Fernando Pessoa - Ortónimo e Heterónimos PDF
Fernando Pessoa - Ortónimo e Heterónimos PDF
Fernando Pessoa - Ortónimo e Heterónimos PDF
Fernando Pessoa ortónimo considera que só é possível pela conciliação das oposições
entre realidades objetivas e realidades mentalmente construídas. Dai a necessidade de
intelectualizar o que sente ou pensa, reelaborando essa realidade graças à imaginação
criadora.
Rutura e continuidade
O poeta codifica o poema que o recetor descodifica à sua maneira, mas sem
necessidade de encontrar a pessoa real do escritor. O poeta “Finge tão
completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”, enquanto os
recetores “Na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele teve / Mas só a que eles não
têm.” Isto significa que o ato poético apenas pode comunicar uma dor fingida,
inventada, pois a dor real (sentida) continua no sujeito, que, por palavras e imagens,
tenta uma representação; e os leitores tendem a considerar uma dor que não é sua,
mas que apreendem de acordo com a sua experiencia de dor, a dor real (“que deveras
sente”), a dor fingida e a “dor lida”.
A dor de pensar
O eu lírico tanto aceita a consciência como sente uma verdadeira dor de pensar, que
traduz insatisfação e duvida sobre a utilidade do pensamento. Impedido de ser feliz,
devido à lucidez, procura a realização do paradoxo de ter uma consciência
inconsciente. Mas ao pensar sobre o pensamento, percebe o vazio que não permite
conciliar a consciência e a inconsciência. O pensamento racional não se coaduna com o
verdadeiro sentir.
A nostalgia da infância
Alberto Caeiro
Alberto nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a
sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma [….] De estratura
média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como
era […]
Morreram-lhe cedo o pai e a mãe e deixou-se ficar em casa, vivendo de pequenos
rendimentos. Vivia co uma tia velha, tia-avó.
Caeiro constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas por serem
naturais. Para ele, o pensamento apenas falsifica o que os sentidos captam. É um
sensacionista, que vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura
gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade.
Caeiro afirma-se o poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua
constante renovação.
A nível estico: Caeiro não se preocupou com o trabalho formal do poema, recorrendo
ao verso livre e à métrica irregular. Numa linguagem simples e familiar, os seus
poemas revelam uma pontuação lógica, o predomínio da coordenação e do presente
do indicativo ou das frases simples, marcadas pela pobreza lexical e poucos recursos
estilísticos.
A poesia da Natureza
Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo
dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo sensível em que revela o divino e não
precisa de pensar. Nesta atitude panteísta de que as coisas são divinas, desvaloriza a
categoria conceptual “tempo”. Porque só existe a realidade, o tempo é ausência de
tempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade de
tempo.
“Mestre” dos outros
Para o ortónimo, para Álvaro de Campos e para Ricardo Reis, Caeiro representa um
regresso às origens, ao paganismo primitivo, à sinceridade plena. Caeiro ensinou-lhes
filosofia do não filosofar.
Ricardo Reis é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma
lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas.
O Neopaganismo
Reis cultiva a mitologia greco-latina e a crença nos deuses antigos. Considera que o
paganismo morreu, sendo substituído pelo cristianismo, o que impede a verdadeira
visão intelectual da verdade que aquele representa.
Reis, aceita o destino com naturalidade, considerando que os deuses estão acima do
homem por uma questão de grau, mas acima dos deuses, no sistema pagão, se
encontra o Fado, a que tudo se submete.
Ricardo Reis propõe uma filosofia moral de acordo com os princípios do Epicurismo e
uma filosofia estoica:
“carpe diem” (aproveitar o dia), ou seja, “aproveitai a via em cada dia”, como
caminho da felicidade;
Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);
Não ceder ao impulso dos instintos (Estoicismo);
Procurar a calma ou, pelo menos, a sua ilusão;
Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade
(sobre esta apenas pesa o Fado).
Não podemos nem devemos opor-nos ao destino antes aceitá-lo com naturalidade,
como a água que segue o curso do rio, sem lhe resistir. “Seguir o teu destino”,
proclamada por Ricardo Reis. Cada um deve apenas buscar a calma e a
tranquilidade, abstendo-se de todo o esforço e atividade inútil.
O Epicurismo consiste na filosofia moral de Epicuro (341 – 270 a.C.), que defendia o
prazer como caminho da felicidade. Mas para a satisfação dos desejos seja estável,
sem desprazer ou dor, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de
tranquilidade e sem qualquer perturbação.
Mas, passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma fase
disfórica, a ponto de desejar a própria destruição. Há aí a abulia e a experiencia do
tédio, a deceção, o caminho do absurdo.
Depois de exaltar a beleza da força e da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida, a poesia de Campos revela um pessimismo agónico, a
dissolução do “eu”, a angústia existencial e uma nostalgia da infância
irremediavelmente perdida.
A obra de Álvaro de Campos passa por três fases: a decadentista - que exprime o
tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações; a futurista e sensacionista – que
se caracteriza pela exaltação da energia, de “todas as dinâmicas” e da velocidade e da
força até situações de paroxismo e a intimista ou da abulia – que, perante a
incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento.
A vanguarda e o Sensacionismo
A abulia e o tédio
Campos, atordoado pelo mistério das sensações que busca compreender, procura
mergulhar em si mesmo. É a fase do intimismo ou independente, marcada pela abulia
e pelo tédio.
(Eduardo Lourenço)
1ª Fase “É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Decadentista – exprime o tédio, o enfado, a Sentir a vida convalesce e estiola
náusea, o cansaço e a necessidade de novas E eu vou buscar ao ópio que consola
sensações. Um Oriente ao oriente do Oriente.
A atmosfera de uma vida passiva, […]
dependente de estupefacientes A vida a bordo é uma coisa triste,
O ópio como refúgio Embora a gente se divirta às vezes.
O sentimento de “fumar a vida”. Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.
A inatividade, meditando nos seus sonhos
“de febre”.
Eu acho que não vale a pena ter
A falta de objetivos na vida.
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A busca de novas sensações
A terra é semelhante e pequenina
A monotonia em oposição ao
E há só uma maneira de viver.
divertimento.
A resignação, sem energia nem alegria. Por isso eu tomo ópio. É um remédio
A frustração. Sou um convalescente do Momento.
O apelo a Deus para que termine com Moro no rés-do-chão do pensamento
tudo. E ver passar a Vida faz-me tédio.
(Ex: “opiário”) […]”
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas
da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
disto,
2ª Fase
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
Futurista e Sensacionista – caracteriza-se pela
antigos.
exaltação da energia, de “todas as dinâmicas”,
da velocidade e da força.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
A celebração do triunfo da máquina e da
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
civilização moderna.
Em fúria fora e dentro de mim,
A beleza da força e da máquina por
Por todos os meus nervos dissecados fora,
oposição à beleza tradicionalmente
Por todas as papilas fora de tudo com que eu
concebida
sinto!
A sensação como realidade da vida e da
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos
base de toda a arte.
modernos,
O excesso violento de sensações.
De vos ouvir demasiadamente de perto,
(Ex: “Ode Triunfal”) E arde-me a cabeça de vos querer cantar com
um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó
máquinas!”
3ª Fase “O que há em mim é sobretudo cansaço —
Intimista – perante a incapacidade das Não disto nem daquilo,
realizações, traz de volta o abatimento, a Nem sequer de tudo ou de nada:
abulia, que provoca “Um supremíssimo Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
cansaço/ Íssimo, íssimo / Cansaço…” Cansaço.”
A frustração, o fracasso.
A perceção de malogro da existência.
O distanciamento cada vez maior da
“Esta velha angústia,
realidade.
Esta angústia que trago há séculos em mim,
A dor de pensar, a sensação de vazio.
Transbordou da vasilha,
A desesperança e a falta de energia
Em lágrimas, em grandes imaginações,
interior.
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
A tentativa vã de comunicação do eu com
Em grandes emoções súbitas sem sentido
o real. nenhum.”
O sentimento de estranheza e da
inutilidade de tudo.
(Ex: “Esta velha angústia”)
Fernando Pessoa e a heteronímia
Alberto Caeiro
Paganista existencial
Poeta da Natureza e da simplicidade
Interpreta o mundo a partir dos sentidos
Interessa-lhe a realidade imediata e o real
objetivo que as sensações lhe oferecem
Nega a utilidade do pensamento; é
antimetafísico
Álvaro de Campos