FOUCAULT Michel. Nietzsche Freud e Marx
FOUCAULT Michel. Nietzsche Freud e Marx
FOUCAULT Michel. Nietzsche Freud e Marx
Ouro Preto
2008
VERÔNICA PACHECO DE OLIVEIRA AZEREDO
O CORPO EM NIETZSCHE
A PARTIR E UMA LEITURA DA
“GENEALOGIA DA MORAL”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia da Universidade Federal
de Ouro Preto para obtenção do grau de Mestre
em Filosofia.
Orientador: Profº Dr. Olímpio José Pimenta Neto
Ouro Preto
2008
A993c Azeredo, Verônica Pacheco de Oliveira.
Catalogação: [email protected]
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Profº. Dr. Hélio Lopes
Doutor em Filosofia. Professor Adjunto da UFOP
_____________________________________________________________
Profº. Miguel Angel de Barrenechea
Doutor em Filosofia. Professor Associado da UNIRIO
______________________________________________________________
Profº. Dr. Olímpio José Pimenta Neto (Orientador)
Doutor em Filosofia. Professor Adjunto da UFOP
AGRADECIMENTOS
Agradeço, inicialmente, aos meus pais que, infelizmente, não se encontram mais
presentes em minha caminhada, mas foram essenciais para que eu pudesse caminhar.
Agradeço, em particular, ao meu pai por ter comprado livros e permitido que eu me
aproximasse deles. À minha mãe por nunca ter desistido de mim e que, com sua sabedoria,
me ensinou a não desistir da vida.
Ao professor Dr. Rodrigo Duarte que, além das lições de estética, também
contribuiu, substancialmente, para o meu projeto e, com profissionalismo e generosidade,
acompanhou-me até a porta do mestrado. Á professora Iracema Macedo, por suas críticas e
sugestões que proporcionaram um maior amadurecimento e melhoria do projeto.
Aos meus pais e meu irmão por deixarem marcas indeléveis em minha vida.
Ao Guilherme, Gustavo e Ive por me ensinarem a ser mãe e contribuírem para meu
crescimento e encantamento pela vida.
A Gaia Ciência – GC
Aurora – A
Genealogia da Moral – GM
O Nascimento da Tragédia – NT
Vontade de Potência - VP
RESUMO
This thesis aims to analyze the prospect nietzschiana on the body, to understand the
relationship of contemporary man with his body, seeking to clarify the aesthetic
understanding of the body today.
The research has as the starting point Moral Philosophy. Initially, there is a reflection
socrático-platônico, which contains western thought and is based on dualistic concept,
which favors the soul and weakens the body, which is considered as the bottom.
For the philosopher, the body is considered the guiding principle for the analysis of any
philosophical questions and the traditional philosophy error was the exclusion of the body.
Therefore, the body must be said, because presents itself as an experience.
Finally, is focused the art on Nietzsche, it relationship with the body, the existence and
creation process. Nietzsche says that the body shows the basic instincts of nature, any
thought or doctrine that denies, disqualifies or disregard the intrinsic relationship among the
instincts, nature, strength, health and life, are considered unnatural and decadent.
It is, therefore, necessary to recognize the body, because is into it and with it that the human
being is relates, interpret, create and live in the world. Your analysis is the concept of the
body in contemporaneity in order to demonstrate that, although there is an appeal by the
beautiful, the body is treated as something as good.
Behind a speech in favor of beauty, health and care, permanently, are hidden interests,
mainly the economic. In the cult of the body, it is reveal political ideologies, economic,
ethical and aesthetic. Hence, infer that the body of contemporary man receives a treatment
ambiguous, as it is valued and shown, but ends up being exploited, violated and
commonplace.
It follows, therefore, that the aesthetics and ethics are not unlinked of society and, in each
era, culture educates the bodies, adapting them to different jobs, showing therefore the
thought of Nietzsche.
Introdução............................................................................................................................................... 12
Capítulo I
1. OS NEGADORES DO CORPO...................................................................................................... 18
Capítulo III
3. O CORPO HOJE................................................................................................................................ 89
3.1. Nietzsche e a justificação estética do mundo.................................................................................. 90
3.2. O culto ao corpo.............................................................................................................................. 97
3.2.1. A banalização do corpo ou: a modificabilidade do corpo......................................................... 98
3.2.2. O sujeito e o corpo........................................................................................................................ 104
3.2.3. O corpo e a lógica do consumo.................................................................................................... 107
3.2.4. O corpo idealizado na contemporaneidade.................................................................................. 111
3.3. Nietzsche, idealização e niilismo............................................................................................... 124
4. Conclusão...................................................................................................................................... 128
5.Referências.......................................................................................................................................... 136
12
INTRODUÇÃO
Por sua vez, Nietzsche entende que todo valor e sentido são doados ao mundo por
nossas interpretações. Segundo ele, uma filosofia afirmativa não se esquiva da procura por
tudo que é estrangeiro e problemático na existência, deixando de lado as elaborações
dogmáticas que simplificam nosso entendimento acerca de nós mesmos. Dessa forma sua
filosofia permite investigar o que se esconde por trás das pretensas verdades eternas e
absolutas, refratárias à pluralidade do mundo e aos seus desafios mais difíceis. Ao analisar
o corpo a partir de Nietzsche, consideramos ser possível explicitar os signos e os valores
criados desde o advento do dualismo corpo-alma, dissociando nossa relação com ele das
idealizações de cunho metafísico, que inclusive parecem implícitas nas apreciações estética
e científica já aludidas.
Para Nietzsche, a filosofia não foi até agora mais do que uma má interpretação do
corpo e um mal-entendido sobre o corpo. Diz o filósofo: “Por trás dos mais altos juízos de
valor, pelos quais até agora a história do pensamento foi guiada, estão escondidos mal-
entendidos sobre a índole corporal, seja de indivíduos, seja de classe, ou de raças inteiras.”
13
É o desprezo pelo corpo e pelo mundo que Nietzsche encontra na raiz do ideal
ascético, componente principal daquilo que impregna os “homens do conhecimento”.
Nietzsche considera que não só a religião é alimentada pelos ideais ascéticos, mas também
a filosofia e a ciência, no que elas têm de devoção à verdade. Segundo ele, esse ideal, com
o objetivo de curar o sofredor através da promessa metafísica de outros mundos melhores
do que este, de preservar a vida já como anti-vida ou como deslocamento da vida para um
ideal alheio às verdadeiras condições de existência, é o que une o filósofo, o sacerdote e o
cientista.
Ao analisar o livro Para Além do Bem e do Mal, Giacóia (2005) sustenta que, no
aforismo 19, Nietzsche destitui a unidade do sujeito fundada na unidade da consciência,
recorrendo à critica da linguagem. Nessa investigação, Giacóia considera que Nietzsche
comprova a essencialidade do corpo e a impossibilidade de fragmentá-lo. O corpo é
movimento, consciente ou não, é vontade, é desejo, é impulso em direção à procura do
prazer e à fuga da dor. A vivência do corpo, enquanto movimento volitivo, enquanto
desejo permanente, enquanto vontade, enquanto insatisfação, que se reproduz ao infinito,
não é algo que representamos, mas algo que somos. E toda essa gama de movimentos que
constitui o nosso corpo e que se expressa nele, não passa necessariamente pela esfera da
consciência; passa, por exemplo, pelo domínio intracelular, pela relação dos diferentes
órgãos entre si, pelos movimentos involuntários e por todos aqueles outros investimentos
pulsionais, impulsivos.
CAPÍTULO I
1. OS NEGADORES DO CORPO
A compreensão do corpo no Ocidente passa por uma conceituação cuja origem está
no pensamento socrático-platônico, segundo o qual o corpo é considerado parte inferior do
homem em relação à alma. No diálogo Fédon 1 é discutida a relação entre o corpo e alma.
Para Sócrates2, o corpo é um meio pelo qual a alma se materializa, uma vez que esta
depende dele para se expressar. Após a morte o corpo fenece e a alma permanece, pois é
imortal, é libertada e continua sua existência. O corpo, ao contrário, é totalmente
dependente da alma, sua existência só é possível porque ela existe.
1
As obras de Platão podem ser classificadas seguindo a periodização seguinte: Juventude- Apologia
de Sócrates — defesa de Sócrates; Críton; Cármides; Crátilo; Eutidemo; Eutifron; Górgias; Hípias menor;
Hípias maior; Ion; Laques; Lisis; Menexeno; Mênon; Protágoras.
Maturidade- Banquete; Fédon; Fedro; A República; Parmênides; Teeteto.
Velhice: Crítias; Filebo; Leis; Político; Timeu.
São também consideradas como pertencentes ao corpus platônico três cartas: a Terceira, a Sétima e a
Oitava. Diálogos como Alcibíades I e II, Anterestai, Clítofon, Hiparco, O filósofo, Mino e Teages, bem como
outras dez cartas que permanecem como obras de autenticidade duvidosa.
E Fédon foi escrito no século IV, e como ateniense, Platão encontrava-se decepcionado com sua
cidade.
2
A questão das relações entre Sócrates e Nietzsche pode ser estabelecida a partir de suas respectivas
conceituações do corpo. Sócrates sustenta uma concepção dualista: corpo e alma. Nietzsche interpreta o corpo
como o próprio homem, seu lugar, sua modalidade essencial,e assim corpo e alma não se separam.
19
Para o filósofo grego, o corpo é considerado como a parte inferior do homem. Por
seu caráter material, é apenas instrumento de prazer e entrave para a aquisição do
conhecimento. Ele é conhecimento aparente do mundo e, portanto, não é verdadeiro. Os
sentidos constituem obstáculos para a alma alcançar o conhecimento plenamente e para que
possa atingí-lo é necessário o afastamento dos sentidos:
_Não é principalmente pelo raciocínio que a alma chega a ver, se chega a ver,
claramente manifesto algo do que os seres são na realidade?
_Sim.
_E não raciocina melhor quando não é perturbada pela vista, nem pela audição,
nem pela dor, nem pela volúpia e, encerrada em sim mesma, deixa que o corpo
lide com elas sozinho sem ter relação alguma com ela, dentro do possível, e se
dedica ao que é, para conhecê-la? (PLATÃO, 2004:126)
20
As coisas sensíveis são cópias (sombras) das idéias3 que a alma contemplou no
mundo inteligível. Quando esta reencarna num corpo, traz consigo recordações destas
formas (idéias inatas), transformando deste modo toda a aprendizagem em uma recordação.
O verdadeiro conhecimento ultrapassa o domínio das aparências sensíveis, devendo,
portanto afastar a alma dos sentidos e concentrar-se em si própria para descobrir o Ser,
aquilo que é.
Platão defende a superioridade da alma em relação ao corpo, uma vez que somente
ela pode atingir a verdade — quando se isola e se separa do corpo, que carrega em si o
erro, pois é cópia, é incompletude. Ele afirma que através do corpo não é possível
apreender as realidades essenciais e sim por meio do raciocínio e do pensamento puro, sem
recorrer aos sentidos:
3
Segundo FERRO e TAVARES, as Idéias em Platão, não são apenas princípios ontológicos, mas
também princípios lógicos, modelos de conhecimento da multiplicidade e causas da existência dessa
pluralidade. Não são imagens das coisas sensíveis, mas a verdade autêntica, existem em si. Dessa forma, o
Belo, o Bom, a Grandeza, a Proporcionalidade existem em si. FERRERO, Mário e TAVARES, Manuel.
Análise das obras Górgias e Fédon de Platão. 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 1999.
21
[...] Enquanto estivermos nesta vida não nos aproximaremos da verdade a não
ser afastando-nos do corpo e tendo relação com ele apenas o estritamente
necessário, sem deixar que nos atinja com sua corrupção natural, e conservando-
nos puros de todas as suas imundícies até que o deus venha nos liberar. Dessa
forma, livres da loucura do corpo, conversaremos, como é correto, com homens
que usufruirão a mesma liberdade e conheceremos por nós mesmos a essência
das coisas, e talvez a verdade não seja mais do que isso. (PLATÃO. 2004: 128)
O diálogo tem início no momento em que Sócrates refere-se ao suicídio como algo
não permitido, pois para ele, “os deuses cuidam dos homens”(PLATÃO, 2004:122), dos
quais detém, em última análise, a posse. Se os homens pertencem aos deuses e estão sob
sua tutela não é dada a eles a escolha entre viver ou morrer. O suicídio representa um ato
violento cometido contra si, já que a vida pertence aos deuses e apenas a eles cabe conceder
a morte aos homens; caso contrário, haverá punição para quem cometer tal violência. “O
suicídio é, portanto um ato condenável porque ninguém pode destruir o que lhe não
pertence.”(FERRO e TAVARES, 1999:104-105)
Sócrates então realiza o elogio da morte, alegando ser esta uma maneira de estar
mais próximo dos deuses e dos homens bons: “[...] morrerei tendo a esperança de que existe
alguma coisa depois desta vida e de que, de acordo com a antiga tradição, os bons serão
mais bem tratados que os maus”. (PLATÃO, 2004:123)
22
Os homens não sabem que os verdadeiros filósofos trabalham durante toda sua
vida na preparação de sua morte e para estar mortos; por ser assim, seria ridículo
que, depois de ter perseguido este único fim, sem descanso, recuassem e
tremesse diante da morte. (PLATÃO,2004: 124)
Com isso Platão afirma que o filósofo deve afastar-se do corpo, dos desejos, dos
prazeres físicos, pois seu verdadeiro objetivo é ocupar-se da alma. Essa separação deve
ocorrer para que a aquisição do conhecimento seja plena, uma vez que o corpo é obstáculo
para se chegar à verdade. E como a alma é imortal, segundo o filósofo, o conhecimento
permanecerá, não há, portanto, o que temer sobre a morte:
_De fato.
De acordo com o exposto, a existência terrena seria precedida de uma vida anterior
oposta à morte (teoria da metempsicose)4. Neste processo é, contudo, necessário que algo
permaneça através dos ciclos de vida e da morte: a alma é o princípio da vida, ela renasce.
“_Renascer, se existe um regresso da morte à vida _disse Sócrates _, é realizar o regresso”.
(PLATÃO, 2004:134) A alma é princípio de vida, e a alma dos mortos regressa à vida.
4
A crença na metempsicose é partilhada por órficos e pitagóricos e Platão procura demonstrá-la no
plano racional. Em Fédon, o filósofo argumenta que todo contrário surge do seu contrário. Assim a morte
nasce da vida e esta da morte. Se a morte é contrário da vida, após a morte a alma renasce.
24
o que a alma teve acesso em outro lugar antes de unir-se a um corpo e ganhar forma
humana:
Destarte, para que alguém recorde algo, é necessário que antes tenha aprendido.
Então, a alma pré-existe ao corpo e sobrevive à sua morte. “_Portanto, Símias, nossas
almas existiam antes que surgissem sob a forma humana e, mesmo quando não possuíam
corpo já tinham o conhecimento”. (PLATÃO, 2004:141) A reminiscência seria
“recordar”, durante a vida corpórea o que teríamos contemplado antes do nascimento. A
alma teria “esquecido” toda a verdade e essência das coisas ao unir-se ao corpo. Perdemos,
pois, o puro pensamento, a pura verdade e a realidade essencial, ao nascermos. Sócrates
afirma que a idéia é sempre anterior e não se origina dos objetos, a percepção sensível
nunca é a idéia pura.
_Analisemos essas coisas a respeito das quais falávamos, sob o aspecto de sua
existência verdadeira. Essas coisas são sempre as mesmas ou às vezes mudam?
A igualdade, a bondade, a beleza e toda a existência essencial, sofrem alguma
mudança, por diminuta que seja, ou cada uma delas, por ser pura e simples,
mantém-se igual, sem apresentar a mínima alteração nem mudança? (PLATÃO,
2004: 143)
25
As coisas que são apreendidas pelos sentidos são compostas, já que são passíveis de
mudanças e as que são imutáveis são as simples. Em um homem pode-se distinguir a alma
que é simples e é compreendida pela inteligência; ao passo que o corpo é composto, sendo
entendido pelos sentidos que percebem os objetos de forma incorreta, instável. Platão
também assegura que existe uma realidade invisível e nela é conservada a identidade,
enquanto na realidade visível a identidade não se conserva. A realidade visível é o corpo e
a invisível é a alma. Todas as características que são próprias das idéias pertencem à alma
que, portanto, é imortal.
_Eis aqui, portanto, o que queríamos demonstrar: que existem coisas que, não
sendo contrárias a outras, mesmo assim as excluem como se fossem, como os
três que, embora não seja contrário ao número par, não o admite, como o dois,
que sempre traz consigo algo contrário ao número ímpar, como o calor ao frio, e
muitas outras coisas. Por conseguinte, não só o contrário não admite a seu
contrário, como tampouco a tudo o que o relaciona a seu contrário. (PLATÃO,
2004: 174)
A vida e a morte são opostos: a alma participa na idéia de vida, logo exclui a sua
idéia contrária, a morte. Logo, a alma ao aproximar-se da morte (o seu contrário) afasta-se,
que é indestrutível, não é apenas imortal, mas também indestrutível. Do contrário, temos de
encontrar outra prova”. (PLATÃO, 2004:176) Platão conclui que se a alma não possui a
Através dos atos de ver, tocar, ouvir, obtém sensações que se assemelham àquelas
de outrora que nos possibilitaram apreender o real quando nos encontrávamos na forma de
alma pura, mas esses atos, na nossa vida terrena, pertencem ao corpo, ou seja, a nossa parte
inferior, confusa e falha. Logo, as sensações não oferecem um conhecimento confiável.
Segundo Platão, o igual, o belo e toda a realidade em si só foram apreendidos antes do
nascimento, pois apenas após nascermos dispomos dos sentidos corporais, através dos quais
somos, continuamente, enganados.
_Com certeza.
corpo, das emoções, dos prazeres da vida para que o filósofo possa se aproximar cada vez
mais da razão e seguir o caminho da investigação: “[...] enquanto tivermos corpo e nossa
alma estiver absorvida nessa corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos, a
verdade”. (PLATÃO, 2004:127)
5
Feitosa afirma que para Nietzsche não há vontade livre do sujeito, essa vontade é apenas uma crença
errônea, mas que já está sendo transmitida há tanto tempo, que entrementes foi praticamente in-corporada. O
incômodo de Nietzsche é contra esses erros que são assimilados pela cultura, como se fossem parte da
natureza humana. O autor procura demonstrar que não há vontade sem corpo, que os sentimentos de prazer
de dor são decisivos nas atividades ditas mentais, mesmo quando o pensamento almeja uma eliminação
desses sentimentos. FEITOSA, Charles. A paixão segundo Nietzsche. In: Revista Tempo Brasileiro nº143. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.
6
Maria Cristina Amorim Vieira considera que o homem do esquecimento é inapto para o perdão e a
culpa. Como o infortúnio não o paralisa ele pode experimentar o amor fati. No tema do esquecimento
Nietzsche inaugura um verdadeiro pensamento do corpo e sugere, igualmente novas maneiras de viver e de se
lidar com a temporalidade, com a memória e de se reconciliar com o presente e sua intensa felicidade.
VIEIRA, Maria Cristina Amorim Vieira. Alguns comentários sobre o Prólogo de Assim Falou Zaratustra. In:
Revista Tempo Brasileiro nº143. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.
7
Para Deleuze o projeto mais geral de Nietzsche consiste em introduzir em filosofia os conceitos de
sentido e de valor, com o intuito de crítica. Para Nietzsche, não houve mudança a verdadeira crítica, uma vez
que as questões de filosofia não foram colocadas em termos de valores. DELEUZE, Gilles. A filosofia de
Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.
29
Por fortuna logo aprendi a separar o preconceito teológico do moral, e não mais
busquei a origem do mal por trás do mundo. Alguma educação história e
filológica, juntamente com um inato senso seletivo em questão psicológicas, em
breve transformou meu problema em outro: sob que condições o homem
inventou para si os juízos de valor “bom” e “mau”? e que valor têm eles?
Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indício de
miséria, empobrecimento, degeneração da vida? Ou, ao contrário, revela-se neles
a plenitude, a força, a vontade da vida, sua coragem, sua certeza, seu futuro?
(NIETZSCHE, GM, 2004:09)
8
Marton afirma que Nietzsche ao combater a metafísica ataca a distinção entre mundo sensível e
inteligível. Para Nietzsche o mundo é pluralidade de forças, cada qual com a sua perspectiva. “Se a metafísica
postula a existência de um mundo verdadeiro, é por desprezar o que ocorre aqui e agora; se opõe aparência e
realidade, é por ignorar que esta nada mais é do que um feixe de perspectiva. MARTON, Scarlett. Nietzsche:
das forças cósmicas aos valores humanos. Belo Horizonte: UFMG, 2000:223.
30
9
Segundo Marton (2000), ao introduzir a noção de valores Nietzsche vai dizer que os valores são
humanos, demasiado humanos. Ou seja, em algum momento e em algum lugar eles foram criados. Portanto,
podem ser questionados, eles surgem, se transformam, desaparecem e dão lugar a outros. Eles surgem na
história e não no mundo transcendente e não na metafísica.
10
MARTON, Scarlett. Das forças cósmicas aos valores humanos. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG,
2000. p. 79.
11
Barrenechea enfatiza que Nietzsche aborda os problemas morais olhando para as condições
concretas de seu nascimento. E que na análise do filósofo alemão, o erro dos conceitos morais está por afastar
31
do mundo sua origem e adotar hipóteses que “se perdem no azul”. Sendo que a cor azul simboliza o celestial,
o divino, transcendente, como foram tratados os fenômenos morais pela tradição. E que sua análise dos
conceitos morais evidencia o “erro”dos filósofos, historiadores e religiosos por faltarem a eles o conceito do
real, a distinção entre o real e o imaginário. É preciso que se dê enfoque na história desses eventos. E “a tarefa
genealógica será caracterizada pela cor cinza, pois ela aprofunda nos documentos [...] Nietzsche assinala a
unidade entre a indagação da origem dos valores e o modo como eles são transmitidos.”. (BARRECHENEA,
2000:22).
32
Para Nietzsche, foram os nobres que criaram o valor “bom” e não foram eles que
criaram o valor “bem”. O valor “bom” foi criado por homens que se avaliam como bons,
poderosos, superiores, cheios de vida, corajosos e capazes de governar.
Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte do
conceito”bom” no lugar errado: o juízo “bom” não provém daqueles que aos
quais se fez o “bem”! Foram os “bons”mesmos, isto é, os nobres, poderosos,
superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus
atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo,
de pensamento baixo, e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância e que eles
tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que
lhes importava a utilidade![...] O pathos da nobreza e da distância, como já disse,
o duradouro, dominante sentimento global de uma elevada estirpe senhorial eu
sua relação com uma estipe baixa, com um “sob _ eis a origem da oposição
“bom” e “ruim”. (NIETZSCHE, GM, 2001:19)
Nessa concepção o nobre começa criando o valor “bom” que atribui a si mesmo:
“Nós bons, nós nobres, nós felizes”. E depois de algum tempo, como uma “pálida
imagem”, em contraste, os nobres inventam o valor “ruim”, que atribuíram aos fracos, aos
desprezíveis incapazes de lutar. Nobre para Nietzsche é a aristocracia guerreira, e não a
12
Para Deleuze, o ponto central na Genealogia da Moral, está no valor dos valores, na avaliação de
onde origina-se os valores, portanto é em sua criação. E as avaliações estão ligadas ao modo de ser de quem
avalia.
33
nobreza como classe social que vai aparecer bem mais tarde. O tipo nobre é aquele que não
se exime de ir à luta, não se exime do combate, é um forte.
13
Azeredo afirma que é na dualidade de significação que se expressa como constituição de tipos: um
homem nobre, homem veraz, distinto de um comum, homem mendaz. E o traço de caráter é o que
fundamentalmente interessa a Nietzsche, pois é esse ponto que indica o modo de ser de quem avalia.
AZEREDO,Vânia Dutra. Nietzsche e a dissolução da moral. São Paulo, Jundiaí: GEN/Discurso Editorial,
2000.
14
Deleuze na análise do ressentimento e da má consciência em Nietzsche afirma que
o tipo ativo exprime a relação “normal” entre uma reação que retarda a ação e uma ação que
precipita a reação. O tipo ativo exprime uma relação entre as forças ativas e as forças reativas, de modo tal
que estas últimas são elas próprias agidas. E no ressentimento, as forças reativas imperam sobra as forças
34
surge de uma inversão dos valores, na medida em que o ressentimento se limita a inverter
os valores já postos pelos nobres. Ao conceituar os nobres como mal, eles definem então
que são bons, confirmando sua incapacidade para uma autêntica criação de valores.
ativas, deixando de ser agidas. O homem do ressentimento não reage, a reação deixa de ser agida para tornar-
se qualquer coisa de sentido. DELEUZE, Gilles. A filosofia de Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.
35
Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-
dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos,
resistências e triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que expresse sua
força. Um quantun de força equivale a um mesmo quantun de impulso, vontade,
atividade _ melhor, nada mais é senão este mesmo impulso, este mesmo querer e
atuar, e apenas sob a sedução da linguagem (e dos erros fundamentais da razão
que nela se petrificam), a qual entende ou mal-entende que todo atuar é
determinado por um atuante, um “sujeito” que pode ser diferente.
(NIETZSCHE, GM,1998:36)
15
Deleuze ao analisar as características do ressentimento, e o que é bom e mal enfatiza que Nietzsche
define duas fórmulas: Eu sou bom, portanto tu és mau (Senhor) e Tu és mau, portanto eu sou bom (Escravo).
Para Nietzsche o senhor não espera ser dito bom, ele se nomeia e dia assim na medida em que age. O senhor
honra tudo o que encontra em si e se glorifica. O conceito bom qualifica a atividade, a afirmação. Dessa
forma aquela que afirma e que age é aquele que é.
O senhor possui o sentimento de plenitude, do poder que quer transbordar, o bem estar de uma alta
tensão interna. E para ele, o mau é todo aquele que não age, não afirma. Portanto, mau é conseqüência por
não ser bom. Assim, bom é o senhor e mau é o escravo.
O escravo parte do negativo ao passo que o senhor parte da positividade:”eu sou bom”. O homem do
ressentimento tem necessidade de conceber um não-eu, depois, de se opor a esse não-eu para se colocar, como
eu: “Tu és mau, portanto eu sou bom.” Deste modo, o bom passa a significar aquele que não age, que não
exerce violência sobre ninguém, que não ofende, não ataca, não usa de represálias e deixa para Deus o
trabalho da vingança. Que evita o encontro com o mal e se liga pouco às coisas da vida, como os pacientes,
os humildes, os justos. DELEUZE, Gilles. A filosofia de Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.
36
Conclui-se que para o filósofo, a construção dos valores “bom e ruim”, “bom e
mau” travaram uma luta milenar. A luta de toda a história humana é “Roma contra Judéia,
Judéia contra Roma: _ não houve, até agora, acontecimento maior que essa luta, essa
questão, essa oposição moral.” (NIETZSCHE, GM, 1998:36) Os romanos são os fortes, os
nobres e os judeus são os ressentidos.
Esquecer não é uma simples vis invertiae [força inercial], como crêem os
superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no mais rigoroso sentido,
graças à qual o que é por nós experimentado, vivenciado, em nós acolhido, não
penetra mais em nossa consciência, no estado de digestão (ao qual poderíamos
chamar “assimilação psíquica”), do que todo o multiforme processo da nossa
nutrição corporal ou “assimilação física”. (NIETZSCHE, GM, 1998:47)
Precisamente esse animal que necessita esquecer, no qual o esquecer é uma força,
uma forma de saúde forte, desenvolveu em si uma faculdade oposta, uma
memória, com cujo auxílio o esquecimento é suspenso em determinados casos _
nos casos em que se deve prometer: não sendo um simples não-mais-poder-livrar-
se da impressão uma vez recebida, não a simples indigestão das palavras uma vez
empenhada, da qual não conseguimos dar conta, mas sim um ativo não-mais-
querer livrar-se, um prosseguir-querendo o já querido, uma verdadeira memória
da vontade. (NIETZSCHE, GM, 1998:48)
38
1º Aquilo a que se obedece, num povo, uma raça ou uma classe, é sempre
histórico, arbitrário, grotesco, estúpido e limitado; isso representa
freqüentemente as piores forças reativas; 2º Mas no fato de se obedecer a
qualquer coisa, pouco importa a quê, aparece um princípio que ultrapassa os
povos, as raças e as classes. Obedecer à lei, porque é a lei: a forma da lei
significa que uma certa atividade, uma certa força ativa se exerce sobre o homem
e se dá como tarefa adestrá-lo. Mesmo inseparáveis na história, estes dois
aspectos não devem ser confundidos: por um lado, a pressão histórica de um
estado, de uma Igreja etc., sobre os indivíduos que se pretende assimilar, por
outro lado, a atividade do homem como ser genérico, a atividade da espécie
humana enquanto se exerce sobre o indivíduo como tal. (DELEUZE, 1985:199-200)
39
Nietzsche defende que por meio de ações que causaram dor e sofrimento a
memória dos costumes foi instalada na comunidade. Desse modo, o comportamento do
homem foi domesticado através das leis e essas imposições lhe garantiram poder viver os
“benefícios da sociedade”. Ao vencer o esquecimento por meio dessas ações, o homem se
apoiou na memória e acabou por desenvolver a razão. Essas ações que provocam dor e
mutilações iniciaram-se na pré-história: ainda assim, estão presentes até hoje.
Nessa concepção, o adestramento dos instintos do homem foi conseguido por meio
do auxílio de ações dolorosas: o laço entre dor e memória é antigo. Sabe-se que a mais
duradoura psicologia se utilizou da dor como recurso da mnemônica. Destarte, quanto mais
o esquecimento impede a fixação dos valores, mais se torna necessária a prática dolorosa:
“Nesta esfera, a das obrigações legais, está o foco de origem desse mundo de conceitos
morais: ‘culpa’, ‘má consciência’, ‘dever’, ‘sacralidade do dever’ _ o seu início, como o
início de tudo grande na terra, foi largamente banhado de sangue.” (NIETZSCHE, GM,
1998:55)
16
Refletindo sobre as origens da responsabilidade, o filósofo mostra que a “culpa”, conceito
fundamental da moral, remonta ao conceito de “dívida”, uma vez que a justiça apareceu com a idéia de que
“tudo pode ser pago, tudo deve ser pago” e se associou o castigo à dívida. A “má consciência” surgiu com a
interiorização da “hostilidade, da crueldade, do gosto pela perseguição, pelo assalto, pela mudança, pela
destruição”; nos fortes, esses “instintos”, não podendo manifestar-se numa coletividade organizada, a partir de
relações contratuais, voltaram-se para dentro, originando a má consciência. Nietzsche analisa ainda as noções
de “dívida” e “dever”, tal como aparecem na religião cristã, e termina exortando a que se busque a “grande
saúde”, a que se opere nova inversão dos valores. MARTON, Scarlett. Nietzsche das forças cósmicas aos
valores humanos. Belo Horizonte: UFMG, 2000. p.92.
42
Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro _ isto
é o que chamo de interiorização do homem: é assim que no homem cresce o que
depois se denomina sua “alma”. Todo o mundo interior, originalmente delgado,
como que entre duas membranas, foi se expandindo e se estendendo, adquirindo
profundidade, largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua
descarga para fora. (...) A hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no
assalto, na mudança, na destruição _ tudo isso se voltando contra os possuidores
de tais instintos: esta é a origem da má consciência. (NIETZSCHE, GM, 2001:48)
homem que, inicialmente, desenvolvia plenamente seus instintos e que, aliás, era o guia de
suas ações, agora se vê tolhido de expressá-los para inserir-se na sociedade. A
desvalorização dos instintos é também a desvalorização da vida e desde então, os homens
foram para melhor e para pior convertidos em seres dotados de consciência. Na
interpretação nietzschiana “a consciência (Bewusstsein) é a última e a mais tardia evolução
da vida orgânica e, conseqüentemente, aquilo que há de menos acabado e de mais frágil
nela.” (NIETZSCHE, GG,2001: 62) Nesse sentido afirma Azeredo:
Daí a sua consideração acerca da infelicidade humana, uma vez que o homem é
reduzido a um sistema cuja fraqueza interna demanda dificuldades em sua
determinação como guia e ação.[...] Não obstante a impossibilidade de liberação
dos impulsos, estes continuaram a existir e, mais ainda, permaneceram como
algo latente que necessita extravasar. (AZEREDO, 2000:125)
[...] até que subitamente nos achamos ante o expediente paradoxal e horrível no
qual a humanidade atormentada encontrou um alívio momentâneo, aquele golpe
de gênio do cristianismo, o próprio Deus se sacrificando pela culpa dos homens,
o próprio Deus pagando a si mesmo, Deus como o único que pode redimir o
homem daquilo que para o próprio homem se tornou irredimível - o credor se
sacrificando por seu devedor, por amor (é de se dar crédito?), por amor a seu
devedor! (NIETZSCHE, GM, 1998:80)
44
Segundo Azeredo (2000), à medida que Deus se oferece em sacrifício para pagar as
dívidas do homem, o resgate torna-se impossível e o homem se torna responsável pela
falta, portanto é culpado. A culpa que estava relacionada à dívida passa agora a ser
relacionada à culpa/falta. A culpa, no sentido de falta demonstra o predomínio das forças
reativas sobre as ativas: a culpa/dívida corresponde à qualidade afirmativa da vontade de
potência e a culpa/falta corresponde à qualidade negativa da vontade de potência.
O filósofo afirma que a concepção de um Deus universal como o Deus cristão leva
à negação de tudo aquilo que é eminentemente humano, nega a vida, o corpo, o mundo em
benefício de uma alma, de uma verdade em si, um mundo supra-sensível. Vale lembrar que
este entendimento do cristianismo aproxima-se de Platão e sua valorização da alma e
desvalorização do corpo, conforme vimos anteriormente. Entretanto, Nietzsche argumenta
que essa não é a única forma de manifestação de um Deus e os gregos pré-platônicos, por
exemplo, possuem outra concepção:
Os nobres não experimentam uma relação com o mundo atravessada pela “má
consciência”, pois eles projetam em seus deuses todas as qualidades que são suas. Ainda
17
Ibidem,II, § 23 , p.82.
45
que os fracos também tenham projetado seu Deus universal houve a propagação da doença
por meio da negação de tudo aquilo que é eminentemente humano. Os gregos sentiam-se
orgulhosos e divinizados em relação aos seus deuses, pois cabia aos deuses afastar qualquer
possibilidade da “má consciência” de produzir dor. Os deuses olímpicos não pensavam mal
dos homens e por isso não desenvolveram a noção de culpa.
Não obstante, Nietzsche indaga: quem quer os deuses gregos? São os nobres que
projetam neles as suas qualidades, podendo expressar sua força sua vontade de potência. E
quem quer o Deus cristão? Os ressentidos, os escravos. O escravo que, em função de sua
doença, sua negação, não pode se afirmar, termina por negar a existência como um todo. O
que está por trás do escravo é a vontade de triunfar e, por meio de um mundo supra sensível
ele afirma a vida: seu desejo íntimo é afirmar a vida e negar a morte. No ressentimento
aparece a figura do sacerdote judeu e na “má consciência” aparece a figura do padre cristão,
mas a vontade em ambos manifesta a negação e o culto do nada _numa palavra: o niilismo.
preservar a vida já como anti-vida, ou como deslocamento da vida para um ideal alheio às
verdadeiras condições de existência, é o que une o filósofo, o artista, o sacerdote e o
cientista:
configura, faz vir a ser um corpo, ou seja, define um possível e real campo de
relacionamentos. Por outro lado, cada corpo é um modo próprio de ser e de aparecer de
uma determinada afecção. É essa afecção que organiza, que estrutura, que aponta a direção
de ser:
(NIETZSCHE, A, 2004:81) Portanto, não existe luta entre alma e corpo, mas entre
diferentes forças (ativas ou reativas) no próprio corpo.
Giacóia (2005) considera que Nietzsche no fundo quer dizer o seguinte: se você
observa a fisiologia e a zoologia verá que o problema da consciência é, na verdade, um
problema simplesmente superficial. Ou seja, aquilo que define o essencial do sujeito não é,
como pretendia a tradição filosófica, a sua capacidade de tomar-consciência-de-si, mas a
consciência precisamente é um fenômeno secundário. O problema do ter-consciência é
precisamente aquilo que se constitui como problema. Ou seja, por que é que nós tomamos
consciência de nós mesmos, em que medida isto é importante, tanto mais quanto nós
podemos perfeitamente bem passar sem isso. Então, a fisiologia e a zoologia aqui, na
verdade, simplesmente comprovam aquilo que Leibniz já tinha dito. Ou seja, que a
consciência não é o essencial do sujeito, da subjetividade; mas a consciência é, na verdade,
uma ínfima porção da subjetividade. Você pode ter vida, tanto animal quanto humana, sem
que necessariamente o fenômeno da consciência-de-si tenha que se apresentar. Somente a
conceituação de um “eu pensante” e do “livre arbítrio” permitiu que se imaginasse o sujeito
e a racionalidade desvinculados do corpo e do espaço social.
Decorre daí que a plenitude da vida moral só tem lugar a partir da perspectiva da
vida, desta vida, de um fluir permanente, ao contrário da virtude na transcendência, no
imutável, na verdade. Existir é para o filósofo, responsabilidade do homem, não há um
mundo transcendente. E para a filosofia, não há nada, nenhuma questão ou nenhuma
produção que não esteja intimamente vinculada às potências criadoras da natureza.
Portanto, não há nenhuma criação, idéia ou representação que não seja produto do corpo.
Assim, o corpo não pode ser entendido de forma isolada, independente do mundo ou como
um objeto em meio a outros objetos, mas deve ser tomado como constituinte do mundo,
como doador de sentido à realidade.
está oculto nele é a luta pela existência, _ e a ausência de plenitude e afirmação da vida leva
de vida mais profundos a atuarem visando à sua preservação. A valoração da vida aparece
no ideal ascético por meio da transposição do valor ao plano imaginário, pois a filosofia,
desde Platão, nada mais fez do que desprezar esta vida tal como nós a vivemos no aqui e
agora, em nome de uma outra vida, de um outro mundo. O mundo no qual estamos seria
Nietzsche é fictício, é valorizado, já que nele a vida não se acaba, pelo contrário,
mundo passa a ser apenas uma passagem para atingir o mundo verdadeiro e a vida eterna.
Não obstante, Nietzsche afirma que o ideal ascético surge como um mecanismo para
que o homem ressentido, culpado, possa suportar sua existência. O sacerdote ascético, que
é o representante mais evidente desse ideal, que é também doente, cria condições para que a
Ele traz ungüento e bálsamo, sem dúvida; mas necessita primeiro ferir, para ser
médico; e quando acalma a dor que a ferida produz, envenena no mesmo ato a
ferida - pois disso entende ele mais que tudo, esse feiticeiro e domador de
animais de rapina, em volta do qual tudo o que é são torna-se necessariamente
doente, e tudo doente necessariamente manso. De fato, ele defende muito bem o
seu rebanho enfermo, esse estranho pastor - ele o defende também de si mesmo,
da baixeza, perfídia, malevolência que no próprio rebanho arde sob as cinzas, e
do que mais for próprio de doentes e combalidos; ele combate, de modo sagaz,
duro e secreto, a anarquia e a autodissolução que a todo o momento ameaçam o
rebanho, no qual aquele mais perigoso dos explosivos, o ressentimento é
continuamente acumulado. (NIETZSCHE, GM, 1998:166)
18
Segundo Deleuze, na formação de rebanhos a má consciência encontra espaço para atuar. A dívida
então passa a ser de um devedor que não pagará nunca, com um credor que nunca deixará de extrair os lucros
da dívida. DELEUZE, Gilles. A filosofia de Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.
19
Deleuze ressalta que a religião para Nietzsche, não está essencialmente ligada à ma consciência ou
ao ressentimento. Dioniso é um Deus. Demonstra que na Vontade de Potência, Nietzsche afirma: “Não
poderia duvidar de modo algum que existam numerosas variedades de deuses. É certo que parecem
inseparáveis de um certo alcionismo, de uma certa negligência. Os pés ligeiros fazem talvez parte dos
atributos da divindade.” VP, IV.
Deleuze afirma que para Nietzsche, existe uma pluralidade de sentidos na religião, assim como existe
uma religião dos fortes, cujo sentido é educativo. De tal modo, ele distingue Cristo do cristianismo, onde o
primeiro está isento do ressentimento, da má consciência; definiu-se por uma boa nova, apresentando uma
vida que não é a do cristianismo. Da mesma forma que o cristianismo é uma religião que não é a de Cristo. E
o inventor do cristianismo não foi Cristo, mas São Paulo, ele é o homem da má consciência, do ressentimento.
Portanto, a pergunta “Quem”, aplica-se ao cristianismo. DELEUZE, Gilles. A filosofia de Nietzsche. Rio de
Janeiro: Ed. Rio, 1976.
53
É contra esses “erros” que são assimilados pela cultura, como se fossem partes da
natureza humana que Nietzsche encaminha sua crítica. Esse pensador procura demonstrar
que não há vontade sem corpo, que os sentimentos de prazer e de dor são decisivos nas
atividades ditas mentais, mesmo quando o pensamento deseja uma eliminação desses
sentimentos.
54
CAPÍTULO II
2. A AFIRMAÇÃO DO CORPO
Como foi visto anteriormente, Nietzsche afirma que os filósofos até então negaram
a vida, o corpo e o mundo no qual vivemos, em benefício de outro mundo, de uma vida
ilusória, transcendente. Seu pensamento alega que o corpo é o próprio do homem, seu
lugar, sua modalidade essencial. Nietzsche rebate os filósofos que visam ao essencial, ao
imutável e investiga as circunstâncias que deram origem à procura por verdades eternas e
absolutas. Na ótica nietzschiana, a filosofia apresenta-se fundamentalmente como algo
vivido, experimentado. “[...]_filosofia, tal como até agora a entendi e vivi , é a vida
voluntária em gelo e nos cumes _ a busca de tudo o que é estrangeiro e questionável no
existir, de tudo o que a moral até agora baniu.” (NIETZSCHE, EH, 1995:18)
Sendo assim, é necessário ser forte para suportar sua própria escrita e sua escavação
na busca por tudo que é “estrangeiro”. É preciso dureza e coragem para conhecer, para
55
desvelar o que permaneceu oculto na filosofia. Além do que ficou camuflado na psicologia,
pois a crença em ideais acabou por contaminar também essa ciência. A crença na “verdade
em si” se apresenta para ele como inadvertência ou covardia, mobilizadas para que não haja
um enfrentamento honesto do problema da verdade: para que não seja necessário
descortinar e questionar o que é estranho no existir.
O menosprezo pela vida é denunciado por Nietzsche e sua defesa é feita com
veemência. Há uma evidente aversão a todas as aspirações humanas hostis à vida e uma
valorização às propensões em sintonia com os sentidos, os impulsos, os afetos. “Amo os
que não procuraram por detrás das estrelas uma razão para morrer e oferecer-se em
sacrifício, mas se sacrificam pela terra, para que a terra pertença um dia ao Super-homem.”
(NIETZSCHE, AFZ, 1985: 25)
Zaratustra busca os homens e sua procura é pela terra. Nietzsche empreende sua
crítica ao “céu”, ao âmbito metafísico e evidencia que é necessário menosprezar tudo o que
até então se venerou e, no mesmo movimento, afirmar tudo o que até então se negou. Será
preciso desvelar as artimanhas que contribuíram para que a vida se conservasse doente e
enfraquecida. “Noutros tempos a alma olhava o corpo com desdém, e então nada havia
superior a esse desdém; queria a alma um corpo fraco, horrível, consumido de fome!
Julgava desse modo, libertar-se dele e da terra.” (NIETZSCHE, AFZ, 1985:123)
20
“O espírito, o eu, a alma, são instrumentos e brinquedos criados pelo corpo para servir à sua vontade.
Enquanto o homem se ilude envaidecendo-se de que seus pensamentos e sua razão lhe guiam, na verdade é
seu corpo, é o “ser próprio”, é seu todo, é esse múltiplo de forças que domina e que governa os pensamentos é
a “razão pequena”: a consciência.” SANTANA, Leila Navarro. O Corpo e a Produção da Memória Social na
Perspectiva Nietzschiana. Dissertação de Mestrado, Unirio, 2006.
56
Na ótica nietzschiana, o corpo não é dominado pela razão e nem tampouco cabe
é “uma multiplicidade com um único sentido.” (NIETZSCHE, AFZ, 1985: 47). Nessa
Por ser uma unidade múltipla, todo o corpo é uma razão. É todo o corpo que faz
pensar, que experimenta os sentidos, que cria o conhecimento e que age quando a razão tem
de criar um pensamento. O pensamento não pode funcionar de outra forma, mesmo quando
ele estiver voltado contra a sensibilidade. Um pensar que resgata o sensível é, de certa
forma, uma resposta e uma crítica à filosofia ocidental que durante séculos desvinculou o
Nietzsche concebe o corpo como uma totalidade de instintos e de forças agindo para
contínuos embates entre si, com o que se criam novas possibilidades, rompem-se limites.
Em alguns momentos, certas forças dominam, em outros, essas forças obedecem, cedendo
eventos devem ser encarados, através de perspectivas que consideram o mundo, o homem e
57
suas produções como criações decorrentes dessas relações de forças. “Tomar o corpo como
ponto de partida e fazer dele o fio condutor, eis o essencial. O corpo é um fenômeno muito
mais rico e que autoriza observações mais claras. A crença no corpo é bem melhor
pesquisa, os embates e conflitos que ocorrem no corpo, tais como a “fuga do corpo” e a
cria e vive no mundo. Para o filósofo alemão, o corpo exprime os instintos fundamentais
Deve ser uma necessidade de primeira ordem, a que faz sempre crescer e medrar
essa espécie hostil à vida _ deve ser interesse da vida mesma, que um tipo tão
contraditório não se extinga. Pois uma vida ascética é uma contradição: aqui
domina um ressentimento ímpar, aquele de um insaciado instinto e vontade de
poder que deseja senhorear-se, não de algo da vida, mas da vida mesma, de suas
condições maiores, mais profundas e fundamentais; aqui se faz a tentativa de usar
a força para estancar a fonte da força, aqui o olhar de volta, rancoroso e pérfido,
contra o florescimento fisiológico mesmo, em especial contra a sua expressão, a
beleza, a alegria; enquanto se experimenta e se busca satisfação no malogro, da
desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si,
autoflagelação e auto-sacrifício. Tudo isso é paradoxal no mais auto grau:
estamos aqui diante de uma desarmonia que se quer desarmônica, que frui a si
mesma neste sofrimento [...](NIETZSCHE, GM, 1998:107)
[...] apenas uma vontade de se auto-preservar, uma vontade que se exerce com
vista à sobrevivência. Umas das grandes intuições de sua filosofia consiste em
considerar a vontade como algo que excede a subsistência, e é esse excesso,
aquilo que se joga em afirmação de si, em criações imaginárias, expressividade
simbólica etc., que deve merecer plenamente a atenção da filosofia. (MARQUES,
2003:11).
21
Na Genealogia da Moral, na Terceira Dissertação, Nietzsche assinala que a vida ascética é
contraditória, pois ela nega a vida e a domina com ressentimento fazendo estancar a força da vida, da alegria
da beleza. A vida ascética busca a autoflagelação, a negação de si, o feio, a perda de vontade. O triunfo está
na agonia.
59
do ponto de vista de Nietzsche, é uma moral doentia, pois reduz o potencial da vida. Para o
filósofo, o que condiciona essas formas vitais é a vontade de potência. Essa vontade de
potência que é intrínseca à realização histórica do cristianismo, ao qual o “tu deves”, oculta
a vontade de poder do “eu quero”.
Nietzsche faz uma nova leitura dessa vida, reinterpretando-a como outra forma de
afirmação que não esteja marcada pela negação, pela restrição, pelo rebaixamento do
humano. A vontade de potência é insistentemente apresentada como posição, como decisão,
como a confirmação da própria existência. Nietzsche, com ironia apresenta uma “nova
moral”: uma moral do super-homem, a moral do sentido da terra, a moral da fidelidade à
terra, a moral do sim.
60
Em Ecce Homo, Nietzsche empreende dentre outras questões relevantes, sua crítica
à virtude conforme a visão judaico-cristã, e aprecia Dioniso pela sua sátira e alegria. Sua
intenção é derrubar os ídolos que até então foram cultuados. Segundo esse pensador, o
filósofo tem como ofício derrubar ídolos:
A realidade foi despojada de seu valor, seu sentido, sua veracidade, na medida em
que se forjou um mundo ideal... O “mundo verdadeiro” e “o mundo aparente” _
leia-se o mundo forjado e a realidade... A mentira do ideal foi até agora a
maldição sobre a realidade [...] (NIETZSCHE, EH, 1995: 18)
22
Barrenechea sustenta que essa submissão ao jogo vital não significa submissão ao mundo, pois o
homem sairia da submissão ao transcendente e do livre-arbítrio, para ser escravo da terra. Sendo, portanto, a
liberdade para criar, procriar e se concretizar no mundo o que se leva no mais íntimo.
61
permeiam a presença do mundo no que há de mais íntimo. Assim, criar é dar à luz, abrindo
as profundezas, ‘grávidas’ pelas pulsões terrestres.” (BARRENECHEA, 2000:89)
O ato de criar do homem manifesta-se ao produzir a partir das forças internas que o
estimulam, seguindo os impulsos de seu corpo, em vista de seu enraizamento na terra. A
criação não é um ato externo ao homem, não é originada do exterior, mas é própria do
homem, do homem capaz de se superar:
Vieira (2000) assinala que o sentido da terra, para Nietzsche, parece sugerir a busca
de transformação da própria vida, e que a dinâmica da existência ficou esquecida em prol
de uma “outra vida”. “Falar em terra implica falarmos em vida; ao homem foi dada a terra,
mas ele perdeu este elã com a vida quando da terra se afastou.” (VIEIRA, 2000:168) Esse
distanciamento sobreveio em decorrência de um “culto ao céu”, “culto a Deus”, “culto ao
transcendente” e, como conseqüência, os homens esqueceram o corpo, desprezaram a vida.
A fidelidade à terra é uma recusa a todo ideal de outra vida, de esperanças ultra-terrenas.
Pois a vinculação à terra é essencial para que ela seja cultivada, fertilizada de
possibilidades, de diversidades. O super-homem é aquele que surge para concretizar a
ligação com a terra, com os valores terrenos, com a vida, com o corpo.
ultrapassagem do homem do passado e sua crença em Deus para vivenciar uma nova forma
de pensar; sentir; avaliar; viver.23 Machado (1985) considera que Nietzsche não está
interessado em provar a não existência de Deus, mas em demonstrar como surgiu essa
crença e como ela desapareceu. E a “morte de Deus” que está tão presente em Zaratustra
ocorre com a constatação do niilismo na modernidade.
A morte de Deus é o ponto de partida para Zaratustra, pois se Deus não existe, o
homem pode ser fiel à terra e não haverá mais o pecado ou a infidelidade contra Deus. Mas
o reconhecimento sobre a morte de Deus poderia causar uma desvalorização de valores e
Nietzsche, em sua obra Assim Falou Zaratustra propõe uma saída positiva que é o super-
homem com sentido da terra. É importante salientar que o super-homem é o sentido da
terra, ou “o sentido do ser do homem”, portanto, possui um sentido de alvo a ser atingido.
23 Machado afirma que o super-homem é para Nietzsche uma necessidade. Esse imperativo origina-se
da morte de Deus. Que inicialmente surge na publicação de “A gaia ciência” § 125, embora no aforismo 84
de “O andarilho e sua sombra” já havia a denúncia desse tema. MACHADO, Roberto. Zaratustra, tragédia
nietzschiana. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
63
Nietzsche sustenta a superação permanente da vida, pois até então os homens não
criaram algo acima deles e com isso renegaram a si mesmos. Depositaram toda confiança
em algo pretensamente desvinculado de si mesmos e passaram a não acreditar em suas
capacidades, em suas potencialidades. Isso impediu, também, o reconhecimento da
transitoriedade do jogo, da existência e a adoção de uma atitude aberta e destemida diante
dele, assim como o ocaso do sol quando se põe, como afirma Zaratustra.
Amo os que não sabem viver senão no ocaso, porque estão a caminho do outro
lado.
Amo os grandes desprezadores, porque são os grandes veneradores e flechas do
anseio pela outra margem.
24
Amo aqueles que, para seu ocaso e sacrifício , não procuram, primeiro, um
motivo atrás das estrelas, mas sacrificam-se à terra, para que a terra, algum dia, se
torne do super-homem. (NIETZSCHE, AFZ, 1985:25)
Amo aquele que vive para adquirir o conhecimento e quer o conhecimento para
que algum dia, o super-homem viva. E quer assim, seu próprio ocaso.
Amo aquele que trabalha e faz inventos para construir a casa do super-homem e
preparar para ele a terra, os animais e as plantas: porque assim quer o seu próprio
ocaso. (NIETZSCHE, AFZ, 1985: 25)
24
Maria Cristina afirma que o ocaso oferece a idéia de estar a caminho do outro lado e que o sacrifício
implica desapego. Portanto a transformação e o sacrifício ocorrem sem promessas e sem prêmios. FERRAZ,
Maria Cristina Franco. Nietzsche: esquecimento como atividade. Cadernos Nietzsche nº 07. São Paulo:
Discurso Editorial, 1999, p. 27 a 40.
64
Desse modo, o conhecimento precisa estar a serviço da vida e não em sua negação.
A sintonia com a terra e com a existência é a busca pelo conhecimento que produz vida,
que constrói possibilidades e se coloca nessa dinâmica, na contingência. Esse movimento
consiste na proximidade entre o homem, a planta e o animal e, portanto, recupera a ligação
com os valores da terra. Conhecer é, conseqüentemente, estar em sintonia com a terra.
Amor, criação, anseio, estrela, são palavras que nele não mais encontram eco. São
meros ornamentos dos quais se utiliza sua vaidade. O último homem pisca o olho
como quem tudo olha, tudo percebe, tudo conhece. Nada parece lhe escapar.
Contudo, nada vê. Ele quer ser distraído, por isso pisca; ele quer olhar tudo sem
se transformar. Julga-se o mais sagaz, porque foi aquele que restou, que
sobreviveu. Sua instrução é seu orgulho e assim, povoado de conhecimentos, o
último homem se arroga de seu saber. Contudo insensível à bússola sinalizadora
da vida, busca conhecer para melhor controlar, dominar, menos sofrer. Tudo o
atrai porque tudo pode se tornar conhecido. (VIEIRA, 2000:171)
Vieira (2000) concebe o “último homem” nietzschiano como aquele que vive em
uma terra cujo solo é desertificado e os frutos são escassos. Não obstante, o último homem
não percebe a aridez do solo, pois acredita que seja um vencedor por ter sobrevivido, e os
desafios já não são mais interessantes, encontram-se amortecidos e ele se sente nutrido pela
sua esperteza em se conservar. Seu desejo é nutrido pela busca de igualdade que é evitar o
confronto, o risco, o desconhecido, o acaso. Basta a ele evitar o excesso, o sofrimento. Esse
estado quase letárgico, em que a vida, é apenas, vivenciada com superficialidade é
denominado, por Nietzsche como felicidade. Entretanto o filósofo afirma: “Eu vos digo: é
preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançarina. Eu voz digo:
há ainda caos dentro de vós.” (NIETZSCHE, AFZ, 1985: 27)
65
25
No livro VII de A República, Platão apresenta o mito da caverna. No mito, o filósofo imaginou
todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que o atavam
a olharem sempre a parede em frente. Os habitantes daquele lugar só enxergavam sombras. Era assim que
viviam os homens, acreditando que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos eram
verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. Para o filósofo todos nós estamos condenados a ver sombras a
nossa frente e tomá-las como verdadeiras.
66
É na adesão à terra que o homem vivencia seus impulsos viscerais, a força que age
no ventre26, pois o processo da criação necessita de um homem fiel ao mundo, que busca
em suas entranhas, que acredita na terra, nas manifestações do corpo. Barrenechea (2000)
esclarece que a figura do ventre está relacionada com os aspectos fisiológico-espirituais que
são a digestão e a procriação: na digestão ocorre o processo de incorporação do mundo; e,
na procriação, a partir dos impulsos germinais a vida é gerada e regenerada. Dessa forma, o
homem se torna criador quando segue as disposições da terra que ecoam em seu ventre, que
repercutem em seu corpo.
O Eu aprende a falar mais realmente de cada vez, e quanto mais aprende, mais
palavras acha para honrar o corpo e a terra.
O meu Eu ensinou-me um novo orgulho que eu ensino aos homens: não ocultar a
cabeça nas nuvens celestes, mas levá-la descoberta; sustentar erguida uma cabeça
terrestre que creia no sentido da terra.
(...) Enfermos e decrépitos foram os que menosprezaram o corpo e a terra, os que
inventaram as coisas celestes e as gotas de sangue redentor; mas até esses doces e
lúgubres venenos foram buscar no corpo e na terra! (NIETZSCHE, AFZ,
1985:27)
26
“A figura do ventre explicita a intimidade que temos com elementos que vêm do exterior. Nas
entranhas acolhemos e processamos os frutos da terra. Ventre e entranhas metaforizam a fusão do íntimo e do
externo, no ato criativo. Nas nossas entranhas incorporamos, digerimos e eliminamos os alimentos que
tomamos do mundo; já que o ventre não age metabolizando os seus próprios elementos, ele não cria do nada,
mas absorve o que toma da terra.” BARRENECHEA, Miguel Angel. Nietzsche e a liberdade, 2000, p. 93.
67
acreditar — é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu.”
(NIETZSCHE, AFZ, 1985: 27)
O teu ser próprio ri-se do teu eu e de seus altivos pulos. “Que são, para mim,
esses pulos e vôos do pensamento?”, diz de si para si. “Um simples rodeio para
chegar aos meus fins. Eu sou as andadeiras do eu e o insuflador dos seus
conceitos.
O ser próprio diz ao eu: “Agora, sente dor!” E, então, o eu sofre e reflete em
como poderá não sofrer mais — e para isto, justamente deve pensar. O ser
próprio diz ao eu: “Agora sente prazer!” E então, o eu regozija e reflete em como
poderá ainda regozijar-se muitas vezes _e para isso, justamente deve pensar.
(NIETZSCHE, AFZ, 1985:27)
A Vontade de Potência age em toda célula que quer expandir-se até onde pode. O
mesmo acontece com os tecidos e com os órgãos. Cada ser microscópico que constitui o
organismo quer mais potência. Isso faz com que se deflagre uma luta entre todos os seres
vivos microscópicos que constituem o organismo por mais potência. Essa luta se manifesta
em cada um desses seres vivos microscópicos, entretanto só se exerce à medida que
encontra resistência. O obstáculo converte-se em estímulo e propicia o embate de forças.
impulsos, naturalmente violentos e cruéis, não cabe nenhum tipo de julgamento de valor
baseado em concepções dicotômicas. Para esse pensador não há “mau” nem “bom”, uma
vez que esse impulsos resultam da vida seguindo sua dinâmica: procurar a intensidade e a
dominação.
A vida é vontade de potência e o corpo é combate entre forças vitais. Marton (op.
cit.) explica o modo como Nietzsche pensa a vida, isto é, a vontade de potência: “Ela só
pode manifestar-se em face de resistências”, “procura pois, o que lhe resiste: tendência
resistência e a luta se torna inevitável. Para o filósofo alemão, o aparecimento das funções
orgânicas surge das hierarquias que decorrem dessa luta. Em Além do Bem e do Mal, o
filósofo escreve:
outro que predomina, uma parte do organismo torna-se função de outra que vence _ durante
muito tempo.” (Marton, 2000:42)
Nietzsche entende o indivíduo também como combate em outros registros, que vão
desde a alimentação e a luta por uma situação vantajosa em um espaço até a representação
social. Assim, o duelo não ocorre somente no âmbito físico, mas também nas relações
sociais, afetivas, cognitivas e de sobrevivência.
27
Marques, demonstra que Nietzsche alude a uma composição do corpo com outros corpos ou seres
vivos que estão entre eles, em constante relação de poder. “O fio condutor do corpo conduz assim à
descoberta de relações de poder entre seres vivos, e não à descoberta de uma natureza sistematizada como
expressão da relação recíproca entre o todo e suas partes, como unidade mediante a unificação das partes a ela
co-pertencentes”. (MARQUES, 2003, p.167).
70
Querer é mandar, mas mandar é um afeto particular (esse afeto é uma repentina
explosão de força), tenso, claro, uma coisa excluindo as outras em vista,
convicção íntima da superioridade, certeza de ser obedecido; a liberdade é um
sentimento de superioridade de quem manda e em relação a quem obedece: “eu
sou livre é preciso que ele obedeça”. (NIETZSCHE apud MARTON:2000:45)
Nietzsche levanta a suspeita de que o corpo, nas filosofias que desprezam e rejeitam
os processos naturais da vida, valorizando os aspectos transcendentes, está doente, e a
preocupação com a busca da paz, do alívio e da proteção demonstram esses sintomas. Se a
vida possui como traço fundamental o combate, o jogo de forças, as ameaças naturais de
sofrimento e de dor, esses fatores não podem ser interpretados como se fossem isolados da
saúde, da alegria, da felicidade. A necessidade de um consolo em “outro mundo”, que
propiciou a crença em um mundo idealizado é, por sua vez, completamente oposta à vida
terrestre. Tal crença é forjada, a partir de uma concepção dicotômica, consolidando-se,
apenas, a partir da valorização das enfermidades, perdas e fraquezas.
Toda a filosofia que põe a paz acima da guerra, toda ética que apreende
negativamente o conceito de felicidade, toda a metafísica e física que conhece
um final, um estado final de qualquer espécie, todo anseio predominantemente
estético ou religioso por um Além, Ao-lado,conferir Acima, Fora, permitem
perguntar se não foi a doença que inspirou o filósofo. O inconsciente disfarce de
necessidades fisiológicas sob o manto da objetividade, da idéia, da pura
espiritualidade, vai tão longe que assusta — e freqüentemente me perguntei se
até hoje a filosofia, de modo geral não teria, sido apenas uma interpretação do
corpo e uma má compreensão do corpo. (NIETZSCHE, GC, 2001:2)
(...) mas querer combater a veemência de um impulso não está em nosso poder,
nem a escolha do método, e tampouco o sucesso ou o fracasso desse método. Em
todo este processo, claramente, nosso intelecto é antes o instrumento cego de
outro impulso, rival daquele que nos tormenta com sua impetuosidade: seja o
impulso por sossego, ou o temor da vergonha e de outras más conseqüências
Enquanto ‘nós’ acreditamos nos queixar da impetuosidade de um impulso, é, no
fundo, um impulso que se queixa do outro [...](NIETZSCHE, A,2004:81)
Nesse sentido, não existe luta entre alma e corpo, mas entre diferentes forças
agindo, forças ativas e reativas, atuando no próprio corpo.28 Promover o esquecimento dos
instintos fundamentais e fazer da consciência a única mediadora para as experiências
constitui uma inversão extremamente prejudicial para a saúde do homem. Isso ocorre a
partir do momento em que uma função secundária como a consciência começa a medir e
conduzir a vida, quando deveria, apenas, obedecer ao corpo, às suas demandas instintivas,
essenciais do processo vital.
28
Feitosa assinala que Nietzsche concebe que as condições de possibilidade do pensamento são
fisiológicas, isso significa que por trás da consciência, existe o poder desconhecido dos sentidos, das paixões,
das pulsões. FEITOSA, Charles. A paixão segundo Nietzsche.P. 158.
74
Não fosse tão mais forte o conservador vínculo dos instintos, não servisse no
conjunto como regulador, a humanidade pereceria por seus juízos equivocados e
seu fantasiar de olhos abertos, por sua credulidade e improfundidade, em suma,
por sua consciência; ou melhor: sem aquele, há muito tempo ela já teria
desaparecido! (NIETZSCHE, GC, 2001:62)
à segurança. Todas as outras atividades de nosso corpo, como a digestão, o sono e as trocas
celulares são mais antigas, aprimoradas, precisas e, portanto, menos restritivas que a
consciência.
A vida precisa ser afirmativa e criativa para combater as apreciações valorativas que
se opõem a ela. Isso implica a criação de novas formas de viver capazes de uma certa
independência das normas de conduta gregária. Para criá-la e afirmá-la, é necessário que o
homem se afaste das leis alheias que, se por um lado mantêm o homem prisioneiro, por
29
Deleuze afirma que Nietzsche concebe a vida como interpretação e avaliação. Dessa forma viver é
avaliar e não existe verdade e realidade no mundo, tudo é avaliação. O ser, o verdadeiro e o real só valem
como avaliações. DELEUZE, Gilles. A filosofia de Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.
76
outro também lhe oferecem proteção. Tal proteção é paga com a negação da vida.
Nietzsche assegura que é preciso dizer não a tudo que até então se disse sim, pois esse sim
está a serviço do poder de negar. Esse “não” é a afirmação da vida, é a superação do
niilismo. A afirmação é fruição e jogo da sua própria diferença, como a negação, dor e
trabalho da oposição, é o devir e o acaso. “A afirmação é postulada uma primeira vez como
o múltiplo, o devir e o acaso. Porque o múltiplo constitui a diferença de um e do outro, o
devir constitui a diferença em relação a si, o acaso constitui a diferença em relação ‘entre
todos’ ou distributiva” (DELEUZE, 1985:281) O devir30 expressa o ser, o múltiplo e o
acaso significam a necessidade. Portanto, a confiança no futuro decorrente da grande saúde
não se refere a um amanhã idealizado que deveria ser e que, por isso, se decepciona caso
não sejam satisfeitas as expectativas atreladas a um desejo ideal. “[...] do repentino
sentimento e pressentimento de um futuro, de aventuras próximas, de mares novamente
abertos, de metas novamente admitidas, novamente acreditadas.” (NIETZSCHE. GC, 2001:
13) Isso se refere à confiança em um futuro previamente acolhido, desejado e admitido
independentemente de qualquer consciência, antes de saber e sem poder nada prever. Trata-
se de dizer sim, de querer o acaso: “[...] Eu amo a ignorância a respeito do futuro e não
quero perecer de impaciência e do antegozo de coisas prometidas.” (NIETZSCHE, GG,
2001:287) O futuro está desvinculado da necessidade de previsão, mas fiel ao sentimento e
ao desejo pelo amanhã.
A grande saúde, defendida por Nietzsche pressupõe uma constante recriação que
deve ser abandonada e esquecida. Deste modo não há uma universalização da saúde, um
modelo a ser seguido por todos. O bem-estar é um estado singular do corpo de cada um, em
meio a uma dor, uma derrota, uma perda. Após um desses estados, a saúde retorna como
um renovado desejo pela vida, admitindo os conflitos e a dor como estimulante para a ação,
compreendendo o que é melhor para si.
30
Deleuze demonstra que Dioniso representa o sim, o devir. Para o autor, Nietzsche dá uma grande
importância à arte porque ela afirma e cria e é representada pela afirmação dionisíaca. É uma afirmação que
sabe dizer não, que cria a vida. Diz sim à vida não suportando-a, mas criando-a permanentemente e
assumindo-a em sua plenitude. Dioniso expressa o devir, o múltiplo e Ariadne alude a afirmação da
afirmação. “A afirmação primeira é Dioníso, o devir. A afirmação segunda é Ariadne , o espelho, a noiva, a
reflexão. Mas o segundo poder da afirmação primeira é o eterno retorno ou o ser do devir. E a vontade de
poder como elemento diferencial que produz e desenvolve a diferença na afirmação, que reflete a diferença na
afirmação da afirmação, que a faz retornar na afirmação ela própria afirmada.” (DELEUZE, 1985:282)
77
Tomei a mim mesmo em mãos, curei a mim mesmo: a condição para isso _
qualquer fisiólogo admitirá _ é ser no fundo sadio. Um ser tipicamente mórbido
não pode ficar são, menos ainda curar-se a si mesmo; para alguém tipicamente
são, ao contrário, o estar enfermo pode ser até um energético estimulante ao
viver, ao mais viver. (NIETZSCHE, EH 1995:25)
31
“Para descrever a importância e a utilidade do esquecimento Nietzsche enfatiza a metáfora da
guardiã apta a fechar, temporariamente as portas e janelas da consciência, protegendo-nos das acirradas e
barulhentas lutas travadas por nosso submundo de órgãos serviçais” garantido certa tranqüilidade, um pouco
de tabula rasa da consciência e possibilitando assim, o surgimento do novo e o reinado, o domínio (Regien) de
“funções e funcionários mais nobres”. Tal guardiã de porta mantém ‘a ordem da alma, a paz, a etiqueta”. A
“ordem” para Nietzsche refere-se às regras estabelecidas por certa aristocracia e a hierarquisação do trabalho
que, nesse caso, seriam os órgãos. O autor faz referências do fisiológico e administrativo: funções,
funcionários, órgãos. No parágrafo 19 de Além do Bem e do Mal, Nietzsche faz alusão à subordinação e
hierarquização.
78
[...] nós necessitamos, para um novo fim, também de um novo meio, ou seja, de
uma nova saúde, mais forte alerta alegre firme audaz que todas as saúdes até
agora. Aquele cuja alma anseia haver experimentado o inteiro compasso dos
valores e desejos até hoje existentes e haver navegado as praias todas desse
“Mediterrâneo” ideal, aquele que quer, mediante as aventuras da vivência mais
sua, saber como se sente um descobridor do ideal, e também um artista, um santo,
um legislador, um sábio, um erudito, um devoto, um adivinho, um divino
excêntrico de outrora: para isso necessita mais e antes de tudo uma coisa, a
grande saúde — tal que não apenas se tem, mas que constantemente se adquire e
é preciso adquirir, pois sempre de novo se abandona e é preciso
abandonar...(NIETZSCHE, GC,2001:287)
Logo, para que a memória seja uma promotora da vida, temos que, ao mesmo
tempo, viver intensamente sem nos opormos à vida, sem desejarmos nos vingar dela, sem
entendê-la como se, em seus movimentos, alheios a qualquer sentido humano, houvesse
uma tentativa de trapaça ou provocação contra nós. Após tematizar o esquecimento como
atividade, como digestão, como uma força, uma forma de saúde, em uma referência de pé
da página Nietzsche acrescenta o conceito de uma memória da vontade, de uma memória
do futuro. A memória não será entendida como a prisão das marcas do passado implacável,
não transformável, não corresponderá à indigestão de uma palavra anteriormente
empenhada, da qual não se consegue livrar. Passará a ser “um ativo não-mais querer-livrar-
se”. Em outras palavras: lembrar é um continuar querendo o já querido: trata-se, portanto,
de uma verdadeira memória de vontade. “Esse conceito de memória, em que se enfatiza seu
aspecto ativo, se vincula a um conceito de vontade ligado à palavra que se empenha à
promessa deliberadamente mantida” (FERRAZ,1999:31). Não se trata de uma
intencionalidade da consciência do agir, mas, antes, de um “querer-querer” de um lembrar-
se que se quis, de um seguir querendo.
Nietzsche afirma que se o homem coloca em risco sua própria saúde, sua própria
felicidade é em nome de outra potência, para inventar o futuro para si, para projetar-se no
futuro. O comprometimento da memória não aprisiona o homem ao passado indigesto, mas
o lança na possibilidade inédita de projetar-se em um futuro desejado.
79
Em Ecce Homo (1995), Nietzsche escreve sua autobiografia levando em conta sua
concepção de vida que considera como ponto crucial a arte, que serve como modelo de sua
própria inteligibilidade. Para o filósofo, a vida pode ser compreendida por meio da arte32,
porque a existência não repousa sobre nenhum fundamento, mas sobre a aparência, a ilusão,
o acaso, o inventado.
Nietzsche concebe a vida como uma obra de arte, porque esta é criação do próprio
homem que revela sua força interpretativa da própria existência. Mendonça (1998) acredita
que o objetivo do filósofo alemão, ao escrever Ecce Homo consiste em afirmar a vida por
meio de suas criação permanente e, também, para reinterpretar sua própria vida como
forma de embelezá-la. Não tem importância definir a fronteira entre a existência e a arte, a
realidade e ficção, pois “Nietzsche ao ultrapassar os limites entre arte e vida, pretende que
nos tornemos poetas de nossa própria existência." (MENDONÇA, 1998:56) A arte figura às
atividades como tarefa interpretativa da vida, como um meio de tornar as coisas belas,
atraentes e desejáveis, mesmo quando isto é difícil, afastando dessa forma a expectativa de
que a verdade seja imprescindível para a vida.
Afastar-se das coisas até que tenhamos delas uma visão parcial e falha e ajuntar
muito por nós mesmos para continuar a vê-las ainda; ou contemplar as coisas a
partir de um ângulo para vê-las parcialmente; ainda dar-lhes uma superfície e
uma pele que não possua uma transparência completa: tudo isso precisamos
aprender com os artistas. (NIETZSCHE, GC, 2001:202)
Se para o filósofo não existem verdades absolutas a arte pode ser valorizada sob
vários aspectos, mas principalmente, por se tratar de uma criação que se afirma no próprio
32
Mendonça afirma que Nietzsche embora faça uma crítica à obra de arte institucionalizada, pois a
mesma fica presa a limites e conseqüentemente, a separa da vida. Há uma valorização da arte para além de
tais limites. A arte, é para Nietzsche, possui a tarefa primeira de embelezar a vida. “A arte aliada à vida
serviria como uma arma para se vencer o pessimismo, inventando um sentido para as paixões, as dores e as
angústias da alma”. (MENDONÇA, 1998:54)
81
Para suportar seus escritos, é preciso ser forte, pois sua busca está em escavar tudo
aquilo que é estrangeiro, distante e, para isso, é preciso dureza e coragem para conhecer,
para suportar o desvelado, o conhecido. Para Nietzsche, até aquele momento, a verdade33
era proibida, e, daí, decorrem a defesa de um mundo forjado e a recusa da realidade.
Fornazari (2004) afirma que em Ecce Homo, percebe-se um homem profundamente
33
Nietzsche considera que não existem verdades, mas interpretações e o seu pensamento é uma
confrontação com o pensamento metafísico religioso e filosófico, este como fundamento da ciência moderna.
O filósofo alemão considera que a superação do pensamento metafísico, está na perspectivação, ou
multiperspectivação, do mundo como uma condição do conhecer, o que implica a aceitação da verdade como
uma interpretação, assim: “Não há fatos; somente interpretações!”.
82
“afinado com seus ‘estados internos’, que se sente e se pensa a partir deles que, na verdade,
como pretendemos observar, se sabe a si mesmo como uma multiplicidade de estados
internos[...]" (FORNAZARI,2004:20) Ao se caracterizar a partir dos estados internos de
tensão ou multiplicidade, o filósofo desvincula-se do entendimento da subjetividade tão
presente e defendido pela modernidade filosófica. Subjetividade entendida como caráter
dos fenômenos psíquicos: idéias, lembranças, percepções, pensamentos que são
apreendidas como se fossem apropriação do sujeito. Nietzsche procurará desvendar esse
princípio, afirmando que a subjetividade é produzida a partir do corpo e da vida, mais
propriamente, a partir das vivências. Abre-se, dessa maneira, o caminho para a verdade34
até, então, bloqueado.
34
É oportuno ressaltar que Nietzsche também usa “mentira” e “verdade” de outra forma nos seus
escritos finais. Em que sentido, ele acusaria o cristianismo de “mentir”, “falsificar” a realidade, se sempre
valorizou a “mentira”, a “ficção”? No sentido de que haveria duas mentiras, uma que deturpa a vida da
religião, da metafísica, da moral -, “mentira sagrada” e outra que potencializa a vida – da arte: “mentira
artística”. BLONDEL, Eric. As aspas de Nietzsche: filosofia e genealogia. In. MARTON, Scarlett (org).
Nietzsche Hoje? São Paulo: Brasiliense, 1986:110-139.
35
Segundo FORNAZARI, o eterno retorno “apóia-se no amor incondicional ao fatum, que se define
como uma fatalidade inexorável, aparentemente dependente, pra ter alguma significação para o homem, de
uma determinação humana, ou seja, depende que ele queira viver de novo um número infinito de vezes cada
instante de sua vida.” (FORNAZARI, 2004, 32)
83
36
Amor fati é uma expressão latina utilizada por Nietzsche para definir o amor ao destino da forma
como ele se apresenta, do amor incondicional ao destino.
84
“[...] e o que mais me seja próprio, tudo foi então aprendido, é a verdadeira
dádiva daquele tempo em que tudo em mim se refinava, tanto a observação
mesma como os órgãos da observação. Da ótica do doente ver conceitos e valores
mais são, e, inversamente, da plenitude e certeza da vida rica descer os olhos ao
secreto lavor dos instintos de décadense _ este foi o meu mais longo exercício,
minha verdadeira experiência, se em algo vim a ser mestre, foi nisso.”
(NIETZSCHE, EH, 1995:24)
Nietzsche afirma que ser sadio é conhecer o corpo e fazer escolhas de remédios
corretos para os estados ruins; ao contrário, os “decadentes em si” realizam escolhas que
lhes causam mais malefícios. Deste modo, o filósofo afirma que, na perspectiva de sua
totalidade, é sadio e, em sua especificidade se reconhece decadente. “Tomei a mim mesmo
em mãos, curei a mim mesmo: a condição para isso _qualquer fisiólogo admitirá _ é ser no
fundo sadio.” (NIETZSCHE, EH, 1995:24) Na concepção nietzschiana, o homem sadio é
aquele que valoriza a vida, o querer viver. A doença pode ser até uma forma de estímulo, de
desafio para a vida: um energizante, uma provocação, um convite à vida, um querer viver.
Assim se comportou o filósofo, saboreando a existência, valorizando as pequeninas coisas
do cotidiano. São os detalhes de sua experiência que evidenciam a realidade e não as
abstrações como “Deus”, “alma”, “virtude” que, segundo ele, não passariam de
antinaturais.
[...] fiz da minha vontade de saúde, de vida, a minha filosofia. Pois atente-se para
isso: foi durante os anos de minha menor vitalidade que deixei de ser um
pessimista: o instinto de auto-restabelecimento proibiu-me uma filosofia de
pobreza e do desânimo (NIETZSCHE, EH, 1995:24-25)
85
Na ótica nietzschiana, o homem que deu certo é aquele que busca o que lhe é
salutar, que supera a doença, as injúrias e que tira proveito dos acasos ruins e sabe reagir,
lentamente, aos estímulos. O resgate das coisas que, tradicionalmente, são relegadas ao
esquecimento como alimentação, clima, a forma de se relacionar com a cultura precisa ser
efetuado. O homem que deu certo é aquele que não quer nada diferente do modo em que as
coisas apresentam: “Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: não querer nada
de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente
suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo, mas amá-lo [...]”(NIETZSCHE, EH,
1995:24-25) A grandeza do homem está em sua capacidade de afirmar o mundo em seu vir-
a-ser necessário e circular, de amar a fatalidade37 da existência.
É importante ressaltar, que embora fatalidade para Nietzsche seja entendida como
necessidade, há ainda um significado importante que é o da fatalidade inexorável de forças
do universo. Dessa forma, qualquer existência está inserida nessa fatalidade. E Nietzsche
ama o seu destino como decadente e sadio, se reconhecendo e se afirmando de forma
irrestrita da forma que é. “[...] Nietzsche mesmo procura mostrar que a felicidade da sua
existência está em ela ser aquilo que é: um pedaço de fatalidade que, em sua
inexorabilidade, comporta em si, inclusive, o trágico, o calamitoso, o fatídico.”
(FORNAZARI, 2004:45)
37 Fornazari afirma que a fatalidade em Nietzsche significa necessidade e calamidade. Também pode
se entendido como o trágico de um acontecimento como o transbordamento de um rio ou uma fatalidade
como um acontecimento inevitável. FORNAZARI, Sandro Kobel. Sobre o suposto autor da autobiografia de
Nietzsche. São Paulo: Discurso Editorial; Unijuí, 2004.
86
sua própria necessidade e pela fatalidade. Assim, a grandeza do homem está em tomar para
si como bom e necessário cada acontecimento. Cada instante torna-se fundamental:
Nada do que é deve ser excluído, nada é dispensável [...].para compreender isso é
preciso coragem e, como sua condição um excedente de forças: pois é
precisamente até onde a coragem pode ousar avançar, precisamente na medida da
força, que nos aproximamos da verdade. O conhecimento, o dizer sim à realidade,
é para os fortes uma necessidade, tal como para os fracos, sob a inspiração da
fraqueza, a covardia e fuga frente à realidade _ o ideal. (NIETZSCHE, EH,
1995:63)
Afirmar a realidade só é possível ao homem forte, aquele que afirma a vida, que se
entrega ao destino. Para Nietzsche, o homem tem que ser dono de si mesmo, enfrentar o
acaso, encarar a vida com todas as suas dores e alegria. “Tomar a si mesmo como um fado,
não se querer “diferente” _ em tais condições isso e a grande sensatez mesma.”
(NIETZSCHE, EH, 1995:31) O homem é, em si mesmo, o fado e a leveza, não há que
responsabilizar a vida e buscar em outro lugar, no mundo transcendente para viver. Viver
ocorre no aqui e no agora e é necessário se enfrentar, encarar a vida.
É essencial ser um guerreiro, possuir a natureza forte, que necessita obstáculos para
ir à procura da resistência, para afirmar o inevitável combate de forças. “[...] o pathos
agressivo está ligado à força quanto aos sentimentos de vingança e rancor à fraqueza.[...]
todo crescimento se revela na procura de um poderoso adversário _ ou problema: pois um
filósofo guerreiro provoca também os problemas ao duelo.” (NIETZSCHE, EH, 1995:32)
Nietzsche reivindica que a existência seja vivida por inteiro, dizendo sim à vida de forma
plena e abandonando o processo da metafísica.
O dizer Sim à vida, mesmo em seus problemas mais duros e estranhos; a vontade
de vida, alegrando-se da própria inesgotabilidade no sacrifício de seus mais
elevados tipos _a isto chamei dionisíaco, isto é, entendi como a ponte para
psicologia do poeta trágico. [...] neste sentido tenho o direito do considerar-me o
primeiro filósofo trágico _ ou seja, o extremo oposto e antípoda de um filósofo
pessimista. Antes de mim não há essa transposição do dionisíaco em um pathos
filosófico: falta a sabedoria trágica. (NIETZSCHE, 1983:18)
88
O dizer sim à vida é o âmago da postura dionisíaca que é a entrega ao amor fati. Em
Assim Falou Zaratustra, Zaratustra está doente e convalescente, o eterno retorno que, no
primeiro momento, causa medo mas desaparece no momento da cura. No símbolo de
Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são a expressão do outro lado da alegria.
Portanto, os homens não devem fugir da vida, mas afirmá-la, compreendendo que a tristeza
é, apenas, o outro lado da alegria.
89
CAPÍTULO III
3. O CORPO HOJE
38 No livro Sentir, Pensar e a Agir a autora analisa a relação do homem e sua corporeidade no
pensamento filosófico, demonstrando a evolução desse pensamento e as interferências de cada época para o
entendimento do corpo. Sua trajetória inicia-se em Platão e finaliza em Merleau Ponty, enfatizando que este
considerava a ambigüidade do ser humano como intencionalidade. “Como consciência e corpo, desvelando
sua unidade a partir da raiz sensível, corpórea, e da experiência original do ser-no-mundo”. GONÇALVES,
Maria Augusta Salin. Sentir Pensar e Agir: Coporeidade e educação. São Paulo, 1994: 39-64.
90
Neste capítulo será feita uma breve análise nietzschiana sobre a arte e sua relação
com o corpo e a existência. Posteriormente, abordaremos a postura do homem
contemporâneo com seu corpo, enfatizando o conceito estabelecido de belo e seu
comportamento com o corpo. Nosso objetivo principal agora é tomar posição diante da
questão: o corpo hoje é valorizado ou negado?
Através de seus estudos sobre a Grécia, Nietzsche propôs uma transformação dos
valores modernos e uma visão diferente do mundo, denominada por ele de concepção
trágica ou de justificação estética do mundo. “Nos fragmentos de 1871, Nietzsche
menciona que as miragens são meios de conhecimento e que o objetivo do conhecimento
é também um objetivo estético”. (MACEDO, 2006:133) O filósofo busca não restringir a
existência, apenas, aos aspectos cognitivos e apresenta a filosofia como obra de arte,
como perspectiva, como criação e não, somente, como atividade cognoscitiva.
desvendar, descobrir e desnudar a vida em busca de seu lado oculto e indecifrável: “[...] é,
para nós, uma questão de decoro não querer ver tudo nu, estar presente a tudo, compreender
e ‘saber’ tudo. Deveríamos respeitar mais o pudor com que a natureza se escondeu por trás
de enigmas e de coloridas incertezas.” (NIETZSCHE, GG, 2001:15)
Se a vida necessita da arte, da aparência para que seja afirmada integralmente, como
é especialmente defendido em O Nascimento da Tragédia,39 procurar uma verdade
absoluta, implica em negar a vida como pura aparência estética. Nietzsche considera que a
ciência se constitui na promessa de proporcionar ao homem o máximo de prazer com o
mínimo de desprazer. Essa atitude provoca um desencantamento e desinteresse pela
existência. O fundamental seria afirmar a vida por meio das imagens, das miragens
estéticas que estimulam a alegria de viver.
39
Esta obra corresponde à primeira fase de pensamento nietzschiano. Nietzsche está mais voltado para
o destino da arte e da cultura. É influenciado por Schopenhauer e Wagner, e busca uma forma de arte livre da
erudição e burocracia das artes do período, restaurando um senso trágico de arte, como uma tragédia grega,
com uma postura ativa diante da existência. Posteriormente, Nietzsche rompe com a metafísica, distanciando-
se de Schopenhauer e Wagner desiludindo quanto a obra de arte total. Na segunda fase começando por
Humano Demasiado Humano, percebe-se a valorização do conhecimento cientifico como maneira de resolver
os problemas que tanto lhe atormentavam. Nietzsche refina sua habilidade de filólogo e de psicólogo,
construindo seu método genealógico, como um método de explicação que dissolve o absoluto, o imutável. Em
Assim Falou Zaratustra, inicia a terceira fase do pensamento nietzscheano, que é marcado pelo aparecimento
de conceitos, como além-do-homem, vontade de potência e o eterno retorno, noções fundamentais para o
entendimento de sua obra.
40
“(...) a tragédia seria na concepção nietzschiana, um modo coletivo de lidar com o absurdo da
existência e de suportá-lo, a arte funcionaria como proteção, como um sono reparador, um véu sobre o caos.”
MACEDO, Iracema. Nietzsche, Wagner E A Época Trágica dos Gregos. São Paulo: Anablume, 2006, p.136.
41
Dioniso simboliza a natureza, o excesso e o irracional. O culto a Dioniso, na antiga Grécia, aparece
ligado a orgias e festividades onde eram cometidos todo o tipo de excessos. As festas em honra de Dioniso
são inseparáveis também da música e da dança onde os participantes se fundem com o todo envolvente ( o
Uno Primordial, a energia vital ).
Apolo é o contraponto de Dioniso. É o símbolo da ordem, medida, proporção, forma. Identifica-se
com o sonho, as imagens e as formas individualizadas. As suas artes são a epopéia (Homero) e a escultura.
NIETZSCHE, O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:
Cia das Letras, 1992.
92
mundo, pois, somente por intermédio destes, a vida desenvolve sua atividade criativa.
Nesse sentido, o corpo e os instintos são a base para se compreender seu pensamento
estético. Esses instintos são expressões estéticas da natureza em busca de expansão.
Não obstante, a Grécia antiga é elogiada como uma civilização saudável e forte o
bastante para fazer da arte uma terapêutica contra o desânimo e capaz de tornar a existência
mais bela e mais digna de ser vivida. O destaque outorgado pelo filósofo aos gregos está
em sua capacidade de enfrentar a vida, de experienciar os horrores da existência, encarando
o pessimismo como componente do existir. O filósofo afirma que a arte salva o homem
grego, ameaçado diante do extremo perigo do pessimismo e do aniquilamento.
A afirmação da vida ocorre por meio da valorização dos impulsos estéticos naturais
e se apóia nas criações artísticas decorrentes deles, sustentando o desejo de vida. Por meio
dos seus poderes criativos, os gregos puderam tornar a existência novamente digna de ser
vivida. A estratégia estética utilizada pelo filósofo não tem como objetivo de dominar o
instinto dionisíaco através de sua repressão e negação. Ao contrário, é por meio de sua
consideração estética e embelezamento que é permitido o equilíbrio entre a força dionisíaca
natural responsável pela destruição desmedida e o apossar-se de sua potência para as
criações das aparências, através das quais a vida se expande.
42
Nietzsche, nesse período considera a arte como a atividade essencialmente metafísica do homem.
Esse entendimento sobre a arte resulta da profunda influência do artista Richard Wagner e de Schopenhauer.
94
A partir da arte trágica, foi possível a união dos instintos dionisíaco e apolíneo, o
grego teve condições de desejar e celebrar a vida, não obstante sua essência dolorosa.
Nietzsche considera que essa é a importância salutar da existência de estados que
promovem a ilusão artística através da qual a vida pode ser experienciada.
Após romper com Wagner e Schopenhauer, o filósofo rompe com a visão metafísica
da arte e da vida. A arte passa a ser entendida sob um ponto de vista somente sensível, a
beleza passa a enfocar a temática da obra de arte trágica e de seu sentido para homem e a
cultura, agora sob a fórmula de "grande estilo".
Eu quero aprender cada vez mais a considerar as necessidades das coisas como
beleza _ assim eu serei um daqueles que tomam as coisas como beleza, amor fati:
que seja este de agora em diante o meu amor! Eu não vou fazer guerra contra o
feio eu não o acusarei mais, eu não acusarei nem mesmo os acusadores.
Suspender olhar, que esta seja minha única forma de negar. Eu não quero, a partir
desse momento ser outra coisa senão pura afirmação. (NIETZSCHE, GC,
2001:187-188)
A destruição que tanto nos causa dor e sofrimento é imprescindível para que o
fluxo vital não se estagne e para que a vida continue sendo afirmada na sua novidade e
imprevisibilidade. Criação e destruição são duas fases do processo vital. A necessidade e
a possibilidade de criar dependem da destruição e da provisoriedade das formas. Se tudo
fosse eterno, não haveria necessidade criativa. Nesse sentido, Roberto Machado (2001)
comenta que “[...] só pode haver criação se os valores são temporais; só pode haver
criação no tempo.” (MACHADO,2001:104)
Nietzsche demonstrou que não é apenas o equilíbrio, mas também a tensão que
estão presentes na existência de cada homem em sua plasticidade, em sua aparência, e em
96
sua cadência, seu movimento, seu fluir como música. Uma plasticidade que, ao aprender a
andar, pretendeu, daí em diante, a correr e, aprendendo a correr, quis voar.
O criador não produz a partir do nada [...] ele age em sintonia com as forças que o
convocam de dentro, seguindo os impulsos que o ecoam de dentro, seguindo os
impulsos que ecoam no seu corpo, profundamente enraizados na terra. A criação
nasce na escuta dos instintos viscerais, de impulsos fisiológicos que permeiam a
presença no mundo do que há de mais íntimo [...] para criar é preciso ser
fecundado pelas forças do mundo. (BARRENECHEA, 2000:90-91)
Nietzsche valoriza a música, a dança e o riso por serem estados que acenam a uma
intensa disposição para a vida. O estar leve, sem entraves e normas que afastem o homem
de suas mais profundas forças, leva à criação e à alegria. Nietzsche valorizou a capacidade
dos gregos pela intensidade com que desejavam a vida. Não obstante, eles encontraram nas
criações artísticas uma forma de esquecimento, de conforto saudável para viver a realidade.
Os gregos arcaicos são exemplo de um povo que não desistiu da vida pela constatação de
afirmação da vida sensível. Desse modo, a reflexão filosófica nietzschiana deixa de se ater,
97
apenas, aos limites de uma teoria do conhecimento e dissemina-se como arte em tudo que a
43
Informações recolhidas do trabalho de Givanildes Xavier dos Santos: Na sala de espelhos, a mídia
reflete as doenças da beleza: análise de discurso nas revistas “Veja” e “Época” sobre os transtornos
alimentares anorexia e bulimia. Disponível em< www.comunicasaude.com.br/Artigo acessado em 05
de fev. de 2008.
98
seu corpo? O que existe entre o estético, ético e o econômico?A questão estética
corresponde ao meio social? A modificabilidade do corpo é uma forma de aceitação ou
negação?
É no corpo que se vai gravando a história da cultura a que ele pertence. Desde o
momento de seu nascimento, o homem é moldado para pertencer a um grupo, com regras
éticas e estéticas estabelecidas. Em um dado espaço-tempo histórico, a cultura exige que
as mulheres de um determinado grupo social sejam gordas, em outro momento, que sejam
muito magras, estabelece-se um ideal de lábios enormes, seios grandes, cinturas finas e
outras inúmeras e variáveis regras a serem seguidas pelos componentes do grupo. A
construção da identidade passa, fundamentalmente, pelo corpo. A concepção de sujeito,
está intimamente relacionada à presença do Outro (inicialmente representado pela mãe,
depois pelo pai, familiares, grupo social, grupo religioso e pela cultura). Desse modo, o
corpo na sua individualidade, reflete a identidade que viu nascer nas entrelinhas do
99
classe social, profissão e idade. Podemos destacar que principalmente a idade, é cada vez
mais dissimulada por meio da cor dos cabelos, plásticas, cosméticos, atividades físicas, na
estabelecido. É possível que a procura pela “pedra filosofal” para se obter o elixir da
permitindo, novamente, revelar as marcas de um tempo que nos deixa a impressão de que
Campelo (1997) avalia que o rosto do homem ocidental é a parte do corpo mais
visada e, ao mesmo tempo, consentida pela cultura. Embora a face seja a parte do corpo
100
Para os homens ocidentais, o rosto é a parte do corpo mais permitida para ser
mostrada; sendo sobre o rosto que as interdições aparentemente atuam menos, no
sentido de que é uma área para ser exibida, e por isso mesmo o rosto é uma área
absolutamente demarcada pela cultura. Há tipos de olhares, assim como
movimentos da boca ao sorrir, proibidos em determinadas ocasiões. Há um jeito
apropriado para o rosto se comportar em cada situação: não se ri, não se derruba
lágrimas, não se boceja impunemente.44
44
O livro Cal(e)indoscorpos é resultado de uma dissertação de mestrado em que a escritora utiliza o
corpo como texto.CAMPELO, Cleide Riva. Cal (e) indoscorpos: um estudo semiótico do corpo e seus
códigos. São Paulo: Anablume 1997: 69.
101
seus vínculos com o passado? Seria conseqüência do mecanismo de comunicação que traz
consigo um apelo permanente ao novo? Seria uma tentativa de independência religiosa,
estética, ética e genética? Tais comportamentos e intervenções escondem a fluidez das
relações e valores?
A união entre a genética e a técnica é analisada pela autora sob vários aspectos,
entre eles o prolongamento e a melhoria de qualidade de vida. A autora, do mesmo modo,
ressalta que tal desenvolvimento propiciou interesses comerciais “[...] e quanto mais partes
do corpo tornam-se ‘materiais de exploração e investigação’, menos o corpo é preservado
dos interesses e ações comerciais.” (SANT’ANNA, 2001:19) O corpo seria então um objeto
de estudo e de superação do conhecimento e, ao mesmo tempo, uma área que se abre para
a exploração comercial. Novas questões surgem: os limites do certo e do errado, natural e
artificial, tornaram-se mais flexíveis com o avanço midiático, científico e tecnológico?
Outra hipótese apresentada por Sant'Anna (2001) é a de que o corpo é a única posse
e o território do homem, sendo portanto, o lugar de exercício da liberdade individual. Sendo
assim, o corpo é escolhido como espaço de explorações e experiências, pois é a última
posse que lhe resta. Se vivemos em uma cultura na qual as pessoas são reconhecidas por
aquilo que possuem e que conseguem acessar, seria, uma riqueza invejável, dominar o
corpo e suas senhas. “É preciso acreditar que o corpo que ‘se tem’ é de fato totalmente
102
possuído por seu proprietário, completamente disponível diante de suas vontades e sonhos.”
(SANT’ANNA, 2001:19) O controle, ou a idéia de posse do corpo, levanta uma
inquietação, pois a distância entre o que se quer do corpo e o que ele, realmente, é pode
levar o homem ao descontrole e sofrimento.
Sant’Anna (op. cit.) ressalta que a modificação da aparência pode apagar traços das
origens sociais e da idade, tornando-se difícil resistir aos apelos da indústria cosmética e
das cirurgias plásticas. Estar em harmonia com a moda, ou se sentir bem e consentir que o
corpo continue a corresponder ao que cada um deseja mostrar de si, representa uma
garantia de participação e respeito no espaço social. Além do mais, quando o corpo é
considerado não mais como morada da alma, mas como a expressão mais autêntica e real, é
nele que se investem todas as forças.
45
No livro Cal (e) idoscorpos, Campelo por meio de suas pesquisas demonstra os corpos “produzidos”
pela televisão. A autora relata as diferenças encontradas pelos apresentadores e o público a ser atingido.
Assim desde a postura corporal até as roupas são estudas para serem apresentados ao público. “O corpo da
publicidade na TV e o corpo da telenovela são semelhantes nos diferentes canais e horários: é o corpo dos
deuses dos Olimpo. Deuses gregos mesmo: nada dos orixás do Candomblé (nenhuma sensual Iansã, nenhum
Ogum viril, nenhuma Oxum-princesa, nada de teogonia tupi; quem reina quase absoluto é o ideário do
Olimpo grego (...) As mulheres são quase que descorporificada de matéria-corpo: não é o músculo que
importa, não é a força sensual, não é a ginga. A atração é o cabelo loiro, os olhos claros, a imaterialidade
física que os contos de fadas europeus registram como sendo atributos de delicadeza, da bondade
(...).”CAMPELO, Cleide Riva. Cal(e)indoscorpos: um estudo semiótico do corpo e seus códigos. São Paulo:
anablume. 1997: 83.
46
No primeiro capítulo foi investigada a relação corpo e alma segundo Platão. Demonstrando que este
menospreza o corpo e valoriza a alma.
103
Finalmente, Sant’Anna (op.cit.) suspeita que o corpo pode ser utilizado como forma
de protesto e se torna a tela da arte. Essas intervenções iniciaram-se com maior evidência a
partir da década de 1960 e alteraram-se nas décadas seguintes. O homem, por meio de
diversas experiências artísticas contemporâneas, protestou, buscou o refúgio da verdade, da
autenticidade.
Ao nascer, o homem traz as marcas de seu corpo biológico que se revela através da
nudez. O que é comungado com todos os animais, mas rapidamente é apagado pela cultura.
As roupas, ornamentos e intervenções realizadas por meio da religião, da ciência, da
técnica, da ética e da estética vão conferindo ao homem sua identidade social e cultural.
Cicatrizes, vacinas, cirurgias, escarificações, tatuagens, bronzeamentos, maquiagem,
próteses vão delineando, demarcando e registrando a história no homem, no tempo e no
espaço. Seria então o corpo do homem contemporâneo a denúncia da transitoriedade e
fluidez do tempo?
104
No primeiro momento, o corpo nos parece real, visível. Cada um de nós é um corpo:
experimentamos a dor, o prazer, a fome, a fadiga. Olhamos para nós mesmos e para as
outras pessoas e vemos um corpo. Entretanto, essas certezas não são tão definitivas, pois
muito do que percebemos e experienciamos é construído socialmente. Vivemos a
ambigüidade de um corpo biológico e um corpo social.
Somos nosso corpo pelo modo como a fenomenologia47 nos vê, como um ser que se
emociona, que percebe e se move, como fundante na relação homem-mundo. Ao mesmo
tempo, somos corpo no sentido social e cultural, porque experienciamos por meio dos
valores construídos culturalmente. Complementando a união fenomenológica e cultural, o
corpo, também, está inserido nas tecnologias. Tudo isso retira a certeza da auto-imagem e
coloca a inquietação diante da multiplicidade de ângulos e de transformações.
47
Segundo Merleau-Ponty, o homem é um ser no mundo e só pode ser compreendido dessa forma. O
homem é ambigüidade; nele estão presentes o mundo do corpo e o mundo do espírito, sendo ao mesmo tempo
interioridade e exterioridade, sujeito e objeto, corpo e espírito, natureza e cultura. “(...) tenho consciência do
meu corpo através do mundo (...) tenho consciência do mundo devido ao meu corpo (...).” MERLEAU-
PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção, 1971, p.95
48
Descartes cria um dualismo entre mente e corpo entendidos por ele como substâncias. Por mente
podemos entender pensamento, espírito, alma, chamado pelo filósofo de res cogitans, que formaria um
mundo distinto do da res extensa que seria o corpo. Para Descartes, o homem passa a assumir um lugar
privilegiado, pois a verdade estaria em seu “interior”, ele seria a substância pensante, logo, seria o agente que
anuncia uma verdade universal. DESCARTES, Renê. As paixões da alma. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
49
Esta discussão foi levantada nos dois primeiros capítulos desta dissertação. Inclusive Nietzsche
denuncia a má compreensão que os filósofos até então possuíam do corpo, excluindo-o das discussões e
investigações filosóficas.
105
A contradição entre sujeito e corpo demonstra que o corpo era compreendido como
um fantasma do sujeito e os corpos serviam apenas como individualização. Mas no final do
século XIX tal conceito e entendimento começam a ruir e a crise da subjetividade, do
sujeito universal, estável, instala-se. Santarella (2004) considera que o sujeito cartesiano
está em questão, no lugar do “sujeito” e do “eu”, multiplicam-se novas imagens de
subjetividade. “Fala-se de subjetividade distribuída, socialmente construída, dialógica,
descentrada, múltipla, nômade, situada, fala-se de subjetividade inscrita na superfície do
corpo, produzida pela linguagem etc.” (SANTARELLA, 2004:32)
Segundo Nietzsche, esse “eu” de que falamos é uma ficção, uma ficção lingüística,
ao falar "eu", operamos uma síntese, dessa forma é o conceito sintético que gera a ilusão de
uma unidade. Quando dizemos "eu penso", não verificamos nenhum fato, o que estamos
fazendo é uma interpretação, tomamos um processo mental que descrevemos como
pensamento e atribuímos esse estado mental a um sujeito como se esse pensamento fosse
predicado desse sujeito. Isto é, dizemos que o sujeito “eu” é autor e causa do pensamento.
A proposição "eu penso", não é um fato, não é expressão de um fato, sobretudo, não é uma
"certeza imediata", mas uma interpretação de um processo psíquico. Assim sendo, o “eu
106
penso” não é a simples descrição de um fato objetivo, puro, não é nenhuma certeza
imediata, mas é o resultado de uma interpretação que procura pelo sujeito da ação verbal.
O filósofo alemão considera que não possuímos uma percepção diferenciada de nós
mesmos, conseqüentemente, essa experiência é como a apreendemos e não é o nosso “eu”
a “coisa em si”. No lugar do “eu” universal é evidenciada a multiplicidade, em que os
processos do ser humano ultrapassam a pele, sem necessidade de se recorrer à imagem de
um sujeito autônomo. Para Santarella (2006), o problema passa a ser a cadeia de conexões
entre humanos, artefatos técnicos e os dispositivos de ação e pensamento. Os sujeitos se
transformam à medida que expandem suas conexões, não existindo uma universalização do
“eu” e a garantia da identidade originada desse eu. É na corporeidade que se busca a base
para uma teoria da subjetivação, afinal, os seres humanos passam a ser entendidos como
corporificados e não, apenas, criaturas da razão.
O homem, como ser corporificado, passa a ser livre e com maior autonomia para
intervir e modificar esse corpo, mas essa liberdade possui conseqüências sobre as quais
Sant”Anna (2005) adverte: “Pois as liberdades adquiridas pelo corpo implicam
necessariamente em novas responsabilidades assumidas. As formas de controle sobre o
corpo, criadas com o apoio técnico e científico, ocorrem de modo paralelo à descoberta de
novas coações a serem vividas”. (SANT’ANNA, 2005:15)
Essa consideração é um alerta para as intervenções que o corpo recebe, como se não
houvesse interferências e conseqüências éticas, estéticas e físicas. É importante não
perdermos de vista que a construção da imagem do corpo passa também pela esfera
psíquica. A identidade necessita de um corpo não apenas físico, mas repleto de afetos e
significados que propiciem uma “garantia” emocional a cada indivíduo.
permite novos julgamentos de valores e um olhar distinto para esse corpo. Ao mesmo
tempo, o corpo é um símbolo social e sua transformação afeta o vínculo com o grupo.
Pensar o corpo é pensar na própria relação estabelecida entre o homem e o mundo.
50
SEGATTO, Cristiane & FRUTUOSO, Suzane. Beleza brasileira. Época, nº 440, p.71-77, 23 out.
2006.
108
como o Brasil se tornou uma referência mundial em cirurgia plástica”, faz uma análise do
padrão estabelecido e dos significados que se escondem por trás do culto à beleza.
O culto ao corpo, promovido pela mídia, pelo mercado e pela ciência provoca uma
inversão de valores. As cirurgias exploram uma imagem da alegria e segurança, os riscos
de hemorragia, infecção hospitalar, embolia pulmonar, trombose não são evidenciados,
deixando a impressão de sucesso e contentamento permanente. Do outro lado se
escondem os lucros e interesses empresariais51. Há pacotes de turismo em que estão
incluídas cirurgias plásticas. O corpo é consumido como um objeto qualquer, invertendo
a lógica, inclusive, médica. O cliente compra um serviço sem saber com antecedência se
tal procedimento tem indicação médica.
A cultura da beleza transmite a idéia de que as pessoas não serão mais amadas se
não melhorarem o corpo. Principalmente, para as mulheres, que sempre “correm o risco”
de perderem o namorado ou marido, por não cuidarem do corpo. O julgamento estético do
corpo contemporâneo leva à diminuição da auto-estima. A necessidade de ser emoldurado
dentro de um modelo estético estabelecido, principalmente para as mulheres, leva a casos
patológicos.
À medida que a beleza assume tal importância para as mulheres, seria pertinente
ressaltar que a insatisfação de uma mulher neste domínio pode ter impacto
negativo sobre a sua auto-estima. Sendo o corpo fundamental para a atratividade
feminina e como esta é elemento essencial da sua auto-imagem, é possível prever
que o peso e a satisfação com respeito a ele sejam determinantes para a satisfação
integral da mulher. É comum que elas se vejam acima do peso, mesmo quando
efetivamente tal percepção não corresponde à realidade. (QUEIROZ, 2000:57)
51
Na mesma matéria da revista Época consta que existem empresas que financiam cirurgias plásticas
em até 30 vezes. Pacotes de turismo incluem cirurgias.
110
52
A notícia teve repercussão nacional, veiculou na internet, televisão e no jornal Estado de Minas, de
Belo Horizonte-MG. Fórmula do Emagrecimento e da Morte. Jornal Diário do Aço. Ipatinga. 24 maio 2007,
p. 07.
53
Ibidem.
111
identidade construída de forma idealizada, que busca igualar as pessoas, sem nenhum
respeito pelas diferenças individuais, sejam físicas, simbólicas ou sociais, nos deixa a
impressão de que o corpo pode ser concebido “como máquinas caça-níqueis que dancem ao
ritmo do ruído das maquininhas de cartão de crédito.” (SOUZA NETO, 2006:65)
54
A body modification, conceito usado para designar as modificações corporais executadas das mais
diversas formas _usando-se desde produtos químicos até intervenções cirúrgicas, nos apresenta uma nova
realidade em que as definições de natureza e cultura se interpenetram, causando na maioria das vezes um
desconforto, um estranhamento. O corpo, que em quase todas as sociedades tem sido matéria de interferências
culturais, passa agora, no período histórico em que nos encontramos, por radicais transformações. PIRES,
Beatriz Ferreira. O corpo como suporte da arte. São Paulo, 2005: 20.
55
“O termo “body-bulding” coloca, sem nenhuma dúvida, um problema de tradução. Pois a atividade
conhecida nos Estados Unidos sob o nome de body-building excede, em suas formas recentes, a noção
daquilo que se entende na França, por “culturime” (e que no Brasil era chamado de “cultura física”, e a um
ideal de desenvolvimento relativamente harmonioso do corpo, não me parece mais corresponder à hipérbole
muscular sem precedente que se apoderou do body-building, mais recente. Além disso, há na noção de
“culturisme”, a idéias de que convém construir suas formas corporais, que faz do “body-builder” o artesão, o
escultor de seu próprio corpo. É por isso que utilizei, na falta de melhor opção, os termos “body-building” e
“body-builder” neste texto, termos cujo uso, aliás, tende a se difundir em francês.”
112
aborda o fisiculturismo e sua prática nos Estados Unidos, afirmando que esse espetáculo
está nas ruas, que entre a multidão é visível a presença desses corpos com o aumento
expressivo dos músculos:
Antes de tudo, o espetáculo está nas ruas. Entre a multidão de passantes, os body-
builders destacam-se por sua forma de andar: braços afastados, cabeça enfiada no
pescoço, peito abaulado, rigidez, balanço mecânico. O body-builder não anda; ele
conduz seu corpo exibindo-o como um objeto imponente. Não ao modo do obeso,
este outro indígena das multidões americanas, que arrasta sua anatomia como um
fardo que o entrava e o estigmatiza. O corpo do body-builder pretende, ao
contrário, tirar todo o benefício do peso no campo do olhar, saturá-lo de massa
muscular. ‘Impor-se’ pesar no olhar alheio [...]. (COURTINE, 2005:82)
Percebe-se que as transformações do corpo não ocorrem apenas para uma realização
individual, mas também para que ele seja mostrado e apreciado pelo Outro, além de
demarcar os espaços e denunciar determinada presença. O músculo retira o anonimato e
dá visibilidade a esse homem. A própria televisão, o cinema, revistas de fisiculturismo
propiciam e exploram esse corpo esculpido pelos músculos. “Insólitas massas musculares,
puramente decorativas, que não servem para correr, nem para arremessar, e que rompem
assim com tudo aquilo que, dentro da lógica esportiva, associa músculo a movimento”56.
Mais do que isso, elas afetam os corpos, que as constroem e guardam, em seu
modo de ser e de aparecer, os traços dessa afecção. Há um trânsito ininterrupto
entre os corpos e o gesto humano e a marca “em concreto” de suas ambições e de
seus receios, e há um parentesco evidente entre um estilo arquitetônico e o
espírito de uma época. (SANT’ANNA, 2005:17)
A investigação sobre o corpo nos leva a perceber que é preciso abordar o que se
passa ao seu redor, pois o homem não está imune ao seu espaço e o espaço não é imune à
sua presença. Há uma íntima relação entre o corpo, o espaço e o tempo. As práticas e as
representações na sociedade de consumo de massa desenvolveram a idéia de que cada
indivíduo é administrador de seu corpo. Já na década de 1920, nos Estados Unidos, o
estímulo ao desenvolvimento corporal era vinculado pela publicidade: “Seja 100%
homem’, sublinhava a publicidade das revistas, distinga-se dos que estão ‘vivos pela
metade’, ‘A fraqueza é um crime! ’ _ bradava ‘Body Love’ Mac Fadden num editorial que
se tornou célebre.” (COURTINE,2005:97) Essa valorização moral e estética do volume
muscular propiciava ao homem norte americano acreditar numa suposta superioridade do
sexo viril.
114
Segundo Courtine (2005) na década de 1960, nos Estados Unidos, a busca hedonista
pelo espetáculo do esporte também está atrelada ao desenvolvimento de uma abundante
literatura psicológica influenciada pela difusão da psicanálise. Isto permitiu que o corpo
fosse pensado como elemento da personalidade. Courtine (op. cit.) considera que durante
muito tempo, estreitamente controlado, o corpo torna-se fonte de prazer e, ainda, meio de
contato e de relação com os outros. Começa-se então a distinguir as formas de uma body-
language58.
A busca pelo prazer pessoal por meio das práticas esportivas vinculou-se ao desejo
de vencer. O bem-estar da atividade física passa a ser um dever moral. A cultura
58
Body-language é uma expressão que se tornou habitual entre 1925 e 1930 para designar um modo de
comunicação não verbal, inconsciente na maioria das vezes, utilizando as posturas, os gestos, a expressão
facial.
115
Existem outros dados que podem contribuir com nossa reflexão e ampliar o
entendimento sobre o corpo. Na análise sobre o body modification, Pires (2005) considera
que as intervenções feitas no corpo e o seu real significado só são verdadeiramente
“conhecido pelo indivíduo que as possui, cria, assim como nos sonhos, uma linguagem
codificada.” (PIRES, 2005:61) Portanto, é possível seguir pistas e analisá-las, compará-las,
116
mas a totalidade do entendimento da relação entre o corpo e seu culto, escapa de nosso
controle.
Mais alguns códigos são decifrados, como a autora demonstra em sua obra.
Segundo Pires (2005), alguns indivíduos pertencentes ao grupo “body modification”,
sentem a necessidade de deixarem, em seus corpos, marcas de acontecimentos vividos..
Para eles, ao deixarem o registro de momentos especiais, as emoções que despertam devem
ser visíveis. O grande apelo visual no qual vivemos, as diferenças precisam ser vistas e não
apenas sentidas, parece corresponder às necessidades desse grupo que precisam da imagem
para garantir os significados.
com a marca do seu time, nome de pessoas, flores, caveiras, dragões etc. Dessa forma, as
Pires (2005) avalia que o adorno aplicado sobre a pele permite a diferenciação. A
região onde somos semelhantes passa a ser diferenciada e a parte do corpo de quem a
recebe, é modificado na sua forma natural. Outro ponto importante enfatizado pela autora é
imortalidade.
117
dos instintos vitais? As intervenções no corpo seriam uma forma de desespero, que,
segundo Nietzsche, ocorre pela incapacidade do homem de poder construir novos sentidos
corpo feminino é exposto com maior interesse tanto nas relações sociais, técnicas, estéticas
O discurso da beleza, nesse período, era austero e, além das prescrições médicas
havia as regras de uma moral católica presentes nos manuais e nas revistas femininas. Outra
informação importante, levantada pela autora é que os conselheiros de beleza até meados
da década de 1950, eram sobretudo, homens médicos e escritores moralistas A beleza
feminina considerada, nesse contexto, era a espiritual. A mulher deveria ter a alma pura e,
119
para isso, o corpo deveria ser mantido limpo, belo e fecundo. O entendimento estético
permanecia, portanto, plenamente aliado aos valores morais e religiosos vigentes. A
ciência, também, não se encontrava desvinculada desses valores:
saúde e prazer fazem parte de um mesmo grupo e a feiúra pode ser disfarçada ou eliminada,
depende da mulher e não mais do médico ou da religião, pois a mulher feia passa a ser
divulgada pela propaganda59 e é inserido nas discussões femininas o entendimento de que
mulher feia é aquela que não se ama. Conseqüentemente, a idéia transmitida é a de que a
mulher que se ama cuida, age e interfere em seu corpo.
As longas e dramáticas descrições dos males físicos parecem não se adaptar mais
a estes anos embalados pela fama internacional de nossas misses, pelo vertiginoso
crescimento da indústria de cosméticos e pela intimidades através da qual as
artistas de Hollywood ou da Rádio Nacional aconselham as mulheres em suas
vidas amorosas e nos cuidados com o corpo.[...]No final da década de 50, a
beleza parece ter se tornado um “direito” inalienável de toda mulher, algo que
depende unicamente dela: “hoje só é feia somente quem quer”, por conseguinte,
recusar o embelezamento denota uma negligência feminina que deve ser
combatida. (SANT’ANNA, 2005:129)
A aparência passa a ser compreendida não mais como natural, mas como escolha e
responsabilidade individual, que pode estar ligada às frustrações secretas e negligência
feminina. A imagem da velhice, associada às doenças naturais da idade, ganha um novo
entendimento: ser velha é estado de espírito, passível de correção. Os produtos de beleza
são com maior freqüência, integrados ao cotidiano da mulher. A idéia apresentada é a de
que não há mais momento especial para se embelezar, a beleza deve ser mantida
permanentemente e a feiúra combatida constantemente. É oportuno ressaltar que a imagem
59
É importante ressaltar que a propaganda divulga uma idéia que foi paga, portanto, há interesses
comerciais ou ideológicos que sustentam os anúncios. O que se percebe atualmente que por trás dos
discursos científicos, morais, estéticos, religiosos existem uma sustentação ideológica e comercial. Não são
falas desinteressantes, como se procura demonstrar no primeiro momento.
121
da beleza passa a ser entendida como uma ação individual e não coletiva. Cada mulher,
isoladamente, é responsável por sua aparência.
Os manuais de beleza começam a ser escritos casa vez pelos novos profissionais
de beleza: modelos, esteticistas, esportistas, etc. Eles se preocupam menos em
reforçar os laços entre a dignidade moral e a beleza e, cada vez mais, em detalhar
as regras de embelezamento. Ao invés de fazer o elogio dos antigos modelos de
beleza, eles preferem visar o potencial das leitoras, apreendidas a partir de suas
especificidades físicas e psíquicas. Emancipados do domínio médico e higienista,
os cuidados da beleza se tornam tão sedutores quanto a bela aparência das
modelos e artistas que os recomendam. (SANT’ANNA, 2005:135)
60
Curiosamente, encontrei no Shopping de Ipatinga, uma loja de produtos vendidos pela shoptime ,
um aspirador de pó com formato de uma vaca. No anúncio estava escrito: “Enquanto você trabalha, você se
diverte”. O aspirador além do formato de uma vaca “meiga” emite um som do animal.
122
O corpo da mulher brasileira é explorado pela mídia. Por meio dele se vende de
tudo, desde chinelos, carros, viagens, enfim, vende-se de tudo, desde que a propaganda
123
saiba como explorá-lo. Entre as propagandas que já nos acostumamos a ver, não nos
espanta mais a exposição dos corpos. Um exemplo esclarecedor: Na época da escolha do
local onde seria implantada a fábrica de automóveis da Mercedes-Benz, o então ex-
secretário de Planejamento do governo de Minas relatou a um jornal local as estratégias que
seriam usadas com o objetivo de que a montadora fosse estabelecida em Juiz de Fora. Entre
elas há uma que configura a manipulação do corpo e as diversas utilidades que um corpo
feminino possui:
O corpo apresentado acima além de servir como mercadoria e fator de decisão para
os negócios da indústria, também está permeado pelos juízos estéticos. Aqui a questão
mídia.
Mais do que isso, existe um consumo alargado de uma estética branca, que inclui
a venda de lentes azuis, reflexos nos cabelos e descolorações. No mínimo, são
dois “Brasis”: um Brasil branco que se quer europeu, um Brasil negro que evoca
sua proximidade com a África. São também duas estéticas que, por vezes, se
excluem, por hora, se atraem. (QUEIROZ, 2000:124)
A loira é um tipo estético que está na moda e, de certa forma, ela usurpa a autêntica
O discurso que transmite a idéia de que a mulher é independente, permite a livre escolha
para intervir no corpo, mas esses discursos de autonomia, inúmeras vezes vêm
produto.” “Mulheres independentes e de bom gosto decidem por tal intervenção.” Portanto,
a liberdade está condicionada aos valores estéticos impostos e as escolhas são estabelecidas
de uma educação cultural e de aprendizagem social. O corpo nos nossos dias está cada vez
mais distante da natureza e mais próximo das manipulações culturais. Mas não podemos
perder de vista que são os homens que se encarregam de dar sentido à sua existência e cabe
Os temas levantados neste capítulo demonstram algumas vias pelas quais o corpo do
Além disso, foi apresentado o entendimento de Nietzsche sobre a vida e a arte, como a
Nietzsche denuncia que a história ocidental foi marcada pela intervenção decisiva
desprezo e o ressentimento por tudo que estivesse associado ao mutável e ao sensível, tal
absolutas. Com a falta de controle sobre o mundo, a existência passa a ser vista como uma
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O niilismo (ou nihilismo), do latim nihil (nada), é uma corrente filosófica que, em princípio, concebe
a existência humana como desprovida de qualquer sentido. Nietzsche com a morte de Deus, divulga a
profunda crise da razão na modernidade e, com sua reflexão sobre o niilismo, denuncia o esgotamento, a
perda de sentido e contingência por parte dos supremos valores que até agora determinaram o curso do
processo civilizatório no Ocidente. E a partir da constatação do niilismo, das categorias que promoviam valor
ao mundo são colocadas em xeque, denunciando sua ineficácia, o homem é levado a experimentar a ausência
de valor concedida ao mundo, O que leva Nietzsche a afirmar que “o fracasso de uma determinada
interpretação de mundo equivale e confunde-se com o fracasso do próprio mundo” (AS § 408). O niilismo
esbarraria na condenação da própria vida, mas no próprio horizonte de onde brotou o niilismo podemos
encontrar a força para superá-lo, posto que, o niilismo deixa a vida nua e o mundo se abre ao homem
revelando sua inesgotabilidade.
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detrimento dos valores éticos ou das atividades intelectuais não seria uma advertência de
“Perigo de nossa cultura – pertencemos a um tempo em que a cultura corre o perigo de ser
destruída pelos meios pelos quais essa cultura se produz.” (NIETZSCHE, HDM, 2001,326)
inautêntica64. Sofremos toda forma de tutelagem possível, iniciando pela opinião pública, a
comportamento de rebanho.
mais autêntica da vida. Nietzsche destaca, principalmente, Dioniso como uma força de
afirmação da vida. Nem a razão e nem a consciência, que foram colocadas no lugar de Deus
verdade e elegemos novos ídolos, nos rendemos a projetos de vida que nos prometem a
felicidade. Esse artifício seria como uma válvula de escape para fugirmos da angústia, do
podem ser vistas por meio do consumo, do culto à felicidade, do culto ao corpo, dos
prozacs, dos livros de auto-ajuda, das drogas, das plásticas, medicamentos e cosméticos
responsável pela sua existência, que seja o doador de sentido para si mesmo, para a vida e
para o mundo no qual está inserido. Para Nietzsche, o homem, assim como Dioniso, deve
aprender a dançar a melodia trágica da existência, para que não corra o risco da banalidade,
na impessoalidade, no homem de rebanho. O ser humano deve se perceber como aquele que
absorve em si mesmo as forças que possibilitam criar a vida, pois a morte de Deus é
invenção do homem, então as forças que produziram esse Deus devem ser preservadas no
superar a si mesmos.
vida. “Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas
(...)Eu não vou fazer guerra contra o feio eu não o acusarei mais (...) Eu não quero, a partir
desse momento ser outra coisa senão pura afirmação.” (NIETZSCHE, GC, 2001:187) A
espécie humana deve, permanentemente, estar propensa para a vida, para sua afirmação e
não, apenas, buscar a sua preservação. Fundamentalmente, homem deve procurar superar a
no corpo e na própria necessidade das coisas, afirmando assim a existência sem fugir da
CONCLUSÃO
A par disso, ainda no primeiro capítulo, foi demonstrado que Nietzsche se opõe,
inteiramente, às concepções dualistas, atribuindo ao corpo o papel de fio condutor do nosso
entendimento e inserção na realidade, quaisquer que sejam eles. No pensamento
nietzschiano, o corpo é a característica primordial do homem, é o palco em que se dá a
permanente relação de forças em conflito, não havendo sentido em pensar uma separação
sua em relação à alma. O tradicional equívoco de se desvincular razão e sensibilidade afasta
a racionalidade da corporeidade, como se os corpos não participassem do processo de
pensar e fossem antagônicos à alma, ao espírito, à mente. Adversário do entendimento da
metafísica de Sócrates e Platão, na qual prepondera a valorização do mundo supra-sensível,
Nietzsche garante que é no mundo sensível que o homem deve se situar. Nessa direção, ele
questiona a idéia da verdade absoluta e propõe uma investigação meticulosa sobre sua
origem, tendo por parâmetros os conceitos de sentido e de valor, de modo que as questões
filosóficas passem a ser colocadas em tais termos.
na medida em que age, honrando tudo o que se encontra em si mesmo. O conceito bom é a
própria afirmação da sua ação. O senhor possui o sentimento de plenitude, do poder que
transborda. Para este, o ruim é todo aquele que não age. Contrapondo-se ao senhor, o
escravo, homem do ressentimento, conceitua como bom aquele que não age, que não ataca,
que não exerce violência contra ninguém, deixando para um Deus imaginário sua vingança
e chamando de mau aquele que tem poder sobre ele.
Nesta altura foi crucial entender o enfoque fornecido por Nietzsche, ao evidenciar que
a manifestação da força está condicionada à existência de um sujeito livre, que poderia ou
não ter agido de determinada forma. O homem impotente, ao contrário, utiliza-se da
sedução da linguagem para sustentar que o forte é, no fundo, um fraco. Portanto, se a força
não consiste em querer ser forte, mas em ser forte, a ação é fundamental para reconhecê-la,
pois comprova a força ou a fraqueza que encontram sua determinação no jogo da luta pela
vida. O argumento fundamental é que a força pode ser dominante ou dominada, não
havendo para o filósofo, separação entre força e manifestação, pois a força é irredutível a
algo que não seja força, e toda realidade é revelação de força.
transcendente passou a ser a referência de todos os valores para além desta vida e, no
mundo em que vivemos, foram negadas a vida, o corpo, o pathos. É esse desprezo pelo
corpo e pelo mundo que Nietzsche traduz como o ideal ascético que impregna até mesmo
as aspirações à objetividade próprias dos “homens do conhecimento”.
Nesse contexto, a filosofia, assim como a arte, deve dar significado à vida, mesmo
que para isso, seja necessário ressignificar a verdade. O homem deve ser estimulado a criar
valores que o instiguem para o futuro, nutrindo a vida, o prazer, os sentimentos, os
impulsos vitais. O homem deve ser entendido como parte constituinte do universo e sua
própria afirmação da necessidade é uma auto-afirmação do mundo. Sua afirmação está na
capacidade de se entregar à fatalidade do mundo. Na filosofia nietzschiana, viver é uma
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fatalidade, um acaso, um enigma e cada instante se torna fundamental. O dizer sim à vida é
a entrega plena ao “amor fati”.
Após essas diversas reflexões e olhares sobre o corpo, ficou claro que a estética e a
ética não são desvinculadas da sociedade e, em cada época, a cultura educa os corpos,
adaptando-os para empregos distintos. Ficamos com a impressão de que o conceito do
corpo belo do homem contemporâneo oculta uma certa banalização e o sentido da
existência que é conferido pelo próprio homem demonstra o distanciamento e a
incompreensão do próprio corpo.
Nietzsche já havia alertado sobre o perigo de uma cultura ser destruída se não
ficarmos atentos aos meios pelas quais ela se produz. O hedonismo artificial e sem
refinamento, a sacralização do consumo, a necessidade de possuir ininterruptamente —
como se essas ações e buscas nos levassem a saciar o desejo e nos impedissem de sofrer —
inspiram cautela sobre o sentido que estamos atribuindo à nossa existência.
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