Fichamento Marc Bloch

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Disciplina: Metodologia da História

Fichamento: Bloch, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:


Zahar,2001. Capitulo 1

“A palavra história é uma palavra antiquíssima: [tão antiga que às vezes nos cansamos
dela]”. Raramente, é verdade, chegou-se a querer riscá-la completamente do
vocabulário.] Os próprios sociólogos da era durkheimiana lhe dão espaço. Mas é
para relegá-la a um singelo cantinho das ciências do homem: espécie de calabouço
onde, reservando à sociologia tudo que lhes parece suscetível de análise racional,
despejam os fatos humanos julgados ao mesmo tempo mais superficiais e mais
fortuitos. Vamos preservar-lhe aqui, ao contrário, sua significação mais ampla. [O
que não proíbe, antecipadamente, nenhuma orientação de pesquisa, deva ela
voltar-se de preferência para o indivíduo ou para a sociedade, para a descrição das
crises momentâneas ou a busca dos elementos mais duradouros; o que também
não encerra em si mesmo nenhum credo; não diz respeito, segundo sua etimologia
primordial, senão à "pesquisa".] [...]” ( P 51)

“[...]O grande perigo deles está em não definir tão cuidadosamente senão para melhor
delimitar. "Este tema", diz o guardião dos deuses palavras, "ou esta maneira de tratá-lo, eis
provavelmente o que é capaz de seduzir. Mas toma cuidado, ó efebo: isso não é a história."[...]”
(P 52)

“Não deixa de ser menos verdade que, face à imensa e confusa realidade, o historiador é
necessariamente levado a nela recortar o ponto de aplicação particular de suas ferramentas;
em conseqüência, a nela fazer uma escolha que, muito claramente, não é a mesma que a do
biólogo, por exemplo; que será propriamente uma escolha de historiador. Este é um autêntico
problema de ação. Ele nos acompanhará ao longo de todo o nosso estudo.” (P 52)

“Diz-se algumas vezes: "A história é a ciência do passado." É [no meu modo de ver]
falar errado.
[Pois, em primeiro lugar,] a própria idéia de que o passado, enquanto tal,
possa ser objeto de ciência é absurda.[...]” ( P 52)

“[...]É verdade, a linguagem, essencialmente tradicionalista, conserva o nome de história para


todo estudo de uma mudança na duração. O hábito não traz perigo, pois não engana
ninguém.[...]” ( P 53)

“Ora, a obra de uma sociedade que remodela, segundo suas necessidades, o


solo em que vive é, todos intuem isso, um fato eminentemente "histórico". Assim como as
vicissitudes de um poderoso núcleo de trocas. [...]” ( P53)

“[...] Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o
modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes
vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos
aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que
as criaram, são os homens que a história quer capturar.[...]” ( P 54)

“Não há menos beleza numa equação exata do que numa frase correta. Mas cada
ciência tem sua estética de linguagem, que lhe é própria. Os fatos humanos são, por essência,
fenômenos muito delicados, entre os quais muitos escapam à medida matemática. Para bem
traduzi-los, portanto para bem penetrá-los (pois será que se compreende alguma vez
perfeitamente o que não se sabe dizer?) [...] ( P54)

“ "Ciência dos homens", dissemos. É ainda vago demais. É preciso acrescentar: "dos
homens, no tempo". O historiador não apenas pensa "humano". A atmosfera em que seu
pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. Decerto, dificilmente imagina-se
que uma ciência, qualquer que seja, possa abstrair do tempo. Entretanto, para muitas dentre
elas, que, por convenção, o desintegram em fragmentos artificialmente homogêneos, ele
representa apenas uma medida.[...]” ( P 55)

“O número dos segundos, anos ou séculos que


um corpo radiaotivo exige para se transformar em outros corpos é, para a atomística, um dado
fundamental. Mas que esta ou aquela dessas metamorfoses tenha ocorrido há mil anos, ontem
ou hoje ou que deva se produzir amanhã, sem dúvida tal consideração interessaria ao geólogo,
porque a geologia é, à sua maneira, uma disciplina histórica; ela deixa o físico frio como
gelo.[...]” ( P 55)

“Ora, esse tempo verdadeiro é, por natureza, um continuum. É também perpétua


mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa
histórica. Acima de qualquer outro, aquele que questiona até a razão de ser de nossos
trabalhos. Sejam dois períodos sucessivos, recortados na sequência ininterrupta das eras. Em
que medida — o vínculo que estabelece entre eles o fluxo da duração prevalecendo ou não
sobre a dessemelhança resultante dessa própria duração — devemos considerar o
conhecimento do mais antigo como necessário ou supérfluo para a compreensão do mais
recente?]” ( P 55,56)

“[Nunca é mau começar por um mea culpa. Naturalmente cara a homens que
fazem do passado seu principal tema de estudos de pesquisa, a explicação do mais próximo
pelo mais distante dominou nossos estudos às vezes até à hipnose. Sob sua forma mais
característica, esse ídolo da tribo dos historiadores tem um nome: é a obsessão das origens.
[No desenvolvimento do pensamento histórico, teve também seu momento particular de favor.]”
( P 56)

“Haveria outra pesquisa a fazer, das mais interessantes, sobre essa obsessão embriogénica,
tão marcada em toda uma família de grandes espíritos. Como não raro acontece — nada
sendo mais difícil do que estabelecer entre as diversas ordens de conhecimento uma exata
simultaneidade —, as ciências do homem, aqui, se atrasaram em relação às ciências da
natureza. Pois estas já se encontravam, por volta da metade do século XIX, dominadas pelo
evolucionismo biológico, que supõe ao contrário um progressivo afastamento das formas
ancestrais e explica isso, a cada etapa, pelas condições de vida ou de ambiente próprios ao
momento. Este gosto apaixonado pelas origens, a filosofia francesa da história, de [Victor]
Cousin a Renan, recebera, acima de tudo, do romantismo alemão. [...]” ( P 57)

“Ora, por um contágio sem dúvida inevitável, essas preocupações que, em uma
certa forma de análise religiosa, podiam ter sua razão de ser, estenderam-se a outros campos
de pesquisa, onde sua legitimidade era muito mais contestável. Aí também uma história,
centrada sobre os nascimentos, foi colocada a serviço da apreciação dos valores.[...]” ( P 58)

“Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo


de seu momento. Isso é verdade para todas as etapas da evolução. Tanto daquela em que
vivemos como das outras. O provérbio árabe disse antes de nós: "Os homens se parecem mais
com sua época do que com seus pais." Por não ter meditado essa sabedoria oriental, o estudo
do passado às vezes caiu em descrédito.” ( P 60)

“[Convém, primeiramente, observar:] tomada ao pé da letra, ela seria, propriamente,


impensável. O que é, com efeito, o presente? No infinito da duração, um ponto minúsculo e que
foge incessantemente; um instante que mal nasce morre” ( P 60)

“[...] Na linguagem corrente, "presente"


quer dizer passado recente. Aceitemos [portanto] de agora em diante, sem hesitação,
esse emprego um pouco frouxo da palavra. Não que isso não levante, por sua vez, sérias
dificuldades. À noção de proximidade não apenas falta precisão — de quantos anos se trata?
— como ela também nos coloca em presença do mais efêmero dos atributos. [...]” ( P 60)

“Outros cientistas, ao contrário, acham com razão o presente humano perfeitamente


suscetível de conhecimento científico. Mas é para reservar seu estudo a disciplinas bem
distintas daquela que tem o passado como objeto. Eles analisam: por exemplo, pretendem
compreender a economia contemporânea com a ajuda de observações limitadas, no tempo, a
algumas décadas. Em suma, consideram a época em que vivem como separada das que a
precederam por contrastes vivos demais para trazer em si mesma sua própria explicação. Esta
é também a atitude instintiva de muitos curiosos simplistas. A história dos períodos um pouco
distantes só os seduz como um inofensivo luxo do espírito. De um lado, um punhado de
antiquários, ocupados, por macabra dileção, em desenfaixar os deuses mortos; do outro,
sociólogos, economistas, publicistas — os únicos exploradores do vivo...” (P 62)

“Supõe em primeiro lugar que as condições humanas sofreram, no intervalo de


uma ou duas gerações, uma^mudança não apenas muito rápida, mas também total: de modo
que nenhuma instituição um pouco antiga, nenhuma maneira de se conduzir tradicional, teria
escapado às revoluções do laboratório ou da fábrica. Isso é esquecer a força da inércia própria
a tantas criações sociais. O homem passa seu tempo a montar mecanismos dos quais
permanece em seguida prisioneiro mais ou menos voluntário. [...]” ( P 63)

“O erro, em suma, é claro e, sem dúvida, para destruí-lo, basta formulá-lo.


Representa-se a corrente da evolução humana como formada por uma série de breves e
profundos sobressaltos, dos quais cada um não duraria senão o espaço de algumas vidas. A
observação prova, ao contrário, que nesse imenso continuum os grandes abalos são
perfeitamente capazes de propagar desde as moléculas mais longínquas até as mais próximas.
[...]” ( P 64)

“Além de tudo, a educação da sensibilidade histórica nem sempre está sozinha


em questão. Ocorre de, em uma linha3 4 dada, o conhecimento do presente ser diretamente
ainda mais importante para a compreensão do passado.” ( P 66)

“Ora, sem dúvida menos excepcionalmente do que se pensa, acontece de, a fim
de atingir o dia, ser preciso prosseguir até o presente. Em certas de suas características
fundamentais, nossa paisagem rural, já o sabemos, data de épocas extremamente remotas.
[...]” (P 67)

“Uma ciência, entretanto, não se define apenas por seu objeto. Seus limites
podem ser fixados, também, pela natureza própria de seus métodos. Resta portanto nos
perguntarmos se, segundo nos aproximemos ou afastemos do momento presente, as próprias
técnicas da investigação não deveriam ser tidas por essencialmente diferentes. Isto é colocar o
problema da observação histórica.” ( P 68)

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