Deus Nao e Grande - Christopher Hitchens PDF
Deus Nao e Grande - Christopher Hitchens PDF
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Sobre a obra:
Sobre nós:
Agradecimentos
1. Pegando Leve
2. Religião mata
3. Breve digressão sobre o porco; ou por que o céu odeia presunto
4. Uma nota sobre a saúde, à qual a religião pode ser prejudicial
5. As alegações metafísicas da religião são falsas
6. Argumentos do projeto
7. Revelação: o pesadelo do "Velho" Testamento
8. O "Novo" Testamento supera a maldade do "Velho"
9. O Corão parte dos mitos judaicos e cristão
10. O falso brilho dos milagres e o declínio do inferno
11. "A marca de sua origem inferior": o começo corrompido da religião
12. Coda: como as religiões acabam
13. A religião faz as pessoas se comportarem melhor?
14. Não há uma solução "oriental"
15. A religião como pecado original
16. A religião é abuso infantil?
17. Uma objeção antecipada: o "argumento" desesperado contra o secularismo
18. Uma tradição melhor: a resistência do racional
19. Para concluir: a necessidade de um novo Iluminismo
Referências Bibliográficas
O Autor
Créditos
Agradecimentos
Eu tenho escrito este livro a minha vida inteira, e pretendo continuar a fazê-
lo mas teria sido impossível produzir esta versão sem a extraordinária colaboração
entre agente e editor — quero dizer, entre Steve Wasserman e Jonathan Karp. Todos
os autores merecem ter amigos e aliados tão cuidadosos e cultos. Também merecem
ter agentes tão astutos e determinados quanto Windsor Mann.
Meu velho amigo de escola Michael Prest foi a primeira pessoa a deixar
claro para mim que, embora as autoridades pudessem nos obrigar a ir às orações,
não podiam nos forçar a orar. Sempre me lembrarei de sua postura ereta enquanto
outros hipocritamente se ajoelhavam ou curvavam, e também do dia em que decidi
me juntar a ele. Todas as posturas de submissão e rendição devem ser parte de nossa
pré-história.
Eu tive a sorte de ter muitos tutores morais, formais e informais, muitos
dos quais tiveram de passar por um considerável julgamento moral e demonstrar
grande coragem para romper a fé de suas tribos. Alguns deles ainda correrão alguns
riscos se eu os identificar, mas tenho de reconhecer minha dívida com o dr. Israel
Shahak, que me apresentou Spinoza; Salman Rushdie, que bravamente de monstrou
razão, humor e linguagem em uma época muito negra; Ibn Warraq e Irfan
Khawaja, que também sabem qual é o preço do bilhete; e o dr. Michael Shermer
perfeito modelo do cristão fundamentalista reformado e recuperado. Dentre os
muitos outros que mostraram que vida, inteligência e questionamento começam
exatamente no ponto em que a fé termina, devo saudar Penn e Teller, além do
impressionante caçador de farsantes e mitos James Randi (o Houdini de nossa
época), e Tom Flynn, Andrea Szalanski e todo o resto da equipe da revista Free
Inquiry. Jennifer Michael Hecht me deixou em grande dívida ao me enviar um
exemplar de seu extraordinário Dúvida uma história.
A todos aqueles que eu não conheço e que vivem em mundos nos quais a
superstição e a barbárie ainda dominam, e em cujas mãos eu espero que este livrinho
possa cair, ofereço o encorajamento modesto de uma sabedoria mais antiga. Na
verdade é isto, e não uma pregação arrogante, que o redemoinho nos trás: Die
Stimme der Vernunft ist leise. Sim, "A voz da razão é suave". Mas é muito persistente.
Nisso, e nas vidas e nas mentes de combatentes conhecidos e desconhecidos,
depositamos nossas grandes esperanças.
Durante muitos anos estudei essas questões com Ian McEwan, cuja obra de
ficção demonstra uma extraordinária capacidade de elucidar o numinoso sem
qualquer concessão ao sobrenatural. Ele sutilmente demonstrou que o natural é
suficientemente espantoso para qualquer um. Foi em conversas com lan,
primeiramente naquela remota costa uruguaia em que Darwin tão corajosamente
desembarcou e coletou amostras e depois em Manhattan, que senti este ensaio
começar a brotar. Tenho muito orgulho de ter pedido e recebido sua autorização de
dedicar a ele as páginas seguintes.
1. Pegando leve
Se o pretenso leitor deste livro quiser ir além de sua discordância com seu
autor e tentar identificar os pecados e as deformações que o levaram a escrevê-lo (e
eu certamente percebi que aqueles que defendem publicamente a caridade, a
compaixão e o perdão frequentemente tendem a seguir esse caminho), estará não
apenas discutindo com o criador desconhecido e inefável que supostamente escolheu
me fazer assim. Também estará profanando a memória de uma mulher boa,
sincera e simples, de fé sólida e decente, chamada sra. Jean Watts.
A missão da sra. Watts, quando eu era um garoto de cerca de 9 anos e
frequentava a escola na periferia de Dartmoor, no sudoeste da Inglaterra, era me dar
aulas sobre a natureza e também sobre as Escrituras. Ela levava meus colegas e a
mim para caminhadas em uma região especialmente adorável de meu belo país
natal e nos ensinava a distinguir os diferentes pássaros, árvores e plantas uns dos
outros. A variedade impressionante encontrada em uma sebe; a maravilha de um
punhado de ovos descoberto em um ninho intrincado; a forma como, quando as
urtigas irritavam suas pernas (nós tínhamos de usar bermudas), havia à mão uma
suavizante folha de labaça: tudo isso ficou na minha cabeça, assim como o "museu
do guarda-florestal", onde os camponeses expunham cadáveres de ratos, doninhas e
outros animais nocivos e predadores, supostamente fornecidos por uma divindade
menos gentil. Se você ler os eternos poemas rurais de John Clare, vai captar a ideia
que eu estou tentando transmitir.
Em aulas posteriores nós recebíamos uma folha de papel impressa
intitulada "Busque as Escrituras", que era enviada para a escola por qualquer que
fosse a autoridade nacional que supervisionava o ensino de religião. (Isso,
juntamente com as orações diárias, era obrigatório e cobrado pelo Estado.) A folha
continha um único versículo do Velho ou do Novo Testamento, e a tarefa era olhar a
folha e depois contar à turma ou à professora, oralmente ou por escrito, qual era a
história e a moral. Eu costumava adorar o exercício, e era muito bom nele, de modo
que (como Bertie Wooster) frequentemente era o "melhor" da turma de Escrituras.
Foi minha primeira experiência com crítica prática e literária. Eu lia todos os
capítulos que levavam àquele versículo, e todos os que se seguiam a ele, para estar
certo de que tinha chegado ao "ponto" do mistério original. Eu ainda consigo fazer
isso, para grande aborrecimento de alguns de meus inimigos, e ainda tenho respeito
por aqueles cujo estilo é algumas vezes desprezado como sendo "meramente"
talmúdico, corânico ou "fundamentalista". E um exercício mental e literário bom e
necessário.
Mas chegou o dia em que a pobre sra. Watts se superou. Tentando
ambiciosamente fundir seus dois papéis — de instrutora da natureza e professora da
Bíblia —, ela disse: "Então vocês veem, crianças, quão poderoso e generoso é Deus.
Ele fez todas as árvores e a grama verdes, que é exatamente a cor mais repousante a
nossos olhos. Imaginem se em vez disso toda a vegetação fosse roxa ou laranja,
como seria horrível."
Agora, vejam o que aquela velha idiota devota tinha tentado. Eu gostava
da sra Watts: ela era uma afetuosa viúva sem filhos que tinha um velho sheepdog
amistoso batizado de Rover e nos convidava para lanches depois da escola em sua
velha casa meio arruinada perto da linha do trem. Se Satanás a escolheu para me
levar ao erro, ele era muito mais inventivo do que a cobra insinuante do Jardim do
Éden. Ela nunca ergueu a voz ou foi violenta — o que não pode ser dito de todos os
meus professores — e, em geral, era uma daquelas pessoas cujo túmulo está em
Middlemarch(1), das quais se pode dizer que, se "as coisas não estão tão ruins entre
mim e você como poderiam estar", isso "em parte se deve ao número dos que
levaram fielmente uma vida oculta e repousam em túmulos não visitados".
Contudo, fiquei sinceramente horrorizado com o que ela disse. Minhas
pequenas sandálias presas nos tornozelos se contorceram de constrangimento por ela.
Aos 9 anos de idade eu ainda não tinha uma concepção do conceito do projeto
inteligente, ou da evolução darwiniana em oposição a ele, ou da relação entre
fotossíntese e clorofila. Na época o segredos do genoma estavam tão escondidos de
mim quanto de todos os outros. Eu ainda não tinha visitado cenas da natureza em
que praticamente tudo era hediondamente indiferente ou hostil à vida humana,
quando não à própria vida. Eu simplesmente sabia, quase como se tivesse acesso
privilegiado a uma autoridade superior, que minha professora tinha conseguido
estragar tudo com apenas duas frases. Os olhos dela estavam ajustados à natureza,
não o contrário.
Não vou fingir que me lembro de tudo perfeitamente, ou em sequência,
depois dessa epifania, mas em um tempo relativamente curto eu também comecei a
perceber outras esquisitices. Se Deus era o criador de todas as coisas, por que
deveríamos "louvá-lo" de forma incessante por fazer o que para ele tinha sido tão
natural? Isso, além de qualquer outra coisa, parecia servil. Se Jesus podia curar um
cego que tinha conhecido, por que não podia curar a cegueira? O que havia de
maravilhoso em expulsar demônios para que eles pudessem entrar em um rebanho
de porcos? Aquilo parecia sinistro: parecia mais magia negra. Apesar de todas
aquelas orações constantes, por que não havia resultados? Por que eu deveria
continuar a dizer publicamente que era um miserável pecador? Por que o tema do
sexo era considerado tão venenoso? Desde então eu descobri que essas objeções
vacilantes e pueris eram extremamente comuns, em parte porque nenhuma religião
consegue oferecer uma resposta satisfatória a elas. Mas também se apresentou uma
outra, ainda maior. (Eu digo "se apresentou" em vez de "ocorreu a mim" porque
essas objeções são, além de insuperáveis, inescapáveis.) O diretor, que conduzia os
serviços religiosos e as orações diárias e tomava conta do Livro, era um sádico e um
homossexual enrustido (que desde então eu perdoei porque ele despertou meu
interesse por história e me emprestou meu primeiro exemplar de P. G. Wodehouse),
e certa noite falou uma coisa absurda. "Talvez vocês não vejam sentido em toda essa
fé hoje", disse ele, "mas verão um dia, quando começarem a perder entes queridos".
Mais uma vez eu experimentei uma pontada de pura indignação, bem como de
descrença. Isso era como dizer que a religião podia não ser verdade, mas não ligue,
pois era possível contar com ela para conseguir consolo. Quão desprezível. Eu tinha
então quase 13 anos e estava me tornando um intelectualzinho insuportável. Eu
nunca tinha ouvido falar em Sigmund Freud — embora ele pudesse ter sido muito
útil a mim para compreender o diretor —, mas eu tinha acabado de ter um
vislumbre de seu ensaio O futuro de uma ilusão.
Estou infligindo tudo isso a vocês porque não sou daqueles cuja
possibilidade de uma crença sólida foi destruída por abuso infantil ou doutrinação
violenta. Eu sei que milhões de seres humanos tiveram de suportar essas coisas e não
acho que as religiões possam ou devam ser absolvidas por terem imposto tais
sofrimentos. (No passado recente nós vimos a Igreja de Roma desonrada por sua
cumplicidade com o pecado imperdoável do estupro de crianças, ou como poderia
ser dito, "nenhuma retaguarda preservada".) Mas outras organizações não-religiosas
cometeram crimes semelhantes ou ainda piores.
Permanecem quatro objeções irredutíveis à fé religiosa: (1) ela representa de
forma inteiramente equivocada a origem do homem e do cosmos; (2) por causa de
seu erro original ela consegue combinar o máximo de servidão com o máximo de
solipsismo; (3) ela é ao mesmo tempo resultado e causa de uma perigosa repressão
sexual; (4) e ela, em suma, se baseia em pensamento positivo.
Não acho que seja arrogância minha dizer que já tinha descoberto essas
quatro objeções (assim como percebido o fato mais vulgar e óbvio de que a religião é
utilizada por aqueles em postos temporais para adquirir autoridade) antes de mudar
de voz. Eu tenho a certeza moral de que milhões de outras pessoas chegaram a
conclusões semelhantes basicamente da mesma forma, e em dezenas de países
diferentes. Muitas delas nunca acreditaram, e muitas delas abandonaram a fé depois
de uma luta difícil. Algumas delas tiveram ofuscantes momentos de falta de
convicção que foram tão instantâneos, embora talvez menos epiléticos e apocalípticos
(e posteriormente mais racional e moralmente justificados), quanto o de Saulo de
Tarso na estrada para Damasco. E esse é o ponto — sobre mim e os que pensam
como eu. Nossa crença não é uma crença. Nossos princípios não são uma fé. Nós
não nos baseamos unicamente na ciência e na razão, porque esses são fatores mais
necessários que suficientes, mas desconfiamos de tudo o que contradiga a ciência ou
afronte a razão. Podemos diferir em muitas coisas, mas respeitamos a livre
investigação, a mente aberta e a busca do valor das ideias. Não sustentamos nossas
convicções de forma dogmática: a divergência entre o professor Stephen Jay Gould e
o professor Richard Dawkins acerca da "evolução pontual" e das lacunas na teoria
pós-darwinista é bastante grande e igualmente profunda, mas iremos solucioná-la
com base nas provas e no raciocínio, não por excomunhão mútua. (Minha própria
irritação com os professores Dawkins e Daniel Dennett por causa de sua proposta
aviltante de que os ateus deveriam afetadamente chamar a si mesmos de "brilhantes"
é parte de uma longa discussão.) Não somos imunes à sedução do encanto, do
mistério e do assombro: temos arte e achamos que os sérios dilemas éticos são mais
bem abordados por Shakespeare, Tolstoi, Schiller, Dostoievski e George Eliot do que
pelas histórias morais míticas dos livros sagrados. É a literatura, e não as
Escrituras, que sustenta a mente e — como não há outra metáfora — também a
alma. Não acreditamos em céu ou inferno, mas nenhuma estatística irá revelar que
sem essas promessas e ameaças nós cometemos menos crimes de ganância e
violência que os fiéis. (Na verdade, caso pudesse ser feita uma correta pesquisa
estatística, tenho certeza de que ela indicaria o contrário.) Estamos resignados a viver
apenas uma vez, a não ser por intermédio de nossos filhos, para os quais estamos
muito felizes de perceber que devemos abrir caminho e ceder lugar. Nós especulamos
que seria pelo menos possível que, assim que as pessoas aceitassem o fato de que
suas vidas são curtas e duras, se comportassem melhor com os outros, e não pior.
Acreditamos com grande dose de certeza que é possível levar uma vida ética sem
religião. E acreditamos devido a um fato que o corolário demonstra ser verdade —
que a religião fez com que incontáveis pessoas não apenas não se comportassem
melhor do que outras, mas concedeu a elas a permissão de se comportarem de
modos que fariam ruborizar um proxeneta ou um defensor da limpeza étnica.
Talvez ainda mais importante seja que nós, infiéis, não precisamos de
qualquer mecanismo. Somos os que Blaise Pascal levou em conta quando escreveu
àquele que diz: "Sou de tal forma que mal posso acreditar." Na aldeia de Montaillou,
durante as perseguições medievais, os inquisidores pediram que uma mulher dissesse
de quem tinha tirado suas dúvidas heréticas sobre inferno e ressurreição. Ela deveria
saber que corria o terrível perigo de uma morte lenta nas mãos dos devotos, mas
respondeu que não as tinha tirado de ninguém, e sim chegado a elas por conta
própria. (Você frequentemente ouve os crentes louvarem a simplicidade de seu
rebanho, mas não no caso dessas espontâneas e conscientes sanidade e lucidez, cujos
autores foram reprimidos e queimados em número maior do que somos capazes de
imaginar).
Não temos a necessidade de nos reunir todos os dias, ou a cada sete dias, ou
em qualquer dia elevado e auspicioso, para proclamar nossa retidão ou rastejar e
chafurdar em nossa miséria. Nós, ateus, não precisamos de sacerdotes, ou de
alguma hierarquia deles, para policiar nossa doutrina. Sacrifícios e cerimônias são
abomináveis para nós, assim como relíquias e a adoração de qualquer imagem ou
objeto (inclusive na forma de uma das mais úteis inovações do homem: o livro
encadernado). Para nós, nenhum ponto da Terra é ou pode ser "mais sagrado" que
outro, ao absurdo ostentatório da peregrinação ou ao absoluto horror de matar civis
em nome de algum muro, gruta, templo ou pedra sagrados, contrapomos uma
caminhada relaxada ou apressada de um lado da biblioteca ou da galeria ao outro,
ou um almoço com um amigo agradável, em busca de verdade ou beleza. Algumas
dessas excursões à prateleira, ao restaurante ou à galeria obviamente irão, se forem
sérias, nos colocar em contato com crença e crentes, dos grandes pintores e
compositores devocionais às obras de Agostinho, Aquino, Maimônides e Newman.
Esses grandes estudiosos podem ter escrito muitas coisas maldosas ou muitas coisas
tolas, e ter pateticamente ignorado a teoria dos germes para a doença ou a posição
do globo terrestre no sistema solar, quanto mais no universo, e essa é a simples
razão pela qual não há mais deles hoje, e por que não haverá mais deles amanhã. A
religião disse suas últimas palavras inteligíveis, nobres ou inspiradoras há muito
tempo: ou isso ou se transformou em um humanismo admirável mas nebuloso
como no caso, digamos, de Dietrich Bonhoeffer, um bravo pastor luterano enforcado
pelos nazistas por se recusar a colaborar com eles. Não teremos mais os profetas ou
os sábios do passado, e é por isso que as devoções hoje não passam de ecos de
ontem, algumas vezes transformados em gritos para disfarçar o terrível vazio.
Embora alguma apologia religiosa seja magnífica em sua forma limitada,
poder-se-ia citar Pascal — e alguma dela seja lúgubre e absurda — não podemos
deixar de apontar C. S. Lewis —, os dois estilos têm algo em comum, especificamente
a impressionante carga de tensão que precisam suportar. Quanto esforço é necessário
para afirmar o inacreditável! Os astecas tinham de abrir uma cavidade peitoral
humana todo dia simplesmente para garantir que o sol iria nascer. Monoteístas
devem importunar sua divindade mais vezes que isso, pois talvez ela seja surda.
Quanta vaidade precisa ser dissimulada — sem grande eficácia — de modo a fingir
que alguém é o objeto pessoal de um plano divino? Quanto amor-próprio precisa ser
sacrificado para que alguém possa sofrer continuamente na consciência do próprio
pecado? Quantas suposições inúteis são precisas e quanta ginástica é necessária para
receber cada nova descoberta da ciência e manipulá-la de modo que se ajuste às
palavras reveladas de antigas divindades criadas pelo homem? Quantos santos,
milagres, concílios e conclaves são necessários para que primeiramente seja possível
estabelecer um dogma e depois — após infinita dor, perda, absurdo e crueldade —
seja necessário abandoná-lo? Deus não criou o homem à sua imagem.
Evidentemente foi o contrário, e essa é a explicação para a profusão de deuses e
religiões e o fratricídio entre religiões e no interior delas que vemos ao nosso redor e
que tanto têm adiado o desenvolvimento da civilização.
Atrocidades religiosas passadas e presentes acontecerão não porque somos
maus mas pelo fato de a espécie humana ser, biologicamente, apenas parcialmente
racional — o que é um fato da natureza. A evolução determinou que nossos lobos
pré-frontais sejam pequenos demais, nossas glândulas suprarrenais grandes demais
e nossos órgãos reprodutivos aparentemente projetados por uma comissão; uma
receita que, isolada ou combinada, certamente leva a alguma infelicidade e
desordem. Mas que diferença quando colocamos de lado os crentes esforçados e
pegamos o trabalho não menos árduo de, digamos, um Darwin, um Hawking ou
um Crick. Esses homens são mais iluminados quando estão errados, ou quando
revelam suas inevitáveis tendenciosidades, que qualquer pessoa de fé falsamente
modesta tentando em vão produzir a quadratura do círculo e explicar como ela, uma
mera criatura do Criador, poderia saber o que o Criador pretende. Nem todos
concordamos em questões estéticas, mas nós, humanistas seculares, ateus e
agnósticos, não desejamos privar a humanidade de suas maravilhas e de seus
consolos. De modo algum. Se você dedicar algum tempo para estudar as
impressionantes fotografias tiradas pelo telescópio Hubble, estará investigando coisas
que são muito mais espantosas, misteriosas e belas — e mais caóticas, esmagadoras
e proibitivas — do que qualquer história da criação ou do "final dos tempos". Se você
ler Hawking sobre o "horizonte de eventos", aquela teórica borda do "buraco negro"
sobre a qual seria possível se debruçar e ver o passado e o futuro (a não ser pelo fato
de que não se teria, lamentavelmente e por definição, "tempo" suficiente), ficarei
surpreso se você ainda se interessar por Moisés e seu pouco interessante "arbusto em
chamas". Se você estudar a beleza e a simetria da dupla hélice e tiver seu próprio
genoma completamente analisado, ficará impressionado de que tal fenômeno quase
perfeito esteja no cerne do seu ser e verá reafirmado (espero) que você tem muito em
comum com outras tribos da espécie humana — com "raça" tendo ido para a lixeira
juntamente com a "criação" —, e ainda mais fascinado ao descobrir o quanto você
também é parte do reino animal. Agora você pelo menos pode ser adequadamente
humilde face a seu criador, que se revela não um "quem", e sim um processo de
mutação com muito mais elementos aleatórios do que nossa vaidade gostaria. Isso
já é mistério e maravilha suficientes para qualquer mamífero: a pessoa mais
educada do mundo agora tem de admitir — eu não quero dizer confessar — que sabe
cada vez menos, mas pelo menos sabe cada vez menos sobre cada vez mais.
Como consolo, já que as pessoas religiosas frequentemente insistem em que
a fé atende a essa suposta necessidade, eu digo simplesmente que aqueles que
oferecem falso consolo são falsos amigos. De qualquer modo, os críticos da religião
não simplesmente negam que ela tenha um efeito analgésico. Em vez disso, eles
fazem um alerta contra o placebo e a garrafa de água colorida. Provavelmente a
mais popular citação equivocada dos tempos modernos — certamente a mais
popular nesta discussão — é a afirmação de que Marx descartou a religião como
sendo "o ópio do povo". Ao contrário, esse filho de uma linhagem rabínica levava
muito a sério a crença, e escreveu assim em sua contribuição à Critica da filosofia do
direito de Hegel:
Eu não preciso viajar para todos esses lugares exóticos de modo ver o
veneno em ação. Muito antes do dia fatídico de 11 de setembro de 2001 eu já podia
sentir que a religião estava voltando a desafiar a sociedade civil. Quando não estou
atuando como correspondente estrangeiro ocasional e amador, levo uma vida
bastante tranquila e ordeira: escrevo livros e ensaios, ensino meus alunos a amar a
literatura inglesa, frequento agradáveis conferências literárias, participo das
discussões efêmeras que surgem no mercado editorial e na academia. Mas mesmo
essa existência bastante protegida tem sido sujeita a ultrajes, invasões, insultos e
desafios. No dia 14 de fevereiro de 1989, meu amigo Salman Rushdie foi vítima de
sentenças simultâneas de morte e de vida pelo crime de ter escrito uma obra de ficção.
Para ser mais preciso, o chefe teocrático de um Estado estrangeiro — o aiatolá
Khomeini do Irã — publicamente ofereceu dinheiro em seu próprio nome para
instigar o assassinato de um romancista que era cidadão de outro país. Aqueles que
foram encorajados a levar a cabo esse plano de assassinato por encomenda, que se
estendia a "todos os envolvidos na publicação" de Os Versos Satânicos, recebiam a
oferta não apenas do dinheiro vivo, mas também de uma passagem de graça para o
paraíso. Era impossível imaginar afronta maior aos valores da liberdade de
expressão. O aiatolá não tinha lido, e provavelmente não podia ler, e de qualquer
forma proibiu todos de ler o romance. Mas ele conseguiu produzir lamentáveis
demonstrações entre muçulmanos na Inglaterra, bem como no mundo todo, onde
multidões queimaram o livro e gritaram pedindo que o autor também fosse lançado
às chamas. Esse episódio — em parte horrível, em parte grotesco — teve suas
origens, claro, no mundo material ou "real". O aiatolá, tendo desperdiçado a vida de
centenas de milhares de jovens iranianos em uma tentativa de prolongar a guerra
que Saddam Hussein iniciara, desse modo a transformando em uma vitória própria
de sua ideologia reacionária, tinha pouco antes sido obrigado a reconhecer a
realidade e aceitar a resolução da ONU de cessar-fogo a que dissera preferir beber
veneno a assinar. Em outras palavras, ele precisava de um "assunto". Um grupo de
muçulmanos reacionários da África do Sul que integrava o parlamento-marionete
do regime do apartheid tinha anunciado que o sr. Rushdie seria morto se
comparecesse a uma feira do livro em seu país. Um grupo fundamentalista no
Paquistão tinha derramado sangue nas ruas. Khomeini tinha de provar que não
seria superado por ninguém.
Há algumas afirmações supostamente feitas pelo profeta Maomé que
dificilmente se ajustam aos ensinamentos muçulmanos. Estudiosos do Corão
tentaram provar a quadratura do círculo sugerindo que nesses casos o Profeta estava
acidentalmente recebendo orientações de Satanás, e não de Deus. Essa artimanha —
que não faria feio em comparação com a sinuosa escola da apologia cristã medieval
— se mostrou uma excelente oportunidade para um romancista explorar o
relacionamento entre as Escrituras sagradas e a literatura. Mas a mente literal não
entende a mente irônica e sempre a identifica como fonte de perigo. Mais ainda,
Rushdie tinha sido criado como muçulmano e compreendia o Corão, de fato
significando que ele era um apóstata. E a "apostasia" de acordo com o hadith, é
punível com a morte. Não existe o direito de mudar de religião, e todos os Estados
religiosos sempre insistiram em penas duras para aqueles que tentassem fazer isso.
Várias tentativas sérias de matar Rushdie foram feitas por esquadrões da
morte religiosos apoiados por embaixadas iranianas. Seus tradutores italiano e
japonês foram violentamente atacados - em um dos casos, aparentemente pela
crença absurda de que o tradutor pudesse saber do seu paradeiro — e um deles foi
selvagemente mutilado enquanto morria, seu editor norueguês recebeu vários tiros
nas costas disparados por um rifle de repetição e foi deixado à morte na neve, mas
sobreviveu de forma impressionante. Poderíamos pensar que tal homicídio
arrogante financiado pelo Estado, dirigido contra um indivíduo solitário e pacífico
que levava uma vida dedicada à linguagem, iria produzir uma condenação
generalizada. Mas não foi o caso. Em declarações refletidas, o Vaticano, o arcebispo
de Canterbury e o rabino-chefe sefardita de Israel assumiram uma postura de
simpatia para com...o aiatolá. Assim como o cardeal-arcebispo de Nova York e
muitas outras figuras religiosas menores. Embora eles normalmente empregassem
algumas poucas palavras para deplorar o recurso à violência, todos esses homens
afirmaram que o principal problema levantado pela publicação de Versos Satânicos
não era o assassinato por mercenários, mas a blasfêmia. Alguns personagens
públicos não pertencentes a ordens religiosas, como o escritor marxista John Berger,
o historiador conservador Hugh Trevor Roper e o decano dos autores de histórias de
espionagem John Le Carré, também se pronunciaram dizendo que Rushdie era autor
de seus próprios problemas, e os tinha atraído para si "ofendendo" uma grande
religião monoteísta. Não parecia nada de mais para essas pessoas que a polícia
britânica tivesse de defender um cidadão nascido na Índia, ex-muçulmano, de uma
orquestrada campanha para tirar sua vida em nome de Deus.
Protegida como costuma ser minha própria vida, eu tive um gostinho
dessa situação surreal quando o senhor Rushdie foi a Nova York no fim de semana
de Ação de Graças de 1993 para um encontro com o presidente Clinton e passou
uma noite ou duas em meu apartamento. Foi necessária uma enorme e proibitiva
operação de segurança para que isso fosse possível, e ao final fui convidado a fazer
uma visita ao Departamento de Estado. Lá fui avisado de que tinham interceptadas
"conversas" confiáveis expressando intenções de vingança contra mim e minha
família. Fui aconselhado a mudar de endereço e de número de telefone, o que pareceu
uma forma improvável de evitar o revide. Isso, contudo, deixou claro para mim o
que eu já sabia. Para mim não é possível dizer: "Bem, vocês perseguem seu sonho
xiita de um imã oculto e eu continuo meus estudos de Thomas Paine e George
Orwell, e o mundo é grande o bastante para nós". O verdadeiro crente não pode
descansar enquanto o mundo inteiro não ajoelhar. Não é óbvio para todo todo, diz o
devoto, que a autoridade religiosa está acima de todas e que aqueles que se recusam a
reconhecer isso abrem mão do direito de existir?
Como costuma ser, foram os assassinos do xiismo que chamaram a
atenção do mundo para esse ponto alguns anos atrás. Foi tão horripilante o regime
talibã no Afeganistão, que massacrou a população xiita hazara, que o próprio Irã
considerou a hipótese de invadir o país em 1999. E tão grande foi o vício talibã em
profanação que ele metodicamente bombardeou e destruiu um dos maiores artefatos
culturais do mundo — as estátuas gêmeas de Buda em Bamiyan, que em sua
magnificência mostravam a fusão do estilo helenista e outros no passado afegão.
Mas, sendo indubitavelmente pré-islâmicas, as estátuas eram um claro insulto ao
Talibã e a seus convidados da Al-Qaeda, e a redução de Bamiyan a pó e escombros
antecipou a destruição de duas outras estruturas gêmeas, bem como de quase três mil
pessoas no centro de Manhattan no outono de 2001.
Todos têm sua própria história de 11 de setembro: eu poderia pular a
minha, a não ser para dizer que alguém que eu conhecia superficialmente foi
arremessado contra a parede do Pentágono, tendo conseguido telefonar para o
marido e dar uma descrição de seus assassinos e suas táticas (e tendo sabido por ele
que não era um sequestro e que ela iria morrer). Do teto de meu prédio em
Washington eu podia ver a fumaça se erguendo do outro lado do rio, e desde então
nunca passei pelo Capitólio ou pela Casa Branca sem pensar no que poderia ter
acontecido se não fossem a coragem e a capacidade dos passageiros do quarto avião,
que conseguiram derrubá-lo em um campo da Pensilvânia a apenas vinte minutos
de seu destino.
Bem, como eu consegui responder em uma réplica posterior a Dennis
Prager, agora você tem sua resposta. Os 19 assassinos suicidas de Nova York,
Washington e Pensilvânia eram, sem dúvida alguma, os crentes mais sinceros
naqueles aviões. Talvez possamos ouvir um pouco menos sobre como as "pessoas de
fé" têm vantagens morais que as outras só podem invejar. E o que aprender com o
júbilo e a propaganda extasiada com que esse grande feito de fé foi louvado no
mundo islâmico? Na época os Estados Unidos tinham um procurador-geral
chamado John Ashcroft que afirmara que os Estados Unidos "não tinham rei que
não Jesus" (uma afirmação que era exatamente três palavras longa demais). Havia
um presidente que queria entregar o tratamento aos pobres a instituições "baseadas
na fé". Esse não seria o momento de dar algum valor à luz da razão e à defesa de
uma sociedade que separa Igreja e Estado e valoriza a liberdade de expressão?
Para mim a decepção foi, e continua a ser, pungente. Em algumas horas os
"reverendos" Pat Robertson e Jerry Falwell anunciaram que a imolação das criaturas
que eram seus pares era um julgamento divino de uma sociedade que tolerava o
homossexualismo e o aborto. No serviço fúnebre solene pelas vítimas, realizado na
bela Catedral Nacional de Washington, foi permitido um pronunciamento de Billy
Graham, um homem cujo registro de oportunismo e antissemitismo é em si uma
pequena desgraça nacional. Seu sermão absurdo buscou afirmar que todos os
mortos estavam no céu e não voltariam a nós nem se pudessem. Eu digo absurdo
porque é impossível, mesmo nos termos mais complacentes, acreditar que um bom
número de cidadãos pecadores não tivesse sido assassinado naquele dia pela Al-
Qaeda. E não há por que acreditar que Billy Graham conhecesse o paradeiro de suas
alma quanto mais seus desejos póstumos. Mas também havia algo sinistro em ouvir
alegações detalhadas de conhecimento do céu, do mesmo tipo que o próprio Bin
Laden estava fazendo em benefício dos assassinos.
As coisas continuaram a piorar no intervalo entre a remoção do Talibã e a
derrubada de Saddam Hussein. Um graduado funcionário militar chamado general
William Boykin anunciou que tivera uma visão quando servia durante o fiasco na
Somália. Aparentemente, o rosto do próprio Satanás tinha sido detectado por
alguma fotografia aérea de Mogadiscio, mas isso serviu apenas para aumentar a
confiança do general de que seu deus era mais forte do que a divindade malévola da
oposição. Foi revelado na Academia Militar da Força Aérea dos Estados Unidos que
cadetes judeus e agnósticos estavam sendo perversamente atormentados por um
grupo de impunes alunos "renascidos", que insistiam em que apenas aqueles que
aceitavam Jesus como seu salvador eram qualificados para o serviço militar. O vice-
comandante da academia enviou e-mails defendendo um dia nacional de oração
(cristã). Uma capelã chamada Melinda Morton, que se queixou dessa histeria e
intimidação, foi repentinamente transferida para uma base distante no Japão.
Enquanto isso, o multiculturalismo alienado também deu sua contribuição, entre
outras formas garantindo a distribuição de edições baratas e em grande escala de
edições sauditas do Corão para uso no sistema penitenciário americano. Esses textos
wahabitas chegavam ainda mais longe que o original ao recomendar a guerra santa
contra todos os cristãos, os judeus e os secularistas. Observar tudo isso era
testemunhar uma espécie de suicídio cultural: um "suicídio assistido" que crentes e
não-crentes estavam preparados para oficiar.
É preciso destacar de imediato que esse tipo de coisa, além de antiético e não
profissional, era também absolutamente inconstitucional e antiamericano. James
Madison, o autor da Primeira Emenda à Constituição, que proíbe qualquer lei
referente ao estabelecimento de uma religião, também foi um dos autores do Artigo
IV, que afirma de forma inequívoca que "nenhum teste religioso poderá ser exigido
como qualificação para qualquer posto ou cargo público". Seu Detached Memoranda
posterior deixa absolutamente claro que ele, para começar, se opunha à nomeação de
capelães, tanto nas Forças Armada quanto nas cerimônias de instalação do
Congresso. "O estabelecimento do posto de capelão no Congresso é uma clara
violação dos direitos iguais, bem como dos princípios da Constituição." Quanto à
presença de clérigos nas Forças Armadas, Madison escreveu: "O objetivo disso é
sedutor, o motivo é louvável. Mas não é mais seguro aderir a um princípio correto e
confiar em suas consequências do que confiar no raciocínio, por mais ilusório que
seja, em favor de um errado? Observe os exércitos e marinhas do mundo e diga se o
que está sendo mais contemplado na nomeação de seus ministros de religião é o
interesse espiritual dos rebanhos ou o interesse pessoal do pastor." Qualquer um que
citasse Madison hoje muito provavelmente seria considerado subversivo ou insano,
mas sem ele e Thomas Jefferson, coautores do Estatuto da Virgínia sobre Liberdade
Religiosa, os Estados Unidos teriam continuado a ser o que eram — com os judeus
proibidos de ocupar cargos em alguns estados, católicos em outros e protestantes em
Maryland: este último era um estado em que "palavras profanas referentes à
Santíssima Trindade" eram passíveis de punição com tortura, marcação a ferro e na
terceira oportunidade, "morte sem o benefício de um clérigo". A Geórgia poderia ter
continuado a insistir que sua fé estadual oficial era o "protestantismo" — quaisquer
que pudessem ser os muitos híbridos de Lutero.
Com o debate sobre a intervenção no Iraque se tornando mais acalorado,
rios de absurdos escorrem dos púlpitos. A maioria das igrejas se opôs ao esforço
para remover Saddam Hussein, e o papa se desgraçou inteiramente fazendo um
convite pessoal ao criminoso de guerra procurado Tariq Aziz, homem responsável
pelo assassinato de crianças pelo Estado. Aziz foi não apenas recebido no Vaticano
como principal membro católico de um partido fascista governante (não tendo sido a
primeira vez que tal indulgência tinha sido concedida), como foi levado a Assis para
uma sessão pessoal de oração no santuário de São Francisco, que aparentemente
costumava fazer palestras para pássaros. Ele deve ter pensado que tudo aquilo era
fácil demais. Do outro lado do arco confessional, alguns, mas não todos, evangélicos
americanos se entusiasmaram com a perspectiva de conquistar o mundo
muçulmano para Jesus. (Eu digo "alguns, mas não todos', porque uma dissidência
fundamentalista desde então passou a fazer manifestações nos funerais de soldados
americanos mortos no Iraque, dizendo que o assassinato deles era punição de Deus
pelo homossexualismo americano. Um cartaz especialmente saboroso, agitado em
frente aos rostos dos enlutados, é "Graças a Deus pelas IEDs", as bombas colocadas
ao lado das estradas pelos fascistas muçulmanos igualmente antigays. Não é
problema meu decidir qual teologia calvinista é a correta: eu diria que as chances de
qualquer uma estar certa são aproximadamente as mesmas. Charles Stanley, cujos
sermões semanais na Primeira Igreja Batista de Atlanta são assistidos por milhões
de pessoas agiu como qualquer imã demagógico quando disse: "Devemos nos
oferecer para participar do esforço de guerra de qualquer forma possível. Deus
combate as pessoas que se opõem a ele, lutam contra ele e seus seguidores." O serviço
de notícias de sua organização, o Baptist Press, publicou um artigo de um
missionário, exultante pelo fato de a "política externa americana e o poderio militar
terem aberto uma oportunidade para o evangelho na terra de Abraão, Isaac e Jacó".
Não querendo ser superado, Tim LaHaye foi ainda mais longe. Mais conhecido
como coautor da série de romances baratos recordista de vendas Deixados para trás,
que prepara o americano médio para o "arrebatamento" e depois para o
Armagedom, ele identificou o Iraque como "ponto central de acontecimentos de final
dos tempos". Outros entusiastas bíblicos tentaram ligar Saddam Hussein ao iníquo
rei Nabucodonosor da antiga Babilônia, uma comparação que o próprio ditador
provavelmente teria aprovado, em função de sua reconstrução das antigas muralhas
de Babilônia com tijolos que tinham, todos eles, seu nome gravado. Assim, em vez
de uma discussão racional sobre a melhor forma de conter e derrotar o fanatismo
religioso, o que havia era o fortalecimento mútuo de duas manifestações dessa
mania: o ataque jihadista invocou o espectro tingido de sangue dos cruzados.
Nesse sentido, a religião não é diferente do racismo. Uma versão dela
inspira e provoca a outra. Certa vez armaram outra armadilha para mim,
ligeiramente mais investigativa que a de Dennis Prager, concebida para revelar meu
grau de preconceito latente. Você está em uma plataforma de uma estação deserta do
metrô em Nova York, tarde da noite. De repente surge um grupo de 12 negros. Você
fica onde está ou se encaminha para a saída? Eu mais uma vez pude responder que
já tinha passado exatamente por essa experiência. Esperando sozinho o trem, bem
depois de meia-noite, de repente vi uma equipe de operários que deixava o túnel com
ferramentas e luvas de trabalho. Todos eram negros. Eu instantaneamente me senti
mais seguro e me encaminhei na direção deles. Eu não tenho ideia de qual era a
filiação religiosa deles. Mas em todos os outros casos que citei, a religião foi um
tremendo multiplicador de suspeita tribal e ódio, com membros de um grupo
falando com os de outro usando exatamente a entonação do intolerante. Cristãos e
judeus comem carne de porco contaminada e bebem álcool venenoso: budistas e
muçulmanos do Sri Lanka culparam os festejos natalinos embalados por vinho de
2004 pelo tsunami que imediatamente se seguiu. Católicos são sujos e têm filhos
demais. Muçulmanos procriam como coelhos e limpam os fundilhos com a mão
errada. Judeus têm piolhos nas barbas e querem o sangue de crianças cristãs para
dar sabor e tempero ao matzá da Páscoa. E assim por diante.
3. Breve digressão sobre o porco; ou por que o céu odeia presunto
Isso é puro prazer maníaco temperado com meias citações. Algo mais
reflexivo, mas dificilmente menos lamentável, pode ser encontrado em "Battle Hymn
of the Republic", de Julia Ward, que se demora na mesma prensa de vinho, e no
murmúrio de Robert Oppenheimer ao ver a primeira detonação nuclear em
Alamogordo, Novo México, e se ouvir citando o épico hindu Bhagavad Gita: "Eu me
tornei a Morte, o destruidor de mundos". Uma das muitas ligações entre a crença
religiosa e a infância sinistra, mimada e egoísta de nossa espécie é o desejo reprimido
de ver tudo esmagado, destruído e reduzido a nada. Essa necessidade de cólera se
soma a dois outros tipos de "alegria culpada" ou, como os alemães dizem,
Schadenfreude. Primeiramente, a morte de alguém é cancelada — ou talvez quitada
ou compensada — pela obliteração de todas as outras. Em segundo lugar, é sempre
possível esperar de maneira egoísta que alguém seja pessoalmente poupado, se
recolha satisfeito ao recesso do exterminador em massa e observe de um lugar
seguro o sofrimento daqueles com menos sorte. Tertuliano, um dos muitos pais da
Igreja que acharam difícil dar um relato convincente do paraíso, talvez tenha sido
inteligente ao buscar o mínimo denominador comum e prometer que um dos
prazeres mais intensos da outra vida seria contemplar eternamente as torturas dos
condenados. Ele estava sendo mais verdadeiro do que sabia ao evocar a
característica humana da fé.
Como em todos os casos, as descobertas da ciência são muito mais
espantosas do que a grandiloquência divina. A história do universo começa, se
podemos usar a palavra "tempo" com algum significado, há cerca de 12 bilhões de
anos. (Se usarmos a palavra "tempo" equivocadamente, terminaremos com o
cálculo infantil do festejado arcebispo James Ussher de Armagh, que calculou que a
Terra — "a Terra" sozinha, veja bem, não o universo — nasceu no sábado, 22 de
outubro de 4004 a C., as seis da tarde. Essa datação foi endossada por William
Jennings Bryan, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos e duas vezes candidato
democrata à presidência, em testemunho em tribunal na terceira década do século
XX.) A verdadeira idade do Sol e dos planetas que orbitam em torno dele um deles
destinado a abrigar vida e os outros condenados à falta de vida é talvez de 4,5 bilhões
de anos, sujeita a revisões. Esse sistema solar microscópico em especial muito
provavelmente tem mais ou menos o mesmo prazo para seguir seu rumo: a
expectativa de vida de nosso sol é solidamente de mais cinco bilhões de anos. Porém,
marque em seu calendário. Mais ou menos nesse momento ele vai emular milhões
de outras estrelas e se transformar de modo explosivo em uma inchada "gigante
vermelha", fazendo com que os oceanos da Terra fervam e extinguindo qualquer
possibilidade de vida. Nenhuma descrição de qualquer profeta ou visionário chegou
perto de retratar a aterradora intensidade e irrevogabilidade desse momento. É
possível pelo menos ter uma razão lamentavelmente egoísta para não ter medo de
passar por isso: segundo as atuais projeções, a biosfera muito provavelmente será
destruída por tipos distintos e mais lentos de aquecimento nesse ínterim. Como
espécie na Terra, de acordo com muitos especialistas otimistas, não temos muitos
éons à frente.
Portanto, com que desprezo e suspeita devem ser vistos aqueles que não
estão dispostos a esperar e que se divertem e aterrorizam os outros com horrendas
visões do Apocalipse, seguido por um duro julgamento por parte daquele que, para
começo de conversa, supostamente nos colocou nesse dilema do qual não é possível
escapar? Hoje podemos rir dos pregadores hidrófobos de inferno e danação que
adoravam atormentar almas jovens com descrições pornográficas de tortura
infernal, mas esse fenômeno reapareceu de forma mais problemática com a santa
aliança entre os crentes e o que eles conseguem pegar emprestado ou roubar da
ciência. Eis Pervez Hoodbhoy, distinto professor de física nuclear e de altas energias
da Universidade de Islamabad, Paquistão, escrevendo sobre a mentalidade
assustadora que prevalece em seu país — um dos primeiros Estados do mundo a
definir sua própria nacionalidade a partir da religião:
Inácio da Loyola
Martinho Lutero
Erguendo os olhos para as estrelas, eu sei muito bem
Que por elas, eu posso ir para o inferno.
Isso realmente é muito impressionante, e não apenas para sua época. Nós
levamos várias centenas de anos desde Ockham para perceber que, quando olhamos
para as estrelas, muito frequentemente estamos vendo a luz de corpos distantes que
deixaram de existir ha muito. Não tem particular importância o fato de o direito de
olhar por telescópios e especular sobre o resultado tenha sido barrado pela Igreja:
não é uma falha de Ockham, e não há uma lei geral que obrigue a Igreja a ser tão
estúpida. E, partindo do inimaginável passado interestelar que envia através da
distância uma luz que esmaga nossos cérebros, descobrimos que também sabemos
algo sobre o futuro de nosso sistema, incluindo a taxa de sua expansão e a noção de
seu eventual fim. Porém, e fundamentalmente, nós hoje podemos fazer isso
dispensando (ou mesmo, caso você insista, mantendo) a ideia de um deus. Mas,
qualquer que seja o caso, a teoria funciona sem essa suposição. Você pode acreditar
em um manipulador divino se quiser, mas não faz diferença alguma, e entre
astrônomos e físicos a crença se tornou privada e bastante rara.
Em verdade, foi Ockham que preparou nossas mentes para essa conclusão
indesejável (para ele). Ele concebeu um "princípio de economia", popularmente
conhecido como "navalha de Ockham", que se baseia em descartar suposições
desnecessárias e aceitar a primeira explicação ou causa suficiente. "Não multiplique
entidades além do necessário." O princípio se estende. "Tudo que se explica afirmando
algo diferente do ato de compreender pode ser explicado sem afirmar essa coisa
diferente", escreveu ele. Ele não temia seguir sua própria lógica até onde ela o levasse,
e antecipou o surgimento da verdadeira ciência ao concordar em que era possível
conhecer a natureza das coisas "criadas" sem qualquer referência a seu "criador". De
fato, Ockham afirmou que não pode ser decididamente provado que Deus, se
definido como um ser que possui as qualidades de supremacia, perfeição,
singularidade e infinidade, existe. Contudo, se alguém quer identificar uma primeira
causa da existência do mundo, pode escolher chamar isso de "deus", mesmo que não
conheça a precisa natureza da primeira causa. E mesmo que a primeira causa tenha
suas dificuldades, já que uma causa pode em si precisar de outra. Ele escreveu: "É
difícil uma infinita regressão ou impossível contestar os filósofos em que não pode
haver nas causas do mesmo tipo, que uma pode existir sem a outra." Assim, o
postulado de projetista ou criador apenas levanta a questão irrespondível de quem
projetou o projetista ou criou o criador. Religião, teologia e teodiceia (agora sou eu
falando, não Ockham) têm constantemente fracassado em superar essa objeção. O
próprio Ockham simplesmente teve de recuar para a posição desesperançada de que
a existência de Deus só pode ser "demonstrada" pela fé.
Credibe est, quia ineptum est, como disse o "pai da Igreja" Tertuliano,
conciliadora ou irritantemente, dependendo de suas preferências. "Sua própria
improbabilidade torna-a crível." É impossível discutir seriamente tal visão. Se é
preciso ter fé para acreditar em algo, então a probabilidade de esse algo ter qualquer
verdade ou valor é consideravelmente reduzida. O trabalho duro de investigar,
provar e demonstrar é infinitamente mais recompensador, e revelou a nós
descobertas muito mais "milagrosas" e "transcendentes" que qualquer teologia.
De fato, o "salto da fé" — para usar a expressão memorável que Sören
Kierkegaard criou para isso — é uma impostura. Como ele mesmo destacou, não é
um "salto" que possa ser dado uma vez e definitivamente. É um salto que precisa ser
dado continuamente, apesar do volume de provas em contrário. Esse esforço na
verdade é demais para a mente humana e leva a ilusões e manias. A religião
compreende perfeitamente bem que o "salto" está sujeito a um retorno cada vez
menor, e é por isso que frequentemente não confia verdadeiramente na "fé", e sim
corrompe a fé e ofende a razão oferecendo evidências e apontando para "provas"
forjadas. Essas evidências e essas provas incluem argumentos de projeto, revelações,
punições e milagres. Agora que o monopólio da religião foi quebrado, está ao
alcance de qualquer ser humano ver essas evidências e provas como as invenções
pusilânimes que são.
6. Argumentos do projeto
Talvez possamos sorrir quando percebemos que Darwin escreve sobre o céu
permanecer parado e quando percebemos que ele fala da "perfeição" do olho, mas
apenas porque somos suficientemente felizes de saber mais do que ele sabia. O que é
importante notar, e guardar, é seu uso adequado da sensação do que é maravilhoso.
O verdadeiro "milagre" é que nós, que partilhamos genes com a bactéria
original que deu início à vida no planeta, tenhamos evoluído tanto quanto evoluímos.
Outras criaturas não desenvolveram olhos, ou os desenvolveram muito fracos. É um
paradoxo interessante: a evolução é cega, mas pode criar olhos. O brilhante professor
Francis Crick, um dos descobridores da dupla hélice, tem um colega chamado Leslie
Orgel, que apresentou esse paradoxo de uma forma mais elegante do que eu sou
capaz: "A evolução é mais inteligente que você", disse ele. Mas esse cumprimento à
"inteligência" da seleção natural não é de forma alguma uma concessão à ideia idiota
de "projeto inteligente". Alguns dos resultados são altamente impressionantes, como
tendemos a pensar em nosso próprio caso. ("Que obra é um homem!", exclama
Hamlet antes de se contradizer de certa forma ao descrever o resultado como a
"quintessência do pó", tendo as duas afirmações o mérito de serem verdade.) Mas o
processo pelo qual o resultado é obtido é lento e infinitamente laborioso, e nos deu
uma "cadeia" de DNA que é abarrotada de lixo inútil e que tem muito em comum
com criaturas muito inferiores. A marca da origem inferior é encontrada em nosso
apêndice, na hoje inútil cobertura de pelos que ainda produzimos (e depois
descartamos) após cinco meses no útero, em nossos joelhos facilmente desgastáveis,
nossos vestígios de rabos e nos muitos caprichos de nossa disposição urogenital. Por
que pessoas continuam dizendo que "Deus está nos detalhes"? Ele não está nos
nossos, a não ser que seus criacionistas caipiras queiram assumir o crédito por sua
inabilidade, seu fracasso e sua incompetência.
Aqueles que se renderam, não sem luta, às provas esmagadoras da
evolução estão agora tentando dar a si mesmos uma medalha pela aceitação da
derrota. A própria grandiosidade e variedade do processo, gostam de dizer hoje,
indica uma mente condutora e orientadora. Eles assim escolhem transformar seu
pretenso deus em um tolo desajeitado e apresentá-lo como um consertador, um
experimentador e um parvo que precisou de éons para moldar alguns poucos
exemplares utilizáveis e que no processo produziu um depósito de lixo repleto de
refugo e fracassos. Eles não tem um pouco mais de respeito pela divindade? Eles
dizem de forma nada sábia que a biologia evolucionária é "apenas uma teoria", o
que trai sua ignorância significado da palavra "teoria", bem como do significado da
palavra "prova". Um "teoria" é algo que evolui — com o perdão da palavra — para
se ajustar a fatos conhecidos. É uma teoria de sucesso se ela sobrevive à introdução
de fatos até então desconhecidos. E se torna uma teoria aceita se consegue fazer
previsões acuradas sobre coisas ou acontecimentos que ainda não foram descobertos
ou que ainda não aconteceram. Isso pode levar tempo, e também está sujeito a uma
versão do procedimento de Ockham. Os astrônomos do faraó no Egito podiam
prever eclipses, embora acreditassem que a Terra fosse plana: apenas exigia deles
muito mais trabalho desnecessário. A previsão de Einstein do exato instante em que
um eclipse iria acontecer na costa oeste da África foi muito mais elegante e confirmou
sua "teoria" da relatividade.
Há muitas divergências entre os evolucionistas sobre como se deu esse
processo complexo, e mesmo sobre como começou. Francis Crick chegou mesmo a
flertar com a teoria de que a vida teria sido "inseminada" na Terra por bactérias
lançadas por um cometa de passagem. Mas todas essas divergências, quando ou se
forem resolvidas, o serão por intermédio de métodos científicos e experimentais de
eficácia comprovada. Por outro lado, o criacionismo, ou "projeto inteligente" (não
passa de esperteza essa tentativa furtiva de rebatizar a si mesmo), não é sequer uma
teoria. Em toda a sua propaganda muito bem financiada, ela nunca sequer tentou
mostrar como uma única peça do mundo natural seria mais bem explicada pelo
"projeto" do que pela competição evolucionária. Um dos "questionários" enviados
pelos criacionistas se apresenta como uma lista de perguntas do tipo "sim ou não",
como:
Assim, caso você queira fazer a mais antiga das perguntas — por que os
humanos existem? —, a maior parte da resposta, no que diz respeito aos aspectos da
questão que a ciência pode abordar, deve ser: porque Pikaia sobreviveu ao massacre
de Burgess. Esta resposta não cita uma só lei da natureza; ela não incorpora
nenhuma afirmação sobre caminhos evolucionários previsíveis, nenhum cálculo de
probabilidades baseado em regras gerais de anatomia ou ecologia. A sobrevivência
Pikaia foi uma contingência de "pura história". Eu não acho que possa ser dada
qualquer resposta mais "elevada" e não consigo imaginar qualquer resolução mais
fascinante. Somos filhos da história, e precisamos definir nossos próprios caminhos
neste que é o mais diversificado e interessante dos universos concebíveis — um que é
indiferente ao nosso sofrimento, portanto nos oferece o máximo de liberdade para
prosperar, ou fracassar, da forma como escolhermos.
Uma forma "escolhida", é preciso acrescentar, dentro de limites
extremamente definidos. Essa é a voz serena e verdadeira de um cientista e
humanista dedicado. De uma forma indefinida, nós já sabíamos disso. A teoria do
caos nos familiarizou com a ideia do bater de asas imprevisto da borboleta que,
iniciando um pequeno zéfiro, acaba gerando um tufão devastador. De forma
perspicaz, a Augie March de Saul Bellow estabeleceu o corolário singelo de que "se
você detém uma coisa, detém a adjacente". E o livro perturbador, mas revelador, de
Gould sobre o folhelho Burgess é intitulado Vida maravilhosa, uma piada de duplo
sentido com um dos preferidos entre todos os filmes sentimentais americanos. No
clímax desse filme envolvente mas inescrutável, Jimmy Stewart gostaria de nunca ter
nascido, mas então um anjo mostra a ele como o mundo seria caso seu desejo fosse
atendido. Uma plateia mediana tem então uma visão indireta de uma versão do
princípio da incerteza de Heisenberg: qualquer tentativa de medir algo terá o efeito de
imediatamente alterar aquilo que está sendo medido. Apenas recentemente definimos
que uma vaca é mais próxima de uma baleia do que de um cavalo: outras
maravilhas certamente estão a nossa espera. Se nossa presença aqui, em nossa
forma atual, realmente é aleatória e casual, então pelo menos podemos
conscientemente esperar a posterior evolução de nossos pobres cérebros e estupendos
avanços na medicina e na duração da vida, derivados do trabalho em nossas
células-tronco elementares e nossas células de cordão umbilical.
Seguindo os passos de Darwin, nos últimos trinta anos Peter e Rosemary
Grant, da Universidade de Princeton, foram às Ilhas Galápagos, viveram em
condições difíceis na pequena ilha de Daphne Maior e realmente observaram e
mediram a forma como tentilhões evoluíram e se adaptaram às mudanças no
ambiente. Eles mostraram de forma conclusiva que o tamanho e a forma dos bicos
dos tentilhões se ajustaram à seca e à falta de alimento, se adaptando ao tamanho e
às características de diferentes sementes e besouros. Não apenas o bando original
com três milhões de anos de idade mudou de uma só forma, como, se a situação de
besouros e sementes retornar ao que era, os bicos podem acompanhar. Os Grant
acompanharam, viram acontecer e publicaram suas descobertas e suas provas para
todos verem. Estamos em dívida com eles. A vida deles foi difícil, mas quem poderia
desejar que em vez disso eles tivessem se mortificado em uma gruta santificada ou no
alto de em pilar sagrado?
Em 2005, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Chicago
realizou um trabalho sério em dois genes, conhecidos como microcefalina e ASPM,
que quando desativados causam a microcefalia. Bebês que nascem com essa
condição têm um córtex cerebral reduzido, muito provavelmente um vestígio da
época em que o cérebro humano era muito menor do que é hoje. Em geral
acreditava-se que a evolução dos humanos tinha sido concluída há cerca de cinquenta
ou sessenta mil anos (um instante em tempo evolucionário), mas aqueles dois genes
aparentemente têm evoluído mais rapidamente nos últimos 37 mil anos, levantando
a possibilidade de que o cérebro humano seja um work in progress. Em março de
2006, outro trabalho da mesma universidade revelou que há cerca de setecentas áreas
do genoma humano em que os genes foram modificados pela seleção natural nos
últimos cinco mil a quinze mil anos. Entre esses genes estão alguns responsáveis por
nossas "sensações de paladar e olfato, digestão, estrutura óssea, cor da pele e função
cerebral". (Um dos grandes resultados emancipadores do estudo do genoma é
mostrar que todas as diferenças "raciais" e de cor são recentes, superficiais e
enganadoras). É uma certeza moral que entre o momento em que eu termino de
escrever este livro e o momento de sua publicação serão feitas muitas outras
descobertas fascinantes e reveladoras nesse campo em expansão. Talvez seja cedo
demais para dizer que todo progresso é positivo ou "para cima", mas o
desenvolvimento humano ainda esta se processando. Isso é demonstrado no modo
pelo qual adquirimos imunidades e também no modo pelo qual não adquirimos. Os
estudos do genoma identificaram antigos grupos de europeus do norte que
aprenderam a domesticar gado e adquiriram um gene específico para "tolerância à
lactose", enquanto algumas pessoas de ascendência africana mais recente (todos
somos originários da Africa) são mais sujeitas a uma forma de anemia falciforme
que, embora problemática em si, resulta de uma mutação anterior que dava
proteção contra a malária. E tudo isso será posteriormente esclarecido se formos
modestos e pacientes o bastante para compreender os blocos de armar da natureza e
a marca inferior de nossa origem. Não é necessário um plano divino, muito menos
uma intervenção angelical. Tudo funciona sem essa suposição.
Assim, embora eu não goste de discordar de um grande homem, Voltaire
foi simplesmente ridículo quando disse que, se Deus não existisse, seria necessário
inventá-lo. A invenção humana de Deus é o primeiro problema. Nossa evolução tem
sido estudada "retrospectivamente", com a vida temporariamente superando a
extinção, e o conhecimento agora sendo pelo menos capaz de revisar e explicar a
ignorância. É verdade que a religião ainda tem a enorme, embora embaraçosa e
desajeitada, vantagem de ter surgido "primeiro". Mas, como Sam Harris destaca
com grande precisão em O fim da fé, se perdêssemos todo o nosso conhecimento
conseguido com dificuldade, todos os nossos arquivos e toda nossa ética e moral em
uma espécie de amnésia coletiva ao estilo Márquez, e tivéssemos de reconstruir do
nada tudo o que é fundamental, seria difícil imaginar o momento em que
precisaríamos relembrar ou garantir a nós mesmos que Jesus nasceu de uma
virgem.
Crentes ponderados também podem encontrar algum consolo. O ceticismo
e as descobertas os libertaram do fardo de ter de defender seu deus como um cientista
louco tolo, desajeitado e primário, e também de ter de responder a perguntas
perturbadoras sobre quem infligiu ao homem o bacilo da sífilis, determinou a lepra
ou a criança idiota ou concebeu os tormentos de Jó. Os fiéis estão dispensados disso:
já não temos nenhuma necessidade de um deus para explicar o que não é mais
misterioso. O que os crentes farão agora que sua fé é opcional, particular e irrelevante
é problema deles. Não devemos nos importar, desde que eles não façam novas
tentativas de inculcar a religião por qualquer forma de coerção.
7. Revelação: o pesadelo do "Velho" Testamento
Outra forma pela qual a religião se trai e tenta fugir à simples confiança na
fé oferecendo "provas" no sentido em que o termo normalmente é compreendido é
com o argumento da revelação. Em certas oportunidades muito especiais, afirma-se,
a vontade divina é revelada por contato direto com seres humanos escolhidos ao
acaso, aos quais supostamente são outorgadas leis inalteráveis que podem então ser
repassadas aos menos favorecidos.
Há que se fazer algumas objeções bastante óbvias a isso. Em primeiro
lugar, várias dessas revelações teriam ocorrido, em diferentes momentos e locais, a
profetas ou médiuns altamente discrepantes. Em alguns casos — especialmente o
cristão — uma revelação aparentemente não é suficiente e precisa ser reforçada por
aparições sucessivas, com a promessa de uma posterior e definitiva. Em outros casos
acontece a dificuldade oposta, e a instrução divina é dada uma primeira e única vez a
um personagem obscuro cuja menor palavra passa então a ser lei. Como todas essas
revelações, muitas delas lamentavelmente inconsistentes, não podem, por definição,
ser simultaneamente verdadeiras, consequentemente algumas delas são falsas e
ilusórias. Também em consequência, apenas uma delas seria autêntica, mas em
primeiro lugar isso parece dúbio, e em segundo lugar parece carecer de uma guerra
religiosa para decidir qual revelação é a verdadeira. Uma outra dificuldade é a
aparente tendência do Onipotente a se revelar apenas a indivíduos analfabetos e a
semi-históricos, em regiões do deserto do Oriente Médio que havia muito eram terra
de veneração a ídolos e de superstição, e em muitas oportunidades já coalhadas de
profecias anteriores.
A tendência sincrética do monoteísmo e a ancestralidade comum das
histórias na verdade significam que refutar uma delas é refutar todas. Por mais
horrenda e odiosamente que eles tenham combatido uns aos outros, os três
monoteísmos alegam partilhar descendência pelo menos do Pentateuco de Moisés, e
o Corão classifica os judeus como o "povo do livro", Jesus como um profeta e uma
virgem como sua mãe. (Curiosamente, o Corão não culpa os judeus do assassinato
de Jesus como faz um dos livros do Novo Testamento cristão, mas isso apenas
porque faz a alegação bizarra de que outra pessoa foi crucificada em seu lugar pelos
judeus.)
A história fundadora das três crenças se refere ao suposto encontro entre
Moisés e Deus, no cume do monte Sinai. Isso, por sua vez, levou à entrega do
Decálogo ou Dez Mandamentos. A história é contada no segundo livro de Moisés,
conhecido como Livro do Êxodo, nos capítulos 20-40. Grande atenção foi dada ao
capítulo 20, onde aparecem os próprios mandamentos. Não deveria ser necessário
resumi-los e apresentá-los, mas o esforço é válido.
Para começar, os chamados mandamentos não aparecem como uma lista
organizada de ordens e proibições. Os três primeiros são variações do mesmo, nos
quais Deus insiste em seu próprio primado e sua exclusividade, proíbe a produção de
imagens esculpidas e proíbe dizer seu nome em vão. Esse pigarro prolongado é
acompanhado de alguns alertas muito sérios, incluindo um aviso terrível de que os
pecados dos pais serão lançados sobre seus filhos "até a terceira ou quarta geração".
Isso nega a ideia moral e razoável de que as crianças são inocentes dos crimes de
seus pais. O quarto mandamento insiste na obediência a um dia sabático santificado
e proíbe todos os crentes — seus escravos e empregados domésticos — de realizar
qualquer trabalho nesse dia. Acrescenta que, como dito no Gênesis, Deus fez todo o
mundo em seis dias e descansou no sétimo (abrindo espaço para especulações sobre
o que ele fez no oitavo dia). O ditado então se torna mais conciso. "Honra teu pai e
tua mãe" (não pelo seu valor em si, mas a fim de que "se prolonguem os dias na
terra que o Senhor Deus te dá"). Apenas então vêm os famosos "nãos", que proíbem
explicitamente assassinato, adultério, roubo e falso testemunho. Finalmente, há um
veto à cobiça, proibindo o desejo por casa, escravo, escrava, boi, jumento e outros
bens do "teu próximo".
Seria difícil encontrar maior prova de que a religião é criação do homem.
Há, para começar, um rosnado monárquico sobre respeito e medo, acompanhado
de duro alerta sobre a onipotência e a vingança ilimitada, do tipo que um imperador
babilônico ou assírio teria ordenado que os escribas usassem para iniciar uma
proclamação. Há depois uma recomendação direta de continuar a trabalhar e
relaxar apenas quando o absolutista determinar. Seguem-se algumas poucas
recomendações legais bem definidas, uma das quais normalmente é mal apresentada
porque o hebraico original na verdade diz "Não cometereis assassinato". Porém, por
mais que se menospreze a tradição judaica, certamente é insultuoso ao povo de
Moisés pensar que ele teria chegado até aquele ponto com a impressão de que
assassinato, adultério, roubo e perjúrio eram permissíveis. (A mesma questão
irrespondível pode ser levantada de modo diferente em relação à suposta pregação
posterior de Jesus: quando ele conta a história do Bom Samaritano naquela estrada
de Jericó, está falando de um homem que agiu de um modo humano e generoso
sem, obviamente, ter ouvido falar de cristianismo, quando mais ter seguido os
ensinamentos impiedosos do deus de Moisés, que nunca menciona de modo algum
solidariedade e compaixão.) Nenhuma sociedade conhecida falhou em se proteger de
crimes óbvios como os supostamente definidos no monte Sinai. Finalmente, em vez
de uma condenação de atos maldosos, há uma condenação estranhamente elaborada
de pensamentos impuros. Também é possível dizer que isso é um produto humano
do suposto tempo e lugar, porque coloca a "mulher" juntamente com as outras
propriedades, animais, humanas e materiais, do próximo. Mais importante ainda,
ele exige o impossível: um problema recorrente de todos os éditos religiosos. A
pessoa pode ser contida em relação a atos iníquos, ou ser impedida de cometê-los,
mas proibir as pessoas de contemplá-los é demais. É particularmente absurdo
esperar banir a inveja dos bens e da sorte das outras pessoas, no mínimo porque o
espírito de inveja pode levar a emulação e ambição, e ter consequências positivas.
(Parece improvável que os fundamentalistas americanos, que desejam ver os Dez
Mandamentos entronizados em todas as salas de aulas e tribunais — quase como
uma imagem esculpida —, fossem tão hostis ao espírito do capitalismo.) Se Deus
realmente quisesse que as pessoas fossem libertadas de tais pensamentos, deveria ter
tido o cuidado de inventar uma espécie diferente.
Depois, há a questão bastante importante do que os mandamentos não
dizem. Seria moderno demais perceber que não há nada acerca da proteção das
crianças contra a crueldade, nada sobre estupro, nada sobre escravidão e sobre
genocídio? Ou seria rigorosamente "no contexto" perceber que alguns desses crimes
são quase positivamente recomendados? No versículo 2 do capítulo imediatamente
posterior, Deus diz a Moisés para instruir seus seguidores sobre as condições nas
quais eles podem comprar ou vender escravos (ou trespassar suas orelhas com um
furador), as regras referentes à venda de suas filhas. Isso é seguido por regulamento
loucamente detalhado sobre bois que chifram e são chifrados, incluindo os famosos
versos estabelecendo "vida por vida, olho por olho, dente por dente". A
microadministração de disputas agrícolas é momentaneamente interrompida com o
versículo abrupto (22-18) "Não deixarás viver a feiticeira". Esse foi durante séculos o
mandato para a tortura e a morte na fogueira, pelos cristãos, de mulheres que não se
conformaram. Eventualmente há injunções que são morais e também (pelo menos
na adorável versão do rei James) memoravelmente redigidas: "Não tomarás o
partido da maioria para fazeres o mal" foi ensinado a Bertrand Russel por sua avó, e
permaneceu toda a vida com o velho herege. Contudo, há poucas palavras
simpáticas aos esquecidos e apagados hivitas, cananeus e hititas, todos supostamente
parte da criação original do Senhor, que devem ser impiedosamente expulsos de seus
lares para abrir espaço para os ingratos e rebeldes filhos de Israel. (Essa suposta
promessa de Deus é a base para a alegação irredentista do século XIX de direito à
Palestina que nos deu infinitos problemas até hoje.)
Depois, 74 dos anciãos, incluindo Moisés e Aarão, se encontraram face a
face com Deus. Vários outros capítulos são dedicados a minuciosas determinações
sobre as enormes e prodigas cerimônias de sacrifício e propiciação que o Senhor
espera de seu povo recém-adotado, mas tudo isso termina em lágrimas e ainda por
cima com o cenário desmoronando: Moisés retorna de sua sessão particular no alto
da montanha para descobrir que o efeito de um encontro imediato com Deus tinha
desaparecido, pelo menos em Aarão, e que os filhos de Israel tinham feito um ídolo
com suas joias e quinquilharias. Vendo aquilo, ele impetuosamente esmaga as duas
tábuas do Sinai (que, portanto, parecem ter sido feitas pelo homem, e não por Deus,
e que precisam ser apressadamente refeitas em um capítulo posterior) e ordena o
seguinte:
"Cingi, cada um de vós, a espada sobre o lado, passai e tornai
a passar pelo acampamento, de porta em porta, e matai, cada
qual, a seu irmão, a seu amigo, a seu parente." Os filhos de
Levi fizeram, seguindo a palavra de Moisés, e naquele dia
morreram do povo uns três mil homens.
que esses livros são espúrios e que Moisés não é seu autor;
ainda mais, que eles não foram escritos na época de Moisés, e
sim várias centenas de anos depois, que eles são uma tentativa
de construir uma história da ida de Moisés e da época em que
ele teria vivido; e também de épocas anteriores, escritos por
alguns embusteiros muito ignorantes e idiotas vários anos
depois da morte de Moisés; como hoje os homens escrevem
histórias de coisas que aconteceram, ou supostamente
aconteceram, há várias centenas ou vários milhares de anos.
Assim, a não ser que quem fala seja Deus, isso realmente é tão
despropositado que se torna cômico. Todos podemos
compreender como um homem perdoa ofensas a si mesmo.
Você pisa nos meus dedos e eu o perdoo, você rouba meu
dinheiro e eu o perdoo. Mas o que devemos fazer com um
homem, ele mesmo não roubado e não pisado, que anuncia
que o perdoa por pisar nos dedos de outro homem ou roubar o
dinheiro de outro homem? Estultice mular é a descrição mais
gentil que poderíamos dar para seu comportamento. Mas foi
isso o que Jesus fez. Ele disse às pessoas que seus pecados
estavam perdoados e nunca esperou para consultar todas as
outras pessoas que realmente tinham sido feridas por aqueles
pecados. Ele se comportou, sem hesitação, como se Ele fosse a
principal parte afetada, a principal pessoa ofendida em todas
as ofensas. Isso só faz sentido se ele realmente fosse o Deus
cujas leis são violadas e cujo amor é afetado a cada pecado.
Na boca de qualquer um que não seja Deus, essas palavras
significariam o que eu só posso ver como uma tolice e uma
presunção não igualadas por qualquer outro personagem da
história.
Deve-se notar que Lewis supõe, sem qualquer prova, que Jesus realmente
era "personagem da história", mas vamos deixar isso de lado. Ele merece algum
crédito por aceitar a lógica e a moralidade do que afirmou. Para aqueles que
argumentam que Jesus podia ter sido um professor de moral sem ser divino (o teísta
Thomas Jefferson alegou de passagem ser um deles), Lewis tinha essa resposta
penetrante:
Eu mais uma vez escolhi minha fonte com base no critério de "provas
contra o interesse": em outras palavras, de alguém cuja formação original e jornada
intelectual não eram de modo algum voltadas para desafiar a palavra divina. A
defesa da consistência, da autenticidade ou da "inspiração" bíblica tem problemas há
algum tempo, e as falhas e os remendos se tornam cada vez mais óbvios com
melhores pesquisas, de modo que nenhuma "revelação" virá daquele campo. Assim,
portanto, deixemos os defensores e partidários da religião confiarem apenas na fé, e
que eles sejam corajosos o bastante para admitir que é isso o que estão fazendo.
9. O Corão parte dos mitos judaicos e cristãos
Ou:
Ele com certeza tinha razão na última frase: ao concluir ele tinha
transformado Madre Teresa em um personagem de fama mundial. Minha
contribuição foi conferir e publicar o depoimento verbal direto de Ken Macmillan, o
próprio cinegrafista. Ei-lo aqui:
E nasceu uma estrela... Por causa dessa e de outras críticas eu fui convidado
pelo Vaticano para uma sala fechada contendo uma Bíblia, um gravador, um
monsenhor, um diácono e um padre, onde me perguntaram se eu podia lançar
alguma luz sobre a questão da "serva de Deus, Madre Teresa". Mas, embora eles
parecessem estar me perguntando isso de boa fé, seus colegas do outro lado do
mundo estavam garantindo o "milagre" necessário que permitiria que a beatificação
(prelúdio à canonização) seguisse em frente. Madre Teresa morreu em 1997. No
primeiro aniversário de sua morte, duas freiras na aldeia bengalesa de Raigunj
alegaram ter prendido uma medalha de alumínio da falecida (medalha que
supostamente teria estado em contato com seu corpo morto) no abdômen de uma
mulher chamada Monica Besra. Essa mulher, que teria um grande tumor no útero,
ficou curada dele. Deve-se notar que Monica é um nome feminino católico não muito
comum em Bengala, portanto provavelmente a paciente e certamente as duas freiras
já eram fãs de Madre Teresa. Essa definição não abrangia o dr. Manju Murshed,
superintendente do hospital local, nem o dr. T. K. Biswas e seu colega ginecologista
dr. Ranjan Mustafi. Os três se apresentaram e disseram que a sra. Besra sofria de
tuberculose e de tumor no ovário e tinha sido tratada com sucesso dos dois males. O
dr. Murshed ficou particularmente incomodado com os muitos telefonemas que
recebeu da ordem de Madre Teresa, as "Missionárias da Caridade", pressionando-o
a dizer que a cura tinha sido milagrosa. A própria paciente não era uma entrevistada
muito impressionante, falando rapidamente porque, como ela disse, "do contrário
poderia esquecer" e pedindo para ser poupada de perguntas porque seria obrigada a
"recordar". Seu próprio marido, um homem chamado Selku Murmu, rompeu o
silêncio depois de algum tempo para dizer que sua esposa tinha sido curada por
tratamento médico comum e contínuo.
Qualquer supervisor de hospital em qualquer país dirá que algumas vezes
os pacientes apresentam recuperações impressionantes (assim como pessoas
aparentemente saudáveis frequentemente ficam inexplicável e gravemente doentes).
Aqueles que desejam confirmar milagres talvez gostassem de dizer que tais
recuperações não tem explicação "natural". Mas isso de modo algum significa que,
portanto, elas tenham uma explicação "sobrenatural". Naquele caso, porém, não
havia nada nem de longe surpreendente em a sra. Besra recuperar a saúde. Alguns
distúrbios conhecidos foram tratados com métodos bem conhecidos. Alegações
extraordinárias estavam sendo feitas mesmo sem indícios extraordinários. Ainda
assim, chegará um dia em Roma em que uma enorme e solene cerimônia irá
proclamar a santidade de Madre Teresa como alguém cuja intercessão pode ser mais
forte que a medicina, para todo o mundo. Não apenas isso é um escândalo em si,
mas também irá postergar o dia em que os aldeões indianos deixarão de confiar em
curandeiros e faquires. Em outras palavras, muitas pessoas irão morrer
desnecessariamente como resultado desse "milagre" falsificado e desprezível. É o
melhor que a Igreja pode fazer em uma época em que suas alegações podem ser
conferidas por médicos e repórteres, e não é difícil imaginar o que era fraudado em
épocas passadas de ignorância e medo quando os padres se deparavam com menos
dúvidas e oposição.
Mais uma vez, a navalha de Ockham é limpa e decisiva. Quando são
oferecidas duas explicações, é preciso descartar aquela que explica menos, explica
nada ou que produz mais perguntas que respostas.
O mesmo vale para aquelas oportunidades em que as leis da natureza são
aparentemente suspensas de uma forma que não oferece contentamento ou consolo
evidente. Tragédias naturais na verdade não são violações das leis da natureza, e sim
parte das suas inevitáveis flutuações, mas sempre foram utilizadas para
impressionar os tolos com o poder da desaprovação de Deus. Os primeiros cristãos,
atuando em regiões da Ásia Menor em que terremotos eram e são frequentes,
reuniam multidões quando um templo pagão ruía e estimulavam a conversão
enquanto ainda havia tempo. A colossal explosão vulcânica do Krakatoa no final do
século XIX provocou uma enorme conversão ao islamismo entre a população
aterrorizada da Indonésia. Todos os livros sagrados falam com excitação de
inundações, furacões, raios e outros fenômenos. Após o terrível tsunami da Ásia em
2005, e depois da inundação de Nova Orleans em 2006, homens bastante sérios e
instruídos como o arcebispo de Canterbury foram reduzidos ao nível de camponeses
bestificados ao agonizarem publicamente sobre como interpretar a vontade de Deus
na questão. Mas se a pessoa faz a suposição simples, baseada em um conhecimento
absolutamente certo, de que vivemos em um planeta que ainda está resfriando, tem
um núcleo fundido, falhas e rachaduras em sua crosta e um sistema climático
turbulento, então simplesmente não há a necessidade de tal ansiedade. Tudo já está
explicado. Eu não consigo entender por que os religiosos relutam tanto em admitir:
isso os livraria das perguntas fúteis sobre por que Deus permite tanto sofrimento.
Mas aparentemente esse incômodo é um pequeno preço a pagar para manter vivo o
mito da intervenção divina.
A suspeita de que uma calamidade também possa ser uma punição é
igualmente útil no sentido de que isso permite infinita especulação. Depois de Nova
Orleans, que foi vítima de uma combinação letal de ser construída abaixo do nível
do mar e negligenciada pelo governo Bush, aprendi com um rabino sênior em Israel
que era uma vingança pela evacuação dos colonos judeus da Faixa de Gaza, e com o
prefeito de Nova Orleans (que não desempenhou sua própria missão com
excepcional maestria) que era o veredicto de Deus sobre a invasão do Iraque. Você
pode indicar seu próprio pecado preferido aqui, como fizeram os "reverendos" Pat
Robertson e Jerry Falwell após a imolação do World Trade Center. Naquela
oportunidade, a causa provável devia ser buscada e encontrada na rendição dos
Estados Unidos ao homossexualismo e ao aborto. (Alguns antigos egípcios
acreditavam que a sodomia era a causa dos terremotos: eu espero que essa
interpretação renasça com força especial quando a Falha de San Andreas estremecer
sob a Gomorra de São Francisco.) Quando a poeira assentou no Pavimento Zero,
descobriu-se que dois pedaços de vigas danificadas ainda apresentavam a forma de
uma cruz, o que produziu muitos comentários. Como toda a arquitetura sempre
envolveu cruzamentos, seria surpreendente apenas se tal característica não surgisse.
Eu admito que teria ficado surpreso caso o entulho tivesse se disposto na forma de
uma estrela de Davi ou de um crescente com estrela, mas não há registros de que isso
tenha acontecido em lugar algum, mesmo em lugares em que o povo local pudesse
ficar impressionado com isso. E, lembre-se, os milagres supostamente acontecem
por ordem de um ser que é onipotente, além de onisciente e onipresente. Seria de
esperar um desempenho mais grandioso do que sempre costuma ocorrer.
As "provas" da fé, portanto, parecem deixar a fé parecendo ainda mais
fraca do que se ela se sustentasse sozinha, sem apoio. O que é possível afirmar sem
provas também pode ser descartado sem provas. Isso é ainda mais verdadeiro
quando "provas" finalmente oferecidas são tão fracas e facciosas.
Trotski tinha uma grande crítica materialista que permitia a ele ser
presciente, não todo o tempo nem de todas as formas, mas em algumas
oportunidades de forma muito impressionante. E ele certamente tinha uma noção —
expressa em seu ensaio emotivo Literatura e revolução — da incontrolável ânsia dos
pobres e oprimidos de se erguerem acima do mundo estritamente material e
conseguirem algo transcendente. Durante boa parte de minha vida eu partilhei essa
ideia, que ainda não abandonei inteiramente. Mas chegou o momento em que eu não
podia me proteger, e de fato não desejava me proteger, do assalto da realidade. Eu
admiti que o marxismo tinha suas glórias intelectuais, filosóficas e éticas, mas estas
pertenciam ao passado. Algo do período heroico talvez resistisse, mas era preciso
enfrentar os fatos: já não havia um guia para o futuro. Além disso, o próprio
conceito de uma solução total tinha levado a horrendos sacrifícios humanos e à
invenção de desculpas para eles. Aqueles de nós que tinham buscado uma alternativa
racional à religião tinham chegado a um limite que era comparavelmente
dogmático. O que mais esperar de algo que tinha sido produzido pelos primos mais
próximos dos chimpanzés? Infalibilidade? Assim, caro leitor, se você chegou a este
ponto e descobriu sua própria fé abalada — como eu espero —, estou disposto a dizer
que de certa forma sei pelo que você está passando. Há dias em que sinto falta de
minhas antigas convicções como se elas fossem um membro amputado. Mas em
geral me sinto melhor, e não menos radical, e você também irá se sentir melhor,
garanto, quando se livrar da doutrinação e permitir que sua mente livre pense por
conta própria.
11. "A marca de sua origem inferior": o começo corrompido da religião
Um antigo ditado popular de Chicago afirma que se você quiser manter seu
respeito pelos vereadores da cidade ou seu apetite por salsichas, tome o cuidado de
não estar presente quando os primeiros são preparados ou os segundos são feitos. É
a anatomia do homem, diz Engels, a chave para a anatomia do macaco. Assim, se
observamos o processo de formação de uma religião, podemos fazer algumas
suposições sobre as origens daquelas religiões que foram produzidas antes que a
maioria das pessoas soubesse ler. De uma ampla seleção de religiões-salsicha
abertamente fabricadas, vou escolher o "culto ao carregamento" melanésio, o astro
pentecostal Marjoe e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais
conhecida como mórmons.
A ideia certamente ocorreu a muitas pessoas ao longo do tempo: e se
houver vida após a morte, mas não Deus? E se houver Deus, mas não vida após a
morte? Pelo que sei, o autor mais claro a expressar esse problema foi Thomas
Hobbes em sua obra prima de 1651, Leviatã. Eu recomendo fortemente que você leia
a parte III. capítulo 38, e a parte IV capítulo 44, por conta própria, porque o
domínio por Hobbes tanto das escrituras sagradas quanto da língua inglesa é de tirar
o fôlego. Ele também nos lembra como era perigoso, e sempre foi, até mesmo
pensar nessas coisas. Seu início enérgico e irônico é eloquente em si. Refletindo sobre a
história absurda da "Queda" de Adão (o caso original de alguém ser criado livre e
então sufocado com proibições impossíveis de obedecer), Hobbes opinou — não se
esquecendo temerosamente de acrescentar que o fazia "ainda assim com submissão,
tanto nisso quanto em todas as questões, à determinação estabelecida nas Escrituras"
— que se Adão foi condenado à morte por pecar, sua morte deve ter sido adiada, já
que ele conseguiu criar uma grande posteridade antes de realmente morrer.
Tendo plantado o pensamento subversivo — que proibir Adão de comer de
uma árvore por risco de morte e de outra por risco de viver para sempre é absurdo e
contraditório —, Hobbes foi obrigado a imaginar escrituras alternativas e até mesmo
punições alternativas e eternidades alternativas. Sua questão era que as pessoas
podiam não obedecer ao governo dos homens se temessem mais a reação divina que
a morte horrível aqui e agora, mas ele reconheceu o processo pelo qual as pessoas
são sempre livres para produzir uma religião que se ajuste a elas, as gratifique ou
bajule. Samuel Butler iria adaptar essa ideia em seu Erewhon Revisited. No Erewhon
original, o sr. Higgs faz uma visita a um país distante, do qual ele finalmente
consegue escapar em um balão. Ao retornar, duas décadas mais tarde, ele descobre
que durante a ausência tinha sido transformado em um deus chamado "Filho do
Sol", venerado no dia em que ascendeu ao céu. Dois sumo sacerdotes estão prontos
para celebrar a ascensão, e quando Higgs ameaça denunciá-los e se revelar um mero
mortal, ele ouve: "Você não pode fazer isso, pois toda a moral deste país é
organizada em torno desse mito e, se eles souberem que você não ascendeu ao céu, se
tornarão iníquos."
Em 1964 foi lançado um elogiado documentário chamado Mondo Cane,
ou "mundo cão", no qual os diretores apresentavam diversas crueldades e ilusões
humanas. Pela primeira vez foi possível ver uma nova religião sendo construída,
diretamente para a câmera. Os habitantes das ilhas do Pacífico podem ter sido
mantidos durante séculos separados do mundo mais desenvolvido economicamente,
mas ao receberem o impacto fatal muitos deles foram perspicazes o bastante para e o
princípio imediatamente. Lá estavam grandes navios com velas enfunadas levando
tesouros, armas e equipamentos incomparáveis. Alguns do ilhéus mais incultos
fizeram o que muitas pessoas fazem quando confrontadas com um novo fenômeno, e
tentaram traduzi-lo para um discurso que eles mesmos pudessem compreender (não
diferentemente daqueles astecas assustados que ao verem pela primeira vez espanhóis
a cavalo na Mesoamérica concluíram que tinham centauros como inimigos).
Aquelas pobres almas decidiram que os ocidentais eram seus ancestrais havia muito
pranteados que finalmente retornavam com bens de além-túmulo. Essa ilusão não
pode ter sobrevivido muito ao encontro com os colonos, mas posteriormente se
observou em diversos pontos que os ilhéus mais brilhantes tiveram uma ideia
melhor. Eles perceberam que foram construídos docas e píeres, depois do que vieram
mais barcos, que descarregaram mais bens. Agindo por analogia e mimese, os
locais construíram seus próprios píeres e esperaram que também eles atraíssem
alguns barcos. Por mais fútil que fosse esse procedimento, ele retardou bastante o
avanço posterior de missionários cristãos. Quando eles apareceram, foi perguntado
onde estavam os presentes (e logo se saíram com algumas quinquilharias).
No século XX, o "culto ao carregamento" reviveu de uma forma ainda
mais impressionante e tocante. Unidades das Forças Armadas dos Estados Unidos
que chegaram ao Pacífico para construir campos de pouso para a guerra contra o
Japão descobriram que eram objeto de uma emulação servil. Entusiastas locais
abandonaram a observância cristã mal incorporada e dedicaram toda a sua energia
à construção de pistas de pouso que pudessem atrair aviões carregados. Eles
construíram antenas de mentira com bambu. Fizeram e acenderam fogueiras para
simular as luzes que guiavam os aviões americanos para o solo. Continua a ser
assim, o que é a parte mais triste da sequência de Mondo Cane. Na ilha de Tana, um
conscrito americano foi declarado como sendo o redentor. Seu nome, John Frum,
também parece ter sido uma invenção. Mas, mesmo depois de o último recruta ter
decolado ou zarpado após 1945, o retorno do salvador Frum era pregado e previsto,
e uma cerimônia anual ainda leva seu nome. Em outra ilha chamada Nova
Bretanha, adjacente a Papua Nova Guiné, o culto é ainda mais chocantemente
análogo. Ele tem dez mandamentos (as "Dez Leis"), uma trindade que tem uma
presença no céu e outra na Terra, e um sistema ritual de pagamento de tributos na
esperança de agradar essas autoridades. Se o ritual for realizado com pureza e fervor
suficientes, acreditam os seguidores, surgirá uma era de leite e mel. Esse futuro
radiante, triste dizer, é conhecido como o "Período das Companhias" e fará com que
Nova Bretanha floresça e prospere como se fosse uma empresa multinacional.
Algumas pessoas talvez se ofendam até mesmo com a sugestão de uma
comparação, mas os livros sagrados do monoteísmo oficial não estão repletos de
desejos materiais e com descrições admiradas — quase de dar água na boca — da
riqueza de Salomão, os grandes rebanhos dos fiéis, as recompensas para o bom
muçulmano no paraíso, para não falar das muitas histórias terríveis de saques e
despojos? Jesus, é verdade, não demonstrou interesse pessoal em ganhos, mas ele fala
de um tesouro no céu e mesmo em "mansões" para estimular que o seguissem.
Também não é verdade que todas as religiões ao longo dos tempos demonstraram
um grande interesse na acumulação de bens materiais no mundo real?
A sede de dinheiro e conforto material é apenas um subtexto da história
tediosa de Marjoe Gortner, o "fenômeno infantil" do comércio evangélico americano.
Grotescamente batizado de "Marjoe" (uma fusão cretina de Mary e Joseph) por seus
pais, o jovem mestre Gortner foi colocado no púlpito aos 4 anos de idade, vestindo
um revoltante terno Little Lord Fauntleroy, e incitado a dizer que tinha recebido a
orientação divina de pregar. Quando ele se queixava ou chorava, sua mãe o
colocava sob a torneira ou apertava um travesseiro sobre seu rosto, sempre tomando
o cuidado, como ele conta, de não deixar marcas. Treinado como uma foca, ele logo
chamou a atenção das câmeras e aos 6 anos de idade estava fazendo casamentos de
adultos. Sua fama se espalhou, e muitos correram para ver a criança milagrosa. Ele
avalia que levantou 3 milhões de dólares em "contribuições", nenhum dos quais foi
destinado a sua educação ou a seu futuro. Aos 17 anos ele se rebelou contra seus pais
impiedosos e cínicos e "se lançou" na contracultura da Califórnia do início da década
de 1960.
Na imortal fantasia de Natal infantil Peter Pan há um clímax quando a
fada Sininho parece estar morrendo, a luz brilhante com que ela é representada no
palco começa a se apagar, e só há uma forma de reverter a terrível situação. Um
ator vai até a frente da plateia e pergunta às crianças: "Vocês acreditam em fadas?"
Se elas dão como resposta um "sim!" confiante, a pequena luz volta a brilhar. Quem
pode fazer objeções a isso? Ninguém quer eliminar a crença das crianças em mágica
— depois haverá muito tempo para essa desilusão — e ninguém estará na saída
pedindo que elas contribuam com seus cofrinhos para a Igreja da Salvação da
Sininho. Os acontecimentos nos quais Marjoe foi explorado tinham todo o conteúdo
intelectual da cena de Sininho, nojentamente combinados com a ética do Capitão
Gancho.
Cerca de uma década mais tarde, o sr. Gortner produziu a melhor
vingança possível para sua infância roubada e vazia, e decidiu fazer um favor
público em geral de modo a compensar sua fraude consciente. Ele convidou uma
equipe de filmagem a acompanhá-lo enquanto ele ostensivamente "voltava" a pregar
o Evangelho, e se deu o trabalho de explicar como todos os golpes eram dados. É
assim que você induz mulheres maternais (ele era um tipo bonito) a abrir mão de
suas poupanças. É assim que você usa a música para criar um efeito de êxtase. É
nesse ponto que você fala de como Jesus o visitou pessoalmente. Este é o momento
em que você coloca em sua testa tinta invisível na forma de uma cruz, a fim de que
ela seja subitamente revelada quando você estiver suando. Este é o momento em que
você realmente parte para o ataque. Ele mantém todas as suas promessas, dizendo
antecipadamente ao diretor do filme o que ele pode fazer e o que fará, depois entrando
no auditório e atuando com absoluta convicção. As pessoas choram e gritam,
desmaiam em espasmos e surtos, gritando o nome de seu salvador. Homens e
mulheres cínicos, vulgares e grosseiros esperam o momento psicológico de pedir
dinheiro e começam a contá-lo antes mesmo que a farsa do "serviço" tenha
terminado. Eventualmente alguém vê o rosto de uma criança pequena arrastada
para a barraca e parecendo infeliz e desconfortável enquanto seus pais se contorcem,
gemem e entregam seu pagamento suado. Sabe-se, claro, que todo o negócio do
evangelismo americano é apenas isso: uma fraude desalmada conduzida por
personagens secundários do Pardoner's Tale de Chaucer. (Vocês, idiotas, ficam com
a fé. Nós ficamos com o dinheiro.) E deveria ser assim quando indulgências eram
vendidas abertamente em Roma e quando um prego ou pedaço de madeira da
crucificação podia atingir um bom preço em qualquer mercado de pulgas da
cristandade. Mas ver o crime denunciado por alguém que é ao mesmo tempo vítima
e beneficiário ainda é bastante chocante mesmo para o não-crente mais insensível.
Após saber disso, que perdão? O filme Marjoe ganhou um Oscar em 1972, e isso
não fez absolutamente nenhuma diferença. Os moinhos dos pregadores da TV
continuam a esmagar, e os pobres continuam a financiar os ricos, assim como se os
templos e os palácios brilhantes de Las Vegas tivessem sido construídos com o
dinheiro daqueles que ganharam, e não daqueles que perderam.
Em seu cativante romance A criança no tempo, Ian McEwan nos oferece
um personagem e narrador desolado que é reduzido pela tragédia a um estado de
quase inércia no qual durante boa parte do dia ele assiste à TV de forma vazia.
Observando o modo como seus próximos se permitem — se oferecem para — ser
manipulados e humilhados, ele cunha uma frase para aqueles que se entregam a
assistir ao espetáculo. Ele decide que aquilo é "a pornografia do democrata". Não é
esnobismo percebe a forma como as pessoas exibem sua ingenuidade e seu instinto
de rebanho, e seu desejo ou talvez necessidade de serem crédulas e enganadas. É um
problema antigo. A credulidade pode ser uma forma de inocência, e até mesmo
inócua em si, mas é um grande convite a que os malvados e os espertos explorem
seus irmãos e irmãs, e, portanto, é uma das grandes vulnerabilidades humanas. Não
é possível nenhum relato honesto do crescimento e da persistência da religião sem
referências a esse fato inflexível.
Pode ser igualmente útil e instrutivo dar uma olhada no fim de religiões ou
movimentos religiosos. Os milleritas, por exemplo, não existem mais. E nunca mais
ouviremos falar deles novamente, a não ser de uma forma residual e nostálgica, de
Pã, Osíris ou qualquer dos milhares de deuses que um dia mantiveram as pessoas
em absoluta servidão. Mas eu tenho de confessar uma leve simpatia, que eu tentei
inutilmente reprimir, por Sabbatai Sevi, o mais imponente dos "falsos Messias". Em
meados do século XVII ele galvanizou todas as comunidades judaicas através do
Mediterrâneo e do Levante (e mesmo regiões distantes como Polônia, Hamburgo e
até Amsterdã, que repudiara Spinoza) com sua alegação de que era o escolhido que
levaria os exilados de volta à Terra Prometida e iniciaria a era de paz universal. Sua
chave para a revelação era o estudo da Cabala — mais recentemente revivida na
moda por uma mulher do showbiz bizarramente chamada Madonna —, e sua
chegada foi recebida por congregações judaicas histéricas desde sua base natal em
Smirna até Tessalônica, Constantinopla e Alepo. (Os rabinos de Jerusalém, já tendo
sido anteriormente perturbados por alegações messiânicas prematuras, eram mais
céticos.) Com a utilização de uma conjura cabalista que transformava seu próprio
nome no equivalente a "Mosiach" ou "Messias" quando desembaralhado de um
anagrama hebraico, ele pode ter se convencido, e certamente convenceu outros, de que
era o esperado. Como formulou um de seus discípulos:
Pouco mais de um século após Joseph Smith ter caído vítima da violência e
da loucura que ele tinha ajudado a liberar, outra voz profética se ergueu nos Estados
Unidos. Um jovem pastor negro chamado dr. Martin Luther King começou a pregar
que seu povo — os descendentes da mesma escravidão que Joseph Smith e todas as
outras igrejas cristãs tinham tão calorosamente aprovado — deveria ser livre. É
impossível mesmo para um ateu como eu ler seus sermões ou assistir a gravações de
seus discursos sem uma profunda emoção daquele tipo que algumas vezes provoca
lágrimas verdadeiras. A "Carta da Cadeia de Birmingham" do dr. King, escrita em
resposta a um grupo de clérigos cristãos brancos que o conclamaram a demonstrar
contenção e "paciência" — em outras palavras, a saber seu lugar —, é um modelo de
retórica. Gelidamente polida e com disposição generosa, ela ainda exala uma
irredutível convicção de que a sórdida injustiça do racismo não deve mais ser
suportada.
A magnífica biografia em três volumes do dr. King escrita por Taylor
Branch é sucessivamente intitulada Parting the Waters, Pillar of Fire e At Cannans
Edge. E a retórica com a qual King se dirigia a seus seguidores era concebida para
evocar a própria história que todos eles conheciam melhor — aquela que começa
quando Moisés diz pela primeira vez ao faraó: "Deixe meu povo partir." Discurso
após discurso, ele inspirou os oprimidos e exortou e envergonhou seus opressores.
Lentamente, a constrangida liderança religiosa do país passou para seu lado. O
rabino Abraham Heschel perguntou: "Onde hoje na América ouvimos uma como a
voz dos profetas de Israel? Martin Luther King é um sinal de que Deus não se
esqueceu dos Estados Unidos da América."
O mais extraordinário de tudo, se seguirmos a narrativa mosaica, foi o
sermão que King fez na última noite de sua vida. Seu trabalho de transformar a
opinião pública e mudar o teimoso governo Kennedy tinha sido quase concluído, e ele
estava em Memphis, Tennessee, para apoiar uma longa e amarga greve dos
coletores de lixo da cidade, em cujos cartazes apareciam as simples palavras "Eu sou
um homem". No púlpito do Mason Temple, ele revisou a demorada luta dos anos
anteriores, então repentinamente disse: "Mas isso não importa para mim agora."
Houve silêncio, até que ele recomeçasse. "Porque eu estive no topo da montanha. E eu
não me preocupo. Como qualquer um, eu gostaria de ter uma vida longa. A
longevidade tem seu lugar. Mas não estou preocupado com isso agora. Quero
apenas a vontade de Deus. E ele me permitiu ir ao topo da montanha. E eu olhei ao
redor. E eu vi a Terra Prometida. Eu talvez não chegue até lá com vocês, mas eu
quero que vocês saibam, esta noite, que como povo nós chegaremos à Terra
Prometida!" Ninguém que estava lá naquela noite se esqueceu disso, e ouso dizer que
o mesmo vale para qualquer um que veja o filme que com tanta felicidade foi feito
daquele momento transcendente. A segunda melhor forma de experimentar esse
sentimento em segunda mão é ouvir como Nina Simone cantou, naquela mesma
semana terrível, "The King of Love Is Dead". No conjunto, o drama tem a
capacidade de unir elementos de Moisés no monte Nebo com a agonia no Jardim de
Getsêmani. O efeito praticamente em nada diminui mesmo quando descobrimos que
aquele era um de seus sermões preferidos, um que ele tinha feito muitas vezes antes e
ao qual podia apelar se a ocasião exigisse.
Mas os exemplos que King deu dos livros de Moisés foram, felizmente para
todos nós, metáforas e alegorias. Sua pregação mais imperativa era a da não-
violência. Em sua versão da história não há punições selvagens e genocídios
sangrentos. Nem há os mandamentos cruéis sobre apedrejar crianças e queimar
bruxas. Seu povo perseguido e desprezado não recebeu a promessa de ter o território
de outros, nem foi incitado a pilhar e assassinar outras tribos. Ante interminável
provocação e brutalidade, King suplicou a seus seguidores que se tornassem aquilo
que durante algum tempo eles realmente foram: os tutores morais dos Estados
Unidos e do mundo além de suas fronteiras. Ele efetivamente perdoou seu assassino
antecipadamente: o único detalhe que teria tornado suas últimas palavras impecáveis
e perfeitas teria sido exatamente essa declaração. Mas a diferença entre ele e os
"profetas de Israel" não poderia ter ficado mais clara. Se a população tivesse sido
criada no joelho da mãe ouvindo a história da Anábase de Xenofonte e a longa,
estafante e perigosa jornada dos gregos até sua triunfante visão do mar, essa alegoria
poderia ter funcionado igualmente bem. Mas, da forma que era, o "Bom Livro" era o
único ponto de referência que todos tinham em comum.
A reforma cristã surgiu originalmente da capacidade que seus defensores
tinham de comparar o Velho Testamento com o Novo. Os antigos livros judaicos
aglutinados tinham um deus mal-humorado, implacável, sanguinário e provinciano
que provavelmente era mais assustador quando estava de bom humor ( o atributo
clássico do ditador). Enquanto isso, os livros aglutinados dos últimos dois mil anos
continham apoio para os esperançosos e referências a humildade, perdão, cordeiros,
ovelhas e assim por diante. Essa distinção é mais aparente que real, já que é apenas
nas observações relatadas de Jesus que encontramos menção a inferno e punição
eterna. O deus de Moisés abruptamente convocava outras tribos, incluindo a sua
predileta, a sofrer massacre, peste e mesmo eliminação, mas quando o túmulo se
fechava sobre suas vítimas ele fundamentalmente tinha terminado com elas, a não
ser que se lembrasse de amaldiçoar sua descendência. Apenas com o advento do
Príncipe da Paz começamos a ouvir falar de posteriores punições e da tortura aos
mortos. Inicialmente pressagiado pela arenga bombástica de João Batista, o filho de
Deus é revelado como quem, se suas palavras mais suaves não são aceitas de
imediato, condena os desatentos ao fogo eterno. Isso desde então ofereceu proteção
para sádicos clericais e aparece de forma deliciosa nas invectivas do islamismo. Em
nenhum momento o dr. King — que certa vez foi fotografado em uma livraria
esperando calmamente por um médico enquanto a faca de um maníaco permanecia
firmemente cravada em seu peito — sequer insinuou que aqueles que o feriram e
maltrataram deveriam ser ameaçados com qualquer vingança ou punição, neste
mundo ou no próximo, salvo as consequências de seu próprio egoísmo e estupidez. E
ele até mesmo definiu o problema de uma forma mais cortês do que, em minha
humilde opinião, seus alvos mereciam. Portanto, em nenhum sentido real, em
oposição a nominal, ele era um cristão.
Isso de modo algum diminui sua estatura de grande pregador, não mais
do que o fato de que era um mamífero como o resto de nós, que provavelmente
plagiou sua dissertação de doutorado e tinha um conhecido interesse em bebedeiras e
mulheres bem mais jovens que sua esposa. Ele passou o restante de sua última noite
em dissipação orgiástica, pelo que eu não o culpo. (Essas coisas, que, claro,
perturbam os fiéis são bastante encorajadoras no sentido de que mostram que um
alto caráter moral não é pré-condição para grandes realizações morais.) Mas se seu
exemplo for utilizado, como frequentemente é, para demonstrar que a religião tem
um efeito de elevação e libertação, então vamos analisar a alegação ampla.
Tomando como nosso exemplo a memorável história da América negra,
vamos descobrir, primeiramente, que os escravizados não eram cativos de algum
faraó, mas de vários Estados e sociedades cristãs que durante muitos anos operaram
um "comércio" triangular entre a costa oeste da África, o litoral leste da América do
Norte e as capitais da Europa. Essa indústria imensa e terrível era abençoada por
todas as igrejas e durante muito tempo não levantou qualquer protesto religioso. (Seu
equivalente, o comércio de escravos no Mediterrâneo e no Norte da África era
endossado explicitamente e levado a cabo em nome do islamismo.) No século
XVIII, alguns dissidentes menonitas e quacres nos Estados Unidos começaram a
pedir a abolição, assim como livres-pensadores como Thomas Paine. Thomas
Jefferson, refletindo sobre o modo como a escravidão corrompia e brutalizava os
mestres assim como explorava e torturava os escravos, escreveu: "De fato, tremo por
meu país quando reflito que Deus é justo." Essa foi uma afirmação tão incoerente
quanto memorável: dada a maravilha de um deus que também era justo, não
haveria a longo prazo, muito pelo que tremer. Seja como for, o Todo-Poderoso
conseguiu tolerar a situação enquanto várias gerações nasciam e morriam sob o
açoite até que a escravidão se tornasse menos lucrativa e até mesmo o Império
Britânico começasse a se livrar dela.
Foi o estímulo para o renascimento do abolicionismo. Ele algumas vezes
assumiu uma forma cristã, especialmente no caso de William Lloyd Garrison,
grande orador e fundador do Liberator. Garrison era um homem esplêndido sob
quaisquer parâmetros, mas provavelmente é sorte que todos os seus conselhos
religiosos iniciais não tenham sido seguidos. Ele baseou sua alegação inicial no
perigoso versículo de Isaías que conclama os fiéis para que "se apresentem e sejam
separado" (essa também é a base teológica do presbiterianismo fundamentalista e
intolerante de Ian Paisley na Irlanda do Norte). Na visão de Garrison, a União e a
Constituição dos Estados Unidos eram "um pacto com a morte" e deviam ser ambas
destruídas: de fato foi ele quem pediu a secessão antes dos confederados. (Ele
posteriormente descobriu a obra de Thomas Paine, se tornou menos pregador e mais
um efetivo abolicionista, bem como um dos primeiros defensores do sufrágio
feminino.) Foi o escravo foragido Frederick Douglass, autor da pungente e mordaz
Autobiografia, que evitou a linguagem apocalíptica e em vez disso exigiu que os
Estados Unidos cumprissem as promessas universalistas contidas em sua Declaração
e em sua Constituição. O leonino John Brown, que também começou como um
calvinista temeroso e impiedoso, fez o mesmo. Ele posteriormente tinha as obras de
Paine em seu acampamento e admitiu livres-pensadores em seu exército pequeno
mas inovador e chegou mesmo a produzir e imprimir uma nova "Declaração",
calcada naquela de 1776, em benefício dos escravizados. Essa foi na prática uma
exigência muito mais revolucionária, assim como mais realista, e preparou o
caminho — como Lincoln admitiu — para a Proclamação de Emancipação.
Douglass era um tanto dúbio em relação à religião, observando em sua
Autobiografia que os cristãos mais devotos produziam os senhores de escravos mais
selvagens. A óbvia verdade disso foi tos destacada quando realmente houve a
secessão e a Confederação adotou o lema latino "Deo Vindice", ou "Deus do nosso
lado". Como Lincoln destacou em seu altamente dúbio segundo discurso de posse, os
dois lados em disputa faziam a mesma alegação, pelo menos nos púlpitos, assim
como ambos eram viciados em grandiosas e confiantes citações das Santas
Escrituras.
O próprio Lincoln hesitava em reivindicar autoridade dessa forma. De fato,
em dado momento ele disse que tais invocações do divino estavam erradas, porque
não era uma questão de estar do lado de Deus. Pressionado a fazer uma imediata
Proclamação de Emancipação em um encontro de cristãos em Chicago, ele
continuou a considerar que os dois lados da disputa eram endossados pela fé e disse
que "estes, porém, não são dias de milagres, e eu suponho que haja a certeza de que
eu não espero uma revelação direta". Isso foi completamente evasivo, mas quando
ele finalmente tomou coragem de fazer a Proclamação, disse aos ainda hesitantes que
tinha prometido a si mesmo fazê-lo — com a condição de que Deus desse a vitória às
forças da União em Antietam. Naquele dia foi registrado o maior número de mortes
em solo americano em todos tempos. Assim, é possível que Lincoln tenha tentado de
alguma forma santificar e justificar aquela impressionante carnificina. Seria algo
nobre até pensarmos que, segundo a mesma lógica, a mesma carnificina decidida de
outra forma teria adiado a libertação dos escravos! Como ele também disse: "Os
soldados rebeldes estão orando com muito mais veemência, temo, que nossas
próprias tropas, e esperando que Deus favoreça o lado deles; um de nossos soldados,
que foi tomado prisioneiro, disse que nunca tinha visto nada tão desanimador quanto
a evidente sinceridade daqueles no meio de cujas preces estava." Um pouco mais de
sorte em batalha para os uniformes cinza em Antietam e o presidente poderia ter
temido que Deus tivesse abandonado inteiramente a causa abolicionista.
Não conhecemos as crenças religiosas pessoais de Lincoln. Ele gostava de
referências ao Deus Todo-Poderoso, mas nunca fez parte de nenhuma igreja, e suas
primeiras candidaturas enfrentaram grande oposição dos clérigos. Seu amigo
Herndon sabia que ele tinha lido Paine, Volney e outros livres-pensadores
atentamente e era de opinião que ele particularmente era um absoluto não-crente.
Isso parece improvável. Contudo, também seria impreciso dizer que ele era cristão.
Muitos indícios sustentam a ideia de que ele era um cético atormentado com uma
tendência ao teísmo. Qualquer que seja o caso, o melhor que pode ser dito da Igreja
na grave questão da abolição é que após muitas centenas de anos, e tendo igualmente
imposto e adiado a questão até que o interesse pessoal levasse a uma guerra horrível,
ela finalmente conseguiu desfazer uma pequena parte do dano e da infelicidade que
tinha infligido.
O mesmo pode ser dito da época de King. As igrejas do Sul voltaram ao
seu caminho habitual depois da Reconstrução e abençoaram as novas instituições da
segregação e da discriminação. Apenas após a Segunda Guerra Mundial, e com a
disseminação da descolonização e dos direitos humanos, ressurgiu o apelo à
emancipação. Em reação, mais uma vez foi afirmado veementemente (em solo
americano, na segunda metade do século XX) que Deus não queria que os diferentes
descendentes de Noé fossem misturados. Essa estupidez bárbara teve consequências
práticas. O falecido senador Eugene McCarthy me disse que certa vez conclamou o o
Senador Pat Robertson — pai do atual profeta televisivo — a apoiar uma discreta
legislação de direitos civis. "Eu certamente gostaria de ajudar as pessoas de cor, mas
a Bíblia diz que eu não posso", foi a resposta. Toda a autodefinição de "Sul" era ser
branca e cristã. Foi exatamente o que deu força ao dr. King, porque ele podia superar
os camponeses brancos em pregação. Mas o fardo pesado nunca teria sido colocado
em seus ombros se, para começar, a religiosidade não estivesse tão entranha. Como
mostra Taylor Branch, boa parte do círculo íntimo e do séquito de King era
composta de comunistas e socialistas seculares que havia décadas estavam
preparando o terreno para os direitos civis e ajudando a treinar bravos voluntários
como a sra. Rosa Parks para uma cuidadosa estratégia de desobediência civil em
massa, e essas associações "ateias" seriam usadas o tempo todo contra King,
especialmente do púlpito. De fato, uma das consequências dessa campanha foi
produzir o "recuo" do cristianismo branco de direita, que ainda é uma força poderosa
abaixo da linha Mason-Dixon.(*)
Quando o homônimo do dr. King pregou suas teses na porta da catedral de
Wittenberg em 1517 e, posteriormente, anunciou em Worms "Aqui me coloco, nada
mais posso fazer", ele estabeleceu um padrão para a coragem intelectual e moral.
Mas Martinho Lutero, que iniciou sua vida religiosa por ter ficado aterrorizado com
um raio que quase o acertou, acabou se tornando ele mesmo um intolerante e um
perseguidor, vituperando criminosamente contra os judeus, gritando sobre demônios
e conclamando os principados alemães a marcar os pobres rebeldes. Quando o dr.
King assumiu posição na escadaria do Memorial de Lincoln e mudou a história, ele
também assumiu uma posição que de fato tinha sido imposta a ele, mas o fez como
um profundo humanista, e ninguém nunca poderá se valer do seu nome para
justificar opressão ou crueldade. Ele resiste por essa razão, e seu legado tem muito
pouco a ver com sua teologia professada. Não foi necessária nenhuma força
sobrenatural para defender a tese contra o racismo.
Assim, qualquer um que utilize o legado de King para justificar o papel da
religião na vida pública precisa aceitar todos os corolários do que eles parecem estar
querendo dizer. Uma olhada rápida no registro completo mostrará, primeiramente
que, pessoa a pessoa, os livres-pensadores, agnósticos e ateus americanos são
melhores. A possibilidade de que a opinião secular ou pensante de alguém o levasse a
denunciar a completa injustiça era extremamente alta. A possibilidade de que a
crença religiosa de alguém levasse a assumir uma posição contra a escravidão e o
racismo era estatisticamente bastante pequena. Mas a possibilidade de que a crença
religiosa de alguém o levasse a defender a escravidão e o racismo era estatisticamente
bastante alta, e esse último fato nos ajuda a compreender por que a vitória da justiça
simples demorou tanto tempo.
Pelo que sei, não há hoje no mundo nenhum país cuja escravidão ainda
praticada não tenha como justificativa o Corão. Isso nos manda de volta para a
resposta dada nos primeiros dias da República, a Thomas Jefferson e John Adams,
Aqueles dois senhores de escravos tinham chamado o embaixador de Trípoli em
Londres para perguntar a ele com que direito ele e seus colegas potentados bárbaros
capturavam e vendiam tripulações e passageiros americanos de barcos usando o
Estreito de Gibraltar. (Hoje estima-se que entre 1530 e 1780 mais de 1,25 milhão de
europeus foram levados à força dessa forma.) Como Jefferson transmitiu ao
Congresso:
(*) Linha que divide o Norte e o Sul dos EUA. Durante a Guerra Civil Americana,
separava os estados onde a escravidão vigorava e os outros onde já havia sido
abolida. (N. do E.)
14. Não há uma solução "oriental"
Efusões como essas — por mais infelizes que sejam — estão além da crítica.
Elas consistem, como a maioria das profissões de fé, em meramente supor o que não
pode ser provado. Assim, uma afirmação vazia é então seguida pelas palavras "por
essa razão", como se todo o trabalho lógico tivesse sido feito com a afirmativa.
(Todas as declarações do Dalai Lama, que por acaso não defende o massacre
imperialista mas que publicamente recebeu bem os testes nucleares do governo
indiano, também são do mesmo tipo non sequitur.) Os cientistas têm uma expressão
para hipóteses que são absolutamente inúteis até mesmo para aprender com os erros.
Eles se referem a elas como não sendo "sequer erradas". A maioria do chamado
discurso espiritual é desse tipo.
Vocês perceberão, ademais, que, assim como essa escola de budismo, há
outras escolas de budismo igualmente "contemplativas" que estão erradas. E
exatamente o que um antropólogo da religião esperaria encontrar em algo que, tendo
sido fabricado, estava condenado a ser cismático. Mas com base em quê um devoto
do Buda Shakyamuni argumenta que seus colegas japoneses estavam errados?
Certamente não usando raciocínio ou provas, que são algo estranho àqueles que
falam da "preciosa verdade do Sutra de Lótus".
As coisas foram de mal a pior assim que os generais japoneses reduziram
à absoluta obediência seus zumbis obedientes ao Zen. A China continental se tornou
um campo de morte, e todas as grandes seitas do budismo japonês se uniram para
fazer a seguinte proclamação:
Isso segue a linha adotada pelo xintoísmo — outra quase religião que
desfrutava do apoio do Estado — de que os soldados japoneses realmente tombavam
pela causa da independência asiática. Todos os há uma famosa controvérsia sobre se
os líderes civis e espirituais do Japão devem visitar o santuário de Yakasuni, que
oficialmente enobrece o exército de Hiroshito. Todos os anos, milhões de chineses,
coreanos e birmaneses protestam dizendo que o Japão não era o inimigo do
imperialismo ocidental no Oriente, e sim uma forma nova e mais criminosa dele, e
que o santuário de Yakasuni é um local de horrores. Contudo, é interessante notar
que os budistas japoneses da época consideravam a filiação de seu país ao Eixo
nazifascista uma manifestação de teologia da libertação. Ou, como declarou na
época a liderança budista unificada:
De fato, há várias formas pelas quais a religião é não apenas amoral, mas
decididamente imoral. E essas falhas e esses crimes não são encontrados no
comportamento de seus adeptos (que algumas vezes pode ser exemplar), mas em
seus preceitos originais. Entre eles:
Expiação
Quando avaliamos se a religião fez "mais mal do que bem" — não que isso
diga nada em relação a sua verdade ou autenticidade —, estamos lidando com uma
questão imponderavelmente grande. Como poderemos saber quantas crianças
tiveram suas vidas psicológicas e físicas irreparavelmente mutiladas pela inculcação
compulsória da fé? Isso é quase tão difícil quanto determinar o número de sonhos e
visões espirituais e religiosos que se tornaram "verdade", o que, de modo a ter
qualquer espécie de valor, teria de ser comparado com todos aqueles não registrados
e esquecidos que não se realizaram. Mas podemos ter certeza de que a religião
sempre esperou agir sobre as mentes não formadas e indefesas dos jovens, e chegou a
ponto de, para assegurar esse privilégio, fazer alianças com poderes seculares no
mundo material.
Um dos grandes momentos de terrorismo moral da nossa literatura é o
sermão feito pelo padre Arnall de em Retrato do artista quando jovem, de James
Joyce. Esse desagradável velho padre está preparando Stephen Dedalus e seus outros
"pupilos" para um retiro em homenagem a São Francisco Xavier (o homem que
levou a inquisição à Ásia e cujos ossos ainda são reverenciados por aqueles que
escolhem reverenciar ossos). Ele decide impressioná-los com um longo e maldoso
relato da punição eterna, do tipo que a Igreja costumava utilizar quando ainda tinha
confiança para agir assim. É impossível citar toda a arenga, mas há dois elementos
particularmente fortes — relativos à natureza da tortura e a natureza do tempo — que
são interessantes. E fácil ver que as palavras do padre são elaboradas exatamente
para assustar crianças. Em primeiro lugar as imagens são elas mesmas infantis. Na
sessão sobre tortura, o próprio diabo faz uma montanha derreter como cera. Todas
as doenças assustadoras são convocadas, e o medo infantil de que essa dor possa
durar para sempre é habilidosamente manipulado. Quando diz respeito à imagem
de uma unidade de tempo, vemos uma criança na praia brincando com grãos de
areia, e depois a magnificação infantil das unidades ("Papai, e se houvesse um
milhão de bilhão de zilhões de gatinhos, eles encheriam todo o mundo?"), e depois,
acrescentando ainda mais multiplicidades, a evocação das folhas da natureza, e os
facilmente imagináveis pelos, penas e escamas do animal de estimação da família.
Por séculos, adultos foram pagos para assustar crianças dessa forma (e também
para torturá-las, agredi-las e violá-las, como também fizeram na memória de Joyce
e na memória de muitos outros).
As outras idiotices e crueldades inventadas pelo religioso também são fáceis
de identificar. A ideia de tortura é tão velha quanto a maldade da humanidade, que é
a única espécie capaz de imaginar como algo deve ser quando imposto a outra
pessoa. Não podemos culpar a religião por esse impulso, mas podemos condená-la
por institucionalizar e refinar a prática. Os museus da Europa medieval, da Holanda
à Toscana, estão abarrotados de instrumentos e equipamentos nos quais homens
santos trabalharam com afinco para descobrir por quanto tempo poderiam manter
alguém vivo enquanto era tostado. Não é necessário entrar em maiores detalhes,
mas também havia livros de instrução religiosos sobre essa arte e guias de
identificação de heresia pela dor. Aqueles que não tinham sorte o bastante de poder
participar desse auto de fé (como a sessão de tortura era conhecida) tinha o absoluto
direito de fantasiar quantos pesadelos terríveis quisessem e de infligi-los verbalmente,
de modo a manter os ignorantes em um estado de medo perpétuo. Em uma época
em que havia muito pouco entretenimento público, uma boa fogueira, um bom
desmembramento ou uma quebra na roda frequentemente eram a diversão que os
santificados se preocupavam em dar. Nada confirma o caráter humano da religião
de forma tão óbvia quanto a mente doentia que projetou o inferno, a a não ser a
mente lamentavelmente limitada que não conseguiu descrever o céu — a não ser
como um local de conforto terreno ou de tédio eterno.
Os infernos pré-cristãos também eram altamente desagradáveis e
demandavam para sua invenção a mesma engenhosidade sádica. Contudo, alguns
dos primeiros dos quais temos conhecimento — principalmente o hindu — tinham
um limite de tempo. Um pecador podia, por exemplo, ser sentenciado a um
determinado número de anos no inferno, onde cada dia era contado como 6.400
anos humanos. Assim, se ele assassinasse um sacerdote, a sentença determinada
seria de 149.504.000.000 anos. Depois desse tempo ele tinha direito ao nirvana, o
que parecia significar aniquilação. Coube aos cristãos descobrir um inferno contra o
qual não era possível recurso. (E a ideia pode ser facilmente copiada: eu certa vez
ouvi Louis Farrakhan, líder da herética "Nação do Islã", exclusivamente negra,
quando ele fazia um discurso odioso para uma malta no Madison Square Garden.
Lançando ataques aos judeus, ele gritou: "E não se esqueçam — quando for Deus a
colocá-los nos fornos, será PARA SEMPRE!")
A obsessão com crianças e com o rígido controle de sua criação tem sido
parte de todos os sistemas de autoridade absoluta. Talvez tenha sido um jesuíta o
primeiro citado como tendo dito "Dê-me a criança até os 10 anos e eu devolverei um
homem", mas a ideia é muito mais antiga que a escola de Inácio de Loyola. A
doutrinação dos jovens frequentemente tem o efeito contrário, como também
sabemos pelo destino de muitas ideologias seculares, mas aparentemente os
religiosos correm esse risco de modo a inculcar suficiente propaganda em meninos e
meninas medianos. Que mais eles podem esperar fazer? Se o ensino religioso fosse
proibido até a criança ter chegado à idade da razão, estaríamos vivendo em um
mundo bastante diferente. Pais crentes se dividem em relação a isso, já que eles
naturalmente esperam partilhar as maravilhas e as delícias do Natal e de outras
festas com seus herdeiros (e também podem fazer bom uso de Deus, bem como de
figuras menores como Papai Noel, para conter os rebeldes), mas veja o que acontece
se a criança adere a outra crença, ou outro culto mesmo no inicio da adolescência. Os
pais tenderão a proclamar que isso é tirar vantagem da inocência. Por essa razão
todos os monoteísmos têm, ou costumavam ter, uma rígida proibição contra a
apostasia. Em seu Memórias de uma menina católica, Mary McCarthy recorda seu
choque ao descobrir com um pregador jesuíta que seu avô protestante — seu
guardião e amigo — tinha sido condenado à punição eterna por ter sido batizado da
forma errada. Uma criança precocemente inteligente, ela não deixou o assunto
morrer até fazer a madre superiora consultar autoridades mais elevadas e descobrir
uma brecha nos escritos do bispo Atanásio, que sustentava que os hereges só
estavam condenados caso rejeitassem a verdadeira igreja com plena consciência do
que estavam fazendo. Assim, seu avô podia ser suficientemente ignorante da
verdadeira igreja para escapar do inferno. Mas que agonia à qual submeter uma
menina de 11 anos de idade! E apenas pense no número de crianças menos curiosas
que simplesmente aceitaram esse ensinamento maldoso sem questioná-lo. Aqueles
que se apoiam nos jovens dessa forma são cruéis ao extremo.
Devem ser acrescentados dois pontos — um de ensinamento imoral e outro
de prática imoral. o ensinamento imoral diz respeito ao aborto. Como materialista,
eu acho que foi provado que um embrião é um corpo eu ma entidade separados, e
não apenas (como alguns costumavam argumentar) um crescimento no ou do
corpo da mulher. Costumava haver feministas que diziam que ele era mais como
um apêndice ou mesmo — isso era defendido seriamente — um tumor. O absurdo
parece ter sido contido. Das considerações que o contiveram, uma é a visão
fascinante e comovente oferecida pela ultrassonografia e outra a sobrevivência de
bebês "prematuros" pesos-pena, que conseguiram "viabilidade" fora do útero. É
outra forma pela qual a ciência pode se juntar ao humanismo. Assim como nenhum
ser humano de capacidade moral mediana pode ser indiferente à visão de uma
mulher sendo chutada na barriga, ninguém consegue deixar de se sentir ainda mais
ultrajado se a mulher em questão estiver grávida. A embriologia confirma a
moralidade. As palavras "filho não-nascido", mesmo quando usadas de forma
politizada, descrevem uma realidade material.
Contudo, isso mais inicia a discussão do que a encerra. Pode haver muitas
circunstâncias em que não é desejável carregar um feto até o fim. Tanto a natureza
quanto Deus parecem reconhecer isso, já que um grande número de gestações é
"abortado", por assim dizer, por causa de malformações, casos que são
educadamente classificados de "espontâneos". Por mais triste que seja, provavelmente
é um resultado menos infeliz que o enorme número de crianças idiotas e deformadas
que de outro modo teriam nascido, ou nascido mortas, ou cujas breves vidas teriam
sido um tormento para si mesmas e para os outros. Portanto como acontece com a
evolução em geral, vemos no útero um microcosmo da natureza e da própria
evolução. Inicialmente começamos como pequenas formas anfíbias, depois
gradualmente desenvolvemos pulmões e cérebros ( e produzindo e descartando
aquele hoje inútil casaco de pele), depois abrindo passagem e respirando ar fresco
após uma transição um tanto difícil. Da mesma forma, o sistema é bastante
impiedoso na eliminação daqueles que para começar nunca teriam uma boa chance
de sobrevivência: nossos ancestrais nas savanas não iriam sobreviver se tivessem um
punhado de bebês doentes e imbecis para proteger dos predadores. Aqui a analogia
da evolução pode não ser tanto a "mão invisível" de Adam Smith (uma expressão
da qual eu sempre desconfiei) quanto o modelo de Joseph Schumpeter de "destruição
criativa", pelo qual nos acostumamos a uma certa dose de fracassos naturais,
levando em conta a natureza impiedosa e remontando aos protótipos distantes de
nossa espécie.
Assim, nem todas as concepções irão levar, ou já levaram, a nascimentos.
E, desde que começou a perder força a mera luta pela sobrevivência, tem sido uma
ambição da inteligência humana, assumir o controle da taxa de reprodução.
Famílias que estão à mercê da simples natureza, com sua inevitável exigência de
profusão, estarão presas a um ciclo que não é muito melhor que o dos animais. A
melhor forma de conseguir um mecanismo de controle é a profilaxia, que tem sido
incansavelmente buscada desde o início da história e que em nossa própria época se
tornou relativamente à prova de falhas e indolor. A segunda melhor solução, que
algumas vezes pode ser desejada por outras razões, é a interrupção da gravidez, um
expediente que é lamentado por muitos mesmo quando foi utilizado por absoluta
necessidade. Todas as pessoas que pensam reconhecem nessa questão um conflito
doloroso entre direitos e interesses, e se esforçam para conseguir um equilíbrio. A
única proposição absolutamente inútil, moral ou praticamente, é a afirmação
selvagem de que espermatozoides e óvulos são vidas potenciais que não podem ser
impedidas de se fundir e que quando unidas, por mais brevemente que seja, têm
almas e precisam ser protegidas por lei. Com base nisso, um dispositivo intrauterino
que impeça um óvulo de aderir à parede do útero é uma arma mortal, e uma
gravidez ectópica (o acidente desastroso que faz com que o óvulo cresça dentro do
tubo de falópio) é uma vida humana e não um óvulo já condenado que também é
uma ameaça premente à vida da mãe.
Cada passo no sentido do esclarecimento dessa discussão enfrentou a
oposição férrea do clero. Até mesmo a tentativa de educar as pessoas para a
possibilidade de "planejamento familiar" foi desde o início punida com anátema, e
seus primeiros defensores e professores (como John Stuart Mill) foram detidos,
jogados na cadeia ou demitidos de seus empregos. Há poucos anos, Madre Teresa
denunciou a contracepção como o equivalente moral do aborto, o que "logicamente"
significava (já que ela considerava o aborto um assassinato) que um preservativo ou
uma pílula também eram armas letais. Ela era um pouco mais fanática até mesmo
que sua igreja, porém mais uma vez podemos ver que o dogmático persistente é o
inimigo moral do bem. Ele exige que acreditemos no impossível e pratiquemos o
inalcançável. Toda a defesa da extensão da proteção aos não-nascidos e à definição
de uma tendência a favor da vida tem sido arruinada por aqueles que usam crianças
não-nascidas, assim como as nascidas, como meros objetos de manipulação de sua
doutrina.
Eu tive um tio inofensivo mas de espírito fraco cuja vida foi arruinada e
tornada infeliz exatamente dessa forma. Calvino pode parecer um personagem
distante para nós, mas aqueles que costumavam agarrar e usar o poder em seu
nome ainda estão entre nós e usam os nomes mais suaves de presbiterianos e
batistas. O apelo a proibir e censurar livros, silenciar dissidentes, condenar
estrangeiros, invadir a esfera privada e invocar uma salvação exclusiva é a própria
essência do totalitarismo. O fatalismo do islamismo, que acredita que tudo está
antecipadamente definido por Alá, tem algumas semelhanças com essa completa
negação da autonomia e da liberdade humanas, bem como sua crença arrogante e
intolerável de que sua fé inclui tudo o que qualquer um precisa saber.
Assim, quando a grande antologia antitotalitária do século XX foi
publicada em 1950, seus dois editores se deram conta de que ela só podia ter um
nome. Eles a chamaram de O deus que falhou. Eu conheci ligeiramente e trabalhei
com um desses dois homens — o socialista britânico Richard Crossman. Como ele
escreveu em sua introdução ao livro:
O único livro que tinha alertado antecipadamente para tudo isso, trinta
anos antes foi uma obra pequena mas brilhante publicada em 1919 e intitulada
Prática e teoria do bolchevismo. Muito antes de Arthur Koestler e Richard Crossman
terem começado a pesquisar os destroços retrospectivamente, todo o desastre estava
sendo previsto em termos que ainda despertam admiração por sua presciência. O
analista cáustico da nova religião era Bertrand Russell, cujo ateísmo o tornou ainda
mais previdente do que muitos "socialistas cristãos" ingênuos que alegaram
identificar na Rússia o inicio de um novo paraíso na Terra. Ele também era mais
previdente do que o establishment cristão anglicano de sua Inglaterra natal, cujo
principal jornal, o Times de Londres, assumiu o ponto de vista de que a Revolução
Russa podia ser explicada pelo Protocolo dos sábios do Sião. Essa falsificação
revoltante feita por agentes secretos ortodoxos russos foi republicada por Eyre and
Spottiswoode, impressora oficial da Igreja da Inglaterra.
Dado seu próprio histórico de sucumbir a ditaduras na Terra e ao controle
absoluto da próxima vida e ainda promulgá-los, como a religião enfrentou os
totalitarismos "seculares" de nossa época? É preciso inicialmente considerar, por
ordem, fascismo, nazismo e stalinismo.
O fascismo — o precursor e modelo do nacional-socialismo — foi um
movimento que acreditava em uma sociedade orgânica e corporativa, presidida por
um líder ou guia. (As "fasces" — símbolo dos "lictores", ou guardas da Roma antiga
— eram feixes de varas amarrados a uma machadinha, sinal de unidade e
autoridade.) Surgindo da miséria e da humilhação da Primeira Guerra Mundial, os
movimentos fascistas defendiam os valores tradicionais contra o bolchevismo e
pregavam o nacionalismo e a piedade. Provavelmente não é coincidência que
tenham surgido inicialmente, e de forma mais entusiasmada, em países católicos, e
certamente não é coincidência que a Igreja Católica em geral fosse simpática ao
fascismo como ideia. Não apenas a Igreja via o comunismo como um inimigo
mortal, mas também via seu inimigo judeu mais antigo nas mais altas fileiras do
partido de Lenin. Benito Mussolini mal tinha tomado o poder na Itália e o Vaticano
já estava fazendo com ele um tratado oficial, conhecido como Tratado de Latrão de
1929. Pelos termos do acordo, o catolicismo se tornou a única religião reconhecida
na Itália, com monopólio em questões de nascimento, casamento, morte e educação,
e em troca conclamava seus seguidores a votar no partido de Mussolini. O Papa Pio
X descreveu il Duce ("o líder") como "um homem enviado pela Providência".
Eleições não seriam uma característica da vida italiana por muito tempo, mas a
Igreja ainda assim levou à dissolução dos partidos católicos leigos de centro e ajudou
a financiar um pseudopartido chamado "Ação Católica", que foi copiado em muitos
países. Por todo o sul da Europa, a Igreja foi uma aliada confiável na instalação de
regimes fascistas na Espanha, em Portugal e na Croácia. Na Espanha o general
Franco foi autorizado a chamar a sua invasão do país e a destruição da república
eleita pelo título terrível de La Crujada, ou "A Cruzada". O Vaticano apoiou ou se
recusou a criticar as tentativas operísticas de Mussolini de recriar um pastiche do
Império Romano com suas invasões da Líbia, da Abissínia (hoje Etiópia) e da
Albânia: territórios que eram habitados principalmente por não-cristãos ou pelo tipo
errado de cristãos orientais. Mussolini chegou mesmo a dar como uma de suas
justificativas para a utilização de gás venenoso e outros métodos horripilantes na
Abissínia a insistência de seus habitantes na heresia do monofisismo, um dogma
incorreto da Encarnação que tinha sido condenado pelo Papa Leão e pelo Concilio de
Calcedônia de 451.
Na Europa central e oriental o quadro não era melhor. O golpe militar de
extrema direita na Hungria, liderado pelo almirante Horthy, foi calorosamente
endossado pela Igreja, assim como movimentos fascistas semelhantes na Eslováquia
e na Áustria. (O regime-fantoche nazista da Eslováquia na verdade era comandado
por um homem de votos sacerdotais chamado padre Tiso.) O cardeal da Áustria
proclamou seu entusiasmo com a tomada de seu país por Hitler quando do
Anschluss.
Na França, a extrema direita adotou o lema de "Meilleur Hitler que Blum"
— em outras palavras, melhor ter um ditador racista alemão que um socialista
francês judeu eleito. Organizações fascistas católicas como a Action Française, de
Charles Maurras, e a Croix de Feu fizeram violentas campanhas contra a
democracia francesa e não tentaram de modo algum esconder seu ressentimento pelo
modo como a França estava decaindo desde o veredicto de inocência para o capitão
judeu Alfred Dreyfus em 1899. Quando houve a conquista da França pela
Alemanha, essas forças colaboraram ativamente com a prisão e o assassinato de
judeus franceses, bem como com a deportação para trabalhos forçados de um
enorme número de outros franceses. O regime de Vichy se curvou ao clericalismo
eliminando o lema de 1789 — "Liberté, Egalité, Fraternité" — da moeda nacional e o
substituindo pelo lema cristão ideal de "Famille, Travail, Patrie". Mesmo em um país
como a Inglaterra, onde as simpatias fascistas eram menores, eles ainda
conseguiram uma plateia em círculos respeitáveis com a atuação de intelectuais
católicos como T. S. Eliot e Evelyn Waugh.
Na vizinha Irlanda, o movimento Blue Shirt do general O'Duffy (que
enviou "voluntários" para lutar por Franco na Espanha) era pouco mais que um
ramo da Igreja Católica. Mesmo em abril de 1945, ao receber a notícia da morte de
Hitler, o presidente Eamon de Valera colocou sua cartola, chamou a carruagem
oficial e foi à embaixada alemã de Dublin apresentar suas condolências. Atitudes
como essa significaram que vários Estados dominados por católicos, da Irlanda à
Espanha e a Portugal, eram inelegíveis para ingresso nas Nações Unidas quando ela
foi criada. A Igreja se esforçou para se desculpar por tudo isso, mas sua
cumplicidade com o fascismo é uma marca indelével em sua história, e não foi um
compromisso de curto prazo ou precipitado, mas uma aliança de trabalho que não
foi rompida até depois de o próprio período fascista ter passado para a história.
O caso da rendição da Igreja ao nacional-socialismo alemão é
consideravelmente mais complicado, mas não muito mais elevado. Apesar de
partilhar dois importantes princípios com o movimento de Hitler — o
antissemitismo e o anticomunismo —, o Vaticano podia ver que o nazismo
representava também um desafio a ele mesmo. Para começar, era um fenômeno
quase pagão que a longo prazo buscava substituir o cristianismo por ritos de sangue
e sinistros mitos raciais pseudo-nórdicos, baseados na fantasia da superioridade
ariana. Em segundo lugar, defendia uma postura de extermínio para os doentes, os
desajustados e os insanos, e rapidamente começou a aplicar essa política não a
judeus, mas a alemães. Em benefício da Igreja deve ser dito que seus púlpitos
alemães denunciaram essa hedionda seleção eugênica logo de início.
Mas se os princípios éticos fossem a regra, o Vaticano não teria de passar
os cinquenta anos seguintes tentando justificar ou se desculpar por sua desprezível
passividade e inação. "Passividade" e "inação" na verdade podem ser uma escolha de
palavras errada. Decidir não fazer nada é em si uma política e uma decisão, e é
lamentavelmente fácil registrar e explicar o alinhamento da Igreja em termos de
uma realpolitik que buscava não uma derrota do nazismo, mas um ajuste a ele.
O primeiro acordo diplomático fechado pelo governo de Hitler foi
consumado em 8 de julho de 1933, poucos meses após a tomada do poder, e teve a
forma de um tratado como Vaticano. Em troca de controle inquestionável da
educação de crianças católicas na Alemanha, o fim da propaganda nazista dos
abusos infligidos em escolas e orfanatos católicos e a concessão de outros privilégios,
a Santa Sé instruiu o Partido Centro Católico a se dissolver, e bruscamente
determinou que os católicos se abstivessem de qualquer atividade política em
qualquer tema que o regime resolvesse definir como fora limites. Na primeira
reunião de gabinete depois dessa capitulação ter sido assinada, Hitler anunciou que as
novas circunstâncias seriam "especialmente significativas na luta contra o judaísmo
internacional". Ele não estava equivocado em relação a isso. De fato, ele podia ser
desculpado por não acreditar em sua própria sorte. Os 22 milhões de católicos que
viviam no Terceiro Reich, muitos dos quais tinham demonstrado grande coragem
resistindo à ascensão do nazismo, tinham sido estripados e castrados como força
política. Seu próprio Santo Padre tinha de fato dito a eles para entregar tudo ao pior
César da história humana. A partir de então, os registros das paróquias foram
colocados à disposição do Estado nazista de modo a estabelecer quem era e quem
não era suficientemente "racialmente puro" para sobreviver à interminável
perseguição sob as leis de Nuremberg.
A consequência não menos chocante dessa rendição moral foi o paralelo
colapso moral dos protestantes alemães, que buscaram conseguir um status especial
para os católicos publicando seu próprio acordo com o Führer. Porém, nenhuma das
igrejas protestantes foi tão longe quanto a hierarquia católica ordenando uma
celebração anual no aniversário de Hitler, em 20 de abril. Nessa data auspiciosa, por
instrução do papa, o cardeal de Berlim regularmente transmitia "calorosas
congratulações ao Führer em nome dos bispos e das dioceses da Alemanha", sendo
essas louvações acompanhadas das "orações fervorosas que os católicos da
Alemanha estão enviando aos céus a partir de seus altares". A ordem era obedecida,
e fielmente executada.
Para ser justo, essa tradição abjeta só foi iniciada em 1939, ano em que
houve uma mudança no papado. E, sendo justo mais uma vez, o Papa Pio XI
sempre tinha acalentado as mais profundas apreensões quanto ao sistema de Hitler e
a sua evidente capacidade de mal radical. (Durante a primeira visita de Hitler a
Roma, por exemplo, o Santo Padre deixou a cidade de forma bem clara para o
retiro papal de Castelgandolfo.) Contudo, esse papa fraco e doente foi constantemente
manobrado, ao longo da década de 1930, por seu secretário de Estado, Eugenio
Pacelli. Temos bons motivos para acreditar que pelo menos uma encíclica papal,
expressando pelo menos uma mínima preocupação com o tratamento dispensado
aos judeus da Europa, foi preparada por Sua Santidade mas eliminada por Pacelli,
que tinha em mente outra estratégia. Nós hoje conhecemos Pacelli como o Papa Pio
XII, que ocupou o posto depois da morte de seu antigo superior em fevereiro de 1939.
Quatro dias depois de sua eleição pelo Colégio de Cardeais, Sua Santidade produziu a
seguinte carta para Berlim:
Ao ilustre Herr Adolf Hitler, Führer chanceler do Reich
Alemão! Aqui, no início de Nosso Pontificado, queremos
assegurar que Nós permanecemos dedicados ao bem-estar
espiritual do povo alemão confiado a sua liderança. (...)
Durante os muitos anos que passamos na Alemanha, fizemos
tudo ao nosso alcance para estabelecer relações harmoniosas
entre a Igreja e o Estado. Agora que as responsabilidades de
nossa função pastoral aumentaram nossas oportunidades, de
forma ainda mais ardente rezamos para atingir essa meta.
Que a prosperidade do povo alemão e seu progresso em todas
as áreas se realizem, com a ajuda de Deus, para a fruição!
Fica muito claro com isso que ele colocava sua "fé", como sempre, na
tradição iluminista. Aqueles que buscam representar erroneamente o homem que nos
deu uma teoria alternativa para o universo (bem como aqueles que permaneceram
silenciosos, ou pior ainda, enquanto seus colegas judeus estavam sendo deportados e
destruídos) traem os escrúpulos de suas consciências pesadas.
Ele está disposto a evitar o mal, mas não é capaz? Então ele é
impotente. Ele é capaz, mas não está disposto? Então ele é
malévolo. Ele é igualmente capaz e disposto? Por que, então,
há mal?
2. A religião mata
[p. 24] Madre Teresa foi entrevistada por Daphne Barak, e seus comentários sobre a
princesa Diana podem ser encontrados no Ladies Home Journal, abril de 1996.
[p. 33] Para a carta de Abu Musab al-Zarqawi a Osama bin Laden, ver
http://www.state.gov/p/nea/rls/31694.htm.
[p. 39] Para a história dos cadetes "renascidos" da Academia da Força Aérea e de
Melinda Morton, ver Faye Fiore e Mark Mazzetti, "School's Religious Intolerance
Misguided, Pentagon Reports", Los Angeles Times, 23 de junho de 2005, p. 10; Laurie
Goodstein, "Air Force Academy Staff Found Promoting Religion", New York Times,
23 de junho de 2005, p. A12 David Van Biema, "Whose God is Their Co-Pilot",
Time, 27 de junho de 2005, p. 61; e Força Aérea dos Estados Unidos, "The Report of
the Headquarters Review Group Concerning the Religious Climate at the US, Air Force
Academy, 22 de junho de 2005,
http://www.afemil/pdf/HQ_Review_Group_Report.pdf.
[p. 41] Para Charles Stanley e Tim LaHaye, ver Charles Marsh, "Wayward
Christian Soldiers", The New York Times, 20 de janeiro de 2006.
[p. 51] Para o sermão do bispo Cifuentes, ver a produção da BBC-TV Panorama,
exibida em 27 de junho de 2004.
[p. 51] A citação de Foreign Policy foi extraída de Laura M. Kelley e Nicholas
Eberstadt, "The Muslim Face of AIDS", Foreign Policy, julho/agosto de 2005,
http://www.foreignpolicy.com/story/cms.php?story_id=3081.
[p. 52] Para a crítica de Daniel Dennett à religião, ver seu Quebrando o encanto: A
religião como fenômeno natural (Porto Alegre: Globo, 2006).
[p. 62] Para a citação de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, ver seu Glorious
Appearing: The End of Days (Wheaton, Il.: Tyndale House, 2004), pp. 250, 260.
Edição brasileira: O final dos tempos: Glorioso retorno (São Paulo: Abba Press,
2004).
[p. 72]E. P. Thompson, The Making of the English working Class (Nova York:
Vintage, 1966), p. 12. Edição brasileira: A formação da classe operária inglesa, vol. I
(São Paulo: Paz e Terra, 1997).
6. Argumentos do projeto
[p. 84] Sobre a evolução do olho e por que ele contesta o projeto inteligente, ver
Michael Shermer, Why Darwin Matters: The Case Against Intelligent Design (Nova
York: Times Books, 2006), p. 17. O grifo é do original. Ver também Climbing
Mount Improbable, de Richard Dawkins (Nova York: W W Norton, 1996), pp. 138-
197. Edição brasileira: A escalada do monte improvável (São Paulo: Companhia da
Letras, 1998).
[p. 95] Para a citação de Stephen Jay Gould sobre o folhelho Burgess, ver seu
Wonderful Life: The Burgess Shale and the Nature of History (Nova York: W. W.
Norton, 1989), p, 323. Edição brasileira: Vida maravilhosa: O acaso na evolução e a
natureza da história (São Paulo: Companhia das Letras, 1990).
[p. 96] Para o estudo da Universidade de Chicago sobre o genoma humano, ver
Nicholas Wade, "Still Evolving, Human Genes Tells New Story", The New York
Times, de março de 2006.
[p. 97] A declaração de Voltaire — Si Dieu n'existait pas, il faudrait l'inventer — foi
retirada de seu "A Fauteur du livre de trois imposteurs", Epitres, nº 97 (1770).
[p. 98] A observação de Sam Harris sobre Jesus ter nascido de uma virgem pode ser
encontrada em seu The End of Faith: Religion, Terror and the Future of Reason (Nova
York: W. W. Norton, 2005). Edição portuguesa: O fim da fé: Religião, terrorismo e o
futuro da razão (Lisboa: Tinta da China, 2007).
[p. 104] Para o trabalho de Finkelstein e Asherman, ver Israel Finkelstein e Neil
Asher Silbennan, A Bíblia não tinha razão (São Paulo: A girafa, 2003).
[p. 104] Para Sigmund Freud sobre a deficiência incurável da religião, ver O futuro
de uma ilusão (Rio de Janeiro: Imago, 1997).
[p. 106] A citação de Tom Paine foi extraída de The Age of Reason, in Eric Foner,
org., Collected Wrilings (Library of America, 1995).
[p. 110] Para a avaliação do Novo Testamento por H. L. Mencken, ver seu Treatise
on the Gods (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997), p. 176.
[p. 119] Para a citação de C. S. Lewis que começa com "Assim, a não ser que quem
fala seja Deus", ver seu Mere Christianity (Nova York: HarperCollins, 2001), pp. 51-
52. Edição brasileira: Cristianismo puro e simples (São Paulo: Martins Fontes,
2005).
[p. 120] Para a citação de C. S. Lewis que começa com "Essa é uma coisa que não
podemos dizer", ver Mere Christianity, p. 52. Para a citação que começa com "A
mim parece óbvio", ver p. 53.
[p. 121] Para Bart Ehrman, ver seu O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem
mudou a Bíblia e por quê (São Paulo: Prestigio, 2006).
[pp. 124-125] Para o motivo pelo qual os muçulmanos recitam o Corão no árabe
original, ver Ziauddin Sardar e Zafar Abbas Malik, Introducing Mohammed (Totem
Books 1924).
[p. 129] A citação de Karen Armstrong foi extraída de seu Islam: A Short History
(Nova York: Modem Library, 2000), p. 10. Edição brasileira: O Islã (Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001).
[p. 146] A informação sobre o tumor e a recuperação de Monica Besra foi extraída
de Aroup Chattedee, Mother Teresa: The Final Veredict (Calcutá: Meteor Books,
2003), pp. 403-406.
11. A marca de sua origem inferior: o começo corrompido da religião
[p. 162] O "clorofórmio impresso" de Mark Twain foi extraído de seu Roughing It
(Nova York: Signet Classics, 1994), p. 102.
[p. 162] Sobre a possível utilidade da religião para curar doenças, ver Daniel
Dennett, Quebrando o encanto: A religião como fenômeno natural(Porto Alegre:
Globo, 2006).
[p. 163] Para O ramo de ouro, de sir James George Frazer, ver
http://www.bartleby.com/196/.
[p. 167] Para a história de Sabbatai Sevi, ver John Freely, The Last Messiah (Nova
York: Viking Penguin, 2001). Edição brasileira: O Messias perdido: em busca de
Sabbatai Sevi (Rio de Janeiro: Imago, 2002).
[p. 175] A informação sobre William Lloyd Garrison pode ser encontrada em sua
carta ao rev. Samuel J. May, 17 de julho de 1845, em Walter M. Merrill, ed., The
Letters of William Lloyd Garrison (1973) 3:303, e em The Liberator, 6 de maio de
1842.
[p. 176] A informação sobre Lincoln foi extraída de Susan Jacoby, Freethinkers: A
History of American Secularism (Nova York: Metropolitan Book, 2004), p 118.
[p. 216] Mary McCarthy, Memórias de uma menina católica (são Paulo:
Companhia das Letras, 1987).
[pp. 220-221] Para Maimônides sobre a circuncisão, ver Leonard B. Glick, Marked
our Flesh: Circuncision from Ancient Judea to Modern America (Nova York: Oxford
University Press, 2005), pp. 64-66 [grifo meu].
[p. 232] Sobre o endosso do Vaticano à Alemanha nazista, ver John Cornwel I, O
papa de Hitler (Rio de Janeiro: Imago, 2000).
[p. 244] Para o darwinismo social de H. L. Mencken, ver seu Treatise on the Gods
(Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997), p. 176.
[pp. 244-245] Hannah Arendt, Origens do totalitarismo. (São Paulo Companhia das
Letras, 1989).
18.Uma tradição melhor: a resistência do racional
[p.256] A afirmação de Einstein sobre "o deus de Spinoza" pode ser encontrada em
Jennifer Michael Hecht, Doubt: A History (Nova York: HarperCollins, 2003), p. 447.
Edição brasileira: Dúvida: Uma história (Rio de Janeiro: Ediouro, 2005). Ver
também Ronald W. Clark, Einstein: The Life and Times (Nova York: Avon, 1984),
p.502.
[P. 256] A citação de Heinrich Heine pode ser encontrada em Jennifer Michael Hecht,
Doubt: A History, p. 376. Ver também Heine citado na introdução de Joseph Ratner
a The Philosophy of Spinoza: Selections from His Works (Nova York: Modern
Library, 1927).
[p. 257] A informação sobre Pierre Bayle pode ser encontrada em Ruth Whelan,
"Bayle, Pierre", em Tom Flynn, ed., The New Encyclopedia of Unbelief (Amherst,
NY: Prometeus Books, 2006).
[p. 259] A citação de Matteo de Vincenti pode ser encontrada em Jennifer Michael
Hecht, Doubt A History, p. 287. Ver também Nicholas Davidson, "Unbelief and
Atheism in Italy, 1500-1700", em Michael Hunter e David Wootton, eds., Atheism
from the Reformation to the Enlightenment (Oxford, UK: Clarendon 1992), p. 63.
[p. 259] A citação de Benjamin Franklin sobre o para-raios pode ser encontrada em
The Autobiography and Other WritingsM;; (Nova York: Penguin, 1986), p. 213.
Edição brasileira: Autobiografia (Rio de Janeiro: Ediouro, 1990).
[p. 260] A citação de Hume pode ser encontrada em Jennifer Michael Hecht, Doubt:
A History, p. 351.
[p. 262] A informação sobre Paine e sua visão da religião foi extraída de Jennifer
Michael Hecht, Doubt: A History, pp. 356-57.
[p. 264] A citação de Albert Einstein que começa com "Foi, claro, uma mentira"
pode ser encontrada em Jennifer Michael Hecht, Doubt: A History, p. 447. Ver
também Helen Dukas e Banesh Hofman, eds., Albert Einstein, The Human Side: New
Glimpses from His Archives (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1979), p. 43.
A citação que começa com "Eu não acredito na imortalidade do indivíduo" pode ser
encontrada em Hecht, Doubt: A History, p. 447. Ver também Dukas e Hoffman,
Albert Einstein, The Human Side, p.39.
[p. 274] Para a citação de Robert Lowell, ver Walter Kim, "The Passion of Robert
Lowell", The New York Passion Times, 26 de junho de 2005.
Christopher Hitchens nasceu em 1949 em Portsmouth, na
Inglaterra, e viveu por quase três décadas em Washington
D.C. onde morreu em 2011. Foi educado em Cambridge e
Oxford e iniciou na década de 1970 uma brilhante carreira
de jornalista. Escreveu para uma variedade de publicações
incluindo a Vanity Fair, The Nation, Harper's, Slate, The
Atlantic e The New Yorker. Entre seus livros estão: O
Julgamento de Kissinger; Thomas Paine's "Rights of Man"; A
Vitória de Orwell; Amor, pobreza e guerra; e Hitch-22.
Título original
God is not Great
Capa
Rafael Saraiva
Revisão
Taís Monteiro
Produção editorial
Juliana Romeiro
ISBN 978-85-00-02231-9