Futurismo Italiano (Texto MASP)
Futurismo Italiano (Texto MASP)
Futurismo Italiano (Texto MASP)
MARINETTI E O FUTURISMO
AURORA F. BERNARDINI
Marinetti entende que para lançar um movimento, isto é, para vender um produto, é
necessário dar-lhe um nome de efeito, necessariamente inventado, novo, e repeti-lo
continuamente até a obsessão, evitando entrar em detalhes. E a estratégia agressiva de
Marinetti presta-se ao fascismo. Mussolini saqueia a terminologia, a técnica do insulto, o estilo
lapidar, a ênfase marinettiana (4).
(3).A personalidade de Marinetti é, naturalmente, muito mais complexa do que pode transparecer
nos manifestos que ele assina, ou mesmo nos romances e poemas que compõe. Luciano De
Maria, no já citado ensaio, insiste em salientar seu momento prometéico, seu impulso no sentido
de “changer la vie”, que se tornará uma das principais preocupações do Surrealismo, e não se
deter, como fazem muitos, em seu “motorismo”, em sua adesão bruta e determinística à civilização
mecânica. (4). L’Europeo, idem, ibidem. (5).Provavelmente referindo-se ao episódio de 1919.
A tantos anos de distância, tendo-se arquivado este seu ocaso sem luz,
resta para o mundo inteiro o Futurismo como motor das vanguardas européias e
da renovação geral. E, mais do que os frutos imediatos, contam, num movimento,
os efeitos que ele consegue acender.
ATUALIDADE DO FUTURISMO
PAOLO ANGELERI
(1).MARINETTI, Teoria e invenzione futurista, Milão, 1968 (Introd. De Luciano de Maria, p.XIX).
Que o Futurismo tivesse de acabar no maneirismo e no academismo era
fato previsível, e que seus êxitos imediatos viessem a ser pouco relevantes e de
certo modo descontados, idem (2).
O que me interessa aqui não é analisar seu fim, mas seu “começo”: qual é o
discurso subliminar que está na base da procura futurista.
Uma das categorias introduzidas por esse movimento é, como se sabe, a
da novidade ou “novitação” que, em grande parte, está ligada ao conceito de
metanóia.
(2). AlfredoBosi, em seu notável trabalho O ser e o tempo da poesia (SP, 1977), assim se expressa
a respeito: “Quem lê o ‘Manifesto técnico do futurismo’, escrito por Marinetti em 1912, topa com
verdadeiras ‘ordens de serviço’ técnico-gramaticais: empregar o verbo só no infinitivo, abolir o
adjetivo, abolir o advérbio, só admitir substantivos compostos (‘homem-torpedo’, ‘porta-torneira’...),
suprimir os termos de comparação (‘como’, ‘qual’, ‘semelhante a’), abolir a pontuação, empregar os
sinais da matemática (+ - . :: = > <) e as convenções da partitura...
Porém, em sua base, está também uma exigência metafísica de
transformação do humano. A burguesia sente-se satisfeita com seu poderio,
porém o preço dessa sua satisfação é uma crise interior de credibilidade de
seus próprios valores. Ao processo minatório de auto-análise, de auto-erosão,
no qual se vê envolvida, contrapõe um tom de segurança através da crença no
novo. Trata-se de uma atitude oscilante, contraditória, que, justamente, há de
se encontrar no cerne do Futurismo: por um lado, confiança no produto
burguês em sua formação irrompente; por outro, rebelião aos esquemas desta
mesma construção burguesa.
Já foi dito na Introdução quanto ao caráter contraditório de Marinetti:
anticlerical, mas religioso; anticlássico, mas acadêmico; indisciplinado, mas
militarista; liberal, mas aderindo ao Fascismo. Não se trata aqui de dialética
nem de se aprofundar o discurso e atribuir à “contraditoriedade” uma
solenidade que não tem. Nem de pensar numa instância do tipo
kierkegaardiano, nem, tanto menos, solapar defasagens nietzschianas. Trata-
se simplesmente da contraditoriedade superficial do italiano médio, capaz de
dizer e desdizer com a mesma naturalidade – e Marinetti e o Futurismo –
temos que convir com toda franqueza – não são profundos.
Aliás, seu maquinismo – ou psicologia do progresso – não constitui
descoberta desconcertante, do mesmo modo que seu “versolivrismo” e seu
anarquismo “stirneriano”. Nada de original, nada que não tenha o gosto do
déjà vu. E então?
Em que termos e dentro de quais limites o Futurismo conseguiu ter uma
incidência nacional e internacional, indiscutivelmente, de vulto?
Para começar, acredito que grande parte da popularidade do Futurismo
deva ser procurada em sua carga histriônica e aparentemente popularizante.
Não é o conteúdo o novo, e sim o “tom”, a “provocação”. Elemento, aliás,
retomado por muitos autores em busca de popularidade rápida: a atitude
agressiva é seguramente um dos ingredientes mais próprios para o sucesso.
“Tom” mais do que conteúdo. Mas também adesão àquilo que a
humanidade da época advertia como sendo o indiscreto encanto
(parafraseando Buñuel) de um mundo violento, em que a máquina já consistia
numa agressão à natureza, cujo desastre ecológico hodierno é conseqüência.
Pode-se, é verdade, encontrar justificativas históricas: costuma-se dizer que
a realidade social média de então – fraca, pouco eficiente, velhaca –
estimulava reações arrebatadoras, descargas provocatórias, violência quase
gratuita. Mas, no fundo, é preciso ter a coragem de dizer que, ao limite, eram
atitudes irracionais sugeridas pela incipiente decomposição da burguesia, já
decrépita e em crise há muito tempo.
A destruição da razão, de que fala Lukács no ensaio homônimo,
encontrava-se já em seu ponto culminante com a proposta da falta de respeito
pelo social autêntico, pelo humano. Este é o negativo da instância futurista.
Porém, como diz muito bem Bloch (3), o que interessa na história é o Roten
Faden, aquele misterioso fio que se desenrola por entre o caótico devir dos
acontecimentos, redimindo-os, recuperando-os.
O Futurismo, no momento de maior virulência do espírito de poder, é a
tramitação, para o homem e para a cultura, de conversões que tendem para aquilo
que referimos como metanóia.
O filisteu burguês – conformado e até mesmo velhaco – capaz apenas de
observar os outros que lutam e gozar em silêncio, eventualmente com as
violências e o sangue – é colocado dramaticamente diante de uma escolha. Não é
mais possível esconder-se e ficar observando nos bastidores – é necessário
empenhar-se. Não é mais viável alimentar-se de “Chiaro di luna” e de outros
pertinazes lugares-comuns, pretendendo com isso ser “in”. O Futurismo, em sua
fase inicial, é ácido corrosivo, é modo de colocar o homem diante do autêntico,
numa constante condenação do banal, do trivial, do descontado.
A seu modo, malgré lui, põe-se como um movimento existencial, que tende a
colocar o vivido entre parênteses, para um confronto autêntico com aquilo que é
outro. Seu limite está no discurso provisório, na complacência do parêntese pelo
parêntese, na falta de uma conseqüência ulterior.
Nem estes termos têm outra mensagem a dar que não seja esta enfática
recusa do mundo, visto em sua provisoriedade de corte histórico e a proposta
maximamente tecnológica e maquinística.
Finalmente, uma observação mais geral, que não posso deixar de fazer a
propósito do Futurismo, diz respeito à carga libertária que ele implicita. Fixar a
atenção sistematicamente em direção ao futuro significa dar ao homem a
dimensão do possível. Todos os instantes, encerrados no passado e no presente,
estão ligados á lógica do inevitável: “Factum infectum fieri nequit”.
Passado e presente se confundem na inexorabilidade de seu condenar-se
recíproco. O que é passa a se identificar com o que era, com o não ser irrevogável
do passado. Ao contrário, o que será tem a abertura ilimitada do possível e do
impossível: o futuro tem justamente esta carga pluridimensional, este caráter
poliédrico de situações que “ainda não são”.
Talvez não se tenha ainda refletido o suficiente sobre a mola psicológica de
uma posição do gênero: que é justamente o Roten Faden de uma promessa de
novos céus e nova terra.
Não está em discussão o gênero de futuro proposto pelo movimento do
Futurismo – o problema é outro: penso que além da análise erudita e da pesquisa
exaustiva e cuidadosa dos dados sobre o movimento em si, o que tem lugar e
sentido ainda hoje é exatamente este tipo de solicitação com mensagem – válida
em toda sua extensão “futurível”.
HAROLDO DE CAMPOS
* Nota para esta edição: A revista Sipario, nº260 (número especial, dedicado ao Teatro Futurista
Italiano), Milão, Bompiani, dezembro 1967, republica um escrito de Antonio Gramsci (L’ordine
nuovo, 5.1.21), no qual se encontra a seguinte apreciação sobre a intervenção futurista: “Os
futuristas, no seu campo, no campo da cultura, são revolucionários; neste campo, como obra
criativa, é provável que a classe operária não conseguirá, por muito tempo, fazer mais do que têm
feito os futuristas: quando apoiavam os futuristas, os grupos de operários demonstravam não
assustar-se diante da destruição, certos de poder, esses mesmos operários, fazer poesia, pintura,
drama, como os futuristas; tais operários davam apoio à historicidade, à possibilidade de uma
cultura proletária, criada pelos próprios operários”.
MANIFESTOS
F.T.MARINETTI
20 de fevereiro de 1909
Manifesto do Futurismo
11 de fevereiro de 1910
11 de abril de 1910
NÓS PROCLAMAMOS:
NÓS COMBATEMOS:
Vocês nos crêem loucos. Nós somos, ao invés, os Primitivos de uma nova
sensibilidade completamente transformada.
Fora da atmosfera na qual vivemos, não há mais que trevas. Nós Futuristas
ascendemos em direção aos cumes mais excelsos e mais radiosos e nos
proclamamos Senhores da Luz, uma vez que já bebemos das vivas fontes do
sol.
BALILLA PRATELLA
E agora, que a reação dos passadistas se atire sobre mim com toda a
sua fúria.
Eu, serenamente, rio e nem me importo, eu ascendi para além do
passado e clamo, em voz alta, os jovens musicistas em volta da bandeira
do Futurismo que, lançado pelo poeta Marinetti no Figaro de Paris,
conquistou, num breve passar de tempo, os maiores centros intelectuais do
mundo.
11 de janeiro de 1911
F.T. MARINETTI
Para que a Arte dramática não continue a ser aquilo que é hoje: um
mesquinho produto industrial submetido ao mercado dos divertimentos e dos
prazeres citadinos, é preciso jogar fora todos os imundos prejuízos que esmagam
os autores, os atores e o público.
1. Nós futuristas ensinamos antes de mais nada aos autores o desprezo pelo
público. Especialmente o desprezo pelo público das primeiras
representações, cuja psicologia podemos assim sintetizar: rivalidade de
chapéus e de toaletes femininas – vaidade pelo lugar que custou caro, que
se transforma em orgulho intelectual – palcos e platéia ocupados por
homens maduros e ricos, de cérebro naturalmente desdenhoso e com a
digestão dificílima, o que torna impossível qualquer esforço mental.
2. Nós ensinamos ainda o horror pelo sucesso imediato que costuma coroar
as obras medíocres e banais. Os trabalhos teatrais que prendem
diretamente, sem intermediários, sem explicações, todos os indivíduos d
um público, são obras mais ou menos bem construídas, mas absolutamente
privadas de novidade e por isso de genialidade criadora.
3. Os autores não devem ter outra preocupação senão aquela da absoluta
originalidade inovadora. Todos os trabalhos dramáticos partem de um lugar-
comum ou extraem de outras obras de arte a concepção, a trama ou uma
parte do desenvolvimento, são absolutamente desprezíveis.
4. Os leitmotiven do amor e do triângulo do adultério, tendo já sido por demais
usados em literatura, têm que ser reduzidos, em cena, ao valor secundário
de episódios ou de acessórios, isto é, ao mesmo valor a que o amor é
agora reduzido na vida, por efeito do grande esforço futurista.
5. Uma vez que a arte dramática não pode ter, como todas as artes, outro
sentido senão aquele de arrancar a alma do público da vulgar realidade
cotidiana e de exaltá-la em uma atmosfera ofuscante de embriaguez
intelectual, nós desprezamos todos os trabalhos que querem somente
comover ou fazer chorar, mediante o espetáculo inevitavelmente piedoso de
uma mãe a quem morreu o filho, ou aquele de uma jovem que não pode
casar com o seu namorado, ou outras baboseiras semelhantes...
6. Nós desprezamos na arte, e mais particularmente no teatro, todas as
espécies de reconstruções históricas, quer estas devam seu interesse à
figura de um herói ou de uma heroína ilustre (Nero, Júlio César, Napoleão
ou Francisca de Rimini), quer se baseiem na estúpida sugestão exercida
pelos costumes e pelos cenários do passado. O drama moderno deve
refletir alguma parte do sonho futurista que surge de nossa vida hodierna,
exasperada pelas velocidades terrestres, marítimas e aéreas, e dominada
pelo vapor e pela eletricidade.
É preciso introduzir no teatro a sensação do domínio da máquina, os
grandes estremecimentos que agitam as multidões, as novas correntes de
idéias e as grandes descobertas da ciência, que transformaram
completamente a nossa sensibilidade e a nossa mentalidade de homens do
século vinte.
7. A arte dramática não deve fazer fotografia psicológica, mas, ao contrário,
tender a uma síntese da vida nas suas linhas mais típicas e mais
significativas.
8. Não deve existir arte dramática sem poesia, isto é, sem entusiasmo e sem
síntese. As formas prosódicas regulares devem ser excluídas. O escritor
futurista usará portanto, para o teatro, o verso livre: móvel, orquestração de
imagens e de sons, que passando da prosa mais simples, quando se trate
por exemplo da entrada de um doméstico ou do fechamento de uma porta,
possa elevar-se gradativamente, segundo o ritmo das paixões, em estrofes
cadenciadas ou caóticas; conforme o caso, quando se trate, por exemplo,
de anunciar a vitória de um povo ou a morte gloriosa de um aviador.
9. É preciso destruir a obsessão da riqueza, entre os literatos, porque a avidez
pelo ganho empurrou para o teatro escritores exclusivamente dotados das
qualidades de romancista ou de jornalista.
10. Nós queremos submeter completamente os atores à autoridade dos
escritores, e arrancá-los da dominação do público, que os leva fatalmente a
procurar o efeito fácil, distanciando-os de qualquer procura de interpretação
profunda. Por isso é preciso abolir o hábito grotesco dos aplausos e vaias,
o que pode servir de barômetro à eloqüência parlamentar não certamente
ao valor de uma obra de arte.
11. Nós ensinamos enfim aos autores e atores a volúpia de serem vaiados.
Tudo o que vem vaiado não é necessariamente belo ou novo, mas tudo
aquilo que vem imediatamente aplaudido certamente não é superior à
média das inteligências, e é então coisa medíocre, banal, vomitada ou por
demais digerida.
F.T. Marinetti
OS POETAS FUTURISTAS
G.P. Lucini, Paolo Buzzi, Enrico Cavacchioli, Aldo Palazzeschi, Corrado
Govoni, Libero Altomare, Luciano Folgore, G. Carrieri, M. Bètuda, G. Manzella-
Frontini, E. Cardile, Armando Mazza, Auro D’Alba, etc...
OS PINTORES FUTURISTAS
Umberto Boccioni, C.D. Carrà, Luigi Russolo, Giacomo Balla, Gino Severini.
OS MUSICISTAS FUTURISTAS
Balila Pratella.
CONCLUÍMOS:
29 de março de 1911
FOTODINAMISMO FUTURISTA
(1911)
ANTON GIULIO BRAGAGLIA
...Antes de mais nada, a Fotodinâmica não pode ser entendida como uma
inovação em relação à fotografia, de modo semelhante àquela trazida pela
cronofotografia, mas sim como uma criação que visa atingir ideais opostos aos fins
de todos os meios representativos de hoje; além do mais, se pode ser considerada
ligada com a fotografia, a cinematografia e a cronofotografia, só pode sê-lo pelo
único fato de, como estas, ter como ponto de partida o amplo campo da ciência
fotográfica, uma vez que esta abastece a todas de meios técnicos, porque
baseados sobre as propriedades físicas gerais da câmara.
Está claro que nós não queremos, de fato, aquilo que é procurado ou que, é
domínio da cinematografia e da cronofotografia. Nós não estamos preocupados
com a precisa reconstrução de um movimento, já quebrado de antemão, mas
somente com aquela parte do movimento que produziu a sensação cuja
lembrança ainda palpita profundamente em nossa consciência.
Nós desprezamos a reprodução precisa, mecânica, glacial da realidade, e a
evitamos com todo o cuidado, pois ela é elemento nocivo e negativo para nosso
escopo enquanto, ao contrário, é a única essência do cinema e da cronofotografia,
os quais, por sua vez, não se preocupam com a trajetória, que para nós é valor
essencialíssimo.
A questão da cinematografia, no nosso caso, é absolutamente descabida e
só pode ser sugerida por um cérebro superficial e imbecil, numa crassíssima
ignorância do assunto.
O cinema não salienta o traço do movimento, mas o reparte, sem lei
alguma, num arbítrio mecânico, desintegrando-o e fragmentando-o, sem
preocupações estéticas de nenhuma espécie em relação ao ritmo: uma vez que
não está em sua potência friamente mecânica poder satisfazer a tais
preocupações.
Além disso, ele nunca analisa o movimento, pois o despedaça, a seu modo,
nos quadrinhos do filme, contrariamente ao que opera a Fotodinâmica, analisando
precisamente suas particularidades. E também nunca o sintetiza, pois só
reconstitui dele os fragmentos da realidade já antes recortados friamente, do
mesmo modo que o ponteiro de um cronômetro trata o tempo, o qual, ao contrário,
flui igual e contínuo.
A fotografia então é algo distinto – útil para a reprodução anatômica e
perfeita da realidade – necessária e preciosa, portanto, para fins absolutamente
opostos aos nossos, que são artísticos em si mesmos, ou que são científicos no
que se refere a seu aspecto de pesquisa, sempre, porém, dirigido para a arte.
Assim, tanto a fotografia quanto a Fotodinâmica possuem suas próprias e
particulares qualidades, bem divididas e de importância, utilidade e natureza de
escopos bastante diferentes.
A cronofotografia de Marey, depois, tratando-se de uma cinematografia
executada sobre uma chapa comum ou sobre um filme contínuo, mesmo que não
use os quadrinhos para dividir o movimento, já separado e cortado em diversas
instantâneas, quebra sempre o gesto e o destaca de si mesmo em várias imagens
instantâneas, bem distantes entre si e muito mais raras e autônomas do que as
cinematográficas. Conseqüentemente, esta também não é nenhuma análise.
De fato – por exemplo – o sistema Marey é usado, entre outros, para o
ensino da ginástica; e das cem imagens que traça um homem quando salta, ele
salienta apenas umas poucas, porque apenas com aquelas já é possível
descrever e ensinar aos jovens os estados principais do salto.
Mas se tal coisa serve para o velho sistema Marey, para a ginástica e para
outras aplicações, não é verdade que com aquelas cinco rígidas instantâneas nós
possamos obter, não digo a sensação, mas a simples reconstrução do movimento.
Por outro lado, sendo que a cronofotografia não tende decerto para a reconstrução
do movimento, nem tampouco para nos proporcionar sua sensação, qualquer
outra discussão tornar-se-ia inútil, não valesse a pena insistir sobre este ponto,
uma vez que alguém, com maior ou menor graciosa malignidade, pode querer
identificar a Fotodinâmica com a cronofotografia, como alguns já a quiseram
confundir com a cinematografia.
O sistema de Marey, como dizíamos, capta e paralisa o gesto nos principais
movimentos que mais lhe são úteis, descrevendo uma teoria de figuras que
também poderiam ser tiradas de uma série de fotografias instantâneas – que
também poderiam ser tomadas como pertencentes a sujeitos diferentes – porque,
tirante um pouco o passo, nenhuma ligação une e unifica as várias imagens,
justamente fotográficas, contemporâneas e podendo pertencer aparentemente a
mais do que um sujeito. Vulgarmente, poderíamos comparar a cronofotografia com
um relógio cujos ponteiros marcam apenas os quartos de hora: a cinematografia,
com outro que marca também os minutos e a Fotodinâmica com um terceiro que
indica não apenas os segundos mas os minutos intermomentais que existem entre
os segundos, nas passagens; sendo ela quase um cálculo infinitesimal do
movimento.
Com efeito, somente com as nossas pesquisas é que se pode ter visões
proporcionadas, na força das imagens, no que se refere ao próprio tempo de sua
existência e mais, à velocidade com a qual estas imagens viveram no espaço e
em nós mesmos.
Um gesto irá traçar, na Fotodinâmica, uma imagem tão menos ampla e viva
quanto mais notável for sua velocidade. Por conseguinte, quanto mais ele for
lento, tanto menos virá a ser desmaterializado e deformado, sendo que, quanto
mais ele for deforme tanto menos real ele será e mais ideal e mais lírico e mais
abstraído de sua própria personalidade, aproximando-se do tipo com o mesmo
efeito evolutivo de deformação que os gregos seguiram para encontrar seus tipos
de beleza.
É visível a diferença que existe entre a mecanicidade fotográfica da
cronofotografia – cinematografia embrional e grosseira – e a tendência que a
Fotodinâmica possui de afastar-se daquela mecanicidade, seguindo seu ideal,
completamente oposto aos fins das precedentes, apesar das pesquisas científicas
do movimento que nos propomos também levarem adiante.
A Fotodinâmica, então, analisa e sintetiza como quer o movimento e com
grande eficácia – porque não se deve recorrer ao despedaçamento para a
observação – mas possuí a força de recordar a continuidade do gesto no espaço,
de modo a traçar, não apenas a expressão da passagem dos estados de espírito
de um rosto, por exemplo, como nem a fotografia nem a cinematografia nunca
conseguiram, mas o imediato deslocamento de volumes por meio da
transformação imediata das expressões.
Um grito, uma pausa trágica, um gesto de terror, na cena toda, em todo o
desenvolvimento exterior do drama íntimo, pode ser expresso numa única obra. E
não apenas nos pontos de partida e nos pontos de chegada – ou quem sabe em
alguns pontos de centro, como faria a cronofotografia – mas continuamente, do
começo ao fim, pois ela, como dissemos, pode provocar também os estados
intermovimentais de um movimento.
De fato, também como pesquisa científica da evolução e dos traços do
movimento, a Fotodinâmica afirma-se como exaustiva e necessária, uma vez que
não existe um meio precisamente analítico do gesto, tendo nós já examinado em
parte a obra rudimentar da cronofotografia.
Assim – como o estudo da anatomia sempre foi até hoje necessário para
um artista – também o conhecimento daquilo que os corpos em movimento
perdem com a ação e adquirem com o moto será indispensável para um pintor
movimentista.
Para poder compor um quadro não basta para o artista o único efeito óptico
por ele experimentado, mas é preciso também o exato conhecimento analítico da
essência completa daquele efeito e de suas causas. Caberá ao próprio artista,
depois, sintetizar aquelas análises, porém, na síntese, deverão existir, como
esqueleto, os precisos e quase invisíveis elementos analíticos, ainda realísticos,
que apenas a Fotodinâmica em seu aspecto científico pode tornar manifestos.
Com efeito, cada vibração é o ritmo de infinitas vibrações menores, uma
vez que cada ritmo é constituído por uma quantidade infinita de vibrações. Se até
hoje o conhecimento humano concebia e considerava o movimento em seu ritmo
geral, estava fazendo, por assim dizer, uma álgebra do movimento: considerava a
este como simples, como finito (Vide Spencer: Os primeiros princípios – o ritmo do
moto) – enquanto a Fotodinâmica, ao contrário, revelou-o e representou-o como
complexo, chegando com isso à altura de um cálculo infinitesimal do movimento
(Vide nossas últimas obras e v.g. o Carpinteiro (il Falegname), a Reverência
(l’Inchino), Mudando de postura (Cambiando positura) etc.
Representando, por exemplo, como nós fizemos, o movimento de um
pêndulo, pondo em referência sua velocidade e seu tempo com dois eixos
ortogonais, obteremos uma curva sinusoidal contínua e infinita. Isto, porém, ocorre
com o pêndulo teórico, com o pêndulo imaterial uma vez que, considerando um
pêndulo material, obteremos uma representação que se afasta daquela teórica na
medida em que, praticamente, o pêndulo, depois de um certo tempo mais ou
menos breve, mas sempre finito, pára.
Fica naturalmente entendido que em ambos os casos as linhas que
representam tal movimento são contínuas e não representam de maneira alguma
a realidade do fenômeno. De fato, na realidade, aquelas linhas deveriam ser
compostas por um número infinito de vibrações menores introduzidas assim pela
resistência do ponto de abordagem, a qual não é contínua mas feita por pequenos
impulsos, como por outros infinitos coeficientes. Ora: uma vez que é mais eficaz
uma representação sintética – que tem, porém, em sua essência um valor
analítico divisionista – em lugar de sintético impressionista – (entendemos neste
caso divisionismo e impressionismo em sentido filosófico), assim a representação
do movimento realístico será muito mais eficaz numa síntese, - que tem em sua
essência um valor analítico divisionista (exemplo, Falegname, Inchino, etc) – do
que numa análise, e em modo particular, quando esta é somente superficial:
quando, isto é, não é minuciosamente interestática, mas se expressa apenas
como uma estática sucessiva (exemplo: a Datilógrafa).
Portanto, como na pintura foi sugerida a Seurat, pela obra científica de
Rood, a questão essencial do divisionismo cromático (Síntese no efeito e análise
no meio), assim à pintura movimentista é hoje indicada pela Fotodinâmica a
necessidade de um divisionismo movimentista, que seja síntese no efeito e análise
no meio. Entretanto – que fique bem claro – análise íntima, porém profunda,
sensível, mais do que facilmente perceptível.
Isso nós já o dissemos demonstrando que, se a anatomia é necessária à
representação estática, assim a anatomia do gesto – análise íntima – é
indispensável à representação movimentista, a qual, de tal modo, não dará trinta
figuras do mesmo objeto para representar um objeto em movimento, mas dará
este infinitamente multiplicado e esparso, enquanto na figura presente o dará
diminuído.
A Fotodinâmica, portanto, pode estabelecer dados positivos na construção
da realidade movimentada, tal como a fotografia o faz com seus próprios
resultados, que são positivos para a realidade estática.
O artista, pesquisador de formas e de combinações que caracterizam um
estado qualquer que o interesse do real, pode, na Fotodinâmica, encontrar uma
base de experiências que facilite suas buscas e suas intuições para uma
representação dinâmica do real; pois são indiscutíveis os nexos firmes e
essenciais que ligam o desenvolvimento de qualquer ação real com a concepção
artística, conquanto que isto ocorra afirmando-se independentemente de qualquer
comparação formal com a própria realidade.
Estabelecido este primeiro princípio de irmandade essencial, não apenas
com a concepção artística e a representação da realidade, mas também entre
aquela e a aplicação artística, percebe-se facilmente quais e quantas podem ser
as pistas que uma representação dinâmica pode dar ao artista, seu profundo
pesquisador.
Assim, a luz e o movimento em geral, a luz que age sobre os movimentos e
conseqüentemente os movimentos da luz têm na Fotodinâmica sua revelação. Isto
porque – dado o transcendentalismo do fenômeno do movimento – somente com
a Fotodinâmica o pintor poderá saber o que acontece nos estados
intermovimentais gerais e poderá conhecer os volumes de cada movimento,
poderá analisá-lo em cada mínimo detalhe e ficar conhecendo o aumento de valor
estético de um corpo arremessado, ou a diminuição do mesmo, relativamente à
luz e às conseqüências de desmaterialização do movimento. Apenas com a
Fotodinâmica é que o artista poderá possuir os elementos necessários para
construir uma obra de arte na síntese desejada.
O escultor Roberto Melli escrevia-me a propósito de como lhe parece que a
Fotodinâmica tenha que “tomar, para estas novas pesquisas movimentistas, as
quais tão vivamente começam a impressionar a consciência dos artistas, aquele
lugar que até hoje tem sido ocupado pelo desenho, fenômeno físico e mecânico,
bem diferente daquele do transcendentalismo físico da Fotodinâmica, que está
para o desenho assim como as novas correntes da estética estão para a arte
passada”.
Para James o movimento era “o fato de ocupar uma série de pontos
sucessivos do espaço, correspondente a uma série de momentos sucessivos do
tempo”.
Não observa porém, o modo pelo qual se chega de um ponto ao outro
durante estes momentos. E tais estados intermovimentais, cuja matéria é a pura
trajetória, são o expoente da passagem de um ponto a outro, como de um
momento a outro, uma vez que o tempo vem traduzido em espaço.
Com eles a imagem mais remotamente existida no espaço será muito mais
débil e desvanecente do que aquela presente, e esta será tanto mais realística
quanto menos veloz for o gesto.
Ter-se-á um tema icônico cada vez mais saliente, decidido, à medida que
nos aproximarmos do átimo de existência da última imagem em movimento e o
tempo será levado por nós decididamente como uma quarta dimensão do espaço,
vindo a possuir um elemento bastante notável para a sensação do gesto fazendo
obra muito mais cronográfica do que aquela do sistema Marey, que foi chamado
de cronográfico apenas porque capta alguns raros tempos, isto é, alguns estados
de um gesto.
Porém, vale a pena voltar brevemente a este sistema.
Se examinarmos a cronofotografia como meio científico dirigido a estudar o
movimento, deve ser notado que, para tal estudo, é necessária uma análise
minuciosa que a cronofotografia não dá, por saltar de um ponto do movimento a
outro bem distante, não apenas não conseguindo conhecer aquelas entidades
existentes e fugidias que a Fotodinâmica percebe e que são por nós indicadas
como os estados interestáticos, intermovimentais e intermomentais de um gesto,
mas sem conseguir sequer conhecer todos os estados estáticos essenciais que
compuseram o gesto em sua parte, digamos, mais material.
De tal modo, enquanto a Fotodinâmica nega a instantânea e os velhos
valores de linha e de cor, procurando novas sensações de ritmo, a cronofotografia
usa a instantânea como sua base absoluta e mantém os velhos valores de linha e
de cor. Enquanto a Fotodinâmica quer dar o resultado dinâmico do gesto, isto é, a
síntese de trajetória – mas também pode analisar minuciosamente cada
deslocamento dos corpos em movimento e assinalar a ação do tempo e captar
mesmo o que acontece nos intervalos, fornecendo ao mesmo tempo cada mais
diminuto valor de trajetória e retratando as figuras naquela desmaterialização que
nossos olhos sentem e que, portanto, nossos sentidos gozam – a cronofotografia
não analisa as imagens, é feita de longínquas instantâneas brutalmente
realísticas, não observa a não ser a vigésima parte da multiplicação dos corpos no
deslocamento, não vê a trajetória que é nosso fim artístico, por ser fonte da
sensação dinâmica, não fornece a desmaterialização das figuras, não retrata o
ritmo, tendo retirado dele apenas raros elementos e não pode dar, portanto,
nenhuma emoção dinâmica, nem nenhuma verdadeira reconstrução porque, em
suma, é preciso repetir que não se dirige nem a esta nem àquela.
Bérgson diz: “Na mobilidade vivente das coisas, o intelecto preocupa-se em
assinalar umas estações reais, virtuais; ou seja, marca algumas partidas e
algumas chegadas. É tudo aquilo que importa ao pensamento do homem
enquanto simplesmente humano. Captar aquilo que sucede no intervalo é mais do
que humano”.
Ora, enquanto com o cinema e com o equivalente sistema de Marey, nós,
num lance, somos levados de um estado a outro dos que compuseram o
movimento, sem nos preocupar com os estados intermovimentais do gesto;
enquanto com a fotografia temos um único estado, a Fotodinâmica, lembrando
também o que ocorreu entre um estado e outro, cumpre obra que transcende a
condição humana, de tal forma a tornar-se uma fotografia transcendental do
movimento, pela qual concebemos também uma nova máquina que saiba fazer
perceber, melhor do que hoje, os gestos dos outros traçados num mesmo ponto,
sempre porém restando estes em relação com a própria idade; e sempre
permanecendo idealizados na deformação e na destruição sofrida no movimento e
na luz traduzindo-se eles em trajetória.
Pois, quando nos dizem que as imagens contidas em nossas fotodinâmicas
são inseguras e dificilmente precisáveis, não fazem outra coisa a não ser reparar
numa mera característica da Fotodinâmica que se apraz justamente em lembrar
deformadas as imagens uma vez que estas, inevitavelmente, se transformam por
si mesmas em movimento, e porque é nosso objetivo o afastamento mais
esforçado da realidade, por já existirem a cinematografia, a fotografia e a
cronofotografia para a reprodução fria mecanicamente precisa.
Nós buscamos a essência interior das coisas: o movimento puro, e
preferimos tudo em movimento, pois, neste estado, as coisas, desmaterializando-
se, idealizam-se, apesar de conservarem em profundidade um forte esqueleto de
verdade.
É nisto que consiste nosso objetivo, é com isto que queremos elevar a
fotografia até aquelas alturas para as quais hoje ela tende impotente por estar
privada dos elementos necessários para sua elevação – dados os critérios
ordenadores que a conformam qual precisa reprodutora da realidade – e porque,
por um outro lado, jaz dominada por aquele ridículo e bestial elemento negativo
que é a instantânea, até agora surgida como grande potência científica, enquanto
não passa de risível absurdo.
Porém, também na análise científica do movimento, isto é, na multiplicação
da realidade para o estudo da deformação desta no movimento, nós, possuindo
não um, mas inúmeros valores do gesto, repetimos a idéia deste, insistimos,
impomos e voltamos sem vacilação, sem cansaço, sobre ela, até afirmá-la
definitivamente com a demonstração obsessiva daquela sua qualidade exterior e
interior que para nós é essencial.
Não há dúvida que de tal multiplicação de entidades nós venhamos a obter
uma multiplicação de valores, apta para enriquecer cada fato de uma
personalidade mais imponente.
Assim, se repetirmos, nos principais estados de seu gesto, a figura de uma
dançarina que agita uma perna no ar, piruetando, esta, mesmo não possuindo a
trajetória própria e mesmo não fornecendo uma sensação dinâmica, será tanto
mais dançarina e tanto mais dançante do que uma única figura, parada num único
daqueles estados que formaram o movimento.
O quadro, portanto, poderá ser invadido e perpassado pela essência do
sujeito, poderá ser obcecado pelo sujeito de tal modo a invadir e obcecar
energicamente o público com seus próprios valores. Ele não deverá existir como a
coisa passiva da qual o público se apodera sem preocupações para dela fruir, mas
sim a coisa ativa que impõe ao público a própria essência libérrima, a qual por isso
mesmo não pudera ser capturada com a insípida facilidade de todas as coisas por
demais fiéis à realidade rotineira.
Para este estudo da realidade multiplicada nos seus volumes, para a
multiplicação da sensação plástica lírica destes volumes, já concebemos um
método de pesquisa, bastante original em seu meio mecânico, que já expusemos
a alguns amigos.
Contudo, por enquanto, pesquisamos a trajetória, síntese do gesto,
fascinadora de nosso senso, vertiginosa expressão lírica da vida, viva reevocadora
da magnífica emoção dinâmica de que o universo vibra incessantemente.
Tentamos retratar, além da expressão estética dos motivos, também a
emoção interior sensorial cerebral e psíquica que experimentamos, enquanto um
gesto deixava atrás de si seu soberbo e irrompente rastro.
Isto para poder providenciar aos outros os elementos necessários para
tornar a experimentar a emoção desejada.
É na presente pesquisa do interior de um gesto que se baseiam todos os
valores artísticos emotivos que existem no Fotodinamismo.
Àqueles, finalmente, que pensam não haver necessidade de levar adiante
tais pesquisas com meios fotográficos, uma vez que existe a pintura, nós
retrucamos que, mesmo sem fazer concorrência alguma à pintura e operarmos em
campos totalmente diversos, os meios da ciência fotográfica são tão rápidos,
fecundos e poderosos que se configuram com muito mais futuro e muito mais
concordes com as exigências da vida que evolui do que todos os outros velhos
meios de representação.
A ESCULTURA FUTURISTA
U. BOCCIONI
11 de abril de 1912
Não pode haver renovação alguma em uma arte se não vem renovada a
essência, isto é, a visão e a concepção da linha e das massas que formam o
arabesco. Não é só reproduzindo os aspectos exteriores da vida contemporânea
que a arte se torna expressão do próprio tempo, e, por isto, a escultura, como tem
sido entendida até hoje pelos artistas do século passado e do presente, é um
monstruoso anacronismo!
A escultura não tem progredido, por causa da restrição do campo que lhe
foi atribuído pelo conceito acadêmico do nu. Uma arte que tem necessidade de
desnudar inteiramente um homem ou uma mulher para começar a sua função
emotiva é uma arte morta! A pintura se revigorou, aprofundada e alargada
mediante a paisagem e o ambiente postos a agir simultaneamente sobre a figura
humana ou sobre os objetos, chegando à nossa futurista COMPENETRAÇÃO
DOS PLANOS (Manifesto Técnico da Pintura Futurista; 11 de abril de 1910).
Assim, a escultura encontrará novo manancial de emoção, portanto de estilo,
estendendo a sua plástica àquilo que a nossa rudeza bárbara nos tem feito
considerar até hoje como subdividido, impalpável, portanto, inexprimível
plasticamente.
Nós devemos partir do núcleo central do objeto que se quer criar, para
descobrir as novas leis, isto é, as novas formas que o ligam invisível mas
matematicamente ao INFINITO PLÁSTICO APARENTE e ao INFINITO PLÁSTICO
INTERIOR. A nova plástica será, portanto, a tradução no gesso, no bronze, no
vidro, na madeira, e em qualquer outro material, dos planos atmosféricos que
ligam e intersectam as coisas. Esta visão que eu chamei
TRANSCENDENTALISMO FÍSICO (Conferência sobre a Pintura Futurista no
Círculo Artístico de Roma, Maio 1911) poderá tornar plásticas as simpatias e as
afinidades misteriosas que criam as recíprocas influências formais dos planos dos
objetos.
A escultura deve, portanto, fazer viver os objetos tornando sensível,
sistemático e plástico o seu prolongamento no espaço, uma vez que ninguém
pode mais duvidar que um objeto acabe onde um outro comece, e não haja
nenhum que circunde o nosso corpo: garrafa, automóvel, casa, árvore, estrada,
que não o talhe e não o seccione com um arabesco de curvas retas.
Duas foram as tentativas de renovação moderna da escultura: uma
decorativa pelo estilo, a outra puramente plástica pela matéria. À primeira,
anônima e desordenada, faltava o gênio técnico coordenador, e, mais ligada às
necessidades econômicas da arte de edificar, não produziu mais que peças de
escultura tradicional mais ou menos decorativamente sintetizadas e enquadradas
em motivos ou perfis arquitetônicos ou decorativos. Todos os palácios e as casas
construídas com um critério de modernidade têm em si estas tentativas em
mármore, em cimento ou em placas metálicas.
À segunda, mais genial, desinteressada e poética, mas por demais isolada
e fragmentária, faltava um pensamento sintético que afirmasse uma lei. Pois que
na obra de renovação não basta crer com fervor, mas ocorre propugnar e
determinar alguma norma que assinale uma estrada. Aludo ao gênio de Medardo
Rosso, a um Italiano, ao único grande escultor moderno que tenha tentado abrir
para a escultura um campo mais vasto, dar com a plástica as influências de um
ambiente e os liames atmosféricos que o ligam ao sujeito.
Dos outros três grandes escultores contemporâneos, Constantin Meunier
nada trouxe de novo na sensibilidade escultural. As suas estátuas são quase
sempre fusões geniais do heróico grego com a atlética humildade do carregador,
do marinheiro, do mineiro. A sua concepção plástica e construtiva da estátua e do
baixo-relevo é ainda aquela do Parthenon e do herói clássico, mesmo tendo ele
pela primeira vez tentado criar e divinizar sujeitos antes nele desprezados ou
deixados à baixa reprodução do natural (verista).
La Bourdelle traz no bloco escultural uma severidade quase raivosa de
massas abstratamente arquitetônicas. Temperamento apaixonado, torvo, sincero
de indagador, não sabe desventuradamente liberar-se de uma certa influência
arcaica e daquela anônima de todos os talhadores de pedra das catedrais góticas.
Rodin é de uma agilidade espiritual mais vasta, que lhe permite caminhar
do impressionismo de Balzac à incerteza dos Burgueses de Calais e a todos os
outros pecados michelangescos. Ele traz na sua escultura uma inspiração inquieta
um ímpeto lírico grandioso que seriam verdadeiramente modernos se
Michelangelo e Donatello não os houvessem tido, com quase idênticas formas, há
quatrocentos anos, e se servissem, ao invés, para animar uma realidade
completamente recriada.
Temos, portanto, na obra destes três grandes engenhos, influências de
períodos diversos: grega, em Meunier; gótica, em La Bourdelle; da renascença
italiana, em Rodin.
A obra de Medardo Rosso é, ao contrário, revolucionária moderníssima,
mais profunda e necessariamente restrita. Nessa não se agitam heróis nem
símbolos, mas o plano de uma testa de mulher ou de criança, acena uma
libertação em direção ao espaço, que terá na história do espírito uma importância
bem maior que aquela que não lhe havia dado o nosso tempo.
Infelizmente, as necessidades impressionísticas da tentativa limitaram a
pesquisa de Medardo Rosso a uma espécie de alto ou baixo-relevo, o que
demonstra que a figura é ainda concebida como mundo em si, com base
tradicional e propósitos episódicos.
A revolução de Medardo Rosso, porquanto importantíssima, parte de um
conceito exteriormente pictórico, negligencia o problema de uma nova construção
dos planos e o toque sensual do polegar, que imita a ligeireza da pincelada
impressionista, dá um sentido de vivaz imediatismo, mas obriga á execução rápida
do verdadeiro e tolhe à obra de arte o seu caráter de criação universal. Tem,
portanto, os mesmos méritos e defeitos do impressionismo pictórico, de cuja
pesquisa parte a nossa revolução estética, a qual, continuando-a, se afasta em
direção ao extremo oposto.
Em escultura, como em pintura, não se pode renovar, senão procurando o
ESTILO DO MOVIMENTO, isto é, tornando sistemático e definitivo como síntese
aquilo que o impressionismo deu como fragmentário, acidental, portanto analítico.
E esta sistematização das vibrações das luzes e das compenetrações dos planos
produzirá a escultura futurista, cujo fundamento será arquitetônico, não somente
como construção de massas, mas de modo que o bloco escultural tenha em si os
elementos arquitetônicos do AMBIENTE ESCULTURAL no qual vive o sujeito.
Naturalmente, nós daremos uma escultura de AMBIENTE.
Uma composição escultural futurista terá em si os maravilhosos elementos
matemáticos e geométricos que compõem os objetos do nosso tempo. E estes
objetos não ficarão perto da estátua como atributos explicativos ou elementos
decorativos destacados, mas, seguindo as leis de uma nova concepção de
harmonia, serão introduzidos nas linhas musculares de um corpo. Assim, da axila
de um mecânico poderá sair a roda de uma máquina, assim a linha da mesa
poderá talhar a cabeça de quem lê, e o livro seccionar com seu leque de páginas
o estômago do leitor.
Tradicionalmente a estátua se entalha e se delineia sobre o fundo
atmosférico do ambiente no qual é exposta: A pintura futurista superou esta
concepção da continuidade rítmica das linhas em uma figura e, do isolamento dela
do fundo e do ESPAÇO ENVOLVENTE INVISÍVEL. “A poesia futurista – segundo o
poeta Marinetti – depois de haver destruído a métrica tradicional e criado o verso
livre, destrói agora a sintaxe e o período latino. A poesia futurista é uma corrente
espontânea ininterrupta de analogias, cada uma reassumida intuitivamente no
substantivo essencial. Portanto, imaginação sem fios e palavras em Liberdade”. A
música futurista de Balilla Pratella infringe a tirania cronométrica do ritmo.
Por que a escultura deveria permanecer para trás, ligada a leis que
ninguém tem o direito de lhe impor? Reviremos tudo, portanto, e proclamemos a
ABSOLUTA E COMPLETA ABOLIÇÃO DA LINHA ACABADA E DA ESTÁTUA
FECHADA. ESCANCAREMOS A FIGURA E FECHEMOS NELA O AMBIENTE.
Proclamemos que o ambiente deve fazer parte do bloco plástico como um mundo
por si e com leis próprias; que a calçada pode subir sobre a sua mesa e sua
cabeça pode atravessar a estrada, enquanto entre uma casa e a outra a sua
lâmpada prende a sua teia de aranha de raios de gesso.
Proclamemos que todo o mundo aparente deve precipitar-se sobre nós,
amalgamando-se, criando uma harmonia com a única medida da intuição criativa;
que uma perna um braço ou um objeto, não tendo importância senão como
elementos do ritmo plástico, podem ser abolidos, não para imitar um fragmento
grego ou romano, mas para obedecer à harmonia que o autor quer criar. Um
conjunto escultural, como um quadro, não pode se assemelhar senão a si próprio,
pois a figura e as coisas devem viver em arte além da lógica fisionômica.
Assim, uma figura pode estar vestida em um braço e nua no outro, e as
diversas linhas de um vaso de flores podem perseguir-se agilmente entre as linhas
do chapéu e as do pescoço.
Assim, os planos transparentes, os vidros, as lâminas de metal, os fios, as
luzes elétricas externas ou internas poderão indicar os planos, as tendências, os
tons, os semitons de uma nova realidade.
Assim, uma nova intuitiva coloração de branco, de cinza, de preto, pode
aumentar a força emotiva dos planos, enquanto a nota de um plano colorido
acentuará com violência o significado do fato plástico!
Isto que dissemos sobre as LINHAS-FORÇA em pintura (Prefácio-
manifesto ao catálogo da Primeira Exposição Futurista de Paris, outubro de 1911),
pode-se dizer também para a escultura, fazendo viver a linha muscular estática na
linha-força dinâmica. Nesta linha muscular predominará a linha reta, que é a única
correspondente à simplicidade interna das sínteses que nós contrapomos ao
barroquismo externo da análise.
Mas a linha reta não nos conduzirá à imitação dos egípcios, dos primitivos
ou dos selvagens, como algum escultor moderno tem desesperadamente tentado
para libertar-se do grego. A nossa linha reta será viva e palpitante; apresentar-se-á
a todas as necessidades das infinitas expressões da matéria, e a sua nua
severidade fundamental será o símbolo da severidade de aço das linhas do
maquinário moderno.
Podemos, enfim, afirmar que, na escultura, o artista não deve retroceder
diante de nenhum meio, conquanto que obtenha uma REALIDADE. Nenhum medo
é mais tolo que aquele que nos faz temer sair da arte que exercitamos. Não existe
nem pintura, nem escultura, nem música, nem poesia, há apenas criação!
Portanto, se uma composição sente a necessidade de um ritmo especial de
movimento que ajude ou contraste o ritmo fechado do CONJUNTO ESCULTURAL
(necessidade da obra de arte) poder-se-á aplicar aqui um maquinismo qualquer
que possa dar um movimento rítmico adequado a planos ou a linhas.
Não podemos esquecer que o tic-tac e as esferas em movimento de um
relógio, que a entrada ou a saída de um êmbolo em um cilindro, que o abrir-se e o
fechar-se de duas rodas dentadas com o aparecer e o desaparecer contínuo de
seus retangulozinhos de aço, que a fúria de um volante ou o turbilhão de uma
hélice, são todos elementos plásticos e pictóricos dos quais uma obra escultural
futurista deve valer-se. O abrir-se e o fechar-se de uma válvula cria um ritmo
igualmente belo, mas infinitamente mais novo que o de uma pálpebra animal!
CONCLUSÕES
F.T.MARINETTI
Toda a pungente doçura da juventude desaparecida lhe subia pela garganta, como dos
quintais das escolas sobem os gritos alegres das crianças e alcançam os mestres debruçados
ao parapeito dos terraços dos quais vêem-se fugir os navios...
BRUNO CORRA
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Antes de descrever – por que, por enquanto, nada mais pôde ser feito – as
últimas sinfonias de cor bem-sucedidas vou tentar dar a quem lê, uma idéia
mesmo remota do efeito de um ajuntamento de cores desenvolvido no tempo,
tentarei pôr-lhe sob os olhos alguns poucos esboços (que estão aqui do meu lado)
de um filme projetado já há algum tempo, o qual, irá preceder as representações
públicas, acompanhado por esclarecimentos oportunos (constará de uma
quinzena de motivos cromáticos de extrema simplicidade, de duração de cerca de
um minuto cada, separados uns dos outros, os quais irão servir para que o público
compreenda a legitimidade da música cromática, capte seu mecanismo e se
condicione de modo a conseguir fruir das sinfonias de cor que irão aparecer em
seguida, primeiramente simples, e em seguida cada vez mais complexas); os
temas cromáticos que estão debaixo de meus olhos, esboçados sobre fitas de
celulóide, são três: o primeiro é quanto de mais simples se pode imaginar, com
apenas duas cores complementares, vermelho e verde. No começo toda a tela é
verde, depois, aparece no centro uma estrelinha vermelha com seis pontas, a qual
gira sobre si própria vibrando as pontas como tentáculos e vai aumentando,
aumentando, até ocupar toda a tela, a tela toda fica vermelha e então, de repente,
sobre toda a superfície iluminada aparece um vislumbrar nervoso de pontos
verdes que vão crescendo até devorar inteiramente o vermelho, no fim a tela toda
é verde e isto dura um minuto; o segundo é de três cores, azul, branco e amarelo-,
num campo azul duas linhas, amarela uma e branca a outra, movem-se, fletem-se
uma em direção à outra, afastam-se, rolam sobre si mesmas até aproximarem-se
ondejando e abraçarem-se entre si entrelaçando-se -, este é um exemplo de tema
de linhas mais cor; o terceiro é das sete cores do espectro solar, em forma de sete
cubinhos os quais estão primeiramente dispostos sobre uma linha horizontal na
parte baixa da tela, sobre fundo preto, movem-se com pequenos impulsos,
reúnem-se em grupos entre si, arremessam-se uns contra os outros,
despedaçando-se para recomporem-se logo, diminuem e aumentam de tamanho,
enfileiram-se e dispõem-se em coluna, entram uns nos outros, deformam-se...etc.
E agora só me resta informar ao leitor quanto às provas mais recentes.
Trata-se de dois filmes de cerca de duzentos metros de comprimento; o primeiro é
intitulado O Arco-Íris, as cores do arco-íris constituem o tema dominante que
comparece cada vez mais de modo diferente, e sempre mais intensamente até
estourar no fim com uma violência ofuscante, no começo a tela é cinza, depois,
pouco a pouco neste fundo cinza manifesta-se como que um abalo levíssimo de
palpitações irisadas, as quais parecem subir das profundezas do cinza, como
bolhas de uma fonte e, chegando à superfície, estouram e desvanecem – a inteira
sinfonia baseia-se sobre este efeito de contraste entre o cinza-nuvem do fundo e o
arco-íris, que lutam entre si, - a luta acentua-se, o íris afogando-se por baixo de
turbilhões cada vez mais negros que rolam do fundo para frente, debate-se,
consegue desvencilhar-se, espraia-se, para desaparecer de novo e retornar mais
violentamente atacando na periferia, até que num repentino desmoronamento, o
cinza todo esfarela-se e o íris triunfa num turbilhoar de girândolas que, por sua
vez, finalmente, desaparecem, sepultadas sob uma avalancha de cores; e o
segundo é intitulado A dança, as cores predominantes são o carmesim, o roxo e o
amarelo que são continuamente reunidos entre si, desjuntados e arremessados
um contra o outro em ágeis piruetas de pião.
Terminei. Não adianta continuar escrevendo, porque nunca conseguiria
chegar a dar mais do que uma idéia muito afastada dos efeitos da cor. É preciso
que cada um pense por si.
Tudo o que se pode fazer é abrir o caminho: e isto me parece tê-lo feito, um
pouco. Gostaria de acrescentar algo a respeito do drama cromático com o qual já
fizemos alguns experimentos interessantes, mas seria longo demais. Talvez fale
nisso outra vez, num outro ensaio sobre a música das cores, que, juntamente com
este, espero, preparará o público para julgar serenamente as sonatas que verá em
breve no teatro.
Existe na Itália alguém que queira interessar-se seriamente por isto? Se
assim for, que me escreva e terei grande prazer em comunicar-lhe tudo isto (que é
muito) que não pude escrever aqui e que poderia facilitar-lhe o caminho.
VALENTINE DE SAINT-POINT
C. CARRÀ
11 de agosto de 1913
ENRICO PRAMPOLINI
G. SEVERINI
“A analogia não é mais que o amor imenso que reúne as coisas distantes,
aparentemente diferentes e hostis.
Por meio de analogias vastíssimas, este estilo orquestral, ao mesmo tempo
policromo, polifônico e polimorfo, pode abraçar a vida da matéria”.
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Portanto, por meio das analogias, nós penetramos tudo o que há de mais
expressivo na realidade e damos simultaneamente a matéria e a vontade ao
máximo da sua atividade intensiva e expansiva.
Com a compenetração dos planos e com a simultaneidade do ambiente nós
demos a influência recíproca dos objetos e a vitalidade-ambiente da matéria
(intensidade e expansão de objeto + ambiente) com as analogias plásticas nós
alargamos até o infinito o campo destas influências, continuidades, vontades e
contrastes cuja forma única criada pela nossa sensibilidade plástica é a expressão
da vitalidade absoluta da matéria ou dinamismo universal (intensidade e expansão
do objeto + ambiente, através de todo o universo, até a diferença específica).
Nós reconduzimos, além disso, a emoção plástica à sua origem física e
espontânea: a natureza da qual todo elemento filosófico ou cerebral tenderia a
afastá-la. Por isto, apesar de as nossas obras de criação representarem uma vida
interior, em tudo diferente da vida real, a nossa pintura e escultura das analogias
plásticas pode se chamar pintura e escultura d’après nature.
Existem duas espécies de analogias: as analogias reais e as analogias
aparentes. Por exemplo:
PELA FORMA
PELA COR
O TEATRO DE VARIEDADE
(1913)
F.T.MARINETTI
(1) Cômicos que faziam imitações caricaturais de pessoas presentes entre o público.
29 de setembro de 1913
Trad.: J. Guinsburg
GIACOMO BALLA
29 de dezembro de 1913
ARDENGO SOFFICI
B. CORRADINI, E. SETTIMELLI
11 de março de 1914
A crítica nunca existiu e não existe. A pseudocrítica passadista que nos tem
nauseado até ontem não tem sido outra senão um vício solitário de impotentes,
desabafo bilioso de artistas frustrados, palavrório inútil, dogmatismo vaidoso em
nome de autoridades inexistentes. Nós, futuristas, sempre negamos todo direito de
julgamento a esta atividade anfíbia, uterina e imbecil. A primeira crítica nasce hoje
na Itália por obra do Futurismo. Mas, desde que as palavras crítico e crítica estão
já desonradas pelo uso imundo que se lhes fez, nós, futuristas, as abolimos
definitivamente para adotar em seu lugar os termos MENSURAÇÃO e
MENSURADOR.
CONCLUSÕES FUTURISTAS:
UMBERTO BOCCIONI
* * *
F.T. MARINETTI
15 de março de 1914
FUMA R
A ARQUITETURA FUTURISTA
1914
ANTONIO SANT’ELIA
E PROCLAMO:
1.Que a arquitetura futurista é a arquitetura do cálculo, da audácia temerária e da
simplicidade; a arquitetura do cimento armado; do ferro, do vidro, do papelão, da
fibra têxtil e de todos os sucedâneos da madeira, da pedra e do tijolo que
permitem a obtenção da máxima elasticidade e leveza;
2. Que a arquitetura futurista não é por isso uma árida combinação de praticidade
e de utilidade, mas permanece arte, isto é, síntese, expressão;
3.Que as linhas oblíquas e elípticas são dinâmicas, por sua própria natureza
possuem uma potência emotiva mil vezes superior à das perpendiculares e
horizontais, e que não pode existir uma arquitetura dinamicamente integrada fora
delas;
4.Que a decoração, como alguma coisa de sobreposto à arquitetura, é um
absurdo, e que SOMENTE DO USO E DA DISPOSIÇÃO ORIGINAL DO
MATERIAL TOSCO OU NU OU VIOLENTAMENTE COLORIDO PROVOCAM O
VALOR DECORATIVO DA ARQUITETURA FUTURISTA;
5.Que, como os antigos buscaram a inspiração artística nos elementos da
natureza, nós – material e espiritualmente artificiais – devemos encontrar aquela
inspiração nos elementos do novíssimo mundo mecânico que criamos, do qual a
arquitetura deve ser a mais bela expressão, a síntese mais completa, a integração
mais eficaz;
6.A arquitetura como arte de dispor as formas dos edifícios segundo critérios
preestabelecidos terminou;
7.Por arquitetura deve-se entender o esforço de harmonizar com liberdade e
grande audácia o ambiente e o homem, isto é, tornar o mundo das coisas uma
projeção direta do mundo do espírito;
8.De uma arquitetura assim concebida não pode nascer nenhum hábito plástico e
linear, porque as características fundamentais da arquitetura futurista serão a
caducidade e a transitoriedade. AS COISAS DURARÃO MENOS QUE NÓS.
CADA GERAÇÃO TERÁ DE FABRICAR A SUA PRÓPRIA CIDADE. Esta
constante renovação do ambiente arquitetônico contribuirá para a vitória do
FUTURISMO, que já se afirma com AS PALAVRAS EM LIBERDADE, O
DINAMISMO PLÁSTICO, A MÚSICA SEM COMPASSO E A ARTE DOS
RUMORES e pelo qual lutamos sem trégua contra a velhacaria passadista.
UMBERTO BOCCIONI
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O aumento de fixidez gerado pela análise faz com que Picasso perca o
sentido de volume que era uma das principais vontades de Cézanne. A análise
extremada do volume conduziu-o de trabalho em trabalho a uma abreviação da
representação dos corpos. Ele acabou por dar o indício, a indicação da forma. Ao
invés do volume, ele dá a fórmula equivalente. Por isso dada a transparência e a
maleabilidade destas formas ou esquemas de formas, a possibilidade de
multiplicá-la torna-se infinita. Daí o intrincadíssimo arabesco picassiano.
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UMBERTO BOCCIONI
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A natureza foi para os impressionistas como que algo fora deles e o que
julgavam inatingível era o controle que faziam dos inúmeros aspectos de uma
realidade que acreditavam estar fora deles, e que estava, ao contrário, dentro
deles como experiência de cultura resultante de todas as épocas pictóricas
anteriores.
O que nós pintores e escultores queremos, ao invés disso, é um oposto que
se fundamente em suas bases. Isto é, a retomada e a continuação lógica das
pesquisas impressionistas antes de sua involução e decadência.
Esta continuidade da evolução estética que em arte procede fatalmente,
acima das contingências humanas de sucesso e de moda, aparecerá mais clara
no seguinte quadro sinótico, principalmente para quem está a par da pintura
francesa nos últimos trinta anos...
(*) Lembro-me dos títulos de dois quadros que faziam parte de uma recente exposição de Henri-
Edmond Cross na Galeria Bernheim, em Paris: “deux octobre, trois heures (vent) nord-est” e um
outro “arc-en-ciel (est) 19 octobre, 4h. 30” ... não se poderia ser mais frigidamente conseqüentes
numa teoria.
Impressionismo
Manet
―
Monet Cézanne
Cor } Sisley Degas { Forma
(sensação) Picasso Gauguin (intelecto)
Renoir Van-Gogh
Derain
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Para ir em direção do estilo clássico da nossa época, é preciso ao contrário,
viver a sensação que nos vem da renovação impressionista, esquecer a rigidez da
contemplação tradicional do natural, conceber e determinar em uma forma, a
relação plástica que existe entre conhecimento do objeto e sua aparição. Quem
não compreende e não aplica isto em pintura e em escultura, está fora da
verdade.
A impressão viverá, portanto, na duração através da forma única do seu
desenvolver-se. Logo, a impressão não é, para nós, a execução do objeto que
parou em sua reprodução aproximativa e da qual os impressionistas se serviram
para aludir ao movimento, mas é o objeto dado na sua complexidade de sensação
(aparição) e de construção (conhecimento).
O conhecimento possibilita a construção que se refere às massas
componentes do objeto em direção centrípeta. A aparição propõe a construção
referente às partes que unem o objeto à atmosfera e aos outros objetos, em
direção centrífuga.
A primeira equivale, como força do objeto, à quantidade e a segunda à
qualidade.
A afirmação destes valores essenciais confere à pintura e à escultura
futuristas e possibilidade de criar a solidificação da impressão, e reage contra a
dissolução da decadência impressionista sem voltar a uma construção estática
dos corpos. Nós, portanto, reconduzimos a plástica ao volume, à corporeidade,
aos valores horizontais, às espessuras completamente perdidas após o
impressionismo, por causa do culto tradicional e excessivo pelas aparências. A
aparência luminosa tornara-se, nos impressionistas, uma nociva degeneração do
estudo do natural, que os conduzia a uma evaporação esbranquiçada dos corpos
e destruía toda construção elementar. Mas voltando aos elementos fundamentais
da estrutura dos corpos, nós não negamos, como faz a teoria cubista, aquelas que
foram as conquistas dos impressionistas: a atmosfera, o movimento e o lirismo.
Pelo contrário, temos enriquecido o objeto, porque enquanto os impressionistas
para criar esta atmosfera subtrairiam 50 de solidez formal a uma unidade-objeto
do valor de 100, para acrescentar outro tanto de atmosfera, nós criamos, ao invés
disso, uma nova unidade-objeto no valor de 150. Por isso teremos: objeto (100)
mais atmosfera (50), igual a objeto-ambiente (150). Esta concepção
profundamente realística da estrutura dos corpos criou em pintura e em escultura
o Dinamismo, isto é, a solidificação da impressão, sem amputar o objeto ou isolá-
lo do único elemento que o nutre: a vida, isto é, o movimento. Com isto evitaremos
cair naquilo que a pintura foi até hoje: uma enumeração de objetos esculpidos
sobre um fundo.
Hoje a nossa evolução mental não nos permite mais ver um indivíduo ou
um objeto isolados do seu ambiente. Em pintura, o objeto não vive da sua
realidade essencial senão como resultante plástica entre objeto e ambiente.
Concebemos então o objeto como um núcleo (construção centrípeta) da
qual partem as forças (linhas-formas-força) que o definem no ambiente
(construção centrífuga), e determinam seu caráter essencial. Nós criamos com
isso uma nova concepção do objeto: o objeto-ambiente, concebido como uma
nova unidade indivisível. Portanto, se para os impressionistas o objeto é um
núcleo de vibrações que aparecem como cor, para nós, futuristas, o objeto é, além
disso, um núcleo de direções que aparecem como forma. Na potencialidade
característica destas direções encontramos o estado de ânimo plástico. Com esta
novíssima concepção dos movimentos da matéria, expressos não como valores
acidentais da interpretação sentimental e narrativa do natural, mas como
equivalentes plásticos da vida em si, é que nós chegamos à definição dinâmica da
impressão, que é a intuição da vida.
Esta é uma das bases da pintura futurista.
A SIMULTANEIDADE
1914
UMBERTO BOCCIONI
UMBERTO BOCCIONI
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Aquilo que eu intuí nos estados de alma é esta a síntese, isto é, o esforço
de fazer viver elementos plásticos renovados na corrente de uma emoção plástica
renovada.
Nós queremos através da nossa sensibilidade transformada, desenvolvida e
refinada no novo estremecimento da vida moderna, levar à pintura e à escultura,
elementos da realidade que até hoje o modo de ofender o tradicional e a nossa
rudeza nos fizeram considerar como plasticamente inexistentes e invisíveis.
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Logo: criação da atmosfera como novo corpo existente entre objeto e objeto
(solidificação do impressionismo); criação de uma nova forma extraída da força
dinâmica do objeto (linhas-força); criação de um novo objeto-ambiente
(compenetração dos planos); criação de uma nova construção emotiva além de
toda unidade de tempo e de lugar (recordação, sensação, simultaneidade).
Nós não daremos, pois, uma fórmula abstrata e fora de nós, mas sim, uma
fórmula que estará em nós e conosco, através da sensação.
Esta fórmula, que seria a integração completa disto que eu chamei
TRANSCENDENTALISMO FÍSICO, nasce da intuição da realidade concebida
como movimento. Logo, se a potencialidade plástica dos corpos suscita emoções
que interpretamos através de seus movimentos, são justamente esses
movimentos puros que nós fixaremos.
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A fé que temos no futuro, faz com que desprezemos nosso porvir imediato.
Será que chegamos a saber qual a aspiração da velocidade dos 300 quilômetros
por hora? Sabemos porque o homem é impelido a matar-se para subir a 5.000,
10.000, 20.000... até o infinito? Única necessidade, única vontade: SUBIR.
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ATÉCNICO
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DINÂMICO, SIMULTÂNEO
A síntese teatral futurista não será submetida à lógica, não conterá nada de
fotográfico, será autônoma, não se assemelhará senão a si mesma, extraindo da
realidade elementos que se combinam a gosto. Antes de mais nada, como para o
pintor e para o musicista existe uma vida mais restrita, porém mais intensa,
espalhada no mundo exterior, constituída de cores, formas, sons e ruídos, assim
para O HOMEM DOTADO DE SENSIBILIDADE TEATRAL EXISTE UMA
REALIDADE ESPECIALIZADA QUE ASSALTA OS NERVOS COM VIOLÊNCIA:
ela é constituída por aquilo que se chama O MUNDO TEATRAL.
O TEATRO FUTURISTA NASCE DE DUAS VITALÍSSIMAS CORRENTES
da sensibilidade futurista, esclarecidas nos dois manifestos: O TEATRO DE
VARIEDADE E PESOS, MEDIDAS E PREÇOS DO GÊNIO ARTÍSTICO, que são:
1) A NOSSA FRENÉTICA PAIXÃO PELA VIDA ATUAL, VELOZ, FRAGMENTÁRIA,
ELEGANTE, COMPLICADA, CÍNICA, MUSCULOSA, FUGAZ, FUTURISTA; 2) A
NOSSA MODERNÍSSIMA CONCEPÇÃO CEREBRAL DA ARTE SEGUNDO A
QUAL NENHUMA LÓGICA, NENHUMA TRADIÇÃO, NENHUMA ESTÉTICA,
NENHUMA TÉCNICA, NENHUMA OPORTUNIDADE É IMPOSSÍVEL À
GENIALIDADE DO ARTISTA QUE DEVE SOMENTE PREOCUPAR-SE EM
CRIAR EXPRESÕES SINTÉTICAS DE ENERGIA CEREBRAL QUE POSSUAM
VALOR ABSOLUTO DE NOVIDADE.
O TEATRO FUTURISTA saberá exaltar os seus espectadores, isto é, fazê-
los esquecer a monotonia da vida quotidiana, jogando-os através de um
LABIRINTO DE SENSAÇÕES MARCADOS PELA MAIS EXASPERADA,
ORIGINALIDADE E COMBINADAS DE MODO IMPREVISÍVEL.
O TEATRO FUTURISTA será toda noite uma ginástica que exercitará o
espírito da nossa raça para as velozes e perigosas ousadias que este ano futurista
torna necessárias.
CONCLUSÕES:
G. BALLA, F. DEPERO
11 de março de 1915
+ EXPANSÃO { ONOMATOPÉIAS
SONS
RUÍDOS
O BRINQUEDO FUTURISTA
A PAISAGEM ARTIFICIAL
O ANIMAL METÁLICO
CENOGRAFIA FUTURISTA
E. PRAMPOLINI
Reformemos a cena
Admitir, crer que uma cena existe até hoje é afirmar que o Homem, do
ponto de vista artístico, é absolutamente cego.
A cena não equivale a um aumento fotográfico de um retângulo de
realidade ou a uma síntese relativa, mas à adoção de um sistema teórico e
material de cenografia subjetiva completamente oposta à chamada cenografia
objetiva de hoje.
Trata-se não apenas de reformar a concepção da estrutura da encenação;
é preciso criar uma entidade abstrata que se identifique com a ação cênica da
peça.
É falso conceber a cena à parte, como um fato pictural:
a) porque não fazemos mais cenografia, mas simples pintura;
b) porque voltamos ao passado (isto é, ao passado...presente) onde a cena
exprime um tema, a peça desenvolve um outro. Estas duas forças que divergiam
(o autor teatral e o cenógrafo) devem convergir, a fim de que resulte a síntese total
da peça.
A cena deve viver a ação teatral em sua síntese dinâmica, deve exprimir,
como o autor exprime e vive em si imediatamente, a alma do personagem
concebido pelo autor.
Para reformar a cena, é preciso pois:
Renovemos a cena
O caráter absolutamente novo que nossa inovação dará à cena é a
abolição da cena pintada. A cena não será mais um fundo colorido, mas uma
arquitetura eletromecânica sem colorido, poderosamente vivificada por
emanações cromáticas de uma fonte luminosa, produzidas por refletores elétricos,
com vidros multicores, dispostos, coordenados analogicamente à psique de cada
ação cênica. A irradiação luminosa dessas girândolas, desses planos de luzes
coloridas, as combinações dinâmicas darão resultados maravilhosos de
compenetração, de intersecção de luzes e sombras. Nascerão daí vazios
abandonos, corporificações luminosas de exultação. Esses adicionamentos, esses
choques irreais, essa exuberância de sensações e com tudo isto as arquiteturas
dinâmicas da cena, que se moverão desencadeando braços metálicos,
derramando planos plásticos, no meio de um barulho essencialmente novo,
moderno, aumentarão a intensidade vital da ação cênica.
Sobre uma cena iluminada por tais meios os atores ganharão efeitos
dinâmicos imprevistos que são negligenciados ou muito pouco empregados nos
teatros de hoje, sobretudo por causa do antigo preconceito que é preciso imitar,
representar a realidade.
Para que?
Acreditam os cenógrafos ser absolutamente necessário representar esta
realidade? Idiotas! Não compreendem que seus esforços, suas inúteis
preocupações realísticas não têm outro efeito senão diminuir a intensidade, o
conteúdo emotivo que se pode atingir precisamente através dos equivalentes
interpretativos destas realidades, isto é, das abstrações.
Criemos a cena
Nas linhas acima, sustentamos a idéia de uma cena dinâmica oposta à
cena estática de outrora; nos princípios fundamentais que vamos expor, temos
não apenas a intenção de levar a cena à sua expressão mais avançada, mas
atribuir-lhe os valores essenciais que lhe são próprios e que ninguém até agora
pensou em lhe dar.
Invertamos os papéis
No lugar da cena iluminada, criemos a cena iluminadora: expressão
luminosa que irradiará com todo seu poder emotivo as cores exigidas pela ação
teatral.
O meio material para exprimir esta cena iluminadora consiste no emprego
das cores eletroquímicas de fluorescentes que têm a propriedade química de
serem susceptíveis à corrente elétrica e de emanar colorações luminosas de todas
as tonalidades, segundo as combinações do flúor com outros fluorescentes e com
gás. Obter-se-ão os efeitos desejados de luminosidade, excitando por meio de
tubos elétricos de néon (ultravioleta), estes fluorescentes dispostos
sistematicamente conforme o projeto estabelecido para esta imensa arquitetura
ceno-dinâmica. Mas a evolução cenográfica e coreográfica futurista não pode
parar aí. Em síntese, os atores humanos não poderão mais ser suportados, como
títeres ou como as supermarionetes de hoje que os reformadores preconizam;
nem estas nem aqueles podem exprimir suficientemente os aspectos múltiplos
concebidos pelo autor teatral.
Na época totalmente realizável do Futurismo veremos as luminosas
arquiteturas dinâmicas da cena emanar incandescências cromáticas que trepando
tragicamente ou se exibindo voluptuosamente suscitarão inevitavelmente no
espectador novas sensações e valores emotivos.
Vibrações, formas luminosas (produzidas por corrente elétrica e gás
colorido) agitar-se-ão, retorcer-se-ão dinamicamente, e esses verdadeiros atores-
gás de um teatro desconhecido deverão substituir os atores vivos. Através de
assobios agudos, barulhos estranhos, esses atores-gás poderão muito bem dar
significações insólitas das interpretações teatrais, exprimir essas totalidades
emotivas multiformes com muito mais eficácia do que um autor célebre qualquer
por suas ostentações. Esses gases hilariantes, estrondosos, etc., encherão de
alegria ou de pavor o público que se tornará, talvez ele, também ator.
Mas estas nossas palavras não são as últimas. Temos ainda muito a dizer.
Deixem-nos antes pôr em execução o que expusemos acima.
I. O partido político futurista que fundamos hoje deseja uma Itália livre e
forte, e não mais submissa ao seu grande Passado, ao estrangeiro por demais
amado e aos padres demasiado tolerados, uma Itália sem tutela, absolutamente
senhora de todas as suas energias, e voltada para o seu grande porvir;
II. A Itália, único soberano. Nacionalismo revolucionário: pela liberdade, pelo
bem-estar e aperfeiçoamento físico e intelectual, a força, o progresso, a grandeza
e o orgulho de todo o povo italiano;
III. Educação patriótica do proletariado. Luta contra o analfabetismo.
Viabilidade, Construção de novas estradas e ferrovias, Escolas primárias leigas
obrigatórias, com sanções penais. Educação esportiva e militar ao ar livre. Escolas
de coragem e italianidade;
IV. Transformação do Parlamento através de uma participação eqüânime de
industriais e agricultores, de engenheiros e comerciantes no governo do país. O
limite mínimo de idade para deputação será reduzido a 22 anos. Um mínimo de
deputados advogados (sempre oportunistas) e um mínimo de deputados
professores (sempre retrógrados). Um Parlamento limpo de canalhas e imbecis.
Abolição do Senado.
Se este Parlamento racional e prático não der bons resultados, aboli-lo-
emos para chegar a um Governo técnico, sem Parlamento, um Governo composto
por 20 técnicos eleitos mediante o sufrágio universal.
Substituiremos o Senado por uma assembléia de controle, composta por 20
jovens com idade inferior a 30 anos, eleitos mediante o sufrágio universal. Ao
invés de um Parlamento de oradores incompetentes e de eruditos inválidos,
moderado por um Senado de moribundos, teremos um governo de 20 técnicos,
excitado por uma assembléia de jovens com idade inferior a 30 anos;
V. Abolição da autorização marital, divórcio fácil. Depreciação gradual do
matrimônio pelo evento gradual do amor livre e dos filhos do Estado;
VI. Participação igual de todos os cidadãos italianos no governo. Sufrágio
universal igual e direto para todos os cidadãos, homens e mulheres. Escrutínio de
lista em base ampla. Representação proporcional;
VII. Preparação da futura socialização dos grandes latifúndios, através das
Obras Pias, das Entidades Públicas, e da expropriação de todas as terras incultas
e mal cultivadas. Taxação enérgica dos bens hereditários, e limitação dos graus de
sucessão;
VIII. Sistema tributário fundamentado sobre impostos diretos e
progressivos, sob controle integral. Liberdade de greve, de reunião, de
organização, de imprensa, e depuração da polícia. Abolição da polícia política e da
intervenção do exército para restabelecimento da ordem. Justiça gratuita e juízes
eleitos. Salários-mínimos elevados de acordo com a necessidade da subsistência.
Oito horas de trabalho máximo legal. Equiparação salarial entre homens e
mulheres. Leis eqüânimes para o contrato de trabalho individual e coletivo.
Transformação da beneficência em assistência social e previdência.
Aposentadoria para os operários. Seqüestro de metade de todos os bens obtidos
com provisões de guerra;
VII. (sic) Manter o exército e a marinha eficientes até o desmembramento
do Império Austro-Húngaro. Diminuir, depois, os efetivos ao mínimo, preparando
por seu turno inúmeros quadros de oficiais com instruções rápidas. Exemplo:
Duzentos mil homens com sessenta mil oficiais, cuja instrução pode ser
subdividida em quatro trimestres em cada ano. Educação militar e esportiva nas
escolas. Preparação de uma completa mobilização industrial (armas e munições)
a realizar-se no caso de guerra, simultaneamente à mobilização militar. Todos
preparados, com o mínimo dispêndio, para uma eventual guerra ou eventual
revolução;
IX. Substituir o atual anticlericalismo retórico e quietista por um
anticlericalismo de ação, violento e decidido, a fim de desentulhar a Itália e Roma
de seu medievo teocrático, que poderá escolher uma terra conveniente onde
morrer, lentamente.
Nosso anticlericalismo, intransigentíssimo e integral, constitui a base de
nosso programa político, e não admite meios-termos ou transações, mas sim
exige diretamente a expulsão.
Nosso anticlericalismo deseja libertar a Itália das igrejas, dos padres, dos
frades, das freiras, das Madonas, das velas e dos sinos. Nosso anticlericalismo
combate a religião infame da renúncia e das lágrimas, que tem por símbolo
deprimente um homem crucificado.
A única religião: a Itália do futuro. Por ela nós lutaremos e até talvez
morramos, sem que nos livremos das formas de governo destinadas
necessariamente a seguir o medievo teocrático e religioso em sua queda fatal;
X. Reforma radical da Burocracia, tornada hoje fim em si própria, e um
Estado dentro do Estado. Desenvolver, por isso, as autonomias regionais e
comunitárias; descentralização regional das atribuições administrativas e relativos
controles. Para tornar cada administração um instrumento ágil e prático, diminuir
os empregados em dois terços, duplicando os subsídios dos chefes de setores e
tornando difíceis e não teóricos os concursos.
Atribuir aos chefes de setor responsabilidade direta e o conseqüente dever
de aliviar e simplificar tudo. Abolir a imunda Antigüidade em todas as
administrações, na carreira diplomática e em todos os setores da vida nacional.
Premiação direta do engenho prático e simplificador nos empregados.
Depreciação dos diplomas acadêmicos e estímulos, com prêmios, às iniciativas
comercial e industrial. Instituição do princípio eletivo nos empregos públicos, mais
elevados. Organização simplificada, do tipo industrial, nos setores executivos;
XI. Contra o patriotismo comemorativo, contra a monumentomania, e contra
toda ingerência passadista do Estado na arte.
XII. Industrialização e modernização das cidades mortas, que ainda vivem
de seu passado. Menoscabar a perigosa e aleatória indústria do turismo.
XIII. Desenvolvimento da marinha mercante e da navegação fluvial.
Canalização das águas e beneficiamento das terras maláricas. Investir todas as
forças e riquezas do país. Refrear a emigração. Nacionalização e utilização de
todas as águas e minas, concedendo o seu usufruto a entidades públicas locais.
Concessão de incentivos para a indústria e agricultura cooperativas. Defesa dos
consumidores.
XIV. É preciso levar nossa guerra à vitória total, isto é, até o
desmembramento do Império Austro-Húngaro e até assegurar nossas fronteiras
naturais, em terra e mar, sem o que não poderemos ter mãos livres para
desobstruir, aprimorar, renovar e agigantar a Itália.
O Partido Político Futurista, que hoje fundamos e que organizaremos
depois da guerra, será nitidamente distinto do Movimento Artístico Futurista. Este
haverá de prosseguir em sua obra de rejuvenescimento e reforço do gênio criativo
italiano. O movimento artístico futurista, vanguarda da sensibilidade artística
italiana, necessariamente sempre antecipa a sensibilidade do povo. Permanece,
por isso, uma vanguarda freqüentemente incompreendida e freqüentemente
hostilizada pela maioria, que não pode compreender as suas estupefacientes
descobertas, a brutalidade de suas expressões polêmicas e os ímpetos temerários
de suas intuições.
O Partido Político Futurista, ao contrário, intui as necessidades presentes e
interpreta, de modo exato, a consciência de toda a raça, no seu ímpeto
revolucionário higiênico. Poderão aderir ao Partido Político Futurista todos os
italianos, homens e mulheres, de qualquer classe e idade, inclusive os que tenham
repulsa de quaisquer conceitos artístico e literário.
Este programa político assinala o nascimento do Partido Político Futurista,
invocado por todos os italianos que lutam hoje por uma Itália mais jovem, liberta
do peso do passado e do estrangeiro.
Sustentaremos este programa político com a violência e a coragem
futuristas, que têm caracterizado até aqui nosso movimento, nos teatros e nas
praças. Todos conhecem, na Itália e no exterior, o que nós compreendemos por
violência e coragem.
F.T.Marinetti
G. SEVERINI
1 de fevereiro de 1916
* * *
Creio, além disso, mas se trata apenas senão de uma direção de nossa
psicologia, que a obra plástica moderna pode exprimir não somente a idéia do
objeto e sua continuidade, mas também uma espécie de ideografia plástica ou
síntese de idéias gerais. Porque há realidades cuja representação pode ter uma
significação humana muito vasta e complexa. Estas realidades são símbolos de
idéias gerais. Por exemplo, tentei exprimir a idéia: GUERRA, por um conjunto
plástico composto destas realidades: canhão, usina, bandeira, ordem de
mobilização, aeroplano, âncora.
Segundo nossa concepção de realismo ideísta, nenhuma descrição mais ou
menos naturalista de campos de batalha ou de carnificina poderia dar-nos a
síntese da idéia: GUERRA melhor do que estes objetos que são o símbolo vivo da
guerra.
Não apresento como uma necessidade o que não é, talvez, senão uma
direção.
Entretanto, de nossa vida intensiva e extensiva, exigindo cada vez mais a
síntese e a rapidez, poderá resultar o fato de nosso primitivismo exprimir-se mais
tarde por uma nova ideografia, plástica e literária, encerrando em sinais
convencionais e autônomos grandes extensões do Universo.
Temos já na vida exterior palavras reduzidas à metade ou fundidas com
outras palavras, e compostas de vários elementos realistas. Temos igualmente
sinais de rodovias ou de vias férreas, etc... exprimindo sinteticamente toda uma
ação.
No momento, o realismo ideísta do qual falei no decorrer de nossa
conversa, nós o exprimimos plasticamente por um simbolismo (estilo do
naturalismo plástico) que é paralelo ao simbolismo literário (estilo do naturalismo
literário) que nós ultrapassamos.
Embora a guerra pareça querer nos gratificar pelo retorno do neo-
romantismo e do neo-misticismo religioso, esta visão clara, realista do Mundo, que
devemos à Ciência, permanece um fato consumado que não poderá mais ser
destruído.
Gino Severini
F.T. MARINETTI
11 de maio de 1916
Imitemos o trem e o automóvel que impõem a tudo isto que existe ao longo
da estrada correr com velocidade idêntica em sentido inverso, e despertam em
tudo isto que existe ao longo da estrada o espírito de contradição, isto é, a vida. A
velocidade do trem obriga a paisagem atravessada a dividir-se em duas paisagens
que puxam em sentido inverso à sua direção. Cada trem leva consigo a parte
nostálgica da alma de quem o vê passar. As coisas um pouco distantes, árvores,
bosques, colinas, montanhas, observam com pasmo este arremessar-se das
coisas lançadas em sentido inverso ao trem, depois se decidem a segui-las, mas
como com má vontade e mais lentamente. Cada corpo em velocidade balança da
direita para a esquerda e tende a se tornar um pêndulo.
Correr, correr, correr, voar, voar. Perigo perigo perigo perigo perigo à direita
à esquerda sob sobre dentro fora cheirar respirar beber à morte. Revolução
militarizada de engrenagens. Lirismo preciso conciso. Esplendor geométrico. Para
gozar mais frescor e mais vida que nos rios e no mar deveis voar na
contracorrente fresquíssima do vento a toda velocidade. Quando voei pela
primeira vez com o aviador Bielovucic, eu senti o peito abrir-se como um grande
buraco onde todo o azul do céu deliciosamente se engolfava liso fresco e
torrencial. À sensualidade lenta diluída dos passeios no sol e nas flores, deveis
preferir a massagem feroz e colorante do vento enlouquecido. Ligeireza crescente.
Infinito senso de voluptuosidade. Desçam da máquina com um salto ligeiríssimo e
elástico. Vocês tiraram um peso de cima. Venceram o visgo da estrada. Ganharam
da lei que impõe ao homem rastejar.
F.T.MARINETTI – B. COVIA
E. SETTIMELLI – A. GINNA
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Daremos Carducci circulando entre o tumulto dos Aqueus que evita habilmente os
cavalos em corrida, homenageia Homero, vai beber com Ájax na hospedaria de
Scamandro Rosso e ao terceiro copo de vinho, o coração, de que se deveria as
palpitações, pula-lhe fora do casaco e voa como uma enorme bola vermelha sobre
o golfo de Rapallo. Deste modo, nós cinematografamos os mais secretos
movimentos do gênio.
Ridicularizemos assim as palavras dos poetas passadistas, transformando,
para maior vantagem do público, as poesias mais nostalgicamente monótonas e
chorosas em espetáculos violentos, excitantes e bem hilariantes.
3. SIMULTANEIDADE E COMPENETRAÇÃO de tempos e de lugares
diferentes, CINEMATOGRAFADAS. Daremos, no mesmo instante-quadro, duas ou
três visões diferentes, uma ao lado da outra.
4. PESQUISAS MUSICAIS CINEMATOGRAFADAS (dissonâncias, acordes,
sinfonias de gestos, fatos, cores, linhas, etc.).
5. ESTADOS DE ESPÍRITO ENCENADOS E CINEMATOGRAFADOS.
6. EXERCÍCIOS QUOTIDIANOS PARA LIBERTAR-SE DA LÓGICA
CINEMATOGRAFADA.
7. DRAMAS DE OBJETOS CINEMATOGRAFADOS (objetos animados,
humanizados, maquiados, vestidos, passionalizados, civilizados, dançantes.
Objetos retirados do seu ambiente habitual e colocados em uma condição anormal
que, por contraste, põe em relevo a sua surpreendente construção e vida não
humana).
8. VITRINAS DE IDÉIAS DE ACONTECIMENTOS, DE TIPOS, DE
OBJETOS, ETC. CINEMATOGRAFADOS.
9. CONGRESSOS, FLERTES, RIXAS E MATRIMÔNIOS DE CARETAS, DE
MÍMICAS, ETC. CINEMATOGRAFADOS. Por exemplo: Um narigão que impõe o
silêncio a mil dedos congressistas acompanhando uma orelha enquanto dois
bigodes guardas prendem um dente.
10. RECONSTRUÇÕES IRREAIS DO CORPO HUMANO
CINEMATOGRAFADO.
11. DRAMAS DE DESPROPORÇÕES CINEMATOGRAFADAS (um homem
que tendo sede tira um minúsculo canudo que se alonga, qual umbigo, até um
lago e o esvazia de repente).
12. DRAMAS POTENCIAIS E PLANOS ESTRATÉGICOS DE
SENTIMENTOS CINEMATOGRAFADOS.
13. EQUIVALÊNCIAS PLÁSTICAS LINEARES, CROMÁTICAS, ETC., de
homens, mulheres, acontecimentos, pensamentos, músicas, sentimentos, pesos,
odores, rumores CINEMATOGRAFADOS (daremos, com linhas brancas sobre o
negro, o ritmo interno e o ritmo físico de um marido que descobre sua mulher
adúltera e persegue o amante, ritmo da alma e ritmo das pernas).
14. PALAVRAS EM LIBERDADE, EM MOVIMENTO,
CINEMATOGRAFADAS (quadros – sinóticos de valores líricos – dramas de letras
humanizadas ou animalizadas – dramas ortográficos – dramas tipográficos –
dramas geométricos – sensibilidade numérica, etc.).
Pintura + escultura + dinamismo plástico + palavras em liberdade +
entoarruídos + arquitetura + teatro sintético = cinematografia futurista.
DECOMPONHAMOS E RECOMPONHAMOS ASSIM O UNIVERSO
SEGUNDO OS NOSSOS SEGUNDO OS NOSSOS MARAVILHOSOS
CAPRICHOS, para centuplicar a potência do gênio criador italiano e o seu
predomínio absoluto no mundo.
G. SEVERINI
É certo que a cada civilização corresponde uma forma de arte, e que para
criar esta forma de arte, o artista deve compreender e amar os objetos e os corpos
que vivem em sua época.
Proclamei e defendi a beleza das locomotivas, dos aeroplanos, dos
linotipos, etc... entretanto, isto não implica de modo algum – como bom número de
artistas parece acreditar – que para fazer uma obra moderna seja necessário
representar exclusivamente estes corpos e objetos novos.
Disse num artigo anterior (“Mercure de France”, 1º de fevereiro de 1916)
que “se a fisiologia humana e seu produto, a inteligência, são imutáveis, a
psicologia, sendo relativa ao conteúdo variável da inteligência e às transformações
da vida exterior, não é imutável.
Os grandes acontecimentos intelectuais modificam gradativamente nossa
noção do Universo e todos os elementos de nossa civilização”.
Creio que todo o mundo está de acordo, admitindo que estes
acontecimentos intelectuais e estes objetos novos influenciem nossa expressão de
arte, na qual eles existem virtualmente, em estado mesmo de “força”, se a obra de
arte não os representa realmente. Esse fato é resumido com justeza neste
aforismo de Jean Cocteau: “O artista deve engolir uma locomotiva e vomitar um
cachimbo”.
Não faço nenhuma restrição à escolha do motivo; quisera somente que se
compreendesse que os objetos familiares que nos rodeiam, e de que nos servimos
habitualmente, constituem “motivos modernos” e que não há necessidade de se
quebrar a cabeça, indo procurar fora e não dentro de casa os “motivos” que
seriam, forçosamente, inspirados, por convicções intelectuais de ordem mais ou
menos filosófica; e não por um sentido puramente plástico, por um desejo de fazer
unicamente pintura.
A precisão, o ritmo, a brutalidade das máquinas e seus movimentos
conduziram-nos sem dúvida para um novo realismo que podemos exprimir sem
pintar locomotivas.
Todos os esforços dos pintores de vanguarda tendem para a expressão
deste novo realismo que, sendo tributário da sensação e da idéia, tinha sido
definido por mim no meu artigo anterior: realismo ideísta, adotando a expressão
de Remy de Gourmont que me parece muito exata (1).
(1).Poder-se-ia chamá-lo “idealista”, mas Remy de Gourmont observa com justeza que há dois
“idealismos” bastante diferentes. Um que vem de ideal e que é “a expressão de um estado de
espírito moral ou religioso, sinônimo de espiritualismo”, e o outro que vem de idéia, e que é uma
“concepção filosófica do mundo” (Platão, Schopenhauer, Bacon, etc.). É esse último idealismo que
toma por base a matéria e a forma que se identifica com a arte, por isso resolvi adotá-lo nesta
expressão: realismo ideísta, que o define sem possibilidade de dúvida.
INTELIGÊNCIA E SENSIBILIDADE
(2) Delacroix dizia que um pintor devia saber desenhar um homem caindo do 6º andar.
Por outro lado, Guyau escreve que todo instinto que tende a se tornar
consciente destrói-se, mas ele acrescenta: “O instinto só desaparece diante de
uma forma de atividade mental que o substitui, fazendo melhor que ele”.
Se esta forma de “atividade mental” é uma síntese do lado consciente e do
lado inconsciente do indivíduo, isto é, de todas as suas faculdades físicas e
psíquicas, dominemos o instinto, porque ela me parece realizar este equilíbrio do
qual o artista necessita para atingir a perfeição na obra de arte.
Sobre estas bases gerais, é permitido chamar a obra de arte subjetiva e
qualitativa e, por essas razões, fazer um quadro é ao mesmo tempo uma coisa
muito simples, com diz Picasso, e uma coisa difícil.
Não temos a pretensão de estabelecer idéias fixas, regendo a construção
de nossos quadros, porque isto também é uma questão de qualidade; entretanto,
existem em nossas obras, acordes, afinidades, e é sobre essas afinidades que
basearei a demonstração geral de nossos meios construtivos.
Visto o espaço ser amorfo, não podemos defini-lo senão pela geometria,
convenção criada por nosso espírito a fim de que se possa representar o
equivalente dos corpos sólidos.
Para situar um corpo no espaço, a geometria é o único “meio” empregado,
aliás de uma maneira mais ou menos aparente, pelos pintores de todas as
épocas.
O tempo é também amorfo, quer dizer relativo aos instrumentos que podem
medi-lo.
O espaço e o tempo são pois relativos, e é tarefa do artista torná-los
absolutos.
O geômetra tem necessidade de instrumentos cada vez mais perfeitos para
medir o espaço e o tempo; estes instrumentos não têm nenhuma utilidade para um
pintor: o organismo deste possui no mais alto grau o sentido do espaço. Ele o
exprime de uma maneira mais completa que o geômetra, criando formas,
imprimindo cores que o definam e o materializem.
O espaço ordinário do geômetra baseia-se em geral na convenção
inamovível das três dimensões; os pintores, cujas aspirações são ilimitadas,
julgaram sempre por demais estreita essa convenção. Isso quer dizer que às três
dimensões ordinárias, eles procuram, acrescentar uma quarta que as resume e
que é diferentemente expressa, mas que constitui, por assim dizer, a finalidade da
arte de todas as épocas. Já se disse muita asneira a propósito desta 4ª dimensão
plástica.
Procurarei dar a respeito dela uma idéia o mais possível exata.
Diz-se que Matisse foi o primeiro a se servir desta expressão diante das
primeiras investigações cubistas de Picasso.
É uma lenda que se atribui freqüentemente a Matisse.
O que é certo é que se tentou, freqüentes vezes, prejudicar o cubismo
através da atribuição do epíteto de “matemático” a pintores como Braque, Picasso,
Gris e Metzinger cujas primeiras análises plásticas apesar de tudo, constituem
uma séria contribuição para a arte pictural. O fato destas pesquisas encontrarem
uma correspondência em certas verdades geométricas e matemáticas não
constitui, aos olhos de qualquer pessoa imparcial, senão uma razão de interesse e
de confiança.
Boccioni, acerca de nossas antigas pesquisas de movimento, definindo o
que ele chama o “dinamismo”, alude a uma espécie de quarta dimensão, que seria
“a forma única dando a continuidade no espaço”. Esta forma deveria dar a
relatividade entre o peso e a expansão, entre o movimento de rotação e o
movimento de revolução, entre o objeto e a ação, o visível e o invisível...
Daqui por diante, estamos todos de acordo sobre esta questão, porém,
trata-se de encontrar uma definição o mais possível simples e verdadeira, do
ponto de vista artístico. Eis por que, e para satisfazer minha curiosidade, busquei
na geometria qualitativa (Analysis Situs) a mais evidente demonstração desta
quarta dimensão, sabendo antecipadamente, entretanto, que a ciência geométrica
só poderia sustentar convicções já estabelecidas pela intuição artística que nós
todos possuímos. E acrescento que, se gosto sempre de buscar um apoio nas
verdades da ciência, é porque aí vejo um excelente meio de controle, e aliás
nenhum de nós saberia negar as noções colocadas a nosso alcance pela ciência
para intensificar nosso senso do real.
Esta simpatia pela ciência existia também na época de Paolo Ucello, de
Andrea del Castagno, de Domenico Veneziano, Luca Signorelli, Leonardo, etc.,
que eram pintores realistas no sentido mais lato da palavra, como nós o somos.
Para medir o espaço, é preciso primeiro “estabelecer um continuum”, o que
faz um pintor cada vez que cria uma forma.
Trata-se aqui, bem entendido, de um “continuum intuitivo”, aquele que tem
mais ligação com nossas realizações, e não de um “continuum matemático”. Aliás,
mesmo segundo H. Poincaré, a noção do continuum deve ser intuitiva e não
“matematicizada”.
Pode-se evidentemente, construir um objeto com materiais matemáticos,
mas por esse meio, é possível fazer deste mesmo objeto muitas outras
construções. Enquanto que uma construção baseada na noção intuitiva do
continuum não pode ser outra coisa, os materiais são dispostos de uma maneira e
não podem ser de outra.
Este continuum que nos é revelado por nossos sentidos é chamado por H.
Poincaré de continuum “físico”.
Chama-se um continuum “físico” quando se pode considerar dois quaisquer
de seus elementos ou sensações como as extremidades de uma cadeia de
elementos-sensações que pertencem todos a uma mesma ordem.
Poincaré, enquanto geômetra, chama continua a uma superfície quando se
podem juntar dois quaisquer de seus pontos por uma linha contínua que não sai
da superfície.
Estes pontos, esta linha, e esta superfície são os elementos que nos dão a
imagem do espaço: o geômetra denomina-os “cortes” porque eles dividem o
continuum “físico” em um número finito de elementos.
Numa linguagem mais simplista, os cortes são as linhas que encerram as
formas geométricas que nós conhecemos: quer dizer que dois pontos no espaço
são os limites de uma linha; que as linhas são os limites das superfícies, e que as
superfícies são os limites dos volumes (4).
Assim, a mensuração do espaço pode reduzir-se a esse mecanismo de
“cortes”, isto é, às superfícies geométricas, e por conseguinte a contínuos de uma
dimensão.
Para estabelecer um continuum “físico” de diversas dimensões é preciso
poder considerar como idênticas as duas extremidades da cadeia de elementos-
sensações.
Isto só será possível se por um esforço do espírito “convencionarmos
considerar como idênticos dois estados de consciência fazendo abstração da
diferença entre eles”. (Eis, portanto, a intervenção da inteligência na
sensibilidade.)
Para obter esta “identidade” condição essencial, Poincaré sugere “a
hipótese” de fazer abstração de certos sentidos, isto é, procura considerar um
objeto seja exclusivamente por seu peso, ou por sua cor, ou por sua forma, etc (5).
Mas esta abstração é uma hipótese impossível de se realizar, porque
mesmo admitindo que se possa isolar um sentido do outro, cada um de nossos
sentidos nos dá uma quantidade de sensações que nada têm a ver com o espaço.
Segundo Poincaré, o sentido que melhor pode dar um continuum “físico”, e
por aí o espaço, é o sentido da vista no qual ele é “tentado a localizar todas as
outras sensações”.
(5)As primeiras pesquisas cubistas e futuristas revelam, relativamente, bem entendido, e por
intuição, essa hipótese. Pois os cubistas, da vida ou movimento do objeto, tendiam a exprimir de
preferência a força de gravitação, ou peso; enquanto que os futuristas, querendo dar uma vida
total, não exprimem senão a força de expansão ou ritmo. Os primeiros, que reagiam contra o
impressionismo, podiam com razão queixar-se de Ingres; os segundos, que queriam, ao contrário,
continuá-lo, de Delacroix. A arte essencialmente dinâmica de Léger, e tendendo para a unidade das
quantidades plásticas, tem esta mesma origem impressionista . Hoje, assim como Guillaume
Apollinaire teve oportunidade de ressaltar nessa mesma Revista, “muita água correu por baixo da
ponte e muitos pintores sabem muito mais do que sabiam antes...”. O que é, aliás, completamente
lógico. Dizemos, para precisar, que nem o platonismo de Ingres, nem o lirismo, o sensualismo e o
romantismo de Delacroix podem constituir separadamente uma base estética, e que a síntese
desses dois pontos de partida, que começa a se fazer, aliás, em Cézanne, é hoje a base única da
arte pictórica.
(6).MauriceBoucher, em seu “Ensaio sobre o hiperespaço”, chega a essa mesma conclusão: “As
três dimensões do espaço fazem parte de nossa intuição externa: a dimensão única do tempo
pertence à intuição interna ou subjetiva; reunindo-as às três outras que são vistas objetivamente,
chegamos à intuição de Espaço-tempo de 4 dimensões, certo, ao menos quanto à passagem de
nosso espaço pelo ser consciente”. Esta idéia da 4ª dimensão define o Universo o mais
completamente possível.
A sensação de amarelo que nós temos, por exemplo, de um objeto amarelo, é produzida em
(7).
nós pelo objeto inteiro, ou, para ser mais preciso, pela quantidade total de amarelo que pertence ao
objeto como um todo, e não, como se estivéssemos imóveis diante do objeto, por esta única parte
colorida que está diante de nossos olhos.
G. BALLA
Outubro de 1918.
F. T. MARINETTI
1920
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O TATILISMO
MANIFESTO FUTURISTA
F.T. MARINETTI
11 de janeiro de 1921
4- COZINHAS TÁTEIS.
5- DIVÃS TÁTEIS.
6- LEITOS TÁTEIS.
8- QUARTOS TÁTEIS
Nestes quartos táteis teremos soalhos e muros formados por grandes
tabelas táteis. Valores táteis de espelhos, águas correntes, pedras, metais, fios
ligeiramente eletrificados, mármores, veludos, tapetes que darão aos pés nus dos
dançarinos e das dançarinas um prazer variado.
9- CAMINHOS TÁTEIS.
10- TEATROS TÁTEIS
Teremos teatros predispostos para o Tatilismo. Os espectadores sentados
apoiarão as mãos sobre longas fitas táteis que fluirão, produzindo sensações
táteis com ritmos diferentes. Estas fitas táteis poderão também ser dispostas
sobre pequenas rodas girantes, com acompanhamentos de música e de luzes.
EDUCAÇÃO DO TATO
1.Será preciso manter enluvadas as mãos por muitos dias, durante os quais
o cérebro se esforçara por condensar nelas os desejos de sensações táteis
diversas.
2. nadar sob a água, no mar, procurando distinguir tatilisticamente as
correntes trançadas e as diversas temperaturas.
3. Enumerar e reconhecer cada noite, em escuridão absoluta, todos os
objetos que estão no dormitório. Precisamente por dedicar-me a este exercício no
subterrâneo escuro de uma trincheira em Goriza, em 1917, eu fiz os meus
primeiros experimentos táteis.
* * *
(1) Desta obra não nos chegou outra notícia. É aproximável ao “Cavallo”, Coleção Marinetti, Roma.