O USO DO SOLO URBANO NA ECONOMIA CAPITAL PDF

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o USO DO SOLO URBANO NA

ECONOMIA CAPITALISTA

PAUL SINGER

1978

1. O pagamento do uso do solo urbano: a natureza da renda


da terra.

Sendo a cidade uma imensa concentração de gente exer-


cendo as mais diferentes atividades, é lógico que o solo urbano
seja disputado por inúmeros usos. Esta disputa se pauta pelas
regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade
privada do solo, a qual - por isso e só por isso - propor-
ciona renda e, em conseqüência, é assemelhada ao capital. Mas
este último é constituído pela propriedade privada de meios
de produção, os quais, quando movimentados pelo trabalho
humano, reproduzem o seu valor, o valor da força de trabalho
gasta e mais um valor excedente, que aparece nas mãos do
capitalista sob a forma de lucro. O capital gera lucro na me-
dida em que preside, orienta e domina o processo social de
produção. Mas o "capital" imobiliário não entra neste processo,
na medida em que o espaço é apenas uma condição necessária
à realização de qualquer atividade, portanto também da pro-
dução, mas não constitui em si meio de produção, entendido
como emanação do trabalho humano que o potencia.A posse
de meios de produção é condição necessária e suficiente para
a exploração do trabalho produtivo, ao passo que a ocupação
do solo é apenas uma contingência que o seu estatuto de pro-
priedade privada torna fonte de renda para quem a detém. Isso
é igualmente verdadeiro nos casos em que o solo é objeto de
trabalho, como na agricultura e na extração vegetal ou mineral.

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Se a propriedade privada dos meios de produção fosse abolida, cento ao ano, o preço do referido imóvel será de aproximada-
o capitalismo desapareceria. Mas, se a propriedade do solo mente Cr$ 1.000.000,00.
fosse socializada, desapareceria a dedução do lucro represen-
tada pela renda da terra, mas o capitalismo não só continuaria 2. A determinação da renda da terra urbana
existindo mas inclusive se fortaleceria, pois ° lucro assim incre-
mentado intensificaria a acumulação de capital. O uso do solo na economia capitalista é regulado pelo
O "capital" imobiliário é, portanto, um falso capital. Ele mecanismo de mercado, no qual se forma o preço desta mer-
é, sem dúvida, um valor que se valoriza, mas a origem de sua cadoria sui-generis que é o acesso à utilização do espaço. Este
valorização não é a atividade produtiva, mas a monopolização acesso pode ser ganho mediante a compra de um direito de
do acesso a uma condição indispensável àquela atividade. propriedade ou mediante o pagamento de um aluguel perió-
Este caráter da propriedade imobiliária na economia capitalista dico.
não aparece de imediato, porque ela raramente se apresenta Ao contrário dos mercados de produtos do trabalho huma-
em sua forma "pura", ou seja, como propriedade de uma no, em que os preços giram ao redor de uma média constituída
extensão de solo urbano intocada pela mão do homem. Quase pela soma dos custos de produção e da margem do lucro capaz
sempre a propriedade imobiliária urbana é dotada de certas de proporcionar a taxa de lucro média sobre o capital inves-
benfeitorias - ela é desmatada, arruada, cercada e não poucas tido, os preços no mercado imobiliário tendem a ser deter-
vezes construída -, o que dá a impressão que o seu "valor" minados pelo que a demanda estiver disposta a pagar. Nos
resulta das inversões feitas nestas benfeitorias. Mas, na reali- mercados de produtos, se o preço corrente se mantiver por bas-
dade, a influência de tais inversões sobre o "valor" do imóvel tante tempo abaixo da média representada pelo preço de pro-
muitas vezes é negligenciável. Para perceber isso, basta lembrar dução (custos mais margem de lucro), a oferta inevitavelmente
que imóveis com as mesmas benfeitorias podem ter preços se contrai até que o preço de mercado suba pelo menos ao nível
completamente diferentes, conforme sua localização. Ê comum do preço de produção. No mercado imobiliário, a oferta de es-
que o preço de um imóvel seja constituído inteiramente pelo paço não depende do preço corrente, mas de outras circunstân-
"valor" do terreno, pois o valor da construção, em termos de cias. A "produção" de espaço urbano se dá, em geral, pela in-
materiais usados, pode não cobrir sequer o custo de sua de- corporação à cidade de glebas que antes tinham uso agrícola. O
molição. seu "custo de produção" é, nestes casos, equivalente à renda
Convém observar que o "valor" da propriedade imobiliá- (agrícola) da terra que se deixa de auferir. Mas não há uma re-
ria, na economia capitalista, não passa da renda que ela pro- lação necessária entre este "custo" e o preço corrente no merca-
porciona, capitalizada a determinada taxa de juros. De uma do imobiliário- urbano. Como a demanda por solo urbano muda
forma geral, qualquer "título" - seja ele um título de pro- freqüentemente, dependendo, em última análise, do próprio
priedade ou de crédito - que assegura ao seu dono uma processo de ocupação do espaço pela expansão do tecido urba-
renda previsível pode ser transacionado por um preço propor- no, o preço de determinada área deste espaço está sujeito a
cional àquela renda. O fator de proporcionalidade é dado pelas oscilações violentas, o que torna o mercado imobiliário essen-
diversas taxas de juros vigentes no mercado de crédito. Sendo cialmente especulativo. Quando um promotor imobiliário re-
o risco da aplicação imobiliária relativamente baixo, a taxa solve agregar determinada área ao espaço urbano, ele visa a
de juros aplicável soe ser das menores. Digamos que determi- um preço que pouco ou nada tem a ver com o custo imediato
nada propriedade imobiliária dá ou pode dar ao seu dono uma da operação. A "valorização" da gleba é antecipada em função
renda de Cr$ 60.000,00 anuais. Se a taxa de juros correspon- de mudanças na estrutura urbana que ainda estão por acontecer
dente a empréstimos de baixo risca for, por exemplo, de 6 por e por isso o especulador se dispõe a esperar um certo período,

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que pode ser bastante longo, até que as condições propicias velmente não é igual para todas. As vantagens locacionais se
se tenham realizado. Dado o grau elevado de imponderabilidade graduam por reduções de custo que variam de zero até mar-
desta antecipação, supor que o nível corrente dos preços de gens muito elevadas.
imóveis regule a oferta dos mesmos não se justifica. Admitamos, por exemplo, um estabelecimento comercial ca-
A procura por espaço, na cidade, é formada por empresas, paz de conter um estoque no valor de 10 milhões, que é vendido
por indivíduos ou por entidades que atendem as necessidades com uma margem de lucro de 10 por cento; as demais despesas
de consumo coletivo. A procura das empresas objetiva o uso deste estabelecimento, independentemente do número de rota-
do espaço para realizar ou atividades produtivas (secundárias ções deste estoque, seriam constituídas pelo pagamento de salá-
ou terciárias) ou atividades de circulação comercial, financeira, rios a cinco empregados, no valor de meio milhão por ano.
etc. Do ponto de vista das empresas, cada ponto do espaço Este estabelecimento teria as seguintes alternativas locacionais:
urbano é único, no sentido de proporcionar determinado elenco
Locais N.o de rotações do Margem de Lucro
de vantagens que influem sobre seus custos. Indústrias de gran-
de porte, que servem ao mercado regional ou nacional, necessi- estoque por ano lucro bruto
tam sobretudo de muito espaço e de serviços de infra-estrutura: A 1 1.000.000 500.000
energia, transporte, água, etc. Indústrias pequenas, que servem B 2 2.000.000 1.500.000
ao mercado local, precisam principalmente de acesso ao co- C 3 3.000.000 2.500.000
mércio que distribui seus produtos. Estabelecimentos comer-
ciais precisam se localizar junto aos competidores, em zonas É claro que A constitui a pior localização, onde a empresa
onde a clientela está habituada a fazer suas compras. Cada só pode esperar um lucro "mínimo" de 500.000; em B, graças
cidade maior tem zonas de comércio atacadista especializado a um movimento duas vezes maior, o lucro seria triplicado; e
em tecidos, confecções, componentes eletrônicos, etc. O esta- em C ele seria guintuplicado. Nestas condições, se o aluguel
belecimento de shopping centers junto a zonas residencíais anual de A fosse, digamos, de 100.000, a empresa poder-se-ia
criou um novo padrão de localização do comércio varejista. dispor a pagar até 1.100.000 em B e até 2.100.00 em C. Estes
Certas empresas têm consideráveis vantagens em se aglomerar, valores constituem a renda diferencial do solo em B e em C.
pois isso facilita a comunicação entre elas. Não é por outro Não é preciso que os proprietários de B e de C consigam
motivo que a maior parte das sedes de bancos, de companhias efetivamente se apropriar de toda margem de superlucro que
de seguro, de grandes sociedades por ações, etc., se encontram seus imóveis podem proporcionar às empresas que o utilizem.
no chamado "distrito" de cada cidade. O agrupamento de gran- Mas, havendo concorrência entrei as empresas pelas localizações
des estabelecimentos fabris em distritos industriais tem a mesma conforme suas vantagens específicas, o mais provável é que o
explicação. aluguel ou o preço dos imóveis se fixe em nível bastante pró-
:É claro que, conforme sua localização, cada empresa tem ximo do lucro adicional que pode ser auferido em cada um
custos diferentes, mas é de se supor que o preço em cada mer- deles.
cado tem que cobrir a médio prazo os custos mais margem Como todo espaço urbano é propriedade privada (com
"adequada" de lucros das empresas pior localizadas, ou seja, as exceções cabíveis), mesmo a pior localização (A no exem-
daquelas que têm menos vantagens locacionais, embora per- plo acima) tem que ser comprada ou alugada. O seu aluguel
maneçam no mercado. Neste caso, as demais empresas teriam constitui a renda absoluta, sendo sua altura determinada, em
um lucro adicional ou superlucro na medida em que seus custos, última análise, pela margem existente entre o preço de mercado
graças à sua melhor localização, são mais baixos que os das dos produtos da empresa que utiliza esta localização e o seu
pior localizadas. Este lucro adicional não precisa ser e prova- preço de produção. Supondo que a empresa, conforme o

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exemplo numérico, tenha investido 10.500.000 e que a taxa cial entre um e outro tipo de renda. A renda diferencial é aufe-
média de lucro fosse de 4 por cento, ela teria que ficar com rida quando as empresas que a pagam se encontram em mer-
420.000 de lucro bruto de 500.000 e sua disponibilidade para cados competitivos, sem que os produtos por elas vendidos
pagar aluguel só poderia ser de 30.000. Mas se os proprietários sofram qualquer majoração de seus preços. A renda de mono-
de A preferissem deixar o lote vago a alugá-lo por menos de pólio porém surge do fato de que a localização privilegiada
100.000 anuais (especulando com a possibilidade de obter este da empresa lhe permite cobrar preços acima dos que a con-
valor ou mais no futuro) e se a proporção da oferta total de corrência normalmente forma no resto do mercado.
produtos, proveniente de empresas localizadas em A ou em A demanda de solo urbano para fins de habitação também
áreas equivalentes a A, fosse bem grande, o preço dos produtos distingue vantagens locacionais, determinadas principalmente
téria que subir algo, elevando a margem de lucro de 10 para pelo maior ou menor acesso a serviços urbanos, tais como
10,2 por cento, o lucro bruto subiria de 500.000 para 520.000 transporte, serviços de água e esgoto, escolas, comércio, tele-
e o aluguel de 100.000 poderia ser pago sem que as empresas fone, ete., e pelo prestígio social da vizinhança. Este último
pior localizadas deixassem de auferir a taxa média de lucro. fator decorre da tendência dos grupos mais ricos de se segregar
S preciso ainda distinguir um terceiro tipo de renda da do resto da sociedade e da aspiração dos membros da classe
terra urbana que é a renda de monopólio 1, que decorre da média de ascender socialmente.
existência de localizações que conferem aos que as ocupam o O acesso a serviços urbanos tende a privilegiar determi-
monopólio do fornecimento de determinadas mercadorias. :É nadas localizações em medida tanto maior quanto mais escassos
o caso, por exemplo, de bares e restaurantes localizados em forem os serviços em relação à demanda. Em muitas cidades,
escolas, clubes, estádios de esportes, aeroportos e semelhantes, a rápida expansão do número de seus habitantes leva esta
afastados de outros estabelecimentos congêneres, que por isso escassez a nível crítico, o que exacerba a valorização das poucas
dispõem de um público "cativo". Estão no mesmo caso os áreas bem servidas. O funcionamento do mercado imobiliário
que têm lojas em shopping centers, dispondo nestes da exclu- faz com que a ocupação destas áreas seja privilégio das camadas
sividade de venda de determinadas mercadorias. Nestas con- de renda mais elevada, capaz de pagar um preço alto pelo
dições, os que dispõem do monopólio, graças à localização, direito de morar. A população mais pobre fica relegada às
podem cobrar preços mais elevados pelos produtos que vendem, zonas pior servidas e que, por isso, são mais baratas.
o que dá lugar a uma renda de monopólio que é, em geral, O elemento "prestígio" tende a segregar os mais ricos da
apropriada no todo ou em parte pelo proprietário do imóvel. classe média, que paga muitas vezes um preço extra pelo pri-
Quando o proprietário é uma associação sem fins de lucro vilégio de morar em áreas residenciais que os "verdadeiros"
(escolas, clubes) pode ocorrer que ele abra mão da renda de ricos estão abandonando exatamente devido à penetração dos
monopólio em troca de uma diminuição dos preços cobrados arrivistas. Os promotores imobiliários, que conhecem bem este
mecanismo, tiram o máximo proveito dele ao fazer "lançamen-
pela empresa que arrenda o local. Mas estes casos constituem
exceções. tos" em áreas cada vez mais afastadas para os que podem
pagar o preço do isolamento e ao mesmo tempo incorporar
Poder-se-ia supor que a renda de monopólio é apenas um
prédios de apartamentos em zonas residenciais "prestigiosas".
caso extremo da renda diferencial, mas há uma diferença essen-
Poder-se-ia imaginar que a renda da terra paga pelos
que utilizam o espaço urbano para fins de consumo tenha o
mesmo caráter diferencial da renda paga pelos que demandam
1 A distinção dos três tipos de renda urbana do solo se deve a Edel, M.,
"Marx's theory of rent: urban applications", Kapitalistatee, 4-5/76, San
o espaço urbano para fins de lucro. Mas a semelhança é super-
Francisco. ficial apenas. A renda diferencial é paga pelas empresas tendo

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em vista o superlucro que cada localização específica lhes pro- ,) respeito dos poderes constituídos pela soberania do mercado
porciona. A renda paga pelos indivíduos depende de sua quan- uuobiliário. O que não impede, diga-se de passagem, que os
tidade, da repartição da renda pessoal e de necessidades míticas valores imobiliários sejam sistematicamente subavaliados quan-
que a própria promoção imobiliária cria. (I() se trata de lançar impostos sobre imóveis.
Normalmente, o salário cobre o custo da reprodução da
força do trabalho, inclusive o custo de ocupar um segmento A estruturação do uso do solo urbano
do espaço urbano. No Brasil, há uma tendência crescente de
o Estado subsidiar a reprodução da força de trabalho através Cada cidade brasileira tem, geralmente, um centro prin-
de planos de habitação popular, implementados nos últimos cipal no qual se localizam órgãos da administração pública, a
anos pelo BNH. Na medida em que tais planos aumentam a igreja matriz, os tribunais, o distrito financeiro, o comércio
demanda solvável por espaço para morar sem que a oferta de atacadista, o comércio varejista de luxo, cinemas, teatros, etc.
serviços urbanos cresça na mesma proporção o preço do solo \) centro principal possui em alto grau todos serviços urbanos
aumenta, frustrando os objetivos inicialmente propostos. O c ao seu r-edor se localizam as zonas residenciais da população
resultado tem sido que a parte da população mais carente de mais rica .. Os serviços urbanos se irradiam do centro à periferia,
condições adequadas de habitação não é atendida. rornando-se cada vez mais escassos à medida que a distância
Resta referir ainda o fato de que, em determinadas con- do centro aumenta. Além disso, o conjunto da população e
dições, empresas e indivíduos disputam áreas idênticas do das empresas utilizam, em alguma medida, os serviços dispo-
espaço urbano. Isto se dá sobretudo com empresas que utilizam níveis apenas no centro principal, de modo que a distância em
os mesmos serviços urbanos - transporte, comunicações, co- que se encontram do referido centro determina seus gastos
mércio varejista, etc. - que a população. Há uma nítida ten- de transporte (em dinheiro e em tempo) cada vez que se deslo-
dência, por exemplo, de certas empresas de serviços (escolas, cam até ele. De tudo isto resultaria um "gradiente" de valores
agências de publicidade, imobiliárias, bancárias, etc.) invadi- do solo urbano 2, que a partir do máximo no centro principal
rem antigos bairros residenciais, em São Paulo. Em compen- iria diminuindo até atingir um mínimo nos limites do perímetro
sação, empresas que necessitam de áreas grandes tendem a da cidade.
migrar para a periferia da cidade, à procura de localização Na medida em que a cidade vai crescendo, centros se-
mais barata. Isso tudo tem por conseqüência unificar o mercado cundários de serviços vão surgindo em bairros, que formam
imobiliário em cada cidade, fundindo as demandas por uso novos focos de valorização do espaço urbano. O crescimento
produtivo e habitacional do espaço. As leis de zoneamento, urbano implica necessariamente uma reestruturação do uso
que objetivam especializar o uso de cada área do solo urbano, das áreas já ocupadas. Assim, por exemplo, o centro principal
colocam obstáculos à plena realização destas tendências. tem que se expandir à medida que aumenta a população que
Demandam também espaço urbano, em determinadas loca- ele serve. Esta expansão esbarra nos bairros residenciais "finos"
lizações, entidades sem fins de lucro que prestam serviços de que o circundavam, determinando o deslocamento de seus
consumo coletivo: hospitais e escolas públicas, estádios espor- habitantes para novas áreas residenciais "exclusivas", provi-
tivos, repartições governamentais,
do uma demanda quantitativamente
museus, bibliotecas, etc. Sen-
marginal em relação à das
dencialmente criadas pelos promotores imobiliários. º anel re-
sidencial que circunda o centro principal se desvaloriza e passa
empresas e dos indivíduos, a renda paga por tais entidades é
determinada por analogia com a que é paga pela maioria dos
usuários do espaço urbano. Nos casos de expropriação por
2A idéia do gradiente está bem desenvolvida em Richardson, H. W.,
utilidade pública, o processo de avaliação dos imóveis reflete Urban economics, Penguin, Middlesex, 1971.

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a ser ocupado por serviços inferiores: locais de diversão no- ;1 necessidade de garagens de que a maior parte das edifica-
turna e de prostituição, hotéis de segunda classe, pensões e ~·Ol~S mais antigas não dispunham. Mudanças menos drásticas
- em estágio mais avançado de decadência - por cortiços, mas cumulativas no estilo do mobiliário, no tipo e número de
marginais, etc. O envolvimento do centro principal por uma .iparelhos eletrodomésticos, no tamanho e composição das fa-
área em decomposição social cria condições para que a espe- mílias, etc., acabam por ocasionar em intervalos curtos a obso-
culação imobiliária ofereça aos serviços centrais da cidade lcscência de grande parte das edificações, acarretando o seu
nova área de expansão. Surge assim um "centro novo" em .ibandono por parte das classes cujo poder aquisitivo lhes per-
contraste com o "centro antigo". mite optar por residências modernas. Convém notar ainda que a
É preciso lembrar que estes são processos que levam obsolescência "moral" não se limita às habitações atingindo
décadas. O centro antigo não morre logo, podendo coexistir lambém empresas, sobretudo as que prestam serviços à camada
e, em alguma medida, competir com o centro novo durante mais rica. Escolas, clínicas médicas e dentárias, salões de be-
muito tempo. As grandes inversões feitas em construções - leza, butiques, cinemas, etc., abandonam suas localizações e
igrejas, edifícios governamentais, prédios escolares e hospita- cdiíicações obsoletas, com o fito de oferecer instalações atraen-
lares - proporcionam ao centro antigo considerável resistên- tes em locais preferenciais, tais como antigos bairros residen-
cia. Enquanto coexistem dois centros principais na mesma ciais ou shopping centers, à sua exigente freguesia.
cidade,verificam-se também dois gradientes de valores do solo A questão que se coloca é por que as edificações abando-
que, em parte, podem-se superpor na medida em que os ser- nadas pela camada rica e pelas empresas que as servem não
viços centrais não se encontram em ambos os centros prin- são aproveitadas por grupos de menor renda, em geral carentes
cipais, mas estão divididos entre os dois. de moradias adequadas e de serviços. O fato inegável é que
É fora de dúvida que um centro urbano não pode se o funcionamento do mercado imobiliário não facilita este apro-
expandir apenas por agregação de novas áreas ao seu território. veitamento, fazendo com que as áreas deixadas para trás pela
A organização espacial das atividades de produção e circulação circulação espacial das elites se transformem em zonas deterio-
tem a sua lógica, que consiste, para um bom número delas, radas. A razão mais geral, provavelmente, está no fato de que
na tendência a se aglomerarem, seja para tirar proveito de as diversas classes sociais, sobretudo as mais pobres, formam
sua complementaridade seja para facilitar a tomada de decisões comunidades que se segregam no espaço, cujos membros têm
por parte dos clientes, que desejem escolher entre um maior boas razões para não se afastar delas, mesmo quando alterna-
número de ofertas. Esta necessidade de expansão de determi- tivas de moradia superiores, em termos de preço e comodidade,
nados tipos de empresas de forma contígua no espaço entra se oferecem. Nas áreas deterioradas, a forma de ocupação mais
inevitavelmente em colisão com outros usos do mesmo espaço, freqüente é o cortiço, formado pela subdivisão de antigas man-
o que impõe a reestruturação dos mesmos. A esta tendência sões em numerosos cubículos, que acabam sendo alugados a
de mudança do tipo de uso do solo, que implica, em geral, o imigrantes recentes, cuja falta de raízes na cidade os torna
deslocamento das habitações de melhor nível para mais longe usuários deste tipo de alojamento. Em outras palavras, a cidade
dos centros de serviços, se soma outra: a da rápida obsolescên- capitalista não apresenta um tipo de demanda intermediária
cia "moral" das construções. Em contraste com a grande dura- que permita o aproveitamento racional dos investimentos, não
bilidade de casas e prédios, sua adequação às necessidades dos só em edificações mas também em serviços de infra-estrutura,
usuários é relativamente breve, devido às freqüentes alterações realizada no passado. Como a capacidade de pagamento dos
do modo de vida e dos gostos e preferências que o progresso imigrantes recentes é muito limitada, a manutenção das edifi-
técnico e a sucessão nada casual de modas acarretam. O cações em que se localizam os cortiços é negligenciada pelos
advento e a popularização do automóvel, por exemplo, suscitou proprietários, o que acelera sua decadência e portanto sua

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desvalorização. Mas o preço mais reduzido do solo não atrai que demoram vários anos para começar a retomar com lucros;
às zonas deterioradas investidores que poderiam renová-Ias, c correr riscos mercadológicos consideráveis, já que não se
pois dificilmente camadas ricas ou de rendimento médio se pode saber de antemão se haverá procura solvável para os
disporiam a morar em bairros que adquiriram má fama. imóveis da área, uma vez renovada.
Ao cabo de algum tempo se forma um vasto anel de zonas Embora não se possa generalizar os programas de renova-
deterioradas ao redor do centro histórico da cidade. Esta parece ção urbana, que variam no tempo e no espaço, é indubitável que
ser uma característica comum das cidades capitalistas. "Na eles têm por resultado mais comum a recuperação das áreas
periferia do distrito central de negócios da cidade há uma zona em deterioração para o uso das camadas média ou rica e das
de transição. Esta zona abrange uma grande porção da assim empresas que lhes prestam serviços. Os antigos moradores
chamada 'área cinzenta' e usualmente apresenta problemas sé- destas áreas nada ganham com a renovação '. Não tendo po-
rios. Ela se caracteriza por uso misto do solo, edificações deca- der aquisitivo para continuar na zona renovada, são obrigados
dentes, instabilidade e mudança geral e uma ampla variedade a se mudar, o que significa o mais das vezes maior distancia-
de tipos e níveis de funções. As casas da zona exibem todos mento do trabalho, quando não perda do mesmo, pagamento
graus de obsolescência; muitos de seus serviços de utilidade de aluguel mais elevado (porque a renovação urbana reduz
pública, concentrações de estabelecimentos comerciais e dis- a oferta de alojamentos baratos) e a perda de relações de vizi-
tritos de armazéns, indústrias e comércio atacadista estão fora nhança, o que, para pessoas pobres e desamparadas, pode ser
o prejuízo mais trágico.
de moda e apresentam baixa utilização e a presença de nume-
rosas operações marginais... Tais condições parecem existir
Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para
os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com
porque a zona, além de sua carga de obsolescência e desprezo
que a posse de uma renda monetária seja requisito indispen-
cívico, não possui as vantagens locacionais de um distrito
sável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento
central de negócios nem condições prontamente adaptáveis a
normal da economia capitalista não assegura um mínimo de
um padrão amplamente desejável de vida residencial. Conse-
renda a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento tende
qüentemente, a zona de transição permanece neglicenciada
a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que
tanto pela empresa pública como pela privada". 3
significa que uma parte correspondente da população não tem
Para evitar que esta mancha de deterioração se alastre
meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo
pela cidade cada vez mais, o Estado soe intervir no mercado
urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares
imobiliário, desapropriando áreas nas zonas decadentes e rea-
em que, por alguma razão, os direitos da propriedade privada
lizando aí programas de renovação urbana. Embora nada im-
não vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos em
peça que capitais particulares tomem também iniciativas desta
inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos,
espécie, é pouco provável que venham a fazê-Ia dada a consi-
etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc ...
derável escala que tais empreendimentos req uerem, o que
Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de
implica: ter que tratar com grande número de proprietários
(que o empreendedor privado não pode coagir a vender ou a
se associar à operação); investir soma ponderável de recursos
4 "Além do mais, programas de renovação urbana são muitas vezes
justificados como um meio de ajudar os pobres, mas a experiência de
vários países, particularmente dos EUA, sugere que as famílias pobres e
3 Preston, R. E., "The zone in transition: a study of urban Iand use os pequenos negócios são as principais vítimas". (Richardson, H. W.,
patterns". Economie Geography, vol, 42, 1966. (Citado por Richard- op. cito pág. 100). A experiência brasileira no que toca, por exemplo,
son, R W., op, cito pág, 59·60 1'1')" os programas de desfavelamento leva à mesma conclusão.

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novo, os moradores das áreas em questão são despejados, dra- que o melhoramento previsto se realize, reduzindo sobremaneira
matizando a contradição entre a marginalidade econômica e a os ganhos futuros da operação. Para 'evitar que isso se dê, a
organização capitalista do uso do solo. especulação imobiliária procura influir sobre as decisões do
poder público Quanto às áreas a serem beneficiadas com a
4. O Estado e o uso do solo urbano expansão de serviços. Uma das maneiras de fazer isso é adqui-
rir, a preço baixo, glebas adjacentes ao perímetro urbano, des-
O Estado, como responsável pelo provimento de boa providas de qualquer serviço e promover seu Ioteamento, mas
parte dos serviços urbanos, essenciais tanto às empresas como de modo que a parte mais distante da área já urbanizada seja
aos moradores, desempenha importante papel na determinação ocupada. Em São Paulo, os promotores atraem para estes
das demandas pelo uso de cada área específica do solo urbano lotes famílias pobres, assegurando-lhes o pagamento do terreno
e, portanto, do seu preço. Sempre que o poder público dota
a longo prazo e prestações módicas e lhes fornecendo ainda
uma zona qualquer da cidade de um serviço público, água
material de construção de graça para que possam erguer seus
encanada, escola pública ou linha de ônibus, por exemplo, ele
casebres em regime de mutirão, nos fins de semana. Será esta
desvia para esta zona demandas de empresas e moradores que
população que, uma vez instalada no local, irá pressionar o
anteriormente, devido à falta do serviço em questão, davam
governo para obter serviços urbanos, que para atingi-Ios têm
preferência a outras localizações. Estas novas demandas, de-
ve-se supor, estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em que passar necessariamente pela parte não ocupada da gleba,
que assim se valoriza.
termo de compra ou aluguel, um preço maior do que as
demandas que se dirigiam à mesma zona quando esta ainda Estes procedimentos acarretam a subutilização dos serviços
não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo nesta zona, urbanos, ao manter vagos, à espera de valorização, lotes que
em relação às demais. No que se refere à demanda das empre- dão acesso a pelo menos parte deles. A ironia da situação é
sas, a renda diferencial paga por elas será maior na medida que, ao mesmo tempo, cresce a parcela da população que não
em que o novo serviço lhes permite reduzir seus custos de tem recursos para realmente habitar a cidade; o que significa
produção e/ou de circulação. No que se refere à demanda de mais do que permanecer fisicamente dentro dela. Para esta
moradores, a disponibilidade do novo serviço atrai famílias de população, que vegeta em favelas ou em vilas operárias, os
renda mais elevada e que se dispõem a pagar um preço maior sistemas de transportes, de, comunicações, de saneamento, etc.,
pelo uso do solo, em comparação com os moradores mais anti- são inacessíveis em maior ou menor grau, ao passo que áreas
gos, de renda mais baixa. A elevação do preço dos imóveis vagas, que facilitariam este acesso, lhes são vedadas pela bar-
resultante pode deslocar os moradores mais antigos e pobres, reira da propriedade privada do solo urbano.
que vendem suas casas, quando proprietários, ou simplesmente Quem estuda um mapa da distribuição dos serviços urba-
saem quando inquilinos, de modo que o novo serviço vai servir nos de responsabilidade do Estado no território da cidade veri-
aos novos moradores e não aos que supostamente deveria bene- fica facilmente que eles se encontram apenas à disposição dos
ficiar. moradores de rendimentos elevados ou médios. Quanto menor
As transformações no preço do solo acarretadas pela ação a renda da população, tanto mais escassos são os referidos
do Estado são aproveitadas pelos especuladores, quando estes serviços. Isto poderia despertar a suspeita de que o Estado
têm possibilidade de antecipar os lugares em que as diversas agrava sistematicamente os desníveis econômicos .e sociais, ao
redes de serviços urbanos serão expandidas. No entanto, esta dotar somente as parcelas da população que já são privilegia-
antecipação nem sempre é factível e quando o é a concorrência das de serviços urbanos, dos quais as parcelas mais pobres
entre os especuladores pode forçar a elevação do preço antes possivelmente carecem mais. Mas a suspeita é infundada. Quem

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promove esta distribuição perversa dos serviços urbanos não é IIABITAÇÃO E URBANISMO:
o Estado, mas o mercado imobiliário. C) PROBLEMA E O FALSO PROBLEMA
Sendo o montante de serviços urbanos escasso em relação
às necessidades da população, o mercado os leiloa mediante tvnu!o apresentado na 27.a Reunião Anual da SBPC, 1975
a valorização diferencial do uso do solo, de modo. que mesmo
serviços fornecidos gratuitamente pelo Estado aos moradores
- como ruas asfaltadas, galerias pluviais, iluminação pública, (;t\JlIUEL BOLAFFI
coleta de lixo, etc. - acabam sendo usufruídos apenas por
aqueles que podem pagar o seu "preço" incluído na renda do
solo que dá acesso a eles.

Post Scriptum, à guisa de introdução

Embora escrito há mais de quatro anos, o texto que segue


IIIL~ agrada e, principalmente, me parece útil. O tempo trans-
e 'orrido desde a sua redação invalidou certos dados utilizados
t' até alguns raciocínios neles baseados. Ainda assim, muito
infelizmente, tanto a atualização dos números quanto a cor-
rccão de algumas conclusões nada acrescentariam à atualidade
cio texto.
Os dados sobre renda per capita implícitos no texto estão
relativamente superados e poderiam gerar alguns equívocos.
('onseqüentemente estão equivocados alguns raciocínios basea-
dos naqueles Índices. Recentemente anunciou-se que no ano
ele 1978 a renda per capita brasileira elevou-se para 1580 U.S.
dólares. Não importa que a oposição, com as intrigas que
lhe são habituais, se apresse em lembrar que essa elevação ocor-
reu, pelo menos em parte, graças à inflação da moeda padrão.
Isso não obscurece o fato de que, ao contrário do que o texto
insinua, o capitalismo brasileiro está em vias de dar, se é que
já não deu, um salto quantitativo considerável. " .Ó.- /

Mas o salto qualitativo, ou pelo menos aquele salto quali-


tativo anunciado pelos autores da Teoria da Torta, parece que
deu chabu. O valor atingido pela renda per capita em 1978
indica que desde o ano da criação do BNH até o presente,
pelo menos em termos nominais, a torta da riqueza nacional
nesse país cresceu cinco vezes. Só que em vez de reparti-ia,
os donos da casa já começam a falar em coibir-lhe o excessivo

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