Solos Não Saturados 20015 PDF
Solos Não Saturados 20015 PDF
Solos Não Saturados 20015 PDF
no contexto geotécnico
Patrocínio
O livro “Solos não saturados no contexto geotécnico” contou, em sua primei-
ra edição, com o apoio dos seguintes patrocinadores:
www.abms.com.br
Núcleo Regional Centro Oeste – NRCO
www.abms.com.br
Solos não saturados
no contexto geotécnico
Comitê de Solos Não Saturados
Comissão Técnica para a Educação
Organizadores
José Camapum de Carvalho
Gilson de Farias Neves Gitirana Junior
Sandro Lemos Machado
Márcia Maria dos Anjos Mascarenha
Francisco Chagas da Silva Filho
S689
Solos não saturados no contexto geotécnico / José Camapum de
Carvalho ... [et.al.] orgs.. – São Paulo : Associação Brasileira de
Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, 2015.
xxxvi, 759 p.: il.; 22 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 9788567950037
CDU 556.142
Eventos Organizados pelo Comitê Técnico
de Solos Não Saturados
Volume 1 e 2
Volume 1 e 2
x
Volume 1 e 2 Volume 1 e 2
Volume 1 e 2
Prefácio
Nos maciços terrosos em regiões tropicais, com climas áridos e semiáridos, como é o
caso do Brasil, a condição não saturada é muito significativa, tornando inadequada a utili-
zação de conceitos e teorias iniciais da Mecânica dos Solos clássica, que foram criados para
ambiente saturado ou seco. Nesses maciços terrosos não saturados, os fluidos nos vazios entre
as partículas sólidas condicionam os fenômenos relacionados ao estado não saturado e modi-
ficam os comportamentos mecânico, volumétrico e hidráulico.
Diante dessa constatação, surgiu a necessidade da criação de novos conceitos e novas
teorias, levando à criação da Mecânica dos Solos Não Saturados, que tem crescido muito,
sobretudo, a partir de congressos e simpósios internacionais específicos. A divulgação des-
ses novos conceitos e dessas teorias também tem contado com a importante contribuição de
outras publicações e eventos, assim como a editoração de alguns notáveis livros em outras
línguas, baseados em estudos com solos, por vezes, muito distintos dos de nossa geologia.
Embora seja uma área de estudos científicos ainda relativamente recente no mundo,
encontrou um ambiente muito fértil no Brasil, tendo rapidamente prosperado em diversas
regiões do país.
Para ressaltar essa rápida evolução do desenvolvimento da Mecânica dos Solos Não Sa-
turados no país, toma-se o ano de 1991 como referência do ponto de partida do início da ace-
leração do crescimento da infraestrutura laboratorial e da ampliação de equipes de trabalho
e formação de novos grupos de pesquisa e estudo dos solos não saturados, por ter sido nesse
ano que se realizou o 1º Simpósio Brasileiro de Solos Não Saturados e por estarem voltando
ao país (durante a década de 80 e inicio da de 90) os primeiros doutores brasileiros formados
no exterior, nessa área, além de contar-se com mestres e doutores formados e especializados
nesse campo, nos programas de Pós-Graduação das universidades brasileiras.
Esse crescimento fértil na área de solos não saturados contou com o grande entusiasmo
do grupo de professores, doutores e mestres especializados na área de solos não saturados e o
apoio fundamental da ABMS e das Universidades Brasileiras desde o começo, bem como da
CAPES e do CNPq.
Após o 1º ÑSAT (1991), realizado na UnB, em Brasília, em que houve apenas seis (6) tra-
balhos (BA, DF, PE, RJ, SC, SP), um de cada dos seis estados que participaram desse primeiro
simpósio, verificou-se uma aceleração crescente em quantidade e qualidade, como se notou
desde o 2º ÑSAT (1994), realizado na UFPE, em Recife. Nesse segundo simpósio, contou-se
xii
com um expressivo número de trabalhos na área de solos não saturados (35 artigos técnico-
-científicos, mais um segundo volume com os relatos e palestras). Daí em diante, o crescimen-
to do número de autores e de trabalhos foi crescente nos simpósios brasileiros de solos não
saturados que se seguiram: III ÑSAT (1997), na PUC-RJ, no Rio de Janeiro; IV ÑSAT (2001),
em Porto Alegre; V ÑSAT (2004), na EESC-USP, em São Carlos; VI ÑSAT (2007), na UFBA,
em Salvador; VII ÑSAT (2011), em Goiânia; e VIII ÑSAT (20015), na UFC, em Frtaleza.
Mundialmente, nas últimas décadas, tem-se constatado grandes esforços no sentido
de se compreender o comportamento dos solos não saturados com o intuito de melhorar e
aperfeiçoar projetos e construções nesses solos, assim como atender a necessidades de natu-
reza ambiental, tais como condicionamento de fluxo de poluentes ou execução de barreiras
de contenção de resíduos perigosos. Atenta a essas necessidades e considerando a ampla va-
riedade de ocorrências de solos não saturados no país, a comunidade geotécnica brasileira
prontamente se engajou nesse esforço que, agora, culmina com a publicação deste livro, que,
indubitavelmente, representa uma grande contribuição nesse contexto.
Além da importante missão como livro de texto para atender às necessidades de forma-
ção acadêmica na área de engenharia geotécnica de solos não saturados, também poderá ser
utilizado como documento de consulta e referência para projetos e obras de Engenharia Civil,
assim como para estudos e obras de Engenharia Ambiental e de Engenharia Agrícola.
Ao longo de uma grande diversidade de temas incluídos nos vinte e seis (26) capítulos
do livro de solos não saturados, uma igualmente diversidade de professores, pesquisadores e
profissionais especializados, com renome no meio Geotécnico, apresentam uma diversidade
de temas de elevada complexidade, os quais, baseados em suas experiências práticas, tecno-
lógicas e analíticas sobre solos não saturados da geologia brasileira, fazem a obra representar
um marco importante para a literatura geotécnica brasileira e, também, uma contribuição
como importante vetor para a incorporação de conceitos e tecnologias avançadas na prática
da Engenharia Civil de nossas obras, projetos e estudos, preenchendo uma lacuna que difi-
cultava ou não facilitava uma maior interação entre a academia e as empresas de Engenharia.
Ana Patrícia Nunes Bandeira Engenheira Civil, DSc, Professora do Centro de Ciên-
cias e Tecnologia e do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional Sustentável da Universidade
Federal do Cariri.
Autoria: Capítulo 21
André Luís Brasil Cavalcante Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento de
Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-
-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília.
Autoria: Capítulo 19
Andrelisa Santos de Jesus Geógrafa, DSc, Professora do Instituto de Estudos Socio-
ambientais da Universidade Federal de Goiás.
Autoria: Capítulo 5
Antônio Nunes de Miranda Engenheiro Civil, PhD, Professor da Universidade Fed-
eral do Ceará. Consultor independente na área de funda-
ções e obras de terra.
Autoria: Capítulo 23
Camila Rosa Bezerra Coelho Bióloga, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Civil (Geotecnia Ambiental) da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro.
Autoria: Capítulo 14
xvi
Carlos Medeiros Silva Engenheiro Civil. DSc, Diretor Técnico da Empresa Bra-
sileira de Engenharia e Fundações Ltda (Embre).
Autoria: Capítulo 24
Claudio Fernando Mahler Engenheiro Civil, DSc, Livre Docente, Professor do Pro-
grama de Engenharia Civil do Instituto Alberto Luiz
Coimbra, COPPE, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Autoria: Capítulo 21
Ennio Marques Palmeira Engenheiro Civil, PhD, Professor do Departamento de
Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-
-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília.
Autoria: Capítulo 20
Fernando Antônio Medeiros Engenheiro Civil, PhD, Professor do Departamento de
Marinho Engenharia de Estruturas e Geotécnica e do Programa de
Pós-Graduação em Recursos Minerais e Hidrogeologia
da Universidade de São Paulo.
Autoria: Capítulos 9 e 10
xvii
Gilson de Farias Neves Gitirana Engenheiro Civil, PhD, Professor da Escola de Engenha-
Junior ria Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação
em Geotecnia, Estruturas e Construção Civil, da Univer-
sidade Federal de Goiás.
Autoria: Capa, Apresentação e Capítulos 9, 10, 13 e 26
Hernán Eduardo Martínez Engenheiro Geólogo, DSc, Professor do Departamento
Carvajal de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-
-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília e
Catedrático da Universidade Nacional da Colômbia em
Medellín
Autoria: Capítulo 5
João Guilherme Rassi Almeida Engenheiro Ambiental, MSc, Professor da Pontifícia Uni-
versidade Católica de Goiás.
Autoria: Capítulo 21
Joaquim Teodoro Romão Engenheiro Civil, DSc, Professor do Programa de Pós-
de Oliveira -Graduação em Engenharia Civil da Universidade Ca-
tólica de Pernambuco. Engenheiro do Laboratório de
Solos e Instrumentação da Universidade Federal de Per-
nambuco.
Autoria: Capítulo 7
xviii
José Camapum de Carvalho Engenheiro Civil, Administrador, Advogado, DSc, Pro-
fessor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental
e do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia da Uni-
versidade de Brasília.
Autoria: Capa, Apresentação e Capítulos 3, 5, 11, 19, 24,
25 e 26
José Fernando Thomé Jucá Engenheiro Civil, DSc, Professor e Coordenador do Gru-
po de Resíduos Sólidos/Geotecnia Ambiental da Univer-
sidade Federal de Pernambuco.
Autoria: Capítulo 14
Kalinny Patrícia Vaz Lafayette Engenheira Civil, DSc, Professora do curso de Engenha-
ria Civil e do Programa de Pós-Graduação em Engenha-
ria Civil da Universidade de Pernambuco.
Autoria: Capítulo 21
Laura De Simone Borma Engenheira Civil, DSc, Pesquisadora do Centro de Ciên-
cia do Sistema Terrestre e docente do Programa de Pós-
-graduação em Ciências do Sistema Terrestre e do Pro-
grama de Pós-graduação em Sensoriamento Remoto, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Autoria: Capítulo 13
Liedi Légi Bariani Bernucci Engenheira Civil, DSc, Professora do Departamento de
Engenharia de Transportes e Vice-Diretora da Escola Po-
litécnica da Universidade de São Paulo.
Autoria: Capítulo 25
Lilian Ribeiro de Rezende Engenheira Civil, DSc, Professora da Escola de Engenha-
ria Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação
em Geotecnia, Estruturas e Construção Civil de Univer-
sidade Federal de Goiás.
Autoria: Capítulo 25
Lúcio Flávio de Souza Villar Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento de
Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de En-
genharia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Autoria: Capítulo 11
Márcia Maria dos Anjos Engenheira Civil, DSc, Professora da Escola de Enge-
Mascarenha nharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Geotecnia, Estrutura e Construção Civil da Uni-
versidade Federal de Goiás.
Autoria: Capa, Apresentação e Capítulos 21, 24 e 26
Márcia Salamoni Batalha Engenheira Civil, Doutoranda do Programa de Engenha-
ria Civil (Geotecnia Ambiental) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Autoria: Capítulo 14
xx
Marcos Massao Futai Engenheiro Civil, DSc, Livre Docente, Professor do De-
partamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica e
do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da
USP.
Autoria: Capítulo 18
Maria Cristina de Oliveira Bióloga, DSc, Professora da Universidade de Brasília, Fa-
culdade UnB Planaltina.
Autoria: Capítulo 5
Mariana Ferreira Benessiuti Engenheira Civil, doutoranda do Programa de Pós-Gra-
Motta duação em Engenharia Civil da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Autoria: Capítulo 17
Michelle Matos de Souza Engenheira Civil, DSc, Pesquisadora colaboradora no
Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Autoria: Capítulo 14
xxi
Miguel Angel Alfaro Soto Engenheiro Civil, PhD, Pesquisador do Laboratório de
Remediação de Áreas Impactadas por Hidrocarbonetos,
Departamento de Geologia Aplicada da Universidade Es-
tadual Paulista de Rio Claro-SP.
Autoria: Capítulos 9 e 10
Newton Moreira de Souza Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento de
Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-
-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília.
Autoria: Capítulo 6
Patrícia de Araújo Romão Geóloga, DSc, Professora do Instituto de Estudos Socio-
ambientais da Universidade Federal de Goiás.
Autoria: Capítulo 6
Pedro Murrieta Santos Neto Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento de Enge-
nharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília.
Autoria: Capítulo 16
Raimundo Leidimar Bezerra Engenheiro Civil, DSc, Professor da Universidade Estad-
ual da Paraíba. Consultor na área de Fundações e Obras
de Terra.
Autoria: Capítulos 2 e 23
Renato Cabral Guimarães Engenheiro Civil, DSc, Gerente da Divisão de Tecnologia
em Engenharia Civil de Eletrobras Furnas e Professor da
Universidade Estadual de Goiás.
Autoria: Capítulo 11
Roger Augusto Rodrigues Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento
de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-
-graduação em Engenharia Civil e Ambiental da Univer-
sidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".
Autoria: Capítulo 1
Rose Mary Gondim Mendonça Geóloga, DSc, Professora do curso de Engenharia Ambi-
ental da Universidade Federal do Tocantins.
Autoria: Capítulo 3
Rubén Darío Londoño Aguirre Engenheiro Civil, Mestre em Recursos Hídricos pelo
Programa de Pós-Graduação em Aproveitamento de Re-
cursos Hídricos da Faculdade de Minas da Universidade
Nacional da Colômbia em Medellín.
Autoria: Capítulo 5
Sandro Lemos Machado Engenheiro Civil, DSc, Professor do Departamento de
Ciência e Tecnologia dos Materiais da Escola Politécnica
da Universidade Federal da Bahia.
Autoria: Capa, Apresentação e Capítulos 4, 12 e 26
Silvio Romero de Melo Ferreira Engenheiro Civil, DSc, Professor dos Cursos de Gradu-
ação e Pós-graduação em Engenharia Civil das Univer-
sidade Federal de Pernambuco e Universidade Católica
de Pernambuco e Professor do Curso de Graduação em
Engenharia Civil da Universidade de Pernambuco.
Autoria: Capítulos 7 e 15
Tatiana Diniz Gonçalves Geógrafa, PhD, Pós-doutoranda do programa de Geoci-
ências Aplicadas do Instituto de Geociências da Univer-
sidade de Brasília.
Autoria: Capítulo 6
Vanda Tereza Costa Malveira Engenheira Civil, DSc, Professora da Universidade do
Vale do Acaraú.
Autoria: Capítulo 23
xxiii
Yamile Valencia González Engenheira Civil, DSc, Professora do Departamento de
Engenharia Civil e do Programa de Pós-Graduação em
Geotecnia da Universidade Nacional da Colômbia –
Campus Medellín.
Autoria: Capítulo 7
Washington Peres Núñez Engenheiro Civil, DSc, Professor da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul.
Autoria: Capítulo 25
Capítulo 1
Terminologia e simbologia
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 1
2 UNIDADES DE BASE, COMPLEMENTARES E DERIVADAS ...................................... 2
2.1 Unidades de base.............................................................................................................. 2
2.2 Unidades complementares.............................................................................................. 3
2.3 Unidades derivadas.......................................................................................................... 3
2.4 Múltiplos e submúltiplos................................................................................................. 5
3 TERMINOLOGIA, SIMBOLOGIA E UNIDADES EM GEOTECNIA PARA
SOLOS NÃO SATURADOS................................................................................................. 6
3.1 Sinais ................................................................................................................................. 6
3.2 Geral ................................................................................................................................. 6
3.3 Propriedades físicas do solo........................................................................................... 7
3.3.1 Índices físicos.......................................................................................................... 7
3.3.2 Consistência e compacidade................................................................................. 9
3.3.3 Granulometria........................................................................................................ 9
3.3.4 Propriedades hidráulicas....................................................................................... 10
3.4 Propriedades mecânicas do solo..................................................................................... 11
3.4.1 Resistência ao cisalhamento.................................................................................. 11
3.5 Tensões e deformações.................................................................................................... 12
3.6 Ensaios de laboratório e campo...................................................................................... 14
3.6.1 Ensaios de laboratório........................................................................................... 14
3.6.2 Ensaios de campo................................................................................................... 17
3.7 Aplicações Geotécnicas a Solos Não Saturados............................................................ 18
3.8 Modelagem....................................................................................................................... 19
REFERENCIAS........................................................................................................................... 20
Capítulo 2
Origem e formação dos solos, perfis de intemperismo
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 21
xxvi
2 INTEMPERISMO.................................................................................................................. 22
2.1 Principais agentes............................................................................................................ 23
2.1.1 Hidrólise.................................................................................................................. 23
2.1.2 Hidratação............................................................................................................... 24
2.1.3 Carbonatação.......................................................................................................... 24
2.1.4 Quelação.................................................................................................................. 24
2.1.5 Oxidação................................................................................................................. 25
2.1.6 Troca de bases......................................................................................................... 25
2.1.7 Expansão Térmica.................................................................................................. 25
2.1.8 Expansão diferencial por alívio de tensões.......................................................... 26
2.1.9 Ação de organismos............................................................................................... 26
2.1.10 Crescimento de cristais estranhos à rocha........................................................ 26
2.2 O intemperismo nas regiões tropicais........................................................................... 27
2.3 Velocidade de alteração................................................................................................... 27
2.4 Evolução pedogenética.................................................................................................... 28
3 MAPA DE SOLOS DO BRASIL........................................................................................... 30
4 PERFIS TÍPICOS DE SOLOS TROPICAIS NO BRASIL.................................................. 31
4.1 Perfis típicos no Nordeste................................................................................................ 31
4.2 Perfis típicos no Centro Oeste........................................................................................ 32
4.3 Perfis típicos no Sudeste.................................................................................................. 33
5 CORRELAÇÕES ENTRE COMPORTAMENTO DO SOLO E SEU PERFIL
PEDOGENÉTICO................................................................................................................. 33
5.1 Solos lateríticos................................................................................................................. 33
5.2 Saprólitos........................................................................................................................... 34
6 ESTUDO DE CASO............................................................................................................... 36
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 37
Capítulo 3
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais
e compactados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 39
2 MINERALOGIA.................................................................................................................... 40
2.1 Minerais primários.......................................................................................................... 41
2.1.1 Quartzo.................................................................................................................... 41
2.1.2 Feldspatos................................................................................................................ 42
2.2 Argilominerais.................................................................................................................. 43
2.2.1 Conceitos básicos................................................................................................... 43
2.2.2 Grupo da caulinita................................................................................................. 44
2.2.3 Grupo da mica........................................................................................................ 45
2.2.4 Grupo da esmectita................................................................................................ 46
2.2.5 Grupo da vermiculita............................................................................................. 48
2.2.6 Grupo da clorita..................................................................................................... 49
xxvii
Capítulo 4
Potenciais da água no solo
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 79
2 CAUSAS DO FLUXO DE ÁGUA NOS SOLOS.................................................................. 80
3 PRINCIPAIS POTENCIAIS DE ENERGIA PARA O CASO DO FLUXO DE
ÁGUA EM SOLOS NÃO SATURADOS............................................................................. 81
3.1 Potencial matricial da água no solo................................................................................ 84
3.1.1 Potencial capilar..................................................................................................... 85
3.1.2 Conceitos relacionados à capilaridade................................................................. 88
3.1.3 Potencial de adsorção............................................................................................ 89
3.2 Potencial osmótico........................................................................................................... 92
4 POTENCIAIS IMPORTANTES PARA ESTUDO DA INTERAÇÃO
SOLO/ATMOSFERA............................................................................................................. 94
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 96
xxviii
Capítulo 5
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da
cobertura vegetal no estado de saturação do solo
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 97
2 ASPECTOS GEOLÓGICOS................................................................................................. 97
3 ASPECTOS HIDROGEOLÓGICOS.................................................................................... 100
3.1 Caracterização das descontinuidades............................................................................ 103
3.1.1 Número de descontinuidades............................................................................... 103
3.1.2 Localização e orientação........................................................................................ 104
3.1.3 Espaçamento e densidade...................................................................................... 104
3.1.4 Persistência.............................................................................................................. 105
3.1.5 Abertura.................................................................................................................. 105
3.2 Modelagem hidrogeológica de meios fraturados......................................................... 106
3.3 Efeito do intemperismo nos parâmetros hidráulicos dos maciços rochosos............ 107
3.3.1 Efeito do intemperismo no índice de fraturamento e vice-versa...................... 107
3.3.2 Efeito do intemperismo no conteúdo de água e na porosidade........................ 108
4 ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS.................................................................................. 110
4.1 Altitude.............................................................................................................................. 110
4.2 Declividade....................................................................................................................... 110
4.3 Curvatura.......................................................................................................................... 111
4.4 Orientação........................................................................................................................ 114
5 ASPECTOS DA COBERTURAL VEGETAL ..................................................................... 115
5.1 A influência da cobertura vegetal natural no estado não saturado dos solos............ 115
5.2 A influência da restauração, florestamentos e reflorestamentos no estado
não saturado dos solos.................................................................................................... 118
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 119
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 120
Capítulo 6
Uso da cartografia geotécnica na análise de umidade dos solos
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 125
2 FATORES ASSOCIADOS À VARIAÇÃO ESPAÇO TEMPORAL DO TEOR
DE UMIDADE DOS SOLOS................................................................................................ 125
2.1 Fatores climáticos............................................................................................................. 126
2.2 Fatores geológicos e pedológicos.................................................................................... 126
2.3 Fatores associados às formas do relevo.......................................................................... 127
3 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO E PRINCIPAIS TECNOLOGIAS
ASSOCIADAS AO MAPEAMENTO GEOTÉCNICO DO TEOR DE
UMIDADE DOS SOLOS....................................................................................................... 129
3.1 Investigação do teor de umidade por meio de sensoriamento remoto...................... 130
xxix
Capítulo 7
Técnicas de amostragem e preparação de amostras
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 145
1.1 Definição dos objetivos e necessidades da amostragem de solo................................. 145
1.1.1 Objetivos da amostragem...................................................................................... 146
1.1.2 Necessidades da amostragem de solo.................................................................. 146
1.1.3 Recomendação prática de condições de amostragem e ensaios de
laboratório.............................................................................................................. 147
1.2 Levantamento e avaliação de informações já existentes do local................................ 147
1.3 Programa de amostragem............................................................................................... 150
2 TÉCNICAS DE AMOSTRAGEM........................................................................................ 151
2.1 Equipamentos de amostragem....................................................................................... 151
2.2 Amostragem de solos superficiais ................................................................................. 152
2.2.1 Coleta de amostras indeformadas e deformada.................................................. 152
2.3 Amostragem de solo de subsuperfície........................................................................... 154
2.3.1 Tubulares................................................................................................................. 154
2.3.2 Outros...................................................................................................................... 156
3 PREPARAÇÃO DE AMOSTRAS E DE CORPOS DE PROVA PARA ENSAIOS........ 156
3.1 Caraterização física.......................................................................................................... 157
3.2 Caracterização química................................................................................................... 159
3.3 Caracterização mineralógica.......................................................................................... 159
4 CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL................................................................. 165
5 CARACTERIZAÇÃO HIDROMECÂNICA – PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS
PARA OS ENSAIOS HIDROMECÂNICOS..................................................................... 166
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 174
AGRADECIMENTOS............................................................................................................... 175
REFERÊNCIA............................................................................................................................. 175
Capítulo 8
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 181
2 ÍNDICES FÍSICOS................................................................................................................ 182
xxx
Capítulo 9
A curva de retenção de água de materiais porosos
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 205
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS........................................................................................ 206
2.1 Relações físicas para a quantidade da água armazenada............................................. 206
2.2 O estado de tensões.......................................................................................................... 208
2.2.1 A pressão da água e a sucção................................................................................. 210
2.3 Capilaridade...................................................................................................................... 211
3 FORMAS DE APRESENTAÇÃO DA CURVA DE RETENÇÃO..................................... 214
4 ASPECTOS FÍSICOS E ELETROQUÍMICOS E A CURVA DE RETENÇÃO............... 218
4.1 O papel da variação de volume total.............................................................................. 219
4.2 O papel da distribuição de tamanho de poros.............................................................. 220
4.3 O papel do grau de intemperismo.................................................................................. 222
4.4 Outros fatores: história de tensões, condição de compactação, mineralogia............ 223
5 MODELOS DE AJUSTE PARA CURVAS DE RETENÇÃO............................................. 224
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 226
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 227
Capítulo 10
Instrumentação de laboratório e campo e a medição da curva de retenção
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 231
2 AS AMOSTRAS E SUA PREPARAÇÃO............................................................................. 232
2.1 Trajetórias de sucção e tensão total líquida................................................................... 232
2.2 Inicialização do estado de corpos de prova e formas de imposição de variações
de umidade....................................................................................................................... 233
xxxi
Capítulo 11
Compactação dos solos: laboratório e campo
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 257
2 COMPACTAÇÃO E SOLOS COMPACTADOS................................................................. 258
2.1 Teoria da compactação.................................................................................................... 258
2.2 Interação entre partículas no processo de compactação............................................. 259
2.3 Curva de compactação à luz da teoria dos solos não saturados................................. 261
2.4 Exemplos de interferência da compactação no comportamento dos solos............... 264
3 MÉTODOS DE COMPACTAÇÃO...................................................................................... 265
3.1 Compactação em laboratório......................................................................................... 266
3.1.1 Compactação estática, semiestática e por pisoteamento................................... 267
3.1.2 Compactação por vibração................................................................................... 268
3.1.3 Compactação dinâmica......................................................................................... 269
3.2 Compactação no campo.................................................................................................. 271
3.2.1 Compactação semiestática.................................................................................... 272
3.2.2 Especificações gerais e alguns métodos de controle de campo......................... 274
xxxii
Capítulo 12
Condutividade hidráulica e fluxo em solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 297
2 LEI DE DARCY...................................................................................................................... 298
2.1 Validade da Lei de Darcy................................................................................................. 299
2.2 Permeabilidade Intrínseca.............................................................................................. 299
2.3 Lei de Darcy para solos não saturados........................................................................... 300
3 FUNÇÕES DE CONDUTIVIDADE HIDRÁULICA........................................................ 301
4 DETERMINAÇÃO DA CONDUTIVIDADE HIDRÁULICA.......................................... 302
4.1 Métodos Diretos............................................................................................................... 304
4.1.1 Ensaios de laboratório........................................................................................... 304
4.1.1.1 Carga Constante........................................................................................ 304
4.1.1.2 Carga Variável............................................................................................ 305
4.1.2 Ensaios de campo................................................................................................... 306
4.2 Métodos indiretos ........................................................................................................... 308
5 FLUXO DE ÁGUA LÍQUIDA E VAPOR DE ÁGUA EM SOLOS NÃO
SATURADOS......................................................................................................................... 310
5.1 Princípio de conservação de massa................................................................................ 310
5.2 Fluxo de água líquida no solo......................................................................................... 312
5.3 Fluxo de vapor no solo.................................................................................................... 313
6 INTERAÇÃO SOLO/FLUIDO E VALORES DE PERMEABILIDADE........................... 314
7 PERMEABILIDADE RELATIVA......................................................................................... 317
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 320
Capítulo 13
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 327
2 SUPRIMENTO E DEMANDA DE ÁGUA IMPOSTOS PELAS CONDIÇÕES
ATMOSFÉRICAS................................................................................................................... 328
2.1 Ciclo hidrológico e balanço de água.............................................................................. 328
2.2 Balanço de energia........................................................................................................... 329
xxxiii
Capítulo 14
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados
1 Fundamentos.......................................................................................................................... 367
1.1 Contaminantes químicos................................................................................................ 368
1.2 Transporte de contaminantes em meios porosos saturados........................................ 368
1.3 Reações geoquímicas e bioquímicas e transformações da espécie no solo................ 370
2 CONTAMINANTES INORGÂNICOS............................................................................... 372
2.1 Contaminantes inorgânicos mais frequentes................................................................ 372
2.1.1 Sais, ácidos/bases e oxidantes/redutores.............................................................. 373
2.1.2 Metais...................................................................................................................... 374
2.1.3 Isótopos e espécies radioativas.............................................................................. 374
xxxiv
Capítulo 15
Solos colapsíveis e expansivos
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 415
2 SOLOS COLAPSÍVEIS.......................................................................................................... 417
2.1 Critérios de identificação................................................................................................ 417
2.2 Influência do estado de tensões sobre as deformações por colapso........................... 422
2.3 Influência da sucção e da umidade nas deformações volumétricas de solos
não saturados .................................................................................................................. 424
xxxv
Capítulo 16
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 441
2 UM ENFOQUE ALTERNATIVO PARA INTERPRETAÇÃO DE ENSAIOS
DE ADENSAMENTO EM SOLOS COM BOLHAS DE AR OCLUSAS.......................... 442
3 MÉTODO PARA ESTIMATIVA DE RECALQUES EM SOLOS
NÃO-SATURADOS COM BOLHAS DE AR OCLUSAS.................................................. 444
3.1 Hipóteses do método....................................................................................................... 445
3.2 Formulação matemática.................................................................................................. 445
3.2.1 Cálculo da variação da altura da fase gasosa, ∆Hg................................... 446
3.2.2 Cálculo do grau de saturação ao final de cada carregamento............................ 449
3.2.3 Cálculo da variação da altura da matriz saturada, ∆Hw...................................... 450
3.2.4 Variação do recalque com o tempo........................................................................ 451
4 EXEMPLOS DE APLICAÇÃO............................................................................................. 451
4.1 Ensaio de adensamento................................................................................................... 451
4.2 Recalque no campo.......................................................................................................... 461
5 OUTRAS SITUAÇÕES.......................................................................................................... 462
6 CONCLUSÕES....................................................................................................................... 463
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 463
Capítulo 17
Resistência ao cisalhamento de solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 465
2 ASPECTOS BÁSICOS........................................................................................................... 465
3 EQUAÇÕES DE RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO................................................. 466
4 ENVOLTÓRIA DE RESISTÊNCIA...................................................................................... 468
5 PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA..................................................................................... 469
5.1 Parâmetros c e c’............................................................................................................... 469
5.2 Parâmetro Φʹ.................................................................................................................... 471
5.3 Parâmetro Φb.................................................................................................................... 473
5.4 Implicações Práticas das variações de Φ’ e Φb.............................................................. 477
xxxvi
Capítulo 18
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 499
2 PRINCÍPIO DAS TENSÕES EFETIVAS E SUA VALIDADE........................................... 499
3 TEORIAS PROPOSTAS PARA PREVISÃO DE COMPORTAMENTO DE
SOLOS NÃO SATURADOS................................................................................................. 502
4 EXPRESSÕES ANALÍTICAS................................................................................................ 504
5 SUPERFÍCIES DE ESTADO................................................................................................. 505
5.1 Equações propostas por Fredlund (1979)...................................................................... 506
5.2 Equações propostas por Lloret e Alonso (1985)........................................................... 506
6 MODELOS ELÁSTICOS PARA SOLOS NÃO SATURADOS.......................................... 507
6.1 Modelos de Coleman (1962)........................................................................................... 507
6.2 Modelo de Fredlund (1979)............................................................................................ 508
6.3 Modelo de Alonso et al. (1988) ...................................................................................... 508
6.4 Exemplo de aplicação numérica com modelo elástico: barragem de terra............... 509
7 MODELOS ELASTOPLÁSTICOS PARA SOLOS NÃO SATURADOS.......................... 514
7.1 Modelo BBM (“Barcelona Basic Model”)...................................................................... 514
7.2 Modelo de Wheeler e Sivakumar (1995)....................................................................... 518
7.3 Modelo de Futai (1997)................................................................................................... 520
7.4 Comentários sobre os Modelos Elastoplásticos............................................................ 521
8 EXEMPLO DE APLICAÇÃO NUMÉRICA UTILIZANDO MODELO
ELASTOPLÁSTICO.............................................................................................................. 523
COMENTÁRIOS FINAIS.......................................................................................................... 526
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 527
Capítulo 19
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização
da estrutura porosa de solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 531
xxxvii
Capítulo 20
Barreiras capilares em coberturas evapotranspirativas
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 555
2 TIPOS DE COBERTURAS EVAPOTRANSPIRATIVAS.................................................. 556
2.1 Coberturas monolíticas................................................................................................... 556
2.2 Barreiras anisotrópicas.................................................................................................... 557
2.3 Barreiras capilares............................................................................................................ 558
3 COMPORTAMENTO NÃO SATURADO DE UMA BARREIRA CAPILAR................ 563
4 MONITORAMENTO DE DESEMPENHO EM COBERTURAS
EVAPOTRANSPIRATIVAS.................................................................................................. 573
4.1 Utilização de lisímetros volumétricos............................................................................ 573
4.2 Monitoramento de umidade e perfil de sucção com o
uso de sensores................................................................................................................ 574
CONCLUSÕES........................................................................................................................... 577
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 578
Capítulo 21
Erosão
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 581
2 PROCESSOS EROSIVOS...................................................................................................... 582
2.1 Erodibilidade dos solos.................................................................................................... 586
2.2 Ensaios geotécnicos para análise de erodibilidade dos solos ..................................... 587
2.2.1 Crumb test.............................................................................................................. 587
2.2.2 Ensaio sedimentrométrico comparativo.............................................................. 588
2.2.3 Pinhole test.............................................................................................................. 589
2.2.4 Ensaio de desagregação......................................................................................... 590
2.2.5 Ensaio de absorção de água e perda de massa por imersão............................... 591
xxxviii
Capítulo 22
Estabilidade de taludes
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 613
2 ESCORREGAMENTOS........................................................................................................ 614
3 MECANISMOS DEFLAGRADORES DE ESCORREGAMENTOS................................ 616
4 ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS EM ESTUDOS DE ESTABILIDADE
DE ENCOSTAS...................................................................................................................... 618
4.1 Influência da Vegetação................................................................................................... 618
4.1.1 Relação Chuva x Escorregamento ....................................................................... 618
4.1.2 Definição de parâmetros de projeto..................................................................... 623
5 MÉTODOS DE ESTABILIDADE POR EQUILÍBRIO LIMITE....................................... 623
5.1 Talude Infinito ................................................................................................................. 625
5.1.1 Efeito da Vegetação................................................................................................ 626
5.1.2 Efeito Tridimensional............................................................................................ 627
5.2 Superfícies circulares....................................................................................................... 627
5.3 Superfícies Não circulares............................................................................................... 628
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 629
Capítulo 23
Barragens de terra e solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 633
2 FATORES QUE INFLUENCIAM A ESCOLHA DO TIPO DE BARRAGEM................ 633
2.1 Tipos de barragens........................................................................................................... 634
xxxix
Capítulo 24
Fundações em solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 651
2 INFLUÊNCIA DA SAZONALIDADE NOS PERFIS DE UMIDADE EM
SOLOS NÃO SATURADOS E A DINÂMICA DA SUCÇÃO.......................................... 652
3 AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA SUCÇÃO NA INTERAÇÃO
SOLO-ESTRUTURA DE FUNDAÇÃO A PARTIR DE MODELOS DE
LABORATÓRIO.................................................................................................................... 654
4 INFLUÊNCIA DA SUCÇÃO NO COMPORTAMENTO DE PROVAS DE CARGA.... 658
4.1 Experiência no Campo Experimental de EESC-USP................................................... 659
4.1.1 Provas de Carga em Fundações Profundas......................................................... 660
4.1.2 Provas de carga em placas..................................................................................... 664
4.2 Experiência no Campo Experimental da UnB.............................................................. 667
4.2.1 Provas de carga em placas..................................................................................... 669
4.2.2 Provas de carga em Estacas Escavadas................................................................. 670
4.2.3 Caso de obra no DF................................................................................................ 671
4.3 Agrupando resultados da literatura............................................................................... 677
5 MODELAÇÃO DE PROVAS DE CARGA EM SOLOS COLAPSÍVEIS.......................... 678
6 INUNDAÇÃO EM AÇÕES DE RECUPERAÇÃO DE FUNDAÇÕES............................ 681
AGRADECIMENTOS................................................................................................................ 682
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 682
Capítulo 25
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 687
2 CONFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DAS VIAS ................................................................ 688
xl
Capítulo 26
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos
solos não saturados
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 733
2 QUESTÕES SOBRE PROPRIEDADES DOS SOLOS NÃO SATURADOS.................... 733
3 QUESTÕES SOBRE A CURVA CARACTERÍSTICA DE RETENÇÃO DE ÁGUA....... 735
4 QUESTÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DOS SOLOS NÃO SATURADOS........ 740
5 QUESTÕES SOBRE EROSÕES, ENCOSTAS, ESTABILIZAÇÃO, BARREIRAS
AO FLUXO E OBRAS EM SOLOS NÃO SATURADOS................................................... 747
5.1 Erosões.............................................................................................................................. 747
5.2 Encostas............................................................................................................................. 748
5.3 Estabilização..................................................................................................................... 749
5.4 Barreiras ao fluxo............................................................................................................. 751
5.5 Os solos não saturados de cobertura dos aterros sanitários........................................ 752
5.6 Fundações de edifício e de obras de terra...................................................................... 753
5.7 Os solos não saturados em projetos de barragem........................................................ 754
5.8 Os solos não saturados em projetos de estruturas de pavimento............................... 755
5.9 Os solos não saturados em projetos de túneis............................................................... 755
5.10 Os solos não saturados em projetos de lagoas de estabilização................................ 755
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 756
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 757
Capítulo 1
Terminologia e simbologia
Analice Lima
Roger Augusto Rodrigues
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo visa listar as principais grandezas físicas com os respectivos símbolos e
unidades normalmente utilizadas na Mecânica dos Solos Não Saturados.
O sistema de unidades utilizado é o Sistema Internacional de Unidades (SI) que foi for-
malmente reconhecido pela Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM) e aprovado na
11ª Reunião realizada em 1960, em Paris, França, adotando-se a abreviação SI. A partir des-
sa reunião, esse sistema tem sido adotado em muitos países, como Grã-Bretanha, Austrália,
Nova Zelândia, Canadá, e na maioria dos países europeus (Fredlund et al. 2012).
Atualmente, a divulgação do Sistema Internacional de Unidades (SI) está internacio-
nalizada e seu uso é generalizado e obrigatório em muitos lugares, especialmente na área da
Engenharia.
Desse modo, as Associações Internacionais de Geotecnia vem persistindo na utilização
desse sistema para que se tenha um padrão nos estudos ao redor do mundo, sendo necessário
para um melhor aproveitamento e mais facilidade na leitura dos trabalhos técnico-científicos,
acadêmicos e para a orientação dos interessados.
O Brasil foi um dos primeiros países a adotar o sistema SI no ano de 1962, mas devido
à resistência dos usuários quanto a sua utilização, somente foi possível implementar definiti-
vamente esse sistema no ano de 1982, por meio de uma medida obrigatória, pelo Decreto n°
81.621, de 3 de maio de 1978, adotando-se o Quadro Geral de Unidades de Medida, baseado
nas Resoluções, Recomendações e Declarações das Conferências Gerais de Pesos e Medidas
(Amábile, 2007).
Os símbolos usados neste livro tiveram como base a proposta apresentada no V Con-
gresso Internacional de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações, realizado em Paris
em 1961, acrescida de outros símbolos frequentemente utilizados na Mecânica dos Solos Não
Saturados.
Este capítulo está dividido em três partes: a primeira relaciona as grandezas definidas
no quadro geral de Unidades de Medida; a segunda consta de uma simbologia utilizada na
Mecânica dos Solos Não Saturados; e a terceira apresenta considerações da ordem geral sobre
o tema, acrescido de uma parte sobre modelagem.
As tabelas a seguir irão descrever as unidades de base que abrangem toda a magnitude
da ciência e da engenharia, sendo unidades independentes da natureza do processo físico
2 Solos não saturados no contexto geotécnico
considerado (Tabela 1). As complementares e derivadas, que são aquelas deduzidas direta ou
indiretamente das unidades de base ou complementares, estão descritas nas tabelas 2 e 3. As
terminologias, simbologias e unidades referentes às propriedades físicas do solo (Tabela 7 a
10), propriedades mecânica dos solos (Tabela 11), tensões e deformações (Tabela 12), ensaios
de laboratório e campo (Tabela 13 e 14), aplicações geotécnicas a solos não-saturados (Tabela
15) e modelagem (Tabela 16) estão descritas a seguir.
O Sistema Internacional de unidades (SI), ratificado pela 11ª CGPM (1960) e atualizado
até a 15º CGPM (1975), está descrito nas tabelas abaixo.
É importante ressaltar que as unidades do SI são, geralmente, representadas por letras
minúsculas, mas, quando a unidade for um nome próprio, sua representação começa por uma
letra maiúscula.
As unidades SI de base constituem um conjunto de sete unidades bem definidas que, por
convenção, são consideradas dimensões independentes. Elas servem de apoio ao desenvolvi-
mento de todo o sistema e satisfazem não somente a ciência e a tecnologia como também, as
necessidades diárias da população em geral.
A temperatura pode ser, também, expressa em graus Celsius (ºC), sendo igual à tem-
peratura em Kelvin menos 273,15. A massa pode ser expressa em toneladas (t) bem como o
tempo em minutos (min), horas (h) ou dias (d).
UNI- SI SÍM-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
DADE BOLO
temperatura Fração 1/273,16 da temperatura termodinâmica do
kelvin k
dinâmica ponto tríplice da água.
Quantidade de matéria de um sistema que contém
quantidade de
mol ml tantas entidades elementares quantos são os átomos
matéria
contidos em 0,012 quilograma de carbono 12.
Intensidade luminosa, em uma determinada dire-
ção, de uma fonte que emite uma radiação mono-
intensidade
candela cd cromática de frequência 540 x 1012 hertz e cuja in-
luminosa
tensidade radiante nessa direção de 1/683 watt por
esterradiano.
dem ser substituídos por nomes e símbolos especiais, que podem ser próprios ou usados para
formar expressões e símbolos de outras unidades derivadas. As grandezas mais utilizadas
estão descritas na Tabela 3.
O volume, quando referente a fluidos, também pode ser expresso em litros (l).
UNI- SI SÍM-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
DADE BOLO
Vazão de um fluido que, em regime permanente
metro cúbico/
vazão m3/s através de uma superfície determinada, escoa o
segundo
volume de 1 metro cúbico de fluido em 1 segundo.
Velocidade de um corpo sólido que, em movi-
metro/segun-
velocidade m/s mento uniforme, percorre a distância de 1 metro
do
em 1 segundo.
Velocidade angular de um corpo sólido que, em
velocidade radiano/se-
rad/s movimento de rotação uniforme, descreve 1 ra-
angular gundo
diano em 1 segundo.
Viscosidade dinâmica de um fluido que se escoa
de forma tal que sua velocidade varia de 1 metro
Pascal-segun- por segundo, por metro de afastamento na di-
viscosidade Pa.s
do reção perpendicular ao plano de deslizamento,
quando a tensão tangencial ao longo desse plano é
constante e igual a 1 pascal.
Tensão elétrica entre os terminais de um elemen-
to passivo de circuito que dissipa a potência de 1
voltagem Volts V
watt quando percorrido por uma corrente invari-
ável de 1 ampère.
volume metro cúbico m3 Volume igual a 1000 litros.
Algumas grandezas podem alcançar valores que não são apropriados. Para evitar esse
problema, o (SI) optou por um conjunto de prefixos que permitem criar múltiplos e submúl-
tiplos decimais das unidades de base, complementares e derivadas, conforme descrito na Ta-
bela 3. Verifica-se que os prefixos maiores que quilo são representados por letras maiúsculas
e, quando possível, deve-se dar preferência aos prefixos múltiplos de 1000.
Tabela 4 – Prefixos SI
PREFIXO SI SÍMBOLO FATOR MULTIPLICADOR
exa E 1018
peta P 1015
tera T 1012
giga G 109
mega M 106
quilo k 103
hecto h 102
deca da 10
deci d 10-1
6 Solos não saturados no contexto geotécnico
(continuação)
A seguir, serão listadas as principais grandezas utilizadas na Mecânica dos Solos Não
Saturados, com os respectivos símbolos e as unidades normalmente utilizadas (SI). Algumas
grandezas podem ser representadas por mais de um símbolo; neste caso, aquele que aparece
primeiro é o mais adequado.
3.1 Sinais
3.2 Geral
As propriedades físicas dos solos não saturados são constituídas por: estrutura do solo,
textura do solo, porosidade, cor e consistência. Desse modo, a física de solos estuda e define,
qualitativa e quantitativamente, as propriedades físicas, bem como sua medição, predição e
controle, com o objetivo principal de entender os mecanismos que governam a funcionali-
dade dos solos. A importância prática de se entender o comportamento físico do solo está
associada ao seu uso e manejo apropriado.
3.3.3 Granulometria
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Diâmetro de n% Tamanho correspondente a uma peneira de n% na
dn, Dn mm
passando curva granulométrica.
Diâmetro que, na curva granulométrica, corres-
Diâmetro efetivo De, D10 mm
ponde à porcentagem que passa igual a 10%.
Coeficiente de
CU 1 Definido por: D60/D10
não-uniformidade
Coeficiente de cur-
CC 1 Definido por: D230/(D60x D10)
vatura
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Coeficiente de Coeficiente de permeabilidade medido horizon-
permeabilidade kh m/s talmente à estratificação do solo (sentido do flu-
horizontal xo paralelo à estratificação).
Soma da carga altimétrica, da carga piezométri-
Carga hidráulica h m ca (u/γw) e da carga cinética. Como as velocida-
des são baixas, despreza-se a carga cinética.
Pressão neutra no ponto, expressa em altura de
Carga piezométrica hp m
coluna d’água. Definido por: u/γw
Diferença de cota entre o ponto considerado e
Carga altimétrica z m
qualquer cota definida como referência.
Força devida ao fluxo com o qual a água que in-
Força de percolação
j kN/m3 filtra atua sobre as partículas sólidas contidas em
(por volume)
uma unidade volumétrica do solo (j = i.γw).
Número de canais de
nf 1 Número de linhas de fluxo.
fluxo
Número de equipo-
nq 1 Número de equipotenciais.
tenciais
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
Coesão efetiva c' kPa em relação a tensões efetivas, definido pela equa-
ção: τf = c’ + σ'tgφ'
Resistência ao cisalhamento para solos de baixa
Resistência não
Su kPa permeabilidade, em que ocorre pouca dissipação
drenada
durante a aplicação da carga.
Coesão remoldada cr kPa
Coesão residual c'R kPa
Ângulo formado com o eixo das tensões normais
pela tangente ao circulo de Mohr.
Ângulo de atrito φ ° Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
em relação à tensão total, definido pela equação:
τf = c + σtgφ
Ângulo formado com o eixo das tensões normais
pela tangente ao circulo de Mohr.
Ângulo de atrito
φ' ° Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
efetivo
em relação à tensão efetiva, definido pela equa-
ção: τf = c’ + σ'tgφ'
Ângulo de atrito
φ'R °
residual
Razão entre as resistências ao cisalhamento de um
Sensibilidade St 1
solo indeformado e um solo amolgado.
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Parcela de sucção referente à pressão isotrópica
negativa da água intersticial do solo devida às for-
Sucção matricial s, (ua - uw) kPa
ças de capilaridade e de adsorção e que depende
da matriz do solo.
Tensão que atua perpendicularmente em um de-
Tensão normal
σ − ua kPa terminado plano menos a pressão de ar existente
líquida
nos vazios do solo.
Tensão normal Tensão, superior a pressão atmosférica, que atua
σ kPa
total perpendicularmente em um determinado plano.
Tensão transferida por meio de contato intergra-
Tensão normal
σ' kPa nular, definida como σ’ = σ – u, para solos satu-
efetiva
rados.
Tensões máximas que atuam sobre cada um dos
Tensões principais σ1, σ2, σ3 kPa três planos ortogonais onde as tensões cisalhantes
são nulas.
Tensões normais em
σx, σy, σz kPa
coord. retangulares
Tensões normais em
σr, σθ kPa
coord. polares
Tensão axial σa kPa Tensão normal atuante na direção longitudinal.
Tensão confinante σc kPa
Tensão normal Tensão que atua perpendicularmente em um pla-
σoct kPa
octaédrica no octaédrico.
Tensão que atua tangencialmente a um determi-
Tensão cisalhante τ kPa
nado um plano.
Tensão cisalhante Tensão que atua tangencialmente em um plano
τoct kPa
octaédrica octaédrico.
Pressão resultante do efeito de forças intermole-
Tensão superficial σs kN/m
culares na interface ar-água.
Relação entre uma determinada força por unida-
Pressão P kPa
de de área.
Pressão interna pi kPa
Pressão externa po kPa
Componentes do
u, v, w m
deslocamento
Variação volumétrica por unidade de volume em
Deformação linear ε %
uma determinada direção.
Deformação cisa- Variação angular entre dois planos originalmente
γ %
lhante perpendiculares entre si.
14 Solos não saturados no contexto geotécnico
(continuação)
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Deformações correspondentes a cada uma das
Deformações prin-
ε1, ε2, ε3 % três direções ortogonais para as quais a distorção
cipais
angular é nula.
Deformações em
εx, εy, εz %
coord. retangulares
Deformações em
εr, εθ %
coord. polares
Variação volumétrica por unidade de volume na
Deformação axial εa %
direção longitudinal.
Deformação volu- Variação volumétrica por unidade de volume na
εv %
métrica direção longitudinal.
Relação entre a força cisalhante e força normal no
Coeficiente de atrito µ -
ponto de contato entre dois corpos sólidos.
Coeficiente de Relação entre as deformações radiais e deforma-
ν -
Poisson ções axiais.
Tensão cisalhante necessária para manter certa di-
Coeficiente de
η kPa.s ferença de velocidade de fluxo entre dois planos
viscosidade
paralelos em um fluido.
Módulo de elasti- Relação entre a variação da tensão normal e a va-
E kPa
cidade riação das deformações em uma mesma direção.
Módulo de elastici- Relação entre a variação da tensão cisalhante e a
G kPa
dade transversal variação das deformações cisalhantes.
Módulo de com-
Relação entre a variação da tensão isotrópica e a
pressibilidade K kPa
variação volumétrica correspondente.
volumétrica
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Parcela de sucção referente à pressão isotrópica
negativa da água intersticial do solo devido às for-
Sucção matricial s, (ua - uw) kPa
ças de capilaridade e de adsorção e que depende
da matriz do solo.
Tensão que atua perpendicularmente em um de-
Tensão normal líquida σ − ua kPa terminado plano menos a pressão de ar existente
nos vazios do solo.
Coeficiente de permeabili- Velocidade da descarga de água em meio poroso
k m/s
dade saturada saturado.
Coeficiente de permeabili- Velocidade da descarga de água em meio poroso
k(s) m/s
dade não saturada não saturado.
Coeficiente de permeabili- Velocidade de descarga contínua que se desenvol-
kw m/s
dade na fase liquida ve em meio à fase líquida.
Coeficiente de permeabili- Velocidade de descarga continua que se desenvol-
ka m/s
dade na fase gasosa ve em meio à fase gasosa.
Perda de carga hidráulica por unidade longitudi-
Gradiente hidráulico iw m
nal que ocorre na direção do fluxo de água
m3/s, Volume de água que percola através de uma seção
Vazão Q, q
l/s do solo dada por unidade de tempo.
Velocidade de descarga v m/s Razão entre a vazão e a área da seção do fluxo.
Velocidade com que a água escoa nos vazios do
Velocidade de percolação vp m/s
solo, considerando a área efetiva de escoamento.
Perda de carga hidráulica por unidade de compri-
Gradiente hidráulico i 1
mento na direção do fluxo.
Gradiente hidráulico Gradiente hidráulico em que a tensão efetiva pode
ic 1
crítico ser nula.
Coeficiente de permeabi- Razão entre a velocidade de descarga e o gradiente
k m/s
lidade hidráulico correspondente (v/i).
Coeficiente de permeabili- Razão entre a velocidade de descarga e o gradiente
k20 m/s
dade à 20º hidráulico correspondente à temperatura de 20ºC.
Coeficiente de permeabilidade medido vertical-
Coeficiente de permeabili-
kv m/s mente à estratificação do solo (sentido do fluxo
dade vertical
perpendicular à estratificação).
Coeficiente de permeabilidade medido horizon-
Coeficiente de permeabili-
kh m/s talmente à estratificação do solo (sentido do fluxo
dade horizontal
paralelo à estratificação).
Soma da carga altimétrica, da carga piezométrica
Carga hidráulica h m (u/γw) e da carga cinética. Como as velocidades
são baixas, despreza-se a carga cinética.
Pressão neutra no ponto, expressa em altura de
Carga piezométrica hp m
coluna d’água. Definido por: u/γw
16 Solos não saturados no contexto geotécnico
(continuação)
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Diferença de cota entre o ponto considerado e
Carga altimétrica z m
qualquer cota definida como referência.
Resistência ao cisalhamen- Tensão cisalhante máxima na ruptura, no plano de
τf kPa
to de pico ruptura em um determinado ponto.
Tensão cisalhante a grandes deslocamentos. Resis-
Resistência ao cisalhamen-
τR kPa tência ao cisalhamento que o solo mantém para
to residual
grandes deslocamentos.
Resistência ao cisalhamen-
τr kPa Tensão cisalhante de solos remoldados.
to remoldada
Resistência à compressão Tensão cisalhante máxima na ruptura durante o
σc kPa
simples ensaio de compressão simples (σ3 = 0).
Tensão cisalhante máxima na ruptura do ensaio
Resistência à tração σt kPa
de compressão diametral (ensaio brasileiro).
Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
Coesão c kPa em relação à tensão total, definido pela equação:
τf = c + σtgφ
Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
Coesão efetiva c’ kPa em relação a tensões efetivas, definido pela equa-
ção: τf = c’ + σ'tgφ’
Resistência ao cisalhamento para solos de baixa
Resistência não drenada Su kPa permeabilidade, onde ocorre pouca dissipação
durante a aplicação da carga.
Coesão remoldada cr kPa
Coesão residual cR’ kPa
Ângulo formado com o eixo das tensões normais
pela tangente ao circulo de Mohr.
Ângulo de atrito φ o Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
em relação à tensão total, definido pela equação:
τf = c + σtgφ
Ângulo formado com o eixo das tensões normais
pela tangente ao circulo de Mohr.
Ângulo de atrito efetivo φ' o
Parâmetro de resistência ao cisalhamento do solo
em relação à tensão efetiva, definido pela equação:
τf = c’ + σ'tgφ'
Ângulo de atrito residual φ'R o
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Índice de resistência à
IS 1
carga puntiforme
Relação entre a variação do índice de vazios e a
Índice de compressão do
Cc 1 variação das tensões efetivas no trecho de com-
solo
pressão virgem de carregamento.
Relação entre a variação do índice de vazios e a va-
Índice de expansão Cs - riação das tensões efetivas no trecho de expansão
ou descarregamento.
Tensão vertical efetiva máxima que está relaciona-
Tensão de pré-adensa-
σ’p kPa da ao histórico de carregamento a que um solo foi
mento
submetido no passado.
Densidade do ar ρa g/cm3
Constante universal dos
R J/mol.K
gases
Relação entre a pressão de vapor e a pressão de
Umidade relativa UR %
vapor de saturação do ar.
Temperatura T o
C
SI SÍM- UNI-
GRANDEZA DEFINIÇÃO
BOLO DADE
Número de golpes para o cone di-
Ndc 1
nâmico
Número de golpes para 0,2 m Nd 1
Número de meia-voltas para 0,2 m Nht 1
Pressão limite do pressiômetro Pl kPa
Módulo pressiométrico EM kPa
Altura do talude H m
Profundidade da camada resistente D m
Ângulo do talude com a horizontal β o
3.8 Modelagem
A Tabela 16 lista as grandezas, unidades e símbolos mais utilizados nos modelos empre-
gados na Mecânica dos Solos não Saturados.
REFERENCIAS
ASTM Des. E-380-70, Filadelfia, (Metric Practice Guide). A Guide to the Use of SI, the Inter-
national System of Units.
Wilson Conciani
Paulo Cesar Burgos
Raimundo Leidimar Bezerra
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo trata do conceito de solos tropicais e sua característica de solo não satura-
do. Os solos tropicais não são apenas aqueles que se localizam entre os trópicos, mas aqueles
que têm um comportamento mecânico e propriedades físico-químicas diferenciados da me-
cânica tradicional dos solos e que se encontram entre os trópicos. As condições de formação
desses solos e sua evolução ao longo do tempo mostram que é preciso um conceito diferente
do utilizado na Mecânica dos Solos Clássica. Tais conceitos são trazidos da Mecânica dos
Solos Não Saturados.
Nogami e Villibor (1995) entenderam que era preciso tomar um conceito pragmático
de solos tropicais já que há uma variedade de conceitos aplicáveis segundo a área de estudo e
região de interesse. Por isso, criaram um conceito que se limitava ao comportamento do solo.
Esses dois pesquisadores se preocuparam, também, em abranger, em seu conceito de solo
tropical, os lateríticos e os saprolíticos.
Novamente, a questão conceitual se torna importante. Para solos lateríticos ou lateritas,
há, também, uma diversidade de conceitos. O conceito mais tradicional está ligado à compo-
sição química. Nesse caso, seriam solos lateríticos todos aqueles em que a relação sílica/ses-
quióxidos for maior ou igual a 2, isto é, trata-se de solo profundamente intemperizado. Aqui,
há um ponto de consenso: são solos provenientes de evolução pedogenética.
A evolução pedogenética ocorrida se trata da lixiviação dos materiais silicosos e a fixa-
ção dos óxidos de ferro e alumínio nas regiões mais superficiais. Essa lixiviação acontece pelos
sucessivos ciclos de umedecimento e secagem que ocorrem nas regiões tropicais úmidas.
Um ponto de frequentes desencontros está na conceituação de solos feita pela pedologia.
Nesse caso, os solos laterítios são confundidos – ou divididos – entre latossolos e plintossolos.
O Manual Técnico de Pedologia do IBGE (BRASIL, 2007) mostra diversos casos em que a
laterita aparece como sendo plintita, e, alguns casos, como sendo latossolo. No entanto, para
os engenheiros geotécnicos, importa saber que a evolução pedogenética é que dá origem a
esses solos e que eles têm uma estrutura porosa, por vezes, levemente cimentada pelos óxidos
e hidróxidos de ferro e alumínio. Essa cimentação pode se tornar muito forte e, assim, tem-se
as concreções lateríticas (petroplintitas).
Os saprólitos são solos cuja evolução é recente, ou seja, a alteração da rocha promoveu a
criação de um material pulverulento, inconsolidado. Esse material ainda conserva a estrutura
22 Solos não saturados no contexto geotécnico
da rocha, porém, com baixa coesão. A exposição desse material ocorre em regiões tropicais
onde o regime de chuvas é intenso, promovendo a erosão de modo mais rápido que a altera-
ção. Alguns solos podem continuar a evoluir para solos residuais jovens e até maduros. Os
solos saprolíticos ou residuais jovens são incluídos pela pedologia como neossolos.
A primeira dificuldade com esses solos está na sua classificação. Conforme será visto no
Capítulo referente aos índices físicos, textura, consistência e classificação dos solos, os solos
tropicais não se enquadram apropriadamente nos sistemas de classificações usualmente em-
pregados em construções de estradas, barragens e prédios. Mesmo na identificação de solos
tátil-visual prevista na NBR 6484, existe dificuldade para saber de que solo se está tratando.
Já nos anos 1980. Essa preocupação se fazia presente. Para construir o perfil estratigráfico dos
solos, Vargas (1985) propunha que, seguinte à descrição tátil-visual que se faz nas sondagens
do tipo SPT, fosse acrescida uma nota sobre a possível origem (saprolito, aluvião, laterítico,
etc.). Outros autores, como Dias (1985), propunham acrescer a classificação pedológica à des-
crição tátil-visual do solo.
A descrição do perfil do solo é sempre um aspecto importante para o engenheiro geotéc-
nico. Ferreira et al. (1991) reforçaram a ideia de que o comportamento colapsível ou expansi-
vo do solo poderia ser inferido para previsões expeditas a partir de classificações pedológicas,
isto é, para além da identificação e classificação do solo, são necessárias informações de sua
gênese e estrutura para uma melhor inferência do seu comportamento.
O uso da descrição geológica do perfil de solo nos projetos de engenharia foi parte da
experiência de vida e do livro de Gusmão Filho (1998). Para esse profissional, o desconhe-
cimento do perfil de solo leva o projetista a fazer previsões com um grau de incerteza acima
do tolerado nas normas. Por outro lado, ao se conhecer a origem e as características de toda
a região e do perfil em particular de um sitio as previsões se tornam mais assertivas, reduzin-
do riscos, custos e criando soluções mais adequadas a cada situação. Nessa mesma linha de
raciocínio, Marques e Cintra (2000) propunham o uso de estacas que tinham um “bulbo” nas
regiões onde o perfil fosse constituído por materiais menos resistentes. Desse modo, o projeto
é completamente ajustado ao perfil local do terreno.
Neste capítulo, será feito um breve relato das condições de formação do solo, sua rela-
ção com a geologia local e regional. Para que isso seja possível, a próxima seção se ocupa de
fundamentar o conceito de intemperismo e sua ligação com a formação dos perfis de solos
brasileiros. Serão mostrados alguns modos de ação do clima sobre as rochas e a evolução pe-
dogenética dos solos nas regiões intertropicais. Esses mecanismos de formação de solos são os
responsáveis pelos perfis encontrados na maior parte do território brasileiro.
2 INTEMPERISMO
Para melhor entender o intemperismo, nesta seção, faz-se uma breve descrição de cada
um dos processos atuantes.
2.1.1 Hidrólise
Ortoclásio + água + hidrogênio iônico → caulinita + sílica coloidal em solução + potássio iônico
ou
De uma forma geral, esse “ataque” dos íons de H+ promove a quebra da estrutura dos
silicatos e libera os cátions de NA+, K+, Ca++. Logo, esses minerais podem, ainda, sofrer outras
evoluções para minerais como a limonita e a goetita, ambos abundantes nos solos tropicais
lateríticos.
2.1.2 Hidratação
A hidratação é uma reação que constitui a entrada de uma molécula de água na estrutura
mineral. Alguns autores consideram que esse processo é mais físico do que químico, já que,
em sua maioria, trata-se da adsorção de uma molécula de água e não da alteração do com-
posto. Nesse caso, a alteração está no tamanho da molécula. Como há um incremento no seu
tamanho, a partícula gera enormes tensões de expansão que culminam com o fraturamento
e a desagregação da rocha.
2.1.3 Carbonatação
A reação de carbonatação acontece pela interação dos compostos com o ácido carbôni-
co. O ácido carbônico aqui referido tem origem na dissolução do CO2 presente na atmosfera.
O CO2 é produzido pelas plantas, pela respiração das pessoas, pela queima de combustíveis
fósseis e pela decomposição da matéria orgânica presente na superfície do solo.
A reação do ácido carbônico com minerais é mais comum nos carbonatos de cálcio e
magnésio, tais como a dolomita e a calcita. Essa forma de intemperismo é responsável pela
formação de cavernas subterrâneas tão frequentes nas regiões de carste. Há, ainda, muitas
subsidências de edificações e obras de infraestrutura que ocorrem devido à dissolução dos
calcários e a sua lixiviação.
A reação química do ácido carbônico com o carbonato de cálcio pode ser vista a seguir.
ou
CaCO3 + H2CO3 → Ca+2 + 2HCO3
2.1.4 Quelação
2.1.5 Oxidação
O nome oxidação vem do antigo conceito de que um elemento se combinava com oxi-
gênio para formar outra substância. Mais modernamente, entende-se que as reações de oxi-
dação são aquelas em que o composto ou elemento perde elétrons, não necessariamente, na
presença de oxigênio.
Os minerais mais suscetíveis a essa forma de intemperismo são aqueles que possuem C,
P, e Mn em sua composição.
Segue-se um exemplo dessa reação:
A troca de bases é uma reação química em que um íon livre, geralmente positivo, é tro-
cado por um íon presente em uma molécula. Essa reação é, também, conhecida como troca
de cátions. Em alguns casos, ocorrem trocas de ânions, como as oxidrilas.
Os minerais são constituídos de cátions que, por vezes, são trocáveis. A troca de cátions
presentes na composição/estrutura de um mineral, em geral, faz mudar seu tamanho, sua ele-
trovalência e estrutura. Essas mudanças são suficientes para reduzir a coesão da rocha. As
trocas são mais frequentes entre soluções que percolam pelos vazios do solo e os cátions que
compõem os minerais. Os principais cátions trocáveis são Na+, Ca+2, Al+3 e Mg+2. O principal
desagregador, nesse caso, são as mudanças de tamanho dos íons e seus impactos na estrutura
mineral. Basta, por exemplo, imaginar a troca de um íon de silício (Si+4) por dois de magnésio
(Mg+2). O raio do íon de silício é de, aproximadamente, 0,39 nm, já o cátion de magnésio tem
raio de 0,78 nm. Isso quer dizer que é preciso aumentar em, pelo menos, 4 vezes o tamanho da
molécula para constituir o novo mineral. Essa expansão, por certo, promove a quebra da rocha.
Não é difícil imaginar que quanto maior a pressão a que um corpo estiver submetido,
menor será o seu volume. Na verdade, essa ação e a ação anterior fazem parte da Lei de Boyle-
-Mariot para variações de temperatura, pressão e volume.
As rochas, em geral, formam-se em profundidade. Portanto, estão sujeitas a pressões de
elevada magnitude. Ao se aproximarem da superfície pela ação da erosão ou de dobramentos
tectônicos, essas pressões se reduzem até chegar a valores da ordem de 100 kPa, o que corres-
ponde à pressão atmosférica. Tais variações levam as rochas a um aumento de volume. Como
decorrência do aumento de volume, surgem tensões internas que promovem o faturamento e
a fragmentação em blocos de rocha. Novamente, esses espaços se tornam porta de entrada da
água e de plantas e micro-organismos.
Aqui, o processo físico decorre de uma ação química. Em fraturas, trincas e vazios das
rochas, podem se formar compostos que decorrem da precipitação, cristalização e acumula-
ção de sais que se expandem e pressionam as paredes da cavidade onde se alojam.
De fato, o processo é físico no sentido em que o que leva à desagregação é a pressão ge-
rada pela expansão desses sais nos espaços vazios de um maciço rochoso.
Outro efeito pouco considerado, mas muito ativo, é o congelamento da água nos vazios
da rocha. A água se acumula nas fraturas das rochas. Nas regiões mais frias, essa água se con-
gela. A expansão causada pelo congelamento pressiona as paredes rochosas e as leva a novas
trincas e fissuras. Isso, finalmente, desagrega a rocha.
Origem e formação dos solos, perfis de intemperismo 27
Minerais hidrotermais
Zeólitas
Ortoclásio (feldspato potássico)
Quartzo
Muscovita
O perfil típico dos solos lateríticos é constituído por uma camada de solo poroso, rico
em ferro e alumínio, cuja espessura variável pode chegar a dezenas de metros. Em geral, essa
camada está sobrejacente a outra de material concrecionado. Sob o material concrecionado,
encontra-se um horizonte de cor cinza, rico em sílica, em geral, com textura de silte ou argila
(Figura 3).
Figura 3 – Formação do horizonte concrecionado em um perfil de solo laterítico. MT 130 Parantinga, MT.
Foto: W. Conciani
Um fator pouco discutido até aqui foi a influência da topografia na formação dos solos.
Materiais expostos em regiões escarpadas ou muito íngremes têm sua erosão mais rápida que
sua alteração. Assim, nessas regiões, os saprólitos estão sempre expostos, enquanto que, nas
regiões mais planas, os saprólitos estão sempre em profundidade.
30 Solos não saturados no contexto geotécnico
Como se tentou demonstrar até aqui, diversos fatores atuam sobre a formação dos solos.
Dentre eles, os mais importantes são: clima, embasamento rochoso e topografia. Ao apresen-
tar o mapa (pedológico) de solos do Brasil, deseja-se tão somente ilustrar esse fato. A Figura
4 traz o mapa de solos.
A predominância de latossolos, plintossolos e argissolos é nítida. Esses solos são os que,
mais frequentemente, a geotecnia chama de solos lateríticos. As maiores extensões desses so-
los se localizam nas regiões do Planalto Central, Norte e Centro Sul do país.
Por outro lado, os neossolos e nitossolos, que a geotecnia mais frequentemente denomi-
na de saprólitos ou residuais jovens, concentram-se nas áreas de grande declividade (serras) e
na região Nordeste, onde chove menos.
Cabe aqui, também, observar que os vertissolos e planossolos comuns em áreas de
várzeas se fazem presentes em grandes extensões no Rio Grande do Sul, no Pantanal Mato-
-grossense e em Roraima. Se for considerada a disponibilidade de água e clima, a planície do
Solimões e do Amazonas também deveriam ter esses mesmos solos. Contudo, nesta última
região, predominam os solos lateríticos. Desse modo, o embasamento rochoso também faz
diferença na formação do solo.
O objetivo desta sessão é apresentar alguns perfis de solos tropicais não saturados que
são típicos no Brasil. Para cada perfil, além da estratigrafia, deve-se descrever, de forma sucin-
ta, sua origem e principais propriedades (mecânicas, físicas, químicas, vantagens e dificulda-
des de obras neste tipo de solo) para uso em projetos de fundações, cortes, aterros, etc.
A Figura 6 mostra um corte de solo da cidade de Salvador. Nesse perfil, pode ser obser-
vado que o topo do perfil está bem preservado em termos de escorregamento e erosão. Na
base do talude, aparecem os escorregamentos, enquanto que, na parte de solo residual mais
jovem, observa-se a ocorrência dos processos erosivos.
32 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 6 – Perfil de solo residual de rocha sedimentar, Salvador – BA. Foto: Moacyr Schwab
O perfil seguinte mostra um solo saprolítico de encosta. Observa-se, nessa foto, que o
manto inconsolidado é pouco espesso e se sobrepõe ao material saprolítico. O material resi-
dual jovem foi removido pela erosão. O material exposto dentro da ravina é parte saprolito e
parte rocha alterada.
A Figura 8 mostra um perfil de solo às margens da BR 116, no Rio de Janeiro. Esse perfil
de corte recente ilustra a estratificação do solo. No topo do perfil, o solo mais marrom é o mais
maduro. Em seguida, vem uma camada de transição, de cor mais clara, separada por uma
linha roxa. A parte mais baixa do perfil está com cor cinza clara, quase branca, indicando o
acúmulo de material silicoso. A ausência de cimentação natural, nessa região mais baixa, tor-
na o solo mais erodível. Isso pode ser visto nos sulcos de erosão que surgem na base do perfil.
Nesta seção, deseja-se mostrar que é possível inferir alguns comportamentos do solo a
partir da sua gênese. A origem dos perfis os leva a apresentarem comportamentos mais ou
menos esperados a depender do projeto geotécnico a ser desenvolvido.
Devido ao modo de formação dos solos lateríticos e aos minerais que os compõem, é
possível inferir algumas propriedades.
É comum que o índice de resistência à penetração (NSPT) dos solos lateríticos seja baixo
nos primeiros metros. Isso se deve à sua porosidade. Contudo, ao passar pelos horizontes
concrecionados, esse valor pode se tornar tão elevado que seja impenetrável. Ao se ultra-
passar esse horizonte de solo concrecionado, encontra-se um material de baixa resistência
à penetração e cor cinza ou branca. Esses perfis são bem desenvolvidos e podem ser muito
profundos.
34 Solos não saturados no contexto geotécnico
A – Solo arenoso, poroso, colapsível, onde se pode B – Solo argiloso, poroso, colapsível, onde se podem
ver uma camada de cimento natural espalhada ver pontes de argila entre grumos (peds) de solo.
sobre as partículas. (aumento 3000x) (aumento 300x)
Figura 9 – Estrutura de alguns solos lateríticos vista em microscopia eletrônica
Se a estrutura é porosa, esses solos também devem ser esperados como permeáveis. De
fato, o coeficiente de permeabilidade dos solos lateríticos varia entre 10-3 m/s e 10-6 m/s. Esses
valores são típicos de areais limpas. A permeabilidade varia em função da umidade, da estru-
tura e, portanto, da profundidade do ponto observado. Em geral, a permeabilidade decresce
com a profundidade. Contudo, o decréscimo pode ser gradual ou abrupto. Em alguns perfis
de solo, ocorrem mudanças bruscas de textura ou estrutura, o que faz suas propriedades va-
riarem muito em um curto espaço. Solos com perfis podzólicos apresentam esse comporta-
mento.
5.2 Saprólitos
Da mesma forma que nos solos lateríticos, os saprólitos e solos saprolíticos têm algu-
mas características que permitem inferir suas propriedades. Isso é possível porque esses solos
guardam as estruturas da rocha e também porque, dentre os minerais que os compõem, estão
muitos argilominerais primários, do tipo 2:1 ou 3:1.
Uma propriedade frequentemente observada nos solos saprolíticos é a expansão. Os ar-
gilominerais primários presentes nesses solos têm um alto potencial de expansão. De outro
lado, ao serem expostos às intempéries, esses solos podem liberar as pressões que continham
as suas partículas. Essa pressão é suficiente para gerar tensões de expansão no solo.
A erodibilidade é um fator importante nos solos saprolíticos. Os mesmos argilomine-
rais que geram a expansão servem, também, para facilitar o destacamento das partículas. O
Origem e formação dos solos, perfis de intemperismo 35
processo é mais intenso se os solos são expostos à chuva. Nesse caso, a água atua como agente
que promove o destacamento e o transporte das partículas. É comum que taludes rodoviários
exibam uma capa dura mais próxima ao topo que resista à erosão. Contudo, logo abaixo dessa
capa, ocorrem solos residuais jovens e saprólitos, que são erodíveis e mostram profundas
escavações pela ação de chuvas e ventos.
O perfil de resistência à penetração dos solos (NSPT) saprolíticos pode ser bastante vari-
ável. Isso se deve ao fato de que o intemperismo ocorre de forma variada, sendo mais intenso
onde ocorrem os fluxos preferenciais de água. Assim, formam-se regiões onde o solo está
muito alterado e regiões onde o solo está pouco alterado. Isso se reflete diretamente no com-
portamento do solo. Esse comportamento errático foi elucidado por Futai et al. (1998).
Os saprólitos são muito suscetíveis a corridas de lama e deslizamentos. Muitos solos sa-
prolíticos são oriundos de rochas lamelares como os xistos, filitos, ardósias, etc. Ao sofrerem
alteração, as estruturas se mantêm, mas a coesão se acaba. Logo, formam-se planos preferen-
ciais de deslizamento. Outra situação comum é em encostas, quando se formam superfícies
de diferentes permeabilidades e resistências. Nesse caso, ao ocorrerem chuvas intensas, a água
se acumula nessas superfícies, promove a sua saturação, perda de resistência e, em seguida, a
corrida de lama.
A Figura 10 mostra um exemplo de perfil de resistência à penetração. Nos primeiros
metros de profundidade, o valor de NSPT varia em torno de 3 e cresce com a profundidade. Ao
atingir a região de solo residual jovem e/ou saprólito, os valores de NSPT se tornam erráticos.
6 ESTUDO DE CASO
Nesta seção, apresenta-se um caso de obra em que o estudo do perfil foi determinante
para a solução. A literatura está repleta de casos de obra em que o conhecimento do perfil de
modo mais detalhado teria evitado acidentes ou reduzido custos. Importante observar que
a gênese do solo foi a causa determinante da ruina e da reelaboração do projeto geotécnico.
Franco et al. (2008) relatam um caso de ruptura de talude de túnel auxiliar na construção
de barragem no qual o conhecimento do perfil de solo foi determinante para a solução dos
problemas encontrados. Trata-se da Barragem de Simplício (MG/RJ). Durante a construção
dessa barragem, houve a ruptura de um dos taludes de um dos túneis de acesso. As sondagens
realizadas indicavam que o emboque deveria ser mudado para evitar problemas de estabili-
dade. Feitas as alterações e executado o trecho, deu-se início ao monitoramento de possíveis
movimentos. Após a detecção desses movimentos, decidiu-se adicionar uma berma e drenos
sub-horizontais para estancar o movimento.
Franco et al. (2008) relatam que a geologia local é composta
REFERÊNCIAS
PATIÑO, F.H. (2004). Suelos Residuales Tropicales. Hombre Nuevo, Medellin, 354 pg.
FRANCO, J.A.M.; PIRES FILHO, C.J.; MACEDO JÚNIOR, P.M. & BORGES, J.B. (2008) A
Contribuição de Estruturas Reliquiares para Rupturas Localizadas dos Taludes em Solo Resi-
dual nas Obras do AHE Simplício Queda-Única. XIV COBRAMSEG, ABMS, Buzios, Anais
Eletrônicos.
DIAS, R.D. (1985) Fundações de linhas de transmissão assentes em solos lateríticos. Seminá-
rio de Engenharia de Fundações Especiais, São Paulo, pp. 283-289.
NOGAMI, J.S. & VILLIBOR, D.F. (2007). Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos.
Villibor, São Paulo. Pg 27 – 38.
FUTAI, M.M.; CONCIANI, W. & SOARES, M.M. (1998). Características geotécnicas do solo
saprolítico da Baixada Cuiabana. XI COBRAMSEG, Brasília, v. 1, pp. 221-228.
Capítulo 3
Propriedades químicas, mineralógicas e
estruturais de solos naturais
e compactados
José Camapum de Carvalho
Maria Claudia Barbosa
Rose Mary Gondim Mendonça
Wisley Moreira Farias
Fabrício Bueno da Fonseca Cardoso
1 INTRODUÇÃO
2 MINERALOGIA
2.1.1 Quartzo
tamórficas e sedimentares, e em solos como mineral residual. O quartzo (SiO2) tem hábito
prismático, mas, geralmente, ocorre nas rochas como uma massa granular compacta e possui
densidade relativa frequentemente adotada como igual a 2,65. Sua estrutura permite a entrada
de impurezas e, assim, apresenta elementos traço intersticiais variados. É naturalmente inco-
lor, mas as impurezas podem conferir várias cores recebendo, às vezes, outra denominação,
como ametista.
A ligação Si-O-Si é parcialmente iônica e covalente, não apresenta pontos fracos e tem,
assim, uma cinética de reação lenta, sendo persistente nos solos, apesar de que termodinami-
camente seria esperado que ele se dissolvesse (McBride, 1994). A solubilidade durante o pro-
cesso intempérico depende de pH, tamanho da partícula, composição química e da presença
de irregularidades superficiais, sendo muitas dessas irregularidades desenvolvidas no próprio
processo de intemperização (Cardoso, 1995). Segundo a literatura, a solubilidade do quartzo
é essencialmente constante entre os limites de pH de 2 a 8,5, aumentando significativamente
para pH superior a 9. A sílica solubilizada pode precipitar no interior dos poros do solo como
amorfo, com eventual efeito cimentante.
O mineral quartzo apresenta pouca substituição isomórfica na estrutura e baixa propor-
ção de quebras de ligação na superfície. Em consequência, em geral, tem baixa carga de super-
fície, área superficial específica (ASE) e capacidade de troca catiônica (CTC), e baixo valor do
ponto de carga zero (PCZ) (Kämpf et al., 2009). Tais particularidades têm, por consequência,
no que se refere aos solos não saturados, a ocorrência da sucção matricial devido ao efeito
capilar com natureza mais física que eletroquímica. Sendo de natureza física, a capilaridade
dependerá da distribuição granulométrica e da porosidade e, consequentemente, da distribui-
ção de poros, que varia entre uniforme e bem graduada, podendo, evidentemente, ser aberta
com presença, apenas, de poros maiores e de poros menores, sem poros intermediários.
Nos solos naturais, o quartzo está associado, principalmente, a partículas granulares,
ocorrendo, também, na faixa de silte e integrando agregados e microagregados. Esse fator,
em conjunto com sua característica de baixa atividade físico-química, faz com que participe
de forma pouco significativa na retenção de umidade, dando maior dinâmica às variações de
sucção em função da interação solo-atmosfera.
2.1.2 Feldspatos
Os feldspatos são minerais silicatados em que houve substituição parcial do silício pelo
alumínio e a introdução de metais alcalinos (K, Na) e alcalino terrosos (Ca, Ba) para con-
trabalançar o excesso de carga negativa resultante. Eles ocorrem em rochas ígneas e meta-
mórficas e, de modo mais raro, nas rochas sedimentares, como cristais tabulares ou massas
granulares e possuem densidade, geralmente, compreendida entre 2,56 e 2,63. Os feldspatos
mais comuns em solos são os feldspatos potássicos, mais estáveis, e os plagioclásios. Eles se
fazem abundantes nas frações de areia e silte dos solos pouco intemperizados (solos saprolí-
ticos ou residuais jovens). A persistência dos feldspatos nos solos está relacionada à natureza
desse mineral (tamanho, composição química, irregularidades na superfície do cristal) e às
condições de intemperização, como clima, geomorfologia, ação biológica e de complexos or-
gânicos. Com o processo de intemperização, eles dão origem a minerais secundários.
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais e compactados 43
Devido à existência de certo grau de substituição iônica entre os elementos potássio,
sódio e cálcio, os feldspatos têm maior atividade físico-química em relação ao quartzo e po-
dem participar da capacidade de retenção de umidade em termos de energia de adsorção e,
por consequência, atuar fisicamente sob a ótica da capilaridade e, quimicamente, sob a ótica
da sucção, sendo esse entendimento relevante no estudo do comportamento dos solos não
saturados contendo esse mineral.
2.2 Argilominerais
Antes de tratar dos argilominerais, cabe apresentar alguns conceitos básicos que pode-
rão ajudar no entendimento do tema:
– Planos atômicos – são arranjos constituídos por átomos distribuídos coplanarmente.
– Folhas estruturais– são arranjos constituídos por átomos pertencentes a mais de
um plano atômico, formando retículos laminares dos tipos tetraédrico (SiO4) e octaédrico
(Al2(OH)6 ou Mg3(OH)6).
– Camadas estruturais – são arranjos constituídos pelo agrupamento de folhas estrutu-
rais.
– Celas unitárias ou unidades estruturais – correspondem ao menor volume do cristal
limitado por três pares de lados paralelos e com simetria igual à do cristal como um todo. Elas
são constituídas pelas camadas estruturais e pelos espaços intercamadas.
– Tipos de estruturas – as formas de empilhamento das camadas estruturais dão origem
às estruturas 1:1 (uma folha tetraédrica e uma folha octaédrica), 2:1 (uma folha octaédrica
entre duas folhas tetraédricas) e 2:1:1 (uma camada 2:1 mais uma camada de brucita, (Mg, Al)6
(OH)12. A estrutura com unidade cristalográfica 1:1 é formada pelo empilhamento de uma lâ-
mina de tetraedros de silício e uma lâmina de octaedros de alumínio, unidas por ligação iônica
entre o oxigênio apical da lâmina de tetraedros e o alumínio da lâmina octaédrica, formando as
camadas. A junção entre as camadas, nessa estrutura, ocorre por meio de pontes de hidrogênio
entre o oxigênio da camada tetraédrica e a hidroxila da camada octaédrica, sendo essa ligação
considerada polar e forte o suficiente para conferir características de não expansibilidade e ine-
xistência de troca iônica na superfície entre as unidades 1:1. Já as estruturas com unidade cris-
talina 2:1 são formadas por uma lâmina octaédrica de alumínio entre duas lâminas tetraédricas
de silício unidas por ligações iônicas dos oxigênios apicais presos aos silícios, dos tetraedros,
com o alumínio da lâmina dos octaedros como nas unidades 1:1. Como a junção entre cama-
das se dá por meio de lâminas iguais, ela é considerada não polar. Em função dessa particula-
ridade, minerais com essa estrutura podem expandir mineralogicamente quando umedecidos,
como a esmectita e a vermiculita, ou não expandir, como é predominante na clorita e na ilita.
A expansão depende da força das ligações entre as unidades estruturais: na ilita, as ligações se
dão através dos íons potássio, que são suficientemente fortes para impedir a entrada de molé-
culas de água ou outros líquidos polares; nas esmectitas e na vermiculita, as ligações, através
de forças de Van der Waals e dos cátions adsorvidos, são muito fracas, permitindo a entrada de
moléculas de água entre as camadas, as quais promovem a hidratação dos cátions e a expansão.
44 Solos não saturados no contexto geotécnico
A presença de minerais micáceos nos solos tem estreita relação com a sua presença na
rocha de origem, fazendo-se presente em rochas ígneas ácidas a básicas, pegmatitos, meta-
mórficas e sedimentares e se constituem em fonte de potássio e magnésio nos solos. O grupo
da mica, aqui estabelecido, engloba as micas, minerais primários, e a ilita, mineral secundário,
sendo o conjunto tratado como minerais de argila, à semelhança do que fez Millot (1964).
Os minerais desse grupo são do tipo 2:1, com camadas formadas por uma folha oc-
taédrica entre duas tetraédricas. Como exemplo de fórmula estrutural da cela unitá-
ria, tem-se para a muscovita e para a biotita, respectivamente, K2Al2O5[SiO5]3Al4(OH)4 e
K2Al2O5[SiO5]3(Mg,Fe)6(OH)4.
Segundo Santos (1989), os minerais do grupo das micas podem ser divididos em bem
cristalizados, compreendendo as micas ígneas e as micas metamórficas, e em argiláceas,
compreendendo as ilitas e os argilominerais interestratificados, possuindo ilita em sua com-
posição. São exemplos de micas bem cristalizadas a muscovita, dioctaedral, com alumínio
ocupando os sítios octaédricos e possuindo densidade relativa geralmente situada entre 2,76
e 2,88, e a biotita, trioctaedral, com magnésio e ferro ocupando os sítios octaédricos e quase
sempre apresentando densidade relativa entre 2,8 e 3,2. A ilita é uma partícula de pequena di-
mensão e difere das micas bem cristalizadas por ter menor substituição de silício tetraédrico
por alumínio, menor carga estrutural, menos potássio interlamelar e menor regularidade no
empilhamento das camadas.
46 Solos não saturados no contexto geotécnico
Apesar de a biotita ser mais abundante nas rochas, ela é mais suscetível a processos in-
tempéricos quando comparada com a muscovita. Assim, nos solos, a muscovita predomina
nas frações silte a areia grossa, enquanto que a biotita, quando presente, encontra-se na fração
mais grossa. As partículas de mica apresentam-se negativamente carregadas, com capacidade
de adsorção de cátions para atingir a neutralidade elétrica.
As micas têm forma de placas ou são tabulares e sua orientação no solo é dependente da
formação da rocha ou do solo, bem como das tensões atuantes. A orientação preferencial das
placas de minerais micáceos no solo gera uma estrutura orientada e propicia a ocorrência de
um comportamento anisotrópico em resposta a solicitações hidromecânicas.
A ilita, também conhecida como mica argilácea ou hidromica, encontra-se em solos
provenientes de intemperismo de rochas ígneas e metamórficas ricas em muscovita e denota
estágios intermediários de intemperismo desse mineral (Juo e Franzluebbers, 2003). A estru-
tura cristalina do argilomineral ilita é semelhante à da montmorilonita tendo, porém, uma
maior substituição do silício tetra por alumínio, o que confere uma maior carga à estrutura
cristalina, que tem por cátion neutralizante o potássio e torna o argilomineral, geralmente,
não expansivo, com distância interplanar basal, como nas demais micas, aproximadamente
igual a 10,1Å.
As ilitas, geralmente, apresentam-se em forma de lamelas alongadas com bordos irregu-
lares e diâmetro equivalente variando entre 0,1 e 2 µm. Destaca-se que, segundo Leóne Rodri-
guez (2007), já foram identificadas ilitas com hábito fibroso. Sua densidade relativa costuma
variar entre 2,6 e 2,9.
A ilita apresenta plasticidade e CTC superior ao grupo da caulinita e inferior ao das es-
mectitas, geralmente variando entre 10 e 40 meq/100g. Com tais especificidades, a ilita cons-
titui-se em argilomineral no qual predomina a energia de adsorção, tornando-se relevante a
sucção em detrimento da capilaridade.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2 – Curvas características transformadas por eglobal (a) e ecorrigido (b) e variação do eglobal (c) e do ecorrigido
(d) em função do teor de umidade determinado (modificado, Campos et al. 2008)
Nos solos, as cloritas são minerais primários herdados de rochas metamórficas de baixo
a médio grau ou de rochas ígneas, ou secundários, como produto da alteração de minerais
ferromagnesianos (Sposito 2008). A estrutura cristalina das cloritas é formada por camadas
estruturais do tipo da mica, intercaladas com camadas de brucita. As camadas tipo mica apre-
sentam a fórmula estrutural da cela unitária (Si, Al)8 (Mg, Fe)6 O20 (OH)4 e a brucita (Mg, Al)6
(OH)12, sendo que sua forma varia conforme o tipo de empilhamento dessas camadas. Devido
à sua composição estrutural, alguns autores as consideram como argilominerais do tipo 2:1 e
outros, devido à presença da brucita interlamelar, como argilominerais do tipo 2:1:1.
Nas cloritas, o magnésio da camada de brucita é parcialmente substituído por íons fér-
rico ou alumínio, fornecendo, assim, a carga positiva necessária para neutralizar as substi-
tuições do silício por alumínio nas folhas tetraédricas e conduzindo à distância interplanar
basal de 14 Å. Não ocorrendo tais substituições, a neutralização é feita por meio de cátions
trocáveis, tornando a ligação mais fraca e possibilitando sua expansão para distâncias inter-
planares basais superiores a 14 Å.
As cloritas apresentam forma lamelar, densidade relativa, geralmente variando entre 2,6
e 3.3, área superficial similar à das micas finas e capacidade de troca catiônica comumente
variando entre 10 e 40 meq/100g.
Comparando entre os grupos de argilominerais, pode-se afirmar que a clorita apresenta
tamanho de partícula, carga negativa e área superficial semelhante à ilita.
Ki =
(% SiO2 ´ 1,70)
(1)
% Al2O3
Kr =
(% SiO2 / 0,60 ) (2)
[(% Al2O3 / 1,02)+ (% Fe2O3 / 1,60 )]
A composição química (Fe, O, H), associada às características da estrutura dos óxidos
de Fe, conferem, a esses minerais, atributos químicos, físicos e mineralógicos distintos, que
resultam em: elevados valores de densidade, cores características de cada espécie mineral,
dureza intermediária entre as espécies de minerais, caráter magnético em virtude da presen-
ça do Fe em sua estrutura e baixa solubilidade na faixa de pH comumente presente no solo
(Costa e Bigham, 2009; Sposito, 2008). Destaca-se, no entanto, que fluidos com pH distintos
daqueles normalmente encontrados nos solos podem percolar através do maciço, gerando
solubilização desses minerais e carreamento dos elementos que os compõem. São exemplos
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais e compactados 51
desses fluidos: as águas servidas e a própria água da chuva, que tem seu pH afetado pelas
condições químicas da atmosfera, pela matéria orgânica e atividade microbiológica no solo,
favorecendo reações de dissolução, complexação e precipitação dos óxidos de ferro. Outro
fator a ser considerado é a mudança de valência do ferro em virtude da condição de oxirre-
dução do meio.
Nos principais minerais oxídicos, o ferro aparece sob a forma de íon férrico (Fe+3), mas
se houver condições, ele pode ser reduzido, por exemplo, pela atividade biológica a íon ferro-
so (Fe+2), que é uma forma bem mais solúvel de ferro.
Os óxidos de ferro podem ocorrer dispersos na matriz do solo, com cristalinidade va-
riada, como partículas individuais finas. Eles formam também microagregados, concreções,
nódulos (Cardoso, 1995), plintita, ferricretes, entre outros (Costa e Bigham, 2009).
Embora seja grande a quantidade dos minerais oxídicos na natureza, aqui, serão apre-
sentados apenas os mais frequentes nos solos brasileiros.
A hematita é um dos óxidos de ferro mais comumente encontrados na natureza. Com
frequência, está presente nos solos profundamente intemperizados, dando-lhes a cor ver-
melha. Apresenta estrutura composta pela fórmula Fe2O3 e suas partículas exibem forma de
placas hexagonais ou romboédricas. Sua densidade relativa é, geralmente, igual a 5,26.
A goethita é o óxido de ferro mais estável, ocorre em vários ambientes (Ker, 1997), sen-
do, no Brasil, mais frequente em solos lateríticos, e lhes conferem cores amarelas e bruno-
-amareladas. Para sua formação, requer ambiente mais úmido, com teores elevados de maté-
ria orgânica, contrapondo-se à hematita, que necessita, para sua formação, condições opostas
(Kämpf et al., 2009). Exibe estrutura com composição dada pela fórmula FeOOH, assumindo
a forma de agulhas e ripas (placas alongadas) e formando agregados fibrosos. Sua densidade
relativa varia, geralmente, entre 4,26 e 4,37.
A ferrihidrida é um óxido de Fe mal cristalizado que apresenta diferentes graus de or-
denamento estrutural e que, dependendo das condições do meio, pode transformar-se em
diferentes óxidos de ferro. Pode precipitar-se abioticamente de soluções em solos oxídicos,
com o pH próximo da neutralidade, mas sua formação tende a ser condicionada por bactérias
em pH ácido ou em condições anaeróbias que reduzem significativamente a oxidação do Fe
(Sposito, 2008). Tem fórmula Fe10O15.9H2O e ocorre na forma de esferas individuais ou agre-
gadas e sua densidade relativa, geralmente, varia entre 3,8 e 3,96.
A magnetita, mineral magnético que, normalmente, aparece como mineral acessório em
algumas rochas ígneas e em rochas metamórficas (Souza et al., 1995); nos solos, tem origem
associada a processos bióticos e abióticos (Sposito, 2008). Sua estrutura apresenta a fórmula
Fe3O4, tem forma cúbica, densidade relativa igual a 5,18 e sua propriedade magnética facilita
a sua identificação.
Os óxidos e hidróxidos de alumínio são minerais comuns em vários solos, com ocor-
rência associada a condições climáticas diversas, porém, principalmente, quente e úmida (Bi-
garella et al., 1996). O diásporo, a bohemita, a gibbsita e a bauxita constituem os principais
oxi-hidróxidos de alumínio, sendo a gibbsita o mais comum.
A gibbsita, AlO(OH)3, também conhecida como hidroargilita, ocorre em grande escala
em solos sujeitos a profundo intemperismo químico de minerais aluminosos sob intensa li-
xiviação em climas quentes e úmidos. Possui, geralmente, densidade relativa compreendida
entre 2,3 e 2,4 e seus cristais costumam ter forma lamelar a tabular, com contornos pseudo-
52 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
Figura 4 – Curvas características desenhadas para diferentes porosidades, distribuições de
poros e mineralogias
3 PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS
Areia, silte e
Quartzo 1,0 – 3,63 0,6 – 5,33 -3 2,0 - 3,03
argila
Feldspato 0,0 – 2,03 Areia e silte 0,23 -3 2,0 – 2,43
Mica (Muscovita Areia, silte e
70 – 1203 80 20 5 – 153 -3 7,53
e Biotita) argila
Caulinita 10 - 301 0,5 – 5,01
Argila 5 95 3 – 153 0,74 – 43 4,0-5,03
Vermiculita 550 – 7001 0,1 – 5,01 Argila 95 5 100 – 2103 -3 -3
Esmectita 620 – 7701 0,01 – 1,01 Argila 95 5 80 – 150 -3 2,5
Clorita 70 – 1001 0,1 - 2,01 Silte e Argila 80 20 1 – 2,53 -3 <7
Ferrihidrita 100 – 4002 - 8,15
Goethita 8 – 2002 <0,16 Variável 0 100 0 – 63 4 -193 7,0 -8,03
Argila, silte e
Hematita 2 – 902 0 -63 -3 8,0 – 8,53
areia
Magnetita 4 – 1002 - 6,5 – 9,94
Argila, silte e
Gibbsita ~503 <0,16 0 100 0,2 – 33 7,23 8,0 – 9,03
areia
Argila, silte e
Alofana 900- 11003 <0,16 10 90 10 - 403 5 – 303 7,0 – 8,53
areia
Fonte: 1 Azevedo e Vidal-Torrado (2009) adaptado de Brady e Weil (1996); 2 Costa e Bigham (2009), modificado de Cornell
e Schwertmann (1996) para óxidos de ferro sintético; 3 Feldman et al. (2008) ; 4 Milonjic et al. (1983); 5 Tan (2012); 6 Brady
(1989) a pH 7; 7Sequência de tamanhos dada na tabela representa a sequência de abundância no solo. Micas abundantes em
todas as frações, excetuando ilita. Óxidos estão presentes como agregados ou nódulos em solos altamente intemperizados;
8
Valor de diferentes fontes que usaram diferentes métodos.
O potencial redox (Eh) representa o potencial elétrico desenvolvido por uma reação
de oxirredução em uma célula eletroquímica, medido em relação a um eletrodo padrão de
hidrogênio. O valor de Eh (Volts), conforme Equação 3, é obtido através da medição com um
eletrodo inerte de platina (Emedido) contra um eletrodo padrão de potencial conhecido (Eref ).
Eh = Emedido + Eref (3)
A presença de agentes redutores diminui o valor de Eh, e a presença de agentes oxidan-
tes aumenta o valor de Eh. Assim, valores de Eh = +0,3V a +0,8V são, em geral, indicativos
de solos óxicos, e valores de Eh = -0,4V a +0,1V, de solos anóxicos. No entanto, como o va-
lor medido é muito sensível à composição da solução do solo e da fase gasosa, não existem
valores de referência, como no pH, para classificar o meio, e a medição é muito sensível a
variações pela alteração do ambiente em contato com a amostra. Assim, esse parâmetro deve
56 Solos não saturados no contexto geotécnico
Arthur et al. (2013) relatam que a superfície específica governa a adsorção de contami-
nantes, a agregação do solo e a atividade microbiana. A área de superfície específica expressa
a razão entre a área da superfície da partícula e o seu volume, portanto, quanto menor a partí-
cula, maior a área superficial específica (ASE). A ASE do solo é função da composição das par-
tículas, que condiciona seu tamanho, conteúdo de água e CTC, e apresenta, também, estreita
relação com a quantidade de argila. A superfície específica é, muitas vezes, representada pela
relação entre a área da superfície da partícula e a sua massa, cabendo destacar que essa forma
de apresentação sofre a influência da densidade real dos grãos e pode levar a comparações
imprecisas entre solos, por exemplo, dois solos com a mesma granulometria e composição
mineralógica, exceto o fato de um deles ser rico em gibbsita (Gs entre 2,3 e 2,4) e o outro em
goethita (Gs igual 4,27), mas de tamanhos semelhantes, conduzirão a superfícies específicas
distintas em função da grande diferença de densidade existente entre os dois hidróxidos.
Segundo Brady e Weil (2013), a área da superfície específica total é a resultante da soma
de duas parcelas: área de superfície específica interna (entre as camadas) e externa (na lateral
da partícula). Pode variar de 10 m2g-1 (para argilominerais que apresentam possibilidade de
medida somente da superfície externa, por exemplo, a caulinita) a mais de 800 m2g-1 (para
argilominerais com possibilidade de medida de extensas superfícies internas, por exemplo,
a montmorilonita). Nos solos tropicais, como ocorre significativa variação da densidade real
das partículas em função da mineralogia, faz-se necessário em análises comparativas que
se leve em consideração esse parâmetro, trabalhando-se, por exemplo, com avaliações em
m2cm3.
A origem dos mecanismos de adsorção reside na presença de cargas elétricas não balan-
ceadas na superfície e, em alguns argilominerais, no espaço interlamelar, das partículas dos
minerais e da matéria orgânica do solo, destacando-se, porém, que o termo adsorção se refere
a retenções de superfície, diferentemente do termo absorção, em que o volume do mineral
absorve as espécies químicas.
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais e compactados 59
A origem das cargas na fração inorgânica está associada à substituição isomórfica ou
imperfeições na estrutura e à protonação ou desprotonação pelos grupos funcionais do tipo
Al-OH ou Si-OH ou Fe-OH nas bordas laterais dos argilominerais e óxidos (Sposito, 2008).
De acordo com Brady e Weil (2013), o húmus pode ser considerado uma estrutura coloidal
semelhante à argila. Admite-se que as cargas negativas da matéria orgânica são provenientes
da dissociação de grupos carboxílicos, enólicos (álcoois) e fenólicos das unidades centrais de
tamanho e complexidade variada (Fontes et al., 2001). Para contrabalançar as cargas elétricas
da partícula mineral ou orgânica, sejam negativas (predominantes) ou positivas, íons presen-
tes na solução são adsorvidos pela partícula.
A adsorção pode ser “específica”, de origem química ou física (ligações de Van der Wa-
als), e “não específica”, de origem física por ligações eletrostáticas.
A adsorção não específica é uma reação heterogênea, de superfície, rápida e, geralmente,
reversível. Esse mecanismo resulta na troca iônica, que é a troca de íons hidratados móveis de
um sólido por íons de mesma carga total em solução. Por exemplo, a troca de x mols de um
íon divalente do sólido por 2x mols de um íon monovalente em solução e vice-versa. Quan-
do envolve íons positivos, o processo é conhecido como troca catiônica, e quando envolve
íons negativos, como troca aniônica. Por serem reações rápidas, são tratadas como reações
de equilíbrio, em que vale a lei de ação de massas, e a seletividade ou ordem de preferência é
governada pela valência, com prioridade na adsorção de íons de maior número de oxidação,
pelo raio iônico hidratado, em que os menores tendem a deslocar os maiores, e pela abundân-
cia relativa de cada íon tanto na fase sólida (composição do complexo trocável do solo) quanto
na fase aquosa (concentração). Em geral, íons presentes em maior quantidade no complexo
trocável do solo serão mais facilmente trocados por outros íons em solução, e quanto maior a
concentração de um íon na solução, maior será a preferência na adsorção. Essas são, no entan-
to, regras de tendência que nem sempre são fielmente reproduzidas na realidade. A velocidade
da reação também varia com o tipo de argila. Em geral, a reação é mais rápida para a caulinita
(argilominerais 1:1), mais lenta para as esmectitas e vermiculita, e ainda mais lenta para a
ilita e a clorita (Grim, 1968). O autor explica essas diferenças pelo maior ou menor grau de
dificuldade de penetração dos íons para alcançar as posições trocáveis em cada argilomineral.
Assim, aparentemente, a ocupação das posições trocáveis nas extremidades da partícula é
rápida, e essa é a forma predominante nas caulinitas. Já a penetração dos íons no espaço inter-
lamelar das esmectitas e da vermiculita requer um tempo bem maior. No caso da ilita, parte
das posições trocáveis se situa entre as superfícies basais, que estão fortemente ligadas pelos
íons potássio não trocáveis, dificultando a penetração dos íons, que se dá, então, lentamente.
Destaca-se que as trocas iônicas não alteram a estrutura cristalina do mineral, embora inter-
fira diretamente em suas propriedades físico-químicas, no potencial de retenção de água do
solo e em seu próprio comportamento hidromecânico.
A adsorção específica é uma reação heterogênea, porém, mais lenta e não totalmente
reversível, porque a massa dessorvida é inferior à adsorvida. A adsorção específica de origem
química ou quimissorção se refere à elevada afinidade de adsorção de um íon presente na fase
líquida e um íon na superfície do mineral, passando, essas espécies, a formar um composto
químico de superfície não hidratado, por meio de ligação covalente. Os íons adsorvidos qui-
micamente têm a capacidade de alterar o potencial de superfície da partícula mineral, o que
não ocorre com a adsorção não específica. Ocorrem, ainda, os processos de adsorção especí-
60 Solos não saturados no contexto geotécnico
fica: (i) a adsorção de cátions para contrabalançar as cargas negativas geradas pela ionização
(desprotonação) das hidroxilas nos planos de quebra de partículas em argilominerais 1:1 e
óxidos e hidróxidos de ferro, alumínio ou manganês; (ii) a adsorção de ânions para contraba-
lançar as cargas positivas geradas pela protonação do oxigênio na superfície das partículas de
argilominerais 1:1 e óxidos e hidróxidos de ferro, alumínio ou manganês; (iii) a adsorção de
metais pela matéria orgânica, que tendem a formar complexos com os grupos funcionais da
matéria orgânica (Meurer et al., 2000).
Em todos eles, há uma variação da carga líquida da partícula e todos são dependentes
do pH do meio, ou seja, da disponibilidade de prótons para as reações. O processo de des-
protonação das hidroxilas e de protonação do oxigênio são mostrados esquematicamente na
Figura 5.
Os minerais apresentam cargas tanto negativas quanto positivas, mas, em geral, há pre-
dominância das cargas negativas, e, por esse motivo, nos solos, a troca catiônica é mais rele-
vante do que a troca aniônica. No entanto, nos argilominerais 1:1 e nos óxidos e hidróxidos
de ferro, alumínio, titânio e manganês, devido aos processos descritos anteriormente, a carga
líquida é variável com o pH da solução aquosa. As cargas relacionadas a essas fontes são, en-
tão, ditas “variáveis”, enquanto as cargas decorrentes de substituição isomórfica na estrutura
mineral independem do pH e são identificadas como cargas “constantes”. Os minerais podem
apresentar uma combinação dos dois tipos de cargas de superfície.
De modo geral, as partículas tendem a flocular em meio mais ácido ou próximo do PCZ,
e a se dispersar em meio mais alcalino do que o PCZ. Os solos tropicais com pH inferior ao
correspondente ao PCZ tendem a se desagregar quando o pH se eleva passando pelo corres-
pondente ao de carga zero, sendo essa característica relevante quando se efetua a estabilização
química do solo conforme mostrado por Rezende (2003).
62 Solos não saturados no contexto geotécnico
A atividade físico-química dos solos exerce uma grande influência sobre a estrutura do
solo. Como é a fração coloidal que tem a maior atividade, a aplicação da Teoria da Dupla
Camada, de Gouy-Chapman, proposta em 1910/1913 para um sistema heterogêneo de sus-
pensões coloidais, é válida. No modelo desenvolvido, existem três camadas iônicas junto à
superfície da partícula coloidal carregada (negativamente): a camada de íons hidratados for-
temente ligados à superfície (Stern), a dupla camada difusa (DC) dos íons hidratados ligados
eletrostaticamente à superfície, e a água livre, onde os íons se distribuem em concentrações
equivalentes de cargas elétricas opostas. Os íons se movem entre as diferentes camadas por
difusão. A distribuição da concentração de íons em cada camada é decorrente da hipótese de
que o potencial elétrico decresce exponencialmente com a distância à superfície carregada.
Por essa teoria, a espessura da DC varia não apenas com o potencial da superfície, mas
também com a valência dos íons presentes e com a concentração eletrolítica e a constante
dielétrica (ou permitividade elétrica relativa) da água livre. A DC é tanto menor quanto maior
a valência dos íons, maior a concentração eletrolítica da solução aquosa e menor a constante
dielétrica (lembrando que a água é o líquido de maior constante dielétrica).
A espessura da DC controla o equilíbrio entre as forças de atração e repulsão entre
partículas adjacentes. Se a DC se contrai, as forças de repulsão diminuem e as partículas se
aproximam. Se a DC se expande, ocorre o inverso e as partículas se afastam. A aproximação
das partículas resulta em floculação, e o afastamento, em dispersão. Assim, os processos de
troca iônica ou adsorção não específica podem alterar a estrutura do solo, causando flocula-
ção quando o solo adsorver cátions de maior valência (troca de Na+ por Ca+2, por exemplo),
e dispersão na situação inversa. A mudança da composição química e iônica da fase aquosa
(água livre), por processos de lixiviação ou de ingresso de novos compostos, também pode
causar a mudança do arranjo estrutural do solo. Por exemplo, o ambiente salino tende a pro-
vocar a formação de estrutura floculada, em comparação com ambiente de água doce, que
tende ao efeito contrário. Se um solo formado em um ambiente é submetido à mudança do
ambiente para outra condição, ele apresentará a mudança da estrutura correspondente. Os
mecanismos de adsorção específica não apenas influenciam a estrutura através da adsorção
de íons de diferentes valências, como também pela alteração da carga de superfície e, por-
tanto, do potencial.
Diante dessas particularidades, as mudanças atmosféricas impactando na qualidade da
água da chuva devem ser vistas com mais atenção, pois podem contribuir para ocorrência de
fenômenos como os escorregamentos de encostas e subsidências. Também merecem maior
atenção os procedimentos de infiltração das águas servidas e o uso de defensivos e insumos
agrícolas que terminam migrando para o interior do maciço ou deslocando-se na superfície
do terreno por meio do fluxo superficial provocado pelas precipitações pluviométricas.
membrana contrátil. As forças de interações intermoleculares (forças de Van der Waals) são
responsáveis pelo efeito contrátil em conjunto com a pressão e a evapotranspiração do meio.
O solo, ao perder umidade, passa por um processo de contração devido à atuação da
capilaridade por meio da membrana contráctil que se forma em sua superfície. Essa contra-
ção cessa nos minerais não expansivos com a entrada de ar no solo. No entanto, no caso dos
minerais expansivos, ela continua, pois a perda de umidade gera a necessidade de equilíbrio
de energia entre a parte externa e a interna ao mineral, o que implica em variações da distân-
cia interplanar basal, que impactam nas variações volumétricas como um todo. Nessa fase,
torna-se muito relevante a atuação das forças de adsorção solo-água. Nos solos agregados,
como é o caso dos solos tropicais profundamente intemperizados, podem, também, ocorrer
variações volumétricas dos agregados para sucções elevadas, mas por efeito capilar de super-
fície, quando se dá a entrada de ar em seus interiores. Nesse momento, o grau de saturação
global já é bem menor que 100%, embora os agregados continuem saturados. Portanto, essa
discussão inicial mostra a relevância da capilaridade para o entendimento das propriedades e
do comportamento dos solos.
No processo de atuação da energia capilar, uma partícula é puxada contra a outra, ge-
rando um aumento das tensões efetivas no contato, portanto, embora se coloque, muitas
vezes, na literatura, que a capilaridade gera uma coesão aparente, o fenômeno tem natureza
mais física, refletindo no atrito. É evidente que os aspectos químico-mineralógicos da inte-
ração fluido-mineral são, também, relevantes, mas, no caso da capilaridade, predomina o
aspecto físico.
Entretanto, outras forças atrativas são responsáveis pela coesão e promovem a sua am-
pliação nos solos quando da perda de umidade e redução do grau de saturação, como a pró-
pria energia de adsorção que se amplia com o déficit de água no solo. Também, a atuação
sobre a coesão no solo de cimentos, das pontes de argila, das interações entre elementos quí-
micos (Fe, Al, Mn, Si) e da matéria orgânica são impactados pelas variações de umidade.
Voltando à questão relativa à capilaridade, após a entrada de ar no solo, dando continui-
dade ao processo de desidratação, o raio dos meniscos diminui, ampliando a pressão (energia)
no contato. Essa energia interativa no contato será tanto maior quando menor o tamanho do
poro (efeito físico) e pode ser expressa pela Equação 9, que permite calcular, por analogia com
o fenômeno atuante em tubo capilar, a pressão capilar (pc) correspondente à pressão no lado
côncavo do menisco menos a pressão no lado convexo do menisco, a partir do coeficiente
de tensão superficial na água (T), do cosseno do ângulo θ que se forma entre o menisco e a
superfície de contato do mineral (por analogia, o tubo) e do raio do menisco (R):
pc = 2T cos θ (9)
R
A tensão superficial depende da temperatura, que, levando em consideração a água pura,
é de 0,0756 N/m para 0º C, 0,0728 N/m para 20º C e 0,0589 N/m para 100º C. Desde que o
solo tenha poros com variação de tamanho, a água será deslocada, primeiramente, dos poros
maiores em detrimento dos poros menores. Entretanto, isso pode não ser verdade quando há
uma rápida infiltração da água, e o ar pode ficar ocluso, submetendo-se, inclusive, a pressões
positivas. Aqui, merece um parêntese de cunho prático: sempre que houver recobrimento
de uma superfície de solo não saturado ou mesmo de um agregado, a infiltração da água se
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais e compactados 65
dará por efeito da sucção/capilaridade, submetendo a fase ar à pressão positiva capaz, dentre
outros, de atuar desagregando o solo ou deflagrando processos erosivos.
Com a continuidade da desidratação do solo em um determinado poro, ocorrerá a re-
dução do raio do menisco, ampliando a pressão capilar apresentada na Equação 9. Quando o
solo apresenta poros com tamanhos variados, os raios dos meniscos se ajustarão às duas di-
mensões de modo a se adequarem à energia disponível tida como única. Essa particularidade
desfaz a ideia da necessidade de dessaturar os poros maiores para que se formem meniscos
nos poros menores quando esses compreendem uma mesma massa interconectada. Esse não
é o caso da presença dos agregados nos solos tropicais, pois, nesse caso, a dessaturação dos
macroporos independe dos microporos presentes no interior dos agregados.
Com base no exposto, verifica-se que, quando predomina, no solo, o efeito capilar, as
forças interpartículas dependem da distância entre partículas (tamanho dos poros), do raio
do menisco capilar (energia disponível), da tensão superficial (função da temperatura e da
qualidade do fluido) e do ângulo de contato (função das propriedades dos minerais).
À medida que o solo se desidrata, aumenta a pressão capilar, no entanto, desidratações
excessivas podem levar ao desaparecimento do menisco e, por consequência, ao seu efeito
sobre as tensões interpartículas, o que explica, por exemplo, a perda de resistência de uma
areia ao passar do estado úmido para o seco. A mesma perda de resistência ocorrerá quando
o raio do menisco tender para infinito, o que corresponde à situação de uma areia saturada.
No solo, a água pode estar nos poros na condição livre ou adsorvida ou contida na es-
trutura cristalina dos minerais. A água de cristalização dos minerais não está disponível. A
evaporação de uma molécula de água se dá quando sua energia cinética supera o trabalho
oriundo da tensão superficial. Por isso, a evaporação amplia com o aumento da temperatura
e com a redução da tensão superficial, o que se dá com o aumento da pressão de vapor. Logo,
a água dos poros pode ser liberada em condições de temperatura que vão da temperatura
ambiente a 100 °C, temperatura de evaporação da água. Já a água de cristalização ou lamelar,
em termos de temperatura, pode ser removida a temperaturas de 100º C, em alguns minerais,
até 400º C, em geral (Kiehl, 1979). Destaca-se, porém, que a água existente intercamadas pode
ser removida por atuação de outras formas de energia, como a de compressão.
O nome dado de água de cristalização ou água congelada na intercamada das esmectitas
e haloisitas deve-se à orientação hexagonal da monocamada de água formada nos espaços
interlamelares. A forma hexagonal das moléculas de água é típica do gelo, daí ser também
chamada de água congelada. A forma tetraedral da água ocorre na água livre.
A água aderida ao mineral na monocamada da superfície da dupla camada elétrica de
Stern está rigidamente ligada a ele pelas pontes de hidrogênio. Na caulinita, a monocamada
não exibe orientação preferencial, existindo uma distorção das ligações de hidrogênio. A mo-
nocamada de cobertura do sistema caulinita/água é limitada ao redor do mineral a 1 nm de
espessura, sendo que, acima dessa espessura, a água está em um estágio de entropia maior,
atingindo multicamadas com espessura de 3 nm, quando a partícula de caulinita está suspen-
sa no meio aquoso (Sposito, 1984). A pressão necessária para retirar a monocamada pode ser
maior que 400 MPa (Van Olphen, 1977).
66 Solos não saturados no contexto geotécnico
O potencial capilar no solo é definido como sendo o trabalho necessário para a remoção
de uma unidade de massa de água do solo. As diferenças de potencial de um ponto para outro
no solo determinam a direção, o fluxo e o trabalho necessário para provocar esse fluxo, sendo
que a tendência da água é atingir o equilíbrio com menor energia. O potencial total (ξT) de
água no solo, Equação 10, é dado pela soma das componentes mais relevantes: potencial de
pressão (ξP) ou potencial hidrostático, importante em solos saturados ou muito próximos da
saturação, onde há tensões positivas; potencial gravitacional (ξG = g∙z), em que g é a aceleração
da gravidade e z a altura com relação ao nível de referência; potencial osmótico (ξO), atua na
solução coloidal do solo por conter íons livres hidratados ou adsorvidos na superfície dos mi-
nerais em constante troca com o meio e interação com a água, devido a sua polaridade, sendo
definido como o trabalho necessário para deslocar a água desses íons (Figura 6); potencial
matricial (ξM) da água no solo, deve-se à força de adsorção ou ao efeito capilar:
ξT = ξP + ξG + ξO + ξM (10)
Figura 6 – Íons solvatados por moléculas de água que geram a pressão osmótica
A estrutura dos solos pode estar ligada à sua origem ou ser imposta por ações antrópi-
cas, como a compactação. Nos solos granulares, as estruturas mais comumente encontradas
então ilustradas na Figura 7. Nessa ilustração, a Figura 7a mostra uma imagem real de uma
areia de quartzo e as demais figuras apresentam imagens criadas com o objetivo de explicar
os tipos de estrutura que podem estar presentes nesses solos. Nos solos granulares, como as
partículas são relativamente equidimensionais, a estrutura formada é, geralmente, do tipo
simples (Figuras 7a e 7b) e, em casos específicos, pode formar-se a estrutura alveolar (Figura
7c). Materiais granulares com partículas lamelares mantêm a estrutura simples, podendo, po-
rém, apresentar os grãos distribuídos ao acaso (Figura 7d) ou de modo orientado (Figura 7e).
A tendência é os grãos se orientarem durante o processo de compactação ou sob o efeito de
outra energia externa. Em certas obras, como as estruturas de pavimento, a ação continuada
do tráfego tende a ampliar essa orientação, inclusive na camada de revestimento asfáltico. Em-
bora essa orientação afete o comportamento hidromecânico dos solos granulares em função
do nível de orientação, ela o faz de modo muito menos relevante, no que tange à imposição de
anisotropia, que no caso dos solos sedimentares argilosos e dos solos residuais pouco intem-
perizados. Nos solos granulares não saturados, independentemente da estrutura, a água nos
poros geralmente atuará por capilaridade.
Ainda tratando-se das argilas presentes nos solos sedimentares e nos solos residuais
pouco intemperizados, quando esses solos são submetidos ao processo de compactação, as
partículas de argila podem ou não se orientarem segundo a energia e umidade de compacta-
ção (Lambe, 1958).
Os solos considerados profundamente intemperizados formados em regiões de clima
tropical possuem, em sua matriz, materiais sólidos como matéria orgânica, minerais bem
cristalizados e amorfos e oxihidróxidos de ferro e alumínio. Essa característica, aliada a con-
dições favoráveis de pH, propicia a formação de agregados nanoestruturados com presença
de microporos em seu interior e macroporos entre eles (Farias et al., 2011). Destaca-se que,
entre a zona de macroporos e de microporos, vai ocorrer uma distribuição de poros mais ou
menos graduada, dependendo do solo e, nessa graduação, passa-se por poros intermediários,
os mesoporos que, em certos casos, também se fazem presentes no interior de agregados e mi-
croagregados. Os poros podem ser ocupados por ar e solução eletrolítica de água ou, quando
saturados, apenas por esta última. Cardoso (1995), estudando a micromorfologia por meio de
microscopia ótica e eletrônica de varredura (MEV) de solos tropicais colapsíveis, concluiu que
a porosidade dos solos está associada à agregação de partículas, que se conectam por meio de
pontes de argila (Figura 8). O autor comenta, também, que o potencial de colapso dos solos
está associado a uma inexpressiva ação cimentante dos oxi-hidróxidos de ferro e a bioturba-
ção de alguns solos que podem formar importantes vazios que influenciam na colapsibilidade.
Figura 8 – Ponte de argila entre dois agregados de um Latossolo Vermelho. (MOt, N//)
Aumento: 600X (Cardoso, 1995)
Nos solos, não há, necessariamente, uma separação espacial clara e bem definida en-
tre poros pequenos e grandes, no entanto, classificações considerando o diâmetro dos poros
são postuladas na literatura (Richards, 1965; Kiehl, 1979; Luxmoore, 1981; Klein e Libardi,
2002). A distribuição de poros é também avaliada considerando-se o modelo bimodal, no
Propriedades químicas, mineralógicas e estruturais de solos naturais e compactados 69
qual os poros são classificados em interagregados e intra-agregados (Othmer et al., 1991). Os
interagregados correspondem ao arranjo dos diferentes grãos e grumos e sua rede. Os intra-
-agregados são formados na matriz argilosa do solo, composta pelo aglomerado de minerais e
suas interações, podendo, nessa matriz, estar envolvidos minerais primários, como o quartzo.
Para melhor entendimento sobre a distribuição de poros, recorrer-se-ão a análises de
porosidade feitas por meio da técnica da adsorção física de N2 a 77 K. A classificação dos po-
ros utilizando-se a técnica de adsorção física por N2 considera os limites, que são os seguintes:
microporos – 3 Å a 20 Å; mesoporos – 20 Å a 500 Å; macroporos – 500 Å a 4000 Å, sendo que
esta última faixa ainda trabalha com os poros que estariam intra-agregados. Já os macroporos,
considerados poros interagregados, estariam na faixa de 4000 Å a 950 µm e não são determi-
nados pela adsorção física do N2 a 77 K. Para ilustrar essa distribuição dos poros completa
(Figura 9), envolvendo os micro, meso e macroporos, inclusive os presentes interagregados,
recorreu-se à porosimetria por adsorção de N2 e a curva característica de retenção de água
determinada por meio de centrífuga.
Essa distribuição completa dos poros foi obtida para um solo laterítico em estado natu-
ral, situado no horizonte B, classificado como Latossolo Vermelho, de textura média, caráter
distrófico, ou seja, com saturação de bases menor que 50%, e acidez alta. Pelas classifica-
ções geotécnicas dos sistemas SUCS (Sistema Unificado de Classificação de Solos), AASHO
(American Association State Highway Officials) e MCT (M - Miniatura, C - Compactação,
T - Tropical) expedita, o solo foi classificado, respectivamente, como CL-ML, A-4 e LA’-LG’.
Nota-se, nessa distribuição de poros, a característica de maior quantidade de mesoporos que
microporos no interior dos agregados, enquanto os macroporos constituem a porosidade in-
teragregados.
Nesses solos, a fase ar só penetra nos poros intra-agregados para valores elevados de
sucção (1.000 kPa a 10.000 kPa), fazendo com que, na natureza, eles quase sempre se encon-
70 Solos não saturados no contexto geotécnico
trem em estado saturado, e essa é uma característica que torna recomendável seja considerada
na secagem prévia desse tipo de solo na fase de preparação de amostras para a realização de
diferentes tipos de ensaios.
Farias (2012) encontrou que os nanoporos estão diretamente associados à mineralogia
da fase coloidal dos solos, reforçando a ideia de poros nanoestruturados pela mineralogia.
Cabe ressaltar que, em um solo natural indeformado, grande parte dos comportamentos que
envolvem fluxo hidráulico advectivo e o fenômeno de colapsibilidade são diretamente contro-
lados pela macroestrutura interagregado.
Atualmente, no meio geotécnico, tem se realçado a importância da microestrutura dos
solos naturais e compactados. Aplicando-se a técnica de adsorção de N2, aliada à determina-
ção da curva característica de retenção de água pela técnica do papel filtro, determinou-se a
distribuição completa dos poros em um solo laterítico classificado como LG’, compactado na
energia do Proctor Normal. Nota-se, na Figura 10, que quase 60% dos poros que constituem
a estrutura desse solo compactado são constituídos por mesoporos. Observa-se que, em um
determinado trecho, os resultados obtidos pelas duas técnicas se sobrepõem.
Figura 10 –Gráfico da distribuição dos poros da amostra compactada na energia Proctor normal
(Farias et al., 2011)
Figura 11 – Distribuição do volume de poros nas energias de compactação (Farias et al., 2011)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 12 – Relação entre o teor de agregado e (a) o coeficiente de atividade de Skempton (1953) e (b) o
coeficiente de atividade apresentado pela EMBRAPA (2006)
74 Solos não saturados no contexto geotécnico
Portanto, em regiões tropicais como o Brasil, onde os perfis de solos naturais e os solos
compactados se encontram predominantemente, em grande parte, em condição não saturada,
conhecer as propriedades e comportamento dos solos nesse estado é fundamental para a se-
gurança e otimização de projetos e para a execução e vida útil das obras, e por consequência,
assume grande importância se conhecerem os aspectos que afetam as propriedades e os com-
portamentos dos solos não saturados, a saber: a química, a mineralogia e a estrutura.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem ao Prof. Franklin dos Santos Antunes, professor emérito da PUC-
-Rio e professor de Pedologia e de Geologia de Engenharia, durante muitos anos, na PUC-Rio
e na UFRJ (Instituto de Geociências), pela leitura e pelos comentários enriquecedores sobre
este capítulo.
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Capítulo 4
Potenciais da água no solo
1 INTRODUÇÃO
A simples separação entre saturado e não saturado já fornece uma pista sobre a impor-
tância que a água desempenha nos solos, seja do ponto de vista agronômico, geotécnico ou
mesmo de outras disciplinas dedicadas a estudar o assunto. Nessa perspectiva, há diferentes
formas de se retratar a presença da água, seja por adjetivos, tais como água gravitacional,
água higroscópica e água capilar, ou por quantificações, como aquelas expressas pelos teores
de umidade e grau de saturação e pelo estado de energia da água. A energia presente numa
determinada porção de água é aquela ditada pelas formas básicas descritas na Física, ou seja,
da energia cinética, resultante da velocidade com que a água se movimenta e da energia po-
tencial, resultante da posição e de diferentes interações entre a água e outros componentes
presentes, como as partículas sólidas e os solutos. A utilização dos conceitos de energia não
é uma novidade própria dos solos não saturados, visto tratar-se de um conceito físico funda-
mental. Para exemplificar, basta recorrer à conhecida equação de Bernouilli de ampla utiliza-
ção em Mecânica dos Fluidos e, obviamente, em Geotecnia.
Pode-se dizer que os fenômenos envolvendo o transporte de massa em solos, sejam re-
lacionados ao fluxo de água ou de outras substâncias pelos seus interstícios, possuem grande
importância na engenharia geotécnica. Problemas de erosão, de estabilidade de taludes, de
perda de água pela fundação ou pelo corpo de barragens de terra, de colapso ou expansão, de
danos provocados por ações de rebaixamento do lençol freático e os problemas envolvendo
o transporte de contaminantes no solo são exemplos de situações práticas da engenharia, nos
quais o conhecimento acerca das propriedades hidráulicas do solo e das condições de contor-
no do problema é requerido.
Conforme se poderá observar, contudo, nos capítulos que tratam da permeabilidade e
fluxo em solos e do fluxo de contaminantes em solos não saturados, às vezes, esses problemas
se apresentam de forma mais complexa, exigindo para o seu cálculo ou sua modelagem a de-
terminação de propriedades do solo que ainda não estão incorporadas à prática laboratorial
atual. Especificamente, no caso do fluxo de água ou do transporte de contaminantes em solos
não saturados, outros potenciais de energia da água devem ser levados em consideração para
a resolução dos problemas que se apresentam ao engenheiro geotécnico.
Nos estudos de transporte de contaminantes em meios porosos, a advecção, ou seja, o
transporte de substâncias dissolvidas pelo movimento da água, desempenha um papel funda-
80 Solos não saturados no contexto geotécnico
mental. Quando o fluxo de água ocorre na zona não saturada, ou zona vadosa, caracterizada
por possuir um grau de saturação à água inferior a 100%, há uma predominância de fenôme-
nos em que o conhecimento da curva de condutividade hidráulica e da curva de retenção de
água pelo solo é fundamental. Nesse caso, o conhecimento da permeabilidade saturada das
camadas do subsolo não é informação suficiente para o entendimento e/ou a modelagem do
fluxo de água, e a pressão da água intersticial está relacionada diretamente com o conteúdo de
água do solo e não com a sua posição com relação ao nível do lençol freático.
Além disso, há uma estreita relação entre as propriedades mecânicas do solo e os poten-
cias energéticos da água para uma condição de não saturação. Fenômenos como expansão e
colapso, típicos de solos não saturados, estão ligados intimamente com o potencial energético
da água intersticial, e problemas de instabilização de encostas, tão comuns em nossas metró-
poles, estão relacionados diretamente com a infiltração de água de chuva e de outras fontes
na zona não saturada.
Embora os avanços nas práticas experimentais disponíveis tenham se demonstrado no-
táveis nos últimos anos, inclusive com o emprego de técnicas expeditas ou de modernos equi-
pamentos que possibilitam a obtenção das propriedades hidráulicas de interesse dos solos não
saturados em curto espaço de tempo, a internalização do conhecimento acerca dos potenciais
da água no solo ainda carece de progressos.
Este capítulo apresenta e discute a importância de diferentes potenciais de energia da
água intersticial, tentando-se destacar a sua importância nos problemas geotécnicos. Este tex-
to tem natureza introdutória e se encontra direcionado aos alunos de Engenharia de gradua-
ção e pós-graduação que desejam iniciar os seus estudos no tema.
Para que haja movimento, fluxo, de qualquer fluido em um meio qualquer, é necessário
que haja diferenças de energia interna ou intrínseca entre as moléculas do fluido localizadas
em diferentes regiões do meio, nesse caso, o meio poroso solo. Em havendo diferenças de
energia ou potencial, o fluido sempre migrará das regiões em que as suas moléculas se en-
contram com maior energia interna para aquelas onde se encontram em condições de menor
energia.
Existem diversos potenciais na natureza que podem afetar a energia interna dos fluidos
intersticiais presentes no solo. De uma forma geral, pode-se dizer que a energia interna de
um fluido está sempre relacionada com o grau de agitação de suas moléculas, que, por sua
vez, tem os seus efeitos expressos na forma de energia térmica ou de pressão. Componentes
de energia que tendem a aumentar esse grau de agitação ou diminuir o espaço disponível
para que essa agitação molecular ocorra, aumentam a energia interna do fluido e vice-versa.
Esses conceitos estão expressos na amplamente difundida lei dos gases ideais, deduzida pela
primeira vez por Émile Clapeyron, em 1834, e são considerados nas leis elementares da ter-
modinâmica. Neste capítulo, serão abordados os potenciais de energia que possuem relação
direta com o problema de fluxo de água em solos, de forma que o fluido considerado será
sempre a água; o meio poroso, sempre o solo; e os potenciais estudados, aqueles denominados
de energia livre, ou seja, aqueles capazes de produzir trabalho.
Potenciais da água no solo 81
A energia sempre é referenciada a um estado padrão, comumente, água pura, sujeita
à pressão atmosférica e numa determinada cota, importando conhecer as diferenças entre
pontos distintos, pois ela é que determinará o movimento da água no interior do solo, com
todas as suas intercorrências, como alterações de umidade, de pressões de água e o transporte
de poluentes, por exemplo.
A sistematização dos conceitos de energia, advindos da Termodinâmica e de uso cor-
rente em Física dos Solos, e sua extensão à Mecânica dos Solos, deu-se em 1965, no Simpósio
“Engineering Concepts of Moisture Equilibria and Moisture Changes in Soils” (Aitchison,
1965). A forma usual de se expressar a energia da água em um solo é recorrer a uma função
termodinâmica, a energia livre de Gibbs, representada, por conveniência, em termos de um
potencial equivalente ou pressão de sucção. Dessa forma, define-se um Potencial Total da
Água do Solo, que representa o trabalho útil que deve ser realizado em uma quantidade infi-
nitesimal de água pura, para conduzi-la, reversível e isotermicamente, desde um reservatório
sob condições padronizadas (isto é água pura, em uma determinada cota e sujeita à pressão
atmosférica) – Ponto A – até a água no solo, na cota de interesse (Ponto B), conforme ilus-
trado na Figura 1. Buckingham (1907) foi um dos precursores na definição do conceito de
potencial capilar, tomando-o como sendo a energia gasta ou necessária para deslocar uma
unidade de massa de água, em sentido contrário ao das forças capilares, de um certo local até
o nível da água livre, sujeita à pressão atmosférica.
adensamento. Já nos solos não saturados, esse componente apresenta valores negativos e tem
agora, como fonte, as contribuições da interação da água com a matriz do solo e com os solu-
tos nela dissolvidos. Em ambos os casos, as velocidades usualmente são baixas e a componen-
te cinética é, geralmente, desprezível.
onde:
ψtotal = Potencial total da água no solo
ψtemp = Potencial térmico da água no solo
ψz = Potencial de posição ou gravitacional
ψcin = Potencial cinético da água no solo
ψp = Potencial de pressão da água no solo
ψpn = Potencial pneumático da água no solo
ψm = Potencial matricial da água no solo
ψosm = Potencial osmótico da água no solo
onde: →
F = Força (N)
→
dl = deslocamento infinitesimal (m)
E = Energia ou trabalho (J)
F E
E = N . m; u = ⇒u= 3 (4)
m2 m
Nos próximos itens, devido à sua importância para o caso de fluxo em solos não satura-
dos, os componentes de energia matricial e osmótico serão apresentados com um maior nível
de detalhamento.
A Equação 5 apresenta os termos da Equação 1 na forma de cargas hidráulicas (m), que
é a medida de energia preferida para fluidos pela Engenharia Civil e por outras engenharias,
em parte, pela facilidade de visualização dos resultados e, em parte, por tornar o gradiente
de energia adimensional. Conforme se pode observar na Equação 3, tomando-se o caso da
definição de energia ou trabalho mecânico, percebe-se claramente que carga hidráulica repre-
senta uma densidade de energia por massa
v2 u u u u
ψotal = C . T + z + + + ar + m + osm (5)
2.g yw +yw yw yw
84 Solos não saturados no contexto geotécnico
onde:
C = calor específico da água (J/K)
T = temperatura (K)
u = pressão na água intersticial (N/m2)
uar = pressão no ar intersticial (N/m2)
um = pressão na água intersticial devido à sucção matricial (N/m2)
uosm = pressão na água intersticial devido à sucção osmótica (N/m2)
γw = peso específico da água (N/m3)
onde:
ψm = Potencial matricial da água no solo
ψcap = Potencial capilar da água no solo
ψads = Potencial de adsorção da água no solo
Potenciais da água no solo 85
Pela ação dessas forças não equilibradas que surgem na interface água/ar, a superfície do
líquido se contrai minimizando sua área e adquire uma energia potencial extra que se opõe a
qualquer tentativa de distendê-la, ou seja, ocorrendo uma distensão, a tendência da superfície
é sempre voltar a sua posição original. Com base nessas observações, a superfície ativa do lí-
quido é também chamada de membrana contrátil. Pelo exposto até este ponto, deve ficar claro
que a membrana contrátil surge da interface entre diferentes fluidos ou entre fluidos e sólidos.
A Figura 3 ilustra forças de coesão e adesão atuando em uma molécula de água (ponto P na
figura) situada na interface água/ar/superfície sólida. Nessa figura, as forças de atração entre
as moléculas de água e ar foram supostas negligenciáveis.
86 Solos não saturados no contexto geotécnico
A posição da força resultante da ação das forças de adesão e coesão irá definir se o lí-
quido tenderá ou não a molhar a superfície de contato. A Figura 4 ilustra duas possibilidades
distintas. No caso da Figura 4a, a força resultante (FR) está situada do lado das partículas só-
lidas, indicando uma predominância das forças de adesão. Como os líquidos não podem, por
definição, resistir a forças cisalhantes, a superfície da água deve curvar-se de forma a se tornar
perpendicular à força resultante, tornando a membrana contrátil curva e dando origem ao
fenômeno da ascensão capilar. A Figura 4a ilustra o caso comum que acontece na interface
entre a água e o ar intersticiais e a quase totalidade dos minerais. Denomina-se de tensão
superficial a intensidade da força que atua no contato sólido/ar/água, sendo dependente da
intensidade das forças de coesão e de adesão que atuam no sistema.
No caso da Figura 4b, há um predomínio das forças de coesão e o líquido “se recusa” a
molhar a superfície de contato. Essa situação ocorre, por exemplo, no caso do contato do mer-
cúrio com a maioria das superfícies minerais ou no caso do contato da água com o silicone,
conhecido por suas propriedades hidrofóbicas. As características de polaridade das moléculas
do fluido e dos sólidos possuem grande influência na intensidade das forças de adesão/coesão.
Figura 4 – Formação de meniscos capilares. (a) superfícies hidrofílicas e (b) superfícies hidrofóbicas
Potenciais da água no solo 87
A Figura 5 ilustra a formação de um menisco em um tubo capilar. Imergindo-se a ponta
de um tubo fino de vidro num recipiente com água, esta subirá no tubo capilar até uma de-
terminada altura, a qual será menor quanto maior for o raio do tubo. Isso ocorre por conta da
ocorrência da tensão superficial (Ts) no contato entre a água e o vidro, formando um ângulo
de contato α (cujo valor depende da relação entre as forças apresentadas na Figura 4), que é
também é conhecido como ângulo de molhamento ou de contato. Ts e α assumirão valores
que dependerão do tipo de fluido e da superfície de contato em questão. No caso da água,
considerada pura, e o vidro quimicamente limpo, para 20oC, Ts é, aproximadamente, igual a
0,074 N/m e α é igual a zero.
Sob efeito da capilaridade, em campo, ocorre o movimento da ascensão capilar, em que a
água é normalmente alçada acima do nível do lençol freático, contra a ação da gravidade. Nos
solos, a altura de ascensão depende do diâmetro dos vazios. Como estes são de dimensões
muito variadas, a superfície superior de ascensão não fica bem caracterizada, sendo possível
que bolhas de ar fiquem enclausuradas no interior do solo. Ainda assim, existe uma altura má-
xima de ascensão capilar que depende da ordem de grandeza do tamanho representativo dos
vazios do solo. Para solos arenosos, a altura de ascensão capilar é da ordem de centímetros,
enquanto que, em terrenos argilosos, esta pode atingir dezenas de metros.
Tensão interfacial – Existem casos em que o outro fluido apresentado na Figura 4 não
é o ar, mas sim um outro líquido imiscível (a Figura 4 poderia se formar caso se substituísse
o ar pelo diesel, por exemplo). Nesses casos de interfaces sólido/líquido/líquido, é comum se
utilizar o termo tensão interfacial, reservando-se o termo tensão superficial para o caso das
interfaces sólido/líquido/ar atmosférico.
Molhabilidade – Quando dois fluidos entram em contato com uma superfície sólida,
haverá uma ordem de molhabilidade que fará com que um líquido tenda a se espalhar pela
superfície sólida em detrimento do outro. A molhabilidade é um parâmetro importante na
forma como o líquido se espalha no meio poroso e está associada com a geometria do espa-
lhamento do líquido nas interfaces. Conforme discutido anteriormente, os meniscos forma-
dos nos tubos capilares (ou nos canalículos que existem nos interstícios do solo) são uma
função das tensões superficiais e interfaciais. A molhabilidade está associada com o ângulo
que se forma entre os vários vetores de tensão e a superfície sobre a qual o líquido se espalha.
A combinação de todas essas forças irá ditar qual fluido tem a preferência para se espalhar
sobre a superfície.
Ângulo de contato – Segundo Hillel (1980), caso se coloque uma gota de um líquido
sobre uma superfície sólida, o líquido vai deslocar o gás que cobre a superfície sólida e se
espalhará sobre a superfície até certo ponto. Nesse ponto, a extremidade da gota entra em
Potenciais da água no solo 89
repouso e a interface entre a gota e o gás faz um ângulo típico com a interface entre a gota e
a superfície sólida. Quando as forças de adesão são maiores que as forças de coesão, então,
o ângulo de contato sólido-líquido é agudo e o líquido molha o sólido. A Figura 6 ilustra os
ângulos de contato entre líquidos molhantes e não molhantes. Novamente, o ar intersticial
poderia ser substituído por outro fluido imiscível aos líquidos ilustrados na figura sem que
esses conceitos fossem alterados.
Figura 6 – Exemplos de ângulos de contato em casos em que o fluido molha e não molha a superfície
(a)
(b)
Figura 7 – a) desenho ilustrativo da camada dupla b) Potenciais de atração e repulsão agindo
no entorno da partícula de argila. (adaptado de Jafelicci Junior e Varanda (1999))
Potenciais da água no solo 91
viscosidade (Presa, 1998). O fenômeno de adsorção é consequência do caráter polar pronun-
ciado da molécula da água. Essa propriedade ajuda a explicar como as moléculas de água se
orientam e são atraídas, por meio de seus polos positivos, à superfície negativa das partículas
de argila, além de se conectarem umas às outras.
É importante observar que a polaridade do fluido intersticial desempenha um papel fun-
damental nos processos de interação sólidos/líquido intersticial que irão dar origem à adsor-
ção. No caso da ocorrência de fluxo multifásico no solo, com a presença de outros fluidos que
não a água e o ar, a polaridade do líquido intersticial em conjunto com a sua molhabilidade
desempenharão um papel fundamental no processo de fluxo.
A Figura 7 apresenta uma ilustração de um modelo para explicar a distribuição de água
no entorno de partículas coloidais, como as partículas de argila. Segundo Jafelicci Junior e
Varanda (1999), as interações entre partículas coloidais dependem da distância de separação
entre partículas. Além dessas forças, as forças externas devido ao campo da gravidade ou ao
cisalhamento também influenciam a interação entre partículas.
Conforme observado na Figura 7, essas forças de interação advêm da natureza eletro-
magnética das interações entre a matéria. Nas dispersões coloidais aquosas, pode haver: 1)
interação repulsiva de duplas camadas de cargas; 2) interação atrativa de van der Waals; 3)
interação estérica repulsiva de cadeias de polímeros adsorvidos nas partículas; 4) interação
atrativa de polímeros; 5) interação de moléculas de solvente (solvatação) e 6) interação hi-
drofóbica. Deve-se notar que nem todas essas interações são comuns para o caso de meios
porosos naturais como os solos, mas elas podem ser de interesse na análise de problemas que
envolvam, por exemplo, a aplicação de técnicas de remediação para a recuperação de áreas
degradadas.
A primeira camada do modelo da camada dupla é constituída de moléculas de água e
íons dissolvidos, que, por estarem fortemente atraídos às partículas sólidas, não participam
do processo de fluxo ou de um eventual transporte de contaminantes. Essa camada é limita-
da pelo denominado plano de Stern. A segunda camada é a camada difusa. Nessa camada,
encontram-se íons e cátions que interagem com o campo elétrico formado no entorno da
partícula, cujos potenciais são ilustrados na Figura 7b. Essa camada está limitada pelo plano
de Gouy. A partir desse plano, tem-se a chamada água livre, aquela que participa dos proces-
sos de fluxo e de transporte de massa, podendo fluir pela imposição de gradientes de energia.
É importante notar que a concentração de cátions próxima à superfície dos argilominerais é
maior que exteriormente ao plano de Gouy. Isso cria gradientes de composição que tendem a
agir contrariamente ao campo elétrico (atraindo água para dentro da camada dupla ou cátions
para fora dela) já que os solutos tendem a migrar de áreas com maior concentração para áreas
com menor concentração. É importante observar, também, que a espessura da camada dupla
será uma função da polaridade média dos fluidos intersticiais e da concentração eletrolítica
existente no entorno das partículas. A Figura 8 apresenta a variação da espessura da camada
dupla em função da concentração eletrolítica (8a) e da polaridade média do fluido intersticial
(8b). Conforme se pode observar dessas figuras, a espessura da camada dupla diminui com
o aumento da concentração de eletrólitos e aumenta com a constante dielétrica do fluido
intersticial. Esses aspectos, embora não objeto de estudo neste capítulo, são de extrema im-
portância no estudo de casos de fluxo multifásico, em que dois ou mais líquidos percorrem
os interstícios do solo.
92 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
Figura 8 – a) variação da espessura da camada dupla em função da concentração eletrolítica da solução no
entorno da partícula sólida e b) variação da espessura da camada dupla em função da polaridade do fluido
intersticial (adaptado de Fang (1997))
Pode-se demonstrar que essa mesma expressão também traduz a sucção, devendo-se ob-
servar que o potencial e a sucção, quando medidos nas mesmas unidades, são iguais, porém,
de sinais contrários. Na temperatura de 20oC (T = 293,16 oK; ρw = 998 kg/m3) e considerando-
-se Mv = 18,016 kg/kmol e R = 8,314 J/mol. (oK), tem-se:
öeö
÷ ÷
ψatm = 135022 . n ÷÷ ÷÷ (15)
ø es ø
A Equação 14 é, hoje, muito utilizada na parte experimental em solos não saturados, seja
por intermédio de câmaras com umidade relativa e temperatura controladas para a imposição
de sucções no solo, seja para a calibração da sucção osmótica de soluções diversas.
96 Solos não saturados no contexto geotécnico
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Capítulo 5
Influência de aspectos geológicos,
hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura
vegetal no estado de saturação do solo
Andrelisa Santos de Jesus
Maria Cristina de Oliveira
Cláudia Valéria de Lima
Hernán Eduardo Martínez Carvajal
Gaspar Monsalve
Rubén Darío Londoño
José Camapum de Carvalho
1 INTRODUÇÃO
2 ASPECTOS GEOLÓGICOS
No que se refere aos aspectos geológicos, destacam-se como principais elementos que
afetam diretamente a infiltração e a condição de não saturação do solo: os tipos de rocha,
atentando-se para morfologia interna e de superfície do estrato rochoso, ou seja, interna-
mente as estruturas rochosas relacionadas a veios, direcionamento das camadas e foliação; a
qualidade dos fluídos que chegam à rocha, e de superfície; a forma externa do estrato rochoso,
que condiciona o acúmulo de água e o fluxo de subsuperfície.
Autores como Serra Júnior e Ojuma (1998, p.211) caracterizam os maciços rochosos
como sendo “essencialmente heterogêneos, anisotrópicos e descontínuos”, constituídos por
98 Solos não saturados no contexto geotécnico
3 ASPECTOS HIDROGEOLÓGICOS
A água se encontra, quase sempre, em movimento, seja em meio saturado, seja em meio
não saturado, o que introduz a necessidade de se levar em consideração as questões hidroge-
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura vegetal ... 101
ológicas. A hidrogeologia é a ciência que estuda o movimento da água nos maciços. Também
fazem parte dos objetos de estudo da hidrogeologia questões relacionadas a aspectos da enge-
nharia civil, como o efeito na estabilidade das encostas, infiltrações em obras subterrâneas e
cálculo de perdas em reservatórios. A abordagem clássica desses problemas hidrogeológicos
parte do estudo do maciço rochoso como unidade litológica cujas características estruturais
podem ser estudadas qualitativa e quantitativamente mediante o uso das técnicas da geologia
estrutural. Não obstante, raras vezes, é considerado o efeito das interações entre o maciço
rochoso não ou pouco intemperizado e as coberturas de solo que a ele se sobrepõe seja ela
residual ou transportada.
Nessa abordagem clássica do estudo do fluxo da água subsuperficial, podem ser con-
sideradas duas hipóteses fundamentalmente diferentes, mas que podem levar a resultados
comparáveis. A primeira é o estudo do fluxo no meio poroso; a segunda é o estudo no meio
fraturado. A abordagem do problema mediante a hipótese de meio poroso é mais adequada
em maciços sedimentares e em depósitos recentes não litificados. Por outro lado, em ambien-
tes de maciços cristalinos nos quais o fluxo ocorre através das fraturas e descontinuidades do
meio (porosidade secundária), o problema deve ser estudado como meio fraturado. No meio
poroso, o fluido é distribuído homogeneamente no maciço; já no meio fraturado, o fluxo é
altamente heterogêneo e concentrado nos espaços gerados pelas descontinuidades.
A Figura 2 apresenta a relação entre o ciclo hidrológico e o perfil de intemperismo dos
maciços rochosos. A porção do ciclo hidrológico entre a superfície da Terra e a água sub-
terrânea envolve diferentes processos nos quais a movimentação da água pode ter qualquer
direção em função dos condicionantes, geológicos, geomorfológicos e de cobertura da super-
fície do terreno. A infiltração, embora possa ser condicionada pela estrutura do solo, devi-
do à gravidade, ocorre, preferencialmente, de maneira vertical descendente enquanto que os
fluxos não saturados podem ser verticais ou oblíquos. Já o fluxo subterrâneo saturado pode
ser descendente, ascendente ou oblíquo. A diversidade de modos de movimentação da água
nos maciços, compreendendo o fluxo em meio saturado e não saturado, faz com que o fluxo
ocorra ao longo de trajetórias que atravessam todos os horizontes do perfil de intemperismo
desde o pouco intemperizado, grau I, até o completamente intemperizado, grau V, em uma
escala de I a V de intemperização.
Figura 2 – Relação entre o ciclo hidrológico e o perfil de intemperismo dos maciços rochosos
102 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 3 – Relação entre a topografia do terreno e o perfil de intemperismo (adaptado de Beavis, 1985)
Figura 4 – Esquema do regime de fluxo da água subterrânea e tempos de residência da água nos aquíferos
(adaptado de Foster et al. 2003)
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura vegetal ... 103
observados os tempos de residência da água subterrânea nessa parte do ciclo. O conceito de
tempo de residência permite entender não só a escala temporal do regime hidrogeológico,
mas também estabelecer medidas de gerenciamento do recurso hídrico que permitam garan-
tir sua preservação. A quantificação desses fluxos deve levar em consideração a influência das
estruturas geológicas dos maciços rochosos não intemperizados em profundidade e também
a influência do perfil de intemperismo presente.
3.1.4 Persistência
Algumas descontinuidades, pela sua natureza geológica, podem ser traçadas ao longo de
grandes distâncias dentro dos maciços rochosos. Exemplos são as falhas geológicas, os planos
de acamamento e os contatos entre unidades litológicas. Outras descontinuidades, como as
juntas, apresentam extensão espacial limitada, que pode ser medida e estudada estatistica-
mente. Na prática dos levantamentos de campo, a persistência das fraturas pode ser medida
diretamente no afloramento rochoso, porém, é impossível a sua determinação precisa para
as fraturas que se propagam além dos limites visíveis do afloramento. Não obstante, as téc-
nicas estatísticas disponíveis permitem uma boa caracterização dessa propriedade para fins
de aplicações práticas e também para fins de pesquisa. O fato das juntas terem comprimento
finito faz com que cada fratura individual só possa fazer parte do sistema hidrogeológico e
da permeabilidade global do maciço se interconectada com outras fraturas. Em conclusão, o
fluxo, através de uma fratura, depende do fluxo de todas as demais fraturas da rede e a perme-
abilidade da rede não é necessariamente a soma simples das permeabilidades individuais das
fraturas (Long et al., 1982).
3.1.5 Abertura
limites apropriados para cada aplicação prática. A Tabela 1 apresenta a classificação mais co-
mumente usada em aplicações de engenharia geológica.
De maneira qualitativa, tem sido observado que o espaçamento médio entre fraturas
diminui à medida que aumenta o grau de intemperismo. Essa particularidade também pode
ser observada em sentido inverso, ou seja, o menor espaçamento entre fraturas favorece e
amplia o grau de intemperização do maciço. Beavis (1985) publicou resultados de medições
de faturamento de maciços rochosos sedimentares na Austrália em relação ao seu grau de
intemperismo, mostrando que esses dois elementos estão diretamente associados (Figura 7).
108 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 7 – Relação entre o faturamento e o intemperismo de dois maciços rochosos: arenito (BS) e
Argilito (WC) na Austrália (modificado de Beavis, 1985)
Figura 8 – Variação do teor de umidade com o grau de intemperismo para diferentes maciços:
Granito (GD), Filito (CP), Ardósia (SI) e Arenito (HSS (adaptado de Beavis, 1985)
4 ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS
De acordo com Coelho Netto (2007), a água é um elemento físico muito importante para
a paisagem terrestre, em especial, pela sua função modeladora do relevo. Por sua vez, Silva
(2011) destaca o relevo devido sua atuação direta sobre o regime hídrico do solo, aumentando
ou diminuindo o volume de água presente no maciço. De acordo com Silva (2011), a influ-
ência do relevo no regime hídrico do solo ocorre na escala local, especificamente na vertente,
onde os seguintes elementos do relevo merecem destaque: altitude, declividade, comprimento
e forma da vertente e também a exposição solar.
4.1 Altitude
4.2 Declividade
Silva (2011) aponta que a declividade tem um papel fundamental na infiltração e no es-
coamento superficial, sendo que, quanto maior a declividade, maior a tendência ao aumento
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura vegetal ... 111
no fluxo superficial e, ao contrário, quanto menor a declividade, maiores as taxas de infil-
tração. Esse autor destaca, ainda, que o comprimento das vertentes é muito importante no
condicionamento do volume de água que permanece no solo. A pequena área de captação
das vertentes curtas influencia na quantidade de água infiltrada; por outro lado, vertentes
longas têm maior área de captação, podendo permitir maior entrada de água no solo. Todavia,
associando-se vertentes longas com declividades elevadas, pode-se aumentar a energia ciné-
tica da água sobre a superfície, resultando em escoamentos superficiais maiores do que a taxa
de infiltração e possibilitando a ocorrência de fenômenos como a erosão superficial. Nesse
sentido, Ross (1994) aponta que o aumento da declividade amplia a fragilidade do relevo em
relação à ocorrência de erosões, sendo que declividades de 20 a > 30% elevam essa fragilidade
para forte a muito forte.
Observa-se, portanto, a grande influência da declividade do relevo no estado hídrico do
solo de cobertura. No entanto, este deve ser analisado conjuntamente com as características
estruturais e hidrogeológicas do maciço rochoso.
Jesus (2013), em pesquisa no município de Anápolis – GO, percebeu que a maior parte
das erosões do tipo voçoroca ocorria em declividades superiores a 15%. Considerando-se
o efeito da energia externa proveniente da força de percolação da água, à medida que a
declividade se acentua, para uma mesma morfologia de relevo, amplia-se a energia trativa
da água sobre o solo no fluxo superficial e, por consequência, o seu potencial erosivo. Fácio
(1991), realizando ensaios de erodibilidade em solos do Distrito Federal no equipamento
de inderbitzen, verificou que, ao aumentar a inclinação da rampa, ocorria um aumento na
perda de solo, confirmando que a erodibilidade do solo pode se acentuar em maiores de-
clividades. Internamente, a diferença de potencial gravitacional aumenta com a ampliação
da declividade, induzindo alterações mais aceleradas no maciço e favorecendo a sua mais
rápida instabilização (Jesus, 2013). Ainda no âmbito dos solos não saturados, a água pre-
sente internamente no maciço, tende, devido ao efeito gravitacional, a acumular-se na base
da encosta, reduzindo a sucção e piorando o comportamento mecânico, o que auxilia os
processos de instabilização.
4.3 Curvatura
de energia que na forma côncava. Essa percepção, em termos de potencial erosivo da água,
pode ser relacionada à maior e menor capacidade de infiltração da água no maciço, pois, por
exemplo, o aumento da tensão normal que provoca o aumento da força trativa também tende
a ampliar o potencial de infiltração da água no maciço, intervindo diretamente na sucção e no
comportamento mecânico do solo.
Considerando-se o fluxo de subsuperfície, na forma côncava, tem-se, no manto não sa-
turado, uma maior preservação da umidade junto ao talude do que na forma convexa. Isso
porque, na superfície côncava, a área externa de evaporação é inferior à interna ao maciço que
atua, alimentando-o em umidade. Essa diferença em relação à área externa de evaporação se
amplia à medida que se penetra no maciço, e isso contribui para a preservação da umidade.
Na forma convexa, ocorre o inverso, favorecendo, assim, por meio da evaporação, a maior
desidratação do maciço. Quanto mais desidratado o solo, maior a sucção/capilaridade nele
atuante e, por consequência, maior o risco de, no processo de infiltração das águas pluviais,
atingirem-se pressões na fase ar que ultrapassem a coesão do solo, favorecendo o processo
erosivo superficial. Essa situação é, portanto, em termos de processos erosivos, crítica na for-
ma convexa seja em planta, seja em perfil. Tal criticidade se amplia com o fato de, na forma
convexa, ocorrer uma maior dissipação das tensões efetivas atuantes junto à face do talude
devido à inversão no efeito de arco de tensões. No entanto, voltando-se o olhar para a estabili-
dade do talude ou encosta, verifica-se, no que diz respeito ao fluxo e umidade do solo, que nas
formas côncavas ocorre, na zona saturada, o aumento da tensão normal do fluído percolante
junto à face do talude e, na zona não saturada, além de favorecida a preservação da umidade
contra efeitos evaporativos, também pode ser ampliado o potencial de infiltração de águas
pluviais, intervindo, assim, de modo diferenciado em relação à forma convexa no que diz res-
peito às variações de sucção e de comportamento mecânico do maciço conforme mostraram
Camapum de Carvalho et al. (2007).
No manto saturado, por motivos similares, mas agora realçando-se a importância da
concavidade e da convexidade em planta, em função da maior importância do efeito gra-
vitacional sobre o fluxo, tem-se, devido ao menor rebaixamento no nível d’água freático, a
presença de pressões neutras mais elevadas junto aos taludes côncavos do que nos convexos.
Com isso, nas formas côncavas, têm-se maiores pressões neutras junto aos taludes e, por con-
sequência, maior risco de ruptura e desencadeamento de processos erosivos. Também, nessa
forma em planta, têm-se maiores gradientes junto ao sopé do talude, o que favorece a proces-
sos de erosão interna e solapamento da base dos taludes. Na Figura 9 (a) e na Figura 9 (b), são
apresentados os croquis, que permitem uma melhor visualização do exposto.
Toda essa reflexão a respeito da influência da forma do relevo sobre o modo como ocorre
o fluxo nos meios saturado e não saturado e sua interferência na distribuição da umidade e
nível d’água freático no maciço, impactando no comportamento hidromecânico do solo e em
fenômenos como o desencadeamento e a evolução dos processos erosivos, requer, no entanto,
ser complementada pela análise da influência que exerce a forma do relevo na atuação das
tensões geostáticas no maciço.
Usando-se as mesmas conformações geométricas apresentadas na Figura 9 (a) e na Fi-
gura 9 (b), é mostrado, na Figura 10 (a), em planta, e na Figura 10 (b), em perfil, o que ocorre
em termos das tensões geostáticas ao alterar-se a forma do relevo.
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura vegetal ... 113
Figura 9 – Fluxo no maciço: (a) ampliação, redução e manutenção da área de fluxo respectivamente em
formas côncava, convexa e linear em planta; (b) ampliação e redução da área de fluxo respectivamente
em formas côncava e convexa e maior rebaixamento da linha freática na forma convexa em planta
que na forma côncava em planta (Jesus, 2013)
Figura 10 – Concentração de tensões geostáticas no maciço: (a) concentração, alívio e manutenção das
tensões respectivamente nas formas côncava, convexa e linear em planta; (b) concentração e alívio
das tensões respectivamente nas formas côncava, convexa em perfil (Jesus, 2013)
114 Solos não saturados no contexto geotécnico
Na forma côncava, em planta, tem-se uma concentração das tensões à medida que se
aproxima do talude, o que amplia a resistência do solo. Já na forma convexa ocorre um re-
laxamento dessas tensões, contribuindo para a perda de resistência do solo. No seguimento
linear, ela se mantém inalterada ao longo do maciço. Se considerado o perfil, os efeitos serão
similares. Com isso, tem-se que a influência da propagação das tensões no comportamento
hidromecânico do maciço, assim como em fenômenos como o processo erosivo, tanto no seu
desencadeamento como na sua evolução, é oposta ao que se verificava quanto ao fluxo. Por
consequência, o desequilíbrio, gerando rupturas e processos erosivos, ocorrerá no ponto críti-
co oriundo do balanço entre as duas componentes de influência que se contrapõem, o fluxo e
o estado de tensão. Fatores como a natureza e estrutura do solo e o próprio nível de curvatura
nas formas côncavas e convexas interferirão na definição do ponto crítico. Destaca-se que,
não raramente, o ponto crítico situa-se em posição intermediária, ou seja, fugindo um pouco
do ponto de raio mínimo das formas geométricas.
Segundo Jesus (2013), em Anápolis, essa dinâmica dos fluxos e tensões pode ser utili-
zada na explicação da evolução dos processos erosivos com ênfase em morfologias côncavas,
tal como o observado nas cabeceiras de drenagem. As cabeceiras de drenagem são muito
afetadas nessa área por processo de voçorocamento. Também existem voçorocas situadas em
vertente com o terço superior ligeiramente concavizado e a porção a jusante suavemente con-
vexa. Nesse caso, embora com maior dispersão do fluxo d’água, o maciço mais desidratado
induziria, durante o processo de infiltração das águas pluviais, a pressões na fase ar, que ultra-
passam a coesão do solo, favorecendo a erosão.
Portanto, com base no exposto, tem-se que a morfologia do relevo assume grande
importância no estudo e na definição de propriedades e comportamento dos solos não
saturados.
4.4 Orientação
5.1 A influência da cobertura vegetal natural no estado não saturado dos solos
O Brasil é um país de proporções continentais e seus 8,5 milhões de km² ocupam quase
metade da América do Sul, o que lhe proporciona ser incluído em várias zonas climáticas.
Essa condição leva à formação de zonas biogeográficas distintas, os chamados biomas, a
saber: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga e o Pampa.
Essa variedade de biomas reflete a enorme riqueza da flora e da fauna do Brasil, abrigando
a maior biodiversidade do planeta. Além da importância para a biodiversidade, a cobertura
vegetal também é essencial nas características e na proteção dos recursos hídricos e dos
solos.
Diversos autores ressaltam a importância da presença de vegetação nas características
e na proteção destes recursos. Bertoni e Lombardi Neto (1990) descrevem como a presença
da vegetação em um determinado local atua como impedimento físico à ação dos processos
erosivos do solo, já que agrega vários benefícios como: 1) proteção contra o impacto das gotas
de chuva; 2) redistribuição da água, interceptando-a e evaporando-a antes de alcançar o solo;
3) auxílio na formação de canalículos no solo devido ao processo de decomposição das raízes
aumentando a infiltração de água; 4) melhora, devido ao efeito agregador, da estrutura do solo
pelo acréscimo de matéria orgânica, o que aumenta sua capacidade de retenção de água e, 5)
diminuição da velocidade de escoamento da enxurrada pelo aumento do atrito na superfície.
Arcova et al. (2003) vão além e mencionam que as coberturas das diferentes fisionomias flo-
restais possuem estreita relação com o ciclo hidrológico de uma bacia hidrográfica, interferin-
do no movimento de água em vários compartimentos do sistema, inclusive nas saídas para a
atmosfera e para os rios. Além desses benefícios, Gray e Leiser (1982) acrescentaram, ainda, a
importância da evapotranspiração, que retira água do solo, e o papel de agregação e de reforço
mecânico e escoramento provocados pelas raízes pivotantes e profundas. Finalmente, Tabali-
pa e Fiori (2008) também citam a importância da vegetação na agregação do solo pelas raízes,
116 Solos não saturados no contexto geotécnico
xurradas quanto pelo assoreamento e pela poluição dos reservatórios hídricos, resultantes da
deposição dos sedimentos carreados pela enxurrada. Essas discussões mostram a necessidade
de se levar em conta o uso e a ocupação do solo, bem como seus impactos e as modificações
da cobertura, pois, aliados a elas, ocorrem alterações no potencial de infiltração e de retenção
de água no maciço, impactando diretamente na sucção e no comportamento hidromecânico
do solo. A título de exemplo, a análise da estabilidade de um talude não saturado requer que
se leve em consideração que tipo de cobertura ele terá ao longo do tempo, pois os níveis de
sucção/capilaridade considerados podem ser amplamente alterados em função da cobertura
imposta ao maciço.
A acelerada degradação do solo sob exploração agrícola no mundo, sobretudo nos países
tropicais em desenvolvimento, despertou, nas últimas décadas, a preocupação com restau-
ração, florestamento e reflorestamento dessas áreas. No bioma Cerrado, apesar da sua im-
portância biológica, nos últimos 40 anos, a sua paisagem natural vem sofrendo mudanças
expressivas, com quase 50% de sua área original convertida em áreas antropizadas (Klink e
Machado 2005). Assad e Pinto (2008) destacam que milhões de hectares no bioma estão com
solos degradados química (nutrientes) e fisicamente (voçorocas). Muitos desses problemas
são decorrentes do processo de abertura e preparo para plantio dessas áreas. A abertura acon-
tece, na maioria das vezes, por meio de correntões presos em tratores provocando a derrubada
da vegetação nativa para produzir carvão. Em seguida à derrubada, previamente ao plantio,
acontece a preparação do solo, geralmente, por meio da aragem, correção e gradeamento.
Durante o processo de desmatamento e preparação, o solo tem sua estrutura original destru-
ída e exposta, principalmente, aos impactos da chuva (Kato, 2001), além da possível perda de
carbono do solo, associada a sistemas produtivos degradadores, como as monoculturas em
sistemas convencionais (Coorbelset et al., 2006). Aliado a isso, os insumos agrícolas podem
desestabilizar a estrutura do solo contribuindo para a ampliação do processo de erosão lami-
nar e para a redução da capacidade de infiltração do maciço (Oliveira et al., 2012).
Assim, alterações da capacidade de suporte natural de um determinado ambiente podem
prejudicar ou mesmo destruir a capacidade da vegetação de prestar as funções ambientais in-
trínsecas a ela. Por exemplo, Berglund et al. (1981) analisaram a velocidade de infiltração da
água em solos de regiões semiáridas no Marrocos sob diferentes tipos de manejo: pastoreio
intensivo, pastoreio moderado e florestamento com Pinus halepensis com 15 anos de idade.
Como resultados, os autores observaram valores 4 a 5 vezes maiores de infiltração de água no
solo na parcela florestada com Pinus.
Karshon e Heth (1967) estudaram o balanço hídrico de um plantio de Eucalyptus camal-
dulensis, dos 9 aos 12 anos de idade, em local de baixa pluviosidade de Israel, e compararam
com uma parcela adjacente contendo vegetação herbácea nativa. Os resultados apresentaram
valores anuais médios de evapotranspiração de 466 mm e 322 mm para o eucalipto e a vege-
tação herbácea, respectivamente. Entretanto, as perdas de água por escoamento superficial
foram de 237 mm a mais na parcela de vegetação herbácea do que na parcela de eucalipto.
Influência de aspectos geológicos, hidrogeológicos, geomorfológicos e da cobertura vegetal ... 119
Dessa maneira, para os autores, naquela região, as plantações de eucaliptos não causaram
efeitos prejudiciais sobre os recursos hídricos, inclusive armazenando maior quantidade de
água no solo naquelas condições.
Em contraste, Bertol et al. (2001) verificaram, no bioma Cerrado, redução de infiltração
de água no solo sob pastagens compactadas pelo pisoteio animal em relação ao solo com ve-
getação natural, atribuindo essa redução ao aumento da densidade e diminuição da macropo-
rosidade do solo. Destaca-se, porém, que, muitas vezes, essa redução de porosidade atribuída
ao pisoteio se dá pela atuação dos ciclos de molhagem e secagem do solo desagregado devido
ao uso de técnicas de manejo inapropriadas. Estudos como os de Araújo et al. (2007) e Bono
et al. (2012) também verificaram taxa de infiltração maior no solo com vegetação nativa de
Cerrado em sentido restrito em relação a outros sistemas de manejo adotados.
Giongo e Ferreira (2015) apontam que a conversão da vegetação nativa de Cerrado em
cana-de-açúcar, culturas anuais, pastagem ou eucalipto tem sério efeito no comportamento
das variáveis biofísicas, como albedo da superfície, temperatura da superfície, índice de ve-
getação EVI e evapotranspiração, resultando em impactos de ordem ambiental e social para
esse bioma.
Nesse contexto, são necessárias ações que possam contribuir para o retorno das funções
ambientais nessas áreas e minimizar ou mesmo cessar os processos de degradação. Traba-
lhos que tratam dessas questões são ainda bastante escassos no Brasil, principalmente em se
tratando do bioma Cerrado. Resumindo, pode-se esperar que ações bem executadas possam
contribuir para a maior infiltração de água e um menor escoamento superficial, permitindo,
assim, segundo Poggiani (1982), uma vazão mais regular nos cursos d’água e fornecimento
prolongado de água de melhor qualidade. Como discutido anteriormente, a contribuição in-
dividual de cada espécie vegetal influi na capacidade de captação e retenção de água no am-
biente. Assim, essa escolha deve ser considerada no processo de restauração, florestamento ou
reflorestamento no que diz respeito às características individuais, como raízes, caule, folhas,
crescimento e além da cobertura que proporcionará.
Vê-se, desse modo, que, também, a restauração, o florestamento e o reflorestamento im-
pactam na infiltração e na capacidade de retenção de água dos maciços, sendo relevante no es-
tudo das propriedades e comportamento dos solos não saturados. Por vezes, geotecnicamen-
te, associam-se essas modificações apenas a questões relacionadas à estabilidade de taludes
e encostas. No entanto, é importante lembrar que elas vão intervir, também, na umidade de
equilíbrio das estruturas de pavimentos urbanos, rodoviários, aeroportuários e ferroviários.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo apresentou, ao longo do texto, elementos que colocam em destaque os re-
flexos da geologia, da hidrogeologia, da geomorfologia e da cobertura vegetal no estado de sa-
turação do solo. Esses fatores intervenientes no estado hídrico do solo colocam em evidência
a importância de se considerarem os conhecimentos multidisciplinares em estudos, projetos
e execução de obras envolvendo solos não saturados.
Tais estudos e projetos devem vislumbrar análises integradas do meio físico para o en-
tendimento dos solos não saturados no que concerne a sua dinâmica temporal e espacial. A
120 Solos não saturados no contexto geotécnico
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Capítulo 6
Uso da cartografia geotécnica na análise de
umidade dos solos
1 INTRODUÇÃO
Dessa forma, os fatores naturais que condicionam o comportamento hídrico dos solos
são listados a seguir, de modo a apontar as características que podem ser mapeadas, quanto à
sua variação espaço temporal.
Segundo Dobos e Hengl (2009), foi Dokuchaev, um cientista dos solos russo, que em
1898 foi o primeiro a identificar que o clima, os organismos, o relevo ou a topografia, o mate-
rial parental e o tempo são os principais fatores na formação dos solos. Jenny (1941) buscou
desenvolver os conceitos de Dokuchaev e propôs que esses fatores poderiam servir para es-
timar características químicas físicas e biológicas do solo em um determinado local onde as
propriedades do solo dependem de sua posição geográfica e condições de vizinhança.
pois influencia significativamente a troca de água e energia que ocorrem na interface solo-
-atmosfera.
O teor de umidade dos solos é altamente variável no espaço e no tempo. Variações espa-
ciais de umidade vão de poucos centímetros a vários quilômetros, e temporais vão de minutos
a anos. Devido à importância dessa variação de umidade do solo para numerosos estudos
ambientais, incluindo pesquisas na área da meteorologia, hidrologia, agricultura e mudanças
climáticas nas últimas décadas, muitas pesquisas, como as de Topp et al. (1980); Wang e Qu
(2009); Sanchez et al. (2010); Yichang et al. (2010); Vereecken et al. (2014), além de outros,
têm sido realizadas no intuito de desenvolver métodos e técnicas que estimem o teor de umi-
dade dos solos.
A umidade do solo pode ser mapeada in situ por meio de sensores remotos ou modelada
por diversas técnicas. Entretanto, o monitoramento da umidade de solo em grandes áreas
ainda é incipiente. Os recentes avanços tecnológicos em sensoriamento remoto têm mostrado
que a umidade do solo pode ser mapeada por uma variedade de técnicas que se diferem em
função da escala de mapeamento.
Métodos diretos in situ de mensuração de umidade do solo, como o gravimétrico, o
tensiométrico, o de reflectometria no domínio do tempo (TDR) ou mesmo o de eletrorresis-
tividade, podem ser considerados como métodos que se destinam a mapeamentos em escala
local e são altamente restritivos, pois se baseiam em medições discretas (ponto a ponto) e não
representam a distribuição espacial do teor de umidade do solo.
O mapeamento indireto, por meio de sensores remotos, é vantajoso à medida que fornece
informações contínuas espacialmente e repetidas observações em intervalos de tempo regular.
Além disso, os recentes avanços tecnológicos referentes aos Sistemas de Informações Geográ-
ficas (SIG) têm mostrado que a umidade do solo pode ser investigada, analisada e mapeada.
Logo, é apresentada, a seguir, a investigação do teor de umidade por meio de recentes tecno-
logias associadas ao sensoriamento remoto e aos Sistemas de Informações Geográficas (SIG).
A variação da umidade do solo tem forte influência sobre as propriedades termais dos
solos (Vereecken et al., 2014). Quando há aumento do teor de umidade do solo, a condutivi-
dade termal no solo aumenta, haja vista que a água presente nos espaços intersticiais do solo
tem condutividade termal muito maior do que o ar, que preenche esses espaços quando o solo
está seco.
Trabalhos como o de Zeng et al. (2004), Zhan et al. (2004), Vivoni et al. (2008) e Yichang
et al. (2010), têm utilizado índices como o LST (Land Surface Temperature) tanto para inferir a
umidade de solo a partir da determinação da temperatura da superfície quanto para modelar
algoritmos que correlacione o LST com a umidade do solo. O LST é obtido a partir do cálculo
da temperatura radiométrica da superfície, que relaciona a emissividade e a temperatura do
pixel de imagens do infravermelho termal.
Nas últimas décadas, o aumentado número de pesquisas voltadas para o mapeamen-
to indireto da umidade de solo tem gerado uma multiplicidade de métodos, algoritmos e
modelos empíricos e semi-empíricos baseados em sensoriamento remoto por micro-ondas
(Schmugge et al., 1994; Ulaby et al., 1996; Jackson et al., 1999; Zribi et al., 2005; Baghdadi et
al., 2007; Rossato, 2009; Jackson et al., 2010; Baghdadi et al., 2012).
O sensoriamento remoto por micro-ondas possui uma capacidade de estimar a umidade
do solo por meio da medição da radiação eletromagnética na região de micro-ondas (0,5 à
100 cm). A base fundamental dos sensores de micro-ondas para detecção da umidade do
solo é o grande contraste entre as propriedades dielétricas de água (~80) e as propriedades
dielétricas das partículas do solo (<4). À medida que aumenta a umidade do solo, aumenta a
constante dielétrica da água no solo, e essa alteração é detectada por sensores de micro-ondas.
Tanto as técnicas de micro-ondas de sensoriamento remoto passivo quanto ativo demonstra-
ram alta capacidade para monitoramento global das variações de umidade do solo (Vereecken
et al., 2014).
A variação da radiação térmica emitida está relacionada às diferenças na constante die-
létrica do solo seco e solo úmido (Jensen, 2009). Na presença de vegetação, a relação direta
entre temperatura de brilho e umidade do solo não é aplicável, pois devem ser considerados
na interpretação da medida da temperatura de brilho: a absorção adicional, a emissão e a
dispersão de radiação do dossel da vegetação (Chukhlantsev et al., 2003). Nas frequências da
radiação térmica, a intensidade de emissão é proporcional à temperatura termodinâmica do
solo e à emissividade do solo, sendo, portanto, quantificada a partir da temperatura de brilho.
Sensores de micro-ondas ativos, tais como o radar de abertura sintética (Synthetic Aper-
ture Radar – SAR), representam, atualmente, a melhor opção para mapeamento espacial
e temporal da umidade do solo em escalas de bacias hidrográficas, que variam de 1 000 a
25 000 km2. A maioria dos estudos avaliou que os principais fatores que afetam a precisão
da estimativa da umidade do solo são rugosidade da superfície e a biomassa da vegetação
(Schmugge et al., 2002).
A umidade do solo também influencia a profundidade de penetração da energia ele-
tromagnética incidente. Se o solo tem alto teor de umidade, a energia incidente irá penetrar
apenas poucos centímetros no solo e será mais fortemente espalhada na superfície; por outro
lado, a energia de micro-ondas ativas pode penetrar mais profundamente em solos extrema-
mente secos. Muitas pesquisas demonstraram que a profundidade de penetração das micro-
-ondas varia de 2 a 6 cm (Schmugge et al., 2002).
Uso da cartografia geotécnica na análise de umidade dos solos 133
São exemplos de sensores de micro-ondas espaciais para medições de umidade do solo
o Special Sensor Microwave Imager/Sounder – SSMIS, a bordo do satélite intitulado Defense
Meteorological Satellite Program – DMSP; o Scanning Multichannel Microwave Radiometer –
SMMR, operado pelo satélite Nimbus-7; o Soil Moisture Active Passive – SMAP; o Tropical
Rainfall Measuring Mission Microwave Imager – TRMM-TMI; e o Advanced Microwave Scan-
ning Radiometer – AMSR-E, a bordo do satélite Earth Observing Satellite da missão Aqua.
vações da área estudada. A quantidade de radiação solar incidente sobre os perfis estudados,
observada a variação de acordo com a orientação das vertentes, foi aventada como possível
explicação da diferença existente na distribuição e nas propriedades dos solos das encostas
selecionadas.
Assim, na modelagem de dados altimétricos ou de elevação, permitida por meio do uso
das tecnologias de geoprocessamento, existentes nos SIG, diversas funções são utilizadas para
permitir a análise da distribuição de características que estão correlacionadas, dentre outros
fatores, à morfologia do terreno, como é o caso da modelagem realizada por meio do Índice
Topográfico de Umidade (TWI) ou da distribuição da umidade, levando-se em conta a pro-
fundidade do nível freático.
Como já descrito, o índice TWI tem sido utilizado para a análise e comparação entre
condições hidrológicas similares. Nesse sentido, Lin et al. (2006), ao estudarem solos em uma
bacia hidrográfica na Pensilvânia, utilizando um modelo digital de elevação para o cálculo
de atributos do terreno, entre eles, o índice TWI, observaram, em comparação com medidas
de umidade realizadas em campo, que esse índice auxiliou na análise da distribuição da umi-
dade na área de estudos em questão. Esses autores destacaram que as condições de umidade
também estão associadas à espessura, estrutura e à permeabilidade dos solos. Dessa forma, os
valores elevados de TWI associaram-se a relevo plano e áreas de várzea, onde foram encon-
trados solos do tipo Organossolos e Gleissolos.
De acordo com a descrição da modelagem do índice TWI realizada por Batista (2014),
ressalta-se, entretanto, que, no cálculo, como existe a divisão por valores de declividades, a
divisão por zero gerará erros matemáticos no modelo. Por isso, é necessário investigar se na
área em estudos ocorre o valor absoluto zero para evitar incongruências matemáticas e físicas
relativas a possíveis áreas planas existentes.
Rennó e Soares (2003) também relataram outro fato importante na modelagem do ín-
dice TWI, ao tentarem correlacioná-lo com a profundidade do nível freático, na comparação
com áreas conhecidas como naturalmente saturadas, como é o caso das nascentes, alcançando
boas estimativas. Outro destaque deve ser dado quanto ao índice topográfico, calculado para
regiões semiáridas, como foi o caso do estudo realizado por Gómez-Plaza et al. (2001), em
uma região semiárida ao sul da Espanha, que demonstrou que para essas áreas, em que a umi-
dade do solo é fortemente influenciada pela evapotranspiração e pela radiação solar, o índice
topográfico deve levar em conta, principalmente, a insolação potencial.
Quanto à análise do teor de umidade, realizada por meio da modelagem do nível fre-
ático, destaca-se o atributo já mencionado anteriormente, denominado de distância vertical
acima da drenagem mais próxima (HAND). Esse atributo normaliza a topografia de acordo
com as alturas relativas locais, encontradas ao longo da rede de drenagem, e dessa forma,
pode auxiliar na distinção entre regiões com propriedades hidrológicas semelhantes (Nobre
et al., 2011; Rennó et al., 2008). Como exemplo de aplicação, Rennó et al. (2008) afirmaram
que foram encontradas fortes correlações no cálculo do HAND com as condições de umidade
em estudos realizados em terrenos da Amazônia.
Na modelagem do atributo HAND, inicialmente, a partir de um modelo digital de ele-
vação com as respectivas topologias corrigidas, são calculadas as direções de fluxo, as quais
definem as relações hidrológicas entre diferentes pontos de uma bacia. Com isso, são calcula-
das as áreas de fluxo acumulado e definidos limiares para a extração da drenagem. De posse
Uso da cartografia geotécnica na análise de umidade dos solos 135
desses três resultados, são aferidas as alturas resultantes das distâncias verticais relativas, que
equivalem ao HAND (Batista, 2014; Rennó et al., 2008).
Comparações da aplicação do HAND realizadas em modelos digitais de elevação (MDE)
de diferentes resoluções, foram feitas por Rodrigues et al. (2011), em um estudo de caso loca-
lizado em Manaus (AM). Esses autores utilizaram MDE com resolução de 30 e de 90 metros,
e observaram que modelos com maior resolução digital são mais aplicados a análises locais
e que quando a finalidade é de reconhecimento de fenômenos regionais, como é o caso da
delimitação de compartimentos do relevo, definindo-se unidades de paisagem, a resolução de
90 metros mostrou-se mais adequada, pois, no caso em específico da fonte de dados de relevo
e das características fisionômicas do local, a altura de elementos como as copas das árvores
interfere no resultado.
mão, 2013), ou seja, a utilização apenas das cores denominadas quentes, ou apenas das cores
denominadas frias.
Como discutido anteriormente, atributos relacionados ao teor de umidade podem ser
identificados, avaliados e representados por meio de documentação cartográfica. Assim, são
apresentados exemplos de documentação cartográfica que podem servir de subsídio a essas
análises de condições de umidade dos solos. Tais documentações apresentadas são resultantes
de pesquisas realizadas em Geotecnia, na UnB, e foram realizadas por Batista (2014), Luiz
(2012), Silva (2007) e Silva (2011), os quais elaboraram mapas e cartas, como:
a) mapas temáticos de Armazenamento (S) e de Escoamento Superficial (Q) (Figura
2); do Índice TWI, de Distância de Drenagem pelo Fluxo Acumulado, de Distância
Vertical à Drenagem Mais Próxima (HAND) (Figura 3) e de Profundidade dos Solos
(Figura 4);
Figura 3 – Mapas do índice topográfico (TWI), de distância de drenagem pelo fluxo acumulado e de
distância vertical à drenagem mais próxima (HAND) (Batista, 2014)
Uso da cartografia geotécnica na análise de umidade dos solos 137
Figura 4 – Carta de profundidade dos solos as bacia do rio São Bartolomeu (Batista, 2014)
c) carta da cota do nível d’água do nível d’água (Figura 8); e outras documentações,
como um modelo tridimensional, representando as distintas camadas de materiais
inconsolidados, descritos conforme as sondagens à percussão realizadas (Figura 9).
Uso da cartografia geotécnica na análise de umidade dos solos 139
Figura 8 – Carta da cota do nível d’água do estudo de caso Brisas do Lago-DF (Silva, 2011)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
comportamento geotécnico dos solos não saturados são possíveis por meio de documentação
cartográfica, a qual represente atributos relacionados aos processos da dinâmica externa, pre-
dominantes nas regiões intertropicais brasileiras, os quais se associam à variação espacial e
temporal dessa umidade.
Tendo em vista esse contexto, neste capítulo foi destacada a utilização das principais tec-
nologias que têm permitido o mapeamento dos solos em grandes áreas, desde o mapeamento
indireto por sensoriamento remoto, até a modelagem de informações relevantes ao entendi-
mento dos processos hídricos, utilizando-se SIG, possibilitando, assim, a realização de infe-
rências quanto à correspondente distribuição de umidade em superfície e em subsuperfície.
Dentre os atributos que interferem nessas condições, os principais fatores de formação
dos solos foram inicialmente abordados. Discutiram-se, então, as características climáticas,
geológicas, pedológicas e geomorfológicas consideradas importantes na estimativa de pro-
priedades, as quais podem ser qualificadas e/ou quantificadas, no mapeamento da variação
espacial e temporal do teor de umidade dos solos.
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Capítulo 7
Técnicas de amostragem e preparação de amostras
1 INTRODUÇÃO
Ainda segundo Hvorslev (1949), as amostras não representativas não são adequadas
para ensaios de laboratório, permitindo, apenas, uma classificação preliminar das variações
das camadas do terreno e indicando em quais profundidades amostras representativas ou
indeformadas devem ser obtidas. Atualmente, essas amostras não são mais consideradas úteis
para uso em investigações geotécnicas. As amostras representativas seriam adequadas apenas
para realização de ensaios de classificação, enquanto que as amostras indeformadas seriam
indicadas para todos os tipos de ensaios de laboratório, principalmente os ensaios de resistên-
cia, de deformabilidade e permeabilidade.
A Norma ASTM D4220/D4220M-14 classifica as amostras coletadas em 4 grupos, a
saber:
• Grupo A – Amostras em que apenas a identificação visual geral do perfil é necessária.
• Grupo B – Amostras para realização de ensaios de caracterização.
• Grupo C – Amostras intactas para realização de ensaios de expansão, adensamento,
condutividade hidráulica, cisalhamento ou qualquer ensaio que necessite de corpos
de prova intactos.
• Grupo D – Amostras de solos que são frágeis ou altamente sensíveis necessárias para
a realização dos ensaios citados no Grupo C.
Segundo CETESB (1999), citando Byrnes (1994) e USEPA (1989), as seguintes ações
devem ser efetuadas para a definição dos objetivos da amostragem:
• Identificar e envolver o grupo de pessoas (engenheiros, geólogos, químicos, estatísti-
cos) que farão parte do programa de amostragem ou que utilizarão os dados levanta-
dos.
• Realizar uma avaliação preliminar, incluindo levantamento e avaliação de informa-
ções já existentes e uma visita de reconhecimento ao local.
• Desenvolvimento de um modelo conceitual para a área.
Logicamente, é importante lembrar que cada caso é um caso diferente e que as etapas
acima podem ser minimizadas e/ou ampliadas em função do tipo e do porte do empreendi-
mento, bem como das condições geológico-geotécnicas do terreno. Apenas amostras repre-
sentativas e/ou indeformadas devem ser coletadas. O objetivo principal é coletar amostras
que representem, da melhor maneira possível, as condições de campo.
Nessa etapa, devem ser especificada a utilização e os tipos de dados necessários para
serem atingidos os objetivos propostos. Com tal finalidade, devem ser estipulados os critérios
que determinarão a adequação dos dados levantados. Deve-se ficar atento para, entre outros
aspectos, os usos, os tipos e a qualidade dos dados obtidos (CETESB, 1999).
Também, nessa etapa, é importante utilizar o bom senso de engenharia para aumentar a
profundidade dos dados em função da obra e do subsolo.
Técnicas de amostragem e preparação de amostras 147
Quando se prevê a execução de uma obra como etapa inicial na realização do estudo
geotécnico, deve-se avaliar toda a documentação técnica disponível sobre o local. Vale salien-
tar que essa etapa preliminar não dispensa a execução dos trabalhos de campo e posteriores
estudos mais detalhados de laboratório e de campo.
148 Solos não saturados no contexto geotécnico
Tabela 2 – Fatores básicos que devem ser recopilados e avaliados na etapa preliminar
Fator Parâmetro Classificação
Posição
Limites
Topográfico Localização Altura
Declividade
Extensão
Relevo relativo e forma em planta
Morfologia Ângulo da inclinação
Forma do perfil
Tipo de roca
Geológico
Mineralogia
Composição e
Estratigrafia
estrutura
Produtos de alteração
Falhas, fraturas, juntas e superfícies de estratificação
Precipitação anual e variação da precipitação
Variação da temperatura
Clima Condição de insolação
Umidade relativa
Ambiental
Evapotranspiração
Rios/correntes
Hidrologia e
Fluxo subterrâneo
hidrogeologia
Lençol freático
Vegetação Tipo e porcentagem de cobertura
Catástrofes Terremotos, tsunamis, avalanches, subsidências, etc.
Atividade Construções, minerações, áreas se empréstimo, áreas
Atividade humana
humana agrícolas
150 Solos não saturados no contexto geotécnico
A informação obtida na etapa preliminar permite que se decida o tipo mais apropriado
de investigação de campo e de laboratório adicional, indispensável na caracterização geo-
técnica de cada estrato do subsolo. A NBR 8036/1983 regulamenta as exigências mínimas
com relação ao número, à localização e à profundidade da sondagem ou de poços de simples
reconhecimento. O número e localização definitiva das amostragens se definem em função
do tipo, da etapa e dos fatores econômicos da obra, em conjunto com as características do
entorno geológico e geomorfológico. A técnica de amostragem a ser adotada dependerá da
finalidade, do tipo de solo, das condições e dos equipamentos disponíveis.
Os objetivos da exploração do subsolo compreendem a obtenção da natureza do solo e
da estratigrafia do perfil; a retirada de amostras de tipo deformadas e/ou indeformadas para a
identificação visual e para ensaios de laboratório; se necessário, a definição da profundidade
e a natureza do leito rochoso; a realização de ensaios in situ; a determinação da posição do
lençol freático e das condições de drenagem, assim como a definição de particularidades que
possam acarretar em problemas para o empreendimento. É importante, em especial, para o
estudo dos solos não saturados, que se atente para o efeito sazonal sobre a posição do lençol
freático e a umidade do solo. Aqui, assumem particular importância a geologia estrutural e
hidrogeologia, assim como a geomorfologia do terreno.
A descrição do solo deve conter informação da cor dos elementos em geral (esta pode
ser um indicativo de mudanças químicas ou mineralógicas nos solos tropicais); a umidade
(fazendo referência a seco ao ar, pouco úmido, úmido, muito úmido e saturado); a textura
(tamanho e forma das partículas de solo); a estrutura (disposição das partículas e os vazios);
e a composição peculiar (matéria orgânica, concreções, agregações, variações significativas
de umidade e consistência do solo, etc.). A identificação genética deve conter informações
geológicas (principalmente, grau de intemperização dos estratos) e informações pedológicas
(para os solos transportados e residuais). Quanto à identificação geotécnica, esta deve fazer
referência a propriedades como consistência, permeabilidade, resistência e rigidez dos mate-
riais. Cabe lembrar, aqui, que, nos perfis de intemperismo tropical, muitas vezes, informações
como cor e textura e limites de consistência são insuficientes para caracterizar o solo quanto
ao seu comportamento (Santos et al., 2005).
Para o conhecimento das propriedades geotécnicas do subsolo, existem os métodos di-
retos, semidiretos e indiretos de exploração. Os métodos diretos compreendem as sondagens
a trado, a percussão e rotativa e os poços ou trincheiras de inspeção como sendo as técnicas
mais comuns no programa de exploração. Os métodos semidiretos compreendem ensaios in
situ, ensaios que se relacionam às propriedades e comportamentos dos solos como o ensaio de
cone (CPT), piezocone (CPTu) ou cone sísmico (SCPTu), o ensaio de palheta, os ensaios pres-
siométricos e dilatométricos, e de permeabilidade. Ensaios geofísicos (resistividade, sísmica,
geoacústica, gravidade, penetração de radar e raios gama) constituem os métodos indiretos.
É comum que, nas fases iniciais, sejam usados os métodos mais simples, como as sonda-
gens a trado, que permitem identificar os solos e a espessura dos estratos. Quando se requer
mapear o perfil de solo e obter blocos de amostras indeformadas, são realizados os poços e as
trincheiras de exploração. Conforme se vai avançando nas investigações e, dependendo das
necessidades do projeto, é necessário aumentar o número de sondagens e sua profundida-
Técnicas de amostragem e preparação de amostras 151
de, recorrendo-se a métodos como as sondagens à percussão, que permitem, além de obter
amostras deformadas, encontrar o valor do índice de resistência à penetração ao longo da
profundidade de exploração, de uma forma rápida e relativamente econômica, e as sondagens
rotativas, que permitem a identificação da litologia e das estruturas geológicas, assim como da
caracterização geotécnica dos materiais e das descontinuidades (Pereira et al., 1998).
2 Técnicas de amostragem
A Figura 1 apresenta dois tipos de trados citados pela norma ASTM D1452-09, que são
muito utilizados em amostragem superficial: a) Cavador e b) Trado-Concha
(ou trado cavadeira, segundo a NBR-9603/1986).
(a) (b)
Figura 1 – Trados utilizados em perfuração e amostragem de solo: a) Cavador e
b) Trado-Concha (adaptado de ASTM D1452-09 e ABGE, 2013).
152 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 2 – Moldagem dos blocos: (a) Início da escavação do poço com área de 1,30 m X 1,30 m;
(b) Escavação do poço na profundidade 1,20 m; (c) Moldagem de duas amostras na mesma cota;
(d) Amarração com fita adesiva do tecido de algodão; (e) Bloco pronto para transporte (Santiago, 2009)
154 Solos não saturados no contexto geotécnico
2.3.1 Tubulares
Neste item, serão abordados os principais tipos de amostradores tubulares que podem
ser utilizados em solos não saturados. A seguir, será feita uma descrição dos amostradores
tubulares Shelby aberto e pistão estacionário.
Hvorslev (1949) comenta que um amostrador de tubo aberto, bastante simples, foi intro-
duzido por Mohr (1936). Consistia de um tubo metálico inoxidável de parede fina da marca
“Shelby” que é acoplado a uma cabeça de amostragem e às hastes de sondagem. A Figura 3a
apresenta esse amostrador. Aperfeiçoamentos posteriores consistiram na colocação de uma
sapata de corte. A amostra é preservada e transportada para o laboratório no próprio tubo.
Um amostrador de parede fina, ainda segundo Hvorslev (1949), pode ser arbitrariamen-
te definido como sendo o tubo de amostragem com a espessura da parede menor do que 2,5%
do seu diâmetro. A principal vantagem desse tipo de amostrador seria a simplicidade opera-
cional. Ele possui, na cabeça de amostragem, aberturas para saída da água, além de válvula de
proteção contra formação de coluna de água (Figura 3a).
Figura 3 – Amostradores: a) Amostrador tubo aberto (Shelby) de parede fina (Hvorslev, 1949),
muito utilizado na prática geotécnica nordestina, b) Amostrador dotado de pistão estacionário
(Olsson, 1925 citado por Hvorslev, 1949)
Figura 5 Processo estático para extração de amostra indeformada tipo Shelby, utilizando uma
prensa manual (Justino da Silva e Rolim, 2002)
156 Solos não saturados no contexto geotécnico
2.3.2 Outros
Existem outros sistemas de amostragem, como as sondagens helicoidais, cujo uso limita-
-se a solos relativamente moles e coesivos, sendo de difícil operação em solos duros e cimen-
tados. Esse sistema permite definir o perfil estratigráfico com precisões maiores que ±0,5 m
na localização dos diferentes níveis atravessados, de maneira contínua. Existem dois tipos de
trado, o trado helicoidal espiral e o trado helicoidal com haste oca.
O tipo de amostra que se obtém com o trado espiral é de tipo deformada e requer mão
de obra intensa, porque o solo se adere aos elementos perfurantes. Especificamente esse tipo
de amostrador se limita ao uso em solos que não sofram colapso e a profundidades menores
de 6 m. Os diâmetros do trado variam de 4 a 8 polegadas.
No caso do trado com haste oca, obtém-se amostras indeformadas ou pouco deforma-
das até profundidades de 40 m. Não é fácil seu uso em siltes e areias fofas abaixo do lençol
freático. Nesses casos, é necessário equilibrar a pressão da coluna de água com introdução de
água pelo orifício da haste.
O funcionamento do trado helicoidal com haste oca é simples: ao longo no interior do
trado helicoidal, instala-se uma barra central, que termina ao final do trado com uma broca
pequena. Essa barra gira junto com o trado helicoidal quando se perfura. Para a coleta da
amostra, retira-se a barra central e coletam-se as amostras (Figura.6).
Os solos tropicais, a mineralogia e a microestrutura têm uma ampla influência nas pro-
priedades e comportamento de engenharia, o que os diferencia dos solos sedimentares forma-
dos em regiões de clima temperado e frio para os quais foram definidos os procedimentos de
ensaios normalizados. É por isso que a preparação das amostras de solos tropicais exige certos
cuidados e análises complementários.
Técnicas de amostragem e preparação de amostras 157
Faz-se necessário, na preparação de amostras e corpos de prova para a realização de
ensaios geotécnicos, que se leve em consideração fatores como a distribuição de poros e a
presença de agregados no solo. A distribuição de poros é relevante, porque pode dar indi-
cativos de que o solo não se comportará segundo os modelos tradicionais, e a presença de
agregados é um indicativo da sensibilidade estrutural do solo a tratamentos como a secagem
prévia devido ao fato de que, geralmente, eles são constituídos por diferentes minerais com
propriedades térmicas distintas.
Na caracterização física, um dos cuidados que se deve ter na fase de preparação das
amostras para os diferentes ensaios e que, geralmente, não se conhece, é com relação à distri-
buição de poros e à mineralogia e composição dos agregados e microagregados.
A secagem prévia do solo na fase de preparação de amostras causa alteração no estado
físico dos minerais por efeito da desidratação e variações térmicas; por exemplo, no caso de
o solo conter haloisita hidratada, ela se desidratará, irreversivelmente, na secagem, alterando
os limites Atterberg e superestimando o valor do peso especifico dos grãos (Gs), o que pode
conduzir a um erro na determinação da porcentagem de fracção argila e do índice de vazios,
além de provocar a existência de diferenças entre o estado do solo em laboratório e no campo,
por exemplo. Nesse caso específico, a curva de compactação de laboratório oferecerá uma
umidade ótima menor do que aquela que se terá no campo, onde o solo não é submetido à
secagem ou, pelo menos, à secagem em níveis semelhantes aos de laboratório.
Adicionalmente, no processo da secagem, quando os microagregados e agregados con-
têm, em seus interiores, minerais com diferentes coeficientes de dilatação térmica, pode oca-
sionar o surgimento de microfissuras, que possibilita sua quebra ou, pelo contrário, pode
ocorrer o fortalecimento das cimentações, agregando as partículas ou melhorando a estabili-
dade dos agregados já existentes. No caso da quebra, por exemplo, na curva granulométrica,
as amostras com pré-secagem exibem maior conteúdo de finos que as amostras ensaiadas na
umidade natural. Quando ocorre a agregação das partículas, formam-se partículas de tama-
nhos maiores, que permanecem unidas, mesmo ao se reumedecer o solo, por exemplo, alguns
solos argilosos podem tomar o aspecto de areias ou siltes ao secar-se, apresentando uma plas-
ticidade menor (Fookes, 2004), mas a secagem pode, ainda, apenas conferir estabilidade às
agregações.
158 Solos não saturados no contexto geotécnico
Quanto à desagregação dos solos tropicais, esta deve ser realizada com muito cuidado,
devido à fragilidade de certas cimentações que se encontram comumente neles presentes. É
por isso que a separação das partículas deve limitar-se a uma simples pressão dos dedos para
se evitar a quebra dos agregados. Os efeitos desses agentes cimentantes podem ser observados
a partir dos ensaios de granulometria com e sem o uso de um dispersante (defloculante). Com
o defloculante, obtém-se a distribuição individualizada dos grãos, e, sem o defloculante, a gra-
nulometria real do solo no campo, cabendo lembrar que, se o solo passou por secagem prévia,
esta pode ter sido afetada. A diferença nos resultados pode indicar um potencial de instabili-
zação estrutural dos agregados diante da presença de certas águas (Figura 7). É por isso que,
nesse tipo de solos, pode ser preferível colocá-los durante à noite no agente dispersante que
exercer pressão para separar as partículas. Destaca-se, ainda, que o agente separador ou desa-
gregador do solo deve estar relacionado à finalidade do estudo, por exemplo, se ele se destina
à avaliação de um local para implantação de lagoas de estabilização, recomenda-se o uso de
defloculantes químicos, porém, se a finalidade é a construção rodoviária, o melhor seria o suo
de ultrassom, compatibilizando a desagregação com os riscos de desagregação no campo. No
entanto, se a finalidade for a definição do percentual de agregados, fundamental nas análises
de distribuição de poros nos solos, o ideal será fazer a junção entre os dois mecanismos de
desagregação, o químico (uso de defloculante) e o físico (uso do ultrassom).
A composição mineralógica dos solos tropicais tem um papel relevância no seu compor-
tamento. É por isso que a caracterização mineralógica ou identificação dos minerais presentes
no solo é relevante. Os métodos mais frequentemente usados são a difração de raio-X, a aná-
lise termodiferencial e a microscopia ótica.
Difração de raios–X:
160 Solos não saturados no contexto geotécnico
A difração de raio-X é uma análise que permite identificar o mineral argílico. Consiste
na utilização de um aparelho (difratômetro), que faz incidir um feixe de raio-X monocro-
mático sobre o cristal de eléron. Esse feixe difratado pode ser medido por um detector de
raio-X, que é centralizado estrategicamente para produzir um perfil de difração ou difratogra-
ma. No registro gráfico (difratograma), são apresentados picos que representam as distâncias
interplanares entre as bases formadas pelos planos cristalinos do mineral. Os picos assim
obtidos estão relacionados a vários ângulos de um goniômetro e, através desses ângulos, o
espalhamento cristalográfico dos minerais são calculados pela lei de Bragg (Equação 1). Dois
minerais distintos não possuem exatamente as mesmas distâncias interatômicas nas três di-
mensões. Os ângulos de difração determinados caracterizarão os diferentes tipos de minerais.
Para a identificação de cada mineral, utiliza-se o pico primário (n = 1 na equação de Bragg),
entretanto, o pico secundário de um mineral (n > 1) pode coincidir com o primário de outro.
Assim, antes de realizar o ensaio e obter o difratograma, é necessário preparar as amostras
adequadamente para não haver dificuldades na interpretação dos resultados.
nλ = 2d senθ Equação 1
A preparação da amostra do solo para análise mineralógica por difração de raio-X, re-
quer a separação dos frações do solo, areia do silte + argila e silte da argila. Paiva (2015)
apresenta, de forma didática e ilustrada, a preparação das amostras e lâminas que serão, aqui,
descritas de forma mais simplificada.
i. Separação da fração areia por peneiramento:
Pré-tratamento da amostra (se necessário) - proceder à dispersão com solução de
carbonato de sódio (Na2CO3) pH = 9,5 (2 g de Na2CO3 para 18 L de água destilada),
corrigir o pH com potenciômetro. Para se remover a areia do solo, por peneiramento
úmido, utiliza-se a peneira de malha 400 (0,053 mm), apoiando em um funil e deste,
escoando-se para uma proveta de 1000 mL, ficando, na suspensão, silte e argila.
ii. Separação da fração silte e argila por sedimentação:
Completa o volume da proveta para 1000 mL com a solução de Na2CO3 pH = 9,6.
Homogeneizar com agitador magnético e deixar em repouso por 8 horas, tempo
necessário para as partículas com diâmetro menor que 0,002 mm se sedimentarem
a uma distância de 10 cm do volume da suspensão. As partículas com diâmetro
maior que 0,002 mm estarão traspondo o limite de 10 cm de profundidade da pro-
veta. Decorridas as 8 horas, retirar, por sucção, até a profundidade de 10 cm iniciais
da massa líquida. Posteriormente, é transportado para um Becker de 1000 mL. Re-
petir esse procedimento até que, nos 10 cm de suspensão, estarem completamente
limpos e livre de argila, ficando os sedimentos decantados no Becker (argila) e na
Técnicas de amostragem e preparação de amostras 161
proveta (silte). Separar a argila por centrifugação, reservando a argila para preparar
as lâminas.
iii. Preparação das lâminas para análise mineralógica da argila:
Antes da preparação das lâminas, as amostras são saturadas com magnésio e potássio.
A saturação com magnésio (Mg) e a preparação da lâmina tem o seguinte procedi-
mento:
a) Efetuar uma lavagem com solução 10 normal de cloreto de magnésio (MgCl2).
Colocar uma alíquota da argila (± 0,5 g) em um tubo de ensaio, adicionar ± 5 mL
da solução de MgCl2 10 normal e agitar por 5 min com um agitador; em seguida,
centrifugar e separar a argila da solução.
b) Efetuar uma lavagem com solução 1 normal de cloreto de magnésio (MgCl2).
No tubo da lavagem anterior (1) após a separação, adicionar ± 5 mL da solução
de MgCl2 1 normal e agitar por 5 min com um agitador; em seguida, centrifugar
separando a argila da solução.
c) Efetuar duas lavagens com solução 1 normal de acetato de magnésio
(Mg(CH3COO)2) pH=7. No tubo da lavagem anterior (b) após a separação, adi-
cionar ± 5 mL da solução de (Mg(CH3COO)2) pH=7 e agitar por 5 min com um
agitador; em seguida, centrifugar e separar a argila da solução. Efetuar essa lava-
gem por duas vezes. Retirar o excesso das soluções e repetir o processo para cada
lavagem.
d) Efetuar uma lavagem com solução 50% de etanol (CH3CH2OH) ou metanol
(CH3OH). No tubo da lavagem anterior (c) após a separação, adicionar ± 5 mL da
solução 50% de etanol (CH3CH2OH) ou metanol (CH3OH) agitar por 5 min com
um agitador e, em seguida, centrifugar e separar a argila da solução.
e) Efetuar três ou mais lavagens com solução 95% de etanol (CH3CH2OH) e propor-
ções variadas de acetona (CH3COCH3) se tiver problema de flocular. No tubo da
lavagem anterior (d) após a separação, adicionar ± 5 mL da solução 95% de etanol
e agitar por 5 min com um agitador e, em seguida, centrifugar e separar a argila da
solução. Efetuar essa lavagem por três ou mais vezes.
f) Verificar se a argila ainda apresenta cloreto (Cl-) das soluções anteriores, colo-
cando algumas gotas da solução de nitrato de prata (AgNO3) 1,0% na solução de
lavagem anterior, após a separação da argila. Ficando turvo, confirma a presença
de cloreto pela formação do cloreto de prata (AgCl), então, repetir mais algumas
lavagens com etanos até que a solução permaneça hialina.
g) Efetuar uma lavagem com solução 10% de glicerol em etanol (CH3CH2OH). Agi-
tar por 5 min e preparar uma lâmina, tendo o cuidado de formar uma camada
bem delgada na lâmina de vidro.
h) Colocar algumas gotas da suspensão na extremidade da lâmina e efetuar um es-
fregaço com outra lâmina para formar uma película da argila bem delgada. Deixar
secar naturalmente dentro de um dessecador com sílica gel ou cloreto de cálcio.
Identificar a lâmina.
A saturação com potássio (K) e a preparação da lâmina têm o seguinte procedimento:
a) Efetuar cinco lavagens com solução 1,0 normal de cloreto de potássio (KCl).
Colocar uma alíquota da argila (± 0,5 g) em um tubo de ensaio, adicionar ± 5 mL
162 Solos não saturados no contexto geotécnico
da solução de KCl 1,0 normal e agitar por 5 min com um agitador; em seguida,
centrifugar por 10 min, separando a argila da solução. Efetuar essa lavagem por
cinco vezes. Retirar o excesso das soluções.
b) Efetuar uma lavagem com água. No tubo da lavagem anterior (1) após a separação,
adicionar ± 5 mL de água, agitar por 5 min com um agitador, em seguida, centri-
fugar por 10 min, separando a argila da água.
c) Efetuar cinco lavagens com metanol a 99% com acetona se tiver problema de flo-
culação. No tubo da lavagem anterior (b) após a separação, adicionar ± 5 mL de
metanol a 99% com acetona, agitar por 5 min com um agitador; em seguida, cen-
trifugar por 10 min, separando a argila da solução. Efetuar essa lavagem por cinco
vezes se apresentar problema de floculação.
d) Verificar se a argila ainda apresenta cloreto (Cl-) das soluções anteriores, colo-
cando algumas gotas da solução de nitrato de prata (AgNO3) 1,0% na solução de
lavagem anterior, após a separação da argila. Ficando turvo, confirma a presença
de cloreto pela formação do cloreto de prata (AgCl), então, repetir mais algumas
lavagens com metanol até que a solução permaneça hialina.
e) Preparar três lâminas com a suspensão da argila com potássio.
Preparar três lâminas com a suspensão da argila com água ou metanol, tendo o
cuidado de formar uma camada bem delgada na lâmina de vidro. Colocar algu-
mas gotas da suspensão na extremidade da lâmina e efetuar um esfregaço com
outra lâmina para formar uma película da argila bem delgada. Deixando secar na-
turalmente dentro de um dessecador com sílica gel ou cloreto de cálcio. Identificar
a lâmina.
1) A primeira lâmina, secar na temperatura ambiente e guardar, no dissecador
identificado, a lâmina.
2) A segunda lâmina, após seca, colocar em uma mufla e aquecer até uma tem-
peratura de 300°C por duas horas; deixar a mufla esfriar naturalmente até a
temperatura ambiente e colocar, no dissecador identificado, a lâmina.
3) A terceira lâmina, após seca, colocar em uma mufla e aquecer até uma tem-
peratura de 550°C por duas horas; deixar a mufla esfriar naturalmente até a
temperatura ambiente e colocar, no dissecador identificado, a lâmina.
As lâminas assim preparadas são levadas ao difratômetro, e é obtido o registro gráfico
(difratograma), com indicação dos picos que representam as distâncias interplanares, em que
os minerais podem ser identificados a nível de grupo, usando-se as reflexões de primeira
ordem, de acordo com Jackson (1979) e Dixon e Weed (1989). A Figura 8 apresenta de forma
esquemática a estrutura cristalina dos principais argilominerais.
c) Microscopia Ótica:
A Microscopia Ótica (MO) permite observar e analisar o arranjo dos agregados (es-
queleto, plasma e fundo matricial), suas relações e grau de preservação face às adições e
perdas. Propicia uma contribuição importante nas deduções dos processos pedológicos.
O estudo da micromorfologia do solo através da MO consiste na observação de lâmina
através de equipamentos ópticos. Essa técnica vem avançando através da análise qualitativa
e quantitativa da microestrutura do solo e porosidade através da análise de imagens por
meio digital.
A preparação das amostras para a observação na Microscopia Ótica (MO) requer um
conjunto de procedimentos que envolvem secagem, impregnação de resina, colagem, cortes
polimento e observação.
i) Secagem – As amostras indeformadas ou compactadas do solo são moldadas em
caixas metálicas (Kubiena) de formato cúbico com dimensões (0,11 a 0,10 m X
0,05 a 0,06 m X 0,03 a 0,05 m, mais frequentes). A secagem pode ser realizada por
meio de dessecadores com aplicação de pequemos vácuo e até haver constância
de peso. Esse processo é mais lento, entretanto, provoca menores contrações em
solos com argilominerais expansivos. Pode-se colocar, também, amostras em
estufa a 40oC, por um período, e verificar ocorrência de constância de peso após
sucessivas pesagens. O tempo requerido é superior a 72 horas.
ii) Impregnação com resina – Após a secagem, as amostras são impregnadas com
resinas de poliéster, segundo metodologia descrita por Jongerius e Heintzberger
(1963). A impregnação pode ser feita por vácuo e submersão. Nas mostras de
estrutura sensível é aconselhável evitar o vácuo.
iii) Cortes e polimentos – A mostra impregnada com a resina é colocada para en-
durecer, cortada em máquina com serras diamantadas e polidas em uma das
faces. O bloco de solo endurecido é colado em lâmina de vidro com dimensões
de 110 x 75 x 1,2 mm (mais frequentes) e levado à prensa para fixação por
12 horas, sendo cortado na máquina para ficar com espessura de 2,0 mm. A
amostra do solo é polida na máquina, com abrasivos de óxido de alumínio de
diâmetros: 25, 9,5, e 5,0 µm, e limpada em aparelho de ultrassom, para ficar
com espessura de 25 a 30 µm. Complementando, a amostra é polida à mão
com abrasivo de 5,0 µm, levada ao ultrassom para limpeza completa e coberta
com uma lamínula de vidro para que a seção delgada ficasse protegida (Mur-
phy, 1986).
iv) Observação das lâminas – Utiliza-se microscópio petrográfico. As terminologias
usadas nas descrições micromorfológicas podem ser de Brewer (1976), Brewer e
Pawluk (1975) e Bullock et al. (1985). Para adaptação dos termos para o portu-
guês, pode-se utilizar as sugestões de Lima et al. (1985), Stoops (1986), Santos et
al. (1991) e Luz et al. (1992).
v) obtenção e observação das micrografias – Para a obtenção das micrografias, utili-
za-se uma câmara fotomicrográfica com controle de exposição automático, aco-
plado ao microscópio petrográfico. Para a legenda das micrografias, podem-se
utilizar abreviaturas, como: XPL, para nicóis cruzados; PPL, quando apenas o
analisador foi inserido; e GP, quando se utiliza placa de gesso.
Técnicas de amostragem e preparação de amostras 165
4 Caracterização microestrutural
Nos solos tropicais, não é possível pensar nas partículas de solo de maneira individual,
devido aos agrupamentos que apresentam, formando grãos agregados que refletem no com-
portamento físico e mecânico do solo. É por isso que a microscopia eletrônica de varredura
(MEV) se torna uma técnica altamente valiosa por sua distância e profundidade focal que
permite estudar a microestrutura e confirmar a presencia de minerais específicos a partir das
características morfométricas dos solos.
No MEV, um feixe de elétrons de alta energia, incide na superfície da amostra, onde
ocorre uma interação, e parte do feixe é refletido e coletado pelo detector. As imagens são
obtidas a partir das interações inelásticas de elétrons secundários e pelas interações elásticas
entre os elétrons retroespalhados com a amostra. O MEV utiliza mais as imagens obtidas por
elétrons secundários, fornecendo imagens de maior resolução com impressão tridimensional,
facilitando a interprestação, e as imagens por BSE apresentam contraste de composição pre-
sentes nas amostras.
O MEV permite observar amostras ampliadas em muitas vezes, com boa resolução de
imagem. Essa técnica, quando acoplada a um analisador de energia dispersa (EDS), contribui
para identificar a constituição química do mineral, permitindo uma análise mais detalhada
dele. Enquanto o MEV propicia nítidas imagens, o EDS permite a identificação mineral.
Para observar a microestrutura dos solos no MEV, é necessário que os solos tenham
baixa umidade (praticamente seco) e que a microestrutura esteja preservada. Entretanto, a
técnica requer um conjunto de operações que envolvem secagem, corte, superfície de obser-
vação pouco acidentada e uniformidade na metalização da superfície a observar. Os efeitos
desses procedimentos devem ser reduzidos para se ter uma superfície de observação com
menor perturbação possível (McGown e Collins, 1975); Ferreira, 1995).
A preparação das amostras para serem observadas no MEV requer um conjunto de pro-
cedimentos.
i) Secagem prévia – Por meio de dessecador e submetidas a um pequeno vácuo. Pe-
sagens devem ser realizadas até obter constância de peso. Em se tratando de solos
expansivos, esse processo deve ser lento para evitar contração no solo.
ii) Preparação da superfície de observação – Pequenos instrumentos cortantes, pinças
e outros pontiagudos auxiliam nas fragmentações sucessivas das amostras, procu-
rando-se deixar, sempre, a superfície de observação sem toque dos instrumentos. A
forma final dos corpos de prova deve aproximar-se de um cubo com “arestas” que
variam de 7 a 10 mm.
iii) Metalização das amostras – A metalização pode ser realizada por meio de uma pe-
lícula de ouro, grafite ou outro condutor, para se evitar carregamento eletrostático
e propiciar uma boa condução do feixe de elétrons. As amostras devem ser fixadas
utilizando-se fita dupla fase 3M ou com tinta de prata a um suporte de alumínio
166 Solos não saturados no contexto geotécnico
Os procedimentos para a preparação das amostras dos ensaios para os ensaios hidrodi-
nâmicos aqui descritos podem ser utilizados para os ensaios de resistência ao cisalhamento,
compressão unidimencional, triaxial, permeabilidade com e sem sucção controlada.
O solo seco ao ar é espalhado em uma bandeja de plástico de modo a formar uma ca-
mada de espessura uniforme. A quantidade de água é, então, adicionada com auxílio de um
pequeno chuveiro. À medida que a água é adicionada ao solo, a homogeneização manual é
realizada. Durante a adição de água e a homogeneização, observa-se a formação grumos de
partículas. A presença desses grupos provoca uma distribuição heterogênea de umidade no
corpo de prova. Para se evitar a uniformidade de umidade após homogeneização, a amostra
deve ser passada na peneira que definiu o diâmetro máximo dos grãos.
Durante o processo de homogeneização, parte da água adicionada é perdida devido à
evaporação, absorvida na fração retida no peneiramento, no contato com a bandeja e nas
mãos. Para se evitarem essas perdas, deve-se adicionar 10 a 20% do volume de água para
compensá-las.
Após o processo de homogeneização, determina-se a umidade em 3 a 5 pontos da amos-
tra do solo úmido e verifica-se se existe uma diferença nas umidades. Caso a diferença entre
a média da umidade e os valores individuais das umidades sejam superiores ou inferiores a
0,5%, repete-se a homogeneização do material, adicionando-se ou dessecando-se o solo. Após
a equalização da umidade, a amostra deve ser condicionada em um saco de polietileno e colo-
cada dentro de um reservatório (tanque) com pó de serra saturado em água.
O saco com o solo é apoiado em um extrato de madeira para evitar contado com o pó de
serra. Após 24 horas, determina-se a umidade em 3 a 5 pontos para se verificar se a umidade
está dentro da faixa desejada. O processo se repete até se obter essa umidade. A amostra ainda
pode ser deixada em repouso por 3 a 7 dias para atingir um equilíbrio da umidade.
dade desejada, com uma tolerância de mais ou menos 0,5%, é iniciado o processo de com-
pactação, caso contrário, corrige-se a umidade e o processo é repetido até se obter a umidade
desejada, com a tolerância indicada.
El-Sohbly et al., (1989), Alonso et al., (1987) e Ferreira (1993) analisaram a deformação
do sistema nos valores da tensão de expansão. A influência da deformação do sistema foi
maior na avaliação da tensão de expansão pelos métodos carregamento após com sobrecarga
e a volume constante. A tensão de expansão avaliada sem a correção da deformação do siste-
ma é inferior à tensão de expansão do solo em cerca de 27% por esses métodos.
A calibração da deformação do sistema deve ser realizada antes no início da realização
dos ensaios com o solo com o seguinte procedimento:
170 Solos não saturados no contexto geotécnico
Dessecador de vácuo – Para obter a sucção total. Para se obter a sucção total por meio
do dessecador de vácuo, soluções previamente preparadas com concentrações e densidades
diferentes são colocadas em câmaras, para que ocorra transferência de umidade. S o lu -
ções de cloreto de sódio (Baker et al., 1973) e ácido sulfúrico (Aitchison e Ricards, 1965) são
preparadas para se atingir a variação de sucção desejada. Os dessecadores utilizados devem
ter grandes superfícies e volumes de solução com 500 ml ou 1000 ml. Em cada dessecador,
procura-se colocar um número reduzido de amostras (máximo de 5), todas de mesma umi-
dade inicial e preservando a estrutura do solo. As amostras indeformadas ou compactadas
moldadas em moldes são talhadas e colocadas em uma placa de alumínio (tampa das cápsulas
de umidade), pesadas e apoiadas em uma grade de plástico que repousa na placa de porcelana
do dessecador. As pesagens são realizadas periodicamente até haver constância de peso entre
pesagens consecutivas (sete em sete dias).
Algumas técnicas para se obter a curva de sucção-umidade – Saturar-se o corpo de pro-
va previamente e, posteriormente, desseca. Esse processo, além de provocar efeito de histerese
174 Solos não saturados no contexto geotécnico
O tempo necessário para cada aumento da umidade depende do tipo de solo e da umi-
dade inicial. Embora o método exija melhorias, observou-se que permite a expansão do solo
ao absorver umidade sem o aparecimento de fissuras (Marinho, 1994).
6 Considerações finais
AGRADECIMENTOS
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Capítulo 8
Índices físicos, textura, consistência e
classificação de solos
1 INTRODUÇÃO
2 ÍNDICES FÍSICOS
no interior dos agregados, que é preenchida por água e/ou ar. A continuidade das fases fluidas
no solo não saturado varia à medida que o solo for submetido à variação de grau de saturação.
A Figura 1 ilustra um elemento idealizado de solo não saturado com fase ar contínua,
proposto por Fredlund e Rahardjo (1993), enquanto a Figura 2 mostra os diagramas pro-
postos por esses autores correspondentes aos modelos rigoroso e simplificado, notando-se
a incorporação de uma nova fase denominada interface ar-água, também conhecida como
película contrátil:
Figura 1 – Elemento de solo não saturado com fase ar contínua (modificado de Fredlund e Rahardjo, 1993)
Figura 2 – Modelo rigoroso e simplificado das fases de um solo não saturado, conforme proposição de
Fredlund e Rahardjo (1993)
O teor de umidade gravimétrico (w) do solo é definido como a relação entre a massa de
água (Mw) e a massa de sólidos (Ms), correspondente a um mesmo volume de solo, indicado
em percentagem:
w = Mw/Ms (1)
O teor de umidade gravimétrico apresenta limite inferior igual a zero e o seu limite su-
perior é indefinido, podendo ocorrer valores superiores a 100%.
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos 185
Comumente, definem-se três índices físicos a partir de relações volumétricas, sendo es-
ses, porosidade, índice de vazios e grau de saturação.
Entende-se, por porosidade (n) a relação entre o volume de vazios (Vv) e o volume total
de solo (V), expresso em percentagem, com variação no intervalo de 0 a 100%. Nogueira
(1998) comenta que, como os sólidos são considerados incompressíveis, dentro do intervalo
de tensões normalmente aplicadas nos projetos comuns de engenharia, qualquer variação
no volume de um solo será acompanhada de igual variação no seu volume de vazios. Então,
numerador e denominador da equação (2) variarão em um mesmo sentido. Desse modo, a
porosidade não nos permite acompanhar a variação de volume do solo ao longo do tempo
quando submetido a um carregamento.
n = Vv/V (2)
Fredlund e Rahardjo (1993) reportam que, de forma similar, pode-se definir a porosida-
de em relação a cada fase do solo, a saber:
ns = Vs/V (3)
nw = Vw/V (4)
na = Va/V (5)
nc = Vc/V (6)
onde:
ns = porosidade das partículas do solo (%).
nw = porosidade de água (%) [percentagem do volume de vazios ocupados por água].
na = porosidade de ar (%) [percentagem do volume de vazios ocupador por ar].
nc = porosidade da película contrátil (%).
Comentam, ainda, que o volume associado com a película contrátil (interface ar-água)
pode ser assumido como sendo desprezível ou incorporado à fase da água. A soma das po-
rosidades de todas as fases deve ser igual a 100%. Destaca-se que a porosidade da água (nw)
é denominada de teor de umidade volumétrico (θw) nas áreas Agronômicas e de Ciência do
Solo.
O índice de vazios (e) é definido como a relação entre o volume de vazios (Vv) e o volume
de sólidos (Vs) para um mesmo volume de solo, conforme a equação:
e = Vv/Vs (7)
Esse parâmetro que indica a variação volumétrica do solo ao longo do tempo e perante
aplicação de carregamentos externos; visto que o volume de sólidos é constante, as variações
186 Solos não saturados no contexto geotécnico
volumétricas que ocorrem são função da variação do índice de vazios. Apresenta-se, em seu
limite inferior, com valor numérico maior que zero e o seu limite superior não é bem definido,
sendo dependente da estrutura do solo.
O grau de saturação (Sr) representa a relação entre o volume de água (Vw) e o volume
de vazios (Vv), para um mesmo volume de solo, expresso em percentagem. O intervalo de
variação desse índice físico compreende o intervalo entre 0 e 100%, representando, respecti-
vamente, em seu extremo inferior, o solo seco e, no seu extremo superior, o solo saturado. Por
consequência, entre esses dois extremos, encontra-se a condição de estado que representa o
solo não saturado.
Sr = Vw/Vv (8)
θw = Vw/V (9)
θw = SrVv/V (10)
Como Vv/V representa a porosidade, a Equação 10 poderá ser reescrita da seguinte for-
ma:
θw = Srn (11)
A massa específica do solo (ρ) referente a um teor de umidade distinto dos extremos que
caracterizam um solo seco e um solo saturado é definida como a relação entre a massa do solo
(M) e o volume do solo (V), expressa em g/cm3:
ρ = M/V (12)
ρd = Ms/V (13)
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos 187
De maneira, oposta, tem-se a massa específica do solo saturado (ρsat), que traduz o teor
de umidade máximo do solo, representado pelo estado de solo saturado, definida como sendo
a relação entre a massa de solo saturada (Msat) e o volume de solo (V), expressa em g/cm3.
Tratando-se da massa específica do solo nos estados seco e saturado, informa-se que não
se considerou uma possível variação de volume decorrente da perda de umidade na etapa de
secamento, como também do ganho de umidade na etapa de saturação.
Quando o solo se encontra abaixo do nível de água, tem-se a massa específica submersa
(ρsub), definida como a diferença entre a massa específica saturada (ρsat) e a massa específica da
água (ρw), também conhecida como massa específica efetiva (ρ’):
A massa específica dos sólidos (ρs) indica um valor médio das massas que constituem a
fase sólida do solo, revelando a influência dos minerais e de as proporções que o formam. É
definida como sendo a relação entre a massa de sólidos (Ms) e o correspondente volume de
sólidos (Vs):
ρs = Ms/Vs (16)
Esse índice físico também pode ser expresso como densidade real dos grãos, Gs, parâ-
metro adimensional. A determinação da massa específica dos sólidos obedece as orientações
da NBR 6508/1984 da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
Ressalta-se que em regiões de clima temperado, os solos se apresentam com baixo teor
de oxi-hidróxido de ferro, e a densidade real se manifesta na ordem de 2,65. Nas regiões de
clima tropical, de maneira oposta, ocorrem valores elevados, próximo de 3,00. Destaca-se,
também, que os solos lateríticos têm sua densidade real influenciada pela presença de poros
isolados no interior dos seus agregados.
Poder-se-á expressar as relações entre massas e volumes, fazendo-se uso do peso em
detrimento da massa, originado, assim, o peso específico, cuja simbologia é γ, e tem como
unidade no Sistema Internacional o kN/m3.
3 TEXTURA E CONSISTÊNCIA
A variação das dimensões e formas das partículas que constituem a fração sólida do solo
é muito diversificada. Os solos grossos, pedregulhos e areias possuem grãos que são percep-
tíveis a olho nu, diferentemente dos grãos de argilas, que, em conjunto com os siltes formam
os solos finos.
A análise granulométrica define, de forma separativa, as frações do solo, elencando-as
e, normalmente, as frações correspondentes ao pedregulho e areia se apresentam com forma
188 Solos não saturados no contexto geotécnico
Cu = D60/D10 (17)
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos 189
Esse coeficiente representa a distribuição do tamanho das partículas que constituem o
solo, e valores próximos da unidade revelam curva granulométrica aproximadamente ver-
tical, solo mal graduado, ou seja, com uma pequena amplitude da variação dos diâmetros.
Quanto maior o valor numérico do Coeficiente de não Uniformidade, mas bem graduado é o
solo, implicando, assim, uma suavização da inclinação da curva granulométrica e, por conse-
quência, abrangendo uma amplitude maior do intervalo de diâmetros. Os pedregulhos bem
graduados se manifestam com Cu ≥ 4, enquanto as areias, com Cu ≥ 6.
O Coeficiente de Curvatura (Cc) indica o formato da curva granulométrica do solo, con-
forme a relação:
e de seus minerais é muito complexa, principalmente, no tocante aos solos tropicais, que se
apresentam com a fração argila não individualizada, com agregações fortemente cimentadas.
O índice de plasticidade, que é a diferença entre o limite de liquidez e o limite de plas-
ticidade, em teor de umidade, define o intervalo de variação em que o solo se encontra no
estado plástico. Juntamente com parâmetros granulométricos, esses índices de consistência
são utilizados com a finalidade de classificar o solo nos sistemas tradicionais de classificação.
O emprego desses limites para os solos tropicais, atualmente, vem sendo bastante contestado,
face aos aspectos relacionados as suas peculiaridades, manuseio, preparação e repetitividade
de resultados, dentre outros.
Estudos correspondentes aos limites de liquidez e plasticidade para qualquer tipo gené-
tico de solo, seja de região tropical ou temperada, mostram que esses limites aumentam com a
quantidade de argila presente no solo. Os solos tropicais, principalmente, os lateríticos, se ma-
nifestam com sua fração argila constituída predominantemente pelo argilomineral caulinita e
por óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio, que recobrem ou cimentam o argilomineral, re-
sultando em agregações que vão interferir nas suas propriedades índices, por consequência na
interpretação dos ensaios. Outros fatores, como pré-secagem, desidratação e amolgamento,
modificam a plasticidade do solo, revelando ser um material sensível, e esses materiais expres-
sam grande dispersão nos resultados dos ensaios de consistência, conduzidos pela sistemática
convencional, face essas peculiaridades apresentadas.
Outros índices menos empregados são o índice de consistência e o índice de liquidez,
determinados a partir do teor de umidade natural e dos limites de liquidez e de plasticidade.
Eles visam, identificar o estado de consistência dos solos argilosos em campo.
A influência do argilomineral nas propriedades de uma argila pode ser avaliada pelo
índice de atividade proposto por Skempton (1953), definido como a relação entre o índice de
plasticidade e a percentagem de argila, parâmetros obtidos a partir de ensaios rotineiros nos
laboratórios de Mecânica dos Solos. Quando esse índice for menor que 0,75, a argila é inativa;
se o índice estiver entre 0,75 e 1,25, a argila é considerada como normal; e quando o índice for
maior que 1,25, a argila é ativa.
De forma ilustrativa, encontram-se, na Figura 3, curvas granulométricas corresponden-
tes a solos mal graduado e bem graduado, respectivamente:
Com as grandes diferenças existentes entre os diversos tipos de solos que ocorrem nas
distintas paisagens e, por consequência, em seus comportamentos, houve a necessidade do
desenvolvimento de sistemas de classificação, que visam reunir materiais de aptidões e pro-
priedades semelhantes em um mesmo grupo para a previsão preliminar de seu comporta-
mento nas mais variadas aplicações em obras da engenharia e áreas correlatas.
Bueno e Vilar (1984) comentam ter havido, na Mecânica dos Solos, um considerável
esforço no sentido de criar um sistema de classificação que, de fato, permita o agrupamento
de solos dotados de características similares, quer sob o aspecto genético, quer de comporta-
mento. Diferentemente das outras ciências, deve interessar à Mecânica dos Solos um sistema
de classificação que prefira o comportamento do solo à sua constituição, à origem, à formação
etc. Não se quer, com isso, criar um desinteresse por esses últimos aspectos. Eles terão uma
considerável importância, à medida que interfiram de forma significativa no comportamento
do solo.
Os sistemas de classificação de solos mais difundidos mundialmente na área geotécnica
são o Unified Soil Classification System - U.S.C.S. e o Transportation Research Board -T.R.B.
Eles têm como base classificatória os ensaios de laboratório de granulometria, limite de liqui-
dez e limite de plasticidade. Ambos os sistemas foram desenvolvidos com solos provenientes
de ambiente de clima temperado, portanto, de condições prevalecentes bastante distintas da-
quelas reinantes no ambiente tropical, que se caracteriza por possuir gênese diferenciada, face
192 Solos não saturados no contexto geotécnico
às ações climáticas; consequentemente, quando os referidos sistemas são aplicados aos solos
tropicais, normalmente, apresentam resultados insatisfatórios, ambíguos, principalmente, aos
solos denominados lateríticos.
A grande expressão, no território brasileiro, de solos lateríticos e as limitações dos cri-
térios convencionais de caracterização e classificação de solos, representados pelos sistemas
U.S.C.S. e T.R.B., quando aplicados aos solos tropicais, motivaram os professores e pesquisa-
dores Nogami e Villibor a desenvolver um novo sistema de classificação geotécnica, denomi-
nado M.C.T. (Miniatura, Compactado, Tropical).
Bastante empregada na área de pavimentação rodoviária, o atual sistema T.R.B. foi, ori-
ginalmente, desenvolvido nos Estados Unidos, por Hogentogler e Terzaghi, em 1929, para
a aplicação em obras de construções de vias públicas, sendo, posteriormente, revisado no
ano de 1945, inclusive com a incorporação do índice de grupo, quando passou a ser deno-
minado de Sistema Highway Research Board - H.R.B. Para fins de classificação considera a
granulometria, o limite de liquidez, o índice de plasticidade e o índice de grupo. Esse sistema
de classificação de solos é indicado pela American Association of State Highway and Trans-
portation Officials - A.A.S.H.T.O. O sistema T.R.B. também utiliza como o sistema U.S.C.S.
a percentagem passante na #200 para separar os solos em grossos e finos, porém, considera
valor numérico distinto do outro sistema, em relação ao material que passa na #200.
• Solos grossos - possuem menos de 35% passante na #200 e são denominados de ma-
teriais granulares. Compreendem os grupos de solos identificados por A-1, A-2 e A-3.
Os grupos de solos A-1 e A-2 são derivados nos subgrupos: A-1-a e A-1-b e em A-2-
4, A-2-5, A-2-6 e A-2-7. Nesses últimos subgrupos oriundos do grupo A-2, os finos
apresentam características secundárias e essas são fundamentadas nos limites de con-
sistência para a devida classificação.
• Solos finos – possuem mais de 35% passante na #200 e são denominados de materiais
siltosos e argilosos. Compreendem os grupos identificados por A-4, A-5, A-6 e A-7. O
grupo A-7 é derivado nos subgrupos A-7-5 e A-7-6, diferenciados pelas características
de plasticidade.
O índice de grupo (IG) tem a finalidade de avaliar, preliminarmente, a qualidade do
material como camada de subleito. É determinado em função da percentagem de material
que passa na #200, do limite de liquidez e do índice de plasticidade. O referido índice é es-
crito entre parêntese após a classificação do solo. O índice de grupo 0 indica comportamento
como camada de subleito de excelente a bom, enquanto o valor 20 traduz comportamento de
regular a mau, por exemplo.
194 Solos não saturados no contexto geotécnico
Com as limitações dos procedimentos convencionais em relação aos solos tropicais, al-
gumas propostas foram tentadas por diversos estudiosos, visando soluções; contudo, elas não
tiveram resultados satisfatórios. Com isso, mostra-se a importância do sistema M.C.T. para
a identificação de solos tropicais, observando-se que ele pode, ainda, vir a ser aperfeiçoado
como qualquer outro sistema de classificação.
Segundo Villibor e Nogami (2009), essa sistemática caracteriza-se por utilizar corpos de
prova cilíndricos, de dimensões reduzidas, com diâmetro de 50 mm e de altura igual ou pró-
xima dessa medida, por isso designada de miniatura. Os corpos de prova são compactados,
mediante procedimento específico e, destinado aos solos tropicais, o que justifica o uso da
abreviatura M.C.T. Essa sistemática é recomendada para o estudo de solos tropicais que pas-
sam integralmente na #10 (2,00 mm) ou que apresentam pequena fração retida nessa peneira,
até 10%. Destaque-se que os solos evoluídos pedologicamente satisfazem essa condição em sua
grande maioria, contrastando com a predominância de solos grosseiros no Hemisfério Norte,
de onde provêm as classificações tradicionais. Essa classificação veio permitir a verificação do
comportamento laterítico ou saprolítico dos solos e dar subsídios à avaliação das propriedades
mecânicas e hídricas dos solos típicos dos climas tropicais úmidos. Com a aplicação dessa
sistemática foram superados muitos problemas correlacionados aos estudos geotécnicos, pois
os sistemas tradicionais de classificação comumente descartam solos reconhecidamente de ex-
celente comportamento, como os denominados lateríticos, classificando-os como inadequados
para a requerida finalidade, resultando muitas vezes em insucesso de projeto, aumento de cus-
tos e redução da utilização dos solos apropriados, dentre outros.
Levando-se em conta as limitações dos sistemas tradicionais de classificação de solos em
relação aos solos tropicais, os professores e pesquisadores da Universidade de São Paulo, Job
Shuji Nogami e Douglas Fadul Villibor, no ano de 1981, apresentaram uma nova classifica-
ção geotécnica, denominada de M.C.T. (Miniatura, Compactado, Tropical), no Simpósio de
Solos Tropicais em Engenharia, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, pos-
teriormente, algumas alterações foram reportadas no Primeiro Congresso Internacional de
Geomecânica sobre Solos Tropicais Lateríticos e Saprolíticos, ocorrido em Brasília, no ano de
1985. Essa metodologia foi concebida para a classificação de solos tropicais com base no en-
saio de compactação Mini-M.C.V. e no ensaio de perda de massa por imersão em água, deter-
minando propriedades mecânicas e hidráulicas de solos no estado compactado, proposta, ini-
cialmente, para finalidades rodoviárias, sendo, na atualidade estendida para outras aplicações.
Esses ensaios procuram retratar mais adequadamente as propriedades e os comportamentos
geotécnicos, revelando, assim, uma evolução em comparação aos sistemas convencionais que
são baseados nos ensaios de granulometria, limite de liquidez e limite de plasticidade. Os
ensaios de consistência utilizam amostras no estado espatulado, não ocorrendo qualquer con-
trole dessa energia dispendida no manuseio, consequentemente, esse procedimento interfere
nos resultados desses ensaios.
O elenco de ensaios para fins classificatório, designado de Mini-M.C.V. e Associado, visa
verificar se o solo possui ou não o comportamento tecnológico laterítico e, ainda, a previsão
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos 197
de comportamento por meio de propriedades de utilização de maneira hierarquizada. Para
obter mais detalhes dos procedimentos de ensaios, consultar Nogami e Villibor (1995) e Villi-
bor e Nogami (2009). Uma síntese dos ensaios classificatórios é apresentada a seguir:
Com esses três parâmetros obtidos (c’, d’ e Pi), determina-se o coeficiente e’ com o em-
prego de equação para classificar o solo em estudo.
Os solos de comportamento laterítico - L, compreendem os materiais que constituem
o horizonte pedológico B; tem-se os grupos: LA (areias com pouco finos de comportamento
laterítico); LA’ (arenosos com finos de comportamento laterítico) e LG’ (argilosos e argilas
arenosas com finos de comportamento laterítico). Em termos dos solos de comportamento
não laterítico - N, que englobam os materiais correspondentes ao horizonte pedológico C, há
os grupos NA (areias com grãos de quartzo e/ou mica praticamente não possuem finos); NA’
(areias quartzosas com finos de comportamento não laterítico); NS’ (siltes arenosos com finos
de comportamento não laterítico) e NG’ (argilas arenosas, argilas siltosas e siltes argilosos de
comportamento não laterítico). O coeficiente c’ correlaciona-se com a granulometria do solo,
enquanto o coeficiente e’ indica o comportamento laterítico ou não, sendo que o comporta-
mento laterítico começa a se manifestar quando o coeficiente d’ se apresenta maior que 20 e
com Pi menor que 100. A Figura 8 apresenta o gráfico da classificação geotécnica M.C.T., in-
dicando os três grupos correspondentes aos solos de comportamento laterítico - L (LA, LA’ e
LG’) e os quatro grupos de solos de comportamento saprolítico - N (NA, NA’ NS’ e NG’). Com
finalidade didática, encontram-se nas Figuras 9 e 10, respectivamente, exemplos de resultados
dos ensaios de compactação Mini-MCV e perda de massa por imersão em água para um solo
de comportamento laterítico e um solo de comportamento saprolítico, conforme Villibor e
Nogami (2009):
Figura 9 – Resultados dos ensaios de Mini-MCV e perda de massa para um solo laterítico
(Nogami e Villibor, 2009)
Figura 10 – Resultados dos ensaios de Mini-MCV e perda de massa para um solo saprolítico
(Nogami e Villibor, 2009)
De acordo com Resende et al. (1995), a atividade da fração argila refere-se à capacidade
de troca de cátions da fração mineral, deduzida a contribuição da matéria orgânica. No cri-
tério pedológico, a argila considerada de atividade alta se manifesta com capacidade de troca
de cátions (C.T.C.) ≥ 17 cmol/kg. Sendo assim, pode-se determinar o referido parâmetro
químico a partir do ensaio de adsorção de azul de metileno, possibilitando realizar essa ava-
liação mineralógica em conformidade com a Ciência do Solo, mostrando a importância dessa
técnica simples, eficiente e de baixo custo para a identificação da atividade mineralógica.
Foi observada a significativa correlação existente entre a C.T.C. obtida pela técnica de
adsorção de azul de metileno e aquela correspondente ao procedimento usualmente empre-
gado na área química, indicando a eficácia dessa técnica alternativa.
Encontra-se na Tabela 1, um resumo das características de estrutura, área específica e
capacidade de troca de cátions dos principais argilominerais de interesse geotécnico, confor-
me Resende et al. (1995):
Deve-se notar que a técnica de adsorção de azul de metileno permite caracterizar a ativi-
dade de solos não plásticos, devido ao seu caráter químico, o que não é possível de se obter por
meio dos procedimentos convencionais mediante os ensaios de consistência. Na sistemática
convencional os solos com baixa percentagem de finos não permitem a condução dos ensaios
de limites de liquidez e de plasticidade, por consequência, esses são identificados como não
líquido e não plástico.
Em Pedologia, a fração silte tem sido empregada como indicadora do grau de intem-
perização do solo, consequentemente, os solos residuais maduros, como os latossolos, que
compreendem o horizonte pedológico B, possuem valores muito baixo ou nulo dessa fração
mineral, enquanto os solos residuais jovens que constituem o horizonte pedológico C se ma-
nifestam de forma oposta, com teor elevado de silte. Wambeke (1962) reporta que, quando a
relação silte/argila for inferior de 0,15, o solo é muito intemperizado.
Burgos (1997) comenta que há uma significativa correlação entre a previsão de compor-
tamento, obtida pela classificação M.C.T. e os graus de atividade encontrados pela técnica de
adsorção do azul de metileno, observando-se que o primeiro método consiste em ensaios de
propriedades mecânicas e hidráulicas, enquanto, o segundo é de caráter químico.
Segundo Camapum de Carvalho (2004), quimicamente, pode-se dizer que a capacidade
de troca catiônica é baixa nos solos tropicais profundamente intemperizado (solos lateríticos)
e comumente alta, dependendo dos argilominerais presentes nos solos pouco intemperiza-
do (solos saprolíticos). O potencial hidrogeniônico desses solos, em sua grande maioria está
compreendido no intervalo de 4,5 a 6,5, e esse parâmetro químico é muito relevante para
se entender as propriedades e comportamento de solos argilosos, visto que o pH influencia
Índices físicos, textura, consistência e classificação de solos 203
na agregação de solos lateríticos. Esse fato é também governado pela ação floculante que os
óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio apresentam. Estudos conduzidos pela Ciência do
Solo indicam a fraca resistência à floculação dos materiais lateríticos, devido aos tipos de íons
dominantes quando comparados aos materiais típicos das áreas temperadas, caracterizados
pela presença de elementos alcalinos, principalmente, os terrosos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de elemento idealizado de solo não saturado com fase ar contínua, proposto
por Fredlund e Rahardjo (1993), foi apresentado juntamente com os diagramas propostos por
Fredlund (1978), correspondentes aos modelos rigoroso e simplificado, notando-se a incor-
poração de uma nova fase denominada interface ar-água, também conhecida como película
contrátil.
Como os solos tropicais, principalmente, os lateríticos, apresentam-se com sua fração
argila constituída, predominantemente, pelo argilomineral caulinita e por óxidos e hidróxidos
de ferro e alumínio, recobrindo ou cimentando o argilomineral, resultam em agregações que
possuem microporos e macroporos, que interferem nas propriedades índices e em seu com-
portamento geotécnico.
Os sistemas convencionais de classificação geotécnica U.S.C.S. e T.R.B., desenvolvidos
com base nos solos de ambiente temperado, vêm se mostrando inadequados para aplicação
em muitos de nossos solos tropicais, pois podem atribuir um mesmo tipo de comportamento
a solos lateríticos e saprolíticos, materiais esses que se apresentam comumente em um mesmo
perfil de solo, contudo, possuem propriedades geotécnicas bastante distintas.
A classificação geotécnica M.C.T., desenvolvida com base nos solos tropicais do Brasil,
permite distinguir comportamento laterítico ou saprolítico a partir de ensaios de compacta-
ção Mini-M.C.V. e perda de massa por imersão em água, mediante a avaliação de proprieda-
des mecânicas e hídricas.
A técnica de adsorção de azul de metileno se revela como uma ferramenta promissora e
útil para os estudos de solos tropicais, ao mesmo tempo em que possibilita, de forma rápida,
eficiente e a baixo custo, informações acerca da atividade da fração argila dos solos.
REFERÊNCIAS
BUENO, B.S. & VILAR, O.M. (1984). Mecânica dos solos volume I, Universidade de São Pau-
lo, Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Geotecnia, 131 p.
BURGOS, P.C. (1997). Aplicação da classificação M.C.T. e da técnica de adsorção de azul de
metileno a solos da cidade de Salvador - BA. Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia
de São Carlos. Universidade de São Paulo, 183 p.
CAMAPUM DE CARVALHO, J. (2004). Propriedades e comportamento de solos tropicais
não-saturados. 5º Simpósio Brasileiro de Solos Não Saturados, ABMS, São Carlos, v. II, p.
597-616.
204 Solos não saturados no contexto geotécnico
1 INTRODUÇÃO
O solo, na condição saturada, é constituído por um sistema que possui duas fases, a
líquida e a sólida. Nessas condições, todo o comportamento do solo pode ser inferido com
suficiente acurácia por meio do princípio das tensões efetivas. Os parâmetros de resistência,
compressibilidade e condutividade hidráulica são diretamente associados com o índice de va-
zios e com as tensões efetivas ou a história de tensões efetivas. Quando o solo está na condição
não saturada, outra fase entra no sistema, e essa fase, gasosa, exige outra visão para a previsão
do comportamento do solo. O comportamento do solo na condição não saturada exige a com-
preensão da distribuição, retenção e liberação da água nas diversas situações as quais o solo
pode estar sujeito. Essas situações podem ser de ordem mecânica ou ambiental. A água pode
mover-se para dentro ou para fora do solo por alteração no estado de tensão externo e/ou por
questões ambientais, tais como infiltração e/ou evaporação.
A forma como o solo administra a presença da água no seu interior pode ser representa-
da pela curva de retenção de água. A curva de retenção consiste na relação entre a quantidade
de água presente no material poroso e a energia necessária para remover essa água. Pode-se
afirmar que a maioria dos processos em solos não saturados pode ser, pelo menos, em parte,
compreendidos em função da curva de retenção. Fredlund (2002) e Fredlund (2006) se refe-
rem à curva de retenção como a propriedade chave para a implementação da mecânica dos
solos não saturados na prática da engenharia. A curva de retenção é, de fato, a propriedade
mais importante do solo não saturado.
Como reflexo da sua importância para a mecânica dos solos não saturados, existe uma
vasta quantidade de publicações na literatura técnico-científica a respeito da curva de reten-
ção, principalmente, em língua inglesa. Destaca-se, como referência introdutória ao tema, o
capítulo sobre curvas de retenção do livro publicado por Fredlund et al. (2012). A literatura
brasileira sobre o tema também oferece importantes contribuições. O tema curva de retenção
vem sendo tratado com frequência, por exemplo, nos anais dos Simpósios Brasileiros de Solos
Não Saturados.
Este capítulo não tem pretensão de apresentar um apanhado completo a respeito do
tema, mas sim apresentar os principais conceitos, em nível introdutório. Por isso, serão sem-
pre indicadas referências relevantes que poderão oferecer material complementar ao leitor.
206 Solos não saturados no contexto geotécnico
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
A relação entre a quantidade de água no solo e seu estado de tensão depende de como
essas duas grandezas são representadas. Para dar um exemplo relativamente simples, a curva
de retenção de um material compressível apresenta formato diferente utilizando umidade gra-
vimétrica ou grau de saturação, sucção matricial ou sucção total. Da mesma forma, diferentes
informações são obtidas ao se representar a curva de retenção de diferentes maneiras. Dessa
forma, é importante definir como as variáveis de estado são representadas, o que será feito a
seguir.
Os capítulos 4 e 8 trataram, em detalhe, de temas como índices físicos e potenciais da
água no solo. Esses conceitos são fundamentais, pois, a partir deles, são definidas diferentes
formas de examinar e interpretar a capacidade de retenção de água de um material poroso.
Apesar de esses tópicos terem sido tratados em capítulos anteriores, faz-se necessário o reexa-
me de alguns desses conceitos, explicando sua relevância para a curva de retenção.
As relações físicas dos solos são necessárias para as análises relacionadas com o com-
portamento mecânico e hidráulico dos solos. Muitas vezes, as relações entre os índices físicos
determinam aspectos do comportamento do solo, de forma que o entendimento dessas re-
lações permite a correta interpretação de resultados de ensaios de resistência, compressibi-
lidade, condutividade e retenção de água em meios porosos. A seguir, são apresentados, de
forma resumida, os índices mais utilizados para a representação da curva de retenção e suas
aplicações.
Grau de saturação
Vw V
S= = w (5)
Va + Vw Vv
De maneira mais formal e completa, têm-se os estados de tensão definidos pelas tensões
em planos ortogonais em um ponto qualquer da massa de solo. No caso bidimensional, por
simplicidade, as variáveis de tensão são dadas pelos seguintes tensores:
æ s x - ua t xy ö
ç ÷ (8)
è xyt s y - ua ø
æ ua - u w 0 ö
ç ÷ (9)
è 0 ua - u w ø
Situações que violem tais condições são fisicamente improváveis ou até mesmo im-
possíveis. Não é possível se ter poropressões de água maiores do que poropressão de ar. Em
tal situação, a água ocupa parte dos volumes preenchidos pelo ar e ambas as pressões são
equalizadas. Similarmente, não é possível uma situação na qual a poropressão de ar supere
significativamente a tensão total do solo, caso contrário, resistências coesivas poderiam ser
eventualmente vencidas, causando a desagregação do esqueleto sólido. A situação limite para
tensões efetiva é considerada, por exemplo, quando é avaliada a possibilidade de formação do
fenômeno de areia movediça.
(a) (b)
Figura 2 – Diagramas das fases: a) tradicional; b) água na condição metaestável sob pressões abaixo do
zero absoluto
Por outro lado, a pressão atmosférica tem papel em outras situações, como a definição
da pressão de borbulhamento (i.e., cavitação) em um sistema formado por água não perfei-
tamente aerada, como aquela, por vezes, encontrada em tensiômetros preparados de forma
imperfeita.
A curva de retenção de água de materiais porosos 211
De um ponto de vista mais geral, a pressão na água é apenas um, de diversos fatores que
estabelecem a energia na água armazenada em um material poroso. A água está submetida
a diversos potenciais, físicos e químicos. É comum dividir-se a sucção total, ψ, em dois com-
ponentes, o matricial devido à capilaridade, (ua – uw), e o osmótico, π, devido à concentração
de sais na água:
ψ = (ua – uw) + π (15)
A sucção osmótica é, frequentemente, considerada constante quando envolve problemas
com pequena amplitude de variação de teor de umidade. Sob esse argumento, a sucção osmó-
tica é tratada como de pequena relevância em problemas práticos. Contudo, deve-se atentar
para o fato de que, em problemas que envolvam contaminação de solos ou que envolvam
variações significativas de teor de umidade por evaporação de água, pode-se ter variação da
sucção osmótica.
A Figura 3 apresenta a variação de sucção osmótica para diferentes concentrações sali-
nas iniciais, calculada conforme indicado por Barbour (1998). Mesmo que o papel da sucção
osmótica no comportamento mecânico seja considerado pequeno, a quantificação da sucção
osmótica pode ser necessária quando curvas de retenção em termos de sucção total são deter-
minadas. Afinal, é a partir da sucção total e dos valores conhecidos de sucção osmótica que se
poderia determinar a sucção matricial.
A capilaridade é responsável por grande parte dos fenômenos de interesse, de forma que
esse tema será tratado com maior detalhe na próxima seção.
Figura 3 – Variação de sucção osmótica em função do teor de umidade gravimétrica para diferentes
concentrações iniciais de sais
2.3 Capilaridade
Considere-se uma coluna de solo como a ilustrada na Figura 4. A coluna está imersa em
água na parte inferior e não há entrada nem saída de água pela parte superior. Esse sistema
entra em equilíbrio com o nível de água, gerando uma distribuição de pressão, como indicado
no diagrama esquemático da Figura 4. Como será visto mais adiante, cada ponto da coluna
212 Solos não saturados no contexto geotécnico
poderá ter um valor de teor de umidade, que é função das características do solo e da sua
posição no sistema. Isso representa a distribuição de água na coluna e pode ser convertido
em curva de retenção de água para o material da coluna. Em outras palavras, cada ponto da
coluna, representado por sua altura em relação ao nível de água inferior, possui uma pressão
negativa igual a sua altura multiplicada pelo peso específico da água.
A coluna ilustrada na Figura 5 oferece uma oportunidade para compreender a impor-
tância da curva de retenção na distribuição de umidade ao longo de perfis e o papel do fenô-
meno da capilaridade. A poropressão sempre terá a distribuição de pressão hidrostática in-
dicada, independentemente do tipo de material que a coluna contenha. Já o teor de umidade
dependerá das características do material. Na Figura 5, tem-se o diagrama descrito anterior-
mente, que representa um estado de equilíbrio e a variação do teor de umidade para três tipos
de material poroso. A curva do material 1 indica que o material não é capaz de reter água e
tem o teor de umidade reduzido logo acima do nível de água. Já a curva 3 mantém o mesmo
teor de umidade até uma determinada altura, indicando que possui uma maior capacidade
de reter água. A curva 2 apresenta um comportamento intermediário. É importante salientar
que a manutenção do teor de umidade associada a grandes alturas indica um material mais
fino, possivelmente, mais argiloso. Os materiais mais finos se mantêm saturados até alturas
maiores. A curva de retenção pode ser obtida correlacionando-se a pressão com o teor de
umidade na mesma altura. Para solos granulares, esse procedimento pode ser uma solução
eficiente para se obter a curva de retenção, o que possibilita, ainda, a determinação da função
de permeabilidade por meio de análise inversa em colunas monitoradas (por exemplo, Mari-
nho e Pinto, 2002; Oliveira e Marinho, 2007).
A ascensão da água na coluna da Figura 4 pode ser mais bem compreendida a partir da
analogia desse fenômeno com o processo de ascensão de água em um tubo capilar, conforme
ilustrado na Figura 6. A afinidade entre a água e o material do tubo é caracterizada pelo ân-
gulo de contato, α , que define a direção da força de interação no contato sólido-líquido-gás.
Um ângulo de contato nulo indica que o tubo é composto por um material perfeitamente hi-
drofílico, enquanto que um ângulo de 180º indicaria um material perfeitamente hidrofóbico.
A curva de retenção de água de materiais porosos 213
A ascensão capilar se dá apenas para materiais com ângulos de contato menores do que 90º,
produzindo uma força Ts direcionada de forma ascendente. Solos são compostos por uma
variedade de materiais, incluindo minerais e matéria orgânica. Os materiais que compõem os
solos são predominantemente hidrofílicos.
Figura 5 – Diagrama de pressão em uma coluna e variação de teor de umidade para três materiais
Considerando-se que o raio do capilar é relacionado com o raio do menisco pela fórmu-
la Rc = Rm cos α, a altura de ascensão capilar pode ser reescrita da seguinte maneira:
2Ts
hc = (17)
Rmgw
A curva de retenção pode ser apresentada de diversas formas, sendo algumas dessas
ilustradas pela Figura 7. Os dados apresentados nas quatro figuras são da mesma curva. As
diversas formas de representar uma curva de retenção são resultado de diferentes maneiras
de apresentar a quantidade de água armazenada no solo e de representar a sucção. O termo
A curva de retenção de água de materiais porosos 215
genérico “sucção” é utilizado na figura, pois, nesse momento, não é relevante fazer referência
ao tipo de sucção.
Na Figura 7(a), pode-se observar uma curva em termos de grau de saturação. A curva é
apresentada com a sucção obedecendo a uma escala cujo valor inferior é arbitrado em função
das menores sucções a partir das quais o solo começa a desaturar. A máxima sucção pode ser
arbitrada como sendo igual a 1.000.000 kPa, que corresponde, aproximadamente, ao valor teó-
rico de sucção para o qual o solo se encontra completamente seco (Edlefsen e Anderson, 1943).
A Figura 7(b) apresenta a curva em termos de teor de umidade volumétrico. A diferença
mais notável é o máximo valor de teor de umidade, que, nesse caso, corresponde à porosidade
do solo. O formato da curva permanece semelhante àquele da Figura 7(a) no caso de solos
com relativamente baixa compressibilidade. Solos altamente compressíveis, como solos muito
plásticos, apresentarão curvas com formatos que dependem da forma de representação da
quantidade de água.
A Figura 7(c) mostra por que a apresentação da sucção em escala linear geralmente não
é aconselhável. A tentativa de apresentar sucções que variam ao longo de várias ordens de
magnitude em escala linear não é bem sucedida. Pode-se dizer que se trata da mesma situa-
ção que exige a apresentação de curvas granulométricas utilizando dimensões de abertura de
peneiras em escala logarítmica.
Figura 7 – Algumas formas de representação de uma curva de retenção: a) grau de saturação em escala
linear e sucção em escala logarítmica; b) teor de umidade volumétrica; c) grau de saturação e
sucção na escala linear; e d) grau de saturação efetivo
S - Sres
Se = (21)
1 - S res
onde: Sres é o grau de saturação correspondente à condição residual.
O grau de saturação efetivo é uma das possíveis manipulações da representação da quan-
tidade de água no solo, que tem por objetivo extrair informações adicionais sobre a capaci-
dade de retenção do solo. No caso do grau de saturação efetivo, o interesse é saber qual a
porcentagem de água relativamente livre armazenada no solo. Nesse caso, admite-se que Sres
representa a porcentagem de água que não é capaz de fluir facilmente, como água líquida. O
grau de saturação efetivo é utilizado, por exemplo, na formulação de Brooks e Corey (1964)
de previsão da permeabilidade de solos na condição não saturada.
De forma geral, curvas de retenção apresentam formatos definidos por parâmetros com
significados físicos relativamente bem definidos. A Figura 8 apresenta uma curva de retenção
que pode ser dividida em três trechos, definidos por três parâmetros:
Valor de entrada de ar, ψb ou (ua – uw )b – O primeiro trecho corresponde ao intervalo
de sucção para o qual o material se encontra completamente saturado. Este trecho estende-se
até o valor de sucção, conhecido como “valor de entrada de ar”. Um dos possíveis significados
físicos do valor de entrada de ar seria a máxima sucção que os maiores poros do material são
capazes de suportar sem serem drenados. Essa relação faz referência à relação do tamanho de
poro e raio de menisco com a sucção matricial.
Sucção residual, ψres ou (ua – uw )res – o segundo trecho da curva de retenção corresponde
ao intervalo de sucção para o qual o solo sofre drenagem sob o efeito de aumento da sucção,
sendo tal drenagem possível em termos de fluxo de água líquida, ou seja, a água a ser drenada
está em uma condição relativamente livre nos poros do solo. Para sucções superiores à sucção
residual, a remoção de água exige sucções expressivas e se dá predominantemente por pro-
cessos de transferência de vapor.
Grau de saturação residual, Sres – corresponde àquela quantidade de água armazenada
nos poros do material em condição relativamente menos livre do que a água drenada na for-
ma de fluxo líquido.
Assim como a forma de representar a quantidade de água armazenada, o tipo de sucção
empregado também resulta em curvas de retenção diferentes. A Figura 9 apresenta dados
obtidos para um solo de Goiânia – GO, utilizando diferentes métodos de determinação da
sucção. Os dados obtidos com um potenciômetro de ponto de orvalho e os dados obtidos com
papel filtro sem contato correspondem a sucções totais. Os pontos experimentais obtidos pela
técnica do papel filtro utilizando o papel em contato com o solo devem corresponder a suc-
ções matriciais. Os dados de potenciômetro disponíveis não envolvem sucções relativamente
baixas, em função da faixa ideal de funcionamento do equipamento empregado.
A diferença entre as curvas obtidas é notável. Os valores de sucção total obtidos pela
técnica do papel filtro são superiores aos valores de sucção matricial, sendo que a diferença
observada corresponde à sucção osmótica do solo. Os valores relativamente constantes de
sucção total para o intervalo de umidade de 15 a 30% são resultado de um sucção osmótica
aproximadamente constante e com valor médio de 700 kPa, somada a sucções matriciais re-
lativamente baixas.
Fredlund (2002) discute a forma de se empregar dados como os apresentados na Figura
9. Em princípio, dados de sucção matricial são os de maior interesse, de forma que os dados
de papel filtro sem contato (i.e., dados de sucção total) assumem um papel secundário na
A curva de retenção de água de materiais porosos 217
interpretação e utilização da curva de retenção. Por outro lado, os dados de sucção total para
baixos teores de umidade, neste caso menores do que 15%, confundem-se com os próprios
dados de sucção matricial. Conforme Fredlund (2002), a composição de uma curva híbrida,
que combina dados de sucção matricial e sucção total, é conveniente, pois os dados de sucção
matricial são os de interesse para baixas sucções. Além desse aspecto, é importante ressaltar
que algumas técnicas de medição (como o papel filtro) fornece uma transição da sucção ma-
tricial para total, conforme observado por Marinho e Chandler (1993) e Marinho e Gomes
(2012). Ao mesmo tempo, as elevadas sucções encontradas para baixas umidades são neces-
sárias, por exemplo, em análises envolvendo evaporação, situação na qual a sucção total é a
variável que governa o processo.
Figura 9 – Papel do tipo de sucção na representação da curva de retenção (Gomes et al., 2015)
218 Solos não saturados no contexto geotécnico
Existem materiais que apresentam curvas de retenção com formatos diferentes daquele
apresentado na Figura 8. A Figura 10 apresenta alguns formatos típicos de curvas de retenção
apresentadas em termos de grau de saturação. Diferentes fatores físicos e eletroquímicos de-
terminam o formato dessas curvas. Dessa forma, a discussão desses fatores será iniciada pela
simples descrição de tais curvas.
As curvas da Figura 10 estão divididas em dois grupos. O primeiro grupo, das curvas
unimodais, é assim denominado porque todas essas curvas apresentam um único trecho de
desaturação. Como consequência, a primeira derivada dessas curvas apresenta um formato
de sino único. Esse formato se assemelha àqueles de distribuições de frequência unimodais,
daí a denominação dada a essas curvas. A analogia com distribuição de frequência não é
coincidência, pois, a partir da derivada da curva de retenção, pode ser avaliada a distribuição
de frequências de tamanho de poros do material.
No primeiro grupo, têm-se alguns solos com formatos que obedecem ao formato sugeri-
do pela Figura 8, com parâmetros já discutidos, mas destaca-se, nesse grupo, o segundo solo
argiloso, que não apresenta grau de saturação residual aparente. Esse tipo de curva é frequen-
temente observado para certos materiais altamente plásticos.
O segundo grupo da Figura 10 é formado por um único material, denominado bimodal.
Esse material apresenta dois trechos de desaturação. Como consequência, a primeira derivada
tem a aparência de uma distribuição de poros bimodal. A curva bimodal apresenta dois valo-
res de entrada de ar, sendo o primeiro correspondente a uma família de poros de dimensões
relativamente maiores, e o segundo, a outra família de poros, menores. Serão discutidos, mais
à frente, os fatores que podem levar a curvas de retenção desse tipo, já que solos com essas ca-
racterísticas são frequentes e particularmente relevantes para a prática da Geotecnia no Brasil.
Pode-se afirmar que solos bimodais podem ser o resultado de diferentes processos genéticos,
tais como materiais com distribuições granulométricas descontínuas, estruturas de poros com
micro e macroporos formados por agregação física pelo processo de intemperismo, com pre-
dominância de lixiviamento do solo, processos biológicos e, no caso de solos compactados,
quanto o material é compactado com baixa energia e no ramo seco.
Figura 10 – Alguns formatos típicos de curvas de retenção (modificado de Gitirana Jr. e Fredlund, 2004)
A curva de retenção de água de materiais porosos 219
Existem, também, materiais que apresentam curvas com múltiplos trechos de desatura-
ção, denominados multimodais. O formato da curva de retenção, em última instância, pode
não seguir padrões pré-definidos, sendo sempre um reflexo da sua distribuição de tamanho
de poros, mineralogia, dentre outros fatores.
O solo retém água nos seus poros por efeitos capilares e eletroquímicos. Sendo assim, a
retenção depende não somente da estrutura, mas também da mineralogia. Uma das formas
mais simples de se observar a retenção de água é por meio da curva de secagem. Esse processo
leva à determinação do chamado limite de contração. A Figura 11 apresenta a relação entre o
volume por 100 g de solo seco em relação ao teor de umidade. O processo de secagem leva o
solo de um estado com mais água ao de menos água entre os poros.
Em alguns solos, os mais argilosos, a perda de água é acompanhada de variação de volu-
me. A variação de volume pode ser igual à perda de água, fazendo com que o solo permaneça
saturado, como ilustra a Figura 11(a). O processo de secagem não leva o solo ao menor volu-
me possível, pois as forças capilares induzidas durante a secagem têm sua efetividade reduzida
quando o solo se desatura. Os solos que iniciam um processo de secagem sem que estejam
saturados também podem apresentar variação de volume, igual ou diferente do volume de
água perdido. A Figura 11(b) ilustra esse aspecto.
Essas considerações permitem que se conclua a importância de se medir a variação de
volume durante o processo de perda de umidade para fins de obtenção da curva de retenção
de água. A Figura 12 ilustra a relação teórica entre teor de umidade volumétrico, índice de
vazios e grau de saturação. Na figura, são apresentadas trajetórias de secagem possíveis. A
trajetória vertical indica um solo que não varia de volume com a secagem. Quando um solo
perde água e não varia de volume, automaticamente acontece a desaturação. Pode-se verificar
que a interpretação de curvas de retenção de água por materiais porosos exige a compreensão
dos diversos fenômenos que acontecem durante a perda ou absorção de água.
(a) (b)
Figura 11 – Relação entre o volume por 100 g de solo seco em relação ao teor de umidade com: a) variação
de volume iniciando desde S=100%; b) variação de volume iniciando desde S<100% (Marinho, 1994)
220 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 12 – Relação teórica entre teor de umidade volumétrico, índice de vazios e grau de saturação
Figura 13 – Forma da curva de retenção e sua relação direta com o esvaziamento dos vazios
(modificada de Laloui, 2010)
Figura 14 – Curvas de retenção de areias com diferentes granulometrias (Santos et al., 2015)
(a)
(b)
Figura 15 – Curva de retenção de solos do Centro-Oeste brasileiro com diferentes graus de intemperização:
a) perfil típico de Brasília – DF (dados de Camapum de Carvalho, 2005); b) dois solos de Goiânia – GO
(dados de Carvalho, 2013)
A curva de retenção pode ser influenciada por fatores adicionais, conforme ilustrado na
Figura 16. A mineralogia do solo influencia sua capacidade de absorver a água. Materiais mui-
224 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a)
(b)
Figura 16 – Fatores adicionais que interferem no formato da curva de retenção: a) papel do limite de
liquidez do solo; e b) papel da rigidez do solo (Marinho, 2005)
A curva de retenção de água de materiais porosos 225
(a)
(b)
Figura 17 – Fatores adicionais que interferem no formato da curva de retenção: a) papel da pressão
de consolidação (modificado de Huang, 1994); e b) papel da condição de compactação
(modificado de Vanapalli, 1994)
Os modelos de ajuste mais antigos, como os propostos por Brooks e Corey (1964) e
van Genuchten (1980), tinham como pretensão o ajuste da curva de retenção até o valor de
umidade residual. Assim, a maioria dos modelos apresentados na Tabela 1 emprega a seguinte
variável:
q - q res
Qn = (22)
q sat - q res
onde: Θn é o teor de umidade normalizado; Θsat é o teor de umidade do material saturado; e
Θres é o teor de umidade volumétrico residual.
Apesar de as equações apresentadas na Tabela 1 procurarem seguir com rigor as variá-
veis de armazenamento de água originalmente adotadas pelos autores, as diversas equações
encontradas na literatura podem ser utilizadas com adaptações, permitindo o uso de outras
variáveis. Um exemplo comum é o emprego da Equação de van Genuchten (1980) em termos
de grau de saturação:
1
S=
(1 + (a y ) ) nvg mvg (23)
vg
226 Solos não saturados no contexto geotécnico
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1 INTRODUÇÃO
A placa de sucção, também conhecida como funil de Haines, é recomendada para impor
sucções entre 0 e 70 kPa. O limite superior, no entanto, está limitado tanto por condições prá-
ticas de laboratório como pela eventual dificuldade em se manter a continuidade hidráulica
do sistema. Dessa forma, recomenda-se que o seu uso seja para sucções de até 40 kPa.
A placa de sucção permite, com muita precisão, definir o trecho inicial da curva de
retenção, que, em muitos casos, é de fundamental importância para a interpretação da curva
da retenção. Não se pode definir previamente, sem se conhecer o tipo de material e sua estru-
tura, os diversos valores de sucção a serem utilizados no ensaio. Porém, solos mais argilosos
tendem a possuir uma sucção de entrada de ar elevada, e isso deve ser levado em consideração
na escolha dos valores de sucção a serem impostos.
Tendo-se em vista que exista continuidade hidráulica entre a água do solo colocado
sobre o elemento poroso e que o elemento poroso seja capaz de sustentar a pressão negativa
(relativa) imposta pela diferença de altura entre a amostra e a saída inferior do sistema, a
sucção é dada por:
A Figura 3 ilustra a placa de sucção e seus detalhes. A placa de sucção consiste de um ele-
mento poroso devidamente saturado, com um valor de entrada de ar compatível com a sucção
máxima a ser imposta. Considerando-se o limite físico imposto pelo desnível possível entre os
pontos A e B, pode-se afirmar que cerâmicas com valor de entrada de ar superiores a 20 kPa
são adequadas. Não é conveniente empregar elementos porosos com valores de entrada de ar
desnecessariamente elevados, pois tais elementos teriam reduzida permeabilidade, elevando
o tempo necessário para saída de água drenada pelo solo e o tempo de equilíbrio do sistema.
Instrumentação de laboratório e campo e a medição da curva de retenção 237
Conforme ilustra a Figura 3, o elemento poroso é colocado sobre um compartimento
totalmente preenchido por água e esse compartimento é conectado a um tubo flexível, tendo,
na sua extremidade, um regulador de nível. Esse regulador mantém o nível de saída de água
em uma cota qualquer, escolhida em função da sucção matricial necessária. O esquema da
Figura 3 pode ser realizado com múltiplos corpos de prova do mesmo ou de diferentes ma-
teriais. Infelizmente, apenas a curva de retenção de secagem pode ser medida. A medição da
umidade de equilíbrio é feita retirando-se os corpos de prova para pesagem ao fim de cada
estágio de aplicação de sucção e a partir da massa de sólidos, determinada, ao fim do ensaio,
pelo método da estufa. Pode-se citar, como desvantagem desse procedimento, a possibilidade
de perda de solo desagregado durante a manipulação dos corpos de prova.
A diferença entre a pressão do ar (ua) e da água (uw) nos poros do solo induz à forma-
ção dos meniscos. A técnica da translação de eixos considera que, mantendo-se a diferença
Instrumentação de laboratório e campo e a medição da curva de retenção 239
entre as pressões, não há alteração do raio do menisco e, portanto, não existe variação de
sucção. Em outras palavras, sendo a sucção matricial, ( ua – uw), uma variável de estado de
tensão do solo, iguais valores de sucção matricial causados por diferentes combinações de
valores de ua e uw possuem o mesmo efeito no solo, resultando no mesmo teor de umidade.
Levando-se em consideração que os componentes de pressão da sucção inicial de um
solo podem ser representados por um ponto P (ua1 versus uw1) em um eixo cartesiano, tal
como ilustrado na Figura 4, a técnica de translação de eixos consiste no deslocamento do
referencial de pressão (ua1 igual à pressão atmosférica), aumentando artificialmente a pressão
do ar existente nos poros do solo. Supondo-se que o acréscimo de pressão de ar (ua2) produ-
za, também, uma magnitude equivalente na pressão de água (uw2), a origem do sistema de
coordenadas inicial (O) será transladado para uma nova origem (O’). Dessa forma, ter-se-á o
ponto P de coordenadas (uw , ua) em relação ao sistema de referência original e coordenadas
(uw1 , ua1) em relação ao novo sistema.
Dado que uw2 = ua2, podem-se relacionar as duas expressões acima, resultando em:
Assim, ao se elevar a pressão de ar, também será aumentada a pressão na água, perma-
necendo sempre a diferença ua – uw , que representa a sucção do solo. A pressão da água nos
poros poderá atingir valores admissíveis pelo equipamento sem que ocorram problemas de
cavitação.
Na Geotecnia, além da curva de retenção, a técnica da translação de eixos pode ser apli-
cada em vários tipos de equipamentos, tais como edômetro, compressão triaxial e cisalha-
mento direto.
240 Solos não saturados no contexto geotécnico
O equipamento consiste em uma câmara que deve ser hermeticamente fechada e que
contém, no seu interior, uma placa porosa de elevada pressão de entrada de ar. Esse sistema
permite o controle da sucção pelo método de translação de eixos. A Figura 5 ilustra uma das
possibilidades para o equipamento de placa de pressão. A placa de pressão, quando realizada
na configuração apresentada na Figura 5, é conhecida, também, como “panela de Richards”,
em homenagem ao cientista que a introduziu, na década de 1930.
A técnica consiste na utilização de papéis filtro (do tipo quantitativos) como instrumen-
tos de medida para a quantificação indireta da sucção matricial e/ou total do solo.
Quando um solo é colocado em contato com um material poroso que possua capacida-
de de absorver água, esta passará do solo para o papel até que o equilíbrio seja alcançado. A
sucção matricial é medida quando o fluxo ocorre por capilaridade com contato direto através
das partículas do solo e o papel, pois apenas tensões capilares são vencidas nesse processo. Por
outro lado, a sucção total é medida se o fluxo ocorre em forma de vapor sem contato entre
o solo e o material poroso, já que são vencidas as forças osmóticas e capilares, que retêm a
molécula de água. A Figura 6 ilustra um esquema dos arranjos utilizados para medição da
sucção matricial e total.
(a) (b)
Figura 6 – Tipos de fluxo da água da técnica do papel filtro: a) sem contato; e b) com contato
Para medição da sucção matricial, o papel filtro deve ser colocado diretamente sobre a
superfície da amostra, com o objetivo de entrar em contato com a água dos poros. Nesse caso,
não haverá eventuais diferenças entre a característica da água transferida ao papel e a água
do solo, sendo o fluxo apenas devido a fenômenos capilares. Caso seja necessário, pode-se
utilizar um papel intermediário entre o solo e o papel de medição para evitar que solo fique
aderido ao papel utilizado na medição da sucção.
Para a medição da sucção total, o papel deve ser colocado com um espaçador que garan-
ta a troca de umidade apenas por vapor, sem permitir o contato da água do solo com o papel.
Nesse caso, a água que migrará para o papel terá características diferentes da água do solo já
que os eventuais sais não são transferidos para o papel por vapor. O espaçador deve ser de
material não absorvente, que permita a livre passagem do vapor e que não possa sofrer oxi-
dação. Recomenda-se um espaçador de, no máximo, 4 mm de altura, de forma a minimizar
o tempo de equilíbrio.
Em todos os casos, o tamanho do papel deve ser o maior possível de modo a maximizar a
precisão das medições de umidade do papel. Após a colocação do papel no solo, os conjuntos
244 Solos não saturados no contexto geotécnico
solo-papel filtro devem ser embrulhados em filme de PVC, seguidos de filme de alumínio,
de modo a se evitar perda ou ganho de umidade para o meio externo. O conjunto deve ser
protegido com um filme plástico que deve manter o papel firme contra o solo, no caso da
medição de sucção matricial, e segurando-se o papel contra a tela, no caso de medição de
sucção matricial.
É possível se fazer a medição da sucção matricial e total na mesma amostra, podendo-se,
inclusive, utilizar as laterais do corpo de prova, caso haja espaço suficiente. Salienta-se que o
tempo de equilíbrio deve ser controlado pela sucção total, como se verá adiante.
No momento da remoção do papel filtro, o processo deve ser o mais rápido possível e
as camadas de filme plástico e de alumínio não podem criar obstáculos à remoção rápida do
papel. Os papéis devem ser removidos com uso de pinça. As amostras devem ser deixadas em
repouso numa caixa de isopor e em ambiente com temperatura constante (+/- 1oC).
O tempo de equilíbrio para as medições de sucção matricial é de 7 dias, independen-
temente do nível de sucção a ser medido. Contudo, no caso de medições de sucção total, o
tempo de equilíbrio varia com o nível de sucção. Sugerem-se os tempos indicados na Tabela
1 para o equilíbrio do sistema.
Após o tempo de equilíbrio, os papéis são retirados com auxílio de uma pinça para de-
terminação do teor de umidade do papel. A retirada do papel exige extremo cuidado. O papel
deve ser transferido para um saco plástico autoselante em menos de 4 segundos. A massa
do papel, após a sua retirada do sistema, é feita utilizando-se uma balança com resolução de
0,0001g. Após a determinação da massa, o papel é colocado na estufa para secagem (tempo
mínimo de 2 horas a 105oC). A retirada do papel da estufa também deve ser rápida e com o
uso de pinça, e o papel deve ser acondicionado em saco plástico hermético, com a sua res-
pectiva tara previamente determinada. Esse procedimento é particularmente importante. Pe-
quenos erros de determinação de massa pela balança são cancelados quando a determinação
da massa do papel é feita a partir da subtração da massa do saco plástico hermético da massa
do conjunto papel filtro mais seu container. No caso da balança de alta precisão empregada,
pequenos erros causados por variações térmicas ou mesmo por desnível imperceptível da
balança podem ser facilmente eliminados utilizando esse procedimento.
Com a determinação do teor de umidade do papel, utiliza-se a equação de calibração
para se obter a sucção. Com o uso do papel filtro qualitativo Whatman 42, sugere-se a aplica-
ção das equações a seguir (Chandler et al., 1992):
Para wpapel > 47%, Sucção (kPa) = 106,05–2,48 log (w%) (12)
Instrumentação de laboratório e campo e a medição da curva de retenção 245
Deve-se ressaltar que, no caso de um laboratório de pesquisa com experiência na execu-
ção de ensaios de papel filtro, recomenda-se sempre a determinação da curva de calibração,
sendo essa curva medida especificamente para o lote utilizado e considerando-se as condições
e os procedimentos particulares do laboratório.
As amostras devem ser pesadas e medidas (determinação da variação de volume) após
a retirada do papel. Em seguida, as amostras são submetidas à variação de umidade por seca-
gem ou por umedecimento, dependendo da trajetória seguida. Para o caso de umedecimento,
deve-se esperar 24h com a amostra envolta em filme plástico e de alumínio antes de se colocar
novamente os papéis filtro. O valor da sucção medida será associada ao teor de umidade nessa
condição, que é calculada quando a amostra é levada à estufa no final do processo.
Após a alteração da umidade, coloca-se, novamente, o papel filtro na amostra (sucção
total e/ou matricial) e procede-se como descrito anteriormente. A determinação do final do
processo do uso do papel depende do uso que será dado à curva de retenção. Sugere-se, no
entanto, que a amostra seja deixada secar ao ar por alguns dias, medindo-se a umidade relati-
va do ar. Esse procedimento permite a determinação de um ponto da curva de retenção com
uma sucção elevada que ajuda na definição final da curva, colaborando para a determinação
do grau de saturação residual. A determinação da sucção com base na umidade relativa é feita
utilizando-se a expressão apresentada no item a seguir.
Tabela 2 – Valores de umidade relativa de equilíbrio para algumas soluções salinas saturadas
(Modificado de ASTM E104 – 02, 2012)
o
C
Composto Fórmula 20 25 30
Cloreto de lítio LiClH2O 11,3± 0,3 11,3± 0,3 11,3± 0,2
Acetato de potásio KC2H3O2 23,1± 0,3 22,5± 0,3 21,6± 0,5
Cloreto de magnésio MgCl26H2O 33,1± 0,2 32,8± 0,2 32,4± 0,1
Carbonato de potásio K2CO32H2O 43,2± 0,3 43,2± 0,4 43,2± 0,5
Nitrato de magnésio Mg(NO3)26H2O 54,4± 0,2 52,9± 0,2 51,4± 0,2
Cloreto de sódio NaCl 75,5± 0,1 75,3± 0,1 75,1± 0,1
Cloreto de potásio KCl 85,1± 0,3 84,3± 0,3 83,6± 0,3
Cloreto de bario BaCl22H2O 91 ± 2 90 ± 2 89 ± 2
Nitrato de potásio KNO3 94,6 ±0,7 93,6± 0,6 92,3± 0,6
Sulfato de potásio K2SO4 97,6± 0,5 97,3± 0,5 97,0± 0,4
Instrumentação de laboratório e campo e a medição da curva de retenção 247
Essa técnica, além de ser utilizada como medida padrão de referência e como calibração
de outros equipamentos, pode ser empregada na determinação de pontos da curva de reten-
ção de água no solo, com a vantagem de impor sucção sob condições naturais, não sendo
aplicada pressão nenhuma na fase gasosa, como no ensaio de placa de pressão. No entanto,
devido à transferência de umidade ser pela fase gasosa, é necessário maior tempo para estabe-
lecer equilíbrio termodinâmico, sendo cada vez maior quando a umidade relativa a ser impos-
ta dentro do dessecador se aproxima a 100%. Os mesmos tempos de equilíbrio sugeridos para
o papel filtro podem ser utilizados nessa técnica. Salienta-se que o tamanho e a quantidade de
amostras pode afetar o tempo de equilíbrio.
Visto que, no interior do dessecador, a temperatura influencia na movimentação das
moléculas de água e, consequentemente, na magnitude da pressão de vapor, é necessário que,
para o equilíbrio termodinâmico exista uma temperatura constante. Por essa razão, recomen-
da-se que o ensaio seja conduzido num ambiente climatizado com faixa de variação de ±
0,1oC para, assim, obterem-se umidades reativas com variações de, aproximadamente, ±0,5%
(ASTM E104-85). Mesmo que não se tenha um sistema automatizado de controle de tempe-
ratura, a colocação do sistema em caixa de isopor com uma parede de, aproximadamente, 10
cm impede variações de temperatura maiores que 0,5o C, que, para os fins de determinação de
curva de retenção, considera-se adequado.
Fluxo osmótico
O método consiste na aplicação de sucção matricial por meio do fluxo osmótico a partir
de uma solução de polietileno glicol (PEG) com potencial conhecido (tipicamente PEG 20000
ou 30000) através de uma membrana semipermeável de celulose. Esse método possui seme-
lhanças com método da placa de pressão, diferenciando-se, apenas, na forma de imposição
da sucção.
Ensaio de coluna
Trata-se de um ensaio com características muito distintas de todos os demais aqui apre-
sentados. Esse método consiste na imposição de molhagem ou secagem através de uma co-
luna unidimensional instrumentada com sensores de umidade e sucção. Ensaios de coluna
permitem a obtenção de grandes volumes de dados a partir dos quais se determina tanto a
curva de retenção quanto a função de condutividade hidráulica. Infelizmente, a preparação
e a execução do ensaio são consideravelmente mais dispendiosas do que as demais técni-
cas. Aparatos construídos com diferentes configurações podem ser encontrados na literatura,
podendo-se citar, como exemplo, aquele apresentado por Yang et al. (2004).
Além de ser necessária para estudo de materiais em laboratório, a medição de sucção pre-
cisa ser realizada em campo, de forma a viabilizar o monitoramento de maciços não saturados.
Pode-se citar, como exemplos comuns de aplicações que envolvem o monitoramento de sucção
em campo, a instrumentação de encostas para gerenciamento de riscos de escorregamentos e a
instrumentação de barreiras de resíduos sólidos para a avaliação do seu desempenho.
Existe um considerável número de instrumentos desenvolvidos para a medição de suc-
ção no campo, sendo que a maioria destes mede a sucção matricial, considerada como a par-
250 Solos não saturados no contexto geotécnico
cela da sucção total de maior interesse do ponto de vista de comportamento do solo. Serão
apresentados, a seguir, dois tipos de instrumentos, que podem ser considerados os mais uti-
lizados no meio técnico. Fredlund et al. (2012) apresentam um revisão extensa desses e de
outros instrumentos, sendo recomendada como leitura complementar.
4.1 Tensiômetros
uma hora, seguida de pressão negativa de 85 kPa por uma hora. Esse tensiômetro possibilitou
medidas de sucção de até 1250 kPa e períodos de medições de até três dias.
Tensiômetros de alta capacidade foram desenvolvidos, também, no Instituto de Tecnolo-
gia de Massachusets (Toker et al., 2003) e pela Universidade de Trento (Tarantino e Mongiovi,
2003), todos introduzindo melhorias incrementais em relação os modelos anteriores.
Apesar dos recentes desenvolvimentos tecnológicos pelos quais os tensiômetros de alta
capacidade passaram, seu emprego no campo continua relativamente limitado, com sua apli-
cação mais comum sendo em instrumentação de ensaios de laboratório. Os tensiômetros con-
vencionais preenchem uma importante lacuna, permitindo a medição de sucção matricial
com relativa facilidade, alta acurácia e precisão. Apesar do seu limite de sucção aparentemente
baixo, grande parte dos problemas geotécnicos de interesse está incluído dentro da sua faixa
de sucção de trabalho.
O GMS foi desenvolvido para uso na agricultura, mas algumas de suas características o
levaram a ser utilizado em algumas aplicações na engenharia geotécnica (e.g. Mendes, 2008).
Devido ao seu tamanho, o seu uso é limitado em laboratório, no entanto, pode-se utilizá-lo
em colunas para a determinação da curva de retenção de materiais mais grosseiros ou para
estudos específicos de fluxo em meio não saturado.
O sensor possui um baixo custo e uma faixa de medição que vai de zero a, aproxima-
damente, 200 kPa. Praticamente, não há necessidade de manutenção após a sua instalação a
menos que haja um total ressecamento do solo e do sensor.
Quando comparado com o tensiômetro, o GMS possui um tempo de resposta signifi-
cativamente maior. O seu uso está restrito a situações nas quais o tempo de resposta não seja
determinante. Por outro lado, o GMS permite acompanhar variações sazonais que possuem
grande importância para os problemas relacionados com a movimentação de água nos solos
e, consequentemente, em problemas de estabilidade de taludes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Capítulo 11
Compactação dos solos: laboratório e campo
1 INTRODUÇÃO
Muitas obras de engenharia, tais como barragens, muros de arrimo, estradas e aeropor-
tos, utilizam solos compactados, e compactar um solo significa torná-lo um material mais
denso e com comportamento mais adequado para os propósitos a que se destinam. O esta-
do mais denso é obtido por meio da redução do volume de ar intersticial, com pequena ou
nenhuma variação do teor de umidade do solo. A compactação pode ser feita em superfície
ou em profundidade, utilizando solicitações estáticas, impacto e/ou vibração, por meio de
equipamentos manuais ou mecânicos, em laboratório ou no campo. A principal diferença
desse processo para o de adensamento de solos saturados é que este último envolve a expulsão
de água dos vazios a uma velocidade geralmente pequena, enquanto a compactação, por ser
realizada sobre um solo não saturado, envolve a expulsão de ar e o processo é geralmente rá-
pido. Fernandes (1994) define a compactação como o processo pelo qual uma massa de solo
constituída por partículas sólidas, água e ar tem o seu índice de vazios diminuído devido a
uma redução do volume da sua fase gasosa em consequência da aplicação de cargas com o
objetivo básico de obter um novo material com um comportamento mais adequado para a
aplicação a que se destina.
Segundo Ribeiro (2008), a necessidade de construção de estradas interurbanas contri-
buiu em muito para o desenvolvimento de teorias e conhecimentos sobre processos de com-
pactação de solos. Os romanos, que construíram uma extensa rede de estradas, já se preo-
cupavam em misturar solos para obter um melhor comportamento mecânico e já aplicavam
técnicas de compactação. Especialmente no século XVIII, devido ao movimento comercial
e militar intenso na Europa, novos métodos e técnicas construtivas e de compactação foram
desenvolvidos e testados. No século XIX, surgiram, na França, os primeiros rolos puxados a
cavalo para a compactação de estradas, que se desenvolveram, mais tarde, para rolos puxados
por máquinas a vapor (Ribeiro, 2008).
A construção de represas e pequenas barragens também colaborou muito para o de-
senvolvimento de técnicas de compactação e para o conhecimento do comportamento dos
solos compactados. De acordo com Ribeiro (2008), foi o fato de que, no início do século
XIX, utilizavam-se bovinos e ovinos para comprimir as estruturas do aterro para funcionar
como represa que levou ao desenvolvimento do cilindro pés de carneiro. Esse tipo de equipa-
258 Solos não saturados no contexto geotécnico
mento teve seu maior desenvolvimento na primeira metade do século XX, juntamente com
as técnicas de compactação vibratórias e dinâmicas, que foram desenvolvidas na Alemanha
durante os anos 30. Durante as grandes guerras mundiais, houve forte avanço na tecnologia
de compactação de solos, sendo que, após esses conflitos, houve maior impulso na técnica de
compactação por vibração, que, antes, era utilizada apenas para solos não coesivos, mas que,
hoje em dia, são também utilizados para compactação de materiais coesivos e betuminosos,
sendo que, no caso dos solos argilosos, o tema requer maior reflexão.
Neste capítulo, será apresentada uma visão geral sobre solos compactados envolvendo
as técnicas de compactação mais usualmente adotadas em laboratório e no campo. Aspec-
tos concernentes ao comportamento dos solos compactados, tais como deformabilidade e
resistência, não serão objeto deste capítulo, mas sim como a compactação pode afetá-los.
Muitas vezes, o comportamento de um solo é atribuído à técnica, energia ou umidade de com-
pactação, quando, na verdade, os responsáveis pelo comportamento são a natureza químico-
-mineralógica do solo e as peculiaridades estruturais próprias, além de outras que lhe foram
conferidas pela compactação.
O artigo publicado por Proctor (1933) é um dos primeiros trabalhos sobre a compacta-
ção de aterros, conferindo técnica a algo que, antes, era realizado quase empiricamente. Este
autor desenvolveu um ensaio dinâmico para a determinação experimental da curva de com-
pactação, representada pela relação peso específico aparente seco (γd) com o teor de umidade
gravimétrico do solo (w). A Figura 1, resultante desse ensaio, mostra que o peso específico
aparente seco do solo é menor ou maior de acordo com o teor de umidade em que se encontra
esse solo quando da compactação a uma dada energia, ou seja, a eficiência da compactação
do solo, quando se aplica uma dada energia, depende do teor de umidade. Segundo Proctor
(1933), para o ramo ascendente da curva, ramo seco, à medida que o teor de umidade vai
aumentando, a água lubrifica as partículas de solo, reduzindo o atrito grão a grão. Porém, a
partir de um determinado teor de umidade, a água impediria a expulsão do ar dos vazios, isto
é, com um teor de umidade mais elevado, o ar presente em alguns dos vazios do solo não mais
estaria interconectado com o ar presente em outros vazios desse solo, condição chamada de ar
ocluso, e as cargas de compactação aplicadas não mais conseguiriam influenciar no rearranjo
das partículas do solo, não havendo mais, portanto, acréscimos de peso específico. Assim, no
ramo descendente da curva mostrada na Figura 1, ramo úmido, a água impediria a expulsão
do ar, começando mesmo a ter mais água do que sólidos no interior do solo, o que leva os
pesos específicos a diminuírem à medida que os teores de umidade aumentam.
No ponto de inflexão da curva apresentada na Figura 1, é determinado o teor de umida-
de ótimo (wot), correspondente ao peso específico aparente seco máximo (γdmáx). Esse resulta-
do indica que aquela é a relação ideal entre as quantidades de partículas de solo, água e ar para
obter o melhor resultado para aquela energia de compactação aplicada naquele tipo de solo.
Esses valores constituem parâmetros característicos do solo somente para aquela energia de
Compactação dos solos: laboratório e campo 259
Figura 1 – Curva de compactação destacando a densidade seca máxima, o teor de umidade ótimo e a
curva de 100% de saturação
compactação e para aquelas condições de ensaio. A curva mais à direita no gráfico mostrado
na Figura 1 representa a relação entre a densidade seca e o teor de umidade para o solo satura-
do (Sr = 100%), ou seja, quando não existir mais ar presente nos vazios do solo. Essa condição
não pode ser alcançada pela compactação. Na apresentação dos resultados, é comum serem
traçadas as outras linhas correspondentes aos outros graus de saturação, as quais também
podem ser vistas na Figura 1, que mostra, ainda, a diferença nos resultados devido à energia
de compactação utilizada. Em geral, quanto maior a energia de compactação em um mesmo
tipo de solo, maior o peso específico aparente seco obtido e menor o teor de umidade ótimo. A
linha tracejada representada na Figura 1 corresponde ao lugar geométrico dos pontos de teor
de umidade ótimo e a densidade seca máxima desse solo, e sua posição também varia com a
energia de compactação e o tipo de solo. Sua posição tende a ser, aproximadamente, paralela
à linha de saturação.
Além de Proctor (1933), outros autores, tais como Hogentogler (1937), Hilf (1956),
Lambe (1958), Olson (1963), Barden & Sides (1970), estudaram o comportamento do solo
quando submetido à compactação. Eles buscaram justificar o formato da curva de compacta-
ção de um solo (Figura 1) em função de variáveis como capilaridade, permeabilidade, visco-
sidade da água e tensões efetivas.
De acordo com Hogentogler (1937), a forma da curva de compactação reflete quatro
estágios de umidade relacionados à viscosidade da água: hidratação, lubrificação, inchamento
e saturação do solo. Isso está representado na Figura 2, que é composta por quatro trechos
lineares, cada um deles indicando os estágios previamente mencionados. Na fase de hidra-
tação, com o aumento da umidade, a água é adsorvida pelas partículas, formando uma fina
película. Isso seria acompanhado por uma redução na viscosidade da água, que diminuiria o
atrito entre os grãos, permitindo que as partículas se arranjem mais facilmente, aumentando,
dessa forma, o peso específico do solo. A partir de certa umidade, a camada de água super-
ficial não só reduziria o atrito entre os grãos, mas passaria a atuar como lubrificante, fase de
260 Solos não saturados no contexto geotécnico
lubrificação, facilitando ainda mais a ocorrência de novos arranjos das partículas durante a
compactação, permitindo que o solo se torne mais denso, mas ainda não saturado. Já na fase
de inchamento, a umidade do solo está acima do teor de umidade ótimo, o que levaria a um
aumento no volume de solo, mas sem redução do volume de ar, justificando a diminuição do
peso específico aparente seco nesse trecho. No último estágio, a fase de saturação, a curva de
compactação se aproxima da curva de Sr = 100%, todo o ar é expelido do solo, e a presença
da água preenchendo os poros não permite que os grãos consigam novos arranjos que levem
a um aumento de densidade.
Lambe (1958) afirma que a forma da curva de compactação de um solo argiloso é justi-
ficada pela química coloidal das partículas de argilominerais presentes no solo (Figura 3). Ele
indica que a interação entre dois coloides (tamanho dos argilominerais) é função das forças
externas a que se submetem, das forças de contato entre eles, das forças de atração e das forças
de repulsão. Uma discussão mais detalhada sobre a atuação dessas forças entre partículas é
apresentada por, dentre outros, Camapum de Carvalho et al. (1987). A teoria proposta por
Lambe (1958) para explicar a curva de compactação se fundamenta no fato de que, para baixo
teor de umidade do solo, não se desenvolveria a camada dupla de íons ao redor de cada par-
tícula, resultando em uma concentração de eletrólitos relativamente alta e em uma redução
das forças de repulsão entre essas partículas. Por esse motivo, haveria, como consequência,
uma tendência à floculação dos grãos de solo no tamanho de coloides, resultando em um
solo pouco denso. Isso aconteceria na região do ponto A mostrado na Figura 3. Quando são
utilizadas energias de compactação elevadas, há, por força da energia externa aplicada, uma
diminuição da distância entre os argilominerais, elevando a densidade (ponto E). Para uma
mesma energia de compactação, à medida que o teor de umidade aumenta, ocorre uma ex-
pansão da camada dupla e a redução dessa tendência de floculação, permitindo um rearranjo
mais ordenado das partículas, levando o solo a atingir densidades mais altas, tal como mos-
trado no ponto B. Quando o teor de umidade aumenta ainda mais, a concentração eletrolítica
é reduzida, o que aumenta a repulsão entre as partículas, levando a estrutura do solo argiloso
a se tornar dispersa, ou seja, com as partículas coloidais tendendo a ficarem paralelas entre si,
como mostra o ponto C. No ramo úmido, onde a umidade está acima da ótima, o aumento da
energia de compactação produz o efeito de alinhar as partículas, mas sem diminuir as distân-
cias entre elas, como aconteceu no ramo seco, conforme ilustra o ponto D.
Para explicar a forma da curva de compactação com fundamento na teoria dos solos
não saturados, recorrer-se-á à própria Figura 3 e às curvas características de retenção de água
mostradas na Figura 4. Na Figura 3, qualquer que seja o solo, do ponto A até o ponto B, a fase
ar mantêm-se contínua e perde a continuidade a partir do ponto B, passando à condição de
bolhas de ar oclusas. Na Figura 4, para a curva característica de retenção de água da areia,
devido à baixa atividade superficial, o fenômeno de interação água-ar-mineral é de natureza
física, ou seja, trata-se do fenômeno capilar. Tem-se, ainda, que, devido à baixa atividade
superficial do mineral quartzo, a água poderá, nesse caso, exercer efeito lubrificante. Logo,
compactando-se o solo no ponto A (ver Figura 3) com uma determinada energia externa, a
maior capilaridade, que é uma energia interna resistente, e o menor efeito lubrificante diante
262 Solos não saturados no contexto geotécnico
da energia de compactação farão com que o peso específico obtido seja pequeno. Com o
aumento do teor de umidade de compactação, a capilaridade diminui (Figura 4) e amplia-se
o efeito lubrificante da água, reduzindo, assim, a resistência do solo à energia externa de com-
pactação, fazendo com que aumente o peso específico aparente seco até atingir o ponto B (ver
Figura 3). A partir do ponto B, a fase ar torna-se descontínua, reduzindo a permeabilidade
do solo e fazendo, assim, com que gere poropressão (também chamada de “pressão neutra”
ou “pressão intersticial”, mas optou-se por poropressão neste capítulo) positiva, o que reduz
a energia efetiva externa de compactação. Como a fase ar é compressível, diminuindo o seu
volume à medida que aumenta o teor de umidade, reduz-se a compressibilidade do fluido
ar-água, potencializando o aumento das poropressões quando se aplica a energia de compac-
tação ao solo, o que resulta no ramo úmido, trecho BC (ver a Figura 3), descendente. Sendo
esses solos marcados por partículas de forma mais equidimensionais, não há que se pensar em
orientação ou não de partículas.
O que muda no entendimento da curva de compactação com base na teoria dos solos
não saturados ao passar da areia quartzosa para o solo saprolítico é o fato de que, agora, sendo
relevante a atividade do solo devido à energia de superfície, o fenômeno deixa de ser de nature-
za física (capilaridade), passando a ser de natureza físico-química (sucção devido às forças de
adsorção), nela intervindo a mineralogia e a química do solo. No caso dos solos saprolíticos, o
efeito lubrificante da água é desprezível em relação aos demais fatores intervenientes no proces-
so de compactação. Os solos saprolíticos, sendo eles constituídos por partículas lamelares, fará
com que essas partículas se organizem em função da umidade e da energia de compactação
segundo a teoria de Lambe (1958), cabendo, no entanto, a observação de que, se elas estiverem
organizadas em pacotes, e lembrando que pacotes não são agregados, a orientação delas com
o aumento do teor de umidade e da energia de compactação é dificultada. Faz-se necessário,
ainda, destacar que, caso o solo saprolítico contenha argilomineral expansivo, a secagem prévia
gerará, devido à desidratação desses argilominerais, diferenças na umidade ótima e no peso es-
pecífico aparente seco em relação ao campo, situação em que o solo não se submete à secagem.
Essa desidratação afeta, também, o peso específico dos grãos, aumentando-o.
Compactação dos solos: laboratório e campo 263
Passando aos solos lateríticos, que são solos profundamente intemperizados, constitu-
ídos de agregados (Figura 5), tem-se uma situação diferenciada em relação aos dois solos
anteriormente discutidos, pois, nesse caso, não são grãos de areia pouco ativa nem o teor de
argila com partículas individualizadas obtidas com o uso de defloculante ou ultrassom que
comandará a eficiência da compactação, mas sim a macroporosidade e a água que ocupa
os macroporos existentes entre os agregados. Esses solos são constituídos de agregados que
possuem microporos em seu interior e macroporos entre eles, conforme mostrado na Figura
5. Na região de macroporos, a sucção/capilaridade é pequena e interfere pouco no processo
de compactação e, na zona de microporos, como eles se encontram no interior dos agrega-
dos, eles terminam não sendo afetados (Farias et al., 2011) nem interferindo no processo de
compactação. Com a compactação, ocorre o fechamento dos macroporos e, em certos casos,
também dos mesoporos. Na compactação, interfere a sucção/capilaridade na faixa compre-
endida entre o término da entrada de ar nos macroporos e a entrada de ar nos microporos,
sendo que, com o aumento da umidade, diminui a resistência interna à energia externa de
compactação até atingir a umidade ótima, umidade em que ocorre a oclusão da fase ar. Nesses
solos, a secagem prévia conduz a fase ar ao interior dos agregados, podendo ocasionar duas
consequências: diminuição da umidade ótima em relação ao campo, e, sendo os agregados
pouco estáveis, a entrada de água, quando do umedecimento, pode, ao colocar a fase ar sob
pressão, conduzir à destruição dos agregados, gerando, assim, uma matriz mais fina no solo,
o que interfere no resultado da compactação. A desagregação desses solos pode provocar um
aumento do peso específico aparente seco e uma redução da umidade, porém, com uma piora
no comportamento mecânico devido à matriz mais fina dos grãos (Guimarães et al., 1997).
Ainda sobre os solos lateríticos, cabe um destaque. Quando esses solos apresentam ha-
loisita hidratada (haloisita 4H2O), a secagem do solo na fase de preparação para o ensaio de
compactação, geralmente, provoca um desvio de umidade em relação ao campo, pois lá o solo
só será seco na fase de determinação da umidade, o que conduzirá a valores mais elevados.
Como a desidratação também afeta a densidade real dessa haloisita, haverá um impacto no
peso específico aparente seco, que, em princípio, será maior no campo.
Portanto, este item mostrou que a teoria dos solos não saturados permite entender a
curva de compactação dos solos. Além disso, foi mostrado que é relevante conhecer particu-
laridade dos solos, como textura, química e mineralogia.
3 MÉTODOS DE COMPACTAÇÃO
São vários os métodos que podem ser utilizados para compactação dos solos. Para cada
um, estruturas diferentes para um mesmo tipo de material poderão ser obtidas. Os resultados
de um processo de compactação dependem de diversos fatores, como natureza do solo, mé-
todo de compactação utilizado, energia e teor de umidade (Holtz et al., 2012). A densificação
do solo por meio da compactação ocorre quando a energia externa aplicada supera a energia
resistente. A energia externa pode ser oriunda de ações dinâmicas, estáticas, semiestáticas ou
vibratórias, sendo esta última, muitas vezes, entendida como dinâmica. Já a energia interna
pode ser proveniente de ações capilares e de sucção. O tipo de mineral e o modo como a ener-
gia externa é aplicada pode fazer com que a água assuma certo efeito lubrificante.
Em laboratório, os métodos de compactação mais utilizados são: compactação dinâmica
ou por impacto; compactação estática ou por pressão, sendo que, quando a pressão for cres-
cente, ela passa a ser chamada de semiestática; compactação por pisoteamento, compactação
por vibração e compactação vibro-estática. Já no campo, as mais comuns são as compac-
tações semiestática, vibratória e dinâmica. O método de compactação em laboratório deve
ser compatível com o tipo de solo e com a técnica de compactação a ser adotada no campo
(Camapum de Carvalho et al., 1987). No caso de solos apresentando agregados, concreções e
266 Solos não saturados no contexto geotécnico
diâmetro, acionada por uma mola cujo esforço aplicado é da ordem de 180 N. Na sua propos-
ta, Wilson (1950) não definiu um número de camadas e nem de golpes a serem aplicados por
camada, mas Head (1992) afirma que, ao se compactar o solo em três camadas e aplicando-se
25 golpes em cada uma, obtém-se uma energia próxima à do ensaio Proctor Normal. Wilburn
et al. (2007) afirmam que o ensaio é vantajoso em relação ao ensaio do tipo Proctor quando
se tem que ensaiar muitas amostras de uma vez, já que usa pouca quantidade de solo, e que
as amostras preparadas no ensaio Harvard já são adequadas para serem usadas em ensaios de
compressão simples ou triaxial.
EC = n∙P∙H N (3)
V
onde: n = número de golpes do soquete padrão; P = peso do soquete (kgf); H = altura de
queda do soquete (cm); V = volume do cilindro ou do solo compactado (cm3); N = número
de camadas.
O ensaio Proctor é geralmente utilizado para se obter a curva de compactação dos solos.
Nele, pelas explicações já apresentadas, variando-se a umidade de compactação, varia-se o
peso específico aparente seco obtido, o que permite a construção da curva de compactação do
solo em laboratório. Alguns solos concrecionados ou apresentando partículas aglomeradas,
podem apresentar um duplo pico de peso específico aparente seco – teor de umidade ótima.
Isso costuma ocorrer porque, ao aumentar a umidade, fragilizam-se as concreções ou aglo-
merações presentes no solo, possibilitando a sua quebra, daí surgindo um novo material em
termos texturais, o que possibilita o aparecimento de um segundo pico.
As curvas de compactação devem possuir, no mínimo, 4 pontos, pois são necessários,
pelo menos, dois pontos no ramo seco e dois pontos no ramo úmido. O tipo de preparação de
amostras para o ensaio de compactação pode influenciar o resultado obtido. Os dois fatores
que mais podem influenciar são a secagem da amostra e seu reuso. Segundo Pinto (2006), a
secagem prévia influencia as propriedades do solo, além de dificultar a posterior homoge-
neização da umidade incorporada. Com relação ao reuso de material nos ensaios, Aquino
et al. (2008) verificaram que essa prática influencia os resultados obtidos, com tendência de
aumento do peso específico aparente seco e de deslocamento da linha ótima para a esquerda,
ou seja, os ensaios com reutilização de material aumentam o peso específico aparente seco
máximo e diminuem o teor de umidade ótimo. Segundo os autores, esse efeito se deve à que-
bra das agregações presentes no solo virgem.
Existe uma variação desse ensaio dinâmico, que é o ensaio de compactação Mini-MCV
(Moisture Condition Value), proposto por Sória e Fabbri (1980), cujos resultados são utilizados
para a classificação de solos chamados de tropicais. O solo tropical é considerado aquele que
apresenta peculiaridades de propriedades e de comportamento em decorrência de processos
geológicos e/ou pedológicos, típicos das regiões tropicais úmidas (CTS-ISSMFE, 1985). O
interesse nesse tipo de solo se deve ao fato de que, no Brasil, eles são abundantes e muito
utilizados em obras rodoviárias. Segundo Nogami e Villibor (1995), os solos tropicais podem
ser divididos em duas classes: os de comportamento laterítico e os de comportamento não
laterítico, sendo que os primeiros merecem destaque por suas propriedades mecânicas no seu
estado natural e em seu estado compactado. Segundo Santos (2006), um solo que apresenta
comportamento laterítico adquire, quando compactado em condições ideais, alta capacidade
de suporte e baixa perda dessa capacidade quando imerso em água.
Quintans (2008) apresentou uma comparação entre os resultados de curvas de com-
pactação obtidos no ensaio Proctor e o Mini-MCV, nas energias normal e intermediária, res-
pectivamente. O solo ensaiado foi classificado como de comportamento laterítico, contendo,
na sua composição granulométrica, 26,44% de material passante na peneira 0,075 mm (n°.
200). Constatou-se que as massas específicas aparentes secas máximas obtidas dos ensaios
Proctor foram inferiores às obtidas nos ensaios de Mini-Proctor para as duas energias, en-
quanto que os teores de umidade ótima correspondentes foram ligeiramente maiores nos
ensaios Proctor.
Compactação dos solos: laboratório e campo 271
resistente. Para averiguar a melhoria do solo devido à estabilização, deve-se submeter o solo
não tratado ao mesmo tipo de cura ao ar. O mais importante aqui, no entanto, é salientar que
a ação da sucção/ capilaridade constitui-se em forte energia densificadora do solo, podendo,
em condições adversas ou naquelas preconizadas por Nogani e Villibor (1995), ser utilizada
na compactação dos solos.
Tratando-se, agora, mais diretamente da questão da compactação de campo, as ativida-
des que a envolvem começam já com a localização de áreas de empréstimo onde estarão os
solos adequados para serem usados para aquele projeto, sua remoção e transporte para o local
da obra. A escolha é baseada em tipo, volume, propriedades e comportamento do solo ne-
cessário para a obra, além da distância de transporte. Também poderá ser necessário o ajuste
desse solo para colocá-lo nas condições ideais para uso na obra, o que é feito após espalhá-lo
em camadas que variam de 15 a 50 cm, dependendo do tipo de solo, do tipo de equipamento
que será utilizado e do que se busca em termos de propriedades e comportamento da camada
de solo compactada. Essas etapas preliminares não serão comentadas, sendo considerado que
a camada de solo já está pronta para receber os esforços de compactação no campo. Serão
comentadas algumas técnicas e equipamentos utilizados nesse processo.
Como na compactação feita em laboratório, os valores de pesos específicos secos obtidos
no campo são função do tipo de solo, da quantidade de água utilizada e da energia específica
aplicada pelo equipamento utilizado. A energia de compactação é função de fatores como tipo
e peso do equipamento e do número de passadas e velocidade com que passa. Também no
campo, a energia de compactação pode ser aplicada de maneiras diferentes: por meio de es-
forços de pressão, impacto, vibração ou por uma combinação destes. Na verdade, os processos
de compactação de campo que usam a vibração o fazem de modo associado a uma pressão, já
que a vibração utilizada isoladamente é pouco eficiente. Solos sem coesão terão uma compac-
tação mais eficiente quando se emprega vibração. Os equipamentos mais utilizados no campo
são os rolos pé de carneiro, liso, de pata curta e pneumático, sendo que a escolha é função do
tipo de solo e das condições de execução (Tabela 1).
atinge só uma profundidade pequena. Como a remoção da camada pode não ser econômica,
a densificação pode ser feita por explosões, vibroflotação ou ainda por compactação dinâ-
mica quando são aplicados vários golpes com um peso de 10 a 40 toneladas, caindo de 10 a
40 metros de altura.
Percebe-se que, se esse ponto de verificação fosse feito com o solo em um teor de umidade
acima do teor de umidade ótimo, ponto Y, não seria possível distinguir de qual curva esse
resultado mais se aproximaria, pois, no ramo úmido, a energia efetiva de compactação muda
em função da poropressão positiva gerada. Essa técnica, porém, só é recomendável para
solos com composição químico-mineralógica semelhante, não exatamente igual em teor, a
menos que este afete a estabilidade estrutural de agregações e aglomerados de partículas, e
para solos que apresentem textura pouco evolutiva com as condições de compactação (Ca-
mapum de Carvalho, 1985).
As curvas do tipo A constituem o modelo padrão em que, por efeito de maior lubrifi-
cação entre os grãos devido à redução da capilaridade/sucção ao reduzir a energia resistente
com o aumento da umidade, a energia externa de compactação aplicada torna-se mais efetiva,
provocando a redução da porosidade do solo. Como já mencionado, quando ocorre a oclusão
da fase ar, inicia-se a geração de poropressão positiva na água, reduzindo a energia efetiva
externa aplicada e, por consequência, permitindo menor redução da porosidade.
As curvas do tipo B e C podem ocorrer em duas circunstâncias: a) quebra de agregados
ou aglomerações de partículas, formando o primeiro pico ao dar origem a um novo material,
para o qual se obtém o segundo pico; b) teor de umidade insuficiente para gerar o efeito
resistente da capilaridade/sucção no ramo seco do primeiro trecho, daí o aumento de peso
específico por alívio das tensões efetivas normais nos contatos até que certa adesão da água
com os minerais em contato façam cair o peso específico; ao se formarem os meniscos ou
estabelecer-se a continuidade da fase água entre argilominerais, dá-se início à formação do se-
gundo pico, seguindo a descrição do apresentado para a curva A. A curva D pode ocorrer por
dois motivos: a) devido ao aumento das forças de repulsão entre partículas de argilominerais
com o aumento do teor de umidade; b) em materiais hidrofugantes, para os quais o aumento
de umidade gera o afastamento das partículas de solo.
A literatura tem apresentado que a eficiência da compactação não tem se mostrado pro-
porcional ao aumento da energia (Cernica, 1995; Quintans 2008). O fenômeno é, no entanto,
de fácil compreensão. Qualquer que seja a energia de compactação, mantida a área de solici-
tação, ao iniciar a compactação sob uma determinada energia, amplia-se a energia resistente
oriunda dos contatos, fazendo com que a energia externa passe a ser consumida nos primeiros
centímetros, impedindo a propagação para os centímetros seguintes. Ao se ampliar a área de
contato, por exemplo, aumentando área da pata, a tendência é atingir camadas mais profun-
das, devendo-se, evidentemente, levar em conta a energia atuante. Também, a forma da área
por meio da qual se transmite a energia externa de compactação ao solo afeta o resultado da
compactação devido à distribuição das tensões, ou seja, uma pata de forma quadrada terá
uma eficiência na compactação distinta daquela oriunda de uma pata circular.
Neste item, serão apresentadas informações sobre técnicas e experiências sobre o uso
dos solos compactados em algumas obras de engenharia.
Na Engenharia Civil, o termo “aterro” está ligado à subida do nível de um terreno reali-
zado, na maioria das vezes, utilizando-se solos compactados. Aterros são utilizados em diver-
sas obras, e a construção de barragens de terra está intimamente ligada a eles. Neste item, será
descrita a utilização de solos compactados em aterros, dando-se ênfase, principalmente, à sua
utilização em barragens. Nas especificações técnicas de barragens, o termo “aterro” é, muitas
vezes, substituído pelo termo “maciço compactado” e se refere às zonas de materiais terrosos,
Compactação dos solos: laboratório e campo 279
areias, materiais argilosos, granulares e enrocamentos. Nesse subitem, o uso do termo será
limitado ao maciço de solo e refere-se ao depósito artificial de solo compactado, implicando
escavação, transporte e compactação do solo.
A compactação de aterros tem como objetivo a homogeneização e a melhoria de suas
propriedades de engenharia. No processo de compactação em campo, usualmente, é realizado
um processo mecânico, envolvendo compressão, apiloamento ou vibração, e o controle é rea-
lizado com base em dados de laboratório, ou seja, os dois processos, compactação de campo
e laboratório, são essenciais para garantir um aterro seguro. Torna-se necessário o projetista
definir, com base na obra, qual a variação que as propriedades de interesse do empreendimen-
to podem ter em função das variações do ensaio de compactação e do seu impacto no com-
portamento do material compactado. Portanto, uma vez estabelecida as condições de projeto,
importa assegurar que elas serão respeitadas na execução da obra, razão pela qual surge a
necessidade de proceder ao controle de compactação in situ. Na construção de uma obra de
terra compactada, há um conjunto de decisões que vão desde a escolha do material, a área de
empréstimo, a fixação dos parâmetros de projeto, a escolha dos equipamentos, a execução da
obra e ainda as operações de controle, pressupondo-se haver um perfeito domínio sobre toda
a problemática envolvida na compactação (Melo e Ferreira, 1981).
a) Tipo de solo
Como já visto, o tipo de solo influencia de maneira decisiva o processo de compactação,
prevalecendo a distinção entre solos finos e grossos e entre solos argilosos e arenosos ou silto-
sos. Os solos coesivos, caso da maioria dos solos utilizados em aterros no Brasil, em especial,
nos destinados a núcleos de barragens, apresentam argila em sua composição e, portanto,
podem apresentar diferentes argilominerais, ou seja, os fenômenos envolvendo forças elétri-
cas entre as partículas têm um papel fundamental no seu comportamento e variam de solo
para solo. A compactação dos solos argilosos com elevada energia ou umidade geralmente
leva à orientação das partículas e ao predomínio das forças de repulsão entre elas, com isso,
causando a ampliação da anisotropia de comportamento hidromecânico. No caso de barra-
gens de terra e/ou terra e enrocamento, esse aspecto assume grande importância por impactar
diretamente o fluxo. Cabe salientar que, no caso dos solos profundamente intemperizados,
como os solos lateríticos, como as partículas encontram-se na maioria agregadas, esse efeito
de orientação de partículas praticamente inexiste, sendo, porém, muito relevante no caso dos
solos pouco intemperizados, os solos saprolíticos. Essa situação é bem conhecida em obra
280 Solos não saturados no contexto geotécnico
b) Método de compactação
Na execução do ensaio em condições de laboratório, todos os fatores que influenciam o
resultado obtido na compactação de solos podem ser controlados com exatidão, mas, normal-
mente, isso não é possível nas condições existentes no campo durante os trabalhos de cons-
trução. Assim, devido a inúmeros fatores, os ensaios de laboratório não são necessariamente
representativos dos resultados de campo, mas, apesar disso, têm sido amplamente adotados
e considerados satisfatórios na determinação dos parâmetros de projeto a serem empregados
na obra.
Nos estudos realizados para a obtenção dos parâmetros utilizados no projeto, a molda-
gem dos corpos de prova é realizada em laboratórios de forma que a estrutura e o comporta-
mento mecânico sejam similares ao do material compactado no campo e, nesse caso, deve-se
levar em conta a influência do tipo de compactação na preparação das amostras. Camapum
de Carvalho et al. (1987) realizaram estudos com um solo calcário argiloso e concluíram que o
método de compactação semiestática conduz a amostras de laboratório que têm uma estrutu-
ra e um comportamento mecânico muito perto do material compactado no campo. Com base
nesses resultados e em outros estudos, seria recomendado utilizar a compactação semiestática
na preparação dos corpos de prova em laboratório para se analisar qual seria o comportamen-
to in situ. Porém, a compactação normatizada no Brasil é a compactação dinâmica (ABNT,
1986a) e é esse o tipo de compactação utilizado em todos os controles de aterros de barragens.
Na prática dos laboratórios montados nas obras, realizar compactações diferentes da dinâmi-
ca não é razoável, pela estrutura já montada e pela dinâmica de como os resultados são obti-
dos. Além disso, a compactação dinâmica tem demonstrado que os resultados, em termos de
controle, são satisfatórios. Porém, se o objetivo for averiguar os comportamentos hidráulico
ou mecânico, faz-se necessário avaliar mais qual técnica adotar.
c) Energia aplicada
Na compactação de campo, a energia específica, que é a energia que se emprega ao solo
por unidade de volume durante o processo mecânico, depende da tensão, da área de contato
entre o rolo e o solo, da forma da área de contato, da espessura da camada e do número de
passadas do rolo e, ainda, embora geralmente não consideradas, das propriedades mecânicas
da camada subjacente. Para a definição da energia no campo que seja correspondente à usada
no laboratório, no caso de barragens, são comumente executados estudos em pistas experi-
mentais. Para cada tipo de equipamento, existe um limite para a compactação, e a utiliza-
ção de aterros experimentais é importante para definir esse limite. A execução desses aterros
experimentais permite o estudo dos diversos parâmetros que podem influenciar melhor a
compactação, tais como a velocidade de compactação, o número de passadas e a espessura da
camada. Na construção de um aterro experimental, dois fatores devem ser fixados: o solo e o
equipamento. A modificação de qualquer um deles implica a realização de outro aterro expe-
Compactação dos solos: laboratório e campo 281
rimental. Outro aspecto que deve ser levado em conta na execução do aterro experimental é a
velocidade do equipamento compactador. Na maioria dos casos, as velocidades são limitadas
para não influenciar os resultados.
e) Temperatura
Nos ensaios realizados no laboratório, a temperatura tem pouca influência, pois, nor-
malmente, esses são climatizados. No campo, a temperatura exerce importante efeito no pro-
cesso de compactação. Em primeiro lugar, devido aos efeitos de evaporação, retirando água
do solo, e, em segundo, devido à condensação da umidade ambiente, acrescentando água ao
solo. Mas outro efeito, quase sempre pouco lembrado e que deve ser considerado, é a influ-
ência da temperatura nas variações volumétricas da água e do ar. Portanto, no processo em
campo, as condições climáticas devem ser levadas em conta no planejamento da obra.
a) Área de empréstimo
Na construção de aterros, o ideal seria a utilização dos materiais provenientes das esca-
vações obrigatórias. No entanto, na maioria das barragens, esses materiais não são suficientes
ou não apresentam propriedades adequadas aos fins. Nesses casos, é necessário estudar e ex-
plorar áreas de empréstimo, sendo que os materiais dessas áreas devem atender aos requisitos
das especificações da obra, cabendo destacar que, muitas vezes, o projeto deve se adequar
à disponibilidade de materiais e ao cronograma imposto pelas necessidades e clima. A ex-
ploração de áreas de empréstimo provoca a degradação do local e, na sua escolha, deve-se
levar em conta os custos com a recuperação da área, que, normalmente, não são baixos. Uma
alternativa para se evitar esses custos é utilizar áreas de empréstimo que ficam a montante do
empreendimento e que serão cobertas futuramente pelo reservatório de água formado pela
barragem. Faz-se, no entanto, necessário avaliar se tal área não gerará, no futuro, impactos
negativos no próprio reservatório.
Os materiais existentes nas áreas de empréstimo geralmente apresentam variações no
teor de umidade natural em função da época do ano. Na elaboração do cronograma de cons-
trução, na programação do uso desses materiais e na escolha dos equipamentos utilizados na
execução do aterro, deve-se levar em consideração essa variação. Portanto, deve-se progra-
mar a execução das escavações e a formação dos estoques de materiais de modo a se prever
o uso dos solos de acordo com o cronograma de lançamento dos aterros e com os requisitos
técnicos previstos. O material obtido nas áreas de empréstimo também apresenta, em geral,
teor de umidade fora das faixas especificadas para a compactação. Nesses casos, a umidade
deverá ser corrigida até que sejam conseguidos os valores especificados, utilizando-se méto-
dos adequados.
A indicação de uma área de empréstimo não significa que todo o material dessa área seja
adequado para a construção dos aterros e somente os solos adequados poderão ser utilizados.
Materiais com características insatisfatórias, como raízes, grama ou outros materiais orgâni-
cos perecíveis ou prejudiciais aos aterros, não poderão ser utilizados e deverão, na medida do
possível, ser estocados para a própria recuperação da área.
c) Equipamentos
Antes de se utilizar qualquer equipamento de compactação, estes devem ser subme-
tidos a testes na execução do aterro experimental para verificar a sua eficiência. Conforme
já visto, devem ser avaliados, principalmente, a velocidade de compactação e o número de
passadas, pois esses fatores influenciam as propriedades do solo compactado. Os equipa-
mentos de compactação são especificados em função do tipo de solo utilizado. No entanto,
no Brasil, observa-se pouca variação dos equipamentos especificados e utilizados na com-
pactação de aterros de barragens, predominando rolos com patas curtas e pé de carneiro. A
Tabela 2 apresenta alguns exemplos dos equipamentos descritos nas especificações técnicas
de barragens no Brasil.
Quando os rolos forem operados em série ou em paralelo, deverão possuir as mesmas
características de operação, dimensões e pesos. Todos os rolos deverão ser equipados com
hastes ou barras de limpeza, projetadas e instaladas para evitar o acúmulo de terra entre as
patas, o que limita a compactação. O eixo de cada cilindro do rolo deverá ser alinhado de
maneira a permitir perfeito contato com a superfície do aterro.
Em alguns locais inacessíveis aos rolos, junto a paredes ou muros de concreto e em lo-
cais de instalação de instrumentação, não é possível utilizar os rolos especificados na Tabela
2. Nesses casos, são utilizados os compactadores mecânicos manuais, sendo que eles devem
produzir pesos específicos equivalentes àqueles obtidos com a utilização dos rolos especifica-
284 Solos não saturados no contexto geotécnico
(continuação)
dos para o restante da obra. Para o uso de compactadores manuais, a espessura da camada é
limitada, geralmente, a 15 cm. Nos contatos com o muro de concreto e fundação em rocha,
é comum, também, a utilização de passadas de pneus de pá-carregadeira com a concha cheia
de solo ou rocha.
d) Execução do aterro
Hoje, com a tecnologia disponível, os veículos transportadores e as máquinas usadas na
escavação da área de empréstimo, embora ainda não seja frequente no Brasil, deveriam ser
dotadas de GPS e conectadas via satélite, em tempo real, aos escritórios de projeto e fiscaliza-
ção e à equipe de acompanhamento de execução do aterro, que, por sua vez, com a execução
da obra inteiramente planejada e informatizada, já encaminharia o condutor do veículo exa-
tamente para a estaca de lançamento do material para ser espalhado.
O lançamento do solo no aterro deve atender os alinhamentos, greides, dimensões e
declividades indicadas no projeto executivo. Durante as operações de lançamento e espa-
lhamento, deverá haver controle topográfico permanente. Deverá ser feito o nivelamento da
superfície das praças de compactação de modo a permitir o controle da espessura das cama-
das compactadas e para manter a declividade adequada, com inclinações suaves, geralmente,
declividade mínima de 2%, podendo chegar a 5%, que permitam uma drenagem adequada
das águas de chuva. As superfícies deverão ser inclinadas de tal forma que as águas superfi-
ciais não sejam conduzidas às transições e aos filtros de areia, evitando-se, com isso, possíveis
contaminações.
As espessuras das camadas lançadas deverão ser previamente demarcadas por colocação
de cruzetas, adequadamente espalhadas pela praça, a fim de facilitar o lançamento. Os solos
lançados na praça de compactação deverão estar isentos de detritos vegetais, matéria orgânica
ou outros materiais deletérios.
Compactação dos solos: laboratório e campo 285
O material lançado deverá ter teor de umidade durante o lançamento que permita o
tráfego normal do equipamento e que, como resultado da compactação, produza um material
de aparência homogênea, maciça, satisfazendo as condições de permeabilidade estabelecidas.
As operações de lançamento e espalhamento devem ser feitas paralelamente aos eixos longi-
tudinais dos maciços. Somente em casos excepcionais, após avaliação do projetista, poderá
ser de outra forma.
Tanto quanto possível, os equipamentos de transporte deverão ser dirigidos de maneira
que evitem passar pelos mesmos caminhos nas praças de lançamento, trafegando sobre o
material solto lançado. Quando essa operação se tornar impraticável, deverão ser construídos
aterros provisórios de material solto para suprir essa necessidade (espessura varia de 0,4 a 1
m), que serão, posteriormente, removidos.
Antes do lançamento de cada camada, aquela previamente compactada deverá ser esca-
rificada com grade de disco e realizado o umedecimento da superfície para garantir aderência
adequada. O lançamento de solo junto às estruturas de concreto será realizado após a limpeza
e o tratamento das superfícies dessas estruturas para melhor aderência do solo. O material
lançado e espalhado deverá ser gradeado previamente à compactação até a profundidade total
da camada. Poderá ser necessário o uso de escarificador das motoniveladoras. O gradeamento
deverá continuar até que: a) todo o material esteja homogeneizado; b) a pré-compactação
provocada pelo tráfego de transporte seja rompida; c) todo o material com torrões que tiver
sido lançado e espalhado seja quebrado e, se necessário, sua umidade corrigida até a profun-
didade total da camada antes da compactação.
A espessura das camadas, após o lançamento e espalhamento, não deverá exceder a 25
cm, incluindo-se o material solto remanescente da camada anterior. Esse valor poderá variar
em função do material, dos equipamentos de compactação utilizados e dos graus de compac-
tação obtidos em aterros experimentais ou no corpo do aterro. Portanto, a espessura deverá
ser confirmada em pista experimental específica.
A operação de compactação será iniciada após o lançamento, espalhamento, correção
de umidade e nivelamento das camadas. Cada passada do rolo compactador deverá cobrir
total e uniformemente a área a ser compactada. A compactação deve ser realizada de ma-
neira sistemática, ordenada e contínua, com os rolos compactadores se movendo em direção
paralela ao eixo da barragem. Na compactação de uma área, as passagens sucessivas do rolo
deverão estar separadas por distâncias iguais às existentes entre as filas consecutivas de patas
dos rolos de modo a dar uniformidade à compactação como um todo. Cuidados especiais
deverão ser tomados para que seja garantida uma perfeita ligação entre camadas contíguas.
Hoje, em alguns países, o número de passadas do rolo já vem sendo controlado por GPS e via
satélite. Nesse caso, na cabine onde fica o operador do rolo e no escritório de projeto e acom-
panhamento, existe um visor que informa, por meio de cores, o número de passadas em cada
ponto, e, quando o local já se submeteu ao número de passadas especificado, a área assume a
cor especificada para tal, por exemplo, a cor verde.
A interrupção dos trabalhos de lançamento e compactação por um intervalo de tempo
longo configura a formação de juntas de construção. Para esse período de interrupção, a su-
perfície do aterro compactado deverá ser regularizada, selada convenientemente e lançada,
sobre ela, uma camada de material solto, normalmente de 50 cm de espessura. Esse proce-
dimento é necessário para se evitar ressecamento e trincas do material compactado. Essas
trincas, admitidas quando se usa solos finos lateríticos em pavimentação, são proibitivas no
286 Solos não saturados no contexto geotécnico
caso de barragens de terra por induzirem caminhos preferenciais para o fluxo de água. O teor
de umidade do solo da camada de proteção deverá ser mantido sempre acima do seu valor
ótimo. Por ocasião da retomada dos trabalhos de compactação, toda a camada de proteção
deverá ser removida e, depois, deverá ser feita a remoção de camadas já compactadas ou parte
delas caso se apresentarem ressecadas, fissuradas ou com fendas. Observa-se, portanto, que
o conhecimento do efeito da atuação da capilaridade/sucção na contração do solo assume
grande relevância nos projetos de barragens de terra.
Desníveis entre partes do aterro com mais de 10 (dez) camadas também são consi-
derados como juntas de construção. O talude de junta transversal ao eixo longitudinal do
maciço deverá ter declividade máxima de 1V:2,5H e o talude de junta longitudinal deverá
ter declividade máxima de 1V:2H. A altura do maciço com junta deverá ser determinada
pelo projeto.
Se, durante os trabalhos, anunciarem-se chuvas intensas, deverá ser realizada, rapida-
mente, nos maciços, uma compactação superficial de selagem, com rolo pneumático ou outro
equipamento de rolos lisos. No reinício dos trabalhos, essa camada deverá ser escarificada e
tratada antes da colocação da camada sobrejacente. O tratamento consiste em homogeneizar
a textura do solo e o seu teor de umidade, utilizando-se grades de discos rebocadas por trator
agrícola. Nessa fase, dependendo da finalidade da parte do aterro que está sendo executada,
se o núcleo ou espaldar, e do tipo de solo, se profundamente intemperizado e agregado ou
pouco intemperizado e não agregado, será recomendável verificar se a textura do solo não foi
alterada em relação ao estado natural. Se for um material de espaldar, no qual, geralmente,
o mais relevante é o comportamento mecânico, a degradação estrutural dos solos agregados
será prejudicial em relação ao comportamento previsto em projeto. Se for um material de
núcleo, essa mesma desagregação tenderá a reduzir a permeabilidade, melhorando, portanto,
o seu desempenho para a finalidade prevista. Contudo, tanto nesse caso como no referente
ao uso de material pouco intemperizado, faz-se necessário ampliar a atenção quanto à maior
possibilidade de orientação das partículas de argila.
Durante a execução do aterro, em função de algum tipo de variabilidade que possa ocor-
rer durante a construção, como alteração das características do solo, espessura da camada,
umidade, mudança do equipamento de compactação, essas novas condições deverão ser tes-
tadas pela construção de aterros experimentais. Caso os valores determinados para o grau de
compactação não sejam atingidos, deverão ser adaptados os métodos de execução da com-
pactação, bem como a espessura da camada. Caso se trate de solos agregados ou formando
aglomerações, é sempre relevante que a análise seja feita em termos de porosidade e não,
simplesmente, em termos de grau de compactação, pois, apesar de o grau de compactação
ser pior, a porosidade pode ser menor e a distribuição de poros, melhor. Em outras palavras,
alguns agregados possuem poros internos não conectados que contribuem para o menor grau
de compactação, mas não afetam a porosidade, que condiciona o comportamento hidrome-
cânico, ou seja, os poros entre os agregados. É essa porosidade entre agregados que deve ser
avaliada e verificado se é maior ou menor que a especificada.
No caso de ocorrência de camadas que apresentem superfícies internas de laminação,
elas deverão ser revolvidas. A laminação é função da energia aplicada, da quantidade de água
no solo e das características químico-mineralógicas das partículas, e é prejudicial para o com-
portamento hidromecânico do solo, pois causa a diminuição da resistência ao cisalhamento
Compactação dos solos: laboratório e campo 287
e aumento da permeabilidade nos planos onde ocorre a laminação. Nesses casos, a maioria
das especificações recomendam o tratamento e a recompactação da camada. No entanto, a
recompactação, dependendo do tipo de solo, pode alterar suas propriedades, conforme já
explicitado neste item. O ideal é a retirada das camadas com laminação e a substituição no
material. Devem ser removidas, também, quaisquer camadas que se apresentem onduladas
devido à deformação plástica causada pela passagem dos equipamentos de terraplenagem
sobre os solos com excesso de umidade (borrachudos).
Se a superfície de qualquer camada de aterro, antes do lançamento de uma nova camada,
apresentar-se muito seca, de tal modo que prejudique a aderência com a camada sobrejacente,
a superfície em questão deverá ser irrigada e revolvida adequadamente até uma profundidade
que possa assegurar boas condições de ligação. Ao contrário, se tal superfície apresentar-se
muito úmida, a camada deverá ser revolvida até apresentar umidade adequada à compac-
tação. Qualquer camada que, após ser trabalhada, como exposto anteriormente, ainda não
apresentar condições adequadas, deverá ser removida e substituída.
Para solos das fundações e solos argilosos dos maciços compactados, constatando-se,
após a compactação, que a superfície de uma camada ou área está lisa, ela deverá ser esca-
rificada previamente ao lançamento de uma nova camada. Após a escarificação, deverão ser
feitos o destorroamento, a correção de umidade se necessária e a homogeneização do material
escarificado para a melhor ligação da camada com a sobrejacente.
e) Controle de qualidade
O controle de qualidade da execução de aterros de barragens é realizado utilizando-se
ensaios geotécnicos no campo e no laboratório com os materiais de construção. O controle
visa obter um material compactado homogêneo e com as características especificadas no pro-
jeto executivo. Cada camada individual deverá apresentar homogeneidade quanto ao teor de
umidade e ao grau de compactação, principalmente, entre seu topo e sua base. Assim, deverão
ser verificados, periodicamente, em geral, a cada 10 ensaios de compactação, os gradientes de
compactação ao longo da espessura das camadas. São aceitáveis gradientes médios máximos
de 3% entre topo e base desde que os resultados no topo e na base atendam aos limites de grau
de compactação estabelecidos.
O controle da compactação in situ é feito pelo acompanhamento permanente e pela ins-
peção visual das diversas operações de escavação, lançamento, espalhamento, umidificação,
homogeneização e compactação, e confirmado pelos ensaios executados. Na inspeção visual,
deve-se observar e avaliar:
a) a escarificação, o destorroamento, a correção da umidade e a homogeneização do
solo da superfície da camada compactada, suporte da camada seguinte;
b) a distribuição, nas áreas de trabalho, dos equipamentos de transporte, espalhamento
e compactação, para o controle da uniformidade da compactação;
c) o tipo, a qualidade e as condições de umidade do material lançado;
d) os serviços de remoção de raízes, fragmentos de madeira, detritos e outros materiais
putrescíveis ou inadequados nas áreas de trabalho;
e) gradeamento do material lançado para destorroamento e homogeneização do teor de
umidade;
f) o espalhamento e o controle topográfico rigoroso da espessura de camada de solo a
ser compactada;
288 Solos não saturados no contexto geotécnico
pactadas, conforme descrito anteriormente. Lembrar sempre que a recompactação deve ser
avaliada, pois, dependendo do tipo de solo, essa prática pode alterar suas propriedades e seu
comportamento.
A obtenção da massa específica aparente seca in situ em aterros de barragem, nor-
malmente, é feita pelo método de cravação do cilindro biselado, podendo ser utilizadas
outras metodologias. Os graus de compactação mínimos e máximos aceitáveis dependem
das características do material adotado e dos parâmetros geotécnicos especificados para
a obra. A compactação deve ser a mais uniforme possível, sendo preferível a obtenção de
valores de grau de compactação próximos da média em detrimento de valores elevados.
Os graus de compactação utilizados em algumas barragens no Brasil ficam em torno de
96% para o mínimo, 98% como média, e 102% como máximo, tendo o Proctor Normal
como referência.
Além do controle do grau de compactação e da umidade, rotineiramente, são abertos
poços de inspeção nos maciços, com seção quadrada de 1,5 m de lado, para a análise visual e
tátil de suas paredes e, sempre que houver necessidade, para a extração de amostras indefor-
madas e verificações de juntas de construção e regiões do maciço cujas superfícies ficaram ex-
postas ao tempo por longos períodos. Uma vez desempenhadas essas funções, os poços serão
fechados, compactando-se conforme as determinações da equipe responsável pelo controle
tecnológico de qualidade. Outras inspeções poderão ser determinadas pela equipe responsá-
vel pelo controle tecnológico de qualidade.
5.2 Em pavimentos
longo deste capítulo. Como informações adicionais, podem ser comentados os resultados
publicados pela Lyon Associates (1971), que mostram que os fatores que influenciam as pro-
priedades de compactação dos solos tropicais; especificamente, os solos lateríticos, podem
ser divididos em dois grupos: o primeiro é ligado à gênese dos solos e o segundo se relaciona
aos seus métodos de pré-tratamento antes dos ensaios. Esses fatores são: (a) a textura: o fator
genético é mais importante; (b) a transformação da haloisita hidratada em metahaloisita
devido à secagem ao ar e com maior intensidade em estufas; (c) a localização das amos-
tras no perfil de solo em termos de profundidade; e (d) o atrito dos pedregulhos lateríticos
concrecionados durante a compactação e em função do grau de evolução no processo de
laterização. Para uma dada energia de compactação, é observado, mais para os solos laterí-
ticos finos que para os pedregulhosos, que a secagem resulta sempre em massas específicas
secas aparentes mais elevadas e teores de umidade ótimos mais baixos. Esse comportamento
geralmente ocorre quando os agregados ou as concreções são fragilizados pelo processo de
secagem. No entanto, nos casos em que a secagem promove mais estabilidade às cimenta-
ções, o efeito pode ser o contrário.
Em vários casos, ao não se atingir o grau de compactação desejado, é feita a abertura
e o gradeamento do solo do trecho e a sua recompactação. No entanto, no caso dos solos
lateríticos pedregulhosos, essa prática pode ser nociva em caso de fragilidade dos agregados,
sendo recomendável que se faça, antes, uma averiguação do comportamento do solo no es-
tado em que ele se encontra, pois a recompactação provoca um incremento do teor de finos
por destruição da estrutura do solo sem aumentar, no entanto, a massa específica seca nem
a capacidade de suporte de maneira significativa, por vezes, até piorando o comportamento
mecânico. Outro aspecto diz respeito ao fato de que, ao tornar a matriz do solo mais fina,
também a torna mais sensível ao efeito da sucção.
Os pavimentos permeáveis, por possuírem uma dupla função, a de atender às solicita-
ções e permitir a drenagem da água, apresentam peculiaridades distintas das convencionais.
Existem, nessa categoria de pavimentos, dois tipos: os pavimentos drenantes e os pavimentos
permeáveis propriamente ditos. Os pavimentos drenantes seguem as premissas dos pavimen-
tos flexíveis em geral, e apenas se constituem de uma capa drenante sobre a capa imper-
meável convencional, sendo a água infiltrada conduzida a drenos laterais. Já os pavimentos
permeáveis propriamente ditos, constituídos por blocos intertravados, enquadram-se como
pavimentos semirrígidos ou semiflexíveis e, geralmente, levam a água infiltrada até o subleito,
fazendo com que as análises de comportamento em função das variações de sucção ganhem
maior importância. Camapum de Carvalho et al. (2012) discutem esse tipo de pavimento de
modo mais amplo.
De uma maneira geral, as recomendações básicas para a compactação de solos usados
em pavimentos são, basicamente, as mesmas que foram comentadas ao longo deste capítulo,
em especial, no item relacionado à compactação de aterros. No caso dos pavimentos, existem
parâmetros importantes, como o módulo de resiliência e o índice de suporte Califórnia (ISC
ou CBR). De qualquer modo, várias informações sobre o comportamento dos solos em rela-
ção a esses parâmetros já foram, também, previamente discutidos ou serão tratados em outro
capítulo. O leitor deverá associar essas informações à elaboração do projeto e à execução da
obra.
Compactação dos solos: laboratório e campo 293
6 COMENTÁRIOS FINAIS
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Capítulo 12
Condutividade hidráulica e fluxo em solos
não saturados
1 INTRODUÇÃO
O estudo do fluxo de fluidos através de meios porosos é um tema que permeia diversas
áreas de conhecimento, tais como: engenharias geotécnica e ambiental, ciência do solo, agro-
nomia e hidráulica. Como resultado, verifica-se uma multiplicidade de terminologias para
uma mesma variável e, principalmente, diferenças em relação aos objetivos de estudos e es-
calas de trabalho. A maior parte das obras de engenharia geotécnica envolvem construções
de terra expostas às condições ambientais, e, portanto, necessitam do estudo de fluxo de água
em solos não saturados.
A origem do estudo de fluxo em solos leva à equação empírica, proposta por Darcy
(1856), para fluxo macroscópico de água quase pura pelos vazios intersticiais de solos are-
nosos uniformes, homogêneos, isotrópicos, saturados, não deformáveis e com temperatura
constante. Darcy observou que, além das diferenças entre cargas totais e de geometria do
problema, as propriedades do solo eram representadas por um coeficiente denominado de
coeficiente de permeabilidade ou, simplesmente, permeabilidade ou condutividade hidráu-
lica.
A equação de Darcy foi generalizada para a condição de solo não saturado e a condutivi-
dade hidráulica passou a ser, também, função do teor de umidade ou da sucção (Buckingham,
1907, Richards, 1931). Nós últimos, anos tem-se utilizado o termo condutividade hidráulica
para se referir à permeabilidade do solo em uma condição não saturada e o termo coeficiente
de permeabilidade para se referir à condição saturada, e essa terminologia será adotada neste
capítulo.
Neste capítulo, discute-se a lei de Darcy aplicada a solos não saturados, a função de
condutividade hidráulica, os métodos diretos e indiretos de determinação dessa função para
diferentes solos e a equação geral de fluxo de água em estado líquido em solos não saturados.
Finalmente, discute-se a influência da natureza do fluido intersticial nos valores obtidos de
permeabilidade do solo e apresenta o conceito de permeabilidade relativa, utilizado em siste-
mas multifásicos, em que, pelo menos, dois líquidos não miscíveis estão presentes nos vazios
do solo.
298 Solos não saturados no contexto geotécnico
2 LEI DE DARCY
Em 1856, examinando o fluxo de água por meio de filtros verticais de areia, Darcy con-
cluiu que a vazão (Q) é proporcional à área transversal do filtro (A) e à diferença entre as
cargas totais nas extremidades (∆h=h1-h2) e inversamente proporcional ao seu comprimento
(L). O coeficiente de proporcionalidade (k), conhecido como coeficiente de permeabilidade
ou condutividade hidráulica, denota a facilidade do fluido de percolar pelos vazios do solo
saturado. Já o quociente (∆h/L) é denominado gradiente hidráulico (i); ou melhor:
Q = ksat ∙ i ∙ A (1)
ou
v = ksat ∙ i (2)
ou
A Lei de Darcy se aplica somente a situações em que o fluxo é laminar. Solos siltosos
e argilosos, em geral, apresentam fluxos laminares. Solos arenosos grossos e pedregulhosos
podem apresentar velocidades de fluxo elevadas, acarretando em fluxos turbulentos.
Um critério quantitativo para se avaliar o regime de fluxo é o número de Reynolds (Re):
dvρ
Re =
μ (7)
A Equação de Darcy foi generalizada para o solo não saturado, considerando a condu-
tividade hidráulica como uma função da umidade volumétrica ou da poropressão do solo
(Buckingham, 1907; Richards, 1931). Buckingham (1907), com base na teoria dos fluxos de
calor e elétrico, teorizou uma equação para o fluxo da água em meios porosos não saturados,
que ficou muito semelhante à Equação de Darcy, introduzindo uma relação funcional entre
condutividade hidráulica e conteúdo de água no solo e, igualmente, entre o potencial mátrico
e conteúdo de água no solo. Tal equação é conhecida como Equação de Buckingham-Darcy e
pode ser expressa como:
∂hw
vx = – kx (9)
∂x
∂hw
vy = – ky (10)
∂y
∂hw
vz = – kz (11)
∂z
onde vi é o fluxo de água ou velocidade de percolação (L/T); kw é a condutividade hidráulica
não saturada (L/T), função da sucção mátrica (hm) ou teor de umidade volumétrica e hw a
carga hidráulica total (L)
Condutividade hidráulica e fluxo em solos não saturados 301
θ = nS (13)
(a) (b)
Figura 2 – Correlação entre as (a) curvas de retenção e (b) condutividade hidráulica para uma areia e
um silte argiloso (modificado de Fredlund et al., 1997).
A determinação da condutividade hidráulica saturada e não saturada pode ser feita ex-
perimentalmente por meio de ensaios de campo ou de laboratório ou de métodos indire-
tos. Os métodos experimentais podem ser divididos em dois grupos: métodos permanentes
e métodos transientes. Nos métodos permanentes ou estacionários, a quantidade de fluxo é
independente do tempo e, nos métodos transientes, a quantidade de fluxo é dependente do
tempo. Geralmente, os métodos permanentes para a determinação da função de condutivi-
dade hidráulica são semelhantes aos métodos usados para determinação do coeficiente de
permeabilidade em solo saturado. Os ensaios consistem na aplicação de fluxo ou gradiente
hidráulico constante ao solo. No caso de fluxo constante, a taxa de fluxo é controlada em vez
de medida, e mede-se a sucção. No caso de gradiente hidráulico constante, mede-se a taxa de
fluxo, para, então, determinar-se a condutividade hidráulica não saturada pela Lei de Darcy.
Condutividade hidráulica e fluxo em solos não saturados 303
O modelo da Figura 3 exemplifica a determinação experimental onde o fluxo se desen-
volve por uma diferença entre as sucções aplicadas nos extremos da amostra. A condutividade
hidráulica e o teor de umidade variam ao longo da amostra; ambos decrescem com o nível de
sucção (Hillel, 1971).
Figura 4 – Vazão vs gradiente hidráulico para diferentes valores de sucção média na amostra
304 Solos não saturados no contexto geotécnico
Nos ensaios em amostras verticais, o fluxo pode ser gerado pela imposição de pressões
constantes nas extremidades (Richards e Wilson, 1936; Richards e Moore, 1952; Elrick e Bo-
wman, 1964; Laliberte e Corey, 1967) ou pela aplicação de uma vazão constante na extremi-
dade superior (Childs e Collis-George, 1950; Childs, 1969). Os métodos de carga constante
apresentam a desvantagem de necessitarem de tempos elevados para o estabelecimento do
regime permanente.
Vários métodos com aplicação de fluxo constante que utilizam a técnica da bomba de
fluxo têm sido desenvolvidos para determinar a condutividade hidráulica de solos satura-
dos e não saturados em laboratório (Olsen et al., 1985, Aiban e Znidarcic 1989, Znidarcic
Condutividade hidráulica e fluxo em solos não saturados 305
et al., 1991, Bicalho et al., 2000). O uso da bomba de fluxo, além de ser mais rápido e ter
maior precisão que os métodos convencionais de medição de variação de volume, permite
a continuidade do fluxo permanente e o uso no modo de entrada ou saída de fluxo (Aiban
e Znidarcic, 1989).
a alto
Perfil instantâneo Determina a curva de estado de tensões e
Inicial
retenção SWRC da massa da amostra
(equipamento)
Demorado
Simplicidade Não tem controle do Custo moderado
Térmico
Mede baixos valores de S estado de tensões (instrumentação)
Requer a SWRC
Figura 5 – Esquema do ensaio de perfil instantâneo com sistemas de medição de umidade e/ou sucção
posicionados em várias profundidades (modificado de Hurtado et al., 2005)
Outro método de campo muito utilizado é o Permeâmetro Guelph. O método foi desen-
volvido por Reynold et al. (1983) e, posteriormente, aperfeiçoado na Universidade de Guelph,
Canadá (Reynolds e Elrick, 1985; Reynolds e Elrick,1986; Elrick et al., 1989). A metodologia
consiste na realização de ensaio de carga constante executado em furo de sondagem. São
impostos pequenos valores de carga total e, após duas medições consecutivas de vazão, esta-
belece-se a relação entre a condutividade hidráulica e sucção. O ensaio baseia-se na solução
da equação de fluxo em regime permanente, admitindo como válida a relação entre conduti-
vidade hidráulica e sucção, proposta por Gardner (1958), dada por:
k = ksat eωψ (15)
onde α é uma constante (0 < α < ∞) e ksat é o valor da condutividade hidráulica saturada.
Assume-se que o meio é homogêneo, isotrópico e semi-infinito.
Gardner æ y ö
n
a e n = parâmetros de ajuste
(1958) 1 + aç ÷ ρw = densidade da água
çr g÷
è w ø g = aceleração gravitacional
ì
h
æy ö ψb = sucção de entrada de ar
Brooks e Corey ïïk (y ) = k ç b ÷ ® y > y
sat ç ÷
í è y ø
b
ψ = sucção
(1968) ïk (y ) = k ® y £ y
îï sat b
n = parâmetro de ajuste
k
Arbhabhirama k= sat
n' ψ = Sucção
e Kridakorn æyö ψb = Sucção de entrada de ar
ç ÷ +1
(1968) çy ÷ n'= Parâmetro de ajuste
è bø
θs = teor de umidade volumétrica
Davidson et al.
k = k sat e[b (q -sq )] saturada.
(1969)
β = parâmetro de ajuste
θs = teor de umidade volumétrica
2 b+3
æqö
Campbell k=k ç ÷
sat ç
saturada.
(1974) q ÷
è sø b = parâmetro de ajuste
Mualem (1976) K =
[1 - (ay) (1+ (ay ) ) ]
mn n -m
2
Krel = k/ksat
® y > 0 m, n e α = parâmetros de ajustes
[1 + (ay ) ]
m
rel n
ψ = sucção
2
2
æ q dq ö Krel = k/ksat
Mualem e ç ò 1+ b ÷
0 y
k rel = S ex ç qs ÷ θ = teor de umidade volumétrico
Dagan ç dq ÷ ψ = Sucção.
(1978) ç ò0 1+ b ÷
è y ø b = fator de tortuosidade
é ù
m 2
θr e θs = teor de umidade volumé-
k (S ) = k S l ê1 - æç1 - S m ö÷ ú
1
Vários modelos estatísticos têm sido propostos para descrever a função de condutivida-
de hidráulica de solos não saturados (Burdine, 1953; Mualem, 1976; Fredlund et al., 1994). A
maioria dos modelos estatísticos são baseados na curva de retenção principal de drenagem;
assim, esses modelos são válidos apenas para essa curva de retenção. Para valores elevados de
grau de saturação na curva de retenção de umedecimento, o ar presente nos vazios do solo se
torna descontínuo e a pressão do ar presente nos vazios fica diferente da pressão atmosférica.
Nesse caso, esses modelos estatísticos não podem ser utilizados para definir a função de con-
dutividade hidráulica de um solo com a fase gasosa descontínua (Bicalho, 1999).
A maior limitação dos métodos indiretos é extrapolar valores de parâmetros para inter-
valos diferentes dos valores medidos. Hillel (1971) afirma que a condutividade hidráulica é
mais bem obtida a partir de medidas diretas (experimentais) devido às limitações dos méto-
dos indiretos. McCartney e Parks (2009) mencionam que o uso de modelos preditivos para a
estimativa da função de condutividade hidráulica pode levar a erros de uma a quatro ordens
de magnitude, com as maiores discrepâncias ocorrendo para menores valores de umidade.
Assim, recomenda-se cautela no uso de métodos indiretos, que podem ser uma opção com-
plementar aos resultados experimentais obtidos por métodos diretos.
Vários pesquisadores têm usado a solução inversa do problema para determinar a
função de condutividade hidráulica a partir de medições de dados de entrada e saída e
valores de pressão e umidade obtidas a partir de ensaios de infiltração e evaporação (Za-
chman et al., 1981, 1982; Dane e Hruska, 1983; Kool et al., 1985; Abu-Hejleh et al., 1993;
Wildenschild et al., 1997; Abdallah, 1999; Bicalho, 1999; Hwang, 2002; Bicalho et al., 2003;
Znidarcic et al., 2004). Nesse método, os dados experimentais são vistos como a solução do
problema de valor inicial em que a equação governante de fluxo e as condições iniciais e de
contorno são conhecidas, mas as funções constitutivas e os parâmetros são desconhecidos.
A dedução da equação geral que descreve o fluxo de água líquida em solos não saturados é
apresentada a seguir.
O fluxo de entrada (Qentra) e saída (Qsai) de massa de água (kg/s) do elemento de solo será
expresso pelas seguintes equações (Lu e Likos, 2004):
onde:
Qentra fluxo de massa de água que entra no elemento de solo (kg/s)
ρw densidade da água (kg/m3)
vx velocidade de entrada da água na direção x (L/T)
vy velocidade de entrada da água na direção y (L/T)
vz velocidade da entrada da água na direção z (L/T)
Δx elemento infinitesimal na direção x (L)
Δy elemento infinitesimal na direção y (L)
Δz elemento infinitesimal na direção z (L)
Ao sair do elemento infinitesimal, a velocidade de entrada de água (vx, vy, vz) será alte-
rada; assim, tem-se que:
y
z
z
z (17)
onde:
qsai fluxo de massa de água que sai no elemento de solo (kg/s)
∂vx Δx variação na velocidade de saída da água na direção x (L/T)
∂x
∂vy Δy variação na velocidade de saída da água na direção y (L/T)
∂y
∂vz Δz variação na velocidade de saída da água na direção z (L/T)
∂z
312 Solos não saturados no contexto geotécnico
Por outro lado, a taxa na qual a massa de água é armazenada no elemento de solo, des-
prezando-se eventuais variações de volume por umedecimento ou secagem, é expressa por:
∂Mw = ρ ∂θ Δz Δx Δy
w (18)
∂t ∂t
onde:
Mw massa de água (kg)
ρw densidade da água (kg/m3)
θ umidade volumétrica (θ =Vw / V)
VW volume de água (m3)
V volume do elemento de solo (m3) (= Δz Δx Δy)
Pelo princípio de conservação de massa, a água armazenada no solo, expressa pela Equa-
ção 18, deve ser igual ao fluxo líquido no elemento de solo (Qentra – Qsai), conduzindo à seguin-
te expressão:
– ρw ( ∂v∂xx
+
∂vy
∂y
∂v
+ z
∂z ( Δz Δx Δy = ρ
w
∂(θ) Δz Δx Δy
∂t
(20)
– ( ∂v∂x
x
+
∂vy
∂y
∂v
+ z
∂z ( = ∂(θ)
∂t
(21)
onde:
∂(θ)
taxa de variação da umidade volumétrica com o tempo
∂t
∂vx
taxa de variação na velocidade de saída da água na direção x
∂x
∂vy
taxa de variação na velocidade de saída da água na direção y
∂y
∂vz
taxa de variação na velocidade de saída da água na direção z
∂z
∂
∂x [k ∂x∂h [+ ∂y∂ [k ∂y∂h [+ ∂z∂ [k ∂z∂h [= – ∂(θ)
x y ∂t
z
(22)
O fluxo de vapor de água no solo não saturado pode ser descrito utilizando-se a Lei de
Fick (De Vries, 1987), tal que:
∂hv
vvx= – Dvx (25)
∂x
∂hv
vvy= – Dvy (26)
∂y
∂hv
vvz= – Dvz (27)
∂z
onde:
vv fluxo de vapor de água (kg/(m2.s))
Pv pressão parcial de vapor de água (kPa)
Dv difusividade do vapor no solo (kg.m/(kN.s))
314 Solos não saturados no contexto geotécnico
onde:
Pv pressão parcial de vapor de água (kPa)
Dv difusividade do vapor no solo (kg.m/(kN.s))
∂(θ)
taxa de variação da umidade volumétrica com o tempo
∂t
Figura 8 – Variação da espessura da camada dupla em função do fluido intersticial e seus efeitos
na disponibilidade de poros para a ocorrência de fluxo
Além disso, pelo exposto acima, dado aos valores de constante dielétrica próximos entre
a maioria dos líquidos orgânicos e o ar (Tabela 5), a entrada de um fluido orgânico em um
solo inicialmente saturado com água produz um efeito semelhante ao da secagem ao ar dos
solos no tocante às suas características mecânicas. Assim, dependendo do caráter argiloso do
solo, poderão aparecer trincas de tração e a resistência ao cisalhamento do solo aumentará. As
mudanças estruturais decorrentes dessa secagem ao óleo do solo são apontadas, por diversos
autores, como um dos principais fatores para o aumento da permeabilidade dos solos argi-
losos aos fluidos orgânicos (Anderson, 1981; Budhu et al., 1991; Gilligan e Clemence, 1984).
Trabalhos experimentais relatando as diferenças entre os valores de permeabilidade a fluidos
orgânicos e à água podem ser encontrados em Anderson (1981), Anderson et al. (1982), Bro-
wn e Anderson (1983), Mitchell e Madsen, (1987).
316 Solos não saturados no contexto geotécnico
Dessa forma, pode-se dizer que, para os meios argilosos, o coeficiente de permeabilidade
absoluta ou intrínseca depende tanto das propriedades do solo quanto da afinidade elétrica
entre as partículas sólidas e o fluido percolante. Essa afinidade, por sua vez, aumenta com a
constante dielétrica e tensão superficial do fluido percolante e com a superfície específica das
partículas sólidas. Esses fenômenos de superfície não foram levados em consideração quando
da definição do conceito de permeabilidade absoluta por Nutting (1934), pois ele deduziu sua
equação para meios porosos granulares, para os quais a influência da polaridade dos fluidos
pode ser negligenciada. Desse modo, a Equação (8) deve ter o seu uso restrito a solos granu-
lares ou ao caso em que os fluidos permeantes tenham interação similar com o solo (valores
aproximadamente iguais de constante dielétrica).
A Figura 9 ilustra o efeito da constante dielétrica do fluido no seu coeficiente de per-
meabilidade. Nessa figura, apresentada originalmente por Cardoso (2011), os triângulos ver-
melhos são os dados experimentais de permeabilidade para diferentes tipos de solo e a reta
de cor azul representa os valores de permeabilidade, obtidos a partir da Equação (8), tendo a
água como fluido de referência. Nessa figura, além da água, o diesel foi utilizado como fluido
percolante. De uma forma geral, o erro cometido no uso da Equação (8) para a estimativa
dos valores de permeabilidade ao diesel aumenta com o conteúdo de argila e com o índice de
plasticidade do solo. Assim, esses erros foram maiores para as amostras de solo de Massapê
(cerca de 10.000 vezes). Para o caso das areias, a Equação (8) pode ser utilizada sem proble-
mas. A Tabela 6 apresenta os resultados de caracterização geotécnica dos solos apresentados
na Figura 9.
7 PERMEABILIDADE RELATIVA
Quando se tratam de sistemas multifásicos, em que, pelo menos, dois líquidos não mis-
cíveis estão presentes nos vazios do solo, a permeabilidade relativa é o parâmetro mais uti-
lizado para descrever o fluxo simultâneo dos fluidos presentes no meio poroso. Costuma-se
empregar a abreviação inglesa NAPL (non aqueous phase liquid) para a denominação das
fases aquosas não miscíveis presentes no solo. A permeabilidade relativa (Kr) é uma grandeza
adimensional, definida como sendo a razão entre a permeabilidade efetiva Ki [L2], corres-
pondente a um dado grau de saturação, e uma permeabilidade base, como a permeabilidade
intrínseca do solo, obtida com todos os vazios do solo preenchidos com o fluido de interesse
(ver Equação (29)).
dx
k=v (29)
dψ
onde α corresponde à fase de interesse (água, ar ou fase não miscível).
a promoção do fluxo. Outra questão a se observar é que, para Srα = 1, Krα = 1, ou seja, a per-
meabilidade efetiva se torna igual à permeabilidade intrínseca.
A água é, normalmente, considerada o fluido mais molhante do sistema ar – NAPL –
água, ou seja, a água é considerada como o fluido que tem preferência para se espalhar sobre
as partículas sólidas do solo (ver conceito de molhabilidade no capítulo de potenciais da água
no solo). O NAPL possui, geralmente, molhabilidade intermediária, sendo o ar o fluido me-
nos molhante. Isso quer dizer que, em um solo inicialmente com óleo, a tendência é que a
água desloque os meniscos de óleo, causando o seu movimento no meio poroso. Isso, aliás, é
o princípio de funcionamento da técnica de lavagem do solo (soil flushing), sendo que, nesses
casos, são utilizados, também, tensoativos para facilitar a expulsão da fase residual não mis-
cível. Essa ordem de molhabilidade pode, contudo, apresentar-se distinta na natureza. Para
o caso de solos com grande quantidade de matéria orgânica, o NAPL pode se tornar o fluido
mais molhante, passando a expulsar a água dos vazios do solo.
Segundo Sousa (2012) e Delshad e Pope (1989), a literatura apresenta um número li-
mitado de dados experimentais para a permeabilidade relativa trifásica, além disso, devido
às dificuldades de execução dos experimentos e a ocorrência de erros experimentais, a acu-
rácia desses resultados pode ser motivo de questionamento. Devido a essa escassez de dados
experimentais, alguns estudiosos têm utilizado modelos teóricos para a previsão da perme-
abilidade relativa em sistemas trifásicos. A maioria dos modelos teóricos propostos utilizam
dados de permeabilidade relativa para sistemas bifásicos (óleo-água ou óleo-gás) ou dados de
pressão capilar para estimar a permeabilidade relativa ao óleo na presença de água e gás. Con-
forme apresentado em Delshad e Pope (1989), o modelo proposto por Pope é descrito por:
(30)
onde:
(31)
(32)
(33)
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Capítulo 13
Interação solo-planta-atmosfera e o papel
dos solos não saturados
1 INTRODUÇÃO
dos, abordado neste volume. Para tanto, optou-se por adotar a estrutura proposta por Wilson
(1990), segundo a qual o movimento da água no sistema solo-planta-atmosfera pode ser visto
como um sistema composto por 3 fases: pela interface solo-atmosfera, pela zona não saturada
próxima à superfície e pela zona saturada, mais profunda, no qual destacam-se três fatores
dominantes. O primeiro deles é o suprimento ou a demanda de água impostos pela atmosfera
na interface solo-atmosfera através da precipitação, infiltração de água de chuva ou evapo-
transpiração. O segundo fator refere-se à capacidade do solo de transmitir água, levando-se
em conta as propriedades do solo e a influência do lençol freático como uma segunda fonte de
suprimento de água no solo. O último fator está relacionado à influência da vegetação. O tipo
e densidade da vegetação afetam a evapotranspiração por meio do consumo de água pelas
raízes das plantas, por sua influência nas taxas de escoamento superficial e pela retenção de
água na superfície do terreno. Como será visto nos itens a seguir, esses fatores não funcionam
como variáveis independentes, mas como um sistema fortemente acoplado (ver, por exemplo,
Hillel, 1998).
O ciclo hidrológico compreende a troca constante de água nos seus vários estados (só-
lido, líquido e gasoso) entre a superfície terrestre e a atmosfera (Figura 1). A água atinge
a superfície terrestre por meio da precipitação (que pode ser sob a forma de chuva, neve,
orvalho, geada, etc.) e deixa a superfície terrestre por processos de vaporização da água, os
quais consistem da evaporação da água líquida a partir de rios, lagos, oceanos, solos e copas
das árvores e também da transpiração da água pelas plantas. À associação dos fenômenos de
evaporação e transpiração dá-se o nome de evapotranspiração. A evapotranspiração é um
processo hidrológico extremamente importante, pois transforma em vapor d’água uma par-
cela expressiva (da ordem de 60% segundo Oki e Kanae, 2006) da chuva que incide sobre a
superfície do terreno. A água evaporada irá se condensar ou solidificar na atmosfera, dando
origem à precipitação e mantendo o ciclo hidrológico em funcionamento. Além desses, fazem
parte do ciclo hidrológico a alimentação de corpos hídricos superficiais (rios, lagos e oceanos)
e subterrâneos (aquíferos).
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados 329
I – O = ΔS (1)
onde:
I – fluxos positivos (entrada de água)
O – fluxos negativos (saída de água)
ΔS – variação no armazenamento
Rn = S↓ (1 – α) + L↑ + L↓ (3)
= G + H + λE + F
Figura 3 – Fluxos na superfície do solo ao longo do tempo: a) taxa de infiltração; e b) taxa de evaporação
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados 333
Existem várias teorias para o cálculo da quantidade de água infiltrada. Dois dos princi-
pais enfoques disponíveis se dão pelas equações empíricas ou por meio de equações de base
física, que envolvem a teoria do fluxo de água em meios saturados/não saturados. As equações
empíricas mais comuns são aquelas propostas por Kostiakov (1932) e Horton (1933). A equa-
ção proposta por Kostiakov (1932) estabelece a relação entre a taxa de infiltração e o tempo
usando a seguinte equação:
I = I0t –α (4)
onde: I é a taxa de infiltração; I0 é a taxa de infiltração inicial; e α é uma constante empírica
determinada experimentalmente para o local de interesse.
Horton (1933) propôs uma equação empírica popular, baseada em três parâmetros:
I = fc + (f0 – fc) e –βt (5)
onde: fc é a capacidade de infiltração; f0 é a taxa de infiltração máxima; e β é a taxa de decrés-
cimo da taxa de infiltração.
A Equação (4) e a Equação (5) tentam reproduzir a forma e os aspectos identificados
na curva de infiltração. O modelo de Green e Ampt (1911), largamente usado nos mode-
los hidrológicos e nos modelos de interação solo-planta-atmosfera, incorpora alguma física
do processo nas equações de taxa de infiltração. Ele baseia-se na lei de Darcy e considera a
infiltração em um reservatório profundo e homogêneo, com uma distribuição inicial e ho-
mogênea de umidade. Uma fonte de umedecimento bem definida é admitida, estando o solo
saturado além da frente de umedecimento. O modelo de Green e Ampt baseia-se na seguinte
solução analítica:
w
(n – θi) Sf
I = Ksat 1+ (6)
D
onde: Ksatw é a permeabilidade do solo saturado ao fluxo de água; n é a porosidade; θi é o teor de
umidade volumétrico inicial; Sf sucção do solo na frente de umedecimento; e D é a superfície
infiltrada acumulada.
Além das equações apresentadas, a infiltração também pode ser computada de forma
mais rigorosa por meio da modelagem do fluxo interno de água no solo associado às condi-
ções de contorno, que, nesse caso, representam as condições de drenagem e precipitação. De
fato, tanto a precipitação quanto a evaporação podem ser tratadas como condições de con-
torno para as equações diferenciais de fluxo de água em meio não saturado, apresentadas no
item 1.2.3 do presente capítulo.
de vapor, etc.). A água pode evaporar a partir de uma variedade de superfícies, tais como
lagos, rios, solos e vegetação úmida. No entanto, três condições são necessárias para que o
processo de evaporação ocorra (ver, por exemplo, Penman, 1948; Hillel, 1998, entre vários
outros), quais sejam: i) um contínuo suprimento de energia; ii) gradiente de umidade entre
a superfície evaporativa e a superfície adjacente a ela; iii) suprimento de água para e pela su-
perfície evaporativa.
O fornecimento de energia para a ocorrência da evaporação é dado, principalmente,
pela radiação solar e, em menor extensão, pelo aumento de temperatura de superfície. O gra-
diente de pressão da umidade relativa do ar entre a superfície evaporativa e a superfície ad-
jacente a ela é determinado pelas pressões parciais de vapor correspondentes. Se o vapor de
água no ar não é removido e uma fonte de energia mantém a energia cinética das moléculas
de água líquida suficientemente grande, a evaporação irá ocorrer até que a pressão de vapor
do ar adjacente atinja um valor igual à pressão de vapor da superfície evaporativa. A pressão
de vapor é uma medida da concentração de vapor de água presente na atmosfera. Na natureza,
o ar saturado sobre a superfície evaporativa tende a ser substituído por um ar seco pela ação
do vento, mantendo o processo. Dessa forma, as variáveis meteorológicas que potencialmente
interferem no processo evaporativo são radiação solar, temperatura do ar, umidade do ar, gra-
diente de pressão de vapor e velocidade do vento. Por vezes, essas variáveis são generalizadas
sob o termo “demanda atmosférica”.
Por fim, a terceira condição necessária para que a evaporação ocorra depende, essen-
cialmente, da superfície evaporativa. No caso de uma superfície de água livre, o suprimento
de água está relacionado à depleção do corpo hídrico, principalmente, no que se refere à sua
área superficial, que está diretamente submetida às demandas atmosféricas. A evaporação que
ocorre a partir de uma superfície de água livre é denominada evaporação potencial, visto que
se trata do maior valor que pode ocorrer para um dado conjunto de condições atmosféricas.
Por outro lado, se a evaporação ocorre a partir da uma superfície de solo, o suprimento de
água é controlado pelas condições de subsuperfície, tais como tipo de solo, teor de umidade e
água subterrânea. Nesse caso, o processo é denominado evaporação real, ou seja, evaporação
que, de fato, ocorre a partir da existência de água em quantidade suficiente para atingir as
demandas atmosféricas.
A taxa de evaporação pode ser determinada a partir de medidas in situ. Porém, como
será visto no item 1.3.3, tratam-se de medidas pontuais feitas em regiões específicas. Essas
medidas, apesar de se consistirem na chamada “verdade de campo”, em geral, não atendem
aos objetivos de estudo regionais, nos quais a superfície evaporativa fica submetida a diferen-
tes condições ambientais (variações climáticas, influência do lençol freático, etc.). Ainda, as
determinações in situ não permitem que se façam projeções de mudanças de comportamento
de uma dada região em função das mudanças nas condições ambientais, como, por exemplo,
no caso das mudanças climáticas ou das mudanças no uso e ocupação da terra. Assim, formu-
lações matemáticas para a determinação da evaporação e das interações que ocorrem ao lon-
go do sistema solo-planta-atmosfera têm recebido mais destaque pela comunidade científica
do que os métodos de determinação in situ.
De acordo com o princípio segundo o qual essas formulações foram desenvolvidas, os
métodos para a determinação da evaporação podem ser classificados em empíricos, semiem-
píricos e de base física. A maioria das formulações para a determinação da evaporação foi de-
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados 335
senvolvida para as superfícies de água livre e tem pouca aplicabilidade para superfícies de solo
úmidas. No entanto, esses métodos servem como referência para a evaporação das superfícies
de solo. As principais abordagens para a estimativa da evaporação e da evapotranspiração
podem ser classificadas em: (i) equações aerodinâmicas; (ii) equações do balanço de energia; e
(iii) métodos combinados, envolvendo o uso de ambos os enfoques. Wilson (1990) e Gitirana
Jr. (2005) apresentam um bom sumário dos principais métodos.
Dentre as formulações para a determinação da evaporação potencial, a equação pro-
posta por Penman (1948) é uma das mais populares. Penman (1948) combinou o método do
balanço de energia (radiação disponível) com o método de transferência de massa (transporte
turbulento de vapor da superfície evaporativa para a atmosfera – vento) para computar a
evaporação a partir de uma superfície de água livre, um solo na condição saturada ou uma
gramínea. Como resultado, a formulação requer somente dados de rotina, obtidos em uma
estação meteorológica, mas incorpora a influência de muitos fatores importantes, tais como a
umidade relativa do ar, a temperatura do ar, a radiação solar e a velocidade do vento, confor-
me observado na equação a seguir:
ΔRn + γEa
E0 = (7)
Δ+γ
onde Δ é a declividade da curva de pressão de saturação de vapor à temperatura média de
bulbo úmido; Rn é a radiação solar líquida sobre a superfície de água livre; γ é a constante
psicrométrica; Ea = f (u) (es – ea) é uma função empírica da velocidade do vento; es é a pressão
de vapor na superfície evaporativa; e ea é a pressão de vapor no ar acima da superfície eva-
porativa. A diferença de pressões ( es – ea) representa o déficit de umidade do ar, que é a força
motriz do processo evaporativo.
Apesar de ter sido extensivamente utilizada nos estudos de evaporação, a Equação de
Penman tende a superestimar a taxa de evaporação para baixas velocidades do vento e con-
dições úmidas e superestima a evaporação para condições mais ventiladas e mais úmidas
(Linsley et al., 1958). Porém, uma das limitações mais sérias dessa formulação deve-se ao fato
dela considerar apenas superfícies de água livre. A despeito das limitações, essa equação re-
presentou um avanço nos métodos de determinação da evaporação, transformando-se em um
importante ponto de partida para as formulações posteriores, que consideram a limitação da
água no solo e as resistências oferecidas pela vegetação ao fluxo de água, tratadas com maior
detalhe nos itens a seguir. A grande aceitação do método deve-se, em parte, pelos resultados
satisfatórios e, em parte, por requerer apenas dados facilmente obtidos de estações meteoro-
lógicas convencionais.
onde: β1w = m1w / m1s d ; dεv é a deformação volumétrica específica; e β2w = m2w – m1wm2s /m1s.
É importante observar que essa expressão permite a representação de uma transição
contínua entre a condição saturada e a condição não saturada, contanto que coeficientes cons-
titutivos apropriados sejam empregados. Conforme o solo se aproxime da saturação, tem-se
m1s = m2s = m1w = m2w.
338 Solos não saturados no contexto geotécnico
A lei que rege o fluxo da água em meio saturado foi estabelecida por Darcy (1856) a par-
tir da observação de que o fluxo da água em meio poroso saturado é diretamente proporcional
ao gradiente hidráulico (dh/dy) e ao coeficiente de condutividade hidráulica (K). A equação
de Darcy é expressa matematicamente por:
h
V=k (10)
y
onde: V é a taxa de fluxo de volume de água por unidade de área total; K é a permeabilidade,
função da umidade volumétrica; h = uw/γw + y é a carga hidráulica; e y é a elevação.
O gradiente hidráulico é dado pela diferença de carga hidráulica entre dois pontos. A
permeabilidade do solo é uma constante que exprime o potencial do meio poroso de deixar a
água fluir. Para solos saturados, essa capacidade é uma propriedade que depende, em grande
parte, da estrutura e da textura do solo, sendo maior em solos porosos e bem estruturados. A
equação de Darcy também representa o movimento da água no solo não saturado, mas tanto
a carga hidráulica quanto a permeabilidade são uma função da umidade do solo. Buckingham
(1907) teorizou uma equação para o fluxo de água em meios porosos não saturados, que
ficou semelhante à Equação de Darcy, introduzindo uma relação funcional entre condutivi-
dade hidráulica e conteúdo de água no solo. Tal equação foi denominada Equação de Darcy-
-Buckingham.
O fato de que tanto a sucção mátrica quanto a permeabilidade não saturada são altamen-
te dependentes do teor de umidade representa um grande desafio para as determinações in
situ dessas variáveis e para obtenção da solução matemática. A determinação in situ esbarra
na dificuldade de se conseguir captar e representar a grande variabilidade espacial e temporal
dos tipos de solo e respectivas capacidade de armazenamento e retenção de água. Do ponto
de vista da resolução numérica, uma série de expressões matemáticas foi desenvolvida para
relacioná-las ao teor de umidade ou à sucção. As expressões mais comumente utilizadas estão
apresentadas nos Capítulos 9 e 12 do presente volume. Essas são as equações normalmente
implementadas nos modelos hidrológicos ou SVAT para consideração do fluxo de água líqui-
da em meio não saturado.
Nesse caso, o efeito da sucção osmótica foi desprezado e a poropressão de ar foi consi-
derada nula, fazendo com que ψ = −uw . Substituindo-se o gradiente de pressão parcial de
vapor na equação de fluxo de vapor, obtém-se a seguinte equação:
kvd ∂uw kvd uw ∂T
vyv = vyvd + vyva = – = = (14)
yw ∂y yw (T + 273.15) ∂y
onde:
Wv pv Dv✳
kvd = γw (15)
ρwR (T + 273.15) ρw
um método para previsão da condutividade térmica do solo. Já o fluxo de calor por convec-
ção pode ser obtido multiplicando-se o calor latente de vaporização/condensação, que é uma
constante, pela quantidade de fluxo de vapor.
(17)
(18)
O efeito das tensões totais líquidas foi desprezado, como é usual. Dessa forma, o balanço
de água no solo função da poropressão de água e da temperatura.
A solução de um sistema de equações semelhante a esse foi, inicialmente, apresentada
por Wilson (1990) e Wilson et al. (1994). Posteriormente, foi desenvolvido um modelo de
elementos finitos, que deu origem ao modelo denominado SoilCover.
3.6 Modelagem acoplada do fluxo de água líquida, calor e vapor no solo – o modelo
de Wilson (1990)
Para algumas aplicações, a modelagem do fluxo de água líquida que se processa entre
a camada não saturada do solo e a superfície atmosférica ou entre a camada não saturada e
a camada saturada é suficiente para o propósito que se deseja. Esse é caso, por exemplo, do
cálculo da evapotranspiração para efeitos de estimativas de irrigação ou para efeito de ba-
lanço hídrico em bacias hidrográficas. No entanto, algumas aplicações demandam um maior
rigor no cálculo dos fluxos, visto que a umidade resultante no solo é um aspecto de suma
importância. Esse é o caso, por exemplo, das coberturas de solo para fins de minimização da
drenagem ácida de minas. As coberturas evapotranspirativas construídas com o princípio de
funcionamento de uma barreira capilar destinam-se a limitar tanto a entrada de água para o
sistema, por infiltração, quanto a sua saída, por evaporação. Além disso, sua função principal
é manter um teor de umidade na barreira capilar suficientemente alto para que não ocorra
o fluxo de oxigênio para o interior do sistema, evitando, assim, a ocorrência do processo de
geração de acidez. Nesse caso, perdas de umidade por meio do fluxo de calor e de vapor no
interior entre a superfície e a barreira capilar não são desejáveis, visto que poderiam inter-
ferir na sua eficiência.
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados 341
Muitos modelos de fluxo de calor e umidade podem ser encontrados na literatura, con-
forme já foi citado. O modelo de Wilson (1990) foi desenvolvido, especificamente, para a
aplicação em coberturas de aterros de resíduos geradores de acidez. Trata-se de um modelo
acoplado para simulação dos fluxos de água, calor e vapor entre a superfície terrestre e a
atmosfera, o qual se baseia na Lei de Darcy (e Equação de Richards) para o fluxo de água
líquida, na Lei de Fick para o fluxo de vapor d’água e na Lei de Fourier para o fluxo de calor.
Com base na equação de Penman (1948), Wilson (1990) propôs uma formulação para
a determinação da evaporação, levando em conta o forte acoplamento existente entre fluxo
de água líquida, vapor d’agua e calor na interface solo-atmosfera e a limitação que o teor de
umidade do solo oferece ao processo evaporativo. A formulação proposta por Wilson (1990)
é dada por:
ΔRn + γEa
E0 = (19)
Δ + γA
Ressalta-se a grande semelhança entre essa equação e a equação original de Penman, an-
teriormente apresentada, com exceção do termo A no denominador, que representa o inverso
da umidade relativa do solo (1/hr), dada por:
hr = eψ gW /RT
v (20)
onde Ψ é o potencial de água líquida, expresso como potencial mátrico equivalente (m); T é
a temperatura do solo (oK); g é a aceleração da gravidade; Wv é o peso molecular da água; R
é a constante universal dos gases. Para o cálculo da umidade relativa, Wilson (1990) propõe
o uso da relação proposta por Edlefsen e Anderson (1943), a qual se baseia na energia livre
de Gibbs:
Pv = Pvs hr (21)
onde Pv é a pressão parcial devida ao vapor d’agua dentro dos vazios do solo não saturado
(KPa) e Pvs é a pressão de saturação de vapor (kPa) da água do solo à temperatura T do solo.
Observa-se, na Equação (19), a taxa de evaporação como uma função da umidade do solo. O
potencial (h) da água no solo é calculado por um sistema acoplado de equações, semelhante
ao apresentado no item 3.5.
Convém colocar que o modelo de Wilson foi desenvolvido com o intuito de computar
o fluxo de água líquida, calor e vapor na interface solo-atmosfera, sem consideração da in-
fluência da vegetação. Para incluir o termo de transpiração das plantas, os modelos foram
estendidos de forma a considerar um termo de sumidouro na equação diferencial parcial
do fluxo, conforme proposto por Tratch (1994). Nessa formulação, a quantidade de água ab-
sorvida pelas plantas considera a distribuição triangular da assimilação de água pela planta,
e um plant limiting factor. Um experimento de laboratório foi conduzido, usando-se uma
coluna de silte com cobertura vegetal. Resultados experimentais e da simulação mostraram
concordância satisfatória para os estudos, incluindo os efeitos de transpiração das plantas. Os
resultados do modelo proposto por Wilson (1990) têm sido validados pela sua aplicação no
cálculo evaporativo de sistemas de cobertura de solo sobre rejeitos de mineração geradores de
acidez, descritos sucintamente no item 7.1 do presente capítulo.
342 Solos não saturados no contexto geotécnico
4 INFLUÊNCIA DA VEGETAÇÃO
O terceiro fator importante nos fluxos de massa e energia que ocorrem no sistema solo-
-planta-atmosfera é a influência da vegetação. Por meio dela, grandes quantidades de água
podem ser transferidas do solo para a atmosfera, quantidades essas, em geral, muito maiores
do que as que seriam transferidas em um sistema composto unicamente por solo-atmosfera.
O processo pelo qual a planta capta água líquida no interior do solo transformando-a em va-
por d’água é denominado transpiração. A vaporização da água ocorre no interior das plantas,
e o vapor é transferido da planta para a atmosfera por meio dos estômatos (Figura 5), abertu-
ras microscópicas localizadas na parte superior das folhas, cuja principal função é regular as
trocas de água, energia e nutrientes com a atmosfera. As plantas abrem os estômatos para cap-
tar CO2 da atmosfera e realizar fotossíntese. Nesse momento, a planta permite a passagem do
vapor d’água, realizando, simultaneamente, fotossíntese e transpiração. A fotossíntese é uma
das bases fundamentais da nossa existência na Terra. Além de absorver grandes quantidades
de CO2 da atmosfera, é por meio dela que a planta produz alimentos e oxigênio na forma que
necessitamos para nossa sobrevivência. Além disso, é um processo mediador da transpiração
e, em última instância, da formação de chuva. Em geral, a planta utiliza uma parcela muito
pequena da água que passa através dela, sendo a maior parte transferida para a atmosfera sob
a forma de vapor.
Para definir os limites de umidade do solo para o qual a transpiração ocorre a uma taxa
comandada pelas forçantes atmosféricas ou a uma taxa comandada pela disponibilidade de
água no solo, foram criados os termos capacidade de campo e ponto de murcha permanente.
A capacidade de campo refere-se ao teor de umidade no qual ocorre transição das forças
atuantes no movimento da água no solo, passando das forças gravitacionais (solo na condi-
ção saturada) para as forças de sucção (solo na condição não saturada). O ponto de murcha
permanente, por sua vez, refere-se ao teor de umidade no qual a planta não consegue mais
absorver a água do solo, mesmo valendo-se das estratégias anteriormente descritas. Assim,
convencionou-se delimitar que a água de fato disponível para as plantas realizarem trans-
piração e fotossíntese é dada pela diferença entre a capacidade de campo (θCP) e o ponto de
murcha permanente (θPMP). Acima da capacidade de campo, a água não pode ser mantida nos
poros do solo devido à ação da gravidade. Abaixo do ponto de murcha permanente, a água
está tão fortemente aderida às partículas sólidas do solo que não é acessível para as plantas
(Hillel, 1998). A partir desses dois conceitos, foi definido o “índice de umidade do solo” (SMI
– soil moisture index) (Betts, 2004), dado por:
θ – θPMP
SMI = (22)
θCP – θPMP
O SMI varia entre 0 e 1 e é uma medida do teor de umidade que está disponível para
as plantas. Nas circunstâncias em que o solo encontra-se acima da capacidade de campo
(como após fortes eventos de chuva ou em áreas saturadas ao longo do curso dos rios),
o valor de SMI é admitido como sendo 1. À medida que a umidade do solo (θ) tende ao
ponto de murcha permanente, o SMI tende a zero. Convencionou-se, também, que a sucção
necessária para extrair água do solo na capacidade de campo estaria entre 10 e 30 KPa e,
no ponto de murcha permanente, seria da ordem de 1500 KPa, correspondendo a cargas de
sucção de 1-3m e 150m, respectivamente. Na realidade, tanto a capacidade de campo quan-
to o ponto de murcha permanente dependem das propriedades do solo e das características
da vegetação. Apesar de serem valores muito generalizados para a ampla gama de tipos de
solo e tipos de vegetação que ocorrem na natureza, esses conceitos têm sido extensivamente
utilizados na modelagem do sistema solo-planta-atmosfera para relacionar a taxa de trans-
piração ao teor de umidade do solo e ao potencial de água no solo (Hillel, 1998; Dingman,
2008, entre outros).
Para considerar a influência da umidade do solo na evapotranspiração, um enfoque
clássico é a caracterização de dois regimes típicos: regime condicionado pela limitação da
umidade do solo e regime condicionado pela limitação da energia disponível para o processo
(Seneviratne et al., 2010), representado, esquematicamente, na Figura 7. No regime limitado
pela energia, os valores de umidade do solo estão acima de um determinado limite, definido
como θCRIT, e a fração evaporativa independe do teor de umidade do solo, assumindo um
valor máximo igual a ETmax Abaixo de θCRIT, no entanto, a umidade do solo representa uma
restrição para a evaporação, que é admitida variar linearmente de θCRIT até θPMP. Abaixo de
θPMP, nenhuma evaporação ou transpiração ocorre. Observa-se, dessa forma, que um aspecto
fundamental para o entendimento da resistência que o sistema solo-planta oferece à perda de
Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados 345
água está relacionado ao teor de umidade do solo ou, em última instância, ao comportamento
de solos não saturados.
Devido ao fato de que o fluxo que ocorre dentro da planta ou na interface solo-planta
é ainda mais complexo que o fluxo de água em solo não saturado, a abordagem utilizada na
modelagem desse processo tem sido a analogia com a Lei de Ohm em detrimento ao uso
da Lei de Darcy. Nesses casos, ao invés de se trabalhar com o conceito de condutividade
hidráulica, o fluxo de água é avaliado por meio da resistência (ou resistividade) hidráulica. A
resistividade é o recíproco da condutividade e pode ser interpretada, fisicamente, como uma
resistência que o sistema solo-planta oferece à transferência de água demandada pela atmos-
fera. Assim, a taxa de fluxo através de cada segmento do sistema é diretamente proporcional
ao gradiente potencial e inversamente proporcional à resistência oferecida pelo segmento.
A soma de todas as resistências que ocorrem ao longo da trajetória de fluxo irá determinar
a diferença de potencial necessária para que ocorra fluxo desde a interface solo-raiz até a
interface folha-atmosfera (Hillel, 1998). A Figura 8 apresenta um diagrama conceitual das
resistências que se processam ao longo do sistema solo-planta-atmosfera em analogia a um
circuito elétrico.
Pode-se dizer, portanto, que o sistema solo-planta-atmosfera consiste em um sistema
dinâmico e fisicamente integrado por meio do qual vários fluxos se processam de forma in-
terdependente. Esse sistema unificado tem sido chamado de contínuo solo-planta-atmosfera
(SPAC – soil-plant-atmosphere-continuum – Phillip, 1966). O principio universal que opera ao
longo de todo o sistema é o de que o fluxo de água sempre ocorre da região de maior poten-
cial (maior energia) para a região de menor potencial (menor energia). De acordo com Hillel
(1998, pag. 549), “os vários termos utilizados para caracterizar o estado da água em diferentes
partes do sistema solo-planta-atmosfera são meramente expressões alternativas do nível de
energia ou potencial de água”.
346 Solos não saturados no contexto geotécnico
A evolução histórica dos modelos deu origem à criação dos chamados LSM’s de 1a, 2a ou
3 geração (Sellers et al., 1997), que compreendem desde os modelos inicialmente desenvolvi-
a
com menor umidade do que a camada mais profunda. Esse comportamento pode ter sido
resultante do fato de se haver considerado o perfil de umidade após 5 dias sem ocorrência
de chuva, ou seja, em todos os meses (desde janeiro, mais úmido, até agosto/setembro, mais
secos), o que se observa é um perfil no qual o solo tende a ser mais seco na superfície e mais
úmido nas camadas mais profundas.
Embora as camadas superficiais sejam as mais secas do perfil, a análise da variação sazo-
nal indica perda de umidade ao longo de todo o perfil de 4 m, com o avanço da estação seca
(meses de agosto/setembro). Assim, mesmo as camadas mais profundas (a 4 m de profundi-
dade) perdem umidade com o avanço da estação seca no perfil considerado. Esse comporta-
mento pode ser resultante do fato de estar-se trabalhando com um solo com elevada porosi-
dade, que permite a penetração do ar atmosférico em profundidades relativamente grandes
ao longo do perfil.
Outro aspecto que chama a atenção, nessa figura, é o fato de que o perfil de umidade
em julho é muito semelhante ao perfil de umidade observado em agosto/setembro, indican-
do que, em julho, grande parte da umidade já havia se deplecionado. Esse comportamento
também confirma a ocorrência de um solo poroso, com baixa capacidade de retenção de
umidade. Por fim, é importante mencionar que, ao passo que menores valores de umidade da
camada superficial podem ser atribuídos às demandas atmosféricas, o aumento da umidade
com a profundidade pode ser reflexo de alguma proximidade com o lençol freático. É possível
observar, ainda, que a influência das variações atmosféricas no comportamento da umidade
do perfil é mais pronunciada até 3 m de profundidade (Luiz et al., 2012).
tural apresenta-se mais homogêneo, sem grandes perdas nas camadas superficiais. O mesmo
não ocorre com o perfil representativo de uma área coberta por pastagens. O estudo alerta
ainda para o fato de que a ocorrência de baixos valores de umidade nas camadas superfi-
ciais (até 0,5 m) pode implicar em áreas de selamento, dificultando a infiltração da água de
chuva. O selamento da superfície do solo influencia diretamente no processo de infiltração,
principalmente quando se consideram as características das chuvas das regiões tropicais,
rápidas e intensas. O selamento pode ocorrer tanto pelo pisoteio do animal, no caso de áreas
de pastagens, mas também pelos sucessivos processos de umedecimento e secagem do solo
(sazonalidade do clima), ocasionando um adensamento da superfície do solo por processos
de contração.
na qual, o sulfeto de ferro (FeS2) reage com oxigênio da atmosfera (O2) e água (H2O), gerando
íons sulfato (SO42-), óxidos de ferro (FeO2+) e íons hidrogênio (H+). Posteriormente, os íons
hidrogênio podem reagir com os sulfatos, gerando acido sulfúrico. O processo de geração de
drenagem ácida de minas não é generalizado e ocorre somente nos locais onde há presença
de sulfetos metálicos, geralmente, nas minas subterrâneas. Os grandes movimentos de terra
realizados pela mineração expõem esses sulfetos à atmosfera, oxidando-os. A chuva lixivia o
produto da oxidação, gerando a drenagem ácida que atravessa os resíduos, indo, em última
instância, atingir corpos hídricos superficiais e subterrâneos. Esse é o caso, por exemplo, da
mineração de carvão ao sul de Santa Catarina. Os elevados teores de sulfeto de Fe associados
à ocorrência de carvão na região, associados à má disposição desses resíduos, conduziram à
acidificação (pH entre 2 e 3) de cerca de 2/3 dos rios da região (Borma e Soares, 2002).
Para controle da drenagem ácida de minas, duas alternativas podem ser adotadas. A
primeira delas é o tratamento dos efluentes ácidos por meio de estações de tratamento que
neutralizam o seu pH antes de atingirem o corpo hídrico receptor. A segunda refere-se à ini-
bição do próprio processo de geração de acidez, realizada por meio do bloqueio da entrada de
oxigênio e água no sistema. Esse bloqueio é feito pelas chamadas coberturas evapotranspira-
tivas, que recebem água da chuva, armazenam-na temporariamente e devolvem-na para a at-
mosfera sob a forma de vapor. No caso específico dos aterros de resíduos geradores de acidez,
essas coberturas têm a finalidade adicional de minimizar a entrada de oxigênio no sistema,
inibindo a reação química geradora de ácido. Para tanto, uma das condições fundamentais é
que seja mantido, na cobertura, um grau de saturação superior a 85%. Nessas condições, os
poros preenchidos com água bloqueiam a passagem do ar e, consequentemente, do oxigênio,
para o interior do aterro. O estado da arte mostra que o sistema mais eficaz para a manuten-
ção de um grau de saturação tão elevado em uma camada de solo sujeita às intempéries é por
meio de uma barreira capilar. A barreira capilar constitui-se, basicamente, de uma espécie de
sanduíche de uma camada de argila entre duas camadas de areia. Na condição não saturada,
a permeabilidade da argila é infinitamente maior que a da areia, de forma que a água dos po-
ros é incapaz de migrar, por capilaridade, para fora da argila. Isso favorece a manutenção de
um grau de saturação elevado na camada argilosa, formando uma barreira física ao fluxo de
oxigênio através do seu interior (Ubaldo et al., 2006; Soares et al., 2010). O dimensionamento
dessa barreira capilar e o seu desempenho ao longo dos períodos de estiagem é feito por mo-
delos do tipo SVAT, dentre os quais se citam o SoilCover e o Vadose.
exerce na reciclagem de água na região. Segundo Salati et al. (1979) cerca de 30-50% da chu-
va que incide localmente seria proveniente da água evapotranspirada pela própria floresta.
Fica fácil supor, dessa forma, que um desmatamento em grande escala poderia influenciar na
quantidade de chuva da região. Além disso, com a diminuição da Floresta Amazônica, haveria
uma alteração no particionamento da energia radiante entre calor sensível e calor latente, com
uma tendência de aumento no fluxo de calor sensível em decorrência da diminuição do fluxo
de calor latente. Em outras palavras, além da diminuição da chuva, o desmatamento promo-
veria um concomitante aumento na temperatura local (Nobre et al., 1991).
8 CONCLUSÕES
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Capítulo 14
Transporte de contaminantes e fluxo de
gases em solos não saturados
Maria Claudia Barbosa
José Fernando Thomé Jucá
Márcia Salamoni Batalha
Camila Rosa Bezerra Coelho
Michelle Matos de Souza
Felipe Jucá Maciel
1 FUNDAMENTOS
Este capítulo tem como objetivo apresentar os modelos teóricos de avanço de contami-
nantes químicos e gases em meios porosos naturais na condição não saturada, utilizando os
conceitos descritos nos capítulos anteriores.
O entendimento dos fenômenos que ocorrem na zona não saturada de solo entre a su-
perfície e a água subterrânea durante um processo de contaminação é fundamental para pre-
ver o avanço dos contaminantes no subsolo, avaliar os riscos para o ambiente e para a saúde
humana, e também para o planejamento de ações mais eficazes de contenção ou de remedia-
ção de áreas impactadas. Como mostrado esquematicamente na Figura 1, quase sempre, a
fonte da contaminação se encontra na superfície ou logo abaixo, e, com menor frequência, em
profundidade, como nos tanques de armazenamento de combustíveis em postos de serviço ou
em depósitos enterrados de rejeitos.
Em todas as situações, a contaminação precisa atravessar os estratos de solo que se en-
contram na zona acima do aquífero para alcançar a água subterrânea. Essa região constitui,
portanto, a primeira barreira contra o avanço da contaminação. Não por acaso, as normas
técnicas e diretrizes de órgãos ambientais exigem uma distância mínima entre a base da es-
trutura de disposição de rejeitos e o nível d’água máximo local.
Figura 1 – Representação esquemática de algumas fontes de contaminação e relação com a zona não
saturada acima do aquífero local
Neste capítulo, considera-se como contaminante qualquer espécie química que seja in-
troduzida no meio poroso a qual não estivesse presente na condição original ou que estivesse
presente, porém, em quantidade muito inferior à que está sendo introduzida. A toxicidade da
espécie representa um aspecto adicional a ser levado em conta na análise de risco, mas não
interfere nos processos em discussão. Por exemplo, a entrada de uma cunha salina no aquífero
adjacente ao mar não apresenta toxicidade para o ser humano, contudo, avança pelos mesmos
processos que um sal de tálio, que é altamente tóxico.
Os contaminantes químicos podem ser divididos em dois grandes grupos: inorgânicos
e orgânicos. Essa divisão é conveniente porque os dois grupos se comportam de forma dife-
renciada dentro do meio poroso, embora existam alguns compostos orgânicos que podem ser
tratados como os inorgânicos em seu transporte. Dentro de cada grupo, podem ser definidos
subgrupos, também por diferenciação do comportamento no meio, em relação às três fases:
gasosa, líquida e sólida. Os gases têm um comportamento próprio, avançando, sobretudo
através dos poros não preenchidos com água, mas também apresentam alguma solubilidade
em água, em geral muito baixa.
q = vx ∙ ne (2)
Figura 2 – Representação dos modelos de sorção Linear (LI), Não Linear de Freundlich (FR) e
Não Linear de Langmuir (LG), para a condição de equilíbrio químico
372 Solos não saturados no contexto geotécnico
2 CONTAMINANTES INORGÂNICOS
Sais normais são compostos que se dissociam em água em íons positivos que não o hi-
drônio (H+) e íons negativos que não hidroxila (OH-). Exemplos mais comuns são os sais de
cozinha, NaCl e KCl.
Pela definição do químico sueco Svante August Arrhenius (1859-1927), os ácidos são
sais que se ionizam na água, liberando íons H+ como único cátion, e as bases são compostos
que se dissociam na água, liberando íons OH- como único ânion. As teorias mais recentes de
Brønsted-Lowry e de Lewis ampliaram essa definição. Um ácido forte é aquele que se ioniza
completamente, como o clorídrico (HCl), o nítrico (HNO3), o fluorídrico (HF) e o sulfúri-
co (H2SO4). Os ácidos fracos liberam os íons H+ parcialmente, estabelecendo um equilíbrio
químico de troca na solução. O ácido fosfórico (H3PO4) é considerado um ácido moderado
e os ácidos orgânicos, em geral, são fracos, sendo o exemplo mais conhecido o ácido acético
(CH₃COOH), que compõe a formulação do vinagre. Exemplos de bases são hidróxido de só-
dio ou soda cáustica (NaOH), que é altamente corrosivo, e o hidróxido de amônio (NH4OH),
que é uma base fraca.
Alguns elementos apresentam, normalmente, um único número de oxidação (NOX),
além do zero, e outros podem ocorrer com diferentes valores de NOX. A Tabela 1 apresenta os
números de oxidação mais comuns para elementos de maior interesse. Apenas os valores que
se repetem em diferentes publicações são apresentados, e os valores mais usuais encontrados
no meio geológico são assinalados em negrito para alguns elementos.
2.1.2 Metais
Os metais são elementos que perdem elétrons facilmente, formando íons positivos em
solução aquosa. Em geral, são bons condutores de corrente elétrica e formam substâncias sóli-
das de elevada dureza e brilho, e, geralmente, participam de reações químicas com as enzimas
no metabolismo, sendo conhecidos, também, como elementos-traço ou metais traço. A exce-
ção notável é o mercúrio, que, na forma elementar (Hgo), apresenta-se na forma líquida e tem
um comportamento peculiar no solo, que se assemelha ao comportamento dos compostos
orgânicos. Dentro desse grupo, existe um subgrupo de relevância ambiental, que é dos metais
pesados, definidos como aqueles com densidade maior do que 6g/cm3, 7g/cm3 ou 4g/cm3, ou
ainda que possuam número atômico superior a 20, dependendo da fonte da classificação. Po-
dem ser relevantes em estudos ambientais os metais (assinalados, em negrito, os símbolos dos
metais considerados pesados): alumínio (Al), titânio (Ti), cromo (Cr), manganês (Mn), ferro
(Fe), cobalto (Co), níquel (Ni), cobre (Cu), zinco (Zn), cádmio (Cd), estanho (Sn), antimônio
(Sb), arsênio (As), mercúrio (Hg), chumbo (Pb), vanádio (V), zircônio (Zr), nióbio (Nb),
molibdênio (Mo), prata (Ag), ouro (Au), platina (Pt), tálio (Tl), e tungstênio (W).
Cada elemento é definido pelo número atômico, que representa o número de prótons na
estrutura atômica, mas vários elementos podem existir com diferentes números de massa, isto
é, eles podem ter diferentes números de nêutrons. As diferentes formas de ocorrência desses
elementos são chamadas isótopos. Para se diferenciar os isótopos de um mesmo elemento,
o símbolo é escrito com o número de massa como um superescrito, como em 16O, 17O e 18O,
sendo o primeiro o mais abundante no ambiente (99,75%). Processos de mudança de fase e
reações bioquímicas podem alterar a composição isotópica do elemento, concentrando os
isótopos mais pesados ou mais leves. Por exemplo, a evaporação da água concentra os isóto-
pos mais pesados de oxigênio e de hidrogênio na água líquida e libera os isótopos mais leves
para a fase vapor.
Alguns isótopos são estáveis, como os isótopos de oxigênio citados acima, e outros são
instáveis quimicamente ou radioativos. Por exemplo, o oxigênio apresenta dez isótopos radio-
ativos, como o 15O, todos com meia-vida de menos de três minutos. O hidrogênio apresenta
dois isótopos estáveis, o prótio (1H), mais abundante (99,986%), e o deutério (2H ou D), e
um isótopo radioativo, o trítio (3H ou T), com meia-vida de cerca de 12 anos. Os isótopos
instáveis sofrem o processo de decaimento radioativo ou transformação nuclear em direção a
uma forma mais estável, que resulta na ejeção de partículas ou radiação, ou seja, energia. As
radiações (do tipo α, β ou γ) podem ter um impacto significativo para os seres vivos quando
ultrapassam valores de radiação limite, expressos na forma de dosagem por peso para os seres
humanos, mas todos estão expostos permanentemente a uma radioatividade natural, chama-
da de radiação de base ou de nível ambiental.
Os isótopos radioativos mais relevantes como fontes naturais de radiação terrestre são
40
K, 238U, 235U e 232Th, e as séries de decaimento são as do urânio, do tório e do actínio. A série
do urânio se inicia com o isótopo 238U, e o produto final é o isótopo estável 206Pb. A meia-vida
do 238U é de 4,51 x 109 anos, ou seja, da ordem de grandeza da idade da Terra.
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 375
O fator de tortuosidade pode ser estimado pela expressão de Millington e Quirk, Equa-
ção (12), desenvolvida com base em um modelo de distribuição de poros de um solo granular
uniforme, onde θS é o conteúdo de água volumétrico na saturação, igual à porosidade do meio.
v = q 7 / 3q s-2 (12)
O termo fonte (r) pode ter várias formas, como uma combinação de termos de primeira
ordem para representar a degradação (ou formação) dos solutos e o decaimento radioativo
(ou a entrada de elementos filhos da série) tanto na fase aquosa quanto na sólida. Pode, ainda,
ser usado para a entrada ou a saída de água com determinada concentração de soluto. Na
Equação (6), o termo fonte se encontra representado para reações de biodegradação e de
decaimento radioativo.
A equação de transporte tem que ser resolvida iterativamente com a equação de fluxo,
e ambas dependem das relações constitutivas do meio poroso, relacionando o conteúdo de
água (θ) ao potencial matricial (Ψ) através da curva característica de retenção de água e a fun-
ção de condutividade hidráulica não saturada correspondente. O transporte se dá em regime
transiente, levando-se em conta que a umidade varia com o tempo, seja pela continuidade
do fluxo da água através do solo em direção à saturação, seja por fluxo de drenagem, onde a
umidade é decrescente com o tempo.
Há uma diferença entre as equações (6) e (10) na representação do fenômeno de sorção
do soluto pelo solo. A Equação (10) apresenta uma formulação mais genérica da função de
transferência de massa, inserindo a concentração do soluto na fase sólida (Ss) em vez de ado-
tar diretamente a relação definida pelo modelo de sorção linear expresso pela Equação (7),
como foi feito na Equação (6).
É frequente encontrar a equação de transporte de solutos escrita em função do fator de
retardamento (R), como exibida abaixo, para uma direção de fluxo x (unidimensional):
¶ (qRC ) ¶ æ ¶C ö ¶ (qC )
= ç qD ÷- - r (13)
¶t ¶x è ¶x ø ¶x
O fator de retardamento é encontrado pela unificação dos dois termos à esquerda na
Equação (10) e aplicando-se um modelo de sorção para escrever a concentração na fase sólida
(Ss) em função da concentração do soluto na fase aquosa (C). Ou seja, se for adotado o modelo
linear de sorção da Equação (7), o fator de retardamento é definido por:
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 377
rd Kd
R =1+ (14)
q
Fetter (1999) apresenta os fatores de retardamento correspondentes para os modelos no
equilíbrio de Freundlich (RF) e de Langmuir (RL):
r d KNC N -1
RF = 1 + (15)
q
rd æ s m .K L ö
RL = 1 + ç ÷ (16)
q ç (1 + s C )2 ÷
è m ø
Nesses dois casos, o fator de retardamento deixa de ser apenas uma característica da es-
pécie e do solo em conjunto e torna-se uma função da concentração do soluto na fase aquosa.
Batalha et al. (2011) apresentam os resultados da simulação do avanço do 226Ra em um
solo não saturado do Cerrado brasileiro, realizada com o pacote HYDRUS-HP1 (PC-Progress
Ltd. Co.), que resolve numericamente as equações de fluxo de água e de transporte com re-
ações geoquímicas. A fonte do radionuclídeo era a aplicação de fosfogesso na superfície, e a
espécie só alcançaria cerca de 1,0 m de profundidade em 200 anos, com concentrações infe-
riores a 3 x 10-6 mmol/cm3. Este trabalho ilustra a utilidade prática dos modelos de previsão,
sobretudo no caso de análises em longo prazo. E também demonstra a baixa mobilidade de
algumas espécies na zona não saturada, mesmo levando em conta o umedecimento sazonal
pela precipitação ao longo do tempo.
entre as duas regiões líquidas pode ser modelada como um processo de troca de primeira
ordem. As equações para o fluxo de água desse modelo são baseadas na formulação mista da
Equação de Richards, que descreve o fluxo de água nos macroporos ou poros interagregados
(via de fluxo preferencial), e na equação de balanço de massa, para descrever a dinâmica de
umidade na matriz ou poros intra-agregados (van Genuchten e Wierenga, 1976; van Genu-
chten e Wagenet, 1989; Gerke e van Genuchten, 1993).
O não equilíbrio químico pode ser relacionado à cinética das reações, com taxa limitada
em relação à velocidade de avanço do soluto no meio, a efeitos de histerese no processo de
sorção e dessorção, e à heterogeneidade química dos sítios de sorção presentes no solo (mis-
tura de minerais com diferentes comportamentos individuais). Existem modelos que incluem
a cinética por meio de um coeficiente de primeira ordem, e outros que admitem dois tipos de
sítios de sorção, um grupo em equilíbrio e o outro cinético (van Genuchten e Wagenet, 1989;
Toride et al., 1993).
Soto e Kiang (2013) mostram que a aplicação de modelos teóricos da função de permea-
bilidade relativa da água na condição não saturada sem levar em conta a distribuição bimodal
dos poros pode levar a erros de duas ou mais ordens de grandeza no caso de solos com dupla
porosidade. Foram usados dados de solos típicos dos estados de São Paulo e Paraná com essa
característica. De modo geral, com uma exceção, o uso de modelo unimodal resulta na su-
bestimação da condutividade hidráulica em uma mesma condição de conteúdo volumétrico
ou sucção. Consequentemente, em algumas situações práticas, pode levar a erros contra a
segurança na previsão do avanço de uma frente de contaminação.
As equações (10) e (11), em conjunto com a equação para fluxo de água, requerem a
determinação dos seguintes parâmetros e propriedades para o solo e o contaminante de inte-
resse: a massa específica aparente seca (ρd) e a porosidade (n) do solo, o fator de tortuosidade
(ϖ), a relação entre umidade volumétrica e sucção (θ x Ψ), a condutividade hidráulica (ksw) e
a umidade volumétrica (θs = n) na condição saturada, a função da condutividade hidráulica
com a umidade (k x θ), as dispersividades longitudinal (αL) e transversal (αT), e o coeficiente
de difusão molecular da espécie em diluição infinita (Do). Para representar o termo fonte
da Equação (10), é preciso, também, saber as constantes de decaimento radioativo (λR) e de
biodegradação (λB) do contaminante, quando for o caso, e o comportamento de sorção da
espécie pelo solo, para determinar os coeficientes do modelo de sorção em equilíbrio mais
adequado. Alguns desses parâmetros podem ser obtidos na literatura, outros correspondem
ao comportamento do solo para fluxo de água na condição não saturada, já abordado em
capítulos anteriores. Especificamente para a modelagem do transporte de contaminantes, res-
ta a determinação experimental das dispersividades e, consequentemente, do coeficiente de
dispersão e dos parâmetros de sorção.
Existem três tipos básicos de ensaios usuais para aplicação em solos saturados: o ensaio
de sorção ou de batelada, o ensaio de difusão, no qual o fluxo de água é impedido (vx = 0),
e o ensaio de coluna, que é um ensaio semelhante ao de permeabilidade, mas com a coleta
periódica do efluente para análise química.
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 379
O ensaio consiste em preparar suspensões com a mesma razão solo seco:solução, utili-
zando soluções com diferentes concentrações da espécie de interesse. Essas suspensões são
agitadas até o equilíbrio e, em seguida, é determinada a concentração de equilíbrio na solução.
A diferença entre a concentração inicial e a final representa a massa adsorvida pelo solo. Os
resultados são plotados em um gráfico como na Figura 2, e é ajustado um modelo de sorção
para definir os parâmetros correspondentes conforme equações (7), (8) e (9). Para esse ajuste
são usadas as formas linearizadas dos modelos de sorção não linear apresentadas nas Equa-
ções (18) (Fetter, 1999) e (19) (Langmuir, 1997), a seguir.
O documento mais conhecido sobre os procedimentos e cuidados desse ensaio é o relató-
rio técnico da USEPA (1992) – EPA/530-SW-87-006-F, disponível gratuitamente na página da
agência americana. Mais recente, a norma técnica D4646-2004 da ASTM apresenta um proce-
dimento simplificado para determinação em 24 horas, enquanto o documento da USEPA pres-
creve uma etapa preliminar de estudo do tempo de equilíbrio, variando de 1 hora a 72 horas.
Freundlich ® log S ads = log K + N . log Ceq (18)
1 1 1
Langmuir ® = + (19)
S ads S m K L C eq S m
(a)
(b)
Figura 3 – Exemplo de ajuste dos resultados de um ensaio de batelada pelas formas linearizadas dos mode-
los (a) de Freundlich e (b) de Langmuir
380 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 4 – Representação esquemática dos ensaios (a) de difusão pura com reservatório simples; e (b) de
coluna, para a condição saturada (t* é o tempo para passagem de 1 volume de vazios da solução)
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 381
e o coeficiente de difusão efetivo observado experimentalmente é o somatório de todos os
processos, sendo também variável com a umidade volumétrica, como ocorre com a conduti-
vidade hidráulica. Experimentalmente, se a amostra de solo estiver não saturada, o ensaio es-
tático representado na Figura 4(a) irá acarretar um fluxo advectivo através da amostra devido
ao gradiente de pressão, interferindo em todas as variáveis.
Campos et al. (1997) apresentam uma proposta de esquema experimental para ensaios
de difusão na condição não saturada, em que são utilizados dois reservatórios, um acima e
outro abaixo da amostra, para garantir a mesma sucção no topo e na base da amostra de solo,
e, assim, a condição de fluxo advectivo nulo. O processo de difusão, no entanto, pode ser in-
terpretado em regime transiente a partir do reservatório fonte com concentração decrescente
com o tempo, à semelhança do ensaio descrito para a condição saturada.
Figura 5 – Representação esquemática da curva de concentração relativa de uma espécie não reativa em
um ensaio de coluna na condição saturada, em equilíbrio e em não equilíbrio
(t* é o tempo para passagem de 1 volume de vazios da solução)
Soto e Kiang (2013) na previsão do transporte de solutos em meio não saturado em solos com
dupla porosidade por modelos que não levem em consideração essa característica.
Existem diversas configurações e procedimentos de ensaio reportados na literatura: i)
a amostra pode ser confinada em uma célula cilíndrica de paredes rígidas ou em uma mem-
brana flexível dentro de uma câmara, como no ensaio triaxial; ii) o fluxo pode ser induzido
pela aplicação de uma carga hidráulica constante, e a vazão será consequência da condutivi-
dade hidráulica do solo, ou pode ser realizado com uma vazão constante controlada por uma
bomba, e o gradiente hidráulico desenvolvido dentro da amostra será resultante da condu-
tividade hidráulica do solo; iii) as dimensões do corpo de prova (coluna) variam de poucos
centímetros a cerca de 1,0 m; iv) o fluxo pode ser descendente ou ascendente (preferível). Os
resultados são interpretados por um modelo teórico contemplando todos os mecanismos:
advecção, difusão e sorção/dessorção. Quando se dispõe de resultados dos ensaios de sorção
e de difusão, os parâmetros medidos podem ser utilizados como dados de entrada para a
interpretação do ensaio de coluna.
A norma D4874-95/2006 da ASTM descreve um procedimento de ensaio para análise
do lixiviado em amostras de solo ou resíduo em uma coluna de 30 cm de altura e 10 cm de di-
âmetro, com fluxo induzido pela aplicação de pressão no reservatório fonte após estágio pre-
liminar de saturação. No caso de solos de baixa permeabilidade e/ou alta atividade físico-quí-
mica, no entanto, ensaios com colunas de grande altura podem se mostrar inviáveis devido à
longa duração. Por esse motivo, alguns trabalhos reportam ensaios realizados com amostras
de pequena altura (2 cm), mas, nesse caso, não se obtém informação sobre a dispersividade.
Existe uma variedade de equipamentos disponíveis comercialmente, alguns permitindo
a aplicação e o controle de sucção na amostra e a utilização de tensiômetros ao longo da co-
luna para monitoramento durante o ensaio, permitindo a realização de ensaios de coluna na
condição não saturada. Miranda et al. (2004) reportam ensaios de coluna de 20 cm de altura e
5 cm de diâmetro em amostras de Latossolo Vermelho Amarelo moldadas em laboratório na
condição não saturada. A coluna era constituída de anéis em PVC, e o ensaio foi realizado em
dois estágios: um estágio inicial com água até a estabilização do fluxo (sem atingir a saturação
de toda a coluna), e um segundo estágio com a solução de nitrato e potássio para a análise do
transporte.
Pereira et al. (2011) apresentam relações derivadas empiricamente para o coeficiente de
distribuição (Kd) e o coeficiente de dispersão longitudinal (DL) em função do teor de argila e
da concentração inicial dos elementos K+ e Cu++ para solos brasileiros na condição saturada.
As relações foram obtidas pelo tratamento estatístico de resultados de ensaios em laboratório
publicados na literatura. A variedade de fatores de influência sobre os resultados exigiu o
estabelecimento de equações com até onze termos para obter bons fatores de correlação (r2
= 0,83 a 0,99). Na ausência de dados experimentais, essas relações podem ser aplicadas para
uma estimativa preliminar, porém, apenas para os elementos citados.
1) Dois solos apresentam o mesmo diâmetro médio (D50) de partículas, um com distri-
buição granulométrica uniforme e o outro com granulometria bem distribuída. Qual dos dois
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 383
espera-se que apresente maior fator de tortuosidade, e qual deles maior razão entre as disper-
sividades (αL/αT)? Em qual dos dois solos deve ser esperado um avanço mais rápido do conta-
minante em solução, considerando-se apenas os aspectos físicos e a mesma porosidade total?
2) A secagem do solo pode ser uma alternativa de contenção de contaminantes em um
estrato de solo não saturado? Analise o efeito da secagem sobre os parâmetros envolvidos no
transporte do soluto através do solo admitindo-se o meio rígido.
3) No caso de solos com teor significativo de argila, o processo de secagem pode induzir
a abertura de trincas e fissuras. O que pode ocorrer, nesse caso, em relação ao avanço da frente
de contaminação?
3 CONTAMINANTES ORGÂNICOS
Os compostos orgânicos, por definição, são aqueles que possuem carbono e, usualmen-
te, hidrogênio e oxigênio como os principais elementos da cadeia estrutural. O carbono é o
elemento chave, mas alguns compostos são considerados exceção nessa classificação, como o
dióxido de carbono (CO2), os bicarbonatos (HCO3-), o ácido carbônico (H2CO3) e os carbo-
natos (CO3=), que são inorgânicos.
O carbono é um elemento com propriedades peculiares que permitem uma diversidade
de ligações e de formação de compostos: i) cada átomo permite quatro ligações covalentes
e até três ligações com elementos diferentes; ii) pode ligar-se a elementos eletropositivos ou
eletronegativos (vide Tabela 1); iii) permite arranjos diversos e apresenta isomeria de posição
(compostos de mesma fórmula química mas com arranjos distintos têm propriedades distin-
tas); iv) as estruturas formadas podem se estender indefinidamente (estruturas em cadeia,
estruturas cíclicas). Os compostos orgânicos podem ter origem natural (óleos vegetais, óle-
os e gorduras animais, açúcares, etc.), ser produzidos por fermentação (álcoois, antibióticos,
ácidos orgânicos, etc.) ou ainda sinteticamente. Hoje já são conhecidos mais de 1 milhão de
compostos, e é impossível pensar em uma sociedade sem as substâncias orgânicas manufatu-
radas, como os plásticos em geral.
Em linhas gerais, os compostos orgânicos podem ser divididos em alifáticos (estrutura
em cadeia linear ou cíclica), aromáticos (estrutura cíclica em forma de anel onde cada C tem
apenas uma ligação covalente disponível) ou ainda os heterocíclicos, que também apresentam
estrutura em forma de anel, mas com um elemento diferente do carbono como parte desse
anel (O e N são os mais usuais). Serão ressaltados os grupos de maior interesse em problemas
de contaminação de solos, sem a preocupação em seguir a organização química em grupos
funcionais.
leo. Destes, a série do benzeno tem particular interesse porque está presente nas misturas que
constituem os combustíveis, como a gasolina e o óleo diesel. São compostos aromáticos, sen-
do o benzeno o mais simples, e os demais são tolueno, xilenos (o-xileno, m-xileno, p-xileno)
e etilbenzeno. Essa série é conhecida como o grupo BTEX.
Outro grupo bastante frequente em problemas de contaminação de solos e sedimentos
é dos hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA), que é, normalmente, listado como uma série
de 10 compostos em padrões ambientais de controle de qualidade de águas e solos: antrace-
no, benzo(a)antraceno, benzo(k)fluoranteno, benzo(g,h,i)perileno, benzo(a)pireno, criseno,
dibenzo(a,h)antraceno, fenantreno, indeno(1,2,3-c,d)pireno, e naftaleno. Esses compostos
ocorrem, em geral, em processos de combustão, não apenas na queima de combustíveis, mas
também em incêndios e erupções vulcânicas.
Muitos dos compostos orgânicos possuem solubilidade em água muito baixa, e alguns
podem ser considerados imiscíveis. Como o solo sempre apresenta um conteúdo de água, e
esta tem preferência no contato com a superfície das partículas sólidas, essa propriedade tem
um papel determinante no comportamento dos compostos em relação ao avanço e à interação
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 385
com os solos. Os compostos orgânicos líquidos que podem ser considerados imiscíveis são
denominados NAPLs, ou seja, nonaqueous phase liquids. Dentro desse grupo, os compostos
que apresentam densidade maior do que a da água são denominados DNAPLs (dense no-
naqueous phase liquids) e aqueles com densidade menor do que a da água, LNAPLs (light
nonaqueous phase liquids).
da diminuição da constante dielétrica sobre o arranjo das partículas coloidais de argila (cau-
sando a floculação).
Os compostos orgânicos do tipo NAPL, por outro lado, apresentam todas as frações ci-
tadas, com presença significativa de fase livre e fase residual. Os DNAPLs terão sua trajetória
dominada pela ação da gravidade e atravessam verticalmente tanto a zona não saturada quan-
to o aquífero. Os LNAPLs, por sua vez, têm sua trajetória vertical através da zona não saturada
interrompida pela superfície freática, onde formam uma camada de fase livre sobrenadante.
Segundo Parker (1989), essa equação é empírica e envolve várias premissas implícitas,
destacando-se: (i) o fluxo de cada fase p não é diretamente afetado pelos gradientes de pressão
das outras fases; (ii) validade do conceito da permeabilidade intrínseca como único parâme-
tro para separar a dependência do fluxo em relação às propriedades do fluido e às caracterís-
ticas do meio poroso. A primeira hipótese não é necessariamente verdadeira, mas pode ser
considerada válida se as zonas de deslizamento (pela diferença entre os escoamentos) nas
interfaces das fases forem finas quando comparadas à espessura total das fases. A segunda
hipótese é verdadeira se o solo não apresentar alterações físicas (mudança estrutural, variação
volumétrica por expansão ou compressão) em resposta à passagem do fluido. Sabe-se, no en-
tanto, que essas alterações ocorrem frequentemente, sobretudo em solos argilosos.
Analisando-se a Equação (20), é possível perceber que o escoamento de cada fase p é
função de gradientes negativos de pressão e de gravidade, de forma inversamente proporcio-
nal à sua viscosidade e diretamente proporcional à sua permeabilidade relativa. O escoamento
depende, portanto, tanto do grau de saturação da fase quanto da capilaridade, uma vez que
a permeabilidade relativa reflete a capacidade de um fluido se mover no espaço poroso que é
parcialmente ocupado por outros fluidos.
O grau de saturação em fluxo multifásico é definido pelas relações (21) a seguir, como
saturação líquida total (St) e a saturação de cada fase (Sl , So , Sg):
St + Sg = 1 (21a)
St = Sl + So (21b)
Vl Vo Vg
Sl = So = Sg = (21c)
Vv Vv Vv
onde: l é a fase aquosa; o é a fase NAPL (óleo); g é a fase gasosa
388 Solos não saturados no contexto geotécnico
Substituindo-se a Equação (20) na Equação (22) e desenvolvendo para cada fase, chega-
-se a um conjunto de equações diferenciais governantes para a fase NAPL, a fase dissolvida e a
fase vapor, representadas, de forma geral, na Equação (23). É importante notar que a solução
da equação de cada fase é dependente da resolução das demais, uma vez que existe a inter-
dependência entre as saturações residuais, que, por sua vez, são funções da permeabilidade
relativa e da capilaridade.
æ ¶r p S p ö ¶ æ r p k rp k swij ö ù ¶h p ù
ne çç ÷÷ = ç ÷ú + r rp e j ú + g p (23)
ç ÷
è ¶t ø ¶xi è m rp ø ûú ¶x j ûú
Observações importantes:
1 – A separação entre fases aquosa, oleosa e gasosa não significa que o NAPL está pre-
sente apenas na fase oleosa. De fato, como comentado anteriormente, ele está presente nas
três fases, e as propriedades da fase aquosa e da fase gasosa dependem da sua composição
química, ou seja, das frações dos compostos orgânicos que estão presentes em cada uma delas.
Isso requer o conhecimento das equações de estado e relações constitutivas para cada fase,
isto é, como variam a densidade, a viscosidade, e a permeabilidade relativa de cada fase com
a variação da pressão e da composição (dados os processos de transferência de massa entre as
fases), admitindo condição isotérmica.
2 – O sistema de equações representado na forma geral da Equação (23) corresponde
à modelagem do escoamento das três fases. Para analisar o transporte de um determinado
composto presente nas fases aquosa e gasosa, os modelos tratam o problema da mesma forma
como foi mostrado para o transporte de solutos inorgânicos, inserindo-se os mecanismos
de dispersão e difusão. Trata-se, portanto, de uma modelagem muito complexa, que requer,
necessariamente, métodos numéricos para a resolução.
3 – Dada a complexidade do processo e da interdependência entre as fases, é extrema-
mente difícil estabelecer procedimentos de ensaio para sistemas trifásicos em laboratório na
forma como é feito para o transporte de solutos inorgânicos. Por esse motivo, os modelos
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 389
teóricos são escritos em função das propriedades da água, do ar e do NAPL, e das relações
constitutivas dos sistemas trifásicos como extensão das relações para os sistemas bifásicos
ar-água, ar-óleo e água-óleo. Em capítulos anteriores foram apresentadas as relações para o
par ar-água.
O conceito de molhabilidade já foi explicado para os dois fluidos água e ar, em que a
água é o fluido molhante nos poros do solo em relação ao ar, ocupando os poros menores, en-
quanto o ar ocupa os maiores. No caso de sistemas trifásicos, é assumido, convencionalmente,
que a molhabilidade segue uma sequência bem definida de água, óleo e ar (do mais molhante
para o menos molhante). Dessa forma, a água ocupa os vazios menores e está em contato com
a superfície das partículas sólidas; o óleo ocupa os vazios em contato imediato com a água, e
o ar ocupa o espaço remanescente em contato com o óleo (Figura 7).
Figura 7 – Seção transversal idealizada dos vazios do solo: (a) sistema bifásico e (b) sistema trifásico (adap-
tado de Parker, 1989)
Figura 8 – Exemplos de curvas características obtidas: (a) para sistemas bifásicos ar-água, óleo-água e
óleo-ar, e (b) curva “escalada” utilizando a teoria da extensão (Fonte: R.J. Lenhard, M.Oostrom e
J.H. Dane, Capítulo 7 de Dane e Topp, 2002)
Os principais processos de transferência de massa entre fases para NAPLs são a solubi-
lização (transferência para a fase aquosa), a volatilização (transferência para a fase gasosa) e a
sorção (transferência para a fase sólida). Como os NAPLs são hidrofóbicos, mas têm afinidade
por outros compostos orgânicos, como as gorduras, a adsorção se dá, preferencialmente, pela
matéria orgânica do solo em relação aos minerais.
As principais reações na zona não saturada são as de oxirredução, devido à presença de
oxigênio, e a biodegradação.
Figura 9 – Distribuição diferenciada do NAPL em subsuperfície para (a) LNAPL e (b) DNAPL
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 393
Uma questão de interesse prático é a determinação do volume específico de LNAPL
(volume de óleo por unidade de área) da fase livre móvel (Figura 9a) com base nas espessuras
de NAPL medidas nos poços de monitoramento. Dentro do poço não existe solo, nem ar nem
água misturados à fase oleosa, diferente do que ocorre no perfil mostrado na Figura 9(a).
Existem alguns modelos teóricos, como o proposto por Lenhard e Parker (1990), e Matos de
Souza et al. (2015), discutem o problema e apresentam um algoritmo para o cálculo com base
nesse modelo. O trabalho mostra que os parâmetros do solo (porosidade, massa específica
aparente seca, distribuição dos poros e relação (S-P) para o sistema bifásico ar-água) têm
maior influência sobre os resultados do que os parâmetros que caracterizam o óleo.
4 FLUXO DE GASES
Para o caso de fluidos compressíveis, como os gases, a velocidade de Darcy pode não
ser mais proporcional ao gradiente de pressão devido ao fenômeno de expansão dos gases.
396 Solos não saturados no contexto geotécnico
Essa expansão depende dos níveis de pressão aplicados e aumenta à medida que o fluido for
atingindo a extremidade de saída do solo (Ignatius, 1999). Dessa maneira, há um aumento no
volume do gás no meio, fazendo aumentar sua velocidade de percolação e, consequentemen-
te, eliminando a proporcionalidade entre q e ∆P, considerada na Lei de Darcy. Jucá e Maciel
(1999) verificaram, por meio de ensaios laboratoriais em solos argilosos compactados, que
essa proporcionalidade é válida para gradientes de pressão de até 120 kPa, conforme mostra-
do na Figura 10.
Figura 10 – Validação da Lei de Darcy para fluxo de gás (Jucá e Maciel, 1999)
A Equação (26) mostra que a influência da compressibilidade do gás está associada não
apenas ao gradiente de pressão, mas também à pressão média aplicada (Pm). Quanto maior for
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 397
o gradiente de pressão aplicado ao solo, maior será a diferença entre Ka e Kia, ou seja, maior
será o efeito da compressibilidade do gás. No entanto, esse efeito pode ser diferente para um
mesmo valor de ∆P desde que as pressões médias sejam distintas. Por exemplo, se Ps for alte-
rada de 1 atm para 3 atm, mantendo-se fixo o valor de ∆P, o efeito da compressibilidade, visto
pelo resultado da Equação (26), será menor na situação em que a pressão de saída for 3 atm.
No caso em que se deseja medir o fluxo do gás em massa, é conveniente reordenar a
Equação (25), representando da seguinte forma:
Ja =
( 2
K a ´ ro ´ Pe - Ps
2
) (27)
2 ´ L ´ m ´ Ps
onde: Ja = fluxo advectivo do gás em massa (g/m2.s); ρ0 = densidade do gás a uma dada pressão
e temperatura (g/m3).
O transporte de gás por difusão ocorre devido à interação molecular. Quando o gás está
mais concentrado em uma região, existe uma migração natural deste para a região de menor
concentração por difusão. Dessa forma, o movimento das moléculas se dá em resposta tanto
a gradientes de pressões parciais quanto a gradientes de concentração do gás.
No caso das camadas de cobertura dos aterros, além de gradientes de pressão, existem,
também, gradientes de concentração, uma vez que a atmosfera funciona como um excelen-
te agente dispersivo da contaminação. Dessa forma, o transporte de gás no solo apresenta
parcelas relativas à advecção e à difusão, sendo, portanto, um transporte advectivo-difusivo.
Mitchell (1991) ressalta que, geralmente, a contribuição do transporte difusivo é bem menor
que a parcela da advecção, no entanto, em casos em que o gradiente de pressão é nulo ou ainda
quando o solo apresenta coeficiente de permeabilidade (kw) inferior a 10-9 m/s, o transporte
difusivo pode exceder o advectivo.
Em geral, a difusão está sempre associada ao fenômeno da dispersão mecânica do fluido,
que seria a interferência entre o movimento do gás e as irregularidades internas da matriz do
solo. Devido à dificuldade de distinção experimental, os dois fenômenos são combinados no
chamado fluxo por dispersão hidrodinâmica, que seria a soma das parcelas de fluxo difusivo e
dispersivo. Esse fluxo é dado pela seguinte expressão (apud Ignatius, 1999):
¶C
J d = - q a ´ DL ´ (28)
¶x
onde: Jd = fluxo por dispersão hidrodinâmica (g/m2.s); θa = conteúdo volumétrico de ar no
solo; DL = coeficiente de dispersão hidrodinâmica do gás no solo = αL . v + De (m2/s); αL =
dispersividade dinâmica longitudinal (m); v = velocidade real média (m/s); De = coeficiente
de difusão efetivo (m2/s) e ∂C/∂x = gradiente de concentração no meio (g/m4).
O coeficiente de difusão efetivo (De) está relacionado com o coeficiente de difusão livre
e a tortuosidade do meio através da Equação (5), sendo que, nesse caso, Do representa o co-
eficiente de difusão do gás no ar ou coeficiente de difusão livre a uma dada temperatura. De
398 Solos não saturados no contexto geotécnico
acordo com Kamon et al. (2002), a tortuosidade do meio pode ser calculada pela expressão de
Millington e Quirk (Equação 12), mas usando o conteúdo de ar (θa) em vez de conteúdo de
água (θ) no numerador. O conteúdo de ar pode ser calculado pela Equação (29):
e ´ (1 - S )
qa = n ´ A = (29)
1+ e
onde: n = porosidade do solo; A = grau de aeração do solo; θa = conteúdo volumétrico
de ar; e = índice de vazios do solo; S = grau de saturação do solo a água.
a) Umidade de compactação
A permeabilidade de solos compactados ao gás depende da relação umidade-densidade
da curva de compactação do solo. A permeabilidade ao gás decresce lentamente com o au-
mento da umidade de compactação e densidade no ramo seco da curva de compactação. No
entanto, quando a umidade se aproxima da ótima, a permeabilidade decresce rapidamente
com pequenos incrementos de umidade (Langfelder et al., 1968). De acordo com Langfelder
et al. (1968), em vários tipos de solo, pode-se esperar que a permeabilidade ao ar já seja prati-
camente nula em torno da umidade ótima devido à oclusão do ar no solo. Outros resultados
encontrados na literatura mostram consistência com o apresentado pelos autores. Marinho et
al. (2000) observaram, também, decréscimo de três ordens de magnitude em ka (10-4 para 10-7
m/s) em solos argilo-arenosos compactados 4% acima da umidade ótima. Kamon et al. (2002)
verificaram o mesmo comportamento de queda no valor da permeabilidade com a umidade
e ainda afirmam que o ka não depende isoladamente da umidade de compactação, mas sim
do grau de saturação na compactação, que é determinado tanto pela umidade quanto pela
densidade seca, e da estrutura do solo compactado.
b) Estrutura do solo
A estrutura de solos argilosos compactados está diretamente relacionada com a energia
e umidade de compactação, pois são fatores que determinam a forma de disposição das par-
tículas no solo. Solos compactados no ramo seco da curva de compactação apresentam estru-
turas completamente distintas daqueles compactados após a umidade ótima. De forma geral,
existe uma transição da disposição aleatória das partículas para a dispersa quando o solo
passa do ramo seco para o úmido na curva de compactação. Segundo Langfelder et al. (1968),
as permeabilidades ao ar nessas duas situações são diferentes, pois os vazios com ar não apre-
sentam mesmo tamanho médio, arranjo e/ou distribuição na matriz do solo. De acordo com
Mitchell et al. (1965), uma das maneiras de se determinar o efeito isolado da estrutura na per-
meabilidade é comparar os valores da permeabilidade em corpos de prova compactados com
diferentes teores de umidade, mas com densidades secas constantes nas mesmas condições de
ensaio. Barden e Sides (1970) observaram que a permeabilidade vertical máxima ao ar (solo
seco) em amostras moldadas no ramo úmido da curva pode ser várias ordens de grandeza
inferior àquelas compactadas no ramo seco, confirmando, assim, as alterações na estrutura do
solo compactado antes e depois da umidade ótima.
Transporte de contaminantes e fluxo de gases em solos não saturados 399
c) Grau de saturação a água
Os vazios do solo não saturado são preenchidos por água e gases em diferentes propor-
ções, dependendo do grau de saturação do solo (S). O aumento da saturação, acréscimo no
volume de água nos poros, provoca uma diminuição na permeabilidade do solo ao ar, tendo
em vista que a quantidade e a continuidade dos poros aerados ficam reduzidas. Esse efeito é
acentuado em solos com elevado grau de saturação, onde o estado do ar no solo deixa de ser
contínuo para se tornar ocluso ou dissolvido na água. De acordo com Fredlund e Rahardjo
(1993), Corey (1957) e Matyas (1967) observaram que o fluxo de ar em um solo não satura-
do, geralmente, torna-se descontínuo quando o grau de saturação se eleva para valores entre
85%-90%, e, para valores acima destes, o coeficiente ka é aproximadamente igual a zero, com a
passagem de ar se reduzindo apenas ao processo de difusão. Outros autores observaram esse
comportamento para faixas de saturação de 70% a 95% dependendo do tipo de solo, umida-
de e energia de compactação (Langfelder et al., 1968; Fleureau e Taibi, 1995). Jucá e Maciel
(1999) e Marinho et al. (2001) verificaram esse rápido decréscimo da permeabilidade em um
solo argilo-arenoso do Aterro da Muribeca para saturação acima de 80%, conforme ilustrado
na Figura 11.
d) Sucção do solo
A sucção varia de acordo com a presença de água nos poros do solo, sendo alta na
condição seca e decrescendo com o aumento da umidade ou saturação. Dessa forma, pode-
-se afirmar que o aumento da sucção do solo provoca acréscimo no valor da permeabilidade
do solo ao ar. A curva característica de retenção de água é a relação sucção-umidade do
solo e sua forma depende da geometria e do tamanho dos poros, bem como da composição
mineralógica da fração fina. Solos argilosos apresentam curvas características de menor in-
clinação ou declividade, enquanto solos areno-siltosos apresentam curvas mais inclinadas
ou verticalizadas, o que leva a um rápido decréscimo da sucção para pequenas variações de
umidade.
A curva característica pode ser bastante útil, também, nas análises numéricas de fluxo
de gases uma vez que vários parâmetros podem ser obtidos, como o ponto de entrada de ar
400 Solos não saturados no contexto geotécnico
(AEV). Nesse ponto, tem-se o valor da sucção (ua – uw) acima do qual o ar se faz presente na
estrutura do solo. Se o solo for inicialmente saturado e posto na trajetória de secagem, primei-
ramente o ponto AEV é definido na curva e, ao continuar o processo de dessaturação do solo,
pode-se estimar também o GAE (ponto de entrada de ar global), que corresponderá ao valor
de umidade em que a fase ar torna-se contínua no solo, ou seja, quando ocorre uma mudança
significativa no gradiente de dessaturação do solo.
e) Conteúdo volumétrico de ar
A variação da permeabilidade ao ar pode ser analisada também em função do conteúdo
volumétrico de ar no solo (θa). Fisicamente, o conteúdo volumétrico de ar representa o per-
centual de vazios ou poros na matriz do solo efetivamente preenchidos por ar. Dessa forma, a
permeabilidade do solo ao ar aumenta com a aeração do solo. Alguns pesquisadores apresen-
tam resultados experimentais sobre o comportamento da curva de permeabilidade ao ar em
função de θa para vários tipos de solo.
k ra = (1 - Se ) ´ (1 - ( S e ) ( 2 + l ) / l ) (31)
2
ì 0,5
[
kra = 1 - íSe 1 - 1 - Se
î
1/ m
( ) ] üýþ
m 2
(32)
Se = çç a ÷÷ (33)
è (ua - uw) ø
onde: (ua – uw)b = sucção matricial relativa ao ponto de entrada generalizada do ar (GAE) e
(ua – uw) = sucção matricial para determinado valor de saturação efetiva do solo.
a) Equipamento
Maciel e Jucá (2000) apresentam metodologias de laboratório e campo para a medição
do fluxo de gases. O ensaio de permeabilidade do solo ao ar pode ser realizado em um per-
meâmetro de parede flexível com algumas adaptações ao sistema tradicional, as quais seriam
a colocação de um pré-saturador de gás anteriormente à passagem do ar na amostra e a in-
trodução de um sistema de medição de vazão do fluido na saída do corpo de prova, conforme
ilustrado na Figura 12.
b) Procedimento de ensaio
Os corpos de prova utilizados nos ensaios de permeabilidade ao ar podem ser obtidos
do campo ou compactados em laboratório. As etapas de colocação da amostra na câmara de
ensaio do permeâmetro Tri-Flex estão ilustradas na Figura 13. Posiciona-se o corpo de prova
entre pedras porosas e papel filtro na base da câmara; coloca-se a membrana de borracha látex
e o-rings no corpo de prova, instalam-se as abraçadeiras metálicas e conectam-se os tubos
plásticos no cap acrílico superior e, por fim, preenche-se com água a célula de ensaio para
confinamento lateral/horizontal da amostra.
Maciel e Jucá (2002), Maciel (2003) e Maciel (2009) descrevem e discutem métodos de
campo para medir o fluxo de gases. Os principais métodos de investigação de fluxo de gases
em cobertura de aterros são: (i) placas de fluxo (estática e dinâmica), (ii) medidas por gra-
dientes subsuperficiais, (iii) métodos de avaliação da pluma de contaminação (dispersão) e
(iv) termografia. Dessas técnicas, as duas primeiras são consideradas “pontuais”, enquanto as
outras são utilizadas de forma “global” para todo o aterro. Apesar do crescente desenvolvi-
mento dessas técnicas nos últimos anos, inúmeras incertezas ainda estão relacionadas ao uso
e aos fatores que afetam o fluxo de gases em aterros. O método de investigação que vem sendo
utilizado no Brasil é o da placa de fluxo estática.
de emissão mássica superficial de CH4 (g/s.m2); Vplaca = volume útil da placa de fluxo = 8,34
litros, Aplaca = área de solo coberta pela placa = 0,1560 m2, ∆CCH4/∆t = variação da concentra-
ção do CH4 (% vol.) com o tempo (s), Tinterna = temperatura interna do gás na placa (ºC), Patm
= pressão atmosférica (mbar) e ρCH4 = massa específica do CH4.
5 Comentários Finais
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Capítulo 15
Solos colapsíveis e expansivos
1 INTRODUÇÃO
Uma característica inerente aos solos não saturados é a tendência a sofrer variações de
volume quando se lhes altera o teor de umidade sob tensões praticamente constantes. Quando
se aumenta o teor de umidade, pode ocorrer redução de volume, como ocorre, tipicamente,
em solos de baixa densidade, ou seu aumento, comportamento típico dos solos expansivos.
As razões para tal são diferentes num e noutro caso. Nos solos de baixa densidade, o aumento
de umidade resulta numa redução da resistência nos contatos inter partículas, comumente
por redução de sucção, um rearranjo estrutural e uma nova condição de equilíbrio sob a carga
atuante e o novo teor de umidade ou nova sucção. A esse fenômeno, tem-se dado o nome de
colapso, donde a designação de solo colapsível ou colapsável aos solos que experimentam o
fenômeno. Embora colapso tenha um significado amplo, principalmente, em engenharia, o
fato é que, em Geotecnia, a palavra ganhou o significado de expressar a redução de volume
demonstrada por certos solos quando são umedecidos. Nessa perspectiva, os solos são ainda
designados de verdadeiramente colapsíveis quando experimentam o fenômeno de redução de
volume por umedecimento sob peso próprio e condicionalmente colapsíveis quando a redu-
ção de volume se processa sob a ação de uma sobrecarga adicional.
No Brasil, a grande ênfase no estudo de solos colapsíveis data da década de 1970, mo-
tivado pela construção de barragens no Centro-Sul e por problemas associados a fundações
de barragens e de edifícios no Sudeste e em municípios do semi-árido (Vargas, 1973; Pinto,
1978; Vilar et al., 1981, dentre outros). Os solos expansivos são encontrados em várias re-
giões do país, em especial, no Nordeste, onde aparecem em camadas de formação cretácea,
aproximadamente, ao longo do meridiano da Bahia para o norte, até atravessar Pernambuco
e Ceará. O solo expansivo do Massapê do Recôncavo Baiano foi motivo de estudos de vários
pesquisadores, como Sobral (1956) e Simões e Costa Filho (1981). Nas regiões Centro-Sul e
Sul, foram encontrados solos expansivos, por exemplo, em camadas superficiais de podzó-
licos das Formações Passa Dois e Grupo Tubarão, em São Paulo, Paraná e Santa Catarina e,
também, na Formação Santa Maria, no Rio Grande do Sul (Vargas et al., 1989). Há ocorrên-
cia, ainda, de solos expansivos no Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Mato
Grosso (Ferreira, 1995).
416 Solos não saturados no contexto geotécnico
Cumpre destacar o fato de que certos solos com baixa densidade e com minerais expan-
sivos podem experimentar colapso ou expansão, a depender do nível de carga atuante, confor-
me se mostrará mais adiante. Entretanto, para maior clareza, o texto abordará separadamente
os aspectos gerais dos solos colapsíveis e dos expansivos e, quando necessário, far-se-á men-
ção à ocorrência dos fenômenos conjuntamente. Optou-se por conduzir o texto com base,
Solos colapsíveis e expansivos 417
principalmente, nos dados empíricos obtidos para solos brasileiros, reconhecendo-se, entre-
tanto, que há um considerável acervo de dados disponível na literatura produzido em insti-
tuições estrangeiras. Ressalta-se, ainda, que por se tratar de deformações por umedecimento
e sem acréscimo de cargas, estão excluídas, do texto, considerações sobre o adensamento de
solos não saturados, promovidas por acréscimos de tensão e que podem resultar na expulsão
de ar e/ou de água dos vazios dos solos.
2 SOLOS COLAPSÍVEIS
Figura 1 – Critério de Gibbs (1961) atualizado com dados de cerca de 100 tipos de solo (Vilar e Rodrigues, 2007)
Solos colapsíveis e expansivos 419
No ensaio edométrico ou de adensamento com inundação por estágios, após estabili-
zados os recalques devidos ao carregamento, inunda-se o corpo de prova e registram-se os
recalques adicionais, enquanto, no ensaio duplo de adensamento (Jennings & Knight, 1957),
conduzem-se, paralelamente, dois ensaios de adensamento: um a teor de umidade natural e
outro com a amostra inundada antes do primeiro carregamento. A Figura 2 ilustra resultados
típicos empregando essas duas alternativas de teste.
(a) (b)
onde: onde:
ei, εi – índice de vazios ou deformação σcn – Tensão de pré-consolidação virtual do
volumétrica específica até a tensão solo na umidade natural;
considerada antes da inundação; σcs – Tensão de pré-consolidação virtual do
ec, εc – índice de vazios ou deformação solo inundado;
volumétrica específica após a σvo – Tensão vertical devido ao peso
inundação; próprio do solo em campo.
Com base nos valores para potencial de colapso (PC), Abelev (1948) classifica como
solos colapsíveis aqueles que apresentem valores superiores a 2%. Vargas (1978) utiliza o mes-
mo critério de Abelev (1948), com a diferença de não ter restrições à tensão de inundação.
Na Tabela 3, é apresentada a classificação proposta por Jennings & Knight (1975), indicando
a gravidade dos problemas nas edificações e a classificação de Lutenegger & Saber (1988),
indicando o grau de severidade ao colapso.
420 Solos não saturados no contexto geotécnico
No caso dos ensaios duplos, a diferença de ordenadas entre as duas curvas, para uma
dada tensão, permite calcular a deformação por colapso. Partindo do pressuposto de que não
devem ocorrer variações volumétricas devido a variações de umidade, sob condições de equi-
líbrio com o peso do solo sobrejacente no campo, Jennings & Knight (1957) sugerem uma
aproximação geométrica para sobrepor as curvas de compressão dos dois testes e, com isso,
podem-se calcular os recalques devido à inundação para condições sem deformação lateral
ou em repouso.
Solos colapsíveis e expansivos 421
Reginatto & Ferrero (1973) apresentaram um critério para determinar a suscetibilidade
ao colapso dos solos para uma determinada tensão vertical, tomando-se como referência a
tensão vertical geostática e a tensão de pré-adensamento sob duas condições limites: na umi-
dade natural e na condição saturada. Definem o Coeficiente de Colapsibilidade (Equação 1) e
classificam os solos em verdadeiramente colapsível e condicionado ao colapso.
s cs - s v 0
C=
s cn - s v 0 (2)
onde:
C – Coeficiente de Colapsibilidade; σcn – Tensão de pré-adensamento ou de cedência virtual
do solo na umidade natural; σcs – Tensão de pré-adensamento ou de cedência virtual do
solo inundado; σvo – Tensão vertical devida ao peso próprio do solo em campo.
Para a avaliação de colapso por meio de ensaios de campo, Ferreira e Lacerda (1993)
desenvolveram um equipamento simples denominado expansocolapsômetro (Figura 4), que
permite avaliar a variação de volume dos solos em campo em diferentes profundidades do
perfil geotécnico. Após a abertura de um furo por sondagem a trado, é iniciado o carregamen-
to em estágios até alcançar uma tensão específica, quando é feita a inundação. Os recalques
são acompanhados até a estabilização, e o potencial de colapso é definido segundo a Equa-
ção 3. Uma nova versão do expansocolapsômetro foi apresentada por Ferreira et al. (2002b).
Mahmoud et al. (1995) também desenvolveram um equipamento para realização de ensaios
de colapso, cuja metodologia foi denominada Down-Hole Collapse Test.
DH
PC (%) =100 × (3)
H
onde:
ΔH – variação de altura (recalque) devido à inundação;
H – é a espessura inicial da camada comprometida com o processo do colapso
antes da inundação. Essa profundidade pode ser determinada pela variação da
umidade do solo alterada com a inundação ou profundidade abaixo da placa
em que a transmissão de tensão é significativa.
422 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
Figura 5 – Ensaios de compressão triaxial com tensão confinante de 50 kPa e umedecidos sob diversos
estados de tensão: (a) deformações axiais; (b) deformações radiais (Vilar e Davies, 2001)
A Figura 6 reúne os potenciais de colapso na direção axial registrados nos ensaios uni-
direcionais e nos ensaios de compressão triaxial, realizados sob distintas tensões confinantes.
Nota-se, para todas as relações σ1/σ3, exceção feita à σ1/σ3 = 1, que os potenciais de colapso
tendem a atingir um máximo e, depois, decrescer com a tensão axial, fato que também ocorre
com o ensaio edométrico. Além disso, observa-se que, com o aumento da σ1/σ3, os potenciais
de colapso tendem a aumentar. Por fim, ao comparar as magnitudes de colapso, observa-se
que, nos ensaios edométricos, os valores são, pelo menos, 30% maiores que os observados
nos ensaios triaxiais. Essa diferença tende a crescer à medida que decresce a relação σ1/σ3 nos
ensaios triaxiais.
Figura 6 – Potenciais de colapso axiais versus tensão axial (Vilar e Davies, 2001)
Figura 7 – Câmara edométrica para ensaios com sucção controlada (adaptada de Escario e Saez, 1973b)
Escario e Saez (1973b), utilizando seu edômetro com sucção controlada, foram os pri-
meiros a mostrar o desenvolvimento das deformações por umedecimento gradual ou redução
da sucção em um solo, revelando que não era necessário inundar o solo para que as deforma-
ções ocorressem. Mostraram, ainda, que, dependendo do nível de tensões e de sucção atuan-
tes em certos solos, tanto poderia ocorrer colapso, como expansão em determinados solos.
A Figura 8(a) ilustra resultados obtidos por Vilar (1995), utilizando o mesmo solo origi-
nalmente ensaiado por Escario e Saez (1973 b), uma argila cinza de natureza expansiva, que
apresentava LL= 71%; LP = 36% e LC = 22%. Essa argila foi levemente compactada até uma
massa específica seca de 1,23 g/cm3 e umidade de 22%, sendo que os parâmetros de compac-
tação do Proctor Normal eram ρdmáx = 1,325 g/cm3 e wot = 33,6%. O valor inicial de sucção foi
reduzido para 2,5 MPa e, em seguida, para 1,5; 1,0; 0,5 e 0 kPa, registrando-se as deformações
Solos colapsíveis e expansivos 425
acumuladas em cada nível de sucção. Nota-se que, partindo-se da sucção inicial, a redução
até 1,0 MPa de sucção provocou deformações desprezíveis até 600 kPa de tensão. As defor-
mações começam a ser relevantes quando a sucção é reduzida para 0,5 MPa e confirma-se o
fato de que não é necessáriaa total saturação do solo para que se desenvolva deformação por
umedecimento, embora os máximos de deformação estejam associados à sucção nula. Notar
que, para tensões inferiores a 200 kPa, a progressiva redução de sucção origina deformações
por expansão, representada por valores positivos nas ordenadas.
Um efeito semelhante ao descrito no parágrafo anterior pode ser observado com relação
à umidade, conforme se ilustra na Figura 8(b). Nesse caso, tem-se uma argila de alta plastici-
dade, ensaiada com distintas umidades e inundada sob a tensão de 160 kPa. Para as menores
umidades, as deformações são de colapso (valores positivos nas ordenadas), enquanto que,
para as umidades mais altas, são de expansão.
(a) (b)
Figura 8 – (a) Deformações graduais originárias de redução de sucção (Vilar, 1995); (b) Influência da
umidade sobre as deformações por inundação sob uma tensão de 160 kPa (Ferreira e Ferreira, 2009)
O efeito de diferentes níveis de sucção nas curvas de compressão confinada pode ser
apreciado na Figura 9(a), que se refere a ensaios realizados com amostras indeformadas de
areia fina argilosa, retiradas a 8 m de profundidade no Campo Experimental de Fundações da
EESC-USP. Como esperado, a sucção tende a enrijecer o solo e a aumentar a tensão de pré-
-adensamento ou, mais apropriadamente, da tensão de plastificação ou de cedência do solo.
Ensaios complementares a esses indicam que os índices de compressão tendem a aumentar
com a sucção, ou seja, as curvas tendem a se juntar em algum valor de tensão, característica
típica dos solos que experimentam um máximo de colapso. A Figura 9(b) ilustra resultados
semelhantes aos da Figura 9(a) somente que agora a variável de controle é a umidade. Nesse
caso, trata-se de uma areia siltosa, com peso específico seco inicial de 16,25 kN/m3. Observa-
-se que o aumento da umidade torna mais compressível o solo, de forma que quanto maior
a umidade inicial, menores ou inexistentes serão as deformações por colapso. Nessa Figura,
pode-se, ainda, apreciar o fato de que os ensaios edométricos duplos retratarão, na verdade, o
que ocorre na umidade (e sucção) existente quando da amostragem. Nota-se que as deforma-
ções por colapso, calculadas a partir da diferença de ordenadas entre determinada curva e a
curva de sucção nula, dependerão de qual sucção (ou umidade) se utiliza como representativa
do solo em sua condição natural.
426 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 9 – Curvas de compressão confinada. (a) Influência da sucção (Machado e Vilar, 1997);
(b) Influência da umidade (Ferreira, 1995)
Os ensaios com sucção controlada permitem abastecer modelos como o de Alonso et al.
(1990). Assim, a curva LC – load collapse do citado modelo é composta a partir das tensões de
pré-adensamento e correspondente sucção, devendo-se atentar que, nesse caso, tem-se a curva
LC relacionada a um estado de carregamento sem deformação lateral, ou seja, solo em repouso.
O desenvolvimento de deformações provocadas por redução de sucção ou umedecimen-
to gradual do solo também foi reproduzido para um solo típico do sudeste brasileiro, como se
ilustra na Figura 10, que inclui o efeito da ciclagem de sucção sobre as deformações. Nota-se
que quanto maior o valor da sucção inicial da amostra, mais distribuídas são as deformações
provocadas pelo umedecimento paulatino. Amostras mais úmidas (sucção inicial de 50 e 100
kPa) suportam valores mais baixos de sucção, da ordem de 10 kPa, sem que se desencadeie
uma parcela considerável do colapso total. Grande parte do colapso total surge quando o
valor da sucção é reduzido de 10 para 0 kPa. Nas amostras com sucção inicial de 200 e
400 kPa, aproximadamente 40% do colapso total ocorre com a saturação do solo; os outros
60% já foram desencadeados pela redução paulatina da sucção. Vê-se, também, que sucções
da ordem de 10 kPa são capazes de preservar parte da estrutura do solo, de sorte que uma
parte do colapso total ainda possa ocorrer quando a sucção é reduzida a zero. Nos ciclos de
umedecimento e secagem, as deformações produzidas pelo novo umedecimento da amostra
revelam-se reversíveis e de pequeno valor.
Figura 10 – (a) Deformações proporcionadas pela redução e ciclagem da sucção; (b) Percentagem de
colapso ocorrido com a redução paulatina e ciclagem da sucção (Vilar e Davies, 2002)
Solos colapsíveis e expansivos 427
(a) (b)
Figura 11 – (a) Tensões verticais e horizontais em condição de repouso para diferentes sucções;
(b) Tensões verticais e horizontais em condição de repouso para diferentes sucções
e com umedecimento do solo (Machado e Vilar, 1997)
3 SOLOS EXPANSIVOS
Para um solo ter caráter expansivo depende, primariamente, do tipo de argila existente,
uma vez que nem todos minerais argilosos experimentam modificações volumétricas. Essa
instabilidade pode ser especialmente importante nas argilas esmectitas, em especial, a mont-
morilonita e a vermiculita, ocorrendo, também, nos interestratificados de montmorilonita
com clorita, ilita e vermiculita. A haloisita tem capacidade de expansão, porém, muito mais
limitada. Os solos contêm, normalmente, minerais não argílicos, tais como sílica, feldspato e
precipitados químicos. A capacidade expansiva também poderá ser devido à presença deste
último.
428 Solos não saturados no contexto geotécnico
Existem outros fatores condicionantes ligados ao solo (distribuição das partículas de ar-
gila, porosidade, orientação mineralógica, cimentação, etc.) e estruturais (perfil estratigráfico,
espessura do solo, descontinuidade, etc.), que influenciam igualmente o potencial expansivo
do solo. A capacidade expansiva do solo depende, também, da natureza da fração argilosa e
de sua formação.
Para que se manifeste o potencial expansivo na mudança de umidade do solo, destacam-
-se dois grandes grupos: i) mudanças sazonais; ii) modificações da umidade natural do terre-
no pela ação humana.
As mudanças sazonais estão vinculadas às variações climáticas ao longo do ano. As os-
cilações periódicas de umidade na superfície do terreno dependem da relação precipitação/
evaporação. Como a evaporação se realiza com frequência pela atividade da biomassa, utiliza-
-se o termo “evapotranspiração”.
Se, num período anual, a precipitação excede a evapotranspiração e supera a capacidade
de retenção de água intrínseca do terreno, produz-se uma eliminação por drenagem do exces-
so de água. Essa água, se o solo é permeável, pode dar lugar a um nível freático. As alterações
sazonais de umidade são, nessas condições, pouco manifestas.
Caso as precipitações estejam concentradas em determinadas estações, nos meses de
seca, pode produzir-se uma evapotranspiração não equilibrada pela contribuição natural da
água. Esse déficit tende a se compensar a partir da água retida pelo terreno. A umidade perdi-
da tenderá a ser recuperada nos períodos de chuva. O resultado final são mudanças sazonais
de umidade na franja mais superficial do solo.
A evapotranspiração depende da vegetação, que desenvolve uma grande atividade vital
precisamente no começo dos meses secos, contribuindo na dessecação do terreno. Outros
fatores que a condicionam são a umidade relativa do ar, sua velocidade e a temperatura.
A implantação de uma obra de engenharia provoca uma perturbação local de umidade
natural do solo. Em uma primeira fase, a escavação realizada permite atingir as cotas super-
ficiais dos terrenos que se encontram em determinadas condições de umidade, motivando,
em muitas ocasiões, sua modificação temporal. Após a execução da obra, impede-se o acesso
vertical de água ao terreno e as perdas por evaporação. Isso cria um desequilíbrio em relação
aos terrenos circundantes, o que pode determinar movimentos de umidade. As transferências
estão favorecidas, em climas quentes, pelo maior aquecimento que experimentam as zonas
vizinhas às construídas, que estão protegidas da insolação.
O resultado final pode ser uma franja úmida sob a zona construída que determine o
intumescimento do solo, ou, alternativamente, o desenvolvimento de tensões. Essas instabili-
dades podem ser muito pronunciadas se, durante a realização das obras, permite-se uma forte
dessecação do terreno.
Na Tabela 6, fez-se alusão à tensão de expansão, isto é, à tensão que o solo exerce durante
o processo de expansão. Trata-se de uma propriedade de difícil determinação e que depende
da trajetória de tensões empregada nos ensaios para sua determinação, conforme se ilustra
na Figura 12.
De acordo com os esquemas da Figura 12, têm-se as seguintes alternativas:
Método 1: Carregamento após expansão com diferentes tensões verticais de consolida-
ção. Aplica-se uma tensão na amostra confinada lateralmente, medindo-se a expansão indu-
zida pela inundação até sua estabilização. Em seguida, prossegue-se com o carregamento até
que o corpo de prova retorne à sua altura inicial, registrando-se a tensão necessária para tal,
que será a tensão de expansão.
Solos colapsíveis e expansivos 431
Método 2: Expansão e colapso sob tensão. Aplica-se uma tensão na amostra de solo;
após estabilização das deformações, inunda-se e mede-se a deformação ocorrida. Usando-se
um papel semilogarítmo, marca-se o ponto correspondente à tensão aplicada e à deformação
ocorrida. Com esses pontos, traça-se uma reta, e a tensão de expansão é obtida por extrapo-
lação correspondente à deformação zero.
Método 3: Volume constante. Consiste em medir, no edômetro, a tensão necessária para
impedir a mudança de volume da amostra de solo depois de inundá-lo.
Método 4: Rao et al. (1988). Aplicam-se sucessivos incrementos de tensão quando o
corpo de prova é inundado, procurando-se impedir o aumento de volume. Assim, como no
ensaio de adensamento, continua-se a aplicar tensões. A tensão de expansão é obtida por pro-
cedimento gráfico similar à determinação da tensão de pré-consolidação de um solo saturado.
Método 5: Justo et al. (1984). A tensão de expansão é obtida pela interseção da curva de
inundação sob tensão com a curva de umidade constante.
Método 6: “Edométrico duplo”. Consiste em determinar a tensão de expansão por meio
das curvas obtidas a partir do ensaio edométrico duplo. A tensão de expansão será a tensão
que corresponde, no corpo de prova inundado, ao mesmo índice de vazios inicial do corpo de
prova na umidade natural.
dação sob tensão e umidade natural constitui uma importante informação sob a influência da
trajetória de tensão e o estado de umidade no comportamento do solo. O processo de defor-
mação de expansão ou colapso ocorre simultaneamente no solo, sendo medida, nos ensaios,
a deformação resultante, que é função do estado de tensão (tensão vertical, índice de vazios e
sucção) em que se encontra o solo antes da inundação, conforme Figura 13. Assim, para um
determinado estado de tensão, a deformação devido à inundação, medida com o tempo, pode
ser só de expansão (por exemplo: tensões inferiores a 160 kPa), expansão e colapso (240 e
400 kPa) ou só colapso (tensões superiores a 640 kPa). Nesse processo, ocorrem: expansão ou
colapso inicial, primário e secundário.
Figura 13 – (a) Regiões de expansão, colapso e contração – argila de alta plasticidadede Petrolândia–PE;
(b) Colapso e expansão devido à inundação com o tempo (Ferreira e Ferreira, 2009)
Figura 14 – a) Fissuras e micro relevos em período seco; b) Fissuras e micro relevos em período chuvoso;
c) Zona ativa; d) Tensões efetivas e de expansão; e) Razão entre tensões efetivas e de expansão
em argila de alta plasticidade de Petrolândia–PE, (Ferreira e Ferreira 2009)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Capítulo 16
Recalques em solos não saturados com
bolhas de ar oclusas
1 INTRODUÇÃO
zeolita, uma substância química que tem a característica de retirar água dos vazios, deixando,
em seu lugar, um gás escolhido previamente, nesse caso, o metano. Essa técnica permite que
se obtenham amostras com graus de saturação maiores que 75% e com as bolhas de gás envol-
vidas por uma matriz saturada (Murrieta, 1990a).
O índice de vazios da amostra total poderia ser maior que o PVR uma vez que aquele
levaria em conta o volume de ar nos vazios que, eventualmente, ocorresse.
Wheeler (1986) chamou o índice de vazios da matriz saturada (que seria o mesmo parâ-
metro que o PVR de Brackley) de “matrix void ratio ew”. Pode-se provar que:
ew = Sr e (2)
onde:
e = índice de vazios da amostra;
Sr = grau de saturação.
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 443
Analogamente, tem-se o índice de vazios da fase gasosa, eg:
Vg
eg = (3)
Vs
onde:
Vg = volume de gas.
Da mesma forma:
eg = (1−Sr ) e (4)
Com essas considerações, fica fácil tratar isoladamente a matriz saturada do solo utili-
zando a teoria do adensamento proposta por Terzaghi e tratar a fase gasosa com as equações
tradicionais de compressibilidade dos gases. Esse tratamento distinto torna esta abordagem
mais adequada à condição de não-saturação do solo, especialmente no que se refere à previsão
dos recalques diferidos.
Nos solos argilosos com o ar contínuo nos vazios, não há praticamente recalque diferi-
do. O processo que ocorre quando esse solo é sujeito a um carregamento é, nitidamente, de
com- pressão imediata. Não havendo um processo real de adensamento em curso, a previsão
dos recal- ques é, quase sempre, de menor importância já que, na maioria da vezes, ocorrem
durante a cons- trução e podem ser tratados adequadamente. Nesse tipo de solo as pesquisas
têm se direcionado, com muita propriedade, para a expansão ou mesmo o colapso da estrutu-
ra do solo devido à variação do grau de saturação.
Nos solos argilosos com bolhas de ar oclusas há um processo de adensamento nos mol-
des tradicionais. Nesta situação costuma-se simplesmente aplicar a teoria unidimensional de
Terzaghi. Isto pode levar a erros grosseiros uma vez que, diferentemente de um solo saturado,
nesse tipo de solo ocorre uma grande parcela de deformação inicial devido tão somente à
compressibilidade das bolhas de ar. A Figura 4 mostra o primeiro carregamento do ensaio
OC1 executado em uma amostra com bolhas oclusas e grau de saturação inicial em torno de
75% (Murrieta,1990). Pode-se notar que cerca de 1/3 da deformação ocorrida naquele carre-
gamento foi devida à compressão das bolhas de ar nos momentos iniciais
Outra alternativa para a previsão das deformações é usar métodos que utilizam técnicas
numéricas e parâmetros quase sempre de difícil determinação, dificultando sua utilização
corriqueira. O método aqui proposto tenta contornar esse problema aliando à simplicidade
de aplicação, o uso de parâmetros obtidos a partir de ensaios de adensamento convencionais.
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 445
Com relação à hipótese i, mesmo com as restrições que existem em relação à teoria de
Terzaghi, o seu uso é amplamente aceito entre os engenheiros geotécnicos. O mesmo pode-se
dizer da hipótese ii.
A hipótese iii é análoga à de Terzagi referente às tensões efetivas e índice de vazios e tem
suporte experimental nos trabalhos de Nageswaran (1983), Wheeler (1986), Thomas (1987),
Boden (1989) e Murrieta (1990b).
A hipótese iv tem sido aceita por um grande número de pesquisadores, tais como Biot
(1941), Taylor (1942), Scott (1965), Barden (1979), Thomas (1987), pois, considerando a di-
mensão dos canalículos de um solo argiloso, é pouco provável que haja fluxo livre da bolha de
ar nos vazios em quantidade significativa.
Em relação à hipótese v, é certo que se a bolha estiver completa e exclusivamente envol-
vida pela água dos vazios, como se vê na Figura 1b, esta hipótese não é válida, uma vez que,
nesse caso, a dissipação da pressão na água teria por consequência a expansão da bolha com
redução de sua pressão, ou seja, a pressão da água é que controlaria a pressão na bolha. Entre-
tanto, tendo ainda em vista a dimensão dos canalículos de um solo argiloso, esta considera-
ção – a água envolver completa e exclusivamente a bolha – é pouco razoável. No trabalho de
Thomas (1987) e de Murrieta (1990b) a hipótese da pressão inicial da bolha ser igual à tensão
total atuante em torno da bolha, mesmo com a água dos vazios em condições hidrostáticas,
mostrou-se plenamente aceitável para solos do tipo mostrado na Figura 2, em que a bolha de
ar é envolvida por uma matriz de solo saturada.
A bem da simplicidade, desprezou-se a dissolução do ar na água, ou seja, considerou-se
o coeficiente de solubilidade de Henry, (H), igual a zero. No entanto, um valor diferente de
zero para H pode ser usado, bastando para isso incorporar-se a lei de Henry à lei de Boyle
conforme feito por Murrieta (1990b). Deve se ter em conta que esta inclusão traria uma maior
complexidade ao método e, provavelmente, sem a contrapartida de melhorar seus resultados,
devido às dúvidas que se possa vir a ter sobre o valor de H.
sendo:
∆eg
∆Hg = Ho (6)
1 + eo
∆ew
∆Hw = Ho (7)
1 + eo
onde:
∆eg = variação do índice de vazios da fase gasosa;
∆ew = variação do índice de vazios da matriz saturada;
Ho = espessura da amostra ou da camada de solo;
eo = índice de vazios inicial.
A Equação 6 representa a variação da altura da fase gasosa e pode ser calculada usando-
-se a lei de Boyle. Da mesma forma a Equação 7 é a variação da altura da matriz saturada e
pode ser calculada com a teoria de Terzaghi.
Tem-se então:
∆eg ∆ew
∆H = Ho + H (8)
1 + eo 1 + eo o
tem-se
Ho (1 – Srf ) ef
Hgf = (20)
1 + eo
onde ef é o índice da vazios final da amostra devido a um carregamento.
Substituindo 2 em 20 tem-se:
H (1 – Srf ) ewf
Hgf = o (21)
(1 + eo ) Srf
ewf é o índice de vazios final da matriz saturada e pode ser escrito como:
ewf = eo Sro – Δew (22)
O valor de ∆ew pode ser calculado através das curvas (σv – uw) x ew (v. Figura 3).
(σvf – uw )
Δew = Ccw log (23)
(σvi – uw )
onde:
σvi – uw = tensão inicial;
σvf – uw = tensão ao fim do incremento;
Ccw = índice de compressão da matriz saturada.
(24)
(25)
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 449
Os valores do grau de saturação durante o ensaio não estão disponíveis nos ensaios de
adensamento em equipamentos convencionais. Nesse caso, apenas o grau de saturação inicial
(antes do primeiro carregamento) e o final (após o último descarregamento), estão disponíveis.
Conforme ressaltado anteriormente, a célula de adensamento de Oxford foi projetada
especialmente para ensaiar solos com bolhas de ar oclusas e tinha características únicas como
permitir a determinação do grau de saturação da amostra ao final de cada carregamento. A
partir dessas determinações da célula de Oxford, observou-se uma relação logarítmica entre
a tensão vertical (σv – uw) e o grau de saturação (Sr) ao final de cada carregamento, do tipo
mostrado na Figura 6.
onde:
S – Sri
b = rf
(27) σvf – uw
log
σvi – uw
a = valor de Sr quando (σv – uw) = 1 kPa, podendo ser calculado com a expressão:
T = fator tempo
t = tempo
Hd = maior caminho de drenagem na amostra ou na camada, descontada a compressão
inicial do ar, ∆Hg.
4 EXEMPLOS DE APLICAÇÃO
Em recente trabalho, Del Duca (2015) apresenta um programa em Visual Basic que a
partir dos dados de um ensaio de adensamento convencional, calcula todos os parâmetros
necessários para a utilização do método aqui proposto. Apresenta-se a seguir os resultados
obtidos com esse programa, que está disponível no site da ABMS.
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 453
Tabela 3 – Dados Fornecidos
PARÂMETROS FORNECIDOS DA AMOSTRA E DO ANEL
DENSIDADE REAL DOS GRÃOS (G) 2,65
UMIDADE INICIAL, wo (%) 50,00
UMIDADE FINAL, wf (%) 35,00
MASSA DO ANEL + AMOSTRA, M a+a (g) 385,00
MASSA DO ANEL, Ma (g) 325,00
DIÂMETRO DO ANEL, d (mm) 50,00
ALTURA DO ANEL, ho (mm) 20,00
CONSTANTE DO EXTENSÔMETRO, Ce (mm/div) 0,010
ALTURA FINAL DA AMOSTRA, hf (mm) 14,24
PESO ESPECÍFICO DA ÁGUA, γ w (kN/m3) 10,00
ACELERAÇÃO DA GRAVIDADE, g (m/s2) 9,81
γg
eo = –1 (35)
γd
Gwo
Sro = 100 (36)
eo
Mt M – Ma
Md = = a+a
1 + Wo 1 + Wo (37)
πd2
Vt = (38)
4
ho
hs = (39)
1 + eo
Com os parâmetros conhecidos e as leitura do extensômetro na Tabela 2, pode-se pre-
encher a Tabela 5 e outras semelhantes (que não serão aqui apresentadas) para todos os
carregamentos do ensaio usando as seguintes expressões:
a) Altura da amostra, hl
sendo:
hl = altura da mostra no tempo t;
h0 = altura inicial da mostra;
L0 = leitura inicial no extensômetro;
Ll = leitura no extensômetro no tempo t;
Ce = constante do extensômetro.
(42)
Com os valores da altura dos sólidos, do índice de vazios e do grau de saturação, pode
-se calcular o hw com a Equação 43.
Sr (43)
hw = 1 + e hs
100
A altura da fase gasosa pode ser encontrada com a simples subtração da altura da amos-
tra da altura da matriz saturada:
hg = hl − hw (44)
456 Solos não saturados no contexto geotécnico
Para determinar-se o ew, multiplica-se os valores dos índices de vazios da amostra pelo
grau de saturação conforme visto na Equação 2.
A Tabela 7 mostra a variação da altura da matriz saturada da amostra para todos os car-
regamentos a partir da coluna 6 de tabelas semelhantes à Tabela 5.
(47)
(48)
(49)
H0 + H100
Hd = (50)
4
onde:
– d1 = altura da amostra para o tempo t1;
– d2 = altura da amostra para o tempo t2;
– d3 = altura da amostra para o tempo t3;
– t1 = tempo de 0,25 min;
– t1 = tempo de 2,0 min;
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 459
– t1 = tempo de 120 min;
– d0 = altura da amostra no início do adensamento obtida com a Equação 51:
– d100 = altura da amostra no 100% do adensamento obtida com a Equação 50:
– Hd = maior caminho de drenagem da amostra e igual a:
Tabela 9 – Valores de cvw da matriz saturada pelo método de Sivaram & Swamee (1977)
σv - uw d1 d2 d3 t1 t2 t3 d0 d100 Hd cvw
kPa mm mm mm min min min mm mm mm m2/s
12,0 18,114 18,076 17,925 0,25 2,0 120,0 18,13 17,92 9,01 4,2E-08
25,0 17,831 17,797 17,644 0,25 2,0 120,0 17,85 17,64 8,87 3,2E-08
50,0 17,519 17,484 17,318 0,25 2,0 120,0 17,54 17,32 8,71 3,0E-08
100,0 17,150 17,087 16,710 0,25 2,0 120,0 17,18 16,70 8,47 1,9E-08
200,0 16,389 16,272 15,601 0,25 2,0 120,0 16,45 15,59 8,01 1,9E-08
400,0 15,163 15,008 14,237 0,25 2,0 120,0 15,25 14,23 7,37 2,0E-08
800,0 13,735 13,439 12,675 0,25 2,0 120,0 13,90 12,67 6,64 4,1E-08
A determinação de kvw é feita com a Equação 51, usando os valores de cvw mostrados na
Tabela 9 e os de mvw na Tabela 8. Desta forma, monta-se a Tabela 10:
kvw = cvw mvw γw (51)
Os valores de ugi são admitidos como iguais à tensão total daquele carregamento e os de
ugf podem ser determinados com a Equação 53:
(u + uatm ) Hgi
ugf = gf – uatm (53)
Hgf
onde:
uatm = pressão atmosférica = 101,3 kPa
Hi ei (1 – Sri)
Hgi = (54)
1 + ei
σvf – uw
Hi (1 – Srf ) Sri ei – Ccw log
σvi – uw
Hgf = (55)
1 + ei
Os valores de hi , ewi , ewf , Sri, e Srf , são transcritos de tabelas semelhantes à Tabela 5.
Tabela 11 – Cálculo de B g
σi-uw σf-uw hi Sri Srf
ewi ewf
kPa kPa cm % %
1 12 2,000 1,602 1,567 82,73 84,84
12 25 1,974 1,567 1,512 84,84 85,46
25 50 1,931 1,512 1,452 85,46 86,05
50 100 1,885 1,452 1,344 86,05 86,64
100 200 1,802 1,344 1,167 86,64 87,23
200 400 1,666 1,167 0,958 87,23 87,82
400 800 1,505 0,958 0,722 87,82 88,41
A partir dos valores de σv-uw e ewf obtidos na Tabela 9 pode-se traçar a curva de compres-
sibilidade mostrada na Figura 7:
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 461
k) Índice de compressão C cw
Ho eo ( 1 – So ) 6 x 1,602 1 – 82, 73
Hgo = = 100 = 0.64 m
1 + eo 1 + 1.602
Pode-se então achar o recalque da camada devido à compressão dos gases através da
equação 23:
Para o cálculo do recalque ao final do adensamento devido à expulsão da água dos va-
zios, utiliza-se a equação 24:
σ 145,84
Ho Ccw log vf (6 – 0,14) 0,486 log
σvo 45,84
ΔHw = = = 0,62 m
1 + eo 1 + 1,602
O recalque total da camada será obtido com a equação 5:
ΔHtotal = ΔHg + ΔHw = 0,14 + 0,56 = 0,70m
No exemplo em pauta, a variação dos recalques com o tempo pode ser obtida utilizando-
-se as expressões 30, 31 e a Equação 57, proposta por Sivaram & Swamee (1977), que relaciona
o fator tempo com as percentagens de recalques.
cvw t 1,85 x 10-8 x 10 ✳ 365 ✳ 24 ✳ 60 ✳ 69
T= = = 0,170
Hd2 62
(57)
5 OUTRAS SITUAÇÕES
A aplicação mostrada foi feita para uma argila normalmente adensada. No entanto, não
há nenhuma restrição a esse método ser usado em argilas pré-adensadas, uma vez que a se-
Recalques em solos não saturados com bolhas de ar oclusas 463
paração feita no cálculo entre a matriz saturada e a fase gasosa, faz com que todas as situa-
ções admitidas para um solo saturado na teoria de Terzaghi, sejam também admitidas para
a matriz saturada. A influência do pré-adensamento na pressão do gás – que ocorre através
da estrutura da argila – é levada em conta, uma vez que, o parâmetro Bg seria obtido de
resultados de ensaios em amostras, que se supõe, representativas da camada pré-adensada. O
mesmo pode-se dizer para a condição de sub-adensamento, carregamento por etapas e outras
situações em que a teoria de Terzaghi possa ser aplicada.
6 CONCLUSÕES
Os métodos existentes para prever a deformação em solos não saturados são, em geral,
de difícil aplicação, exigindo o uso de computadores para achar soluções numéricas para as
complexas equações que, quase sempre, necessitam de parâmetros especiais não disponíveis.
Propõe-se aqui um método que tenta aliar à simplicidade de aplicação, o que se espera
ser uma precisão aceitável para os problemas reais do dia a dia da engenharia de solos.
Sua principal característica é tratar o processo de adensamento que ocorre na matriz
saturada separadamente da deformação imediata que ocorre nas bolhas de gás. Nesse caso,
utiliza- se, para a previsão dos recalques por adensamento primário, a teoria unidimensional
de Terzaghi e, para a compressão do ar nos vazios, a lei de Boyle. Isso leva a uma previsão
mais correta dos recalques diferidos do que a aplicação exclusiva da teoria de Terzaghi como
costuma ser feito.
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1 INTRODUÇÃO
Este capítulo é iniciado com uma apresentação resumida de diferentes teorias utilizadas
na avaliação da resistência ao cisalhamento de solos não saturados. Mostra-se que propostas
envolvendo o emprego de conceitos de tensões efetivas ou de variáveis de tensão no desen-
volvimento de equações de resistência resultam, ao final, em resultados similares. Aspectos
peculiares relativos à envoltória de resistência de solos não saturados são apresentados, e é
discutida a validade de tal envoltória em presença de variações dos diferentes parâmetros en-
volvidos no caso, em particular, de solos tropicais. Finaliza-se o capítulo com a apresentação
dos principais tipos de ensaios de laboratório utilizados para a determinação dos parâmetros
de resistência, de formulações simplificadas e de técnicas alternativas de avaliação da resistên-
cia ao cisalhamento de solos não saturados.
2 ASPECTOS BÁSICOS
onde:
ua = pressão no ar dos vazios do solo;
χ = parâmetro dependente do tipo do solo e seu grau de saturação, variando entre 0 e 1.
Com base no conceito de variáveis de tensão, Fredlund et al. (1978) propuseram a se-
guinte equação de resistência ao cisalhamento para solos não saturados:
onde:
cʹ, Φʹ = parâmetros efetivos de resistência do solo saturado;
(σn – ua)f = tensão normal líquida atuante no plano de ruptura, na ruptura;
(ua – uw)f = sucção mátrica na ruptura;
Φb = parâmetro que quantifica um aumento na resistência devido a um aumento na
sucção.
onde:
tf = (σ1 – σ3)/2
Resistência ao cisalhamento de solos não saturados 467
sf = (σ1 – σ3)/2
σ1, σ3 = tensões normais principais maior e menor, respectivamente, na ruptura;
(ua – uw)f = sucção mátrica na ruptura;
aʹ, αʹ = parâmetros efetivos de resistência no solo saturado, sendo que:
aʹ = cʹ cos Φʹ (4a)
tg αʹ = sen Φʹ (4b)
αb = parâmetro equivalente a Φb, sendo que:
tg αb = tg Φb cos Φʹ (4c)
tg Φb = χ tg Φʹ (7)
468 Solos não saturados no contexto geotécnico
4 ENVOLTÓRIA DE RESISTÊNCIA
5 PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA
τf = c + (σn – ua ) f tg Φʹ (8)
onde:
c = cʹ + (ua – uw ) f tg Φb (9)
5.1 Parâmetros c e c’
O parâmetro c, que constitui a coesão aparente definida por Taylor (1948), é igual ao pa-
râmetro c’ quando o solo está saturado. Assumindo-se Φb constante, de acordo com a Equa-
ção 9, a coesão aparente aumenta linearmente com o aumento da sucção.
Fisicamente, a coesão c pode ser visualizada como sendo correspondente a uma resis-
tência à tração do solo não saturado. A Figura 3 mostra resultados de ensaios de resistência
à tração, executados em um solo residual maduro (M) e jovem (S) de um perfil de intem-
perismo de uma rocha de gnaisse facoidal do Rio de Janeiro (Maciel, 1991), utilizando-se
o Método Brasileiro. Em particular no caso do solo maduro, verifica-se que a resistência à
tração aumenta, de forma não linear, com a diminuição do teor de umidade gravimétrico (ou
grau de saturação) até um dado valor de umidade, a partir do qual ela tende a se estabilizar
ou diminuir. Assim, é de se esperar que a coesão c cresça com o aumento da sucção até um
determinado limite, a partir do qual ela fique constante ou diminua.
Resultados similares aos mostrados na Figura 3 foram obtidos em ensaios de tração
executados na PUC-Rio em outro solo saprolítico de gnaisse. O limite de sucção ou grau de
saturação, a partir do qual a resistência à tração deixa de crescer, possivelmente está relacio-
470 Solos não saturados no contexto geotécnico
nado ao teor de umidade correspondente ao limite de contração do solo. Tal hipótese requer,
entretanto, comprovação experimental. Por outro lado, é aparente que a Equação 9 tem uma
validade limitada, função do nível de sucção, o que requer maiores investigações.
O parâmetro c’ (coesão efetiva), conforme obtido na prática, muitas vezes não tem ne-
nhum significado físico sendo, simplesmente, um parâmetro que define uma reta no espaço
de tensões de Mohr (τ x σ’n). Tal se deve ao fato de ser comum a linearização de resultados
de ensaios envolvendo solos que, na realidade, apresentam envoltórias não lineares de resis-
tência, particularmente a baixos níveis de tensão normal (e.g., tensões menores que a de pré-
-adensamento de um solo sobre adensado). Abstraindo-se desse fato, a coesão efetiva estaria
relacionada à existência de uma resistência à tração do solo saturado, que pode ser propiciada
pela ocorrência, por exemplo, de cimentação em solos sedimentares ou residuais. A curva S,
na Figura 3, sugere, por exemplo, a existência de uma coesão efetiva “verdadeira”, da ordem
de 2 kPa, no solo saprolítico de gnaisse facoidal.
É importante notar que, mesmo em presença de valores baixos de coesão efetiva e/ou
de sucção, é possível ter-se valores de coesão aparente grandes o suficiente para, por exem-
plo, manter estável uma encosta não saturada sob a ação de infiltração de águas de chuvas.
Um exemplo disso é indicado na Figura 4, que mostra resultados de análises de estabilidade
envolvendo condições de rupturas rasas (ordem de 1 m de profundidade), planares, em
solos não saturados da Serra do Mar, na região de Cubatão, em São Paulo. Observa-se,
nessa Figura, que, próximo à condição crítica de Fs = 1, variações pequenas de sucção, da
ordem de 1 kPa, são suficientes para provocar uma variação da ordem de 20% no Fator
de Segurança. Tal porcentagem de variação é altamente relevante quando se considera ser
comum que resultados de análises de estabilidade de encostas (taludes naturais) em solos
residuais / coluvionares não saturados, aparentemente estáveis, apresentem fatores de se-
gurança próximos ou menores que a unidade, quando se assume que estão saturados. Em
Resistência ao cisalhamento de solos não saturados 471
outras palavras, os resultados mostrados nas Figuras 3 e 4 exemplificam a importância do
valor adotado para c, por exemplo, em estudos de estabilidade de encostas não saturadas
envolvendo solos tropicais.
Figura 4 – Variação do fator de segurança de uma encosta não saturada com a sucção
(adaptado de Ignacius et al., 1991)
5.2 Parâmetro Φʹ
Figura 5 – Envoltórias de resistência não lineares em: (1) solo residual de granito (Sweney e Robertson,
1982); (2) solo residual de migmatito (Chamas, 1976); (3) e (4) solo residual micáceo (de Campos, 1974)
Efeitos da Sucção no Φʹ
Resultados de ensaios em uma argila sedimentar, reportados por Escário e Sãez (1986,
1987), e em um solo arenoso laterítico, reportados por Rohm e Vilar (1995), indicam que
o parâmetro Φʹ aumenta com o nível de sucção aplicado em ensaios nos quais se manteve
sucção constante e variou-se (σ – ua), como mostra a Figura 7. Os dados referentes ao rejeito
siltoso mostrados na Figura 6, bem como resultados de ensaios executados em um cascalho
laterítico, publicado por Toll (1990), também indicam tal tipo de variação.
É amplamente conhecido que o ângulo de atrito efetivo, Φʹ, fisicamente, representa efei-
tos de atrito (por deslizamento e/ou rolamento), de rearranjo de partículas, de quebra de
grãos e de dilatância, a qual é associada ao grau de embricamento entre os grãos ou grumos de
partículas de um solo (e.g. Rowe, 1962; Mitchell, 1993). Existem evidências experimentais de
que o atrito decorrente de deslizamento ou rolamento de grãos pode aumentar quando o solo
é ensaiado em um estado seco em vez de saturado (e.g. Horn e Deere, 1962; Skinner, 1969;
Shidharan et al., 1983). Além disso, um aumento de Φʹ com o aumento do nível de sucção
poderia decorrer de variações na estrutura do solo impostas pela sucção, que tenderiam a
aumentar o grau de embricamento dos grãos, independentemente da ação da tensão normal
Resistência ao cisalhamento de solos não saturados 473
líquida aplicada. Tal aspecto refletir-se-ia em uma maior tendência de dilatância (ou menor
tendência de contração) de um material não saturado cisalhado, em um dado nível de (σ – ua),
sob níveis crescentes de sucção constante.
Figura 7 – Variação de Φʹ com a sucção: (a) plotado a partir de dados de Escário e Sãez (1997);
(b) adaptado de Rohm e Vilar (1995)
5.3 Parâmetro Φb
Figura 8 – Variação de Φb com o nível de sucção em solos brasileiros: (a) Solos originários de biotita-gnaisse
(de Campos e Carrillo, 1995). (b) curva 1a – colúvio; curva 1b – solo residual de migmatito
(Abramento e Carvalho, 1989); curvas 2a e 2b – solos saprolíticos de gnaisse kinzigítico
(Fonseca, 1991), curva 3 – solo laterítico (Rohm e Vilar, 1995)
Conforme se pode observar, no início das curvas, a razão Φb/Φ’ permanece relativa-
mente constante até um determinado nível de sucção, a partir do qual ocorre um decréscimo
acentuado nela, de forma não linear. Ao se atingir um segundo nível, maior, de sucção, Φb/Φ’
passa a variar pouco ou torna-se novamente constante, dentro dos níveis máximos de sucção
considerados.
Em um solo saturado, mesmo se pressões negativas atuam na água de seus poros (p.ex.
pressões capilares), a definição de tensões efetivas de Terzaghi é considerada como válida.
Resistência ao cisalhamento de solos não saturados 475
Por outro lado, em presença de pressões de água negativas em um solo não saturado, é de se
esperar que seja válida a Equação 3. Igualando-se a equação de resistência de solos saturados
a esta equação, tem-se que:
cʹ + (σ – ua ) tg Φʹ + (ua – uw ) tg Φb = cʹ + (σ – uw ) tg Φʹ (10)
onde:
f1 = função dependente das propriedades do solo, que define a relação entre resistência
ao cisalhamento e sucção. A sua derivada, df1/d(ua – uw ) representa a taxa de variação da
resistência ao cisalhamento em relação à sucção.
Dessa forma, esses autores reconhecem que a envoltória de resistência de solos não sa-
turados pode ser linear ou curva. Para uma faixa de sucção elevada, sugerem que o formato
da envoltória de resistência tende a ser curvo, ou seja, que ambos os parâmetros φ’e φb podem
não ser constantes.
A transição da condição de solo saturado para a de solo não saturado ocorre quando
o valor de sucção se iguala à pressão de borbulhamento ou pressão de entrada de ar do solo
(e.g., Brooks e Corey, 1964). Em outras palavras, tal transição ocorre quando a pressão do ar
é elevada o suficiente para quebrar o menisco que separa as fases ar e água no contorno do
solo e, consequentemente, comece a penetrar nele até que sejam formados os primeiros canais
contínuos de ar no solo. Alguns autores (e.g. Drumright e Nelson, 1995), sugerem que essa
transição ocorreria para um valor de sucção equivalente à máxima altura capilar suportada
pelo solo.
É importante lembrar que, antes de se atingir a pressão de borbulhamento, ar pode ocor-
rer no solo sob forma de bolhas. Nessa condição, denominada, aqui, de condição parcialmen-
476 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 9 – Variação da área relativa de influência da interface ar-água à medida que o solo seca
(adaptado de Vanapalli et al., 1996)
Si c’ Φ’ Φb Tipo de σ – ua ua – uw
Material ei Fonte
(%) (kPa) (grau) (grau) Ensaio (kPa) (kPa)
Residual de migmatito
- - 0 40 11.5 Abramento
arenoso (IP = 14%)
TCSC-EM 10 10 a 60 e Carvalho
(1989)
Colúvio arenoso - - 0 38 14.4
Si c’ Φ’ Φb Tipo de σ – ua ua – uw
Material ei Fonte
(%) (kPa) (grau) (grau) Ensaio (kPa) (kPa)
A primeira etapa compreende a equalização da sucção inicial das amostras. Essa fase
pode ser realizada previamente ao ensaio (fora do equipamento) ou após montagem da amos-
tra no equipamento, antes da consolidação. Quando realizada dentro do equipamento tria-
xial, a técnica de translação de eixos é empregada com a amostra sendo submetida a uma
pressão de ar no topo e uma pressão de água na base. A drenagem de água é conectada a um
medidor de variação de volume, sendo que se considera a sucção equalizada após a cessão de
fluxo de água.
Na fase de consolidação, a tensão líquida desejada é aplicada mantendo-se, tipicamente,
a pressão de ar constante e aumentando-se a tensão confinante. Em alguns casos, as fases de
aplicação de sucção e de adensamento são realizadas simultaneamente.
Como em solos não saturados há duas fases drenantes, é possível realizar diferentes tipos
de ensaios, variando a drenagem do ar e/ou da água na fase de cisalhamento. Blight (2013) cita
que o ensaio mais utilizado na prática é o tipo CW (constant water content tests) ou de teor
de umidade constante, em que, na fase de cisalhamento, a pressão de ar é mantida constante
e a drenagem de água é impedida. Nesse caso, a pressão de água é medida na base da célula
triaxial. No caso de ensaios não drenados, quando tanto a drenagem de água quanto de ar
são impedidas, a sucção pode variar durante o cisalhamento, podendo ser medida a partir
do emprego de tensiômetros de alta capacidade (e.g. Ridley e Burland, 1993; Oliveira, 2004).
Os ensaios drenados permitem a drenagem dos fluidos (ar e/ou água). Nesse caso, variações
de volume total da amostra, associadas ao fluxo dos fluidos, devem ser medidas. É impor-
tante notar, aqui, que, no caso de cisalhamento com velocidade de deslocamento constante,
é fundamental a aplicação de velocidades adequadas de forma a garantir tanto a manutenção
de uma sucção constante, no caso de ensaios drenados ao ar e à água, quanto de equalização
adequada da pressão de água, no caso dos ensaios nos quais a drenagem de água é impedida,
e essa pressão é medida na base da célula triaxial.
A Tabela 2 apresenta um resumo das principais características das diferentes metodolo-
gias aplicadas em ensaios triaxiais em solos não saturados.
Figura 14 – Esquema do cisalhamento direto com sucção controlada, projetado e desenvolvido na PUC-Rio
484 Solos não saturados no contexto geotécnico
Oberg e Sallfors (1995) sugerem o uso da seguinte equação para determinar a resistência
drenada de um solo não saturado:
onde:
(θ – θr)
Θr = (17)
(θs – θr)
corresponde a um teor de umidade volumétrico relativo, normalizado, sendo que:
θs = teor de umidade volumétrico do solo saturado (igual à sua porosidade);
θr = teor de umidade volumétrico do solo correspondente à condição de saturação resi-
dual (ver Figura 10).
Se o solo não sofre variação de volume sob a ação da sucção, a Equação (16) pode ser
reescrita como:
(S – Sr)
τ = cʹ+ (σn– ua ) + [(ua– uw ) × ] tg Φʹ (18)
(100–Sr)
onde Sr = grau de saturação residual, em porcentagem.
e ruptura, para todos os níveis de sucção utilizados nos ensaios de cisalhamento direto com
sucção controlada. Outras informações sobre esses materiais e técnicas de ensaios podem ser
encontradas em Antunes et al. (1994) e Carrilo e de Campos (1994).
Da mesma forma, Bao et al. (1998) assumiram que o solo se comporta como saturado
até o valor de entrada de ar e, acima deste, foi definido um fator de redução da sucção ζ (equi-
valente ao parâmetro χ de Bishop), conforme a Equação 20. Nessa proposta, a influência da
sucção na resistência de solos não saturados foi normalizada entre o valor de entrada de ar e
a sucção na condição de saturação ou umidade residual.
log (ua – uw)r – log (ua – uw)
ζ= (20)
log (ua – uw)r – log (ua – uw)b
onde:
(ua – uw)r = sucção matricial na condição de saturação ou umidade residual.
Mais recentemente, Rassam e Cook (2002) e Vilar (2006) propuseram novas equações
para a estimativa da resistência não saturada a partir de dados da curva característica de suc-
ção ou de retenção de umidade.
Rassam e Cook (2012) propuseram a seguinte equação de resistência a partir de ajustes
de resultados de ensaios publicados na literatura (Equação 21):
τ = cʹ+ [(σn– ua ) tg Φʹ + ψ tg Φʹ – Φ (ψ – ψ aev )β (21)
O quarto termo dessa equação aplica um fator de correção dependente de duas novas
variáveis, Φ e β (Equações 22 e 23), definidas como:
488 Solos não saturados no contexto geotécnico
ψr tgΦʹ – τSr
Φ=
(ψr – ψaev )β (22)
Conforme mostrado na Figura 10, existe uma grande semelhança entre curvas represen-
tativas de variações da resistência ao cisalhamento drenado e do teor de umidade volumétrico
com a sucção. Com base nessa similaridade, diversos trabalhos foram desenvolvidos na Uni-
versidade de Saskatchewan, Canadá, visando à determinação da resistência de um solo não
saturado a partir do conhecimento da sua relação umidade-sucção.
Fredlund e Xing (1994) apresentam uma equação geral que descreve a curva caracterís-
tica de sucção ou curva característica solo-água, dada por (Vanapalli et al., 1996):
(28)
onde:
(29)
sendo:
e = número natural (2.71828....);
Ψ= sucção total do solo;
a = sucção relativa ao valor de entrada de ar do solo;
n = parâmetro do solo relacionado à inclinação da curva característica solo-água no
ponto de inflexão;
m = parâmetro do solo relacionado ao teor de umidade volumétrico residual;
C(Ψ) = função de correção, que força a curva característica de sucção a passar por um
valor de sucção de 1.000.000 kPa, considerando como correspondente a um teor
de umidade nulo;
Cr =valor de sucção correspondente ao teor de umidade volumétrico residual Θr.
490 Solos não saturados no contexto geotécnico
bd = – 0,245 {ln [nd (IP + 4,4)]}2 + 2,114 {ln (nd (IP + 4,4)]} – 3,522 (36)
yw = 3,55 yd – 3 (37)
n
bw = 0,542 bd ( nd ) + 0,389 (38)
w
onde:
IP = índice de plasticidade do solo;
nd = parâmetro de ajuste da curva característica solo-água na secagem, proposto por
Fredlund e Xing (1994).
nw = parâmetro de ajuste da curva característica solo-água no umedecimento, proposto
por Fredlund e Xing (1994).
492 Solos não saturados no contexto geotécnico
Outra abordagem de avaliação indireta da resistência não saturada foi proposta por
Blight (2013). Nesta, o autor avalia a obtenção do parâmetro χ a partir de resultados de en-
saios de compressão simples (σ3 – ua = 0) para amostras preparadas com diferentes valores
de umidade inicial, resultando em diferentes valores de sucção (ua – uw) medidos na ruptura.
A determinação de tal parâmetro está representada no espaço s’ versus t, conforme mostrado
na Equação 29.
1 (σ1– σ3 ) t
χ=
2 (ua– uw ) = / (pw– pa ) (39)
onde:
t = ₁∕₂ (σ1 – σ3 ) (39a)
Conforme indicado na Figura 17, resultados de ensaios realizados em uma areia siltosa
compactada indicaram haver uma boa relação entre o parâmetro χ e a sucção.
Figura 17 – Determinação de χ a partir de resultados de compressão simples (σ3 = ua), para diferentes
valores de sucção medidos na ruptura (adaptado de Blight, 2013)
8 CONCLUSÕES
9 AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Thiago Carnavale pelo apoio na preparação das figuras constan-
tes neste capítulo, preparado com o apoio do CNPq e da FAPERJ na forma de bolsas.
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Capítulo 18
Modelos constitutivos aplicados aos solos
não saturados
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a grande variabilidade dos tipos de solos, maciços heterogêneos e ani-
sotrópicos, a modelagem dos materiais geotécnicos sempre apresentou maior dificuldade do
que os demais materiais estruturais. Os solos, dificilmente apresentam comportamento total-
mente elástico. Além disso, a parcela de deformação elástica é pequena e por isso, a não linear
é mais frequente nos casos práticos.
Os modelos constitutivos de solos têm sido desenvolvidos com o intuito de representar
essas diferentes características. Não há um único modelo que consiga ser aplicado a todos
tipos de solos. No caso específico dos solos não saturados, é preciso que o modelo matemático
consiga representar a variação da deformabilidade e da resistência com a sucção.
Alguns assuntos e conceitos que já foram vistos em outros capítulos serão incorporados
nos modelos matemáticos que serão apresentados neste capítulo. O princípio das tensões efe-
tivas, da forma como foi proposto para solos saturados, não é totalmente válido para os solos
não saturados, como será apresentado mais adiante e, por isso, os modelos constitutivos se
tornam mais complexos.
Dependendo do solo, algumas características, como colapso e expansão, precisam ser
consideradas para possam ser realizadas boas previsões. Conforme já apresentado em outro
capítulo, grande parte dos solos não saturados do Brasil são tropicais e, por isso, os modelos
desenvolvidos para outros solos nem sempre podem ser utilizados sem as devidas adaptações.
A escolha do modelo constitutivo deve se basear no comportamento do solo obtido por
meio de ensaios de campo ou laboratório, como mostrado em outros capítulos deste livro. A
aplicação dos modelos constitutivos, tal como na mecânica dos solos clássica, está limitada a
alguns casos, cujo estado de tensões é mais simples, por isso, muitas vezes, é preciso que esses
modelos estejam implementados em softwares de elementos finitos para realizar análises mais
completas.
em termos de tensão efetiva. Porém, quando o solo não está saturado, foram verificados com-
portamentos que invalidam o princípio das tensões efetivas. Neste item, serão, primeiramen-
te, apresentadas as diversas propostas de extensão do princípio das tensões efetivas para solos
não saturados e depois discutida sua validade. Diversas são as proposições de expressões para
tensões efetivas de solos não saturados, as quais estão sumarizadas na Tabela 1.
Todas as expressões podem ser resumidas na definição de Bishop e Blight (1963). Esses
autores reescreveram outra expressão, partindo da equação de Bishop (1959), dividindo-a em
duas parcelas, uma devido à tensão total e outra devido às pressões nos poros:
σ , = σ − ua + f ( ua − u w ) (1)
e Matyas e Radhakrishna (1968) sugeriram que:
σ , = f (σ , ua , uw ) (2)
A expressão de Bishop e Blight (1963) foi proposta para:
• controlar o comportamento do solo,
• associar a variação do campo de tensões associada ao campo de deformações (varia-
ção de volume) e
• obater a de resistência ao cisalhamento em condição não saturada.
A aplicabilidade do princípio das tensões efetivas de Terzaghi para solos saturados está
bem consolidada. Entretanto, tentativas de diversos autores (Donald, 1961; Croney et al.,
1958; Bishop, 1959; Lambe, 1960; Aitchinson, 1961; Jennings, 1961; Richards, 1966; Aitchin-
son, 1963), de formular uma equação de tensões efetivas que realmente representasse o com-
portamento dos solos não saturados, não tiveram sucesso total.
Tabela 1 – Expressão de tensão efetiva dos solos não saturados (Jucá, 1993)
Referência Equação Descrição das variáveis
Donald
σ , = σ + p ,, (3) p” = pressão intersticial da água sob tensão atmosférica;
(1956)
Croney et al χ = parâmetro referente ao grau de saturação;
σ , = σ − β , uw (4)
(1958) ua = pressão de ar e fase vapor;
Bishop β`= fator de influência medido de um número de en-
(1959)
σ = σa m + ua a a + uw a w + R − A (5) saios da tensão efetiva que contribui para aresistência;
Lambe aa = fração da área total de contatos ar;
(1960) σ = σa m + ua a a + u w a w + R − A (6) ψ = parâmetro que varia de zero a um;
Aitchison p” = pressão nos poros de água negativa;
σ , = σ + βp ,, (7)
(1961) β = fator estático de mesmo tipo de contato de área;
Jennings χm = parâmetro de tensão efetiva para sucção matricial;
σ , = σ + βp ,, (8)
(1961) hm = sucção matricial;
Richards σ , = σ − u a + χ m ( hm + u a ) (9) χs = parâmetro de tensão efetiva para sucção osmótica;
(1966) + χ s ( hs + u a ) hs = sucção osmótica;
Aitchinson , p”m = sucção matricial;
σ = σ + χ m p ,, m + χ s p ,, s (10)
(1973) p”s = sucção osmótica.
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 501
Com base em resultados experimentais, Jennings e Burland (1962) questionaram a va-
lidade das equações de tensões efetivas para solos não saturados. O principal problema das
equações de tensão efetiva é a impossibilidade de prever as variações de volume dos solos não
saturados, principalmente para os fenômenos como o colapso.
Utilizando uma figura de Aitchinson e Donald (1956), Alonso et al. (1987) concluíram
pela não validade das equações de tensões efetivas para solos não saturados. Aitchinson e
Donald (1961) mostraram que a relação entre tensões efetiva intergranular e a pressão de água
nos poros (baseado num modelo de capilaridade) depende da sucção e do tipo de solo, sendo
essa relação linear para baixos valores de sucção.
Bishop (1961) acreditava que o estudo da pressão nos poros estava diretamente relacio-
nado com o princípio das tensões efetivas e demonstrou que os parâmetros (das equações
de Croney et al., 1958; Bishop, 1959; Aitchinson, 1961; Jennings, 1961) que multiplicam a
pressão nos poros são as mesmas:
ψ = β = β, = χ (11)
Alonso e Gens (1993) ilustraram a ineficiência do princípio das tensões efetivas aplicada
aos solos não saturados, utilizando, para isso, resultados apresentados por Vicol (1990).
Alonso e Gens (1993) descrevem dois ensaios edométricos (Figura 1) de Vicol (1990):
• E18 – ensaio realizado com sucção inicial de 1500 kPa, sob tensão vertical de 25 kPa,
mantida sucção durante a aplicação do carregamento vertical;
• E22 – ensaio realizado com sucção inicial de 1500 kPa, com tensão vertical de 25 kPa,
reduzindo a sucção até saturar o corpo de prova e prosseguindo com o carregamento
vertical. Esses ensaios são apresentados nas Figuras 1(a) e (b).
Alonso e Gens(1993) ressaltaram os seguintes pontos da análise do ensaio de Vicol
(1990):
• a aplicação da sucção no ensaio E22 induziu um pré adensamento maior que 25 kPa,
que pode ser visto na Figura 1b. Utilizando-se o princípio das tensões efetivas de
Bishop (1959), a tensão de pré-adensamento é menor que 1525 kPa (σ, = 25 + 1500 χ,
sendo χ < 1). Somando-se a sucção à tensão total, deveria retornar à tensão efetiva no
ensaio E18, prevendo a condição saturada;
• as curvas E18w (em termos de tensões efetivas, σѵ + s) e E18a (em termos de tensões
totais) são resultados previstos segundo a equação de Bishop (1959);
• observando-se a Figura 1(b), vê-se que uma pequena parte da curva E18 coincide com
a curva na condição saturada e, em termos de tensões efetivas, esse comportamento
não pode ser previsto.
Esses parâmetros são mais apropriados por representarem a tensão isotrópica, desvia-
dora e a sucção, separando a matriz isotrópica da matriz desviadora das tensões, similar à
utilizada na teoria dos estados críticos. Os resultados experimentais de Matyas e Radhakrisna
(1968) eram todos de compressão hidrostática, reduzindo os parâmetros de tensão à:
σ1 + σ 3
p=(
2
− ua ) , tensão hidrostática; (15)
σ1 + σ 3
p=( − ua ) , sucção. (16)
2
(σ - ua) e (ua - uw ) também são utilizadas por Donald (1961), Coleman (1962), Fredlund e
Morgenstern (1977), Fredlund (1979), Lloret e Alonso (1980,1985).
A superfície de estado introduzida por Matyas e Radhakrisna (1968) foi proposta como
sendo uma superfície constitutiva, descrita como única, com independência entre as variáveis
de estado.
A histerese devido à variação da sucção (curva de umedecimento e secagem devido à
variação da sucção) é um grande problema para que a superfície seja única. Somado a isso, há
a possibilidade de a própria curva de carregamento e descarregamento não ser a mesma, de-
pendendo da história de tensões à qual o solo esteve submetido (Matyas e Radhakrisna, 1968).
Fredlund e Morgenstern (1977), utilizando equilíbrio de tensões de um elemento infini-
tesimal de solos não saturados e ensaios de variação de volume nulo, sugeriram três estados de
tensões: (σ - ua), (σ - uw) e (ua - uw), podendo-se associar: (σ - ua) e (ua - uw);(σ - uw) e (ua - uw)
ou (σ - ua) e (σ - uw).
O estado de tensões no espaço [τ, (σ - ua), (ua - uw)] ou (q, p, r), mais oo eixo de sucções,
tem-se:
σ + σ3
p=( 1 − ua ) (17)
2
σ1 − σ 3
q=( ) (18)
2
r = (ua − u w ) (19)
Coleman (1962), Fredlund (1979) e Alonso et al. (1988) apresentaram equações constitu-
tivas, baseadas na teoria da elasticidade para solos não saturados. A definição dos parâmetros
dos solos não saturados é pouco prática, além de ser difícil de defini-la. Os parâmetros de
deformabilidade são claramente não lineares; Fredlund (1979) adota-os de forma incremental.
Uma importante contribuição para compreensão do comportamento dos solos não sa-
turados foi dada por Alonso, Gens e Hight (1987). Esses autores apresentaram conceitos elas-
toplásticos e de estados críticos para solos não saturados. As formulações foram apresentadas
num espaço de tensões (p, q, s).
Alonso, Gens e Josa (1990) apresentaram a formulação matemática do modelo constitu-
tivo elastoplástico para solos não saturados segundo os conceitos apresentados por Alonso et
al. (1987). Esse modelo foi idealizado num espaço de quatro dimensões matemáticas:
σ 1 + 2σ 3
p=( − ua ) , tensão normal média, (20)
3
q = σ1 – σ3, tensão desviadora, (21)
s = ua – uw , sucção, (22)
4 EXPRESSÕES ANALÍTICAS
Johnson ∆e =
αγ s
100 B
{
log(ua − uw )
o (ua – uw)0 = sucção inicial antes
(27) do carregamento;
(1978)
[ ]
− log log( ua − uw ) f + ασ }
0
(ua – uw)0f = sucção final.
Justo ∆e
= a + b∆ log σ
et al. 1 + e0 (28) a, b , c e d = constantes
(1984) + c( ∆ log σ ) + d ( ∆ log σ )
2 3
5 SUPERFÍCIES DE ESTADO
e = F ( pa , q , uc , e0 Sro ) ; (30)
S = φ ( pa , q , uc , e0 Sro ) ; (31)
e = F (σ , uc , e0 Sro ) ; (32)
S = φ (σ , uc , e0 Sro ) . (33)
O estado inicial do solo é representado pelo seu índice de vazios e grau de saturação
iniciais, e o estado de tensão pela: tensão média ( pa = σ 1 − 2σ 3 − ua ) e tensão desviadora
3
(q = σ1 – σ3) ou tensão vertical (σ) e a sucção (uc = ua – uw).
506 Solos não saturados no contexto geotécnico
Sendo que F e ϕ podem ou não ser funções únicas, dependendo do caminho de satura-
ção ou sucção.
Matyas e Radhakrisna (1968) apresentaram resultados experimentais na forma de su-
perfície de estado (Figura 3a e b) desenhados em um espaço (σ – ua) e (ua – uw) contra índice
de vazios ou grau de saturação. As funções de estado também foram exploradas por Fredlund
(1979) e Lloret e Alonso (1985).
e = e0 − Ct log
(σ − ua ) f C log (ua − uw ) f (35)
(σ − uw ) 0 ( ua − u w ) 0
m
onde:
Ct é o valor do índice de compressibilidade convencional no plano saturado e
Cm é o índice para o carregamento no plano índice de vazios “versus” sucção.
w = w0 − Dt log
(σ − ua ) f D log (ua − uw ) f (36)
(σ − uw ) 0 ( ua − u w ) 0
m
onde:
Dt é o índice de umidade correspondente a tensão total;
Dm é o índice de umidade correspondente a sucção.
Lloret e Alonso (1985) partiram de dez equações para prever o índice de vazios de uma
série de ensaios em uma análise estatística. Concluíram que o solo por eles estudado foi me-
lhor representado pelas seguintes funções de estado:
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 507
para a variação de volume:
[
e = a + b log(σ − ua ) + c log(ua − u w ) + d (σ − ua ) log(ua − u w ) ] (37)
[ ][
Sr = a − tanh b(ua − u w ) c + d (σ − ua ) ou: ] (38)
dVw (39)
− = −C11 (duw − duw ) + C12 (dσ − dua ) + C13 (dσ 1 − dσ 3)
V
onde:
a, b, c, d são parâmetros obtidos a partir do sistema de equações
Os resultados obtidos foram satisfatórios para aquele solo. Entretanto, Lloret e Alonso
(1985) trataram as funções acima através de regressões; assim, fica a dúvida quanto à aplica-
bilidade ddelas para outros materiais.
Coleman (1962) definiu equações para representar a variação de volume de água, defor-
mação volumátrica que estã apresentadas a seguir.
Para a variação de volume de água:
dVw (40)
− = − C11 ( du w − du w ) + C12 ( dσ − dua ) + C13 ( dσ 1 − dσ 3)
V
Para a variação de volume:
−( dε 1 − dε 3 ) = − C31 ( du w − du w ) + C32 ( dσ − dua ) + C33 ( dσ 1 − dσ 3) (41)
−(dε 1 − dε 3 ) = −C31 (duw − duw ) + C32 (dσ − dua ) + C33 (dσ 1 − dσ 3) (42)
onde:
– C11, C12, C13 são parâmetros associados com a variação do volume de água no elemen-
to de solo;
508 Solos não saturados no contexto geotécnico
– C21, C22, C23 são parâmetros associados com a variação de volume do elemento de solo;
– C31, C32, C33 são parâmetros associados com a deformação cisalhante.
Como se sabe, esses parâmetros dependem da sucção, tensão isotrópica, tensão desvia-
dora e da história de tensões em solos reais, porém, é uma tarefa complexa incorporá-los nos
modelos elásticos sobretudo nos lineares.
O modelo proposto por Fredlund (1979) é a mais próxima da teoria da elasticidade line-
ar, incluindo a deformabilidade dos solos devido à sucção.
(σ x − ua ) − µ 1
) ( H )
u −u
εx =
E1 E1
(σ y + σ z − 2ua + a w
(43)
1
εy =
(σ y − ua ) − µ (σx + σ
1
− 2ua ) +
( ua − u w ) (44)
z
E1 E
1 H1
(σ z − ua ) − µ 1
) ( H )
u −u
εz =
E1 E1
(σx + σ y − 2ua + a w
(45)
1
sendo:
– εx, εy, εz = deformação específica, segundo as direções x, y e z respectivamente;
– E1 = módulo de elasticidade para o carregamento de (σ – ua);
– μ1 = coeficiente de Poisson e
– H1 = módulo de elasticidade para o carregamento de (ua – uw).
Nesse modelo, as deformações resultam da soma de duas parcelas, uma devido aos efei-
tos da variação de tensões e a outra devido à deformações volumétricas causadas pela variação
da sucção.
dε = D −1dσ * + dε 0 (46)
onde:
– σ* = σ – mua e m = [1, 1, 1, 0, 0, 0];
– matriz D = modelo elástico linear ou modelo (K, G);
– K = módulo volumétrico;
– ε0 = pode ser obtido através de superfícies de estado em ensaios edométricos ou
triaxiais;
– G = módulo cisalhamento, sendo uma expressão de tensão-deformação hiperbólica.
2
(σ − σ 3 ) R (47)
[
G = G0 + M ( ua − u w ) 1 − 1 ]
(σ 1 − σ 3 ) f
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 509
onde:
M = constante;
R = constante próxima a 1.
(σ1 – σ3)f = tensão desviadora na ruptura, pode-se adotar um critério de ruptura tipo
Mohr-Coulomb ou outro.
Para demonstrar a aplicabilidade de modelo elástico para solos não saturados, apresen-
ta-se, neste capítulo, um estudo numérico e experimental de simulação do enchimento de
uma pequena barragem de terra, construída com o propósito de verificar uma solução de
baixo custo para execução de reservatórios no semiárido nordestino.
A barragem foi construída na parte central do maciço, com energia de compactação e
umidade em torno do ponto ótimo da curva do ensaio de Proctor Nomal, ou seja, Grau de
Compactação mínimo de 95% e umidade variando 1,5% para mais ou para menos. Já nos es-
paldares, a barragem foi construída com baixa energia e baixa umidade (ramo seco da curva
de compactação). Dessa forma, apenas os espaldares possuíam uma estrutura metaestável (ou
colapsível).
A barragem experimental foi construída em propriedade da Universidade Federal do
Ceará, no município de Quixadá, na Fazenda Lavoura Seca. A Figura 4 mostra uma visão
geral do maciço ao final de sua construção.
O material empregado na construção do maciço foi uma areia argilosa, material muito
utilizado na construção de pequenas barragens homogêneas no semiárido nordestino. Lôbo
Neto (2013) apresentou resultados de análises numéricas do enchimento do reservatório e ve-
510 Solos não saturados no contexto geotécnico
rificou que o maciço se manteve estável, sem ruptura. Essa seção transversal foi proposta por
Miranda (1988), com o objetivo de reduzir o consumo de água em pequenas barragens, mas
com uma estrutura capaz de resistir às variações de sucção durante enchimento.
A barragem experimental possui um desenvolvimento longitudinal de 73,5m. O volu-
me total de solo compactado no maciço foi de, aproximadamente, 1.900m³. Os taludes de
montante e jusante possuem inclinações a partir do coroamento de 1,5(H):1V. A cota do co-
roamento é 208,24m, a largura é de 2,70m e a altura máxima é de 4,56m. Na Figura 5, é
apresentada a seção máxima do maciço. Nessa figura, pode-se ver o detalhe de uma pequena
trincheira de 3m de largura e 2m de profundidade. A trincheira foi executada para reduzir ao
máximo as perdas de água por infiltração na fundação, com o objetivo de restringir o estudo
experimental ao fluxo pelo maciço da barragem.
Lôbo Neto (2013) salientou, ainda, que a compactação dos espaldares no ramo seco da
curva de compactação com valor de umidade de 9,6% proporciona uma economia de água de,
aproximadamente, 12,00m³ para cada 100m³ de aterro executado, comparado com o maciço
compactado na umidade ótima (14,7%), fator relevante para o Nordeste brasileiro, que sofre
com a escassez desse recurso natural.
As décadas de 60 até meados de 80, foram marcadas pelas teorias para solos não satu-
rados, que tentavam utilizar o princípio das tensões efetivas e superfícies de estado, como
mostrado anteriormente. Porém, nenhuma delas foi conclusiva para representar o comporta-
mento dos solos não saturados.
Alonso et al. (1987) introduziram os conceitos de estados críticos aplicados aos solos
não saturados para explicar o comportamento desses solos. A modelagem constitutiva foi
apresentada por Alonso et al. (1990) e serviu de base para várias outras propostas que surgi-
ram desde então.
Alonso et al. (1990) apresentaram a formulação matemática para o estado de tensões hi-
drostático e triaxial. Esse modelo foi idealizado em quatro dimensões matemáticas (p, q, s, v)
e, para condição saturada, o modelo se torna igual ao Cam Clay Modificado. Duas superfícies
de escoamento interceptam o plano hidrostático: LC e SI, limitando a região elástica (Figura
14a). Esse plano é relacionado ao plano (p, q), onde a região elástica é limitada por elipses (Fi-
gura 14b), que são funções da sucção. A curva de escoamento LC é formada pelos pontos de
escoamento para o carregamento hidrostático p em diferentes valores de sucção, constantes
para cada carregamento, como mostra a Figura 14. A SI é uma linha horizontal no mesmo
plano p : s e passa por s0. Esse valor é idealizado como sendo a máxima sucção a que o solo
esteve submetido, e é considerado o mesmo para qualquer estado de tensão p.
O modelo de Alonso et al. (1990) considera que a rigidez do solo aumenta com a sucção
devido à diminuição da inclinação da reta virgem para sucção s, λ(s). As expressões propostas
por Alonso et al. (1990) para a LC, SI e λ(s) são:
λ ( 0) −κ
p 0 p 0* λ ( s) −κ
= (48)
pc pc
s0 = constante (49)
onde:
[
λ ( s) = λ (0) (1 − r )e − βs + r ] (50)
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 515
Alonso et al. (1990) propõem que as deformações sejam calculadas pelas seguintes ex-
pressões:
• Deformações volumétricas elásticas:
dv κ dp
dε evp = − = (51)
v v p
κ ds
dε evs = s (52)
v s + patm
• Deformações volumétricas plásticas:
As deformações plásticas utilizam a lei de fluxo associada. Nessa lei, o vetor da de-
formação plástica é normal à superfície de escoamento, e sua intensidade é calculada
pelas suas componentes, quando atingem a superfície de escoamento.
(dε vp = dε vsp + dε vpp ) (53)
l (s)- k dp0
de vpp = (54)
v p0
ou
λ (0) − κ dp
*
dε =p
vp
0
(55)
v p* 0
λ s − κ s ds0
dε vsp = (56)
v s0 + patm
516 Solos não saturados no contexto geotécnico
λ ( s) dpo
dε vp = (58)
v p0
• Deformação volumétrica total devido à sucção:
λ ds
dε vs = s o (59)
v s0
• Lei de endurecimento
As superfícies de escoamento LC e SI são acopladas através da lei de endurecimento e
dependem da deformação volumétrica total. Assim, as deformações plásticas produ-
zidas pelo aumento da tensão hidrostática deslocam LC e SI simultaneamente. A lei
de endurecimento é composta por duas equações:
dp0* v (60)
= dε p
p0* λ (0) − κ v
ds0 v
= dε vp (61)
s0 λ s −κ s
O modelo propõe que a curva de escoamento no plano (p, q) para um corpo de prova
com sucção constante descreve uma elipse e passa pelas tensões de escoamento hi-
drostático, p0, relacionado com a superfície de escoamento LC, como se pode ver na
Figura 15.
Figura 15 – Superfícies de escoamento nos planos: (a) p:q e (b) p:s (Alonso et al., 1990)
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 517
A inclinação da linha de estados críticos M foi considerada inalterada com a sucção, ou
seja, seu valor é o mesmo para a condição saturada ou não saturada com sucção constante.
O aumento da resistência do solo com a sucção foi considerado através do parâmetro k, que
descreve o aumento da coesão com a sucção e pode ser encontrado conhecendo-se p, que é
a resultante do prolongamento da linha de estados críticos com uma determinada sucção s,
no eixo p.
p = − ps = − k . s (62)
O escoamento acima do eixo hidrostático é definido por uma elipse que passa pelos
pontos -ps(s) e p0(s) e é dada pela função:
q 2 = M 2 ( p + p s )( p0 − p ) (63)
Para impor a deformação lateral nula na linha Ko, α deve ser igual a:
M ( M − 9)( M − 3) 1
α= (65)
9(6 − M ) 1− κ
λ
A deformação elástica causada pelo carregamento é dada por:
1 (66)
dε es = dq
3G
518 Solos não saturados no contexto geotécnico
p0 p (0 ) s + p atm
[λ (s ) − κ ]ln = [λ (0 ) − κ ]ln 0 + N (s ) − N (0 ) + κ s ln
(67)
p atm p
atm p atm
Wheeler e Sivakumar (1995) sugeriram utilizar, como nomenclatura, po(0) para a ten-
são isotrópica de escoamento, conforme se vê na Equação 67. Essa expressão é similar a de
Alonso et al. (1990); a diferença está no fato de as posições iniciais serem diferentes. O mo-
delo de Alonso et al. (1990) torna-se um caso particular e iguala-se ao modelo de Wheeler e
Sivakumar (1995) para pc = p0(0). O modelo de Alonso et al. (1990) implicitamente impõe a
existência de uma linha vertical para o escoamento LC para a tensão de referência pc. Wheeler
e Sivakumar (1995) adotam a variação empírica dos parâmetros com a sucção, possibilitando
prever variação não monotônica dos parâmetros.
A linha de estados críticos para condição não saturada foi proposta por Wheeler e Si-
vakumar (1995) como sendo representada pelas expressões:
q = M ( s) p + µ ( s) (68)
p (69)
v = Γ ( s) − ψ ( s) ln
patm
Os parâmetros Γ(s), M(s), µ(s), ψ(s) são dependentes da sucção. A Figura 8 indica o do-
mínio desses parâmetros. A maior diferença com relação ao modelo BBM está na utilização
de funções que definem a posição da linha de estados críticos no espaço matemático (p:q:s:v).
A elipse de escoamento que passa pelo ponto A da Figura 17(a) é dada pela expressão:
p
N ( s) − λ ( s) ln − v
p0 patm
= exp
(70)
p λ ( s) − κ
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 519
Figura 17 – (a) Caminho de tensões e (b) curvas de compressibilidade (v, p) para definir a equação da
superfície de escoamento LC (Wheeler e Sivakumar, 1995)
A função λ(s) foi proposta por Alonso et al. (1990) como sendo válida para solos com-
pactados sob determinados níveis de tensões. Para os solos naturais, Futai (1997) propôs que
a função fosse representada por:
λ ( s) = λ (0) + [λ ( ∞) − λ (0)](1 − e − βs ) (76)
Figura 19 – Idealização do comportamento dos solos não saturados sob condições hidrostáticas
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 521
Ensaios realizados por Aguilar (1990), Wheeler e Sivakumar (1995), Araki e Carvalho
(1995), Machado e Vilar (1997), Futai (1997) e Machado (1998) resultaram em λ(s) aumen-
tando com a sucção. Contrapondo-se a esses valores, Alonso et al. (1990) e Perazzo e Lins
(1997) apresentaram valores de λ(s) decrescentes. A expressão (76) permite ajustar-se valores
crescentes ou decrescentes de λ(s). Para tanto, basta impor o valor da inclinação da reta vir-
gem para sucção tendendo a infinito λ(∞) maior ou menor que λ(0), obtendo λ(s) decrescen-
tes ou crescentes respectivamente.
Futai (1997) propôs, ainda, uma função para o parâmetro κ(s), dado por:
A função κ(s) modifica a rigidez do solo para a condição elástica com a sucção, por-
tanto, a superfície de escoamento LC torna-se dependente, também, de κ(s). Nesnas (1995)
comenta que a utilização do modelo de Alonso et al. (1990), em elementos finitos, inverte o
comportamento de carregamentos com sucção constante. Silva Filho (1998) explica que, em
modelagem numérica, é utilizado o módulo volumétrico (K), dado pela expressão:
vp (78)
K=
κ
Como o volume específico é menor para sucções mais elevadas e os dois outros valores
constantes, K diminui com a sucção. Nesse caso, as sucções mais altas apresentarão maiores
deformações elásticas, contrariando valores experimentais até então conhecidos. A modela-
gem sugerida por Futai (1997), introduzindo κ(s), prevê melhor esse comportamento, visto
que o modelo idealiza que o solo tem a rigidez aumentada com a sucção devido à κ(s) até a
tensão de escoamento.
Realizando o mesmo procedimento de Wheeler e Sivakumar (1995), chega-se à curva de
escoamento LC dada por:
1 s + p atm (79)
po (s) = exp [λ(s) − λ(0 )]ln (p f ) + (λ(0 ) − κ(s))ln (po (o)) − κ s ln
λ(s) − κ(s) p atm
Substituiu-se a tensão de referência para p = 1kPa para torná-la igual ao modelo Cam
Clay. Para condições em que os carregamentos excedam a tensão pf, deve-se dividir a curva de
compressibilidade em dois trechos: antes de pf, usa-se as funções propostas e, após pf,deve-se
adotar λ(s) = λ(o), ou seja, não ocorre mais colapso. É possível incorporar esse comporta-
mento em um programa de elementos finitos, tal como apresentado por Silva Filho (1998).
Nesse caso, as deformações de colapso são sempre crescentes com o nível de tensões. Bal-
maceda (1991) e Josa et al. (1992) apresentam uma função para a superfície de escoamento
em que a LC tende a abrir, atinge um máximo, correspondendo ao colapso máximo e volta a
fechar até tornar-se vertical.
O comportamento de λ(s) depende do tipo de solo, das condições iniciais e do nível de
tensões ao qual o solo é obtido. Com o aumento do nível de tensões, λ(s) deve convergir para
a inclinação saturada, caso contrário, fazendo-se a tensão média líquida tender para infinito,
o colapso também tenderia ao infinito, o que é impossível. Analisando-se a expressão (7.1),
nota-se que, no modelo de Alonso et al. (1990), para valores de λ(s) crescentes, a função for-
neceria valores da tensão de escoamento decrescente, com o aumento da sucção, fornecendo
expansão quando a sucção for diminuída, o que seria pouco provável.
Futai (1997) dividiu as curvas de compressão dos solos não saturados em quatro regiões
(I, II, II, IV). A primeira é a realmente elástica; a segunda é uma região de transição; a terceira
é a reta virgem; e, na região IV, não ocorre mais colapso. As curvas em que o nível máximo
de tensões de ensaio está na região II, poderão apresentar λ(s) decrescentes com a sucção,
porém, não sendo verdade para tensões maiores.
Outros modelos devem ser lembrados, o de Toll (1990), Balmaceda (1992), Josa et al.
(1992), Cui e Delage (1996), Wheeler (1996), WS modificado (Silva Filho, 1998), EESC model
(Machado, 1998). Dentre esses, o modelo EESC foi desenvolvido para um solo não saturado
colapsível natural.
O modelo proposto por Futai (1997) foi utilizado para a previsão de resultados de en-
saios de laboratório, campo e obras, conforme listados na Tabelas 3 e na Tabela 4, s endo três
delas dissertações de mestrado (Futai, 1997; Peixoto, 1999; Davies, 2000), e uma tese de dou-
torado (Silva Filho, 1998). Todos obtiveram bons resultados quando comparados os valores
medidos e as previsões realizadas com o modelo.
O ensaio 1 foi realizado sem inundação da cava e a carga de 72 kPa (Tabela 1), corres-
pondente ruptura do solo abaixo da placa. Os outros ensaios foram realizados em duas ou três
fases, com a inundação da cava a valores equivalentes de 25%, 50% e 75% da carga de ruptura.
Os ensaios 2 e 4 tiveram três fases:
• carregamento indicado na Tabela 5;
• inundação;
• carregamento final até 54 kPa.
O ensaio 3 não tem a última fase de carregamento após a inundação.
Nos ensaios citados, Conciani (1997) utilizou uma placa de 0,80 m, colocada a uma
profundidade de 1,0 m abaixo do nível do terreno, necessária devido à presença de camada
endurecida na superfície do solo, que poderia prejudicar o ensaio. Abaixo da placa, foi colo-
cado um colchão de areia lavada com uma espessura de 1 cm para homogeneizar a infiltração
de água durante o ensaio. Para a medida da sucção e umidade, antes e durante o ensaio, foram
utilizados tensiômetros e uma sonda TDR (reflectometria do domínio do tempo).
Para a medida da carga, Conciani (1997) utilizou uma célula com capacidade de 200 kN
e resolução de 0,1 kN. O recalque foi medido através da instalação de quatro deflectômetros
diametralmente opostos sobre a placa. A inundação da cava conservou uma lâmina de es-
pessura igual a 5 cm acima da placa e a medida da sucção foi realizada com os tensiômetros
instalados a cada 25 cm de profundidade até 1,0 m.
O procedimento de instalação e medição pode ser visto em Conciani et al. (1996) e Con-
ciani (1997). A medição foi feita antes do ensaio e apresentou valores mais elevados próximos
da superfície do terreno. A Figura 21 mostra a distribuição da pressão da água nos poros com
a profundidade, nas condições antes e após a inundação da cava.
Figura 20 – Perfil de SPT do campo experimental Figura 21 – Perfil médio de poro pressões antes e
de Campo Novo dos Parecis (Conciani, 1997) após a inundação da cava (Conciani, 1997)
(
N (s ) − N (0 ) = 0,162 1 − e −0, 005 s ) (81)
N (s ) − N (0 ) = 0,162(1 − e −0 , 005 s
) (82)
As previsões dos ensaios são apresentadas nas Figuras 22 a 24. A Figura 22 mostra a
comparação das previsões com os resultados do ensaio de placa com inundação a 18 kPa. As
previsões do carregamento e do colapso apresentaram excelentes resultados. O recarregamen-
to após o colapso não apresentou resultados tão bons quanto as fases anteriores, provavelmen-
te explicado pela ocorrência de ruptura no solo abaixo da placa.
Figura 22 – Curva carga x recalque para a inundação com a placa submetida a 18 kPa
526 Solos não saturados no contexto geotécnico
O ensaio com inundação a 36 kPa também apresentou bons resultados nas duas primei-
ras fases: carregamento e inundação, conforme se vê na Figura 23. As deformações de colapso
aumentaram com relação ao ensaio anterior e, novamente, no recarregamento, após o colap-
so, os resultados são afetados pela grande deformação que ocorreu no colapso.
Finalmente, o ensaio com inundação a 54 kPa apresentou as maiores deformações de
colapso, como indica a Figura 24. O resultado das previsões do carregamento e do colapso
também mostraram uma boa concordância com o resultado do ensaio.
Figura 23 – Curva carga x recalque para a Figura 24 – Curva carga x recalque para a
inundação com a placa submetida a 36 kPa inundação com a placa submetida a 54 kPa
COMENTÁRIOS FINAIS
Este capítulo abordou o tema de modelagem constitutiva de solos não saturados, sendo
apresentado um histórico de desenvolvimento matemático das proposições. Foi dada ênfase
aos modelos elásticos e elastoplásticos, já que possuem aplicações numéricas de elementos
finitos a casos reais. O modelo elástico apresentado numericamente neste capítulo utiliza duas
técnicas para previsões de deformações por variação de sucção: (a) uma analogia térmica para
simulação do comportamento de solos expansivos e (b) variação de rigidez para deformações
de colapso. Isso é necessário, tendo em vista que essas deformações são irreversíveis, ou seja,
são, na verdade, deformações plásticas, o que exigiria a utilização de modelagem elastoplásti-
ca. Para demonstrar a aplicabilidade do modelo elástico para solos não saturados, foi realizada
a previsão do enchimento de uma pequena barragem de terra.
Essa barragem foi construída especificamente para estudar o comportamento do enchi-
mento com a utilização de uma seção transversal zonada por diferentes valores de energia
de compactação e umidade. O propósito deste estudo foi verificar a eficiência de um maciço
com espaldares compactados no ramo seco da curva de compactação e o núcleo em torno do
ponto ótimo. A simulação mostra que ocorrem deformações de colapso nos espaldares, não
atingindo o núcleo da barragem, dessa forma, evitando a sua ruptura completa. O modelo
elástico de Fredlund (1979), implementado no programa Unstruct (Miranda, 1988; Silva Fi-
lho, 1998), é capaz de representar satisfatoriamente esse comportamento, conforme apresen-
tado por Lôbo Neto (2013).
Também, neste capítulo, foi apresentada uma aplicação numérica a solos não saturados
com modelagem elastoplástica. Foram mostradas previsões de ensaios de provas de carga com
Modelos constitutivos aplicados aos solos não saturados 527
placa em solos não saturados, realizadas por Conciani (1997), em Campo Novo dos Parecis,
em Mato Grosso. Nos ensaios de placa, Conciani (1997) adotou diferentes valores de carga de
inundação e mediu valores crescentes de recalques com o aumento da carga.
As previsões dos ensaios foram realizadas pelo programa Crisp-unsat (Silva Filho, 1998)
com a utilização do modelo Futai (1997), demonstrando que pode ser utilizado em análises
de comportamento de solos não saturados submetidos à variação de sucção com a obtenção
de bons resultados.
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530 Solos não saturados no contexto geotécnico
1 INTRODUÇÃO
quando a fase água é contínua, um movimento da fase ar até que ocorra o equilíbrio de ener-
gia e, quando ela é descontínua, ocasiona o surgimento de uma força atrativa que puxa um
grão para o outro, ou um conjunto de grãos entre si, até que ocorra o equilíbrio de energia
com a consequente estabilização do menisco capilar formado. No caso das bolhas oclusas, o
equilíbrio de energia se dá com o fechamento da própria esfera, mas essas moléculas de água
orientadas continuam em interação com as demais moléculas da água, intervindo no fluxo
não só devido a essa energia interativa, como também pela presença das próprias esferas ga-
sosas formadas. Contudo, o fenômeno aqui descrito quanto ao menisco capilar é de natureza
predominantemente física e, no caso, atuante nos solos mais granulares com baixa energia
de superfície. No caso das argilas, no entanto, surge a intervenção da energia adsorsiva, ca-
racterística do mineral, fazendo com que o menisco se forme entre camadas de adsorção,
sendo que tanto o fluxo quanto a interação entre partículas sejam comandados pelo déficit
nessa energia de adsorção e não pela capilaridade propriamente dita. Essa energia de adsorção
intervém no comportamento hidromecânico tanto dos solos não saturados como dos solos
saturados.
Ainda sobre a questão do fluxo em meio não saturado, salienta-se que ele pode se dar de
três modos: a) quando a fase ar e a fase água são contínuas, condição em que a água flui devido
a uma diferença de potencial, em especial, de sucção, nela atuante e por meio do fluxo de ar,
conduzindo as moléculas de água que passaram para a condição de vapor; b) quando a fase
água é contínua e a fase ar é descontínua, condição em que o fluxo se dá, majoritariamente,
pela atuação de uma diferença de potencial gravitacional no sistema água-ar e pela atuação da
condição atmosférica na superfície exposta do fluido e pela migração das bolhas de ar oclusas
contendo água na forma de vapor; c) a fase água é descontínua e a fase ar contínua, a água
transformada em vapor passa à fase ar, que, sob efeito de maior pressão, flui, conduzindo-a
para a atmosfera.
Portanto, depreende-se dessa breve exposição que os fenômenos que ocorrem na intera-
ção solo-água-ar são complexos e ainda não bem conhecidos em sua essência. Nesse contexto
de complexidade, a prudência recomenda que, neste capítulo, atenha-se aos solos granulares
de modo a evidenciar, mais claramente, a importância da ferramenta numérica e da própria
modelagem física para o entendimento do comportamento dos solos saturados e não satura-
dos, assim como para a proposição de soluções para problemas de engenharia.
Uma equação robusta capaz de sistematizar matematicamente o comportamento do flu-
xo de água em um solo não saturado é a equação de Richards (Richards, 1931). Tal equação
leva em consideração que a umidade do solo pode variar, assim como a sucção, no tempo e
no espaço. De posse da curva característica do solo e da função de permeabilidade, é possível
simular o fenômeno do fluxo em sistemas não saturados por meio da Equação de Richards.
Estudos recentes permitem utilizar tomografias computadorizadas para abordar, de for-
ma, física as particularidades advindas da estrutura porosa do solo. Além disso, a partir das
tomografias computadorizadas e de novos métodos numéricos, tais como o método dos au-
tômatos celulares, é possível gerar malhas que representam essa estrutura porosa. O método
dos autômatos celulares pode ser usado para definir funções de distribuição acumulada dos
diâmetros dos poros que representem tomografias computadorizadas binarizadas. O méto-
do também permite a associação dessas funções de distribuição a autômatos celulares que
apresentem as mesmas propriedades da estrutura porosa da tomografia computadorizada bi-
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 533
narizada. Por último, o método viabiliza a possibilidade de se obter uma função de distribui-
ção acumulada dos diâmetros dos poros, a permeabilidade intrínseca e a curva característica
para os autômatos celulares em estudo. Este capítulo dedica-se a apresentar a metodologia de
utilização do método numérico autômatos celulares e a viabilidade de sua utilização para a
representação da estrutura porosa de solos não saturados, atendo-se as análises à considera-
ção apenas do meio físico e, em respeito a essa limitação, as análises a serem apresentadas se
voltam para os materiais granulares com baixa atividade de superfície.
a célula central da camada inferior. A primeira linha, todavia, é a condição inicial. Nesse caso,
todas as células são brancas (valor nulo), exceto a central, que é preta (valor unitário).
Os autômatos celulares bidimensionais (AC2D) são formados por uma malha em duas
dimensões. Essa malha pode ser quadrada, hexagonal ou triangular (Figura 2). Vale res-
saltar que, no caso do ACE, o autômato propriamente dito é representado em uma linha.
A malha observada como evolução de uma regra (p. ex., na Figura 1) é, na realidade, um
gráfico (x, y) (posição, tempo), pois cada linha representa um passo de tempo. Nos AC2D,
cada passo de tempo é representado por uma malha em duas dimensões no espaço. Nesses
casos, a evolução do AC é representada em malhas independentes, uma para cada passo de
tempo ou poderia se construir um gráfico (x, y, z) (x, y, tempo), incorporando o tempo
na terceira dimensão.
A lógica da numeração das regras AC2D é similar à dos ACE, ou seja, o número, no
sistema decimal, que dá nome a cada regra é o correspondente ao número no sistema binário
que se obtém como resultado da evolução da regra a partir de uma condição inicial. No entan-
to, devido ao elevado número de regras AC2D que existem, geralmente, elas são divididas em
grupos e numeradas independentemente dentro desses grupos. Para malhas quadradas, que
são as mais usadas, utilizam-se, basicamente, dois tipos de vizinhança, as chamadas vizinhan-
ças de Moore e de Von Neumann (Figura 3). A vizinhança de Moore considera a influência
de todas as células ao redor do ponto de interesse, enquanto a de Von Neumann considera
apenas as que estão diretamente ligadas aos lados, acima e abaixo do ponto. A própria célula
pode formar parte ou não da vizinhança.
(a) (b)
(c)
Figura 1 – Autômatos elementares de Wolfram: (a) Regra 50; (b) Regra 90; (c) Regra 30
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 535
Deve notar-se que a quantidade de regras que definem os ACE é relativamente pequena,
no entanto, o número de possibilidades no caso bidimensional é exponencialmente maior.
Considerando-se apenas autômatos binários (k = 2) e uma vizinhança de Von Neumann, há
25 = 32 configurações para se gerar uma regra e, portanto, existem 232 ≈ 4.109 possíveis regras.
Considerando-se a vizinhança de Moore, aparecem 29 = 512 configurações para uma regra e,
consequentemente, 2512 ≈ 10154 possíveis regras. Uma descrição detalhada desses padrões pode
ser encontrada em Wolfram (1984) e Packard e Wolfram (1985).
Um importante avanço no campo dos autômatos celulares foi a criação da função iota-
-delta (Ozelim et al., 2012). Tal função permite que diversos autômatos celulares, antes defi-
nidos apenas por meio de condicionais e outras funções de programação, sejam definidos al-
gebricamente. Com isso, além da facilidade de implementar autômatos celulares, essa função
também permite que aplicações em outros campos do conhecimento sejam mais factíveis. A
função iota-delta é definida da seguinte forma:
onde,
m e n são parâmetros inteiros positivos da função;
x é o argumento da função, definido pela combinação linear de células da vizinhança;
j é igual a π[n] + 1, sendo j o número de primos;
π[n] é a função que retorna o número de primos menores ou iguais ao argumento n.
536 Solos não saturados no contexto geotécnico
Autômatos celulares como representação de meios porosos, como o solo, foram estuda-
dos recentemente por Bandman (2011), Zubeldia (2013) e Ozelim (2014). Os autores conclu-
íram que os autômatos elementares e bidimensionais são capazes de simular meios porosos
a partir do paralelo no qual os vazios do solo são representados por células em branco e
o espaço ocupado pelos grãos, por células em preto. Além disso, os autores discutem que
características como a porosidade e a permeabilidade intrínseca se estabilizam e mantêm-se
constantes para cada autômato depois de um certo número de iterações.
3 MODELO DE PERMEABILIDADE
A lei de Hagen-Poiseuille para fluxo estacionário por um tubo capilar circular de diâ-
metro d é dada por:
π d 4 ∆p (2)
qi =
128µ Le
onde,
qi é a taxa de fluxo volumétrico para um único tubo capilar [L3T-1];
d é o diâmetro do tubo capilar [L];
∆p é a queda de pressão através do meio [FL-2];
µ é a viscosidade dinâmica do fluido [FL-2T] ;
Le é o comprimento tortuoso do tubo [L].
Para um meio poroso com n poros cilíndricos e tortuosos, semelhantes a tubos capilares,
a lei de Hagen-Poiseuille pode ser escrita como:
π d 4 ∆p (3)
qT = n
128µ Le
onde, qT é o fluxo volumétrico total pelo meio [L3T-1].
A porosidade do meio pode ser definida como a razão entre o volume de poros e volume
total, dada por:
n (π d 2 4 ) Le
φ= (4)
AT L
onde,
AT é a área total da seção transversal [L2]
L é o comprimento do meio poroso [L].
Isolando-se AT na Eq.
pode-se obter:
n π d 2 Le (5)
AT =
φ 4 L
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 537
A Lei de Darcy para um fluxo monofásico em um meio poroso é dada por:
k AT ∆p (6)
qT =
µ L
onde, k é a permeabilidade intrínseca do meio poroso [L2].
Comparando-se a Equação (6) com a Equação (3) pode-se obter a permeabilidade in-
trínseca do meio com poros similares a tubos capilares, descrita por:
n πd4 L (7)
k=
128 AT Le
Substituindo-se a Equação (5) na Equação (7), é possível obter o seguinte modelo de
permeabilidade intrínseca:
φd 2 (8)
k=
32τ
onde, τ é a tortuosidade do meio poroso, adimensional, definida por:
2
L (9)
τ = e
L
A Equação (8) mostra que a permeabilidade é proporcional ao quadrado da dimensão
característica do meio poroso. Além do mais, isso demonstra que a permeabilidade também é
proporcional à porosidade do meio. Assumiu-se que o conjunto de n tubos capilares apresen-
tavam as mesmas dimensões. Todavia, assumindo-se que o modelo inclui uma distribuição
de poros arbitrária, pode-se obter resultados mais verossímeis. A função de densidade de
probabilidade para distribuição dos diâmetros dos poros é mostrada na Figura 4.
Figura 4 – Função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâmetros dos poros
A função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâmetros dos poros deve
satisfazer a seguinte condição:
∞
(10)
∫ f (δ ) d δ = 1
0
538 Solos não saturados no contexto geotécnico
A área da seção transversal ocupada pelos poros com diâmetro entre δ e δ + dδ é dada
por:
δ2
dAc = π n f (δ ) d δ (12)
4
A área da seção transversal ocupada por todos os poros é obtida integrando-se a Equa-
ção (12) e é equivalente a:
π R2 (13)
Ac = n
4
onde, R 2 é a constante definida por:
∞
R 2 = ∫ f (δ ) δ 2 d δ (14)
0
O volume ocupado por todos os poros pode ser relacionado com a área da seção trans-
versal, a porosidade e o comprimento do meio poroso da seguinte forma:
Ac Le = φ AT L (15)
4φ AT L (16)
n=
π R 2 Le
A taxa de fluxo volumétrico para poros com diâmetro entre δ e δ + dδ pode ser obtida
pela lei de Hagen-Poiseuille e expressa por:
πδ 4 ∆p (17)
dqT = nδ
128µ Le
Substituindo-se a Equação (11) na Equação (17), pode-se obter:
πδ 4 ∆p
dqT = nf (δ ) d δ (18)
128µ Le
O fluxo volumétrico total para o meio poroso pode ser obtido integrando-se a Equação
(18), gerando a expressão:
π ∆p ∞ (19)
f (δ ) δ 4 d δ
128µ Le ∫0
qT = n
∞
∫ f (δ ) δ dδ
4
φ (22)
k= 0
32τ ∞
∫ f (δ ) δ dδ
2
0
(a) (b)
Figura 5 – Microscopia: (a) Óptica de solo granular uniforme; (b) Eletrônica de solo com
distribuição trimodal
(a) (b)
(c) (d)
Figura 6 – Função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâmetros dos poros: (a) Distribuição
trimodal para solos com presença de microporos (MCP), mesoporos (MEP) e macroporos (MAP); (b) Distri-
buição bimodal para solos com presença de micro e macroporos; (c) Distribuição unimodal para solos bem
graduados; (d) Distribuição unimodal para solos uniformes
1 ln (δ δ )
2
(23)
1
f (δ ) = exp −
σ δ 2π δ 2 σδ
1 ln (δ δ ) (24)
F (δ ) = 1 + erf
2 σδ 2
com,
erf ( z ) =
2
z
(25)
∫e
− x2
dx
π 0
onde, δm é a media geométrica dos diâmetros dos poros, e σd é o desvio padrão de lnδ.
d
7
ln 1 + rgr
1 δ
FP (δ ) = 1 −
mgr
ln 1 + d rgr (26)
agr
ngr
ln exp (1) +
dm
δ
onde,
agr é o parâmetro correspondente ao ponto de inflexão da função;
ngr é um parâmetro que determina a uniformidade da distribuição;
mgr é o parâmetro relacionado ao formato da curva próximo às regiões finas;
drgr é o parâmetro relacionado à quantidade de finos no solo;
δ é o diâmetro de cada poro considerado [L];
dm é o diâmetro do menor poro considerado [L].
f P (δ ) = ln(10) ⋅ δ ⋅
dFP (27)
dδ
542 Solos não saturados no contexto geotécnico
Os ACE e AC2D podem ser utilizados para modelar a função de densidade de probabi-
lidade para a distribuição dos diâmetros dos poros. Esta seção apresenta a metodologia para
utilização de um ACE. Inicialmente, define-se a regra que será utilizada para geração do ACE.
Em seguida, impõe-se a condição inicial do sistema a partir da definição da primeira linha
do autômato. Por último, define-se o tamanho da malha que será analisada. Na Figura 7, é
apresentado o ACE descrito pela regra 89 e uma condição inicial aleatória em uma malha de
400 colunas e 200 linhas.
Computacionalmente, tem-se que qualquer autômato gerado é um vetor n-dimensional.
A malha apresentada pela Figura 7 é, simplesmente, a representação gráfica de uma matriz
composta por 0’s e 1’s. Logo, fazendo-se um paralelo aos meios porosos, pode-se considerar
os vazios como sendo representados pelos números 1’s e os grãos pelos números 0’s. Nesse
caso, a porosidade do ACE pode ser definida pela razão entre a área de vazios e a área total da
malha em estudo, dada por:
∑a
i, j
ij
(28)
n=
l.h
onde,
aij é o elemento da matriz da linha i e coluna j, correspondente ao valor 1;
l é números de linhas da matriz;
h é o número de colunas da matriz.
Em outras palavras, para se obter a porosidade do ACE, basta somar todas as células
vazias e dividir o resultado pelo número de células totais. Dessa forma, a porosidade do ACE
apresentado na Figura 7 é igual a 49%.
Pode-se, ainda, inferir diversas propriedades correlatas ao solo, a partir do ACE, tais
como a função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâmetros dos poros, a
função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros e a permeabilidade intrínseca.
Para a determinação da função de densidade de probabilidade para distribuição dos
diâmetros dos poros, primeiramente, deve-se identificar os poros. Para isso, um algoritmo
analisa a malha e identifica todas as células de vazios que estão interligadas por arestas.
Em seguida, o algoritmo verifica, em cada conjunto, o número de células que compõe cada
vazio. Logo, é gerado um vetor que enumera os poros e suas respectivas áreas e diâmetros
equivalentes. Paralelamente, outro algoritmo identifica quantos vazios há para um interva-
lo de diâmetros. Tal algoritmo faz isso para vários intervalos e obtém, em porcentagem, a
quantidade de poros para cada faixa de diâmetro. Plotando-se tais números e interligando-
-os, pode-se obter a função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâmetros
dos poros.
Para se obter uma função de densidade de probabilidade para distribuição dos diâme-
tros dos poros com equivalência real a um solo, deve-se atribuir uma escala à malha. Para isso,
define-se o comprimento da menor dimensão da malha, isto é, o valor da largura da célula.
Neste capítulo, voltado para solos granulares, considerou-se o valor da menor dimensão da
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 543
malha correspondente ao diâmetro efetivo do solo, D10, salientando-se, no entanto, que, para
solos argilosos, esse limite deve ser outro, pois o D10 nem sempre é distinguível.
Nesse exemplo, definiu-se D10 como 0,03 mm. A função de densidade de probabilidade
para a distribuição dos diâmetros dos poros obtida encontra-se apresentada na Figura 8. É
notável o fato de que a curva apresenta um aspecto bimodal, típico dos solos estruturados
(que guarda certa semelhança com o solo poroso colapsível do Distrito Federal), no qual a
presença dos micros e dos macrosporos é estabelecida na literatura (Otálvaro, 2013).
Ao se integrar numericamente, a função de densidade de probabilidade para a distribui-
ção dos diâmetros dos poros (Figura 8), utilizando-se o método do retângulo, por exemplo,
pode-se obter a função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros. Computacional-
mente, isso pode ser feito ao se analisar o vetor de poros com respectivos diâmetros equiva-
lentes e verificar quantos vazios são menores do que determinado patamar. Para isso, deve-se
começar da menor dimensão de poros até a maior, avançando-se pouco a pouco. Com isso, é
possível obter outra distribuição de pontos, que correlaciona um diâmetro com a porcenta-
gem de poros de diâmetros menores do que ele. Interligando-se a distribuição, pode-se obter
função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros, assim como mostrada na Figura
9. Mais uma vez, a curva obtida é típica de um solo de comportamento bimodal e, fazendo-
-se um paralelo com a curva de distribuição granulométrica, ela seria representativa de um
material com graduação aberta.
Figura 9 – Função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros gerada pelo ACE 89
necessário, a partir da precisão da fotografia, definir a dimensão de cada pixel, ou seja, tem-
-se de estabelecer o comprimento de cada pixel em uma escala linear. Tal passo é totalmente
análogo à atribuição do D10 no caso dos autômatos celulares. Como a tomografia é única,
a porosidade se mantém constante e independente das dimensões atribuídas. Atribuindo-
-se, portanto, o valor de 3.10-4 mm como a menor dimensão do pixel da imagem binarizada,
pode-se determinar a função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros (Figura 12).
(a) (b)
Figura 11 – Imagens da areia argilosa obtidas por meio da TC: (a) Imagem original; (b) Imagem binarizada
A função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros para a imagem binarizada
da tomografia da areia apresentou um aspecto tipicamente esperado em solos com distribui-
ções de poro unimodais. Esse fato é facilmente explicável, tendo em vista o caráter granular
do material em estudo.
De posse da função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros para a ima-
gem binarizada da tomografia da areia (Figura 11), foi obtido o autômato celular que melhor
se enquadrava nas características de distribuição de poros da referida imagem. O resultado
encontra-se apresentado na Figura 13. Além disso, o modelo foi verificado utilizando-se a
Equação (27) proposta por Fredlund et al. (2000) e adaptada para este estudo. Os parâmetros
utilizados foram agr = 1,19; ngr = 3; mgr = 0,9; drgr = 1000 e dm = 0,05 mm.
De posse dos resultados apresentados na Figura 13, foi possível determinar a curva de
permeabilidade intrínseca versus tortuosidade correspondente ao caso em estudo (Figura
14). Conhecido o valor da condutividade hidráulica da areia argilosa (Tabela 1), foi possível
determinar o valor da permeabilidade intrínseca, admitindo-se o fluido como sendo a água
(k = 2.10-6 mm2). Dessa forma, constata-se que a tortuosidade que define o material em
estudo é 2,3.
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 547
Figura 12 – Função de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros para a imagem binarizada
da tomografia da areia
Figura 13 – Comparação entre as funções de distribuição acumulada dos diâmetros dos poros
obtidas para a imagem binarizada da tomografia da areia para o autômato celular e pelo
método proposto por Fredlund et al. (2000)
5 CURVA CARACTERÍSTICA
θ w (ψ ) = θ r + (θ s − θ r )
(1 + (α ⋅ψ ) )
n 1/ n
(29)
1 + (α ⋅ψ ) n
onde,
θw é o teor de umidade volumétrica [L3L-3];
548 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 14 – Curva de permeabilidade intrínseca versus tortuosidade gerada para o autômato celular
∑V
j =1
vj
(33)
θw =
i
V
onde,
Vvj é definido pela Equação (31) [L3];
ρd é a massa específica seca do solo [ML-3].
V=
ρd
Uma vez que a quantidade total de massa de solo é unitária (∑msi = 1), a Equação (34)
reescreve-se na forma:
1 (35)
V=
ρd
Substituindo-se a Equação (35) na Equação (33), segue que:
i
θ w = ρ d ∑ Vv
i j (36)
j =1
Arya e Paris (1981) propõem que se iguale o comprimento total do poro ao número de
partículas alinhadas ao longo do poro vezes o comprimento contribuído por cada partícula.
Considerando-se uma configuração cúbica de partículas esféricas idênticas, o comprimento
do poro seria dado por:
hi = niα 2 Ri (40)
Os autores sugerem a inclusão de um parâmetro empírico α, para se levar em conta a
não esfericidade das partículas:
hi = niα 2 Ri (41)
Combinando-se as Equações (30), (31), (38), (39) e (41), pode-se concluir que:
2
ri = Ri e ⋅ ni1−α (42)
3
Os valores de ni podem ser computados igualando-se a Equação (38) e (30). O valor de
sucção correspondente a cada fração é computado utilizando-se a Equação de Capilaridade:
2Ts
ψi = (43)
ri
onde, Ts é a tensão superficial da água [FL-1].
Figura 15 – Curva característica gerada para o AC e pela equação de Van Genuchten (Van Genuchten, 1980)
Tomografias computadorizadas e análises numéricas aplicadas à caracterização da estrutura porosa de solos... 551
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
REFERENCIAS
ARYA, L.M. & PARIS, J.F. (1981). A physicoempirical model to predict the soil moisture cha-
racteristic from particle-size distribution and bulk density data. Soil Science Society America
Journal, 45: 1023-1030.
BANDMAN, O. (2011). Using cellular automata for porous media simulation. The Journal of
Supercomputing, 57 (2): 121-131.
CRESTANA, S. (1985). A tomografia computadorizada como um novo método para estudos
da física da água no solo. Tese de Doutorado em Ciências-Física Aplicada, Universidade de
São Paulo, 140 p.
552 Solos não saturados no contexto geotécnico
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de prover um destino adequado aos resíduos sólidos gerados pela ativida-
de humana tem sido, a longo prazo, uma preocupação da sociedade organizada e um desafio
de engenharia na busca por soluções tecnicamente eficientes e economicamente viáveis. A
seleção correta de áreas para disposição final de resíduos sólidos compreende a execução de
um projeto de manejo que reduza os impactos ambientais negativos e aumente a vida útil das
instalações. Outro desafio corrente é quanto ao projeto de cobertura final em células de ater-
ros sanitários que tenham atingido sua capacidade máxima de armazenamento de resíduos.
Para cobertura final em aterros sanitários, a prática comum, no Brasil, tem sido a utilização
de camadas de solo compactado, principalmente, solos argilosos, uma vez que a principal
preocupação é prover uma cobertura com baixa permeabilidade ao fluxo de água, evitando
acréscimo de umidade à massa de resíduos.
O sistema de cobertura é um componente importante em um projeto de engenharia que
contemple um bom acondicionamento de resíduos sólidos urbanos ou resíduos perigosos. O
sistema de cobertura de um aterro está em constante interação com a atmosfera. Projetos de
coberturas finais envolvem conceitos ligados a várias áreas do conhecimento, como a enge-
nharia geotécnica, engenharia ambiental, ciências do solo, climatologia, biologia e hidrologia.
A integração de conceitos dessas várias disciplinas é um importante desafio aos pesquisa-
dores, projetistas e reguladores responsáveis. Esse é, particularmente, o caso das coberturas
evapotranspirativas, nas quais é necessária uma ampla compreensão e quantificação dos pro-
cessos atmosféricos que atuam na superfície onde está localizado o sistema de cobertura, além
do fluxo de água por meio da camada de solo não saturado (Zornberg e McCartney, 2007).
Os componentes do balanço hídrico usados para quantificar a conservação da massa de
água em um projeto de cobertura podem incluir evaporação e transpiração plantar (conjunto
denominado de evapotranspiração), precipitação, fluxo superficial (runoff), armazenamento
de umidade, drenagem lateral e percolação basal. Percolação basal, uma importante variável
para quantificar o desempenho médio de um sistema de cobertura, é o volume de água que
se localiza sob a superfície do sistema de cobertura com o tempo. O volume de água que não
possa ser removido do sistema de cobertura por evapotranspiração ou drenagem lateral al-
cança a camada de resíduos sólidos acondicionada no sistema, possibilitando a mobilização
556 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 1 – Perfil de solo de uma barreira monolítica (adaptado de Zornberg e McCartney, 2007)
O perfil de umidade em uma camada de solo monolítica prevê infiltração de água e au-
mento no valor da umidade durante eventos de precipitação e subsequente secagem durante
eventos de evapotranspiração. Mesmo que o valor da umidade possa aumentar considera-
velmente na base da camada monolítica, próximo da camada de resíduos sólidos, durante
eventos de infiltração ou precipitação extremos, a maior ocorrência de variação de umidade
deve ocorrer na região próxima do topo da camada monolítica.
Um parâmetro que deve ser utilizado para quantificar o armazenamento de umidade é
a capacidade de campo, que é definida como o valor limite de umidade acima do qual o solo
não mais retém água por capilaridade sob os efeitos da gravidade (Zornberg et al., 1999).
Quando água é adicionada ao solo que está no valor da capacidade de campo ocorre dre-
nagem. A capacidade de campo pode ser obtida por testes de infiltração, porém, um valor
geralmente aceito para siltes e argilas de baixa plasticidade é uma umidade correspondente
a um valor de sucção de 33 kPa (Meyer e Gee,1999). A capacidade de armazenamento de
água de uma cobertura monolítica por unidade de área pode ser preliminarmente estimada
multiplicando-se a umidade volumétrica na capacidade de campo (valores obtidos a partir da
curva de retenção de água) pela espessura da cobertura.
O efeito de barreira capilar da camada de solo granular, que também é uma camada
de drenagem, aumenta a capacidade de armazenamento de água do substrato vegetativo
por manter a frente de umidade na camada superior do perfil. O projeto de uma barreira
anisotrópica é mais complexo que de uma barreira monolítica ou de uma cobertura de bar-
reira capilar devido à necessidade de quantificar as propriedades hidráulicas das camadas
que compõe os perfis, bem como o volume de água que pode ser drenado lateralmente.
Comparações de campo entre o desempenho de testes em escala de barreiras capilares, bar-
reiras anisotrópicas e coberturas monolíticas realizadas por Dwyer (1998) indicaram que
a barreira anisotrópica apresentou um bom desempenho quando comparada com outros
sistemas de cobertura para as mesmas condições climáticas ao longo de um programa de
cinco anos. Entretanto, é a que exige maior atenção técnica entre as três soluções no que se
refere ao seu projeto e construção.
A dimensão menor dos poros do solo fino (r1) resulta em valores de sucção comparati-
vamente altos, e a água presente na camada de solo fino só migrará para os poros maiores (r2)
do geotêxtil quando atingir um valor de sucção significativamente menor, correspondente à
sucção gerada nos poros do geotêxtil, relativamente maiores (r2). Macroscopicamente, o efeito
de ruptura capilar evita que uma quantidade considerável de água flua do solo fino para den-
tro do geotêxtil até que o solo alcance um valor crítico de sucção próximo de zero (saturação).
Nesse ponto, a água é capaz de romper a interface dos materiais e fluir dos poros menores do
solo para os poros maiores do geotêxtil (Zornberg et al., 2009).
O fenômeno da ruptura capilar está diretamente relacionado à compreensão da conduti-
vidade hidráulica em solos não saturados e é o princípio de funcionamento das barreiras capi-
lares. Segundo Zornberg et al. (2009), as barreiras capilares vêm se tornando uma tecnologia
estabelecida para o controle do fluxo de água em solos não saturados. Uma barreira capilar
se desenvolve quando um solo fino é superposto a uma camada de um material granular com
poros relativamente maiores (como areias e pedregulhos) ou ainda a um geossintético poroso
(como um geotêxtil não tecido). Heibaum (2010) define a camada de solo fino como camada
capilar (capillary layer) e a camada de material granular de poros maiores como bloco capilar
(capillary block). A camada do bloco capilar atua como uma barreira ao movimento descen-
dente da água em condição não saturada.
560 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 3 – Barreira capilar com camada drenante (–adaptado de Morris e Stormont, 1997)
562 Solos não saturados no contexto geotécnico
Segundo Zornberg et al. (2010), a compreensão dos conceitos de fluxo de água em solos
não saturados tem ganhado relevância em projetos de aterros sanitários devido ao aumento
do número de coberturas alternativas que têm sido recentemente projetadas e construídas
para depósito de resíduos contaminados ou instalações para rejeitos de mineração. O pro-
jeto de sistemas de cobertura envolvendo barreiras capilares tem se tornado uma tecnolo-
gia consolidada para o controle de fluxo em meios não saturados. Especificamente, barreiras
capilares têm sido, atualmente, usadas em substituição a geomembranas impermeáveis em
múltiplos projetos localizados em zonas áridas e semiáridas (como exemplos, os autores ci-
tam o noroeste dos Estados Unidos da América, o noroeste da Austrália e a África do Sul).
Verifica-se que a presença de geossintéticos em sistemas de barreira capilar pode prover um
desempenho superior ao das barreiras capilares compostas apenas por solos.
O projeto de sistemas de cobertura envolvendo barreiras capilares baseia-se fortemente
na quantificação de processos atmosféricos e no fluxo de água através dos geomateriais (solos
e geossintéticos). Na análise do desempenho de uma camada de solo de cobertura em aterro
sanitário, é importante compreender ou definir o balanço hídrico, ou seja, a quantidade de
água que entra e sai da camada de solo em determinado período de tempo. Um dos dados
essenciais ao projeto é o regime de chuvas da região e os fatores que influenciam a evapotrans-
piração, tais como incidência de radiação solar, regime de ventos e vegetação local.
A Figura 4 (Zornberg et al., 2009) ilustra os componentes do balanço hídrico. A Figura
4(a) mostra o balanço hídrico em uma cobertura resistiva, em que o controle da percolação
basal é alcançado pela maximização do fluxo superficial. A Figura 4(b) ilustra os componen-
tes do balanço hídrico em uma cobertura alternativa. Evaporação e armazenamento de água
são componentes que influenciam significativamente o desempenho do sistema de cobertura
evapotranspirativa. A drenagem lateral interna pode, também, ser um componente relevante
em alguns tipos de cobertura (barreiras capilares em superfícies inclinadas).
A Figura 5 ilustra alguma das mais comuns relações entre fases do solo, usadas para
analisar o processo de fluxo de ar e água em um solo não saturado. A umidade volumétrica
θ é definida pela razão entre o volume de água e o volume total do meio considerado. A po-
rosidade n é a razão entre o volume de vazios e o volume total considerado e corresponde à
umidade volumétrica na saturação (n = υs). O grau de saturação S é a razão entre a umidade
volumétrica e a porosidade. Finalmente, a quantidade volumétrica de ar presente é a diferença
entre a porosidade e a umidade volumétrica (Zornberg e McCartney, 2007).
Figura 7 – Ensaio de coluna suspensa – teste convencional usado para amostras de solo
(adaptado de Zornberg et al., 2009)
566 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 8 – Ensaio de disco de pressão – modo convencional para ensaio de amostras de solo
(adaptado de Zornberg et al., 2009)
O volume de água que sai da amostra e atravessa o disco cerâmico é medido usando-se
um frasco de Mariotte de carga constante. Esse procedimento é repetido sucessivamente com
pressões cada vez maiores, que, gradativamente, levam à secagem da amostra de solo.
A pressão pode ser, subsequentemente, reduzida para se medir o comportamento da
amostra na molhagem. Ao final do teste, a umidade gravimétrica da amostra de solo é medida
de forma destrutiva, e a umidade em cada incremento de pressão pode ser retrocalculada a
partir das medidas de volumes de água expelidos da amostra e coletados no frasco de Ma-
riotte.
Um segundo grupo de técnicas (técnicas termodinâmicas) envolve ensaios que permi-
tem a evaporação de água da amostra dentro de uma câmara fechada em condições contro-
ladas de umidade. A umidade relativa é controlada pela evaporação de água de uma solução
salina saturada colocada dentro da câmara.
A Figura 9 ilustra uma técnica termodinâmica convencional para se determinar a curva
característica em amostra de solo.
Geralmente, técnicas físicas são utilizadas para níveis relativamente baixos de sucção
(abaixo de 1500 kPa), enquanto técnicas termodinâmicas são usadas para sucções mais altas.
Barreiras Capilares em coberturas evapotranspirativas 567
de água, como o proposto por van Genuchten-Mualem (1980 apud Zornberg et al., 2009) e
apresentado na Equação 3:
(3)
Segundo Zornberg et al. (2009), apesar das dificuldades para a realização dos ensaios de
laboratório para a obtenção da condutividade hidráulica do solo, algumas técnicas têm sido
propostas para a determinação direta da função da condutividade hidráulica não saturada. As
técnicas que têm sido usadas para medir a função da condutividade hidráulica de amostras de
solo tipicamente envolvem fluxo de água por meio de amostras confinadas em permeâmetros.
Ensaios com permeâmetros permitem diferentes formas de confinamento da amostra
de solo, formato da amostra, controle das condições de contorno e instrumentação. A função
da condutividade hidráulica não saturada pode ser estimada usando-se o processo de fluxo
constante ou transiente.
McCartney et al. (2007), em uma análise de fluxo transiente, utilizaram um permeâme-
tro de coluna de PVC com diâmetro interno de 203 mm O esquema utilizado no ensaio está
ilustrado na Figura 10. O diâmetro da coluna permitia reduzir a fuga da água ao longo das
paredes internas do permeâmetro e prover uma boa área de infiltração para o fluxo de água.
Um perfil de solo com espessura de 750 mm foi utilizado para minimizar efeitos de borda na
umidade registrada durante a infiltração.
(4)
onde z é a altura a partir da base da amostra de solo ensaiada; ∆Vwi é o volume de água que
passa pelo ponto i no perfil de solo durante um intervalo de tempo ∆t; “A” é a área seccional
da amostra de solo; h é a carga hidráulica expressa na Equação 5:
(5)
(6)
onde ψ é sucção mátrica. O gradiente hidráulico utilizado na Equação 7 pode ser calculado
para cada ponto, como expresso na Equação 7:
(7)
onde i = 0 na face superficial da amostra de solo, sob um valor de infiltração constante. Para
infiltração descendente vertical, o valor de i aumenta com a profundidade.
570 Solos não saturados no contexto geotécnico
(8)
onde j representa o corrente intervalo de tempo, e n é o número total de pontos a serem cal-
culados.
De Lima (2014) realizou uma série de ensaios de infiltração em colunas de pequeno
porte, simulando o comportamento de alguns diferentes arranjos de barreiras capilares com
e sem a presença de geossintéticos. A Figura 11 ilustra uma das colunas executadas com a
presença de solo de cobertura e geotêxtil não tecido.
Figura 11 – Coluna para simulação de perfil de cobertura utilizando solo RMA Tipo 2 com presença
de geotêxtil não tecido como camada de bloco capilar (De Lima, 2014)
Figura 12 – Variação da umidade volumétrica medida em ensaio de infiltração em coluna (De Lima, 2014)
572 Solos não saturados no contexto geotécnico
Com a presença da camada de geotêxtil não tecido, os valores finais de umidade na base
do perfil são maiores, em torno de 0,47, e a camada de solo suporta um valor maior de volume
de água antes que a frente de molhagem saia por sua base (breakthrough). Quando utilizado
geotêxtil não tecido com gramatura de 200 g/m², o sistema acumula 1280ml antes de rom-
per a barreira capilar, enquanto os geotêxteis de 300 g/m² e 400 g/m² permitiram acumular
1400ml. Os dados mostraram um ganho acima de 50% na capacidade de retenção de água
pela camada de solo quando se utilizou geotêxtil.
A presença do geotêxtil não tecido reforça o efeito de barreira capilar e aumenta o tempo
para ocorrência do breakthough, melhorando a capacidade de retenção da camada de solo.
Esse efeito é útil em um sistema de cobertura evapotranspirativa, no qual se deve acu-
mular água na camada de cobertura para a posterior eliminação.
Em seus estudos sobre barreiras capilares, De Lima (2014) também analisou o compor-
tamento não saturado dos geotêxteis não tecidos utilizados em sua pesquisa, determinando
a curva de retenção de água desses materiais. Foram realizados ensaios de coluna suspensa
(hanging column test) para a determinação da curva de retenção de água dos geotêxteis uti-
lizados. A curva de retenção de água, por vezes, também chamada de curva característica,
relaciona a umidade volumétrica ou o grau de saturação do material com a sucção em seus
poros.
Stormont et al. (1997) propôs uma metodologia para a medição da curva característica
de geossintéticos, metodologia esta adaptada dos ensaios de coluna suspensa para solos gra-
nulares. Outros autores, como Bouazza et al. (2006), utilizaram metodologias semelhantes
para a caracterização hidráulica de geossintéticos e geocompostos.
Foi utilizado um equipamento desenvolvido no laboratório de Geotecnia da Universida-
de do Texas, em Austin, pelo grupo do Professor Jorge Gabriel Zornberg e utilizado em pes-
quisas como a desenvolvida por Azevedo (2012), para a determinação da curva de retenção
de água em geossintéticos. Para este trabalho, foram medidas as curvas de retenção de água
dos três geotêxteis não tecidos utilizados nos ensaios de infiltração em coluna, com massas
por unidade de área de 200 g/m²; 300 g/m² e 400 g/m².
A Figura 13 apresenta os resultados obtidos para a curva de retenção de água dos di-
ferentes geotêxteis não tecidos ensaiados. As trajetórias de secagem para os três geotêxteis
ensaiados mostram que os valores iniciais das curvas de secagem, bem como os valores da
parte final das trajetórias de secagem, próximo dos valores de umidade volumétrica residu-
al, apresentam comportamento semelhante. A drenagem inicial dos três geotêxteis apresenta
uma movimentação gradual da água saindo da amostra, com o aumento do valor da sucção.
Analisando-se a parte final da trajetória de secagem, observa-se que o geotêxtil com
massa por unidade de área igual a 400 g/m² alcançou a umidade volumétrica residual para
um valor de sucção maior que os demais. Isso significa que é necessário aplicar uma sucção
maior para retirar a água dos poros do geotêxtil, possivelmente por esses geotêxteis possuírem
menores constrições em seus canais de fluxo.
Considerando-se a parte central das trajetórias de secagem compreendida entre o valor
de entrada de ar (Ψaev) e o valor de umidade volumétrica residual, observa-se que, à medida
que o geotêxtil apresenta maiores massas por unidade de área, tem-se maior umidade volu-
métrica para o mesmo valor de sucção, indicando que o material tem maior capacidade de
retenção de água. Esse comportamento é compatível com os resultados obtidos nos ensaios
Barreiras Capilares em coberturas evapotranspirativas 573
Figura 13 – Comparativo entre curvas de retenção de água de geotêxteis ensaiados com diferentes
gramaturas, considerando-se o ramo de secagem e a saturação das amostras
Nas últimas décadas, tem ocorrido um significativo esforço para se expandir o conheci-
mento e o uso de coberturas evapotranspirativas, principalmente pela execução de testes em
campo em escala real, envolvendo o monitoramento da percolação basal e dos perfis de umi-
dade (Dwyer, 1998; Zornberg e McCartney, 2003). Sistemas de monitoramento permitem a
quantificação direta da resposta da cobertura evapotranspirativa às condições atmosféricas do
local de implantação do sistema. Programas de monitoramento de campo devem ser consis-
tentes com os critérios de desempenho usados no projeto de cobertura. Diferentes tecnologias
têm sido consideradas para avaliar a percolação basal, perfis de umidade, perfis de sucção e
variáveis meteorológicas, como discutidas a seguir.
de proteção ou camadas drenantes. Geomembranas são mantas poliméricas que têm baixíssi-
mos valores de condutividade hidráulica (da ordem de 10-15 m/s). Quando uma cobertura de
solo é instalada acima do lisímetro, pretende-se que a percolação através da camada de solo
alcance o geocomposto e seja conduzida de forma descendente até um recipiente coletor. Para
desempenho efetivo, é importante evitar que a presença do lisímetro interfira no fluxo de água
no sistema de cobertura.
A principal vantagem no uso de lisímetros é que eles podem ser construídos para mo-
nitorar grandes áreas, o que permite uma melhor compensação da medição do fluxo na área
monitorada, considerando-se eventuais ocorrências de caminhos preferenciais de fluxo (áreas
de baixa compactação, fissuras no solo, tocas de animais ou raízes de plantas). Entretanto,
lisímetros têm algumas deficiências, sendo a mais significativa que eles provêm pouca in-
formação interna sobre o funcionamento adequado ou não do sistema de cobertura. Outra
limitação é que, apesar de sua alta transmissibilidade e permissividade quando saturados, o
componente geotêxtil presente no lisímetro pode causar uma quebra capilar, resultando em
uma barreira capilar quando o solo está não saturado (Stormont e Morris, 2000; Zornberg e
McCartney, 2003). A ocorrência de uma quebra capilar na interface solo-lisímetro distorceria
a sucção e o perfil de umidade em uma cobertura evapotranspirativa e poderia resultar em
uma significativa subestimativa da percolação basal.
O desempenho de uma cobertura evapotranspirativa pode ser avaliado por sua capa-
cidade de armazenar umidade até que seja removida por evapotranspiração. Dessa forma, é
importante que a umidade volumétrica e a sucção sejam monitoradas ao longo do perfil para
se certificar se o sistema de cobertura está ou não funcionando de forma adequada. O monito-
ramento contínuo in situ do valor da umidade volumétrica ao longo do perfil é importante em
muitos projetos de hidrologia ou engenharia ambiental. Particularmente, o monitoramento
da umidade volumétrica do solo pode prover importantes informações sobre o movimento da
umidade através das camadas da cobertura evapotranspirativa.
Tecnologias como o TDR (Time Domain Reflectometry) têm sido utilizadas para medir
a umidade volumétrica em sistemas de cobertura evapotranspirativa (Zornberg e McCartney,
2003). O TDR envolve a medição da velocidade de um pulso eletromagnético aplicado. O pul-
so é refletido devido a mudanças na impedância ao longo da transmissão do sinal pelo sensor.
A velocidade do pulso refletido é afetada pela constante dielétrica da água presente na massa
de solo, que é uma ordem de grandeza maior que a do ar e das partículas de solo. A constante
dielétrica da massa de solo, calculada a partir da velocidade do pulso refletido, pode ser, então,
relacionada com a umidade volumétrica do solo onde o sensor está instalado.
A Figura 14 apresenta um modelo de sensor TDR (Figura 14a) e uma ilustração do
sistema de registro e coleta de dados (Figura 14b) utilizado por Azevedo (2012).O sensor de
umidade volumétrica modelo TDR é fabricado pela Soil Moisture Equipment Corp, e o sistema
de aquisição de dados é o é o TDR100, fabricado pela Campbell Scientific, utilizado para coleta
e armazenamento de informações sobre a variação de umidade volumétrica do solo.
Barreiras Capilares em coberturas evapotranspirativas 575
Figura 14 – Arranjo de Sistema original TDR para coleta de dados sobre umidade volumétrica do solo:
(a) Sensor TDR da Soil Moisture Equipment Corp. (b) Sistema de coleta de dados TDR100 da
Campbell Scientific (adaptado de Azevedo, 2012)
Apesar de o sistema convencional de TDR sere, geralmente, adequado para uma ampla
variedade de solos, sua acurácia diminui para altos valores de umidade, solos salinos ou ar-
gilas altamente condutivas (Zornberg e McCartney, 2007). Suas limitações incluem o custo
relativamente alto dos sensores, cabos e procedimentos de instalação comparativamente mais
complicados para prevenir danos aos sensores.
Reflectômetros de umidade ou WCR (Water Content Reflectômetros) são sensores que
têm sido cada vez mais usados como alternativa a sensores TDR convencionais (Dwyer, 1998).
Sensores WCR medem a umidade volumétrica medindo a constante dielétrica do solo, similar
ao TDR. A Figura 15 apresenta o modelo de sensor ECH2O EC-5, fabricado pela Decagon
Devices.
Figura 15 – Detalhe do sensor de umidade ECH2O EC-5 utilizado por De Lima (2014)
(Fonte: www.decagon.com)
O sensor EC-5 é um sensor de baixo custo que calcula a umidade volumétrica do meio
a partir de equações de calibração próprias (De Lima, 2014). As dimensões do sensor de
umidade ECH2EC-5, informadas pelo fabricante, são de 8,9 cm de comprimento, 1,8 cm de
largura e 0,7 cm de espessura.
576 Solos não saturados no contexto geotécnico
Medidas de sucção podem, também, ser feitas para complementar as informações cole-
tadas sobre a umidade volumétrica no perfil de solo. O monitoramento dos valores de sucção
e da umidade podem providenciar dados adequados para interpretar o desempenho da co-
bertura evapotranspirativa. Especificamente, medidas de sucção e umidade volumétrica po-
dem prover informações para determinação in situ das curvas de retenção de água ou SWRC
(Soil Water Retention Curve). Isso pode ser utilizado para interpretar a curva de retenção de
água durante ciclos de molhagem e secagem, como na ocorrência de precipitações pluvio-
métricas, fenômenos na interface das camadas como a quebra capilar (capillary break); as
medidas de campo podem ser utilizadas para aperfeiçoar a utilização da SWRC em modelos
de simulação numérica.
Um exemplo de sensor de sucção é o MPS-1, da Decagon Devices, um sensor que utiliza
o potencial dielétrico da água para determinar a sucção do meio. O sensor consiste em uma
pedra porosa que, ao entrar em equilíbrio com o meio onde está inserido, determina o po-
tencial (em kPa) e a temperatura do meio (em graus Celsius). A Figura 17 apresenta o sensor
MPS-1, utilizado por de De Lima (2014) em seu trabalho sobre barreiras capilares.
Barreiras Capilares em coberturas evapotranspirativas 577
Figura 17 – Detalhe do sensor MPS-1 colocado sobre a superfície de uma camada de areia dentro
do cilindro de execução da coluna
Para analisar a interação entre sistemas convencionais de cobertura que utilizam solos
com baixa condutividade hidráulica e sistemas alternativos que combinam o uso de solos com
geossintéticos, McCartney et al. (2005) realizaram uma série de ensaios em colunas de médio
porte, devidamente instrumentadas com medidores de umidade, usando tecnologia TDRs
(Time Domain Reflectometry).
Nos testes realizados por McCartney et al. (2005), a análise do fluxo de saída indicou
que o comportamento da camada drenante de geossintético é governado tanto pelo geossin-
tético quanto pela camada superior de solo, dependendo se o solo que está em contato com a
camada drenante está saturado ou não. Quando o perfil do solo superior está não saturado, a
condutividade hidráulica não saturada da camada do geocomposto drenante controla o fluxo,
porque age como uma barreira. Depois que a barreira é rompida (breakthrough), a conduti-
vidade hidráulica da camada de solo, uma argila de baixa plasticidade, controla o fluxo por
meio do perfil, já que a quebra capilar não será mais desenvolvida na interface entre o solo e
o geossintéticos, a não ser que o fluxo de entrada no sistema cesse.
O estudo de McCartney et al. (2005) chega à importante conclusão de que, em um sis-
tema de cobertura não saturada, uma camada de geossintético drenante em contato com um
solo não saturado se comporta de forma similar a uma camada drenante de areia convencio-
nal, desenvolvendo uma quebra capilar que resulta na formação de uma barreira ao fluxo e
acúmulo de água acima da interface drenante. A camada do geocomposto drenante conduz a
um aumento do armazenamento de umidade ao longo da profundidade da camada de solo,
bem acima do esperado para um solo com interface com dreno livre, melhorando a capaci-
dade de campo do perfil.
CONCLUSÕES
O capítulo procurou apresentar uma vista geral sobre a utilização dos princípios dos
solos não saturados para o projeto e execução de coberturas evapotranspirativas em áreas
578 Solos não saturados no contexto geotécnico
REFERÊNCIAS
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ronmental Engineering, ASCE, 129: 427-438.
Capítulo 21
Erosão
1 INTRODUÇÃO
independente da saturação. Posteriormente, será dada ênfase aos processos erosivos em solos
não saturados, especificando-se a influência da sucção tanto na perda de massa quanto na
estabilidade estrutural do solo. Para isso, serão especificadas as metodologias utilizadas para
os ensaios geotécnicos aplicados ao estudo de erodibilidade de solos tropicais não saturados.
2 PROCESSOS EROSIVOS
1 Processo de deslocamento de materiais como argilas, carbonatos, etc. ao longo de um perfil de solo.
584 Solos não saturados no contexto geotécnico
Es = P – (I + Acv + As + E) (1)
Es = P + Ft – (I + Ac + As + E) (2)
2 Volume de água que escoa da superfície de uma determinada área devido a uma chuva torrencial.
Erosão 585
caso não ocorra instabilidade dos taludes por deficiência de coesão real e de cimentação em
profundidades inferiores. A ravina poderá evoluir para uma voçoroca (Figura 3b), que é um
processo erosivo complexo, que envolve erosão laminar concentrada, movimentos de massa
e piping, podendo chegar a vários metros de profundidade (Lima, 1999; Guerra, 2001; Au-
gustin e Aranha, 2006). As voçorocas correspondem ao estágio mais avançado e complexo do
processo erosivo, resultando em um difícil controle do processo erosivo e elevado custo de
recuperação da área degradada.
De forma geral, os processos erosivos podem ser compreendidos conforme o fluxogra-
ma da Figura 4.
Alguns ensaios geotécnicos são realizados para se estudar a suscetibilidade dos solos aos
processos erosivos, sendo que alguns desses são qualitativos, pois não permitem a obtenção
de coeficientes que ajudem a prever a quantidade de massa de solo erodida em condições de
campo. Dentre esses ensaios, tem-se: crumb test, ensaio sedimentrométrico comparativo, pi-
nhole test, ensaios de desagregação, ensaios de adsorção e perda de massa por imersão, ensaio
de estabilidade de agregado, ensaio de compressão diametral e ensaio de Inderbitzen, sendo
que este último será mais bem explicado no item 3.1.
Os ensaios crumb test, sedimentométrico comparativo e pinhole test são executados para
analisar a dispersibilidade das amostras. A dispersão ocorre quando as forças de repulsão
entre as partículas da argila são superiores às forças de atração, formando uma suspensão
quando em contato com a água ou erodindo internamente (carreamento de partículas disper-
sas) na presença de fluxo de água.
Figura 5 – Resultados do crumb test: levemente dispersivo em água destilada (esquerda) e altamente
dispersivo em solução de NaOH 0,01 N (direita) (Nacinovic, 2013)
A NBR 13602 (ABNT, 1996b) é a norma que fornece a metodologia recomendada para
a avaliação da dispersibilidade de solos argilosos pelo ensaio sedimentométrico comparativo.
Esse ensaio deve ser utilizado em solos que apresentam mais de 12% de fração argilosa (partí-
culas com diâmetro inferior a 0,005 mm) e consiste, basicamente, na comparação entre curvas
granulométricas com e sem defloculante. A porcentagem de dispersão é obtida pela relação
da porcentagem, em massa, de partículas com diâmetro menor que 0,005 mm, de acordo com
a curva granulométrica realizada sem e com defloculante. A porcentagem de dispersão igual
a 100% indica uma fração argila completamente dispersiva, e uma porcentagem de dispersão
igual a zero indica argila completamente não dispersiva.
Esse ensaio permite, também, analisar o estado de agregação dos solos. Nota-se a pre-
sença marcante de agregados no solo, demonstrada pelas menores porcentagens de fração
argila nas curvas granulométricas executadas sem defloculante (Figura 6). O uso do deflo-
culante leva a um aumento das porcentagens de partículas finas retidas, ou seja, das frações
silte e argila, o que demonstra que o solo do local de estudo tem um potencial significativo de
partículas agregadas.
Figura 6 – Curvas granulométricas com e sem defloculante de amostras de solos em um mesmo local
(Nacinovic, 2013)
Erosão 589
O ensaio denominado furo de agulha ou pinhole test também é uma das formas de se
entender o mecanismo da erosão localizada em solos dispersivos, sendo normatizado pela
NBR 14114 (ABNT, 1998). Santos (1997) propôs uma modificação na metodologia de análise
dos resultados, observando-se os gráficos de vazão versus a carga hidráulica tanto no processo
de acréscimo de carga hidráulica quanto no processo de descarregamento. Em caso de a fase
de descarga apresentar maior vazão do que a fase de carga, isso significa que o solo está sendo
erodido internamente. Essa metodologia é adequada para solos mais intemperizados.
O pinhole test determina direta e qualitativamente a dispersibilidade de solos argilosos
pelo fluxo de água destilada por meio de um pequeno furo axial em um corpo de prova mol-
dado a partir de um bloco de amostra indeformada, contido em um cilindro. Esse ensaio foi
desenvolvido como um método de medição direta da erodibilidade de solos de textura fina. A
turbidez do efluente, a vazão e as dimensões finais do furo darão a classificação da dispersibi-
lidade do solo, discriminada em seis categorias, conforme a Tabela 1.
Na Figura 7a, são apresentados todos os utensílios necessários para a execução do en-
saio. De início, é feito um furo no corpo de prova com uma agulha hipodérmica com Ø de
1 mm e 10 cm de comprimento por onde passa o fluxo de água (Figura 7b). Posteriormente,
é colocada uma tela e pedregulhos de 2 mm para preencher os vazios em ambos os lados do
corpo de prova. Após a montagem do permeâmetro, é instalado o sistema hidráulico para a
aplicação de carga hidráulica de 50 mm e, depois, sucessivas cargas de 180, 380 e 900 mm
(Figura 7c). Para cada carga hidráulica, é analisada, quantitativamente, a vazão e, qualitativa-
mente, a turbidez do fluxo de água no final de cada aplicação de carga. Essa análise em con-
junto com a avaliação do diâmetro do furo na amostra no final do ensaio em relação ao furo
original fornece a classificação do solo quanto à dispersibilidade (Figura 7d).
590 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
(c) (d)
Figura 7 – Pinhole test: a) utensílios necessários para o ensaio; b) inserção de agulha na amostra para
perfazer o furo; c) vazão do fluxo sendo medida; d) aferição das dimensões do furo na amostra
no final do ensaio (adaptado de Nacinovic, 2013)
Figura 8 – Ensaios para análise de erodiblidade de solos: a) ensaio de desagregação; b) ensaio de perda de
massa por imersão
Erosão 591
A resposta do corpo de prova à inundação é observada e descrita como: sem resposta (a
amostra mantém sua forma), abatimento (desintegração da amostra formando uma pilha),
faturamento (quebra da amostra em pedaços mantendo a forma das faces externas) e disper-
são (paredes da amostra difusas ocorrendo densa suspensão coloidal) (Holmoren e Flanagan,
1977). O ensaio com imersão total representa a situação em que o talude é inundado de forma
abrupta, e o ensaio com imersão parcial representa a situação em que ocorre ascensão lenta
do lençol freático e a água ascende por capilaridade.
E = 52 ps (3)
• Umidificação das outras duas amostras de 25 g (Figura 9a) e, após período de 2h,
disposição em dois conjuntos de cinco peneiras, com 13 cm de diâmetro, de malha: 2
mm, 1 mm, 0,5 mm, 0,25 mm e 0,125 mm (Figura 9b).
• Colocação do conjunto de peneiras em aparelho de Yoder, com nível de água até atin-
gir a base da peneira de cima de 2 mm, tomando cuidado para não se submergir as
amostras na água (Figura 9c e Figura 9d).
• Ajuste do aparelho de Yoder para uma frequência de 32 oscilações por minuto por um
período de 15 min, com a água encostando na malha da peneira de 2 mm.
• Após os 15 min, retiram-se os dois jogos de peneiras, constituídos de cinco penei-
ras de malhas diferentes, totalizando-se dez peneiras,. O conteúdo de cada peneira
é transferido para uma placa de Petri devidamente identificada e tarada, e posto em
estufa por um dia para determinar a massa seca de cada fração desagregada.
Figura 10 – Gráfico comparativo de estabilidade de agregado entre um solo de área de mata secundária e
pastagem (Nacinovic, 2013)
Figura 11 – Diâmetro médio ponderado (DMP) e índice de estabilidade de agregado (IEA) de solos de área
de mata secundária e pastagem (Nacinovic, 2013)
foram utilizadas. Ensaios em rampa revestida com borracha de etil vinil acetato (EVA) estão
sendo realizados em pesquisas incipientes na Universidade Federal do Cariri, interior do
Ceará, com o objetivo de proporcionar à rampa um coeficiente de rugosidade mais próximo
do solo. O orifício onde é posicionada a amostra de solo normalmente tem sido utilizado
com 10 cm de diâmetro. O cilindro que recebe a amostra para posicioná-la no orifício da
rampa pode ter uma base ajustável, permitindo utilizar o mesmo corpo de prova para vários
ensaios.
A = R ∙ K ∙ L ∙ S ∙ C ∙ P (7)
corante no líquido e medindo-se o tempo necessário para que ele percorra um determinado
trecho da rampa. Conhecendo-se a vazão de escoamento, a velocidade e a largura do canal e
aplicando-se a Equação da Continuidade de um fluido, pode-se encontrar a altura da lâmina
do fluxo (m). Matematicamente, a expressão está apresentada na Equação 9.
Q = (lxh) ∙ v (9)
onde: Q é a vazão (m³/s), l é a largura do canal (m), h é a altura da lâmina de fluxo (m) e v é
a velocidade do escoamento (m/s).
Figura 14 – Tensão Cisalhante Hidráulica (τh) versus Perda do Solo (Lafayette, 2006)
Figura 16 – Folhas de flandres usadas para o direcionamento do fluxo da enxurrada (Nacinovic, 2013)
O sistema divisor tipo Geib consiste no arranjo de duas caixas receptoras de escoamento
superficial, em que a segunda caixa coleta uma fração alíquota do vazamento da primeira.
Nesse sistema, a primeira caixa receptora serve como tanque de sedimentação. Nessa caixa, é
600 Solos não saturados no contexto geotécnico
instalado o divisor tipo Geib, por meio da confecção de uma janela, por exemplo, de 15 x 30
cm, com um receptor com 1 cm de abertura acoplado ao segundo reservatório por um tubo
de aproximadamente (1 1/2”). Por causa da abertura da janela, o primeiro reservatório fica
com sua capacidade de armazenamento reduzida. A segunda caixa recebe uma alíquota da
água que transborda da primeira (Figura 18 e Figura 19). O cálculo da quantidade total de
volume de enxurrada seria dado pela Equação 10:
Es = [V1 + ( 1a ✳V2)]/ Ap (10)
onde: Es é o escoamento superficial (mm), V1 é o volume reduzido da primeira caixa recep-
tora (L), a é a alíquota da água que transborda da primeira caixa receptora, V2 é o volume
medido na segunda caixa receptora (L) e Ap é a área da parcela hidroerosiva (m2).
Figura 18– Roda Coshocton inserida na 1ªcaixa de sedimentação cheia e transbordando para a 2ª caixa
(Nacinovic, 2013)
Figura 19 – Coleta de enxurrada com sistema divisor tipo Geib com adaptações (Nacinovic, 2013)
Por exemplo, no caso de uma parcela erosiva com área (Ap) de 1.000 m2, em que o vo-
lume reduzido da primeira caixa (V1) seja de 270 L e a alíquota da água que transborda da
primeira caixa receptora (a) seja de 1/30 e o volume mensurado de escoamento superficial na
segunda caixa receptora (V2) tenha sido de 100 L, o escoamento superficial seria de 3,27 mm.
A produção de sedimentos é quantificada em laboratório por amostras dessas alíquotas.
A análise de sedimentos segue a Standard Methods 2540 B (APHA (2005a) para amostras de
água de escoamento superficial com concentração de sedimentos acima de 200 mg L-1 (Mé-
todo de Evaporação) com ajustes – por exemplo, podem-se utilizar potes plásticos de 250 mL
por serem mais fáceis de se manusear e transportar e, nesse caso, evaporar a 60ºC, para não
avariar os plásticos. As amostras são coletadas diretamente nos receptores da roda Coshocton
e nas caixas de sedimentação, evitando-se, assim, mais uma etapa de amostragem (técnica
de pipetagem), que está sujeita a erro. No caso de concentrações menores do que 200 mg L-1,
Erosão 601
adota-se a Standard Methods 2540 D (APHA 2005b), que preconiza a filtragem da amostra
– Método de Filtração (Figura 20). A metodologia da filtragem da amostra está discriminada
em detalhes por Nacinovic (2013).
Figura 20 – Kitassato com bomba a vácuo e papel filtro P40 no processo de filtração da amostra de água de
escoamento superficial (Nacinovic, 2013)
A análise granulométrica dos sedimentos pode ser realizada por meio de um granulô-
metro a laser. A análise da água de escoamento superficial no granulômetro tem duração de
15 min e o procedimento é dado em Nacinovic (2013).
Mendes (2006) cita a importância de se padronizar os métodos de medição de erosão em
escoamento superficial com a finalidade de se correlacionar os resultados com outras pesqui-
sas. As dimensões de parcelas hidroerosivas mais utilizadas são:
• 2 x 5 m = 10 m2 – tipo Gerlach
• 1,8 x 22 m = 40 m2
• 4 x 25 m = 100 m2
Experimentos com parcelas hidroerosivas permitem realizar vários estudos compara-
tivos de diferentes manejos de solo e coberturas vegetativas em relação ao processo erosivo
(Figura 21). Mendes et al. (2011) obtiveram produções de sedimentos elevados de 30 a 40 ton
ha-1 ano-1 e escoamentos superficiais de 250 a 300 m3 ha-1 ano-1 em uma parcela hidroerosiva
em uma região montanhosa com olericultura, devido a pouca cobertura vegetal do solo nesse
tipo de cultivo. Os menores valores de produção de sedimentos foram em parcelas hidroerosi-
vas de pousio de um ano e meio (1,32 ton ha-1 em Jan/2003) e três anos de pousio (0,9 ton ha-1
em Mar/2004). Pode-se concluir, com esse trabalho com parcelas hidroerosivas, que a forma
de produção agrícola sustentável na região montanhosa é o sistema agroflorestal de pousio.
Figura 21 – Três parcelas hidroerosivas instaladas com coberturas de solo diversificadas (Nacinovic, 2013)
602 Solos não saturados no contexto geotécnico
onde: D é a taxa de desagregação do solo (kg/m²/s), Mss é a massa do solo seco desagregado
(kg), obtida a partir da diferença entre a massa do pote com solo seco e a massa do pote vazio,
Ap é a área da parcela em m² e Dc é a duração da coleta (10 s).
Na agronomia, Bagatini et al. (2011) conduziram experimentos utilizando simuladores
de chuva do tipo braços rotativos em Eldorado do Sul (RS), com intensidade de chuva cons-
tante, com o objetivo de avaliar o efeito da mudança no tipo de uso da terra (pastagem nativa
para culturas em fileiras).
Em regiões tropicais, o processo erosivo inicia-se em solo não saturado, passando à con-
dição saturada apenas em estágios avançados de evolução. A sucção exerce papel importante
no comportamento mecânico dos solos não saturados e na resistência ao processo de erosão.
Em geral, observa-se que os solos mais erodíveis são aqueles que apresentam maior perda
de coesão com o umedecimento e a inundação, sendo mais vulneráveis ao destacamento de
partículas por cisalhamento hidráulico (Bastos, 1999).
604 Solos não saturados no contexto geotécnico
Além disso, segundo Jacintho et al. (2006), em um perfil de solo, caso a fase ar seja con-
tínua, a lâmina de água superficial impedirá a saída de ar do solo, aumentando significativa-
mente a pressão positiva, consequentemente, resistindo à infiltração da água e aumentando o
escoamento superficial. Tal fato é evidenciado no início do período chuvoso sob as condições
climáticas reinantes na região do Cerrado, que apresenta duas estações quentes bem defini-
das, uma seca e outra chuvosa.
Além da perda de massa, que pode ocorrer no caso do escoamento superficial, um fator
importante a ser observado é a possibilidade de solapamento de bases de taludes devido a
sua ruptura estrutural. Segundo Jacintho et al. (2006), eventos pluviométricos intensos em
encostas e taludes podem provocar rápido aumento de pressões positivas de ar. Nesse caso,
a ruptura é provocada por causa do fluxo d’água desenvolvido aproximadamente paralelo à
superfície da encosta devido à ocorrência de uma camada que pode ser instabilizada, situada
sobre um horizonte menos permeável (por exemplo, horizonte B textural em argissolos), o
que provoca, dessa forma, um brusco aumento de poropressões positivas.
A ruptura estrutural do corpo de prova ocorre se a fase ar for contínua, pois o efeito
da sucção envolve todo o corpo de prova, reduzindo seu volume. Essa redução de volume
aumenta, consequentemente, a poropressão positiva de ar, tornando-a superior à coesão do
solo. Esse fenômeno de ruptura estrutural não tende a ocorrer quando a fase ar é descontí-
nua nem quando a inundação é parcial, pois a variação da sucção é mínima para o primeiro
caso, e, no segundo caso, há tempo de o ar ser expulso do solo à medida que ocorre a ascen-
são capilar.
A seguir, são discutidos como a sucção influencia a perda de massa dos solos e a sua
estabilidade estrutural quando inundado por meio de resultados de ensaios para estudo de
erodibilidade. Para isso são apresentadas as metodologias utilizada para usá-los em estudos
em solos não saturados.
Conforme comentado nos itens 2.2 e 3.1, diversos ensaios geotécnicos são utilizados
para analisar a erodibilidade dos solos. No entanto, para considerar o efeito da sucção, esses
ensaios são adaptados. Em geral, para o estudo de erodibilidade de solos não saturados, são
realizados ensaios de Inderbitzen, ensaios de desagregação, ensaios de absorção de água e
perda de massa por imersão, ensaio de compressão diametral e cisalhamento direto. A seguir,
são apresentadas as modificações necessárias na execução desses ensaios quando se pretende
considerar a influência da sucção.
A principal alteração consiste na preparação do corpo de prova. As amostras não são
ensaiadas apenas saturadas ou inundadas, mas em diferentes condições de umidade e sucção.
Os valores de umidade e sucção são definidos a partir de dados de campo.
Para a obtenção dos diferentes valores de teores de umidade, a amostra inderformada
retirada em campo é submetida a umedecimento ou secagem. Para a obtenção de valores
inferiores à umidade de campo, as amostras são dessaturadas ao ar. Para a obtenção de valo-
res superiores à umidade de campo, as amostras são umedecidas por gotejamento de água,
Erosão 605
infiltração por carga hidráulica, ou por ascensão capilar. Tanto na secagem quanto no umede-
cimento, os teores de umidade são controlados pela pesagem do corpo de prova.
Quando os ensaios são feitos com teores de umidade distintos, é necessária a construção
da curva de retenção do solo para poder estimar os valores de sucção a partir dos valores de
umidade. Os métodos de construção da curva de retenção são descritos no capítulo 9.
Outra alternativa é a preparação dos corpos de prova em distintos valores de sucção.
Nesse caso, faz-se uso da Câmara de Pressão de Richards. Essa câmara é hermeticamente
fechada e contém, em seu interior, uma placa porosa que possui alto valor de entrada de ar
(geralmente, de 5 a 15 bar). A essas placas, são acoplados canos por onde a água escoa para
fora do compartimento por meio de imposição de pressão de ar. A pressão de ar imposta é o
valor de sucção desejado. Assim, as amostras nas quais serão executados os ensaios são leva-
das previamente à câmara para atingir o valor de sucção de ensaio.
Com a preparação das amostras com distintos teores de umidade e sucção, são execu-
tados os ensaios de erodibilidade (Indebitzen, desagregação e ensaios de absorção de água e
perda de massa por imersão), utilizando-se as metodologias de ensaios descritas nos itens 2.2
e 3.1. O primeiro ensaio permite verificar como a sucção altera os valores de perdas de massa
do solo, e os dois últimos ensaios mostram a influência da sucção na estabilidade estrutural
das amostras quando submetidas à imersão em água.
Segundo Bastos (1999), a perda de massa de solo está relacionada à variação da coesão
(∆c), que é um parâmetro que indica a suscetibilidade à redução da coesão durante um evento
pluviométrico que provoque a saturação do solo. Essa condição é suposta ocorrer na super-
fície do terreno quando estabelecida a condição de fluxo superficial. Esse parâmetro é obtido
por meio da Equação 14.
Δc = c – c' (14)
c
onde: c é a coesão do solo no teor de umidade/sucção do solo e c’ é a coesão saturada.
Esse parâmetro pode ser estimado ao longo da faixa de sucção verificada em campo
antes de um evento chuvoso, em função dos dados de resistência obtidos em ensaios com
controle de sucção. Ele pode, ainda, ser estimado a partir de situações pontuais de umidade/
sucção de campo anteriores a um evento chuvoso, referentes aos ensaios de cisalhamento
direto convencionais realizados na condição de umidade/sucção natural.
As metodologias de preparação das amostras com distintos teores de umidade e sucção
são descritas acima. Nesses casos, a realização dos ensaios segue a norma internacional da
ASTM D3080 (2004) Standard Test Method for Direct Shear Test of Soils Under Consolidated
Drained Conditions.
Ao se fazer o ensaio com controle de sucção, utiliza-se um equipamento constituído de
uma câmara de compressão por ar comprimido que tem instalado, no seu interior, uma caixa
de cisalhamento bipartida, movimentada pelo controle externo de um motor elétrico. A câ-
mara de compressão permite a imposição da sucção (ua-uw) pela técnica de translação de eixo.
A técnica de translação de eixos consiste em mudar a referência da pressão atmosférica por
meio da imposição artificial de pressão de ar nos contornos do solo. Dessa forma, a pressão
negativa de água no solo aumenta de igual valor da pressão de ar imposta, admitindo-se a
incompressibilidade da água e das partículas sólidas.
606 Solos não saturados no contexto geotécnico
Para analisar a influência da sucção na perda de massa de solos, Almeida (2014) exe-
cutou ensaios de Inderbitizen em amostras de latossolo e cambissolo situados em regiões
próximas ao município de Goiânia. Os ensaios foram realizados com corpos de provas com
distintos teores de umidade, e a sucção foi determinada por meio do uso da curva de retenção
de água dos solos. Com a finalidade de verificar a influência da sucção na perda de massa to-
tal erodida, foi construído o gráfico de Sucção Inicial x Massa Total Erodida (Figura 22). Em
geral, observa-se o aumento de massa total erodida com o aumento da sucção inicial do solo.
A Figura 23 apresenta os valores das taxas de erodibilidade (K) de solos arenosos e sil-
tosos da Região Metropolitana de Porto Alegre para amostras secas ao ar na umidade natural
de campo e pré-umedecidas. Os resultados mostram, exceto para duas amostras, um aumento
do parâmetro K com a diminuição do teor de umidade do solo.
Figura 23 – Valores das taxas de erodibilidade obtidas em ensaios de Inderbitzen (Bastos, 1999)
Figura 24 – Relação entre a variação de coesão (Δc), a taxa de erodibildiade (K) e as classes de erodibildia
de relativa dos solos estudados (Bastos, 1999)
por capilaridade. Tal fato permite que, ao longo do ensaio ocorra um preenchimento também
gradual dos vazios com água, com a consequente expulsão da fase ar do solo, resultando em
quase nenhuma desagregação.
5 COMENTÁRIOS FINAIS
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Capítulo 22
Estabilidade de taludes
1 INTRODUÇÃO
tabilidade de Encostas (NBR 11682) estabelece os valores mínimos admissíveis (FSadm) para
deslizamentos em função do tipo de obra, da vida útil e dos riscos de perda humana e mate-
rial. A norma ainda ressalta que, no caso de grande variabilidade dos resultados de ensaios
geotécnicos, os fatores de segurança da mínimos admissíveis devem ser majorados em 10%
ou, alternativamente, ser usado um enfoque probabilístico.
Um aspecto fundamental a ser observado é que, independente da forma de se estabele-
cer o grau de segurança de um talude, é sempre recomendável, além das investigações geo-
técnicas, a instalação de instrumentação de campo, com o objetivo de acompanhar as movi-
mentações (horizontais e verticais) do talude e dos níveis piezométricos. Esse monitoramento
deve ser feito durante e/ou mesmo após a execução da obra. Somente de posse dessas infor-
mações, o projetista tem condições de avaliar as premissas de projeto e/ou sugerir correções
no modelo original (Gerscovich, 2012).
O estudo da estabilidade de taludes é uma atividade corriqueira na prática da engenha-
ria civil. A concepção do projeto envolve o estabelecimento da topografia, estratigrafia, peso
específico e parâmetros de resistência dos materiais envolvidos, bem como análise detalhada
das situações possíveis de pressão na água presente nos vazios. Na sua grande maioria, são
utilizadas rotinas numéricas que incorporam diversos métodos de análise em equilíbrio limi-
te. Tais métodos se distinguem em função da forma de superfície de ruptura e das hipóteses
simplificadoras.
Historicamente, a dificuldade da incorporação de conceitos de solo não saturado resul-
tava na simplificação do problema pela adoção de premissas do tipo: (i) acima do nível freá-
tico, o solo é considerado seco, isto é, as sucções são ignoradas; (ii) parâmetros de resistência
obtidos em corpos de prova em condições de umidade natural, de certa forma, consideram
os efeitos da sucção.
Com os avanços científicos na área de solos não saturados, tornou-se possível não só de-
finir uma nova equação de resistência de solos (Bishop et al., 1960; Fredlund e Morgenstern,
1977), capaz de considerar os efeitos da sucção (ψ=ua-uw), mas também desenvolver metodo-
logias experimentais para determinação dos novos parâmetros (φb e ψ).
Neste capítulo, serão tratados, exclusivamente, os movimentos de massa classificados
como escorregamentos.
2 ESCORREGAMENTOS
Escorregamentos são movimentos de massa rápidos com superfície de ruptura bem de-
finida, caracterizada pela formação de uma superfície de cisalhamento contínua na massa de
solo. Portanto, existe uma camada de solo em torno da superfície de cisalhamento, que perde
suas características durante o processo de ruptura, formando, assim, a zona cisalhada, confor-
me mostrado na Figura 1. Nessa figura, observa-se que, em meios homogêneos, a superfície
tende a ser circular; já quando a heterogeneidade envolve contraste de solos de resistências
diferentes, a superfície de ruptura passa a ser constituída por uma combinação de formas.
A deflagração do movimento se dá quando as tensões cisalhantes mobilizadas na massa
de solo atingem a resistência ao cisalhamento do material. Tanto em solos como em rochas, a
ruptura se dá pela superfície que apresenta a menor resistência.
Estabilidade de taludes 615
Uma massa de solo pode romper segundo diferentes formas: circular, planar, multipla-
nar, mista, etc. A previsão dos possíveis modos de ruptura está, em geral, condicionada à pre-
sença de heterogeneidades ao longo do perfil do talude. Camadas com contrastes elevados de
resistência ou a existência de descontinuidades acarretam em mudanças bruscas na superfície
de ruptura, tornando-a multiplanar ou mesmo mista. Descontinuidades na massa podem ter
origem em fissuras, juntas preservadas da rocha mãe, veios ou camadas de baixa resistência,
camadas de preenchimento de juntas, etc. Tridimensionalmente, na falta de ferramenta ade-
quada, as análises de estabilidade podem ser realizadas para as diferentes seções transversais,
como sugerido por Lambe e Whitman (1969).
É de consenso geral que o processo de infiltração da água de chuva tem impacto direto
na estabilidade de do talude. A Figura 4 mostra um exemplo dessa relação, em que, em
um período de 1 ano, foram monitoradas chuvas e as variações nos perfis de poropressão.
Como resultado, o FS se altera ao longo dos eventos pluviométricos e da redistribuição de
poropressão.
Quando uma determinada quantidade de água chega à superfície de um solo não satu-
rado, inicia-se um processo de infiltração, essencialmente vertical, em decorrência da ação
conjunta de forças capilares e gravitacionais. Com o fluxo, as condições de umidade da região
não saturada vão sendo alteradas, aWcarretando na redução dos níveis de sucção e, conse-
quentemente, reduzindo a parcela do gradiente hidráulico devido às cargas de pressão. Como
consequência, a taxa de infiltração se reduz com o tempo (Hillel, 1971).
A taxa de infiltração não é necessariamente igual à intensidade de chuva que atinge a
superfície do talude. No caso de superfícies horizontais, essa taxa depende da infiltrabilidade
ou capacidade de infiltração, regida pela condutividade hidráulica da região superficial e da
intensidade de chuva (Hillel, 1971). No caso de taludes, soma-se, ainda, a redução do volume
de água infiltrado devido ao fluxo superficial (runoff ), o qual varia em função da inclinação
do talude e do tipo de cobertura.
O processo de infiltração no meio não saturado pode ser descrito pela equação de fluxo
(capítulo 10), que depende da função de permeabilidade e curva característica. Existem algu-
mas simplificações propostas na literatura, como as de Lumb (Ng e Shi, 1998) e Green e Ampt
(1911). Lumb propôs que o avanço da frente de saturação (Zw), para superfícies horizontais,
sujeitas a empoçamento de água, seja dado por
(1)
onde n=porosidade; Sf= grau de saturação final; e So=grau de saturação abaixo da frente de
saturação. Essa equação não considera a intensidade da chuva e a variação da permeabilidade
com o grau de saturação.
Green e Ampt (1911) sugeriram uma simplificação para solução do problema de infil-
tração de água em superfícies horizontais, a qual se mostrou adequada para solos granulares
inicialmente secos. A solução de Green e Ampt (Rawls et al., 1983) incorpora as seguintes
premissas: (i) existência de frente de saturação bem definida; (ii) na frente de saturação, a
sucção mátrica é constante, independentemente do tempo e da posição; (iii) acima da frente
de saturação, a umidade e, consequentemente, a condutividade do solo são constantes. Para
620 Solos não saturados no contexto geotécnico
o caso de taludes, Chen e Young (2006) estenderam o modelo de Green-Ampt para diversas
condições de contorno: i) lâmina d’água na superfície e solo homogêneo; ii) intensidade de
chuva constante; iii) intensidade de chuva variável.
Não existe consenso de qual a melhor estratégia para se relacionar intensidade da chuva
com escorregamentos. Por outro lado, chuvas localizadas de alta intensidade e curta duração
têm sido responsáveis por diversos escorregamentos.
A relação ideal entre chuva x escorregamento, adequada para determinada localidade,
tem sido buscada incessantemente (Figura 5) de forma a subsidiar políticas públicas para
minimizar o número de perdas humanas, principalmente, em comunidades de baixo poder
aquisitivo. Cabe ressaltar que tais estudos ignoram as condições hidrológicas e geológicas
locais.
O Rio de Janeiro foi pioneiro, em 1996, na implantação de um sistema de alerta (Sistema
Alerta Rio). Desde então, esse sistema, iniciado como uma função semelhante à apresentada
na Figura 5a, vem sendo alterado para melhor representar as condições críticas da cidade. A
partir de 2005, os critérios para definição dos níveis risco durante a ocorrência de eventos
chuvosos ficaram definidos a partir de registros horários, diários e de 96 horas (4 dias), como
mostra a Tabela 3.
(b) Distribuição de carga de pressão (chuva + (c) Distribuição de carga de pressão (chuva +
trinca no topo do talude) trinca no topo do talude + fluxo preferencial pelas
fraturas do embasamento rochoso)
Figura 8 – Caso histórico de padrão de fluxo afetado pelas fraturas no embasamento rochoso
(Gerscovich et al., 2006)
Estabilidade de taludes 623
Tabela 4 – Fatores de Segurança (Gerscovich et al., 2008, 2011)
Caso 2 Caso 3
Caso 1:
Método 19 dias de chuva + 5 dias de chuva+ saturação
21 dias de chuva
saturação trinca trinca + fluxo pelas fraturas
Jambu 3,52 1,46 0,26
Bishop 3,47 1,60 0,31
Morgenstern & Price
(pesquisa superfície 3,62 1,54 0,15
circular)
Morgenstern & Price
4,05 2,26 -
(superfície campo)
A definição dos parâmetros de resistência (c’, tanφ’, tanφb) pode estar sujeita a incertezas
devido à qualidade dos ensaios ou mesmo à representatividade das amostras, isto é, se estas
efetivamente traduzem o comportamento de todo talude. Recomenda-se, nesses casos, redu-
zir os parâmetros de resistência por fatores de correção. Esses fatores podem variar entre 1,0 e
1,5, dependendo da importância da obra e do grau de confiança nos ensaios
Ressalta-se, ainda, que a presença de mica e de feições estruturais herdadas da rocha
de origem em solos residuais pode resultar em comportamento anisotrópico relevante em
termos de resistência ao cisalhamento. Com isso, a estimativa de parâmetros com base em
índices de resistência à penetração dinâmica (NSPT) de sondagens de reconhecimento pode
superestimar a resistência dos materiais que compõem os planos de fraqueza. (Ehrlich el al.,
2013)
Na abordagem tradicional, o FS é calculado assumindo-se que a condição de ruptura é
atingida simultaneamente em todos os pontos ao longo da superfície de ruptura. De fato, a
distribuição não uniforme de tensões e deformações no interior do talude pode acarretar em
rupturas localizadas. Nesses casos, há transferência esforços para pontos adjacentes, fazendo
com que o processo de ruptura seja progressivo. A movimentação da massa de solo só ocor-
rerá quando houver a formação de uma região contínua ligando os pontos com ruptura local.
O processo de ruptura progressiva é particularmente relevante em solos cuja curva tensão x
deformação apresenta um pico de resistência ou em locais que tenham indicação de ter ocor-
rido movimentação de massa.
forças tangencial (X) e normal (E) entre fatias e seu o ponto de aplicação, totalizando 6n-2
incógnitas, onde n é o número de fatias. Já as equações de equilíbrio e de resistência ao cisa-
lhamento são aplicadas a todas as fatias e totalizam 4n equações. A diferença entre o número
de equações e incógnitas torna o problema indeterminado. Como resultado, surgiram vários
métodos utilizando diferentes hipóteses simplificadoras no sentido de se reduzir o número
de incógnitas.
Os métodos apresentados a seguir foram desenvolvidos para análises 2D. Todos os mé-
todos pressupõem estado plano de deformação e sua validade está associada à forma da su-
perfície de ruptura.
Cabe ressaltar que, independente do mecanismo de ruptura, é comum, em solos coesi-
vos, a formação de trincas de tração na superfície do terreno, antes do escorregamento. Quan-
do esse fato ocorre, a superfície potencial de ruptura na região da trinca deixa de contribuir
para a estabilidade global, como mostra a Figura 10. Adicionalmente, eventuais sobrecargas
contidas nesse trecho não mais afetam os momentos instabilizantes. Por outro lado, a trinca
pode ser preenchida por água, gerando esforços adicionais. Há projetistas que consideram a
trinca limitando a fatia para fins de cálculo dos movimentos instabilizantes, como forma de
compensar a possibilidade desta ser preenchida por água. É aconselhável, portanto, estimar a
profundidade da trinca (Gerscovich, 2012).
(2)
A teoria de estado limite de Rankine pressupõe que a superfície de ruptura seja plana.
Na prática, os modos de deformação devido à descompressão acarretam em superfícies não
planas e, consequentemente, as profundidades de escavação verticais devem ser inferiores às
previstas pela teoria de Rankine. Adaptando-se a proposta de Terzaghi e Peck (1967) para
profundidade da trinca, chega-se a:
(3)
(4)
(5)
(6)
626 Solos não saturados no contexto geotécnico
(7)
(8)
NT = N + TR cos λ (9)
Com isso, independente da dimensão da fatia (Figura 11), o FS fica definido como.
(11)
(12)
O método das fatias é a forma mais utilizada para estudos de estabilidade, pois não apre-
senta restrições quanto à homogeneidade do solo, à geometria do talude e ao tipo de análise
(tensão total ou efetiva). Em outras palavras, o método das fatias permite que o solo seja he-
terogêneo, que o talude apresente superfície irregular e, principalmente, possibilita a inclusão
de distribuição de poropressão e a análise pode ser realizada para condição mais crítica: após
a construção ou a longo prazo. O método de solução consiste nas seguintes etapas:
(13)
Ou
(14)
Com isso, o FS, em termos efetivos e total, fica determinado como mostram as equações
abaixo, sendo o FS mínimo obtido após se testar superfícies de ruptura possíveis:
(15)
(18)
(19)
(21)
A Equação (21) é idêntica à equação convencional para solo seco (u=0) e a solução é
obtida de forma iterativa, tendo em vista que FS aparece em ambos os lados da equação.
Como visto anteriormente, no caso de solos não saturados, é possível utilizar as soluções
já conhecidas para cálculo do FS, desenvolvidas para diferentes formas de superfície de rup-
tura e hipóteses simplificadoras, anulando-se a parcela de poropressão e considerando-se a
parcela de sucção mátrica no termo da coesão. Com isso, é possível utilizar os programas para
cálculo da estabilidade em solos saturados para resolver problemas de taludes não saturados.
Caso haja variação da sucção com a profundidade, esta pode ser considerada subdividindo-se
a massa em diversas camadas e incorporando essa variação no parâmetro de coesão.
Assim sendo, os métodos de Spencer (1967), Sarma (1973, 1979), Morgenstern e Price
(1965) e Jambu (1972), cujas principais características estão resumidas na Tabela 5, podem ser
adotados em análises em solo não saturado.
Estabilidade de taludes 629
Maiores detalhes sobre os métodos de estabilidade em solos saturados podem ser en-
contrados em Chowdhury (1978), Gerscovich (2012), Abramson et al. (1996), Brunsden e
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Capítulo 23
Barragens de terra e solos não saturados
1 INTRODUÇÃO
Figura 1 – Tipos usuais de barragens de terra, enrocamento e de concreto (Wilson e Marsal, 1979)
O material da fundação da barragem, assim como o material do maciço, deve ser carac-
terizado detalhadamente do ponto de vista da permeabilidade de resistência e compressibili-
dade, sendo, em geral, a compressibilidade aqui destacada para verificar a relação com o tipo
de barragem. Geralmente, na fundação, não ocorre a presença de solos não saturados que
venham a apresentar influência significativa durante a construção e a operação da barragem.
No entanto, Miranda e Menescal (1994) apresentam análise numérica de uma barragem de
gravidade construída sobre a fundação constituída de solo colapsível.
Com relação ao tipo de fundação, a de terra apresenta os menores índices de restrições.
Considerando-se uma mesma altura para os três tipos de barragem apresentados e as densi-
dades médias dos materiais constituintes, conclui-se, facilmente, que as solicitações para essas
barragens são menores do que as de uma zona de enrocamento, que, por sua vez, são menores
que as solicitações geradas pela carga de uma barragem de concreto.
Nas barragens de enrocamento, há que se considerar o recalque diferencial resultante da
diferença de densidades entre a zona impermeável e o enrocamento. O recalque diferencial
gerado por esse tipo de estrutura exige uma fundação que apresente uma capacidade de carga
que seja indiferente a essa condição.
Assim, para casos de obras de pequeno porte, as barragens de enrocamento podem exi-
gir mais capacidade de carga de uma fundação do que uma barragem de concreto, contra-
riando a tendência geral, qual seja, as barragens de concreto são as mais exigentes em termos
de fundação, uma vez que as cargas são mais concentradas tanto pela esbeltez da estrutura
quanto pela densidade do concreto superior às dos demais materiais.
2.4.1 Pluviometria
2.4.2 Cheia
Na fase preliminar de definição do arranjo geral das obras – barragem, vertedouro, to-
mada d’água –, o local e o tipo de vertedouro influenciam fortemente nos outros tipos de
estruturas, exceto quando a cheia é de pequena magnitude.
Nas barragens não submersíveis, a posição ideal do vertedouro seria do tipo isolado das
demais estruturas, sem afetá-las sob os aspectos técnicos e construtivos. A topografia nem
sempre oferece condições propícias para um vertedouro isolado, com condições de fundação
compatíveis para a estrutura descarregadora das cheias.
A cheia pode ser de grande magnitude de modo a influenciar fortemente o tipo de barra-
gem concebido em projeto. Pode ocorrer, por exemplo, um local que, embora apresente con-
dicionantes físicos favoráveis à implantação de uma barragem de terra, tais como ombreiras
suaves; sela topográfica numa das ombreiras; uma fundação compressível ou de baixa resis-
tência, porém compatível com a estrutura de um maciço de terra; abundante disponibilidade
de solos nas proximidades do local das obras e, ainda assim, este tipo de estrutura não possa
ser viabilizado devido à magnitude da cheia que exigiria uma largura de vertedouro excedente
à oferecida pela sela topográfica.
Nesse caso, como o vertedouro teria que avançar além das ombreiras no sentido do
trecho central do boqueirão, uma avaliação das condições de execução do contato vertedou-
ro-maciço de terra e as implicações técnicas relativas ao controle de percolação no trecho,
comparadas a uma solução alternativa em barragem de concreto vertedouro, mesmo com as
restrições na fundação, podem resultar a segunda alternativa como mais econômica.
Atualmente, com os processos de execução de concreto compactado a rolo consolida-
dos, a alternativa em concreto com vertedouro na altura da calha do rio apresenta-se como
a melhor solução, quer do ponto de vista hidráulico, quer do ponto de vista econômico,
quer do ponto de vista ambiental. Do ponto de vista hidráulico, tem-se um dissipador de
energia na face de jusante, constituído pelos degraus gerados pelas camadas de lançamento
638 Solos não saturados no contexto geotécnico
A fissura transversal mais preocupante ocorre quando a fundação sob as partes mais ele-
vadas do maciço é compressível (solo colapsível, por exemplo) enquanto que as ombreiras são
constituídas de rochas relativamente incompressíveis e com inclinações elevadas, conforme se
vê esquematicamente na Figura 4. Nesses casos, as fissuras podem ser relativamente verticais
ou inclinadas.
As fissuras longitudinais e transversais não podem ser observadas se a superfície dos ta-
ludes estão cobertas por materiais não coesivos, tais como areia, pedregulho e o enrocamento
do riprap.
No passado, era possível verificar a utilização dos taludes de montante e jusante com
placas de concreto em toda a superfície. Um exemplo desse tipo de solução é a barragem
General Sampaio, no estado do Ceará. Nesses casos, os recalques diferenciais e fissuramentos
são impedidos de se visualizar. Nessa barragem, muitos anos após a entrada em operação,
foram constatados rompimentos das placas em vários pontos, sugerindo que, abaixo da pro-
teção, ocorreram as deformações, embora não tenham sido detectadas. A Figura 5 mostra
a seção transversal e uma foto com a indicação do rompimento localizado das placas de
proteção.
Embora o fissuramento longitudinal não apresente, normalmente, o mesmo perigo do
fissuramento rtransvesal, ocorrem frequentemente e são produzidas através de vários tipos de
movimentos diferenciais. Por exemplo, em barragem com núcleo e cutoff compactados, pos-
suindo menor compressibilidade do que a fundação natural sob os espaldares de montante e
de jusante, apresentam fissuras longitudinais formadas pela tendência dos taludes em recalca-
rem mais do que a crista. Além disso, a inundação do maciço durante o primeiro enchimento
causa uma redução significativa da sucção, facilitando a ocorrência do incidente.
Nas barragens com núcleo central impermeável e zonas de enrocamento a montante e
jusante, isso ocorre porque os espaldares de montante e de jusante continuam a se comprimir
após construção, o mesmo não ocorrendo com o núcleo (Sherard et al., 1963).
E importante mencionar que o principal perigo se verifica quando as fissuras longitu-
dinais estão associadas com as transversais, que não se apresentam visivelmente e ocorrem
através do núcleo do maciço. Além desses tipos de fissuras, existe outra forma que não pode
ser observada da superfície, são as fissuras internas.
Figura 4 – Tipos de fissuras transversais devido a recalques diferenciais (Sherard et al., 1963)
Barragens de terra e solos não saturados 641
Maranha das Neves (1990) menciona a importância do filtro a jusante de núcleo im-
permeável, onde se tem a limitação da velocidade de fluxo em uma fissura através de filtro
a jusante do núcleo, cuja face de montante seja progressivamente colmatada pelos materiais
erodidos do núcleo (Figura 6). Nessa figura, também se pode verificar a ocorrência de uma
fissura longitudinal na barragem do Trussu no Ceará, visualizada no coroamento da barragem.
Figura 7 – Ruptura de maciço por colapso durante enchimento de pequena barragem de terra
(Silva Filho e Malveira 2005)
Barragens de terra e solos não saturados 643
Miranda (1988) sugeriu que essas pequenas barragens poderiam ser construídas com
material metaestável (baixas energia e umidade) desde que a parte central do maciço fosse
construída nas condições ótimas, e, dessa forma, não haveria propação do colapso por inun-
dação de montante para jusante sem a destruição completa da barragem.
Também, para evitar o colapso dessas pequenas barragens, construídas com material
muito fofo (sem compactação adequada) e com baixa umidade, Pereira (1996), realizando
estudos numéricos, propôs a construção de um maciço zonado por energia de compactação
e umidade, ou seja, com pequenos trechos de montante e jusante compactados nas condições
normais de energia de compactação. Além disso, sugere a utilização de um pequeno dreno
para evitar o fluxo de água para o trecho de jusante que poderia romper a barragem por co-
lapso (Figura 8).
Figura 8 – Seção transversal proposta por Pereira (1996) para evitar colapso das pequenas barragens
compactadas com material no ramo seco
Em pesquisa realizada por Lôbo Neto (2013) com a orientação do primeiro autor des-
te capítulo, foi construída uma pequena barragem usando-se a proposta de Miranda (1988)
para verificar a eficiência da estrutura ao colapso por inundação e diminuição de sucção. Os
resultados mostraram que havia deformações durante o enchimento nos trechos de montante
e de jusante, mas sem generalização e sem o rompimento completo da barragem. A Figura 9
mostra o desenho da seção transversal da pequena barragem experimental.
A Figura 10 mostra que, numericamente, Lôbo Neto (2013) fazia previsões de colapso
nos espaldares, mantendo a parte central sem deformações por redução de sucção. Foram
monitoradas as variações de poropressão e sucção e identificaram-se, visualmente, os trechos
de colapso da barragem, conforme a Figura 11.
Figura 10 – Malha indeformada e deformada do maciço da barragem experimental, onde se pode verificar a
distinção de comportamento em função da variação de sucção proveniente do enchimento da barragem
Mais da metade dos acidentes em barragens de terra registrados são causados por pro-
blemas associados ao controle de percolação. Pelo aterro, é possível se controlar, de forma
mais efetiva, a condução das vazões de percolação para fora do maciço sem causar danos
que comprometam a segurança da barragem. Na fundação, entretanto, não se tem a mesma
garantia, tendo em vista a dependência mais acentuada dos aspectos geológicos e geotécnicos
do local da obra.
Neste capítulo, serão apresentados detalhes de percolação pelo aterro, com vistas a en-
tendimento das exigências de modelagem, levando-se em consideração os aspectos relacio-
nados com os solos não saturados. Serão apresentados os resultados de enchimento e esvazia-
mento de uma barragem de terra homogênea.
Barragens de terra e solos não saturados 645
Essa fase ocorre com percolação em condições transientes com variação do grau de satu-
ração com o tempo. Para a realização da previsão do enchimento, é necessária a determinação
da função condutividade hidráulica, que é estimada a partir da curva de retenção de água dos
materiais constituintes do maciço.
O exemplo mostrado na Figura 12 é de uma barragem homogênea com 10 m de altura e
taludes com inclinações iguais e correspondentes a 1(V) : 2(H), sendo a largura do coroamen-
to igual a 8 m e uma folga de 2 m. Foi utilizada uma permeabilidade saturada igual a 10-8 m/s
e a condutividade hidráulica modelada pela formulação de Fredlund e Xing (1994).
Figura 12 – Avanço das linhas de saturação após o enchimento instantâneo da barragem admitida
tempo e somente podem ser modelados com realismo admitindo-se os conceitos aplicados
aos solos não saturados.
A determinação da estabilidade dos taludes de uma barragem de terra pode ser avaliada
nas mesmas condições de enchimento, sendo o talude de jusante o mais crítico e, durante o
esvaziamento, o talude montante teria o fator de segurança reduzido, podendo levar à rup-
tura, dependendo das propriedades hidráulicas do maciço e de resistência considerando-se,
também, a influência do solo não saturado.
Barragens de terra e solos não saturados 647
Durante o enchimento, ocorre um gradual aumento das poropressões e a diminuição de
sucção em todo o maciço. O talude de jusante apresentará uma redução do fator de segurança
ao longo do tempo, podendo sair de uma condição estável para a instabilidade. As figuras a
seguir mostram os resultados dos fatores de segurança no enchimento (talude de jusante) e
esvaziamento (talude de montante).
Para a realização dessas análises, admitiu-se o solo compactado com peso específico na
umidade ótima igual a 18 kN/m3, ângulo de atrito interno 27o, coesão de 5 kPa e o ângulo de
crescimento de resistência com a sução o φb igual a 13o. Esses valores foram estimados em
função dos resultados de investigação em solos usados em pequenas barragens de terra ho-
mogênea (Vieira et al., 1996). Foi utilizado o método de Bishop Simplificado.
Figura 14 – Fator de segurança (FS = 2,38) do talude de jusante 10 dias após o enchimento do reservatório
Como se pode observar na Figura 14, o fator de segurança do talude de jusante 10 dias
após o enchimento apresenta valor elevado. Isso ocorre com a contribuição da sucção, pois
todo o trecho de jusante ainda permanece não saturado.
Já na Figura 15, percebe-se uma redução do fator de segurança, tendo em vista o avanço
da linha de saturação e a diminuição de sucção. O fator de segurança, entretanto, permanece
adequadamente, sendo que a superfície potencial de ruptura se aprofunda, uma vez que, na
superfície, o solo se encontra com sucção.
Figura 15 – Fator de segurança (FS = 1,95) do talude de jusante 300 dias após o enchimento do reservatório
648 Solos não saturados no contexto geotécnico
6 CONCLUSÕES
Este capítulo tratou do tema barragens de terra e solos não saturados, iniciando com
uma breve apresentação de estudos importantes para o projeto de barragens e uma descrição
Barragens de terra e solos não saturados 649
de alguns tipos e casos de incidentes em barragens de terra que possam ter relação com varia-
ção da sucção nos aterros das barragens.
Apresentou, também, aspectos importantes em que a consideração da influência da su-
ção traz resultados mais realistas. Por exemplo, durante o enchimento e um possível esvazia-
mento rápido do reservatório, as condições hidráulicas e mecânicas dependem, fortemente,
da distribuição da sucção no maciço.
O enchimento e o esvaziamento são modelados sob condições transientes com variação
do grau de saturação com o tempo. Pode-se verificar que a velocidade de avanço da linha de
saturação no enchimento e da dissipação das poropressões no esvaziamento dependem muito
da função condutividade hidráulica dos materiais constituintes do aterro. Tal função está as-
sociada à curva de retenção de água desses materiais.
Além disso, os parâmetros de resistência dos materiais são influenciados pela sucção, e
a definição das condições de estabilidade são também mais realistas quando se considera esse
aspecto. Isso mostra a grande importância da utilização da Mecânica dos Solos Não Saturados
no estudo do comportamento de barragens de terra.
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Capítulo 24
Fundações em solos não saturados
O uso dos conceitos de solos não saturados é pouco frequente nos projetos de fundações.
As fundações normalmente são calculadas baseadas em ensaios de campo e laboratório, mas
quase sempre sem se avaliar a possibilidade e as consequências da alteração do perfil de umi-
dade e a respectiva sucção das camadas de solo envolvidas. Vários trabalhos vêm mostrando
os efeitos da saturação do solo suporte no comportamento da fundação, mas ainda de forma
esporádica. Este capítulo tenta mostrar as consequências na resposta carga-recalque de uma
fundação inserida parcialmente ou totalmente em um solo não saturado.
1 INTRODUÇÃO
A mecânica dos solos não saturados vem estudando o comportamento de solos de di-
versas formações, em que o teor de umidade pode variar ao longo da vida de uma obra, quer
por alternâncias naturais atmosféricas, quer por intervenções humanas. Esses efeitos no com-
portamento do solo certamente resultam em variações na resposta de uma fundação apoiada
nesse solo.
Uma grande área do Brasil, em particular, o Planalto Central Brasileiro, é coberta por
um espesso manto de solo, fortemente marcado pelo processo de intemperismo e com uma
relevante camada de solo não saturado. As fundações das edificações e de obras diversas de
engenharia atravessam ou estão totalmente inseridas nessa camada não saturada de solo, es-
tando, portanto, sujeitas às alterações de comportamento do solo com a variação do teor de
umidade.
Em partes dessas áreas, devido aos condicionantes geológicos e geomorfológicos, origi-
naram-se solos superficiais não saturados, de baixa capacidade de suporte, com uma estru-
tura porosa e comportamento colapsível (ou condicionalmente colapsível). Nessa situação, o
problema da alteração do teor de umidade associado a um carregamento de uma fundação é
ainda mais grave.
Alguns desses aspectos são ilustrados nos itens a seguir.
652 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 2 – Curvas características de retenção de água obtidas para o perfil de solo analisado
(Guimarães, 2002)
De posse dos perfis de umidade natural e das curvas características de retenção de água
para cada uma das profundidades desse perfil, é possível obter os perfis de sucção do solo em
diferentes épocas do ano (Figura 3). De acordo com o perfil de umidade, as grandes variações
de sucção ocorrem para os três primeiros metros, faixa correspondente à zona ativa do solo.
É importante ressaltar que a dinâmica da sucção ocorre tanto devido às variações sa-
zonais da umidade ao longo do ano (Figura 1), como também devido às diferentes curvas
características de retenção de água para cada profundidade (Figura 2).
Portanto, o uso da sucção nos cálculos para a definição de carga de ruptura de fundações
não é um processo simples. Em sapatas ou base de tubulões, em que interessa apenas a sucção
da parte do maciço afetado pela ação da base, o problema é bastante simplificado, mas em
estacas, para as quais a variação da sucção ao longo do fuste é de fundamental importância, a
solução do problema torna-se mais complexa.
Camapum de Carvalho (2003) propõe a opção de relacionar as cargas de ruptura das
estacas com dados pluviométricos da região de interesse. Assim, a capacidade de carga obtida
a partir de prova de carga ou estimada por meio de ensaios de campo realizados em determi-
nado período poderá ser corrigida para valor crítico em obras permanentes ou para valores
mais favoráveis em obras temporárias.
Para isso, utiliza-se o índice de umidade, IHU(ER), obtido por meio da equação propos-
ta por SETRA-LCPC (1997) e apresentada a seguir. Destaca-se que o parâmetro IHU(ER) é,
normalmente, calculado considerando-se os dados anuais de modo a distinguir uma região
da outra.
Exc - 0,6 Def
IHU (ER) = (1)
ER
onde:
ER é a evaporação real
Exc é a precipitação excedente
Def é o déficit de precipitação
Figura 4 – Relação entre a carga de ruptura das estacas e o índice de umidade obtido com
valores da evaporação real (Mascarenha, 2002)
Por meio da Figura 4, fica evidente a possiblidade de estimar a variação da carga de rup-
tura de estaca devido à variação sazonal da sucção por meio de índices pluviométricos. Além
disso, fica claro que a sucção influencia a carga de ruptura das estacas, sendo que neste caso,
ao longo do ano, houve uma variação de até 62,5% na capacidade de carga da estaca.
Silva (1992), empregando esse modelo físico e estudando um solo na condição não sa-
turada, observou que, após a ruptura da interação solo-estrutura na interface, a adesão foi
perdida, mas a componente de atrito lateral foi mantida. Esses estudos não contemplaram
avaliações de cicatrização com o tempo. Os resultados de provas de carga obtidos por Guima-
rães (2002) e Mascarenha (2003) apontam que, com o tempo, é possível recuperar a adesão
na interação solo-estrutura.
Ribeiro (1999), também empregando esse modelo, realizou ensaios usando o solo-ci-
mento como elemento estrutural e o solo poroso profundamente intemperizado como mate-
rial circundante. Ambos os materiais foram os mesmos usados nos ensaios de cisalhamento
direto.
Figura 5 – Modelo físico para estudo da interação solo estrutura em laboratório (Ribeiro, 1999; modelo
físico desenvolvido por José Camapum de Carvalho e Alain Nardone)
A Figura 6, com os resultados apresentados por Ribeiro (1999), mostra que a resistência
lateral medida no modelo é função da sucção em pF, normalizado pelo índice de vazios(e), ou
seja, a Figura 6 mostra que quanto maior a sucção, maior a resistência lateral na interface en-
tre o solo e o solo-cimento, assim, quanto menor o índice de vazios, maior a resistência lateral.
Verifica-se, também, coerência entre os resultados obtidos considerando-se dois diferentes
sistemas de confinamento em função de pF/e.
Fundações em solos não saturados 657
Quezado (1993), usando o mesmo modelo utilizado por Silva (1992), mostrou que a ri-
gidez do elemento estrutural (Figura 7) e do solo suporte na ponta (Figura 8) afeta a interação
solo-estrutura. Para avaliar a influência da rigidez do elemento estrutural, ele usou três mate-
riais: um solo-cimento (S-C) preparado com argila (módulo de elasticidade aos 28 dias igual a
140 MPa); um solo-cimento preparado com laterita (módulo de elasticidade aos 28 dias igual
a 440 MPa); um microconcreto (módulo de elasticidade aos 28 dias igual a 1129 MPa). Para
simular materiais com diferentes rigidezes, como suporte do elemento estrutural de funda-
ção, Quezado (1993) usou anéis dinomométricos com as seguintes constantes (K): 0,384 kN/
mm; 1,754 kN/mm; 3,102 kN/mm. Nas Figuras 7 e 8, quanto menor a rigidez do material da
estaca, menor foi o atrito mobilizado e, assim, encontrou-se maior relação carga na ponta/
carga total aplicada.
O conjunto de resultados desse item, envolvendo ensaios de cisalhamento direto e en-
saios em modelo físico de laboratório, mostra que, além de outros fatores, como rigidez do
elemento estrutural e do solo suporte, a sucção desempenha papel relevante na interação solo-
-estrutura de fundação.
Figura 8 – Influência da rigidez do solo suporte na ponta do elemento estrutural na interação solo estrutura
(modificado Quezado 1993)
Para avaliar o efeito da variação da sucção nos solos, alguns autores realizaram provas
de carga com e sem a inundação da região que envolve o elemento estrutural de fundação.
Entretanto, nota-se diferença na forma de como proceder à inundação e como ela está rela-
cionada à prova de carga.
O processo de inundação terá um importante papel na magnitude de alteração dos re-
sultados. Em geral, os métodos mais utilizados são:
(A) – inundação através de uma cava em torno do topo da estaca ou sapata;
(B) – inundação através de furos verticais próximos às fundações;
(C) – combinação dos métodos anteriores.
Dentre esses tipos, o terceiro método (C) é o responsável pela maior variação do grau
de saturação do solo e atinge maiores profundidades. Entretanto, o primeiro método se asse-
melha mais a fatos corriqueiros em obras reais, como longos períodos chuvosos, acumulação
localizada de águas servidas na superfície do solo, ruptura de tubulações rasas de água, vaza-
mentos em reservatórios, etc.
Trabalhos como os de Carvalho e Souza (1990), Carneiro (1994), Fernandes (1995), Ca-
mapum de Carvalho et al. (1995) e Ferreira et al. (1990) utilizaram o primeiro método. Já
autores como Lobo (1991), Teixeira (1993) e Carvalho e Albuquerque (1994) optaram pelo
terceiro procedimento.
Associado ao processo de inundação está, também, o tempo de inundação. Quanto mais
tempo sob a inundação, maior será o volume e a profundidade de solo afetados pela variação
do grau de saturação. Portanto, quanto maior a fundação em estudo, maior o tempo requerido
na etapa de inundação. A maioria dos trabalhos encontrados na literatura utilizou entre 48 e
72 horas para essa fase da prova de carga.
Outro importante ponto na avaliação da influência da alteração da sucção ou uma pos-
sível colapsividade do solo é a forma como são realizadas as provas de carga.
Fundações em solos não saturados 659
Basicamente, os procedimentos podem ser agrupados em três tipos:
• Tipo I: Inicialmente, faz-se uma prova de carga, sob condições do solo natural, para a
determinação da capacidade de carga última da fundação. Descarrega-se a fundação
e recarrega-se até a carga de trabalho (30 a 50% da carga última). Então, inicia-se a
inundação da fundação por algum dos processos descritos, esperando-se um determi-
nado número de horas para verificar se ocorrerá ou não o colapso.
• Tipo II: Nessa forma de ensaio, também se determina a carga última da fundação em
questão para o solo em condições naturais. Recarrega-se até a carga de trabalho (ou
um valor previamente escolhido) e procede-se à inundação do solo por um núme-
ro predeterminado de horas. Após esse tempo de espera; se não ocorrer o colapso,
prossegue-se ao carregamento da fundação até que o mesmo aconteça, determinan-
do-se, assim, “Qc”, que é a carga atuante na fundação que provocaria o colapso do solo.
Esse método é uma variação do anterior e normalmente é utilizado se o colapso não é
observado quando a inundação é feita na carga de trabalho.
• Tipo III: Realizam-se duas provas de carga distintas. A primeira sob condições nat-
urais do solo, e a segunda onde a inundação é feita anteriormente ao início do ensaio,
ou seja, inunda-se o solo e espera-se certo número de horas estabelecidas e só então
inicia-se o ensaio sob condições de “solo inundado”. Tal procedimento assemelha-se
ao ensaio utilizado em laboratório denominado “duplo edométrico”, para o estudo da
colapsividade de solos.
Cintra et al. (1997) apresentam, na Figura 9, as três metodologias da realização de provas
de carga. Esses autores relatam que os dois primeiros métodos apresentam uma curva carga-
-recalque descontínua na etapa com inundação. A forma da curva carga x recalque para o
solo inundado é semelhante ao comportamento do solo natural e, então, sofre uma mudança
brusca ao atingir a carga correspondente ao colapso do solo (Qc). O terceiro método, entre-
tanto, apresenta uma resposta carga x recalque distinta, sem o patamar de colapso. Cintra et
al. (1997) indicam este último método como o mais adequado por ser mais fácil de executar
e apontar a mesma carga “Qc”.
a) colapso sob carga de trabalho b) colapso sob carga superior c) teste em solo pré-inundado
à de inundação
Figura 9 – Comparação das distintas formas de prova de carga em solos colapsíveis
(adaptado de Cintra et al., 1997)
SPT variando de 4 a 9 e a resistência de ponta, entre 1 e 3 MPa. Uma linha de seixos entre 6 e
8m indica o caráter transportado do solo sobrejacente, separando-o do solo residual. O nível
de água situa-se entre 7 e 10 m de profundidade, a depender da época do ano. A Figura 10
sintetiza índices físicos e resultados de ensaios de campo do solo desse campo experimental.
A Figura 11 mostra curvas de retenção de água obtidas por processo de drenagem para três
profundidades no perfil anteriormente relatado.
Figura 11 – Curvas de retenção de água médias obtidas por drenagem para as profundidades
de 2, 5 e 8m (Machado, 1998)
a) b)
Figura 12 – Curvas carga – recalque de estaca escavada com 10 m de comprimento com e sem inundação
do solo: (a) estaca com 0,40m de diâmetro; (b) estaca com 0,50 m de diâmetro (Teixeira, 1993)
a definição de Qu, que atingiu 200 kN e 270 kN, para 6,0 e 9,0 m de comprimento, respecti-
vamente, sendo descarregadas e, posteriormente, levadas à carga de trabalho, quando, então,
inundou-se o solo circundante da estaca. Após 48h sem ocorrência de colapso, prosseguiu-se
o carregamento com o intuito de se averiguar em que nível de carga (Qc) ocorreriam recalques
acentuados, o que se deu para as cargas de 150 e 225 kN. Registrou-se o consumo médio de
água de 12 m3 nos ensaios. Pode-se notar, no caso dessas estacas, que Qc corresponde a redu-
ções de 25 e de 17% em relação a Qu, para a estaca mais curta e mais longa, respectivamente.
Na Tabela 1 são apresentados o comprimento (L) e o diâmetro (D) das estacas e os valo-
res obtidos em todos os ensaios para a carga última (Qu) e a carga de colapso (Qc), bem como
a redução da capacidade de carga por influência da colapsibilidade do solo.
Figura 13 – Prova de carga em estaca com cava para inundação (Campelo, 1994)
Figura 14 – Variação da resistência lateral e da resistência de base em tubulão escavado de base alargada
(Cintra et al., 2004)
Figura 15 – Prova de carga em placa com inundação do solo (Carvalho e Souza, 1990)
Essa prova de carga corresponde a ensaio em placa com 0,80m de diâmetro, posicionada
a 0,60 m de profundidade em Ilha Solteira – SP, em um solo com SPT entre 1 e 3 golpes até
cerca de 5 m de profundidade. A inundação deu-se numa carga correspondente a um terço
da carga última, notando-se que o colapso se deu na carga de ensaio. Para ensaios desse tipo,
permanecem válidas as considerações de Cintra et al. (1997) acerca da interpretação dos re-
sultados e estabelecimento da carga de colapso.
A Figura 17 mostra os resultados obtidos para solo inundado e diferentes sucções, mar-
cadas entre parênteses na legenda. Como esperado, a sucção provoca enrijecimento do solo,
aumento da capacidade de carga e aumento dos recalques por colapso, ao observar-se que es-
tes correspondem, para uma determinada tensão, à diferença de ordenadas entre o solo numa
determinada sucção e o solo saturado.
Figura 17 – Resultados de prova de carga com monitoramento de umidade e de sucção (Costa, 1999)
Figura 18 –Variação da capacidade de carga, obtida pelo método de Terzaghi, com o diâmetro da placa
e diferentes sucções (Viana, 2004)
Fundações em solos não saturados 667
Figura 19 – Variação dos recalques com o diâmetro da placa para diversos níveis de tensão e sucção matri-
cial de 20 kPa (Viana, 2004)
O Campo Experimental da UnB se situa na Asa Norte do DF. O solo local apresenta uma
camada superficial da argila porosa de Brasília. Uma vasta campanha de investigação já foi
realizada, e Pastore (1996) fez a descrição das camadas observadas em um poço de inspeção,
apresentadas na Figura 20.
Figura 20 – Descrição das camadas do solo no Campo Experimental da UnB (Pastore, 1996)
O clima da região, com regime pluviométrico bem definido, com uma estação muito
seca (abril-setembro) e outra chuvosa, favorecendo a lixiviação de sais e outros compostos so-
lúveis das camadas superiores e sua deposição nos estratos inferiores. Esse processo resulta na
formação de espessas camadas de coberturas argilo-arenosas, avermelhadas, com alto índice
de vazios e baixo peso específico, sendo localmente denominadas “argilas porosas”.
668 Solos não saturados no contexto geotécnico
Essas argilas apresentam uma estrutura bastante porosa, baixa capacidade de suporte,
baixo nível de saturação, e, em geral, são instáveis quando submetidas a variações no estado
de tensões. Portanto, apresentam um comportamento colapsível, já bastante estudado por
diversos autores, como Camapum de Carvalho et al. (1994), Blanco (1995), Cardoso (1995),
Araki (1997), Peixoto (1999), entre outros.
Cardoso (1995), por meio de ensaios de microscopia eletrônica de varredura, concluiu
que, na argila porosa de Brasília, a estrutura é composta, principalmente, por microconcre-
ções interligadas por pontes de argila. Continuando essa investigação, Araki (1997) afirmou
que a sucção capilar não é o principal mecanismo de sustentação da estrutura porosa do solo
de Brasília quando não carregado e com os teores de umidade natural (20-30%), normalmen-
te encontrados na superfície. As pontes de argila ou os agentes cimentantes existentes entre os
microagregados são estáveis na presença de água de origem pluviométrica, e o colapso pode
ocorrer pela destruição da metaestabilidade do solo em situação geostática, pela alteração do
estado de tensões atuantes combinado com a variação do teor de umidade.
A argila porosa de Brasília pode ser classificada como “condicionalmente colapsível”,
sendo que, para cada valor de sucção, há uma carga crítica que provocaria o colapso. A sucção,
mesmo não sendo a causa principal da estrutura porosa, influencia bastante a resistência ao
seu cisalhamento.
Perez (1997) apresentou os resultados de diversos ensaios realizados com amostras de
várias profundidades, que estão reproduzidos na Tabela 3.
(a) (b)
Figura 22 – Alteração dos perfis de umidade e saturação com o processo de inundação
670 Solos não saturados no contexto geotécnico
No mesmo campo experimental, foram ensaiadas estacas escavadas a trado, com diâme-
tro de 15cm e 5m de comprimento (concreto com resistência de 16MPa após 28 dias). Para
separar a parcela de carga lateral e de ponta, foi instalada uma célula de carga sob a ponta e
outra sobre o topo, previamente calibradas. Após a execução da prova de carga, a estaca foi
“exumada”, constatando-se um bom aspecto em termos de aparência, seção transversal e ver-
ticalidade. A mobilização de carga na estaca foi quase exclusivamente por atrito lateral, com
muito pouca carga chegando à ponta, conforme registros da célula de carga naquela posição.
A Figura 24 compara o comportamento de duas estacas próximas, ambas em situação
de reensaio, com e sem a pré-inundação da cava superior anteriormente descrita. Nessa fi-
gura, nota-se que o processo de inundação provocou uma redução na carga última da estaca
de 52%, embora a rigidez inicial da estaca tenha sido mantida aproximadamente constante.
Como em ambas as situações de teor de umidade as estacas acusaram uma parcela de atrito
lateral superior a 95%, em todos os estágios de carga, concluiu-se que a redução da carga na
estaca é oriunda da redução do seu atrito lateral.
Fundações em solos não saturados 671
O decréscimo na capacidade de carga de uma estaca isolada (52%) foi superior ao da sa-
pata isolada (40%), ou seja, o processo de inundação foi mais “efetivo” no caso de uma estaca.
Esse fato, provavelmente, pode ser explicado por ser mais fácil de se inundar uma fina camada
de solo próximo à face da estaca, inclusive pelo caminho preferencial de percolação na inter-
face estaca/solo, do que uma região maior de solo envolvido na zona carregada pela sapata,
interferindo mais no mecanismo de mobilização de carga (Cunha e Sales, 1998).
dações quanto a cuidados com fatores como ataque químico às ligações cimentícias, tensões
induzidas, alteração no estado de tensões e vibrações.
De modo a satisfazer a preocupação principal quanto ao colapso estrutural do solo,
ocasionado por aumentos anormais da umidade do solo, foram realizadas provas de carga
sobre estacas escavadas com e sem a saturação do solo. No processo de saturação, foram
utilizadas duas técnicas: a de infiltração, a partir da superfície, e a da infiltração progressiva,
ao longo do fuste. A saturação a partir da superfície se deu por meio da implantação de valas
de infiltração em volta da estaca, buscando simular a infiltração a partir de acumulações de
água de chuva na superfície do solo junto às fundações. Na infiltração progressiva com a
profundidade, fez-se, inicialmente, a infiltração a partir da superfície e, em seguida, a 3 m e
a 7 m de profundidade sucessivamente. Nesse caso, buscou-se avaliar o efeito da infiltração
continuada, por exemplo, por meio de vazamentos no sistema de abastecimento por longo
tempo. Para efeito de comparação, foi também ensaiada estaca com o perfil de solo na umi-
dade natural. Todas as provas de carga foram realizadas levando-se as estacas à ruptura, pois
se tratavam de estacas teste.
Figura 28 – Curvas características de retenção de água em função (a) da umidade (w) e (b) do
grau de saturação (Sr)
ii) Comportamento das estacas executadas em furos escavados com trado mecânico
A avaliação do comportamento das estacas escavadas foi feita por meio de provas de
carga (PC): a) com o solo na condição natural (PC 17); b) com o solo inundado na superfície
por meio de vala contornando o bloco de coroamento (PC 20); e com o solo inundado na
superfície por meio de vala contornando o bloco de coroamento, e nas profundidades de 3m
e 7m por meio de furos a trado oblíquos de modo a aproximar o umedecimento do fuste da
estaca (PC 21). Essas provas de carga foram realizadas entre 5/08/2014 e 26/08/2014.
676 Solos não saturados no contexto geotécnico
A Figura 30a apresenta os perfis de umidade determinados antes da realização das pro-
vas de carga e localizados próximo às três estacas ensaiadas. Para os perfis de umidade corres-
pondentes à PC 17, PC 20 e PC 21, os níveis d’água iniciais encontravam-se, respectivamente,
a 12,3 m, 12,8 m e 13,8 m de profundidade e estabilizando-se, respectivamente, a 11,8 m, 11,6
m e 12,4 m de profundidade. As estacas correspondentes à PC 17 e PC 20 foram executadas
com 12 m de comprimento e a PC 21 com 14 m de comprimento, todas apresentando 0,30
m de diâmetro. A coincidência dos trechos iniciais das curvas mostradas na Figura 30b para
as três estacas ensaiadas mostra que, na condição não saturada, o comportamento delas foi
semelhante, indicando a homogeneidade existente entre os três perfis de solo, assim como
entre as três estacas.
A estaca submetida à prova de carga PC 17 (solo com umidade natural) rompeu quan-
do a carga à qual estava submetida passou de 323 kN para 353 kN. Já a estaca cujo perfil de
solo foi submetido à saturação apenas a partir da superfície sob a carga de 118 kN, carga de
trabalho prevista, sofreu, em consequência do aumento da umidade do solo, um recalque de
apenas 1,08 mm e rompeu ao se passar da carga 294 kN para a carga 324 kN. Finalmente, a es-
taca correspondente à prova de carga PC 21, submetida a três estágios de saturação sob a carga
de 177 kN, 1,5 vezes a carga de trabalho prevista, sofreu um recalque de 1,93 mm na fase de
saturação do maciço a partir da superfície; 2,9 mm na segunda fase, quando se infiltrou água
por meio do furo a trado até 3 m de profundidade; e mais 5,17 mm, na terceira fase, quando
se infiltrou água até a profundidade de 7m, totalizando, assim, um recalque de apenas 10
mm devido ao colapso estrutural do solo. No entanto, ao se passar da carga de 177 kN para a
carga de 206kN ocorreu a ruptura da estaca, ou seja, 1,5 vezes a carga de trabalho foi definida
como a carga limite para a estaca caso ela viesse a trabalhar em condição de elevada umidade
provocada, por exemplo, por um vazamento de água.
Analisando-se a Figura 30a, referente ao perfil de umidade próximo à estaca correspon-
dente à prova de carga PC 21, em relação às curvas características mostradas na Figura 28a,
verifica-se que, para as quatro curvas características obtidas para as profundidades de 3 m,
Fundações em solos não saturados 677
5 m, 7 m e 9 m, as sucções são apenas ligeiramente superiores à zona de macroporosidade,
variando entre 7 kPa e 10 kPa. Esses valores baixos de sucção, situados apenas ligeiramente
acima da zona de macroposidade, justificam o pequeno recalque oriundo do colapso, mas
mostram, ao se comparar o resultado dessa prova de carga com o da PC 17, realizada com o
perfil de solo no estado natural, que, mesmo nessa situação, a sucção é relevante para o com-
portamento das fundações assentes em perfis de solos não saturados.
Diante de tais peculiaridades, devem-se evitar fundações superficiais, sapatas e radiers,
por estas estarem, entre outros fatores, mais suscetíveis a prováveis aumentos de umidade
por infiltração de águas da chuva e de águas servidas durante a vida útil do empreendimento.
Também se deve atentar para esforços mecânicos excessivos em suas proximidades, como
vibrações, pois, devido à metaestabilidade estrutural do solo, podem gerar a sua instabilização
estrutural. É interessante observar que, na curva de adensamento, Figura 29b, corresponden-
te a 7 m, ocorre o colapso estrutural do solo quando a amostra foi inundada sob a carga de
apenas 6 kPa, confirmando a natureza metaestável da estrutura do solo diante de esforços
mecânicos.
Destaca-se, no entanto, que o mais relevante nesse estudo de caso foi realçar a importân-
cia de se levar em consideração o comportamento não saturado do solo com base em infor-
mações como aquelas fornecidas pelas curvas características e perfis de umidade, levando-se
em conta o efeito sazonal. Nesse sentido, salienta-se que as provas de carga foram realizadas
no mês de agosto, ou seja, já na estação seca e, mesmo assim, as umidades presentes nos perfis
de solo asseguravam sucções pequenas atuantes no solo. Do ponto de vista geotécnico, os
estudos ofereceram mais segurança ao projetista e permitiram orientar a empresa executora
sobre os cuidados a serem tomados em relação ao empreendimento de modo a manter a se-
gurança das edificações.
A Tabela 5 apresenta uma pequena coletânea de alguns trabalhos que ensaiaram estacas
e placas em solos colapsíveis brasileiros. Quanto às diferenças entre os locais, origem dos
solos, etc., vale lembrar o comentário de Camapum de Carvalho et al. (1995), de que “em
solos tropicais porosos a intensa lixiviação e laterização conduz a uma redução progressiva
da influência da história de tensões propriamente dita na sua estrutura e comportamento”.
Uma decorrência natural da oferta de resultados de ensaio com sucção controlada, isto
é, daqueles em que se conhecem a tensão normal líquida, σ-ua, e a sucção matricial, ua-uw, é
a possibilidade de modelar determinados comportamentos de interesse, como algumas das
provas de carga anteriormente mencionadas.
Machado (1998) modelou as estacas ensaiadas à tração e as provas de carga com mo-
nitoramento da sucção anteriormente apresentadas. Para essa finalidade, utilizou o modelo
de Alonso et al. (1990) para retratar o solo não saturado, introduzindo algumas modificadas
em função do comportamento exibido pelo solo. Algumas dessas modificações incluíram a
expressão do índice de compressão do solo como variando de forma hiperbólica com a suc-
ção, de forma a ter-se um valor assintótico para esse índice e a possibilidade de representar
Fundações em solos não saturados 679
solos com valores máximos de colapso com as tensões aplicadas. A variação de coesão com a
sucção também foi retratada por uma relação hiperbólica, bem como se procedeu a um ajuste
na equação da curva que descreve a curva LC do modelo de Alonso. As simulações foram
realizadas empregando-se o programa SIGMA W da GeoSlope, optando-se pelo modelo Cam
Clay modificado. Como, no programa, não havia a possibilidade de retratar o espraiamento
das curvas LC com a sucção, adotou-se a engenhosa solução de transladar os valores iniciais
da tensão octaédrica média do valor correspondente a ps, a variável que retrata o aumento de
coesão com a sucção. Os resultados das simulações foram bastante satisfatórios, ainda mais
quando se consideram as adaptações introduzidas que foram necessárias para contornar as
limitações dos modelos constitutivos embutidos nos programas disponíveis na época. Para
ilustrar os resultados obtidos, a Figura 31 mostra a simulação de provas de carga à tração rea-
lizada por Campelo (1994) em estacas do tipo broca com diâmetro de 0,25 m e comprimento
de 6,0m. As provas de carga compreenderam uma do tipo rápido (QML) e outra do tipo lento
(SML), ambas realizadas na umidade natural.
Figura 31– Curvas carga-recalque obtidas experimentalmente e modeladas com o programa SIGMA/W,
modelo Cam Clay modificado e lei de fluxo associada. Estacas do tipo broca com diâmetro de 0,25m e
comprimento de 6,0m (Machado, 1998)
Figura 33 – Curvas obtidas por modelação do desenvolvimento de recalques por redução gradual
de sucção nas tensões de 70 e 90 kPa (Rodrigues et al., 2013)
Fundações em solos não saturados 681
(a) (b)
Figura 34 – Monitoramento e recuperação das fundações
AGRADECIMENTOS
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Capítulo 25
Estruturas de pavimento no contexto dos
solos não saturados
Wai Ying Yuk Gheling
Lilian Ribeiro de Rezende
Lêda Christiane de Figueirêdo Lopes Lucena
Liedi Legi Bariani Bernucci
Washington Peres Nunez
Jorge Augusto Pereira Ceratti
José Camapum de Carvalho
1 INTRODUÇÃO
Figura 1 – Aterro na rodovia BR-060 atingido pelo reservatório de água João Leite
Neste capítulo, dar-se-á ênfase à situação mais comum em que a via é projetada para ser
construída e ter sua vida útil com a integralidade do maciço na condição não saturada. Essa
opção se deve ao fato de que os contornos de sua avaliação terminam cobrindo as demais situ-
ações, que podem ser consideradas casos extremos. Para que se entenda melhor a dinâmica da
condição não saturada nos maciços e estruturas de pavimento, o capítulo abordará, também,
suas contextualizações espacial e temporal.
Figura 2 – Exemplos de configuração estrutural de diferentes pavimentos: (a) Permeável - blocos sobre
camada de assentamento ou camada porosa asfáltica drenante, ambos sobre base e sub-base de materiais
granulares sem uso de imprimação; (b) Flexível – revestimento asfáltico sobre base e sub-base de materiais
granulares, solos lateríticos ou solos estabilizados; (c) Rígido – Revestimento em concreto de cimento Por-
tland e base em material granular, estabilizado, de concreto compactado ou asfáltico
2.2 Ferrovias
normal no teor de umidade ótimo (wot = 21%) e no ramo seco (w = 19%) apresentam tendên-
cias e valores semelhantes: uma redução exponencial do módulo (de 650 MPa para 200 MPa)
com o aumento da tensão desvio (de 12 kPa para 62 kPa). Já o corpo de prova compactado
no ramo úmido (w = 23%) apresentou módulos significativamente menores (entre 270 MPa e
140 MPa) para a mesma faixa de variação da tensão desvio (σd). Além disso, observa-se que,
para níveis mais elevados de σd, o módulo tende a estabilizar-se, sugerindo um comporta-
mento elástico linear do solo. Gehling et al. (1998a) salientam, que durante o ensaio, não se
observam variações de sucção.
Também em laboratório, ao estudarem o comportamento quanto à deformabilidade
elástica de um solo LG’, Gehling et al. (1998a) observaram que as trajetórias de secagem ou
umedecimento e de secagem seguida de umedecimento apresentam influência significativa
nos módulos de resiliência, independentemente dos níveis atuantes de tensões desvio. Os
materiais apresentaram aumento nos valores de módulos de resiliência quando ensaiados nas
trajetórias de secagem e uma diminuição nas trajetórias de umedecimento. Outros resultados
demonstraram que os valores de módulo de resiliência diminuem com os ciclos de secagem e
umedecimento ocasionados pelo efeito da histerese do solo. Considerando-se a mesma umi-
dade, o processo de secagem resulta em valores de sucção superiores aos valores alcançados
por processos de umedecimentos.
De Werk (2000) e Ceratti et al. (2004) analisaram o efeito do tipo de compactação no
comportamento quanto à deformabilidade elástica de solos. Na Tabela 1, sintetizam-se os re-
sultados obtidos ao ensaiarem-se corpos de prova de um solo LG’ compactados por métodos
estático, dinâmico e por amassamento a diferentes teores de umidade.
Ao reavaliarem os resultados obtidos por de Werk (2000), Ceratti et al. (2004) concluí-
ram que:
a) Nos corpos de prova compactados no ramo úmido (teor de umidade ótimo + 2% =
23%), o módulo de resiliência (Mr) não foi afetado significativamente pelo método
de compactação.
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 695
b) O método de compactação afetou o Mr de corpos de prova ensaiados no teor ótimo
de umidade (21%). Como mostrado na Figura 6, os módulos de corpos de prova
compactados estaticamente foram 140% maiores que aqueles obtidos para corpos de
prova compactados com energia dinâmica e 220% superiores aos compactados por
amassamento. Tendência semelhante foi observada nos corpos de prova compacta-
dos no ramo seco (teor de umidade ótimo - 2% = 19%).
c) Globalmente, os corpos de prova compactados por amassamento apresentaram os
menores módulos, fato que deve ser considerado, uma vez que, no campo, os solos
argilosos são compactados com rolos pé de carneiro, que reproduzem a compacta-
ção por amassamento. Ao medirem-se módulos em corpos de prova compactados
estaticamente poderá estar superestimando-se os valores de Mr que se alcançarão no
campo.
Salienta-se que esse modelo é válido para valores de sucção mátrica de até 14 kPa, uma
vez que, no campo, não se mediram sucções superiores, registrando-se em alguns dias, após
chuvas intensas, a condição de saturação da camada, ou seja, sucção nula.
Quanto à avaliação do comportamento mecânico propriamente dito, hoje, no Brasil, o
ensaio de Índice de Suporte Califórnia (ISC, também referido como CBR) ainda continua
a ser o mais utilizado. Esse é um ensaio, geralmente, realizado com o solo no estado satu-
rado ou quase saturado. Com isso, parece ser irrelevante a ponderação sobre a influência
da sucção na avaliação do comportamento mecânico do solo a partir desse ensaio, mas, ao
contrário, a discussão, exatamente por isso, merece ser realçada. Quando se avalia o com-
portamento mecânico do solo a partir do ISC obtido após imersão do corpo de prova, se
o solo se encontrava, inicialmente, no ramo seco, se estará a subavaliar o comportamento
mecânico. No entanto, se a umidade inicial for igual ou superior à correspondente à umidade
ótima, a diferença em relação ao comportamento do solo não saturado será pequena, pois,
a partir do ponto de oclusão da fase ar, sua contribuição para o comportamento mecânico
não será tão significativa como mostra os estudos realizados por Parreira (2004). Outro as-
pecto, nesse ensaio, merece destaque, não pela influência que a capilaridade/sucção exercerá
diretamente sobre o comportamento do solo durante o ensaio, mas sim o dano que ela pode
gerar no corpo de prova no momento da imersão se certos cuidados não forem tomados. O
procedimento mais frequente é o de se tomar o corpo de prova e fazer a sua imersão em um
reservatório já contendo o volume de água necessário para recobri-lo. Nesse caso, o corpo de
prova a ser recoberto com água submeterá, por ação da capilaridade/sucção, a fase ar a uma
pressão positiva. Se essa pressão superar a coesão atuante no solo, ocorrerá o afrouxamento
do contato entre as partículas, propiciando a redução do ISC. Esse mecanismo, em muitos
casos, explica a forma irregular do trecho inicial da curva de resistência à penetração, pois
só após a recompressão dos pontos afrouxados ocorrerá a mobilização da resistência. Nesse
ensaio, o recomendável é proceder-se à saturação progressiva do corpo de prova de modo a
que a inundação se dê para valores pequenos de capilaridade/sucção, evitando-se danos em
sua parte superior.
A compactação e o ensaio de ISC por si sós já deixam clara a importância da capilarida-
de/sucção para a análise do comportamento mecânico dos solos usados nas obras viárias. No
entanto, outros aspectos merecem destaque para que se evitem erros de projeto, de avaliação
do comportamento mecânico dos materiais e de execução das obras viárias.
Um primeiro aspecto a ser realçado diz respeito à cura feita com exposição do solo ao ar,
submetendo-o às condições atmosféricas, tanto em campo como, algumas vezes, em laborató-
rio. Quando se expõe o solo à condição atmosférica, têm-se, geralmente, duas consequências:
a) ocorre troca de umidade entre o solo e a atmosfera, quase sempre reduzindo a umidade
do solo, e, só para o caso de solos muito ressecados, aumentando-a; b) ocorre a contração ou
expansão do solo, sendo mais frequente a contração em consequência da perda de umidade
para a atmosfera. Tem-se, então, uma variação da capilaridade/sucção atuante no solo, e é ela
que, na segunda das consequências apontadas, é responsável pela contração quando aumenta,
e pela expansão quando diminui. No estudo do comportamento mecânico do solo em esta-
do não saturado, a redução da umidade e a diminuição da porosidade, geralmente, refletirá
no aumento da sucção e na melhoria do comportamento mecânico, o contrário ocorrendo
quando da ampliação da umidade e expansão. Destaca-se que a variação do grau de saturação
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 697
em função das variações da umidade e da porosidade deve ser analisada. Quando se analisa
o comportamento mecânico do solo em estado saturado após submetê-lo a esse tipo de cura
geralmente se registra uma melhoria do comportamento mecânico, em especial, no caso dos
solos não expansivos, pois o volume inicial que passou por processo de contração não é reto-
mado em sua integralidade.
Outro aspecto a ser, ainda, considerado e que merece ser melhor estudado diz respeito
à influência da energia dinâmica no comportamento dos solos, como é caso da usada nos
estudos de módulo resiliente e vida de fadiga. Nesses casos, mesmo em situações de campo
com elevado volume de tráfego, a condição de laboratório termina sendo mais severa se con-
siderado o efeito dinâmico sobre a capilaridade/sucção.
Analisando-se, ainda, a Figura 7, pode-se perceber que o estabilizante cal é o que re-
tém mais umidade residual e a emulsão, o que apresenta maior perda, enquanto o cimento
apresenta comportamento intermediário. De acordo com Angelim (2005), a cal hidratada é
ávida por água e possui propriedade de retenção de água bastante elevada. As misturas com
adição de cimento consomem a água adicionada para a hidratação do cimento, resultando em
menores umidades residuais, enquanto a emulsão, tal como a cal hidratada, contém água na
sua composição que será evaporada durante o processo de cura, todavia, quando isso ocorre,
forma-se uma película impermeabilizante na superfície do agregado. Esse fato indica que, de
acordo com o estabilizante escolhido, a estrutura formada pela estabilização será função das
reações químicas do agente químico e da mineralogia do solo. Esse fato interfere diretamente
na capacidade de retenção de água, ou seja, tem um reflexo direto na sucção mátrica e no
comportamento mecânico do solo.
No caso de solos contendo argilominerais expansivos, dois fenômenos devem ser consi-
derados capazes de interferir na sucção/capilaridade matricial atuante no solo e, por consequ-
ência, no comportamento mecânico: 1) o processo de expansão mineralógica, diferentemente
da estrutural, que ocorre concomitantemente com a variação da umidade ou relaxação das
tensões atuantes no solo, quase sempre ocorre, em grande parte, em curto intervalo de tempo,
24h a 48h. Esse tempo é superior ao de mistura solo-água-agente cimentante e à sua com-
pactação, e, com isso, parte da expansão continua a ocorrer em intervalos de tempo maiores,
fazendo com que a água saia do interior dos vazios e penetre no interior do mineral, entre suas
camadas estruturais, gerando, assim, uma ampliação da sucção/capilaridade atuante no solo;
2) no processo de expansão mineralógica, tem-se, ainda, a possibilidade de dois fenômenos
atrelados à movimentação da água e alteração da sucção/capilaridade atuante. O primeiro
diz respeito ao solo mantido confinado no interior de moldes durante o processo de cura.
Nesse caso, a expansão do mineral induzirá uma redução dos vazios devido ao impedimento
da expansão lateral, o que interfere na sucção/capilaridade, geralmente, proporcionando a
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 699
sua ampliação. No segundo caso, sendo a cura efetuada com o corpo de prova já extraído do
molde, a expansão mineralógica tende a ampliar o volume de vazios entre os minerais, o que
implicaria uma diminuição da sucção/capilaridade se o volume de água nesses vazios fosse
mantido constante durante a cura. No entanto, como a água neles presente também migrará
para o interior dos minerais, o resultado poderá ser de aumento ou diminuição da sucção/
capilaridade mátrica, conforme o resultado final imposto à variação do grau de saturação.
Vale ressaltar que as modificações impostas pela adição de um agente químico promo-
vem alterações nos cátions trocáveis e, consequentemente, no potencial de retenção de água,
na sucção e na capacidade de suporte do solo. A Figura 8 exemplifica, com base em resultados
obtidos por White (1955) e apresentados por Grim (1962), a relação entre os cátions trocáveis
e o coeficiente de atividade de Skempton (a) e com o limite de liquidez (b) para uma montmo-
rilonita, uma ilita e uma caulinita, considerando-se os cátions trocáveis Ca++, K+, Na+, e Mg++.
Cabe lembrar que, nos ensaios de limite de liquidez, sejam eles realizados segundo o método
do cone ou de Casagrande, determina-se, respectivamente, a umidade para uma resistência à
penetração ou à umidade para um fechamento especificado de um microcanal margeado por
dois microtaludes de mesma altura e forma, talhados no solo. Sendo assim, no exemplo apre-
sentado na Figura 8, os valores distintos obtidos para os limites de liquidez, teores de umidade
presentes nos solos em estado saturado, mostram energias de interação entre as partículas se
alterando em função da mineralogia e dos cátions trocáveis presentes nos solos. Portanto, se
o agente químico usado na estabilização altera a concentração e os tipos de cátions trocáveis
no solo, e cada um destes conduz a uma capacidade diferente de retenção de água pelo solo,
infere-se que reações químicas que propiciam aos minerais maior ou menor plasticidade e
coeficiente de atividade irão originar solos com maior ou menor sucção osmótica e mesmo
mátrica para um mesmo teor de umidade. Esse efeito da mineralogia e dos cátions trocáveis
no limite de liquidez tem, então, o alcance de intervir nas curvas características desses e de
outros solos.
Figura 8 – Relações entre (a) cátions trocáveis e coeficiente de atividade; (b) cátions trocáveis e índice de
plasticidade (obtido a partir de White, 1955 citado por Grim, 1962)
Younoussa et al. (2008) alertam para as expansões e contrações provocadas pela esmec-
tita, presente em algumas lateritas do oeste da África e que podem alterar o comportamento
dos solos em condições não saturadas. Segundo esses autores, deve-se usar o limite de liqui-
dez e o índice de plasticidade, o percentual de finos, a atividade da argila e a superfície especí-
fica para verificar essa predisposição nas amostras a expandirem e contraírem.
700 Solos não saturados no contexto geotécnico
De acordo com Rollings et al. (2002), em regiões tropicais de clima árido pode ser en-
contrado sulfato de cálcio nas partículas do solo. Este, quando em contato com a água, pode
ser dissolvido, formando poros no solo. Contudo, caso o solo seja estabilizado com cimento
Portland, ocorre a reação do sulfato com o cimento Portland, formando a etringita, que é um
mineral expansivo e, portanto, com possibilidade de consumir a água presente no solo.
As pesquisas supracitadas mostram que, seja pela formação de minerais expansivos ou
pelas variações de potencial de retenção de água do solo, as reações químicas entre o agen-
te estabilizante e o solo devem ser meticulosamente analisadas. Assim, a escolha do agente
químico a ser empregado não pode ser guiada apenas pelo tipo de solo, mas deve considerar
as eventuais reações que podem vir a interferir tanto no caráter expansivo dos minerais for-
mados nestas, como nas mudanças da capacidade de retenção de água. Então, nesse segundo
item, reside o outro ponto para reflexão: qual a interferência da sucção em solos estabilizados?
Como poderia se mensurar essa influência?
Solos tropicais estabilizados podem apresentar mudança de suas propriedades com a
redução do conteúdo de água. Isso pode ocorrer devido à tendência de agregação das partí-
culas quando secas ou pela perda de água dos minerais hidratados. A primeira opção pode
se refletir em aumento da resistência do solo, enquanto a segunda pode ou não ter esse efeito.
O pavimento está sujeito a variações no grau de saturação, dependendo da incidência
de chuvas e elevação do lençol freático e mesmo em função das alterações atmosféricas em
consequência da interação solo-atmosfera. Nas regiões tropicais, na maior parte do ano, as
umidades dos pavimentos tendem a ser inferiores às determinadas no ensaio Proctor, prin-
cipalmente, nas regiões semiáridas. Portanto, a curva de retenção de água se apresenta como
uma relação importante nesses solos, pois descreve a relação entre a sucção e o teor de umi-
dade. No caso de solos estabilizados, as características de posição, forma e inclinação da curva
dependem, basicamente, da granulometria, estrutura e mineralogia gerada a partir das inte-
rações físico-químicas.
Para integrar os aspectos físico (índice de vazios) e químico (interação mineral-água-
-estabilizante), pode-se recorrer à definição da curva característica de sucção do solo, trans-
formada em relação ao índice de vazios, que gera, para o solo, uma função de validade gene-
ralizada para uma mesma distribuição de poros (Campum de Carvalho e Leroueil, 2004). Em
solos estabilizados, nos quais os agentes químicos alteram o índice de vazios e a distribuição
de poros e refletem no estado do solo alterando as curvas características de sucção plotadas
como função do grau de saturação, torna-se importante a análise no comportamento mecâ-
nico destes nessa nova perspectiva. É igualmente relevante considerar não exatamente uma
histerese na curva característica em função do tempo de cura, mas a sua dinâmica temporal
uma vez que, com as reações, são formados novos compostos com distintas interações com
a água.
Silva (2015), ao estudar um solo saprolítico por quatro processos distintos de compac-
tação (manual, mecânica, manual sem reuso e manual com umedecimento prévio), obteve a
distribuição dos pontos mostrada na Figura 9. Nessa figura, verifica-se que, embora seja um
mesmo solo, e os pontos sigam uma mesma tendência, o processo de compactação acaba
por interferir na sucção do solo. Se tal fato ocorre apenas pela modificação do processo de
compactação, há de se supor que comportamento análogo irá ocorrer com a presença de um
agente químico, pois este promove alterações mais expressivas na estrutura do solo.
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 701
Ao longo dos anos, algumas pesquisas foram realizadas no intuído de verificar a influên-
cia de diferentes estabilizantes no comportamento dos solos. Entre elas, destacam-se algumas,
que, embora não estejam atreladas às curvas características para as amostras, pode-se inferir
se ocorre a influência da sucção no comportamento mecânico dos solos.
Elsharef (2013) estudou solos lateríticos estabilizados com cal hidratada. O aditivo pro-
moveu diminuição dos índices de plasticidade e agregou as partículas, promovendo o au-
mento da permeabilidade. Isso ocorreu, pois a reação química modificou a estrutura do solo,
aumentando a sua porosidade e o índice de vazios. Nesse caso, o efeito da sucção foi minorado
e, aí, há que se verificar se, em termos de comportamento mecânico, o que se ganhou com as
reações químicas superaria as perdas devido à menor sucção.
Far et al. (2013) adicionaram polímeros e óleos a solos lateríticos. Os autores fizeram
análises das amostras com cura seca e úmida e observaram o aumento da RCS das amos-
tras estabilizadas em detrimento do solo puro, sendo esse aumento mais significativo nas
condições de cura seca, evidenciando a ação da sucção. Houve um aumento da RCS com o
prolongamento do tempo de cura, mas os autores não fizeram a análise do solo puro para
idades diferentes da de moldagem e ruptura, portanto, não é possível quantificar a influência
do agente químico e da sucção separadamente. Esses resultados mostram que, no caso de
estruturas de pavimentos, em que as vias permanecerão, na maioria das vezes, em estado
não saturado durante toda sua vida útil, o estudo da influência dos estabilizantes químicos
no comportamento mecânico dos solos deve ser acompanhado da avaliação da influência da
sucção nesse comportamento,
Miceli (2006) estudou dois solos lateríticos e um saprolítico, estabilizados com emulsão
asfáltica RL-1C. Em uma análise preliminar, o autor realizou ensaios de RCS e RT com amos-
tras estabilizadas nas idades 0, 7 e 28 dias com cura ao ar, verificando o aumento progressivo
de resistência e a diminuição da umidade residual com o tempo de cura. Para separar a parce-
la correspondente ao ganho de resistência devido à ação química do estabilizante da ação da
702 Solos não saturados no contexto geotécnico
sucção, o autor refez o ensaio para as idades de 7 dias com dois tipos de cura (úmida e seca).
Principalmente nos solos lateríticos, verificou-se que as RCS aos 7 dias com cura úmida eram
similares às RCS obtidas nos corpos de prova rompidos após a compactação, e ambas eram
bem inferiores às alcançadas para 7 dias com cura seca. Infere-se, nesse caso, que o ganho de
resistência observado nos ensaios preliminares devia-se à ação da sucção, sendo esta mais
expressiva no solo laterítico do que a ação do aditivo.
Amu et al. (2011) estudaram a estabilização de solos lateríticos com cal hidratada. Os
autores, ao realizarem ensaios de Índice de Suporte Califórnia (ISC) com amostras antes e
após a imersão em água, verificaram que a absorção de água pelo solo eliminava o ar ocluso
e reduzia a resistência destes à penetração do pistão. Ainda, observaram que essa redução
era associada ao índice de plasticidade do solo, ou seja, quanto mais fino e ativo o solo,
maior a diferença entre os valores de ISC uma vez que solos mais finos e ativos com menor
índice de vazios tendem a ter maior sucção. Entretanto, os resultados mostraram que essa
diferença é maior nos solos sem adição de cal, ou seja, embora parcela da resistência possa
ser atribuída à sucção, a cal também promoveu melhorias no comportamento do solo. Cabe,
porém, observar, conforme se depreendeu da discussão sobre a Figura 5, que, dependendo
da mineralogia do solo, a troca catiônica oriunda da adição da cal pode, também, alterar a
própria sucção.
Nos estudos de Lucena (2012), com resíduos de lodo de e lodo de ETE, estabilizados
com cal, cimento e emulsão, verificou-se a importância da cura seca ao ar livre por um pe-
ríodo de 7 dias, levando a aumentos significativos de RCS em relação aos submetidos a cura
úmida. Essa diferença de RCS foi creditada à ação da sucção. As amostras submetidas à cura
seca apresentaram cerca de 10% a menos de umidade residual, corroborando que parte da
RCS obtida por essas amostras deve-se à resistência proveniente da ação da sucção. Estudos
relacionados à sucção do solo podem ajudar a explicar essa parcela de resistência, de extrema
importância, pois as bases e sub-bases encontram-se em condições não saturadas, ou seja,
a escolha do resultado mais significativo da RCS está vinculada ao tipo de execução que irá
ocorrer em campo e da faixa de umidade de equilíbrio que atuará in situ.
Ainda segundo a autora, ao realizar os ensaios de RCS com 28 dias de cura, os maiores
valores de RCS foram os que apresentaram maior percentagem de umidade residual em rela-
ção à umidade de compactação. Esse fato evidencia que a perda de umidade elevada pode ser
prejudicial ao comportamento mecânico do solo, pois pode não só levá-lo a apresentar trincas
e microfissuras como também gerar perdas de contatos oriundos da atuação da capilaridade/
sucção. Outro aspecto relevante na estabilização com determinados aditivos químicos, como
a cal virgem e o cimento, diz respeito à necessidade de água para que ocorram as reações
químicas de cimentação. Valencia et al. (2007) mostram, para um solo tropical (Figura 10a),
que a coesão estimada a partir de ensaios de resistência à tração por compressão diametral,
resistência a compressão simples e pela conjugação desses dois ensaios aumenta até um de-
terminado limite com o crescimento da sucção, passando, em seguida, a diminuir. Para esses
autores, a perda de coesão se deve ao surgimento de fissuras provocadas pelo ressecamento
do solo. No entanto, se observadas as curvas características mostradas para o solo no mesmo
artigo (Figura 10b), verifica-se que a coesão passa a diminuir para sucções atuantes em nível
de microporos, o que aponta para as possíveis perdas de contato entre microagregados, corro-
borando, em ambas as hipóteses, com os entendimentos anteriormente apresentados.
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 703
Figura 10 – (a) Influência da sucção na coesão; (b) curva característica de um solo tropical
(modificado de Valencia et al., 2007)
Estudos conduzidos por Gondim (2008) e Santos (2003) concluíram que existe uma boa
probabilidade de ocorrer relação entre os parâmetros de RCS e a umidade residual, sugerindo
que a secagem das amostras em seu processo de cura tem um valor de umidade para o qual se
alcança uma RCS máxima e segue tendência parabólica.
Outro aspecto da influência da umidade do solo no comportamento mecânico deve-se
à pré-secagem na fase de preparação de amostras. A pré-secagem, nessa fase, propicia a desi-
dratação dos microagregados e mesmo de agregados no caso das lateritas, removendo parte
ou a totalidade da água originalmente presente nos microporos. Quando da adição de água
para a preparação da mistura e compactação, a água, ao circundar os agregados, aprisiona
a fase ar neles presentes, submetendo-a a uma pressão positiva devido à atuação da sucção.
Dada à sucção geralmente elevada presente nos microporos, dois fenômenos podem ocorrer:
1) se o agregado for pouco estável, a pressão positiva, na fase ar, poderá destruí-lo; 2) se o
agregado for estável, bem cimentado, a atuação da sucção ao longo do tempo gerará a dis-
solução da fase ar e a penetração de parte da água ocupante dos macroporos no interior dos
microporos, reduzindo, assim, a umidade, que interfere de modo mais marcante no compor-
tamento mecânico, conforme mostrado por Camapum de Carvalho (2010) e Oliveira (2007)
e, portanto, ampliando a sucção/capilaridade atuante nos macroporos. Nesse caso, faz-se
necessário considerar esse efeito quando se estuda a estabilização química do solo.
Todos esses estudos apontam para a necessidade de se avaliar o que se passa no processo
de estabilização química do solo quanto às variações de umidade, porosidade e cimentação
propriamente dita. Exemplificando sobre a importância de também se considerar as variações
de porosidade oriundas da estabilização, a Figura 11 (Pessoa, 2004) mostra que, aparente-
mente, a cal não interferiu nos valores de ISC obtidos sem imersão quando os resultados são
avaliados em função da umidade (w) (Figura 11’a), do grau de saturação (Sr) (Figura 11b) e
da própria sucção em pF (Figura 11c). No entanto, quando tratados os resultados em função
pF/e (Figura 11d), observa-se a tendência de melhoria do comportamento mecânico do solo
com o aumento do teor de cal.
704 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 11 –Variação do Mini – ISC com (a) umidade; (b) Saturação; (c) pF; (d) pF/e (Pessoa, 2004)
Figura 12 – Variação da umidade e da sucção com a profundidade e com a posição do ponto em relação à
estrutura de pavimento (Bernucci, 1995)
Em síntese, o estudo dos solos não saturados deverá ser contextualizado espacialmente,
levando-se em consideração, dentre outros, a morfologia do terreno a geologia estrutural e
hidrogeologia, a sazonalidade climática e a orientação do maciço em relação às condições de
insolação e de vento, pois todos esses fatores são intervenientes no equilíbrio solo-atmosfera.
Essa percepção amplia a importância do estudo dos solos não saturados nas obras viárias,
pois, por exemplo, a simples diferença de rigidez imposta pelas variações de umidade entre
as trilhas de roda podem, por si sós, ser indutoras de fadiga estrutural ao longo da vida útil
da via. Outro exemplo diz respeito à comparação entre uma via urbana e rural, pois, embora
estudos de laboratório possam revelar resultados semelhantes ao se tratar de um mesmo solo,
as configurações espaciais são distintas, refletindo diretamente na umidade de equilíbrio e no
comportamento não saturado do solo. Logo, a contextualização espacial é fundamental para
que a relevância do estudo dos solos não saturados seja mais bem evidenciada e considerada.
Os estudos técnicos aplicados na engenharia viária terrestre assumem, quase sempre, ca-
ráter estático quanto à questão temporal. Alguns ensaios, como os indutores de carregamento
708 Solos não saturados no contexto geotécnico
cíclico, assumem a dinâmica temporal, mas sem que consiga conjugá-la com a dinâmica cli-
mática e de variação da umidade de equilíbrio. A título de exemplo, a Figura 12, apresentada
por Bernucci (1995), muito embora a autora, certamente, tenha feito medições ao longo do
tempo, apresenta apenas a realidade da via em um determinado momento, talvez, até o mais
crítico. No entanto, assim como se considera o efeito dos ciclos de carga sobre a estrutura de
pavimento, faz-se necessário considerar os ciclos de energia e os níveis de energia impostos à
estrutura de pavimento pelas variações climáticas.
No campo, o solo, após ser compactado em uma determinada condição de umidade e
peso específico, submete-se, ao longo da vida útil da via, a “n” ciclos de carga. No entanto, essa
submissão não se dá, exatamente, para aquela condição de umidade de compactação, mas
sim para uma faixa de umidade de equilíbrio, que será, para um determinado solo, tanto mais
ampla quanto mais amplas forem as variações climáticas indutoras de variações de umidade
do solo. Então, em qual condição se deve estudar o solo? Certamente, a resposta será, na mais
crítica, e mais crítica em termos de solos não saturados é geralmente aquela em que o solo
apresenta menor sucção. Contudo, a engenharia requer mais reflexões que certezas, e, muitas
vezes, nas obras viárias, os ciclos de carga em situações de solo muito ressecado podem ser
cruciais para que a fadiga seja atingida mais precocemente. Também, as alternâncias entre
estados do solo pouco úmido e muito úmido impõem alterações nos estados de tensão mobi-
lizados, podendo, também, atuarem como aceleradores da fadiga da estrutura de pavimento.
Para maior clareza sobre a questão temporal, serão discutidas, a seguir, mesmo que de modo
resumido, algumas questões relacionadas à umidade de compactação e de equilíbrio das ca-
madas que compõem a estrutura de pavimento.
A influência temporal sobre as propriedades e os comportamentos dos solos depende,
também, do contexto espacial. Assim, o impacto temporal é distinto não só devido à morfolo-
gia do terreno e da via, mas também em função do espaço e da forma que ocupa a estrutura de
pavimento. Por exemplo, ainda que considerando um mesmo solo, a influência temporal na
umidade de equilíbrio de uma camada de sub-base e de base será distinta, pois as condições
de troca com a atmosfera e com o subleito são diferentes.
Para iniciar a discussão sobre a umidade de compactação e de equilíbrio, são apresen-
tados, na Figura 14, quatro modelos de curvas características de retenção de água, sendo:
1) curva característica típica de um solo com distribuição de poros bem graduada; 2) curva
característica típica de um solo com distribuição de poros uniforme, sendo que o solo (2)
apresenta um índice de vazios maior que o (2’); 3) curva característica típica de distribuição
de poros bimodal; 4) curva característica típica de solos expansivos e materiais que fluem
sob o efeito da sucção, como as misturas betuminosas (Camapum de Carvalho et al., 2000).
As formas das curvas de compactação para esses solos, além de depender de outros fatores,
como mineralogia e textura, dependem, também, da sucção e, portanto, da forma da curva
características de retenção de água. A Figura 15 ilustra modelos de curvas de compactação
para esses solos, mantendo-se os mesmos itens de referência, incluindo-se, porém, para dois
deles, o solo 3 e o solo 4, o efeito da pré-secagem.
Atentando-se, no entanto, para os gráficos apresentados na Figura 14, depreender-se-
-á que as curvas características correspondem a índices de vazios específicos, pois, para o
solo 2, foram mostradas curvas distintas para índices de vazios diferentes. Logo, surge aí um
problema: que curva característica usar ao buscar associar a forma da curva de compactação
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 709
à sucção atuante no solo? Indo além, como o processo de compactação tanto em laboratório
como no campo conduz à redução progressiva do índice de vazios do solo até que ele seja con-
cluído, para qual índice de vazios deve-se definir a curva característica do solo se ele varia ao
longo do processo de compactação e se o próprio grau de saturação apresenta certa variação
ao longo de uma obra?
Figura 14– Curvas características de retenção de água típicas para diferentes distribuições de poros
Até que sejam desenvolvidas análises teóricas que possibilitem a solução prática do pro-
blema, pode ser usada a proposta semiempírica apresentada por Camapum de Carvalho e
Leroueil (2004), na qual traça-se o gráfico da sucção em pF (pF é igual ao logaritmo da sucção
710 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 16 – Curvas características transformadas em relação aos índices de vazios 0,48 e 0,4
Embora não se vá, aqui, entrar em detalhe, outra questão poderia ser colocada: se a
curva característica de retenção de água é função da porosidade, o comportamento mecânico
do solo também não seria? Certamente que sim, no entanto, também, nesse caso, é possível
simplificar o estudo, adotando a relação entre o comportamento mecânico e a sucção em pF
normalizada em relação ao índice de vazios (pF/e) quando o parâmetro de avaliação do com-
portamento diminui com o aumento do índice de vazios, por exemplo, a coesão do solo (Ca-
mapum de Carvalho et al., 2001). Quando o parâmetro aumenta com a ampliação do índice
de vazios, faz-se a transformação da sucção em pF pelo índice de vazios (e.pF), por exemplo,
no caso do colapso estrutural do solo faz-se a relação com e.pF (Camapum de Carvalho et al.,
2002). É evidente, que no caso do comportamento mecânico, deve-se, como no caso da curva
característica, considerar a distribuição de poros e a presença de argilominerais expansivos
quando for o caso.
Entrando-se na questão da umidade de compactação do solo em laboratório e no cam-
po, busca-se, por meio da curva de compactação Proctor, estabelecer a umidade ótima do solo
para uma determinada energia. No campo, trabalha-se com uma faixa de umidade situada nas
proximidades da umidade ótima (wot), por exemplo, wot +/- 2%. A faixa de umidade depende
de uma série de fatores, como da forma da curva de compactação e das condições climáticas
regionais. Exemplificando, o solo 2, cuja curva de compactação está mostrada na Figura 15,
geralmente, admite uma faixa de compactação no campo mais estreita que o solo 4, mostrado
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 711
na mesma figura. Essa observação encontra fundamento nas próprias curvas características
dos dois solos, mostradas na Figura 14, onde sobressai um formato mais suave da curva ca-
racterística correspondente ao solo 4 em umidades próximas à ótima. Curvas de compactação
com o ramo seco menos íngreme, como é o caso do solo 4, permitem, então, faixas de umida-
de de compactação mais amplas. Outro fator definidor tanto da umidade como da energia de
compactação diz respeito às condições climáticas de execução da obra. Por exemplo, compac-
tações no ramo seco na região Amazônica são mais difíceis que no Centro-Oeste, assim como
o é a compactação no ramo úmido no polígono da seca nordestino.
Hoje, no Brasil e no mundo, a maioria dos projetos de estruturas de pavimento ainda
são elaborados com base no comportamento mecânico do solo saturado, o que constitui um
erro, pois, embora a favor da segurança, dispensa-se a economia que poderia ser gerada,
tirando-se proveito do melhor comportamento mecânico do solo em estado não saturado.
Alguns trabalhos, como o de Parreira (2004), apontam para o fato de que o comportamento
do solo varia pouco entre o estado saturado e o correspondente à umidade ótima, e isso é
verdade, pelo menos, para a maioria dos solos usados na construção de estruturas de pavi-
mento, pois, como a umidade ótima corresponde ao ponto onde ocorre a oclusão da fase ar,
as sucções atuantes são, geralmente, pequenas. Contudo, é nesse ponto que entra a necessi-
dade de se considerar a umidade de equilíbrio e sua dinâmica, ou seja, a sua faixa de variação
diária e sazonal. Quando a faixa de umidade de equilíbrio encontra-se abaixo da linha ótima,
o comportamento mecânico do solo é melhorado pela atuação da sucção. De qualquer forma
mesmo em regiões muito úmidas, como a Amazônica, embora seja temerário contar com
a sucção na avaliação do comportamento mecânico do solo para fins de projetos de estru-
turas de pavimentos, considerar a dinâmica da sucção em função da dinâmica da umida-
de de equilíbrio é, muitas vezes, fundamental. Avaliando trincas longitudinais (Figura 17a)
e transversais (Figura 17b) em estruturas de pavimento localizadas em Urucu, Estado do
Amazonas, Camapum de Carvalho e Gitirana (2006) mostraram que essas trincas estavam,
respectivamente, associadas à atuação da sucção nos fenômenos de expansão e contração e
não à fadiga propriamente dita, imposta pelas solicitações do tráfego, que, aliás, na obra em
questão, era baixíssimo, senão desprezível.
(a) (b)
Figura 17 – Trincas na estrutura de pavimento: (a) longitudinais; (b) transversais
(Camapum de Carvalho e Gitirana (2006)
712 Solos não saturados no contexto geotécnico
As estruturas das vias terrestres se inserem, dentre outros, nas rodovias, ferrovias, aero-
portos, vias urbanas e estacionamentos. O bom desempenho dessas finalidades requer consi-
derações e análises distintas nas diferentes etapas de sua vida útil desde a concepção, passando
pelos estudos preliminares, projeto, execução, até atingir a própria manutenção. Isso torna
relevante o conhecimento dos aspectos ambientais, químico-mineralógicos e estruturais de
modo a dispor do solo na estrutura de pavimento, tirando o máximo proveito de suas proprie-
dades e comportamento, e evitando erros previsíveis no âmbito da engenharia.
Esse item fará, então, uma introdução sobre esses aspectos de modo a contextualizar
a importância de considerá-los em estudos, projetos, execução e manutenção dos sistemas
viários.
Figura 18 – Microscopias obtidas para um solo laterítico argiloso compactado na energia Proctor interme-
diário: (a) solo natural, w=24%; (b) solo estabilizado com 2% de cal, w = 23% (Rezende, 2003)
714 Solos não saturados no contexto geotécnico
gem aos argilominerais do grupo 1:1, cujas camadas são formadas por uma folha tetraédrica
interagindo com uma folha octaédrica. Essa estrutura faz com que a interação entre camadas
seja de natureza polar, conferindo, às partículas, propriedades não expansivas. Por consequ-
ência, nesses solos, o ponto de entrada de ar na curva característica de retenção de água geral-
mente corresponde ao limite de contração. Destaca-se, com essas características, o grupo da
caulinita, integrado pela caulinita propriamente dita e pela haloisita, que pode encontrar-se
em condição hidratada ou desidratada. Embora a característica não expansiva desses mine-
rais simplifique a análise do comportamento dos solos não saturados, faz-se necessário verifi-
car se eles não possuem, em sua composição, o argilomineral haloisita hidratada, pois, nesse
caso, estudos de propriedades e comportamento do solo a partir de amostras submetidas à
pré-secagem conduzem, como já discutido, a resultados que não condizem com a situação
de campo, levando a problemas relacionados ao ajuste da umidade de compactação, pois a
umidade ótima de laboratório corresponderá a um ponto no ramo seco do solo compactado
in situ. Será gerada, também, uma pseudo-histerese entre as trajetórias de secagem e umedeci-
mento na definição da curva característica de retenção de água. O comportamento mecânico
definido em laboratório para uma determinada sucção correspondente a um determinado
teor de umidade também se distorcerá em relação ao campo, pois, lá, essa umidade corres-
ponderá a uma sucção maior.
Continuando o processo de intemperismo, são formados os oxi-hidróxidos de alumínio,
sendo um dos mais frequentes a gibbsita. Os oxi-hidróxidos de ferro são formados ao longo
do processo de intemperização. Também, ao longo do processo de intemperização vão sendo
formados os micro e macroagregados. Esses elementos assumem papel de grande relevância
no entendimento de propriedades e comportamentos dos solos profundamente intemperiza-
dos saturados e não saturados. Essa relevância será discutida no subitem seguinte.
Para exemplificar a importância do processo de intemperismo no comportamento do
solo, a Figura 19 apresenta as curvas de compactação obtidas por Delgado (2007) para as
(a) (b)
Figura 20 – Curvas de isosucção: (a) profundidade 3 m; (b) profundidade 9 m
718 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 21 – Microscopias obtidas para dois solos: (a) solo profundamente intemperizado;
(b) solo pouco intemperizado, solo saprolítico
(a) (b)
Figura 22 – Microscopias de duas concreções lateríticas: (a) porosa; (b) compacta
Exemplificando, Guimarães et al. (1997) mostraram que os solos agregados finos podem
ter os agregados quebrados pela energia de compactação, dando origem a uma ampliação do
peso específico aparente seco, mas piorando o comportamento mecânico do solo.
Outro aspecto relevante quanto à estrutura dos solos compactados em estruturas de pa-
vimento diz respeito à distribuição de poros, pois, enquanto nos solos pouco intemperizados,
essa distribuição tende a variar entre uniforme e bem graduada, nos solos profundamente
intemperizados e nos resíduos provenientes de construção e demolição de obras de engenha-
ria, ela tende a ser bimodal, intervindo diretamente na forma da curva característica de reten-
ção de água (Figura 3) e no próprio comportamento mecânico, como ilustram Camapum de
Carvalho (2010) e Oliveira (2007). Portanto, a estrutura dos solos é importante não só como
definidora da compactabilidade do solo, mas também como interveniente no desempenho da
estrutura da via.
Com fundamento nos estudos realizados por Rezende (2003) e Pessoa (2012) para duas
rodovias construídas com argila laterítica, misturas dessa argila com cal e proteção da camada
de argila com geotêxtil no Distrito Federal, serão discutidas questões relacionadas à interfe-
rência da sucção no comportamento de pavimentos executados com solos finos lateríticos
não saturados.
Os trechos experimentais estudados estão localizados na DF-205 Oeste (Trecho 1) e na
ligação da DF-440 com a DF-001 (Trecho 2). A Figura 23 apresenta as seções transversais de
cada trecho, e a Tabela 2 detalha os materiais utilizados em cada subtrecho, sendo que o foco
apresentado neste item é referente apenas aos resultados observados nos locais onde o solo
fino laterítico foi utilizado em maior quantidade nas camadas de sub-base e base.
Outra questão que deve ser ressaltada nesses estudos, refere-se ao procedimento reco-
mendado por Nogami e Villibor (1995) e Villibor et al. (2000) de expor as camadas argilosas
ao sol depois de compactadas por, no mínimo, 48 horas, visando o aumento do peso específico
aparente seco por meio da retração. Isso, por si só, já mostra a grande importância da atuação
720 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
Figura 23 – Seção transversal dos trechos experimentais: (a) DF-205 Oeste-Trecho 1;
(b) DF-440/DF-001-Trecho 2
Tabela 2 – Identificação dos materiais utilizados nas camadas dos trechos experimentais
Trecho 1 (DF-205 Oeste)
Extensão
Subtrecho Subleito Sub-base Base Revestimento
(m)
1 80 Corte - Solo-brita (1:4)
2 80 Aterro - Expurgo
Solo fino com
3 80 Aterro -
exposição ao sol Tratamento
4 80 Corte - Solo-cal (2%) superficial
Solo fino com geotêxtil entre duplo (TSD)
5 40 Corte -
base e revestimento com capa
Solo fino com geotêxtil entre selante
6 40 Corte -
subleito e base
Solo fino envelopado com
7 40 Corte -
geotêxtil
Trecho 2 (DF-440/DF-001)
Extensão
Subtrecho Subleito Sub-base Base Revestimento
(m)
1 60 Solo-cal (3%) Solo-cal (6%)
Solo fino sem Solo fino sem
2 100
exposição ao sol exposição ao sol Concreto
Aterro
Solo fino com asfáltico (CA)
Solo fino com
3 100 exposição ao
exposição ao sol
sol
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 721
(a) (b)
(a)
Figura 24 – Padrão de trincamento das camadas argilosas após compactação: (a) Subtrecho 3 do Trecho 1;
(b) Subtrecho 2 do Trecho 2; (c) Subtrecho 3 do Trecho 2 (Rezende, 2003)
Tabela 3 – Propriedades dos materiais de subleito, sub-base e base utilizados nos trechos
experimentais (modificado de Rezende, 2003)
Trecho 1 (DF-205 Oeste) Trecho 2 (DF-440/DF-001)
Propriedades Solo-cal Subleito/ Solo-cal Solo-cal
Subleito Solo fino
(2%) Solo fino (3%) (6%)
Pedregulho (%) 2,8 0,6 0,3 0,2 0,2 0,2
Areia (%) 11,3 3,1 10,1 1,9 8,2 6,8
Silte+Argila (%) 85,9 96,3 89,6 97,7 91,6 92,9
ρ (g/cm3) - 2,780 - 2,760 - -
wL (%) 45 58 52 52 52 54
wP (%) 31 39 37 41 38 41
IP (%) 14 19 15 11 14 13
Classificação TRB A-7-5 A-7-5 A-7-5 A-7-5 A-7-5 A-7-5
SUCS ML MH MH MH MH MH
Classificação MCT - LG’ - LG’ - -
wot (%) - EN 18,5 24,0 - 28,5 29,8 30,4
γdmax (kN/m3) - EN 15,90 15,20 - 13,60 13,40 13,10
ISC (%) - EN 6 17 - 17 16 24
Expansão (%)- EN 0,67 0,24 - 0,06 0,07 0,01
wot (%) – EI - 22,9 23,2 28,2 29,0 29,0
γdmax (kN/m3) – EI - 16,50 16,20 14,60 14,50 14,30
ISC (%) – EI - 23 90 18 29 60
Expansão(%) - EI - 0,00 0,06 0,01 0,01 0,01
ρ = massa específica dos grãos; wL = limite de liquidez; wP = limite de plasticidade; IP = índice de plasticidade; TRB =
“Transportation Research Board”; SUCS = Sistema Unificado de Classificação dos Solos; wot = umidade ótima; γdmax = peso
específico aparente seco máximo, ISC = Índice de Suporte Califórnia; EN = energia normal; EI = energia intermediária.
curva transformada, é possível obter equações de regressão para cada trecho de cada curva.
Conhecendo-se os valores de índice de vazios das camadas compactadas em campo a par-
tir de resultados de ensaios de frasco de areia executados durante a construção dos trechos,
obtêm-se as curvas características representativas das condições de campo. A partir daí, com
os valores de umidade in situ, podem ser estimados valores de sucção in situ (Figura 27).
Verifica-se que, para o Trecho 1 (Figura 27a), a umidade de campo da camada de base variou
entre 12% e 25%, correspondendo à variação da sucção pF entre 3,0 (100kPa) e 5,5 (31.000
kPa). Para o Trecho 2 (Figura 27b), a umidade dos materiais de base variou numa faixa seme-
lhante ao Trecho 1, entre 12 e 28% (Figura 27b), gerando variação da sucção pF entre 2,5 (32
kPa) e 5,0 (10.000 kPa). Cabe salientar que aumentos de sucção na zona de microposidade, ou
seja, com a sucção atuando no interior dos agregados, geralmente, não interfere no compor-
tamento mecânico do solo, exceto na variação de resistência do próprio agregado.
Conforme constatado, também em laboratório, para valores de umidade superiores a
17%, são observadas quedas nos valores de sucção. Assim, quando compactados em suas
umidades ótimas, os materiais em questão irão apresentar menores valores de sucção. No
entanto, ao permitir a secagem da camada para aparecimento e tratamento das trincas, os
valores de umidade reduzirão, o que poderá gerar aumento significativo no valor da sucção.
Dependendo das condições climáticas regionais, essas sucções poderão apresentar grandes
724 Solos não saturados no contexto geotécnico
(a) (b)
(c) (d)
(e)
Figura 26 – Microscopia dos materiais compactados em suas umidades ótimas – aumento de 5000x: (a) Solo
fino do Trecho 1; (b) Solo-cal 2% do Trecho 1; (c) Solo fino do Trecho 2; (d) Solo-cal 3% do Trecho 2; (d)
Solo-cal 6% do Trecho 2 (Rezende, 2003)
Figura 27 – Valores de sucção obtidos para as umidades “in situ” para os materiais de base:
(a) Trecho 1; (b) Trecho 2
Pessoa (2012) determinou valores de umidade em campo e realizou ensaios com o pe-
netrômetro do tipo PANDA para avaliar as resistências das camadas nas duas rodovias em
questão após 10 anos de construção dos trechos. A partir dos gráficos mostrados na tese
de Pessoa (2012), na Tabela 4, são apresentados os valores médios de umidade e resistência
obtidos para as bases executadas com solo fino. Com esses valores de umidade de campo,
obtiveram-se, também, os valores de sucção estimados a partir dos gráficos apresentados na
Figura 27.
Para os materiais da base do Trecho 1, observa-se que todos os valores de umidade ob-
tidos em campo são inferiores à umidade ótima (aproximadamente, 7% a menos). Rezende
(2003) verificou que, na compactação dessas camadas, durante a construção do trecho, o teor
de umidade obtido já era cerca de 5% inferior à umidade ótima especificada em laboratório.
Na Tabela 4, constata-se que, quando os valores de umidade estão mais próximos de 17%, os
valores de resistência e de sucção são maiores. Nessa análise, a inclusão de 2% de cal ao solo
fino não gerou alteração significativa na resistência e na sucção existente na camada.
Para os materiais utilizados nas camadas de sub-base e base do Trecho 2, os valores de
umidade em campo também foram menores que a umidade ótima tanto durante a construção
como no período ensaiado por Pessoa (2012). No entanto, os valores de umidade existentes
em campo são superiores a 17%, fato que, somado à obtenção de menores valores de sucção
para esse solo já em laboratório, gerou a obtenção de menores valores de sucção também em
campo. No entanto, em termos de resistência, os valores obtidos foram maiores do que aque-
les observados para o Trecho 1. Nesse caso, o primeiro aspecto a ser realçado é que sobressai a
influência a longo prazo do maior teor de cal usado no Trecho 2. Para o solo não estabilizado
com cal, dois fatores podem ter conduzido ao melhor desempenho do Trecho 2 após 10 anos
da construção, a contração a que o solo foi submetido pelo efeito da secagem, salientando que
essa contração ocorreu, embora em menor grau, mesmo para a camada de solo não submetida
à secagem atmosférica por 48 horas, como mostrou a Figura 16b, e a eventual influência de
prováveis diferenças na constituição mineralógica entre os solos dos dois trechos.
A estabilização química do solo fino usado no Trecho 2, com mais de 3% de cal hidrata-
da, bem como a evolução de suas propriedades ao longo do tempo, influenciam significativa-
mente a resistência, mas não a sucção. Já o procedimento de expor a camada de solo fino ao
726 Solos não saturados no contexto geotécnico
sol, gerou maiores valores de sucção no solo do Trecho 1, mas maiores valores de resistência
no solo do Trecho 2. Se observadas as Figuras 21a (Trecho 1) e 21b (Trecho 2), constata-se
uma mais intensa fissuração do solo no Trecho 1 que no 2, o que, provavelmente, refletiu na
resistência e deve conduzir a uma maior reflexão sobre os limites de utilização a serem reco-
mendados para a técnica, pois quanto maior a sucção, mais intensa tende a ser a fissuração, ou
seja, faz-se necessário um maior controle do tempo de exposição à secagem, tempo que deve
depender, inclusive, das condições atmosféricas atuantes no processo.
Por fim, constata-se que o assunto é complexo e que ainda existem poucos dados de
campo disponíveis para análise. No caso de solos tropicais aplicados em camadas de pavi-
mentos, vão existir inúmeras variáveis que irão interferir no desempenho dessa estrutura. De
qualquer forma, ressalta-se que, nesses estudos, ensaios convencionalmente realizados em pa-
vimentação não são capazes de responder a todas as questões e que será necessário considerar
a realização de ensaios complementares para a definição de quais são os solos lateríticos que
apresentam maior potencial de uso em pavimentação e quais são os procedimentos executi-
vos que devem ser adotados para obter pavimentos mais duráveis.
Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 727
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Estruturas de pavimento no contexto dos solos não saturados 731
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solos lateríticos e gestão de manutenção de vias urbanas. Associação Brasileira de Pavimenta-
ção/Universidade Federal de Uberlândia, São Paulo, 138 p.
1 INTRODUÇÃO
A primeira grande pergunta, em se tratando de solos não saturados, seria quais proprie-
dades seriam relevantes para o seu estudo e entendimento: propriedades físicas, químicas,
mineralógicas, moleculares, atômicas, etc.?
A mineralogia constitui-se, provavelmente, o principal fator controlador do tamanho, da
forma e das propriedades físicas e químicas das partículas do solo, intervindo diretamente em
seu comportamento hidromecânico. Cabe, no entanto, entender que ela advém da estrutura
química formada e esta da natureza dos elementos químicos, cujo entendimento completo é
desafiador. Esses elementos químicos possuem constituição e natureza próprias. Alguns mi-
nerais têm particular relevância para o entendimento do comportamento hidromecânico dos
solos na condição saturada e não saturada, pela frequência com que estão presentes e pela
influência que exercem sobre esse comportamento, mesmo não sendo, muitas vezes, os mine-
rais predominantes na composição do solo.
734 Solos não saturados no contexto geotécnico
Em perfis de solos tropicais, como grande parte dos solos brasileiros, a questão minera-
lógica assume ainda maior importância devido à sua diversidade ao longo desses perfis, a qual
influi diretamente nas propriedades físico-químicas e no comportamento hidromecânico do
solo. Partindo da rocha composta por minerais primários geralmente menos ativos, a ação
intempérica leva à formação dos saprólitos e, em seguida, dos solos saprolíticos ricos, em
especial, em minerais primários e já contendo minerais secundários, como a ilita e a mont-
morilonita, mas não necessariamente os dois ou qualquer deles. Na continuidade da ação
intempérica, surge uma zona de transição na qual se fazem presentes minerais secundários
como os citados e outros neoformados, como a caulinita e a haloisita. Prosseguindo na intem-
perização do perfil de solo a partir da rocha, surgem os solos profundamente intemperizados,
ricos em minerais, como caulinita e haloisita, e em oxi-hidróxidos de ferro e alumínio. Mine-
rais primários resistentes ao intemperismo, como o quartzo, podem se mostrar presentes ao
longo de todo o perfil.
Portanto, surgem as questões: como considerar essa dinâmica mineralógica no estudo
de outras propriedades, como estrutura, distribuição granulométrica, forma da curva caracte-
rística de retenção de água e no próprio comportamento hidromecânico? Em qual horizonte
de tempo e sob quais condições ambientais essa dinâmica mineralógica pode ser considerada
como algo estático, uma propriedade intrínseca do solo?
A química, por sua vez, interfere diretamente nas propriedades dos minerais e no caso
dos argilominerais a eles confere por meio de trocas iônicas, propriedades e comportamento
que se alteram em consequência dessas trocas (Grim, 1962). Logo, diante de constantes alte-
rações ambientais, como avaliar as possibilidades dessas trocas e seus impactos em questões
de engenharia como a capacidade de carga das fundações e a estabilidade de encostas? Qual
seria a dinâmica da curva característica de retenção de água e do próprio comportamento hi-
dromecânico em consequência de tais alterações? Como considerar essas questões no âmbito
dos estudos sobre os solos não saturados?
Indo agora para as aparentemente mais simples das propriedades, as propriedades fí-
sicas, pode-se colocar a questão inicial: como se formam e se transformam as estruturas
dos solos ao longo do tempo, mesmo aquelas dos solos compactados? Geralmente, elas são
consideradas como estáticas ao longo do tempo, mas não deixam de passar por transfor-
mações mais ou menos severas em função dos ciclos de energias atuantes. Por exemplo,
ciclos de energia natural como insolação e vento e ciclo de energia artificial, como os car-
regamentos repetitivos nas estruturas de pavimento. Em ambos os exemplos, a porosidade
do solo tende a ser alterada com o tempo, além da possibilidade de migração de compostos
químicos devido ao fluxo em meio saturado e não saturado, como mostrou Lima (2003) ao
estudar erosões do Distrito Federal. Mas qual o impacto dessas e de outras modificações
estruturais na curva características de retenção de água e no comportamento hidromecâ-
nico dos solos? A partir de qual momento ou situação eles seriam relevantes? Ainda sobre
as propriedades físicas, as quebras de agregados e microagregados durante um processo de
compactação ou mesmo durante a vida útil de uma construção, como elas impactam na
curva característica de retenção de água e no comportamento hidromecânico do solo? E
as expansões estruturais e/ou mineralógicas que ocorrem em cortes atingindo solos pouco
intemperizados, quais seriam as implicações para as propriedades e comportamento dos
solos não saturados?
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 735
Observa-se, deste item, que a percepção atual considerando o solo de modo estático
no tempo e no espaço conduz a muitas interrogações. Logo, mesmo análises aparentemente
contraditórias que podem ter sobressaído ao longo deste livro, certamente, são oriundas de
enfoques distintos dessa dinâmica temporal e da influência espacial e merecem maior refle-
xão rumo ao avanço do conhecimento sobre as propriedades e comportamento dos solos não
saturados.
Para início das discussões, coloca-se a questão: qual o nome apropriado, curva carac-
terística? Curva característica de retenção de água? Curva característica solo-água ou ainda
uma outra? A questão parece irrelevante, mas encontrar-se uma convergência, sem a preten-
são de que o título proposto seja o mais apropriado, pode ser algo positivo, pois contribuirá
para a uniformização da linguagem.
Geralmente, determina-se a curva característica de retenção de água para um determi-
nado estado físico, químico e mineralógico do solo, mas ao longo do tempo ou mesmo es-
pacialmente algumas, e, muitas vezes, todas essas propriedades não passariam por alterações
que afetariam a própria curva característica de retenção de água? Lima (2003), ao estudar
perfis de solo próximos a ravinas e voçorocas do Distrito Federal, verificou que sim, como
ilustra a Figura 1, obtida para amostras indeformadas coletadas em poços realizados a 3m
(Poço “1”) e a 20m (Poço “2”) da face do talude da erosão por ela intitulada Ceilândia 2. Logo,
é importante que, ao se determinar uma curva característica de um solo, reflita-se sobre sua
representatividade espacial e ao longo do tempo.
Verifica-se, na Figura 1, que as curvas de e.pF (pF é o logaritmo da sucção em centíme-
tros de coluna de água) em função do grau de saturação (Sr) não convergem para uma curva
única conforme proposto por Camapum de Carvalho e Leroueil (2004), o que indica que o
índice de vazios não é o único elemento alterando a curva característica, concluindo-se que
ocorre mudança nas propriedades do solo com o fluxo em direção ao talude no perfil de solo
localizado a 3m de distância do talude da voçoroca. A mudança não só na curva característica
como nas propriedades que a motivaram em consequência das novas condições de drenagem
impostas ao maciço pela ocorrência da erosão aponta para a necessidade de se considerar, em
casos similares, a dinâmica temporal e espacial da curva característica.
Muitas vezes, a diferença verificada entre curvas características determinadas para as
trajetórias de umedecimento e de secagem podem levar a essa percepção da influência da
temporalidade nas propriedades e no comportamento dos solos não saturados. Dentre ou-
tros, a diferença verificada pode ser devida devido a modificações estruturais ou a fenômenos
temporais, pois as variações de sucção podem levar à compressão ou expansão do solo se-
gundo a trajetória seguida seja, respectivamente, de secagem ou de umedecimento, que só se
estabilizam com o passar do tempo, por vezes, muito tempo. É certo que, nas determinações
da sucção com base em pesagens, como na técnica do papel filtro, a sua estabilização é quase
sempre devida à limitação na precisão da balança, pois, assim como na consolidação secun-
dária, as deformações de contração e expansão tendem a ocorrer em uma taxa que decresce
ao longo do tempo.
736 Solos não saturados no contexto geotécnico
6 8
Poço1 Poço1
Poço2 Poço2
6
4
e x pF
pF
2
2
0 0
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
Grau de saturação (%) Grau de saturação (%)
a) Profundidade de 1 m
6 8
Poço1 Poço1
Poço2 Poço2
6
4
e x pF
pF
2
2
0 0
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
Grau de saturação (%) Grau de saturação (%)
b) Profundidade de 2 m
6 8
Poço1 Poço1
Poço2 Poço2
6
4
e x pF
pF
4
2
2
0 0
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
Grau de saturação (%) Grau de saturação (%)
c) Profundidade de 3 m
Ainda no que se refere às curvas características de retenção de água, dado o uso indis-
tinto que se faz na literatura e no meio técnico dos termos capilaridade e sucção, cabem as
perguntas: são eles termos sinônimos? Distingui-los seria mero preciosismo? Na opinião
dos autores, as respostas às duas questões postas é não, muito embora, em muitos solos,
os dois fenômenos se façam concomitantemente presentes. Então, por que distingui-los?
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 737
Primeiro, faz-se necessário conceituá-los para indicar por que distingui-los. A capilaridade
é um fenômeno de natureza marcantemente física, sendo ditada pela dimensão dos poros e
influenciada por suas geometrias, aspectos que definem a forma do menisco, o seu raio de
curvatura. Do ponto de vista químico-mineralógico, é evidente que a natureza do mineral e
as características do fluido exercem influência no fenômeno capilar. A sucção, por sua vez,
engloba os fenômenos físicos da capilaridade e outros fenômenos, de natureza predomi-
nantemente eletroquímica, devido às forças de adsorção do mineral que dependem, pre-
dominantemente, da mineralogia do solo e da química do fluido, com destaque para a sua
polaridade e/ou constante dielétrica, embora sofra influência da porosidade. Portanto, os
fatores intervenientes na capilaridade e na sucção são os mesmos, mas a forma e o grau de
intervenção nas propriedades e no comportamento hidromecânico dos solos não saturados
são, em grande parte dos casos, distintos.
Assim, por exemplo, qual seria a forma como o fenômeno capilar e a sucção intervêm
na resistência dos solos não saturados? Seria na coesão? Seria na tensão normal, ampliando
a força de atrito interpartículas? Sendo a capilaridade um fenômeno mais físico, sua maior
contribuição, provavelmente, dá-se alterando a tensão normal entre os grãos, o que modifica
a força de atrito, mas que não deixa de contribuir para o surgimento de certa coesão, mesmo
que pequena, por intervenção da orientação molecular da água ao longo da intitulada mem-
brana contrátil formada na interação água-ar. Isso sem se adentrar amiúde na célebre teoria
adesiva do atrito de Terzaghi. Tratando-se, porém, de sucção, como o fenômeno depende,
em maior escala, da energia de adsorção dos minerais, dependendo das proporções entre a
energia capilar e a energia de adsorção, sua contribuição será predominantemente para a
coesão, embora a junção da zona de hidratação de dois minerais vizinhos termine gerando
certo efeito capilar, com as discutidas intervenções no comportamento, lembrando que entre
partículas de argila o contato se dá, salvo raras exceções, por meio da água.
A análise de várias questões de ordem prática e de fundamentos mostra que entender
os fenômenos definidores das propriedades e do comportamento dos solos não saturados
é de suma importância, embora seja o entendimento fenomenológico, muitas vezes, para
não dizer quase sempre, relegado a um segundo plano. A título de exemplo, a literatura,
incluindo monografias, dissertações e teses, reporta, com certa frequência, o aumento do
ângulo de atrito dos solos tropicais com o aumento da sucção. Isso se dá, em especial,
nos solos profundamente intemperizados contendo agregados e microagregados, mas pode
ocorrer, também, nos solos menos intemperizados contendo pacotes de argila e torrões
formados na fase de preparação de amostras, preparação que, muitas vezes, leva à completa
descaracterização do que é realmente o solo. Essa percepção é ampliada quando se usa o
ensaio de cisalhamento direto. Camapum de Carvalho e Gitirana (2005) mostraram, por
meio de experimentos usando esferas de vidro, que, no caso do ensaio de cisalhamento
direto, o aumento se dá porque os agregados e microagregados, ao ganharem resistência
com o aumento da sucção/capilaridade, fazem com que a superfície de ruptura contorne
tais agregados aumentando, assim, a área cisalhada e, por consequência, a força cisalhante
que, ao ser dividida por um área considerada constante, termina por ampliar a resistência
ao cisalhamento e o ângulo de atrito calculado. Tem-se, então, o entendimento do fenôme-
no e faz-se, agora, necessária melhor avaliação de seu impacto sobre problemas práticos
envolvendo os solos não saturados.
738 Solos não saturados no contexto geotécnico
Figura 2 – Coesão em função de pF/e (a) e de (ua-uw) (b modificado de Machado e Vilar 1998)
740 Solos não saturados no contexto geotécnico
O comportamento dos solos não saturados está diretamente ligado ao estado hídrico e
de porosidade em que ele se encontra. É evidente que outros fatores, como a química do meio,
a temperatura e o nível de tensão atuante, interferem no comportamento. Contudo, atendo-se
aos fatores umidade e porosidade e considerando-se os demais como constantes, é possível
ser colocada uma primeira questão de cunho geral: que limites e condições impor aos estudos
realizados em laboratório para que os resultados obtidos se apliquem em um projeto e na
execução da obra sem restrições? Essa é uma questão que, apesar de simples, requer reflexão,
pois, em uma obra, por exemplo, um projeto de fundação em estacas hélice contínuas ou a
construção de um aterro ou ainda a execução de um corte, podem ser acarretadas variações
significativas de umidade e mesmo de porosidade em zonas de interesse até que se estabele-
çam as condições de equilíbrio de umidade e de porosidade, as quais podem ser distintas das
estudadas em laboratório.
Particularizando-se para o caso dos solos compactados, sabe-se que as condições fixadas
para a realização de uma determinada obra compreendem um grau de compactação mínimo
e uma faixa de umidade, gerando, assim, mais de uma condição de sucção para o solo com-
pactado. Com o passar do tempo, dependendo da situação, por exemplo, a base de um aterro,
passará não só durante a construção como durante a vida útil da obra por modificações de
porosidade, umidade e sucção. Esse conjunto de variações de umidade e porosidade e, por
consequência, de sucção, amplia indiscutivelmente o volume de estudos experimentais a se-
rem realizados em laboratório para que se conheça, de modo amplo, o comportamento do
solo. Essa ampliação no volume de estudos requer tempo e recursos financeiros, apontando
para a necessidade de formulação de hipóteses simplificadoras e de concepção de métodos de
estudo e análise que permitam a otimização dos dois fatores, tempo e recursos financeiros.
Nesse ponto, embora não seja objetivo deste capítulo tratar amiúde desse tema, é válido que
sejam indicadas técnicas simplificadoras que podem ser usadas em estudos preliminares e nos
casos onde não se disponha de recursos para estudos mais detalhados.
Existem, na literatura, algumas proposições nesse sentido. Por exemplo, Vilar e Rodri-
gues (2007) apresentam “métodos expeditos para previsão de resistência de solos não satura-
dos e identificação de solos colapsíveis”.
Para a previsão da resistência, Vilar e Rodrigues (2007) fazem uso de uma função hi-
perbólica cujos parâmetros são obtidos a partir da resistência efetiva do solo saturado e da
resistência do solo seco ao ar. Segundo os autores, pode-se usar, ainda, na formulação, em
lugar da resistência do solo seco ao ar, a resistência do solo com certa umidade, desde que a
sucção nele atuante seja superior à máxima atuante no problema sob análise. Em ambos os
casos, os autores reportam ter encontrado boa concordância entre os resultados estimados a
partir desse método e resultados obtidos experimentalmente.
Nos ajustes, Vilar e Rodrigues (2007) utilizaram a Equação (1), na qual c’ é a coesão
efetiva determinada a partir do solo saturado, a e b são parâmetros de ajuste e (ua – uw) é a
sucção matricial atuante no solo.
(ua – uw)
c = c' + (1)
a + b (ua – uw)
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 741
Buscando manter o caráter simples da proposta, os autores consideram que a taxa de
ganho de resistência com a sucção para valores de sucção que tendem a zero é igual a tangente
de φ’ (Equação 2).
1
a= (2)
tan ϕ'
Para a determinação de b, os autores recorrem ao fato de que o aumento da resistência
com a sucção se dá até um determinado limite a partir do qual a resistência tende a se es-
tabilizar, tendo-se, então, uma associação entre a resistência máxima e a umidade residual
presente no solo. Em outras palavras, é considerado que, quando a sucção tende para infinito,
a resistência tende para um valor máximo, que os autores intitulam cr. Essa tendência foi mos-
trada por vários autores e é ilustrada na Figura 3, na qual são mostrados resultados oriundos
de diferentes tipos de ensaios realizados em um mesmo solo, sendo as sucções estimadas a
partir de curvas características de retenção de água (Camapum de Carvalho, 1985). Segun-
do propõem Vilar e Rodrigues (2007), b pode, com base no exposto, ser obtido a partir da
Equação 3.
1
b= (3)
cr – c'
Para a obtenção de cr os autores recomendam o uso de ensaio sobre amostra seca ao ar,
ou seja, conduzidos à umidade higroscópica.
Nos casos em que se dispõe de ensaios realizados com o solo em umidades superiores à
residual, os autores propõem o uso da Equação 4. Nessa equação, cm corresponde à máxima
coesão medida para a máxima sucção matricial utilizada nos ensaios.
1 1
b= - (4)
cm - c ' (ua - uw ) tan f '
742 Solos não saturados no contexto geotécnico
Na metodologia proposta por Valencia et al. (2007), considera-se que a ruptura é produ-
zida por tração teoricamente uniforme que se acentua na região central do corpo carregado
diametralmente, o que torna possível a obtenção da resistência a tração do solo (σ3t) de modo
indireto, conforme a Equação 5 proposta por Carneiro e Barcellos (1953).
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 743
- 2P
s 3t = (5)
p DL
onde: D = Diâmetro da amostra, L = Espessura da amostra e P = Carga aplicada.
Com fundamento no exposto em Moraes et al. (2005), com base na teoria da elasticidade
e no critério de ruptura de Griffith, torna-se possível relacionar a tensão máxima de tração
(σ3t) à resistência à tração uniaxial (σ1t) por meio da Equação 6.
s 1t = -3s 3t (6)
Valência et al. (2007) indicam que, se conhecendo o ângulo de atrito efetivo do solo
saturado (φ´), a resistência à tração (σ3t) e a resistência à compressão simples (σ1c), pode-se
determinar a coesão total (c), respectivamente, a partir da Equação (7) e da Equação (8).
s 3t = k ps 1t + 2c k p (7)
s 1c = k ps 3c + 2c k p (8)
s 1c = 2c k p (9)
Fazendo-se, então, a substituição de kp, obtido da Equação (10) na Equação (9), deter-
mina-se a coesão total c.
s 1c
c=
2 kp (11)
Segundo Valência et al. (2007), para a obtenção da coesão total a partir da Equação (7) e
da Equação (8), kp deve ser determinado a partir da Equação (12), na qual o ângulo de atrito
efetivo (φ’cd) é proveniente do ensaio de cisalhamento direto, sendo a Equação (10) usada
apenas no caso em que se recorre aos ensaios de resistência à tração e de compressão simples.
1 + senf cd¢
kp = (12)
1 - senfcd¢
Para o cálculo do ângulo de atrito (φb) do solo, Valência et al. (2007) utilizam a Equação
(13), na qual a sucção é oriunda da curva característica, a coesão efetiva provém do ensaio de
cisalhamento direto e a coesão total é determinada conforme exposto com base nos resultados
de resistência à tração e de compressão simples.
æ c - c¢ ö
f b = tan -1 çç ÷÷ (13)
è (u a - u w )ø
744 Solos não saturados no contexto geotécnico
Vargas (1978) descreve o colapso como um fenômeno típico de solos arenosos fofos
com poucos finos que também se faz presente nos solos tropicais argilosos lixiviados, ma-
croporosos. Na Figura 5, obtida para duas amostras oriundas de um perfil de intemperismo
típico do Distrito Federal, uma coletada a 3m de profundidade (Figura 5a) e outra a 9m de
profundidade (Figura 5b) estão apresentadas as curvas de compactação Proctor normal com
os pontos representados em escala de grau de compactação. Na Figura 5b, também foi plota-
do o resultado obtido para uma amostra coletada no mesmo perfil a 12m de profundidade.
Fazendo-se um paralelo entre esses resultados e os coeficientes de colapso analisados por
Camapum de Carvalho et al. (2002), pode-se notar a boa aderência aos dados experimentais
da técnica apresentada por Vilar e Rodrigues (2007).
Por outro lado, observa-se, na Figura 6a, que o comentário feito por Vargas (1978) é per-
tinente, pois a bimodalidade mostrada na curva característica do solo natural coletado a 3m
de profundidade confirma a macroposidade do solo. Essa característica, bimodal, não se faz
presente na amostra de solo coletada a 9m de profundidade (Figura 6b). As faixas de umidade
registradas para as amostras coletadas a 3m e 9m de profundidade (Figura 5) e a mudança
na forma da curva características, ao se passar da profundidade de 3m para 9m, não estaria a
mostrar a relevância de se considerar a mestaestabilidade estrutural do solo, conforme indi-
cam Vilar e Rodrigues (2007), e o próprio perfil de intemperismo?
(a) (b)
Figura 5 – Curvas de compactação e de isosucção de um solo do Distrito Federal: a) coletado a 3m de
profundidade; b) coletado a 9m de profundidade
(a) (b)
Figura 6 – Curvas de características de retenção de água de um solo: a) coletado a 3m de profundidade;
b) coletado a 9m de profundidade
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 747
Fazendo-se um paralelo entre as simplificações apresentadas para se estimar a resis-
tência dos solos não saturados e o seu potencial a apresentar colapso, vale ressaltar que, no
primeiro caso, trata-se de estimar o comportamento a partir de outros resultados de ensaios
onde se avalia o comportamento mecânico obtido para o solo, enquanto, no segundo caso,
seja por meio de avaliação textural, seja por meio da determinação do grau de compactação
natural, a estimativa se dá apenas com base na avaliação do estado físico do solo e não se
define o grau de colapso.
5.1 Erosões
Cabe destacar, inicialmente, que as discussões que se seguem se referem à erosão hídri-
ca, em especial, à continental, mas podem ser estendidas, em vários aspectos, para as erosões
costeiras e de bordo de reservatório.
O tema erosão, em um país marcado pelo predomínio do clima tropical, como o Bra-
sil, com significativa cobertura por um manto de solo profundamente intemperizado, requer
aprofundamento no entendimento dos fenômenos e processos responsáveis por sua deflagra-
ção e evolução. Nesse contexto, não mereceriam maior ênfase os estudos e o entendimento
das propriedades e do comportamento dos solos não saturados para que se entendesse tais
fenômenos e processos?
Segundo o dicionário Houaiss, etmologicamente, o termo erosão corresponde à “ação de
corroer”, que pode ser interpretada como o “desgaste da superfície terrestre pela ação mecâni-
ca e química da água corrente, das intempéries ou de outros agentes geológicos”. No meio téc-
nico, geralmente, considera-se que a erosão é um fenômeno que compreende três fases: des-
prendimento de partículas, arraste e deposição. Percebe-se, então, que o significado existente
no dicionário Houaiss é mais amplo, pois envolve a ação química além da puramente física.
Essa conceituação inicial é relevante para que se formule a questão para reflexão: o fe-
nômeno da eluviação ou esqueletização dos maciços em função do fluxo em meio saturado
ou não saturado corresponde a um processo erosivo? Caso o leitor entenda que sim, estaria
envolvido, nesse mecanismo, apenas o transporte de compostos químicos solubilizados ou
incluiria a movimentação de micropartículas, como os argilominerais? É provável que a res-
posta seja encontrada em Lima (2003), o que não impede a realização de novos estudos para
melhor compreensão do fenômeno.
748 Solos não saturados no contexto geotécnico
5.2 Encostas
As rupturas de encostas, talvez, constituam o cenário mais completo para que se reflita
sobre a importância das propriedades e do comportamento dos solos não saturados. Se ob-
servadas imagens das várias rupturas de encostas que têm ocorrido em regiões serranas no
Estado do Rio de Janeiro e Santa Catarina nos últimos anos, vários aspectos intervenientes na
dinâmica temporal das propriedades e do comportamento dos solos não saturados poderão
ser colocados em evidência, embora o ônus de tais rupturas recaia inexoravelmente sobre
os ombros da indefesa chuva. Serão, então, colocadas, aqui, para reflexão e maiores análises,
algumas questões.
A primeira questão seria: qual o potencial de degradação físico-química dos maciços
junto a encostas e outros taludes naturais ou de corte em curtos espaços de tempo, 10 anos, 20
anos, 50 anos, um pouco mais ou um pouco menos? A resposta, o leitor encontrará em Lima
(2003), e a imagem mostrada na Figura 7 ilustra a ruptura de um talude de corte realizado
para a implantação de uma rodovia próximo a Salvador.
Outra questão seria: diante no novo modus vivendi da sociedade moderna, em especial,
em países como o Brasil, onde se privilegia o transporte individual, qual impacto ele estaria
gerando na qualidade e temperatura da água da chuva e qual seria a influência das eventuais
alterações nas propriedades e no comportamento dos solos saturados e não saturados?
Qual o impacto imediato, a médio e a longo prazo de usos do solo como o agropecuário
e o urbano na degradação estrutural dos solos compondo os maciços? O leitor poderá enten-
der melhor a importância dessa questão com a leitura de Oliveira et al. (2012).
Essas e muitas outras questões poderiam, ainda, ser colocadas para que se chegue a um
melhor entendimento dos fenômenos envolvendo alterações das propriedades e comporta-
mento dos solos não saturados, os quais têm levado os cenários de encostas brasileiras e de
outros países a passarem, em um piscar de olhos, do belo para o feio e, quase sempre, triste e
mesmo aterrorizador.
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 749
Figura 7 – Ruptura de talude em Salvador (imagem cedida por Luis Edmundo Prado de Campos)
5.3 Estabilização
A estabilização dos solos pode seguir vários caminhos, inclusive, dar-se por meio do
próprio aumento da sucção atuante no solo. As mais frequentes, no entanto, são a mecânica,
a textural, a química e a oriunda da inclusão de fibras naturais ou sintéticas. Recentemente,
estudos vêm sendo realizados sobre a estabilização dos solos por meio de cimentações geradas
por bactérias nativas (Valencia 2009 e Muñetón 2013).
Alguns autores dividem a estabilização em melhoria do solo e estabilização propriamen-
te dita quando se incorpora um maior teor de aditivo ao solo. Neste item, será considerado,
apenas, o termo geral estabilização, dando-se ênfase à estabilização química. Serão abordadas
a estabilização com cal e a estabilização com emulsão asfáltica. Na discussão do tema, serão
considerados os resultados obtidos por Pessoa (2004) ao estudar um solo fino contendo ar-
gilominerais expansivos oriundos de Urucu, estado do Amazonas. No estudo realizado por
Pessoa (2004), os corpos de prova (CP) foram compactados estaticamente na condição ótima
da energia Proctor intermediário e, em seguida, submetidos à secagem ou ao umedecimento,
objetivando atingir diferentes níveis de sucção. Os índices de vazios iniciais variavam um
pouco em função da repetibilidade da compactação e em função de contrações do CP quando
da secagem ou expansão quando do umedecimento. Os corpos de prova eram curados por
14 dias, período em que eram mantidos em contato com o papel filtro para a determinação
da sucção atuante.
A escolha dos dois produtos químicos como agentes estabilizantes se deu por se preten-
der separar a estabilização fundamentada nas reações químicas e trocas catiônicas, ou seja, a
750 Solos não saturados no contexto geotécnico
estabilização com cal, daquelas provocadas por relações predominantemente interativas por
meio de pontos de aderência e por mudanças nas características do fluido que ocupa os vazios
presentes no solo, que é o caso da estabilização com emulsão.
O interesse em se discutir o tema está atrelado à sua grande complexidade quando se
insere, nas análises, a variável sucção. Por exemplo, as estabilizações envolvendo reações quí-
micas afetam a sucção atuante no solo por dois caminhos, alterando o teor de umidade do
solo, inclusive a umidade de equilíbrio, e modificando os vazios nele presentes. É evidente
que se poderia e se pode buscar fazer a análise da contribuição do aditivo para a melhoria do
comportamento do solo, ensaiando-o na condição saturada de modo a se eliminar o efeito da
sucção/capilaridade. Contudo, cabe aí uma questão: essa é a situação na qual o solo estabiliza-
do irá atuar na obra? Sendo positiva, a opção de estudo é apropriada. No entanto, se o solo vai
atuar na condição não saturada cabem perguntas como: qual será a sucção de equilíbrio em
campo diante da nova química e nova física do solo? Qual é a dinâmica temporal das reações
químicas envolvidas e seus reflexos nas propriedades e no comportamento do solo?
A Figura 8 apresenta resultados obtidos para o solo natural e estabilizado com 2%, 3%,
4% e 6% de cal. A Figura 8a apresenta os valores de ISC em função da sucção em pF. Nessa
figura, constata-se, sem que se leve em conta a porosidade dos corpos de prova, a tendência de
pequenos teores de cal piorarem o comportamento do solo para, em seguida, melhorá-lo com
6% de cal. A pergunta seria: efetivamente, a cal piora o comportamento desse solo estudado?
A Figura 8b mostra, sem que se leve em conta a sucção, que, para um mesmo índice de vazios,
o aumento do teor de cal tende a melhorar o comportamento do solo, mas cabe aqui uma
pergunta: o teor de cal afetaria a porosidade resultante para uma mesma energia e umidade
de compactação?
medida que também causam migração de vapor de água. Dessa forma, vários mecanismos de
fluxo intervêm nas propriedades e nos comportamentos dos solos não saturados.
Tem-se, em seguida, a consideração: o fluxo de água em barreiras é o resultado da com-
binação de fatores externos ao solo e mecanismos internos. Os mecanismos externos e inter-
nos são dependentes um do outro de forma que não há como avaliar um sem considerar o
outro. Surge daí a questão: quais são os agentes provocadores de fluxo que devem ser consi-
derados? Por exemplo, deve ser considerado o fluxo oriundo de infiltrações gerado por ener-
gia externa gravitacional, como a relativa à infiltração de águas pluviais ou o proveniente de
fluxos oriundos de energias internas atuantes no solo, como sucção, capilaridade e diferenças
nas concentrações químicas no fluido presente no solo?
As barreiras impermeáveis podem evitar o fluxo da água proveniente de ambas as for-
mas de energia atuantes no maciço, a externa e a interna. Sua interposição tem duas conse-
quências, em princípio, opostas para as propriedades e comportamentos dos solos não satu-
rados. Primeiramente, a propagação da frente de umidade ou saturação. Em segundo plano,
conforme o caso, gerar, sob a barreira impermeável, a concentração de vapor e umidade como
ocorre, muitas vezes, sob revestimentos asfálticos usados na construção rodoviária. Não raro
essa segunda consequência, geralmente, pouco considerada proporciona sérios problemas
por afetar diretamente a resistência do solo.
As barreiras permeáveis, por sua vez, objetivam combater o fluxo oriundo da energia
interna, sendo conhecidas como barreiras capilares. Essa solução geralmente busca impedir
o fluxo de água em estado líquido e não impede o fluxo da água em estado de vapor, dificul-
tando, assim, a concentração de umidade por condensação sob elas. Essas barreiras podem
ser construídas com agregados naturais e artificiais e com a aplicação de geossintéticos. Em
qualquer dos casos, é importante que se reflita sob a óptica dos solos não saturados, colocan-
do-se a seguinte questão: qual seria o efeito da histerese proveniente do tempo necessário ao
equilíbrio de energia entre a água, o ar e o composto sólido de contorno, seja ele mineral ou
fibra sintética? A resposta a essa questão permitirá uma melhor avaliação do efetivo compor-
tamento dessas barreiras.
Assim como no caso de barreiras de fluxo para resíduos sólidos industriais e de minera-
ção, a análise de sistemas de cobertura para aterros sanitários é desafiadora. Talvez, o estudo
das propriedades e do comportamento dos solos não saturados de cobertura dos aterros sani-
tários seja o mais complexo por envolver variáveis adicionais antes inexistentes. A complexi-
dade se inicia na própria condição de compactação, pois, devido à elevada compressibilidade
do material suporte, o resíduo, qual seria a melhor condição de compactação? Já se avaliou e
se considerou a densificação do solo colocado em estado mais úmido por efeito da atuação
da sucção capilaridade? O processo certamente dará origem a trincas de retração, mas esse
problema pode ser contornado por soluções de engenharia.
Outras questões que merecem reflexão são: qual o impacto do gradiente térmico nas
propriedades e comportamento dos solos não saturados? Como considerar a transição entra
a pressão positiva na fase gasosa na base da camada e nula em sua superfície? e em relação ao
fluxo de água na zona não saturada da cobertura?
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 753
Figura 10 – Variações do índice de vazios em um solo submetido ao colapso (Camapum de Carvalho, 2004)
Além dessas, é evidente que outras questões poderão ser colocadas para reflexão, mas
espera-se que não só elas como as respostas a elas sejam ampliadas com o estudo e uso dos
conceitos de solos não saturados na prática da engenharia de fundação. Por exemplo, embora
não se tenha dado maior ênfase aos solos não saturados, como fundação de aterros, não seria
o entendimento do seu comportamento a base para se evitar problemas nos aterros de acesso
a viadutos?
Os túneis são, talvez, as obras de engenharia nas quais a influência da não saturação dos
solos, quando presentes nesse estado, é mais marcante, embora, quase nunca considerada.
Para realçar essa importância, apresentam-se, aqui, apenas algumas questões: em mantos de
solos tropicais profundamente intemperizados, a escavação de túneis pode dar origem a pro-
cessos de colapso estrutural do solo? Por quê? Como levar em consideração o efeito da sucção
e de sua dinâmica nas alterações dos estados de tensões oriundas da escavação dos túneis? Em
escavações realizadas abaixo do nível freático, sendo este rebaixado na frente de escavação,
como fica o impacto das pressões neutras negativas que vão aparecer na zona rebaixada, assim
como de sua dinâmica? Como o entendimento do comportamento do solo não saturado pode
beneficiar a definição de processo construtivo mais apropriado?
Certa feita, dois acadêmicos foram solicitados a prestarem auxílio por meio de extensão
universitária a um projetista da região Sul do país, o qual estava desenvolvendo um projeto
de Lagoas de Estabilização no Distrito Federal e, por prudência, como não conhecia bem os
solos regionais, precisava inteirar-se melhor sobre os riscos de colapso estrutural dos solos de
fundação da obra que estava a projetar.
Tratava-se de uma área de cerrado, medindo, aproximadamente, 200 m por 200 m, do-
tada de pequena declividade, 5% a 10%, com manto de intemperismo espesso, na qual estava
prevista a implantação de algumas lagoas de estabilização com parte em corte e parte em
aterro de modo a aproveitar a declividade do terreno natural e não necessitar a importação de
material. Os acadêmicos sugeriram a realização de estudos em três perfis de solo distribuídos
diagonalmente do extremo de maior altitude para o de menor. Os estudos compreenderiam
apenas ensaios de granulometria com e sem o uso de defloculante e ensaios de colapso duplo
oedométricos, pois, na parte de aterro, a sobrecarga variava até atingir a zona de corte. Cabe
salientar que os estudos foram realizados na estação seca, mas a previsão da execução das
obras era para o período chuvoso, de dezembro a março. Aqui, já cabem duas perguntas:
quando usar o ensaio duplo oedométrico e quando usar ensaios de colapso sob tensão con-
trolada? Quando usar ensaios oedométricos e quando usar ensaios triaxiais?
Feitos os estudos, em um dos extremos, as análises granulométricas com e sem o uso
de defloculante não apresentaram diferenças, mas depreendia-se, pela diferença entre os en-
saios oedométricos realizados com e sem inundação, que o colapso por inundação nesse local
seria significativo. No outro extremo do terreno, ocorreu exatamente o oposto em ambas as
análises, granulométrica e de colapso. Para surpresa do projetista, os acadêmicos recomen-
daram tranquilidade quanto ao problema de colapso para o extremo onde o solo apresentou
colapso por inundação, e, para o outro, onde indícios de possibilidade de colapso não foram
visualizados, nos ensaios duplos oedométricos, recomendaram cautela e a impermeabilização
das Lagoas de Estabilização. Com base nos conhecimentos adquiridos ao longo deste livro ou
mesmo de outros que já possuía, fica neste final de capítulo, a questão para o leitor: por que
os acadêmicos fizeram tais sugestões que chegaram a surpreender o projetista? Estaria a ver-
dadeira prática da engenharia fundamentada na experiência ou na reflexão? A resposta a essa
última questão é, certamente, o caminho para uma engenharia melhor, com mais qualidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, neste capítulo, colocar algumas questões para reflexão sobre as propriedades
e o comportamento dos solos não saturados, na certeza de que muitas delas encontrarão res-
postas neste livro e outras servirão para aguçar a busca e novas reflexões.
Além da necessidade de um maior estreitamento entre os estudos voltados para os so-
los não saturados e aqueles endereçados aos solos saturados, pois as propriedades de ambos
sofrem influência das variações de energia, da dinâmica espacial e temporal, a ampliação do
alcance dos estudos das propriedades e dos comportamentos dos solos não saturados requer
estabelecer maior estreitamento entre os estudos experimentais e a modelagem numérica.
O estudo dos solos não saturados não deve se distanciar do estudo dos solos saturados
até porque o que está em estado não saturado pode passar a saturado e vice-versa. Pensar o
Considerações sobre as propriedades e comportamentos dos solos não saturados 757
comportamento do solo em ambos os estados em termos de energia parece ser o melhor ca-
minho para se chegar ao entendimento do comportamento do solo como um todo. A Figura
11, obtida a partir dos resultados apresentados por Camapum de Carvalho (1985), com dados
oriundos de ensaios de cisalhamento direto realizados sobre o solo em estado saturado e di-
ferentes tipos de ensaio realizados sobre o mesmo solo em estado não saturado aponta nesse
sentido, indicando que o efeito da sucção/capilaridade se soma ao da tensão. Destaca-se que,
para esses resultados, os valores de sucção foram estimados a partir de curvas características
de retenção de água.
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Solos não saturados no contexto geotécnico 761
INOVAÇÃO▪SEGURANÇA▪CONFIABILIDADE
1000 KN
18 MJ
762 Solos não saturados no contexto geotécnico
Sistemas para provas de carga Ensaios de recebimento, qualificação Provas de carga em lajes e
estáticas até 1000 tf. e fluência em tirantes. macaqueamento de estruturas.