Abdala - Arcadismo

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Historia Social da

Literatura Portuguesa
MARIA
R O S A M Y S T I C A.

COM FEND1ADAS
EM TRINTA M U M M aKCrROI, F. PANtGYItfCOS,
í«b»oido«i£Hn<;clli«dd)> Solcnu.dirk,Nivo,JiAníig»:

A' SOBERANA MAGESTADE DA MESMA


SENHORA,
Pslo P. A N T O N I O VIEIRA,
0*C»MPAHHlA DE JESU, EM CUMPRIMENTO

M A X U E L MAKIAIÍARHOZA

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VICTOR HUGO A CAMÕES

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Sugestões para leitura
Em "O Clássico e o Barroco" [Os sermões de padre Antonio Vieira.
4 Stfrcadsmo ou
São Paulo, Melhoramentos, 1963, p. 10-24), o organizador Jamil Almansur
HADAD apresenta um estudo sobre as raízes clássicas de Padre Antonio yfooclõsácismo
Vieira, sob o ângulo do ensaísta brasileiro. Em "Antonio Vieira e o 'usar bem
o jogo'" (Colóquio/Letras, Lisboa, n? 4, dez. 1971, p. 5-17), de Affonso
Á V I L A , encontra-se um estudo sobre o Sermão da Sexagésima: a linguagem
(1756-1825)
e jogos ambíguos, o estilo "ornado", revelam a vinculação da linguagem lite-
rária ao momento histórico.
"Pavorosa Ilusão da Eternidade
Temor dos vivos, cárcere dos mortos.
De almas vãs sonho vão chamado Inferno;
Sistema de política opressora;
Síntese Barroco Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade. . ."

1. Portugal sob domínio da Espanha: fracasso económico, Contra-Reforma, ( B O C A G E - Espístola a Marília)

estagnação cultural, recrudescimento da Inquisição, Sebastianismo e patrio-


tismo: Restauração. . 1 Panorama da época

2. Barroco e suas relações históricas A Europa do século X V I I I está muito além de Portugal, apesar desse
país procurar seguir alguns de seus passos.
3. Características do movimento
Na Inglaterra do século X V I I , a burguesia assumiu o poder (na França
• Dualismo: razão e emoção
isso ocorrerá só em 1789) e no século seguinte esse país vive a Revolução
• Medievalismo e renascimento Industrial e a ascensão do capitalismo.
• Conceptismo e cultismo O desenvolvimento das técnicas de produção acarretou I grande evo-
lução das ciências naturais: para expandir a produção era preciso conhecer
4. Principais autores as propriedades da matéria. O conhecimento da realidade a partir do método
Sermões experimental e analítico acaba por influenciar as ciências humanas.
Cartas
Filósofos passam a acreditar que a razão é a única fonte de conheci-
! Obras proféticas mento da natureza e da vida em sociedade. Portanto, a religião e a Igreja são
• Maior prosador barroco vistas como instrumento de ignorância e tirania. O conhecimento e o do-
• Autor luso-brasileiro mínio da natureza eram as condições básicas da liberdade.
• Conceptista Logo, cientistas e filósofos não aceitam, no plano político, o Estado
• Religioso, político e profético absolutista e suas instituições. São contra a constante intervenção do poder
real na economia, pois isso limitava o direito da propriedade.
Outros autores
Iluminismo é o nome que se dá a esse movimento dc renovação inte-
- D. Francisco Manuel de Melo
lectual iniciado na Inglaterra e que chega ao apogeu na França da Revolução.
Os historiadores de Alcobaça
O Iluminismo é a ideologia da burguesia em ascensão e que surgiu das
• Fei Luís de Sousa transformações económicas, políticas e sociais europeias. Na medida em que
• Soror Mariana Alcoforado criticava o Estado Absolutista e a política económica do mercantilismo,
• Antônio José da Silva o Iluminismo preconizava a igualdade de poderes e a liberdade de proprie-
Pooniii Hurroca. Surgimento de Academias dade.

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Nu França, aparece a "Enciclopédia das Ciências, das Artes e dos Esse período começou em Portugal, a partir de 1755, com o reinado
Ofícios" (1751), dirigida por Diderot e D'Alembert, com colaboradores de D. José (1750-1777). Seu grande criador foi Marquês de Pombal que,
como Voltaire e Rousseau. A organização da enciclopédia representou uma em parte, adotou teorias de alguns pedagogos e portugueses que tinham
tentativa de sistematizar todo o conhecimento humano, disponível até vivido no estrangeiro (pejorativamente chamados os "estrangeirados"): Luís
então. Antônio Verney (1718-1792), Ribeiro Sanches (1699-1783), colaborador
Voltaire (1694-1778), um dos grandes pensadores do Iluminismo, da Enciclopédia de d'Alembert, entre outros.'
preocupou-se fundamentalmente com questões políticas e sociais. Criticou No direito, o fundamento político dos estados ilustrados, ou ilumi-
a Igreja Católica e as relações de servidão. Partidário das liberdades indivi- nados, era a razão. A lei de 1790, unificando a jurisdição em todo o país,
duais, preconizava a ascensão de um soberano esclarecido (e não de uma constitui um novo passo no sentido de abolir os privilégios feudais e de
revolução social). impor a todos a autoridade única da Coroa.
Além do direito, o Iluminismo desempenhou um papel decisivo na
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), na obra Da origem da desigual-
cultura em geral e em particular na educação regular. O atraso do sistema de
dade, achava que a propriedade privada era um mal inevitável. Acreditava
ensino português era grande. O Estado despótico adota a política da inter-
na possibilidade de limitar grandes propriedades e com isso defendia os
venção direta no ensino e no sistema cultural mediante a censura estatal
pequenos proprietários. Na obra O contrato social, defende o ideal demo- (a censura religiosa é substituída pela Real Mesa Censória, de 1768). O
crático de que o soberano deve ser a vontade geral. Esse ideal foi seguido ensino jesuítico é proibido e substituído por uma educação renovada e mais
por Robespierre, um dos líderes da Revolução Francesa. progressiva.
Nessa época surge o liberalismo económico: Adam Smith, em A Verney, com o seu Verdadeiro método de estudar (1746), cobre todos
riqueza das nações, achava que o Estado não deveria interferir na vida eco- os campos da educação. As reformas educacionais implicam nos conheci-
nómica. A burguesia, já fortalecida pela exploração colonial e pelos mono- mentos da escrita, línguas, retórica, aritmética, humanidades (retórica,
pólios comerciais, não mais precisava do apoio do Estado Absolutista. Esse poesia e história), ciências (aritmética, geometria, álgebra, ótica etc), dança,
passava a ser um entrave ao crescimento natural dos capitais e ao modo de esporte. A Universidade de Évora, cujos proprietários eram jesuítas, foi
produção capitalista. extinta.
Certos de que o trabalho é que constitui a verdadeira fonte de riqueza, Em Lisboa surge uma Escola de Comércio para os jovens burgueses.
reivindicam a liberdade de uma economia fundamentada na oferta e procura Em 1768 estava criada a imprensa régia.
(produção e consumo). Na ciência, o movimento foi mais modesto mas não menos impor-
Na Inglaterra, o desenvolvimento do modo de produção capitalista, tante: as ciências matemáticas e físicas e naturais despertam grande inte-
fundamentado na grande indústria e na exploração do trabalho assalariado, resse, e os livros são traduzidos, ou adaptados, de manuais estrangeiros.
necessitava de amplos mercados produtores e consumidores. Isso entra em Surge, como reflexo das luzes e do racionalismo, uma nova Lisboa:
conflito com o monopólio comercial das metrópoles sobre as colónias. metade da cidade foi destruída por um terremoto (1755). Caíram em
Foi um século de revoluções, de lutas e independência de colónias. ruínas o palácio real, igrejas, hospital, ópera, ruas e bairros opulentos. O
Foi um século em que se presenciou em Portugal (como na Europa) o futuro Marquês de Pombal, ao invés de reedificar a cidade a partir do
Despotismo Esclarecido, cujo mentor na filosofia foi Voltaire. traçado anterior, manda destruir as ruínas e decide que fosse levantada uma
cidade "esclarecida": racionalmente planejada e edificada, com ruas, praças
e casas traçadas à régua e compasso.
.2 O Iluminismo em Portugal
Enquanto a nova Lisboa revela a ideologia racional dos iluministas, há
em Portugal a convivência com o estilo tenso do Barroco: o ouro que ia
O Absolutismo tradicional proclamava a subordinação do monarca às do Brasil para Portugal e o vinho exportado para Inglaterra trouxeram pros-
leis de Deus (leis interpretadas pela Igreja, evidentemente), aos costumes peridade ao reino, acarretando a construção de mansões aristocráticas que
do país e às leis que o rei (e seus antecedentes) promulgava para a nação. seguiam as formas tradicionais do Barroco.
Em oposição, o Despotismo Esclarecido entendia que as leis (de Deus, A renovação cultural que se processa acarreta também a substituição
as naturais e da nação) deveriam ser interpretadas pelo soberano. Dessa da influência espanhola pelas influências francesa, italiana, inglesa e alemã.
maneira, o despotismo "das Luzes", tende a nivelar todas as classes sociais Muito antes de 1640, a Espanha era inimiga de Portugal. Até os fins
perante o poder real, abolir os privilégios baseados na hereditariedade, do século X V I I a Espanha ocupava, entre os países dirigentes da Europa,
tnullçflo ctc. um papel importante no ramo do saber. No século X V I I I não bastava con-

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Pombal estimula a atividade manufatureira, reforça o poder mercantil
sldera-lu inimiga política. Muito mais do que isso, a estagnação da Espanha
e o monopólio colonial. O Estado torna-se o grande agente do desenvolvi-
ohtgiva B significar um obstáculo situado entre Portugal e o restante da
mento económico com a fundação das companhias de comércio e tendo,
Buropt. A língua espanhola deixa de ser a segunda língua do país, a favor
sob seu controle, a vida económica nacional.
do francês.
Libertar a educação do controle da Igreja baseia-se no princípio ilumi-
As gramáticas do italiano, inglês e francês começam a aparecer e natu- nista de que a razão é fonte do conhecimento. A expulsão dos jesuítas
ralmente obras literárias são traduzidas. Peças de teatro de franceses e de Portugal e das colónias implica entregar a escola a um poder público
italianos vêm rejeitar o tradicional teatro espanhol, que passa a ser visto organizado. A "caridade religiosa" que consistia também em educar é
como antiquado e de mau gosto. O latim, como consequência do declínio substituída por uma educação sistematizada.
da Igreja, também declina. A perseguição aos jesuítas também pode ser explicada como uma
Multiplicam-se as Academias. As primeiras, da época barroca, tinham forma de garantia do fortalecimento do poder real (da mesma forma como
um papel conservador: encomiásticas, reuniam aristocratas e representavam Pombal perseguiu a nobreza), afinal, por mais distante da realidade e das
a ideologia desse grupo. necessidades sociais em que viviam os jesuítas, eles já estavam inseridos no
No século X V I I I elas ganham um novo sentido, o sentido da Ilus- contexto histórico português.
tração. Em 1720, D. João V instituiu a Academia Real da História, seguindo Com a morte de D. José (1777) e a saída de Pombal, ficou evidente
os exemplos das academias reais da França e Itália, mas original porque essa que o país havia mudado na superfície, apenas. As mudanças não atingiram
se especializa no estudo da História. A importância dessa academia reside a estrutura da velha sociedade portuguesa. A velha aristocracia retorna à
no fato de ter sido concedida a ela uma imprensa própria e também a corte (chega a ser compensada pelas perseguições do período pombalino).
isenção da censura régia. E mesmo o fato de metade de seus membros não A rainha viúva, D. Maria I , tem sua loucura reconhecida oficialmente só
pertencerem à ordem clerical, significou o surto de uma "intelligentzia" em 1795, quando é substituída pelo príncipe regente, o futuro D. João V I .
laica. A Inglaterra domina a diplomacia e portos portugueses impedindo
Outra importante academia foi a Arcádia Lusitana (1756 a 1774) fun- que as ideias revolucionárias dos Estados Unidos cheguem a Portugal.
dada segundo o modelo da Academia dell'Arcadia italiana. De iniciativa As reformas pombalinas são anuladas: jesuítas voltam a ensinar; agi-
particular e não régia, ela reunia burgueses que se dedicavam à literatura: ganta-se a aversão da velha aristocracia pelos homens cultos (os iluministas)
pela organização igualitária, filia-se ao ideal democrático; com presidente adeptos de Pombal; há repressão violenta contra a maçonaria. D. Maria
eleito e pastores com nornes fictícios tentam demonstrar a renúncia ao seu participa da Aliança contra a França revolucionária, e o Estado Português
"status" social. Com sua fundação, marca-se o início de uma nova época é abalado mais ainda pelos gastos com o exercito português.
literária, um novo gosto estético ligado ao racionalismo das luzes. Simulta- Enquanto Portugal luta contra a França, corsários franceses saqueiam
neamente a isso, são feitos, tardiamente, os cancioneiros barrocos - Fênix navios portugueses; a corte está mergulhada em diversões fúteis (porém
Renascida e Postilhão de Apolo - que registram os momentos barrocos. caras); a Marinha suga fortunas para sua manutenção; o ouro brasileiro
esgota e o povo vive numa miséria contrastante.
É uma época em que talentos artísticos e musicais surgem em espe- A Paris revolucionária dava o golpe definitivo na monarquia absoluta
táculos coletivos favorecidos por salões aristocráticos, "picnics", teatros e iniciava o poder burguês. Porém, em Portugal, Pina Manique (1733-1805)
de bairros populares, festas de jardim, sem comentarmos o papel dos bote- torna-se o grande senhor do reinado de D. Maria I : como intendente-geral
quins onde se reuniam músicos e amadores da literatura. da polícia, desenvolveu uma forte e intensa repressão às pessoas e ideias que
A fundação da Academia Real das Ciências (1779) foi importantís- sugerissem identidade com a França. Proibiu a circulação de livros consi-
sima, pois um de seus objetivos consistia em relacionar o ensino universitário derados perigosos, perseguiu e castigou os que pensavam diferente da ordem
ao desenvolvimento da investigação económica e científica. oficial. Escritores, poetas, sábios e artistas foram exilados, e Portugal mais
Marquês de Pombal, ministro do rei D. José, realizou uma série de uma vez foi mergulhado pelo obscurantismo repressor.
reformas na administração do Estado, na educação e na economia, inspi- Nesse ambiente ilustrado e antiilustrado, desenvolveu-se o Arcadismo
rado na filosofia iluminista e na política económica do mercantilismo. português.
A utilização dos princípios filosóficos dos ilustrados nessas reformas
visavam a impedir o surgimento de uma revolução social que pusesse fim .3 Características do Arcadismo
ao poder absoluto dos soberanos e às relações servis de produção. É por isso
que Pombal procura desenvolver a administração estatal, com a finalidade Vimos que o Renascimento foi um período artístico que compreen-
de tomar mais eficiente a intervenção do Estado na economia. deu uma nova visão de mundo, fundamentada na razão e na experiência.

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dade está no reencontro do Homem com a Natureza (preceito horaciano do
ii.i valorização do homem: expressão de uma nova fase histórica, em que a "fugere urbem").
burguesia ascendeu como poder económico, em que as descobertas vieram O pastoralismo árcade se desenvolve, portanto, estreitamente ligado
«.lar fim ao enclausuramento de um sistema de vida feudal. ao desenvolvimento da cultura urbana. A oposição campo-cidade (que
O Barroco, natural evolução do Renascimento e de uma consciência sempre existiu na história de Portugal, como decorrência de uma organi-
já desencantada, acaba por tentar a conciliação dos valores antagónicos: zação económica dividida entre desenvolvimento do comércio citadino e o
os novos (renascentistas) e os velhos, de origem medieval. É o conflito entre obstáculo feudal centralizado na zona rural) é enriquecida no século X V I I I :
a ideologia burguesa e feudal, entre a Reforma e a Contra-Reforma. o burguês anseia o ambiente natural (que está nas mãos dos nobres), como
O Arcadismo é a expressão, na literatura, do momento ideológico que sendo o reino da simplicidade.
se impõe no meio do século X V I I I : representa a crítica da burguesia culta O Homem espontâneo e natural é capaz de chegar à Verdade e à
ao modo de vida simbolizado pela nobreza e clero. Beleza. E a Razão é o fundamento do verdadeiro c do belo.
Ligado ao contexto iluminista, é natural que os escritores fossem Esse homem invocado, essa concepção de que a verdade da existência
formados por uma visão racional. Da mesma forma que filósofos e cientistas está associada à espontaneidade, acaba por ser uma ponte entre o Arcadismo
entendiam que com a razão - e através dela - seria entendido o mundo, ou e Romantismo: o ideal de naturalidade desembocará na explosão de senti-
seria atingido o conhecimento, o autor árcade entende que a arte é regida mentos espontâneos. A lógica da razão, do árcade, que preconiza a natura-
pelo espírito da verossimilhança: a "verdade possível" constituída por ver- lidade dará origem à lógica da emoção do romântico (por essa razão muitos
dades constatáveis e verdades imaginadas. árcades foram pré-românticos).
Logo, a literatura árcade deve ser verossimilhante, deve ser constituída As características do Arcadismo são decorrentes de um contexto
de imaginação, mas de uma imaginação que não se choque com a "natureza social, histórico e filosófico que marcam a transição do século X V I I I : a visão
das coisas". O objetivo é atrelar a imaginação à razão: a moderação do pro- iluminista (racional e burguesa) que leva o despotismo a se manter no poder
cesso imaginativo é desempenho da razão. •('renovando-se, mas ticando no poder) tem uma segunda face que culmina
Os antigos são retomados: a imitação dos clássicos (Petrarca, Camões com a Revolução Francesa, e a tomada do poder pela burguesia. Portanto^
e de suas fontes, Homero, Píndaro, Virgílio, Horácio, Ovídio) garante um o Arcadismo traz consigo a própria origem do Romantismo.
bom modelo, que foi esquecido na época barroca. Imitá-los implicava na As características do Arcadismo refletem, pois, a visão racional da
participação dos valores literários já reconhecidos como clássicos: é a imi- vida que é associada ao ideal de Rousseau do homem natural.
tação dos gregos e latinos como fonte de inspiração. A supremacia da razão inspira o espírito de verossimilhança, a neces-
sidade de impedir rasgos emotivos (que leva à imitação dos clássicos), a
Mas há outro fator importante: retomar modelos, temas e personagens exaltação da verdade natural, do homem natural, exaltação da vida cam-
antigos é moderar a emoção do árcade, "é um excelente recurso de desper- pestre, a manifestação individual substituída pela figura do pastor, artifi-
sonalização do lirismo" como diz Antonio Candido, em Formação da lite- cialismo decorrente da contradição entre homem urbanizado e o ideal de
ratura brasileira, volume I . A Antiguidade como forma de moderação no homem natural (a paisagem é decorativa, daí as descrições de superfície),
tema e na forma é a obediência a géneros e espécies literários tradicionais, pastores ideados para provocar a distância homem e autor.
e isso impediria excessos libertários do autor.
Suporte dessa significação, o discurso árcade procura o ideal de
No século das luzes, quando se presencia o início da urbanização, as simplicidade, não mais os exageros cultistas: prevalece o gosto pelos versos
obras procuram o ideal do homem natural. Nessa procura, revela-se a subja- brancos, pela estrofação livre e pela liberdade na composição do decassílabo
cente ideologia de uma época que se opõe ao pedantismo, ao requinte da (características formais que estarão com os românticos).
etiqueta, aos abusos de uma sociedade em que o homem está sob o comando
do despotismo, sob uma ordem antinatural e anti-racional.
A volta aos antigos não significa apenas a volta a uma concepção artís-
tica e sim a uma concepção moral diferente daquela do século X V I I : não O Arcadismo em Portugal
basta desenvolver agudezas de raciocínio (conceptismo), mas o importante
é oferecer ao homem uma reflexão sobre a vida, baseada na simplicidade. Com a fundação da Arcádia Lusitana, em 1756, iniciava-se uma nova
Acima das contradições sociais, está o mito do homem natural. O etapa literária, em termos de criação e uma nova fase no setor doutrinário:
mito do "bom selvagem", de Rousseau, vem corroborar o ideal do homem as teorias sobre Arte Poética, de Cândido Lusitano (1719-1773), inspiradas
natural, síntese da espontaneidade e simplicidade. Fica evidente que a noção em Boileau, a rebeldia contra o Barroco ("inutilia truncat"), a tentativa de
de liberdade não se coaduna com a ordem aristocrática e despótica: a felici- restabelecer a simplicidade da arte renascentista e antiga pertencem a um

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contexto em que as discussões literárias estão em comum acordo com as "Nesta cansada, triste poesia,
discussões e reformas de ordem geral. vedes. Senhor, um novo pertendente,
que aborrece o que estima toda a gente:
À Arcádia Lusitana estiveram ligados, entre outros, os poetas An-
que é ter no mundo cargos e valia.
tônio Dinis da Cruz e Silva (1731-1799), cujo pseudónimo era Elpino
Nonacriense, um dos fundadores da Arcádia, e Pedro Antônio Correia
Sobre alto trono há anos que regia
Garção (1724-1772), de pseudónimo Córidon Erimanteu, também doutri- de dócil povo turba obediente;
nador do movimento. mas quer antes sentar-se humildemente
Em 1790, foi fundada a Academia das Belas-Artes, logo depois deno- num banco da Real Secretaria.
minada Nova Arcádia. Três anos depois já publicava algumas obras poéticas
Qual modesto capucho reverendo,
de seus sócios, sob o título de Almanaque das musas. Seus integrantes mais
que, em fim de guardiania trienal,
importantes foram Domingos Calda Barbosa (1740-1800), brasileiro que fi- passa a porteiro, as chaves recebendo.
cou famoso nos ambientes aristocráticos pela interpretação e composição
de modinhas e lunduns; Padre José Agostinho Macedo (1761-1831), poeta Em mim conheço vocação igual:
satírico. Com ele se desentendeu o poeta Bocage, e das divergências inter- e co'a mesma humildade hoje pretendo
nas da Nova Arcádia, em 1794, ela acaba desaparecendo. passar de mestre a ser oficial".

Houve outros centros académicos (Arcádia Portuense, Conimbricense


e os Árcades de Guimarães) formados por poetas que queriam combater a
Arcádia. Além disso, houve também poetas independentes. Apesar de ter sido filho de família remediada, não cansou de falar de
sua miséria (real ou não, pois vivia envolvido em jogos), se auto-ironizando.
Mas além de documentar por meio de sátira a situação do poeta (mais
4.5 Poetas árcades do que nunca um vendedor do próprio trabalho), ele explorou os hábitos
e costumes, misérias e situações grotescas das classes sociais (não da alta
sociedade, pois, como diz Rodrigues Lapa, "não iria pintar os ridículos de
quem lhe dava o peru"). Sem criticar pessoas individualmente, numa lingua-
4.5.1 Nicolau Tolentino de Almeida
gem prosaica, comum e rica, cria tipos que extrapolam o ambiente por-
tuguês: o poeta pobre, o velho pai enganado, a velha disforme e desdentada,
Nicolau Tolentino (Lisboa, 1740-1811) é o autor de Obras poéticas
o jogador, o soldado mercenário etc.
(2 volumes, 1801) e Obras póstumas (1836). Estudou em Coimbra, foi
professor régio de Retórica em Lisboa e como poeta representa o que há de É com Nicolau Tolentino que a crítica aos costumes teve seu maior
melhor na poesia satírica dos costumes da época. representante.

Não participou de nenhuma academia; sua obra está constituída pela


sátira e por homenagem aos poderosos dos quais dependia. Entretanto, essa Manuel Maria Barbosa du Bocage
sátira açoita exatamente os poetas que viviam da mendicância de favores.
Como diz Rodrigues Lapa, no prefácio de Sátiras de Nicolau Tolen- Bocage (1795-1805) é o pastor Elmano Sadino da Nova Arcádia
tino, nessa época "saíam da Universidade fornadas de bacharéis de direito. (Elmano é anagrama de Manoel, e Sadino é homenagem ao rio Sado, que
Muitos porém não tinham emprego e levavam uma existência de estúrdia e passa por Setúbal, sua terra natal).
pelintrice. Para viver, só um recurso: bajular os grandes, os senhores da Desde cedo, o poeta se sente identificado com Camões:
velha fidalguia que detinham o poder. Assim se gerou esse grosseiro mece-
natismo da época: o visconde, o conde, o marquês, muito (sic) fidalgos "Camões, grande Camões, quão semelhante
mas duvidosamente cultos, ouviam, a troco dum jantar ou dum colete, as Acho teu fado ao meu, quando os cotejo".
poesias encomiásticas do pobre vate que lhes mendigava os favores para
poder viver, ou ao menos vegetar".
Tolentino foi um desses poetas, com a diferença que transformou O fado semelhante implica na vivência sentimental e trágica segundo o
essa realidade em tema de poesia: como se vê no poema que é dedicado a modelo camoniano: jovem ainda, apaixonou-se por Gertrudes (Gertrúria
I). José, para obter emprego na Real Secretaria: da poesia árcade), mas quando volta para Lisboa - depois de ter ido servir

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cm (ioa, colónia portuguesa, e de ir a Macau, já desertado - o poeta a reem A h ! Faze-me ditoso, e sê ditosa.
contra casada com seu irmão: Amar é um dever, além de um gosto,
Uma necessidade, não um crime.
Qual a impostura horríssona apregoa.
"Por bárbaros sertões gemi, vagante:
Céus não existem, não existe inferno,
Falta-me ainda o pior, falta-me agora
O prémio da virtude é a virtude,
Ver Gertrúria nos braços de outro amante".
É castigo do vício o próprio vício".

Boémio, conheceu a vida devassa em Lisboa, em Goa e mesmo depois


Essa visão sensual do amor, associada à corajosa negação dos "céus]',
do decepcionante reencontro com Gertrudes, vive intensamente "outros
foi uma das peças utilizadas pela Intendência Geral da polícia para prender
amores, bem como o sofrimento.
Bocage. Mas como se percebe, nada tem a ver com o mito piadista.
Em 1797 foi preso e processado pelas ideias anticatólicas e antimonar-
quistas. Depois de meses de prisão, consegue sua transferência para o mos- O Bocage satírico é aquele que critica o poder, que consegue perceber
teiro de São Bento. a estreita união que existe entre os dogmas da Igreja e o poder absolutista
Dizem os biógrafos que de lá ele saiu arrependido e transformado. dos reis, como se vê em "Epístola a Marília":
O certo é que Bocage, ao ser liberto, passa a viver de traduções susten-
tando a si e a sua irmã. Em vida, o poeta publicou Idílios marítimos reci- "Pavorosa ilusão da Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
tados na Academia das Belas-Artes (1791) e as Rimas (3 volumes: 1791,
D'almas vãs sonho vão, chamado inferno;
1799, 1804).
Sistema da política opressora.
Em 1853, Inocêncio Pereira da Silva publicou Poesias (6 volumes) Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
reunindo toda produção de Bocage. Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença.
4.5.2.1 Características da obra de Bocage
Que envenena delícias inocentes!"

O Bocage que ficou famoso é o mito do homem e autor depravado.


Esse Bocage, visto como autor de piadas e anedotas anónimas, foi criado
pela imaginação popular. Mas essa criação não saiu do nada. O Bocage por- A imaginação popular não partiu do nada; a repressão que lhe foi
tuguês ficou famoso pela divulgação do poema "Epístola a Marília", espe- feita, em vida, acaba por divulgar sua obra e a figura do poeta. O mistério
cialmente pelo amor sensual e pouco árcade que expressa: que se cria, pela censura, se incumbe de divulgar até o que não é de Bocage.
Forma-se um anedotário, grosseiro ou não, que é engordado através dos
"Se obter não podes a união solene.
tempos.
Que alucinas os mortais, por que te esquivas A poesia lírica de Bocage, popularmente menos conhecida, porque
Da natural prisão, do terno laço
não houve motivos para a dura atuacão da censura, é considerada pela
Que com lágrimas e ais te estou pedindo?
crítica tradicional como sua produção superior. Acreditar na superioridade
Reclama o teu poder, os teus direitos
do lirismo bocagiano sobre a parte satírica é repetir a ação censória; afinal,
Da justiça despótica extorquidos:
Não chega aos corações o jus paterno,
Bocage satírico foi um dos poucos da época que conseguiu perceber que na
Se a chama da ternura os afogueia: frustração de amor está implícita a frustração de um ambiente aprisionante
e opressor. *
De amor há precisão, há liberdade;
Eia pois, do temor sacode o jugo. O lirismo de Bocage revela a orientação do academicismo do século
Acanhada donzela; e do teu pejo. X V I I I : a presença de pseudónimos pastoris, da mitologia clássica; a ânsia
Destra iludindo as vigilantes guardas. do "locus amenus" ilustrando o "fugere urbem", que é a procura do am-
Pelas sombras da noite, a amor propicias. biente natural em oposição à vida urbana; a produção de sonetos; do mote
glosado (tão típico de ambientes académicos, quando se lança o mote para o
poema ser improvisado).

72 73
M;is D que diferencia Bocage dos demais académicos é sua originali-
dade:

"Importuna Razão, não me persigas;


Sugestões para leitura
Cesse a ríspida voz que em vão murmura. Em "Razão, Natureza, Verdade" (Formação da literatura brasileira
Se a lei do Amor, se a força da ternura
— momentos decisivos - 1750-1836. São Paulo, Martins Ed., 1959. v. I ,
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas.
p. 33-66), de Antonio Candido, encontramos as distinções entre Neoclas-
sicismo-llustração e Arcadismo e suas inter-relações, bem como as origens
Se acusas os mortais, e os não obrigas.
Se, conhecendo o mal, não dás a cura,
e propostas da literatura setecentista, tanto em Portugal como no Brasil.
Deixa-me apreciar minha loucura; Em "Introdução" (Poemas escolhidos de Bocage. São Paulo, Cultrix,
Importuna Razão, não me persigas. 1974. p. 9-16), de Alvaro Cardoso Gçmes, encontra-se um ensaio centrado
no lirismo de Bocage.
É teu fim, teu projeto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.

Queres que fuja de Marília bela. Síntese- Arcadismo


Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela". 1. Iluminismo

2. Portugal e o Iluminismo. Despotismo esclarecido


Como se percebe, o envolvimento amoroso leva o poeta a não obe^
decer à razão. Essa atitude que prenuncia o Romantismo associa-se a.outras, 3. Academias de Ciências. Academias Literárias. Arcadismo
na mesma linha de sentimento X razão: o cenário lúgubre relaciona-se ao
estado emocional do poeta; presença constante da 1? pessoa do singular 4. Características
("eu" poético e seus sentimentos); o "locus horrendus" que é a inversão
• Racionalismo
^P_"!P Vj_JiJIL^M^lL.Q„J ^
c : da negação e niilismo íque será reto-
mado_por Antero de Quental); o erotismo ameno e o estilo hiperbólico. • Princípio da verossimilhança
A obra lírica de Bocage revela nitidamente a evolução por que passa • Imitação dos clássicos
o poeta: da expressão poética que traduz o sentimento de tranquilidade, da
simplicidade do "locus amenus", germina a poesia confessional em que o • Ideal de vida pastoril (locus amenus)
tema da morte angustia, em que a Noite sucede ao Dia, a escuridão à clari- • Oposição ao Barroco: inutilia truncat
dade:
5. Principais autores
"Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga. — Nicolau Tolentino de Almeida — poeta satírico
Por cuja escuridão suspiro a tanto!"
— Manuel Maria Barbosa du Bocage
• Poeta satírico e lírico
• Árcade e pré-romântico
4.5.3. Filinto Elísio • Razão x emoção
Filinto Elísio, pseudónimo arcádico do padre Francisco Manuel do — Filinto Elísio
Nascimento (1 734-1819), organizou o Grupo da Ribeira das Naus e, com a • renovou linguagem literária
queda do marquês de Pombal, foi denunciado à Inquisição por defender
"filosofias modernas" (ideais iluministas). Foi obrigado a refugiar-se em
Pai is, onde veio a falecer,

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