Condições para Aquisição Do Capital Cultural No Ensino Médio
Condições para Aquisição Do Capital Cultural No Ensino Médio
Condições para Aquisição Do Capital Cultural No Ensino Médio
São Paulo
2016
ELITON DA COSTA ROCHA
Área de Concentração:
Estudos Culturais
São Paulo
2016
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.
CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO
(Universidade de São Paulo. Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Biblioteca)
Área de Concentração:
Cultura e Educação
Banca Examinadora
Durante esta longa trilha que se formou neste vale do conhecimento que emergiu
durante estes anos de pesquisa, algumas pessoas foram fundamentais para iluminar
meu caminho com seu conhecimento, apoio ou inspiração. Em primeiro lugar gostaria
de agradecer a minha orientadora Graziela Serroni Perosa que acima de tudo tornou-
se uma grande amiga e um ser humano que me causa inspiração, respeito e carinho
que durante estes anos se mostrou sempre atenciosa, paciente e sábia em suas
escolhas e conselhos.
Grandes professores contribuíram nesta etapa da minha formação, dentro da
universidade ou nas pesquisas de campo, deixo alguns nomes que representam os
felizes encontros desta jornada: Ana Laura Godinho, Regia Cristina de Oliveira,
Wilson Mesquita, Veronica Guridi, Luciana Viviani, Kimi Tomizaki, Belmira Bueno,
Carlos Eduardo Pimentel, Mara Cristina, Douglas Santos, Marcelo Gomes, Aiolanda
Pereira, Maurício Vaz, Ariel Velardo, Danilo Lima, Renan Damasceno, Ricardo
Libarino.
Dedico especialmente esta pesquisa para minha família, amigos e alunos que me
serviram de inspiração e entenderam que não existe vitória sem dor, expansão de
conhecimento sem incomodo e crescimento sem mudança e me acompanharam de
uma forma ou de outra nestes anos. Cito aqui alguns nomes que representam este
sentimento: Aymée Vicente, Alexandre Ramos, Adriana Dantas, Helena Marcon e
Isamara Lopes representando meus companheiros de EACH, Danielli Caroline do
Nascimento Nunes, Gabriela Alexandre Vieira e Walkiria Uliana como símbolos de
superação e inspiração, Giovanna Duarte, Yasmin Azevedo, Larissa Silva, Andrei
Gomes, Igor Alves e Barbara Abreu, representando os alunos que contribuíram para o
andamento da pesquisa. Deixando a marca de meus amigos e familiares que durante
este tempo tiveram paciência (ou não) comigo: Alina Kaledina, Everaldo Farias,
Maraisa Moreira, Mariana Inácio, Fernanda Müller, Larissa Rodrigues, Socorro da
Costa e Gisela Costa Santana.
Acima de tudo gostaria de dedicar toda esta trajetória á Cremilda Maria da Costa,
Pedro Rocha Neto e a Antonia Rocha Moreira, enfatizando que a vida é o melhor
sinônimo de mudança e quebra de paradigmas. Amo vocês!
RESUMO
ROCHA, Eliton da Costa. Conditions for cultural capital acquisition in high school
ETEC. 2016 deposit.Total number of f 212. Thesis (MA in Philosophy) - School of Arts,
Sciences and Humanities, University of São Paulo, São Paulo, 2015.
This research analyzed the internal dynamics around the ingress in a reputable ETEC
(State Technique School) on the county of Franco da Rocha, on the outskirts of the
metropolitan area of São Paulo. From an analysis that went after understanding the
school culture of this institution through a study about the socio-demographic
characteristics of students by ethnographic methodology. The expansion of the access
to higher education, the rise of competition in acceptance exams along with the low
quality of high school public institutions, created new tendencies on the strategies for
the admission of students in great São Paulo universities. This differentiated public
institutions that offers high school, are configured as an alternative of public secondary
education that have the highest grades on education quality exams (ENEM) and good
results on approvals of it's students on admission exams like FUVEST. From the
experience as a teacher from ETEC, this research go after understanding the
dynamics and mobilized devices for the entrance in one of this institutions on the
outskirts of Grande São Paulo, highlighting and following the initiatives of teachers
and students engagement on preparatory classes for ETEC that happens in public
schools, voluntarily and following the dynamics of this ETEC. In this research we can
see the result of this initiatives around the high school and its social impact in these
groups analyzing their trajectories and their internal cultural dynamics.
Keywords: Cultural capital; high school; engagement; habitus.
Lista de Abreviaturas e Siglas das entrevistas
(C.L).........................................................................................................CitaçãoLiteral
(C.A)...............................................................................................Citação Aproximada
(C.E).............................................................................................Citação da Entrevista
(C.Inf)............................................................................................Conversas informais
Tabela 1: Participação da rede privada nas matrículas, por nível de ensino, segundo
renda domiciliar per capta...........................................................................................42
Tabela 2: Índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) 2010.......................48
Tabela 3: Frequência de empréstimo por período letivo na ETEC .............................82
Quadro 1: Entrevistados durante a pesquisa nas escolas...........................................26
Quadro 2:: Organização e recursos das escolas.........................................................61
Quadro 3: Profissão dos pais dos alunos.....................................................................72
Quadro 4: Profissão das mães dos alunos..................................................................72
Quadro 5: Comparativo entre número de irmãos.........................................................74
Quadro 6: Relação da família com o papel do jovem em casa....................................77
Quadro7: Hábitos de leitura.........................................................................................85
Quadro 9: Comparativo entre os professores, Idade, Tempo de magistério, formação e
visão sobre o papel da escola ...................................................................................123
Gráfico 1 : Matrículas de ensino médio entre os anos 2000 a 2013............................42
Gráfico 2: Relação candidato x vaga, 2011 a 2014......................................................50
Gráfico 3: Nascimento dos alunos da ETEC................................................................69
Gráfico 4: Nível de escolaridade dos pais de alunos da ETEC....................................71
Gráfico 5: Nível de escolaridade das mães dos alunos da ETEC................................71
Gráfico 6: Nível de escolaridade dos pais e mães de alunos do Pré-ETEC................72
Gráfico 7: Renda familiar dos alunos da ETEC 2011...................................................76
Gráfico 8: Renda familiar dos alunos da ETEC 2014...................................................76
Gráfico 9: Renda familiar dos alunos do Pré-ETEC 2014............................................76
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 15
I. Das condições que me levaram ao CEFAM de Franco da Rocha .......................................... 16
II. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ........................................................................................... 21
III. QUESTIONÁRIOS ........................................................................................................................ 23
IV. A CONSULTA AOS BANCOS DE DADOS .............................................................................. 25
V. ENTREVISTAS E OBSERVAÇÕES DE TIPO ETNOGÁFICO .............................................. 26
VI. A PESQUISA BIBLIOGRAFICA ................................................................................................. 28
VII- OS CAPÍTULOS .......................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 1 – O HABITUS ESCOLAR, O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A ETEC................ 29
1.1 Pensando a cultura escolar e o espaço escolar público ....................................................... 29
1.2 As ETECs e o Ensino Médio na ETEC Dr. Emílio Hernandez Aguilar ................................ 44
CAPÍTULO 2 – DUAS ESCOLAS PÚBLICAS E SEUS ESTUDANTES.................................... 45
2.2 O perfil dos estudantes e a relação com a escola .................................................................. 65
2.3 A experiência escolar .................................................................................................................. 79
2.3.2 A Identidade com a escola e o empréstimo de valor simbólico ....................................... 86
2.3.3 Observações sobre os estudantes da ETEC vindos da rede pública e da rede privada
............................................................................................................................................................... 89
2.4 Notas sobre o Ensino Médio Integrado (ETIM) ...................................................................... 95
CAPÍTULO - 3 .1 O CURSINHO PRÉ-ETEC e seus professores ............................................. 97
4.1 O espírito transformador da WEA e os professores engajados do Ensino Médio Público
............................................................................................................................................................. 115
4.2 Os professores da ETEC .......................................................................................................... 120
Considerações Finais ...................................................................................................................... 126
REFERÊNCIAS BÁSICAS .............................................................................................................. 127
ANEXO 1 ........................................................................................................................................... 133
(Questionário de amostra aplicado nos alunos do Pré-ETEC) ................................................. 133
ANEXO 2 ........................................................................................................................................... 149
(Roteiro guia para entrevista com os professores) ..................................................................... 149
ANEXO 3 ........................................................................................................................................... 151
(Entrevista com um professor relacionado ao cursinho) ............................................................ 151
ANEXO 4 (Entrevista com um professor da ETEC) .................................................................... 173
ANEXO 5 (Modelo de Carta de Cessão) .................................................................................... 206
ANEXO 6: .......................................................................................................................................... 207
(Projetos do Ensino Médio na ETEC de Franco da Rocha) ...................................................... 207
14
INTRODUÇÃO1
1
Na descrição de minha trajetória nesta introdução, considerei mais conveniente escrever,
predominantemente usando a primeira pessoa do singular para ficar clara minha subjetividade
na descrição dos fatos.
2
O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) foi criado pelo governo federal em 1998 com o
objetivo de avaliar a qualidade do ensino médio no Brasil. Em 2004 foi criado o sistema
PROUNI (Programa Universidade para Todos) que por meio das notas do ENEM criou um
sistema de bolsas para a graduação em instituições de ensino privado, em2009 surgiu o SISU
(Sistema de Seleção Unificada) com o intuito de parcialmente ou integralmente substituir o
vestibular das universidades federais. Por conta do ProUni e do SISU, gradativamente o
ENEM ganha mais relevância e torna-se um referencial para o acesso ao ensino superior.
3
Cf. Bourdieu (1998) Escritos de educação.
15
Para compreender as motivações para a definição deste objeto de
pesquisa e da maneira como procuramos conduzir o trabalho de produção dos
dados é necessário recuperar alguns aspectos de minha trajetória de formação
e de atuação profissional. A elucidação das motivações deste investimento de
pesquisa não pode ser feita apenas a partir da descrição da realidade
investigada e das ações dos sujeitos no seu interior, mas também da relação
que o pesquisador mantém com o seu objeto.4
Como contexto para a questão do “engajamento professoral” (ou mesmo
militantismo educacional), na qual pretendo pesquisar a relação com a
formação do habitus e a apropriação do capital cultural, apresento as minhas
motivações para esta pesquisa.
Ao recuperar meu percurso educacional, espero reunir alguns dos
elementos necessários para compreender minha atuação profissional e a
construção deste objeto de pesquisa à luz de minha história familiar e das
condições de socialização com as quais fui confrontado.
Minha família era composta por 3 pessoas (mãe, irmã mais velha e eu).
Nestas condições, não tardei a observar as dificuldades de adaptação que
minha mãe enfrentou por ter sido educada dentro de um modelo familiar em
que a prioridade da mulher era servir ao marido. Com o divórcio e nenhuma
especialidade profissional, minha mãe criou formas de nos amparar por meio
do desenvolvimento de trabalhos com artes plásticas e artesanato. Em sua luta
cotidiana para trabalhar e nos sustentar, tinha como principais aliadas suas
irmãs que sempre foram muito próximas. Elas eram professoras e tinham
grande envolvimento com projetos culturais, sociais e uma participação política
4
Baseado nas reflexões de Bernard Pudal pode-se interrogar a gênese de minha militância no
magistério público. Segundo o autor: “Desse ponto de vista, as análises “biográficas” tornam se
Cada vez mais complexas: elas devem — do meu ponto de vista — associar a prosopografia
(biografia coletiva, ou melhor, biografias coletivas, ‘famílias de trajetórias’) com o ‘singular’, no
qual podemos considerar tipos de investimentos sociais e psicológicos variáveis segundo os
indivíduos.”(PUDAL, 2009.p. 133).
16
muito marcante no bairro (Perus). Sempre fui estimulado por elas a ser
independente e a conseguir esta independência por meio do trabalho e
fundamentalmente, por meio da educação.
Morador da cidade de São Paulo, precisamente no bairro de Perus, na
zona norte, sempre estudei em escolas públicas. Ao final do Ensino
Fundamental II, estava preocupado com as reais possibilidades de entrar na
universidade após o Ensino Médio. Na companhia de outros 4 amigos
decidimos ir estudar no município de Franco da Rocha, vizinho de Perus, onde
havia uma unidade do CEFAM (Centro Específico de Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério) a partir da orientação de uma destas tias que
lecionava lá.
O CEFAM foi criado em 1987 durante o período de transição entre o fim
da ditadura militar e a retomada do sistema democrático, com o objetivo de
superar as mudanças da LDB (Leis de Diretrizes e Bases) de 1971 que resulta
em uma formação de magistério mais tecnicista. Com a reabertura política
surgiu a necessidade de criar uma nova identidade para os cursos de formação
de professores5.
O contexto de configuração dos CEFAMs e a grande autonomia escolar
que foi atribuída a cada unidade trouxeram consigo um desejo de renovação da
educação e a superação do processo autoritário e ditatorial que condicionou a
política e a formação dos sujeitos nos anos anteriores.
O CEFAM de Franco da Rocha era conhecido e reputado como a melhor
escola pública da Diretoria de Ensino de Caieiras (que abrange os municípios
de Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Mairiporã e Cajamar). Além
disso, era reconhecido como uma escola de forte formação política e
humanista. Tais características tornaram-se possíveis graças ao próprio projeto
do CEFAM que garantia a cada unidade:
17
provenientes de faculdades particulares, mas todos eles de
tonalidade à esquerda e na maioria de passado com
participação em lutas sociais – o que implicava um caráter mais
prático dessa esquerda. Esse acaso propiciou que a escola
fosse formada por um corpo docente de variedade política
excêntrica para Franco da Rocha.6
18
juvenil de quase todas as meninas. Nesta ocasião, algumas estavam no seu
segundo filho e percebi, também, quantos colegas da escola de Perus haviam
abandonado os estudos antes mesmo do termino do Ensino Médio.
A formação educacional no CEFAM e a constatação dos efeitos
diferenciados da passagem pelo sistema de ensino comparados com as
trajetórias dos meus colegas, tornou-se para mim uma evidência da
importância desta experiência escolar. Acreditando nesta mudança que o meio
escolar produz e principalmente, no processo de formação política e
humanística que a escola pública pode significar, procurei a carreira do
magistério. Em síntese, aprendi no Ensino Médio que mais do que uma
profissão, ser professor é, antes de tudo, um projeto de ação social. O
engajamento na escola como professor funcionava como uma “reconciliação
consigo mesmo” e com a minha origem social (Tomizaki, 2009), era uma forma
de gratidão com aquele espaço do CEFAM e o que ele me proporcionou
durante minha trajetória escolar. Este forte envolvimento se traduziu em uma
atuação profissional precoce e constante.
Logo aos 18 anos (2003), tive minha primeira experiência no
magistério em uma ONG conveniada com o projeto MOVA (Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos). Aos 21(2006), iniciei a minha carreira de
professor na escola pública e particular de Ensino Médio. Como professor meu
objetivo era um dia ser professor de Filosofia e Sociologia no CEFAM. Em 2005
o prédio do antigo CEFAM em Franco da Rocha passou a ser uma unidade do
Centro Paula Souza, uma ETEC, na qual alguns anos depois eu me tornaria
professor.
Então, em 2009 me efetivei no Ensino Médio da rede estadual na E.E
Azevedo Soares e em 2010 na ETEC. Dr. Emílio Hernandez Aguilar (Antigo
prédio do CEFAM de Franco da Rocha). Ambas, escolas públicas situadas na
mesma rua. De certa maneira, eu atingira meu objetivo inicial principal: tornar-
me professor de Filosofia e Sociologia na rede pública e poder contribuir para a
formação de jovens que têm na escola o principal meio para o seu
desenvolvimento profissional.
Atuar simultaneamente em uma escola pública regular e em uma ETEC
significa, entretanto, se dividir entre dois mundos, o que por si só incita a uma
reflexão constante sobre as razões das diferenças observadas.
19
Entretanto, estar naqueles espaços escolares públicos tão distintos me
fez refletir sobre o que os tornavam tão diferentes de fato e como cada um
conseguia seus trunfos dentro de suas limitações e possibilidades. Aos poucos,
o desejo de compreender as dinâmicas para o sucesso escolar e os agentes
deste sucesso conduziu-me a esta pesquisa de mestrado.
Ao procurar identificar e comparar as estatísticas sobre o desempenho
escolar nas ETECs foi inevitável recorrer a outras unidades de ensino médio
regulares. Uma escola pública regular, com ensino médio, localizada no
município vizinho da ETEC, tornou-se progressivamente uma referência
importante neste procedimento. Esta escola criou um cursinho Pré-ETEC que
tem hoje uma grande procura, o que nos chamou a atenção.7 Por esta razão, o
mesmo estudo que realizamos na ETEC, procuramos transpor para esta escola
regular de ensino médio, explorando por meio dos questionários de
caracterização dos alunos, entrevistas com professores e observações em sala
de aula, os objetivos e as práticas dos professores e estudantes reunidos em
torno do cursinho Pré-ETEC.
Assim, entre 2013 e 2015, incluímos esta unidade de ensino, pelo viés
do cursinho neste trabalho, a princípio, pensado como uma pesquisa sobre as
características sociais dos estudantes da ETEC e as condições necessárias
para a aquisição de capital cultural que a escola visa a transmitir.
Ao identificar a existência do cursinho Pré-ETEC nesta escola regular,
descobrimos o quanto o campo de instituições de ensino funciona,
aparentemente, de maneira separada. Na realidade, compreendemos como
estas instituições aparentemente isoladas, estão, na realidade, ligadas de
muitas formas. Entrar na ETEC é um objetivo para parte dos jovens que estão
nas escolas públicas regulares e também nas escolas particulares. Esta
constatação é reforçada pelas publicidades em outdoors de escolas
particulares com fotos de seus alunos do ensino fundamental II que passaram
no vestibulinho da ETEC. Mesmo sabendo que “perderão” estes alunos no
Ensino Médio, para as escolas privadas de Franco da Rocha, o número de
aprovados na ETEC torna-se um trunfo comercial. Em outro caso, uma escola
7
Verificamos uma tendência de surgimento de cursinhos preparatórios para o vestibulinho de
acesso das ETECs. O cursinho Pré-ETEC da Escola Estadual Geraldi Serrano transformou se
em parte do nosso foco de pesquisa devido a sua grande expressão na região e pela forma de
organização dos professores no seu interior que abordaremos no capítulo 3.
20
particular de Mairiporã (município vizinho cujos estudantes representam 30%
dos alunos da ETEC de Franco da Rocha) fez um grande esforço para
contratar boa parte dos professores da ETEC, em uma operação de aquisição
de capital simbólico.
O “Cursinho Pré-ETEC da Escola Estadual Geraldi Serrano8” funcionou
nesta pesquisa como um “laboratório” para explorar estas conexões. Durante o
desenvolvimento da pesquisa, percebemos que esta iniciativa de caráter
voluntário de professores e alunos, que em 2015 reúne cerca de 350
estudantes e 19 professores, poderia ser de grande valor para compreender
melhor as limitações das escolas estaduais regulares, apreender como o
interesse crescente pelas ETECs se dá, e ainda, poderia ser crucial para
identificarmos melhor as diferenças e semelhanças entre os alunos aspirantes
às ETECs e os seus estudantes ingressantes. Tal experiência nos pareceu
muito oportuna para observarmos o “engajamento professoral” que já
estávamos interessados para o caso da ETEC.
8
Tive duas oportunidades de trabalhar na escola EE. Geraldi Serrano, respectivamente em
2007 e 2009, porém, fiz o pedido de transferência do meu cargo em definitivo em 2014 para
fazer uma imersão, de fato, neste campo e conseguir mais conhecimento para esta pesquisa e
para o trabalho engajado na escola pública. O Nome Geraldi Serrano é um pseudônimo criado
para preservar a identidade real desta escola a pedido de funcionários, professores e
coordenadores.
21
Neste contexto de pesquisa o conceito de engajamento professoral foi
utilizado para se referir aos educadores que possuíam uma postura de
desenvolvimento de seus projetos para além da sala de aula de
estabelecimento de uma relação pedagógica mais próxima dos alunos e uma
relação muito presente com o ambiente escolar9. Interessava interrogar, como
este tipo de trabalho pedagógico poderia produzir efeitos sobre os projetos de
ingresso no ensino superior dos estudantes.
O processo de coleta de dados para a pesquisa tomou grande parte do
nosso trabalho. Em particular, a elaboração do questionário, a realização das
entrevistas com professores e as observações de tipo etnográfico ocuparam
boa parte dos nossos esforços.
O fato de ser professor da ETEC e da escola regular estadual há alguns
anos, se por um lado exige vigilância epistemológica, por outro, possibilitou
certo êxito no acesso a diferentes fontes de informação para esta pesquisa.
Como professor, estava em uma posição favorável para ter acesso ao banco
de dados do Centro Paula Souza, aos pais de alunos, aos demais professores,
alunos de todas as turmas, muitos ex-alunos, funcionários das secretarias,
coordenadores e diretores. O percurso que para muitos pesquisadores
“outsiders” poderia ser restrito, burocrático ou inviável, no meu caso, o acesso
era livre e as possibilidades de apreensão das múltiplas dimensões da vida
escolar apresentavam-se maiores. Os procedimentos metodológicos, em
especial os questionários e a pesquisa empírica comparativa sobre as duas
escolas foram mobilizadas nesta pesquisa visando contribuir para as
representações autóctones impostas pela proximidade do pesquisador e seu
objeto de pesquisa.
Os procedimentos metodológicos incluíram: 1. Questionários com os
alunos; 2. A Consulta aos bancos de dados; 3. Entrevistas e observações de
tipo etnográfico; 4. A pesquisa bibliográfica.
9
O conceito de “Engajamento professoral” é melhor descrito no decorrer desta tese.
22
III. QUESTIONÁRIOS
23
dos questionários aplicados na ETEC. A adaptação buscou respeitar a
estrutura original das questões para que as comparações posteriores fossem
possíveis. Entretanto, foram retiradas as questões referentes ao convívio na
ETEC e inseridas perguntas relativas a vivencia no cursinho, o que resultou
num total de 78 questões. No total, 100 questionários foram respondidos no
cursinho e 135 pelos alunos da ETEC.
O questionário foi desenvolvido a partir dos temas de interesse deste
trabalho, tendo como principal objetivo caracterizar os estudantes da ETEC e
posteriormente adaptado para o cursinho Pré-ETEC.11 Durante um bom tempo
fiz “simulados” do questionário com um grupo de 56 alunos que participavam
de um núcleo de pesquisa em Filosofia que eu coordenava para avaliar a
percepção deles sobre as questões e sua estrutura12.
A realização de um pré-teste do questionário com estes 56 alunos do
grupo de estudos e posteriormente com um primeiro grupo do cursinho, em tal
período da pesquisa teve como objetivo saber se as questões eram de fácil
compreensão dos respondentes e se o instrumento elaborado (anexo 3) seria
capaz de produzir dados suficientes para serem analisados em cada questão.
Particularmente, precisávamos de um instrumento com um número de
questões suficientes para cobrir as principais dimensões que nos interessavam
discutir e, ao mesmo tempo, que fosse enxuto o suficiente para não
desestimular a resposta e evitar que o respondente desistisse de continuar a
pesquisa.
Para tal feito, o acompanhamento do grupo de pesquisas da professora
Graziela S. Perosa e a inserção na realidade que seria aplicado o questionário
foram fundamentais. Comecei a participar do grupo de estudos sobre
Estratégias educativas em famílias de grupos populares e nas classes médias
em 2012, ainda como aluno especial. Pude acompanhar de perto as pesquisas
com as famílias da região do Ermelino Matarazzo (entorno da EACH) e
aplicação de questionários (voltados para alunos do Ensino Fundamental II)
nesta região que serviram de referência para esta pesquisa. A redação de cada
12
Os alunos que participaram do “pré-teste” do questionário faziam parte do grupo CIENFIL
(Grupo de estudos de Filosofia e Ciência).
24
e o escopo desta pesquisa, eles não poderão ser completamente explorados
nesta dissertação.
14
Alguns casos serão usados pseudônimos para os entrevistados.
26
Além de entrevistar os professores do cursinho e da ETEC,
entrevistamos o professor Maurício Vaz, professor de Filosofia e Sociologia da
escola E.E Geraldi Serrano que, apesar de não ser professor da ETEC nem do
cursinho, durante a pesquisa apareceu como um referencial importante na
formação do Pré-ETEC e de outras iniciativas que pretendemos elucidar mais
adiante.
As entrevistas foram realizadas no local de preferência dos
entrevistados15 com o objetivo de deixá-los mais à vontade. O roteiro de
questões foi semiestruturado de forma que o ritmo da entrevista fosse próximo
de uma conversa informal e o entrevistado se sentisse estimulado a falar.
Além das entrevistas oficiais houve, nesse período, inúmeras conversas
informais com os entrevistados e demais professores que fizeram parte das
notas do caderno de campo. Contudo, parte substancial desta pesquisa foi
realizada na observação de tipo etnográfico. Este tipo de observação e
descrição foi adotado durante o acompanhamento do Cursinho Pré-ETEC, por
se demonstrar de grande eficiência na compreensão deste microcosmo em
suas dinâmicas internas.
O período de ação em campo no cursinho se estendeu entre os dias
14/09/2013 até o dia 7/12/2013; 08/03/14 até o dia 22/11/14; 07/03/15 até
30/05/15. Periodicamente aos sábados, somando um total de 13 encontros em
2013, 30 em 2014 e outros 12 em 2015 sempre das 09h30min às 13h00min.
Como o foco principal da pesquisa estava na motivação dos professores, a
presença em campo incluiu acompanhar os momentos dos professores antes
das aulas se iniciarem, geralmente na sala dos professores ou nos pátios da
escola, assim como os intervalos dos professores e às saídas das últimas
aulas. O restante do tempo foi investido no acompanhamento de aulas, no
trabalho de organização dos coordenadores e dos planejamentos das duas
escolas.
15
Vale ressaltar, dentre as 4 entrevistas dos professores do cursinho, uma delas foi realizada
na escola e três foram feitas na casa do professor Danilo, o que nos remete à proximidade que
mantêm entre si.
27
VI. A PESQUISA BIBLIOGRAFICA
VII- OS CAPÍTULOS
28
Por fim, no capitulo 4, exploraremos o entendimento desenvolvido sobre
a noção de engajamento professoral, comparando mais uma vez a maneira
como este engajamento ocorre em uma e em outra instituição.
29
Para compreender as motivações para a definição deste objeto de
pesquisa e da maneira como procuramos conduzir o trabalho de produção dos
dados é necessário recuperar alguns aspectos de minha trajetória de formação
e de atuação profissional. A elucidação das motivações deste investimento de
pesquisa não pode ser feita apenas a partir da descrição da realidade
investigada e das ações dos sujeitos no seu interior, mas também da relação
que o pesquisador mantém com o seu objeto.4
Como contexto para a questão do “engajamento professoral” (ou mesmo
militantismo educacional), na qual pretendo pesquisar a relação com a
formação do habitus e a apropriação do capital cultural, apresento as minhas
motivações para esta pesquisa.
Ao recuperar meu percurso educacional, espero reunir alguns dos
elementos necessários para compreender minha atuação profissional e a
construção deste objeto de pesquisa à luz de minha história familiar e das
condições de socialização com as quais fui confrontado.
Minha família era composta por 3 pessoas (mãe, irmã mais velha e eu).
Nestas condições, não tardei a observar as dificuldades de adaptação que
minha mãe enfrentou por ter sido educada dentro de um modelo familiar em
que a prioridade da mulher era servir ao marido. Com o divórcio e nenhuma
especialidade profissional, minha mãe criou formas de nos amparar por meio
do desenvolvimento de trabalhos com artes plásticas e artesanato. Em sua luta
cotidiana para trabalhar e nos sustentar, tinha como principais aliadas suas
irmãs que sempre foram muito próximas. Elas eram professoras e tinham
grande envolvimento com projetos culturais, sociais e uma participação política
4
Baseado nas reflexões de Bernard Pudal pode-se interrogar a gênese de minha militância no
magistério público. Segundo o autor: “Desse ponto de vista, as análises “biográficas” tornam se
Cada vez mais complexas: elas devem — do meu ponto de vista — associar a prosopografia
(biografia coletiva, ou melhor, biografias coletivas, ‘famílias de trajetórias’) com o ‘singular’, no
qual podemos considerar tipos de investimentos sociais e psicológicos variáveis segundo os
indivíduos.”(PUDAL, 2009.p. 133).
16
CAPÍTULO 1 – O HABITUS ESCOLAR, O ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A
ETEC
16
“Estado estético” refere-se aqui à questão da manutenção e limpeza dos ambientes
escolares, que durante algumas entrevistas preliminares e por meio da observação da
interação dos alunos e professores com o ambiente escolar, tem aparecido como uma questão
importante na atribuição de valor simbólico para instituição de ensino específica.
31
francesas, apresentando uma riqueza de detalhes sociológicos e
antropológicos para a análise das relações simbólicas em questão.
A criação de um ambiente escolar e também de uma cultura escolar
remonta aos primórdios das instituições de ensino e da formação pedagógica
de professores. Desde o começo da história das culturas escolares, com Jean
Baptiste de la Salle (1651- 1719) o qual criou a Irmandade das Escolas Cristãs,
até os dias de hoje, muito mudou no ambiente escolar e na sua significação
social. Mas o ambiente escolar ainda segue como parte crucial na formação
das engrenagens sociais, principalmente após a Revolução Francesa (1789-
1799), seja forma de assimilação das ideologias liberais, como meio de
estratégias políticas ou como mecanismo de difusão e legitimação de uma
cultura.
Para La Salle (1651- 1719), por exemplo, o sistema educacional deveria
responder às necessidades dos alunos, transmitindo-lhes conhecimentos e
formando seus hábitos morais e intelectuais. Porém, pela definição de quais
conhecimentos? Quais hábitos? Qual moral e que tipo de formação intelectual?
Levando em conta o caráter relativo destes conceitos e de que as escolas têm
enorme potencial de difusão de hábitos e valores, percebemos que a escola
sempre se configurou como um forte dispositivo de poder (Foucault, 2005) e
estabelecimento dos valores simbólicos e sociais definidos pelas relações de
força entre os grupos sociais.
Em uma reflexão sobre o papel da escola nas sociedades modernas,
urbanizadas, industrializadas e escolarizadas o papel das instituições escolares
tornou-se historicamente detentor da legitimação da boa educação e da
formação dos indivíduos, tanto que o sistema meritocrático, como conjunto de
valores e de crenças, tornou-se a um valor intrínseco à cultura ocidental. O
ambiente escolar, a “forma escolar”, como dizem Guy Vincente e B. Lahire
(2011) tornou-se o espaço por excelência de formação das novas gerações e
um dos principais veículos de difusão do conhecimento legítimo.
Durante o século XX, os sistemas de ensino continuaram a se
expandirem, a incluir novos atores sociais, como as mulheres, os mais pobres,
os deficientes. No Brasil não foi diferente, esta expansão deu-se lenta e
historicamente com um flagrante déficit das vagas de Ensino Médio, em
especial, nos ciclos finais da escolarização. O ensino médio, durante muito
32
tempo, foi quase monopolizado pela iniciativa privada. Basta lembrar que até
1940 a capital paulista possuía apenas três ginásios públicos que ofereciam o
ensino secundário (Spósito, 1984), os demais eram oferecidos pelas escolas
privadas (Perosa, 2009).
A lenta expansão dos estabelecimentos de ensino secundário públicos
não impediu que a escola no Brasil fosse ganhando cada vez mais legitimidade
como um veículo de ascensão social e de difusão da cultura socialmente
legítima. Outro ponto a ser considerado refere-se ao campo teórico de Michel
Foucault (1987) que, em sua análise sobre o poder disciplinar, discute o jeito
como as instituições sociais (escolas, hospitais, presídios...) são estruturadas
nas suas diversas instâncias de forma que possam transformar as pessoas em
“corpos dóceis”, no que diz respeito à incorporação das formas de poder social
e ao controle do corpo, no intuito de que o sujeito possa assimilar uma auto-
regulação de seus “instintos” e se torne “domesticado” ao trabalho e ao
convívio social pacífico e se enquadre nos padrões de “normalidade”
estabelecida. Como diz Foucault (ANO, p. 117-118),
34
habitus17 pretende dar conta desta incorporação do mundo social que se
transformaria em formas de pensar, de sentir e de agir, como segue na
definição:
17
Conceito de habitus para BOURDIEU: "sistemas de posições duráveis, estruturas
estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto
princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser
objetivamente 'reguladas' e 'regulares', sem que, por isso, sejam o produto da obediência a
regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e o
domínio expresso das operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo isso,
coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada de um maestro"
(BOURDIEU, 1987). "(...) sistema de disposições duráveis e transferíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções,
apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas,
graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da
mesma forma e graças às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente
produzidas por estes resultados" (ibiden.: XLI).
35
primeira é socialmente determinada, uma vez que as diferentes combinações
de condições objetivas estão desigualmente “distribuídas”.
A segunda, pela oposição dualista simbolicamente estabelecida. Assim
como a visão dicotômica de Durkheim (1973), que trazia um dualismo nas
construções simbólicas sociais, entre o sagrado e o profano, para Bourdieu
(1990) os valores sociais incorporados na sociedade seguem uma estrutura
similar, em que definimos a “cultura do bom gosto” sempre estabelecendo um
parâmetro de transposição com a definida “cultura do mau gosto”. Esse
dualismo cultural implicaria diretamente na vida social, criando uma divisão
social entre aqueles que detêm a forma legítima, que torna-se uma espécie de
capital e aqueles excluídos deste processo, visto que se o indivíduo não for
capaz de se apropriar dos códigos simbólicos da “cultura do bom gosto” e do
estilo de vida dos que têm posse dela, automaticamente encontrará sua
definição na oposição desta cultura (cultura de mau gosto), sendo
“marginalizado da cultura dominante”.
Por sua vez, este fator acentua ainda mais estas diferenças sociais,
enraizando a cultura dominante de forma profunda no seio das relações
humanas, o que torna esta cultura elitizada, parâmetro oficial de mediação das
relações e construções simbólicas. Como afirmava Weber (2001) ao expor que
a verdadeira legitimidade do poder só se estabelece realmente na medida em
que sua legitimação é feita por parte dos dominados ou nos termos de
Maquiavel (1973), nos quais definem que o detentor do poder se estabelece
muitas vezes pela força, mas só se mantém no poder quando suas ideias são
incorporadas pelo povo. O que nos remete a refletir que a “ideologia
dominante” é apreendida pelos dominados como a sua ideologia de “desejo” ou
a única possível. Esta determinação simbólica se estabelece por todas as vias
sociais. Torna-se um habitus ao ser incorporado pelos indivíduos e é
reproduzido sistematicamente nos meios de comunicação e socialmente nas
ações práticas. Perde a característica de estratégia de dominação e se
estabelece como regra normativa e incontestável.
O ambiente escolar pode ser visto como um ótimo exemplo para
explicitar como a dominação por meio do capital cultural está enraizada em um
sistema legitimado e transformado em senso comum para a classe dominada.
Teoricamente, o ensino deveria ser difundido de forma igualitária, com o intuito
36
de humanizar as pessoas, difundir os valores democráticos, capacitar as
pessoas para a vida social de maneira igualitária e transpor as diversas formas
culturais em âmbito geral. Percebemos que é assim que a escola tenta se
mostrar. Porém, este discurso se perde na prática e o ambiente escolar torna-
se um veículo de afirmação dos valores simbólicos da classe dominante. Os
alunos das classes sociais mais favorecidas trazem consigo um capital cultural
maior (desta cultura legitimada) do que os alunos das classes mais baixas (que
possuem uma cultura não legitimada, tendo em vista o que é cobrado pelas
instituições sociais “escolarizadas”. Isto não significa que os alunos mais
pobres sejam desprovidos de cultura, porém a cultura exigida pela escola é a
do arbitrário cultural dominante.
Este arbitrário cultural dominante (cultura que se sobrepõe sobre as
demais) é difundido pela escola, exigido no contexto da vida social,
considerado como a “boa cultura” ou “verdadeira cultura”, que servirá como
capital de base dos valores simbólicos e reafirmada pelas classes dominantes,
estabelecida por lei, legitimada pela reprodução dos meios simbólicos sociais,
pelos meios de comunicação e reafirmada pelo ambiente escolar. Criando um
ciclo de legitimação do poder simbólico. Com isso, os alunos das classes
dominantes trazem consigo do meio familiar uma bagagem desta cultura
“oficial” visto que seus pais cultuam e “podem” (tendo em vista que as
condições econômicas também refletem nas condições de acesso desta
cultura) inserir seu filho com maior facilidade neste mundo simbólico. Enquanto
os alunos das camadas sociais economicamente mais baixas não têm acesso
a esse tipo de cultura devido às dificuldades econômicas e ao ciclo vicioso em
que seus pais estão inseridos como desprovidos deste capital cultural, visto
que também não tiveram acesso à dominação deste mundo simbólico18.
Isto faz com que os alunos sintam a necessidade de buscar este capital
cultural legitimado (legitimando ainda mais esta cultura em detrimento das
outras) e com que muitos dos alunos que não tiveram acesso por meio da
família ou meios externos. Por essa razão, muitas vezes, sentem-se menos
inteligentes e incapazes de realizar uma ascensão social, tornando-se
18
Contudo, o fator crucial disso se faz na forma como a escola transpõe os valores deste capital
cultural elitizado como se tivesse maior valor em si mesmo mais do que as culturas populares,
exigindo um pré-conhecimento desta “Cultura Sacramentada”, tornando o conhecimento menos
acessível aos alunos que não tiveram contato anterior com esta cultura.
37
excluídos na medida em que não se enquadram ou não consigam incorporar
esse capital cultural que a escola exige. Isto é facilmente visível nas escolas do
ensino médio regular.
Portanto, o aluno que não tem propriedade do arbitrário cultural
dominante acredita que as dificuldades encontradas em suas formas de
aprendizado são resultado de sua incapacidade de aprender e não da estrutura
escolar em si. Logo, encontrará para si a explicação de que por ser o arbitrário
cultural dominante mais difícil de ser conquistado, ou algo sublime para
poucos, aqueles que o detêm merecem mais poder social do que aqueles que
não têm a posse desse capital cultural. Os que têm este “dom natural”
possuem em si mais qualidades que os demais, validando assim a sua
dominação. Por outro lado, podem simplesmente se ver na posição de “pobres”
culturalmente e, ainda assim, sublimar aqueles que têm a posse cultural. Em
ambas as possibilidades, existe uma legitimidade do valor desta cultura em
relação a outras e afirmação do poder de quem detém este capital.
Em outras palavras, esta cultura é incorporada como a cultura oficial,
introduzida de maneira imperceptível no cotidiano em todas as instâncias
sociais, reproduzida como a melhor cultura e como parâmetro de valor nas
relações, de tal modo que realmente aparenta ser natural e imanente à
sociedade, tornando-a percepção da dominação invisível. No caso do
distanciamento social entre as classes, Bourdieu (1990, p158.) apresenta o
conceito de estratégias de condescendência, como segue na citação:
Através das quais agentes que ocupam uma posição superior em uma das
hierarquias do espaço objetivo negam simbolicamente a distância social, que nem
por isso deixa de existir, garantindo assim as vantagens do reconhecimento
concedido a uma denegação puramente simbólica da distância (“ele é uma pessoa
simples”, “ele não é orgulhoso”) que implicam o reconhecimento da distância (as
frases que citei implicam sempre um subentendido: “ele não é orgulhoso, para um
professor da faculdade”). Em suma, podem-se usar as distâncias objetivas de
maneira a obter as vantagens da proximidade e as vantagens da distância, isto é, a
distância e o reconhecimento da distância assegurados pela denegação simbólica da
distância.
38
qualquer traço de estratégia. O que remete a frase de Bourdieu (1990, p160.):
“as estratégias mais ‘lucrativas’ são as que não são vividas como estratégia”.
A dominação social é incorporada em todas as camadas das relações
simbólicas. Torna-se legitimada e eficaz. O capital cultural sendo o fundamento
simbólico do poder social, tendo seu acesso “restrito” á classe dominante,
almejado pelo gosto (estabelecido pelo arbitrário cultural dominante) da classe
dominada, aceito e reproduzido como valor primordial, torna a dominação
efetiva e invisível e, portanto, mais “lucrativa” em seu objetivo final. Então este
capital cultural e este enquadramento corporal, difundidos pela escola, se
consolidavam como a demarcação das diferenças na forma “moral” e
naturalizante da hierarquia decorrente do capital econômico. Portanto, tornou-
se como um determinante das regras dos jogos sociais.
Partindo destes pressupostos condicionantes das instituições escolares,
o jogo social se configura, criando um ambiente em parte excludente, mas
também em parte proporcionador de elementos necessários para os alunos
conseguirem desenvolver suas potencialidades dentro do jogo social. Esta
estrutura pode encontrar na figura de determinados professores ou atores
sociais do ambiente escolar uma potencialização dos projetos escolares,
devido às condições de suas trajetórias; suas finalidades com a carreira do
magistério e seu lugar dentro do jogo escolar.
Estes projetos muitas vezes são pautados na docilização dos estudantes
para o trabalho e para cumprir o seu papel social, porém, em alguns casos
estes projetos estão configurados para uma busca de ascensão no jogo social.
A relevância de se buscar uma exposição e compreensão para casos de êxito
no Ensino Médio das escolas públicas se faz de vital importância, uma vez que
esta etapa do ensino básico, tão crucial para os jovens na determinação de sua
vida adulta e profissional, está em crise.
O desempenho do discente pode ser influenciado por diversos fatores
decorrentes de sua posição familiar em nossa estrutura social19, tais como:
qualidade do ensino ofertado; padrão socioeconômico da família; necessidade
de ingresso ao mercado de trabalho; local em que cursa ou cursou o Ensino
19
Perosaet al., 2015.O espaço das desigualdades educativas no município de São Paulo.
39
Médio (rede pública ou privada de ensino;, descontinuidade das políticas
educacionais, dentre outros.
Perosa et al (2015)20, aponta que:
20
Perosa et al., 2015. Distinções nos grupos populares e oferta escolar em São Paulo.
40
envolveu na busca por melhorias na qualidade do ensino ofertado no sistema
público (MARQUES et al, 2007).
Segundo Viamonte (2011, p29.),
21
Para mais informações, consultar o Relatório Educação para Todos no Brasil 2000-2015.
22
Para mais informações, consultar o Relatório Educação para Todos no Brasil 2000-2015.
41
Gráfico 1 – Matrículas de Ensino Médio entre os anos 2000 e 2013
23
Abandono da escola é mais preocupante no ensino médio e na educação de jovens e
adultos, UFMG – 2007.
24
CASTRO, M.H.G., TORRES, H.G.; FRANÇA, D. Os Jovens e o gargalo do Ensino Médio no
Brasil.
42
per capita. Este indicador aponta para uma mudança comportamental no perfil
das famílias que optam por matricular seus filhos no ensino médio privado: esta
modalidade de ensino tornou-se mais acessível às famílias. Em 2002,
aproximadamente 25% dos alunos de ensino médio da rede privada
pertenciam a famílias cuja renda era de até três salários mínimos; em 2012,
este percentual aumentou para 35% (SEADE, 2014).
Outro fator que pode contribuir para o abandono das salas de aula é a
percepção de qualidade do ensino que é ofertado: problemas adquiridos ao
longo do ensino fundamental (como dificuldades no processo de alfabetização,
por exemplo) também contribuem para o abandono das salas de aula; o aluno
desmotivado a aprender dá preferência ao mercado de trabalho do que às
salas de aula.
O crescimento das redes privadas de ensino chamou a atenção nos
últimos anos. Entre 2002 e 2013, foram inauguradas mais de 2.600 escolas de
ensinos fundamental e médio. Só em 2013, mais de 275 mil alunos se
matricularam na rede privada de ensino para cursar o Ensino Médio. A rede
pública, por sua vez, sofreu uma queda de 10% nas matrículas (cerca de 180
mil alunos a menos matriculados em escolas públicas para cursar o Ensino
43
Médio), embora 2.000 novas escolas públicas de ensino básico tenham sido
inauguradas neste mesmo período.
A evasão escolar ainda é uma preocupação constante, mesmo após a
implementação de políticas de aumento no número de matrículas na rede. Indo
para além das dificuldades econômicas, podemos citar a falta de motivação
dos discentes em prosseguir com os estudos: Krawczyk (2011) afirma que:
44
básico, qualificando-se para adentrar ao mercado de trabalho ou, para
ingressar no ensino superior. (UNICEF, 2014).
Esse reconhecimento da singularidade dos alunos e a relação
com os professores é de fundamental importância para a compreensão do
sucesso escolar no Ensino Médio. Posto a crise existente nas escolas públicas
resta pensar as formas de lidar com esta crise dentro das possibilidades
existentes, mas, principalmente, pensando nos bons resultados que o ensino
médio das ETECs estão conquistando; a pesquisa pretende adentrar na
25
“cultura escolar” (Juliá, 2001) destes ambientes distintos, na busca de
apreender quais são os elementos primordiais destes resultados.
25
Como Juliá mesmo afirma sobre a análise da cultura escolar que é um, “abrir a caixa preta da
escola”, buscar compreender melhor os acontecimentos desse ambiente escolar ou como
defendia André Chervel, a escola tem a capacidade de produzir uma cultura própria, original e
singular. (VIDAL, 2005).
26
Dados extraídos do: http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/quem-somos/perfil-historico/ ultima
visualização em 15.10.13.
45
Esta instituição surgiu a partir de uma necessidade de se criar uma
educação tecnológica27, em nível médio e superior. Porém, é importante citar,
para que possamos compreender um pouco melhor as motivações destes
alunos, podemos ver que nas últimas edições do ENEM (Exame Nacional do
28
Ensino Médio) as ETECs obtiveram notas expressivas em comparação com
as escolas regulares.
Os resultados divulgados em 201129, pelo Ministério da Educação,
referentes às provas realizadas em 2009, indicam que, dentre as 50 escolas
públicas estaduais do Brasil com melhores resultados, 34 são ETECs. Entre as
50 melhores escolas públicas regulares paulistas, 41 são ETECs.
Das 50 escolas estaduais mais bem colocadas na classificação no
Estado de São Paulo, 44 fazem parte das ETECs. A Escola Técnica de São
Paulo (ETESP) ficou como a melhor escola estadual de Ensino Médio paulista.
Em nível brasileiro, é a 2ª dentre as estaduais e na capital, configura o 17º
lugar entre públicas e privadas. Na capital paulista, das 10 escolas públicas
com melhor pontuação, nove são ETECs. Das 89 ETECs que participaram do
Enem, 11 ficaram em primeiro lugar em seus respectivos municípios, entre as
públicas e as privadas. De acordo com o Centro Paula Souza, existem 218
ETECs em 160 municípios de São Paulo.30
27
Lembrando que nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do ensino médio de 2000,
prevê no Art. 36. I a educação tecnológica básica.
28
O Exame Nacional do Ensino Médio tornou se nos últimos 10 anos um dos exames mais
importantes para os jovens que pretendem entrar no ensino Superior, e importante referencial
de medição de qualidade de ensino nas escolas.
29
até a data desta pesquisa os resultados de 2012 ainda não tinham sido divulgados
30
Número de ETECs em Outubro de 2014.
46
contextualizar as duas
as esc
escolas e ii) identificar e comparar as distinções
distin notadas
no que diz respeito à infra-estrutura escolar, às características
ticas sociais dos
estudantes e à organizaçã
zação da experiência escolar nos dois ambientes.
ambie
2.1 Contextualizando
o as duas escolas
As duas escolas
olas situam-se
s na microrregião de Franco
nco d
da Rocha da
região metropolitana de São
S Paulo, composta por cinco município
nicípios: Franco da
Rocha, Caieiras, Francis
rancisco Morato, Mairiporã e Cajamar. Trata
Trata-se de uma
região localizada ao norte do município de São Paulo e nas
as im
imediações da
Serra da Canteira (Mapa
Mapa 1). Segundo o Censo Demográfico
o do IBGE (2010),
esta microrregião possui
ssui 453.684
4 mil habitantes que residem em uma área de
600km2.
Ao norte do munic
município de SP, vemos em vermelho a microrregião
mic de
Franco da Rocha. Durante
urante todo o século XIX, esta região se carac
caracterizava pela
presença de fazendas
as e tornou-se rota das expedições doss bandeirantes
ban em
direção a Minas Gerais.
rais. Mais tarde, parte destas terras foi vendida
ven para a
47
Companhia de Trens São Paulo Railway e recebeu a estação de trem Juquery
(1888), tornando-se ligada à cidade de São Paulo pela linha do trem.31
Gradativamente, Franco da Rocha tornou-se procurada por trabalhadores que
chegavam a São Paulo, vindos do nordeste e de outras regiões do Brasil,
atraídos pelo intenso crescimento industrial da região. Esta microrregião abriga
bairros-dormitórios, chácaras, condomínios de casas e alguns apartamentos
pequenos.
A ETEC Dr. Emílio Hernandez Aguilar está localizada no município de
Franco da Rocha, no edifício no qual funcionava o CEFAM a 2 km do centro da
cidade. Além da estrutura física, pode-se dizer que a ETEC herdou do CEFAM
o prestígio e o capital simbólico associado a este estabelecimento de ensino. A
Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau, Geraldi Serrano, situa-se no
município de Francisco Morato, antigo distrito de Franco da Rocha que tornou-
se independente em 1965. Em comparação com Franco da Rocha, Francisco
Morato possui uma área geográfica menor e maior densidade populacional.32
Trata-se do município mais pobre desta microrregião e que possui os índices
mais altos de violência. Estas características sócio-demográficas dos dois
municípios estão presentes também no senso comum das pessoas que vivem
na região e muito presentes nas entrevistas e conversas informais que tive
durante a realização da pesquisa com a comunidade escolar em geral.
Objetivando estas representações do senso comum das regiões nas
quais estão inseridas as duas escolas, é interessante observar a tabela do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) em comparações com São Caetano do
Sul (por ter o melhor IDH do Estado), São Paulo e Campinas (como metrópoles
de referencia), Caieiras, Mairiporã, Franco da Rocha, Cajamar, Campo Limpo
Paulista e Jundiaí (cidades vizinhas que com exceção destas duas últimas,
fazem parte da mesma Diretoria de Ensino).
31
Em 1985 a cidade recebeu o Hospital Psiquiátrico Juquery. Sobre a história de Franco da Rocha,
consultar:
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=351640&search=%7Cfranco-da-
rocha
32
Francisco Morato possui 165.538 habitantes, em uma área de 49,073km² e uma densidade
de 3.143,32hab/km². Franco da Rocha possui 131 366 habitantes e a área é de 133,9 km², o
que resulta numa densidade demográfica de 931,9 hab/km². Fonte: IBGE- 2010.
48
Tabela 2: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) 2010
IDHM
Ranking
Município IDHM 2010 Educação
IDHM 2010
2010
1º São Caetano do Sul (SP) 0,862 0,811
11 º Jundiaí (SP) 0,822 0,768
28 º São Paulo (SP) 0,805 0,725
28 º Campinas (SP) 0,805 0,731
76 º Mairiporã (SP) 0,788 0,723
119 º Caieiras (SP) 0,781 0,749
238 º Campo Limpo Paulista (SP) 0,769 0,739
993 º Franco da Rocha (SP) 0,731 0,654
1081 º Cajamar (SP) 0,728 0,668
1811 º Francisco Morato (SP) 0,703 0,647
33
Dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) 12/09/11.
49
Gráfico 2 – Relação Candidato x Vaga, 2011 a 2014.
34
Este número corresponde aos alunos que estudaram integralmente na rede pública, havendo
ainda uma variedade de alunos que estudaram com bolsa em escolas particulares e
parcialmente em escola pública.
35
Em uma pesquisa feita com os alunos ingressantes em 2012, no universo de 110 alunos do
1°ano do E.M 55% dos alunos estudaram integralmente em escolas públicas; 18%
integralmente em escolas particulares; 18% maior parte em escolas públicas e 9% a maior
parte em escolas particulares e a média de alunos integralmente de escolas públicas se
manteve com pequenas variações (0,1%) até 2014.
36
Uma referência importante na compreensão dos objetivos do Ensino Médio está na
“Proposta de currículos por competências”, fornecido para todos os professores pelo Centro
Paula Souza, onde os objetivos são distribuídos em: a) construção da identidade dos alunos; b)
preparação para a vida; c) preparação para a continuidade dos estudos;d) preparação para o
mundo do trabalho; e) exercício da cidadania ativa.
50
Vale enfatizar que cada escola tem uma singularidade nas ambições dos
alunos e para ficar mais evidente o que entendemos por êxito escolar, no
questionário realizado com os alunos formados em 2011 em 2014, para
apreender o êxito como a distancia entre a ambição dos alunos e os caminhos
que de fato eles conseguiram trilhar, conseguimos uma pista por meio de duas
questões específicas para o questionário deste grupo, as quais consistiam em:
51
afirmaram ter entrado até a realização desta pesquisa37. De cada 10 alunos, 8
desejavam entrar na universidade, e dessa média de 8, pelo menos 6 alunos
tinham desejo pela universidade pública.
Estes números demonstram um forte desejo pela formação acadêmica e
a realização deste objetivo pela maior parte dos alunos, mas também
demonstra certo desejo por um estilo específico de capital cultural dominante
que faz parte do repertório dos professores da ETEC. Afinal, além da cultura
universitária, grande parcela dos professores estudou, ou estudam, em
universidades públicas ou em universidades particulares renomadas, na maior
parte dos casos a Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia
Universidade Católica (PUC). Esta informação pode ser um indício de uma
aproximação entre ambições dos educandos com o repertório oferecido pelos
educadores, ou seja, uma busca de alinhamento de afinidades projetando para
a homogeneidade de valorização de uma determinada cultura. Em outras
palavras, nossa hipótese é que os professores desta escola se constituem em
modelos que inspiram os estudantes a seguir estudando.
Na escola estadual regular, quando questionamos os alunos do cursinho
quais eram seus objetivos para o futuro, 38% responderam que desejam entrar
em uma faculdade pública e trabalhar em outro turno e 31% responderam que
desejam entrar em faculdade pública e dedicar-se exclusivamente. Logo, 69%
dos alunos têm como ambição a entrada em uma instituição de ensino superior
pública. Acompanhando os alunos formados em 2014 nesta mesma escola, de
um grupo de aproximadamente 350 alunos formados, apenas 3 conseguiram
entrar em universidades públicas.38 Esta discrepância existente entre as
ambições dos alunos e o que de fato a escola consegue proporcionar, serve
também como um referencial para pensarmos o que é o êxito escolar nestas
duas instituições.39
37
As outras categorias como curso técnico, cursinho ou somente trabalhar somaram 10% na
ambição dos alunos e 24% dos que realmente fizeram após o ensino médio.
38
O número de alunos que conseguiram entrar em instituições particulares é incerto uma vez
que a própria escola não mede esforços para registrar este número. Registro este que as
escolas particulares e ETECs fazem questão de saber e compartilhar, por ser um referencial do
trabalho realizado pela instituição.
39
Importante frisar que o desejo pela entrada na universidade entre os alunos do cursinho e os
alunos de ultimo ano do Ensino Médio da escola regular não são exatamente as mesmas, já
que os alunos do cursinho são de antemão um público “seleto” desta escola, mas, mesmo
assim a discrepância entre as ambições e a concretude são muito grandes.
52
Sobre o processo seletivo de docentes nas ETECs, o corpo docente é
formado por professores aprovados em um processo seletivo que inclui
entrevista e aula didática (aula teste). A contratação é pelo período máximo de
2 anos e depois há a possibilidade da realização de um novo concurso com o
mesmo processo para a efetivação no cargo (indeterminação), processo bem
diferente do que ocorre nas escolas regulares40.
De forma diversa, as escolas regulares realizam suas contratações por
meio de concurso estadual ou atribuição de aulas via Diretoria de Ensino, em
que o candidato, no primeiro caso, realiza uma prova que testa seus
conhecimentos referentes à sua disciplina e referente às teorias e leis
pedagógicas adotadas pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo;
no segundo, passa por um processo seletivo em nível de diretoria com os
mesmos fundamentos básicos do concurso estadual, porém, com redução no
número de questões e de menor concorrência. Dessa forma, serão atribuídas
as aulas por ordem de classificação entre os professores não efetivos, com
direito a permanecia no cargo durante o ano letivo.
A forma de entrada dos alunos nas escolas também é diferente. Na
escola estadual regular os alunos devem ser matriculados diretamente assim
que saem do Ensino Fundamental II, sendo passível de denúncia ao conselho
tutelar para aqueles que ficarem fora do sistema de ensino. A condição de
seleção dos alunos das ETECs segue outro sistema, em que os alunos passam
por um vestibulinho de conhecimentos gerais e específicos com temas do
ensino fundamental, de caráter classificatório em acordo com o número de
vagas que a escola oferece. Estes processos seletivos podem responder por
boa parte do êxito dos bons resultados e até mesmo das condições de
apropriação do capital cultural (e em geral são usados como resposta). Como
disse o Professor Coordenador Geral Marcelo Gomes: “Nossos alunos
escolhem a nossa escola e lutam para entrar nela.” (C.A)
A questão decorrente desses processos diversos de seleção é: será que
a diferença em nível de contratação dos professores e o processo de seleção
dos alunos consistem no fator crucial do bom êxito das ETECs em relação ás
escolas regulares?
40
Vale lembrar que este processo é similar aos processos de contratação de grande parte das
universidades públicas.
53
Sobre as condições dos professores, alguns pontos diferenciais das
ETECs em relação às escolas regulares, me chamaram atenção desde o
princípio da pesquisa:
Com estes pontos em evidencia, uma pergunta que poderia ser feita é:
“quais as vantagens de trabalhar em um lugar em que o salário é menor; os
benefícios e planos de carreira são menores e limitados; a carga de trabalho
41
Durante os últimos anos desta pesquisa a questão do plano de carreira foi amplamente
discutida e existe a perspectiva de um plano de carreira por mérito acadêmico para ser
implantado a partir de 2016.
54
não remunerado e burocrático é enorme; as preocupações além do trabalho
são grandes; com propostas da concorrência tão atraentes?”
Estes questionamentos aparecem com frequência durante a explicação
das condições de trabalho em muitos processos seletivos para docentes e o
movimento natural na maioria dos casos é a desistência do candidato. Em
muitas conversas informais com professores de outras escolas é comum ouvir
alguém que, por falta de informação, declama: “mas vocês na ETEC ganham
um salário muito melhor...”, e a decepção ao constatar que a realidade é
diferente torna-se, depois de certo tempo, elemento de piada, ou como disse o
professor Diogo Borreio de Matemática durante a entrevista: “tem professor
que nem quer vir pra cá porque percebe que aqui trabalhamos muito.” (C.L).
Estes itens, configurados desta forma, me pareceram, durante muito
tempo, como indícios de que os docentes tinham um projeto mais de
intervenção social e realização profissional do que o simples crescimento
econômico próprio. Este envolvimento e a compreensão do leque de
consequências destas escolhas, assim como as causas de origem delas,
sempre foi meu interesse de compreensão e estudo, uma vez que meu próprio
projeto se mesclava com tudo isso.
Perguntando diretamente aos professores da ETEC as respostas mais
recorrentes entre eles são: “dou aula aqui por causa dos alunos”; “aqui eu
consigo me sentir verdadeiramente professor”; “me realizo dando aulas aqui”.
Estas sentenças são a superfície de questões mais profundas, em que as
causas podem ser apreendidas, a partir de uma análise dos processos que de
fato encaminharam estes docentes para a carreira do magistério e a partir da
configuração específica de funcionamento desta escola.
Para pensar estas questões, é importante contextualizar os ambientes
escolares e suas dinâmicas internas.
55
instituição em sua configuração espacial em si comunica sua forma de
receptividade e relação com seu público.
Figura 1: Visão panorâmica do prédio principal da ETEC em Franco da Rocha. Foto: Eliton Rocha
56
Figura 2: Quadra poliesportiva vista do Bloco E da ETEC, 3º andar. Foto: Eliton Rocha
Figura 3: Rampa de acesso, vista do Bloco C da ETEC, 2º andar. Foto: Eliton Rocha
57
Figura 4: Jardim de inverno visto do estacionamento dos professores da ETEC. Foto: Eliton Rocha
Figura 5: Passagem de acesso do estacionamento para a entrada comum da ETEC. Foto: Eliton Rocha.
58
Figura 6: “Pracinha” entre os Blocos. Foto: Eliton Rocha.
59
A disposição da forma como o prédio se apresenta para a comunidade
torna-se, então, um dispositivo que imprime uma relação inicial amistosa ou de
distanciamento, visto que
Figura 7: Imagem dos monitores das câmeras de seguranças: Serrano e ETEC. Foto: Eliton Rocha
Figura 8: Portão de entrada principal dos alunos da Escola Geraldi Serrano .Foto: Eliton Rocha
61
Esta configuração, apresentada na foto da escola regular, inibe qualquer
contato visual com o interior da escola. Esta barreira é materializada pelo
grande muro de chapisco e mantém o ambiente escolar mais próximo da
aparência de uma prisão do que de uma universidade, centro cultural, ou
qualquer tipo de instituição que queira proporcionar aprendizagem ou cultura.
Este aspecto arquitetônico da escola pública regular parece mais preocupada
em não deixar os alunos fugir do que em convidá-los a entrar. As diferenças do
ponto de vista arquitetônico expressam na realidade a percepção da escola
sobre o público que atendem. Como discurso sobre a instituição, cada uma
destas dimensões fala à imaginação dos alunos e das famílias.
Com a pesquisa, encontramos uma série de distinções que exprimem as
diferenças mais estruturais das duas escolas. Esta disparidade entre a
estrutura da ETEC e da escola regular também se concretiza em outros
aspectos, citados na tabela a seguir:
62
Material de apoio 4 Notebooks 2 TVs
multimídia 5 Data shows 1 Data show
Material didático Passou a receber livros didáticos 1 Kit de material fornecido
em 2013. Anteriormente, o anualmente por aluno;
coordenador pedia em forma de Apostilas por disciplina;
doação o material que sobrava Livros didáticos por
das escolas estaduais. disciplina.
63
Figura 9: Vista de uma rua próxima da escola Geraldi Serrano em Francisco Morato.
Foto: Eliton Rocha
64
Contudo, as condições de funcionamento e limitação da escola estadual,
juntamente com esta consciência da importância da educação, fazem com que
a procura pelo cursinho Pré-ETEC seja tão grande.
Figura 10: Sala de aula na troca de turnos da Escola Estadual Geraldi Serrano . Foto: Eliton Rocha.
65
Figura 11: Construções irregulares na parte de baixo do morro nas proximidades da Escola Estadual Geraldi Serrano .
Foto: Eliton Rocha.
42
Boa parte da comparação entre os alunos da Escola regular e os alunos da ETEC é pautado
no questionário aplicado nos alunos do cursinho Pré-ETEC, o que representa um público seleto
dentro da escola regular por se tratar de alunos que já possuem uma iniciativa para o estudo.
Tardiamente, decidimos que seria adequado aplicar o mesmo questionário em uma turma do
terceiro colegial da escola regular, justamente para comparar se os alunos do pré-Etec eram
muito diferentes dos seus colegas de escola. Infelizmente, não obtivemos autorização da
direção para esta etapa..
66
extremamente distintas entre as duas escolas. Entre os alunos da escola
regular, mesmo sem resistência dos pais, comparecem em torno de 10% a
30% a estes passeios culturais, enquanto que os alunos da ETEC, mesmo
aqueles com alguma resistência dos pais devido à distância (boa parte dos
alunos mora em municípios vizinhos), ou à segurança (nota-se que os pais dos
alunos da ETEC são mais preocupados com questões de segurança que os
pais dos alunos da escola regular), comparecem em número expressivo, algo
em torno de 70% a 80%.43
Observando o foco dos alunos, notamos diferenças substanciais. Na
escola regular, o objetivo primordial da maioria dos alunos é conseguir um
emprego, mesmo que uma grande parcela afirme que seu desejo seria de fazer
o ensino superior, quando colocadas as condições de escolha entre Estudar e
trabalhar, o discurso dos alunos se concentra em “primeiro arrumar um
emprego e depois decidir o curso”. Certamente, esta percepção das prioridades
está enraizada nas condições sociais destes alunos. Inclusive, dentre os
estudantes da escola regula,r aqueles que assumem que sua prioridade é o
estudo e a preparação para o ingresso em uma universidade pública, algumas
vezes, são hostilizados por colegas. Os alunos da ETEC estão em condições
muito melhores para ter o ingresso em uma universidade pública como
prioridade. Este é praticamente um desejo coletivo na ETEC, socialmente
legítimo, valorizado e fortemente estimulado.
Na Escola Serrano o número de alunos que passam nos vestibulares de
grandes universidades é desconhecido pela comunidade escolar como um
todo. Em termos de cultura escolar, não existe uma preocupação da
administração em saber o destino profissional e acadêmico dos alunos
formados, esta iniciativa de fato é feita apenas por intermédio de alguns
professores mais envolvidos que se esforçam em reunir estes dados. Na
43
Interessante citar uma experiência em particular muito curiosa: Desde Março de 2011 até o
fim de 2012 o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) promoveu um evento mensal chamado
“Filosofia do Rock”, um debate sobre a Filosofia e algumas vertentes do Rock, com curadoria
da filósofa Márcia Tiburi. Mensalmente era feito o convite para os alunos de ambas as escolas,
para uma saída de Trem/Metrô (aproximadamente 56km de percurso e algo em torno de 1:30
de viagem). Os alunos da ETEC são em número 1/3 em relação aos alunos da escola regular,
porém, mensalmente a presença deles no evento gira ao entorno de 60 -70 alunos da ETEC
(chegando ao auge de 120 alunos em Maio de 2011), e algo em torno de 7-15 alunos da escola
regular (chegado ao pico de 25 no mesmo mês citado). Vale dizer, os custos da passagem
(uma de ida e outra de volta) corriam por conta dos alunos.
67
ETEC, nas duas turmas de 40 alunos cada, formados em 2011, de 70 que
prestaram vestibular, (parte dos alunos que não prestaram neste momento,
alegaram que preferiram “passar mais um ano” estudando por conta própria
antes do vestibular) 52 deles passaram em universidades públicas. A
administração da escola faz questão de tabular todos os dados sobre a
aprovação de seus alunos, as escolhas profissionais e as instituições de
destino. Tais dados são claramente utilizados para divulgar a eficácia da escola
para a comunidade.
Numa experiência de levar ambos os grupos de alunos em pequeno
número para frequentar espaços acadêmicos: aulas na pós-graduação e
graduação, congressos, palestras e aulas magnas em universidades (USP,
UNIFESP, UNESP, UNICAMP, PUC, MACKENZIE e FESPSP), os alunos da
ETEC se portavam como se almejassem fazer parte destes espaços, dando
grande valor para estas experiências, enquanto os das escolas regulares
(mesmo aqueles portadores de muito “capital escolar”) sentiam-se deslocados,
e em alguns casos, até almejavam fazer parte daquele espaço, mas
geralmente viam como um local inacessível de uma realidade distante.
Mesmo que boa parte deles habite os mesmos bairros, frequente os
mesmos espaços físicos, alguns são das mesmas famílias, mas, as formas
simbólicas incorporadas nos espaços culturais de cada escola (ou poderíamos
chamar de “campo escolar”), e até mesmo as posturas assumidas fora destes
ambientes se fazem de maneiras diversas. Existe um “padrão” de gostos
culturais e crenças similares entre os alunos de uma mesma escola, mas
extremamente diverso se compararmos os dois ambientes entre si.
Por exemplo, muitos alunos da escola regular quando terminam o
Ensino Médio prestam o ENEM e alguns vestibulares como a FUVEST, mas o
número de aprovados é mínimo. E podemos nos perguntar, o que acontece
com os alunos que não passaram? Esses logo que terminam o ensino básico
dizem que não querem “perder um ano estudando” para uma nova tentativa.
Em geral, eles começam a trabalhar e alguns anos depois, em alguns casos,
resolvem pagar um curso superior por causa de alguma exigência do trabalho.
Esta ideia de “perder um ano estudando” é significativa para entender a
perspectiva que os alunos têm sobre a passagem do ensino básico para o
superior. Como citado anteriormente, os alunos da ETEC colocam em termos
68
“passar mais um ano” do que “perder um ano”, mesmo nos casos em que
precisam conciliar o estudo e o trabalho. Esta expressão “perder um ano”
aparece também quando alunos que não conseguiram passar no vestibulinho
para o Ensino Médio da ETEC são questionados se irão prestar novamente no
ano seguinte. Sabendo que só poderiam entrar se cursarem novamente o
primeiro ano recorrem, frequentemente, a esta expressão para justificar que
não vale a pena uma nova tentativa.
Interessante perceber como esta disposição de investimento no tempo
de estudo para o acesso ao ensino superior é notado de maneira diversa
nestas duas formas de escola pública. Nos questionários dos alunos e ex
alunos da ETEC, respectivamente na turma de ex-alunos percebemos, a
seguir, um número maior de alunos nascidos em 3 anos diferentes em relação
ao mesmo gráfico da turma de 2014. Esta questão levanta algumas hipóteses
sobre os investimentos educacionais dos alunos, pois se o índice de
reprovação durante o Ensino Médio não é maior do que uma média de 2 alunos
por ano, num universo de aproximadamente 364 alunos que a escola comporta
no ano letivo, quais são as causas desta variação? Seria uma “regressão de
série” proposital? Retomando o que foi dito acima, na ETEC os alunos só
podem entrar no primeiro ano do E.M e não são raros os casos de alunos que
perderam a oportunidade de entrar na idade certa e resolveram prestar o
vestibulinho após terem passado do 1°ano em uma escola regular pública ou
privada. Pode-se concluir que para entrar na ETEC, muitos alunos aceitam
retroceder no curso escolar.
69
Pelo gráfico, em 2011 e em 2014, temos um percentual de 13% a 15%
que se mantém acima da série cursada (18 anos no 3º ano). Partimos de 3
pontos para confirmar a ideia de uma regressão de série consentida para entrar
na ETEC. A primeira com a progressão continuada nas escolas estaduais a
reprovação de alunos está em uma escala mínima, e em geral os alunos
repetentes no Estado não são os mesmos que buscam entrar nas ETEC’s. Um
segundo aspecto, nas escolas particulares a reprovação também é mantida em
um patamar baixo para não perder alunos. Sabemos que em alguns casos de
retenção os pais optam pela transferência do filho para não ter que pagar mais
um ano letivo. O terceiro ponto, segundo os secretários da escola técnica, o
índice de alunos com retenção no histórico do ensino fundamental não chega a
3%.
Portanto, existe uma diferença de percepção em relação ao significado
do tempo para o estudo entre os alunos das duas escolas. Enquanto os alunos
do ensino regular, em grande escala, tentam o vestibulinho ou vestibular em
uma única investida, geralmente dentro dos finais de ciclo fundamental e médio
por “não querer perder um ano” com uma segunda tentativa, o investimento no
tempo de estudo pelos alunos da ETEC se demonstra diferente, uma vez que
uma porcentagem deles estiveram dispostos a estudar um ano a mais para
entrar na ETEC e posteriormente ingressar na universidade. Como nos ensina
Bourdieu (1990), estas formas de representação do futuro são produto do
habitus que, por sua vez, é a incorporação das chances objetivas, dos
universos que cada posição social dá acesso.
Além disso, o gráfico demonstra uma diminuição abrupta de alunos que
entram precocemente no ensino médio da ETEC. Com o aumento da procura e
o número estável de vagas, está cada vez mais difícil conseguir uma vaga na
ETEC. A explicação dada pelos coordenadores da ETEC é que com a criação
dos cursinhos a dificuldade de se conseguir uma vaga aumenta
consideravelmente entre gerações, reduzindo as chances de um aluno entrar
ao final do nono ano do Ensino Fundamental II.
Claro está que, na perspectiva sociológica proposta por Bourdieu (1990),
as diferenças na relação com o estudo, com o tempo e com o futuro são
tributárias da posição na estrutura social. Com base nesta hipótese
bourdiesiana, exploramos as distinções notadas entre as famílias dos
70
estudantes das duas escolas. Nos gráficos 4, 5 e 6, observamos os dados
produzidos com os questionários sobre a escolaridade de pais e mães44 nas
duas escolas:
71
observados, em especial, o crescimento do percentual de mães com ensino
superior.
72
Quadro 3 - Profissões dos pais de alunos45
45
As categorias sócio-profissionais empregadas foram construídas para esta amostra de
estudantes observando-se as sugestões de RIBEIRO & LAGO (2000) e BOURDIEU (2014)..
73
Observamos que os “Quadros médios” e “empregados” compõem a
maioria do público das duas escolas. Nas respostas dos alunos da ETEC estas
duas categorias encontram uma grande parcela de operários e trabalhadores
ligados ao sistema penitenciário e ao complexo hospitalar Juquery, ambos
presentes na cidade de Franco da Rocha (no caso dos “empregados”) e de
professores (no caso dos quadros médios). Observa-se o crescimento entre
2011 e 2014 da categoria dos quadros médios na ETEC e uma redução
importante dos filhos de operários neste mesmo período. Entre os pais, nota-se
uma maior representação dos quadros médios na ETEC, sendo menor a
contribuição da categoria “operários”, em relação às famílias da escola regular.
A variável ocupação da mãe oferece mais indícios sobre as diferenças
notadas entre o público das duas escolas. Em comparação à escola regular, o
número de mães com ocupações como “professoras, enfermeiras, assistentes
sociais”, classificadas como “quadros médios” é quase três vezes superior do
que as mães com estas ocupações na escola regular. Em contrapartida, na
escola regular a maioria das mães trabalha como “operária”, trabalhadoras
domésticas e empregadas do comércio. É menor, ainda, na ETEC o número de
mães “donas-de-casa” e empregadas de nível superior.
Chama a atenção, a modificação no público da ETEC entre os anos de
2011 e 2014 quando o número de pais operários/empregados de nível
operacional cai de 55% para 44% e de mães, nesta mesma ocupação, passa
de 58% para 24%. Neste intervalo cresceram a participação dos pais e mães
de quadros médios na ETEC.
Outro elemento que emergiu da análise de dados como uma variável
importante a respeito das famílias das duas escolas foi a variável “número de
filhos”. Abaixo temos uma tabela com o número de irmãos que os
respondentes dos questionários declararam.
74
Quadro 5 – Número de irmãos dos alunos
Número de irmãos Pré-ETEC ETEC 2011 ETEC 2014
46
Salário mínimo referente ao ano de 2014.
75
Gráfico 7 – Renda Familiar
miliar dos alunos da ETEC 2011
Rend
enda Familiar ETEC 2011
1
2
3
29% 32%
39%
48%
1
Rend
enda Familiar Pré ETEC 2014
2
3
18%
45%
37%
7%
76
Os dados relativos à renda familiar permitem captar uma modificação
importante no público da ETEC de Franco da Rocha, entre 2011 e 2014.
Nota-se uma redução de 11% no número de famílias de menor renda, e um
aumento bastante expressivo das famílias de renda intermediária, ou seja, de
2,5 até 5 salários mínimos que passaram de 29% em 2011 para 48% em
2014. Entretanto, os dados sugerem de fato o aumento da presença das
classes intermediárias na ETEC e não sugerem uma elitização da escola, na
medida em que a faixa de famílias com maior renda cai de 29% em 2011 para
23% em 2014. Trata-se, portanto, de uma recomposição da clientela que diz
respeito a um aumento das classes médias nesta unidade da ETEC.
Em relação à escola regular, nota-se que há uma situação mais adversa
para as famílias do Pré-ETEC: 45% das famílias recebem até dois salários
mínimos, 37% entre 2,5 e 5 salários mínimos e 18% possuem renda superior à
5 salários mínimos. Se considerarmos o número de filhos superior entre as
famílias dos alunos do Pré-ETEC, nota-se que são famílias que possivelmente
possuem maiores dificuldades sócio-econômicas.
Estas condições familiares fornecem indícios das condições de vida dos
alunos que podem se confirmar nos seus hábitos culturais, nos seus planos
imediatos e futuro, estudo e trabalho. De acordo com a tabela a baixo, sobre o
papel dos alunos dentro da configuração familiar e suas necessidades,
percebemos a prioridade que as famílias disponibilizam para a dedicação
exclusiva ao estudo e para atividades de outra natureza.
77
Quadro 6 – Trabalho e contribuição dos estudantes com os afazeres
domésticos
Meus pais me aliviam para que eu possa exclusivamente 41% 35% 16%
estudar
Outros 10% 5% 0%
78
socioeconômicas dos alunos se materializam nas suas trajetórias escolares e
em suas experiências com o espaço escolar.
79
misto e socialmente heterogêneo, ainda que os efeitos da passagem por um ou
outro tipo de escola possam ser esmiuçados melhor no item : “Os filhos da rede
pública e os herdeiros da rede privada”.
47
Alguns projetos não estão listados por não terem uma frequência periódica, mas não é incomum
surgirem eventos extraordinários, palestras, debates e saídas técnicas fora do calendário oficial.
48
A lista com uma breve explicação dos projetos está no anexo 5.
80
Figura 12: Alunos do ensino médio da ETEC descendo em uma antiga mina de ouro em Ouro Preto-MG. Foto: Eliton
Rocha
49
Associação de Pais e Mestres é formada por parte do corpo docente, funcionários e pais de
alunos e tem um papel importante em alguns projetos.
81
e os campeonatos esportivos de futebol, vôlei e ping-pong são exemplos de
projetos que ocorrem por conta da organização de professores e alunos.
82
Tabela 3 – Número de empréstimos por período letivo na ETEC
Março / Abril/201 Maio/201 Junho/201
Número de empréstimos
2014 4 4 4
Matutino 1.129 875 981 750
Vespertino 806 619 629 540
Noturno 159 185 169 195
TOTAL 2.094 1.679 1.779 1.485
83
Nos questionários aplicados no grupo de ex-alunos, sobre os hábitos de
leitura, 75% deles declararam que “adoram ler”. A biblioteca é nesta escola um
espaço disputado, alunos e professores reclamam que o acervo é pequeno
perante a demanda. A disputa maior se dá pelas mesas de leitura, restritas
dado o tamanho do espaço, e há uma grande concorrência entre os alunos
pela atenção da bibliotecária Micherla Magalhães. A Bibliotecária tem um
relacionamento muito amistoso com os alunos. Além de se dedicar á atender
as demandas da biblioteca e em deixar o espaço mais agradável aos alunos
(inserindo quadros, caricaturas de autores e promovendo rodas literárias), parte
considerável do seu tempo é dedicado a conversar com os alunos sobre
problemas pessoais e familiares.
Este dado por si só pode ser considerado um indício da relação de
extrema cumplicidade que se desenvolve nesta ETEC entre a coordenação da
escola, alguns funcionários, professores e alunos. Estas características que
incluem os projetos, o calendário letivo seguido à risca e a cumplicidade entre
professores e alunos colocam a experiência escolar no centro da vida destes
estudantes. A procura pelos professores mais próximos dos alunos e da
coordenação (que também possui uma proximidade grande com os alunos) é
constante. Este movimento cria um vínculo maior com os elementos do
ambiente escolar.
Ao mesmo tempo, o ambiente escolar da ETEC se apresenta muito rígido
e formal para os alunos, pela presença dos seguranças, as catracas nas
entradas, ausência de pinturas artísticas nas paredes ou grafites (algo muito
comum em escolas regulares e particulares), rigidez no uso dos uniformes e no
cumprimento dos horários. Por outro lado, como dito anteriormente, existe uma
flexibilidade da coordenação para a organização de atividades, abertura de
diálogo fora dos horários de aula com docentes e funcionários e o contato com
a natureza constante. Talvez por isso o ambiente, mesmo com muitas regras, é
percebido pelos estudantes como relaxante, tranquilo e informal.
Muitos alunos passam dois turnos na escola por cursarem o ensino
técnico no período vespertino. Muitos outros ficam na escola para estudar,
realizar atividades, freqüentar a biblioteca, praticar algum esporte na quadra ou
aproveitar mais tempo com os amigos. Há casos também de alunos que
permanecem mais tempo na escola por ter um ambiente familiar tenso, se
84
servindo da escola como refúgio. Alguns passam no vestibulinho para fazer o
ensino técnico e assim permanecer o máximo de tempo na escola. Houve
alguns casos de alunos que cursaram todo o Ensino Médio e depois que
terminaram voltaram à escola a fim de cursar o ensino técnico e não perder o
vínculo com a instituição. De acordo com um destes alunos:
Outro caso peculiar foi um aluno que durante o Ensino Médio cursou
Informática, após o término destes cursou os outros dois cursos, o de Logística
e Administração de Empresas. Este fato pode indicar um desejo de
permanência na instituição, maior do que de interesse pelos cursos em si,
devido suas diferenças.
Inicialmente, pretendíamos comparar o fluxo de empréstimos de livros e
a frequência dos alunos nas duas bibliotecas, porém não foi possível, visto que
a biblioteca da escola regular não faz este tipo de controle. Para obter o
número de livros tombados na escola regular foi necessário contar esses livros
por gênero para chegar a um número aproximado, tendo em vista que estes
dados não estão disponíveis. Há um número razoável de caixas com livros
ainda não tombados.
A escola pública regular recebe anualmente um número de livros
razoavelmente grande, seu acervo é próximo de 9.265 livros, mesmo sem
possuir bibliotecário e com um número de alunos leitores próximo de 10% dos
estudantes. A ETEC possui estrutura bibliotecária (física e profissional), acervo
de 3.111 livros; público leitor de 75% dos alunos, mas, paradoxalmente, recebe
um número mínimo de livros anualmente (em média 5% do que recebe a
escola pública regular) e logra ampliar seu catálogo de livros por meio de
iniciativas individuais de alunos e funcionários da instituição. Usando como
referência os alunos do Pré-ETEC é possível ter uma estimativa sobre os
hábitos de leitura e sobre a percepção sobre a importância de ler.
85
Quadro 7 – Hábitos de leitura
Você gosta de ler? Alunos da ETEC Alunos do Pré-ETEC
Não gosto de ler 2% 7%
Não gosto de ler, mas 11% 26%
estou tentando criar o
hábito
Somente quando é 17,5% 12%
necessário
Adoro ler 69,5% 50%
Pela tabela acima, percebemos que a maioria dos alunos da ETEC tem
o hábito de leitura, todavia, mesmo que 50% dos alunos do cursinho afirmaram
que também adoram ler, o interessante é observar que 26% deles reconhecem
a importância da leitura mesmo não gostando de ler, mas desejam criar este
hábito.
86
identificamos duas categorias necessárias para descrever esta forma de
experiência escolar: “estudo sério” e “assistir as aulas”.
Algumas circunstâncias estruturais das dinâmicas das escolas
contribuem para esta cultura do “estudo sério”. Um dos fatores fundamentais é
o valor simbólico empregado na relação com a instituição. Devido esse valor
que a instituição carrega e juntamente com seus “troféus” de êxito, as relações
com o estudo na instituição mudam. Os alunos mudam sua postura, uma vez
que acreditam na mudança que a instituição pode exercer sobre eles. Como o
vestibulinho homogeneíza o público da ETEC, as chances de ganhar corpo no
maior número de indivíduos aumentam substancialmente e os vínculos entre si
e com a escola se estreitam, pois “quanto mais homogêneo é o público de uma
instituição, mais os laços unindo uma mesma geração são fortes” (FAGUER,
1997, p.)
O poder da relação de alinhamento cultural que a escola estabelece
com seus alunos gera uma sociabilidade mais orgânica, no sentido
durkheimiano50 de interdependência e cumplicidade cultural. Neste sentido,
alguns pontos sobre o valor simbólico atribuído pelos estudantes às instituições
podem ser considerados evidências desta relação especial que se inicia com a
seleção do público escolar e se transforma em um vínculo forte de
pertencimento e de interreconhecimento.
50
DURKHEIM, E. 1973. Da divisão do trabalho social, São Paulo, Editora Abril.
87
particulares e este movimento é perceptível no tempo desprendido em
atividades relacionadas ao convívio escolar e ao convívio com os
colegas da escola, ainda que morem em bairros distantes entre si. Na
ETEC, os alunos passam muito tempo juntos, muito além do período de
aula. Este contato é intensificado pelo uso das redes sociais e por meio
das atividades de lazer aos finais de semana. Na escola regular, o
convívio deles entre si fora do ambiente escolar é menor, ocasional e
mesmo as relações nas redes sociais são restritas a alguns amigos ou
grupos de amigos, não necessariamente ligados à escola.
Durante estes anos de pesquisa, raro foram os casos de grupos
ativos em redes sociais relacionados às turmas da escola regular. Na
ETEC todas as turmas possuem seus grupos em redes sociais e grupos
relacionados a vários tipos de interesses ainda dentro do público escolar
como as páginas relacionadas às disciplinas, organização de roteiros de
encontros para passeios independentes ou grêmio estudantil.
Interessante notar que na rede social Facebook existe a possibilidade de
marcar na sua página a instituição em que estuda e, praticamente de
maneira unânime, os alunos da ETEC marcam que pertencem a esta
instituição, alguns chegam ao ponto (principalmente os alunos de
primeiro ano) de anexar ETEC ao nome, exemplo: “Fulano da Silva
ETEC”. Em contrapartida, os alunos da escola regular muitas vezes não
marcam a instituição de ensino ao qual pertencem. No caso de alunos
que fazem o curso técnico nas ETECs e ao mesmo tempo o ensino
médio nas escolas regulares é comum os alunos informarem somente o
nome da ETEC como local de estudo.
Outra modalidade de materialização do valor simbólico da
instituição e do uso deste capital simbólico, como forma de valorização
de si, pode ser encontrada no uso dos uniformes. Os alunos da ETEC
utilizam o uniforme escolar como objeto de status social nos seus
respectivos bairros. A maior parte das escolas regulares não tem um
uniforme oficial e as que possuem não utilizam durante o ensino médio.
Nas escolas particulares e nas ETECs o uniforme é um sinal forte de
pertencimento em um grupo dotado de uma identidade própria e de
determinado volume de valor social.
88
Muitos alunos, principalmente os que vieram de escolas públicas,
se utilizam do uniforme como um meio de reconhecimento e respeito
perante aos colegas de bairro. Alguns relataram que gostavam de passar
na suas ex-escolas com o uniforme da ETEC para “ostentar”. Outros
afirmaram que na cidade eles recebiam um tratamento diferenciado por
estarem com o uniforme da ETEC.
51
Esta proporção veio a partir do questionário nas questões referentes as coisas que os alunos não gostam
na escola, e a partir de um levantamento feito em sala de aula.
89
uso de roupas de marca. Sem esta referência, as demarcações de
diferenças numa escola que supervaloriza o habitus escolar se
fazem pelos méritos intelectuais, o que pode gerar o desconforto
naqueles que se apóiam nas diferenças pelas roupas de marca.
2. Durante o processo de formação, os professores desenvolvem um
trabalho valorizando a autonomia, singularidade, liberdade e
independência, questionamento, e a crítica, chegando ao ápice de
maturidade desta formação no terceiro ano, criando um conflito com
este lado mais rígido da instituição.
3. Os alunos de escolas públicas são mais carentes de elementos de
vinculação e identidade em uma instituição de nome forte, sendo
esta uma possibilidade de tomar de empréstimo o capital simbólico
da instituição para si, muito atraente e diferente do que poderiam ter
nas suas ex-escolas.
90
enxergam a ETEC como a “última chance” ou “melhor chance” de mudar a
sua trajetória de vida, por meio da educação. Muitos alegam que não
teriam nenhuma condição de pagar uma boa universidade particular ou
cursinho. Em muitos casos, os pais apresentam como condição a
aprovação nos exames vestibulares: “se não passar no vestibular assim
que terminar o Ensino Médio terá que trabalhar para ajudar nas despesas
de casa”. Essa última sentença traz consigo o risco de que o ritmo de
trabalho possa inviabilizar a entrada na universidade, posteriormente. No
caso dos alunos da ETEC, a relação com o trabalho é quase
frequentemente percebida como algo que pode atrapalhar os estudos (os
alunos que realmente precisam trabalhar para auxílio da renda familiar
durante o Ensino Médio ficam visivelmente angustiados).
Este conflito não está ligado á questão de trabalhar ou não, pois
muitos deles têm ciência de que precisarão ajudar suas famílias
financeiramente. Entretanto, estes alunos preferem priorizar o ingresso na
universidade e postergar o trabalho depois de garantir a aprovação no
vestibular. Trabalhar antes de entrar no ensino superior, na maioria dos
casos, significa, segundo os próprios alunos:
52
Esta porcentagem representa os números totais de alunos que trabalham fora, sendo que da
turma de 2011 dos 23% de alunos que trabalham fora, 3% trabalham com os pais e da turma
de 2014 dos 4% que trabalham fora, 1% trabalha com os pais. Esta queda no número de
91
Esta relação com o trabalho e com as possibilidades de entrada na
universidade são encaradas de maneira diferente pelos alunos que vieram
das escolas particulares, muitos deles possuem condição financeira mais
favorável e os investimentos que as famílias fazem nestes jovens
impossibilitam a chance de não cursar o ensino superior para “só
trabalhar”. Sem a possibilidade de não entrar na universidade, o foco
deste grupo é voltado para “onde estudar?”, uma vez que há a
possibilidade de se fazer cursinho após ou durante o Ensino Médio.
Sendo poupados da pressão de ter que trabalhar para ajudar a família
estes alunos se sentem menos pressionados para passar em uma
universidade pública, pois existe a possibilidade, também, dos pais
pagarem boas faculdades particulares ou ao menos conquistar uma bolsa
parcial e custear o restante do valor.
O resultado final destas duas formas de encarar o ingresso nas
universidades públicas consiste em: a cada 15 alunos da ETEC de Franco
da Rocha, 3 cursaram o ensino fundamental na rede particular e 15 na
rede pública.
Existe outro elemento importante que justifica esta proporção além
da visão dos alunos sobre o ensino superior e o trabalho, que é a relação
de interferência dos pais nas escolhas das carreiras dos filhos.
Se é baixa a pressão que os alunos que vieram da rede particular
tem com relação ao trabalho e ao auxílio nas despesas familiares em
relação aos alunos vindos da rede pública, o mesmo não pode se dizer
com relação a escolha das carreiras profissionais.
Os pais dos alunos vindos da rede particular exercem grande
influência e pressão em seus filhos na questão das escolhas de cursos.
Principalmente na escolha dos cursos com maior prestigio social pelo
senso comum como medicina, direito, engenharia e áreas correlatas.
Como estes cursos são extremamente concorridos nas universidades
públicas paulistas, alguns alunos almejam a possibilidade de cursá-los em
outro estado. Porém, muitos alunos acabam desistindo desta
alunos que trabalham também reflete as condições de vida das famílias, mais adiante na
caracterização das famílias será possível perceber o aumento da escolaridade das mães, o
que implica diretamente nos investimentos educacionais dos filhos.
92
possibilidade ou esperam a emancipação por conta das barreiras
impostas pelos pais, que não querem que os filhos fiquem longe de sua
guarnição.
Houve vários casos de alunos que passaram em ótimas colocações
em universidades federais fora do estado, mas foram impedidos de fazer
matricula por conta da pressão familiar. Um exemplo icônico de
conhecimento do grande público escolar, foi o caso de um casal de
amigos da mesma turma que queriam cursar direito na universidade do
Rio de Janeiro, passaram no vestibular para estudar na mesma turma e
em ambos os casos os pais não deixaram por conta do estereótipo de
violência da cidade. O garoto acabou não entrando em nenhuma
universidade naquele ano e decidiu esperar a emancipação para estudar
o que desejava, a garota foi para o cursinho pré-vestibular para tentar
novamente em São Paulo no ano seguinte.
-Muitos pais espelham seu ego nos filhos, então não estão
dispostos a deixar eles ganharam o mundo (...) é como se
criassem os filhos para realizar os sonhos de carreira que eles
não realizaram. (professora Maria)(C.L)(C.Inf)
-Eu não queria fazer este curso, mas como minha mãe quer
então eu vou até o fim, pego o diploma e dou pra ela de
93
presente e depois vou cursar o que eu gosto. (Aluna Ana M)
(C.A) (C.Inf)
94
Esta dinâmica chega ao ponto em que alguns alunos do terceiro
ano que vieram da rede particular percebessem que não se prepararam o
suficiente para entrar em seus cursos de desejo nas universidades mais
concorridas, perceberam a grande mobilização de outros alunos da turma,
começaram a ficar incomodados e criaram um discurso de “justificativa”
ou “negação” de sua condição com discursos e expressões do tipo53:
-“Esse povo acha que só existe a USP e a UNICAMP, vou fazer em qualquer
faculdade mesmo, pois vou ter o diploma de qualquer jeito.”
-“Eu não sei por que, mas não gosto da USP”
-“pessoal de universidade pública é muito metido, prefiro entrar numa Uninove”
-“professor X é formado na Unip e é tão bom quanto o professor Y formado na
USP.”
53
Os alunos que apresentaram estes discursos, durante o primeiro ano do Ensino Médio
diziam ter interesse nas universidades públicas e apresentavam um maior conhecimento sobre
a existência das instituições e seus nomes que os outros alunos das escolas públicas. Esta
questão das universidades públicas em relação às particulares está sendo enfatizada aqui por
ser um assunto sempre presente nos discursos dos professores e dos alunos.
95
cidade que a nossa ETEC estudada, colocou fotos de alunos em um outdoor
anunciando seus bons resultados no vestibulinho e o número de aprovados.
A segunda escola, situada na cidade de Mairiporã (vizinha) procurou
contratar parte dos professores do Ensino Médio da ETEC (4 professores)
deixando implícito e explicito em conversas com os pais de alunos: “temos os
mesmos professores da ETEC, e isso faz parte da qualidade de nossa
escola”54.
Em muitas escolas estaduais da região, o surgimento dos cursinhos Pré-
ETEC assume características parcialmente diferentes das escolas particulares.
Há a questão do reconhecimento de que o número de alunos aprovados no
vestibulinho também ajudam a emprestar um maior capital simbólico de “status”
para a escola, mas também existem outros fatores averiguados em conversas
com professores.
Alguns professores criam cursinhos Pré-ETEC com a justificativa de
querer ajudar os alunos que estão com mais vontade de estudar e que muitas
vezes se sentem limitados pelas condições de fato da escola regular. Em
outros casos, professores assumem esse compromisso, pois dizem que o
rendimento dos alunos melhora também no cotidiano escolar pela incorporação
da responsabilidade com o estudo sério.
54
Citação aproximada da fala de alguns funcionários desta escola, dentre eles alguns dos
professores contratados e até de funcionários do administrativo.
55
Uma forte evidencia deste foco voltado ao ensino técnico, foi durante uma reunião de
planejamento entre a direção escolar, os professores dos cursos técnicos e do ensino médio
96
de qualidade é o Ensino Médio56, os números de qualidade e baixa evasão de
alunos transformam neste curso o “carro chefe” das principais instituições.
De acordo com algumas conversas informais com professores e
coordenadores, o Governo do Estado, percebendo uma tendência de
valorização de escolas de tempo integral, por parte de seus eleitores, resolveu
integrar o ensino médio ao ensino técnico para criar a sua versão de ensino
integral. Porém, esta iniciativa é observada com desconfiança pelos
professores.
Os discursos para entender esta mudança se encaminharam para dois
pontos entre os entrevistados e as conversas informais. A primeira delas diz
que o ensino médio existe nas ETECs para atender a demanda de se criar mão
de obra qualificada e bem instruída para cargos médios técnicos. Idealmente o
objetivo seria mesmo de inserir os alunos do Ensino Médio nos cursos técnicos
também, (por este motivo os dois níveis de ensino geralmente não são nos
mesmos períodos). Mas, com o aumento de qualidade no nível do Ensino
Médio, os alunos começaram a almejar o ensino superior, sobretudo em
universidades públicas, e as taxas de rejeição dos cursos técnicos, para este
público, aumentam nas mesmas proporções.
Este aumento de desejos pelas universidades públicas é reforçados,
além da qualidade de ensino do Ensino Médio dar espaço para este desejo,
também, por uma brecha legal nas bolsas de inclusão das universidades
públicas que preveem uma compensação de nota para alunos provenientes de
escolas públicas devido ao reconhecimento da baixa qualidade de seu ensino,
com acréscimos de pontos nos vestibulares, cotas e bolsas. Porém, os alunos
das ETECs e escolas Federais de Ensino Médio, possuem uma qualidade de
ensino geralmente muito superior que da maior parte das escolas particulares,
e mesmo assim possuem o direito legal á estes acréscimos de nota, o que
aumenta ainda mais as possibilidades de ingresso. Com a entrada crescente
em grandes universidades, a perspectiva dos alunos novos sobre suas
em 2013, assistimos a um vídeo institucional, feito pelo Centro Paula Souza sobre os objetivos
e a qualidade da instituição. Durante o vídeo de aproximadamente 35min, a expressão “Ensino
Médio” foi citada somente uma vez.
56
Até mesmo os professores do ensino técnico dizem que os melhores alunos dos cursos
técnicos geralmente são os alunos que também são do ensino médio.
97
possibilidades de trilhar os mesmos caminhos aumentam e,
consequentemente, a procura pelo curso técnico diminui.
Os alunos que buscam fazer Ensino Médio e o curso técnico ao mesmo
tempo percebem que o caminho para o vestibular torna-se mais difícil pela
tentativa de conciliação dos dois cursos, no caso dos que desejam as
universidades mais concorridas a missão é quase impossível. Estes fatores
reforçam o desligamento do Ensino Médio aos cursos técnicos. O objetivo do
Governo Estadual, na criação do ETIM, seria uma forma de conectar
definitivamente os dois cursos para atender diretamente as demandas do
ensino técnico.
Porém, os professores do Ensino Médio com os quais conversei,
que lecionam nas ETECs e possuem turmas de ETIM, apontam que a
qualidade de aprendizagem dos alunos despencam devido ao grande
número de disciplinas e atividades. Muitos estão deslocados no ensino
técnico por não querer seguir carreira no curso, e as possibilidades de
conseguir estudar para os vestibulares ou realizar atividades extraclasse,
além das obrigatórias, são menores.
A ETEC de Franco da Rocha é uma das poucas que ainda não
possui esta categoria de curso. O grupo de coordenação e direção
demonstrou grandes interesses que esta situação permaneça desta forma
para manter a qualidade do Ensino Médio, visto que em outras ETECs,
que adotaram esta categoria de estudo, tiveram uma procura menor de
candidatos que as turmas regulares dos demais cursos.
98
das ETECs. Mesmo se considerarmos que os rankings produzidos pela
imprensa a partir dos resultados do ENEM têm os primeiros lugares quase
monopolizados pelas escolas privadas, o fato de que as ETECs ocupem
posições superiores às escolas estaduais regulares e mesmo a muitos
estabelecimentos privados de ensino gera forte interesse para os jovens que
buscam trilhar os caminhos da escolarização prolongada. O crescimento da
procura pelas ETECs é uma prova disso.
Essas escolas e os “colégios de aplicação”, mantidos pelas
universidades públicas, monopolizam a lista de melhores escolas públicas no
57
Estado de São Paulo. Nos dois casos, o ingresso nestas escolas se faz
mediante a aprovação em provas seletivas e concorridas, os chamados
“vestibulinhos”.
O prestígio associado à ETEC pode ser verificado quando até mesmo o
setor privado desenvolve estratégias para tomar de empréstimo o capital
simbólico das ETECs. Em Franco da Rocha, notamos, por exemplo, a maneira
pela qual muitas escolas privadas se utilizam do prestígio acumulado pelas
ETECs. Isso se materializa seja na divulgação sistemática do número de
estudantes de Ensino Fundamental II aprovados no vestibulinho das ETECs,
ou ainda, com a tentativa de captar o corpo docente das ETECs para os seus
quadros e na divulgação da presença de professores das ETECs em seus
estabelecimentos como uma prova inegável da qualidade de ensino oferecida.
57
Consultar, http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/08/1664727-confira-a-nota-de-cada-
escola-no-enem-2014-e-veja-lista-das-melhores-e-piores.shtml
99
ETEC, e isso faz parte da qualidade de nossa escola”58 Outras escolas privadas
de Ensino Fundamental II criam seus próprios cursinhos preparatórios para o
ingresso nas ETECs.
Neste contexto, não surpreende que muitos estudantes das escolas
regulares tenham como maior ambição conseguir entrar em uma ETEC.
Os cursinhos Pré-ETECs veem surgindo em diversas escolas. Na região
de Franco da Rocha o maior deles é justamente este localizado na escola
regular Geraldi Serrano que reúne 410 alunos (no ano de 2015) e ocorre
durante os sábados o dia todo. Mesmo se a escola Geraldi Serra é considerada
uma boa escola em relação a outras regulares, de um modo geral, predomina a
percepção de que as escolas regulares são de menor qualidade do que as
ETECs.
Além disso, a trajetória escolar e ocupacional de alguns egressos da
ETEC que logram por serem aprovados nas universidades públicas,
universidades particulares prestigiadas e até mesmo o programa de ensino das
ETECs, o qual inclui atividades e projetos extra-classe (feiras, passeios,
viagens técnicas, palestras, debates, campeonatos) tornam-se motivos para a
emergência de estratégias educativas no nível do Ensino Fundamental II
visando a ETEC no Ensino Médio.
Globalmente, os professores que criaram os cursinhos Pré-ETEC
justificam sua iniciativa como uma tentativa de ajudar os alunos mais dispostos
ao estudo das escolas estaduais regulares, oferecendo-lhes condições de
estudo melhores do que as que estão disponíveis a eles. Eles argumentaram
que o rendimento dos alunos melhora no cotidiano escolar pela incorporação
da responsabilidade com o “estudo sério”.
Os cursinhos seriam ainda eficazes para fortalecer uma identidade de
grupo assentada sobre a representação de um grupo de estudantes que optou
pelo “estudo sério”. Nesta situação, o vínculo entre eles tenderia a se fortalecer
e o investimento escolar aumentar. É interessante notar que o esforço em
ajudar os alunos a sair da escola regular para uma ETEC é percebido como um
ato admirável, passível de reconhecimento maior que dar boas aulas de sua
58
Citação aproximada da fala de alguns funcionários desta escola, dentre eles alguns dos
professores contratados e até de funcionários do administrativo.
100
disciplina. Esta última informação apareceu nas conversas com os professores,
mas também nas respostas dos alunos aos questionários.
Neste capítulo, reunimos o material produzido com a pesquisa sobre
este cursinho Pré-ETEC. Os dados foram produzidos por meio de observação
de aulas, reuniões de professores e outras situações do cotidiano da escola e
de entrevistas com um grupo de professores que criou o cursinho.
Por meio de entrevistas semi-estruturadas procuramos reunir
elementos que pudessem elucidar as razões, as motivações e os mecanismos
por meio dos quais os professores que encontramos teriam desenvolvido esta
forma de engajamento professoral, que passa tanto pela realização do trabalho
voluntário, pela adesão aos projetos extra-classe e por uma prática pedagógica
não tradicional, decidida a incitar os estudantes à lógica do investimento
escolar.
Especificamente, a hipótese que conduziu a investigação sobre os
professores propunha que as próprias experiências educativas estariam na raiz
desta forma de lecionar e de militar na educação dos jovens presentes nas
escolas públicas de Franco da Rocha.
O roteiro de entrevista (Anexo 2) continha questões diversas sobre o
percurso social, a trajetória escolar e ocupacional dos professores, com o
objetivo de buscar elucidar como se desenvolvera este “habitus professoral”
que as observações em campo evocavam. As entrevistas ocorreram em um
clima informal, em que cada questão poderia levar a outra diversa do roteiro e
depois retomávamos o fio condutor. Na primeira parte deste capítulo,
apresentamos uma síntese das observações realizadas no cursinho, em
seguida, exploramos, por meio da entrevista de professores, como esse
empreendimento foi criado e buscamos explorar os sentidos dessa ação para
estes professores.
101
assistindo as aulas com atenção, em sua grande maioria. Porém, alguns
elementos percebidos neste primeiro dia, transcritos no diário de campo,
começaram a fazer mais sentido depois de algumas semanas, conversas e
análise de aulas de vários outros professores.
A primeira aula foi com o professor Ariel Velardo (Física) na turma “A”. O
professor propôs que os alunos escolhessem se a aula seria feita no pátio ou
em sala. Depois de uma breve eleição com os alunos, ficou combinado que a
primeira parte da aula seria na sala, devido à necessidade do uso da lousa, e a
outra parte, no pátio.
O tema da aula era sobre a 2° lei de Newton. Todos os alunos que
possuem por volta de 13 e 14 anos trouxeram o caderno, muitos escreviam
enquanto o professor explicava a matéria, entre piadas e muitos gestos
corporais que ele faz. Porém, uma parte (em torno de 30%) dos alunos
copiavam somente os esquemas feitos na lousa e um terceiro grupo observava
a aula sem expressar quase nenhum movimento.
Este comportamento dos alunos e professores se manteve quase como
padrão em quase todas as aulas e em todas as salas, salvo pequenas
exceções de alunos mais participativos em algumas turmas e outros que
participavam mais das brincadeiras dos professores.
O professor desta primeira aula tem 18 anos de idade, cabelos longos e
sempre usa uma camiseta de super-herói ou de outros personagens de
histórias em quadrinhos. Este “uniforme” não é acidental. Segundo seu
depoimento:
102
Quase todos os alunos mantinham os aparelhos celulares encima das
mesas, alguns trocaram mensagens durante a aula, porém com muito cuidado
para não perder a atenção e não atrapalhar o professor.
O professor buscou fazer analogias relativas ao contexto dos alunos,
colocando sempre o nome de alunos no meio de suas questões de física, não
raro apresentadas como anedotas, com o nome dos estudantes que falavam
mais ou perguntavam mais. Neste jogo que propõe aos alunos e no qual
procura ensinar física há sempre a possibilidade de aparecer o nome de um
dos outros professores nas charadas e exercícios de física propostos, como se
houvesse uma disputa entre eles para “desmoralizar” o outro.
Esta disputa é entendida como uma brincadeira saudável, que só é
aceitável por eles (e pelos alunos) devido a relação de amizade existente. Este
jogo aparece em praticamente todas as aulas, inclusive nos momentos em que
o coordenador Danilo Lima entrava em sala para dar recados para as turmas.
Este tipo de jogo que mistura o conteúdo escolar e brincadeira com os nomes
de alunos e professores chamava muita atenção. Só de serem citados os
nomes notei que isso prendia a atenção e fazia rir as turmas. Nos dois
simulados aplicados no cursinho Pré-Etec, os nomes dos professores também
apareciam nos exercícios, o que ampliava o jogo para outro nível. Seguem
algumas questões do simulado que ilustram esta estratégia de ensino:
20) Ricardo Libarino (História) e Renan Damasceno (Biologia) foram brincar de soltar
bolas em queda livre no alto de uma torre.Ricardo pega a bola ‘A’ com 20kg de massa
e Renan pega a bola ‘B’ de 40kg de massa. Os dois largam suas bolas ao mesmo.
Com base no experimento feito por Galileu Galilei responda a seguinte questão: Qual
das bolas vai chegar ao solo primeiro?
A) A bola ‘A’ chegará primeiro ao solo por que possui mais massa.
B) A bola ‘B’ chegará primeiro ao solo por que possui menos massa
C) As Bola ‘A’ e ‘B’ chegarão ao mesmo tempo ao solo já que a ‘lei dos corpos em
queda’ diz que todos os corpos caem com aceleração constante, uma vez que o efeito
da aceleração gravitacional, ou seja, da gravidade em todos os corpos, à mesma
altura, é igual.
D) Não é possível saber.
E) Nenhuma das alternativas.
103
21) Duas crianças estão brincando do famoso ''pega pega'', em que uma deve
alcançar a outra e tocá-la. Arielzinho sai na frente com uma velocidade constante de 3
m/s, enquanto seu amigo Danilo parte do repouso com uma aceleração de 1 m/s² , 3
segundos após o primeiro. Quanto tempo, (em segundos), após a partida de Arielzinho
eles irão se encontrar?
A) 8 B) 5 C) 3 D) 15 E) 30
104
de HQ), se mostraram muito comuns nos outros 3 professores, além de outras
características de suas trajetórias detalhadas adiante.
O número de alunos presentes em14 de setembro de 2013 nesta sala é
de 21 alunos na primeira aula, sendo que 5 chegaram durante as outras aulas.
O coordenador do cursinho explicou que em torno de 25% vem de municípios
vizinhos ou bairros muito distantes e não conseguem chegar à primeira aula,
pela dificuldade de acesso. A escola situa-se no alto de um morro que só é
acessível por um ônibus (de intervalos de 25min ou mais) ou fazendo uma
caminhada de 30min do centro do município até a escola, subindo a ladeira.
Boa parte dos alunos não tem dinheiro para pagar o ônibus e moram
muito longe. Mesmo com a adaptação de horários que passou de 8h para 9:30,
o início das aulas, muitos estudantes não conseguem chegar no horário e isto
se manteve até o final do ano letivo do cursinho. Analisando a lista de controle
de frequência e matrícula dos alunos, feita no início e decorrer do cursinho,
aproximadamente 30% dos alunos gastavam mais que 1h no percurso Casa-
Cursinho.
A média de alunos por sala é a mesma e somam 6 turmas ao todo. Ao
longo do ano letivo em que observei as aulas do cursinho houve desistências.
Entretanto, 62 alunos tiveram uma assiduidade de 100%, mesmo nos feriados
e nos dias de chuva, o que entusiasmava os professores participantes do
105
cursinho, era um argumento utilizado para tentar atrair outros professores ao
longo de 2014 e também era um dado utilizado para obter mais respeito dos
professores da escola, além de fortalecer os acordos de confiança com a
direção.
Estes acordos “não oficiais” que a direção tinha com os “meninos do
Pré-ETEC” (como eram chamados pela comunidade escolar) conseguiram
garantir que a escola oferecesse também aos sábados a merenda dos alunos,
o lanche dos professores e o uso livre de impressoras e de outros materiais
didáticos. Garantem ainda o acesso ao prédio da escola livre nos feriados, que
também têm aulas.
Na entrada em campo, apesar de ser uma figura que chamava atenção
na sala, pela idade, tamanho e aparência, os alunos e os professores tiveram
uma boa receptividade da minha presença e da presença dos materiais que eu
quase sempre tinha em mãos (caderninho, questionários e gravador). Alguns
trunfos me ajudaram nesta receptividade:
106
Ao aceitar este último pedido, surgiu uma relação de troca, como se
minha presença desse mais prestígio ao projeto aos olhos da escola e mais
mérito perante os alunos. De forma recorrente, os professores e o coordenador
compartilhavam suas táticas e experiências comigo como se esperassem
dicas, como se eu fizesse parte do grupo, convidando-me para almoçar em
suas casas e garantindo minha presença em todas as reuniões do grupo e
disponibilizando os recursos que eu precisava. Minha presença no cursinho se
manteve nos anos seguintes, 2014 e 2015 em que pude acompanhar melhor o
crescimento do projeto e a divulgação dos trabalhos entre os alunos.
O cursinho Pré-ETEC existe desde 2011, sendo que no primeiro ano foi
uma iniciativa experimental na procura de saber se havia demanda de público.
A iniciativa surgiu a partir de um grupo de estudos de matemática feita por um
universitário do programa “Escola da Família” e quando este universitário saiu
o professor Danilo Lima, que também era universitário deste programa,
resolveu aproveitar este modelo de estudos e criar um grupo próprio para
matemática e as demais disciplinas. A partir de sua rede de amigos, resolveu
chamar o Ricardo Libarino (estudante de história) e outro estudante que
também fazia parte do programa “Escola da Família”.59 Segundo Danilo:
[...] no começo a gente tinha aquela ideia fraca de que iria fazer o que a gente
pode, mas sem ter a certeza de que daria certo... até o ano passado
começava o curso com uma média de 120 alunos e terminava o ano com 10,
8 alunos. Querendo ou não, por mais que eu tenha outra ideia do ‘porquê’ eu
estou dando aula, uma outra motivação para estar dando aula aquilo me
deixava chateado e me fazia pensar o por que e como melhorar. Já este ano
foi tudo muito diferente, porque primeiro que assustou a todos o pré-ETEC
com a procura. Esse ano só de inscrições foram 280 alunos, e com tudo isso
eu me perguntei: Como vou dar conta de todos eles?” (C.E)
A partir disto ele resolveu procurar todos os seus amigos que estavam
na área da educação (em sua grande maioria estudantes), mas,
principalmente, procurou aqueles que ele acreditava ter uma perspectiva sobre
59
O programa Escola da Família estimula o trabalho voluntário em escolas públicas de São
Paulo. O Programa Bolsa-Universidade é parte deste programa e prevê que o estudante que
aderir a ele terá 50% do valor da mensalidade da faculdade pago pelo estado e a instituição de
ensino completa o restante do valor da mensalidade. A esse respeito, consultar,
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Subpages/bolsa_universidade.html
107
o que é um “ser um bom professor” parecida com as perspectivas dele, fato
este confirmado posteriormente nas outras entrevistas quando era latente a
necessidade dos entrevistados em exaltar a motivação que um bom professor
deve ter.
Conseguiram formar uma equipe com: Dois professores de Matemática
e de dois História; um professor de Biologia, um de Geografia, um de Física, e
duas de Português. Além das visitas esporádicas de outros professores mais
antigos da escola para dar aulas extras ou simplesmente como professor
substituto. O fato é que ao final do cursinho existia um tipo de lista com mais ou
menos 3 professores para cada matéria de pessoas que queriam dar aula no
cursinho entre estudantes e professores da escola. O núcleo de professores
que se organizaram para tornar o cursinho uma realidade teve o Prof. Danilo
Lima como liderança e procurou atrair professores com o mesmo perfil.
Atualmente, este grupo de professores tem entre 18 e 21 anos de idade, todos
são ex-alunos do Serrano e foram colegas de turma no colegial em 2010.
Curioso para saber como tantos alunos da mesma turma (3°F de 2010)
escolheram a licenciatura, e como tantos deles poderiam se enquadrar no perfil
de professor que o cursinho buscava, era possível que esta turma fosse a
chave para compreender esta “cultura escolar” e a formação em conjunto deste
habitus escolar compartilhado por estes professores.
Figura15: Senhoras da comunidade que assistem às aulas do cursinho para melhorar sua
formação escolar. Foto: Eliton Rocha
108
3.3 Um longo investimento
109
Boa parte deste grupo de professores engajados no cursinho Pré-ETEC
foi aluno, durante o seu colegial, do Prof. Maurício que à época desenvolvera
um trabalho paralelo às aulas regulares desta escola de preparação para o
ingresso em universidades públicas. Renan Damasceno, ex-aluno da escola e
professor do cursinho relembra a influência do prof. Maurício, quando em 2010
ele cursava o ensino médio.
110
1. A criação de uma sala de alunos com a disposição para incorporar um “habitus
educacional universitário”, o “estudo sério” e ter como objetivo ingressar em
uma boa universidade.
2. Criar uma rede de estudos compartilhados.
3. Desenvolver um vínculo afetivo entre os alunos.
4. Fortalecer o habito do saber e da leitura.
5. Servir como modelo para a comunidade escolar para se estimular uma cultura
“acadêmica” ainda no Ensino Médio.
6. Criar uma autonomia de estudo nos alunos.
111
Durante as entrevistas com o grupo de professores do cursinho Pré-
ETEC todos demonstraram, em algum momento de suas trajetórias, que o
plano inicial era ser professor como ele. Em alguns momentos isto aparecia de
maneira mais explicita com expressões como:
“- Eu via o Maurício dando aula e pensava, eu quero ser como este cara” (Renan
Damasceno)
“- Quando eu comecei a ter as aulas de Filosofia com o Maurício eu entendi que
queria ser professor” (Ricardo Libarino)
“- Eu queria dar aula como ele” (Danilo Lima)
“- Sempre que tinha dúvidas sobre uma decisão muito importante eu falava com o
Maurício”. (Renan Damasceno)
A equipe que levou a cabo a idéia do cursinho Pré-Etec teve início com
a chegada de Danilo (22 anos), coordenador do cursinho. O Prof. Danilo é ex-
aluno do Prof. Maurício e, ingressou em uma faculdade privada para fazer
Matemática. Graças ao Projeto Família na Escola que prevê bolsa de 50% aos
estudantes universitários de faculdades privadas em troca do trabalho em
escolas estaduais. Danilo estudava Matemática em uma faculdade privada e
chegou à escola trazendo consigo seus sonhos de uma escola emancipadora:
112
dar um pontapé nestes jovens para eles entenderem que o
estudar por conta própria é mais importante do que qualquer
coisa. É claro que precisamos de um professor explicando,
mesmo como uma figura de suporte e de provocação, mas que
ele, mesmo assim, compreenda que estudando por conta
própria o Pré-ETEC não precise mais existir...eles precisam
entender que o estudar por conta própria a partir do que eles
aprendem na escola durante a semana já é o suficiente para
que eles consigam passar em qualquer prova. (C.L)(C.E)
60
Dos 17 professores do cursinho mencionados, 14 foram alunos do Maurício na escola
Geraldi Serrano e somente 3 deles participavam do projeto Escola da Família.
113
possuem uma identidade em comum. Com o cursinho Pré-ETEC eles
encontraram um meio de continuar com esta forma de estudo e como uma
forma de “libertar” os seus desejos enquanto professores, exatamente como foi
feito com eles.
Durante as entrevistas e as conversas informais com os demais
professores a ideia de dar aula no Pré-ETEC era encarada como uma questão
de validação de suas competências como educador, uma vez que a iniciativa,
por ser voluntária para a maioria deles, tinha um grande mérito aos seus olhos
e dos estudantes, resultando na aquisição de capital simbólico e de capital
moral na escola. Isso também pôde ser confirmado pelos questionários, uma
vez que muitos alunos apresentavam em suas respostas uma valorização de
iniciativas voluntárias de cunho social e quando perguntados sobre os
professores e matérias escolares com maior “simpatia” o nome dos professores
do cursinho eram predominantes em comparação aos demais professores.
As características dos professores do Pré-ETEC exaltadas pelos alunos
(principalmente do quarteto entrevistado) se enquadravam também nas
características positivas da escola e do que os alunos gostavam na escola,
como “o envolvimento próximo que alguns professores mantêm com os
alunos”, “as aulas que buscavam referências de exemplos de acordo com os
referencias dos alunos”, “a disposição de atender aos alunos para tirar dúvidas
em qualquer horário”.
A iniciativa também servia para os “meninos do Pré-ETEC” como uma
forma de ganhar respeito perante a direção e dos professores mais antigos da
escola, como uma forma de transformar a denominação de “ex-aluno” em
“professor”, uma espécie de rito de iniciação.
De maneira breve, vale citar que a comunidade docente do Serrano era
classificada por este grupo de professores em duas partes distintas: os
professores amigos do Maurício, que em geral eram professores que apoiavam
as iniciativas dele ou dos professores do cursinho, classificados nas entrevistas
como os professores que queriam mudar o sistema da escolar. Tratavam e
chamavam estes jovens educadores de “professor”, o que carregava uma
grande carga simbólica, pois, para estes jovens recém saídos do ensino médio
e universitários, essa denominação simbolizava o reconhecimento, aceitação e
114
igualdade. Eles são chamados pelo Prof. Maurício e pelos professores que
partilham de sua visão de educação na escola de os “meninos do Pré-ETEC”.
Por outro lado, há também os professores chamados pelos “meninos do
Pré-Etec” como os “Antigos do Serrano”, mais velhos, “conservadores” e que
segundo eles, buscam estagnar e restringir o trabalho escolar à mera
burocracia. Segundo as entrevistas:
[...] Estes professores fingem que dão aula para alunos que
fingem aprender, sentam em suas mesas e pedem para os
alunos copiarem a apostila sem nem olharem ou explicarem o
que há lá. (C.A) (C.Inf) (Ricardo Libarino)61
61
Esta frase apareceu em 3 das quatro entrevistas, sendo que na entrevista do Renan ele fez
questão de exaltar que o que aprendeu com estes professores era ver “o tipo de professor que
eu não queria ser” (C.L)
115
Uma boa analogia para elucidar o que queremos dizer neste trabalho
com o conceito de “professor engajado” é a apresentação de uma das frentes
de surgimento dos Estudos Culturais. À semelhança do que notamos na
história dos Estudos Culturais, tal como a descreve Maria Elisa Cevasco (2003)
116
termos que fossem entendidos por pessoas comuns e pudessem ser
utilizados em movimentos reais. (Cevasco p 62.)
117
estratégias no campo escolar vão ganhando legitimidade no jogo
professor/aluno e dentro dos seus objetivos enquanto educador.
Nas escolas públicas do Ensino médio, este tipo de educador é cada
vez mais raro, porém, analisando com cuidado, podemos encontrá-los.
Conseguindo estabelecer esta proximidade com o educando, o campo de
comunicação e significação entre o docente e o discente se fortalece, abrindo a
possibilidade de uma maior efetivação do processo de aprendizagem, da
incorporação do capital simbólico difundido pelo educador dentro da relação
professor/aluno, além da incorporação e criação de uma cultura em comum
próxima dos valores escolares ou do que se pode chamar de “cultura escolar”1.
Além disso, dentro da categoria deste tipo de professor, é possível
encontrar sujeitos que tenham em seus objetivos profissionais como educador,
atitudes e perspectivas para suas intervenções, ideias próximas, ou no mínimo,
análogas às propostas do modelo educacional da WEA e de seus educadores,
na medida em que acreditam e buscam uma transformação sociocultural nos
moldes enfatizados por esta instituição de esquerda, que foi uma das matrizes
dos estudos culturais.
Maria Elisa Cevasco (2003), em sua obra: Dez lições sobre os estudos
culturais apontava para o surgimento de pensadores brasileiros com
tendências e pesquisas condizentes com as propostas básicas dos estudos de
cultura, assim como o proposto, inicialmente, pelos pensadores ingleses, mas
também de uma forma genuinamente brasileira. É interessante perceber estas
raízes nas práticas de sujeitos que estão “marginalizados” da atuação nos
grandes centros acadêmicos, ou, pelo menos, com o foco ideologicamente
voltado para uma ação “de baixo para cima”, num estilo análogo ao da WEA,
pois, mesmo com a chamada “Expansão universitária” no Brasil, a grande
camada de trabalhadores e futuros trabalhadores ainda está concentrada no
Ensino médio das escolas públicas ou com este nível de ensino. Logo,
podemos considerar como análoga a ação política e sociocultural dos
professores da WEA com os interesses, objetivos e ideologias de muitos
professores do Ensino médio público.
Este tipo de envolvimento é reconhecido como uma forma de
engajamento. A noção de engajamento que muitas vezes é encarado como um
posicionamento partidário, ganha outra configuração em seu surgimento e que
118
particularmente é a configuração que desejamos compreender aqui. O conceito
surge no contexto da ocupação nazista na França, na primeira metade do
século XX, mas ganha força principalmente no pós guerra na literatura e na
filosofia.
Jean Paul Sartre (1940), maior expoente da filosofia francesa neste
período e grande escritor literário, tem grande expressividade na discussão
acerca deste conceito “engajament”, e a partir de suas noções vamos traçar
nosso paralelo de entendimento.
O emprego do conceito se faz principalmente nas discussões acerca do
papel do escritor neste período, mais especificamente na obra O que é
literatura? que seu sentido aparece mais expressivamente. Nesta obra Sartre
(1940) parte de uma crítica aos escritores surrealistas e poetas, pois estes, em
seu objetivo de fazer a “arte pela arte”, encaram as palavras como coisas
(vazias de consequências) e perdem a dimensão dialética e transformadora
que as artes literárias podem proporcionar como um “mecanismo de ação”.
Segundo (Figurelli, 1987, p12.) na introdução da revista:
119
O engajamento, portanto, trata-se de um tipo de postura de
compromisso de ação voltada para uma mudança social, a partir da criação de
uma autonomia por meio de uma relação entre o escritor como um agente
provocador de um despertar para a liberdade, e do leitor em se deixar afetar
por esta leitura, na medida em que o ato de ler é um ato livre, prosseguir a obra
implica em desejar continuar com a relação autor/leitor.
A relação necessária entre o engajamento professoral seja a autoria
artística, pensada sobre o ato criativo da aula, ou autoria técnica, no ato de
ensinar sistematicamente, requer um labor livre e consciente para além da
obviedade, além de si mesmo e além do imediato. Na perspectiva macro, o
campo escolar em que se configura dialeticamente a relação professor/aluno,
revela e sofre a fragilidade: da falta de recursos internos e externos atrelados a
investimentos públicos; da dificuldade na execução de uma política continua,
homogênea e eficaz; nos impactos sociais relacionados à crise política
causadores da violência estrutural e sistêmica. Tais fragilidades apontadas
reforçam a motivação imediatista como um fazer simplesmente funcional
protocolar. Segue uma citação da concepção de engajamento entendida pelo
professor Cássio Eduardo62 que ratifica tal concepção:
62
Professor da ETEC Dr. Emílio Hernadez Aguilar.
120
posicionamento fica muito claro nas entrevistas com estes professores que
entendemos como “engajados”.
Durante uma das reuniões dos professores do cursinho pré- ETEC,
sobre suas estratégias de ação, em muitas falas, principalmente dos
professores de Biologia e Física, era evidente a preocupação que o conteúdo
de suas disciplinas não deveria ser essencialmente técnico, mas que
pudessem fazer parte do contexto dos alunos e contribuísse em servir também
como uma postura de encarar o conhecimento como libertador de uma
condição social. Como disse o professor Renan Damasceno, em uma das
entrevistas feitas, no acompanhamento do cursinho:
121
Assim, no cursinho acompanhei de perto o trabalho dos professores da
ETEC com o foco em alguns indivíduos que correspondiam mais a este perfil
de professor, em geral, mais influentes entre os alunos. O critério para saber
quais professores exerciam de maneira mais profunda influência nesta cultura
escolar, usei como ponto de partida as respostas dos questionários,
principalmente as respostas sobre gostos por disciplinas, relação com
professores, escolhas de carreiras 63 e as conversas informais com os alunos e
com os próprios professores. Em um segundo momento, a partir destas
referências a ação voltou-se em conhecer melhor estes sujeitos, suas
motivações, trajetórias e suas perspectivas sobre a escola e o seu papel como
educador.
Os professores entrevistados da ETEC possuem visões similares em
muitos pontos, e a conversão destes pontos em suas ações repercutem
diretamente no seu relacionamento com os alunos. Nos questionários dos
alunos, muitos deles, ao citarem o que mais gostam na escola, falaram destes
professores, e principalmente seu relacionamento com eles. Trata-se de uma
aproximação com os alunos e seu universo cultural.
Esta aproximação dos professores é fundada na sua visão sobre a
escola e seu papel na instituição. Em suas trajetórias podemos ver o papel que
as escolas tiveram e o reflexo deste papel em suas formas de encarar o
magistério. O Professor Cássio Eduardo, em sua trajetória alegou que a escola
em que estudou não era um local interessante, por não apresentar grandes
desafios em sua adolescência. Entretanto, ele sentia que aquele espaço
poderia ter um papel mais incisivo em sua vida. Por outro lado, relatou que a
sua relação com seus professores era bem intensa e isto se reflete ainda na
relação com as escolas que leciona. Sua “angústia” (como ele mesmo
enfatizou) é em conseguir fazer o espaço escolar ter um forte significado para
seus alunos e seu papel neste meio é de gerar a possibilidade de fazer os
alunos tomarem para si a responsabilidade sobre suas próprias vias.
63
Em muitos casos a relação com os professores se mostrou decisiva na escolha das carreiras
profissionais de muitos alunos.
122
professor não é aliviar a dor dele, e sim intensificar a
responsabilidade dele segurar o rojão de suas escolhas. (C.A)
123
pode proporcionar e usa sua trajetória como referência para motivar suas
intenções pedagógicas:
Ariel 20 2 anos Escola pública regular; Técnico A escola é um espaço onde deve preparar
em informática- ETEC; Física- os jovens para a vida e para a
Pré- USP universidade. A escola deve ser o
ETEC fundamento da formação
Renan 22 2 anos Escola pública regular; A escola pública deve ajudar aos alunos a
Biologia- UNIFESP conhecer suas vocações e suas
Pré- possibilidades de crescimento
ETEC
Maurício 35 15 anos Escola pública regular; escola O papel da escola e fazer o aluno criar
de padres;Enfermagem- CUSC; autonomia para a plena realização da sua
Geraldi Filosofia - UNIFAI; Filosofia- liberdade no meio social, para que seja um
Serrano USP sujeito mais completo e consciente de si e
das potencialidades que sua vida pode ter.
Maria 45 15 anos Escola pública regular; História- A escola era entendia como um lugar de
USP, Mestrando em História potenciais militantes políticos. Um espaço
ETEC PUC de desvelar as ideologias dominantes para
a consciência de uma classe.
124
Marcelo 36 9 anos Estou em escolas públicas; A Escola deve proporcionar a autonomia
Técnico em mecânica; dos sujeitos e preparar os alunos para uma
ETEC Geografia USP formação mais completa com vias para o
vestibular e a escolha profissional dos
alunos
Cássio 31 8 anos Escola Pública regular; Filosofia A escola trabalha com a formação do
– UNIFAI caráter do aluno naquilo que ele deseja ser
ETEC na vida. Seu papel principal é despertar a
autonomia e a responsabilidade do aluno
sobre suas próprias escolhas.
125
dinheiro que eu ganho por estar em sala de aula dando aula
para 40 alunos que podem não ver sentido em Hobbes e
Rousseau.(...) nosso trabalho vai muito além da sala de aula é
isso que me motiva á ser professor. (C.L)(C.A)(Cássio
Eduardo)
126
Considerações Finais
127
incoerente, visto o grande envolvimento engajado dos sujeitos desta pesquisa.
Procuramos, ainda, examinar as evidências passíveis de serem identificadas
entre as experiências educativas dos professores e sua prática e engajamento
no magistério. Mesmo se considerarmos as limitações da pesquisa,
acreditamos ter trazido elementos importantes para confirmar esta hipótese.
Um segundo ponto a ser enfatizado é a crescente procura de alunos de
escolas públicas e privadas para as ETEC’s de excelência e escolas do mesmo
gênero, podendo representar uma tendência em regiões onde estas escolas se
relacionam, apontando também uma mobilidade de alunos tendo como
referência a qualidade escolar.
Outro ponto destacado é a valorização e reconhecimento de escolas
públicas bem estruturadas e iniciativas de professores engajados,
apresentando as consequências em diversos aspectos dos investimentos feitos
por estes dois aspectos cruciais da educação de qualidade. Neste trabalho,
uma pista central é a consequência de criação e demanda dos cursinhos Pré-
ETEC, também, uma necessidade cada vez mais precoce de estratégias de
preparação dos jovens para exames de seleção como os vestibulares ou
vestibulinhos.
Tanto a criação dos cursinhos para a entrada nestas escolas, como o
reflexo destas iniciativas nos alunos, nas escolas públicas e particulares,
exigem atenção e o olhar de futuras pesquisas, uma vez que a proposta desta
dissertação era explorar e apresentar este universo presente nas culturas
escolares em uma periferia da região metropolitana de São Paulo.
Por fim, as iniciativas de engajamento remontam as influências e a
historicidade dos indivíduos, alunos e professores, fortalecendo os vínculos que
criam os trunfos destes espaços escolares.
REFERÊNCIAS BÁSICAS
128
ALMEIDA, A. M. F. As escolas dos dirigentes paulistas: ensino médio,
vestibular, desigualdade social. Belo Horizonte, 2009.
BEAUD, S.; PIALOUX, M. Retorno à condição operária. Investigações em
fábricas da Peugeot na França. São Paulo, Boitempo, 2009.
BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo, EDUSP,
2007
____________. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
____________. Coisas Ditas. São Paulo, Editora Brasiliense, 1990.
BRASIL, As Desigualdades na Escolarização no Brasil: Relatório de
observação nº 5. Brasília: Presidência da República, Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, 2014, p. 60. Disponível em:
<http://www.acaoeducativa.org.br/desenvolvimento/wp-
content/uploads/2014/11/CDES_Relat%C3%B3rio_de_Observa%C3%A7%C3
%A3o_5_2014.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2014.
CAMELO, R. A educação privada em São Paulo: expansão e perspectivas. 1ª
Análise Seade, nº 19. São Paulo : Out. 2014. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br/wpcontent/uploads/2014/11/primeira_analise_n19pdf
>. Acesso em: 23 de maio de 2014.
CASTRO, M. H. G.; TORRES, H. G.; FRANÇA, D. Os Jovens e o gargalo do
Ensino Médio no Brasil. 1ª Análise Seade, nº 5. São Paulo: Ago. 2013.
Disponível em:
<https://www.seade.gov.br/wpcontent/uploads/2014/06/Primeira_Analise_n5_a
gosto_2013.pdf>. Acesso em: 25 de Maio de 2014.
CEVASCO, M. E. Dez Lições sobre Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo,
2003.
COSTA, G. L. M. O ensino médio no Brasil: desafios à matrícula e ao trabalho
do docente. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 94, n. 236, p. 185-210, jan./abr.
2013. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v94n236/10.pdf>.
Acesso em: 27 de Maio de 2014.
COSTA, C. M. O. Sucesso escolar de jovens egressos da escola pública: do
ensino médio para o superior. Dissertação de Mestrado. Educação: História,
Política. Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2013.
129
DUBET, F. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Entrevista
cedida à ENGUITA, M. F. A face oculta da escola. Educação e trabalho no
capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
DURKHEIM, E. 1973. Da divisão do trabalho social, São Paulo, Editora Abril.
ESCOLANO, Agustín. Arquitetura como programa: espaço-escola e currículo.
In: VIÑAO FRAGO, Antonio; ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e
subjetividade: a arquitetura como programa. Tradução: Alfredo Veiga-Neto. 2.
ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 19-57.
FERNANDES, L. L. O intelectual engajado no pós-guerra: o debate de Sartre e
Camus em LesTempsModernes. In: XIII Encontro Estadual de História do
Ceará, 2012, Sobral.
FRAGO, A. V; ESCOLANO, A. Currículo, Espaço e Subjetividade: A Arquitetura
como programa. Rio de Janeiro, Editora DP & A. 1998, p. 152.
FIGURELLI, R. Sartre e a literatura engajada. Revista Letras, [S.l.], v. 36, out.
2010. ISSN 2236-0999. Disponível em:
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/letras/article/view/19255>. Acesso em: 13
Jan. 2015.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2005.
__________. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 5. ed.Petropólis:
Vozes, 1987.
FRAGO, A. V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade. Rio de
Janeiro, DP&A, 2001.
FRIGOTO, G. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino
médio.
FRIGOTTO, G., CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino Médio Integrado:
Concepção contradições. São Paulo, editora Cortez, 2005. Disponível em:
<:http://www.unesco.org.uy/educacion/fileadmin/templates/educacion/archivos/
Documento%20Concepciones%20Port.pdf>. Acesso em: 4 de Julho de 2015.
INSTITUTO UNIBANCO. Como aumentar a audiência no Ensino Médio?
Coletânea de artigos produzidos para o seminário realizado em 25 e 26 de
novembro de 2010 – São Paulo.Disponível em: <
http://www.institutounibanco.org.br/wpcontent/uploads/2013/07/como_aumentar
_a_audiencia_no_ensino_medio.pdf>. Acesso em: 4 de Julho de 2015.
130
INSTITUTO UNIBANCO. Seminário: A crise de audiência no Ensino Médio. 2ª
edição|dezembro/2011. Disponível em: <
http://www.institutounibanco.org.br/wpcontent/uploads/2013/07/revista_a_crise_
do_ensino_medio.pdf>. Acesso em: 4 de Julho de 2015.
JULIÁ. D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História
da Educação. São Paulo 2001, p. 9-44.
KRAWCZYK, N. Reflexão sobre alguns desafios do ensino médio no Brasil
hoje. V.41 N.144 SET./DEZ. 2011. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cp/v41n144/v41n144a06.pdf>. Acesso em: 23 de Abril
de 2015.
MARCO, O.; E. P. Les classes moyennes ET La ségrégation urbaine.
DeBoeckUniversité | Education et sociétés no 14– 2004/2, p. 135-153.
MARQUES, E. P.; PELICIONI, M. C. F.; PEREIRA, I. M. T. B. Educação
Pública: falta de prioridade do poder público ou desinteresse da
sociedade?.Rev. bras. crescimento desenvolv. hum., São Paulo , v. 17, n.
3, dez. 2007. Disponível em: <
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
12822007000300003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22 de Abril de 2015.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. 1ª ed. SP: Abril, 1973. col. Os Pensadores.
131
PEROSA, G. S. ; COSTA, TALINE DE LIMA E . Uma democratização relativa?
Um estudo sobre o caso da expansão da Unifesp. Educação e sociedade, v.
36, 2015, p. 117-137.
PETRUCI, M. G. R. M. CEFAM - Uma proposta de formação e aperfeiçoamento
de professores para o 1ºgrau. Paidéia (Ribeirão Preto) [online]. 1994, n.6, pp.
9-25. ISSN 0103-863X.
Radar Seade: uma visão das estatísticas de São Paulo em alguns segundos.
São Paulo – Seade, nº 1, Maio/2015. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br/produtos/midia/radar/radar_seade_n1.pdf>. Acesso
em: 8 de Outubro de 2015.
Reestruturação do ensino médio: pressupostos teóricos e desafios da prática /
organização Jose Clovis de Azevedo, Jonas; Tarcísio Reis. — 1. Ed. — São
Paulo: FundaçãoSantillana, 2013. Disponível em:
<http://www.educacao.rs.gov.br/dados/ens_med_reestruturacao_ensino_medio
.pdf>. Acesso em: 8 de Outubro de 2015.
SANTOS, B. S. A Gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo, Cortez, 2006.
SARTRE, Jean Paul. L'imaginaire. Paris, Gallimard, 1940.
_________. Situations, II. Paris, Gallimard, 1948.
SILVA, L. D. Engajamento e Projeto: a dupla raiz de uma possível ética da
liberdade. Revista Estudos Filosóficos , v. 1, p. 1-15, 2014.
SOUZA, L. A.; GARNICA, A. V. M.. Formação de professores de matemática:
um estudo sobre a influência da formação pedagógica prévia em um curso de
licenciatura. Ciênc. educ. (Bauru)[online]. 2004, vol.10, n.1, pp. 23-39. ISSN
1980-850X.
SOUZA, R. F. Templos de civilização: a implantação da escola primária
graduada no Estado de São Paulo: (1890 – 1910). São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1998. – (Prismas)
TOMIZAKI, K. Da militância ao estudo do militantismo: a trajetória de um
politólogo. Entrevista com Bernard Pudal. Pro-Posições [online]. 2009, vol.20,
n.2, pp. 129-138. ISSN 0103-7307.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Abandono da escola é mais
preocupante no ensino médio e na educação de jovens e adultos. Disponível
132
em: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/005102.shtml>. Acesso em: 8 de
Outubro de 2015.
VIAMONTE, P. F. V. S. Ensino profissionalizante e ensino médio: novas
análises a partir da LDB 9394/96. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 2, n. 1,
p. 28-57, jan./jun. 2011. Disponível em:
<http://www.seer.ufv.br/seer/educacaoemperspectiva/index.php/ppgeufv/article/
viewFile/67/47>. Acesso em: 8 de Outubro de 2015.
VIDAL, D. G. Culturas escolares: estudo sobre práticas de leitura e escrita na
escola pública primária (Brasil e França, final do século XIX). Campinas, SP:
Autores Associados, 2005.
VIEIRA, A. M. A arquitetura no espaço-tempo escolar. Olhares & Trilhas (UFU),
Uberlândia, v. 4, p. 43-54, 2003.
VINCENT, G.; LAHIRE, B; THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma
escolar.Educação em Revista. Belo Horizonte- 33, jun.2001, p. 7- 48.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo, São Paulo, Martin
Claret. 2001.
133
ANEXO 1
Creche
Educação
Infantil
Ensino
Fundamenta
l I (de 1ª a
4ª série)
Ensino
Fundamenta
l II (de 5ª a
8º série)
Sobre você:
a) Qual é a sua cor? ( ) Parda (o) ( ) Negra (o) ( ) Branca (o) ( ) Indígena ( ) Amarela
b) Qual é o seu sexo? ( ) Feminino ( ) Masculino
c) Quantos anos você tem? ___________________________________
2)No quadro abaixo indique com um X no espaço correspondente, quais são os esportes que
você pratica, onde e com quem.
134
campinho (especifique)
Futebol
Skate
Basquete
Vôlei
Handebol
Parkour
Ciclismo
Capoeira
Dança
Natação
Tênis de mesa
Rugby
Outros. Quais?
Jogos de computador
Damas/Xadrez
Nenhum
135
Outros
Música/Instrumentos
Desenho ou pintura
Capoeira
Danças em geral
Nenhum
Outros. Quais?
Lutas orientais (judô, karatê,
etc)
136
( ) Ambas
137
Samba
Sertanejo
Reggae
Forró
Música pop
Música clássica
Jazz/Blues
Outros
16) Você gosta de assistir filmes? Se sim, escreva ao lado do tipo de filme que você gosta
alguns exemplos de filmes que gostou.
Dê um exemplo
Musicais
Comédia
Terror
Documentários
Aventura
Ação
Animação/Desenhos
Romance
Drama/Suspense
Ficção Científica
Biográficos
Outros
138
18) Você assiste televisão? ( ) Sim ( ) Não
20) Indique numerando por ordem de preferência (1,2,3) os três tipos de programa que
você prefere:
( ) Jornal/Notícias( ) Futebol ( ) Novela ( ) Programas de auditório ( ) Filmes ( )
desenhos animados
( ) Outros........................................
23) Aqui vai uma série de associações para jovens, indique se você frequenta (já
frequentou) ou não, escrevendo na linha correspondente o nome da associação.
24) Segue uma lista de diferentes espetáculos e atividades culturais, as quais você pode
assistir ou participar no CEU (ou centro cultural) . Para cada uma indique se você gostaria que
ela fosse mais, menos ou já é o suficiente:
139
Aulas de dança de rua
Programa de Iniciação Artística
Filmes no cinema
Aulas de Ballet
Aulas de violão
Aulas de capoeira
Aulas de Tae Kwon Do
Exposições de pintura
Dança do ventre
Exposições de fotografia
Ateliê de fotografia
Atividades circenses
Desfile de carnaval
Competições esportivas
Oficina de desenho
Aulas de Teatro
Aulas de Hip hop
Festas e comemorações
Coral
Eventos Populares
Apresentação de dança
Concertos de música sinfônica
Passeios
Palestras
Debates
25)Além destas atividades, quais você gostaria de ver se desenvolver na sua Cidade?
____________________________________________________________________________
__________________________________________________
140
Vou ao cinema, à shows,
teatros e museus
Viajo
Faço trabalhos temporários
(bicos)
31) Em sua opinião a partir de que idade um adolescente pode sair à noite sem adultos, se for:
a) Menino
141
( ) 11 anos( )12 ( ) 13 ( )14 ( ) 15 ( )16 ( ) 17 ( ) 18 ( ) acima dos 18
b) Menina
( ) 11 anos ( )12 ( ) 13 ( )14 ( ) 15 ( )16 ( ) 17 ( ) 18 ( ) acima dos 18
33)Você consegue imaginar o que você estará fazendo daqui a cinco anos?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________
34)Você já teve algum tipo de emprego remunerado ou trabalhou com alguém da família de
forma não remunerada?
Sim( ) Não ( )
Se sim, informe em qual trabalho?
_____________________________________________________________
142
40)Você poderia dizer se, sobre cada um dos pontos seguintes, se você acha satisfatório ou
não (indique porque) as condições reais na sua escola:
Sim Não Por que?
O tratamento dos professores com os alunos
Quantidade de aulas dadas
As refeições
O horário
A biblioteca
A sala de informática
As atividades esportivas
O conteúdo aprendido na escola
Estrutura física da escola
Relações entre alunos das diferentes séries
As lições feitas em sala de aula
A preparação para as provas
A ordem e a disciplina
Outros: _______________________________________________________________
41) Aqui tem uma lista de exercícios praticados pela escola. Indique para cada uma se você
os faz, e se você desejaria fazer mais ou menos:
Lição de casa
Experiências (Atividades Práticas)
Provas
Chamada oral
Trabalhos de arte
Ver filmes
143
42) Você pode dizer qual é a situação escolar dos seus cinco melhores amigos, coloque um X
em cada coluna na frente da resposta:
Já trabalha
46)Escreva nas duas colunas abaixo o que você gosta e o que você não gosta.
O que você gosta O que você não gosta
144
47)Quais são os defeitos que te parecem mais graves em uma pessoa, enumere por ordem de
importância, atribuindo 1 para o defeito mais grave: Ser preguiçoso
( ) Ser esquecido
( )Não ser inteligente
( )Ser mal-educado
( ) Ser irresponsável
( ) Ser mentiroso
( )Ser metido
( )Outros.........................
48)Em sua opinião é preciso punir ou não, nos casos seguintes e, se você achar que é preciso
punir, como? Enumere: de 1 a 4 (punição leve), de 5 a 7 (punição média) e de 8 a 10 (punição
severa).
( ) Um aluno que sempre chega atrasado ; ( ) Um aluno que é grosseiro com o professor; ( )
Um aluno que não entende a lição e tem notas ruins; ( ) Um aluno que não faz as lições; ( )
Um aluno que se recusa a participar da aula ( ) Um aluno que se recusa a ajudar o amigo nas
lições; ( ) Um aluno que ouve música alta na Escola; ( ) Um aluno que bate nos outros
colegas; ( ) Um aluno que incomode os colegas e os professores durante as aulas
49)Aponte as diferenças entre a sua escola e a escola que você gostaria de estudar:
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________________________
50)Quais são as melhores escolas da Região (Caieiras, Franco da Rocha, Mairiporã, Francisco
Morato) na sua opinião?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________________________
145
52)Quais são as três matérias que você tem mais dificuldade?
_______________________________________________________________
53)Você acha que as notas que você tem nessas disciplinas são justas? Por
quê?________________________________________________________________________
__________________________________________________
57)Você saberia indicar os motivos pelos quais você estuda nesta escola?
A) Indicação de amigos
B) Indicação de parentes
C) Indicação dos pais
D) Por ser a mais próxima de casa
E) Pela qualidade da escola
F) Outros:_________________________________________________________
60)Você considera que quanto tempo de cursinho seria necessário pra você conseguir passar
BEM na prova da ETEC.
146
( ) Menos de 5 Sábados
( )Entre 1 e 2 meses
( )Entre 3 e 5 meses
( )Mais de 5 meses
( )O tempo que temos já é o suficiente
( )O tempo de todo o cursinho foi pouco, precisaria de mais
( )Teria que ser _________ meses de cursinho para eu me sentir preparado.
Obs.: Questões 64 e 65 só precisam ser respondidas pra quem respondeu ENSINO MÉDIO na
questão 63.
64) Por quais motivos você quer fazer o ENSINO MÉDIO na ETEC? Escreva Abaixo os motivos
principais na ordem de importância:
Motivos
1°
2°
3°
4°
5°
6°
7°
8°
147
65) Quais pessoas você acha que foram mais influentes na sua escolha de querer entrar na
ETEC? Por quê?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________________________
66) Cite algumas aulas que foram marcantes pra você no pré-ETEC?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________________________.
67) Que tipo de ações você acha que deve ter mais no cursinho? Ou deveria ter?
__________________________________________________________
71) Qual é a profissão do seu pai, seja preciso, por exemplo: vendedor de uma loja grande
(ponha o nome da loja ou explique loja do quê, de carros, de alimentos, de roupas, etc.),
pedreiro por conta própria, secretário administrativo do metrô, operário qualificado na FIAT,
diretor comercial de uma empresa de roupas, em caso de aposentadoria ou de morte, indique a
ultima profissão exercida.___________________________________________________
148
73)Quem mora na sua casa?
____________________________________________________________________________
__________________________________________________
Nenhuma
Ensino Técnico
Até a faculdade
Até a pós-graduação
149
ANEXO 2
150
Quais as condições econômicas e sociais de antes e depois
Como os pais se conheceram
Ocupação dos pais (antes e depois da migração)
Renda familiar e condições financeiras em geral
Quais as orientações e práticas religiosas da família e individual?
Quais as pessoas mais influentes da família em sua formação? E qual sua relação com elas?
Fora da Escola
Quais suas atividades de lazer?
Quais Estados conhece e quais as motivações da viagem? (família, turismo, trabalho...)
Quais cursos você fez além dos limites escolares e acadêmicos
Qual o motivo de escolha desse (s) cursos(s)
Frequenta bibliotecas
Qual o gosto literário? E por quê?
Media mensal ou anual de leitura?
Hábitos e gostos ligados a TV
Cinema; gostos e gêneros musicais.
Música; gostos e gêneros musicais, hábitos e locais de ouvir
Instituições e locais de frequência: clube, igreja, academia, teatro; e quais tipos de atividades
gostaria que tivesse mais na cidade
O que você gosta de fazer durante as férias?
Você faz ou tem algum planejamento econômico?
Qual é a motivação que você tem em lecionar no cursinho “Pré-ETEC”?
*Perguntas extras:
Qual pergunta gostaria que eu tivesse feito e eu não fiz?
Qual pergunta eu fiz e você não gostou de responder?
*Estas questões extras são com o objetivo de perceber o que mais que o entrevistado ficou
com vontade de dizer sobre si mesmo e que pode ser um elemento importante no
entendimento de suas motivações, e para saber quais (ou qual) questão pode ter lhe deixado
constrangido de responder.
151
ANEXO 3
Bem, então Mauricio, primeira coisa, vou pedir para que você se
apresente e fale um pouco sobre… é engraçado
Você pode começar falando sobre sua história, da sua família, da onde
você veio.
Tudo começou quando eu tinha 6 anos de idade, você devia ter feito
essa entrevista há uns 10 anos, a história ia ser mais curta.
Nasci em São Paulo, mas vim para Francisco Morato com 1 ano de
idade. Nasci, a minha família morava em uma favela conhecida como favela da
Pedreira, não sei se na época tinha outro nome, ai passou um ano meu pai
conseguiu comprar um terreno aqui em Morato e a gente veio pra cá, para o
bairro mais longe que tinha, que você já foi lá para ver. Eu tenho 3 irmãs, cresci
com meu pai minha mãe e minhas 3 irmãs, meus parentes são todos de Minas
e aqui em Morato só estava a gente.
152
Eu sou o terceiro, eu tenho 2 irmãs mais velhas e uma caçula, todos
professores, elas todas fizeram faculdade de filosofia depois de mim, porque
queriam um emprego.
Meu pai terminou o básico e minha mãe não terminou a quarta série lá
nos anos 50, lá em Minas na roça. Meu pai era soldador, a vida inteira ele
trabalhou na construção civil e lá na construção civil ele aprendeu realmente a
profissão. Minha mãe sempre ficou dentro de casa com a gente, muito
trabalhadora, a gente criava porco, criava galinha, plantava roça, cuidava de
pato, porque era um bairro, Morato era muito pouco ocupado na época, eu não
sei se essas coisas eu já te contei.
Não.
153
carregando madeira pra poder colocar na casinha. A gente morava tipo em
uma fazendinha mesmo, porque tinha uma casa de madeiras enorme, tinha
uma casa de ferros, tinha uma horta gigantesca na minha casa, então, a gente
não tinha grana, mas a gente tinha muitas coisas, por exemplo: a gente sempre
matava porco então sempre tinha carne lá em casa, sempre tinha a roça da
onde a gente estava colhendo alguma coisa, batata doce, abobora, feijão,
milho, os meus pais eram muito articulados. Depois a gente fez amizade com o
bairro inteiro e eu buscava lavagem em todas as casas, para servir para os
porcos, minha mãe fazia eu lavar o chiqueiro dos porcos todos os dias, eram
minhas tarefas diárias, buscar lavagem, lavar o chiqueiro, dar comida para os
porcos, dar comida para as galinhas, cuidar da roça, consertar a cerca, porque
os porcos sempre comiam a cerca, fazer massa pra tampar os buracos do chão
que os chiqueiros abriam, daí limpava a casa, daí estudava e ia pra escola, foi
assim até o final da oitava série.
Na época tinha reprovação, daí eu tinha 13 anos e fui pra oitava série a
noite. Porque era onde eu consegui vaga, na época não tinha muito lugar com
vaga ainda, nós estamos falando de 1993, não tinha muita vaga em escolas
pra cá. E eu fui a noite, tinha uma galera de 17 anos todo mundo fumava e
tinha umas meninas muito mais velhas e eu fiquei muito deslocado, eu estudei
em uma escola que tinha 3 salas de aula e fui pro Belém da Serra que era aqui
no centro, e tinha lixão do lado da sala de aula, mas eu era arrogante e não
quis voltar pra trás quis ficar lá porque eu não ia dar o braço a torcer nem a pau
porque eu tinha feito uma péssima escolha,sofri pra caramba. Porque eu
154
estudava a tarde e ai estudar a noite não dava mais pra assistir Doug Funny,
eu assistia todas as noites Doug Funny. Ai quando terminou, Morato
antigamente só tinha 3 escolas com ensino médio, é uma outra era né cara,
tipo idade média de Morato, eu nasci na pré-história da cidade. Ai no sorteio,
dizem que tinha sorteio eu nunca soube se era sorteio mesmo, fui parar na
escola mais longe de todas, tinha o Doutor Morato e o Celestina, que eram
mais ou menos aqui no centro.
Doutor Morato é aquela pracinha velha ali. É o coreto, é ali, que era a
escola onde o Miguel dava aula já nesse ano. Ai no tal do sorteio, eu fui o único
do Belém da Serra e do Bairro Jardim que eram as únicas turmas que eu
conhecia, a parar lá no Geraldi, em 1995. Nisso eu fiz a prova para o colégio
naval.
Nossa, então você atravessava Morato, porque da sua casa pro Geraldi é
longe.
Um dia eu fui pra igreja, lá no Bairro jardim, a gente sempre foi muito
católico, eu nem queria ir na verdade aquele dia, porque eu tinha perdido
155
naquele dia na escola de 17 a 3 no futebol de salão, cheguei em casa muito
triste, foi no mesmo final de semana que o Ayrton Senna morreu, eu estava
abatido porque o Ayrton Senna tinha morrido e não queria ir pra igreja, daí a
minha mãe falou pra mim assim: “porque você está deitado ainda?” Tinha um
sofázinho velho na sala e eu estava deitado, “você não vai pra igreja?” ai eu
falei pra ela assim: “ah hoje eu não vou não” ai ela disse: “O que?”, “acho que
eu já estou indo, vou tomar banho e vou” ai eu fui não prestei atenção em nada
da missa, ai quando chegou no final o padre que estava lá, só tinha ido lá
porque o irmão dele morava lá no bairro, ai ele foi visitar o irmão e fez a
celebração, mas eu não prestei atenção em nada, mas no final tem aqueles
recados e no final ele falou que ele representava os são Camilianos, eu nem
sabia que existia o hospital São Camilo, faculdade São Camilo, nem nada, a
frase dele eu lembro inteira, que ele representava os Camilianos, e que tinha
um colégio lá em Curitiba e tinha outro em Minas Gerais, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, onde meninos podiam estudar e se tivesse alguém interessado
era só falar com ele. Porque os meninos eram muito puxados, estudavam 10
horas por dia mas era um bom colégio, ele só falou isso, eu falei assim: “eu
quero ir pra esse lugar, um lugar que estuda 10 horas por dia, eu quero estudar
velho” porque eu tinha ido muito mal na prova do colégio naval ai pedi pra
minha mãe e pedi para o meu pai e eles não levaram muito a fé que eu ia,
porque tipo, eu era um pirralho, daí eu falei com o padre, levei o padre lá em
casa ele perguntou se eu queria mesmo ir e eu disse que sim, ai fui pra Santa
Catarina fiz um encontro, pra mim eu ia na hora, ai ele disse não você tem que
passar por um ano de experiências pra saber se você aguenta mesmo ficar
fora de casa, ai ele perguntou assim: “ você tem certeza da sua vocação?” foi
ai que eu me toquei do que estava acontecendo, ai que eu me toquei que para
ir pra lá tinha que ter vocação para ser padre. Ai eu falei sim, muita vocação eu
tenho. Ai eu fui pro colégio de padres lá em Curitiba, eu fiz só o primeiro
colegial no Geraldi, o segundo e o terceiro colegial eu fiz lá. Cheguei lá e tomei
um pau lascado no primeiro bimestre, fiquei com duas notas vermelhas, era
muito puxado mesmo e eu não tinha ritmo de estudo e a saudade era horrível,
enfim. Só quem morou fora de casa para saber, daí eu terminei o ensino médio
lá e aquilo cara, essa experiência de morar fora de estudar pela primeira vez na
vida pra valer, nossa você vai me fazer chorar aqui de relembrar umas coisas
156
que faz tempo que eu não remexia, é, me mudou muito, mudou muito as
minhas convicções, eu lembro que eu levava muito a sério estudar todas as
matérias, e inclusive história, psicologia e filosofia, eu já tinha filosofia na
época, há de se dizer que foi a única matéria na vida que eu cabulei uma aula,
ai como castigo virei professor de filosofia. Eu levava muito a sério física e
matemática porque eram as matérias que eu menos sabia quando eu fui pra lá
e eram as mais cobradas pra entrar na academia da força aérea, mas história
me mexia muito também, e um dia o professor começou a passar um
documentário pra gente, que passou na Tv Cultura inclusive, chamado anos de
chumbo, foi tipo um bimestre inteiro assistindo sobre a Segunda Guerra
Mundial, eu nunca tinha visto aquelas imagens nós estamos falando de uma
época que aqui no Brasil, que tinha 4 canais abertos, e era só o que eu tinha
na minha casa, não prestava a televisão dos anos 80 e 90, era a época da
Xuxa era esse mundo que eu tinha, não tinha revista, não tinha jornal, não
tinha filme, não tinha cinema, fui pro cinema porque meu pai sabia que essas
coisas eram importantes.
Eu amava, você não entendia nada porque estava tudo em inglês, meu
pai não queria nem saber ele me levava mesmo assim, mas foi esse tipo de
filme que meu pai me levou pra ver, então eu falava:“não já fui pro cinema”, foi
legal, mas não tinha uma formação, enfim, quando ele levou esse
documentário eu fiquei fascinado, e fiquei perturbado, aquilo mexeu muito
comigo porque eu era um menino de 15 anos, e ver todas aquelas cenas
daqueles cadáveres judeus, sendo jogados dentro daquelas valas, um dia você
deve ter visto cenas assim. Ai eu falei cara eu não quero ir pra forças armadas,
eu não quero ser das forças armadas, porque, eu ficava pensando no avião
que tinha ido pro Japão e jogado uma bomba lá e eu era ingênuo ainda, mas
não me arrependo não porque nesse sentido eu continuo com o mesmo
pensamento, porque quando você entra nas forças armadas você tem que dar
tiro em quem você nunca viu, e eu não queria isso, ai surgiu um problema
porque eu não sabia mais o que eu queria fazer da minha vida. Eu tinha feito
toda essa viagem pra poder virar militar e no meio do caminho eu descobri que
não queria ser militar de jeito nenhum. E ai deu uma crise assim, eu não sabia
mais o que eu ia fazer da minha vida, como eu era muito bom em exatas,
157
matemática e física, porque eu tinha ficado bom né? Porque eu só estudava
isso, eu decidi que ia fazer engenharia, só que ai eu fiquei com medo porque
minha família era pobre demais e eu ainda estava em Curitiba, se eu voltasse
pra são Paulo no mês de outubro e falasse ai não quero ser padre e viesse pra
cá fizesse vestibular e não passa-se já era, estamos falando de 1996, 1997 não
tinha nenhum tipo de bolsa, não tinha cursinho popular, não tinha nada, não sei
o que ia dar, e a outra possibilidade era eu vim pra são Paulo não falar que eu
não queria ser padre e vim pra são Paulo fazer filosofia, e eu era muito novinho
e eu lembro fiz as contas na época e na pior das hipóteses..
158
falei que não queria ser padre, daí ele me deu uma semana pra ir embora, ai
eu fui embora do seminário, fui morar com o Antônio.
159
Porque os Camilianos tem como principal carisma, o principal da
vocação deles, é o cuidado dos hospitais, e dos doentes, o São Camilo foi um
homem que dedicou a vida dele para aqueles que tinham problemas de saúde
e não tinham como se cuidar, e daí os Camilianos vieram para o Brasil no final
do século XlX e tem hospital esparramado no Brasil inteiro e faculdade de
saúde esparramada pelo Brasil inteiro. De um tempo pra cá eles começaram a
abrir outras frentes também de trabalho, agora eles tem colégio de ensino
médio, eles tem curso de filosofia na faculdade, tem administração na
faculdade, antigamente era só na área da saúde, agora eles estão abrindo
mais. Ai eu fiz curso de enfermagem também e me formei e tudo, aliás uma
das primeiras tentativas que eu tive de arrumar emprego, foi em enfermagem,
porque na época ainda professor ganhava mal demais e trabalhar como auxiliar
de enfermagem ia pagar mais, ainda bem que não deu certo pra mim né,
enfim,daí no terceiro e último ano da faculdade eu fazia o cursinho lá, eu ia
prestar pra engenharia, eu não queria ainda ser professor porque eu tinha uns
ideais burgueses ainda, apesar de eu ter vindo de uma classe muito, muito
pobre, Morato estava tipo abaixo da linha da miséria, talvez até exatamente por
isso assim né, tinha um lace de buscar auto afirmação no mundo ainda e eu
não queria ser professor, na minha cabeça era assim, nossa eu estudei tanto,
fui tão longe pra depois virar professor, era como se fosse um prejuízo apesar
de eu ter gostado muito daquela primeira vez que eu dei aula. Aí não vou fazer
engenharia, ai fazia o cursinho, ai chegou o final do ano eu prestei na Unicamp
engenharia física, porque eu também era metido a besta, eu não queria só
fazer faculdade não, eu queria fazer uma coisa difícil, ai passei na primeira fase
e quando eu fui fazer a segunda fase, estudei muito , estudei muito, pra
segunda fase, eu não levei o certificado de inscrição e fui fazer a prova na
Sumaré na faculdade Sumaré, quando eu entrei pra fazer a prova estava lá um
cartaz falando não deixar de trazer certificado de inscrição, sai desesperado
telefonei pra casa, enfim meu pai chegou lá atrasado, minha irmã na verdade
caçula chegou lá atrasada e eu não pude fazer a segunda fase porque eu
perdi a prova, daí eu já tinha me inscrito para dar aula e fui dar aula, resumo da
história é esse. Daí quando eu comei a dar aula eu gostei muito, e estava muito
cansado pra fazer outra coisa, eu tinha perdido 12 quilos em oito meses na reta
final da faculdade, e fui levar a sério, quando eu comecei a gostar demais, a
160
minha própria aula de filosofia fez com que eu começasse a me rever, me
repensar, e tentar pensar os meus valores, eu nunca tinha parado pra fazer
isso de maneira longínqua, e pensar nas minhas aulas pra poder pensar com
os alunos fez eu acabar pensar em mim mesmo, enfim eu decidi ser professor.
2001, foi o ano que eu decidi virar professor. Eu decidi que se eu ia ser
professor, eu ia querer ser o melhor professor possível, foi quando eu decidi
fazer o mestrado em Ciências da Religião lá na PUC, porque vários dos caras
que tinham me dado aula na FAI de filosofia, o Pondé, o Ênio o Zamanha
davam aula no programa de pós graduação da PUC em Ciências da Religião.
E eu pensava que eu ia conseguir uma bolsa mais rápido se eu fosse pra lá e
não deu outra, como eles me conheciam e eu tinha sido um bom aluno na
faculdade, eu fui pra lá e rápido eu consegui, eu paguei a matricula só e depois
não paguei mais nada, a bolsa pagou tudo pra mim, foi quando eu fiz uma
formação mais fundamentada porque na época da faculdade foi tudo muito
tumultuado, daí na PUC eu me fundamentei melhor, e no final do mestrado eu
resolvi fundar um cursinho pré-vestibular popular aqui em Morato. Isso
consumiu um tempo enorme, eu me empolguei pra caramba.
161
da Poli, no embalo eu levei um monte de aluno, eu queria estudar porque eu
queria estudar, já não era mais porque eu queria fazer algum curso
universitário. Quando chegou no final daquele ano eu prestei pra economia
porque eu precisava de uma motivação pra ir até o final do ano, lembrando de
outra coisa agora também, naquele ano o governo simplesmente acordou e
tirou filosofia do terceiro colegial e eu fiquei com muito medo porque filosofia
voltou pra grade a pouquíssimo tempo antes de você sonhar a ser professor
não tinha filosofia né, não tinha sido aprovada ainda como matéria obrigatória,
e eu fiquei pensando assim, cara já pensou se um dia o governo acorda de
mau humor e tira da grade? Eu vou fazer o que da minha vida, ai eu passei a
querer ter um plano B e fui fazer economia prestei lá na USP, passei fiz um
semestre, odiei e larguei e o dia que eu tomei a decisão de não voltar mais na
faculdade foi assim, já fazia umas duas semanas que eu estava cabulando aula
lá em baixo na economia na FEA e indo lá em cima na FFLCH assistir aula de
filosofia, ai eu falei assim cara eu sou muito trouxa, eu saio de Morato pra
cabular aula na faculdade pra vim para filosofia, ai eu larguei a faculdade, no
final do ano eu prestei o vestibular de novo pra filosofia, passei, isso foi em
2009 ai em 2010 comecei a fazer a faculdade de filosofia, porque eu queria
fazer o mestrado em filosofia e pra ter o meu plano B a faculdade, enfim era
pra eu fazer um ano só acabei ficando lá cinco anos e nesses cinco anos, foi
que eu tapei muitos buracos que eu tinha e saquei que eu não ia conseguir
tampar todos, ai essa caminhada nas escolas, eu nunca sai da escola, e nas
faculdades e universidades foi cada vez mais amadurecendo dentro de mim a
minha relação com a educação.Daí agora nessa reta final foi quando eu decidi
me dedicar para as pós graduações na área da educação, então eu desisti de
fazer mestrado e filosofia, simplesmente abandonei a faculdade de filosofia
agora, e estou fazendo processo seletivo para o mestrado em educação lá na
FEA. Era isso que era pra falar?Mas essa sequência toda você mais ou menos
conhecia né?
Mais ou menos, tem umas coisas que eu não sabia. Mas você acha que
você teve alguma referência assim, que te estimulasse a querer estudar?
Assim, quem touxe os referenciais?
162
O primeiro de todos foi o meu pai, que não era o conhecimento pelo
conhecimento, era o conhecimento para entrar nas forças armadas, depois
como deu pra perceber na historinha eu caí de paraquedas na faculdade de
filosofia, e aquele curso me destruiu e me reconstruiu até o final, e tem uns
pedaços que estão desmontados até hoje, na faculdade eu conheci uns
professores espetaculares, a primeira vez que eu lidei com o conhecimento de
uma maneira mais séria, mais profunda e ai as minhas referências foram os
professores da faculdade mesmo, e alguns autores né como o Descartes e o
Pascal, eram os caras que me deixavam perturbado, Schopenhauer e o
Nietzsche, esses caras mexeram muito comigo, era como se eu os conhecesse
e o Freud. O Pondé me deu aula lá na faculdade de psicologia cientifica, e foi
um semestre inteiro o Ponde dando aula de psicanálise pra mim, foram as
primeiras obras que eu peguei de conhecimento clássico pra ler, peguei Moisés
e o Monoteísmo, Totem e Tabu, O Mal-estar Na Civilização, Os Conceitos de
Psicanálise, Uma Breve Introdução à Psicanálise, que não é nada muito
profundo e rebuscado tal, mas pra mim era o primeiro contato, então foi ali, e ai
eu comecei a sacar que eu gostava daquilo, não foi bem alguém, foi uma
circunstância, dali pra frente já não era mais, é, eu nunca tive pessoas que
fossem modelos pra mim, foi essa primeira experiência com a faculdade de
filosofia que me fez despertar uma angustia com a vida, essa angustia é que
me moveu todos esses anos, até agora, a angustia com várias coisas, com a
feiura do mundo e com a beleza que o mundo tem, paradoxalmente, então eu
acho que foi por ai.
Os seus amigos de infância algum teve alguma trajetória próxima, qual foi
o rumo deles?
163
gente de via de regra não encontra, então perdi todos também, atualmente os
meus amigos foram os meus primeiros alunos de quando eu vim para Morato,
quando eu voltei para Morato, são os caras pra quem eu fui dar aula quando eu
tinha uns vinte e poucos anos e eles estavam no primeiro ano do colegial, e
agora são eles que são os meus amigos, via de regra são assim, tirando você
que não foi meu aluno, todos os outros foram, até minha esposa foi minha
aluna, eu tipo tive que construir um mundo e entrar nele porque eu não tinha,
quando eu voltei pra Morato eu não tinha um mundo. Não tinha um planeta pra
mim aqui, ai agora tem, construí meu próprio nicho ecológico, social e
psicológico.
Qual é a sua visão que você tem hoje sobre o ser professor? A sua ação?
164
desafio muito grande, apesar que a pratica ela é, ela já está feita né, porque eu
não estou inventado a roda e tem um monte de gente interessante e inteligente
que escreveu e falou sobre isso, por outro lado, as condições materiais que eu
trabalho são muito precárias né, quando a gente trabalha ensino médio noturno
na periferia, você tem muito pouco tempo com alunos que chegaram com
muitos problemas, então várias vezes eu tive que abandonar os conteúdos de
filosofia, aliás é a atual fase da minha vida está nisso, pra trabalhar questões
anteriores ao conteúdo de filosofia, para alfabetizar as vezes, que nem você
está com o 3º G agora, que um pedação dele era do 2º H do ano passado, o
2ºH era absolutamente analfabeto, tem o Henrique, um negro, gente boa
demais, bonito, que todo final de semana está lá estudando, era o melhor da
turma e ele já tinha muita dificuldade, ai eu tive que comprar joguinhos de 12
ou 13 anos de idade, você estava lá quando eu fiz isso eu acho, para poder
começar a alfabetização deles, e tem toda essa jornada agora de ficar levando
livro para sala de aula pra ajudar esses meninos a lerem, então eu estou muito
longe de poder pegar os textos de filosofia, pra pensar criticamente, mas é uma
etapa que esta, então é um trabalho desgastante mas eu não queria nada
menor do que isso não, a vida já é muito chata, muito tedio, se fosse mais fácil
do que é eu iria ficar entediado, eu acho que eu me interesso exatamente
porque é extremamente complexo dar conta de coisas tão difíceis, com tão
poucos recursos, porque a gente tem 600 alunos por ano em média, cada um
de nós, e como é que se resolve isso né? Na pratica é verdade você não
consegue resolver muitas vezes para muitos alunos, de vez em quando
acontece um milagre, várias estrelas ficam alinhadas no céu e um aluno acaba
virando um ser humano muito completo, muito autônomo, e a coisa funciona,
você tinha perguntado como é que eu via a profissão e como era a minha
pratica? Eu acho que desse jeito as duas coisas ficam respondidas, do ponto
de vista técnico e político assim eu acho que é menos interessante de
descrever.
165
professor ele tem que se ver anteriormente como um intelectual, o professor
ele é um intelectual ele tem que ser um intelectual, isso não garantira que ele
será um grande professor, mas é um fator necessário para que ele seja um
bom professor, não dá para ser um bom professor sem isso. Ter essa formação
intelectual, implicara, por exemplo ele ter posicionamentos políticos, ele tem
que ter posicionamentos políticos, rever esses posicionamentos
continuamente, mas ele tem que ter posicionamento político. O segundo ponto
uma identificação com a humanidade, uma identificação de afeto com a
humanidade, uma relação de eu vejo no outro ser humano a mim mesmo, essa
compaixão que tenho pelo outro, essa capacidade de me colocar no lugar do
outro, faz com que eu desenvolva um respeito por ele, porque quero que minha
vida seja boa, então entendo que a vida desse garoto que está aqui na minha
frente tem que se boa também. Então o primeiro ponto é a formação e o
segundo ponto é o afeto. E o terceiro ponto é a pratica cotidiana mesmo, o
professor tem que estar buscando continuamente, como eu falei na outra
pergunta ajudar esse aluno a se elevar de um estado de menos autonomia
para um estado de maior autonomia, isso não acontece de outra maneira que
não aumentando a racionalidade dele e acontece esse aumento de
racionalidade com o aumento de vocabulário. Então isso é um bom professor ,
sem isso não é possível , e o inverso disso é o que eu considero um mal
professor , alguém mal formado , alguém que não gosta dos alunos e alguém
que não entende qual é o papel central na educação na vida de um ser
humano , que é a autônima , que é a liberdade e a criticidade, não é a
faculdade, ele pode ir para a faculdade ou não, esse sujeito vai ter que chegar
no final do terceiro colegial e se perguntar para onde ele quer ir e então a
decisão é dele , é lógico que eu estou falando o tempo inteiro de faculdade ,
mas é porque aqui em Francisco Morato ninguém nunca fala disto , se você
que gerar isso como opção pra ele , você tem que falar , mas eu não vejo essa
como a única opção de existência, mesmo porque na faculdade tem um monte
de idiota, tanto estudando quanto dando aula ,não é garantia de que ele vai ser
um sujeito realizado e pleno ele ir para a faculdade ,tem que ser mais uma das
opções, por isso eu fico falando de faculdade o tempo inteiro , porque se eu
não falar pouca gente vai falar para ele. Então eu vejo assim o mal professor e
bom professor, acho que é simples assim.
166
Quais são suas atividades de lazer?
Gosto literário ?
Filosofia, eu leio filosofia, eu até leio literatura também, leio política, ficção bem
menos mas acho um porre. Os textos de filosofia eles estão hard e cadeados,
e cada vez que termina um uma nova dimensão se abre na minha cabeça,
então você pensa por exemplo na Republica de Platão , é gostoso demais ler a
Republica de Platão, quando você pega Santo Agostinho pra ler, Platão para
ler, você lê Genealogia da Moral , todo o restante fica acinzentado não tem
graça nenhuma, pode pegar Dostoievski para ler, até Machado de Assis que eu
tenho um respeito, uma consideração tremenda e um carinho pessoal pelo
Machado, não é a mesma coisa, não chega nem perto da complexidade da
coisa ,porque pelo menos eu estou em uma fase que eu estou adorando a
alguns anos , que eu quero ler coisas que me ajudem a responder os enigmas
que estão postos na minha vida assim , não tenho leitura comum de diversão ,
como lazer , é um problema , eu estou com um problema na mão , de um
tempo para cá a filosofia é atrelada em pensar em educação. Então até Paulo
Freire eu acho meio água com açúcar perto de outras coisas assim, eu leio
167
mesmo, porque vai cair no curso de diretor então eu estou lendo, mas eu
desenvolvi o gosto para esta leitura, essa escrita mais rigorosa, dessa escrita
que segue um desenvolvimento racional argumentativo, me cansa ficar lendo
aquele conflito do humano cotidiano, seus problemas e coisas assim. É lógico
também que eu não tenho mais a janela do aprendizado para ler filosofia lógica
medieval, fui me meter ali Erasmo de Roterdã quebrei a cara, porque aquilo é
de uma outra dimensão, não dá, mas os modernos os antigos, os caras que
vão discutir no nosso planeta vão, metafísica vai lógica que não dá mais.
Com a escola que estou durante esses anos, com os alunos ótima com o resto
tudo péssimo, eu não consigo articular trabalhos com eles, eu não os admiro,
eu não me identifico com eles, não tenho histórico de trabalho com todos eles,
não os vejo como boa influência para os alunos ,acho mesmo um sacrifício
ficar na sala dos professores ou participar de reuniões que eu tenho que ficar
com eles , a maior parte esmagadora, tem as exceções, Eliton, Wellington, em
uma escola de cento e quarenta e oito ,dez professores e professoras, mas a
grande maioria foram dar aula, porque não conseguiram fazer mais nada da
vida e a sala dos professores ou as reuniões são onde você encontra as
maiores manifestações de preconceito,de falta de educação, de falta de
respeito, de falta de informação e eu não tenho paciência para ouvir tanta
bobagem, eles estragam o ambiente dos alunos, eles propiciam poucas
situações de aprendizado, eles se perdem na própria vida deles, tem umas
vidas bagunçadas. Enfim já que é uma entrevista para ser honesto,
honestamente em uma escala de seres humanos com quem eu gostaria de
passar um tempo eles estão fora da lista, prefiro ficar sozinho. Minha relação
com os alunos, parte deles inclusive virou professor, quando eu começo a
pensar em professor agora minha visão, meu sentimento assim, minha
realidade imagética, muda, porque agora eu já começo apensar nesses
professores que apareceram na escola, nos meninos que fundaram o Pré-etec,
os meninos que estão agora no pré-vestibular, os meninos que saíram que
foram para a faculdade e estão voltando como professores, eles são
apaixonados pela a educação, eles gostam de aprender, eles gostam de ler, as
áreas deles, porque foram para as mais diversas áreas, eu adoro conversar
168
com esses meninos, minha casa volta e meia eles sempre vem aqui, minha
casa fica cheia eles sai em daqui uma hora da manhã. Agora o professor não,
via de regra, o professor do estado de São Paulo é um porei.
E por que você acha que tão certo o esquema de formação desses
meninos?
169
detesto modéstia, aliás não sou eu não, vou dar aqui o credito a Aristóteles
que faz a diferenciação e Ética a Nicômaco. Modéstia é quando você diminui o
tamanho do que você é para as pessoas ficarem numa boa com você, é você
não assumir ser o que ser. A vaidade é o quando você aumenta o que você é
para as pessoas também ficarem numa boa com você, então a modéstia e a
vaidade são exageros distorcidos, desequilíbrios, são vícios. A humildade é
você ser o que você é. Acho que em última estância assim esses alunos foram
muito bom assim, porque eu fui um professor muito bom, nessa minha
construção do que é ser um professor muito bom eu dediquei absolutamente
para essa atividade, isso foi o que fez esse resultado todo, não teria
acontecido se não fosse assim, não acho que teria acontecido mesmo, também
tiveram a sorte de me pegar em uma fase que eu já tinha amadurecido
bastante, porque eu estou dando aula desde Janeiro de 2000 e de daquele ano
para cá foram vários processos de tentativa e eles chegaram em uma hora que
as coisas começaram a se acertar mais, que começou a ficar mais maduro
para mim como é que funcionava e para onde tinha que ir todos os alunos que
passaram antes, não foi, porque eu quis mas viraram cobaia né, deu errado,
deu muito errado, aquela galera que eu levei várias vezes para Serra Leira, não
deu em nada aquilo, vários daqueles meninos inclusive viraram traficante
depois, outros viraram viciados em cocaína ,não dá para achar que um
processo assim funcionou né, mas foi exatamente, porque errou tão feio lá que
eu descobri que aquilo não funciona e então eu fui para outra direção, o que
importa final cara é isso, é você conseguir ,ganhar esse sujeito afetivamente
para colocar ele sentando, calado, estudando, é isso ele gosta de você e vai
estudar para te agradar e ai um dia ele começa a estudar, porque descobre
que estudar é bom, no começo é ele gostar de você e estudar, porque ele tem
um pacto moral com você, esses meninos que vão no final de semana, quando
eles não vão eles pedem desculpa pra mim, eles ainda não entenderam que
eles estão estudando para eles e não para mim, eles não sacaram ainda,
quando eles não vão ir eles me procuram e dizem “professor esse final de
semana eu não vou poder ir “, porque eu fico o tempo inteiro na sala deles e
faço uma choradeira dizendo que eles tem que estudar, que a escola está lá...
Quando eles não vão, eles pedem desculpa pra mim, eles ainda não têm
autonomia ainda, mas é um processo que se espera. Esse processo de ganhar
170
autonomia, no começo eles não vão ter autonomia, por isso até que eles
precisam ganhar, então é isso.
Qual é o diferencial que você acha que seu trabalho tem em relação aos
outros professores?
Acho que para mim, por exemplo, eu não tenho problema nenhum em
identificar como professor 100% do meu tempo, não é pra mim assim eu deixo
o trabalho lá e na minha casa não, eu sinto um prazer enorme em deixar essas
coisas misturadas, isso não me atrapalhou em nada pessoalmente assim, na
verdade minha vida ficou mais rica e eu acho que o fato de eu não ver o
trabalho como um estante de sofrimento e peso de fato contribuiu muito,
porque dai de fato não me é desgastante, aliás eu acho que só funciona para
mim, porque não é desgastante isso não é um sacrifício, fisicamente é,
segunda-feira eu estava um bagaço aqui em casa e o sono vai para o brejo,
mas emocionalmente é gostoso. Esse engajamento ele vai acontecer na
contingência de uma série de fatores, por exemplo, eu não tenho dúvida de que
ter passado quatro anos morando em um seminário todos os dias em contado
com os valores cristãos, de doação, de generosidade e amor ao próximo, isso
mexeu na estrutura da minha personalidade de um jeito determinante, ai uma
coisa levou a outra.
E ainda tem coisas da sua família, você falou que a sua mãe tinha uma
horta e distribuía alimento, ajudava na igreja...
Minha mãe por ser muito religiosa, a vida toda esteve preocupada em, mesmo
a gente sendo muito pobre em cuidar de quem era mais pobre ainda, então
quando era fim de ano nos saímos entregando uns bilhetinhos digitados na
máquina de datilografia, me lembro até das frases que ela mandava nós quatro
entregávamos no bairro “quem dá aos pobres empresta a Deus”, nada
tendenciosa, gananciosa a frase, a gente datilografava vários recortava e
entregava nas casas de quem a gente achava que podia dar, as pessoas iam
lá em casa entregavam os produtos e minha mãe fazia cestinhas básicas, para
no dia do natal as pessoas irem buscar as cestinhas de natal e de fato a gente
matava os porcos, cortava os pedaços e entregava nas casas, eu nem sabia
que eu era tão pobre, eu não sabia, porque além da gente dar muitas coisas
171
para os outros quando eu era pequeno, todo mundo era muito pobre no Brasil,
então você não tem noção do quanto é pobre até você sair daquele nível de
miséria, pra mim era normal ter quatro canais de televisão, era normal ninguém
ir para piscina, estrada de terra, o mundo é assim, seu mundo é assim, eu não
via aquilo como um sofrimento, não olhava para aquela minha realidade “nossa
como a gente é pobre”, eu inclusive achava que era um aluno muito bom,
achava que eu tinha uma formação expendida, meu pai me perguntava “você
acha que vai passar na prova”,e eu respondia assim “com o pé nas costas”, na
verdade foi um pé na bunda, passei longe de conseguir entrar no colégio naval.
Foram essas minhas viagens para fora que começou a criar outros referencias
outros parâmetros, que inclusive me criou outros parâmetros quando eu voltei
para o Geraldi para dar aula, porque eu tinha morado em Curitiba, morado no
Ipiranga, viajado muito para Santa Catarina, o sul foi muito pesado na minha
vida, e mesmo na época dos seminários os professores quem iriam dar aula,
porque tinha as aulas da faculdade, as aulas do curso de enfermagem e as
aulas no seminário, os professores que iam dar aula no seminário eram padres
que tinha morado na Itália, que tinham morado na Alemanha e vinham dar aula,
as professoras de Italiano eram todas italianas mesmo, porque a maior parte
dos camilianos é descendentes dos italianos. Então cria um monte outras
referências, o sul é muito rico comparado com a periferia que eu vivi aqui, você
tem a impressão que está viajando para Europa, e foi me mostrando assim
como o mundo podia ser, e que o mundo que eu estava não era tão bom
assim, era injusto, era produtor de violência, depois dos colégios particulares
que eu estudei e os cursinhos, eu vim para uma escola pública eu tinha um
ganham assim de munição de coisas para oferecer diferente, e com o tempo eu
fui formando gente que foram se juntando comigo e foi deixando a coisa mais
forte e pegando no embalo . Mesmo agora que eu não acho que está bom se
você somar o Pré-ETEC com o ETEC dá quase 415 pessoas, é um colégio
inteiro isso são 250 no Pré-ETEC mais 116 que apareceram lá com
probabilidade de aumentar, digamos que venha uns 150 não dobre só aumente
um pouco, dá uns 415 alunos, e estamos com uma em uma equipe de
aproximadamente 20 pessoas e é legal, porque no atual momento que está
esse movimento, pois é um movimento que foi desencadeado quase um
renascimento em Francisco Morato, as pessoas ficam sabendo das coisas que
172
está acontecendo e começa a vir dos mais diversos lugares para trabalhar pra
gente, o Cezinha trouxe quatro universitários lá da USP que ajudaram no
cursinho, eu passei de domingo pra cá recebendo telefonema de gente
querendo dar aula no cursinho do final de semana, tem gente marcando
entrevista comigo no sábado, agora para eu saber se o sujeito tem
condições,”mas você sabe que é voluntario, né ? " , “é isso que eu quero”, tem
esse povo no mundo, tem gente que quando descobre onde está acontecendo
alguma coisa assim quer ir lá ajudar, tem um monte de candidato assim, só
está procurando a liga da justiça para começar a atuar, então, eu levo muito a
sério a ideia de montar um colégio, porque quando a gente mostrar o que a
gente que fazer , os parceiros iram aparecer .
173
ANEXO 4
Dia 11 de julho de 2014, entrevista com Maria Cristina A entrevista foi realizada no
café do Centro Cultural São Paulo durante uma tarde.
Meu pai era bancário, ele foi subgerente do banco do falido, extinto banco
Noroeste e ele viajava a serviço e aos 17 eu vim pra São Paulo porque eu
entrei na USP pra fazer História, menina de tudo.
Antes desses 17, quer dizer, quando você tava fazendo o Ensino Médio
que na época acho que nem chamava Ensino Médio...
Então eu fiz o primeiro era Colegial né, eu sou do Colegial. Primeiro colegial eu
fiz em Marília, peguei uma escola no último ano de funcionamento de uma
escola que era período semi-integral, 3 dias por semana, 2 dias por semana. A
gente tinha laboratório, tinha aula de manhã normal, levava marmita, tinha aula
de laboratório de física e química a tarde num dia, no outro dia tinha aula de
manhã normal, levava marmita e tinha aula de biologia e inglês em laboratório.
Era aquela escola foi, era encantadora. É Antônio Inácio Bicudo que eu fiz só o
primeiro ano e foi o último ano que ia ter esse projeto de período integral,
2vezes por semana. Aí quando acabou o projeto coincidentemente eu voltei pra
174
São Vicente, consegui vaga na melhor escola de São Vicente que era o Martin
Afonso.
Mas eu não sei direito, porque a minha mãe é nascida em Santos e toda a
família dela assim, os meus avós são da Paraíba, os pais da minha mãe já são
falecidos. O meu avó veio em 40/42 na Guerra, na Segunda Guerra Mundial
ele saiu da Paraíba, ele tinha uma mula, ele vendeu a mula dele aprendeu a
tabuada do 0, do 1 e do 2 e veio pra Santos. Trabalhou no Porto como
ensacador, foi um dos fundadores do Sindicato dos Ensacadores de Santos.
Ele era do partido Comunista e ele foi presidente da Associação dos moradores
do Morro do Bufo, lutou pra levar água, luz ele era depois que ele rompe com
os comunistas em 45 ele se aproxima do Covas e vem pra aquele Partido
Social Cristão, aquele do PSC. Então assim, ele teve 3 filhos nascidos na
Paraíba que ele deixou lá com a minha vó, depois de um ano que ele tava aqui
em Santos ele foi, voltou, a minha vó disse que ela e as crianças viveram,
porque ele voltou numa virada de ano, aí tava tendo festa na vila, ela morava
num alto de um morro, tava tendo festa, aí diz que ela vivia com uma tia dele aí
diz que a tia virou e falou “Maria vai lá na festa, ta tão bonito né”, porque minha
vó tava na janela olhando a festa, ai diz que falou “não, melhor não”, dito e
feito, naquela noite meu avô chegou, se ela tivesse ido na festa tinha tido uma
tragédia, ele era da linha, porque assim, tem umas histórias bem legais,
quando ela nasceu ele tinha 7 anos, não, 5 anos, é 5 ou é 7 anos não lembro
direito, aí a primeira cachaça que ele tomou foi pra comemorar o nascimento
da mulher dele, e era ela e ela sabia também como é que ele era entendeu ? Aí
o quê que aconteceu, então assim aí nós perambulamos pelo estado, fomos
pra Marília, voltamos tal, mas os irmãos, as irmãs, cunhado tão tudo lá na
baixada, então esse pessoal parece que ajudou.
175
E a família da sua mãe era grande?
Então quer dizer que esse pai dela que teve todo esse engajamento, então
veio pra Santos trabalhar e com esses filhos todos?
Não, já tinha nascido 3, ai veio, eu acho que a minha vó veio grávida, não, veio
com os 3 e engravidou aqui, porque o quarto filho é minha mãe, a primeira
mulher, aí a minha mãe foi gerada la na baixada nasceu la, aí teve mais a irmã
dela, minha tia e depois o ultimo caçula que é o Valdir. Isso! Ah então foram 4
lá na verdade, 1 morreu e 3 aqui em Santos.
E ele trabalhava então como ensacador, e a sua mãe qual foi a formação
dela?
Ela foi fazer o antigo primário só com 9 anos, mais tarde, porque uma que ela
foi a primeira filha mulher tinha 4 meninos na frente, então desde os 5 anos ela
ajudava a mãe dela, então tinha essa coisa do trabalho doméstico pesado né,
muito forte, e ao mesmo tempo assim, ela não era muito forte, ela era franzina,
preocupação com a saúde, nessa coisa de ser muito miudinha, alguém pegar
tal né, aí então ela foi estudar aos 9, ela diz que ela era muito caprichosa e até
hoje né, ela já ta com mais de 70 anos e tudo que ela faz ela procura fazer bem
feito e aí a escolaridade dela foi até a quarta na infância, aí ela foi a prender a
ser costureira, ela terminou a quarta série, era a época da admissão lembra do
exame de admissão, aí ela não fez porque não tinha como continuar, então ela
foi aprender a ser calceira de alfaiate, ela quis, ela aprendeu varias atividades
manuais, todas ligadas a essa coisa de fonte de renda:ponto cruz,
bordar,costura. Mas ela não gostou da parte artesanal, gostou só da costura, e
aí ela ficou toda a adolescência dela trabalhando só pra alfaiates. Aí teve uma
época que ela trabalhou registrada nas Lojas Americanas, ela trabalhava na
parte de almoço, aí tinha um homem que ia almoçar todo dia e começou a
176
achar aquela morena muito simpática, meu pai, aí ele tinha cabelo branco já,
ele foi 7 anos mais velho que ela, ele já faleceu e só que ele começou a ter
cabelo branco com 16 eu comecei com 19, aí começou aquele flerte né, tal, tal,
tal, aí eles marcaram encontro tipo numa praça, aí eles começaram a
conversar ela exigiu o RG dele, porque ele tinha eu acho que 26 anos e ela
tinha 19, ela não acreditou que ele tinha 26 ela achou que ele era bem mais
velho e que ele tava mentindo pra ela, ai ela fez questão que ele mostrasse o
RG e diz que rindo ele abriu a carteira e deu o RG ai ela fez as contas ai ela viu
que ele não tava mentindo ai ela aceitou continuar saindo com ele, ai o namoro
ficou sério assim ele começou acompanhar, porque ela moravam no morro em
Santos, ele começou leva-la até perto da casa dela, ele morava em Santos
mas não no morro, morava na praia.
Ele era agricultor no interior do estado de São Paulo. E ela tava aqui em São
Paulo. Ele pai da mãe... Meu bisavô, o avô do meu pai. Aí o quê que
aconteceu, aí ela voltou pra Regente Feijó, ela gostava de um cara ai o cara
veio pra capital pra ser dentista aí o meu avô gostava dela, trabalhou na
prefeitura e diz que roubou todas a cartas do dentista, ai ela perdeu contato
com o cara, com o dentista e casou com o meu avô, Valdomiro Gonçalves, ai o
meu avô, era político profissional ladrão, foi prefeito da região de Regente Feijó
na época da Ditadura Vargas por indicação, né eu acho que ele era meio nazi,
não, não ele era filho de espanhol com índia laçada a força, parece que ele era
ruim pra dedel, nossa, é bem complicado.
177
Então esse foi o casamento ai do seu pai e da sua mãe certo?
Isso das famílias deles, eu não sei se é sorte ou azar mais assim, eu fui atrás
dessas histórias com 10, 12 anos eu pegava os veios e entrevistava, existia ai
um novelo. Então assim, essa informação de que o Valdomiro Gonçalves era
ruim ela é não é confiável, porque ela vem da minha avó da ex-mulher dele,
eles se separaram né, por causa que ela reencontra o tal do dentista, aí
descobre das cartas e aí.. Mas o meu avô teve um padrão de vida
elevadíssima, ele chegou a ter vilas de casas em Sorocaba, tinha a única loja
de discos da época daqueles RP 33 né, chegou a ter essa loja, meu pai jogou
basquete, fez natação...
Eu e mais a minha irmã só. Porque a minha mãe veio da experiência de ter
muitos irmãos e passar muitas necessidades por uma família grande, e ele
num era um homem que gostava de ter recursos para o seu próprio prazer, por
ter uma família muito grande o impediria disso.
Mas eles contavam isso que não quiseram mais filhos? Vocês sabiam
disso?
Eu cheguei a questionar e eles sempre falaram da questão de dificuldade esse
balanço é meu, né, de que a minha mãe optou por não ter mais por causa das
dificuldades, porque depois economicamente a família vai decaindo esse
padrão de vida que meu avô teve, meu pai não conseguiu manter, uma que ele
178
não tinha dom pra negócio e outra que depois ele virou alcoólatra, então ele
num, nos traumas lá dele ele não conseguiu manter entendeu? Como eu falei,
digamos assim, ele não foi um bom provedor, pra mim ele foi um bom pai né,
mas assim hoje uma mulher adulta eu não ficaria casada com um homem
daquele nunca entendeu? Ele não foi um bom provedor né, nessa relação
mesmo de né, até pela idade deles, pelo papel que eles dividiam entre eles, a
responsabilidade da provisão era dele e ele não foi um bom provedor.
Não. Depois que ela casou ela ficou um tempo trabalhando ainda quando eu
era pequena, tipo prestando serviço pra alfaiatarias, mas serviço em casa né,
então fazia: caseado, pregar zíper,fazia as barras, sabe esse trabalho mais
manual até né...
Isso, mas depois quando a minha irmã nasceu, a minha irmã teve muitos
problemas de saúde ai ela parou ficou do lar mesmo, a gente morava no
apartamento numa área legal de São Vicente, teve que vender o apartamento
pra comprar uma casa na periferia porque a minha irmã não se desenvolvia,
então nós compramos um loteamento bem no bairro dos trabalhadores
comprou a maior casa, até hoje a maior casa do loteamento, a maior área
porque ela precisava disso, precisava de espaço pra correr, pra brincar, pra
andar de bicicleta, ter cachorro, entendeu... Enfim pra ela se desenvolver e
graças a Deus deu certo.
No começo a gente tava falando por que você tava contando que você
estudou em Marília e sua mãe que descobriu essa escola né?
Isso, não lá em Marília sim, lá em Marília eu estudei numa escola, fiz o,
terminei o ginásio, o antigo ginásio, numa escola pertinho de casa que
coincidentemente era muito boa também, assim o interior não vive até hoje os
problemas que boa parte da grande São Paulo vive né, os professores são
179
efetivos, os professores moram relativamente próximos, meio que todo mundo
se conhece né, todo mundo sabe onde todo mundo mora, então assim esse
acompanhamento ele não era ruim e eu gostava, eu sempre gostei de estudar,
ate porque eu mudo o circulo de amizade né numa idade né que você ta saindo
da infância e ta ficando pré-adolescente então tem um problema de adaptação
eu tenho dificuldade pra me adaptar e a minha saída é estudar né, é o que eu
vai me satisfazer é o que vai me dar conta e é um recurso que eu uso até hoje
né assim, um departamento de problemas apita, vamos estudar, solução pra
todas as partes, pra mim graças a Deus tem sido, e ai o quê que acontece, pra
mim era legal.
Então você tava me falando Maria, eu queria entender como é que vocês
viam as escolas e essa percepção da sua mãe “olha você tem que
escolher a escola”?
Então, essa era porque era próxima. Olha os dois eles tinham um acordo único,
que estudo era prioridade, engraçado né, eles viviam uma relação que ela era
dependente dele, mas eu fui educada pra não ser dependente de homem né,
então, quando é que uma mulher não é dependente de homem? Quando a
mulher tem estudo, certo? Nisso eles tiveram um acordo, então a escola do
bairro era boa, eu fiquei na escola do bairro, aí como ele era bancário ele tinha
boas relações na cidade, né, ele era subgerente, acertava fácil lavagem de
dinheiro, e assim qual era a melhor escola da cidade a escola estadual o
Antônio Bicudo, então vai pra lá, entendeu, com quem fala pra ir pra lá, eu acho
que vaga naquela época não era tão difícil, entendeu, então quando a gente
mudou pra São Vicente qual era a melhor escola de São Vicente, ah é o Martin
Afonso.
180
Vicente, quando eu tinha 15 anos ela já era coordenador, professor de inglês
em uma escola importante onde a minha irmã fez curso técnico, minha irmã fez
técnico de contabilidade nessa escola estadual que meu tio era professor de
inglês e coordenador.
Todos estudaram como ela, ela também voltou estudar depois de adulto, todos,
todos.
Também, também. Então ele foi o único que fez exame de admissão, não, ele
e o caçula, os dois fizeram exame de admissão e passaram, mas nenhum do
dois meu avô pôde prover ai esse meu tio trabalhou como sapateiro, ele, sabe
coisa de pneu, fazia chinelo pra família toda, e ai quando veio o Golpe ele
passou na escola dos sargentos do exército, os amigos do meu avô morriam
num forno de Cosipa e o filho foi estudar como sargento do exército. O meu
avô logo depois, meu avô infarto. Ai só no meu casamento meu tio soube que o
pai dele tinha sido comunista, meu avô já tava falecido claro né, eu fui a neta
mais velha, eu convivi bastante, eles foram os meus padrinhos né, ai eu convivi
bastante, todas as férias de Marília era na casa dos meus avós, então eu
convivi bastante.
Claro. Todo mundo criado né, ai todo mundo ajuda. Ajudaram mesmo assim
né, uma coisa muito legal deles foi que assim né, os meus avós moraram com
a minha mãe, quase 30 anos, todos ajudavam e no final minha vó morreu com
92 anos nos meus braços, ela tinha quem cuidasse dela dia e noite.
181
Mais ou menos quando ela ficou viúva né?
É mais ou menos, teve briga né tal, mas assim nessa coisa de cuidado tem da
gente né, como um todo entendeu, se eu vo lá toda detonada ai fica uma de
mulher no meu ouvido, ah faz a unha, faz isso, faz aquilo agora, né assim tem
essa coisa mesmo entendeu.
Com colegial e tinha técnico também, tinha técnico de magistério, mas eu não
quis fazer, porque eu já queria fazer História na USP.
Com 7 anos parece. A minha mãe diz que com 3, ela tavalá costurando ai a TV
tava ligada e tinha uma mesa de fórmica, ai ela colocava um tapete e eu ficava
tipo, tava uma tendinha né, ai eu ficava em baixo desse tapete dessa mesa e
meu pai trazia revista do banco e eu rasgava tudo, detonava tudo né, diz que
coisinha de colorir não dava pra mim, era comprar e acabava. Ai diz que deu
uma vez...
182
Você é a mais velha?
Sou, da filha e dos netos da família da minha mãe. Aí diz que uma vez ela tava
na cozinha eu puxei a roupa dela e mostrei a revista, ela falou que era uma
múmia, diz que eu tava mostrando a fotografia de uma múmia, ai ela falou ah
filha isso é uma múmia e diz que eu fiquei mumumumu, desde os 3, eu não sei
porque que é História, mas eu sei que é História. Aí com 7 anos...
Mas você não teve professor, como é que foi isso assim?
Não, aí ele sai do Noroeste, vai pro BMG, era do Seabra né, da família Seabra,
e aí assim a coisa de grana começou a apertar e o Antônio Inácio Bicudo era
longe da onde a gente morava, tinha que pegar ônibus, eu comecei da...
183
Na época você tinha seus 15?
Menos, 13 pra 14, que eu entrei com 6, aí eu comecei dar aula particular de
matemática, aí eu passei o colegial inteiro dando aula de matemática, comecei
na oitava, então da oitava até o terceiro ano do antigo colegial dei aula
particular de matemática, depois dei aula particular de física e de química. Pra
FUVEST eu não estudei matemática, eu acho que também não estudei física,
porque depois no colegial eu cheguei até a segunda fase da Olimpíada
Brasileira de Física, aí só no finalzinho...
Seu colega?
Coleguíssimo, entramos juntos na USP né, ele era do Centro Cívico e eu era
da Base de Apoio do Centro Cívico, aí ele foi pra Diretas, minha mãe não
deixou eu ir, enfim, a gente né, PT, Juventude Católica eu ia lá com ele, num
monte de coisa, mais ou menos ele era de Santos, mas tinha todo uma turma
que era do mesmo bairro que eu morava.
184
Vocês faziam o colegial juntos?
Isso e fazia também teatro amador tal, o diretor, tava contando pra ele agora, o
meu ex-diretor ta trabalhando com vitrinismo em Milão, mas ele era metalúrgico
e era do Partido Comunista e aí ele era da diretoria dos metalúrgicos e cuidava
da parte de teatro e fazia aquele trabalho social do partidão né, infiltrado no
PMDB de fazer teatro popular nas periferias e eu fiz parte do grupo né, um
grupo grandão tal, e a gente fez um espetáculo Bailei na Curva, então eu tive
contato com o cinema nacional, com teatro nacional, literatura nacional.
Ainda no colégio?
Tudo no colégio. É tinha tempo né, minha mãe ela falou assim né, em vez de
você trabalhar normal você fica dando as suas aulas, banca sua condução,
banca sua coisas o que sobrava eu dava pra eles, desde que eu comecei,
desde a oitava, sobrou dois reais ta aqui, o que seria hoje dois reais né, sobrou
50 ta aqui, e nunca questionei aquela criação bem, tem que dar, tem que dar,
aí que mais...
Ah os professores eram muito legais, mas eles eram um pouco como eu sou
hoje, bem legal, é, eles não entravam muito nesse aprofundamento dessa vida
fora, eles entravam assim né, ah cêta indo? Que legal né, cê deu conta aqui do
estudo, deu conta aqui dessa lição? E tinha uma coisa ainda né, a coisa da
ditadura ainda era muito presente, a prô de filosofia trabalhou Descartes
185
entendeu, então né, não tinha muito debate, deu que forçava, mas era só eu
que forçava e tinha um outro problema, a professora de História do Martin
Afonso, ela era concursada, mas ela tinha sido torturada então ela era pirada,
ela andava sabe saco de estopa, ela andava pela escola arrastando um sacão
de estopa cheio de livro, então, ninguém tinha paciência com ela, quem tinha
mais paciência com ela era eu né, mas mesmo assim era difícil porque ela era
pirada, diz que ela foi altamente torturada, o marido morreu nos altos fornos da
Cosipa, então assim ela era bem grave entendeu, a única vez que eu consegui
que ela desse aula pra sala toda foi na manifestação das Diretas já, que ai eu
tava com aquele pique forte do interior, opa leite quente, ai eu falei ô povo, isso
aqui é importante, cala a boca, presta atenção e aí ela falou das Diretas, foi a
única vez que a sala realmente ouviu aquela aula dela é uma zona, uma zona
né, em Marília que no antigo ginásio eu tive uma professora legal, mas ela não
saia de Brasil colônia, porque ela conversava, conversava, conversava, mas
ela assim foi uma professora que acompanhava a vida fora da gente e ela
discutia ditadura, a Teresinha, isso professora de História, ela tinha feito
UNESP, em Assis que é ali pertinho né.
Não, isso já era desde Marília, por causa da condição, porque era USP, porque
meu, não tinha como pagar, em Santos só tinha universidade paga, Marília
tinha UNESP, mas não tinha História se tivesse que ir pra uma outra cidade pra
estudar eu tinha que me bancar , então Assis, Franca, esses lugares né, tem
que vim pro centro econômico do país São Paulo, então eu costumo dizer que
eu não vim para a USP eu vim para São Paulo e aí junto tinha a USP.
Mas aí foi história mesmo. Porque assim o que aconteceu que eu falei do José
é o seguinte, o José ganhou a bolsa no Objetivo, aí ele conversou em casa e a
família falou não, nós podemos pagar o cursinho, devolve a bolsa para a escola
e da pra uma pessoa que a família não pode ajudar, a bolsa veio pra mim, quer
186
dizer eu era a segunda melhor aluna da escola certo, e aí que ganhei 6 meses
de bolsa do cursinho, então eu fazia de manhã o colegial terceiro ano, a tarde
eu fazia o cursinho e a noite eu dava aula de particular e no final de semana eu
estudava e tinha o teatro, então quando por exemplo eu não tava em cena, eu
não tava passando as minhas falas eu tava fazendo lição,aí eu ia pra um canto
do teatro lá no Sindicato dos Metalúrgicos de Santos que é aonde a gente
ensaiava, e ficava fazendo lição, Maria é você agora aí eu ia la passava as
minhas cenas ai voltava e fazia as minhas lições, e a noite eu dava as aulas
particulares.
E seu pai e sua mãe, sua mãe principalmente pedia pra você estudar em
casa, como é que era em relação a isso?
Ah Graziela, tem coisas assim que as pessoas não precisam falar né, se abre a
geladeira a geladeira ta vazia, se você cresceu com a geladeira sempre
cheia,vocêta acostumado a ter, né, desde que você se lembra na sua casa a
geladeira sempre teve fruta, teve queijo, né, teve leite, aí você a sua geladeira
e a sua geladeira não tem o que você sempre teve...
Não, não, eu sei, mas na verdade eu não tava falando dessa ajuda
financeira,eutava falando se você tinha encargos no serviço doméstico?
Não, o que ela viveu, ela não deixou eu viver.Não, ela liberou pra estudar,
inclusive é essa uma das discussões que eu tenho com algumas alunas la em
Franco, que é bem difícil, ah eu tenho obrigação de ajudar, aí eu falo ó você
tem obrigação d ter um futuro melhor né, mas assim é bem complicado, até
porque eu não sou muito diplomática né, eu tenho um jeito meio seco de falar
né, aí, aí eu tenho ultimamente procurado evita um pouco isso, mas assim eu
acho que é um crime né.Eles me liberaram, não tinha discussão sobre isso, a
única vez que eles discutiram foi então essa vez da professora particular no
primário e depois no ginásio quando eu praticava esporte eu praticava
basquete era pra eu ter sido da geração daquela Hortência, eu queria muito,
muito, muito nós fomos pela escola campeãs mini mirins de basquete na
região, aí a minha mãe bateu os peitos da mesa, falou não vai fazer basquete.
187
Que ela não queria que você se afastasse dos estudos?
Não, porque a técnica da seleção brasileira era homossexual, não sei se você
lembra, meu pai virou e falou assim sua mãe não quer que você conviva com
lésbicas, sua mãe não quer que você conviva com homossexuais lésbicas.
Isso, aí eu juntei a grana, paguei minha inscrição, tinha dinheiro pra passagem,
na época não tinha prova na baixada, fiz a prova em Osasco, nessa época meu
pai tava trabalhando em Osasco, a gente morava em São Vicente, mas ele
trampava em Osasco, eu conhecia razoavelmente Osasco, fiz a minha
inscrição lá, fiz a prova lá, fui sozinha, voltei sozinha, passei na primeira
chamada.
Foi assim, do grupo de teatro tinha um menino Francisco que a irmã dele a
Dagmar fazia artes na USP, e a Dagmar morava numa moradia estudantil, aí
eu fui morar nessa moradia estudantil por indicação da Dagmar.
188
Lá no CRUSP mesmo?
Foi, foi lá, lá tinha na minha época, tinha já articulação do 113, tinha o trabalho
antigo LIBLU, Liberdade e Luta né, antigo SI, e tinha a convergência Socialista,
aí das 3 eu me interessei mais pela corrente do trabalho, achei que eu
concordava mais com as posições deles, aí eu discuti, fiquei uns 6 meses, aí
eu parei com o teatro, parei com a perspectiva de ser arqueóloga, e comecei a
ler o material do trabalho, eu, um cara que hoje é professor de história da USP
o Everaldo de Oliveira Andrade, o Everaldo entrou em novembro de 87, eu
entrei em março de 88, na corrente de trabalho e transformamos um circulo né
189
na história USP, e fiz o movimento estudantil, sei lá quantos anos, fiz um
tempão de movimento estudantil.
Fazendo a Graduação?
Mas eu tive problema de saúde, calma. Não, primeiro eu parei depois de fazer
o movimento estudantil fui fazer o movimento sindical.
Do PT ou da corrente do trabalho?
190
limitações, porque eu sonhei em fazer parte da geração, mas sonhei de
verdade Graziela, não é sonhar de mesa de bar tomando cerveja, eu não fui
comunista de mesa de bar de tomar cerveja, eu fui comunista da minha casa
ser sede regional da organização entendeu, a minha biblioteca ser uma
biblioteca marxista a disposição dos militantes pra formação de quadros, não, é
dedicação mesmo, e aí eu demorei muito pra perceber que sei lá, 95%, 93%
das pessoas daquela organização, são comunistas de bar, são comunistas de
levantar cerveja, é prestígio, é prestígio entendeu, é uma relação de prestigio,
prestigio social, prestigio intelectual, e é isso, e ai eu falei, e aí quando eu
finalmente acordei eu falei pô, não preciso disso, eu fiz USP, entendeu, se eu
quero ter prestígio intelectual eu volto pra academia e eu não preciso dessa
merda entendeu, e aí decidi resolver minha vida.
Foi um processo lento né porque você não vai descobrir que você doou toda a
sua vida do dia pra noite e você não vai romper com pessoas que você
confiava, acreditava, admirava, e achava que era uns putas de uns
revolucionários também, você vai ver que é um bando de burguês safado, só
quer saber do seu nobre padrão de vida, se a farinha é pequena, minha
cumbuca primeiro, sabe essas coisas, né, rápido né, ainda mais quando você é
meio boba idealista, é romântica, eu não era romântica no romantismo homem
e mulher, mas essa relação da revolução eu fui muito romântica, eu desejei
profundamente fazer parte da geração que ia viver uma revolução nesse país,
eu acho, até o Impeachment, até 92, nós vivemos uma situação em vários
momentos ela variou de pré revolucionária para revolucionária, né, então
assim, poderíamos ter vivido talvez não uma revolução, mas choques de
rompimento constitucional muito mais profundo do que nós vivemos, em
particular em 92, se o Lula não tivesse entregue, porque aquele momento limite
era o momento de votar eleições gerais de cabo a rabo e ele não deixou a
votação ir a Congresso Nacional, e empossou o Itamar Franco e ali começa a
nova era do PT.
191
Ele como deputado?
Não, ele não era nada em 92, ele era o presidente do partido, ele foi chamado
em Congresso Nacional, falou que nós vamos fazer essa meleca que ta aqui e
aí a principal proposta qual era, eleições gerais de cabo a rabo, porque o PT ia
ganhar de cabo a rabo inclusive ele, ele vai la e fala, não vamos manter o
quadro institucional concerto, então né, o que eu discuto com os meus alunos
hoje, que o nosso desenvolvimento é um desenvolvimento conservador, nós
temos uma modernidade que caminha 10 passos pra trás pra dar um pra
frente, de forma conservadora, bom enfim, mas isso daí de 92 eu só fui
descobrir bem mais tarde, aí o quê que aconteceu, não da pra negar que a
minha formação em história foi muito influenciada pela minha formação
marxista, apesar de todas as divergências políticas que eu tenho com a
corrente de trabalho hoje, eles , no ponto de vista teórico, eles eram profundos
conhecedores do marxismo e da sua vertente trotskistas ligada ao grupo
francês liderada pelo Pierre Lambert, que na fundação da Quarta Internacional,
foi o secretário geral do Leon Trotski, mas o principal problema só pra ficar bem
claro, você já ouviu falar do programa de transição, vocês já leram ? É um texto
do Leon Trotsky, é o programa político da Quarta Nacional, o Trotsky ele
afirmou uma verdade histórica muito, que demonstrava um profundo quadro
intelectual do marxismo que ele era né, não é a toa que precisaram assassiná-
lo, em que ele diz o seguinte: que nos momentos de grande crise, de profunda
crise de crash, de quebra, de guerra, as direções contra revolucionárias podem
ir além do que elas desejam, as direções do movimento operário, contra
revolucionárias podem ir, avançar politicamente mais do que elas realmente
desejam. Então por exemplo se você for ver Revolução Cubana, Revolução
Chinesa, Revolução do Vietnã, Revolução é, do Vietnã... Coréia, todas essas
Revoluções elas não como a de 1917 que tem né, o dia da tomada de poder,
elas são a libertação nacional e depois um processo que caminha pra
estatização econômica, então isso significa o quê, que os indulgentes do
partido comunista foram obrigados pela profunda crise a ir além do que eles
desejavam, porque se não, não teria um dia de libertação nacional, teria um dia
como a Rússia, um dia ligado a tomada do poder, para o Estado socialista,
192
para o Estado de economia planificada, deu pra entender? Qual o problema, o
meu problema central né, minha divergência central, um grupo do Pierre
Lambert no Brasil é a corrente de trabalho, que faz intrismo no Partido dos
Trabalhadores, hoje é um intrismo tão profundo que eles tão até na
administração do Haddad, um líder revolucionário, qual é o problema, o
problema que o Trotski fala, e isso é uma possibilidade histórica porque
descreve 139, mas é o papel dos revolucionários, o papel dos revolucionários é
construir um partido revolucionário, o partido que vai aplicar o programa
revolucionário. O que acontece de 44 até hoje, a alternativa teórica que ele
colocou entendeu, essa geração, a geração que sobrevive ao massacre
Stalinista, ao massacre Nazista das fileiras da Quarta Internacional, ela não
vive um processo revolucionário vitorioso, como foi a Rússia, ela só vive a
alternativa teórica do Programa de Transição, então essas gerações de uma
forma ou de outra elas são acomodadas a aconselhar a direção oficial do
movimento operário, elas não querem fazer realmente o caminho das pedras,
não quer construir realmente um verdadeiro partido revolucionário, é que é
muito difícil né , você pode ter gente como um país como o nosso e pode
dedicar a vida toda e não ver isso construído né, então aí eu parei.
Eu tive vários companheiros. Eu era uma namoradeira, eu não vou falar disso
se não vou ter saudades. Eu só casei mesmo, eu só fui estabilizar um
relacionamento, eu sou casada, na perspectiva de casar quando eu realmente
parei de militar, porque eu era muito dedicada.
193
Durante essa militância?
Isso.
Não, claro, completa, esse negócio de viver sozinha não dá, tem que morar
junto, dormir de conchinha é gostoso né, é verdade não é, não vejo nenhuma
mentira, todo mundo é de maior não é? Bom teve o Nicolas, assim os mais
importantes né, teve o Paulo, quando eu vim pra USP que ele também era de
São Vicente.
Não, muito pelo contrário, ele me contou que passou uma circular que
apareceu o nome de um amigo nosso que foi diretor da UNI88 e eu comuniquei
a organização e a circular foi proibida de ser passada para os tenentes, quer
dizer então tinha alguém infiltrado na organização.
É, não eu, ai ele que era meu agente duplo foi cortado né. Aí o Paulo não deu
pra casar, porque o Paulo era muito galinha, ele é lindo, ele é um negro
lindíssimo até, nós nos encontramos tem pouco tempo agora em abril, eu vim,
eu fiquei na Páscoa com a minha mãe né, aí meu marido foi, ele voltou antes
pra trabalhar, olhar a casa, cuidar dos bichos né, que a gente não tem filhos
mas tem bichos, tenho um cachorro e dois gatos, aí o Édson veio pra cuidar
dos bichinhos e eu fiquei, aí eu saí de lá numa segunda acho que logo depois
do feriado, pegar o primeiro ônibus 4 e meia, 5 horas da manhã, quem tava na
194
fila, quem vai pegar o mesmo ônibus? O Paulo, então o Paulo ta com 48, tem
3filhos e ele casou bem depois do nosso namoro, inclusive na viagem ele
tocou, ele sempre faz isso quando a gente se encontra, mais ou menos há uns
5, de 5 em 5 anos, aí ele fica assim:a gente não casou né, aí eu falo assim:
Paulo, meu a gente já falou disso né, já falamos disso Paulo, a gente nunca
casou porque você era muito galinha.
Muito.
Não, até hoje, eu ainda ovulo, é por isso que eu tenho cabelo branco, mas ao
mesmo tempo não to toda maracujá, porque eu ainda to ovulando, ah então é,
eu ainda me esforço, to com problema sério em casa porque meu marido ta
com 160 quilos, e aí eu to assim meio...
Sim, aí eu vou, calma, aí foi o Paulo, aí foi o Nicolas, o Nicolas fazia física na
USP, ele era da área de influência do nosso trabalho estudantil e ele era da
moradia estudantil, o Nicolas foi, o Nicolas eu posso dizer que foi assim, foi o
meu primeiro marido né, ele chegou a me pedir em casamento pro meu pai,
meu pai deixou, mas o Nicolas tinha um problema, o Nicolas ao longo do
relacionamento ele se envolveu com cocaína e ele bebia, aí uma vez ele
ameaçou me bater, a gente teve um estremecimento meio sério, e ele tava
alcoolizado...
195
Você sabe mais ou menos por quê?
Ciúmes, ciúmes.
No mesmo nível isso, e aí logo depois ele tava se envolvendo com cocaína e
ele não tava só consumindo ele se envolveu com o pessoal do Bom Retiro,
inclusive uma gangue liderada por um judeu, lindo, diga-se de passagem, mas
um bandido, tava levando cocaína pra USP, eu falei to fora, esquece.
Aonde?
Eu fui fazer primeiro no ABC, não no ABC eu fui dirigir um trabalho estudantil,
construímos uma união municipal de estudantes de secundarias, eu cheguei a
dirigir um grupo de 40 jovens, 20 militantes orgânicos, 40 próximos, dirigimos a
união municipal de estudantes de São Bernardo do Campo, aí tava começando
acumular...
196
Uma professora também né?
Sim. Não, total, porque discuti sexualidade, fiz curso sabe aquele livro do
Wilhelm Reich? Do orgasmo, na verdade eu dei curso até dizer chega daquilo
lá, né, aí paquerava os moleques também, né não tinha muito, eu não tinha
nenhuma preconceito, né, mas eu não fiquei com ninguém fixo aí do
movimento no ABC, porque em 92, é em 91 pra 92, antes do Impeachment o
trabalho rachou, nessa cisão eu fiquei com um grupo um pouco menor e nós
fechamos por causa da posição em relação ao PT, as eleições, a crise em
questão..
Não, tava fazendo tudo devagar. Aí eu fui jubilada, aí uma ex-camarada que
ainda era do trabalho, não saiu do trabalho na cisão, um dia ela mandou
recado, falando, ela viu, ela trabalhava no administrativo, na parte de
informática da USP, ela viu que eu tava sendo jubilada e mandou pelos ex
camaradas pra me avisar, eu fiz o processo, ganhei, porque nesse meio tempo
eu desenvolvi uma enfermidade chamada endometriose, então meu ritmo de
saúde era muito irregular, então eu cheguei, no final eu cheguei a ficar 15 dias
sem andar e 15 dias fazendo tudo que eu não tinha feito no mês, imagina as
intensidades, mas enfim, então isso também dificultou, aí com o jubilamento eu
fui fazendo uma matéria por semestre, fui fazendo, fui fazendo, aí eu fiz, aí eu
tirei um 10, tirei um 9,5, aí tirei 9, aí tirei outro 10, aí eu fiz, eu já tinha mato,
teve uma vez numa pesquisa na minha matrícula que falou porque da
197
dificuldade, uma questão sobre maturidade e naquela pesquisa eu entendi que
antes eu não tinha maturidade, naquele momento eu tava tendo maturidade,
porque eu trabalhava, eu militava e consegui ir bem, eu consegui me focar né,
amadureci.
Já com 25, 26, foi quando eu encontrei esse companheiro, o Édson, que me
levou pro Sindicato dos Vidreiros e foi com ele que eu comprei a minha casa
em Franco da Rocha, a casa que eu moro é minha.
Não, aí o Édson eu fui a segunda mulher, nós ficamos juntos né, a casa ficou
no meu nome, começamos a construir a casa, ele me ajudou uma época, aí ele
voltou pra ex, pra mãe dos filhos dele, aí ele queria que eu fosse amante dele,
aí eu falei ó, tchau, né, pô eu achei que a gente ia casar no papel, aí eu fiquei
de novo uns 3 anos, 2 ou 3 anos sozinha, e aí uma fase que eu tava muito
fragilizada, uma amiga minha que hoje ta na Federal do Rio de... Na Federal de
Niterói, nós se, o contanto de distanciou, a Ana Lúcia Ferraz, ela é socióloga,
ela trabalha na Federal de Niterói, ela foi coordenadora do Programa
Integração da Confederação Nacional do ramo químico, que era um programa
de elevação de escolaridade dos trabalhadores no ramo químico e era um
projeto inovador, era um professor poli valente para o antigo ginásio, né, então
um professor a partir de um tema gerador, visita varias áreas do conhecimento,
e aí eu fiz isso, eu trabalhei com ela e aí o meu esposo era aluno desse
programa.
198
Seu atual esposo?
Não, esse é meu esposo, porque eu nunca casei no papel, só casei com esse.
Ele é o meu marido, é com ele que eu casei no papel.
Foi com o programa da CUT né, porque eu não, quando eu era militante, eu
não conseguia dar aula em escola normal.
Falta de tempo pra preparar aula, mas aquilo me prendia, aquilo não tinha
sentido, eu me sentia o que o professor do estado burguês é, um reprodutor da
199
ordem, né, aquele horário, aquele tema pré-definido, você não tinha liberdade
única, liberdade intelectual, não tinha muita autonomia de cátedra mesmo né, o
nome correto, e eu vi aquela molecada e cada menino, menina que entrava eu
via um militante em potencial, eu não queria lecionar, que queria que todo
mundo virasse revolucionário.
Aumentar o exército?
Com certeza. Aí isso não da muito certo né,são objetivos bem distintos, e aí na
experiência da com a CNQ, eu consegui ter o contato teórico necessário e um
ambiente de trabalho de debate pra conseguir ver que também era possível
construir uma alternativa né, em que houvesse mais liberdade de cátedra, que
a questão do ser histórico fosse mais valorizada e tivesse expressão e ao
mesmo tempo o papel de educação, então que quê é a educação, o que quê é
instruir, né, como realmente o ensino é uma ferramenta para o cidadão se
tornar um sujeito histórico, e aí toda aquela repulsa que eu tinha com a
formalidade dos conteúdos ela muda o foco, não, ela num é só a reprodução,
claro que essa dimensão existe, mas ela também é uma ferramenta
necessária, porque sem essa ferramenta como é que essa pessoa vai se
constituir, vai se auto constituir um sujeito histórico, né, sem saber ler, sem
saber escrever, sem saber interpretar, sem ter raciocínio abstrato, como é que
isso vai se dar, então né, eu consegui desenvolver as minhas potencialidades
razoavelmente nisso.
200
Nesse tempo que você trabalhou na CUT, que a CUT teve um período
auge assim né, foi investido muito dinheiro, muita verba pra fazer esses
cursos, sua escola sindical, uma série de coisas né nesse período que
você trabalhou ?
Foi, foi em 2001, 2002, e aí eu volto pra sala de, aí eu volto pro curso de
Licenciatura plena e agora eu vo terminar.
Na História? Na USP?
Na USP, na FFLCH.
Quer dizer, você já tinha concluído o Bacharelado e aí você volta pra fazer
Licenciatura?
201
Mas você conheceu Jesus, como assim que aconteceu isso na sua vida?
Porque esse rapaz que é o meu esposo, o Webster, rapaz é porque ele é 10
anos mais novo que eu né, esse homem o Webster, ele foi meu aluno e ele era
evangélico, e eu tive um monte de aluno evangélico no programa entendeu,
inclusive assim eu não suportava evangélico, né, eu tratava mal, não tinha
paciência, eu era...
Tinha, tinha, não vo negar né, eu tinha mesmo e esse programa além de ele ter
mudado a minha visão sobre a educação, ele mudou...
Da CUT, o programa Integração, ele me ajudou a ter uma outra visão sobre a
educação, ele também mudou a questão do preconceito, então assim se é
importante pra ele se constituir como sujeito histórico que ele domine
determinados instrumentos intelectuais, então ele tem que ter um compromisso
pra adquirir esse conhecimento, correto?E os melhores alunos eram os
evangélicos, os que eram os mais comprometidos, os que mais topavam as
oficinas, que mais topavam mesmo sendo temas gerador, entendeu? Que mais
se engajaram, que mais queriam que a partir daquele tema realmente fosse
pras diferentes matérias né, dividisse geografia, história, matemática,
português, trabalhar dicionário, construir mapa, enfim né, uma aula você fazia
um puta passeio bem legal, era esse pessoal, então meu, tem alguma coisa
errada comigo né, se eles são os mais, então eles não são tão ruins né, não,
muito pelo contrário, eles não os melhores, entendeu? Aí o quê que
aconteceu...
Não, aí ele se formou. Porque assim, lembra que eu falei pra você que eu do
uns fora, ele vinha conversar comigo e eu num... né, aí as representantes de
202
sala já tinha percebido, aí um monte de gente já tinha, acho que até minha
chefe já tinha percebido e eu hum, legal ele é bom aluno, esforçado, aí toda
redação que ele fazia ele vinha conversar comigo depois da redação, aí eu
ficava assim ah não se preocupa né você tem todo direito de ter seu
pensamento tal, e ele mas o quê que a senhora achou, o quê você achou ? O
quê você achou? O quê você achou? Eu falei ah achei legal né, não é o que
você pensa? Tá bem escrito, ta legal né, eu demorei assim né, entendeu? Eu
demorei bastante pra perceber que tinha outras intenções, aí ele começou ir na
minha casa com o negócio de emprestar filme, ver livro, emprestar livro, aí
passamos, começamos a conviver, até que um dia ficou combinado que ele ia
passar um domingo comigo, ele ia levar uns livros da Agatha Christie, que eu
gosto de romance policial, aí antes ele ia no domingo a gente tinha combinado
no outro final de semana, no dia seguinte chegou uma carta, aí na carta ele se
declarou, aí ele veio no domingo aí eu falei ó meu, eu já tenho 33 anos se eu
namorar é pra coisa séria, não da pra ficar né, porque se for namorar pra ficar
eu to sozinha e vo continuar sozinha porque eu to bem, ele não é pra casar.
Começou a gostar?
203
Nunca teve?
Não, eu cheguei a fazer catecismo, mas achava aquilo horroroso, né, achava
aquilo uma...
Meu pai era católico, minha mãe era de umbanda, eu achava tudo horrível,
achava tudo uma ignorância, com 14 anos mandei todo mundo pra aquele
lugar, sai né... Aí a minha fé virou a ciência né, na prática, o conhecimento, a
ciência, uma que meu pai não era muito praticante, ele era católico mas ele
não era praticante de verdade, então era uma hipocrisia, e a coisa da umbanda
assim, eu achava muito complicado aqueles rituais todos né, conheço até hoje,
até hoje quem tinha feito um santo, eu conheço um monte, conheço bastante,
mas assim eu acho um, eu não quero faltar o respeito entendeu? Mas como é
que eu vo dizer, do ponto de vista místico eu acho muito complicado uma coisa
que precisa de tanto sacrifício, entendeu?
Isso te incomodava?
Sim, né, pra que tanto sacrifício? Pra que tanto ritual? Pra que tanta oferenda?
Apesar que as festas eram uma delicia, mas assim né, entendeu ?
Sim, né, via mamãe e a família dela, né, minha mãe, minha tia, minha vó.
Ô Maria, bom e aí, aí então ta, você teve esses problemas de saúde, teve
que...
204
E aí você já começou a ser professora, como é que foi isso?
Não aí e, eu tava sendo professora então pra valer desde 2000, aí eu paro, em
2003.
Porque quando eu me formei não dava mais pra pleitear o cargo, lembra disso,
eu fui aprovada, mas passou o prazo, eu não sabia dessa coisa de segunda
chamada, nem fui atrás fui pegando como aula livre mesmo. Já como eventual
eu já eventuei via projeto, então, desde 2004 até hoje, eu tenho trabalhado com
projeto, entendeu? Aí, eu fiz um projeto no BEFAMA, com as quintas séries a
tarde que era assim, o BEFAMA é uma escola estadual que é uma das mais
antigas da cidade não é isso? Que tem uma biblioteca bem legal, que sempre
ta uma zona, aí eu consegui junto a direção, o Ricardo Costa e o Marcelo Reis
na época, a autorização, fui na biblioteca, peguei uns livrinhos de história,
qualquer professora de história dava em qualquer aula, eu trabalhava o mesmo
conteúdo via desenho, eu levava os livrinhos né, paradidáticos, as crianças
liam e faziam um desenho, eu tenho tudo isso guardado.
E como é que você foi fazendo essa prática, da onde você tirava essas
ideias, como é que foi isso?
205
alguma estratégia que seja legal, pra quinta, sexta e sétima série, desenhar é
legal, e aí como eles tinham que ler o paradidático, de alguma forma reforçava
né, e aí o quê que aconteceu né..
206
ANEXO 5:
CARTA DE CESSÃO
Eu,______________________________________________,RG
_________________,autorizo que minha entrevista gravada em ____/____/2012 seja
arquivada em formato gravado e escrito, como também utilizada para fins de
publicação, por Eliton da Costa Rocha.
207
ANEXO 6:
Figura 16: Cartaz de uma das visitas técnicas dos alunos do ensino médio ao museu
Catavento, em São Paulo. Foto: Eliton Rocha.
208
Feira do Ensino Médio
Amostra de Artes
65
Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos.
209
PIC (Projeto de iniciação Científica)
Tribunal Filosófico
210
Figura 18: Aluno Matheus Monteiro em um debate sobre “Redução da maioridade penal”. Foto:
Eliton Rocha.
Roda Literária
211
disciplinas e que pela quantidade limita de aulas criou-se a necessidade de
estender as discussões após os períodos de aula.
Noite da poesia
Fórum da ONU
212