a vinda a Barcelona de
5.000 soldados de Valência. O caráter centrista do P.O.U.M. fica
evidente com o fato de que visava, sobretudo, convencer uma
organização “operária” não revolucionária (a C.N.T.) a agir de maneira
revolucionária, antes de conduzir ela mesma uma atividade
minoritária. Sua contradição era querer a conquista do poder sem
deixar de apoiar o poder estatal existente. Tão logo o Estado perceba
que tem as mãos livres, a liquidação começa.

"O 19 de julho [1936] foi uma vitória militar, mas uma derrota política.
A pesar de tudo que se fez depois, o erro era irreparável. A partir de
setembro, as forças “da ordem”, tendo se recuperado, contra-
atacaram. Na realidade, as jornadas de maio [1937] não foram uma
ofensiva revolucionária, mas uma batalha defensiva condenada à
derrota.” 32

A repressão consecutiva não abriu os olhos dos chefes do P.O.U.M.:


acuados, frente às calúnias, às torturas e aos processos, eles
denunciam sempre os partidos (socialista e staliniano), nunca
o Estado. Só uma minoria se rebelou amargamente contra a direção.
Uma célula de Barcelona concluiu, com provas na mão, que a linha
oficial do partido equivalia a apoiar o Estado vigente 33. Assim, em 21
de julho de 1937, o P.O.U.M. solicitou a “formação de um governo com
a participação de todos os componentes da Frente Popular”. Essa
célula comentou: “ou seja, um governo daqueles que nós acusamos
como responsáveis pela sublevação militar”. Mais adiante: “O único
ponto que, de modo indireto, concerne ao problema do poder é o no. 8
[das teses do partido]: “Revisão da Constituição da Catalunha num
sentido progressivo.” Sem dúvida, é por meio desta revisão que os
trabalhadores alcançarão mais tarde a ditadura do proletariado, de
que fala o camarada Nin. ”

Mas essa minoria jamais conseguiu (até onde sabemos) definir outra
perspectiva, nem mesmo provocar uma cisão positiva.

O ANARQUISMO E SEUS DEFENSORES


A guerra de Espanha demonstrou a falência do "anarquismo", assim
como o 4 de agosto de 19l4 demonstrou a falência do "marxismo"
(então, anarquistas notórios, como Kropotkin aderiram à União
Sagrada 34). A integração da C.N.T. ao Estado somente confirmou a
crítica dos sindicatos feita pela esquerda alemã, depois de 1914.
Qualquer que seja a sua ideologia, toda organização permanente de
defesa dos trabalhadores se converte em órgão de conciliação e
integração 35. Mesmo reprimida e apesar de animada por numerosos
militantes radicais, enquanto instituição, está condenada a lhes
escapar e se tornar um instrumento do capital. A participação
governamental de 1936 não é uma surpresa maior do que a
capitulação dos partidos socialistas, em 1914. Em 1934, Maurin já
observava que os anarquistas não fazem política diretamente, mas
"por pessoa interposta" 36.

O mais interessante é o mecanismo prático e ideológico pelo qual


tantos revolucionários, sinceros anarquistas, capitularam frente ao
poder do Estado e, sob sua direção, aceitaram guerrear contra
Franco. Desde os primeiros dias, C.N.T. e F.A.I. falam de luta militar
contra os fascistas, e não da revolução social em curso ou por fazer.
Mas o que parece paradoxal é totalmente lógico. O que se deve
criticar no anarquismo não é sua teimosa hostilidade contra o Estado,
mas sua negligência diante do problema do poder estatal. Dando
sempre a impressão de ser, por excelência, o inimigo do Estado, o
anarquismo é incapaz de definir uma atitude revolucionária contra o
Estado. Seja porque o superestima, vendo na "autoridade" o
adversário número 1 da revolução; seja porque o desconsidera,
acreditando que a revolução pode ser feita sem o destruir ou que sua
destruição se faça sem revolução. Marx disse, em 1871, que a
revolução deve destruir o Estado. Os anarquistas pretendiam ir mais
longe dizendo que é necessário destruí-lo imediatamente. É assim
que se resume, com freqüência, a distinção marxismo-anarquismo:
como disse Lênin, eles concordarão sobre o objetivo, mas divergirão
sobre os meios.

A verdadeira demarcação reside na compreensão das relações entre


o Estado e a sociedade. Por não as compreender, o anarquismo é
mais confuso do que falso, oscilando entre a superestimação e a
subestimação do perigo estatal – como no caso da guerra de
Espanha. A confusão anarquista se verifica no fato de que uma
corrente tão hostil ao Estado o tolere e apóie. Não estamos falando
dos dirigentes, mas dos militantes radicais. Foi o que se viu, na
posição de Durruti e e mesmo em Berneri. Nenhum anarquista
conseguiu entender o que acontecia na Espanha e tirar suas lições:
eis o verdadeiro fracasso. Por um lado, o anarquismo dá muita
importância ao Estado; por outro, o anarquismo não vê seu papel
de garantidor(mas não de criador) da relação capitalista. A luta contra
o Estado não é o objetivo, nem mesmo o aspecto principal da
revolução, apenas uma de suas condições, necessária mas não
suficiente. O Estado não é, efetivamente, nem o motor nem a
engrenagem essencial do capital, mas o instrumento de sua força
social unificada. Portanto, o verdadeiro problema não é o
comportamento (aliás, normal) da C.N.T., mas a falência prática de
uma corrente revolucionária.
Antes de 1936, a C.N.T. oscilava entre a insurreição prematura - da
qual Abel Paz dá uma descrição lírica no seu livro sobre Durruti - e o
reformismo sindical. Face aos atos revolucionários (muitas vezes
desesperados) de seus membros, ela aplicava o princípio: Sou vosso
chefe, é necessário que vos siga. Mas não hesitava em abandoná-los,
se fosse o caso. Em 1936, não podendo nem querendo "fazer a
revolução", mas desejando assentar-se no sistema das forças
burguesas existentes, a C.N.T. apóia uma esquerdização do Estado.
Os órgãos criados sob sua inspiração (C.C. das Milícias) tentam
guinar o Estado para a esquerda e talvez substituí-lo, mas sem o
destruir, instalando-se como um poder paralelo. Ora, a essência do
Estado não reside em formas institucionais específicas, mas em
sua função unificadora: ele é a unidade do separado. Mesmo quando
parece fraco, subsiste - se e porque é capaz de reunir os pedaços da
sociedade capitalista - de qualquer modo. Depois, ele se reforça,
preenche de novo as formas específicas que abandonara
provisoriamente, em função da necessidade de esvaziar o
autodenominado poder paralelo. Portugal, em 1974-1975, foi mais um
bom exemplo.
O antifascismo consiste em apoiar o Estado existente, sob a forma
democrática, para evitar que tome uma forma ditatorial: alia-se
sempre com o mais moderado. A república espanhola multiplica as
concessões para seduzir as camadas médias, mas quanto mais o faz
(chegando a competir em fervor nacionalista com os nacionalistas)
mais se enfraquece. As democracias italiana e alemã também não
puderam atacar as bases sociais do fascismo, porque essas bases
nada mais são do que o capital. A C.N.T. aceitou tudo para salvar a
unidade antifascista, e os anarquistas honestos não deixaram de
criticá-la por isso, de Berneri a V. Richards. Mas sua degringolada e
capitulação, diante das farsas jurídicas, da repressão etc., decorreram
da aceitação original de uma ação possível conduzida pelo Estado. A
F.A.I. (agindo como "partido" com relação à C.N.T., que controla como
sua "organização de massa") foi clara: "Nós não podíamos lutar contra
o governo que ia se constituir [depois de julho de 1936] porque toda
luta e toda oposição eram enfraquecimento. Permanecer fora do
governo seria ficar numa situação de inferioridade" 37.

Depois de apoiar o governo sem dele participar, decide integrá-lo (em


setembro, na Catalunha; em novembro, no governo central). Em
seguida - exatamente como os P.C.’s - explicam sua integração ao
Estado: "Quando éramos ministros... vejam o que nós fizemos!" E
enumeram suas realizações (resultantes de iniciativas populares e
não de sua ação, que consistia em freá-las). Mas a autojustificação
suprema se resume à idéia de que o governo legal não tinha poder: o
movimento operário teria conservado "de fato, se não de direito, o
poder político revolucionário" 38. Mero sintoma da confusão já
referida: a ideologia anarquista permitiria participar do poder
capitalista... porque ele já não é mais o poder real. De duas, uma: ou
o poder existe e a C.N.T. se submete ao Estado burguês; ou ele não
existe e, então, porque participar dele? Para manter as aparências
diante dos estrangeiros, responde a C.N.T. O "realismo político" faz
com que a C.N.T. ela assuma todos os compromissos, mesmo depois
que o Estado e seu aliado russo mostraram sua verdadeira face,
massacrando os revolucionários. No momento crucial, a C.N.T., como
o P.O.U.M., desarma ideologicamente os proletários ocultando-lhes o
antagonismo que os opõe ao Estado. Ela os entrega à repressão,
apelando pelo cessamento da luta contra um inimigo decidido a ir até
o fim. Disposta a tudo para sobreviver, a C.N.T. se alia com U.G.T. Eis
porque ela não defende o P.O.U.M.: "os libertários tinham que, antes
de tudo, defender a si mesmos" 39. Não havia outra alternativa, a
partir do momento em que se aceitou a palavra de ordem: "Primeiro,
vencer Franco".

"Pois a C.N.T. não podia derrubar Negrin [primeiro-ministro socialista,


aliado ao P.C.] e os comunistas e, já que estava de acordo com eles
para continuar a guerra até a vitória, só lhe restava participar do
governo custasse o que custasse" 40.

No pós-guerra, a C.N.T. participará dos governos republicanos


fantasmas: não como antifascista, mas "antifranquista" 41.

No estrangeiro, a miragem espanhola funciona muito bem e os elogios


à C.N.T. não faltam. Uma brochura belga assimila, por exemplo, 1931
a uma revolução política e se espanta que ela não tenha avançado
mais e que tenha atacado os operários, quando os sindicatos queriam
"ampliar sua participação na economia". E quanto à situação depois
de julho de 1936: "Sob a direção da C.N.T., da F.A.I. e da U.G.T., os
operários são senhores absolutos. Não restou nada do governo
regular" 42. Esse encobrimento dos fatos se torna mais chocante num
texto que, em linhas gerais, é honesto.

A posição de Prudhoummeaux parece ter sido encomendada.


Proveniente da esquerda comunista, ele animara L’Ouvrier
Communiste e depois Spartacus (não confundir com os Cahiers
Spartacus posteriores, de R. Lefeuvre), passando da esquerda alemã
ao anarquismo. Sua apologia da C.N.T.-F.A.I. é, talvez, seu pior texto:
sua ingenuidade é similar às entusiásticas descrições da Rússia de
Stálin feitas por aqueles que Trotsky chamava de "amigos da
U.R.S.S.". Prudhommeaux reduz a revolução ao aspecto militar:
"Armar o povo é o primeiro problema de toda luta social" 43. Visível é
seu formalismo operário, idêntico ao do P.O.U.M., dos trotskistas etc.:
é como se o Estado e o C.C. das milícias estivessem sob a direção
dos operários por intermédio das organizações "operárias". A apologia
da democracia direta leva consigo uma concepção política
de representação das massas por "suas" organizações 44.

A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA
A posição de La Révolution prolétarienne, mais complexa, decorre de
seu postulado sindicalista, resumido por J. Barrué, em 1935: "Não
sacrificamos a alegria do coração, um sindicalismo mesmo imperfeito
cuja unidade, quase realizada [na França, em 1936], nos custou
muitos esforços..." 45. Documentados, os artigos de L. Nicolas sobre
a Espanha fornecem o material para uma crítica do anarquismo, do
sindicalismo e da guerra que o próprio Nicolas não pode efetuar. É
verdade, porém, que buscam todas as desculpas possíveis para a
C.N.T., sem se dar conta do absurdo de sua posição. Como Louzon
que escreve, em agosto de l936: "O Estado, na hora atual, é a
C.N.T." 46 A R.P. continuará se espantando sempre com os atos
pouco revolucionários da C.N.T.: mas não há nada de surpreendente
se ela não faz um uso revolucionário de um aparelho construído para
a luta reformista (mesmo violenta, se for o caso).
Nicolas quer garantir as reformas na retaguarda para que o front seja
vitorioso: "à primeira vista, poderia parecer ocioso examinar os
problemas da nova organização social enquanto subsistir o perigo de
ver esmagadas pela bota fascista todas as tentativas dirigidas para a
sociedade nova. Todavia, mesmo que o fator moral tenha uma
importancia primordial na guerra civil, é importante saber em que
medida se mantêm, na retaguarda, as conquistas do
proletariado..." 47. A primeira frase responde ao argumento: "Ganhar a
guerra, sobretudo". A segunda explica que se trata de dar aos
operarios boas razões para apoiar o Estado legal. Nicolas sabe que "o
proletariado espanhol combate em duas frentes" 48, mas não tira a
conclusão que se impõe sobre a natureza do conflito e que é a única
saída para o proletariado. Ele descreve o desenvolvimento da
situação sem esclarecer a sua dinámica. Portanto, suas informações
(aliás, exatas) servem ao objetivode desmascarar a infamia dos
stalinistas e, mais genéricamente, dos "partidos políticos", ou mesmo
para criticar a C.N.T., mas não denunciam a política antifascista.

Pacifista por princípio, a R.P. recusa toda guerra contra Hitler que será
"a mais tipicamente imperialista dos últimos 150 anos" 49, mas pede
ajuda (armas etc.) para a república española. Denuncia a duplicidade
do Estado francês, não a natureza do Estado espanhol. Inclusive,
abre sua imprensa para o embaixador da Espanha em Paris 50. Para
uma franja radicalizada do proletariado, da qual grupos como
a R.P. são uma expressão, a Espanha serve de pretexto para a
justificação da guerra (futura) contra o fascismo. Recusando a União
Sagrada, mesmo contra a Alemanha nazista, os proletários que ainda
resistem passam a aceitá-la, como "mal menor" se comparada com a
vitória fascista. O antifascismo, dirigido para a Espanha, reforça o
apoio à Frente Popular por numerosos grupos de extrema-esquerda
na França. Afinal, Blum é menos ruim que Franco. Então, por
exemplo, A. Ferrat quer "mudar de alto a baixo a política do governo
Blum" para forçá-lo a ajudar a Espanha republicana. É assim que,
sempre clamando pelo impossível, jamais cessarão de denunciar a
"frouxidão" dos democratas antifascistas 51.

A grande função ideológica da guerra de Espanha é polarizar os


vacilantes (em todos os países onde a resistência proletária ainda
vive, mas também em outros: da Rússia à Alemanha e Itália, pasando
pelas democracias) em torno da alternativa democracia / fascismo,
apresentada em cada campo como a única resposta ao totalitarismo
"plutocrático" ou "fascista". Aqueles que apoiaram - desde o início dos
anos trinta, e mais ainda desde a reaproximação da U.R.S.S. com as
democracias ocidentais - uma forte (ainda que confusa e mesmo
nefasta) propaganda antiguerra oscilam no campo democrático. Os
mais inconsistentes teoricamente desabam primeiro, apesar de seu
radicalismo superficial. É o caso dos anarquistas: "Sabemos que a
Espanha de Negrin não é a que desejamos, nem a que desejam os
operários espanhóis. Temos combatido seus erros e desmandos. Mas
já não é mais uma questão de governo, é o futuro do movimento
operário..."

"Teu futuro, povo francês, decide-se em muitos lugares do mundo. É


na Espanha, porém, que deves manter tua atenção, ela espera tua
saudação, não hesites mais, lança-te no conflito, trata-se da sorte do
proletariado espanhol, da liberdade e da manutenção da paz!" 52

Enfim a extrema-esquerda se junta à mobilização para a guerra


preparada pela Frente Popular. Como em 1914, faz-se necessário
abdicar de toda pretensão revolucionária para salvar a civilização da
barbárie. Contudo, para os comunistas, não há diferença essencial
entre os conflitos de 1914-1918 e 1939-1945.

O ANARQUISMO DE ESQUERDA

Apesar das inúmeras reações entre os anarquistas contra a


orientação da C.N.T.-F.A.I., nenhuma delas se liberou da confusão
fundamental sobre a questão do poder. Em Guerre de Classes, cujo
primeiro número foi publicado em novembro de l936, Camilo Berneri
tentava resistir no interior da corrente anarquista de esquerda.
Berneri partia da idéia de uma revolução que se desenvolvia e que
deveria ser apoiada. Mas sustentar a Espanha revolucionária
significava manter o Estado atual, ou seja: agir à margem dele sem
combatê-lo. Berneri concluía apelando às massas para que
pressionassem o Estado existente. Ao mesmo tempo (eis a
contradição), mostra que o governo age contra a revolução: mas ele
denuncia “o governo” não o Estado. O resultado é a busca de uma
conciliação impossível entre a participação no Estado e a exigência
revolucionária: “O ingresso dos elementos da C.N.T. nos órgãos da
polícia não foi suficientemente compensado por uma autonomia que
teria permitido rapidez e discrição...” 53.
Sua polêmica com F. Montseny ficou célebre 54. Ele dialoga porque
ela é anarquista, apesar de ser ministra. Ele age - imitando os
trotskistas, que tentam “encostar na parede” os dirigentes “operários” -
como se ela pudesse escolher. Berneri é vítima
da ideologia revolucionária (um de seus artigos se intitula Madri,
cidade sublime). Guerra e Revolução ilustra bem seu deslizamento
teórico 55. Antes, diz: É necessário fazer a revolução. Depois,
contemporiza: Há uma revolução que é necessário preservar. Donde,
é primordial lutar contra Franco etc. É certo que ele adverte quanto à
“contra-revolução”. Mas, se o proletariado é atacado em duas frentes
(por Franco e pela República), deve-se concluir que não haverá
revolução enquanto os proletários apoiarem uma das duas formas de
contra-revolução contra a outra. Berneri fala de contra-revolução
como uma ameaça quando ela é uma realidade: daí seus repetidos
alarmas. Ele protesta contra os atos não-revolucionários do Estado,
mas poderia o Estado agir de outra maneira?

O grupo “Os Amigos de Durruti”, extensão radical da C.N.T., é também


significativo, começando pelo nome. Ele quer tomar o símbolo de
Durruti das organizações anarquistas oficiais que dele fizeram uma
bandeira (como os stalinistas com Rosa Luxemburgo e Karl
Liebknecht, até o começo dos anos trinta), e não criticar o símbolo (cf.
“Espanha: guerra ou revolução?”). Ou seja: pretendem continuar o
“verdadeiro” anarquismo contra os anarquistas oficiais. Em julho de
1937, Os Amigos de Durruti diziam que o impulso revolucionário se
mantivera em maio de 1937, apesar da “ausência de programa
concreto e de realizações imediatas”. Em 1936 como em 1937, o “erro
fundamental” da C.N.T. foi o medo de avançar e a aceitação da
preponderância da pequena burguesia. Os Amigos de Durruti, ao
contrário, defendem “a necessidade de uma junta revolucionária, sob
o controle econômico dos sindicatos, e uma estrutura livre para as
municipalidades”. São necessários “um programa e fuzis” 56. Em
agosto de 1937, a C.N.T. e a F.A. I. fracassaram por que lhes faltava
“a precisão teórica que nosso grupo propõe” 57. O grupo diagnostica,
pois, uma insuficiência da “direção”. À maneira dos trotskistas, diante
do P.S. e do P.C., ele se concebe como parte da organização
“operária” deficiente que quer recuperar insuflando-lhe teoria e
vontade de combater. O animador do grupo escrevia para o jornal da
C.N.T. em Barcelona. Pode-se ter uma idéia da fraqueza proletária
quando se considera que Os Amigos de Durruti são, com uns poucos
trotskistas (em torno de Munis) e uma ínfima minoria do P.O.U.M. e da
C.N.T., os únicos elementos organizados e resolutos em maio de
1937. O programa do Manifesto da União Comunista (início de junho,
1937) era letra morta: “Para derrotar franco, é necessário derrotar
Companys e Caballero. Para vencer o fascismo, é necessário
esmagar a burguesia e seus aliados stalinistas e socialistas. É
necessário destruir, de cima a baixo, o Estado capitalista e
instaurar um poder operário surgido dos comitês de base dos
trabalhadores. O apoliticismo anarquista fracassou... Para vencer o
bloco da burguesia e seus aliados: stalinistas, socialistas e dirigentes
da C.N.T., os operários têm de romper já com os traidores de todo
tipo.” O Manifesto reconhece que “A unidade antifascista nada mais
tem sido do que submissão à burguesia”. Porém, é muito favorável ao
P.O.U.M. 58.

ANTI-STALINISMO
Assim como os massacres fascistas ajudaram a obscurecer a
natureza do fascismo, a repressão stalino-socialista ajuda a silenciar o
essencial. M. Ollivier denuncia – Le GPU en Espagne – mas, ele
também põe somente o problema dos partidos, não o do Estado 59. A
liquidação do P.O.U.M. é a ocasião para fazer passar este partido
como o mais radical. Ele era apenas demasiado frágil para
desempenhar um grande papel.

Se o governo republicano “acabou de ressuscitar a luta de


classes” 60, ela - a luta de classes - opõe então o proletariado à
burguesia republicana como àquela que apóia Franco. Ora, Ollivier
não convoca à destruição do Estado republicano. Ao contrário: é
necessário combater pelas “realizações socialistas”... que serão
atacadas, no verão seguinte, em Aragão pelo Estado republicano.
O Comitê pela Revolução Espanhola 61 denuncia a repressão contra
o P.O.U.M. porque enfraquece a guerra dos republicanos contra
Franco: agindo assim, a República se privaria de um apoio popular
necessário. Esse comitê não diz nada a respeito do comportamento
conciliador e criminoso da C.N.T. e do P.O.U.M., em maio de 1937.
Portanto, a calúnia e a ignomínia social-stalinistas não foram
rechaçadas publicamente (excetuando-se algumas publicações da
esquerda comunista) a não ser por aqueles que, na realidade,
defendem a mesma linha política, e se opõem apenas aos métodos,
sem compreender que tal linha implica obrigatoriamente tais
métodos. O antifascismo queria a “verdadeira” democracia
apodrecida pelo capitalismo, eles queriam o “verdadeiro” antifascismo
apodrecido pelo stalinismo.

No seu prefácio a Le Stalinisme bourreau de la révolution espagnole,


1937-1938, Rosmer escreveu: “É necessário, antes, liquidar Franco.
Mas depois da vitória, haverá ajustes de contas e a Revolução
retomará sua marcha adiante” 62. O êxito da repressão, porém,
demonstra que não existe revolução espanhola. A denúncia unilateral
dos crimes de Stálin (que são também crimes dos socialistas) encobre
o resto. A “luta contra a repressão”, que toma a forma de anti-
stalinismo como tomara antes a de antifascismo, não constituiu jamais
um programa revolucionário. Isolada enquanto tal, como no
antifascismo, ela levou necessariamente a praticar a política do mal
menor, a apoiar o mais tolerante contra o mais repressivo (os
socialistas “são preferíveis” ao P.C., os E.U.A. são menos ruins do que
a U.R.S.S. – ou o inverso etc). Como se os socialistas (sobretudo, na
Espanha) não fossem cúmplices dos stalinistas, evitando mencionar
os processos de Moscou e convidando Jouhaux para arbitrar os
conflitos na U.G.T. em proveito do P.C.! 63

Durante a guerra fria, o antifascismo reaparecerá em certas correntes


situadas entre os partidos oficiais e os revolucionários, mas desta vez
sob a forma de apoio ao “mundo livre” contra os países do leste
europeu, considerados ainda mais repressivos e monstruosos. O
totalitarismo substitui o fascismo, como inimigo principal. Para outros,
como Sartre, o “mal menor” será, ao contrário, representado pelo P.C.
e pela U.R.S.S. O anti-stalinismo é o pior produto do stalinismo. Isso
vale para todos aqueles que se fazem especialistas em denunciar os
crimes e repressões stalinistas (ou leninistas) 64.

A UNIÃO COMUNISTA
As discussões no interior da esquerda comunista e as críticas feitas
a Bilan por certos grupos revolucionários têm um peculiar interesse,
na medida em que as objeções desses grupos às teses da esquerda
“italiana” são certeiras, ainda que no essencial a esquerda italiana
compreendesse melhor os eventos da Espanha. Tais eventos frearam
ou interromperam a clarificação de diversas correntes. Mesmo as que
eram hostis ao antifascismo e à preparação da futura guerra pela
União Sagrada - nos blocos que ligam os proletários à burguesia:
Frente Popular etc. -, aceitam o antifascismo para a Espanha ou
acreditam ver se não uma revolução em marcha, pelo menos uma
situação pré-revolucionária. Mas as mais sólidas admitem, desde
maio de 1937, que o movimento revolucionário foi vencido, que
doravante a guerra da Espanha é uma guerra imperialista e que abre
o caminho para a segunda guerra imperialista mundial.

A União Comunista, cujo órgão é L’Internationale, situa-se entre a


esquerda comunista e o trotskismo, embora tenha se radicalizado
consideravelmente depois de 1936. Antes, ela preconizava a frente
única (contra a linha “classe contra classe”) ao nível político e
sindical 65. Sabe-se que fidelidade aos “quatro primeiros congressos
da I.C.” (1919-1922) é um dos temas favoritos dos trotskistas, e a
“frente única” uma de suas palavras de ordem habituais. Em
contraposição, a União Comunista rechaça toda defesa da U.R.S.S. e
não tem qualquer ilusão sobre o caráter da próxima guerra. Sua
contradição: ela prova que a Frente Popular (como a da França)
equivale a uma União Sagrada, mas convoca uma frente única com
as mesmas organizações ditas operárias. Neste ponto, ela
compartilha a incapacidade “centrista” de apreender a função global
das organizações “operárias”. Essa atitude repousa também numa
superestimação do período que faz acreditar em evoluções possíveis.
A União Comunista julga então Bilan como uma posição de princípio
afastada do movimento real. CitandoBilan, L’Internationale afirmava
em 1934: “Não se trata... para os revolucionários, de deixar as
massas operárias entregues à si mesmas e de se contentar em
‘propagar as posições políticas sem que as massas tenham a
possibilidade de as aplicar’ (Bilan, no. 12 )” 66.

Por ocasião do referendo que decidiria pela anexação do Sarre à


Alemanha (nazista) ou à França, e que se pronunciou finalmente em
favor da Alemanha, L’Internationale definiu seu antifascismo, que
pretendia ser diferente da versão reformista habitual, mas se parecia
muito com ela: “A luta antifascista tem por objetivo conservar as
organizações e liberdades que, para o proletariado, são as condições
mais favoráveis à propaganda revolucionária e ao reagrupamento das
massas... O apego das massas trabalhadoras a certas liberdades
democráticas constitue, para os operários, num período de refluxo,
uma base importante para reunir as massas e impulsioná-las à
ação” 67.

Em julho de 1936, a U.C. evolui, mas ainda com ilusões quanto ao


P.O.U.M. (a posição do P.O.U.M. diante do antifascismo democrático),
o que demonstra bem que ela mesma não tem uma posição clara
sobre esta questão 68. Depois de julho de 1936, a U.C. já não
considera que o atrelamento das milícias ao Estado anula seu caráter
revolucionário e até sublinha a existência de um possante movimento
revolucionário subterrâneo, que nenhuma organização exprime nem
unifica (nem mesmo o P.O.U.M.), e que é necessário apoiar.
Para Bilan, ao contrário, a condição necessária para facilitar uma
evolução revolucionária possível é, seja como for, compreender e
afirmar que ainda não há revolução. L’Internationale enfatiza, porém,
desde o início, a fragilidade do movimento. Em fevereiro de 1937, “o
estrangulamento do movimento revolucionário espanhol está sendo
finalizado”: “as forças contra-revolucionárias querem evitar uma
resposta organizada das massas” contra esse estrangulamento 69. A
influência staliniana progredia com o apoio russo, e a República
preparava um acordo com Franco. A alternativa é uma batalha
decisiva: “ou a destruição do Estado burguês ou uma heróica
derrota”. Mas persiste a ilusão quanto ao P.O.U.M., através de sua
organização juvenil. A Juventude Comunista Ibérica propunha um
“governo operário revolucionário” eleito por uma “assembléia de
delegados dos comitês de empresa, dos camponeses e dos
milicianos”. Mas que significa “Todo o poder aos sovietes!”, quando
os partidos reformistas exercem um domínio esmagador sobre esses
órgãos de base? Reencontramos aqui toda a orientação do P.O.U.M.

A U.C. mostra a progressão contra-revolucionária, mas não a


realidade (= a fraqueza) do movimento proletário. Ela explica antes
de tudo essa progressão pela intervenção russa, o que a dispensa de
se interrogar sobre a situação interna de Espanha, e a ação efetiva
dos operários. A U.C. argumenta como se existisse um movimento
social revolucionário manipulado pelos partidos e sindicatos.

Ela insiste que “a independência de ação” diante do governo, não


sobre o que é esse governo 70. Ela aponta um “poder operário”
(oposto ao poder burguês atual) como objetivo, mas não vê que tal
poder é a condição de toda luta de classe contra Franco e a
República. Ela procura a revolução lá onde a revolução não está, e
os revolucionários onde nada mais há do que a frase revolucionária,
exigindo que o P.O.U.M. seja coerente em suas palavras e seus atos.
Em suma, ela relança a “frente única” que sustentara antes, sobre o
P.O.U.M. e a C.N.T.-F.A.I. E apela à base do P.O.U.M. como os
trotskistas às bases dos P.C. e P.S., ignorando a função desses
partidos. Ela analisa menos o que se passa do que aquilo que
gostaria que se passasse – traço comum a todos os revolucionários
criticados por Bilan. Para uma luta revolucionária que não existe (pelo
menos, não como dizem), estão prontos a participar de uma luta bem
real, dirigida pelo Estado. Presumindo que os eventos devem evoluir,
conclui que eles podem evoluir e, portanto, que é necessário sustentá-
los. Reconheçamos, contudo, à U.C. um relativo pessimismo quanto
ao desfecho, o que refuta sua tese de um “movimento revolucionário
ativo” em Espanha.

A U.C. começa participando no Comitê para a Revolução Espanhola


(cf. § anterior), que reagrupa o essencial da confusão centrista,
inclusive a Esquerda Revolucionária, oposição de esquerda na
S.F.I.O. - cujo chefe Pivert responde pela informação no governo
Blum, o que dá a medida de sua oposição 71. Em meados de 1937, a
U.C. abandona esse Comitê, entre outras razões, devido à presença
da E.R.

Depois de maio de 1937, L’Internationale descreve longamente o


triunfo contra-revolucionário, mas discerne melhor o efeito do que a
causa: “desde as jornadas de maio, a guerra contra Franco perdeu o
caráter de guerra civil que tinha desde 19 de julho de 1936... à medida
que o movimento revolucionário... recua diante da contra-revolução
‘democrática’, o caráter imperialista e militar da guerra se acentua,
crescendo a ameaça de guerra mundial” 72. Ela prognostica um
compromisso Franco-República.

Ela se rejubila com a evolução positiva dos Amigos de Durruti, que,


mesmo não assumindo a posição marxista sobre o Estado,
entenderam, segundo a U.C., que “a conquista do poder político é a
condição do sucesso da revolução”. Os textos dos Amigos de Durruti
que ela reproduz – analisados no § “O anarquismo de esquerda” –
mostram que essa avaliação é muito exagerada. Em
contraposição, L’Internationale condena a atitude “hesitante” do
P.O.U.M. e seu “oportunismo” alinhado com a C.N.T.: apesar dos
golpes que recebe, o P.O.U.M. se limita a refutar as mentiras e prega
um governo U.G.T.-C.N.T.

“É bem pouco provável que uma nova grande batalha possa ocorrer.
As jornadas de maio foram decisivas. Somente lutas parciais,
localizadas, se produzirão e serão seguidas de repressões massivas.”
A LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS
A evolução da Liga dos Comunistas Internacionalistas da Bélgica é
comparável à da União Comunista, sobre a Espanha, ainda que a
L.C.I. tenha posições bem mais claras sobre o antifascismo. Enquanto
a U.C. publica durante muitos anos L’Internationale - um jornal para
influenciar a base das organizações “operárias”, antes de se tornar
uma revista policopiada -, o Bulletin da L.C.I. se apresenta como um
órgão teórico. A U.C. exprime uma reação sadia, mas superficial, pelo
menos até 1936. A L.C.I. traduz um esforço real de clarificação
teórica, e não foi por acaso que ela colaborou muitos anos
com Bilan antes de se separarem por causa da Espanha.

Depois da vitória eleitoral da Frente Popular, o Bulletin 73 vê “uma


frente de esquerdas burguesas com suas tendências moderadas e
extremas que se junta à frente das direitas, onde o mesmo fenômeno
se manifesta”. Por exemplo, o partido do radical-socialista Maura
rachou em dois, seguindo a bem conhecida “política de oscilar entre
esquerda e direita”. No conjunto, a análise do fascismo é idêntica à
de Bilan. A Bélgica é um exemplo de país industrializado, onde o
movimento operário está muito integrado ao Estado, a L.C.I. enfatiza
regularmente que a democracia tem o mesmo programa – de união
forçada das classes – do fascismo. Mas a Liga enfrenta importantes
divergências, antes de julho de 1936, que cristalizam a questão
eleitoral, na qual se esboça a clivagem posterior sobre a questão
espanhola. Hennaut (dirigente da Liga) preconiza, na primavera de
1936, o apoio eleitoral ao Partido Operário Belga. Jehan (que
animará a cisão minoria próxima de Bilan) propõe a abstenção 74.

Essas divergências repercutem, depois de julho de 1936, e exigem


uma cisão: nenhuma colaboração é possível entre os que apóiam a
luta armada antifascista e os que pregam a deserção nos dois
campos. Os artigos de Hennaut e de Jehan, escritos quase que ao
mesmo tempo, revelam duas abordagens diferentes. Hennaut está
consciente do caráter contra-revolucionário do antifascismo, mas,
contrariamente a Jehan, não considera decisiva a não-destruição do
Estado, em julho de 1936. Lá onde Jehan considera o momento da
ruptura (que não se produziu), Hennaut se liga ao movimento. Para
Hennaut, Jehan fixa a evolução social sobre uma fase e reduz o
proletariado ao partido, isto é, aos elementos já conquistados para o
comunismo, negligenciando assim as possibilidades de influenciar
outras camadas ainda em movimento. Para Bilan, segundo Hennaut,
não haverá revolução na Espanha porque não existe partido. Esta
crítica fundamental é aprofundada numa análise mais geral, que inclui
a revolução russa, sobre a natureza do socialismo, da revolução e,
portanto, do proletariado. Obnubilada, depois dos bolcheviques, pela
questão do partido, a esquerda italiana interpretou tudo à luz da
formação ou da carência do famoso partido. Mais tarde, tal crítica
será retormada, para fins de polêmica medíocre. Num artigo
de Socialisme ou Barbárie – “La crise du bordiguisme italien”, escrito
em 1952 –, A. Vega ataca a negação do “papel ativo” e a idéia de uma
luta de classes “eclipsada” 75: “...por exemplo, em lugar de ver na
subversão revolucionária de julho de 1936 na Espanha a conclusão
de um longo período de luta de classes, limita-se a registrar uma
´explosão operária´ (?) de alguns dias, seguida de uma ´guerra
imperialista´. A classe operária apareceu durante 24 ou 48 horas, mas
logo desapareceu. Os combates continuam, porém. Há, então,
guerra. Estamos no período das guerras imperialistas, portanto, é
uma guerra imperialista! E, com a ajuda do ´leninismo´, vimos a
Esquerda Italiana declarar (ao preço de uma cisão, é verdade...) que a
palavra de ordem para a Espanha é a fraternização: fraternização dos
operários armados com a guarda civil, os legionários e os falangistas.
Esta interpretação torna completamente inexplicável a insurreição dos
operários de Barcelona, em maio de 1937, apresentada como um
massacre dos proletários, reduzidos ao papel de vítimas passivas pelo
governo republicano.”

Para Vega: “Os trabalhadores espanhóis... de 1930 e 1936 puseram


constantemente em causa as bases do regime capitalista,... em 1936,
destruiram suas instituições fundamentais, assumiram a gestão das
fábricas e dos transportes...”
Cada um apreciará, a seu modo, esse resumo e a prestação de
contas dos fatos. Recentemente, um velho membro da União
Comunista evocava igualmente “a posição delirante dos bordiguistas
belgas e de Vercesi (não há partido bordiguista na Espanha - portanto,
não há revolução) sobre o movimento revolucionário na península...
Os bordiguistas da Bélgica, pouquíssimos, tinham uma posição
aberrante... e, por exemplo, não compreenderam nada das jornadas
de maio de 37, o Kronstadt espanhol (guardadas todas as proporções)
...” 76.

A crítica dirigida à esquerda italiana, de reduzir a classe ao partido, é


bem fundada e mal infundada. Lendo Bilan com seriedade, percebe-
se que essa revista fala de ausência do “partido” na Espanha apenas
onde os movimentos proletários, antes de e em 1936, não atingiram o
mínimo que exigiria uma organização comunista correspondente. No
conjunto, a análise continua materialista: não há partido porque a
classe não o criou. A experiência proletária anterior não pôde suscitar
uma ação e, portanto, uma organização que rompesse com o capital o
suficiente para desempenhar um papel decisivo no período crítico em
que a sociedade poderia oscilar num sentido ou outro. Falar de
ausência de partido é avaliar a força e as capacidades dos proletários
espanhos. E não deplorar a não criação pelos revolucionários de um
centro dirigente.

É verdade, porém, que Bilan manifesta uma tendência à idealização


do partido, que continua ainda limitada e não apreende o essencial da
análise, mas faz parte da herança da esquerda italiana. É menos um
traço ‘leninista’ (que só virá depois) do que um aspecto social-
democrata radical adquirido pela esquerda italiana antes de se
encontrar com os bolcheviques e Que Fazer? Esta idealização da
organização e dos princípios era, antes de 1914, uma das soluções
(ilusórias) dos elementos revolucionários da Segunda Internacional
para escapar do reformismo dominante. Bordiga a concebeu
separadamente de Lênin, e de modo mais profundo, na medida em
que não estava marcado pela tese kautskista da ‘consciência’ a ser
levada ao proletariado, o que dava ao partido que ele descrevia uma
concepção mais materialista do que a de Lênin. Somente mais tarde,
o contato entre os italianos e a Terceira Internacional reforçará o
idealismo do partido, mas Bordiga conservará sempre sua abordagem
original. Depois de 1945, a superestimação do partido será
desenvolvida por ele sob as formas mais brilhantes e também as mais
contraditórias, ainda que ele tenha dito que o partido era fator e
resultado da revolução 77. Seus herdeiros exageraram suas
contradições até a caricatura. Com a ajuda do ativismo, o partido se
torna a alma que espera seu corpo.

Uma diferença profunda separa, no entanto, essas teorizações


de Bilan. A distinção - admitida nos anos trinta entre “fração” (grupo
que mantém e desenvolve a teoria, com uma prática muito limitada,
num período de recuo), e “partido” (organização comunista do
movimento proletário) – foi esquecida pela esquerda italiana depois de
1945, pois ela se constitui em “partido”, primeiro na Itália (1943-1945),
depois à escala mundial (Partido Comunista Internacional).

Num plano mais vasto, Bilan reproduz os limites da esquerda italiana


em sua visão da revolução e, em particular, seu exagero da
experiência russa. Mas essa revista era aberta para outras
concepções e – sobretudo – à reflexão sobre o conteúdo do
comunismo como destruição da lei do valor, através de um longo
resumo dos Princípios de Base da Produção e Repartição
Comunistas, texto fundamental sobre o tema [5 bis]. Como Hennaut
assinala, era para ele o ponto de partida de uma reflexão diferente
sobre o socialismo, embora Bilan não o considerasse mais do que um
ponto a especificar. Ou seja, a crítica histórica da revolução russa e
de sua degeneração jamais foi feita pela esquerda italiana, nem à
época de Bilan nem depois, apesar dos inúmeros textos de Bordiga a
respeito. Contudo, os adversários da esquerda italiana, de um modo
geral, não superaram os limites dessa proibição a não ser para cair
total ou parcialmente numa ou outra forma de conselhismo,
substituindo uma visão limitada por uma outra. Uma nova panacéia (a
magia da democracia e gestão operárias) substitui a antiga (a magia
do partido). As polêmicas sobre a Espanha fizeram amadurecer as
divergências e exageros respectivos – signo da incapacidade para
apreender a totalidade.

A esquerda italiana afirma com razão que os revolucionários não são


obsecados pelo medo de se tornar um novo poder ou de se impor à
“maioria”. Toda revolução é feita por uma minoria, ainda que
importante, o que não impede a revolução comunista de ser obra da
maioria, o conjunto dos homens tendendo a assumir
progressivamente sua própria existência. Mas o papel mais ativo é
desempenhado pela minoria. O essencial é que as medidas decisivas
sejam tomadas, mas não “decretadas”, efetuadas realmente, mesmo
que seja por uma minoria, inicialmente (nada a ver com as “minorias
atuantes” do sindicalismo revolucionário, no qual um pequeno número
é incumbido de dar o bom exemplo e dirigir as coisas). As bases
materiais dum novo “poder” não estão no agir minoritário e muitas
vezes ditatorial, mas na manutenção dos fundamentos do capital. O
fator essencial não são as relações dedominação, mas as relações
de produção da vida (material, afetiva, simbólica etc.).

A revolução comunista só triunfará se for capaz de atrair, num prazo


mais ou menos curto, as amplas massas, nutrindo-se de sua
intervenção na vida social em todos os níveis (cf. “Revolução Política
e Social”). Ao contrário, uma “revolução” que se oponha
sistematicamente aos operários deverá reprimir as greves e não
mudará nada ou quase nada do CONTEÚDO da sociedade (isto é, o
essencial), - negando-se como revolução proletária. Foi o que
aconteceu na Rússia. Mas não invertamos a explicação: foi porque a
sociedade não foi revolucionada que o partido bolchevique conseguiu
impor a ditadura de um estado não proletário, não comunista, que não
poderia sobreviver senão desenvolvendo o regime salarial e, portanto,
um estado capitalista. Os insurretos de Kronstadt não eram
certamente comunistas, mas aqueles que os massacraram agiram
como verdadeiros anticomunistas, reprimindo um movimento
elementar ao nome de uma ditadura do proletariado que só existia
nominalmente (pouco importam as intenções e o moralismo, que nos
é estranho). Nem Kronstadt nem o estado bolchevique
representavam a revolução comunista: simplesmente, a luta de
classes prosseguia sob formas elementares – às vezes, pelas armas.

A esquerda italiana nega a realidade das lutas operárias a pretexto de


que o poder continuava “proletário”. Um poder só é revolucionário se
favorece a revolução, no interior e no exterior, o que não aconteceu
(cf. o curso direitista imprimido à I.C. – que se deixou levar – pelos
bolcheviques). Ao contrário do que disse Bordiga, depois de 1945 78,
a revolução russa soçobrou na violência contra os
proletários (repressão às greves e outras lutas, militarização do
trabalho, processos stalinistas etc.). Os operários tomaram o poder
em 1917 e o perderam muito depressa – definitivamente em 1921,
mas no essencial antes.

O aspecto burguês está quase sempre presente no bolchevismo e em


Lênin, que são profundamente contraditórios 79. Este aspecto poderia
ter sido minimizado, se uma revolução mundial fosse vitoriosa: o
fracasso de suas tentativas maximizou-o. Mas esta não foi a causa
decisiva da involução (Bordiga) da revolução russa: por que, então, os
proletários a aceitaram? Postular um antileninismo sistemático é
falsificar a perspectiva e interditar a verdadeira crítica: a da natureza
do movimento social daquela época, de sua parcialidade.Hennaut foi
menos capaz de tal crítica do que Bordiga, que apenas a intuiu.

A grande diferença entre a Liga dos Comunistas Internacionalistas e a


União Comunista a respeito da Espanha é que a Liga atribuía mais
importância à evolução interna do país do que à pressão internacional
(sobretudo, russa), como fator de reforçamento da contra-revolução
na Espanha. Em novembro de 1936, depois de ter mostrado os
efeitos da não-intervenção, Hennaut questiona “Aonde vai a
Revolução espanhola” 80: “A modificação essencial aconteceu na
frente interna da revolução espanhola. O governo de Madri, que
continua sendo o governo do capitalismo espanhol, retomou
firmemente em suas mãos as rédeas do poder que por instantes lhe
pareciam escapar. As milícias operárias obedeciam docilmente as
ordens dos militares republicanos... A partida ainda não estava
completamente perdida, mas as posições dos operários espanhóis
tinham sido seriamente comprometidas. Assim, realizaram-se as
condições para a reabsorção da revolução na geléia geral dos
imperialismos que então se preparava.”

Mesmo considerando que depois de maio de 1937 a guerra de


Espanha adquiriu um caráter imperialista, os grupos como U.C. ou a
Liga hesitavam em lançar a palavra de ordem do “derrotismo
revolucionário”. Tal apelo só poderia ter um valor de princípio (cf.
“Questão Nacional”). A esquerda italiana tendia a viver uma repetição
geral de 1914-1918, e raciocinar em termos da esquerda de
Zimmerwald. Esta ilusão ultrapassa muito um simples erro de
apreciação do período. Certo, essa corrente pôde acreditar numa
retomada possível do movimento antes, depois ou durante o
desencadeamento da futura segunda guerra mundial. A mudança de
título, de Bilan para Octobre, em 1938, equivale por si mesma a um
programa. Sobre a cobertura de Bilan, podia-se ler esta menção,
muitas vezes repetida: “Lênin 1917 – Noske 1919 – Hitler 1933”. Era
uma revista de resistência, numa conjuntura “historicamente
desfavorável”. Octobre traduz bem a idéia (ou antes, a esperança) da
passagem a uma outra fase.

Mas há mais. A esquerda comunista, de todo modo, não podia


mais desempenhar o papel da esquerda socialista depois de 1914. O
derrotismo revolucionário correspondia, em 1914, à atitude de pelo
menos uma fração do proletariado, e se exprimia por canais limitados
ainda que reais. Partidos inteiros – como o partido bolchevique e
partido sérvio (bem implantados, embora minúsculos) – recusaram a
União Sagrada. A situação era bem outra no final dos anos trinta. A
diferença não era quantitativa, mas qualitativa. A esquerda comunista
estava separada do “movimento operário”, ela não tinha suas raízes,
não dispunha de contatos sérios nem apoios. Ao contrário da extrema
esquerda social-democrata depois de 1914, a esquerda comunista
enfrentava organizações operárias integradas ao capital, e não
restava nenhuma minoria proletária. Toda atividade da esquerda
italiana é atravessada, até hoje, pelo mito (tomado da I.C.) da re-
forma de um “verdadeiro” movimento operário. Há a idéia de
reconstruir as mesmas organizações operárias (econômicas e
políticas, com a divisão sindicato-partido) – agora, com novos
princípios (de luta de classe) –, sem compreender que a renovação
proletária se faria de outra maneira (isso não implica uma mudança
total, ou então seria necessário demonstrar que capital e proletariado
mudaram de natureza, o que não é o caso).

A Esquerda Alemã
Como a “esquerda italiana”, a “esquerda alemã” 81 – que foi muito
atuante, sobretudo nos países baixos e nos EUA – afirma que o
fascismo é uma tendência do capital, impulsionada por todos os que
se situam em sua lógica, a começar pelos democratas. International
Council Correspondence, revista animada por P. Mattick, dedicou
inúmeros artigos à demonstração de que o fascismo existe nos países
democráticos, entre eles os Estados Unidos. O I.C.C. escreveu, em
setembro de 1935: “o velho movimento operário tenta se livrar do
fascismo aderindo a ele”, e denunciou “os concorrentes do fascismo”.
Depois, em dezembro: “De todos os contra-revolucionários efetivos e
potenciais, os mais desprezíveis são, sem dúvida, os socialistas” 82.
A revista comenta assim as eleições de 1936, na França 83: “Há
derrotas que são vitórias, e vitórias onde se esconde a derrota... Na
realidade, os operários franceses sofreram sua primeira derrota
decisiva na luta contra o capital... Quem quiser lutar contra o fascismo
deve, hoje, lutar contra Blum e a Frente Popular. Deve afirmar esta
verdade: a “vitória” francesa é de fato o início de toda uma série de
derrotas. Os operários estão no mau caminho; com Blum e Thorez,
eles marcham em linha reta para o fascismo.”
Mas a análise dos acontecimentos espanhóis, posteriores a julho de
1936, negligencia o que ocorreu em julho de 1936. Segundo o
número de outubro de 1936 84, o problema não é que as milícias
sejam ou não integradas ao exército regular, mas – sobretudo – que
restem milícias (e em que proporção) cuja atividade não se integra à
defesa do Estado, como o faria um exército regular. Se os
nacionalistas vencerem, os operários serão esmagados: “Mas mesmo
sua derrota não pode mudar a situação, que é objetivamente madura
para a revolução.” O número seguinte (novembro de 1936) reproduz
um apelo da F.A.I., que pede armas.

Preocupada com a democracia operária, a esquerda alemã deixa de


lado algumas noções elementares sobre a natureza da revolução e
privilegia a margem de autonomia que pode ainda restar aos
proletários, apesar do enquadramento total das milícias pelo Estado,
subestimando o enquadramento. Seu antibolchevismo sistemático e
seu formalismo antipartido a confundem, a ponto de ver no
anarquismo espanhol uma forma de organização que – apesar de
seus defeitos – é útil para uma atividade proletária autêntica.
Comparando, por outro lado, o P.O.U.M. aos bolcheviques
(!), I.C.C. verá na CNT catalã “uma força revolucionária”: equívoco
flagrante, tanto mais grave por ter sido essa avaliação afeita em abril
de 1939, quando toda a informação disponível demonstrava o
contrário. O preconceito antipartidário levou a esquerda alemã a
abandonar uma de suas contribuições decisivas: a crítica dos
sindicatos. Ora, o que era a CNT senão uma central sindical? Neste
ponto, a I.C.C. está mais atrasada do que a União Comunista e a LCI
belga. Mas, como esses grupos, I.C.C. vê rapidamente o
reforçamento da contra-revolução, e escreve, em março de 1937: “Até
o presente momento, o que ocorreu foi – mais por imposição da
necessidade de ganhar a guerra – um controle da produção, e não
uma verdadeira socialização... O socialismo ainda não está
implantado em Espanha, e tampouco se desenvolve. Para fazê-lo, é
necessário aprofundar a revolução; ora, o que se faz atualmente é
contê-la.”.
O I.C.C. publicou uma critica rigorosa do anarquismo, mas o autor do
artigo viu o fracasso do anarquismo na concepção econômica do
socialismo, não na questão do poder político 85. H. Wagner se limita
à “falsa” gestão operária e à “má” supressão da lei do valor pela
coletivização anarquista: só a organização dos conselhos, diz Wagner,
retomando a tese dosPrincípios de Base... permite o cálculo do tempo
de trabalho social necessário à produção dos bens. Como já
expusemos, esta concepção tem o grande mérito fundamentar a
exigência da destruição da economia e do valor mercantil, numa
época em que a esquerda italiana, por exemplo, ignora o problema.
Embora o faça baseada em noções que é necessário criticar 86.
Paradoxalmente, tal sistema revigora o que quer anular: o tempo de
trabalho social médio nada mais é do que a substância do valor e a
base do capital. Sua produção é o que regula a sociedade capitalista.
A esquerda alemã desejaria substituir sua ação espontânea e
anárquica por um cálculo consciente, afinal possível graças aos
conselhos operários, únicos em sua capacidade de conhecer
(exatamente e sem a intermediação da moeda) a quantidade de
trabalho social médio materializado em cada produto.
Sobretudo, essa tese revela uma concepção economicista da
revolução, na qual se trataria antes de fundar as bases duma
economia racional, planificada. Na época, nenhuma corrente da
esquerda comunista sequer colocava o problema.

A esquerda alemã nega a questão política, que Bilan põe no centro de


sua análise e termina por privilegiar (cf. “Revolução Política e Social”).
A crítica dos anarquistas por Wagner não acompanha qualquer
análise dos eventos de julho de 1936. A questão do Estado é
escamoteada. Se as transformações sociais são corretamente vistas
pelo I.C.C. em sua diversidade, o poder político não é visto em sua
unidade, e principalmente na sua existência concentrada sob a forma
do Estado. Wagner se junta à posição anarquista quando assimila a
revolução a uma emancipação geral desprovida de centro de
gravidade (situando o único fator de unificação no nível econômico) –
para “organizar seu poder contra a burguesia”, os operários devem
“antes de tudo, liberar suas organizações de fábrica da influência dos
partidos e dos sindicatos oficiais”. A questão do poder é
compreendida na sua extensão a toda a sociedade, não como
totalidade.
K. Korsch analisa a guerra de Espanha na revista (agora
denominada Living Marxism) em 1938 e 1939 87. Não somente não
faz qualquer crítica de fundo à CNT-FAI, mas nem mesmo tira as
conclusões do que ele mesmo havia mostrado: a burguesia jamais
perdeu o poder do Estado, que apenas sofreu “um momentâneo
eclipse”. Seu erro foi transpor para um período revolucionário de sua
vida a mesma concepção da revolução como socialização
progressiva, que ele havia defendido no seu período reformista. As
medidas não são as mesmas, mas o mecanismo permanece: a
revolução será uma tomada dos meios de produção pelos
trabalhadores, a questão do poder não terá qualquer especificidade e
se resolverá em todos os órgãos da vida social. O capital é concebido
mais como modo de gestão do que como modo de produção, o
comunismo mais como organização da produção do que como
atividade. Mas a revolução só pode se manifestar como processo se
for também ruptura, inclusive ao nível político. A esquerda italiana
hipertrofia o político, a esquerda alemã o dissolve no econômico.
Esquerda Italiana?
Bilan é uma das melhores expressões da esquerda italiana 88. Mas
falar de “esquerda italiana” é uma simplificação. Equivale na maioria
dos comentaristas a uma deformação, idêntica à que na “esquerda
alemã” encobria realidades complexas, na época em que o termo
ainda designava um movimento social vivo e concepções tão diversas
como as de Gorter, Rühle, Pannekoek. A “esquerda italiana“ é com
freqüência subestimada, por trás da pessoa de Bordiga, na medida
em que é – sobretudo na França – conhecida através de seu
representante “oficial”, o Partido Comunista Internacional, que é antes
de tudo “bordiguista”: partido de Bordiga. Le
Reveil Communiste assinalava, em janeiro de 1929, que “os
bordiguistas entram em contradição com Bordiga...”.
Bordiga é só um aspecto, o mais rico e também o mais contraditório,
por vezes o mais equivocado, da esquerda italiana. Os dois
elementos mais profundos de Bordiga são: por um lado, o anti-
educacionismo e o materialismo, que percorrem toda a sua obra,
apesar de fortes tendências contrárias (culminando com a idealização
do partido); por outro lado, sua visão do comunismo exposta a partir
dos anos cinqüenta 89. O movimento revolucionário que renasce, há
alguns anos, se baseia no segundo aspecto de sua obra. Mas essa
´retomada´ teórica é também uma crítica dos erros de Bordiga que
passa pelo conhecimento de outras correntes da esquerda italiana.

O adjetivo ´italiana´ é empregado no sentido amplo: a emigração deu


à esquerda italiana um caráter belga e francês. Muito cedo, alguns
perceberam – de modo global, ainda que sumário – as insuficiências
da esquerda italiana, mesmo sem a criticar (por exemplo, Le Reveil
Communiste). Outros foram mais longe. Há um preâmbulo que
resume sua história (tal como ela mesma a vê), até 1930. Sua
evolução posterior é mais complexa 90, esperamos abordá-la numa
coletânea sobre a esquerda comunista. Em todo caso, a primeira
condição para compreender essa corrente é reconhecer sua
heterogeneidade. Assim como os conselhistas dos anos cinqüenta e
sessenta ignoravam e/ou escondiam seu passado e o movimento real,
do qual tinham uma imagem longínqüa e frequentemente difusa, os
atuais representantes oficiais da esquerda italiana, incapazes de
conhecer sua origem e sua realidade sectária, dissimulam mais ou
menos conscientemente seu passado, em particular a revista Bilan.
Uma das razões essenciais dessa atitude diz respeito à questão
espanhola. A análise da guerra de Espanha por Bilan questiona as
teses leninistas sobre o imperialismo e a questão nacional,
desenvolvidas por Bordiga.
QUESTÃO NACIONAL
Para Bordiga, a fase de constituição dos Estados nacionais estava
concluída, desde 1871, na Europa ocidental. Mas o nascimento de
estados nacionais em outras “áreas” seria progressista – ou seja,
favorável à luta do proletariado –, porque abalaria o imperialismo e
desenvolveria as forças produtivas, portanto, a luta de classes. Ora, a
propósito de Espanha,Bilan partia da noção de um período novo,
aberto em 1914-1918: a decadência do capitalismo. Não
desempenhando mais um papel progressista, o capitalismo tampouco
desenvolverá as forças produtivas sem provocar crises e guerras. A
formação de novos estados apenas fragmentaria o proletariado
mundial em blocos nacionais, atrelados à sua própria burguesia. O
número 7 de Bilan publica um texto de Bordiga sobre a questão
nacional e não ataca Lênin no estilo de Rosa Luxemburgo, mas
considera superada a tese leninista adotada pela Terceira
Internacional e mantém suas reservas, até mesmo diante de Marx.
Citemos, apenas, um extrato do Problème des Minorités Nationales,
publicado no número 14 (dezembro-janeiro de 1934): “O período de
desenvolvimento do capitalismo, no fim do século XIX, evidenciou a
impossibilidade de resolver os conflitos nacionais, e mais
particularmente o direito de autodeterminação dos povos, senão pela
revolução proletária ou pela guerra imperialista. Até a guerra de 1914,
assistimos (mesmo nos países coloniais) a uma expansão da luta de
classes entre exploradores e explorados, e o problema nacional
aparecia unicamente como arma da burguesia colonial para frear a
luta do proletariado dirigida contra ela, bem como para melhorar sua
situação particular frente ao capitalismo opressor.
No período imperialista (considerado segundo o desenvolvimento
mundial e englobando também os países atrasados que não podem
ser excluídos dessa época histórica), o dilema geral de todas as
situações é, como se sabe, guerra ou revolução proletária. Portanto,
não existe nenhum outro desdobramento para as situações históricas
que podem se apresentar: a acuidade atingida pela luta de classes,
por um lado, e o desenvolvimento das forças produtivas, por outro
lado, suprimem toda perspectiva de ‘solução intermediária’. O
problema nacional, posto nestas condições, limitado por esse período,
não pode mais utilizar argumentos que tiveram uma certa importância
em 1848.”
Bilan não faz qualquer diferença entre as áreas euro-norte-americana
e as outras, em particular aquelas que Bordiga denominava dos
‘povos não-brancos’ 91.

Um dos pontos salientados por Bilan é a integração necessária dos


movimentos nacionais na órbita dos grandes conflitos imperialistas
(Etiópia, China etc.). Bordiga retomará esse argumento. Pode-se,
dizia ele, apoiar os movimentos de libertação nacional, mesmo se eles
caem num campo ou noutro. Aliás, o derrotismo revolucionário de
1914 implicava um risco desse tipo: atuando pela derrota de seu país,
cada revolucionário reforça o Estado inimigo. Ora, o derrotismo
revolucionário é mais do que uma posição – obrigando também a
repensar o uso de tal palavra-de-ordem, em 1936, na Espanha (cf. o §
“A Liga dos Comunistas Internacionalistas”) 92. A esquerda de
Zimmerwald concebia o derrotismo revolucionário como um meio de
acelerar a transformação da guerra imperialista em guerra civil.
Efetivamente, o comando e as condições da guerra, em 1916-17,
exigiam uma retomada das lutas de classes. Para Lênin, se uma
minoria mesmo ínfima afirmasse essa posição, não seria ‘ por
princípio’ ou para ‘salvar a honra’, mas como tarefa e preparando o
futuro, a fim de que, na reemergência radical, essa atitude servisse
para clarificar e polarizar as posições. Isso não poderia ocorrer na
ausência de um movimento no resto do mundo, como na Etiópia de
1936 ou no Vietnam de 1975. O contexto internacional era diferente.
As metrópoles que fizeram a guerra de 1914-1918 dominavam o
mundo. No Vietnam, norte e sul não faziam ´sua´ guerra, mas a de
dois blocos imperialistas, ainda que a estrutura social interna do país
em questão servisse como detonador. O proletariado vietnamita era
muito frágil. Em 1914, o proletariado europeu havia sido derrotado
sem ser anulado. Os proletários etíopes de 1936 e vietnamitas de
1975 não lutavam somente contra a sua burguesia, mas contra o
capital mundial. A comparação com 1914 é impossível.

Bilan insiste longamente no papel contra-revolucionário dos conflitos


nacionais, onde o P.C. Internacionalista atual, mais ou menos
bordiguista, vê ´barris de pólvora´prontos para explodir sobre as
metrópoles imperialistas. Bilan publicou artigos econômicos tentando
intermediar as teorias de Lênin e as de Rosa Luxemburgo.
Aproximava-se, nessas questões, da posição da ‘esquerda alemã’
que, como Luxemburgo, via nos movimentos de autodeterminação
nacional obstáculos à luta do proletariado. Seria absurdo rotular de
‘esquerda alemã’ a atividade dessa corrente da esquerda italiana
naquela época, mas ela tentou ultrapassar os limites leninistas nos
quais o P.C. da Itália e mais tarde a ‘esquerda italiana’ se viram
encerrados. Reconhecendo as divergências com a esquerda alemã,
não a lançava no ‘pântano’ anarco-sindicalista e acolhia alguns de
seus textos, entre os quais o já citado resumo dos Princípios de
Base... e um sobre Gorter. É compreensível, pois, porque o atual P.C.
Internacionalista tenta minimizar Bilan como uma ‘pequena publicação
de emigrados italianos’ 93.

Acrescentemos, porém, que sua análise da guerra de Espanha


falsificava indiretamente as perspectivas do grupo que
publicava Bilan. Constatando que o capital utiliza as lutas operárias,
canalizando-as para os conflitos entre capitalistas, deduz que as
futuras guerras imperialistas surgirão, como a de Espanha, da
recuperação das ofensivas proletárias parciais, subestimando as
contradições propriamente econômicas que estão na origem dos
conflitos imperialistas. Esta tese, subjacente e às vezes exposta
em Bilan e Octobre, é desenvolvida a ponto de se tornar o essencial.
Depois de 1938, exagerando na sua interpretação da guerra de
Espanha, esse grupo (que desempenhava então um papel teórico e
organizador chave, no pequeno movimento da esquerda italiana)
concebeu uma teoria da ´economia de guerra´, segundo a qual as
rivalidades entre países capitalistas tendiam a ser reduzidas, e não
esperava uma guerra que não fosse de acontecimentos comparáveis
aos de Espanha. Como geralmente acontece, uma grande lucidez
frente às possibilidades de ação do capital conduz, se perdermos de
vista a totalidade, a esquecer ou negar certas contradições essenciais
(cf. REFORMA E REVOLUÇÃO).
Esta posição não facilitou aos seus protagonistas a preparação da
esquerda italiana para enfrentar o choque da guerra. Na qual, aliás,
tiveram e só poderiam ter um ínfimo papel de clarificação teórica,
quase que para uso interno.

REVOLUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL


Bilan tem razão quando insiste ser necessário para a revolução
destruir o aparelho de Estado burguês, e deduz que não há revolução
se o proletariado não age neste sentido. É verdade também que as
medidas de transformação econômico-sociais são inúteis sem a
destruição do Estado. Porém, essa corrente concebe a revolução de
modo político. Não consegue entendê-la como movimento social no
qual a destruição do Estado e a construção de uma nova estrutura de
decisão avançam juntamente com a comunização da vida econômica
e social 94. Concebe esses dois aspectos como momentos
sucessivos: sua interação lhe escapa. Ela inverte a posição
reformista, centrista ou anarquista, sem mudar de problemática.
Contra a tese que põe em destaque a socialização da economia, ela
privilegia a questão do poder: a revolução será política, antes; depois,
econômica.

A revolução comunista deve afirmar um poder capaz de se impor,


combater a burguesia e unificar o movimento revolucionário.
Portanto, não foi por ter feito uma guerra de front que o movimento
revolucionário espanhol sofreu uma derrota. Já estava derrotado
quando se deixou arrastar para a guerra de front que apressou sua
morte.
Mas o ´poder revolucionário´ seria uma forma vazia se não
transformasse, ao mesmo tempo, a natureza da sociedade. E não
poderia existir senão como instrumento dessa transformação. Se a
revolução deve ser inicialmente política e depois social, ela criará um
poder sem outra função que lutar contra a burguesia, função negativa
e somente repressiva. Uma revolução comunista (mundial), que se
estende por uma geração, durante esse tempo continuará pagando
salários e fabricando mercadorias?
Considerar a tomada do poder como pré-condição é fetichizar o poder
e esquecer que o Estado é também resultante da sociedade. É
teorizar, com a instauração de um sistema de organização e controle
pretensamente comunista, sua ´vontade´ de realizar o comunismo
quando for suficientemente forte. Ao contrário, se a revolução é,
simultaneamente, um processo econômico e político, como dizia o
K.A.P.D., a comunização das relações sociais de produção impede
qualquer grupo particular de se instituir como novo poder sobre a
sociedade. A manutenção, mesmo provisória, da economia mercantil
e capitalista, favoreceria o nascimento de uma camada de
especialistas do poder, utilizando a ideologiarevolucionária para se dar
legitimidade. Sua única razão de ser residiria em sua alegada fé
comunista. É próprio da política nada poder (nem querer) mudar na
natureza da sociedade; ela reúne o que está separado, sem ir além. O
poder está lá, ele administra, controla, garante, reprime, isso é
tudo 95.

A dominação política (na qual a ideologia anarquista de ontem e de


hoje vê o problema essencial) repousa sobre a incapacidade dos
proletários para organizar e gerir suas vidas e suas atividades. Ela se
apóia na despossessão radical que caracteriza o proletário. Quando
todos e cada um participarem na produção de suas existências, os
meios de repressão e opressão do Estado se tornarão inoperantes.
Porque o salário nos priva dos meios de viver, produzir, comunicar e
até de nossas emoções (mass-media etc.) é que o Estado é todo
poderoso. Conceber a destruição do Estado como uma luta contra a
polícia e as forças armadas é tomar a parte pelo todo.
O comunismo é antes de tudo uma atividade. Um sistema no qual os
homens produzem sua própria existência social anula todo poder
separado. Numa futura revolução comunista, a reação se agrupará
como de hábito em torno de palavras-de-ordem como ´organização´ e
´poder democrático´ para melhor paralisar o movimento. Os
revolucionários afirmarão a necessidade (entre outras) de medidas
comunistas concretas.
A comunização é necessária para o triunfo da revolução. O Estado
capitalista não pode ser destruído por uma ação exercida somente
contra as suas estruturas, esta ação tem tudo para fracassar.

O proletariado vencerá se assumir a função social contra o capital,


utilizando também a economia como arma, dissolvendo as relações
econômicas capitalistas, destruindo as bases sociais do inimigo. A
extensão geográfica do movimento será tanto um processo social,
quanto econômico e “militar”. Tarefas positivas e negativas se
condicionarão mutuamente.

“Não é verdade que o movimento social exclui o movimento político.


Nunca houve movimento político que não fosse, ao mesmo tempo,
social” 96.

A guerra de Espanha freou a clarificação no interior de grupos como a


União Comunista e a L.C.I. belga. Mas a fixação sobre a questão
política, acentuada pela guerra espanhola, bloqueou também o
desenvolvimento teórico da esquerda italiana, que permanecerá
essencialmente atrelada à concepção ´sucessiva´ da revolução
(política depois econômica).
Por essa razão, a compreensão da involução russa se torna difícil
para a esquerda italiana e os grupos que nela se baseiam,
como Internationalisme depois de 1945 (cf. «A Liga dos Comunistas
Internacionalistas»). Após outubro de 1917, a Rússia oferece um
ótimo exemplo da degeneração do poder na ausência de revolução
social. Não é possível, aqui, estudar porque a comunização da
Rússia era impossível. Em todo caso, o isolamento internacional e o
atraso econômico não explicam tudo – a menos que esqueçamos a
perspectiva traçada por Marx (e talvez aplicável depois de 1917,
noutro contexto) de renascimento, sob uma nova forma, das
estruturas agrárias comunitárias ainda não absorvidas pelo capital 97.
Seja como for, o poder bolchevique é a melhor ilustração do que
acontece com um poder que é apenas poder.
Com alguma boa-fé e muito logicamente, o Estado bolchevique
deveria se manter, a qualquer preço (na perspectiva da revolução
mundial, primeiro; por e para si mesmo, depois), e não havia outro
recurso senão a coerção. Bem entendido, os aspectos burgueses da
teoria e da prática bolcheviques tiveram seu papel, mas não foi
determinante, comparado à situação objetiva desse Estado ´obrigado
a permanecer´ sem mudar grande coisa nas condições de vida reais.
Rapidamente, o problema número 1 se tornou a necessidade de
continuar no poder, de preservar bem ou mal a unidade numa
sociedade que se fragmentava. Daí, por um lado, as concessões à
pequena propriedade camponesa (que afastavam ainda mais do
comunismo), seguidas de requisições forçadas. E, por outro lado, a
repressão anti-operária e anti-oposição política no partido e fora dele.

Hennaut apontou os limites da experiência russa. Bilan reinvindica


sem cessar o exemplo ´vitorioso´de outubro de 1917 (oposto ao
fracasso de julho de 1936). Ambos têm razão. Sob um ponto de vista
puramente negativo, Bilan vê corretamente o que não aconteceu na
Espanha. Sob um ponto de vista positivo, dos caracteres de uma
evolução comunista futura,Bilan, assim como Hennaud, se
engana. Bilan opõe o objetivo ao movimento. Eles não superam o
dilema leninismo-antileninismo. Isto conduz a que grupos
como Révolution Internationale saibam o que a revolução deve
destruir, mas não o que ela deve fazer para destruí-lo. A verdadeira
crítica é aquela que considera o movimento proletário em função do
comunismo, não mais concebido como ´programa´, mas como ruptura
e processo.
Nada é, pois, menos surpreendente do que os redatores
de Bilan passarem ao largo desse ponto central. Os movimentos
revolucionários posteriores a 1917 jamais alcançaram o estágio
prático que obrigasse os comunistas a integrar esse aspecto em sua
visão teórica. As discussões da época giravam, quase todas, em torno
de problemas de organização, subestimando o conteúdo comunista
da revolução. Quando a esquerda alemã examinava o comunismo,
era apenas para imaginar uma outra organização da produção.
A capacidade proletária de auto-organização e até mesmo de
mudança imediata é indispensável para a revolução. Marx escreveu, a
propósito da Espanha, que toda revolução supõe um certo grau de
´anarquia´(iniciativas em todos os domínios). Mas que ela fracassa
sem sua dimensão mediata (problema do poder).

FORÇA E FRAQUEZA DO COMUNISMO NA ESPANHA


Obcecada pela questão do Estado – que um artigo de Octobre encara
de modo muito diferente, sobretudo a propósito da Rússia e de
Kronstadt 98 –, a esquerda italiana não tenta explicar a amplitude das
´socializações´ industriais e agrícolas, onde Bilan tende a ver apenas
um esmagamento dos proletários (o que é verdadeiro), e não a
aparição de um movimento social que, noutras condições, poderia ter
um efeito revolucionário. É, pois, importante não só indicar as
condições (específicas a cada tipo de desenvolvimento capitalista)
das transformações sociais a fazer, mas rechaçar as falsas soluções.
Denunciar a contra-revolução sem anunciar as medidas positivas e
seu enraizamento em cada situação é agir de modo
puramente negativo. O partido (ou a ´fração´) não é um bisturi.
Marx assinalou a tradição espanhola de autonomia popular, e a
separação entre o povo e o Estado, que eclodiu durante a guerra
napoleônica e nas revoluções do século XIX. A monarquia absoluta
não misturou as camadas sociais para engendrar um Estado
moderno. Em contrapartida, há uma energia surgida das forças vivas
do país. Napoleão pôde ver "na Espanha, um corpo sem vida. Mas se
o Estado espanhol estava bem morto, a sociedade espanhola estava
cheia de vida" 99. A crise da sociedade espanhola, nos anos trinta –
forma explosiva da crise do capital num país economicamente frágil –
toma o aspecto de uma crise do Estado (o fascismo triunfou nos
países em que a estrutura nacional era fraca, a unificação recente e
as tendências separatistas muito fortes). Marx observa que, na
Espanha "o que chamamos de Estado no sentido moderno do termo
não se materializa verdadeiramente a não ser no exército, em
consequência da vida exclusivamente provinciana do povo" 100
No século XX, essa crise do Estado faria emergir um movimento
social à margem do poder político. Mas o Estado recuperava a
potencialidade comunista do movimento social, porque este o deixava
sobreviver. Os primeiros meses após julho de 1936 deram a
impressão de uma fragmentação da sociedade espanhola: cada
região, comuna, empresa, coletividade, municipalidade escapa ao
Estado sem o atacar e tenta viver de outro modo.
O anarquismo – e mesmo o P.O.U.M. regionalista – exprime no
movimento operário essa originalidade espanhola, que é ignorada
quando se vê apenas o ´atraso´ do desenvolvimento industrial. A
guerra de Espanha demonstra o vigor revolucionário dos laços e
formas comunitárias ainda livres do capital, e sua total incapacidade
para assegurar por si mesmos uma revolução. Na falta de uma
ofensiva contra o Estado e da instauração de relações diferentes no
conjunto da sociedade, estavam condenados a uma autogestão
parcelar mantendo o conteúdo e mesmo as formas do capitalismo
(divisão entre empresas, por exemplo). Medidas comunistas teriam
solapado as bases dos dois Estados (republicano e nacionalista),
começando pela solução da questão agrária: nos anos trinta, "mais da
metade da população estava ... cronicamente subnutrida" 101. Uma
força subversiva sacudiu e mobilizou as camadas mais oprimidas e
distantes da ´vida política´, mas não pôde ir radicalmente até o fim.

O movimento operário dos grandes países industriais correspondia,


então, às vastas zonas colonizadas pelo capital, que dominava
realmente a sociedade, onde o comunismo estava mais perto pelo
desenvolvimento econômico e mais longe pela dissolução de todas as
relações humanas em relações mercantis. As aspirações comunistas
que nele emergiram (Alemanha, 1918-1921), tentaram unificar as
´regiões industriais´ 102, ainda que estas não houvessem alcançado o
estágio em que o comunismo poderia ser assumido como uma tarefa
possível. O movimento operário de países como Espanha permanecia
tributário duma penetração mais quantitativa do que qualitativa do
capital na sociedade, e extraía sua força de sua fraqueza. O
autonomismo anarquista correspondia a uma situação de repressão e
de penúria material, os trabalhadores eram quase sempre muito
pobres para pagar as cotizações regulares. A C.N.T. jamais teve um
aparato como as outras centrais sindicais: em 1936, apenas um
secretário era remunerado 103, o que não impediu o burocratismo.
Mais radicalmente, o anarquismo espanhol renovava um ideal moral e
religioso (realizar o paraíso na terra), procurando ´recriar as antigas
condições agrárias´ 104.

"Nos últimos cem anos, não houve em Andaluzia uma só insurreição


que não levasse à fundação de comunas, à partilha de terras, à
abolição da moeda e a uma declaração de independência... o
anarquismo dos operários não é muito diferente. Estes querem, em
primeiro lugar, gerir diretamente sua comunidade industrial ou seu
sindicato; depois, a redução das horas de trabalho e uma diminuição
do esforço de cada um" 105.

O anarquismo é, por um lado, a expressão adulterada (porque teoriza


um aspecto, tomando-o pelo todo) de um movimento revolucionário
parcial; de outro, uma resposta ao desenvolvimento político
necessário do capital espanhol. Resposta impossível, porque a falta
de dinamismo faz do federalismo uma arma separatista para as
regiões periféricas mais modernas, e porque a combatividade
proletária exclui toda ´participação´ dos operários em sua exploração.
O Estado espanhol não conseguiu desenvolver a indústria, nem
extrair da agricultura os lucros necessários, nem derrotar os operários,
nem unir as regiões. O julgamento de Marx – segundo o qual um
governo ´despótico´ coexistiria com uma falta de unidade, acarretando
moedas e regimes fiscais diferentes (1854) 106 – permanecia válido
em parte, nos anos trinta.

Ora, antes de ser um instrumento do desenvolvimento das forças


produtivas capitalistas, o Estado é o garantidor da unidade social
capitalista, mesmo ao preço de uma relativa estagnação econômica.
Ele não é movido por uma fatalidade capitalista que o condene à
industrialização. O equilíbrio entre as classes domina sua ação. A
força da análise de Bilanconsiste, entre outras coisas, em dar
importância à relação real das classes e não ao princípio abstrato do
´desenvolvimento do capital´, concebido como uma necessidade
cega.
O movimento operário espanhol reformista (C.N.T. incluída) propunha
uma associação capital-trabalho, na linha dos movimentos anteriores.
Porém, mais próxima das realidades coletivas, a C.N.T. a concebia de
forma descentralizada. Um historiador preocupado com a solução da
crise do Estado espanhol interpreta julho de 1936 (do qual ignora a
potência revolucionária) como "um novo impulso renovador das
massas" 107. Uma modificação social (em particular, econômica)
decorrente da mudança política de 1931. Brenan, que privilegia o
enfoque do movimento social, considera: "Pode-se dizer que foi a fase
soviética (conselhista) da revolução espanhola. E, no entanto, penso
que seria errado avaliá-la como um fenômeno puramente
revolucionário, no sentido que se dá habitualmente ao termo.
Inúmeras vezes no curso de sua história, o povo espanhol derrubou
governos débeis e tímidos, tomando em suas mãos a direção do país.
Era, pois, natural ver renascerem as juntas de 1808, sob a forma de
comitês de trabalhadores, de julho a outubro de 1936" 108.

A potência das aspirações revolucionárias bloqueia o programa de


´renovação´ do capital. Mas sua confusão abre o caminho para o
´fascismo´, que opera uma ´renovação autoritária´, por cima, vertical.
Um dos sinais da fraqueza das socializações foi sua atitude diante da
moeda 109. O ´desaparecimento da moeda´ só tem sentido se é mais
do que a substituição de um instrumento ruim por outro melhor (por
exemplo, os bônus de trabalho). Segundo um projeto de operários e
engenheiros da C.N.T. do setor têxtil, em fins de 1936: "O sistema
monetário é um sistema de medida e de comparação do valor das
coisas, exatamente como o sistema métrico é um sistema de medida
e de comparação das coisas" 110. Socialisme ou Barbarie reduzirá,
assim, a relação mercantil a um instrumento de contabilidade e a
análise marxista do valor a um simples conceito operatório,
esquecendo que a moeda é uma abstração de uma relação real. Faz,
assim, do socialismo uma outra gestão 111. A revolução comunista
não fará desaparecer a moeda senão abolindo a troca como relação
social.

O fracasso das tentativas antimercantis não se deveu ao domínio da


U.G.T. (hostil ás coletivizações) sobre os bancos: como se a abolição
do dinheiro fosse apenas uma medida do poder central! O fechamento
dos bancos privados e do Banco Central só é revolucionário num
movimento de conjunto onde se organizem a produção e a vida não-
mercantis que rapidamente impregnarão todas as relações sociais. De
fato, apenas as coletividades agrícolas abandonaram o dinheiro, mas
frequentemente recorrendo às moedas locais 112. Mesmo os bônus
serviam de ´moeda interna´ 113. O comunismo é o fim de toda
remuneração 114, o que não significa o fim de todo cálculo 115.

As proposições comunistas surgem como o reequilíbrio cidade-


campo: "reduzir a Barcelona infecta e outras grandes cidades às
proporções mais acessíveis, sem congestão nem pletora" 116. Mas o
capital também pode tomar tais medidas, como no Camboja, em
1975. Num plano geral, a experiência espanhola faz parte de um
conjunto em que a atividade autônoma dos trabalhadores é
recuperada pelo capital a partir do momento em que ela não
consegue ir além do capital.

REFORMA E REVOLUÇÃO
Outro estigma do período após 1917, em Bilan: a esquerda italiana
atribui uma grande importância ao sindicato como lugar de luta e de
reagrupamento dos operários. Ora, trata-se menos dos sindicatos eles
mesmos do que da natureza das lutas conduzidas pelos operários.
Segundo a esquerda italiana, posto que as reinvidicações, ainda que
elementares, implicam uma oposição entre burguesia e proletariado, é
apenas sobre esse terreno que a luta de classes poderá renascer e
desenvolver, com a ajuda das minorias comunistas, os órgãos de luta
do proletariado enquanto tal. A posição de Bilan e de Octobre enfatiza
as lutas imediatas a fim de que a oposição proletariado-burguesia seja
tão acentuada quanto possível, uma vez que toda ação propriamente
política de envergadura está excluída. As ações de massa são
inevitavelmente canalizadas pela Frente Popular. Ao contrário, "as
batalhas reivindicativas" fazem surgir um "contraste orgânico, porque
então se torna impossível suprimir o antagonismo entre o agente do
inimigo e as reivindicações de classe dos operários, implantadas no
antagonismo superior que opõe, no terreno econômico, proletariado e
burguesia" 117.

Mas essa concepção encontra objeções. A primeira é a mais simples,


porque concerne ao sindicato. A esquerda italiana, por não ter sido
capaz de efetuar a crítica teórica e prática feita pela esquerda alemã,
ignora a natureza contra-revolucionária do sindicato. Mas esta
questão introduz outra, mais profunda. O argumento que justifica o
caráter ´operário´ (e potencialmente revolucionário) do sindicato parte
da idéia de que a organização sindical, qualquer que seja sua
integração ao capital e ao Estado, estaria implantada nos movimentos
elementares dos proletários. O que não se aplicaria aos partidos
políticos (socialistas, stalinistas etc.) Assim, o terreno econômico
permaneceria aquele em que o compromisso capital-operários será
sempre precário e até mesmo questionado, porque nele se trata dos
interesses vitais dos trabalhadores. Há, na esquerda italiana e em
Bordiga, um formalismo operário e mesmo um economicismo, aos
quais se superpõe uma idealização do partido. É próprio dessa visão
– herdada da segunda internacional e retomada pela terceira – não
superar a antinomia econômico/político.

A um a priori econômico das lutas reivindicativas, que não poderiam


senão impulsionar os proletários a atacar firmemente a sociedade
capitalista, junta-se um partido formado graças à manutenção dos
´princípios´ que permitiria ao movimento operário elementar passar a
um nível superior (político) tomando a direção de seus órgãos
econômicos e orientando-os no sentido revolucionário.Teorizada ao
extremo em certos textos de Bordiga e do P.C.I. atual, esta posição
está mais ou menos presente em Bilan. A esquerda italiana da época
entrevia os limites das lutas econômicas: "Uma coisa importante!
Vossas lutas reivindicativas podem ser extraídas do clima social que
as envolve. Ou seja, para adquirir uma função de classe, elas devem
se conectar à luta contra a guerra… e também contra os mecanismos
de guerra que o capitalismo hoje vos convoca a apoiar para melhor
vos esmagar, amanhã. Se não agirdes como classe, a `Nação
unificada´ vos arrastará para a guerra e cessareis de ser a classe
proletária" 118.

Não basta provar que, na fase de dominação total do capital, toda


organização permanente de defesa do salário está condenada a se
tornar um instrumento de defesa do regime salarial. O problema não
está tanto ao nível das organizações reformistas: é a atividade
reformista dos próprios assalariados que os submete ao capital.

Portanto, a experiência imediata é sempre a condição necessária,


mas não suficiente, da ruptura e da luta contra o capital, e não
somente contra os seus efeitos. As organizações políticas que
teorizam as reações imediatas, vendo nelas o objetivo ou o conteúdo
do movimento comunista, antes contribuem para fixar os proletários
nesse nível. O que não impede que a experiência proletária se
enraíze sempre nos conflitos imediatos. O primeiro ato com
potencialidade revolucionária (isto é, que prepara a revolução)
consiste em atacar o que se tem pela frente. O que é determinante
para uma revolução comunista futura (hoje, como nos anos trinta) é a
capacidade dos proletários de lutar contra suas condições de vida e
trabalho, mas não se fixar nesse estágio. A dificuldade de tal processo
é evidente, mas trata-se de uma contradição real, histórica, imposta
pelas situações respectivas do capital e do proletariado, desde 1914.
Essa contradição engendra uma verdadeira crise do proletariado,
refletida entre outras pela crise de alguns agrupamentos
revolucionários. Só uma revolução comunista poderá superar
praticamente essa contradição. Ou, continuando nela aprisionada,
fracassará.
A esquerda alemã, em particular Gorter desde 1923 119, tinha visto
que o movimento comunista havia sido derrotado pela ação dos
operários reformistas. Nisso, a esquerda alemã era paradoxalmente
menos ´obreirista´ do que a esquerda italiana. A maior parte dos
grupos revolucionários dissimula hoje essa realidade, explicando-a
pelo ´enquadramento´ e a ´mistificação´ dos operários nos sindicatos
e partidos. Mas de onde os partidos e sindicatos tiram sua força e sua
solidez? Em sentido contrário, alguns elementos saídos da esquerda
italiana nos últimos anos foram tão seduzidos por essa realidade que
se esqueceram do resto. Uns renunciaram aos conceitos marxistas,
por esperarem da revolução um surgimento da vida, além de toda
coerência e todo quadro 120. Outros conservam as noções essenciais
de Marx, mas consideram que os operários enquanto operários se
comportam como capital variável e, assim, como parte integrante do
capital. A luta de classes seria, então, o motor do capital, e a classe
operária a mais capitalista de todas: os operários constituiriam o corpo
do capital. Talvez uma grande crise lhe permitisse sair do
impasse 121. Essas análises, sobrecarregadas pelo peso das noções
herdadas da esquerda comunista, traduzem em jargão marxista o que
foi dito há muito tempo em termos mais simples: os operários estão
integrados ao capitalismo.

No entanto, o problema existe. E não se pode negar, com a ajuda de


generalidades sobre a imbricação necessária da luta reivindicativa
com a luta revolucionária, a primeira sendo o meio de passagem para
a segunda. Que diríamos de um revolucionário que, em 1914-1918,
não se pronunciou sobre a função dos sindicatos, pretextando que o
problema não tinha nada de novo e que a realidade é mais complexa
do que todos os esquemas e que os sindicatos evoluem (argumentos
do gênero dos de Lênin e da terceira internacional contra a esquerda
alemã)? Diríamos que tais afirmações escamoteiam a questão.

Num período em que não se pode mais tudo explicar pelo ´peso da
contra-revolução´ (antiga ou moderna), não cabe questionar a
inexistência ou o desaparecimento de todo órgão operário radical de
base depois da luta, assim como a incapacidade dos revolucionários
para superar o estágio dos grupelhos que se reúnem mais nas
editoras e jornais do que num órgão, mesmo modesto, de lutas
efetivas num meio social qualquer. Não se pode ver o sinal de
existência de um movimento comunista ainda subterrâneo, mas
pronto para emergir com toda sua força; nem conclamar os operários
a ´desenvolver as lutas´ sem pôr a questão do terreno sobre o qual
podem se reagrupar e agir num sentido revolucionário; nem
estabelecer entre ´reivindicação´ e ´revolução´ uma barreira que
recolocará a necessidade de um salto, de uma passagem que não se
sabe se é possível. A dificuldade – não resolvida – do movimento
revolucionário desde 1914 era abandonar o quadro das organizações
existentes (sindicatos e partidos) para agir com mais amplitude e
coerência. Hoje, a dificuldade consiste em destruir uma não-
organização (em grande parte, mas não totalmente inevitável) e agir,
quando chegar o momento. Como em (e desde) 1914, não temos
receita milagrosa nem garantia de sucesso. A única linha diretriz
reside, como então, na enunciação a mais clara possível do conteúdo
comunista e das tarefas (positivas e negativas) da revolução.

Esta situação não depende dos ´revolucionários´, mas das condições


gerais em que se encontra o proletariado, depois das derrotas
posteriores à primeira guerra mundial. E dela decorre esta imensa
dificuldade dos proletários para se organizar, sem entrar num quadro
(formal ou não) de defesa dos assalariados enquanto assalariados; e
dos revolucionários para se organizar, numa atividade coletiva que vá
além de sua rotina habitual. A teoria tende a ser nada mais do que a
teoria de qualquer coisa, dum movimento social do qual ela faz parte
no sentido de que atua nele. Sua linguagem tende a se autonomizar.
Ela se limita a se reenviar ao movimento que diz expressar, mas com
o qual mantém pouca ligação, assim como o movimento mantém
pouca ligação com seus diferentes componentes (e estes entre si). Na
falta de uma atividade proletária efetiva, na qual as minorias
revolucionárias teriam seu espaço, uns se contentam com
´representar´ a classe e exortá-la – inutilmente, aliás – para a luta.
Outros se recusam a desempenhar este papel, mas negam a si
mesmos como produto e elemento do proletariado, e se contentam
com declamar sua teoria, reinterpretando tudo sobre a base
de seu problema. Ou seja, fixados num ponto de vista particular, são
incapazes de o compreender como parte e efeito da totalidade 122. A
atomização dos proletários avança juntamente com a fragmentação
da teoria do proletariado.

A guerra de Espanha (como, na mesma época e num contexto


diferente, as duríssimas greves nos E.U.A.) marca o fim de uma
época. Os acontecimentos de 1917-1921 foram o auge de uma longa
série de lutas operárias radicais, começadas antes de 1914 e que se
prolongam, com os movimentos na Inglaterra (1925), na China (1926-
1927), na França, na Espanha, nos E.U.A. e em muitos outros países,
inclusive os ´subdesenvolvidos´. Seria absurdo afirmar que a guerra
de Espanha foi a última chama duma classe operária ainda radical,
mas destinada a se comportar, no futuro, como fração do capital.
Contudo, ela fecha a época das grandes lutas, quando existem ainda
organizações operárias não totalmente integradas pelo capital (C.N.T.,
P.O.U.M.). Todo esforço visando a ´dar uma organização´ à classe (ou
a que ela se auto-organize) caducou. Não se pode mais limitar-se a
defender suas ´fronteiras de classe´, como Bilan, tomando a noção de
classe num sentido ainda sociológico. Se os operários (ao menos uma
parte) jogam um papel chave na revolução, não é isso que a
caracteriza: a revolução comunista não é a hegemonia operária sobre
a sociedade, mas a reapropriação das condições da vida e a
produção de novas relações sociais.
"Podemos afirmar que herdamos somente das batalhas
revolucionárias dos operários, e que aquilo que eles [sindicatos e
partidos] constroem sobre o que delas resulta não nos interessa? ...
Um método semelhante seria empirismo... Temos ainda, como
prioridade, a tarefa de submeter a uma análise séria meio século de
luta de classes e isso não se pode fazer dizendo: ´aceitamos isto e
rejeitamos aquilo´... Se, portanto, antes de tudo, trata-se de
compreender os acontecimentos passados e não aceitar no todo ou
em parte a fase superada da luta operária, não podemos herdar
senão de experiências, ensinamentos que adquirem todo seu valor
somente na medida em que somos capazes de traduzi-los na
linguagem de nosso tempo..." 123.

Os berros de Hitler e o choramingar de Blum pertencem ao passado.


Ditadura e antifascismo não só revestiram formas ultrapassadas do
período entre duas guerras, mas continuarão a prosperar como
irmãos inimigos no seio do capital. As lutas sociais agudas, mas que
não irão até o assalto final contra o capital, verão sem dúvida um
alinhamento das forças entre os dois campos igualmente capitalistas:
um, reagrupando a burguesia tradicional; outro, respaldado pela
esquerda institucional, unindo os ´setores democráticos´ do capital.
Numa situação tensa, o conflito poderá até levá-los à violência aberta,
sem no entanto mudar sua natureza capitalista.

O antifascismo espanhol anseia reeditar, hoje, a Frente Popular de


1936. O P.C.E. dá o tom: liberdade política para os partidos da
democracia burguesa, repressão contra os proletários radicais. E
reivindica "o direito para todos os partidos, de esquerda e de direita,
de poder se exprimir normalmente". Mas "se houver grupos
proclamando sua vontade de destruir a democracia, caberá à justiça
pô-los fora-da-lei".

Realista, o P.C.E. previa, assim, dar ao exército "uma técnica e os


meios que lhe permitam desempenhar o papel que a nação deve lhe
atribuir nos seu próprio interesse" 124.

A posição revolucionária contra essas forças políticas não pode


consistir numa repetição melhorada das análises da esquerda
comunista de antes da guerra. Sua insuficiência não decorre de que a
situação mudou de natureza, mas de que essa esquerda
era já incapaz de apreender o conjunto do problema, de recompor a
perspectiva comunista, em toda sua amplitude. E porque sua resposta
foi, antes de tudo, negativa. Ela designa os inimigos da revolução. O
texto de Gorter, em 1923 (cf. nota 2 bis) era já construído sobre esse
plano, enumerando os adversários do comunismo. Uma simples
denúncia (acompanhada pela exaltação das ´lutas operárias´) é hoje
anacrônica. Ela não concerne, finalmente, senão ao que denuncia e a
quem ela se dirige (a esquerda e o esquerdismo, que é o ´centrismo´
atual). O comunismo teórico não pode mais existir a não ser como
afirmação positiva da revolução 125.

SIGLAS USADAS NO TEXTO:

Alemanha:
S.P.D. - Partido Social-Democrata da Alemanha
K.P.D. - Partido Comunista da Alemanha

Itália:
P.C.I. - Partido Comunista Italiano
P.S.I. - Partido Socialista Italiano
P.N.F. - Partido Nacional Fascista
C.G.L. - Confederação Geral do Trabalho

França:
P.C.F. - Partido Comunista Francês
S.F.I.O.- Seção Francesa da Internacional Operária

Chile:
U.P. - Unidade Popular (coligação eleitoral dos partidos socialista,
comunista e Radical, com alguns pequenos grupos)
C.G.T. - Confederação Geral dos Trabalhadores de Trabalhadores

Portugal:
P.C.P. - Partido Comunista Português
P.S.P. - Partido Socialista Português

Espanha:
C.N.T. - Confederação Nacional do Trabalho
P.S.O.E.- Partido Socialista Operário Espanhol
P.O.U.M.- Partido Operário de Unificação Marxista
P.C.E. - Partido Comunista da Espanha
U.G.T. - União Geral dos Trabalhadores

•1.[1] Ver Auschwitz: o Grande Álibi [Auschwitz ou le grand alibi],


publicado em Programme Communiste, nº 11, abril-junho de 1960.
Se a opinião pública condena o nazismo não é tanto pelos horrores
que cometeu. Desde então, outros Estados – mais ou menos
subordinados à organização capitalista da economia mundial –
provaram ser tão destruidores da vida humana, através de guerras
e epidemias de fome artificialmente provocadas, quanto o fascismo
alemão. Sobretudo, o nazismo é condenado porque atuou
deliberada e conscientemente quando decidiu exterminar os
judeus. Ninguém é responsabilizado pelas fomes que dizimaram
povos inteiros, mas os nazis – eles quiseram exterminar. Para
erradicar esse absurdo moralista, faz-se necessária uma
compreensão materialista dos campos de concentração. Os
campos de concentração não foram o resultado de um mundo que
havia enlouquecido. Ao contrário, eles obedeciam à lógica
normalmente aplicada pelo capitalismo em tais circunstâncias. Em
sua origem e em sua operação, os campos pertencem ao mundo
capitalista.
•2.[2] Daniel Guérin - Fascism and Big Business, New York (1973).

•3.[3] Bulletin Communiste, Nov. 27, 1925. Boris Souvarine nasceu


em Kiev, no ano de 1895, e emigrou muito jovem para a França.
Operário autodidata, foi um dos fundadores da III Internacional
(Cominter) e do PCF, organizações das quais seria expulso, em
1924, por desvios de esquerda.

•4.[1] Na França, por exemplo, o RPF (Reagrupamento do Povo


Francês), o partido do general De Gaulle, de 1947 a 1952.; o
poujadismo, movimento pequeno-burguês de direita, na quarta
república; e, finalmente, o RPR (Reagrupamento pela República),
partido gaullista na época em que foi redigido este texto.

•5.[2] Nos EUA, cerca de 100.000 (cem mil) japoneses foram


internados em campos de concentração, durante a segunda guerra
mundial. O Estado ianque não considerou necessário exterminá-
los.

•6.[3] Humanité, 6 de março de 1972.

•7.[4] O golpe de Kapp, em 1920, foi derrotado por uma greve


geral. Mas a insurreição proletária nas minas do Ruhr, que eclodiu
imediatamente após e pretendia ir além do apoio à democracia, foi
imediatamente reprimida pelo Estado, que utilizou as mesmas
tropas que haviam sustentado o golpe de Kapp...

•8.[1] Simon Leys – The Chairman´s New Clothes: Mao and the
Cultural Revolution, London (1977).

•9.[1] Esse apoio quase unânime, da extrema-direita à esquerda,


não é surpreendente. De fato, é muito comum os partidos
stalinistas latino-americanos darem sustentação política às
ditaduras militares em seus respectivos países – assim como
apoiaram a democracia contra o fascismo, durante a segunda
guerra mundial - alegando que são progressistas, desenvolvem o
capitalismo nacional ou fazem concessões aos trabalhadores. Cf.
Victor Alba – Politics & the Labor Movement in Latin America,
Stanford (1968). Maoístas e trotskistas costumam fazer o mesmo,
com freqüência, na Bolívia, por exemplo.

•10.[2] Le Monde, fevereiro 7-8 (1976).

•11.[3] Marx, Karl – The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte,


International, New York (1972), p. 54.
•12.[1] Marx K. & Engels F. – Collected Works 13, Lawrence &
Wishart, London (1980), p. 340.

•13.[2] George Orwell – Hommage to Catalonia, London (1938).

•14.[3] Abel Paz – Durruti: The People Armed, Black Rose Books,
Montreal (1976).

•15.[4] Marx, K. & Engels, F. – Collectec Works 13, London (1980),


p. 422.

•16.[1] Oskar Anweiler – The Soviets, The Russian Workers,


Peasants and Soldiers Councils 1905-1921, N.Y. (1974).

•17.[2] Marx & Engels – Écrits Militaires, L´Herne (1970), p. 143.

•18.[3] Lênin, V. I. – Collected Works 24, Moscow (1964), p. 236.

•19.[4] Carlos Semprun-Maura – Revolution et Contre-Revolution


en Catalogne (1974), pp. 53-60.

•20.[1] Marx & Engels – Writings on the Paris Commune, Monthly


Review, New York (1971).

•21.[2] Ibidem – pp. 75-76.

•22.[3] Ibidem – p. 80.

•23.[4] Saul K. Padover, ed. – The Letters of Karl Marx, Prentice


Hall (1979), pp. 333-335.

•24.[1] A. Nunes – Les Revolutions du Mexique, Flammarion


(1975), pp. 101-102.
•25.[1] Cfr. sua carta a Korsch, de 28 outubro de 1926,
in Invariance, 1a série, no. 10, pp. 67-70.
•26.[1] Segundo A. Leonetti, velho troskista retornado ao P.C., o
jornal do P.C.I. teria dito em 1931 que o advento da Republica
espanhola não mudara grande coisa: vestígio de esquerda ou
influencia do «terceiro período» sectário da I.C.? Bordiga teria
comentado essa posição, dizendo: «O partido volta para
mim.» Cf. Notes sur Gramsci, E.D.I. 1974. pp. 199 sq.
•27.[2] No. 11. 25 novembro 1933.

•28.[3] Alba. Histoire du P.O.U.M. Champ Libre, 1975, pp. 40 et 69-


70
•29.[4] C. Rama, La crise espagnole au XXe siècle, Fischbacher,
1962, p. 219.
•30.[5] Alba, op. cit., p. 206.
•31.[6] Alba, op. cit., pp. 272, 276, 284-5.
•32.[7] Alba, op. cit., P. 279.
•33.[8] In L'Internationale, no. 30, 10 agosto de 1937.
•34.[1] Sobre o anarquismo antes de 1914, cf. J.-Y. Bériou. Prefácio
a D. Nieuwenhuis, Le socialisme en danger, Payot, 1974.
•35.[2] Cf. La gauche allemande. Textes, suplemento ao no. 2
d’Invariance, 2e série, em particular a intervenção de Bergmann ao
IIIo congresso da I.C.
•36.[3] Alba, Histoire du P.O.U.M., p. 61.
•37.[4] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-
1969, Seuil, 1969. p. 124. Cf. também pp. 102 sq.
•38.[5] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-
1969, Seuil, 1969., p. 126.
•39.[6] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-
1969, Seuil, 1969., p. 303.
•40.[7] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-
1969, Seuil, 1969., p. 316.
•41.[8] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-
1969, Seuil, 1969., pp. 355, 386.
•42.[9] J. de Boe, La révolution en Espagne, Bruxelles, s. d., pp. 10,
19.
•43.[10] A. e D. Prudhommeaux, La Catalogne libre (1936-1937).
Ed. Le Combat Syndicaliste, 1970 (reprodução de uma brochura
publicada na época por Spartacus), p. 5. Depois de 1945, esses
dois autores publicaram um bom estudo histórico sobre as origens
do P.C. alemão e a insurreição de janeiro de 1919: Spartacus et la
Commune de Berlin, Spartacus, 1949.
•44.[11] La Catalogne libre, pp. 7, 59.

•45.[1] No. 206, 10 setembro 1935. Os mesmos que, em seguida,


deploram a manipulação «comunista» (= do P.C.F.) da C.G.T.
reunificada em 1936. cf. por exemplo o no. 263, 25 janeiro 1938.

•46.[2] No. de 10 agosto 1936, citado por Alba, op. cit., p. 113.
•47.[3] La Révolution Prolétarienne, no. 235, 25 novembro 1936.
Os artigos de Nicolas foram reproduzidos em Les révolutions en
Espagne, Belfond.
•48.[4] No. 243, 25 março 1937.

•49.[5] No. 288, 10 fevereiro 1939.

•50.[6] No. 287 et 288.

•51.[7] Le Drapeau Rouge, 25 dezembro 1936.


•52.[8] Le Libertaire, in L’Internationale, no. 36, 20 abril 1938.
•53.[1] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La
Vieille Taupe, 1972, p. 17.

•54.[2] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La


Vieille Taupe, 1972, pp. 35-42.

•55.[3] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La


Vieille Taupe, 1972, pp. 42-5.
•56.[4] « Une théorie révolutionnaire! », L’Ami du Peuple, no. 5,
in L’Internationale, no. 33, 18 dezembro 1937.

•57.[5] « Nécessité d’une junte révolutionnaire », L’Internationale,


no. 6, id.

•58.[6] Lorenzo, op. cit., p. 270.

•59.[1] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de


Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 2-3.

•60.[2] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de


Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 28-9.

•61.[3] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de


Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 30-1.

•62.[4] Brochure de Katia Landau, esposa de Kurt Landau, «ex-


secretário da Oposição de esquerda internacional [trotskista], que
se solidarizou com o P.O.U.M. contra Trotsky » (Broué, Témime
- La révolution et la guerre d’Espagne, Ed. de Minuit, 1961, p. 278),
e foi assassinado pelos stalinistas. A reimpressão da edição
original (Spartacus), em 1971, inclui uma “crítica de ultra-esquerda”
que faz da revolução um problema de forma, de organização
democrática: os grupos revolucionários devem ser “autônomos” e
“se basear na auto-organização espontânea do proletariado” (p.
49).

•63.[5] Alba, op. cit., p. 340.

•64.[6] Por exemplo, depois de 1945: Masses, les Cahiers


Spartacus, La Révolution Prolétarienne; Monatte, em Trois
scissions syndicales; V. Serge, em Le nouvel impérialisme
russe etc. No pós-guerra, o P.O.U.M. no exílio proporá a mais
ampla aliança contra o fascismo, monarquistas inclusive, mas sem
o P.C., por seu totalitarismo. Cf. Internationalisme, no. 35, junho de
1948, reproduzido no Bulletin d’Etude et de Discussion de
Révolution Internationale, no. 6.

•65.[1] L’internationale. no. 3, 13 fevereiro de 1934. Um de seus


militantes, H. Chazé (= Davoust) resume a história desse grupo
numa carta de 5 de maio de 1975, para La Jeune Taupe, no. 6,
julho de 1975. Ele afirma que a U.C. era «claramente contra o
frentismo», e que suas posições sobre Espanha foram deturpadas
na coletânea La légende de la gauche au pouvoir. Comparem-se
essas duas afirmações com o texto da U.C. publicado na presente
obra.

•66.[2] No. 10, 12 de dezembro de 1934.

•67.[3] No. 10, 12 dezembro de 1934.

•68.[4] No. 21, 23 de maio de 1936.

•69.[5] No. 26, 12 de fevereiro de 1937.

•70.[6] No. 27, 10 de abril de 1937.

•71.[7] Cf. D. Guérin, Front Populaire, révolution manquée


– Maspero; e J. Rabaut, Tout est possible! - Denoël, 1974. Como
R. Lefeuvre, animador das Ed. Spartacus e de Masses, esses dois
autores militaram no Partido Socialista Operário e Camponês,
fundado em 1938, depois da exclusão da Esquerda Revolucionária
da S.F.I.O. Pivert retornará à S.F.I.O. depois de 1945. Sobre a
esquerda da Frente Popular, cf. a coletânea de
Rioux, Révolutionnaires du Front Populaire - U.G.E., 10/18. Sobre
os revolucionários em oposição à Frente Popular, cf.La légende de
la gauche...
•72.[8] L’internationale, no. 29, 10 de julho de 1937.

•73.[1] Qüinquagésimo ano, no. 3, março 1936.

•74.[2] Cf. os nos. de abril e maio de 1936. O no. de junho relata a


conferência. Três pontos sublinham as divergências: a natureza
dos movimentos de massa no período, as correntes de esquerda
saídas da social-democracia e a formação do partido. A tendência
próxima de Bilan defende genericamente as posições radicais
contra a tentação centrista, mas se ilude sobre a experiência da
I.C. Não se pode examinar a formação do partido nem pelas
contribuições variadas e confusas, nem a partir do núcleo saído da
I.C.

Na questão eleitoral, Hennaut propunha votar por uma das três


listas “operárias” (socialista, socialista dissidente ou PC). A
conferência se pronunciou favorável (15 votos contra 9, dos que
defendiam a abstenção). A nova direção inclui 4 representantes da
maioria e 1 da minoria.

Para compreender a perplexidade dos revolucionários diante das


eleições é necessário lembrar que mesmo a esquerda alemã não
tinha, em 1920, uma posição clara. A maioria considerava que as
eleições desviavam os proletários da revolução em período de
aguçamento da luta de classes. Somente Rühle compreendeu que
a época em que os revolucionários participavam da vida eleitoral
estava irremediavelmente terminada, porque tudo que a cercava
havia desaparecido: grandes partidos socialistas com minoria
radical, papel relativamente progressista da democracia em certos
casos, etc. A questão abstencionista não se põe porque o velho
movimento operário não existe mais. Bordiga sempre a considerou
um pontotático: o PC fundado pela esquerda depôs de 1943-1945
(cf. nota 3 do capítulo Esquerda Italiana?) participará depois de
1945 das eleições. Hoje ainda, o PC Internacional recorre ao voto
em determinadas situações (por exemplo, referendum sobre o
divórcio, na Itália).

•75.[3] No. 11, novembro-dezembro de 1952.

•76.[4] Carta de Chazé à La Jeune Taupe, op. cit.

•77.[5] Cf. Renversement de la praxis, in Programme Communiste.


no. 56, pp. 55-62.

•78.[6] Invariance, 1a série, no. 9, p. 71.

•79.[6 bis] Cf. Pannekoek, Lénine Philosophe, Spartacus, 1970;


Barrot, Guillaume, postfácios a Kautsky, Les trois sources du
marxisme, Spartacus, 1969; e Authier, préfacio a Trotsky,Rapport
de la délégation sibérienne, Spartacus, 1970.

•80.[7] Boletim da L.C.I. novembro de 1936.

•81.[1] Cf. Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne,


anexos I e II, sobre a esquerda alemã e holandesa nos anos trinta.
•82.[2] « Portrait de la contre-révolution ». Composto de três
revistas – International Council Correspondence, Living
Marxism et New Essays (1934-1943) –, reimpresso por Greenwood
Corp., Westport, Conn., U.S.A., 1970. Uma seleção (muito
orientada para o aspecto anti-burocrático e anti-leninista) foi feita
em La contre-révolution bureaucratique, U.G.E., 10/18, que cita em
anexo os títulos dos principais artigos. Cf. também o texto de
Mattick «De Marx à Hitler» (sobre Kautsky ), in Intégration
capitaliste et rupture ouvrière, E. D. I., 1972.
•83.[3] «La défaite en France».

•84.[4] «La guerre civile en Espagne!»


•85.[5] «L’anarchisme et la révolution espagnole», no. de junho de
1937, in La contre révolution bureaucratique, op. cit., pp. 209-38.
•86.[6] Barrot, Contribution à la critique de l’idéologie ultra-gauche,
in Communisme et « question russe », La Tète de Feuilles, S.E.F.,
1972.

•87.[7] No de maio de 1938 e abril de 1939, reproduzido in


Korsch, Marxisme et contre révolution, Seuil, 1974, pp. 242-51.
Segundo o apresentador, S. Bricianer, Korsch recusou-se «as
comodidades do fatalismo histórico e da negação sectária» ( p. 242
). A leitura de Bilan permitirá julgar a exatidão dessa alusão à
esquerda italiana.
•88.[1] Bilan era, inicialmente, o órgão da Fração de esquerda no
P.C. d’l. (fundada em1927, em Pantin). Depois, da Fração Italiana
da Esquerda Comunista, a partir de 1935. Cf. nota 2 do capítulo 2
(O Antifascismo é o pior Produto do Fascismo) sobre os textos.
•89.[2] Cf. seus textos sobre a questão agrária, publicados no Le
Fil du Temps, e Bordiga et la passion du communisme, Spartacus,
1974.
•90.[3] Nós a resumimos aqui, esquematicamente. O grupo que
publicava Bilan, animado por O. Perrone (pseudônimo Vercesi) só
queria, depois de 1943, atuar teoricamente e criticava o ativismo
do P.C. Internacionalista de Itália, fundado em 1943-1945 (cf.
abaixo). Ele romperá mais tarde com o P.C.Internacionalista, em
particular, sobre a questão colonial e nacional, negando o caráter
“revolucionário” dos movimentos nacionais, o que está na ortodoxia
de Bilan. Perrone morreu em 1957: cf. sua biografia
em Programme Communiste, no 1 outubro-dezembro de 1957
(multicopiado).
O P.C. Internacionalista da Itália (que se tornou, logo após, P.C.
Internacional) tinha milhares de militantes até 1945, mas reunia
tendências diversas. Logo que o P.C.I. oficial se tornou
oposicionista, depois de 1947, o P.C. Internacionalista da Itália
rapidamente se esvaziou. A heterogeneidade irrompeu no
congresso de Florença, em 1948. Damen e outros fundadores do
partido defendiam a intervenção mais ampla possível (inclusive,
eleitoral). No início dos anos cinqüenta, Damen rompeu com o
P.C. Internacional – o motivo era a questão nacional, pondo em
causa a análise leninista – sobretudo, porque ele não aceitava
concentrar-se na elaboração teórica. Sua posição sobre a Rússia,
insistindo no capitalismo de Estado e burocrático, aproxima-o
durante algum tempo de Socialisme ou Barbarie (cf. nota 3 do
capítulo 18, A Liga dos Comunistas Internacionalistas), cujo no. 12
publica um texto resumindo-lhe as opiniões. Damen funda um
outro P.C.Internacionalista, que ainda existe e cujo órgão
é Battaglia Comunista.
A atitude de Bordiga é ambígua. Nos anos trinta, afastou-se da
militância: preso, depois libertado e vigiado, provavelmente afetado
pela ruptura com a I.C. e o P.C.I. oficial (que o expulsou como
“trotskista”), ele vive na Itália e prepara sua atividade teórica para o
pós-guerra. Depois de 1943, sem se iludir sobre a “reforma do
partido” e, como Perrone, priorizando a teoria (sempre concebida
como restauração doutrinal), ele participa (um tanto afastado) das
atividades do P.C.Internacionalista, o qual utiliza para publicar seus
textos, aceitando compromissos com os mais leninizantes e
mesmo trotskizantes, apostando na virtude de uma continuidade
organizacional.
J. Camatte, a propósito disso, fala de um “entrismo
luxemburguista” (Invariance, primeira série, no 9, pp. 138-53). Em
1948, Bordiga nem sequer estava filiado ao partido. Ele se
manteve à margem até sua morte (1970), deixando o partido
utilizar seu prestígio e sua capacidade teórica em troca da
publicação de seus textos. A imagem do Bordiga sectário,
divulgada entre os “marxistas”, não corresponde aos fatos. É
importante ler muitos de seus textos (como os de 1965-1966 sobre
o partido: cf. Défense de la continuité... Ed. P.C., 1974) e levar em
conta os compromissos: 1) entre ele e os outros dirigentes do
partido; 2) entre seu ultrapassamento teórico e sua fixação na
época das segunda e terceira Internacionais.
Na França, Internationalisme foi publicada a partir de 1945 pela
Gauche Communiste de France, que pretendia ser a organização
da esquerda comunista. Mas rompeu com o P.C. Internacional,
que ela criticava por ter se contituído em partido, ser oportunista
(eleições etc.), e aceitar elementos de passado duvidoso (cf. a
participação de Perrone no comitê antifascista). A G.C.F.
desenvolve as teses de Bilan sobre a questão nacional e lhes
soma a posição de Rosa Luxemburgo. Também questiona a
posição leninista sobre os sindicatos. Sua revista (40 números, de
1945 a 1950) é de alto nível, enquanto os que se tornaram então
representantes oficiais da esquerda italiana na França (fração
francesa da Esquerda Comunista: cf. abaixo) fazem principalmente
agitação e vivem das glórias passadas. Ao
contrario, Internationalisme opera uma espécie de síntese das
esquerdas italiana e alemã, publicando aHistoire du mouvement
des conseils en Allemagne de C. Meijer e Lénine Philosophe. Mas
recusa-se a assimilar a revolução russa a uma revolução
burguesa. Esse grupo é hoje a Corrente Comunista Internacional,
representada na França pela Révolution Internationale. Ele afirma
tirar o melhor de Bilan, acusando o P.C. Internacional de regressão
frente à esquerda comunista de antes, o que é verdade. Mas é
verdade também que a C.C.I. está longe de se comparar
com Internationalisme. E desconsidera o anti-educacionismo de
Bordiga e sua contribuição depois de 1950 (visão do comunismo
como um movimento social e não um programa; concepção do
proletariado que ultrapassa a noção sociológica dos “operários”;
ênfase da dimensão classista e comunitária ou humana da
revolução). A justa crítica da C.C.I. à relação de “alma” e “corpo”,
estabelecida por Bordiga e o P.C. Internacional, entre o partido e a
classe, não a impede de exagerar o papel da consciência (os
operários são mistificados etc.).
A C.C.I. usa as oscilações de Invariance como justificativa para
não pôr as questões da revolução comunista. E quando alguém as
põe, recorre à grosseria, à desqualificação, à injúria, ao amálgama
mais caricatural. É um bom exemplo de seita.
Uma parte da fração francesa da Esquerda Comunista, que depois
da ruptura de Internationalisme se tornara “seção” francesa da
esquerda italiana, juntou-se a Socialisme ou Barbárie, na mesma
época em que Damen rompeu com Bordiga. Vega (cf. nota 3 do
capítulo 18, A Liga dos Comunistas Internacionalistas) era um
deles. Quando Socialisme ou Barbárie rejeita abertamente o
marxismo, uma parte do grupo rompe e, sob o nome de Pouvoir
Ouvrier, será animado por Vega. Mas esses ex-bordiguistas nada
somaram de bordiguista a SouB, que pretendia nada dever – nem
à esquerda alemã, nem à esquerda italiana, nem a ninguém. São
inúmeros os que, como Vega, tendo passado pela esquerda
italiana, nela viram somente um ultraleninismo.
Apesar de uma cisão leninista – que produziu um terceiro P.C.I.
(Rivoluzione Comunista) em 1964, ainda existente – o P.C.I.
acentuaria seu ativismo, notadamente com uma tentativa de
“trabalho sindical”. Sua revista (Programme Communiste) e seu
bimensal (Le Prolétaire) denunciam o “oportunismo” do P.C.F. e a
“capitulação” da U.R.S.S. diante dos E.U.A., enaltecendo as
“revoluções” coloniais, e convocando as massas proletárias a
cerrar fileiras em torno do seu estado-maior.
Em grande parte, reagindo a esse despropósito, J. Camatte e R.
Dangeville abandonam o P.C.I., em 1966. Eles tinham escrito
juntos o que seria o no 1 de Invariance: «Origine et fonction de la
forme parti». Queriam continuar a obra de Bordiga, “traída” pelo
P.C.I., mas rapidamente se separam. Então, R. Dangeville
publica Le Fil du Temps, numa tradição bordiguista ortodoxa, sem
os traços visionários de Bordiga e a agitação inútil do
P.C.I. Invariance, nos números 7, 8 e 9 da primeira série, faz uma
síntese das esquerdas alemã e italiana. Mas sua origem idealista
a impele numa fuga para adiante que eclode na segunda e na
terceira séries.
Sobre essas questões, além das revistas citadas – das quais o
Instituto Internacional de História de Amsterdam possui coleções
quase completas –, cf. a biografia de Bordiga em Bordiga et la
passion du communisme, Spartacus, 1974; Invariance antiga
série no 6, pp. 18, 30-5, e no 9, pp. 138-53; R.I., Bulletin d’Etude et
de Discussion, nos 6 e 7; o no deInternationalisme sobre a greve
da Renault, em 1947, reimpresso em La Vieille Taupe, 1972. Cf.
também a nota 5 do capítulo 24 (Reforma e Revolução) sobre a
cisão escandinava de 1971. Trata-se, é verdade, quase sempre de
pequenos grupos. Deixemos a ironia fácil sobre os ´grupúsculos´
para aqueles que buscam um poder e uma camarilha ou aos que
acreditam que o mundo começou em 1968.
Muitos textos de Bilan já foram publicados. «Vers l’Internationale 2
et ¾» (crítica de Trotsky, no no 1 em 1933) pelo Bulletin d’Etude et
de Discussion, no 6; os artigos resumindo Les Principes de base...
(nos 19, 20 e 21) pelos Cahiers du Communisme de Conseil no 11;
«La Chine soviétique» (no 7), em Le Tigre de Papier; o manifesto
lançado pela Gauche Communiste, Après mai 1937, em Invariance,
antiga série no 7. Alguns extratos sobre o 6 de fevereiro de 1934,
reproduzidos em La légende de la gauche au pouvoir. Diferentes
textos sobre a guerra de Espanha apareceram na Revue
Théorique do C.C.I. ( nos 2, l2, 13, 14, 33 ...). Sobre o fascismo, cf.
também Communisme et fascisme, Ed. P.C., coletânea de textos
do início dos anos 1920; e as «Thèses de 1945», em Invariance,
antiga série no 9. Esses textos devem ser lidos paralelamente à
obra de um não-revolucionário, bom observador da função do
Estado na sociedade moderna: B. de Jouvenel - Du pouvoir,
Histoire naturelle de sa croissance, C. Bourquin, 1947.
•91.[1] Cf. o texto da reunião de Florença, janeiro de 1958,
publicado em italiano, La Vecchia Talpa, Nápoles, 1973.
•92.[2] Cf. as observações de Korsch sobre a guerra de 1939-1945,
op. cit.

•93.[2 bis] Apresentação do Princípio Democrático, de Bordiga,


reimpresso em Ed., P.C., 1971, p. 4.

•94.[1] Barrot, Le mouvement communiste, Champ Libre, 1972, 2e


parte. E o artigo sobre o Estado, no no. 2 de La Guerre Sociale,
1978.
•95.[1 bis] «De la politique», Le Mouvement Communiste, no 5,
outubro de 1973.
•96.[1 ter] Misère de la philosophie, in Oeuvres, Gallimard, t. 1,
1963, p. 136.
•97.[1 quart] Invariance, 2e série, no. 4.
•98.[1] No. 2.

•99.[2] Marx, Oeuvres politiques, op. cit., pp. 125-6.


•100.[3] Citado por M. Laffranque, « Marx et l’Espagne ». Cahiers
de l’I.S.E.A., Série S, no. 15, pp. 2405-20.
•101.[4] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962,
XIII. Brenan confirma a insistência de Bilan sobre o papel da
irrigação, salientando a coincidência entre zonas de pequena
propriedade e irrigadas (norte, centro), e zonas de grande
propriedade e secas e áridas (sul) – pp. 69-70.
•102.[5] Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, cap.
XI.
•103.[6] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p.
107.
•104.[7] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p.
136. Ele compara esse movimento a certas heresias, que
pretendiam aplicar literalmente as passagens do Evangelho
favoráveis aos pobres e ao amor universal.
•105.[8] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p.
141.
•106.[9] Marx, op. cit., p. 125.

•107.[10] Rama, op. cit., p. 210.

•108.[11] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962,


p. 122.
•109.[12] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire,
Bélibaste, 1970, pp. 76 sq.
•110.[13] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire,
Bélibaste, 1970, pp. 151-4.

•111.[14] Chaulieu, «Sur la dynamique du capitalisme». Socialisme


ou Barbarie, no. 12, agosto-setembro de 1953. reproduzido em
Castoriadis, U.G.E., 10/18.
•112.[15] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire,
Bélibaste, 1970, pp. 139-40.
•113.[16] Semprun-Maura, op. cit., p. 134.
•114.[17] Barrot, Le mouvement communiste, 2a parte.
•115.[18] Un monde sans argent: le communisme, O.J.T.R., 1975-
1976 (3 vol.). Texto essencial. E «Communisme et mesure par le
temps de travail», La Guerre Sociale, no. 1, 1977.
•116.[19] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire,
Bélibaste, 1970, p. 139.

•117.[1] Octobre, no. 4.


•118.[2] Octobre, no. 3.
•119.[2 bis] L’internationale Communiste Ouvrière, em Invariance,
2e série, no. 5.

•120.[3] Invariance, 2a e 3a séries.


•121.[4] Cf. o grupo escandinavo em torno de Kommunismen, que
rompeu com o P.C.I. a propósito da questão sindical, pois evoluiu
nesse sentido. Cf. La gauche allemande et la question syndicale
dans la IIIe Internationale, Bagsvaerd, Danemark, e Textes de
travail parus à l’occasion de la scission.... id., 1972 (polycopiados).
•122.[5] Cf. Négation; Une Tendance Communiste, saída de
Révolution Internationale, e autora de La révolution sera
communiste ou ne sera pas, 1974; este grupo se dissolveu, logo
depois. Cf. também Maturation Communiste, no. 1, 1975. E as
revistas Théorie communiste e La Crise du communisme.

•123.[6] Bulletin de la L.C.I., abril de 1936.


•124.[7] In Le Prolétaire, no. 206.
•125.[8] Certos temas desse parágrafo foram desenvolvidos no
Barrot, Crise du prolétariat ?

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