A Materialidade Dos Engenhos Banguês No Norde de Alagoas MESTRADO EM ARQUEOLOGIA, 2012
A Materialidade Dos Engenhos Banguês No Norde de Alagoas MESTRADO EM ARQUEOLOGIA, 2012
A Materialidade Dos Engenhos Banguês No Norde de Alagoas MESTRADO EM ARQUEOLOGIA, 2012
RECIFE/PE
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
RECIFE/PE
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecário, Tony Bernardino de Macedo, CRB4-1567
Inclui bibliografia.
Aos amigos da UFAL: Dani, Vanessa, Lanuza, Arthur, Filipe, Mari e Eudson,
que são uma eterna alegria na minha vida.
Aos meus amigos espalhados mundo afora: Júlia Schorr, Ana Lascura,
Francisco Claudino, Vinicius Ramalho, Salah Chalal, Nadim Bioud, Bruno Barreto,
Chico Coutinho, Abel Transivânia Arias.
Agradeço a minha família, mãe, pai, Kel e Léia pelo apoio incondicional e por
perdoar sempre minha ausência.
Durante o século XIX, a crise no sistema dos engenhos banguês colocou em cheque
o prestígio político e econômico dos proprietários do açúcar no norte de Alagoas.
Na tentativa de melhorar esta situação, os proprietários destes empreendimentos
agrícolas criaram diversas estratégias para não perder o tão almejado status de
senhor de engenho. Estas estratégias são perceptíveis através da cultura material,
que durante o período oitocentista atuou como demarcador de posições sociais em
decorrência dos novos padrões de comportamento voltados a um modo de vida
mais civilizado, cosmopolita e burguês. Neste contexto, as louças assumiram um
papel importante, agindo como poderosos instrumentos de ação social,
comunicando simbolicamente identidades, hierarquia e poder. Este estudo busca
compreender os significados atribuídos as louças pelos produtores de açúcar no
norte de Alagoas. Para isso, foram analisados fragmentos de louças oriundas de
cinco engenhos e um entreposto comercial, sendo três desses engenhos banguês e
dois movidos a vapor.
Capítulo 2
Capitulo 3
Capítulo 4
Capítulo 3
Capítulo 4
Tabela1- Prospecção de sub-superfície – Engenho São Gonçalo ................................................. 109
Tabela 2 - Frequência da técnica decorativa ........................................................................................ 160
Tabela 3 – Aviação das louças sem decoração. Informações extraídas do inventário de um
comerciante de louças de Porto Alegre .................................................................................................. 165
Tabela 4 - Valor aproximado das louças nos engenhos pernambucanos no século XIX. ... 167
Tabela 5- Frequência das Formas ............................................................................................................. 169
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
1Cristóvão Lins foi um dos primeiros colonizadores da região norte do estado de Alagoas e o
primeiro a fundar engenhos de cana de açúcar, recebeu o título de alcaide-mor de Porto Calvo no
ano de 1600.
2 Banguês foram os primeiros tipos de engenhos implantados no Brasil, eram movidos por força
16
Decorrente de tais fatos e das ocupações históricas que permearam a região,
Porto Calvo abriga hoje um grande patrimônio histórico e arqueológico. No
biênio2007/2008, foi realizada a primeira etapa do projeto “Rota da
Escravidão/Rota da Liberdade: A Arqueologia Histórica da Diáspora Africana em
Alagoas”, pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa Arqueológico (NEPA), da Universidade
Federal de Alagoas, sob a coordenação do arqueólogo Scott Joseph Allen. Esse
projeto teve como objetivo mapear os locais ocupados por populações africanas e
afro-brasileiras no estado de Alagoas, visando identificar e estudar, através de
evidências arqueológicas esses sítios, e com base na Arqueologia Histórica,
interpretar o cotidiano do escravo na sociedade colonial.
Com base nos resultados parciais do referido projeto, pôde-se perceber uma
grande quantidade na amostra de louças, em suas maiorias inglesas, fabricadas no
século XIX e inseridas no cotidiano desses engenhos.
17
europeias, numa busca pela distinção e pela identificação com um modo de vida
mais civilizado, cosmopolita, burguês”.
18
Hollanda (2007a) assevera que os senhores dos engenhos no século XIX
expunham ao público suas grandes casas, ornamentadas de utensílios domésticos,
decorados para servir grandes banquetes a convidados, com salas aconchegantes.
Outros autores também descrevem a respeito de grandes festas que eram
concedidas por senhores para alta sociedade durante século XIX, com o intuito de
exibir seus bens matérias que eram trazidos da Europa (SANTANA, 1970;
CARVALHO, 1988). Deste modo, a hipótese trabalhada considera que os
Senhores dos engenhos banguês do norte de Alagoas adquiriram louças na
tentativa de manter o verniz de estabilidade em face do declínio na economia
açucareira durante o século XIX.
O quadro teórico utilizado nesta pesquisa trabalha com uma das abordagens
mais difundida dentro da Arqueologia do Capitalismo voltada para compreender
os modos complexos pelos quais as Ideologias e o Poder atuaram numa
determinada sociedade. Estas pesquisas procuram interpretar os valores
simbólicos atribuídos a determinados artefatos e como agem as ideologias através
destes, suas estratégias e como estas se naturalizam (LITTLE 1994:11).
19
subordinados, através de representações ideologicamente formadas, que servem
para naturalizar e assim, mascarar, a arbitrariedade da ordem social.
Sobre os Capítulos
20
O segundo capítulo trabalha as questões mais pontuais sobre a história da
região de estudo, abordando como se deu a implantação dos engenhos e das
famílias patriarcais. O período de decadência dos engenhos banguês é
apresentadoatravés das pesquisas históricas realizadas tanto em Alagoas como em
Pernambuco, por historiadores especialistas na área. Neste capitulo também é
trabalhado como as louças, associadas aos demais itens industrializados,
adquiriram importância na sociedade oitocentista e na região de estudo.
O engenho São Gonçalo foi o que apresentou uma maior quantidade nos
fragmentos de louças, sendo desse modo escolhido como estudo de caso desta
dissertação. O quarto capítulo se centra tanto nas informações históricas
referentes a este engenho, como na análise mais aprofundada das louças,
considerando vários atributos,tais como: técnica decorativa, motivo, morfologia,
entre outros. O objetivo do capitulo é interpretar de que modo as referidas peças
foram utilizadas no contexto deste engenho e como estas atuaram para imposição
de limites sociais.
O quinto capítulo procura realizar uma discussão sobre a sala de jantar, visto
que essa assumiu um papel fundamental durante o período oitocentista. A partir
dos resultados arqueológicos associados aos dados contextuais, tentou-se
corroborar com a afirmação de que este espaço foi também destinado a
representações sociais por parte de determinadas famílias que desejavam
reafirmar seu status social. O conceito de ideologia proposto por Leone (1988)
também é discutido, assim como os conceitos de representação de Lima (1995).
Neste momento é feita uma associação dos conceitos com o contexto trabalhado.
21
1. NARRANDO NOVAS HISTÓRIAS: A INTERPRETAÇÃO NA
ARQUEOLOGIA HISTÓRICA
22
autônoma da história e da antropologia, desenvolvendo seus próprios parâmetros
teóricos e metodológicos.
Nos Estados Unidos, durante a última década do século XIX, houve um forte
interesse público em preservar antiguidades. Surgiram a partir de então no
referido país muitas exposições que apresentavam para o povo americano coleções
de peças antigas. No ano de 1892, o presidente Benjamin Harrison emitiu uma
ordem executiva estabelecendo a Casa Grande Ruins3 como a primeira reserva
arqueológica nacional. Outros esforços foram feitos para proteger as antiguidades
3 Monumento Nacional em Coolidge, Arizona, está entre os mais conhecidos marcos culturais,
devido à sua notável "Casa Grande", uma das maiores estruturas pré-históricas conhecidas nos
Estados Unidos.Estabelecido como a primeira reserva arqueológica pelo Presidente Benjamin
Harrison em 1892, a Casa Grande Ruins não é só o maior sítio de Hohokam protegido, mas também
o único Parque Nacional que preserva a unidade e interpreta a cultura Hohokam. A área dentro de
limite atual do parque também preserva algumas, das aldeias associados à estrutura de adobe
impressionante.
23
no país, como a Lei de Antiguidades que em 1906 estabeleceu a política de
preservação básica para locais históricos do Governo Federal dos Estados Unidos
(LITTLE, 2009:365).
24
2004:148). Ainda nesta década, no meio acadêmico começaram a surgir
questionamentos considerando a arqueologia, de modo geral, sem interesse
teórico. Para Deagan, naquela época, a arqueologia histórica, apesar de datar
cronologicamente os artefatos e vestígios, estava servindo apenas para encher as
coleções dos museus.
25
meados da década de 60, as pesquisas arqueológicas em sítios históricos estavam
voltadas a estudar locais associados a personagens famosos na história, ou a
personagens que dispunham de grande poder aquisitivo. Deetz (1977) aponta que
neste momento a tendência do fazer arqueologia histórica estava voltada para
escavar sítios onde residiram ou foram palco de pessoas importantes, os ditos
heróis históricos.
26
Conference On Site Archaeology, onde foram publicados diversos trabalhos
relacionados à Arqueologia Histórica que estavam sendo desenvolvidos no país.
Posteriormente a conferência, se formou a Society For Historical Archaeology em
1967, que tornou a disciplina ainda mais consolidada. Nesta década se
intensificaram as pesquisas voltadas para os períodos históricos na America do
Norte que se desenvolveram atrelados as novas abordagens e metodologias
específicas para o campo, influenciadas pelos novos pressupostos teóricos que
estavam surgindo no âmbito das ciências humanas na década de 60 (Orser, 2000).
27
difere, pois as variáveis ambientais são menos enfatizadas e são consideradas
outras que podem influenciar o comportamento material dos ocupantes de um
sítio, como condição econômica, acesso ao mercado, etnicidade, composição e ciclo
de vida. (LITTLE 1996, SYMANSKI2001). Essas variáveis podem ser controladas
em contextos históricos pelo pesquisador devido a diversidades de fontes que se
fazem presentes na arqueologia histórica.
Uma das abordagens mais corriqueiras, em grande parte das pesquisas até
meados dos anos 70, se concentrou em estudos voltados para processos de
aculturação durante o período de contato, entre nativos e europeus, na América do
Norte. Os arqueólogos históricos abraçaram a etnicidade como um assunto pelo
qual a disciplina poderia fazer grandes contribuições a antropologia. Muitas
pesquisas foram orientadas para elucidar esse processo devido à vantagem de se
encontrar artefatos de presença europeia em sítios indígenas. Alguns estudos se
centraram na aculturação através das relações de escambo, comerciais, na
conversão dos nativos às praticas religiosas dos colonizadores, e em uniões
consensuais entre culturas distintas. (LITTLE 1996, DEAGAN, 1996, DEAGAN
2009).
28
1991). Estudos com este fim foram capazes de demonstrar que as associações
entre os dados arqueológicos e o comportamento no passado poderiam ser
padronizadas de maneira especifica.
29
Um dos principais representantes dessa nova corrente é o arqueólogo
britânico Ian Hodder, que criticou severamente o caráter funcionalista da
arqueologia processual. Para ele a dicotomia entre cultura e utilidade adaptativa
restringiu o desenvolvimento da arqueologia processual, posto que, “além de
funções e atividades, a cultura apresenta uma estrutura e um conteúdo que devem
ser parcialmente entendido em seus próprios termos, com sua própria lógica e
coerência”. (HODDER, 1992:07)
30
filósofo inglês Robin Collingwood; outra linha defenda por Michel Shanks e
Christopher Tilley, estes influenciados por Michel Foucault, Roland Barthes, e
alguns teóricos críticos como Walter Benjamin e Jürgen Habermas; e uma terceira
linha, elaborada por Mark Leone, influenciados por Althusser, Paul Ricoeur e pela
teoria critica da escola de Frankfurt.
31
foram históricas, pois estavam preocupadas com as sociedades que desenvolveram
algum tipo de escrita.
32
ARQUEOLOGIA HISTÓRICA
Sociedade e
Sociedade, História Cultura da Interações
e Culturas Nativas Colonização mercantilistas e
europeia capitalistas
33
A perspectiva materialista está dividida em três vertentes: as abordagens de
inspiração marxista, a Teoria dos Sistemas Mundiais e as Teorias do
Comportamento de consumo (GIBB, 1996 apud SYMANSKI, 2001:148).
34
Não há dúvidas de que os métodos desenvolvidos especificamente para
arqueologia histórica contribuíram significativamente tanto para descrição dos
dados, como para criar novas problemáticas dentro da disciplina, que ressaltaram
seu o potencial como uma área independente no campo da arqueologia. Um dos
grandes desafios, hoje, para os arqueólogos históricos é tomar as teorias e métodos
concebidos para um local e aplicá-los em outra realidade (DEAGAN, 1996:07).
35
fizeram parte do universo de uma determinada sociedade. Na contemporaneidade,
ela se caracteriza como uma disciplina complexa, que incorpora princípios de uma
série de disciplinas, sobretudo, antropologia, história e ciências sociais.
Lei No 3.924, de 26 de julho de 1961, dispõe sobre os Monumentos Históricos, Sítios Arqueológicos
Históricos e Pré-Históricos.
36
comprometidas pelos trabalhos de restauração de monumentos, em geral,
empreendidos pelos órgãos encarregados da preservação do patrimônio histórico
e cultural da nação. A arqueologia histórica, neste momento, “estava operando
num nível meramente arqueográfico, não obstante a excelência de vários
trabalhos”. (LIMA, 1993:226)
37
Ainda em decorrência da Lei nº. 3.924, que trata da preservação do
patrimônio histórico, uma diversidade de sítios monumentais, tais como fortes,
igrejas e palácios começaram a ser contemplados, principalmente, em estudos que
acompanhavam projetos de restauração. No sudeste, unidades domésticas
ocupadas tanto pela elite quanto por segmentos subalternos começaram a ser
estudadas. O foco nos segmentos da sociedade subalterna foi introduzido através
de estudos de quilombos em Minas Gerais, aldeamentos indígenas pós-
missioneiros no Rio Grande do Sul, e do arraial de Canudos na Bahia (SYMANSKI
2009:03).
38
No inicio da década de 90, influenciado pelas abordagens pós-processuais
que vinha se consolidando no cenário norte-americano, uma grande diversidade de
tipos de sítios históricos, desconsiderados nas décadas anteriores, entram no foco
da Arqueologia Histórica no Brasil:
Nos últimos vinte anos, com o surgimento de uma série de novas abordagens
pautadas em perspectivas críticas e simbólicas, pode-se observar no cenário da
arqueologia histórica a exploração de uma diversidade de temáticas voltadas a
compreender comportamento de consumo, relações de poder, afirmação de status social,
entre tantas outras. De acordo com Symanski (2009:08), o que essas abordagens têm em
39
comum é a preocupação em entender os contextos locais em função de uma perspectiva
macro, considerando as relações desses contextos com as forças mais amplas que
moldaram o mundo moderno. Essas abordagens podem ser rotuladas como as
Arqueologias do Capitalismo, que como enfatizaram Zarankin e Salerno (2007:31), tem
sido um dos temas a despertar mais interesse na arqueologia histórica do continente Sul
Americano.
Little (1996) refere-se a três temas gerais que têm sido abordados na Arqueologia
do Capitalismo: pesquisa transcultural, consumo e industrialização, e por fim, ideologia e
poder. A pesquisa transcultural refere-se aos encontros coloniais entre povos europeus e
não europeus, focalizando o papel da cultura material nesses processos de interação e
conflito. Consumo e industrialização dizem respeito às mudanças culturais que
acompanham as transformações sociais na organização do trabalho, conectando as
condições de produção com as circunstâncias do consumo. Poder e ideologia referem-se
aos modos complexos pelos quais as ideologias atuam na manutenção da estrutura social
hierárquica, ou mesmo aos modos que caracterizam o capitalismo.
40
Os objetos produzidos e utilizados pelos homens são ativos, dinâmicos,
portadores e geradores de significados. Sendo assim, por meio de sua análise,
pode-se encontrar uma linha para estudar as pessoas e seu mundo social. Vários
pesquisadores tem afirmado a importância de se realizar abordagens da cultura
material atravésdesta perspectiva (DEETZ, 1977; HODDER, 1992; LEONE, 1984,
1988; MILLER, 1987; ZARANKIN, 2001).
41
defender os ideais de liberdade. Leone (1988) propôs que a posição de poder de
Paca esteve legitimada através da natureza, que se materializou nas ideias
propostas pela arquitetura georgiana8 de casa e o jardim que atentavam para
simetria e perspectiva bilateral. O equilíbrio e a organização do jardim em relação
a casa davam uma conotação convincentemente natural e ordenada, convertendo a
elite no centro natural do controle social(HODDER, 1994:82). Desta forma, a
arbitrariedade da ordem social se converteu em algo natural, ou seja, segundo
Leone (1988)as ideias sobre a natureza, causa e tempo serviram para mascarar as
relações sociais.
Assim, a maioria dos pesquisadores que segue esta linha de análise considera
que a organização e o funcionamento de qualquer sociedade implica,
obrigatoriamente, em referir-se de maneira explicita a relações de poder
(ZARANKIN, 2001:25). São nestas relações que atuarão as ideologias, criadas por
interesses distintos. Por exemplo, o jardim de Paca, foi criado para legitimar seus
próprios interesses: afirmação do seu status social perante a sociedade de
Annapolis.
8Arquitetura georgiana é o nome dado à arquitetura produzida ao longo dos reinados de George
I, George II, e George III e George IV do Reino Unido, compreendendo o período de 1720 a 1840,
aproximadamente. Este estilo não é fortemente unificado, pois transita do final do Barroco até
o ecletismo romântico de meados do século XIX, passando pelo Neoclassicismo, recupera traços
do Rococó e assimila influências do Neogótico. As estruturas geralmente empregam uma forma
básica clássica, mas incorporam uma série de elementos e ornamentos daquelas outras origens.
Esse ecletismo agradou especialmente a classe média, mas também serviu à nobreza. As casas são
geralmente de dois pavimentos principais, amplas e confortáveis, com uma distribuição simétrica e
regular de aberturas, e uma ornamentação relativamente discreta, mas podendo ter uma entrada
bastante imponente com pórticos, escadarias e colunatas. Foi um estilo largamente empregado
nas Ilhas Britânicas, nos Estados Unidos,Canadá e em outras colônias inglesas (Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Georgian_architecture).
42
De acordo com Hodder (1986) todos os aspectos da cultura material
possuem seus componentes simbólicos. A construção desses significados é sempre
uma prática social. Além da identificação de funções utilitárias em um determinado
artefato, também percebem-se funções sociais do mesmo, que podem ser utilizadas
para simbolizar, por exemplo, uma posição social ou para legitimar posições de
autoridade.
43
demonstrado os trabalhos de Zanetinni (1986), Lima (1989; 1995; 1996), Araújo e
Carvalho (1993), Symanski (1997), Tocchetto et al (2001), Otto (1977), Spencer-
Wood e Heberling (1987), Miller (1987), Beaudry et al (1991).
9 Nesta formula Xi corresponde a data média da manufatura de cada tipo de louça; fi a frequência de
fragmentos de cada tipo, e n o número de tipos de louça na amostra.
44
n
∑Xi.fi
i=1
Y= -------------------------
n
∑fi
i=1
45
resultado satisfatório na identificação do comportamento de consumo das famílias
que residiram nesta unidade doméstica durante o século XIX. A partir da análise
das louças e da própria estrutura de habitação, Symanski propôs discutir não só as
questões relacionadas ao comportamento de consumo dos ocupantes desse sítio,
mas também suas mudanças com o decorrer do século. A amostra foi dividida em
dois períodos, referentes às duas famílias que ocuparam o solar entre 1850 e 1890.
As diferenças entre o material atribuído a cada ocupação indicaram mudanças no
modo de uso desses itens de consumo que foram explicadas em função de um
contexto mais amplo, relacionado ao do desenvolvimento urbano de Porto Alegre
no século XIX (SYMANSKI, 1997).
46
objetos pela sociedade carioca, buscando compreender a partir da cultura material
a emergência de um modo de vida burguês no rio de janeiro, antecedendo a
instalação da burguesia propriamente dita. O modo de vida burguês é visto por
Lima (1996) como as formas de comportamento decorrentes da ideologia de
privatização que valorizava o individualismo, as fronteiras entre o público e o
privado, o universo familiar e a ritualização da vida cotidiana, a acumulação de
capital e a ascensão social (LIMA, 1995:130). Assim, sua pesquisa buscou
compreender de que modo as louças foram utilizadas para imposição e
manutenção de limites sociais naquela sociedade.
Como foi discutido ao longo deste capitulo, os dados contextuais são muito
importantes na arqueologia histórica, pois dão subsídios para que o pesquisador
possa interpretar o significado do artefato para a sociedade que o utilizou. Deste
modo, o próximo capitulo fará uma discussão contextual a respeito da região de
estudo e dos processos socioeconômicos no qual a sociedade açucareira esteve
inserida no século XIX.
47
2. CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DOS ENGENHOS
BANGUÊS NO SÉCULO XIX NO NORTE DE ALAGOAS
10 Elevações no terreno que servem de limites geomorfológicos entre duas bacias hidrográficas ou
cursos d’água.
11 Segundo Diegues Júnior são denominados Banguês os engenhos de unidades pré-industriais
48
Figura 1 – Área de estudo. Mapa: Daniela Ferreira.
49
2.1. Status social, decadência e aquisição de materiais nos
engenhos banguês.
50
O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o
ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem
de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho,
quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino.
Porque engenhos há na Bahia que dão ao senhor quatro mil pães de açúcar e
outros poucos menos, com cana obrigada à moenda, cujo rendimento logra o
engenho ao menos a metade, como de qualquer outra, que nele livremente se
mói; e em algumas partes, ainda mais que a metade (ANTONIL, 1997:75).
51
importantes da região e seus proprietários possuíam os direitos e privilégios que
poucos conseguira alcançar.
12A utilização do vapor no engenho de açúcar iniciou-se nas primeiras décadas do século XIX, ou
mais exatamente em 1815, e na Bahia. Foi um dos mais notáveis melhoramentos a verificar-se na
economia açucareira. Os maquinários dos engenhos a vapor, bem como peças avulsas, eram
importados da Europa, e particularmente da Inglaterra, tal como se vê em anúncios de jornais
Pernambucanos do século XIX (DIEGUES JÚNIOR 2006a: 43).
52
Figura 3 – Máquina à Vapor. Fonte: Diegues Júnior, 2006:46
53
Neste século, em Pernambuco e Alagoas, os agricultores utilizavam nas
várzeas toscos arados puxados por bois; pelo fim de 1880 começaram a importar
arados franceses, alemães e norte-americanos, “mas ainda confiavam nas enxadas
para cavar os sulcos nas encostas das colinas – alegavam que os troncos de árvores
e raízes impediam o emprego do arado” (CAMPOS, 2001:30).
Para isso, os engenhos banguês deveriam adotar novas tecnologias. Estas, por
sua vez, demandavam grandes investimentos que exigiam do p roprietário capital
ou crédito. Entretanto, o investimento via crédito não era possível, em virtude do
pequeno número de instituições creditícias no Império, que preferindo correr
menos riscos emprestavam dinheiro aos comissários do açúcar, que emprestavam
dinheiro aos produtores do setor, cobrando altos juros e endividando cada vez
mais o fabricante e, consequentemente, dificultando a modernização dos engenhos
do nordeste brasileiro (CAMPOS, 2001:27).
54
O deslocamento do eixo econômico para o sul, em decorrência da expansão
da produção cafeeira, contribuiu para que a crise no sistema se acentuasse. O
crédito oficial cedido pelo governo imperial passou a ser direcionado para as
províncias do Centro-Sul, porque sua participação na pauta das exportações
brasileiras entre os anos 1851 e 1880 superava a do açúcar. De acordo com
Campos (2001:25) entre os anos de 1851 e 1860, o café somou 48,9% do total das
exportações nacionais, enquanto que o açúcar representou 21,2%. Na ultima
década que antecedeu ao fim do império, a participação do café nas exportações
nacionais cresceu consideravelmente, atingindo 56,6%. Nesse período o açúcar já
se encontrava em uma acentuada crise exportando apenas 11%, como pode ser
observado no gráfico abaixo:
50
40
30 Café
Açúcar
20
10
0
1851 – 1860 1861 – 1870 1871 - 1880
Gráfico 1 - Café e Açúcar na Pauta das Exportações Brasileiras Fonte: “Brésil d’aujourd’hui” in
Perruci, 1978:83 Apud CAMPOS 2001:25 (adaptado).
55
1860 em Alagoas, o Presidente Pedro Leão Veloso, que também era proprietário de
engenhos banguês, ao acentuar a crise advinda com a repentina cessação do tráfico
de africanos, refere-se a estes dizendo: “fora dos banguês nenhuma outra fonte de
riqueza temos”. De acordo com ele, o quadro que a agricultura da província oferecia
“nada tinha de alegre, e mais triste seria o povir” (DIÉGUES JÚNIOR, 2006a:125).
56
Arrenda-se engenho Riacho do Padre na Freguesia de Sirinhaem a pessoa que o
quizer arrendar dirija-se a pracinha do corpo santo casa nº 67 que o achará
com quem tratar. (DIARIO DE PERNAMBUCO, 21 de Maio de 1827)
Recife, 1856
57
Produção de Açúcar dos Engenhos Banguês em Alagoas
1.000.000
900.000
800.000
700.000
600.000
500.000
Arrobas de Açúcar
400.000
300.000
200.000
100.000
0
1856 - 1857 1867 - 1858 1858 - 1859
Gráfico 2 - Diminuição na produção de açúcar dos engenhos banguês. Fonte: DIÉGUES JÚNIOR,
2006a:126 (Adaptado).
58
açúcar. De acordo com ele, a combinação de terra barata com trabalho produziu a
aristocracia açucareira uma atitude conservadora, rotineira em relação à inovação
tecnológica. Esta postura também fora reafirmada no ano de 1860 quando um
deputado provincial lamentou a aversão dos agricultores contra as inovações
tecnológicas (EISENBERG, 1977:64).
0%
5%
37%
58%
59
durante várias décadas. Historiadores locais, como Manuel Diégues Júnior,
relacionam isso à função que os engenhos exerciam perante a sociedade alagoana,
que apesar do gradual declínio;
Para outros engenhos que não estavam em condições tão ruins e produziam
uma quantidade de açúcar considerável, ostentar pareceria ser uma competição
segundo Santana (1970:08). Estes proprietários rurais compravam casas no núcleo
urbano de Porto Calvo e Porto de Pedras para facilitar os encontros sociais, uma
vez que o acesso aos engenhos em tempos de chuva era demasiado trabalhoso.
60
Para Carvalho (1988:43) os senhores de engenho da zona da mata nordestina
viviam o num principio muito difundido durante o século XIX: “Cada uma dá a festa
que pode dar.” O status do senhor de engenho era avaliado perante a sociedade em
decorrência das festas que dava ou patrocinava. As festas não deveriam sofrer
alterações, embora subisse constantemente o custo de vida, e o custo de vida subia
à medida que o tempo ia agravando a crise do açúcar.
61
engenhos possuíam e apresentam um panorama de quanto esses senhores
investiam em seus bens materiais.
62
2.2. Opulência no Brasil no século XIX: um olhar sob as louças
63
Contudo, Inglaterra e Portugal eram velhos aliados15, de tal modo que D. João
foi favorável aos ingleses e como parte do plano traçado, transferiu a corte
portuguesa para a colônia brasileira, sob a proteção dos navios ingleses.
Com a corte no Brasil, a Inglaterra foi muito beneficiada, tendo em vista que
uma das primeiras ações promovidas pelo príncipe-regente foi a abertura dos
portos às nações amigas:
Foi neste período que o Brasil passou por acentuadas mudanças estruturais e
nos padrões de comportamento social, mais especificamente no âmbito doméstico,
quando diversos costumes começam a ser incorporados dentro das famílias
brasileiras, principalmente nas que dispunham de um maior poder aquisitivo. Há
uma tentativa por parte destas em emular as elites europeias, consumindo
diversos itens produzidos em larga escala pela revolução industrial.
15A influência Inglesa foi assegurada por meio de três tratados nos anos de 1642, 1654 e 1661, que
garantia aos ingleses, entre outras coisas, a liberdade de culto residente no reino; proteção aos
danos da Inquisição e um status de nação mais privilegiada comercialmente.
64
Segundo Freyre (2008:69) em meados do século XIX, o refinamento da vida
atingiu seu clímax. Em Pernambuco, durante este século um observador “chama
atenção para o luxo que começara a tomar impulso” (CARVALHO, 1858:50 apud
FREYRE 2008:70). Luxo de uma nova espécie: inspirado em modelos europeus,
que já não eram ibéricos, mas sim, franceses, ingleses e alemães.
No forte do mato na hospedaria ingleza tem para vender hum novo piano forte
chegado proximamente de Inglaterra quem o pretender pode-se dirigir-se a
mesma hospedaria que lá achara com quem trata. (DIARIO DE PERNAMBUCO,
19 de junho de 1827)
Vende-se: Na loja Antonio Gomes Villar, na rua da Cadeira caza nº 10, bairro
do Recife tem para vender, além de hum surtimento de fazendas inglezas,
jamais visto em Pernambuco, as do melhor gosto para infeites de senhores
como abaixo se explica.
65
-Lençois de dito,
-Maulinhas de varias qualidades, lenços de seda novos padrões,
-Sedas escuezas,
-Challes de meninos de todas as cores,
-Meias de seda das milhores qualidades,
-Cambraias e cambraelas de linho,
-Damasco de varias cores,
-Tafetás,
-Humsurtimento geral em obras de brilhante,
Para homens
-Excellentes meninos que servem para flaques, hoje muito em uso,
-Panos finos de varias cores,
-Duraques de varias cores, riscadinhos de varias qualidades,
-Barretinas de nova envenção para militares,
-Fustões De Novos Padrões,
-Canotões De Novos Padrões Para Coletes,
-Sarjas De Varias Cores
E foi assim ao longo do século XIX que as famílias mais ricas reafirmaram seu
status social perante a sociedade: por intermédio das materialidades, que
denotavam um sentindo de distinção, elegância e requinte.
PARA QUEM TIVER BOM GOSTO: Tem o Ribas hum faqueiro de cabos de
metal britânico, emitando prata, constando de duas dúzias de facas e
garfos, 2duzias de colheres, trinchante, colher para arros, peixe e salada.
(DIÁRIO DAS ALAGOAS, 01 de março de 1859)
66
Na loja de chapeos de Torquato Ramos tem para se vender o melhor que
há em chapeos de castor branco ingleses, por commodos preços, e de
palha do Chile finíssimos. (DIÁRIOS DAS ALAGOAS, 04 de mar. De 1858)
A influência inglesa fora tão grande em Alagoas que em meados do século XIX
uma porcentagem expressiva da economia alagoana estava baseada na venda de
artigos importados ingleses.
Em Alagoas, até o começo do século XIX, os móveis das casas eram pesados,
sólidos, em geral, fabricados na cidade de Alagoas do Sul. Na primeira década do
século a mobília da casa passa a ter um aspecto diferente, como nota Lima Júnior
(1976:72). Eram adquiridas no Bazar das Novidades ou na Casa Duque de Amorim,
na rua do comércio em Maceió, rua esta quese desenvolveu em virtude da
proximidade com o porto de Jaraguá. Os móveis chegavam de Viena, via Hamburgo,
nos cargueiros da Norddeutscher Lloyd Bremen, ou então, vindas de grandes casas
importadoras que estava situada no Rio de Janeiro.
67
com couro da Rússia, fecho de metal amarelo, ou chapeado a ouro, adquirido no
Regulador da Marinha, no Recife, com numerosos retratos de pessoas da família
ou amigos conhecidos. (DIÉGUES JÚNIOR, 1976:73)
Por sua vez, nos engenhos, esta influência se fez sentir em vários âmbitos: no
próprio engenho, nos modos de produção, com a instalação da máquina a vapor;
nos modos de comportamento perante a sociedade como, por exemplo, nos tipos
de vestimenta; a criação de novos ambientes no interior da casa-grande e a
aquisição de objetos e gêneros alimentícios importados.
68
ser um ambiente de sociabilidade, onde os itens dispostos nesses momentos
obedeciam toda uma regra de etiqueta, atuante na sociedade oitocentista.
69
(MCKENDRICK, 1982:100 apud LIMA, 1996:164). “Poucos anos depois já no Brasil,
o comercio local acompanhou essa tendência” (MCKENDRICK, 1982:100 apud
LIMA, 1996:164) como pode ser observado nos anúncios de vendas de jornais da
época: “completo sortimento de aparelhos (...), em louça ou porcelana como ouro
ou sem ouro.” (O FLUMINENSE, 25 de maio de 1883 apud LIMA, 1995:167)
Plano: de huma rifa que faz Antonio João da Ressureição e Silca Companhia
para ter extração com a sexta Loteria do Seminário, com 3500 bilhetes,
contendo 73 prêmios correspondentes as sortes grandes, constantes do que
abaixo se declara pelo seu real valor: sendo o preço dos bilhetes 100C.
- Ao Nº de 5:000$000 Hum grande sitio no Janga no estado que abaixo se
declara no N.B. no valor ........ 2:500$000
- Ao Nº de 2:000$000 Hum grande faqueiro de prata moderno, e completo, e
hum bom Relojo sabonete de prata no valor .... 200$000 não querendo aceitar
estas pessas, receberáa mesma quantia em dinheiro &c.
- Ao Nº de 1:000$000 Hum Relojo com cadeias, e sinete de ouro no valor .......
100$000Ou a mesma quantia em moeda.
- Aos Nº de 10$000 cada hum, 1 aparelho de chá azul fino 10$000 Ou a
mesma quantia em dinheiro.
- Aos Nº de 600$000 A cada hum, hum lindíssimo aparelho de xá dourado no
valor de 50$000 Ou a mesma quantia em dinheiro.
- Anos Nº de 400$000 Hum par de banquinhas de jacarandá no valor cada par
35$000Ou a mesma quantia em dinheiro. (...)
- Aos Nº de 100$000 A cada hum, humRelojo de prata 12$000Ou a mesma
quantia em dinheiro.
- A Aos Nº de 25$000A cada hum, humchapeo castor preto, ou branco 8$000
Ou a mesma quantia em dinheiro. (...)N. B. Para evitar qual quer suspeita de
exorbitância nos preços dados aos objectos que compõem esta Rifa, o que tem
feito desacreditar este jogo, os Proprietariosoffereceem dinheiro moeda o
mesmo valor que dá no plano dos prêmios. (DIARIO DE PERNAMBUCO, 01 de
outubro de 1829)
70
Como fora discutido, ao longo do século XIX,diversas transformações foram
observadas no cotidiano, sobretudo, nos modos de comportamentos
queinfluenciados por normas e códigos de conduta, muito difundidos neste
período,aconselhavam como as pessoas deviam se vestir, comer, entre outros
aspectos. Observando as regras voltadas para o jantar que sugeriam introdução de
diversos tipos de objetos para compor este ritual, as louças se destacaram como
um dos itens mais importantes.
71
3. ARQUEOLOGIA E O COMERCIO DE LOUÇAS NO NORTE DE
ALAGOAS
72
Para tanto, faz-se necessário discorrer a respeito das pesquisas arqueológicas
desenvolvidos no norte de Alagoas, de modo que seja possível compreender
preliminarmente a distribuição destas louças dentro deste contexto histórico.
17
Os entrepostos comerciais eram locais onde se depositavam as mercadorias enquanto aguardavam a sua
venda, expedição ou pagamento de direitos alfandegários. Em casos especiais os entrepostos dispunham
de instalações próprias para o transbordo de mercadorias importadas ou para o seu armazenamento,
enquanto aguardavam pela reexportação ou pelo despacho para consumo (GOMES, 2008:64). Como o
mercador em diversas regiões do Brasil dispunha de pouco tempo para deitar a mão de todos os produtos,
era preciso haver no local uma organização de antemão. De acordo com os registros escritos (FIDELIS,
2007:39) Patacho servia como centro de recepção, desempenhando o papel de intermediário entre as
embarcações e os comerciantes locais, além de efetuar os pagamentos entre estes.
18
Os poços-teste ocorrem geralmente em intervalos regulares e aleatórios visando obter informações
preliminares sobre a estratigrafia (dimensão vertical/ cronológica) e extensão de sítios (dimensão
horizontal/ espacial). A escavação dele ocorre em níveis artificiais devido a largura limitada da unidade,
porém com o registro em croquis da estratigrafia natural e/ou cultural. O sedimento é sempre peneirado
em tela de trama fina.
73
sondagem19. Para este procedimento foram realizadas cinco intervenções, sendo
duas de dimensões 50x50cm e as três últimas de 100x100cm.
19 As unidades de sondagens têm por objetivo uma maior compreensão do contexto arqueológico. São
realizadas em decorrência de determinados contextos apresentarem características mais significativas para
compreensão do sítio arqueológico ou em decorrência das informações obtidas a partir dos poços-testes.
74
Material Cerâmico - Sítio Patacho
1%
23%
Cerâmica de torno
Faiança
Material Construtivo
56% Louça
19% Grés
1%
75
Como a distância geográfica entre o porto de Recife e Porto de Pedras não
era grande, pode-se inferir que esses navios aportavam no Patacho para
descarregar produtos em gênero seco e molhado20, aproveitando a proximidade de
rota de maior fluxo para incluir produtos possivelmenteencomendados pelos
comerciantes daquela região.
20
A descrição “gênero seco e molhado” é comum na documentação referente aos tipos de produtos
importados que chegassem ao Brasil. No gênero secos estavam incluídos as louças.
76
Figura 01 – Vista panorâmica do sítio Patacho e
abaixo o detalhe da estratigrafia apresentando uma
concentração de material arqueológico. Fonte:
Acervo do NEPA.
77
Figura. 2 - Mapa de delimitação do Sítio Patacho. Desenho: Daniela Ferreira
78
3.1.2. O Projeto Rota
79
Em decorrência deste projeto foram catalogados doze sítios históricos e mais
de treze áreas de potencial interesse arqueológico (ver figura 9). Até o momento,
cinco sítios apresentaram uma amostra arqueológica mais significativa e foram
escolhidos como objeto de estudo deste trabalho: Engenho Capiana, Escurial,
Estaleiro, Cova da Onça e São Gonçalo.
Engenho Capiana
A partir das prospecções foi recolhida uma amostra de 201 artefatos, que
correspondem a cerâmica simples, grés, faiança e louça. As louças apresentaram
uma amostra composta por 99 fragmentos que correspondem a 49% do total da
amostra.
Capiana foi um engenho bangüê e teve seu inicio ainda no primeiro século de
colonização, como aponta a documentação escrita. Este engenho se caracteriza
como o último engenho no norte de Alagoas a possuir uma roda d’água, que de
acordo com as informações orais só foi derrubada em meados de 1930. Seu
funcionamento enquanto engenho se estendeu até o inicio do século XX, quando o
proprietário decidiu arrendar as terras para plantação de cana de açúcar para
usina central (BARBOSA, 2009:64).
80
Figura. 3–Casa dos moradores do engenho Capiana. Fonte: Acervo do NEPA
A documentação escrita aponta que Cova da Onça, antigo engenho São José,
foi um engenho banguê, mas não especifica de que modo se dava o sistema de
moagem da cana de açúcar, se através de água ou de tração animal. Sabe-se que o
engenho já existia por volta de 1780, quando há referencias a este em documentos
eclesiásticos (Holanda, 2007a:83). De acordo com as informações orais já nas
primeiras décadas do século XX as terras deste engenho foram arrendadas para
uma usina, não havendo lembranças do seu modo de funcionamento.
81
Figura. 4–Casa-grande do engenho Cova da Onça. Fonte: Acervo do NEPA
82
durante o século XVIII para a produção de açúcar, tendo sua força motriz ligada a
água. No decorrer do século XIX este engenho adquiriu uma máquina a vapor,
substituindo o modo rudimentar como era fabricado o açúcar21.
83
agrícola para meados do século XIX, já sendo um engenho movido a vapor 22. O
engenho Estaleiro, cujo nome inicial era Fazenda Bela Vista (popularmente, Boa
Vista), localiza-se às margens do Rio Manguaba. Segundo os moradores de Porto
Calvo, o nome Estaleiro foi dado por se tratar do antigo lugar onde se construíam
as embarcações no período colonial, e que por um determinando período servia
para escoar a produção de açúcar.
22
Informação extraída do Livro nº 3-B de Transcrição das Transmissões – Registro Imobiliário da
Comarca de Porto Calvo – Alagoas, doc. Nº 349, ano 1941, Cartório de Imóveis de Porto Calvo.
84
3.1.5. Engenho São Gonçalo
***
85
Até o presente momento as pesquisas arqueológicas desenvolvidas no norte
de Alagoas têm apresentando um material histórico muito rico e diversificado. No
caso especifico das louças, interesse de estudo desta pesquisa, pode ser observado
a presença dessas em todos os engenhos que foram pesquisados, além da entrada
das mesmas através do entreposto comercial de Patacho.
86
Figura. 9 - Locais prospectados no Projeto Rota. Mapa: Daniela Ferreira.
87
Figura. 10 - Sítios arqueológicos estudados na dissertação. Mapa: Daniela Ferreira
88
3.2. Metodologia aplicada aos estudos das louças
89
sentido, os processos técnicos de estampagem em série – transfer printing
– aprimorados no decorrer do século, auxiliaram muito nessa empreitada
tornando a decoração mais simples, mais barata e tão fiel quanto a
artesanal no tocante a detalhes e efeitos cromáticos (BRACANTE,
1981:503)
90
No inicio do século XIX, em 1810, a louça creme ou creamware começou a ser
superada pela louça pérola ou pearlware, fazendo com que em 1815 a creamware
tivesse praticamente desaparecido do mercado. “Sua produção foi mantida,
embora limitada, a formas relacionadas à higiene pessoal, tais como bacias e
urinóis” (MILLER, 1980 apud TOCCHETTO et al, 2001). A coloração típica das
louças designadas como pearlware apresenta-se em tons levemente azulados,
observado principalmente nos pontos de acumulo como bordas e bases, devido ao
acréscimo de óxido de cobalto.
91
Figura. 11 - Louça com o esmalte pearlware. Foto: Rute Barbosa
1– Cor;
92
4 – Padrão decorativo:considera-se “padrão um determinado motivo
decorativo que por alguma contingência passou a ser adotado por um
grande número de fabricantes” (ARAÚJO E CARVALHO, 1993:82). O
padrão é uma designação geral, como cita Araújo e Carvalho (ARAÚJO E
CARVALHO, 1993:82), pode-se observar isso em louças Azul Borrão,
por exemplo, “em que centenas de modelos decorativos que possuem
em comum um aspecto borrado nas figuras e são feito em azul.
(ARAÚJO E CARVALHO, 1993:82)”;
7 – Morfologia da peça.
93
Assim utilizando a atribuição proposta por Miller25, as louças serão dividas
nos seguintes agrupamentos:
Ressaltando que a sequência está baseada no critério de valor estabelecido por Miller, indo das
25
94
da paisagem, bandeiras, tendas,
pequena torre ou pavilhões em
primeiro plano edifícios ao fundo
Tabela 1 - MOTIVOS CARACTERÍSTICOS DOS DESENHOS CENTRAIS Fonte: TOCCHETTO, 2005: 31
(Adaptação da tabela de Samford, 1997: 06,17)
De acordo com Samford (1997:20 apud TOCCHETO et al, 2001:31) o uso das
cores esteve sujeito aos avanços tecnológicos ocorridos principalmente durante o
95
século XIX, assim como as técnicas de decoração utilizadas. Deste modo, as cores se
apresentam como indicadores cronológicos, da mesma forma que as marcas de
fabricantes, fornecendo informações quanto á procedência da peça, seu período de
fabricação, a denominação do modelo, entre outros (ver tabela 3).
TABELA 3 – CORES;
COR PERÍODO DE PICO DE PRODUÇÃO
PRODUÇÃO
Azul Escuro 1802 a 1846 1819 a 1835
Azul Médio 1784 a 1859 1817 a 1834
Preto 1785 a 1864 1825 a 1838
Marrom 1818 a 1869 1829 a 1843
Azul Claro 1818 a 1867 1833 a 1848
Verde 1818 a 1859 1830 a 1846
Vermelho 1818 a 1871 1829 a 1842
Lilás 1818 a 1879 1830 a 1846
Violeta 1818 a 1870 1837 a 1852
Rosa 1784 a 1864 1827 a 1842
Tabela 3 – CORES Fonte: TOCCHETTO, 2005: 34 (Adaptação da tabela de Samford, 1997:20)
A análise morfológica das peças foi feita baseado nas informações fornecidas
pelo catálogo Arqueologia do Vale do Paraíba Paulista (2000:118), que sugere a
separação de dois grupos principais que se caracterizarem pelos pratos e malgas:
São pratos os recipientes abertos, de forma típica circular, borda direta ou extrovertida e
geralmente com fundo e base planos. Apresenta, via de regra, profundidade menor do que
96
2/5 do diâmetro da boca. Pertencem a este grupo o prato raso, prato fundo, o prato
pequeno, o pires e a travessa. Para efeito de análise dos atributos morfológicos foi
considerada neste tipo a tampa.
Malga são os recipientes geralmente abertos ou verticais, de forma típica circular, borda
direta, com fundo geralmente côncavo, base plana e suporte alto. Era utilizada, geralmente,
no consumo de café, chocolate, alimentos líquidos e pastosos. Apresenta profundidade
maior ou igual a 2/5 do diâmetro da boca. Pertencem a este grupo a malga, a xícara, a tigela
e o Urinol. Para efeito de análise dos atributos morfológicos foram considerados neste tipo
o bule, o pote e a garrafa.
A partir da amostra oriunda dos projetos Rota e do sítio Patacho, foi realizada
uma análise preliminar das louças com o propósito de observar como estas
estavam distribuídas no contexto intersítio. Objetivou-se a priori fazer uma relação
comparativa entre as louças encontradas no entreposto comercial de Patacho e as
louças encontradas nos engenhos. Para isto foi privilegiado o atributo denominado
de técnica decorativa, considerando seu potencial em fornecer cronologias para
as peças e valor de custo conforme a Escala Econômica proposta por Miller,
mencionado anteriormente.
97
Não é o objetivo destetrabalho, estabelecer um parâmetro para o
comportamento de consumo em cada um desses sítios, mas sim compreender
preliminarmente como as louças, através dos atributos mencionados acima, se
distribuíram nesses contextos.
22%
Branca
48%
Pintada Mão
Transfer-printed
30%
A maior frequência das louças brancas no sítio Patacho pode está associada
ao fato destas serem comercializadas a preços mais baixos durante o século XIX no
Brasil, tornando-as acessível às várias camadas da sociedade. Apesar das
intervenções em Patacho terem sido realizadas em uma unidade habitacional
provavelmente pertencente a uma família de médio porte financeiro, a menor
frequência de louças em transfer possui coerência quando se reflete sobre as
98
demais pesquisas realizadas no Brasil em unidades domésticas das chamadas
classes médias (LIMA, 1995), onde as louças brancas se apresentam mais
frequentes, provavelmente em decorrência da sua maior utilização no cotidiano.
99
Frequencia da técnica decorativa nos engenhos
400
350
300
250
Branca
200
Pintada a Mão
150
Transfer Printing
100
50
0
Capiana Escurial Estaleiro Cova da Onça São Gonçalo
(São José)
26
Referencia tirada a partir das informações contidas no Mapa Demonstrativo de Produção dos Engenhos
de Açúcar da Província de Alagoas no Ano de 1859 feita por Moacyr Medeiros de Santana em 1970.
100
As louças que possuíam a técnica decorativa em transfer,ressaltado
anteriormente, eram comercializadas a preços mais altos no Brasil durante o
século XIX (SYMANSKI, 1997:157). Em Recife as pesquisas realizadas em jornais do
século XIX mostraram que as louças que possuíam decoração eram vendidas por
preços altos. Um aparelho de chá azul fino27, por exemplo, custava em média
40$000 (DIARIO DE PERNAMBUCO, 01 de outubro de 1829).
27
A indicação de objetos "ordinários" e "finos" está sempre presente nos anúncios de vendas de louças
durante o século XIX. Mota (2006:196) ressalta que deveria haver uma louça para o dia-a-dia e outra para
ocasiões especiais, pelo menos entre as famílias mais prósperas. Desse modo, considerando o significado
a palavra ordinário, pode-se concluir que as louças finas eram utilizadas em momentos “especiais” para
determinadas famílias.
28 Grifo Nosso
101
Considerando estes aspectos pode-se questionar: porque louças mais caras
estavam sendo encontradas em engenhos que estavam financeiramente mais
pobres?
29A probabilidade é uma função do valor Chi Quadrado calculado em graus de liberdade usando a
Tabela Chi-Quadrado.A significância vai de 0,0005 até 0,25; por convenção, valores acima de 0,05
são mais 'convincentes', mas arqueólogos como Shennan (1997) e Drennan (1996) minimizam a
dependência nesse número, destacando a importância de demais informações para interpretação
(como a metodologia na Arqueologia Histórica dispõe).
102
das relações nas amostras, deve-se buscar outros métodos para interpretar o que
está por trás do fenômeno (Shennan, 1997). Vale ressaltar que o teste CHI-
Quadrado não pode ser realizado com dados esperados (na tabela calculada) com
valor menor que 5, que não é o caso aqui.
Dados:
BRANCO PINTADO TRANSFER TOTAL
BANGUÊ 69 95 93 257
VAPOR 82 93 24 199
TOTAL 151 188 117 456
Esperado:
BRANCO PINTADO TRANSFER
BANGUÊ 85,1 106, 65,9
VAPOR 65,9 82,0 51,1
103
2. A hipótese nula não foi aceita, sendo as amostras relacionadas, ou seja, o
consumo (ou aquisição) de louças nos engenhos à vapor foram similares.
Dados:
BRANCO PINTADO TRANSFER TOTAL
ESCURIAL 57 64 11 132
ESTALEIRO 25 29 13 67
TOTAL 82 93 24 199
Esperado:
BRANCO PINTADO TRANSFER
ESCURIAL 54,4 61,7 15,9
ESTALEIRO 27,6 31,3 8,08
Dados:
BRANCO PINTADO TRANSFER TOTAL
CAPIANA 16 35 47 98
COVA DA 53 60 46 159
ONÇA
TOTAL 69 95 93 257
Esperado:
BRANCO PINTADO TRANSFER
CAPIANA 26,3 36,2 35,5
COVA DA 42,7 58,8 57,5
ONÇA
104
4. A hipótese nula foi aceita, sendo as amostras independentes, ou seja, o consumo
(ou aquisição) de louças foram estatisticamente independentes entre a casa da
Maria Lúcia no sítio Patacho, e o engenho São Gonçalo.
CÁLCULOS DO CHI-QUADRADO
Dados:
BRANCO PINTADO TRANSFER TOTAL
SÃO 137 341 236 714
GONÇALO
CASA MARIA 715 449 331 1495
LÚCIA
(PATACHO)
TOTAL 852 790 567 2209
Esperado:
BRANCO PINTADO TRANSFER
SÃO 275, 255, 183,
GONÇALO
CASA MARIA 577, 535, 384
LÚCIA
(PATACHO
5. Como a quantidade das amostras comparadas pode ser diferente, que é o caso
do engenho São Gonçalo com um maior número, realizou-se a redução das
categorias dos mesmos em 25%, operação feita para manter as proporções nas
células consistentes (SHENNAN:1996:114). Assim, o cálculo resultou na aceitação
da Ho, resultado contraditório ao esperado, assim reforçando a ideia de que testes
assim são extremamente sensíveis à amostra, mesmo as proporções mantidas.
105
CÁLCULOS DO CHI- QUADRADO
Dados:
BRANCO PINTADO TRANSFER TOTAL
CAPIANA 16 35 47 98
COVA DA 53 60 46 159
ONÇA
SÃO 34 85 59 178
GONÇALO
TOTAL 103 180 152 435
Esperado:
BRANCO PINTADO TRANSFER
CAPIANA 23,2 40,6 34,2
COVA DA 37,6 65,8 55,6
ONÇA
SÃO 42,1 73,7 62,2
GONÇALO
106
cronologias.Sendo as intervenções direcionadas para locais que prometiam revelar
informações importantes em pouco tempo, não sendo voltadasà espacialidade.
107
4. O ENGENHO SÃO GONÇALO
108
O objetivo deste capítulo é associar as evidências arqueológicas às
informações históricas, buscando compreender através da análise das louças como
estas foram inseridas no cotidiano de São Gonçalo, quais os significados impostos a
estas pelo grupo doméstico que habitou este engenho.
109
modo, os dados contextuais particulares se apresentam fundamentais para o
entendimento do registro arqueológico.
31As fontes escritas relacionadas a São Gonçalo geralmente tratam de assuntos referentes à
genealogia de seus proprietários ou a informações de ordem eclesiástica, em decorrência da capela
que funcionou no engenho durante séculos. Outra fonte comum são os documentos que tratam dos
engenhos do norte de Alagoas de um modo geral, que se constituíam em dados importantes para a
administração do governo provincial. Estas fontes trazem informações relativas a produção anual
de açúcar dos engenhos, nome dos seus proprietários, período de funcionamento, entre outras.
Para além destes documentos também foram consultadas as fontes utilizadas por Holanda (2007b)
na construção do seu livro “Buarque: Uma Família Brasileira, V. I”, que se baseou em diários e notas
pessoais dos séculos XVIII e XIX de pessoas próximas a família que habitou o engenho São Gonçalo
durante este período.
110
O início de São Gonçalo como engenho se deu por volta da segunda metade
do século XVIII e pertencia naquela época ao Padre Manuel Gomes, um dos mais
poderosos e influentes senhores de engenhos do Norte de Alagoas (BUARQUE,
2007:42). Padre Manuel, como era conhecido, possuía mais três engenhos:
Escurial, Santa Ana e Camaragibe, que assim como São Gonçalo se caracterizavam
como uns dos engenhos mais produtivos de cana-de-açúcar da região32.
32Asinformações relacionadas ao Padre Manuel Gomes foram retiradas do Livro de Certidões nº 34,
página 86 doArquivo da Faculdade de Direito do Recife segundo Buarque (2007:43).
111
Figura 2 - Capela do Engenho. Foto: Rute Barbosa
Estando localizado próximo ao leito do Rio Mucaitá, São Gonçalo teve sua
força motriz desde o início ligada à água33. Os atuais proprietários contam que
existia uma roda d’água nas imediações do antigo engenho localizada na parte
baixa do terreno. Ainda de acordo com os relatos orais a água vinda do rio descia
de uma encosta alta, passava pela roda d’água e vazava para o açude do engenho,
que permanece no local até os dias atuais.
33
Os engenhos movidos a água do ponto de vista de funcionamento foi o primeiro tipo conhecido no
Brasil, como afirma Diegues Júnior: “O primeiro tipo de engenho conhecido no Brasil foi, sem
dúvida, o movido a água. Facilitou a utilização dessa força à movimentação das moendas a
abundância de rios na área açucareira, erigindo-se os engenhos à margem das correntes d’águas.
Foi assim importante o papel dos rios nos primeiros tempos da economia açucareira.” (DIÉGUES
JUNIOR, 2006:42)
112
relacionada com as características do “meio copeiro” conforme descrito por Loreto
Couto.
113
Figura 4 – Engenho São Gonçalo e acima o detalhe
do forno. Fonte: Acervo do NEPA.
Figura; 4 – Engenho São Gonçalo e acima o detalhe do forno. Fonte: Acervo do NEPA.
114
De acordo com Carvalho (1988:21) a construção desses engenhos próximos
aos cursos d’águas se deu por conveniência na comunicação e no transporte do
açúcar e de escravos. Outro fator que influenciou esta escolha foi a possibilidade de
aproveitamento de alimentos marinhos, como os peixe, os caranguejos, os pitus, os
camarões e os siris. “A água era, portanto, um componente generalizado da
paisagem” (CARVALHO, 1988:21) dos engenhos banguês no nordeste brasileiro.
No dia em que completou 20 anos, uma noite de festa que reuniu gente de todos
os engenhos até o cair da noite, Pedro, afinal viu-se sozinho com o pai na
varanda. Fora um dia alegre, o engenho Prazeres honrara as visitas com um
almoço de que ninguém se esqueceria, a mesa coberta de iguarias que as
escravas habia dias cuidavam de preparar. Muito também vinho português
beberam. O Coronel não escondia o desejo de que, afinal, Samba e Prazeres
115
pudessem de alguma forma unir-se pelo matrimonio de seus filhos.
(HOLLANDA, 2007b:34-36)
Ao que consta nestes registros escritos Pedro ficou casado com Rita Maria
durante sete anos, quando esta veio a falecer em decorrência de parto do seu
quarto filho. Pedro então se casou novamente com Ana Joaquina Buarque, com
quem teve outro quatro filhos.
116
Figura 5 - Piso. Fonte: Acervo do NEPA
Por meados de 1795 foi realizada em Prazeres uma das mais tradicionais
festas anuais do engenho: A botada. Este ritual se caracterizava como a festa mais
típica nos engenhos do nordeste brasileiro e era realizada no dia em que se
principiava a moagem anual da safra da cana. Era um momento de celebração da
117
colheita (CARVALHO, 1981; DIÉGUES JÚNIOR, 1996a). Esse era um evento deveras
importante para o status do engenho, pois apresentava aos que viam de fora a
prosperidade. Era importante que no momento da festa os donos da casa
estivessem vestidos com as melhores roupas, apresentassem as melhores
iguarias,e estas, servidas da melhor forma possível.
Na véspera da festa, a grande mesa da sala parecia ter encolhido, tantas formas
e assadeiras que ali enfileiravam. Pasteis de nata, bons bocados, broinhas de
goma dividiam espaço com as compotas coloridas de frutas diversas. (...) Cedo
os convidados começaram a chegar. A todo momento um novo coche
despontava ao longe e logo mulheres desciam, erguendo com cuidado os
vestidos de festa, homens ajeitando o talhe das casacas. Veio gente de longe,
porque foi feita questão que todos estivessem presentes. (...) Na cozinha, as
negras se desdobravam junto ao fogão a lenha. O olhar atento de cosma
supervisionara o cozimento das carnes que o próprio senhor do engenho
cuidara de selecionar. Frangos gordos, garrotes, porcos, todos cevados há um
bom tempo só para ocasião. Às dez horas, o pátio junto à porteira estava
coalhado de coches e animais dos convidados. Zé Ignácio tocou o grande sino
do alpendre e convidou a todos a se dirigirem à capela, onde padre Ribas
celebraria a missa. O sol era forte e algumas mulheres abriram a sombrinha,
enquanto outros tentavam proteger as peles alvas sob chapéus. Padre Ribas à
frente, seguiu a passos lentos para capela de Nossa Senhora da Conceição. (...) A
capela ficou pequena para tantos convidados. As mulheres sentaram-se com as
crianças, enquanto os homens, chapéus nas mãos, ajeitaram-se pelas laterais.
Padre Ribas abençoou o engenho Prazeres e pediu a oração de todos pela
fertilidade da terra e saúde dos anfitriões. A festa prosseguiu na casa do
engenho, onde padre Ribas abençoou também a moenda. Zé Ignácio
aproximou-se com uma pequena braçada de canas já descascadas e ornadas
com fitas coloridas e ofereceu-a ao padre para que desse inicio a primeira
moagem. Quando o ruído da moenda rompeu o silencio de expectativa, os gritos
de vida ecoaram por toda casa. Padre Ribas apertou a mão de Zé Ignácio. O
Engenho Prazeres começava a botar.
118
Na segunda década do século XIX Prazeres já era propriedade de Francisco
Xavier de Lima, nascido em 1787 e batizado na capela deste engenho. Tornou-se
proprietário de Prazeres porque se uniu em matrimônio a sua prima Ana Joaquina
Buarque, viúva de Pedro Crisólogo. Há menção a Francisco Xavier em um dos
jornais do Diário de Pernambuco, onde é colocado um anuncio sobre a fuga de
escravos do engenho prazeres:
119
as boas relações de um senhor, mais popular na política local ele podia ser,
afirmando desse modo seu status perante a sociedade.
As festas realizadas nas capelas eram celebradas não apenas com pompa
religiosa; “ao lado do ritual católico estavam às festas, as comemorações, os
jantares” (O Municipio de Camagibe, n. 3, 8 de setembro de 1892). Ainda nos fins
do século XIX “os batizados de engenho eram festejos que abalavam a redondeza.
Lauto almoço, opíparo jantar, multiplicidade de iguarias e variedade de bebidas”.
(DIÉGUES JÚNIOR, 2006:216)
Mas, de um modo geral, não foram apenas os escravos que perderam sua
vida, muitos senhores e famílias “tiveram suas vidas ceifadas pela epidemia”
(DIÉGUES JÚNIOR, 2006a:125). De acordo com as evidências materiais e históricas,
as epidemias parecem ter atingido o engenho São Gonçalo durante este período. Os
atuais moradores contam que há anos atrás enquanto faziam a limpeza do terreno,
nas imediações da atual casa-grande, encontraram uma grande quantidade de
ossos em uma espécie de vala. De acordo com as descrições deste período as
pessoas que faleciam em decorrência dessas doenças eram sepultadas longe da
capela por se tratar de uma doença contagiosa. Esta afirmação pode ser observada
na descrição destes fatos no engenho Samba:
Joaquim José Buarque, terceiro filho de José Ignácio e Maria José, faleceu de
febre amarela em 1836, um ano após a morte da sua mulher pelo mesmo
motivo. Na ocasião, houve uma epidemia e vários moradores do engenho
faleceram. Seus corpos foram sepultados muito distante da capela, por se
tratar de uma doença contagiosa. (HOLLANDA, 2007a:171)
120
gerar um problema: Quem iria produzir açúcar para os engenhos banguês? A crise
se agravou com a progressiva diminuição do braço escravo em virtude da
paralisação do tráfico (DIÉGUES JUNIOR, 2006:124).
121
Figura 7 – Estrutura do Antigo Anexo da Casa Grande. Fonte: Acervo do NEPA
37Este também foi um aspecto muito comum durante o século XIX nos engenhos do norte de
Alagoas. A maioria dos engenhos catalogados no projeto Rota possui, em sua estrutura, um
bueiro/chaminé associado à estrutura do engenho.
122
apresentado uma grande quantidade de objetos domésticos, produzidos no século
XIX e inserido no cotidiano deste engenho. Um dos exemplos está relacionado às
louças que apresentaram diversos tipos e padrões decorativos associados a
morfologias distintas.
123
Figura 8 - Interior da casa-grande, sala de estar. Foto: Rute Barbosa.
124
4.2. AS LOUÇAS DE SÃO GONÇALO
Esmalte
125
Tipo de Esmalte
Whiteware Pearlware Não Identificado
4%
27%
69%
126
Figura10 - Fragmento de louça, em destaque para o esmalte pearlware. Foto: Rute Barbosa
127
O estilo Peasant se caracteriza pela presença de motivos florais feitos com
largas pinceladas, cobrindo quase toda parte da superfície da peça. Este tipo de
decoração foi comum entre os anos de 1810 e 1860, sobretudo em louças do tipo
pearlware, nas cores cobalto monocrômico e tons terrosos policromos como verde
acastanhado, pardo, laranja e amarelo. Para as décadas de 30 e 60 do século XIX a
bibliografia especializada aponta o uso de cores brilhantes como preto, verde,
vermelho, azul e rosa, que obtiveram maior popularidade entre os anos 40 e 50 do
mesmo século (MAJEWSKI &O’BRIENapud TOCCHETTO et al, 2001: 25).
Figura 11 - Louça pintada a mão livre; cor: azul cobalto; estilo peasant; forma: malga; período de
produção: 1810 a 1860. Fonte: TOCCHETTO et al, 2001:44. Foto: Rute Barbosa
128
Figura 12 - Louça pintada a mão livre; cor: policromo; estilo peasant; forma: bacia Foto: Rute
Barbosa
Figura 13 - Louça pintada a mão livre; cor: policromo; estilo: sprig; forma: bacia. Foto: Rute
Barbosa
Técnica decorativa: Carimbada (Cut Sponge)
Esta técnica decorativa é realizada mediante a aplicação da decoração com o
auxílio de um carimbo. Entre seus motivos mais comuns estão figuras geométricas
e flores, que são apresentados, na maioria das vezes, em sequencia sobre a peça
entre frisos coloridos. Esta técnica começou a ser produzida em 1845 até inicio do
século XX (TOCCHETTO, et al 2001:26, SYMANSKI, 1997:165) .
129
Há na amostra 79 fragmentos caracterizados por esta decoração, sendo 21
com motivos geométricos, 49 com motivos florais e 08 com o motivo não
identificado. Quanto a morfologia,01 fragmentos apresenta forma de pires, 27 de
bacia, 11 malga, 02 xícaras e 02 terrinas.
Figura 14 -Louça pintada a mão com o auxilio do carimbo; cor: policromo; motivo: geométricos;
forma: malga. Foto: Rute Barbosa
130
Figura 15 - Louça pintada a mão com o auxilio do carimbo; cor: policromo; motivo: floral; período
de fabricação: a partir de 1845; forma: não identificada. Fonte: Arqueologia do Vale Paraíba,
2000:147. Foto: Rute Barbosa
Figura 16 - Carimbada; motivo: florais; cor: policromo; forma: bacia. Foto: Rute Barbosa.
131
Foram mais comuns em louças côncavas, como xícaras, canecas, tigelas, bacias e
urinóis.
Figura 17 - Louça decorada na técnica banhada; cor: policromo; variante: faixa simples; forma:
caneca. Fonte: Arqueologia do Vale Paraíba, 2000:127. Foto: Rute Barbosa.
132
Figura 18 - Louça decorada na técnica banhada; cor: policromo; variante: faixa simples; forma:
malga. Fonte: Arqueologia do Vale Paraíba, 2000:127. Foto: Rute Barbosa.
133
Figura 19 - – Louça decorada na técnica banhada; variante: faixa simples; motivo: geométrico em
relevo; cor: policromo; forma: malga. Fonte: Arqueologia do Vale Paraíba, 2000:127. Foto: Rute
Barbosa.
134
anular, sem referir-se ao período específico de produção da mesma, enquanto que
Garcia a denomina de bandeado, datando-a entre 1820 e 1900".
Este estilo decorativo é uma variedade do blue edged que não apresenta
incisões. “Consideradas “falsificações”, as louças com esta decoração começaram a
ser produzidas quando a produção da Shell Edged legítima foi interrompida, sendo
comuns entre 1860 e 1890” (SYMANSKI, 1997:166). Há na amostra 15 fragmentos,
sendo 05 fragmentos de prato e 1 com forma não identificada.
135
Figura 21 - Pintada a mão em superfície não modificada; cor: azul; padrão: Shell edged; período de
produção: 1860 a 1890; forma: prato. Fonte: SYMANSKI, 2007:166 Foto: Rute Barbosa.
Figura 22 - Pintada a mão em superfície não modificada; cor: amarelo; padrão: Shell edged; forma:
prato; Foto: Rute Barbosa.
136
Figura 23 - Pintada a mão; motivo: florais; cor: policromo; forma: não identificada. Foto: Rute
Barbosa.
A
B
B
A
Figura 24 – Louça pintada a mão com o auxilio do carimbo; cor: policromo; motivo: geométrico;
forma: a) xícara, b) pires. Foto: Rute Barbosa
137
Outro fator importante era a repetição dos desenhos que podiam ser feitas quantas
vezes fossem necessárias, obtendo assim um alto grau de padronização, muito
característico da produção em série (GARCÍA, 1990 apud TOCCHETTO et al, 2001:
30).
138
A cor azul na técnica transfer printed foi a primeira e mais popular
empregada nas louças. Este tipo de impressão foi à única utilizada até o começo da
década de 1820, naquela época o óxido de cobalto era o único capaz de suportar as
altas temperaturas de queima dos fornos cerâmicos. Segundo Schávelzon
(1991:47apud TOCCHETTO et al, 2001:32), o número de padrões decorativos em
azul pode chegar a vários milhares. A periodização dessas peças deve ser feita
baseada nos respectivos estilos decorativos que são forte indicador cronológico
(ver tabela Samford, cap 3, p.). Seu pico de produção se deu entre os anos de 1820
e 1840, contudo em meados da década 1850 começaram cair em popularidade e
foram, gradualmente, substituídas pela white granite ware, como apontado por
Miller (1991:09).
139
Figura 25 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; cena: chinesa; estilo: chinoiserie; padrão
Willow; forma: prato; período de produção: 1790 a 1850. Fonte: TOCCHETTO, et al, 2001:63. Foto:
Rute Barbosa.
Figura 26 - Decorada na técnica transfer-print; esmalte: pearlware; cor: azul; cena: chinesa; estilo:
chinoiserie; padrão Willow; forma: prato; período de produção: 1790 a 1850. Fonte: TOCCHETTO,
et al, 2001:63. Foto: Rute Barbosa.
Motivo Floral
O estilo floral pode ser subdividido como em dois padrões: Sheet Floral e
Floral Central. O Sheet Floral é caracterizado pela repetição de pequenas flores
usualmente sobre toda a superfície do recipiente, este padrão teve seu período de
produção entre os anos de 1795 a 1867. O Floral central são grupos de flores
140
localizados no centro do recipiente, usualmente rodeado por uma área sem
impressão, seu período de produção está associados aos anos de 1784 a 1869.
141
Figura 28 - Decorada na técnica transfer-print; cor: lilás; motivo floral; estilo: sheet floral; forma:
travessa; período de produção aproximado: 1818 a 1879. Fonte: SAMFORD, 1997 apud
TOCCHETTO et al, 2001: 20. Foto: Rute Barbosa
Figura 29 – Decorada na técnica transfer-print; cor: lilás; motivo floral; estilo: sheet floral;
forma: xícara, motivo na parte interna e externa. Foto: Rute Barbosa
142
Motivo Romântico
Figura 30 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo romântico; padrão: muleteer;
fabricante: Davenport; forma: prato; período de produção (inicio): 1820. Fonte: http://www.
worthopedia/four-davenport-china-plates-ca-1820-muleteer. Foto: Rute Barbosa
143
Figura 31 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo romântico. Foto: Rute Barbosa
Figura 32 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo floral; forma: prato. Foto: Rute
Barbosa
Exótico
Este motivo se caracteriza por desenhos de animais tais como; camelos,
tigres e elefantes, também podem aprensentar uma arquitetura exótica com
mesquitas, minaretes, entre outros (SAMFORD, 1997 apudTOCCHETTO et al,
2001: 20). Muitas vezes algumas peças apresentam figuras em trajes que remetem
as culturas orientais. Há na amostra apenas 1 fragmento relacionado a este
144
motivo decorativo, que corresponde, provavelmente, a um prato.
Figura 33 - – Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo: exótico; período de produção
(aproximado) 1795 a 1867. Fonte: SAMFORD, 1997 apud TOCCHETTO et al, 2001: 20. Foto: Rute
Barbosa
145
Figura 34 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul. Foto: Rute Barbosa
146
Figura 36 – Decorada na técnica transfer-print; cor: azul, forma: tampa . Foto: Rute Barbosa
Azul Borrão
147
Quanto as formas há 23 fragmentos relacionados a pratos, 23 relacionados a pires,
18 a xícaras, 01 molheira, 01 bacia, 01 caneca, 01 tampa de bule ou açucareiro e 85
fragmentos com forma não identificada.
Figura 37– Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo: chineses; estilo: chinoiserie;
período de produção: 1828 a 1867; forma: xícara. Fonte: SAMFORD, 1997 apud TOCCHETTO et al,
2001: 36. Foto: Rute Barbosa
148
Figura 38 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo: chineses; estilo: chinoiserie
floral; período de produção: 1834 a 1887; forma: tampa (bule). Fonte: SAMFORD, 1997 apud
TOCCHETTO et al, 2001: 36. Foto: Rute Barbosa.
B
Figura B - Decorada na técnica
transfer-print; cor: azul; motivo:
chineses; estilo: chinoiserie floral;
período de produção: 1834 a 1887;
forma: prato. Fonte: SAMFORD, 1997
apudTOCCHETTO et al, 2001: 36. Foto:
Rute Barbosa.
Figura; 40 - Figura B
C
Figura C - Decorada na técnica transfer-
print; cor: azul; motivo: floral; estilo:
floral central; período de produção:
1862 a 1929; forma: prato. Fonte:
SAMFORD, 1997 apudTOCCHETTO et
al, 2001: 36. Foto: Rute Barbosa.
Figura; 39 - Figura C
149
Figura 42 - Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo: floral; período de produção:
1862 a 1929; forma: bacia. Fonte: SAMFORD, 1997 apud TOCCHETTO et al, 2001: 36. Foto: Rute
Barbosa
Figura 43 – Decorada na técnica transfer-print; cor: azul; motivo: floral; período de produção:
1862 a 1929; forma: xícara. Fonte: SAMFORD, 1997 apud TOCCHETTO et al, 2001: 36. Foto: Rute
Barbosa.
150
cronologia aproximada. Só em algumas formas como as bases foi possível observar
o esmalte e relacionar a peça com um período de fabricação aproximado.
Figura 44 - Louça branca; esmalte: creamware; forma: urinol. Foto Rute Barbosa.
Figura – A) louça branca; esmalte: pearlware; forma: base. b) louça branca; esmalte: pearlware;
forma: base. c) louça branca; forma: base. Foto Rute Barbosa
151
4.2.3. Superfície Modificada
Pintadas à mão
Das louças pintadas à mão com superfície modificada, a amostra de São
Gonçalo apresenta um padrão que foi muito popular no século XIX: o padrão Shell
Edged. Esta foi uma das primeiras decorações utilizadas na variedade da louça
conhecida por pealrware, na década de 1780 (SYMANSKI, 1997:159).
152
Figura 45 - Pintada a mão e inciso, com borda moldada; cor: azul; padrão: Shell edged; forma:
prato. Foto: Rute Barbosa
Decalcomania
Figura 46 - Figura- Decalcomania e inciso com borda moldada; cor: policromo; motivo: floral;
forma: prato. Foto: Rute Barbosa.
153
Figura 47- Decalcomania e inciso com borda moldada; cor: policromo; motivo: floral; forma: prato.
Foto: Rute Barbosa.
Louça Branca
154
Figura 48 - Decoração em relevo; motivo: floral; forma: não identificada. Foto: Rute Barbosa
Figura 49 - Decoração em relevo com borda modificada; forma: prato. Foto: Rute Barbosa
Para além das características aqui já descritas outro atributo significante são
as marcas dos fabricantes, ou carimbos como são conhecidos.Estes constituem um
importante elemento para a análise das louças. Como salienta Tocchetto et al
(2001:167) o alto grau de fragmentação que apresenta a amostra arqueológica
torna muitas vezes difícil a identificação clara das marcas. Contudo, muitas vezes
essas marcas se apresentam passíveis de leitura, tornando possível a sua
155
identificação. Identificar dentro da literatura especializada uma marca de
fabricação torna possível obter informações concernentes a origem exata das
louças e, obviamente, o período de fabricação aproximado (TOCCHETO ET AL,
2001; SYMNASKI, 2007).
156
francesa. Há ainda na amostra 03 fragmentos de marcas nacionais, produzidas no
século XX.
Marcas Inglesas
A
Figura A – Fairbairns William está associada a três
parcerias, todas localizadas em Hanley, Staffordshire.
WM FAIRBAIRNS geralmente é impresso com uma
coroa acima, seu período de fabricação está
associado aos períodos entre 1863 e 1898. Fonte:
thepotteries.org/mark/f/fairbairns.html. Foto: Rute
Barbosa.
157
Figura B - Fundada em 1851, em
Fig ura; 51 - Figura B
Marcas Francesas
A
Figura A - Opaque de Sarreguemines,
começou a ser produzida no ultimo cartel
do século XIX.
Figura; 54 - Figura A
158
Marcas Nacionais
A
Figura A – Marca CERAMVS, fabricada em
São Paulo em funcionamento entre os anos
de 1928 a 1968. A marca, no entanto,
apontada para um período de produção
entre os anos de 1933 a 1948. Fonte:
Carvalho, 1998:17. Foto: Rute Barbosa.
Figura; 55 - Figura A
Figura; 56 - Figura B
159
4.2.5. Considerações sobre a técnica decorativa, motivo e formas.
Sem decoração
18%
2% Decalcomania
45%
Pintada a mão com pouca
13% pericie
Pintada a mão
Tranfer-Printed
22%
160
Como não foi possível identificar todos os padrões decorativos, optou-se
pela separação dos fragmentos de acordo com o motivo apresentado. Apenas em
algumas exceções foi possível agrupar a amostrar de acordo com o padrão como,
por exemplo, os padrões Shell edged e azul borrão. O gráfico 03 mostra de forma
detalhada como se apresentou a frequência desses padrões e motivos decorativos
na amostra.
As louças pintadasà mão livre foi o tipo que apresentou uma maior
quantidade em fragmentos de peças distintas relacionados à higiene pessoal, um
total de 07 fragmentos com motivos decorativos em floral, mas em cores distintas.
As louças carimbadas também apresentaram uma quantidade expressiva
defragmentos relacionados à higiene pessoal: 27 fragmentos associados a uma
bacia. Esses, no entanto, parecem fazer parte de uma mesma peça em virtude de
apresentarem o mesmo motivo decorativo, cores congruentes e uma espessura
semelhante nos fragmentos.
161
FREQUÊNCIA DOS MOTIVOS DECORATIVOS
15
2%
16 1
14 MOTIVOS CENTRAIS QUANT.
2% 9%
2%
2 1 - Pintado a mão livre com motivos florais 75
3% 2 - Faixa e Friso 22
13
16% 3 3 – Banhada 56
7% 4 – Carimbada 79
5- Shell edged 15
6- Pintado a mão com motivos não identificados 29
7 - Azul borrão 170
4
10% 8 -Transfer motivos florais 101
12 9 -Transfer motivo romântico 9
8%
10 - Transfer motivo exótico 1
11 5 11 - Transfer motivos chinoiserie (padrão willow) 12
1% 2% 12 - Transfer motivo não identificado 62
10 6
0% 4% 13 – Louças sem decoração 134
9
14 - Pintada a mão com superfície modificada (shell 18
1%
8 edged)
12% 15 - Branco com superfície modificada 13
7 16–Decalcomania 14
22% TOTAL 810
162
Outro padrão que apresenta uma baixa incidência no sítio é o shell edged.
Durante o século XIX as louças denominadas “beira azul” (Shell edged) estiveram
avaliadas com preços similares aos das louças sem decoração. Este padrão
decorativo ganhou grande popularidade durante este século por possuir um baixo
preço em virtude da sua pouca complexidade decorativa. Em decorrência da baixa
nos preços, em 1850, houve o encerramento da produção de Shell
edged(SYMANSKI, 1997:199). Contudo, alguns fabricantes começaram a produzir
uma louça que imitava esta decoração, considerada por alguns arqueólogos como
“falsificações”. Estas “falsificações” são caracterizadas por não apresentarem as
incisões nas bordas, típicas ao modelo original. Ao invés disto era apenas realizada
uma pintura rente a borda imitando o modelo original (SYMANSKI, 1997:199).
163
FREQUÊNCIA DAS PEÇAS - AZUL BORRÃO
Caneca
Bacia
Molheira
Xícara
Pires
Prato
Tampa (bule/açucareiro)
0 20 40 60 80 100 120
Gráfico 4 - Frequência das peças - azul borrão
164
Prato 100 réis
Prato 83 réis
Bacia 5000 réis
Urinol 416 réis
Tabela 3 – Aviação das louças sem decoração. Informações extraídas do inventário de um
comerciante de louças de Porto Alegre, Guilherme Homman, 1870. Fonte: SYMASNKI, 1997:194
Outro aspecto que vale ser ressaltado é que as bases que não apresentam
decoração também foram agrupadas as louças sem decoração. Recipientes como
molheiras e terrinas geralmente apresentam suas bases sem decoração, entretanto
isso nem sempre ocorre na peça como todo, conforme pesquisado em louças do
século XIX que costumam apresentar apenas as bases sem decoração.
165
FREQUÊNCIA DE FORMAS - LOUÇA SEM DECORAÇÃO
Urinol
Molheira
Bacia
Xícara
Pratos
Pires
0 20 40 60 80 100 120
Gráfico 5 - Frequência de formas - louça sem decoração
166
Frequência de Formas - Motivos Florais
Não identificado
Bacia
Pires
Tampa (bule/açúcareiro)
Xícara
Prato
Travessa
0 10 20 30 40 50 60
Gráfico 6 - Frequência de Formas - Motivos Florais
Tabela 4 - Valor aproximado das louças nos engenhos pernambucanos no século XIX. Adaptado:
Carvalho, 1988:37.
167
Os demais motivos decorativos conforme pode ser observado no gráfico 3
apresentaram baixa incidência. Alguns padrões como o willow que foi uma das
decorações em transfer mais populares no século XIX apresentaram apenas 12
fragmentos representados somente por pratos. De acordo com Symanski
(2007:198) essas louças, denominadas de pombinhos, foram extremamente
popular durante a década de 70 do século XIX, os pratos, por exemplo, estavam
avaliados em inventários entre 150 e 166 réis a unidade (SYMANSKI, 2007:198).
168
transfer. Isso representa um investimento em tais peças por parte dos
proprietários do São Gonçalo.
Não identificado
Travessa
Urinol
Molheira
Pratos
Pires
Caneca
Xícara
Terrina
Malga
Bacia
Tampa bule e/ou açucareiro
169
quantidade menor dessas peças em relação àquelas destinadas ao consumo de
alimentos. “Essa tendência é, em geral, mantida no registro arqueológico, a não ser
em casos de alimentação especial, como aquele observado por Worthy (1982 apud
SYMANSKI, 1997:202) no sítio de Edgewood, nos Estados Unidos”.
***
170
5. DISCUSSÃO: AS SALAS DE JANTAR COMO PALCO DE
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Através da citação acima é possível perceber que durante o século XIX a sala
de jantar possuía uma configuração fortemente estabelecida, que não permitia
adequações além daquelas que eram impostas pelo bolso. “A compatibilidade entre
cor, design e custo articulavam todos os conjuntos presentes na sala de jantar”, que
reforçavam a ideia de união entre os itens, mostrando que esses haviam sido
adquiridos em conjunto. “O valor do móvel com suas prateleiras envidraçadas
deixavam os jogos de louças a vista, demonstrando a riqueza e funcionalidade” da
família que estavam utilizando-os. “Esses eram valores muitos comuns nas famílias
durante o século XIX, que praticavam constantemente o exibicionismo”
(CARVALHO V, 2008:119).
39 Grifo nosso.
171
alimentar, “pensados, concebidos e produzidos em uma outra perspectiva” (LIMA,
1995:137).
172
associados aos dados contextuais na região norte de alagoas tem demonstrado que
as louças utilizadas na sala de jantar dos engenhos durante o século XIX atuaram
como elementos de representação transmitindo mensagens de ordem não verbal,
que corroboraram na manutenção do status social dos proprietários dos velhos
engenhos banguês.
173
construindo um universo simbólico bem definido, quanto à forma em que eram
expostos e dispostos (CARVALHO, 1888:32).
Era nas mesas, nos grandes pratos cheios (...) que os brasileiros mostravam sua
hospitalidade. Os estrangeiros regalavam-se nas iguarias com que os patriarcas
enchiam as mesas. (...) Em muitas casas, as sobremesas eram preparadas pela
própria sinhá-dona que, também com as próprias mãos, servia os pratos.
Costume inteligente, adotado também em relação com o convidado para o
jantar, era o de oferecer-lhe o anfitrião, logo depois da chegada do mesmo
convidado, um casaco leve de linho, de seda ou de alpaca. Esse costume dos dias
de esplendor patriarcal no nordeste seria seguido por alguns durante o período
de decadência do sistema. (FREYRE, 2008:91,92)
Essa afirmação de Gilberto Freyre expõe bem o que estava acontecendo nos
engenhos em meados do século XIX, mesmo em decadência alguns continuavam a
ostentar materialidades, fazendo questão de expô-las. Naquele momento para os
senhores de engenho o que não poderia ser colocado em risco era o poder e o
prestigio que eles detinham perante a sociedade.
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AS DEZ PEÇAS DE PRATA MAIS FREQUENTES
Descriminação Quantidade
01 – Colher de Mesa 273
02 – Garfo de Mesa 254
03 – Colher de Chá 245
04 – Cabos de Faca 122
05 – Colher de Sobremesa 48
06 – Facas 41
07 – Salvas 37
08 – Cálices 17
09 – Castiçais 15 (pares)
10 – Conchas 14
11 – Faqueiros 11
12 – Jarro e Bacia 11
13- Paliteiros 10
14 – Esporas 10
Tabela- Fonte: Carvalho, 1988:35
175
Antes do jantar, um serviçal elegante trouxera ao quarto grande bacia de prata,
com um jarrão do mesmo metal, contendo água morna, cheia de sais
perfumados, para lavar-lhe os pés, que estavam enlameados. Na hora da
refeição se apresentava num aparato banquete, com louças inglesas, marcadas
com as iniciais J.T.A.B., copos de cristal, talheres e outros utensílios de pratas,
com criados de farda azul marinho, enfeitada de debruns e botões dourados,
que serviam as delicadas iguarias numa elegância fora do comum. (Arquivo Do
Ministério do Império De Alagoas, 1882, Liv 259, Est 20)
176
simbólico, “atuando como marcas de distinção apontando quem era quem” (LIMA,
1995:132).
177
proprietários de engenho que chegavam a falência, nunca significava a derrota da
classe. Assim, a supremacia política desfrutada desde os primeiros dias da etapa
colonial, chegou até o século XX (EISENBERG, 1977:244).
De acordo com Carvalho aos seus próprios olhos o senhor de engenho era
realmente tão rico, tão poderoso e tão cristão, quanto os estranhos supunham que
ele fosse;
178
mesa, que foi introduzida nos lares brasileiros e adotada por diversas famílias que
seguiram os manuais de bom tom. Uma mesa disposta com essa configuração dava
a entender ao visitante que ali residia uma família de posses. Ou seja, as louças e
todo o contexto do ritual do jantar na qual estas estavam inseridas, agiam de tal
maneira que naturalizavam o status social do proprietário da unidade domestica
em questão.
179
CONSIDERAÇÕES FINAIS
180
Durante este século o padrão azul borrão segundo Miller (1980) era o mais
caro na categoria das louças em transfer. Em São Gonçalo, como foi exposto no
quarto capítulo, as louças em azul borrão apresentaram uma maior quantidade de
fragmentos relacionados a pires, xícaras, pratos, peças de servir e apenas um
fragmento de bacia. Este aspecto demonstrou que os proprietários de São Gonçalo
estavam interessados em exibir itens mais sofisticados na mesa e para o consumo
do chá e/ou café.
181
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JORNAIS
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