A Gênese Da Nação Brasileira Na Iconografia Do Século Xixverediana
A Gênese Da Nação Brasileira Na Iconografia Do Século Xixverediana
A Gênese Da Nação Brasileira Na Iconografia Do Século Xixverediana
Londrina
2013
A GÊNESE DA NAÇÃO BRASILEIRA NA ICONOGRAFIA DO
SÉCULO XIX
Poussin
8
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por tudo, pelo sustento, saúde, determinação, capacitação e pela
conquista no término desta caminhada.
À minha família, que constitui o alicerce de minha formação. Às minhas irmãs,
Viviani, Vania e Vanessa, cada qual contribuindo de forma distinta e marcante para cada
passo de minha jornada. Tantas vezes socorrida por Vanessa, que prontamente se
disponibilizou a entregar meus livros e documentos quando a longa jornada de trabalho me
impossibilitava, assim como a eficácia do suporte técnico dado pelos meus sobrinhos. Aos
meus amados pais, José Ranulfo da Silva e Marina Vitorelli da Silva, sendo minha mãe a
razão de minha conquista, não apenas pelo amor incondicional que lhe rendeu noites mal
dormidas, dispensando-me seus cuidados, carinhos, suporte e apoio, mas também por sua
simplicidade e perseverança, que a tornam para mim o exemplo mais vívido de luta e
dedicação.
Às minhas queridas amigas de vida acadêmica que me acompanham desde os
primeiros passos na graduação, Tatiana Pilon e Karen Cristina Leandro, sendo essa a
precursora e principal incentivadora desta empreita, motivando-me e me encorajando.
Um agradecimento especial para Eliane Candotti, que me incentivou com suas
palavras e atitudes, fazendo-se presente nos momentos finais da escrita desse trabalho,
cedendo seu tempo de descanso para ler meus escritos, assim como a amiga Andréia
Almeida Scatolin.
Meu profundo agradecimento ao admirável orientador Prof. Dr. André Luiz Joanilho,
que contribuiu desde minha formação na graduação, acreditou nesse projeto de mestrado e
caminhou comigo, esclareceu minhas dúvidas, acompanhou todo o desenvolvimento desse
trabalho, transmitindo seus conhecimentos, suas experiências, contribuindo com essa
pesquisa e tornando meus anseios em realidade.
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RESUMO
ABSTRACT
The goal of this research is to understand a genesis of the idea of brazilian nation
trough the iconography of the XIX century, produced in the period of 1838 to 1893. The
images to be analized: Engenho da cachoeira. Corte de cana-de-açúcar of Hércule Florence,
Primeira Missa no Brasil of Victor Meirelles, O Grito do Ipiranga of Pedro Américo, and
Evangelho das Selvas of Benedito Calixto, as well as the travelogues, whilst text-image, the
emerge of the Brazilian Geographic Historic Institute (IHGB), the Imperial Academy of Fine
Arts (AIBA), and the paper of the intellectual elite conected to IHGB in context of nation
genesis. Delimiting its territory, demonstrating its organization, its genealogy, informing the
events of different regions of Brazil in seeking of an homogeneity of the promissing brazilian
nation, stimulating the deepest feelings for this national unity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Atentando para o homem, em seu espaço e durante um tempo delimitado, ainda que
pareça um clichê, é um processo necessário para a produção do historiador. Essa ideia nos
remete aos estudos de Jorge Coli sobre o historiador, no contexto do estudo da arte no
período oitocentista, onde o autor afirma que “os historiadores costumam encontrar apenas
aquilo que procuram” (COLI, 2005, p. 25).
Essa afirmação sobre o papel do historiador, bem como a escrita da história da
nação, leva-nos a refletir sobre relações, para compreendermos melhor nossos objetos de
estudos, como foram produzidos e o contexto dessa produção, além do “uso” e da finalidade
de cada imagem.
Nos estudos de Michel de Certeau, apresentados em “A escrita da história”, dentre
outros aspectos seus, traz escritos sobre as instâncias da operação historiográfica, o “lugar
social”, a prática, a escrita, o paradoxo da realidade e discurso, dando sentido ao “outro”. O
outro que nos inspira e instiga enquanto historiadores, buscando cada um destes aspectos
para concluirmos as operações que nossas hipóteses, coloca-nos fazendo uma “triagem”.
No passado, do qual se distingue, ele faz uma triagem entre o que pode ser
"compreendido" e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma
inteligibilidade presente. Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado
considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais,
permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retorna nas franjas
do discurso ou nas suas falhas: "resistências”; "sobrevivências" ou atrasos
perturbam, discretamente, a perfeita ordenação de um "progresso" ou de um sistema
de interpretação (CERTEAU, 1982, p.16).
imagem se fez presente em nossa pesquisa sobre imagens produzidas ao longo do século
XIX.
De acordo com Benjamin West, “a mesma verdade que guia a pena do historiador
deve governar o pincel do artista” (apud BURKE, 2005, p.20) e, partindo da produção do
mesmo, temos a transmissão dos “conhecimentos” pertinentes ao contexto da produção
imagética.
Meneses, em seus estudos sobre identidade relacionada à arte, atenta para
identidade com “seus compromissos com a imagem, campo fértil para a mobilização
ideológica e as funções de legitimação em que determinadas práticas obtêm aceitação
social” (MENESES, 1993, p. 210).
Assim, a imagem transmite informações de maneira direcionadas, como percebemos
nos estudos de Aumont ao discorrer sobre o espectador, quando afirma que os olhos “são
postos avançados do encontro do cérebro com o mundo” (AUMONT,1993, p.77). Afinal,
partindo da ideia que ver é o mecanismo dos olhos e o olhar é algo mais amplo, construído
histórica e socialmente, cabe ao artista incitar que sua obra seja olhada.
Autores como Louis Marin e Carlo Ginzburg contribuem com nossa pesquisa através
de seus estudos sobre as imagens, bem como Roger Chartier que nos instiga através da:
IHGB sobre a égide de D. Pedro II, buscaram construir uma nação, delimitando seu
território, demonstrando sua organização, sua genealogia, informando acontecimentos nas
diferentes regiões do Brasil na busca de uma homogeneidade da promissora nação
brasileira, estimulando os mais profundos sentimentos em prol dessa unidade nacional.
Como apresenta Chauí em seus estudos sobre nação,
Por isso, dois fenômenos podem ser percebidos na referência da língua à Nação.
Por um lado, o fato de que no interior da Nação as pessoas, ainda que falem a
mesma língua, não falam a mesma linguagem, de tal modo que a ideia de língua
nacional pode ser apenas uma abstração (um elemento da ideologia e do discurso
do poder); a língua nacional pode ser mera abstração quando considerada pelo
ângulo da diferença interna de classes e da diversidade regional (Idem, 1989, p.
112).
Para alcançar todas as classes e regiões citadas por Chauí, remetemo-nos aos
estudos de Peter Burke, ao escrever sua obra Testemunha Ocular (2004), quando salienta o
auxílio da imagem na compreensão dos processos históricos e instiga as pesquisas, como a
nossa, que se utiliza das fontes imagéticas, sejam elas pinturas, fotos, gravuras, entre
outras, pois para o autor as “imagens como textos e testemunhos orais constituem-se numa
forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunha ocular” (BURKE,
2004, p.17).
Essa veracidade do testemunho ocular sobre a imagem colaborou principalmente no
que se refere a duas obras, dentre as quatro imagens que analisaremos ao longo dessa
pesquisa, afinal são imagens que dão maior veracidade para esses acontecimentos e
suscitam sentimentos dignos de quem está vendo o fato com seus próprios olhos,
transportando as descrições ao alcance do olhar, através de traços dos artistas: Hércule
Florence, Victor Meirelles, Pedro Américo e Benedito Calixto.
Todos esses artistas são responsáveis por obras que suscitam sentimentos tão
almejados para a efetivação do projeto nacional; ainda que os pintores não tenham
15
presenciado todos esses eventos, muitos estudos foram necessários para realizá-los com tal
veracidade digna de suscitar e sustentar o sentimento nacional.
Ao longo do processo emancipatório do Brasil, a colônia portuguesa, então
independente, tem a constituição da nação como mais uma etapa a superar. Pensar na
gênese da nação brasileira é pensar na gênese do IHGB, um subsiste pelo outro e para o
outro, afinal, o “IHGB como centro de estudos e pesquisa congregará, nesse contexto, não
apenas a elite econômica, mais também a artística e literária” (SCHLICHTA, 2006, p.81).
Na obra “Mitos, emblemas e sinais”, Carlo Ginzburg (1989, p. 92) salienta em seus
estudos que “seja como for, é claro que o artista cria sua elite, e a elite cria seus artistas”, e
a elite cultural que dará início à produção histórica brasileira, seja com letras ou pinceladas,
reunir-se-á no IHGB, como afirma José Honório Rodrigues, quanto ao papel norteador do
IHGB, apresentando em seus estudos:
Dentre os temas, a gênese nacional não é tratada dessa maneira, mas através de
conceitos intrínsecos, como a questão da identidade. Meneses, em seus estudos, afirma
que a identidade “se fundamenta no presente, nas necessidades presentes, ainda que faça
apelo ao passado – mas é um passado também ele construído e reconstruído no presente,
para atender aos reclames do presente. Por isso é que um historiador como Hobsbauwm
(1984) tanto insistiu na invenção das tradições” (MENESES, 1993, p.210).
O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido.
Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente
institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num
período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas -
e se estabeleceram com enorme rapidez” (HOBSBAWM, 1997, p.9).
origem, no povo e nos rumos a serem tomados pela nação são aspectos pertinentes,
principalmente para que sentimentos como o nacionalismo fosse estimulado.
Neste contexto, torna-se pertinente falarmos sobre tradições inventadas:
Guimarães em seus estudos salienta que, para esses estímulos surgirem, a jovem
nação necessitaria de sua história, pautada em fontes racionais, então a necessidade dos
levantamentos documentais e da busca da civilidade de nossa origem europeia, valorizando
o povo e despertando assim o patriotismo (GUIMARÃES, 2007, p.105).
Essa busca leva os intelectuais do Instituto a indagações, afinal a nação necessita de
tudo que a elite intelectual julga pertinente, tais questionamentos como o que é história e
como deveria ser escrita nossa história. Ambas as questões estão presentes na Revista do
IHGB, (R. IHGB 1863, p.137 e 138) e motivam inúmeros estudos publicados em suas
edições.
As “tradições inventadas” podem ter de um modo ou de outro, para os estudiosos da
história moderna e contemporânea. Elas são altamente aplicáveis no caso de uma
inovação histórica comparativamente recente, a “nação”, e seus fenômenos
associados: o nacionalismo, o Estado nacional, os símbolos nacionais, as
interpretações históricas, e daí por diante. Todos esses elementos baseiam-se em
exercícios de engenharia sociais muitas vezes deliberados e sempre inovadores,
pelo menos porque a originalidade histórica implica inovação (HOBSBAWM, 1997,
p.22).
buscam diferentes formas sem medir esforços para que nossa nação garantisse suas
próprias produções.
No capítulo três vamos abordar a constituição da gênese de nação, mais
especificamente na produção iconográfica do século XIX, analisando quatro obras,
atentando para quais aspectos eram retratados do povo, costumes e locais que eram
exibidos nas obras. Neste contexto, torna-se pertinente incluirmos a questão de nação,
nacionalidade e nacionalismo.
Deste modo, voltamo-nos para conhecer aspectos relevantes sobre a vida de cada
um dos pintores, analisando suas respectivas obras e o contexto da produção de cada uma
delas, bem como a formação, as aspirações e inspirações de cada um dos artistas, que
permitiram a realização das obras. São elas: Engenho da cachoeira. Corte de cana-de-
açúcar, 1848 (Anexo I) de Hércule Florence; Primeira Missa no Brasil, 1860 (Anexo II) de
Victor Meirelles; OGrito do Ipiranga, 1888 (Anexo III), de Pedro Américo; e por fim a obra
Evangelho das Selvas, 1893 (Anexo IV) de Benedito Calixto.
A opção por essas obras não se dá de forma aleatória. As temáticas se entrelaçam
e, ainda nos aspectos que se distanciam, de alguma forma dialogam entre si. Assim,
optamos por essas obras que disponibilizam alguns pontos de vista sobre diferentes
momentos de nossa nação e marcando alguns atos inaugurais.
Partindo de seu “descobrimento”, através da missa que simboliza um marco de
nossa nação (Primeira Missa no Brasil), aos primeiros momentos de sua existência, desde o
momento em que a terra inóspita, desconhecedora do evangelho que os europeus trazem
encarando todas as dificuldades e superando-as em prol do promissor Império (Evangelho
das Selvas). O ato heróico que mudou o rumo da colônia em império (O Grito do Ipiranga) e
a domesticação da natureza atentando a uma fazenda no interior do país através dos traços
de quem adentrou o território em expedições (Engenho da cachoeira. Corte de cana-de-
açúcar).
Os motivos para a escolha desses artistas em detrimento de outros, que poderíamos
abordar nesse contexto da gênese nacional, gira em torno da sua interação quanto à
consolidação de nossa identidade. Américo e Meirelles e seus estreitos laços com o Instituto
e com a AIBA, onde foram beneficiados com os incentivos disponíveis ao longo deste
período. Florence integrou expedições ao interior do país e posteriormente tornou-se
membro do IHGB, enquanto Calixto, ainda que mais próximo da elite paulista, dialogava
com a capital do Império, mantinha contato com Victor Meirelles, e em sua obra aborda
nossa terra com um olhar ao “selvagem” e com a “civilidade” através da fé ao seu alcance.
Assim, refletiremos sobre o contexto da produção dessas obras iconográficas, os
aspectos presentes, como elas aparecem na historiografia e como a historiografia discute
18
dessa produção do século XIX, bem como algumas dessas imagens são tomadas como
documento da história nacional. Atentaremos ainda para as obras na atualidade, se estão
expostas, se contribuíram com a gênese e ainda contribuem com a manutenção da ideia de
nação brasileira.
19
A origem da palavra “nação” é tratada por Marilena Chauí (2007, p. 14) em seus
estudos, apontando a origem no verbo latino, “nascor (nascer) e de um substantivo derivado
desse verbo, natio ou nação, que significa o parto de animais, o parto de uma ninhada”. No
entanto, a palavra natio/nação passou a significar algo além dos animais de uma ninhada,
sendo estendida aos indivíduos nascidos em um mesmo lugar. Assim, “a palavra “nação”
significava apenas um grupo de descendência comum” (Idem, 2007, p.15).
Já Anderson, em seus estudos, afirma que “desse modo, sou levado à conclusão de
que não se pode estabelecer nenhuma ‘definição científica’ de nação; contudo, o fenômeno
tem existido e continua a existir” (apud ANDERSON, 1989, p.11).
Nessa vertente, Marilena Chauí vai além e trata da temporalidade, apresentando
quão recente se deu a invenção histórica da nação, sendo essa entendida como um
Estado-Nação, utilizando-se para sua definição o processo de independência, ou soberania
política (CHAUÌ, 2007, p.16).
Ao refletir sobre o conceito de nação, não se pode deixar de falar sobre pátria, pois
são termos que remetem um ao outro. Pátria deriva do vocábulo pater, significa pai e “se
refere, portanto, ao poder patriarcal, e pátria é o que pertence ao pai e está sob seu poder”
(Idem, 2007, p.15). Por conseguinte, é a partir do século XVIII que pátria passa a significar
território.
De acordo com a autora, essa referência de pátria ligada ao território foi muito
utilizada no período das
Esses estudos demonstram, mais uma vez, a busca da unidade territorial no que diz
respeito ao uso da palavra pátria, terra que pertencemos, seja a natal ou a que nos
apropriamos de coração, através de um sentimento mútuo de pertencimento, e demonstra
ainda a ampliação do uso do termo “nação”, não restrita apenas a um determinado grupo,
mas sim englobando todos os habitantes do Brasil em prol de sua unidade nacional.
Por fim, Chauí nos chama a atenção para o termo pátria, comungando das mesmas
intenções do termo nação, que é o despertar dos mais fortes e intensos sentimentos neste
contexto de gênese da ideia nacional brasileira, utilizando todos os atributos para essa
concretização, porque “não se deve amar a pátria somente por ser a pátria, mas também
20
pelos motivos reais que ela nos dá para amá-la e para que dela nos orgulhemos” (CHAUÍ,
2007, p.15).
No Brasil oitocentista, em meados do segundo reinado, surge a necessidade de se
pensar sobre a ideia nacional, com a responsabilidade de suscitar pensamentos e
sentimentos que caracterizam a nação. “Era preciso criar a ideia de homem brasileiro, de
povo brasileiro, no interior de um projeto de nação brasileira. Sobretudo: era preciso
perceber a nação como diferença e continuidade colonial e como continuidade da diferença
colonial” (REIS, 2002, p.31).
Reconhecer que éramos uma colônia portuguesa nos rendeu a genealogia europeia
e um marco nacional, porém o deixar de ser colônia vai além, transformou-nos em Império.
Assim, o amplo território, a variedade de costumes e hábitos das diferentes regiões do
Brasil, bem como dos grupos que as habitavam, emanava possibilidades de vários pontos
de vista e histórias regionais sobre seus primeiros habitantes e seus “descobridores”. O que
não se queria eram informações descentralizadas, ora deslocadas do contexto da nação,
exprimindo o que não se pretendia para a antiga colônia portuguesa e promissor Império.
Afinal, o que caracteriza uma nação além do idioma, costumes, leis, religião, entre
outros aspectos em comum, é a unidade existente em determinado grupo. Esta ideia de
buscar a unidade serve como um elemento importante para garantir sua continuidade. Em
se tratando do imenso território brasileiro podemos deduzir esforços diretamente
proporcionais.
No anseio de consolidar a unidade imperial, com certa uniformidade cultural evitando
as fragmentações, ideias como o pertencimento, onde ao se sentir como parte integrante do
todo, identificamo-nos e, consequentemente, temos a valorização e o cuidado. Sentimentos
necessários no contexto da construção da identidade nacional. Indagações como “quem
somos?”, “de onde viemos?”, além de pré-requisito para essa reflexão, ainda nos remete a
pretensões futuras, para “aonde vamos?” ou até “onde almejamos chegar”.
Nesse sentido, no Brasil, a missão de levantamento documental, pesquisas, viagens
ao interior do país para conhecer além de nossa história, também a geografia, fauna, flora,
povos, costumes e práticas regionais da nação foi atribuída ao Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro – IHGB. De acordo com os estudos de Ricupero:
Ainda neste contexto das produções advindas dos levantamentos realizados pelos
membros do Instituto, a iconografia desempenha importantíssimo papel na construção da
gênese brasileira, ao apresentar através da linguagem visual as imagens que ilustram
aspectos do povo, as paisagens e suas formas, os costumes e práticas locais.
Tempos depois deste desembarque em solo brasileiro D. João vai com a família real
para o Rio de Janeiro, onde realiza mudanças estruturais importantes para a colônia tornar-
se a sede do governo. Foram criadas instituições que tornavam possível o funcionamento do
aparelho governamental e ainda decretada a Abertura dos Portos para nações com que
mantinham estreitos laços, como é o caso da Inglaterra.
A decretação da Abertura dos Portos (1808) liberou o comércio externo que, até
então, era monopolizado pelos portugueses e agora permitia ao Brasil comercializar
diretamente com outros países, possibilitando a manutenção da produção manufatureira
agrícola.
Já em 1822, D. Pedro, príncipe herdeiro do trono da metrópole, proclamou a
emancipação política da antiga colônia, rompendo oficialmente os laços com Portugal,
proclamando nossa independência e assumindo seu governo com o título de Imperador do
Brasil. Permanece no Brasil até meados de 1831 e D. Pedro II torna-se o Imperador.
Neste contexto, D. Pedro II passa a refletir sobre algumas necessidades para se
legitimar um futuro tão promissor quanto o do Velho Mundo ao jovem e amplo Império:
delimitar seu espaço, definir sua gênese, a identidade nacional, buscando, ao mesmo tempo
em que se distancia de histórias particulares, registros dispersos, voltar seu olhar para a
escrita de uma história “única” e comum para seu vasto território.
O Brasil independente de Portugal necessitava de um perfil próprio e a elite realiza a
“tarefa de pensar no Brasil segundo seus postulados próprios de uma história comprometida
com o desvendamento do processo da gênese da Nação” (GUIMARÃES, 1988, p.6).
Esse processo da gênese nos remete aos estudos de Chauí sobre nação, que nos
aprofundaremos no próximo capítulo, porém ressalta a importância da elite,
o Estado-nação precisou contar com a elite cultural que lhe fornecesse não só a
unidade linguística, mas lhe desse os elementos para afirmar que o desenvolvimento
da nação era o ponto final do processo, que começava na família e terminava no
Estado. A esse processo deu-se o nome de progresso (CHAUÍ, 2007, p.18).
1
Em prol de uma memória nacional D. Pedro II mantém e cria instituições importantes para a sua própria
legitimação, como é o caso do Colégio D. Pedro II criado em 02/12/1837, o Arquivo Público em 09/01/1838
com função mais voltada ao administrativo do que função histórica e o IHGB. Essas instituições são
importantes para o período, uma vez que na primeira metade do século XIX a formação acadêmica era
privilégio de poucos. Aqui percebemos como se consolidou nossa elite cultural, afinal muitos realizavam seus
estudos no exterior, de acordo com Carvalho, até 1850 a maioria dos membros da elite foi educada em
Coimbra e outra característica relevante é que “a educação superior se concentrava na formação jurídica e
fornecia em consequência um núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades.” (CARVALHO, 1981, p. 51).
25
Vencedor de um desses prêmios, Karl Friedrich Von Martius2 disputou com Henrique
Julio de Wallenstein3, de origem germânica, que teve seu plano4 julgado pela comissão
como pouco filosófico, e propunha a periodização do passado “de acordo com o método das
décadas, seguido por Tito Lívio, concentrando preferencialmente em assuntos políticos e
deixando a história civil, eclesiástica e literária para artigos em separado” (RICUPERO,
2004, p.124).
Apresentando a proposta vitoriosa, refletindo a concordância do Instituto com seu
plano de como se produzir da melhor forma a história do Brasil, o bávaro Von Martius5, que
se mostra consciente de ser um estrangeiro propondo a escrita da história brasileira, e
reflete sobre o impacto ou desconforto que poderia ser gerado por sua nacionalidade ser
outra, explicitado no momento de apresentar sua produção Como se deve escrever a
história do Brasil.
Von Martius afirma “muito longe estou eu de me julgar do número dos ilustres
literatos brasileiros habilitados para preencherem as vistas do Instituto” (apud Idem, 2004
p.87). Comedimento a parte, o pontapé inicial de seu trabalho cerceou muitos outros
estudos por parte de intelectuais do IHGB.
Afinal, mesmo sendo estrangeiro, Martius não era um estranho, já era sócio do
Instituto desde os primeiros tempos e superou o plano de Wallenstein considerado por
alguns integrantes da comissão julgadora como “lacônico e impiedoso” (CEZAR, p.174,
2003).
O texto apresentado por Von Martius e premiado como proposta para como deveria
ser escrita nossa história “não se trata apenas de uma recusa de modelos antigos da
historiografia, mas da afirmação de uma nova abordagem histórica, a história filosófica”
(Idem, p.175, 2003).
2
Martius (1794-1868) era botânico e foi escolhido pela Academia de Ciências de Munique, juntamente com o
zoologista Johann Baptist von Spix, para integrarem uma missão científica para conhecer a América,
resultando na publicação de Viagem para o Brasil em três volumes entre 1823 e 1831. (CEZAR, p. 176, 2003)
3
Wallestein (1790 - 1843), membro do IHGB desde sua fundação, de acordo com Januário da Cunha Barbosa,
nasceu em Hogue cidade da Silesia Prussiana, aos 20 anos parte para Espanha e torna-se membro da
Academia de História e outras Sociedades Literárias da Espanha, morou em outros países da Europa, dedicou-
se por algum tempo aos estudos e observações astronômicas, mudou para os Estados Unidos onde residiu até
1832, quando aceitou ser cônsul e desembarcou no Rio de Janeiro. Em pouco tempo se casou com uma
brasileira, teve dois filhos e declarava seu amor por nosso país. Suicidou-se pouco tempo após se demitir do
cargo de Cônsul Geral, queimar a maior parte seus papéis e mergulhar em melancolia. Sua demissão não foi
aceita porém a resposta só chegou três meses após sua morte. (R. IHGB, 1844, p.111-117)
4
Publicado apenas em 1882 na Revista do IHGB.
5
Após expedição pela América em torno de 1820, Martius retorna para Munique, recebe do Monarca
Maximiliano José I o título de Von e passa a ter uma pensão vitalícia. Ainda que sua área de estudos seja a das
ciências da natureza, trazia a cultura iluminista, interessando-se pela etnologia, aspectos sociais e históricos
dos lugares de onde passava de acordo com Cesar (p. 177, 2003), por isso a afinidade de Martius com o tema
de sua dissertação campeã.
27
Esse plano, tendo início com a exaltação da natureza muito diversa do imenso
território nacional, discorre sobre as três raças: cor de “cobre americana, caucasiana e preta
ou etiópica”, recomenda o estudo sobre o indígena, devido a sua história compor parte da
história do Brasil, dedica um trecho maior aos portugueses e discorre sobre sua parte em
nossa história e por fim aos negros em suas relações para com a história brasileira.
Apresenta o português enquanto provedor de condições e garantias morais e físicas
importantes para formação nacional, sem ignorar o papel do indígena e do negro, que
miscigenados deram origem aos brasileiros. Para Von Martius não se deve excluir a relação
entre as raças.
Escrito em 1843, ele propõe que a história indígena merece atenção, pois integra a
história do Brasil, então se deve superar a obscuridade ao redor do passado indígena antes
da chegada portuguesa; para que se compreendam melhor nossos alicerces, uma sugestão
seria a elaboração de um dicionário da língua indígena, principalmente o Tupi, por parte de
linguistas integrantes do Instituto, tratando o idioma enquanto documento a ser conhecido e
pesquisado.
Além da língua, as atividades espirituais devem ser buscadas nos documentos, pois
muito poderiam acrescentar seus ritos, costumes e práticas. Von Martius estimula ainda
outro intento que poderia trazer resultados surpreendentes: a investigação arqueológica,
pois tão próximo de nós viveram outras civilizações que deixaram um legado de
monumentos como os existentes no Peru; possivelmente procurando, poderia se encontrar
em nosso território vestígios como de nossos vizinhos.
Em contrapartida às várias ideias de aprofundamento nas pesquisas sobre o
indígena, Von Martius propõe quanto aos negros que é importante atentar aos mitos
populares, suas superstições, conhecer suas opiniões, atentar a muitos de seus costumes,
os defeitos e também suas virtudes.
Propõe buscar esses dados e conhecer a necessidade de mão-de-obra em nossas
terras que estimulou o tráfico negreiro, sem deixar de lado a influência desse tráfico e suas
relações para com a história do Brasil, pois nos faltava esclarecimentos sobre como ocorreu
o manejo dos negros, como esses lidavam com esse evento e qual a influência do tráfico em
Portugal e na sua grande colônia.
Von Martius afirma que o Brasil seria diferente sem os negros, mas deixa uma lacuna
a ser avaliada pelo historiador que se propor efetivamente a escrever a história do Brasil,
para após ponderar toda influência dos negros para nossa nação, então concluir se a
diferença seria para melhor ou pior.
Quanto aos caucasianos, que recebem o mérito da descoberta destas terras por
suas façanhas marítimas, comerciais e guerreira, a proposta é que os portugueses não
28
sejam restritos a este evento desbravador, mas Von Martius chama atenção para a
necessidade do aprofundamento das pesquisas do historiador para se compor um quadro
do século XV.
Esse quadro seria útil para se conhecer o homem que saiu de Portugal para chegar
ao novo território, e já nas novas terras se organizar e se relacionar com quem
encontrariam. Outro ponto seria pensar nas milícias aqui formadas, como ocorreu seu
recrutamento, se foram suas armas ou apenas sua astúcia que articulava as ações com os
indígenas que aqui encontraram.
É importante pensar sobre o português que veio para o Brasil, para refletirmos sobre
como ele foi formado e de que maneira ele formou e estabeleceu as relações no novo
território, uma vez que a colônia não é uma reprodução fiel da metrópole.
Ainda que Portugal mantinha-se vigilante sobre a influência das ordens eclesiásticas
no interior da colônia e, em se tratando destas ordens, principalmente a Jesuítica, Von
Martius chama atenção para a riqueza de informações sobre nossa história que podem ser
adquiridas no acervo documental da ordem. Segundo ele, os jesuítas estabeleceram
estreitos laços com os indígenas, mais do que qualquer outra ordem. Esses importantes
registros oriundos desta relação podem acrescentar sobre a história do Brasil, dos indígenas
e também sobre os bandeirantes (que entre outras atividades, capturavam índios para
escravizá-los).
Em Como se deve escrever a história do Brasil, o autor apresenta ainda a
necessidade de se conhecer o leitor dessa história que será produzida, o seu grau de
instrução, sua contemporaneidade, que pode contribuir para escrita, e sugere alguns
aspectos que podem ser observados para isso, como as casas dos colonos, muitas de suas
características, como se residiam nas províncias em áreas rurais ou na cidade, se trabalham
relacionados com lavouras ou comércio, e observar atentamente qual tem sido a história
escrita nas diferentes regiões do Império.
Pois Von Martius elogia apenas parcialmente essa história produzida nas províncias,
que tem relevância e importância por ser parte no contexto geral, uma vez que o olhar
próximo pode acrescentar muitas especificidades importantes de um dado local no contexto
do todo, mas afirma que a grande maioria delas não satisfaz a historiografia, uma vez que
incluem muitos fatos cotidianos sem relevância histórica, como simples ações dos prefeitos
de liberar ou proibir ações cotidianas.
Essa abordagem enfatiza a importância e chama atenção para cuidados com as
produções regionais e reforça que a história pode despertar o sentimento do Brasil como um
todo, identificando o passado comum para alimentar um futuro também comum, ainda que
cada qual tenha suas particularidades, mas uma parte deve se tornar integrante de outra
29
6
Varnhagen (1816-1878) Brasileiro, filho de um alemão e mãe portuguesa, nasce em Sorocaba. Aos oito anos
parte para Portugal onde realiza seus estudos, apresenta grande interesse em literatura e história. Torna-se
sócio correspondente do IHGB já em 1939. Destacou-se por produzir a mais importante obra do século XIX
sobre nossa história.
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pusessem em risco a unidade. Afinal, a união facilita em vários aspectos, por exemplo, na
defesa de possíveis invasões territoriais.
Nesse contexto da unidade, adentra a questão das raças, ainda que devido ao
saudosismo colonial, caracteriza o indígena de forma negativista, acreditando que “o
cruzamento entre raças como que diluiria sangue índio e negro em branco e deveria tornar
esse Império mais homogêneo e similar às nações da civilizada Europa” (RICUPERO, 2004,
p. 137).
De acordo com Ricupero, Varnhagen não deixa de reconhecer a influência do
indígena na construção de nossa nação, ao mesmo tempo em que vê a influência jesuítica
de forma negativa, pois ao proibir a exploração do trabalho dos índios, o jesuíta se torna co-
responsável da escravidão africana, demonstrando o repúdio à escravidão dos negros por
parte do autor.
Varnhagen enfatiza positivamente a colonização portuguesa, como um feito
promissor para colônia, que vai além da herança da civilidade europeia, da religião cristã e
deste vasto território, garante para Brasil nobres sentimentos à “nação recém-independente
que precisava de um passado do qual pudesse se orgulhar e que lhe permitisse avançar
com confiança para o futuro” (Idem, 2002, p. 25).
Seus estudos e levantamentos documentais, tão importantes para a gênese de
nossa nação, contou com a proteção de D. Pedro ll, que disponibilizou incentivo e recursos
para sua obra, porque como afirma Reis “O jovem Imperador, aliás, precisava muito da
história e dos historiadores” (Ibidem, 2002, p. 25).
Os recursos do Imperador não se restringiam ao IHGB, pois o “mecenas” das artes
estimulava e subsidiava outras áreas e instituições, como por exemplo, financiava estudos
de medicina, reinaugurou em 1838 o colégio Pedro ll, implementou a Academia Imperial de
Belas Artes criada em 1826, e criou em 1857 a Imperial Academia de Música e a Ópera
Nacional.
venha a ser coletado material que subsidie a escrita da história nacional” (GUIMARÃES,
1988, p. 19).
Essas viagens ao mesmo tempo em que eram úteis para delimitar nosso território,
conhecer sua geografia, relevo, fertilidade do solo, hidrografia, fauna, flora, também eram
utilizadas com a finalidade de registrar povos e costumes, presentes no interior de nosso
vasto território, permitindo aos integrantes dessas expedições produzirem estudos
geográficos, científicos e sobre história regional e dos indígenas.
Esses temas são fundamentais para muitas das produções realizadas pelos
intelectuais do Instituto. Essas viagens permitem uma produção rica em detalhes, pela
proximidade como os objetos; abrange interesses do Instituto, Estado e contribui para a
unidade nacional.
A contribuição ainda é mais ampla, no sentido em que além de possibilitar a
produção historiográfica, sobre as origens de nosso país, os estudos das características
regionais em prol do todo da nação, permite ainda subsídio para a produção iconográfica,
tanto por parte de desenhistas que integravam essas expedições como para os demais
artistas que se propunham a pintar nossa nação nesse período.
Esses aspectos, abordaremos nas páginas seguintes, ao aprofundarmos na
iconografia produzida neste contexto da gênese nacional, onde os estudos históricos e
geográficos são produzidos, e inclusive os literários.
Como afirma Ricupero, “a história tem, contudo, como gênero narrativo, pontos de
aproximação significativos com a literatura. Ambas ordenam, elaboram quadros inteligíveis,
no que não deixa de ser uma operação essencialmente política, de seleção de fatos e
valores” (RICUPERO, 2004, p. 141).
O papel da história na gênese de nossa nação é imprescindível e o da literatura
também merece seu destaque, tanto no que se propõe a fazer nas suas áreas específicas, e
nos momentos que se fundir e interagir, em situações como “a literatura por sua vez pode
intervir na história, estabelecendo muitos de seus temas e problemas, o que é
particularmente verdadeiro quando os dois campos não estão bem definidos” (Idem, 2004,
p. 141).
Bem definidas ou não, ao longo das pesquisas históricas e geográficas no processo
de formação e consolidação de nossa nação, temos também a formação da literatura
brasileira “ao mesmo tempo em que a historiografia literária, impregnada pela mesma
ideologia com a qual a historiografia nacional apoiava a nascente monarquia, criou a
literatura dando origem à identidade brasileira que a legitimava” (apud RICUPERO, 2004,
p.85).
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Deve o historiador, se não quiser que sobre ele carregue grave e dolorosa
responsabilidade, pôr a mira em satisfazer aos fins políticos e moral da história. Com
os sucessos do passado ensinará à geração presente em que consiste a sua
verdadeira felicidade, chamando-a a um nexo comum, inspirando-lhe o mais nobre
patriotismo, o amor às instituições monárquico-constitucionais, o sentimento
religioso, e a inclinação aos bons costumes (apud GUIMARÃES, 1988, p. 16).
se o IHGB não funcionasse na casa do monarca, mas tivesse sede própria, não
dependesse da boa vontade dos governantes, atuando verdadeiramente como uma
instituição autônoma, talvez tivesse garantido uma existência menos precária, mas
neste caso, o instituto Histórico Geográfico Brasileiro não seria o Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, nem o Brasil do século XIX seria o Brasil do século XIX
(RICUPERO, 2004, p. 129)
Sem dúvidas, senhores, que a vossa publicação trimestral tem prestado valiosos
serviços, mostrando ao velho mundo o apresso, que também no novo merecem as
aplicações da inteligência; mas para que esse alvo se atinja perfeitamente, é de
mister que não só reunais os trabalhos das gerações passadas, ao que vós tendes
dedicado quase que unicamente, como também, pelos vossos próprios, torneis
aquela a que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade: não dividi, pois
as vossas forças, o amor da ciência é exclusivo, e concorrendo todos unidos para
tão nobre, útil, e já difícil empresa, erijamos assim um padrão de gloria à civilização
da nossa pátria (...) (apud GUIMARÃES, 1988, p. 11).
O prédio do antigo Silogeu (Anexo V), no paço Imperial, após a demolição de parte
deste prédio, teve o novo e atual prédio da sede própria do Instituto construído logo ao seu
lado, sobrevive até a década de 1970 quando foi demolido (Anexo VI) para o alargamento
da Rua Teixeira de Freitas, região da Glória na cidade do Rio de Janeiro.
Diferente de outras academias, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro subsiste até
os dias atuais, sendo que a Revista ainda é publicada trimestralmente, disponibilizando
reimpressão de todas as suas edições. Um amplo acervo de importantes títulos está
disponível em sua biblioteca, auditórios e um rico museu, apresentando objetos, fotos,
manuscritos e documentos da nação.
Hoje contamos ainda com o site oficial do Instituto7, que mantém os princípios
presentes logo após as boas vindas, onde nos deparamos com a breve apresentação e
finalidade assim apresentada: “preservar a cultura nacional, estimular os estudos históricos,
geográficos e de outras ciências sociais sobre o Brasil e reunir e divulgar documentos
relativos à sua formação e identidade, com vistas à preservação da memória nacional”
(IHGB).
7
http://www.ihgb.org.br
36
Assim, a maior prova do sucesso do IHGB é que hoje, mais de 150 anos depois de
sua fundação, ideias como o papel benévolo da unidade e da relação das três raças
no que somos, são para nós tão óbvias que praticamente não conseguimos imaginar
como podem ser questionadas (RICUPERO, 2004, p. 151).
A foto do atual prédio do IHGB (Anexo VII) e as palavras de Ricupero refletem o que
os nossos olhos podem ver em nossos dias, na cidade do Rio de Janeiro e em nosso país.
Mostra ainda que 175 anos se passaram, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro foi
criado para que documentos, pesquisas e estudos, históricos e geográficos, fossem
realizados e organizados em prol da gênese nacional do Brasil, com a busca do passado
concomitantemente aguçando expectativas para o nosso futuro.
37
Neste capítulo, além das tintas presentes nas pinceladas de Benedito Calixto, Pedro
Américo, Hércule Florence e Victor Meirelles, que analisaremos no capítulo a seguir,
atentaremos para a tinta das letras impressas na Revista do IHGB, trazendo o conhecimento
prático adquirido em viagens ao interior do Brasil.
As imagens e os texto-imagens, aqui representados pelos relatos de viagens,
merecem destaque ao longo do processo da gênese nacional brasileira, enquanto
produções realizadas através das pesquisas teóricas e práticas que ocorriam em cada
viagem dentro do nosso território, resultando em texto-imagem.
Dentre as muitas obras iconográficas produzidas durante o século XIX, com a
intenção de registrar atos da gênese nacional brasileira, optamos por quatro obras de
quatro diferentes pintores já citadas anteriormente, aqui apresentadas em ordem
cronológica de sua produção, sendo elas: 1848 – Engenho da cachoeira. Corte de cana-de-
açúcar de Hércule Florence, o segundo desenhista da expedição Langsdorff; 1860 – A
Primeira missa no Brasil de Victor Meirelles; 1888 – O Grito do Ipiranga de Pedro Américo e
de 1893 – Evangelho das Selvas de Benedito Calixto.
Ao refletirmos sobre o papel da iconografia neste processo da gênese da ideia
nacional, remetemo-nos à Marilena Chauí e seus estudos em relação ao mito fundador
onde afirma que este
Pensar sobre mito fundador, ainda que sem aprofundarmos na questão, remetemo-
nos à gênese nacional brasileira, nossa genética europeia, pois o “português é o
desbravador corajoso e aventureiro que vai criando o solo nacional” (Idem, 2007, p. 51),
nosso território com sua extensão e valorização, a necessidade da escrita de nossa história,
os esforços e os estudos da elite intelectual disseminando seus escritos e estimulando a
produção iconográfica advinda neste contexto e para este contexto, utilizando o
conhecimento prévio e vivencia do brasileiro em prol da consolidação da ideia de nação e
seu pertencimento.
38
Ler a imagem criada pelo artista significa mobilizar nossas lembranças e nossas
experiências do mundo visível e testar essa imagem mediante projeções tentativas.
Para ler o mundo visível em termos de arte, temos de fazer o contrário. Devemos
mobilizar as nossas lembranças e nossas experiências de quadros vistos e testar o
motivo projetando, também nesse caso por tentativas sucessivas, lembranças e
experiências, dentro de um quadro delimitado (GINZBURG, 1989, p. 85).
Unir a sociedade em torno de uma ideia única, trazer a referência externa para
interiorizá-la, e o mais difícil, realmente apropriá-la, exigirá esforços, pois a nação é
composta por diferentes grupos sociais, os que produzirão, e os que terão conhecimento
através dessas produções, seriam as concepções distintas, no caso do nosso amplo
território as diferenças regionais, sendo combatidas em prol da unidade, seria a gênese
nacional sendo estimulada quase de uma maneira natural, ainda que intencional, ocorre de
maneira sutil, como se
a nação passasse a ser vista como algo que sempre teria existido, desde tempos
imemoriais, porque suas raízes deitam-se no próprio povo que a constitui. Dessa
maneira, aparece um poderoso elemento de identificação social e política, facilmente
reconhecível por todos (pois a nação está nos usos, costumes, tradições, crenças da
vida cotidiana) e com a capacidade para incorporar numa única crença as crenças
rivais (...) (Idem, 2007, p. 19)
Rivalidades à parte, o que une é muito mais expressivo; como apresenta Benedict
Anderson, “a nação é imaginada como comunidade porque, sem considerar a desigualdade
e exploração que atualmente prevalecem em todas elas, a nação é sempre concebida como
um companheirismo profundo e horizontal” (ANDERSON, 1989, p. 16) e imaginada ainda
como “limitada, porque até mesmo a maior delas, (...), possui fronteiras finitas, ainda que
elásticas, para além das quais se encontram outras nações. Nenhuma nação se imagina
coextensiva com a humanidade” (Idem, 1989, p. 15) e imaginada ainda como implicitamente
limitada e soberana (...). Para Gellner o nacionalismo não é o despertador das nações para
a autoconsciência: ele inventa nações onde elas não existem” (apud. Ibidem, 1989, p. 14).
O pensamento holístico, abrangendo a totalidade, estimulado através de todo um
processo, dentro da nação, torna pertinente refletirmos sobre o que é nacional, abrangendo
o conceito de nacionalidade, onde
parto de que nacionalidade, ou, como talvez se prefira dizer, devido às múltiplas
significações dessa palavra, nation-ness, bem como nacionalismo, são artefatos
culturais de um tipo peculiar. Para compreendê-los adequadamente é preciso que
consideremos com cuidado como se tornaram entidades históricas, de que modo
seus significados se alteraram no correr do tempo, e por que, hoje em dia, inspiram
uma legitimidade emocional tão profunda” (ANDERSON, 1989, p. 12).
como afirma Jorge Coli que “o século XIX inventou uma história brasileira. Ela ergueu-se
dentro de um clima cultural nacionalista, que teve configurações diferentes, mas que
permaneceu até o século XX, reforçando o Estado Novo” (COLI, 2005, p. 21).
Para contextualizarmos o nacionalismo, que leva os indivíduos a optarem e
exaltarem tudo que está relacionado à sua própria nação, atentamos ao fato de que
“diversamente da maioria dos outros “ismos”, o nacionalismo jamais produziu grandes
pensadores próprios” (ANDERSON, 1989, p. 13), e
A Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) foi fundada no Rio de Janeiro, criada em
1826, ao contrário do que se acreditou por muito tempo, pois a historiografia caracterizou
desta forma, teria sido resultado “da Missão Francesa que chegara ao Brasil em 26 de
março de 1816 com o intuito de aqui fundar uma academia de artes que só passaria a
funcionar 10 anos depois” (SCHWARCZ, 1998, p. 145) a convite de D. João VI.
O que ocorreu realmente de acordo com SCHWARCZ (2008), foi a iniciativa dos
próprios pintores que enfrentaram algumas dificuldades na França, devastada pela guerra,
com aliados de Bonaparte sofrendo represálias, e desembarcam no Brasil em 1816. Debret
trabalhava para o irmão de Napoleão e havia perdido o emprego e seu filho; Taunay
também perdera o emprego e seu filho fora preso. Grandjean de Montigny e Lebreton
também enfrentavam dificuldades em suas carreiras, assim a viagem para o Brasil tornou-se
viável para os artistas.
Pertinente para os artistas e de certa forma para o Brasil também, esses pintores
realizaram pinturas para a coroa, realizaram vários retratos para corte, o que gerava
dinheiro ao artista e realizava o anseio de ser retratado, e ainda desempenham um papel
relevante enquanto professores da Academia.
A AIBA, instituição de ensino superior na área das artes, criada para sistematização
do ensino artístico, passou por alguns períodos difíceis de ordem econômica, até que
durante o Segundo Reinado usufruiu de estabilidade devido ao auxílio público e também
privado. Assim, a instituição ganha corpo ao integrar e desempenhar um papel fundamental
no programa cultural nacionalista, subsidiado e apoiado pelo Imperador, afinal, “D. Pedro II é
mais e mais um sinônimo da nacionalidade.” (Idem, 1998, p. 153).
42
Assim, a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos
não podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda
está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência de
um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação (FRANZ,
2007).
às duas instituições coube por pôr em prática o projeto nacional da elite cortesã,
construindo, em conjunto, uma memória nacional – um, em tinta impressa, o outro a
pinceladas. Sem contar com os membros que dividiam seu tempo entre os dois
órgãos, a academia se estruturou de maneira semelhante ao Instituto. Sob tutela
imperial, sobretudo no segundo reinado, a academia desenvolveu uma rede de
membros correspondentes com diversas instituições e artistas da Europa (FRANCO,
2008, p. 111).
Na busca de consolidar nossa nação, além dos estreitos laços com o monarca a
Academia se destaca enquanto uma
O imperador conheceu Pedro Américo quando este era aluno do Colégio Pedro II e
pintava as escondidas um retrato seu. Tal ato só podia ser respondido por outro: o
monarca matriculou-o na Academia de Belas-Artes e financiou seus estudos. Mas
essa não foi uma exceção: Victor Meirelles também foi estudar na Europa.
(SCHWARCZ, 1998, p. 145)
Para aperfeiçoar as produções nacionais, além das viagens para a Europa, o contato
com grandes gênios da pintura, a AIBA estimulava a prática de cópias para aproximar
alunos de seus mestres, de acordo com Leite:
44
para isso servia a cópia; preparar o aluno não somente para a estruturação de um
quadro, como também para incitar futuros artistas, alimentando-os de variegadas
demonstrações de recursos para resolver e atender às necessidades e aos
problemas temáticos. Assim, a cópia não enclausurava o pintor na tradição do
passado, ela nutria o artista com a riqueza de informações que a tradição foi capaz
de propagar, difundir e de que os museus e as igrejas da Europa se achavam
abarrotados. (…) Ela continua vigorando durante toda a existência da Academia
Imperial mas com a implantação do Novo Estatuto para o surgimento da Escola
Nacional de Belas Artes em 18/11/1890, pelo Decreto nº 983. (LEITE, 2010).
Toda a identidade é uma construção simbólica (a meu ver necessária), o que elimina
portanto as dúvidas sobre a veracidade ou falsidade do que é produzido. Dito de
outra forma, não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de
identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos
históricos (ORTIZ, 2005, p. 8).
Como vimos no capítulo anterior, a elite cultural não mede esforços no contexto da
gênese nacional e consolidação da unidade de nossa nação e a AIBA enquanto integrante
desse processo, de acordo com os estudos de Fernandes:
Com tantas características em comum com o Instituto, não seria diferente quanto a
suas sedes, como no caso do IHGB a estrutura física alterou-se ao longo do tempo,
inicialmente o edifício8 que abrigou a AIBA, foi projetado por Grandjean de Montigny (Anexo
VIII), inaugurado em 1826;
8
Após a demolição do prédio, o portal central da fronte deste edifício foi desmontado e reconstruído no
Jardim Botanico- RJ.
9
Com o início da República, a AIBA passa a se chamar Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), instituição
autônoma até 1931, quanto passa a integrar a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
46
Mato Grosso (R. IHGB, tomo XXII, 1859, p. 390), Manuscritos limites do Brasil (R. IHGB,
tomo XXIV, 1861, p. 113).
Esses diferentes títulos, viagem, descrição, itinerário, relação, simples narração,
roteiro corographico (geográfico), entre outros, permitem-nos observar os diferentes
enfoques que podiam ser dados para os registros produzidos através das viagens.
Ao realizarmos este levantamento das viagens optamos por nos aprofundarmos aos
relatos advindos da Expedição Langsdorff de 1824 até 1829, impressa na Revista do IHGB
no tomo XXXVIII, que além da grande contribuição para registrar nossa fauna, flora,
geografia, clima, entre outros aspectos, temos um dos pintores que integra nossa pesquisa,
participando da expedição como segundo desenhista, afinal, “é inegável a importância dos
documentos iconográficos produzidos pela expedição” (HERCULE, 2009, p. 10).
Essa expedição foi organizada por Georg Heinrich Von Langsdorff, o Barão
Langsdorff (1774-1852), naturalista alemão, e custeada pelo czar da Alemanha, Alexandre I.
Integraram essa expedição o Barão Langsdorff, o pintor francês Adrien Taunay (1803-
1828), o astrônomo russo Nester Rubtsov (1799-1874), os alemães Christian Hasse,
zoólogo e o botânico Ludwig Riedel (1791-1861) e Hércule Florence, segundo desenhista da
expedição ao interior do Brasil, uma vez que não contariam com a companhia de Johan
Moritz Rugendas, que no início da expedição realizou alguns desenhos, porém teve alguns
desentendimentos, optando por deixar de integrá-la e seguir outros caminhos.
O grupo inicia por Minas Gerais e algumas cidades do interior de São Paulo, porém
optam por realizar uma segunda etapa da expedição viajando pelos rios, assim partem do
porto em Santos de navio e segue para a Amazônia pelo interior do país. De 1826 a 1829
percorre os atuais Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia,
Amazonas e Pará.
Nestes quase cinco anos de expedição, muitos levantamentos e estudos foram
realizados, amostras foram coletadas, registros e desenhos importantes foram feitos, sendo
criada uma coleção russa predominantemente composta por desenhos botânicos, de insetos
e de peixes. Porém, o que marcou essa expedição foram acontecimentos trágicos e
sombrios, que custaram a sanidade mental do Barão Langsdorff, vitimado pelas febres
tropicais, e a vida do jovem desenhista Adrien Taunay que morre afogado tentando
completar a travessia do Rio Guaporé em 1828.
Florence em 1849 retoma suas anotações deste período e começa a escrever o
diário completo sobre a viagem científica da expedição Langsdorff; atualmente o diário
original está em posse de seus descendentes. Porém,em 1977 foi publicado com o título
Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas pelas Províncias Brasileiras de São Paulo, Mato
Grosso e Grão-Pará (1825-1829), e na Revista do IHGB foi publicado em 1865, no tomo
48
XXXVIII, O esboço de viagem feita pelo Sr. de Langsdorff, no interior do Brasil, desde
setembro de 1825 até março de 1829, escrita no original francês por Hercule Florence.
No esboço da viagem descrita por Florence e traduzida por Alfredo D’Esgragnolle
Tunay, o relato inicia assim:
A riqueza dos detalhes descritos por Florence abrange todos os aspectos que ele
aborda no decorrer deste relato da expedição Langsdorff; a natureza, as pessoas, lugares,
tudo é descrito, incluindo seus desenhos que além dos traços sempre trazia algumas
anotações em torno deste, como na seguinte descrição:
Em Santos há uma única rua ao longo do rio e travessas que da praia vão ter ao alto
das colinas a cavaleiro sobre a cidade. Bem que se note muito pouca atividade na
resumida população, é este ponto o mais importante de toda província e o
entreposto exclusivo do comercio de importação e exportação que busca a parte
setentrional de S.Paulo (R. IHGB, tomo XXXVIII, v.I, p. 356).
Outra publicação que citaremos presente na revista é Descrição do Rio Paraná por
Manoel de Campos Silva, copiada de um manuscrito ofertado ao IHGB pelo membro Sr. J.
D. de A. Moncorvo:
As principais entradas do rio Paraná são a boca do Guaçú e o Paraná das Palmas:
por esta entrada não podem navegar embargações que demandem mais de seis
palmos de água senão quando está o rio crescido, que geralmente cresce com
ventos E.,ESE.,SE.,SSE, e S e tambem com a crescente de cima, que não tem
tempo certo, mas são geralmente pelos mezes de janeiro, fevereiro e março e assim
mesmo as embracações que vem de cima carregadas não passão os barcos que
estão de fronte do arroyo de Antequeira e das Conxas e das ilhas do Dorasmo e Pay
Caraby, as quaes formão a entrada dos Corações sem alijar na Cruz Colorada a
embarcação de pouca água e também fazem a travessia dos ditos corações para a
bocca do Guaçu. (1) Esta entrada mais frequentada e menos dificultosa de navegar,
e se junta com a do Paraná das Palmas um pouco mais abaixo de S. Pedro e então
segue um só canal até mais acima de S. Lourenço, não obstante que também
estando o rio crescido podem passar embracações pequenas por traz das ilhas que
estão anexas e não ficam alagadas (…) (R. IHGB, tomo II, 1840, p. 315).
Seja através das diferentes intenções ou pontos de vista, Lima apresenta em seus
estudos a produção iconográfica associada às experiências de viagem, dividida em dois
conjuntos:
Os textos-imagens produzidos por esses viajantes que adentram nosso país permite
aos mesmos uma bagagem de vivências, produções e relatos que transmitem
conhecimentos e experiências aos que usufruem de seus escritos, e desenhos. Como nos
estudos de Flora Sussekind:
Assim, os relatos de viagem contribuem com a produção iconográfica, uma vez que
disponibilizam a visualidade de lugares inóspitos, acontecimentos, pessoas, disponibilizam
amostras de vegetações e solos, relatam sobre topografias e costumes das diferentes
regiões do nosso grande país; enfim, descrevem e produzem informações penitentes para a
consolidação da identidade nacional.
51
Assim como Ginzburg, Louis Marin utiliza o termo e o trata enquanto forma de
expressão como “simples figura de linguagem ou abuso do termo, em todo caso, uma
página escrita é, de um lado uma leitura, de outro lado, quadro e visão; o legível e o visível
têm fronteiras e lugares em comum” (MARIN, 2011, p. 117).
Para Marin a expressão “leitura de um quadro” tem características que enunciam um
caráter operatório, ultrapassando a própria leitura através de elementos e efeitos de
iconização, aborda o que seria legível e visível, estabelecendo pontos pertinentes de um
discurso, e por fim o legível e visível ligando e se opondo diferentemente, no quadro em
relação aos livros.
O autor exemplifica que para Port. Royal, o olhar imediato sobre o quadro é “leitura e
isso considerando-se uma dupla definição pressuposta e implícita 1) da ideia de signo como
representação e 2) do quadro pintado como sendo ideia de alguma coisa” (Idem, 2011, p.
118).
52
deveríamos dizer que o próprio artista, para pintar seu quadro, leu um texto e que o
seu espectador, para ver o quadro “realmente”, deve ler o quadro como se fosse
esse texto. Se o artista teve de ler um livro, um texto, palavras, frases, para pintar,
para fazer ver, o espectador deve “ler” o quadro para ver aquilo de que fala o texto
(que o quadro traduz e ao qual remete ou se refere) (MARIN, 2011, p. 119).
com atenção, decifrando a “trama deste tecido” produzido em meados do século XIX e
utilizado até os dias atuais.
Para atentarmos às obras que selecionamos, realizadas ao longo do século XIX,
estabelecemos uma ordem cronológica de acordo com a confecção de cada uma delas, pois
retrataram diferentes aspectos dentro do contexto da gênese da nação brasileira.
Através dessas obras analisadas, é possível atentar a alguns pontos de vista de
diferentes momentos de nossa nação, partindo de seu “descobrimento” até aos primeiros
momentos de sua existência, desde o momento em que a terra inóspita, desconhecedora do
evangelho que os europeus trazem encarando todas as dificuldades e superando-as em prol
do promissor Império.
Afinal, de acordo com os estudos de Coli,
A descoberta do Brasil foi uma invenção do século XIX. Ela resultou das solicitações
feitas pelo romantismo nascente e pelo projeto de construção nacional que se
combinavam então. Como ato fundador, instaurou uma continuidade necessária,
inscrita no vetor dos acontecimentos. Os responsáveis essenciais encontravam-se,
de um lado, no trabalho dos historiadores, que fundamentava cientificamente uma
“verdade” desejada; e, de outro, na atividade dos artistas, criadora de crenças que
se encarnavam num corpo de convicções coletivas (COLI, 2005, p. 23).
O impacto de uma obra, sua força interna, a capacidade de agir sobre outros
criadores, que multiplicarão, de maneira muitas vezes indireta e não explícita, a
força dos protótipos, é impossível de medir de número ou pelas formas simplificadas
daquilo que se imagina ser uma compreensão ideológica. Quando muito, alguns
desses estudos “cientificamente” sociológicos podem servir como apoio, secundário
para a compreensão das obras (COLI, 2005, p. 20).
54
Essas palavras de Coli nos leva a pensar em outro aspecto que abrange essas
imagens produzidas ao longo do século XIX; elas também se tornaram inspiração para
produções iconográficas, inspirando outros artistas a produzirem imagens de nosso país,
além de modelar condutas, como afirma Carvalho:
Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos codificada,
tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos
coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o imaginário, podem também
plantar visões de mundo e modelar condutas. (CARVALHO, 1990, p. 10)
Mas o pintor, de acordo com Marin (2001, p. 124) tendo apenas um instante no qual deve
tomar a coisa que quer figurar, para representar o que se passou naquele exato momento, é
necessário, por vezes, que reúna muitos incidentes que precederam, a fim de tornar
compreensível o tema que expõe.
Nossa principal fonte é o “instante figurado pelo pintor” a produção iconográfica,
principalmente nas obras que analisaremos a seguir, dos artistas, Hércules Florence, Victor
Meireles, Pedro Américo e Benetido Calixto, compreendendo o período do Segundo
Reinado, e tornando visíveis os aspectos necessários para suscitar todos os sentimentos
abordados anteriormente, de pertencimento, reconhecimento e o nacionalismo.
Assim, sem deixarmos de lado a historiografia do século XIX, imprescindível em
nossa pesquisa nos remetemos a Marin que afirma através de seus estudos: “leia a história
e o quadro”, pois no “texto do quadro, em sua tela de representação, legível e visível
comunicam-se, em todos os níveis, num tecido onde a trama, seriam os percursos do olhar
e onde a corrente, seriam os discursos do quadro” (MARIN, p. 139, 2001).
Discursos presentes nos quadros e transmitidos através dos olhares sobre as obras
foram importantes ao longo do século XIX e na atualidade ainda desempenham um papel
relevante, atuando em prol da manutenção de muitos destes sentimentos, os quais
pontuamos principalmente nas obras de Victor Meirelles e Pedro Américo.
A primeira obra apresenta um herói da nossa nação que, sobre seu cavalo, brada
por nossa independência, e a segunda retrata o momento da primeira missa celebrada em
nosso solo, conhecida até a confecção da obra apenas na descrição de Caminha, e na tela
faz às vezes de marco inicial, um “pontapé” para a pátria infante firmada na fé cristã.
São duas obras que, apesar de retratarem eventos específicos e datados, desde
seus primórdios tempos até os dias de hoje, despertam e estimulam os mesmos
sentimentos propostos através delas, disponibilizando uma memória visual que se engloba
a cultura nacional, “dessa maneira, a continuidade temporal da história ressurge na
continuidade temporal da cultura: o passado preservado pela Cultura Popular e o futuro
garantido pela Cultura instruída” (CHAUÍ, 1989, p. 120).
Os intelectuais foram responsáveis pelo ponto de partida, de encomendar, refletir
sobre quais eventos deveriam ser retratados, de que forma, com qual intenção, afinal essas
obras são tomadas como documentos nacionais e têm lugar de destaque desde meados do
século XIX, no contexto de gênese e consolidação da nação brasileira até os dias atuais,
reforçando constantemente.
Se pensarmos que as imagens nos possibilitam inicialmente o ver para conhecer, e
posteriormente se responsabilizam através da manutenção, do ver para não se esquecer,
atentamos que isso pode ocorrer enfaticamente quando olhamos para essas telas que nos
56
encantam, não apenas pelo o que retratam, mas por seu tamanho que nos encanta e nos
retira suspiros, pelo menos é o que O Grito do Ipiranga despertou-nos ao colocarmos os
olhos diante da obra pessoalmente.
A manutenção através do ver também se dá nos traços de Hércule Florence e
Benedito Calixto, com dimensões menores mais não menos importantes, retratando um
momento que presenciou no interior de nosso país e Florence eternizou em sua aquarela, e
Benedito Calixto que traz o padre jesuíta na ativa, em meio ao território ainda selvagem dos
primeiros anos de nossa nação.
Seja através dos pincéis dos pintores ou da “caneta” do historiador e suas palavras,
que pouco a pouco vão tecendo as narrativas e unem os fatos em uma determinada ordem,
como vimos em um primeiro momento através da proposta de como se escrever a história
do Brasil e posteriormente a escrita, efetiva enquanto o pintor tem os acontecimentos que a
história disponibiliza e podem ser vistos nas pinceladas integrando algo maior, além das
molduras, e retratado de acordo com a intenção do pintor.
Por tudo que apresentamos anteriormente, no século XIX foi necessário consolidar
essa identidade nacional, despertando o pertencimento do indivíduo na grande nação ainda
jovem, a qual ele já fazia parte e precisam se reconhecer nela.
Numa época em que pertencer a um povo, a uma nação parecia ser condições tão
necessárias ao trabalho intelectual como o saber ler e escrever, a escolha pela
nação brasileira não aparece como expressão de um patriotismo atávico e familiar,
mas como condição limite e determinante de um modo de ser intelectual. Foi uma
opção romântica, num mundo romântico” (VARNHAGEN, 1979, p. 9).
Mais um fator instigante para a nossa pesquisa que almeja compreender a gênese
da nação brasileira através desta iconografia oitocentista, tão significante ainda no século
XXI.
Por isso cada um dos artistas e obras apresentadas ao longo de nossos estudos
abordaram a história, acontecimentos, personagens, sentimentos pela nação, a geografia,
nosso vasto território, a natureza, fauna e flora, entre outros aspectos que combinados de
acordo com a intenção de cada tela permitiram desempenhar um importante papel da
iconografia na história nacional, e na nossa circunvizinhança também, como afirma Jorge
“com essas imagens, o Brasil afirmava sua preeminência na América Latina” (COLI, 2005, p.
84).
10
Johann Moritz Rugendas (1802-1858). Pintor alemão que transitou por três anos no Brasil realizando viagens,
coletando e registrando aspectos de fauna, flora e características das pessoas.
58
viagens iniciam quando Florence aos 21 anos integra a expedição de Langsdorff, vai para
Santos de navio e segue para a Amazônia pelo interior do país.
De 1826 a 1829 percorre os atuais Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Rondônia, Amazonas e Pará. Florence realiza uma série de seus desenhos
aquarelas, retratando a fauna, a flora, a paisagem e a população dos locais visitados,
juntamente com desenhista francês Adrien Taunay, que formam a documentação visual
dessa expedição que custou a sanidade de Langsdorff e a vida de Taunay que se afogou no
Rio Guaporé.
Com espírito aventureiro, curioso e minucioso, o artista se dedica a representar a
natureza. O meticuloso artista assinala as condições de observação de cada registro feito
com a data e local da coleta, dimensões do exemplar documentado, as proporções entre o
tamanho do referente e da referência, se são imagens elaboradas com plantas secas ou
animais empalhados etc. Sua visão analítica apreende o objeto em seu todo e nos detalhes,
elaborando uma descrição que transcende traços e palavras.
Buscando dar conta sempre de um detalhe á mais, como apresenta Sussekind em
seu estudos:
por isso, aliás as paisagens de Johann Moritz Rugendas, Hércule Florence, Tomaz
Ender, algumas vezes chegam a parecer cheias demais. Como se numa estampa se
devesse dar conta de uma multiplicidade de espécies existentes ou atividades
possíveis naquele exato local. Ou singular simultaneamente diversos elementos que,
a rigor, poderiam estar dispersos, imersos numa vista geral, num grande plano.
(SUSSEKIND, 1990, p .118)
Tanto plantas como animais retratados por Florence são mostrados de diversos
pontos de vista, por dentro e por fora, com ênfase nas características de cada gênero. No
caso dos retratos etnográficos, apresenta as figuras de frente e perfil, esforçando-se em
reproduzir suas particularidades ao mesmo tempo em que procura individualizar as
fisionomias e afirmar a diversidade, sem recorrer a padronizações.
Nas paisagens, além da topografia de cada região, interessa-se em registrar a
luminosidade do céu e das nuvens, que foram objeto de um longo estudo realizado pelo
pintor ilustrando todos os gêneros, desde as nuvens com forma de carneirinhos até aquelas
carregadas de chuva.
O manuscrito intitulado Esboço da Viagem de Langsdorff ao interior do Brasil desde
setembro de 1825 até março de 1829 é traduzido e publicado por Alfredo d´Escragnolle
Taunay11, com o consentimento do autor, entre 1875 e 1876, na Revista do Instituto
11
Alfredo d’ Escragnolle Taunay (1843-1899) Visconde de Taunay, um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, era escritor, professor, músico, artista plástico, historiador, sociólogo e lutou na Guerra do Paraguai
na qualidade de engenheiro militar.
59
Histórico Geográfico Brasileiro (R. IHGB, Tomo XXXVIII Parte I e II, 1875) que atentamos
parcialmente no segundo capítulo de nossa pesquisa.
Somente em 1849 Florence retoma suas anotações e começa a escrever o diário
completo sobre a viagem científica. Esse diário, atualmente em posse de seus
descendentes, foi publicado em 1977 sob o título Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas
pelas Províncias Brasileiras de São Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará (1825-1829).
Após os términos dos trabalhos na expedição como desenhista, instala-se em São
Carlos, atual Campinas no estado de São Paulo, onde constitui família e se torna
fazendeiro, mas sem deixar a arte e as questões científicas de lado. Continua registrando a
paisagem e as transformações pelas quais passa a região no decorrer do século XIX.
Documenta o incremento da lavoura de cana-de-açúcar e café, o trabalho escravo
nos engenhos, as queimadas e derrubada das matas para plantio e, em menor número, até
a capital paulista.
A obra de Florence o Engenho da Cachoeira. Corte da cana-de-açúcar, é uma
aquarela que reproduz um canavial em 1848, trazendo o trabalho escravo nas plantações,
retratando ao fundo certa domesticação da natureza com os espaços bem definidos, entre o
que já estava plantado, de onde se estava plantando e por fim o local em que ainda se
preparava a terra. O desenho mostra ainda as condições de vida dos escravos negros no
Brasil.
Essa obra pertence ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo; no momento
não está exposta, porém sua exposição mais recente ocorreu entre 2009 e 2010, intitulada
como Hércule Florence e o Brasil: o percurso de um artista inventor. Nela foram expostos
desenhos do artista na própria Pinacoteca de São Paulo, tendo por curadora a bisneta de
Florence.
Sua criatividade e desenvoltura com as tintas faziam com que o autor, por vezes
“semelhante ao desses prosadores de ficção da segunda metade do século passado: a
fixação de um ponto de vista “histórico” que não demonstrasse “paisagens paradisíacas” ou
“mapas coesos” (SUSSEKIND, 1990, p. 198), mas que registrasse com a maior riqueza de
detalhes possíveis, permitindo enxergarmos o que o artista viu e que desejava que também
víssemos.
E ainda busca nos instigar despertando outras sensações como para descrever uma
queda de água: “Não é à toa, aliás, que Florence as define em analogia a outra paisagem
possível: ‘imagine uma grande escavação no meio de uma planície, que fosse de repente
inundada; eis a catarata. Paisagem para ver e não para colecionar’” (Idem, 1990, p. 121).
Com suas inúmeras aptidões, Florence encarou a arte como uma forma de ciência
para contribuir com a humanidade. Desempenhou outras profissões para prover o sustento
60
de sua família e seus vinte filhos, trabalhou como caixeiro, dono de loja de tecidos, tipógrafo
e ainda é precursor no campo dos processos químicos de reprodução de imagens.
E nesta empreita em busca de simplificação da reprodução de imagens, desenvolve
diferentes procedimentos dos comuns na época (como a litografia e a xilogravura) e inventa,
em 1830, o que chama de poligrafia (impressão em cores semelhante ao atual mimeógrafo)
e em 1832 começa a investigar as possibilidades de fixação da imagem utilizando nitrato de
prata e câmera escura com a ajuda do boticário Joaquim Correa de Mello, que realiza
experiências fotoquímicas dando origem a imagens batizadas de fotografia em 1833, onde
produz cópias fotográficas de desenhos em Campinas – ainda que não tenha sido
reconhecido como inventor da fotografia e da poligrafia, pois no mesmo período na França
Joseph Nicéphore Niépce e Louis Jacques Mandé Daguerre, e na Inglaterra William Henry
Fox Talbot, desenvolviam o mesmo processo.
Em 1877 é declarado membro correspondente do Instituto Histórico e é reconhecido
como um dos pioneiros da iconografia paulista, pois é de Florence alguns poucos desenhos
do interior da antiga Igreja da Sé de São Paulo, retratou fazendas em formação e o período
de transição da produção do açúcar para café.
Além de artista, foi o dono do primeiro jornal de Campinas, porém Florence é
conhecido por suas muitas invenções. Seus dons como inventor, pesquisador de novas
técnicas de fotografia e reprodução de imagens, merecem destaque por seus traços firmes
ao longo das viagens ao interior como pintor das expedições que registravam a história e
geografia do nosso país, bem como a riqueza de detalhes da fauna e flora deste amplo
território.
Ela retrata muitas cenas, esboços, locais específicos como fazendas, ainda em
formação, substituindo as culturas de plantio, entre outras. Mas no caso específico da nossa
aquarela se torna visível uma cena cotidiana no interior do Brasil, em uma fazenda que
plantava a cana, apresentando nosso país enquanto sociedade escravista, e com uma
população expressiva de escravos que de acordo com os estudos de Schwarcz sobre a
capital do Império,
longe das luxuosas cortes europeias, a capital da monarquia brasileira, em 1838,
possui cerca de 37 mil escravos, numa população de 97 mil habitantes. Além disso,
75% dos escravos em média, eram africanos, dado que sinaliza a importância da
população de cor na cidade do Rio de Janeiro (SCHWARCZ, 2001, p. 11).
vegetação nativa, nosso céu, nuvens, advindas de muitos estudos que o artista realizava
sobre elas, e através de registros pertencentes à família. Sua bisneta transmite alguns dos
sentimentos de Florence quando realizou o desenho através da descrição abaixo:
Os traços de Florence eram traços de alguém que conhecia muito de nosso país,
inclusive lugares que pouquíssimas pessoas tiveram a oportunidade de fitar os olhos ao
longo no período de nossos estudos.
Acrescentamos ainda as palavras de Carlos Martins que afirma “se hoje a
contribuição para o progresso da ciência pode ser questionável, é inegável a importância
62
dos documentos iconográficos produzidos pela expedição” (in HERCULE, 2009, p. 10). A
expedição citada é a de Langsdorff e os documentos iconográficos têm muito de nosso
artista.
A relevância dessa obra é ter sido produzida no contexto efervescente da
necessidade do Brasil de se consolidar enquanto nação, conhecer-se e tornar-se conhecida
para a construção da identidade e valorização do nosso vasto território. Tornando visível a
nós não um evento inaugural heróico ou ligado à fé mas um evento de certa forma inaugural
que crescia no interior do nosso país, como se disponibilizasse um ângulo de visão
diferente, outro foco.
Ainda que o artista tenha se tornado membro do Instituto anos depois, ele já
transitava em meio a elite cultural que se dedicava às discussões em prol dessa gênese, e
foi um pioneiro na produção iconográfica paulista.
Foi precursor na utilização da arte como fator educativo, saudado pelo Império, pela
crítica conservadora, e negado pelos adeptos da arte moderna; o artista teve seu trabalho
marcado por não ter assimilado as novas tendências do século XIX. Foi autor de quadros
históricos, retratos e panoramas. Ele deixou um extraordinário acervo, minuciosos esboços,
estudos em papel e óleos sobre tela.
Algumas de suas principais obras são: São João Batista no Cárcere, Passagem de
Humaitá, Combate Naval de Riachuelo, Batalha de Guararapes, Moema e A Primeira missa
no Brasil (anexo II), sendo a última a obra que analisaremos.
A tela retratando a imagem da primeira missa realizada no Brasil é a obra mais
conhecida de Victor Meirelles, retratando a primeira celebração realizada pelo frei Henrique
de Coimbra12 no domingo, dia 26 de abril de 1500, descrita por Pero Vaz de Caminha na
carta para D. Manoel I, onde em torno do grande crucifixo concentram-se os europeus,
praticamente emoldurado pelos indígenas que circulam a cena e observam com surpresa e
atenção a missa, de acordo com Caminha:
12
Frei Henrique Soares de Coimbra (1465-1532) Viajou na frota de Pedro Alvares Cabral e rezou a primeira
missa no território do Brasil.
64
Essa pintura foi realizada quando Meirelles estava na França, estudando na Escola
Superior de Belas Artes de Paris e trabalhava sob a orientação de Andrea Gastaldi. O óleo
sobre tela foi a primeira obra de um brasileiro aceita para exposição em um Salão Francês,
em 1861. A obra ficou aberta à visitação na Exposição Geral de Belas Artes de 1862, na
Academia Imperial e 14 anos depois, em 1876, representou o Brasil na Exposição Universal
da Filadélfia. Nos mais de cem anos seguintes, o quadro não saiu do Rio de Janeiro, onde
primeiro fez parte do Acervo da Escola Nacional de Belas Artes, e em 1937 foi transferido
para a Coleção do Museu Nacional de Belas Artes - MNBA.
Essa obra de grandes dimensões tem 2,70 x 3,57 metros sem o conjunto das
molduras, pois montado chega a atingir 3,35 metros de altura por 4,22 de comprimento. A
concepção do quadro iniciou em 1859, quando Victor Meirelles recebeu uma
correspondência de Manuel de Araújo Porto Alegre. Nesta carta, ele solicitava que, para o
próximo projeto, o aluno estudasse temas ligados ao sentimento de brasilidade e lesse a
carta de Caminha para o rei de Portugal D. Manoel I.
Nos estudos de Coli são apresentadas as palavras de Araújo Porto Alegre para seu
pupilo, onde o autor discorre sobre uma carta de Porto Alegre para Meirelles de 04/02/1859:
“‘Leia cinco vezes o Caminha, que fará uma coisa digna de si e do país’. Insistia também
para que reproduzisse uma natureza tropical, inserindo na paisagem embaíbas, coqueiros,
palmeiras. Preparava-se um ícone da história nacional.” (COLI, 2005, p. 30)
Essa instrução nos remete a estudos que afirmam “somadas à interferência oficial da
figura arquetípica de D. Pedro II às condições sociais, culturais e políticas da época, ficara
ainda mais evidente a dificuldade de nossos artistas em se rebelar contra ordem vigente”
(FUNART, 1986, p. 15).
O papel de Meirelles foi muito significativo, uma vez que
ele tornou a verdade visual do episódio narrado na carta. Como diria, em 1888, o
crítico Gonzaga Duque: “A primeira missa não poderia ser senão aquilo que ali está”.
Isto é, Caminha não encontrara apenas um tradutor visual moderno. Era outra coisa,
mais forte, mais profunda: o espectador moderno assistia a primeira missa no Brasil.
Quem o assegurava era, de um lado, o documento e, de outro, o poder demiúrgico
da arte (COLI, 2005, p. 39).
Caminha com sua rica descrição transmitiu material de “nossos ancestrais legítimos
para a recente nação: os índios e os portugueses” (COLI, 2005, p. 28) e adicionados ao
talento de Meirelles resultam na tão impressionante obra como ressalta Coli, “a pintura será
encarregada de fixar e imprimir nas mentes esse instante inaugural através do pincel de
Victor Meireles, então jovem e promissor talento” (Idem, 2005, p. 29).
Quanto à questão da construção de um quadro Rodrigues apresenta em seus
estudos:
Em redor da Primeira Missa pairam elogios e louvores tanto pela obra como por seu
valor histórico no contexto da questão nacional de nosso de país, porém não são apenas
esses comentários que ecoaram em torno dessa obra. Na contramão dos elogios, suspeitas
de plágio pairaram sobre a obra, porém as pesquisas de Coli sobre Como se estudar arte
brasileira no século XIX afirmam que “a incorporação, na obra brasileira, do achado do
mestre francês não significou cópia, plágio ou pasticho” (COLI, 2005, p. 35).
Após a tão veemente afirmação o autor pontua sua justificativa
nosso artista, com muitos outros aspectos em comum, como podemos observar em seguida.
“Desta forma, o quadro de Vernet (Anexo X) tornava-se paradigma enquanto resultado de
um testemunho ocular” (COLI, 2005, p. 32).
Meireles possui muito a natureza de um Poussin e, como ele, não se deixa aprender
imediatamente. Em ambos os casos, é preciso nos despojar do gosto pelo brilho e
pela virtuosidade e acostumar-nos a uma pintura silenciosa e secreta, que concebe
a visualidade como intermediário para um universo além dos sentidos, além dos
sentidos, além do tempo. São pintores da meditação, amam o equilíbrio, as relações
serenas de tons e de formas, a discrição nos sentimentos: são clássicos, na
acepção mais alta, mais nobre, mais universal (Ibidem, 2005, p. 84).
67
O quadro de Vitor Meireles, retratando a primeira missa no Brasil tal como foi
descrita na Carta de Pero Vaz de Caminha, é um episódio muito expressivo dentro
desses processos. Ele fez, em grande parte, com que o Descobrimento tomasse
corpo e se instalasse de modo definitivo no interior de nossa cultura (Idem, 2005, p.
23).
13
Medindo 2,70 x 3,57 metros sem o conjunto das molduras, e montado chega a atingir 3,35 x 4,22 metros.
14
Medindo 7,60 x 4,15 metros
69
Essa instalação definitiva que Coli salienta vem de encontro com nossos estudos que
demonstram a articulação da elite cultural, bem como das instituições criadas (IHGB, AIBA)
em prol da efetivação da interiorização da nacionalidade.
Tantos esforços e estudos em prol desse projeto transparecem na obra de Meirelles
que, através do texto-imagem, a carta, escrita por quem presenciou o fato, e inspirou a
sensibilidade e conhecimentos do artista em prol da construção da obra que valorizou a fé,
sua simbologia, sua hierarquia no sentido de crucifixo com os religiosos aos pés,
portugueses, e um pouco mais distante observando com admiração os indígenas. Sem
deixar de lado nossos atributos referentes ao céu e nossa paisagem local brasileira.
Meirelles atualmente dá seu nome para a rua que abriga o museu Victor Meirelles,
em Florianópolis, Santa Catarina, sua terra natal. A casa que abriga este museu desde 1946
também foi o local do nascimento do artista. As atividades iniciaram em 1946, a casa foi
tombada em 1950 como patrimônio nacional, e está disponível para visitação até os dias
atuais.
15
Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879) O Barão de Santo Ângelo era pintor, caricaturista, arquiteto,
crítico, diplomata brasileiro, escritor do romantismo, jornalista, foi vereador no Rio de Janeiro, membro do IHGB,
professor, historiador da arte, diretor da AIBA ente 1854 até 1857, mentor e sogro de Pedro Américo. Além de
“ardoroso defensor das estreitas relações entre monarquia e intelectuais”. (GUIMARÃES, 1988, p. 12)
70
Neste contexto, Victor Meirelles com a Primeira Missa no Brasil e Pedro Américo
com o Grito do Ipiranga caminham no mesmo sentido, valorizando os sentimentos
patrióticos e atributos específicos da paisagem paulista; por exemplo, através das figuras do
casebre, as pessoas da região presentes na tela, topografia e vegetação.
O Grito do Ipiranga trouxe a imagem do evento para nação, imprimindo o fato na
memória do povo brasileiro, e ainda hoje se responsabiliza pela manutenção. Durante a
década de 20 já se observava a repercussão “popular” da obra de acordo com Alfredo
d’Escragnolle Taunay:
central, no piso superior do “Museu do Ipiranga”, atual Museu Paulista. Assim “o caráter do
edifício-monumento construído para delimitar o lugar do grito e que, desde os últimos anos
do século passado, abriga o Museu e suas coleções” (OLIVEIRA; MATTOS, 1999, p. 9).
Esta obra de Américo retrata um acontecimento primordial no contexto da gênese
nacional, onde deixamos de ser colônia portuguesa nos tornando independentes após o
“grito de Independência ou Morte!”.
De acordo com Oliveira, D. Pedro dirigia-se à praça de Santos aos cinco dias do mês
de setembro e já retornando no dia sete, em torno das dezesseis horas chegava; estava no
topo da colina do Ipiranga quando o Major Antonio Ramos Cordeiro, guarda de honra e o
oficial da secretaria do Supremo Tribunal Militar e Paulo Bregaro encontram D. Pedro no alto
da colina próximo as margens do Riacho do Ipiranga e de um casebre camponês,
entregaram documentos contendo quatro decretos, acompanhado de uma carta de D. João
VI, uma da Imperatriz Leopoldina e um ofício de José Bonifácio. Após a leitura, D. Pedro
pensou, depois olhou para seus companheiros de viagem, e disse comovido:
Tantos sacrifícios pelo Brasil… entretanto não cessam de cavar a nossa ruína.
Então expande a fisionomia, acende o brilho quandos olhos, e, como se houvera
descoberto o talismã da futura grandeza da sua pátria adotiva, puxa pela espada e
grita resolutamente: Independência ou Morte! (Idem, 1999, p. 17)
De hoje em diante traremos um laço verde e amarelo, e estas serão sendo as cores
brasileiras. Depois elevando a espada, bradou solenemente: Independência ou
Morte! Grito sublime, que foi muitas vezes repetido e entusiasticamente saudado
assim pelos guardas de honra, que com as espadas desempanhadas reproduziam o
gesto marcial do Afinador da nossa independência, como por todos os circunstantes,
eletrizados pela grandiosidade daquele tão importante quão inesperado evento
(Ibidem, 1999, p. 17-18).
16
Joaquim Inácio de Ramalho (1809-1902) Presidente da Comissão do Monumento ente 1840 e 1890, tornou-
se Barão em 1887, era advogado e professor da Academia de Direito.
17
As obras foram concluídas em 15/11/1890, três anos depois o edifício-monumento tornou-se sede do
Museu, porém a inauguração ocorreu apenas em 07/09/1895.
73
Destino traçado pelo próprio artista que ao contrário do que se imagina, não foi
convidado para realizar a obra, mas se ofereceu para fazê-lo, em 1885 entra em contato
com a comissão, que alegava falta de fundos, dificuldades quanto ao término da planta do
edifício, mas “Pedro Américo não se deu por vencido e buscou em relações pessoais e de
favor o respaldo para garantir a encomenda” (OLIVEIRA; MATTOS, 1999, p. 70).
Vencida essa etapa a pintura não ocorre por simples inspiração; muitos estudos
foram realizados sobre postura dos homens, cavalos desenhados a partir de estudos sobre
as raças árabe, inglês e cavalo do Rio Grande do Sul, afinal ainda que fosse comum o
trânsito com muares, para retratar o momento do grito a representação em cavalos
imponentes traria uma postura mais heróica ao fato. Sem deixar de lado estudos mais
específicos sobre os cavalos que também foram realizados, pois havia diferentes raças
equinas, com características bem específicas quanto à forma de mover as patas, bem como
as características do terreno que também influenciam no trote desses cavalos.
Estudou capacetes, em diferentes ângulos, frontais e laterais, recuperou
testemunhos, vasculhou bibliotecas, coletou gravuras, retratos, os quais Américo tinha
contato com rostos em fase posterior ao “grito” que demandou maiores esforços para
compor os rostos, teve contato com uniformes, pois dentre as fardas havia as mais comuns
mas optou por melhor retratar com as mais belas e foi até a colina do Ipiranga para observar
a topografia do local.
Os esforços não se resumem ao período de estudos, ocorria também diálogo entre o
artista e o Barão Ramalho, responsável pela comissão de construção do monumento, em
prol da realização da tela que ocuparia lugar de destaque no Salão de Honra. Esse diálogo
ocorria através de correspondências18. “Pedro Américo apontou, em seu relato, as
dificuldades do artista/historiador na busca dos elementos que pudessem revestir das
aparências materiais do real todas as particularidades de um acontecimento que passou-se
a mais de meio século” (Idem, 1999, p. 75)
Ainda que atualmente esta obra seja amplamente divulgada nos meios de
comunicação, principalmente próximo a data comemorativa de 07 de setembro, durante as
comemorações da semana da Pátria e é veiculada ainda corriqueiramente nas diferentes
fontes escritas, jornais, revistas, e está comumente presente nos livros didáticos desde as
séries iniciais do ensino fundamental.
Essa imagem, dentre as apresentadas em nossos estudos, acreditamos ser a mais
conhecida, pois é comum depararmos com a mesma nesses livros didáticos, figurando o
importante momento da declaração da independência, de uma forma heróica, em grande
18
Oliveira, 1999 apresenta algumas correspondências trocadas entre Américo e o Barão Ramalho.
74
encomendas, contribuíram para o resultado final de cada uma de suas obras voltadas ao
anseio da consolidação na ideia nacional brasileira.
Podemos atentar para essas obras, enquanto inspiração, como afirma Oliveira
quanto “as referências constantes a imagem de Napoleão, encontradas na pintura oficial
francesa do século XIX, também contribuíram para reforçar a imagem heróica de D. Pedro I
construída por Pedro Américo na tela” (OLIVEIRA; MATTOS, 1999, p. 97).
Ainda que possível inspiração, as obras desses pintores apresentam diferenças
notáveis entre as composições de Pedro Américo e Meissonier:
Nosso artista faria menos concessões do que este último à descrição detalhada do
fato histórico, tal como ele vinha sendo popularizado na França após o início da
monarquia liberal de Luis Felipe. Sua composição é equacionada em cada detalhe,
denotando a busca de um equilíbrio estável entre os diversos elementos da obra, a
fim de gerar uma forte impressão de unidade.(Idem, 1999, p. 99)
No estudo detalhado que Oliveira realiza sobre a tela de Pedro Américo, além de
apresentá-la enquanto integrante do rol das “imagens que servirão de substrato para a
construção do imaginário social” e ressaltar o “caráter de divisor de águas e poder de
instaurar a nação e nacionalidade” (Ibidem, 1999, p. 75 e 87). As organizadoras chama a
nossa atenção para a organização geométrica de dois semicírculos no quadro que partem
do centro para as laterais direita e esquerda, reencontrando-se no centro, definindo a
posição dos demais elementos presentes no quadro. Em segundo plano o ato simbólico de
D. Pedro I, rompendo com Portugal, rodeado de seus cavaleiros e companheiros que
saudavam com lenços e chapéus ao alto. Esse heroísmo de D. Pedro se dá não apenas
pelo ponto de destaque que ocupa, mas por toda narrativa da obra que o define pela ação
heróica.
Por isso, a escolha da obra ao longo de nossos estudos sobre a gênese da nação
brasileira, por tudo que ela incita, desperta e estimula. A figura heróica, cada detalhe, as
pessoas comuns, o casebre, as rochas, o simulacro do riacho do Ipiranga na parte inferior
do quadro, dando-nos a alusão da presença do mesmo, uma vez que de acordo com a
topografia retratada ele estaria nas costas do espectador na obra, os cavalos, a noção do
movimento a ação do fato, sua grandiosidade e a delicadeza das pincelas que colorem todo
o céu e cada um dos detalhes.
Estar frente a frente com O Grito do Ipiranga emociona, inspira, empolga o
expectador, quanto mais incita ao historiador a aprofundar-se em meio às tintas,
mergulhando dentre vários sentimentos que procuram nos arrebatar ao presenciar uma obra
de arte, que vai além dessa visão tornando-se um olhar sobre nossa fonte.
E quanto ao autor desta fonte, nem tudo era belo como O Grito do Ipiranga na
carreira de Pedro Américo; nosso artista não era bem visto por muitos de seus colegas,
76
assim como Victor Meirelles, gozaram de várias licenças de seus deveres na AIBA.
Também Pedro Américo contava com o agravante de usar seus estreitos laços com o
Monarca para conquistar a cadeira de Pintura Histórica, antes pertencente a Victor
Meirelles.
19
Neste período Victor Meirelles estava na França.
20
Obras com paisagens referentes ao mar.
77
21
Padre José de Anchieta (1534-1597)
78
Américo, que como apresentamos realizou vários estudos: topográficos, do clima, e entre
outros, da vegetação paulista, para retratá-la no Grito do Ipiranga, uma vez que a afinidade
com a paisagem de São de Paulo esteve muito presente na obra de Calixto. Como
percebemos através dos estudos de Caleb Farias Alves:
Calixto pinta, justamente, nesse meio caminho entre Araújo Porto Alegre e o
movimento modernista. Não que seja possível pensar Calixto a partir da composição
de elementos da arte modernista e da arte acadêmica. A sua pintura não é uma
bricolagem de tendências artísticas diversas, mas uma solução particular a tensões
específicas do campo artístico. A morte de Araújo Porto Alegre, em 1879, deixa a
Calixto duas heranças: arte como um dos principais elementos através dos quais o
povo brasileiro educar-se-ia para adentrar o rol das nações civilizadas e o Rio de
Janeiro como motivo privilegiado para a construção da paisagem nacional. Calixto
sujeito a esse passado da arte brasileira, espremido entre a academia e a
modernidade, entre a natureza e a escola, entre seu desejo de ser artista e as
condições terrivelmente desanimadoras que enfrentou na sua formação, forjou, aos
poucos, uma arte que buscava solucionar esses dilemas todos, e que foi ao
encontro da sensibilidade paulista (In. POLETINE, 2003, p. 18).
22
Dores que acometem a região lombar, comumente conhecida como espinhela caída.
79
Quanto à exposição desta obra de Calixto, de acordo com Moisés Poletine após a
produção desta tela, ela permaneceu em São Vicente no seu ateliê até sua morte. Seus
familiares então,
Considerações Finais
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88
Anexo I
89
Anexo II
90
Anexo III
91
Anexo IV
92
Anexo V
Anexo VI
Anexo VII
Anexo VIII
Anexo IX
97
ANEXO X
Anexo XI
Anexo XII