Driblando A Dor - Irene Pacheco Machado - (Luiz Ségio)

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É isso, irmão, se a dor, o desequilíbrio ou a fraqueza buscarem

a sua alma, não se deixe abater.


Segure a mão de Deus e com fé lute contra as adversidades,
principalmente quando desejar tomar tranquilizantes ou algum
outro tóxico que poderá levá-lo à dependência; nada disso dribla
a dor, mas sim o coração repleto de fé e amor.
O livro está aqui, é todo seu. Não se escandalize, são fatos
verídicos vividos por uma sociedade sem amanhã que precisa das
preces daqueles que acreditam em Jesus, quando Ele diz "O meu
Reino não é deste mundo''.

1
Adquiram, através do reembolso postal, outros livros editados
pela Editora Recanto LTDA:
Alicerce da Fé - Psicografado por Irene Pacheco Machado - João
Batista, advogado francês, une-se a Lázaro José, um espírito
disciplinador, e nos oferecem os esclarecimentos necessários pa-
ra bem compreendermos as Parábolas de Jesus, contadas no
Evangelho Segundo o Espiritismo. Relata capítulo por capítulo do
Evangelho, lições ministradas por esses dois espíritos amigos à
médium e aos seus familiares. É um livro para aqueles que
gostam de estudar O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Corações Amigos -
Psicografado por Irene Pacheco Machado - é um livro onde as
mensagens chegam ao leitor como gotas de luz, clareando os
nossos caminhos para os braços de Deus.
Caixa Postal 03732 70084-970 - Brasília - DF
DRIBLANDO A DOR
Luiz Sérgio
Psicografía: Irene Pacheco Machado 9a Edição
2000
Todos os direitos de Publicação e Reprodução desta Obra estão
reservados ao REMA — Grupo Assistencial Recanto de Maria
Capa e ilustrações: Adilson Brito de Carvalho Maurício Maia
Soutinho
Sérgio, Luiz (espírito)
Driblando a Dor / Luiz Sérgio; psicografia: Irene Pacheco
Machado. — 9a ed. — Brasília: Livraria e Editora Recanto, 2000.
154 p.: II.
1. Espiritismo. 2. Tóxico. 3. Reencarnação. I. Machado, Irene
Pacheco. II. Título
CDU 133.9
ISBN 85-86475-16-5
N.E.
1 - O trabalho de psicografia que compõe esta obra transcorreu
no ano de 1989, em Brasília, DF, Brasil.
2 – 1° edição:1991 - Tiragem: 20.000 exemplares
3 - Esta edição: do 66° ao 70°milheiro

2
SUMÁRIO
MENSAGEM AO LEITOR..............................................3
Capítulo I
NO VALE DO BRILHO..............................................7
Capítulo II
DOENTES DA ALMA..............................................19
Capítulo III
EDUCAÇÃO INFANTIL
UMA FESTA DA PESADA..........................................27
Capítulo IV
O TRABALHO DESTRUIDOR DO TÓXICO
VALIOSAS ELUCIDAÇÕES.........................................37
Capítulo V
O DESEQUILÍBRIO DO CORPO FÍSICO...............................45
Capítulo VI _
CASA ESPÍRITA: OFICINA DE DEUS
A CARIDADE COBRE A MULTIDÃO DE
PECADOS......................51
Capítulo VII
A EQUIPE TREVOSA EM AÇÃO.....................................61
Capítulo VIII
A PROCURA INCESSANTE DO FLUIDO
VITAL.........................69
Capítulo IX
NA CIDADE DA DOR..............................................75
Capitulo X
A COBAIA DO MUNDO INFERIOR...................................81
Capítulo XI
UMA AULA SOBRE MEDIUNIDADE..................................91
Capítulo XII
A COLÔNIA DAS HORTÊNSIAS.....................................97
Capítulo XIII
COMO SE CONSTRÓI O UMBRAL..................................107
Capítulo XIV
O REFÚGIO NO VALE DA
INCONSCIÊNCIA..........................113
Capítulo XV
UM SUSTO NECESSÁRIO........................................129
Capítulo XVI
AS NUVENS NEGRAS JÁ CHEGARAM..............................139
Capítulo XVII
3
ALIMENTAÇÃO NATURAL
O SOFRIMENTO QUE ESPERA UM
SUICIDA.........................145
Capítulo XVIII
TATIANA — UM AMOR DIVIDIDO...................................155
Capítulo XIX
A CIÊNCIA ALIADA AO ESPIRITISMO...............................163
Capítulo XX
LIVRE-ARBÍTRIO: ASA DO SER...................................169
Capitulo XXI
EVOLUÇÃO: META DE TODOS OS
ESPÍRITOS.......................177
Capítulo XXII
AS ENERGIAS DA VIDA.................... .....................183
Capítulo XXIII
CARIDADE — JESUS EM AÇÃO...................................189
Capítulo XXIV
GERAÇÃO SUICIDA.............................................195
Capítulo XXV
A TRISTE HISTÓRIA DE GENARO..................................207
Capítulo XXVI
OS TREVOSOS E SUAS TÉCNICAS.................................215
Capítulo XXVII
A SAGA DE GINO E GUIDITTA.....................................231
Capítulo XXVIII
ENCONTRO E DESENCONTRO....................................239
Capítulo XXIX
OVÓIDES, COMPROMISSO COM A
NATUREZA.......................245
Capítulo XXX
UMA AULA COM NAGI...........................................255
Capítulo XXXI
DE VICIADO A TRAFICANTE.......................................261
Capítulo XXXII
O RETORNO À COLÔNIA DOS VELHOS
PATRIOTAS..................265
Capítulo XXXIII
ISMAEL E OS VELHOS PATRIOTAS................................273

4
MENSAGEM AO LEITOR

Queridos amigos, ao iniciar este outro volume desejo que, ao


ficarmos juntos por algumas horas, durante a sua leitura,
venhamos a entrelaçar as nossas auras irmãs em uma vontade
muito grande de orar e lutar pelos sofridos. Não importa o
tamanho da dor, importa, sim, que o homem suporte o seu fardo
e tenha a dignidade de carregar a sua cruz nunca precisando de
paliativos para aliviá-la, mas da confiança em Deus, na certeza
de que Ele, o querido Pai, sempre estará em nós, mostrando o
verdadeiro mundo.
Gritar, chorar, maldizer ou buscar nos vícios o alívio é perda de
tempo; para enfrentar a dor precisamos ter fé, somente ela banha
o nosso espírito, dando-nos força para viver. Quem não possui fé
morto se encontra, ou morre lentamente, porque só a fé sustenta
o homem neste Planeta de expiação e provas.
E isso, irmão, se a dor, o desequilíbrio ou a fraqueza buscarem
sua alma, não se deixe abater. Segure a mão de Deus e com fé
lute contra as adversidades, principalmente quando desejar
tomar tranquilizantes ou algum outro tóxico que poderá levá-lo à
dependência; nada disso dribla a dor, o que precisamos é
transpor a dor com o coração repleto de fé e de amor.
O livro está aqui, é todo seu. Não se escandalize, são fatos
verídicos vividos por uma sociedade sem amanhã que precisa das
preces daqueles que acreditam em Jesus , quando Ele diz: "O
Meu Reino não é deste mundo".
LUIZ SÉRGIO

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Capítulo I

NO VALE DO BRILHO

A música tomava conta do ambiente. O anfiteatro dava a


impressão de ser maior, muito maior, porque eu o visitava vazio.
Só a música e o perfume de jasmim me faziam companhia. Olhei
as paredes e estas me pareceram fluorescentes; a tonalidade
azul-celeste foi dissipando-se, tornando-as translúcidas.
Observei-as novamente e notei que vibravam com a música, ora
azul mais escuro, da "cor do céu", como dizemos, ora brancas.
Sentei-me na cadeira duzentos e trinta e três, mas, ao fazê-lo,
algo me colocou para fora, a cadeira me rejeitava. Assustado,
disse para mim mesmo: "sai dessa, Luiz Sérgio". Tentei duas
vezes, aí liguei o "desconfiômetro" e fui saindo sem pressa. Na
portaria, o espírito que ali já se encontrava quando entrei sorriu-
me com ternura. Perguntei:
—Irmão, a minha cadeira está com defeito? Não consigo me
sentar.
—Desculpe, mas ainda não está na hora da conferência.
—Não posso esperar os outros lá dentro? insisti.
—Poder pode, mas não deve. O local está sendo preparado e o
irmão, com sua curiosidade, pode atrapalhar os encarregados
desse trabalho de equilíbrio.
Acho que fiquei cor-de-rosa e vermelho ao mesmo tempo. Que
vergonha! Como não me dei conta qee estava incomodando?
Olhei para o irmão da portaria e lhe falei:
—Um dia chego lá. Um dia deixarei de ser tão desesperado.
Ele apenas sorriu e desejei muito abraçá-lo pela educação de
que era possuidor, pois não me barrou a entrada nem foi lá
dentro para ver o que eu estava fazendo. Afastei-me, de costas,
dizendo:
—Até logo, irmão.
—Até já, Luiz Sérgio.
Só naquele instante reparei o pátio, as flores, as pedras, enfim,
o jardim, e que jardim! Procurei um banco e fiquei a recordar de
cada amigo, sentindo uma saudade imensa da Faculdade de
Maria, onde convivi com o teatro vivo de Jesus. Alguns minutos
depois percebi que muitos irmãos já entravam no salão e para lá
me dirigi. A música chegava até o jardim, era lindíssima. Meu
corpo parecia volitar. Nesse êxtase, ouvi uma voz:
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—Frade, como evoluiste, hem? Volitando!
Voltei-me, à procura da dona daquela voz, e quem vi? A minha
amiga Sara. Corri e lhe dei aquele abraço. Rimos muito.
—Não me diga que vai participar dessa reunião, Sara.
—Não só eu, como a Karina, o doutor Carlos, o Sadu, a Samita,
enfim, toda a nossa patota.
Não cabia em mim de felicidade.
—Você está brincando! Então voltaremos a "atacar"
novamente? perguntei.
—Claro, Sérgio, voltaremos com força total. —Cadê os outros?
—Já entraram, não compreendo por que tu estás aqui fora.
Estou estranhando, mudaste muito. Antigamente eras o
primeiro...
Confesso que sorri amarelo, não lhe contando o meu fiasco
junto àquela cadeira.
Entramos. Ela procurou a sua cadeira e eu, meio cabreiro, fui
apalpando a minha antes de me sentar. Mas com que carinho me
acolheu, senti-me como se estivesse em um trono. A tudo
observava. Confesso que não busquei nas pessoas as fisionomias
conhecidas, estava atento ao palco.
E aqui tentarei desenhar para vocês o que vi:
O anfiteatro era redondo, com cadeiras giratórias. Havia sete
palcos. Quando sentamos, o número um estava aceso, os outros
seis apagados, ou melhor, na penumbra. Na hora certa o número
um acendeu-se de vez e deslocou-se bem para frente, nele
aparecendo uma senhora, que fez a prece inicial. Ouvimos,
contritos. Meus olhos marejaram de lágrimas, tão linda foi a
oração. Aí iniciou-se a preleção de um irmão, que também já se
encontrava no palco:

7
—"Prezados irmãos em Jesus. Estamos empenhados em
combater o maior dos males que hoje afeta a humanidade: a
droga. E a sociedade, indiferente, vira as costas ao viciado.
Propomos organizar um trabalho, esperando contar com a boa
vontade de espíritos que, mesmo já possuindo condição de viver
em planos melhores, preocupados se encontram com a dor dos
que ainda sofrem na terra e se juntaram a nós para dar, àqueles
que ficaram, orientação sobre a besta do Apocalipse, a droga.
Precisamos de almas desprendidas e com esperança nos planos
sublimes, porque se avolumam as que gemem de dor e remorso
nas esquinas e ruelas do planeta Terra. Os companheiro que se
juntarem aos Raiozinhos de Sol devem

lembrar que cada caso corresponde a uma situação particular


a ser compreendida e tratada com carinho, lançando mão, não de
receitas milagrosas, mas de ideias e dos conhecimentos
adquiridos nos cursos da Faculdade de Maria. Cada Raiozinho de
Sol já é considerado um profissional apto a servir a Jesus nesse
difícil caminho, que uns dizem sem volta. Mas bem orientados,
muitos podem se salvar e voltar a compor a sociedade a qual o
cidadão tem obrigação de bem servir. Aqui estamos esperando
que cada equipe crie o seu método de treinamento, nunca
esquecendo que o doente deve ser respeitado e que cada caso é
um caso, não importando a gravidade do mesmo, lembrando
sempre que Jesus é o Médico e que o seu companheiro é um
enfermeiro em trabalho. O amor é a essência que todos precisam
usar nesse tratamento de almas sem vida.
8
Queremos que as pessoas sejam instruídas e alertadas sobre o
perigo das drogas, que a população seja bem informada; que se
peça, às Casas religiosas, profissionais para trabalharem na área
social, alertando para o perigo das drogas, mostrando às famílias
que elas precisam inteirar-se do problema e que somente a
compreensão e o equilíbrio poderão ajudar a enfrentar a questão.
O tratamento inicia-se no lar; é nele que o jovem aprende a viver
em sociedade. Um lar sem disciplina leva o jovem a afundar-se no
ócio e nos vícios. Os pais devem desenvolver no jovem o senso de
responsabilidade com relação à própria vida. A criança já deve
ser orientada sobre o seu valor como ser humano e o quanto a
sociedade precisa de pessoas portadoras de moral; que cada ser
recebe de Deus uma tarefa e ai daqueles que não tiverem tempo
nem força para realizá-la. Desejamos a todas as equipes um bom
trabalho e que todos tragam para Jesus almas renovadas e
felizes, e que cada jovem seja despertado para a verdadeira vida,
deixando para trás as suas fraquezas, voltando a viver para o
cumprimento do plano divino. Muita paz, amigos, que Deus nos
acompanhe." (Lourival)
Fiquei ainda um bom tempo ali sentado. Quando saí, encontrei
minha patota e quase chorei de alegria; só o Rayto ali não se
achava. Estávamos de novo juntos.
—Por que estamos novamente nesse trabalho? perguntei a
Sara.
—Simplesmente, porque a droga está tomando conta da Terra e
a cada segundo desencarna uma pessoa com overdose.
—Verdade? Voltaremos, então, a escrever algo que foi tão
combatido? Muitos dizem que os espíritos devem ficar longe
disso. Samita foi quem respondeu:
—Existem muitas divergências sobre informação e prevenção,
que devem ser avaliadas por quem deseja trabalhar com
drogados. E desagradável para o viciado e para quem deseja
ajudá-lo ouvir um milhão de palavras inúteis sobre repressão e
ameaças. O que se deve fazer é levar a pessoa a se interessar por
si mesma, a se gostar, mostrar-lhe o quanto a sociedade perde
por tê-la tão distante, agonizante mesmo. A pessoa precisa
conhecer o perigo que está enfrentando. Quem a está ajudando
não está fazendo isso apenas por fazer, mas sim porque é um
conhecedor do assunto. Cabe explicar a um provável consumidor,
ou já dependente, que o drogado carrega um estigma, por parte
da comunidade, de difícil aceitação para a família.
9
—O dependente de drogas é um doente psíquico, completou
Carlos. Ele tem no seu inconsciente um trauma. Quem consome
droga deseja driblar a dor, não é mesmo, Luiz Sérgio?
—Tem razão, Carlos. O jovem, quando busca o tóxico, o faz por
alguma causa. Se buscarmos a origem, encontraremos
primeiramente a fraqueza familiar, ou seja, pais inseguros; lar
desequilibrado, filhos negligenciados ou superprotegidos, quer
dizer, mimo ou desprezo. Ainda mais: dinheiro fácil, excesso de
liberdade.
Nisso que estávamos conversando, eis quem chegou: o nosso
Enoque, chamado por todos nós de Rayto ou Rad. Abracei-o bem
forte. Ele olhou-me com carinho, dizendo:
—É, Luiz Sérgio, a Terra está esfumaçada, ou melhor, com
tanto pó que fica difícil respirar.
Começamos a caminhada. Enoque, sempre alegre, ia-nos
contando os últimos acontecimentos. Meu coração nem cabia no
peito de tanta ansiedade e contentamento. A patota toda ali,
Sara, Karina, enfim, os meus amigos. Rayto convidou-nos a
acompanhá-lo até o terceiro umbral e para lá nos dirigimos, mas
antes oramos para captar energias. À medida que fomos
chegando, o ar me pareceu pesado, o lugar era escuro e ainda
não havíamos divisado qualquer irmão. Rayto, aproximando-se
de mim, perguntou:
—Por que o silêncio? Não o estou reconhecendo, Frade.
—Fique sabendo que estou envelhecendo e preciso tomar
vergonha na cara, não posso mais aprontar.
—Engana-se, Sérgio, pequenas brincadeiras não fazem mal a
ninguém, somente quando atingem o próximo, aborrecendo-o.
Ficamos calados. O vento se encarregava de fazer o barulho,
que era desesperador. Todos nós estávamos orando em silêncio,
quando nos deparamos com cenas difíceis de narrar: o chão mais
parecia nuvens vermelhas e pegajosas e no meio delas irmãos em
total desespero. Eles iam varando a atmosfera com dificuldade,
mesmo assim caminhavam sempre juntos. O grupo que
encontramos era composto de três homens e dois garotos, todos
em estado deprimente: roupas rasgadas, olhos saindo das
órbitas, lábios sangrando, assim como os braços e as pernas.
Passaram por nós, mas não nos viram. Enoque usava um
aparelho para detectar o que os nossos olhos não enxergavam.
—O que é isso? Perguntei.

10
—Estou vendo o estado do períspirito e se eles desejam ser
ajudados.
—Acho que sim, quem quer ficar nesse inferno?
—Eu!... gritou um espírito que quase me derrubou, tão ruim
era a sua vibração.
Enoque acercou-se de nós.
—E mesmo, irmão, gostas daqui? Perguntou.
—Claro que gosto, aqui vivemos como se estivéssemos na
carne. Aspiramos pó, nos picamos, enfim, vivemos num barato.
Onde vocês se encontram? Por que não aparecem? falava,
olhando para todos os lados.
Sara pegou outro aparelho e o focalizou. Ele cobriu os olhos,
blasfemando contra Jesus.
—Se vocês são amigos do Cordeiro, vão para o inferno!
—Mas nós estamos nele, aqui é o inferno.
—Mas eu gosto daqui, temos aqui tudo o que se tem na terra.
—Não acredito, então nos mostre, falou Enoque.
—Não, pensam que me enganam? Nada mostrarei, se
desejarem descubram a nossa aldeia.
—Eu não! Depois, nem acredito... continuou Enoque.
—Se é assim, siga-me. Eu vou mostrar só uma parte da nossa
aldeia e depois sumirei assim vocês serão um dos nossos.
Nisso, Enoque fez com que Lílian, uma jovem recém-
desencarnada, estudante de medicina, ficasse visível. O espírito,
aproximando-se dela, disse:
—Está ótimo, esta estou vendo e estou gostando.
Quis segurar o ombro de Lílian, entretanto ela continuou firme,
como se petrificada. Enoque me pareceu ocupar o corpo da
Lílian, que olhou tão duro para Celso que ele ficou na dele.
Fomos andando até um portão vermelho, onde estava escrito:
"Seja bem-vindo ao Vale do Brilho". Aí, ele parou, dizendo a
Lílian:
—Sinto, garota, mas só você entra, a sua turma não pode.
O Rayto, servindo-se do corpo de Lílian, falou:
—Eu não quero entrar, e depois, meus amigos já se mandaram.
—Covardes, falou Celso, deixando uma garota como você
sozinha. Venha querida, vamos entrar. De hoje em diante você é
minha companheira.

11
O portão abriu-se com o tocar de um dedo de Celso. Nesse
momento Lílian estremeceu, mas o portão se fechara. Celso,
muito preocupado, ainda olhou para fora, como se nos
procurasse, não sabendo ele que o Enoque, ao se servir do corpo
perispiritual de Lílian, havia nos dado condição de também nos
acercarmos dela e entrarmos numa boa. Respirei fundo.
O lugar era árido, nem flores e nem árvores o enfeitavam,
apenas umas esculturas louvando o sexo. Lâmpadas vermelhas
tomavam conta do pátio e a música que tocava era parecida com
a lambada; pares se retorciam no chão do salão que ora
penetrávamos. Celso enlaçou a cintura de Lílian e ela,
comandada por Enoque, fingiu que estava gostando. Nisso, um
homem bem alto aproximou-se de Celso, falando:
—Já lhe disse para não entrar aqui com estranhos!
—Chefe, esta garota é das nossas e está querendo se divertir.
Eu não gosto de estranhos, bem sabe que só trago para cá os
que morrem no embalo, caso contrário os discípulos de Jesus
lhes prestam auxílio. E fique sabendo que eles já estão
desconfiados desse local. Naira já foi abordada por um "santo",
querendo salvá-la.
—Gino, não se preocupe, ela é das nossas.
—Então, garoto, aproveite — falou, sorrindo, o chefe.
Confesso que as minhas pernas tremiam. Como Enoque iria
sair dali? E a Lílian, que se encontrava visível? Celso, olhando-a,
disse:
—Boneca, fique aqui um pouco que vou lá dentro buscar algo
para você se ligar.
Ao deixar Lílian sozinha, nós nos aproximamos.
—Vamos, Lílian, dar no pé, falou Enoque.
Saímos dali numa velocidade tão grande que quase me afoguei
de susto. Ganhamos a sala do Gino e verificamos que ele estava
por dentro de todos os locais de consumo da droga. E com que
segurança dava as ordens aos subordinados para levarem àquele
local os suicidas por tóxico.
—Agora compreendo porque estou aqui, falei a Karina. No
último livro presenciei os lírios colhidos por Jesus e aqui vou
presenciar os lírios sendo cortados com a fúria do ódio e da
ganância. Não sei o que fazer para me sentir forte. Estou
tremendo na base, acho que estou destruído.

12
—Que nada, Luiz, falou-me Damian. Você está é estranhando a
nossa vibração, andou muito tempo na Faculdade, junto aos
evangelizadores, agora está sentindo a diferença de trabalhar no
umbral.
Olhei-o com aquele olhar de quem não gostou, mas Damian é
um grande amigo e sei que compreendeu o meu desequilíbrio.
Ouvimos cada palavra do Gino com sua equipe de busca aos
desencarnados por tóxico e fomos saindo devagar. As nuvens
pegajosas facilitavam a nossa invisibilidade. Só Lílian permanecia
visível. Quando Celso a reencontrou, desdobrou-se em carinho e
com muita delicadeza lhe ofereceu um canudo. Ela perguntou:
—Cadê o pó?
Ele a segurou pelo braço, dizendo:
—Venha cá depressa, o pó acabou de chegar, está no ponto
desejado.
Entramos junto com a Lílian num quarto onde dois espíritos
recém-desencarnados debatiam-se no chão; haviam se suicidado
com overdose de cocaína. Celso simplesmente colocou o canudo
na gengiva do espírito desencarnado e foi aspirando o pó.
Estávamos apatetados coma cena. Aqueles "cadáveres" eram
condutores de tóxicos do plano físico para o espiritual. Em
seguida, ele foi aspirando a pele dos toxicômanos. Ao notar que
Lílian não o queria fazer, ele a empurrou com força.
—Ou você aspira ou lhe coloco pra fora daqui! gritou.
As vítimas da overdose continuavam debatendo-se no chão,
com a língua asfixiando-as, olhos fora das órbitas, trapos
humanos, e ainda vampirizados pelos espíritos desencarnados.
Era demais, principalmente quando a Lílian se debruçou sobre o
jovem e foi aspirando a coca, a maconha e os comprimidos. Ao
mesmo tempo, Enoque ia dispersando os fluidos tóxicos da
jovem. Celso parou assombrado.
—Menina, como você é boa, hein? O coitado ficou a zero. Ainda
bem que não lhe dei os dois.
À medida que Lílian ia aspirando o corpo da garota, Enoque,
Samita, Carlos e Sadu iam curando o doente. Em determinado
instante, Lílian piscou para o jovem e Celso não gostou, mas
Damian lhe ofereceu algo que ele "bodou" logo. Saímos dali
levando os dois desencarnados.
—Enoque, estou com dó de Celso, ele vai sofrer com Gino, que
não vai perdoá-lo, falou Lílian.

13
—Engana-se, eles se entenderão. Depois, se Celso sofrer
alguma agressão saberemos logo, porque de agora em diante o
teremos em nossas mãos. Ele nos será de grande valia.
—Ainda bem, falou Lílian. Não quero que ninguém sofra por
minha causa.
Olhei-a e alisei seus cabelos. Lílian desencarnou no Rio de
Janeiro em desastre de automóvel. Cursava o terceiro ano de
Medicina. Os seus pais moram em Brasília e com fé enfrentam a
dor corajosamente, tudo fazendo para o crescimento da filha
desencarnada.
—Obrigada, Luiz Sérgio, por tudo — e sorriu para mim.
—Não há de quê, estarei sempre em qualquer lugar para ajudá-
la, porque eu amo você, sabia?
Karina aproximou-se.
—Veja só, agora é Lílian a preferida.
Fitei a bela Karina.
—Não tenha ciúme, querida, o papai aqui é de todas.
—De todas não, de todos, falou Carlos. O aprendiz de Jesus
ama a todos com o mesmo carinho.
—Veja quem fala o teórico médico do receituário mediúnico.
Por falar nisso, me receite um remédio para saudade.
Carlos escreveu no papel: serviço, iniciar na Caridade. Rimos
todos, acho que de nervoso, porque já estávamos na saída da
aldeia do pó. Nisso, Enoque abriu o portão e nos vimos lá fora,
onde a atmosfera era mais densa e tínhamos dificuldade para
andar.
—Levite, Sérgio, recomendou-me Samita.
—Engraçadinha, respondi.
O vento era gelado e o ar diminuto. A nossa turma me pareceu
estar varando as nuvens como fazem as aeronaves. Olhei para
baixo e não vi o chão compacto, dando a impressão de vazio.
—Onde estamos? Perguntei ao Enoque.
—Em um dos umbrais mais próximos da terra, respondeu. Se o
irmão desejar, poderá perceber que se entrelaçam o plano físico e
este lugar.

14
Confesso que nada fiz para ver onde estava, apenas
acompanhei os outros, orando em silêncio. Encontramos várias
caravanas de drogados que se dirigiam para a Casa do Pó, mas
nós as ignoramos. O que precisávamos fazer havíamos feito.
Enoque só brincou conosco quando pisamos em solo firme.
Avistamos, então, o Cantinho de Maria, uma casa branquinha,
rodeada de rosas silvestres, composta de uma sala e um amplo
quarto, onde irmãs de caridade, junto com Eustáquio, prestavam
auxílio aos recém-desencarnados. A casa assemelhava-se a um
ninho de amor. Ali encontramos não só o leito acolhedor, como
ouvimos música e escutamos belas histórias dos lábios de
Eustáquio, o querido frei dos pobres. As irmãs Noêmia e Cenira
eram de uma gentileza sem conta, tudo faziam para que nós nos
sentíssemos reconfortados. Nos leitos, encontravam-se dez
entidades re-cém-desencarnadas que logo seriam levadas até o
Hospital de Jesus. Lá eram socorridos os espíritos errantes, ou
melhor, aqueles que, mesmo socorridos, somente desejavam ficar
na terra ao lado dos familiares, querendo resolver seus
problemas, não sabendo como fazer para obter a passagem.
Eustáquio possui uma equipe que leva essas criaturas primeiro
ao Lar de Maria, para depois ganhar o grande Hospital.
—Gostaria de morar aqui, acho lindo este lugar, falei para
Noêmia.
—E mesmo? Todos os locais seriam lindos se nós os
imantássemos de amor e paz. Deus fez o Universo maravilhoso, o
homem é que o deforma através dos sentimentos de ódio e
orgulho.
Tirou uma flor do vaso e me ofereceu. Eu não só beijei a rosa,
como também a mão carinhosa que ma ofertou. Cerrei os olhos e
orei baixinho:
"Senhor, abençoai este recanto, fazei dele um relicário da Vossa
paz. Dai aos que o buscam a serenidade e a luz do Vosso
caminho. Fazei com que as almas que aqui cheguem sintam o
perfume da querida Mãe que os enlaça com braços carinhosos e
amigos, para que todos sejam beneficiados. Que a cura dos
nossos espíritos se perpetue até a eternidade, quando
encontraremos a paz".

15
Capítulo II

DOENTES DA ALMA

Aquele aconchegante lugar era um cântico divino.


Assemelhava-se a um pedaço do céu, flutuando nas nuvens
escuras dos umbrais. Irmão Eustáquio dedicava-lhe um carinho
todo especial e ali, na enfermaria de Jesus, presenciávamos a
prática da verdadeira caridade. Os irmãos socorridos eram
elucidados, através de lindas preleções de Irmão Eustáquio. Ele,
na sua bondade, mostrava aos andarilhos que nada se leva da
terra, a não ser as lembranças e as saudades. A cada um dirigia
uma palavra de amor e respeito.
Ao me aproximar de uma jovem, senti o seu desespero: havia
desencarnado em desastre de automóvel e, mesmo socorrida, não
desejava partir para longe do namorado e de seus pais.
Permanecendo junto a eles, sem que sua presença fosse notada,
vivia momentos dramáticos. Descobriu muitas coisas que não
sabia quando encarnada e a agonia tomou conta do seu espírito,
que desejava sair à procura da paz, mas por mais que a
buscasse, não a encontrava. A família não lhe apresentou Jesus e
ela apenas cultivara a vaidade e os bens temporais. Só foi
socorrida quando, desesperada, pediu ajuda divina. Chegara a
algumas horas apenas e parecia dormir. Olhei o seu semblante
em desalinho, as roupas em farrapos, enfim, uma verdadeira
"morta". As irmãs, carinhosamente, lhe trocaram a roupa e lhe
curavam as chagas.
—A família é muito culpada nesses casos? perguntei a Samita.
—Quantos filhos hoje se encontram longe do Evangelho,
simplesmente porque a família reluta em viver com Cristo. Com a
chegada de uma nova era, o homem tem por obrigação encontrar
um caminho, e queira
Deus seja esse o caminho certo.
Ainda observei Isilda. Ela me pareceu, com os cuidados das
irmãs, uma garotinha. Devia ter uns dezoito anos.

16
—Sérgio, se os pais não despertarem seus filhos para a
realidade da vida, continuaremos a ver almas, como Isilda, que
na terra vivem intensamente, bem longe das verdades divinas.
Por que os espíritas, em vez de levantarem tantos Centros, não
criam uma fundação, ou melhor, um bom colégio onde se ensine
desde a moral evangélica até os compromissos sexuais do
homem? Uma escola como a de Pestalozzi, na Suíça, com as
portas sempre abertas, mas a disciplina e o dever trancafiados na
consciência; escolas espíritas ensinando a nascer e a morrer.
Diante de tal verdade, o homem tudo fará para bem viver a vida.
—Não sei, não, falou Enoque. Para tal trabalho não podemos
contar com fanáticos nem seres orgulhosos. A verdade
kardequiana tem de ser a base de todo o ensino, não devendo ser
misturada a teoria com as práticas mediúnicas, mas revelar aos
não-conhecedores a força das manifestações mediúnicas. E um
trabalho de mestre e este tem de possuir uma educação
evangélica para equilibrar, e não desesperar ou amedrontar os
iniciantes.
Aceitei a colocação de Rayto, mas ponderei que se torna cada
vez mais difícil um instituto com tal moralidade.
—Engana-se, Luiz Sérgio, logo teremos na capital do País um
Instituto como o de Pestalozzi, tendo à frente, entretanto, só
educadores espíritas.
—És um sonhador, falou Samita.
—Não, minha irmã, continuou Enoque. Tenho fé que um dia a
educação evangélica não ficará trancafiada só nos Centros
Espíritas. Temos de levar ao jovem o conhecimento dos fluidos
energéticos da vida após vida, dos corpos que possuímos, como
se processa a captação dos fluidos, como fazer para não
tombarmos diante dos obstáculos.
Irmão Eustáquio, que nos honrava com sua presença, falou:
—Também oro para que os colégios espíritas sejam jardins com
excelentes jardineiros, só assim não teremos tantas plantinhas
tenras arrancadas com violência pelos inúmeros vícios que se
alastram.
—Irmão, qual foi o caso mais triste que o amigo já socorreu?
perguntei.

17
—Um dia, alguém me contou a história de uma irmã que
desencarnou com overdose e que há dois anos sofria ao lado do
corpo. Ela não aceitava a situação vivida no momento e todos os
que dela se aproximavam eram agredidos, pois julgava serem
seus inimigos. Essa jovem, muito rica, jamais imaginara que um
dia teria de deixar o corpo físico, mesmo j á tendo presenciado o
desencarne de vários familiares. Era uma fera ao lado do corpo e
do imenso patrimônio material. Sofria horrores, tinha visões
distorcidas dos familiares, tal o desequilíbrio do seu espírito.
Quando presenciou a distribuição da fortuna, gritou no tribunal:
"ladrões! ladrões! ", e com ódio aproximou-se da filha, herdeira de
grande fortuna. A criança apresentou logo uma debilidade não
descoberta pelos médicos. Era ela, desejando tirar a filha de perto
dos atuais tutores. Uma cena estarrecedora, a jovem rica era um
espírito maltrapilho. Desci, então, à crosta da Terra e procurei a
irmãzinha que, desconfiada, ouviu minhas palavras. Quando
terminei, ela me abraçou, pedindo que a matasse de vez, dizendo
que não suportava a morte física, pois ao presenciar os últimos
acontecimentos viu que jamais tivera amigos e felicidade.
Abracei-a com amor e a trouxe para este recanto de paz e ela,
com muita felicidade, foi inteirando-se das verdades espirituais.
Hoje ainda se encontra em um hospital. Sempre a visito e uma
vez ela me disse: "Irmão, ainda hei de fazer a minha herdeira
doar uma boa quantia para os seus pobres". "Engana-se, irmã,
falei. Os pobres não só me pertencem, como também à sociedade,
que os ignora. Se de cada lar saísse uma cota de sustento para
uma criança pobre, teríamos mais tranquilidade, pois a criança
hoje educada é o cidadão digno de amanhã".
—Onde essa jovem se encontra?
—Na casa de Jesus, na escola do amor, cercada de amigos e de
alguns familiares.
—É, irmão, se o homem descobrisse Jesus, através de um
conhecimento espiritual, sofreria menos, não é verdade?
—Sim, se o homem conhecer a verdade do nascimento e do
desencarne, procurará viver com dignidade e terá uma vida muito
mais feliz.
—Perdão, interveio Enoque, precisamos partir. Levaremos a
presença amiga de vocês na lembrança, esperando voltar logo.
Que Jesus esteja sempre ao lado de todos nós.
—Assim seja, falei.

18
Levamos não só a recordação de um belo lugar, mas a certeza
de que Deus está ao lado de todos os Seus filhos, não Se
importando com a evolução deles.
Lílian aproximou-se de mim, dizendo:
—Obrigada, Sérgio, por me chamar a este trabalho.
—Não me agradeça ainda, só no final dele. Você nem sabe o
que nos espera...
Ela sorriu. Fiquei a meditar: "meu Deus, gostaria de dizer a
todos: morto o corpo, a individualidade sobrevive. Aí é que atua o
seu estado psíquico, de acordo com as crenças do indivíduo, seu
modo de vida na terra, seu grau de evolução. Por isso muitos
crêem que não morreram, buscando o céu ou o inferno, enfim,
vivendo em desequilíbrio". Dei graças ao Senhor por ter
encontrado um dia um mundo repleto de amigos, que me
ensinam a viver bem.
Paramos. Enoque fez uma prece, comunicando-nos:
—Irmãos, agora desceremos ao plano físico. Vamos levar
socorro aos sofridos. Não esqueçam que nos propusemos a
ajudar a Jesus. Todos somos capazes. Agora, vamos limpar a
nossa mente, buscando forças no Universo.
Todos nós, de braços abertos, ali ficamos, imóveis. Depois
descemos, levados pela força das nossas mentes, à crosta da
Terra. Buscamos o "Solar dos Sonhos", uma pequena casa que
fortalece os Raiozinhos de Sol. Quando lá chegamos, fomos
recebidos por Etelvina e Terência, duas abnegadas irmãs, que
logo nos levaram até o auditório, onde um gráfico assinalava o
aumento do número de viciados, principalmente em cocaína,
Foram mostrados vários países e em muitos deles existiam dois
milhões e meio de viciados em coca. Vimos, também, as
plantações de maconha e coca e, em um país amigo, notamos
que num vale a coca era tão bem cuidada que até parecia um
jardim.
—Por que não ateamos um foguinho nesse vale? Perguntei.
—Porque não temos esse poder, mas podemos fazer com que
seja descoberto. Isso é pouco?
—Amigo, falei com Enoque, quando escrevi "Consciência"(1)
ficamos atordoados diante dos fatos que registramos, mas hoje
percebo que aumentou tanto o consumo que até as autoridades
estão alarmadas.

(1) N.E. — 10° livro da Série Luiz Sérgio.


19
—O uso de drogas é tão antigo quanto a própria humanidade.
—Entretanto, o século XX é o "século das drogas", mais parece
uma epidemia.
—E o pior é que os jovens, ou melhor, as crianças, estão se
afundando no lodaçal dos vícios.
—Quais são, no momento, perguntou Samita, os tratamentos
realizados no plano físico com os drogados?
—Existem vários métodos, explicou Enoque, sendo o primeiro
através de clínicas para toxicômanos, para onde a família, ou a
polícia, leva o doente. Sendo assim, pouco se faz ao paciente. A
psiquiatria de uma clínica tenta curar o vício e não o homem, e o
drogado é um ser doente, fraco e carente. Nessas clínicas o
psiquiatra não dispõe de tempo para cuidar da alma. Em
segundo lugar, vêm os recintos religiosos, louvados por nós.
O jovem larga a droga e busca Cristo na leitura do Evangelho.
É inserido num rígido regime cotidiano, tarefas caseiras,
leituras da Bíblia e cultos em horas fixas. Esse programa ensina
o doente a se disciplinar. Queríamos que em muitos lugares
existissem trabalhos semelhantes a esses. Só que o viciado
muitas vezes não aguenta a pressão religiosa. Mas, mesmo
assim, esse programa tem ajudado inúmeras famílias. Muitas
vezes, contudo, o viciado larga o vício, mas se toma um fanático
religioso, não voltando a ser ele mesmo.
—Mas como, Rayto? perguntou Sadu. Não é melhor tomar-se
um fanático religioso do que um pária da sociedade?
—O homem tem obrigação de usar o seu livre-arbítrio. Não se
cura a doença provocando outra doença. O viciado tem de largar
a droga conscientemente, tendo a certeza de que ela é algo que
para ninguém serve. Volto a dizer: o dependente de drogas é um
ser fraco e não é justo que ele faça da sua religião um vício. A fé é
muito mais do que muitos imaginam. Ela fortalece o homem, não
o deixando vulnerável. Ele crê, porque já se descobriu a si mesmo
e não porque os outros o levaram a crer.
—Enoque, qual o método correto? perguntou Carlos.

20
—Estamos à procura, mas aumenta a cada hora o número de
dependentes. A espiritualidade, no momento, procura orientar o
viciado sobre o seu próprio comportamento, fazendo-o
compreender o valor da vida. Enfim, ganha a confiança do doente
para aplicar o remédio. E preciso contar com a cooperação dos
pais, sem se sentirem culpados, nem filhos acusando-os. A droga
adotou o seu filho e você precisa vencê-la. Quando o jovem busca
a companhia da droga é porque algo acontece com ele. Ele é um
doente. A família tem de conscientizar-se de que algo falhou na
vida do jovem. Ou ele é por demais orgulhoso, ou tímido e
complexado. Um jovem dono de si mesmo jamais se droga. A
família de um drogado deve buscar a orientação de um bom
psicólogo. Algo o jovem deseja: agredir a família ou se
autodestruir. Ele, muitas vezes, é agressivo, e outras vezes ótimo
filho, dependendo do ambiente familiar. Os pais não são
culpados, como também não o são os filhos dependentes. No dia
a dia de uma família algo triste aconteceu e eles não perceberam
as tendências do filho e alimentaram seu ego, fazendo dele um
ser especial ou inexistente. O que é preciso é o filho ser tratado
como um componente da família. Não importa a sua idade;
importa, sim, que ele se julgue útil e amado por todos.
Geralmente, o jovem, quando deseja agredir os pais, tudo faz
para que a família descubra o seu vício, ficando contente com as
brigas da mãe e a violência do pai. Se os pais derem ao filho a
certeza de um amor equilibrado, ele voltará atrás e abandonará o
vício. Mas se os pais continuarem desejando que ele seja um
homem de bem, sem a família ter um procedimento elevado, ele
continuará a agredir. Quem descobrir que seu filho é viciado tudo
deve fazer para mudar o ambiente familiar. O pai tem de voltar a
ser o herói da época infantil, a mãe o ninho de amor que o
aconchega nas horas de tormenta. Se não for assim, o filho viverá
distante da sociedade e a família sentirá ainda mais a sua
ausência.
—É difícil, não é mesmo, Enoque? perguntei.
—Sim, é muito difícil, mas não impossível. A família tem de dar
o exemplo moral ao filho doente. Se não for possível curá-lo, é
porque junto a ele caminham criaturas que também são viciadas,
possuidoras de outros vícios que ele também considera
perniciosos.
As irmãs se entreolharam e nós nos acercamos de Rayto,
unindo-nos em prece por todos os doentes da alma.
21
Capítulo III

EDUCAÇÃO INFANTIL UMA FESTA DA PESADA


Ali ainda permanecemos, recebendo orientação sobre como
proceder com toxicômanos, ou melhor, viciados. Enoque muito
bem nos elucidou e, para não perder tempo, perguntei:
—O que devemos fazer para ajudar alguém que sabemos ser
consumidor de drogas?
—Caso se tenha um parente ou um amigo que consome drogas,
jamais deve ficar falando, reclamando, porque de nada vai
adiantar.
—E se for um jovem espírita a falar?
—Não diferencia dos outros e ainda vai ser chamado de
"careta".
—E se convencermos o viciado a tomar passes?
—Pode tentar, mas dificilmente ele aceitará. Quem se vicia é
porque gosta. Veja bem, Luiz Sérgio, o exemplo do obeso: se não
partir dele a vontade de emagrecer, jamais deixará de ser gordo.
Pode frequentar as melhores clínicas, que de nada adiantará. A
cura parte de dentro para fora. O que a Casa Espírita precisa
fazer é elucidar as crianças desde a evangelização, mostrar
através de fantoches, de teatro infantil, o perigo do monstro
devorador, que é a droga. Hoj e, o casal dá aos filhos bons
colégios, conforto, mas se esquece do diálogo, de sentar-se com
as crianças e discutir o que está ocorrendo no mundo. Um garoto
de seis anos já deve participar dos comentários relativos aos
acontecimentos do dia, inflação, assuntos internacionais, enfim,
estar a par do que está acontecendo na sociedade, através do que
aprenderá a respeitá-la. Uma criança não deve apenas brincar.
Deve, desde cedo, aprender a viver e só aprendemos a viver
convivendo com as verdades. O mundo da criança só é fantasia
até os quatro anos, passou daí ela precisa enxergar com seus
próprios olhos.
—Não é dose muito forte para uma cabeça infantil? perguntou
Lílian.
—É, mas é preferível o remédio ser dado pelos pais do que por
um mundo sem Deus.

22
—O irmão acha prudente a mãe ou o pai, quando aumentar o
preço do pão, por exemplo, chamar o filho e dizer: "de hoje em
diante vamos controlar nossas despesas; de hoje em diante pão
não se joga fora, ele está custando caro"? Continuou indagando
Lílian.
—E será que a criança vai compreender? Perguntei.
—Sim, ela não é deficiente mental e depois, o pai deve expor a
situação econômica do seu país.
—Enoque, o que estamos precisando mesmo é de diálogo, não
é? Perguntou Lílian
—Sim. Observando as crianças de hoje, percebemos que,
apesar dos belos trajes e dos mais sofisticados brinquedos, elas
estão relegadas à solidão. E o meio que encontram de se fazerem
notadas é gritar bem alto: "eu existo", mas esse grito sai do peito
de várias maneiras: às vezes por brigas constantes na rua, outras
juntando-se a turmas barra pesada, enfim, a criança percebe o
que está ocorrendo ao seu redor e reage à sua maneira.
—O que você acha de pais que consentem que crianças de oito
anos já frequentem festinhas que terminam a zero hora? Indagou
Lílian.
—Se os pais participarem da festa, não há mal algum, mas se
essas festinhas são à meia-luz e os pais ausentes, cuidado, o seu
filho ou filha já pode estar entrando na onda da moda: sexo e
drogas. Tudo tem seu tempo. Hoje, dói-me ver as meninas todas
borradas de batom, blush, sombra etc. e tal.
—Mas, Enoque, é a sociedade atual. Como não permitir, se
todas as outras meninas se maquiam? Perguntou Sara.
—Aí é que está a força de uma mãe, força espiritual: fazer a
criança compreender que tudo tem o seu tempo. Acontece que os
pais não querem se incomodar e aguentar as reações de uma
criança zangada, que não são fáceis. Levamos horas e horas a
convencer uma criança. E isso é praticamente impraticável para
pais que estudam, trabalham e aplicam o seu tempo em
academias e contas bancárias. O fdho foi um acidente, a pílula
falhou, ou foi encomendado, planejado, porque, enfim, todos
precisam ter um filho... carma...
—Enoque, é certo presentearmos por demais a criança?
Perguntou Sara.

23
—Não vemos inconveniência nisso, apenas que a criança
aprenda a amar seus brinquedos e não os destrua. Ela precisa
sentir que os pais desembolsaram certa quantia para adquirir os
seus brinquedos; mesmo a criança de tenra idade, quando a
vemos agredir os brinquedos, devemos alisá-los e lhe mostrar que
os brinquedos também gostam de carinho. Portanto, as Casas
religiosas que evangelizam crianças também devem ajudar os
pais, através de peças infantis que elucidem, eduquem e
evangelizem. Porque as crianças não se preocupam ainda com a
vida, devemos embelezar suas horas para que aprendam a bem
viver.
—Não sabia, Enoque, interveio Sadu, que também conheces a
alma infantil.
—Não a conheço; apenas, por conviver com os jovens, busco o
passado de cada um e lá encontro a causa do desequilíbrio de
hoje.
—O que aconselhas os pais a fazerem, nesta época da
eletrônica, quando o consumismo toma conta de cada um?
—Não aconselho, imploro: o dia tem vinte e quatro horas, se
vinte horas do seu tempo é pouco para tantos afazeres, lembre-se
de dispor de quatro ou duas horas, no mínimo, em prol do seu
filho. Ele não veio à terra para escandalizar, mas para aprender a
ser digno. E árdua a tarefa de cada pai, mas bendito o lar que
entrega para a sociedade gente de verdade e não homens com
atitudes animalescas.
O silêncio reinou no ambiente. O jovem-sorriso olhou o painel e
nele viu a palavra "socorro". Esperei ansioso a explicação, quando
ouvi sua voz:
—Irmãos, temos de partir, os Raiozinhos nos chamam. Em
uma casa ocorre uma roda de coca e dois irmãos já estão prestes
a sofrer uma parada cardíaca. Não poderei acompanhá-los, há
um trabalho junto à fonte da rota, mas tenham a certeza de que
todo mundo vai sair-se muito bem. Que Deus nos acompanhe.

24
Disse isso e retirou-se. Olhei com um amor de respeito e
admiração o jovem Rayto de Sol, um metro e noventa de altura,
olhos esverdeados, indiano em sua última encarnação. Engana-
se quem diz que os Lanceiros de Maria vestem-se como marajás.
Eles são os peregrinos da caridade, pés descalços e fronte limpa
para receber os fluidos espirituais, que lhes dão condição de
conviver com almas tão imperfeitas. Enoque sempre usa a sua
calça tipo pescador, tórax nu, sorriso constante. De tanto
conviver com jovens e crianças plasmou a fisionomia de dezoito
anos. Mas o que mais nos toca é a luta desse espírito para salvar
almas. Ele tudo faz para varar a atmosfera pesada do umbral da
Terra, a fim de socorrer quem precisa.
—Como gostas dele, não é, Sérgio? observou Karina.
—Gostar é pouco, tenho por ele respeito e carinho e quando
respeitamos alguém é porque esse alguém é muito importante
para nós.
Verifiquei o painel. O pedido lá se encontrava e quase de
imediato alcançamos o local. Cerca de uns duzentos metros já
dava para ouvir a música estridente. Aproximamo-nos. Ao
entrarmos, vimos casais se retorcendo, em verdadeiras cenas de
sexo explícito. Coisa de arrepiar. Os parceiros às vezes se
revezavam e nesse vaivém ninguém parava para se drogar, não
era preciso. Os garçons passavam com as bandejas do "brilho"
arrumado em fileira e, mesmo dançando, eles aspiravam a coca;
muitos apenas passavam o dedo no pó e depois esfregavam-no na
gengiva.
—Estamos em lugar errado, aqui é o décimo umbral! falou
Damian.
—Não, filhinho, falei. Estamos em um baile da sociedade.
—Luiz Sérgio, isso aqui é um cabaré da pior espécie.
—Não, irmão, é uma casa que deveria ser um lar.
Percebemos que cada casal possuía junto a si uns dez espíritos
completamente alucinados. Desde o pronto-socorro espiritual
havia-nos acompanhado uma equipe de Lanceiros, espíritos
capacitados para os trabalhos umbralinos e no momento em que
as entidades desencarnadas sugavam os viciados terráqueos, eles
tudo faziam para socorrê-los e muitos foram levados para o posto
de recuperação de toxicômanos. Eram espíritos que
desencarnaram, mas permaneciam junto aos dependentes de
tóxicos. Cheguei perto de um dos Lanceiros, Khan, e lhe
perguntei:
25
—Por que não foram socorridos na hora do desencarne?
—Simplesmente, porque não quiseram.
Não quis atrapalhar, mas ainda olhei para trás e me emocionei
com o carinho daqueles espíritos. Segui os outros e deparamos
com um jovem que se debatia no chão.
—Parece matança de galinhas! exclamou Sara.
O jovem se retorcia e para espanto nosso os outros o
ignoravam. Sadu, Carlos, Samita e o médico dos Lanceiros —
Pattabli — tudo faziam por aquele jovem. Havia misturado
cocaína, maconha e álcool e, por último, aplicado na veia uma
substância por demais tóxica. Do seu braço escorria sangue, um
quadro de terror. O doutor Pattabli juntou-se a uma garota que
me pareceu a melhor deles e a intuiu a levar o rapaz até o
hospital. Ali somente orávamos. Percebi que Lílian, por ser
novata, estava cambaleante. Segurei-a fortemente, animando-a:
—Coragem, chega de doentes. Logo se recompôs.
A jovem encarnada, intuída pelo doutor Pattabli, começou a
gritar:
—Roberto está morrendo! Roberto está morrendo!
Ninguém queria saber de nada. Um dos Lanceiros parou a
música. Eles gritavam alucinadamente, entretanto, ajudaram o
amigo. Antes não o fizessem, pois jogavam o mesmo para todos
os lados e tentavam pegar a sua língua, enfim, eles, em vez de
ajudarem, estavam piorando a situação. O dono da casa, intuído
por Sara, falou:
—Vamos levá-lo imediatamente a um hospital.
—Está louco, cara, vamos ser descobertos e, aí, adeus
liberdade.
—Não posso deixar que ele morra em minha casa, é galho
demais para meus pais.
Dois garotos seguraram Roberto, enquanto os Lanceiros de
Maria e os Raiozinhos de Sol auxiliavam aquele jovem que tinha
uma encarnação pela frente.
A festa terminou, pois nada fez o som funcionar, nem mesmo
os chutes que o coitado do equipamento levou. Muitos deram no
pé, somente uns três casais ali permaneceram e ninguém pode
imaginar o que eles ainda fizeram. É o final dos tempos. As
meninas de quatorze anos eram vítimas de uma época onde os
alucinógenos fazem dos homens animais doentes.

26
Roberto continuou debatendo-se, só que agora em menor
espaço físico. O grupo que o levou para o hospital estava muito
drogado, mas o susto diminuiu o efeito do tóxico e Felipe, o dono
da festa, chorava com medo do escândalo, que envergonharia o
nome da sua "santa família".
—Papai sempre me aconselhou a não me exceder, ele e a sua
turma consomem sem exagero — dizia ele, lamentando-se.
—Mas o pó que eles usam é dos melhores e nós, para aumentar
o nosso, fazemos as misturas. Eu já lhe falei, isso é que mata,
retrucou Renato.
—Não me diga que ele vai morrer, senão estamos fritos!
Nisso, Felipe teve uma idéia: deixaria o carro bem longe,
jogariam Roberto na porta do hospital e "pernas com o vento".
—E mesmo, agora o policiamento deve estar cochilando.
E assim fizeram. Colocaram Roberto no chão e nunca vi duas
pessoas correrem tanto. O policial não sabia se corria atrás dos
garotos ou se socorria Roberto, que mesmo recebendo um
tratamento especial da equipe espiritual de socorro não suportou,
vindo a falecer. No momento do desencarne eu nem sabia se
chorava. Assim, presenciei mais uma violência ao plano divino.
No livro de frente" Lírios Colhidos"(1) presenciei o cordão de prata
sendo desatado pela equipe de socorro. No des encarne de
Roberto presenciei o seu esmagamento. Observando o corpo do
jovem Roberto pude notar a sua corrente sanguínea: o THC( 2) se
ligou completamente às proteínas do plasma sanguíneo, sendo
uma proporção com as lipoproteínas, outra com a albumina. O
sangue corria até o cérebro, sobrecarregando-o por demais. Os
pulmões, por ser Roberto viciado desde os doze anos, estavam
diminuídos, ou melhor, atrofiados. Os médicos espirituais ali se
encontravam tudo fazendo para minimizar a dor do irmão, mas
ele nem me pareceu desligado do corpo físico. Apesar do impacto
do desencarne, permanecia colado à matéria inerte, mas já
declarado "morto" clinicamente.
—Meu Deus, Sadu, esse menino vai para a autópsia ainda
"vivo" — observei.
—Sim, ele não tem como se separar do corpo, pois estraçalhou
os fios da vida e não tem força para "decolar".
—Explique, por favor.

(1) N.E. —12° livro da Série Luiz Sérgio.


(2) Tetrahidrocanabinol — ingrediente ativo da maconha
27
,

—Muito simples: quando chega a época do homem deixar a


casca grossa, que é o corpo físico, as ligações dos corpos vão-se
enfraquecendo, ou melhor, se desprendendo. Com o suicídio, o
espírito não tem como deixar o corpo e, em vez de se deslocar, ele
se agarra à matéria, assim:
e mesmo que desejemos, não há como separá-los.
—O que se pode fazer por Roberto, apenas prece?
—Não mais que isso, mas irá ajudá-lo, disse-me o doutor
Pattabli.
O corpo, clinicamente morto, estava envolto numa tela escura:
o períspirito de Roberto, junto ao corpo que ele não soube
respeitar. As veias estavam necrosadas pelos picos; o baço, o
cérebro, tudo estava atingido por algo que mata, alucina, destrói
e envergonha o espírito — o tóxico. Queria ficar ali mais tempo,
estudando aquele corpo. Foi quando os pais, desesperados,
chegaram, e notei que pediram ao médico sigilo, pois o filho era
viciado em drogas.
—Eles não vão apurar a morte? Perguntou Lílian.
—Não. Se fossem apurados todos os desencarnes por droga,
viveríamos num mundo de escândalos.
—Não seria mais justo? Talvez, até um mínimo de jovens
deixasse a droga.

28
—Talvez — falei e afastei-me. A nossa equipe ainda ficou para
tentar ajudar Roberto, mas eu achava muito difícil alguém fazer
alguma coisa. O espírito do jovem ainda iria sofrer muito. Saí e
esperei do lado de fora, antes passando pelo pronto-socorro, e vi
o contraste da vida física: uns lutando para viver, outros
morrendo a cada dia. Deitadas nas maças estavam pessoas
atropeladas, doentes cardíacos, vítimas de desastre de carro,
enfim, muitos seres necessitados de cuidados médicos. E ali,
junto a eles, um jovem cheio de saúde jogou pela janela uma
encarnação, de modo cruel, pelo excessivo uso de tóxicos. Esperei
a minha turma e me deparei com outro grupo que prestava aj
uda na terra. Quando nos reunimos, perguntei aos médicos:
—Até quando a besta vai matar?
—Até o dia em que cada família elucidar os filhos sobre a vida
após vida, para viver com Deus, respeitar Suas Leis, o jovem
amando o seu próximo e não somente a si mesmo.
—Doutor, o jovem fez uma vitamina de tóxicos, misturou tudo
o que tinha direito, por isso a "explosão"?
—E, meu amigo, ele não estava num dia feliz; por mais que se
drogasse, não se satisfazia. Brigou em casa, foi expulso do colégio
e os pais não o queriam mais no lar. Nesse estado de espírito,
angustiado, ele buscou alucinadamente os tóxicos naquela noite
e foi misturando tudo, até produzir o que assistimos: uma
explosão sanguínea. Nenhum organismo aguenta tanta
substância tóxica, nem mesmo um coração jovem.
—Os pais pareciam aliviados.
—Sim. Quando descobriram que Roberto consumia drogas,
levaram-no a um psicólogo, mas esse trabalho individual muitas
vezes chega tarde até o profissional. O certo é curar o doente
antes de consumir drogas.
—Todos os jovens devem procurar um psicólogo?

29
—Sim, se os pais notarem que há algo errado no
comportamento dos filhos, se mente por demais, se é áspero com
os irmãos, se agride a propriedade alheia, se é péssimo aluno, se
destrói o que é seu e o que é dos outros ou apresenta mudanças
de humor.
—Mas essa já não é a conduta de um viciado?
—Não, nesse estágio a droga ainda não chegou, mas as
tendências da falta de educação familiar já. Portanto, o jovem
difícil precisa de um tratamento da mente antes que o verdadeiro
mal o atinja: o tóxico.
—Nunca imaginei que antes o jovem apresentasse a sua outra
face.
—É verdade, com oito, dez ou doze anos a criança já está
colocando para fora as suas neuroses. E parte sempre desse
princípio, daí é que vem a dependência. O jovem se droga
somente para se auto afirmar, agredir a família e sentir que está
na moda.
—Por que não se educa o jovem para não consumir tóxico?
—O certo é desde tenra idade oferecer ao filho uma educação
firme e disciplinada, dando-lhe exemplos de hombridade, longe
das mentiras e das fraquezas.
O irmão segurou o meu ombro e fomos deixando o hospital.
Desejei pegar meu violão e dizer muitas coisas, mas apenas
cantei uma canção de amor a Deus por Ele nos ter ofertado a
vida e, trabalhando, pedir-Lhe perdão por fazer parte de uma
família tão complicada. Como Deus deve sofrer por ter na Sua
família toxicômanos, assaltantes, assassinos e outros mais. Mas,
mesmo assim, Ele vive perdoando Seus filhos. Quanta dignidade!
Fitei o céu e pisquei para uma estrelinha, querendo dizer-lhe:
vai, diz a todo o Universo que sou feliz, porque respeitei o meu
corpo físico e tudo faço para me tomar digno trabalhador da
seara do Mestre. Diz, estrela, isso: que sou feliz, porque em
muitos corações deixei uma lembrança de saudade e amor. Diz,
também, que um dia batalharei na eternidade, junto a todos os
que acreditam em um mundo de paz.

30
Capítulo IV

O TRABALHO DESTRUIDOR DO TÓXICO VALIOSAS


ELUCIDAÇÕES

Aumenta cada vez mais o número de pessoas envolvidas com o


tráfico de drogas. É algo assustador. Encontramos lugares que o
encarnado nem imagina existir, tal o avanço da tecnologia
operada no refino do tóxico. São verdadeiras organizações.
Dificilmente um traficante de peso é detido, só mesmo as
chamadas minhoquinhas. Os "tubarões" são protegidos pela
posição que ocupam na sociedade.
—Não seria mais prudente fazermos esses caras serem presos?
perguntei ao Rayto.
—Às vezes eles se envolvem em escândalos, mas sempre se
saem bem de qualquer situação.
—Volto a perguntar: por que em vez de ficar atrás dos doidões,
não fazemos com que sejam descobertas essas organizações do
tóxico?
—Não esqueça Sérgio, que de vez em quando são descobertas
toneladas de drogas e sempre existe um famoso traficante
envolvido.
—Queria muito mais. O que estamos vendo são vales-fazendas
com refinarias do mais alto poder tecnológico, tudo isso para
destruir o homem.
—É mesmo, amigo, o traficante mata a cada minuto um filho
de
Deus.
—Gostaria de visitar os vales dos traficantes e dos torturadores
políticos.
—Um dia iremos lá.
—Já tenho até o nome: desespero.
Rayto sorriu. Logo juntou-se a nós o querido Olavo, um grande
conhecedor da alma.
—Olavo, por que o homem se droga e se alcooliza? Perguntei.

31
—Porque sempre deseja algo mais, e para isso precisamos ter
força para conseguir o almejado. Quando nos sentimos fracos,
buscamos o que venha a nos fortalecer. Veja: uma pessoa com
insônia busca o remédio, o sonífero, em vez de buscar a causa do
problema. A insônia é a consequência dos acontecimentos atuais
da pessoa. Até para dormir temos de nos exercitar, ou melhor,
prepararmo-nos. Não se leva preocupação para o leito e sim o
corpo, que precisa descansar. O viciado busca a droga, porque
deseja algo e não consegue através de uma liberação consciente,
isto é, natural, sem excitantes. Se a criança desde pequena fosse
educada para enfrentar qualquer situação, correria pouco ou
nenhum risco. O aumento do número de drogados ocorre,
simplesmente, porque o ser que está chegando à terra é recebido
erradamente e criado de maneira ainda mais errada.
—Explique, por favor, falou Lílian.
—No tempo atual o sexo está livre em termos, porque nunca se
viu tantas pessoas presas de remorsos por trocas excessivas de
parceiros. O jovem, no primeiro contato amoroso, já busca no
sexo o completar do sentimento. E aí se iniciam as ligações de
remorsos e tristezas. No primeiro amor, o lirismo deveria ser
tanto que o sexo ficaria distante. Assim era antigamente e as
pessoas eram mais felizes, porque se guardavam para o real
momento, o que não se dá hoje. Uma jovem ou um jovem, muitas
vezes depois de dois dias de conhecimento já se despiram um
diante do outro. Despiram as roupas, não as almas, porque é
muito difícil despir a alma diante de um desconhecido, e quem se
conhece em dois dias não teve tempo ainda de mostrar todo o seu
interior. A relação corpo a corpo, isto é, sexual, precisa dos
atrativos da alma, senão ela se perde. Se no decorrer do
relacionamento não surgir um terceiro personagem — um filho,
muito bem, caso contrário, virão as cobranças ou a separação. O
feto vive o desequilíbrio dos pais e isso se aloja na sua alminha
como estigma, sentindo a incompatibilidade da sua presença
entre os pais. E leva pela vida afora o complexo da rejeição. Junto
aos colegas deseja atenção e, para se sentir o "tal", imita todos os
que se acercam dele. Hoje, vemos quase todas as crianças
nascerem assim, aumentando os dependentes, enfim, as cabeças
ocas, seres teleguiados por neuroses uterinas, fatos ocorridos
durante a gestação da mãe. Mas não só os filhos do desamor são
fracos e inseguros. Os filhos de pais normais também.

32
Se é o primeiro pimpolho, os avós, os tios e os pais o esperam
inebriados de alegria e, ao nascer, os cuidados se desdobram; a
criança de vê cercada de adultos e o centro das atenções. Quando
vai para o colégio, inicia-se a insegurança, buscando na
professora a mãe, os tios e a babá. E ali a mestra é mãe de vários
filhos e a criança mimada é uma entre muitas. Aí inicia-se o
processo: por que eu não sou amado aqui? A criança ora se toma
doce, outras vezes agressiva. Não gosta do colégio, ou gosta para
bater, morder, quebrar, enfim, chamar a atenção sobre si.
Depois, essa criança por demais amada irá crescer e já não será
admirada pela sociedade, vai ser um indivíduo como muitos
outros. Isso a fere, a maltrata, e al vai levando o seu fardo, que
considera pesado demais para os seus ombros frágeis. Toma-se
difícil em casa, na escola, enfim, uma criança desagradável.
—Meu Deus, disse Karina, então não tem jeito: carinho estraga
e indiferença também?
—Todos nós passamos nove meses numa bolha fluídica, no
ventre de uma mulher, alimentados e guardados por ela. O útero
é um coração, onde o homem inicia a sua viagem reencarnatória.
No seu interior, começa o seu contato com a sociedade. Ali ele é
protegido pela mãe e pelos encarregados da reencarnação.
Portanto, quando a criança nasce agarra-se às pessoas, sentindo-
se desamparada. Necessita de carinho e do aconchego ao corpo
da mãe e das pessoas que a cercam. Com o passar dos meses e
anos, a criança vai iniciando a sua vida, a tudo observando,
principalmente os gritos do adulto. Aí o sacrifício dos pais,
deixando para trás tudo o que pode alterar a mente do filho:
discussões inúteis, mentiras "inocentes", mudanças de humor,
ora brincando com a criança para logo zangar se ele deseja
continuar. Lembre-se de que ela, a criança, está ociosa, a mente
não se preocupa com a conta do telefone, as prestações da casa,
com coisa alguma, enfim. Ela só deseja ser amada. Infelizmente,
os pais julgam que naquele corpo infantil a alma é retardada. E,
assim, tomam atitudes que julgam que a criança não compreende
e esta vai fazendo na mente uma colcha de retalhos só das
atitudes dos adultos, atitudes essas descabidas. Dizem para ela
não fazer algo e fazem coisas piores. A criança sofre em silêncio e
toma atitudes violentas. Os pais proíbem e às vezes negligenciam
fatos mais graves.

33
Onde está o equilíbrio? A criança brinca e, quando adulta,
procura na caixa de recordações os seus momentos já vividos,
deparando-se com proibições, excessos e mimos. Sua mente
infantil trabalha milhões de vezes no mesmo ponto: por que eles
são assim? Para se tomar algo da criança, deve-se tentar
substituir por algo que ela deseja, ou então explicar porque ela
não pode quebrar um vaso de cristal, por exemplo. Contarei,
aqui, uma estória ocorrida em meu lar: tinha uma das minhas
filhas quatro anos, ela adorava um vaso de cristal lindíssimo, que
minha esposa ganhara de uma amiga. O vaso era valiosíssimo.
Ao menor descuido da minha mulher, minha filha era encontrada
tentando pegar o vaso. Todos corriam para salvá-lo. Um dia,
encontrava-me em casa quando ocorreu o fato e não deixei
ninguém ir ao seu encontro. Ela, um pouco desconfiada, olhava
se alguém iria interrompê-la. Lendo me encontrava e lendo fiquei.
Minha esposa observava, atônita, e meus outros filhos deses-
perados, mas escondidos como eu havia pedido. Nisso, a garota
subiu na cadeira para pegar o vaso. Levantei-me acerquei-me
dela, dizendo:
—Queridinha, deixe o papai ajudá-la, é tão lindo este vaso que
também tenho vontade de segurá-lo.
Ela parou, perguntando:
—Vai me deixar tocá-lo?
—Sim, creio que a minha princesa já está ficando grande e
sabe que devemos tomar cuidado com os nossos objetos e
também com os das outras pessoas. Este vaso não pertence à
minha criança, pertence à mamãe, que o adora. Se a mamãe for
até o seu quartinho e pegar a Greta, a sua boneca de estimação,
e jogá-la no chão, quebrando-lhe a cabeça, a minha filhinha vai
chorar de saudade; o mesmo vai ocorrer com a mamãe. O seu
belo vaso, se segurado sem cuidado, poderá cair no chão e partir-
se em vários pedaços.
Ela me olhou, assustada. Eu lhe entreguei, com dor no
coração, o belo vaso de cristal da Bulgária. Protegeu-o com o
próprio corpo, abraçando-o bem forte, dizendo:
—Papai, ele é lindo, não é? Mas a Greta é mais linda ainda.
Não quero que a mamãe a deixe cair. Por isso, pegue o vaso da
mamãe, senão eu poderei quebrá-lo.
Entregou-me o vaso. Respirei aliviado. Correu para seu quarto
e lá ficou, brincando de porta fechada. Quando minha mulher foi
chamá-la para o lanche, ela respondeu lá de dentro:
34
—Não entre, mamãe, logo estarei aí fora. A Greta está dormindo
e ninguém pode acordá-la, já vou sair do quarto.
Assim fez e, ao passar pelo vaso, nem o olhou. Era algo que
não desejava mais possuir, tomara conhecimento que não lhe
pertencia. Essa filha foi a minha cobaia e, graças a isso,
tornamo-nos grandes amigos. Certa vez contou-me que, ao
analisar o vaso, ficou feliz: a sua boneca era mais bonita do que o
vaso da sua mãe, e quando era tentada a tocá-lo, sempre se
recordava da minha voz: "cada pessoa possui um objeto de
estimação; como nós não queremos que ninguém nos furte o
objeto, não devemos também tirar do próximo". Quem educa uma
criança deve passar a observá-la, assim não perderá tempo, no
futuro, em querer analisá-la. O que ela vai ser amanhã está hoje
visível no seu olhar e nas suas atitudes. Criança sem amor e
indisciplinada, criança infeliz.
—É certo darmos encargos à criança?
—Sim. Ela é um ser apto, portanto, ensiná-la a trabalhar é
uma bênção, mas não esquecendo que ali está um corpo em
desenvolvimento. Defecar, urinar nos recipientes próprios,
alimentar-se, escolher os alimentos, tudo isso é trabalho para a
mente infantil e a leva a ter reações cujo comportamento os pais
devem observar.
—É por esses pequenos fatos que as crianças, ao se acercarem
de companheiros, os imitam?
—Sim, a criança e o jovem, quando se iniciam em turmas, se
bem orientados, passam por elas sem se macular, mas outros se
afundam na loucura juvenil das agressões, destruições e tóxicos.
Hoje o jovem está encontrando tudo com muita facilidade. Tem
uma vida privilegiada, com doze anos já dirige veículos e
frequenta as famosas festas de embalo. As crianças e os jovens
estão envelhecendo prematuramente, desde cedo já vivem em
festinhas. Com o passar dos anos tudo é rotina, não houve
descoberta. Levados pelo cotidiano, buscam algo que os leve a
viver situações diferentes. A droga é um alucinógeno repleto de
surpresas; se o drogado tivesse uma reação idêntica, todos os
dias, ele se cansaria do tóxico. Mas não, ela, ao chegar ao
organismo, faz com que o dependente sinta aquilo que busca, por
isso aumentam as doses dia-após-dia. O homem, ao se drogar,
espera atingir uma satisfação que não encontra em seu estado
normal.
—Olavo, por que ocorre esse fato? Perguntei.
35
—Vou aqui falar do cérebro espiritual, como se processa a
entrada do tóxico no organismo humano, como reage o cérebro,
enfim, todo o corpo físico e espiritual. A região frontal do cérebro,
responsável pela formação do juízo e ondas de retomo, governa
todas as manifestações nervosas, centro de força mental. O
diencéfalo, centro de força coronário, fixa conhecimentos,
virtudes morais, compreensão. Aqui se encontra a consciência de
cada indivíduo, é a sede do Espírito. Ele supervisiona os demais
centros de força e lhes transmite os impulsos vindos do espírito.
E ele que capta as energias da aura espiritual e as transmite aos
chacras e ao físico. E a sede do Espírito, é dele que partem as
decisões. Aglutina, transmite e dissemina energias do córtex
cerebral para o funcionamento equilibrado do sistema nervoso.
Ele é majestoso e de grande poder; é concentração de força do
Espírito e das forças psíquicas e físicas do ambiente da vida.
Irradia energias vitalizadoras e correntes magnéticas. Portanto, é
máquina poderosa que, quando violentada por pensamentos ou
idéias de mentes desencarnadas, ou algo forte como o tóxico, faz
com que o cérebro trabalhe com sobrecarga, muitas vezes
causando sérias lesões. Daí o viciado não trabalhar ou render
pouco e suas cordas vocais ficarem deficientes, falando
pausadamente. O tóxico age no sistema nervoso central,
composto pelo cérebro e pela medula espinhal, centro esse
formado por vários bilhões de células nervosas denominadas
neurônios, que se comunicam entre si por meio de mensageiros
químicos, denominados neurotransmissores. A droga, ao
penetrar no cérebro, interfere diretamente nas transmissões
desses neurotransmissores, esmagando cada célula, que possui
vida própria. Estas, ao serem atingidas, fazem com que o viciado
sinta sensações sempre novas e nunca idênticas. Mas morre
pouco a pouco também. À medida que vão aumentando as doses,
o viciado apresenta uma doença cerebral orgânica, dificuldade de
concentração, agitação ou prostração, perda de memória e
muitas vezes uma dilatação dos ventrículos cerebrais, atrofia ou
até mesmo morte destes ventrículos. O cérebro de um
dependente apresenta-se alterado. Por isso ele nada teme,
quando a droga já tomou conta, lesando-lhe o cérebro.
—Irmão, notamos que os consumidores de tóxicos,
principalmente do pó, usam e abusam hoje da cocaína, que é
passada na gengiva. Por que esse novo método?

36
—O drogado vive em busca do aumento de prazer, e esse novo
método lhe oferece reações mais rápidas, mas também
consequências mais terríveis. A gengiva é por demais sensível e o
pó brasileiro contém muitos corrosivos, um deles o pó de
mármore. Essa busca se dá pelo fenômeno chamado tolerância,
que se caracteriza pelo consumo ininterrupto de uma droga, uma
necessidade de se aumentar a dose, obter o mesmo efeito ou
outros ainda desconhecidos. Muitos, com uma overdose,
desencarnam; outros, com quantidades maiores, nada sentem. E
o segredo da vida. O perigo de ocorrer o desencarne aumenta com
os coquetéis de drogas. O indivíduo considerado um grande
consumidor, na busca do prazer, é levado a misturar álcool,
comprimidos, maconha, que é grande inimiga do álcool, coca,
LSD e outros tóxicos. Não existe organismo que suporte,
arrebenta tudo, é uma sobrecarga negativa na carcaça física e
perispiritual. Muitas vezes, entretanto, quando socorrido em
tempo, se salva.
—Como devemos proceder diante de tal fato?
—Afrouxar as roupas e aspirar secreções do vômito. Melhor e
mais prudente, no entanto, é correr com o doente para um
hospital. Sem isso, dificilmente se salvará.
—A "viagem" é interrompida pela passagem no cemitério, não
é? Falei.
—Mesmo sendo levado a um pronto-socorro e a um médico,
muitas vezes não tem condição de se salvar. O mal, quando isso
ocorre, é que o usuário da droga abusa não de uma só droga,
mas de todas as que lhe caem nas mãos. Hoje a faixa etária está
caindo assustadoramente, com crianças de tenra idade já se
drogando, isso porque estão inseguras diante de um mundo sem
amor e verdades. Para uma criança, o desmoronar de seus
sonhos é muito mais grave do que para o adulto. E os adultos
não estão respeitando o mundo da criança. Ela é um brinquedo
para o adulto, algo deficiente. E num corpo infantil, irmãos, está
um espírito velho, que volta à terra para buscar o que aqui
deixou: as oportunidades perdidas. Vamos ajudá-la, dando-lhe
um lar, um verdadeiro lar, sem dogmas, apenas verdades e
companheirismo. Só assim teremos uma sociedade sem os
mortos-vivos, dependentes de drogas.

37
Capítulo V

O DESEQUILÍBRIO DO CORPO FÍSICO

Olavo terminara e nós ainda meditávamos sobre suas palavras,


quando Simeão, um dos espíritos do pronto-socorro, entrou no
recinto. Nós o cumprimentamos e, feliz, nos disse:
—Sejam benvindos a esse tão belo serviço.
—E verdade, irmão, que a cada minuto desencarnam pessoas
levadas pelo desequilíbrio, portanto, os chamados suicidas
inconscientes? indagou Samita.
—Querida Samita, hoje vivemos em imensa agonia diante de
uma humanidade distante de Deus. Os bens materiais
suplantam as joias da alma: as virtudes e, longe da fé, o homem
vai sendo prisioneiro de si mesmo, dos seus anseios. O que temos
visto? Pessoas extremamente indiferentes; crianças sendo
assassinadas em noites de orgia; meninos assassinando,
matando, violentando; almas completamente desequilibradas.
Muitos até indagam: como pode o Ser Supremo — Deus — criar
tais criaturas? Neste pronto-socorro de Maria temos convivido
com a verdadeira dor; almas que se desligam do corpo das
maneiras mais diversas das estabelecidas pelo plano divino.
—Irmão, completou Sadu, nós, como vários outros, estamos
empenhados em socorrer suicidas inconscientes.
—Sei disso. Temos muitas equipes de socorro, mas estão
aumentando assustadoramente esses fatos tão tristes, tomando-
se cada vez mais necessária a vinda de irmãos socorristas para a
crosta da Terra.
Pensei: "mas eu quase nada sei sobre desligamento!..."
—Junto aos Raiozinhos, respondeu-me Simeão, estarão irmãos
capacitados para esse serviço. As organizações das trevas
aproveitam o desequilíbrio dos encarnados e, com objetivos bem
definidos, colhem os frutos antes do tempo. Lembram pessoas
que furtam as frutas antes destas estarem prontas para serem
colhidas.
"É mesmo, pensei, a fruta madura solta-se do galho, a verde é
retirada com violência."

38
—Quantas criaturas, continuou Simeão, julgando o corpo físico
eterno, por não conhecerem a vida espiritual, castigam os órgãos,
sobrecarregando-os de remédios, de alimentos e de tóxicos. E
essa máquina divina, violentada, estoura. Cada corpo físico é
uma usina energética com eletricidade necessária para operar no
plano material. Quando é destruída, a energia trasborda e aí
entram os espíritos que, mesmo não se encontrando mais no
corpo físico, dela precisam para se sentirem encarnados. Para
colher esses fluidos de vida, eles estudam, elaboram e fundam
vales bem próximos da terra, para onde são levados os suicidas
inconscientes.
—Até os hipocondríacos? perguntei.
—Esses existem mais do que se pode imaginar. Inúmeras
pessoas se automedicam. Não imaginam os pais o mal que fazem
aos filhos, quando os sobrecarregam de medicamentos. A
criança, desde bebê, já toma remédio para prisão de ventre e para
abrir o apetite. Os pais devem ser esclarecidos que os bebês
sofrem eólicas intestinais, porque os seus órgãos ainda estão
virgens e com o passar dos dias tudo vai funcionando paulati-
namente, não sendo prudente uma ajuda artificial.
—O que fazer, então, neste caso?
—Usar bolsa de água quente, fazer massagem, não deixar o
ventre descoberto. O ventre aquecido ajuda a máquina física a
funcionar normalmente. Depois vem a época da dentição,
iniciando-se outra corrida à farmácia, quando devíamos tudo
fazer para evitar os remédios, só o fazendo quando o bebê estiver
realmente doente. O corpo físico, para ter saúde, necessita estar
equilibrado quanto ao número de elétrons. E comum a criança
sofrer das amídalas, ter gripes, resfriados, bronquites. Os pais
devem proteger os pés das crianças para evitar que toquem
diretamente no chão, porque quem anda em chão gelado
possibilita ao corpo tomar-se deficiente de elétrons, iniciando as
doenças. Nas crianças, principalmente, a temida dor de garganta
pode ser evitada trazendo-as calçadas. Hoje é comum a criança
ficar descalça nos quartos acarpetados e depois colocar os
pezinhos nas lajotas geladas. O carpete faz aumentar o número
de elétrons e a lajota os toma deficientes. Desse modo, o corpo
físico sofre uma violência e as crianças adoecem. Aí, são
medicadas com antibióticos fortes, que podem estragar a saúde
para o resto da vida. Devemos alertar os pais para o perigo das
doenças. '
39
—O certo seria adotarmos a homeopatia? indagou Karina.
—Mesmo a homeopatia não deve ser tomada sem critério.
Recordemos que o nosso corpo possui defesas e que a menor
quantidade possível de medicamentos irá ajudá-lo. Não é porque
gostamos da homeopatia que vamos dela abusar. SÓ devemos
tomar remédio quando precisamos dele, sem exagerar. Tudo em
excesso é prejudicial. Muitas mães fazem dos bebês campeões de
robustez e está provado que reside na errada alimentação da
criança e do jovem o adulto doente. Encontramos os hipertensos
nas classes média e rica, com maior acesso aos alimentos.
Portanto, o encarnado não deve sobrecarregar o corpo físico;
quando não cuidamos dele, ele explode.
—Tudo na vida é disciplina, falou Karina. Para viver, para
morrer e para nascer de novo.
—Sim, irmã, um barco sem leme é mais fácil naufragar. O
corpo humano é um relicário divino, uma roupa especial, que dá
ao espírito condição de pagar suas dívidas pretéritas; destruir
esse veículo que nos leva à salvação é ignorância, ou melhor,
falta de conhecimentos evangélicos.
—Pensei que fôssemos socorrer só os toxicômanos, irmão, falei.
—Não, as equipes de salvação estão sendo chamadas todos os
segundos, pois a legião das trevas fica atenta para esses tristes
casos de suicídio.
Simeão pediu licença e foi dar assistência aos enfermeiros do
pronto-socorro.
Ali ainda ficamos algumas horas. Adentrei uma sala onde
estava sendo exibida na tela uma aula sobre a natureza semi-
material do períspirito, mostrando os elementos de sua
constituição fluídica universal e do mundo onde o espírito está
encarnado. Fiquei junto a alguns companheiros, assistindo a um
filme que era passado para alguns doentes. Como não devemos
perder tempo, aproveitei para aprender mais um pouco. Nisso,
ouvi meu nome. O grupo me chamava. Saí, devagar, mas louco
para correr até eles, porém já era tempo de me educar. Quando
me juntei ao grupo, andava tão devagar que o Carlos perguntou-
me:
—Frade, estás doente? Sofres de reumatismo?
Olhei-o com "aquele" olhar de secar pimenteira.
—Engraçadinho!... Estou-me auto educando. Preciso deixar
para trás a agitação. Como disse Simeão: as pessoas agitadas
também desequilibram seus corpos.
40
—Onde você ouviu isto?
—Simeão estava falando com os doentes e aproveitei a aula.
Falava do estresse e também da fadiga crônica, uma doença que
afeta as pessoas de todas as idades. Ela decorre de falhas no
organismo, é a própria doença em si.
—É a doença do século? Perguntou-me Carlos.
—O estresse não precisa de remédios e a fadiga crônica é uma
causa orgânica. Essa doença é pouco conhecida no plano físico;
ainda não chegaram a uma conclusão, sabem apenas que ela
está relacionada com a redução de dopamina em algumas regiões
do cérebro. Mas para os médicos espirituais é uma doença criada
pela mente humana. Ela, a mente, para fugir de alguns fatos que
não deseja aceitar, contraria tanto a personalidade que reduz o
trabalho cerebral e este libera moléculas de dopamina, fazendo a
movimentação da musculatura. Logo após, a dopamina é
metabolizada pelo organismo e este fato altera o metabolismo.
—Por que a pessoa sofre dessa doença?
—Não sabemos. Ainda é matéria de pesquisa para os cientistas
espirituais.
—Obrigado, doutor, disse-me Carlos.
—Não há de quê, meu irmão. Quando desejar saber algo mais
sobre ciência médica, busque-me, estarei ao seu dispor.
Rimos muito e juntamo-nos aos outros para irmos prestar
ajuda ao chamado.

41
Capítulo VI

CASA ESPÍRITA: OFICINA DE DEUS A CARIDADE COBRE A


MULTIDÃO DE PECADOS

A conversa sobre a saúde continuou, porque o grupo mostrou-


se interessado no assunto.
Samita interveio:
—Há dias, Sérgio, assisti a uma conferência feita por conhecido
médico espírita que, preocupado com o bem-estar dos
desencarnados, vive ao lado deles, orientando-os. E, com grande
conhecimento, falou sobre a fadiga crônica, o perigo dos doentes
ficarem obesos ou serem levados a outras doenças por excesso de
remédios.
—Samita, explique como é isso.
—A tirosina é uma proteína ingerida na alimentação; na célula
nervosa ela é dragada pela enzima hidrolase e transforma-se em
dopa — substância precursora da dopamina. Para transmitir o
impulso nervoso, a célula livra a dopamina para a célula vizinha;
após a passagem do impulso, ela volta para a célula que a liberou
ou permanece no meio exterior, onde é destruída. Na fadiga
crônica, a dopamina age desequilibradamente e o cérebro é que
sofre as consequências; e o organismo não reage, mesmo que a
pessoa fique em repouso total. Os neurotransmissores são
substâncias liberadas e destruídas pelas células nervosas a todo
instante, ao sabor das necessidades impostas pelo organismo. No
esforço físico, o cérebro libera moléculas de dopamina que,
através das terminações nervosas, fazem a movimentação da
musculatura. Quando cessa, a metamina é metabolizada pelo
organismo. Nas pessoas atacadas pela fadiga, a dopamina age
desequilibradamente. O tratamento dessa doença requer muita
paciência, é no cérebro da pessoa que se aloja o desequilíbrio.
—Quer dizer que ela não mata?
—Não. Só estamos tratando desse assunto porque essa doença
leva as pessoas a ingerir medicamentos sem necessidade. A
fadiga faz com que busquem nas vitaminas a cura e, em vez de se
curar, contraem outras doenças, doenças tais que levam ao
suicídio inconsciente. O bom seria se curássemos esta fadiga com
um bom médico especialista, um estudioso.
—Mas muitos julgam que estão com estresse.

42
—Aí reside o perigo, mas acreditamos que logo mais esse mal
estará sendo debelado.
—Samita, percebi que várias pessoas que se encontravam no
pronto-socorro foram levadas ao desencarne por excesso de
medicamentos.
—Sim, Luiz, hoje o homem está consumindo remédios em
demasia, quando o seu próprio organismo possui reservas para
lutar contra as pequenas doenças.
Carlos aproximou-se e me falou:
—Doutor, continuas a dar aula?
—Não, amigo, estou recebendo da minha querida Samita
algumas considerações, só isso. E sinto, porque o caro irmão
chegou mais uma vez atrasado.
Sorrimos todos e Samita continuou:
—O querido médico que mencionei falou também que os
espíritas estão desencarnando mal.
—E mesmo?
—Sim. Até os assíduos frequentadores de Centros espíritas
vivem dando trabalho na espiritualidade. Isso apenas porque não
assimilam os ensinos evangélicos. Não adianta chegar à
Doutrina, é preciso que ela penetre em nossos corações; ao
conhecê-la, tudo devemos fazer para respeitá-la. Muitos espíritas
apenas frequentam o Centro, mas não fazem deste o seu lar,
porque se o fizessem, nas suas casas não existiriam tantos
doentes.
—Devemos, então, forçar nossa família a ser espírita?
—Não. É preciso que nos tomemos uma carta viva da Doutrina
de Jesus para que os familiares, mesmo não desejando lê-la,
apreciem as regras doutrinárias dos nossos atos. O mal de
alguns espíritas é deixar que a família desrespeite a Doutrina. Os
filhos pedem aos pais espíritas que, por intermédio dos espíritos,
passem no vestibular, arrumem empregos, comprem
propriedades, e alguns pais levam os pedidos até o Centro. Se os
filhos são atendidos, estes nem se lembram de agradecer. Isso só
ocorre porque os pais julgam que com esses atos milagrosos os
filhos aprendem a gostar da Doutrina dos Espíritos. Não é assim,
meus irmãos, é necessário que os pais façam seus filhos
respeitarem o que eles, os pais, escolheram como sustentáculo de
fé.

43
Se a família não desejar participar do culto cristão no lar, que
eles o façam sozinhos, mas com dignidade e amor. Não jogueis
pérolas aos porcos — disse Jesus. Portanto, se o espírita tentar
falar dos espíritos, dos passes, do Evangelho, para quem não
desejar ouvir, estará desrespeitando o Mestre e se sentirá infeliz.
Se a família já fez a escolha — são os bens materiais que ocupam
as suas horas — o bom espírita não deve barrar seus passos,
mas deixar que a vida mostre a verdade, se não for nesta
encarnação, será na outra. Todavia ser enganado pela família, ou
ser o porta-voz dos espíritos e dos familiares, é situação
constrangedora. O verdadeiro espírita precisa respeitar para ser
respeitado. Não adianta desejar salvar a família se ela ainda é
fraca na fé, no amor e na caridade. Diante da dor, posicionar-se
para encará-la de frente e não correr, tentando driblá-la. E
preciso enfrentá-la com a arma da fé, e a dor passará, como
passa cada minuto da nossa vida. O espírita que se julga isento
da dor ainda não se conscientizou do valor da Doutrina que
abraçou. Aí está o perigo do fanatismo. A Codificação é o alicerce
de um espírita. Sem estudo e prática, nós não desfrutaremos as
belezas doutrinárias, repetindo o passado, quando visitávamos os
templos apenas para cumprir tarefas religiosas, e não para nos
tomarmos verdadeiros seguidores de Jesus. É junto aos doentes
que se encontra a sabatina da vida. É ainda junto a eles que nos
será cobrado o comportamento doutrinário. Podemos não comer
carne, mas respeitar aqueles que com ela se deliciam; não ingerir
álcool, mas não nos tomarmos desagradáveis diante dos seus
consumidores. Podemos ser espíritas, sem medo do ridículo,
contudo recordando sempre de Jesus, que conviveu com o
pecado e jamais pecou. Não queiramos converter uma família que
não respeita a nossa crença, apenas porque estamos transmi-
tindo mal aquilo que a Doutrina nos ensina. Nada é mais
desagradável do que alguém falando sem cessar de espíritos, de
mediunidade, do que acontece em um Centro, para quem não
deseja ouvir.
—Samita, então devemos deixar os caras se arrebentarem?
interrompeu Damian.

44
—Não, mas jamais se deve forçar alguém a frequentar a Casa
que nós respeitamos ou devemos respeitar. Muitas vezes os
filhos, para conseguirem alguma coisa, seguem o pai ou a mãe
espíritas e vão tomar passes ou assistir às palestras, o que deixa
os pais contentes. Entretanto o certo é mostrar aos filhos que a
Casa espírita não é hotel de transito, mas o local que os pais
frequentam para se tomarem dignos das promessas de Cristo;
que eles não são portadores da perfeição, tão-somente por
frequentarem uma Casa espírita; ali estão à procura do remédio
que limpa o perispírito, porque só será feliz quem o possuir sem
as deformações do remorso. Quem vai a um Centro deve, ao
escutar frases do tipo: "mas você nem parece espírita...",
responder: "mas eu ainda não o sou, procuro, no estudo e na
caridade, o caminho de Jesus. Só quando me tomar um
verdadeiro espírita é que não cometerei atos que firam alguém,
como este que hoje está te incomodando". Acreditamos nós que
aqueles que ainda nos cobram um comportamento não o farão
mais. Muitas pessoas gostam dos espíritos, são assíduos nas
câmaras de passes, ministram passes, dirigem grupos
mediúnicos, mas ainda julgam os Centros espíritas tendas de
milagres, motivo pelo qual são extremamente infelizes, porquanto
não possuem a fé raciocinada. Julgam que são dados ao espírita
privilégios, apenas porque frequenta um Centro espírita. Toma-se
necessário que cada um se conscientize do seu mundo interior e
tudo faça para servir a Deus e ao próximo, apresentando a
Doutrina aos seus familiares através da transformação operada
no seu espírito. Fazendo com que a família respeite a sua crença
e agindo de forma a não ser desagradável diante de seus
familiares tão duros, lembrar-se de que amanhã será outro dia e
de que Paulo de Tarso teve o seu dia de glória; ele, o orgulhoso
doutor da lei, quando percebeu que o Sinédrio estava ficando por
demais teórico, disse, não só para os ouvintes da época, mas
para todos nós, em I Corintios, cap. XIII, VV. 1 a 9:

45
Eu poso falar a língua dos homens, e até a dos anjos, mas se
não tiver caridade, será como o barulho do gongo ou o som do
sino. Posso ter o dom de anunciar mensagens inspiradoras, ter
todo o conhecimento, entender todos os segredos, e ter toda a fé
necessária para tirar todas as montanhas dos seus lugares; mas
se não tiver caridade, eu nada serei. Posso dar tudo que tenho,
até o meu corpo para ser queimado, mas se eu não tiver
caridade, isso não adianta nada. A caridade é paciente e
bondosa. A caridade não é ciumenta, nem orgulhosa, nem
vaidosa. Não é grosseira, nem egoísta. Não se irrita, nem fica
magoada. A caridade não se alegra com o mal dos outros, e sim
com a verdade. A caridade nunca desanima, mas suporta tudo
com fé, esperança e paciência. A caridade é eterna. Há
mensagens inspiradas mas duram pouco. Existem dons de falar
línguas estranhas, mas acabam logo. Há ciência, mas terminará
também. Porque nossos dons de conhecimentos e nossas
mensagens inspiradas existem somente em parte.
Estas palavras de Paulo deveriam ser afixadas nas paredes dos
Centros espíritas. Concebe-se que um não-espírita ignore os
pobres, mas se um espírita desejar somente os fenômenos
espirituais e distanciar-se dos trabalhos da caridade, será o
mesmo que desconhecer Jesus, que nos apresentou a Caridade
como o único caminho da salvação. É mais cômodo não fazer
caridade do que colocar os pés no caminho de Jesus. Este
caminho é dos desprendidos, dos humildes de coração, enfim,
dos bons. Se uma pessoa busca a Doutrina mas continua avara,
intransigente, dura, orgulhosa, só acumulando bens temporais,
vai dar trabalho, porque no dia do testemunho estará enleada
nas teias do seu ego. E então gritará: "Senhor, eu fui bom, vivi
para a minha família". E Jesus vai responder: "Não vi o irmão
proteger a sua família, e sim seus domésticos". E ainda o servidor
infiel vai gritar: "Mas eu acreditei na Doutrina". E Jesus vai
responder: "Só acreditou, mas não transformou a Doutrina em
ação". Quem não fizer caridade, não procurar respeitar os outros,
amá-los, vai sentir o remorso como companhia. Disse ainda
Paulo, em I Coríntios, cap. XVI:
Estejam alertas e fiquem firmes na fé. Sejam corajosos e fortes.
Façam todo trabalho com amor.

46
O tempo é chegado e aqueles que batem à porta do espiritismo
estão convivendo com a mensagem viva de Jesus trazida pelos
espíritos, não lhes sendo dado o direito de brincar. Aquele que
não desejar tornar-se um operário de Jesus sofrerá, e muito,
pelas oportunidades perdidas.
Samita continuou:
—Foi perguntado ao médico se era certo dar aos pobres,
quando muitas vezes eles nem desejam trabalhar e este
respondeu que a Deus cabe o julgamento, ao homem a obrigação.
Se Ele teve o cuidado de trazer até os homens o exemplo em
Jesus, como podemos questionar a caridade, quando Jesus,
mesmo sem possuir um tostão, alimentou o povo na multi-
plicação dos pães? No óbulo da viúva, o Mestre dá a cada ser a
bela lição de que mesmo o mendigo tem algo a ofertar. Ele nos
conta a parábola do bom samaritano usando a figura de um
sacerdote, em Lucas, cap. X. Como é possível desaprovar a
caridade quando a pobreza existe, porque nem todos têm
capacidade para se tomarem ricos. A desigualdade das riquezas
não existe entre os homens por castigo divino, e, sim, por uma
razão muito simples: por não serem igualmente inteligentes,
ativos e laboriosos para adquirir, nem sábios e previdentes para
conservar. Este trecho os espíritas encontram em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, não somos nós, os espíritos que hoje
trabalhamos com os encarnados, que estamos falando. Aquele
que não aceitar ajudar o pobre, achando que ele é carente porque
deseja, deve ler todo o Capítulo XVI: Não se pode Servir a Deus e
a Mamom. Nesse mesmo capítulo, a revelação de Kardec registra
várias parábolas, uma delas: "Guardai-vos da avareza" (item 3).
Vamos recordar cada versículo dessa passagem, e isso é bom,
pois vários espíritas talvez jamais a tenham lido:

47
Então, no meio da turba, um homem lhe disse: Mestre, dize a
meu irmão que divida comigo a herança que nos tocou. —Jesus
lhe disse: Ó homem! quem me designou para vos julgar, ou para
fazer as vossas partilhas? —E acrescentou: Tende o cuidado de
preservar-vos da avareza, porquanto, seja qual for a abundância
em que o homem se encontre, sua vida não depende dos bens
que ele possua. Disse-lhes a seguir esta parábola: Havia um rico
homem cujas terras tinham produzido extraordinariamente —e
que se entrelinha a pensar consigo mesmo, assim: Que hei de
fazer, pois já não tenho lugar onde possa encerrar tudo o que vou
colher? —Aqui está, disse, o que farei: Demolirei os meus celeiros
e construirei outros maiores, onde porei toda a minha colheita e
todos os meus bens. —E direi a minha alma: Minha alma, tens
de reserva muitos bens para longos anos; repousa, come, bebe,
regala-te. —Mas, Deus, ao mesmo tempo, disse ao homem: Que
insensato és! Esta noite mesmo tomar-te-ão a alma; para que
servirá o que acumulaste? E o que acontece àquele que acumula
tesouros para si próprio e que não é rico diante de Deus.
—Vejam, prosseguiu Samita, não são só os espíritos de hoje
que pedem caridade para com os pobres, piedade para quem tem
muito pouco. Infeliz do homem que não acumula tesouros no
coração. Neste mesmo capítulo de O Evangelho Segundo o
Espiritismo encontramos a parábola do mau rico (item 5).

48
Havia um homem rico, que vestia púrpura e Unho e se tratava
magnificamente todos os dias.—Havia também um pobre,
chamado Lázaro, deitado à sua porta, todo coberto de úlceras,—
que muito estimaria poder mitigar a fome com as migalhas que
caíam da mesa do rico; mas ninguém lhas dava e os cães lhe
vinham lamber as chagas.—Ora, aconteceu que esse pobre
homem morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. O
rico também morreu e teve por sepulcro o inferno.—Quando se
achava nos tormentos, levantou os olhos e viu de longe Abraão e
Lázaro em seu seio—e, exclamando, disse estas palavras: Pai
Abraão, tem piedade de mim e manda-me Lázaro, a fim de que
molhe a ponta do dedo na água para me refrescar a língua, pois
sofro horrível tormento nestas chamas. Mas Abraão lhe
respondeu: Meu filho, lembra-te de que recebes te em vida teus
bens e de que Lázaro só teve males; por isso, ele agora está na
consolação e tu nos tormentos. Ao demais, existe para sempre
um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que queiram
passar daqui para aí não o podem, como também ninguém pode
passarão lugar onde está para aqui. Disse o rico: Eu então te
suplico, pai Abraão, que o mandes à casa de meu pai,—onde
tenho cinco irmãos, a dar-lhes testemunho destas coisas, a fim
de que não venham também eles para este lugar de tormento.—
Abraão lhe retrucou: Eles têm Moisés e os profetas; que os escu-
tem. —Não, meu pai Abraão, disse o rico: se algum dos mortos
for ter com eles, farão penitência.—Respondeu-lhe Abraão: Se
eles não ouvem a Moisés, nem aos profetas, também não
acreditarão, ainda mesmo que algum dos mortos ressuscite.

49
—Notem o desespero de um espírito que desrespeitou a
caridade, continuou Samita. Ele implora a Abraão para chegar
até sua família e dizer-lhe que a caridade é o termômetro da
alma, é a caridade que desveste o perispírito do espírito. E ele diz:
"Eles têm Moisés e os profetas", e o rico pede para mandar um
morto e ele diz: "Se eles não ouvem a Moisés, nem aos profetas,
também não acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite"
(Lucas, Cap. XVI, VV. 19 a 31). Vejam, quantos chamados! E
Deus ouviu o rico e mandou os mortos se levantarem. Todos os
livros doutrinários nos falam da caridade. Todos os espíritos,
através de vários médiuns, também nos falam da caridade e
ainda assim estão os espíritas indo para o mesmo local do mau
rico, lutando para varrer as vibrações negativas dos seus
espíritos, gritando por socorro para os pobres que eles ignoraram
ou repudiaram. Não é de hoje que Deus está dizendo que a
caridade é que cobre a multidão de pecados. Mas o homem
acumula riquezas perecíveis no cofre da avareza, muito bem
guardado com a chave da ganância. Despertem irmãos, para as
verdades divinas e não acumulem indiferença ante os chamados.
Nas Casas espíritas há sempre máquinas à sua espera para a
confecção de roupas destinadas a crianças carentes; existem as
campanhas de visita aos lares pobres, onde o que lhes levamos é
tão pouco, mas para o nosso espírito orgulhoso é uma chuva de
perdão que necessitamos para nos tornarmos melhores. Não é o
farnel em si, é a consciência do homem para um problema social
que, dia após dia, cresce em todo o mundo. Nessas Casas deve
existir também a terapia ocupacional para amenizar dores e fazer
do coração sofredor uma luz de esperança em prol dos
desvalidos. Se cada irmão, ao frequentar uma Casa espírita, dali
fizesse um anexo do seu lar, cumprindo com as suas obrigações
doutrinárias e caridosas, o Centro não necessitaria pedir tanto
aos que o visitam, mas nele construiriam uma oficina de Deus,
com crianças, jovens e velhos trabalhando não só para o sustento
do Centro, mas cada vez mais para a cura da alma, às vezes
sofrida pela solidão e pelo abandono. O homem ocupado não tem
tempo de ser fardo pesado para outrem e quem trabalha para os
pobres de Deus não brinca com algo tão divino: uma Casa
espírita. Outras religiões se perderam por ficarem apegadas à
letra.

50
A Doutrina vai triunfar, porque ela salva, ajuda e guia o
homem até Deus. Aquele que se fixar no egoísmo não poderá
jamais se dizer seguidor de Jesus, que até hoje busca levar até os
oprimidos e famintos não só a Sua palavra, mas o alimento do
corpo, como Ele fez quando colocou os Seus pés neste Planeta de
dor e desespero. Como nos dizermos espíritas, se os bens
temporais estão em primeiro lugar em nossas vidas? Algo irá
acontecer nesta época de transição e o que deixarmos guardado
como néscios será furtado pela dor e pelo desencarne. O que
distribuirmos aos pobres será depositado no altar de Deus e de lá
partirá em direção aos nossos, quando estiverem precisando. O
que se dá ao próximo não se perde, o que se guarda por avareza o
ladrão furtará de uma maneira ou de outra, e para nós bastam as
lamentações.
—Você é que é feliz, Samita, por ter ouvido o querido amigo, o
irmão dos pobres. Que Deus o abençoe.
—Isso, Samita, é porque os espíritas estão ficando doentes e
desencarnando mal. Julgam que por conhecerem a Doutrina
estão isentos da responsabilidade para com a sociedade.
—E Jesus disse "ai daquele que muito recebeu", completou a
querida irmã. Ninguém mais do que um espírita para levar
"muitos açoites" por negligenciar as palavras de Jesus, quando
Ele nos disse: "Porque aquele servo que soube a vontade do seu
Senhor, e não se apercebeu e não obrou conforme sua vontade,
dar-se-lhe-ão muitos açoites" (Lucas, Cap. XII).
—É, Samita, acho que a Espiritualidade Maior está se
cansando dos falsos profetas e está chegando a hora do
testemunho. Espero que as pessoas que lerem os meus livros não
procurem encontrar o Luiz Sérgio, mas em cada parágrafo parem
e meditem; é a espiritualidade que, preocupada com os
encarnados, ensina o mapa do caminho. Sem caridade somos
robôs, sem coração, enganando a nós mesmos que não fazemos a
caridade porque o pobre ajudado não vai aprender a trabalhar;
julgando, já estamos errando. Disse Jesus: Com a medida com
que medirdes aos demais, vos medirão a vós, e ainda se vos
acrescentará. Porque ao que já tem dar-se-vos-á e ao que ainda
não tem, ainda o que tem se lhe tirará (Marcos, cap. rV). E isso,
sinto até um arrepio de medo ao perceber, nos olhos daqueles
que muito têm, a falta de caridade.

51
Espíritas, acordem para a caridade e façam da Casa espírita
uma oficina de trabalho, onde o homem, mesmo encarnado, pode
tomar-se um operário de Jesus — falei isso em cima de uma
mesa. Pensei que os outros iriam rir, mas todos abaixaram a
cabeça. Então Rayto completou com uma prece:
—Senhor, à medida que caminha a Humanidade sentimos que
ela ainda desconhece as leis morais. Tende piedade, Senhor,
daqueles que Lhes são indiferentes; fazei, Senhor, que em cada
coração germine esta semente que faz com que cada espírito
encontre a felicidade em qualquer lugar onde esteja. Senhor,
tende piedade dos indiferentes, dos avaros, dos orgulhosos, dos
egoístas, e fazei com que o argueiro desapareça dos seus olhos e
que eles enxerguem, por pouco que seja, a luz do Vosso
Evangelho, que nos ensina a amar a Deus e ao próximo como a
nós mesmos. Permiti Senhor, que o pobre seja a ponte que nos
liga com o Alto, pois ele é o meio de provarmos a nossa fé. Fazei,
Senhor, que os homens encontrem a paz, a esperança e a
caridade.
Fui descendo devagar, o assunto é sério demais e a
Espiritualidade superior preocupada se encontra com as atitudes
de muitos que se dizem cristãos. Saímos, eu e Samita, abraçados.

52
Capítulo VII

A EQUIPE TREVOSA EM AÇÃO

Assim, a gente trabalha e aprende. Ainda me olhei e meus


olhos brilharam de alegria por constatar que o meu verdadeiro
corpo a máquina não conseguiu destruir1. Bendito seja Deus,
que oferece ao espírito várias roupas, roupas estas que se vão
desgastando com o tempo mas, graças à Sua sabedoria, a chama
permanece acesa por longos e longos anos até a eternidade.
Ninguém destrói o espírito, porque só Deus conhece a compo-
sição desta chama de luz. Ele, Ser perfeito, não mata, nem
destrói.
Abri o Evangelho de bolso em Lucas, cap. XXIII,VV 26-29 :
Então levaram Jesus. No caminho, encontraram um homem:
Simão, da cidade de drene, que vinha do campo. Agarraram
Simão, puseram a cruz em cima dele, e o obrigaram a carregá-la,
após Jesus. Grande multidão o seguia. Nela havia muitas
mulheres que choravam e lamentavam por causa dele. Jesus
virou-se para elas e disse: Mulheres de Jerusalém! Não chorem
por mim mas por vocês e pelos seus filhos! Porque chegarão os
dias quando todos vão dizer: ' 'Felizes as mulheres que nunca
tiveram filhos, que nunca deram à luz, e que nunca
ornamentaram crianças! "
Parei, pensativo. Que profecia! Hoje, ninguém sofre mais do
que os pais, porquanto as crianças vivem perigosamente.
—Luiz Sérgio, lendo o orvalho do amor? Inquiriu-me Sara,
aproximando-se.
—Sim, sem ele sou como uma tarde sem brisa, um namoro
sem amor, os olhos sem luz.
—Bravo! Que belos os seus pensamentos! Tem andado com
Ocaj?
—Não só andado, como obtido maravilhosas elucidações sobre
a paz.
—Quem nasceu para receber nunca vai morrer de fome, disse
Damian.
—E isso, irmão, faz quem pode e não quem fica com olhos
grandes no progresso do próximo.
—Eu, hein?
—Brincadeira. Você é grande amigo e gosto muito de você.

53
Podem reclamar das nossas brincadeiras, mas nós precisamos
delas, principalmente quando algo muito duro nos espera. Rayto
se aproximou:
—Estão preparados?
—Sim, responderam todos.
E ganhamos estrada. Ao nos aproximarmos de uma casa,
ouvimos terrível barulho, as luzes acendiam e apagavam, parecia
o primeiro umbral. Na porta, uma guarda de espíritos mal
encarados. Os Lanceiros se acercaram deles para que nós
entrássemos. Jovens, de boas famílias, eram os frequentadores
daquele local. Deitados no chão, muitos deles usavam o corpo
das garotas para aspirar o pó, uma verdadeira orgia. Todos nós
prestávamos auxílio, dispersando os fluidos pesados daquele
grupo, quando percebemos uma garota de seus dezoito anos
debatendo-se em convulsões; os médicos dela se acercaram mas,
ao tentarem socorrê-la, ela foi presa pela organização das trevas
que, como loucos, se apossaram do corpo da jovem. Se no Lírios
Colhidos presenciávamos a equipe do desencarne, quando
técnicos desencarnados desligavam os fios magnéticos, hoje
testemunhávamos a violação dos corpos. Na nossa frente,
espíritos trevosos apossavam-se dos fluidos vitais de uma jovem e
arrebentavam as ligações dos seus corpos. Seu espírito,
dementado, jogava pra lá e pra cá o corpoque se debatia entre a
vida e a morte. Quis correr para junto de Suzane, mas fui contido
por Rayto, que alertou:
—Lembre-se de que estamos aqui para ver como ocorrem os
desencarnes forçados. Já estivemos no vale, onde uma
organização vive como se encarnada fosse.
—Mas vamos deixar esta menina ser vampirizada?
—Sim, respondeu-me.
—Não compreendo...
—Compreende sim, estamos aqui estudando um meio de
destruir esta organização.

54
Calei-me, apavorado. Ninguém pode imaginar o que seja um
desencarne por overdose. A língua estava para fora e daquela
boca adolescente vários vampiros se aproveitavam das
emanações do tóxico. A agonia da jovem durou cerca de quatro
horas. Alguns espíritos trevosos que não aspiravam o corpo
faziam o serviço do desencarne de maneira bastante precária.
Rayto, como se desejando justificar a nossa impassividade, falou:
—Ainda que pudéssemos socorrer Suzane, ela nos expulsaria,
pois é menina vazia de sentimentos.
Observei sua roupa: etiqueta famosa. Uma bela menina. O
rosto todo arranhado, no corpo manchas roxas. Durante essa
agonia, nenhum amigo se aproximou. O que estava mais perto
apenas a olhou meio assustado — o cérebro não desejava
compreender o perigo. Esse logo caiu, bem encolhidinho.
—Vamos assistir de camarote tanto assassinato?
—Não, Luiz, só a garota vai desencarnar, os outros ainda têm
algum tempo de vida.
—Meu Deus, até quando isso vai acontecer? E o que faz a
sociedade? Será que ela desconhece tão tristes fatos?
Quando Suzane já agonizava, uma outra garota começou a
correr para junto dela. Marcelo falou:
—Vamos levá-la para um hospital.
—Está maluco? —Então, que faremos? —Vamos jogá-la na rua.
—Isso é assassinato!... —Não, ela já está morta.
Examinaram-lhe o rosto: olhos vidrados, expressão de terror.
Enquanto os encarnados lentamente tentavam tirá-la dali, a
equipe trevosa apoderou-se dos corpos físico, duplo e
perispiritual. E a jovem, que deixara de viver na matéria,
encontrava-se em estado desesperador na espiritualidade,
porque, mesmo "bodada", tinha relances da realidade que estava
vivendo. Aquela equipe tentava usar as energias dos chacras; o
primeiro a ser visitados pelas mãos ávidas dos trevosos foi o
coronário. No cérebro, eles buscaram a substância cinzenta e ali
encontraram grandes concentrações de corpos, os neurônios.
Notamos que eles usaram a substância branca, esta eles
separaram. Na cinzenta está a sede das atividades intelectuais e
sensoriais da pessoa. Utilizando-se de aparelhos, eles
trabalhavam nos corpos da menina. Nós apenas observávamos.
Confesso que já me encontrava nervoso.

55
Enquanto isso, o corpo físico da garota esperava que seus
colegas lhe dessem um fim, Na parte espiritual, uma equipe
trevosa lhe sugava as energias chegando até a medula espinhal.
Vimos a sede dos reflexos mais simples e órgão de passagem das
impressões que estão indo da periferia aos centros nervosos e das
ordens motoras que partem dos centros cerebrais e que estão
indo aos músculos. E ali, na primeira e na segunda vértebras
lombares, eles buscaram um líquido que guardaram com
cuidado. Os corpos da jovem eram analisados pela equipe trevosa
e a garota, em pânico, gritava muito. Quando percebemos, eles já
estavam trabalhando no chacra básico. Esse chacra apresentava
a cor rosa alaranjada e ali eles buscaram algo, que não
encontraram, isso se denotava por suas fisionomias fechadas.
Quando iam buscar outras energias, Sara, com o seu aparelho,
interferiu no deles, o que fez com que desconfiassem. Olharam ao
redor, mas mesmo assim levaram o espírito de Suzane, enquanto
os jovens se livraram do corpo físico, jogando-o num lugar
sombrio. Nós seguimos a equipe protegidos pela Espiritualidade
superior, que nos tomou invisíveis aos olhos deles.
E assim voltamos ao vale, onde testemunhamos o que espera
um viciado em tóxicos. Entramos, não pelo portão principal, mas
sim por outro local somente do conhecimento da equipe da
Espiritualidade superior. Estávamos agora em um quarto, que
mais parecia uma sala cirúrgica, com vários aparelhos; a garota
foi colocada na mesa. Na hora em que isto ocorreu, buscamos o
corpo físico e este estava sendo devorado por outros espíritos,
que nele bebiam o tóxico, o coquetel de drogas. Mesmo no vale,
ela sentia a profanação do seu corpo e gritava desesperadamente.
De repente, vimos entrar o chefe; devia ser um técnico, pois era
conhecedor do assunto. Foi direto na corrente sanguínea e
retirou tudo o que desejava.
—O que faremos com ela? Perguntaram.
—Deixe-a ai, talvez eu precise dela.
Risadas soaram. Só o nosso grupo desejava chorar. Não é fácil
presenciar o que presenciamos.
—Como é possível isto acontecer, Enoque? Por que não fazemos
alguma coisa?
—Simplesmente porque, para salvar muitos, temos de conhecer
melhor este lugar.
—Mas, coitada, na mão destes loucos ela vai sofrer demais.
Nada podemos fazer, então?
56
—Nada, por agora. Olhe a ficha dessa garota: Suzane aos doze
anos: primeira experiência sexual; aos quatorze anos: o primeiro
aborto; aos quinze anos: o segundo aborto; conhecedora de
maconha desde os dez anos, consumidora de coca, pico e
comprimidos desde os treze anos. Iniciadora de vários colegas.
Agrediu a mãe com dezessete anos, quebrando-lhe o braço. O pai
sofreu enfarte, porque Suzane foi presa por furto. Tentou viciar o
irmão de nove anos. Tentou estrangular a avó, porque não lhe
deu dinheiro...
—Chega! falei. Mas mesmo assim gostaria de ajudá-la.
—Vamos sim, Sérgio, mas não agora.
—O que quis dizer o chefe, que pode precisar da menina?
57
—Para satisfazer os seus instintos sexuais.
—O quê? Isso não, então não podemos deixá-la aqui!
—Sossegue. Por enquanto estamos só acompanhando o caso,
logo estaremos prestando ajuda.
Saímos, de volta ao local onde o corpo físico fora jogado e,
antes que o grupo fizesse alguma coisa, caí em cima dos
vampiros, querendo assustá-los. Mas eles me disseram:
—Calma, doidão, aqui tem tóxico para muita gente. A garota
era um aspirador de pó da melhor marca possível.
Fiquei envergonhado, poi s tinha dado mancada e agora estava
visível aos olhos do grupo. Olhei a gengiva de Suzane:
encontrava-se toda ferida e os trevosos usavam e abusavam
daquele corpo, saboreando até os fluidos do duplo. Suzane iria
viver até os oitenta e quatro anos, e ali jazia com apenas dezoito.
Enquanto os vampiros serviam-se da vestimenta física de
Suzane, o corpo perispiritual, sede do espírito, sentia tudo o que
estava ocorrendo com o físico. Ela sofria horrores e os gritos eram
terríveis.

57
Pensei: "até quando os Miosótis serão esquecidos? Pais, salvem
seus filhos!" Desejei sair dali e gritar para uma sociedade egoísta
que só se preocupa com si mesma. O corpo era o alimento
daqueles "urubus". Ela sentia possuir vários corpos, porque os
três eram desrespeitados por mentes doentes. Um dos trevosos
buscou o chacra básico; ele me pareceu uma hélice de quatro
pás, localizado entre o ânus e os órgãos sexuais, no fim da
coluna. Ali eles se ligavam de tal forma que um puxava o outro
para ter sua vez. Notamos, entretanto, que esse chacra ganhara
dono, pois já se encontravam presentes outros espíritos, talvez
desde que a garota iniciara suas atividades sexuais. A menina
levara vida desregrada e os espíritos eram insaciáveis. Afastei-me
devagar, mas logo retomei, ao ver um dos Lanceiros espantar os
vampiros com seu chicote de amor. Era luz que os cegava,
forçando-os a correr, amedrontados. Nesse momento chegaram
Karina, Damian e Sara, trazendo uma viatura policial para
encontrar o corpo. Disse, aliviado:
—Puxa, gente, que demora de socorro. Pensei que jamais
fossem chegar.
Enoque acercou-se de Sadu e perguntou:
—O que achas, temos condição de trabalhar?
—O nosso grupo está pequeno, temos de pedir reforço. No vale
quase nada podemos fazer, precisamos trabalhar com médicos
conhecedores das energias espirituais e eletrostática, de equipe
que conheça a eletricidade existente principalmente na atmosfera
dos corpos. Um estudioso dos elétrons.
—Sadu, só assim vamos conhecer a causa que leva essas
organizações a se apoderarem dos corpos recém-desencarnados
para suas necessidades vampirescas? perguntei.
—É isso, amigo, falaremos com o departamento. Até lá, vamos
estudar cada caso.
Olhei o jovem-velho e senti por ele imenso amor. Como Enoque
sofre ao ver tantas crianças morrendo! E que as ama por demais.
—Eu amo você, cara, sabia? disse, acercando-me dele.
—Sim, Sérgio, porque sei que és meu amigo, um grande e
querido amigo.
—Está triste, Rayto?
—Não é tristeza, apenas não sei como fazer para chamar à
nossa equipe de socorro um cientista conhecedor da eletricidade
dos corpos.

58
—Se ele for sábio, aceitará o convite! Agora, se for orgulhoso,
vai aprender no umbral.
—Ora, Sérgio, o Rayto não vai convidar um espírito do umbral,
e sim do nosso departamento científico.
—E quem vai deixar o paraíso para vir para o inferno?
Retruquei, de imediato:
—Um grande homem, um grande espírito, tenho fé!
—Nós também, concordaram todos.
Abri meu Livro e caiu: I Timóteo, cap. VI,VV. 11-12:
Tu, porém, homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a
justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.
Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a
qual também foste chamado, e de que fizeste a boa confissão,
perante muitas testemunhas.
Eu te amo, livro amigo!

59
Capítulo VIII

A PROCURA INCESSANTE DO FLUIDO VITAL

Retomamos ao pronto-socorro, que ora nos servia de lar. Foi lá


que constatamos o que vinha ocorrendo, como os homens estão
desencarnando mal, principalmente os jovens, levados pelo mal
do século — o tóxico.
—As autoridades de um país deveriam tudo fazer para extirpar
a droga do seu território. No Brasil, ela cresce assustadoramente,
falou-me Sara.
—E verdade, já temos os nossos núcleos de narcotráfico, nada
a dever aos grandes cartéis internacionais.
Dirigimo-nos ao auditório para fazermos a análise dos fatos do
dia e o doutor Luciano, médico daquele local, iniciou a exposição
dos últimos acontecimentos, registrados através do vídeo: noite
escura; um veículo com policiais tenta desbaratar um reduto de
traficantes e prender alguns "aviõezinhos". Vimos a correria das
pessoas envolvidas, tentando esconder a refinaria. Os policiais,
ao deixarem o prédio, foram surpreendidos pela explosão da
viatura. Assistimos às equipes socorristas prestarem ajuda,
enquanto os agentes das trevas tentavam apossar-se, sem
sucesso, dos corpos dos policiais. No vídeo, o armazenamento de
drogas, a potência da refinaria. Enfim, foi-nos mostrado que
dinheiro atrai dinheiro e o comércio dos tóxicos é dos mais
rentáveis, por isso contam com frotas de aviões e os mais
modernos equipamentos para o preparo da coca.
—Isso não vai acabar mais? Indagou Sara.
—Deus é tão sábio, explicou o doutor Luciano, que, ao criar o
espírito, ofertou-lhe uma veste para a sua evolução e, revestidos
dela, erramos ou acertamos. Mas um dia teremos de nos
conscientizar de que o ser foi criado para ser feliz e que não
existe felicidade calcada na lágrima, no desespero e na queda do
próximo. Fatalmente, os chefões do tóxico terão de deixar o corpo
físico e ai das suas consciências.
—Esses seres devem, ao desencarnar, apresentar uma
deformação terrível, não é mesmo?

60
—Mais do que isso, Sérgio. Essas criaturas ficam mortas de
remorsos e dor. Quem desconhece a dor do tóxico está longe de
saber o que vem ocorrendo no Planeta. O tráfico de drogas cresce
a cada instante e os dependentes ficam cada vez mais
prisioneiros da dor. Só quem conhece alguém vivendo este
problema pode imaginar o porquê da espiritualidade estar
lutando tanto junto ao homem para o extermínio do tóxico.
—Não sei, amigos, mas se o nosso País não entrar
imediatamente numa campanha de alerta, Ismael terá de levar a
bandeira do Evangelho para outra nação. Na nossa, a fumaça do
vício aumenta a cada instante e a sociedade enferma, que
caminha sem olhar para os lados, para trás ou para a frente, será
tomada de surpresa.
—Tens razão, Sérgio. A extensão geográfica do Brasil coopera
para a criação de possantes refinarias, que se alojam no território
brasileiro sob a forma de belas fazendas. O pior, meus amigos, é
que o viciado sofre na matéria e também quando desencarna, nas
mãos de mentes dementadas ligadas aos núcleos da droga.
—Notei a voracidade da equipe que se acerca de um suicida do
tóxico; eles têm imensa sede de fluidos. Observei, também, que
buscam avidamente a secreção da mente. Esse fluido parece ser
de grande valia para suas equipes.
—E isso, amigos, precisamos conhecer o valor do átomo, a sua
força. Somente então saberemos por que o corpo e o espírito de
um recém-desencarnado são de tal importância para uma
organização das trevas, falou Sadu.
Ficamos mais alguns minutos por ali, até que Simeão nos
convidou para irmos até a sala dezesseis, onde teríamos mais
algumas elucidações. Admirei-me do recinto: um único e amplo
palco, de onde partiam projeções de luzes sobre nós, que
chegáramos. Comentou Simeão com Sadu:
—Sentimos muito não poder colocar mais alguém junto a
vocês, mas espero que o irmão que aqui virá seja útil para os
esclarecimentos necessários.
Samita fitou-me com amor e eu pensei: "quem será? Até estou
imaginando quem seja". Nisso, levantamo-nos, pois se fez
presente o irmão. Sua leveza nos dava, espíritos ainda
imperfeitos, uma vontade imensa de nos tomarmos melhores.
—Boa noite, irmãos. Que a paz irradie a sua tranquilidade em
nossas consciências, para jamais irmos contra as leis do Pai,
falou.
61
Eu não desgrudava os olhos do nosso irmão, e ele iniciou:
—Deus, Criador incriado, uno e indivisível, Pai de todo o
Universo, Se propôs a preencher os vazios dos mundos. Buscou
na quinta-essência a vida do espírito e, assim, fomos um dia
criados simples e inocentes. Na criação, um ponto em comum
vale para todos os homens: o amor. A quinta-essência é o amor
divino, que cresce à medida que o ser o distribui. Ninguém
conhece este segredo do Pai: como conseguiu Ele criar um
espírito; por mais que alguns tentem matar o ideal, a inteligência
de um homem, enfim, o espírito, não conseguem. E isso leva
muitos ao desespero. Deus, Pai, não destrói, só cria
incessantemente. Daí a razão do aumento da Humanidade.
Contudo, por maior que seja a inteligência do homem, ela nada é
perante Deus. As mais poderosas criaturas ficam extasiadas
diante do poder divino, mesmo às vezes dizendo-se materialistas.
Ninguém consegue iludir a morte, todos a temem ou já a
temeram. Mas esse deixar para trás o corpo leva o homem
orgulhoso a blasfemar contra Deus e irritar-se por Ele não dar a
fórmula da vida do espírito. Buscam entender essa energia, mas
em presença dela esmorecem; mesmo assim, organizam-se na vã
tentativa de igualarem-se a Deus. Ao perceberem que já não
possuem força sobre4o corpo físico, muitos desses irmãos
procuram um meio de, mesmo desvestidos do corpo material,
poder viver como um encarnado. Organizam-se para extrair de
inertes corpos físicos, na hora da morte, os fluidos da vida. Por
isso eles vampirizam os encarnados, convivendo com eles;
participam das suas vidas, hospedando-se nas suas casas
mentais ou se alojando em alguns centros de força do perispírito
ou nos chacras do duplo. Nutrem-se por osmose, utilizando o que
lhes oferece o corpo físico. Eles descobrem os fluidos vitais de um
corpo físico e de meu corpo perispiritual recém libertos um do
outro. Sabemos que o desligamento demanda um certo tempo,
por ocasião do desencarne. Junções fluídicas ainda permanecem
ativas entre as células físicas e espirituais. Mesmo o corpo físico
sendo tido como morto, nele se mantém a energia por algumas
horas, energia essa buscada pelos vampiros. A mente de um
suicida, mesmo inconsciente, fixa-se em certas partes do corpo
espiritual e ele julga que ainda possui o físico; passa a viver como
se ainda encarnado fosse. E as equipes das trevas estão
buscando justamente os suicidas inconscientes para estudarem o
espírito.
62
Eles têm a pretensão de criar espíritos e muitos cientistas
mandam essas equipes à terra para buscar os fluidos dos corpos
recém-desencarnados.
Calou-se, para em seguida projetar um filme sobre um garoto
desencarnado por overdose e vimos a equipe coletando os fluidos
do chacra esplênico, sugando-lhe o baço. Nesse trabalho,
observamos que tais equipes possuem boa retaguarda, pois agem
com muita tranquilidade. Presenciamos também o socorro: logo
que o jovem foi deixado pela equipe das trevas, a do Cordeiro
levou-o até um grupo com Jesus e ele recebeu as energias para o
seu reequilíbrio.
Vou reiterar o que sempre escrevo sobre médiuns, que o Centro
espírita não respeita o doador. Precisam ser criados grupos com
médiuns que não incorporam — e que muitas vezes largam o
espiritismo por julgar que nada fazem — para prestar socorro a
desencarnados. Nesses grupos não é preciso incorporar,
bastando a doação de elétrons dos médiuns para esses espíritos
se reequilibrarem. Quantas vezes, ao desencarnarem, já sofrem
também com o vampirismo! Necessitam de algo que lhes devolva
o equilíbrio e nada melhor — repito — do que um bom grupo
para ajudá-los.
Foi aberto um tempo para perguntas e eu aproveitei:
—Irmão, não há um meio de impedir essas organizações de
atuarem?
—Já estamos trabalhando para eliminá-las, todavia o
encarnado é o marceneiro da sua própria cruz. No desencarne
programado tudo é diferente. Os desencarnes inconscientes é que
são hoje objeto da nossa preocupação; estamos tentando prestar
auxílio a esses casos. Essas organizações possuem os nomes das
pessoas que no momento estão propensas ao suicídio. A qualquer
alerta, lá estão eles. Logo estudaremos melhor o porquê desses
irmãos estarem em busca dos elementos que compõem os corpos
físico e espiritual.
—Sabemos que o corpo físico é formado por átomos agrupados
em moléculas. Por que esses irmãos desejam tanto o que nele
está contido? indagou Damian.
—Para aprontarem no mundo espiritual, respondi.
Foi um silêncio total. Eu me encolhi na cadeira, mas alguém
segurou minha mão: era Lílian, a nova amiga da turma. Sorri.
—É isso, menina. É perguntando que vou compondo os livros.

63
Capítulo IX

NA CIDADE DA DOR

Eu e Lílian caminhamos até o pequeno jardim. —Gosta de


escrever, não Luiz?
—Gostar não é a palavra, o que gosto mesmo é de passar
adiante o que aprendo nas aulas espirituais.
—E mesmo? As vezes sinto uma vontade imensa de me
aproximar das pessoas e lhes pedir que deixem para trás a
indiferença, que façam a caridade, porque só ela nos salva; que
na terra o homem está de passagem, ou melhor, nela está para
aprender a se respeitar e a amar o seu próximo; que se conhece o
bom por sua vida de renúncia.
—Não se preocupe, até hoje tento transmitir a todos os amigos,
conhecidos e familiares tantas coisas, e poucos são os que me
ouvem. Gostam de mim e dos meus livros, mas quanto à caridade
para com o pobre, é algo sobre o qual eles têm opinião formada
sob a capa do egoísmo.
Ficamos mais alguns minutos trocando ideias, quando fomos
chamados pela Sara. Era outro embalo que não teria um final
feliz. Juntamo-nos ao grupo, notando que havia nele uma cara
nova: um senhor de seus cinquenta anos, muito simpático. Foi
logo se apresentando:
—Muito prazer, amigos. Chamo-me Procópio. Deus permita que
nos tomemos irmãos.
Saímos em silêncio, era mais uma tarefa dolorosa. Chegando
ao apartamento, se assim podemos chamá-lo, tão pequeno era,
deparamo-nos com muita sujeira, garrafas e mais garrafas de
bebida espalhadas por vários lugares. Os moradores não
possuíam preferência, havia de tudo, todas as marcas de bebida.
Olhamos as fisionomias dos jovens: pareciam loucos. Duas
moças se drogavam sem parar. O mais velho deles, uns trinta e
cinco anos, Joca, aspirava coca e tomava aguardente e uísque.
De um instante para outro Joca começou a quebrar garrafas e a
rir sem parar. Carlos acercou-se dele e lhe aplicou um
medicamento, o que fez com que caísse em sono profundo. A
moça, chamada Jandira, tentava picar-se, mas sem conseguir
pegar as veias. Estas, já necrosadas, rejeitavam a droga.

64
Ela urrava, à semelhança de um animal feroz. Lílian encolheu-
se, apavorada. Olhei-a duro e ela cerrou os olhos em prece. Ali
era o inferno da droga. Joselito, um dos viciados, urinava sobre o
grupo, dando gostosas gargalhadas. Nisso, Marquinho caiu em
convulsão. Joca acordou e tentou prestar-lhe socorro, mas a
sonolência era tanta que ele cuidou de voltar a dormir. Joselito
respirava mal, debatendo-se. Sadu e Samita examinavam as
drogas ingeridas e nem podiam imaginar a mistura: um coquetel
de venenos. E foi nesse momento que entrou a equipe trevosa.
Ouvi um deles dizer:
—Estênio, o cara está mais que doidão, está completamente
louco!
O chefe daquele grupo colocou a s mão s sobre a fronte do
moribundo, revigorando os lobos frontais e acelerando o chacra
coronário, buscando o comando das forças do duplo etérico, que
interliga o perispírito com o corpo físico. Em seguida, regulou
cada centro de força e chacra. Eu me desesperei, porque o nosso
grupo não entrava em ação. Notei que Sara filmava a cena e
tentei concentrar-me para melhor compreender aquela situação.
A operação foi feita no perispírito, mas mesmo assim os chacras
do duplo e do físico também foram tocados pelos irmãos da
equipe trevosa. Em desencarnes normais, é nesse instante que o
espírito se eleva até a massa fluídica e é desprendido da matéria.
Com esse irmão o fato se deu ao contrário: presenciamos uma
nuvem escura e lodosa envolver o espírito, que desencarnava
completamente atordoado. Notamos que a equipe não lhe dava
passes, talvez por não conhecer profundamente a ação magné-
tica. Esse grupo me pareceu desejar ativar o sistema nervoso,
enquanto uma equipe socorrista do Departamento do Desencarne
normalmente isola todo o sistema nervoso, oferecendo
magnetismo espiritual, que dispersa o magnetismo dos centros
de força e dos chacras, separando as partes elétricas. Nesse caso,
deu-se o inverso: os trevosos ativaram os chacras e atuaram à
altura de cada um deles, como se desejando reviver os movimen-
tos físicos por parte do moribundo, ansiosos por tê-lo desperto.
—Carlos, esclareça-me uma coisa: sabemos que nas mortes
violentas e nos suicídios os técnicos da espiritualidade socorrem
depois da morte física, e aqui o físico ainda vive, mas essa equipe
já está desligando os centros de força. Por quê?
—Preste bastante atenção, Sérgio, e saberá por que eles
procuram esses corpos.
65
Vi, então, os espíritos trevosos buscarem no abdômen um
líquido leitoso que saía do umbigo do corpo físico e corria para o
perispírito, mas ao invés do perispírito, companheiro do físico
desencarnado, um dos espíritos da equipe se colava na frente e
era ele quem absorvia a substância. O perispírito do moribundo
juntou-se ao físico em vez de deixá-lo. Sentimos que aquele jovem
iria presenciar até mesmo a decomposição do seu corpo físico.
Enquanto isso, os trevosos tiravam todas as energias dos corpos
e o jovem gritava, asfixiado. Nós apenas presenciávamos a cena,
imóveis. Eram as trevas em ação.
—Vamos ou não socorrer o garoto? Perguntei ao Sadu.
Ele nada falou. Foi-se aproximando e aplicando passes no
espírito, o que fez com que ele adormecesse e, assim, adormecido,
foi levado pelos trevosos.
—Vamos embora, nada mais a fazer, disseram.
Agora reparávamos o corpo físico todo machucado pela
convulsão, no chão, e a turma, toda ela, completamente louca.
Meu Deus, ninguém pode imaginar o que é a droga no
organismo. Um drogado lembra um animal enfurecido, sem
raciocínio; é um ser sem Deus.
—Não podemos socorrê-lo? perguntou Sara. —Não, eleja foi
levado para o vale.
—E a gente vai ficando por aqui, só assistindo a esses malucos
aprontarem das suas? Indaguei, perplexo.
Ninguém me respondeu. Ali, estendido, o corpo físico era presa
de um enxame de espíritos aspirando o tóxico. Aí compreendi por
que nós, os Raiozinhos de Sol, nada podíamos fazer. Estávamos
em estudo e eu não compreendia. Não sabia quando iríamos dar
início ao socorro, mas por enquanto o tibetano e Samita
observavam e observavam.
—Querido, não fiques triste, logo ele estará salvo. Os Lanceiros
já estão providenciando a busca de Joselito.
—Eu sabia, não é justo. Esses caras nem imaginam o que seja
o mundo inferior, por isso não buscam Deus. Se as famílias
apresentassem Cristo aos filhos, as dores no mundo seriam
menores.

66
Retiramo-nos daquele local. Depois dizem que não existe
inferno, aquilo era pior que o inferno. Aqueles viciados babavam e
gemiam, numa viagem sem volta. O barulho da dor era terrível.
Voltamos à nossa sede, onde os amigos nos prepararam
"aquele" caldo, feito com os fluidos magnéticos da natureza. Senti
vontade de me deitar e cobrir a cabeça, fugir, nem que fosse por
segundos, de todas aquelas cenas terríveis que assistíramos.
Contudo, não havia tempo para lamentações.
—Luiz, falou Enoque, recebemos aviso de que precisamos ir até
o plano inferior para uma melhor compreensão dos fatos que
presenciamos.
—Iremos de novo ao vale?
—Isso é o que vamos ver.
—Quando partimos?
—Amanhã. Hoje precisamos descansar.
Aproveitei para dar os meus passeios. Fui a um centro amigo
conversar com alguns irmãos e andar pela cidade. Quando voltei,
senti que precisava "apagar", algo muito sério precisava ser
narrado e, graças ao Senhor, eu fui escolhido.
A noite no plano físico foi tranquila. Mirando as estrelas,
cantei, louvando a natureza, e agradeci a Deus ter sido um dia
criado por Ele.
Na manhã do dia seguinte, nove de junho de 1989, encontrei-
me num Departamento da Espiritualidade superior, recebendo
um banho magnético, necessário para o fortalecimento do
perispírito. Quando saí da sala, me sentia tão pesado, que mal
andava. Olhei os outros e dei um sorriso.
—É isso, amigos, estamos agora aptos a ir à Lua. —Antes fosse,
agora vamos é varrer o plano inferior. Sai correndo, sem leveza,
imitando um avião. —E comigo mesmo!
Todos riram, era o riso nervoso diante da grande
responsabilidade do chamado divino. Assim, fomos varando as
zonas de fluidos deletérios, bastante densos. Parecia que ali era
um depósito do lixo humano; todo pensamento mau e toda
atitude animalesca formavam aquele plano. O lugar era sombrio
e as árvores deformadas. A cada passo, os redemoinhos
dificultavam o nosso caminhar, onde os abismos eram
constantes. As águas escuras dos rios, de forte odor, emitiam
vapores sulfurosos.

67
Defrontamo-nos com vários comboios, que passavam sem
perceber nossa presença. Os ocupantes desses comboios
apresentavam os períspiritos revestidos de fluidos densos.
Estávamos silenciosos, mas ao nosso redor o horror dominava.
Era terrível a vibração do lugar: a vegetação feia, ausência de
flores, as árvores com seus galhos e folhas deformados; os galhos
de algumas assemelhavam-se a garras, que pareciam aprisionar
fisionomias humanas. Mesmo assim, notava-se que também a
vegetação parecia amedrontada; era ameaçador e sinistro o vento.
Tínhamos a impressão de que algo iria acontecer e de que
cairíamos em algum despenhadeiro, que um animal feroz nos
atacaria, enfim, sensações terríveis. Observei vários animais,
compondo aquele plano inferior, jamais vistos nas colônias da
Espiritualidade superior. Ora sentia frio, ora calor. O clima
parecia controlado pelas ondas mentais das criaturas sem moral.
Fomos chegando à cidade, que nos pareceu bem traçada, e me
fez recordar as cidadezinhas brasileiras, com prédios, residências
e até hospital. Reparei, também, que estava muito bem policiada.
Encontrávamos mendigos, ou melhor, pessoas famintas, surra-
das, muitas delas maltrapilhas.
—Quem são? perguntei a Rayto.
—Os recém-desencarnados. Eles agora vão para aquele enorme
hospital, de onde serão distribuídos para as organizações. Alguns
partirão para a terra para obsidiarem, outros serão vampiros que
para lá se deslocarão em busca dos fluidos vitais. Muitas
criaturas trabalham aqui e é neste lugar que vamos ficar mais
tempo.
—E aqueles outros ali, caídos no chão, escorraçados pelas
chibatas dos algozes?
—São espíritos que já estão perdendo a força. Aproxima-se a
hora de serem socorridos pelos Filhos de Deus.
—O que fazem com estes irmãos?
—Jogam-nos para fora da cidade; faz mal à organização a
perda dos fluidos desses espíritos sofredores. Nesta cidade do
plano inferior podemos encontrar cientistas, médicos, militares,
advogados, juízes, religiosos, enfim, qualquer um que tenha
falhado na vida física.

68
Enquanto observávamos, vi passarem por nós os mais
estranhos veículos, e pude notar que a motocicleta é uma criação
do umbral, pois várias delas corriam pelas ruas da cidade escura.
Dali, fomos levados ao local de onde muitos espíritos comandam
falanges do desencarne, isto é, dos suicidas inconscientes.
Na cidade da dor me vi diante de duras e cruéis realidades.

69
Capítulo X

A COBAIA DO MUNDO INFERIOR

No momento em que escrevo estas linhas ainda tenho, bem


vivas em minha mente, as fisionomias dos espíritos de todos os
profissionais que viviam na cidade das trevas, todos aqueles que
abusaram da fé do próximo, usufruindo dinheiro e bens
materiais, até o político mau caráter. A cidade, apesar de possuir
aura escura e o ar pesado, não era muito feia. Era cercada por
crateras repletas de espíritos que nos lembravam os retirantes,
entretanto em estado muito pior. No olhar, o desespero, o ódio e a
dor. Lílian segurou-me bem forte o braço.
—Calma, menina, a luz divina nos protege.
Nesse momento, Enoque parecia uma águia, tal o seu porte
majestoso, como um anjo a nos proteger. Sua aura espiritual
assemelhava-se a uma antena que captava as energias do Alto,
que até nós chegavam como raios de vários matizes. Fixei tanto o
meu olhar no amigo que ele, notando, falou-me:
—E isso, Luiz Sérgio, a besta do Apocalipse tem a pretensão de
dominar a Terra e para isso conta com a ajuda poderosa dos
encarnados sem Cristo, os apegados aos bens temporais.
Estava curioso para saber por que na cidade havia aquele
abismo repleto de irmãos dementados, quando vi que íamos para
lá. Ao chegarmos, ouvimos uivos e sentimos forte odor que quase
nos desequilibraram. Os irmãos, com a nossa chegada,
buscavam uns aos outros, abraçavam-se em desespero,
pensando que íamos maltratá-los. Rayto e Procópio davam-lhes
passes; Sadu emitia uma luz translúcida do centro de força
coronário, assim como Samita e Carlos. Dirigi àqueles sofredores
um olhar de amor, mas eles nem perceberam, tal o pânico. Nisso,
juntou-se a nós outra equipe de socorro, os "Mensageiros da
Paz", tendo Ocaj à sua frente. Com que velocidade iam apartando
os doentes e os retirando dali!
—Aqui não existem grades? Perguntei.
—Observe-os, disse Karina, não há necessidade das grades,
eles estão hipnotizados.
—Graças a Deus, falei.
E assim, Ocaj e os mensageiros iam recolhendo da cidade
maldita os doentes do espírito. Abdul, que passava por mim,
falou:
70
—Por que vocês estão parados? Levem-nos até o comboio!
Não esperamos segunda ordem, corremos ao trabalho. Só aí
notei que o comboio divino já esperava pelos sofridos. Perguntei
ao Abdul:
—Somente o pessoal desse lado será ocorrido?
—Sim, eles são bagaços já chupados, o caldo já foi retirado.
Eles não saem daqui, porque temem o abandono. Julgam que
podem entrar na cidade e lá viver. As vezes o conseguem, mas
são sempre expulsos.
—Por que os mensageiros não vêm aqui com maior frequência
para salvá-los? Por que Deus não faz alguma coisa?
—Simplesmente, porque Deus é bom e deu a cada um a fatia
da escolha.
—Mas eles estão doentes...
—Nós estamos aqui, Sérgio, assim como outras equipes; eles
nunca serão desamparados.
—E aqueles outros que vimos com muito melhor aspecto?
—Desencarnaram recentemente e são ansiosamente esperados.
São os "aviõezinhos"; eles trazem ainda os fluidos da vida. Todos
se suicidaram, consciente ou inconscientemente.
—Não brinque. Então eles são as canas que logo serão
transformadas em bagaço?
—Sim. A organização não dispõe de muitos aparelhos de
sugação, por isso eles ficam na espera, aguardando a vez.
—E esperam muito? .
—Não, cerca de setenta e duas horas somente, logo estarão
nesta ala.
—Agora entendo: os socorristas limpam o vale onde eles jogam
os mortos estropiados.
—Isso mesmo.
—Eles sabem que são os Mensageiros da Paz que operam a
limpeza da área? Perguntei a Enoque.
—Sabem, sim, mas até eles respeitam Ocaj, Onor e Abdul.
—O quê? Não entendi. Eles gostam de Ocaj, Onor e Abdul?
—Gostar não seria o termo, os trevosos admiram a coragem e a
humildade desses espíritos e se curvam de pavor. Por isso fingem
que não presenciam o socorro.
—Confesso que não estou entendendo.

71
Ele não se preocupou em me dar mais explicações, mas eu
compreendi: Ocaj, Onor e Abdul são espíritos que jamais
violentaram alguém, mesmo diante do pior criminoso. Acredito
que Ocaj tem por eles amor e respeito. Nos olhos de Ocaj não
existem as sombras da crítica, do medo ou do ódio. Ele possui o
olhar da paz.
—Não seria mais fácil retirar os "aviões" de transporte? Inquiriu
Lílian.
—Se mexermos em preciosa carga, receberemos chumbo
grosso, e ainda não é hora de atacar, respondeu Enoque.
Quando Lílian perguntou, enderecei minha atenção aos
pavilhões, ou melhor, aos núcleos de armazenamento e vi garotos
ali também confinados, espíritos completamente dementados.
Acerquei-me de Ocaj e interroguei:
—O irmão está trabalhando sempre aqui?
—Não só aqui, mas em todos os lugares onde a violência se faz
presente.
Abraçara-se Ocaj a dois espíritos completamente alucinados e
os levava para o comboio. Aquela figura simples, mas humilde,
emocionava-me. Pensei: "como Deus deve sentir-Se feliz por ter
criado semelhante ser. A dignidade nesse homem inundou-lhe o
ser e transbordou em direção a toda a Humanidade do século XX.
Felizes somos pelos Ocajes da vida, luz que dissipa as trevas da
violência. Bendito seja, amigo". Ele se virou e sacudiu a cabeça.
Os dois espíritos talvez nem soubessem que estavam sendo
amparados por uma grande e sublime alma.
Trabalhamos muito, ali; ao término, despedimo-nos da equipe e
Onor prometeu a Rayto uma grande ajuda. Dirigimo-nos ao
reservatório energético, onde encontramos espíritos recém-
desencarnados. Aí, sim, vi várias equipes de guarda da Faculdade
de Maria, não só os queridos Lanceiros, mas até o doutor Nagi.
Percebemos que naquele local o engenheiro falido da terra tivera
competência para construir uma verdadeira obra-prima: os
departamentos de pesquisa. Nagi, então, aproximou-se de nós e
falou:
—Enoque, os meninos precisam refazer sua proteção.
—Já vou providenciar isso.

72
Nossa capa fluídica já se desfazia e logo seríamos vistos como
tarefeiros de Jesus. Afastamo-nos um pouco e dois espíritos do
grupo do médico Nagi nos ofertaram os fluidos necessários para
continuarmos ocultos dos nossos adversários.
—Agora vamos até ali, na sala treze, disse Nagi.
Ninguém pode sequer imaginar o que armazenava aquele
departamento de pesquisa, algo indescritível: os mais poderosos
aparelhos científicos. Alguns médicos trevosos examinavam uma
jovem recém-desencarnada por overdose de cocaína, aos
dezesseis anos de idade. Parecia que o físico, também examinado
na mesma hora, encontrava-se na espiritualidade, mas não.
—Por este vale estar bem perto da terra é fácil, com aparelhos,
acompanhar ou examinar o físico, mesmo com o espírito deste
lado, explicou-me Sadu.
Invisíveis aos olhos dos trevosos, assistíamos, junto à equipe
de Nagi, ao trabalho deles no corpo físico da garota. Os órgãos
sexuais da jovem eram minuciosamente observados e
examinados por aqueles espíritos. Ela parecia dormir e eles
buscavam o esperma que encontraram bem vivo, pois a garota
tivera relação sexual antes do coquetel de tóxico. Coletaram o
óvulo inseminado com o esperma e este, já fecundado, foi
retirado e mantido num recipiente. Dentro dele colocaram um
líquido, que dividiu o óvulo, transformado agora em várias
células. O embrião foi envolvido por uma substância gelatinosa.
Notamos que a garota levara horas e horas para desencarnar e,
mesmo desencarnada, a equipe trevosa mantivera o embrião com
vida. Continuaram a trabalhar no embrião e percebemos que
conseguiram o que buscavam. Sorriram, muito felizes. Perguntei
a Nagi:
—Por que mantêm o embrião com vida? O que desejam?
—Luiz Sérgio, as organizações estão querendo colocar espíritos
trevosos na terra, encarnações clandestinas.
—O quê?! Está brincando!...
—E verdade. Eles estão buscando as orgias do sexo e
estudando um meio de fecundar os óvulos das mulheres que
praticam sexo por esporte.
Senti-me apavorado. Então todo esse trabalho visava povoar o
Planeta com seres sem Cristo!... Não basta o inferno em que está
a Terra: assaltos, droga, sexo, prostituição, miséria?
—E, mas eles, por vaidade, querem criar seres.

73
Olhamos o corpo físico da garota sendo projetado até o
departamento e presenciamos ali na terra uma verdadeira equipe
médica fazendo o trabalho.
—Esse embrião que eles mantêm vivo no vidro, o que será dele?
—Vão implantar em um útero, porque acho que se ele ficar ali
morrerá. O embrião pode durar até três dias, tempo suficiente
para realizarem o que desejam.
—Nagi, se for implantado no útero de outra mulher, a
organização alcançará o seu objetivo.
—Tem razão. A gravidez dessa garota foi programada e isto já
foi explicado no livro Lírios Colhidos. O sinal foi dado e a menina,
apta a engravidar, viu germinar no seu corpo a semente.
—Esse espírito pode ser bom. O que vai adiantar para os
trevosos implantar em outro útero este embrião?
—No momento eles estão em experiência e tentam manter vivos
os recém-fecundados óvulos, porque desejam colocar alguns
espíritos da organização deles na terra. De há muito tentam fazer
esse trabalho e só têm fracassado. Hoje assistimos a esta
operação e podemos ver que eles contam com pessoas bastante
capacitadas.
—Por que Deus não interfere nesse caso? E triste demais,
minha gente!... falou Lílian.
O corpo espiritual da garota não somente foi examinado, como
também vampirizado pelos espíritos que o estavam examinando.
Felizes, conversaram com a sua equipe no plano físico. O chefe
da organização desencarnada deu as ordens:
—Conservem o embrião. Procurem uma garota com a mesma
idade, mas não tão doidona, e façam o implante.
O médico que estava na terra perguntou:
—Mas para que conservar o embrião, se ele não é dos nossos?
—Simplesmente recordo que esse é um ato experimental. Se
der certo, logo os nossos estarão voltando sem precisar dos
elucidadores da mente. Temos dificuldade de encarnar, para isso
precisamos pedir ajuda, sermos curados, evangelizados, para só
então voltarmos. Agora não. Teremos o nosso próprio
departamento reencarnatório, grandes e valiosos cientistas
materialistas, que engrossarão o nosso núcleo de trabalho.
—Então podemos implantar este embrião em qualquer garota?
—Sim. E vamos esperar os acontecimentos.

74
Enoque permanecia imóvel, como se vivendo nos dois planos. O
perispírito da garota ali na espiritualidade, enquanto o físico,
abraçado ao duplo, permanecia no banheiro de uma rica mansão.
Atentos ao telão de que se serviam os cientistas, vimos a garota
ser socorrida pelos familiares e chegar ao hospital. Pensei: "agora
vão ver que ela está grávida."
—Luiz Sérgio, ninguém vai notar, recorde que são horas apenas
vividas pelo embrião.
Por mais que a sede trevosa da espiritualidade fizesse para
apagar a cena terráquea, Sara a mantinha ligada para os nossos
estudos. E assim, mostrava o corpo ser retirado do local do
desencarne. Apesar de estar no mundo espiritual, a jovem sentia
a necrópsia e gemia de dor. A matéria que sucumbira era
violentada por dependentes desencarnados do sexo e da droga. O
espírito, que tinha o perispírito como veste, debatia-se nas
penosas sensações do físico.
—Que podemos fazer?
—Nada. Vamos ficar aqui para acompanhar o embrião com a
equipe terráquea.
—Não seria melhor descermos até o plano físico e buscar a
turma?
—Não. Toma-se difícil encontrá-los, e depois, aqui os aparelhos
irão nos ajudar muito.
Ficamos. A garota, depois de vampirizada, foi jogada para o
vale da dor e a equipe trevosa encarnada já se preparava para
fazer o implante. Por mais que me esforçasse, não conseguia ficar
calmo.
Em um determinado local, a festa corria solta, os jovens
completamente enlouquecidos. Garotas sem roupas viviam a
orgia do sexo e da droga. Foi aí que a equipe julgou ser o
momento exato para implantar o embrião. A garota, que aqui
vamos chamar de Oana, morena, olhos verdes, na noite anterior
tinha tido uma relação sexual, sem os cuidados necessários para
não engravidar. Estava ali com o namorado, "numa boa", fazendo
sexo e se drogando. A equipe do Senhor já estava também a
postos para a fecundação, porquanto o alarme havia soado e os
espermatozoides tinham sido separados pelo próprio organismo
da mãe e vigiados pelos espíritos da equipe reencarnatória. Agora
estava chegando a hora da ligação espiritual, isto é, de colocar no
óvulo a luz da vida. Por sua vez, a equipe trevosa já estava com o
embrião pronto para ser implantado.
75
Oana adormeceu no tapete da casa e, sofrendo um torpor, deu
condição da equipe de Jesus aproximar-se, mas imediatamente
retirar-se. A garota, mesmo dormindo, era usada pelo namorado
e outros rapazes. Os trevosos, olhando o painel do departamento,
riram satisfeitos, pois a sua equipe conseguira implantar o
embrião no útero de Oana. Todos nós, calados, presenciamos a
falta de respeito humano. Oana despertou assustada e chorava,
tentando livrar-se dos caras, pois ela amava o namorado, e este,
impassível, sob efeito da droga, nem se importou com o que
estava ocorrendo. Ela se levantou e correu, procurando a porta
de saída. A equipe de Jesus retirou-se em silêncio. Não aguentei:
—Por que eles não a ajudaram?
—Eles não são Lanceiros, disse-me o querido Nari, um dos
componentes da equipe.
—E você aqui, amigo?
Ele sorriu. E assim Oana ganhou a rua, sendo logo protegida
pelos Raiozinhos de Sol. Sorri.
—Puxa, já estava sem fôlego, eles só levavam a melhor!
Pablo, Ricardo, Olegário e outros meninos que nos estavam
ajudando na terra, acercaram-se de Oana e a protegeram dos
trevosos. O painel começou a falhar, por interferência de Nagi e
Dayal, que sorriram satisfeitos. Logo Oana chegava à casa. Os
pais não se encontravam e ela, bastante drogada, jogou-se na
cama. Embora precariamente, o projetor mostrava o embrião se
alojando no corpo materno.
—E, disse Nagi, vai dar certo, e ai a genética vai para longe.
Oana terá um filho que nada tem de si.

76
Ainda desolados, comentando os fatos ocorridos, anunciou-se a
primeira rejeição: Oana vomitava e todo o corpo tremia. O irmão
a levou para um hospital e o fluxo menstrual apareceu, para
satisfação nossa e desespero dos trevosos. A equipe da
encarnação prestou assistência a Oana, entrando no caso o
doutor Bezerra de Menezes que, com amor, socorreu o feto,
levando-o para o reino de Jesus, para a maternidade do Plano
Maior. Oana sofria uma crise hemorrágica, dado aos inúmeros
excessos daquela noite. Mal sabiam os seus pais que ela havia
abortado um filho que não era seu.
—Complicado, hein, gente?
—Mais que complicado, loucura mesmo.
Julgavam os médicos que elahavia sido estuprada, mas nós
sabíamos muito mais: ela fora uma cobaia do mundo inferior,
socorrida a tempo pelos espíritos de Deus.

77
Capítulo XI

UMA AULA SOBRE MEDIUNIDADE

Todos estávamos calados. Ali; numa cidade trevosa, ouvíamos


uma bela preleção sobre mediunidade, esse dom divino que todos
possuem, mas que jamais devem dele abusar.
—Jesus também disse:
Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino
dos céus; apenas entrará aquele que faz a vontade de meu Pai,
que está nos céus. —Muitos, nesse dia, me dirão: Senhor!
Senhor! não profetizamos em teu nome? Não expulsamos em teu
nome o demônio? Não fizemos muitos milagres em teu nome? Eu
então lhes direi em altas vozes: Afastai-vos de mim, vós que fazeis
obras de iniquidade. (Mateus, Cap. VII, VV. 21-23).
—Vejam como Jesus é sábio. Não adianta o médium receber
espíritos, doutrinar obsessores, se ele não abraçar o seu próximo,
como fez Jesus. Caso contrário, não vai conhecer o Reino dos
Céus. Não sou eu que estou dizendo, são as Escrituras. Os
hebreus, os doutores das leis, ficavam nas Sinagogas querendo
doutrinar o povo. Jesus saiu dos templos e fez do coração do
povo o templo de Deus. Assim devem ser os espíritas. Depois veio
Kardec e O Evangelho Segundo o Espiritismo. Este: "Pelas suas
obras é que se reconhece o cristão". Simeão: "A árvore é boa
sempre, porém maus são os jardineiros". Ainda Simeão:
"Entenderam de moldá-la pelas sua ideias; detalhá-la de acordo
com suas necessidades". Como é atual esta frase de Simeão!
Quantos de nós nos cobrimos com a capa da avareza, do orgulho
e do comodismo, alegando que a Doutrina não nos pede para
socorrer a pobreza e, sim, para nos elucidarmos, esquecendo o
que disse o Espírito da Verdade: "amai-vos e instruí-vos". Como
podemos viver trancafiados em uma biblioteca, quando a fome, a
dor e o desespero se avolumam ao nosso redor? Aqui em Mateus,
Cap. X, VV. 9-15:

78
Não vos afadigueis por possuir ouro, ou prata, ou qualquer
outra moeda em vossos bolsos. —Não prepareis saco para a
viagem, nem dois fatos, nem calçados, nem cajados, porquanto
aquele que trabalha merece sustentado. Ao entrardes em
qualquer cidade ou aldeia, procurai saber quem é digno de vos
hospedar e ficai na sua casa até que partais de novo. —Entrando
na casa, saudai-a assim: Que a paz seja nesta casa. Se a casa for
digna disso, a vossa paz voltará para vós. Quando alguém não
vos queira receber, nem escutar, sacudi, ao sairdes dessa casa
ou cidade, a poeira dos vossos pés. —Digo-vos, em verdade: no
dia do juízo, Sodoma e Gomorra serão tratadas menos
rigorosamente do que essa cidade.
—Aqui Jesus coloca os apóstolos nas ruas, nas estradas. E é
isso que precisamos fazer como espíritas, viver ao lado dos que
sofrem, porque os tempos são chegados e em cada lar existirão
dores e lágrimas. Não está no tempo de caçarmos fantasmas. Do
mundo espiritual, partem para a terra caravanas de irmãos que
buscam ajudar os encarnados a bem desencarnar. Porque, se o
homem é apegado às coisas perecíveis, ele dá trabalho quando
retoma à Casa-Mãe e aqueles que já ouviram e leram as palavras
do "Espírito Santo" têm uma responsabilidade muito grande, não
podendo se dizer ignorantes. Os espíritos gritam: Caridade\, os
homens pedem: por caridade, não nos deixem morrer em vão.
Todos os seres orgânicos têm por obrigação viver em harmonia e
ninguém vive em paz diante da miséria e da dor. Ninguém pede
que "vendamos tudo o que temos para dar aos pobres". Mas
Jesus contou a parábola do Samaritano:
Então, levantando-se, disse-lhe um doutor da lei, para o tentar:
Mestre, que preciso fazer para possuir a vida eterna? —
Respondeu-lhe Jesus: Que é o que está escrito na lei? Que é o
que lês nela? Ele respondeu: Amarás o Senhor teu Deus de todo
o coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças e de todo
o teu espírito, e a teu próximo como a ti mesmo. —Disse-lhe
Jesus: Respondeste muito bem; faze isso e viverás. Mas, o
homem, querendo parecer que era um justo, diz a Jesus: Quem é
o meu próximo? —Jesus, tomando a palavra, lhe diz:

79
Um homem, que descia de Jerusalém para Jerico, caiu em
poder de ladrões, que o despojaram, cobriram de ferimentos e se
foram, deixando-o semimorto. —Aconteceu em seguida que um
sacerdote, descendo pelo mesmo caminho, o viu e passou
adiante. —Um levita, que também veio àquele lugar, tendo-o
observado, passou igualmente adiante. —Mas um samaritano
que viajava, chegando ao lugar onde jazia aquele homem e tendo-
o visto, foi tocado de compaixão. —Aproximou-se dele, deitou-lhe
óleo e vinho nas feridas e as pensou; depois, pondo-o no seu
cavalo, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele. —No dia
seguinte tirou dois denários e os deu ao hospedeiro, dizendo:
Trata muito bem deste homem e tudo o que despenderes a mais,
eu te pagarei quando regressar.
Qual desses três te parece ter sido o próximo daquele que caíra
em poder dos ladrões? —O doutor respondeu: Aquele que usou
de misericórdia para com ele. —Então, vai, diz Jesus, e faze o
mesmo. (Lucas, Cap. X, VV. 25-37).
—E como ainda ignorar a caridade? É muito importante para o
espírita construir um templo. Nós, que labutamos nos livros
espíritas, não nos cansamos de dizer: não existe fé sem obras.
Quem não arregaçar as mangas para o trabalho sentirá o peso da
própria dor, pois a cruz está aí mesmo e só a caridade a toma
leve. Como é possível uma criatura conviver com os espíritos
desencarnados e não assimilar os seus ensinamentos? Em cada
linha do Evangelho de Jesus Ele está presente, lado a lado com
os pobres e oprimidos. Um aprendiz da Doutrina não pode, de
maneira alguma, negligenciar a Caridade. Os grandes espíritos
escreveram a história do Espiritismo com a tinta do
desprendimento: Bezerra, Eurípedes, Aura e outros. E mais fácil
doutrinarmos do que sermos doutrinados através do esforço
próprio, podando em nós mesmos as imperfeições, que são tão
vivas quanto somos avaros para com os humildes. Essa estória
que pobreza é carma, que os pobres têm de trabalhar, é um
paliativo nas chagas imensas da nossa consciência, são gotas de
justificação, porque no fundo sabemos que não somos dignos
trabalhadores da seara do Cristo. Nós vemos como os trevosos
buscam as criaturas ociosas. Existem aqueles que, fermentados
pela vaidade, desejam chegar a um Centro espírita para ocupar
lugar de destaque na diretoria ou possuir mediunidade gloriosa,
esquecendo-se de desenvolver a mediunidade do futuro: "amor ao
próximo".
80
Ai daqueles que, sem conhecimento doutrinário, desenvolvem
os médiuns. O corpo físico é composto de vários pontos
energéticos, pontos estes que podemos classificar de geradores.
Os centros de força são as máquinas da usina, a usina a aura
espiritual; as máquinas transmitem para os pontos energéticos e
estes distribuem a energia para todo o corpo físico. Se um
dirigente de grupo, sem habilidade, desenvolver ou forçar um
desses pontos ou chacras, o médium se desequilibra e, aí, adeus
mediunidade com Jesus. O mais certo é o dirigente se preocupar
em transmitir os ensinamentos básicos da Doutrina e observar a
mediunidade de cada um, aceitando principalmente aqueles
chamados de doadores. Sabemos que existem Centros espíritas
que estão mandando embora aqueles que não incorporam. Este
proceder leva a criatura à mistificação, ou animismo. Com medo
de ser advertido, o médium encena para o dirigente, grita, chora e
dá ao vaidoso oportunidade de doutrinar o espírito sofredor,
quando muitas vezes é o próprio dirigente que precisa,
urgentemente, ser esclarecido para as coisas de Deus. A
mediunidade precisa ser respeitada e cuidada, ela não é o único
ponto importante de uma Casa espírita. Primeiro, os espíritas
precisam conscientizar-se de que neste século, até este ano —
1989 — o espiritismo já cresceu, já se tomou adulto, e não é
cabível nos defrontarmos com cenas deprimentes em Centros
espíritas: médiuns vendo espírito pregado nas paredes, guiando
carro, apresentando-se em todos os momentos, principalmente
em reuniões sociais. O sacerdócio da mediunidade pede que cada
um encontre a paz interior que a Doutrina oferece e que ao
chegar à Casa espírita busque servi-la sem fanatismo, sem
dogmas, sem orgulho, fazendo dela a continuação do nosso lar,
que temos por obrigação respeitar. A Doutrina é atacada pelos
atos deprimentes de alguns de seus adeptos que, esquecidos da
reforma íntima, servem-se do Centro como trampolim para as
suas vaidades.
Após a palestra, fiquei a meditar sobre o que ouvira:
—Pensativo, Sérgio? Perguntou-me Lílian.
—Sim, estou a pensar como é difícil manter a pureza em um
recinto religioso.
—Eu pouco entendo de religião, mas graças às aulas que
recebo, hoje j aposso diferençar Deus de Jesus, o que na igreja
católica complica a nossa compreensão.

81
—É verdade, na igreja católica são três em um. Saindo da letra,
descobrimos que Deus é uno, indivisível, eterno; e Jesus, filho de
Deus, criado igual a nós, simples e inocente. Só que Ele manteve
a inocência e tomou-se o Governador do Planeta.
—Quando aprendemos, tudo se toma mais fácil.
—É mesmo, se hoje o Evangelho de Jesus é o alicerce da moral,
nós, que o buscamos como o único remédio para o crescimento
dos nossos espíritos, sentimos o quanto ele nos é importante.
—Sérgio, fico muito feliz por ter sido chamada para aprender
junto a vocês. Sei que pouco posso ajudar, mas tudo farei para
não decepcioná-lo.
Alisei seu cabelo e me afastei devagar.

82
Capítulo XII

A COLÔNIA DAS HORTÊNSIAS

Andei alguns metros e me senti preso ao chão lodoso. Tudo fiz


para volitar, mas a atmosfera asfixiante não me deixou
prosseguir. Pensei: "por que junto aos outros o caminho fica mais
fácil?" Fiquei ali parado vendo as residências e os edifícios. Como
será que eles obtêm as casas nas colônias? O espírito necessita
de autorização para utilizar os fluidos apropriados para a
construção. O crédito é de acordo com o seu trabalho quando
encarnado e também como desencarnado. É prestação de serviço
ao próximo. É bom reler o capítulo anterior. A moeda para
aquisição da casa própria chama-se Caridade. Lá recordei minha
casinha e com que carinho ela está sendo preparada para receber
o meu grande amor: vovó (1). O jardim é muito belo e sei que vai
adorá-lo. Quando fazia essa comparação, pensei: "vale a pena a
gente "perder" quando encarnado". Os que bateram, agrediram,
feriram, furtaram estão aqui, nessa cidade sem luz, sem flores,
sem pássaros, enquanto nas colônias divinas os edifícios são
iluminados pela luz do amor. Sei que muitos leitores gostariam
de saber onde moro, e recordar minha casa deixa-me feliz.
Desenharei para vocês minha cidade:
Ela tem muita semelhança com Brasília: muito verde, flores e
seu traço arquitetônico lembra muito a cidade onde morei:
Brasília. Muitos jardins, pequenos lagos e canais de água
cristalina. Mas os edifícios não ficam separados das residências;
em cada triângulo há três instituições: educativa, científica e
artística. As residências são lindas, muita vegetação, água, flores
e pássaros.

(1) NE. — Ao fazer este relato, em 1989, ainda não havia


ocorrido o desencarne de sua avó Margarida, o que se deu em
10.01.90. No livro Lírios Colhidos pôde ser inserida a mensagem
de Luiz Sérgio sobre o fato, porquanto o livro ainda se achava em
preparo na gráfica que o editou, vindo a público em 1990.

83
Pensava na colônia onde moro, todavia, ali estávamos nós,
diante de uma cidade trevosa, cujo odor era insuportável. Os
transeuntes passavam por mim dando gargalhadas, a aparência
péssima demonstrava desleixo e falta de equilíbrio. Pareciaque
estávamos no escuro, tudo enfumaçado. Eles quase me
derrubavam. De repente, fui admoestado por um membro de uma
caravana que passava. O chefe, parando, me falou:
—Anda ligeiro, senão apanha.
Quase me desesperei, porém logo me vi seguro pelo braço de
Enoque.

—Sérgio, não dê uma de garoto levado, não podemos separar-


nos, temos de ficar unidos, do contrário seremos descobertos.
—Desculpe, amigo, estava colocando o pensamento em dia.
Voltamos abraçados para junto dos outros. Carlos,
aproximando-se de mim, falou:
—Frade, não bobeia que eles te levam mesmo, e ai é difícil de te
tirar daqui.
—Não brinque, por favor, já estou assustado por demais.
—É mesmo, Luiz Sérgio? disse Damian. Você, assustado?
—Por que não? Sou igualzinho a você, ainda precisando do
contato com os mensageiros para ficar de pé.
84
—E verdade que eles quase levaram você?
—Sim, Damian, é verdade. Mas não se preocupe, se eles me
levassem eu viria lhe buscar. Não o deixaria sozinho, não quero
que tenha saudade de mim.
Todos riram e Sadu nos convidou a voltar ao departamento de
pesquisa, onde um novo corpo estava sendo examinado. Antes,
recebemos passe de uma caravana socorrista que nos dava
cobertura. Senti-me mais leve e confiante. Ali, na sala médica,
quatro espíritos examinavam o perispírito do recém-
desencarnado: um jovem. Matara a mãe e se suicidara; estava
completamente drogado no instante do desencarne. Eles
colocaram no centro de força coronário do espírito um aparelho e
uma tela ia registrando o seu desespero. O perispírito daquele
menino estava totalmente desequilibrado. Sentia muito frio e dor
fortíssima. O sangue corria pelo orifício causado pela bala que o
vitimara. Os ouvidos doíam por demais. Ele desejava aparar o
sangue que lhe sujava a roupa, sem nenhum sucesso, e debatia-
se em total desespero. As criaturas trevosas examinavam, no
vídeo, todo o drama do garoto. Ele revia sua vida, fazendo um
retrospecto desde a infância, e começou a chamar a mãe, o pai e
os irmãos. Pediu comida e água. Mas, em vez disso, aparelhos
estranhos buscavam as energias dos seus centros de força. O
sangue o incomodava e ele levava a mão até o ferimento.
Examinou seu corpo, aquele que estava ali junto aos trevosos, e o
cheiro do sangue e das vísceras putrefatas o desesperou.
Buscou no seu corpo o odor forte, mas sua visão foi mais longe:
a um cemitério, onde o corpo de carne se decompunha. "Por que
cheirava tão mal?", pensava. Continuou a procurar uma
explicação e percebeu que o corpo era outro; que ele, mesmo ali
estendido, estava amarrado a outro corpo.
—Vamos fazer alguma coisa? sussurrei a Enoque. —Sim, daqui
a pouco.

Os trevosos retiraram toda a energia dos centros de força e dali


saíram deixando o garoto desesperado. Os nossos médicos
aproximaram-se dele, fazendo-o adormecer, mas por pouco
85
tempo. Ele teria ainda, por muitos anos, a imagem da sua veste
física. Afastamo-nos dali carregando o garoto, que aqui chamarei
de Mário. Senti uma piedade imensa daquela criança,
principalmente porque o vi na tela garotinho, mimado pela mãe, e
me perguntei: "quantas crianças não estão agora caminhando
para o abismo do tóxico?" Deixamos o local. Ao chegarmos à
porta da cidade entregamo-lo para os enfermeiros volantes, os
abnegados espíritos de Maria. Acerquei-me de Samita e indaguei:
—O que você fez naquele aparelho? Eu a vi mexendo nele
enquanto nós carregávamos Mário.
—Retirei os fluidos vitais do corpo perispiritual de Mário. Ele
estava muito louco.
—E agora? A equipe das trevas deve estar no nosso encalço. —
E está mesmo, é só você olhar para trás. —Meu Deus! falei,
apavorado.
Nós éramos agora procurados não por dois espíritos, mas por
uma legião. Eles estavam furiosos. Abrigamo-nos num abraço,
formando um campo energético, através da prece. Um clarão se
fez no momento e aproveitamos para fugir. Se eles eram muitos,
nós tínhamos a vantagem do conhecimento do lugar. Nossa
turma fugiu, e fugiu bonito; sempre que iam ficando mais perto,
aj untávamo-nos para orar; de nós partiam raios de luzes que os
cegavam. Em contrapartida, quando iam chegando mais perto,
éramos atingidos por redemoinhos de uma substância que eles
projetavam contra nós e que nos deixava sufocados; era uma
tormenta de areia viscosa. Nós também os atingíamos com a
arma que usávamos: a prece, e víamos vários deles tombarem,
cobrindo os olhos.
Isso durou alguns minutos, que me pareceram uma eternidade.
Karina, Carlos e Samita eram só equilíbrio. Lílian estava
assustada, assim como eu e Damian. Rayto nada falava. Quando
estavam bem próximos, vimos surgir à nossa frente uma
caravana de socorro chamada pelos enfermeiros. Quando
entregamos Mário, os seus sugadores, graças a ele, eram agora
socorridos pelos Lanceiros de Maria que, com grande humildade,
iam prendendo um a um com a laço da disciplina. Tínhamos ido
buscar um irmão e havíamos entregue a esse grupo perto de
quarenta.
Acerquei-me de Enoque e perguntei:
—O que vão fazer com os trevosos?

86
—Levá-los para uma colônia de esclarecimento. Muitos são
servos dos espíritos que vimos. Eles não conhecem o mundo
espiritual, as suas belezas, por isso acham certo viver
trabalhando como escravos.
—Queira Deus que todos eles conheçam Cristo.
—Não digo todos, mas que muitos deles se salvem, é o que
esperamos.
Fiquei calado. Ainda me sentia sufocado pela vibração de ódio
daqueles espíritos. Com a maior alegria, vimos surgir uma
colônia ali perto da organização das trevas; chamá-la-ei de
Colônia das Hortênsias. Nunca vi tantas hortênsias. A colônia
que surgia à nossa frente parecia Cristo, de braços abertos, à
nossa espera. Pulei de contentamento, abracei-me com Lílian,
enfim, todos nos abraçamos. Batemos no portão. Como demorou
a abrir-se! Pensei: "se os trevosos estivessem aqui estaríamos
fritos". Sadu sorriu, esclarecendo:
—Estão observando-nos para se certificarem de que não somos
trevosos. E bom, Luiz, você se aquietar, do contrário, nervoso
como está, não vai entrar.
—Não brinque comigo, faço qualquer coisa aí dentro, mas
quero respirar o ar de Jesus, porque até aqui estávamos no
inferno.
—Sim, e ainda perguntam por que você não se encontra no
umbral.
—Deixe esses falsos profetas falarem, eles não sabem o que
fazem. Estudo que é bom, "necas"...
Nisso, o portão florido de hortênsias brancas, azuis e cor-de-
rosa se abriu. Uma bela moça nos recebeu. Seu nome: Sullivan.
Cumprimentei-a, mas não pude deixar de lhe dizer:
—Você parece uma fada, é lindíssima.
Ela vestia um camisolão azul; os pés descalços, a roupa muito
humilde dava-lhe um ar de deusa. Rayto a reverenciou e Sadu,
Samita e os outros também a reverenciaram; só eu, Sara,
Damian e Lílian a cumprimentamos com carinho e admiração.
Sullivan foi-nos levando para uma das casas da Colônia. Eu me
sentia um pássaro, de tão feliz. Aqui desenharei a Colônia das
Hortênsias:

87
Ainda contarei para vocês o que vi. Sullivan nos abrigou em
uma das casas. Logo peguei meu violão e cantei:
"Deixei meu sonho lá fora, Mas ele não vai embora Eu preciso
sonhar com você E agora, o que faço? Eu não posso buscá-lo E
os meus sonhos Foram embora, Deixando-me sem sonhar Por
fim, volta meu sonho Eu não quero despertar Não vá embora,
sonho meu Não vá embora, não, Eu preciso sonhar E sonhar é
amar, Amar, amar, amar."
Sullivan ofertou-nos um caldo e ficamos palestrando. Como
sempre, aproveitei para lhe perguntar:
—Essa colônia presta auxílio aos desencarnados, não é
mesmo?
—Sim.
—Mas para que tantas residências?
—Nem todas as casas são residenciais. Elas são alojamentos
transitórios, ou melhor, este é um moderno hospital.
—Será que um dia teremos um igual na terra? indagou
Damian.
—Acredito que sim, porque só assim serão debeladas as
infecções hospitalares.
—De quem é esta residência?

88
—E minha, respondeu Sullivan. Aqui moram cinco irmãs. —
Oh, desculpe, estou tocando violão e não lhe pedi licença. —
Esteja à vontade, o lar é nosso.
Olhei a casa: humilde, contudo muito bem cuidada, nos vasos,
as flores brilhavam de alegria.
—Como funciona o hospital? perguntou Carlos.
—Muito simples: depois de ser socorrido o irmão no plano
físico, é trazido para cá; primeiro é levado para o Edifício da
Emigração, onde recebe os primeiros cuidados. Se está muito
doente, é encaminhado para as casas hospitalares e nelas tratado
até obter alta. Outros, mesmo chegando à Colônia das
Hortênsias, não podem aqui ficar e são encaminhados para
outros prontos-socorros da espiritualidade.
Sullivan esperou que descansássemos e então nos levou até os
hospitais-casas. E ali, como se estivesse em um apartamento, o
doente recebia atendimento. Visitamos cinco espíritos e eles,
muito felizes, estavam sendo tratados. Um deles, sentado em
uma cadeira, recebia luzes no sistema nervoso central, de baixo
para cima, verde. Na coluna, de cima para baixo, azul. No
sistema nervoso central, de baixo para cima, rosa forte. Mais
parecia a casa do doente e não a sala de um hospital. Um outro
recebia, de um enfermeiro, azul na coluna; azul em tomo da
cabeça, azul no frontal; azul geral em todo o corpo. Esse irmão
vivera cinco anos em um hospital psiquiátrico.
íamos conhecendo, uma a uma, as enfermarias da Colônia das
Hortênsias, quando assisti ao tratamento de uma irmã; havia
desencarnado com tumor no seio, ou melhor, câncer
generalizado. Ela me pareceu assustada. Ao ver os médicos,
começou a reclamar:
—Não adianta curar esta doença maldita. Na terra, busquei a
cura desde o espiritismo e até em outros países. Só não
compreendo por que ainda não morri. Sempre fui ateia e para
mim é uma grande surpresa não estar morta. Se ontem buscava
a saúde, hoje desejava, de verdade, estar morta, ter virado pó.
Que adianta estar aqui, dizer que estou viva, se não sei onde
anda minha família, minhas filhas, minha mãe, meus amigos?
A médica Samita respondeu:
—Devem estar nas suas lembranças de saudade. A irmã agora
está recuperando-se do impacto da morte dolorosa que teve, com
o câncer que tomou conta do seu corpo físico e da sua casa
mental.
89
Deu uma risada, perguntando:
—Estou no inferno?
—Não no inferno nem no céu, está num hospital de Deus.
As lágrimas afloraram nos olhos da irmã e ela, virando-se para
o lado, murmurou:
—Meu Deus, ajuda-me.
Todos nós nos juntamos e oramos ao Pai pela sua paz e pelo
seu crescimento espiritual.

90
Capítulo XIII

COMO SE CONSTRÓI O UMBRAL

Aquela irmã tinha vivido na terra uma vida de aplausos,


vaidade e sucesso. Deus era para ela uma estrela de difícil
acesso, por isso apenas às vezes pronunciava Seu nome. Agora,
descobrira o Deus amigo, Pai e Companheiro de uma
Humanidade sem fé. Deitada, buscava os seus órgãos amputados
pela doença e descobria, no corpo perispiritual, o amor de Deus.
Os órgãos estavam no mesmo lugar, apenas no corpo físico
haviam sido amputados. Mesmo ainda doente ela se sentia feliz,
pois as dores não mais existiam. Somente precisava encontrar o
equilíbrio necessário, ciente das suas novas oportunidades.
Pedimos por ela e por aquele hospital de Jesus. Meio assustada,
ela recebia o tratamento das cores: trinta segundos de azul na
coluna; trinta segundos sobre os brônquios, pela frente, doação
de energias sobre os pulmões; verde, azul, rosa-forte e amarelo,
trinta segundos sobre cada pulmão. Verde, azul e rosa-forte no
centro de força frontal; azul geral, banho de azul. Quando
terminou a aplicação, ela dormia. Assim, fomos visitando outros
doentes; naquela casa havia cinco doentes, mas outras chegavam
a alojar mais de dez.
—E daqui, para onde vão?
—Para as colônias de trabalho, mas muitos doentes aqui ficam
prestando auxílio.
—E um lugar muito lindo.
Em todo o hospital ouviam-se belas e suaves melodias. Ao
deixarmos o local, observamos, na calçada, vários doentes
sentados em cadeiras espreguiçadeiras; uns lendo, outros apenas
meditando. Samita comentou:

91
—Depois ainda dizem que no umbral só existe sofrimento.
Estamos em um dos umbrais e que beleza de tranquilidade, o
que nos mostra a presença de Deus em todos os lugares.
Depois que visitamos as enfermarias-lares fomos até o edifício
central, onde conversamos com os encarregados do processo de
migração de espíritos de um agrupamento espiritual para outro.
Samita, Enoque, Sadu e Carlos foram até a diretoria, enquanto
nós fomos ao departamento de pessoal, para indagar como os
espíritos ali chegam: o que é preciso para ser levado à Colônia
das Hortênsias. Fomos recebidos por Augusta, que gentilmente
nos informou:
—No momento do desencarne, os amigos espirituais ou
parentes desencarnados amparam e assistem ao romper do laço
fluídico e protegem o desencarnante das ciladas perigosas dos
espíritos das trevas. Muitos espíritos sublimes prestam auxílio ao
desencarnante; entretanto, depende muito do mérito de cada um
a proteção que lhe é concedida no momento do seu desligamento.
São poucas as almas encarnadas que buscam na terra o
crescimento espiritual, assim, a proteção dependerá do padrão
vibratório do espírito, embora não deixe ele de receber amparo.
Outros ficam algemados aos espasmos vitais do corpo físico.
—Nesses casos são úteis os grupos de socorro, onde esses
espíritos são levados e encaminhados às colônias de tratamento,
não é mesmo? perguntei.
—Certo. No dia em que os Centros espíritas se conscientizarem
do trabalho do médium doador, teremos menos espíritos
vampirizados pelas entidades das trevas. Um Centro espírita de
Jesus é um pronto-socorro de Maria em ação no plano físico, e os
espíritos ali socorridos são levados para as casas transitórias e os
hospitais da espiritualidade.
—Irmã, explique por favor: o espírito sofre o desencarne diante
de uma equipe especializada e mesmo assim ele pode ser
vampirizado?

92
—Sim, a operação de desligamento final depende do
desencarnado. Embora receba assistência espiritual, vê-se
desesperado diante da "morte" e, mesmo sofrendo adormecimento
do cérebro para facilitar o desligamento da carne, para que,
sonolento, não interfira na separação, ele dificulta o socorro.
Busca de qualquer maneira a continuação da vida física, ficando
na casa, ao lado dos familiares, sofrendo. Alimentando-se e
partilhando do próprio lar, reluta em ser protegido e em ser
encaminhado para os hospitais da espiritualidade.
—Mas todos os espíritos precisam chegar até os hospitais ou
casas transitórias? Interroguei ainda.
—Não. Existem espíritos que se libertam com tanta
naturalidade e rapidez dos seus corpos físicos, que as energias do
duplo se alojam no físico e o corpo de carne ganha vitalidade e
longevidade, isto é, custa mais a se decompor.
—E os trevosos não se aproveitam disso?
—Nem chegam perto, pois o espírito, ao deixar o duplo e o
físico, leva a coroa da pureza e do amor. O que fica é a energia de
um bom espírito, sem valor para os trevosos.
—Então os corpos que não se decompõem pertencem a bons
espíritos?
—Nem todos. Alguns casos podem ocorrer em virtude da
natureza do solo onde foram depositados. Contudo a alma
purificada deixa o físico como alguém que ganha a liberdade: sem
olhar para trás. Mas existe aquele que, dizendo não temer a
morte, por estudar a Doutrina espírita, desencarna mal, porque
na hora do chamado teme a "morte", julgando-se ainda não
preparado para enfrentar esse momento. Carregando na mente a
preocupação com os familiares, o emprego, a conta bancária,
reluta em abandonar o corpo, estando este, muitas vezes, em
estado lamentável. Em vez de ajudar a equipe do desencarne, ele
dificulta a sua libertação, dizendo precisar ficar na terra,
procurando justificativa para não abandonar o corpo que o
serviu. Assim, prejudica o desprendimento e, por mais que os
encarregados pretendam afastá-lo, ele se mantém junto à matéria
inerte e vive os momentos cruciais do sepulcro.

93
Sofrendo, sem dar ensejo aos familiares desencarnados de
socorrê-lo, ele julga que ali, junto ao físico, está a vida. Não quer
compreender que a vida é ele. Muitas vezes os vemos vagar pelas
sarjetas do plano físico e são levados pela própria casa mental
para as zonas de sofrimento. Mesmo assim, são socorridos e
encaminhados para os hospitais, casas de socorro e colônias de
luz.
—E daqui, para onde vão? Perguntou Lílian.
—Para as colônias espirituais onde existem Governadorias e o
Ministério do Trabalho. Depois de curado, o antigo doente precisa
aprender a viver como espírito. Então cuidamos dos recém-
desencarnados e tudo fazemos para tomar glorioso o despertar
destes irmãos na nova vida que os espera.
—Irmã, entramos a pouco em uma cidade do plano inferior e lá
também existem edifícios. Como foram construídos?
—Existe verdadeira multidão dessas almas rebeldes que
trabalham contra os Cordeiros de Deus; são agrupamentos
trevosos. Eles tentam impedir o socorro às suas vítimas. Embora
organizados, não conseguem vencer a luz, e isso os enfurece
ainda mais. Possuem escolas e estudam para se esclarecer sobre
o mecanismo psicológico das almas encarnadas e desencarnadas.
Aliás, a organização conta com capacitados cientistas subjugados
ao mal que, muitas vezes, dominam o encarnado para mais
firmemente o escravizar, quando este deixar o plano físico. Hoje
em dia, os encarnados estão sendo presa fácil dessas
organizações, pois, longe dos preceitos evangélicos, o homem fica,
cada vez mais, dependente da matéria e vive só em busca do
ouro, do conforto e das orgias da vida física, enquanto que no
amanhã terá de prestar contas ao Todo Poderoso do que fez da
oportunidade da vida terráquea. Cada ser vem aterra para
cumprir sua tarefa evolutiva, ai daquele que em vão passar por
ela. Essas organizações constroem e vivem do lixo mental dos
encarnados, tanto que conseguem construir as zonas do astral
inferior com a ajuda das mentes humanas.
—Queira explicar melhor, por favor.

94
—Assim como a água pode ficar repleta de impurezas e nela se
formarem bactérias, assim são formadas as zonas umbralinas. É
o vírus que encontra campo produtivo. As cidades trevosas não
possuem a beleza das cidades divinas, porque não contam com
luz própria e as roupas que os espíritos vestem partem das
roupas dos encarnados. Daí porque muitas entidades pedem
perfumes e oferendas aos encarnados: recebem-nos e os usam.
—As mentes poluídas geram os bacilos dessa peste dolorosa
que se chama umbral? Interroguei perplexo.
—É isso, Luiz Sérgio. O homem encarnado, junto com os
trevosos da espiritualidade, constrói, a cada dia, as cidades
trevosas. Hoje as festas, os armamentos e as drogas são
alimentos fortes da formação dos bacilos.
Senti-me uma bomba de Flit, daquelas muito usadas para
eliminar mosquitos e moscas. As cidades trevosas existem, mas
os mensageiros de Deus as eliminam com o poder do amor. Voltei
a mente até a cidade a qual chamamos Vale do Brilho, onde Gino
— o rei da droga — mantinha um laboratório onde estudava, com
cientistas desencarnados, a origem da vida, os centros de força,
os canais que interligam os corpos e as rodas energéticas,
chamadas chacras. Naquele Vale, havíamos presenciado
verdadeiras pesquisas nos corpos de recém-desencarnados. Mas,
como disse a irmã, se estas cidades existem são em número
reduzido em vista dos prontos-socorros divinos. Por isso, são
mínimas diante de tanta luz.
—Irmã, antes de terminar, gostaria que me respondesse a mais
uma pergunta.
—Como não, amigo.
—Os núcleos de oração ajudam as colônias?
—Como ajudam! Nas casas religiosas, vamos buscar os fluidos
para a cura de muitos doentes. Quando o plano físico não está
contribuindo, ficamos como se asfixiados, recebendo as
emanações negativas, e trabalhamos com dificuldade até que
desligados somos do plano físico e o hospital fica a funcionar
ligado somente com o astral superior.
—E como se falhasse a luz, ligando-se o motor?
—Não. Nós vivemos ligados ao motor da terra; quando ela está
mal, somos sustentados pela luz de Cristo.

95
Nisso, Samita entrou e nos despedimos, muito agradecidos, da
irmã. Quando saí no jardim, olhei para cima e disse:
—Pelo amor de Deus, encarnados, não vibrem na faixa inferior
e orem pela salvação das almas. Lutem para ter uma vida repleta
de amor a Deus. Não permitam que sejam presas dos espíritos
trevosos. Façam caridade, o que fazemos ao pobre e oprimido
recebemos de volta. Alimentem o faminto, para não sentirem
fome. Quem dá aos pobres não sofre perdas materiais. A caridade
nós fazemos a nós mesmos. Pelo amor de Deus, não deixem a
terra da oportunidade ressequida por falta da água da Caridade.
Estendam a mão ao próximo, para terem o direito de alcançar a
mão de Deus. Não deixem para depois o hoje, que é o momento
da nossa salvação. Quem relega para depois o momento glorioso
da caridade está colocando debaixo do colchão as pérolas de
Deus, e terá de cumprir um dia o que hoje deixou de fazer.
Irmãos, companheiros, amigos, familiares: a caridade é o único
caminho da salvação, somente ela oferece ao homem o néctar da
vida eterna. O homem caridoso é manso, é justo, é bom. O avaro,
preocupado com ele próprio, nem percebe que os salteadores lhe
tomam o que ele tinha por obrigação doar ao pobre. Ninguém
sabe o dia da chamada, mas sabe que todas as horas é hora de
trabalhar para Jesus. Não construamos uma casa no umbral,
não sejamos construtores das zonas de sofrimento. A avareza, a
impaciência e a maledicência são vibrações venenosas que levam
aos espíritos trevosos o que eles necessitam para fazer funcionar
as suas organizações. Da mesma forma que os encarnados no
plano físico obtêm os seus bônus-hora, os maus, os violentos, os
orgulhosos, os avaros oferecem aos trevosos os fluidos
perniciosos que levantam essas terríveis organizações. Ao pó
retoma o corpo e do espírito nasce a paz.

96
Capítulo XIV

O REFÚGIO NO VALE DA INCONSCIÊNCIA

Acompanhando a equipe de socorro, presenciava em uma


colônia trevosa a luta do mal para se sobrepor ao bem.
Entretanto, por mais que as organizações das trevas tentem, não
atingem a perfeição, porque basta pensar no mal para se
desequilibrar. A equipe das trevas não escondia o seu
descontentamento pelo ocorrido. Sampaio, um deles, animou os
companheiros:
—Não fiquemos tristes, hoje já demos alguns passos, logo
estaremos operando no plano físico, igualzinho aos Filhos de
Deus.
—Enquanto eles colocam milhões de espíritos do departamento
reencarnatório, a gente nem consegue um, comentou Humberto.
—Mas não se esqueça de que mesmo recebendo orientação do
Cordeiro, muitos pais e filhos caem para o nosso lado. Também,
deste lado tudo é mais fácil! Os Filhos de Deus pregam o
esquecimento de si mesmos em prol do próximo, mas quem se
esquece é esquecido, o humilde é humilhado e o oprimido é
violentado.
Senti uma vontade enorme de me apresentar para aqueles
maus espíritos e dizer-lhes: "como é feliz um trabalhador de
Jesus, um filho de Deus, porque mesmo agredido, humilhado, ele
tem paz na sua consciência."
Enoque segurou meu braço, pois na hora que eu pensava algo
aconteceu: um deles — talvez o pior —parou, escutou e disse:
—Parece que estamos sendo observados.
—Doutor Henri, estás vendo luz em qualquer lugar...
—Todo cuidado é pouco. Os Filhos de Deus têm pacto com o
"demônio", falou um deles.
Tive vontade de dar uma gargalhada, mas observei os meus
amigos, eles oravam, com fervor. Coloquei o pensamento no lugar
e os acompanhei na prece. Depois, demos em retirada até o pátio
— se podemos chamar de pátio, porque não notamos na cidade
qualquer ordem administrativa; era um local sujo e sem vida.
Que diferença dos belos jardins das colônias! Carlos aproveitou
para dizer:

97
—Aqui está a prova de que a limpeza é de Deus. Casa suja é
posto de obsessores. Os templos religiosos devem primar pelo
cuidado de suas cadeiras, mesas, enfim, do seu patrimônio.
—Enoque, perguntei, o que podemos fazer aqui se Oanna está
sendo socorrida no hospital da terra?
—Estamos aqui para saber como operam esses irmãos. Eles
estão tentando criar não só o corpo físico como também sonham
em criar espíritos.
—Quero ver se Deus vai deixar! Pensando bem, não sei por que
Deus ainda não deu um basta nessas organizações trevosas.
Como podem existir? Parece-me o inferno comandado pelo
"demônio".
—Luiz Sérgio, preste atenção nos transeuntes e verá que aqui
neste local vêm milhares de espíritos do plano superior prestar
auxílio, tirar do lodo os doentes. Nossa equipe é uma gota de
água no oceano. Esta colônia recebe de Deus muita assistência
espiritual. Vários mensageiros estão aqui, espíritos bons que se
prestam a este trabalho, um dos mais sublimes.
—É mesmo, fico feliz, porque, confesso, nunca presenciei tanto
sofrimento.
—Sabe como se mantêm essas colônias?
—Imagino.
—Os encarnados, com seus pensamentos maus, permitem que
esses irmãos se alimentem das toxinas das mentes humanas.
Estávamos conversando, quando um uivo terrível nos
assustou. Olhei para Samita, que me disse:
—E bom ir-se acostumando, aqui é comum ouvirmos
gargalhadas, uivos e sons estranhos.
—Dá a impressão de que todos têm medo. Ninguém está
tranqüilo.
—Claro, o mal gera pavor.
Assim, fomos alcançando a rua, procurando um lugar para
descansar. Senti que Samita estava pensativa. Indaguei:
—O que há, querida?
—Nada, só estou pensando nesses cientistas, espíritos dotados
de grande inteligência, usando-a para o mal.
—E mesmo, Samita, um dia irão tomar-se bons.
—Sim, mas até lá o perispírito deles já retroagiu por demais.
—Vamos, irmãos, buscar um bosque para orarmos, falou
Enoque.

98
Circunspectos, pedimos força a Jesus. Nisso, raios de luz
banharam nossos corpos; era o plano superior operando. Senti
uma momentânea vertigem, tanta era a energia positiva sobre
nós. Depois do banho energético me senti muito bem, mais
fortalecido. Naquele lugar lodoso, onde a vibração era das mais
baixas, necessitávamos do socorro das esferas superiores e o
nosso Enoque, tão conhecedor das nossas fraquezas, ofereceu-
nos o remédio. Só aí notei que Lílian estava ofegante e eu me
senti muito cansado. Acho mesmo que só Rayto, Samita e Sadu
nada sentiram. Sadu nos falou:
—Vejam se não absorvem tanto as vibrações do lugar, do
contrário vocês vão desmaiar.
Pensei: "é verdade, preciso me equilibrar, tenho de aprender a
separar as emoções". Voltamos ao laboratório, dirigimo-nos ao
departamento trinta e seis, onde presenciamos outra pesquisa
dos trevosos. Nesse departamento os aparelhos eram
poderosíssimos.
—Quem os teria inventado? indaguei, curioso.
—Alguns dos seus gênios.
—Gênios do mal, não é mesmo?
Ninguém me respondeu.
Cinco pessoas examinavam atentamente um espírito recém-
desencarnado. Cada centro de força daquele espírito era
analisado. Depois, acionaram os centros de força, examinando os
fluidos vitais. Um aparelho registrava o que eles estavam
aprendendo. O fluido do desencarnado era o seu próprio
pensamento e, no momento, esse pensamento era de pavor.
Estudavam, também, os fluidos do sentimento e do desejo.
Pararam no cérebro, vendo que o espírito era o governador dos
corpos. Disse um deles:
—Bom seria se pudéssemos examinar um dos Filhos de Deus,
porque nele buscaríamos material muito mais útil para tudo o
que nos propuséssemos.

99
Apesar dessa restrição, eles continuavam investigando o
desencarnado. Entretanto, o desligamento não se havia efetuado
de todo. Percebemos que as junções fluídicas permaneciam ativas
entre as células física e espiritual, embora o espírito já estivesse
em outro plano. Aquele irmão havia desencarnado pela droga, por
isso subsistia a ligação com o físico. A equipe buscava na mente
humana desencarnada os fluidos que a mantinham viva e vários
aparelhos radiografavam o corpo perispiritual do doente. Todavia,
o maior desejo e as incessantes buscas visavam descobrir a
quinta essência da criação, pois sonhavam criar o espírito... Com
a maior atenção examinavam o centro coronário, porque é este
que supervisiona os outros centros. Temos ligações entre os
corpos, mas é o centro coronário que dirige todos eles. O corpo
espiritual dá a idéia da sede de um governo. Do coronário, o
palácio, partem as redes elétricas que comandam os outros
centros de força. Cada centro de força é um ministério com
grande capacidade de ação, trabalhando e tomando conta do
mecanismo dos corpos. O centro gástrico é responsável pela
digestão; o laríngeo coordena a respiração e a fonação. Pensei: "só
um grande sábio criaria tal maravilha: o corpo do homem!"
No painel de um laboratório das trevas, assistíamos a uma
experiência incrível. O registro estava assim:

1°) Corpo físico — matéria energética densa;

2º) Duplo etérico — é uma formação etérica, reprodução do


corpo físico e está a ele colado. O duplo é composto de matéria
fluídica que vem do corpo físico, que o alimenta;

3°) Corpo perispiritual — sede dos centros de força.

No duplo, encontram-se os chacras, que captam energias dos


centros de força para abastecer o físico. É através dos centros de
força e dos chacras que o espírito controla o corpo físico. Na
relação do espírito com o corpo físico, os chacras agem como
recicladores de energia.

100
Enquanto eles estudavam os centros de força e os chacras do
duplo, recordei-me da passagem bíblica que fala das rodas:
Eclesiastes, Capítulo XII, versículo 6:
Antes que se quebre a cadeia de prata, e se despedace o copo
de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se despedace a
roda junto ao poço. (1)
Como não aceitar as rodas sagradas? As religiões precisam
respeitar-se mutuamente; por se tomarem radicais, muitas delas
se perderam. Nas Escrituras os centros de força são citados;
agora, a palavra chacra, que os orientais denominam de rodas da
vida, que elas existem, existem, não importa sua nomenclatura.
A preocupação daquela equipe trevosa se relacionava com o
recicla-dor de energia, com os elétrons, enfim, ali, eles buscavam
algo e, servindo de cobaia, um espírito recém-desencarnado.
Enquanto conversavam entre si, Sadu controlava os centros de
força do espírito. Olhei para o tibetano e pensei: "meu Deus,
como é importante a gente cumprir com o plano divino! Um
médico que não se deixa envolver com a matéria é um médico
feliz, pois cumpre com o sacerdócio .da medicina. Não só o
médico, como todos os profissionais têm obrigação de ser
cumpridores das suas tarefas".
A equipe trevosa continuava estudando as energias das rodas
giratórias. Estas rodas giram no sentido contrário ao dos
ponteiros do relógio e são de uma importância sem limites, pois é
através delas que o espírito controla o seu corpo físico; as rodas
giratórias —os chacras — captam as vibrações do espírito.
—O melhor meio de enfraquecermos o físico é buscar as
energias nos chacras, mas também podemos atuar nos canais
energéticos, o meio de comunicação deles, disse um dos trevosos.
Senti que algo não estava indo bem; o que falara, munido de
um aparelho, buscava no perispírito do doente o que estava
bloqueando a pesquisa. Sadu imediatamente tirou do centro de
força coronário um aparelho que ali havia colocado. Virando-se
para Carlos, comentou:

(1) N.E. —Para uma completa explicação desta passagem,


consultar o livro Chama Eterna, 11° volume da série Luiz Sérgio,
Cap. 34, página 199, 1* edição, 1988.

101
—Eles são terríveis!
Aí, vimos o pesquisador da energia parar com o aparelho no
coronário e dizer:
—Estou ficando por demais desconfiado. Acho que os Filhos de
Deus estão entrando em nossa área. Sinto uma energia nova
penetrar no ambiente.
Todos o olharam, curiosos.
—Esperem. No estudo que estamos fazendo, esbarramos, certa
vez, nos canais energéticos de um encarnado. Aí os corpos deles
saíram do nível, facilitando o nosso trabalho.
—Salles, por que você, estudando os encarnados, evita atuar
sobre o chacra básico, que está situado na base da espinha
dorsal, se é nele que se encontra o fogo sagrado? E dele que parte
o princípio da vida física, sendo o captador de energia
vitalizadora, que mantém o corpo físico.
—Sei disso, muitos estudiosos desta energia nem podem
imaginar como é importante para a formação do corpo físico.
—Então, por que não trabalhamos com essa energia, se
buscamos realizar encarnações do nosso plano?
O outro respondeu:
—Simplesmente, porque os Filhos de Deus estão atentos. O
chacra básico é o mais visado nos tratamentos de desobsessâo.
Por atuar no sistema nervoso, no aparelho renal e nos órgãos
reprodutores, é o primeiro a ser tratado quando os Filhos de
Deus fazem trabalhos desobsessivos. Prefiro uma outra roda
giratória que se situa na parte superior do pulmão esquerdo. Se
atuarmos nesse ponto a pessoa será teleguiada por nós.
Feita essa observação, chegaram mais perto desse centro de
força e ali ficaram estudando-o. Nessa altura, Enoque convidou-
nos a deixar o recinto. Aproveitou o momento para nos dar
elucidações:

102
—Vejam só o perigo da mediunidade sem Jesus. Quando
alguém busca uma Casa espírita, precisa ser encaminhado a um
grupo de estudos. Mas a Casa que formar esses grupos deve
possuir um departamento doutrinário e não entregar almas sem
preparo para outras almas perturbadas de orgulho, vaidade e
apegadas à letra, porque assim os iniciantes serão presas fáceis
desses espíritos. Vocês estão vendo como eles agem. A
importância da Doutrina é a transformação que ela opera em
nós. Não adianta sentar em uma mesa medi única e emprestar o
corpo a um espírito sofredor, se não temos energia tranquilizante
para lhe oferecer. Através da "roda" que se encontra na parte
superior do pulmão esquerdo é que atuam os espíritos. E ela
responsável por toda relação mediúnica entre os planos físico e
espiritual. Se o médium estiver desequilibrado, emite a cor
amarela e não esqueçamos que o obsessor precisa da luz azul
para abrandar a sua dor ou a sua cólera. Daí não poder ajudar o
necessitado um médium sem esclarecimento, desequilibrado.
Antes de colocarmos alguém defronte de tamanha tarefa divina,
devemos convidá-lo a tomar-se o "trabalhador da última hora",
no exercício da caridade, tirando-lhe as arestas, tornando-o bom,
livrando-o da avareza, da maledicência, do egoísmo, do orgulho,
enfim, tomando-se um veículo divino, uma carta de carne de
Jesus. Outras seitas religiosas se preocupam em formar líderes e
se esquecem de transformá-los em pastores de almas. E deu no
que está dando, pois se distanciam do sacramento da caridade,
do amor e do dever. E só se consegue crescer espiritualmente se
fizermos da nossa vida uma lição de amor ao próximo. Muitos
abusos estão sendo cometidos e algo precisa ser feito para
corrigi-los: orientar melhor os iniciantes, dar-lhes exemplos de
moral evangélica. No lar, ou no ambiente de trabalho, deve o
espírita representar bem a Casa que frequenta e a Doutrina. Se o
chamado espírita conduzir-se mal em seu lar e no ambiente de
trabalho, os familiares e os amigos irão correr do espiritismo: ele
não possui equilíbrio, fala dos espíritos a qualquer hora, e nada
mais desagradável do que um repetitivo assunto em todos os
momentos. No entanto, se uma pessoa chegar à Casa e encontrar
uma elucidação evangélica, ela não vai ocupar cargos, mas
arregaçar as mangas e pegar na charrua, ocupar o seu tempo no
estudo e no trabalho. O trabalho é a terapia e a caridade a
salvação. Não adianta mandar um doente socorrer doentes,
principalmente se ele é um desequilibrado espiritual.
103
Muitos desses chamados médiuns abandonam a Doutrina,
porque quem se encarregou de apresentá-la fracassou, não teve
condição de fazê-lo. Ela é simples, inocente e humilde, e os
orgulhosos e fanáticos a mascaram com dogmas, apresentando
ao iniciante espírita inverdades que serão difíceis de vivenciar. O
certo é estudar mais as obras básicas(2), e colocar no dia a dia os
seus ensinamentos. Se um iniciante na Doutrina não procurar
modificar-se para melhor, sua família irá sempre lhe cobrar:
"nem parece que é espírita". Diz o Evangelho Segundo o
Espiritismo: "Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua
transformação moral e pelos esforços que faz para dominar suas
más inclinações" (Capítulo XVII, item 4). Se chegarmos à
Doutrina e desejarmos só doutrinar e evangelizar os outros,
esquecemos de nós mesmos e aí a máscara se desintegra e vem o
fracasso. Ninguém está isento da reforma íntima, até os espíritas
"de gabinete"; todos precisam buscar na imagem dos apóstolos o
verdadeiro caminho. Os espíritas apegados à letra devem
recordar que Jesus não ficou à frente de uma máquina de
escrever, nem no parlatório, ou num gabinete de trabalho. Ele
varou o Jordão, Cafarnaum, Betsaida e vários lugares. Buscou os
mendigos, os desesperados, os coxos, os cegos; deu alimento aos
famintos, foi o primeiro a fazer a hoje denominada "Campanha da
Fraternidade Auta de Souza", quando pediu a Deus condição de
alimentar o povo:
Mateus, Cap. XIV, versículos 13 a 22:
Jesus lhe disse: Não é preciso que se afastem daqui, dai-lhes
vós mesmos de comer.
Quantos espíritas expulsam os pobres das Casas espíritas,
alegando que não podem cooperar com a malandragem, ou que
devem ensiná-los a "pescar"! Uns dizem que a pobreza é carma,
outros que é obsessão. Mas Jesus, a carta de amor de Deus,
simplesmente alimentou o faminto sem indagar quem era
merecedor:
Todos comeram, ficaram saciados e ainda levaram doze cestos
cheios de peixes que sobraram.

(2) O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo,


O Livro dos Médiuns, A Gênese, O Céu e o Inferno.

104
Já pensaram se os apóstolos e Jesus fossem fazer a vistoria e
dissessem: "você fica, você vai embora, porque nós não damos de
comer a vagabundos"? Não, amigos, o homem de Deus, o Seu
trabalhador, apenas se toma o menor dos servos. Serve, e não
deseja ser servido. Nesta passagem Jesus nos ensina a
campanha da fraternidade, é o festival do amor. Jesus buscou na
natureza o que hoje os jovens da Campanha Auta de Souza
buscam nos lares — os alimentos. Ele, tendo nas mãos os peixes,
envolveu-os com os fluidos apropriados à produção desses
alimentos, os fluidos produtores. Sendo um grande conhecedor
dos fluidos magnéticos, usou do Seu poder, com a cooperação da
mãe natureza. Nessa passagem Jesus nos deixou o exemplo de
que o homem precisou do alimento para ouvir as Suas palavras,
ficando bem claro que ninguém aprende Evangelho de estômago
vazio. E o Mestre, mais uma vez, ensina o Seu trabalho, o
caminho da caridade. Os antigos religiosos também ficavam longe
do povo, possibilitando a criação de milhares e milhares de
seitas. A Doutrina Espírita é a religião do futuro, porque ensina o
homem a possuir caráter, coração e força. Ai daqueles que
brincarem com o Espírito Santo; ai daqueles que pregarem uma
doutrina estranha. Toda a Doutrina Espírita tem de estar
alicerçada nas palavras de Jesus, ditadas pelo Espírito da
Verdade, na Codificação Kardequiana.
Ali, num belo jardim de raras flores, eu, de braços abertos,
desejei gritar as palavras de Jesus, quando nos aconselhou, em
Mateus, Cap. XIX, vs. 29,30:
Em verdade vos digo que todo aquele que uma vez deixou pelo
Reino de Deus casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou
mulher, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá
cem vezes tanto, e herdará a vida eterna. Porém muitos primeiros
serão derradeiros, e muitos derradeiros serão primeiros.
Depois dessa preleção, Rayto disse:
—Voltaremos ao plano físico, vamos ao trabalho com os
suicidas.
Como de costume, paramos no pronto-socorro espiritual, desta
vez bem rápido, só para nos mantermos ligados à Casa espírita e
melhor cobertura dos nossos trabalhos. Sadu, Karina, Carlos e o
doutor Pattabli se distanciaram, como que a traçar algum método
de socorro. Quando nos acercamos deles, já sabíamos para onde
ir: uma roda de coca.
—Podem me informar como sabem da festa? perguntei.
105
O doutor Pattabli deu-me a informação.
—Como é do seu conhecimento, Sérgio, estamos encarregados
de desbaratar a organização que hoje busca na terra os suicidas
inconscientes. E quando estivemos no Vale do Brilho, lá
descobrimos de que forma os espíritos trevosos são informados e
estão presentes sempre que essas festas se realizam: o chefe do
Vale possui uma agenda com os nomes de todos os dependentes
de droga e coloca ao lado deles espíritos que não só aspiram pó
junto ao encarnado, como participam da sua vida física. A
qualquer excesso, os trevosos são avisados e a organização chega
primeiro, porque os irmãos do Cordeiro, os mensageiros de Deus,
obedecem a uma programação divina. O desencarne programado
é realizado por equipes capacitadas.
—E se essas equipes chegarem antes dos trevosos? perguntei.
—Mesmo que cheguem, nada podem fazer. Não se esqueça de
que quem desencarna por overdose explode os seus fios
energéticos; e quem desencarna obedecendo às leis da natureza
recebe proteção organizada e disciplinada do departamento do
desencarne. Mesmo que a equipe do Cordeiro chegue na hora do
impacto da morte forçada, nada pode fazer.
Vamos imaginar uma televisão que um técnico vai consertar e
outra que um curioso vai tentar endireitar. Vão sobrar peças, não
é mesmo? Principalmente se ela for de 110 volts e o curioso ligá-
la em 220. Neste momento, fomos avisados que cinco jovens
estão preparando uma rodada com quarenta gramas de cocaína.
—Não diga, é pó demais, gente!
—E depois, o álcool também não vai ser pouco.
—E chegaremos a tempo?
—Espero, disse Rayto.

106
Corremos para o endereço. Entramos e nos deparamos com um
apartamento sujo e desleixado. Que a sujeira é o alimento do
obsessor, isso já sabemos. Os cinco conversavam como pessoas
comuns, ou melhor, normais. Três rapazes e duas moças: faixa
etária de dezoito a trinta e oito anos. Observei aqueles seres com
uma vida pela frente e tão pouco respeito a si mesmos! Os
violentadores da moral divina, jovens sem fé e sem amor.
Passaram da conversa informal à orgia, num misto de droga e
bebida. O álcool e a coca eram companheiros inseparáveis de
dois deles, que foram ficando parecidos com animais, pois
urravam como bichos. Os demais aspiravam com cuidado,
demonstrando um conhecimento maior do tóxico. O mais velho
recomendava:
—Vamos com calma, temos pó para muitos dias, não
exageremos!
Mas Tito, de vinte e cinco anos, não se contentava, parecia
louco quando a fileira da droga chegava às suas mãos. Ao
perceber que os outros se encontravam já quase desmaiados, Tito
aproveitou a "bodação" dos amigos e se afundou no pó e no
álcool. Os desencarnados dançavam e consumiam junto com os
jovens. Sara usava um aparelho para dispersar os fluidos
pesados da droga, enquanto os médicos trabalhavam para salvá-
los, principalmente o Tito, que já estava prestes a explodir. Um
dos trevosos falou:
—Que turma "alta" e boa consumidora, hein?
Testemunhávamos o suicídio inconsciente em processo
acelerado e pouco podíamos fazer, uma vez que os médicos e o
Rayto se esforçavam ao máximo para que os jovens não
desencarnassem. Os trevosos, ao perceberem que Tito era um
bom consumidor, colaram-se nele e o pobre farrapo humano viu-
se enfurecido, quebrando tudo. Os outros o ignoravam e ele
consumia, ou melhor, comia o pó e consumia o álcool. Por mais
que os espíritos amigos tentassem, não conseguiam dispersar a
droga; era demais para um corpo físico. E o pulmão estourou,
não só o pulmão, mas todos os outros órgãos.

107
Nessa hora ninguém pode imaginar o desespero de um espírito.
A dor é tanta que ele grita e se retorce, todas as rodas energéticas
ganham uma velocidade sem limite e os seus condutores de
energia se partem violentamente, assim como cada vaso
sanguíneo, órgão, membro, enfim, uma explosão de vida. O corpo
físico do jovem recebeu um banho de líquidos internos, que
extravasaram. Um quadro terrível. Como os trevosos não nos
viam, os nossos médicos prestaram auxílio ao espírito, que sofria
em descontrole total. Orávamos, desesperados, enquanto Rayto
isolava o rapaz, o que deixou os trevosos revoltados, não sabendo
por que haviam perdido a presa. Aí o doutor Pattabli com os
Lanceiros entraram no ambiente e os trevosos tamparam a visão,
sem conseguir enxergar na claridade.
—O garoto vai ser socorrido? inquiri.
—Sim, mas apenas se verá livre dos consumidores
desencarnados; é só o que podemos fazer.
—Para onde ele irá?
—Para o "Vale da Inconsciência".
—O quê?
—Sim, um lugar onde o espírito paga por não ter respeitado o
seu corpo físico.
—Não há um meio de levá-lo para uma colônia ou
departamento da espiritualidade?
—Não, disse Sadu. Este jovem vai ficar nesse estado que
presenciamos ainda por muito tempo. Ele violentou os seus
corpos e por mais que receba tratamento da Espiritualidade
Maior, o erro que cometeu impede que as energias puras o livrem
da dor. Ao violentar o seu corpo físico, também destruiu o seu
perispírito, e o Vale da Inconsciência servir-lhe-á de refúgio, mas
não de salvação.
—Explique, por favor: nesse Vale eles estão resguardados dos
vampiros e das cidades trevosas, mas não salvos?
—Não sabemos o que você considera como salvo. Eles foram
socorridos pelos Filhos de Maria, mas como tirar das suas casas
mentais o desequilíbrio? E depois, eles contribuem para que a
dor tome-se companheira inseparável dos seus espíritos.

108
O corpo físico, deformado pela violência praticada contra ele,
estava coberto pelo limo da explosão interna e o espírito, retirado
dali, ainda ficara preso àquela matéria dolorida, pela casa mental
em desequilíbrio. Os trevosos buscavam desesperadamente o
corpo espiritual que fora levado e senti que estavam morrendo de
medo do chefe Gino. O que iriam dizer à equipe que logo viria
buscar o espírito e as energias da vida, fonte energética que eles
lutam para conseguir dos encarnados a fim de continuarem
vivendo como se encarnados fossem?
—De onde vem o líquido que lhe cobre o corpo físico? perguntei
ao Sadu.
—Não só do pulmão, como de outros órgãos.
Notei também que do corpo do jovem saía uma quantidade
enorme de ectoplasma; era como fios que entravam e saíam do
seu corpo e que os trevosos tentavam tirar, mas a equipe do
doutor Pattabli já havia retirado tudo, quando alguns médicos
das trevas se fizeram presentes com aparelhos. Estávamos, ali,
petrificados, ou melhor, assombrados. O chefe, que vou chamar
de Florêncio, falou:
—O que aconteceu? Não me digam que os irmãos do Cordeiro
aqui estiveram...
—Não, disse um dos desencarnados, nós não os vimos.
—E como é que o corpo está vazio, sem um fluido magnético
sequer?
—O cara tomou tanta droga que acho que não só destruiu o
físico, como também o corpo perispiritual, e o ectoplasma
evaporou-se.
Três médicos examinavam o corpo destruído de Tito. Com
espanto, vimos suas mãos buscarem no duplo etérico o
ectoplasma e com um aparelho procurarem-no também nos
poros do corpo físico. Examinaram o alto da cabeça e as
gengivas. Investigaram detalhadamente aquele corpo e nada
encontraram que lhes satisfizesse. O ódio brotou naqueles rostos
e tememos pelos pequenos espíritos trevosos, pois sentimos que
os médicos se julgavam traídos.
—Eles vão torturar os trevosos que aqui estavam? perguntei ao
Rayto.
—Não. Logo saberão que fomos nós que levamos os fluidos. —O
quê? Vão nos descobrir?
—Não, apenas ficarão cientes de que vamos atrapalhá-los um
pouco.
109
Observando bem o físico, víamos o jovem, mesmo no vale,
ligado com sua veste carnal e a asfixia era o seu tormento.
—Como podemos ajudá-lo?
—Orando por ele.
Escrevi no meu cademinho: Tito — esperando que logo voltasse
a ser dono de si mesmo. Nessa altura, os trevosos chutavam o
corpo físico, revoltados por não encontrarem ali o que buscavam.
Abandonaram o local. Samita, Sadu e Carlos se aproximaram do
corpo. Sadu tocou o cérebro físico de Tito e desligou as fibras
nervosas, principalmente a da projeção. Uma substância branca
foi retirada por Samita. Calei-me, com respeito. Era a Ciência
trabalhando em prol do próximo. Nós, os não-médicos, fomos
saindo, devagar, deixando os técnicos ali, em serviço. Lílian
segurava meu braço. Damian nos falou:
—Sérgio, dia após dia o tóxico toma conta da humanidade. Se o
homem não cerrar as portas do seu lar com a chave do amor,
dificilmente deixará de ter em casa um dependente. Eles estão
morrendo a cada segundo.
—Hoje ninguém mais sabe quem é viciado ou não. Ela, a droga,
tomou conta da sociedade.
—E mesmo, Lílian. Se as autoridades autuassem todos os que
consomem droga, só fariam isso. Nos bailes, só não vê quem não
quer.
Retiramo-nos. Com que carinho olhei os nossos amigos,
quando nos juntamos de volta à Casa espírita, o pronto-socorro
divino. Permaneci calado e a turma estranhou.
—O que há, frade?
—Nada, só penso como o homem pode ser tão burro. Será que
ele nunca foi em um cemitério? Será que não sabe que terá de
partir um dia? Que a morte não livra a cara, nem posição social
de ninguém? Não agüento ver esses jovens se afundando em algo
caro, podre e fatal. E ainda se considerando os tais.
—Sérgio, mas existe muita gente metida nisso.

110
—Sei bem, e é isso o que me assusta. A criança corre perigo,
porque hoje o tóxico é moda, e a família que não montar guarda
cerrada contra a dependência do álcool e da droga sentirá a dor e
o desespero. Dificilmente alguém hoje desconhece o terrível mal
do século: a droga. Quando escrevemos Na Esperança de uma
Nova Vida, o Rayto disse: "as nuvens se aproximam" e muitos
espíritas se assombraram, criticando-o: "quem é esse espírito que
amedronta a sociedade?" Muitos dos que atacaram meu livro já
passaram pelo drama de presenciar alguém da família se
destruindo. Eu gostaria de neste livro dizer a todos os leitores:
"estou pairando no ar, levitando sobre a cabeça de todos vocês,
distribuindo a paz, a luz e a esperança em todos os lares", mas
não posso isso dizer, porque estarei mentindo. Não estou
levitando nas nuvens da esperança, como gostaria. Estou ombro
a ombro com a mãe que espera o filho e me chama em alta noite,
tendo por companhia a apreensão e o relógio, cujo tic-tac é uma
punhalada em seu coração; estou ao lado da esposa e dos filhos,
que muitas vezes têm de enfrentar o terror da fome, porque o
companheiro ou o pai é um joguete nas mãos de um traficante;
estou ao lado da autoridade que busca a droga, muitas vezes
expondo a própria vida para que a sociedade não morra a cada
instante; estou à frente da mãe que muitas vezes é esbofeteada
pelo jovem filho, desejando que ela lhe satisfaça o vício. Estarei
sempre do outro lado da vida, com os braços levantados em
direção ao Pai, pedindo a Ele que nos dê forças para gritar:
"crianças, corram da droga! Ela é um ácido que queima, deforma
e mata! Corram é para os braços da família divina e encontrem
nela a força para sempre dizer "não" aos tóxicos!"

111
Capítulo XV

UM SUSTO NECESSÁRIO

Buscamos nossa base de apoio, onde Etelvina e Terêncio nos


receberam com respeito e amor. Naquele local, bem perto da
Crosta, espíritos abnegados montaram um pronto-socorro e um
altar de orações. Repousamos e estudamos os fatos ocorridos,
enquanto diante de uma tela revíamos todas as cenas vividas
pelos suicidas inconscientes.
Nesse justo momento, Olavo deu entrada no auditório e com
carinho nos ofereceu ensinamentos não só sobre os jovens,
velhos e crianças, como analisou cada ato do ser humano. Ele
tomou a dizer que o tratamento do drogado não é um tratamento
médico no sentido estrito do termo, tampouco a dependência de
drogas uma doença. Segundo ele, temos de buscar as causas, os
motivos que levaram o jovem a consumir tóxico. O tratamento
deve ser feito por bons profissionais e os pais de um dependente
devem ir, a seu rumo, ao fundo do poço para salvar seu filho.
Desejar que o tempo resolva é descaso e talvez o tempo seja curto
para a salvação. Um grama de tóxico no organismo é morte certa
das células nervosas. Mesmo analisando os que usam
esporadicamente as drogas e os toxicômanos, conhecendo a
diferença de um e de outro, não podemos deixar de considerar os
primeiros como prováveis toxicômanos. A família deve viver
alerta, pois seu filho pode estar sendo usuário do tóxico e nesse
estágio é bom você lhe estender as mãos. Se ele está em busca de
algo forte, é porque a insegurança lhe banha a alma. Como a
Psicanálise é o estudo da alma, devemos analisá-la com cautela,
procurando saber de onde a insegurança vem, pesquisar o
consciente, o subconsciente e o inconsciente, penetrar no seu
interior, sem violentar a alma. Por isso, devemos tratar um
toxicômano, ou simples usuário, com a ajuda da Psicanálise, sem
improvisar ou fantasiar. Seria bom se os psicólogos buscassem a
vida do Espírito, conhecessem, através da Doutrina Espírita, as
verdades espirituais, principalmente as vidas sucessivas, porque
se submetermos à análise somente o hoje, não compreenderemos
a variedade imensa dos atos humanos. Ao pesquisar a vida
presente do indivíduo, busquemos na vida pretérita alguma coisa
que hoje o incomoda.

112
Quando analisamos um toxicômano, sentimos que à nossa
frente se encontra alguém extremamente fraco. O tóxico é o
combustível para o neurótico assumir outra personalidade.
Muitas vezes a família deseja que o psicólogo opere milagres, mas
não contribui para a cura do viciado. Uma família sã é mais fácil
de cooperar com o profissional, mas muitas vezes o psicólogo tem
de curar antes a família para depois chegar ao indivíduo. Muitos
pais demoram a aceitar a dependência, o vício, e para salvar o
filho iniciam com as agressões. Em protesto, o filho agride e é
cada vez mais agredido. O certo é a família se auto analisar,
buscar onde se encontra o erro e todos lutarem para saírem da
UTI, porque não só o filho, mas a própria família também precisa
de cuidados médicos. Um psicólogo precisa investigar a alma,
conhecer o espírito e descobri-lo. Só assim encontrará no
inconsciente as neuroses. Não raro essas lembranças estão tão
infectadas de ódio e vingança, que o profissional tem de dar ao
indivíduo seguras orientações. A família, quando se deparar com
filhos problemáticos, deverá não só buscar apoio profissional,
mas também se auto analisar, porque no mais das vezes o erro
vem da educação do indivíduo. O psicanalista tem de buscar a
causa nas raízes profundas da alma. Se um dependente de droga
desejar agredir a sociedade, esta agressão não é gratuita.
Foi aberto tempo para perguntas. Fui o primeiro:
—Olavo, presenciamos muitos coroas também consumindo
drogas. Por que tal fato?
—Fraqueza espiritual. Não é a idade que amadurece o homem,
e sim o aprendizado de vida. O adulto que se droga, geralmente, é
para acompanhar a onda da moda, é para se mostrar. Esses
indivíduos são fracos, incapacitados e vaidosos.
Samita perguntou:
—Olavo, como deve agir a mãe quando descobrir o vício do
filho?
—Dar-lhe a certeza de que é amado, fazê-lo entender que tudo
deve mudar dali para diante e que os pais desejam salvá-lo.
Precisam ser autoritários e ao mesmo tempo carinhosos. Como
digo sempre: os pais precisam de um bom analista para saber
tratar o filho. Hoje encontramos esses serviços profissionais
gratuitamente em muitas instituições.
Conversamos muito com Olavo, mas o descanso era necessário
e nos despedimos gentilmente do amigo que, em seguida, retirou-
se. Enoque ainda me falou:
113
—Sérgio, sente a diferença entre aquela época que você
escreveu Na Esperança de uma Nova Vida e a atual?
—Nem se compara. Hoje o tóxico não escolhe idade e a cada
minuto desencarna alguém com overdose.
—E mesmo, falou Damian. Antes, a maconha era muito
procurada; hoje o brilho é o rei dos tóxicos. E como tem ceifado
almas! Um verdadeiro devastador.
Ali fiquei um pouco mais, os outros foram descansar. Olhei o
pequeno auditório de palestras e me senti em casa. Depois de
muito tempo recolhi-me aos meus aposentos, orando a Deus pela
felicidade de toda a Humanidade. No dia seguinte nos
encontramos na sala de estar do pronto-socorro e Enoque nos
trouxe outras elucidações. Lílian perguntou:
—Por que os trevosos estão estudando tanto o espírito e o
corpo humano?
—Julgam eles que podem criar o espírito e o corpo humano. —
Querias!...Falei.
Sadu esclareceu-nos:
—Não sabemos ao certo o que eles querem; agora, que estão
buscando algo, isso estão, não resta a menor dúvida. Veja bem:
eles, diante de um corpo desencarnado, procuram analisá-lo com
um cuidado muito grande, como se buscassem os seus
componentes. E uma observação técnica. Mesmo contando com
espíritos inteligentes, o materialismo deles dificulta uma melhor
compreensão. Não querem aceitar que Deus criou os vegetais e os
animais, segundo a sua espécie, inclusive o homem, "feito à Sua
imagem e semelhança", e fogem desse Ser tão capaz. Assistimos a
um desses grupos analisando as proporções de oxigênio,
carbono, hidrogênio e nitrogênio nos animais e nos vegetais, e
constatarem que eles contêm esses elementos em porções quase
semelhantes. E se deterem no corpo humano a examinar a água,
proteínas, gorduras, substâncias inorgânicas, carboidratos, o
carbono, o nitrogênio, o oxigênio e o hidrogênio. Estudaram nas
células duas espécies de ácidos nucléicos: ácido
desoxirribonucleico e ácido ribonucleico.

114
Só que eles longe se encontram de compreender a molécula
"vida", de onde parte a vida — o espírito que reencarna, o átomo
espiritual, a união matéria-espírito. O homem não é fabricado, ele
é criado. Deus cria o espírito e o espírito para reencarnar
necessita de uma veste confeccionada por dois seres — homem e
mulher — que precisam de elementos do Planeta para
confeccioná-la. A união entre o espírito e o corpo físico é feita sem
nenhuma interpenetração, a ligação se dá através da influência
mútua entre os dois corpos. O espírito não está dentro da
matéria, como muitos imaginam, buscando dentro do corpo físico
o espírito. Ninguém aprisiona a luz.
Sadu ficou calado por alguns minutos e ia sair, mas eu segurei
o seu braço. Voltou.
—Doutor, só uma palavrinha: como se dá a junção dos corpos?
—Temos o perispírito — sede do espírito — o duplo etérico e o
físico. Entre eles existem espaços; os três espaços são distintos.
Quando o corpo físico ainda é um embrião, dá-se o encaixe do
espírito-perispírito com a parte correspondente da estrutura
molecular cromossômica. O espírito o penetra e atravessa o
espaço físico, passando através do embrião à medida que ele
cresce e vai encaixando os corpos atraídos pelos campos
biomagnéticos que se vão formando à medida que o embrião
cresce.
—Sadu, por que a criancinha dorme tanto? perguntei.
—Porque o perispírito com o espírito está a uma certa distância
do duplo e do físico, por isso a criança é semiconsciente. O
nascer lembra o desencarne, quando vemos pessoas esperando o
desencarne dormirem o dia todo.
—Sadu, o corpo físico está superposto pelo duplo e pelo
perispírito? Perguntei.
—Os três corpos estão ligados entre si à custa de laços
magnéticos. Mas agora chega, peço desculpas se me estendi por
demais.
Karina respondeu:
—Ao contrário, pedimos que o irmão prossiga com algumas
outras elucidações.

115
—Não, Karina, falei demais. E pouco pudemos esclarecê-los,
porque ainda não sabemos o que realmente querem os trevosos.
Fico preocupado, mas quando estudo o núcleo celular e o
citoplasma acho infundado meu receio. Ninguém tem acesso à
inteligência Suprema, somos apenas seres lutando para alcançar
o grande laboratório divino, porque é lá que se encontra a
verdadeira felicidade.
—Chega de curiosidade. Ou vocês também desejam cooperar
com os trevosos? Interferiu Enoque.
—Enganá-los, falei.
E assim nos despedimos dos irmãos daquele pronto-socorro e
atingimos as ruas do mundo físico. Logo chegamos a uma casa
onde íamos trabalhar. Na porta, uma senhora muito simpática.
Seu nome: Adelaide.
—Como vai, Enoque? Você demorou a chegar, tenho pedido
tanto pelo meu neto que já nem mais sabia o que fazer.
—Querida irmã, no momento que escutamos o seu pedido,
corremos para socorrê-la e aqui estamos prontos para o trabalho.
—Meu bom amigo Jerônimo procura cada vez mais os colegas
em busca de emoções fortes. Vamos entrar, esta é a casa de
meus filhos, que estão na Europa. Jerônimo, Glória e Jaime
ficaram com os empregados e minha filha solteira; mas, coitada
da Catarina, por mais que fale, não lhe dão crédito, tão
afundados no materialismo estão que o respeito fica distante.
—Adelaide, leve-nos até eles.
E assim se deu. Quando entramos na sala, Glória, quase
despida, deitada se encontrava sobre o tapete. Jerônimo e mais
dois colegas conversavam.
—Jerônimo, disse Carlito, a grana está no fim e o brilho está
subindo pois a inflação está no pico. Temos de puxar ou depenar
algum carro.
Jaime pulou, assustado.
—Vocês estão loucos? Toca-fitas, prataria da mamãe, jóias, isso
ainda vai, mas roubo, meu, eu não entro nisso!
—Seu bobo, disse Carlito, pois então jejum total.
Glória deu uma gargalhada.
—Jejum? Você sabe Carlito, que o Jaime já consome quatro
gramas?
—Se sei. Nossa patota é fogo. E haja grana!
—E para quando você pretende fazer o serviço? indagou
Jerônimo.
116
—Para hoje. Quanto mais cedo, melhor.
—Tem alguém para trocar com a gente? Bem explicado:
comprar o nosso pequeno furto?
Todos riram, sentindo-se os tais. Voltei meus olhos para a vovó
Adelaide, condoído pela dor que seu semblante exteriorizava. Os
três queridos netos embarcavam na marginalidade. Enoque
chegou perto de Glória e tentou influenciá-la. Ela parou de
repente e disse:
—Não vamos, não, estou com o pressentimento de que seremos
grampeados.
—Deixa pra lá, sua boba. Não sendo assim, o jeito é assaltar
algum trouxa.
—Pelo amor de Deus, vamos pensar em coisa melhor.
—Eu não agüento mais um dia sem ela, a "gostosa". Fico louco,
louco, louco, reagiu Jaime.
Tentamos tirá-los daquele clima, mas nada. Tudo indicava que
aquele grupo ia iniciar-se no assalto para consumir tóxico.
Saíram. E nós atrás deles. Ficamos de longe, observando-os, e
quando Carlito, com facilidade incrível, abriu um carrão e foi
puxá-lo, algo ocorreu: disparou o alarme e alguns policiais, que
estavam nas proximidades, os prenderam.
Glória pôde escapar, ajudada por Enoque, e os outros foram
presos. "Coitados dos familiares!" pensei, abraçando Adelaide,
que desabafou:
—Foi o melhor remédio receitado pelos espíritos amigos. Vamos
ver se vai dar resultado.
Retomamos à casa dos meninos, que rapidamente foi visitada
pelos repórteres, familiares e vizinhos: três filhos de ricas famílias
haviam sido presos com tóxico tentando roubar um carro, e isso
era notícia. Advogados, amigos influentes, entraram em cena e os
pais, que se encontravam na Europa, ao saberem, xingaram o
País, o governo, somente os filhos eram defendidos.
—Isso é bom para os meninos? perguntei ao Enoque.
—Ótimo. Um escândalo vai assustá-los; se não os assustar, aí
sim, a coisa fica feia. É a decadência.
—E nós não podemos salvá-los?
—Não — foi a resposta, um pouco dura, que recebi. Como
podemos deixar alguém roubar para se drogar? Se tudo tivesse
dado certo, logo se tomariam ladrões profissionais. Para debelar
uma infecção, devemos aplicar um forte remédio.
—E os pais? Coitados!...
117
—Os pais vaidosos precisam também de um enérgico
tratamento. Creio que depois desse aperto eles vão curar-se.
—Deus lhe ouça, disse Adelaide. Peço ao Senhor que meus
netos não vivam aquém da sociedade, a minha esperança é que
sejam cidadãos dignos, nem que seja na pobreza.
Disse, ainda:
—Obrigada, Rayto, por ter salvo Glória.
Ninguém respondeu. Fomos até a delegacia, onde nos
deparamos com outros repórteres, todos eles curiosos: o filho de
um grande industrial estava ali preso como um indivíduo
comum. Os três choravam desesperadamente. O pai de Carlito,
furioso, culpava a sociedade pelo erro do filho. Mas os policiais
nem o ouviam, tão acostumados já a esses fatos. A mãe de
Carlito, separada do marido, deu entrada na sala. Ele correu
para abraçá-la; ela, secamente, lhe disse:
—Quem tem coragem para roubar deve ter também para
enfrentar a Justiça.
Gostei da moça. E ela prosseguiu:
—Já lhe dei ótimos colégios, roupas caríssimas, portanto, de
hoje em diante você vai se virar. Vou arranjar-lhe um emprego e
não lhe dar mais nada.
O pai, meio sem graça, observou que os policiais a
cumprimentavam por aquela atitude e disseram:
—Pena que poucos pais agem como a senhora
Ela, virando-se para o ex-marido, falou:
—Tudo o que for dar-lhe compre em bens, não quero que
estrague mais o garoto, porque ele, filho de pais separados, deve
enfrentar essa situação. Não o compre, por favor.
O homem nada disse, mas a mãe de Carlito conversou com os
policiais e saiu. Carlito ficaria mais tempo na prisão, determinou
a mãe, e eu a achei uma grande mulher.
—Enoque, meu filho e minha nora não teriam essa atitude, eles
são por demais orgulhosos, comentou Adelaide.
—Não importa. Jaime, Jerônimo e Glória jamais vão se envolver
novamente com tóxico. A prisão vai doer na alma dessas
crianças, porque você vai ficar ao lado delas intuindo-as sobre a
verdadeira moral.
—Com todo prazer. Também buscarei o meu velho e juntos
tentaremos salvar nossos netos.
Enoque completou:

118
—É o que podemos fazer por eles no momento, mais,
impossível. Livrar alguém da polícia não, porque ela muitas vezes
é o remédio. Existem pais que tudo fazem para abafar os
escândalos, mas ignoram que estes às vezes são necessários para
a salvação.
Fomos saindo dali. Desejava dar uma chegada à casa dos
meninos, mas não queria pedir, quando Enoque falou:
—Vão, Luiz, você e Sara dar uma olhada em Glória.
Fiz continência.
—Obrigado, amigo, e até já.
Quando lá chegamos a garota estava desesperada.
—Eu vou me matar! Maldita droga! Que será dos meus irmãos?
E o papai, que sonhou com um cargo político e agora esse
escândalo! Vou me matar!
Cada vez que ela falava, eu corria para abraçá-la.
—Não é preciso, Sérgio, isso é só vontade, acalmou-me Sara.
—Veja bem, Sara, se essa garota se suicidar o fracasso será
nosso.
Nisso, bateram à porta: eram os policiais em busca dos pais.
Glória correu para baixo dos cobertores e os empregados se
encarregaram de falar com a tia Catarina, mas a governanta logo
se prontificou a telefonar para os patrões, defender os garotos,
chamar advogado, arranjar pistolão etc. Entretanto, os meninos e
Jaime, de maior idade, deixaram na delegacia um pouco da vida
suja que ultimamente vinham vivendo. Ficamos com Glória, que
foi ao banheiro e deu fim a todas as drogas da casa:
comprimidos, maconha, cocaína, crack. Como desejei me
materializar para dizer àquela garota: "menina, olhe o seu corpo e
o respeite. Não deseje aproveitar a vida sem amor. Não tire do seu
coração o dever de mulher, entregando-se ao primeiro homem,
muitas vezes em troca de algo tão sujo: a droga! Busque a força
no seu interior, para não ser mais uma na imensa galeria de
mulheres que tudo perderam, até a vida física. Glória, olhe ao
seu redor e busque algo mais do que alguns gramas de pó e
alguns cigarros de maconha. A mulher que se droga mata a cada
instante os seus sonhos de criança. Estarei orando por você,
Glória, e saiba que ninguém sofre mais do que uma mulher nas
mãos da organização das trevas".
Ela chorava e dizia:

119
—Vovó, eu sinto que a senhora está falando comigo. Não deixe
que eu volte a me drogar. Hoje fui salva por milagre, mas doeu a
minha consciência, porque deixei os meninos e corri. Sou um
verme que nem coragem tem de enfrentar os fatos tristes da vida.
Era o momento oportuno para nossa interferência. Então falei:
—Tem razão. O jovem tem coragem de furtar, de matar e de se
drogar, mas não tem coragem suficiente para ser um cidadão
cumpridor de seus deveres. Diz-se pregador da liberdade, mas é a
mais infeliz presa dos vícios. Levante-se, Glória, e ore a Deus pela
sua família, que hoje conheceu a dor e o desespero.
Cerrando os olhos cheios de lágrimas, Glória iniciou a oração
que Jesus nos ensinou:
—Pai nosso, que estais no céu...
Terminada aquela missão, deixamos o recinto, não sem antes
jogar um beijo para uma jovem que tinha tudo para ser feliz e
tudo fazia contra si mesma.

120
Capítulo XVI

AS NUVENS NEGRAS JÁ CHEGARAM

Um caso a mais, uma dor juntando-se a milhares de outras


dores. Assim vive a sociedade de hoje. Muitos, indiferentes ao
fato, ainda criticam quem tenta desesperadamente colocar um
ponto final nessa situação dramática. Na organização da droga o
dinheiro corre solto, e não é pouco, são milhões e milhões de
dólares. Todos os países precisam unir-se, pois só assim
venceremos a besta do Apocalipse. Em cada esquina existe um
traficante querendo adotar uma criança, um jovem. E preciso
lutar contra ele com a arma do amor.
Estava assim meditando, quando fui chamado por Enoque para
prestarmos ajuda.
—Mais rolo? perguntei.
—Rolo é pouco, respondeu Sara.
Fui seguindo a turma, pensativo.
—Por que a tristeza? Perguntou-me Lílian.
—Se o nosso País não tomar sérias providências, logo teremos
o palácio das drogas no Brasil. A infiltração da organização da
droga é tanta no Brasil que os Raiozinhos de Sol já estão ficando
preocupados. Em todas as cidades brasileiras se avoluma o
número de jovens viciados e as famílias continuam ignorando o
fato. Paralelamente ao trabalho da espiritualidade, toma-se
necessário um esforço conjunto da sociedade com a área
governamental. Só assim poderemos ficar tranquilos.
Chegamos a um clube grã-fino da cidade. Perguntei ao Sadu:
—O que vimos fazer aqui? Dançar? —Sim, dançar em arame
farpado. Rimos os dois. Ele prosseguiu:
—Sérgio, neste clube da grã-fínagem, como em outros clubes,
as pessoas fumam maconha e cheiram lança, e ninguém toma
providência.
—O quê?
—É isso mesmo. Olhe só aquele coroa.
E para meu espanto, um senhor de seus cinqüenta anos
aspirava lança sem o menor constrangimento, assim como usava
outras drogas. Poucos iam ao banheiro, era no salão mesmo.
Enoque voltou, dizendo:

121
—Qualquer dia desses teremos um escândalo nesses clubes.
Está precisando que isso ocorra, porque a droga está correndo
solta e não só nas grandes cidades, não. Em cidades do interior,
até nas mesas dos clubes se veem pessoas se drogando.
—É o fim, meu amigo, falei.
—Não, não é o fim. Deus vai permitir que vençamos o desafio
da droga, respondeu Rayto.
No banheiro daquele clube, presenciei fatos horrorosos, era
Sodoma e Gomorra piorado. Senhores de cabeças brancas
praticando atos bem indignos. Um adolescente de quinze anos
injetava droga e suas veias não aguentavam mais as picadas.
Fiquei ali orando por ele, que com grande ansiedade tentava
injetar a droga em si mesmo. Que mundo cão! Aqueles senhores,
indiferentes, pouco se incomodavam com o drama do jovem que,
desesperado, tentava em vão pegar a veia frágil que se
arrebentava. No banheiro de um clube grã-fino, a gente estava ao
lado de um jovem que se matava. Saímos, pois no caso presente
nada havia a fazer.
—Por que o viciado se coca tanto? perguntou-me Lílian.
—Simplesmente por estar intoxicado.
—Coitados, são farrapos humanos! Meu Deus, até quando vão
se matar? O que falta a essa juventude que não encontra nos
colegas, no trabalho, nos prazeres, o que busca? A sociedade tem
de estudar um meio de preencher as horas vazias dos jovens,
pois eles estão insatisfeitos.
Calei-me, mas à minha frente outro jovem se picava, buscando
a veia do braço esquerdo, antes dissolvendo a heroína em uma
colher. O desespero estampou-se no seu olhar no momento em
que a heroína ganhou o seu corpo. Voltamos ao salão, onde
vários grupos de uma sociedade decadente se envenenava: álcool,
maconha, lança e cocaína. Isso a olhos nus, e depois chamam os
jovens de maconheiros. Que ironia!...
Estávamos ali porque Enoque fora encarregado de apresentar
um relatório para os espíritos que tratam da segurança nacional
e terá de mostrar os pontos fortes onde a droga está mais
atuante.
—Acredito, falei, que no nosso País ela está tomando conta de
tudo.
Enoque nada disse. Voltamos calados para a nossa casa de
apoio. Comentei depois com Rayto, ao chegarmos ao nosso
destino:
122
—Venho notando que cada vez aumenta mais a dependência da
droga pesada. Antes só havia maconheiros. Hoje o que mais se vê
é viciado em cocaína e LSD.
—Tens razão, Sérgio, é isso justamente o que vou tratar com os
encarregados da segurança do País, que deve se tomar a Pátria
do Evangelho. Vários Estados estão marcados com tinta vermelha
assinalando as fontes da droga. É a rota do tóxico. Nosso temor é
que o solo brasileiro se tome um ponto forte do tóxico.
—Que tristeza! Falei. Logo estaremos enfrentando momentos
difíceis. O pior é que existe homem público julgando ser a droga
brinquedo de adolescente, tão distante da real verdade. Quando
escrevi Consciência, a maconha era a grande inimiga do jovem;
hoje, o grama de coca é o passaporte para a morte. E muitas
pessoas estão se drogando.
Em seguida, fomos encaminhados ao auditório e lá Enoque,
junto a outra equipe, expôs o que estava ocorrendo. De cada dez
jovens, apenas um não se droga.
—O quê? admirou-se um dos espíritos. Não é possível!
—É, respondeu Enoque. Há vários anos, quando iniciei esse
trabalho no plano físico, fui atacado por eminentes espíritas,
porque falava em droga. A prece que faço na abertura do livro Na
Esperança de uma Nova
Vida, de Luiz Sérgio, foi classificada de mau agouro, quando
dizia: "as nuvens negras se aproximam". Passados tantos anos,
agora cobertos por essas nuvens, os homens pensam que,
ficando indiferentes, a tormenta vai passar. Não é bem assim. A
droga está aí, matando, aleijando e roubando a paz nos lares. Se
as autoridades não abrirem carga pesada sobre ela, logo seremos
os campeões dos tóxicos em todo o mundo. A extensão geográfica
do Brasil é propícia às refinarias e a rota já se iniciou.
Precisamos combatê-la com disciplina e amor. A droga se
encontra nas faculdades, nos hospitais, nos núcleos de trabalho,
na política, nos quartéis, nos colégios, nas cadeias, enfim, ela, a
terrível, está em toda parte. A luta tem de partir de cima e o
governo precisa das mães; elas, as verdadeiras mulheres,
precisam unir-se para combater a assassina dos seus filhos. As
mães que já perderam seus filhos devem solidarizar-se num grito
de justiça. Hoje os traficantes buscam meninos desde tenra idade
para iniciá-los no vício. Visitamos, há dias, num hospital, um
garoto de dez anos, vítima de AIDS, contraída pelo uso de tóxico
em seringa contaminada.
123
Ninguém pode dizer que a desconhece, ela ronda cada lar, é
impiedosa, cruel e bárbara. O homem que a ignora distante se
encontra da caridade. Hoje o seu lar pode estar resguardado, mas
eu pergunto: até quando? Ninguém sabe. A droga chega, chega
de mansinho e não escolhe rico, remediado ou pobre, ela só
deseja aprisionar, dominando cada vez mais a sociedade. Cidades
existem onde o tóxico já tomou conta de certas áreas e esses
locais não são de favelas, são pontos residenciais das classes
média e rica. Os pais, as autoridades, vão deixando o tempo se
encarregar do conserto. Pobres coitados! O jovem drogado é uma
planta contaminada, pouco tendo para oferecer ao seu próximo.
Os religiosos também devem unir-se, pondo de lado o fanatismo
da crença para trabalhar pela felicidade do próximo. Quem pode
dormir, quando um jovem rasteja na dor e no desespero?
Enoque ainda ficou conversando, enquanto nós nos retiramos,
desejando ganhar o alojamento para descansar. Ali no meu
quarto eu rememorava os últimos acontecimentos. Aquela colher
de desmanchar heroína e coca me dava uma sensação de vazio
na alma. O olhar de terror daquele adolescente do clube
asseverava que não é tão boa a "viagem" como apregoam.
Recordei-me de uma aula sobre a destruição do corpo etéreo. A
grandeza divina concede ao espírito uma veste semi-material,
feita do fluido universal, e esta veste, se bem tratada, permite que
voltemos bem vestidos para o mundo espiritual, mas se a
destruirmos, voltaremos com ela em frangalhos. Quantos
espíritos destroem o seu laço fluídico, que nada mais é do que
uma expansão do seu perispírito, através do suicídio consciente
ou inconsciente! O perispírito também se renova, se aprimora,
atendendo à evolução, mas igualmente é destruído, quando não
temos uma vida digna. Ele vai ficando remendado, isto é,
enfraquecido, e até se deforma. Sabemos que o perispírito modela
e orienta a plasticidade embrionária dos seres; é o perispírito que
dá forma aos traços fisionômicos, mas também é ele que se
deforma na hora do desencarne por suicídio ou vida irregular,
distante de Deus. O perispírito transmite a luz do espírito ao
duplo e ao físico, mas também recebe do físico as vibrações
nocivas ou boas. É no corpo perispiritual que fica plasmado o que
o espírito faz de bom e de mal. Embora sendo a veste do espírito,
ele, ligado à matéria física, trabalha unido a ela.

124
Esses três corpos, procurando cumprir uma etapa
encarnatória, precisam uns dos outros, mas muitas vezes o
espírito, que os comanda, esquece o valor do perispírito e, muito
mais ligado ao físico, é escravo dessa veste perecível, é presa dos
vícios e da luxúria. Se o perispírito receber vibrações nocivas irá
adoecer. Veja os corpos:
Quando temos atividades terrenas apenas ligadas à matéria, o
perispírito vai ficando opaco. No viciado, ele chega a ser cinza.
Lembremo-nos de que o perispírito guarda os resíduos de nossas
vidas passadas. Ele é o molde ao qual a matéria física se junta; e
quando ela, a veste material, morre, ele, perispírito, permanece
livre e bem vivo, porque nele se encontra a chama eterna. E no
perispírito que se encontram os fios energéticos que unem os
corpos para o mergulho na carne. Ele é muito importante para o
espírito, mas é o espírito que o comanda, assim como aos outros
corpos. No dia em que o homem aprender a cuidar de seus
corpos, diminuirá o número dos espíritos sofredores. Quando já
cansados de servir, a veste física e o duplo são devolvidos à terra,
colocados no guarda-roupa, caixão ou armário, em perfeito
estado e ali os espíritos prepostos deles retiram os fluidos
energéticos, cumprindo as leis da natureza. Não é de hoje que,
com pesar, se presencia espíritos debatendo-se para não deixar
esses corpos, simplesmente porque não era chegada a hora da
separação.
Pensei tanto, que dormi. Acordei com a voz de Karina, que me
chamava para mais uma tarefa.
125
Capítulo XVII

A ALIMENTAÇÃO NATURAL O SOFRIMENTO QUE ESPERA UM


SUICIDA

Fomos até o salão, onde oramos juntos. Logo depois recebemos


a visita do doutor Pattabli, o médico indiano, que nos elucidou
sobre o consumo exagerado de alimentos. Ressaltou que,
atualmente, no mundo moderno, o consumismo está em primeiro
lugar e as criaturas ingerem em excesso alimentos artificiais. A
insegurança do homem leva-o a buscar na alimentação em
excesso a força que lh*e falta. Falou sobre o alimento natural.
Quando ficou livre para perguntas, eu fiz a minha:
—Muitas vezes o homem defende a alimentação natural mas se
droga. Por quê?
—Nem todos, irmão. Poucos adeptos da alimentação natural se
envenenam com o tóxico. Um naturalista jamais violentaria sua
alma com substâncias nocivas a ela.
Perguntei também:
—Sabemos que para você, oriental, ingerir carne é saborear
cadáver; mas estando o homem brasileiro bem distante da
cultura oriental, não necessita ainda da energia da carne para
alimentar o seu corpo?
—Os homens, brasileiros ou hindus, são homens; apenas se
diferenciam pela cultura. Se o hindu se contenta com pouco
alimento, o brasileiro, pela fartura do seu País, se excede. Em
poucos países existe tanta abundância de alimentos como no
Brasil. Em uma casa brasileira da classe média são servidas
muitas iguarias e todas elas contendo carnes. A fartura existe no
Brasil. Mesmo os pobrezinhos, quando se alimentam, são possui-
dores de grande apetite. E sendo um país que veio com o dever de
se tomar o celeiro do mundo, o grão germina no cerrado e no
pedregulho, só faltam mãos para semeá-lo. A terra oferece ao
homem uma alimentação saborosa e útil ao seu corpo e à sua
alma. O homem não necessita matar para se alimentar. Se a
cultura toma os homens diferentes, a fé em Deus os toma iguais
e quem tem fé em Deus O ama e não mata os Seus filhos.
—Acha, então, que ingerir carne depende da mente?
—Sim. Se você se conscientizar de que ela nada lhe acrescenta,
pode aboli-la.

126
—Mas se a carne é a alimentação básica dos brasileiros, será
que o povo não vai ficar mais desnutrido? perguntei.
—O povo indiano não é desnutrido e o povo brasileiro muitas
vezes, mesmo ingerindo tutano de ossos, vísceras, coração, rim,
bucho, mocotó, ainda se sente desnutrido. Se a população pobre
fosse orientada a se alimentar das riquezas do solo brasileiro,
diminuiria a mortalidade infantil. Dos quintais pobres surge o
alimento que se transforma em deliciosas sopas e outras
iguarias. Seria de bom alvitre que os encarregados da assistência
social ensinassem a população menos favorecida a bem se
alimentar com os vegetais, qual seja no preparo de excelentes
alimentos somente à base natural, mas para isso tem de formar
uma nova mentalidade. Esses irmãos, tão carentes, muitas vezes
sucumbem pela fome por ausência de conhecimento; falta neles a
busca das coisas simples que podem ser produzidas ou
encontradas até no próprio quintal. Poder-se-ia, também,
levantar campanhas para que, nos logradouros onde existem os
depósitos de vegetais, as sobras sejam dadas aos pobres.
—Mas, doutor Pattabli, são muitos anos de consumo carnívoro,
como podem deixar assim, de repente?
—E só buscar a vontade na fé e no respeito ao próximo, visitar
os matadouros de animais e constatar a dor dos companheiros
em evolução, iniciando uma limpeza interior, desintoxicando-se
dos elementos nocivos da carne no organismo.
—Irmão, sabemos que existem médiuns que se alimentam da
came em dia de trabalho mediúnico.
—Sim, e a substância inferior da carne do animal penetra na
aura do médium e lha escurece, o espírito fica preso em uma
cadeia de vibrações pesadas e o médium quase nada pode fazer
de bom.
—Irmão, conheço muita gente que não consome carne, mas
"come" todas as vísceras dos irmãos que caminham ao seu lado.
Existem irmãos que não comem carne, mas no seu interior as
vibrações de cólera, orgulho e maledicência são muito mais
nocivas do que os fluidos pesados da carne.

127
—Estou de acordo. O não consumo da carne dá ao espírito
liberdade, a aura espiritual capta mais energia e o duplo e o físico
ficam como se pairassem no ar, tomando muito mais fácil a
intercomunicação dos vivos com os mortos; mas nem todos os
que já se afastaram dos carnívoros são santos. Pode ser vencido
esse ponto negativo, mas existem muitos outros na alma de um
homem e cada ponto negativo eliminado é uma conquista. Quero
deixar bem claro que aqueles que não mais necessitam da carne
nunca devem desej ar violentar com palavras os que ainda não
conseguiram livrar-se dela. O futuro vai fazer o homem deixar os
alimentos pesados, devido à sua escassez.
—Os animais também transmitem doenças ao homem?
—Os germes e os bacilos das sujeiras dos chiqueiros penetram
no corpo humano e as pessoas, ao saborearem as vísceras do
porco, por exemplo, estão colocando no seu organismo vermes
que poderão atingir o cérebro de maneira cruel. Muitos desses
casos o clínico tem dificuldade de diagnosticar; as impurezas do
porco podem alojar-se em vários órgãos, o que leva o doente a
uma grande fraqueza e, não raro, à morte.
—Doutor, como devemos fazer para deixar de comer carne?
perguntou Karina.
—Procurar substituí-la. Todos os países devem abrir campo
para a culinária vegetariana. Não como muitos fazem, levados
pela cobiça do ouro, mas sim para nutrir o corpo físico, para
embelezar a alma. A alimentação rica em frutas e verduras é
muito nutritiva, e quem é seu adepto é reconhecido pela beleza
da pele, dos cabelos e por sua tranquilidade. A carne toma o
homem violento e a alimentação vegetariana o toma equilibrado.
—O mal dos naturalistas é querer mudar o mundo. Como
devemos elucidar aqueles que desconhecem o valor nutritivo de
uma alimentação natural? indagou Damian.
—Das escolas ou mesmo criando-as deveria partir o ensino do
aproveitamento dos cereais e das verduras. Em um país como o
Brasil, a população deveria consumir mais as suas riquezas
vegetais. Em qualquer quintal nascem frutas, legumes e
verduras. Criando-se cursos de culinária, os lares estariam aptos
para fazer um bom alimento. Muitos não comem verdura, porque
não sabem prepará-la.
—O senhor não quer nos ensinar? Perguntei.
—Se me fosse permitido, com prazer o faria.

128
Sorri, imaginando no meu livro boas receitas culinárias. Sei
que o leitor iria gostar, mas deixa pra lá.
—Irmão, falou Lílian, por que dizem que a vibração do animal
fica na carne?
—Na hora da morte, as energias deletérias da aura do animal
penetram no seu interior e se espalham por toda a carne. Ao ser
ingerida a carne pelo homem, essas energias se alojam no seu
organismo sob a forma de alta dose de vibração de ódio.
—Qual a razão desta aula, doutor Pattabli?
—Muito simples. Estamos estudando a importância da
alimentação porque, trabalhando com suicidas pelas drogas,
também encontramos os que se suicidam pela ingestão de
alimentos nocivos. Muitas pessoas, embora sabendo que não
podem comer gordura, se utilizam exageradamente dela; se não
podem ingerir doces, não ficam sem eles. Esta é a causa da nossa
palestra, para transmitir ao leitor o perigo do suicídio
inconsciente por excesso de alimentos.
O médico hindu se despediu, mas ficou ainda conversando com
vários irmãos. Saí, sozinho, queria respirar, pensar nas coisas
que aprendera. Muitas vezes o encarnado acha que está abafando
e entra pelo cano. Pensei: " como podem pessoas com
conhecimento doutrinário ingerir bebidas alcoólicas, fumo e
carnes? Conhecemos vários espíritas que são consumidores da
carne e do álcool. Eles deveriam conhecer o mecanismo dos seus
corpos e saber que uma alimentação pesada os desnível a,
podendo levar ao desequilíbrio. Hoje, são poucos os grandes
espíritas, como aqueles que renunciaram no passado para que a
obra nada sofresse".
Sentei-me na grama da Casa e fiquei a recordar-me de Gino, da
organização das trevas, preocupado em fazer nascer um dos seus
tutelados na terra, do estudo científico deles na busca do
conhecimento dos átomos e dos elétrons, em uma palavra, a
vontade de ser Deus. A aula do médico me entristecera, porque é
difícil elucidar o homem para aquilo que ele realmente precisa. O
homem vive no corpo físico a mil por hora, julgando que tem de
aproveitar a vida. Ele não para, para pensar que a cada minuto
suas células envelhecem e que um dia terá de deixar a matéria.

129
O homem se esquece de que é um espírito. Ele deveria olhar
para dentro de si e recordar que até o corpo que encobre o seu
espírito ele desconhece; que dentro do físico existem muitos
órgãos que precisam estar sadios para ele viver na terra; que o
corpo físico também é frágil — na sua composição temos sessenta
e cinco por cento de água, quinze por cento de proteínas, quinze
por cento de gorduras, substâncias energéticas menos de cinco
por cento, carboidratos menos de um por cento. O físico é
máquina cujos pontos energéticos precisam estar bem ajustados,
e o homem, cada vez mais, o destrói. Mata-se não só com a droga
mas com muitas e muitas substâncias tóxicas. E ninguém nada
faz, porque o lema é tomar o País rico. Pobre dele! Nem está
preocupado com o ser, o que ele sente, o que ele faz, como ele
vive. Só querem tomá-lo um país rico, esquecendo que a Pátria do
Evangelho será pobre de bens materiais, mas riquíssima de
alimentos.
Fiquei pensativo até que a turma chegou. Iríamos voltar ao
plano espiritual. Precisávamos inteirar-nos do que ocorrera na
organização das trevas.
Para lá nos dirigimos, mas antes passamos em uma colônia,
onde fomos visitar um amigo recém-desencarnado. Quando lá
chegamos, ele me olhou meio sem jeito, me pareceu
envergonhado.
—Como vai, amigo?
—Vai-se indo, como Deus quer, respondeu.
—Já se encontra bem melhor, não é mesmo?
—Sim, só um pouco amarrado, gostaria de fazer alguma coisa,
não agüento mais hospital.
—Se desejar trabalho, procure.
—Posso, Luiz Sérgio?
—Pode. Não só pode, como deve.
—Está zangado comigo? Perguntou-me, sorrindo.
—Eu, meu amigo? Jamais zangaria com alguém que aprendi a
respeitar. E depois, vamos esquecer, nada acontece por acaso. Se
não me foi permitido relatar o seu desencarne no meu livro,
registrei momentos memoráveis com outros companheiros. Um
dia chegaremos lá.
—Luiz Sérgio, venha sempre me ver e se desejar um engraxate
para os seus sapatos, estarei às suas ordens.
Abracei-o com amor, diante daquele gracejo.

130
—Esqueça isso e recorde que Deus é Pai, e o amigo tem a seu
favor a prece e o reconhecimento de muitas pessoas.
—Eu quero é trabalhar.
—Graças a Deus. Falarei com Etelvina para lhe encaminhai até
o departamento do trabalho.
—Obrigado. Você é muito bacana.
Despedi-me e saí. Lílian olhou-me, curiosa, mas pouco
comentei sobre o irmão. Retomamos à casa transitória por
algumas horas, o tempo suficiente para nos equilibrarmos.
Depois, fomos à luta.
À medida que andávamos, o ar ia ficando pesado demais.
Percebi, entretanto, que não era o caminho do Vale do Brilho,
mas nada perguntei. Nosso destino, constatei depois, era o Vale
dos Suicidas, onde iniciamos o socorro.
Nossa equipe atendia aos que se suicidaram, colocando
aparelhos nos órgãos auditivos e visuais e no cérebro. O corpo
perispiritual dos atendidos era tão vivo que dava a impressão de
ser carnal. E a luz, mais uma vez, se fez presente. Ela era
extraída dos raios solares, no momento das operações.
Verdadeiras cirurgias plásticas foram ali realizadas. Em cada
quarteirão, de amontoados espíritos, havia um posto médico,
onde os doentes eram tratados. Quase não vi dependentes de
tóxicos, a maioria ainda carregava a arma da tragédia na mão e o
sangue a escorrer pelo corpo.
—Eles vão ficar aqui em tratamento? Perguntei ao Carlos.
—Não, aqui eles recebem o segundo socorro. O primeiro é o
refúgio no vale do sofrimento. Esta é a segunda etapa, logo
estarão no Hospital de Maria.
—Notei que uma garota, há pouco assistida, recebeu um
tratamento com as cores, e logo depois sofreu uma cirurgia, por
quê?
—Essa jovem suicidou-se com um punhal no coração, e na
pequena cirurgia presenciamos a retirada da arma, mas terá
ainda de sofrer outras cirurgias em hospital capacitado para tal
trabalho, esclareceu Sadu.
—Por que tinha tanta sede? ainda perguntei, pois a garota
havia ingerido quase um litro de água cristalina.
—No vale, ela, ferida, pedia água e não era atendida. O
ferimento fez com que perdesse muita água, e a menina Aurora
só se acalmou quando lhe deram um bom caldo e muita água.

131
Naquele local, presenciamos vários atendimentos que na terra
podem ser considerados como grandes cirurgias mas, para esses
abnegados médicos, são apenas os primeiros socorros. Adorei as
tendas médicas onde os suicidas eram tratados com tanto
carinho, enquanto no plano físico muitas religiões lhes negavam
uma prece. Cada tenda era de uma cor. Elas compunham o arco-
íris de onde Maria orienta os Seus filhos no alívio aos sofredores.
Todo o vale ganhava luz artificial, parecia vinda de um grande
holofote. Darei para você uma ideia da colocação dessas tendas,
naquele vale: buracos, ou melhor, valas, paredões
Fui-me aproximando da tenda cor-de-rosa e vi ali deitado um
senhor de aproximadamente cinquenta anos, venda nos olhos.
Suicidara-se com um tiro na cabeça. Cinco médicos lhe
prestavam auxílio. Revoltado, pedia a morte, relutando em
receber tratamento. Aparelhos poderosíssimos emitiam luz azul,
equilibrando seu campo vibratório e afastando as energias
negativas. Toda a coluna do irmão foi banhada de luz azul, em
tomo da cabeça, no frontal, enfim, azul geral em todo o corpo. No
início, ele se retorcia, mas logo depois foi-se acalmando e em
seguida vimos os médicos operando o irmão. Apesar de estar no
mundo espiritual, parecia que era o cérebro físico que recebia
tratamento, tal a identidade com ele. Um aparelho minúsculo
pairava sobre os dois hemisférios, direito e esquerdo. Em cada
hemisfério ele se detinha nas circunvoluções cerebrais e nos
sulcos, e naquela substância cinzenta os médicos trabalhavam.
Notamos que a área da visão foi a mais tratada. A essa altura, fui
percebido e recebi o mais carinhoso sorriso de um dos médicos e
compreendi a grandeza daquelas almas.

132
Deixei-os e fui ao encontro de meu grupo, que estava reunido
em uma cabana, a cabana da prece, onde oramos por todos os
suicidas, principalmente por aqueles que destroem a veste física,
cobertura bendita da reencarnação. Suspirei. Karina segurou
meu braço.
—Por que o suspiro?
—Amor a Deus. Que Pai exemplar! Cuida de bilhões de filhos e
a todos trata com misericórdia, enquanto muitos pais, possuindo
somente um, desesperam-se com os problemas que surgem a
cada dia. Deus estende o Seu amor para todos e d Ele partem
raios curadores para que possam todos aproximar-se e receber a
Sua bendita bênção.
—Sérgio, ainda não me perguntou o que vimos fazer aqui,
falou-me Enoque.
Sorri. Ele me disse:
—Para você dizer aos seus leitores: suicida não é obsessor, é
um doente necessitando que as Casas espíritas o tratem com
respeito; que eles recebem de Deus e de Jesus um cuidado mais
que especial; que o homem precisa prevenir-se contra o suicídio,
pois dias virão em que irão aumentar, por causa da fome, do
desespero, da droga, da miséria, do abandono, dos vícios e da
traição.
—Não diga Enoque, que tudo isso tende a piorar.
—O Brasil é um país onde o número de suicídios ainda é baixo,
mas se não contivermos o desemprego, a miséria e a fome, ele
será daqui a algum tempo o campeão mundial do suicídio. Os
espíritas precisam urgentemente orientar a população com
folhetos nos logradouros públicos, falando e orientando sobre o
suicídio. O homem deve ficar ciente de que não existe morte e
que ninguém é dono do seu corpo; a veste física é um empréstimo
da natureza e teremos de devolvê-la um dia, queira Deus intacta.
Ninguém pode rasgá-la, nem violentá-la, ela é obra divina
emprestada para permanecermos na terra. O homem não se
conhece. No dia em que ele se preocupar com seu corpo, ganhará
a paz, pois sentirá no seu ombro o peso da responsabilidade e
sorrirá feliz por se sentir eterno. A ignorância e a falta de fé levam
ao suicídio. Se o homem perceber que sua passagem na terra é
rápida, não vai desejar antecipar sua volta para a espiritualidade.
O corpo físico é um veículo indispensável para se transitar no
plano físico ; destruí-lo é retardar a chegada aos braços de Deus.

133
O suicida sofre antes, durante e depois do ato impensado, pois
leva a dor como bagagem. Nossas preces e o nosso respeito são
bálsamos para o seu sofrimento. Para mim, o suicida é criança
necessitada de um braço forte para guiá-la. Gostaria que toda a
Humanidade se conscientizasse do valor da oração aos suicidas,
o quanto eles são beneficiados através das nossas preces.
—Enoque, você tem por eles um amor imenso, por quê?
—Porque são filhos do meu Pai, meus irmãos. Depois, Luiz
Sérgio, ele sofre antes do suicídio por estar enfrentando muitas
vezes imensa dor, e qual não é a sua surpresa quando, com o
ato, sente os seus padecimentos se agravarem. Nas primeiras
horas em que ele percebe que não conseguiu morrer, e continua
preso à dor moral e à física, sente-se confuso porque está vivo, o
sangue jorrando, a ferida doendo e ele ali, inteiro. Embora tenha
adormecido por segundos, o despertar é cruel. O enterro, a arma,
o povo falando, e ele ali, junto ao corpo físico; o ar lhe falta, o
odor é fétido; busca a ferida, ela é sangrenta e dolorida. Agora
sofre, além da dor moral, e ainda mais, a dor física. Depois do
suicídio, busca outra vez a morte e, em desespero, constata que
aumentou a sua dor. Muitas vezes o suicida não larga o corpo
físico e, junto às vísceras putrefatas, não compreende por que
cheira mal, e conclui que o túmulo agora é a sua prisão; antes
era a tristeza. Quando consegue se ver livre da cova, leva-a
gravada na mente. E a dor, o desespero de um suicida. Como
ignorá-lo? Como condenar um irmão em sofrimento? O mais
acertado a fazer é orar por ele, abraçá-lo nas nossas preces para
que se renove e encontre a paz.
Trabalhar com suicida é tarefa dos Lanceiros de Maria e nós,
que hoje nos deparamos com os vales dos suicidas, buscamos os
encarnados para lhes dizer: não se matem. Em cada lar hoje pode
existir um provável suicida, principalmente se abriga alguém que
consome drogas. Seguremos as mãos de Maria e oremos j untos
para que a Humanidade volte a ser criança e que só cresça em
amor, porque, senão, a cada passo, veremos um irmão em
sofrimento. E Deus deseja que todos os Seus filhos se salvem.

134
Capítulo XVIII

TATIANA — UM AMOR DIVIDIDO

Julgava eu que agora nos dirigiríamos para o Vale do Brilho,


em busca do Celso e do Gino, mas logo compreendi o porquê do
Rayto no vale se encontrar: ele buscava uma garota de seus treze
anos que se debatia em convulsões; havia desencarnado
ingerindo vários comprimidos. Ao nos aproximarmos, percebemos
que Tatiana, mesmo com o seu corpo perispiritual bem distante
do cemitério, sentia tudo o que se passava com o seu corpo físico
em decomposição; estava solidamente unida a ele pelas leis
naturais da afinidade, que a "morte" forçada não destrói. O
espírito eterno e sua veste perispiritual permaneciam ligados ao
corpo físico chagado pelos vermes; e o espírito de Tatiana sofria
em desespero este martírio.
—Mas ela é uma criança! O que a levou a isso? indaguei.
—Os pais, respondeu Karina.
—O quê? Os pais?
—Sim. Tatiana foi criada com um amor incontrolável dos pais,
Celina e Clodoaldo, recebendo educação esmerada e ganhando
tudo o que desejava. Mas veio a separação dos dois e com ela
iniciou-se o descontrole da garota, começando sua agressividade,
para chamar a atenção dos pais. Depois, sentiu-se dividida, não
sabia a qual deles agradar. Se se demorava junto da mãe,
Clodoaldo reclamava, dando-se o mesmo com Celina. No meio
desse desajuste, só encontrou um caminho: a morte.
Lá estava ela, a criança disputada como um objeto e não
amada. Diz Francisca Theresa: "o ciúme é um amor sem asa".
Aquele casal matou os sonhos e a esperança de sua filha. Agora,
jogada ali, nossa Tatiana debatia-se num mar de sofrimento.
Enoque a tomou no colo para levá-la. O seu olhar, antes de
pânico, logo se acalmou ao fitar o semblante do oriental. Cerrou
os olhos e suspirou. Sem uma palavra, nós o seguimos.

135
Ao chegar à porta de uma das tendas, foi recebido pelo irmão
Ângelo e este companheiro deitou Tatiana em uma cama toda
banhada de azul. Ele iniciou o tratamento da garota. Primeiro
tentou limpar sua mente — nela estava impregnado o momento
dramático que retratava, sem parar, o episódio. Notamos que no
corpo espiritual se encontravam fragmentos do cordão luminoso,
arrebentado, à semelhança de fios elétricos despedaçados,
dispersando os fluidos que a equipe ia logo organizando. Esses
fluidos foram trabalhados pelos médicos, pois neles estava o
desequilíbrio do espírito de Tatiana.
Observei atentamente aqueles fios despedaçados e compreendi
a importância dos fios magnéticos para um espírito, são eles que
ligam o espírito à matéria física e lhe oferecem a vida. Na morte
natural, ele é desatado com amor por equipes divinas. Com o
suicídio, ele é partido e não desatado, violentamente arrancado,
estraçalhado, quando ainda está com toda a força magnética. E
nele que estão concentrados os fluidos vitais para uma longa vida
terráquea. Não é Deus que castiga um suicida, é ele mesmo que
mata suas oportunidades de vida; ao explodir o cordão fluídico
ele está destruindo a asa que o alçaria ao mundo espiritual sem
as dores da matéria. Ao desatar o nó do cordão fluídico, a equipe
divina dá condição ao espírito de decolar. E ele se vê livre da
matéria. No suicídio inconsciente, ou no consciente, o laço não se
desfaz, rompe-se, e a separação não se processa facilmente. Com
a morte clínica do corpo físico, este mesmo corpo toma-se para o
espírito uma cruz de ferro que pesa e fere, mas que o suicida terá
de suportar por um bom tempo.
A jovem sofria, pois na sua mente estavam bem vivos ainda os
últimos acontecimentos terrenos: a morte, o enterro, o túmulo e o
corpo em decomposição. Sentia a dor e o asfixiamento da tumba
fechada. Tatiana, dos braços do Rayto, passou para uma
confortável cama onde se iniciou o tratamento, sendo submetida
a vários exames. O estômago foi recebendo cuidados, depois
tomou um banho de ervas medicinais e, logo após, seu corpo foi
alvo de tratamento com os mais modernos aparelhos, que me
pareceram cauterizadores.
Tatiana fora socorrida, mas outros ali no vale ficaram. Oramos
por todos, pedindo que cada um busque o tratamento divino. O
hindu Enoque, também chamado de Rayto, nos convidou a irmos
embora, mas ainda olhei para trás.
—Por que não chamamos este lugar de Vale do Arco-íris?
136
—Um lugar tão triste, com um nome tão bonito?! exclamou
Karina.
O Vale dos Suicidas tem o formato de um arco-íris e acolhe
aqueles suicidas que estão sendo socorridos; mesmo estando no
umbral, aquele é um vale de esperança. Nas tendas de socorro
são realizadas sublimes operações, feitas por verdadeiros
médicos, os enfermeiros de Jesus.
Ninguém pronunciou uma palavra, até que dali fomos saindo,
levando no coração a prece para todos os suicidas, e na mente,
bem guardada, a fisionomia de Tatiana, a menina que não
suportou as exigências dos pais separados, cada qual querendo
aniquilar a privacidade da filha. Eu me sentia muito triste. O
silêncio era o meu companheiro. Os outros procuravam tirar-me
daquele mutismo, mas como falar, se o meu coração chorava por
todos aqueles que enfrentavam momentos tão difíceis? Fiquei até
distante do grupo, nem queria pensar, pois me via impotente
diante de tantas dores. Sadu buscou-me:
—Sérgio, não compreendo a tua tristeza.
—Muito fácil: como posso cantar, quando a dor é um engasgo
na garganta de muitos? Como posso ser feliz, quando existem
tantos infelizes?
—E adianta a tristeza?
—Não vem, não, doutor, estou sofrendo, desejo ficar na minha.
—Sérgio, pensar no próximo é uma bênção, agora, colocar o
próximo em nossa mente para lamentar a sua sorte é não ter
capacidade de ajudá-lo. O homem que para cai pela
incompetência, o que caminha sempre chega primeiro à Casa do
Pai.
Olhei o meu amigo, compreendi a lição e fui abraçado por ele.
Juntei-me à caravana, que cantava:
"Eu sou, eu sou, eu sou,
Eu sou Rayto de Sol
Eu ando na hera, eu subo nas árvores,
Eu amo você.
Eu vou, eu vou, eu vou,
Eu bebo o orvalho, eu subo nas árvores,
Eu nado nos rios..."

137
O nosso querido Rayto fez tanta brincadeira que nós acabamos
nos divertindo muito. Ainda não fomos dali para o vale dos picos,
fomos para a casa de Etelvina, Noêmia e Cenira. Ao chegarmos,
cantando, elas se juntaram a nós nesta canção, de autoria de
Francisca Theresa:
"Brasil, Brasil amado, estás guardado no coração de Jesus. Sob
um céu cor-de-anil, Vives, gigante Brasil!
Tuas terras cultivadas Por mãos desarmadas Tudo de bom
produz.
Os teus cerrados floridos Mostram que teu povo unido Forma
um elo de luz.
Tuas aves saltitantes Vão alegrando o viajante Enfeitando os
pinheirais, Bandeiras de paz, Bandeiras de paz!
Brasil, Brasil, Brasil, Pátria amada, gentil, Coração do mundo
Pátria do Evangelho Nada desfaz o elo Proclamado por Jesus
Nossa pátria amada, Arca abençoada, Caminho de luz,
Caminho de luz!"
Já no Cantinho de Maria, Eustáquio carinhosamente nos
ofereceu um caldo quente e só o papai aqui tomou, juntamente
com a Lílian e o Damian, os outros se alimentaram dos fluidos
magnéticos do Universo. Um dia chegaremos lá, não é mesmo?
Eustáquio não sabia como nos proporcionar alegria, ele e as
queridas irmãs esmeravam-se em gentilezas para nos sentirmos
em casa.
—Os trevosos têm tentado perturbá-los? interroguei.
—Como têm, meu filho! Um dia desses, tentaram colocar aqui
dentro uma jovem de catorze anos grávida.
—E vocês, o que fizeram?
—Pedimos ajuda à patrulha divina e eles se dispersaram.
—E a garota? Não estava grávida?
—Sim, mas ela logo vai ser levada para uma das enfermarias
do pronto-socorro espiritual. Até lá, tudo será feito pela sua
conversão; aliás, aqui nós só amparamos os espíritos doentes,
não curamos espíritos trevosos.
A enfermaria estava lotada e o nosso amigo, com todo carinho,
cuidava dos internados.

138
—Eustáquio, disse Rayto, estamos aqui porque os trevosos
buscam uma encarnação forçada, melhor falando, eles desejam
preparar um espírito deles para retomar à Crosta, levando a
mensagem da violência, numa terra onde até a natureza está
sendo agredida. Um representante do plano científico virá nos
elucidar como fazer para se evitar o domínio das trevas nos
planos divinos.
—Estaremos sempre ao seu dispor. Mandarei energizar o salão
de palestras e para lá deslocarei uma equipe de abnegados
irmãos, que imantarão o local para uma melhor compreensão do
assunto por vocês.
—Que bacana, Eustáquio! Acho que não precisa tanto trabalho.
—Precisa, sim, Luiz. Fico triste por constatar que em muitos
Centros espíritas ninguém se preocupa em preparar previamente
o ambiente com músicas. Algumas Casas nem apresentam suas
dependências higienizadas. Isso é necessário, pois os trevosos
buscam os lugares sujos para atuar. Flores e limpeza fazem bem
ao ser criado por Deus. Isso eu admiro nas igrejas, nenhuma tem
aspecto de desleixo. Vamos embelezar as Casas espíritas, não
com adornos caros, mas com um belo jardim, flores e árvores
frutíferas e tudo muito bem limpo; não importa se os próprios
adeptos da Casa façam esse trabalho, em um dia da semana pré-
estabelecido, isso é Doutrina Espírita. Disse Jesus: "vim para
servir e não para ser servido". Vamos fazer da Casa d'Ele um
riacho de águas cristalinas, dessedentando quem tem sede e
alimentando o faminto.
Rayto falou:
—Tem razão. O Centro espírita tem de transmitir esperança a
quem o busca. E uma casa coberta de poeira e teia de aranha
assusta qualquer um. Não devemos possuir um castelo de bruxa
e sim uma Casa de Jesus. Dizem os livros espirituais que na
cabana simples de Pedro o copo de água acariciava as flores
silvestres no culto cristão no lar feito por Jesus; que as cabanas
de Cafamaum exalavam não só o perfume das almas que ali
moravam, como a limpeza e o bom trato dos apóstolos de Jesus.
Casa limpa, obsessores distantes; casa suja, obsessores sugando
as energias magnéticas das pessoas e dos objetos sem cuidados.
—Concordo. A grande maioria dos templos e igrejas é muito
bem cuidada.
—E um Centro com muito movimento?

139
—Esses Centros precisam dessas providências muito mais que
os outros.
—Querido Eustáquio, é muito bom trabalhar ao seu lado.
Conhecê-lo foi para mim uma bênção, disse eu.
Tocou a sirene e ele falou:
—Deus lhe abençoe, que das suas mãos partam rios de luzes
sobre todos aqueles que manusearem uma das suas obras. Que
eles se mirem no irmão, que luta para fazer chegar às suas mãos
a chave do cofre dos mistérios, e despertem para uma vida
repleta de paz.
Findo o sinal, fomos avisados da chegada do cientista da
Espiritualidade Maior. Repletos de curiosidade, caminhamos ao
seu encontro.

140
Capítulo XIX

A CIÊNCIA ALIADA AO ESPIRITISMO

O cientista, um espírito muito simples, iniciou a palestra:


—Deus, Criador incriado de todo o Universo, nos proteja neste
momento. Tivemos a incumbência de transmitir alguns
esclarecimentos à plateia irmã, preocupados com alguns que,
aproveitando-se da fraqueza dos encarnados, apropriam-se de
suas mentes e de suas horas. Conhecendo suas tendências, os
vampirizam , com a finalidade de abreviar a partida deles para o
mundo espiritual. Apoderam-se de seus corpos para fins que
julgam muito importantes: reter os fluidos vitais e usá-los ao seu
bel prazer. Agora estão captando essas energias para atuarem no
mundo físico desejando atrapalhar o trabalho da Espiritualidade
Maior quando trazem para o plano material os espíritos, através
da reencarnação. Assim como existem as nossas equipes para os
desencarnes, eles também estão operando por vontade dos
encarnados e, neste instante, usufruem de energias que são
importantes para o equilíbrio do Universo. Quando se efetua o
desencarne normal, são retiradas, por equipes capacitadas, as
energias excedentes dos corpos para reintegrá-las à atmosfera.
Nos desencarne controlado pelas trevas, estas energias são
deslocadas para os departamentos umbralinos com objetivos
escusos, contrariando as leis de Deus. Sem estarem preocupados
com a violação das leis, eles se agrupam, com a ajuda de
encarnados, ao redor de prováveis suicidas inconscientes, só
esperando a hora de agir.
—Neste momento — continuou o cientista — organizamos uma
equipe extra de socorro, mas ainda receosos, porque não
podemos violar as leis de Deus. Devemos respeitar o livre-
arbítrio. Ao aproximarmo-nos de um recém-desencarnado,
suicida inconsciente, só podemos atuar se assim ele o desejar, e,
se não receber ou não quiser o nosso auxílio, temos de nos retirar
e orar de longe para a sua salvação. Os trevosos desejam anular
o socorro das equipes divinas e, para isso, contam com a quase
maioria do mundo físico. A sociedade materialista está
desencarnando mal, porque quando encarnada distante se
encontra da caridade e, assim, distanciam-se de Deus. No
Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos no capítulo XVI,
item 14:
141
O desprendimento dos bens terrenos, que todos deveriam ler
diariamente, para um melhor aprendizado dos valores de Deus. É
importante esta leitura. Sem um encontro com a Divindade, o
homem desejará ser servido e certamente irá afundar-se no mar
do sofrimento. Depois que é levado ao corpo físico, o espírito cedo
se esquece das aulas doutrinárias recebidas na espiritualidade,
vai-se cobrindo com a névoa do materialismo, longe da verdade. A
vida física, sendo passageira, muitas vezes não concede tempo
para o arrependimento. Esses irmãos começam a sofrer o "ranger
dos dentes", que vem a ser o remorso pelas oportunidades
perdidas.
—Os espíritos do Senhor — prosseguiu — estão soprando em
toda parte, mas precisam da colaboração dos aparelhos
magnéticos — os médiuns humildes — que não deturpam os
ensinamentos divinos. A responsabilidade de um médium hoje é
muito grande, talvez maior do que na época kardequiana; por que
são os porta-vozes da Espiritualidade Maior têm de conscientizar-
se de que foi preciso contar com homens de excepcional
inteligência e bondade, para a grande reforma espiritual que se
operou na terra — os apóstolos da Doutrina, que nos deixaram
excelentes livros doutrinários. Portanto, não se concebe um
médium sem dedicação ao estudo. Para adquirir o conhecimento,
necessita ele de uma Casa espírita bem dirigida, porque, do
contrário, se perderá no mar da ignorância. Todos os médiuns,
até os possuidores da mediunidade natural, devem iniciar pelo
alicerce, pois não se constrói uma casa começando pelo telhado.
Portanto, conhece-se o bom médium pelo perfume da humildade.
Toma-se necessária maior elucidação sobre dois fatos: o estudo e
o desenvolvimento do dom mediúnico. O certo é educar o dom
inerente ao ser humano e para isso é preciso tempo. Não
podemos aceitar a pressa de alguns médiuns ao desejar receber,
logo de início, livros doutrinários. Para educar alguém,
precisamos nos educar primeiro. Um médium sem conhecimento
adultera os ensinamentos dos espíritos do Senhor e aí estaremos
diante de uma doutrina diferente. Qualquer médium iniciante
que desejar psicografar, de imediato, livros espíritas, precisa da
elucidação da Casa para não incorrer no ridículo. Ultimamente,
vem ocorrendo uma demanda de médiuns novos desejando
receber os espíritos em tarefa doutrinária no plano físico; os
nomes desses irmãos são usados sem critério.

142
Os encarregados dos Centros espíritas têm de iniciar
campanhas de elucidação, como se processa uma psicografia
com Jesus. Não é só receber mensagens, temos de procurar saber
se elas são de Deus. E as coisas de Deus são simples, mas
verdadeiras. E a um médium que logo com um ano, dois anos de
Doutrina, já se acha preparado para divulgar mensagens
espirituais, precisa ser lembrado que não se sobe uma escada
iniciando-se pelo quarto degrau, inicia-se o trajeto pelo chão.
Carece a Espiritualidade Maior de tarefeiros, mas eles estão hoje
tão escassos, porque quase todos só desejam a mediunidade
gloriosa porém nada fazem para conquistá-la. Trataremos desse
assunto noutra palestra, porque a Casa espírita que não tomar
humilde e caridoso o homem não receberá a coroa do dever
cumprido. Da Casa espírita deve partir a elucidação de como
limpar a alma, e seus frequentadores têm por obrigação
tomarem-se espiritualizados. E só nos tomaremos
espiritualizados se vivermos em espírito e verdade. Não é difícil, o
homem só precisa descobrir as verdades espirituais e será salvo.
—Hoje — prosseguiu — o ser ainda continua desencarnando
mal, porque longe se encontra do desprendimento da matéria.
Quem já deveria estar bem desprendido, por ter um contato real
com os desencarnados, são os médiuns, e estes ainda estão em
busca de uma mediunidade de aplausos, só desejam receber
seres iluminados, mas nada fazendo por merecer. Devemos
esclarecer que, para desenvolver um médium, existem equipes de
trabalhadores, às vezes esta mesma equipe que psicografa as
belas mensagens do amanhã, não precisando o médium assinar
os nomes de abnegados espíritos que hoje são respeitados no
mundo espírita. Esses irmãos já encontraram os seus aparelhos,
os comunicadores, e já os aperfeiçoaram à sua maneira e só com
eles trabalham. Na falta deles, aí sim, serão escolhidos outros.
Mas a espiritualidade é muito sábia, é ela que escolhe e não a
Casa espírita ou os médiuns. O mundo espiritual é muito
disciplinado, não adianta desejarmos brincar com ele; pelo seu
equilíbrio ele jamais será desmoralizado. Que fique bem claro:
um médium tem de estudar para se auto-burilar, tem de
frequentar uma Casa espírita até estar apto para o trabalho.
Muitos médiuns bons se perderam ficando presas de obsessores
terríveis, por falta de humildade. Hoje estamos precisando de
bons porta-vozes, preocupados nos encontramos com a falta de
conhecimentos espirituais do homem.
143
O ser está se suicidando e muitas vezes ele já conhece a
imortalidade da alma, mas mesmo conhecendo –a não se tomou
um ser espiritualizado. Também os espíritas estão
desencarnando mal, muitos ainda buscam na Doutrina uma
tenda de milagres, um palco de teatro, desejando usufruir algo
dos espíritos e ansiosos por aplausos para sua pessoa. E
Doutrina verdadeira é aquela que ensina o homem a viver no
corpo carnal, com o espírito liberto da matéria. O verdadeiro
espírita é aquele que já ultrapassou as barreiras da imperfeição e
tudo faz para o bem do seu próximo. Nós estamos precisando de
mais trabalhadores, apropria Doutrina pede que os espíritas
aprendam a bem servir e que os outros mirem-se neles pelos
exemplos, para também se tomarem espiritualizados. Só assim
não teremos tanto trabalho nos departamentos da encarnação e
desencarnação. No dia em que o homem respeitar as leis de
Deus, não nos defrontaremos com tantas lágrimas de desespero.
Agora iremos assistir a alguns filmes referentes ao desencarne de
pessoas distantes de Deus. Vamos observar como agem os
trevosos e como podemos livrarmo-nos deles.
Assim falando, dirigiu-se a um monitor onde nos foi mostrado o
que vem ocorrendo com aqueles que se suicidam consciente ou
inconscientemente. Eu quase nem respirava, era muito
importante para todos nós o que iria ser projetado naquela tela.
Apareceu uma sessão de materialização e o nosso instrutor
interpretava casos de ectoplasmia e de ideoplastia, provando que
existe no subconsciente do ser humano uma força a serviço do
pensamento; explicou, também , que todos nós podemos formar
um corpo mental e oferecer energia para a aparição de outros
corpos. Estes corpos são tão vivos que podemos sentir as
pulsações do seu coração e perceber o sangue a circular nas
artérias, mesmo o espírito já vivendo no plano espiritual.

144
—Qual é a força existente no ser humano que permite que um
perispírito se tome visível e palpável? Continuou o palestrante.
Precisamos saber que o corpo físico dos encarnados contém
pontos energéticos de real valor, e que os chamados médiuns
possuem uma força energética vinda da mente, mais intensa.
Graças a essa energia, o perispírito ganha uma nova veste e se
torna visível aos olhos humanos. No perispírito existem também
os órgãos, pois é dele que parte a elaboração do corpo físico. Em
uma sessão de materialização, apenas os assistentes e o médium
confeccionam essa nova veste para o espírito desencarnado se
apresentar. Desse modo, está provado que é possível materializar
espíritos com a participação de um grupo. Como ainda relutamos
em aceitar essas mesmas aparições! Por que trato do assunto
materialização? Simplesmente, porque queremos alertar para o
perigo do suicídio, consciente ou não, pois essas energias
contidas nos corpos encarnados podem ser utilizadas pelos
vampirizadores. E eles também as usam para materializar ou
manipulá-las, como lhes aprouver. Vivemos na terra com
combustível suficiente para o percurso programado. Se o
gastarmos sem critério, sofreremos as consequências, e se nos
suicidarmos, outros irão consumi-lo. No corpo humano ainda
existem energias e regiões desconhecidas da Ciência terrena,
uma delas: o cérebro. Certas áreas do cérebro, responsáveis pela
memória, fala e emoções, já foram localizadas pelos cientistas,
mas seus mistérios permanecem. Existem outras áreas cerebrais
ainda desconhecidas. Há muito estudam sobre o cérebro, mas
pouco conhecem das suas reais funções. Os cientistas afirmam
que o cérebro possui cento e noventa áreas diferentes, mas
alguns reduzem a cifba para cinqüenta. Outros dizem que se
conhece apenas cinco por cento das atividades cerebrais. O
mistério vai-se dissipando pela ciência e pelos estudos constantes
da Doutrina Espírita, que dá conhecimento não só do corpo
físico, como também dos outros corpos. E no cérebro que existem
os núcleos dos neurônios, interligados por vários segmentos. São
os transistores cujos cabos se conectam com outros transistores,
sendo que cada um deles está encaixado numa região da
máquina cerebral responsável por alguma função orgânica. Eles
podem sofrer lesões por doenças como aneurisma, derrame ou
outras, quando esses cabos são arrebentados ou sofrem algum
abalo, sentindo o ser humano sequelas no seu corpo.

145
Os neurônios morrem quando seu núcleo é atingido, mas
podem sobreviver se a lesão atingir somente seus
prolongamentos, os axônios. Muitos cientistas encontram no
estudo da Doutrina a verdade sobre esta máquina tão sublime: o
cérebro. E nele que se encontra o farto material que toma
possível a materialização dos espíritos e a comunicação tão real
que hoje acontece. A Neurologia precisa urgentemente de ajuda
para suas pesquisas, pois morre a cada minuto uma esperança.
As doenças neurológicas são as que mais atacam o ser humano.
O sistema nervoso também mata demais. Existem em todo lugar
a depressão, o complexo, a timidez, a neurastenia e a
agressividade, decorrentes de um mal funcionamento das células
nervosas, portanto, se os cientistas descobrirem as maravilhas
cerebrais, muitas doenças serão evitadas, uma delas a epilepsia
— curto-circuito em pontos do cérebro. E o suicídio não mais
será tão comum como ocorre hoje. O homem não sofrerá crises
depressivas, será dono de sua mente, e não se submeterá aos
vícios. Para o trabalho de ajuda aos suicidas é preciso ir aos
pontos umbralinos, pois a equipe tem de conhecer a causa da
dor. Por que o homem hoje troca esposa, filhos, pais, emprego e
posição social por um grama de cocaína ou de heroína?
Simplesmente, porque existem na área vital do cérebro a causa
da caída atual. Por causa desses doentes as trevas mantêm-se
atuantes no plano físico; o desequilíbrio do homem é um ímã
para os irmãos trevosos. E no cérebro existe energia que atrai
outras energias, e quando energias desequilibradas se
encontram, ocorre o curto-circuito e aí o cérebro humano sai
perdendo, sofre doenças desconhecidas dos médicos.
'—Agora partiremos para outro bloco: por que os trevosos hoje
colam-se ao dependente de drogas, de remédios, de álcool e de
outros vícios? Porque sabem que esses dependentes terão pouco
tempo de vida no corpo físico. Um encarnado viciado representa
uma usina repleta de energias, prestes a se romper e sem
possibilidade nenhuma de capacitados técnicos a salvarem.
Assim, ficam junto deles, esperando o romper das comportas.
Quando isso ocorre, o departamento umbralino parte naquela
direção com aparelhos apropriados para aspirar as preciosas
energias. Agora descansaremos e logo mais prosseguiremos para
estudar, por que as trevas lutam para se apoderar dos recém-
desencamados pelo suicídio consciente ou inconsciente.

146
Capítulo XX

LIVRE-ARBÍTRIO: ASA DO SER


Notando o meu silêncio, Sadu interpelou-me: —Por que o
amigo está triste?
—Não estou triste, apenas me encontro preocupado. Não posso,
de maneira alguma, deixar de passar algo para os meus leitores.
Depois que ouvimos o alerta para o perigo de certos médiuns
usarem nomes conhecidos com mensagens que nada contêm de
verdades, fico apavorado, sem saber o que dizer. Não há um meio
de evitar que tal fato ocorra?
Sadu respondeu:
—Há, sim. O leitor espírita não é fácil de ser iludido, quem fizer
isso logo será descoberto.
—Até provar que Joaquim não é Luiz, muita água já
transbordou...
—Luiz Sérgio, as Casas espíritas precisam orientar os médiuns
iniciantes para esses fatos desagradáveis que vêm ocorrendo.
—E mesmo, respondi.
De volta ao auditório, o orientador reiniciou a palestra
mostrando um filme onde os trevosos, com suas equipes,
apoderavam-se de recém-desencamados. Uma jovem, vinte e dois
anos, vitimada pela overdose, debatia-se no chão e eles,
utilizando-se de aparelhos, trabalhavam em seu corpo colhendo
os fluidos vitais. Detiveram-se no local de onde parte o princípio
da vida orgânica, buscando um fluido leitoso; este fluido foi
retirado, mas percebemos que, apesar das trevas possuírem
excelentes aparelhos, os técnicos desconheciam o mecanismo dos
fios magnéticos e a garota cada vez sofria mais, pois apesar de
clinicamente morta, encontrava-se ainda presa ao seu corpo.
Vários espíritos, que presumíamos serem cientistas, mantinham-
na colada ao físico; queriam retê-la no corpo, desejando mantê-la
encarnada, ou melhor, dominada por eles. Mas por mais que
fizessem, não conseguiam ligar as inúmeras fiações que
entrelaçam os três corpos: perispírito, duplo e físico. Examinaram
cada ligação dos corpos com minúsculos aparelhos, mas não
conseguiram descobrir o que buscavam. A garota agonizava,
dando-nos um quadro muito triste. O perispírito de Solange era
analisado, principalmente as rodas energéticas, os centros de
força, controladores das correntes de energia.

147
Esses centros de força comandavam, com suas super funções,
as diversas zonas nervosas, principalmente o sistema
neurovegetativo, através dos genes e do código genético; é um
trabalho muito bem orientado o dessa máquina neuroendócrina.
As energias do perispírito comandam o corpo físico e o duplo.
Alojadas no duplo e no físico, irradiam-se formando as auras que
aumentam sua luminosidade de acordo com as modificações
emocionais do espírito.
Os trevosos se detiveram nos átomos e depois iniciaram um
estudos dos genes, principalmente os situados nos cromossomos
dos núcleos celulares. Aparelhos muito sensíveis buscavam os
genes — que são a continuidade da vida — a forma e a função.
Os pontos luminosos surgiam nos aparelhos espirituais, mas
percebi que, no filme, os trevosos não os viam. Indaguei o porquê.
—Simplesmente, porque eles não possuem ainda sensibilidade
para buscar nos cromossomos os genes, centelhas divinas.
Percebemos que a energia da vida vive em constante
intercâmbio com a matéria, é um mundo que só os técnicos
divinos conhecem, e por mais que o homem busque descobrir e a
Ciência aproxime-se da verdade, o ser encarnado ainda não
possui sensibilidade suficiente para penetrar nesse mundo
divino. No filme, os trevosos buscavam a semente da vida para
plantar na terra mais criaturas perversas, mas Deus, ao fazer o
espírito, guardou a fórmula no coração e só quem se aproximar
d'Ele conhecerá a verdadeira vida.
A aula não havia terminado, mas confesso que nem olhava
mais a tela; o corpo de Solange era agora o alimento dos trevosos,
e eles a levaram consigo para os seus postos de trabalho. O
instrutor desligou o televisor e falou:

148
—Acabamos de assistir à pretensão de seres distantes de Deus,
à procura das energias dos corpos perispiritual, duplo e físico. Ao
apoderarem-se do físico e do perispírito estão buscando a vida
que movimenta os corpos, seja perispírito ou corpo físico. Como
sabem que ao cessar a vida orgânica os fluidos vitais voltam a
compor outros corpos, buscam esses fluidos, mas devido à sua
ignorância espiritual, dificilmente encontrarão o mecanismo que
retém esses fluidos para a composição de novos corpos. Existem
na natureza verdadeiros laboratórios, compostos de espíritos,
Ministros de Deus e, se há no plano espiritual departamentos de
reencarnação e desencarne, há também no plano físico, na parte
espiritual, departamentos dirigidos por nobres espíritos aptos às
confecções físicas. Vamos imaginar: os departamentos
encarnatórios mandam os moldes para os laboratórios
confeccionarem as roupas físicas e estas são feitas com o
material do plano físico. Aqui também existem os departamentos
e eles são de grande importância para todos nós.
—Esses departamentos estão ligados por uma ponte, não é
mesmo? perguntou Sadu.
—Sim, a ponte da procriação. Eles são, na verdade, um só
departamento, o da reencarnação.
O orientador ainda fez referência aos nossos trabalhos. Falou
sobre o perigo por que os dependentes passam após o desencarne
e a busca desesperada dos trevosos, desejando descobrir os
segredos da vida. Entretanto, esquecem que só os bons serão
salvos e Deus não permite que cobra voe; enquanto a maldade
morar em seus corações a sabedoria ficará distante deles.
—E possível à organização das trevas elaborar um reencarne
igualzinho ao do departamento reencarnatório? Perguntou Sadu,
acredito que captando meus pensamentos.
—Igualzinho, jamais. Essas organizações, não possuindo
elevação moral, incapacitadas são e, por mais que desejem, não
conseguem o seu intento.
—Mas nós estamos acompanhando essas organizações e elas
têm colocado espíritos na terra, espíritos que trazem uma
mensagem de ódio. Como se processa isso?

149
—Muito simples: o livre-arbítrio é a asa do ser. Seu nome:
liberdade. Ninguém pode apossar-se do livre-arbítrio de outrem.
Todos nós temos o direito de acertar ou de errar. As organizações
tentam burlar o departamento e este, respeitando o livre-arbítrio
dos trevosos, deixa que ajam mas, mesmo sem interferir, prestam
ajuda às suas vítimas.
—Explique melhor, disse Samita.
—Quando os trevosos desejam mandar à terra um terrível
vingador, permite que esse espírito se aproxime das colônias de
socorro e peça ajuda. Depois de socorrido, ele pede para
reencarnar. Antes disso, já foi preparado pelas organizações
inferiores. Na casa mental desses irmãos só existe uma palavra:
vingança. O nosso departamento tenta ajudá-los, levando-os a
excelentes psicólogos, na esperança de fazer cessar a
influenciação negativa das trevas. Alguns tombam diante das
evidências; outros permanecem fiéis às instruções trevosas.
—E, mesmo assim, o departamento permite que esses doentes
levem ao plano físico o terror, o desespero e as lágrimas?
—O plano espiritual não desampara esses doentes; mesmo já
encarnados, recebem uma proteção especial. Muitos, aliás,
livram-se das chapas fotográficas colocadas em suas casas
mentais pelas organizações das trevas quando ainda crianças,
pela oração e o amor da família.
Pensei: "meu Deus, quantas mães nem imaginam que estão
esperando uma criança que carrega consigo ódio e lágrimas".
O instrutor respondeu:
—Não esqueçamos que em uma família espiritualizada jamais
ocorrem tais reencamações. Somente naquelas onde o
materialismo é a única moeda corrente. Esses casos são raros, ou
melhor, eram raros. Hoje os departamentos trevosos estão
desesperados para ocupar a Terra e todos os dias batem à porta
do departamento reencarnatório pedindo para reencarnar.
Recebem um tratamento especial e muitos levam anos na fila de
espera.
Enquanto isso, vão recebendo uma lavagem cerebral; mas não
nos esqueçamos de que o departamento trevoso recebe mais
auxílio dos pais do que o departamento da luz.
—Explique-nos, solicitou Carlos.

150
—Muito simples: a família, quando aguarda um bebê, deve orar
no seu quarto, enquanto organiza o guarda-roupa, enfim,
preparar a casa para a chegada de um espírito que vem vestido
num corpo de criança, mas não se esquecendo de que ali está
alguém com muitas experiências pretéritas; os espíritos trevosos
que julgam burlar o plano celeste carregam bagagem imensa de
ódio.
Continuou o instrutor:
—Sei que muitos de vocês julgavam que os trevosos tivessem
departamentos reencarnatórios e fossem capazes de fazer a
redução perispiritual e a ligação umbilical.
Acho que ele falou isso para mim, para esclarecer-me, pois eu
julgava que os trevosos estavam mandando diretamente de lá
gente sua para a terra, por isso se presencia tanta violência no
Planeta. Mas não deixam de estar mandando. O ser humano,
com o extermínio da moral e o recrudescimento dos maus
costumes, hoje prega a liberação do sexo e ele, sem controle, é
uma ponte para os espíritos trevosos. E o departamento,
impassivo, nada pode fazer; a democracia espiritual funciona de
verdade e não somente no papel, como em alguns países.
Karina perguntou mais:
—Nesse caso, o que faz o departamento reencarnatório divino?
—Apenas oferece esclarecimento a esses irmãos. Recebem uma
lavagem cerebral especial, mas muitos ficam inatingíveis, tão
forte é a instrução recebida. Por mais que façamos, eles são
presas seguras das organizações.
—E mesmo assim é permitida a sua encarnação?
—Sim. Mas deslocamos vários abnegados espíritos para
auxiliá-los e tentar desviá-los do caminho do ódio.
—Não seria mais fácil retê-los na espiritualidade?
—Seria, se os espíritos do plano celeste fossem imperfeitos.
Mas eles são espíritos emissários de Jesus, Ministros divinos.
Disse, ainda, o instrutor:
—Há reencarnações que são conexões com os planos trevosos.
Não esqueçamos que eles também precisam reencarnar.
Desejei perguntar muitas outras coisas, mas um dia ainda vou
estudar melhor esse assunto que me parece muito complicado. O
instrutor captou meus pensamentos:

151
—Engana-se quem julga complicado esse assunto tão sério. Ele
é um fato rotineiro nos departamentos reencarnatórios. As trevas,
muitas vezes, organizam a descida de elementos úteis às suas
organizações e os departamentos divinos aproveitam para
auxiliá-los, e mandam para a prisão da carne espíritos que no
plano espiritual são por demais terríveis. As trevas julgam que
estão ludibriando os verdadeiros técnicos desse intercâmbio
físico-espiritual, contudo, muitas vezes esses espíritos trevosos já
passaram muitos anos no plano espiritual e estão por demais
necessitados de uma nova reencarnação; por isso o plano
espiritual coopera com os trevosos.
—E a terra vai ficando mais violenta, falou Damian.
—Não é por isso, não. Ela está violenta porque os homens
ainda não descobriram o valor do espírito. Quem é pedra não
deseja ser luz. Se o homem voasse além do corpo, já estaria no
céu, mesmo com os pés ainda na terra. Um dia, quem sabe, a
bandeira branca da paz vai ser realmente a bandeira de todos os
países.
Animei-me a perguntar:
—Então as trevas não possuem um departamento
reencarnatório igual ao departamento de Jesus?
—Não, se assim fosse os espíritos desencarnados, sofreriam
uma pressão e seriam guiados por mentes doentias que os
tomariam escravos. Os trevosos não possuem técnicos
capacitados para ligar os centros de força e montar os corpos. O
perispírito, ao sofrer a redução, recebe dos Ministros de Deus um
tratamento especialíssimo. Ele é o molde do corpo físico,
constituído de células do fluido universal, com sua vida própria.
Suas células acompanharam a evolução do seu espírito nas
diversas existências; elas também evoluíram, nãò esqueçamos
que algumas das células do perispírito já pertenceram ao mundo
animal, embora moleculares. Toda essa maravilha é conquista
divina. A união dos corpos obedece a uma disciplinada
programação dos técnicos da reencarnação. Tudo isso leva os
trevosos a buscarem esclarecimentos e lutarem para atingir tal
saber, mas Deus deu ao homem a liberdade de escolha e
venturoso aquele que escolhe a argila do bem para moldar a sua
felicidade.

152
—Vamos ficando por aqui, espero vê-los logo mais, para novos
estudos. Que os irmãos busquem não somente orientar os lírios,
mas ainda elucidá-los para a grandeza da luz. Lembrem-se de
que todos giram ao redor do Sol. O livre-arbítrio permite que
busquemos as trevas, mas Ele, o querido Pai, por nós espera e
até lá temos Jesus por irmão e companheiro. Vão em paz.
Quantos ensinamentos! Queira Deus eu saiba passá-los para
você, leitor amigo. Nada mais desejo do que uma reflexão sua
sobre tudo o que escrevo; procure desgastar os miasmas pesados
da matéria e venha comigo, um dia, conhecer esse lindo mundo
espiritual, onde todos nós somos protegidos pelo Pai amoroso.

153
Capítulo XXI

EVOLUÇÃO: META DE TODOS OS ESPÍRITOS

Ficamos na Casa esperando o momento de atuar ao lado dos


encarnados e, sem demora, Enoque juntou-se a nós; ele, Sadu e
Samita haviam ficado no salão de palestras.
—Por que gosta de tresmalhar? Perguntei a Enoque.
—Frade, frade, simplesmente porque preciso pagar tributos,
mas agora vamos até uma chácara onde está programada uma
festa de arromba.
—Comes e bebes?
—Picos, fumo, pó e sexo. Alimento que é bom, acho que nem se
preocuparam com ele, respondeu Samita.
Assim falando, ela acercou-se de mim.
—Vamos querido, trabalhar.
—Com a minha musa vou até o umbral.
Rindo, deixamos nosso refúgio para ajudar aqueles janotas,
que não eram poucos. Uma bela chácara, ou melhor, mansão. O
maior luxo: piscina, sauna, cavalos, rios, cinema. Tudo
examinavas pensei: "quanto conforto". Acostumados a nos
deparar só com jovens, nos admiramos, pois ali encontramos uns
coroas. Todos no embalo, o lança-perfume era cortesia da casa.
—Por que estamos aqui? Perguntei.
—Procure observar a guarda espiritual desta mansão.
Agucei melhor a vista e pude perceber a legião dos trevosos.
Eram os donos daquele lugar, principalmente Terêncio, que me
pareceu peremptório, quando reuniu os trevosos para dar-lhes
instruções:
—Hoje receberemos aqui várias equipes das nossas
organizações, que estão realizando estudos para um melhor
desempenho nosso junto aos encarnados. Nesta casa hoje vai
jorrar pitéu de tóxicos e vamos aproveitar os doidões para
organizar as nossas equipes e atuar.

154
Permanecíamos silenciosos, sem sermos vistos, ouvindo o chefe
elucidar a sua turma. Examinávamos por enquanto o ambiente
de verdadeira pornéia, com mulheres lindas, cujas companhias
espirituais as tomavam extrovertidas por demais, muito loucas.
Eram pessoas sem fé e sem dignidade. Dessa forma, o ambiente
foi ficando cada vez mais pesado. O sexo, para nosso espanto, era
praticado pelos casais na sala e nos gramados. Confesso que me
encontrava perplexo, mas logo fui advertido, pois não estávamos
ali para criticar e, sim, para trabalhar. Os nossos médicos
vigiavam atentamente a atividade dos técnicos trevosos. Se para
muitos a intimidade conjugai é algo sagrado, ali era espetáculo
público. Notamos que várias mulheres encontravam-se em dia
fértil.
Fiquei zonzo, mas tinha de reagir e ajudar a nossa equipe que,
atenta, a tudo observava. Agindo apressadamente, os técnicos
das trevas eram o reflexo da indisciplina, pois faltava-lhes
equilíbrio. Na nossa frente, várias mulheres esperavam a hora da
fecundação, mas amparadas por uma luz divina, luz esta que
partia do departamento reencarnatório. Não aguentei e falei ao
Carlos:
—Assisti ainda há pouco a uma preleção sobre o assunto,
através da qual ficamos sabendo que as organizações trevosas
não possuem capacidade para este trabalho tão sublime, que é a
reencarnação.
—Luiz, se você buscar na memória a aula que tivemos, vai
recordar que as organizações trevosas não conhecem o processo
de redução perispiritual, mas podem escolher a mãe e o momento
da fecundação, entretanto, sempre observados e auxiliados pelos
espíritos de Deus.
—Explique mais, por favor, Carlos.
—Olhe bem o que está acontecendo: o doutor Nagi é um dos
grandes médicos do Departamento da Reencarnação. Agora ali se
encontra esperando o momento de atuar. As trevas somente
escolheram quem eles desejam para reencarnar, espíritos que
também necessitam progredir.
—Eles fazem a redução do perispírito?

155
—Não, Sérgio, quando eles desejam fazer alguém voltar à terra,
buscam os nossos departamentos e, como bons meninos,
frequentam as aulas e prestam os exames, só que na hora das
provas, as organizações escolhem o local de realização das
mesmas. Elas buscam desesperadamente o meio de efetuar esse
difícil trabalho sozinhas, sem a cooperação dos enviados divinos,
mas não conseguem.
—E muita jactância deles, desabafou Damian.
Ali percebemos o quanto o homem está distante de Deus.
Enoque, acercando-se de Nagi, perguntou:
—Será que essas moças vão levar a gravidez adiante?
—São gestações muito traumáticas, mas a organização trevosa
tudo faz para não ocorrer o aborto.
"Nesse caso, pensei, até que seria bom o aborto". Nagi, virando-
se para mim, refutou:
—Não, o aborto para ninguém é benéfico, principalmente para
um espírito falido; ninguém mais do que um espírito doente
merece completar o seu tempo no plano físico.
Fiquei envergonhado, mas foi bom para o meu esclarecimento.
Notamos os cuidados dos trevosos, à semelhança de cobra
guardando a cria. Aquela mulher sem dignidade servia às
organizações trevosas, mas mesmo assim recebia de Deus a
proteção. Há ideia conhecera seu parceiro há poucos dias e já se
comprometia seriamente com ele para a eternidade.
—Ela terá uma gestação feliz, Carlos?
—Essas ligações produzem na mãe certa mudança de
temperamento e não é raro a encarnação fracassar. A mulher,
embora leviana, é possuidora de bons sentimentos, daí a rejeição
aos fluidos pesados da criança levar a mulher,
inconscientemente, a abortar. Nessas horas, a organização
trevosa fica desorientada e tudo faz para não fracassar a
gestação. As equipes divinas não interferem nesses casos,
deixando o livre arbítrio agir. —Meu Deus! Exclamei. Acerquei-me
de Nagi, indagando: —Por que Deus permite tal fato?

156
—Por ser bom. Ninguém mais do que Ele conhece a
necessidade da encarnação. Muitas vezes os espíritos trevosos,
protegidos pelas suas organizações, levam anos e anos sem
reencarnar. Quando eles buscam os departamentos, são
elucidados pelos cordeiros de Deus e muitos se convertem. Não
importa aprogênie do espírito, importa, sim, o seu crescimento
espiritual. A procrastinação de um espírito dói por demais, não
só a ele, porém muito mais aos encarregados do seu crescimento
espiritual. Para uma melhor compreensão, fique sabendo que
assim como existem reencarnações ligadas aos planos superiores,
temos também aquelas que se enraízam diretamente nos planos
inferiores. E a oportunidade de libertação das zonas umbralinas,
às vezes muito bem aproveitadas pelos espíritos reencarnantes. O
plano celeste é sempre um guardião de amor, não se esqueça
disso.
Olhei aqueles casais abusando do sexo, e pensei: "como
pagarão caro por minutos ou horas de orgia!". Observei Haidéia e
gostei dela; me pareceu sofrida. Aparentava uns trinta e dois
anos, olhos verdes, boca muito bonita. O seu parceiro, um
senhor de quarenta anos, casado, desquitado e ajuntado,
apresentava-se como conhecedor da vida, homem bem vivido,
como diz o povo. Ela, bem empregada, morando com os pais
velhinhos, era ótima filha, mas o sexo, o seu fraco.
Eu estava tão preocupado com tudo aquilo, que indaguei ao
Nagi:
—E essa criança tem alguma ligação com Haidéia?
—Em todas essas encarnações, o reencarnante tem ligação com
os pais.
—Será que ela não vai provocar o aborto?
—Acho que não, respondeu-me Carlos. O sonho dela é
engravidar.
—E por que não lhe deram um espírito bom?
—Todos os espíritos que reencarnam têm como meta a sua
evolução.
Calei-me, envergonhado. Busquei as outras mulheres. Eram
dez em dia fértil.
—Todas serviriam à organização trevosa, disse Nagi, mas daqui
somente três terão condição de levar a sua gestação adiante. As
outras estão com os órgãos sexuais muito doentes. O abuso é
tanto que já estão colhendo os frutos que plantaram.

157
—Gostaria de acompanhar este caso, que está me
impressionando muito.
Nagi sorriu, despedindo-se sem me responder. A festa estava
pegando fogo: droga, bebida e sexo. O inferno mora ao lado do
céu. Enquanto famílias labutam e sonham, muitos nem dormem,
julgando aproveitar a vida. Confesso estar ficando com pavor dos
fins-de-semana, é neles que os doidões entram no umbral e de lá
demoram a sair, por mais que os Raiozinhos de Sol tentem
mostrar-lhes a luz.
Todos da nossa equipe prestavam auxílio; eu, infelizmente, me
encontrava pusilânime, para preocupação de Sadu e Samita, que
se acercaram de mim.
—Frade, o que está acontecendo?
Abracei-me com eles, mas nada falei. Sadu, olhando-me
firmemente nos olhos, disse:
—Se as organizações das trevas atuam junto aos encarnados —
lembre-se bem, Luiz Sérgio — é porque gostam da companhia
delas; mesmo assim, Deus não Se cansa de proteger Seus filhos.
Em cada pedacinho da terra, Sérgio, há uma semente de amor
germinando. O homem é tão protegido que até brinca de se
esconder de Deus, mas um dia o vento demolidor do desespero
será contido pelo corpo de um grande homem: Jesus. Ele, com os
braços abertos, preso em nossa cruz, ainda Se encontra no
calvário da nossa indiferença. Todavia, abriga todos aqueles que
Lhe pedem proteção. Tenhamos fé de que toda a Humanidade irá
buscá-Lo como refúgio, principalmente nos dias tortuosos. Jesus
— nosso irmão querido — estará ao nosso lado até o dia em que
vencermos todos os obstáculos que dificultam nossa chegada aos
braços de Deus.
Reconfortado por essas palavras, conclui:
—Que Ele lhe ouça, Sadu, e que a Terra se agigante em
humildade e espiritualidade, para que todos nós possamos viver
em paz.

158
Capítulo XXII

AS ENERGIAS DA VIDA

Olhei ainda Haidéia. Ela me pareceu triste, algo mudara em


sua vida. Conhecendo-me, Enoque falou:
—Sei, Luiz, que está querendo acompanhar esta gestação, não
é mesmo?
—Posso? Perguntei, ligeiro.
—Não. Infelizmente não nos é permitido inteirarmo-nos do
assunto agora. Estamos em busca das organizações, estudando
até que ponto estão dominando os encarnados.
—Confesso, Enoque, que gostaria de acompanhar o espírito de
Iagê, o seu crescimento físico e espiritual. Tenho fé que Haidéia
irá ajudá-lo, ela vai conseguir transformar Iagê.
—Gosto de você porque é um sonhador, interferiu Lílian. Eu
também acredito nela como mãe e um dia teremos a felicidade de
ver mãe e filho no caminho de Jesus. Agora, vamos ajudar os
doidões.
E, assim, nos dispersamos. Eu e Damian fomos para perto de
um casal, Nestório e Larina. Estavam tão loucos que nem se
aguentavam de pé. Oramos por eles, na tentativa de fazê-los
parar, mas em vão, cada vez mais consumiam o tóxico. Corri em
busca de socorro médico e consegui que a garota fosse assistida
pela nossa equipe. Lílian partiu à procura da ajuda dos
encarnados; felizmente, naquela própria casa existia uma equipe
a postos para essas emergências e, intuída por Lílian, correu em
socorro do casal. O rapaz relutou em aceitar ajuda mas o grupo
nem se comoveu e logo, para nosso alívio, iniciou o tratamento.
Os dois já estavam tendo convulsões pelo excesso de substâncias
estranhas ao cérebro.
À medida que as pessoas vão tomando o coquetel de tóxicos, as
células cerebrais são inundadas por substâncias tóxicas e por
outras reguladoras, produzidas pelo próprio organismo, que
passam a dar ordens desencontradas para o corpo.
Os batimentos cardíacos do casal estavam todos perturbados.
Aí assistimos a uma lavagem estomacal, pela aplicação de uma
injeção de carvão ativado. Eles tiveram controladas a respiração e
os batimentos cardíacos através do balão de oxigênio. A equipe de
plantão era excelente e vinha recebendo muita ajuda dos médicos
desencarnados que a intuía para um melhor atendimento.
159
—Como estão organizados, não é mesmo, Luiz?
—É preciso, Lílian, que os viciados em droga se conscientizem
de que existe socorro, só precisam não temer. Todas as pessoas
que desencarnam com overdose, se tivessem sido socorridas a
tempo, teriam sido salvas. Veja o que assistimos neste grupo de
consumidores de droga: possuem até uma equipe de não-
drogados para essas emergências...
—Mas, Luiz, aqui o dinheiro brota do chão.
—Quem não tem uma equipe caseira tem uma hospitalar. Ao
mini mo sintoma a vítima deve ser levada para ser socorrida. É
muito triste presenciar, impassível, alguém desencarnar com
overdose.
O médico espiritual, Melquíades, dirigindo-se a nós, indagou:
—Por que a alacridade?
—Porque sentimos o quanto Deus é bondoso, falei, fitando
aquele casal que recebia os socorros necessários.
Acho que Sodoma e Gomorra ficariam envergonhadas com
tanta falta de pudor. Os casais não se respeitavam, ali ninguém
era de ninguém. O médico nos convidou a acompanhá-lo e diante
de nós desfilavam almas em decadência. Mulheres que chegaram
muito bem vestidas, agora somente de roupas íntimas ou sem
nenhuma peça, retorciam-se no mundo pavoroso da droga e do
álcool.
Observamos que um jovem, completamente bêbedo, ia ser
iniciado na cocaína com a ajuda da namorada. Desesperado,
aproximei-me e tudo fazia para não deixá-lo consumar o ato. A
garota tentava passar o pó nas suas gengivas, mas ele dizia,
rindo muito:
—Não... Não...
Se, no estado em que se encontrava, ele usasse a cocaína,
dificilmente iria suportar. Mas a jovem insistia em levá-lo ao
vício. Colei-me no garoto e comecei a gritar: "socorro, socorro,
socorro!" A menina assustou-se, julgando-o maluco; ele
continuava gritando, ora com a voz dele, ora com a minha voz.
Quase todos correram para ver o que se passava. O ambiente era
caótico, mas nem eu nem Lílian deixamos de gritar por socorro. O
dono da casa, indignado, deu-lhe um bom tapa e ele investiu
para cima do senhor. Eu e Lílian, surpresos com aquele
comportamento, tentamos acalmar o jovem, mas ele estava
furioso, dando pescoções em todo mundo.
—Pare, Luiz! pediu-me Lílian.
160
—Parar o quê? Não sou eu que o estou influenciando!...
—Quem, então?
—Eu! falou um espírito zombeteiro. Sou eu, Luiz Sérgio, que o
estou defendendo.
—Não! falei, caindo sentado. Pelo amor de Deus, para com isso!
Mas ele nem me ouviu, fazia o garoto distribuir pescoção em
muita gente. Corri para perto do garoto e, ajudado agora por
Enoque, fizemo-lo desmaiar. A festa esfriou um pouco. Ao
recobrar os sentidos, o jovem foi convidado, juntamente com a
garota, a se retirar.
—Não encontrou um método mais simples de o salvar?
inquiriu-me Enoque.
—Amigo, ele ia chafurdar-se e aí, coitado, nunca mais seria
livre. Enoque, rindo, falou:
—Vá até a rua proteger o casal. Você não começou o
tratamento? Fiquei sem graça. Eu só queria ajudar e me pareceu
que Enoque não gostara. Saí, junto com Karina e Lílian, e
encontramos o jovem sentado, na beira da calçada, sozinho; a
garota o havia deixado e voltara à mansão. Seguramos o braço
dele e fizemos com que pedisse carona e logo ele estava seguro
em sua casa. Falei a Karina:
—Não sei porque trabalho com drogados, eles me
impressionam por demais. Tenho, às vezes, vontade de pegá-los
no colo e outras vezes de lhes dar umas boas palmadas. Veja:
hoje não me importo se o Enoque está zangado comigo, eu estou
em paz, porque Zuriel não entrou na roda do pó.
Ele voltou para seu lar; a garota, entretanto, contorcia-se,
dançando no pátio da casa.
—Hoje ela encontra a turma dela, falei, mostrando para Lílian
os espíritos dependentes da droga, que pareciam encarnados,
tais eram suas participações nos atos dos visitantes daquela
mansão.
Não demorou muito e nós a vimos, com o corpo encurvado,
movida por uma força estranha, dirigir-se para a piscina.
—Essa não!

161
Quando acabei de falar, ela já havia pulado e bebia água. Os
trevosos davam gostosas gargalhadas e nós, mais uma vez, nos
esforçávamos para salvar uma louca dependente do tóxico. Logo
fomos ajudados pela equipe plantonista encarnada daquela casa,
e a menina foi retirada da água. Quando perceberam que era a
garota de Zuriel, também a jogaram na rua com a roupa toda
encharcada. Nós a tomamos nos braços para que não desmaiasse
de frio, porquanto a temperatura era de três graus positivos. A
menina chorava e nós pedíamos para que aparecesse alguém e,
para nossa surpresa, foi a polícia que a levou para casa. Ela
tentou delatar o dono daquela mansão, mas quem iria acreditar?
Aqueles moradores eram respeitáveis cidadãos. Sacudi a cabeça:
—Até quando a fachada de um muro vai acobertar a podridão?
Nisso, Enoque e Sadu nos chamaram. Eram as equipes
trevosas à espera de uma desencarnação. O chefe, Dalmácio,
reclamava dos viciados desencarnados, cobrando-lhes uma
atuação maior. Só eles poderiam fazer aumentar o consumo do
tóxico. Dalmácio e suas equipes estavam sequiosos de vítimas.
Não demorou muito e presenciamos um corre-corre: era um
senhor de cinqüenta anos, debatendo-se. Dalmácio sorriu. Nós,
os Raiozinhos de Sol, corremos para ajudar Demétrio, mas ele
fora muito além do que um coração pode suportar. Desencarnava
ali mais uma vítima da droga. Por mais que as equipes
encarnada e desencarnada ajudassem, nada adiantou. Demétrio
desencarnara. No mesmo instante, a equipe trevosa presente pôs-
se a estudar a origem do espírito. Eles buscavam a zona
inconsciente e a chama energética que comanda o físico através
de fios sensíveis dos núcleos celulares, detendo-se na glândula
pineal, como se nela estivesse a sede do espírito. Analisaram esta
glândula do corpo físico de Demétrio, buscando o comandante
das forças sexuais dos homens. E, assombrados, presenciamos a
devassa no corpo de Demétrio; eles estavam em busca das forças
sexuais, energia bendita muito bem guardada não só na pineal,
como na hipófíse. Nós permanecíamos calados, impassíveis. Os
trevosos não buscavam as energias no reservatório energético do
inconsciente, nem as glândulas eram bem analisadas, faltava
neles a visão divina. A glândula pineal, filtro das energias do
Espírito, como que atrofiou, diante da morte física. Eles, que
pesquisam as energias do corpo físico, não compreendem porque
o sexo é peça importantíssima para o equilíbrio do espírito e do
corpo. Eu senti, diante do corpo de Demétrio, o valor do sexo.
162
Ele me pareceu uma torneira por onde descarregamos as
energias já absorvidas pelo corpo físico. Ao passarem pela
glândula pineal, as energias do Espírito buscam dar vida ao
corpo físico e este se mantém vivo; mas essas mesmas energias
precisam dissipar-se e isso se dá através do sexo. Uns o fazem de
maneira disciplinada, outros enfraquecendo os seus chacras.
Enquanto a equipe trevosa examinava Demétrio, o nosso
médico Sadu nos orientava; porém, em determinado momento, a
equipe trevosa levou Demétrio, e nós nada pudemos fazer.
Esperaríamos a hora de socorrê-lo, pois no momento tomava-se
impossível. Comentei com o médico:
—Eles estão buscando a vida física e a espiritual mas, graças a
Deus, ficam atordoados diante da máquina física e perispiritual,
não é mesmo?
—Temo o que vem ocorrendo, eles estão trabalhando, e muito,
nas pesquisas do Espírito. Como vimos há pouco, eles chegam
perto da fonte, mas não possuem aparelhos para retirar a água.
Enoque e Sadu despediram-se:
—Vamos deixá-los. O dia nos espera, precisamos cuidar de
outros irmãos.
Desejava perguntar mais sobre as energias da vida, mas os
Raiozinhos de Sol foram saindo devagar. Ainda olhei para trás:
que belo lugar, mas tão mal assistido!

163
Capítulo XXIII

CARIDADE: JESUS EM AÇÃO

Ao atingirmos a rua, ouvimos um grito de socorro. Ficamos


parados, mas logoiinoque nos orientou sobre o local. Um veículo
desgovernara-se e algumas pessoas se acidentaram. Um espírito
acercou-se de nós e falou:
—O motorista imprudente corria adoidado e aí está o resultado
da sua inabilidade.
Alguns irmãos ainda se debatiam com vida junto às ferragens.
Quatro, mesmo desencarnados, ainda continuavam junto ao
corpo. Pediam ajuda e logo a equipe do departamento do
desencarne logo chegou. Nós aplicávamos passes e os médicos
davam assistência. Os trevosos se aproximaram, desejando
apossar-se de alguns espíritos, mas as equipes de Jesus
prestavam auxílio. Acerquei-me de um menino, com
aproximadamente treze anos, preso às ferragens, ainda com vida.
Vieram os bombeiros e o resgataram. Ninguém pode imaginar a
ajuda que se presta num instante desses. Dedicados médicos
espirituais fazem com que a vítima suporte o sofrimento,
protegendo-a. Contudo, por mais que o menino Antero recebesse
auxílio, seus ferimentos eram graves e ele não os suportou. Notei
que o seu corpo físico manteve-se por muito tempo vivo, muito
vivo; pareceu-me que nele foram concentrados todos os fluidos
das auras, porque era um campo energético de grande potencial.
Imediatamente o técnico espiritual foi retirando toda a energia
daquele corpo, entregando-a ao chefe da equipe, grande
conhecedor de fluidos magnéticos. Depois de socorrido, o nosso
grupo foi escolhido para levar alguns deles a um Centro espírita.
O doutor Kassin juntou-se a nós e assim buscamos uma Casa
para os primeiros socorros aos desencarnados, de onde seriam
levados para as Casas transitórias. Fomos muito bem recebidos
pelo dirigente espiritual do Centro e logo encaminhados ao grupo.
Acostumados com grupos que prestam auxílio aos
desencarnados, estranhamos quando foi dado início ao trabalho.
Bastava o doutor Kassin ligar o doente ao médium, este gritava,
retorcia-se, procedia como se estivesse recebendo um terrível
obsessor, enquanto nós estávamos ali buscando no médium
somente a energia necessária para os espíritos recém-
desencarnados.
164
O procedimento daquele grupo, porém, nos deixou muito
tristes, aqueles médiuns diziam receber até seis espíritos, mas
não davam assistência aos doentes que ali trouxéramos. Assim, o
atendimento foi desastroso, levando o doutor Kassin a indagar do
dirigente espiritual:
—Por que eles procedem assim?
—Simplesmente porque nesta Casa todos os médiuns têm a
obrigação de receber espíritos, o dirigente não concebe uma
ajuda espiritual sem incorporação.
O doutor Kassin retrucou:
—Mas não se pode, de maneira alguma, condicionar um
médium à incorporação. Notamos que neste grupo todos são
médiuns conscientes e muitos estão colocando para fora o
desequilíbrio do próprio espírito.
—Sabemos disso e peço ao irmão que nos perdoe. Achamos
que, mesmo indisciplinados os médiuns, os espíritos podem ser
assistidos.
—De que maneira, meu amigo? Todas as vezes que tentamos
colocar o doente junto a um médium, este grita e se retorce,
assustando o doente, que, não esqueçamos, é um recém-
desencarnado, portanto, amedrontado com a morte.
Nós não sabíamos o que fazer, quando vimos Enoque falar algo
com o doutor Kassin e este se despedir do mentor espiritual
daquele grupo sem conhecimentos doutrinários. Quando saímos
daquela sala, respirei fundo e senti pena de certos médiuns que
servem de trampolim para alguns espíritos vaidosos que se
agregam aos Centros espíritas e brincam com a ingenuidade do
próximo.
E assim buscamos outro Centro espírita, onde chegamos a um
grupo muito conhecido nosso; em todos os meus livros, foi nesse
grupo que sempre encontramos médiuns humildes e dirigente
com conhecimentos doutrinários baseados na obra kardequiana.
Quando lá chegamos, desejei abraçar cada médium pelo muito
que eles auxiliam os socorristas. Depois dos estudos teóricos,
iniciamos o trabalho prático com cada médium, em total silêncio,
com as mãos sobre a mesa; foram feitas as ligações dos aparelhos
e cada irmão, trabalhador humilde de Jesus, representou ali uma
usina energética, dando àqueles doentes uma nova vida. O
silêncio era total, ninguém se mexia. O dirigente, passando por
trás de cada médium, pedia uma pequena prece.

165
Enquanto isso, os enfermeiros de Jesus prestavam os primeiros
socorros ao grupo de desencarnados. O garoto foi tratado com
tanta ternura por uma irmã que, mesmo não possuindo vidência,
sentia que estava sendo útil, pois trabalhava com disciplina e
amor. Presenciamos as vibrações influírem sobre os médiuns, da
mesma forma que os médiuns influíam sobre a corrente. A
corrente magnética exercia poder sobre o médium, aumentando a
força magnética da mediunidade. Se na mesa mediúnica todos
estivessem convictos da força que possuem, aumentaria a
corrente magnética da mesa e espíritos e encarnados seriam
beneficiados. Porém, para esses trabalhos, não pode a mesa ter
um único elemento disperso, alheio à tarefa. E tomo a falar
daqui: que os diretores de uma Casa espírita criem grupos
somente com médiuns que, como dizem, nada recebem; eles são
respeitadíssimos pelas equipes de socorro. Não esqueçamos que
num grupo bem dirigido os médiuns são verdadeiros
condensadores, que formam o campo eletromagnético.
Imaginem vários médiuns reunidos: formam um gerador de
real potência. E louvável o médium que possui energia suficiente
para formar uma corrente poderosíssima que lhe dá condição de
captar os pensamentos dos espíritos. Mas a maioria dos médiuns
não possui essa carga energética nos seus corpos. Mas
precisamos elucidar os dirigentes de grupos e os médiuns que,
mesmo sem incorporar, pode um espírito aproximar-se dele e
receber as energias de que necessita. Não é porque não se
manifestou que ali não esteve. Esses grupos, chamados pela
Espiritualidade Maior de a mediunidade do futuro, são
respeitados por todos os trabalhadores do Senhor. Sentimos não
os ter ainda descoberto o meio espírita, quando são por demais
necessários nesta época, onde os desencarnes são tão violentos.
O grupo, em total silêncio, ouviu aprece do doutor Kassin,
transmitida pelo dirigente encarnado. Os doentes foram levados
para o pronto-socorro da Casa espírita para serem transportados
mais tarde para as Casas transitórias. íamos saindo, quando
Paulo, um dos trabalhadores da Casa, nos comunicou:
—Luiz Sérgio, sabe que este grupo vai acabar? A diretoria não
aceita um grupo que não incorpora espíritos.
—O quê, Paulo? Você está brincando!...
—Não, meu amigo, infelizmente não estou. Este grupo será
transformado em grupo de desobsessão, os dirigentes não
acreditam mais nele.
166
—E se a gente falar com o dirigente espiritual da Casa?
Enoque interferiu para dizer:
—Não, Sérgio, não vamos fazer isso, os encarnados precisam
conscientizar-se de que a caridade é Jesus em ação. Todos
aqueles que não tiverem caridade sentirão o ranger dos dentes.
"Ai daqueles que brincarem com o Espírito Santo", disse Jesus.
—Mas Enoque, não se faz isso com um dirigente que sempre
respeitou os seus médiuns e os espíritos.
—E, irmão, o tempo se encarregará de provar com quem está a
verdade.
—Desculpe, mas até lá muitas injustiças serão cometidas.
—Se esta porta se fechar para as equipes socorristas, outras
serão abertas, completou Sadu. Os doentes terão sempre a ajuda
do Maior dos médiuns — Jesus.
—Mas o dirigente terá de sair da Casa!
—Não se preocupe, logo aparecerá um grupo, um verdadeiro
grupo. Ele jamais deixará os seus médiuns sem o esclarecimento
da real mediunidade. É um trabalhador como todos nós, e
sempre foi estudioso e amigo leal dos espíritos desencarnados,
tratando-nos com respeito, portanto, juntos ficaremos, porque
lhe somos gratos.
Confesso que uma lágrima molhou meu rosto.
—Até quando, Senhor, o homem vai ser injusto?

167
Capítulo XXIV

GERAÇÃO SUICIDA

Ninguém pode imaginar como é importante para uma equipe de


socorro o equilíbrio de um grupo mediúnico, com médiuns
conscientes de que não só os que incorporam, ou visualizam os
espíritos, trabalham; com humildade, todos podem doar, sem
alarde, conscientes de que estão trabalhando. E que são
importantes para a espiritualidade! Muitos, ao chegarem a um
Centro, não se importam com o estudo e pouco fazem para que a
verdade seja a sua bandeira. Existem pessoas que fogem de uma
Casa espírita, pois o convívio com os outros médiuns as assusta;
desejam, então, comandar a sua própria mediunidade, sem
submetê-la ao crivo da razão. Alguns dizem que os espíritos nada
as deixam fazer, porque querem escrever o dia todo.
Para que eu começasse a escrever para você, leitor amigo,
precisei cursar uma escola de psicografia, onde a disciplina é
obrigatória. Quem deseja escrever deve primeiro matricular-se na
Faculdade da humildade. Existem muitos espíritos necessitando
mandar mensagens. Não possuem nomes conhecidos na
Doutrina, mas precisam ser respeitados; têm de cumprir uma
missão. É árdua a tarefa e são poucas as criaturas que se
anulam em favor do seu semelhante. Rayto tirou-me desses
pensamentos, dizendo:
—Vamos até a sede de apoio para depois voltarmos às colônias
espirituais.
E assim fizemos. Ao chegarmos ao pronto-socorro, recebemos
um passe, descansamos e logo seguimos viagem. À medida que
avançávamos, sentíamos a brisa de Jesus a nos acariciar e,
gradativamente, fomos ficando mais etéreos, até que avistamos a
Colônia, ou melhor, onde iríamos reencontrar os instrutores. Na
porta, Enoque cumprimentou a guarda e ela se curvou
respeitosamente. Entrando, olhamos as flores e os pássaros, que
nos davam as boas-vindas. Minúsculas flores do campo
formavam um grande coração com os nomes: Jesus e Maria.
Recepcionados por Antero, este nos levou ao auditório nove, onde
uma equipe de quatro irmãos nos esperava. Quando entramos,
levantaram-se para nos cumprimentar. Meus olhos faiscaram de
curiosidade, com a vontade muito grande de perguntar seus
nomes, mas essa é uma imperfeição que devemos eliminar.
168
Aliás, não foi preciso, pois eles mesmos se apresentaram:
Quintino, Radamés, Teófanes e Ulmes. Teófanes, aproximando-se
de Samita, esclareceu:
—Chamei vocês aqui para um estudo mais detalhado do
trabalho desenvolvido pelos trevosos. Eles estão atacando as
crianças e os jovens, estes últimos deixando-se levar com maior
facilidade. Os jovens estão morrendo não só pela droga, mas
pelos inúmeros acidentes por ela provocados. Eliminando a
juventude, destruído é o plano encarnatório, e toda uma
programação espiritual se perde. Hoje, no mundo inteiro, a
mocidade quase toda está doente desta chaga terrível — o tóxico
— que quando não mata deixa sequelas terríveis.
Samita, Sadu, Enoque, enfim, os nossos médicos, ajudados por
Sara, projetaram filmes com os fatos ocorridos durante os nossos
trabalhos de socorro. Muitas vezes os médicos interromperam a
projeção para tecerem considerações. Assistimos ao desencarne
de uma jovem de dezessete anos, que por causa da droga sofrerá
um derrame cerebral; a garota, consumindo droga, provocara o
entupi mento da artéria, a abrupta interrupção de aporte
sanguíneo a uma das regiões cerebrais. O tecido nervoso,
esclareceu o médico, suporta muito mal a falta de oxigênio, que
seria levado pelo sangue. Não existindo oxigênio, o cérebro inicia
a liberar reservas de substâncias que, em grande quantidade, se
tomam tóxicas. No momento em que o sangue deixa de chegar ao
cérebro, os aminoácidos excitatórios, que promovem a entrada de
cálcio no neurônio, são liberados de tal maneira que se tomam
altamente lesivos, levando a célula à morte; não esqueçamos que
este cálcio, em pequena quantidade, não causa problemas.
—Estamos aqui, continuou, para estudar um meio de não
deixar os toxicômanos desencarnar ou sofrer problemas motores
e distúrbios da fala. Estamos inteirados de que as crianças e os
jovens imprudentemente consomem droga e álcool, e isto é
suicídio.
Enoque relatou o que se passa na Crosta:
—Os países ainda não despertaram para este triste fato. A
juventude morre a cada instante, os jovens se picam, aspiram e
fumam junto a uma sociedade impassível. E muito triste.

169
—Irmão, não só a sociedade, também as religiões estão
impassíveis, poucas, muito poucas, estão fazendo algo. Das
religiões deveriam partir campanhas antidrogas. As mães
atingidas deveriam sair às ruas de braços dados, pedindo
providências. O mundo espiritual encontra-se muito preocupado,
a prova está aqui à nossa frente, nesses filmes, que mostram
como as organizações trevosas estão cada vez mais atuantes,
tendo por cooperadores as próprias famílias. O jovem está sendo
criado sem Deus e sem disciplina; o querer é a sua bandeira.
O doutor Úlmer, assistindo ao filme onde alguns médicos das
trevas tentavam implantar o óvulo de uma mulher em outra,
sacudiu a cabeça, dizendo:
—Ainda bem que, quando se possui o coração duro, a cabeça é
precária de inteligência.
—Mas se eles, quando querem, levam para a terra alguns dos
seus, por que desejam tanto reencarnar trevosos? perguntou
Samita.
—Não se esqueça de que ninguém reencarna sem ser essa a
vontade do Senhor; toda reencarnação recebe uma gota da vida
espiritual.
O médico parou o filme bem no momento em que a jovem
desencarnava e o embrião era retirado com vida e conservado em
lugar apropriado. E nos mostrou que a fecundação do óvulo
materno somente se dá algumas horas depois da união sexual. O
espermatozóide faz imensa viagem antes de atingir o seu objetivo.
Vimos um reencarnante recebendo, dos encarregados espirituais
da reencarnação, o tratamento especial para lhe reduzir o
perispírito; e ele, o irmão, ligando sua mente à equipe e, numa
conexão mental, reduzindo-se perispiritualmente, tomando a
forma de uma criança.
Prosseguiu Úlmer, explicando:

170
—Este reencarnante já estava em processo de ligação fluídica
com os pais há muito tempo e recebeu um tratamento especial
em seu perispírito. Quando desencarnamos, o perispírito toma-se
mais etéreo: alimentação diferente, novos hábitos, enfim , ao
terminar sua permanência na terra e deixar o corpo físico, ele
está preparado para viver no mundo espiritual. Se necessitar
reencarnar, precisará desfazer-se de certos elementos da vida
espiritual e assimilar outros, necessários para a nova vida física,
dados pelos pais e pelo mundo físico. Hoje, infelizmente, os
homens estão tentando destruir esse trabalho muito belo, sem
aproveitar satisfatoriamente a importante oportunidade da
reencarnação, suicidando-se e dando trabalho à espiritualidade.
Por ignorância, jogam fora a vida, enquanto os trevosos, por sua
vez, estão lutando para levar ao plano físico espíritos maus,
recebendo para isso a cooperação do homem. Hoje, meninas e
garotos praticam sexo por esporte e os espíritos do Senhor pouco
podem realizar em prol do encarnado, quando este tem por
companhia os irmãos das trevas. O que ocorreu nesta gestação
foi isso, a moça desencarnou fora da época e a equipe de socorro
não estava por perto; a outra mulher, na qual foi realizada a
operação implante, estava vivendo a sua experiência sexual em
grupos de orgia. Contudo, não é fácil essas organizações
atuarem, o perigo é levarem mais pessoas à morte física, porque
o segredo da vida não está nas mãos dos cientistas , e sim nas do
maior deles: Deus. Os trevosos desejam trazer espíritos de sua
livre escolha para reencarnar na terra, sem a interferência dos
departamentos competentes.
Interrompeu Sadu:
—Por que antes eles nem tentavam e agora nós presenciamos
atuarem com importantes aparelhos provenientes das
organizações das trevas e ainda estudando um meio de burlarem
os emissários divinos?
—Neste instante, passo a palavra ao irmão Quintino, para
responder à sua pergunta, disse o doutor Úlmer.

171
—É mesmo preocupante. Não se nega o fato de estarem em
busca de um meio de efetuar essa viagem maravilhosa de ida e
volta ao plano físico. Mas se contam também com a colaboração
terráquea, o plano espiritual tem Deus, que não cessa de ensinar
aos Seus tarefeiros o verdadeiro caminho da salvação. Sabemos
nós que algumas inteligências cooperam com as trevas, mas só
os emissários divinos, encarregados dos nossos departamentos
reencarnatórios, conhecem os métodos empregados para auxiliar
o feto, a sua proteção, para que chegue ao término da gestação, e
o cuidado com todos os órgãos do corpo físico. Somente o
departamento divino possui os mapas, a geografia dos genes da
hereditariedade alojados nos cromossomos. Por não conhecerem
estas verdades, ocorre o que ocorreu: a rejeição fetal. Tudo é
magnetismo e a atração magnética é de grande importância na
gestação. Eles tentam, mas não possuem sensibilidade bastante
para operar num corpo onde a célula-ovo é protegida pelo próprio
corpo da mulher; no seu organismo estão alojados
poderosíssimos elementos protetores, e ainda contam com o
auxílio de um espirito com grande conhecimento magnético, que
ajusta no perispírito a forma reduzida do reencarnante, enquanto
o organismo da mulher, sozinho, se abraça ao ovo e dele se
apodera como grande guardião. Este trabalho é realizado por
técnicos capacitados e não por espíritos brincalhões e repletos de
vaidade.
Interrogou Carlos:
—Se nos desencarnes fora de época as equipes de Jesus
muitas vezes nada podem fazer, por que para a reencarnação
existe maior proteção?
—Vou dar-lhe uma resposta pobre, mas que se encaixa: entrar
em um país é mais difícil do que dele sair clandestinamente. A
preocupação com o reencarne é muito grande e somente espíritos
aptos têm acesso a esse Departamento. A volta do espírito à
matéria é ação máxima de inteligência e só Deus é capaz de criar
tão bela obra. Os espíritos do Senhor são operários capacitados
para esse extraordinário serviço e, ao realizá-lo, não são
relegadas as regras impostas pelas leis da genética, na
determinação dos tipos biológicos; mesmo sendo o espírito o
orientador da matéria na sua organização biológica, não podemos
esquecer que tudo obedece às leis da natureza, é nela que o
espírito busca os elementos necessários à união espírito-matéria.

172
O homem deve descobrir o tesouro físico que ele é, para
respeitá-lo. Nenhum cientista existe que crie a matéria física e a
alma, a beleza da reprodução da célula viva, composta de duas
partes: o núcleo e o citoplasma. Por mais que as trevas tentem
criar a matéria viva e o espírito, jamais conseguirão. Não nos
cansamos de contemplar as células haplóides destinadas à
reprodução. O novo ser resulta da união de dois gametas: um,
feminino — o óvulo, e o outro, masculino — o espermatozóide. Da
união de dois gametas — espermatozóide e óvulo — surge o ovo.
Este, por meio de divisões cariocinéticas, irá formar o embrião.
Constituído o ovo, ele passará a desdobrar-se por meio de
divisões sucessivas, formando o novo ser. Cada órgão, cada
função e cada característica já está predeterminada desde que é
constituído o ovo. E por mais que o homem busque compreendê-
lo, para, extasiado, diante de tal esplendor.
Fez uma pausa, sem ter sido quebrado o silêncio, e prosseguiu:
—Os estudiosos admitem que os cromossomos são portadores
dos fatores hereditários, mas eles desconhecem o valor exato dos
cromossomos com seus respectivos genes. Os microscópios
trabalham em busca dos "mistérios" da vida, mas eles deixam de
ser mistérios à medida que descobrimos Deus e Jesus e nos
deparamos com a Terceira Revelação, que é a Doutrina Espírita.
O que se tem conseguido descobrir já é importante para o meio
científico, mas ainda é mínimo diante do que existe realmente de
verdades no homem. Ao retomar ao corpo, o espírito veste
novamente a roupa apertada e se aloja num ovo, vai
desenvolvendo-se até formar o ser adulto e, mesmo em precárias
condições intelectuais, comanda esta máquina maravilhosa
chamada corpo físico. É ele, o espírito, que orienta o
desenvolvimento do embrião. O espírito é o comandante dos seus
corpos. Portanto, irmãos, não nos preocupemos com os trevosos,
porque estão bem longe de descobrir a origem da vida. Podem,
sim, atrapalhar os Filhos de Deus e causar malefícios e muitas
lágrimas com as suas experiências, mas daí a criar um espírito
ou enganar a Espiritualidade Maior, é impossível. Deus é Criador
atento e ninguém consegue destruir ou adulterar as Suas
grandes obras.
Eu sentia uma enorme vontade de fazer perguntas, mas quem
sou eu? Apenas escutava, muito atento. Nisso, Quintino cedeu a
palavra ao doutor Radamés:

173
—No dia em que a Terra deixar de ser materialista, os homens
irão dar valor à vida física e cuidados serão tomados para que
tenham saúde, paz e amor. Até lá, eles cooperarão com as
organizações trevosas que, sempre atuantes ao lado dos
encarnados, os levarão a uma dependência: ou tóxica, ou
alcoólica. Lamentavelmente, defrontamo-nos com uma geração
suicida; não só a droga, mas o álcool também é um grande mal
que se alastra. Nunca se viu tantas famílias com o hábito da bebi
da. Muitos jovens hoje se viciam não só no tóxico como no álcool
também, e fazendo esta mistura encontram a "morte". O
alcoólatra é um doente não só do corpo, mas também da alma.
As casas religiosas têm condição de ajudar os alcoólatras,
porquanto a dependência é uma fraqueza da alma. Geralmente o
doente vive problemas psíquicos; devemos buscá-los, trazê-los
para fora e fazer com que o doente os enfrente cara a cara. Existe
também o fator hereditário: muitos pais passam os vícios aos
filhos, ensinando-lhes a beber, o que é comum em muitos lares.
Cabe aos pais oferecer aos filhos a água da vida eterna, a moral
divina. Quem oferece bebida alcoólica para uma criança está
longe de Deus. Devemos ajudar, não com críticas, mas com
amor, os viciados em álcool, eles caminham a passos largos para
os tóxicos e, em geral, de braços dados com ele. É muito triste ver
um irmão caído na sarjeta, mas triste também é o que ingere
álcool socialmente, e não se julga um alcoólatra. Enquanto existir
no plano físico esse tipo de doença, as organizações umbralinas
se fortalecerão e se julgarão donas dos espíritos reencarnados,
não medindo esforços para desmoralizar os obrei-ros do Senhor.
Essas organizações conhecem algumas partes do cérebro ainda
desconhecidas pelos homens e atuam sobre elas, levando o ser a
se drogar e a se embebedar. Sabemos que existe no cérebro uma
série de pontos ainda desconhecidos pela Ciência terrena. O
cérebro é hierarquizado: as regiões mais antigas são mais
resistentes que as outras, e o ser humano as desconhece. Os
trevosos, entretanto, atuam sobre diversas áreas e uma delas
está localizada no sistema límbico, perto do hipotálamo,
conhecida cientificamente como área do prazer.

174
Mas existem outras áreas bastante requisitadas pelos trevosos
e ainda desconhecidas do homem: as regiões mais antigas do
cérebro, onde trabalham as organizações para melhor dominá-lo.
São essas áreas mais antigas do cérebro que comandam a
emoção; algumas delas possuem as características do cérebro
dos peixes; não nos esqueçamos de que a vida física parte da
água e os peixes possuem elementos necessários para o corpo
físico. O que os Raiozinhos de Sol precisam é ficar atentos e não
deixarem os trevosos atuar tanto junto aos homens. Quando
encontrar um viciado, procurar ver, nas regiões da sua mente, se
nelas estão alojados minúsculos aparelhos que levam o homem
ao desequilíbrio.
—Por que eles possuem esse poder? Perguntou Sara.
—Não, eles não possuem poder, apenas alguns conhecimentos.
O agravante é que os encarnados adoram má companhia. Mesmo
assim, a atuação das trevas não tem ação prolongada,
principalmente se buscamos Deus.
—Não nos devemos preocupar, então? Inquiriu Samita.
—Sim, no sentido de buscar os meios mais rápidos e eficazes
de prestar ajuda aos encarnados. Por isso estamos mostrando os
pontos frágeis onde eles atuam. Muitas vezes usam a pantomima,
o embuste, para conquistar médiuns ou religiosos fanáticos. A
nossa preocupação é a de que eles estão encontrando nos jovens
aliados fiéis; nunca se viu juventude tão materialista. Mas
mesmo assim nós estamos junto aos encarnados, incentivando-
os.
A seguir, Radamés foi substituído pelo doutor Quintino, que
iniciou sua explanação colocando perante nós a certeza de que
Deus Se manifesta por várias maneiras. Esse médico nos ensinou
como tratar os viciados, sem crítica, mas com respeito à sua
condição de doentes. Nada é mais triste do que não raciocinar e
os viciados em droga ou álcool não são donos de si mesmos.
Apresentou-nos vários casos de desencarne por tóxico e álcool. O
doutor Quintino intuía grupos antidrogas, ministrando cursos na
espiritualidade para que essas organizações atuassem com êxito
junto aos dependentes. Acompanhamos os mais modernos
métodos de tratamento antidrogas e também ficamos a par de
como agem os traficantes, o que estão fazendo para enganar as
autoridades.

175
Até as crianças estão sendo usadas. Vimos um belo bebê
levando a droga na touquinha e dentro da fralda descartável.
Depois Quintino nos explicou, respondendo a uma indagação de
Lílian sobre alguns artistas, que garantem aumentar sua
criatividade com o uso da maconha. Disse-nos ele:
—É uma impressão subjetiva. Na verdade, como as
capacidades de concentração e de abstração resultam
prejudicadas pelo THC, piorando a coordenação motora, a
produção do indivíduo é nula. Alguns julgam que a maconha
ajuda o artista pelo fato de estimular a imaginação e a fantasia.
Droga é droga, a ninguém ajuda, só mata. Sabemos nós que a
maconha produz uma perda de memória muito forte, o indivíduo
esquece o que acaba de fazer ou de dizer. Como auxilia a
produzir, se ela leva o ser a uma incapacidade de concentração?
Depois, mostrou-nos um filme: o indivíduo "deschavando" o
tijolinho de maconha, soltando as várias partes da planta seca e
as limpando das impurezas. As sementes eram cuidadosamente
separadas, pois provocam dor de cabeça. Aí ele pegou um papel
de seda e enrolou a maconha, mas antes a "batizou" com
cogumelo seco, usando um pilãozinho para socar a maconha. E
vimos que para enrolar o cigarro já existem pequenos aparelhos
vendidos em casas famosas. O cigarro contém de duzentos e
cinqüenta a mil miligramas de maconha. O rapaz do filme tinha
muita prática, enrolava-o uniformemente. Depois, passou a
língua por sua borda para umedecê-la e grudá-la no corpo do
"baseado". Existe, em países onde a droga corre solta, um papel
dotado de cola em sua borda, parecendo um envelope. A aula foi
muito boa, só que o que nos mostrava já era muito velho para
nós. Hoje a turma está na heroína e no pó. Quando pensei, ele
falou:
—Este filme é velho, estamos mostrando um grupo iniciante na
maconha; hoje as drogas estão terríveis. Como se aperfeiçoam os
materiais de consumo, os traficantes estão inovando nas
misturas e nas drogas sintéticas.

176
Esperei que o doutor Quintino fosse nos mostrar mais, porém
deu por encerrada a palestra e fomos andando calmamente, só
ficando junto aos médicos Sadu, Samita, Carlos e outros médicos
que lá se encontravam. Quando saí, procurei um banco no jardim
e me sentei, segurando a cabeça com as mãos. Sentia-me muito
triste. Não se concebe as autoridades deixarem a droga tomar
conta de crianças, jovens e velhos. Precisamos dar um basta,
pensava eu, assim a juventude não conhecerá a beleza divina. Os
jovens estão morrendo, quando não é por desastre de carro é por
droga. Sara alisou meus cabelos.
—Por que a preocupação?
—Você já viu a faixa etária desses grupos e prestou atenção
nas tatuagens, nas cabeças, nas roupas? Parece-me que eles
buscam a moda das organizações trevosas. Como se parecem!...
—E mesmo.
—Sara, em cada esquina existe um jovem se drogando, existem
os pontos centrais, e as autoridades sabem disso e por que o
descaso?
—Espere, logo teremos uma solução.
—Confesso que não a vejo. Enquanto isso, ficamos ao lado da
mãe que espera desesperada os filhos, da esposa que tem por
rival a droga, dos filhos que não podem ter por herói o pai. Nada
se compara ao tráfico de droga, terrível, vergonhoso e cruel. São
crianças consumindo pó e vivendo como bichos. Até quando,
Jesus, os Seus irmãos estarão suicidando-se e matando?
Assistimos, impassíveis, a filhos batendo nos pais, como se não
bastasse a surra da dor do dia a dia. Quantos lares abrigam
alcoólatras e toxicômanos, enquanto a Espiritualidade Maior luta
para fazer esse transporte espírito-mundo físico! Quanto trabalho
do Departamento da Reencarnação para nada, o ser joga fora a
sua vida; não imagina ele o trabalho divino para trazer para a
Crosta um espírito que já se acostumou com benfazejos fluidos
etéreos. Cada parte dos nossos corpos é analisada por grandes
inteligências e tudo é preparado, muito bem preparado; um espí-
rito, para voltar ao campo de trabalho, necessita possuir uma
roupa apropriada e os técnicos partem para sua tarefa.

177
Recordo-me de um estudo sobre o ADN, quando se provoca
réplicas de si próprio e formam o duplo etérico, o companheiro do
corpo físico e do perispírito, fatos tão sérios para os estudiosos e
ignorados pelos materialistas. Morre a cada segundo um homem
que foi levado à terra para cumprir uma tarefa. Deus tem um
plano de vida para cada filho e hoje o que mais se vê são jovens
voltando para o mundo espiritual sem o diploma da conclusão do
curso. Ignorantes, e não inocentes, aí, choram de remorsos. Mas
ao vê-los, penso: "como podem ignorar o valor da sua alma e do
seu corpo?" Para que se tomassem visíveis, foi preciso que
grandes cientistas ajustassem as fiações e as alinhassem num
elo de luz divina. Agora, jogar fora tudo isso é ignorância demais
e choro de tristeza, porque a cada minuto me defronto com um
lar em desespero e a sociedade impassível que nada faz para
salvar o futuro, que é dos jovens e das crianças.
—Luiz Sérgio, tudo está sendo feito pela espiritualidade.
—Falou bem, minha irmã: pela espiritualidade, porque até nos
Centros espíritas poucos ajudam os toxicômanos. E eles
morrendo do lado de fora. Nada mais lindo do que nos
defrontarmos com um jovem sadio. É fácil reconhecê-lo: ele não
vive em turma, não chega tarde em casa, ele é gentil com a
família, com a sociedade, tira ótimas notas, é aluno cumpridor
dos seus deveres.
—Onde se encontra um jovem assim? perguntou Rayto,
aproximando-se.
—Nas minhas esperanças. Se Deus quiser, um dia a terra
voltará a ter crianças que brincam de bonecas e carrinhos,
meninas que não pintam o rosto antes dos quinze anos; jovens
que sonham com o primeiro baile e o primeiro beijo. Hoje, Sara,
meninos e meninas são estuprados sem piedade pelo mundo do
sexo e da droga. O lirismo ficou distante, mas acredito que vai
haver uma grande mudança, porque do contrário será tarde. De
que vale para um pai o conforto, o dinheiro farto, se no seu lar as
sementes estão morrendo, sem futuro algum?

178
—É verdade, Luiz, respondeu Rayto. Se hoje procurarmos nos
colégios quem se droga, quem já provou droga, e quem jamais se
drogou, vamos assustar-nos: só um por cento não conhece o
mundo terrível da droga. Mas agora, vamos até as organizações
trevosas — os hotéis dos dependentes e dos traficantes de
amanhã. Vamos até as cidades trevosas buscar um meio de
ajudar os jovens encarnados. Quem sabe se não está nos
umbrais a fórmula dessa bomba que hoje aleija muitas e muitas
pessoas.
—E mesmo, cada dependente deve ter ao seu lado uns dez
amigos trevosos, por isso o consumo aumenta tanto. Gostaria de
segurar bem forte as crianças que estão nascendo e as proteger
com amor, para que elas possam desfrutar do espaço lindo da
sua juventude. Hoje os pais temem que os filhos cresçam, eles
terão de orientá-los muito bem, porque os jovens julgam-se donos
do mundo e, pouco o conhecendo, o mundo os domina. E
deprimente ver em quase todas as festinhas a roda de coca. Os
jovens não sabem mais se divertir. O sexo e a droga correm
soltos, por isso os Raiozinhos pedem a Deus por todos os lares,
para que neles não entre esta erva daninha que os destrói e os
envergonha.
Recordei de uma passagem do Novo Testamento: Apocalipse,
Cap. XXII, V 14-15.
Felizes os que lavam as suas roupas para terem o direito de
comer o fruto da árvore da vida e para poder entrar pelas portas
da cidade.
Lavar a roupa é limpar a veste perispiritual e, com ela limpa,
entrarmos no reino de Deus e nos banquetearmos com os Seus
ensinamentos.
Mas fora da cidade estão os viciados, os feiticeiros, os imorais,
os assassinos, os que adoram ídolos e os mentirosos em palavras
e atos.
Muito bem colocado este versículo. Nós, os espíritas, sabemos
que serão exilados da Terra todos aqueles que não a respeitam.
E, veja bem, os espíritos não se cansam de dizer: a porta do
Senhor é estreita e só os bons passam por ela.

179
Capítulo XXV

A TRISTE HISTÓRIA DE GENARO

No Evangelho de Jesus encontramos o roteiro a seguir na


nossa vida. Poucos se preocupam em buscar nele o seu alimento,
por isso a Humanidade se encontra hoje tão desorientada.
Rayto convidou-nos a participarmos da reunião da Casa, e logo
nos encontrávamos em prece junto aos encarnados. Foi quando
conhecemos Genaro, um jovem de dezenove anos, desencarnado,
que, com muita audácia, foi passando pela barreira dos
Lanceiros; ele acompanhava um dependente e, enquanto o jovem
recebia um passe especial, ele, meio tonto, foi socorrido pelos
amigos Lanceiros. Ao retirar-se, o jovem foi para sua casa e
Genaro ficou em nosso pronto-socorro; a princípio, um tanto
zangado, mas logo, vendo-se protegido, começou a chorar. Nari
lhe mostrou um filme com jovens sadios trabalhando para os
pobres, alegres e felizes sem precisar se drogar. Genaro se
lastimava muito, e eu me condoía junto a ele, vendo-o tão
maltrapilho e judiado. Já mais calmo, narrou a sua estória: filho
único, criado com todo mimo, a disciplina não existia para ele, só
comia e tomava banho quando desejava. Os pais brigavam com a
família e os amigos, sempre o defendendo quando alguém se
queixava de sua má educação. Freqüentava os mais caros
colégios e suas roupas eram de etiquetas famosas. Genaro vivia
num reino, só que num reino de vaidade e fantasia. Agredia os
pais, os tios, os avós, "mas, coitado, era criança ainda", ninguém
percebia que ele já estava com quatorze anos e já se iniciara na
maconha. Genaro viajava para o exterior, mesmo tirando
péssimas notas, com a conivência dos pais.

180
Vimos a trajetória de Genaro, as festas, as experiências
sexuais, os primeiro furtos. Quinze anos: festa no clube e
somente a família não percebia que ele estava doidão. Genaro,
dia após dia, gastava o dinheiro dos pais, furtava toca-fitas, até
nos supermercados surripiava mercadorias, entrava sem jaqueta
e saía vestindo uma nova, o mesmo fazendo com os tênis. A
primeiro prisão: Genaro furtando toca-fitas, e os pais culpando a
polícia. E assim ele foi caindo; passava até três dias sumido da
família, escondido em alguma chácara se drogando; isso só
ocorria quando o grupo conseguia muito dinheiro proveniente de
assaltos. Os pais agora tinham a certeza de que Genaro era um
problema sério, mas mesmo assim relutavam em submetê-lo a
um tratamento. E Genaro era visto caído, aqui e ali, e só usava
camisa de manga comprida para não mostrar as veias
necrosadas. O jovem rico, filho único, descia até a sarjeta da
vida, rastej ando nas calçadas, no asfalto dos logradouros
públicos. Os pais, embora agredidos, tudo faziam por ele,
tentando colocá-lo em um hospital, mas muito tarde. Genaro era
um toxicômano em última fase, difícil de ser tratado. Todas as
vezes que Genaro aprontava das suas, os pais continuavam
ainda a brigar com os vizinhos, com os parentes e até com a
polícia. Nem parecia que fizera apenas dezoito anos, olhos azuis
tristes, saltados das órbitas, lábios ressequidos, nariz sempre
com coriza, pele escamosa, o cabelo começando a rarear; já
estava intoxicado pela droga. Os pais desejavam buscar a cura,
mas Genaro, sentindo-se aprisionado por aqueles que sempre lhe
defenderam, fugiu de casa, entregando-se definitivamente aos
assaltos.

181
Um dia, altas horas da noite, aquele casal ainda jovem recebeu
a notícia: o seu único filho estava no necrotério todo furado de
balas, a mortal alojada em seu cérebro. A mãe desmaiou, o pai
desesperou-se. Perguntaram um ao outro: onde erramos? Acho
que nenhum dos dois soube responder. Como pode alguém,
criado com tanto amor, desprezar tudo pelo mundo do crime?
Mas ali estava o drama de Genaro e para os nossos estudos
assistimos às trevas apoderando-se do corpo físico e perispiritual
do jovem. E o garoto, amado por seus pais, foi vampirizado pelos
trevosos, depois, usado como "avião": colava-se ao consumidor de
drogas e após voltava ao reduto da organização para que os
chefes se drogassem, aspirando através dele os tóxicos da droga.
Se nada conseguia, levava surras e mais surras. Ele era para os
trevosos como um pequeno traficante. No início, logo ao
desencarnar, Genaro conseguia aspirar pó dos seus compa-
nheiros, mas com o passar do tempo, foi enfraquecendo, aí as
surras eram terríveis, redobradas. Mas um dia ele encontrou o
Centro espírita e foi socorrido. Senti pelo garoto imenso carinho.
Ele chorava, querendo ver os pais. Rayto lhe prometeu, dizendo:
—Agora terá de esperar. Quando você ficar melhor o levaremos.
E, na primeira oportunidade, Rayto cumpriu o prometido. Os
pais conservavam o quarto, as roupas, todos os pertences de
Genaro e lá comprovamos o desespero da saudade. A casa era o
museu de Genaro, em tudo estava a sua lembrança. Nossa
equipe se viu louca, pois Genaro corria pela casa toda, e os pais
chorando de saudade. Todos os dias a mãe preparava o prato de
um alimento que ele gostava e colocava na mesa para que não
sentisse fome onde estivesse. Todas as noites, ela cobria sua
cama com um bom cobertor, como se ele ainda fosse sentir frio.
Genaro, abraçado aos pais, chorava. Rayto, então, indagou-lhe:
—Por que você, amando-os tanto, não os poupou da dor?
—Eu não sabia, não compreendo como pude fazer-lhes tanto
mal. Até certo tempo eu só tirava ótimas notas no colégio,
ganhava muitas medalhas, fazia até ginástica olímpica,
entretanto um dia conheci Luana e foi ela quem me fez o primeiro
coquetel de drogas. Depois, o dinheiro fácil me levou a
experimentar outras drogas, para chegar no inferno da coca e da
heroína. E um caminho duro e sujo. O corpo grita: quero! A
consciência diz: chega! A sociedade nega-nos auxílio e os colegas
nos chamam de covarde. E assim a gente vai caindo até a total
destruição.
182
Enoque levou Genaro de volta ao Centro espírita que o
protegia; Nari era um verdadeiro pai, tratava-o com muito
carinho. Mas estava na hora de Genaro ser levado para
tratamento nas Casas transitórias. Olhando-o, sentia um aperto
no coração ao verificar que o seu perispírito continha tantas
vibrações pesadas que iria demorar muito a sua cura, mas até lá
tudo faríamos por ele. Lílian perguntou a Rayto:
—E o jovem através do qual ele aspirava o tóxico?
—Ele continua se suicidando, não sei até quando. Já o
livramos uma vez, mas agora se ele se exceder vai desencarnar,
não podemos servir de babás para quem não deseja ajuda.
—Rayto, eles sofrem, e muito. A abstinência do tóxico maltrata
demais o indivíduo e a droga em si também é uma violência à
alma.
—Mas, então, por que se drogam?
—Porque o homem não aprendeu ainda a se respeitar.
Fomos rever Genaro que, de volta ao seu quartinho, tinha as
pernas cruzadas, meio deitado na cama, olhando para cima. De
repente, começou a gritar:
—Tire esses monstros daqui! Tire esses monstros daqui!... Nari
o socorreu; ele ficou gemendo, gemendo. até acalmar-se. —O que
aconteceu? perguntei ao oriental.
—As trevas às vezes o atingem com projéteis de vibrações
pesadas e aí Genaro volta a levar surras e mais surras; mesmo à
distância, ele capta, ou melhor, liga-se aos antigos companheiros.
Por isso precisamos levá-lo para os departamentos espirituais de
socorro.
Cheguei bem perto de Genaro, falando-lhe:
—Desligue, cara, fixe o seu pensamento nesta Casa e verá os
miosótis germinando em cada gesto. Não pense mais nos tristes
fatos do passado, tudo está morto. O hoje é o que importa e
Maria de Nazaré desceu o Seu manto sobre você, é Ela quem o
abriga na Sua Casa do Caminho.
—Quero ir até meu lar, morro de saudades dos meus pais,
principalmente da minha mãe.
—Calma, logo o levaremos lá; mas não se esqueça de que você
teve muito tempo para curtir sua mãe, e o que fez? Agrediu-a,
não só verbalmente, mas ainda fisicamente. Sua mãe o ama,
Genaro, agora o que você precisa é sarar, ficar livre dos remorsos,
ir à luta contra as suas imperfeições.
Ele, olhando-me, falou:
183
—Parou de pregar?
—Ainda não, enquanto eu puder lhe direi: lute para se curar,
até hoje você nada fez de bom. Até um dia, Genaro.
Bateu palmas e disse, zombeteiramente:
—Magnífico, doutor!
Curvei-me, agradecido. Ele deu uma gostosa gargalhada e
disse, mudando de tom, quase sussurrando:
—Venha cá, quero lhe dar um abraço, amigo.
Voltei-me e ele chorou, abraçado ao meu pescoço. A princípio,
quis dar uma de durão, mas logo estávamos chorando juntos. E
assim Genaro tomou-se, para cada Raiozinho de Sol, um filho
necessitado de carinho. Nari o trata muito bem, assim como o
Dayal. Os Lanceiros da Casa, tratam o doente como se fosse um
bebê. Convidados a deixar Genaro dormir, Nari acrescentou:
—Ele sofre demais, esperamos que logo sare. E muito triste o
que acontece com esses meninos. Hoje a juventude está muito
visionária, o mercado da droga bastante sofisticado;
encontramos, com a cooperação do comércio, embalagens para
todas as drogas, desde os frascos para crack, cachimbos, até
embalagens para heroína, sem falar nas máquinas de enrolar
maconha, que se compra em algumas lojas.
Os Lanceiros ficaram com suas tarefas e nós oramos pelos
viciados, junto àquela família espírita, e diversos dependentes,
como Genaro, foram socorridos. Ninguém pode imaginar o belo
trabalho da prece. Como ajuda os Raiozinhos de Sol! E a Casa
que abriga Jesus se faz coberta de rosas brancas. E Deus
segurando em Seus braços os filhos sofridos.
Já voltávamos para o nosso quarto, quando percebemos alguns
trevosos rondando a Casa. Chamei Rayto e ele sorriu,
tranquilizando-me:
—Deixa eles.
—Deixá-los? Mas não é perigoso? alertei.
Nem acabei de falar e a rede magnética dos Lanceiros "pescou"
quatro espíritos em estado deplorável.
—O que vão fazer com eles?
—Nada, só perguntar se desejam alguma coisa.
Minha cabeça deu um nó, porque logo os quatro foram levados
para a ala forte da Casa.
—O que está acontecendo? perguntei.
—Sendo hoje dia de preces aos toxicômanos, muitos são
socorridos. Hoje foram somente esses quatro.
184
—Socorridos? Mas me pareceu que foram apanhados à força!...
—Não, estavam apenas assustados. Ao constatarem que estão
sendo protegidos, ficam gratos. Aqui irão receber todo o
tratamento necessário à cura.
Calei-me e fui andando, tranquilo. Ainda ouvi alguns gritos,
mas logo uma voz muito linda cantava: "O Senhor é meu pastor,
nada me vai faltar...", e as luzes foram-se apagando uma a uma;
só a luz divina manteve-se acesa.
Cheguei ao meu quarto e imaginei todas as Casas espíritas nos
ajudando, mas muitos médiuns só sonham em receber espíritos e
longe se encontram da Doutrina de Jesus, que é servir, servir e
servir. Naquela Casa o trabalho era a bandeira e a ajuda eterna.
Recordei-me de cada cena da vida de Genaro e pensei: "em
muitos lares os pais não dormem à espera dos filhos, que às
vezes nem voltam. E são crianças debruçando-se sobre um
mundo que não conhecem". É preciso, irmãos, auxiliar o mundo
espiritual com suas preces. Os Tongos (1) existem não só no
mundo dos espíritos, como também no mundo físico: são os
grandes traficantes, os donos desta bomba que mata e aleija — o
tóxico.
Ali fiquei meditando. Abri o Evangelho por acaso e li a Segunda
Carta de João, versículo 4:
Fiquei muito feliz quando soube que alguns de seus filhos
vivem de acordo com a verdade, como o Pai nos mandou.
Fechando o livro sagrado, meu coração orou por todos os
jovens que, corajosamente, dizem não às drogas, aos vencedores
desta época, que conseguem pisar nos espinhos sem se ferir, a
esses cabras fortes que, com fé, levam uma vida digna. Felizes os
pais que têm em seus lares esses jovens, tão raros hoje em dia.

(1) N.E. — Tongo — personagem encontrada no 4o livro da


Série Luiz Sérgio — Na Esperança de uma Nova Vida.

185
Capítulo XXVI

OS TREVOSOS E SUAS TÉCNICAS

E assim, voltamos ao plano espiritual, porém dirigindo-nos


diretamente às cidades trevosas. À proporção que nos
aproximávamos, o corpo ia ficando mais denso e o ar tão pesado
que a respiração tomava-se precária. Ao chegarmos, mais uma
vez a curiosidade era grande, principalmente por defrontarmo-
nos com vários espíritos vestidos de maneira diferente, como se
fantasiados. Os gritos eram estridentes e percebi que estávamos
visíveis aos trevosos, porque algumas jovens tentaram convidar o
Damian e o Carlos para um "programa". Desandei a rir.
—E, o semelhante atrai o semelhante, brinquei com eles.
—Estás com inveja porque elas te ignoraram, retrucou Carlos.
—É mesmo? Por que será?
—Feiúra, nego! disse Damian.
—Parem com isso, falou Nagi, não é prudente. O que
precisamos fazer é orar, e muito.
—Queria saber, doutor, o que estamos fazendo aqui.
—Ao descobrirmos que parte daqui o controle do tráfico de
drogas, vimos para fazer alguma coisa.
Ao passarmos por uma ruela, quatro trevosos tentaram barrar
nossos passos. Um deles, olhando para mim, falou:
—Bibelô, como demorou a chegar, ansiosa me encontrava!
falava com trejeitos bem femininos.
A hora não era para brincadeiras, mas Damian não resistiu:
segurou a cintura e falou:
—Que lindinho!
Tudo fizemos para não rir, mas os garotões partiram para cima
de mim, desejando me aprisionar. E o pior é que Enoque e os
Lanceiros nada fizeram para impedi-los. Por sorte minha, Carlos
e Damian também foram levados por eles. Meu coração encheu-
se de preocupação, mas os quatro, muito felizes, iam-nos levando
para suas casas. Lá, encontramos mais três espíritos em péssimo
estado vibratório; deitados em lençóis sujos, retorciam-se,
completamente doidões. Observei de pronto que em seus corpos
as úlceras eram terríveis.
—Que têm eles? Perguntei.
—Os otários se picavam e assim contraíram a maldita, e agora
gemem de dor, respondeu-me um deles.
186
"O que estamos fazendo aqui, nas mãos desses loucos? E o
Rayto, que nada faz por nós", pensei.
Os jovens nos ofereceram alimento e bebidas, tudo para nos
conquistar. Nisso, notei que o chefe deles, o Liberato, foi ficando
diferente. Quando Sileno me segurou forte, ele gritou:
—Deixe-o!
—Não, agora não. Vamos indagar de onde eles vieram.
Dirigindo-se a mim, falou:
—Fale logo, beleza: de que zona você veio?
—Da luz, respondi de imediato.
—O quê? Da luz? Nós não conhecemos, ela é fogo?
—Se é. Mais que fogo, ela é a glória de Deus.
Quando pronunciei o nome de Deus, Liberato tampou o rosto e
caiu por terra. Nisso, entraram os nossos amigos e Enoque
magnetizou os dois; mas os três aidéticos começaram a gritar.
Logo me abracei a eles, fazendo-os calar. Enoque também os
magnetizou e assim os levamos para uma das inúmeras
caravanas de socorro, reunindo-nos novamente. Sentei-me,
alquebrado, dizendo:
—Por favor, não demorem tanto em nos prestar auxílio, vocês
nem imaginam o que estava para acontecer.
Sadu, com aquela cara de tibetano sério, falou:
—E o seu magnetismo, para que serve?
—Para pedir ajuda aos amigos como você, respondi.
Eles riram e Damian, olhando-me maliciosamente, gracejou:
—Vem cá, bibelô...
Depois, voltamos à praça e novas tarefas realizamos. Uma
delas, com uma jovem: Edênica. Fomos até sua casa, que parecia
local de "programa". Deitada em seu leito, dava a impressão de
delirar, às vezes gritava tanto que a chefe lhe dava algumas
bofetadas para acalmá-la. Quando as meninas deram com a
nossa presença, aproximaram-se, bem tagarelas. Perguntei o que
tinha Edênica. Carlota respondeu:
—Loucura mesmo, ela grita dizendo que as manchas grudadas
no seu corpo são os abortos que ela fez.
—Ela sempre fica assim? perguntou Carlos.
—Não, ela é a rainha desta casa. Quando encarnada, ganhou
vários concursos de beleza e nunca desejou ter filhos, querendo
continuar bela e cobiçada.
Aproximei-me de Edênica e ela me falou:

187
—Lindão, hoje não estou para programa, é o dia que eles me
cobram a maternidade. São uns vampiros... Mate-os! Mate-os,
por favor! gritava.
Firmei os olhos naquela bela mulher e divisei várias
fisionomias retorcidas grudadas em seu corpo, medida que as
analisava, as figuras iam ficando maiores e tenebrosas. Mal
pensei no que ia fazer, quando os Raiozinhos de Sol entraram,
magnetizaram a garota e a retiraram dali.
—Não vão levar as outras? interroguei.
—Se você deseja levá-las para sua casa, pode, disse-me Carlos.
—Engraçadinho! Adorei a piada... falei, saindo ligeiro dali. Uma
delas gritou:
—Esperem, gente, logo vocês serão atendidos!
Atingimos rapidamente a rua e entregamos Edênica,
desmaiada, para o grupo de socorro. E nós ali ficamos tratando
dos casos mais sérios. Foi quando Lílian gritou:
—Sérgio, venha aqui!
Em um bueiro daquela rua um jovem, ali jogado, gemia. Lílian
o reconheceu: era aquele de quem ela se servira para entrar no
Vale do Brilho.
—Sua vigarista! Por sua causa estou aqui preso, gritou, ao
reconhecê-la.
Enoque logo o retirou dali. Muito machucado, dizia a Lílian: —
Por que você me traiu?
Atônita, ela não sabia o que responder, mas eu o fiz por ela:
—Deixe de ser bobo, garoto, não está vendo que Lílian veio lhe
salvar? Feche os olhos e pense em Deus.
Assim fez e Enoque também o entregou às equipes de socorro.
Lílian segurou meu braço, trêmula.
—Sérgio, não me perdoo tê-lo levado àquele estado. Como deve
ter sofrido!
—Esquece menina, o importante é que já está a salvo.
Estávamos ali, retirando os mais necessitados, quando
aproximaram-se de nós dois espíritos trajando fardas vermelhas,
dizendo:
—O nosso chefe mandou chamá-los.
—Sabe para quê? perguntou Sadu.
—Não, só que há muito o seu grupo está sendo observado.
Temos conhecimento do que estão fazendo aqui e o nosso chefe
irá levá-los até nossa usina científica.

188
Eu orava desesperadamente, assim como todos os outros.
Enoque lhes falou:
—Muito obrigado, estava mesmo pensando de que maneira
poderíamos aproximar-nos do chefe desta cidade. Feliz estou pelo
convite—é fez uma reverência. Iremos sem demora
Os dois deram "aquele" sorriso e estremeci, temendo o que nos
esperava. Enoque sentou-se em posição de lótus e orou, ligado ao
plano mais alto, colocando o departamento divino a par da nossa
situação. Demorou apenas alguns minutos, mas os dois soldados
estavam já impacientes. Aí, fomos andando ,seguindo a guarda
trevosa. Encontrava-me louco para perguntar ao Rayto, ou a um
dos médicos da equipe, o que seria de nós. Por mais que tentasse
uma ligação mental, não conseguia me fazer compreendido. Foi
Sadu que me esclareceu, sério:
—Vamos ser transformados em bruxos ou em sabão.
Sorri... É melhor sorrir do que chorar. À medida que íamos
aproximando-nos do palácio do chefe, minhas pernas pesavam
cada vez mais. Olhei os outros e percebi a respiração ofegante de
Lílian, Sara e Damian. Pensei: "Oh, Deus, proteja-nos!" E assim,
varamos um longo corredor todo acarpetado, de cor vermelha;
nas paredes muitos quadros, alguns até bonitos. Entramos na
sala do chefe, adornada com cortinas pesadas, nas cores
alaranjado e vermelho. Enoque, reverenciando, cumprimentou o
chefe e seus assessores, Kilon e Uda.
—Quem é o chefe de vocês? Perguntou o líder.
Rayto respondeu:
—Não temos chefe, somos os servos de Jesus e de Maria. Ele
deu uma gargalhada.
—Da mulher que foi virgem antes, durante e depois do parto?
Riram estridentemente.
—Maria, a mãe de Jesus e também da Humanidade, falou
Rayto.
—Cala-te, não mintas para nós! Não gostamos d'Ela; Ele, ainda
admiramos, apesar de não concordar com a Sua doutrina. Ele
manda a gente se rebaixar. Como aceitar isso, se sempre que o
fazemos somos acertados pelas costas?
—Queria saber o que vocês desejam de nós. Por que estamos
presos?

189
—Não dramatizem, vocês não estão presos, são nossos
convidados. Não vieram aqui para descobrir os nossos
laboratórios e nossos departamentos reencarnatórios? Vamos
mostrá-los para vocês, e depois vamos ver o que o chefão vai
determinar.
Olhando para Nagi, falou:
—Já o conheço. Um dia fui à sua colônia pedir três
reencamações e vocês gentilmente nos atenderam, mas
trabalharam tanto na mente dos nossos companheiros que
perdemos o domínio sobre eles. Agora, com a chegada de
eminentes cientistas em nossa organização, estamos partindo
para a encarnação elaborada pelos nossos competentes
companheiros.
O doutor Khan, da nossa equipe, interveio:
—Gostaríamos muito de cooperar com os senhores. A volta à
terra é uma bênção e vocês estão aptos para esses momentos de
amor. Tudo faremos para ajudar a organização de vocês.
Os trevosos olharam-no com espanto, dizendo:
—Vamos até alguns dos nossos laboratórios, mas antes
queremos revistar o seu grupo, não gostamos de aparelhos,
principalmente dos irmãos do Cordeiro.
Com eles à frente, não alcançamos a rua, porém penetramos
no interior do prédio, antecedendo-nos uma guarda de seis
espíritos trevosos, altos, mal encarados e cheirando a lodo.
Parecia que eu era um anão, tão pequeno me sentia. Nada falava,
e por mais que apressasse os passos, eu ia ficando para trás; eles
andavam bem ligeiro e alguns dos nossos também. Quando
chegamos a um dos imensos salões, iluminado por tocheiros,
uma equipe nos observou, um de cada vez. Eles eram os técnicos
que liam através das auras o sentimento de cada um e nós
passamos muitas vezes por eles; por mais que se esforçassem,
eram impotentes para penetrar na nossa casa mental. Um deles
perguntou à guarda:
—Por que o chefe deseja a companhia desses vampiros?
—Não sabemos, respondeu o guarda.
Pensei: "por que não perguntam aos chefes. Eles estão ali na
nossa frente, conversando..." Um dos técnicos me deu um
pescoção, dizendo:
—Cala-te, nanico, senão vais ter comigo!
Enoque, de um salto, se entre pôs entre nós.
—Não foi nada, só um pequeno agrado, falei.
190
Logo nos levaram a um salão repleto de aparelhos, onde vários
cientistas trabalhavam. O chefe perguntou:
—Qual de vocês é o grande cientista do Senhor?
—Nenhum. Somos apenas aprendizes do Evangelho.
Olhando Nagi, falou:
—Você eu já conheço, e sei que pertence ao departamento
reencarnatório. Venha aqui para frente.
E um dos cientistas trevosos perguntou ao doutor Nagi:
—Podemos considerar um ser vivo como sendo u'a máquina?
"É agora. O que fazer, Nagi?", pensei. Mas ele respondeu
tranquilamente:
—Não podemos considerá-lo máquina, se ele é composto de
combustíveis que são integrantes do próprio organismo. Máquina
é máquina, o ser é obra de Deus e nele os Seus mistérios se
fazem presentes, devido à ignorância do próprio ser. No dia em
que o ser evoluir, os véus dos mistérios cairão e nós
penetraremos no universo dos seres. Sabemos que a vida
começou na água, e na profundeza dos oceanos existem
verdadeiros laboratórios de experiências biológicas.
—Acha difícil conseguirmos os elementos para a redução
perispiritual?
—As palavras difícil e impossível não encontram guarida no
vocabulário espiritual. O que facilita a redução espiritual é a
técnica divina, respondeu Nagi.
—E o irmão a conhece?
—Não. Ainda sou um simples estudante da matéria
Reencarnação.
—Pois o seu grupo vai assistir às nossas experiências, falou um
deles.
E foi trazido um espírito que, através de um trabalho
magnético, teve o seu perispírito reduzido à condição fetal.
—Que acha, doutor?
—Quase perfeito, respondeu Nagi.
—Por que quase?
—Onde se encontram os fragmentos energéticos que mantêm
os corpos nivelados? Se observarem bem o perispírito reduzido,
vão perceber que ele nos parece embrulhado por todos os fios
energéticos que, como um paraquedas, se abrem no momento da
ligação embrionária.
—E por que não podemos fazer os fios se desprenderem?
indagou um deles.
191
Aproximando-se do perispírito do irmão, Nagi tentou, mas ele
continuou apenas diminuto. O chefe, meio zangado, aproximou-
se de Rayto, dizendo:
—Se vocês nos ajudarem, tudo bem; se não, sentimos muito,
mas serão nossos prisioneiros.
—Como podemos ajudá-los, se não possuímos capacidade para
tanto? respondeu Nagi. Confesso que, ao sabermos do progresso
dessa organização, viemos para ver como vocês procedem.
—É mesmo? Falou o chefe, todo orgulhoso.
—Nós, continuou Nagi, não temos uma teoria exata e
desconhecemos a morfogênese. É mistério para nós como uma
gota de protoplasma, o ovo fecundado, finalmente se transforma
numa arquitetura do organismo multicelular. Não é por que
somos tarefeiros de Jesus que tudo sabemos.
—Está bem, mas o que você acha dos nossos laboratórios?
—Achamos que a organização de vocês vem encontrando uma
ajuda muito grande, não só dos encarnados como de grandes
inteligências desencarnadas.
—Tem razão. Vamos descansar um pouco e logo teremos novos
esclarecimentos.
Assustei-me. "Descansar? Nós não estamos cansados!..." Mas
nem pensei duas vezes, alguns espíritos mal-encarados jános
empurravam para um imenso quarto mobiliado e com certo
conforto. Enoque indagou do chefão:
—A que horas voltaremos ao estudo?
—Vou pensar, nem sei por que não os prendi ainda, respondeu
de mau-humor.
—Porque conhece o nosso trabalho e sabe que nada fazemos
que ultraje a vontade do nosso próximo, respondeu Enoque.
—É isso, garoto, fique na sua, falou o chefe, fechando a porta.
Juntamo-nos em prece e vi os nossos amigos orientais servirem
de médiuns para outros espíritos superiores, que orientaram o
grupo como agir.
—Por que não ficamos incógnitos? perguntei, depois.
—Porque é preciso estarmos aqui nas mesmas condições que
eles.
Cheguei à janela e percebi umas pessoas diferentes das outras
que víamos. Chamei Enoque para vê-las.
—Esses são irmãos encarnados que fogem para cá quando
dormem, explicou-me.
—O quê? Como pode ser isso?
192
—Olhe bem para eles e veja como estão felizes! E quando
acordam, dizem que não dormem com os pesadelos...
—Pode esclarecer-nos por que estamos ao lado desses
cientistas loucos?
—Estamos aqui e visíveis, simplesmente porque queremos
saber até que ponto os encarnados estão ajudando essas
organizações, respondeu Sadu.
Nisso que ele se calou, entrou Gino, junto com quatro espíritos
de fisionomias carregadas de ódio. Dirigiu-se ao Rayto:
—Você é audacioso! Por que veio até aqui? Os filhos da luz já
não respeitam o livre arbítrio? Ou desejam juntar-se a nós na
salvação da Terra?
Enoque fitou-o com "aquele" olhar e demorou a responder.
—Estamos aqui em viagem de turismo. Vim com uma nova
turma de aprendizes e resolvi mostrar-lhes a organização de
vocês.
Ele deu um sorriso de alegria e vaidade.
—E o que colheram?
—Muita coisa. Estivemos no departamento científico e lá muito
aprendemos.
—Fiquei ciente, e poderemos entrar em acordo: vocês nos
ensinam o que não sabemos ainda, e nós relatamos as nossas
descobertas, propôs Gino.
—É por isso que aqui estamos, disse Sadu. Vêm ocorrendo
certos fatos na crosta da Terra alheios ao nosso conhecimento.
—Sendo esta a causa, voltaremos aos laboratórios. Lá,
trocaremos experiências, falou Gino.
Disse para mim mesmo: bonzinho, o moço. Ele se virou e me
olhou com aquele olhar trevoso, tão comum nas pessoas
encolerizadas, sem nada dizer. E assim voltamos ao laboratório
onde outros nos esperavam. Gino falou.
—O Enoque está com uma nova equipe de al unos e desej a
ensiná-los algo sobre as nossas conquistas científicas.
Os trevosos sorriram, felizes.
—Que vitória! disse um deles.
Nagi, com a sua disciplina oriental, foi o nosso porta-voz,
quando Antero indagou-lhe:

193
—Por que vocês, do departamento reencarnatório, nos obrigam
a levarmos os espíritos que desejam reencarnar para submetê-los
ao humilhante processo ultrapassado da regressão espiritual,
quando sabemos que hoje nos encontramos aptos para levar à
terra os espíritos munidos das suas vontades, e não apenas um
disco apagado, propenso a receber uma nova gravação, que às
vezes nem deseja. Levado para os departamentos do Cordeiro, o
espírito é obrigado a aprender o Evangelho e tomar-se frouxo, o
que vocês chamam de humilde. Estamos estudando o
inconsciente passado e o inconsciente atual e constatamos que
estas zonas são a consequência de certos campos energéticos que
apresentam funções específicas. Os campos vibratórios que
esbarram no corpo físico são os sugadores daquelas energias.
Então, como vocês desejam apoderar-se do consciente e do
inconsciente em nome do Cordeiro, se Ele sempre pregou a
liberdade? Não seria mais fácil deixar o espírito escolher a sua
forma de vida? Se existe liberdade, por que vocês interferem
tanto?
—O irmão está bem longe da. Doutrina do Cristo. Os espíritos,
quando desencarnam, são socorridos e cursam escolas
redentoras; só depois eles mesmos buscam o mergulho na carne.
Não são obrigados.
—Como não obrigados?! disse um dos cientistas. O espírito
quando passa muito tempo sem reencarnar vai perdendo a
memória, vai ficando caduco, sofre lesões perispirituais terríveis.
Se ele não mergulhar no líquido amniótico não tem condição de
ficar no plano espiritual, principalmente em nossas organizações.
Nagi voltou a dar explicações:
—E isso mesmo. Enquanto o homem necessitar reencarnar, ele
terá de fazê-lo, não importa onde esteja hospedado, se nas
colônias espirituais ou nos umbrais.
—Mas onde está a justiça divina?
—Deus deseja que todos os Seus filhos cursem a faculdade
moral e a intelectual. Com essa finalidade, oferece-lhes pátria,
lar, paz e até um guia espiritual para instruí-los nas decisões da
existência física. O espírito, ao reencarnar, recebe um corpo
físico, inteiramente novo, corpo com o qual vai tentar percorrer os
caminhos terráqueos para retificar as lições em que haja falido,
por auto merecimento, não por bondade divina.

194
Quanto à organização trevosa ter de obedecer aos
departamentos da encarnação, não estamos capacitados a
responder, desconhecemos, ainda, por imperfeição nossa, as
verdades da vida, por isso nada podemos fazer por vocês a não
ser estudarmos, juntos, o motivo da existência dos planos divinos
e das zonas umbralinas. Sabemos nós que o semelhante atrai o
semelhante, e estas zonas são como para-raios: captam as
mentes ligadas ao ódio, à vingança e ao egoísmo. Deus não as
criou, foram as mentes não ligadas a Ele que as criaram.
—Cala-te, umbralino! disse um deles.
—Desculpe, falou Enoque.
—A reencarnação é mesmo necessária à evolução do espírito?
perguntou Antero.
—Sim, e aqueles sem evolução são admitidos em instituições
hospitalares e bons espíritos magnetizadores aplicam-lhes passes
e os fazem adormecer. Bendito esquecimento, pois assim são
colocados na veste física para cumprir com o plano de Deus.
Entretanto jamais serão esquecidos, sempre estará um espírito
de luz ajudando-os a serem bons e a vencerem as dificuldades da
imperfeição.
—Mas é isso que não queremos! O que estamos realmente
precisando é fundar um departamento reencarnatório bem longe
do do Cordeiro. Se Deus ofereceu a liberdade, por que Jesus
deseja aprisionar?
—Engana-se, o que Jesus deseja é salvar.
Aí, iniciaram o estudo das rodas energéticas, principalmente os
centros de força do perispírito. Eles desconhecem a quantidade
deles, conhecendo somente os considerados principais. As rodas
energéticas do duplo são guardiãs de cada órgão e os chacras
mais importantes comandam os outros e são seus fiéis
protetores. Mas eles só conheciam os chacras como captadores
energéticos dos corpos, portanto, onde eles gostam de atuar para
vampirizar. Perguntou um deles:
—Os chacras têm alguma importância na composição dos
corpos? Sabemos que é através deles que o espírito se alimenta
dos fluidos espirituais.
—Não temos conhecimento mais detalhado do assunto,
respondeu rápido Enoque.

195
—Deixamos vocês entrarem aqui, porque julgamos que
trocaríamos informações, mas agora constatamos que estão
aquém dos nossos conhecimentos, falou Gino.
—Tem razão, falou Rayto. Talvez vocês nos julguem cientistas
divinos e nós somos apenas socorristas.
—Socorristas? Somente isso? E o que faz o doutor Nagi com
vocês?
—Dado o grande número de abortos, senti a obrigação de
juntar-me a eles para buscar a causa e constatamos que é devido
à droga, explicou Nagi.
—Droga? e se entreolharam. Então a causa de vocês chegarem
até aqui foi em busca de drogados?
—Sim, estamos buscando somente aqueles que querem ser
socorridos.
—E nós julgando que vocês fossem hábeis cientistas do
departamento reencarnatório!...
Todos deram boas e gostosas gargalhadas. Nós também. Aí
Laerte falou:
—E mesmo, ao ter visto o Luiz Sérgio entre vocês pensei: "mas
ele nem é médico..."
Assustei-me. Os trevosos me conheciam, e muito bem!
—Desculpem, irmãos, não foi essa a nossa intenção. Estamos
aqui em busca de alguns nomes da Colônia de socorro, o núcleo
de orações. E depois, ficamos curiosos, à medida que aqui
recebíamos excelentes lições científicas. Mas acreditamos que
não violamos as leis desta organização.
—Se vocês tivessem aqui entrado sem autorização, aí sim,
seriam punidos, mas se andam atrás de viciados, podem ir
buscá-los nos arredores da cidade, eles só nos dão trabalho, são
verdadeiros farrapos humanos.
—Obrigado, falou Nagi. Levarei para o departamento
reencarnatório o pedido de vocês de separarem o intercâmbio
existente há muito tempo, de levar os espíritos daqui à carne.
—Ficaremos gratos, mas recorde-se de que estamos estudando
um meio de também o fazermos e temos a certeza de que logo o
conseguiremos.
—Gostaríamos de nos retirar, e a permissão de limpar a cidade
de vocês, falou Enoque.
—Ótimo, podem retirar-se. Querem alguns soldados guias para
levá-los até os drogados?

196
—Não é preciso, chegaremos lá. Com a licença de vocês,
agradecidos nos retiramos, falou Enoque.
—Antes, vocês não desejam banquetear-se com a nossa
equipe? Hoje teremos um almoço de rei, foram trazidas muitas
iguarias.
—Não, obrigado. Se possível, vamos sair imediatamente.
Um deles, rindo, falou:
—Vocês se esquecem de que os irmãos do Cordeiro não se
alimentam? Eles são "santos"...
Todos riram e Gino, com seu porte altivo, nos levou até a porta,
desejando bom trabalho. Samita, ao aproximar-se dele, disse-lhe:
—Um dia, Gino, Guiditta me falou de você.
Ele barrou os passos de Samita e eu gelei. "Estamos perdidos!",
pensei. Mas a bela médica completou:
—Guiditta lhe ama muito. Você sempre foi o seu grande amor,
ela não o esquece e ora sempre por você.
Ele, com olhar de ódio, retrucou rispidamente:
—Não conheço ninguém com esse nome. Diga a essa mulher
que não brinque com coisa séria. Odeio o passado, para mim só
existe o hoje, e, por sinal, ele toma grande parte do meu tempo.
—Está bem, me desculpe. Mas quando lhe disse que viria aqui,
implorou-me que lhe desse isto — e entregou-lhe uma carta, que
Gino rapidamente guardou no bolso.
E assim ganhamos a rua e eu nem olhei para trás. Que medo
daqueles espíritos nos prenderem! Mas Enoque estava tão calmo
que me tranquilizei, pois sempre vai lá.
—Você ficou louca? falei para Samita
—Não. É tão lindo o amor da mulher por ele, que só esse amor
poderá tirá-lo daqui.
—Você me conta?
—Sim. Depois que chegarmos a uma das Casas transitórias,
contarei o desencontro das almas gêmeas.
Fomos andando pela cidade trevosa, sob um nevoeiro que
encobria o céu. Nossos passos eram dados com dificuldade e
andávamos enfileira-dos. A vegetação era de um aspecto
desolador e as aves pareciam pré-históricas, feias, pavorosas,
gritavam sem parar, e às vezes atacavam os transeuntes. Vimos
até uma dessas aves atacar um jovem e levá-lo preso. Fiz menção
de ajudá-lo.
—Estás louco? Essas aves são leais vampiros da organização,
fui advertido.
197
O jovem era picado pela ave e gritava estridentemente.
Continuamos a caminhar e já íamos saindo da cidade, quando
Lílian avistou Celso caído ao chão, um trapo humano. Ela correu
até ele, alisando-lhe o rosto. Ele abriu os olhos e, ao vê-la,
murmurou angustiado:
—Dê no pé, garota. Aqui é o inferno, não queira me salvar. Vá
embora!
Corri a ajudá-la e levantamos Celso. Apavorado, segurava-me
com uma força de gigante. Com a fisionomia animalesca, nem
parecia aquele jovem que serviu de aviãozinho para os trevosos,
no início do livro. Celso era a expressão da dor e do desespero.
—A droga me jogou no inferno, não só quando na carne como
também aqui com eles.
Com Celso junto à nossa equipe, fomos saindo. A medida que
ganhávamos terreno, parecia que volitávamos. Que bom é a
liberdade! Que bom é viver ao lado de Deus, segurando as mãos
de Jesus! Que bom é ver o sol novamente e sentir o perfume das
flores e acariciar as folhas das árvores amigas. Como é bom viver
em paz!

198
Capítulo XXVII

A SAGA DE GINO E GUIDITTA

À medida que íamos saindo daquele lugar, dávamos graças a


Deus. A cidade dos trevosos era uma penitenciária da dor, mas,
deixando-a para trás, sentimos o coração apertado. Pensava eu
que muito pouco fizéramos pelos irmãos sofredores daquele
lugar.
—Perceberam todos que estamos sendo seguidos até aqui?
falou o doutor Nagi, apreensivo.
—Eu não, respondi, confesso que nada percebi.
—Devemos agradecer ao Gino. Graças a Deus pudemos sair de
lá sem precisar do socorro da Espiritualidade Maior. Gino nos
permitiu a retirada sem problemas.
—É mesmo. Por mais que domine aquela região, ele ainda
possui dentro de si as lembranças e as saudades. Agora
compreendi a do Gino: só consentiu que saíssemos graças à
Samita, que é amiga do seu grande amor.
—É mesmo, Sérgio, fiquei admirada. Como pode um homem
tão duro curvar-se diante de um simples nome de mulher?
—Por favor, Samita, conte-nos a estória de Gino e Guiditta.
—Guiditta era filha única de abastado comerciante na Sicília.
Aos dezesseis anos, ficou noiva de próspero médico, mas um dia
conheceu Gino, um milionário da região, dono de verdadeiro
império, pouco mais velho que ela, e foi amor à primeira vista.
Gino nunca mais deixou a sua amada, não regateando esforços
para possuí-la. Os pais de Guiditta, Giácomo e Enricheta,
desaprovaram o casamento da filha com Gino; sua fama de
mulherengo era muito grande, pois só vivia cercado de mulheres,
e depois, ninguém conhecia a origem do seu dinheiro. Mas a filha
desejava aquele homem e os pais, que a amavam, consentiram no
enlace, que se realizou com grande pompa, comentado em toda a
Itália. Três dias de festa. E assim Guiditta tomou-se a senhora
Gino Giuseppe. Nos primeiros meses, o casal foi conhecer o
mundo e quando veio o primeiro filho, este nasceu mongolóide.
Gino desejou matá-lo e Guiditta, desesperada, viu que o marido
era mau. Daí, começou o seu inferno de vida para proteger o
filho, que Gino não queria aceitar. Ele fugia para junto de outras
mulheres, enquanto a esposa sofria com a sua indiferença.

199
O filho viveu pouco tempo, logo desencarnou. Guiditta queria
mais um filho, mas o marido tinha pavor de ver nascer mais um
doente. E, assim, aquele arrebatador sentimento, mesmo sendo
imenso, não se completava pelas inúmeras exigências de parte a
parte. Os dois morriam de ciúmes um do outro e só eram felizes
quando ficavam sozinhos; até parecia que as pessoas falavam
outra língua, diferente da deles. Um dia Gino conheceu Emma,
uma lindíssima mulher. Ela o envolveu de tal maneira que
Guiditta já nem o via mais. Ferida de ciúme, começou a
frequentar todas as festas da cidade e, sendo muito jovem e
bonita, via-se assediada pelos rapazes. Gino, sentindo que ia
perder a esposa, voltou para ela. E Guiditta ficou grávida. Isso
erao que ele desejava, para que ela se afastasse da sociedade e
ficasse distante das inúmeras festas. Julgando que o marido ia
mudar de vida, ela se entregou a ele de corpo e alma. Mas Gino,
enfeitiçado por Emma, retomou para ela muito mais dominado,
enquanto Guiditta, grávida, sentindo-se traída e infeliz, decidiu
voltar para a casa dos pais, onde foi recebida carinhosamente
não só por eles, como pelo antigo noivo, o médico Lourenço, que
jamais a esquecera e não se casara. Um dia, Lourenço apareceu
cravejado de balas. Havia sido assassinado, sem ninguém ficar
sabendo quem fora o autor do crime. Somente os pais de Guiditta
desconfiaram, pois já sabiam dos maus antecedentes do genro e
que sua imensa fortuna era ilícita, além de pertencer a uma
organização poderosíssima na Itália. Temendo pela vida da filha,
Giácomo foi falar com Gino. Disse-lhe que, mesmo divergindo
dele, desejava a felicidade da filha. Gino respondeu que não
acreditava que o filho fosse dele, que estava só esperando o seu
nascimento para matar a criança. Antes, precisava certificar-se
de que era mesmo filho do antigo noivo de Guiditta. O velho
Giácomo tentou em vão convencê-lo de que a filha era incapaz de
trair alguém, principalmente o homem que amava. Gino colocou
o sogro para fora de sua sala e este, chegando à casa, achou mais
prudente fugir para outra cidade. A filha não compreendeu o
motivo, mas acabou aceitando. E assim, aquela família vendeu
tudo o que possuía e saiu da Sicília. Foi quando nasceu
Francesca, lindo retrato da mãe. Guiditta nem acreditava que
tinha nos braços uma fdha, fruto de um imenso e louco amor.
Porém o sossego daquela família durou pouco.

200
Um dia, tiveram a casa invadida pelos homens do Gino que
raptaram Francesca e mataram o velho Giácomo. Guiditta,
alucinada, tudo fez para recuperar a fdha, mas a organização a
qual Gino pertencia lhe barrou os passos e ela foi colocada num
sanatório de doentes mentais. Sua mãe, completamente louca,
lhe fez companhia. Um dos médicos daquele hospital apaixonou-
se pela triste e bela siciliana e lhe prestava muito auxílio,
principalmente por ocasião do desencarne de sua amada
mãezinha. Guiditta alertou o doutor Vittorio sobre a organização
de Gino, mas ele era um homem justo e tudo fazia por ela.
Enquanto isso, Gino mantinha em seu poder a menina
Francesca. As vezes a olhava com carinho, mas o ciúme era
maior que o amor paterno; dizia a Emma que logo mataria a
fdha, aguardando somente os resultados do exame sanguíneo,
pois ele iria provar se ela era mesmo sua filha e frisava bem que
tinha certeza de que não era dele. Francesca, criança muito
sozinha, era guardada a sete chaves, quase não tinha amigos.
Quando teve a comprovação de que ela era mesmo sua filha, não
sabia o que fazer para agradá-la, e depois, ela era o retrato de
Guiditta. Um dia, resolveu ir ao hospital buscar a esposa e
quando lá chegou ficou sabendo que um dos médicos daquele
estabelecimento a retirara de lá. Enfurecido, buscou o casal e, ao
encontrá-lo, praticou mais um cruel, injusto e covarde crime.
Guiditta mantivera-se fiel a ele, jamais se entregara a alguém;
estava na casa do médico juntamente com os pais deste; ele a
levou para lá, porque ela jamais fora louca. Desesperado por ter
matado Guiditta, afundou-se na droga e logo desencarnou. A
heroína o separou do corpo físico. Aí buscou os amigos e junto a
eles vive na cidade da dor.
—E Guiditta, por onde anda?
—Logo iremos conhecê-la. Ela luta para salvá-lo, só vive nesta
região de sofrimento para um dia levá-lo para Deus.
—E o que foi feito de Francesca?
—Gino a fez casar e ela cumpriu com o seu dever de esposa e
mãe, levando vida normal, apesar de ter sido criada quase junto
a uma das mais terríveis organizações que se conhece. Ela jamais
soube que o pai era um fora-da-lei, adorava-o e ele morreu
amparado em seus braços. Francesca caminhou no lodo, mas
jamais se deixou contaminar.

201
Ouvíamos, em silêncio. Quando Samita parou, desejei saber
onde ela conhecera Guiditta, mas o local era tão gostoso de estar,
que quase não fiz perguntas. Vagávamos havia algum tempo. Eis
que avistamos o portão florido da Colônia da Luz. Ele se abriu
devagar para nos dar passagem. Olhei ao redor e ninguém vi.
—Eletrônico este portão, Damian?
—Não.
—Então, como se processa? —Pergunte para eles.
Calamo-nos. Um senhor de roupas brancas nos recebeu no
jardim, e que jardim! As flores me pareceram molhadas, como se
tivesse chovido àquela hora. Enquanto parei para admirar o local,
os outros se foram e eu nem percebi. Mas aí o espírito que nos
recebeu veio buscar-me. Apesar do seu porte majestoso, havia
tanta doçura e humildade nele que, meio sem graça, lhe
perguntei:
—Para onde foram os meus amigos?
—Estão logo ali esperando por você, respondeu.
Quase morri de vergonha.
—Sabe, adoro flores e não resisti, parei para saudá-las.
—Sabemos disso, e feliz o homem que louva as coisas de Deus
e as respeita.
Fui caminhando ao seu lado e logo encontrei a turma, que
conversava com outro senhor. Rayto me apresentou:
—Este é Luiz Sérgio, Honorato.
—Sejam benvindos. Quanto a ti, Luiz Sérgio, desejo que
aprecies, e muito, as nossas flores. Logo adiante tenho um viveiro
de orquídeas de todas as espécies.
—Verdade? Quando posso vê-las?
—Quando desejar, falou, despedindo-se.
Entramos no belo prédio e Nagi despediu-se de nós. Ele era
esperado em outro local, uma ala de gestantes. Nos corredores
muitas e muitas fotos, e por sinal de gente bem conhecida.
Chegamos ao pátio interno, onde várias mulheres que
conversavam, gentilmente, sorriram para nós. Não sei por que, ao
mirar uma delas, falei para mim: esta é Guiditta. Era linda, linda,
linda! Fiquei meio apatetado, olhando-a. Ela estendeu a mão e
falou:
—Sejam benvindos. Que notícias nos trazem?
—Estivemos no Vale do Brilho, mas pouco fizemos por ele,
respondeu Enoque.

202
Ela baixou um dos mais belos olhos que já contemplei,
dizendo:
—Verdade, Enoque? Então o Gino não enfraqueceu ainda?
—Guiditta, me perdoe, mas falei em seu nome, disse Samita,
aproximando-se dela.
—Fizeste bem. Estou pensando seriamente em ir buscá-lo.
Acho que já chega de só causar lágrimas e sofrer também. Gino
não é mau, a terra o transformou; ele recebeu dos pais o
comando de terrível organização e, sendo ótimo filho, o que fez foi
para agradá-los. A mãe de Gino foi uma das mais temíveis
participantes dessa organização e levava o marido à frente de
todos os negócios.
Aproximei-me e disse:
—Quando desejar ir buscá-lo estarei pronto a ajudá-la. Gostei
do Gino. Graças a ele nós de lá saímos.
—Então ele ajudou vocês? Não digo que o Senhor nos fez todos
bons? Quem nos coloca essa tinta difícil de sair somos nós
mesmos.
—A senhora tem razão, o Senhor é bom Pastor.
—Agora, quero apresentar-lhes as outras. Esta é Enricheta,
que na vida física foi minha idolatrada mãe.
Meu Deus, que dignidade! Parecia uma santa.
—Esta é Priscilla, minha grande amiga e irmã; esta outra é
Joaquina.
Todos nós as reverenciamos, sendo convidados a chegar até a
sala de chá. Ali, Guiditta, sentada ao piano, cantou esta canção:

203
"Senhor, onde ele está me diz,
Quero logo ir buscá-lo
É tão bom ser feliz, Senhor,
Ele vai-Lhe pedir perdão
De joelhos, se preciso for
Estenda as Suas benditas mãos
Meu amado Senhor.
Os meus olhos estão cansados de chorar,
Os meus passos querem logo o alcançar,
Nos meus lábios a prece a murmurar:
Venha, meu amor,
A eternidade está a nos esperar,
Graças ao Nosso Senhor,
Graças ao Nosso Senhor."

Sua voz, não existe no meu vocabulário palavras para


descrevê-la. Outras músicas ela cantou, mas nenhuma com tanto
sentimento quanto esta. Também interpretei algumas das
minhas músicas e eles gostaram muito de "Criança Querida". Não
resisti e lhe perguntei:
—Irmã, quando Gino desencarnou, a senhora não pôde ajudá-
lo?
—Não, Sérgio. Tudo fiz para livrá-lo dos seus inimigos, mas eles
eram tantos! Gino comandou uma das mais poderosas
organizações mundiais da droga, sendo este o motivo de ali estar.
—Como a senhora deve sofrer por vê-lo ali!...
—Sim, quem pode desfrutar das delícias da vida, quando deixa
para trás um pedaço do seu coração?
—Desculpe, mais uma pergunta
—Pode fazer, meu filho.
—Sendo Gino a sua alma gêmea, como pode ele ser tão mau, e
a senhora tão boa?
—Não sei se ele é o meu outro pedaço, mas sei que somos
almas irmãs, porque o conheço muito bem, e ele não é tão mau
quanto aparenta.
—Não é?
—Não. Tenho um relatório de tudo o que fez; embora tenha
feito algum bem, o que ele fez de mal pesou muito na sua ficha
divina, pois ele foi contra as leis de Deus.
—A senhora o ama muito?

204
Arrependi-me da pergunta. Ela cerrou momentaneamente os
olhos e respondeu:
—Amei-o ontem, amo hoje e sei que vou amá-lo amanhã. O
amor não morre, o verdadeiro amor é imortal. O que termina são
as atrações físicas que a imperfeição do homem chama de amor.
O sentimento verdadeiro é laço fluídico que ninguém vê, mas se
percebe, porque a criatura amada resplandece em lembranças
em nossos corações. O amor é estrela que jamais fica ofuscada
pela escuridão da dor ou da injustiça. O amor para mim é uma
floresta que se renova a cada minuto, e que agradece sem cessar
a Deus, por ter-lhe dado vida. O amor é muito mais que corpos se
entrelaçando, são olhos que se fitam num grito de esperança de
que jamais deixarão de enxergar um ao outro, mesmo estando
separados. O amor, Luiz, é o perdão em ação. Quem ama, ama
verdadeiramente, nada exige da pessoa amada, mas tudo faz pela
sua felicidade. O amor pode nos parecer uma gota de orvalho,
mas quando o coração é uma flor, ele se sente alimentado. Aquele
que não conheceu o verdadeiro amor é uma rocha que jamais foi
lapidada. O amor é fruto criado por Deus e amadurecido por
duas criaturas que se propuseram a viver juntas eternamente. De
um ser que jamais amou pode-se dizer que nada conhece da vida.
Para mim, o amor entre duas pessoas são duas folhas de porta se
abrindo mansamente para que outros passem por elas, mas no
dia em que se reencontram novamente —porque as portas têm de
se fechar — elas gritam de felicidade ao bom Deus que as criou.
Aqueles belos olhos estavam marejados de lágrimas. Então
recordei-me de Gino, na organização das trevas. Como o homem
ainda é ignorante e infeliz! Teve a glória e a luz junto dele e
preferiu o inferno. Vários Ginos existem que jogam a cada minuto
as oportunidades fora.
Contemplávamos aquela belíssima mulher que estava à espera
de salvar o seu grande amor.
—Irmã, por que não vai até aquela cidade? Disse-lhe.
—Estou pensando nisso, esperando só a permissão do Alto.
Enoque convidou-nos a nos retirarmos. Beijei as mãos de todas
e, quando dali saímos, disse à Karina:
—O meu amor por você é uma embarcação que naufragará se
por acaso não estiver bem ancorada nas águas dos seus sonhos.
—Oh, meu querido. O meu amor por você é mais que um amor,
é um sentimento fraterno que nos une até a eternidade.
—E o meu por você, Luiz Sérgio, disse Enoque, é...
205
—Não estrague o meu lirismo, não venha com suas
brincadeiras. Você nem sabe o que é o amor de duas criaturas...
—Como você me conhece mal, hein, Luiz Sérgio? Ainda bem
que não lhe foi permitido contar a vida de seus colegas de
trabalho. Tem razão, o meu amor chama-se Jesus Cristo, a
minha obrigação, os jovens, minha felicidade, possuir os
melhores amigos do mundo: vocês, falou sorrindo, reverenciando
e cruzando os braços sobre o peito.

206
Capítulo XXVIII.

ENCONTRO E DESENCONTRO

—Perdoe-me, amigo, não precisa apelar, estava brincando.


Nada sei do seu passado.
—Um dia, vou ditar minha vida para você, prometo.
—Não me diga! Como vai ser o título do livro?
—"Um Raiozinho de Sol".
—Não brinque comigo, Enoque, e depois você sabe: o que a
gente promete, a Espiritualidade Maior carimba.
—Então você me cobra, está bem?
Será que terei oportunidade de escrever o livro do Enoque? Não
sei, não. Mas agora tenho é de narrar os fatos que estamos
vivendo aqui nesta Colônia, onde um pássaro que pode voar
permanece no pântano da dor, procurando buscar um pedaço da
sua alma. Guiditta me pareceu um anjo de ternura em missão na
terra, enquanto dificilmente se acreditaria que Gino fosse alguém
muito importante para ela. Com o nosso grupo reunido, fomos
chamados por Catarina. Adentramos em tácito auditório e
imediatamente fomos envolvidos por uma vibração divina. A
música que docemente soava foi-nos enlevando de tal maneira,
que me senti flutuando. Damian falou baixinho:
—Sérgio, que vibração!
Demoramos ainda algum tempo ali, creio eu que para
reequilibrar-nos, pois vínhamos da cidade trevosa. Não sabíamos
se ficaríamos em solilóquio ou teríamos uma palestra normal.
Mas logo deu entrada Guiditta, que proferiu esta bela oração,
inspirada no Salmo XXIII:
—O Senhor é nosso Pastor e nada vai nos faltar. Percorremos
prados verdejantes protegidos por Ele, o nosso amado Pai. Somos
guiados mansamente a águas tranquilas. Ele aplaca a nossa
alma, guia-nos pelas veredas da justiça. Mesmo nos momentos
difíceis nada tememos, porque o Seu cajado nos consola. Só
teremos amigos fiéis nos ensinamentos de Jesus, cujo cálice
transborda de bênçãos para toda a Humanidade. Ajuda-nos a
habitar a Sua santa Casa para que os nossos dias sejam longos
de paz e felicidade. O Senhor é nosso Pastor, nada nos faltará.
Quando Guiditta silenciou, os meus olhos estavam marejados
de lágrimas. Em seguida, o palestrante nos cumprimentou,
iniciando a sua elucidação:
207
—Irmãos em Jesus, temos por obrigação estender as nossas
mãos até o próximo, e buscá-lo quando se encontra perdido.
Como trabalhadores, precisamos enfrentar qualquer situação,
principalmente junto aos menos esclarecidos. Esses, por mercê
de Deus, são minoria, mas encontram nos irmãos encarnados os
cooperadores. A cada dia a dor, o desespero e a tristeza se alojam
no coração da Humanidade. Hoje se cultua o corpo e o sexo,
obras divinas que estão sendo profanadas por mentes sem
conhecimento, esquecidas de buscar em Deus a razão da própria
vi da. Enfrentamos, hoje, nos departamentos da reencarnação e
no da desencarnação, sérios problemas referentes ao
desconhecimento da existência do mundo dos espíritos. O
homem mata e morre a cada minuto, desobedecendo às leis da
natureza, que são sábias. O homem e a mulher brincam de fazer
sexo, quando o sexo é a eclosão do amor. O sexo é um órgão com
finalidade quase igual a de outros órgãos, só que ele é órgão-rei,
porque é através dele que se dá o intercâmbio divino. Na
atualidade, o homem tem desvirtuado a sua função orgânica, ou
melhor, a vem destruindo. Nunca se viu uma humanidade tão
doente sexualmente; o que está acontecendo é que muitos julgam
que o sexo é a razão única do viver e esta ignorância vem levando
o homem à impotência, às doenças sexualmente transmissíveis,
ao homossexualismo, enfim, o homem brinca com o sexo como se
ele fosse algo eterno e lhe pertencesse. Consideramos o sexo uma
chave que pode ser utilizada na porta do inferno ou do paraíso.
Nessa concorrência sexual — homens e mulheres — quem vem
perdendo é a família. Nunca se viu crianças tão infelizes, jovens
tão perdidos. Os pais esquecem que o seu compromisso maior é
para com os fdhos e muitos deles são fdhos abandonados,
mesmo vivendo junto dos pais. As meninas julgam que a
virgindade é fardo pesado de carregar e se entregam ao primeiro
namorado. Daí, passam a viver várias experiências, às vezes bem
traumatizantes. A garota perde a virgindade e mata os seus
sonhos, tomando-se mulher infeliz, doente e traumatizada.
Agora, de quem é a culpa? De toda a família, que não orienta
seus filhos para a responsabilidade divina. E no lar que o homem
recebe elucidações morais; e se eles, desde pequenos, forem
criados sem respeitar Deus, jamais respeitarão a família. Se os
órgãos de comunicação, as religiões e as instituições educativas
não se unirem por um mundo melhor, em breve todos os lares
serão atingidos.
208
Nós, que convivemos com os jovens, temos constatado que tirar
a roupa e mergulhar no sexo são atos hoje em dia bastante
vulgares, contudo, bem tristes de presenciar. Esta luxúria que se
expande no plano físico dificulta a reencarnação planejada pelos
Filhos de Deus; a reencarnação tem de obedecer a certas leis
divinas, todavia o homem e a mulher estão criando para eles a lei
do sexo livre e terão de aguentar as consequências. Assistimos a
uma conferência que tratava dos abusos contra o menor e
tomamos conhecimento de que é nos países ricos que mais se
abusa da inocência do menor. Alguns até nos assustaram; apesar
de ricos, as suas crianças são maltratadas, espancadas,
violentadas, sodomizadas, mal cuidadas, e até morrem de fome.
Nos países extremamente pobres, elas morrem de fome por
carência de alimentos. Nos países ricos, elas morrem, porque os
seus pais não têm tempo para alimentá-las. São extremamente
sozinhas e às vezes morrem de solidão. Enquanto isso, o sexo
livre, as orgias de álcool e droga se alastram. Estamos expondo
para vocês esses fatos, porque as trevas tentam realizar as
encarnações e isso se deve simplesmente ao fato de hoje o
homem procurar os trevosos e não os filhos da luz. Trouxemos
vocês até aqui para aliviar as suas preocupações com referência a
esta busca dos trevosos. Há dias eles sequestraram um dos
nossos cientistas e ele constatou que naquelas organizações o
progresso está muito aquém dos laboratórios divinos. Mas,
mesmo assim, entre eles há notáveis inteligências. Ontem
destruímos o laboratório visitado por Nagi e por vocês. Quando lá
estiveram, Sara colocou um demolidor energético e voaram para
os ares todos aqueles aparelhos que vocês viram. Neste instante,
os trevosos choram essa perda, contudo, até que se organizem
novamente, já teremos trazido para casa muitos dos cientistas
que lá atuam. Eles julgam que Gino os traiu, motivo pelo qual o
maltrataram e o jogaram nos arredores da cidade, sendo de
pronto socorrido pela caravana de Ocaj. Dizem eles que foi Gino
que os deixou sair da cidade. Gino os protegeu até transporem o
portão. Graças a ele, vocês se encontram aqui. Muitos irão
perguntar-me por que vocês não destroem a cidade. Por mais
estranho que possa parecer, e embora precariamente, essas
organizações também nos ajudam. Elas existem, porque as
mentes humanas não procuram imitar as abelhas que no favo
colocam o mel.

209
O homem ainda utiliza o seu ferrão, por isso sofre tanto
alimentando as cidades trevosas, todavia, dia após dia, os seus
dirigentes "morrem" para viver, conforme ocorreu com Gino. Não
obstante o esforço que se faz para que os homens sejam felizes,
eles buscam as trevas por companhia, sem atentarem para o
constante chamado de Deus, que manda a Sua mensagem de
várias maneiras. Os cegos e surdos não a veem, nem a ouvem.
Todos os dias a luz dissipa as trevas, mas o homem prefere a
escuridão. Dias atrás, a caravana socorrista limpou os arredores
do Vale do Brilho, mas logo lá estarão muitos outros mais.
Desejamos aos irmãos muita paz e que todos estejam sempre de
mãos estendidas ao próximo.
Terminada a preleção, ainda fiquei por ali. Estava louco de
vontade de correr até Guiditta para ver o Gino. Imagine a alegria
dela ao rever o seu grande amor! Nisso, Sara me chamou:
—Luiz, vamos embora.
Fomos saindo, devagar, até chegarmos ao pátio, onde nos
despedimos. Fui até a biblioteca e lá encontrei um jovem que
puxava de uma perna. Ele me reconheceu.
—Você não é o Luiz Sérgio?
—Sim, sou eu. E você, de onde vem, o que lhe aconteceu?
—Sofri um desastre e aqui estou de passagem, já era para ter
ido para outro lugar, mas a irmã Matilde me trata tão bem que
reluto em sair daqui, o que farei só quando reencarnar.
—E pode?
—Não, mas eles não nos forçam a nada.
—Meu jovem, você deve ter vergonha de dizer o que está a me
dizer. Se foi socorrido por esta Casa, deve respeitá-la com seu
amor, e não levar os seus diretores a cometerem um ato de
indisciplina por sua causa. Este lugar é belo, mas se ficar aqui
não terá oportunidade de aprender e o homem que não aprende
retarda a sua chegada ao "paraíso".
—Por que está me dizendo isso?
—Simplesmente, porque você permanecendo nesta Casa vai
demorar a ficar bom dessa perna. O que você faz aqui?
—Leio, tomo sol, escuto música e adoro a prece das cinco
horas, quando todos os Lanceiros de Maria se unem para orar
pela Humanidade encarnada e desencarnada.

210
—E, Flávio, você está deixando passar o tempo, e ele não
perdoa aqueles que o negligenciam. Gostaria que você se juntasse
aos trabalhadores do Senhor e saísse a semear amor e
humildade.
Ele baixou os olhos e eu fui-me retirando, quando o ouvi dizer:
—Luiz Sérgio, logo estaremos juntos, espero.
—Também espero, Flávio. É muito triste nada esperarmos da
vida, e me sentirei muito feliz em saber que está trabalhando.
Reuni-me novamente ao meu grupo, mas Rayto me falou que
Guiditta estava esperando-me na enfermaria dez. Agradeci e fui
até lá, assobiando uma canção de amor. Quando entrei, Gino ali
estava, deitado em uma cama coberta por lençóis bem alvos. Ao
lado, Guiditta, segurando sua mão. Gino, à minha chegada,
fitou-me com ódio. Falei para Guiditta:
—Que bom que ele veio!
—Sim, mas fico triste por ele ter sofrido tanto.
O corpo de Gino estava em péssimas condições, fazendo-o
gemer de dor, entretanto, Guiditta ali estava, ao seu lado, dando-
lhe proteção e carinho. Notei que o olhar de Gino para ela era
mais que um olhar, era a paixão faiscante do desejo. Era belo
demais vê-lo junto à sua ex-esposa. Admirava a cena e ele
adormeceu. Sua cama estava cercada de placas metálicas,
isolando-o de qualquer contato com outras pessoas. Vendo que
adormecera, ela ajeitou a coberta e foi saindo, levando-me junto.
—Está feliz, irmã?
—Sim, Luiz Sérgio. Agora, com o socorro de Gino, posso deixar
esta Casa, já está na hora de elucidar o meu espírito. Só desejo
que Qino logo se recupere, só assim poderei partir em paz.
—Não irmã, não pode deixá-lo! Há quanto tempo vocês estão
separados!...
—Luiz, a separação continua, apesar de estarmos tão perto. Há
muito Gino destruiu o laço do nosso relacionamento, e por mais
que desejemos, ainda está longe o dia do nosso reencontro. São
águas que já passaram por baixo da ponte e já ganharam o
grande rio. Buscá-las, para quê? É quase impossível!
—Mas não vá agora, espere até que fique bom.
—Prometi a Deus tirá-lo de lá, mas também prometi aceitar
nova separação.
—Posso beijar o seu rosto?
Ela sorriu. Apanhei uma magnólia e lha ofereci, beijando-a.

211
—Seja feliz, irmã, e diga ao Gino que orarei para ele o Salmo
LVII, até o versículo 11: Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem
misericórdia de mim, porque a minha alma confia em ti; e à
sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as
calamidades...
—Deus lhe pague, meu filho, e que todas as flores do
esclarecimento se abram em seu caminho.
Despedimo-nos. Ela deixou no meu coração o perfume
constante da sua presença.

212
Capítulo XXIX

OVÓIDES, COMPROMISSO COM A NATUREZA

Gino, o terrível Gino, ali se encontrava ao lado da sua metade,


porém, até quando? Ninguém sabe. Creio que Deus não separa
aqueles que se amam de verdade. Gino, praticando o mal, foi o
mais atingido. Conheceu o amor, mas não soube vivê-lo. Com
estas lições, eu estou aprendendo que não existem pessoas
realmente más, porque todos nós possuímos algo de bom no
nosso interior, é a chama eterna criada por Deus. Saí para
reencontrar meu grupo; no meu coração expandia-se o perfume
do agradecimento, esperando eu que chegasse até Deus. De longe
avistei a turma, que conversava com o doutor Khan. Fui
chegando devagar e nem se deram conta da minha presença, tal
a atenção na conversa. Perguntava Enoque:
—Daqui os doentes irão para onde?
—Ao aportarem aqui, eles recebem um tratamento especial e,
de imediato, um banho energético para retirar os miasmas
pesados dos vales. Logo depois, iniciam o tratamento: sessão de
análise, tratamento perispiritual com choque anímico, tentando
livrar o doente dos antigos companheiros.
—E a evangelização não começa aqui?
—Não, aqui são beneficiados com a prece e a meditação; depois
de conduzidos para outro hospital é que começa a cura do
espírito, mesmo assim, gradativamente. Não adianta dar ao
doente, de uma só vez, vários remédios.
—Depois de todo esse acolhimento, algum irmão já resolveu
voltar para os vales?
—Sim, mas muito poucos. Quando aqui chegam é porque já
estão cansados de sofrer.
—O Gino era um dos chefes, por que desejou vir?
—Quando vocês saíram do Vale do Brilho, não perceberam,
mas receberam uma proteção de longe, dos servos do Gino.
Graças a ele o seu grupo não ficou prisioneiro no vale, pois a
ordem era para acorrentá-los. Julgando que estavam a serviço de
Guiditta, Gino se expôs demais para socorrê-los. Entretanto, não
sabia ele que Antero, um dos seus servos, o delatou. Aí o Gino
sofreu tudo o que antes fizera os outros sofrer.
—E como vocês souberam?

213
—O Vale está repleto de trabalhadores do Senhor e Guiditta foi
informada do sofrimento de Gino, mandando imediato socorro. E,
graças às equipes de Jesus, ele já está a salvo.
—Mas não é só por que nos ajudou que ele se salvou, não é
mesmo? Inquiriu Damian.
—Gino, apesar de socorrido, leva na consciência a carga
pesada do remorso e da saudade.
Já no fim da conversa, Lílian me viu e ficou ao meu lado.
Gostaria de perguntar mais alguma coisa, mas eu estava triste,
muito triste, e ela percebeu.
—Por que a cara desolada?
—Nada, só um pouco preocupado.
—Com que, posso saber?
—Sim, com todos aqueles que se amam e não se compreendem,
estão juntos e não se respeitam.
—De que fala?
—Das almas afins, daqueles que têm uma missão divina e que,
quando juntos, só conseguem esgotar por momentos suas
energias sexuais nos corpos um do outro, julgando que isto seja
amor, sem procurar descobrir a verdade de tantas semelhanças
entre eles. Se essas almas se autoanalisassem, iriam viver no
paraíso, mesmo estando no purgatório da carne. Assim não são
mais dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou não o
separe o homem {Mateus, Capítulo XIX, versículo 6). Mas em vez
de se completarem, vivem uma batalha fria e desumana: a do
ciúme.
Enoque, virando-se para mim, falou:
—Tudo certo?
—Tudo mais que certo, certíssimo.
Despedimo-nos do médico Khan e fomos buscar a doutora
Salette, que nos recebeu sorridente; era muito jovem e, com
carinho, nos mandou sentar.
—Irmã, falou Carlos, aqui nos encontramos em uma tarefa
socorrista e gostaríamos de passar pela sala energética para
sermos analisados.
—Está bem, já tenho tudo preparado, fui avisada que vocês
viriam. Espero que a missão tenha sido vitoriosa.

214
Nisso, entraram dois enfermeiros que gentilmente nos
cumprimentaram. Convidados a acompanhá-los, seguimo-los
através de um corredor ladeado por celas muito confortáveis. Ao
olharmos para dentro delas, vimos seres que exalavam odores
fétidos, repugnantes, uma mistura de fumo, álcool e droga.
Alguns deles se debatiam em convulsões. Apesar das celas
estarem muito limpas, o odor era insuportável. Nada falamos, até
ultrapassarmos aquele lugar onde os seres enjaulados urravam
como se fossem bichos. Chegamos a um pátio onde a médica já
nos aguardava com mais outros dois médicos. Pensava eu: "o que
irão fazer conosco?" Mas logo a médica falou:
—Prestaram atenção nos doentes?
—Sim, esta turma está bem alucinada, não é mesmo, irmã?
—Às vezes abrigamos irmãos em pior situação.
—E eles, quando reencarnam? indagou Enoque.
—Reencarnar? E podem, Enoque? Falei sem sentir.
—Podem e precisam, respondeu a médica. Não temos condição
de tratá-los aqui. Terão de voltar logo à terra, onde chegarão com
várias deformações que, apesar de tratadas aqui, só o plano físico
encontra o meio de abrigá-los. Já receberam do Hospital de Maria
os mais modernos tratamentos, mas só o plano físico pode aliviar
suas dores. A reencarnação é o remédio amargo, mas necessário.
Esses irmãos vão reencarnar bastante doentes, alguns débeis
mentais, e passarão pouco tempo no plano físico. Lá, sofrerão a
cirurgia plástica; só a ida ao corpo material abrandará suas
dores.
—E por que vocês aproveitam os trevosos?
—Não os aproveitamos, são eles mesmos que, julgando nos
iludir, tudo fazem para que antigos viciados, e subjugados por
eles, voltem à Crosta. O que não esperam é que reencarnem
impotentes para a realização dos seus objetivos. Estes irmãos
não possuem condição de frequentar o departamento
reencarnatório, por isso ficam aqui até o momento do retomo ao
corpo físico. São espíritos muito enfermos, incapazes de
raciocinar, pois os vícios lhes tolheram a liberdade.
Meu Deus, ninguém poderia dizer que eles um dia tiveram
fisionomia humana, mas a encarnação vai-lhes permitir que
recomponham suas forças agora deprimidas. Nestes casos, quem
muito os auxilia são os sérios grupos mediúnicos. Estes irmãos
recebem dos médiuns encarnados benéficos fluidos.

215
Ainda fiquei olhando aqueles irmãos e como orei por eles!
Meditei sobre a grandeza daquele lugar, onde abnegados irmãos
cantavam, curavam e elucidavam os irmãos dementados. Em
uma das enfermarias, vi uma senhora que resplandecia ternura,
segurando um espírito disforme em seu colo, acariciando-o.
—É mãe dele, e tudo faz para reavivar sua memória, falou-me o
médico Kelvin.
Outros espíritos também recebiam tratamento especial. Queira
Deus que ao retomarem à terra sejam tratados com igual
carinho. Quando dali nos afastamos, ganhei o grande pátio e,
emocionado, sentei-me num banco, deixando cair as lágrimas.
Nesse momento senti á presença da irmã Klãre e convidado fui a
visitar outra ala daquela colônia transitória. Limpei as lágrimas
do rosto e ela me falou, ternamente:
—Bendita seja a lágrima fraterna naquele que se emociona
diante da dor de um irmão. Um dia, no nosso Planeta, a paz irá
reinar, a dor vai tresmalhar da terra
—Deus lhe ouça, irmã.
—Estou levando você para junto dos outros caravaneiros.
—É mesmo, distanciei-me demais e nem tive a curiosidade de
lhe perguntar para onde vamos.
Ao terminar a frase, já estávamos no local em que toda a minha
turma me esperava. Adentramos um pátio muito bonito, onde as
flores nos saudavam à medida que a brisa as acariciava. A tudo
examinávamos, quando começamos a perceber que não
estávamos sozinhos. Ali parecia um viveiro, as plantas eram
lindíssimas, as folhagens imensas. Era um bosque em miniatura.
Todo o nosso grupo encontrava-se em silêncio, quando a irmã
nos levou até certo local cujo chão era verde, gelatinoso. Então,
começou a cantar. Surpreendentemente, foram surgindo umas
coisas disformes; por mais que quiséssemos enxergá-las, elas
deslizavam naquele rio gelatinoso. Para nosso espanto, aquelas
"coisas" possuíam olhos e bocas. Lílian perguntou:
—O que é isso?
—São irmãos nossos comprometidos com as leis da Natureza.
Eles a insultaram, destruindo prematuramente o que só ela tem
poder para decidir. Quando no corpo físico, não buscaram a
origem de tudo e, distante de Deus, ficaram com o demônio do
ódio; e este veneno deformou suas vestes divinas: os períspiritos.
Estes irmãos já estão em situação privilegiada, encontram-se
neste recinto aguardando também o momento de voltar à carne.
216
—O quê? A carne? Mas como se eles nem possuem corpos?
—Ao voltarem a reencarnar, poucas horas ou alguns dias
permanecem na veste física, mas são momentos muito
proveitosos para a evolução deles.
—Por que gostam de deslizar sobre este pântano gelatinoso?
—Acostumaram-se, porque o baixo umbral fica numa zona
lodacenta. Quando são tirados de lá, colocamo-los nesta
substância energética, que muito os beneficia. Daqui a algum
tempo, estarão transitando por este bosque mais livremente.
—Sem forma humana?
—Sim, sem forma humana. Eles destruíram todos os pontos e
canais energéticos, e terão que esperar; só o tempo vai curar. O
espírito não retrograda, mas a forma degrada-se, quando no
coração só existe ódio.
As formas ovóides eram tratadas por médicos iluminados, que
se esmeravam no tratamento daqueles infelizes. Dois deles
aproximaram-se de nós. Eram tão disformes, que pareciam um
disco, com olhos, nariz e boca. No mesmo instante, apareceu um
outro semelhante a uma lesma, de aspecto repugnante. Lílian
segurou-me o braço.

217
—O que fizeram eles?
—A irmã nem pode imaginar; torturaram, mataram, levaram a
dor e o desespero a milhares de criaturas.
Pensei: "como pode uma pessoa ser assim e ficar assim?:
Perder tudo, até sua veste de espírito: o perispírito". Um deles
gritou:
—Vão embora, demônios! Por que vocês gostam de presenciar a
nossa desgraça? Se pudéssemos, nós sairíamos daqui.
Outro retrucou:
—Cala essa boca imunda! Recorda que estamos aqui por que
Deus nos ama e logo voltaremos a ter um corpo normal.
Aqueles irmãos, que chegaram ao fundo do poço, destruíram a
veste perispiritual e ali se encontravam deformados. Os ovóides
eram tratados com o mesmo carinho dedicado a outros doentes,
só que de uma maneira diferente. Por ter sido destruído o corpo
perispiritual, é necessária a permanência neste local para receber
os fluidos indispensáveis para que ele se recomponha; e estas
energias se encontram nos riachos e nas florestas. O corpo
perispiritual volta a precisar das energias do vegetal e do mundo
animal. Não se esqueça de que só o perispírito retroage, o espírito
jamais.
Era um bonito lugar e ali ficamos por algumas horas. Contudo,
a lágrima e a dor se faziam presentes. Quando se fechou o
portão, sentei-me em um banco.

218
—É triste, muito triste, falou Enoque, constatar-se a violência
do homem para consigo mesmo. Ninguém causa dor aoutrem,
nós é que somos os nossos algozes. Que Deus nos ajude a não
cair em tentação, porque Vosso é o reino e a glória. Sem Deus, o
homem não caminha, rasteja no mar da dor e do desespero. No
dia em que cada encarnado abraçar o Evangelho de Jesus, a
caridade vai vestir suas almas e todos eles verão a Deus e Ele,
Pai bondoso, nos dará de novo o paraíso. Até lá, estaremos
caminhando junto à dor e ao infortúnio. Os irmãos menores
deste pátio já foram socorridos, mas existem muitos e muitos
lugares onde o ser perverso está confinado, porque é tão
animalizado que não pode conviver com as criaturas humanas.
Deus não cria os umbrais, é o homem que, com seu ódio, cria as
correntes do desespero. Mas esperamos que um dia as
consciências despertem e o materialismo se distancie do ser,
dando a cada um a consciência das coisas do Senhor e a
liberdade de si mesmo, para a glória da paz. Ninguém deve
afundar-se nos rios do egoísmo, porque neles não se encontra o
ouro do perdão. É bom ser pobre de espírito, mas todos nós
precisamos nos tomar ricos de amor, pois só assim
encontraremos a felicidade. O homem julga que não tem de
obedecer às leis de Deus, e dia-após-dia vai destruindo a sua
"veste nupcial". Como diz a parábola de Jesus, muito poucos não
terão acesso à Casa do Pai. Os que restarem, sabemos, serão
levados pelo turbilhão de um planeta primitivo, onde a vibração é
semelhante a de alguns homens. Quando ele se aproximar da
Terra os espíritos de fluidos semelhantes serão atraídos e levados
pelo chamado "chupão", e lá existirá o ranger de dentes. Muitos
podem julgar que seja castigo, mas como não existe
penitenciária, quando os fora-da-lei se avolumam em ódio e
maldade contra o seu próximo, esses lugares trevosos são
penitenciárias redentoras para espíritos bem endurecidos.
219
A História sempre nos narra a violência do homem para com o
homem. Os espíritos que causam dores vão, pouco a pouco,
perdendo a forma humana. O ódio é tanto que eles tomam a
forma de um animal; não nos esqueçamos de que o espírito de
um homem jamais pode alojar-se no corpo físico de um animal.
Eles apenas moldam o seu corpo com o aspecto de um animal
feroz. Mas Deus, como todo bondoso Pai, não os esquece e
permite que todos sejam tratados, mesmo que o corpo
perispiritual já esteja totalmente deformado. O homem é inimigo
dele próprio; ele é que se autodestrói. A corrida para o poder e a
ganância do ganho fácil levam numerosas pessoas a se
comprometerem por demais. O traficante que destrói a vida de
um adolescente é cruel pelo que faz; o jovem que se inicia na
droga morre para a sociedade, toma-se um pária, e de quem é a
culpa? Dos gananciosos que, esquecidos de Deus, matam os
próprios irmãos de maneira desumana. Hoj e, até as crianças já
se encontram nas mãos de inescrupulosos traficantes. Logo a
sociedade vai deparar-se com outro cruel crime: o do
sequestro(1), com mentes doentias comandando verdadeiras
falanges dispostas a tudo. Onde colocar estes seres quando
desencarnam? Nas penitenciárias da espiritualidade, para
ficarem confinados, porque, soltos, eles voltariam a fazer novas
vítimas. Estas criaturas que vimos deformadas e já socorridas
não tinham dentro de si o amor a Deus, por isso a agressão às
Suas leis.
—Rayto, e os pais desses irmãos?
—São espíritos abnegados que se propuseram a ajudá-los;
outros irão recebê-los por afinidade.
—Mas não é mau para eles possuírem pais sem moral?

(1) N.E. — Este livro foi psicografado no ano de 1989, antes


da enorme onda de sequestres que estão acontecendo no Brasil.

220
—Não se esqueça Sérgio, de que dificilmente uma forma ovoide
dura mais que oito dias no mundo físico. Como nasce e
desencarna rapidamente, tanto faz a evolução moral dos pais.
Apenas servem de meio físico para os espíritos. Lembre-se de que
o parto e o desencarne são cirurgias plásticas nos perispíritos. As
formas ovóides terão de sofrer imensas cirurgias até voltarem a
possuir forma humana; até lá, irão pagando ceitil por ceitil todas
as dores, todas as lágrimas e todo o desespero pelos quais
fizeram alguém passar.
—Estes irmãos aqui nesta Casa estão recebendo um
tratamento especial, mas e os outros do "Vale do Tormento"?
—Também para lá Deus envia os Seus mensageiros, porém é
comum serem repelidos. Graças à proteção de Deus, tem
aumentado o número de socorridos. O que nos causa tristeza é
que esses espíritos doentes, antes do socorro divino, são usados
pelas organizações das trevas. Eles são colocados nos órgãos
físicos, para levarem as pessoas ao desequilíbrio. São chamados
de parasitas, porque gostam das energias dos encarnados.
Continuou:
—Ontem eles eram poucos, hoje aumentam assustadoramente,
e por mais que Deus mande a mensagem, está proliferando o
materialismo, com a corrida desenfreada ao ouro e ao poder. O
homem não se detém para analisar seu invólucro físico, como ele
é frágil, como está ilhado de vísceras, órgãos, sangue, moléculas
etc. e tal, e que tudo isso apodrece; só não se extingue a luz
chamada espírito. E por que não cuidar desta energia eterna?
Não se cuida do espírito, porque muitos não acreditam que são
um espírito, julgam que são bonecos que um dia morrerão
eternamente e não terão de prestar contas do que fizeram no
mundo físico. No dia em que todas as criaturas descobrirem o
espírito, encontrarão Deus, que é o Maior dos Seres e, com Deus
ao seu lado, darão as mãos a todas as criaturas. Reinará, então,
a harmonia na Terra e nos Céus, e todos nós ouviremos a cantiga
da paz.
Os nossos olhos marejaram de lágrimas ao ouvir tão sábias
palavras, proferidas com muita emoção pelo nosso querido Rayto
de Sol.

Capítulo XXX
221
UMA AULA COM NAGI

Em mais uma Casa, que podemos chamar de Hospital de


Jesus, defrontávamo-nos com irmãos comprometidos com o mal,
mas socorridos pelos Filhos de Deus, que se propuseram a
buscar com amor as ovelhas desgarradas. Aquelas formas
ovóides me perturbaram por demais. Como pode o homem chegar
a tal situação? Aproximei-me do médico Nagi para solicitar
elucidações e ele, muito gentilmente, explicou:
—O perispírito, veste do espírito, é matéria fluídica muito
sensível. O corpo físico é pesado e denso. Quando o perispírito
está ligado ao físico — vida encarnada — em vez do físico ajudar
o perispírito ele amortece todas as sensações. Portanto, o
espírito, sem o corpo físico, está mais livre. Vamos imaginar que
no corpo físico o espírito está fantasiado com uma máscara que
lhe tolhe a liberdade. Mas nessa fusão espírito-corpo físico
existem os pontos energéticos que dão ao espírito liberdade — as
rodas energéticas — chamadas pelos hindus de chacras. Estes
pontos, se desenvolvidos naturalmente, dão ao espírito
encarnado uma visão bem ampla do mundo espiritual e, sendo
assim, o homem, mesmo vivendo na carne, está ligado ao plano
astral. Os seus pontos energéticos são desenvolvidos
naturalmente, com as energias do amor, da caridade e da
humildade. Vejamos o contrário: se o homem vive violentando o
físico no sexo, na droga, no álcool e no ódio, ele também
desenvolve as rodas energéticas (chacras), mas em vez de captar
intuições benéficas, liga-se às mentes trevosas e se afunda com
mais intensidade nos vícios.

222
Cada ação má exercida sobre ele age como se um tiro de arma
de fogo perfurasse seu perispírito e este, em cada violência, tende
a enrugar-se, como um material sintético que se queima;
portanto, o perispírito, sendo a veste do espírito, está assim: até
encolher-se totalmente, perdendo a forma:

Os viciados, ligando-se aos trevosos, vão tendo as suas rodas


energéticas invadidas pelos vampiros e estes, encontrando
223
facilidade nessa invasão, dominam suas vítimas. Muitos deles
sugam sem esforço, pois as rodas energéticas possuem pás que
impulsionam os fluidos para dentro do corpo. Os invasores,
aproveitando o desequilíbrio do espírito, alojam-se nestas rodas.
Então o corpo não recebe o alimento, são eles os que se
beneficiam. Aí, surgem as obsessões e as doenças. Quem leva
uma vida desregrada é sede de espíritos trevosos e os vícios
contribuem para a destruição do perispírito. Os centros de força
nele alojados captam da aura espiritual os fluidos para o
equilíbrio do espírito e de seus corpos; se um elemento estranho
trevoso está bloqueando estes canais, surge o enfraquecimento e
o espírito deixa de ter ligação com o plano mais alto, passa a ser
teleguiado, e por mentes muitas vezes perversas. A função destas
rodas é manter nivelados os corpos, o equilíbrio dos mesmos.
Outro grande perigo — continuou Nagi — é o desenvolvimento de
médiuns sem nenhum critério. E através destas rodas
energéticas que se dá a ligação plano espiritual-plano físico. Se
em um Centro espírita pessoas sem capacidade forçarem alguém
a desenvolver a mediunidade, poderá levar a criatura ao
desequilíbrio, pois a roda responsável pela mediunidade gira
também de fora para dentro; parece um exaustor de dez pás, do
tamanho de um pires comum, de cor verde, e está localizado
mais ou menos à altura do umbigo. Esta é uma das rodas que, se
desenvolvida naturalmente, faz o contato mundo espiritual-
mundo físico; se desenvolvida forçadamente leva o médium a um
desequilíbrio, ele viverá nervoso, angustiado e temendo o
amanhã.

Quem a tem desenvolvida naturalmente nada sente. Ela opera


equilibradamente. Devemos saber que todas as rodas servem de
224
contato com o mundo espiritual, mas é bastante perigoso o
desenvolvimento sem critério. Quando o homem é prisioneiro do
vício, estas rodas ficam alteradas, elas não têm a sua função
normal. Jogando tóxico no organismo, ele as atinge, devolvendo a
energia aos centros de força do perispírito e este, não suportando
a sobrecarga, vai-se retorcendo, a ponto de perder a forma
humana. Quando as rodas giram normalmente, nós parecemos
um barco em águas tranquilas. De forma contrária, somos frágil
embarcação bombardeada sem piedade. Estou aproveitando para
falar sobre mediunidade, porque todos os homens são médiuns,
qualquer ser possui os canais de contato com o mundo
espiritual, uns apresentando esses canais mais desenvolvidos
que outros.
—Irmão, então cada chacra é um ponto de comunicação com
os espíritos desencarnados?
—Sim. No chacra básico ligam-se os obsessores, aqueles que se
servem das energias deste chacra para praticarem o sexo, mesmo
estando desencarnados. Se bem desenvolvido a sua energia é
muito benéfica para a ortopedia. O esplênico — na altura do
baço, dá vitalidade ao organismo, distribuindo as energias pelo
corpo e também armazenando as sobras. Se não bem
desenvolvido, os espíritos se ligam nele e absorvem toda a
vitalidade do encarnado. O umbilical — é nesta roda que se ligam
espíritos sofredores nas sessões medi únicas. Já falamos nele, da
sua importância. O cardíaco — localizado na altura do coração, é
por ele que os mentores espirituais atuam. O laríngeo — é
através dele que se dão as psicofonia e a incorporação
inconsciente. Umeral — situa-se entre os omoplatas, nele se liga
a psicografia automática. Frontal — é o responsável pela
vidência. Coronário — situa-se no alto da cabeça, ele é a grande
antena que capta as mensagens do plano espiritual com clareza
divina. Este chacra poucos médiuns o têm desenvolvido; para o
seu desenvolvimento, toma-se preciso que a criatura esteja
desprendida de quase todos os bens temporais. Por isso, Luiz
Sérgio, dizemos: todos possuem mediunidade, mas poucos a têm
educada. Esses irmãos ovóides, que acabas de ver, não cuidaram
dos seus pontos de ligação e abusaram desastrosamente de
alguns deles; violentaram por demais o perispírito, chegando ao
ponto que chegaram. Deus criou o espírito para ser feliz.
—Irmão, cada um de nós pode ser comparado a uma casa. Uns
conversam na janela, outros nas portas, outros em cima do
225
telhado, outros por telefone, mas todos podem conversar, não é
mesmo?
—Sim. Ao vestirmos o corpo físico, este possui fios fluídicos que
se ligam àqueles que já se encontram em outro plano. O homem,
mesmo encarnado, não está distante do mundo espiritual, faz
parte desse mesmo mundo. Vamos compará-lo a um
mergulhador que atinge o fundo do mar; ele leva equipamentos
para manter a respiração e se proteger. Quando encarnado, o
homem também possui aparelhos, chamados rodas energéticas
ou chacras, que não o deixam sucumbir; mas, se não se cuidar,
arrisca-se a viver muito mal, pois outras mentes — os obsessores
— podem roubar o seu oxigênio. E estes só buscam aqueles que
lhes são afins. Essa disformidade é prova da invigilância do
homem, que hoj e está cada vez mais distante de Deus. O sexo,
os vícios adentram nos lares e os chefes de família, inebriados
pelo modernismo, ou modismo, nada fazem para os expulsar.
—Nagi, estou agradecido, muito agradecido. Espero que muitas
pessoas se beneficiem com estas suas palavras, porque existem
muitos desejando desenvolver sua mediunidade, não sabendo do
perigo de o fazerem sem uma orientação séria. Penso eu que o
melhor seria dar primeiro o trabalho da caridade a cada um que
busca a Casa espírita e orientá-lo no estudo das obras básicas,
para ir desenvolvendo naturalmente, sem violência, as rodas
energéticas. Nagi, elas estão citadas no Antigo Testamento e eu já
mencionei isso no meu livro Chama Eterna.
—Tudo obedece a um só Ser: Deus. E Suas leis são imutáveis.
Nisso, Enoque nos falou:
—Vamos nos despedir, está na hora de descermos ao plano
físico. —Novamente? Perguntei.
—O que tens contra? Inquiriu-me Sara.
—Nada, boneca, é que eu adoro ficar aqui no plano espiritual
aprendendo com os queridos irmãos.
—É mesmo, Luiz? Indagou Damian, ironicamente.
—Engraçadinho!... falei.
—Vamos partir logo mais, o descanso é apenas para as
despedidas.
Aproveitei e fui despedir-me de todos aqueles trabalhadores do
Senhor, em agradecimento às esplêndidas aulas recebidas.

Capítulo XXXI

226
DE VICIADO A TRAFICANTE

Já no plano físico, adentramos o pronto-socorro da Casa


espírita, superlotado, onde os médicos espirituais prestavam
auxílio; os da nossa equipe integraram-se imediatamente ao
grupo socorrista. A parte espiritual dessa Casa é um oásis de
amor. Nela, os Lanceiros também prestam socorro divino a todos
os doentes.
Ali fiquei ao lado de um médico que desencarnara bem jovem.
Para dar à família um certo conforto, ele corria de um hospital
para outro. Com espanto, fiquei sabendo que era suicida, pois
não se cuidara: a ganância o levou à morte. Ainda sonolento, era
atendido e para os médicos foi transmitido um exame realizado
no seu corpo físico. Detectaram excreção irregular de potássio e
sódio, como também do hormônio adrenocorticotrófico. Esta
substância, bem como a adrenalina, está associada às reações
orgânicas ao estresse. Aquele jovem médico não teve tempo para
a família, já que era exaustiva máquina caça-níqueis, correndo de
cá para lá. Resultado: a jovem esposa o trocou por outro e a fdha
do casal, que era sua alegria, ficou com a mãe. Inconformado,
iniciou-se na droga e na bebida para fugir dos fatos tristes de sua
vida. E a overdose o tirou do corpo físico. Fora ali socorrido, mas
até quando? Não sei. Sei apenas que percorri toda a enfermaria
da Casa espírita e constatei que a maioria dos internos era
composta de jovens, colhidos pela "morte" violenta: desastre,
atropelamento, assassinato, enfim, quase todos vieram antes do
tempo previsto. E perguntei ao Senhor: "por quanto tempo ainda
o homem ficará longe do Seu Evangelho? Só ele nos ensina a
vivermos na terra com o coração no céu".
Parei diante de uma jovem senhora que chorava baixinho.
Tinha sido assassinada pelo fdho de dezesseis anos. Ele,
querendo vender uma jóia de família, lutou com a mãe e esta
caiu, batendo com a cabeça na ponta da mesa de mármore. Ela
nem se importava com o seu estado, só pensava no único filho
que a droga lhe roubara. Alisei seu rosto e ela me falou:
—Leandro, é você, amado fdho? Não fique triste, não foi nada,
só um tombinho. Não diga para ninguém que foi você quem me
empurrou, não fale, não. Filho, abandone a droga, ela ainda vai-
lhe matar.
Diante desse quadro, fui saindo, devagar, observado por
Karina, que logo se juntou a mim e nós dois, abraçados,
227
deixamos as lágrimas molharem nossos rostos. Apesar de
lutarmos contra a droga há vários anos e termos presenciado
casos tão tristes como este de Leandro, ainda sofremos com eles.
Nós, os espíritos, sabemos que aumenta cada vez mais o
consumo da droga em nosso País, com a agravante de estar a
faixa etária decaindo. Quase todos os estudantes se afundam nos
tranquilizantes, na maconha, na cocaína ou na cola de sapateiro.
A maconha é tão corriqueira que até nos esquecemos dela, mas
daqui alerto as famílias: se têm em casa jovem de dez anos para
cima, olho vivo nele, porque pode estar dando os primeiros
passos na estrada do desespero. Ninguém pode imaginar a
angústia de um jovem em abstinência de tóxico, ele fica furioso.
Hoje a droga está caríssima, o que leva o jovem a consumir várias
misturas.
O que a gente pode dizer aos jovens? Apenas que eles se
respeitem, porque o homem de hoje possui memória muito fraca,
não quer enfrentar o caso, quando se depara com ele. Enquanto
isso, vamos estudar a razão da vida, depois lutar para nos
tomarmos dignos de Cristo. Muitos jovens julgam que religião é
coisa de fanático, mas eu jamais vi um drogado feliz. Olha que
cada dia bate à porta da espiritualidade não um drogado, mas
caravanas deles.
Há dias, fomos chamados à casa de Donana. Lá, seu único
filho se encontrava completamente alucinado. A mãe,
desesperada, orava sem parar. O jovem Bernard, terceiroanista
de Medicina, ali se encontrava à minha frente com as veias todas
arrebentadas; antes, aspirava cocaína, mas, com o tempo,
passou a injetar a droga na veia. Drogava-se tanto que a família
se reuniu, decidindo interná-lo. Imaginem a cena: os enfermeiros
entrando, Bernard gritando e partindo para cima deles com o
semblante desfigurado. Tive muita pena! Mas logo se acalmou, e
me perguntei: até quando? Ele vai receber proteção e esperamos
que se cure. Ali ainda ficamos e não sei por que não tive coragem
de perguntar mais nada.

Fiquei sabendo depois que Bernard fora internado e, da clínica,


comandou uma das mais perigosas quadrilhas de tóxico. Esta
clínica fica fora do Brasil, em um grande país, onde a droga
228
extermina os seus jovens. Bernard saiu da clínica e continuou o
seu sujo comércio. A família brasileira se orgulhava dele: rico,
viajado, dono de várias empresas. Quando eu soube, falei ao
Rayto:
—Como sucede isso? Não acredito que a família não desconfie.
Se ele era malandro aqui no Brasil, como justificar esse
enriquecimento tão rápido?
—E mais fácil para os familiares ignorarem aprocedência da
fortuna; além disso, com ele bem longe, fica mais fácil enganar a
sociedade dizendo que o filho é próspero homem de negócios.
—Percebo, Enoque, que este não é um caso isolado. Vários
traficantes do Brasil estão vivendo em outro país, fazendo o
tráfico das drogas. E não são descobertos!
—Calma, Sérgio, logo defrontaremos com suas fotos enfeitando
os jornais internacionais.
—E Bernard, se curou?
—Sim. Não se droga mais, como fazia antes, agora decidiu-se
pelo narcotráfico.
—Como consegue não ser preso?
—A organização da droga lhe dá ampla cobertura. Espere,
amigo, e logo a janela vai abrir-se e veremos muitas cabeças de
fora. Até lá, oremos por todos aqueles que estão distantes da
droga.
—A família sabe, mas finge que ignora, não é mesmo?
—Bernard, quando em seu país, gostava de traficar ácido; LSD
era o seu preferido. Hoje ele trafica tudo o que lhe cai nas mãos.
—Coitado, o seu perispírito deve estar uma peneira.
—Mais que isso, um papel alumínio amassado, e bem
amassado.
—Enoque, a droga se alastra em nosso País. Preciso se faz que
os professores e a sociedade se unam num grito de socorro, sem
esperar ordem do governo.

—Sim, deve partir de competentes profissionais o início da


campanha. Também as mães de drogados deveriam unir-se
dando as mãos e gritando em praça pública a sua dor e o seu
desespero, para que as mães de adolescentes abram mais os
229
olhos e não permitam que suas crianças busquem as turmas que
se afundam nas madrugadas da vida. O início da vida noturna
está ocorrendo com as crianças de doze anos ou menos.
Se seu filho não frequentar festinhas, não importa, mais tarde
ele vai compreender que você o livrou da besta do Apocalipse. Se
ele se julgar infeliz, também não importa, é preferível algumas
lágrimas de revolta, do que chorar eternamente de remorsos. A
droga está nas esquinas, nos lares, nas lanchonetes, nos
colégios, mais ainda nas festinhas que o seu filho tanto gosta.
Cuidado, pois o drogado é uma semente que depois de atingida
dificilmente germinará no jardim da paz. Cuide de sua semente
com a água do amor e da energia.

Capítulo XXXII

O RETORNO À COLÔNIA DOS VELHOS PATRIOTAS

230
Sei que alguns não compreendem meu trabalho, mas sei
também que muitos esperam pelos meus livros, porque se
encontram no fundo do poço do desespero. E é para estas
famílias que eu escrevo. Beijo o coração de cada uma delas,
dizendo: eu oro por vocês. Um dia, não muito distante, todas as
famílias dormirão em paz, não ficarão acordadas à espera do filho
que se droga. Quem diz que não devo me preocupar, ou que
exagero, não conhece o problema, vive distante dos
acontecimentos tristes da nossa sociedade. O egoísta lê as
páginas policiais dos jornais e nem imagina que pode ser a
próxima vítima, porque a praga não dá só no jardim do vizinho, o
nosso também pode ser atingido. Nós, da equipe dos Raiozinhos
de Sol, sussurramos em seu ouvido: "ajude-nos a orar, mas
também ajude-nos a salvar seu filho. Dê-lhe as lições de Jesus:
trabalho e humildade. Não crie seu filho para você somente, e
sim para fazer parte de toda uma sociedade sofrida e desigual".
Cada jovem que tomba na sarjeta da vida é uma estrela que se
apaga no céu do Planeta. Existem países que quase não têm mais
estrelas. Quando encontrar um jovem drogado, não o recrimine
nem aos seus pais, ore para que ele ressuscite, porque todos os
viciados estão "mortos", não têm amanhã. O traficante, que julga
que seu corpo é eterno, queremos pedir por ele. E desesperadora
a viagem de alguém que roubou a paz dos lares e assassinou os
sonhos de uma criança ou de um jovem.
Meu Deus, se eu pudesse segurar bem forte as mãos de todas
as crianças pequenas, resguardando-as dos vícios, eu o faria.
Nada é mais deprimente para mim do que uma roda de tóxico, e
hoje é o que se vê nas festinhas. Acordem, minha gente, e se
armem contra a "besta", ela é terrível, mas não invencível, juntos
com Jesus vencê-la-emos.
—Sérgio, por que Deus não diz basta?
—Só sei que Ele é poder e bondade.
Assim, fomos deixando aquele lugar e, para surpresa minha,
reencontrei Aécio, grande amigo. Já realizamos muitos trabalhos
juntos. Acercando-me dele, perguntei:
—Por onde anda, companheiro?
—Tive de me deslocar para fazer alguns trabalhos na Colônia
dos Velhos Patriotas. O País deve passar por uma transformação
e estamos orando para que tudo ocorra na santa paz do Senhor.
Estou aqui para levá-los até a Colônia de onde partem as
emanações de amor dos queridos patriotas.
231
—Não sei como agradecer-lhe, Aécio.
Olhei o nosso grupo; ele estava enorme, e sorri feliz: sempre
gostei de viver rodeado de amigos.
—Ismael deve estar preocupado com a droga em nosso País,
não é mesmo?
—Todos os patriotas vivem apreensivos com a pátria que foi
escolhida para celeiro do mundo, respondeu-me Aécio.
—Tem razão, amigo. Quando caminhamos pelas cidades
brasileiras, surge a dúvida: como poderá o Brasil tomar-se a
Pátria do Evangelho, quando as famílias estão sendo
exterminadas pelos vícios e cresce a falta de dignidade; quando
as mulheres, esquecendo-se do seu dever de mães, muitas, lutam
pela liberação do aborto? Mas o Brasil a tudo resiste e logo
deixará de ser o gigante adormecido, porque em um futuro não
muito distante uma brisa refrescante de liberdade irá levantá-lo
para que o mundo o respeite.
Fomos andando e, ao nos aproximarmos da Colônia, ouvimos
os pássaros cantarem alegremente no campo que surgiu à nossa
frente; as árvores eram frondosas, o verde brilhante de luz
compunha com as flores amarelas, brancas e azuis a beleza da
nossa bandeira. O Sol brilhava tanto que quase nos cegava. Só aí
percebi que o grupo não era mais tão numeroso quanto antes e,
aproximando-me de Rayto, perguntei:
—E os outros?
—Lembre, Sérgio, que você é o convidado.
—Eu? Mas que fiz eu de tão importante?
—Não sei. Logo, quando lá chegarmos, você ficará sabendo.

Estremeci. Meu coração batia rapidamente. Cerrei os olhos,


visivelmente emocionado. Enoque abraçou-me e assim fomos
recebidos na bela e irradiante Colônia dos Velhos Patriotas! (1)
A Colônia é lindíssima. As construções fazem lembrar o Brasil
antigo. Depois da entrada principal, fomos recebidos por Irmã
Maria. Cumprimentando-me, disse:
—Seja bem vindo mais uma vez à nossa Colônia.
232
Pensei: "da outra vez que aqui estive não cheguei a conhecer
esta parte, só fiquei nos arredores, onde fica o grande hospital".
Foi-nos levando até o auditório e, sentados, aguardamos. Ao
nos darmos conta, o recinto estava repleto de gente.
—Quem são eles? Indaguei do Rayto.
—Todos os que trabalham pelo Brasil, para que ele se tome a
Pátria do Evangelho.
Agradeci aos meus amigos, muito feliz por ter um dia aceito o
chamado de Jesus. Logo deu entrada no palco um iluminado
espírito, muito ligado ao crescimento da nossa Pátria. Iniciou a
preleção:
—"Queridos compatriotas. Temos por dever entrelaçar nossas
vibrações em prol do progresso do Brasil, mais ainda lutar pela
união do seu povo. E para que isso aconteça, toma-se necessária
a melhoria do homem, o respeito de um para com outro, a fim de
que não venha a ocorrer injustiça.
Só o Evangelho bem vivido dá os esclarecimentos necessários
para o homem não se considerar o dono do seu próximo. As
trevas vêm lutando para que o Brasil jamais se tome o país da
luz; e para nossa tristeza recebem elas a cooperação de vários
homens públicos, esquecidos de que são eles os representantes
do povo.

(1) N.E. — Esta Colônia foi anteriormente citada no livro Novas


Mensagens, 2° volume da Série Luiz Sérgio, no Capítulo "Colônias
e Hospitais Espirituais".

Estamos aqui em nome de Ismael e de toda a sua equipe,


agradecendo e pedindo a cooperação de amigos, hoje mais do que
nunca, quando no Brasil se fará nova escolha dos homens
públicos(2). Não podemos deixar passar em vão o momento,
preciso é que estejamos juntos na prece em prol da paz no nosso
País. A cada homem é dado o direito do voto, mas queira Deus
que quando for marcar o "x", ele não esteja colocando uma cruz
233
no ombro do Brasil e do seu povo. As falanges de Ismael precisam
alimentar o pobre, agasalhá-lo e, principalmente, mostrar o
Caminho, a Verdade e a Vida, que é o Evangelho do Senhor
Jesus. Precisamos levar até as Casas espíritas a força para que
elas se tomem celeiro de bênçãos em prol da Humanidade
carente e sofrida. Que nesses templos o Evangelho seja a
bandeira e os seus frequentadores os apóstolos da humildade,
trabalhando para o crescimento espiritual da nossa Pátria.
Precisamos irrigar a água benfazeja da prece nos corações,
principalmente nos mais endurecidos, tornando-nos, se preciso
for, peregrinos da esperança em todos os lugares, tendo sempre
uma palavra de consolo. Onde estiver a bandeira "Deus, Cristo e
Caridade", Ismael estará lado a lado, carregando-a com suas
abençoadas mãos. A Doutrina nos oferece a oportunidade de nos
tomarmos patriotas sem ideologia política, mas tudo fazendo para
que o povo brasileiro seja digno de verdadeiros patriotas políticos.
Só assim nossa Pátria receberá o halo que resplandece em luz
por todo o seu território. Inatacáveis são as nossas regiões
geográficas, nada irá demoli-las, nem a ganância de alguns
inimigos do Senhor. A Pátria do Cruzeiro sofrerá algumas
tormentas, mas sabemos nós que do passado surgirá o remédio,
remédio este manipulado pelos corações repletos de amor à
Pátria amada. Uma plêiade de espíritos está atenta ao progresso
do Brasil e logo o nosso gigante irá levantar-se.

(2) N.E. — Refere-se às eleições de 1989.

Aí veremos chegar as primeiras florações no chão que se


tomará o celeiro do mundo. Apesar da precariedade do concurso
dos homens, os operários espalharam-se pelo País, cada qual
com a força e a ferramenta que tem nas mãos. Os irmãos que
aqui se encontram, nesta assembleia, há muito lutam pelo
progresso espiritual do Brasil. Somos gratos e pedimos mais
cooperação, porque estamos vivendo importante momento
político que pode elevar a nossa Pátria para a glória ou mergulhá-
234
la no caos. Não podemos assumir compromissos políticos, mas
devemos ter apreço a todas as autoridades, devotamento ao bem
comum, sem olvidar a instrução ao povo sobre as verdades do
espírito. E hora de reflexão, a História desejará voltar a governar,
mas em cada coração brasileiro a intuição precisa fazer-se
presente para uma feliz escolha. Nos dias de tormenta, como nas
horas de ventura, estejamos irmanados numa aliança de
fraternidade e paz indestrutíveis, dentro da qual devemos esperar
as claridades do futuro. O Brasil não necessita de armas
revolucionárias para defendê-lo, ele precisa de homens de bem e
cônscios patriotas para fazer germinar as sementes adormecidas
no seu solo, sementes estas destinadas a alimentar a
Humanidade. As nossas riquezas, bem dirigidas por homem
digno e manso, irão fazer da nossa Pátria uma nação livre,
podendo dar ao seu povo o que de direito lhe pertence: a paz. Não
queremos uma nação poderosa, lutamos, sim, por uma Pátria
digna e evangelizada, onde as criaturas se amem e se respeitem.
A política sofrerá as alternativas do direito de força, quando o
Planeta atingir a perfeição social. Que o momento político decorra
em ambiente fraterno e que o vencedor seja aquele escolhido para
tomar palpável o sonho de Ismael, fazendo da Pátria amada o
celeiro da Humanidade e o coração do mundo. “O trabalho é
árduo, companheiros, mas para os irmãos de Jesus não existem
obstáculos e sim vitórias, pela luta de cada um de nós”. Kacá
Nisso, o coral entoou a música de Francisca Theresa: Brasil,
Pátria do Evangelho. Ao seu término, saímos devagar e eu com os
olhos marejados de lágrimas. Samita e Karina seguraram meus
braços e assim chegamos ao jardim. Desejava correr para perto
de Kacá e lhe dar aquele abraço, mas ele estava junto aos
encarregados da paz do Brasil.
Decorridos alguns minutos, inquiri ao Enoque:
—Por que só viemos nós? Os outros não foram convidados?
—Damian e Lílian foram participar de outra conferência, mas
um dia eles virão aqui, não se preocupe.
Desejava sair correndo e conhecer todos os lugares da Colônia,
mas me deparei com os antigos políticos que ali na praça se
juntavam para conversar e com carinho eu os fitei, divisando o
nosso querido Candango; cumprimentei-o e ele logo juntou-se a
nós.
—Como passa excelência?
—Irmão. Pode me chamar de irmão, fico mais à vontade.
235
—O que o senhor espera do momento político nacional?
—Espero que o homem brasileiro não se deixe enganar com
palavras e promessas; que saiba escolher bem aquele que Deus
determinou para tomar a nossa Pátria uma Pátria feliz. Sinto-me
um pouco apreensivo, são muitos os candidatos e muitos sem
qualquer vínculo político com o passado. Só dois estão aptos a
fazer do Brasil a terra prometida. Os outros podem comprometer-
se e atrapalhar os desígnios de Deus. Os patriotas estão unidos
pelo progresso e pela fraternidade em nossa Nação.
—Quem vai ganhar a eleição, irmão?
—Não sabemos, a escolha é do povo brasileiro e não tenho
capacidade para dizer o nome do vencedor. Mas oro para que o
escolhido tenha Jesus no coração e nas mãos o cajado da
responsabilidade. Nossa Pátria está cansada de sofrer com a
indiferença ao seu povo, ela pede justiça e caridade para com o
seu solo.
—Irmão, é verdade que o senhor psicografa com muitos
médiuns?
Ele sorriu.—Estamos sempre nos recordando daqueles que
ficaram e orando a Deus pela nossa Pátria. Até logo mais, irmão.
Despediu-se. Acompanhei-o com os olhos até vê-lo desaparecer
na Praça da Esperança. Antes, ele me acenou com aquele sorriso
que só as grandes almas são capazes de dar.
Conheci ali muitos departamentos e nada me emocionou tanto
como os museus espirituais. São tão lindos! Neles, eu conheci
muitas peças que não estão nos museus da terra. Algo que muito
me empolgou foi a prova da reencarnação de vários políticos
brasileiros, muitos de volta à terra e deixando de cumprir com o
plano de Deus.
É isso, meus amigos, a Colônia dos Velhos Patriotas grita para os
brasileiros: não deixem morrer a semente do Evangelho em nossa
Pátria, o seu cultivo pede a colaboração de cada um.

Capítulo XXXIII

ISMAEL E OS VELHOS PATRIOTAS

Encontrando-me na Colônia dos Velhos Patriotas, sentia-me


tão feliz que a tudo examinava enlevado: os canteiros floridos, as
palmeiras, as cascatas de águas cristalinas; em cada edifício
tremulava a bandeira da paz. Curvei-me diante delas, almejando
236
que na terra elas também enfeitem todas as sedes de governo.
Pedi ao Enoque para entrarmos em certo edifício, e logo
estávamos admirando as tapeçarias de pano branco, verde e azul
celeste, pendentes de cordões de linho fino e púrpura e argolas de
prata, e as colunas de mármore. Esse prédio é um dos imensos
ministérios de socorro espiritual à nossa Pátria. Muitos espíritos
estavam ali trabalhando.
—Sempre há esse movimento, Enoque?
—Aproxima-se a eleição brasileira, por isso esses irmãos estão
assim atarefados. Eles mantêm na crosta da Terra equipes de
abnegados espíritos de políticos que intuem e ajudam os
candidatos dignos.
Era um vaivém muito disciplinado. Deixamos o interior do
prédio e alcançamos o jardim, onde uma imensa estrela formada
de grama trazia no centro a palavra "paz".
—Agora, disse-nos Enoque, vamos conhecer os arredores da
Colônia.
Assim o fizemos. Na Colônia dos Velhos Patriotas, os seus
arredores são compostos de casas-escolas e pequenos hospitais
que prestam auxílio aos políticos. Ao ver as casas abrigando
espíritos velhos e doentes, sob o amparo de abnegados
enfermeiros, perguntei:
—O mau político não vai para o umbral?

—No mundo espiritual não há privilégios. Antes de ser político,


o homem é um espírito e, como tal, se ultrapassar as leis de
Deus, terá de pagar. Assim como existem os departamentos da
arte ou da música em outras colônias, existe esta Colônia dos
Velhos Patriotas. Prestem atenção: a Colônia não tem o nome de
grandes políticos, porque aqui é abrigado desde o vereador
humilde até os grandes presidentes; todos recebem o mesmo
auxílio, conforme o seu merecimento. Se lesarem o povo, sofrerão
as consequências. Esta Colônia sempre esteve e estará aberta

237
para abrigar todos os que se propuseram a servir à Pátria,
mesmo os falidos.
Nisso, aproximou-se de nós a irmã Maria, que carinhosamente
nos levou até os hospitais. Lá, defrontamo-nos com muitos
irmãos bem dementados, ainda ostentando os gestos de um
político. O humilde hospital continha somente dez leitos. O
aposento maior reservaram ao auditório, onde muitos, naquele
momento, recebiam aula de evangelização. Nós participamos dela
e me emocionei quando a figura de um grande brasileiro
cumprimentou a todos e iniciou a preleção:
—"Prezados irmãos, companheiros de caminhada evolutiva,
Deus, o sublime Arquiteto do Universo, condensou os fluidos
mais puros e criou o corpo e a este logo soprou, dando vida à
forma. Estávamos criados. Porque o Senhor Deus formou, pois, o
homem do barro da terra e soprou no seu rosto um sopro de vida
e o homem tornou-se espírito, pessoa vivente {Gênesis, Capítulo
II, versículo 7. Portanto, o homem só é importante porque foi
criado por Deus, que é uno, indivisível e eterno. Cada ser, ao
receber o livre-arbítrio, recebeu também a consciência e, junto
com ela, o plano de Deus: evoluir. Aquele que recebe a tarefa de
liderança tem por obrigação dar bons exemplos. Um homem
público precisa policiar-se para não levar ao seu próximo algo
pernicioso. Sofrer, morrer por um ideal é dever desse homem, se
ele recebeu de Deus a tarefa de levar o progresso à sua Pátria.
Quem deseja aplausos na vida pública deve antes consultar a
sua consciência e ver se de verdade já está apto a renunciar em
prol do crescimento do seu país. Não existem cargos políticos,
existem responsabilidades políticas, e ai daquele que fracassa. O
humilde vereador é respeitado se ele faz do seu mandato um
sacerdócio longe dos bens temporais, porquanto o ideal de um
homem é medido pela grandeza das suas ações.
Quem se abraça à bandeira do seu país tudo deve fazer para
honrá-la; os vales de sofrimento estão repletos de políticos que
enganaram o povo, lesaram a nação e abusaram do poder. Aqui
vimos para receber no hospital-escola um tratamento especial
com Jesus, o Maior dos médicos, almejando que os queridos
companheiros estejam em breve tempo junto às nossas equipes
de ajuda ao momento brasileiro, quando a nossa Nação irá
escolher um novo presidente; queira Deus seja aquele que irá
plantar a semente do Evangelho de Jesus. Sei que os irmãos se
sentem impotentes, mas, à medida que vamos vivendo como
238
espíritos, vamos adquirindo o conhecimento de nós mesmos. A
"morte" é a parada obrigatória, que nos dá grande oportunidade
de reflexão sobre o que fizemos, ou o que deixamos de fazer,
levados pela sede de poder. Deus espera que cada filho cumpra
com seu dever. O homem público recebeu de Deus o cajado da
responsabilidade, o qual terá de devolver florido de obras de
amor. Aceitem o orvalho de Maria, a brisa de Jesus e o perfume
de Deus e se senti não curados, aptos para o trabalho que os
espera. “Sejam benvindos.”
Os meus olhos não só marejaram-se de lágrimas como o meu
coração sussurrou baixinho: "obrigado, meu Deus". Aquela bela
figura foi-se retirando. Olhei-o com respeito e desejei que
progredissem em espírito aqueles homens públicos que ali se
encontravam internados na Colônia dos Velhos Patriotas. Uns
ainda conservavam o ar autoritário, outros, bem humildes,
choraram de emoção por ter ouvido o querido amigo. Irmã Maria
perguntou se gostaríamos de visitar outros hospitais-lares. Sadu
agradeceu, preferindo as pequenas casas. Ela se despediu
sorridente. Um irmão encarregou-se de nos levar até lá, Felipe, o
seu nome. Muito simpático, mas caladão, em todo o trajeto
nenhuma palavra nos dirigiu. Eu estava louco para lhe fazer
perguntas, mas me contive. Quando chegamos, ele se despediu,
mas antes nos apresentou Ana. Ela, muito simpática e cortês,
convidou-nos a entrar. Examinei a casa, muito simples: a sala
era rodeada de estantes repletas de livros. Ana falou:

—Estava aqui esperando por vocês, sejam benvindos. Esta casa


é habitada por políticos que já se encontram em trabalho na
terra; alguns passam o maior tempo aqui, os que possuem
família em outras colônias as visitam sempre. Nestas casas eles
estudam e prestam auxílio ao País. Neste instante em que se
aproxima a escolha de um novo presidente, esta Colônia vem
esmerando-se no trabalho para que os irmãos se respeitem e que
a bandeira brasileira tremule sobre a cabeça do escolhido. —
Vocês já sabem quem vai ganhar?
—Não, mas o plano de Deus recaiu sobre alguém que beijou a
poeira do País, abraçou o leme do navio e gritou: liberdade. Mas a
239
cada brasileiro Deus ofertou uma cédula em branco; está nas
mãos na Nação o seu governante. Nós não podemos influir na
decisão do povo, temos de orar para que o escolhido dos homens
seja o mesmo escolhido por Deus. Um dia, Jesus, o Governador
da Terra, se fez homem, mas o povo não O aceitou e gritou:
Barrabás! e até hoje estamos pagando por essa escolha. Pedimos
ao Senhor que o povo brasileiro faça uma boa escolha, nossa
Pátria querida foi escolhida para tomar-se a "Pátria do Evangelho,
o coração do mundo, o celeiro da humanidade"(1). Mas se Deus
ofertou a Terra, também ofertou ao homem o direito de escolher
seus governantes terrenos.
—Irmã, perguntei, é justo o País sofrer por causa de uma
escolha mal feita ao votar?
—A atmosfera de um país é formada pelos fluidos dos seus
habitantes; se nós só assimilarmos fluidos negativos, atrairemos
contendas, lágrimas e tristeza, apreensões e desespero.
Quando Ana nos fornecia exemplos, chegaram dois irmãos que,
muito gentis, nos cumprimentaram. Ali ficamos conversando com
eles e concluímos que o político vem à terra em missão e aquele
que não está registrado no plano divino com essa tarefa poderá
ser eleito, mas terá breve vida política. E algo que vem de vidas e
mais vidas sucessivas, mesmo que em muitas delas tenha
fracassado como político. Francisco e Mário prontamente iam-nos
elucidando sobre a vida na Colônia, todavia pareciam
preocupados. E eu lhes perguntei:
—O Brasil corre o risco de perder o prêmio dado por Deus de
tomar-se a Pátria do Evangelho?
(1) NE. — Refere-se ao livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria
do Evangelho", escrito por Humberto de Campos e psicografado
por Francisco Cândido Xavier, editado pela FEB.
—Sim. Se o País não fizer jus à escolha, o templo divino se
deslocará para outra pátria, onde a dignidade e o amor devem
reinar.
—Mas não é mais fácil desencarnar os que não a respeitam, do
que o país ser sacrificado?
—As religiões que ensinam o homem a ser bom estão
cooperando para o progresso espiritual do Brasil. Ismael, com
sua falange de luz, ora a Deus para que o Brasil não deixe passar
em vão a oportunidade de crescimento, e seja a terra da
redenção.

240
—Irmão, falou Samita, como pode o Brasil tomar-se a Pátria do
Evangelho quando nos defrontamos com a pobreza, o vício, a
prostituição, os sequestros, assassinatos e roubos, enfim, com a
violência imperando?
—Tem razão, Samita, hoje o Brasil atravessa momentos
dramáticos. A família está ameaçada, a moral se dissipa diante
do modernismo; mas mesmo assim as esperanças de Ismael são
imensas, ele acredita que a Estrela-Mãe brilhará sobre o Brasil.
Estamos chegando ao clímax da falta de moral, recordando
mesmo Sodoma e Gomorra, mas não nos esqueçamos de que o
corpo, não sendo imortal, não suporta a violência, explode; então
o espírito, vendo-se desnudo, curva-se diante da verdade e,
repleto de remorso, procura a redenção.
—Irmão, dia a dia aumenta a miséria, em cada ruela
defrontamo-nos com irmãos em completo abandono, comentou
Enoque.
—À medida que o homem transforma o seu interior para
melhor, ele olha o seu semelhante, e quando isso acontecer
amplamente não mais veremos tais criaturas tão infelizes.
Disse-me Francisco:
—Muitos julgam que seremos uma grande potência. Jamais o
Brasil terá o direito de escravizar outros povos. Ele crescerá com
Deus. Seremos a Canaã prometida, alimentando o mundo, mas
um país sem palácios e sem miséria.

—Então não teremos uma moeda forte? O nosso Cruzado(2)


não será uma moeda universal? Perguntei.
—Não é esse o crescimento previsto por Deus, trata-se do
crescimento espiritual. O Brasil terá de se transformar num
jardim divino, de onde remeteremos os fluidos salutares para
todo o mundo, principalmente para as regiões onde o ódio do
homem causou destruição. Os espíritas têm por obrigação pregar
a mensagem divina através de exemplos. Não importa se lá fora a
falta de moral se alastra, se o homem mata o homem; o que
importa é que nós cremos em Deus e estamos lutando por uma
Pátria renovada. Os homens passam, mas o País permanece,
241
esperando pelos seus verdadeiros filhos. Desejo convidá-los para
assistir na Praça da República à oração pelo Brasil.
—Agradeço irmão, e até mais ver.
Despediram-se e nós demos em retirada. Perguntei:
—E agora, Enoque, para onde vamos?
—Quem desejar conhecer a Colônia pode fazê-lo, eu terei de me
reunir com outros caravaneiros no Departamento do Trabalho,
mas vocês podem percorrer a Colônia. Até já.
—A que horas é a prece? Perguntei.
—Às dezoito horas, na Praça da República
Samita, Sadu e Carlos ficaram conversando na pracinha em
frente à casa. Eu e Karina buscamos os arredores da Colônia.
Algo me chamou a atenção: de um certo edifício partiam
caravanas de socorro para a terra. Interpelamos um irmão que
participava de uma delas e indaguei:
—Para onde vão?
Ele me respondeu:
—Para a terra. Hoje ocorrerão vários comícios e nós estamos
encarregados de proteger aqueles que só desejam louvar seus
candidatos.
—Coitados... falei sem sentir.
—Coitados, por quê? retrucou Karina. Você acha que ser babá
de viciado é melhor do que proteger fanático político?
—É mesmo, Karina, não sei o que é pior.

(2) N.E. — Ao tempo da psicografia que se constitui neste


volume, ainda era o Cruzado a moeda corrente do Brasil.

—Os dois são dignos trabalhos de socorro, no entanto, este


momento político é curto, enquanto que o nosso é uma batalha
que parece sem fim.
—Acho que não, falou Karina. As campanhas terminam, mas
creio que Ismael sempre desloca os seus auxiliares para ajudar
os políticos sérios. Tenho certeza de que isso acontece, caso
contrário, o que seria do querido povo brasileiro?
A Colônia era linda, muito linda. Toda a sua vegetação nos
oferecia a fragrância das rosas. Os pátios imensos davam
sequência às galerias, aos jardins, às fontes. Enfim, olhando o

242
refúgio dos patriotas, pensei: "coitado daquele que brinca com
um mandato político".
Assim, conhecemos a Colônia dos Velhos Patriotas e, como já
se aproximava a hora da prece, seguimos para o local indicado, a
Praça da República. As músicas me emocionaram bastante;
muitas delas eram orquestradas, mas quando tocou "Brasil,
Pátria do Evangelho", o meu corpo balançou de emoção. Brasil,
Brasil querido, estás guardado no coração de Jesus. A praça já
estava quase repleta. Fiquei observando o velho edifício, cuja
construção é belíssima. À sua frente, em tamanho natural,
erguiam-se estátuas de grandes vultos da nossa História. À
medida que as músicas eram cantadas, as estátuas iam
recebendo uma chuva de flores. No chão, adornado com a flor
amor-perfeito, lia-se: "Sete de Setembro".
Eu vivia uma emoção incalculável. Estávamos ali, orando pelo
Brasil. Ainda procurei as estátuas dos grandes patriotas e a
figura de Tiradentes me emocionou profundamente, não só a
dele, mas também a de D. Pedro II, o querido Imperador do
Brasil. Alisei esta última estátua e falei:
—O Brasil lhe pertence, Velho Patriota, estaremos orando para
que o pavilhão nacional lhe volte às mãos, e gritei: liberdade,
liberdade, Pátria amada.
Nisso, pararam as músicas e um clarim tocou, emocionando a
todos. Uma claridade se fez na estátua de D. Pedro II e depois
percorreu outras figuras, que estão cumprindo suas tarefas
reencarnatórias; alguns políticos brasileiros, que ontem
compuseram a História, hoje labutam nos meios políticos,
acertando e errando, mas recebendo do Mais Alto vibrações de
amor.
A voz de Ismael se fez ouvir:
—Sejamos benditos, filhos do Nosso Pai. Sejamos dignos
irmãos, respeitando a terra-mãe, como Jesus. O domínio sobre
um país está nas mãos de Deus, e é Ele que a seu tempo
suscitará um governador útil {Eclesiástico, Cap. X, v.4); Não há
coisa mais injusta do que amar o dinheiro porque um tal homem
vende até sua mesma alma, pois que se despojou em vida das
próprias entranhas {Eclesiástico, Cap. X, v. 10); Deus destruiu o
trono dos príncipes soberbos e em seu lugar colocou os humildes
{Eclesiástico, Cap. X, v.17). Quanta grandeza encontramos nas
Escrituras! Nelas está contido o chamado do homem ao dever. Se
ele ouvisse as palavras de Deus, hoje a Terra não estaria vivendo
243
época tão violenta, onde irmãos matam sem piedade uns aos
outros, onde as guerras fazem vítimas, tudo porque o homem
ainda desconhece Deus. E Ele, por amor à Sua família, perdoa,
ofertando oportunidades de regeneração. Mesmo assim, o ódio, a
injustiça, a pobreza, a fome, as doenças, os vícios e os crimes se
alastram, contaminando o chão e fazendo nascer a dor e o
desespero. Nós precisamos vibrar pelo Planeta, para que nele
reine a paz, não esquecendo que em cada ponto existe uma
bandeira demarcando um país, e a do Brasil está brilhando de
luz, as suas cores se destacam, simbolizando as riquezas do seu
solo; mas ao buscar a ordem e o progresso percebemos que eles
quase se apagam diante do fanatismo de alguns irmãos que,
negligenciando o patriotismo, jogam deslealmente com os seus
compatriotas, sem lembrar que pátria feliz é aquela onde todos
vivem em paz. Estamos apreensivos, o País caminha para
algumas reformas; queira Deus que sejam elas previstas por Ele;
que o homem não atrase o crescimento do País; que nós, que nos
propusemos a ajudar o Senhor na transformação da Terra,
estejamos aptos a agir sem preferências partidárias, apenas
cumprindo com o dever de brasileiros, que desejam que o País
seja o Coração do mundo. Temos de orar muito para que a nossa
Pátria não se vista de negro para ocultar as deformações das
injustiças. O plano de Deus um dia se fará, e queira Ele que
ninguém tenha retardado esse momento, pois sentirá o ranger de
dentes por ter feito um borrão nas páginas da História.

Defrontamo-nos com momentos difíceis, quando as nossas


Casas religiosas têm por obrigação fazer brilhar a espada de
Jesus, recordando a cada mortal que a pátria é a universal, que
nós somos apenas soldados alojados no batalhão brasileiro; cabe
a nós defender os projetos divinos referentes ao crescimento do
Brasil. Unidos estaremos, junto aos políticos, orientando-os para
que sejam mais patriotas e que a verdade faça brilhar na
bandeira uma bela canção de esperança. O País há muito vem
sendo preparado, mas o homem orgulhoso esmaga as sementes
da paz, que abnegados Ministros de Deus tentam germinar
nessas terras. Não podemos forçar o homem a aceitar a glória,
244
mas como fiéis discípulos de Jesus, devemos incentivá-lo a
cultivar na terra o Seu Evangelho de paz. O poder é uma tiara
dourada, cuja luz cega o homem sem humildade, fazendo-o presa
fácil e o levando a cometer injustiça sobre injustiça. Mas nós, os
servos de Deus, temos de acreditar nos homens e no seu amor à
Pátria, pois sabemos que receberam do Governador a
incumbência de tomá-la Pátria Universal. Se hoje os vícios, a
imoralidade, a maldade, o orgulho crescem diante dos nossos
olhos, também vemos Jesus fazendo descer sobre o Brasil a Sua
falange de luz. O tempo para nós não conta, só esperamos que os
brasileiros se conscientizem na boa escolha, porque o plano de
Deus é imutável. Quem, por direito, receber a incumbência de
dar à Pátria o que ela há tanto espera, que essas mãos
iluminadas levantem o gigante adormecido, que vem a ser as
reservas ecológicas brasileiras, escondidas no solo pátrio à espera
de quem possa fazê-las progredir. Neste instante, a paz entre os
irmãos é a nossa meta de trabalho. Conscientizaremos o povo a
amar a liberdade, mas a liberdade ofertada por Deus. Bem-
aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do
Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida, e possam
entrar ha cidade pelas portas. Ficarão de fora os cães e os
feiticeiros, e os que se prostituem, e os homicidas, e os idolatras,
e qualquer que ama e comete a mentira (Apocalipse, Cap. XXJJ,
w. 14 e 15). Sabemos nós que a luta é grande, mas Jesus estará
junto à Humanidade tudo fazendo pela transformação da Terra.
Não podemos deixar de mencionar os versículos 19 e 20
constantes do Capítulo XIX do Apocalipse: Eu vi a besta, e os reis
da terra, e os seus exércitos reunidos, para fazerem guerra
àquele que estava assentado sobre o cavalo, e ao seu exército.
E a besta foi presa, e com ela o falso profeta, que diante dela
fizera os sinais, com que enganou os que receberam o sinal da
besta, e adoraram a sua imagem... Jesus é o cavaleiro da paz; se
alguém, não obstante as dores e as predições, quiser continuar
no mal, que continue. Deus o deixa agir, mas o desespero será
terrível. O plano, de Deus não se deterá diante da conduta do
homem, seja ele quem for. Serão afastados todos aqueles que, de
alguma forma, tiverem agido contra a lei divina, para os quais
não haverá prêmio e gozo, pois serão lançados na segunda morte,
na infelicidade, pelo remorso de não ter escolhido o caminho da
redenção. Deus nos ofertou a glória do trabalho, e Jesus nos
ensinou como orar. Nesta Colônia protetora do Brasil, nós todos
245
pedimos ao Senhor que a Pátria só irradie fluidos benéficos para
outras pátrias irmãs; que do seu solo abençoado possa surgir o
abastecimento mundial; que Jesus, no Seu cavalo branco
irradiando luz, possa nos ajudar a levar ao homem a certeza de
que os bens temporais e o poder se dissipam com o tempo, mas a
dignidade do ser cresce à medida que ele se toma humilde.
Oremos pela paz mundial e pelo crescimento evangélico do Brasil,
para que todo o seu povo expulse a besta do Apocalipse,
conscientizando-se de que só o Cristo é a salvação.
Quando a voz de Ismael silenciou, cantamos todos esta canção:

"Brasil, terra amada,


Coração do mundo
Ainda não explorado
Por um amor profundo.

Brasil, Pátria do Evangelho,


Acreditamos em ti,
O pavilhão verde amarelo
Ao teu povo sorri.

Das tuas matas hospitaleiras


Vemos surgir a esperança
Bendita terra brasileira
Um dia a paz te alcança.

E agora, Cristo Senhor,


Ensina-nos a trabalhar
Nestas belas paisagens
Sê uma bandeira no ar.

Celeiro da humanidade,
Tuas fontes cintilantes
Banham as tuas cidades
Dessedentando o viajante.

Pátria amada,
Gentil mãe,
246
Serás logo respeitada,
És uma grande nação.

Todos na praça ainda permaneceram imóveis, orando muito


pela paz mundial e pela transformação do Brasil, não uma
transformação dura, mas uma transformação divina; todos nós
oramos para que o plano de Deus se concretize. Se nós
preferirmos Barrabás, existirá sobre a nossa Pátria muita
lágrima.
E assim a praça se esvaziou.
—E agora, amigo, para onde vamos? Perguntei ao Enoque.
Ele me sorriu.
—Como está-se sentindo?
—Não existe no meu vocabulário uma palavra que signifique o
agradecimento por tudo o que venho recebendo de Deus. Só
espero ser digno de tanta bondade.
És uma grande Nação.
Jesus, o Governador, Nós, os vassalos submissos, Ele é o nosso
Senhor Dando-nos sempre serviço.
—O que achou de Ismael?
—Confesso que sua luz me cegou; não o vi claramente,
somente o escutei. Também, não fiz força. Senti-me um verme
diante de tanto esplendor.
Assim, fomos andando até uma outra ala da Colônia, e lá
fomos muito bem recebidos pelo nosso Kacá, muito conhecido
através dos livros espíritas.
—O senhor acredita mesmo que o Brasil será uma grande
nação? Indaguei.
—Sim, no dia em que desencarnarem todos os maus
brasileiros.
Conversando, ele nos levou até um auditório, onde uma figura
brasileira muito querida ia iniciar uma palestra e, sabendo Kacá
que nós gostamos muito dele, para lá nos encaminhou. Eu
esperava ansiosamente por sua presença e, no momento
determinado, ele apareceu.
—Queridos amigos. Quando o meu nome surgiu neste painel,
voltou-me à lembrança o passado de lutas, e acreditei que Deus é
que escreve a verdadeira história do homem, pois só Ele conhece
o seu interior. Sou um homem que lutou por um ideal e que
contou com grandes amigos. Como cidadão, brasileiro e homem
público, acreditei na justiça de Deus, na intimidade de minha fé.
247
Graças a ela hoje aqui me encontro na Colônia dos Velhos
Patriotas, ainda lutando por minha Pátria. Guardo na lembrança
a força do homem, obra divina, quando precisei de seus braços
para concretizar um sonho. As vezes, o travesseiro era o único
companheiro das minhas noites de insônia, dado o acúmulo de
preocupações. Porém, ao presenciar a luta do homem levando o
progresso até o chão ressequido, sentia que Deus reservara um
plano para mim e que eu precisava realizá-lo, mesmo contra a
vontade de inúmeras pessoas. As vitórias foram maiores do que
os ataques, e vimos surgir no Planalto Central, Brasília, a capital
do Brasil.
Os radicais, porém, ainda insistiam em manter acesa uma
chama que já não resplandecia, mas apenas bruxuleava. Não
aceitavam o progresso do Brasil. Ao fechar o grande portão de
ferro do Palácio do Catete, vimos também fechar um trecho da
história da pátria e viramos a página da História do Brasil. Hoje,
quando ainda nos defrontamos com a dureza do coração
humano, fico preocupado com o País. Mesmo que ele permaneça
firme, como gigante que é, os homens têm como dever não passar
por ele em vão. O povo espera por dias melhores e um homem
público não pode decepcionar o povo, principalmente se esse
mesmo povo depositou nele as suas esperanças. O poder muitas
vezes tolhe a liberdade do político, mas ele, quando possui a
nação plasmada em seu espírito, voa até os seus patrícios, não
importando quem seja, apenas estendendo a mão num gesto de
patriotismo. É decepcionante ver um homem que convidado foi a
servir à sua pátria fracassar por incompetência.
Na Colônia dos Velhos Patriotas reencontramos vários amigos e
companheiros de ideal, mas também nos defrontamos com
ferrenhos adversários que hoje, longe da matéria física, ainda
guardam na lembrança as injustiças do ataque, por não
comungarem dos nossos ideais. Mesmo assim, unidos estamos
por um só objetivo: o crescimento espiritual do nosso País.
Esperamos que cada brasileiro no dia quinze de novembro, ao
marcar o "x" na cédula, o faça consciente de que não só está
cumprindo com um dever cívico como, antes de tudo, cooperando
para a liberdade, a paz e a prosperidade do Pai s. Não venha o
homem encarnado a colocar sobre os próprios ombros a cruz
pesada do remorso; a escolha se fará, e esta Colônia ora para que
todos os eleitores, políticos, governantes, tenham, acima de tudo,
amor ao Brasil. Que os falsos políticos não possuam o
248
comportamento do mata-pau, sugando a nação, tirando-lhe o
viço da prosperidade. Ao assumir um cargo público, deve o
homem ter em mente, antes de mais nada, desarmar os espíritos,
de forma a poder assegurar um clima de integral liberdade para
todos, liberdade esta que deve ser capaz de constituir a súmula
dos ideais humanos. Um país não pode ser livre com uma
população faminta, doente e vítima do desespero. Um país só é
verdadeiramente rico e livre se o seu povo for feliz, e o Brasil,
sendo o escolhido, tem de tudo para alçar voo, só precisando,
para isso, que os parasitas o deixem livre.
Aproximam-se as eleições e desta Colônia espiritual partem
caravanas de socorro, tendo Ismael como guia. Sabemos do
entusiasmo pelo pleito, pois todos esperam ardentemente por
isso, quando a vontade do povo irá ser manifestada livremente, e
que os eleitos, quer da direita, do centro ou da esquerda, serão
empossados. Queira Deus que as esperanças do povo
transformem-se, de fato, em realidade. Entretanto, as massas
estão politizadas, mas precisando ainda ser educadas para a
compreensão da realidade nacional. Aceitam muitos, com
ingenuidade, a argumentação capciosa: casa própria para todos,
maior salário-mínimo, reforma agrária, restrições ao capital
estrangeiro. A massa ainda acredita nas promessas e isso nos
preocupa, porque o eleitor não busca o homem, a sua bagagem
política, o seu caráter, mas temos fé de que o povo sofrido sorrirá,
que os hospitais não terão fdas, que as marquises não serão o lar
das crianças carentes, que a fome se distanciará do nosso povo,
que em cada coração brasileiro brilhará a luz da felicidade.
Para isso estamos trabalhando, e acreditamos que Deus irá
nos ajudar, confiante de que a Pátria do Evangelho surgirá das
terras brasileiras. Acreditamos que o povo saberá escolher. O
País espera pela participação de cada brasileiro. Daqui diviso a
capital do País. Brasília é uma cidade diferente, edificada num
cenário que lembra a paisagem espiritual, digna portanto da
audácia dos seus arquitetos, dos candangos, enfim, dos seus
construtores. Brasília é um cântico de amor; nela, tudo se
transforma em alvorada e, de braços abertos, ela espera o futuro.
Estamos em setembro, louvando a data nacional e recordando de
muitas outras em que o pavilhão nacional era beijado pela brisa
da capital do País. Criança ainda, Brasília viveu a emoção de
receber um presidente eleito pelo povo e, menina ainda, apenas
engatinhando, foi palco de fatos que ficaram gravados em sua
249
História. O mês de setembro é muito marcante em minha vi da,
devido ao meu nascimento, as datas como a de dezoito e trinta de
setembro e muitas outras hoje estão vivas em minhas
lembranças. Brasília foi crescendo, crescendo, crescendo. Hoje já
é uma mulher independente e livre e logo irá abrigar o escolhido
do povo, queira Deus seja d'Ele também. E que todos nós
estejamos segurando bem forte a bandeira de Ismael para que
possa operar na nossa terra levando sempre a paz.
Tenho fé nos meus patrícios como um dia tive fé em mim
mesmo, quando cheguei a bordo de um DC-3, desembarquei no
chão vazio — o Planalto Central — e construí no cerrado a capital
do Brasil. No dia vinte e um de abril de mil novecentos e sessenta
— três anos e cinco meses depois, a cidade estava inaugurada. O
novo Presidente do País não vai encontrar as dificuldades de
ontem, a poeira não castiga mais as ruas todas asfaltadas, hoje
Brasília é uma bela e fulgurante realidade. Queira Deus continue
pura e nada venha a destruir sua beleza. Que dos seus
Ministérios possam sair as decisões mais acertadas e jamais em
um deles seja praticada uma injustiça sequer. Seja quem for o
eleito, estamos vibrando pela paz do Brasil, pedindo a Deus que
esse escolhido mantenha coesa a unidade nacional. Agradeço do
fundo do coração a todos os trabalhadores brasileiros de todas as
categorias, às quais me sinto indissoluvelmente ligado. Estarei
sempre ao lado de cada um deles, participando das suas alegrias
e das suas lidas, orando pelas suas vitórias. Um abraço a todos
os patriotas que aqui se encontram e que a vibração divina
chegue até o plano físico.
O meu eterno agradecimento ao nosso povo simples e bondoso,
que sempre se recorda deste servo de Jesus com saudade e
respeito. Um candango.
Naquela praça, a voz de um grande homem dava a todos nós
uma bela demonstração de amor. Desejei falar-lhe, mas nesses
momentos toma-se difícil. Como você pode notar, leitor amigo, os
patriotas estão atentos aos últimos acontecimentos e torcendo
pela paz do País. Acerquei-me de Enoque e disse:
—Obrigado, muito obrigado por ter-me trazido aqui; da
primeira vez que aqui vim, nem imaginei que esta Colônia fosse
um ministério da defesa brasileira. Gostaria de conhecê-la
melhor.

250
E assim, fomos visitando tudo: prédios imensos, bosques,
praças, biblioteca, galeria, enfim, percorremos o belo lugar. Sadu
perguntou ao nosso cicerone:
—O que são aqueles edifícios? Parecem quartéis.
—E são mesmo quartéis.
—O quê? Quartéis? indaguei.
—Sim, sem fardas e sem armas.
—Então o militar que desencarna vem para cá?
—Sim, aqueles que não traíram a Pátria e não foram contra as
leis de Deus. Somente os simples e bons desembarcam nesta
Colônia. Aqui são alojados todos os que na terra lutaram em
defesa da Pátria. Só vêm trabalhar aqueles que vestiram a túnica
da humildade. Todos os países possuem a sua guarda espiritual.
Graças a ela, o nosso País vive em paz, e queira Deus que os
brasileiros continuem pacíficos.
—E mesmo, nem pensei nisso, se existe o departamento da
arte, havia de ter o da defesa também.
Parei, emocionado, diante da bandeira da paz, coloquei a mão
no peito e cantei o Hino Nacional. Quando parei, todos choravam
de emoção, pois as flores do jardim em forma da bandeira
nacional recebiam uma vibrante luz amarela em espetáculo
radioso.
É uma bela Colônia e muito simpática para todos nós. Sara
perguntou:
—Os maus políticos e militares voltam para casa?
—Não. Quem não exerce bem sua profissão, ao rasgar a
carteira de identidade do plano físico, também perde o emprego.
Quem não dignificar a sua profissão perde-lá-a, e não é fácil
retomar para nós.
—É muito justo, respondi.
Assim, fomos saindo dali. Enoque e Samita dirigiram-se ao
Templo da Paz, de onde receberam as elucidações de Ismael,
agradecendo a nossa estada ali. Ficamos na Praça da República,
e não sei por que senti um amor imenso por D. Pedro n, e pensei:
"ninguém tira do homem o que de fato lhe pertence". Em seguida,
Enoque e Samita juntaram-se a nós e assim ganhamos as
alamedas daquele belo lugar. Quando ultrapassamos o portão,
perguntei:
—Para onde vamos agora?
—Para casa.
—Verdade?
251
—Sim. Só precisamos reencontrar os outros.
—E mesmo, pena que a Lílian não pôde vir, mas um dia ela
chega lá
Passamos pelo posto trinta e dois e lá tomamos passes e
reencontramos Palário (3), que me perguntou:
—Como foi o aprendizado?
—Meu Deus, nem tenho palavras para agradecer. Diga, por
favor, a todos os encarregados do meu crescimento espiritual que
lhes sou grato, muito grato, por tudo, t que estarei esperando por
novos trabalhos.
—E isso, Luiz Sérgio. O servidor é aquele que se mantém
sempre vigilante ao chamado. Agora vamos até a Faculdade de
Maria
E assim o fizemos. Logo estávamos no belo anfiteatro da
Faculdade, onde a música tocava serenamente. O perfume de
jasmim era o mesmo de sempre. Voltei a olhar as paredes, elas
me pareceram fluí dicas, a tonalidade azul celeste estava ainda
mais transparente. A cadeira duzentos e trinta e três me abrigou
novamente, agora estava mais tranqüilo e ela não me rejeitou.
Sentei-me e orei baixinho, depois olhei todas aquelas fisionomias
e adorei os meus companheiros, que lutam no mundo espiritual
por uma terra renovada, e dei graças a Deus por ter escutado o
chamado. Sorria para Enoque, Samita, Karina, Sadu, Lílian e
Damian, enfim, para todos eles, quando Lourival deu entrada no
palco, dizendo:

(3) N.E. — Ver O Vôo Mais Alto, T livro da Série Luiz Sérgio.

—Deus seja louvado, irmãos. Agradeçamos a Ele toda a


proteção ao nosso trabalho e que novas responsabilidades nos
chamem. Podemos pensar que, por mais que trabalhemos, não
conseguiremos deter a droga, mas, antes de tudo, devemos dar
graças por estarmos tentando detê-la. Fizemos uma longa e
proveitosa viagem e não só constatamos que hoje o vício toma
conta da sociedade, como nos defrontamos com todos os seus
problemas. Conhecemos as cidades trevosas, as organizações, o
mundo físico cooperando com elas; a criança sendo mal educada,
a prostituição, a falta de amor. Defrontamo-nos também com a
responsabilidade de cada espírito com o país onde nasce.
Sabemos hoje que driblar a dor é buscar na mentira a arma para
252
afastar-se dela, arma muito perigosa, pois ela se volta sempre
contra o próprio dono. Na terra, o homem tenta driblar tudo, só
não consegue driblar a consciência. Agradecemos a todas as
equipes de trabalho e pedimos ao Senhor sucesso sempre,
esperando que no retomo de vocês ao plano físico as condições já
estejam melhores. Muita paz.
Terminada a palestra, caminhei até o pátio, onde muita gente
cantava e tocava violão; era setembro, as flores perfumavam o
meu caminho e continuei, devagar, recitando o Salmo LXX, v. 15
a 18:
Minha boca anunciará a tua justiça e todo o dia publicará a
tua Salvação. Visto que ainda não conheço toda a ciência.
Ensinaste-me, oh Deus, desde a minha mocidade e eu anunciarei
as tuas maravilhas agora e até a velhice e os cabelos brancos.
Não me deixes até que eu anuncie o teu braço a todas as
gerações, o teu poder e a tua justiça a todo aquele que há de vir.
É isso, amigo, aqui vou ficando, na certeza de que logo
voltaremos a estar juntos e, queira o Senhor, com melhores
notícias das que lhe transmiti neste pequeno livro, feito com a
alma e o coração repletos dos meus sonhos e das minhas
vitórias.
Um abraço do irmão em Cristo,
Luiz Sérgio

253

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