Direito Empresarial V

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 166

EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema I

FALÊNCIA. Princípios Gerais. Pressupostos. Caracterização da falência. Visão comparativa entre o Dec-Lei
nº 7.661/45 e Lei nº 11.101/05. Direito intertemporal.

Notas de Aula1

1. Introdução

A nova lei de falência modifica a estrutura do direito falimentar brasileiro. A lei


anterior tinha uma visão liquidatária, mostrando-se totalmente ineficiente para a
recuperação do empresário. A Lei 11.101/05 trouxe ao ordenamento um novo sistema
jurídico para o tratamento da insolvência empresarial, tratando de três institutos básicos: a
falência, a recuperação judicial da empresa e a recuperação extrajudicial da empresa.
Aboliu-se, portanto, a figura da concordata, instrumento que se mostrou ineficaz para o seu
escopo, que era permitir a restauração da empresa que estava em dificuldades. Hoje, a
figura da recuperação, que em nada se confunde com a concordata, substituiu com muitas
vantagens este instituto revogado, permitindo a real sobrevivência da empresa que dela se
valer.
A Lei 11.101/05 é de direito econômico, intermediando setores públicos e privados,
e tem por fundamento basilar a eficácia técnica, sobrepondo-se esta mesmo à busca
intrínseca de justiça: esta é ume lei de resultado, e não de teoria. Antes de tudo, é uma lei
procedimental, e não processual: há agora os procedimentos de falência e recuperação, e
não o processo falimentar, como outrora.
A recuperação da empresa, o chamado direito da crise econômica, consiste no
soerguimento da empresa que ainda é viável, econômica e financeiramente.
A lei, de fato, cria uma nova cultura de cooperação entre credores, devedor e Poder
Judiciário. Através de seus pressupostos, há coadunação entre os participantes da relação
jurídica, gerida pelo Judiciário, em busca da benesse comum, o saneamento da empresa, a
quitação de suas dívidas, e a sua continuidade na sociedade – ou seu afastamento definitivo,
pela quebra, quando inevitável.
O Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências, foi revogado por este novel
diploma, mas ainda é aplicado aos casos em que a falência foi requerida à época da sua
vigência. Na própria Lei 11.101/05 há solução para este conflito intertemporal, como se vê
no artigo 192:

“Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata
ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos
do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.
§ 1º Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência
em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que
concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de
credores e da conclusão do inquérito judicial.
§ 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o
pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido
obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano
especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte
a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.
1
Aula ministrada pelo professor Juan Luiz Souza Vazquez, em 11/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 1


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 3º No caso do § 2o deste artigo, se deferido o processamento da recuperação


judicial, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à
concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas
as parcelas pagas pelo concordatário.
§ 4º Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de
convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica,
até a decretação, o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na
decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 desta Lei.
§ 5º O juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis
a fim de evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa.
(incluído pela Lei nº 11.127, de 2005).”

Na recuperação da empresa, certamente o princípio prioritário é o da preservação


da atividade empresária: em prol da evidente função social da empresa, a sua continuidade
é sempre a melhor solução, quando viável. Na falência, é claro que este princípio deixa de
ter aplicação, porque, se a empresa se torna economicamente inviável, não há como ser
preservada.
Sobre os conflitos de direito intertemporal, questiona-se: é possível convolar uma
concordata suspensiva em recuperação judicial? Quanto à concordata preventiva, não há
dúvidas que sim. Quanto à suspensiva, seguindo-se a lógica da preservação da empresa, a
resposta seria positiva, pois a recuperação judicial é mais ampla do que a concordata
suspensiva, permitindo maior chance de a empresa se reerguer, e o artigo supra, no § 2º,
permite expressamente, mas fala apenas em concordata, não falando se é repressiva ou
suspensiva. Mas veja um problema: a concordata suspensiva era concedida após a falência
ter sido decretada, e a recuperação judicial não pode ser concedida a quem seja falido, na
forma do artigo 48, I, da Lei 11.101/05:

“Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do


pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda
aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada
em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
(...)”

Este dispositivo, portanto, aparentemente seria um óbice a esta convolação, mas a


prioridade da preservação da empresa, bem como a menção genérica a concordatas, no
artigo 192, § 2º, da nova lei fazem prevalecer a possibilidade de convolação também da
concordata suspensiva em recuperação judicial.

2. Principiologia

2.1. Princípio da maximização dos ativos do falido

A previsão legal deste princípio está no artigo 75 da Lei 11.101/05:

“Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,


visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos
produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da
economia processual.”

Michell Nunes Midlej Maron 2


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A otimização dos bens do falido é feita sempre que se primar pela redução do
passivo e incremento do ativo. O núcleo deste princípio é mesmo o dispositivo supra, mas
há outros artigos que tratam do princípio da maximização dos ativos na lei em tela, como o
109 e o 117:

“Art. 109. O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a
execução da etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida
ou dos interesses dos credores.”

“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o
aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação
de seus ativos, mediante autorização do Comitê.
§ 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90
(noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro
de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.
§ 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao
contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário,
constituirá crédito quirografário.”

Na sentença de quebra, o juiz deve decidir se lacra o estabelecimento do falido, ou


se permite a continuação provisória da atividade empresarial. O que vai orientar o
magistrado, nesta decisão, é justamente este princípio: se a continuação provisória da
atividade promover a maximização dos ativos, esta será a solução preferencial; se o lacre
for recomendável, porque a continuidade provisória levará à perda de ativos, deverá esta ser
a providência judicial.
Lacrado o estabelecimento, pode o juízo determinar a venda dos bens, para o fim de
amealhar ativos líquidos para a massa, desde logo. Antes, na vigência da do Decreto
7.661/73, esta providência imediata não era possível: lacrava-se a empresa e não se
alienavam bens, de plano, o que levava à eventual desvalorização de tais bens. A venda
imediata, por vezes, é a regra.
O lacre, portanto, é a providência necessária quando for a melhor solução para a
preservação dos ativos.
No artigo 117, supra, há clara adesão ao princípio da maximização dos ativos. Nos
contratos bilaterais, a falência é cláusula resolutória expressa, em regra, na praxe da
formulação destes contratos. Ocorre que nem sempre esta resolução é a melhor providência
para a massa, porque a continuidade deste contratual pode vir a otimizar os ativos. E este
critério, se a melhor providência é prosseguir ou findar o contrato, deve ser dado à análise
do administrador judicial, porque só ele saberá se a continuidade maximizará ou
prejudicará os ativos. Destarte, colhe-se uma conclusão clara: a cláusula resolutória
expressa calcada na falência2 é inexigível, cabendo ao administrador judicial julgar se dá
continuidade ou resolve o contrato – o que claramente também se coaduna com a função
social dos contratos.
2.2. Princípio da preservação da empresa

Este princípio, por óbvio, não pode ser invocado depois da quebra. Uma vez
encerrada a atividade, não há o que se preservar. Este princípio, no entanto, é forte
2
Esta cláusula resolutória expressa na falência é textualmente vedada na legislação estadunidense, no diploma
que trata da falência, o Chapter 11.

Michell Nunes Midlej Maron 3


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

orientador antes da decretação de quebra, sendo sempre priorizada a recuperação da


empresa à sua falência, por conta da enorme função social da empresa.
A insolvência que enseja a falência, em nosso sistema, não é a real, na qual
contabilmente o passivo supera o ativo da empresa. A insolvência empresarial é presumida,
como se verá nos artigos que demonstram as causas que induzem à decretação de quebra.
Por exemplo, um pedido de falência com base no artigo 94, I, da Lei 11.101/05, lastreado
em um título de cem mil reais, pode ensejar decretação de falência de uma empresa cujos
ativos superem a casa dos bilhões de reais. A quebra será decretada, se procedente o pedido,
mas antes se permite que o devedor elida esta presunção de insolvência por diversos meios
– o que se pauta na preservação da empresa.

“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
(...)”

Na vigência do Decreto 7.661/73, não havia limite mínimo de valor da dívida para o
credor requerer a falência com base na impontualidade da empresa. Suponha-se que tenha
havido pedido nestes moldes, à época, baseado em pequeno valor, inferior aos quarenta
salários que hoje são o mínimo possível. É possível esta decretação de falência?
Mesmo que não seja possível retroagir este teto do artigo 94, I, da nova lei, para
alcançar os processos que ainda são regidos pelo diploma anterior, a orientação mais
coerente é que não seja possível decretar a quebra com base em valor irrisório do ponto de
vista falimentar, por conta do princípio da preservação da empresa – que, como dito, vige
nesta fase pré-quebra. Assim, este pedido de falência, mesmo regido pela norma anterior,
que não impunha limite mínimo ao crédito inadimplido para requerer falência, deve ser
rejeitado, não pela retroação do limite legal mínimo hoje vigente, o que é impossível, mas
sim pela simples observação deste princípio da continuidade da atividade, muito mais forte
na função social da empresa do que na proteção daquele crédito, nesta ponderação. E este
pedido seria improcedente mesmo que a lei anterior ainda fosse a norma vigente, pois à
época esta já era a orientação.
Neste sentido, veja o seguinte julgado do STJ:

“AGRG NO RESP 914.371/SP. Falimentar. Agravo no recurso especial. Ação de


falência. Falência requerida sob a égide do DL 7.661/45. Pequeno valor. Princípio
da preservação da empresa implícito naquele sistema legal. Inviabilidade da
quebra. - Apesar de o art. 1º do Decreto-lei nº 7.661/45 ser omisso quanto ao valor
do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto,
que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa. Nessas
circunstâncias, há de prevalecer o princípio, também implícito naquele diploma, de
preservação da empresa. Agravo no recurso especial não provido. (Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe
18/05/2009).”

Veja também a notícia do informativo 397 do STJ:

“FALÊNCIA. VALOR INSIGNIFICANTE.


Mesmo ao tempo do DL n. 7.661/1945, já se encontrava presente o princípio da
preservação da empresa, incrustado claramente na posterior Lei n. 11.101/2005.

Michell Nunes Midlej Maron 4


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Assim, mesmo omisso o referido DL quanto ao valor do pedido, não é razoável


nem se coaduna com sua sistemática a possibilidade de valores insignificantes
provocarem a quebra da empresa, pois isso nada mais é do que preservar a unidade
produtiva em detrimento de satisfazer uma dívida. Precedente citado: REsp
870.509-SP. AgRg no Ag 1.022.464-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado
em 2/6/2009 (ver Informativo n. 384).”

Havendo uma execução individual frustrada – aquela em que o devedor citado


permanece absolutamente inerte –, o credor exequente pode requerer a falência do
executado com fulcro no inciso II deste artigo 94 da Lei 11.101/05:

“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


(...)
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à
penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
(...)”

Aqui, nem o protesto nem o valor são requisitos para provimento do pedido de
quebra. Haverá, então, como se aplicar o princípio da preservação da empresa, neste caso?
A decretação de quebra é ultima ratio, como se pode perceber. Antes de tudo, é
fundamental que se constate que a execução é inegavelmente frustrada, porque qualquer
atitude tomada pelo devedor em atenção ao crédito que lhe é exigido já a descaracteriza,
pelo que a nomeação de bens à penhora (ou a localização de tais bens pelo oficial de
justiça) descaracteriza a execução frustrada, impossibilitando a quebra.
Veja julgado do STJ neste sentido:

“REsp. 802.324/SP. (...) De acordo com a jurisprudência uníssona do STJ, a


decretação da falência é medida extrema e excepcional, que somente deve ser
tomada quando verificada a inviabilidade da preservação da unidade produtiva. - A
alegação de que a recorrida deixou de apresentar tempestivamente bens à penhora
não restou referendada pelo Tribunal de origem, sendo vedado ao STJ o exame dos
elementos fáticos dos autos em razão do óbice da sua Súmula n.º 07. - A
REALIZAÇÃO DE PENHORA NOS AUTOS DA AÇÃO EXECUTIVA E A
PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR
OPOSTOS PELA RECORRIDA RECOMENDAM A NÃO DECRETAÇÃO DA
QUEBRA, SOBRETUDO LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO A
NECESSIDADE DE SE BUSCAR A MANUTENÇÃO DA EMPRESA E A
EXCEPCIONALIDADE QUE DEVE REVESTIR A DECRETAÇÃO DA
FALÊNCIA, SEMPRE TIDA COMO A ÚLTIMA OPÇÃO A SER TOMADA.
Recurso especial não conhecido. (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 01/12/2008).”

E mesmo que a execução seja tipicamente frustrada, ou seja, haja completa inércia
do devedor, ainda deve haver cautela na decretação da quebra.
Uma questão se apresenta: se o devedor oferece bens à penhora, mas insuficientes
para cobrir a dívida, a execução é frustrada? Há quem entenda que sim, pois o artigo 94, II,
supra, fala em bens suficientes para evitar a frustração. Contudo, como se pode colher do
julgado acima, o STJ entende que a insuficiência dos bens ofertados à penhora não
configura execução frustrada: se há penhora de bens, mesmo que insuficientes, não há
execução frustrada, para o STJ.

Michell Nunes Midlej Maron 5


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Havendo interposição de embargos sem que haja nomeação de bens à penhora, é


recomendável que se aguarde o improvimento dos embargos para que, somente então, se
decrete a quebra daquele embargante. Do contrário, corre-se o risco de os embargos serem
providos, demonstrando que a execução que ensejou a falência era indevida, causando
verdadeiro imbróglio judicial.

2.3. Princípios da indivisibilidade do juízo falimentar

Por indivisibilidade do juízo falimentar, entenda-se que apenas um único juízo é o


competente para todas as ações e reclamações sobre bens do falido, não podendo haver
mais de um juízo empresarial atuando na mesma falência. Este princípio tem sede no artigo
76 da Lei 11.101/05:

“Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as


ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas
trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como
autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo,
terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para
representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.”

O princípio da indivisibilidade do juízo tem mitigações, pois há ações envolvendo a


massa falida que não são julgadas neste juízo. Por exemplo, as ações que demandem
quantia ilíquida contra o falido, tais como indenizatórias por danos morais, ajuizadas
anteriormente à decretação da falência: estas prosseguirão no juízo em que estão, e,
chegando ao fim, colhido o valor líquido de eventual condenação, este crédito deverá ser
habilitado no juízo falimentar, concorrendo com os demais credores. O máximo que se
admite, nestes casos, é a reserva de quinhão, a fim de que o credor desta ação em curso não
perca a oportunidade de participar de rateios que serão realizados na falência.
As reclamações trabalhistas e as execuções fiscais são outros exemplos de exceções
à indivisibilidade do juízo, pois prosseguirão em seus respectivos juízos processantes. Da
mesma forma se dá com ações em que a massa falida for autora e que, mesmo referentes a
bens do falido, não tenham o procedimento traçado na Lei 11.101/05. Um bom exemplo
destas é a ação de despejo movida pela massa falida: como esta ação não está regulada na
lei em comento, mas sim na Lei 8.245/91, seguirá seu curso até o fim no juízo cível, para
então colher os resultados ao fim, somando-se o que houver ao ativo da massa. Uma ação
revocatória ajuizada pelo falido, por outro lado, será processada no juízo indivisível,
porque ela tem seu procedimento tratado nesta Lei 11.101/05, a partir do seu artigo 132:

“Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta
pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no
prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência.”

Quanto às execuções fiscais, o artigo 6º, § 7º, da Lei 11.101/05 demanda um


adendo:

“Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da


recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e

Michell Nunes Midlej Maron 6


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio


solidário.
(...)
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da
recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do
Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.”

O que está sendo mencionado, ali, é que a suspensão da execução fiscal não se dará
pelo deferimento da recuperação judicial, e não pela decretação de falência, o que, para
Leonardo Marques, demonstra que no curso da falência decretada a execução fiscal deve,
sim, ser suspensa, se se observar o texto deste § 7º. Este entendimento do professor
Leonardo Marques, porém, não tem adesão por parte da doutrina ou do STJ, como se pode
notar na seguinte transcrição do informativo 416 desta Corte:

“EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. EXECUTADO.


O recorrente alega que o produto da arrematação do bem imóvel da massa falida
deve ir para o juízo falimentar. A questão cinge-se à destinação do produto da
arrematação, quando esta sobreveio em data anterior à decretação da falência. Isso
posto, a Turma deu provimento ao recurso, por entender que o produto arrecadado
com a alienação de bem penhorado em execução fiscal, antes da decretação da
quebra, deve ser entregue ao juízo universal da falência. A falência superveniente
do devedor não tem o condão de paralisar o processo de execução fiscal, nem de
desconstituir a penhora realizada anteriormente à quebra. Outrossim, o produto
da alienação judicial dos bens penhorados deve ser repassado ao juízo universal da
falência para apuração das preferências. REsp 1.013.252-RS, Rel. Min. Luiz Fux,
julgado em 19/11/2009.” (grifo nosso)

Em síntese, a execução fiscal não é suspensa pela decretação da falência, ressalvado


do entendimento de Leonardo Marques.

2.4. Princípio da universalidade de bens ou credores

A universalidade não se confunde com a indivisibilidade do juízo. A universalidade


pode se referir a bens ou a credores, respectivamente universalidade objetiva e
universalidade subjetiva. A universalidade objetiva está no artigo 103 da lei em comento,
sendo percebida também no artigo 108:

“Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o


direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência,
requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos
bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou
interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.”

“Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador


judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens,
separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz,
para esses fins, as medidas necessárias.
§ 1º Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de
pessoa por ele escolhida, sob responsabilidade daquele, podendo o falido ou
qualquer de seus representantes ser nomeado depositário dos bens.
§ 2º O falido poderá acompanhar a arrecadação e a avaliação.

Michell Nunes Midlej Maron 7


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 3º O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a
massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às
autoridades competentes, determinando sua entrega.
§ 4º Não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.
§ 5º Ainda que haja avaliação em bloco, o bem objeto de garantia real será também
avaliado separadamente, para os fins do § 1º do art. 83 desta Lei.”

Esta universalidade significa que todos os bens do falido serão arrecadados, mas
não é absoluta, pois as regras de impenhorabilidade devem ser respeitadas, tal como a do
bem de família.
A universalidade subjetiva, por seu turno, está prevista no artigo 115 da Lei
11.101/05:

“Art. 115. A decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão
exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente
responsável na forma que esta Lei prescrever.”

Assim, todos os credores devem, para receber seus créditos, se dirigir ao mesmo
juízo indivisível para pleitear seu crédito, não havendo exceções: todos devem corre à
massa para receber seus créditos.
Sobre o princípio da universalidade, veja os seguintes julgados do STJ:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALÊNCIA. AÇÃO DE APURAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE CIVIL. MASSA FALIDA AUTORA. PRINCÍPIO DA
UNIVERSALIDADE DO JUÍZO FALIMENTAR. 1. O FATO DE A MASSA
FALIDA SER AUTORA DA AÇÃO SOMENTE DETERMINA A
EXCEPCIONALIDADE DO JUÍZO UNIVERSAL NAS AÇÕES NÃO
REGULADAS PELA LEI FALIMENTAR. 2. O princípio da universalidade tem
como objetivo não só evitar a dispersão do patrimônio da massa falida, como
também permitir que as situações relevantes da falência sejam submetidas a juízo
único, conhecedor da realidade do processo. 3. Conflito conhecido para declarar a
competência do Juízo de Direito da 11ª Vara Cível de Goiânia – GO. (CC
92.417/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 26/03/2008, DJe 01/04/2008).”

“AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO


FALIMENTAR E JUSTIÇA DO TRABALHO. FALÊNCIA. EXECUÇÃO
TRABALHISTA. ARREMATAÇÃO ULTIMADA NA JUSTIÇA
ESPECIALIZADA. REMESSA DO PRODUTO AO JUÍZO UNIVERSAL DA
FALÊNCIA. - Os atos de execução trabalhista devem ser praticados no Juízo
Falimentar, mesmo que já realizada a penhora de bens no Juízo Trabalhista.
Precedentes. - Em respeito aos princípios da economia e da celeridade processual,
devem ser aproveitados os atos de arrematação praticados na execução singular,
com a remessa do seu produto ao Juízo Falimentar, devendo o reclamante-
exeqüente providenciar sua habilitação frente à massa falida. Decisão agravada
reconsiderada, para o fim de conhecer do conflito de competência e declarar
competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Concordatas de Belo
Horizonte – MG. (AGRG NO CC 88.620/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/06/2008, DJe 08/08/2008).”

2.5. Princípios do par conditio creditorum

Michell Nunes Midlej Maron 8


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Trata-se do princípio da paridade entre os credores de mesma classe. A ordem de


classes dos credores é traçada no artigo 83 da Lei 11.101/05:

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e
cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de
constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária
desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em
garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária
desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens
vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o
limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do
bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda,
ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente
considerado.
§ 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao
recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as
obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.”

Há credores que não participam do concurso, sendo chamados credores


extraconcursais, conforme prevê o artigo 84 do mesmo diploma:

“Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com


precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os
relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos
derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho
relativos a serviços prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição
do seu produto, bem como custas do processo de falência;

Michell Nunes Midlej Maron 9


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha


sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a
recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da
falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da
falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.”

Mas repare que mesmo dentro do quadro de créditos extraconcursais, o par conditio
creditorum é imponível: os créditos de mesma natureza devem ser tratados da mesma
forma, pagos na mesma ordem do artigo 83 da lei em tela, ou seja, espelha-se a ordem geral
na ordem dos créditos extraconcursais. Por exemplo, os créditos deste rol que tenham
natureza trabalhistas (aqueles contraídos após a sentença de falência, em uma eventual
permanência temporária das atividades, por exemplo) serão pagos em primeiro plano, e em
seguida se passará aos créditos extraconcursais com garantia real, e assim por diante.
O artigo 77 desta lei em tela reflete também o par conditio creditorum, pois
comanda o vencimento antecipado de todas as dívidas, a fim de que estes credores tenham a
mesma oportunidade de haver seus créditos no bojo falimentar. Veja:

“Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas


do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento
proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a
moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta
Lei.”

Há um exemplo bastante específico de implemento deste princípio no informativo


395 do STJ. Veja:

“FALÊNCIA. EMPRESA COIRMÃ. DEPÓSITO.


A Turma não conheceu o recurso, considerando inócua a alegação da recorrente de
que houve violação do art. 52 do DL n. 7.661/1945, insurgindo-se contra a decisão
judicial que remeteu ao juízo falimentar depósito elisivo efetuado por pessoa
jurídica que, à época dos fatos, já se encontrava sob os efeitos de falência
decretada em processo envolvendo outra empresa coirmã pertencente ao mesmo
grupo. Ressaltou o Min. Relator que tal decisão foi expedida levando-se em conta
os efeitos decorrentes da quebra em processo diverso, e não apenas a condição
individual da empresa devedora. REsp 538.815-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 19/5/2009.”

Suponha-se que há um processo de falência em face de uma empresa, e outro, em


outra vara, na qual é ré uma outra empresa, coirmã da primeira, integrante do mesmo grupo
– por exemplo, “X Participações S/A” e “X Incorporações S/A”. No primeiro processo,
contra “X Participações”, o juízo decretou a falência de todas as demais empresas que
compõem o grupo “X”. Ocorre que a segunda empresa, “X Incorporações”, efetuou
depósito elisivo em sua falência, e este depósito não poderia ter sido feito, eis que no
primeiro processo, da sua empresa coirmã, ela também já tinha sido decretada falida – pelo
que a realização deste depósito agora é uma violação ao par conditio creditorum, já que
todo seu patrimônio é dedicado ao cumprimento das obrigações pela massa falida da qual
faz parte, composta por todo o grupo empresarial, em função da primeira decisão de quebra
que a atingiu.

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Assim, neste caso, o depósito deve ser remetido à vara da falência de “X


Participações”, para integrar o bojo da massa, e o credor de “X Incorporações” deverá
habilitar seu crédito na falência de “X Participações”, falência que foi estendida a todo o
grupo (extensão da falência que é chamada também de desconsideração indireta).
Neste sentido, veja o Agravo de Instrumento 2004.002.21819, do TJ/RJ:

“Processo: 0027689-78.2004.8.19.0000 (2004.002.21819). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 16/02/2005 -
SEGUNDA CAMARA CIVEL.
FALENCIA. DEPOSITO ELISIVO. PEDIDO DE LEVANTAMENTO.
INDEFERIMENTO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REQUERIMENTO DE FALÊNCIA.
REQUERIMENTO PARA LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO ELISIVO.
IMPOSSIBILIDADE. FALÊNCIA DECRETADA EM OUTRO PROCESSO.
SOBRESTAMENTO ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA LIDE. Recurso
interposto contra decisão que indeferiu o levantamento da quantia depositada pela
Agravada para elidir a falência, a que se nega provimento. O decreto de falência
em outro processo, mesmo que suspenso por decisão de segunda instância, e,
ainda, o fato de haver outros requerimentos de falência contra a Agravada, justifica
o indeferimento do levantamento da quantia depositada pelo Agravante,
prestigiando, assim, o direito dos demais credores, em caráter universal, e,
conseqüentemente, o princípio da par conditio creditorum. RECURSO
DESPROVIDO.”

3. Suspensão das ações e execuções

A decretação da falência submete todos os credores ao juízo universal, como dito.


Por isso, as ações e execuções contra o devedor ficam suspensas, inclusive as dos credores
particulares dos sócios solidários. A consequencia direta desta afirmação é a observância do
princípio da indivisibilidade do juízo universal. Por conseguinte, o juízo também será uno.
Há exceções ao princípio da universalidade que acarretam também exceções a esta
regra da suspensão geral. Não são suspensas, portanto, as demandas que versem sobre
obrigações ilíquidas; as ações trabalhistas; e a execução fiscal.
Também não é suspenso o direito de ação ou execução contra o devedor solidário
do falido: pode o avalista ser acionado e executado, sem qualquer suspensão ou
comunicação com a falência do solidário falido.
Para ilustrar esta última hipótese, da execução do devedor solidário, veja um caso
concreto:

“’X’ promove, em Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, ação de


execução em face de ‘E’, aceitante de letra de câmbio, e ‘F’ e ‘G’, seus avalistas.
No curso da execução e antes que se efetue qualquer penhora, é informado ao juízo
cível por ‘G’ a decretação das falências dos dois primeiros executados (‘E’ e ‘F’)
no Estado de São Paulo.
Na mesma petição, ‘G’ pugna pela suspensão do feito, em vista das falências
decretadas em outro Estado da Federação.
Aberta vista à promotoria de massas falidas da Comarca da Capital do Rio de
Janeiro nos autos da execução singular, como deve opinar o promotor?”

A execução contra “G” em nada é perturbada pela falência de “E” e F”, porque não
se suspende a execução do devedor solidário dos falidos, posição em que “G” se encontra.

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Se “G” pagar o débito, poderá regredir contra “E” e “F”, mas deverá para tanto habilitar seu
crédito nas respectivas falências (sendo que contra “F” só poderá regredir até a metade do
valor, eis que entre os coavalistas há cotas-partes de responsabilidade).
Neste sentido, veja o julgado abaixo, do TJ/RJ:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007.002.14595.


PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Ação de
execução de título extrajudicial proposta contra sociedade empresária devedora,
que tem sua falência decretada no curso da ação, e contra os fiadores, sócios da
falida à época da celebração do contrato gerador da dívida exeqüenda. (...) .2. A
DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA DEVEDORA
IMPÕE A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO AJUIZADA CONTRA ELA, MAS
NÃO IMPEDE O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO CÍVEL CONTRA
OS DEMAIS EXECUTADOS(...) . DES. FERNANDO FOCH LEMOS -
Julgamento: 15/02/2008 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL

Veja também parte do REsp. 883.889:

“RESP 883.889/SC.
(...) DIANTE DISSO, O FATO DO SACADOR DE NOTA PROMISSÓRIA VIR A
TER SUA FALÊNCIA DECRETADA, EM NADA AFETA A OBRIGAÇÃO DO
AVALISTA DO TÍTULO, QUE, INCLUSIVE, NÃO PODE OPOR EM SEU
FAVOR QUALQUER DOS EFEITOS DECORRENTES DA QUEBRA DO
AVALIZADO. (...) MUITO EMBORA O AVALISTA SEJA DEVEDOR
SOLIDÁRIO DA OBRIGAÇÃO AVALIZADA, ELE NÃO SE TORNA, POR
CONTA EXCLUSIVA DO AVAL, SÓCIO DA EMPRESA EM FAVOR DA QUAL
PRESTA A GARANTIA. - MESMO NA HIPÓTESE DO AVALISTA SER
TAMBÉM SÓCIO DA EMPRESA AVALIZADA, PARA QUE SE POSSA FALAR
EM SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO CONTRA O SÓCIO-AVALISTA, tendo por
fundamento a quebra da empresa avalizada, é indispensável, nos termos do art. 24
do DL 7.661/45, que se trate de sócio solidário da sociedade falida. Recurso
especial a que se nega provimento. (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 23/03/2009)”

Casos Concretos

Questão 1

Qual o princípio que norteia:

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

a) o art. 76 da Lei nº 11.101/2005?


b) o art. 77 do mesmo diploma?
c) o art. 103 do mesmo diploma?
d) o art. 115 do mesmo diploma?
Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 1

a) Princípio da indivisibilidade do juízo da falência. O juízo da falência (lugar do


principal estabelecimento) é competente para todas as ações e reclamações sobre
bens, direitos, interesses e negócios da massa falida. Tal princípio não é absoluto,
admitindo a propositura de ações fora do juízo da falência.
b) Princípio par conditio creditorum. O patrimônio do devedor é a garantia comum dos
credores, que, assim, estão em pé de igualdade, ainda que desiguais diante da
natureza de seus créditos. O vencimento antecipado é um efeito da sentença para
garantir esta igualdade.
c) Princípio da universalidade de bens. Todos os bens do falido e dos sócios solidários
são arrecadados, inclusive os que se encontram em poder de terceiros, a fim de se
evitar a subtração de valores da massa ou manobras fraudulentas que visem a
desviar bens; forma-se, por conseguinte, a massa falida objetiva.
d) Princípio da universalidade de credores. Todos os credores são alcançados (salvo as
exceções prevista em lei) pelos efeitos da falência e devem concorrer no processo
para receber seu crédito, formando-se uma universalidade de credores ou massa
falida subjetiva.

Questão 2

Banco do Brasil S/A. requereu a falência de Brasimax Metalúrgica S/A. Citada, a


devedora ingressou nos autos com um acordo para o pagamento da dívida, o que provocou
um pedido conjunto de suspensão do processo por 30 dias, tendo em vista a possibilidade
de quitação amigável do débito. Decorrido o prazo de suspensão requerido, o autor
postulou o prosseguimento do feito e a decretação da falência. Considere que há provas do
inadimplemento - notas promissórias no montante de R$ 235.000,00 (duzentos e trinta e
cinco mil reais), todas submetidas ao protesto especial. Decida a questão.

Resposta à Questão 2

O pedido de suspensão do processo falimentar formulado por ambas as partes


(credor e devedor), para tentativa de acordo, não configura moratória e, portanto, não
desnatura a impontualidade do devedor, nem impede a decretação da falência. Suspende-se
apenas o processo, e não a dívida. Com esse entendimento, deve-se determinar o exame do
pedido de falência.
Veja o julgado:
“RESP 604.711/SP. DIREITO COMERCIAL - RECURSO ESPECIAL -
REQUERIMENTO DE FALÊNCIA - PEDIDO DE SUSPENSÃO FORMULADO
POR AMBAS AS PARTES PARA TENTATIVA DE ACORDO - NÃO

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

CONFIGURAÇÃO DE MORATÓRIA - POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO


DA QUEBRA.
1 - O PEDIDO COMUM DE SOBRESTAMENTO DO PROCESSO
FALIMENTAR, PARA TENTATIVA DE SOLUÇÃO AMIGÁVEL, OU SEJA,
FORMULADO PELAS DUAS PARTES DA RELAÇÃO PROCESSUAL, E NÃO
APENAS PELO CREDOR (REQUERENTE), NÃO CONFIGURA MORATÓRIA
E, PORTANTO, NÃO DESNATURA A IMPONTUALIDADE DO DEVEDOR E
NEM IMPEDE A DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. Suspende-se apenas o
processo, e não a dívida. Precedentes (REsp nº 191.535/SP, Rel. Ministro ARI
PARGENDLER, DJ de 5.8.2002; REsp nº 204.851/ES, Rel. Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, DJ de 12.6.2000).
2 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido,
determinar o exame do pedido de falência. (4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini,
julgado em 11/4/2006).”

Esta posição ainda é polêmica, mas a posição do STJ deve ser a orientação a ser
seguida. Seguindo-a, se pedida a suspensão por ambas as partes, não há moratória, e não há
extinção da falência; pedida apenas pelo credor, há moratória, e não mais há
impontualidade – devendo o processo ser extinto.

Questão 3

CIA SUCOS SAUDÁVEIS teve a sua falência requerida em novembro de 2004 por
inadimplemento de obrigação contraída. O processo foi extinto sem julgamento do mérito
por inépcia da petição inicial. O credor recorreu contra a decisão, sob o fundamento de
error in procedendo, com pedido de anulação da sentença. O recurso foi provido com a
deteminação de baixa ao juízo de origem, em dezembro de 2005, para prolação de nova
decisão. Se decretada a falência do devedor, que diploma (s) legal (is) deve (m) ser (m)
aplicado (s)?Resposta justificada.

Reposta à Questão 3

Seguindo-se a regra do § 4º do artigo 192 da Lei 11.101/05, tem que ser aplicada a
norma anterior até o momento da sentença, pois o requerimento de falência se deu na
vigência do Decreto-Lei 7.661/45. Decretada a falência, aplica-se o artigo 99 da nova lei.

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras


determinações:
I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem
a esse tempo seus administradores;
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90
(noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial
ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta
finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;
III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação
nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação
dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de
desobediência;
IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no §
1o do art. 7º desta Lei;
V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido,
ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1o e 2o do art. 6o desta Lei;

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do


falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se
houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do
devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput
deste artigo;
VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das
partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus
administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime
definido nesta Lei;
VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da
falência no registro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da
decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;
IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma
do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do
inciso II do caput do art. 35 desta Lei;
X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras
entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;
XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido
com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o
disposto no art. 109 desta Lei;
XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembléia-
geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda
autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na
recuperação judicial quando da decretação da falência;
XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor
tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da
decisão que decreta a falência e a relação de credores.”

Questão Extra

A sociedade AUTO MODELO S/A pediu e obteve o deferimento de concordada


preventiva em 20/01/2000. Após deixar de honrar suas obrigações, foi convolada em
falência em 20/05/2004. Em 09/06/2005 é deferida concordata suspensiva, tendo o
Ministério Público interposto agravo de instrumento contra esta decisão que deferiu o
processamento da concordata suspensiva com a base no artigo 192, §1º, da Lei
11.101/2005. INDAGA-SE:
a) O Ministério Público possui legitimidade recursal nesta hipótese?
b) A decisão acima desafia recurso?
c) Poderia ter sido deferida concordata suspensiva à sociedade empresária na
vigência da Lei 11.101/2005?

Reposta à Questão Extra

a) Não há esta legitimidade: oficiando como fiscal da lei, o MP só tem


legitimidade recursal para a tutela de interesses indisponíveis, o que não é o caso
da concordata, para o STJ. Ademais, o MP não poderia jamais pleitear a
desconstituição da concordata, eis que este instituto primava pela manutenção

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

da empresa, o que é, isto inegavelmente, do interesse público. Contudo, mesmo


nesta Corte, há quem defenda que haja sim esta legitimidade, por ser patente o
interesse público na concordata.
b) O despacho que manda processar a concordata é irrecorrível. Veja a súmula 264
do STJ:

“Súmula 264, STJ: É irrecorrível o ato judicial que apenas manda processar a
concordata preventiva.”

Esta discussão se reprisa quanto ao ato que manda processar a


recuperação judicial, hoje; seguindo o STJ a mesma orientação, provavelmente
não caberá recurso também.
c) Segundo o STJ, sim: de acordo com o artigo 192, § 1º, da nova lei, se a falência
foi decretada antes de 9 de junho de 2005, ou seja, antes da vigência da Lei
11.101/05, aquele devedor faz jus ao instituto da época, mesmo sendo deferido
hoje. Há quem critique esta posição, mas é o entendimento desta Corte.

A respeito, veja o REsp. 971.215:

“REsp 971215 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro HUMBERTO


GOMES DE BARROS. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do
Julgamento: 21/08/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 15/10/2007 p. 268.
Ementa:
I - Não ofende o Art. 535 do CPC o acórdão que, apesar de rejeitar embargos
declaratórios, examina todas as questões postas pelo embargante.
II - A Súmula 99, ao declarar a legitimidade do Ministério Público para recorrer
nos processos em que oficia como fiscal da lei, refere-se estritamente à defesa de
interesses indisponíveis. Não alcança, pois, a concordata, onde se envolvem apenas
interesses disponíveis do comerciante e de seus credores quirografários.
III - No moderno Direito falimentar, o interesse social preponderante é manter a
empresa em atividade (L. 11.101/05, Art. 1º). Por isso o Ministério Público carece
de interesse para pleitear a desconstituição da concordata.
IV - “O despacho que manda processar a concordata é irrecorrível.” (3ª Turma -
REsp 125126/Menezes Direito)
V - A teor da Lei 11.101/05 (Art. 192), os processos de falência ou de concordata
ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, continuarão sob regência do
Dec-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945.
VI - § 1º Ao vedar a concessão de concordata suspensiva nos processos de
falência em curso, o § 1º do Art. 192 parece entrar em conflito com seu caput,
afastando dos velhos falidos a regência da lei antiga e retirando-lhes o direito à
concordata suspensiva. Fosse esse o sentido do § 1º, ele seria inconstitucional,
porque atentaria contra os princípios da igualdade e do direito adquirido, reduzindo
os velhos falidos a situação inferior à dos novos (que contam com a possibilidade
de recuperação judicial).
VII - O conflito, entretanto, é aparente. Em substância, o § 1º consagra norma
autônoma, desvinculada do caput. O preceito nele contido determina que, enquanto
as falências decretadas antes da Lei nova regem-se integralmente pela lei velha; as
novas falências – em curso, mas não decretadas antes do estatuto novo – são
insuscetíveis de resultar em concordata.”

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema II

FALÊNCIA. Juízo da falência. Legitimidade ativa e passiva na falência. Créditos inexigíveis na falência.
Exclusão da falência.

Notas de Aula3

3
Aula ministrada pelo professor Juan Luiz Souza Vazquez, em 11/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1. Legitimidade ativa na falência

O artigo nuclear da legitimidade ativa na falência é o 97 da Lei 11.101/05:

“Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:


I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da
sociedade;
IV – qualquer credor.
§ 1º O credor empresário apresentará certidão do Registro Público de Empresas
que comprove a regularidade de suas atividades.
§ 2º O credor que não tiver domicílio no Brasil deverá prestar caução relativa às
custas e ao pagamento da indenização de que trata o art. 101 desta Lei.”

Vejamos cada caso.

1.1. Autofalência

Para a confissão de falência, a autofalência, a legitimidade ativa assiste ao próprio


empresário que se vê em estado de quebra. Se a sociedade contar com sócios de
responsabilidade ilimitada – como o ostensivo na sociedade em nome coletivo, por
exemplo –, estes sócios deverão ser necessariamente intimados a se manifestar sobre a
confissão de falência, porque também falirão, como dispõe o artigo 81 da Lei 11.101/05:

“Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente
responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos
efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser
citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.
§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado
voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois)
anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do
contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência.
§ 2º As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores
ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão
sujeitos às obrigações que cabem ao falido.”

Confessar a falência é um dever ou uma faculdade do empresário ou da sociedade


empresária? O caput do artigo 105 da Lei 11.101/05 parece indicar um dever, mas tem
prevalecido o entendimento de que é uma faculdade deste devedor, e não uma obrigação –
principalmente por não haver sanção pela não confissão de falência. Veja:

“Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos
requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua
falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade
empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos:
(...)”

Esta é a posição consolidada: a autofalência trata-se de uma faculdade. Há, porém,


quem discorde da maioria, e repute que há, sim, dever de requerer autofalência, pois a

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

consequência de não confessar falência quando necessário está prevista no artigo 82 da lei
em tela, que imputa responsabilidade aos incumbidos de fazê-lo:

“Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos


controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas
respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da
realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado
o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.
§ 1º Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de
encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste
artigo.
§ 2º O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas,
ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade
compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de
responsabilização.”

Ora, se o devedor se percebe em situação de penúria tal que não pode conservar a
atividade empresarial, e insiste em prolongar aquela anomalia, provavelmente contraindo
mais dívidas, está consumindo ativos indevidamente, pois se confessasse a falência desde
logo provavelmente resguardaria mais ativos do que quando sua falência for requerida
adiante por algum credor. Este prejuizo aos credores gera responsabilidade.
Esta tese que defende o dever de confessar falência, inovativa, é baseada no
instituto estadunidense denominado deepening insolvency, (aprofundamento, agravamento
da insolvência, em livre tradução). Esta teoria apregoa justamente esta responsabilidade
pelo prolongamento de uma situação gravosa, majorando ainda mais o passivo da empresa.
Trata-se, mais tecnicamente, de uma causa específica de imputação de responsabilidade
pelos danos gerados em razão do prolongamento artificial da vida da sociedade para além
do início do estado de insolvência, agravando a crise econômico-financeira diante da
inexistência de ativos suficientes e assunção de novas dívidas.
A respeito, veja um julgado da jurisprudência norte-americana, da Corte de
Delaware:

“(...) Delaware law imposes no absolute obligation on the board of a company that
is unable to pay its bills to cease operations and to liquidate. Even when the
company is insolventy, the board may pursue, in good faith, strategies to maximize
the value of the firm”. (Trenwick America Litigation Trust v. Ernst & Young, L. L.
P., 906 A. 2d 168, 204 (Del. CH. 2006)4.”

Destarte, para esta corrente inovativa, os administradores poderão ser


responsabilizados na hipótese de decidirem não liquidar a companhia, quando evidenciada
a dificuldade econômico-financeira, se o prolongamento das atividades for prejudicial aos
ativos da empresa, e se este prolongamento se demonstrar carente de boa-fé, pois se os
administradores realmente julgaram que, com a continuidade da empresa, poderiam reverter
o quadro de dificuldades, não há que se cominar-lhes sanção – a boa-fé afasta a
responsabilidade pela falta de declaração de autofalência. Para que haja esta imputação,
esta responsabilização pelo aprofundamento da dívida por conta da não confissão de
4
Tradução pessoal: “A lei de Delaware não impõe obrigação absoluta, ao conselho administrativo de uma
companhia que está incapaz de pagar suas dívidas, da cessação das operações e sua liquidação (nossa
autofalência). Mesmo quando a companhia está insolvente, o conselho pode perseguir, de boa-fé, estratégias
para maximizar o valor da empresa”.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

falência, é necessário que esta responsabilidade seja analisada à luz da regra do business
judgment rule, ou seja, será imputado se contrariar as regras das decisões negociais.
Entenda: a decisão do administrador em dar continuidade ou não aos negócios é
uma decisão negocial, que foge à expertisse do Judiciário. É uma decisão insindicável em
seu mérito, porque apenas ao negociante é dado julgar se há ou não condições de reverter a
dificuldade em que a empresa se encontra (como dispõe o próprio caput do artigo 105,
supra, ao falar que “O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos
requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência
(...)”). Sendo assim, a autofalência, para esta corrente, é um dever, e seu descumprimento
gera responsabilidade para o administrador, desde que o prosseguimento das atividades não
seja de boa-fé, não cabendo ao Judiciário se imiscuir no mérito desta decisão de
continuidade, senão quanto ao ânimo do administrador em reverter realmente a situação de
dificuldade5.
Confessada a falência, não necessariamente será esta decretada, porque como em
qualquer outra falência precisam estar presentes seus pressupostos.
Requerida e deferida a autofalência, pode o autor do pedido, o falido, recorrer da
decisão? A resposta é positiva, mas este recurso só poderá atacar elementos acessórios da
sentença de decretação da falência (discordância do termo legal fixado, ou da nomeação do
administrador judicial, etc.). Há quem defende que até mesmo contra a essência da
sentença, ou seja, contra a própria decretação da falência, é possível ao confesso recorrer,
por conta de uma eventual modificação, no ínterim entre a confissão e a decretação da
falência, do estado econômico da empresa. Se porventura a empresa melhorar seu estado de
insolvência e não mais desejar falir, pode recorrer para tanto.

1.2. Falência post mortem

Trata-se da hipótese do artigo 97, II, da Lei 11.101/05, supra: pode requerer falência
o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante. Por óbvio, trata-
se de falência do empresário individual – pessoa jurídica não tem cônjuge sobrevivente.
A idéia desta falência post mortem é possibilitar o resgate moral daquele de cujus, o
que pode ser intentado pelo cônjuge, companheiro, herdeiro ou inventariante, a despeito do
regime de bens.

5
O legislador brasileiro adotou esta teoria da irresponsabilidade pelo prejuízo gerado de boa-fé no artigo 159,
§ 6º, da Lei 6.404/76, a Lei da S/A:

“Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-


geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos
causados ao seu patrimônio.
(...)
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se
convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1.3. Demais credores

1.3.1. Credor empresário

Para ser legitimado ativo na falência, o credor empresário precisa ser regular.
Deverá provar a sua regularidade e, portanto, a sociedade em comum não poderá requerer a
falência de um devedor empresário.
Para ser considerado regular, é preciso que esteja registrado corretamente, para a
maior parte da doutrina e jurisprudência. Contudo, há quem entenda que é regular aquele
empresário que, além de devidamente registrado, também esteja em atividade, em regular
exercício da empresa. Neste sentido, veja o Agravo de Instrumento 2008.002.11120, do
TJ/RJ:

“Processo : 0011812-59.2008.8.19.0000 (2008.002.11120). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 06/08/2008
- DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL.
REQUERIMENTO DE FALENCIA. CREDOR EMPRESARIO. EXERCICIO
REGULAR DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. EXIGENCIA DE
COMPROVACAO. ILEGITIMIDADE ATIVA.
FALÊNCIA. REQUERIMENTO DE FALÊNCIA. ALEGAÇÃO DE
IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL E DE
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. PRELIMINARES REJEITADAS PELA
DECISÃO AGRAVADA. O CREDOR EMPRESÁRIO PARA REQUERER A
FALÊNCIA DO DEVEDOR DEVE SATISFAZER REQUISITOS ESPECIAIS,
NÃO EXIGIDOS PARA O CREDOR COMUM. DE ACORDO COM O ART. 97
DA LEI Nº 11.101/05 DEVE O CREDOR EMPRESÁRIO COMPROVAR A
REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DO COMÉRCIO, EXIBINDO A
INSCRIÇÃO INDIVIDUAL OU O REGISTRO DOS ATOS CONSTITUTIVOS
DA SOCIEDADE COMERCIAL. A PROVA TRAZIDA PELO AGRAVADO, A
QUEM INCUMBIA O ÔNUS DA PROVA, DE QUE POSSUI ESCRITÓRIO
NESTA CIDADE, NÃO É SUFICIENTE PARA COMPROVAR O EXERCÍCIO
REGULAR DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. RECURSO PROVIDO.”

1.3.2. Fazenda Pública

A legitimidade ativa da Fazenda Pública para requerer falência é discutida.


Leonardo Marques e Fabio Konder Comparato entendem que sim, pela simples ausência de
vedação legal. Esta, contudo, não é a posição dominante, como se vê no REsp. 164.389:

“REsp 164389 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro CASTRO FILHO.


Relator p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Órgão
Julgador - SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento: 13/08/2003. Data da
Publicação/Fonte: DJ 16/08/2004 p. 130.
Ementa: PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA FORMULADO PELA
FAZENDA PÚBLICA COM BASE EM CRÉDITO FISCAL. ILEGITIMIDADE.
FALTA DE INTERESSE. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO.
I - Sem embargo dos respeitáveis fundamentos em sentido contrário, a Segunda
Seção decidiu adotar o entendimento de que a Fazenda Pública não tem
legitimidade, e nem interesse de agir, para requerer a falência do devedor fiscal.
II - Na linha da legislação tributária e da doutrina especializada, a cobrança do
tributo é atividade vinculada, devendo o fisco utilizar-se do instrumento afetado
pela lei à satisfação do crédito tributário, a execução fiscal, que goza de

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

especificidades e privilégios, não lhe sendo facultado pleitear a falência do devedor


com base em tais créditos.”

Veja outro julgado do STJ, neste sentido:

“REsp 287824 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro FRANCISCO


FALCÃO. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento:
20/10/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 20/02/2006 p. 205.
Ementa: TRIBUTÁRIO E COMERCIAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO
PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ.
ART. 204 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. FAZENDA PÚBLICA.
AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A FALÊNCIA DO
COMERCIANTE CONTRIBUINTE. MEIO PRÓPRIO PARA COBRANÇA DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS.
IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AO
REGIME DE CONCURSO UNIVERSAL PRÓPRIO DA FALÊNCIA. ARTS. 186
E 187 DO CTN.
I - A Certidão de Dívida Ativa, a teor do que dispõe o art. 204 do CTN, goza de
presunção de certeza e liquidez que somente pode ser afastada mediante
apresentação de prova em contrário.
II - A presunção legal que reveste o título emitido unilateralmente pela
Administração Tributária serve tão somente para aparelhar o processo executivo
fiscal, consoante estatui o art. 38 da Lei 6.830/80. (Lei de Execuções Fiscais)
III - Dentro desse contexto, revela-se desnecessário o protesto prévio do título
emitido pela Fazenda Pública.
IV - Afigura-se impróprio o requerimento de falência do contribuinte comerciante
pela Fazenda Pública, na medida em que esta dispõe de instrumento específico
para cobrança do crédito tributário.
V - Ademais, revela-se ilógico o pedido de quebra, seguido de sua decretação, para
logo após informar-se ao Juízo que o crédito tributário não se submete ao concurso
falimentar, consoante dicção do art. 187 do CTN.
VI - O pedido de falência não pode servir de instrumento de coação moral para
satisfação de crédito tributário. A referida coação resta configurada na medida em
que o art. 11, § 2º, do Decreto-Lei 7.661/45 permite o depósito elisivo da falência.
VII - Recurso especial improvido.”

Veja também o informativo 389 desta Corte:

“FALÊNCIA. APRESENTAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO.


Os arts. 187 do CTN e 29 da Lei n. 6.830/1980 não representam óbice à habilitação
de créditos tributários no concurso de credores da falência; tratam, na verdade, de
prerrogativa da entidade pública em poder optar entre o pagamento do crédito pelo
rito da execução fiscal ou mediante habilitação. Escolhendo um rito, ocorre a
renúncia da utilização do outro, não se admitindo uma dúplice garantia. O fato de
permitir a habilitação do crédito tributário em processo de falência não significa
admitir o requerimento de quebra por parte da Fazenda Pública. No caso, busca-
se o pagamento de créditos da União representados por onze inscrições em dívida
ativa que, em sua maioria, não foram objeto de execução fiscal em razão de seu
valor. Diante dessa circunstância, seria desarrazoado exigir que a Fazenda
Nacional extraísse as competentes CDAs e promovesse as respectivas execuções
fiscais para cobrar valores que, por razões de política fiscal, não são ajuizáveis (Lei
n. 10.522/2002, art. 20), ainda mais quando o processo já se encontra na fase de
prestação de contas pelo síndico. Nesse contexto, a Turma determinou o retorno
dos autos ao Tribunal de origem para verificação da suficiência e validade da
documentação acostada pela Procuradoria da Fazenda Nacional a fim de fazer

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

prova de seu pretenso crédito. Precedentes citados: REsp 402.254-RJ, DJe


30/6/2008; REsp 988.468-RS, DJ 29/11/2007; REsp 185.838-SP, DJ 12/11/2001, e
REsp 287.824-MG, DJ 20/2/2006. REsp 1.103.405-MG, Rel. Min. Castro Meira,
julgado em 2/4/2009.” (grifo nosso)

A ilegitimidade ativa da Fazenda não se confunde com a impossibilidade de


habilitar créditos no bojo da massa falida, em falência já em andamento (vide grifo no
informativo transcrito acima). É possível à Fazenda habilitar seus créditos na falência em
curso, ou executá-los no rito da Lei de Execuções Fiscais, o que não lhe dá legitimidade
ativa para requerer a quebra.
A impossibilidade de requerer falência decorre da alta vinculação do procedimento
de exigência de créditos públicos, que tem que observar necessariamente a Lei de
Execuções Fiscais, para todos os créditos da Fazenda. Além do mais, a Fazenda goza de
privilégios nesta execução fiscal que não são coadunados com a execução coletiva
empreendida na falência, pelo que lhe faltaria interesse.
Um último argumento contra a legitimidade ativa da Fazenda na falência é a
inadmissibilidade, pelo STJ, do protesto da certidão da dívida ativa. Esta Corte não admite
protesto da CDA, que seria o título ensejador de um eventual pedido de falência pela
Fazenda, e sem este protesto não pode ser requerida falência. Vale dizer que, sobre o
protesto da CDA, há severa discussão, e no Estado do Rio de Janeiro há lei estadual 6
permitindo e regulamentando este protesto, contrariando a jurisprudência firme do STJ (em
São Paulo, predomina entendimento que, havendo lei permitindo o protesto da CDA, este é
possível, mas mesmo lá persiste a discussão).

1.3.3. Ministério Público

O requerimento inicial de falência pelo MP é discutível. Sérgio Campinho admite


esta legitimidade ativa, com base no artigo 94, I, da lei em tela, há pouco transcrito,
lastreado este pedido no descumprimento de um TAC, que, levado a protesto, ensejaria o
pedido de falência; ou com base em uma execução de condenação em ação civil pública
frustrada.

6
Sobre esta lei estadual, há duas Representações de Inconstitucionalidade em curso no TJ/RJ:
2009.007.00020 e 2009.007.00055, pendendes de julgamento. Não há liminar deferida. Há também o REsp.
1.139.774/SP, pendente de julgamento, em que o STJ vai enfrentar a questão.
O argumento principal do Estado, pugnando pela validade da lei, é de que o protesto não tem a única
finalidade de garantir um título executivo extrajudicial; pelo contrário, tem a finalidade principal de impor o
pagamento no prazo de três dias e também de dar publicidade à impontualidade do devedor.
Sobre o argumento de que o ERJ tem que se valer da LEF, defende o Estado que a LEF é muito mais
gravosa ao devedor do que o simples protesto. Além disso, o protesto se dá em fase pré-judicial, sendo
possível ao ERJ se valer de todos meios legais para que o devedor pague o débito. Se não fosse assim, o
Estado não poderia, antes da execução fiscal, transacionar, receber bem em dação em pagamento, conceder
moratória, etc. Tudo, obrigatoriamente, acabaria em execução fiscal.
No mais, há créditos de pequena monta que não justificam a execução fiscal (a execução é mais
dispendiosa financeiramente que o próprio crédito a ser recebido). Em relação a esses créditos, resta latente o
interesse do ERJ em realizar o protesto. No Estado do Rio de Janeiro esse limite é de R$ 300,00 – créditos
abaixo desse valor não são executados. Porém, no âmbito federal, a PFN estabeleceu um limite de
R$10.000,00.
Por fim, há ainda o provimento da Corregedoria do TJ/RJ n.º 31/2009, que literalmente autoriza o
protesto pela Fazenda Pública.

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Contudo, como já se pôde antever no REsp. 971.215, há pouco abordado, o STJ


entende que não há interesse do MP em ver uma empresa quebrar, pelo que ali reputa-o
ilegitimado ativo. Parece que a orientação do STJ é mais coerente, de fato, pelo seguinte: a
quebra de uma empresa é contrária ao interesse público, contrária à função social da
empresa. Por isso, é incompatível com as atribuições do MP requerer a quebra de uma
empresa.

1.3.4. Sindicatos

O sindicato não tem legitimidade para requerer falência em nome de seus


sindicalizados, por créditos por eles titularizados. São apenas capazes para representar os
sindicalizados em assembléias de credores. Todavia, quando o sindicato, pessoa jurídica,
for o próprio titular do crédito inadimplido, ele poderá, como qualquer credor, requerer a
falência.
A respeito, veja o Agravo de Instrumento 2007.002.12135, do TJ/RJ:

“Processo: 0026689-38.2007.8.19.0000 (2007.002.12135). 4ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. REINALDO P. ALBERTO FILHO - Julgamento:
31/07/2007 - QUARTA CAMARA CIVEL.
E M E N T A: Agravo Inominado. Art. 557 do C.P.C. Embargos de Declaração que
teve o seu seguimento negado. Inexistência de procuração outorgada pela massa
falida. Traslado obrigatório. Exegese do artigo 525, inciso I do Digesto Processual
Civil. Mesmo que ultrapassado o vício antes apontado, o Agravo de Instrumento
manejado estaria fadado ao insucesso. Sindicato Recorrente não detém
legitimidade para defender os interesses dos trabalhadores nos autos falimentares.
Inteligência do § 5° do artigo 37 da hodierna Lei de Falência. Aludido dispositivo
legal autoriza tão-somente que os Sindicatos de Trabalhadores representem seus
associados em Assembléia Geral de Credores, não para fins de integrar um dos
pólos do feito. Ausência de qualquer omissão, obscuridade e/ou contradição no V.
Acórdão, para justificar a interposição de Embargos Declaratórios. Impossibilidade
de prequestionamento em via de Embargos de Declaração. Evidentemente
inconformismo do Embargante com a solução dada pelo Colegiado, que deve ser
enfrentada em sede própria. Impertinência dos Embargos, autoriza a aplicação do
art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal.
Tese supra é a mesma do V. Aresto proferido pelo C. Órgão Especial deste E.
Tribunal, apreciando Agravo do § 1° do art. 557 do Digesto Processual, interposto
no Mandado de Segurança n ° 425/00. Negado Provimento.”

1.3.5. Credor estrangeiro

O credor estrangeiro pode pedir falência do devedor, mas para tanto deverá prestar
caução para garantir o juízo, tendo em vista a possibilidade de ser fixada indenização em
favor do réu, quando for julgado improcedente o pedido e constatado o dolo no
requerimento de falência.
A sociedade estrangeira é identificada, como se sabe, por exclusão: toda aquela que
não for regularmente constituída aqui, segundo a legislação brasileira, é estrangeira.

1.3.6. Credor com garantia real

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Credor com garantia real carece de interesse para requerer falência do devedor,
porque a execução da garantia lhe favorece a pretensão, não havendo interesse-necessidade
no pedido de falência.
Contudo, se o credor renunciar à garantia, ganhará este interesse em requerer
falência. Também terá este interesse se comprovar que a garantia não é suficiente para
adimplir todo seu crédito, pois da parte sobejante passa a ser credor quirografário – tendo
perfeito interesse e legitimidade para requerer falência, portanto.
Assim já dizia o DL 7.661/45, no artigo 9º, III, “b”:

“Art. 9º A falência pode também ser requerida:


(...)
III - pelo credor, exibindo título do seu crédito, ainda que não vencido, observadas,
conforme o caso, as seguintes condições:
(...)
b) o credor com garantia real se a renunciar ou, querendo mantê-la, se provar que
os bens não chegam para a solução do seu crédito; esta prova será feita por exame
pericial, na forma da lei processual, em processo preparatório anterior ao pedido de
falência se êste se fundar no artigo 1º, ou no prazo do artigo 12 se o pedido tiver
por fundamento o art. 2º;
(...)”

Veja o informativo 399 do STJ:

“FALÊNCIA. CREDOR. GARANTIA REAL.


A massa falida de um banco, insatisfeita com a impontualidade no pagamento de
nota promissória vencida e protestada vinculada a uma dívida garantida por
hipoteca, pediu a falência de uma companhia (art. 1º do DL n. 7.661/1945). Sucede
que houve a celebração de acordo entre as partes, o que levou o juiz a extinguir o
processo (art. 269, III, do CPC). Note-se que o valor da transação foi depositado.
Então, o sócio majoritário do banco falido recorreu da sentença, ao fundamento de
que, por má gestão do liquidante, o valor da transação tornou-se ínfimo, a causar
prejuízos. Porém, o TJ, ao averiguar que o pedido de falência veio lastreado em
título garantido por hipoteca, reconheceu, de ofício, que o pedido da falência era
descabido, diante do que dispõe o art. 9º, III, b, do DL n. 7.661/1945, e indeferiu a
inicial pela impossibilidade jurídica do pedido (art. 295, parágrafo único, III, do
CPC), daí o recurso especial. Nesse contexto, em razão da jurisprudência deste
Superior Tribunal, não há como reconhecer que houve renúncia tácita ao privilégio
em razão do requerimento de falência do devedor, pois ela há que ser sempre
expressa. Anote-se que a falência é instituto reservado a credores quirografários em
busca da partilha, em rateio, dos bens do devedor, para a satisfação, mesmo que
reduzida, de seus créditos. Assim, de acordo com volumosa doutrina, a beneficiária
de hipoteca, que notadamente não é credora quirografária, não pode requerer a
falência se não desistir dessa garantia ou provar, em procedimento prévio, que o
bem em questão não é suficiente à satisfação do crédito. É certo, também, que
matéria de ordem pública referente à falta de condição da ação, tal qual a constante
dos autos (impossibilidade jurídica do pedido), pode ser conhecida a qualquer
tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC). Dessarte, revela-se irretocável
o acórdão recorrido quando declara a inépcia da inicial. Por último, vê-se que há,
nos autos, pedido de levantamento do numerário depositado, o que melhor será
apreciado pelo juízo singular com o retorno dos autos, visto que há que se
preservar a possibilidade de invocação do duplo grau de jurisdição. Precedentes
citados: REsp 117.110-MG, DJ 19/8/2002, e REsp 118.042-SP, DJ 11/10/1999.
REsp 930.044-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 16/6/2009.”

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1.3.7. Sociedade de economia mista e empresa pública

O artigo 2º da Lei 11.101/05 dispõe que:

“Art. 2º Esta Lei não se aplica a:


I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio,
entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de
assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras
entidades legalmente equiparadas às anteriores.”

Se as empresas estatais não podem falir, não poderiam também requerer falência,
para parte da doutrina, a qual conta com mais um argumento: se o Estado não pode requerer
falência, suas entidades da administração indireta igualmente não poderiam. Contudo, esta
corrente não prevalece, sendo admitida a legitimidade destas estatais no pólo ativo.
O problema, aqui, reside mesmo é no pólo passivo, o que se verá no próximo
tópico.

2. Legitimidade passiva na falência

2.1. Empresas estatais

Para Haroldo Malheiros, as empresas públicas e as sociedades de economia mista


estão sujeitas à falência diante de qualquer situação relacionada no artigo 94 da nova lei,
sendo inconstitucional o artigo 2º, I, supra, pois viola o artigo 173 da CRFB, que veda
privilégios à sociedade estatal que participe do mercado econômico, em relação às demais
pessoas jurídicas de direito privado (e a imunidade à falência é um enorme privilégio).
Paulo Salles de Toledo entende que a norma acertadamente excluiu da falência e da
recuperação judicial e extrajudicial empresa pública, porque esta se caracteriza,
basicamente, por ter criação autorizada por lei, por ter seu capital formado exclusivamente
pela participação do Estado (aí incluída tanto a administração pública direta quanto a
indireta), e ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas. Segundo o autor, por meio da empresa
pública, o Estado, vestindo roupagem empresarial, intervém no domínio econômico, em
segmentos em que o acentuado interesse público reclama sua atuação. Sendo o capital
dessas empresas inteiramente provido pelo Estado, não faz sentido que a forma empresarial
prevaleça sobre a substância. A hipótese, vista sob este ângulo, aproxima esses entes das
autarquias e dos próprios órgãos da administração direta, o que mostra inviável a aplicação
da Lei 11.101/2005.
No entanto, no que tange a sociedade de economia mista, Paulo Salles de Toledo
entende que a não submissão desta à Lei 11.101/2005 significou um verdadeiro retrocesso,
porque muito embora seja uma companhia controlada majoritariamente pelo Estado, nada
impede que a sua participação no capital seja inferior a cinquenta por cento, caso em que a
maioria dos seus acionistas serão particulares, e o capital, em sua maioria, teria origem
privada. Além disso, o autor sustenta que essas sociedades atuam no mercado ao lado das
empresas privadas, concorrendo com estas, não se justificando o privilégio concedido a
sociedade de economia mista em detrimento das demais.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Mas a principal justificativa do autor Paulo Salles de Toledo para o retrocesso da


Lei 11.101/05 com relação à sociedade de economia mista se deu porque a Lei 10.303/01
revogou o artigo 242 da Lei 6.404/76. Este dispositivo excluía as sociedades de economia
mista da falência. Com a revogação do referido dispositivo pela citada lei, essas sociedades
passaram a se sujeitar à falência. Ocorre que, com o advento da Lei 11.101/05, novamente a
sociedade de economia mista deixaram de se submeter a lei de falências – daí o retrocesso.
Já para Manoel Justino Bezerra Filho e Marcos Juruena, não estão sujeitas à
falência, pois apenas poderiam ser extintas por simetria à sua constituição, ou seja, através
de autorização contida em lei específica.
Celso Antônio Bandeira de Mello faz interpretação conforme a Constituição: para
ele, se a estatal explora atividade econômica, de fato, não pode haver este privilégio – é
sujeita a falir; se presta serviço público, porém, pode haver o privilégio, e não sofrerá
falência.
Adotando a corrente de Marcos Juruena, veja o seguinte julgado do TJ/RJ:

“Processo: 0020789-73.2004.8.19.0002 (2006.001.00228). 1ª Ementa –


APELACAO. DES. ROBERTO FELINTO - Julgamento: 01/08/2006 - DECIMA
SEGUNDA CAMARA CIVEL.
APELAÇÃO. Requerimento de falência. Instituto Vital Brazil. Sociedade de
Economia Mista. Regime jurídico diverso do das sociedades anônimas
exclusivamente privadas. Dissolução apenas mediante lei autorizadora, por
simetria à sua constituição. Impossibilidade jurídica do pedido falimentar. Extinção
do processo sem julgamento do mérito. Sentença cuja confirmação se impõe.
Desprovimento do apelo.”

2.2. Cooperativas de crédito e instituições financeiras privadas ou públicas não federais

O artigo 2º, II, da Lei 11.101/2005 diz expressamente que não é possível decretar
falência destas entidades. Contudo, este dispositivo deverá ser interpretado em conjunto
com o artigo 197 do mesmo diploma, que remete à aplicação subsidiária da Lei 6.024/74:

“Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei
aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei
no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no
Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de
novembro de 1997.”

Com esta remissão, poderão ser aplicados os artigos 1º; 12, “d”; e 21, “b”, todos da
Lei 6.024/74:
“Art . 1º As instituições financeiras privadas e as públicas não federais, assim
como as cooperativas de crédito, estão sujeitas, nos termos desta Lei, à intervenção
ou à liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco
Central do Brasil, sem prejuízo do disposto nos artigos 137 e 138 do Decreto-lei nº
2.627, de 26 de setembro de 1940, ou à falência,, nos termos da legislação
vigente.”

“Art . 12. À vista do relatório ou da proposta do interventor, o Banco Central do


Brasil poderá:
(...)
d) autorizar o interventor a requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não
for suficiente para cobrir sequer metade do valor dos créditos quirografários, ou

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

quando julgada inconveniente a liquidação extrajudicial, ou quando a


complexidade dos negócios da instituição ou, a gravidade dos fatos apurados
aconselharem a medida.”

“Art . 21. A vista do relatório ou da proposta previstos no artigo 11, apresentados


pelo liquidante na conformidade do artigo anterior o Banco Central do Brasil
poderá autorizá-lo a:
(...)
b) requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for suficiente para cobrir
pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver
fundados indícios de crimes falimentares.
(...)”

Destarte, embora as cooperativas de crédito e as instituições financeiras privadas, ou


públicas não federais, não possam ter a falência requerida por outrem, pode o interventor ou
o liquidante pedir autorização ao Bacen para confessar a falência.
Neste sentido, veja o seguinte julgado do TJ/RJ:

“Processo : 0011674-29.2007.8.19.0000 (2007.002.31441). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. NORMA SUELY - Julgamento: 22/10/2008 -
DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA.
COOPERATIVA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE
AUTOFALÊNCIA. TRAMITAÇÃO PERANTE O JUÍZO DA 4ª VARA
EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO
FALIMENTAR PARA PROCESSAR E JULGAR O PEDIDO.
APLICABILIDADE DA LEI Nº. 11.101/05. POSSIBILIDADE
EXPRESSAMENTE PREVISTA NO ART. 1º, DA LEI Nº. 6.024/74 E
ADMITIDA NO ART. 197, DA LEI DE FALÊNCIAS. SUBSTITUIÇÃO DO
ADMINISTRADOR JUDICIAL E EXCLUSÃO DO PRIMEIRO AGRAVANTE:
DESCABIMENTO. INCONFORMISMO DO EXCIPIENTE QUE NÃO
MERECE ACOLHIMENTO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”

3. Competência

O juízo do principal estabelecimento é aquele onde está o centro dos negócios, ou


seja, o local onde a diretoria se reúne e toma das decisões. O STJ fala em “corpo vivo da
empresa”. Não pode ser confundido com a sede estatutária ou do contrato social.
A competência, apesar de territorial, é funcional, e portanto tem natureza absoluta.
Deve ser arguida em preliminar de contestação.
Em alguns casos haverá a coincidência entre o juízo do principal estabelecimento e
a sede contratual. Deve-se ter atenção, no entanto, com inúmeras fraudes que ocorrem na
transferência da sede para outros municípios. A competência do local do estabelecimento
principal é inafastável.
Paulo F. C. Salles de Toledo leciona que o legislador preferiu a noção econômica de
estabelecimento principal do devedor, por ser mais próxima da realidade, em detrimento da
noção estritamente jurídica de principal estabelecimento, que corresponde à sede da
sociedade empresária.
Oscar Barreto Filho anota que o conceito de estabelecimento matriz é jurídico,
prende-se à idéia de centro de direção dos negócios e à noção de estabelecimento principal
é econômica, pois diz respeito à concentração de valores patrimoniais. Assim, segundo o

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

autor, é preferível adotar na conceituação de estabelecimento principal o critério


quantitativo do ponto de vista econômico, qual seja, aquele em que a empresa ou o
empresário exerce maior atividade empresarial, sendo, portanto, mais expressivo em termos
patrimoniais.
Paulo F. C. Salles de Toledo reforça que, para os fins previstos no artigo 3º da Lei
11.101/05, a expressividade patrimonial é relevante, na medida em que consiste num
complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico. Essa expressividade
patrimonial irá relacionar-se ao local em que estiverem concentrados em maior número os
bens da empresa, ou em que estiver radicada boa parte de seus credores.
Assim, para que um estabelecimento seja considerado principal em relação a outros
da mesma sociedade ou do mesmo empresário, é preciso que se localizem os ativos mais
economicamente expressivos, ou que se situe na cidade em que estejam em maior número
os credores. Em suma, o principal estabelecimento é do lugar onde melhor se atendam os
fins da falência, quais sejam: a liquidação do ativo e do passivo do patrimônio do devedor.

4. Créditos excluídos da falência

Todos os credores deverão concorrer ao juízo falimentar, com vistas a receberem


seus créditos. É o princípio da universalidade subjetiva, já abordado. Entretanto, alguns
credores estão excluídos do juízo falimentar. Veja o artigo 5º da Lei 11.101/05:

“Art. 5º Não são exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência:


I – as obrigações a título gratuito;
II – as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial
ou na falência, salvo as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor.”

Credores a título gratuito estão excluídos do concurso de credores. Para Paulo F. C.


Salles de Toledo a razão de ser desta norma é de fácil intelecção: como o devedor se
encontra em dificuldades financeiras (que, no caso de falência, são insuperáveis), não é
razoável que assuma obrigações sem correspondente contrapartida. Estaria desse modo
desfalcando seu patrimônio, em prejuízo da coletividade de credores. A conduta, ainda que
eventualmente bem intencionada, é formalmente considerada prejudicial aos credores, tanto
que, na falência é qualificada como ineficaz em relação à massa falida.
O autor cita uma jurisprudência da Câmara Especial de Falência e Recuperações
Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo em que se entendeu não configurar obrigação
a título gratuito a concessão de aval por empresa controladora a sua controlada: não é
considerado como ato gratuito ou de mera liberalidade, se a controladora assumiu a
condição de principal devedora e solidariamente responsável pela dívida, tendo interesse
econômico para tanto.
Contudo, a doação remuneratória (como exemplo, a doação feita a uma equipe
médica que salva a vida de um familiar) e a doação com encargo podem ser habilitadas na
falência, pois não representariam uma simples liberalidade.
Os credores por prestações alimentícias são discutíveis. A lei antiga vedava
expressamente, mas a nova não faz qualquer menção, pelo que, a rigor, devem ser
concorrentes na falência, ao lado dos créditos trabalhistas, que têm esta natureza alimentar.
Em tese, como a obrigação é personalíssima e ocorre mudança na fortuna do devedor, não
deveria ser paga pela massa falida. Para Paulo de Salles Toledo, porém, podem habilitar a

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

prestação alimentícia como crédito extraconcursal – o que não é correto, pois só assumem
este caráter se assumidos tais créditos posteriormente à falência.
A multa tributária hoje é perfeitamente exigível do falido, não permanecendo a
vedação que outrora havia – está prevista no artigo 83, VII, da lei em tela.
As despesas realizadas individualmente para que os credores tomem parte na
falência (viagens, contadores, etc.) não podem ser cobradas do falido – não estando aqui
incluídas as custas e honorários advocatícios, por óbvio.

Casos Concretos

Questão 1

A requereu a falência de B. Citado, o devedor ofereceu defesa, alegando, em


preliminar, que seu principal estabelecimento se localiza em Rosana/SP, pois é o local de
sua sede, pelo que os autos devem ser remetidos para o juízo competente para conhecer da
matéria falimentar. No mérito alegou que o título executivo não é exigível, eis que
conforme documento acostado ao processo, houve dilação do prazo de pagamento, o que
descaracterizou a mora. Decida a questão preliminar e a de mérito apresentada pelo
requerido.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Resposta à Questão 1

A competência para a falência é a do principal estabelecimento do devedor, e é


absoluta; a sede contratual muitas vezes não corresponde a esta sede legal, devendo ser
respeitada a sede real. Neste sentido, veja os seguintes julgados do TJ/RJ:

“2ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. CHERUBIN HELCIAS


SCHWARTZ - Julgamento: 01/04/2008 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REQUERIMENTO DE FALÊNCIA.
COMPETÊNCIA. LOCAL DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO. CENTRO
DE ATIVIDADES. ARTIGO 3º DA LEI 11.101/2005. PRECEDENTES. ATO
ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA, ART. 601, DO CPC.
CONFIGURAÇÃO. Nos termos do art. 3º, da Lei 11.101/2005, competente para
apreciar e julgar processos de falência é o Juízo da Comarca onde está localizado o
principal estabelecimento, ou seja, o local onde está concentrado o centro de suas
atividades. Há de ser observado que o ato praticado pelo agravante enquadra-se no
disposto no art. 601, do CPC. Configurada, portanto, a hipótese de ato atentatório à
dignidade da justiça, a cominação de multa é medida que se impõe. Recurso
improvido.”

“AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007.002.16797. AGRAVO DE


INSTRUMENTO. FALÊNCIA. SENTENÇA DE QUEBRA. COMPETÊNCIA.
ART. 3º DA LEI 11.101/2005. 1. Pelo art. 3º, da Lei 11.101/2005, elege-se o local
do principal estabelecimento da empresa como foro competente para se ingressar
com pedido de falência. 2. Principal estabelecimento, apesar da controvérsia
doutrinária e jurisprudencial existente sobre o tema, é aquele em que se encontra
concentrado o maior volume de negócios da empresa; é o mais importante do
ponto de vista econômico, e não aquele a que os estatutos da sociedade conferem o
título de principal (...).
DES. BENEDICTO ABICAIR - Julgamento: 19/09/2007 - SEXTA CAMARA
CIVEL”

A competência é de Rosana, SP, portanto.


No mérito, o acordo celebrado entre as partes tem sido considerado, por alguns,
como moratória, causa de afastamento da impontualidade, mas a questão ainda é divergente
na jurisprudência. Entendendo que há moratória e elisão da impontualidade, veja o seguinte
julgado do TJ/RJ:

“APELAÇÃO 2006.001.17209. APELAÇÃO. Requerimento de falência. Acordo


celebrado entre as partes. Moratória concedida. Impossibilidade de decretação da
quebra ante a ausência do pressuposto de impontualidade. A coerção da via
falimentar não é substitutiva da ação de cobrança. Extinção do processo. Decisão
escorreita. Desprovimento do recurso. DES. JESSE TORRES - Julgamento:
10/05/2006 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.”

A corrente majoritária, porém, é de que o acordo firmado entre as partes não


configura moratória, e não impede a falência, só sendo moratória aquela dilação de prazo
conferida unilateralmente pelo credor.

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

CIA. TRITOREX teve a sua falência requerida por agente fiduciário de


debenturistas com garantia real. Em contestação, a devedora alega a ilegitimidade ativa
da autora e pede a extinção do processo sem resolução do mérito, fundamentando seu
argumento no fato de terem as debêntures garantia real. Analise a questão sob todos os
aspectos.

Resposta à Questão 2

A tese que nega legitimidade ao agente fiduciário dos debenturistas com garantia
real, com base no artigo 68, § 3º, “c”, da Lei 6.404/76, é a que prevalece:

“Art. 68. O agente fiduciário representa, nos termos desta Lei e da escritura de
emissão, a comunhão dos debenturistas perante a companhia emissora.
(...)
§ 3º O agente fiduciário pode usar de qualquer ação para proteger direitos ou
defender interesses dos debenturistas, sendo-lhe especialmente facultado, no caso
de inadimplemento da companhia:
(...)
c) requerer a falência da companhia emissora, se não existirem garantias reais;
(...)”

Destarte, o agente fiduciário não tem legitimidade ativa para requerer falência
baseado nas debêntures com garantia real. Além disso, os próprios credores debenturistas
com garantia real não tem interesse em requerer falência, porque a própria execução da
garantia lhes atende, faltando interesse-necessidade na falência.
Vale dizer que se o credor renunciar à garantia, ou provar que é insuficiente para
adimplir o crédito, poderá requerer falência. Neste sentido, se o agente fiduciário
comprovar que a garantia é insuficiente para adimplir o crédito (não pode renunciar, pois o
crédito não lhe pertence), também poderá requerer a falência, eis que esta deve ser a
interpretação do dispositivo supra: se a garantia é insuficiente, passa a parte sobejante a ser
considerada sem garantia real, e por isso cai na regra geral do dispositivo supra.

Tema III

FALÊNCIA. Rito Processual. Requerimento de falência com base na impontualidade, execução frustrada e
atos de falência. Defesas do devedor. Matéria relevante. Depósito elisivo.

Notas de Aula7

1. Rito processual da falência

Vistos os pressupostos processuais da falência, se pôde perceber que o legislador


adota uma guia restritiva para este instituto, tratando de forma diferenciada do regramento

7
Aula ministrada pela professora Marcela Maffei Quadra, em 12/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

de outrora aquele empresário ou sociedade empresária que atingiu ponto de inviabilidade


econômica insuperável. Se a crise é irreversível, a falência leva invariavelmente à
liquidação do patrimônio do falido, o que não era verdade no rito anterior: com o instituto
da concordata suspensiva, que existia à época, o devedor falido poderia reverter sua
situação de crise através do uso deste instituto.
A partir do artigo 94 da Lei 11.101/05, o legislador elenca as causas da falência:

“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à
penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de
recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou
fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar
pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da
totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de
todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar
a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com
bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para
pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio,
do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de
recuperação judicial.
§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo
para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.
§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela
não se possam reclamar.
§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será
instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9 o desta
Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto
para fim falimentar nos termos da legislação específica.
§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será
instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá
os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se
as que serão produzidas.”

Este dispositivo inaugura o procedimento da decretação de falência, e trabalha a


insolvência num plano presumido, identificando causas que trazem ao juiz a presunção de
irreversibilidade daquela crise econômica do devedor. O sistema adotado é o da presunção
de insolvência, e não o da prova contábil desta; as causas eleitas para fundamentar falência
demonstram insolvência, mas não a comprovam contabilmente, pelo confronto de ativo e
passivo. Há uma insolvência ficta, e não necessariamente real (pode até coincidir com a
real, mas não necessariamente).

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Note-se, portanto, que a presunção estabelecida nestas causas pode ser elidida, e a
simples desconstituição da presunção é suficiente para evitar a quebra do devedor. Um bom
exemplo desta dinâmica é quando um devedor se amolda ao inciso I do artigo supra, ou
seja, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente
a quarenta salários-mínimos – o que gera presunção de que está insolvente. Ocorre que o
artigo 98 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências permite que o devedor compareça
em juízo e deposite valor suficiente a quitar tal débito, o que se denomina de depósito
elisivo. Este depósito nada mais faz do que elidir a presunção de insolvência daquele
devedor. Veja:

“Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez)


dias.
Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta
Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente
ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários
advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado
procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo
autor.”

Mas repare que a efetivação do depósito elisivo não necessariamente reflete a


solvabilidade do devedor. Pode o depósito ser realizado e, mesmo assim, a comparação
entre ativo e passivo deste devedor ser negativa, ou seja, ainda ser insolvente. Mas, como se
adiantou, o legislador não se preocupou com a insolvência real, e sim com a presumida,
pelo que não é relevante esta situação – basta a desconstituição da presunção de insolvência
pelo devedor.
Note-se que esta dinâmica, na verdade, merece críticas, porque a tutela da ordem
econômica, da segurança do crédito, tudo o que é prezado pelo regramento falimentar,
deixa de ser atendido por esta elisão. Ao adotar o sistema da presunção para decretar
falência, pretendendo proteger mormente estes valores, o legislador produziu o mesmo
efeito na desconstituição da presunção, ou seja, o depósito elisivo permite que, legalmente,
um devedor cuja crise é de fato irreversível, seja mantido no mercado, porque
juridicamente sua crise foi revertida pela elisão da presunção.
Assim, pretendendo criar um regramento rígido, em que a mera presunção de
insolvência é suficiente para ensejar falência, o legislador criou também uma facilidade
tremenda para desconstituir tal presunção, havendo real contradição sistêmica, aqui.
Passando ao estudo concreto do rito falimentar, a Lei 11.101/05 traça duas fases
bem definidas no processo de falência. Em primeiro momento, com a entrada do pedido de
falência em juízo, seja ele proveniente de um credor ou do próprio devedor, tem início a
fase pré-falencial, fase cognitiva do rito falimentar. O estado de falência só pode ser
constatado depois da sentença, porque é um estado jurídico constituído pela sentença – até
ela, o que há é um estado pré-falencial, com feição cognitiva.
Neste primeiro momento, registrado o pedido de falência com fulcro em uma das
causas do artigo 94, supra, o devedor poderá se manifestar para afastar a presunção de sua
insolvência, produzindo provas que achar necessárias para tanto. Há, neste momento,
liberdade para se instruir o juízo sobre a real situação de fato do devedor, sendo possível a
discussão de toda a matéria de fato que envolve o pedido de falência.

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Chegando ao final desta fase, e culminando o procedimento em uma sentença que


decreta a quebra do empresário, instaura-se a segunda fase do rito falimentar, a fase
executiva. Por força da sentença de quebra, instaura-se o concurso de credores, sendo esta
decisão o marco temporal para a mudança no rito do processo falimentar, da fase cognitiva
para a fase de liquidação e pagamento dos credores do falido.
Na sentença de falência, o estado econômico presumido de insolvência passa a ser
jurídico, sendo este o grande efeito desta sentença: é com ela que se instaura o
procedimento de execução coletiva propriamente dito.
Como se pôde antever, esta sentença tem clara natureza constitutiva, apesar de ainda
haver quem defenda-a declaratória. Ela cria situação jurídica de quebra, o que apenas era
fundado em uma presunção de insolvência, até então. Além disso, há criação e modificação
de diversas relações do falido, o que aponta ainda mais para esta natureza constitutiva.

1.1. Causas da falência

O artigo 94 da Lei 11.101/05, supra, traz as causas de falência, como dito. Vejamos
cada caso.

1.1.1. Impontualidade

O inciso I do artigo 94 determina que a impontualidade do devedor pode ensejar


falência, ao mencionar que será decretada a falência do devedor que, sem relevante razão
de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos
executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a quarenta salários-mínimos na
data do pedido de falência.
A impontualidade falimentar é qualificada: para que o não pagamento seja
suficiente para sustentar a presunção de insolvência, deve ser uma falta de pagamento sem
relevante razão de direito, ou seja, se a impontualidade for gerada por razão suficiente para
tanto, não pode ser argüida como causa de falência. É o que se convencionou chamar de
matéria relevante, que pode ser invocada pelo devedor como defesa, e vem trazida no
artigo 96 da Lei 11.101/05:

“Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não
será decretada se o requerido provar:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a
cobrança de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação,
observados os requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido
de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o
qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
§ 1º Não será decretada a falência de sociedade anônima após liquidado e
partilhado seu ativo nem do espólio após 1 (um) ano da morte do devedor.

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 2º As defesas previstas nos incisos I a VI do caput deste artigo não obstam a


decretação de falência se, ao final, restarem obrigações não atingidas pelas defesas
em montante que supere o limite previsto naquele dispositivo.”

A presunção de insolvência gerada pela impontualidade, portanto, resta


desconstituída quando a defesa calcada em uma das matérias relevantes aqui apresentadas
for acolhida. Este rol é taxativo.
O inciso VII deste artigo supra merece comentários. O artigo antecedente, 95,
dispõe que:

“Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua


recuperação judicial.”

Assim, pode o devedor pleitear recuperação judicial na contestação do pedido de


falência, e, se assim o fizer, o inciso VII do artigo 96 estabelece que não se decretará sua
falência. Pode, inclusive, cumular pedido de recuperação judicial e contestação material dos
pedidos, sob outros fundamentos.
O pedido de recuperação já seria suficiente para impedir o curso da falência,
suspendendo-a até que seja analisada a possibilidade de que seja deferido o processamento
da recuperação, mas a falência somente não será decretada, definitivamente, se for deferida
a recuperação judicial: o pedido apenas suspende o curso, sendo necessário seu deferimento
para que a falência seja obstada definitivamente naquele processo.
Se a falência for obstada pela recuperação judicial requerida, convolar-se-á o rito,
prosseguindo-se no rito da recuperação. É claro que se, no curso da recuperação, agora
empreendida, houver motivos tais que justifiquem a decretação de falência, esta será
decretada – o que acontece em qualquer recuperação judicial, iniciada desta forma ou
originariamente requerida.
O termo fulminante da possibilidade de se requerer recuperação judicial como
matéria de defesa contra pedido de falência, na forma do artigo 95 supra, é o da
apresentação da contestação. Veja que tanto o prazo da contestação é este marco – perdido
o prazo sem contestar e sem requerer a recuperação, esta não mais pode ser requerida –,
quanto a própria apresentação de contestação sem requerimento de recuperação: se a
contestação for apresentada no quinto dia, por exemplo, e o pedido de recuperação for
apresentado no sétimo, não poderá ser processado. Apresentada a contestação, precluso está
o pedido de recuperação.
Sérgio Campinho defende que se assim ocorrer, na verdade, o pedido de
recuperação até poderá ser processado, mas não será tratado como matéria relevante do
artigo 96 da lei em tela. Com isso, não levará à suspensão da falência, mas se for julgado
antes o pedido de recuperação – como se recomenda – será considerado para eventual
deferimento do processamento da recuperação, quando, somente então, levará ao óbice da
falência. Para Campinho, então, este pedido extemporâneo de recuperação poderá obstar a
falência, mas não suspenderá a falência já quando de seu oferecimento, como faz quando é
tempestivo.
Este autor defende ainda que pode ser estendida a possibilidade do pedido de
recuperação da empresa aos casos em que a causa da falência for o inciso II do artigo 94,
ou seja, a execução frustrada – o devedor é executado por qualquer quantia líquida, não
paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal. A

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

extensão da possibilidade do pedido de recuperação se pauta, para ele, na falta de prejuízo


nesta providência, a todos os envolvidos.
O inciso VIII do artigo 96, supra, diz que é causa suficiente para impedir a
decretação da falência a prova da cessação das atividades da empresa há ao menos dois
anos.
O acolhimento das matérias relevantes que dizem respeito diretamente ao crédito
deduzido em juízo (incisos I a VI do artigo em questão) não impedirá a decretação da
falência se, mesmo assim, restar débito superior ao piso de quarenta salários-mínimos.
Na impontualidade qualificada, deste artigo 94, I, da Lei 11.101/05, além desta falta
de pagamento no vencimento, precisa ser acompanhada de alguns requisitos, previstos no
próprio dispositivo, quais sejam: a ausência de relevante razão de direito (as matérias
relevantes acima narradas); a dívida deve ser líquida e materializada em títulos executivos
protestados; e superar, somados os títulos, o piso de quarenta salários-mínimos.
A liquidez consiste, como se sabe, na certeza quanto à existência e determinação
quanto ao objeto – o an debeatur e o quantum debeatur estão definidos. Além disso, deve
ser crédito constante de títulos executivos judiciais ou extrajudiciais devidamente
protestados.
O protesto assume uma importância especial na falência. Este ato serve como
formalização do inadimplemento da obrigação consubstanciada no título. É ato formal
destinado a declarar o descumprimento de determinada obrigação constante de um título,
ato de incumbência privativa do tabelião de protestos.
No direito cambiário, o protesto se dá por falta de pagamento ou por falta de aceite,
e tem por finalidade formalizar o inadimplemento de uma destas obrigações cambiárias,
tendo por finalidade assegurar o direito de ação contra quem quer que seja coobrigado pelo
título.
Muito já se discutiu se estes protestos cambiários teriam o condão de preencher este
requisito do artigo 94, I, da Lei 11.101/05, ou seja, se serviriam para ensejar pedido de
falência por impontualidade. A doutrina e a jurisprudência sempre entenderam que sim: o
protesto cambial sempre foi suficiente para fins falimentares. A discussão se acirrava
quando se tratava do protesto cambiário por falta de aceite, porque a liquidez da obrigação
cambiária só existe se o devedor da obrigação tiver ciência de que contra si foi constituída a
dívida inadimplida. O aceite se trata justamente deste reconhecimento da obrigação pelo
sacado, que passa a ser aceitante. Ora, se o aceite inexiste, ou seja, se o sacado não aceitou
pagar aquela ordem que lhe foi exibida, o conteúdo deste protesto tem dupla função: provar
o descumprimento da obrigação constante do título; e provar o descumprimento, pelo
sacado, da obrigação de aceitar aquela ordem. Por isso, o protesto por falta de aceite só
supre a exigência falimentar nos títulos causais que permitam a execução do título contra o
sacado que não aceitou. Exemplo disso é a duplicata, pois o sacado tem dever de aceitar o
título, e, se não o faz, pode o protesto por falta de aceite ensejar sua execução (juntamente
com a prova da entrega da mercadoria).
Sobre isso, veja a súmula 248 do STJ, e o REsp. 228.637:

“Súmula 248, STJ: Comprovada a prestação dos serviços, a duplicata não aceita,
mas protestada, é título hábil para instruir pedido de falência.”

“REsp 228637 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro BARROS


MONTEIRO. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento:

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

18/03/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 07/06/2004 p. 229.


Ementa: PEDIDO DE FALÊNCIA. FALTA DE ACEITE. AUSÊNCIA DE PROVA
DA REMESSA DA DUPLICATA AO SACADO. TRIPLICATA PROTESTADA E
ACOMPANHADA DA PROVA DA ENTREGA DA MERCADORIA. TÍTULO
HÁBIL.
- Constitui título executivo, hábil a instruir o pedido de falência, a triplicata
protestada e acompanhada da prova de entrega da mercadoria, sendo dispensável a
comprovação formal da remessa da duplicata ao sacado para aceite, o qual se
presume em face da não devolução pelo devedor.
Recurso especial conhecido e provido.”

O último requisito é quantitativo: os títulos devem, somados, alcançar ao menos


quarenta salários-mínimos. Podem todos os títulos pertencer a um só credor ou a mais de
um, que, reunidos em litisconsórcio ativo, pedirão a falência do devedor comum – como
dispõe o § 1º do artigo 94 em comento.
O autor do pedido de falência não pode se valer de protestos feitos por terceiros
contra o devedor comum: o seu próprio título deve ser protestado.
Há títulos executivos que não estão sujeitos a protesto por falta de pagamento ou
por falta de aceite. Nestes casos, é imperativo o protesto especial para fins falimentares.
Exemplo disso é o cheque: apresentado e não pago, não é preciso protesto, pois a lei
regente dos cheques já permite a execução de imediato deste título impróprio. Outro
exemplo é um título executivo judicial, que não é protestado na forma cambiária, por óbvio,
precisando deste protesto especial.
O § 2º do artigo 94 da Lei 11.101/05 estabelece que dívidas inexigíveis no concurso
de credores não podem azoar pedido de falência, previsão de obviedade crassa. Dentre
estes, estão aqueles créditos enumerados como extraconcursais.

1.1.2. Execução frustrada

A inércia do devedor executado, na forma do artigo 94, II, da Lei 11.101/05, faz
presumir sua insolvência, e justifica o pedido de falência. Na verdade, é presumida uma
impontualidade ainda mais severa, porque já se descumpriu a obrigação, e inclusive já se
iniciou processo executivo, havendo inércia nesta execução por parte do devedor.
Diz o dispositivo que o devedor, executado por qualquer quantia líquida, não paga,
não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal, poderá ter sua
falência requerida. Ao assim se portar, esta dando indícios ainda mais severos de que não
arcará com seu passivo.
Para esta constatação, porém, deve estar clara a inércia do devedor, pois do
contrário não há execução frustrada, a rigor. Neste sentido, veja a seguinte nota do
informativo 412 do STJ:
“EXECUÇÃO INDIVIDUAL. FALÊNCIA. PENHORA.
A Turma decidiu que a nomeação extemporânea de bens à penhora, no juízo de
execução individual, impede o prosseguimento do pedido de falência (art. 652 do
CPC e art. 2º, I, da antiga Lei de Quebra, DL n. 7.661/1945). Com efeito, conforme
a melhor exegese dos supracitados dispositivos legais, a falência não pode ser
requerida antes do cumprimento do prazo processual para pagamento, o que não
significa que, esgotado o prazo, impõe-se a decretação da falência de quem não se
manteve de todo inerte na execução individual. Precedente citado: REsp 136.565-

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

RS, DJ 14/6/1999. REsp 741.053-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
20/10/2009.”

1.1.3. Atos de falência

No inciso III do artigo 94 da Lei 11.101/05, o legislador enumerou os chamados


atos de falência, que são atos que induzem à presunção de insolvência, de insuficiência
patrimonial. Algumas das alíneas exibem claramente a preocupação do legislador com atos
que demonstram esvaziamento patrimonial do devedor, como se pode ver no dispositivo, há
pouco transcrito. Na verdade, o legislador identifica como preocupantes tanto a redução
patrimonial como os indícios de intento fraudulento por parte do devedor.

1.2. Contestação

O artigo 98 da Lei 11.101/05, já transcrito, estipula prazo de dez dias para a


contestação, mas não dita termo a quo para este prazo. Doutrina e jurisprudência, de forma
pacífica, estabelecem que este prazo fluirá desde quando for juntado o mandado de citação,
positivo, aos autos processuais, na forma do artigo 241 do CPC:

“Art. 241. Começa a correr o prazo: (Redação dada pela Lei nº 8.710, de
24.9.1993)
I - quando a citação ou intimação for pelo correio, da data de juntada aos autos do
aviso de recebimento; (Redação dada pela Lei nº 8.710, de 24.9.1993)
II - quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos
autos do mandado cumprido; (Redação dada pela Lei nº 8.710, de 24.9.1993)
III - quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de
recebimento ou mandado citatório cumprido; (Redação dada pela Lei nº 8.710, de
24.9.1993)
IV - quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou
rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida; (Redação dada
pela Lei nº 8.710, de 24.9.1993)
V - quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelo juiz. (Redação
dada pela Lei nº 8.710, de 24.9.1993).”

Sobre as espécies de citação cabíveis na falência, o TJ/RJ admite todas as formas


mencionadas no CPC, além do oficial de justiça – AR, por hora certa, ou mesmo por edital.
Se for acolhida a matéria relevante referente a parte dos títulos, e os remanescentes
não preencherem o valor mínimo de quarenta salários-mínimos, não se decretará a quebra.
Se houver depósito elisivo de parte dos títulos, e a remanescente não preencher este valor,
igualmente não se decretará a quebra. Pelo ensejo, vejamos melhor este depósito elisivo.

1.3. Depósito elisivo

No parágrafo único do artigo 98 da Lei 11.101/05, o legislador trata do depósito


elisivo. Diz o dispositivo que, nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do artigo 94
desta Lei – respectivamente a impontualidade e a execução frustrada –, o devedor poderá,
no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de
correção monetária, juros e honorários advocatícios, quando então a falência simplesmente

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

não será decretada e, caso julgado extinto8 o pedido de falência, o juiz ordenará o
levantamento do valor pelo autor.
Este depósito não impede a decretação da falência nas hipóteses do inciso III do
artigo 94, ou seja, nos casos de prática de atos de falência. O máximo que este depósito
representará é um sinal de que não há a insolvência real, mas não se obsta, neste caso, a
decretação de falência.
A efetuação do depósito elisivo pode ser concomitante à apresentação de matérias
relevantes em contestação. Em verdade, àquele devedor que não é realmente insolvente, e
ainda possui matéria relevante a ser deduzida, mesmo assim, recomenda-se a efetivação do
depósito elisivo – mesmo que sua contestação esteja fadada ao sucesso. Com isso, terá
obstada a decretação de sua falência desde logo, e, ao final, reconhecida a procedência de
sua matéria de defesa, quando então não perderá o depósito em favor do suposto credor.
Se o devedor simplesmente deposita, não contestando, este depósito tem efeito de
pagamento: o credor levanta o valor, a falência não será decretada, e o processo se extingue
sem resolução do mérito. O pagamento satisfaz o interesse individual daquele credor, pelo
que desaparece interesse de agir na falência.
Se o devedor não deposita, nem são procedentes as razões de defesa apresentadas
pelo devedor, o juiz deverá decretar a sua falência.

Casos Concretos

Questão 1

Requerida a falência de sociedade empresária em razão da impontualidade de


obrigação contraída, citada, a devedora, no prazo de defesa, depositou a quantia
correspondente ao crédito reclamado, e contestou o pedido sob a alegação de que o título
que ensejou o requerimento de quebra, duplicata de compra e venda, era simulado.
Pergunta-se: Em face do depósito elisivo, pode ainda ter lugar a discussão sobre a
natureza do título apresentado pelo requerente da falência? Resposta fundamentada.

8
O dispositivo legal usa o termo “procedente”, mas na verdade há mera extinção, sentença terminativa por
falta de interesse na ação.

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Resposta à Questão 1

O depósito elisivo, na falência, tem por escopo evitar sua decretação. Caso
realizado, a falência não pode ser decretada, passando a ser uma verdadeira ação de
cobrança, na qual o devedor poderá, ainda, discutir todas as matérias relevantes, e, se
procedentes, o credor terá sua pretensão denegada.

Questão 2

Cia. Casa e Jardim teve sua falência requerida por inadimplemento da obrigação
contraída. Citada, contestou o pedido no terceiro dia e pediu recuperação no décimo.
Rejeitadas as razões da contestação e acolhida a preclusão consumativa do pedido de
recuperação, decretou-se a sua falência. Correta a decisão? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

O artigo 95 da Lei 11.101/05 tem por ratio permitir que se demonstre ao juiz, como
matéria relevante, a distribuição de pedido de recuperação. É materialmente impossível que
seja o pedido de recuperação deduzido após a peça de defesa, e ainda assim ser considerado
matéria de defesa – não é possível deduzir matéria de defesa se esta já se efetivou. Está
correta a identificação da preclusão consumativa, e por isso está correta a decisão.
Sérgio Campinho é contrário a esta preclusão, entendendo que a recuperação pode
ser considerada sim, e se julgada antes, obstará a falência, não contando, apenas, com o
condão de suspender o curso da falência, como matéria relevante de defesa que não mais é.
Não se trata, porém, de tese acolhida pela jurisprudência.

Tema IV

FALÊNCIA. Sentença de falência: Noções gerais. Natureza jurídica. Conteúdo, publicidade e recursos.
Sentença denegatória.

Notas de Aula9

1. Sentença de falência

9
Aula ministrada pela professora Marcela Maffei Quadra, em 12/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O artigo 99 da Lei 11.101/05 trata deste ato. Os efeitos da decisão de quebra são tão
severos que o legislador traz, neste dispositivo, diversos elementos, requisitos a serem
cumpridos pelo magistrado quando assim decidir. Veja:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras


determinações:
I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem
a esse tempo seus administradores;
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90
(noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial
ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta
finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;
III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação
nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação
dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de
desobediência;
IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no §
1º do art. 7º desta Lei;
V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido,
ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º desta Lei;
VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do
falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se
houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do
devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput
deste artigo;
VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das
partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus
administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime
definido nesta Lei;
VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da
falência no registro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da
decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;
IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma
do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do
inciso II do caput do art. 35 desta Lei;
X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras
entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;
XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido
com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o
disposto no art. 109 desta Lei;
XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembléia-
geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda
autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na
recuperação judicial quando da decretação da falência;
XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor
tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da
decisão que decreta a falência e a relação de credores.”

A sentença que decreta a falência do empresário fecha a fase pré-falencial, e dá


início à fase executiva do processo, ao concurso de credores, à execução coletiva. A partir
deste momento, todos os credores do falido que tenham títulos hábeis a haver-se na falência
serão chamados a concorrer pelo ativo do devedor.

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A gama de efeitos pessoais e patrimoniais desta sentença é enorme. Seus bens, todo
seu ativo, é imediatamente gravado por indisponibilidade, pois a decretação de falência
necessariamente levará à liquidação deste patrimônio positivo, a fim de suportar o passivo
coletivo.
Quanto às dívidas não vencidas, esta sentença promove seu vencimento antecipado,
permitindo que os credores de dívidas vincendas ao tempo da quebra possam, desde logo,
concorrer pelo recebimento de seu crédito total. Já quanto aos contratos bilaterais, esta
sentença não os extingue de plano, devendo ser estes analisados caso a caso, pelo
administrador judicial e pelo magistrado, porque poderão, se continuados, produzir frutos
úteis à massa falida, maximizando os ativos.
A sentença de quebra opera efeitos retroativos, levando os efeitos da falência a fatos
ocorridos no chamado termo legal, na forma do inciso II do artigo supra. Esta retroação se
justifica porque as alegações autorais procedentes demonstram que a presunção de
insolvência que ensejou o pedido de falência era verdadeira, e os atos passados que levaram
a este estado precisam ser alcançados – quer nulificando-os, quer tornando-os ineficazes –
para que o ativo não seja ainda mais depletado, prejudicando ainda mais os credores.
A sentença decreta a falência. Há quem diga que sequer se trata de uma sentença, e
sim de uma decisão interlocutória, pois é proferida em momento intermediário do processo,
que terá continuidade após sua prolação – e a lei estipula recurso de agravo para esta
decisão, e não apelação. Esta mesma corrente ainda reputa-a meramente declaratória.
Para a maior parte da doutrina, no entanto, esta decisão é sentença, e é constitutiva,
mesmo que a lei estabeleça que desta decisão caberá agravo. O raciocínio é que, em razão
da enorme gravidade e gama de efeitos desta decisão, está claro que se cria uma situação
jurídica diversa da que existia até então, criando a condição de falido – e não meramente
declarando esta situação.
O termo legal é um período ao qual o legislador reconheceu que os atos do devedor
são suspeitos de terem contribuído para a sua quebra. Com isto, a sentença fixa este período
restrito, e os atos que neste foram praticados serão analisados em sua validade e eficácia, a
fim de perscrutar se contribuíram ou não para a insolvência daquele devedor falido.
Outrora, na vigência do DL 7.661/45, a fixação de termo legal era uma faculdade do
juiz. Hoje, não há dúvidas de que a sentença de quebra deve, obrigatoriamente, determinar
este termo legal, na forma do artigo 99, II, da Lei 11.101/05, supra.
O juiz fixará o termo legal da falência começando de noventa dias contados do
pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do primeiro protesto por falta de
pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados. O
termo a quo pode variar, a depender do fato eleito como marco.
Decretada a falência pela sentença, a liquidação dos ativos é irreversível. Não há
mais qualquer possibilidade de continuidade da empresa, senão por tempo limitado, a
critério do administrador judicial e do juiz, como forma de maximizar ativos. De qualquer
forma, a empresa, mesmo que em momento futuro determinado, findará suas atividades.
Em regra, o lacre do estabelecimento é providência imediata, mas a continuidade provisória
pode ser recomendável, no caso concreto – e o inciso XI do artigo supra permite esta
providência.
O Ministério Público, bem como as Fazendas Públicas, serão intimados da sentença
de quebra. Também será publicado edital com a íntegra da decisão, a fim de dar a máxima
publicidade ao fato.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O artigo 101 da Lei 11.101/05 traz responsabilidade ao autor do pedido de falência


que agiu com dolo, má-fé neste requerimento, que se demonstrou indevido. Veja:

“Art. 101. Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na
sentença que julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as
perdas e danos em liquidação de sentença.
§ 1º Havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente
responsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo.
§ 2º Por ação própria, o terceiro prejudicado também pode reclamar indenização
dos responsáveis.”

É claro que isto é matéria de prova, pois a improcedência, em regra, não gera esta
responsabilidade ao autor de uma ação. Havendo a responsabilidade, a liquidação será
necessária quanto aos danos materiais, porque não se discutiu este elemento no rito
falimentar. Já os danos morais podem ser fixados na própria sentença, e se forem puros, não
precisará haver liquidação.

1.1. Recursos

Veja o artigo 100 da Lei 11.101/05:

“Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a
improcedência do pedido cabe apelação.”

O regramento destes recursos é colhido do CPC. O agravo, aqui, por óbvio, só pode
ser de instrumento, e geralmente terá efeito suspensivo – pois, do contrário, todos os efeitos
da sentença, vistos no artigo 99 desta lei, serão produzidos.

Casos Concretos

Questão 1

Com apoio no art. 1º, da Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45), certo credor
requereu a falência de sociedade, com base em título vincendo. O primeiro protesto por
falta de pagamento ocorreu em 27/01/1990, advindo, em 17/05/2005, sentença de
procedência da quebra. O autor opôs embargos de declaração, pleiteando a fixação do
termo legal da falência. O juiz não acolheu o pedido, sob o fundamento de ainda não ter

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

elementos necessários para cumprimento do 14, parágrafo único, III do citado diploma
legal. Correta a decisão? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 1

A falência foi requerida com base na impontualidade, mas fulcrado em obrigação


vincenda – o que é um contrasenso, e logo aí se resolveria a questão, extinguindo-se o
processo sem resolução de mérito por falta de interesse.
Contudo, admitindo-se que seja um erro material do enunciado, e que o pedido foi
feito com base em título vencido, o que se discute, aqui, é a possibilidade dos embargos de
declaração para fixação de termo legal, pois à época esta fixação era facultativa.
Os pedidos de falência postulados à época da vigência do DL 7.661/45 tem curso
segundo este diploma, e não sob a nova lei. Sendo assim, se à época a fixação de termo
legal não era obrigatória, a sentença foi correta: sendo impossível fixar o termo legal, pode
o juiz não fazê-lo na sentença. Hoje, a fixação é obrigatória, mas como no caso a falência
segue a norma anterior, não errou o juiz.

Questão 2

Theophastro Abreu moveu ação ordinária em face de Elesbão Produtos para


Farmácias Ltda., pedindo indenização por danos morais, com base no art. 101, da Lei nº
11.101/05, em razão do pedido de falência de sociedade (Pães e Doces Caiçara do Rio do
Vento Ltda.) da qual à época não mais participava. A falência não foi decretada em razão
do depósito elisivo feito pelo devedor. A Juíza de Direito reconheceu a ilegitimidade
passiva do réu na ação indenizatória e extinguiu o processo sem resolução do mérito. O
autor recorreu, argumentando que a lei autoriza a ação por perdas e danos contra o
requerente da falência quando haja denegação da quebra, e foi isso que ocorreu. Deve ser
provido o recurso? Fundamente.

Resposta à Questão 2

A denegação da quebra não leva necessariamente à indenização por danos do réu do


pedido de falência. Para haver indenizabilidade, é preciso que haja uma constatação clara
de dolo, má-fé do autor do pedido de falência. Assim, o recurso deve ser provido pelo
seguinte aspecto: há legitimidade passiva, e a questão da indenizabilidade será matéria de
mérito, ou seja, se constatada a má-fé, será procedente a indenizatória; se ausente o dolo,
será improcedente. Ilegitimidade passiva é o que se pode afirmar, com certeza, que não há.
A respeito, veja o REsp. 457.283:
“REsp 457283 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro HUMBERTO
GOMES DE BARROS. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do
Julgamento: 04/11/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 01/03/2004 p. 125.
Ementa: FALÊNCIA - ART. 20 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DENEGAÇÃO
DA QUEBRA. ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE JULGAMENTO DE
MÉRITO.
- A obrigação de indenizar, por abuso no pedido de falência (DL 7.611/45, Art. 20)
só se manifesta, quando a sentença indefere o pedido, por ausência de seus
requisitos. A extinção do processo, por vício de citação ou depósito elisivo não
fazem incidir o Art. 20 da Lei de Falências.”

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Vê-se, neste julgado, que somente se poderá cogitar de dolo quando a sentença da
falência for de improcedência, porque é só nestes casos que se poderá aferir má-fé. A
sentença terminativa, sem incursão no mérito, não permite avaliar esta conduta do autor – e
o depósito elisivo, desacompanhado de contestação, leva à extinção sem resolução do
mérito, impossibilitando a indenizatória por dolo do autor.

Tema V

DOS EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA DE FALÊNCIA. Em relação aos credores do falido. Prazo
Prescricional. Dívidas vincendas. Fluência dos juros. Suspensão das ações e execuções em face do falido e
sócio solidário. Continuação da atividade do falido.

Notas de Aula10

10
Aula ministrada pelo professor Juan Luiz Souza Vazquez, em 15/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1. Efeitos da falência em relação aos credores

1.1. Prescrição

A falência induz à suspensão do curso da prescrição, em relação às obrigações do


falido, nas quais é devedor. As obrigações em que o falido é credor não sofrem qualquer
perturbação em relação à prescrição.
A suspensão vem prevista no caput do artigo 6º da Lei 11.101/05:

“Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da


recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e
execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio
solidário.
§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que
demandar quantia ilíquida.
§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou
modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza
trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão
processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito,
que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1o e 2o deste artigo poderá
determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou
na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na
classe própria.
§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em
hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias
contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após
o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e
execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
§ 5º Aplica-se o disposto no § 2o deste artigo à recuperação judicial durante o
período de suspensão de que trata o § 4o deste artigo, mas, após o fim da
suspensão, as execuções trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda
que o crédito já esteja inscrito no quadro-geral de credores.
§ 6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de
distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser
comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:
I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;
II – pelo devedor, imediatamente após a citação.
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da
recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do
Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
§ 8º A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a
jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência,
relativo ao mesmo devedor.”

Durante o curso do processo falimentar, portanto, não corre a prescrição em favor


do falido. O marco inicial da suspensão é a sentença de decretação da falência, e o marco
final, quando volta a correr a prescrição, é o trânsito em julgado da sentença de
encerramento da falência, como indica o artigo 157 da lei em comento:

“Art. 157. O prazo prescricional relativo às obrigações do falido recomeça a correr


a partir do dia em que transitar em julgado a sentença do encerramento da
falência.”

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tomando por exemplo uma imputação de responsabilidade civil, que prescreve em


três anos: decretada a falência do devedor após um ano desde ocorrido o fato, suspende-se a
prescrição; corrida a falência, até a sentença de encerramento transitar em julgado,
recomeça de então a contagem do prazo prescricional – após esta sentença, o credor ainda
terá dois anos para reclamar seu crédito.
Veja que, com base no artigo 158, III, do mesmo diploma, pode o falido requerer
sua reabilitação, requerendo a extinção de todas suas obrigações, contando cinco anos
desde o encerramento da falência:

“Art. 158. Extingue as obrigações do falido:


I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por
cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia
necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral
liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se
o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se
o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.”

Contudo, o falido não vai precisar, necessariamente, aguardar estes cinco anos (ou
os dez anos, do inciso IV), pela seguinte situação: se as obrigações impagas deste falido
prescreverem em tempo menor, desde quando retomado o curso depois da sentença de
encerramento da falência, bastará ao falido alegar simplesmente a extinção de todas as
obrigações pela prescrição, e com este argumento será reabilitado desde logo.

1.2. Suspensão das ações e execuções

A regra é que todas as ações e execuções que correm em face do falido sejam
suspensas desde a decretação da falência, como indica o caput do artigo 6º da Lei
11.101/05, supra. Há exceções, porém.
As ações que demandem quantia ilíquida, ajuizadas anteriormente à sentença de
quebra, continuarão seu curso no juízo de origem. Isto porque sequer se tem a certeza de
que o credor é realmente credor, e tampouco por qual valor (uma ação por danos morais,
por exemplo). Este pretenso credor deverá, no juízo de origem em que corre a ação,
requerer a reserva de quinhão no processo falimentar, a fim de resguardar seu potencial
crédito em eventuais rateios que venham a ser promovidos.
É claro que, proposta a ação posteriormente à sentença de quebra, ela deverá ter
curso no juízo falimentar, que é indivisível, mesmo sendo por quantia ilíquida.
As reclamações trabalhistas também não são atingidas pela sentença de quebra,
quer tenham sido propostas antes ou depois da quebra. Não serão suspensas, e seu curso
continuará no juízo laboral até findar-se, igualmente podendo o trabalhador credor requerer
reserva de quinhão ao juízo falimentar. A execução trabalhista, no entanto, não poderá ser
procedida: estando certificado o crédito trabalhista na sentença, este deverá ser habilitado
no processo falimentar, a fim de integrar o quadro geral de credores.
As execuções fiscais também não serão suspensas, na forma do § 7º deste artigo 6º,
supra. Leonardo Marques, minoritariamente, entende que devem ser suspensas, na forma da

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

regra geral, porque este § 7º se refere unicamente à recuperação de empresas – não sendo a
posição do STJ, como já se pôde ver na transcrição de trecho do informativo 416 desta
Corte. Para a maioria, então, o juízo fazendário leva a cabo a execução, e inclusive os atos
expropriatórios, mas o pagamento não pode ser feito à Fazenda, em respeito ao par
conditio creditorum: seu crédito também deverá ser habilitado na falência, remetendo-se o
produto da execução à massa falida, para compor o bojo dos ativos.
O artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais, e o artigo 187 do CTN, também reforçam
a não suspensão do curso da execução:

“Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a


concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário
ou arrolamento
Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União e suas autarquias;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro
rata;
III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.”

“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de


credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário
ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.”

Veja a seguinte questão, colhida de concurso para o MP/RJ:

“Decretada a falência de determinada sociedade limitada, requer o INSS (Instituto


Nacional de Seguridade Social), no prazo legal, a habilitação de crédito
comprovadamente descontado dos empregados e não recolhido à Previdência
Social. Para tanto, junta cópia autenticada das certidões de inscrição de débito na
dívida ativa.
Concomitantemente, fazendo uso das certidões originais, promove o INSS
execução contra o sócio-gerente e os demais sócios da falida, pelo fato de não
possuir esta valores ou bens suficientes para o pagamento do débito previdenciário.
Defendem-se todos os sócios alegando tratar-se de débito da falida, e não seus,
conforme se constata pelas certidões de dívida ativa.
Opine o candidato quanto às providências adotadas pelo INSS, independentemente
de intervenção, ou não, do Ministério Público, dispensada a forma de parecer.”

Respondendo à questão, quanto ao crédito comprovadamente descontado dos


empregados e não repassado ao INSS, esta autarquia deve postular a sua restituição, e não
habilitação, na forma do artigo 85 da Lei 11.101/05. Isto porque estes valores já lhe
pertencem, estando apenas na posse indevida do falido, como indica a súmula 417 do STF.
Veja:

“Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se


encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua
restituição.

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e
entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua
falência, se ainda não alienada.”

“Súmula 417, STF: Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder
do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse
ele a disponibilidade.”

Acerca da execução dos demais sócios, esta não é possível, de plano, com a CDA
emitida contra a sociedade, pelo fato de que o mero inadimplemento, a mera insuficiência
de ativos da falida não leva à responsabilização dos sócios, porque, segundo o STJ, a
falência é uma forma de dissolução regular da sociedade – não podendo os sócios responder
sem que haja fraude à lei, atos ultra vires ou dissolução irregular, na forma do artigo 135 do
CTN:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a


obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.”

Vale ressaltar que, até 2009, a Lei 8.620/93 trazia no seu artigo 13 a solidariedade
irrestrita, ex lege, dos sócios e da sociedade para com as contribuições para a seguridade
social – pelo que esta execução do INSS seria válida. Ocorre que este dispositivo já era
inaplicável, por ser reputado formalmente inconstitucional – por ser lei ordinária tratando
de matéria reservada à lei complementar (obrigação tributária) –, e por isso violador do
artigo 146, III, “b”, da CRFB. Hoje, atento a esta inconstitucionalidade, o legislador
revogou expressamente este artigo 13. Veja os artigos:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:


(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:
(...)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
(...)”

“Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de
responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais,
pelos débitos junto à Seguridade Social. (Revogado pela Medida Provisória nº 449,
de 2008) (Revogado pela Lei nº 11.941, de 2009).
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os
diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais,
quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo
ou culpa. (Revogado pela Medida Provisória nº 449, de 2008) (Revogado pela Lei
nº 11.941, de 2009).”

A respeito, veja o REsp. 717.717:

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“REsp 717717 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro JOSÉ DELGADO.


Órgão Julgador - PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 28/09/2005. Data da
Publicação/Fonte: DJ 08/05/2006 p. 172.
Ementa: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL.
DÉBITOS PARA COM A SEGURIDADE SOCIAL. REDIRECIONAMENTO.
RESPONSABILIDADE DO SÓCIO SOCIEDADE POR QUOTAS DE
RESPONSABILIDADE LTDA). SOLIDARIEDADE. PREVISÃO PELA LEI
8.620/93, ART. 13. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR CF, ART. 146,
III, B). INTERPRETAÇÕES SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CTN, ARTS.
124, II, E 135, III. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 1.016 E 1.052. VIOLAÇÃO AO ART.
535. INOCORRÊNCIA.
1. Tratam os autos de agravo de instrumento movimentado pelo INSS em face de
decisão proferida pelo juízo monocrático que indeferiu pedido de redirecionamento
de execução fiscal ajuizada contra empresa Assistência Universal Bom Pastor. O
TRF/3ª Região, sob a égide do art. 135, III, do CTN, negou provimento ao agravo
à luz do entendimento segundo o qual o inadimplemento do tributo não constitui
infração à lei, capaz de ensejar a responsabilidade solidária dos sócios. Recurso
especial interposto pela Autarquia apontando infringência dos arts. dos arts. 535,
II, do CPC, 135 e 136, do CTN, 13, caput, Lei 8.620/93 e 4º, V, da Lei 6.830/80.
2. O julgador não está obrigado a enfrentar todas as teses jurídicas deduzidas pelas
partes, sendo suficiente que preste fundamentadamente a tutela jurisdicional. In
casu, não obstante em sentido contrário ao pretendido pela recorrente, constata-se
que a lide foi regularmente apreciada pela Corte de origem, o que afasta a alegada
violação da norma inserta no art. 535 do CPC.
3. A solidariedade prevista no art. 124, II, do CTN, é denominada de direito. Ela só
tem validade e eficácia quando a lei que a estabelece for interpretada de acordo
com os propósitos da Constituição Federal e do próprio Código Tributário
Nacional.
4. Inteiramente desprovidas de validade são as disposições da Lei nº 8.620/93, ou
de qualquer outra lei ordinária, que indevidamente pretenderam alargar a
responsabilidade dos sócios e dirigentes das pessoas jurídicas. O art. 146, inciso
III, b, da Constituição Federal, estabelece que as normas sobre responsabilidade
tributária deverão se revestir obrigatoriamente de lei complementar.
5. O CTN, art. 135, III, estabelece que os sócios só respondem por dívidas
tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de
gestão vinculado ao fato gerador. O art. 13 da Lei nº 8.620/93, portanto, só pode
ser aplicado quando presentes as condições do art. 135, III, do CTN, não podendo
ser interpretado, exclusivamente, em combinação com o art. 124, II, do CTN.
6. O teor do art. 1.016 do Código Civil de 2002 é extensivo às Sociedades
Limitadas por força do prescrito no art. 1.053, expressando hipótese em que os
administradores respondem solidariamente somente por culpa quando no
desempenho de suas funções, o que reforça o consignado no art. 135, III, do CTN.
7. A Lei 8.620/93, art. 13, também não se aplica às Sociedades Limitadas por
encontrar-se esse tipo societário regulado pelo novo Código Civil, lei posterior, de
igual hierarquia, que estabelece direito oposto ao nela estabelecido.
8. Não há como se aplicar à questão de tamanha complexidade e repercussão
patrimonial, empresarial, fiscal e econômica, interpretação literal e dissociada do
contexto legal no qual se insere o direito em debate. Deve-se, ao revés, buscar
amparo em interpretações sistemática e teleológica, adicionando-se os comandos
da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e do Código Civil para,
por fim, alcançar-se uma resultante legal que, de forma coerente e juridicamente
adequada, não desnature as Sociedades Limitadas e, mais ainda, que a bem do
consumidor e da própria livre iniciativa privada (princípio constitucional) preserve
os fundamentos e a natureza desse tipo societário.
9. Recurso especial improvido.”

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1.3. Vencimento antecipado das dívidas

O artigo 77 da Lei 11.101/05 traça a regra do vencimento antecipado das dívidas do


falido:

“Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas


do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento
proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a
moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta
Lei.”

Este efeito da sentença de falência se destina a implementar o par conditio


creditorum, eis que somente com as dívidas antecipadamente vencidas estes credores
poderão habilitar seus créditos na falência.
Com o vencimento antecipado, os juros que foram embutidos nas prestações
vincendas devem ser descontados, pois não só não haverá o curso do tempo que os
justificaria, como, em regra, a última providência possível no pagamento aos credores é o
pagamento de juros, como se vê no artigo 124 da Lei 11.101/05:

“Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a
decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não
bastar para o pagamento dos credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos
créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos
bens que constituem a garantia.”

A regra, portanto, é que não se cobram juros após a decretação da falência, senão
quando tudo mais houver sido pago. Sobrando ativos para suportar os juros, estes serão
pagos.
O parágrafo único do artigo supra traz exceções, bastante pontuais: os juros das
debêntures e dos créditos com garantia real são exigíveis. Ocorre que, quanto às debêntures,
é preciso se identificar de que tipo destas se está tratando aqui. Há quatro tipos de
debêntures: com garantia real; com garantia flutuante; quirografárias; e subordinadas. O
legislador, neste dispositivo supra, a todo ver, quis se referir às debêntures com garantia
real, pois somente esta leitura guarda lógica com o dispositivo, eis que menciona que os
juros são pagos pelo produto de bens que constituem a garantia – ou seja, é claro que se
refere à debênture com garantia real.
Assim, se o bem gravado para garantir a debênture ou qualquer outro crédito não for
suficiente para pagar, com seu produto, os juros, estes não serão pagos, pois não podem
recair sobre a massa – senão quando restarem ativos após todos os pagamentos, conforme a
regra geral do caput.
As cláusulas penais de contratos unilaterais, quando antecipadamente vencidos em
razão da falência, não podem ser executadas. Se houve vencimento impago antes da
falência, no entanto, a cláusula penal é exigível, como indica o artigo 83, § 3º, da lei em
comento:

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as


obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
(...)”

Se a causa do descumprimento do contrato unilateral não foi a falência, mas sim


qualquer causa prévia a esta, se opera a cláusula penal (mas Rubens Requião defende que
somente seria exigível, mesmo neste caso, se já houvesse ação judicial demandando esta
cláusula, antes da falência); se o vencimento foi em razão da falência, não se exige a
cláusula penal.

1.4. Efeitos quanto aos credores não submetidos à falência

Credores por obrigações a título gratuito não podem exigir seus créditos na falência,
pois as liberalidades praticadas pelo falido não lhe podem prejudicar agora, em época de
extrema penúria econômica. Estes credores não poderão exigir seus créditos do falido, na
forma do artigo 5º, I, da Lei 11.101/05:

“Art. 5º Não são exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência:


I – as obrigações a título gratuito;
(...)”

O professor Ricardo Negrão ressalva as obrigações que, supostamente gratuitas, na


verdade são onerosas, e por isso são exigíveis: as doações remuneratórias e as doações
com encargos são exigíveis do falido, devendo ser habilitadas na falência.
As obrigações alimentares de que o falido é devedor são exigíveis, e estão sujeitas
ao rito falimentar, quando surgidas antes da falência (se surgidas depois, são claramente
extraconcursais). Não há ressalva quanto a estes créditos, na Lei 11.101/05, como havia no
DL 7.661/45, no artigo 23, parágrafo único, I:

“Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor


comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.
Parágrafo único. Não podem ser reclamados na falência:
I - as obrigações a título gratuito e as prestações alimentícias;
(...)”

Para a melhor doutrina, estas obrigações alimentares são exigíveis no mesmo


patamar das obrigações trabalhistas, ante a sua natureza similar. Para Fabio Ulhoa, porém,
estas obrigações alimentares são alheadas da falência, exigíveis diretamente do falido.
Ricardo Negrão defende que as obrigações alimentares só podem ser exigidas do
empresário individual falido, e não da sociedade empresarial falida. Paulo Toledo, por fim,
defende que a obrigação alimentar tem natureza extraconcursal.

1.5. Suspensão do direito de retenção

Outro efeito da decretação de falência é a suspensão do direito de retenção que


assistia a algum dos credores. Veja o artigo 116, I, da Lei 11.101/05:

“Art. 116. A decretação da falência suspende:

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

I – o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação, os quais


deverão ser entregues ao administrador judicial;
(...)”

As empresas de armazém geral teriam direito de retenção, na forma do artigo 14 do


Decreto 1.102/1903:

“Art. 14 - As empresas de armazéns gerais têm o direito de retenção para garantia


do pagamento das armazenagens e despesas com a conservação e com as
operações, benefícios e serviços prestados às mercadorias, a pedido do dono; dos
adiantamentos feitos com fretes e seguro, e das comissões e juros, quando as
mercadorias lhes tenham sido remetidas em consignação. (Código Comercial, art.
189)
Esse direito de retenção pode ser oposto à massa falida do devedor.
Também têm as empresas de armazéns gerais direitos de indenização pelos
prejuízos que lhes venham por culpa ou dolo do depositante.”

Veja que este dispositivo ainda diz expressamente que esta retenção pode ser oposta
à massa falida. Que ordem legal prevalece, a do artigo 116, I, da Lei 11.101/05, ou a do
artigo 14 do Decreto 1.102/1903?
Entende-se que prevalece a lei de falências, porque tratou expressamente do tema
em momento posterior, e por isso a retenção não pode ser oposta à massa falida. A questão
ainda é controvertida, porém.

Casos Concretos

Questão 1

O juiz da falência, a pedido do administrador judicial, intimou o Sr. Pelópidas


Pontual a entregar à massa falida os valores retidos em seu poder por conta de
inadimplemento no pagamento de comissões devidas pelo falido-comitente. O falido,
sociedade empresária, mantinha contrato de comissão com o Sr. Pelópidas por vários
anos, cessando tal contrato em razão da manifestação negativa do administrador judicial.
Procurando sua advogada, o comissário recebe a informação de que não deve acatar a
intimação por estar amparado pelo art. 708, do Código Civil. Pergunta-se: correta a
consulta dada? Por quê? Fundamente e indique como será classificado o crédito na
falência.

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Resposta à Questão 1

Decisão judicial se cumpre, pelo que a orientação é absurda, só por isso. Ademais, o
direito de retenção garantido pelo artigo 708 do CC, mesmo que exista, de fato, não se
aplica à falência, pois o artigo 116, I, da Lei 11.101/05 determina a suspensão de tal direito.
Veja os dispositivos:

“Art. 708. Para reembolso das despesas feitas, bem como para recebimento das
comissões devidas, tem o comissário direito de retenção sobre os bens e valores em
seu poder em virtude da comissão.”

“Art. 116. A decretação da falência suspende:


I – o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação, os quais
deverão ser entregues ao administrador judicial;
(...)”

O direito de retenção é ineficaz contra a massa falida. O credor deve entregar o


bem, e habilitar seu crédito, normalmente.
Há uma peculiaridade apenas no que se refere a que classe estes créditos serão
integrados, se na classe dos créditos com privilégio geral, na forma do artigo 707 do CC, ou
com privilégio especial, na forma do artigo 83, IV, “c”, da Lei 11.101/05:

“Art. 707. O crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de


privilégio geral, no caso de falência ou insolvência do comitente.”

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


(...)
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
(...)
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em
garantia;
(...)”

A lei regente deste crédito é o CC, que é especial em relação à Lei 11.101/05. Por
isso, aplica-se o artigo 707 do CC, pela especialidade.
Questão 2

"X" promove, em Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, ação de


execução em face de "E", sacado de letra de câmbio, "F" e "G", seus avalistas. No curso
da execução e antes que se efetue qualquer penhora, é informado ao juízo cível por "G" a
decretação das falências dos dois primeiros executados (E e F) no Estado de São Paulo.
Na mesma petição "G" pugna pela suspensão do feito, em vista das falências decretadas
em outro Estado da Federação. É procedente o pedido de "G"? Fundamente e dê o amparo
legal.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

De início, é preciso traçar uma premissa básica para a resposta à questão: o termo
sacado deve ser lido tecnicamente, ou seja, é aquele que não aceitou ainda a ordem de
pagamento que lhe apontou como devedor – e o sacado não tem obrigação cambiária.
Sendo assim, o sacado não é devedor, e contra ele não pode correr ação de
execução. Quanto aos demais, avalistas do sacado, surge uma controvérsia: se o sacado não
é devedor, seus avalistas podem continuar a sê-lo? Trata-se, a hipótese, do chamado aval
antecipado, prestado a alguém que ainda não assumiu a obrigação cambiária, ainda não é
aceitante. Neste caso, em que o avalizado não é devedor, podem os seus avalistas serem
demandados?
Há duas correntes sobre as responsabilidades, neste aval antecipado: a primeira
defende que o aval antecipado não tem qualquer efeito se o avalizado não é devedor. É um
aval condicionado ao aceite do sacado, e se ele não aceita, não há qualquer obrigação
cambiária para seus avalistas antecipados.
Do outro lado, há corrente que defende que os avalistas antecipados são, sim,
responsáveis pelo débito, pelo simples fato de que a obrigação cambiária é autônoma e
independente, ou seja, a eventual falta de aceite do avalizado, que leva à sua configuração
como não devedor, não perturba a responsabilidade do avalista: ele responde pela sua
própria obrigação cambiária, assumida de forma autônoma e independente da do avalizado
– não há, como se diz, assinatura em vão no título de crédito.
Dito isto, se se adotar a primeira corrente, ninguém pode ser executado, pois não há
responsabilidade cambiária, e por aqui finda o problema. Outrossim, se se adotar a segunda
corrente, de que os avalistas antecipados respondem pela obrigação, deve se passar à
análise do pedido em questão, que é a suspensão da execução.
No caso, faliram o sacado, “E”, e um dos avalistas, “F”. A execução de “E”, como
dito, é indevida, porque sacado não é devedor; a execução singular de “F”, porém, é devida,
mas se suspende por sua falência, devendo o seu credor se habilitar na sua falência. Já a
execução singular de “G”, o outro co-avalista antecipado, que também é devida à luz desta
segunda corrente, não será suspensa, pela simples razão de que ele não faliu, e em nada lhe
importa a falência dos demais envolvidos na relação.
Prosseguindo a execução de “G”, se ele paga a obrigação, ele poderá tomar duas
providências: poderá habilitar ó crédito que pagou (pois se sub-roga na posição de credor)
na falência do co-avalista, “F”, porque este é devedor solidário – mas só poderá haver a
metade do crédito, que é a cota-parte que incumbe ao co-avalista.
Analisando a questão, agora, sob outra premissa – a de que o enunciado não foi
técnico, e disse “sacado” quando queria dizer “aceitante”, a resposta se altera: o aceitante é
devedor cambiário, e por isso não mais subsiste qualquer discussão quanto ao aval
antecipado – há aval simples, todos sendo devedores solidários. Neste caso, a execução de
“E” e de “F” se suspendem, mas a de “G” prossegue. Pagando, “G” se sub-roga como
credor, e deverá habilitar seu crédito integralmente na falência de “E”, avalizado, e pela
cota-parte na falência de “F” – devendo comunicar à outra massa quando receber em uma
delas.
Note que, qualquer que seja o enfoque, a execução de “G” não se suspende jamais.
O máximo que poderá acontecer é, se se considerar o uso do termo “sacado” tecnicamente,
e se adotar a primeira corrente sobre o aval antecipado – que reputa que não respondem os
avalistas se o sacado não aceita a posição de devedor –, a execução de “G” é indevida, e,
mesmo assim, a solução não é a suspensão pretendida, e sim a extinção.

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Veja o seguinte julgado do TJ/RJ:

“Processo: 0026838-34.2007.8.19.0000 (2007.002.14595). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. FERNANDO FOCH LEMOS - Julgamento:
15/02/2008 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL.
PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Ação de
execução de título extrajudicial proposta contra sociedade empresária devedora,
que tem sua falência decretada no curso da ação, e contra os fiadores, sócios da
falida à época da celebração do contrato gerador da dívida exeqüenda.
Inconformismo dos fiadores com a decisão que rejeitou a exceção de pré-
executividade por eles argüida, declarando a competência do juízo cível, a
legitimidade ad causam dos garantes e a impossibilidade de apreciação de matéria
que não seja conhecível de ofício pelo magistrado.
1. Como garantidores, os fiadores respondem pelo cumprimento da obrigação
pactuada, nos termos do art. 818 do Código Civil. Assim, têm legitimidade passiva
na demanda executiva proposta pelo credor.
2. A decretação da falência da sociedade empresária devedora impõe a suspensão
da execução ajuizada contra ela, mas não impede o prosseguimento da ação no
juízo cível contra os demais executados.
3. A objeção de pré-executividade só é admissível para exame de matéria de ordem
pública, direcionada às condições do direito de ação e aos pressupostos
processuais. Em tão estreita via não há lugar para discussão acerca de abusividade
de cláusulas contratuais, matéria a desafiar embargos de devedor.
4. Recurso manifestamente improcedente ao qual se nega provimento.” (grifo
nosso)

Questão 3

Com o novo sistema de insolvência empresarial, no bojo da decisão de quebra, o


Juízo deve se manifestar acerca do lacre do estabelecimento do falido ou deferir a
continuação provisória das atividades do empresário. Sob a égide do D.L. 7.661/45, a
continuação das atividades era dirigida ao falido que, após a fase inicial da falência,
poderia impetrar concordata suspensiva, impedindo a alienação do ativo e reassumindo a
atividade. Hoje, não há mais a possibilidade de recuperação da empresa ao longo do
processo de falência para que o empresário falido reassuma a atividade. Ante o exposto e à
luz dos pressupostos que regem a nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas,
indique se é pertinente a manutenção da continuação da atividade do empresário falido e,
em caso positivo, em que hipóteses concretas será útil o seu deferimento.

Resposta à Questão 3

O lacre do estabelecimento é recomendável quando for melhor para a maximização


dos ativos, ou quando a continuidade provisória puder representar risco de agravamento da
insolvência. Hoje, o juiz é quem determina se haverá ou não a continuidade provisória da
atividade, a pedido do falido, do administrador judicial, ou de ofício. Veja o artigo 109 da
Lei 11.101/05:

“Art. 109. O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a
execução da etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida
ou dos interesses dos credores.”

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Veja um exemplo em que a continuidade provisória é oportuna: imagine que o


falido é uma indústria fabricante de aviões, e, quando decretada a falência, há algumas
aeronaves na linha de produção, já vendidas. Se a empresa for lacrada, não haverá meios de
finalizar a produção, e a venda será cancelada, passando a ser vendidas as peças dos aviões,
por valor imensamente menor do que o avião inteiro. Por isso, a continuidade, até findar a
produção, é altamente recomendável.

Tema VI

DOS EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA DE FALÊNCIA. Em relação aos contratos do falido. Noções
gerais. Contratos unilaterais. Contratos bilaterais. Regras gerais e especiais.

Notas de Aula11

1. Efeitos da sentença de falência em relação aos contratos do falido

1.1. Contratos bilaterais

Os contratos bilaterais do falido não se resolvem automaticamente pela decretação


da falência. Esta é a regra do artigo 117 da Lei 11.101/05:

11
Aula ministrada pelo professor Juan Luiz Souza Vazquez, em 15/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o
aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação
de seus ativos, mediante autorização do Comitê.
§ 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90
(noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro
de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.
§ 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao
contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário,
constituirá crédito quirografário.”

O administrador judicial é quem decidirá se o cumprimento do contrato será


prejudicial à massa falida, caso em que o contrato será resolvido e o credor será indenizado.
A indenização será firmada em processo ordinário, e o crédito resultante será classificado
como quirografário.
Este dispositivo deve ser lido à luz do princípio da maximização dos ativos,
constantes do artigo 75 desta lei em comento:

“Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,


visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos
produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da
economia processual.”

O DL 7.661/45 já dispunha neste sentido, como se vê no revogado artigo 43:

“Art 43. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
executados pelo síndico, se achar de conveniência para a massa.
Parágrafo único. O contraente pode interpelar o síndico, para que, dentro de cinco
dias, declare se cumpre ou não o contrato. A declaração negativa ou o silêncio do
síndico, findo êsse prazo, dá ao contraente o direito à indenização, cujo valor,
apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário.”

Ocorre que existe, em praticamente todos os contratos bilaterais do falido, a


chamada cláusula resolutória expressa determinando que, na falência de qualquer dos
contratantes, o contrato se resolverá de pleno direito. Esta cláusula deve ser observada, em
sua literalidade, ou prevalece o direito do administrador judicial em dar prosseguimento ao
contrato?
À época do DL 7.661/45, a doutrina entendia que a cláusula resolutória expressa
deveria preponderar sobre o interesse da massa falida em prosseguir no contrato, mas já
havia, ainda na vigência deste diploma, o reconhecimento pelo STJ do entendimento
contrário, ou seja, fazendo prevalecer o interesse da massa, prosseguindo no contrato,
mesmo havendo cláusula resolutória expressa.
Hoje, na vigência da nova lei, prepondera o entendimento de que a opção dada ao
administrador prevalece. Independentemente de haver esta cláusula, a resolução do contrato
bilateral só se opera se o administrador não entender que a sua continuidade é preferível,
porque deve prevalecer o interesse geral dos credores na maximização dos ativos sobre o
interesse privado do contratante.
Esta conclusão se colhe do fato de que a cláusula resolutória expressa demanda uma
análise econômica, porque o direito contratual, hoje, é analisado em geral sob seu aspecto

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

econômico. Nesta análise, portanto, se constata que esta cláusula produz uma vantagem
ilícita para a parte beneficiada, já que a libera da prestação, sem que tenha a obrigação de
ressarcimento ou de pagamento de perdas e danos. Ainda que houvesse o pagamento de
uma indenização, esta não impediria os efeitos negativos da rescisão: o crédito seria
ilíquido, e não seria possível encontrar um substituto para o fornecimento. O prejuizo para a
massa de credores seria tremendo. O contrato não está, hoje, limitado apenas às partes que
o pactuaram: a função social do contrato relativiza a relatividade contratual, e os efeitos
negativos do contrato (no caso, de sua resolução) sobre terceiros devem ser prevenidos –
trata-se da função social exógena do contrato.
Na lei de falências norte-americana, esta cláusula resolutória simplesmente não é
admitida. Esta cláusula é conhecida como bankruptcy clause, ou ipso facto. O artigo 365 do
Bankruptcy Code de 1978 invalida todo e qualquer dispositivo previsto em acordo ou
legislação não falimentar que imponha uma cláusula resolutiva ipso facto da insolvência. A
jurisprudência alienígena sobre o tema sempre considerou ser a cláusula ineficaz, pois
inviabilizaria o processo de recuperação ou a otimização dos ativos do falido.
No Brasil, a matéria ainda é controvertida, havendo duas orientações básicas: a
corrente de Carvalho de Mendonça e Fábio Ulhoa Coelho, que entendem que deverá
prevalecer a cláusula e, neste caso, o administrador judicial não poderia dar prosseguimento
do contrato bilateral. Diz Carvalho de Mendonça, ainda à época da Lei 7.661/45, que:

“(...) não há proibição de os contratantes estipularem, para o caso da


superveniência da falência, a rescisão do contrato, antes de cumprido inteiramente.
Não se dá ofensa a princípio algum de ordem pública. O direito da massa, agindo
esta como representante do falido, mede-se pelo direito deste. (...)”

Já Fábio Ulhoa Coelho, à luz da nova lei, diz que:

“(...) Se as partes pactuam sobre as conseqüências que a eventual quebra, ou


pedido de falência, de uma delas trará para o vínculo contratual, concordando que
este se desconstituirá, afastam a aplicação das normas do direito falimentar...Note-
se que, atualmente, alguns empresários, em especial os bancos, têm eleito como
causa rescisória do contrato não a decretação da falência, mas sim a mera
distribuição de pedido contra qualquer dos contratantes. Essa cláusula é igualmente
válida e eficaz e não pode deixar de ser obedecida pelos órgãos da falência (comitê
e administrador judicial).”

De outro lado, majoritariamente, Manoel Justino Bezerra Filho, Jorge Lobo e


Ricardo Tepedino entendem que deverá prevalecer o interesse público presente no processo
falimentar ou no de recuperação de empresas, já que seria inviável otimizar os ativos da
falida ou recuperar a empresa, caso prevalecesse a referida cláusula.
Podem ser sustentados também os seguintes argumentos, reforçando-se esta
corrente majoritária: o princípio da maximização dos ativos do falido, do artigo 75 da Lei
11.101/05; o princípio da função social da recuperação judicial, do artigo 47 da mesma lei;
a função social do contrato, do artigo 421 do CC; e a função social da empresa, do artigo
170, III, da CRFB.

1.2. Contratos unilaterais

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A regra geral para estes contratos, no sistema anterior, quando o falido fosse o
devedor destes contratos, era que ocorreria o vencimento antecipado da dívida.
Hoje, é preciso ter cautela ao ler o artigo 77 da Nova Lei de Falências, pois o
referido dispositivo deverá ser analisado em conjunto com o artigo 118 deste diploma:

“Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas


do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento
proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a
moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta
Lei.”

“Art. 118: O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá dar


cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do
passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus
ativos, realizando o pagamento da prestação pela qual está obrigada.”

Assim, pode o administrador judicial, hoje, entender por dar cumprimento ao


contrato, ao invés de haver o vencimento imediato.
Havendo cláusula penal, dispõe o § 3º do artigo 83 do aludido diploma legal que a
cláusula penal estabelecida no contrato unilateral não será atendida caso as obrigações
decorrentes deste contrato vençam em virtude da falência. Por outro lado, se tais obrigações
já estiverem vencidas ao tempo da decretação da falência, será possível exigir o
cumprimento da cláusula penal.

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


(...)
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as
obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
(...)”

1.3. Regras e contratos específicos

1.3.1. Contrato de compra e venda

Diz o inciso I do artigo 119 da Nova Lei de Falências que pode haver a sustação da
entrega de coisa vendida e em trânsito, o chamado direito de stoppage:

“Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as seguintes


regras:
I – o vendedor não pode obstar a entrega das coisas expedidas ao devedor e ainda
em trânsito, se o comprador, antes do requerimento da falência, as tiver revendido,
sem fraude, à vista das faturas e conhecimentos de transporte, entregues ou
remetidos pelo vendedor;
II – se o devedor vendeu coisas compostas e o administrador judicial resolver não
continuar a execução do contrato, poderá o comprador pôr à disposição da massa
falida as coisas já recebidas, pedindo perdas e danos;

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

III – não tendo o devedor entregue coisa móvel ou prestado serviço que vendera ou
contratara a prestações, e resolvendo o administrador judicial não executar o
contrato, o crédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria;
IV – o administrador judicial, ouvido o Comitê, restituirá a coisa móvel comprada
pelo devedor com reserva de domínio do vendedor se resolver não continuar a
execução do contrato, exigindo a devolução, nos termos do contrato, dos valores
pagos;
V – tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em bolsa ou
mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e
pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato e a
da época da liquidação em bolsa ou mercado;
VI – na promessa de compra e venda de imóveis, aplicar-se-á a legislação
respectiva;
VII – a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do
locatário, o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato;
VIII – caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito
do sistema financeiro nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida
poderá considerar o contrato vencido antecipadamente, hipótese em que será
liquidado na forma estabelecida em regulamento, admitindo-se a compensação de
eventual crédito que venha a ser apurado em favor do falido com créditos detidos
pelo contratante;
IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação
específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus
bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo
termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador
judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o
crédito que contra ela remanescer.”

Pode o devedor determinar a não entrega da mercadoria que vendeu a crédito ao


falido, se esta ainda estiver em trânsito, portanto. Este direito não pode ser efetivado,
porém, se o comprador falido já revendera a mercadoria, de boa-fé, antes de recebê-la. O
Decreto 19.473/1930 permite a emissão de conhecimento de transporte por uma
transportadora, em razão do recebimento de mercadorias a serem transportadas. Tal
documento, considerado título de crédito impróprio, irá representar o direito de propriedade
sobre estas mercadorias que estão em trânsito. Assim sendo, será possível que o portador do
título, original proprietário das mercadorias, as venda, antes mesmo da sua chegada ao
destino final, através do simples endosso do título.
Outra regra especial da compra e venda existe no contrato de venda de coisas
compostas. Para Amador Paes de Almeida, coisas compostas “são coisas heterogêneas (de
naturezas distintas) que, unidas, formam um todo”. Neste caso, a solução apresentada pelo
artigo 119, II, da Lei de Falências, supra, é a seguinte: se o devedor vendeu coisas
compostas e o administrador judicial resolver não continuar a execução do contrato, poderá
o comprador pôr à disposição da massa falida as coisas já recebidas, pedindo perdas e
danos, já que “não lhe são úteis sem a complementação das outras peças”.
No contrato de venda a prestações, a solução apresentada pelo inciso III do artigo
supra é que se o devedor efetuou venda a prestações de coisa móvel e sua falência foi
decretada antes da entrega da mesma, pode o administrador judicial optar pela denúncia do
contrato, caso em que a massa falida deverá restituir ao comprador as prestações recebidas.
Na venda com reserva de domínio, a solução está no inciso IV do artigo supra. Veja
a definição deste contrato, por Caio Mário da Silva Pereira:

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Dá-se a reserva de domínio quando se estipula pacto adjeto ao contrato de compra


e venda, em virtude do qual o vendedor reserva para si a propriedade da coisa
alienada, até o momento em que se realize o pagamento integral do preço.”

O inciso IV do artigo supra dispõe que o administrador judicial, ouvido o Comitê,


restituirá a coisa móvel comprada pelo devedor com reserva de domínio do vendedor se
resolver não continuar a execução do contrato, exigindo a devolução, nos termos do
contrato, dos valores pagos.

1.3.2. Contrato de promessa de compra e venda de imóveis

O artigo 119, supra, apresenta a solução para estes contratos, no inciso VI: este
determina que seja aplicada a legislação especial às promessas de compra e venda de
imóveis celebradas pelo falido.
Diz Sérgio Campinho que:

“Na falência do promitente vendedor, fica o administrador judicial obrigado a dar


cumprimento ao contrato, recebendo as prestações vincendas e outorgando, ao
final, a competente escritura definitiva, quando já quitado integralmente o preço,
sob pena de adjudicação compulsória, se o contrato não contiver cláusula de
arrependimento e estiver inscrito no Registro Público de Imóveis.”

Em se tratando de falência do promitente-comprador, o bem será arrecadado e


vendido, em hasta pública, pelo administrador judicial, revertendo o seu produto para a
massa falida, respeitadas as prestações vincendas que serão pagas pelo novo adquirente na
forma do contrato.

1.3.3. Contrato de locação

A solução é apresentada no artigo 119, VII, supra. Sendo o locador o falido, o


contrato de locação não será resolvido. Já na falência do locatário, poderá o administrador
judicial, a qualquer tempo, denunciar o contrato.
Não cabe indenização em favor do locatário. O locador, antes do despejo, deve
interpelar o administrador, para saber se ele irá dar prosseguimento ao contrato.

1.3.4. Incorporação imobiliária

A solução é dada no artigo 119, XI, supra. Os patrimônios de afetação, constituídos


para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação
respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o
advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o
administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe
própria o crédito que contra ela remanescer.
O patrimônio de afetação, nas incorporações imobiliárias, é constituído por um
conjunto de bens do incorporador ou de terceiros parceiros e será patrimônio autônomo.
Dessa forma, os bens do patrimônio de afetação não se comunicam com patrimônio
particular do incorporador e, portanto, só responderão por dívidas e obrigações relativas à
própria incorporação. O artigo 31-F da Lei de Incorporações dispõe que a decretação de

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

falência do incorporador não atingirá o patrimônio de afetação constituído. Assim sendo,


não integrarão a massa os bens, direitos creditórios e obrigações objeto da incorporação.
Neste sentido dispôs também a Nova Lei de Falências.
Na incorporação imobiliária, se for pelo regime da afetação, na forma do artigo 31-
F da Lei 4.591/64, o patrimônio de afetação não será sequer arrecadado, e os adquirentes se
sub-rogarão nos direitos do incorporador. Veja o dispositivo:
“Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do
incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando
a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios,
obrigações e encargos objeto da incorporação.(Incluído pela Lei nº 10.931, de
2004)
(...)”

Se a incorporação não seguir o regime da afetação, esta regra não será observada.
Ainda sobre a incorporação, a jurisprudência tem admitido aos condôminos dar
prosseguimento ao contrato, finalizando a obra e pagando o que houver de ser pago à massa
falida.

1.3.5. Contrato de mandato

A solução legal é dada no artigo 120 da Lei 11.101/05:

“Art. 120. O mandato conferido pelo devedor, antes da falência, para a realização
de negócios, cessará seus efeitos com a decretação da falência, cabendo ao
mandatário prestar contas de sua gestão.
§ 1º O mandato conferido para representação judicial do devedor continua em
vigor até que seja expressamente revogado pelo administrador judicial.
§ 2º Para o falido, cessa o mandato ou comissão que houver recebido antes da
falência, salvo os que versem sobre matéria estranha à atividade empresarial.”

Se o falido é o mandante, serão revogados com a falência, devendo o mandatário


prestar contas de sua gestão. Sendo falido o mandatário, também serão revogados com a
decretação da falência, salvo se tais contratos “versarem sobre matéria estranha à atividade
empresarial”: se o mandato for para as obrigações cíveis, portanto, este mandato não se
extingue pela falência do mandatário.
Se se tratar de mandato judicial, observa-se o §1º do artigo supra: caso o mandato
tenha sido conferido pelo devedor para sua representação judicial, este permanecerá em
vigor, salvo se for revogado expressamente pelo administrador judicial.

1.3.6. Contrato de conta corrente

Diz o artigo 121 da Lei 11.101/05:

“Art. 121. As contas correntes com o devedor consideram-se encerradas no


momento de decretação da falência, verificando-se o respectivo saldo.”

Veja que a lei determina que as contas correntes do devedor falido deverão, com a
decretação da falência, ser encerradas, apurando-se o respectivo saldo. Assim sendo,
conclui-se que o administrador judicial não poderá optar pela continuação de tais contratos,

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

sendo obrigatória a verificação do saldo da conta corrente, de modo a “situar a posição


credora ou devedora da massa falida em relação ao outro correntista”.
Rubens Requião afirma que, após a verificação do saldo, o administrador judicial
pode restabelecer o contrato de conta corrente, figurando como partes a massa falida e o
outro correntista.

1.3.7. Contratos de sociedade

Veja o artigo 123 da lei em comento:

“Art. 123. Se o falido fizer parte de alguma sociedade como sócio comanditário ou
cotista, para a massa falida entrarão somente os haveres que na sociedade ele
possuir e forem apurados na forma estabelecida no contrato ou estatuto social.
§ 1º Se o contrato ou o estatuto social nada disciplinar a respeito, a apuração far-
se-á judicialmente, salvo se, por lei, pelo contrato ou estatuto, a sociedade tiver de
liquidar-se, caso em que os haveres do falido, somente após o pagamento de todo o
passivo da sociedade, entrarão para a massa falida.
§ 2º Nos casos de condomínio indivisível de que participe o falido, o bem será
vendido e deduzir-se-á do valor arrecadado o que for devido aos demais
condôminos, facultada a estes a compra da quota-parte do falido nos termos da
melhor proposta obtida.

Veja o artigo 1.030, parágrafo único, do CC:

“Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o
sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios,
por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade
superveniente.
Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado
falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do
art. 1.026.”

Assim, o sócio falido será simplesmente excluído da sociedade.


Mas veja que estes artigos tratam das sociedades contratuais, e não da S/A. Nesta,
as ações serão simplesmente arrecadadas, ativos que são.
Se o falido fizer parte de alguma sociedade como sócio comanditário ou cotista,
para a massa falida entrarão somente os haveres que na sociedade ele possuir e forem
apurados na forma estabelecida no contrato ou estatuto social.
Para Sérgio Campinho, a omissão no tocante aos demais sócios (sociedades
contratuais) é meramente acidental. Se for S/A, as ações deverão ser arrecadadas.

1.3.8. Contratos de trabalho

A princípio, estes contratos não se resolvem com a decretação da falência. Contudo,


se não for determinada a continuação provisória, deverá ser considerado rompido o
contrato, de modo que o empregado poderá exercer seus direitos.
Havendo continuação provisória da atividade, e prosseguindo naquele tempo o
contrato de trabalho, os créditos por este devidos são considerados extraconcursais, na
forma do artigo 84, I, da Lei 11.101/05, já transcrito.

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1.3.9. Contrato de concessão de serviço público

Estes contratos serão extintos, na forma do artigo 35, VI, da Lei 8.987/95.
Consoante a regra disposta no parágrafo segundo deste artigo, o poder concedente irá
assumir o serviço público. Veja:

“Art. 35. Extingue-se a concessão por:


(...)
VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade
do titular, no caso de empresa individual.
(...)
§ 2º Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder
concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações
necessários.
(...)”

1.3.10. Contrato de sociedade em contas de participação

Decretada a falência do sócio ostensivo (ou do participante, se for um só), a


sociedade em conta de participação se resolve, e o sócio participante habilitará seus créditos
na falência daquele, como credor quirografário.

Casos Concretos

Questão 1

Esclareça qual o tratamento jurídico a ser dado pelo administrador judicial a


contratos de mútuo em que o falido é devedor e naquele em que ele é credor. Resposta
fundamentada.

Resposta à Questão 1

Se o falido é credor (mutuante), caberá ao administrador judicial a cobrança da


dívida do mutuário e dar a respectiva quitação (artigo 22, III, “l”, da Lei 11.101/05). O
contrato não se extinguirá com a decretação da falência, nem a dívida do mutuário terá seu
vencimento antecipado.
Se o falido é o devedor (mutuário), será preciso verificar se o mútuo é ou não
gratuito. Isso porque as obrigações a título gratuito do devedor não são exigíveis na
falência, com base no artigo 5º, I, da Lei 11.101/05. Se o mútuo é de fins econômicos, do

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

artigo 591 do CC, o administrador judicial, mediante autorização do Comitê de Credores


(se houver), poderá realizar o pagamento da prestação, observados os requisitos do artigo
118 da Lei de Recuperação Judicial e Falência.

Questão 2

Decretada a falência da CIA. BRAUER, o administrador arrecadou todos os bens


da falida, inclusive bem objeto de contrato de alienação fiduciária em garantia. O credor
fiduciário ajuizou pedido de restituição para reaver o bem de sua titularidade, havendo,
contudo, oposição do administrador judicial por optar pelo cumprimento do contrato, em
razão do interesse da massa falida, além do que, já houvera o adimplemento de setenta por
cento do valor contratado. O juiz indeferiu pedido de restituição. Correta a decisão?
Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

O administrador judicial deve, primeiro, manifestar que não quer dar continuidade
ao contrato, pois se quiser este terá prosseguimento – a cláusula resolutória expressa, para a
melhor doutrina, não se opõe à intenção de continuar o pacto. Se definir que o contrato vai
se resolver, somente então, o pedido de restituição seria sequer cogitável. Observa-se o
artigo 117 da Lei 11.101/05.
Assim, o bem será restituído in natura apenas se o administrador judicial não
pretender cumprir o contrato. Alienado o bem extrajudicialmente, como autoriza o Decreto
911/69, o credor satisfará seu crédito, e se restar algum saldo a ser pago a ele, este será
habilitado como quirografário. Se, ao contrário, restar saldo em favor do devedor falido,
deverá ser devolvido para compor o ativo da massa.
Vale dizer que se o bem não for arrecadado, a corrente majoritária entende que não
cabe pedido de restituição: a prova da arrecadação é essencial para tal pedido. Neste caso,
deverá habilitar-se, por todo o crédito, como credor quirografário. Contudo, há quem
entenda que se se provar a posse do bem pelo falido, a restituição também poderá ser
requerida, mesmo que não haja arrecadação, baseada na alternativa aparente do artigo 85 da
Lei 11.101/05:

“Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se


encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua
restituição.
Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e
entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua
falência, se ainda não alienada.”

Seguindo-se este entendimento, de que a posse enseja restituição, se não se localizar


o bem, ainda será cabível o pedido de restituição, mas agora em dinheiro, na forma do
artigo 86, I, da mesma lei:
“Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o
requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua
venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O entendimento prevalente, porém, é o do descabimento da restituição se não há


arrecadação. Sem prova da arrecadação, simplesmente não cabe restituição, para o STJ.
Havendo arrecadação, e pedida a restituição, pode acontecer de o bem não mais
subsistir, tendo sido vendido, por exemplo. Neste caso, sem dúvidas, há restituição em
dinheiro, pelo valor do laudo de avaliação da arrecadação – e o eventual valor sobejante
que o credor entender devido ser habilitado como crédito quirografário.
No caso concreto, ainda há que se verificar a questão do adimplemento substancial:
pode, a depender de estar consolidado este inadimplemento mínimo, o juízo negar a
restituição com base na transmissão da propriedade do bem. Se assim for, o crédito
inadimplido será classificado como quirografário.
A respeito, veja os julgados abaixo:

“COMERCIAL. FALÊNCIA. CONTRATO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO


FIDUCIÁRIA. Se, até a data da quebra, as respectivas obrigações estavam sendo
rigorosamente cumpridas, a massa falida pode optar pelo cumprimento do contrato
(DL 7.661/45, art. 43); antes da interpelação do síndico para que declare se cumpre
ou não o contrato, o pedido de restituição do bem alienado fiduciariamente é
prematuro. Recurso especial não conhecido. (REsp 172.367/PR, Rel. Ministro
ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 30.04.2002, DJ
24.06.2002 p. 294).”

“Processo: 0027614-63.2009.8.19.0000 (2009.002.30461). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 28/08/2009 - SEXTA
CAMARA CIVEL.
Direito Processual Civil. Art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil. Contrato
de arrendamento mercantil. Inadimplemento. Busca e apreensão de motocicleta.
Presença dos requisitos. Cabimento. Cumprimento da obrigatoriedade de
notificação prevista no art. 2º, § 3º, do Decreto-lei nº 911/69. Notificação recebida
e assinada pelo próprio devedor. Afastamento da teoria do adimplemento
substancial. Dívida de 11 parcelas de 45 que remonta ao ano de 2005. Prejuízo
significativo para o credor. Aplicação da Súmula nº 55 do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro."Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Liminar. Indeferimento.
Teoria do adimplemento substancial. Pagamento de 28, de um total de 36 parcelas.
Não configuração da excepcionalidade requerida para a aplicação da referida
teoria. A teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada com extrema
parcimônia, eis que seu emprego generalizado pode causar desequilíbrio no
sistema financeiro, com reflexos nos custos dos financiamentos e consequente
encarecimento do crédito, gerando efeitos negativos a toda a cadeia produtiva e de
consumo. Em assim sendo, somente em casos excepcionais está o juiz autorizado a
afastar a norma legal que prevê que a liminar de busca e apreensão deverá ser
deferida; na espécie, todavia, não se vislumbra essa excepcionalidade. Recurso
provido" Provimento de plano (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil).”

Questão 3

A sociedade empresária Nova Gália Materiais de Construção Ltda. EPP transferiu


o seu estabelecimento da cidade de Itaguaí para o Rio de Janeiro, ocupando por quarenta
meses um imóvel alugado no bairro de Realengo. Sem ter condições de manter o
pagamento pontual de suas dívidas, revelando-se infrutífera a recuperação pelo plano
especial em razão de suas limitações e, sem o apoio dos maiores credores para eventual
pedido de recuperação judicial, a sociedade viu-se obrigada a requerer sua falência (art.

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

105). O juiz na sentença pronunciou-se pela continuação provisória das atividades da


sociedade com o administrador judicial. O locador pediu a retomada do imóvel locado
invocando a validade do pacto de resolução do contrato em caso de falência, além da
ausência do direito potestativo do locatário à renovação compulsória e o direito que lhe
assiste o art. 57, da Lei nº 8.245/91. O administrador judicial invocou o art. 119, VII da
Lei nº 11.101/05, que lhe assegura o direito de, a qualquer tempo, denunciar o contrato e
não poder ser obrigado a deixar o imóvel se for do interesse da massa a permanência da
sociedade naquele local. Ademais, segundo o caput do art. 119, "prevalecerão" as regras
especiais. Pergunta-se: a cláusula resolutiva deve ser observada em prejuízo da
continuidade do negócio, prevalecendo o contrato e não dispondo o disposto na lei de
falências? Deve ser julgado procedente o pedido do locador? Fundamente.

Resposta à Questão 3

O contrato não será resolvido, e a massa falida continuará pagando o aluguel


normalmente. A cláusula resolutória não prevalece sobre o direito de dar continuidade ao
pacto, especialmente diante da continuação provisória do negócio.

Questão Extra

A sociedade A Ltda dedica-se ao comércio de artigos elétricos celebra um contrato


de sociedade em conta de participação com a sociedade B Ltda. que explora uma rede de
lojas na mesma cidade. De acordo com esse contrato, a sociedade A irá entregar à
sociedade B uma determinada quantidade de mercadorias que serão vendidas pela
sociedade B nas suas lojas. O resultado das vendas será repartido da seguinte forma: 60%
para a sociedade A e 40% para a sociedade B. Antes de terminadas as vendas, a sociedade
B tem a sua falência decretada, com base na impontualidade em obrigação assumida.
Responda fundamentadamente:
a) Quais os efeitos da falência da sociedade B sobre o negócio celebrado?
b) Pode a sociedade em conta de participação ter a sua falência decretada?

Resposta à Questão Extra

a) Como a sociedade B é o sócio ostensivo, o contrato de conta de


participação será resolvido.
b) Não: trata-se de um contrato de parceria, e não de uma sociedade
personificada, pelo que não pode falir, esta sociedade.

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema VII

DA INEFICÁCIA DOS ATOS PRATICADOS PELO DEVEDOR ANTES DA FALÊNCIA. Atos ineficazes. Atos
revogáveis. Ação revocatória. Legitimidade. Prazo. Recursos.

Notas de Aula12

1. Ineficácia dos atos praticados pelo devedor antes da decretação de falência

Ao se aproximar de um estado de insolvência, os empresários geralmente praticam


atos de dilapidação patrimonial. O sistema preventivo desta dilapidação, que já vem desde a
época em que vigia o DL 7.661/45, é dual: há a ineficácia objetiva dos atos e a ineficácia
subjetiva.
O sistema da ineficácia objetiva não perquire se os envolvidos no ato estavam de
boa ou má-fé, e tampouco exige que aquele ato tenha causado efetivo prejuízo. A lei
simplesmente arrola determinados atos que, se praticados pelo falido antes da decretação de
sua quebra, são ineficazes, ex lege.

12
Aula ministrada pelo professor Leonardo Araújo Marques, em 16/32010.

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O sistema da ineficácia subjetiva, por sua vez, depende da comprovação da má-fé


de todos os envolvidos no ato de dilapidação, e da comprovação do efetivo prejuizo à
massa falida.
Ambos estes sistemas objetivam recompor o patrimônio do falido, de forma que
este possa arcar com o maior número possível de créditos habilitados.
Todo este sistema dual não afasta aquilo que o direito civil organiza sobre o tema.
Isto significa que, havendo um dos vícios de invalidade, ineficácia ou inexistência dos atos
jurídicos identificados na seara geral do direito civil, é claro que podem ser deduzidos na
matéria falimentar.
Uma vez decretada a falência, se o falido praticar algum ato relativo a seus bens, a
consequência é a nulidade. No DL 7.661/45, estava expressamente cominada a nulidade
para tais atos, como se vê no artigo 40, § 1º, deste artigo:

“Art. 40. Desde o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro,


o devedor perde o direito de administrar os seus bens e dêles dispôr.
1° Não pode o devedor, desde aquêle momento, praticar qualquer ato que se refira
direta ou indiretamente, aos bens, interêsses, direitos e obrigações compreendidos
na falência, sob pena de nulidade, que o juiz pronunciará de ofício,
independentemente de prova de prejuízo.
2º Se, entretanto, antes da publicação da sentença declaratória da falência ou do
despacho de seqüestro, o devedor tiver pago no vencimento título à ordem por êle
aceito ou contra êle sacado, será válido o pagamento, se o portador não conhecia a
falência ou o seqüestro, e se, conforme a lei cambial, não puder mais exercer
útilmente os seus direitos contra os coobrigados.”

Na nova lei não há previsão expressa desta nulidade, mas ela resulta diretamente da
absoluta incapacidade de praticar qualquer ato relativo a seu patrimônio que se abate sobre
o falido. Quem pode praticar atos sobre os bens é o administrador judicial da massa falida,
e não mais o falido. Decretada a falência, os bens passam automaticamente à massa, e à
representação desta pelo administrador judicial, sendo nulos os atos que venham a ser
praticados pelo falido.

1.1. Ineficácia objetiva

Veja o artigo 129 da Lei 11.101/05:

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante
conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não
intenção deste fraudar credores:
I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo
legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do
próprio título;
II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal,
por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;
III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo
legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca
forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber
ao credor da hipoteca revogada;
IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da
falência;

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da


falência;
VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento
expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo
restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de
30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente
notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;
VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos,
por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a
decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.
Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em
defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do
processo.”

O caput deste artigo é muito claro quanto à sua objetividade, dispensando sem
margem de dúvidas os elementos subjetivos possivelmente suscitáveis. Há ineficácia,
mesmo não havendo estes elementos, mesmo não havendo prova do consilium fraudis.
Outro muito relevante aspecto sobre esta ineficácia objetiva é a tipicidade dos atos
que a ensejam: só há ineficácia objetiva se o ato for descrito neste artigo, não comportando
este interpretação ampliativa de seu rol. O rol é taxativo.
Na lei anterior, como dito, já havia os dois sistemas de ineficácia, e em qualquer dos
casos o meio para declarar a ineficácia era o emprego da ação revocatória: esta era
obrigatória para suscitar a ineficácia. Veja, a este respeito, o seguinte teor do informativo
426 do STJ:

“FALÊNCIA. ATOS. FALIDO. AÇÃO REVOCATÓRIA.


A questão do REsp cinge-se, essencialmente, à necessidade ou não de ação
revocatória para o reconhecimento da ineficácia de uma cessão de direitos firmada
entre a empresa falida, ora recorrida, e o ora recorrente, na qual se transferiram a
ele créditos obtidos pela falida em outra ação judicial, já em fase de execução,
contra o município também recorrido. Note-se que tal ato deu-se a menos de 30
dias da decretação da falência da empresa que firmou a mencionada cessão de
direito. A Turma deu provimento ao recurso por entender que o caminho para
considerar ineficazes os atos praticados pelo falido, dentro do termo legal, é a ação
revocatória, que pode ser proposta pelo síndico da massa falida ou por qualquer
credor nos prazos estipulados no art. 55 do DL n. 7.661/1945. Salientou-se que as
transações realizadas pelo falido continuam tendo eficácia enquanto não forem
declaradas ineficazes, o que somente pode ser obtido por meio da propositura de
competente ação revocatória, prevista no referido artigo da antiga Lei de Falências,
sendo que a única exceção à regra é a do art. 57 da referida lei, que possibilita que
a ineficácia do ato seja oposta como defesa em ação ou execução. Observou-se que
a declaração de ineficácia não pode ser unilateral, sem que se abra a oportunidade
do contraditório. Precedentes citados: REsp 200.717-SC, DJ 9/4/2001; REsp
241.319-RJ, DJ 26/8/2002, e REsp 259.265-SP, DJ 20/11/2000. REsp 881.216-RS,
Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/3/2010.”

No sistema atual, há uma diferença: se a ineficácia for objetiva, o juiz não precisa
decretá-la nos autos de uma revocatória, podendo declará-la incidentalmente no próprio
processo de falência, e mesmo que não haja requerimento, como indica o parágrafo único
do artigo supra.
Há muito questionamento acerca da constitucionalidade desta atuação oficiosa do
juízo da falência, porque supostamente violaria a inércia judiciária, mas prepondera a

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

corrente de que é uma opção válida do legislador. Isto porque a atuação do juízo da falência
é atípica em muitos aspectos, exercendo o juiz uma verdadeira superintendência processual
sobre aqueles atos, e não mera solução de lides: é um verdadeiro administrador, auxiliado
pelo próprio administrador judicial – e por isso a inércia não é imposta como o é no
processo comum.
Sequer o contraditório é afastado quando ocorre esta ineficácia declarada de ofício,
porque o prejudicado pode discutir a matéria, seja por agravo de instrumento, sejas por
embargos de terceiro – o contraditório é diferido, apenas.
Mesmo sendo declarável incidentalmente, nada impede que o prejudicado ajuíze
ação revocatória contra ato incidente neste artigo 129, supra. Esta ação é admissível porque,
muitas vezes, há necessidade de produção de prova sobre a existência de um ato daquele
rol. Nestes casos, a ação revocatória pode ser interessante, ou melhor, recomendável. É
claro que, provada de plano a situação incidente no artigo em questão, a revocatória
(também chamada de ação declaratória de ineficácia relativa) não será necessária.
Vejamos, então, cada um dos incisos que revelam atos de ineficácia objetiva.
Diz o inciso I que é ineficaz o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo
devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que
pelo desconto do próprio título. Esta ineficácia é muito lógica: se há títulos vencidos e
impagos, não pode o devedor privilegiar um outro credor cujo título sequer venceu,
pagando-o adiantadamente13.
No inciso II deste artigo supra, diz o legislador ser ineficaz o pagamento de dívidas
vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a
prevista pelo contrato. Um bom exemplo é o de uma dívida paga pelo devedor por meio de
dação em pagamento: não é admissível o pagamento feito de forma diversa daquela que o
contrato impunha originalmente, sendo este um ato objetivamente ineficaz. A recíproca
seria também ineficaz: se a obrigação contratual era de dar coisa certa, o pagamento em
dinheiro é também ineficaz.
O inciso III deste artigo diz ser ineficaz a constituição de direito real de garantia,
inclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente;
se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a
parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada. A constituição de gravame, no termo
legal, sem qualquer justificativa plausível (quando o crédito já existia, por exemplo), não
pode ser mantida – é ineficaz, porque claramente visa a burlar a classificação dos créditos.
Sendo ineficaz, o crédito será classificado como originalmente o seria, ignorada a garantia
claramente fraudulenta.
Estes incisos I a III do artigo 129, supra, se referem ao termo legal como período de
causa destas ineficácias. Reveja o dispositivo que traça o termo legal, o artigo 99, II, da Lei
11.101/05:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras


determinações:
(...)
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90
(noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial

13
Há quem defenda que o pagamento antecipado, mas em dia muito próximo do vencimento, não seria caso
de ineficácia, porque o dispositivo deve ser interpretado com alguma razoabilidade. Porém, é corrente
inexpressiva e, a todo ver, inacatável.

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta


finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;
(...)”

A prática de atos a título gratuito, ou a renúncia a herança ou legado 14, desde dois
anos antes da decretação da falência, são atos objetivamente ineficazes, segundo os incisos
IV e V do artigo 129 da Lei 11.101/05, respectivamente. Esta ineficácia vige para os atos de
dois anos antes da sentença, que são o que se denomina de período suspeito, não se
confundindo com o termo legal. Havendo esta ineficácia, os bens excluídos por conta
destes atos retornarão ao patrimônio do falido, agora à massa falida.
O inciso VI deste artigo 129 em tela diz que é ineficaz a venda ou transferência de
estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores,
a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu
passivo, salvo se, no prazo de trinta dias, não houver oposição dos credores, após serem
devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.
Este dispositivo trata do trespasse realizado pelo devedor, que o leva a ficar com ativos
remanescentes inferiores ao passivo, operação esta que só será eficaz se os credores,
notificados, permitam-na (mesmo que tacitamente, pela não oposição). Caso contrário, é
ineficaz. É claro que, se o trespasse não representar insolvência real, ou seja, se a venda do
estabelecimento não representar a diminuição do ativo a patamar inferior do que o passivo
do alienante falido, a alienação é válida.
No caso do trespasse, não se condiciona sua eficácia a qualquer período, ao termo
legal ou ao período suspeito – é revogável qualquer que tenha sido o momento em que
levou à insolvência contábil. Há quem sustente que há, porém, um limite temporal se impõe
à declaração de ineficácia do trespasse – o prazo prescricional da ação pauliana, de quatro
anos. Contudo, é tese inacatável, eis que o legislador não impôs qualquer limite temporal
intencionalmente, porque todo credor prejudicado deve poder obter esta solução judicial da
ineficácia, qualquer que tenha sido o tempo de seu prejuízo.
Veja que no trespasse, muito provavelmente uma ação revocatória será necessária,
porque a complexidade em se verificar a insolvência é evidente, sendo difícil sua
constatação incidental no rito falimentar.
O inciso VII do artigo 129 diz serem ineficazes os registros de direitos reais e de
transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação
relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação
anterior. Este dispositivo deve ser lido com enorme atenção, pelo seguinte detalhe: não é o
negócio, o contrato de compra e venda ou instituição de direito real, que está sendo
declarado ineficaz, e sim o seu registro.
Veja um exemplo: o devedor aliena um bem imóvel há mais de dez anos atrás, mas
o comprador não o transfere para si no registro, por meio da escritura pública. Para todos os
efeitos, então, este bem ainda está no patrimônio do devedor-vendedor. Vindo este a falir, o
administrador judicial arrecadará aquele bem imóvel, e qualquer registro feito após tal
momento será ineficaz (a rigor, sequer poderia ter sido feito, e se o foi certamente houve
alguma fraude cartorária). A arrecadação, porém, poderá ser contestada pelo comprador,
que se dirigirá ao juízo da falência e requererá a lavratura da escritura definitiva, provando
que o bem não pertence ao devedor falido, e portanto não pode ser arrecadado. Restando
14
Vale dizer que o ato do inciso V deste artigo 129 é normalmente aplicável a empresários individuais, eis que
sociedades raramente são herdeiras de qualquer coisa.

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

provado isto, o juízo permitirá que a escritura seja lavrada, e somente então o registro será
admitido.
É claro que o negócio efetivado após a falência é nulo de pleno direito, mas não é
disso que trata o dispositivo: este comina ineficácia objetiva ao registro do ato praticado
anteriormente, mas o ato persiste válido e eficaz – precisando apenas ser provado ao juízo
falimentar, como medida preventiva de fraudes, para poder ser registrado eficazmente.
A exceção a esta ineficácia é a existência de prenotação anterior à quebra: havendo
este início de registro, não será o registro realizado após a quebra considerado ineficaz.
O artigo 215 da Lei 6.015/73 se refere a este caso, cominando nulidade. Porém, este
dispositivo não tem vida própria autônoma, devendo ser lido em consonância com a Lei de
Falências, e por isso onde escrito que são “nulos” estes registros, leia-se “ineficazes”:

“Art. 215 - São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência,
ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita
anteriormente. (Renumerado do art. 216 com nova redação pela Lei nº 6.216, de
1975).”

1.1.1. Atos tornados eficazes em função do plano de recuperação

O artigo 131 da Lei 11.101/05 determina que se o plano de recuperação judicial


contemplar a realização de alguns determinados atos que seriam considerados,
ordinariamente, como objetivamente ineficazes, não o serão. Veja:

“Art. 131. Nenhum dos atos referidos nos incisos I a III e VI do art. 129 desta Lei
que tenham sido previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação
judicial será declarado ineficaz ou revogado.”

Esta exceção é muito lógica, porque seria contraditório declarar ineficácia de ato
aprovado pelos credores.

1.2. Ineficácia subjetiva

O artigo 130 da Lei 11.101/05 trata da ineficácia subjetiva:

“Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar


credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com
ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.”

Este dispositivo também não comina prazo para reconhecimento desta ineficácia,
podendo atingir atos que se enquadrem naqueles termos mesmo que tenham sido praticados
há muito tempo.
Veja que há atos que escapariam à ineficácia objetiva justamente por estarem
alheios ao período em que esta se constata, mas que podem ainda padecer de ineficácia
subjetiva. Por exemplo, uma doação realizada há três anos antes da falência: não está mais
no período suspeito de dois anos que torna-a objetivamente ineficaz, mas se o credor provar
consilium fraudis e prejuízo, será declarada subjetivamente ineficaz.
Para a declaração de ineficácia subjetiva, é imperativo o manejo de ação
revocatória, pois a matéria demanda prova da fraude e do prejuízo. A sentença da ação
revocatória será desconstitutiva do ato revogado.

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Repare que o ato alvejado pela revocatória, ou melhor, qualquer ato considerado
ineficaz, não é retirado do ordenamento: o ato é existente e válido, só não é oponível à
massa falida. Assim, pode acontecer de, utopicamente, não ser necessária a sua extinção
para quitação dos débitos falimentares, se o ativo suprir todas as dívidas do falido. Neste
caso, o ato restará vigente, não sendo perturbado, porque o ato é existente, válido e eficaz
contra o falido – só sendo ineficaz contra a massa falida, que pode arrecadar aquele bem ali
negociado.
O artigo 132 da Lei de Falências traz prazo decadencial para o direito de revogar o
ato subjetivamente ineficaz:

“Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta
pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no
prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência.”

O prazo conta-se desde a decretação da falência, que é quando se perquirirá dos


elementos subjetivos de tais atos.
Veja que este dispositivo não fala da ineficácia objetiva, e o parágrafo único do
artigo 129 da mesma lei não comina prazo para a ação revocatória dedicada a suscitar esta
ineficácia objetiva. Por esta falta legislativa, há quem defenda que deve ser empregado este
prazo decadencial do artigo 132, supra, por analogia, eis que a insegurança jurídica da falta
de prazo deve ser evitada, mas há ainda quem defenda que se aplica o prazo de quatro anos,
do artigo 178 do CC:

“Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do


negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em
que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.”

1.3. Ação revocatória

Por conceito, a revocatória é a ação pelo meio da qual se retira a eficácia de certos
atos praticados pelo devedor antes da declaração da falência, em relação à massa falida.
A competência para esta ação é do juízo falimentar, ante sua indivisibilidade. Veja o
artigo 134 da Lei 11.101/05:

“Art. 134. A ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá ao


procedimento ordinário previsto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
Código de Processo Civil.”

Esta ação difere da ação pauliana, a qual também ataca a eficácia de atos, mas
apenas em relação ao credor que a ajuíza: na revocatória, todos os credores se beneficiam
da revogação do ato; na pauliana, apenas o credor quirografário é legitimado, enquanto na
revocatória, todos são legitimados ativos.
A legitimidade ativa é peculiar, pois realmente assiste a todos os envolvidos: MP,
credores, massa falida representada pelo administrador judicial, todos têm legitimidade –
menos o próprio falido, por óbvio, eis que ele praticou o ato que seria alvejado.

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Todavia, o STJ, em recente julgado, entendeu, indiretamente e por via oblíqua, que
poderia haver provimento a revocatória proposta pelo próprio falido, ao seguinte
argumento: ela trará mais ativos à massa, e esta orientação deve prevalecer sobre a
ilegitimidade do falido. Na verdade, o que o STJ fez foi dar provimento a um REsp. em
uma rescisória ajuizada pelo falido, que alvejava decisão que denegara uma revocatória
ajuizada por um credor, e por isso a obliquidade do suposto reconhecimento de
legitimidade ao falido. A doutrina unânime rejeita esta possibilidade, mas o STJ tem esta
decisão paradigmática.
Discussão que envolve o falido é se este será ou não posto no pólo passivo da
revocatória. Há corrente que defende que ele tem que ser posto no pólo passivo, em
litisconsórcio necessário com os envolvidos no ato. Outra corrente defende que basta ser
intimado do processo, para, se quiser, integrar o pólo passivo para defender a higidez do
ato. O STJ, no informativo 414, se posicionou pela desnecessidade de sua presença no pólo
passivo:

“AÇÃO REVOCATÓRIA. FALIDO.


A massa falida ajuizou ação revocatória de contrato de locação, mas a inicial foi
aditada com o fito de incluir a sociedade empresária falida no polo passivo, o que
foi acolhido pelo juízo. Sucede que, com a decretação da quebra, há a perda da
legitimidade ativa e passiva do falido como consequência lógica de não poder
dispor de seus bens e os administrar, visto que os interesses patrimoniais passam a
ser geridos e representados pelo síndico da massa falida, com o fim precípuo de
pagar os credores. Assim, é inútil a presença do falido no polo passivo da
revocatória, devendo ser excluído da lide. REsp 764.815-RJ, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 5/11/2009.”

O artigo 133 da Lei 11.101/05 trata da legitimidade passiva:


“Art. 133. A ação revocatória pode ser promovida:
I – contra todos os que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos,
garantidos ou beneficiados;
II – contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito,
da intenção do devedor de prejudicar os credores;
III – contra os herdeiros ou legatários das pessoas indicadas nos incisos I e II do
caput deste artigo.”

O termo “pode”, do caput, para parte da doutrina deve ser interpretado como
“deve”, sendo necessário o litisconsórcio. Por todos, Rubens Requião. Todavia, a
jurisprudência tem entendido que não é esta a leitura, pois o litisconsórcio passivo seria
realmente facultativo.
A avaliação casuística da legitimidade passiva é mais técnica, na verdade, a
depender do ato alvejado. Isto porque há casos, por exemplo, em que o terceiro adquirente,
por ser de boa-fé, nada tem que responder perante o juízo falimentar.
O efeito da sentença de procedência da revocatória é o retorno dos bens à massa
falida, e dela cabe apelação. Veja os artigos 135 e 136 da lei em comento:

“Art. 135. A sentença que julgar procedente a ação revocatória determinará o


retorno dos bens à massa falida em espécie, com todos os acessórios, ou o valor de
mercado, acrescidos das perdas e danos.
Parágrafo único. Da sentença cabe apelação.”

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as


partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à
restituição dos bens ou valores entregues ao devedor.
§ 1º Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a
ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de
valores mobiliários emitidos pelo securitizador.
§ 2º É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e
danos contra o devedor ou seus garantes.”

O § 1º, supra, gera uma blindagem ao mercado de securitização de créditos,


tornando-o factível, pois se fossem alcançados pela ineficácia os títulos deste mercado
seriam desinteressantes.
O § 2º garante ao terceiro prejudicado, quando de boa-fé, a ação para reaver seu
prejuizo contra o devedor, falido. Suponha-se que, julgada procedente a revocatória, seja
determinada a busca do bem junto ao terceiro de boa-fé, mas o bem não é localizado,
porque foi perdido ou se deteriorou sem culpa deste terceiro. É claro que ele será imune a
qualquer responsabilidade, eis que de boa-fé – nada se abaterá sobre ele, devendo o falido
arcar com o prejuízo, arcando com o equivalente em dinheiro. Tendo sido o bem vendido,
porém, deve o terceiro restituir o produto da venda (mas nunca terá que restituir os
eventuais frutos).
O artigo 137 desta lei permite que o juiz adote o sequestro de bens como medida
constritiva preventiva:

“Art. 137. O juiz poderá, a requerimento do autor da ação revocatória, ordenar,


como medida preventiva, na forma da lei processual civil, o seqüestro dos bens
retirados do patrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros.”

O artigo 138 da Lei de Falências traz importante previsão: a revocatória pode


alvejar ato que tenha sido praticado até mesmo com base em decisão judicial. Veja:

“Art. 138. O ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com
base em decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei.
Parágrafo único. Revogado o ato ou declarada sua ineficácia, ficará rescindida a
sentença que o motivou.”

Veja que a causa de pedir da ação revocatória não tem qualquer correlação com a
que foi enfrentada na coisa julgada que gerou o ato atacado. Por isso, não é uma violação à
coisa julgada, e este dispositivo é perfeitamente constitucional.

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

Carlos, acionista da Cia Alimentação Saudável, exerceu direito de retirada em


razão de deliberação da fusão da sociedade, conforme o disposto no art. 230, da Lei nº
6.404/76. O reembolso do ex-acionista foi efetuado à conta do capital social, em razão da
sociedade não ter reservas suficientes para o pagamento devido. O administrador da
massa falida ajuizou ação revocatória para a restituição do reembolso pago com redução
do capital social. Carlos, em contestação, alegou que o art. 129 da Lei de Falências é
taxativo, razão pela qual o pedido deve ser julgado improcedente. Analise a questão sob
todos os aspectos.

Resposta à Questão 1

Veja o artigo 45 da Lei 6.404/76, especialmente seu § 8º:

“Art. 45. O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a
companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia-geral o
valor de suas ações.
§ 1º O estatuto pode estabelecer normas para a determinação do valor de
reembolso, que, entretanto, somente poderá ser inferior ao valor de patrimônio

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

líquido constante do último balanço aprovado pela assembléia-geral, observado o


disposto no § 2º, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser
apurado em avaliação (§§ 3º e 4º). (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 2º Se a deliberação da assembléia-geral ocorrer mais de 60 (sessenta) dias depois
da data do último balanço aprovado, será facultado ao acionista dissidente pedir,
juntamente com o reembolso, levantamento de balanço especial em data que
atenda àquele prazo.
Nesse caso, a companhia pagará imediatamente 80% (oitenta por cento) do valor
de reembolso calculado com base no último balanço e, levantado o balanço
especial, pagará o saldo no prazo de 120 (cento e vinte), dias a contar da data da
deliberação da assembléia-geral.
§ 3º Se o estatuto determinar a avaliação da ação para efeito de reembolso, o valor
será o determinado por três peritos ou empresa especializada, mediante laudo que
satisfaça os requisitos do § 1º do art. 8º e com a responsabilidade prevista no § 6º
do mesmo artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 4º Os peritos ou empresa especializada serão indicados em lista sêxtupla ou
tríplice, respectivamente, pelo Conselho de Administração ou, se não houver, pela
diretoria, e escolhidos pela Assembléia-geral em deliberação tomada por maioria
absoluta de votos, não se computando os votos em branco, cabendo a cada ação,
independentemente de sua espécie ou classe, o direito a um voto. (Redação dada
pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 5º O valor de reembolso poderá ser pago à conta de lucros ou reservas, exceto a
legal, e nesse caso as ações reembolsadas ficarão em tesouraria. (Redação dada
pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 6º Se, no prazo de cento e vinte dias, a contar da publicação da ata da assembléia,
não forem substituídos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas à conta
do capital social, este considerar-se-á reduzido no montante correspondente,
cumprindo aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral, dentro de
cinco dias, para tomar conhecimento daquela redução. (Redação dada pela Lei nº
9.457, de 1997)
§ 7º Se sobrevier a falência da sociedade, os acionistas dissidentes, credores pelo
reembolso de suas ações, serão classificados como quirografários em quadro
separado, e os rateios que lhes couberem serão imputados no pagamento dos
créditos constituídos anteriormente à data da publicação da ata da assembléia. As
quantias assim atribuídas aos créditos mais antigos não se deduzirão dos créditos
dos ex-acionistas, que subsistirão integralmente para serem satisfeitos pelos bens
da massa, depois de pagos os primeiros. (Incluído pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 8º Se, quando ocorrer a falência, já se houver efetuado, à conta do capital social,
o reembolso dos ex-acionistas, estes não tiverem sido substituídos, e a massa não
bastar para o pagamento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para
restituição do reembolso pago com redução do capital social, até a concorrência do
que remanescer dessa parte do passivo. A restituição será havida, na mesma
proporção, de todos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas. (Incluído
pela Lei nº 9.457, de 1997).”

O que este dispositivo faz é adicionar mais uma hipótese de ineficácia objetiva,
perfeitamente válida e que deve ser observada, ao rol do artigo 129 da Lei 11.101/05.

Questão 2

CIA. DE CONSTRUÇÃO CETALEX celebrou contrato de trespasse de


estabelecimento com a SOCIEDADE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CONCRETAX Ltda.
A alienante teve a sua falência decretada pela venda do estabelecimento sem a prévia
notificação dos credores (art. 94, III, "c", da Lei de Falências e art. 1.145, CC/02). A

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

ineficácia do ato foi decretada de ofício pelo juiz. O adquirente recorre da decisão,
dizendo-se terceiro de boa-fé, além do que a decretação de ineficácia depende da
propositura de ação revocatória. Correta a decisão? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

Pelo sistema anterior, a ação revocatória era necessária, mas não no sistema atual –
pode haver declaração de ineficácia incidental ao próprio processo falimentar, sendo
legalmente admitida esta medida oficiosa no artigo 129, parágrafo único, da Lei 11.101/05.
O terceiro pode defender seu bem através de instrumentos como o agravo de instrumento e
os embargos de terceiro.

Questão 3

"A" requereu a falência de "B". No prazo para defesa, este requereu e efetuou o
depósito elisivo, que foi levantado pelo requerente, após o juiz ter verificado a
improcedência das alegações da requerida. Posteriormente, outro credor requereu a
falência de "B", vindo ela a ser decretada. No prazo do art. 132 da Lei de Falências, o
administrador propôs ação revocatória objetivando a anulação do levantamento ocorrido
na ação anterior, ao fundamento de conluio entre o requerente e o falido, que concertaram
o pedido de falência, com o objetivo de fraudar os direitos dos demais credores, sendo
certo que, àquela altura, já era inequívoco o estado de insolvência do devedor, que,
inclusive, tinha título protestado. Você julgaria procedente o pedido? Fundamente.

Resposta à Questão 3

Ficando comprovado o conluio entre as partes, sim, o pedido deve ser julgado
procedente. Isto porque a decisão judicial que deu origem ao ato não impede a declaração
de sua ineficácia, a teor do artigo 138 da Lei 11.101/05 – as causas de pedir são diferentes,
não sendo ofendida a coisa julgada, pois a sentença, em si, não será atacada, e sim o próprio
pagamento.

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema VIII

DOS EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA DE FALÊNCIA. Em relação à pessoa do falido e dos sócios.
Direitos do falido. Deveres do falido. Prisão do falido. Efeitos em relação aos bens do falido. Arrecadação
dos bens e documentos do falido. Auto de arrecadação. Bens de terceiros.

Notas de Aula15

1. Efeitos jurídicos da sentença de falência em relação à pessoa do falido

O principal efeito quanto ao exercício da atividade empresarial é sua vedação: o


falido não pode mais exercer a atividade de empresa, seja ele empresário individual, seja
sociedade empresária. Veja o artigo 102 da Lei 11.101/05:

“Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a
partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações,
respeitado o disposto no § 1º do art. 181 desta Lei.
Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz
da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.”

Esta proibição não atinge os sócios, mas somente a sociedade em si.

15
Aula ministrada pelo professor Leonardo Araújo Marques, em 16/32010.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Decretada a falência, o falido perde imediatamente a administração de seus bens,


passando esta ao administrador judicial. Todos os atos que vier a praticar o falido sobre
seus bens, após a decretação de falência, serão nulos de pleno direito. Veja o artigo 103 da
Lei de Falências:

“Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o


direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência,
requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos
bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou
interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.”

O artigo 104 da Lei 11.101/05 determina os deveres do falido, impostos quando da


decretação da falência:
“Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:
I – assinar nos autos, desde que intimado da decisão, termo de comparecimento,
com a indicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do
domicílio, devendo ainda declarar, para constar do dito termo:
a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;
b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas
controladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto
social e a prova do respectivo registro, bem como suas alterações;
c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;
d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e
endereço do mandatário;
e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;
f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;
g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em
andamento em que for autor ou réu;
II – depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os
seus livros obrigatórios, a fim de serem entregues ao administrador judicial, depois
de encerrados por termos assinados pelo juiz;
III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e
comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas
cominadas na lei;
IV – comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por
procurador, quando não for indispensável sua presença;
V – entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao
administrador judicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que
porventura tenha em poder de terceiros;
VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou
Ministério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;
VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;
VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;
IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;
X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;
XI – apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores;
XII – examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.
Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei
lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de
desobediência.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

No inciso III do artigo supra, vê-se que o falido tem um pouco limitado seu direito à
locomoção, mas note-se que o que se impõe é a comunicação de que se ausentará ao juízo,
e não o pedido de autorização para tanto (como ocorria na vigência do DL 7.661/45). Sobre
isso, veja o seguinte julgado, constante do informativo 349 do STJ:

“HC 92327 / RJ. HABEAS CORPUS. Relator Ministro MASSAMI UYEDA.


Relator p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador -
QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 25/03/2008. Data da Publicação/Fonte:
DJe 04/08/2008.
Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO ADMINISTRATIVA. PROCESSO DE
FALÊNCIA. ARTIGO 34, III, DA LEI N. 7.661/45.
1. A Lei n. 11.101, de 9.2.2005, impõe algumas obrigações que devem ser
cumpridas pelo falido ante a decretação de falência, entre as quais a de que ele não
se ausente do local da falência sem prévia comunicação ao Juízo falimentar e sem
justo motivo.
2. As disposições dos artigos 34, III, da Lei n. 7.661/45 e 104, III, da Lei n.
11.101/05 estabelecem restrição à liberdade de locomoção da falido visando
resguardar os interesses da massa falida, no sentido de não prejudicar o andamento
do feito judicial com a ausência daquele. Todavia, a Lei n. 11.101/05 adotou uma
posição mais branda em relação à lei anterior, porquanto não mais se exige que o
falido requeira ao Juízo autorização para se ausentar, mas tão-somente comunique
a ele tal ausência, que deve ser motivada.
3. Na hipótese como a dos autos, em que a falência foi decretada após três anos da
retirada dos pacientes, ex-sócios, da empresa falida, a hipótese de crime falimentar
deve ser apurada na esfera criminal, não comportando aplicação de restrições, tais
como a prevista no art. 104, III, da Lei n. 11.101/05, enquanto não resolvido
naquele juízo.
4. Habeas corpus concedido.”

“FALÊNCIA. APREENSÃO. PASSAPORTE.


No caso, os pacientes retiraram-se da sociedade três anos antes de decretada
a falência; porém, após desconsideração da personalidade jurídica, arrecadação de
seus bens e apreensão de seus passaportes, foram proibidos de se ausentar sem
autorização expressa do juízo (art. 34, III, do DL n. 7.661/1945), isso ao
fundamento de que causaram a quebra. Diante disso, nota-se que essa proibição,
também prevista de forma mais branda no art. 104, III, da Lei n. 11.101/2005 (que
exige comunicação ao juízo e não autorização desse), é imposta unicamente ao
falido (e não aos ex-sócios), no intuito de resguardar os interesses econômicos dos
credores. Na hipótese, não há qualquer prejuízo, visto que já arrecadados bens para
esse fim. A hipotética prática de crime falimentar deve ser, então, apurada na esfera
penal, sem efeitos nas outras esferas enquanto não resolvida no juízo criminal. Daí
que, com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,
ordenou a devolução dos passaportes e a retirada dos nomes dos pacientes do
Sistema Nacional de Procurados e Impedidos, porém com a expressa determinação
de que, ao se ausentarem do país, façam a devida comunicação. HC 92.327-RJ,
Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 25/3/2008.”

As correspondências do falido serão abertas pelo administrador judicial.


Anteriormente, ele deveria notificar o falido do dia e hora em que seriam abertas suas
correspondências; hoje, o artigo 22, III, “d”, da Lei de Falências não impõe esta
comunicação, mas esta é recomendável, por medida de boa-fé, eis que a abertura não

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

comunicada pode ofender o sigilo constitucional das correspondências, levando à tese de


inconstitucionalidade deste dispositivo.

“Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do


Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
(...)
III – na falência:
(...)
d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que
não for assunto de interesse da massa;
(...)”

O artigo 99, VII, da Lei 11.101/05 prevê a prisão do falido, a qual em nada se
confunde com a prisão civil: trata-se de prisão preventiva, processual penal, perfeitamente
constitucional. Veja:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras


determinações:
(...)
VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das
partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus
administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime
definido nesta Lei;
(...)”

2. Arrecadação dos bens do falido

Todos os bens do falido serão arrecadados quando da decretação de falência, mesmo


aqueles em posse de terceiros. O administrador judicial, de posse do auto de arrecadação,
colherá todos os bens do devedor.
Arrecadar não significa, necessariamente, alterar o lugar em que a coisa se encontra.
Por vezes, o administrador judicial pode deixá-la onde está, nomeando o possuidor como
depositário judicial.
O administrador judicial é quem avalia os bens arrecadados. Ele pode contratar
auxiliares para promover a arrecadação de bens, o que pode ser necessário, por exemplo,
quando a avaliação das coisas depender de conhecimentos técnicos, pelo que peritos
avaliadores serão admitidos.
Os bens arrecadados podem ser objeto de negócios pelo administrador, de forma a
maximizar-lhes o valor (pode alugá-los, por exemplo). Para tanto, o juiz deve autorizar a
negociação.
É possível a adjudicação de bens arrecadados a credores habilitados, desde que se
respeite o valor da avaliação, e, mais importante, a ordem da classificação dos créditos deve
ser observada.
Não são passíveis de arrecadação os bens impenhoráveis. Na verdade, todas as
restrições civilistas impostas sobre bens aqui são respeitadas (bem de família, bens
absolutamente impenhoráveis, etc.).
Os artigos 108 a 114 da Lei 11.101/05 tratam da arrecadação e custódia dos bens:

“Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador


judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens,

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz,


para esses fins, as medidas necessárias.
§ 1º Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de
pessoa por ele escolhida, sob responsabilidade daquele, podendo o falido ou
qualquer de seus representantes ser nomeado depositário dos bens.
§ 2º O falido poderá acompanhar a arrecadação e a avaliação.
§ 3º O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a
massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às
autoridades competentes, determinando sua entrega.
§ 4º Não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.
§ 5º Ainda que haja avaliação em bloco, o bem objeto de garantia real será também
avaliado separadamente, para os fins do § 1o do art. 83 desta Lei.”

“Art. 109. O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a
execução da etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida
ou dos interesses dos credores.”

“Art. 110. O auto de arrecadação, composto pelo inventário e pelo respectivo laudo
de avaliação dos bens, será assinado pelo administrador judicial, pelo falido ou
seus representantes e por outras pessoas que auxiliarem ou presenciarem o ato.
§ 1º Não sendo possível a avaliação dos bens no ato da arrecadação, o
administrador judicial requererá ao juiz a concessão de prazo para apresentação do
laudo de avaliação, que não poderá exceder 30 (trinta) dias, contados da
apresentação do auto de arrecadação.
§ 2º Serão referidos no inventário:
I – os livros obrigatórios e os auxiliares ou facultativos do devedor, designando-se
o estado em que se acham, número e denominação de cada um, páginas
escrituradas, data do início da escrituração e do último lançamento, e se os livros
obrigatórios estão revestidos das formalidades legais;
II – dinheiro, papéis, títulos de crédito, documentos e outros bens da massa falida;
III – os bens da massa falida em poder de terceiro, a título de guarda, depósito,
penhor ou retenção;
IV – os bens indicados como propriedade de terceiros ou reclamados por estes,
mencionando-se essa circunstância.
§ 3º Quando possível, os bens referidos no § 2o deste artigo serão individualizados.
§ 4º Em relação aos bens imóveis, o administrador judicial, no prazo de 15
(quinze) dias após a sua arrecadação, exibirá as certidões de registro, extraídas
posteriormente à decretação da falência, com todas as indicações que nele
constarem.”

“Art. 111. O juiz poderá autorizar os credores, de forma individual ou coletiva, em


razão dos custos e no interesse da massa falida, a adquirir ou adjudicar, de
imediato, os bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de
classificação e preferência entre eles, ouvido o Comitê.”

“Art. 112. Os bens arrecadados poderão ser removidos, desde que haja necessidade
de sua melhor guarda e conservação, hipótese em que permanecerão em depósito
sob responsabilidade do administrador judicial, mediante compromisso.”

“Art. 113. Os bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização


ou que sejam de conservação arriscada ou dispendiosa, poderão ser vendidos
antecipadamente, após a arrecadação e a avaliação, mediante autorização judicial,
ouvidos o Comitê e o falido no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.”

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 114. O administrador judicial poderá alugar ou celebrar outro contrato


referente aos bens da massa falida, com o objetivo de produzir renda para a massa
falida, mediante autorização do Comitê.
§ 1º O contrato disposto no caput deste artigo não gera direito de preferência na
compra e não pode importar disposição total ou parcial dos bens.
§ 2º O bem objeto da contratação poderá ser alienado a qualquer tempo,
independentemente do prazo contratado, rescindindo-se, sem direito a multa, o
contrato realizado, salvo se houver anuência do adquirente.”

Casos Concretos

Questão 1

Em 1998, no Recurso em Habeas Corpus n° 76.741/MG, a Primeira Turma do STF


pronunciou-se pela revogação do art. 35 do Decreto-Lei n° 7.661/45 pelos incisos LXI e
LXVII da Constituição, que não admitem a prisão prevista no dispositivo da lei falimentar
(Súmula 280, STJ). Qual a posição da nova lei de falências a respeito? Há, em princípio,
ofensa à normas constitucionais?

Resposta à Questão 1

A atual Lei de Falências não dispõe sobre a prisão administrativa do empresário


falido ou administradores da sociedade falida. Todavia, em caso de descumprimento das
obrigações legais, pode o juiz decretar a prisão dos recalcitrantes por conta do cometimento
de crime de desobediência, após a intimação para cumprir o ato (artigo 99, III, da Lei
11.101/05). A prisão é preventiva, processual penal, e por isso perfeitamente constitucional.

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Decretada a falência de uma sociedade em nome coletivo, o juiz também decretou a


falência de seus sócios, profissionais liberais, sob os fundamentos da solidariedade e
responsabilidade ilimitada. Correta a decisão? Analise a questão sob todos os aspectos.

Resposta à Questão 2

Há uma discussão, ainda, sobre se há falência de fato ou de direito dos sócios com
responsabilidade ilimitada, mas a Lei 11.101/05 fala expressamente em falência de direito
destes sócios, no artigo 81. Esta literalidade deve ser observada. Contudo, pela severidade
da discussão, seguem as posições.
Parte da doutrina o admite, como Fabio Ulhoa, que defende que deve ser feita
interpretação literal, e o dito artigo 81 demanda apenas um requisito para que o sócio possa
falir: a sua responsabilidade ilimitada. Assim, debalde qualquer variação na atividade do
sócio, se este tem responsabilidade ilimitada, vai incidir em falência, se a sociedade que
integra vier a falir.
Sérgio Campinho, por sua vez, mitiga esta interpretação literal, propondo
interpretação sistemática do dispositivo: o artigo 1° da própria Lei de Falências só admite
que venha a falir devedor que seja empresário:

“Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a


falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor.”

Assim, se não for empresário, não pode incidir em falência. Conjugando-se este
dispositivo com a previsão do artigo 81, o sócio com responsabilidade ilimitada somente
poderá ter sua falência decretada se for também considerado empresário, per si. Isto
significa que, se o sócio for uma pessoa natural, com responsabilidade ilimitada, deverá ser
também caracterizado como empresário individual, por qualquer atividade paralela que
desempenhe. E se o sócio for uma pessoa jurídica, deverá igualmente ser sociedade
empresária com responsabilidade ilimitada, para poder falir quando da falência da
sociedade maior a qual integra.
Segundo a tese de Campinho, se a sociedade for do tipo em nome coletivo, todos os
sócios são pessoas naturais, e se a sociedade vier a falir, aqueles que se configurarem como
empresários individuais também falirão; aqueles que não forem, além de sócios
ilimitadamente responsáveis, empresários individuais, não terão sua falência decretada, mas
se sujeitarão aos efeitos da falência da sua sociedade (tal como era na vigência do DL
7.661/45, a tal falência de fato).
Há ainda uma terceira corrente, de Mônica Gusmão, que entende, contra legem, que
não é razoável a falência de direito destes sócios de responsabilidade ilimitada, em qualquer
caso. Assim se posiciona por três fundamentos: o devedor das obrigações inadimplidas é a
sociedade, e não os sócios, mesmo que ilimitadamente responsáveis; a personalidade da
sociedade não se confunde com a dos sócios, em razão da autonomia da personalidade
jurídica; e, por fim, pelo próprio escopo do novel diploma falimentar: esta lei não prima
pela quebra, mas sim pela continuidade da atividade de empresa, fomentando a sua
subsistência pela atenção à função social da empresa, sua preservação, e à própria
razoabilidade. Neste diapasão, aos sócios ilimitadamente responsáveis serão impostos os

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

efeitos da falência, sendo eles empresários per si ou não, mas não a decretação da falência
de direito. Assim, esta corrente simplesmente mantém o regime como era na vigência do
artigo 5°, do DL 7.661/45.

Questão 3

Declarada a falência de uma sociedade limitada, promoveu o administrador a


arrecadação do nome empresarial da falida e de sua marca. A falida insurge-se contra o
ato do administrador, pedindo ao juiz que exclua tais bens da falência. Opine a respeito.

Resposta à Questão 3

A marca é propriedade industrial, bem imaterial com valor econômico, por vezes,
extremamente vultoso. Não só pode, como deve ser arrecadada, gravando-a no INPI.
Já o nome empresarial, por seu turno, não pode ser arrecadado. Este é um atributo
identificador da personalidade jurídica da sociedade, e como tal não é um bem
economicamente valorável. É impossível se admitir a arrecadação de tal elemento da
personalidade, mesmo porque é providência inútil, eis que este não poderá ser alienado
posteriormente, na forma do artigo 1.164 do CC:

“Art. 1.164. O nome empresarial não pode ser objeto de alienação.


Parágrafo único. O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o
contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a
qualificação de sucessor.”

Outrora, já foi discutível esta arrecadação do nome empresarial, porque a


denominação era admitida a negócio, eis que não ofenderia à personalidade, tampouco o
princípio da veracidade do nome – sendo inadmissível apenas a firma individual e a razão
social (firma coletiva). Hoje, a inadmissibilidade geral se impõe por lei, como se viu no
artigo supra. Mesmo assim, há quem defenda que o nome empresarial poderá ser alienado,
se não violar o princípio da veracidade, e, se assim se entender, poderá ser arrecadado –
posição do CJF, como se vê no enunciado abaixo, absolutamente radical:

“Enunciado 72, CJF: Art. 1.164: suprimir o art. 1.164 do novo Código Civil.”

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema IX

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO E EMBARGOS DE TERCEIRO. Restituição ordinária e extraordinária.


Restituição em dinheiro. Ação de restituição. Procedimento. Ônus sucumbenciais. Embargos de terceiro. Rito
processual.

Notas de Aula16

1. Pedido de restituição

O pedido de restituição consiste em uma ferramenta de amparo, no processo


falimentar, àqueles que tenham sido prejudicados por alguma arrecadação indevida. pedido
de restituição tem por finalidade assegurar ao proprietário de bem arrecadado na falência a
sua devolução.
Não há possibilidade de pedido de restituição “amigável”: é uma medida
obrigatoriamente processual, sendo absolutamente necessário postular ao juiz da falência a
sua devolução, comprovando a propriedade. . O pedido deve ser dirigido ao juiz falimentar,

16
Aula ministrada pela professora Marcela Maffei Quadra, em 25/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

pois o administrador judicial não tem atribuição para decidir sobre a restituição do bem ao
seu proprietário
Trata-se de instituto da falência, não cabendo pedido de restituição na recuperação
judicial ou extrajudicial.
A fase investigativa da falência, após a decretação da quebra, consiste na verificação
do ativo e do passivo do falido. Na investigação do ativo, a lei impõe como dever do
administrador judicial que ele promova a arrecadação dos bens que sejam propriedade do
falido, ou que estejam na posse do falido. A arrecadação é o ato pelo qual se materializa a
indisponibilidade dos bens do falido.
Neste momento, não cabe ao administrador judicial realizar qualquer juízo de valor
sobre os bens que estão na posse do falido, sob pena de responder pessoalmente por
eventuais prejuízos aos credores. É por isso que pode acontecer de bens que não devam
estar contabilizados como ativo do falido acabem sendo arrecadados, indevidamente, por
precaução. E é para solucionar esta constrição errônea que se presta o pedido de restituição.
Veja o artigo 85 da Lei de Recuperação de Empresas:

“Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se


encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua
restituição.
Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e
entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua
falência, se ainda não alienada.”

A restituição, por óbvio, só existe quando a arrecadação foi indevida. É um


pressuposto lógico. Se a arrecadação é devida, ou seja, o bem já integrava corretamente o
ativo do falido, não há que se restituir nada – haverá crédito contra a massa, e não direito de
restituição.
A hipótese ordinária de restituição é a do caput do artigo supra: o bem que não é de
propriedade do falido, mas está em sua posse, se for arrecadado, deve ser restituído. No
caso do parágrafo único, chamado restituição extraordinária pela doutrina, o que se dá é
uma exceção razoável, ao lado de algumas outras situações especiais, que serão narradas.
O artigo 86 da Lei de Recuperação de Empresas trata dos casos em que a restituição
será feita em dinheiro:

“Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:


I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o
requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua
venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente
de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e
4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação,
inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da
autoridade competente;
III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de
revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.
Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas
após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei.”

A hipótese do inciso I do artigo supra é um desdobramento do pedido de restituição


fundado no caput do artigo 85.

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

As hipóteses dos incisos II e III do artigo supra são as tais causas especiais que, ao
lado do caso do parágrafo único do artigo 85, legitimam o pedido de restituição. A hipótese
do inciso II é bastante específica e literal, referindo-se a uma modalidade contratual
determinada; a do inciso III, por seu turno, é a restituição oriunda do desfazimento do
contrato por revogação ou ineficácia, e aponta para o artigo 136 do mesmo diploma, que
trata justamente do desfazimento do negócio:

“Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as


partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à
restituição dos bens ou valores entregues ao devedor.
§ 1º Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a
ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de
valores mobiliários emitidos pelo securitizador.
§ 2º É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e
danos contra o devedor ou seus garantes.”

As restituições do artigo 86, na forma do seu parágrafo único, só serão feitas após o
pagamento dos créditos trabalhistas apontados pelo artigo 151 do mesmo diploma:

“Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3


(três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-
mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.”

Ocorre que o artigo 149 da mesma lei assim dispõe:

“Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma


do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias
recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores,
atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais
dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de
importâncias.
§ 1º Havendo reserva de importâncias, os valores a ela relativos ficarão
depositados até o julgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este
finalmente reconhecido, no todo ou em parte, os recursos depositados serão objeto
de rateio suplementar entre os credores remanescentes.
§ 2º Os credores que não procederem, no prazo fixado pelo juiz, ao levantamento
dos valores que lhes couberam em rateio serão intimados a fazê-lo no prazo de 60
(sessenta) dias, após o qual os recursos serão objeto de rateio suplementar entre os
credores remanescentes.”

A interpretação sistemática destes três dispositivos – 86, parágrafo único, 149 e 151
– leva à conclusão de que, tão logo verificada a disponibilidade de caixa, pagará os créditos
do artigo 151, desde que não prejudique aquilo que deve ser restituído. Deve haver
pagamento destes créditos do artigo 151 antes das restituições, como dispõe o artigo 86,
parágrafo único, mas tais créditos não podem ser quitados com os valores destinados à
restituição, porque deles não dispõe a massa falida – não lhe pertencem. A questão é apenas
temporal, ou seja, os créditos dos trabalhadores serão pagos com precedência, mas não em
prejuizo dos credores de restituições, nem dos credores extraconcursais.
Assim, a ordem natural é que sejam pagas as restituições, os créditos
extraconcursais e os créditos do artigo 151, mas estes serão pagos primeiro se não
prejudicar o demais mencionados.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1.1. Procedimento da restituição

O artigo 87 da Lei 11.101/05 dá início ao procedimento:

“Art. 87. O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa


reclamada.
§ 1º O juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que o
instruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do
administrador judicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se
manifestem, valendo como contestação a manifestação contrária à restituição.
§ 2º Contestado o pedido e deferidas as provas porventura requeridas, o juiz
designará audiência de instrução e julgamento, se necessária.
§ 3º Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença.”

Trata-se de um incidente ao processo falimentar, correndo em apenso, com rito


probatório próprio, ou seja, fase cognitiva própria. Há quem critique esta feição de
incidente, porque a restituição deveria ser mais flexível, promovida administrativamente
pelo próprio administrador judicial.
A restituição é determinada por sentença, na forma do artigo 88 da lei em tela:

“Art. 88. A sentença que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega


da coisa no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Parágrafo único. Caso não haja contestação, a massa não será condenada ao
pagamento de honorários advocatícios.”

Veja que não há honorários, se não há contestação, porque o administrador judicial é


obrigado a arrecadar todos os bens, não podendo fazer juízo de valor neste momento, como
deixa claro o artigo 108 da lei em comento:

“Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador


judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens,
separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz,
para esses fins, as medidas necessárias.
(...)”

Assim, ao arrecadar, apenas cumpriu dever legal, e por isso não pode a massa ser
punida com ônus de sucumbência.
Sendo denegada a restituição, na sentença, o crédito, se existir, será enquadrado na
classe pertinente do concurso de credores, na forma do artigo 89:

“Art. 89. A sentença que negar a restituição, quando for o caso, incluirá o
requerente no quadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na forma
desta Lei.”

Desta sentença cabe apelação. Se concessória da restituição, pode haver obtenção


do bem pelo peticionante antes do trânsito em julgado, desde que preste caução, na forma
do artigo 90 da Lei em tela:

“Art. 90. Da sentença que julgar o pedido de restituição caberá apelação sem efeito
suspensivo.

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Parágrafo único. O autor do pedido de restituição que pretender receber o bem ou a


quantia reclamada antes do trânsito em julgado da sentença prestará caução.”

O pedido de restituição, desde logo, suspende qualquer possibilidade de o


administrador dispor da coisa, pois a busca é pelo bem em espécie. Veja o artigo 91 da Lei
11.101/05:

“Art. 91. O pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito


em julgado.
Parágrafo único. Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em
dinheiro e não existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio
proporcional entre eles.”

As despesas de conservação da coisa restituída devem ser pagas pelo requerente a


quem as realizou, na forma do artigo 92:

“Art. 92. O requerente que tiver obtido êxito no seu pedido ressarcirá a massa
falida ou a quem tiver suportado as despesas de conservação da coisa reclamada.”

Quem quer que não tiver legitimidade para pedir restituição, poderá opor embargos
de terceiros, na forma do artigo 93 da Lei 11.101/05 – outra medida que não se confunde,
em absoluto, com o pedido de restituição, e que será alvo de estudo logo adiante.

“Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o
direito dos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação
processual civil.”

É exemplo dessa hipótese o caso do cônjuge casado com empresário individual


falido, em regime que leve seu patrimônio a ser atingido pelo auto de arrecadação do
patrimônio integral do empresário individual falido.
Neste exemplo, a jurisprudência, em regra, entende que o patrimônio do empresário
individual se compôs em beneficio do casal, e por isso os embargos não devem ser
providos, a não ser que o embargante prove que não houve reversão da atividade de
empresa em seu proveito – o ônus da prova, neste exemplo, é do embargante.

2. Embargos de terceiro

O que há de mais relevante a ser ressaltado, aqui, é o fato de que não pode, o
pretendente, escolher entre o pedido de restituição e os embargos de terceiro: como se viu
no artigo 93 da Lei 11.101/05, supra, ou há legitimidade para um ou para outro instrumento.
Além do exemplo clássico do cônjuge, mencionado, vale dizer que em caso de
turbação se um terceiro pelo auto de arrecadação, somente caberá embargos de terceiro, e
não pedido de restituição.

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

Banco Mogi S/A., credora fiduciária, ajuizou pedido de restituição de dinheiro em


substituição ao bem objeto de contrato de alienação fiduciária, sob o fundamento de que o
bem não fora arrecadado pelo administrador por não ter sido encontrado. O pedido foi
indeferido, em razão da garantia do credor esgotar-se no próprio bem. O credor foi
incluído no rol dos credores quirografários. Correta a decisão. Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 1

Para Sérgio Campinho, neste contrato bilateral, o credor fiduciário apenas terá
direito à restituição se não houver cumprimento do contrato de alienação fiduciária pelo
devedor falido. O administrador deve interpelar o administrador judicial para saber se ele
irá dar prosseguimento ao contrato, conforme artigo 117 da Lei 11.101/05:

“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o
aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação
de seus ativos, mediante autorização do Comitê.
§ 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90
(noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro
de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.
§ 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao
contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário,
constituirá crédito quirografário.”

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Havendo cláusula resolutória expressa, o administrador não poderá dar


cumprimento ao contrato, devendo ser realizado o pedido de restituição.
E vale dizer que não importa se a alienação é regida pelo Decreto-Lei 911/69, pelo
CC ou pela Lei 9.514/97, pois será sempre cabível o pedido de restituição.
O credor fiduciário poderá vender a coisa extrajudicialmente e sem prévia avaliação
judicial. O saldo em favor da massa será entregue ao administrador. Caso ainda saldo em
favor do credor, o mesmo terá que habilitar seu crédito na falência do devedor, na qualidade
de quirografário.
Ricardo Negrão ressalva que se não houver prova da arrecadação do bem, não será
possível a restituição. Já se o bem consta do auto de arrecadação, mas já foi vendido ou não
é encontrado, o credor fiduciário poderia pedir a restituição do equivalente em dinheiro,
com base no artigo 86, I, da Lei 11.101/05.
Veja o que diz a jurisprudência:

“RESP 791.194/RS. COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE


MÚTUO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FALÊNCIA DO
DEVEDOR. PRETENSÃO DE HABILITAR O CRÉDITO COMO
PRIVILEGIADO. POSSIBILIDADE. 1. Em caso de falência do devedor, o crédito
decorrente de contrato garantido por alienação fiduciária deve ser habilitado como
privilegiado. Não se exclui, ainda e por óbvio, a possibilidade de o credor requerer
a restituição do bem (Art. 7º do Decreto-Lei 911/69). 2. A circunstância de o credor
- proprietário fiduciário - haver exercido ação executiva não desconstitui o direito
real resultante da alienação fiduciária. (Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14.12.2006, DJ 05.02.2007 p. 225).”

“RESP 5.250/SP. ALIENAÇÃO FIDUCIARIA. FALENCIA. AÇÃO DE BUSCA


E APREENSÃO. Decretada a falência do devedor, sem a arrecadação do bem
alienado fiduciariamente, cabe ao credor habilitar seu credito como quirografário.
RECURSO CONHECIDO MAS IMPROVIDO. (Rel. Ministro CESAR ASFOR
ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA
TURMA, julgado em 19/06/1997, DJ 08/09/1997 p. 42503).”

Questão 2

O Instituto Nacional do Seguro Social ajuizou ação de restituição em face da


Massa Falida de Contralto - Móveis e Artigos para o Lar Ltda., pleiteando a devolução
das quantias referentes às contribuições previdenciárias descontadas dos empregados pelo
devedor e não repassadas ao INSS. A ação foi julgada procedente e a decisão monocrática
condenou a massa falida à restituição da quantia pleiteada pelo autor com atualização
monetária. Em relação à verba de sucumbência fixada na decisão condenatória de
restituição, a juíza entendeu que ela não goza de preferência, devendo ser habilitada no
processo falimentar, para que, oportunamente, seja dada a classificação que, por direito,
lhe couber. O autor opôs embargos de declaração, aduzindo a omissão do julgado no que
respeita à aplicabilidade do art. 34, da Lei nº 8.212/91 e do art. 24, §1º, da Lei nº
8.906/94, argumentando que o montante relativo aos juros de mora e à verba honorária
decorrem do processo de restituição das contribuições, de modo que devem ser pagas
juntamente com essas. Pergunta-se:

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

a) as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados sujeitam-se ao


concurso falimentar? O pagamento está vinculado à satisfação prévia dos créditos
trabalhistas?
b) procede o inconformismo do autor em relação ao não pagamento imediato das
verbas sucumbenciais? Fundamente.

Resposta à Questão 2

a) Havia intensa discussão acerca da possibilidade de restituição de dinheiro na lei


anterior. A súmula 417 do STF consolidou o entendimento da Corte no sentido da
admissibilidade da restituição das contribuições previdenciárias devidas pelos
empregados, recolhidas pelo empregador falido, cujo repasse não tenha ocorrido.
Veja:
“Súmula 417, STF: Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder
do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse
ele a disponibilidade.”

Já para o caso da contribuição devida pela própria sociedade falida, deverá


ser realizada a inscrição do crédito no quadro geral de credores do falido.
Há discussão em relação ao imposto de renda. Há duas posições no TJ/RJ
sobre o tema, sendo certo que uma delas não admite a aplicação da súmula 417 do
STF no caso de IR. Veja a jurisprudência divergente:
“APELACAO CIVEL: 2008.001.22935. Direito Processual Civil. Falência. Pedido
de restituição. União Federal. Crédito tributário referente a imposto de renda de
pessoa física retido na fonte pagadora. Pedido de restituição. Súmula 417 do
Supremo Tribunal Federal. Inaplicabilidade. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal firmou-se no sentido que o art. 9º do DL 65/37 não teria sido revogado
pela Lei de Falência. Esta a motivação da súmula 417, bastando que se veja a
referência legislativa de sua edição e se recorra aos precedentes mencionados no
sítio daquele Tribunal Superior. Cabimento para restituição de contribuições
previdenciárias. Artigo 51 da lei 8212/91.Desprovimento do recurso. DES. NAGIB
SLAIBI - Julgamento: 02/07/2008 - SEXTA CAMARA CIVEL.”

“APELACAO CIVEL: 2007.001.04727. FALENCIA. IMPOSTO SOBRE A


RENDA RETIDO NA FONTE. AUSENCIA DE REPASSE A FAZENDA
NACIONAL. PEDIDO DE RESTITUICAO SUMULA 417, DO S.T.F.
FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. IMPOSTO RETIDO NA FONTE.
RETENÇÃO PELO FALIDO. AUSÊNCIA DE REPASSE À FAZENDA
NACIONAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. REFORMA
DA SENTENÇA. PROVIMENTO DO RECURSO. Os valores do imposto de
renda retidos na fonte dos empregados, pelo falido, e não repassados à Fazenda
Nacional devem ser restituídos antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que
trabalhista, porque se trata de bens que não integram o patrimônio do falido.
Incidência da Súmula nº 417 do STF. De outro lado, em tal hipótese, cabível se
mostra o enfrentamento e solução da esfera meritória, nos termos do parágrafo 3º,
do artigo 515 do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.352, de 26/12/2001. DES.
ANTONIO EDUARDO F. DUARTE - Julgamento: 30/10/2007 - TERCEIRA
CAMARA CIVEL”

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“APELACAO CIVEL: 2007.001.30534. FALENCIA. CONTRIBUICOES


PREVIDENCIARIAS. AUSENCIA DE REPASSE A SEGURIDADE SOCIAL.
PEDIDO DE RESTITUICAO. SUMULA 417, DO S.T.F. UNIFORMIZACAO DA
JURISPRUDENCIA: Empresarial. Pedido de restituição. Contribuições
previdenciárias de funcionários retidas na fonte e não repassadas. Cabimento.
Súmula 417 STF. Firmou a jurisprudência deste Tribunal e do STJ o entendimento
de que é cabível o pedido de restituição de contribuições previdenciárias
descontadas dos salários de funcionários de empresa falida, e não repassado ao
erário, na medida em que o empregador tem tão-somente detenção de tais valores,
servindo de intermédio entre os contribuintes e o erário. Súmula n. 417 do STF;
Uniformização de Jurisprudência n. 03/87 desta Corte. Recurso provido. DES.
MARCOS ALCINO A TORRES - Julgamento: 11/09/2007 - PRIMEIRA
CAMARA CIVEL”

“RESP 666.351/SP. PROCESSUAL CIVIL . VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.


FALÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS
EMPREGADOS E NÃO REPASSADA À SEGURIDADE SOCIAL. AÇÃO DE
RESTITUIÇÃO MOVIDA PELO INSS. CONCURSO DE CREDORES.
PREFERÊNCIA. ENCARGOS DA MASSA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) Outros precedentes. Assiste razão ao
recorrente, pois, ao defender que seus créditos não compõem a massa para fins de
pagamento dos créditos provenientes de acidente do trabalho e dívidas trabalhistas
da empresa falida. (...) 3. Os juros de mora e os honorários advocatícios oriundos
da sucumbência da massa na ação de restituição, posto não decorrerem de
obrigação de terceiro, mas do inadimplemento do dever do responsável tributário
de repassar à autarquia as contribuições previdenciárias descontadas dos salários
dos empregados, contribuintes da exação, não se subsumem ao regime da
restituição. 4. Consectariamente, cabendo ao responsável tributário, o falido, o
encargo financeiro referente aos honorários de advogado e aos juros moratórios
derivados de seu inadimplemento no prazo oportuno, revela-se inaplicável o
regime das restituições, devendo o referido crédito sujeitar-se ao concurso de
credores, nos termos dos artigos 102, da Lei de Falências, vigente à época do
ajuizamento da ação, e 186 e seguintes, doCódigo Tributário Nacional. Deveras, o
art. 24 da Lei 8906/94 privilegia o crédito oriundo da sucumbência, exatamente
para qualificá-lo ao concurso, hipótese que confronta com a pretensão de
restituição simpliciter et de plano. 5. Recurso especial desprovido. (Rel. Ministro
LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 26/09/2005 p. 207,
REPDJ 06/03/2006 p. 180).”

b) As custas processuais devem ser tratadas como verba extraconcursal, na forma do


artigo 84, IV, da Lei 11.101/05. A redação é literal. Se houve condenação em
sucumbenciais, é porque houve resistência à pretensão, e por isso a massa é
devedora desta verba, que se enquadra perfeitamente no artigo mencionado.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema X

ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA. Juiz. Órgão do Ministério Público. Administrador judicial. Nomeação,


requisitos, impedimentos, investidura, deveres, substituição e destituição. Assembléia Geral de Credores.
Comitê de Credores.

Notas de Aula17

1. Administração da falência

O primeiro órgão de relevo na administração da falência é o juiz: é ele quem conduz


o feito falimentar, com função judicante e também diretiva da falência. A função do juiz,
porém, é mais bem estudada de forma esparsa, eis que atuante em todo o processo judicial,
por óbvio. Vejamos, portanto, os demais órgãos de administração da falência.

1.1. Administrador judicial

Com natureza jurídica de órgão auxiliar do juízo, e com papel de suma importância
no processo falimentar, há a figura do administrador judicial, bastante semelhante ao
antigo síndico da falência, na vigência da lei anterior. Este administrador é nomeado pelo
juiz, e deve aceitar o encargo.
O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado,
economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. neste
último caso, ser nomeada uma pessoa natural para presentá-la. Não há mais a necessidade
de que o administrador seja um dos credores da massa, como havia outrora. Hoje, só
prevalece a capacidade técnica do administrador.
17
Aula ministrada pela professora Marcela Maffei Quadra, em 25/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Na recuperação extrajudicial, não há, por lógica, administrador judicial. Na judicial,


sim.
O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador
judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do
trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
É necessário intimar o administrador judicial para todos os atos do processo, sob
pena de nulidade. Veja o seguinte julgado do TJ/RJ:

“2007.001.64776 - APELACAO CIVEL. LIQUIDAÇÃO TRANSFORMADA EM


FALÊNCIA INTIMAÇÃO DO SÍNDICO OU ADMINISTRADOR JUDICIAL
PARA OS ATOS PROCESSUAIS - INOBSERVÂNCIA - NULIDADE DO
PROCESSO - ART. 557, §1º-A, DO CPC. Decretada a falência, deve o síndico -
hoje administrador judicial - ser intimado de todos os atos processuais,
principalmente os que lhe dizem respeito de forma direta, sob pena de nulidade.
Conhecimento e provimento do recurso, nos termos do art. 557, §1º-A, do CPC.
DES. RICARDO COUTO - Julgamento: 10/01/2008 - TERCEIRA CAMARA
CIVEL.”

Para Fábio Ulhoa, o administrador é mais do que auxiliar do juiz, desempenhando


uma dupla função: é também legítimo representante da comunhão dos interesses universais
dos credores da massa, a chamada massa subjetiva. Ocorre que o legislador pareceu querer
afastar completamente o administrador desta segunda função, de forma que possibilite a
este uma atuação imparcial, em prol da correção do processo, e não em prol dos credores:
deve resguardar o interesse de todos, credores e massa – podendo impugnar habilitações de
créditos, como exemplo de tutela da massa, ou não oferecer resistência a um pedido de
restituição, como exemplo de tutela do credor. Nesse sentido se posiciona Campinho,
dentre outros.
Alguns dispositivos da Lei 11.101/05, sobre o administrador, merecem ser
colacionados para simples leitura:

“Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente


advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica
especializada.
Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-
se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável
pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá
ser substituído sem autorização do juiz.”

“Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do


Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso
III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art.
105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da
decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores
interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem
de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos


nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas
especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação
judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano
de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do
devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o
inciso III do caput do art. 63 desta Lei;
III – na falência:
a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à
sua disposição os livros e documentos do falido;
b) examinar a escrituração do devedor;
c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;
d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que
não for assunto de interesse da massa;
e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo de
compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e
circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a
responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art. 186
desta Lei;
f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação,
nos termos dos arts. 108 e 110 desta Lei;
g) avaliar os bens arrecadados;
h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para
a avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa;
i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores;
j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos
a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa, nos
termos do art. 113 desta Lei;
l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança
de dívidas e dar a respectiva quitação;
m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados,
penhorados ou legalmente retidos;
n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos
honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;
o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o
cumprimento desta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração;
p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10o (décimo) dia do mês
seguinte ao vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com
clareza a receita e a despesa;
q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder,
sob pena de responsabilidade;
r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou
renunciar ao cargo.
§ 1º As remunerações dos auxiliares do administrador judicial serão fixadas pelo
juiz, que considerará a complexidade dos trabalhos a serem executados e os
valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
§ 2º Na hipótese da alínea d do inciso I do caput deste artigo, se houver recusa, o
juiz, a requerimento do administrador judicial, intimará aquelas pessoas para que
compareçam à sede do juízo, sob pena de desobediência, oportunidade em que as

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

interrogará na presença do administrador judicial, tomando seus depoimentos por


escrito.
§ 3º Na falência, o administrador judicial não poderá, sem autorização judicial,
após ouvidos o Comitê e o devedor no prazo comum de 2 (dois) dias, transigir
sobre obrigações e direitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas, ainda
que sejam consideradas de difícil recebimento.
§ 4º Se o relatório de que trata a alínea e do inciso III do caput deste artigo apontar
responsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o Ministério Público será
intimado para tomar conhecimento de seu teor.”

Vale dizer que, por mais extenso que seja este artigo 22, não é rol taxativo das
atribuições do administrador, podendo haver outras.
O artigo 24 trata da remuneração do administrador:

“Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do


administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau
de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o
desempenho de atividades semelhantes.
§ 1º Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5%
(cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial
ou do valor de venda dos bens na falência.
§ 2º Será reservado 40% (quarenta por cento) do montante devido ao administrador
judicial para pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta
Lei.
§ 3º O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao
trabalho realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas
funções por desídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações fixadas nesta
Lei, hipóteses em que não terá direito à remuneração.
§ 4º Também não terá direito a remuneração o administrador que tiver suas contas
desaprovadas.”

Os artigos 30 a 32 são também bastante relevantes:

Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador


judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador
judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi
destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de
contas desaprovada.
§ 1º Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a função de
administrador judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3o
(terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou
representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.
§ 2º O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a
substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados em
desobediência aos preceitos desta Lei.
§ 3º O juiz decidirá, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sobre o requerimento do
§ 2º deste artigo.”

“Art. 31. O juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer


interessado, poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de
quaisquer dos membros do Comitê de Credores quando verificar desobediência aos
preceitos desta Lei, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática
de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 1º No ato de destituição, o juiz nomeará novo administrador judicial ou


convocará os suplentes para recompor o Comitê.
§ 2º Na falência, o administrador judicial substituído prestará contas no prazo de
10 (dez) dias, nos termos dos §§ 1o a 6o do art. 154 desta Lei.”

“Art. 32. O administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos


prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa,
devendo o dissidente em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata
para eximir-se da responsabilidade.”

1.2. Ministério Público

O MP funciona como custos legis no processo falimentar, sendo órgão opinativo em


defesa do interesse público por trás do processo.
A discussão sobre a necessidade ou não de manifestação do MP em todos os atos é
enorme. Prevalece a posição de que é necessária, sim, a atuação do MP em todos os atos
que a lei expressamente invocar sua presença, e sempre que for verificada a presença de
interesse público em algum ato.
Exemplo de necessidade de atuação do MP, sem a qual há nulidade absoluta (e neste
caso doutrina e jurisprudência são uníssonas) é o do artigo 142, § 7º, da lei em tela:

“Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do


Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das
seguintes modalidades:
(...)
§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado
pessoalmente, sob pena de nulidade.”

Caso de nulidade relativa seria o de ausência do MP ao ato de arrecadação dos bens


do falido, porque se não há prejuízo na falta de intimação do MP para este ato, não é
preciso nulificar o ato.
O professor Fábio Ulhoa Coelho entende que o Ministério Público não deve atuar
na primeira fase do processo falimentar, mas somente quando a lei de falência determinar a
sua participação.
Ressalte-se que o veto do artigo 4º da Lei 11.101/05 não influencia na participação
do parquet. Veja:

“Art. 4º O representante do Ministério Público intervirá nos processos de


recuperação judicial e de falência.
Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do
Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra
esta.”

O MP atua na forma do artigo 82, III, do CPC, e 127 da CRFB. Veja os dispositivos:

“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:


(...)
III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas
demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou
qualidade da parte. (Redação dada pela Lei nº 9.415, de 23.12.1996).”

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
(...)”

O MP, como custos legis, tem legitimidade recursal e para a apresentação de


embargos do devedor na execução fiscal de uma sociedade empresária falida. Veja:

“Agravo de Instrumento. Interposição pelo Ministério Público. Falência decretada


na vigência da Lei 11.101/2005. Embora o requerimento tenha sido anterior à
vigência da nova Lei, há de aplicar-se o § 4° do art. 192 da mesma. Impõe-se a
conciliação do caput do art. 192 com seu § 4°, concluindo-se que a tramitação dos
processos falimentares iniciados antes da Lei 11.101/2005 seguirá o rito previsto
no Decreto-Lei 7661/45 até a decretação da falência, cuja sentença deverá observar
o disposto no art. 99 da nova Lei. Provimento. 2005.002.15826 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO. DES. RUYZ ALCANTARA -Julgamento: 07/03/2006 - NONA
CAMARA CIVEL.”

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. EMBARGOS DO


DEVEDOR. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público
possui amplo poder de atuação no processo falimentar, conferido pelo art. 210 do
Decreto-Lei n.º 7.661/45, em razão de relevante interesse social, baseado no dever
de agir como fiscal da lei. Fiscalização essa que não se exaure com a sentença de
falência. 2. O Parquet é o Curador e Fiscal de Massas Falidas, obrigado a defender
o patrimônio remanescente, em proteção aos interesses sócio-econômicos
envolvidos. Nesse contexto, é evidente a sua legitimidade ativa para opor
Embargos, único meio de defesa na execução fiscal, visando a impedir a aplicação
de multa manifestamente indevida. 3. Recurso Especial conhecido, mas improvido.
(REsp 28.529/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEGUNDA TURMA, julgado
em 25.06.2002, DJ 26.08.2002 p. 188).”

Sobre a discussão acerca da atuação do MP,, veja alguns julgados representativos da


controvérsia:

“2007.001.11370 - APELACAO CIVEL. Ementa. ORDINÁRIA. RÉU EM


PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INTERVENÇÃO
NECESSÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Em razão de uma das partes estar
em liquidação extrajudicial,indispensável a intervenção do Ministério Público por
força do art. 34 da Lei 6024/1974 c/c art. 210 da Lei de Falência. Processo
anulado, nos termos do voto do Desembargador Relator. DES. RICARDO
RODRIGUES CARDOZO - Julgamento: 24/04/2007 - DECIMA QUINTA
CAMARA CIVEL.”

“RECURSO ESPECIAL. PARTE MASSA FALIDA. INTERVENÇÃO DO


MINISTÉRIO PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE. I - Nas ações, iniciadas durante
a vigência do Decreto-Lei 7.661/45, em que são partes Massa Falida ou Sociedade
Concordatária é obrigatória a intervenção do Ministério Público (Art. 210 do
Decreto-Lei 7.661/45) II - Não se pronuncia a nulidade se o MP intervêm em
segundo grau de jurisdição, sem apontar concretamente a existência de prejuízo.
Precedentes do STJ. (REsp 803.897/SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14.02.2008, DJe 05.03.2008).”

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE


OMISSÃO NO JULGADO. PRETENSÃO INFRINGENTE DESVINCULADA

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

DA PREVISÃO CONTIDA NO ART. 535, I E II, DO CPC. NULIDADE.


AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 1. Embargos de declaração
opostos por Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria - Massa Falida em face de
acórdão que não conheceu do seu recurso especial por ausência de
prequestionamento da matéria do art. 522 do CPC e de fundamentação quanto à
alegada violação do art. 535, II, do CPC. (...) 5. No mais: "Ainda que na antiga Lei
de Falências - Decreto-Lei n. 7.661/45 - houvesse dispositivo a prever a oitiva do
Parquet em toda ação proposta pela massa falida ou contra ela, não se cogita, em
direito processual civil, de declaração de nulidade sem demonstração concreta de
prejuízo (pas de nullité sans grief). (EDcl no REsp 235.679/SP, DJ de 18/05/2007).
6. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no REsp 840.401/GO, Rel. Ministro
JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28.08.2007, DJ 27.09.2007
p. 228).”

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.


EXECUÇÃO FISCAL CONTRA MASSA FALIDA. NECESSIDADE DE
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTIGO 210, DO DECRETO-
LEI 7.661/45. 1. "Sendo a executada massa falida, afasta-se a incidência da
Súmula 189 deste Tribunal, sendo necessária a intimação do Ministério Público na
execução fiscal, pois, nos termos do art. 210, da Lei de Falências, o Parquet é o
curador e fiscal das massas falidas, devendo zelar pelo patrimônio remanescente,
em proteção aos interesses sócio-econômicos envolvidos." (REsp 614262/RJ, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 23.11.2004, DJ 14.02.2005, p.
172). 2. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 665.414/PR, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.05.2007,
DJ 10.09.2007 p. 209).”

“COBRANÇA. FALÊNCIA DA PARTE RÉ. NOTÍCIA. MINISTÉRIO


PÚBLICO. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA. INTIMAÇÃO. FALTA.
NULIDADE ABSOLUTA. A não intimação do "Parquet" para atuar em processo
cuja intervenção é obrigatória gera nulidade absoluta do processo a partir da
omissão constatada Aplicação da norma contida no parágrafo único do art.246, da
Lei de Ritos. Recurso provido em parte, nos termos do voto do Relator.
2006.001.22638 – APELACAO CIVEL DES. RICARDO RODRIGUES
CARDOZO - Julgamento: 26/07/2006 – DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL.”

1.3. Assembléia geral e comitê de credores

O comitê de credores é órgão facultativo que tem como principal função fiscalizar a
atuação do administrador judicial. Os membros do comitê poderão fazer jus a remuneração,
se a massa comportar e a complexidade do processo demandar.
A assembléia geral de credores, por seu turno, é orgão deliberativo, que reúne os
credores das diversas classes para o fim de aprovar determinados atos no curso da falência.
É órgão obrigatório, tanto na recuperação quanto na falência, mas não é permanente, sendo
instalada por convocações específicas, e depois decomposta.
É a assembléia que aprova o plano de recuperação da empresa, denotando a
natureza contratual deste plano, hoje.

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

Tem o Ministério Púbico legitimidade para propositura de requerimento de


falência?Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 1

Sérgio Campinho e Mônica Gusmão sustentam que, em regra, o representante do


Ministério Público atua na falência na condição de custos legis, tendo legitimidade ativa
para requerimento da falência do devedor empresário nas hipóteses legais que o autorizam
a promover execução singular. Se a falência, para grande maioria da doutrina, tem natureza
de execução coletiva, não é absurda a tese de que o Ministério Público esteja autorizado a
pedir a quebra do devedor empresário com fundamento na impontualidade e execução
frustrada na ação civil pública e no termo de ajuste de conduta (TAC), se legitimado para
essas execuções singulares.
Asseverando que o MP não teria qualquer interesse em ver uma empresa quebrar,
veja o seguinte julgado:

“RESP 971.215/RJ
(...)
II - A Súmula 99, ao declarar a legitimidade do Ministério Público para recorrer
nos processos em que oficia como fiscal da lei, refere-se estritamente à defesa de
interesses indisponíveis. Não alcança, pois, a concordata, onde se envolvem apenas
interesses disponíveis do comerciante e de seus credores quirografários.
III - No moderno Direito falimentar, o interesse social preponderante é manter a
empresa em atividade (L. 11.101/05, Art. 1º). Por isso o Ministério Público carece
de interesse para pleitear a desconstituição da concordata.

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

IV - “O despacho que manda processar a concordata é irrecorrível.” (3ª Turma -


REsp 125126/Menezes Direito).
(...)
REsp 971.215/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
TERCEIRA TURMA, julgado em 21.08.2007, DJ 15.10.2007 p. 268).”

Questão 2

O juiz da falência destituiu do encargo de administrador judicial o Dr. Roberto


Ozzellaméh, sob o seguinte fundamento:"1. Primeiramente, verifico que se equivocou o
administrador judicial ao datar a petição de fls. 1.023/1.026, eis que, embora se refira a
fatos ocorridos em 11.02.2004, apôs, ao final da petição, a data de 11.02.2003.2. O fato
supra, porém, constitui mero equívoco, sem maior relevo, só explicitando o mesmo para
evitar dificuldade de interpretação quanto às datas dos fatos.3. O que efetivamente
apresenta maior relevo é o fato de que a petição de fls. 1.023/1.026 evidencia que tem
razão a falida ao apontar lacunas e falta de diligência, por parte do Sr. Administrador
Judicial, sugerindo a possibilidade de negligência no cumprimento do respectivo encargo,
cujo diligente desempenho é essencial e decisivo para o bom andamento do processo
falimentar.4. Face às circunstâncias acima expostas, destituo o Sr. Síndico Roberto
Ozzellaméh dessa condição, nomeando, em substituição, o Dr. Sr. Sérgio Pentelouzo, o
qual deverá ser intimado para prestar compromisso".O administrador judicial interpôs
agravo, obtendo efeito suspensivo da decisão. Em suas razões alega o agravante que a
motivação para a sua destituição foi a quebra de confiança, e que não lhe foi assegurado o
direito de defesa. A quebra de confiança autoriza o juiz a substituir o administrador; se a
falta imputada a este for grave a ponto de justificar a destituição do encargo, a penalidade
só pode ser aplicada depois de assegurado o direito de defesa. Os fatos invocados pelo juiz
não se revestem de extrema gravidade, capaz de ensejar a destituição, com fundamento no
art. 31, da Lei de Falências. Ademais, a destituição importa nas consequências previstas
no art. 30, da citada lei (proibição de ser nomeado administrador judicial ou integrar
Comitê de Credores em outra falência).Deve ser provido o recurso? Fundamente.

Resposta à Questão 2

Veja o REsp. abaixo:

“RESP 793.903/RS. COMERCIAL. FALÊNCIA. SÍNDICO. DESTITUIÇÃO. A


destituição do síndico constitui penalidade que se projeta além do processo em que
foi aplicada (DL 7.661/45, art. 60, § 3º), supondo, portanto, contraditório prévio e
regular; não se confunde com a mera substituição de quem exerce o encargo,
sujeita à discrição do juiz que dirige e é o responsável pelo bom andamento do
processo falimentar. Recurso especial conhecido e provido. (Rel. Ministro ARI
PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 01/02/2006 p.
559).”

Questão 3

O Banco Despertar S/A., maior credor da sociedade anônima Cia. de Laticínios


Leitelac requereu sua falência após inúmeras tentativas frustradas de receber créditos no
montante de R$ 98.000.000,00 (noventa e oito milhões de reais). O réu ofereceu

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

contestação e não efetuou o depósito da quantia reclamada. O representante do Ministério


Público requereu vista dos autos para promoção. O juiz negou o pedido por entender
incabível sua atuação nessa fase processual. Correta a decisão? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 3

Para o STJ, o MP deve se manifestar em todas as fases do processo. Veja:


“Direito processual civil e falimentar. Recurso especial. Intervenção do Ministério
Público. Momento processual. Pedido de falência instruído com título
manifestamente prescrito. Reconhecimento de ofício pelo juiz. Possibilidade.
Extinção sem julgamento de mérito. - No processo falimentar, o representante do
Ministério Público será ouvido em qualquer fase do procedimento, não
configurando irregularidade o fato de ter sido intimado a se manifestar antes da
citação da outra parte. - Os requisitos legais exigidos para a decretação da falência
são matéria de ordem pública e, por isso, devem ser apreciados, de ofício, pelo
juiz. - Sendo manifesta a ocorrência da prescrição do título que instruiu o pedido
de falência, pode o juiz, de ofício, extinguir o processo sem julgamento de mérito,
pois esta circunstância impede a decretação da quebra. Recurso especial não
conhecido. (REsp 678.278/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 04.10.2005, DJ 12.12.2005 p. 375).”
Tema XI

HABILITAÇÃO, VERIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS. Créditos não sujeitos à habilitação.


Pedido de reserva. Habilitação retardatária. Quadro geral de credores. Ação revisional de crédito admitido à
falência.

Notas de Aula18

1. Habilitação, verificação e classificação dos créditos

O procedimento de verificação e classificação dos créditos sofreu uma significativa


com a nova lei. Anteriormente, após a decretação da falência, tinha início a fase
investigativa do processo falimentar, em que por um lado o síndico procurava identificar os
credores e sua posição, definindo bem o passivo; e por outro arrecadava os bens do falido, a
fim de definir o ativo e suas exatas condições. Nessa fase, também se conduziam eventuais
inquéritos falimentares, a fim de apurar eventuais infrações e crimes falimentares.
Essa fase investigativa, no antigo sistema, era bastante estanque, apartada do
restante do rito. O final dessa fase, inclusive, era o momento único e preclusivo do
requerimento da concordata suspensiva, com o fito de evitar a liquidação da empresa e
manter a atividade empresária em curso.
Não se permitia, portanto, a liquidação dos bens concomitantemente à fase
investigativa justamente porque poderia haver, até o fim desta, a suspensão da falência pela
concordata, e para retomar o exercício de empresa o ativo arrecadado não poderia ter sido
alienado.
Na Lei 11.101/05, não há qualquer instituto semelhante à concordata suspensiva,
não havendo nenhum instrumento hábil a suspender o procedimento falimentar instaurado.
Por isso, também não há, na nova sistemática, qualquer regra rígida em relação aos marcos
18
Aula ministrada pelo professor Marcela Maffei Quadra, em 26/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

temporais em relação às fases do processo, o que significa que após a sentença de quebra,
naturalmente, haverá a fase investigativa, mas sem óbice à liquidação paulatina dos bens,
de acordo com a demanda que se impuser.
A falência, portanto, hoje é um processo de execução coletiva irreversível, e por isso
a liquidação se dilui pela fase investigativa, não havendo mais partição estanque desses
momentos. Se não foi possível a recuperação, sendo imposta a sentença de quebra, nada
mais assiste ao falido para se reerguer, enquanto não pago o passivo.
Dito isso, a verificação de créditos é o passo inaugural deste momento investigativo
da falência, tendo início tão logo haja a sentença de quebra. A verificação dos créditos foi
bastante simplificada na nova lei; a partir do artigo 7º, como se verá, nota-se que se
desdobra em duas sub-fases distintas, a administrativa e a judicial.
A fase administrativa da verificação é levada a cabo pelo administrador judicial, por
óbvio. É ele quem vai elaborar uma lista preliminar de créditos componentes do passivo do
falido.
Posteriormente, é possível que haja uma fase litigiosa, judicial, da verificação, que
surgirá quando e se houver impugnações de créditos constantes da listagem preliminar
elaborada pelo administrador. Esta fase é apenas eventual, porque se não houver
impugnações, não haverá fase contenciosa.
Vale ainda dizer que o procedimento de verificação e habilitação dos créditos é
comum à falência e à recuperação: o legislador previu procedimento geral para estes atos,
quer na falência, quer na recuperação judicial, variando apenas os marcos temporais dos
atos em cada instituto.
Rubens Requião ressalta o quão importante é o procedimento de verificação dos
créditos para todo o processo falimentar, porque é nesse momento que se apura o passivo,
que se reconheça o quantum reclamado do falido, e que se define as classes dos credores da
massa, a fim de implementar corretamente o par conditio creditorum19.
Vejamos os artigos mais relevantes:

“Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com
base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos
documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o
auxílio de profissionais ou empresas especializadas.
§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1o, ou no parágrafo único do art. 99
desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao
administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos
relacionados.
§ 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na
forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de
credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º
deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas
indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a
elaboração dessa relação.”

Os primeiros dados concretos de que o administrador se vale são fornecidos pelos


próprios credores. Da sentença de decretação da quebra (ou da publicação do despacho de
19
Esse princípio da igualdade de condições dos credores de mesma classe é bastante mitigado na classe dos
créditos com garantia real, porque ali cada credor tem-se pago pelo bem que está atrelado a seu crédito, e não
em pé de concurso com todos os demais credores com garantia real. Tanto que, alienado o bem e restando
ainda crédito a ser pago ao seu credor, este é reclassificado como quirografário.

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

processamento da recuperação), contam os credores com quinze dias para habilitar-se ou


questionar a forma de seu crédito, se já arrolado pelo administrador, perante este próprio
administrador – o procedimento ainda está na sub-fase administrativa da fase investigativa.
Ao final desse prazo de quinze dias, o administrador contará com quarenta e cinco
outros para elaborar relação nominal de credores, ao final do que, publicando-a, findará a
sub-fase administrativa deste momento investigativo.
Havendo objeções à lista publicada pelo administrador, o artigo 8º dá ensejo à sub-
fase judicial do momento investigativo da falência:

“Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no


art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o
Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de
credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a
legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.
Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos
dos arts. 13 a 15 desta Lei.”

A impugnação do crédito é direcionada ao juiz da falência, e por isso é a partir desse


momento que se faz necessária a representação por advogado. O rito da impugnação é
traçado nos artigos 13 a 15, como dispõe o parágrafo do artigo supra, os quais serão
abordados adiante.
O artigo 9º da lei em comento define a forma pela qual se dará a habilitação dos
créditos:

“Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7o, § 1o,
desta Lei deverá conter:
I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de
qualquer ato do processo;
II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido
de recuperação judicial, sua origem e classificação;
III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a
serem produzidas;
IV – a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo
instrumento;
V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.
Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser
exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro
processo.”

Os requisitos do requerimento inicial de habilitação, constantes desse artigo supra,


são relativizados pela jurisprudência e doutrina no que tange à extensão do que é exigido,
de fato: nem tudo que está literalmente ali traçado é exigido do credor porque, se assim o
fosse, o inciso III, por exemplo, poderia gerar situações de verdadeira impossibilidade de o
credor comprovar seu crédito: poderia ser necessário, pela literalidade desse dispositivo,
que o credor juntasse todos os contratos prévios que geraram um determinado título, o que
por vezes pode ser inviável.
Essa mitigação é sobremaneira questionada quando se está diante de títulos de
crédito, porque a principiologia atinente ao direito cambiário entra em confronto com a
exigência de prova da origem do crédito: a autonomia e abstração dos títulos de crédito
determina que a cártula, ela própria, baste para provar o crédito ali inscrito. Em que pese o

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

confronto, o STJ tem entendido que é necessária a prova da origem, privilegiando a


prevenção de fraudes em detrimento da autonomia cartular. Veja o informativo 412 dessa
Corte:

“Informativo nº 0412. Período: 19 a 23 de outubro de 2009. Terceira Turma.


FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA.
A recorrente é massa falida de uma sociedade empresária que exercia a atividade
de factoring, mas captava recursos de forma ilícita junto à população, dando em
garantia apenas notas promissórias que sequer eram registradas em seus livros
contábeis. Com lastro em uma dessas notas, a recorrida pretendeu a habilitação de
crédito sob a égide do DL n. 7.661/1945. Porém, o art. 82 desse mesmo DL dispõe
ser indispensável o credor do falido demonstrar a exata importância de seu crédito,
bem como sua própria origem. Entende-se por origem do crédito o negócio, o fato
ou as circunstâncias que geraram a obrigação do falido. Essa exigência tem por fim
possibilitar a verificação da legitimidade dos créditos para evitar fraudes e abusos
contra os verdadeiros credores da falida, não se tratando de mero formalismo. A
jurisprudência do STJ entende imprescindível o cumprimento dessa exigência,
mesmo nos casos em que título de crédito dotado de autonomia e abstração lastrear
o valor pretendido. Dessa forma, a simples declaração de que o crédito é
consubstanciado na nota promissória apresentada, tal como se deu no caso, não
atende as exigências impostas ao credor na referida lei falimentar. Apesar da
hipótese narrada nos autos, em que é notória a ocorrência de condutas ilícitas, a lei
tem que ser respeitada, justamente para beneficiar aqueles que, comprovadamente
e de boa-fé, contrataram com a falida. Precedentes citados: REsp 556.032-SP, DJ
20/9/2004; REsp 10.208-SP, DJ 28/10/1991, e REsp 18.995-SP, DJ
3/11/1992. REsp 890.518-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2009.”

O artigo 10 da lei em comento trata das habilitações retardatárias:

“Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as
habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.
§ 1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os
titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas
deliberações da assembléia-geral de credores.
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo ao processo de falência, salvo se, na
data da realização da assembléia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral
de credores contendo o crédito retardatário.
§ 3º Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios
eventualmente realizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se
computando os acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do
pedido de habilitação.
§ 4º Na hipótese prevista no § 3o deste artigo, o credor poderá requerer a reserva
de valor para satisfação de seu crédito.
§ 5º As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da homologação
do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na
forma dos arts. 13 a 15 desta Lei.
§ 6º Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram
seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto
no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação
judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.”

É retardatário o crédito habilitado após os quinze dias e antes da homologação do


quadro geral de credores. Esta habilitação precisa seguir o rito da impugnação, ou seja, é
sempre litigiosa.

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Os credores que se habilitam de forma atrasada perdem alguns direitos, como o voto
em assembleias gerais de credores, a não ser que, na falência, o quadro geral de credores
contendo o retardatário seja homologado antes da assembleia.
Perdido o prazo de habilitação, e também o prazo de habilitação retardatária, ou
seja, após a homologação do quadro geral de credores, é possível somente mais uma
medida a socorrer este credor, qual seja, a do § 6º do artigo 10, supra: o pedido de
retificação do quadro, promovido em rito ordinário.
A partir do artigo 11 da Lei 11.101/05, o legislador trata dos procedimentos da
impugnação a créditos. Os dispositivos, de 11 a 20, são bastante claros, demandando alguns
poucos comentários pontuais:

“Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para
contestar a impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que
tiverem e indicando outras provas que reputem necessárias.”

“Art. 12. Transcorrido o prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se


houver, serão intimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de
5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Findo o prazo a que se refere o caput deste artigo, o administrador
judicial será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de 5 (cinco) dias,
devendo juntar à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa
especializada, se for o caso, e todas as informações existentes nos livros fiscais e
demais documentos do devedor acerca do crédito, constante ou não da relação de
credores, objeto da impugnação.”

“Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os
documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas
necessárias.
Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos
a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre
o mesmo crédito.”

“Art. 14. Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de
credores, a relação dos credores constante do edital de que trata o art. 7o, § 2o,
desta Lei, dispensada a publicação de que trata o art. 18 desta Lei.”

Esta decisão do artigo supra é irrecorrível, segundo a maior doutrina.

“Art. 15. Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos de
impugnação serão conclusos ao juiz, que:
I – determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos
não impugnadas, no valor constante da relação referida no § 2o do art. 7o desta
Lei;
II – julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas
alegações e provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o
valor e a classificação;
III – fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e
decidirá as questões processuais pendentes;
IV – determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução
e julgamento, se necessário.”

“Art. 16. O juiz determinará, para fins de rateio, a reserva de valor para satisfação
do crédito impugnado.

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Parágrafo único. Sendo parcial, a impugnação não impedirá o pagamento da parte


incontroversa.”

“Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.


Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à
decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu
valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito
de voto em assembléia-geral.”

“Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-


geral de credores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a
que se refere o art. 7o, § 2o, desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações
oferecidas.
Parágrafo único. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial,
mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento
da recuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e
publicado no órgão oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença
que houver julgado as impugnações.”

“Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do


Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da
falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código
de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer
crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro
essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou
da inclusão no quadro-geral de credores.
§ 1º A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante o juízo da
recuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6º, §§ 1º e 2º,
desta Lei, perante o juízo que tenha originariamente reconhecido o crédito.
§ 2º Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por
ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no
mesmo valor do crédito questionado.”

O artigo supra trata da chamada revisional, ou rescisória falimentar, ação que se


presta à rediscussão de crédito incluído no quadro.

“Art. 20. As habilitações dos credores particulares do sócio ilimitadamente


responsável processar-se-ão de acordo com as disposições desta Seção.”

Findo o processo de habilitação e verificação dos créditos, haverá a classificação


final de todo o passivo do falido, de forma que as classes sejam respeitadas, na forma do
artigo 83 da Lei 11.101/05:

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e
cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de
constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária
desta Lei;

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em
garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária
desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens
vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o
limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do
bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda,
ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente
considerado.
§ 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao
recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as
obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.”

Alguns comentários sobre esta classificação são fundamentais. O primeiro é que não
há mais gradação legal entre créditos trabalhistas propriamente ditos e créditos oriundos de
acidentes do trabalho, como outrora havia. São todos da primeira classe, com a só diferença
que os créditos decorrentes da relação trabalhista em si são limitados a cento e cinquenta
salários, sendo seu excedente lançado como crédito quirografário, enquanto os créditos
acidentários não sofrem limitação de valor, nessa classe. A limitação a cento e cinquenta
salários tem por objetivo impedir que empregados com salários astronômicos venham a
exaurir, com seus créditos, o ativo da massa, prejudicando as demais classes.
Na classe dos créditos tributários, há que se observar a ordem de preferência
federativa – primeiro recebe a União, depois os Estados (em rateio entre si), e depois os
Municípios (também em rateio interno). Vale ressaltar que, apesar de constar como terceira
classe, os créditos tributários são extraconcursais, não se sujeitando à verificação e
habilitação, servido esta previsão de classe como indicativo da ordem em que o crédito
tributário será pago – mas a Fazenda receberá pela via própria, na execução fiscal, e não
pelo procedimento de habilitação aqui narrado. A execução fiscal terá curso e fim, mas o
crédito fazendário nunca será satisfeito antes das classes anteriores deste dispositivo.
As multas que são consideradas subquirografárias, na forma do inciso VII do artigo
supra, são as moratórias, porque as compensatórias são consideradas como quirografárias,
eis que se tratam de penas antecipatórias de perdas e danos, se enquadrando no inciso VI
desse artigo.
O artigo 84 da Lei 11.101/05 trata dos créditos extraconcursais:

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com


precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os
relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos
derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho
relativos a serviços prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição
do seu produto, bem como custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha
sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a
recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da
falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da
falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.”

Os créditos do inciso I acima, referentes a relações de trabalho e acidentárias, só


podem surgir, naturalmente, quando for a excepcional hipótese de continuação provisória
das atividades do falido.
Com estas colocações, podemos resumir que o sistema de pagamentos na falência
funciona da seguinte forma: após a arrecadação do ativo e sua liquidação, deverão ser
pagos os credores de restituição; em seguida, os credores extraconcursais, do artigo 84,
supra; em seguida, são pagos os credores do concurso, na forma do artigo 83 supra.
Há algumas exceções trazidas na lei, como no caso dos credores trabalhistas do
artigo 151 da Lei 11.101/05, que receberão antes dos extraconcursais e restituíveis, desde
que sem prejudicar o que estes têm a receber:
“Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3
(três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-
mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.”

Outra exceção natural é o custeio das despesas de processamento da própria


falência, que devem ser pagos sem submissão a nenhum outro crédito.

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

SOCIEDADE COMPRE FÁCIL Ltda. teve a sua falência decretada por


impontualidade. Antônio, no prazo legal, habilitou seu crédito, juntando o título (cheque)
no original, tendo, porém, indeferida sua habilitação sob a alegação de não ter
comprovado a origem de seu crédito, requisito essencial do pedido de habilitação. Correta
a decisão? Analise a questão sob todos os aspectos.

Resposta à Questão 1

O título de crédito é autônomo e abstrato, e por isso não poderia ser exigida a prova
contratual daquele crédito: apenas o título já bastaria para provar o crédito, pois este é o
preceito conceitual do direito cambiário, a regra geral dos títulos de crédito. Todavia, a
jurisprudência tem privilegiado a segurança contra fraudes, e exigido a prova da relação
que originou o título. Assim, a decisão que indefere a habilitação deste cheque está correta.
Veja o REsp. abaixo:

“REsp 890518 / SC. RECURSO ESPECIAL 2006/0213721-4 Relator(a) Ministra


NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA Data do
Julgamento 20/10/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 17/11/2009.
Ementa: Direito Empresarial. Recurso especial. Habilitação de crédito em falência.
Nota Promissória. Ausência de demonstração da origem do crédito. Improcedência
do pedido de habilitação reconhecida.
- Nas habilitações de crédito regidas pelo Decreto-lei 7.661/45, é imprescindível
que seja demonstrada a origem do crédito, mesmo nas hipóteses em que o valor
reclamado encontra-se lastreado em título de crédito dotado de autonomia e
abstração. Precedentes.
- A exigência legal de demonstração da origem do crédito justifica-se pela
necessidade de verificação da legitimidade dos créditos, com o intuito de
impossibilitar que fraudes e abusos sejam cometidos em detrimento dos
verdadeiros credores da falida.

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

- Não indicado o negócio, o fato ou as circunstâncias da quais resultariam as


obrigações do falido, impõe-se a improcedência do pedido de habilitação do
crédito. Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais redistribuídos.”

Questão 2

É admissível a habilitação de crédito, na falência, representado por duplicatas


protestadas sem aceite e sem o comprovante da entrega das mercadorias?

Resposta à Questão 2

A duplicata injustificadamente não aceita pode ser protestada, e com a prova da


entrega das mercadorias, se torna título hábil à execução – e também à habilitação na
falência, por consequência.
Sendo assim, sem a prova da entrega das mercadorias, não é possível a habilitação
daquele crédito na falência.
A respeito, veja os julgados abaixo, do TJ/RJ:

“Processo: 0000862-50.1997.8.19.0008 (2005.001.48147). ª Ementa –


APELACAO. DES. HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento: 11/04/2006 -
SETIMA CAMARA CIVEL.
Apelação Cível. Habilitação de crédito em falência. Duplicata não aceita é título
apto a embasar requerimento de habilitação de crédito, desde que esteja
acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da
mercadoria. Ônus do requerente, não cumprido. Manutenção do indeferimento da
habilitação. Recurso desprovido.”

“Processo: 0000138-60.2003.8.19.0000 (2003.001.06786). 1ª Ementa -


APELACAO DES. LEILA MARIANO - Julgamento: 03/09/2003 - SEGUNDA
CAMARA CIVEL.
FALENCIA. HABILITACAO RETARDATARIA DE CREDITO. SENTENCA
CONFIRMADA.
FALÊNCIA. HABILITAÇÃO RETARDATÁRIA DE CRÉDITO. DUPLICATAS
SEM ACEITE ENDOSSADAS AO HABILITANTE PELA FALIDA. AUSÊNCIA
DO PROTESTO DE QUE TRATA O § 4º DO ART. 13 DA LEI 5474/68.
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE QUE NÃO PODE SER AFASTADA.
CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.”

Questão 3

Decretada a falência de sociedade limitada, o juiz autorizou a continuação


provisória da atividade do falido. Ao homologar o quadro geral de credores, admitiu a
inclusão do crédito de Carlos, empregado da sociedade falida, mantido após a quebra, no
valor de trezentos salários mínimos. O representante do Ministério Púbico pleiteou a nova
classificação do crédito trabalhista, sob o fundamento de que a limitação imposta pelo art.
83,I da Lei de Falências, admite como quirografário o crédito trabalhista que exceder ao
limite de cento e cinquenta salários mínimos. O pedido foi indeferido pelo juiz. O
acolhimento do crédito no valor apontado tem fundamento legal? Resposta justificada.

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A decisão foi correta. O crédito trabalhista em questão foi classificado como


extraconcursal na nova sistemática, conforme o disposto no art. 84, I, da Lei 11.101/05.
Sendo assim, está claro que são devidos tais créditos.

Tema XII

A LIQUIDAÇÃO NA FALÊNCIA. A realização do ativo e o pagamento do passivo. Formas de alienação.


Pagamento dos credores. Encerramento da falência e extinção das obrigações do falido. Reabilitação do
falido.

Notas de Aula20

1. Liquidação na falência

A liquidação é a alienação do ativo arrecadado com o fim de pagar o passivo


reclamado pelos credores. A liquidação, como já se pôde ver, não ocorre em um momento
estático, em uma fase estagnada da falência: ocorre de forma esparsa, mesmo antes do
término da fase investigativa do rito falimentar.
A alienação de bens pode acontecer até mesmo antes de terminar a arrecadação: é
possível que seja necessário alienar-se bens de alta volatilidade, por exemplo, a fim de que
não se percam. Somente assim se estará adimplindo o melhor interesse da massa e dos
credores.
A análise normativa começa no artigo 139 da Lei 11.101/05:

“Art. 139. Logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto ao
processo de falência, será iniciada a realização do ativo.”

Assim, arrecadado o bem, já se pode analisar a necessidade de sua liquidação, e


promovê-la desde logo.
O artigo 140 da lei em tela trata da alienação:

“Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas,
observada a seguinte ordem de preferência:
I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;
II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente;

20
Aula ministrada pelo professor Marcela Maffei Quadra, em 26/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do
devedor;
IV – alienação dos bens individualmente considerados.
§ 1º Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser
adotadas mais de uma forma de alienação.
§ 2º A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-
geral de credores.
§ 3º A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens
necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender
a transferência de contratos específicos.
§ 4º Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de
registro público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial
respectivo.”

Veja que o legislador se oriente pela maior valorização dos bens para estabelecer a
ordem de preferência na venda: a venda preferencial é a do ativo em bloco, do
estabelecimento e da azienda, porque esta alienação agrega mais valor ao ativo do que a
venda fracionada de bens, que é a última opção na ordem de alienação.
No § 2º do artigo supra se vê a mencionada regra de que a liquidação se dá de forma
não condicionada ao fim da fase investigativa.
O artigo seguinte delimita as peculiaridades da alienação conjunta de ativos:

“Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de


suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta
Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as
derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o
arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou
afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
§ 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos
mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações
decorrentes do contrato anterior.”

Nada impede que haja combinação de alienações conjuntas e isoladas dos ativos do
falido. A dinâmica casuística seguir-se-á por uma só orientação: o melhor interesse da
massa e dos credores.
O inciso II do caput do artigo supra é altamente relevante, porque é esta previsão
que alterou profundamente o artigo 133 do CTN, que trata da sucessão universal dos
débitos fazendários pelo adquirente, altamente mitigada na falência. Veja o artigo citado:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por
qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou
profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão
social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo
ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou
atividade;

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar


dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou
em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação
judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I – em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.
(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2º Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:
(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada
pelo devedor falido ou em recuperação judicial;(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou
afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios;
ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial
com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 3º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou
unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo
de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente
podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos
que preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005).”

Assim dispôs o legislador, afastando a responsabilidade do adquirente, na falência,


pelas obrigações propter rem da coisa adquirida, porque assim se fomenta a aquisição de
bens da massa, incrementando a liquidação do ativo.
O artigo 142 da Lei 11.101/05 trata das formas ordinárias pelas quais será
processada a alienação dos bens:
“Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do
Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das
seguintes modalidades:
I – leilão, por lances orais;
II – propostas fechadas;
III – pregão.
§ 1º A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este
artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação,
com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30
(trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação
por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.
§ 2º A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao
valor de avaliação.
§ 3º No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei no
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 4º A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e
sob recibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local
designados no edital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos
presentes, e juntando as propostas aos autos da falência.
§ 5º A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando
2 (duas) fases:
I – recebimento de propostas, na forma do § 3o deste artigo;
II – leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarem
propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na
forma do § 2o deste artigo.
§ 6º A venda por pregão respeitará as seguintes regras:

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

I – recebidas e abertas as propostas na forma do § 5o deste artigo, o juiz ordenará a


notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II,
para comparecer ao leilão;
II – o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante
presente, considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;
III – caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado
lance igual ou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença
verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a
cobrança dos valores pelo administrador judicial.
§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado
pessoalmente, sob pena de nulidade.”

O leilão a que alude o legislador no inciso I do caput desse artigo supra engloba
também a alienação de bens imóveis, que se daria tecnicamente em praça.
As impugnações à alienação são admitidas na forma e tempo do artigo subsequente:

“Art. 143. Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta
Lei, poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor
ou pelo Ministério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação,
hipótese em que os autos serão conclusos ao juiz, que, no prazo de 5 (cinco) dias,
decidirá sobre as impugnações e, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega
dos bens ao arrematante, respeitadas as condições estabelecidas no edital.”

Nada impede que o administrador e os credores proponham outras formas de


alienação diversas dessas ordinárias, mencionadas pelo legislador, se este for o melhor
interesse da massa e dos credores. Veja o artigo 144 da Lei 11.101/05:

“Art. 144. Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante


requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades
de alienação judicial diversas das previstas no art. 142 desta Lei.”

Veja agora o artigo 145 deste diploma:

“Art. 145. O juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo,


desde que aprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a
constituição de sociedade de credores ou dos empregados do próprio devedor, com
a participação, se necessária, dos atuais sócios ou de terceiros.
§ 1º Aplica-se à sociedade mencionada neste artigo o disposto no art. 141 desta
Lei.
§ 2º No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio
devedor, estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a
aquisição ou arrendamento da empresa.
§ 3º Não sendo aprovada pela assembléia-geral a proposta alternativa para a
realização do ativo, caberá ao juiz decidir a forma que será adotada, levando em
conta a manifestação do administrador judicial e do Comitê.”

O quorum para aprovação da proposta alternativa de alienação em assembleia é de


dois terços dos credores.
No artigo 146, seguinte, há uma previsão importante:

“Art. 146. Em qualquer modalidade de realização do ativo adotada, fica a massa


falida dispensada da apresentação de certidões negativas.”

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

É mais uma facilidade dada ao falido para que a alienação seja fomentada. Note-se
que esta dispensa de certidão para alienação do ativo não alcança o momento final em que o
falido precisará, para requerer a extinção de suas obrigações, apresentar tais certidões.
Os artigos 147 e 148 da Lei de Recuperação de Empresas traçam as previsões finais
acerca da liquidação dos ativos, permitindo que se passe para a fase de pagamento efetivo
aos credores.
“Art. 147. As quantias recebidas a qualquer título serão imediatamente depositadas
em conta remunerada de instituição financeira, atendidos os requisitos da lei ou das
normas de organização judiciária.”

“Art. 148. O administrador judicial fará constar do relatório de que trata a alínea p
do inciso III do art. 22 os valores eventualmente recebidos no mês vencido,
explicitando a forma de distribuição dos recursos entre os credores, observado o
disposto no art. 149 desta Lei.”

2. Pagamento aos credores

O artigo 149 da Lei 11.101/05 estabelece a forma dos pagamentos aos credores da
massa:

“Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma


do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias
recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores,
atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais
dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de
importâncias.
§ 1º Havendo reserva de importâncias, os valores a ela relativos ficarão
depositados até o julgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este
finalmente reconhecido, no todo ou em parte, os recursos depositados serão objeto
de rateio suplementar entre os credores remanescentes.
§ 2º Os credores que não procederem, no prazo fixado pelo juiz, ao levantamento
dos valores que lhes couberam em rateio serão intimados a fazê-lo no prazo de 60
(sessenta) dias, após o qual os recursos serão objeto de rateio suplementar entre os
credores remanescentes.”

Se os credores não forem localizados pessoalmente para receberem seus créditos, o


administrador deverá promover o depósito judicial em favor de cada um dos não
localizados. Intimados desse depósito, se não buscarem levantar seus créditos, o valor
retornará ao bojo do ativo para serem destinados a novos rateios, na forma e no prazo do §
2º do artigo supra.
O artigo 150 do mesmo diploma trata da possibilidade de pagamento de despesas de
curso da falência:

“Art. 150. As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à


administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das
atividades previstas no inciso XI do caput do art. 99 desta Lei, serão pagas pelo
administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa.”

O artigo 151, já bem abordado, trata do adiantamento de verbas alimentares


urgentes:

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3


(três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-
mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.”

O artigo 152 da lei em tela trata da restituição em dobro pelos credores que
receberam de má fé. Esta má fé deverá ser provada em procedimento específico, as há
quem entenda que seja possível que o juiz reconheça, ele próprio, na sentença de
procedência da impugnação, que rejeita o crédito, esta má fé.

“Art. 152. Os credores restituirão em dobro as quantias recebidas, acrescidas dos


juros legais, se ficar evidenciado dolo ou má-fé na constituição do crédito ou da
garantia.”

O artigo 153 da Lei 11.101/05 trata da óbvia restituição ao falido daquilo que, ao
final da apuração e pagamento, reste no seu ativo – o que é hipótese remotíssima na prática.

“Art. 153. Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido.”

A sociedade empresária findará sua existência após a falência, mesmo se houver


ativo remanescente, no caso do artigo supra. A sentença de extinção da falência será levada
à junta comercial, que promoverá a baixa da sociedade.
Sendo o falido um empresário individual, a situação é diferente: se ele se reabilitar,
ou seja, se obtiver declaração judicial da extinção de suas obrigações, poderá novamente
exercer atividade empresarial, porque é impensável admitir que alguém seja proibido de
funcionar como empresário por toda a vida, desde então.

3. Encerramento da falência

O artigo 154 inaugura o capítulo referente ao encerramento da falência:

“Art. 154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os


credores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30
(trinta) dias.
§ 1º As contas, acompanhadas dos documentos comprobatórios, serão prestadas em
autos apartados que, ao final, serão apensados aos autos da falência.
§ 2º O juiz ordenará a publicação de aviso de que as contas foram entregues e se
encontram à disposição dos interessados, que poderão impugná-las no prazo de 10
(dez) dias.
§ 3º Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração
dos fatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 5
(cinco) dias, findo o qual o administrador judicial será ouvido se houver
impugnação ou parecer contrário do Ministério Público.
§ 4º Cumpridas as providências previstas nos §§ 2o e 3o deste artigo, o juiz julgará
as contas por sentença.
§ 5º A sentença que rejeitar as contas do administrador judicial fixará suas
responsabilidades, poderá determinar a indisponibilidade ou o seqüestro de bens e
servirá como título executivo para indenização da massa.
§ 6º Da sentença cabe apelação.”

O artigo 155, seguinte, trata do relatório final do administrador judicial:

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 155. Julgadas as contas do administrador judicial, ele apresentará o relatório


final da falência no prazo de 10 (dez) dias, indicando o valor do ativo e o do
produto de sua realização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos
credores, e especificará justificadamente as responsabilidades com que continuará
o falido.”

Qualquer que seja o resultado da liquidação – pagos todos os credores ou não –


haverá o encerramento por sentença, na forma do artigo 156 da lei em comento:

“Art. 156. Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença.
Parágrafo único. A sentença de encerramento será publicada por edital e dela
caberá apelação.”

Veja também que pode o falido, quando o relatório demonstrar que todos os
credores foram pagos, requerer que esta mesma sentença supra declare extintas todas as
suas obrigações. A regra da declaração de extinção das obrigações é a traçada no artigo 158
desta lei, e a primeira hipótese é justamente o pagamento de todos os credores:

“Art. 158. Extingue as obrigações do falido:


I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por
cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia
necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral
liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se
o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se
o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.”

Havendo um dos casos do artigo supra, pode a declaração de extinção ser requerida,
como dispõe o artigo 159 da Lei 11.101/05:

“Art. 159. Configurada qualquer das hipóteses do art. 158 desta Lei, o falido
poderá requerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas
por sentença.
§ 1º O requerimento será autuado em apartado com os respectivos documentos e
publicado por edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação.
§ 2º No prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação do edital, qualquer credor
pode opor-se ao pedido do falido.
§ 3º Findo o prazo, o juiz, em 5 (cinco) dias, proferirá sentença e, se o
requerimento for anterior ao encerramento da falência, declarará extintas as
obrigações na sentença de encerramento.
§ 4º A sentença que declarar extintas as obrigações será comunicada a todas as
pessoas e entidades informadas da decretação da falência.
§ 5º Da sentença cabe apelação.
§ 6º Após o trânsito em julgado, os autos serão apensados aos da falência.”

Do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, tem reinício a


contagem do prazo prescricional que ficara suspenso na sua decretação, na forma do artigo
157 da lei em tela:

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 157. O prazo prescricional relativo às obrigações do falido recomeça a correr


a partir do dia em que transitar em julgado a sentença do encerramento da
falência.”

Tanto quanto a sociedade falida, o sócio de responsabilidade ilimitada que sofreu


seus efeitos pode também requerer a declaração da extinção de suas obrigações, na forma
do artigo 160 da lei em estudo:

“Art. 160. Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos desta Lei, o
sócio de responsabilidade ilimitada também poderá requerer que seja declarada por
sentença a extinção de suas obrigações na falência.”

É da sentença declaratória da extinção das obrigações que cessam as restrições que


pesavam sobre o falido e os sócios de responsabilidade ilimitada.

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

Discorra o candidato sobre os modos de extinção das obrigações do falido.

Resposta à Questão 1

O artigo 158 da Lei 11.101/05 é expresso, e são basicamente duas formas:


pagamento dos credores, total ou parcial; ou prescrição dos débitos, em prazo de cinco ou
dez anos, a depender da hipótese.

Questão 2

Encerrada a falência, o credor não integralmente satisfeito em seu crédito pode


cobrar do empresário individual as importâncias não recebidas no processo de falência?
Até quando? Subsiste nesse caso o juízo universal? Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 2

Segundo Sérgio Campinho:

“No Direito anterior, havia expresso regramento a respeito (artigo, 133, do


Decreto-Lei n° 7.661/45). Mas a inexistência de preceito correspondente na lei
atual não é capaz de prejudicar a conclusão. Esse direito de cobrança do saldo
decorre do fato de não estarem ainda extintas as obrigações. Se assim não o fosse,
não teria lógica a lei prever o retorno da fluência do prazo prescricional, após o
trânsito em julgado da sentença que encerrar a falência (artigo 157), nem a
necessidade de o administrador judicial indicar, no seu relatório final" as
responsabilidades com que continuará o falido (art. 155).”

Em suma, verificado saldo em favor de credores, após a integral liquidação do ativo,


poderá ele ser reclamado por cada um dos respectivos titulares, segundo as ações derivadas
de seus títulos, obedecido o prazo prescricional pertinente a cada um. Como procedimento,
deverá o credor obter junto ao juízo da falência certidão apontando o título, seu valor
atualizado e com os juros devidos, eventuais pagamentos recebidos e o saldo credor que, ao
final, restou computado, a fim de poder instruir sua ação.

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Encerrada, há dez anos, a falência de determinada sociedade, requer o falido


sejam declaradas extintas as suas obrigações. Junta documentação que entende pertinente,
deixando de comprovar a quitação dos tributos relativos à sua atividade empresarial.
Pergunta-se: Deve ser declarada a extinção das obrigações? Analise a questão sob todos
os aspectos.

Resposta à Questão 3

Segundo o Professor Leonardo Araújo Marques (Revista da EMERJ, n°33/2006,


págs. 234/267):

“A extinção das obrigações do falido está condicionada à apresentação das


certidões negativas de débito perante a§ Fazendas Públicas federal, estadual e
municipal, além do INSS (CTN, art. 191). O pedido de extinção das obrigações
pode ser formulado, inclusive, antes mesmo do juiz encerrar, por sentença, o
processo de falência, desde que sejam pagos todos os credores, numa manobra
chamada pela doutrina de Levantamento da falência. Do contrário, o pedido deve
se processar em autos apartados, consoante determina o art. 159 da LFR. O art. 158
da Lei de Falências dispõe sobre as formas de extinção das obrigações do falido: I)
qualquer causa extintiva dos créditos habilitados, como novação, remissão,
prescrição, pagamento, transação e etc.; II) rateio de mais de 50% dos créditos
habilitados, depois de realizado todo o ativo; III) Após o decurso do prazo
prescricional de 5 anos, contados a partir da data de encerramento da falência,
extinguem-se as obrigações do falido, se este ou o administrador da sociedade
falida não foram condenados por crime falimentar; IV) No caso de condenação o
prazo sobe para 10 anos.
Ocorre que o Código tributário Nacional, independentemente da causa, exige que o
devedor apresente prova de quitação de todos os tributos, para que se declare
extintas as obrigações do falido Nesse sentido tem decidido os tribunais superiores,
com absoluta tranquilidade. O saudoso RUBENS REQUIÃO sempre questionou
tal exigência, sob o argumento de que: Nada menos lógico e justo nessa exigência.
Se pagos todos os créditos sujeitos à falência, mesmo na percentagem de quarenta
por cento, deve o juiz proferir sentença de encerramento, independente da
existência ou não de créditos tributários; se os não estão sujeitos sequer ao
processo falimentar, como no seu final, exigir-se-á participação tão decisiva desse
crédito em processo do qual não participou por determinação da lei?
Ouso discordar do grande mestre Paranaense, para fazer coro com a jurisprudência
dominante. Há de ser considerado, especialmente diante do novo sistema criado
pela Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, que o crédito tributário é intensamente
atingido pela falência, sendo-lhe dispensado, apenas, o rigor do processo de
habilitação. Apesar das críticas, permanece incólume a exigência de apresentação
das certidões negativas de débito tributário para que o falido ou sociedade falida
vejam declaradas extintas as suas obrigações, no que se chama de reabilitação do
falido.”

Veja o julgado abaixo:

“REsp 134536 / RS STJ – Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES


DIREITO, TERCEIRA TURMA, j. 02/05/2000
Falência. Extinção das obrigações. Legitimidade e interesse para recorrer.
Prescrição. Precedentes da Corte.

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

1. Havendo manifestação de oposição, mesmo que não regularmente processada


pelo Juiz, tem a parte legitimidade e interesse em recorrer quando a decisão causa-
lhe prejuízo, como ocorre no presente feito, afastada pela decisão recorrida a
aplicação do art. 191 do Código Tributário Nacional, mas deferida a extinção das
obrigações da falida, embora ressalvando que as execuções fiscais correm em
separado do processo falimentar.
2. A prescrição depende da sentença de encerramento da falência, como assentado
em precedentes da Corte.
3. Recurso especial não conhecido.”
Tema XIII

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Constituição. Estrutura e funções do Sistema Financeiro Nacional.


Competências de suas entidades integrantes. Instituições financeiras públicas e privadas.

Notas de Aula21

1. Sistema financeiro nacional

Desde a antiguidade já se colhem notícias de contratos bancários, ou um esboço


destes. Na Idade Média, porém, é quando se percebe o estágio embrionário das instituições
financeiras, mas neste ponto histórico os bancos não faziam intermediação de valores
mediante juros: limitavam-se à guarda de valores, somente – a usura era pecado, não se
tolerando o lucro proveniente somente do dinheiro. De modo geral, o Banco de Veneza, de
1176, é apontado como o primeiro dos bancos, a primeira das instituições financeiras.
Contemporaneamente, a instituição financeira, através de contrato bancário, realiza
a intermediação entre os créditos das unidades superavitárias e deficitárias, duas das três
espécies do gênero unidades de dispêndio, ao lado das unidades equilibradas. Equilibradas
são as unidades que não têm sobre ou falta de receita; deficitárias, as que têm mais despesas
que receita; e superavitária aquelas que têm mais receita que despesa. É na promoção do
equilíbrio, na intermediação do excesso de recursos da superavitária para a defasagem da
deficitária, que atua a instituição financeira, em essência. A atividade de intermediação de
créditos é a principal, mas não a única do sistema financeiro nacional.
A base legal do sistema financeiro nacional – doravante SFN – é composta por uma
boa gama de diplomas. A Lei 4.595/64 é o primeiro marco metodológico, mas antes deste
diploma havia um regramento embrionário, do qual se colhe apenas a curiosa função que o
Banco do Brasil exercia, à época, quando fazia as vezes de banco central nacional. Vale,
aqui, apenas apontar nominalmente os diplomas legais referentes ao SFN: Lei 4.595/64,
que trata expressamente do SFN; Lei 4.380/64, que trata do Sistema Financeiro de
Habitação; Lei 4.728/65, que trata dos mercados financeiro e de capitais; Lei 6.835/76, que
trata do mercado de capitais e da CVM; Lei 6.404/76, a Lei das Sociedades por Ações; Lei
7.492/86, que disciplina os crimes contra o SFN; e a Lei Complementar 105/01, que dispõe
sobre o sigilo das operações do SFN.
O principal princípio explícito do SFN é o da promoção de desenvolvimento
equilibrado e atendimento aos interesses da coletividade. Princípio implícito desse sistema,
por seu turno, é a função social do sistema financeiro.
Uma primeira característica fundamental do SFN é o cosmopolitismo: o direito
bancário, tal como o próprio direito empresarial, tem caráter de regras universais, e por isso
21
Aula ministrada pela professora Andréia Salles, em 18/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

se viu necessária a formação de uma consolidação normativa, o que se fez nos moldes do
Comitê da Basiléia, que traçou as diretrizes organizacionais mundiais para o funcionamento
dos SFN.
Outra característica do direito bancário é o dirigismo, que faz ser percebido um
contraponto entre o princípio da informalidade do direito empresarial e a formalidade das
regras do SFN. Isso porque esta área é de tal relevância que se faz imperativa a intervenção
estatal mais tensa, a fim de que as relações sejam bem conduzidas.
Decorrendo do dirigismo, as instituições financeiras trabalham com a chamada
moeda escritural, ou bancária, o que significa que as transações internas de todo o SFN é
feita de forma a não se valer do papel-moeda, o que empresta segurança ao sistema, e mas
impõe maior fiscalização. Sendo assim, demandando maior fiscalização, é fundamental que
haja a criação de um fundo de custeio de todo o SFN, fundo que é formado por uma parte
de cada valor que entra no sistema. Também há uma limitação da base de empréstimos, em
prol da segurança: a cada real que é creditado na instituição, ela passa a dispor de quatro
para emprestar – impondo-se à instituição, portanto, a manutenção de um lastro de ao
menos um quarto dos empréstimos no mercado.
Outra característica do SFN é o caráter sigiloso de suas operações. O sigilo
bancário só pode ser quebrado em quatro hipóteses, na forma da LC 105/01: a requerimento
do MP; por ordem judicial de ofício; na CPI; e no processo administrativo tributário.
O spread bancário é mais uma característica relevante do SFN: trata-se do “custo
do dinheiro”, por assim dizer, e é a diferença do valor que o banco paga pelo dinheiro que
nele é depositado para o valor que recebe daqueles a quem empresta este dinheiro.
As instituições financeiras precisam de autorização para funcionar, e são
constantemente fiscalizadas e reguladas pelo Banco Central. Como dito, há até mesmo
condutas criminalizadas específicas do SFN, tratadas pela Lei 7.492/86. Veja o artigo 16
desta lei:

“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida
mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição
de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Mais uma regra especial das instituições do SIF se refere a seu capital inicial e
escrituração. Veja os artigos 26 e 27 da Lei 4.595/64:

“Art. 26. O capital inicial das instituições financeiras públicas e privadas será
sempre realizado em moeda corrente.”

“Art. 27. Na subscrição do capital inicial e na de seus aumentos em moeda


corrente, será exigida no ato a realização de, pelo menos 50% (cinqüenta por
cento) do montante subscrito.
§ 1º As quantias recebidas dos subscritores de ações serão recolhidas no prazo de 5
(cinco) dias, contados do recebimento, ao Banco Central da República do Brasil,
permanecendo indisponíveis até a solução do respectivo processo.
§ 2º O remanescente do capital subscrito, inicial ou aumentado, em moeda
corrente, deverá ser integralizado dentro de um ano da data da solução do
respectivo processo.”

Michell Nunes Midlej Maron 129


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A regra é que toda instituição financeira privada seja na forma de S/A. Veja também
o artigo 80 da Lei 6.404/76, que é a regra geral excepcionada pelos artigos supra:

“Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes


requisitos preliminares:
I - subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações em que se divide
o capital social fixado no estatuto;
II - realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de
emissão das ações subscritas em dinheiro;
III - depósito, no Banco do Brasil S/A., ou em outro estabelecimento bancário
autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em
dinheiro.
Parágrafo único. O disposto no número II não se aplica às companhias para as
quais a lei exige realização inicial de parte maior do capital social.”

2. Estrutura do SFN

As estruturas conceituais do SFN são: os seus elementos, que são as instituições


financeiras públicas e privadas; os agentes econômicos, que são os clientes; e os agentes
políticos, que são as autoridades monetárias e creditícias.
Concretamente, o SFN é formado por uma diversidade de entidades: Conselho
Monetário Nacional; Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP; Conselho de Gestão
da Previdência Complementar - CGPC; Banco Central do Brasil; Banco do Brasil S/A;
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; outras instituições financeiras
públicas; e as instituições financeiras privadas.
O Conselho Nacional de Seguros Privados é supervisionado pela Secretaria de
Previdência Complementar, que regula as entidades fechadas de previdência complementar
(os fundos de pensão).
O Conselho de Gestão da Previdência Complementar, supervisionado pela
Superintendência de Seguros Privados – Susep –, regula as resseguradoras, as sociedades
seguradoras; as sociedades de capitalização; e as entidades abertas de previdência
complementar.
Já o Conselho Monetário Nacional é a entidade responsável por balizar a política
monetária nacional, mas não é o executor desta política: a entidade executiva é o Bacen,
Banco Central do Brasil. Sob as diretrizes do CMN, e executiva do Bacen, se encontram as
instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e as demais instituições financeiras;
os bancos de câmbio; e outros intermediários financeiros e administradores de recursos de
terceiros.
As instituições captadoras de depósitos à vista são os verdadeiros bancos, e são
estas as instituições financeiras propriamente ditas; as demais, que fazem outras atividades
do setor financeiro, mas não o depósito à vista, são equiparadas a instituições financeiras,
de fato.
A competência do CMN é extensíssima, e é traçada no artigo 4º da Lei 4.595/64:

“Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes


estabelecidas pelo Presidente da República: (Redação dada pela Lei nº 6.045, de
15/05/74) (Vetado)
I - Autorizar as emissões de papel-moeda (Vetado) as quais ficarão na prévia
dependência de autorização legislativa quando se destinarem ao financiamento

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

direto pelo Banco Central da República do Brasil, das operações de crédito com o
Tesouro Nacional, nos termos do artigo 49 desta Lei.(Vide Lei nº 8.392, de
30.12.91)
O Conselho Monetário Nacional pode, ainda autorizar o Banco Central da
República do Brasil a emitir, anualmente, até o limite de 10% (dez por cento) dos
meios de pagamentos existentes a 31 de dezembro do ano anterior, para atender as
exigências das atividades produtivas e da circulação da riqueza do País, devendo,
porém, solicitar autorização do Poder Legislativo, mediante Mensagem do
Presidente da República, para as emissões que, justificadamente, se tornarem
necessárias além daquele limite.
Quando necessidades urgentes e imprevistas para o financiamento dessas
atividades o determinarem, pode o Conselho Monetário Nacional autorizar as
emissões que se fizerem indispensáveis, solicitando imediatamente, através de
Mensagem do Presidente da República, homologação do Poder Legislativo para as
emissões assim realizadas:
II - Estabelecer condições para que o Banco Central da República do Brasil emita
moeda-papel (Vetado) de curso forçado, nos termos e limites decorrentes desta Lei,
bem como as normas reguladoras do meio circulante;
III - Aprovar os orçamentos monetários, preparados pelo Banco Central da
República do Brasil, por meio dos quais se estimarão as necessidades globais de
moeda e crédito;
IV - Determinar as características gerais (Vetado) das cédulas e das moedas;
V - Fixar as diretrizes e normas da política cambial, inclusive quanto a compra e
venda de ouro e quaisquer operações em Direitos Especiais de Saque e em moeda
estrangeira; (Redação dada pelo Del nº 581, de 14/05/69)
VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias
em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer
garantias por parte das instituições financeiras;
VII - Coordenar a política de que trata o art. 3º desta Lei com a de investimentos
do Governo Federal;
VIII - Regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem
atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas;
IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e
qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou
financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil,
assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:
- recuperação e fertilização do solo;
- reflorestamento;
- combate a epizootias e pragas, nas atividades rurais;
- eletrificação rural;
- mecanização;
- irrigação;
- investimento indispensáveis às atividades agropecuárias;
X - Determinar a percentagem máxima dos recursos que as instituições financeiras
poderão emprestar a um mesmo cliente ou grupo de empresas;
XI - Estipular índices e outras condições técnicas sobre encaixes, mobilizações e
outras relações patrimoniais a serem observadas pelas instituições financeiras;
XII - Expedir normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas
instituições financeiras;
XIII - Delimitar, com periodicidade não inferior a dois anos o capital mínimo das
instituições financeiras privadas, levando em conta sua natureza, bem como a
localização de suas sedes e agências ou filiais;
XIV - Determinar recolhimento de até 60% (sessenta por cento) do total dos
depósitos e/ou outros títulos contábeis das instituições financeiras, seja na forma de
subscrição de letras ou obrigações do Tesouro Nacional ou compra de títulos da
Dívida Pública Federal, seja através de recolhimento em espécie, em ambos os

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

casos entregues ao Banco Central do Brasil, na forma e condições que o Conselho


Monetário Nacional determinar, podendo este: (Redação dada pelo Del nº 1.959,
de 14/09/82)
a) adotar percentagens diferentes em função; (Redação dada pelo Del nº 1.959, de
14/09/82)
- das regiões geo-econômicas; (Redação dada pelo Del nº 1.959, de 14/09/82)
- das prioridades que atribuir às aplicações; (Redação dada pelo Del nº 1.959, de
14/09/82)
- da natureza das instituições financeiras; (Redação dada pelo Del nº 1.959, de
14/09/82)
b) determinar percentuais que não serão recolhidos, desde que tenham sido
reaplicados em financiamentos à agricultura, sob juros favorecidos e outras
condições fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. (Redação dada pelo Del nº
1.959, de 14/09/82) (Vide art 10, inciso III)
XV - Estabelecer para as instituições financeiras públicas, a dedução dos depósitos
de pessoas jurídicas de direito público que lhes detenham o controle acionário,
bem como dos das respectivas autarquias e sociedades de economia mista, no
cálculo a que se refere o inciso anterior;
XVI - Enviar obrigatoriamente ao Congresso Nacional, até o último dia do mês
subsequente, relatório e mapas demonstrativos da aplicação dos recolhimentos
compulsórios, (Vetado).
XVII - Regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de
redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras
públicas e privadas de natureza bancária;
XVIII - Outorgar ao Banco Central da República do Brasil o monopólio das
operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de
pagamentos ou houver sérias razões para prever a iminência de tal situação;
XIX - Estabelecer normas a serem observadas pelo Banco Central da República do
Brasil em suas transações com títulos públicos e de entidades de que participe o
Estado;
XX - Autoriza o Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras
públicas federais a efetuar a subscrição, compra e venda de ações e outros papéis
emitidos ou de responsabilidade das sociedades de economia mista e empresas do
Estado;
XXI - Disciplinar as atividades das Bolsas de Valores e dos corretores de fundos
públicos;
XXII - Estatuir normas para as operações das instituições financeiras públicas, para
preservar sua solidez e adequar seu funcionamento aos objetivos desta lei;
XXIII - Fixar, até quinze (15) vezes a soma do capital realizado e reservas livres, o
limite além do qual os excedentes dos depósitos das instituições financeiras serão
recolhidos ao Banco Central da República do Brasil ou aplicados de acordo com as
normas que o Conselho estabelecer;
XXIV - Decidir de sua própria organização; elaborando seu regimento interno no
prazo máximo de trinta (30) dias;
XXV - Decidir da estrutura técnica e administrativa do Banco Central da
República do Brasil e fixar seu quadro de pessoal, bem como estabelecer os
vencimentos e vantagens de seus funcionários, servidores e diretores, cabendo ao
Presidente deste apresentar as respectivas propostas; (Vide Lei nº 9.650,
27.5.1998)
XXVI - Conhecer dos recursos de decisões do Banco Central da República do
Brasil; (Vide Lei nº 9.069, de 29.6.1995)
XXVII - aprovar o regimento interno e as contas do Banco Central do Brasil e
decidir sobre seu orçamento e sobre seus sistemas de contabilidade, bem como
sobre a forma e prazo de transferência de seus resultados para o Tesouro Nacional,
sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União. (Redação dada pelo
Decreto Lei nº 2.376, de 25.11.1987) (Vide art 10, inciso III)

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

XXVIII - Aplicar aos bancos estrangeiros que funcionem no País as mesmas


vedações ou restrições equivalentes, que vigorem nas praças de suas matrizes, em
relação a bancos brasileiros ali instalados ou que nelas desejem estabelecer - se;
XXIX - Colaborar com o Senado Federal, na instrução dos processos de
empréstimos externos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para
cumprimento do disposto no art. 63, nº II, da Constituição Federal;
XXX - Expedir normas e regulamentação para as designações e demais efeitos do
art. 7º, desta lei. (Vide Lei nº 9.069, de 29.6.1995) (Vide Lei nº 9.069, de
29.6.1995)
XXXI - Baixar normas que regulem as operações de câmbio, inclusive swaps,
fixando limites, taxas, prazos e outras condições.
XXXII - regular os depósitos a prazo de instituições financeiras e demais
sociedades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, inclusive entre
aquelas sujeitas ao mesmo controle acionário ou coligadas. (Redação dada pelo
Decreto-lei nº 2.290, de 1986)
§ 1º O Conselho Monetário Nacional, no exercício das atribuições previstas no
inciso VIII deste artigo, poderá determinar que o Banco Central da República do
Brasil recuse autorização para o funcionamento de novas instituições financeiras,
em função de conveniências de ordem geral.
§ 2º Competirá ao Banco Central da República do Brasil acompanhar a execução
dos orçamentos monetários e relatar a matéria ao Conselho Monetário Nacional,
apresentando as sugestões que considerar convenientes.
§ 3º As emissões de moeda metálica serão feitas sempre contra recolhimento
(Vetado) de igual montante em cédulas.
§ 4º O Conselho Monetário nacional poderá convidar autoridades, pessoas ou
entidades para prestar esclarecimentos considerados necessários.
§ 5º Nas hipóteses do art. 4º, inciso I, e do § 6º, do art. 49, desta lei, se o Congresso
Nacional negar homologação à emissão extraordinária efetuada, as autoridades
responsáveis serão responsabilizadas nos termos da Lei nº 1059, de 10/04/1950.
§ 6º O Conselho Monetário Nacional encaminhará ao Congresso Nacional, até 31
de março de cada ano, relatório da evolução da situação monetária e creditícia do
País no ano anterior, no qual descreverá, minudentemente as providências adotadas
para cumprimento dos objetivos estabelecidos nesta lei, justificando
destacadamente os montantes das emissões de papel-moeda que tenham sido feitas
para atendimento das atividades produtivas.
§ 7º O Banco Nacional da Habitação é o principal instrumento de execução da
política habitacional do Governo Federal e integra o sistema financeiro nacional,
juntamente com as sociedades de crédito imobiliário, sob orientação, autorização,
coordenação e fiscalização do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central
da República do Brasil, quanto à execução, nos termos desta lei, revogadas as
disposições especiais em contrário. (Vide Lei nº 9.069, de 29.6.1995).”

O Bacen é emissor de moedas – é nosso banco de emissão, na forma do artigo 12 da


Lei 4.595/64 – e é fiscalizador de instituições financeiras – essas são algumas de suas
atribuições típicas – e também empresta recursos a outras instituições, em função atípica.

“Art. 12. O Banco Central da República do Brasil operará exclusivamente com


instituições financeiras públicas e privadas, vedadas operações bancárias de
qualquer natureza com outras pessoas de direito público ou privado, salvo as
expressamente autorizadas por lei.”

O Bacen tem atuado também nas operações de concentração bancária, fusões e


incorporações entre bancos. O artigo 18 da Lei 4.595/64 determina que é atuação exclusiva
do Bacen, mas a Lei 8.884/94 estabelece que o Cade também deve atuar nessas

Michell Nunes Midlej Maron 133


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

concentrações. Compatibilizando as duas regras, tem-se que a Lei 4.595/64 é especial, e foi
recepcionada como lei complementar, enquanto a Lei 8.884/94 é lei ordinária e geral –
sendo que esta matéria é reservada a lei complementar. Por isso, a AGU tem um parecer
reputando competência privativa do Bacen esta fiscalização das concentrações de
instituições financeiras.
Todavia, há julgados em que se entende que a competência do Cade é concorrente
com a do Bacen, e há um projeto de lei em que se pretende positivar esta atuação
concorrente desses entes, de forma contrária ao que a doutrina defende.
O Bacen tem autonomia funcional, mas a doutrina entende que deveria haver até
mais independência desta entidade, a fim de se afastar de influências políticas. Há,
entretanto, quem defenda que a autonomia funcional é prejudicial ao Bacen, eis que se esse
ente é o cumpridor das metas econômicas de governo, deveria estar mais intimamente
vinculado ao próprio governo eleito.
Os bancos de desenvolvimento, seja ele o BNDES – Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social – ou os bancos regionais de desenvolvimento, são
bancos financiadores de projetos dedicados ao estímulo da atividade econômica. É possível
que haja também a criação de bancos de desenvolvimento privados, mas o que se vê na
prática são bancos comuns com linhas de crédito econômicas.
Veja que mesmo os bancos regionais de desenvolvimento são instituições
financeiras federais. Os bancos estaduais de desenvolvimento, por seu turno, não mais
persistem, havendo apenas algumas agências estaduais de fomento, em alguns Estados.
Sociedades de crédito, também chamadas casas bancárias, são instituições
financeiras que emprestam ao mercado com recursos próprios, o que é uma exceção ao
sistema de intermediação das instituições financeiras.
Bancos múltiplos são aqueles bancos que contam com linhas próprias, específicas,
de crédito, não trabalhando com depósitos à vista. Em regra contam com linhas de crédito
real (hipotecários), industrial e agrícola.
Bancos comerciais são aqueles que captam valores em depósitos à vista,
tipicamente. São aqui que se enquadram os bancos comuns, como conhecidos pelos leigos.
“Banco”, na verdade, é termo usado de forma errônea tal como empresa, banco é atividade,
e tal como o empresário exerce empresa, o banqueiro exerce o banco.
O Banco do Brasil é um banco público, mas equiparado a privado. É uma sociedade
de economia mista, com atribuições de banqueiros públicos, como a intermediação de
valores internacionalmente. A Caixa Econômica Federal idem, quanto à natureza pública,
porque é a responsável pelas operações públicas especialmente no que tange ao sistema de
habitação.
As cooperativas de crédito são as únicas instituições financeiras que não só não
precisam adotar a forma de S/A, como não podem. A cooperativa pura, como se sabe, é
necessariamente uma sociedade simples, e a cooperativa de crédito idem, mesmo que seja
uma instituição financeira. A cooperativa de crédito é parcialmente excluída do alcance da
lei falimentar, na forma do artigo 2º, II, da Lei 11.101/05:

“Art. 2º Esta Lei não se aplica a:


I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio,
entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de

Michell Nunes Midlej Maron 134


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras


entidades legalmente equiparadas às anteriores.”

Não pode, portanto, requerer recuperação judicial, mas pode ter sua falência
decretada.
A cooperativa de crédito teria por função colher contribuições dos associados, e
com o fundo formado empresta aos próprios associados, a juros baixos. A LC 130/09,
porém, trouxe a possibilidade de a cooperativa de crédito emprestar valores também a quem
não é associado, inserindo-se no grande mercado.
As administradoras de cartão de crédito, tecnicamente, não são instituições
financeiras, mas são equiparadas a tais, o que fundamenta a redação da súmula 283 do STJ:

“Súmula 283, STJ: As empresas administradoras de cartão de crédito são


instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não
sofrem as limitações da Lei de Usura.”

Por não serem instituições financeiras, mas apenas equiparadas, podem assumir
forma de LTDA; não precisam de autorização para funcionamento pelo Bacen; e não
padecem de regras especiais de constituição do capital. Mas, mesmo assim, podem cobrar
juros acima do limite da Lei de Usura. Há, de fato, um bônus sem ônus para estas
instituições.
Há ainda que se mencionar as instituições financeiras não bancárias, quais sejam:
sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo, regradas no DL
70/66; companhias hipotecárias, regidas na Resolução 2.122/94 do Bacen; agências de
fomento, da MP 1.514/96; e sociedades de crédito ao microempreendedor, da Lei
10.194/01.

3. Operações bancárias

A principal diferenciação a ser feita é entre as operações bancárias típicas e


atípicas.
As operações atípicas, ou acessórias, não implicam na concessão ou de recebimento
de crédito, e poderiam ser prestadas por empresa não bancária. A cobrança bancária, o
contrato de cofre, etc, estão nesta categoria. Sobre essas operações incide o tributo ISS.
As operações bancárias típicas, ou fundamentais, são aquelas que têm como objeto a
intermediação de crédito. Podem ser ativas, quando o banqueiro atua no pólo ativo,
aplicando recursos (mútuo, financiamento, abertura de crédito, desconto e crédito
documentário); e podem ser passivas, quando o banqueiro recebe recursos, atuando no pólo
passivo (conta corrente, depósito, aplicação financeira, poupança e fundos de
investimento). Sobre estas operações típicas, incide o IOF.
Algumas destas operações são protegidas por um seguro, denominado Fundo
Garantidor de Crédito, que será mais bem abordado adiante.

Michell Nunes Midlej Maron 135


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

As sociedades de fomento mercantil (factoring) têm natureza de instituição


financeira? E as operações de desconto bancário?Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 1

As sociedades de factoring não se confundem com as instituições financeiras, sendo


vedada à empresa de factoring a prática de qualquer operação com as características
privativas das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central. As
sociedades de fomento mercantil, apenas são equiparadas às instituições financeiras para
efeito de sigilo bancário (Lei Complementar 105/01).
Veja:

“HC 7463 / PR STJ – Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, j.


13/10/1998.
HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA E
INÉPCIA DA DENÚNCIA. ATIVIDADES PRIVATIVAS DE INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. "FACTORING". INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA.
I - "Factoring" não se confunde com Instituição Financeira, sendo vedada à
empresa de "FACTORING" a prática de qualquer operação com as características
privativas das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
II – Não é possível em sede de "habeas corpus" discutir se as atividades exercidas,
"in casu", configuram, ou não, operações financeiras, circunstância que exige
aprofundado exame de prova.
III - A denúncia, calcada em dados válidos e suficientes para a admissibilidade da
acusação, e permitindo a adequação típica, não é inepta e nem carecedora de falta
de justa causa.
IV - A pormenorização das condutas a denúncia, em crime societário, praticado às
ocultas, em escritório, é, conforme o caso, totalmente rescindível.
"Writ" indeferido.”

O factoring distancia-se de instituição financeira justamente porque seus negócios


não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso.
Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros permitidos às instituições
financeiras. E que as empresas que operam com o factoring não se incluem no âmbito do
Sistema Financeiro Nacional.
O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do artigo 17 da Lei 4.595/64, são
operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de
autorização governamental.

“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em


vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros

Michell Nunes Midlej Maron 136


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor


de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às
instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades
referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.’
Questão 2

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face do Banco Central
do Brasil e de Alvarenga Administradora de Consórcios Ltda. com o fim de: a) determinar
ao primeiro que efetive fiscalização em todos os administradores de consórcios de veículos
que operam no Estado de Santa Catarina e b) condenar a segunda e, subsidiariamente, o
Banco Central do Brasil à multa de 10% sobre o valor dos bens com entrega em atraso e a
tomar providências no sentido da imediata satisfação dos direitos dos contemplados. Em
contestação, o Banco Central do Brasil invocou a sua ilegitimidade passiva para
responder por alegada insuficiência na fiscalização relativamente ao período em que a
autarquia não tinha tal poder, eis que os artigos 7º e 8º da Lei nº 5.768/71 atribuíam ao
Ministério da Fazenda o poder de fiscalizar as administradoras de consórcios. Tal
competência foi transferida ao Banco Central do Brasil apenas a partir de 1º de maio de
1991, pelo artigo 33, da Lei nº 8.177/91. A ação foi julgada procedente e o Banco Central
do Brasil apelou. O Tribunal de Justiça manteve a decisão monocrática, acolhendo e
incorporando ao acórdão as razões contidas no parecer do Ministério Público Federal
como fonte do convencimento. Em sede de embargos de declaração, o Banco Central alega
violação ao art. 535 do CPC por não ter o Tribunal apreciado a alegação de que a
autarquia somente seria responsável pela fiscalização a partir de 1º de maio de 1991,
devido à competência que lhe foi transferida pela Lei nº 8.177/1991.Devem ser providos os
embargos? Analise o caso em todos os aspectos.

Resposta à Questão 2

O Bacen é responsável pela omissão na fiscalização de instituições que incidam em


atuações danosas. Esta entidade alega que não é uma seguradora universal, mas tem, sim,
responsabilidade subjetiva por sua omissão fiscalizatória. Porém, sem culpa ou dolo não
responde, pois, como dito, é responsabilidade subjetiva.
Veja o julgado abaixo:

“RECURSO ESPECIAL Nº 552.262 - SC (2003⁄0114527-0). RELATOR:


MINISTRO HERMAN BENJAMIN. EMENTA / ACORDÃO - DJ: 13/03/2009.
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM. RESPONSABILIDADE NA FISCALIZAÇÃO DE
ADMINISTRADORAS DE CONSÓRCIOS. OMISSÃO CONFIGURADA. ART.
535 DO CPC. VIOLAÇÃO.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem reconheceu a legitimidade passiva do
BACEN sem apreciar dispositivos legais imprescindíveis ao deslinde da
controvérsia suscitados nas Contra-razões de Apelação e nos Embargos de
Declaração. Ofensa ao art. 535 do CPC configurada.
2. Recurso Especial provido.”

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 137


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

MARLENE ajuizou ação de cobrança em face do BANCO CENTRAL DO BRASIL e


BANCO APLIQUE CERTO S/A. para pleitear o pagamento referente ao expurgo
inflacionário de sua conta poupança no mês de março de 1990. O primeiro réu, em
contestação, alegou sua ilegitimidade passiva por não ter disponibilidade sobre os valores
bloqueados no período indicado pela autora na inicial. Tal alegação não foi conhecida
pelo juízo a quo. O réu (BACEN) agravou da decisão. O Tribunal manteve a decisão
recorrida, sobre a qual foi interposto recurso especial. O recurso especial teve o seu
provimento negado por decisão monocrática do relator. Foi interposto agravo regimental
para necessária manifestação do Colegiado sobre o tema. Decida a questão
fundamentadamente, analisando-a sob todos os seus aspectos relevantes.

Resposta à Questão 3

O receptor dos valores não foi o Bacen, e por isso não pode ser imputado pelo
débito que se alega.
Veja o julgado abaixo:

“AgRg no REsp 785119 / SP STJ – Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA


TURMA, j. 06/12/2005.
ADMINISTRATIVO. CADERNETA DE POUPANÇA. CRUZADOS
BLOQUEADOS. LEI Nº 8.024/90. MARÇO DE 1990. LEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. CORREÇÃO
MONETÁRIA. MESES SUBSEQÜENTES. BTN-F.
1. O Banco Central somente é parte legítima para figurar no pólo passivo nas ações
que versem sobre reajustes das contas de poupança a partir do dia em que passou a
ter disponibilidade sobre os valores bloqueados. Dessa forma, os bancos
depositários respondem pela correção monetária dos depósitos da poupança com
datas de aniversário anteriores à transferência dos recursos para essa autarquia
federal.
2. No período compreendido entre os dias 16 de fevereiro e 15 de março (arts. 10 e
17 da Lei nº 7.730/89), os saldos da poupança se encontravam, ainda, em poder das
instituições financeiras depositárias – com o auferimento, por estas, dos frutos e
rendimentos –, sobre elas recaindo a obrigação de corrigir, não se podendo
impingir ao Bacen os ônus da atualização pertinente ao mês de março de 1990.
3. Quanto ao período posterior à transferência dos cruzados novos bloqueados para
o Bacen, a Corte Especial firmou entendimento de que o índice de correção
monetária a incidir sobre os saldos de caderneta de poupança bloqueados,
consoante o disposto no art. 6º, § 2º, da Lei 8.024/90, deve ser o BTN-F. 4. Agravo
regimental improvido.”

Michell Nunes Midlej Maron 138


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema XIV

REGIME DE ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL TEMPORÁRIA. Disciplina legal. Conceito de instituição


financeira. Aplicação. Os poderes do Banco Central. Efeitos. Duração. Conselho diretor. Cessação.
Intervenção extrajudicial nas instituições financeiras. Causas. Efeitos. Duração. O interventor. Cessação.

Notas de Aula22

1. Regimes especiais de administração

Para se tratar dos regimes especiais de administração, é preciso antes trazer uma
breve explanação sobre os riscos de crises econômico-financeiras que podem acontecer
com as instituições bancárias.
O risco de liquidez consiste na incapacidade de o banco cobrir os saques realizados.
Esse risco pode acabar acarretando o chamado risco sistêmico, que é a crise que contamina
todo o sistema financeiro. O artigo 2º, II, da Lei 11.101/05, afasta a aplicação desta lei às
instituições financeiras em geral, e o artigo 197 do mesmo diploma estabelece que a Lei
6.024/74 é aplicável enquanto não vier novo regramento especial para tais instituições:

“Art. 2º Esta Lei não se aplica a:


I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio,
entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de
assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras
entidades legalmente equiparadas às anteriores.”

“Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei
aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei
no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no
Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de
novembro de 1997.”

Nesse diapasão, não cabia a concordata no regramento da Lei 6.024/74, o que se


reprisa, agora, quanto à recuperação de empresas: não é cabível esta recuperação, nem
judicial nem extrajudicial, para bancos.
Porém, cabe falência, porque a aplicação do regramento desta Lei 6.024/74 assim
permite. É por isso que a doutrina reputa que as instituições financeiras são apenas
parcialmente excluídas do regramento da falência.
A falência de instituições financeiras é bastante peculiar, porém, porque estas são
muito relevantes para a economia (too big to failure, do inglês). A falência de um banco
pode desestabilizar toda a economia do país. Sendo assim, pode o Estado promover auxílios
e socorros a instituições financeiras à beira da bancarrota, a fim de evitar um mal maior,
através dos chamados regramentos prudenciais do Bacen.
22
Aula ministrada pela professora Andréia Salles, em 18/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 139


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Regramentos prudenciais são regras de contenção de falência de instituições


financeiras. Há os preventivos e os repressivos: os regramentos preventivos são levados a
cabo na fiscalização das instituições financeiras, mas há institutos específicos para a
evitação de crises: o redesconto, por exemplo, que objetiva o empréstimo de valores por
meio de desconto, a fim de evitar iliquidez temporária de recursos àquela instituição. Outra
medida preventiva é o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), já mencionado, que se trata de
uma espécie de seguro: é um valor que garante o pagamento individual de depósitos à vista
e a prazo, poupanças, e letras emitidas ou aceitas pela instituição financeira. Por meio deste
fundo, o cliente tem garantido o recebimento de, hoje, até cem mil reais, em caso de
falência ou iliquidez da instituição financeira.
O FGC não cobre a integralidade dos valores porque é preciso se atentar para o
chamado risco moral: se o banco tiver toda a sua operação garantida, os seus
administradores serão irresponsáveis na condução da empresa, vantagem essa que não
atende à moralidade social. Além disso, quanto maior o custo do fundo, maior os juros, o
que também é mal quisto.
Outro instituto preventivo da crise é o programa de estímulo à desestatização dos
bancos estaduais. Este programa representou uma tentativa, por meio do repasse de recurso
às instituições financeiras que entraram em crise após o real.
Por fim, uma última medida de prevenção de crises é a central de risco de crédito,
que é um cadastro com informações do mercado, mantido pelos bancos comerciais, com o
histórico dos clientes. As informações deste cadastro podem ser repassadas à instituição
financeira apenas mediante autorização dos clientes.
Já com relação às medidas repressivas, são aquelas aplicáveis quando a sociedade já
está em dificuldades, precisando de soluções corretivas. Estas medidas são os regimes
especiais, e são três as espécies: a liquidação extrajudicial, da Lei 6.024/74, que é a mais
radical das medidas repressivas, dos regimes especiais, eis que extingue a atividade de
empresa; o RAET – Regime de Administração Especial Temporária –, e a intervenção.
Os dois últimos regimes, RAET e intervenção, permitem a continuidade da
atividade de empresa. Ocorre que a doutrina vê nesta continuidade uma certa
incongruência, porque a instituição financeira depende de sua confiabilidade para ter
sucesso no mercado, e uma empresa sob regime especial, é claro, perde tal confiança do
mercado. Na prática, o regime especial acaba com a viabilidade do banco.
Se questiona se este tratamento diferenciado dispensado às instituições financeiras é
constitucional. A doutrina defende que sim, por conta justamente da relevância da
atividade, e da repercussão social desta quebra.
Vejamos os regimes da intervenção e RAET.

1.1. Intervenção

A Lei 6.024/74 introduziu este regime, instaurado de ofício pelo Bacen, mas
também tendo por legitimada para pedir a intervenção a própria instituição financeira em
situação de anormalidade.
A decretação deste regime especial é possível nas hipóteses do rol taxativo do artigo
2º da Lei 6.024/74:

“Art . 2º Far-se-á a intervenção quando se verificarem as seguintes anormalidades


nos negócios sociais da instituição:

Michell Nunes Midlej Maron 140


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

I - a entidade sofrer prejuízo, decorrente da má administração, que sujeite a riscos


os seus credores;
II - forem verificadas reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária não
regularizadas após as determinações do Banco Central do Brasil, no uso das suas
atribuições de fiscalização;
III - na hipótese de ocorrer qualquer dos fatos mencionados nos artigos 1º e 2º, do
Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (lei de falências), houver
possibilidade de evitar-se, a liquidação extrajudicial.”

O prazo da intervenção é de seis meses, prorrogáveis por outros seis meses.


Os efeitos mais importantes da intervenção são: a suspensão dos mandatos dos
administradores (enquanto na liquidação extrajudicial há a perda deste mandato); a
inexigibilidade dos depósitos confiados à instituição financeira; a suspensão da
exigibilidade das obrigações vencidas do intervindo, e suspensão do prazo das suas
obrigações vincendas; e a possibilidade de continuidade da atividade (enquanto na
liquidação não é possível).
Na intervenção, será nomeado o interventor, cujas atribuições estão no artigo 11 da
lei em tela:

“Art . 11. O interventor, dentro em sessenta dias, contados de sua posse,


prorrogável se necessário, apresentará ao Banco Central do Brasil relatório, que
conterá:
a) exame da escrituração, da aplicação dos fundos e disponibilidades, e da situação
econômico-financeira da instituição;
b) indicação, devidamente comprovada, dos atos e omissões danosos que
eventualmente tenha verificado;
c) proposta justificada da adoção das providências que lhe pareçam convenientes à
instituição.
Parágrafo único. As disposições deste artigo não impedem que o interventor, antes
da apresentação do relatório, proponha ao Banco Central do Brasil a adoção de
qualquer providência que lhe pareça necessária e urgente.”

Note que as funções do interventor são bastante similares às do administrador


judicial da Lei 11.101/05.
O interventor pode ser pessoa jurídica, como autoriza o Decreto-Lei 2.321/87. Antes
disso, só poderia ser pessoa natural. Deve ser pessoa com conhecimentos técnicos para tal
encargo.
Sociedades em regime especial não podem ter a falência decretada a pedido dos
credores. Sendo decretado o regime, portanto, só poderá caber falência pleiteada pelo
próprio interventor. Este pedido será possível quando o interventor verificar a inviabilidade
da empresa, ou quando o ativo for insuficiente para pagar ao menos cinquenta por cento do
passivo quirografário.
O interventor também pode entender que seja recomendável a migração para outro
regime especial, o RAET ou a liquidação extrajudicial, ao invés de requerer falência, se
entender que a crise é grave, mas não ao ponto de precisar da quebra.

1.2. RAET

Michell Nunes Midlej Maron 141


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Este regime foi criado pelo DL 2.321/87, originalmente, para sanar as crises dos
bancos estaduais, e é mais brando que outros regimes. Para Nelson Abrão, o RAET teria
revogado a intervenção, pois é bastante similar, mas é posição isolada.
O RAET pode ser decretado de ofício ou a pedido da instituição. As suas hipóteses
de cabimento vêm no artigo 1º do DL 2.321/87, em rol exemplificativo:

“Art. 1° O Banco Central do Brasil poderá decretar regime de administração


especial temporária, na forma regulada por este decreto-lei, nas instituições
financeiras privadas e públicas não federais, autorizadas a funcionar nos termos da
Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964, quando nelas verificar:
a) prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou
financeira traçadas em lei federal;
b) existência de passivo a descoberto;
c) descumprimento das normas referentes à conta de Reservas Bancárias mantida
no Banco Central do Brasil;
d) gestão temerária ou fraudulenta de seus administradores;
e) ocorrência de qualquer das situações descritas no artigo 2º da Lei n° 6.024, de
13 de março de 1974.
Parágrafo único. A duração da administração especial fixada no ato que a decretar,
podendo ser prorrogada, se absolutamente necessário, por período não superior ao
primeiro.”

O RAET é regime que não conta com prazo determinado na lei. É o conselho diretor
que fixa o prazo deste regime, caso a caso, sempre prorrogável por igual período.
Este conselho diretor é nomeado pelo Bacen, e é o orgão que faz as vezes de
interventor, promovendo o regime especial.
O RAET não promove qualquer efeito sobre as obrigações da instituição, mas gera a
perda do mandato dos administradores. Veja o artigo 2º do DL em tela:
“Art. 2° A decretação da administração especial temporária não afetará o curso
regular dos negócios da entidade nem seu normal funcionamento e produzirá, de
imediato, a perda do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal
da instituição.”

O artigo 11 do DL em tela trata das atribuições do conselho diretor:

“Art. 11. À vista de relatório ou de proposta do conselho diretor, o Banco Central


do Brasil poderá:
a) autorizar a transformação, a incorporação, a fusão, a cisão ou a transferência do
controle acionário da instituição, em face das condições de garantia apresentadas
pelos interessados;
b) propor a desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse
social, das ações do capital social da Instituição.
c) decretar a liquidação extrajudicial da instituição. (Incluída pelo Decreto Lei nº
2.327, de 1987).”

A transformação, a que alude o dispositivo acima, na verdade é infactível, pois na


forma do artigo 220 da Lei 6.404/76, é a mudança de tipo societário, e a instituição
bancária privada tem que ser uma S/A, como visto:

“Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa,


independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.

Michell Nunes Midlej Maron 142


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam a


constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.”

O artigo 14 do DL em estudo trata das hipóteses de extinção do RAET:

“Art. 14. O regime de que trata este decreto-lei cessará:


a) se a União Federal assumir o controle acionário da Instituição, na forma do
artigo 11, letra b ;
b) nos casos de transformação, incorporação, fusão, cisão ou de transferência do
controle acionário da instituição;
c) quando, a critério do Banco Central do Brasil, a situação da instituição se houver
normalizado.
d) pela decretação da liquidação extrajudicial da instituição.(Incluída pelo Decreto
Lei nº 2.327, de 1987)
§ 1° Para os fins previstos neste decreto-lei, a União Federal será representada, nos
atos que lhe competir, pelo Banco Central do Brasil.
§ 2º O Banco Central do Brasil adotará as medidas necessárias à recuperação
integral dos recursos aplicados na instituição, com base no artigo 9° deste decreto-
lei, e estabelecerá, se for o caso, a forma, prazo e demais condições para o seu
resgate.
§ 3º Decretada a liquidação extrajudicial da instituição, tomar-se-á como data-base,
para todos os efeitos, inclusive a apuração da responsabilidade dos ex-
administradores, a data de decretação do regime de administração especial
temporária. (Incluído pelo Decreto Lei nº 2.327, de 1987).”

1.3. Resumo comparativo entre os três regimes especiais de administração

O primeiro ponto comum dos regimes especiais é que todos objetivam evitar a crise
financeira maior, e, mais além, evitar a falência. Estão em consonância com o interesse
social na continuidade destas empresas.
A maior diferença entre o RAET e a intervenção diz respeito ao mandato dos
administradores: o RAET gera perda, enquanto a intervenção somente gera suspensão.
Outra diferença entre estes regimes é que o RAET não gera efeitos sobre as obrigações e
depósitos, enquanto a intervenção gera.
A intervenção extrajudicial é promovida pelo interventor; o RAET, pelo conselho
diretor.
O RAET permite a intervenção estatal na estrutura acionária da instituição
financeira (desapropriação). A intervenção, não.
A intervenção tem prazo legal determinado. O prazo do RAET é estabelecido pelo
conselho diretor.
A liquidação extrajudicial, que será estudada adiante, por seu turno, difere dos
outros regimes em praticamente tudo. É uma forma de extinção da sociedade. O artigo 34
da Lei 6.024/74 determina a similitude entre esta liquidação e a falência:

“Art . 34. Aplicam-se a liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem


com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências (Decreto-lei nº
7.661, de 21 de junho de 1945), equiparando-se ao síndico, o liquidante, ao juiz da
falência, o Banco Central do Brasil, sendo competente para conhecer da ação
refocatória prevista no artigo 55 daquele Decreto-lei, o juiz a quem caberia
processar e julgar a falência da instituição liquidanda.”

Michell Nunes Midlej Maron 143


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

Suzana propôs ação de reparação de dano moral em face do Banco X, em março de


2000, sendo que a sentença somente foi prolatada em julho de 2001. Em janeiro de 2001 o
Banco X foi submetido ao Regime de Administração Especial Temporária pelo Banco
Central, quando alienou ao Banco Y elementos de seu ativo operacional, com exclusão de
dívidas. A sentença condenatória foi mantida por acórdão proferido depois de ter sido
decretada a liquidação extrajudicial do Banco X. Suzana propõe ação de execução em face
do Banco Y. Pergunta-se: o Banco Y é parte legítima para figurar na ação de execução?

Resposta à Questão 1

Veja o seguinte julgado:

“AC 1999.001.06483 TJRJ – Rel. DES. LUIZ ROLDAO F. GOMES, j.


14/09/1999, 7 CCTJ.
EMBARGOS A EXECUCAO. LIQUIDACAO EXTRAJUDICIAL DE
INSTITUICAO FINANCEIRA. INDENIZACAO. ILEGITIMIDADE DE PARTE.
RECONHECIMENTO. Civil. Comercial. Bancário. Banco que foi, de inicio,
submetido ao regime de Administração especial temporária pelo Banco Central,
quando alienou a outro elemento de seu ativo operacional, com exclusão de
dividas. Sua posterior liquidação extrajudicial. Autor, vencedor em ação de
reparação de dano moral em sentença proferida quando já' estava o réu sob o
regime de administração temporária, sendo mantida por acórdão proferido depois
de ter sido decretada sua liquidação extrajudicial. Requerimento de citação dele
para a execução, substituído por outro, dirigido contra o Banco adquirente.
Embargos `a execução por este opostos, sob argumento, dentre outros, de sua
ilegitimidade passiva, não agasalhada na sentença. Não se encontrando, todavia, a
divida relacionada dentre as que se transmitiram ao adquirente, havendo sido
constituída mediante a sentença condenatória da reparação do dano moral,
confirmada por aresto proferido depois de decretada liquidação extrajudicial, não
pode ser havida como de responsabilidade do adquirente de bens e ativos
associados `as operações funcionais do réu. Acordo de transmissão com eficácia
subordinada `a aprovação das autoridades monetárias, que sobreveio. Recurso
provido, para acolher-se a preliminar de ilegitimidade passiva do embargante.”

Questão 2

Decorrido o prazo do Regime de Administração Especial Temporária pela


consecução de seu objetivo, têm os ex-administradores da instituição financeira o direito
de postular a continuação de seus mandatos?Resposta justificada.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 144


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A resposta é dada pela literalidade do artigo 2º do DL 2.321/87, já transcrito: a


perda do mandato é efeito direto da instalação do RAET, o que inviabiliza esta pretensão de
continuidade.

Tema XV

LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Causas. Efeitos. A atuação e os


poderes do Banco Central. Conversão da liquidação extrajudicial em falência. Liquidação de sociedade
corretora de valores mobiliários.

Notas de Aula23

1. Liquidação extrajudicial de instituições financeiras

1.1. Introdução

A definição de instituição financeira pode ser colhida da própria Lei 4.595/64, no


artigo 17:

“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em


vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros
próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor
de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às
instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades
referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”

A definição legal traz as atividades desempenhadas como principal elemento


caracterizador das instituições financeiras. Desempenhando as atividades ali mencionadas
cumulativamente, a sociedade é considerada instituição financeira.
O SFN, portanto, regula atividades de intermediação, como regra, entra os agentes
econômicos superavitários e os deficitários. O SFN difere do sistema de valores
mobiliários, pois no SFN a intermediação se dá por substituição: as instituições financeiras
se inserem na cadeia obrigacional, se tornando parte da relação. É este o papel clássico dos
bancos comerciais, por exemplo: trabalham com recursos de terceiros, superavitários,
emprestando-os aos deficitários – mas são eles, bancos comerciais, os obrigados perante os
consumidores dos créditos, e os depositantes superavitários.
Já no mercado de valores mobiliários a figura é diferente. Os intermediadores, nesse
mercado, são meros aproximadores entre os agentes deficitários e superavitários, não
integrando-se efetivamente na relação obrigacional. Apenas promovem o encontro dos
interesses entre o emissor dos valores mobiliários e os superavitários do mercado, os
potenciais adquirentes desses valores: é a companhia emissora, e não o agente aproximador,
quem se obriga perante o adquirente dos valores mobiliários.
Nem todas as instituições financeiras estão sujeitas aos regimes especiais de
administração, a intervenção, o RAET e a liquidação extrajudicial. Estão fora do alcance da

23
Aula ministrada pelo professor José Eduardo Cavalcanti de Albuquerque, em 22/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 145


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Lei 6.024/74 as instituições financeiras públicas federais. Todas as demais estão


açambarcadas pelos regimes. Por isso, a Caia Econômica Federal é uma instituição
financeira, adequando-se perfeitamente ao conceito legal, mas não se submete à Lei
6.024/74, o mesmo valendo para o Banco do Brasil. Já os bancos estaduais são submetidos
aos regimes especiais.
A razão de existir um regime especial para estas sociedades, que de certa forma
substitui a falência e a recuperação de empresas, é justamente este interesse público por trás
da atividade, qual seja, a promoção e proteção da poupança popular.
O artigo 2º, II, da Lei 11.101 afasta a aplicabilidade desse diploma a instituições
financeiras, como visto, e o artigo 198 da Lei 11.101/05 é o dispositivo que afasta
expressamente a aplicação da recuperação judicial ou extrajudicial:

“Art. 198. Os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislação


específica em vigor na data da publicação desta Lei ficam proibidos de requerer
recuperação judicial ou extrajudicial nos termos desta Lei.”

Tampouco as instituições operantes do mercado de capitais podem se valer da lei


geral de falências, no que tange à recuperação:

“Art . 53. As sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuição de


títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais, assim como as sociedades ou
empresas corretoras do câmbio, não poderão com as instituições financeiras,
impetrar concordata.”

O artigo 45 da Lei 4.595/64 também afasta a antiga concordata, e com isso a


recuperação judicial, das instituições financeiras públicas não federais e privadas:

“Art. 45. As instituições financeiras públicas não federais e as privadas estão


sujeitas, nos termos da legislação vigente, à intervenção efetuada pelo Banco
Central da República do Brasil ou à liquidação extrajudicial.
Parágrafo único. A partir da vigência desta lei, as instituições de que trata este
artigo não poderão impetrar concordata.”

Há que se consignar, porém, que as instituições financeiras se submetem à falência,


mesmo que não se submetam à recuperação judicial ou extrajudicial. Assim determina o
artigo 197 da própria Lei 11.101/05:
“Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei
aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei
no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no
Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de
novembro de 1997.”

Fabio Ulhoa Coelho entende que seria possível o requerimento de falência durante a
vida normal dessas sociedades, e também no curso da vigência de algum regime especial,
lastreando-se na inafastabilidade constitucional do Judiciário.
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, por seu turno, entende que se a instituição
financeira estiver em situação que provocaria regime especial, e o Bacen nada fizer,
qualquer credor poderia requerer a falência, já que o regime especial não foi fixado. No

Michell Nunes Midlej Maron 146


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

curso do regime fixado, porém, defende que poderia ser requerida falência se o regime se
demonstrar ineficaz para sanar o problema em que a instituição se encontra.
Terceira e última corrente defende que a falência destas entidades é possível apenas
e tão somente quando a instituição estiver sob um regime especial, e o condutor desse
regime – interveniente, conselho diretor ou liquidante – perceber que a falência é a melhor
solução. A Lei 6.024/74 parece corroborar esta corrente, pois só autoriza expressamente o
pedido de falência pelo condutor do regime, ou de ofício.
No curso de um regime, vale dizer que já há jurisprudência deferindo o
processamento da falência.
Passemos agora ao estudo específico da liquidação extrajudicial, este terceiro
regime especial.

1.2. Liquidação extrajudicial de instituições financeiras

A liquidação não é um passo subsequente à intervenção ou ao RAET, tampouco é


destes dependente: pode ser decretada desde logo, como primeiro e único passo
solucionador do imbróglio pelo qual passa a instituição.
A liquidação – e também a intervenção, diga-se – pode ser decretada mesmo
estando a instituição perfeitamente solvente. Assim o é pela ambigüidade desses regimes,
que não só à recuperação da sociedade se destinam: assumem também natureza de sanção
administrativa. Veja o artigo 15 da Lei 6.024/74, que inaugura o tema nesse diploma,
especialmente o inciso I, “b” e “d”:

“Art . 15. Decretar-se-á a liquidação extrajudicial da instituição financeira:


I - ex officio :
a) em razão de ocorrências que comprometam sua situação econômica ou
financeira especialmente quando deixar de satisfazer, com pontualidade, seus
compromissos ou quando se caracterizar qualquer dos motivos que autorizem a
declararão de falência;
b) quando a administração violar gravemente as normas legais e estatutárias que
disciplinam a atividade da instituição bem como as determinações do Conselho
Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil, no uso de suas atribuições
legais;
c) quando a instituição sofrer prejuízo que sujeite a risco anormal seus credores
quirografários;
d) quando, cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos 90
(noventa) dias seguintes, sua liquidação ordinária, ou quando, iniciada esta,
verificar o Banco Central do Brasil que a morosidade de sua administração pode
acarretar prejuízos para os credores;
II - a requerimento dos administradores da instituição - se o respectivo estatuto
social lhes conferir esta competência - ou por proposta do interventor, expostos
circunstanciadamente os motivos justificadores da medida.
§ 1º O Banco Central do Brasil decidirá sobre a gravidade dos fatos determinantes
da liquidação extrajudicial, considerando as repercussões deste sobre os interesses
dos mercados financeiro e de capitais, e, poderá, em lugar da liquidação, efetuar a
intervenção, se julgar esta medida suficiente para a normalização dos negócios da
instituição e preservação daqueles interesses.
§ 2º O ato do Banco Central do Brasil, que decretar a liquidação extrajudicial,
indicará a data em que se tenha caracterizado o estado que a determinou, fixando o
termo legal da liquidação que não poderá ser superior a 60 (sessenta) dias contados

Michell Nunes Midlej Maron 147


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

do primeiro protesto por falta de pagamento ou, na falta deste do ato que haja
decretado a intervenção ou a liquidação.”

A liquidação extrajudicial, por conceito, é um procedimento administrativo que


representa um concurso de credores extrajudicial. É uma execução concursal de natureza
administrativa. Por sua natureza tremendamente próxima da falência, são aplicados aqui,
inclusive, todos os princípios atinentes a esse procedimento judicial, especialmente o par
conditio creditorum.
O procedimento conta com duas fases: a primeira, investigatória, é aquela em que o
liquidante faz o levantamento das causas que levaram à liquidação, e disso extrai um
relatório propositivo, remetido ao Bacen. O soerguimento da instituição é o objetivo
primacial, mas não sendo possível, outras soluções devem ser consideradas.
Como se vê no artigo supra, a liquidação pode ser decretada de ofício ou a
requerimento do administrador que tenha poderes estatutários para tanto, ou o interventor,
se há este regime em curso.
Os efeitos da decretação da liquidação estão no artigo 18 da Lei 6.024/74:

“Art . 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os


seguintes efeitos:
a) suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao
acervo da entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras,
enquanto durar a liquidação;
b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
c) não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em
virtude da decretação da liquidação extrajudicial;
d) não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto não
integralmente pago o passivo;
e) interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da
instituição;
f) não reclamação de correção monetária de quaisquer divisas passivas, nem de
penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas.”

A alínea “a” é flexibilizada pelo STJ, porque nem todas as ações ficam suspensas:
apenas aquelas executivas são suspensas, e não as de conhecimento. Estas prosseguirão até
a obtenção do título judicial, e de então se suspenderão, não podendo o credor executar seu
título. Todas as execuções, se suspendem, mesmo aquelas que já haviam sido iniciadas, à
exceção das que já se encontravam em fase final, de extinção, já havendo excussão de bens
realizada.
Além dessa mitigação, há três exceções a esta alínea “a” do artigo supra. A primeira
é a do artigo 21, “b”, do mesmo diploma, adiante transcrito.
Segunda exceção é a do artigo 27 desta Lei 6.024/74:

“Art . 27. Os credores que se julgarem prejudicados pelo não provimento do


recurso interposto, ou pela decisão proferida na impugnação poderão prosseguir
nas ações que tenham sido suspensas por força do artigo 18, ou propor as que
couberem, dando ciência do fato ao liquidante para que este reserve fundos
suficientes à eventual satisfação dos respectivos pedidos.
Parágrafo único. Decairão do direito assegurado neste artigo os interessados que
não o exercitarem dentro do prazo de trinta dias, contados da data em que for
considerado definitivo o quadro geral dos credores, com a publicação a que alude o
§ 4º do artigo anterior.”

Michell Nunes Midlej Maron 148


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Uma última exceção vem da Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830/80, no artigo 29:

“Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a


concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário
ou arrolamento
Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União e suas autarquias;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro
rata;
III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.”

A alínea “b” do artigo 18 da Lei 6.024/74, supra, fala que é efeito da liquidação
extrajudicial o vencimento antecipado das obrigações da liquidanda, e a mens aqui é
bastante lógica: tal efeito coloca os credores da liquidanda em pé de igualdade, porque os
que têm créditos vincendos restariam prejudicados no concurso, se seus créditos não se
tornassem desde logo exigíveis.
Os demais efeitos são bastante literais, bastando a leitura das demais alíneas do
artigo 18, supra, para que se os depreenda.:
A liquidação extrajudicial cessará na forma do artigo 19 da Lei 6.024:

“Art . 19. A liquidação extrajudicial cessará:


a) se os interessados, apresentando as necessárias condições de garantia, julgadas a
critério do Banco Central do Brasil, tomarem a si o prosseguimento das atividades
econômicas da empresa;
b) por transformação em liquidação ordinária;
c) com a aprovação das contas finais do liquidante e baixa no registro público
competente;
d) se decretada a falência da entidade.”

Se interessados tomarem para si o prosseguimento das atividades econômicas da


empresa, capitalizando a sociedade, a liquidação cessa – desde que o Bacen aprove o plano
de gestão e investimento oferecido por esse interessado.
Também cessa a liquidação pela sua transformação em liquidação ordinária, com
base na Lei das S/A, liquidação que é uma forma comum não sancionatória de extinção da
empresa.
As demais formas de extinção da liquidação são literais no artigo supra.
A segunda fase da liquidação extrajudicial, após a fase investigativa e sua
decretação, é a fase procedimental, o processo de liquidação propriamente dito. Esta fase
começa com o relatório do liquidante, na forma do artigo 21 da Lei 6.024/74:

“Art . 21. A vista do relatório ou da proposta previstos no artigo 11, apresentados


pelo liquidante na conformidade do artigo anterior o Banco Central do Brasil
poderá autorizá-lo a:
a) prosseguir na liquidação extrajudicial;
b) requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for suficiente para cobrir
pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver
fundados indícios de crimes falimentares.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto neste artigo, em qualquer tempo, o
Banco Central do Brasil poderá estudar pedidos de cessação da liquidação

Michell Nunes Midlej Maron 149


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

extrajudicial, formulados pelos interessados, concedendo ou recusando a medida


pleiteada, segundo as garantias oferecidas e as conveniências de ordem geral.”

O relatório é peça de absoluta importância para o liquidante, pois é dali que


constarão suas propostas para a sociedade liquidanda.
O primeiro passo da liquidação, efetivamente, é o aviso aos credores, na forma do
artigo 22 da Lei 6.024/74:

“Art . 22. Se determinado o prosseguimento da liquidação extrajudicial o


liquidante fará publicar, no Diário Oficial da União e em jornal de grande
circulação do local da sede da entidade, aviso aos credores para que declarem os
respectivos créditos, dispensados desta formalidade os credores por depósitos ou
por letras de câmbio de aceite da instituição financeira liquidanda.
§ 1º No aviso de que trata este artigo, o liquidante fixará o prazo para a declaração
dos créditos, o qual não será inferior a vinte, nem superior a quarenta dias,
conforme a importância da liquidação e os interesses nela envolvidos.
§ 2º Relativamente aos créditos dispensados de habilitação, o liquidante manterá,
na sede da liquidanda, relação nominal dos depositantes e respectivos saldos, bem
como relação das letras de câmbio de seu aceite.
§ 3º Aos credores obrigados a declaração assegurar-se-á o direito de obterem do
liquidante as informações, extratos de contas, saldos e outros elementos
necessários à defesa dos seus interesses e à prova dos respectivos créditos.
§ 4º O liquidante dará sempre recibo das declarações de crédito e dos documentos
recebidos.”

O liquidante publica aviso aos credores para que declarem os respectivos créditos, e
é ele quem decide quanto à legitimidade, valor e classificação destes.
Os credores de depósitos à vista estão dispensados de se habilitarem no concurso da
liquidação, bem como os detentores de letras de câmbio com aceite da instituição
liquidanda.
Os credores são notificados por escrito da decisão do liquidante acerca de seus
créditos, e poderão recorrer ao Bacen, em dez dias, de tal decisão; declarados e julgados os
créditos, o liquidante publicará aviso sobre a disponibilização do quadro geral de credores.
Dentro de dez dias da publicação do quadro geral de credores, qualquer interessado
poderá impugnar a legitimidade, valor ou classificação dos créditos. Formalizada a
impugnação, o titular do crédito terá vista para defender-se, contando com prazo de cinco
dias.
Formado este contencioso administrativo, o liquidante encaminha a impugnação
com seu parecer ao Bacen, o qual julgará tais impugnações. Após o julgamento, o
liquidante publicará avisos sobre eventuais modificações no quadro geral. A partir deste
momento, o quadro geral de credores será considerado definitivo.
Veja os artigos 23 a 27 da Lei 6.024/74, que tratam deste processo:

“Art . 23. O liquidante juntará a cada declaração a informação completa a respeito


do resultado das averiguações a que procedeu nos livros, papéis e assentamentos
da entidade, relativos ao crédito declarado, bem como sua decisão quanto à
legitimidade, valor e classificação.
Parágrafo único. O liquidante poderá exigir dos ex-administradores da instituição
que prestem informações sobre qualquer dos créditos declarados.”

Michell Nunes Midlej Maron 150


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art . 24. Os credores serão notificados, por escrito, da decisão do liquidante, os


quais, a contar da data do recebimento da notificação, terão o prazo de dez dias
para recorrer, ao Banco Central do Brasil, do ato que lhes pareça desfavorável.”
“Art . 25. Esgotando o prazo para a declaração de créditos e julgados estes, o
liquidante organizará o quadro geral de credores e publicará, na forma prevista no
artigo 22, aviso de que dito quadro, juntamente com o balanço geral, se acha
afixado na sede e demais dependências da entidade, para conhecimento dos
interessados.
Parágrafo único. Após a publicação mencionada neste artigo, qualquer interessado
poderá impugnar a legitimidade, valor, ou a classificação dos créditos constantes
do referido quadro.”

“Art . 26. A impugnação será apresentada por escrito, devidamente justificada com
os documentas julgados convenientes, dentro em dez dias, contados da data da
publicação de que trata o artigo anterior.
§ 1º A entrega da impugnação será feita contra recibo, passado pelo liquidante,
com cópia que será juntada ao processo.
§ 2º O titular do crédito impugnado será notificado pelo liquidante e, a contar da
data do recebimento da notificação, terá o prazo de cinco dias para oferecer as
alegações e provas que julgar convenientes à defesa dos seus direitos.
§ 3º O liquidante encaminhará as impugnações com o seu parecer, juntando os
elementos probatórios, à decisão do Banco Central do Brasil.
§ 4º Julgadas todas as impugnações, o liquidante fará publicar avisos na forma do
artigo 22, sobre as eventuais modificações no quadro geral de credores que, a partir
desse momento, será considerado definitivo.”

“Art . 27. Os credores que se julgarem prejudicados pelo não provimento do


recurso interposto, ou pela decisão proferida na impugnação poderão prosseguir
nas ações que tenham sido suspensas por força do artigo 18, ou propor as que
couberem, dando ciência do fato ao liquidante para que este reserve fundos
suficientes à eventual satisfação dos respectivos pedidos.”

É com base neste artigo 27, supra, que os credores que ainda se sentirem
prejudicados pela formação do quadro geral poderão se insurgir judicialmente contra tal
ato.
Os artigos 34 e 35 da Lei 6.024/74 são dispositivos remetidos, que apontam para a
revogada lei de falências (devendo serem lidos com as devidas correções, portanto):

“Art . 34. Aplicam-se a liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem


com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências (Decreto-lei nº
7.661, de 21 de junho de 1945), equiparando-se ao síndico, o liquidante, ao juiz da
falência, o Banco Central do Brasil, sendo competente para conhecer da ação
refocatória prevista no artigo 55 daquele Decreto-lei, o juiz a quem caberia
processar e julgar a falência da instituição liquidanda.”

“Art . 35. Os atos indicados ,os artigos 52 e 53, da Lei de Falências (Decreto-lei nº
7.661, de 1945) praticados pelos administradores da liquidanda poderão ser
declarados nulos ou revogados, cumprido o disposto nos artigos 54 e 58 da mesma
Lei.
Parágrafo único. A ação revocatória será proposta pelo liquidante, observado o
disposto nos artigos 55, 56 e 57, da Lei de Falências.”

Entre os efeitos da liquidação está o afastamento dos administradores e do conselho


fiscal.

Michell Nunes Midlej Maron 151


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O artigo 51 do mesmo diploma trata da liquidação por integração de atividade,


modalidade especial:
“Art . 51. Com o objetivo de preservar os interesses da poupança popular e a
integridade do acervo das entidades submetidas a intervenção ou a liquidação
extrajudicial o Banco Central do Brasil poderá estabelecer idêntico regime para as
pessoas jurídicas que com elas tenham integração de atividade ou vinculo de
interesse, ficando os seus administradores sujeitos aos preceitos desta Lei.
Parágrafo único. Verifica-se integração de atividade ou vinculo de interesse,
quando as pessoas jurídicas referidas neste artigo, forem devedoras da sociedade
sob intervenção ou submetida liquidação extrajudicial, ou quando seus sócios ou
acionistas participarem do capital desta importância superior a 10% (dez por cento)
ou seja cônjuges, ou parentes até o segundo grau, consangüíneos ou afins, de seus
diretores ou membros dos conselhos, consultivo, administrativo, fiscal ou
semelhantes.”

Uma fundação ou uma sociedade cujo objeto é exclusivamente participar de outra


sociedade podem abrir liquidação por integração. Veja que até mesmo o cônjuge de um
acionista pode incidir em liquidação por integração, na forma do parágrafo único do artigo
supra.
Por fim, o artigo 52 do diploma em tela trata da incidência da Lei 6.024/74 sobre
instituições alheias ao SFN, stricto sensu:

“Art . 52. Aplicam-se as disposições da presente Lei as sociedades ou empresas


que integram o sistema de distribuição de títulos ou valores monetários no mercado
de capitais (artigo 5º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965), assim como as
sociedades ou empresas corretoras de câmbio.
§ 1º A intervenção nessa sociedades ou empresas, ou sua liquidação extrajudicial,
poderá ser decretada pelo Banco Central do Brasil por iniciativa próprio ou por
solicitação das Bolsas de Valores quanto as corretoras e elas associadas, mediante
representação fundamentada.
§ 2º Por delegação de competência do Banco Central do Brasil e sem prejuízo de
suas atribuições a intervenção ou a liquidação extrajudicial, das sociedades
corretoras, membros das Bolsas de Valores, poderá ser processada por estas, sendo
competente no caso, aquela área em que a sociedade tiver sede.”

Michell Nunes Midlej Maron 152


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Casos Concretos

Questão 1

PLANÍCIES ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS Ltda., submetida a processo


de liquidação extrajudicial, teve sua falência requerida por André, sócio da sociedade em
questão. O pedido foi julgado procedente. O BANCO CENTRAL DO BRASIL agravou da
decisão alegando ilegitimidade ativa do requerente. Decida a questão, analisando-a sob
todos os aspectos.

Resposta à Questão 1

Administradora de consórcios não é instituição financeira, mas a Lei dos


Consórcios, 11.975/08, coloca tais entidades sob a fiscalização do Bacen, submetendo-a
igualmente aos regimes especiais.
Sobre a casuística, veja o REsp. abaixo:

“REsp 40712 / RS STJ – Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,


QUARTA TURMA, j. 26/06/1996
DIREITO COMERCIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. REQUERIMENTO
DE FALENCIA PELO SOCIO DA ENTIDADE LIQUIDANDA.
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. LEI 6.024/74, ARTS. 18 A, 21 B E 27.
RECURSO CONHECIDO PELA DIVERGENCIA MAS DESPROVIDO. -
INSTAURADO O PROCEDIMENTO DA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL,
RESTAM SUSPENSAS, NOS TERMOS DO ART. 18 "A" DA LEI 6.024/74, AS
"AÇÕES E EXECUÇÕES INICIADAS SOBRE DIREITOS E INTERESSES
RELATIVOS AO ACERVO DA ENTIDADE LIQUIDANDA, NÃO PODENDO
SER INTENTADAS QUAISQUER OUTRAS, ENQUANTO DURAR A
LIQUIDAÇÃO". ESSA REGRA SOFRE AS EXCEÇÕES DO ART. 27 E 21 "B",
CONFERINDO ESTE LEGITIMIDADE EXCLUSIVA AO LIQUIDANTE PARA,
COM AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL E MEDIANTE CERTAS
CIRCUNSTANCIAS, REQUERER A DECRETAÇÃO DA FALENCIA DA
ENTIDADE.”

Questão 2

Decretada a liquidação extrajudicial de determinada instituição financeira, há


obrigatoriedade da suspensão de ação de execução para cobrança de crédito fundada em
título extrajudicial? Como deverá proceder o exequente? Analise a questão sob todos os
aspectos.

Resposta à Questão 2

As execuções não têm seguimento, mesmo tendo ela se iniciado antes da liquidação.
O credor deve habilitar seu crédito perante a instituição liquidanda junto ao liquidante.
Veja os julgados abaixo:

“REsp 256707 / PE STJ – Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA


TURMA, j. 15/02/2001.

Michell Nunes Midlej Maron 153


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO -


PRESTAÇÕES DO MÚTUO HIPOTECÁRIO - DESCUMPRIMENTO PELO
BANORTE DE DECISÃO JUDICIAL ANTERIOR - ILEGITIMIDADE PASSIVA
DA UNIÃO E DA CEF - VIOLAÇÃO À COISA JULGADA - INOCORRÊNCIA -
CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS – ENTIDADE EM LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL - SUSPENSÃO DA AÇÃO - DESNECESSIDADE.
I - A norma que determina a suspensão das ações contra a entidade que se encontra
sob liquidação extrajudicial não deve ser interpretada na sua literalidade. Não se
justifica, com efeito, suspender o processo de conhecimento, que já se encontra em
estado adiantado de composição, para determinar que o suposto credor discuta seu
direito em processo administrativo de habilitação junto ao liqüidante, tendo em
vista que não se esta interferindo diretamente nos créditos da entidade sob
liquidação.
II - A união é parte ilegítima para figurar no pólo passivo nas ações propostas por
mutuários do sistema financeiro da habitação, visando à revisão do critério de
reajuste de prestações da casa própria.
III – Não há ofensa à coisa julgada se no mandado de segurança, já transitado em
julgado, discutiu-se o reajustamento das prestações da casa própria pelo plano de
equivalência salarial e, na ação de consignação em pagamento, a controvérsia se
baseia na execução daquele julgado no mandado de segurança e na impossibilidade
de se aplicar índices de reajuste diferentes nas prestações.
IV – Recurso não conhecido.”

“REsp 177535 / BA STJ – Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA,


j. 23/03/1999
Liquidação extrajudicial. Execução para cobrança de crédito fundada em título
extrajudicial. Suspensão. A decretação da liquidação produz a "suspensão das
ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da
entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a
liquidação" (Lei nº 6.024/74, art. 18, a). Tratando-se de execução, é de rigor a
suspensão, não vindo a pêlo precedentes do STJ a propósito da ação de
conhecimento. É irrelevante tenha a execução se iniciado antes da edição do
decreto de liquidação. Recurso especial conhecido e provido.”

Questão 3

O liquidante - nomeado pelo Banco Central do Brasil - da sociedade Potiguar S/A.


Corretora de Câmbio, em liquidação extrajudicial, requereu sua falência, por entender que
o seu ativo não será suficiente para cobrir, sequer, metade de seu passivo (art. 21, "b", da
Lei nº 6024/74). O pedido foi julgado procedente. Joel Thepaz, acionista e ex-
administrador da companhia, interpôs agravo de instrumento para ver anulada a sentença
de falência, sob o fundamento de que não foi citado para integrar a lide, contrariando a
julgadora o art. 81, caput, da Lei nº 11.101/05, sendo imprescindível a citação de todos os
acionistas. Deve ser provido o agravo? O liquidante, autorizado pelo Banco Central,
precisa de autorização da Assembleia Geral para requerer a falência? É obrigatória a
citação dos sócios por força do dispositivo citado?

Resposta à Questão 3

Veja o julgado do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 154


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Processo : 0020104-09.2003.8.19.0000 (2003.002.18188). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. SUELY LOPES MAGALHAES - Julgamento:
23/03/2004 - SETIMA CAMARA CIVEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO , VISANDO A ANULAÇÃO DE SENTENÇA
QUE JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DE AUTO-FALÊNCIA FORMULADO
POR EMPRESA EM REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, POR
INTERMÉDIO DE SEU LIQUIDANTE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO FOI
CITADO O ACIONISTA E EX-ADMINISTRADOR DA EMPRESA. AUSÊNCIA
DE AMPARO LEGAL PARA PRETENDIDA CITAÇÃO DE ACIONISTA. O
PRECEITO LEGAL INVOCADO PELO AGRAVANTE, SOMENTE SE APLICA
AOS MODELOS DE SOCIEDADE NELE PREVISTO, NÃO INCIDINDO NO
CASO DE AUTOFALÊNCIA REQUERIDA POR SOCIEDADE ANÔNIMA.
RECURSO DESPROVIDO.”

Michell Nunes Midlej Maron 155


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

Tema XVI

RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES E ACIONISTA CONTROLADOR DE INSTITUIÇÃO


FINANCEIRA EM RAET, INTERVENÇÃO E LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. A natureza da
responsabilidade: subjetiva ou objetiva? Indisponibilidade dos bens dos administradores. Inquérito. Ação de
responsabilidade. Arresto de bens. A natureza da responsabilidade civil dos ex-administradores.

Notas de Aula24

1. Responsabilidades nos regimes especiais

A instituição financeira, stricto sensu, é sempre S/A. Por conta disso, a


responsabilidade civil do administrador e do acionista controlador segue a Lei 6.404/76,
mas com um certo agravamento. Assim o é porque estas figuras são vistas como gestores de
recursos de terceiros, e nessa condição sua responsabilidade é mais severa do que se fosse
uma S/A comum, na forma do Capítulo IV da Lei 6.024/74, que será abordado
pontualmente.
Destarte, a responsabilidade destas figuras no curso normal da instituição financeira
segue a Lei da S/A, sem mais; porém, no curso dos regimes especiais, sua
responsabilização é mais gravosa, por imposição da lei de regência, Lei 6.024/74.
Em princípio, o administrador não responde por atos regulares de gestão. Quando
assim se comporta, é órgão presentante da sociedade. Todavia, quando pratica atos
irregulares, passa a ter responsabilidade pessoal.
São atos irregulares de gestão aqueles praticados pelo administrador com violação
da lei ou do estatuto social. Nesses casos, passa a responder pessoalmente, pois não está
presentando a sociedade.
Vale salientar que quando o administrador causa dano ao patrimônio da sociedade, o
acionista está sofrendo mero dano reflexo, e por isso não tem legitimidade para agir em
face do administrador – é a sociedade que deverá fazê-lo. Quando o dano provocado pelo
administrador atinge diretamente o patrimônio do acionista ou mesmo de um terceiro, ao
contrário, é claro que haverá ação direta do prejudicado em face do causador do dano.
O administrador de S/A tem dois níveis de responsabilidade :quando viola a lei ou o
estatuto, e quando atua com culpa ou dolo, mesmo sem violar a lei ou o estatuto. Alguns
autores defendem que a violação de lei ou o ato ultra vires geram responsabilidade objetiva;
porém, a corrente majoritária, analisando o artigo 158 da Lei 6.404/76, reputam que se trata
de caso de responsabilidade subjetiva, mas com culpa presumida, ou seja, com ônus
probatório invertido sobre o elemento subjetivo. Esta mesma discussão se reprisa quanto
aos administradores de instituições financeiras. Veja o dispositivo:

“Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que


contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde,
porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores,
salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo
conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de

24
Aula ministrada pelo professor José Eduardo Cavalcanti de Albuquerque, em 22/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 156


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em


ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência
imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em
funcionamento, ou à assembléia-geral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados
em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o
funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não
caibam a todos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita,
ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto,
tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres
por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar
de comunicar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente
responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter
vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da
lei ou do estatuto.”

Administradores, para a Lei 6.404/76, são os membros da diretoria e do conselho de


administração, embora os conselheiros não tenham a gestão direta do patrimônio social: o
papel dos conselheiros é, principalmente, o de orientação geral dos interesses da
companhia, mas o que lhes impõe a responsabilidade idêntica à da diretoria é o fato de que
são eles que escolhem a diretoria, além de fiscalizar-lhes a atuação. Veja o artigo 142, I a
III, da Lei 6.404/76:

“Art. 142. Compete ao conselho de administração:


I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia;
II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições,
observado o que a respeito dispuser o estatuto;
III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e
papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via
de celebração, e quaisquer outros atos;
(...)”

Acionista controlador é aquele que se enquadra no artigo 116 da Lei 6.404/76, e sua
responsabilidade ordinária, fora dos regimes especiais, está no artigo 117 do mesmo
diploma:

“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o


grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria
dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e
responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender.”

Michell Nunes Midlej Maron 157


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

“Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse
nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em
prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da
companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação,
incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para
outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham
na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de
políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a
causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos
investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou,
descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o
interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade
na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por
favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber
procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens
estranhos ao objeto social da companhia. (Incluída dada pela Lei nº 9.457, de
1997)
§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal
responde solidariamente com o acionista controlador.
§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem
também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.”

O controlador elege o conselho, e o conselho elege o diretor; quando não há


conselho de administração, o acionista controlador elege diretamente o diretor. Por isso sua
responsabilização se equipara à deste.
Os três deveres essenciais do administrador são: dever de diligência, dever de
lealdade e dever de informação.
O dever de diligência, do artigo 153 da Lei 6.404/76, que é o dever de zelar pelos
melhores interesses da sociedade, atuando com probidade, boa fé e correção – é um
standard jurídico, um modelo de conduta. O modelo atual de diligência impõe que a
atuação do administrador seja não só proba, mas também eficiente.

“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas


funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar
na administração dos seus próprios negócios.”

A Lei 6.024/74 se foca bastante no administrador, deixando um pouco de lado a


figura do acionista controlador. O DL 2.321/87, do RAET, porém, trouxe o acionista
controlador para o centro da responsabilização, impondo-lhe responsabilidade objetiva,
como se vê no artigo 15 deste diploma:

“Art. 15. Decretado o regime de administração especial temporária, respondem


solidariamente com os ex-administradores da instituição pelas obrigações por esta

Michell Nunes Midlej Maron 158


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

assumidas, as pessoas naturais ou jurídicas que com ela mantenham vínculo de


controle, independentemente da apuração de dolo ou culpa.
1° Há vínculo de controle quando, alternativa ou cumulativamente, a instituição e
as pessoas jurídicas mencionadas neste artigo estão sob controle comum; quando
sejam, entre si, controladoras ou controladas, ou quando qualquer delas,
diretamente ou através de sociedades por ela controladas, é titular de direitos de
sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações
sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da instituição.
2° A responsabilidade solidária decorrente do vínculo de controle se circunscreve
ao montante do passivo a descoberto da instituição, apurado em balanço que terá
por data base o dia da decretação do regime de que trata este decreto-lei.”

Este diploma, no entanto, só é aplicável ao RAET, como se sabe. Posteriormente, a


Lei 9.447/97 estabeleceu a responsabilidade solidária dos controladores também para a
sociedades submetidas a intervenção e liquidação extrajudicial.
O dever de lealdade, constante do artigo 155 da Lei 6.404/76, impõe que o
administrador não desvie negócios para outras entidades, dedicando-se ao máximo aos
interesses de sua instituição – ou seja, deve literalmente ser leal à sua S/A. Veja:

“Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva
sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a
companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do
exercício de seu cargo;
II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à
obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades
de negócio de interesse da companhia;
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à
companhia, ou que esta tencione adquirir.
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre
qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do
mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na
cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para
obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores
mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa
ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança.
§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada
com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator
indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a
informação.
§ 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por
qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem,
para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários. (Incluído pela Lei nº
10.303, de 2001).”

Por fim, o dever de informar é literalmente impresso no artigo 157 da Lei 6.404/76:

“Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo


de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e
debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades
controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular.

Michell Nunes Midlej Maron 159


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 1º O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à assembléia-geral


ordinária, a pedido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do
capital social:
a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades
controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou
através de outras pessoas, no exercício anterior;
b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício
anterior;
c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou
esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do
mesmo grupo;
d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela
companhia com os diretores e empregados de alto nível;
e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia.
§ 2º Os esclarecimentos prestados pelo administrador poderão, a pedido de
qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados pela mesa da assembléia, e
fornecidos por cópia aos solicitantes.
§ 3º A revelação dos atos ou fatos de que trata este artigo só poderá ser utilizada no
legítimo interesse da companhia ou do acionista, respondendo os solicitantes pelos
abusos que praticarem.
§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar
imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação
da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato
relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na
decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários
emitidos pela companhia.
§ 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea e),
ou deixar de divulgá-la (§ 4º), se entenderem que sua revelação porá em risco
interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a
pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria,
decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se
for o caso.
§ 6º Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos
termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às
bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os
valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as
modificações em suas posições acionárias na companhia. (Incluído pela Lei nº
10.303, de 2001).”

A natureza da responsabilidade civil dos administradores e acionistas controladores


de instituições financeiras, se subjetiva ou objetiva, é controvertida. A análise é dos artigos
39 e 40 da Lei 6.024/74:

“Art . 39. Os administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições


financeiras responderão, qualquer tempo salvo prescrição extintiva, pelos que
tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido.”

“Art . 40. Os administradores de instituições financeiras respondern solidariamente


pelas obrigações por elas assumidas durante sua gestão até que se cumpram.
Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante e dos
prejuízos causados.”

Fabio Ulhoa Coelho entende que a responsabilidade destes administradores e


acionistas controladores de instituições financeiras é sempre subjetiva. Da mesma forma

Michell Nunes Midlej Maron 160


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

entende Rubens Requião. Porém, são minoritários: a corrente amplamente majoritária


defende que a responsabilidade destas figuras é objetiva – Modesto Carvalhosa, Verçosa,
Campos Sales, dentre outros. Também a jurisprudência do STJ assim sempre se posicionou,
de forma remansosa, até que houve uma mudança recente, baseada em uma terceira
corrente, também minoritária, capitaneada por Arnold Wald, que sustenta que o artigo 40
supra é uma hipótese de responsabilidade civil por culpa presumida, ou seja, é subjetiva
mas com ônus probatório invertido. Veja o REsp. 447.939, que consiste em uma verdadeira
aula sobre esta questão da responsabilidade destas figuras:

“REsp 447939 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
04/10/2007. Data da Publicação/Fonte DJ 25/10/2007 p. 166.
Ementa: Direito civil e bancário. Liquidação extrajudicial de Consórcio, pelo
Banco Central, com fundamento na Lei nº 6.024/74. Propositura de ação civil
pública para a responsabilização dos administradores. Acolhimento, pelo Tribunal
a quo, da tese de que seria objetiva sua responsabilidade, com fundamento no art.
40 da Lei nº 6.024/74. Reforma da decisão.
- O Ministério Público é parte legítima para propor a ação de responsabilidade em
face dos administradores de instituições financeiras ou consórcios, visando a
responsabilização pelos prejuízos causados. Com a falência da sociedade, o
parquet tem de ser substituído pelo síndico da sociedade. A demora nessa
substituição, todavia, não implica nulidade do processo. Precedente.
- A regra do art. 39 da Lei nº 6.024/74 regula uma hipótese de responsabilidade
contratual; a do art. 40 da mesma lei, uma hipótese de responsabilidade
extracontratual. Ambas as normas, porém, estabelecem a responsabilidade
subjetiva do administrador de instituições financeiras ou consórcio. Para que se
possa imputar responsabilidade objetiva, é necessário previsão expressa, que a Lei
nº 6.024/74 não contém. O art. 40 meramente complementa o art. 39,
estabelecendo solidariedade que ele não contempla.
- A Lei nº 6.024/74, todavia, autoriza a inversão do ônus da prova, de modo que
compete aos administradores da instituição demonstrar que atuaram com o devido
zelo, impedindo sua responsabilização pelos prejuízos causados.
- Não tendo sido conferido aos réus a oportunidade comprovar sua ausência de
culpa, é necessária a anulação do processo para que o processo ingresse na fase de
instrução, devolvendo-se os autos ao juízo de primeiro grau.
Recurso especial provido.”

Mas repare que o artigo 40, supra, não pode ser invocável em situações de
normalidade: apenas quando estiver instaurado um regime especial haverá incidência deste
dispositivo, desta responsabilidade.
A responsabilidade incide para os administradores e acionistas controladores que
estiverem nestas respectivas posições, quando quer que o administrador tenha assumido sua
função, e quando quer que o acionista tenha se tornado controlador. Ocorrido o dano na
gestão destas pessoas, elas respondem solidariamente.
O artigo 36 da Lei 6.024/74 trata da indisponibilidade de bens, e cria uma situação
peculiar: a indisponibilidade estendida a quem não tenha sido administrador ou controlador,
como se vê no § 2º, “b”, desse artigo:

“Art . 36. Os administradores das instituições financeiras em intervenção, em


liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com todos os seus bens
indisponíveis não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou
onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.

Michell Nunes Midlej Maron 161


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a


intervenção, a extrajudicial ou a falência, atinge a todos aqueles que tenham estado
no exercício das funções nos doze meses anteriores ao mesmo ato.
§ 2º Por proposta do Banco Central do Brasil, aprovada pelo Conselho Monetário
Nacional, a indisponibilidade prevista neste artigo poderá ser estendida:
a) aos bens de gerentes, conselheiros fiscais e aos de todos aqueles que, até o limite
da responsabilidade estimada de cada um, tenham concorrido, nos últimos doze
meses, para a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial,
b) aos bens de pessoas que, nos últimos doze meses, os tenham a qualquer título,
adquirido de administradores da instituição, ou das pessoas referidas na alínea
anterior desde que haja seguros elementos de convicção de que se trata de
simulada transferência com o fim de evitar os efeitos desta Lei.
§ 3º Não se incluem nas disposições deste artigo os bens considerados inalienáveis
ou impenhoráveís pela legislação em vigor.
§ 4º Não são igualmente atingidos pela indisponibilidade os bens objeto de
contrato de alienação, de promessa de compra e venda, de cessão de direito, desde
que os respectivos instrumentos tenham sido levados ao competente registro
público, anteriormente à data da decretação da intervenção, da liquidação
extrajudicial ou da falência.”

A indisponibilidade jamais alcança bens do Estado, por óbvio, mesmo se este


afigurar como responsável, sendo acionista controlador.
Os bens indisponíveis dos administradores ou controladores podem ser alienados
para adimplir obrigação precedente a esta indisponibilidade, ou seja, por exemplo, o credor
particular que vinha executando o administrador poderá excutir bens que se tornaram
indisponíveis. Mas veja que esta alienação tem que ser judicial, somente, e nunca particular.
Paralelamente ao procedimento do regime especial que for instalado, ou à falência,
o Bacen conduzirá obrigatoriamente um inquérito administrativo, a fim de apurar de forma
delimitada as responsabilidades. Veja o artigo 41 da Lei 6.024/76:

“Art . 41. Decretada a intervenção da liquidação extrajudicial ou a falência de


instituição financeira, o Banco Central do Brasil procederá a inquérito, a fim de
apurar as causas que levaram a sociedade àquela situação e a responsabilidade de
seu administradores e membros do Conselho Fiscal.
§ 1º Para os efeitos deste artigo, decretada a falência, o escrivão do feito a
comunicará, dentro em vinte e quatro horas, ao Banco Central do Brasil.
§ 2º O inquérito será aberto imediatamente à decretação da intervenção ou da
liquidação extrajudicial, ou ao recebimento da comunicação da falência, e
concluído dentro em cento e vinte dias, prorrogáveis, se absolutamente necessário,
por igual prazo.
§ 3º No inquérito, o Banco Central do Brasil poderá:
a) examinar, quando quantas vezes julgar necessário, a contabilidade, os arquivos,
os documentos, os valores e mais elementos das instituições;
b) tomar depoimentos solicitando para isso, se necessário, o auxílio da polícia;
c) solicitar informações a qualquer autoridade ou repartição pública, ao juiz da
falência, ao órgão do Ministério Público, ao síndico, ao liquidante ou ao
interventor;
d) examinar, por pessoa que designar, os autos da falência e obter, mediante
solicitação escrita, cópias ou certidões de peças desses autos;
e) examinar a contabilidade e os arquivos de terceiros com os quais a instituição
financeira tiver negociado e no que entender com esses negocios, bem como a
contabilidade e os arquivos dos ex-administradores, se comerciantes ou industriais
sob firma individual, e as respectivas contas junto a outras instituições financeiras.

Michell Nunes Midlej Maron 162


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

§ 4º os ex-administradores poderão acompanhar o inquérito, oferecer documentos e


indicar diligências.”

Se o Bacen concluir que não há prejuízo, arquiva o inquérito, na forma do artigo 44


do mesmo diploma; se conclui pela presença de prejuízo, encaminha ó inquérito ao juízo
competente, que abrirá vista ao MP, o qual terá oito dias para ingressar com a medida
cautelar de arresto, na forma do artigo 45. Veja:

“Art . 44. Se o inquérito concluir pela inexistência de prejuízo, será, no caso de


intervenção e de liquidação extrajudicial, arquivado no próprio Banco Central do
Brasil, ou, no caso de falência, será remetido ao competente juiz, que o mandará
apensar aos respectivos autos.
Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, o Banco Central do Brasil, nos
casos de intervenção e de liquidação extrajudicial ou o juiz, no caso de falência, de
ofício ou a requerimento de qualquer interessado, determinará o levantamento da
indisponibilidade de trata o artigo 36.”

O MP pode requerer arresto de bens dos responsáveis, inclusive se já estivessem


indisponíveis, segundo o STJ. Veja o artigo 45, que fala de sequestro, impropriamente,
devendo-se ler ali arresto:

“Art . 45. Concluindo o inquérito pela existência de prejuízos será ele, com o
respectivo relatório, remetido pelo Banco Central do Brasil ao Juiz da falência, ou
ao que for competente para decretá-la, o qual o fará com vista ao órgão do
Ministério Público, que, em oito dias, sob pena de responsabilidade, requererá o
seqüestro dos bens dos ex-administradores, que não tinham sido atingidos pela
indisponibilidade prevista no artigo 36, quantos bastem para a efetivação da
responsabilidade.
§ 1º Em caso de intervenção ou liquidação extrajudicial, a distribuição do inquérito
ao Juízo competente na forma deste artigo, previne a jurisdição do mesmo Juízo,
na hipótese de vir a ser decretada a falência.
§ 2º Feito o arresto, os bens serão depositados em mãos do interventor, do
liquidante ou do síndico, conforme a hipótese, cumprindo ao depositário
administrá-los, receber os respectivos rendimentos e prestar contas a final.”

Arresto não se confunde com indisponibilidade. Similar à arrecadação, na falência,


no arresto há a perda da posse e administração dos bens, o que não ocorre na
indisponibilidade.
Veja o artigo 46 da lei em comento, que trata da ação de responsabilidade, que é
uma ação civil pública reparatória, para a qual o MP é legitimado. Inerte o MP, porém,
qualquer credor poderá intentar a ação, na forma do parágrafo único do artigo mencionado:

“Art . 46. A responsabilidade ex-administradores, definida nesta Lei, será apurada


em ação própria, proposta no Juízo da falência ou no que for para ela competente.
Parágrafo único. O órgão do Ministério Público, nos casos de intervenção e
liquidação extrajudicial proporá a ação obrigatoriamente dentro em trinta dias, a
contar da realização do arresto, sob pena de responsabilidade e preclusão da sua
iniciativa. Findo esse prazo ficarão os autos em cartório, à disposição de qualquer
credor, que poderá iniciar a ação, nos quinze dias seguintes. Se neste último prazo
ninguém o fizer, levantar-se-ão o arresto e a indisponibilidade, apensando-se os
autos aos da falência, se for o caso.”

Michell Nunes Midlej Maron 163


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

A Lei 9.447/97, no artigo 7º, diz o seguinte:

“Art. 7º A implementação das medidas previstas no artigo anterior (regimes


especiais) e o encerramento, por qualquer forma, dos regimes de intervenção,
liquidação extrajudicial ou administração especial temporária não prejudicarão:
I - o andamento do inquérito para apuração das responsabilidades dos
controladores, administradores, membros dos conselhos da instituição e das
pessoas naturais ou jurídicas prestadoras de serviços de auditoria independente às
instituições submetidas aos regimes de que tratam a Lei nº 6.024, de 1974, e o
Decreto-lei nº 2.321, de 1987;
II - a legitimidade do Ministério Público para prosseguir ou propor as ações
previstas nos arts. 45 e 46 da Lei nº 6.024, de 1974.” (parêntese nosso)

Veja que, mesmo terminado o regime, a ação reparatória intentada deverá ter curso
até seu fim, ou mesmo ter início após o termo final do regime.
Esta Lei 9.447/97 ainda trouxe uma imputação especial: os auditores independentes
que tenham atuado em instituições financeiras também responderão, na forma do artigo 3º:

“Art. 3º O inquérito de que trata o art. 41 da Lei nº 6.024, de 1974, compreende


também a apuração dos atos praticados ou das omissões incorridas pelas pessoas
naturais ou jurídicas prestadoras de serviços de auditoria independente às
instituições submetidas aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou
administração especial temporária.
Parágrafo único. Concluindo o inquérito que houve culpa ou dolo na atuação das
pessoas de que trata o caput, aplicar-se-á o disposto na parte final do caput do art.
45 da Lei nº 6.024, de 1974.”

Vale traçar uma síntese no que pertine aos efeitos dos regimes especiais e as
responsabilidades dos administradores e acionistas controladores de instituições
financeiras: há indisponibilidade dos bens das figuras que, nos últimos doze meses,
exerceram estas posições; a natureza da responsabilidade civil, na forma do artigo 40 da Lei
6.024/74, há pouco transcrito, conta com três correntes, sendo a majoritária pela natureza
objetiva, a minoritária pela subjetiva, e uma terceira, recentemente encampada pelo STJ,
mas ainda minoritária, pela subjetiva com culpa presumida; e é possível o arresto dos bens
das figuras que ocuparam estas posições nos últimos cinco anos, mesmo se já indisponíveis.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 164


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

O Ministério Público do Estado de Rondônia ajuizou ação de reparação de danos


em desfavor de 16 (dezesseis) réus, ex-dirigentes do Banco do Estado de Rondônia S/A., na
qual se requer indenização ao argumento de que a gestão ineficiente dos réus causou
prejuízos à mencionada instituição financeira. Contestado o feito, o Juiz extinguiu a ação
ao fundamento de que não tem o Ministério Público legitimidade ativa ad causam porque a
instituição não está mais sob o regime de administração especial temporária, sendo que
havia quitado seus débitos e o Banco Central do Brasil absorvido o passivo para com o
público, não havendo notícias de que havia credores insatisfeitos. Inexistia, então,
interesse público a ser defendido pelo parquet..Correta a decisão? Analise o caso em todos
os aspectos.

Resposta à Questão 1

O juiz errou, pois mesmo após a extinção do regime especial o MP tem legitimidade
para permanecer na ação, ou mesmo iniciá-la, na forma do artigo 7º da Lei 9.447/97.
Veja, nesse sentido, o REsp. 444.948:

“REsp 444948 / RO. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro RUY ROSADO


DE AGUIAR. Órgão Julgador - SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento
11/12/2002. Data da Publicação/Fonte DJ 03/02/2003 p. 261.
Ementa: INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. Regime de Administração Especial
Temporária. Cessação. Ministério Público. Legitimidade.
O Ministério Público não perde a legitimidade para prosseguir na ação de
responsabilidade de administradoras de instituições financeiras após o
levantamento do regime de administração especial e temporária. Lei 9.447/97.
Recurso não conhecido.”

Questão 2

Proposta pelo Ministério Público ação cautelar de arresto dos bens particulares de
ex-administradores de instituição financeira em regime de liquidação extrajudicial, por
atos irregulares de gestão apurados em inquérito pelo Banco Central do Brasil, um dos
réus alega, em contestação, a falta de interesse processual do parquet , vez que incidentes
os efeitos da indisponibilidade de bens prevista no art. 36 da Lei nº 6.024/74. Analise a
questão sob todos os aspectos.

Resposta à Questão 2

Pela literalidade legal, o arresto não teria cabimento, mas o STJ é pacífico em
admitir tal providência mesmo para bens indisponíveis.
Veja o REsp. abaixo:

“REsp 475044 / SP STJ – Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA,


j. 17/12/2002.
COMERCIAL E ADMINISTRATIVO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EX-ADMINISTRADORES.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. ARRESTO. REQUERIMENTO DO

Michell Nunes Midlej Maron 165


EMERJ – CP V Direito Empresarial V

MINISTÉRIO PÚBLICO E DECISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 45,


DA LEI 6.024/74.
1. A indisponibilidade dos bens dos ex-administradores de instituição financeira é
um efeito decorrente do ato administrativo extremo que decreta sua liquidação
extrajudicial, não impedindo o arresto desses mesmos bens a requerimento do
Ministério Público e por decisão do Juiz competente para decretação da falência da
instituição.
2. O art. 45, da Lei nº 6.024/1974, permite que esse tipo de medida cautelar seja
deferida. Em conseqüência, não se pode falar em sua violação.
3. É incensurável a fundamentação no que pertine a possibilidade de se aplicar a
proibição de saída do país, sem prévia autorização judicial, visto que os ex-
administradores de instituição financeira em liquidação extrajudicial que tenham
tido arrestados os seus bens dependem de autorização do Banco Central e do Juiz
do arresto.
4. A proibição de administrar instituição financeira constitui sanção de
competência do Banco Central (art. 9º, II, da Lei nº 9.447/97) que, não prevista na
Lei nº 6.024/74, só pode ser decretada pelo Juiz como cautelar inominada e desde
que presentes os requisitos exigidos pelo CPC.
5. Decisão recorrida que decidiu de acordo com os princípios regedores da situação
em análise, especialmente, para resguardar os direitos materiais de possíveis
interessados. 6. Recurso especial não provido.”

Questão 3

Decretado o regime de administração especial temporária, foi ajuizada ação civil


pública pelo Ministério Público para apuração da responsabilidade dos ex-
administradores. O juiz deferiu o arresto dos bens dos réus que não tinham sido atingidos
pela indisponibilidade legal. MAURÍCIO, ex-administrador da instituição financeira,
agrava da decisão sob o fundamento de ter-se afastado do cargo oito meses antes da
decretação do RAET. Sustenta, ainda, inobservância dos pressupostos para concessão da
liminar, inexistência de passivo a descoberto ou patrimônio negativo da instituição
financeira e superveniente cessação do RAET. Deve o recurso ser provido pelos
fundamentos alegados pelo agravante?

Resposta à Questão 3

Veja o seguinte julgado:

“AgRg no Ag 178447 / SP STJ – Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,


Relator(a) p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, j.
22/08/2000
DIREITO ECONÔMICO. REGIME DE ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL
TEMPORÁRIA. RESPONSABILIDADE. TERCEIROS NÃO INTEGRANTES
DE ÓRGÃOS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INDISPONIBILIDADE DOS
BENS EM MEDIDA LIMINAR. Sendo a questão de alta indagação e estando
presentes, no estreito e temporário juízo de admissibilidade procedido no âmbito
do agravo de instrumento, os pressupostos de admissibilidade do recurso especial,
convém que seja desembaraçado o processamento do apelo extremo para melhor
exame da matéria. Agravo provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 166

Você também pode gostar