Microbiologia: Módulo

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Módulo 1 2

Maria Isabel Madeira Liberto


Maulori Curié Cabral
Ulysses Garcia Casado Lins

Microbiologia
Microbiologia
Volume 2 - Módulo 1 Maria Isabel Madeira Liberto
Maulori Curié Cabral
Ulysses Garcia Casado Lins

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

Presidente
Masako Oya Masuda

Vice-presidente
Mirian Crapez

Coordenação do Curso de Biologia


UENF - Milton Kanashiro
UFRJ - Ricardo Iglesias Rios
UERJ - Celly Saba

Material Didático
ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Departamento de Produção
Maria Isabel Madeira Liberto
EDITORA PROGRAMAÇÃO VISUAL
Maulori Curié Cabral
Ulysses Garcia Casado Lins Tereza Queiroz Sanny Reis
COPIDESQUE ILUSTRAÇÃO
COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO
INSTRUCIONAL Cristina Maria Freixinho Morvan Neto
Cristine Costa Barreto REVISÃO TIPOGRÁFICA CAPA
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Elaine Bayma Morvan Neto
E REVISÃO Marcus Knupp PRODUÇÃO GRÁFICA
Luciana Messeder Patrícia Paula Oséias Ferraz
Marta Abdala COORDENAÇÃO DE Patricia Seabra
Roberto Paes PRODUÇÃO
COORDENAÇÃO DE LINGUAGEM Jorge Moura
Cyana Leahy-Dios
Maria Angélica Alves
COORDENAÇÃO DE AVALIAÇÃO DO
MATERIAL DIDÁTICO
Débora Barreiros Copyright © 2005, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
AVALIAÇÃO DO MATERIAL eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.
DIDÁTICO L695m
Ana Paula Abreu Fialho Liberto, Maria Isabel Madeira.
Aroaldo Veneu Microbiologia. v. 2 / Maria Isabel Madeira Liberto; Maulori Curié
Cabral; Ulysses Garcia Casado Lins. - Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ,
2010.
218p.; 19 x 26,5 cm.

ISBN: 85-7648-256-8

1. Microbiologia industrial. 2. Vírus e viroses. 3. Células.


4. Epidemiologia. I. Cabral, Maulori Curié. II. Lins, Ulysses Garcia
Casado. II. Título.
CDD: 579
2010/1
Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia


Alexandre Cardoso

Universidades Consorciadas
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO
NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO RIO DE JANEIRO
Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho Reitor: Aloísio Teixeira

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL


RIO DE JANEIRO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieiralves Reitor: Ricardo Motta Miranda

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO


Reitor: Roberto de Souza Salles DO RIO DE JANEIRO
Reitora: Malvina Tania Tuttman
Microbiologia Volume 2 - Módulo 1

SUMÁRIO Aula 11 – Micróbios na natureza – Aula prática ________________________ 7


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 12 – Micróbios eucarióticos __________________________________ 21


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 13 – Microbiologia industrial _________________________________ 45


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 14 – Micróbios primitivos de ambientes hipersalínico – Aula prática ____ 71


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 15 – A descoberta dos vírus e as viroses em animais ________________ 85


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 16 – Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas ___________ 113


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 17 – Cura espontânea nas viroses de animais ____________________ 149


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Aula 18 – Epidemiologia: prevenção e controle das infecções ____________ 179


Maria Isabel Madeira Liberto / Maulori Curié Cabral / Ulysses Garcia Casado Lins

Referências__________ ______________________________________ 213


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AULA
Micróbios na natureza
– Aula prática
Meta da aula
Demonstrar a presença de micróbios na Natureza.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
• detectar a presença de micróbios no ar e associados ao corpo de
animais (seres humanos e peixes);
• discutir a importância das bactérias bioluminescentes na cadeia
alimentar marinha.

Pré-requisitos
Para uma boa compreensão desta aula, você deverá recordar os conteúdos
sobre técnicas assépticas e coloração de Gram (Aula 5); esterilização de
meios de cultura (Aula 6); ação de desinfetantes sobre os micróbios (Aula 7),
composição de meios de cultivo bacteriano (Aula 8) e meios seletivos para
crescimento bacteriano (Aula 9).
Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

INTRODUÇÃO Os micróbios são os seres que podem ser encontrados em todos os ambientes
da biosfera. Você já deve ter tomado consciência dessa premissa à medida
que vem avançando no conteúdo desta disciplina. Nesta aula prática, você vai
executar procedimentos para capturar e cultivar micróbios que estão presentes
no ar que você respira e associados à superfície da pele e das mucosas dos
animais. Os da pele serão recolhidos da sua mão e os das mucosas a partir das
guelras ou da cloaca de um peixe marinho fresco.
Para cultivar micróbios você precisa oferecer-lhes nutrientes e condições
ambientais favoráveis para que eles se propaguem. Mas, se eles estão em todos
os lugares, que artifício deve ser feito para que os micróbios que você pretende
capturar não necessitem competir com aqueles que já estão no local que você
escolheu para cultivá-los? Muito simples. Todo material a ser usado deve ser
esterilizado antes. A esterilização dos utensílios e dos meios de cultura pode
ser efetuada por autoclavação (como você viu na Aula 6). Lembre-se de que
certos componentes nutritivos, por serem termolábeis, devem ser esterilizados
por filtração ou exposição à radiação gama e depois adicionados, de maneira
asséptica, ao restante do meio de cultura que já foi autoclavado.
Recordando a diversidade metabólica dos micróbios você deve levar em conta
que, nem sempre, os componentes nutricionais incluídos nos meios são
passíveis de atender às exigências nutritivas de todos os micróbios. Por isso, é
necessário preparar meios de cultura de diferentes composições. Uns podem
ser adicionados de ingredientes que inibam o crescimento de alguns tipos, mas
favoreçam outros. Este tipo de meio de cultura é classificado como seletivo para
o tipo ou tipos microbianos que são favorecidos. Os meios de cultura seletivos
podem ainda servir para diferenciar dois grupos bacterianos. Para isto, são
adicionados de mais um ingrediente químico (lactose, por exemplo) que pode
ser metabolizado ou não pelas espécies bacterianas que suportam a presença
do agente seletivo. Este tipo de meio de cultura é empregado largamente nos
trabalhos de classificação bacteriana (apresentados na Aula 9) e é conhecido
como sendo seletivo-indicador.

MATERIAIS NECESSÁRIOS PARA A EXECUÇÃO DA PRÁTICA

Para realizar esta aula prática, que é dividida em três partes, você
vai precisar dos seguintes materiais:
• uma alça metálica para trabalhos bacteriológicos;
• swabs esterilizados por raios gama;

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• toalhas de papel;
• um frasco com 200 mL de desinfetante (formol/detergente/azul

AULA
de metileno);
• uma cultura de bactéria marinha bioluminescente, em tubo;
• duas placas de Petri com meio de cultura (Triptose-soja-agar-TSA
ou de Agar nutritivo-AN) para demonstração de micróbios no ambiente
e associados às mãos;
• uma ou duas placas de Petri com meio de cultura (Agar Nutritivo
Salgado—ANS) para cultivo de bactérias marinhas;
• um peixe marinho fresco;
• um bico de Bunsen ou uma lamparina a álcool;
• uma proveta ou uma pipeta com bulbo, para medir 15 mL do
desinfetante;
• um aposento ou local escuro ou então um pano preto grosso.

EXECUÇÃO

Lembre-se de que, para garantir a plenitude dos resultados, o


material deve ser manipulado com técnicas assépticas, conforme você
aprendeu na Aula 5. Por isso, recomendamos a utilização de lamparina
a álcool ou bico de Bunsen para flambar as alças e criar um campo de
trabalho esterilizado, em volta da chama.

1a Parte: Demonstração de micróbios no ambiente

Vamos ver quem captura mais micróbios? Para executar esta


prática você vai utilizar uma placa de Petri contendo meio de cultura
sólido, constituído de agar-agar (15g/L), hidrolisado enzimático
de proteínas bovinas (15g/L), hidrolisado acídico de proteína de
soja (5g/L) e cloreto de sódio (5g/L), disponível comercialmente
sob a designação de TSA (triptona–soja–agar). Para observar os
resultados, você deverá levar as placas embrulhadas para casa
e quardá-las em cima da geladeira.
Cada estudante deve escolher um local e abrir a placa,
por cinco minutos, para capturar os micróbios presentes no ar.
Esperar os micróbios caírem na superfície do meio de cultura
da placa aberta é uma maneira passiva de participar desta aula.
Você pode aumentar a eficiência deste processo correndo com Figura 11.1: Uma maneira de segurar a
placa com TSA para capturar micróbios
a placa aberta para esbarrar com as células microbianas que do ar.
estão no ar.

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Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

Outra forma é você procurar um local onde exista um raio de luz


que lhe permita observar as partículas que estão em suspensão. Assim
você os capturará facilmente. Lembre-se de que o que você vê não são
os micróbios, mas sim a sombra deles. Para você associar esse fenômeno
a algo que lhe é bem familiar, observe a Figura 11.2 onde é mostrada a
imagem de um ser humano que, ao servir de anteparo aos raios solares
forma uma sombra. Você não vê a pessoa, mas percebe que ela está lá.

Figura 11.2: Sombras ampliadas, ao entardecer em Fortaleza.

Depois disso, as placas devem ser mantidas fechadas, com a tampa


para baixo (lembra da Aula 5?), em estufa a 37oC ou à temperatura
ambiente. Você deve tomar providências para evitar que formigas ou
outros insetos penetrem nas placas e, para isso, você pode embrulhá-
las com papel ou colocá-las dentro de um saco plástico, como aquele
usado para congelamento de alimentos. Observe diariamente as placas
para verificar a formação de colônias, resultantes da multiplicação
dos micróbios que foram capturados quando a superfície do meio de
cultura foi exposta ao ambiente. Quem conseguir a placa com maior
número de colônias, após 48 horas, será considerado o(a) vencedor(a).
A classificação pode ser também em função daquele(a) que conseguir a
maior diversidade de tipos de colônias. Vocês decidem!
Para saber o tipo morfológico dos micróbios que formam as
colônias na placa, você pode preparar uma lâmina de microscopia e
corá-la pelo método de Gram. Para pôr em prática essa sua iniciativa,
você deve desengordurar a lâmina e, depois que estiver limpa e seca, usar
a alça metálica para colocar uma gota d’água no local da superfície da
lâmina onde fará o esfregaço. Depois flambe a alça, remova um pouco
da colônia e espalhe junto com a gota d’água colocada na lâmina. Espere

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o esfregaço secar e promova a fixação expondo a lâmina ao calor da
chama. Prossiga conforme você aprendeu na Aula 5. A coloração de

AULA
Gram é uma técnica rápida e muito elucidativa. Utilizando-a você terá
a oportunidade de visualizar os tipos microbianos que estavam no ar e
que encontraram condições satisfatórias para crescer no meio de cultura
da sua placa de Petri.
Ao terminar esta etapa do experimento, adicione 15 mL do
desinfetante na placa e deixe em repouso por 24 horas, para depois
descartá-la. Você deve estar se perguntando, por quê? É fácil: como
você viu na Aula 7, o desinfetante agirá eliminando os micróbios, mas
para isso é necessário o fator tempo. Após este procedimento, as placas
poderão ser descartadas no lixo, sem perigo de contaminação microbiana
para o ambiente.

2a Parte: Demonstração de micróbios associados ao corpo


humano

Para realizar esta parte da aula, você deve utilizar uma placa
com meio TSA. Inicialmente, você deve usar uma caneta que escreva
em plástico e fazer uma marcação, no fundo da placa, dividindo-a
em quatro quadrantes, identificando-os 1, 2, 3, 4. A seguir, realize as
seguintes etapas:
a) com a placa voltada para baixo, “carimbe” a impressão digital
do seu dedo indicador no quadrante 1, conforme você pode ver na
Figura 11.3.a. ATENÇÃO: a consistência da camada de meio de cultura
é bem frágil, por isso, toque-a delicadamente;

a b c d

Figura 11.3: “Carimbando” a digital na placa.

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Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

b) em seguida, lave bem as mãos com sabão e, depois de secá-las ao ar,


“carimbe” a mesma impressão digital no quadrante 2 (Figura 11.3.b);
c) faça nova lavagem das mãos e, como no item ‘b’, “carimbe”
agora o quadrante 3 (Figura 11.3.c);
d) repita o item ‘c’, “carimbando” agora, o quadrante 4
(Figura 11.3.d);
e) leve as placas para uma estufa a 37ºC por 24 ou 48 horas ou
mantenha-as à temperatura ambiente por mais tempo, com os devidos
cuidados para evitar que insetos tenham acesso a elas;
f) observe, diariamente, as placas para notar a formação de
colônias nos locais onde houve o toque com a ponta do seu dedo;
g) analise os resultados.

Alguns comentários

A higiene feita ao lavar as mãos não elimina todos os


micróbios. Mas é claro que os que são estranhos à sua microbiota
são retirados. Os seus, são seus, e não lhe fazem mal. Por isso, ao
lavarmos as mãos nos livramos dos micróbios dos outros.
Como resultado desta aula prática, você verá que, mesmo
lavando as mãos, seus dedos têm micróbios e que não são poucos.
Talvez você perceba que o primeiro quadrante, onde você carimbou
seu dedo seco, é o local em que apareceu o menor número de
colônias. Porém será nesse quadrante que você encontrará a
Figura 11.4: Cultivo de bactérias da
microbiota das mãos sem lavar e após maior diversidade delas. Na Figura 11.4 você pode observar o
três lavagens. resultado obtido em uma placa onde foi realizado este tipo de
experimento.
À medida que você lavava as mãos ia umedecendo, progres-
EPITÉLIO sivamente, as reentrâncias da pele e, dessa forma, os micróbios presentes
Camada celular nesse micronicho foram carreados para a superfície do EPITÉLIO, e assim
que cobre todas as
superfícies internas transferidos para o meio de cultura da placa. Não se esqueça de que só
e externas do corpo.
O tecido epitelial, de há crescimento se o meio de cultura for adequado aos seus micróbios.
acordo com o número Você pode compreender melhor esse fenômeno observando a Figura
de camadas celulares
que o compõe, é 11.5, onde é mostrada, de forma ampliada com aumentos múltiplos de
classificado em simples
e estratificado. 10 vezes, a topografia do epitélio da mão.
Na pele o epitélio é
estratificado.

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AULA
Figura 11.5: Em escala de 10, a topografia da pele da mão é observada, notando-se
as estruturas que a compõem, de acordo com a ampliação utilizada. O quadrado
central de cada imagem representa a área que está sendo ampliada. STAPHYLOCOCCUS
EPIDERMIDIS

É um tipo microbiano
comumente encontrado
Um tipo de micróbio muito comumente associado à pele humana na microbiota da pele
e das mucosas das
é o STAPHYLOCOCCUS EPIDERMIDIS. pessoas. Em face da sua
ampla distribuição pelo
Para se perceber a olho nu a presença de micróbios, em um
corpo, são facilmente
ambiente qualquer, é necessário o fator tempo, do qual dependem detectados em exames
bacteriológicos que
todos os fenômenos biológicos. Neste caso, é necessário o tempo para buscam diagnosticar a
presença de micróbios
que ocorram as divisões sucessivas da célula, que vão aumentando em no ambiente onde há
número, até formar colônias de tamanhos visíveis. Nada diferente de atividade humana. É
comum haver relatos da
um processo de gravidez, onde também o número de células aumenta presença deste tipo de
bactérias em maçanetas,
em função do tempo, até que a célula ovo se transforme num ser visível, corrimões, telefones
quer um exemplo biológico melhor? públicos e cédulas ou
moedas. Agora até dá
Para saber o tipo de micróbios que formam as colônias na placa, para você entender por
que se encontram mais
você só precisa repetir a prática de microscopia com coloração de micróbios nas cédulas de
R$1,00 do que nas de
Gram.
R$100,00, que circulam
Para descartar a placa deste experimento, você deve proceder no comércio!

conforme recomendado na primeira parte desta aula. Mais detalhes você


pode obter acessando
o site:

http://medinfo.ufl.edu/
year2/mmid/bms5300/
bugs/staepid.html

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Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

BIOLUMINESCÊNCIA 3a Parte: Demonstração de bactérias produtoras de BIOLUMI-


NESCÊNCIA, associadas à microbiota de peixes marinhos
Emissão de luz fria e
visível por seres vivos,
resultante da oxidação
orgânica de compostos luciferina oxiluciferina
protéicos (luciferinas),
mediada pela atividade + O2 luciferase + luz
catalítica da enzima
luciferase. É observada
em vários organismos,
de bactérias até Para executar esta prática, você deve trazer um peixe marinho
peixes, e constitui uma
forma amplificada (tem de estar fresco ou conservado na geladeira sem adição de nenhum
de um processo mais
geral que ocorre
conservante).
em toda célula: a A esta altura, já é desnecessário lembrar que os trabalhos têm de
quimioluminescência.
ser realizados com as manobras assépticas e que você deve usar as placas
com meio Agar Nutritivo Salgado (ANS). A composição desse meio é a
mesma do Agar nutritivo descrito na Aula 8, porém com a concentração
de cloreto de sódio aumentada para 3,5%, ou seja, semelhante àquela
da água do mar.
Leia e discuta com seu tutor ou com seus colegas de pólo a
seqüência dos procedimentos desta etapa da aula, para depois executá-
los:
1- marque as placas de ANS respectivamente com as letras P
(peixe) e B (bactérias). Se só tiver uma placa, divida-a e marque os
respectivos locais;
2- abra o invólucro do swab e, segurando-o pelo cabo, recolha
uma amostra da microbiota do peixe. Para isto, esfregue o algodão da
ponta do swab na cloaca ou na guelra do animal. Em seguida, encoste a
ponta do swab em um ponto na superfície da placa, marcada com “P”.
O swab, após o uso, deve voltar para o invólucro para ser descartado;
3- o próximo passo vai ser espalhar, pela superfície da placa, os
micróbios que foram depositados no local onde o swab encostou. Para
isto, você vai precisar da alça metálica. A haste da alça está fixada num
cabo de madeira, por isso, antes de flambá-la molhe bem o cabo para
não queimar;
4- flambe a alça e a use para espalhar, pela superfície da placa, o
material que foi semeado com o swab. A melhor maneira de espalhar
é fazendo um movimento em ziguezague. À primeira vista, parece que
nada foi colocado na superfície do meio de cultura. Não se preocupe, é
assim mesmo, pois o resultado desse tipo de experimento só vai poder
ser visualizado após 18 a 24 horas;

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5- dando continuidade, flambe novamente a alça e, assepticamente,
encoste sua ponta sobre a massa celular da cultura de bactérias

AULA
bioluminescentes que está no tubo. Um simples toque é suficiente. Use
essa alça impregnada de bactérias para semear a placa “B”, repetindo
o processo de espalhamento, conforme descrito no item 4. O objetivo
do espalhamento é distribuir as bactérias de tal maneira que você
consiga separá-las individualmente. Cada bactéria isolada dará origem
a uma colônia, ou seja, a uma população clonada. A Figura 11.6
mostra o resultado de um processo de obtenção de clones microbianos.
Outra opção para o trabalho com bactérias bioluminescentes é usar
um swab para semear as bactérias da suspensão e usando de sua
criatividade, faça desenhos na placa. É uma forma lúdica de trabalhar
em Microbiologia.

Figura 11.6: Modelo de crescimento bacteriano,


após semear a placa pelo processo de espalhamen-
to, conforme indicado pela posição das setas.

A placa deve ser incubada à temperatura ambiente


(cuidado com formigas e outros insetos!) e, logo após o
aparecimento das colônias (18 a 24 horas), ela deverá estar
com o aspecto semelhante ao observado na Figura 11.6. Para
conseguir observar a bioluminescência você deve examinar as
placas num local sem luz, como um aposento que possa ser
deixado completamente escuro. Se você não dispuser desse
aposento, pode usar como artifício uma caixa de papelão, onde
as placas são colocadas e observadas através de um pequeno
orifício. Outra possibilidade é cobrir-se com um pano preto
grosso o suficiente para impedir a passagem de luz, conforme
Figura 11.7: Usando criatividade para
ilustrado na Figura 11.7. observar o fenômeno da biolumi-
nescência bacteriana.

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Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

Como a bioluminescência só pode ser observada em locais


escuros, a pessoa na Figura 11.7 está mimetizando as condições do
fundo do mar.
A bioluminescência só aparece na presença de oxigênio, pois as
bactérias necessitam do O2 para que ocorra o fenômeno, conforme você
pode ver no fundamento da reação apresentado na figura do verbete
bioluminescêcia. Você pode apreciar o belo efeito da bioluminescência
em um experimento laboratorial na Figura 11.8.

Figura 11.8: Placa com cultura de bactérias bioluminescentes, observada após 24


horas de incubação à temperatura ambiente. À esquerda a placa vista em ambiente
iluminado e à direita observada no escuro.

Para manter a bioluminescência das colônias por um tempo maior,


guarde as placas na geladeira ou use a alça depois de flambada para
espalhar as células das colônias por uma maior superfície da placa.
É desnecessário lembrar que ao final do experimento, é necessário
adicionar desinfetante na placa e aguardar o tempo necessário para depois
descartá-la, conforme foi feito nas etapas anteriores.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DO FENÔMENO DA


BIOLUMINESCÊNCIA NO AMBIENTE MARINHO

No ambiente marinho, durante a noite ou, de forma contínua,


nas regiões abissais, a bioluminescência desempenha importante
papel na cadeia alimentar. Quando as bactérias bioluminescentes que,
normalmente, estão em suspensão na água do mar, dão de encontro com

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qualquer fragmento de matéria orgânica, tal como resíduos de animais
mortos afundando, utilizam esses fragmentos como meio de cultura. Com

AULA
o crescimento populacional, a massa microbiana passa a ser detectada
em função da luminescência que emite. No ambiente escuro, esse brilho
atrai peixes, que se alimentam desses resíduos. As bactérias continuam
se multiplicando no intestino desses peixes que, ao defecarem, colocam
mais dessas bactérias no mar, e assim garantem a próxima refeição. Você
já reparou que os pescadores alegam que se pescarem à noite pegam mais
peixes? Depois de jogarem a isca, esperam, esperam e... fisgam! Não
seria mais rápido se banhassem a isca com uma suspensão concentrada
de bactérias bioluminescentes?
A relação peixes abissais x bactérias bioluminescentes é tão íntima
que alguns deles, como o peixe-lanterna, têm colônias dessas bactérias
incorporadas em seu corpo, como órgãos luminosos que acendem e apagam
em função do abrir e fechar da membrana onde estão contidas.Você pode
observar um exemplo dessa interação na Figura 11.9.

Figura 11.9: Peixe-lanterna com o órgão bioluminescente na


parte inferior do olho.

CEDERJ 17
Microbiologia | Micróbios na natureza – Aula prática

Em função das propriedades bioluminescentes serem dependentes


da presença de oxigênio molecular, esse fenômeno tem sido explorado
como um processo bioindicador da qualidade da água pois, quanto
mais poluída for a água, menor é o teor de oxigênio nela dissolvido.
Dessa forma, suspensões contendo 109 bactérias bioluminescentes da
espécie Vibrio fisherii são adicionadas a uma amostra da água e o
grau de bioluminescência exibido vai ser diretamente proporcional à
concentração de O2 dissolvido. Esse tipo de experimento é utilizado
pelas empresas exploradoras de petróleo como uma forma de vigilância
ambiental onde atuam. Mais detalhes sobre esse aspecto técnico podem
ser encontrados na página da empresa Corbis (www.corbis.com).

CONCLUSÃO

Como você observou, os micróbios fazem parte de todos os


ecossistemas da Natureza, quer seja terrestre, aquático ou o corpo
dos seres humanos ou de outros animais. Também viu que eles podem
ser observados quando lhes são dados nutrientes e tempo para o seu
desenvolvimento. Os micróbios do ar geralmente estão sob a forma de
esporos ou, em casos especiais, como num espirro, formas bacterianas
vegetativas ficam em suspensão no ar. Nas regiões afóticas do mar, as
bactérias bioluminescentes desempenham importante papel na cadeia
alimentar, sinalizando para os animais marinhos encontrarem seu
alimento. Podem, ainda, ser utilizadas como indicadoras de poluição
da água, por só se desenvolverem em ambiente não poluído.

RESUMO

Nesta aula, foram desenvolvidas técnicas que permitiram a comprovação da


presença dos micróbios associada ao corpo humano (mãos), ao corpo de peixes
marinhos e ao ar. Para detectá-los, o ar ambiente, partes do corpo humano e de
peixes marinhos foram postos em contato com meios contendo nutrientes que
favoreceram o crescimento populacional desses micróbios. Todo esse processo
aconteceu em função do tempo decorrido. Você verificou que, com a lavagem

18 CEDERJ
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das mãos, os micróbios que não fazem parte da sua microbiota são removidos,

AULA
mas os seus permanecem. No ar também há micróbios, como você pôde constatar
ao caçá-los com uma placa de meio de cultura deixando-a incubando por um
tempo superior a 24 horas. O fenômeno da bioluminescência bacteriana também
foi demonstrado, destacando a influência do mesmo para as áreas afóticas do
ambiente marinho.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, você verá mais detalhes sobre os micróbios eucarióticos.

CEDERJ 19
12
AULA
Micróbios eucarióticos
Meta da aula
Apresentar a participação dos micróbios eucariontes
na biodiversidade do nosso planeta.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


objetivos

capaz de:
• correlacionar a nomenclatura com a taxonomia adotada para agrupar
os micróbios eucariontes;
• dar exemplos de estruturas peculiares às diferentes classes
de protozoários;
• relacionar os tipos de pigmentação das algas com os nichos ecológicos
que elas podem ocupar no ambiente marinho;
• identificar as fases de desenvolvimento da população de fungos
filamentosos de acordo com o aspecto das suas colônias;
• indicar e dar exemplos de situações que demonstrem as vantagens
das associações celulares para a sobrevivência das espécies na biosfera.

Pré-requisitos

Para o bom acompanhamento desta aula, você deve estar familiarizado


com o conceito de células eucarióticas da Aula 3, com o processo de
digestão enzimática microbiana visto na Aula 4 e com a classificação
microbiana apresentada na Aula 9.
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

INTRODUÇÃO Você já sabe que as células são as unidades fundamentais dos seres vivos e
que podemos separá-las em eucarióticas e procarióticas, de acordo com suas
características estruturais. Os micróbios são multidões invisíveis que reinam em
nosso planeta. Para eles, nós, os homens, somos intrusos nos seus domínios.
RENÉ JULES DUBOS Pelos cálculos do professor RENÉ DUBOS, da Universidade Rockefeller, a massa
(1901-1982)
totaI dos seres microbianos existente na Terra é, aproximadamente, vinte vezes
Microbiologista,
educador, escritor, maior do que a dos animais. O resultado das atividades microbianas pode ser
filósofo e ambientalista percebido por toda parte: árvores e flores se alimentam dos componentes
francês naturalizado
americano, pioneiro nutritivos liberados pelos micróbios da crosta terrestre; o Mar Vermelho deve
na descoberta dos
antibióticos, foi um o seu nome à cor resultante da alta densidade populacional de micróbios
dos mais influentes
fotossintéticos impregnados de pigmento vermelho que vivem nesse mar.
biólogos do século XX
e um dos responsáveis Também a luminescência das ondas no oceano é devida à abundância dos
pela conscientização da
humanidade sobre as micróbios bioluminescentes.
questões ambientais.
O limite que marca as fronteiras entre o mundo invisível e o visível é a fração do
milímetro que pode ser vista a olho nu. Os seres eucarióticos que se encontram além
desta fronteira podem ser classificados por ordem de grandeza em duas categorias.
A mais numerosa é a dos grandes protistas, que medem 200 µm em média. Estes
são representados pelos protozoários: amebas, ciliados e flagelados.
Na segunda categoria, estão os pequenos protistas que medem, em média,
5 µm. Dentre estes estão incluídos os fungos e as algas unicelulares. Estas
últimas são fotossintéticas em função da clorofila que apresentam. Os fungos
são heterotróficos e se caracterizam por apresentarem células denominadas
hifas, que formam as estruturas filamentosas típicas dos bolores.
Vamos estudar um pouco das características dos micróbios eucarióticos,
classificados no domínio Eukarya. Em face da grande diversidade desses
micróbios, foi feita uma seleção de alguns deles para serem aqui enfocados.
Mas, se ao final desta aula, você sentir curiosidade, poderá pesquisar sobre eles
na internet e encontrará mais detalhes deste fascinante mundo que, agora,
passaremos a apresentar.

22 CEDERJ
MÓDULO 1
12
OS EUCARIONTES

AULA
A principal característica desses seres é que o material
genômico está envolvido por uma membrana denominada carioteca,
cariomembrana ou, simplesmente, membrana nuclear, formando
o núcleo. Além desta estrutura, outras organelas encontradas nos
eucariontes são os cloroplastos e/ou as mitocôndrias, que estão
envolvidas, respectivamente, na fotossíntese e na respiração. Exemplos
desses tipos celulares são as giárdias (veja a Figura 12.1) e as tricomonas
(veja a Figura 12.2).

!
Evidências genéticas e moleculares sugerem
que os cloroplastos e as mitocôndrias foram
originados a partir de relações simbiônticas
envolvendo bactérias. Nos protistas, seres
em que estas duas estruturas estão ausentes,
encontra-se um tipo de organela denominada
hidrogenossomo, que está relacionada à
obtenção de energia em condições anaeróbicas,
a partir do hidrogênio molecular e não do
oxigênio como ocorre nas mitocôndrias.

Figura 12.1: Giardia lamblia (agente associado


à giardíase).
Foto cedida pela Dra. Loraine Campanati, Insti-
tuto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ.

Flagelos anteriores
Blefaroplasto

Flagelos posteriores
Núcleo

Camada Costa
parabasal
Membrana ondulante

Axóstilo
Figura 12.2: Desenho esquemático
de um tricomonas.
Flagelo posterior livre

CEDERJ 23
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

De acordo com a árvore filogenética mostrada na Aula 9 desta


disciplina, os seres eucarióticos formam uma linhagem evolutiva diferente
dos procarióticos. O domínio Eukaria vai desde os micróbios unicelulares
às plantas e animais. Os micróbios eucarióticos são classificados em
dois grupos: o dos protistas (protozoários e algas) e o dos fungos. Essa
classificação fundamenta-se nas características estruturais e metabólicas
que esses eucariontes apresentam.

Na morfologia dos protozoários e dos fungos existe uma íntima


correlação entre estrutura e função. Assim, a mobilidade dos
protozoários pode ser feita por pseudópodos, flagelos ou cílios.
Os fungos, em virtude da rígida parede de peptidioglicano,
são naturalmente imóveis, porém suas hifas, de acordo com
a função que exercem, diferenciam-se morfologicamente,
conforme desempenhem atividades de sustentação, nutrição
ou reprodução.

Agora, vamos abordar mais detalhadamente cada um desses


grupos de organismos unicelulares.

PROTISTAS

Quando estudamos os protistas, vemos que eles são classificados em


dois grandes grupos, um com características de animais (os protozoários)
e outro com características de vegetais (as algas).
Como seres unicelulares, os protozoários têm tamanho que
varia de cinco a 200 µm. São despigmentados, heterotróficos, e têm a
alimentação à base de bactérias ou detritos orgânicos, capturados por
fagocitose. As algas são eucariontes que fazem fotossíntese por meio de
suas organelas pigmentadas, chamadas cloroplastos.

EUKARIA – PROTOZOÁRIOS

Estruturalmente, os protozoários são desprovidos de parede


celular e possuem organelas que lhes permitem mobilidade, que podem
ser flagelos, cílios ou movimentos amebóides. Embora a maioria seja de
vida livre, alguns tipos de protozoários estão associados com doenças
em seres humanos, animais ou plantas. Como exemplos, em humanos,
podem ser citados os Trypanosoma cruzi, na doença de Chagas (Figura
12.3). Diferentes tipos de animais (bovinos, eqüinos, felinos e caninos)
podem apresentar doenças (babesioses), em conseqüência de infecções

24 CEDERJ
MÓDULO 1
12
por protozoários do gênero Babesia, transmitidas por carrapatos
(Figura 12.4). Plantas, como os tomateiros, podem apresentar lesões

AULA
quando infectadas por protozoários da espécie Phytomonas serpens
(Figura 12.5).

Figura 12.3: Trypanosoma cruzi (agente da doença


de Chagas).
Foto cedida pela Dra. Thaïs Cristina B. Souto-Padrón,
Instituto de Microbiologia Prof. Paulo Góes, UFRJ.

Figura 12.4: Desenho esquemático, apresentando


estruturas de Babesia equi, mostrando um vacúolo
alimentar tubular (T) e o núcleo (N).

Figura 12.5: Micrografia de Phytomonas serpens.


Foto cedida pela Dra. Claudia M. d´Avila-Levy, Instituto
de Microbiologia Prof. Paulo Góes, UFRJ.

CEDERJ 25
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

Os protozoários estão classificados em cinco grandes grupos:


Mastigophora, Euglenoides, Sarcodina, Ciliophora e Apicomplexa.
Os Mastigophora são genericamente conhecidos como flagelados,
pois se deslocam por meio do movimento de seus flagelos. Na Natureza,
eles podem ser encontrados como seres de vida livre ou como parasitas.
Na condição de parasitas (por exemplo, Trypanosoma) estão associados
com infecções de seres humanos ou outros animais, transmitidas por
intermédio de artrópodes da ordem hemíptera. Plantas também podem
ser parasitadas por protozoários da classe Mastigophora (por exemplo,
Phytomonas).
Os Euglenoides são aqueles capazes de realizar fotossíntese, pois
possuem cloroplastos. Estruturalmente, também apresentam flagelo como os
mastigóforos. Por serem autotróficos, os euglenóides são encontrados como
seres de vida livre em ambientes aquáticos iluminados. A grande maioria
deles vive em águas doces, embora alguns sejam habitantes marinhos.
Os membros do grupo Sarcodina são aflagelados, mas se deslocam
PSEUDÓPODOS através da emissão de PSEUDÓPODOS. Os representantes deste grupo são as
Extensões digitiformes amebas e os foraminíferos.
citoplasmáticas de
seres unicelulares, As amebas são protozoários que podem existir sob as formas vegetativa
utilizadas para
alimentação, fixação ou cística, habitantes naturais de ambientes de água doce ou salgada. Algumas
ao substrato e espécies estão associadas com doenças gastrintestinais em humanos. A mais
locomoção.
freqüente nestes casos é a Entamoeba histolytica. Na Figura 12.6, você pode
observar o aspecto de uma ameba emitindo pseudópodos.

Figura 12.6: Ameba em processo de locomoção e alimentação.

26 CEDERJ
MÓDULO 1
12
! INFECÇÕES
Consultando o endereço eletrônico http://www.insp.mx/ OPORTUNISTAS

AULA
cisei/proy_11.html, você encontrará mais detalhes sobre as
amebas, principalmente aquelas de vida livre dos gêneros São aquelas resultantes
Acanthamoeba e Naegleria. Ambos os tipos podem de proliferação de
proliferar no organismo de indivíduos imunodeficientes, seres de vida livre, nos
gerando quadros definidos como INFECÇÕES OPORTUNISTAS. tecidos de animais que
apresentam quadro de
deficiência do
sistema imune.

Os foraminíferos e os radiolários são organismos marinhos,


aflagelados que, em situações de RESSURGÊNCIA, podem proliferar, dando
origem a grandes massas populacionais, que se apresentam como RESSURGÊNCIA
manchas na superfície do mar. Essa proliferação exacerbada deve-se Movimento ascendente
de águas profundas
aos nutrientes acumulados no sedimento marinho, que são trazidos à para a superfície.

superfície. Estruturalmente, as células dos foraminíferos apresentam uma


carapaça rígida, em forma de malha, cobrindo a membrana plasmática
que funciona como um exoesqueleto, protegendo o protoplasma. Essa
carapaça é formada principalmente de carbonato de cálcio ou calcário
(nos foraminíferos) e sílica (nos radiolários), complexado com proteínas
secretadas pelo protozoário. A composição química inclui, além do
carbonato de cálcio, outros compostos inorgânicos como óxido de silício
(sílica) e sulfato de magnésio. A emissão dos pseudópodos ocorre através
dos espaços da trama da malha.
Estruturalmente, os foraminíferos podem ser formados por uma
ou mais carapaças, sendo classificados, respectivamente, como unilocular
ou multilocular. Na Figura 12.7, você pode apreciar belíssimas imagens
de carapaças uniloculares desse grupo de protozoários e na Figura
12.8, você observa uma imagem, obtida por microscopia eletrônica de
varredura, de um multilocular.

Radiolário Radiolário Elphidium spp.


(Foraminífero)

Figura 12.7: Tipos de radiolários e foraminíferos (http://www.cientic.com/tema_protista_img6.html).

CEDERJ 27
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

Figura 12.8: Microscopia eletrônica de varredura de um foraminífero


multilocular.
(Foto retirada do site: http://www.cpgg.ufba.br/lec/Forams.htm)

!
Na cadeia alimentar, os foraminíferos são alimento para muitos animais,
principalmente, camarões e alguns tipos de moluscos. A presença de
sedimentos com alto teor de carcaças calcáreas de foraminíferos tem
sido utilizada pela indústria petrolífera como sinalizadora de áreas
onde há grande probabilidade da existência de petróleo. Você pode
encontrar mais detalhes desse fascinante grupo de protozoários se visitar
o endereço eletrônico: http://www.horta.uac.pt/ct/forum/questoes/faq/
invertebrados/foraminiferos.html

ATIVIDADE

1. Vamos ver se você está sintonizado com a nomenclatura até agora


empregada nesta aula. Para isto, colocamos uma série de termos em
ordem alfabética, para que você os posicione numa chave, de acordo
com o lugar que ocupam na taxonomia dos micróbios eucarióticos.
Algas; amebas; apicomplexa; euglenoides; eucaria; fungos; protistas;
foraminíferos; mastigófora; protozoários; sarcodina.

28 CEDERJ
MÓDULO 1
12
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Mastigófora
Euglenoides
Protista Protozoa Sarcodina Amebas e Foraminíferos
Eucaria Ciliófora
Apicomplexa
Algas
Fungo

Se a árvore filogenética que você construiu for igual a esta, considere-se


genial. Se não conseguiu, releia o texto, desta vez anotando as chaves
de classificação à medida que as encontrar.

Os protozoários do grupo Ciliophora, comumente chamados


ciliados (Figura 12.9), apresentam cílios distribuídos pela superfície. Estas MICROTÚBULOS

estruturas são extensões dos MICROTÚBULOS e servem tanto para locomoção São estruturas
tubulares, de
quanto para a apreensão de alimentos. Os cílios estão dispostos em natureza protéica,
que constituem o
fileiras pela superfície das células, e executam um movimento ondulatório esqueleto das células.
sincrônico. Uma outra peculiaridade dos ciliados é possuírem duas Os filamentos
do microtúbulo
estruturas nucleares denominadas macronúcleo e micronúcleo. Este têm diâmetro
último é o responsável pelos processos de síntese de DNA (reprodução médio de 24 nm e
comprimento variado.
sexuada). Ao macronúcleo é atribuída a função de síntese de mRNA Estão arranjados
pelo citoplasma,
que, quando traduzida, desencadeará a produção de enzimas e proteínas formando uma
estruturais para atender às necessidades vitais das células. malha denominada
citoesqueleto. Além
Os ciliados são células tão especializadas, que apresentam uma da função esquelética,
reentrância com a função de boca, denominada citóstoma, que tem a os microtúbulos
servem como trilhos
função de iniciar a digestão das células microbianas que são predadas no tráfego intracelular
de vesículas e
por esses protozoários. O alimento é transferido do citóstoma para o na estruturação
vacúolo alimentar, através de uma estrutura denominada citofaringe. dos flagelos nos
eucariontes.
Cílios

Vacúolos digestivos

Citóstoma

Citofaringe
Figura 12.9: À esquerda: microscopia
de contraste de fase mostrando vários
Micronúcleo ciliados. À direita: representação
Macronúcleo esquemática de um Paramecium.
Vacúolo contrátil

CEDERJ 29
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

Os ciliados são normalmente encontrados em quase todos os


ambientes aquáticos, quer sejam de água doce, salobra ou salgada. Quando
as condições ficam adversas, os ciliados se protegem adotando uma forma de
cisto e assim permanecem em estado de latência, para resistirem às intempéries
ambientais. Alguns ciliados estão envolvidos em infecções intestinais de seres
humanos. Neste caso, temos o Balantidium coli. Mas, a grande maioria deles
convive em associações simbiônticas com os
RÚMEN animais herbívoros, ruminantes ou não. Nos
Primeira câmara do estômago dos ruminantes, também ruminantes, a população de ciliados vive no
denominado pança, como visto no desenho.
RÚMEN, e nos demais herbívoros ocupam o
Rúmen Folhoso
CECO. O aporte da celulose ingerida pelo
ruminante sob a forma de capim, fornece
Boca aos micróbios anaeróbicos a fonte de
Esôfago
Intestino carboidratos. Muitos destes MICRÓBIOS
delgado
Retículo CELULOLÍTICOS são bactérias metanogênicas.
Abomaso
O gás metano produzido é liberado quando
o animal arrota. O equilíbrio da população
microbiana envolvida no processo de
hidrólise da celulose é mantido pelos
ciliados, que são eficientes degradadores de células bacterianas. Esta é
CECO

Pequena estrutura em a razão por que as exigências dos ruminantes em relação ao nitrogênio
forma de bolsa, com são muito mais simples do que nos outros mamíferos. Enquanto os seres
que se inicia o intestino
grosso, e onde se humanos necessitam dos AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS na dieta, os ruminantes se
abrem o íleo, o cólon e
o apêndice vermiforme. satisfazem apenas com amônia ou uréia. Estes compostos nitrogenados
são incorporados pelas populações microbianas procarióticas que são
predadas pelos eucariontes que habitam o rúmen desses animais. Por
MICRÓBIOS
isso, diferente das outras classes de mamíferos, nos ruminantes a maior
CELULOLÍTICOS

Procariontes
parte das vitaminas e dos aminoácidos necessários ao seu metabolismo
anaeróbicos que fazem é oriunda da degradação das células microbianas presentes no rúmen.
a hidrólise da celulose,
liberando glicose.
AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS OU INDISPENSÁVEIS

São aqueles que o organismo de um animal não consegue sintetizar (mas podem
ser sintetizados por outro animal ou por um vegetal). Os aminoácidos essenciais
devem fazer parte da dieta alimentar deste animal, para evitar a desnutrição. Os
principais aminoácidos que o organismo humano não consegue sintetizar são:
treonina, leucina, metionina, valina, fenilalanina, isoleucina, triptofano, e lisina. Um
aminoácido essencial para um animal pode ser dispensável para um outro.

30 CEDERJ
MÓDULO 1
12
Estima-se que existam 50.000 protozoários por cm3 DIGESTÃO BILIAR
do volume do rúmen e que cada 100g da matéria

AULA
É mediada pela bile, que
da pança contém 2,8 g de protozoários, que são tem o efeito detergente,
degradados pelo processo de DIGESTÃO BILIAR dos para dissolver gorduras,
ruminantes. agindo sobre os
lipídios das membranas
plasmáticas dos ciliados.
Os protozoários do grupo Apicomplexa são também chamados Quimicamente a bile é
constituída por sais de
esporozoários. Dentre estes, destacam-se os plasmódios, agentes desoxicolato
(sais biliares).
responsáveis pela malária, doença humana transmitida pela picada de
mosquitos do gênero Anopheles. No corpo dos anofelinos, as células
ESPOROZOÍTO
dos plasmódios sofrem alterações morfológicas até atingirem a forma
Tipo celular resultante
filamentosa denominada ESPOROZOÍTO. É sob esta forma que o protozoário da multiplicação da
pode suportar a mudança do hospedeiro invertebrado PECILOTÉRMICO para célula-ovo (zigoto
formado pela união
vertebrado homotérmico. dos gametócitos) até à
Dentre os esporozoários parasitas dos seres humanos, merecem forma de oocisto, no
corpo dos anofelinos.
destaque, além dos plasmódios, os toxoplasmas (Toxoplasma gondii), Do oocisto maduro
são liberados os
agentes da toxoplasmose, doença infecciosa que assume maior esporozoítos, que
importância quando acomete mulheres grávidas, pois podem se localizar invadem todo o corpo
do mosquito, inclusive
no cérebro do embrião provocando deficiências neuronais, quando não as glândulas salivares.
ocorre aborto espontâneo. Na Figura 12.10, você pode observar um Através da picada,
quando o mosquito
desenho mostrando as estruturas das células dos T. gondii. regurgita a saliva,
que tem ação anti-
coagulante, ocorre a
PECILOTÉRMICO infecção do hospedeiro
vertebrado.
Ser que tem a temperatura de seu corpo regulada pela temperatura ambiente,
enquanto os homotérmicos, também conhecidos como animais de sangue quente,
mantêm o corpo a uma temperatura constante, embora sob condições de doença
possam apresentar-se febris.

Grânulo denso Aparelho de Golgi

Retículo
Apicoplasto
endoplasmático
rugoso

Micronema

Núcleo Conóide

Extremidade
apical

Organela secretora
Mitocôndria (típica dos Apicomplexa)

Figura 12.10: Desenho esquemático da ultra-estrutura do Toxoplasma gondii.

CEDERJ 31
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

ATIVIDADE

2. Mais uma vez vamos testar a sua sintonia com a nomenclatura utilizada
para identificar as estruturas dos protozoários. Correlacione os termos
listados na coluna da esquerda, com os da direita:

1. Citóstoma ( ) Responsável pela síntese de RNA nos ciliados.

2. Macronúcleo ( ) Carapaça calcárea.

3. Esporozoíto ( ) Estrutura dos Sarcodina.

4. Pseudópodos ( ) Estrutura peculiar de Toxoplasma gondii.

5. Foraminíferos ( ) Fase morfológica das células dos plasmódios.

6. Micronema ( ) Ingestão de nutrientes pelos ciliados.

RESPOSTA COMENTADA

Você acertou se posicionou os números na coluna da direita na


seqüência: 2, 5, 4, 6, 3, 1. Viu como foi fácil? Se não acertou, releia
o texto desde o começo.
Se você quiser ter um domínio maior dessa terminologia, prepare uns
retângulos do tamanho de uma pedra de dominó e, em cada metade
deles, cole uma palavra ou uma frase relativos às características dos
protozoários e jogue com seus colegas de pólo, seguindo as mesmas
regras do dominó, porém juntando as palavras com o respectivo
complemento.

EUKARIA – ALGAS

As algas formam um grande grupo de protistas muito diverso


cujo crescimento populacional depende dos minerais dissolvidos na
água. A grande característica das algas é a presença de clorofila e sua
capacidade de fazer fotossíntese oxigênica. As algas podem existir como
FRÚSTULA
Denominação dada
células individualizadas, em suspensão na água, ou agregada, formando
à carapaça das colônias. Elas apresentam uma carapaça ou exoesqueleto, envolvendo a
diatomáceas. Estrutura
exoesquelética membrana plasmática, cuja morfologia e composição química variam de
formada basicamente
por óxido de silício acordo com a espécie da alga. Por exemplo, na Figura 12.11 é mostrado
(SiO2), conhecido pelo o arranjo estrutural da carapaça de uma diatomácea. A carapaça destas
nome de sílica.
algas tem o nome de FRÚSTULA.

32 CEDERJ
MÓDULO 1
12
No oceano, a população das algas é regulada pela disponibilidade dos íons
inorgânicos, os quais, quando estão presentes em concentrações acima

AULA
dos níveis atróficos, permitem a explosão populacional desses eucariontes,
gerando manchas coloridas em áreas litorâneas ou áreas de ressurgências
oceânicas. A morfologia das células das algas depende da presença de
frústulas ou de tecas (como você verá mais adiante), porém quando estas
estruturas estão ausentes a célula toma um formato amebóide.

Figura 12.12: Microscopia óptica de uma


diatomácea.
Figura 12.11: Réplica da superfície de
uma diatomácea mostrando a orga-
nização estrutural da frústula.

!
As algas se caracterizam por executarem o processo de fotossíntese,
pois dispõem de clorofila. Essa é uma molécula que contém em sua
estrutura um núcleo porfirínico. Este núcleo é uma molécula cíclica
que possibilita o livre fluxo de elétrons ao seu redor. Em razão desse
movimento, os elétrons são energizados e, neste estado, são transferidos
para as moléculas que vão formar os carboidratos, em presença de CO2,
água e energia solar.

Quanto à pigmentação, as algas microscópicas unicelulares


apresentam diferentes tonalidades: verde, vermelha e dourada. A cor
verde é resultante da presença somente de clorofila.

!
Aqueles seres que parecem algas e têm a tonalidade azul,
tomam essa cor em razão da presença adicional do pigmento
ficocianina que, nessas células, predomina sobre a clorofila. Mas,
preste atenção: são células procarióticas e são denominadas
cianobactérias.

CEDERJ 33
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

Nas algas de coloração vermelha, o pigmento que se sobrepõe à


CENTRÍOLO
Organela
clorofila é a ficoeritrina. Estruturalmente, as células deste tipo de alga
citoplasmática de não têm um CENTRÍOLO, mas apresentam organelas denominadas anéis
forma cilíndrica,
composta de proteínas polares que são responsáveis pela organização dos microtúbulos do
e presente nas células
dos seres eucarióticos, citoesqueleto. Outra peculiaridade é que o tipo de carboidrato que elas
responsável pela sintetizam como elemento de reserva energética se assemelha mais ao
formação do fuso
mitótico. glicogênio dos animais do que ao amido das plantas.
Nas algas douradas, ou crisófitas, essa coloração é resultante da
presença de pigmentos carotenóides que predominam sobre a clorofila
e lhes conferem a coloração amarelo-esverdeada ou dourada. São, na
FUCOXANTINA
maior parte, organismos unicelulares flagelados, autotróficos, presentes
Pigmento carotenóide
(C40H60O6). Os em ambientes marinhos e em águas continentais. Como pigmentos
carotenos mais
conhecidos são fotossintéticos possuem clorofila dos tipos a e c. Entretanto, estes
aqueles que dão pigmentos são mascarados pela cor castanho-dourada do pigmento
cor à cenoura, aos
crustáceos marinhos FUCOXANTINA, abundante nos cloroplastos dessas algas. Quimicamente,
e aos flamingos que
se alimentam desses a fucoxantina é uma molécula do grupo dos carotenos (carotenóide).
crustáceos.
Agora, preste atenção! Nem amido nem glicogênio, o polímero de glicose
armazenado nas crisófitas tem o nome de crisolaminarina.

A crisolaminarina é um polímero de glicose que, estruturalmente, difere do amido e do glicogênio


pois a ligação é do tipo β1-3.

β(1 → 3)
CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH
CH2OH CH2OH CH2OH O
O O O O O O
O O H2OH OH OH
OH OH OH
HO OH OH O O O O
O
OH OH OH
n OH OH OH OH
n

Crisolaminarina (ligação β1-3) Amido (ligação α1-4)

H OH

OH H O
HO
H OH
H
H
HO O OH H O
H H OH
H
H
HO O OH H O
H H OH
H H
HO O OH H O
H H
H OH
H
O
HO OH H O
H H
H
OH OH OH OH OH HO O OH

H OH H OH H OH H O H H O H H O H O H
H H H H
H H H H
OH H OH H OH H OH H OH H OH H OH H
HO O O O O O O OH
H OH H OH H OH H OH H OH H OH H OH

Glicogênio (ligação α1-4 e α1-6)

34 CEDERJ
MÓDULO 1
12
Os dinoflagelados (Figura 12.13) são, na sua maioria, algas
unicelulares diflageladas, classificadas em, pelo menos, 2.100 espécies.

AULA
Muitas destas são extremamente abundantes no fitoplâncton marinho,
garantindo a grande produtividade de biomassa nesse ambiente.
Os flagelos dos dinoflagelados estão localizados no interior de
dois sulcos: um rodeia a célula como um cinto, enquanto o outro é
perpendicular ao primeiro. A movimentação simultânea dos flagelos
faz o dinoflagelado rodopiar como um pião. Estruturalmente, essas
algas apresentam um tipo de elemento rígido, contido em vesículas
situadas abaixo da membrana plasmática, que recebe o nome de teca.
Quimicamente, as tecas são constituídas de celulose. A maneira como
estas estruturas estão distribuídas na célula dão-lhe o aspecto de uma
armadura antiga, como você pode observar na Figura 12.13.
A fotossíntese nos dinoflagelados é mediada pelos cloroplastos
contendo clorofila dos tipos a e c. Entretanto, a presença adicional do
pigmento PERIDININA mascara o verde, dando-lhes a coloração castanha.
PERIDININA
Há autores que acreditam que os cloroplastos dos dinoflagelados Nome do pigmento
são oriundos de algas fotossintéticas, que foram incorporadas como carotenóide dos
dinoflagelados,
simbiontes pelas células de um ser primitivo que se transformou nos semelhante à
fucoxantina.
dinoflagelados, após o estabelecimento de um processo simbiôntico
entre esses dois tipos celulares. Essa hipótese é embasada pelo fato de
o carboidrato de reserva acumulado nos dinoflagelados ser o amido,
próprio dos vegetais.

Os dinoflagelados são encontrados como simbiontes, formando estruturas


do corpo de outros seres como esponjas, cnidários, tunicados, cefalópodes,
gastrópodes e platelmintos. As células desses dinoflagelados simbiontes
têm a forma esférica ou amebóide, em virtude da ausência das tecas. Sob
essa forma são denominados zooxantelas. A tonalidade dourada sobressai
nessas células sem tecas. A propriedade de fazer fotossíntese torna-os os
principais responsáveis pela proliferação dos recifes de coral em águas
tropicais, pobres em nutrientes. Os tecidos do coral podem conter até
30.000 dinoflagelados simbiontes/mm3. Neste caso, em vez de amido o
dinoflagelado produz glicerol, usado diretamente pelo coral. Uma vez
que os dinoflagelados simbiontes são fotossintéticos, estes corais apenas
vivem em águas rasas (até 60 metros de profundidade). Muitas das formas
estranhas dos corais resultam de um esforço para expor os seus simbiontes
à luz, de forma mais eficiente.

CEDERJ 35
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

As algas habitam, principalmente,


ambientes aquáticos, como locais de água doce
e marinha, além de solos.

As algas também podem ser encontradas


em locais inusitados. Por exemplo, as algas
verdes no pêlo do bicho preguiça e as
algas douradas no pêlo do urso polar.
Elas ajudam a camuflar esses animais no
ambiente onde vivem.

Diversas características são usadas na


classificação das algas, como o tipo de clorofila,
Figura 12.13: Microscopia eletrônica de varre-
dura de um dinoflagelado. polímeros de reserva que são capazes de acumular
(amido e seus derivados), estrutura e composição
da parede celular e tipo de motilidade.

ATIVIDADE

3. a. As algas têm tonalidades bem diferentes. Agora você vai relacionar


coloração, pigmentos e tipo de carboidrato armazenado pelos diferentes
tipos de algas.

Característica das algas Pigmentos Carboidrato de reserva

Verdes

Vermelhas

Douradas

3.b. Explique de que forma a tonalidade das algas participa na absorção


da luz, em diferentes profundidades na água do mar.

_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________

36 CEDERJ
MÓDULO 1
12
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Característica das algas Pigmentos Carboidrato de reserva
Verdes Clorofila Amido

Vermelhas Clorofila/Ficoeritrina Semelhante ao glicogênio

Douradas Clorofila/Fucoxantina Crisolaminarina

Essa foi fácil completar não foi? Se você já tinha memorizado a


nomenclatura das características dos diferentes tipos de algas,
parabéns! Se teve dificuldade volte ao texto ou faça também
uma atividade lúdica que lhe facilitará a memorização.
Para responder à segunda parte, você deve se lembrar de que
o comprimento de onda da faixa do vermelho do espectro de
luz visível é mais bem absorvido quando se tem um filtro de
cor verde. Se você tiver um filtro verde para absorver os raios
de comprimento de onda da faixa do vermelho e um filtro
vermelho para absorver os comprimentos de onda do verde
ao azul, você poderá explicar por que as algas verdes ocupam
predominantemente a camada de água até onde penetra a
luz visível. O pigmento adicional das algas vermelhas permite
que elas absorvam raios de comprimento de onda mais curto,
ou seja, aqueles que atingem maior profundidade. Dessa
forma, as algas vermelhas conseguem executar o processo
de fotossíntese mesmo em profundidades de até 60 metros,
onde a luminosidade residual é decorrente apenas dos raios
do comprimento de onda da faixa do azul. Um exercício muito
divertido para demonstrar isso na prática, e facilitar o seu
entendimento sobre a retenção dos raios da cor vermelha
pode ser feito utilizando quadrados de papel celofane de cor
verde, vermelha, azul e amarela. Use um fundo multicolorido (as
cores do arco-íris), cobrindo metade das imagens coloridas com
os quadrados de papel celofane. O papel verde representativo
da clorofila absorve preferencialmente os raios luminosos da
faixa do vermelho. Se ao verde for sobreposto o papel azul,
praticamente as cores vermelhas aparecem pretas, mostrando
que a mistura dessas cores absorve mais luz. Agora, correlacione
este fato com o potencial de absorção de raios luminosos pelas
algas de diferentes cores e, assim, você poderá concluir que,
em matéria de eficiência, as algas vermelhas se sobressaem
no potencial de absorção de luz e, por isso, crescem mais
rapidamente quando expostas à luz. Tal fato explica a maior
freqüência das marés vermelhas, além de serem estas algas
aquelas encontradas nas regiões mais profundas do oceano.

CEDERJ 37
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

EUKARIA – FUNGOS

Quem nunca ouviu alguém falar de fungo, mofo, bolor, cogumelo?


Alguns reclamam do cheiro ou do aspecto bolorento visto sobre um
sanduíche esquecido ou numa casca de queijo mofado. Outros os
enaltecem, em razão da bebida ou do antibiótico que produzem.
As células dos fungos microscópicos podem ser individualizadas,
como as leveduras, ou podem formar um arranjo filamentoso típico dos
bolores (Figura 12.14). Os fungos macroscópicos são os cogumelos que
recebem diversas denominações, tais como orelha de pau e o famoso
champignon encontrado nos supermercados. Os fungos são seres
quimiorganotróficos que habitam os mais diversos ambientes, como
agentes degradadores. Alguns podem ser aquáticos, mas a maioria
é terrestre e vive no solo associado a matéria em decomposição.
A proliferação de fungos sobre a superfície de seres vivos pode se apresentar
sob a forma de doenças, quer em plantas ou animais. Estruturalmente,
as células dos fungos não possuem organelas locomotoras e apresentam
QUITINA uma parede rígida formada predominantemente por QUITINA, que lhes
É um polímero de
confere a forma. A alimentação dessas células é feita pela secreção de
N-acetil-glicosamina,
que é um derivado de enzimas, que degradam substâncias no meio exterior, gerando pequenas
açúcar.
moléculas que podem atravessar a malha da parede fúngica e assim serem
absorvidas. Em função dessa característica você pode compreender por
que os fungos se diferenciam dos outros Protozoa, uma vez que estes
se alimentam por fagocitose. Quando em condições adversas, os fungos
filamentosos evoluem para a forma de esporo, que é uma forma de
reprodução e de resistência às condições ambientais adversas.
As unidades fundamentais da estrutura dos fungos filamen-
tosos são as hifas, que são as células arranjadas sob a forma de
filamentos, conforme você pode observar na Figura 12.14.

Figura 12.14: Microscopia óptica de hifas do fungo filamentoso Penicillium.

38 CEDERJ
MÓDULO 1
12
O conjunto das hifas forma o micélio. Neste, as hifas
Conídio
podem estar separadas por septos ou serem asseptadas. A

AULA
estrutura do micélio pode ser linear ou ramificada. Em relação
à atividade funcional, os micélios podem desempenhar
atividades voltadas para nutrição, sustentação e reprodução, Conidíóforo
tomando a forma de acordo com a função exercida. Na
Figura 12.15, você vê a ampliação de diferentes estruturas
do fungo Penicillium. A reprodução dos fungos pode ser
sexuada ou assexuada. Na sexuada cada esporo recebe um
nome especial dependendo do grupo ao qual o fungo pertence
Figura 12.15: Microscopia de contraste inter-
(veja Tabela 12.1). Nos fungos filamentosos, as hifas com ferencial de um conidióforo de Penicillium.

atividade de reprodução recebem o nome de conídios, que


estão localizados em estruturas chamadas conidióforos.
A principal característica dos ascomicetos é o asco que é
uma estrutura em forma de saco que contêm os ascosporos, que são
esporos sexuados cujas características são utilizadas para classificação
pelos MICOLOGISTAS. Os basidiomicetos são os cogumelos comestíveis
MICOLOGISTA
que conhecemos. Eles produzem os basidiosporos que são seus
Profissional especialista
esporos sexuados. Os oomicetos são fungos típicos de ambientes em fungos.

aquáticos. Os zigomicetos são caracterizados pelas hifas não-septadas.


Os deuteromicetos formam um grupo artificial onde são colocados todos
os fungos que não têm relação com os demais e para os quais não se
conhecem ainda formas de reprodução sexuada. Na Tabela 12.1, estão
descritas de forma simplificada estas características.

Tabela 12.1: Propriedades dos principais grupos de fungos filamentosos

Grupo Nome comum Hifas Esporo sexual


Fungos com estruturas
Ascomicetos Septadas Ascósporo
em forma de saco

Basiodiomicetos Cogumelos Não-septadas Basidiósporo

Zigomicetos Bolores de pão Não-septadas Zigosporo

Oomicetos Bolores de água Septadas Oósporo

Deuteromicetos Fungos imperfeitos Septadas Ausente

CEDERJ 39
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

As leveduras são fungos unicelulares. As células das leveduras


são esféricas ou ovais (Figura 12.16) e, geralmente, duplicam-se por
brotamento chamados GÊMULAS. Nesse processo, uma nova célula é
GÊMULA
formada a partir de uma protuberância na célula inicial. A posição e o
Fenômeno observado
durante o processo número de brotos formados por uma célula são critérios utilizados na
de representação das
leveduras, quando identificação das leveduras.
uma pequena célula
brota de outra,
para posteriormente
separar-se, dando
origem a uma nova
levedura.

Figura 12.16: Microscopia de contraste interferen-


cial de leveduras do gênero Saccharomyces.

Em virtude do seu tamanho, os detalhes das células de levedura


podem ser observados ao microscópio óptico com lente objetiva de 40X
(diversamente das bactérias que, por terem um tamanho menor, necessitam
da utilização de lente objetiva de 100X com óleo de imersão). As leveduras
são encontradas em praticamente todos os lugares, em particular naqueles
onde há disponibilidade de açúcar, como as frutas e flores.

No processo de classificação das espécies de leveduras, os


micologistas aplicam metodologias taxonômicas clássicas
e moleculares. Na metodologia clássica, pergunta-se que
atividade metabólica essas células são capazes de executar,
utilizando-se para isso testes bioquímicos que informam os
diferentes tipos de açúcar (glicose, lactose, sacarose, maltose)
que a levedura é capaz de usar, no processo de fermentação,
e a temperatura na qual melhor executam esta atividade
metabólica. Nas moleculares, as tecnologias de ácido nucléico
possibilitam a classificação das leveduras de acordo com o
seqüenciamento de determinados genes ou a susceptibilidade
à digestão por enzimas de restrição dos fragmentos de DNA
correspondentes aos seus RNA ribossomais.

40 CEDERJ
MÓDULO 1
12
Um detalhe interessante dos fungos é que eles são seres que sabem
aproveitar muito bem os diversos ambientes do planeta pois, embora

AULA
sejam heterotróficos, promovem verdadeira obra de arte na sobrevivência
ao se associarem com as algas fotossintéticas. Dessa união profícua têm
origem os liquens, que são os melhores exemplos do modelo de simbiose
que possibilita a sobrevivência dos associados nos mais diferentes
ambientes da biosfera, e que você pode ver na Figura 12.17.

Figura 12.17: Formação de líquen num


telhado, usando a telha como suporte para
crescimento. Note a formação arredondada
com a parte central mais escura.

CONCLUSÃO

A existência de eucariontes unicelulares remonta há, pelo


menos 2,5 bilhões de anos. Durante esse tempo, muitas estratégias de
sobrevivência foram sendo concretizadas, o que nos permite observar
atualmente a ampla diversidade desses seres em nosso planeta.
Em vista da grande diversidade de micróbios eucarióticos
relacionados nesta aula, você pode estar maravilhado ou deveras espantado.
Foram tantos nomes para gravar, tantos processos para entender e tantos
fatores para meditar que, para dominá-los, é necessária a especialização
em cada uma dessas áreas. Lembre-se de que não conhecemos ainda a
maior parte dos micróbios existentes na Natureza, o que, com o empenho
dos microbiologistas, tende a ser um campo de conhecimento em franca
expansão. Mantenha sua mente aberta, pois os critérios utilizados na
classificação ou identificação dos micróbios, são passíveis de modificações
em função da disponibilidade de novas tecnologias. O que você viu aqui,
provavelmente, aparecerá modificado no futuro.

CEDERJ 41
Microbiologia | Micróbios eucarióticos

ATIVIDADE FINAL

a. Se você pegar um fruto do tipo tomate ou laranja, colocá-lo em um saco plástico


bem fechado, deixando-o por alguns dias na temperatura ambiente ou mesmo
na geladeira, o que acontecerá?

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

b. Quais as vantagens da cooperação celular na evolução das espécies?

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

a. No início aparecerá um bolor algodonoso de tonalidade branca e, com


o passar do tempo, a região central da massa fúngica adquirirá uma
tonalidade escura. Essa nova coloração é resultante da diferenciação
morfológica e funcional das hifas que passam a existir sob a forma de
esporos que se prestam como forma de resistência à escassez de alimento
ou como estruturas de reprodução. Esta é uma situação que você pode
vivenciar no seu cotidiano.
b. Mire-se nos exemplos das associações dos dinoflagelados e corais e
nas associações de fungos e algas nos liquens. A convivência entre eles
permite uma troca vantajosa entre os organismos fotossintéticos e os
heterotróficos. Também devem ser lembrados o benefício da colaboração
entre ruminantes e os micróbios da pança e ainda os fungos cultivados
pelas formigas, para sua sobrevivência, como você viu na Aula 4.

RESUMO

Os organismos unicelulares eucarióticos, quanto à obtenção de energia, podem


ser autotróficos ou heterotróficos. Os autotróficos se utilizam da fotossíntese
como forma de geração de matéria orgânica a partir da inorgânica, fenômeno
que embasa as teias alimentares na biosfera.
As algas fazem parte dessa base por disporem das formas mais eficientes para
absorver energia solar, uma vez que associaram outros pigmentos ao verde da
clorofila. Modificadas na cor, elas puderam ocupar regiões mais profundas do

42 CEDERJ
MÓDULO 1
12
oceano, onde somente os raios luminosos de comprimento de onda mais curto

AULA
conseguem penetrar. Embora algumas espécies de Protozoa tenham aprisionado
em seus plastos organismos fotossintéticos, os protozoários e os fungos se
caracterizam como seres heterotróficos. Nos protozoários, a heterotrofia envolve
predação de outros organismos ou a ingestão de resíduos de carcaças de seres
mortos. Nos fungos, a heterotrofia se faz pela digestão extracelular de material
orgânico inanimado.
Algumas espécies de protozoários e fungos estão associadas com infecções em
animais ou plantas e, nessa condição, são consideradas parasitas. Entretanto, é
notória a participação dos fungos e protozoários na cadeia alimentar na biosfera,
ao promoverem a degradação da matéria morta, transformando-a em biomassa
para organismos de tamanho maior, funcionando como elo da cadeia alimentar
dos demais seres vivos.
Dentre os fenômenos biológicos que envolvem a participação de elementos
do reino Eukaria, no ambiente marinho, vale ressaltar a participação de alguns
dinoflagelados responsáveis pelo atrativo brilho na água do mar, quando esta é
agitada durante a noite e as marés, vermelhas ou verdes.
Em matéria de sobrevivência, deve-se destacar a profícua associação existente
entre fungos e algas, sob a forma de liquens, que lhes confere versatilidade para
suportar as adversidades de diferentes condições ambientais.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, você vai estudar várias aplicações práticas dos micróbios em
nossas atividades humanas, que vão desde as mais antigas, como a fabricação de
vinhos, até aplicações microbiológicas modernas. Temos certeza de que você vai
gostar muito do que está por vir.

Sugestão de leitura

http://www.phoenix.org.br/fosseis_sergipe.htm

CEDERJ 43
13
AULA
Microbiologia industrial
Meta da aula
Mostrar que os micróbios podem ser domados e, sob
esta condição, produzem substâncias que beneficiam a
humanidade e garantem a sustentação econômica de
empresas e indústrias.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
• esquematizar as etapas do processo industrial de fermentação;
• descrever as reações químicas que regem alguns processos
industriais para obtenção de produtos de origem microbiana;
• calcular a quantidade de reagentes envolvidos na fermentação
etanólica por leveduras.

Pré-requisitos
Para o entendimento desta aula, é necessário que você tenha noções de Química
(Orgânica e Inorgânica) do Ensino Médio. Além disso, você vai precisar rever
conceitos apresentados na Aula 4 (produtos microbianos), na Aula 5 (composição
da parede microbiana) e na Aula 6 (exigências nutricionais para o crescimento
populacional microbiano) da nossa disciplina. Também será importante você rever
o ciclo de Krebs, apresentado na Aula 14 do Volume II de Bioquímica II.
Microbiologia | Microbiologia industrial

INTRODUÇÃO O pensamento do microbiologista industrial está voltado para grandes


quantidades, isto é, para proporções gigantescas. Os micróbios escravizados
desenvolvem um trabalho ininterrupto e, seja dia ou noite, dia útil ou feriado,
têm de garantir a produção.
Para você ter uma idéia, pelo menos no que diz respeito à cerveja, a produção
mundial totalizou, em 2004, 154,75 milhões de quilolitros, tendo o Brasil ocupado
o quarto lugar nesse quadro. Contudo, em 2005, nosso país superou a Alemanha,
colocando-se em terceiro lugar. Portanto, agora só falta passarmos os Estados
Unidos, que ocupam a segunda posição, e a China, primeira colocada.

BIOFÁRMACOS Você já estudou nas outras aulas os princípios que regem as metodologias para
Moléculas cultivo de micróbios, assim como muitos dos produtos metabólicos sintetizados
com atividade
farmacológica, tais
por eles. Alguns desses compostos são de grande utilidade e valor comercial, tais
como insulina e como alguns tipos de enzimas, ou substâncias como etanol, ácidos orgânicos,
interferon, produzidas
por micróbios ou antibióticos e BIOFÁRMACOS. Nesta aula, você vai aprender como os micróbios e
células animais
geneticamente os produtos oriundos de seu metabolismo podem ser utilizados industrialmente.
modificados. Por meio dela, você vai saber como é feita a escolha do micróbio e do meio
de cultura, o tipo de BIORREATOR a ser utilizado e o processo de recuperação do
BIORREATOR OU
FERMENTADOR produto que se deseja obter. Em contrapartida, sabe-se que os micróbios, além

Equipamento no de serem os agentes produtores, podem também atuar como contaminantes.


qual é realizada a
Por isso, vamos ver também as práticas utilizadas na indústria para evitar a
fermentação e que
deve ser capaz de contaminação. Além disso, você vai conhecer alguns dos principais produtos
manter as condições
ambientais ideais microbianos obtidos industrialmente e seu processo de produção, como, por
para o crescimento do
micróbio e a obtenção
exemplo, o de obtenção de etanol.
do produto desejado.

ASPECTOS IMPORTANTES EM PROCESSOS FERMENTATIVOS


INDUSTRIAIS

Os procedimentos industriais se diferenciam dos trabalhos


efetuados em laboratórios de pesquisa porque são realizados em grande
escala e, devido a isso, a operação com micróbios torna-se mais complexa.
As operações em larga escala devem incluir métodos para evitar a
contaminação e, também, a utilização de biorreatores cuidadosamente
desenhados para manter as condições ideais, tanto para o crescimento
populacional microbiano quanto para a produção. Dessa forma, alguns
aspectos tornam-se de suma importância, como, por exemplo, o agente
da fermentação, a quantidade a ser inoculada, o meio de cultivo, os
métodos de esterilização e descontaminação, o tipo de biorreator, o
sistema de produção e a recuperação do produto.

46 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Agente da fermentação

AULA
Os micróbios mais utilizados industrialmente são as bactérias, as
PROTEOMA
leveduras e os fungos filamentosos. Totalidade das
A primeira etapa de um processo industrial consiste em selecionar proteínas sintetizadas
por uma célula
o tipo de micróbio que possui a informação genética e o PROTEOMA ou organismo
em determinado
necessários à síntese do produto desejado. tempo e sob
Após a etapa de seleção do tipo microbiano a ser usado na condições ambientes
determinadas.
FERMENTAÇÃO, deve-se considerar, ainda, alguns aspectos, tais como: (a)
o tempo de geração dos micróbios; (b) as exigências nutricionais, ou FERMENTAÇÃO
seja, que tipos de nutrientes devem ser adicionados ao meio de cultura Termo usado em
Biotecnologia para
para permitir a expansão populacional do micróbio “escravizado”; (c) a qualquer processo
manutenção do estado fisiológico dos micróbios durante a fermentação; onde ocorra
transformação de
(d) a utilização de micróbios inócuos para os seres humanos; (e) a compostos orgânicos
em produto de
facilidade de cultivo dos micróbios em larga escala; e (f) a viabilidade interesse econômico,
por meio de agentes
econômica do processo.
microbianos.
Logo após a escolha do agente da fermentação, uma etapa
importante é a conservação dos micróbios. Com este propósito, a
amostra microbiana deve ser mantida congelada. Para manter as células
íntegras durante o congelamento, elas devem ser adicionadas de GLICEROL.
Esse tipo de conservação faz-se necessário pois, ao longo de inúmeras
fermentações, podem acontecer mutações espontâneas, que alteram as
características da variante genética selecionada.

GLICEROL OU GLICERINA
Poliálcool com três átomos de carbono, utilizado comumente como crioprotetor em
técnicas de congelamento de células vivas. Só é possível manter a viabilidade das
células congeladas quando se adiciona um agente crioprotetor à suspensão celular.
A suspensão de glicerol a 25%, em pH alcalino, absorve moléculas de água do interior
das células, e com isto a célula passa a ter o seu conteúdo hídrico reduzido. A água,
expandida pelo processo de congelamento, é a responsável pela morte das células.

CEDERJ 47
Microbiologia | Microbiologia industrial

Inóculo

Outro aspecto importante é a obtenção do inóculo (a quantidade


de micróbios a ser inoculada), em larga escala cujo preparo deve ser
feito de modo crescente, partindo de ampolas onde os micróbios foram
conservados para frascos agitados em pré-fermentadores, até gerar
biomassa suficiente para inocular o fermentador principal, como você
pode ver na Figura 13.1. É importante saber que o volume de inóculo
deve estar entre 2 e 10% do volume total de meio.

Cultura 100mL 500mL 2.500mL 12.500mL


50 Brix 70 Brix 90 Brix 110 Brix

Etapa industrial
Ar Inóculo
Mosto
500 Refrigeração
a Amostragem
1.000L Vapor
5.000 Vapor Ar
a

Ar 50 a 100L
15.000L

Aparelho de cultura pura

Pré-fermentador

Figura 13.1: Esquema de preparo de inóculo.

Meio de cultivo

Os meios de cultura utilizados na indústria, além de conterem os


substratos necessários para o desenvolvimento dos micróbios e a produção
da molécula de interesse, devem ter baixo custo. A grande maioria dos
micróbios utilizados na indústria é quimioeterotrófica, utilizando
nutrientes orgânicos simultaneamente como fonte de carbono e energia.
Os nutrientes essenciais para o crescimento do micróbio incluem fontes
de carbono, nitrogênio e fósforo, e os oligoelementos (elementos-traço).
Em razão de seu baixo custo, uma alternativa interessante e muito usada
é a utilização de matérias-primas de origem vegetal como substrato.

48 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Estas matérias-primas podem ser do tipo sacaríneas (caldo de cana ou
melaço, sucos de frutas), amiláceas (milho, arroz, cevada, mandioca),

AULA
ligno-celulósicas (resíduos agroindustriais como bagaço de cana, palha de
arroz, sabugo de milho) e protéicas (fubá, farinha de soja). Estes materiais
podem ser compostos de carboidratos complexos. Neste caso, necessitam
de um pré-tratamento para converter estas substâncias complexas em
açúcares simples de fácil utilização pelos micróbios, como, por exemplo,
materiais ricos em amido e ligno-celulósicos. Os materiais de origem
vegetal possuem a maioria dos nutrientes necessários ao desenvolvimento
dos micróbios em quantidades adequadas. Em alguns casos, pode ser
necessário a adição de alguns sais inorgânicos, assim como de elementos-
traços (Zn e Co, dentre outros), fatores de crescimento (aminoácidos),
vitaminas e indutores (adição de colágeno para produção de colagenase) em
concentrações específicas. Neste último caso, procura-se obter enzimas que
os micróbios só sintetizam quando induzidos, ou seja, quando o substrato
está no meio de cultura.

Esterilização e descontaminação

Após a preparação, os meios de cultura devem ser esterilizados


ou descontaminados, assim como os insumos e os equipamentos a serem
utilizados antes do início do processo fermentativo. O desenvolvimento de
qualquer outro tipo de micróbio, diferentemente do agente da fermentação,
resulta em prejuízos econômicos, uma vez que passa a haver uma competição
FILTROS EPA
pelos nutrientes, causando redução na produtividade e desenvolvimento de
Filtros esterilizantes
outras substâncias. Pode, inclusive, haver degradação do produto esperado. utilizados em sistemas
de ar. São fabricados
Para a esterilização do meio de cultura usa-se, com freqüência, o vapor úmido com 100% de material
ou a filtração (para meios que possuem em sua composição substâncias sintético para não
liberar partículas. Eles
termolábeis). Para os equipamentos, podem ser utilizados métodos físicos, têm incorporado às
suas fibras um agente
empregando-se calor seco ou úmido e radiações ultravioleta ou ionizantes. antimicrobiano,
aprovado pela
Há ainda a possibilidade do emprego de métodos químicos utilizando-se
Agência de Proteção
detergentes, ácidos, álcoois, gases e vapores esterilizantes. Para assegurar a Ambiental Norte-
Americana (EPA é a
esterilidade do ambiente, o ar que circula no setor de produção é filtrado sigla correspondente
a Environmental
utilizando-se FILTROS EPA. Protection Agency).

CEDERJ 49
Microbiologia | Microbiologia industrial

A descontaminação consiste na utilização de agentes


químicos e físicos germicidas objetivando a redução da
infecciosidade potencial de um material, enquanto a
esterilização consiste na destruição, inativação ou remoção
de toda forma de vida microbiana.

Tipos de biorreatores

A fermentação industrial é realizada em fermentadores ou biorreatores.


O projeto e construção do biorreator depende principalmente das carac-
terísticas fisiológicas e bioquímicas do micróbio, tais como morfologia,
exigências de oxigênio, formas de reprodução e requerimentos nutricionais,
temperatura e pH ótimos. Os biorreatores para larga escala são geralmente
cilindros fechados contendo várias válvulas para entrada e saída de material,
sem contudo permitir a manutenção da esterilidade do processo.
Durante o processo fermentativo, os parâmetros físicos e químicos
devem ser mantidos para garantir o curso adequado do processo.
O ajuste desses parâmetros é extremamente importante para maximizar
a eficiência do processo produtivo. Os parâmetros físicos da fermentação
mais importantes são agitação, temperatura e pH. Já os químicos
envolvem a concentração dos substratos.
A grande maioria dos micróbios utilizados na indústria requer
oxigênio para seu crescimento populacional, e, como este não se
solubiliza bem na água, sua disponibilidade é um dos principais fatores
limitantes ao desenvolvimento microbiano em larga escala. Devido a isso,
os biorreatores devem ser desenhados e construídos de forma a permitir
a aeração da cultura ao longo do processo da fermentação. Quando é
utilizada a aeração forçada, há a formação de microbolhas de ar, das
quais os micróbios absorvem o oxigênio.
Os micróbios suportam uma estreita faixa de pH na qual seu
desenvolvimento é favorecido. Porém, durante a fermentação, eles
produzem compostos oriundos do seu metabolismo que, liberados no
meio, causam alterações no pH deste. Desta forma, o pH deve ser corrigido
para a faixa desejada, adicionando-se um ácido ou uma base.
A temperatura é outro parâmetro essencial para o êxito da
fermentação. Quando os micróbios estão sendo cultivados em uma
temperatura inferior à adequada, passam a apresentar uma taxa de

50 CEDERJ
MÓDULO 1
13
crescimento mais lenta, prejudicando a produção. Da mesma forma,
quando a temperatura de cultivo está acima da ideal, além do retardo

AULA
do crescimento, pode ocorrer inativação das enzimas que executam as
transformações bioquímicas desejadas, importantes para o metabolismo.
Durante a fermentação, o crescimento microbiano promove a formação
de calor, sendo necessário o controle. Por isso, todos os biorreatores
devem estar acoplados a um sistema que assegure a manutenção da
temperatura.
Há uma enorme variedade de tipos de biorreatores industriais.
O tipo mais comum é o biorreator de tanque agitado, onde o meio é
homogeneizado pelo uso de um sistema interno de pás com agitação
mecânica. O biorreator de coluna de bolhas caracteriza-se pela injeção
de ar pelo fundo do reator com força para criar uma agitação do meio,
suficiente para aerar o sistema. Outro biorreator bastante utilizado é
o airlift, onde o ar é injetado por uma coluna central, proporcionando
uma agitação circular do meio de cultura. Os biorreatores de leito fixo
são preenchidos com uma matriz sólida que segura os micróbios sem
agitação. Na Figura 13.2 estão representados os esquemas dos principais
tipos de biorreatores:

Saída de ar
Agitador Saída de ar

Saída
Sistema de
de água
refrigeração

a b

Entrada de ar
Entrada Dispersor Entrada de ar
de água Dispersor
Saída de ar

Coluna
c d
Figura 13.2: Esquema de biorreatores:
(a) tanque agitado; (b) coluna de
bolhas; (c) airlift; (d) fotografia de
Dispersor um biorreator de bancada do tipo
tanque agitado.
Entrada de ar

CEDERJ 51
Microbiologia | Microbiologia industrial

Sistema de fermentação

Os processos fermentativos podem ser descontínuos (que no jargão


industrial denominam-se batelada) ou contínuos. A escolha do modo
de operação vai depender dos custos do processo e da recuperação do
produto.
O sistema descontínuo é o processo no qual os nutrientes neces-
sários à fermentação são adicionados, gradualmente, à medida que a
população microbiana os exige. Por isso o biorreator opera em etapas
(liga-desliga). Este sistema é o mais simples, daí ser o de menor custo de
investimento. Embora seja barato, é um processo de pouca eficiência, pois
gasta-se muito tempo com o serviço de adição e retirada dos ingredientes
da fermentação. Sem contar o risco de contaminação, em decorrência das
várias vezes que o sistema é aberto. Neste tipo de processo, observam-se
as fases típicas do crescimento populacional microbiano: fase lag, fase
exponencial e fase estacionária. O avanço das técnicas de instrumentação
e controle de processos permitiu a implementação do sistema descontínuo
alimentado. Nesses processos os substratos são adicionados ao longo da
fermentação, permitindo maiores rendimentos.
Os sistemas contínuos são processos em que a adição de
nutrientes e a recuperação do produto são realizadas continuamente, e
a fermentação é conduzida por um longo período de tempo. Este modelo
de processo, apesar de exigir maior atenção do operador, tem a vantagem
da maior eficiência.

Recuperação do produto

Ao término da fermentação os micróbios são separados do


meio líquido. Essa separação geralmente é realizada por um processo
de filtração ou de centrifugação. Se o produto produzido for do tipo
que a célula sintetiza e acumula no citoplasma, é necessário ser feito o
rompimento dessas células para depois se recuperar o produto a partir
do fluido residual. Se for um produto secretado, este está concentrado no
sobrenadante. Os produtos de interesse são freqüentemente concentrados
antes de se iniciar as etapas de purificação. Um dos métodos mais
utilizados para concentração do produto é a precipitação. Posteriormente,
quando se busca um grau de pureza maior, são utilizados métodos
cromatográficos. O grau de purificação do produto obtido vai depender
principalmente de sua aplicação. Produtos voltados para indústria de

52 CEDERJ
MÓDULO 1
13
alimentos ou farmacêutica deverão ter um grau de pureza bastante
superior ao, por exemplo, de enzimas produzidas para tratamento de

AULA
efluentes industriais.

ATIVIDADE
A

1. Com base no estudo dos aspectos importantes de uma fermentação,


construa um esquema de produção contendo as principais etapas de
co
um processo fermentativo industrial.

RESPOSTA COMENTADA

Cultura estoque Crescimento em Pré-inóculo em


frascos agitados fermentador

Preparo do meio Esterilação


de cultivo Fermentação

Separação das
células

Concentração

Purificação

Se você montou esta seqüência, parabéns! Isso significa que você


percebeu as etapas envolvidas no processo de fermentação. Se não
acertou, não se desespere. Leia novamente o conteúdo apresentado
até aqui com bastante atenção e você ainda terá uma grande chance
de conseguir um contrato numa grande indústria.

CEDERJ 53
Microbiologia | Microbiologia industrial

PRINCIPAIS PRODUTOS

Agora vamos estudar os principais produtos obtidos por meio de


processos fermentativos envolvendo diversos micróbios. Existem diversos
produtos de origem microbiana que possuem uma aplicação industrial,
porém você há de convir que no tempo programado para a nossa aula
não é possível descrever detalhadamente todos estes processos. Desta
forma, daremos ênfase aos produtos comercializados e falaremos mais
detalhadamente sobre alguns deles. Na Tabela 13.1 estão apresentados
vários produtos disponíveis comercialmente:

Tabela 13.1: Exemplos de alguns produtos biotecnológicos disponíveis comercialmente

Produto Organismo produtor Aplicações

Etanol Saccharomyces cerevisiae Bebida, combustível

Aplicações nas indústrias de


Ácido cítrico Aspergillus niger alimentos, farmacêuticas e de
cosméticos

Acetona e butanol Clostridium acetobutyricum Solventes

Ácido glutâmico Corynebacterium glutamicum Realce de sabor (glutamato)

Lisina Corynebacterium glutamicum Aditivo em alimentos

Aplicação de goma xantana


Polissacarídeos Xanthomonas sp. pela indústria de alimentos.
Recuperação de petróleo

Alimentos, detergentes,
Enzimas Vários
Biologia Molecular

Antibióticos Vários Indústria farmacêutica

Micróbios e principalmente
Biofármacos Indústria farmacêutica
células animais

Produção de etanol

O etanol produzido é utilizado principalmente como combustível


ou como bebida e pode ser obtido por fermentação ou por processo de
síntese. A via fermentativa é a forma mais utilizada para sua obtenção,
pois além de ser mais econômica é a única maneira de produzir etanol
para bebidas, uma vez que a legislação brasileira proíbe a utilização
de etanol de origem sintética para essa finalidade. Outro fator que
torna a via fermentativa mais econômica é o fato de poder ser utilizada
qualquer matéria-prima de origem vegetal que contenha carboidrato
para a confecção do meio de cultura para as leveduras.

54 CEDERJ
MÓDULO 1
13
A síntese de etanol se dá a partir de hidrocarbonetos não-
saturados (como eteno e etino), e de gases de petróleo.

AULA
O etanol sintético é utilizado na produção de bebidas em países
nos quais a legislação permite.

A produção de etanol de origem microbiana é realizada em três


etapas: o preparo da matéria-prima; a fermentação; e a DESTILAÇÃO. DESTILAÇÃO
O preparo da matéria-prima consiste em um tratamento desta para Processo de obtenção
de etanol através da
extração dos açúcares fermentáveis. Este tratamento depende do tipo
separação de líquidos
de matéria-prima. Algumas não necessitam dessa etapa, pois contêm por evaporação com
condensação posterior.
monossacarídeos em sua composição e são diretamente fermentadas.
Como exemplo temos os sucos de frutas. Outras contêm dissacarídeos
e precisam que estes sejam hidrolisados antes da fermentação como, por
exemplo, a sacarose do caldo de cana. Esta hidrólise gera glicose e frutose.
O caldo de cana é a matéria-prima mais utilizada para a produção de
etanol no Brasil, enquanto na Europa se utiliza a beterraba.
A fermentação é um processo comum a todos os substratos
açucarados, cujo princípio é a transformação dos açúcares em etanol
e dióxido de carbono. As leveduras são os micróbios indicados para a
produção de etanol, sendo as da espécie Saccharomyces cerevisiae as mais
utilizadas. Dentro dessa espécie de levedura são reconhecidas diferentes
linhagens, de acordo com o tipo de extrato vegetal utilizado. Assim,
há aquelas que se prestam para a produção de vinhos e as de cervejas.
No biodigestor, a produção de etanol pode ocorrer por processos de
alimentação constante ou em batelada (descontínua).
A destilação é uma forma de concentrar o etanol. A operação
consiste em separar as células microbianas do caldo fermentado e submeter
este último a um processo de aquecimento. O álcool evapora à temperatura
de 78,5°C. Em seguida, os vapores são resfriados, e o álcool volta para o
estado líquido, sendo assim armazenado para nova destilação, que visa a
aumentar a concentração do teor alcoólico e purificá-lo.

Produção de ácido cítrico

O ácido cítrico possui várias aplicações industriais. É utilizado


como aditivo na fabricação de refrigerantes, sobremesas, conservas
de frutas, geléias, doces e vinhos, funcionando como agente
acidulante e antioxidante. Na indústria farmacêutica, é utilizado
como, anticoagulante.

CEDERJ 55
Microbiologia | Microbiologia industrial

Também é empregado na fabricação de efervescentes, e na indústria de


cosméticos é utilizado para ajustar o pH de loções adstringentes.
Antes do desenvolvimento de técnicas fermentativas para a
FRUTAS CÍTRICAS
produção do ácido cítrico, este era obtido a partir do suco de FRUTAS
Frutas suculentas de
árvores da família CÍTRICAS e tinha um custo bastante elevado. Hoje, quase todo ácido
Citrus, representadas cítrico produzido no mundo é obtido por métodos fermentativos. Essa
por limão, laranja e
similares. Quanto mais obtenção do ácido cítrico pode ser realizada utilizando-se três processos:
azeda maior o seu teor
em ácido cítrico. O o processo koji, o processo de fermentação em superfície e o processo
suco puro de limão
de fermentação submersa. O agente da fermentação nos três processos é
tem, em média, uma
concentração de 5 a uma cepa do fungo da espécie Aspergillus niger. Vamos agora apresentar
8% desse ácido.
alguns detalhes desses três processos.

Fermentação pelo método koji


Na fermentação pelo processo koji (bolor), o suprimento
nutricional fornecido aos fungos está em estado sólido (farofa), sendo
geralmente constituído por farelo de trigo ou fécula de batata-doce. Os
biorreatores usados nesse tipo de fermentação são do tipo bandeja, sobre
a qual é distribuída a matéria a ser fermentada. Antes da inoculação dos
fungos, o farelo, ou a fécula, deve ser hidratado, com uma solução tampão
de pH entre 4,0 e 5,0. Essa hidratação deve ser feita até o material adquirir
o aspecto de uma farofa úmida. Após um período de cinco a oito dias
de incubação, o desenvolvimento dos fungos torna a massa embolorada.
O aproveitamento da matéria amilácea pelos fungos é acompanhado da
liberação, de ácido cítrico, que vai se acumulando na cultura à medida que
esta se desenvolve. Quando o processo de fermentação está concluído, a
massa de fungos obtida – também conhecida pela denominação de koji
– é recolhida e adicionada de água, para se extrair o ácido cítrico.

A fermentação no estado sólido ou pelo método koji é um


processo fermentativo no qual são utilizados materiais de origem
vegetal moídos e levemente umedecidos como meio de cultivo.
Esse processo tem como característica evitar o encharcamento
da área onde a fermentação está sendo efetuada.

56 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Para a extração do ácido cítrico, a massa liquefeita é filtrada
para a separação dos micélios. Posteriormente, é feita a neutralização

AULA
do citrato presente no filtrado por meio da adição de hidróxido de
cálcio. Em seguida, o citrato de cálcio formado é filtrado e transferido
para um tanque onde é adicionado ácido sulfúrico (H2SO4). Nesta
etapa são gerados o ácido cítrico e o precipitado de sulfato de cálcio.
O sobrenadante é removido e misturado com carvão ativado, que absorve
o excedente de H2SO4. A seguir, a solução final de ácido cítrico é tratada
para a remoção dos elementos minerais oriundos do carvão e, finalmente,
concentrada por evaporação. Quando seco, o ácido cítrico se apresenta
sob a forma de cristais.

Fermentação em superfície
A fermentação em superfície é um processo em que o material
amiláceo é encharcado até ficar submerso por uma fina camada de água.
O meio de cultura a ser inoculado é distribuído em bandejas rasas,
sendo então adicionados os fungos. Durante a fermentação as bandejas
recebem ar em sua superfície. Após o término da fermentação o líquido
é recolhido, e dele é recuperado o ácido cítrico para ser concentrado e
purificado, como descrito no processo koji.

Fermentação submersa
A fermentação submersa possui algumas vantagens sobre a
fermentação em superfície, em termos de custo de investimento e
operação para produção de ácido cítrico. Neste processo são utilizados
fermentadores onde é feita a aeração de forma permanente, sem
necessidade de agitação.

CEDERJ 57
Microbiologia | Microbiologia industrial

A
ATIVIDADE

2. Você viu que o ácido cítrico pode ser extraído de culturas microbianas.
O processo de extração envolve princípios de Química Orgânica e
Inorgânica. Pergunta-se:

a. Qual o processo metabólico que gera ácido cítrico e que fórmula


estrutural tem essa molécula?

______________________________________________________________
______________________________________________________________

b. Calcule quanto de hidróxido de cálcio (cal hidratada) é consumido


por uma indústria que produz mensalmente 2,112 toneladas de ácido
cítrico. Considere no seu cálculo uma reação com 100% de eficiência.
Para facilitar sua tarefa, os pesos moleculares do ácido cítrico (C6H8O7,)
e do hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) são, respectivamente, 192 e 74.

______________________________________________________________
______________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Se você se lembrou do ciclo de Krebs aprendido em Bioquímica II,


parabéns! Munido desse conhecimento, você deve ter respondido sem
titubear, que a reação do íon oxalacetato + acetil coenzima A gera o
citrato, cuja fórmula molecular é C6H8O7, e a estrutural é:
H2 – C – COOH
l
HO – C – COOH
l
H2 – C – COOH
Processos industriais são repetições em larga escala daquilo que você
aprendeu na escola. Assim, você deve estar lembrado que para obter
o ácido cítrico a partir da fermentação, precisa de grande quantidade
de outros produtos, mas o equilíbrio da reação é bem simples: ácido
cítrico + hidróxido de cálcio → citrato de cálcio + água.
2 C6H8O7 + 3 Ca(OH)2 → Ca3(C6H5O7)2 + 6H20
Para cada 384g de ácido cítrico, gasta-se 222g de hidróxido de cálcio.
Portanto, para neutralizar 2,112t de ácido cítrico são necessárias 1,221t
de hidróxido de cálcio.

58 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Produção de acetona e butanol

AULA
Tanto a acetona quanto o butanol são produtos usualmente empre-
gados como solventes. Você pode observar tal utilização tanto na indústria
de tintas como no cotidiano (para remoção do esmalte de unhas).
Muitas espécies de bactérias apresentam metabolismo capaz
de produzir acetona ou butanol, porém, nos processos industriais, a
espécie microbiana utilizada é o Clostridium acetobutylicum, cujo nome
é bem representativo do potencial dessas bactérias, pois fermentando a
glicose são capazes de produzir butanol e ainda, em menor proporção,
outros compostos, tais como etanol, ácido acético, dióxido de carbono
e hidrogênio.
Este processo fermentativo é efetuado em duas etapas. Na
primeira, que tem como finalidade promover a expansão populacional
do C. acetobutylicum, utiliza-se como fonte de glicose no meio de cultura
produtos amiláceos ou celulosídicos, ou aqueles ricos em sacarose (melaço
e caldo de cana). Esse cultivo é executado em condições anaeróbicas,
pois o oxigênio molecular é letal para as bactérias do gênero Clostridium
(catalase negativos). Na segunda etapa do processo, a massa celular
obtida depois de centrifugada é transferida para outro biorreator, onde
os nutrientes disponíveis estão em concentração reduzida, o que favorece
a ocorrência do desvio metabólico bacteriano e dá início à síntese do
butanol sem haver multiplicação celular.
A recuperação dos produtos dessa fermentação é realizada por
meio de processos de destilação fracionada, para separação de cada um
dos produtos desejados (acetona → ponto de ebulição 56,5°C; etanol →
78,5°C; butanol → 92°C).

Produção de antibióticos

Os antibióticos são produtos elaborados por micróbios, que se


prestam para inibir o crescimento de outros micróbios. Os antibióticos
são utilizados como medicamentos para auxiliar o corpo (humano
ou animal), a combater infecções microbianas instaladas. Plantas
apresentando infecções bacterianas também podem ser tratadas com
aplicação de antibióticos. Nesse caso, a pulverização também pode ser
feita em associação com outros agentes antimicrobianos. Porém, os
antibióticos possuem outras aplicações, tais como barreiras seletivas
contra micróbios utilizados em Biologia Molecular.

CEDERJ 59
Microbiologia | Microbiologia industrial

A produção de antibióticos por via fermentativa tem sido obtida


graças a alguns micróbios da classe das bactérias, dos fungos e dos
ACTINOMICETOS.
ACTINOMICETOS
Denominação dada
Em função de suas características, durante muito
a seres procariontes
que crescem formando
tempo os actinomicetos estiveram órfãos, pois
estruturas filamentosas não eram estudados pelos micologistas, que os
parecendo fungos ou consideravam bactérias, nem pelos, bacteriologistas,
agregados cerosóides que os tinham como fungos. Foi graças ao
(com aspecto de cera). bioquímico ucraniano naturalizado americano
Selman A. Waksman (1888-1973), especialista em
Microbiologia do solo, que eles passaram a ter
identidade própria. Waksman criou o termo em
1941 para denominar esse grupo de micróbios e
foi agraciado com o prêmio Nobel de Medicina e
Fisiologia de 1952, pela descoberta, em 1943, da
Selman Waksman
estreptomicina, usada no tratamento da tuberculose
e produzida pelos Streptomyces griseus, um tipo de
actinomiceto.

Os antibióticos podem ser obtidos a partir de preparações micro-


bianas cultivadas em fermentadores. Depois de extraídas e purificadas,
as moléculas de antibióticos podem ser alteradas quimicamente, dando
origem aos chamados antibióticos semi-sintéticos, embora também seja
possível obter alguns tipos de antibióticos exclusivamente por síntese
química. Dessa forma, os antibióticos podem ser classificados como
sintéticos, semi-sintéticos e naturais.

Embora as moléculas de antibióticos tenham sido caracterizadas


como produtos antimicrobianos, o avanço tecnológico na Química
já permitiu a síntese de alguns daqueles de estruturas mais
simples, como o cloranfenicol, usado largamente como aditivo da
alimentação animal. A ampla utilização desse tipo de antibiótico
em crianças, na década de 1960, resultou em um número elevado
de casos de anemia aplástica e coloração amarelada nos dentes. Isso
devido à ação lesiva dessa molécula sobre as mitocôndrias do tecido
da medula e do segmento germinal dos elementos da segunda
dentição, respectivamente.

SERENDIPISMO A história da descoberta dos antibióticos começou com a


Termo derivado penicilina, fruto de uma situação clássica de SERENDIPISMO. O autor da
da palavra inglesa
serendipity, que se façanha, o médico inglês Alexander Fleming (1881-1955), relatou o
refere ao dom que
têm algumas pessoas efeito inibitório de uma cultura de fungos do gênero Penicillium (aqueles
de fazer descobertas bolores esverdeados que se desenvolvem em cima de frutas e queijos,
felizes, por acaso.

60 CEDERJ
MÓDULO 1
13
mesmo mantidos em geladeira), sobre o crescimento de bactérias do gênero
Staphylococcus, numa clássica demonstração de que, em ciência, descobrir

AULA
significa ver o que todos viram e pensar no que ninguém pensou.
A produção industrial de penicilina constituiu uma nova fase na
qualidade de vida da humanidade e uma das circunstâncias que elevaram
o prestígio do saber microbiano, tanto na comunidade científica quanto
na população leiga.
O processo de produção e a análise química do produto mostram
que a penicilina é uma molécula que estruturalmente se caracteriza
pelo anel β-lactâmico, como você pode ver na Figura 13.3, que parece
a armação do desenho de uma casa. Esta estrutura é análoga aos
componentes da mureína, constituintes da parede celular bacteriana,
que você viu na nossa Aula 5. Por serem análogas, as enzimas bacterianas
envolvidas na construção da parede celular confundem uma molécula
com a outra, porém a incorporação da molécula de penicilina na parede
celular provoca o bloqueio da síntese da parede, com conseqüente parada
do crescimento celular e posterior morte em razão do enfraquecimento
da rigidez da estrutura da parede, levando a célula a explodir, da mesma
forma que uma câmara de ar explode quando o pneu é rasgado.

CH3
CH3 COOH

S
Figura 13.3: Representação da molécula da penicilina.
Note a estrutura cíclica do anel β-lactâmico, que parece O N
o desenho de uma casa.

R C NH CH C O

No cotidiano, quem nunca foi tratado com antibióticos? Quantos


gramas ou miligramas você tomou? Quantos são os seres humanos na
superfície do planeta? Considerando essas questões, você pode imaginar CEFALOSPORINAS
o quanto de antibióticos é produzido para atender à humanidade! São Qualquer dos
antibióticos
antibióticos com toxicidade seletiva ou de toxicidade relativa. Os únicos
semelhantes à
que apresentam toxicidade seletiva, ou seja, efetivos apenas para as penicilina, produzidos
por fungos do gênero
células bacterianas, são as penicilinas ou qualquer outro que apresente na Cephalosporium e
que atuam inibindo
estrutura química o anel β-lactâmico, como é o caso das CEFALOSPORINAS, a síntese da parede
que são produtos das culturas de fungos dos gêneros Acremonium, celular de bactérias.

Emericellopsis e Paecilomyces.

CEDERJ 61
Microbiologia | Microbiologia industrial

Os antibióticos de toxicidade relativa são aqueles que atuam em


metabolismos específicos de células procarióticas tais como inibição de
síntese de proteínas, pois os ribossomos de procariontes diferem daqueles
dos eucariontes (você se lembra da Aula 3?). Entretanto, você deve estar
lembrado, também, que as mitocôndrias são organelas de eucariontes
que têm estruturas semelhantes às das bactérias. Por isso, antibióticos
que interferem no processo de síntese protéica bacteriana também
intoxicam as mitocôndrias. O dano mitocondrial resulta em distúrbios
no metabolismo eucarionte com conseqüente prejuízo dos tecidos nos
quais as mitocôndrias são mais atingidas. Um exemplo clássico dessa
EFEITO OTOTÓXICO situação é o EFEITO OTOTÓXICO provocado pela estreptomicina, tipo de
Reação tóxica de antibiótico receitado contra tuberculose.
antibióticos sobre
as células do nervo O modelo de produção industrial de antibióticos é adaptado
auditivo, que pode
aos diferentes tipos microbianos adotados pelas indústrias, mas não
afetar a audição de
forma permanente. poderíamos deixar de trazer até você alguns detalhes técnicos do processo
Você já ouviu a
expressão “ouvido de obtenção em larga escala da penicilina.
de tuberculoso”,
referindo-se a alguém
O tipo de fungo cultivado em fermentadores para produção de
que ouve muito penicilina é da espécie Penicillium chrysogenum. Porém, muitas pesquisas
bem? Na verdade,
o tuberculoso ouvia têm sido feitas com o intuito de selecionar cepas desta espécie de fungo,
bem enquanto estava
doente, mas após com maior potencial de produtividade.
o tratamento com A produção industrial de penicilina é efetuada em fermentadores
estreptomicina teve
sua acuidade auditiva que são agitados e aerados, de maneira a disponibilizar os nutrientes de
reduzida.
forma homogênea. O tipo de fermentação neste caso é por batelada, pois
o processo é interrompido periodicamente para reposição dos nutrientes,
à medida que estes se esgotam. A matéria-prima utilizada para cultivo
do P. chrysogenum geralmente consiste de água da lavagem dos grãos de
milho, que é rica em compostos nitrogenados e, como fonte de carbono,
a lactose residual do processo de produção de queijo.

No leite, 50% da matéria sólida é lactose. Quando usado para a


produção de queijo, parte da lactose é fermentada pelas bactérias
(lactobacilos) para produção de ácido láctico, responsável pela
acidez do produto até pH 5,0. Como resultado dessa acidez, a
caseína, proteína que dá a tonalidade branca ao leite, coagula e
pode, assim, ser separada para o fabrico do queijo. Na parte líquida
restam sais minerais, lactose e albumina. Esta última, é um tipo de
proteína que, quando exposta a vapores de ácido acético (vinagre
que tem pH 4,0), coagula e precipita. Esse precipitado serve como
matéria-prima para a fabricação de ricota. Agora que temos tantos
tipos de queijo, só falta a goiabada!

62 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Durante a fermentação, quando a concentração de penicilina
atinge índices satisfatórios, a suspensão de fungos é recolhida. As células,

AULA
então, são separadas para nova batelada, e o líquido que contém a
penicilina, secretada pelos fungos, é tratado com solventes orgânicos para
extrair o antibiótico, baseado no coeficiente de partição das moléculas de
penicilina. Os solventes orgânicos empregados, geralmente, são acetato
de etila ou acetato de butila.
Depois de extraída e purificada, a penicilina obtida, cuja fórmula
estrutural você viu na Figura 13.3, pode servir como medicamento, porém
de uso parenteral (sob a forma de injeção). As moléculas de penicilina
natural podem ser alteradas quimicamente, com o intuito de torná-las
PENICILINASES
resistentes à acidez estomacal e à ação das PENICILINASES. Dessa forma, a
Enzimas secretadas
penicilina pode ser prescrita como medicamento de posologia oral, capaz pelas células
microbianas
de atuar em bactérias produtoras de penicilinase. naturalmente
resistentes à penicilina.
Esse tipo de enzima
Produção de enzimas
degrada o anel
β-lactâmico do
A produção de enzimas é um processo inerente a todos os seres vivos. antibiótico e, por
isso, também recebe a
A atividade catalítica dessas proteínas, muitas vezes, depende da presença
denominação de
de certos elementos químicos, que recebem a denominação de co-fatores, beta-lactamase.

como, por exemplo, Zn+2, Ca+2 e Mg+2, ou de moléculas orgânicas pequenas


que são chamadas co-enzimas, porém, as mais conhecidas são aquelas que
você identifica pela denominação de vitaminas.
Na produção industrial de enzimas são utilizados micróbios, em
razão de suas versatilidades metabólicas, embora haja casos em que são
utilizados extratos de tecidos de origem animal ou vegetal. São exemplos
desses extratos a renina, obtida de estômago de bezerro, e a papaína,
extraída do sumo de mamoeiro.
Os principais tipos de enzimas disponíveis comercialmente são as
dos grupos das proteases, das amilases e a glicose isomerase. A Tabela 13.2
mostra os principais tipos de enzimas, bem como seus principais usos:

Tabela 13.2: Principais tipos de enzimas e suas aplicações


Enzima Aplicação

Protease Hidrolisa moléculas protéicas

Amilase Converte amido em glicose e/ou maltose

Catalase ou Peroxidase Catalisa a liberação de oxigênio da água oxigenada

Invertase Converte sacarose em glicose + frutose

Lactase Desdobra a lactose em monossacarídios: galactose + glicose

Lipase ou estearase Hidrolisa moléculas de ésteres orgânicos

Celulase Converte a celulose em glicose

CEDERJ 63
Microbiologia | Microbiologia industrial

As enzimas produzidas em escala industrial são obtidas por


fermentação submersa, porém atualmente vem crescendo o estudo da
produção de diversas enzimas por fermentação no estado sólido.
Os meios de cultura para produção de enzimas podem ser de
composição definida (meio sintético) ou de composição complexa
(matérias-primas vegetais). A produção de enzimas microbianas pode ter
o caráter constitutivo ou induzível. Quando são constitutivas, a produção
depende, exclusivamente, da ampliação da população celular. Quanto
mais células, mais enzimas. Entretanto, quando se trata de enzimas
induzíveis, ou seja, aquelas que são reguláveis pelo sistema de feedback,
que pode ser do tipo positivo ou negativo.

A caracterização das enzimas induzíveis é fruto das elegantes


experiências elaboradas por François Jacob e Jacques Monod
(prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1965), que demonstraram
que a produção de lactase em E. coli é um fenômeno induzível, pois
depende da presença do substrato lactose. O conjunto de genes
envolvidos nesse processo bioquímico recebeu o nome de operon.

Além da lactase, a urease é outro tipo de enzima bacteriana que,


para ser produzida, depende da presença de uréia no meio de cultura,
pois esta funcionará como indutora.
O crescimento microbiano para obtenção, em larga escala, de
enzimas induzíveis é efetuado em biorreatores que são alimentados pelo
processo de batelada.
A qualidade da preparação enzimática depende da finalidade
a que se destina. Assim sendo, as preparações de enzimas podem ser
submetidas a diferentes tratamentos. Aquelas para uso comercial ou
técnico sofrem melhoramento relativamente simples, porém aquelas
enzimas que se destinam a atuar como ferramentas moleculares em
procedimentos analíticos (químicos ou farmacêuticos) passam por
processos de purificação mais sofisticados.

CONCLUSÃO

O suprimento de alimentos, medicamentos e produtos analíticos


para atender à demanda do crescimento populacional humano tem sido
alcançado graças à colaboração dos micróbios. No lazer e nas cerimônias
faz-se uso de bebidas alcoólicas: cerveja, vinho e champanhe, dentre

64 CEDERJ
MÓDULO 1
13
outras. Nas refeições fazemos uso de pão e queijo. Nas doenças contamos
com o auxílio dos antibióticos ou de produtos hormonais elaborados

AULA
por micróbios geneticamente modificados.
O conhecimento da diversidade de processos metabólicos exercidos
pelos micróbios tem sido alvo do interesse da humanidade como base
para a sustentação da qualidade de vida, principalmente nas comunidades
urbanas. Dentre os compostos produzidos pelos micróbios, vários têm
aplicações industriais, como, por exemplo, álcoois ou ácidos orgânicos,
enzimas e antibióticos. Nas indústrias, a produção desses compostos
requer a definição de alguns parâmetros, como a escolha apropriada do
tipo microbiano; do meio de cultura a ser disponibilizado; de condições
que evitem a contaminação do processo; do tipo de biorreator e do tipo
de metodologia a ser usada na recuperação da substância produzida.
A produção industrial envolvendo a participação dos micróbios tem
disponibilizado muitas substâncias essenciais às comunidades humanas.
As metodologias que asseguram a disponibilidade de tais produtos pode
ser considerada como um patrimônio científico-cultural da humanidade.

ATIVIDADE FINAL

Esta atividade teórica vai exigir que você estabeleça uma interdisciplinaridade de
conhecimentos para verificar se você tem dotes de microbiologista industrial. Como
você interpretaria os resultados da experiência, cujos procedimentos obedeceram
à seguinte metodologia:

1. Preparar uma solução de açúcar e nela dissolver uma certa quantidade de massa
(seca ou molhada) de leveduras, que podem ser encontradas em supermercados
ou padarias.

2. Pesar 10mL dessa suspensão de leveduras e determinar sua densidade, usando


a fórmula: massa = volume x densidade (considere d = 1,02).

3. Encher um tubo de ensaio fino com a suspensão, cobri-lo com um tubo mais largo
de maneira que um fique dentro do outro e, de forma rápida, posicioná-lo de boca
para baixo. O líquido contido não vai derramar ou derramará muito pouco, como
está apresentado na Figura 13.4.

CEDERJ 65
Microbiologia | Microbiologia industrial

4. Marcar a altura em que estão posicionadas a parte mais alta e a mais baixa da
coluna do líquido, que estão, respectivamente, no tubo fino e no tubo grosso e
incubar esse primeiro tubo na geladeira, durante 15 minutos (tendo o cuidado
de anotar o início da incubação).

5. Repetir o procedimento dos itens 3 e 4, incubando os tubos em temperatura


ambiente e a 37°C.

6. Observar o rebaixamento da altura do líquido em função do tempo e da


temperatura de incubação.

7. Com o auxílio de uma régua, medir o espaço que a coluna de líquido deslocou
de cima para baixo, em cada um dos tubos.

8. Para efeito de cálculo, considere que cada centímetro deslocado corresponde


a 1mL da suspensão, cuja densidade você calculou como sendo 1,02.

Diante desses procedimentos, os resultados podem aparecer como está mostrado


na Figura13.4:

a b

a b
Figura 13.4: Imagens e esquema do processo com o aspecto dos tubos antes e depois da
incubação. Note a aparência do conteúdo do tubo que está de cabeça para baixo (a = antes;
b = depois).

Em face do enunciado, esquematize, utilizando a fórmula molecular, a reação


bioquímica que ocorre quando as leveduras fermentam a glicose, produzindo
álcool e gás carbônico. Calcule o peso molecular de cada uma das substâncias
presentes na reação. Considere que no experimento incubado na geladeira a coluna
baixou 0,4cm (que é igual a 0,4mL). Na temperatura ambiente, baixou 0,9cm e a

66 CEDERJ
MÓDULO 1
13
37°, 2cm (igual a 2mL). Com estes resultados, calcule quantos gramas de CO2 foram
produzidos, quantos gramas de glicose foram consumidos e quantas moléculas

AULA
de glicose participaram nessa fermentação que você acabou de elaborar. Agora,
veja se você é capaz de representar sob a forma de gráfico o processo enzimático,
levando em consideração a quantidade de gás carbônico produzido em função
do tempo e da temperatura de incubação.

Valor do número de Avogadro = 6,02 x 1023

Pesos moleculares: carbono = 12;

oxigênio = 16;

hidrogênio = 1.

RESPOSTA COMENTADA

É lógico que você esquematizou seu pensamento assim:

Glicose → álcool etílico + gás carbônico

E representou a reação da seguinte forma:


C6H12O6 → 2 C2H6O + 2 CO2

Calculando o peso molecular, você encontrou os seguintes valores:


180 → 2 X 46 + 2 X 44

CEDERJ 67
Microbiologia | Microbiologia industrial

Ou seja:
Para cada 180g de glicose, são gerados 92g de álcool e 88g de gás
carbônico.

Já que seus dados para solucionar o problema estão esquematizados, e


sabendo que dois corpos não podem ocupar o mesmo local no espaço,
o gás carbônico produzido dentro do tubo de cabeça para baixo passa
a ocupar o espaço onde antes estava a coluna de líquido de cuja
densidade você tem conhecimento. Lógico que você é bom em Física
e lembrou dos princípios de Arquimedes: “Todo corpo mergulhado num
líquido sofre, por parte do líquido, uma força vertical em sentido contrário,
cuja intensidade é igual ao peso do líquido deslocado pelo corpo.”
Eureca! Agora você foi capaz de calcular quantos gramas de CO2 foram
produzidos nos experimentos incubados nas diferentes temperaturas,
e encontrou que:
a. no ensaio realizado a 37°C, a coluna baixou 2 cm = 2mL. Logo, o
peso do líquido deslocado é 2mL vezes a densidade, ou seja, 2 x 1,02
= 2,04g;
b. na temperatura ambiente, o deslocamento foi de 0,9mL, que equivale
ao peso de 0,918g (0,9 x 1,02);
c. na geladeira, o peso de gás carbônico correspondeu a 0,408g
(0,4 x 1,02).
Com esses resultados você determinou que a quantidade de glicose
consumida a 37°C pode ser calculada em função da seguinte fórmula:
180g de glicose estão para 88g de gás carbônico, assim como xg de
glicose estão para 0,408 g de CO2. Como resultado desta regra de três
simples, você encontrou que foram consumidas 0,834g de glicose.
Acreditando que você acertou o cálculo do consumo de glicose a 37°C,
julgamos que você não teve maiores dificuldades com os das outras
duas temperaturas.
E quantas moléculas de glicose participaram do processo metabólico
nas diferentes temperaturas?
Para a resposta desta questão, você se baseou no número de
Avogadro:
Cada 180g de glicose (1 Mol) corresponde a 6,02 x 1023 moléculas
(n o de Avogadro), portanto, ficou fácil calcular: 6,02 x 10 23
moléculas estão para 180g assim como X moléculas estão para 0,834g.
O resultado dessa megacooperação foi 2,789 X 1021 moléculas de glicose
consumidas em 15 minutos, a 37°C. Nas outras duas temperaturas, você
com certeza não teve dificuldade em fazer o mesmo tipo de cálculo.

68 CEDERJ
MÓDULO 1
13
Sem dúvida, você não teve problemas em fazer a representação
gráfica dos eventos que consideramos nesta atividade, e seu gráfico

AULA
ficou parecido com este:

Construção de gráfico representativo da atividade


enzimática em função do tempo e da temperatura

370C
CO2 mol

220C

40C

Tempo (min)

RESUMO

A utilização dos micróbios pelo homem tem permitido que esses minúsculos seres
sejam utilizados em processos industriais. Vários são os produtos comercializados
que têm origem nos processos metabólicos dos micróbios. Destaca-se o álcool
etílico, utilizado tanto em encontros sociais quanto como combustível. A matéria-
prima usada neste caso é representada por carboidratos fermentáveis. Além do
etanol, tem sido alvo de grande interesse econômico a produção de ácido cítrico,
pois este se presta tanto como conservante de alimentos como tem aplicações
na indústria farmacêutica de medicamentos e cosméticos. O rendimento dos
processos de obtenção de ácido cítrico ganha destaque quando se leva em conta o
preço de insumos, a tecnologia adotada e o rendimento alcançado. O uso racional
de antibióticos para fins terapêuticos é outro grande exemplo do domínio da
humanidade sobre os micróbios, haja vista que neste caso emprega-se produtos
de micróbios para combater micróbios. Os micróbios também têm fornecido à
humanidade substâncias usadas como solventes orgânicos, tais como acetona,
propanol e butanol. Mais recentemente, o domínio dos processos de recombinação
genética tem possibilitado “construir” novos micróbios geneticamente modificados

CEDERJ 69
Microbiologia | Microbiologia industrial

para atender à demanda de produtos que vão desde enzimas e hormônios até
componentes protéicos para uso diagnóstico. E assim uma nova era de “escravatura”
tem início, e poderíamos defini-la não como Idade da Pedra, Idade do Bronze ou
Revolução Industrial, mas sim como a era dos micróbios adestrados.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

A próxima aula será prática, e você vai ter contato com micróbios hiper-salínicos
ou halofílicos. Esses micróbios, seres terrestres dos mais primitivos, como o
próprio nome sugere, são habitantes naturais de ambientes bem salgados. Eles
são encontrados nas salinas e nas carnes conservadas em sal, como aquelas que
você usa na feijoada. Aquele sabor peculiar da costela ou do pé de porco salgado
é fruto da ação enzimática desses micróbios, em ambiente tão inóspito, onde
conseguem sobreviver.

70 CEDERJ
Micróbios primitivos de

14
AULA
ambientes hipersalínico
– Aula prática
Meta da aula
Mostrar a existência de micróbios do
filo das arqueas na biosfera, em especial, aquelas
do grupo das halofílicas.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


objetivos

capaz de:
• demonstrar o efeito do calor sobre os micróbios halofílicos;
• mostrar que agentes químicos (desinfetantes ou anti-sépticos)
também têm ação sobre os micróbios halofílicos;
• reconhecer os ecossistemas ocupados pelos micróbios do grupo
das arqueas.

Pré-requisitos
Para a compreensão desta aula, é necessário que você reveja alguns
conceitos apresentados na Aulas 1 (micróbios como digestores de matéria
orgânica), na Aula 3 (formas vegetativas das células), na Aula 6 (necessidades
nutricionais microbianas), na Aula 8 (semeadura de micróbios por esgotamento
– ziguezague), na Aula 9 (filogenia microbiana), na Aula 10 (produção de
metano pelas arqueas metanogênicas) e na Aula 11 (ação de anti-sépticos e
desinfetantes sobre micróbios do solo).
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

INTRODUÇÃO Nesta aula você vai conhecer um pouco mais sobre um grupo bastante
heterogêneo, de organismos procarióticos, eles são filogeneticamente
distantes das eubactérias, classificados no filo Archaea. Ele inclui seres
anaeróbicos, aeróbicos, autotróficos fotossintetizantes, heterotróficos,
termofílicos, acidofílicos e halofílicos. Os membros desse filo são encontrados
em ambientes hostis à sobrevivência dos outros seres vivos. São ambientes
que, acredita-se, guardem semelhanças com aqueles existentes na superfície de
nosso planeta, em épocas muito primitivas (muito quentes, muito frios, muito
ácidos, muito alcalinos, hipersalínicos, sob alta pressão), ou seja, ambientes de
condições extremas. Por isso, as arqueas também são conhecidas como seres
extremófilos. Uma característica exclusiva de algumas arqueas é o metabolismo
PICOPLÂNCTON
metanogênico: não se conhecem eubactérias nem eucariontes capazes de
Zonas oligotróficas
marinhas dominadas produzir metano como subproduto do metabolismo fermentativo.
por células com
dimensões lineares Cerca de 20% da biomassa do PICOPLÂNCTON marinho se compõem por
menores que 2μm.
arqueobactérias.

ARCHAEA Apesar das características que as fazem resistentes a condições impróprias

Termo que significa aos demais seres vivos, você verá nesta aula que as arqueas de ambiente
“os antigos”. Refere-se hipersalínico também são sensíveis à ação de produtos desinfetantes que fazem
ao heterogêneo filo de
micróbios encontráveis parte do nosso cotidiano.
em ambientes
extremos, daí serem
conhecidos, também,
como extremófilos. CONVERSANDO SOBRE AS ARQUEAS

Os micróbios ocupam todos os nichos ecológicos da biosfera do nosso


planeta, desde aqueles ambientes propícios aos seres humanos até aqueles
mais inóspitos. A única condição que exigem é disponibilidade de água.
Os micróbios que proliferam nesses ambientes adversos, geralmente, são
classificados como sendo do filo ARCHAEA, por serem considerados os mais
primitivos habitantes do nosso planeta. Você pode recordar a classificação
dos organismos por meio da Figura 14.1.

72 CEDERJ
MÓDULO 1
Eucariontes
Animais Fungos
Plantas

14
AULA
Bactérias
Arqueas
Outras bactérias
Cianobactérias Crenarqueotas Euriarqueotas
Proteobactérias Algas

Ciliados
ue originaram os cloroplastos
ias q
a ctér Outros Eucariontes
B
unicelulares
(outros protistas)
as qu e originaram as mitocôndrias
téri
B ac

Korarqueotas
Bactérias
hipertermofílicas

Comunidades ancestrais das células primitivas

Figura 14.1: Posição filogenética das arqueas em relação aos outros seres vivos (Modif. Doolittle, 2000).

Os ambientes ocupados pelas arqueas incluem:


1 – Áreas termais, como lagos e rios de águas quentes ou regiões
terrestres ou submarinas onde há vulcões ativos. As arqueas destes
locais são definidas como termo-acidófilas, pois para serem cultivadas
em laboratório é necessário manipulá-las em câmaras fechadas, nas quais
o ar é substituído por vapores de CO2 e N2, e incubá-las em banho-maria,
regulado para temperaturas entre 80° e 100°C.

!
O meio de cultura para as arqueas termo-acidófilas deve ter o pH ácido,
ser adicionado de enxofre inorgânico e os tubos têm de ser mantidos
hermeticamente fechados por dois motivos:
a. a água não pode evaporar;
b. esses micróbios são anaeróbios, ou seja, o O2 lhes é tóxico.

Esta última característica torna muito fácil descontaminar os tubos ao


final do trabalho. Basta abri-los e o oxigênio do ar faz o resto.

CEDERJ 73
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

2 – Ambientes ricos em gás metano (CH4) – As arqueas de ambiente


MICRÓBIOS
METANOGÊNICOS rico em gás metano são aquelas encontradas em locais encharcados, ricos
Aqueles que, pela em sedimento de matéria orgânica. Embaixo desse sedimento estão os
fermentação,
produzem metano MICRÓBIOS METANOGÊNICOS.
(reveja a Figura
O metano é um gás facilmente inflamável, por isso, é o responsável
10.3 da Aula 10).
pelo fenômeno do FOGO-FÁTUO.
FOGO-FÁTUO As arqueas metanogênicas também podem ser cultivadas em
Luz que é vista à laboratório, mas por serem anaeróbicas, como os termofílicos, precisam
noite emanando
de terrenos ser manipuladas nas cabines fechadas, saturadas com nitrogênio (N2) e
pantanosos ou
de sepulturas, gás carbônico (CO2). Para descontaminação, deve ser seguido o mesmo
resultante da procedimento: é só abrir o tubo.
combustão
do metano
proveniente da
decomposição da 3 – Áreas salgadas do planeta, de onde se extrai o sal de cozinha,
matéria orgânica.
como exemplificado na Figura 14.2.
Esses ambientes hipersalínicos são os locais propícios à proliferação
dos seres halofílicos. Quanto mais alta a concentração de cloreto de
sódio (NaCl) na água, melhor. À medida que o ambiente vai se tornando
inóspito para os outros seres vivos, o grupo das arqueas é favorecido.

Em viagens de turismo você pode visitar grandes lagos salgados na América


do Norte (EUA), na América do Sul (Peru), na Europa (Rússia) e na África
(Etiópia). Você pode encontrar no litoral brasileiro, algumas regiões onde
há salinas (veja a Figura 14.2). Nestes locais, a formação do sal é obtida pela
evaporação da água. Há ainda os depósitos naturais de cloreto de sódio,
denominados pelos geólogos como minas de sal gema ou minas de halita.

Figura 14.2: Extração de sal no litoral brasileiro, onde a água do mar é contida
em reservatórios para evaporar.
http://200.156.34.70/IQM/verdeII/cap2_files/fotos/salina.jpg

74 CEDERJ
MÓDULO 1
14
AULA
O prefixo hal significa sal, o que justifica os termos halofílicos para os micróbios e
o termo halogênicos para os elementos químicos. O sufixo ita refere-se a pedra ou
cristal. Então halita quer dizer sal cristalizado, como você pode ver um fragmento
de rocha de sal nesta figura obtida no site http://zdna2.umbi.umd.edu/~haloed/

O cultivo de micróbios halofílicos é uma dádiva para quem ensina


Microbiologia, principalmente sob a forma de aulas práticas pois:
• são seres que suportam o contato com o oxigênio, característica
que facilita a manipulação (diferentemente das termofílicas e das
metanogênicas);
• o meio de cultura usado tem alta concentração de NaCl, que atua
como uma barreira seletiva para os outros tipos de micróbios. Assim,
as técnicas de cultivo dispensam a esterilização, o uso de equipamentos
esterilizados e as manobras assépticas;

CEDERJ 75
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

• a descontaminação é facílima: basta lavar com água. Quando


a concentração de sal diminui, as arqueas halofílicas explodem, pois,
diferente das bactérias verdadeiras (eubactérias), a parede celular das
halofílicas é desprovida de mureína. Nelas a estrutura de parede é uma
capa de proteínas que se mantêm unidas e dão a forma bacilar à célula,
em função da presença do NaCl. Se a concentração de sal diminui, as
proteínas se dissociam, as células tornam-se esféricas e, finalmente,
explodem.

No nosso cotidiano, o convívio com as arqueas halofílicas, em particular


aquelas do gênero Halobacterium, pode ser evidenciado durante uma
visita a um supermercado ou em um encontro para degustar uma
feijoada. Estamos nos referindo às carnes salgadas como costela, pé,
orelha, lombo, que foram conservadas em sal: além de não estragarem,
tiveram seu sabor modificado pela ação dos micróbios halofílicos que
nelas proliferaram. Embora estes micróbios proliferem na carne, esta
não adquire as características de podridão, porque as arqueas halofílicas
não têm enzimas do tipo desulfidrilase. Estas enzimas, ao atuarem sobre
os aminoácidos cisteína e metionina, removem o radical tio-álcool (-SH),
gerando gás sulfídrico (H2S), cujo fortum, sugere carne podre.
Nas carnes salgadas, os micróbios do ar ou do solo não proliferam, porém
os halofílicos sim. O processo de colonização de halobactérias nas carnes
é acompanhado da digestão parcial deste produto. Por isso, se o seu
paladar é apurado, você deve ter sentido o sabor peculiar proporcionado
pelos seres halofílicos às carnes daquela feijoada.

Nesta aula prática, vamos demonstrar que é possível cultivar


micróbios halofílicos (halobacterium sp.) e avaliar o impacto de
substâncias desinfetantes ou anti-sépticas sobre o ambiente desses
seres.

76 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADES PRÁTICAS

14
a. Reconhecimento das características fisiológicas dos micróbios

AULA
halofílicos.

Para execução desta etapa da prática, você deve ter em mente a


seguinte questão: Halobacterium são tipos microbianos que formam
esporos?

Esta questão será respondida de maneira prática e, para isso, você vai
AGAR-HIPERSALÍNICO
testar o efeito do calor sobre as populações microbianas halofílicas.
O meio de cultura definido
como hipersalínico
utilizado nesta prática tem
a seguinte formulação e b. Reconhecimento do impacto dos agentes antimicrobianos, de uso
modo de preparo: corrente pela população humana, sobre os micróbios habitantes de
ambientes hipersalínicos.
Formulação

H2 O 250mL
Nesta etapa do trabalho, você deve ter em mente a seguinte questão:
NaCl 24g
os produtos anti-sépticos e desinfetantes lançados na água, após o
KCl 1g uso, são prejudiciais aos micróbios de ambientes inóspitos? Se forem,
o uso desses produtos pode ser considerado um crime, de efeito
Caldo nutritivo
em pó 10g retardado, contra a Natureza?

Extrato de
levedura 1g
Para execução destas práticas, você utilizará os seguintes materiais:
Agar agar puro 4g
– tubo com amostra de micróbios halofílicos, previamente cultivados
Azul de a partir de carne salgada (pé de porco) e clonados em meio de cultura
bromotimol a 1% 1mL
hipersalínico;
Preparo – tubo de ensaio vazio, com tampa;
Pesar os componentes do – alça metálica;
meio (cada componente
deverá ser pesado – bico de Bunsen ou lamparina;
individualmente sobre um
pedaço de papel alumínio, – fósforos;
portanto, a balança deverá
ser calibrada antes de cada – 1 bulbo de plástico;
pesagem). Juntar todos
os componentes secos no
–2 placas de Petri com meio de AGAR-HIPERSALÍNICO para cultivo dos
Erlemeyer e em seguida micróbios halofílicos;
adicionar a água. Ferver
a mistura até dissolver o – estufa calibrada para 37ºC;
agar-agar e, em seguida,
verter 20mL em cada
– panela para ferver água;
placa de Petri. Deixar à
– fogão ou tripé para colocar a panela na chama do bico de
temperatura ambiente e
aguardar até que o meio Bunsen;
gelifique. Tampar as placas
e identificá-las. Embrulhá- – suporte para tubo (lata estreita);
las com filme plástico, de
– 5 a 7 disquinhos de papel filtro;
forma hermética, para
poder estocá-las, sob – desinfetantes e anti-sépticos;
refrigeração (2-8°C), por
até seis meses.

CEDERJ 77
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

– recipientes para colocar essas substâncias (podem ser tampas


de garrafas plásticas);

– pinça;

– swab;

– régua;

– caneta para escrever em plástico.

Execução

a. Para desenvolver esta primeira parte, pergunte ao tutor se a


cultura de micróbios halofílicos foi ativada com, pelo menos, 24
horas de antecedência (isso significa que a suspensão foi deixada
na temperatura ambiente). Se a resposta for afirmativa, siga os
seguintes procedimentos:

1. com auxílio do bulbo de plástico, retire um pouco da suspensão


de Halobacterium sp. recebida para trabalho e adicione no tubo
vazio tampando-o em seguida;

2. coloque este segundo tubo na água fervente por 10 minutos;

3. com a caneta de retroprojetor, faça uma linha no fundo da placa,


pelo lado de fora, para dividi-la em duas metades e marque F e
NF, respectivamente;

4. com a alça flambada recolha amostra da preparação microbiana


que foi fervida e execute a técnica de semeadura por esgotamento,
na parte marcada F. Isto deve ser feito deslizando-a suavemente,
em ziguezague, sobre o meio de cultura, como você aprendeu
na Aula 8;

5. repita o item 4 com a preparação microbiana não fervida, na


parte da placa marcada NF;

6. faça a identificação da placa anotando seu nome e a data. Essas


anotações devem ser feitas na parte inferior da placa, nunca na
tampa;

7. leve a placa para a estufa, incubando-a com a tampa para


baixo, durante 48 horas. Após esse período, providencie para que
a placa seja retirada da estufa e vedada, passando-lhe uma fita
adesiva (crepe ou durex) em volta da borda de modo que fique
hermeticamente fechada. A leitura dos resultados pode ser feita
nesse mesmo dia ou, se possível, a placa pode ser mantida na
geladeira por um período de até dez dias.

78 CEDERJ
MÓDULO 1
14
Função dos ingredientes usados na confecção do meio de cultura:

AULA
– caldo nutritivo – o pó para preparo de caldo nutritivo tem em sua
composição 37,5% de extrato de carne e 62,5% de peptona. Entra
na composição do meio como suprimento de fonte de nitrogênio
e carbono.
– extrato de levedura – fonte de vitaminas, principalmente, aquelas
do complexo B.
azul de bromotimol – substância indicadora de pH. Quando o meio
está verde seu pH é neutro, quando amarelo o pH é ácido e quando
alcalino aparece como azul.

Breves comentários

Fazendo a leitura e interpretação dos resultados, você deve


observar as colônias microbianas formadas na superfície do meio
de cultura, atentando para a quantidade que aparece em cada uma
das metades da placa.

Considerando que uma das amostras da preparação microbiana foi


submetida à fervura por dez minutos, você esperava que houvesse
ainda micróbios vivos naquela suspensão? Com certeza, não, pois
este tipo de micróbios não esporula.

Neste caso, você concluiu que a fervura da água pode ser


considerada um processo de esterilização, pois percebeu que as
formas vegetativas não resistem à fervura.

Esperamos que a sua placa tenha aspecto semelhante ao da


Figura 14.3.

Figura 14.3: Micróbios halofílicos semeados em meio de cultura hiper-


salínico. À esquerda região semeada com suspensão microbiana não fer-
vida; à direita, a suspensão foi semeada após fervura por 10 minutos.

CEDERJ 79
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

b. Reconhecimento do impacto dos agentes anti-microbianos, de


uso corrente pela população humana, sobre os micróbios habitantes
de ambientes hipersalínicos.

Os micróbios de ambiente hipersalínico habitam um paraíso


ecológico que, embora seja impróprio para outros seres vivos,
para eles é o ambiente mais propício. A obtenção de NaCl para
uso químico (puro) ou para dieta alimentar (SAL IODADO OU SAL DE
SAL IODADO OU
COZINHA) está diretamente relacionada a um processo de evaporação
SAL DE COZINHA
da água de reservatórios onde estavam dissolvidos os elementos
É o NaCl adicionado Na+ e Cl–. À medida que a água vai evaporando, a concentração de
de íons iodo.
A incorporação sal vai aumentando. Quando seca, o sal cristaliza. Se este tipo de
de iodo ao sal fenômeno aconteceu em mares primitivos, esse sal acumulado é
destinado à culinária reconhecido pelos geólogos como uma mina de halita.
foi uma maneira
criativa adotada
pelas autoridades
médico-sanitárias A carência de iodo regular na dieta pode provocar desequilíbrio
para resolverem o metabólico, que resulta em falta de disposição para as atividades
sério problema de rotineiras. As pessoas acometidas dessa carência passam a
bócio endêmico ter uma superatividade da glândula tireóide. O aumento
nas populações que da atividade faz a glândula crescer. Como essa glândula
viviam em áreas está posicionada na parte da frente do pescoço, as pessoas
afastadas do litoral. passavam a apresentar um intumescimento no pescoço, o bócio.
No Brasil, a iodação do sal para consumo humano passou
a ser obrigatória somente em 1953. A partir de 1974, essa
obrigatoriedade foi estendida também para o sal destinado
ao consumo animal (Lei no 6.150). Desde então, a legislação
vem procurando adequar a concentração de iodo, para melhor
proteger a população dos distúrbios causados pela deficiência
desse halogênio. A lei de 1999 exigia que o teor de iodo, no sal,
devia estar na faixa entre 40 e 100 ppm (ppm = partes por milhão.
Em outras palavras, gramas de iodo por tonelada de sal).
Pela lei de fevereiro de 2003, a iodação do sal foi ajustada para
a faixa de 20 a 60 ppm. Todas essas adequações, recomendadas
pelo Ministério da Saúde brasileiro, são feitas por especialistas
nacionais no tema, seguindo as normas da Organização Mundial
da Saúde. Mais informações a respeito desse assunto você pode
obter acessando o sítio: http://dtr2004.saude.gov.br/nutricao/
def_iodo.php.

Considerando que a obtenção do sal envolve a eliminação da água


por evaporação, todo e qualquer produto não volátil que esteja
dissolvido nesse volume de água será gradualmente concentrado,
tal como o NaCl. Desse modo, a crescente necessidade humana
de agentes antimicrobianos para suas necessidades de desinfecção
ou anti-sepsia resulta em produtos que são carreados pela água
de lavagem para os sistemas de tratamento de esgoto ou, quando
este não existe, para os afluentes que os levarão para os rios e
daí, finalmente, para o mar. Portanto, é necessário conscientização
para evitar o desperdício ou o uso exagerado desses produtos

80 CEDERJ
MÓDULO 1
14
que, se à primeira vista apresentam-se como benéficos, a longo prazo

AULA
prejudicarão o meio ambiente das futuras gerações ou, em particular,
dos nossos descendentes (filhos, netos, bisnetos, tataranetos...). Em qual
cultura humana se pensa em preservar as condições ambientais para os
descendentes que nascerão 400 ou 500 anos à frente?

Para esclarecer dúvidas sobre possíveis crimes contra a Natureza,


utilizando micróbios halofílicos como denunciantes, execute os seguintes
procedimentos:

1. executando manobras assépticas, você deve impregnar um swab com


a suspensão original de micróbios halofílicos ativados (não fervido) para
semear a segunda placa de agar hipersalínico por toda a superfície.
Para ter certeza de que a semeadura executada vai gerar um crescimento
perfeitamente confluente, repita o procedimento, pelo menos, mais
uma vez;

2. imediatamente após a semeadura das placas, você vai precisar utilizar


a pinça para segurar os discos de papel. Antes, identifique cada disco
com um número, escrito com grafite, e anote no seu caderno, o tipo do
agente antimicrobiano que ele carregará. Para cumprir esta tarefa proceda
da seguinte forma:

3. desinfete a ponta da pinça, usando um algodão com álcool;

4. segure um dos discos de papel de filtro com a pinça e depois o mergulhe


na respectiva preparação de desinfetante ou anti-séptico. Deixe escorrer
o excesso, pressionando-o levemente nas bordas do recipiente;

5. posicione o disco, com o número para cima, em um ponto da placa


que foi semeada por toda superfície. Depois faça uma leve pressão para
fixá-lo à camada do meio de cultura;

6. repita os procedimentos 3, 4 e 5 com os outros desinfetantes, fixando


os discos em posições eqüidistantes na placa;

7. incube a placa, por 48 horas, a 37° C, com a tampa para baixo;

8. caso sua programação de aulas não coincida com o tempo da leitura dos
resultados, após o tempo de incubação, a borda da placa deve ser vedada
com fita crepe e a mesma colocada na geladeira, para posteriormente
ser analisada com o seu tutor, de acordo com o diâmetro dos halos de
inibição formados.

Os resultados devem ser semelhantes aos que você observou na Aula 8,


quando aplicou desinfetantes e anti-sépticos contra micróbios do solo.

CEDERJ 81
Microbiologia | Micróbios primitivos de ambiente hipersalínico – Aula prática

Breves comentários

Como você já viu na Aula 8, independente da fisiologia das células


microbianas, os danos provocados pela ação dos agentes antimicrobianos
devem ser interpretados da seguinte maneira:

– a toxicidade do produto está diretamente relacionada com o diâmetro


do halo de inibição do crescimento microbiano, formado em torno do
disco de papel, pois a substância antimicrobiana, impregnada no disco,
se difunde radialmente no meio de cultura onde os micróbios foram
inoculados;

– os micróbios que forem sensíveis só crescerão onde o agente


antimicrobiano não chega ou, se chega, não alcança uma concentração
capaz de inibir o crescimento. Por isso, forma-se o halo de ausência de
crescimento ao redor do disco;

– nesse tipo de teste, o aparecimento do halo de inibição depende do tipo


e da concentração populacional dos micróbios inoculados, da natureza
e da concentração das substâncias empregadas, da temperatura e do
tempo de incubação;

– se o produto for inócuo, os micróbios se mostram resistentes e crescem


normalmente ao redor do disco, não havendo, portanto, a formação do
halo de inibição;

– terminada a fase de leitura e análise dos resultados, discuta com seus


colegas e com o tutor sobre a dinâmica das populações microbianas na
Natureza e o impacto dos produtos antimicrobianos nos ecossistemas
de nosso planeta.

CONCLUSÃO

Você viu nesta aula que as arqueas são células microbianas que
sobrevivem em condições extremas de ambiente físico ou químico.
As arqueas, de acordo com os seus hábitats, podem ser classificadas
como termofílicas, metanogênicas e halofílicas. As primeiras são seres
anaeróbicos que se desenvolvem em ambiente de temperatura variando
entre 65°C a 95°C. As metanogênicas também são anaeróbicas, e são
responsáveis pela produção de gás metano a partir da matéria orgânica.
As halofílicas são aeróbicas, mas têm o metabolismo dependente de íons
sódio para estabelecer o equilíbrio sódio-potássio e para a estruturação
da parede celular, que é protéica. As halofílicas se apresentam como
uma excelente ferramenta para os ensaios microbianos, pois podem ser

82 CEDERJ
MÓDULO 1
14
manipuladas sem necessidade da obediência às manobras assépticas,
embora, para não perder o costume, seja conveniente, quando possível,

AULA
adotar essas manobras. Como representantes dos seres que sobrevivem
em ambientes exóticos, os micróbios halofílicos se prestam como
informantes sobre o efeito de produtos que, se acumulados no ambiente,
podem provocar crimes contra a Natureza.

RESUMO

Alguns tipos de micróbios, característicos de ambientes inóspitos para a maioria


dos outros seres vivos, são os termofílicos, os metanogênicos e os halofílicos.
Utilizando-se micróbios halofílicos, foram desenvolvidos experimentos para
responder a duas questões: estes seres formam esporos? A poluição ambiental
pode prejudicá-los? Pela análise dos resultados verificou-se que os micróbios
halofílicos não esporulam, pois foram completamente destruídos após 10 minutos
de exposição à água fervente. Também foi constatada a ação de agentes anti-
sépticos e desinfetantes como inibidores do crescimento populacional desse tipo
de arqueas. Como perspectiva, é sugerida a conscientização do zelo pelo planeta
que, no futuro, estará sendo ocupado pelos descendentes de todos nós.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, você vai compreender por que os vírus atravessam as membranas
esterilizantes que retêm os micróbios, e também como os fatores fisiológicos,
que garantem as condições vitais dos animais, contribuem para a instalação das
suas viroses.

CEDERJ 83
15
AULA
A descoberta dos vírus
e as viroses em animais
Meta da aula
Descrever vírus como produto celular sob a forma de
arranjos moleculares, que se prestam, também, como
ferramentas para compreensão da fisiologia das células.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
• relacionar a expressão das viroses com a quantidade de células,
presentes no corpo de um animal, competentes para produção
de vírus;
• explicar por que as infecções virais são as mais freqüentes entre
os seres humanos;
• descrever os tipos de sistemas biológicos utilizados para a
propagação de vírus em laboratório e como essa propagação
pode ser detectada.

Pré-requisitos
Para que você possa ter um bom desempenho no entendimento desta
aula é necessário rever os conceitos de Química Orgânica e Bioquímica da síntese
de proteínas e de ácidos nucléicos. Também será muito proveitoso você rever os
produtos das células na nossa Aula 3, bem como fração cristalizável de anticorpos
da Aula 6 de Imunologia. Para desenvolver a Atividade 2, você precisará de
canudinhos de plástico, fita-crepe e papel crepom.
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

INTRODUÇÃO O estudo retrospectivo das civilizações humanas mostra que os povos


sempre se preocuparam com as doenças epidêmicas que dizimavam parte
da população, e que eles sabiam que, em determinados episódios de alguns
tipos de doenças, algumas pessoas morriam, outras adoeciam e se curavam,
e outras não apresentavam nenhum sintoma. Quando acontecia um novo
episódio desse mesmo tipo de doença, as que se haviam curado passavam
incólumes e dentre os que nada haviam sofrido, alguns continuavam livres da
moléstia, enquanto outros, ao adquiri-la morriam ou se curavam. Assim, numa
população humana, podem ser identificados três grupos de pessoas: aqueles
que quando infectados sucumbem; aqueles que se infectam e sobrevivem, e
aqueles que nada sofrem.
As doenças em que essas situações podem ser observadas são aquelas de caráter
EPIDÊMICO. Segundo estatísticas da OMS, 66,7% delas são viroses. Em função
EPIDÊMICO
do conhecimento atual, entender os mitos atribuídos às doenças infecciosas
Do grego epi “sobre,
em cima de” e demos pelos nossos antepassados é função da Virologia, ciência que baseia todos os
“região, povo,
seus fundamentos em princípios de Fisiologia Celular e de Físico-química. Dessa
país”. Que atinge,
simultaneamente, forma, à medida que avançam as tecnologias que dão suporte às pesquisas em
grande número de
indivíduos. Virologia, a compreensão dos fenômenos virológicos vem sendo modificada.
Os animais domésticos e as plantas, que também são seres vivos e, portanto,
constituídas de células, são passíveis de desenvolver suas viroses, pois a unidade
fundamental da virologia está na célula viva. Isso pode gerar sérios prejuízos
a setores da pecuária e da agricultura.
Somente após os trabalhos pioneiros desenvolvidos por Louis Pasteur (1822-
1895), na França, e por Robert Koch (1843-1910), na Alemanha, foram instaladas
as bases da Microbiologia, ciência que estabelecia e relacionava para cada tipo de
doença infecciosa um tipo de micróbio como agente etiológico. Já nessa época,
os microbiologistas para exercerem seu trabalho, precisavam ter conhecimento
sobre as técnicas de assepsia e de preparação dos meios de cultura, esterilizando
os nutrientes por filtração. Neste processo, os elementos filtrantes se caracterizam
pelos poros que retêm a passagem de qualquer ser vivo.
Entretanto, os pesquisadores daquela época não conseguiam cultivar o agente
etiológico de muitas doenças infecciosas, mesmo quando utilizavam as melhores
condições nutritivas e ambientais.
É esse o assunto que você irá conhecer ao estudar o conteúdo desta aula. Para
ter um bom aproveitamento, você deve estar com a mente despojada de (pré)
conceitos. Assim, perceberá que as viroses apresentam-se como fatores de
seleção das espécies na Natureza.
A compreensão dos fenômenos biológicos decorrentes das viroses influi
sobremaneira nas mudanças comportamentais da sociedade.

86 CEDERJ
MÓDULO 1
15
Até 2005, a Virologia como disciplina era oferecida em apenas 20% das
escolas de Medicina do nosso país, e em percentual muito menor nas outras

AULA
escolas da área biomédica; portanto, orgulhe-se deste privilégio que você
está tendo agora.

MOSAICO DO TABACO
Doença que acomete
BREVE HISTÓRIA DA DESCOBERTA DOS VÍRUS E DAS as plantas da espécie
VIROSES Nicotiana tabacum,
deixando-as com folhas
salpicadas de regiões
Examinando uma doença que ocorria nas plantações de fumo descoradas, o que levou
os antigos a denominar
utilizado na fabricação de cigarros, os fitopatologistas Dmitri Ivanowski mosaico esse aspecto.
(1864-1920), na Rússia, em 1892, e o holandês Martinus W. Beijerinck
TOXINA
(1851-1931), em 1898, mostraram que a doença chamada MOSAICO DO
Veneno de natureza
TABACO estava associada a agentes infecciosos de tamanho tão diminuto protéica, produzido
por bactérias, parasitos
que podiam passar pelos poros dos filtros que retinham os micróbios. e alguns fungos.
Isto porque, quando o sumo extraído de folhas de plantas infectadas
era filtrado, o líquido obtido continuava infeccioso. Este fato levou-os FEBRE AFTOSA
a pensar que se tratava de possíveis TOXINAS produzidas pelos micróbios Doença que acomete
animais domésticos
que haviam sido retidos na filtração. Por isso foi dado a esse produto ou selvagens com
patas biunguladas,
infeccioso o nome de virus, que em latim significa toxina ou veneno.
ou seja, aqueles que
Entretanto, foi na busca para a caracterização do agente etiológico têm duas unhas em
cada pata (bovinos,
de uma doença infecciosa do gado bovino, a FEBRE AFTOSA, que Friedrich ovinos, caprinos,
suínos e outros). Os
Loeffler (1852-1915) e Paul Frosch (1860-1928), em 1898, na Alemanha, sintomas incluem
demonstraram não só que o agente era filtrável, como também que a aftas generalizadas
por todo o epitélio
quantidade desse agente era amplificada no corpo dos novos animais bucal, que resultam
em descolamento da
inoculados. Isso foi notado porque, mesmo se uma ínfima quantidade da camada de mucosa,
baba filtrada de um animal com febre aftosa fosse inoculada num bovino deixando o tecido em
carne viva. Ocorrem
sadio, quando este adoecia era possível recolher dele uma quantidade do também lesões
pustulares nas patas,
agente infeccioso suficiente para inocular em milhões de outros animais. no espaço entre as duas
unhas. Nos países de
Essa situação diferenciava nitidamente o agente causal da febre aftosa das
língua inglesa, essa
toxinas secretadas por micróbios. O mesmo tipo de fenômeno também virose tem o nome de
foot and mouth disease
foi observado por Martinus Beijerinck (1851-1931) com o mosaico do (doença de pé e boca).
Essas lesões fazem com
tabaco. Diante desses novos conceitos, foram caracterizados os vírus, que o animal pare
como nós os concebemos hoje. de comer, beber e se
deslocar, resultando
na sua morte por
inanição. Uma EPIZOOTIA
EPIZOOTIA de febre aftosa provoca
Epi = sobre; zoo = animais (equivalente às epidemias entre os graves prejuízos para o
seres humanos). pecuarista e, por tabela,
para a economia do
país onde surtos dessa
virose ocorram.

CEDERJ 87
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Durante o período de 1900 a 1930, os virologistas voltaram-se,


basicamente, para dois aspectos:
1. a demonstração dos agentes filtráveis nos casos de várias
doenças, associando-os quer aos sintomas macroscópicos quer às
anormalidades citológicas reveladas pela microscopia óptica;
2. as maneiras de transmissão experimental das viroses de animais
de uma espécie para outra, com vistas a ampliar as opções de sistemas
biológicos (ou seja, a coleção de espécies animais com possibilidade de
utilização para estudos).
A partir de 1930, uma nova abordagem da Virologia teve início
com o trabalho do químico orgânico Wendell M. Stanley (1904-1971),
que aplicou métodos físico-químicos, com o intuito de caracterizar os
agentes do mosaico do tabaco. Até aquela época, o que se conhecia sobre
eles era que eram filtráveis, não sedimentavam quando centrifugados,
não podiam ser cultivados como os micróbios e, muito menos, serem
visualizados ao microscópio óptico, embora fossem infecciosos.
Com o intuito de esclarecer que coisa era essa, produzida pelas
plantas infectadas, Stanley partiu do princípio que todo produto
originário de células deve ser constituído por, pelo menos, um dos
seguintes componentes: proteínas, ácidos nucléicos, carboidratos
ou lipídios. Ele conseguiu, em 1935, nos EUA, obter preparações
purificadas desses vírus sob a forma de cristais. Quimicamente, estes
eram constituídos por proteínas e ácidos nucléicos. Além do mais, quando
esses cristais eram dissolvidos em água, o produto era infeccioso e podia
ser recristalizado, mantendo a infecciosidade mesmo quando submetido
a dez ciclos sucessivos de dissolução e recristalização. Outros tipos virais
foram posteriormente obtidos puros sob a forma de cristais, mostrando
assim a natureza orgânica (núcleo-proteína) desses elementos infecciosos.
A cristalização das partículas virais sugeriu que as proteínas que as
formavam eram todas de um mesmo tipo, pois só assim é possível ocorrer
esse fenômeno (você se lembra do boxe sobre
cristalização de proteínas apresentado na
Aula 6 de Imunologia?).
Você pode ver na Figura 15.1 alguns
tipos de cristais formados após a obtenção
20μm 2 μm de preparações virais purificadas.
Figura 15.1: Cristais de uma preparação de vírus da poliomielite.

88 CEDERJ
MÓDULO 1
15
Trabalhos desenvolvidos com os vírus do mosaico do tabaco,
cujo ácido nucléico genômico é do tipo RNA, demonstraram que cada

AULA
molécula de RNA estava coberta por unidades de um mesmo tipo
de proteína, formando um arranjo molecular. H. Fraenkel-Conrat
(1910-1999) e F. Sanger (1918 - ), utilizaram preparações purificadas
de dois tipos de vírus do mosaico do tabaco (TMV) e, a partir destas,
conseguiram construir um novo tipo de partícula viral híbrida, formada
por ácido nucléico de um dos tipos, e proteína do outro.

Utilizando técnicas de precipitação de proteínas, Fraenkel-Conrat & Sanger (1957) publicaram um


trabalho mostrando que, ao separar as proteínas e os ácidos nucléicos das partículas de dois tipos de
vírus, obtinham depois a remontagem com as proteínas de um tipo viral associadas ao ácido nucléico
do outro. Ao infectarem uma planta de fumo com esse tipo de vírus híbrido, eles perceberam que a
planta apresentava infecção correspondente à virose característica do tipo viral de onde foi extraído
o ácido nucléico, mostrando assim que a produção de vírus pelas células independe do tipo de
proteína que esteja presente nas partículas. Esse trabalho estabeleceu o caráter genético do RNA e
está representado na Figura 15.2.

RNA e proteínas

Figura 15.2: Representação esquemática ilustrando o desmonte dos componentes de uma partícula viral e a
evidência da montagem espontânea, dando origem a uma partícula viral híbrida que se presta para demonstrar
que as moléculas de RNA carreiam informações genéticas. Na micrografia eletrônica, podem ser observadas
partículas de TMV.
CEDERJ 89
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

A idéia de vírus como sendo arranjos moleculares ficou consagrada


através de experimentos efetuados por A. Molla e colaboradores que,
em 1991, conseguiram sintetizar partículas de vírus da poliomielite por
técnicas moleculares. Nessas condições eles propuseram a fórmula
química destes vírus como sendo C 332.662, H 492.388
, N 98.245
, O 131.196
,
P 7.500, S 2.340.
Entretanto, antes de se chegar a esse nível, a compreensão sobre
a forma como as partículas virais são geradas pelas células infectadas
foi gradualmente alicerçada, a partir de 1930, pelas pesquisas efetuadas
com viroses de bactérias, merecendo destaque os trabalhos efetuados
por Emory Ellis e Max Delbrück, em 1939, e os de Alfred Hershey e
Martha Chase, em 1952, que os fez merecedores, junto com Salvador
Luria, do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1969. Não perca
nossa próxima aula, na qual traremos mais detalhes sobre a elegância e
a contribuição científica dos experimentos desses pesquisadores.

Vírus e viroses

Considerando os vírus como arranjos moleculares, para que


estes sejam produzidos pelas células faz-se necessário que as mesmas
disponham do repertório enzimático adequado ao exercício desta função.
Por isso, quanto mais amplo for o repertório enzimático de um tipo
celular, maior será a probabilidade de ele ser competente para sintetizar
os componentes virais.

Competência Celular para Produzir Vírus – Você já sabia que vírus são produtos celulares! E sabe,
também, que para uma célula fabricar alguma coisa é necessário que ela possua as “ferramentas”
adequadas para tal. As ferramentas celulares são as enzimas. Portanto, quanto mais tipos diferentes
de enzimas uma célula puder expressar, maior é a chance de que, dentro desse repertório enzimático,
estejam presentes as enzimas que são necessárias à síntese dos diferentes elementos codificados pelos
genomas virais. Daí que, quanto maior for a versatilidade metabólica das células, maior será a chance
de elas serem competentes para a produção de vírus. Atente que o corpo de um animal pode ter
células com diferente versatilidade enzimática. No entanto, quanto mais células competentes (para
fazer um determinado tipo de vírus) ele possuir, mais grave será a virose nesse animal.

Portanto, num indivíduo contaminado, quanto maior for a


quantidade de suas células com essa potencialidade mais acentuado será
o grau de comprometimento do seu organismo com a virose em questão.
VIRION Para reforçar esta idéia, daqui para a frente, você deve ter sempre em
Partícula viral mente que, quanto maior for a quantidade de células competentes para
completa, portanto,
produzir VIRIONS, mais intenso será o quadro de virose. Em linguagem
com potencial
infeccioso. médica, a quantidade de vírus presentes em um indivíduo infectado é
denominada carga viral e está diretamente relacionada com a quantidade
de células que estiverem envolvidas com a virose.
90 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE

15
1. No cotidiano das pessoas, embora com pouca freqüência, é

AULA
possível encontrar doentes com CATAPORA. Se você conversar com
várias pessoas que já apresentaram esta virose, poderá classificá-
las em três grupos: a. as que tiveram o corpo intensamente coberto
de vesículas; b. as que tiveram pouquíssimas vesículas; e c. as
intermediárias. Diante desta colocação, construa uma tabela
representativa da quantidade de células com capacidade para
produzir vírus da catapora nos três grupos.

CATAPORA
Do tupi “fogo que
salta”. É a designação RESPOSTA COMENTADA
vulgar para varicela,
que é uma virose,
Você acertou se construiu um quadro semelhante a este.
em geral, benigna,
que, quando expressa Proporção de células competentes Expressão da virose
sintomas, estes se
+++++++++++++++++++++++---------- Grave
caracterizam por
febre acompanhada ++++++++++++++------------------------------ Branda
de máculas (manchas
rosadas), que evoluem Pouco ou nenhum
+++-------------------------------------------------------
para pequenas Sintoma
bolhas ou vesículas
que posteriormente + células envolvidas no processo de infecção de um órgão ou tecido
arrebentam, surgindo – células não envolvidas no processo de infecção.
as crostas. Essas lesões
se espalham, de forma
As células para produzirem os componentes virais precisam ter a
não sincrônica, pelo
corpo, principalmente competência enzimática para tal; portanto, só tem virose quem
no tronco. pode. Esta premissa pode ser facilmente evidenciada quando você
faz uma busca nos jornais sensacionalistas que divulgam casos de
viroses que exterminarão a humanidade. Como exemplo temos os
casos de Ebola, SARS e, até mesmo, os da gripe do frango. Você
já teve a curiosidade de pesquisar quantas foram as pessoas que
entraram em contato com as vítimas, antes que elas morressem?
Inclua nessas os familiares, amigos, colegas de trabalho e colégio,
vizinhos, comerciantes e os profissionais de saúde que cuidaram
delas. Embora seja divulgada uma situação de pânico, os casos
graves só aparecem em quem os pode desenvolver. Com o
Ebola foram 327 indivíduos como você pode constatar lendo o
livro Caçadores de vírus (indicado nas leituras recomendadas).
Com a gripe do frango, desde 1997, não chegaram a 100 casos
humanos fatais. Já em relação à SARS, morreram pouco mais de
100 pessoas, todas de origem asiática (para conferir estes valores,
acesse os endereços eletrônicos que estão indicados nas leituras
recomendadas). Para as vítimas fatais dessas viroses, a infecção se
apresentou como um processo de seleção natural dos elementos
de uma espécie na Natureza.

CEDERJ 91
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Ebola – vírus do grupo dos Filovírus cuja infecção em pessoas susceptíveis


provoca um quadro de hemorragia generalizada. O nome Ebola é derivado
do nome do rio, no Zaire, às margens do qual fica o vilarejo onde esse tipo
de virose foi detectado pela primeira vez. Se você assistiu ao filme Epidemia
viu, de forma hollywoodiana, algumas das características dessa doença.

SARS – Síndrome Respiratória Aguda e Severa – doença que afetou os chineses


de etnia originária de províncias do sul da China, resultante da infecção
ENZOÓTICO por agentes do grupo dos Coronavirus, em indivíduos susceptíveis.

Enfermidade que Gripe do frango – infecção pelos vírus da influenza (gripe subtipo H5N1),
está sempre presente de caráter ENZOÓTICO nos países asiáticos, que pode ser disseminada por
em uma comunidade todo o planeta, através das aves silvestres migratórias ou aves comerciais.
de animais; apenas As vítimas humanas foram pessoas que lidavam com aves contaminadas. Em
poucos deles evoluem 2003, na China, foram relatados dois casos hospitalizados, com uma morte.
para doença.
Este fato tem sido motivo de pânico, pois a divulgação da mídia o relaciona
com a pandemia de gripe espanhola que ocorreu em 1918, em que se estima
terem ocorrido 50 milhões de mortes. De acordo com o discernimento que
você adquiriu até agora, de que só tem virose quem pode, dá para perceber
que os responsáveis pelas notícias não são virologistas.

AFINAL, O QUE SÃO VÍRUS?

A melhor maneira de definir os vírus é considerá-los quimicamente.


Um vírus é simplesmente um arranjo molecular formado por ácido
nucléico recoberto por proteínas, denominadas capsômeros. Estes são
ENVELOPE agrupados formando uma capa protéica que recebe o nome de capsídio.
Estrutura viral O conjunto ácido nucléico e capsídio é denominado nucleocapsídio.
formada por lipídios,
antes constitutivos das
Muitos tipos virais são formados apenas por esta estrutura. São os
membranas das células chamados vírus não envelopados, para diferenciá-los das partículas virais
nas quais os vírus
foram produzidos. que têm lipídios associados. Estes são os chamados vírus envelopados,
Preparações de
vírus envelopados pois a camada lipídica forma um envoltório que recobre o nucleocapsídio.
são facilmente Os lipídios, que compõem o ENVELOPE das partículas virais, são originários
caracterizadas,
pois, se forem das membranas das células onde foram produzidas. Na Figura 15.3 você
tratadas com agentes
lipolíticos (solventes, encontra esquemas representativos de vírus envelopado e não envelopado.
detergentes), perdem
Atente para o fato de os Adenovírus à esquerda da figura se apresentarem
a infecciosidade.
Esta característica as como uma estrutura geométrica simétrica, enquanto os vírus da influenza
diferencia daquelas de
vírus não envelopados, apresentam-se como uma estrutura arredondada.
pois elas permanecem
infecciosas após serem
submetidas a esse tipo
de tratamento.

92 CEDERJ
MÓDULO 1
15
Envelope
Capsômero DNA

AULA
RNA
Capsídio

Glicoproteína
Glicoproteína

Adenovírus Vírus da influenza

Figura 15.3: Na parte superior, representação artística de dois tipos de vírus: um não
envelopado à esquerda (Adenovírus) e um envelopado à direita (vírus da influenza).
Embaixo estão micrografias eletrônicas das respectivas partículas.

Mas preste atenção: quer sejam envelopados ou não, a informação


genética contida nos vírus é restrita a um único tipo de ácido nucléico,
podendo este ser DNA ou RNA, como você poderá constatar observando
a Tabela 15.1.
Embora o conhecimento sobre as características dos vírus
tenha exigido a participação de células vivas para produzi-los, esta
premissa foi alterada após os criativos experimentos efetuados por
Molla e colaboradores, publicados em 1991 na revista Science. Esses
autores demonstraram que partículas virais podem ser produzidas por
processos bioquímicos in vitro. In vivo, esta produção só ocorre quando
o ácido nucléico viral atinge o interior de uma célula com a maquinaria
enzimática capaz de atender à replicação das informações genéticas nele
contidas, e traduzi-las em proteínas.

CEDERJ 93
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Para se compreender o fenômeno da interação vírus-célula, basta


fazer uma analogia com o processo envolvendo um computador e um
disquete: se você examinar um disquete minuciosamente, verá que a
película magnética onde são gravadas as informações está coberta por
uma capa rígida, que faz lembrar a capa protéica que protege o ácido
nucléico viral. Se o disquete estiver coberto por um invólucro, este pode
representar a camada lipídica presente em alguns tipos de vírus, à qual
é dado o nome de envelope.
Complementando a analogia, a Figura 15.4 sugere que, se o
computador estiver desligado e você colocar o disquete, nada acontece.
Da mesma forma, célula morta não é infectada. Mas, se estiver ligado,
o conteúdo do disquete é examinado. Entretanto, para que o arquivo
seja interpretado, é necessário que o computador tenha o programa
para tal. Na célula, esse programa (software) corresponde ao repertório
enzimático.

Figura 15.4: Comparação das relações computador/disquete X célula/partícula viral.

O disquete com o arquivo, pelas suas próprias características, é


incapaz de executar qualquer instrução; e os vírus, tal qual o disquete, contêm
o conjunto de informações a serem executadas pelas enzimas celulares.

94 CEDERJ
MÓDULO 1
15
ATIVIDADE

AULA
2. As partículas de Adenovírus, quando observadas ao microscópio
eletrônico, se apresentam como arranjos moleculares geométricos.
Procure na web quantas faces triangulares compõem essa estrutura
e, usando sua criatividade, construa uma estrutura geométrica
semelhante.

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____________________________________________________
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RESPOSTA COMENTADA

Os Adenovírus são formados por vinte faces triangulares. Portanto,


você deve ter montado um belo icosaedro. Que material você
usou para isso? Talvez tenham sido canudinhos de plástico e, se
você foi criativo, ainda colou uma fita de papel crepom por dentro,
representando o ácido nucléico. Compare sua criação com a que está
na foto, tirada de atividade desenvolvida em uma sala de aula de
um curso de capacitação de professores de ensino médio realizado
na UFRJ.

CEDERJ 95
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

BIOSSÍNTESE DOS COMPONENTES VIRAIS

De uma maneira geral, o processo de produção de vírus nas células


de animais obedece a uma seqüência de eventos, que inclui:
– os estágios iniciais de interação que correspondem à adsorção

e ao engolfamento das partículas pelas células;


– internalização do genoma viral;

– reconhecimento desse genoma pelas células para os processos

de replicação, transcrição e tradução;


– aprovação das proteínas neoformadas pelo controle de qualidade

da célula;
– reunião dos componentes virais sintetizados e montagem das

partículas.
Esta última etapa acontece no ambiente intracelular, quando se
trata de vírus não envelopados. A montagem dos vírus envelopados se
faz durante o processo de brotamento das estruturas virais para o meio
exterior. Quando o brotamento acontece, as partículas virais liberadas
trazem em sua constituição fragmentos ou porções lipoglicoprotéicas
das membranas das células nas quais foram produzidas.
A primeira parte da interação vírus-célula tem início com a
adsorção dos vírus às células. Este fenômeno acontece no ambiente
aquático onde as células estão imersas. Se neste ambiente existirem
partículas virais, elas estarão em suspensão na água e em constante
movimento (movimento browniano). Por sua vez, a célula viva,
buscando suprir suas necessidades de elementos essenciais (vitaminas
e aminoácidos), expõe receptores com a finalidade de capturar tais
elementos, como você pode ver esquematicamente na Figura 15.5. Com
isto, propositalmente, a célula “espera” capturar os aminoácidos que
lhe são essenciais. Estes, que geralmente estão associados em peptídios,
podem estar fazendo parte de componentes da superfície viral. Dessas
circunstâncias resulta a adsorção ou, em outras palavras, a captura das
partículas virais pela célula.

Em qualquer tipo de suspensão, as partículas estão em eterno movimento,


devido ao choque das partículas com as moléculas do meio onde elas estão
suspensas. A primeira observação desse movimento é atribuída ao inglês
Robert Brown (1773-1858). Em sua homenagem, foi dado ao fenômeno o
nome de movimento browniano.

96 CEDERJ
MÓDULO 1
15
? EPO
TGF β MHC

AULA
ANF
PDGF
Membrana Epinefrina
plasmática

β
Guanil ? γ
Proteína Proteína Tirosina α
Proteína serina tirosina ciclase
cinase Proteína G
Enzimas tirosina treonina fosfatase
cinase tripartida Adenilato
cinase ciclase

Figura 15.5: Representação esquemática de vários tipos de receptores exibidos na


superfície celular.

Fisiologicamente, esse processo celular voluntário de captura pode


ESTRUTURAS
ser percebido, pois as proteínas receptoras, em função de suas ESTRUTURAS TRANSMEMBRANA
TRANSMEMBRANA, sinalizam para proteínas que estão posicionadas na face Parte das proteínas,
interna da membrana plasmática – principalmente aquelas conhecidas pelo formada por
seqüências de
nome de CLATRINAS – pois são estas que vão promover o engolfamento do aminoácidos
hidrofóbicos, que fica
material aprisionado na superfície. O engolfamento resulta na formação fixada nas membranas
celulares.
de uma vesícula coberta de clatrinas, em cujo interior o material capturado
está contido. A participação das clatrinas é a evidência indicativa de que a CLATRINAS
célula pegou o material, no caso uma partícula viral, porque necessitava Do grego clathri, que
significa grade, são
fazê-lo para suprir suas necessidades metabólicas. proteínas encontradas
A vesícula contendo a partícula viral é liberada das clatrinas e na fase interna da
membrana plasmática
carreada para regiões mais internas da célula. Durante este percurso, das células. A função
das clatrinas é
ocorre acidificação gradual do interior da vesícula. A acidez promove formar uma grade
protéica cobrindo
modificações estruturais nas proteínas de superfície da partícula viral
as vesículas que as
que resultam na fusão destes componentes com a membrana da vesícula. células constroem
para transporte de
Dessa fusão ocorre a transferência do material genético viral para o produtos.
interior do citoplasma e a fixação dos componentes da superfície viral na
membrana da vesícula; porém, pelo lado onde estão os elementos externos
da célula. Detalhes das etapas desta seqüência de eventos celulares você
pode ver esquematizados na Figura 15.6.

CEDERJ 97
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Fusão das membranas


viral e endossômica

Figura 15. 6: Esquema mostrando o engolfamento de uma partícula viral pela célula,
pelo processo de endocitose mediada por receptores. É dessa maneira que as células
do corpo humano capturam os nutrientes.

Transcrição

O material genético viral, no interior da célula, precisa ser


submetido aos processos de replicação, transcrição e tradução. A
seqüência desses eventos depende do tipo do ácido nucléico viral
(DNA ou RNA), das características dos filamentos desses genomas, que
podem ser simples ou duplos, e da polaridade dos mesmos. Esta última
característica é relacionada aos genomas de RNA. Os vírus com genoma
de RNA ainda podem ser subdivididos em quatro classes, como você
pode observar na Figura 15.7. Aqueles das classes 5 e 6 têm enzimas
do tipo transcriptase integrando os seus componentes genômicos. Estas
transcriptases utilizam como substrato os RNAs genômicos virais. Podem
ser de duas categorias: quando se trata de uma RNA polimerase RNA
dependente, essa enzima executa a síntese de novas fitas de RNA, a
partir das originais. Todavia, quando se trata de enzimas com atividade
DNA polimerase RNA dependente, estas recebem a denominação de
transcriptases reversas. Este tipo de enzima caracteriza os retrovírus,
sendo os representantes mais conhecidos deste grupo os vírus da
imunodeficiência humana adquirida (HIV).

98 CEDERJ
MÓDULO 1
15
AULA
Figura 15.7: Esquema mostrando os tipos de áci-
dos nucléicos virais e os processos bioquímicos
a que são submetidos pelas células, até a fase
de RNAm. Esta figura foi adaptada a partir do
modelo apresentado por David Baltimore em
1970. A repercussão dos estudos com o modelo
de replicação de ácidos nucléicos virais consa-
grou os virologistas Howard Martin Temin,
Renato Dulbecco e D. Baltimore, fazendo-os
ganhadores do Prêmio Nobel de 1975, na
categoria de Fisiologia e Medicina.

O avanço nas tecnologias de ácidos nucléicos teve como base


as informações decorrentes dos estudos sobre replicação dos diferentes
tipos de genomas. Esse avanço também contribuiu para aprofundar o
conhecimento sobre os vários modelos com os quais os ácidos nucléicos
virais são processados nas células. Esses estudos também repercutiram
numa maior compreensão dos processos moleculares relacionados
com a Fisiologia Celular. Desta feita, quando você estudou Biologia
Molecular, deve ter sido bombardeado com informações oriundas do
conhecimento virológico. Na Figura 15.8, lhe são apresentados sete
modelos de replicação, e não seis, como mostrado na Figura 15.7.
A diferença deve-se à cronologia dos eventos científicos. Os tipos
virais relacionados ao sétimo
modelo (vírus da hepatite B) só
tiveram o modelo de replicação Parvovírus 2

caracterizado na década de 6 Retrovírus

1980. Em função desses sete Papovavírus


Hepadnavírus 7 Adenovírus
modelos de replicação de
Herpesvírus 1
ácido nucléico viral, os estudos Poxvírus

efetuados continuamente pelos


Picornavírus
virologistas possibilitaram Calicivírus
4 Togavírus Reovírus 3
agrupar os vários tipos de Flavivírus
Ortomixovírus
Coronavírus
vírus de interesse na Medicina Paramixovírus
Rabdovírus
humana de acordo com estes Arenavírus 5

parâmetros moleculares. Bunyavírus

Figura 15.8: Representação dos vários tipos de vírus agrupados de acordo com
o modelo de replicação de seus genomas. Atente para o fato de que os vírus
de DNA de fita dupla podem ser de classe 1 ou classe 7.

CEDERJ 99
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Tradução

O processo celular de tradução dos RNAs virais que codificam para


síntese de proteínas segue os mesmos padrões de biossíntese dos outros
componentes celulares. A síntese de proteína pode ser efetuada tanto por
polirribossomas livres no citoplasma quanto por polirribossomas ligados
à membrana do retículo endoplasmático. Os primeiros são responsáveis
pela produção de proteínas que ficarão distribuídas no ambiente interno
do citoplasma, enquanto os últimos estão envolvidos com a produção
de glicoproteínas (Figura 15.9). A incorporação de carboidratos às
moléculas de proteína é um sinal de que estas serão inseridas na face
externa das membranas celulares. As proteínas assim inseridas podem
estar ancoradas na face exterior das membranas, ou posicionadas como
estruturas transmembrana. As proteínas transmembrana apresentam a
porção glicosilada voltada para o meio exterior e a face não glicosilada
voltada para o ambiente citoplasmático, como você pode ver na Figura
15.10. Dessa forma, você pode entender que as duas faces da membrana,
pelas suas características, podem ser distinguidas como face externa
(glicosilada) e face interna, não glicosilada, que está em contato com as
demais proteínas citoplasmáticas desprovidas de glicosilação.

Citoplasma

RNAm
Translocador
fechado

Translocador
aberto

NH3+
Peptídio
Seqüência sinal
nascente
Interior do RE Carboidrato
Término da tradução
ancorada do retículo

Figura 15.9: Produção celular de glicoproteínas. Note que a porção glicosilada está
voltada para o lúmen do retículo. Os ribossomas envolvidos nesta tradução dão à
estrutura do retículo o aspecto rugoso.

100 CEDERJ
MÓDULO 1
15
Espaço exterior (lúmen do Figura 15.10: Representação artísti-
retículo endoplasmático, ou ca dos modelos como as proteínas
do Golgi ou face externa da transmembranas podem estar posi-

AULA
NH3+ COO– membrana plasmática) cionadas em relação à superfície
celular, no que diz respeito a seus
NH3+ COO– COO– terminais aminados ou carboxila-
dos. Glicoproteínas utilizadas pelas
células para a montagem dos vírus
da influenza (gripe), da raiva, da
COO– NH3+ dengue e da varíola, apresentam
NH3+ características estruturais relaciona-
das, respectivamente, aos modelos
1, 2, 3 e 4 desta figura.
Citoplasma

PROTEASSOMAS
Controle de qualidade Estrutura celular cilíndrica
oca, constituída por um
Quando as proteínas codificadas pelo genoma viral são sintetizadas agregado de proteases,
responsável pela
e aprovadas pelo controle de qualidade celular, elas são transportadas para degradação das proteínas
celulares identificadas
sítios específicos das células, de acordo com os sinais de endereçamento
como impróprias ao
que apresentem, dando assim continuidade à formação de novas partículas ambiente citoplasmático.
São aquelas proteínas
virais. Quando a célula, embora contaminada, reprova as proteínas com “prazo de validade
vencido”, ou aquelas que
neoformadas codificadas pelo genoma viral, estas são degradadas para não passaram no controle
reaproveitamento dos aminoácidos, particularmente daqueles essenciais. de qualidade. O controle
de qualidade das proteínas
Esta degradação protéica acontece em estruturas celulares denominadas pelas células segue cinco
parâmetros, a saber: 1. o
PROTEASSOMAS. Quando a degradação é completa, todos os aminoácidos posicionamento das pontes
(por estarem individualizados) são reaproveitados. Lembre-se de que cada dissulfeto formadas; 2. a
conformação das estruturas
RNA transportador carreia apenas um aminoácido correspondente ao seu secundária e terciária
adquirida pela molécula
anticodon. Porém, quando a degradação é incompleta sobram pequenos de proteína; 3. a adição
e o processamento de
peptídios (resíduos com pelo menos três aminoácidos) que, por não poderem
carboidratos; 4. exposição
ser aproveitados pela célula, são exocitados. Esta etapa da fisiologia celular de sítios específicos para
clivagem proteolítica e
é essencial para a compreensão das alterações da HOMEOSTASE corporal 5. compatibilidade das
moléculas das proteínas
decorrentes da virose. Mas isto será mais bem compreendido quando você para serem organizadas
tomar conhecimento do conteúdo da nossa Aula 17. sob a forma de dímeros,
trímeros, tetrâmeros ou
pentâmeros.
Sinais de endereçamento – são seqüências específicas de aminoácidos
encontradas na estrutura das proteínas. Essas seqüências são detectadas HOMEOSTASE
pelos elementos celulares denominados Partículas Reconhecedoras de
Termo criado pelo
Sinal (PRS). As PRS têm a função de reconhecer e carrear as proteínas
fisiologista americano
neoformadas para os diferentes sítios celulares. Por exemplo, sinais de
Walter Cannon (1871-1945)
endereçamento das proteínas para inserção nas membranas do retículo do
para designar o estado
Golgi, das mitocôndrias ou do ambiente intranuclear já foram descritos.
de equilíbrio das diversas
Mais detalhes a respeito você pode ver nos capítulos 17 e 18 sobre síntese
funções e composições
e endereçamento de proteínas, do livro Molecular cell biology, nas
químicas do corpo (por
referências desta aula.
exemplo; temperatura,
pulso, pressão arterial,
taxa de açúcar e elementos
figurados no sangue).

CEDERJ 101
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

INTERFERONS Exocitose de resíduos da digestão proteassomal


Proteínas liberadas pelas
células, como parte do Nas células onde os componentes virais sintetizados foram reprovados e que,
processo fisiológico depois da digestão proteassomal, ainda restaram peptídios com, pelo menos,
de anabolismo, que as três aminoácidos, estes peptídios são exocitados, ou seja, são removidos do
auxilia na competição citoplasma e transportados para a parte externa da membrana plasmática
por nutrientes no corpo pelos componentes do MHC de classe I, atividade celular apresentada na
dos animais. Foram disciplina Imunologia, sendo que esses peptídios passam a ser designados
descritas pela primeira como epitopos. Dentro do corpo de um animal, a apresentação de epitopos
vez em 1957, associadas associados aos MHC de classe I das células suscita o envolvimento de linfócitos
com o processo de virose. T CD8+, que promovem a morte destas células. Os linfócitos assim ativados
Por isso, durante muito entram em processo de mitose, que resulta na expansão clonal. O aumento
tempo, acreditou-se ser populacional dos linfócitos se dá graças aos nutrientes que eles retiram do
uma proteína produzida ambiente corporal. Dentre estes nutrientes estão incluídos os aminoácidos
pelas células como essenciais, as vitaminas, a glicose e os hormônios. Dos hormônios, a insulina
antiviral. Mas, como permite o aproveitamento da glicose. Para assegurar a disponibilidade dos
você já pode deduzir, a nutrientes, os linfócitos liberam citocinas, sendo uma delas definida como
virose é acompanhada INTERFERON (IFN), que, atuando sobre as outras células não linfocitárias, faz
de um processo de com que estas reduzam a atividade de síntese protéica e, assim, diminua a
anabolismo celular. quantidade de receptores para a captura de nutrientes. Quanto mais células
Portanto, toda célula contaminadas expressarem epitopos, maior será a população de linfócitos
em anabolismo libera envolvida na produção de interferon. Quanto maior for a concentração de
IFN. De acordo com o IFN circulante, maior será a disfunção apresentada pelos tecidos ou órgãos
tipo de célula onde são do corpo. Desse grau de disfunção resultam, proporcionalmente, os sintomas
produzidos, os IFNs apresentados pela pessoa infectada. Você já deve ter experimentado esses
são denominados como sintomas: febre, dor de cabeça, dores musculares, prostração, dificuldade
interferon alfa, beta de concentração, falta de apetite e outros que você pode lembrar, quando
ou gama. desenvolveu uma virose sintomática como, por exemplo, gripe, catapora
ou dengue, entre outras.

ATIVIDADE

3. Esquematize de maneira seqüencial as etapas do processo


que resultam em desequilíbrio da homeostase durante um
quadro de virose.

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RESPOSTA COMENTADA

Você já é capaz de entender que só tem virose quem pode e que


a quantidade de vírus produzida é diretamente proporcional ao
número de células competentes, presente no corpo do indivíduo.
Quanto mais vírus forem produzidos, maior é a chance de ocorrer
infecção em células não competentes. Quando a biossíntese
das proteínas codificadas pelo genoma viral ocorre nas células
não competentes, essas proteínas são reprovadas, e tem início
a seqüência de eventos: proteína neoformada reprovada no
controle de qualidade → degradação proteassomal → resíduos
da degradação proteassomal incompleta → exocitose desses

102 CEDERJ
MÓDULO 1
resíduos para a superfície da célula → reconhecimento

15
desses resíduos por linfócitos citotóxicos (CD8 ) → estímulo
para múltiplas seqüências de mitose → produção de interferon

AULA
gama → seqüestro de insulina e outros hormônios pelos
linfócitos estimulados gerando uma expansão clonal
→ sintomatologia inespecífica das viroses (febre, dores
musculares, dor de cabeça, dentre outros).

Montagem e liberação das partículas

O estágio final na produção de vírus consiste na montagem das


partículas. Essa montagem pode ocorrer no citoplasma quando se trata de vírus
não envelopados. Exemplos destes são os vírus da poliomielite e os da hepatite
A. A liberação desse tipo de vírus para o meio extra-celular ocorre quando a
célula infectada lisa (arrebenta). Entretanto, a liberação de vírus envelopados
requer a participação das membranas celulares, por isso a célula deve estar
viável para executar este processo. São exemplos de vírus envelopados: os da
influenza, da dengue, da AIDS, dentre outros. Na Figura 15.11, você observa
uma representação artística do processo celular de síntese de flavivírus, desde
a adsorção até o brotamento das partículas sintetizadas.

Figura 15.11: Apresentação artística das etapas seguidas pela célula para sintetizar os componentes estruturais
e não estruturais das partículas de flavivírus. (Figura gentilmente cedida pelo mestrando do Instituto de Micro-
biologia Professor Paulo de Góes, da UFRJ, Otavio de Melo Espíndola).
CEDERJ 103
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

Na Figura 15.12, além das várias formas em que os vírus se


apresentam, você tem uma comparação entre os tamanhos de células
eucariótica (levedura), procariótica (E.coli), outra procariótica (riquétsia)
e vários tipos de vírus.

Célula
bacteriana

Célula de levedura
(5000 nm)

Riquétsia

Vírus da vaccínia
vírus da varíola

Vírus do herpes
simples

Vírus da
influenza

Vírus da infecção
das adenóides
Vírus T de bactérias

Vírus do mosaico
do tabaco
RIQUÉTSIA
Vírus da febre amarela
Bactérias
intracelulares Vírus da verruga
obrigatórias, Gram
negativas, da família Vírus da poliomielite
Rickettsiaceae, que
infectam artrópodes,
como os carrapatos.
Estes podem Figura 15.12:Tamanhos comparativos entre uma levedura, uma enterobactéria,
transmiti-las pela uma RIQUÉTSIA e partículas virais de várias dimensões. Note que as maiores partículas
saliva ao picarem virais estão na faixa de 250 nm e que essa dimensão é menor que o comprimento
seres humanos e de onda da luz visível, como você viu na Aula 1. Esta característica faz com que as
outros animais. Nos preparações contendo vírus continuem límpidas e transparentes. Este fato levou à
seres humanos estão denominação de meningites assépticas aquelas resultantes de infecção viral, pois,
associadas a diversos embora o líquido cefalorraquidiano (líquor) dos pacientes infectados esteja cheio
quadros clínicos, de vírus, tem a aparência límpida, em contraste com as meningites microbianas nas
entre os quais o tifo quais o líquor aparece turvo.
exantemático e a
febre maculosa.

104 CEDERJ
MÓDULO 1
15
As características genéticas e estruturais dos vírus relacionados com
infecções humanas podem ser entendidas pela análise da Tabela 15.1.

AULA
Tabela 15.1: Características estruturais dos principais tipos de vírus com exemplos
de viroses associadas

Tipo de Sensibilidade Tamanho Estruturas


Simetria do Envelope Exemplos de Virose
ácido aos agentes da partícula do filamento
capsídio lipídico vírus associada
nucléico lipolíticos viral (nm) genômico

18-26 fs Parvovírus Exanterna


Ausente Resistente 45-55 fd circular Papovavírus Verrugas
Icosaédrica 70-90 fd Adenovírus Conjuntivite

DNA Presente Sensível 100 fd Herpesvírus Catapora

Presente Resistente1 230 X 400 fd Poxvírus Varíola


Complexa
Ausente Resistente 42 fd circular Hepadnavírus Hepatite B

20-30 fs Picornavírus Poliomielite


Ausente Resistente 35-39 fs Calicivírus Hepatite E
Icosaédrica Reovírus Resfriado
60-80 fd segmentado

Presente Sensível 50-70 fs Togavírus Encefalite

45-50 fs Dengue
Flavivírus
RNA 50-300 fs segmentado Arenvírus Febre junin
Desconhecida Presente Sensível
ou complexa 80-160 fs Coronavírus Pneumonia
Retrovírus
100 fs diplóide AIDS

90-100 fs segmentado Febre


Buniavírus
80-120 fs segmentado Ortomixovírus Gripe
Helicoidal Presente Sensível
150-300 fs Paramixovírus Crupe
Rabdovírus
75 X 180 fs Raiva

Legenda: Fs – fita simples; Fd – fita dupla;1- envelope complexo, que confere a esses vírus resistência aos
agentes lipolíticos.

PROPAGAÇÃO DE VÍRUS

Agora que você já está consciente de que os vírus são produtos


celulares, é fácil entender que, se quisermos obter vírus para diversos
tipos de experimentos, vamos precisar propagá-los e, para isso,
usamos células cultivadas em laboratório. Essas células podem estar
fazendo parte do corpo de animais, em diferentes estágios evolutivos
(embrionário, recém-nascido, jovem ou adulto), ou sendo cultivadas
in vitro. A inoculação em animais requer o uso de um infectório
que assegure condições de segurança que evitem fuga dos animais e

CEDERJ 105
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

contaminação do ambiente e do operador. Os animais de experimentação


podem ser de pequeno, médio ou grande porte. Dentre os mais usados,
temos os camundongos recém-nascidos.
Após inoculados, os efeitos da virose se apresentam como doença, o
que pode levar o animal à morte ou não. Se sobreviverem, são sacrificados
para análise histopatológica.
Animais em fase embrionária são utilizados para a inoculação de
vírus para produção de vacinas contra a gripe e contra a febre amarela.
Nestes casos, o sistema biológico utilizado é o ovo embrionado de
galinha. Depois de inoculados com vírus da gripe, após a incubação,
é recolhido o líquido das cavidades do ovo, onde os vírus produzidos
ficam acumulados. No caso da vacina contra a febre amarela, recolhe-se
o embrião, que depois é triturado e centrifugado. Dessa centrifugação o
sobrenadante é diluído e passa a constituir o produto vacinal. Por isso a
vacina não é recomendada para quem tem alergia a ovo.
Na Figura 15.13 você pode observar uma representação
esquemática da anatomia de um ovo embrionado.

Cavidade alantóica
Cavidade amniótica
Membrana cório-
alantóica (m.c.a.) Embrião

Membrana da casca

Albume

Saco vitelino (gema)

Figura 15.13: Esquema representativo de um ovo embrionado de galinha.

106 CEDERJ
MÓDULO 1
15
Com o desenvolvimento das metodologias de cultura de células in
CPE
vitro, foi possível esclarecer muitos aspectos da dinâmica de produção de

AULA
Sigla do termo em
vírus. Quando células competentes são infectadas e passam a produzir os inglês Citopathogenic
Efect que significa
componentes virais, conseqüentemente mudam de função. A mudança de efeito citopático (em
português ECP, pouco
função implica mudança da forma. Os primeiros virologistas que observaram usado). Os trabalhos
este tipo de alteração morfológica o denominaram efeito citopático (CPE), que permitiram
reconhecer este
conceito decorrente do conhecimento vigente no final da década de 1940. fenômeno levaram seus
autores J. F. Enders
Esse binômio forma-função permite caracterizar a Virologia como uma (1897-1985), T. H.
Weller (1915-) e F. C.
fisiologia celular aplicada. A forma apresentada pelas células, após a infecção
Robbins (1916-2003) a
viral, varia de acordo com o tipo de vírus que elas estão produzindo. Na serem agraciados com
o Prêmio Nobel de
Figura 15.14, você pode ver as alterações morfológicas em células com Fisiologia e Medicina
de 1954.
virose. Dentro deste princípio, genomas virais são usados como VETORES DE
EXPRESSÃO em procedimentos de Biologia Molecular. VETORES DE
EXPRESSÃO

São pequenos
A observação microscópica de células em cultura inoculadas com suspensões
fragmentos de ácido
virais permite, através de comparação com células não inoculadas, estabelecer
nucléico que, quando
as alterações fisiológicas que nelas ocorrem. As partículas virais são utilizadas como
incorporados ao
traçadores. Várias áreas de conhecimento, tais como a Bioquímica e a Imunologia,
genoma das células,
dentre muitas outras, utilizam os vírus como ferramenta para esclarecer vários
suscitam a produção
fenômenos fisiológicos, principalmente aqueles relacionados à síntese e ao
de componentes
endereçamento das proteínas para os vários compartimentos celulares. protéicos. As proteínas
assim formadas
se prestam como
traçadores dos
processos metabólicos
celulares.

Células de carcinoma de Células de carcinoma de Células de carcinoma de


laringe humana laringe humana produzindo laringe humana produzindo
adenovírus vírus sincicial respiratório

Fibroblasto humano Fibroblasto humano Fibroblasto humano


produzindo rinovírus produzindo citomegalovírus

Figura 15.14: Dois tipos de células cultivadas in vitro não infectadas (1 e 4) e infectadas. A figura apresenta
as alterações morfológicas (CPE) das células de acordo com a função desempenhada. A cada tipo de vírus
corresponde uma função diferente, que se reflete na forma.
CEDERJ 107
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

VIROSES

Vírus + ose. O sufixo ose denota o conceito de muito, cheio de.


Portanto, quando uma célula ou um organismo pluricelular está infectado
e produzindo vírus, dizemos que está com virose.
O corpo humano, como exemplo de sistema fechado, quando
acometido de uma virose apresenta sinais e sintomas característicos.
Cada indivíduo tem um perfil metabólico diferente, por isso
expressa suas viroses de modo diferente, que variam desde a forma
assintomática àquelas letais. Este fato é portanto compatível com a
expressão: "só tem virose quem pode e como pode".
Na Figura 15.15, são apresentados alguns tipos de viroses com as
quais você já pode ter se contaminado ou vir a se contaminar no futuro.
Por quais delas você já passou?

Quem já teve alguma destas viroses?

Dengue

Herpes simples
Hepatite B

Poliomielite
Febre amarela
Conjuntivite viral
Sarampo

Catapora
Hepatite A
Rubéola
Gripe
Citomegalia
Verruga
Caxumba
Gastrenterite
Zoster
Exantema súbito

Mononucleose infecciosa

Figura 15.15: Algumas viroses que fazem parte do seu cotidiano.

108 CEDERJ
MÓDULO 1
15
ATIVIDADE

AULA
4. Como podem ser efetuados os trabalhos de propagação dos vírus
de origem animal no laboratório, e como pode ser evidenciada
essa propagação?

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__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Você deve ter respondido a esta questão usando uma descrição


contemplando os seguintes itens:

Sistema biológico empregado Evidenciação da virose


Animais de biotério em diferente
Sintomas, morte, histopatologia
estágio evolutivo
Ovos embrionados Detecção dos componentes virais
Alterações morfológicas e
Cultura de células
fisiológicas

No estudo das viroses humanas, os animais foram os primeiros sistemas


biológicos a serem utilizados experimentalmente, substituindo aqueles
humanos que se apresentavam como voluntários para experimentação.
O emprego de ovos embrionados de galinha teve início em 1933. Estes
sistemas vêm sendo substituídos gradualmente pelas culturas de células,
em razão da facilidade que esta tecnologia oferece, e em virtude das
implicações éticas referentes ao uso de animais.

CONCLUSÃO

Os vírus são produtos celulares. Virose só tem quem está vivo e


possui células com repertório enzimático capaz de promover a síntese dos
vários componentes do tipo viral com o qual foi contaminado. Pessoas
acometidas com viroses podem apresentar quadros brandos, graves ou
até fatais, mas na grande maioria, as viroses são assintomáticas. Exemplo
destas acontecem em pessoas que têm, sob a forma crônica, infecções
por HIV, HTLV, Hepatite B, Hepatite C. Outras formas assintomáticas
podem ser induzidas por infecções naturais ou por preparações vacinais
infecciosas. Como exemplo destas últimas, podem ser citadas: a vacina

CEDERJ 109
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

oral contra a poliomielite e aquelas aplicadas por via parenteral contendo


vírus do sarampo, da caxumba e da rubéola. Embora a maioria da
população tenha sido vacinada, em algumas pessoas essas infecções
vacinais evoluem para quadros sintomáticos que podem se apresentar
de forma branda, grave ou até mesmo letal.

ATIVIDADE FINAL

Agora vamos ver se você já está pensando como virologista, ou seja, como alguém
que consegue trafegar por dentro da célula sem esbarrar em nada. Afinal,
viroses só acontecem em células vivas; portanto,os virologistas têm de ter amplo
conhecimento de Fisiologia Celular.

O desafio consiste em considerar a seguinte situação: uma cultura de células foi


inoculada com uma preparação de vírus da caxumba. Estes são vírus envelopados
que, portanto, carregam fragmentos de membrana plasmática das células onde
foram produzidos. Na superfície destes vírus encontram-se espículas formadas
por trímeros de glicoproteínas transmembrana. Considerando que esse tipo
de vírus tem a replicação do genoma, de acordo com o modelo da classe 5 de
Baltimore, descreva, de forma seqüenciada, os processos fisiológicos efetuados
pelas células que possibilitam a produção de novas partículas virais. Considere a
cultura de células como sendo formada totalmente por células competentes para
tal função.

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____________________________________________________________________________
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RESPOSTA COMENTADA

Sem dúvida, tudo começa pela captura dos vírus pelas células. A seguir
ocorrem as fases:
• formação de endossomos;
• fusão dos componentes de superfície virais com a membrana dos
endossomos;
• liberação do genoma viral no citoplasma;

110 CEDERJ
MÓDULO 1
• o genoma dos paramixovírus tem associadas enzimas do tipo RNA

15
polimerase RNA dependente (transcriptase) que transformam o RNA

AULA
de polaridade negativa em RNA mensageiro;
• este, por sua vez, é utilizado pelas células para sintetizar novas
proteínas virais, que são aprovadas no controle de qualidade celular
(visto que estamos tratando de células competentes);
• parte das proteínas neoformadas atuará como transcriptase
amplificando a quantidade de RNAs virais, positivos e negativos,
dentro das células;
• outras proteínas neoformadas serão utilizadas como peças
estruturais na montagem de novas partículas. Para tanto, precisam
ser posicionadas, nas células, de acordo com seus respectivos sinais
de endereçamento;
• aquelas destinadas à formação das espículas virais são traduzidas
por ribossomos que se fixarão ao retículo endoplasmático, dando
origem ao chamado retículo endoplasmático rugoso. A cadeia
peptídica que é transferida para a luz do retículo sofre uma seqüência
progressiva de glicosilação, dando origem às glicoproteínas, que serão
submetidas ao processo de clivagem proteolítica pós-traducional,
quando passam a exibir os sinais de endereçamento que as faz
serem transportadas para a membrana plasmática;
• nesse sítio, essas proteínas transmembrana estão aptas a interagir,
através da porção citoplasmática, com os demais componentes virais
sintetizados pelas células (capsômeros e ácido nucléico), que foram
deslocados para a proximidade da membrana plasmática;
• é nessa região que ocorre a montagem das novas partículas virais,
pelo processo de brotamento.

RESUMO

As bases da Virologia foram estabelecidas em 1892 com o estudo de uma virose


vegetal, conhecida como mosaico do tabaco. Nesses estudos foram revelados
agentes infecciosos de tamanho tão diminuto que podiam passar pelos poros dos
filtros que retinham os micróbios, tinham o tamanho menor do que o comprimento
de onda da luz visível, o que fazia os pesquisadores da época pensarem que se
tratava de toxinas produzidas pelos micróbios que haviam sido retidos na filtração.
A esses produtos foi dado o nome de vírus, que em latim significa toxina ou veneno.
Estudos com a febre aftosa de gado bovino, em 1898, comprovaram a natureza
infecciosa e não apenas tóxica desses agentes filtráveis. Alguns tipos de suspensões
virais, quando purificadas, podem se apresentar sob a forma de cristais. Vírus são

CEDERJ 111
Microbiologia | A descoberta dos vírus e as viroses em animais

arranjos moleculares que podem ser montados e desmontados tanto in vitro como
in vivo. Neste último caso, as células têm repertório enzimático para sintetizar
todos os componentes codificados pelo genoma viral (ácido nucléico e proteínas)
e condições para montá-los sob a forma de partículas. Essas partículas, assim
formadas, podem conter ou não lipídios derivados das membranas celulares.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, você travará conhecimento com viroses de plantas e de células


procarióticas, e confirmará a idéia de que todo ser vivo pode desenvolver suas
viroses.

LEITURAS RECOMENDADAS

• REGIS, Ed. Caçadores de vírus: a luta contra os vírus desconhecidos que ameaçam
a humanidade. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997. 248 páginas.

• http://www.who.int/csr/sars/epi2003_04_11/en/

• http://www.who.int/csr/sarscountry/2003_04_12/en/

PIZARRO-SUÁREZ Y GAMBA, Enriqueta. Los Virus – Serie de biología: monografía


no 8 do programa regional de desarrollo científico y tecnológico do departamento
de asuntos científicos da secretaria general de la organización de los estados
americanos. Washington, D.C: Ed. OEA, 1971. 67 p.

112 CEDERJ
16
AULA
Vírus e viroses de plantas
e de células procarióticas
Meta da aula
Apresentar fenômenos que envolvem tanto as
viroses de plantas como as de bactérias.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• explicar o fenômeno da especificidade das viroses para
diferentes sistemas biológicos;
• esquematizar um procedimento que permita quantificar
a infecciosidade de uma preparação de bacteriófagos;
• relacionar a eficiência de infecção viral com a forma
de apresentação das viroses na Natureza;
• definir cultura bacteriana indicadora e lisogênica, em relação
às viroses;
• descrever os processos de internalização da informação genética
dos vírus nas plantas e nas bactérias.

Pré-requisitos
Para o entendimento desta aula fluir melhor , você deverá
rever a figura dos comprimentos de onda do espectro da luz,
vistos na Aula 1; as estruturas das células, apresentadas na
Aula 3; a classificação dos micróbios, da Aula 9; o conceito de
competência celular para sintetizar componentes virais, além
da classificação de Baltimore, que você aprendeu na Aula 15.
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

INTRODUÇÃO Nas plantas e nas bactérias, o protoplasma celular está recoberto por uma
estrutura rígida denominada parede. Esta parede é responsável pela morfologia
apresentada pelas células e as impede de executar o processo de endocitose.
Assim, o modelo de internalização do genoma viral nesses tipos celulares
diferencia-se daquele que você aprendeu na aula sobre viroses de animais.
Esta aula apresenta os processos físico-químicos que possibilitam a transferência
dos ácidos nucléicos, que estão dentro dos vírus, para o interior das células
vegetais e bacterianas.
No reino vegetal, a descoberta dos vírus foi decorrente da necessidade de sanear
doenças das principais espécies de plantas cultivadas, merecendo destaque a
doença conhecida como mosaico do tabaco. Posteriormente, o conhecimento
foi ampliado para as lavouras de trigo, arroz, milho e batata. Os efeitos das
infecções virais nas plantas apresentam-se como alterações foliares e resultam
sempre numa redução acentuada na produção agrícola.
Embora o conceito de virose estivesse sendo construído em função das doenças,
o reino vegetal proveu um novo enfoque para a virologia, pois foi demonstrado
que as tulipas – normalmente caracterizadas como flores monocromáticas – ,
quando contaminadas por certos tipos de vírus, passavam a produzir flores
policromáticas. Comercialmente, os bulbos destas plantas têm grande valor
ou, em outras palavras, dão mais lucro àqueles que os plantam.
A partir destas circunstâncias, a virologia passou a ter dois enfoques na
sociedade humana: um associado às doenças que conduzem a prejuízos e
outro associado ao melhoramento vegetal que vem acompanhado de lucros.
A compreensão das viroses de procariontes serviu como modelo para quantificar
partículas virais infecciosas e para esclarecer como se dá a internalização do
genoma viral nas células. Historicamente, a utilização de vírus de bactérias,
como ferramentas nos trabalhos em Genética e Biologia Molecular, serviu
como base para o avanço tecnológico nestes campos.
Com os detalhes aqui apresentados, você sedimentará cada vez mais o
conhecimento de virologia iniciado na Aula 15. O conteúdo desta aula está
acompanhado de um breve histórico, pois a compreensão dos conceitos da
moderna virologia está fundamentada em experimentos efetuados com vírus
de plantas e de bactérias.
Nesta aula serão apresentadas, de maneira sucinta, algumas características
das viroses de plantas e de bactérias, áreas da virologia que têm contribuído
largamente para a compreensão de muitos fenômenos biológicos observados
na Natureza.

114 CEDERJ
MÓDULO 1
16
BREVE HISTÓRICO DA VIROLOGIA VEGETAL – ONDE TUDO
COMEÇOU

AULA
Em 1886, Adolf Mayer (1843-1942), um agrônomo alemão
especializado em FITOPATOLOGIA, trabalhando na Holanda, pesquisava a FITOPATOLOGIA
causa de uma doença da planta do fumo em cujas folhas eram observadas Ciência que estuda as
doenças das plantas.
áreas clorofiladas e aclorofiladas, distribuídas com a aparência de
mosaico, o que deu origem ao nome da doença (“mosaico do tabaco”).
Pensando se tratar de uma doença de origem microbiana, Mayer separou
as folhas afetadas, preparou um extrato aquoso dos componentes dessas
folhas e usou-o para infectar plantas sadias. Em nove de cada dez plantas
contaminadas, foram observados todos os sintomas da doença. Mayer
então tentou cultivar, de forma pura, o “micróbio” responsável pela
doença e, para isso, usou técnicas disponíveis, naquela época, para
cultivo bacteriano. Surpreendentemente, essa pesquisa falhou em isolar
bactérias ou fungos, apesar de a doença poder ser transmitida como
qualquer doença infecciosa. Mayer concluiu que a doença era causada
por uma bactéria de natureza especial incultivável, mas que certamente
seria revelada no futuro.
Nesse meio tempo, foram produzidos os primeiros filtros
esterilizantes (filtros de Chamberland) que tinham os poros de tamanho
tão pequeno (cerca de 0,1 a 0,5 μm), que retinham bactérias (como você
viu na Aula 1, os micróbios têm, em média, 1μm).
Em 1892, um cientista russo, Dmitri Ivanowsky (1851-1920),
que também estudava a doença do mosaico do tabaco, comunicou à
Academia de Ciências de São Petersburgo sua constatação de que a
seiva das folhas de tabaco, apresentando a doença do mosaico, retinha
suas qualidades infecciosas, mesmo após a filtração através do filtro de
Chamberland. Ele acreditava que o agente do mosaico do tabaco – que
não era cultivável em meio inerte, mas “crescia” nas folhas – era menor
do que qualquer outro já descrito. Assim, ele suspeitou de que uma
toxina, secretada por algum tipo bacteriano desconhecido, causasse a
doença. Seis anos mais tarde, o cientista holandês Martinus W. Beijerink
(1851-1931) repetiu o experimento de Ivanovsky e mostrou que um
agente infeccioso, capaz de ser replicado nas folhas, era encontrado
nas soluções filtradas a partir de folhas doentes. O cientista chegou à
seguinte conclusão: este agente invisível ao microscópico e filtrável podia
ser diluído muitas vezes e quando as diluições eram aplicadas nas folhas

CEDERJ 115
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

das plantas sadias, podiam provocar infecção. Foi, portanto, o primeiro


membro do mundo submicroscópico a ser reconhecido.
Na Figura 16.1, você pode observar o tripé representado pelos
pesquisadores Mayer (orientador), Ivanowsky e Beijerinck (seus
orientados), sobre cujos estudos foram estabelecidas as bases da virologia
vegetal. A partir dos eventos descritos nos vegetais, foram se somando
achados em animais, surgindo a área de conhecimentos de Virologia,
com a qual você está se familiarizando desde a aula passada.

Figura 16.1: Mayer, Ivanowsky e Beijerinck: os pioneiros da virologia vegetal.

Mas, sem que ninguém suspeitasse, muito antes de se tomar


conhecimento dos agentes filtráveis do Dr. Ivanowsky, a Virologia já
fazia parte do cotidiano das pessoas, e gerava lucros astronômicos:
na Holanda, no século XVII, as tulipas monocromáticas eram muito
apreciadas, mas havia algumas, as policromáticas, que eram bem mais
delicadas em termos de produção e durabilidade, e que constituíam fonte
de riqueza para os proprietários de seus bulbos. Estes serviam como dote
muito disputado entre os noivos. Se tivesse um desses bulbos em mãos,
a madrasta da Cinderela não teria tido dificuldade alguma para casar
suas filhas, apesar de não lhes servir o sapatinho de cristal. Você pode
avaliar isso melhor, analisando a Figura 16.2, onde estão apresentadas
tulipas policromáticas e os bens que, em caso de troca, equivaliam a um
único bulbo delas.

116 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Holanda, século XVII
POTYVIRUS
Tulipas variegadas ou policromáticas,

AULA
Tipo de vírus com
resultantes da infecção por um tipo
genoma de RNA que
de POTYVIRUS pode infectar uma
Preço pago por um único bulbo grande variedade de
infectado: espécies vegetais, tais
como tulipas,
4 toneladas de trigo mamoeiros e batatas.
8 toneladas de cevada No site http://
4 bois gordos www.ncbi.nlm.nih.gov/
8 porcos gordos ICTVdb/ICTVdB/
12 ovelhas gordas 57010000.htm, você
2 barris de vinho obterá mais detalhes
4 barris de cerveja sobre esses vírus e
2 barris de manteiga perceberá que a lista de
450kg de queijo vegetais suscetíveis à
uma cama infecção por eles vai
um traje a rigor completo de A a Z.
uma pulseira de prata

Figura 16.2: Tulipas policromáticas infectadas por potyvirus e a lista dos bens que
equivaliam ao valor de um único bulbo. Fonte: www.ufv.br/dfp/virologia/BIO251_
files/ Aula_teórica_BIO_251_2005.pdf
NEMATÓIDES
Hoje sabe-se que a disseminação das viroses de vegetais está Classe de vermes
cosmopolitas, de vida
relacionada à infecção por uma grande variedade de tipos de vírus, livre, encontrados tanto
que podem ser transmitidos de uma planta para outra. As viroses são em ambientes aquáticos
quanto no solo. São
transmitidas por meio de lesões provocadas por instrumentos cortantes parasitas encontrados
em todos os grupos
contaminados; por esfregaços (abrasão feita na folha da planta com a mão vegetais e animais,
e se distinguem por
ou com auxílio de areia, de modo a lesar as células, permitindo a inserção
possuir corpo delgado
de partículas infecciosas no seu interior), ou através de NEMATÓIDES ou com forma cilíndrica e
disposição radial
artrópodes que, ao se alimentarem destas plantas, disseminam a virose. das estruturas
ao redor da boca.
Estes artrópodes podem ser mosquitos, formigas, pulgões ou moscas.

VÍRUS DA TRISTEZA
VIROSES COMO “VACINAS” Vírus relacionado à
virose da tristeza dos
Um benefício atribuído às viroses de plantas é comumente visto, citros. A infecção
acomete os vasos
nos pomares de laranjeiras, pois cada uma das árvores ao ser preparada lenhosos, diminuindo
o fluxo de água para as
por enxerto, é inoculada com um tipo de vírus que condiciona uma
folhas que murcham,
infecção inaparente, crônica, que as protege da infecção aparente pelos dando a impressão de
que a planta está triste.
VÍRUS DA TRISTEZA. Esse processo é chamado de PREMUNIZAÇÃO e visa a Depois que as folhas
caem, a planta morre.
assegurar a rentabilidade das safras nos pomares.

PREMUNIZAÇÃO
Modelo de infecção de plantas de interesse econômico, desenvolvido, na década de 1950, pelos pesquisadores do setor
de Virologia do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)-SP, que consiste em enxertar galhos de plantas que tenham
desenvolvido uma forma branda da virose. As plantas assim infectadas resistem à contaminação por amostras virais
que levam à doença letal e, dessa forma, evitam a tristeza do citros (na verdade, o mais próprio seria dizer tristeza do
citricultor, pois o efeito arrasador leva a um imenso prejuízo).

CEDERJ 117
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Se você já viu uma plantação de laranjeiras, muito comum no


interior de São Paulo ou Minas Gerais, percebeu que todas as frutas
amadurecem simultaneamente. Isto acontece porque todas elas são irmãs
gêmeas do caule para cima, e diferentes do caule para baixo. Ops! Você
deve estar se perguntando como isso é possível? Muito simples: isso só
é possível porque a laranjeira é uma planta enxertada. O processo de
enxertia em citros consiste basicamente em:
1) plantar um viveiro com sementes de limão-cravo ou laranja-da-
terra, que são plantas rústicas com alto poder de absorção de nutrientes
do solo;
2) esperar a planta crescer até o caule atingir a espessura de 1,0
a 1,5cm de diâmetro;
3) podar galhos de uma laranjeira que produza o tipo de fruta
desejada, mantendo a parte cortada dentro d’água;
4) selecionar uma planta de limão-cravo ou laranja-da-terra e
um dos galhos que você cortou. Ambos os caules devem ter a mesma
espessura. Após a seleção, corte o caule da planta, 10 a 20cm do solo,
com uma faca bem amolada;
5) cortar a base do galho em cunha;
6) fazer um corte longitudinal de, aproximadamente, um
centímetro na parte superior do caule;
7) imediatamente, inserir o galho no caule da planta amarrando-
os com uma fita plástica, preferencialmente aquela do tipo veda-rosca
usada nas ligações hidráulicas;
8) retirar todas as folhas do galho, deixando apenas os brotos.
Quanto mais simétricos forem os cortes das terminações maior a
probabilidade do enxerto “pegar”. Nesse tipo de enxerto, a parte de
baixo se chama cavalo e a de cima cavaleiro. Na Figura 16.3 estão
apresentados os elementos do processo de enxertia.

118 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Etapas do processo de enxertia Muda formada

AULA
Cavaleiro

Cavalo Enxerto

Figura 16.3: Uma das formas de fazer enxerto.

Na enxertia ocorre a fusão dos tecidos das duas plantas, pois, com
o corte, há a exposição do material citoplasmático do tecido vegetal.
O fenômeno acontece porque, durante o processo de cicatrização, tem
início a síntese dos elementos da parede celulósica e da membrana vegetal,
sendo que, para sobreviverem, o cavalo precisa da seiva elaborada e o
cavaleiro da seiva bruta. Por isso, o segredo para o sucesso da pega do
enxerto é: manipular plantas livres de viroses, usar plantas de um mesmo
gênero e ter o cuidado de unir os elementos da casca e do lenho, conforme
está apresentado no detalhe da Figura 16.3, para possibilitar o fluxo da
seiva. Se você tiver disponibilidade poderá preparar, em seu quintal, uma
árvore que, dependendo do galho, produzirá laranja, tangerina, lima e
tantas outras frutas cítricas quantos forem os enxertos bem-sucedidos
que você conseguir. Atenção! Existem outras formas de enxertia, com
maior nível de eficiência do que esta aqui apresentada, você poderá
descobri-las se pesquisar na web sobre o assunto. Lembre-se, entretanto,
de que a enxertia é a maneira mais eficiente de se transmitir virose de
um tecido vegetal para outro, por isso há a necessidade de se conhecer
o “pedigree” das plantas usadas.

CEDERJ 119
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Os efeitos adversos da virose nessas plantas premunizadas são


observados no lenho da parte da planta que corresponde ao enxerto. Ele
apresenta reentrâncias denominadas caneluras, que vão se acentuando
ao longo dos anos e isso reduz o tempo de vida da planta, como você
pode observar nas Figuras 16.4 e 16.5. Após vinte anos a árvore morre
pelo efeito da virose crônica. Por isso, os laranjais são constantemente
renovados.

Figura 16.4: Exemplares de troncos de laranjeiras adultas mantidos no Instituto


Agronômico de Campinas (IAC): as caneluras nos elementos do enxerto são resultados
da premunização contra a tristeza dos citros. Na imagem à esquerda, observa-se
a suscetibilidade do cavalo, e à direita do cavaleiro. Note a diferença de sentido
adotada pelas fibras do lenho da planta.

Figura 16.5: Galhos de laranjeira cujo cavaleiro apresenta o efeito (caneluras) resul-
tante da infecção com os vírus da premunização contra a tristeza dos citros.

120 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Embora as plantas de onde foram cortados os galhos mostrados
na Figura 16.5 parecessem normais, o efeito da virose fará com que elas

AULA
sucumbam, após vinte anos. Sem a premunização, poderiam viver mais
de cem, porém, morreriam ao primeiro contágio com os vírus da tristeza
verdadeira. Fazendo-se uma analogia às viroses nos animais, definir-se-ia
como infecção pelos vírus vacinais e selvagens, respectivamente. Para o
citricultor é mais seguro ter o pomar produzindo por duas décadas do
que arriscar e perder todo o investimento de uma vez. Usa-se, pois, a
premunização das plantas para evitar a tristeza do citricultor.
A transmissão das viroses de vegetais só é possível quando a planta
é lesionada, como ocorre nas podas, quando o instrumento cortante
é contaminado numa planta e utilizado em outra. Se esta última for
suscetível, a virose pode se fazer aparente. Como citamos anteriormente,
outras formas de transmissão envolvem a perfuração ou corte de parte
da planta por insetos como pulgões, moscas, mosquitos, besouros ou
outros seres vegetarianos que se alimentam de folhas, raízes ou caules.
A maneira como os vírus de vegetais chegam ao ambiente citoplasmático
é diferente da que ocorre com os vírus de células de origem animal. Estes
últimos têm apenas o material genético internalizado nas células. Nas
SINCÍCIO
viroses de plantas, é necessário que a partícula inteira seja colocada no Massa de
citoplasma. Você já pensou o motivo disso? Muito bem! Você se lembrou protoplasma contendo
muitos núcleos.
de que as plantas têm uma rígida parede de celulose e, portanto, suas
células não fazem endocitose, por isso há a necessidade do corte para PLASMODESMOS
que ocorra a contaminação do tecido vegetal. Se a planta contaminada Tubulações da
membrana plasmática
tiver repertório enzimático para produzir os vírus infecciosos, a infecção
que estabelecem o
poderá se instalar nela, de forma localizada ou disseminada. contato entre os
compartimentos onde
A contaminação do cavalo da planta enxertada ocorre através estão localizados
os núcleos, o
de fluidos do tecido do enxerto contaminado. Para você entender como que constitui o
isto acontece, é necessário lembrar que as plantas superiores têm uma sincício. Por isso,
a transmissão das
estrutura supracelular onde cada planta representa um grande SINCÍCIO, em viroses nas plantas
ocorre quando o
razão da existência dos PLASMODESMOS, que são canais de intercomunicação corpo da planta é
citoplasmática (unem os múltiplos núcleos do corpo da planta). Com lesionado, resultando
na exposição
isso, a unidade da planta é o próprio corpo celular. do ambiente
protoplasmático.
A infecção resultante
pode ser localizada
ou disseminada,
dependendo da
fisiologia do vegetal.

CEDERJ 121
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Nas plantas superiores não existem células individualizadas. Na verdade,


os núcleos estão interconectados via plasmodesmos, formando uma
massa supracelular interligada por canais da membrana plasmática,
através dos quais os núcleos podem se comunicar uns com os outros.
Como conseqüência, a individualidade da célula não existe, mas sim um
citoplasma unido e integrado, chamado corpo sincicial, que constitui o
organismo vegetal como um todo. Esse fenômeno está representado na
Figura 16.6.

Plasmodesmos

Microtúbulos

Núcleo

Figura 16.6: Acima: esquema representando a disposição dos vários compartimentos


onde estão situados os núcleos do arranjo supracelular das plantas.
Abaixo: representação esquemática do sincício, onde vários núcleos estão contidos
no protoplasma delimitado pela membrana plasmática.

As viroses de vegetais causam prejuízos ao produtor, uma vez que


as plantas com viroses produzem menos e têm seu tempo de vida bastante
encurtado. Os frutos e folhas ficam menores, ressecados e com o aspecto
desagradável ao consumidor (como você pode verificar nos exemplos
mostrados pela Figura 16.7, o que faz com que o produto encalhe nas
prateleiras, se conseguir chegar lá.

122 CEDERJ
MÓDULO 1
16
AULA
Tomate sem valor comercial

Figura 16.7: Vegetais apresentando viroses: acima, à esquerda, tomate com a virose, comparado a um fruto
normal; acima à direita, o aspecto do mosaico da folha do mamoeiro e o fruto apresentando diminuição do
tamanho, anéis de descoloração na casca e formato alterado; abaixo, vemos uma comparação entre um ma-
racujá normal, à direita, e um apresentando virose, à esquerda. Fonte: www.ufv.br/dfp/virologia/BIO251_files/
Aula_teórica_BIO_251_2005.pdf

Outra virose de grande importância econômica para a agricultura


mundial, em particular, no âmbito da citricultura é a tristeza dos citros,
que já dizimou milhões de plantas cítricas. O vetor é o pulgão preto,
artrópode da espécie Toxoptera citricida. A vigilância em relação a essas
viroses tem de ser muito rigorosa, pois ainda que a planta cítrica afetada
não morra logo, há interferência no seu desenvolvimento e produtividade.
Para um país exportador de suco de laranja, uma virose desse tipo afetará
drasticamente a balança comercial.

CEDERJ 123
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

ATIVIDADE

1. O Sr. João tem andado muito triste, pois alguns pés de mamão do seu
quintal em Salvador, na Bahia, começaram a apresentar folhas retorcidas
com manchas amareladas. O crescimento dessas plantas diminuíu e,
além disso, uma delas começou a produzir frutos pequenos e de aspecto
assimétrico. O Sr. João andou comendo o mamão dessa planta e percebeu
que ele estava mais doce do que os outros. Contudo, alguém lhe disse
que o seu mamoeiro devia estar com a virose do mosaico, deixando-o
preocupado com a possibilidade de ficar doente em decorrência de ter
ingerido vírus de mamoeiro. O que você tem a dizer ao Sr. João?
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RESPOSTA COMENTADA
Seria chover no molhado dizer que todos os vegetais podem
desenvolver suas viroses, pois como você já aprendeu, para ter virose
basta estar vivo e ter células competentes. Outra coisa importante é
que se comermos qualquer fruto ou folha infectados, a virose não se
instalará no nosso corpo, uma vez que as células dos seres animais
têm perfis enzimáticos que as diferenciam daquelas dos vegetais.
Portanto, produzem vírus de acordo com suas especificidades
metabólicas. O Sr. João deve procurar nas plantas o vetor e eliminá-
lo. Deve também arrancar e queimar as plantas contaminadas, pois
a virose pode se espalhar para outras plantas, mesmo de espécie
diferente e com isso causar um grande prejuízo ao seu pomar.

As viroses e seu cotidiano


No Brasil, um dos locais mais atingidos pela tristeza dos citros, na década
de 1930, foi o Rio de Janeiro, particularmente, o município de Itaboraí,
que produzia as laranjas mais doces do país. Com a praga, ocorreu o
extermínio dessas laranjeiras com enorme prejuízo dos citricultores. Mas
até hoje, se você passar numa feira livre, verá que as laranjas mais caras
são as que têm o rótulo de laranjas de Itaboraí. Isso é o que se chama
fazer a fama e deitar na cama, pois essa variedade foi exterminada.
Mas, dependendo do referencial, há pragas que trazem benefício: você
já ouviu alguma história relatando o uso da vara de marmelo? Pois é!

124 CEDERJ
MÓDULO 1
16
No começo do século XX, com a expansão da agricultura brasileira,

AULA
foram importadas várias espécies de plantas frutíferas, dentre as
quais a nespereira e o pessegueiro. Embora estas aqui chegassem
aparentemente sadias, traziam uma virose que se alastrou como praga
entre os marmeleiros que aqui existiam de maneira nativa. Não sobrou
sequer um! Assim, os pais severos não puderam mais castigar seus filhos
desobedientes com as famosas varas de marmelo. Jovem brasileiro: se
você tem o privilégio de não conhecer a vara de marmelo como corretivo,
agradeça àquelas viroses!

Há também a virose da cana-de-açúcar denominada amarelinho-


da-cana, por causa do aspecto apresentado pelas folhas. Melancia, couve-
flor, brócolis, batata, batata doce, repolho e videira também podem
ESPÉCIE VEGETAL
desenvolver viroses, levando a um grande prejuízo.
INDICADORA
Da mesma forma que foi visto em relação aos animais, os vírus Tipo de planta que,
de plantas também podem ser classificados de acordo com o material quando infectada com
determinado tipo de
genômico DNA ou RNA. Além disso, podem ter o nucleocapsídeo vírus, mostra sinais da
doença. Geralmente,
envolto ou não por envelope lipídico. Entretanto, nas plantas não o primeiro tipo de
existem descrições de infecções por retrovírus, aqueles cujo modelo de planta em que a virose
foi descrita tende a ser
replicação genômica corresponde à classe 6 de Baltimore, como você viu considerado como o
principal implicado na
na Aula 15. Na Tabela 16.1 estão listadas as características estruturais manutenção da virose
na Natureza, embora
dos vírus de plantas, incluindo alguns grupos de vírus e espécies de
a mesma virose possa
plantas susceptíveis. ser propagada em
outras espécies vegetais.
Nos laboratórios de
viroses vegetais, as
plantas mais utilizadas
Tabela 16.1: Características de vírus de plantas e exemplos de vegetais que podem
como indicadoras para
infectar
diagnóstico de viroses são
Ácido Envoltório Distribuição Exemplo de Espécie de vegetal as da família solanácea,
Nucléico lipídico genômica vírus suscetível* como o fumo (Nicotiana
ds DNA** Ausente Caulimovirus Couve-flor tabacum) e a jurubeba
(Solanum juripeba) e da
ss DNA*** Ausente Curtovirus Beterraba família das leguminosas,
ds RNA Ausente Varicosavirus Alface particularmente o
Monopartite Potyvirus Batata-inglesa feijoeiro (Phaseolus
vulgaris). Na Figura
Bipartite Comovirus Feijão-fradinho
Ausente 16.8 é demonstrada
ss RNA Tripartite Cucumovirus Pepino a seqüência de
Quadripartite Tenuivirus Milho procedimentos utilizados
Presente Tospovirus Tomate para a inoculação de
viroses em plantas
indicadoras. Esses
* Da lista constam exemplos da principal ESPÉCIE VEGETAL INDICADORA, porém, um procedimentos consistem
mesmo tipo de vírus pode ser encontrado infectando diferentes espécies de plantas, em ferir as folhas da
bem como uma mesma espécie de planta pode ser infectada por tipos distintos de planta, para permitir a
vírus; **ds = fita dupla; *** ss = fita simples. introdução das partículas
virais no citoplasma do
sincício do tecido vegetal.

CEDERJ 125
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Figura 16.8: Forma de propagação de virose, utilizando planta indicadora: planta sadia adoece e suas folhas são
trituradas, o suco das folhas é filtrado utilizando filtro esterilizante. Uma planta indicadora, após ter suas folhas
lesadas mecanicamente, é borrifada com o suco filtrado, e desenvolve a virose.

Uma característica da Virologia vegetal que a diferencia da


Virologia animal é o fato de o genoma viral poder ser encontrado contido
em uma única partícula ou dividido entre duas, três ou quatro partículas
de dimensões diferentes, como você acabou de ver na Tabela 16.1. Para
que ocorra a infecção com esses tipos de vírus bi, tri ou tetrapartite é
necessário que a célula se contagie, simultaneamente, com os diferentes
tipos de partículas. Isto porque a distribuição dos GENES ESTRUTURAIS E
GENES ESTRUTURAIS
E NÃO-ESTRUTURAIS NÃO-ESTRUTURAIS é feita em partículas diferentes.
Os genes estruturais Para saber mais detalhes sobre as viroses que acometem os
são aqueles que
codificam as proteínas
cultivares brasileiros, acesse o endereço do Instituto Agronômico de
que farão parte da Campinas ou da Embrapa e procure o setor de Fitossanidade, onde
partícula viral. Os
não estruturais são encontrará mais informações sobre as viroses, os vetores e as pesquisas
aqueles que codificam
proteínas com efetuadas no Brasil sobre o assunto.
atividade enzimática, Se você quiser fazer um intervalo, a hora é esta, pois a seguir
que auxiliam ou
complementam o iniciaremos a segunda parte da aula, onde serão abordadas as viroses
metabolismo celular
para a construção de de bactérias.
novas partículas virais
sem, contudo, fazerem
parte delas. VIROSES DE BACTÉRIAS

Os vírus de bactérias, embora tenham sido os últimos a serem


descobertos, constituíram ferramentas muito úteis nas investigações sobre
a maneira como as células são infectadas e como fazem a produção
de novas partículas. Em 1915, enquanto trabalhava com culturas de
Staphylococcus aureus (bactérias associadas aos furúnculos), Frederick
Twort (1877–1950) notou que colônias destas bactérias apresentavam
focos de áreas lisadas. Se o material dessas áreas de lise, mesmo depois
de filtrado, fosse repassado para novas culturas bacterianas, da mesma

126 CEDERJ
MÓDULO 1
16
espécie, estas também lisariam. Devido a isso, Twort sugeriu que a causa
da lise deveria ser uma virose, mas não prosseguiu com essa linha de

AULA
pesquisa. Dois anos mais tarde, Felix d’Herrelle (1873-1949) descreveu a
existência dos vírus de bactérias atribuindo-lhes o nome de bacteriófago
que, em latim, significa "comedor de bactérias". O termo bacteriófago logo
deu lugar a uma nomenclatura menos complicada, passando esses vírus a
serem conhecidos por fagos. Quer se use a palavra completa ou a forma
reduzida, é claro que você percebeu que o termo não foi apropriado – mas
você deve ter em mente que no início do século XX não havia o conhecimento
do qual você está usufruindo hoje.
Há uma grande diversidade morfológica entre os vários
vírus bacterianos: eles podem ser filamentosos, icosaédricos, não-
envelopados, envelopados (sendo alguns com duplo envelope) ou de
morfologia complexa. Esquemas dessas morfologias você pode observar
na Figura 16.9.

Envelopados Não-envelopados
dsDNA dsDNA

Plasmavirus Perfil Seção Perfil Seção


Corticovirus Tectivirus
Myovirus, cabeça
isométrica
Grupo SSV1
Myovirus, cabeça
alongada
DNA

Siphovirus

Podovírus

Microvirus Plectrovirus
Lipothrixvirus
Inovirus

dsRNA ssRNA
RNA

Levivirus
Cystovirus
10 nm

Figura 16.9: Representação dos tipos morfológicos bacterianos distribuídos de acordo


com os tipos de ácido nucléico e a presença de envelope. Tomando como referência
a barra apresentada na margem esquerda inferior, você pode calcular a dimensão
de cada um dos tipos virais.

CEDERJ 127
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Entre os fagos de estrutura complexa, encontram-se os fagos T,


que são classificados numericamente de T1 a T7. A estrutura dos fagos
T de número par é aquela adotada na maioria das representações, e você
pode vê-la, de forma esquemática, na Figura 16.10.

100nm

Figura 16.10: Representação artística do fago T4. Como você pode perceber a
estrutura complexa é formada por uma cabeça de 100nm (onde está contido o
DNA), uma cauda retrátil e uma base, na qual estão inseridas fibras que têm ação
enzimática.

O design dos fagos T pares inspirou os construtores do módulo lunar


usado na Apolo 15. Navegando nesse módulo, em 1969, o astronauta
Neil Armstrong conseguiu “alunissar” e ser o primeiro homem a pôr os
pés na lua, façanha esta que você pode repetir contratando a agência
espacial russa, por US$ 100 milhões. Se não dispuser desse valor, você
pode entrar na fila de espera para passar uma semana na Estação Espacial
Internacional (ISS), pela bagatela de US$ 20 milhões. Informe-se a respeito
na embaixada russa ou pesquise na web, visitando a seguinte página:
www.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u14097.shtml.

Na Figura 16.11, você pode observar o efeito das infecções virais


nas culturas bacterianas em meio líquido ou em meio sólido. No meio
líquido, em tubos, a cultura bacteriana que antes da inoculação viral se
apresentava turva, evolui para lise. Quando a lise ocorre, o tubo adquire
o aspecto límpido tal qual o tubo controle sem crescimento bacteriano.
Embora a quantidade de vírus tenha aumentado em função das células
que lisaram, o que antes era turvo fica translúcido, pois o tamanho
das partículas virais é menor do que o menor comprimento de onda
da luz visível, portanto não absorvem a luz e, por isso, não podem ser

128 CEDERJ
MÓDULO 1
16
visualizadas. Isso foi apresentado a você na figura do espectro da luz,
na nossa Aula 1. Nas culturas em meio sólido, depois que as bactérias

AULA
são semeadas pela superfície, para formar um crescimento confluente,
inocula-se a preparação viral. A quantidade de vírus existente nesta
preparação vai ser revelada pelo número de focos de lise que é observado
na superfície da placa após o crescimento da população microbiana. Esses
focos de lise também são chamados “plaques”. A quantidade de plaques
observada corresponde ao número de partículas virais infecciosas,
contido no volume inoculado.

Figura 16.11: À esquerda: placa de Petri de 10cm de diâmetro, com crescimento


bacteriano apresentando focos de lise decorrentes da infecção fágica. Observe que
o formato dos focos de lise, ou plaques, apresenta-se circular, resultante da difusão
radial das novas partículas virais formadas. À direita: 1. tubo controle, contendo
apenas meio de cultura; 2. meio de cultura inoculado com bactérias; 3. cultura
bacteriana que após inoculação com os vírus evoluiu para lise.

QUANTIFICAÇÃO DE VÍRUS

Até 1939, as pesquisas sobre vírus bacterianos ficaram limitadas


à descrição e caracterização dos novos tipos encontrados em espécies
microbianas distintas. Naquele ano, o grupo de pesquisa liderado pelo
cientista Max Delbrück (1906-1981) elaborou os experimentos que
responderam às seguintes perguntas:
1. Quanto tempo uma cultura bacteriana infectada com vírus
demora para começar a liberar novos vírus?
2. Quantos vírus são gerados a partir de uma única célula
bacteriana?
Eles acompanharam toda a seqüência de produção de vírus,
efetuada por uma quantidade conhecida de células de E. coli, e

CEDERJ 129
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

representaram os resultados do experimento sob a forma de um gráfico


MULTIPLICIDADE DE
INFECÇÃO (USUALMENTE onde estavam relacionados a quantidade de vírus e o tempo de duração
DESIGNADA PELA SIGLA
da experiência. Nessa infecção experimental foi usada uma MULTIPLICIDADE
MOI = MULTIPLICITY
OF INFECTION) DE INFECÇÃO igual a 1.
É o índice que relaciona
o número de células
com o número de vírus A E. coli é um tipo de bactéria regularmente encontrada nas fezes dos
utilizados na infecção. animais vertebrados.
Multiplicidade igual
a 1 significa que a
quantidade de vírus é
igual à quantidade de
células bacterianas, ou A linha de resultados apresentados na Figura 16.12 mostra que,
seja, uma proporção
de 1:1. Para encontrar em função do tempo, a produção de partículas virais ocorre numa única
esse índice, com valores
diferentes, divide-se o
etapa, ou seja, forma um único patamar. Esse modelo de gráfico é típico
número de vírus pelo da formação de produtos inanimados, no caso, os arranjos moleculares
número de células
inoculadas. formados a partir dos produtos sintetizados e acumulados no interior
das células bacterianas que, ao lisarem, liberam o que produziram.
Número de partículas de fago liberadas por bactéria

Minutos

Figura 16.12: Demonstração da produção de vírus em etapa única, utilizando bactérias com o tempo de gera-
ção igual a trinta minutos.

130 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Como diluir vírus de bactérias para quantificá-los

AULA
O arranjo molecular das partículas virais é facilmente desfeito, se não
forem tomados determinados cuidados quando se vai manipular as
preparações. Para a quantificação há necessidade de diluir a suspensão
viral. Os procedimentos a serem seguidos consistem em: tendo-se uma
suspensão de vírus de bactérias, diluí-la em tampão de pH 7.6, contendo
íons Ca++ e Mg++ em concentrações micromolares, junto com um teor
protéico de 0,2%. O pH alcalino assegura a estabilidade conformacional
das proteínas da partícula viral. Os íons alcalino-terrosos se prestam
para ampliar o processo de interação vírus-célula, uma vez que as fibras
dos fagos (que são enzimas) precisam desses íons como co-fatores para
exercer sua ação na parede bacteriana. O teor protéico serve tanto para
proteger as partículas virais da ação de possíveis proteases como para
diminuir a tensão superficial da solução onde as partículas virais estão
suspensas. A tensão superficial diminuída funciona como um acolchoado
para amortecer o choque das partículas virais com a superfície do líquido
onde elas estão sendo diluídas. Se, no momento da diluição, o choque
ocorrer sem esse amortecimento, as partículas serão espatifadas devido
ao impacto, da mesma forma como se alguém caísse, dentro d’água, de
uma altura de 60m.

Em virtude de suas dimensões, as partículas virais se mantêm em


movimento browniano na suspensão aquosa. Quantificá-las consiste em
determinar quantas partículas existem em um dado volume. Para isto, a
suspensão é diluída de maneira seqüenciada e volumes estabelecidos de
cada diluição são inoculados sobre a população de bactérias previamente
semeada na superfície da camada de meio de cultura. Neste caso, a
quantificação será por plaques (Unidades Formadoras de Plaques ou
sua sigla em inglês PFU).

ATIVIDADE

2. Na virologia experimental um dos procedimentos mais executados é a


quantificação de vírus, pois é a partir destes resultados que têm início a
maioria dos trabalhos realizados em laboratório. Para que você se sinta
fazendo parte de uma equipe de virologistas, imagine-se cumprindo um
estágio em Virologia, durante o qual você precisa determinar o título
infeccioso, por mL, de uma suspensão de fagos. Dispondo do protocolo,
dos reagentes, dos materiais e das condições de assepsia, você inicia o
trabalho diluindo a suspensão viral, na base 10, nas proporções de 1:10
(10-1) até 10-6. Usando uma cultura bacteriana indicadora, previamente
semeada em meio de cultura líquido para alcançar a fase logarítmica de
crescimento, você a mistura com igual volume de uma solução tampão
de pH 7,6, adicionada de Ca, Mg e gelatina. A cultura bacteriana, assim

CEDERJ 131
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

preparada, é semeada sobre a superfície de um meio de cultura sólido,


em placa de Petri, contendo apenas os elementos nutritivos essenciais ao
clone bacteriano indicador. Você divide a área semeada da placa em seis
partes, marcando-as de -1 a -6. Em seguida adiciona, sobre o filme de
bactérias, 10 microlitros de cada uma das diluições de vírus, começando
pela mais diluída (10-6) até a mais concentrada. Com esse procedimento
você vai precisar gastar apenas uma ponteira no seu pipetador. Após 24h
de incubação a 37ºC, ao proceder a leitura dos resultados, você constata
que no local marcado -1, há um grande halo de lise com a borda regular.
No local -2 o halo tem o mesmo diâmetro, mas a borda é irregular. Em -3
já são percebidos plaques que se misturam uns aos outros, não permitindo
contagem. Em -4 contam-se 8 plaques. Nos locais -5 e -6, nenhum plaque
é observado. Diante dessa situação, faça o cálculo de quantas PFU, por mL,
estão presentes na sua preparação de vírus original.
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RESPOSTA COMENTADA
Moleza, hein? Você inoculou um volume de 10µL de cada uma
FAGOTIPAGEM das diluições da suspensão viral. No local onde foi inoculada a
(FAGO + TIPAGEM) preparação correspondente à diluição 10-4 (1 em 10.000), você
Processo usado para contou oito plaques. Isto significa que em cada 10 microlitros da
caracterizar clones de uma suspensão original, não diluída, existem 8 X 104 PFU. Mas esta
mesma espécie microbiana,
quanto à capacidade de quantidade encontrada está em 10µL. Como foi perguntada a
evoluírem para lise quando quantidade de vírus por mL e você sabe que 1 mL corresponde a
infectados com determinado
1.000µL, foi só fazer uma regra de três (se em 10 µL tem 8 X 104
tipo de fago. Parte-se de
uma quantidade de fago então, em 1.000 microlitros haverá x PFU). Fazendo a operação:
previamente definida (30 a X = (8 X 104 x 1.000)/10. Logo x será igual a: 8 X 104 x 102. Dessa
70 PFU / inóculo efetuado
sobre a cultura bacteriana, maneira, você encontrou que na sua suspensão original existem
semeada na superfície de um 8x106 PFU/mL.
meio sólido, de composição
Esses cálculos constituem a base para a técnica de FAGOTIPAGEM,
nutricional pobre). As
amostras que forem utilizada pelos microbiologistas na classificação de bactérias
indicadoras para o tipo de associadas às doenças humanas como, por exemplo, Vibrio cholera,
bacteriófago utilizado, são
classificadas como um sub- Salmonella enterica e Staphylococcus aureus e, na indústria de
clone, sensível à infecção laticínios, na identificação dos Lactobacillus utilizados na fabricação
por este fago.
de queijos.

132 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Agora que você sabe que tem 80.000 PFU/10µL na sua preparação,

AULA
é preciso diluí-la para a concentração de 50 PFU/10µL, a fim de ser
utilizada no teste de fagotipagem. Como fazer isso? É muito simples:
basta diluí-la na proporção de 1:1600. Por que 1:1600? Porque, se
temos 80.000 PFU/10µL, então, para ter 50 PFU/10 µL basta dividir
80.000 por 50 ou, simplificando, 8.000 por 5, que é igual a 1.600.
Com essa preparação assim diluída, você pode usá-la frente a
diferentes clones microbianos a fim de identificar se são indicadores
ou não do tipo de fago utilizado.
A quantidade de 8 milhões de partículas virais por mL da suspensão
parece muito, mas os números em Virologia são dessa monta para
maior e servem de alerta para obediência às condutas de segurança
no trabalho. Por isso, podemos supor que você, ao manipular as
preparações virais, fará isso de maneira a não formar aerossóis, para
evitar assim a contaminação do seu local de trabalho.

O aparecimento de PFU no processo de quantificação é


influenciado pela composição do meio de cultura. Esse fato é utilizado
rotineiramente pelos virologistas como estratégia para domar as células,
fazendo com que elas ampliem o máximo possível a expressão do seu
repertório enzimático, que é uma característica genética de cada tipo de
célula. Quanto mais amplo for esse repertório, maior será a chance das
células terem as enzimas que as capacitarão a produzir vírus. Você deve
se lembrar da competência celular mencionada na Aula 15! O truque
consiste em cultivá-las em um meio o mais pobre possível, contendo
como nutrientes somente o mínimo essencial. Uma maneira prática de
representar esse fenômeno pode ser observada na Tabela 16.2.

Tabela 16.2: Desenvolvimento de culturas celulares de acordo com o meio


usado para cultivo

Tipo de meio nutriente Cultura de células tipo A Cultura de células tipo B

Complexo (rico) + +

Restrito (pobre) + -

Analisando os resultados expressos na Tabela 16.2, você


pode perceber que a cultura A tem um repertório enzimático mais
amplo que a B, o que permite que ela se desenvolva tanto em meio
complexo quanto em meio restrito. Ou seja, a maioria das células

CEDERJ 133
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

da cultura A, por dispor de um repertório enzimático mais amplo, tem


uma maior chance de produzir vírus. Afinal, quem dispõe de maior
número de ferramentas tem maior probabilidade de ter todas aquelas
que são necessárias à elaboração de um determinado trabalho. Este é
um conceito fundamental para se entender a competência celular para
desenvolver viroses.
Quando, na superfície de um meio de cultura sólido, tem início
o fenômeno de lise numa célula da população bacteriana infectada, os
vírus liberados pela célula lisada vão infectar as células vizinhas que,
por sua vez, infectarão outras e, assim, sucessivamente até o momento
que o diâmetro do plaque estaciona. Obviamente, quanto mais ciclos de
produção viral houver, maior será o diâmetro do plaque. As células que
definem a borda final do diâmetro do plaque conseguem esta façanha
porque à medida que as células antecessoras vão lisando, o conteúdo
protoplasmático destas (incluindo vitaminas, glicídios e aminoácidos) se
difunde de maneira radial, a partir do centro. A difusão das moléculas
menores pelo meio de cultura aumenta a qualidade nutritiva deste.
As células que forem beneficiadas com esse aporte nutricional tendem
a reduzir a sua expressão enzimática, diminuindo sua versatilidade
metabólica, transformando-se, assim, em células não competentes para
produção de vírus e o plaque fica com o formato circular, conforme você
viu na Figura 16.11. Na Figura 16. 13, você pode comparar a produção
de vírus pelo mesmo tipo bacteriano, cultivado em dois meios de teor
nutritivo diferente.

Figura 16.13: Placas com crescimento de bactérias, inoculadas com suspensões virais diluídas. À esquerda, o meio
de crescimento é mínimo essencial (meio pobre); à direita, o meio é suplementado (meio rico).

134 CEDERJ
MÓDULO 1
16
ATIVIDADE

AULA
3. Considerando que as viroses na Natureza são fenômenos característicos
dos seres vivos, explique como a apresentação de uma dada virose está
relacionada com o percentual de células competentes que compõem a
população celular envolvida com a infecção viral, índice este conhecido
como eficiência de infecção (EI).
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RESPOSTA COMENTADA
Quando a EI é alta, o comprometimento da população celular do
organismo é acentuado, gerando a forma de infecção aparente
ou sintomática. Quando se trata, de populações bacterianas, esse
efeito pode ser representado sob a forma de gráfico, relacionando
a proporção de células comprometidas em função do tempo. Como
você pode ver no exemplo a seguir:

CEDERJ 135
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

MODELO DE INTERNALIZAÇÃO DO GENOMA VIRAL

O avanço da Química Orgânica e da Bioquímica permitiu definir


os processos de purificação dos vírus de bactérias e caracterizá-los
como sendo constituídos de proteínas e ácido nucléico. Até 1944, as
proteínas eram consideradas os principais elementos dos seres vivos e
os ácidos nucléicos apenas acessórios. Essa concepção foi invertida após
os clássicos experimentos de transformação genética elaborados pela
equipe do bacteriologista Oswald Avery (1877-1955), mostrando que
o material transformante era o DNA.
Corroborando os experimentos de Avery, os pesquisadores
Alfred D. Hershey (1908-1977) e Martha Chase (1930-2003), em
1952, provaram que nas infecções virais em bactérias, apenas o ácido
nucléico é internalizado.
Você pode estar se perguntando: se uma célula, para fazer vírus,
precisa da informação do DNA viral e este está contido numa concha
protéica (o capsídio) e o protoplasma das bactérias está isolado do meio
ambiente por, pelo menos, dois elementos envoltórios (a membrana
plasmática e a parede), como o ácido nucléico viral consegue atravessar
essas três barreiras?
A explicação para o fenômeno foi apresentada por meio de
singelo experimento desenvolvido por Hershey & Chase. Inicialmente,
eles prepararam meios de cultura contendo substâncias radiativas, um
com 32S e o outro com 35P. Nesses dois meios de cultura, foram inoculadas
as bactérias. Crescendo nesses meios, as células passaram a sintetizar
seus aminoácidos e suas bases nitrogenadas, respectivamente, marcados
com 32S e com 35P. Tão logo o crescimento bacteriano tornou-se visível,
as duas culturas foram inoculadas com vírus. Durante a produção
dos componentes virais, as células utilizaram os elementos por elas
sintetizados e, como resultado da infecção, lisaram. Os vírus produzidos
por essas células bacterianas eram constituídos, respectivamente, de
proteínas marcadas com 32S (lembre-se de que a metionina e a cisteína
são tio-aminoácidos) e ácidos nucléicos marcados com 35P.
Com essas duas preparações virais, elaboraram o experimento
esquematizado na Figura 16.14. Sucintamente, o experimento se
constituiu em:
a) cultivo de bactérias em dois tubos contendo meio de cultura
normal;

136 CEDERJ
MÓDULO 1
16
b) em um deles os cientistas inocularam a preparação de vírus
marcados com 32S e no outro os vírus marcados com 35P;

AULA
c) após o período de cinco minutos, a mistura vírus-bactérias foi
agitada fortemente de maneira a dissociar toda e qualquer partícula viral
que estivesse adsorvida às bactérias;
d) as preparações foram centrifugadas, para sedimentar as células
bacterianas;
e) foram recolhidos o sobrenadante e o sedimento de cada um
dos dois tubos;
f) o grau de radiatividade existente nas diferentes amostras foi aferido;
g) os resultados das aferições encontram-se na Tabela 16.3.

Tabela 16.3: Demonstração dos resultados do teor de radiatividade associada às


diferentes preparações

Amostra analisada % de radiatividade detectado

Sobrenadante da cultura 32S 85

Sedimento da cultura 32S 15

Sobrenadante da cultura 35P 15

Sedimento da cultura 35P 85

Para interpretar os resultados registrados nessa tabela, considerando


que as partículas virais eram formadas de ácido nucléico e proteínas, aquela
dupla de cientistas havia formulado duas hipóteses:
– a primeira considerava que toda a partícula viral passava para
dentro da célula. Se isto fosse verdade, o percentual de 35P e de 32S, encontrado
nas células sedimentadas, deveria ser bem próximo um do outro.
– a segunda, que apenas um dos componentes virais entrava nas
células. Se assim fosse, a concentração deste seria alta no sedimento e
baixa no sobrenadante, restando a pergunta, qual deles: as proteínas
ou o ácido nucléico?
Em função dos resultados, puderam concluir que se a maior
concentração do conteúdo fosforilado é encontrado na célula bacteriana,
enquanto a maior parte do conteúdo sulfatado está no sobrenadante,
então o que passa para dentro da bactéria é apenas o material genético
e não a capa protéica.

CEDERJ 137
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

Essa descoberta proporcionou a Alfred Hershey ser agraciado,


junto com Max Delbrück e Salvador Luria (1912-1991), com o Prêmio
Nobel de Fisiologia e Medicina de 1969.
Na Figura 16.14 encontra-se esquematizada, de maneira artística,
a seqüência dos experimentos executados por Hershey & Chase, que
demonstraram a maneira como ocorre a internalização do genoma viral
na célula bacteriana.

Bacteriófago
Proteína do capsídio DNA marcado com
marcada com fósforo radiativo
enxofre radiativo

1.Infecção

2.Liberação

3.Centrifugação

Pouco enxofre detectado nas células Muito fósforo detectado nas células

Muito enxofre Pouco fósforo detectado


detectado no no sobrenadante
sobrenadante
Figura 16.14: Experimento de Hershey & Chase.

Com esse experimento, foi possível estabelecer que o ácido nucléico


viral é injetado na célula, conforme esquematizado na Figura 16.15.

Figura 16.15: Injeção do ácido nucléico.

138 CEDERJ
MÓDULO 1
16
As conclusões formuladas por Hershey & Chase permitiram
o estabelecimento das bases moleculares que regem os processos de

AULA
transformação celular.
Fazer chegar DNA no protoplasma de uma célula é o princípio
básico da E NGENHARIA G ENÉTICA . São várias as maneiras de fazer ENGENHARIA
GENÉTICA
recombinação genética em células bacterianas: transformação, transdução,
Ramo da Biologia
conjugação e eletroporação. As três primeiras podem ser observadas na Molecular que trata
Natureza e a última, desenvolvida pelos biologistas moleculares, consiste dos processos de
transformação celular
em empregar corrente elétrica para induzir a formação de poros nas pela introdução de
DNA exógeno.
membranas celulares. Através desses poros, o DNA do exterior pode
chegar ao interior da célula. As células microbianas usadas neste processo
devem estar sob a forma de protoplasto, ou seja desprovidas de parede
celular.

Produção de protoplastos bacterianos: cultivar células bacterianas


desprovidas de parede pode ser feito quando ao meio de cultura são
adicionadas enzimas que hidrolisam a mureína ou antibióticos do tipo
beta lactâmicos (vistos por você na Aula 9). Na composição do meio
deve ser incluído alto teor de açúcar para assegurar a estabilidade do
protoplasto sem explodir. Lembre-se de que a pressão osmótica da célula
bacteriana é maior que a da célula de origem animal, conforme você viu
na Aula 3.

!
Da mesma forma que você viu para as células animais e vegetais, a expressão
de uma virose, em culturas bacterianas, está intimamente relacionada com o
repertório enzimático destas células, que é expresso de acordo com o meio
no qual as bactérias ou outro tipo de células se desenvolvem. Quanto menos
rico em nutrientes for o meio, maior terá de ser a versatilidade metabólica
das células e, conseqüentemente, maior é a probabilidade dessas células
desenvolverem virose. É fácil entender o motivo: em meio pobre a célula
tem de “tirar suco de pedra”, por isso, precisa ter uma expressão enzimática
mais ampla para poder sobreviver e, as que têm um repertório mais amplo,
também têm maior chance de possuir as enzimas necessárias para síntese dos
componentes necessários à construção de novas partículas virais.

EFICIÊNCIA DE INFECÇÃO E EXPRESSÃO DAS VIROSES NA


NATUREZA

Você já viu que, como nas viroses em animais, a expressão das


viroses nas populações bacterianas está relacionada com o número de
células competentes que compõem a referida população. Assim, quando
numa determinada cultura o percentual de células capazes de produzir
vírus for muito alto, após a infecção fágica, estas evoluem para lise.

CEDERJ 139
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

A cultura lisada é facilmente identificada pelo seu aspecto transparente.


Entretanto, se a cultura tiver 50% ou menos de células competentes, o
efeito da virose não será notado como lise, pois as células incompetentes
continuarão a se multiplicar, mantendo o aspecto turvo do meio de
cultura. Quanto menor for a proporção de células competentes na
cultura, menos evidente fica a virose, ou seja, toma um caráter inaparente.
A virose nas bactérias, da mesma maneira que nas viroses de animais ou
de plantas, tende a se apresentar de forma inaparente.

INCORPORAÇÃO DO GENOMA VIRAL NO CROMOSSOMO


BACTERIANO

Dentro de uma população de células bacterianas, quando infectadas


por vírus, algumas delas têm a capacidade de expressar enzimas do tipo
integrase que, utilizando o genoma viral como substrato, promovem
a integração da molécula de DNA dos vírus à molécula cromossomial
bacteriana. Quando isto acontece, as células bacterianas passam a se
multiplicar mantendo o genoma alterado. A seqüência de genes virais
é mantida reprimida. Por isso, esse modelo de interação vírus – célula
só foi compreendido a partir dos experimentos de André Lwoff (1902-
1994), na França, mostrando que uma cultura bacteriana contendo o
genoma fágico pode ser repicada normalmente sem perda do genoma
viral. Entretanto, nesse tipo de população bacteriana, foi demonstrado
que existe também uma permanente produção de vírus, ou seja, algumas
células dessa população perdem o controle da repressão dos genes virais
e evoluem para lise em virtude da produção de novas partículas virais.
A seqüência genômica do fago incorporada ao genoma bacteriano
recebe o nome de profago. As células das culturas bacterianas com essa
característica multiplicam-se normalmente. Entretanto, uma em cada 105,
naturalmente, perde o controle da integração do profago e o libera. Esse
genoma fágico livre no protoplasma passa a ser utilizado pela célula da
mesma maneira que aquele introduzido nas fases iniciais da interação
vírus-bactéria. As células onde o genoma viral fica desreprimido passam
a sintetizar os componentes virais, e evoluem para lise liberando as
partículas virais neoformadas no meio de cultura. As células portadoras
do profago são resistentes à reinfecção.
Para você saber se as células de uma cultura têm profago, basta
centrifugá-las, recolher o sobrenadante, passá-lo em filtro esterilizante

140 CEDERJ
MÓDULO 1
16
e inocular o fluido filtrado em uma nova cultura bacteriana constituída
em 100% de células competentes para a produção dos vírus. Quando

AULA
estas forem infectadas, a virose evoluirá para lise. Assim, podemos dizer
que o sobrenadante da primeira cultura bacteriana (profago positiva) é
capaz de gerar lise na população da segunda. As populações que evoluem
para lise são chamadas indicadoras e aquelas que geram a lise nestas,
são denominadas lisogênicas para as indicadoras.
Dessa maneira, só pode ser caracterizada uma cultura lisogênica
se existir a indicadora para ela e vice-versa.
Na Figura 16.16 você pode observar uma representação artística
envolvendo o fenômeno de lise e de lisogenia.

Ocasionalmente, o prófago
é liberado do cromossoma
Adsorção do fago à parede bacteriano, e a célula inicia
celular e injeção do DNA a produção de vírus
DNA do fago Muitas divisões
celulares produzem
uma colônia de
bactérias infectadas
Cromossoma como prófago
bacteriano

Produção Integração

Circularização As bactérias se reproduzem


Lise celular, do DNA do fago normalmente, copiando o
liberação prófago e transmitindo-o
dos fagos às novas células

Prófago
ou

Novos DNA e proteínas Integração do DNA


virais são sintetizados e viral ao cromossoma
montados como fagos bacteriano, formando
um prófago como fagos

Partícula Genoma viral enovelado Cromossoma bacteriano


viral Bactéria
completa Genoma viral circularizado Cromossoma bacteriano
com prófago

Figura 16.16: Fenômenos de lise e de lisogenia nas culturas bacterianas.

CEDERJ 141
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

A descoberta do fenômeno da lisogenia propiciou a André Lwoff


receber o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1965. Esse prêmio
foi dividido com outros dois pesquisadores do Instituto Pasteur de Paris,
Jacques Monod (1910-1976) e François Jacob (1920- ), que descobriram
o SISTEMA OPERON de controle genético em bactérias.

SISTEMA OPERON
É constituído por uma seqüência de genes estruturais que são controlados por produtos dos genes reguladores, sendo
um o gene operador que, por sua vez, é controlado por um gene promotor. Esse controle pode ser efetuado de maneira
positiva ou negativa. A regulação positiva faz com que os produtos dos genes estruturais sejam traduzidos em enzimas
efetoras, quando a bactéria encontra o substrato. Essa situação é verificada quando culturas de E. coli são cultivadas
em presença de lactose, que resulta na expressão de lactase. A regulação negativa é verificada quando as células que
estão expressando as enzimas para síntese de determinado aminoácido o recebem como suplemento alimentar. A partir
desse momento, as células reprimem a tradução das enzimas envolvidas na síntese do mesmo e as que estão prontas
são encaminhadas para a digestão proteassomal. Em ambas situações, cessado o aporte do substrato, o processo é
revertido. Este fenômeno fisiológico recebe o nome de feedback ou retro-alimentação.

ATIVIDADE

4. Considere que você trabalha cultivando um clone de bactérias de uma


determinada espécie. Como saber se sua cultura é lisogênica ou indicadora
para um determinado tipo de bacteriófago? Apresente sua resposta sob
a forma de esquema.
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RESPOSTA COMENTADA
Já se considerando virologista, certamente você respondeu assim:
Seu clone Æ cultivado em meio de cultura pobre Æ centrifugado
e se recolhe o sobrenadante Æ passado em filtro esterilizante Æ
inocula-se o material filtrado em clones microbianos da mesma
espécieÆ espera-se o aparecimento de plaques no(s) clone(s)
de bactérias para os quais sua cultura é lisogênica. Para saber se
seu clone é indicador, você deve ter utilizado diferentes amostras
de bacteriófagos que infectam a espécie microbiana do seu clone.
A infecção fágica que resultar em plaques corresponde ao tipo viral
para o qual o seu clone microbiano é indicador. A literatura utiliza
os termos “ciclo lítico” e “ciclo lisogênico”, para definir as situações
que acabamos de apresentar, os quais guardam uma semântica
que não expressa a verdadeira fenomenologia do processo.

142 CEDERJ
MÓDULO 1
16
Os aspectos das viroses de plantas e de bactérias, aqui abordados,
não esgotam o assunto. Como você já está ciente, todos os seres vivos

AULA
podem desenvolver suas viroses, dependendo da competência metabólica
das suas células. Se você fizer uma pesquisa na web, vai se deparar com
os aspectos peculiares das viroses em fungos, protozoários, insetos,
lagartas, peixes, camarões, répteis, cetáceos e ao que mais lhe permitir
a sua imaginação em relação aos diferentes tipos de seres vivos.

CONCLUSÃO

As viroses em plantas e em bactérias envolvem tipos celulares


bem diferentes: um eucarioto e outro procarioto, embora ambos tenham
uma parede rígida envolvendo o conteúdo protoplasmático. Isto faz
com que a internalização do genoma viral nesses tipos celulares seja um
processo que tem de vencer, pelo menos, três barreiras. A primeira é a
capa protéica do capsídio viral e, as outras duas são constituídas pela
parede e a membrana plasmática celulares. Os processos físico-químicos
envolvidos no fenômeno de infecção desses tipos celulares evoluíram de
forma diferente. Nas bactérias, o genoma viral é injetado e, nas plantas, o
tecido deve ser previamente lesionado para deixar exposto seu ambiente
citoplasmático, onde as partículas de vírus devem ser depositadas. Estas
últimas, ao entrarem em contato com o protoplasma, têm seu arranjo
desfeito, disponibilizando assim o ácido nucléico à atividade enzimática
do protoplasma vegetal. Independente do tipo de planta, a expressão da
virose vai depender do potencial enzimático dos seus protoplastos, para
produzir os diferentes componentes necessários à formação de novas
partículas virais. Dependendo desse potencial, a infecção no vegetal
evolui para a forma inaparente ou aparente, sendo estes extremos
representativos, respectivamente, de uma menor ou maior competência
metabólica. O efeito das viroses nas plantas pode ser considerado
como fator de prejuízo ou de lucro. Da mesma forma, nas populações
bacterianas de uso industrial, as viroses podem gerar prejuízo, como
TOXÓIDE
por exemplo nas indústrias de laticínios, onde a ocorrência de viroses
Toxina; termo
de lactobacilos, com lise, prejudica o processo de fermentação do leite que define aquelas
preparações de toxina
para coagulação. Entretanto, quando se trata de preparações de botox que são submetidas à
(toxina botulínica utilizada em Medicina estética e em Fisioterapia), ação de substâncias
químicas e perdem sua
ou do TOXÓIDE diftérico (utilizado na produção de vacina antidifteria), propriedade tóxica.

CEDERJ 143
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

a infecção fágica, respectivamente, dos Chlostridium botulinum e das


Corinebacteria diphteriae, representa lucro, pois essas toxinas são
produtos bacterianos codificados pelo genoma viral.
As viroses em plantas, em particular o mosaico do tabaco, foram as
primeiras a serem descritas e até hoje vêm contribuindo para a ampliação
do conhecimento da Fisiologia celular e para o melhoramento de espécies
vegetais.
O entendimento sobre o modelo de infecção viral em bactérias tem
alicerçado os processos de genética molecular envolvendo transformação
celular e clonagens, que resultam em culturas de células “engenheiradas”,
para a produção de biofármacos e produtos enzimáticos aplicados na
Biologia Molecular. Exemplo dos primeiros são os interferons e os
hormônios peptídicos (insulina, somatotrofina e eritropoietina). Na
segunda categoria, encontram-se as endonucleases, conhecidas como
enzimas de restrição e as polimerases, utilizadas nas técnicas de PCR,
RT-PCR, NASBA e outras tecnologias de ácidos nucléicos.

ATIVIDADE FINAL

Vamos ver se você já se familiarizou de forma integrada com os fenômenos


relacionados aos estágios iniciais das viroses em plantas e em bactérias. Para
tanto, descreva como acontecem os processos de internalização da informação
genética dos vírus, nas plantas e nas bactérias.

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RESPOSTA COMENTADA
De forma simplificada, toda infecção em tecido vegetal tem início
quando a partícula viral (mono ou polipartite) é introduzida por processo
mecânico no âmago do tecido vegetal, fazendo com que os vírus

144 CEDERJ
MÓDULO 1
sejam depositados no ambiente citoplasmático do corpo sincicial da

16
planta. Este ambiente corresponde àquele onde os componentes dessa

AULA
partícula viral foram sintetizados e endereçados para uma determinada
área protoplasmática, onde foram montados sob a forma de um arranjo
molecular. Esse mesmo tipo de arranjo é desfeito quando se encontra
no local onde ocorreu a síntese. Sendo assim, deixa livre o genoma que
é processado pelo metabolismo do vegetal, para a síntese de novo, de
componentes virais para a construção de novas partículas.
Nas bactérias, a internalização do genoma dos fagos se dá por um
processo de injeção no qual as partículas dos fagos, particularmente
aqueles da série T par, se comportam como uma espécie de seringa
especial para “engenheirar” células.

RESUMO

A virologia é uma ciência cheia de surpresas. Essas surpresas variam de acordo


com o tipo de células envolvido com as viroses. Nas plantas cultivadas, as infecções
virais podem ocorrer trazendo lucros ou prejuízos financeiros. Anatomicamente,
as plantas se apresentam como um grande sincício, daí a necessidade de serem
lesionadas para que os vírus sejam depositados no corpo citoplasmático do sincício.
Os tipos virais que infectam plantas podem ter genoma de fita simples ou dupla,
sendo DNA ou RNA. Aqueles de RNA de fita simples podem ser de fita única
ou subdividida entre duas, três ou quatro partículas diferentes. O controle das
infecções virais nas plantas pode ser feito por seleção de variedades naturalmente
resistentes ou que desenvolvem infecção inaparente.
Nos cultivares obtidos por enxerto, é possível minimizar a virose pelo uso de cavalo
livre de virose e cavaleiro premunizado.
No estudo das viroses, o modelo de infecção bacteriana tem esclarecido muitos
detalhes da Fisiologia celular e contribuído para a compreensão dos processos
genéticos e de Biologia Molecular, situação esta confirmada pela disponibilidade
comercial de enzimas codificadas por genoma viral, sendo expressas por populações
bacterianas naturalmente infectadas ou transformadas por métodos de engenharia
genética.
O estudo dos bacteriófagos pode ser feito de maneira quantitativa, tomando-
se como unidade a formação de focos de lise ou, simplesmente, plaques.

CEDERJ 145
MICROBIOLOGIA | Vírus e viroses de plantas e de células procarióticas

A propagação dos fagos somente é alcançada quando se dispõe de clones


bacterianos indicadores, ou seja, aqueles com versatilidade metabólica para
produzir os diferentes componentes a serem utilizados na confecção de novas
partículas virais pelas células. Essa versatilidade metabólica é o principal alvo de
interesse do virologista que pretende domar as células para que elas sejam capazes
de “obedecer” às informações contidas no genoma viral. Para isso, utiliza meios
de cultura com o mínimo essencial ao crescimento celular.
A análise físico-química dos fagos produzidos sob estas circunstâncias mostra que
são constituídos de DNA ou RNA, de fita simples ou dupla, podendo conter, ainda,
envelope lipídico.
A infecção por bacteriófagos pode resultar em lise da população bacteriana
comprometida, mas também pode ocorrer como uma transformação celular,
pois o genoma desses vírus pode ser incorporado ao cromossoma bacteriano.
Nas culturas assim transformadas, alguns dos indivíduos perdem o controle de
repressão do genoma viral e evoluem para lise, com produção de vírus a partir dos
provírus. As culturas onde este fenômeno é observado são definidas como culturas
lisogênicas, pois no sobrenadante destas, os vírus liberados por uma quantidade
ínfima de elementos da população quando levados para uma cultura bacteriana
indicadora, esta evolui para lise, pois seus integrantes são células com repertório
enzimático apropriado à produção de vírus.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Viroses na Natureza são fenômenos característicos dos seres vivos que, contaminados,
podem sobreviver ou sucumbir à infecção, dependendo da quantidade de células
competentes para tal que eles possuam. Nos animais, a maneira de expressão das
viroses e a forma como se recuperam espontaneamente destas são temas a serem
abordados na próxima aula.

146 CEDERJ
MÓDULO 1
16
SITES RECOMENDADOS

AULA
http://www.geocities.com/RainForest/2038/envmicro/envmicrop.htm

http:// www.micro.msb.le.ac.uk/Labwork/grow/grow1.htm

http://www.iac.sp.gov.br

http://www.embrapa.br:8080/aplic/bn.nsf/ Noticias?OpenView

CEDERJ 147
17
AULA
Cura espontânea
nas viroses de animais
Meta da aula
Evidenciar que as viroses são desenvolvidas por
organismos que apresentam células competentes
à produção de componentes virais e que a cura
nas viroses depende de mecanismos próprios da
comunicação celular.
objetivos

Esperamos que, após estudar o conteúdo desta aula, você


seja capaz de:
• descrever os mecanismos fisiológicos que permitem ao
organismo curar-se espontaneamente das viroses;
• identificar a maior ocorrência das viroses, em relação às
outras infecções;
• citar as formas de contaminação nas viroses;
• justificar por que as viroses podem ser definidas como
fatores de seleção;
• discutir como as viroses influenciam o relógio biológico dos
seres humanos.

Pré-requisitos
Para que a sua compreensão desta aula flua melhor, você deve recordar
a Aula 4 onde foram apresentados os produtos celulares. Precisa ter
sedimentados os conceitos de viroses aprendidos nas Aulas 15 e 16, que
devem estar à mão para eventuais consultas. Você vai precisar também
recordar os tipos de sinalização celular apresentados nas Aulas 13 e 14 de
Biologia Celular. Além disso, será muito proveitosa a releitura das Aulas
31, 32 e 33 de Bioquímica II, para você relembrar os hormônios e sua
importância na fisiologia orgânica.
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

INTRODUÇÃO Você já percebeu que viroses só acontecem em células vivas e, portanto,


qualquer tipo de ser vivo é passível de desenvolver viroses. Partindo dessas
premissas decorrentes de uma infecção viral, e compreendendo que a disfunção
celular ou tecidual no organismo humano é resultante das alterações nos
processos fisiológicos celulares, é necessário relembrá-los, o que será feito
na primeira parte desta aula, onde você verá como as células que compõem
o corpo humano se comportam para desempenhar suas funções e como as
viroses levam à disfunção. Verá, mais adiante, como as viroses se constituem
em elementos de seleção das espécies animais na Natureza.

AS BASES FISIOLÓGICAS PARA A COMPREENSÃO DO


EFEITO DAS VIROSES NO ORGANISMO HUMANO

Um ser humano adulto é formado por algo em torno de 100


trilhões de células, que estão, na sua grande maioria, constantemente
sendo renovadas, portanto, diferenciando-se para compensar o desgaste
que ocorre nos diferentes órgãos ou tecidos: articulações, vasos
sangüíneos, pele, mucosas, elementos figurados do sangue e células dos
diversos órgãos.
Essa reposição, em média, é de vinte bilhões de células/hora.
Como exemplo marcante, podemos lembrar da medula óssea que gera
os diversos elementos figurados presentes na corrente sangüínea e, dentre
estes, produz, aproximadamente, 2 milhões de eritrócitos por segundo,
que são liberados na corrente sangüínea sob a forma de hemácias.
Esse constante estado de renovação tecidual se deve às células
somáticas que executam mitose. O processo de multiplicação celular é
uma atividade cíclica que envolve diferentes estágios de diferenciação,
como você pode ver no esquema apresentado na Figura 17.1. Cada uma
destas fases (G1, S, G2, M) tem a participação de enzimas que podem ser
específicas de cada fase e/ou comuns a mais de uma das fases.

150 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Ciclina A
Fase G1
CDK2 Fase G0

AULA
Crescimento celular
Repouso celular e surgimento de
Ciclina A novas proteínas
Ciclina E
CDK1
CDK2 S
G2
Fase M
Ciclina B A célula se divide
G1 CDK1 (mitose)
Ciclina D M
CDK6
Ciclina D
CDK4
Fase G2 Fase S
A célula prepara-se A célula replica
G0 para a divisão seu DNA

Legenda: CDK – Quinase dependente de Ciclina.

Figura 17.1: Resumo das fases do ciclo mitótico de um tipo celular, mostrando os
momentos de ação das diferentes QUINASES e CICLINAS. QUINASES
Enzimas que promovem
a ativação ou a
Você deve estar pensando: se a multiplicação celular é um inativação das moléculas
ao fosforilá-las.
processo normal de diferenciação, então, as células devem passar por
uma atividade anabólica. É verdade! Para poderem se multiplicar, CICLINAS
Proteínas envolvidas
as células têm de crescer e para crescer têm de comer. Para isso, a nas diferentes etapas
célula precisa capturar elementos energéticos e nutrientes, presentes do ciclo mitótico.

no ambiente extracelular, e o faz utilizando-se dos receptores de que


dispõe na membrana plasmática, que estão em constante renovação.
Alguns desses receptores você estudou na Aula 15. A partir do material
ingerido, as células utilizam o equipamento enzimático para duplicarem
os seus constituintes nucleoprotéicos, glicídicos e lipídicos.
Num sistema fechado, como é o corpo humano, no qual a
quantidade de nutrientes, como por exemplo a glicose, é mantida em
equilíbrio, para que um grupo de células prolifere é necessário que
outro ou outros grupos deixem de proliferar. É isso que ocorre no corpo
humano, pois a insulina é produzida em doses ínfimas e as células só
conseguem internalizar glicose se antes capturarem insulina. Isso você viu
nas Aulas 31, 32 e 33 de Bioquímica. Para tanto, precisam sintetizar os
receptores para este hormônio e impedir que outras células o capturem.
O artifício utilizado pelas células é o seguinte: a célula que primeiro entrar
na fase de anabolismo, sintetiza e secreta um grupo de citocinas que tem

CEDERJ 151
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

o nome de INTERFERONS. Estes exercem seus efeitos biológicos induzindo


INTERFERONS
Substâncias protéicas
as células, às quais se ligam, a retardarem ou paralisarem o processo
descritas pela primeira de síntese protéica que estão executando. Esse efeito pode ser exercido
vez por Isaacs e
Lindenmann, em de maneira parácrina ou endócrina (conceitos que você aprendeu nas
1957, a partir de
experimentos em Aulas 13 e 14 de Biologia Celular), ou seja, atuam, respectivamente,
que era observado sobre as células vizinhas ou de forma sistêmica (à distância). As células
o fenômeno de
interferência. Esse atingidas param de reciclar os seus receptores, dentre os quais os de
experimento consistiu
em inocular uma insulina e, assim, em virtude do déficit energético, passam do estado
preparação de vírus da
de anabolismo para o de catabolismo. Nesse estado de catabolismo,
influenza, previamente
inativada, em um as células ficam impedidas de sintetizar novos componentes protéicos.
sistema celular e, após
24 horas, reinocular Dessa forma, nem sintetizam seus componentes essenciais, nem traduzem
este sistema com uma
preparação infecciosa
informações contidas em genomas nelas internalizados.
do mesmo tipo de Esse estado de disfunção celular pode ser instalado, de maneira
vírus. Verificaram
então que o efeito sistêmica, no corpo de uma pessoa, quando lhe é injetado interferon em
esperado da infecção
viral não acontecia no altas doses. Como conseqüência, o indivíduo passa a apresentar sintomas
sistema pré-inoculado, que se assemelham a um estado gripal, incluindo coriza, lacrimejamento,
embora fosse visível
no controle sem a fadiga, febre, dor muscular (mialgia) e dor de cabeça (cefaléia), podendo
prévia inoculação.
Os pesquisadores ainda ser acompanhados de calafrios, enjôo (náuseas) e falta de apetite
concluíram os
(anorexia). Esse conjunto de sintomas ocorre em pessoas ou animais que
estudos obtendo a
substância responsável recebem injeções de interferon e é sinal de que a droga está ativa.
pela interferência
e, devido a este
fenômeno peculiar, Utilização dos IFNs – Para alguns tipos de câncer e de viroses crônicas,
a denominaram como é o caso da Hepatite C, dentre outras, os pacientes são submetidos a
interferon. Em razão doses semanais de 3 a 10 milhões de unidades internacionais de IFN (tipo
destes experimentos, alfa humano clonado em bactérias), divididas em três aplicações, em dias
criou-se a lenda dos alternados durante, pelo menos, seis meses. Como esta é uma quantidade
interferons serem muito acima do nível fisiológico e os IFNs atuam sobre qualquer célula que
antivirais, quando na
exiba os receptores para esta substância, não sendo seletivo para as células
verdade são produtos
que alteraram sua função, é fácil prever que o indivíduo terá sua qualidade
fisiológicos que, ao
de vida bastante alterada. Os exames sorológicos feitos nessas pessoas
induzirem na célula
mostram que há uma diminuição da síntese protéica, de maneira geral,
um estado de inibição
que é percebida pela grande perda de peso, plaquetopenia e carência de
de síntese protéica,
energia física e mental apresentadas por elas. Além disso, conforme dados
bloqueiam a síntese
da literatura, 36 a 80% dos submetidos a esse tipo de tratamento, que pode
de qualquer proteína
durar até 18 meses, se sobreviverem, continuarão com o quadro que gerou
pela célula, inclusive
a indicação do início do tratamento, como você pode ver em Cheinquer,
as virais. Mas preste
atenção: como produto
H. & Schiff, E. “Uso de Interferon em Hepatites Virais”. In: FOCACCIA,
natural que é, ele deve Roberto. Hepatites Virais. Editora Atheneu: 1997, pp. 141-156.
existir em um nível
fisiológico, como
qualquer hormônio,
CARACTERÍSTICAS DOS INTERFERONS (IFNS)
e o desequilíbrio
nesse nível promove
alterações que, Quimicamente, os interferons são proteínas que, de acordo com
geralmente, são
prejudiciais ao o tipo de células que os produzem, são classificados como α, β e γ.
organismo. Os interferons dos tipos α e β são produzidos pelas células fibroblásticas

152 CEDERJ
MÓDULO 1
17
(somáticas), leucocitárias (monócitos, macrófagos e células dendríticas)
INSULINA E
e linfoblastóides (linfócitos B). Já o interferon do tipo γ é produzido SOMATOTROFINA

AULA
por linfócitos T e, por isso, também é denominado interferon Hormônios de natureza
protéica, originários,
imune. Fisiologicamente, os interferons do tipo β atuam de forma respectivamente, das
ilhotas de Langherans
parácrina, enquanto os dos tipos α e γ exercem seus efeitos de forma
(pâncreas) e da hipófise
endócrina, semelhante às ações dos hormônios peptídicos, como a INSULINA (cérebro). O primeiro
participa do metabolismo
e a SOMATOTROFINA. dos carboidratos e o
segundo, do crescimento
O efeito biológico dos interferons tem início quando essas corporal. Embora a
moléculas interagem com os receptores celulares. De acordo com o tipo origem glandular dos
hormônios seja fato
de receptor, com o qual pode se ligar, são classificados apenas dois tipos sacramentado pela
literatura médica, a
de interferons: no tipo I estão incluídos todos aqueles que compartilham o maioria dos hormônios
mesmo receptor (α, β e outros a estes assemelhados) e no tipo II encontra- peptídicos presentes
no corpo é produzida
se o γ, que tem receptor privativo. No interior das células, com as quais os pelos leucócitos, que
também apresentam
interferons interagem, verifica-se uma seqüência de eventos enzimáticos, receptores para eles. Se
isto é novidade para você,
que resulta na inibição da síntese protéica celular. Na Figura 17.2 você
procure a fonte: Brown,
pode perceber como ocorre esse mecanismo de ação dos interferons. S.L. and Blalock, J,
1990, obra citada
nas referências
Ligação dos interferons aos receptores celulares desta aula.

Ativação da enzima ribonuclease L Ativação de uma proteína quinase


constitutiva da célula constitutiva da célula

Ribonuclease L ativada Proteína quinase ativada

Fator de iniciação da síntase protéica celular


Degradação dos RNA m
(el F- 2) inativado após a fosforilação

Inibição da síntese de proteínas pela célula

Figura 17.2: Efeito da sinalização dos IFNs sobre as células não linfocitárias: o blo-
queio da síntese protéica nas células sinalizadas com interferon se faz por duas
vias: pela degradação dos RNA m e por inibição do alongamento dos peptídios
em formação.

CEDERJ 153
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Fisiologicamente, as células ao liberarem IFN contribuem para


que suas vizinhas freiem a síntese protéica e passem para o estado de
catabolismo, durante o qual fazem a degradação proteassomal das
proteínas neoformadas, como você viu na Aula 15. Essa situação pode
ser facilmente registrada em pessoas que tomam interferon ou naquelas
que estão acometidas de uma forte virose. A sensação de mal-estar pode
ser assim explicada: as células sensibilizadas pelos interferons reduzem
a produção dos seus receptores de superfície e, com isso, deixam de
capturar muitos dos produtos que lhe são essenciais. Se considerarmos
este fato ocorrendo, por exemplo, com as células musculares, estas, ao
diminuirem a captura de oxigênio para obtenção de energia, deixam
de fazer respiração e passam a fazer fermentação. Com isso, produzem
ácido lático e este reage com os íons Ca++. Sem Ca++ a fibra muscular
fica impossibilitada de despolarizar e o músculo permanece relaxado.
Esta situação é conhecida como cãibra. A pessoa em quem este fenômeno
acontece, de forma sistêmica, passa a apresentar dores musculares
generalizadas, em razão da disfunção instalada.

INTERFEROSE Contração muscular: processo que envolve fenômenos elétricos e


(INTERFERON + OSE) mecânicos, que começam na placa motora da terminação nervosa
Conjunto de sinais ou
e são transmitidos ao longo dos feixes de actina e miosina que
sintomas apresentados compõem os elementos contráteis da fibra muscular, dependentes de
pelo corpo de um íons Ca++ para exercerem a função.
indivíduo com nível
sistêmico elevado de
interferon. A disfunção muscular é facilmente percebida pelo cansaço, dor
MEGACARIÓCITO nas costas, as pálpebras superiores ficam caídas, o tônus dos músculos
Célula de grandes
faciais fica flácido, levando a uma aparência de sofrimento. Você já viu
dimensões produzida
na medula óssea, alguém assim ou já se sentiu desta forma? Os outros tecidos do corpo
dotada de núcleo
grande e irregularmente também se ressentem da INTERFEROSE. Os neurônios, que normalmente
lobulado. Precursora
das plaquetas,
estão efetuando suas conexões,"emperram". O que você sente? Dor de
elementos sangüíneos cabeça! Experimente, nessas condições, fazer uma conta de multiplicar,
que são apenas
fragmentos e... onde foi parar o seu poder de concentração? E ainda tem a febre,
citoplasmáticos dos
megacariócitos. que o induz a pedir cama. Nos outros tecidos como, por exemplo, a
As plaquetas medula óssea, pele e mucosas, esse efeito resulta na diminuição da
desempenham
importante papel na velocidade de geração celular (tempo de geração aumentado). Com isso,
coagulação sangüínea
(seu número, em os níveis normais dos elementos sangüíneos, monócitos, granulócitos e
condições normais,
plaquetas, decaem rapidamente. Os dois primeiros por retardamento na
oscila entre 200 e 300
mil por milímetro mitose dos seus precursores e as plaquetas por redução no crescimento
cúbico de sangue).
citoplasmático dos MEGACARIÓCITOS.

154 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Quando, após a sensibilização com interferon, as células do
corpo evoluem para o estágio de catabolismo, ficam impossibilitadas

AULA
de sintetizar novos produtos protéicos.
Sob esse estado de interferose, qualquer animal fica lerdo e
desatento. Essa situação é diretamente proporcional à quantidade de
interferon presente no organismo e tende a desaparecer após três a quatro
dias do início da interferose.

ATIVIDADE

1. Examinando as ilustrações apresentadas nas Figuras 17.1 e 17.2,


explique em que fases do ciclo celular pode ser exercida a inibição
mediada pelos interferons.

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_____________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Você entendeu que, durante o ciclo celular, a célula para passar de


uma fase a outra necessita dispor das proteínas responsáveis pelas
transformações metabólicas características de cada uma das fases.
Logo, se for adicionado interferon do tipo alfa, a uma população
celular, mantida in vitro, espera-se observar que, independente do
estágio em que se encontrem (G0→G1; G1→S; S→G2 e G2→M) elas
param a diferenciação, pois as mudanças fisiológicas dependem
de um estado de anabolismo, ou seja, dependem da síntese de
proteínas. Por outro lado, da fase M para a G0, esta transformação
é mediada por um processo catabólico. Como você foi perspicaz,
percebeu que no ciclo da Figura 17.1, as setas posicionadas no
sentido horário indicam anabolismo. A exceção são os linfócitos, sobre
os quais os interferons, ao invés de bloquear a síntese protéica, os
estimulam à proliferação mitótica.

SISTEMA ENDÓCRINO FUNÇÕES


NEUROENDÓCRINAS
As FUNÇÕES NEUROENDÓCRINAS têm importância vital para o bem-estar
São relativas a
do corpo cuja homeostase depende do equilíbrio entre a produção e o atividades ou
fenômenos nervosos e
consumo dos hormônios pelo organismo. endócrinos.

CEDERJ 155
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Toda a seqüência dos acontecimentos orgânicos tem origem no cérebro,


em particular na glândula hipófise que é a responsável pela produção
dos hormônios que por um controle de feedback regulam o relógio
biológico ou ritmo circadiano (cerca de um dia). Este é o ritmo biológico
que rege, de forma repetitiva, as características fisiológicas próprias a cada
espécie, animal ou vegetal. Como exemplo, nos seres humanos, ter sono
à noite e despertar pela manhã. Dentre os hormônios envolvidos neste
ciclo destacam-se o Adenocorticotrófico (ACTH) e o cortisol. Quando a
quantidade de cortisol no organismo está alta o nível de ACTH está baixo
e vice-versa. Isto é conseqüência do feedback envolvendo as glândulas
hipófise e supra-renais. Estas últimas são produtoras do cortisol (preste
atenção: o cortisol é o hormônio natural, fabricado pelo corpo e corticóide
é esse produto industrializado). A molécula deste hormônio tem como base
o colesterol e para sua maior fixação recomendamos que você consulte
outras fontes e desenhe as fórmulas químicas do colesterol e dos hormônios
da supra-renal.

A Figura 17.3 apresenta um feedback fisiológico envolvendo o


HIPÓFISE
ACTH produzido pela HIPÓFISE e o cortisol da supra-renal. Este último
Glândula endócrina,
de funções múltiplas, é responsável pelo estado de vitalidade de um organismo animal e sua
localizada na parte
inferior do cérebro, produção é regida pelo estímulo luminoso. Na Figura 17.4 você pode
também denominada
glândula pituitária.
observar que a produção do cortisol se dá, preferencialmente, durante
Dentre outras coisas, o sono. A quantidade de cortisol presente no plasma de um indivíduo
regula a atividade de
outras glândulas, como acordado é determinante da sua disposição para o trabalho e o lazer e
a tireóide e a supra-
renal. quando essa concentração diminui, vem o cansaço e o sono reparador.

ACTH Hipófise
Hormônio
adenocorticotrófico
produzido pela
ol

glândula pituitária, que


rtis
Co

estimula a produção
ACTH

de hormônios
corticosteróides pelo
córtex das supra-
Renovação celular
renais.

Pele e mucosas Articulações Vasos sangüíneos

Medula óssea Órgãos


TH
AC

l
so
rti
Co
Supra-renal

Cortisol ACTH

Figura 17.3: Funcionamento do eixo hipófise/supra-renal responsável pelo ritmo


circadiano (relógio biológico) que regula o sono e o despertar dos indivíduos.
156 CEDERJ
MÓDULO 1
17
20

AULA
16
Cortisol plasmático (μg/dl–1)

12

0 h
0 4 8 12 16 20 24

Dormindo Acordado
Período de tempo

Figura 17.4: Balanço da produção de cortisol em um período de 24 horas.

AS VIROSES DO NOSSO COTIDIANO

Agora que já recordamos a fisiologia pertinente ao corpo de um


animal, vamos às viroses: você verá neste momento da aula como se dá
a transmissão, como ocorre a cura espontânea e como essas infecções
influenciam na seleção das espécies na Natureza.
Como você está lembrado da Aula 15, os dados estatísticos
da OMS mostram que 2/3 de todas as doenças infectocontagiosas
que acometem os seres humanos são viroses. É possível realizar uma
verificação estatística disso, em pequena escala, se fizermos em qualquer
grupo, a seguinte pergunta: quem já teve viroses (por exemplo: gripe,
sarampo, rubéola, herpes, catapora, dengue, verruga, caxumba);
bacterioses (por exemplo: febre tifóide, sífilis, gonorréia, tuberculose,
hanseníase, cólera, leptospirose, erisipela, febre maculosa); micoses (por
exemplo: sapinho (candidíase), pé-de-atleta, tinha, micose nas unhas,
pano-branco); parasitoses (por exemplo: esquistossomose, malária,
doença de Chagas, amebíase, teníase)?

CEDERJ 157
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

ATIVIDADE

2. Faça uma pesquisa entre as pessoas do seu relacionamento


(familiares, colegas de trabalho, vizinhos, amigos), no mínimo vinte
pessoas. Nessa pesquisa, eles devem informar se já desenvolveram
alguma das viroses, bacterioses, micoses ou parasitoses que
constarão da lista que você fornecerá aos seus entrevistados, para
que eles possam identificar cada desses grupos. Após isso, você
calculará o percentual de pessoas que já tiveram esses tipos de
contato.

______________________________________________________
______________________________________________________
_______________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Seu número total de entrevistados corresponde a 100% da sua


amostragem. Fazendo regras de três simples, você encontrará o
percentual de indivíduos que relatam haver tido cada uma dessas
infecções. Você vai perceber que os seres humanos são cercados
de viroses por todos os lados.
No entanto, levando em conta que não há remédios específicos
para viroses, todos no grupo tiveram suas viroses e se curaram. Será
que, refletindo sobre a fisiologia celular, você já poderá sugerir como
ocorreu essa cura espontânea? Se não conseguir, não se preocupe,
pois esse assunto será aprofundado mais adiante.

Partindo-se de um caráter ANTROPOCÊNTRICO, podemos reconhecer


ANTROPOCÊNTRICO
que o contágio das viroses pode ocorrer sob três circunstâncias: uma
Que atribui ao ser
humano uma posição conhecida como transmissão horizontal, a outra como transmissão
de centralidade em
relação a todo o vertical e ainda a transmissão tangencial. Exemplos de transmissão
universo, seja como
um eixo ou núcleo em
horizontal e tangencial encontram-se esquematizados na Figura 17.5.
torno do qual estão 1. Transmissão horizontal – é aquela que ocorre de indivíduos
situadas espacialmente
todas as coisas. contaminados para sadios. Nesta forma de transmissão, as pessoas
podem adquirir as suas viroses: através das mucosas, ao ingerir alimentos
contaminados; ao falar saúde quando alguém espirra ao seu lado (já
imaginou quantos perdigotos contaminados você engole ou atingem a sua
conjuntiva?); ao beijar na boca; ao ter relações sexuais promíscuas.

158 CEDERJ
MÓDULO 1
17
2. Transmissão vertical – aquela que ocorre de indivíduo que já nasceu
para um não-nascido. Nesta categoria, encontram-se as viroses transmitidas

AULA
da gestante para o feto, e a infecção é dita “adquirida in utero”. Como
sempre tem de haver exceções, a infecção transmitida pelo aleitamento
também é considerada como uma forma de transmissão vertical.
3. Transmissão tangencial – relacionada a acidentes, envolvendo
mordida de animais; picada de artrópodes vetores; injeções com
agulhas contaminadas; terapia sangüínea ou por hemoderivados
contaminados; hemodiálise com equipamento contaminado; inalação
de excretas de roedores.
a
tiv
un

Boca e nariz
nj
Co

Perfuração
Transfusão

Capilares
Trato respiratório

Trato alimentar

Picada de Mordida
artrópodos
Pele

Pele
Trato urogenital

Ânus

Figura 17.5: Sítios e algumas fontes de contaminação por partículas virais.

CEDERJ 159
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

ATIVIDADE

3. É provável que você já tenha sido acometido por uma virose,


adquirida por uma das três formas de transmissão descritas.
Agora sua tarefa é pesquisar na web qual a forma predominante
de transmissão para os seres humanos das trinta viroses listadas
a seguir: raiva; rubéola; sarampo; caxumba; hepatite A; hepatite
B; hepatite C; hepatite B/D; hepatite E; herpes simples; gripe
(influenza); dengue; verruga; poliomielite; febre hemorrágica de
Ebola; mononucleose infecciosa; doença citomegálica; gastrenterite;
varicela (catapora); varíola; coxsackiose; febre amarela; coronavirose
(SARS); síndrome da imunodeficiência humana adquirida (AIDS);
adenovirose; febre do oeste do Nilo; parvovirose; hantaanvirose;
arenavirose; rinovirose.

Se na transmissão houver a participação de um vetor, cite o tipo de


animal envolvido. Se por acaso houver viroses com mais de uma
forma de transmissão, posicione-as nas diversas categorias.

_________________________________________________________
_________________________________________________________
__________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Como foi pedida a forma de transmissão predominante (e não


as exceções), esperamos que você tenha feito a distribuição da
seguinte forma:

Virose de transmissão Virose de transmissão


horizontal vertical
Rubéola, sarampo,
caxumba, hepatite A,
hepatite B, hepatite
B/D,hepatite E,
herpes simples, gripe,
verruga, poliomielite, Rubéola, doença
mononucleose citomegálica, AIDS,
infecciosa, doença parvovirose.
citomegálica,
gastrenterite,
varicela, varíola,
coxsackiose, AIDS,
SARS, adenovirose,
parvovirose, rinovirose.

160 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Virose de transmissão Vetor

AULA
tangencial
Cão, gato, morcego
Raiva hematófago, sagüi
guaxinim.
Dengue Mosquitos Aedes aegypti.
Hemoderivados e
AIDS instrumentos perfuro-
cortantes contaminados.
Mosquitos Aedes aegypti
Febre amarela (no ambiente urbano) e
Haemagoggus spegazzini
(ambiente silvestre).
Hemoderivados e
Hepatite B instrumentos perfuro-
cortantes contaminados.
Hemoderivados e
Hepatite C instrumentos perfuro-
cortantes contaminados.
Hemoderivados e
Hepatite B/D instrumentos perfuro-
cortantes contaminados.

Excretas de roedores
Hantaanvirose silvestres.

Febre do oeste do Nilo Mosquitos Culex spp.


Excretas de roedores
Arenavirose silvestres.

Se a resposta gerou dúvidas, entre em contato com a tutoria


à distância da disciplina.

Quando as células de um tecido entram em contato com uma


partícula viral, como você já viu na Aula 15, a célula faminta, sem titubear,
vai capturar aquele manjar (lembre-se de que os vírus podem ter tudo que
ela precisa: aminoácidos, carboidratos, lipídios e bases nitrogenadas). Essa
captura é feita pelo processo de endocitose, pois a dimensão das partículas
virais permite esta atividade uma vez que, fisiologicamente, as células
podem endocitar partículas com até 200nm. Acima dessa dimensão, o
engolfamento é feito por fagocitose. O que diferencia essas duas formas
de ingestão é que na endocitose a vesícula com o material ingerido é
transportada para ser digerida pelos lisossomos. Já na vesícula fagocítica,
o material é primeiramente digerido até formar pequenas vesículas
que, então, serão transportadas para a digestão final. A representação
esquemática da endocitose pode ser observada na Figura 17.6.

CEDERJ 161
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Endocitose

Partícula viral

Receptor
Clatrinas

Reciclagem
dos receptores

Reciclagem
das clatrinas

≤ 0,2 μm

Endossoma

Figura 17.6: Representação esquemática da endocitose.

Depois dessa captura, como os vírus são arranjos moleculares


especializados em transferir ácido nucléico para o interior das células, se
a célula for competente (possuir repertório enzimático capaz de atender à
síntese dos componentes virais), ela processará o genoma viral. Mas veja
bem! Ela só faz aquilo que pode e que é aprovado pelo seu sistema de
controle de qualidade, portanto, só vai sintetizar os componentes virais
se essa síntese for compatível com o seu metabolismo. Por isso, podemos
concluir que só tem virose quem pode e, dentre aqueles que podem, há
pessoas com muitas células competentes e outras com poucas.
Dessa forma, o comprometimento de cada indivíduo com uma
determinada virose está diretamente relacionado com a proporção de
suas células competentes para aquele tipo de infecção, conforme você
pode rever na Atividade 1 da Aula 15.

A maioria das pessoas pode desenvolver viroses sem sinais e sintomas.


Naquelas com sintomas, algumas sucumbem e outras se recuperam. Essa
recuperação ou cura espontânea deve-se, principalmente, à diminuição
gradual das células competentes no corpo do indivíduo infectado, à medida
que elas vão sendo gastas na produção de vírus e não são repostas.

162 CEDERJ
MÓDULO 1
17
As células competentes são responsáveis pela produção
VIROSE APARENTE OU
de virions e, conforme você pode observar na Figura 17.7, a produção de SINTOMÁTICA

AULA
vírus é tanto maior quanto maior for a quantidade de células competentes É aquela com
apresentação de sinais
comprometidas. A produção de vírus vai aumentando até atingir o ápice e sintomas, que podem
ser brandos (moderados)
e depois decai. Esse decaimento é diretamente proporcional à redução
ou intensos (graves,
do número das células produtoras. A redução do número destas células podendo inclusive ser
fatais). Essa gradação
deve-se às seguintes situações: nos níveis de sinais e
sintomas guarda relação
1. morte dessas células que esgotam seus componentes vitais na direta com a extensão
produção dos vírus; da lesão nos tecidos
comprometidos. Quanto
2. bloqueio parcial ou total do processo de renovação delas pelo maior o número de
células envolvidas no
efeito dos interferons sobre as células precursoras. processo de produção
dos componentes virais,
maior será a lesão e,
conseqüentemente, a
Quantidade ou intensidade

disfunção orgânica
responsável pelo
aparecimento dos sinais
e sintomas. Na virose
inaparente, o número de
células comprometidas
não é suficiente para que
se instale a disfunção.
Por isso, lembre-se de
Infecção primária Tempo que só tem virose
quem pode.
Carga viral

Interferons

Sintomas

Anticorpos

Figura 17.7: Eventos que ocorrem durante uma virose, após a infecção primária.

Analisando a Figura 17.7, onde estão representados os níveis dos


elementos encontrados no sangue durante uma VIROSE APARENTE, você pode
perceber que, à medida que os vírus vão sendo produzidos, o nível de
interferons (IFN) vai aumentando e a apresentação dos sintomas ocorre
acompanhando essa produção. Ao examinar o aspecto das curvas, em
relação ao tempo, você pode usar uma régua posicionada na vertical.
Logo no início você vai perceber que: as curvas de produção de vírus e de
interferons seguem paralelas, com um pequeno retardo da última; o pico
de produção de vírus coincide com o mais alto nível de interferons e de
sinais e sintomas. O quadro sintomático tende a melhorar à medida que a
quantidade de vírus produzida diminui, até atingir a cura. A quantidade

CEDERJ 163
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

de interferons no corpo decai em paralelo com o quadro dos sintomas,


embora os níveis de interferon permaneçam mais tempo. Enquanto os
níveis de interferon estiverem detectáveis, você pode estar se sentindo
mal, mas, em compensação, está refratário a uma outra infecção viral.
Os interferons aqui referidos são, principalmente, do tipo gama e alfa (que
CARGA VIRAL são sistêmicos). Nesse sentido, o seguinte quadro pode ser observado:
Corresponde à o IFN gama predominando da fase inicial até o término dos sintomas
quantidade de vírus
encontrada no sangue e o IFN alfa, na fase final, pois este está relacionado com o aumento
(viremia) de um
populacional dos clones de linfócitos B, envolvidos com a produção de
indivíduo infectado.
Essa quantidade anticorpos.
é diretamente
proporcional ao Você pode notar que a produção de anticorpos só passa a ser detectada
número de células
competentes existentes
quando já teve início o processo da cura, pois este tem início quando começam
no corpo deste a decair a CARGA VIRAL e a intensidade dos sinais e sintomas.
indivíduo.
Para entender, ao nível celular, os eventos que ocorrem no corpo do
indivíduo que, acometido de uma virose, cura-se espontaneamente, acompanhe
a descrição que será feita a seguir com base na Figura 17.8.
Nesta figura, é mostrada a participação dos diversos
tipos celulares envolvidos: as células precursoras
dos tecidos; as células competentes e
as não-competentes; as células
Células Células monocitárias que atuam como
precursoras Competentes Não-competentes
fagócitos para remoção de
IFNβ resíduos ou de carcaças
LT CD8+
celulares; e os diversos tipos
de linfócitos que intervêm
IFNγ
no processo.

LB

Monócito
IFN∝ IFN∝
Plasmócito

Macrófago
LT CD+4

IFNγ

Anticorpos
Figura 17.8: Cooperação celular na
resposta do organismo às viroses.

164 CEDERJ
MÓDULO 1
17
No quadrante superior esquerdo da Figura 17.8, estão
representadas as células precursoras, responsáveis pela renovação

AULA
natural dos tecidos nos seres vivos. Quando esta renovação atende às
células competentes para a produção de virions, possibilita a expansão
da virose. Esta expansão continua enquanto existirem células com esta
característica no órgão ou tecido comprometido. Se a proporção destas
no indivíduo for muito grande (entenda-se alta eficiência de infecção),
a disfunção gerada poderá levar à completa destruição das células do
órgão comprometido, levando-o à falência, da mesma forma como é
observado nas culturas indicadoras bacterianas que evoluem para lise,
como você viu na Aula 16.
Nos casos onde se observa a cura espontânea, a eficiência de
infecção é menor graças à menor proporção dessas células competentes
em relação às células não-competentes, no corpo do indivíduo. Na figura
que estamos analisando, as células não-competentes estão representadas
de forma retangular. A contaminação destas é acompanhada pela
produção de componentes virais que, ao serem reprovados no controle de
UBIQUITINAÇÃO
qualidade, são submetidos à UBIQUITINAÇÃO para depois serem degradados Fenômeno resultante
pela ação proteassomal das células. Por se tratar de componentes não da reação da
ubiquitina com as
codificados pelo genoma celular, a degradação se faz de forma incompleta. proteínas que não
passam no controle de
Os resíduos resultantes são exocitados em associação com as moléculas qualidade ou aquelas
do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) da classe I, pois que gastaram a meia
vida e precisam ser
os MHC desta classe somente expõem resíduos dos componentes que retiradas de circulação.
As proteínas marcadas
foram produzidos pela própria célula. com ubiquitina são
encaminhadas para
os proteassomas mas,
Ubiquitina - proteína de 76 aminoácidos, cujo nome deve-se à sua presença antes da degradação,
em todos os tipos de células. Para as proteínas, a marcação da proteína com a ubiquitina é
a ubiquitina pode ser considerada como um “beijo da morte”, pois a partir removida para ser
desse contato são encaminhadas para serem fragmentadas em pequenos reutilizada. Para mais
pedaços, até a total digestão, quando esta for possível. A descoberta detalhes, o endereço
das ubiquitinas e a participação destas na atividade proteassomal deve- eletrônico http:
//www.medterms.com/
se às pesquisas efetuadas por Aaron Ciechanover e Avram Hershko no
script/main/
Instituto de Tecnologia de Israel, na cidade de Haifa, e por Irwin Rose na
asp?articlekey=26110
Universidade da Califórnia, na cidade de Irvine, EUA, cujo reconhecimento
pode ser consultado.
os fez ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2004.

CEDERJ 165
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Células com resíduos no MHC de classe I são alvo dos clones de


linfócitos citotóxicos CD8 + (portadores do Cluster Determination 8).
Estes linfócitos matam essas células e, como prêmio, têm direito à mitose,
para expandir a sua própria população.
Os resíduos celulares, gerados em decorrência da morte das células
que produziram vírus e daquelas que foram punidas com a lise pelos
LT CD8+, são aproveitados, como alimento, pelas células fagocitárias,
destacando-se, principalmente, aquelas denominadas monócitos. Com
essa grande disponibilidade de nutrientes, os monócitos (células que
normalmente circulam pelo sangue), depois de tanto comer, “engordam” e
com o tamanho aumentado deixam de se locomover e ficam estacionados
MACRÓFAGOS nos tecidos, assumindo a identidade de MACRÓFAGOS.
Designação Dentre os resíduos oriundos das células infectadas, alguns
histológica atribuída
aos monócitos que componentes são capturados por linfócitos B que, tal como os monócitos,
aumentaram de
tamanho e assumiram engordam e aumentam de tamanho. Diferentemente dos macrófagos,
a morfologia quando os linfócitos B crescem, entram em mitose, fazendo expansão
adequada ao órgão
onde estão fixados. dos seus clones.
Nos tecidos, há uma
permanente renovação Dentre os despojos das células que sofreram infecção, existem os
de macrófagos, a
componentes que, embora sintetizados pelas células, foram codificados
partir dos monócitos
circulantes. Uma vez pelo genoma viral. Estes componentes, quando fagocitados, têm pouca
fixados, os macrófagos,
embora continuem chance de serem digeridos completamente no ambiente fagolisossomal,
fagocitando, vivem
pouco tempo e,
havendo uma grande probabilidade de gerar resíduos. Estes resíduos
ao entrarem em resultantes dessa digestão lisossomal são exocitados para a superfície
apoptose (morte
celular programada), celular associados às moléculas de MHC da classe II. Esta situação difere
contribuem com
seus despojos para a da digestão proteassomal, que está associada a MHC de classe I. Atente
nutrição das células que a exocitose de resíduos só acontece quando a célula não é capaz
dos tecidos onde
estiverem alocados. de digeri-los completamente. Em se tratando de um sistema fechado,
o interior do corpo humano ou de outros animais não pode acumular
dejetos e, assim, para auxiliar os monócitos e os linfócitos B naquilo
que eles não conseguiram digerir, chegam os linfócitos T CD4+, também
chamados linfócitos auxiliares. Uma vez beneficiados com estes resíduos,
os linfócitos auxiliares crescem, entram em mitose e assim expandem
os seus clones. Tal como os monócitos/macrófagos, os linfócitos B,
ao fazerem exocitose de resíduos associados aos MHC de classe II na
superfície, também contam com o auxílio dos linfócitos T CD4+ para a
remoção desses resíduos da digestão lisossomal.

166 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Dentre a população de linfócitos B, alguns daqueles que aumentam
de tamanho, ao invés de seguir o caminho da mitose, diferenciam-se em

AULA
fábricas secretoras de imunoglobulinas (anticorpos), conhecidas como
plasmócitos. Estes linfócitos B diferenciados secretam anticorpos durante
um certo período de tempo e, depois, entram em apoptose. Seus resíduos
servem de nutrientes para outras células, também contribuindo para a
manutenção do estado vital do organismo.
Sempre que células entram em estado de anabolismo (obrigatório
para que elas cresçam e entrem em mitose), elas secretam IFNs, haja
vista que precisam da insulina, como você aprendeu na parte inicial onde
foram abordadas as bases fisiológicas nas viroses.
O efeito inibidor mediado pelos IFNs secretados vai ser exercido
sobre as células não-linfáticas, principalmente aquelas responsáveis
pela renovação basal dos tecidos, atingidas de maneira parácrina ou
endócrina. A inibição ocorre no processo de diferenciação, conforme
foi abordado na Atividade 1. Você se recordou? Sem diferenciação, a
renovação celular deixa de ser feita e, com isso, instala-se a escassez das
células produtoras de vírus, o que leva à redução da carga viral. Sem
as células competentes para manterem a virose, a conseqüência natural é
a cura que, como você viu, foi promovida pelos mecanismos fisiológicos
do indivíduo acometido. No conjunto de células não-competentes,
algumas são contaminadas e, embora a infecção viral seja abortada, estas
células são penalizadas com a morte mediada por linfócitos citotóxicos.
O dano tecidual resultante deste processo será diretamente proporcional à
carga viral que foi produzida. Desta maneira, você pode perceber que os
sinais e sintomas, nos casos de viroses, aparecem quando se inicia a cura.

Chá de sabugueiro – receita da vovó recomendada para crianças que


apresentavam os sinais iniciais de estarem com sarampo. O chá, diga-se, a
água, era para manter o corpo hidratado, mas acreditava-se que era para
“fazer o sarampo sair”. Empiricamente, a vovó sabia que os sinais tinham
de aparecer para haver a cura, pois se as “pintinhas” (nome popular
para o quadro de exantema) não aparecessem, era prenúncio de morte,
(era o popular sarampo recolhido). Após um ou dois dias tomando o
chá, havia o aparecimento do quadro exantemático, mas esse é o tempo
necessário, com ou sem chá. A hidratação favorece a higidez orgânica.
Água com sabor e adocicada é mais agradável ao paladar, mas o efeito só
aparece nos infectados que, naturalmente, evoluem para cura.

CEDERJ 167
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Se você analisar com atenção a Figura 17.8, vai perceber a


diversidade das fontes de produção de interferons envolvidas na resposta
do organismo às viroses. Portanto, o efeito de inibição na síntese
protéica é resultante da sinalização mediada pelos interferons
sobre as células não-linfáticas. Tendo essas informações, fica
fácil você concluir quais são as conseqüências dessa situação
no organismo humano, não é mesmo? É simples: o excesso de
IFN no corpo provoca aquele conjunto de sintomas (febre,
calafrios, dores generalizadas) característico da interferose.
Dê uma espiada na Figura 17.9 e coloque-se na situação
do personagem, afinal, você já deve ter passado por várias
viroses aparentes.
Vamos relembrar agora a influência das viroses
sobre o equilíbrio cadenciado das funções exercidas
pelas glândulas hipófise e supra-renais, visto no início
da aula. Os IFNs ∝ e γ, produzidos como apresentado
na Figura 17.8, ficam em excesso no sangue e, ao
atuarem sobre as células da glândula hipófise, induzem-
nas à redução da síntese protéica. Conseqüentemente, o
nível sangüíneo dos hormônios peptídicos, particularmente

Figura 17.9: Interferose.


o ACTH, decai. Com a falta de ACTH, as glândulas supra-renais deixam
de produzir cortisol. Como o cortisol é essencial para a renovação celular
e para a vitalidade do corpo, como está representado na Figura 17.3,
as conseqüências da sua diminuição na corrente sangüínea resultam em
fraqueza e falta de renovação tecidual. Indiretamente, embora esse efeito
pareça prejudicial, esse fenômeno é a expressão da cura. As funções
normais do corpo serão restabelecidas quando forem eliminados do
organismo todos aqueles componentes que foram produzidos a partir
de uma informação genética alienígena.
A participação dos linfócitos no processo da cura espontânea nas
viroses é acompanhada pela resposta inflamatória que, além de prejudicar
os tecidos envolvidos com a virose, seqüestram ACTH circulante, por
intermédio dos seus receptores para tal, enquanto se dá a expansão
populacional dos clones linfocitários participantes. Mas como o corpo
é um sistema fechado, quando somem os resíduos proteassomais e
lisossomais, a população linfocitária expandida deixa de receber o “fator
de crescimento”. Esse estado de “desnutrição” instalado faz com que as
células daquela população clonada entrem em apoptose.

168 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Como artimanha para sobrevivência, as população de linfócitos
penalizadas passam a produzir ACTH e outros hormônios peptídicos, em

AULA
substituição à hipófise, que foi bloqueada em suas funções, em virtude
da interferose. Reinstala-se, assim, o processo de renovação celular, com
o restabelecimento da higidez, acompanhada dos anticorpos produzidos
pelos plasmócitos que estiveram envolvidos no processo de cooperação
celular para a limpeza do corpo.

PAPEL DAS VIROSES NA SELEÇÃO DAS ESPÉCIES NA


NATUREZA

Nos animais com interferose a renovação celular, se ocorrer, é


HEMOGRAMA
feita de maneira mais lenta. Isto faz com que naqueles tecidos onde a
Exame que analisa os
renovação normalmente é muito intensa, como medula óssea, vasos elementos figurados
sangüíneos, articulações e pele, o efeito inibidor tenha maior repercussão. do sangue (elementos
da série branca:
Dessa forma, por intermédio de um HEMOGRAMA, é facilmente percebida leucócitos totais e
específicos; elementos
a diminuição de plaquetas, granulócitos, monócitos, acompanhada do da série vermelha:
hemácias; elementos da
aumento das células linfáticas.
coagulação: plaquetas).
Os outros animais também são submetidos às viroses e, por
conseguinte, às interferoses. Vamos imaginar uma situação conforme
ilustrado na Figura 17.10, que representa o ciclo migratório de aves em
busca de melhor clima para nidificação. Se em algum dos locais usados
para repouso essas aves se infectarem com viroses, aqueles elementos do
bando que tiverem grande proporção de células competentes para fazer
componentes virais, vão apresentar a interferose. Com isso ficam lerdas
e desatentas e tornam-se presa fácil de seus predadores, que contribuem
para a eugenia positiva da espécie em migração. Dessa forma, só chegam
ao local de acasalamento aqueles resistentes (com menor proporção de
células competentes). A nova geração dessas aves, pela lei mendeliana,
deve ser constituída de indivíduos resistentes à virose em questão e,
assim, quando retornarem ao local contaminado, vão passar incólumes
à infecção.

CEDERJ 169
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

O efeito das viroses na seleção de espécies


animais na Natureza também pode ser percebido
em mamíferos marinhos. Um exemplo é a gripe em
leões marinhos da Califórnia. A evolução da virose
nos animais contaminados termina em morte ou em
cura. Na evolução para a cura, durante o estado
a de interferose, muitos desses animais são predados
aumentando, assim, gradualmente, após cada surto, a
proporção de indivíduos resistentes no grupo.
Esse fenômeno pode ser extrapolado para as
baleias. Imagine a situação de um grupo de baleias que
se contamina com uma virose. Só aquelas com poucas
b células competentes para a produção daquele tipo de
vírus sobreviverão e passarão essas características aos
descendentes que, com isso, terão melhores condições
para perpetuar a espécie. Dessa forma, a Natureza
vai desempenhando o seu papel na eugenia positiva.
Em alto mar a água é fria. Naquela baleia em que se
instalar o estado de interferose, as condições físicas,
para acompanhar o grupo, ficam prejudicadas. Na
c
Figura 17.11 você tem uma imagem de baleia saudável
Figura 17.10: (a) Aves em migração; (b) ave
com interferose, presa fácil para os predadores, e a representação de uma jururu. A febre e o mal-estar
não deixando descendência; (c) aves resistentes
chegam ao fim da viagem e transmitem essas geral a fazem procurar regiões de água menos fria,
características de pouca competência celular à
no caso o litoral, para descansar. Se ficasse em alto
sua prole.
mar, seria alvo fácil dos predadores. Essa mudança de
comportamento, sob o olhar antropocentrista, faz com que a baleia seja
considerada como um animal desorientado que precisa voltar para o alto
mar. Porém, quando conseguem empurrá-la, ela retorna mostrando estar ali
por opção. Em virtude da dessecação e da falta de alimento, as suas condições
se deterioram levando-a à morte, que às vezes é apressada com a “ajuda”
humana, como você pode ver na Figura 17.12. A baleia só teria condições
de sobreviver, se fosse levada para o “hospital” (um aquário aquecido), até
que, com o tempo, ela se curasse espontaneamente da virose que a acometia.
Na sociedade das baleias, todos os membros do grupo seguem rigorosamente
as ações do líder. Desta forma, quando é este o contaminado, verifica-se o
encalhe em massa dos outros animais saudáveis.

170 CEDERJ
MÓDULO 1
17
AULA
Figura 17.11: À esquerda, baleia fazendo evoluções em alto mar; à direita, representação
artística de uma baleia com interferose.

Figura 17.12: Tentando salvar uma baleia do encalhe na


praia, o máximo que se consegue é mudar o local de sua
morte (fotos tiradas na Fortaleza de Santa Cruz, Jurujuba-
Niterói/RJ em 10/8/2004).

CEDERJ 171
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

Na Natureza, a figura do predador faz com que não se vejam


animais silvestres doentes. Embora com os seres humanos e os animais
domésticos as viroses sintomáticas também evoluam para a morte ou
para a cura, no ambiente doméstico, o efeito predador é desprezível.

No ambiente doméstico, os doentes com interferose têm o tempo suficiente


para se recuperar. Uma vez curados, podem transferir essa característica
genética para a nova geração, ampliando assim o número de indivíduos,
na população, com capacidade para desenvolver virose aparente.
As conseqüências desse fato são evidenciadas ao longo das múltiplas
gerações, onde passam a prevalecer os indivíduos com capacidade de
desenvolverem viroses. Esta característica é notada através dos dados
estatísticos da OMS, referindo que 2 de todas as doenças infecciosas que
3
acometem a humanidade são viroses. Para você gravar esse índice, imagine
uma representação de um círculo dividido em três partes. Se o círculo for
a representação do total de doenças infecciosas que acometem os seres
humanos, duas das três partes correspondem às viroses.

Sem predador, a espécie humana pode proliferar e, assim, contribuir


para o aumento da população mundial. De acordo com as previsões, o
maior problema da humanidade no terceiro milênio será a superpopulação
e, tem gente que capricha mesmo, como você pode ver na Figura 17.13.

Figura 17.13: Natalidade sem seleção por predador.

172 CEDERJ
MÓDULO 1
17
Na Figura 17.14 está representado o gráfico da evolução do crescimento
populacional da humanidade, com a projeção até o ano 2040.

AULA
2040 12

(Bilhões habitantes)
10

População mundial
2020 8

1500 1750 2000

Figura 17.14: Aumento populacional humano ao longo dos anos, com a projeção
até 2040.

Nesse ritmo de crescimento populacional, é de se esperar que


as viroses que comumente acometem os seres humanos fiquem cada vez
mais em evidência. Você já viu se o noticiário da semana fez referência a
alguma virose? Mas, atente para o fato de que as múltiplas viroses que
acometem os seres humanos, ou seus animais domésticos, atuam como
elementos de seleção populacional na Natureza. Só desenvolvem virose,
com sintomas, os elementos da população que têm esta competência e o
dano da infecção será proporcional ao número de células competentes
presentes no corpo do indivíduo acometido. Se essa barreira não for
suficiente para conter a expansão populacional humana, o número de
indivíduos no planeta será limitado pela disponibilidade de água potável
para a sobrevivência. E, para se orgulhar de ser brasileiro, saiba que o
Brasil é um país privilegiado no que diz respeito à quantidade de água
doce. Só a Amazônia detém 85% da reserva fluvial do mundo, o que
assegura ao Brasil uma posição de destaque como país do futuro, cabendo
às novas gerações a necessidade de zelar por esse patrimônio nacional.
Mas, quando a água disponível acabar, novos mundos deverão ser
povoados, para se começar uma nova era, assegurando a continuidade
da existência humana. E onde houver células vivas, os vírus aí estarão
sendo produzidos e as viroses continuarão a selecionar os indivíduos
competentes a desenvolvê-las.

CEDERJ 173
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

ATIVIDADE

4. As dez frases escritas a seguir foram adaptadas do conteúdo do


livro: Guia de batalha contra os germes, escrito por Wayne Biddle,
publicado no Brasil pela editora Record em 1998.

Sua tarefa é analisá-las quanto à pertinência como frase que relaciona


o fenômeno de seleção exercido pelas viroses sobre a população
humana.

• Relatos históricos descrevem que os escravos africanos eram


relativamente imunes à febre amarela, à malária e a outras doenças
que dizimavam europeus e nativos americanos (p. 89).

• Hoje em dia, a febre amarela ocorre na maior parte das vezes em


áreas subdesenvolvidas mas a doença se apresenta, freqüentemente,
de forma branda a ponto de não ser percebida (p. 91).

• Os surtos de hepatite A são mais comuns em creches, associados


à água não tratada. As crianças infectadas raramente apresentam
icterícia (p. 104).

• O curso natural da evolução das infecções com HIV aponta para uma
menor virulência numa determinada população (p. 114).

• 10 a 50% das mulheres saudáveis são portadoras de papilomavírus


(p. 131).

• A maior proporção dos casos de infecção por vírus da poliomielite


acontece de forma inaparente, sendo essa proporção de 99 para cada
uma pessoa com sintomas ativos da doença (p. 140).

• Nos países tropicais pobres, a maioria das infecções por vírus da


poliomielite é assintomática (p. 141).

• Há mil anos o sarampo era uma doença tão freqüente em crianças


que o primeiro médico a relatá-la, o persa Abu Bakr Muhammed ibn
Zakariya, mais conhecido como al - Rhazes de Bagdá (850 – 923), a
encarava não como uma doença infecciosa, mas como um episódio
natural da infância, tal qual a queda dos dentes (p.153).

• As crianças acometidas por catapora raramente apresentam


complicações e a taxa de mortalidade é de 100 para cada 3.700.000
(p. 178).

• No início do século XVIII, durante uma epidemia de varíola, na cidade


de Boston, nos EUA, seis mil dos habitantes contraíram a doença e,
destes, 900 morreram (p. 182).

__________________________________________________________
__________________________________________________________
_________________________________________________________
__________________________________________________________

174 CEDERJ
MÓDULO 1
17
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Você notou a conotação direta ou indireta do efeito das viroses como
elemento de seleção? Em todos os relatos você pode perceber a referência
à proporção de indivíduos que resistem à infecção ou a desenvolvem de
forma assintomática.
As descrições mencionam a situação a que estavam submetidos os seres
humanos, independente da época e da região geográfica. Considerando os
fenômenos como um processo de seleção, é possível prever que, geração
após geração, a população humana vinha sendo selecionada para o
predomínio de indivíduos resistentes, o que é uma tendência natural.

CONCLUSÃO

As viroses são fenômenos exclusivos dos seres vivos e, portanto,


podem ser consideradas como um dos fatores envolvidos na seleção das
espécies na Natureza. Os mecanismos fisiológicos responsáveis pela cura
nas viroses atuam de maneira interligada para assegurar a hegemonia
do corpo. No processo de seleção, somente os aptos sobrevivem e essa
regra é aplicada a todos os seres vivos. A instalação das viroses nos
animais depende de células competentes para a produção de vírus e
a proporção destas em relação às células não-competentes representa
o fator biológico que define a expressão da virose como aparente ou
inaparente. Naquelas aparentes, os sinais e sintomas são resultantes
da disfunção celular nos órgãos ou tecidos acometidos, mediada por
morte das células produtoras de virions e daquelas que, se infectadas,
abortam a produção dos componentes virais, por serem incompetentes.
As células que se aproveitam dos resíduos celulares, resultantes da
infecção viral, os utilizam como nutrientes para crescimento. Este
crescimento é dependente de insulina e, para a obterem, essas células,
egoisticamente, sinalizam com interferons que, atuando sobre outras
células não-linfóides, induzem o bloqueio da síntese protéica nestas,
representado sob a forma de catabolismo e disfunção tecidual.
As células em catabolismo são, naturalmente, resistentes à infecção viral.
Dessa maneira, é evitada a expansão da virose, mostrando, assim, que
o organismo foi o responsável pela própria cura. Portanto, o que a

CEDERJ 175
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

princípio parece ser prejudicial ao corpo, em verdade é o que propicia


a sobrevivência. Como você já foi acometido por algumas viroses e
continua vivo, isso mostra que você está adaptado às circunstâncias
vigentes em seu ambiente. Por enquanto!

ATIVIDADE FINAL

Vamos ver se você já vivenciou a história de uma situação de virose conforme


descrita a seguir: no último verão, o irmão de Joana levou-a para passar um fim
de semana no sítio de um casal amigo. Foi um programa muito agradável, mas
o casal não se preocupava em manter o ambiente livre de latas e garrafas vazias
e de outros recipientes que serviam como depósito de água e, posteriormente,
como criadouros de mosquitos. No quintal, uma árvore centenária fazia sombra
por todo o ambiente, onde havia um caramanchão com rede que ela escolheu
como local para descansar depois do almoço, pois além de sombreado era bem
fresco. O único senão eram uns mosquitos pretos que tinham manchas brancas nas
articulações das patas e escamas na parte superior do tórax, formando um desenho
semelhante a uma lira. Muito ariscos e de vôo silencioso, eles fizeram uma festa
no corpo da jovem, que voltou do sítio, no domingo, com as marcas das picadas
dos mosquitos. Na terça-feira, Joana começou a sentir um mal-estar geral, com
febre. Na quarta-feira, ela notou, no corpo e membros, pequenas manchas rosadas
e sentia intenso cansaço. Ela referiu ao médico que os sintomas se agravavam no
final da tarde, com a febre aumentando, muita dor de cabeça e dor no fundo dos
olhos, intensa coceira, falta de concentração, prostração e dor no corpo. Feito um
exame de sangue, foi detectada uma diminuição de granulócitos (leucopenia) e de
plaquetas (plaquetopenia), com o tempo de coagulação aumentado. No sábado,
após uma intensa coceira no corpo, o quadro começou a regredir e na segunda-
feira ela já estava em condições de trabalhar, embora sentisse uma sensação de
fraqueza muscular, que com o passar dos dias desapareceu. Você já passou por
situação semelhante ou conhece alguém que já passou por isso? Seu desafio é
justificar a possibilidade de se tratar de um caso de dengue e explicar os sinais
e sintomas, em função das alterações fisiológicas resultantes da instalação da
virose no corpo de Joana.

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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

176 CEDERJ
MÓDULO 1
17
RESPOSTA COMENTADA

Latas vazias, água parada, tudo armado para fazer dos mosquitos os bichinhos de

AULA
estimação dos sitiantes. Mosquitos de cor escura e vôo silencioso, com manchas
brancas nas patas e o desenho de uma lira no tórax, que gostam da sombra:
é claro que você se lembrou de que estas características são dos Aedes aegypti,
os mosquitos vetores da dengue, pois isto todo dia sai na mídia. Os sinais e
sintomas apresentados também eram compatíveis com uma interferose, ou seja,
inibição de síntese protéica, com conseqüente lentidão na renovação celular e
tecidual do organismo, cujo desgaste normal não é compensado. Com isso você
justificou as dores do corpo. A febre e o mal-estar geral mostram um organismo
sob o efeito da interferose. A coceira é sinal de linfócitos citotóxicos em grande
atividade, atacando células que estão exocitando resíduos via MHC de classe
I. Monócitos estão recolhendo os despojos das células mortas. Leucopenia e
plaquetopenia mostram que a medula óssea não está fazendo a reposição
adequada dos elementos sangüíneos. Isso é uma das conseqüências do nível
elevado de interferon no organismo, que também se reflete na diminuição do teor
de cortisol circulante. Com pouco cortisol, o tempo do ritmo circadiano é encurtado
e, com isso, o indivíduo fica cansado e com sono mais cedo, pois a disfunção fica
mais evidenciada no final da tarde. Com a renovação tecidual bloqueada, decai
o aparecimento de novas células competentes e, sem elas, não há produção de
novos virions. Sem novas células infectadas, o nível de interferons, volta ao normal
e as funções orgânicas são restabelecidas, uma vez que o indivíduo se curou
espontaneamente. E, assim, termina o martírio de uma dengue. Aleluia!!!

RESUMO

O corpo humano e de outros mamíferos e aves, sob condições fisiológicas, mantém


em equilíbrio os hormônios necessários às suas condições vitais, de acordo com o
ritmo circadiano (relógio biológico). No que tange à disponibilidade energética
e renovação celular, esses efeitos são regidos respectivamente pelos hormônios
insulina e cortisol. Este último é controlado por feedback entre as glândulas supra-
renais, a hipófise e a população linfocitária. Nos animais infectados por viroses,
a produção de vírus suscita um estado de anabolismo, situação esta em que as
células precisam de glicose e, conseqüentemente, de insulina, cuja concentração
sangüínea é limitada. Face à necessidade de insulina, as células em anabolismo
secretam seus interferons (IFNs), cuja ação pode ser exercida de maneira parácrina
(tipo beta) ou endócrina (tipos alfa e gama). Atuando como indutor do estado

CEDERJ 177
Microbiologia | Cura espontânea nas viroses de animais

de bloqueio da síntese protéica, o efeito dos IFNs não só retarda a diferenciação


celular, como também impossibilita as células de renovarem os seus receptores
de membrana. A disfunção celular decorrente desse estado de interferose é
estendida aos tecidos e órgãos, gerando os sinais e sintomas de febre, dores
de cabeça e musculares, acompanhados da redução de elementos figurados do
sangue (granulócitos, monócitos e plaquetas). O contágio das viroses pode ocorrer
de forma horizontal, vertical ou transversal. Nos indivíduos as viroses podem ser
assintomáticas ou sintomáticas. Nestas últimas a intensidade dos sintomas é
proporcional à quantidade de células competentes responsáveis pela produção
de virions. Quando são infectadas células cujo controle de qualidade reprova os
componentes virais sintetizados, os produtos da degradação proteassomal são
exocitados e expostos associados a MHC de classe I, situação esta que suscita a
proliferação dos linfócitos T CD8+ que matam a célula expositora. Os despojos
das células que foram infectadas (competentes e não-competentes) são recolhidos
por monócitos que, fagocitando-os como alimento, crescem até atingir o estágio
de macrófago. Durante a digestão, estas células podem exocitar resíduos da ação
lisossomal, expondo-os associados a MHC de classe II. Estes resíduos ativam a
proliferação de linfócitos T CD4+ e de linfócitos B. Dentre estes últimos, alguns
se diferenciam em plasmócitos para produzirem anticorpos reativos para os
componentes virais. A proliferação dos linfócitos T e B é acompanhada da
produção de IFNs gama e alfa, respectivamente. A interferose nos animais gera
um estado de desatenção e lerdeza (ficam jururus). No ambiente selvagem, essa
situação beneficia os predadores. Com isso, nas diversas espécies, são selecionados
os indivíduos que desenvolvem a infecção assintomaticamente. Na espécie humana,
a solidariedade para com os doentes facilita a cura e contribui para o crescimento
populacional, que terá como fator limitante a disponibilidade de água.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, serão abordados aspectos da epidemiologia, da prevenção e do


controle das doenças infecciosas que acometem os seres humanos, dando-se ênfase
aos fenômenos que regem a interação com os micróbios e com os vírus. Nessa última
aula, você vai descobrir o mínimo múltiplo comum das ciências microbianas.

178 CEDERJ
18
AULA
Epidemiologia: prevenção
e controle das infecções
Meta da aula
Apresentar o papel seletivo das infecções
microbianas e virais sobre a espécie humana.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• interpretar gráficos que mostram resultados estatísticos da taxa
de mortalidade de uma determinada doença;
• discutir a erradicação de uma doença humana contagiosa
(varíola) e avaliar a validade da proibição do uso da vacina anti-
variólica;
• descrever as atitudes que devem ser tomadas pela população a
fim de evitar o contágio por viroses de transmissão respiratória,
fecal-oral ou veiculadas por vetores;
• correlacionar a versatilidade metabólica das células de
indivíduos com a probabilidade de eles desenvolverem infecções
microbianas ou virais e apresentarem resposta imune, com
produção de anticorpos reativos para os agentes infecciosos.

Pré-requisitos
Para ter um bom desempenho no aprendizado, você deve rever na
Aula 1 os tipos e quantidades de células que compõem o corpo
humano; da Aula 4 você deve se lembrar da parede celular presente
nos micróbios e deve relembrar a curva de crescimento celular
apresentada na Aula 6. Reveja a forma como as bactérias fazem a
digestão protéica, extracelularmente, comprovada na Aula 8.
As Aulas 15,16 e 17 são essenciais para o entendimento desta aula
e é aconselhável que você faça uma revisão das mesmas.
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

INTRODUÇÃO A seleção natural na espécie humana vem sendo exercida, desde o seu
surgimento, há cerca de 100 mil anos, pelas doenças infecciosas que atuam
como barreiras seletivas. Dessa forma, essa seleção estabelece que somente os
aptos sobrevivam. A história da humanidade é repleta de relatos, registrados em
documentos, esculturas e pinturas, que nos contam parte desse desenvolvimento.
Uma observação mais atenta desses registros históricos, artísticos ou não, nos
fornece uma visão das heranças genética e social das populações humanas. Essas
heranças, durante séculos, vêm superando os elementos microbianos garantindo
à humanidade a capacidade de sobreviver às doenças infecciosas.
Ao longo das gerações, a espécie humana vem procurando compreender e
diagnosticar as doenças, na tentativa de se prevenir delas ou, ainda, de buscar a
cura para os que por elas são acometidos. Assim, das mais diferentes maneiras, o
homem foi pesquisando, transmitindo e ampliando esses conhecimentos através
dos tempos. Parafraseando Confúcio (551–479 a.C.), “se quiseres prever o futuro,
estuda o passado” pois, conhecendo a história fica mais fácil entender vários
aspectos da ciência, em particular, da Microbiologia. Além do mais, a base de
qualquer conhecimento científico é reforçada quando se dispõe de percepções
antagônicas para, a partir delas, se construir a própria conclusão.
Nesta aula, você vai estudar o papel dos micróbios e dos vírus em algumas
doenças que acometem os seres humanos e verá que, muitas vezes, ao invés
de vilões, os agentes infecciosos são meras desculpas usadas pela população
para encobrir os hábitos que adotam e a falta de condições sanitárias do
ambiente em que vivem.
Ao aprender alguns dos fatores que regem a interação dos micróbios ou dos
vírus com os seres humanos, você vai compreender a influência das doenças
EUGENIA infecciosas na EUGENIA humana, e descobrir o mínimo múltiplo comum das
Processo baseado na ciências microbianas.
seleção de caracteres
genéticos que
busca promover o
aperfeiçoamento nas BREVE HISTÓRICO SOBRE AS DOENÇAS INFECCIOSAS
espécies.
Durante milhares de anos, as doenças foram consideradas
como punições divinas e, os sacerdotes, por meio de rituais, tentavam
TRIQUINOSE
aplacar a fúria dos deuses. Os ensinamentos sagrados ditavam regras de
Parasitose, decorrente
da infestação pelos comportamento (coletivo ou individual), de alimentação e de obrigações
nematelmintos
Trichinella spiralis, religiosas que deviam ser cumpridas pela sociedade, a fim de não despertar
que é transmitida aos
seres humanos através
a ira dos deuses. Podemos citar, como exemplo, a tradição judaica e sua
da ingestão de carne proibição à ingestão da carne de porco. O cumprimento desta abstinência
de porco crua.
fez desaparecer a doença TRIQUINOSE entre os judeus.

180 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Por volta do ano 600 a.C., os filósofos gregos naturalistas
começaram a questionar esta submissão aos deuses, pois consideravam as

AULA
doenças como fenômenos naturais e, por isso, estes deveriam ser explicados
por meio da observação e da lógica. Hipócrates (460-370 a.C), considerado
o pai da Medicina moderna, aos quarenta anos de idade, ensinava que
as doenças eram conseqüências do desequilíbrio dos “humores” do
corpo. Tais humores eram o sangue, o muco, a bile amarela (de fígado)
e a bile negra (do baço). Estes, por sua vez, estavam associados aos
quatro elementos da Natureza (água, terra, ar e fogo). O uso de sangrias,
vomitórios e purgativos tinha por finalidade restabelecer o equilíbrio entre
os humores, pois retiravam aquele que estivesse em excesso.
Os médicos da Grécia antiga, bem como seus sucessores do Oriente
e de toda a Europa, utilizavam, como medicamentos, apenas produtos de
origem animal ou vegetal. Foi somente no início do século XVI que, por meio
das idéias de Paracelsus (1493-1541), teve início a utilização de elementos
minerais como o mercúrio e o antimônio para o tratamento de doenças.
Ele acreditava que, apesar de serem tóxicos, tais elementos possuíam
“forças astrais” que contribuíam para a cura. Entretanto, para o paciente,
muitas vezes, a busca pela cura era pior que a doença, pois resultava em
morte imediata, devido aos métodos adotados no tratamento.
Como forma de prevenção, medidas sanitárias simples e eficientes
podem ser encontradas na história da humanidade. Desde o século IV
a.C. a cidade de Roma eliminava seu esgoto através de uma canalização
denominada “cloaca máxima”. Nessa época, apesar dos esforços, a
humanidade não se livrava das doenças contagiosas. Por isso, passou a
atribuí-las à ação dos “maus espíritos” e dos MIASMAS. MIASMAS
Por volta do ano 1000, o médico árabe Avicena (980-1037) Emanações exaladas
pelos corpos em
aventou a hipótese de que, em certas doenças contagiosas, substâncias decomposição
ou pelas águas
nocivas, excretadas pelos doentes, penetravam no solo, contaminavam a estagnadas, às
água de beber, e assim, faziam novos doentes. Infelizmente, esta e outras quais, antes da
descoberta dos
visões, bastante óbvias para os dias de hoje, não eram levadas a sério. micróbios, atribuía-se
a contaminação das
Já no século XVI as idéias sanitaristas para prevenção de doenças doenças infecciosas.
contagiosas começaram a ser estabelecidas nos países nórdicos, porém
só foram generalizadas por toda a Europa no século XIX. Em 1842, na
Inglaterra, Edwin Chadwick (1800-1890), com seu trabalho sobre as
condições sanitárias dos trabalhadores, estabeleceu uma relação direta
entre a falta de higiene e as doenças.

CEDERJ 181
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Em 1847, o Parlamento Inglês reconheceu as vantagens das


CORTIÇO
ações sanitárias e resolveu acabar com os CORTIÇOS de Londres. Para
Casa onde habitavam
várias famílias da tanto, transferiu a população pobre para casas populares dotadas de
população pobre.
No Rio de Janeiro, o instalações sanitárias adequadas, o que diminuiu, substancialmente, a
cortiço mais famoso
ocorrência de doenças infecciosas nessas comunidades. A partir de 1854,
ficava na Rua Barão
de São Félix 154, com Florence Nightingale (1820-1910), na cidade de Escutari, na Turquia,
o nome de Cabeça-de-
porco. promoveu a melhoria das condições sanitárias dos hospitais, exigindo
que fosse feita limpeza do chão e das paredes, assim como, cuidados
com o esgoto, uso de roupas e lençóis sempre limpos, e eliminação de
ratos e piolhos do ambiente hospitalar. Essas medidas resultaram em
uma considerável diminuição na taxa de mortalidade entre os feridos
da Guerra pela Criméia.

A Guerra pela Criméia (atual sul da Ucrânia) que aconteceu de 1853 a


1856, envolveu de um lado a Rússia e, de outro, uma coalizão integrada
por Reino Unido, França, Itália, Turquia e Áustria, em razão das pretensões
expansionistas russas.

A relação entre doenças contagiosas e condições higiênicas nos


hospitais começou a ser de fato estabelecida a partir de 1865, quando
o médico inglês Joseph Lister (1827-1912), fundamentado na teoria
dos germes de Pasteur, instituiu a prática de desinfecção nos ambientes
cirúrgicos, por meio da utilização do fenol como anti-séptico. Este
procedimento teve como conseqüência a diminuição do número de
mortes resultantes das infecções pós-cirúrgicas. William Thompson
Sedgwick (1855-1921), em 1880, estabeleceu o tratamento de esgotos
com cloro, como agente sanitário e, em 1888, Theobald Smith (1859-
1934) foi o primeiro a convencer os cientistas de que insetos podiam ser
portadores de germes causadores de enfermidades, ao comprovar que a
febre do Texas, que dizimava rebanhos bovinos na Carolina do Norte,
era transmitida por carrapatos.
Em 1900, o major médico do Exército americano, Walter Reed
(1851-1902) e seus assistentes demonstraram que os vírus da febre
amarela, no ambiente urbano, eram transmitidos, aos seres humanos,
pela picada dos mosquitos fêmeas da espécie Aedes aegypti.
No Brasil, em 1903, sob a orientação do Dr. Oswaldo Cruz, o
Prefeito Pereira Passos repetiu, na cidade do Rio de Janeiro, o que fora
feito em Londres, em 1847, acrescentado de medidas sanitaristas. Depois
da reforma urbana e das ações sanitárias, a cidade ficou livre da febre
amarela e da peste bubônica.

182 CEDERJ
MÓDULO 1
18
A batalha contra os agentes infecciosos ainda parece estar longe
ESTREPTOMICETOS
de ser vencida, porém, os exemplos das gerações que nos antecederam,

AULA
Designação comum dada
levam-nos a estabelecer a idéia de que, mais importante do que curar às bactérias do gênero
Streptomyces, imóveis,
os doentes, é prevenir que eles adoeçam e, para isso, a manutenção de aeróbicas e Gram-positivas,
que crescem sob a forma
padrões sanitários é a forma mais econômica de assegurar o bem-estar
de micélio ramificado.
da população. Incluem formas que vivem
no solo. São notáveis pela
Ao longo de várias gerações, as comunidades humanas têm produção de antibióticos,
como a estreptomicina e a
demonstrado preocupação com as pessoas que morrem acometidas de tetraciclina.
doenças contagiosas (microbianas ou virais), principalmente, quando se
defrontam com situações epidêmicas. Nestes casos, o grande desafio é MICOPLASMAS
saber o que diferencia os indivíduos susceptíveis dos resistentes. Bactérias diminutas do
gênero Mycoplasma. São
Em relação às infecções por agentes microbianos, sejam elas Gram-negativas, imóveis,
e se caracterizam como
relacionadas com protozoários, fungos, bactérias, ESTREPTOMICETOS ,
sendo o único tipo de
MICOPLASMAS, RIQUÉTSIAS ou CLAMÍDIAS, a possibilidade de evoluir ou não células procarióticas
desprovido de parede
para doença, depende do indivíduo contaminado. A espécie humana celular (veja a Aula 4).

convive com os micróbios desde que surgiu no planeta. Enquanto não


se suspeitava que eles existissem, geração após geração, a humanidade RIQUÉTSIAS
Bactérias do gênero
foi submetida ao processo de seleção natural que, de modo irredutível,
Rickettsia são agentes de
privilegia somente os indivíduos aptos à sobrevivência. certas doenças infecciosas,
como o tifo exantemático.
Para se multiplicar,
precisam estar no interior
AS BASES MOLECULARES DA INTERAÇÃO DAS CÉLULAS de células eucarióticas. Por
HUMANAS COM SEUS MICRÓBIOS isso, são ditas parasitas
intracelulares obrigatórias.
Enquanto está vivo, o ser humano é uma “máquina de devorar
micróbios”, haja vista que o corpo de um adulto é formado, em CLAMÍDIAS
Bactérias cocóides,
média, por 1013 células descendentes da célula-ovo e por 1014 células imóveis, que se
microbianas, como você aprendeu na Aula 1. Das células microbianas, desenvolvem somente
no ambiente intracelular
a maioria é formada por bactérias e, aproximadamente, 90% destas eucariótico, incluídas no
gênero Chlamydia. Estão
são anaeróbicas. Na Tabela 18.1 você observa a relação entre bactérias associadas a uma grande
aeróbicas e anaeróbicas com as quais o corpo humano convive. variedade de doenças
em humanos como
conjuntivite, tracoma e
infecções urogenitais. Às
infecções por clamídias,
também são atribuídas
doenças cardíacas crônicas.
Uma espécie desse gênero,
C. psittaci, é relacionada
com infecções de aves,
eventualmente transmitidas
para os seres humanos.

CEDERJ 183
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Tabela 18.1: Distribuição da microbiota aeróbica e anaeróbica nas diversas cavidades


do corpo

Microbiota Humana
Número total Relação
de bactérias Anaeróbios:
por/mL ou por/g Aeróbios
Trato respiratório superior
lavado nasal 103-104 3-5:1
6 9
saliva 10 -10 1:1
10 11
superfície dentária 10 -10 1:1
11 12
sulco gengival 10 -10 1000:1

Trato gastrintestinal
estômago 102-105 1:1
intestino delgado 102-104 1:1
4 7
íleo 10 -10 1:1
11 12
cólon 10 -10 1000:1
trato genital feminino
endocérvice 108-109 3-5:1
8 9
vagina 10 -10 3-5:1

1
Em algumas cavidades do corpo, essa relação pode ser de 1000 .
As bactérias têm, em média, um tempo de geração que varia entre 30 e 60
minutos, enquanto as células não-microbianas levam, em média, 24 horas
para completarem o ciclo mitótico, como você pode ver na Figura 18.1.

1013 células eucarióticas

Tempo de geração: 24h

Taxa de renovação:
5 – 20 bilhões de células/
hora;

80% dos átomos em 90 dias;


10μm
100% dos átomos em 7 anos.

1014 células procarióticas

Tempo de geração: 30 – 60 minutos

Taxa de renovação: limitada pelo


0,5μm aporte de nutrientes.

Figura 18.1: À esquerda: composição celular do corpo humano, quanto à proporção, ao tempo de geração e à taxa de
renovação. À direita: imagem de esfregaço de sulco gengival, corado pelo método de Gram, conforme executado na
Aula 5. Note que as bactérias estão aderidas às células epiteliais.

184 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Qualquer célula, para crescer e se multiplicar, precisa de alimentos.
No caso das bactérias, em razão da parede celular rígida, a digestão dos

AULA
substratos é feita no ambiente externo, ou seja, elas precisam, primeiro,
hidrolisar os produtos do meio exterior para, depois, poderem absorver
os nutrientes. Para isto, se estão vivas, estão continuadamente secretando
as proteases, lipases, glicosilases e DNAses do seu repertório, conforme
foi explicado na Aula 8.
As células fagocitárias do corpo humano fazem a digestão do
material que fagocitam por meio de suas enzimas lisossomais, conforme
representado na Figura 18.2.

Digestão completa Digestão incompleta

Micróbio alvo do fagócito

Fagócito emite
pseudópodos para
engolfar a partícula

Fagossoma

Lisossoma

Enzimas lisossomais
(hidrolases acídicas)

Fusão do fagócito com


o lisossoma

Fagolisossoma (digestão
pelas enzimas lisossomais)

MHCII
Digestão
incompleta
Digestão
completa
Exocitose dos resíduos

Figura 18.2: Representação esquemática do modelo de fagocitose e digestão por enzimas lisossomais,
do material contido no fagossoma, e exocitose dos resíduos.

CEDERJ 185
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Se na Natureza a regra básica é matar ou morrer, é no interior do


fagolisossoma que essa batalha é definida. Se, por um lado, o micróbio
secreta suas enzimas para se aproveitar dos constituintes do fagossoma,
por outro, o fagócito emprega as enzimas do seu conteúdo lisossomal.
Trata-se, portanto, de uma briga molecular entre enzimas! Tal qual uma
luta entre espadachins, tem mais chance de ganhar aquele que tiver um
repertório enzimático proteolítico mais amplo. Dessa forma, os seres
humanos convivem com os elementos da microbiota, sempre levando
a melhor. Quando se trata de um micróbio cujas proteases superam as
do lisossoma, esse tipo de micróbio passa a dispor dos nutrientes para
se multiplicar e, assim, se não for detido, vai digerir, progressivamente,
outras células, tecidos e órgãos. Esta última condição caracteriza o início
do processo infeccioso.
O ser humano começa sua interação com os micróbios ao nascer.
Inicialmente com os micróbios da mãe e, progressivamente, com os do
ambiente e das outras pessoas com as quais conviverá. Conviver com
os micróbios significa devorá-los. Para tanto, as enzimas lisossomais
do organismo devem degradar os componentes microbianos. Isso está
diretamente relacionado à complexidade dos componentes de superfície
das células somáticas: dependendo do grupo sangüíneo da criança, sua
possibilidade de digerir componentes bacterianos é maior ou menor.
De acordo com os carboidratos da superfície das células de uma
pessoa, seu tipo sangüíneo é classificado nos grupos “0”, “A”, “B” e
“AB”, cuja herança obedece às regras mendelianas. No processo natural
de renovação dos tecidos, essas pessoas fazem síntese e degradação
completa desses auto-constituintes glicídicos. Os produtos ingeridos
na alimentação, quer sejam micróbios, plantas ou derivados animais,
também têm constituintes glicídicos semelhantes, associados ou não
às proteínas (glicoproteínas). Dessa forma, os indivíduos que detêm o
repertório enzimático para síntese e degradação do tipo mais complexo
desses carboidratos fazem a digestão da glicoproteína, aproveitando
completamente o conteúdo de aminoácidos e glicídios. Aqueles cujo
repertório enzimático é menos complexo são incapazes de digerir
completamente, portanto, após a digestão, deixam sobrar resíduos
(digestão lisossomal incompleta) que são exocitados, associados aos
MHC de classe II.

186 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Como conseqüência da exocitose dos resíduos da digestão, estes
são aproveitados principalmente por linfócitos T CD4+, como você

AULA
viu na Aula 17. Quando sobram para os linfócitos B, estes passam
a secretar anticorpos reativos para os respectivos resíduos. Dessa
forma, examinando a Figura 18.3 e a Tabela 18.2, você pode verificar,
respectivamente, a rota bioquímica da síntese dos polissacarídios que
caracteriza os grupos sangüíneos dos tipos “0”, “A”, “B” e “AB”, os
elementos genéticos e a expressão sorológica nos indivíduos dos referidos
grupos. Um detalhe interessante deste processo é que, ao nascer, os seres
humanos não apresentam os anticorpos anti-B, anti-A ou anti-A e B. Eles
só os fazem à medida que vão se alimentando. Assim, os indivíduos “A”
fazem anti-B; os anti-A aparecem nos indivíduos do grupo sangüíneo “B”
e os indivíduos “0” fazem tanto anticorpos anti-A como anti-B. Desta
forma, você pode perceber que este fenômeno imuno-hematológico está
diretamente relacionado com o repertório enzimático envolvido na síntese
e degradação dos constituintes celulares durante as fases de anabolismo
e catabolismo, relacionadas diretamente com a renovação celular dos
tecidos do indivíduo.

Elementos basais

Síntese Degradação

Núcleo de carboidratos precursor dos


elementos característicos dos grupos
Legenda: sangüíneos AB0
Prot - NAc gal - gal - NAc - glu - gal
Prot - Proteína
NAc - gal - Nacetil - galactosamina Enzima “A”
NAc - glu - Nacetil - glicosamina Enzima “H”
Gal - galactase

Componente "H" ou "O"


Prot - NAc gal - gal - NAc - glu - gal

Fucose
Enzima “A”

Enzima “B”
Componente “A” NAcgal Componente “B” gal

Prot - NAc gal - gal - Nac glu - gal Prot - NAc gal - gal - Nac glu - gal

Fucose Fucose

Figura 18.3: Rota bioquímica de síntese e degradação do conteúdo glicídico das


glicoproteínas presentes nas superfícies das células, que se caracterizam como
determinantes do grupo sangüíneo dos indivíduos.

CEDERJ 187
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Tabela 18.2: Características genotípicas, proteômicas e sorológicas dos grupos sangüíneos ABO.

Sistema AB0 dos grupos sangüíneos


Componentes glicídicos
Repertório
presentes na superfície Anticorpos
Tipo sangüíneo genótipos enzimático para
de todas as células e produzidos
síntese e degradação
hemácias
"O" II "H" H Anti-A, Anti-B

"A" AA, Ai "H", "A" A, H Anti-B

"B" BB, Bi "H" , "B" B, H Anti-A

"AB" AB "H", "A", "B" A, B, H Nenhum

A presença de anticorpos no soro de um indivíduo está diretamente


relacionada com a amplitude do seu repertório enzimático. Por isso,
indivíduos “AB”, possuidores dos genes para a expressão das vias
metabólicas de síntese e degradação dos componentes A, B e H, ao
fazerem a digestão dos mesmos, não deixam sobrar resíduos para as
células do sistema imune.
Ao contrário, os indivíduos do grupo sangüíneo do tipo “0”,
cuja digestão lisossomal degrada apenas o componente H, ao receberem
os componentes “A” e “B” na dieta os exocitam, suscitando, assim, a
resposta imune com produção de anticorpos. Em resumo: os componentes
que as células de um indivíduo sabem fazer, também os sabem desmanchar.
Dessa forma, pode-se concluir que, todo o material expresso a partir do
genoma celular do indivíduo, quando digerido para renovação, será
completamente degradado. Quando os produtos a serem degradados forem
ADVENTÍCIO codificados por genomas ADVENTÍCIOS, a chance de essa digestão se fazer de
O que vem de fora, forma completa será diretamente proporcional à amplitude do repertório
advendiço, alheio,
alienígena, forasteiro. enzimático das células do indivíduo. Se houver sobras de resíduos, estes
serão aproveitados pelos linfócitos que os coletarem. Dispondo desse fator
de crescimento, será possível a expansão clonal dessas células.
Considerando que o repertório enzimático do indivíduo que lhe dá
vantagem sobre o dos micróbios é definido no momento da fecundação,
a partir desse evento a multiplicação do zigoto gera um indivíduo de
células geneticamente clonadas, porém bioquimicamente diferenciadas
APOPTOSE
nos tecidos. A renovação destes tecidos requer a remoção das células que
Morte celular
programada. atingem o estado de APOPTOSE. Essa tarefa cabe aos monócitos, que são as
células mais versáteis do corpo, pois dispõem do repertório enzimático

188 CEDERJ
MÓDULO 1
18
que os habilita a proceder à digestão lisossomal de qualquer resíduo
celular contendo elementos expressos a partir do genoma das populações

AULA
celulares dos indivíduos.
Essa versatilidade metabólica dos monócitos, também encontrada
nas CÉLULAS DENDRÍTICAS, dá ao indivíduo a possibilidade de manter a íntima CÉLULAS DENDRÍTICAS
associação com a microbiota, assim como protegê-lo de infecções por agentes Células do Sistema
Monocítico
microbianos que detenham versatilidade enzimática inferior à dele. Fagocitário que,
como os macrófagos,
Essas características são atributos genéticos passados de geração exercem funções
fagocíticas.
para geração. Dessa forma, pais que possuem repertório enzimático
capaz de debelar infecções por MICOBACTÉRIAS de origem vacinal, VACINA

BCG, passam essa característica, de forma mendeliana, para seus filhos MICOBACTÉRIAS
e, assim, quando essas crianças são inoculadas com BCG, demonstram Bactérias, em forma
de bastonetes retos ou
essa herança ao se curar espontaneamente da infecção vacinal.
encurvados, imóveis.
O inóculo de BCG consiste de 106 destes bacilos vivos, que se São aeróbicas, do
gênero Mycobacterium
espera sejam mortos e degradados quando forem fagocitados. Na e largamente
distribuídas no solo
maioria das vezes, os micróbios perdem. Porém, o tempo desse embate e na água; entre elas
pode ser rápido ou demorado e a conseqüência dessa demora é a marca encontram-se os
bacilos da tuberculose
representativa do confronto que as pessoas exibem. Há crianças que (Mycobacterium
tuberculosis) e os da
evoluem sem marca, ou seja, são muito versáteis quanto à digestão hanseníase (M. leprae).
lisossomal. Com isto, livram-se da infecção sem danos teciduais.
Na Figura 18.4 você vê algumas marcas resultantes do processo VACINA BCG
de vacinação com BCG, em pessoas que demonstraram possuir as (BACILOS DE
CALMETTE &
características genéticas do repertório enzimático que lhes confere a GUÉRIN)
resistência. Embora resistam, levam mais tempo para se livrarem das Vacina preparada a
micobactérias. O tempo que demora para a cura será diretamente partir de um clone de
bacilos da tuberculose
proporcional à extensão da lesão. Por isso, há os que têm marcas bovina, obtido pelos
pesquisadores Albert
pequenas e outros com marcas maiores, que variam em tamanho, desde Calmette e Camille
Guérin, no Instituto
2mm até 3cm.
Pasteur de Paris.
Há ainda aqueles nos quais a agressão tecidual é tão extensa que
precisam de tratamento médico para se livrar da infecção vacinal.

CEDERJ 189
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Figura 18.4: Fotos de quatro braços com marcas da vacina BCG.

Nos que são susceptíveis, ou seja, incompetentes metabolicamente


para degradar as micobactérias vacinais, a infecção evolui para a forma
sistêmica e, se atingir os tecidos ósseo ou nervoso central, é de difícil
tratamento.

Felizmente, como pode ser percebido no gráfico da figura a seguir,


disponível no endereço www.unu.edu/unupress/food/8F104e/
8F104E04.htm, a proporção de indivíduos susceptíveis à tuberculose
decresceu, gradualmente, na população da Grã-Bretanha ao longo dos
anos, mesmo antes da disponibilidade dos antibióticos e da vacina.

4000

3500

Identificação
3000 do bacilo da
TAXA DE MORTALIDADE ANUAL

tuberculose
2500

2000

Início da
1500 antibioti- Introdução
coterapia da vacina
BCG
1000

500

0
1838 1850 1880 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970

190 CEDERJ
MÓDULO 1
18
A ETERNA BATALHA DO HOMEM CONTRA OS MICRÓBIOS
O termo BUBÔNICA
é referência aos

AULA
bubões, isto é,
A peste bubônica gânglios linfáticos
horrivelmente
inchados, que
Desde eras remotas, o caráter de resistência dos seres humanos
aparecem como
às infecções microbianas vem sendo aperfeiçoado. Como exemplo, no um dos primeiros
sintomas da peste e
flagelo mediado pela PESTE BUBÔNICA, enquanto não se conheciam medidas que, quando tocados,
fazem os pacientes
profiláticas nem tratamento com antibióticos, os indivíduos suscetíveis urrar de dor. São
eram ceifados da população. resultantes da infecção
por Yersinia pestis,
São muitos os relatos de epidemias de peste associada com a que são cocobacilos
Gram- negativos,
presença de roedores, principalmente o rato doméstico (Rattus rattus), imóveis. As células
cujas pulgas eram as responsáveis pela transmissão aos seres humanos. desses cocobacilos
apresentam uma
Em um ambiente sujo, sem as atuais noções de higiene, é de se prever tendência de
coloração acentuada
que à medida que aumentava a população de roedores em torno das nos pólos.
residências, a chance de ocorrer a peste aumentava. Acreditava-se,
inclusive, que os ratos eram anunciadores da peste. YERSINIA PESTIS
Essa aproximação dos roedores ocorria, geralmente, quando havia Bactérias Gram-
negativas, classificadas
longos períodos de estiagem. Com a diminuição da disponibilidade de na família
grãos nos campos, os ratos se aproximavam das residências. Quando Enterobacteriaceae.
São encapsuladas,
os ratos morriam, as pulgas contaminadas iam buscar alimento nas crescem em condições
de aerobiose
pessoas. Como poderiam as pessoas imaginar que os ratos estavam ou anaerobiose
contaminados? O agente microbiano da peste é a YERSINIA PESTIS. Nas (facultativos).
A cápsula dessas
comunidades humanas atingidas, os susceptíveis morriam, sobrando bactérias é composta
por moléculas de
apenas os resistentes ao final das epidemias. lipopolissacarídeo
(LPS), que atuam
como uma potente
Relatos descrevem que, no final do ano de 542 e no início de 543, em toxina nos indivíduos
Constantinopla, ocorreu uma epidemia de peste em que o número de susceptíveis.
mortes chegou a 10 mil por dia. Em cinco anos a população foi reduzida
em 25% e a infecção esteve presente, de forma endêmica, durante 25
anos. A população da China foi reduzida de 123 milhões, no ano de 1200,
para 65 milhões em 1393. Na Europa, durante o século XIV, essa seleção
dizimou um terço da população, e, em algumas cidades, o efeito foi ainda
mais catastrófico: Florença, Veneza, Siena e Oviedo, cidades florescentes na
Renascença, chegaram a perder 60% dos seus habitantes. O escritor italiano
Giovanni Boccaccio (1313-1375), ao descrever esse pandemônio, relatou que
ele influiu na destituição da ordem social em todos os níveis, da família ao
Estado. No ano de 1570, a peste chegou a Lisboa, durante o reinado de Dom
Sebastião (o Desejado), e dizimou 90% de seus moradores. Em Paris, a taxa
de mortalidade chegou a 800 por dia. Entre agosto e setembro de 1665,
sete mil pessoas morriam por semana em Londres. No início do século XX, a
Índia perdeu 10 milhões de habitantes. Desde então, os surtos de peste neste
país têm sido limitados. Destes relatos deduz-se que os sobreviventes eram
pessoas com repertório enzimático diversificado o suficiente para suplantar
o potencial digestor das Yersinias, no ambiente fagolisossomal.

CEDERJ 191
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Na Europa, no século XIV, a desordem que se seguia


ao pandemônio da peste gerava a busca alucinada
pelos culpados, sendo acusados principalmente os
leprosos, porque eram indigentes; e os judeus, porque
tinham posses. Milhares deles foram queimados vivos
em fogueiras.

A FEBRE TIFÓIDE

Outro tipo de infecção bacteriana do qual há também relatos


históricos bem marcantes é a febre tifóide, usualmente associada à sujeira
e contraída a partir da ingestão de alimentos ou água contaminada com
produtos fecais. O tipo bacteriano associado é a Salmonella typhi, do
grupo das Enterobactérias. Em virtude da transmissão dessa doença,
seguir uma rota fecal-oral, numa época em que as condições de higiene
e saúde pública não eram adequadas (como ainda não são em muitas
regiões pobres do planeta), a possibilidade de contágio entre os seres
humanos era muito grande. Assim, a infecção conduzia a um processo
de seleção, favorecendo os indivíduos que resistiam às ações enzimáticas
da S. typhi. Há pessoas que, embora resistentes à salmonelose, quando
infectadas, passam a albergar o agente no intestino, sem desenvolver
qualquer sintoma, embora estejam eliminando durante longo tempo os
APLASIA MEDULAR
micróbios, que podem contaminar as pessoas com as quais convivem.
Diminuição mais
ou menos intensa Um exemplo amplamente divulgado dessa situação aconteceu em Nova
da capacidade
York, nos EUA, na primeira década do século XX, envolvendo uma
hematopoética da
medula óssea. cozinheira chamada Mary Mallan.

Mary Mallan, uma cozinheira, atraiu a atenção da imprensa pela primeira vez em 1906, quando o
General William Henry Warren, ao alugar uma casa de praia para passar o verão com a família na
baia de Oyster, a contratou. Em três semanas, seis das onze pessoas da casa apareceram com febre
tifóide. O fato chamou a atenção das autoridades sanitárias para aquela casa, pois a febre tifóide é
uma doença de notificação compulsória e não havia sido descrito nenhum outro caso na região. As
investigações provaram que o foco da infecção estava na senhora Mallan e que esta estava envolvida
em 14 outros casos por onde havia trabalhado durante os cinco anos precedentes. Os jornalistas da
época cunharam para a Mary o codinome Mary Tifóide. Ela morreu de derrame, mas, investigações
posteriores indicaram que ela esteve envolvida diretamente com 53 casos de febre tifóide, sendo três
fatais. E você pensa que esse é um evento raro? Pois saiba que os jornais ingleses, em 1976, noticiaram
uma matéria semelhante envolvendo uma cozinheira de um navio de cruzeiro do Mediterrâneo.
Estima-se que, só nos EUA, existam, pelo menos, duas mil pessoas que carreiam S. typhi como elementos
da microbiota intestinal. Antes da disponibilidade de antibióticos para o tratamento, a salmonelose
exercia um efeito seletivo sobre as grandes aglomerações humanas, favorecendo aos resistentes.
A antibioticoterapia na salmonelose teve seu apogeu quando o cloranfenicol foi descoberto. Este
antibiótico, embora altamente eficiente contra S.typhi, mostrou-se tóxico para as mitocôndrias das
células humanas, principalmente para aquelas da medula óssea, causando APLASIA. Assim como este
antibiótico, a tetraciclina também tem efeito adverso no tecido ósseo dos dentes em formação, dando,
aos da segunda dentição, uma cor escura.

192 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Graças à seleção natural, a predominância de indivíduos resistentes
à febre tifóide na população cresceu ao longo das gerações, conforme você

AULA
pode perceber analisando a Figura 18.5. Além do mais, o saneamento
básico dos centros urbanos tem contribuído para a higienização do
ambiente, fato que diminui, ainda mais, a probabilidade de um suscetível
ser contaminado.

FEBRE TIFÓIDE
600

500 Sem vacinação


obrigatória
Taxa de mortalidade por 100.000

400
habitantes

300

200

100

1960
1950

1970
1910

1940
1930
1920

Figura 18.5: Taxa de mortalidade da febre tifóide nos EUA, no período de 1910 a 1970.

DOENÇA VENÉREA
Relativa a Vênus, a
A SÍFILIS deusa do amor. Mais
apropriadamente
denominada como
DOENÇA VENÉREA que começou a ser relatada a partir de 1530. doença sexualmente
O micróbio envolvido só foi reconhecido em 1905. Os relatos de sífilis, transmissível (DST).
A sífilis, ou lues, é
na época em que não existia tratamento com os antibióticos, descrevem relacionada com
a infecção por
que a infecção evoluía em três estágios. O primeiro, quando aparece a Treponema pallidum,
lesão primária no órgão genital. Esta lesão regride espontaneamente. bactérias de forma
espiralada, com
Em 60% a cura é completa, sendo que, metade das pessoas curadas 200nm de espessura
e 10.000nm de
apresentam resposta imune, com presença de anticorpos reativos para comprimento.
A estrutura fina e
os componentes dos treponemas e a outra metade não. Os outros 40%
o ágil movimento
evoluem para os estágios secundário e terciário. giratório destas
bactérias permitem
que elas penetrem
no corpo, através da
mucosa íntegra.

CEDERJ 193
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

O estágio secundário se instala após cinco a dez semanas, quando


aparecem as lesões que consistem em uma erupção avermelhada,
máculo-papular em várias partes do corpo. Nas regiões úmidas do
PARESIA corpo, essas erupções aparecem como pápulas pálidas e úmidas,
Perda parcial chamadas condilomas. As lesões da fase secundária também regridem
dos movimentos,
decorrente espontaneamente. O terceiro estágio da sífilis ocorre após cinco anos,
de alterações com o aparecimento de lesões granulomatosas na pele, ossos, fígado e
degenerativas do
sistema nervoso sistema nervoso central. Quando ocorre o comprometimento do sistema
central.
nervoso, as pessoas acometidas apresentam PARESIA.

A primeira descrição da sífilis foi feita na Europa, em 1494, quando


o rei da França, junto com os espanhóis, invadiu a Itália. Esse embate
teve pouca luta e muita farra dos soldados com as prostitutas que
acompanhavam o exército, o que resultou num surto de sífilis que
dizimou a tropa invasora, inclusive o comandante em chefe, o rei
Carlos VIII, e depois se espalhou por toda a Europa. Uma vez que
o surto inicial coincidiu com a volta de Colombo da América, os
historiadores têm atribuído que o T. pallidum pegou carona em
marinheiros que voltaram do Novo Mundo. Durante 50 anos, a
sífilis dizimou 20% da população européia.

Durante quase 500 anos, a sífilis representou um grande problema de


saúde pública para a população humana, equivalente ao que hoje representa
a AIDS. Também era considerada, por muitos, como um castigo de Deus,
embora, como outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), tenda a
acompanhar a promiscuidade, o abuso de drogas injetáveis e a pobreza.
A infecção crônica em mulheres pode ser passada para seus filhos durante
a gestação. A transmissão vertical é responsável por abortos e natimortos.
As crianças que chegam a nascer apresentam sinais da sífilis congênita,
dentre eles, cegueira, má formações óssea e cerebral e lesões do sistema
nervoso central.
Felizmente, as penicilinas têm efeito bactericida sobre os T. pallidum,
portanto, podem ser usadas como tratamento dos infectados, salvando muita
gente suscetível desse “castigo”.

194 CEDERJ
MÓDULO 1
18
ATIVIDADE

AULA
1. No que diz respeito à convivência das populações humanas com os
micróbios, observe a figura a seguir, onde são mostrados, de forma gráfica,
os dados estatísticos referentes à taxa de mortalidade por COQUELUCHE, durante
o período de 1880 a 1970. Levando em consideração que a vacina contra a
COQUELUCHE só foi disponibilizada em 1939 e, mesmo após a descoberta dos

antibióticos, o efeito terapêutico destes é irrisório, a que você pode atribuir


o declínio da taxa de mortalidade registrada na figura?

Coqueluche nos Estados Unidos


COQUELUCHE
1000
Doença, altamente
Taxa de mortalidade por 100.000

900
contagiosa, resultante 600
da infecção por 700
bactérias da espécie 500
habitantes

Bordetella pertussis,
400
também conhecidas 1939 Introdução da vacina
300
como bacilos de Bordet
200
& Gengou. Outra
denominação para a 100
doença é tosse comprida 0
ou pertussis (em latim Ano
Per tussis = super tosse).
1940

1950
1930
1920
1910

1960

1970
1890

1900

1920

1920
1880

Os doentes apresentam
fortes ataques de tosse
espasmódica, devido _________________________________________________________________
à irritação provocada
_________________________________________________________________
pela toxina do corpo
bacteriano sobre as
células do epitélio RESPOSTA COMENTADA
da traquéia e dos
Seleção de resistentes. Observe que durante o período de 1880 até
brônquios. Em alguns
acometidos, ocorre a 1939 a população humana não dispunha de recursos terapêuticos.
morte decorrente da A doença é altamente contagiosa e acomete de forma mais grave
evolução da doença
para pneumonia. as crianças com menos de um ano de vida. Portanto, aqueles que
dispunham de repertório enzimático capaz de digerir os agentes
microbianos e as suas toxinas, ao serem selecionados, passavam essa
característica para a geração seguinte. Para reforçar essa conclusão,
você pode acessar o site http://www.vaclib.org/basic/history.htm.

Até aqui, você está percebendo que o potencial dos seres humanos
para resistirem às infecções bacterianas, quaisquer que sejam elas,
depende da amplitude do repertório enzimático que expressem. Quanto
mais amplo este for, maior será a chance de superar essas infecções. Como
foi mencionado, nos casos de cura espontânea da sífilis, há, inclusive,

CEDERJ 195
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

pessoas que se livram da infecção sem produzir anticorpos, outros o fazem


VARÍOLA
acompanhado da produção de anticorpos e há aqueles que sucumbem à
Doença resultante da
infecção por um tipo infecção. No processo de seleção na Natureza, subentende-se que, quanto
de poxvírus, que são
vírus com genoma mais ampla for a versatilidade metabólica das células de um indivíduo,
de DNA, medindo
maior será a sua chance de resistir às infecções microbianas.
250 X 150 X 80nm.
Lesões por varíola
ocorrem em diferentes
espécies animais. A ETERNA BUSCA DO SER HUMANO PELA RESISTÊNCIA ÀS
São denominados VIROSES
de smallpox os que
infectam humanos,
monkeypox os de Nas Aulas 15 e 16 você aprendeu que a versatilidade metabólica
macacos, chikenpox
os de galinha e assim
das células, fruto de um repertório enzimático amplo, é o princípio básico
por diante. que rege a produção de vírus e, conseqüentemente, o desenvolvimento
das viroses. Dessa forma, como você viu na Aula 17, as viroses também
contribuem para a seleção das espécies na Natureza, porém, de maneira
GRIPE
Virose que acomete as
inversa àquela suscitada pelas infecções microbianas.
pessoas, geralmente, Dentre os exemplos de barreiras seletivas, mediadas por viroses,
uma a duas vezes
por ano. Os vírus que têm sido superadas pelos seres humanos, vamos fazer considerações
da gripe estão
classificados como sobre a VARÍOLA, a GRIPE, a POLIOMIELITE, a DENGUE e a AIDS.
orthomyxovirus.
Há vários subtipos
conhecidos, que se
DENGUE
diferenciam de acordo Virose associada a quatro tipos de flavivírus, que são os vírus da dengue 1,
com suas estruturas dengue 2, dengue 3 e dengue 4. Os vírus da dengue têm características estruturais
de superfície semelhantes às dos vírus da febre amarela. A transmissão de uma pessoa doente
(hemaglutinina e para uma pessoa sadia, nas áreas urbanas, é feita pela picada da fêmea contaminada
neuraminidase). dos mosquitos Aedes aegypti.
Em razão da via de
transmissão ser por
contato respiratório,
essas visores são de AIDS
fácil disseminação.
A síndrome da imuno-deficiência adquirida, conhecida nos países de língua oficial
portuguesa como SIDA, exceto no Brasil, onde se usa a sigla em inglês AIDS, é
uma síndrome resultante do comprometimento do sistema imune, devida à infecção
pelos vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV).
POLIOMIELITE
Doença paralítica
resultante da
inflamação da A VARÍOLA
substância cinzenta
da medula espinhal,
Dentre as viroses com registro histórico mais detalhado, a varíola é
devido à infecção por
um dos três tipos de a campeã. Desde o primeiro caso registrado, no antigo Egito, na múmia de
vírus da poliomielite,
que são classificados Ramsés V (falecido em 1156 a.C.), até o último caso ocorrido em 1977, a
como picornavirus. varíola sempre esteve associada com milhões de mortes humanas. Os que
sucumbiam eram aqueles que possuíam maior proporção de células com
competência para produzir vírus, ou seja, demonstravam maior eficiência
para desenvolver a infecção.

196 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Muitas vezes, as coisas se passavam assim: viajantes chegavam
às cidades com saúde, pouco tempo depois, tombavam subitamente

AULA
doentes, ficavam acamados com dores por todo o corpo, febre muito alta
e delírios. Dois a três dias depois, o mal-estar cessava e os doentes pareciam
estar em convalescença, mas eis que, em seu rosto e por todo o corpo,
apareciam máculas que se transformavam em pápulas que intumesciam,
virando vesículas e depois pústulas que supuravam. A região supurada
inchava e a febre voltava. Quando não morriam, ficavam com as marcas
das pústulas. Mesmo assim, consideravam-se felizes, pois havia aqueles
que ficavam surdos ou cegos ou com lesões cardíacas. Se os homens já se
importavam em ter a face cheia de marcas, imagine o desespero das moças
estigmatizadas pela virose!
No que tange ao processo de seleção, uma EPIDEMIA de varíola que
EPIDEMIA
atingiu o Oriente Médio, no ano de 165, ceifou a vida de, pelo menos, um
Incidência, em curto
terço dos súditos do Império Romano. Na Europa, as epidemias de varíola período de tempo,
coincidiram com o retorno dos soldados das Cruzadas. Da Europa, foi de grande número de
casos de uma doença,
levada pelos espanhóis para o Novo Mundo. Como conseqüência, grande com rápida difusão
que decresce após
parte da população dos astecas, maias e incas foi dizimada. Só em relação
um certo período
aos astecas, em 1520, metade da população sucumbiu à varíola. de tempo. Difere
do termo endemia,
Os europeus, como já haviam passado pela varíola, ao chegarem o qual corresponde
para colonizar os EUA, tiveram nessa virose seu principal aliado para a uma situação de
ocorrência de uma
reduzir a população indígena, nativa da América do Norte. doença infecciosa, com
baixa freqüência numa
As epidemias de varíola continuaram a ocorrer ao longo dos séculos.
determinada região,
Os relatos da Islândia mostram que, em 1707, um terço da população do porém se mostra
perene ao longo
país foi dizimada. Em 1717, na cidade de Boston, dos seis mil habitantes dos anos.
que contraíram a doença, 900 morreram. Na Rússia, estima-se que o
número de vítimas em 1776 tenha chegado a dois milhões de pessoas.
A última década do século XVIII foram anos dramáticos em relação
à varíola. Em certas regiões da Alemanha, um sexto da população foi
dizimado. Na Prússia, só em 1796, foram 26.646 vítimas letais. Na França,
um quarto dos habitantes sucumbiu à doença ou ficou desfigurado.

A varíola também faz parte das obras literárias brasileiras. Jorge


Amado, em seu romance Tereza Batista cansada de guerra,
descreve a solidariedade da personagem para com as vítimas da
bexiga negra, outro nome pelo qual a varíola era conhecida.

CEDERJ 197
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

À medida que os seres humanos eram dizimados com a


varíola, passavam a prevalecer aqueles que eram resistentes, ou seja,
metabolicamente versáteis, mas nem tanto. Essa forma de seleção foi
aprimorada na Europa, com o uso da variolização. Esta técnica já
era executada pelos chineses, e consistia em esfregar nas crianças não
atingidas pela varíola crostas de PÚSTULAS de convalescentes ou então
PÚSTULAS
Vesículas purulentas
introduzir-lhes essas crostas nas narinas. Foi divulgada na Europa pela
da pele. esposa do embaixador inglês na Turquia, Lady Mary Wortley Montagu.
Embora a maioria das pessoas assim inoculadas desenvolvesse formas
brandas da doença, em algumas a doença era severa ou mesmo letal. E,
nos resistentes, a infecção variólica não evoluía.
O efeito imprevisível da variolização foi superado graças à
perspicácia do médico inglês Edward Jenner. Em 1798, ele percebeu que
as ordenhadoras de vacas não tinham marcas de varíola pelo corpo, mas
apenas em uma das mãos. Essa lesão era resultante da infecção localizada,
adquirida a partir das lesões que apareciam na teta das vacas acometidas
da varíola bovina. Ele também notou que as moças com essas marcas
se mostravam protegidas contra a varíola, quando apareciam surtos na
região. E, num processo serendipitoso, utilizou o material das lesões
das vacas para induzir nas pessoas uma infecção localizada. As pessoas
que curavam dessa infecção mostravam-se resistentes à varíola. Assim,
teve início o processo de vacinação. Para lembrar um pouco mais sobre
Jenner, retorne ao boxe da Aula 1.
Em 1958, por proposta da União Soviética, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) iniciou um projeto de 330 milhões de dólares
para distribuir preparações infecciosas de vírus vacinais para toda a
humanidade. Dez anos após, a humanidade ficou livre dos casos de
varíola, embora casos isolados, com certa freqüência, acontecessem
PRIMOVACINADO em crianças PRIMOVACINADAS e em profissionais que se acidentavam em
Vacinado pela
laboratórios de pesquisa.
primeira vez.
A Figura 18.6 mostra pinturas referentes aos primórdios (1798)
da vacinação antivariólica efetuada com amostras vacinais, infecciosas,
oriundas de lesões variólicas bovinas. Analisando-se o gráfico, durante
o período de 1850 a 1867, percebe-se que a população já mostrava uma
tendência para o estado de resistência, fruto do efeito seletivo exercido pela
infecção, ainda na época em que não havia a vacinação obrigatória.

198 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Vírus da varíola humana, provenientes de crostas, continuam guardados
em laboratórios dos EUA e da Rússia, o que gera um sentimento de

AULA
intranqüilidade face à possibilidade de esse material ser utilizado como
arma de guerra. Entretanto, essa possibilidade esbarra na seguinte questão:
onde estão os suscetíveis, se as gerações do presente são os descendentes
dos sobreviventes do passado?

Taxa de mortalidade

1867 início
da vacinação
obrigatória

1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920

Ano

Figura 18.6: Eventos alusivos à vacinação antivariólica. À esquerda, uma tela mostrando uma cena de vacinação
antivariólica em crianças. À direita, uma gravura de Edward Jenner com a ordenhadora ao fundo. No centro,
a representação gráfica dos casos de morte com varíola.

ATIVIDADE

2. Os dados da OMS mostram que a partir de 1969 a varíola humana foi


erradicada, mas a vacinação antivariólica continuou obrigatória no Brasil
até 1980, quando então passou a ser proibida. Seu desafio é procurar na
internet os fatores que justifiquem a erradicação da varíola e a proibição
da vacinação antivariólica.

RESPOSTA COMENTADA
Você sabe que para existir a doença é preciso que existam as pessoas
suscetíveis e, os suscetíveis para as viroses são aqueles que têm
repertório enzimático compatível para a produção dos vírus.
Considerando que a preparação vacinal era constituída por partículas
virais infecciosas, era de se esperar que na população existissem
pessoas portadoras de maior ou menor proporção de células
competentes. Estes últimos eram aqueles indivíduos descendentes
das gerações resistentes. Nos indivíduos com proporção intermediária

CEDERJ 199
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

ou ampla, a infecção vacinal tendia a ser mais severa, apresentando-


se sob a forma de múltiplas lesões ou disseminada, podendo atingir
órgãos internos, levando o indivíduo ao óbito ou a deficiências visuais
e auditivas. A figura a seguir representa uma charge de 1802 que
expressava os argumentos utilizados pelos opositores da vacinação
proposta por Jenner. Embora a oposição tenha sido superada pelos
defensores da utilização dos vírus de origem bovina para infectar
seres humanos, praticamente 200 anos se passaram até que o
conceito fosse invertido, com a proibição. Assim a exposição de
pessoas à infecção vacinal se configura como uma roleta russa:
quem herdou a competência?

A GRIPE

Outra virose bastante difundida entre os seres humanos é a gripe.


Obviamente você já passou por algumas delas. Tal qual os furacões,
SURTO
Aparecimento
os SURTOS e as epidemias de gripe também recebem nomes. A mais
repentino de vários famosa do século XX foi a gripe espanhola, que ocorreu no segundo
casos de uma doença
num local. semestre de 1918. Originada nos EUA, atingiu a Europa em guerra e, a
partir da Espanha, foi rapidamente difundida para o resto do mundo.

200 CEDERJ
MÓDULO 1
18
O efeito dessa gripe foi devastador e estima-se que 5 a 7% da
população mundial sucumbiu com essa virose. Em números, isso

AULA
correspondeu a 50 milhões de pessoas. As situações mais dramáticas
ocorreram nas cidades de Londres, Nova York e Rio de Janeiro.
A onda epidêmica causou verdadeiros pandemônios. Imagine uma cidade
onde 50% de seus habitantes estão com gripe e a doença evolui para
pneumonia, deixando suas vítimas moribundas, acamadas e sem poder
contar com a solidariedade de outras pessoas.

Figura 18.7: À esquerda- fotografia com máquina de alta velocidade (1/2000 de segundo), e com ilumi-
nação indireta, mostrando as gotículas de muco eliminadas num espirro. À direita – forma educada de
se adquirir gripe, ao inspirar o ar para dizer saúde.

Quando a onda epidêmica atinge vários países, a situação é PANDEMIA


chamada PANDEMIA. As gripes pandêmicas funcionam, portanto, como Palavra de origem
grega, formada com
uma malha seletiva para as populações humanas. Os resistentes se o prefixo pan (todo)
e demos (povo),
caracterizam por, mesmo contaminados, não desenvolverem a doença foi pela primeira
ou, se adoecerem, o quadro evolui para cura. Os suscetíveis sucumbem. vez empregada por
Platão, em seu Livro
Os sintomas de gripe começam após o período de incubação, que das leis, referindo-
se a qualquer
varia de algumas horas até dois dias. Iniciam-se com forte dor de acontecimento capaz
cabeça, febre alta, tremores, desfalecimento, acompanhado de coriza, de alcançar toda a
população.
lacrimejamento, cansaço geral (astenia) e dores musculares (a interferose, O conceito moderno
de pandemia é o de
você se lembra?). uma epidemia de
grandes proporções,
A linha da curva no gráfico de temperatura corpórea começa
que se espalha
alta, diminui no terceiro dia para em seguida aumentar, o que se traduz, em vários países
e em mais de um
graficamente, por um "V". A cura, quando ocorre, se dá no quarto ou continente.

CEDERJ 201
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

quinto dia. Porém, a infecção pode evoluir para a forma de PNEUMONIA,


PNEUMONIA
BRONCOPNEUMONIA ou PLEURISIA PURULENTA, quando associada com agentes
Inflamação dos
pulmões, provocada microbianos como hemófilos e estreptococos que, ao estabelecerem uma
por infecção
associação mórbida, potencializam a gravidade do quadro. Durante a fase
bacteriana ou viral.
gripal, o indivíduo através de tosse e espirro propicia às outras pessoas
com quem convive, o direito de saberem se são sensíveis ou resistentes,
BRONCOPNEUMONIA
como pode ser visto na Figura 18.7. As gotículas expelidas durante o
Inflamação aguda
que compromete espirro podem facilmente atingir as células vivas que estão presentes nas
os pulmões e
mucosas da conjuntiva, da boca e do nariz, principalmente, quando se
os bronquíolos
terminais, os quais, inspira o ar para pronunciar a palavra “saúde”.
ao serem obstruídos
por secreção Os resistentes contaminados, de acordo com a proporção de células
mucopurulenta, competentes, evoluem para a forma aparente (sintomática) ou inaparente
levam os indivíduos à
asfixia. (assintomática) da infecção. Em qualquer dessas circunstâncias, produzem
anticorpos reativos para os componentes dos vírus. A concentração sérica
PLEURISIA PURULENTA desses anticorpos aumenta gradualmente até atingir um patamar e depois
Infecção da pleura decresce. O modelo dessa curva de produção de anticorpos se assemelha
(camada serosa que ao modelo de uma curva de crescimento populacional de células clonadas,
recobre os pulmões),
com secreção de pus. como você pode comparar vendo a Aula 6.
Em relação à mortalidade, a gripe asiática que grassou como uma
pandemia em 1955, foi a segunda em gravidade, do século XX. Estima-
se que, com gripe asiática, morreram um milhão de pessoas. Em 1967,
ocorreu a pandemia pela gripe de Hong Kong, que levou 400 mil pessoas
à morte. Quando o número de vítimas das três pandemias é analisado,
em relação à população mundial, das respectivas épocas, é fácil perceber
que a proporção de resistentes cresce exponencialmente, acompanhando
o crescimento populacional ocorrido durante o período.
Dessa forma, fica fácil encontrar na população pessoas que
curam espontaneamente suas gripes. Os suscetíveis, embora em pequena
proporção, são encontrados entre as crianças ou os idosos. As crianças
pela genética de suscetibilidade e os idosos pela fragilidade resultante
do desgaste natural do organismo, agravada pelo efeito retardador da
renovação celular mediado pela interferose.
Porém, o comprometimento celular com a virose é ampliado em
função do estado de desnutrição dos indivíduos que, normalmente, passam
a expressar repertório enzimático amplo para garantir a sobrevivência.
Este tem se mostrado como um dos principais fatores que potencializam
a gravidade não só da gripe como de qualquer outra virose. Este tipo de
situação é mimetizada in vitro, como artifício pelos virologistas, a fim de
criar a competência celular para produção de vírus, conforme você viu
na Aula 16, quando você comparou a produção de vírus pelas bactérias
cultivadas em meio rico e em meio pobre de nutrientes.
202 CEDERJ
MÓDULO 1
18
A POLIOMIELITE

AULA
Este é outro tipo de infecção viral transmitida facilmente, de pessoa
a pessoa, principalmente em conglomerados urbanos. A transmissão é
do tipo horizontal. As pessoas contaminadas, inicialmente, disseminam
os vírus através de perdigotos, tosse ou espirro e depois continuam
eliminando vírus infecciosos nas fezes, por um período de até dois
meses. Os indivíduos que desenvolvem poliomielite são aqueles nos
quais a infecção compromete células da porção cinzenta da medula
espinhal, posicionada na base do cérebro. A lesão neuronal se reflete BULBO RAQUIANO OU
RAQUIDIANO
sobre a função das fibras nervosas responsáveis pela atividade muscular
Segmento do sistema
motora. Essa disfunção muscular é responsável pela paralisia dos nervoso central
que, em direção
membros afetados. Sem estímulo para funcionar, o músculo atrofia.
ascendente, continua
Quando o comprometimento atinge o BULBO RAQUIANO, a paralisia se faz a medula espinhal
e se comunica com
sobre os músculos respiratórios. Sem respirar, a morte era certa mas, se o encéfalo, estando
os pacientes fossem mantidos respirando com o auxílio de um pulmão situado adiante do
cerebelo.
de aço, os que se recuperavam ficavam sem seqüelas.

Pulmão de Aço era um “respirador” utilizado na terapia intensiva de pessoas com poliomielite bulbar.
O paciente ficava dentro da câmara, apenas com a cabeça do lado de fora. No interior da câmara,
a pressão aumentava e diminuía de forma rítmica, contraindo e dilatando o tórax alternadamente.
Desta maneira era mantida a respiração do paciente. O inconveniente era que as pessoas não podiam
ser retiradas em hipótese alguma, sob pena de pararem de fazer as trocas gasosas dos tecidos. Você
já imaginou a situação, durante uma semana ou mais? Na figura a seguir você vê uma criança sendo
acomodada no pulmão de aço (à esquerda) e lendo um gibi para passar o tempo (à direita).

Acredita-se que a raça humana convive com as infecções por vírus


da poliomielite desde os primórdios da civilização, haja vista a gravura,
em baixo-relevo, da XVIII dinastia egípcia de 2000 a.C., que você pode
ver na Figura 18.8 e onde pode ser percebido um personagem com uma
seqüela, sugestiva de poliomielite, na perna direita.

CEDERJ 203
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

Figura 18.8: Cerâmica atribuída ao período da


XVIII dinastia egípcia (1600-1300 a.C.), onde se
observa a perna defeituosa de um dos persona-
gens, sugestiva de seqüela da poliomielite.

O papel exercido pela poliomielite na seleção natural da


espécie humana ficou evidente quando ocorreu um acidente em 1956.
Quatrocentas mil crianças foram inoculadas com uma preparação vacinal
do tipo Salk que, por um erro de fabricação, não havia sido inativada.
Dos inoculados, 79 contraíram a poliomielite. Sessenta destes evoluíram
para paralisia e 11 morreram. Os outros recuperaram-se sem seqüela.

As preparações vacinais utilizadas contra a poliomielite são de dois tipos:


a preparação inativada pelo formol (vacina de Salk, aplicada, na forma
injetável, a partir de 1956) e a preparação infecciosa (vacina de Sabin, de
uso oral, adotada a partir de 1960).

45

40
A Figura 18.9 mostra a taxa
de mortalidade de poliomielite na
Taxa de mortalidade por 100.000

35
30 população dos EUA num período
25
anterior e posterior às campanhas
habitantes

Vacinação
20
Preparação Preparação
de vacinação contra esta virose,
15
vacinal inativada vacinal infecciosa
10
iniciadas em 1956, usando
5 preparações com infecciosidade
0 inativada (vacina de Salk) e, em
1958
1950

1954

1956

1962
1960
1952

1964

1960, empregando-se preparações


infecciosas (vacina de Sabin).
Figura 18.9: Taxa de mortalidade por poliomielite nos EUA, e seleção
pela vacinação.

204 CEDERJ
MÓDULO 1
18
ATIVIDADE

AULA
3. Em relação às viroses transmitidas de pessoa a pessoa de forma horizontal
ou tangencial, descreva as atitudes que devem ser tomadas pela população
a fim de evitar o contágio por viroses de transmissão respiratória, fecal-oral
ou veiculada por vetores. Busque, além do texto desta aula, as informações
necessárias para realizar a atividade. Lembre-se de que você pode encontrá-
las nas aulas anteriores e na web.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Você deve ter respondido que, de forma geral, a transmissão das
viroses, como nas demais doenças contagiosas, está relacionada às
atitudes comportamentais de uma sociedade, sendo, portanto, fruto
dos seus padrões de Educação, seus usos e costumes.
Para as viroses de transmissão respiratória e/ou fecal-oral (gripe,
sarampo, rubéola, hepatites A e E, poliomielite e outras viroses
respiratórias e entéricas), a prevenção se alicerça nas práticas de
higiene do corpo e dos alimentos, recomendando-se, também, evitar
aglomerações e, ainda, que sejam executadas ações de saneamento
básico para a população.
A lavagem das mãos, para se livrar dos micróbios dos outros;
educação ao falar ou espirrar, evitando lançar perdigotos no
ambiente; a higienização dos ambientes, utensílios e roupas e
o tratamento de verduras cruas com solução de hipoclorito de
sódio, são procedimentos essenciais, na prevenção desses tipos de
infecções virais.
Para as viroses de transmissão tangencial como, por exemplo,
hepatites B, C, B/D e infecção por HIV, dentre outras, a prevenção
tem seu ponto chave na vigilância do sangue e hemoderivados
a serem utilizados em transfusões; na prevenção de relações
sexuais promíscuas; no uso de agulhas, seringas, lancetas e outros
instrumentos pérfuro-cortantes descartáveis, ou devidamente
esterilizados. Devem ser observados cuidados para não se criar
vetores, tais como mosquitos transmissores da dengue e da febre
amarela, bem como evitar o contato com animais silvestres, como
raposas, morcegos, sagüis, roedores, cães e gatos vadios, em vista
dos mesmos serem, dependendo da espécie, potenciais portadores
de infecções virais, tais como raiva, hantavirose, arenavirose ou por
outras viroses de caráter antropozoótico.

CEDERJ 205
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS VÍRUS DA DENGUE E DA


IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA ADQUIRIDA

Dentre as viroses que atualmente afligem os habitantes das áreas


urbanas tropicais, a dengue é um exemplo de flavivirose que pode
acometer o mesmo ser humano quatro vezes, pois são quatro os tipos
de vírus da dengue. A infecção transmitida pela picada das fêmeas dos
mosquitos da espécie Aedes aegypt acomete, de forma inaparente, em
torno de 90% dos indivíduos. A condição de doença acontece naqueles
indivíduos constituídos por grande proporção de células com repertório
enzimático capaz de atender a todas as etapas da síntese dos componentes
virais. Na Figura 18.10, estão indicadas com setas claras as proteases
constitutivas das células que são necessárias durante o processo de
produção de vírus. Na falta de uma delas, a infecção é abortada, dando
ao indivíduo a possibilidade de registrar este contato pela produção de
anticorpos reativos para os componentes virais.

Sítio de clivagem por proteases celulares

Sítio de clivagem por proteases virais

Figura 18.10: Representação esquemática da necessidade de repertório enzimático constitutivo


celular para que ocorra a produção de vírus.

206 CEDERJ
MÓDULO 1
18
A presença de anticorpos
a b
gerados a partir de uma primeira

AULA
infecção pode agravar a evolução
de uma próxima infecção por um
dos outros tipos de vírus da dengue.
Por isso, uma segunda dengue tem c

mais chance de evoluir para a forma

Infecção efetiva
hemorrágica. Esse agravamento se
deve ao fato da interação vírus-
anticorpo ocorrer sem agregação
das partículas. O complexo vírus-
anticorpo assim formado pode ser
d
mais facilmente capturado pelos

Infecção neutralizada
monócitos pois, estes possuem
receptores para a porção cristalizável
das moléculas de anticorpos. Esta
característica possibilita a captura
dos vírus, preferencialmente,
pelos monócitos. Ao endocitar as
Figura 18.11: Modelo de interação de moléculas de anticorpos com
partículas individualizadas, cobertas partículas virais. (a) formação de agregados; (b) partículas cobertas
por anticorpos, individualizadas; (c) endocitose; (d) fagocitose.
de anticorpos, os monócitos se
contaminam. Por outro lado,
quando a interação vírus-anticorpos se faz com agregação das partículas,
esse agregado é fagocitado e imediatamente digerido, evitando, desta forma,
que a célula seja contaminada, conforme você viu na Aula 17. A Figura 18.11
mostra, de forma esquemática, como pode ocorrer a interação.
No que diz respeito à infecção pelos vírus da imunodeficiência humana
adquirida (HIV), a OMS estima que até o final de 2010 existirão 70 milhões
de infectados (http://www.who.int/hiv/strategic/surveillance/pptneeds/en/),
podendo a transmissão ser tanto vertical como horizontal ou tangencial.
A transmissão horizontal está diretamente relacionada ao comportamento de
risco de pessoas que, esclarecidas, ou não, por meio da mídia oficial, ficam
suscetíveis ao contágio. Uma vez contaminada, a pessoa passa a conviver
com a virose de forma crônica. A disfunção tecidual decorrente da virose é a
AIDS ou SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) que pode aparecer
entre 5 a 20 anos após o contágio. Embora existam quimioterápicos, estes
apenas retardam a morte, mas a qualidade de vida dos indivíduos com
AIDS, submetidos à quimioterapia, é regida pelos efeitos adversos dos
medicamentos ingeridos.
CEDERJ 207
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

CONCLUSÃO

As infecções microbianas e virais sobre a espécie humana têm


atuado como barreira seletiva. Esta seleção tem contribuído para o
desenvolvimento de indivíduos cada vez mais saudáveis e resistentes
aos agentes infecciosos em função do repertório enzimático celular.
Na resistência às infecções microbianas são beneficiados aqueles com
versatilidade metabólica ampla enquanto nas viroses o fenômeno se dá
de maneira inversa. Diante desta perspectiva, é possível considerar que
nós, que estamos vivos, somos metabolicamente seres quase perfeitos
pois, resistimos às infecções microbianas e não sucumbimos às viroses.
Assim, verifica-se que os indivíduos resistentes às infecções bacterianas ou
virais passam essas características, de forma mendeliana, para as novas
gerações. Um exemplo bem marcante deste fenômeno pode ser observado
nas marcas presentes no braço daqueles nos quais foi aplicada a vacina
contra a tuberculose e demonstraram ser capazes de eliminar o inóculo de
um milhão de Bacilos de Calmette & Guérin (BCG). Se a infecção por M.
tuberculosis é um exemplo de barreira seletiva microbiana, que favorece
aqueles de maior versatilidade metabólica, as viroses e, historicamente, a
infecção pelos vírus da varíola proporcionaram a seleção daqueles com
repertório enzimático mediano. Dessa forma, considerando o modelo de
uma curva de Gauss, para a distribuição do potencial metabólico da espécie
humana, é possível concluir que a distibuição normal é obtida quando
a maioria dos indivíduos está na média. Os extremos de competência
restringem os indivíduos, como pode ser visto na Figura 18.12.

Curva de Gauss

Área
99.7 %
Freqüência de ocorrência do

95.4 %
68.2 %
fenômeno

–3σ –2σ –1σ M +1σ +2σ +3σ


Desvios padrões

Figura 18.12: Modelo gaussiano de distribuição dos fenômenos na Natureza.


Legenda: σ → desvio padrão; M → média aritmética

208 CEDERJ
MÓDULO 1
18
Considerando a distribuição dentro de um, dois ou três desvios
padrões, esses valores abrangem, respectivamente, 68,2%, 95,4% e

AULA
99,7% da população. Estes valores, quando diminuídos de 100%, geram
proporções de aproximadamente 1/3 (33%), 1/20 (5%) e 1/1000 (0,1%).
Quando extrapoladas para os relatos epidêmicos encontrados ao longo
da história da humanidade, a distribuição gaussiana espelha, de forma
gráfica, as múltiplas situações em que nossos antepassados mostraram-se
aptos a usufruir do ambiente terrestre.

ATIVIDADE FINAL

O ser humano, como outros animais, tem os seus tecidos originados a partir da
célula-ovo, cujas características genéticas determinam o potencial metabólico das
células do indivíduo. A Natureza, no processo de eugenia positiva, seleciona os
seres aptos à sobrevivência. Esta aptidão é atribuída ao repertório enzimático. Este
repertório atua tanto nos processos de síntese como de degradação (proteassomal
e lisossomal). Considere a tabela a seguir como um jogo de probabilidades, no qual
se busca definir qual a chance de indivíduos que possuem células com capacidade
para expressão de repertório enzimático mais amplo ou menos amplo (restrito)
desenvolverem: infecções por agentes microbianos; resposta imune com produção
de anticorpos e desenvolverem viroses. Diante dessas condições, substitua as
interrogações pelos símbolos + ou –.

Chance ou probabilidade para:

Desenvolver Desenvolver
Fazer resposta
Categoria infecções quadros de
imune
microbianas viroses
Repertório
enzimático
das células do Amplo ? ? ?
indivíduo

Restrito ? ? ?

CEDERJ 209
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

RESPOSTA COMENTADA

Estudando o que foi apresentado em relação às doenças


bacterianas (tuberculose, peste bubônica, febre tifóide e sífilis),
você pode deduzir que a instalação das doenças microbianas,
como um todo, tem mais chance de acontecer naqueles indivíduos
portadores de repertório enzimático restrito. Os indivíduos com
repertório amplo têm mais chance de superar as ações enzimáticas
dos micróbios no ambiente fagolisossomal. Da mesma forma,
quanto maior for a capacidade digestora das células do indivíduo,
menor é a chance de deixar resíduos para serem exocitados. São
esses resíduos que vão servir como estímulo para os linfócitos
que desencadearão a resposta imune. Digestão de componentes
microbianos sem resíduos pode ser observada nos indivíduos
do grupo sangüíneo “AB” e naqueles 30% dos indivíduos que,
contaminados com o T. palidum, curam da infecção, mas não
apresentam anticorpos reativos para treponema.
Nas viroses, esse raciocínio é ao contrário, pois quanto mais
ampla for a versatilidade metabólica das células do indivíduo,
maior sua chance para produzir componentes virais. Como você
viu na Figura 18.10, a possibilidade de uma célula fabricar vírus
da dengue, ou outros flavivírus, depende da prévia expressão das
enzimas proteolíticas que são necessárias para a clivagem, na
luz do retículo, das proteínas neo-sintetizadas, codificadas pelo
genoma viral. Portanto, parabéns se o seu quadro ficou conforme
o descrito a seguir:
Chance ou probabilidade para:

Desenvolver Fazer Desenvolver


Categoria infecções resposta quadros de
microbianas imune viroses
Repertório
enzimático
das células Amplo – – +
do indivíduo

Restrito + + –

210 CEDERJ
MÓDULO 1
18
RESUMO

AULA
O papel seletivo das infecções de etiologia microbiana e viral tem contribuído
para a eugenia positiva dos elementos da população humana. Desta feita, muitos
tipos de infecções que, no passado, dizimavam grande parte das comunidades,
também atuavam como barreira que beneficiava aqueles naturalmente resistentes.
Ao longo das gerações, a transferência das características genéticas propiciou a
existência do ser humano com o perfil metabólico atual.
Convivemos cotidianamente com os micróbios do meio ambiente e do nosso
próprio corpo. Proporcionalmente temos dez vezes mais células procarióticas do
que eucarióticas descendentes da célula-ovo. Uma demonstração do potencial
metabólico do ser humano para devorar micróbios pode ser observada nos
indivíduos de acordo com a característica de seu grupo sangüíneo.
Por outro lado, a resistência às viroses vai ser tanto maior quanto menor for
a versatilidade metabólica das células do indivíduo. Estudos recentes têm
mostrado que esse fenômeno é marcado pelas enzimas proteolíticas celulares,
que são necessárias à fabricação de diferentes componentes virais. A falta de
uma destas aborta a infecção viral, porém no corpo humano as células onde isto
acontece são lisadas por linfócitos citotóxicos. Os resíduos destas células, contendo
componentes virais são removidos por células fagocitárias profissionais (monócitos
e células dendríticas) que, ao exocitar resíduos destes componentes, possibilitam
a ANTICORPOGÊNESE, quando os resíduos chegam aos linfócitos B.
ANTICORPOGÊNESE O bem-estar da humanidade deve-se também à gradual
Produção de anticorpos.
compreensão das noções de higiene e de nutrição, que
contribuem para o equilíbrio fisiológico do organismo. As
conseqüências das infecções microbianas e virais são disfunções que, dependendo
do grau de comprometimento, podem resultar em doença.
As doenças infecciosas como tuberculose, sífilis, peste bubônica e febre tifóide,
mediadas por agentes bacterianos, assim como aquelas de etilogia viral como a
varíola, a gripe, a poliomielite, a dengue e a AIDS, foram destacadas em razão
do impacto que têm exercido nas comunidades humanas. O estudos epidêmicos
dessas doenças têm demonstrado que a distribuição das mesmas na população
se faz obedecendo uma distribuição gaussiana, que reforça a remoção natural
de indivíduos da categoria metabólica posicionada nos extremos do repertório
enzimático. Assim, pode-se considerar o repertório enzimático como o fator que
representa o mínimo múltiplo comum das ciências microbianas.

CEDERJ 211
MICROBIOLOGIA | Epidemiologia: prevenção e controle das infecções

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Agora que você está terminando nossa disciplina, é mister informá-lo de


que o privilégio de ser universitário exige de você uma permanente busca
pelo conhecimento, pois em Ciência todas as verdades são estados de ilusão
temporários. O conteúdo apresentado na disciplina Microbiologia foi fruto de
um trabalho perseverante e dedicado que envolveu não só os conteudistas mas
também, de forma equivalente, o esmero do trabalho das equipes operacionais
do CEDERJ.

Registramos aqui um agradecimento especial às revisoras Marta F. Abdala Mendes,


no conteúdo e Luciana Messeder, na apresentação lingüística e, ainda, ao ilustrador
Morvan de Araújo Neto, por terem dedicado, com muito esmero, seus talentos
e atividades profissionais, para a concretização dos volumes que compõem o
conteúdo desta disciplina.

Agora você tem a responsabilidade de difundir esse conhecimento, pois passou


a fazer parte do grupo que compreende a Natureza sob uma perspectiva mais
ampla, abrangendo desde os caracteres macroscópicos até os microscópicos, do
antropocêntrico até o microbiano. Conforme o folclorista potiguar Câmara Cascudo
(1898-1986): “O homem moderno deve estar sentado numa pilha de livros, com
um telescópio num olho e um microscópio no outro”.

212 CEDERJ
Microbiologia

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