Simone Aparecida Preciozo Figliolino

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUCSP

Simone Aparecida Preciozo Figliolino

CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO (CEU): concepções sobre


uma experiência

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO
2014
Simone Aparecida Preciozo Figliolino

CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO (CEU): concepções sobre


uma experiência

Dissertação apresentada à Banca examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE em Educação: Currículo, sob
orientação do Prof. Dr. Fernando José de
Almeida.

SÃO PAULO
2014
FIGLIOLINO, Simone Aparecida Preciozo.
CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO (CEU): concepções sobre
uma experiência. Simone Aparecida Preciozo Figliolino.

2014.

194 fls.

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Educação: Currículo.
Orientador: Prof. Dr. Fernando José de Almeida.

1. Centro Educacional Unificado; 2. Educação Popular;


3. Arquitetura Escolar; 4. Educação na Cidade de São Paulo
Simone Aparecida Preciozo Figliolino

CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO (CEU): concepções sobre


uma experiência

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Educação: Currículo, sob orientação do Prof. Dr. Fernando José
de Almeida.
.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________
DEDICATÓRIA

À minha família.
AGRADECIMENTOS

A meus pais, Arnaldo e Marilene (em memória), pelo projeto de vida


implantado em mim, com amor, renúncias e coragem.
A minha irmã, Mirian, por dar impulso aos meus sonhos, quando eu
não os conhecia direito.
A meu marido Roberto, pelo companheirismo de uma vida toda, e pela
paciência que este trabalho exigiu.
A meus filhos Roberta e Artur pelo incentivo, pela compreensão nas
ausências e pelo amor incondicional.
A Eliana Pereira pelas contribuições e pelo apoio em todos os passos.
A Marcio Alexandre Masella por todas as contribuições e orientações
durante o processo.
Aos companheiros de trabalho da Diretoria Regional de Educação
Freguesia/Brasilândia, pelo apoio.
Aos amigos queridos que compreenderam o meu silêncio.
A Sophie pela doce companhia.
A Anatália Almeida Cesar Pena, gestora do CEU Paz, pela abertura e
pelas contribuições.
À Professora Isabel Cristina Gonçalves, pela abertura e pela
disposição em contribuir para a pesquisa.
Aos participantes da pesquisa, pelo carinho com que me receberam.
Aos trabalhadores dos CEUs de São Paulo, pela história que vale a
pena contar.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pelo fomento.
À Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, pela
oportunidade.
Ao Comitê de Ética na Pesquisa da PUC de São Paulo, pela
aprovação da pesquisa.
À Rede Municipal de Educação de São Paulo, por acompanhar a
minha história pessoal e profissional.
À Profª Dra. Branca Jurema Ponce, pelo cuidado na condução de
minha trajetória.
À Profª Dra. Isabel Franchi Cappelletti (em memória), por me abrir as
portas da PUC- SP, e pela orientação inicial.
À Profª Dra. Mere Abramovicz, pela referência em didática e por me
apresentar os caminhos à discussão curricular.
Ao Prof. Dr. Alípio Casali por compartilhar generosamente o seu vasto
conhecimento.
À Profª Dra.Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito pela busca da
transformação do projeto em pesquisa, e por toda a dedicação
durante esse processo.
À Profª Dra. Ivani Catarina Arantes Fazenda pela receptividade e pela
coerência entre o que ensina e o que é.
À banca examinadora pelas contribuições durante o exame de
qualificação. Fui honrada pelas intervenções dos Professores
Doutores Antonio Chizzotti (PUC-SP) e Roberto da Silva (USP).
E, finalmente, ao meu orientador, Prof. Dr. Fernando José de Almeida,
que, tanto em aula quanto em orientação, levou este trabalho ao
amadurecimento necessário.
“Em primeira instância – e não em última
– nascemos todos autocentrados. “O
amor é um produto cultural”, teria dito
Lênin. Resulta do desdobramento de
nosso ego, o que se obtém através de
práticas que infundam valores altruístas,
gestos solidários, ideais coletivos pelos
quais a vida ganha sentido e a morte
deixa de ser encarada como fracasso ou
derrota”.
(Frei Betto)
RESUMO

FIGLIOLINO, Simone Aparecida Preciozo. Centro Educacional Unificado


(CEU): concepções sobre uma experiência. 2014, 200p. Dissertação de
Mestrado em Educação: Currículo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2014.

O trabalho apresenta o Projeto CEU da Prefeitura de São Paulo, implantado em


2003, no governo da Prefeita Marta Suplicy, como a evolução da Educação
Popular no Brasil, em resposta às necessidades da sociedade paulistana e
brasileira no século XXI. Mais do que um Centro Educacional, é um espaço de
garantia de direito à cidadania. As concepções sobre o Projeto CEU são
analisadas à luz das categorias: cidadania, educação popular, integração,
participação e arquitetura. Em cada categoria, o trabalho de campo vai
descortinando a importância dos CEUs para o cidadão, pois se apresenta com
um grande potencial para o desenvolvimento local, a partir da qualificação do
território em que está inserido.
Palavras-chave: Centro Educacional Unificado, Educação popular, Arquitetura
Escolar, Educação na Cidade de São Paulo
ABSTRACT

FIGLIOLINO, Simone Aparecida Preciozo. Centro Educacional Unificado


(CEU): concepções sobre uma experiência. 2014, 200p. Dissertação de
Mestrado em Educação: Currículo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2014.

This work presents the CEU (Unified Educational Centre) Project, in the city of
São Paulo, established in 2003 during the mayorship of Marta Suplicy, as the
evolution of Popular Education in Brazil, meeting the needs of population in São
Paulo and in Brazil in the 21th Century. More than an Educational Centre, CEU
is a place that assures the right of citizenship to the people. The main conceptions
regarding the CEU Project are analised based on these categories: citizenship,
popular education, integration, participation and architecture. In each of these
categories, this field work reveals CEUs meaning to the people, for it is presented
with a great potential for local development, as it is placed as an oportunity to
improve lives in the community.
Keywords: Unified Educational Centre, Popular Education, School Architecture,
Education in the City of São Paulo
ÍNDICE DAS FIGURAS

FIGURA 1 Foto aérea do CEU Paz..................................... 28


FIGURA 2 Mapa da exclusão/inclusão social..................... 32
FIGURA 3 Vista do prédio do CEI do CEU Paz.................. 35
FIGURA 4 Professora e alunos da EMEI do CEU Paz...... 37
FIGURA 5 Professor alunos da EMEF do CEU Paz.......... 41
FIGURA 6 Cia. Alumiar na Biblioteca do CEU Paz............ 43
FIGURA 7 Telecentro do CEU V. Atlântica, espaço
compartilhado com a Universidade Aberta do
Brasil.................................................................. 44
FIGURA 8 Projeto Esparrama na Padaria-Escola – Núcleo de
Esportes, Professora Isabel.............. 48
FIGURA 9 Placa informativa dos ambientes do prédio da
Gestão do CEU Paz.......................................... 50
FIGURA 10 Placa informativa dos ambientes do prédio da
Gestão do CEU Paz........................................... 53
FIGURA 11 Aula de crossfit na Sala de Ginástica, Bloco da
Gestão, da Cultura e dos Esportes, CEU Paz.. 57
FIGURA 12 Piscina do CEU Paz.......................................... 58
FIGURA 13 Esquema do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro................................................................ 68
FIGURA 14 Foto de um CIEP...................................................... 70
FIGURA 15 Foto de um CIAC, transformado em CAIC após o
impeachment que tirou o Presidente Fernando
Collor de Melo da Presidência da República em
1992........................................................................... 74
FIGURA 16 Planta do parque infantil............................................ 78
FIGURA 17 Biblioteca Tatuapé, 1950, arquiteto Hélio
Duarte........................................................................ 83
FIGURA 18 Foto da maquete do Espaço Criança, desenvolvida
pela equipe da EDIF, sob a coordenação de Mayumi
de Souza Lima, entre dezembro de 1989 e janeiro
de 1990.......................................................... 90
FIGURA 19 Foto de participantes das atividades esportivas e
sociais que a autora conheceu durante a pesquisa
de campo realizada no CEU Paz.............................. 120
ÍNDICE DAS TABELAS

TABELA 1 Resumo das dissertações e teses


contendo as palavras-chave ‘Centro
Educacional Unificado’ e ‘CEU’, na área
da Educação, entre 2009 e 2012, nas
Universidades: USP, UNESP e PUC-SP,
elaborado para esta pesquisa.......... 24
TABELA 2 Atividades esportivas desenvolvidas no
CEU Paz em setembro de 2014............. 56
TABELA 3 Características socioeconômicas dos
distritos pertencentes à jurisdição da
Diretoria de Educação
Freguesia/Brasilândia............................. 113
TABELA 4 Relação dos participantes...................... 123
TABELA 5 Tempo que os participantes conhecem o
CEU Paz.............................................. 125
TABELA 6 Quantidade de dias no mês em que o
participante frequenta o CEU Paz........... 126
TABELA 7 Relato de participante. Nome: Piná.
Categoria: cidadania.............................. 131
TABELA 8 Relato de participante. Nome: Piri.
Categoria: cidadania........................ 133
TABELA 9 Relato de participante. Nome: Adão.
Categoria: cidadania.............................. 135
TABELA 10 Relato de participante. Nome: Adriana.
Categoria: cidadania.............................. 137
TABELA 11 Relato de participante. Nome: Rosa.
Categoria: Cidadania.............................. 139
TABELA 12 Relato de participante. Nome: Maria.
Categoria: cidadania.............................. 141
TABELA 13 Relato de participante. Nome: Carlos.
Categoria: educação popular................. 144
TABELA 14 Relato de participante. Nome: Piri.
Categoria: educação popular................. 146
TABELA 15 Relato de participante. Nome: Isabel.
Categoria: educação popular................. 147
TABELA 16 Relato de participante. Nome: Anatália.
Categoria: educação popular................. 149
TABELA 17 Relato de participante. Nome: Elza.
Categoria: educação popular................. 151
TABELA 18 Relato de participante. Nome: Andréia.
Categoria: integração.............................. 155
TABELA 19 Relato de participante. Nome: Elza.
Categoria: integração.............................. 157
TABELA 20 Relato de participante. Nome: Sueli.
integração............................................... 159
TABELA 21 Relato de participante. Nome: Nina.
Categoria: participação........................... 161
TABELA 22 Relato de participante. Nome: Carla.
Categoria: participação........................... 162
TABELA 23 Relato de participante. Nome: Ariane.
Categoria: participação........................... 164
TABELA 24 Relato de participante. Nome: Carlos.
Categoria: participação........................... 165
TABELA 25 Relato de participante. Nome: Carlos.
Categoria: arquitetura............................. 167
TABELA 26 Relato de participante. Nome: Piná.
Categoria: arquitetura............................. 168
TABELA 27 Relato de participante. Nome: Karen.
Categoria: arquitetura............................. 169
TABELA 28 Relato de participante. Nome: Elza.
Categoria: Arquitetura............................. 170
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................... 16
1.1 Origem do problema............................................. 17
1.2 Objeto de estudo.................................................. 18
1.3 Delimitação da pesquisa....................................... 19
1.4 Objetivos da pesquisa.......................................... 20
1.5 Metodologia da pesquisa...................................... 21
1.6 Relevância acadêmica da pesquisa..................... 23
1.7 Relevância social da pesquisa............................. 25

2 O PROJETO CEU................................................ 28
2.1 O Centro Educacional Unificado........................... 29
2.2 O complexo em seu projeto original..................... 34
2.3 São Paulo, o Projeto CEU e a Associação
Internacional das Cidades Educadoras................ 61
2.4 Iniciativas educacionais brasileiras que podem ter
influenciado o Projeto CEU............................. 63
2.4.1 Influência de experiências brasileiras.................. 64
2.4.2 Influência de experiências paulistanas................. 76

3 EDUCAÇÃO POPULAR...................................... 95
3.1 Revisitando o conceito de educação popular....... 95
3.2 Os sujeitos da educação popular......................... 103

4 UNIVERSO DA PESQUISA................................. 108


4.1 Periferia, território e educação popular................ 109
4.2 A coleta de dados ................................................ 117
4.2.1 Um estudo de caso: o Projeto CEU...................... 117
4.2.2 Características do estudo de caso e da pesquisa
desenvolvida......................................................... 118
4.3 Os sujeitos da pesquisa........................................ 120

5 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA


PESQUISA........................................................... 127
5.1 Cidadania.............................................................. 129
5.2 Educação Popular................................................ 142
5.3 Integração............................................................. 152
5.4 Participação.......................................................... 160
5.5 Arquitetura............................................................ 165

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................. 172

REFERÊNCIAS.................................................................................. 177
APÊNDICES

Apêndice 1 Termo de consentimento livre e esclarecido. 186


Apêndice 2 Questionário de pesquisa................................ 187
Apêndice 3 Síntese da primeira entrevista coletiva
realizada no CEU Paz e questão disparadora
para a segunda entrevista............................... 189
Apêndice 4 Entrevista com diretora de Unidade
Educacional do CEU PAZ................................ 192
Apêndice 5 Entrevista com Gestora do CEU ..................... 193

ANEXO 1 ......................................................................................... 194


16

1 INTRODUÇÃO.

Desde a implantação do Projeto CEU na Cidade de São Paulo, desenvolvi


admiração pela iniciativa. Como trabalhadora da Rede Municipal de Educação
que foi um dia estudante da mesma rede, vislumbrei, junto com a cidade, um
novo caminho para a educação brasileira.

Talvez o primeiro prédio escolar que eu tenha admirado na vida seja o da EMEF
Fábio da Silva Prado (DRE Penha)1, onde iniciei minha vida escolar, em 1974.
Era à época uma escola com projeto arquitetônico diferente do modelo de
escola que predominava na Cidade de São Paulo, com espaços diferenciados,
fruto de um movimento denominado Arquitetura Moderna.

Mais tarde, cursei o Magistério, nível médio, na EMEFM Derville Allegretti (DRE
Jaçanã/Tremembé)2, também da Rede Municipal da Cidade de São Paulo. Os
estágios supervisionados foram quase em sua totalidade realizados em
Unidades Educacionais da mesma rede. A observação dos diversos espaços
onde a educação é realizada nesta cidade, e a admiração por determinadas
iniciativas pode ser uma explicação pela qual a educação em São Paulo seja,
ao mesmo tempo, parte da minha história pessoal e alvo de um grande
interesse pela influência que a arquitetura pode ter sobre o ato educativo.

Filha da classe trabalhadora pude vivenciar as experiências próprias de uma


infância que encolhia, ao mesmo tempo em que a cidade se expandia.

Essas experiências foram fundamentais para a inquietação que surgiu durante


a trajetória profissional, como professora e como diretora de escola.

1 Diretoria Regional de Educação, nomenclatura em 2.014 para os órgãos intermediários entre


a Secretaria Municipal de Educação e as escolas da Rede Municipal de Educação.
2 Id.
17

1.1 Origem do problema.

A problemática desta pesquisa surgiu aos poucos, durante a minha trajetória


pessoal, acadêmica e profissional. Como professora da escola pública atuando
na periferia de São Paulo por opção, a educação com qualidade social sempre
foi uma preocupação.

Desde o meu ingresso na Rede Municipal de São Paulo, em 1991 até hoje,
muitas experiências me levaram a uma relação de admiração pelo Projeto CEU.

Ao chegar no primeiro dia de trabalho em uma escola de ensino fundamental,


distante poucos quilômetros do CEU Paz, no distrito de Vila Brasilândia, bairro
Vila Terezinha, tinha a certeza, que me acompanha até hoje, de que a opção
que fiz pela educação pública estava relacionada com a contribuição para a
transformação e emancipação da população da periferia de São Paulo. Fui
professora do Ensino Fundamental I de 1991 a 2010, quando, por meio de
concurso de acesso, me tornei diretora de escola.

Durante os dezenove anos em que estive em sala de aula, sempre trabalhei na


periferia da região da Vila Brasilândia e da Vila Nova Cachoeirinha, distrito
vizinho e com características semelhantes.

No meio do percurso enquanto professora da Rede Municipal de São Paulo,


uma experiência marcante foi o convite, em abril de 2003, para integrar a equipe
pedagógica da recém criada Coordenadoria de Educação da Casa
Verde/Cachoeirinha. Era formadora do Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores (PROFA), além de exercer a função de membro do Grupo de
Acompanhamento da Ação Educativa (GAAE). Essa experiência durou até o
final de 2004, e me colocou próxima da implantação do Projeto CEU na cidade
de São Paulo. Daqueles dias até 2014, ano desta pesquisa, passaram-se onze
anos que atravessaram governos com matrizes político-pedagógicas
diferenciadas.

Hoje, o mesmo Partido dos Trabalhadores que implantou os primeiros CEUs


governa a cidade. Em seu plano de governo, a atual gestão tem o CEU como
18

meta, tanto a retomada do conceito inicial de sua implantação, como a


ampliação da rede, por meio de uma proposta diferenciada, que incorpora
equipamentos de diversas secretarias, o Território-CEU.

A história da educação na cidade atravessa a minha própria história de vida e


profissional, e por essa razão, investigar a validade de um projeto que
acompanha boa parte dessa trajetória passa a ser uma necessidade que me
acompanha.

1.2 Objeto de estudo.

Estar no Programa de Educação: Currículo, nível mestrado abre para mim a


possibilidade de, construindo e vivendo a pesquisa, conhecer aspectos da
experiência que considero fundamentais para buscar respostas às minhas
questões iniciais:

 O Projeto CEU pode potencializar uma experiência de educação popular?


 Como a construção de complexos que reúnem educação, cultura e esporte
na periferia da cidade pode trazer contribuições para a consolidação do direito
à cidadania para a população que não alcança a mobilidade física e social como
a que reside em áreas mais centrais?
 Podemos considerar o Projeto CEU fruto de um legado histórico que parte
de outras iniciativas em educação popular na cidade de São Paulo e no Brasil?
 O que pensa sobre o CEU o cidadão que participa das atividades do projeto?
 Quais as concepções sobre o projeto daqueles que participaram direta ou
indiretamente de sua implantação?
 O que pensam sobre o CEU os que trabalham ou trabalharam no complexo?

A partir de tais inquietações, este trabalho se insere como uma necessidade


para a pesquisadora. Então, o principal foco de investigação deste trabalho
19

passa a ser: Quais as concepções existentes sobre uma experiência


educacional na Cidade de São Paulo: o Centro Educacional Unificado?

A nossa hipótese é a de que o CEU pode ser fruto de uma construção histórica
de Educação Popular no Brasil, que tem na arquitetura um fator primordial para
a oferta de educação com qualidade social para a classe trabalhadora, sendo
ele mesmo um complexo que possibilita uma forma evoluída dessa mesma
educação popular, em atendimento às necessidades da sociedade paulistana
e brasileira, no século XXI. Por essa razão, apesar das descaraterizações
sofridas em relação ao projeto inicial, sobrevive e necessita de um currículo
para o desenvolvimento da educação cidadã, cumprindo, dessa forma, os
objetivos propostos em sua implantação.

1.3 Delimitação da pesquisa.

Os Centros Educacionais Unificados são lugares complexos onde ocorrem


diversas atividades diárias. Para identificar e analisar tais práticas nos 45 CEUS
existentes na cidade, a um trabalho de mestrado, dado o tempo escasso que
dele depende, nos parece inviável, então optamos por realizar esta pesquisa
preferencialmente no CEU Paz. A escolha do local se deu pela identificação
profissional da pesquisadora com a região, que iniciou sua carreira próximo ao
local. A Vila Brasilândia apresenta, no entanto, características similares aos
outros bairros e distritos onde foram implantados os outros CEUs. Poderá haver
uma ampliação para atores que atuam ou atuaram em outros CEUs da cidade,
de acordo com as necessidades identificadas no decorrer do trabalho de
investigação.

Sobre o Projeto CEU há diversas possibilidades de abordagens. Nosso objeto


de estudo, entretanto, diz respeito às práticas de educação não-formal, ou seja,
não realizada no interior das Unidades Educacionais (Escola Municipal de
20

Educação Fundamental, Escola Municipal de Educação Infantil e Centro de


Educação Infantil) que compõem o CEU. O nosso trabalho tratará
especificamente da possibilidade para a Educação Popular a partir do
Complexo como um todo, especialmente nos espaços dedicados à cultura e ao
esporte. Por essa razão, a pesquisa se deu com atores que participam dos
espaços de educação não-formal do CEU, sendo atores que participam ou
participaram do Projeto fora dos equipamentos educacionais. A educação
emancipatória por meio do associativismo compõe tematicamente este
trabalho, pelo fato de ser esse um meio importante para a Educação Popular.

1.4 Objetivos da pesquisa.

A implantação dos CEUs na Cidade de São Paulo, ocorrida a partir de 2003,


completa onze anos no momento desta pesquisa. Consideramos importante a
avaliação do projeto a partir dos princípios que nortearam o Decreto 42.832, de
6 de janeiro de 2003 (SÃO PAULO 2003) e das perguntas iniciais da
pesquisadora ao desejar realizar esta investigação. São objetivos desta
pesquisa:

 Investigar a relação entre Projeto CEU e cidadania.


 Investigar a relação entre Projeto CEU e a Educação Popular.
 Investigar a existência de integração entre o bloco didático e os núcleos de
cultura e esporte no CEU.
 Identificar formas de participação social existentes no CEU Paz.
 Identificar a importância da arquitetura para o Projeto CEU.
21

1.5 Metodologia da pesquisa.

Para atingir aos objetivos propostos pela pesquisa, a escolha de um caminho


metodológico é essencial.

A partir do final do século XIX iniciou-se, no meio acadêmico, a reivindicação


de uma metodologia autônoma ou compreensiva para as ciências do mundo da
vida (CHIZZOTTI, 2013). Tal reivindicação marcou o surgimento da pesquisa
qualitativa.

A opção metodológica desta pesquisa, realizada principalmente sob a


abordagem qualitativa, contendo, entretanto, elementos quantitativos
essenciais à compreensão de fatos, é a que se aproxima da estratégia de
estudo de caso.

A escolha metodológica é fruto da identificação entre o problema da pesquisa


Quais as concepções existentes sobre uma experiência educacional na
Cidade de São Paulo: o Centro Educacional Unificado? e as características
da estratégia selecionada. De acordo com André (2005), um estudo de caso
sempre envolve uma instância em ação.

Merriam (apud ANDRÉ, 2005) conclui que quatro características são essenciais
no estudo de caso, a saber: particularidade, descrição, heurística e indução,
explicando cada uma delas:

 Particularidade: A estratégia de estudo de caso focaliza uma situação,


um programa, um fenômeno particular. O caso em si tem importância, seja pelo
que revela sobre o fenômeno, seja pelo que representa.

 Descrição: O produto final de um estudo de caso é uma descrição densa


do fenômeno em estudo. Uma descrição completa e literal do fenômeno
estudado.
22

 Heurística: Os estudos de caso iluminam a compreensão do leitor sobre


o fenômeno estudado. Espera-se que relações e variáveis desconhecidas
emerjam dos estudos de caso, levando a repensar o fenômeno investigado.

 Indução: Os estudos de caso podem revelar a descoberta de novas


relações, conceitos, compreensão, mais do que verificação ou hipótese pré-
definida.

Encontramos nesse caminho metodológico uma possibilidade de


conhecimento aprofundado das práticas cotidianas do CEU por meio de
diversas técnicas de recolha de dados, assumindo que a fundamentação da
estratégia está menos relacionada às técnicas selecionadas do que ao
conhecimento que dele advém (ANDRÉ, 2005):

1) Análise bibliográfica: por meio da revisão da literatura, tanto nos


aspectos conceituais, abordando Educação Popular; Pedagogia Social
(conceito em construção no meio acadêmico) e uma possível
abordagem curricular subjacente; Territorialidade e Cultura; história da
educação na cidade de São Paulo a partir do início do século XX, História
da implantação dos Centros Educacionais Unificados.
2) Análise documental: a legislação concernente ao Projeto CEU durante
os dez anos que separam a sua implantação do ano de 2014, quando
está sendo realizada esta pesquisa; os documentos oficiais da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo referentes aos anos do
governo que implantou os CEUs (2000-2004); documentos oficiais
relativos ao governo que sucedeu àquele anteriormente citado,
especialmente no primeiro ano, para identificar eventuais
transformações conceituais do projeto analisado.
3) Entrevistas individuais semiestruturadas a profissionais que tenham
relação direta ou indireta com a implantação do Projeto CEU.
4) Entrevistas individuais semiestruturadas a pessoas que participam
ou têm familiares participantes de atividades no CEU Paz;
5) Entrevista coletiva: realizada em dois encontros marcados
previamente, contando com a participação da gestora do CEU Paz e da
23

professora de Educação Física, responsável pelo Núcleo de Esportes do


CEU Paz. Os participantes serão convidados a falar sobre a importância
que atribuem ao CEU em relação à sua vida e à vida do bairro, Jardim
Paraná. Serão pessoas da comunidade em geral, buscando trazer ao
grupo pessoas sejam responsáveis por alunos e pessoas da
comunidade em geral, desde que estas participem de atividades no
CEU. Total de dois encontros com 20 pessoas no grupo. O grupo será o
mesmo nos dois encontros, podendo-se excluir/ incluir o máximo de dois
participantes, de um encontro para o outro, de acordo com as
necessidades pessoais.

As práticas relacionadas ao currículo oficial da Rede Municipal de São Paulo,


desenvolvidas no interior das Unidades Educacionais não serão foco desta
pesquisa, mas eventualmente a relação destas com as atividades da educação
informal poderão ser analisadas, especialmente no tocante à investigação de
eventuais transformações viabilizadas no interior das escolas. Espera-se que
esse conteúdo desponte na pesquisa, sem uma intervenção pontual a respeito.
A ausência poderá ser indicativa de pontos fragilizados na relação entre as
Unidades Educacionais e as atividades desenvolvidas nos núcleos de Cultura
e Esporte do Centro.

1.6 Relevância acadêmica da pesquisa.

Outras pesquisas sobre o Projeto CEU já foram realizadas pelos pesquisadores


das principais universidades brasileiras. Algumas delas são apresentadas no
quadro-resumo abaixo.
24

AUTOR. ANO. INSTITUIÇÃO. TÍTULO.

BARBIERI, 2012 PUC SP OS CENTROS


FABIOLA EDUCACIONAIS
FRANCISCO. Mestrado acadêmico UNIFICADOS (CEUS) DA
em História, Política PREFEITURA MUNICIPAL
e Sociedade. DE SÃO PAULO E O
RENDIMENTO ESCOLAR
DOS ALUNOS.
LEMOS, 2012 USP BIBLIOTECAS DOS
CHARLENE CENTROS
KATHLEN DE. Mestrado Acadêmico EDUCACIONAIS
em Ciência da UNIFICADOS (CEUS): a
Informação - Escola construção de uma cultura
de Comunicação e comum.
Arte.

PACHECO, 2009 USP O ESPETÁCULO DA


REINALDO EDUCAÇÃO: os centros
TADEU Faculdade de educacionais unificados do
BOSCOLO. Educação – município de São Paulo.
Doutorado.
SILVA, SUSETE 2012 UNESP. O PENSAMENTO VIVO DE
RODRIGUES DA.. MÁRIO DE ANDRADE:
Mestrado Acadêmico DOS PARQUES INFANTIS
em Artes. AOS CEUS DA CIDADE DE
SÃO PAULO.
SOUZA, RICARDO 2010 USP A EDUCAÇÃO SOCIAL EM
DE. ESPAÇOS DE
Faculdade de EXPERIMENTAÇÃO
Educação. PEDAGÓGICA: as
potencialidades dos CEUS.
TABELA 1: Resumo das dissertações e teses contendo as palavras-chave ‘Centro
Educacional Unificado’ e ‘CEU’, na área da Educação, entre 2009 e 2012, nas
Universidades: USP, UNESP e PUC-SP, elaborado para esta pesquisa.

A contribuição que pretende esse trabalho é, acima de tudo contextualizar o


Projeto CEU na historicidade da educação na Cidade de São Paulo. No
trabalho, são consideradas as influências de outras experiências em Educação
Popular no Brasil, entretanto, nossa proposta é, principalmente, apresentar o
projeto como um possível amadurecimento nas ações em Educação Popular
na Rede Municipal de Educação de São Paulo,
25

A Educação Popular, no século XXI, assume um caráter diferenciado e


ampliado em relação ao século XX, de oferecer ao cidadão espaços públicos
que possam atender às suas necessidades para a promoção de sua cidadania.
Esse papel, novo e essencial em relação às experiências do passado, leva-nos
tanto a desejar conhecer com maior profundidade as experiências já
concretizadas quanto reconhecer um terreno fértil para as práticas de
Educação Popular condizentes com o nosso tempo. Esse também é um
propósito da investigação que pretendemos com este trabalho.

1.7 Relevância social da pesquisa.

Em 2014 temos na educação integral um tema valorizado no debate acerca da


educação de qualidade. O CEU é uma proposta de educação integral que
transborda o ambiente escolar, faz uma interface importante com a
comunidade, levando a esta uma perspectiva de cidadania inédita no cenário
educacional de São Paulo. Essa pode ter sido a razão pela qual atravessou
dois governos com diferenças de concepções sobre o papel da educação,
talvez se concretizando enquanto política educacional de Estado. Uma política
que, conforme será mencionado na seção 2 deste trabalho, não surgiu a partir
de uma vontade dos governantes, mas como consequência das diversas
contribuições de estudiosos, tanto na educação quanto na sociologia, na
geografia, no serviço social, na arquitetura, para citar algumas áreas que
podem ter trabalhado para a sua consecução. Uma contribuição, aliada à
vontade de tantos trabalhadores que fazem o cotidiano do CEU.

Segundo Koga (in SPOSATTI e KOGA, 2013a), a consciência do cenário


territorial excludente e de risco ambiental nessas áreas é fundamental para
compreender a importância central das políticas públicas na proteção social do
cidadão, considerando-se acima de tudo a incidência de diferentes formas de
exclusão e vulnerabilidade social.
26

Consideramos necessária transformação da realidade empírica da vida do CEU


em currículo como fato, o que segundo Young (apud GOODSON,2012, p. 18 e
19) é fundamental porque este:

(...) precisa ser considerado não como mera ilusão, camada


superficial da prática escolar de alunos e professores, mas
como uma realidade social, historicamente específica,
expressando relações de produção particulares entre pessoas.

Goodson (2012) complementa sua definição de currículo de fato, considerando-


o pré-ativo, que ao tornar-se realidade social, permite negociação e avaliação.
As práticas transformadoras não podem simplesmente ocupar o lugar de
currículo interativo (currículo como prática). Goodson (2012, p.21) prossegue,
em defesa de uma certa simbiose entre currículo de fato e currículo como
prática:

Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de


currículo teria que trabalhar com o currículo realizado na
prática como um componente central. Todavia, a crença
absoluta nas propriedades de “transformação do mundo” que
o currículo como prática possa ter, é, penso eu,
insustentável(...). Uma visão assim é estimada pelo atual
estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o
currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo
que deveria proporcionar mapas ilustrativos das metas e
estruturas prévias que situam a prática contemporânea.

As práticas desenvolvidas nos diferentes equipamentos que compõem os


Centros Educacionais Unificados são a representação de um currículo, seja ele
currículo como fato ou currículo pré-ativo, razão pela qual consideramos
necessário um exame de tais práticas a partir das pessoas que formam a
comunidade do CEU.

Ao explicitar concepções sobre o complexo, pretendemos evidenciar qual a


relação entre o que foi idealizado na implantação do Projeto CEU, as
concepções existentes na sociedade a respeito e as práticas realizadas em seu
interior que confirmem ou não a existência ou o estabelecimento de uma práxis
que considere os princípios norteadores do projeto. A partir da realidade
analisada, acreditamos poderem ser propostos caminhos para a consecução
de objetivos que contribuam para o Projeto Político Pedagógico do CEU,
27

encontrando formas de um desenho curricular que busque os objetivos


idealizados ou a reformulação desses objetivos, na busca pela realização dos
objetivos iniciais do Projeto CEU.
28

2 O PROJETO CEU.

“Se o poeta é o que sonha


O que vai ser real
Vou sonhar coisas boas que o homem faz
E esperar pelos frutos no quintal “
(Milton Nascimento- Fernando Brant)

FIGURA 1: Foto aérea do CEU Paz.3

3Fonte: Cinemabrasilandia.wordpresscom
29

2.1 O Centro Educacional Unificado.

Implantado em São Paulo em 2003, o Projeto CEU foi apresentado pela


prefeitura como uma iniciativa que se propunha a trazer à cidade a discussão
sobre o direito à educação de qualidade. O conceito já amplamente discutido
na época, alcança em 2014 sua máxima relevância no meio educacional,
devido à preocupação expressa pelos teóricos com uma educação de
qualidade social ou sociocultural, em ações que superem a ideia de política
de governo e remetam a uma real política de estado, pois, de acordo com Casali
(in MANHAS, 2011, p. 32), “(...) as condições de qualidade verificadas nas
inovações, por uma questão de garantia de direito a todos os cidadãos, em
algum momento, devem começar a se materializar.”

O Projeto CEU teve início oficialmente pelo Decreto 42.832 de 6 de fevereiro


de 2003 (SÃO PAULO, 2003), mas começou a ser esboçado ainda em 2001.

A ex-prefeita Marta Suplicy teria afirmado em obra autobiográfica (SUPLICY,


2008) que dois estudos importantes da época teriam inspirado o projeto.
Primeiro, a pesquisa realizada em 2000 na Vila Brasilândia pelo Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação (CENPEC) sobre os desejos dos
adolescentes. A partir dessa pesquisa pôde-se constatar que os adolescentes
queriam, além de trabalho e oportunidade, um lugar para se encontrarem e
conviverem, uma vez que os altos índices de violência os havia expulsado das
ruas. Essa pesquisa, realizada em uma área de intensa densidade demográfica
e um quadro de exclusão muito contundente, era o retrato da situação da
periferia de São Paulo como um todo. O estudo, mais tarde, em 2003, deu
origem ao Mapa da Juventude de São Paulo, realizado em parceria pela
Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo e o Centro de Estudos
de Cultura Contemporânea.

Segundo, o Mapa da Exclusão/Inclusão Social, trabalho publicado também em


2000 pela socióloga Aldaíza Sposati, secretária de Assistência Social da gestão
de Marta Suplicy. Esse trabalho foi desenvolvido na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC – SP) em parceria com o Programa de Pesquisas
30

em Geoprocessamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e


o Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (POLIS).
Foi, segundo Dória e Perez (2007), uma ferramenta de análise importante para
produzir novas relações entre os dados censitários existentes e possibilita
analisar sua sensibilidade geográfica.

Analisando documentos legais da Prefeitura de São Paulo, por meio do Decreto


42832/03 (SÃO PAULO, 2003), pode-se observar no Considerando que a
Prefeitura Municipal de São Paulo apresenta à cidade, pela primeira vez, os
objetivos do Projeto CEU:

CONSIDERANDO que a ação educativa é norteada pelos


princípios da participação, descentralização e autonomia, bem
como da inclusão, não só escolar, mas também sócio-
econômica da população;

CONSIDERANDO a urgência de implementar projetos que


viabilizem a reversão do quadro de exclusão social, cultural,
tecnológica e educacional;

CONSIDERANDO a escassez da oferta de lazer e


entretenimento nos bairros da periferia, em evidente
desigualdade com a região central da cidade;

CONSIDERANDO que o Centro Educacional Unificado - CEU


propiciará à população acesso a bibliotecas, centros culturais
e esportivos, integrados aos Centros de Educação Infantil -
CEIs, Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs e
Escolas Municipais de Ensino Fundamental - EMEFs, num
complexo único concebido em todas as suas dimensões,
desde o projeto arquitetônico até o projeto político-pedagógico,
conferindo novo significado ao espaço escolar (...).

Transformando o texto em objetivos, podemos ter um desenho da


intencionalidade trazida pelo Projeto CEU, por meio do Decreto (SÃO PAULO,
2003):

 Participação, descentralização e autonomia como princípios;


 Inclusão escolar e socioeconômica da população;
 Reversão do quadro de exclusão social, cultural, tecnológica e educacional;
 Oferta de lazer e entretenimento nos bairros de periferia, em evidente
desigualdade com a região central da cidade;
31

 Acesso a bibliotecas, centros culturais e esportivos integrados aos Centros


de Educação Infantil - CEIs, Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs
e Escolas Municipais de Ensino Fundamental - EMEFs, num complexo único
concebido em todas as suas dimensões, desde o projeto arquitetônico até o
projeto político-pedagógico, conferindo novo significado ao espaço escolar.

A dinâmica da urbanização das cidades da América Latina seguiu um ritmo


desenfreado, de acordo com Davis4 (2012), em especial na década de 1990,
após o Consenso de Washington, contrariando a teoria econômica clássica,
uma vez que as cidades já apresentavam escassez de emprego e tiveram
intensificada a diminuição do Estado enquanto provedor de serviços essenciais.
A explicação, de acordo com o autor (DAVIS, 2012, p. 31), seria um fenômeno
bastante conhecido no cenário brasileiro:

Houve um êxodo parcialmente projetado, já que o Consenso


de Washington (o programa de austeridade e recuperação
genericamente implementado pelo FMI5 e Banco Munidal)
priorizava a agricultura em larga escala voltada para
exportação às custas da opressão da produção local de grãos
e agricultura de subsistência.

Em 2003, a Cidade de São Paulo, então recentemente mapeada pelo estudo


da equipe da Professora Aldaíza Sposati (PUC SP), apresentava bolsões de
concentração demográfica na periferia, em que as pessoas se encontravam
abaixo da linha de pobreza, como o próprio estudo demonstrou (SPOSATI,
2001). Isso, na maior cidade da América Latina.

4 Mike Davis, urbanista norte-americano reconhecido mundialmente, autor do livro Planeta


Favela.
5 Fundo Monetário Internacional.
32

FIGURA 2: Mapa da exclusão/inclusão social. 6

O mapa da exclusão/inclusão social demonstra, conforme a Figura 2, a


diferença, em números, de aspectos que denotam maior ou menor grau de
cidadania, de acordo com os distritos da cidade. Áreas em azul representam
maior qualidade de vida, desenvolvimento humano, autonomia e equidade.
Áreas amareladas representam um padrão médio e áreas em vermelho e
vermelho-magenta, áreas onde esses aspectos são encontrados de forma
incipiente. O distrito referente à Vila Brasilândia aparece em tom vermelho ou
vermelho-alaranjado em quase todos os mapas. Apenas no que se refere à
qualidade de vida, onde o amarelado no mapa representa o contato com a
natureza, que faz da região uma área onde a poluição ambiental e a sonora
são menores.

6 Fonte: PMSP, 2014.


33

De acordo com Davis (2012, p.31), a partir de 1990 houve uma dissociação
entre a demografia urbana e o desenvolvimento – de empregos e investimento
municipal – sem precedentes na história moderna. E o autor prossegue na
análise: “Nessa época, os novos pobres urbanos (incluindo trabalhadores
formais que perderam o emprego e “imigrantes” da zona rural) tiveram que
resolver o dilema da sobrevivência por si mesmos, com investimento público
mínimo”.

Segundo o autor (DAVIS, 2012) desde a década de 1990 as desigualdades


vêm-se intensificando nos grandes aglomerados urbanos, e a “ajuda”
internacional que marcou a época não incidiu sobre essas populações, gerando
o que Davis define como tendência das cidades latino-americanas:

 Urbanização da pobreza rural;


 Crescente escassez de investimento em infraestrutura urbana e
educação (a grande dívida global que temos com as gerações futuras);
 Fim da fronteira de livre invasão de terrenos desocupados;
 Valores abusivos de aluguel e exploração dos paupérrimos pelos
pobres;
 Superpopulação e hiperconcorrência ‘darwiniana’ em nichos de
empregos informais e precarizados.

O autor (DAVIS, 2012), adiante, aponta uma solução para o paradoxo entre
garantir o espaço público e o consumo privado ao cidadão, como forma de
igualdade. A abundância pública – representada por grandes parques públicos
urbanos, museus gratuitos, bibliotecas e inúmeras possibilidades, de interação
humana, são apontados como uma rota alternativa para uma vida rica baseada
em uma sociabilidade que não agride a Terra.

A preocupação com os espaços públicos também é compartilhada por Santos


(2012), que alerta para o fato de que os espaços públicos, na maioria das
vezes, foram privatizados. O resultado a esse e outros agravos à vida pública,
segundo o autor (SANTOS, 2012, p. 65), tem como consequência um espaço
empobrecido: “É um espaço empobrecido e que também se empobrece:
material, social, política, cultural e moralmente. (...) a própria existência vivida
34

mostra a cada qual que o espaço em que vivemos é, na realidade, um espaço


sem cidadãos.”

Em busca da desalienação, superação do estado de alienação que a sociedade


do consumo impõe ao cidadão, Santos (2012, p. 85) defende que, ao ser
subtraído dos mais pobres o direito ao consumo pleno, ocorre que o risco de
exposição ao consumo e a possibilidade de alienação são menores.

Os que vivem em nossas casas improvisadas nas pontas de


rua ou se acotovelam nos cortiços, os que vivem o dia-a-dia da
ocupação provisória ou mal paga, os que não têm um amanhã
programado, são, afinal, os que têm direito à esperança como
direito e ao sonho como dever. Não são devaneios
irresponsáveis, porque se incluem num projeto que o mundo
em torno autoriza.

2.2 O complexo em seu projeto original.

O bloco didático:

O bloco didático é composto de três equipamentos destinados à educação


formal: um Centro de Educação Infantil (CEI), uma Escola Municipal de
Educação Infantil (EMEI) e uma Escola Municipal de Ensino Fundamental
(EMEF). Também compõem esse bloco o telecentro, a biblioteca, a padaria
comunitária e os equipamentos de apoio como salas dos professores,
administração das unidades escolares, cozinha, refeitório.
35

O Centro de Educação Infantil (CEI):

FIGURA 3: Vista do prédio do CEI do CEU Paz7.

Este espaço atende ao público infantil de 0 a 3 anos. Com 600 metros de área
construída, totalizando um raio de 11 metros, é um espaço circular, nomeado
‘redondo’ pela comunidade educativa e composto por grande saguão iluminado
por uma claraboia (demonstra uma preocupação ambiental de uso de recursos
naturais na iluminação). As salas são modulares e se comunicam por meio de
portas de correr com função de paredes móveis. As classes apresentam
mesinhas e mobiliário planejado para atender ao público da melhor forma,
respeitado o seu tamanho. De acordo com Dória (2007), no planejamento de
equipamentos, foi pensado em muito brinquedo, na apropriação dos espaços,
nas áreas livres, como espaço de crescimento a céu aberto (DÓRIA, 2007, p.
147).

7
Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2014.
36

Essa concepção de respeito à infância, hoje parece óbvia, mas é fruto de uma
construção histórico-conceitual, que, desde Jean-Jacques Rousseau8,
passando pelas descobertas de Jean Piaget9, culminam no que Faria (1999)
teria identificado como pedagogia da educação infantil, inaugurada em São
Paulo por meio dos Parques Infantis criados por Mario de Andrade:

A planta arquitetônica e o regimento interno dos parques estão


aqui destacados revelando entre outras características
elementos para a construção de uma pedagogia da educação
infantil. (...)Criticando as teorias que priorizam o crescimento
dos pequenos transformando-os precocemente em alunos,
futuros adultos, entendo que o espaço coletivo (com adultos e
crianças) como ambiente de educação e cuidado das crianças
de 0 a 6 anos tem por objetivo garantir seu direito à infância: o
direito a brincar, a não trabalhar, a expressarem-se das mais
variadas formas e intensidades, promovendo o exercício de
todas as dimensões humanas (lúdica, artística, do imaginário
etc.) e possibilitando a construção do conhecimento
espontâneo, do imprevisto, da cultura infantil e seu intercâmbio
com os adultos e suas culturas (FARIA, 1999, p.3).

Por meio dos croquis representados na figura 15, nesta seção, podemos
encontrar a presença de uma preocupação arquitetônica favorecendo a essa
pedagogia da educação infantil.

8 Jean-Jacques Rosseau, filósofo (1712-1778), natural de Genebra, na Suiça, viveu em Paris,


onde conviveu com os enciclopedistas, embora divergisse de muitos deles devido a uma visão
menos racionalista (...). Dentre suas obras, destacam-se: Discurso sobre a desigualdade entre
os homens, Do contrato social, ambas sobre política, e Emílio ou da educação. Rousseau
ocupa lugar de destaque na filosofia política - suas obras antecipam o ideário da Revolução
Francesa -, além de ter produzido uma teoria da educação que não ficou restrita apenas ao
século XVIII: seu pensamento constitui um marco na pedagogia contemporânea.(ARANHA,
2006, p.208)
9 Jean Piaget, Nascido em Neuchâtel (Suiça) em 1896, diplomou-se precocemente em Ciências

Naturais aos 21 anos, tendo-se doutorado no ano seguinte, passando a se interessar então
pela psicologia. Foi professor desta matéria nas Universidades de Neuchâtel, Lausanne e
Genebra, e de psicologia genética em Sorbonne em 1952. Jean Piaget é um inovador.
Consagrou suas pesquisas, de uma originalidade e de um rigor excepcionais, à descoberta da
evolução mental da criança e aos problemas da epistemologia. (PIAGET, 2008, N.E.)
37

A Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI):

FIGURA 4: Professora e alunos da EMEI do CEU Paz10.

Atendendo aos princípios de uma pedagogia para a educação infantil, a EMEI


dos CEUs também foi concebida para respeitar a fase de desenvolvimento na
qual as crianças de 4 a 5 anos se encontram. Esse mesmo respeito, traduzido
na arquitetura e no mobiliário, é extrapolado por meio da ideia de fazer com que
os espaços também sejam educadores, por meio das relações intergeracionais.
Ana Beatriz Goulart de Faria arquiteta que participou do planejamento do
Projeto CEU, em depoimento teria afirmado:

Eu fui chamada para contribuir com as discussões, repensar e


questionar os modelos tradicionais, para fazer provocações e
alimentar discussões em torno do projeto arquitetônico, dessa
proposta de fazer com que os espaços sejam educadores e
que não se limitem à sala de aula. (DORIA, 2007, p. 145).

10
Fonte: Página oficial do CEU Paz. Disponível no site:
https://www.facebook.com/CEUPAZ2004, acesso em 17/07/2014.
38

A EMEI, que ocupa o bloco didático, assim como a Escola Municipal de Ensino
Fundamental (EMEF), teria sido comparado por Alexandre Delijaicov, um dos
arquitetos que assinou o projeto inicial, a um grande navio atracado no cais:
“Tem-se uma proa e uma popa, que são recreios cobertos da EMEI e da EMEF.

As varandas abrangem 2,5 m. de piso e 3,5m de teto. A largura de um convés


de transatlântico” (DORIA, 2007, p.142)

A circulação a esse bloco é possível tanto pela área central como pelas escadas
laterais.

A educação infantil planejada para o CEU busca romper com a ideia de


antecipação da escolarização, segundo Doria (2007), demonstrando afinidade
com o que Faria (1999, p.3) afirmou sobre o projeto educacional que dava
sustentação aos parques infantis, na década de 30:

Os parques infantis criados por Mário de Andrade em 1935


podem ser considerados como a origem da rede de educação
infantil paulistana (Faria,1995) – a primeira experiência
brasileira pública municipal de educação (embora não-escolar)
para crianças de famílias operárias que tiveram a oportunidade
de brincar, de ser educadas e cuidadas, de conviver com a
natureza, de movimentarem-se em grandes espaços. (...) Lá
produziam cultura e conviviam com a diversidade da cultura
nacional, quando o cuidado e a educação não estavam
antagonizados, e a educação, a assistência e a cultura
estavam macunaimicamente integradas, no tríplice objetivo
parqueano: educar, assistir e recrear.

Outra referência importante para se pensar a construção destinada à educação


infantil no CEU é Mayumi de Souza Lima (doravante chamada de Mayumi)
arquiteta, que durante o governo de Luiza Erundina (1989-1992) foi chefe do
Departamento de Edificações da Prefeitura de São Paulo, órgão responsável
pela construção dos equipamentos públicos, notadamente as escolas
municipais e criado por ocasião daquele governo que tinha por objetivo resgatar
a ideia de arquitetura em rede, iniciada por ocasião do Convênio Escolar (1943
a 1959).

Tendo participado da história da educação de São Paulo, Mayumi tinha uma


forma integradora de ver a relação entre arquitetura e educação, analisada
neste trabalho tanto em obra de sua autoria, quanto em dissertação de
39

mestrado de Cassia Shroeder Buitoni, sobre vida e trabalho de Mayumi, da


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo
(USP). No artigo ‘A criança e a percepção do espaço’, Mayumi teria revelado
sua preocupação:

Na realidade, apesar do crescente desenvolvimento das


teorias psicopedagógicas que fundamentam a ação das
escolas, poucas alterações aparecem ao longo dos anos, na
organização do espaço, fazendo crer numa simples defasagem
entre o setor educativo e o da arquitetura. Mas não existe essa
defasagem. De fato, se examinarmos as plantas das escolas
construídas até 1930, há uma coerência entre os espaços
construídos e os conceitos educacionais então vigentes: a
organização desses espaços deixava clara a hierarquia
existente entre os membros daquela comunidade, definiam
formas cristalizadas de relacionamento e em consequência,
ambientes, dimensões e exigências técnicas bastante
estáticas. Esta mesma hierarquia continuaria aparecendo nos
anos seguintes, já com um padrão definido (...). (LIMA, 1979,
p.74)

Em seu trabalho, Lima (1979) manifesta a preocupação com o que foi feito
historicamente na construção de prédios escolares em São Paulo,
especialmente após a década de 1950: a padronização, o rompimento da
relação cuidar/educar, a racionalização econômica que marcaram as plantas
dos equipamentos escolares, especialmente durante os anos de ditadura
militar, demonstrando menos uma preocupação com as descobertas no campo
da psicologia e mais a presença do estado mínimo.11

O Projeto CEU fruto de uma concepção de pedagogia da infância que rompe


com a ideia de estado mínimo, busca para a educação infantil o protagonismo
das culturas da infância, a circulação entre os diversos espaços, sejam eles
destinados à educação, ao esporte ou à cultura, o contato com outras crianças
e com adultos. Na época de sua implantação, segundo Doria (2007), a intenção

11 Concepção fundada nos pressupostos da reação conservadora que deu origem ao


neoliberalismo. A ideia de Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições do
Estado perante a economia e a sociedade. Preconiza-se a não-intervenção, e este afastamento
em prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o
neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica. A única forma de regulação
econômica, portanto, deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e eficientes
possíveis. Lalo Watanabe Minto. Histedbr, Faculdade de Educação, UNICAMP.
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_estado_minimo.htm.
40

era levar a toda a Rede Municipal de Educação (RME) esse conceito. O cuidado
na ocupação do espaço, segundo Silva (2012), no projeto dos móveis e na
delicadeza em dar significado aos ambientes permitiu que o projeto
arquitetônico recebesse a comunidade de forma acolhedora e ainda pudesse
estabelecer vínculos próprios de pertencimento, tornando o espaço
significativo.

Cada CEU recebeu um projeto único, que tomou como base


a natureza e tamanho do terreno, as necessidades locais de
cada comunidade e o mínimo de padronização estabelecida.
Essa maneira de projetar o CEU na cidade garantiu a melhor
ocupação do espaço e permitiu a relação orgânica entre os
diversos espaços, facilitando a circulação das pessoas das
mais variadas idades de forma íntegra (SILVA, 2012, p.152).

Buitoni (2009), citando a preocupação de Mayumi em relação ao espaço de


educação da criança, transcreve trecho de autoria da ex-diretora de EDIF que
demonstra o olhar da arquiteta para a relação entre educação e arquitetura:

Foi nesse observar assistemático, num compromisso


descompromissado, que a nossa atenção foi chamada pela
forma como o poder, primeiro, da sociedade de classes,
segundo, das instituições representativas dessa sociedade, e
terceiro, dos adultos em geral, se apodera do espaço da
criança e o transforma num instrumento de dominação.
A organização e a distribuição dos espaços, a limitação dos
movimentos, a nebulosidade das informações visuais e até
mesmo a falta de conforto ambiental estavam e estão voltadas
para a produção de adultos domesticados, obedientes e
disciplinados – se possível limpos -, destituídos de vontade
própria e temerosos de indagações. Nesse processo, somos
todos co-responsáveis. Há, em todos os lugares, como que a
obsessão do controle que perpassa todos os nossos
comportamentos adultos em relação à criança: precisamos
sentir-nos donos da situação, ter presentes todas as
alternativas que a criança poderá escolher; porque só assim
nos sentiremos seguros. A liberdade da criança é a nossa
insegurança, enquanto educadores, pais ou simples adultos e,
em nome da criança, buscamos a nossa tranquilidade,
impondo-lhes até os caminhos da imaginação (LIMA apud
BUITONI, 2009, p.64).
41

A Escola Municipal de Ensino Fundamental:

FIGURA 5: Professor alunos da EMEF do CEU Paz.12

Esse equipamento educacional integra a nave do bloco didático, junto à EMEI.


É destinado à educação de crianças, adolescentes e adultos. Nos dois turnos
diurnos, funciona o ensino regular do Ensino Fundamental, atendendo a
crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos, em média. No noturno, atende ao
jovem e ao adulto trabalhadores, na modalidade EJA (Educação de Jovens e
Adultos).

Pensamos se, para essas duas modalidades atendidas pela EMEF, o benefício
trazido pelo Complexo é maior, uma vez que nessa idade se concentram as
maiores necessidades quanto à educação integral, inexistente até o ano de
2003 na Cidade de São Paulo. Os CEUs são locais onde a educação ocorre de
maneira interdisciplinar, menos pela atuação curricular ainda e mais pela
possibilidade de formação integral do ser humano, oferecida no contraturno.

12
Fonte: Página oficial do CEU Paz. Disponível no site.
https://www.facebook.com/CEUPAZ2004> acesso em 17/07/2014.
42

Nessa faixa etária as crianças e jovens atingem maior autonomia para uso dos
espaços destinados ao esporte, à cultura e à inclusão digital. Em 2014, com a
adesão ao Programa Mais Educação do Ministério da Educação (MEC), a
EMEF Teotônio Vilela (EMEF do CEU Paz), por exemplo, inclui um número
crescente de crianças e adolescentes a atividades que, ampliando o tempo de
permanência destes na escola, têm propiciado educação com qualidade
sociocultural.

Sabemos, pelas análises anteriores a desenhos curriculares nesta ou em


outras cidades, a dificuldade para se quebrar a ‘rigidez das grades’, segundo
Arroyo (2002, p.165):

As experiências interdisciplinares tentam relações mais


coletivas ainda que limitadas. Há muitos professores e
professoras que vêm inventando, transgredindo normas e
horários à procura de relações e interações mais plenas com
os educandos. Sabemos que a rigidez das estruturas escolares
não facilita, antes dificulta e muito essas tentativas.

No CEU, centro que favorece o diálogo intersecretarial e entre gerações,


espera-se que, de alguma maneira, a faixa etária dos alunos da EMEF seja
beneficiada, a partir de uma concepção interdisciplinar que o complexo
favorece.

A Educação de Jovens e Adultos que acontece no CEU, assim como toda a


educação nas diferentes modalidades que atende, segue às orientações
curriculares da Rede Municipal de São Paulo. Entretanto, a disponibilidade dos
equipamentos de cultura, esporte e lazer parece ampliar o universo de
possibilidades culturais, de lazer e de convivência. Possibilidades que se
estendem aos finais de semana, no contato com crianças, adolescentes e
idosos. Vemos esse processo como altamente integrador e fomentador de
produção cultural para esse público adolescente, jovem, adulto e idoso.
43

A biblioteca:

FIGURA 6: Cia. Alumiar na Biblioteca do CEU Paz13.

Projetada para oferecer o acesso em caráter híbrido – composto pelo


atendimento aos alunos do Complexo e à população em geral - a existência de
bibliotecas nos CEUs representou o acréscimo de 45 bibliotecas públicas para
a população da Cidade de São Paulo. Até 2003, a cidade dispunha de 67. Em
um projeto de operação urbana que pretendeu reverter o quadro existente de
exclusão social em diversos aspectos, o aumento de 40,17% na oferta de
equipamento público municipal dedicado à cultura literária e acesso a fontes
diversas de pesquisa pode ser considerado impactante.

No projeto inicial, as bibliotecas foram projetadas como um espaço amplo,


moderno, que recebeu, segundo Dória (2007) cerca de 10.000 livros cada uma,
além de jornais e revistas diários para consulta dos visitantes.

A estrutura organizacional das bibliotecas dos CEUS foi definida por LEMOS
(2012, p. 62):

13 Fonte: Página oficial do CEU Paz. Disponível no site:


https://www.facebook.com/CEUPAZ2004> Acesso em 17/07/2014.
44

As bibliotecas dos CEUs são administradas pela Secretaria


Municipal de Educação (SME), mas fazem parte do Sistema
Municipal de Bibliotecas (SMB), ligado à Secretaria Municipal
da Cultura (SMC). Sua integração, porém, faz-se unicamente
por compartilharem o mesmo software de gerenciamento de
bibliotecas e, consequentemente, as regras para o empréstimo
de livros precisam ser feitas em conjunto, entre outros serviços.
Por meio dele, o usuário de qualquer biblioteca do CEU torna-
se um usuário da cidade, ou seja, é possível pesquisar o acervo
coletivo e realizar empréstimos de livros em qualquer
biblioteca municipal. Todavia, não existe uma real
interação nos campos da cultura, da informação e do lazer
entre as bibliotecas regidas pela SMC e pela SME.

Apesar das dificuldades em integrar a oferta de atividades culturais decorrentes


da ausência de articulação sob os aspectos da cultura, a informação e do lazer,
as bibliotecas podem potencializar, nos CEUs, o acesso da população da
periferia da cidade aos conteúdos anteriormente disponíveis apenas em
regiões mais centralizadas.

O telecentro:

FIGURA 7: Telecentro do CEU V.


Atlântica, espaço compartilhado com a
Universidade Aberta do Brasil14.

14
Acervo pessoal da pesquisadora, em: 02-08-14.
45

A gestão Marta Suplicy (2001-2004) que implantou os CEUs na Cidade de São


Paulo teve, na composição do Governo Eletrônico da Prefeitura de São Paulo,
Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá (Beá) e Sergio Amadeu da Silveira. Para eles,
governo eletrônico não era sinônimo de site de serviços, mas uma possibilidade
de democratizar o acesso ao poder público. Essa concepção foi decisiva na
inserção dos telecentros no Projeto CEU.

Um projeto que pensa a Cidade como Educadora não pode prescindir da


inclusão digital enquanto uma de suas premissas básicas. O princípio de
inclusão digital por meio da democratização do acesso pode ser observado
desde o Decreto 42832/03 (SÃO PAULO, 2003), em sua justificativa
“CONSIDERANDO a urgência de implementar projetos que viabilizem a
reversão do quadro de exclusão social, cultural, tecnológica e educacional”.

Para os coordenadores do Governo Eletrônico naquela ocasião, de acordo com


CORNILLS (2012), era imprescindível que os telecentros, sejam dos CEUs ou
os outros, espalhados pela cidade, funcionem sempre com software livre 15.
Citando Beá em entrevista (CORNILLS, 2012, p.2) escreve: “O software livre,
para mim, vem como alternativa e contraponto ao pensamento individualista,
competitivo. Permite autonomia e traz uma filosofia de solidariedade e
compartilhamento.”

A filosofia de inclusão por meio do software livre trazida pelos telecentros


deveria ser mais do que a garantia de acesso às tecnologias digitais de
informação e comunicação. Tanto que um telecentro deveria ser apropriado
pela comunidade que conferiria sentido a esse espaço público. Por essa razão
era considerado à época, mais do que um programa de governo, um
movimento. “É essa apropriação que garante a existência dos espaços de
inclusão digital. (...) os telecentros são locais de compartilhamento de
conhecimento, de organização em torno de projetos da comunidade.”
(CORNILLS, 2012, p. 2).

15 Software livre em contraponto ao software proprietário. Software proprietário: programas


de computador com código-fonte fechado, patenteado por uma única empresa, que cobra
direito de propriedade intelectual. (SILVEIRA, 2003).
46

Em termos operacionais, para que se compreenda a viabilidade econômica do


projeto por meio do uso do software livre, um ponto a ser observado é a política
de utilização preferencial de softwares não-proprietários ou de código aberto,
como o sistema GNU/Linux. A interface gráfica do sistema é de fácil manuseio,
e os aplicativos disponíveis no sistema compõem o pacote OpenOffice.org, que
possibilita ao usuário a execução das principais tarefas desenvolvidas em
escritórios. O OpenOffice.org possui um processador de textos (OpenWriter) e
uma planilha de cálculo (OpenCalc), e ambos são similares aos programas
existentes no sistema operacional Windows. O G-Paint é o aplicativo usado
para a produção de desenhos.

Com adoção de software livre foi possível adotar a aplicação de um servidor


para até vinte terminais clientes, potencializando o serviço prestado. Nos
terminais são utilizados computadores sem disco rígido ligados ao sistema de
um servidor central, que permite reduzir consideravelmente os gastos com
equipamentos.

Com a mudança de governo, quando o então prefeito José Serra tomou posse
em 2005, a política pública de inclusão digital iniciada em São Paulo na gestão
anterior sofreu transformações conceituais importantes. Dentre as
transformações se operaram em toda a cidade, incluindo-se os que funcionam
nos CEUs podemos destacar:

1) Contratação do Instituto de Desenvolvimento de Desenvolvimento e


Racionalização do Trabalho (doravante IDORT), a partir do mês de junho
de 2005. De acordo com a revista eletrônica A REDE, edição do mesmo
mês, Sérgio Kobayashi, secretário de Comunicação de Serra teria
declarado que a prefeitura contratou o IDORT para realizar um
diagnóstico dos telecentros e indicar ‘sem paixões ideológicas’, soluções
para a perenização do projeto. A contratação de monitores,
anteriormente pela Cooperativa Estruturar dava lugar à realizada pelo
IDORT. Não se tratou apenas de uma mudança de CNPJ, mas uma
mudança conceitual.
47

2) Proposta de abertura de novos telecentros, a partir de parceria com a


iniciativa privada. Dessa forma, as parcerias assumiriam também uma
parte do custeio. Sérgio Kobayashi chegou a afirmar que, em parcerias
com a iniciativa privada, seria impossível manter a obrigatoriedade de
utilização de software livre. Diz Marcondes (2006) que o mesmo não
sabe qual solução deve adotar se uma empresa quiser abrir e manter
um telecentro.

3) Quebra da parceria entre a Prefeitura de São Paulo e a ONG


Metareciclagem. A partir da gestão de Elcio Figueiredo da Secretaria
Municipal de Participação e Parceria, segundo Marcondes (2006) o
Metareciclagem passou a sofrer ingerências, como a inclusão forçosa
de cursos sobre tecnologias proprietárias. A ONG Metareciclagem
trabalhava com a utilização de computadores considerados inservíveis,
questionando a obsolescência de equipamentos forçada pelos
mercados.

4) A presença do IDORT nos Telecentros de São Paulo, segundo A REDE


(2006), recebeu críticas pela fiscalização aos educadores, introdução de
regras rígidas para o uso dos equipamentos – como a proibição de
acompanhantes ou a exigência de RG dos responsáveis pelos menores
usuários.

5) No início de 2007 assumiu a coordenação geral de inclusão digital(CID)


da Secretaria de Participação e Parceria, o sociólogo Douglas César
Gonzaga, que chegou a declarar-se contrário à formação de conselhos
Augusto e Couto (2007, p.1): “Não imponho nada, e não precisa de
conselho gestor. Tudo o que eles me pedem, que eles me trazem, se for
viável do ponto de vista legal e compatível com nossos objetivos, nós
autorizamos”.

Não reconhecer a necessidade de um conselho gestor para os telecentros,


sejam nos CEUs ou fora deles, significou a descaracterização do projeto inicial.
48

Em abril de 2014, após diversos anos de terceirização do serviço para o


Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), os telecentros tiveram
que ser fechados pois o instituto foi Inscrito no Cadastro Informativo Municipal
(CADIN), por irregularidades fiscais. Esse problema, após meses de
prorrogação contratual, fez com que os telecentros fossem fechados
totalmente. No segundo semestre do ano em que se realiza esta pesquisa, a
reabertura está sendo gradativa.

Os prejuízos podem ser avaliados, pelo tempo em que a população


frequentadora dos CEUs, e os alunos dos equipamentos educacionais que
compõem o Complexo estão privados de seu uso. Apesar de, a partir do
convênio realizado com o IDORT, os telecentros dos CEUS não mais abrirem
aos finais de semana, descaracterizando totalmente o seu caráter de inclusão
social por meio das tecnologias, ainda assim eram utilizados por alunos durante
a semana para a realização de trabalhos e entretenimentos. Bem como pela
comunidade para confecção de curriculum vitae e para cursos introdutórios à
linguagem digital.

A padaria-escola:

FIGURA 8: Projeto Esparrama na Padaria-Escola – Núcleo de


Esportes, Professora Isabel16.

16 Fonte: Disponível no site: https://www.facebook.com/CEUPAZ2004> Acesso em 17/07/2014.


49

Inicialmente projetada para oferecer cursos de profissionalização em


gastronomia para a comunidade, as padarias-escola, quase em sua totalidade,
em 2014, estão fechadas ou servindo a outras finalidades.

No Decreto 45.599, de 30 de novembro de 2004 (SÃO PAULO, 2004), um dos


objetivos do CEU, apresentado à Cidade no Artigo 6º, inciso II, era “ser um polo
de desenvolvimento da comunidade”. Esse objetivo foi suprimido no texto da
Portaria nº 7.356, de 20 de dezembro de 2005 (SÃO PAULO, 2005a), que
revogou o decreto anteriormente destinado ao Regimento-Padrão dos CEUs e
apresentou um novo texto. Diversos aspectos que conferiam ao CEU um
caráter articulador de ações comunitárias foram suprimidos, e esse
equipamento, sem um projeto específico para uma possibilidade de geração de
empregos, renda ou formação para a comunidade, permanece não cumprindo
a sua função inicialmente proposta.

No texto publicado pelo site Todos pela Educação (2014), de responsabilidade


da UOL Educação, é relatada a experiência ocorrida no CEU Campo Limpo,
conhecido como CEU Italiano, quando foi firmada uma parceria com o Grupo
Mancini, dono de uma rede de restaurantes italianos em São Paulo, para a
realização de cursos de Gastronomia. Os donos do restaurante, segundo o site,
chegaram a pagar uma professora durante um curto espaço de tempo, que
ministrou cursos à comunidade. Com a mudança do governo, logo após a
inauguração do CEU Campo Limpo, a padaria foi fechada.

No CEU Paz, a gestora, durante entrevista coletiva realizada para esta


pesquisa, relatou haver encontrado a Padaria-Escola, bem como outros
espaços, fechada, servindo a depósito de materiais inservíveis e como vestiário
dos funcionários das empresas terceirizadas que prestam serviços ao CEU.
Está em processo a reativação da padaria, a partir de uma parceria que ela
mesma procurou com o SENAI, e a padaria será equipada com verba de
Emenda Parlamentar.

Foi preciso fazer a limpeza, realmente a organização do espaço para


começar a oferecer. E a padaria onde vocês fizeram o bolo (de aniversário
do CEU) e a Isabel faz o “Esparrama” era um depósito de material da
terceirizada. (...) E aí nós tivemos que transformar um banheiro no
50

depósito do material da terceirizada e o espaço onde elas trocavam de


roupa, para trazer de volta a padaria para o nosso uso, e agora, para
oferecer os cursos, a gente vai estar levando o curso de padaria, de
doceiro, de confeiteiro e padeiro com o SENAC no segundo semestre. A
gente está conseguindo através da ajuda dos parlamentares a compra
dos equipamentos necessários. Aqui, já foi feito o pedido, já está sendo
comprado. Continuaremos torcendo para que nada impeça. (Anatália
Almeida Cesar Pena, gestora do CEU Paz)

A Professora Isabel Cristina Gonçalves do Núcleo de Esportes e Lazer utiliza o


espaço para complementar o curso de condicionamento físico que ministra ao
grupo da comunidade, com a atividade de elaboração de sucos e saladas,
denominada Projeto Esparrama Saúde. Outras atividades foram relatadas pela
comunidade em conversa informal, como a preparação coletiva de bolo para
comemorar o 10º aniversário do CEU Paz, em 2014.

O Bloco da Gestão, da Cultura e dos Esportes:

FIGURA 9: Placa informativa dos ambientes do prédio


da Gestão do CEU Paz17.

17 Fonte: acervo pessoal da autora da pesquisa.


51

Esse bloco contém cinco pavimentos e dimensões de 20 por 45 metros, onde


estão o teatro, os ateliês de arte, a sala de dança, os estúdios de rádio e
fotografia e o ginásio de esportes, além do núcleo administrativo e gestor. Na
placa que aparece na figura 9, pode-se notar a existência de espaço destinado
ao Conselho Gestor. A garantia de um espaço destinado à associação de
representantes dos diferentes segmentos do CEU é fato que já demonstra na
arquitetura, o cuidado com a promoção de democracia participativa.

O teatro:

Um dos grandes símbolos do Projeto CEU é o teatro. Projetado, inicialmente,


para ser um teatro de arena coberto, com 600m², passou por uma mudança
significativa, fruto de reivindicações da população em contato com os
representantes do poder público. É o que demonstra DÓRIA (2007, p.48):

Segundo Ademir Mata, o grande desafio que enfrentou no


comando da empreitada de construir os 21 CEUs foi executar
a mudança no projeto dos teatros do CEU, pois a construção
já estava em andamento. “Em uma reunião com o Secretário
de Cultura Celso Frateschi e a Secretária Cida Perez,
decidimos que para melhor atender aos anseios da
comunidade e da classe artística deveríamos fazer um teatro
de palco italiano”, conta. Pelo projeto original, ia ser um teatro
de arena coberto com 600 metros quadrados. Se pensava nima
arquibancada móvel, pra que se alternassem diferentes
atividades culturais. Tal projeto, na opinião do Secretário, que
também é ator e diretor de teatro, dificultaria a execução das
atividades, já que seria necessário uma equipe só para cuidar
da montagem e desmontagem de tais arquibancadas, por
exemplo. Além disso, o desejo era levar para a periferia o que
se tem no centro, o teatro tradicional, o cine-teatro, com as
suas poltronas, com o palco, com a acústica dos teatros do
centro da cidade.
Os CEUs têm um produtor cultural externo. Na gestão que idealizou o Projeto,
era ele quem fazia contato com os artistas da comunidade, e buscava trazer
essas manifestações culturais para dentro do CEU. O teatro era um local
privilegiado para a ação de protagonização cultural dessas manifestações
artísticas da periferia, além de ser um local privilegiado para que a população
pudesse ter acesso a espetáculos que antes só podiam ser encontrados em
regiões centrais.
52

Um projeto marcante, que qualificou a participação da comunidade dos CEUs


nas atividades do teatro, em 2004, foi o Projeto Formação de Público, orientado
por Flávio Desgranges18.

Iniciado em 2001, segundo Desgranges (2008) por iniciativa da Secretaria


Municipal de Cultura de São Paulo, o projeto Formação de Público era
referenciado no pensamento do encenador alemão Bertold Brecht, que
compreendia a formação de espectadores como uma apreensão do fazer
teatral pelos espectadores como democratização dos meios de produção,
possibilitando um ato autoral, produtivo.

A consecução dos objetivos do Projeto Formação de Público era realizada por


meio de duas ações educacionais simultâneas, Primeiro, uma ação a médio
prazo, o curso para os professores, que visavam a uma experiência prática e
reflexiva.

A segunda ação era desenvolvida a curto prazo e consistia de :

 Debate com os artistas;


 Oficinas de desmontagem, por meio de:
1. Ensaios preparatórios: guiavam os espectadores em sua leitura da
cena.
2. Ensaios de prolongamento: criação de cenas de elaboração
compreensiva.

A partir de 2005, com a mudança do governo, o Projeto Formação de Público


foi abandonado. Os teatros dos CEUS passaram a oferecer apresentações
teatrais ocasionais (raramente apresentações musicais), e sem o cuidado de
transformar o entretenimento em ato intencionalmente educativo, o que pode
explicar o esvaziamento citado durante as entrevistas coletivas, por membros
da comunidade do CEU Paz:

Quando tinha algum evento no teatro lotava, podia anunciar que tinha
gente batendo cadeira no teatro que lotava, quatrocentos e cinquenta
pessoas dentro e mais umas cem pessoas querendo entrar. (...) O CEU

18Professor do Departamento de Artes Cênicas da Usp, autor dos seguintes livros: “A


pedagogia do espectador”, Ed. Hucitec, 2003; Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo,
Ed. Hucitec, 2006.
53

era ocupado pela comunidade em peso. Tinha sempre gente querendo


entrar. (CARLOS).
O CEU nos acolheu como pessoas de dignidade, como a Dona Anatália
falou, a gente tem o direito de chegar perto de um artista. Na outra gestão,
a gente não podia falar nem com o pessoal da gestão. (PINÁ)
Fui conhecer o CEU esse ano. Quando eu vi o teatro pela primeira vez eu
disse “Gente, eu não imaginava que era isso tudo!” Eu achava que era
uma coisa bem fuleira, e era uma coisa maravilhosa! (VALÉRIA).
Eu conheço o CEU há um ano. (...). descobri o teatro. Que eu achei uma
infraestrutura assim enorme para a comunidade. Não se tem o valor que
deveria ter porque eu mesma vim num show sábado e tinha doze pessoas
de público, e eu fiquei indignada, era um big show, tributo a Clara Nunes.
(NINA).

O foyer:

FIGURA 10: foto do foyer do CEU Paz19

Espaço junto ao teatro, concebido tanto para recepcionar os espectadores de


uma peça, quanto para exposições ou realização de instalações ou espetáculos
de dança, o foyer é um espaço que permite o aconchego antes, o encontro
após a participação em peça teatral, e, principalmente, diversas atividades
culturais como ensaio e apresentação de danças típicas Também é espaço
para recepções que antecedem encontros temáticos no teatro. Quando há
festas no CEU, é comum esse espaço ser destinado às exposições dos alunos

19
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.
54

para que os convidados apreciem as produções resultantes dos projetos


desenvolvidos nas escolas do complexo. No CEU Paz esse espaço também é
utilizado para a prática de tênis de mesa às terças e quintas-feiras, das 16 às
17:00h.

Os estúdios:

Espaços projetados para o desenvolvimento de oficinas de iniciação artística,


tais como música, teatro vocacional, dança, coral e orquestra.

Em conjunto com a Escola Municipal de Iniciação Artística- EMIA (SÃO PAULO,


2013) os CEUs receberam dois projetos que se desenvolveram em seus
estúdios:

1. O Programa de Iniciação Artística (PIA). Segundo informações do site


da Secretaria da Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo:

O Programa de Iniciação Artística (PIÁ) procura levar a


metodologia inovadora criada na EMIA para crianças de 5 a 14
anos nos quatro cantos da cidade em bibliotecas públicas e
teatros distritais e, em parceria com a Secretaria Municipal de
Educação, nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Em
se tratando da ocupação de espaços diferentes, o PIÁ
incorpora à metodologia da EMIA as estratégias e parcerias
desenvolvidas pelo Programa Vocacional. (SÃO PAULO,
2013).
2. O Programa Vocacional.

Completando 10 anos em 2011, o Vocacional atende a


qualquer pessoa a partir dos 14 anos nos Projetos: Artes
Visuais, Música, Teatro, Dança, Vocacional Apresenta e
Vocacional Aldeias. Sendo um programa abrangente e
presente em equipamentos públicos das Secretarias de Cultura
e de Educação da cidade de São Paulo, o Vocacional não visa
o desenvolvimento técnico e a detecção de talentos, mas
pretende a emancipação criadora das pessoas por meio de
uma prática artístico-pedagógica coletiva. (SÃO PAULO,
2013).

Esses Programas, apesar do esvaziamento conceitual decorrente da mudança


de governo, permaneceram atendendo aos alunos, que passaram a ser
prioridade no conceito em que se inseriu a educação na Cidade de São Paulo,
55

de 2005 a 2012 “São Paulo é uma escola”. Percebe-se o esvaziamento na


participação da comunidade nessas atividades, atualmente.

A educação física e esportiva no CEU:

A pista de skate:

Uma pista de skate no complexo educacional do porte de um CEU pode


assumir um grande significado.

Segundo esporte preferido entre os jovens brasileiros, antes dos CEUs de São
Paulo, tinha poucos lugares onde pudesse ser realizado. Especialmente pelos
jovens da periferia, que, estando afastados dos grandes e belos parques
tradicionais da cidade, tinham suas chances diminuídas para exercer a sua arte
corporal por meio do esporte realizado com o skate.

Surgido na Califórnia na década de 1960, cresceu no mundo todo, e em São


Paulo também.

De acordo com Doria (2007), as pistas surgiram das negociações entre o


Departamento de Edificações da Prefeitura (EDIF) e a população por ocasião
das reuniões em que se decidiam sobre a construção dos CEUs em São Paulo.

Mais do que um espaço para a juventude praticar o seu esporte, a presença de


uma pista de skate em um complexo educacional representou o acolhimento
ao protagonismo dos adolescentes e jovens que viram uma marca identitária
do seu grupo etário fazendo parte das atividades planejadas para proporcionar
esporte e lazer à comunidade. Trata-se do estabelecimento de um diálogo
importante e necessário com a juventude, seu esporte e sua arte.

Atividades Esportivas:

Os Centros Educacionais Unificados desenvolvem as atividades esportivas em


diferentes espaços:

 Ginásio: localizado no bloco da gestão, tem uma programação variada,


que atende a públicos diversos.
56

MODALIDADE FAIXA ETÁRIA DIAS DA SEMANA HORÁRIO PÚBLICO ALVO


ESPORTIVA

Badminton 10 a 16 anos 2ª e 4ª 12 às 13:00 Comunidade

Basquete-mirim 13 e 14 anos 4ª e 6ª 15 às 17:00 Comunidade

Futsal feminino 12 a 14 anos 3ª e 5ª 12 às 13:00 Comunidade

Futsal sub 10 7 a 10 anos 2ª e 4ª 13 às 14:00 Comunidade

Futsal sub 10 e 12 7 a 12 anos 3ª e 5ª 8 às 9:00 Comunidade

Futsal sub 12 11 e 12 anos 2ª e 4ª 17 às 18:00 Comunidade

Futsal sub 14 13 e 14 anos 3ª e 5ª 9 às 10:00 Comunidade

Futsal sub 17 13 a 17 anos 2ª e 6ª 16 às 17:00 Comunidade

Handebol 13 a 16 anos 2ª e 4ª 14 às 15:00 Comunidade

Reserva de espaço Adulto 2ª 20 às 22:00 Comunidade evento


futsal feminino fechado

Reserva de espaço Adulto 4ª 20 às 22:00 Comunidade evento


futsal masculino fechado

Reserva de espaço Adulto 5ª 20 às 22:00 Comunidade evento


futsal masculino fechado

Reserva de espaço Adulto 6ª 20 às 22:00 Comunidade evento


futsal masculino fechado

Reserva de espaço Adulto 3ª 20 às 22:00 Comunidade evento


futsal masculino fechado

Rúgbi 10 a 16 anos 2ª, 4ª e 6ª 18 às 20h Comunidade

Treino de goleiros 7 a 17 anos 3ª e 5ª 18 às 20:00 Comunidade

Vôlei adaptado Adulto e 3ª idade 3ª e 5ª 10 às 11:00 Comunidade

Vôlei misto 11 a 16 anos 2ª 16 às 17:00 Comunidade

Vôlei misto 11 a 16 anos 6ª 14:30 às 16:00 Comunidade

TABELA 2: Atividades esportivas desenvolvidas no CEU Paz em setembro de


2014.20

 Área externa: O CEU Paz conta com uma área extensa, onde são
realizadas as atividades de caminhada, de segunda a sexta-feira das
8h00 às 9h00. É uma atividade livre, da qual a comunidade pode
participar, independentemente da idade. Uma das entrevistas realizadas
neste trabalho com pessoas da comunidade ocorreu durante esta
atividade.

20
Fonte: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/ceus/Anonimo/detalhes/prog/prog_paz.aspx
57

A área externa é utilizada também para as aulas de Educação Física dos


alunos do CEI, para aulas de condicionamento físico destinadas à
comunidade e para a prática de basquete-street aos finais de semana.

 Sala de dança: localizada no Bloco da Gestão, é utilizada para muitas


atividades de dança e de condicionamento físico, como a ginástica
localizada para o público adulto, por exemplo. Nesse espaço, ainda,
acontecem as aulas de ginástica artística, ginástica laboral e crossfit.

FIGURA 11: Aula de crossfit na Sala de Ginástica, Bloco da Gestão, da


Cultura e dos Esportes, CEU Paz21.

A piscina:

Nos grandes centros urbanos, onde as alternativas de lazer ficam


prioritariamente reservadas aos que podem pagar por ele, a piscina é um
símbolo de pertencimento às classes sociais cujo poder aquisitivo permite
pagar por um título em clubes particulares. A partir do Projeto CEU, houve na
cidade a disponibilização de piscinas à população em geral. Como alternativa

21 Fonte: Disponível no site: https://www.facebook.com/CEUPAZ2004> Acesso em 17/07/2014.


58

de lazer, passou a significar o acesso à comunidade ao Centro durante os finais


de semana. Como instrumento importante à educação física, passou a ser
utilizada por alunos e pela comunidade inscrita em atividades como
hidroginástica, aeróbica, natação em nível iniciante e natação em nível
avançado. Durante as atividades do Recreio nas Férias22, a piscina é um dos
espaços preferidos pelas crianças e pelos adolescentes participantes do
Programa.

Todos os CEUs, apesar das diferenças nas dimensões entre as piscinas que
foram construídas no governo da Prefeita Marta Suplicy e as que foram
construídas durante a gestão dos seus sucessores Serra-Kassab, contam com
piscina semiolímpica e uma ou duas destinadas ao lazer.

A piscina constitui-se, junto ao teatro, como um símbolo do Projeto CEU, dada


a importância que a comunidade atribui a ela.

FIGURA 12: Piscina do CEU Paz23.

22 Recreio nas Férias, estabelecido pela Lei 10.949/91 é um programa de educação informal
desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo nos períodos em que os
alunos estão em férias, atende às crianças e adolescentes das Unidades Educacionais do CEU
e de outras escolas, mediante inscrição prévia.
23 Fonte: Disponível no site: https://www.facebook.com/CEUPAZ2004> Acesso em 17/07/2014.
59

Encontramos referência à piscina do CEU nos depoimentos dos participantes


das entrevistas coletivas:

As piscinas são limpas todo dia. A gente sabe porque faz aeróbica.
(MARIA).

Estudava no Teotônio (EMEF Senador Teotônio Vilela, que em 2004 se


mudou para o CEU Paz), da primeira à quarta série. Quando eu estava na
quinta série o Teotônio subiu aqui para o CEU e foi um sonho para mim,
tipo, nunca tinha estudado numa escola tão grande e que tinha toda a
liberdade. (...) Falei “Poxa, uma escola com piscina(...). (CARLOS)
Foi um susto bom porque eu estudava no João Amós (EMEF João Amós
Comenius) e lá era só a escola. Quando eu conheci o outro prédio, que
tinha a biblioteca e tudo, eu achei tudo muito, muito bom, achei
interessante. As piscinas também, falavam “Vamos na piscina do CEU?”.
Eu nunca tinha vindo, eu não sabia que aqui tinha realmente piscina.
(KAREN).
O currículo desse estudante era recheado de experiências voltadas a
modalidades esportivas, dança, além das piscinas adulto e infantil. (SUELI
- DIRETORA).

No depoimento dos sujeitos pesquisados transcrito acima e no relato da ex-


prefeita de São Paulo (SUPLICY, 2008, p.58) é possível encontrar a
importância simbólica que a piscina do CEU assumiu perante a comunidade:
“(...) E finalmente pudemos abrir as piscinas. Lembro da reação das crianças:
mergulhavam a mão e olhavam, maravilhadas.”

As piscinas do CEU, em geral, recebem manutenção diária, com a realização


de serviço terceirizado, contratado pela Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo.

Os CEUs da gestão Serra-Kassab:

Adotando um discurso em favor da redução de gastos, o Prefeito José Serra


(2005-2006) anunciou, ao final de 2005, a retomada da construção de cinco
CEUs em São Paulo. Partindo de terrenos já desapropriados e obras já licitadas
no governo de Marta Suplicy, o então prefeito de São Paulo encomendou o
60

projeto de Osvaldo Vallone, e os novos CEUs apresentam diferenças


conceituais importantes em relação aos primeiros vinte e um, descritos neste
trabalho.

São essas as principais transformações em relação ao projeto original:

Unidades educacionais para comportar um número maior de alunos;

Adoção de grades de proteção para separar as unidades educacionais


das áreas destinadas ao uso comum;

Adoção de blocos de cimento vazado anti-depredação;

Construção de teatros com capacidade de uso reduzida;

Utilização do prédio redondo para finalidade diferente: biblioteca,


telecentro e espaço multiuso, com dimensões reduzidas;

Construção da quadra de esportes fora do bloco da gestão. No projeto


inicial, a quadra, coberta, foi construída em cima do teatro, utilizando-se,
para isso, tecnologia de isolamento acústico. Tirando-se a quadra do
bloco da gestão, tira-se também a presença da comunidade no referido
prédio;

O redondo deixou de ser a área destinada ao Centro de Educação Infantil.


Nos novos projetos, abriga a biblioteca, menor do que a original, o
telecentro também em proporções reduzidas e uma área embaixo que
divide a padaria-escola e uma pequena área para eventos,

Administração centralizada pela Secretaria Municipal de Educação, a


partir do Decreto 46.701 de 2005 (SÃO PAULO, 2005b). Encerrava-se,
dessa forma, o caráter intersetorial/ intersecretarial anunciado na sua
implantação.

Apesar dessas medidas que descaracterizaram em parte o projeto original, o


CEU se manteve como uma política pública de educação e cidadania na
periferia de São Paulo. Hoje, são quarenta e cinco ao todo, vinte e um
construídos durante a gestão de Marta Suplicy e vinte e três construídos pelos
sucessores Serra-Kassab.
61

2.3 São Paulo, o Projeto CEU e a Associação Internacional das


Cidades Educadoras.

O Projeto CEU, implantado em 2003, em São Paulo, foi concebido também com
a intenção de inserir São Paulo em um projeto mais amplo idealizado pela
Associação Internacional das Cidades Educadoras, organização surgida em
Barcelona, na década de 1990, a partir da necessidade de proteger o cidadão
dos efeitos da economia neoliberal. A Carta das Cidades Educadoras,
documento apresentado em 2004 em sua versão definitiva, apresenta vinte
princípios da Cidade Educadora, dos quais destacamos o primeiro, que
expressa a sua concepção de educação:

Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de desfrutar,


em condições de liberdade e igualdade, os meios e
oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento
pessoal que ela lhes oferece. O direito a uma cidade educadora
é proposto como uma extensão do direito fundamental de todos
os indivíduos à educação. A cidade educadora renova
permanentemente o seu compromisso em formar, nos
aspectos, os mais diversos, os seus habitantes ao longo da
vida. E para que isto seja possível, deverá levar em conta todos
os grupos, com suas necessidades particulares.

Para o planejamento e governo da cidade, tomar-se-ão as


medidas necessárias, tendo por objetivo suprimir os obstáculos
de todos os tipos, incluindo as barreiras físicas que impedem o
exercício do direito à igualdade. Serão responsáveis tanto a
administração municipal quanto as outras administrações que
têm influência na cidade. E os seus habitantes deverão
igualmente se comprometer neste empreendimento, não só no
nível pessoal como por meio das diferentes associações às
quais pertençam. (CENPEC, 2006).

Gadotti (2013, p.1) enquanto argumenta por que São Paulo pleiteava fazer
parte das Cidades Educadoras em 2004, define os objetivos do Projeto CEU,
de uma forma amplificada, como profissional da educação, à frente do Instituto
Paulo Freire, consultoria responsável pela implantação do Projeto CEU em São
Paulo:
62

Em 2004 a Cidade de São Paulo candidatou-se para fazer


parte da rede de Cidades Educadoras e apresentou o projeto
CEU (Centro Educacional Unificado) como um exemplo
concreto de construção da cidade educadora. O projeto dos
CEUs foi concebido como uma proposta intersetorial, somando
a atuação de diversas áreas, como: meio ambiente, educação,
emprego e renda, participação popular, desenvolvimento local,
saúde, cultura, esporte e lazer, inspirados na concepção de
equipamento urbano agregador da comunidade, com uma
visão de educação que transcende a sala de aula e o espaço
escolar para se estender a toda a cidade. Situados todos nas
periferias da cidade de São Paulo, os CEUS além de serem
utilizados pelas comunidades como seus espaços de
organização e de apoio na sua constituição como sujeitos
sociais, eles se constituem em espaços de afirmação de
direitos e de promoção da cidadania. Os CEUs fundam-se no
conceito de educação com qualidade social.

Nos anais do X Congresso Internacional de Cidades Educadoras- AICE, 2008,


São Paulo, Brasil, a apresentação do workshop nº 42, Centro Educacional
Unificado – CEU e sua contribuição para tornar São Paulo uma Cidade
Educadora, de autoria de Maria Aparecida Perez, Secretária Municipal de
Educação de São Paulo na gestão da Prefeita Marta Suplicy (2000-2004),
reafirmou os princípios atribuídos ao Projeto CEU em sua implantação e a
relação com o conceito de cidade educadora:

1- A participação popular como fator de mudança;


2- A relação da escola com o território;
3- A cultura como elo entre educação e território;
4- A criação de lugares promotores do convívio social;
5- O impacto na aprendizagem (PEREZ, 2008, p.125).

A partir da explicitação dos objetivos do Projeto CEU durante o Congresso, a


autora, ainda, reafirma a busca de identidade do Projeto CEU com o conceito
de cidade educadora:

Utilizar o conceito de Cidade Educadora implica em não reduzir


a dimensão da educação ao ensino formal, mas, entender a
educação como um processo complexo que se desenvolve em
múltiplos espaços, além muros da escola, rompendo com o
pensar comum que a ação de ensinar se restringe à escola. A
escola cumpre o papel social e essencial de ensinar a ler,
escrever, calcular, ter contato com as disciplinas de história,
geografia, mas não cabe somente a ela dar significado aos
conteúdos escolares.

A tarefa educativa, portanto, não deve ser centralizada apenas


no professor, responsabilizando-o pelo conhecimento
63

adquirido pelo educando. Institui outros sujeitos sociais para


colaborarem com o processo de aprendizagem.

(...) ao considerar esses processos educativos, estamos


construindo verdadeiras comunidades de aprendizagem
utilizando todos os espaços da cidade como novos cenários
educativos, sendo o CEU um deles, com os seus blocos
didático, cultural e esportivo, com o telecentro24e a padaria
comunitária25. Um espaço para as diferentes culturas se
expressarem, para o encontro dos diferentes, para acessar
novas tecnologias e todo instrumental necessário ao processo
de ensino-aprendizagem oferecido à elite pelas escolas
particulares (PEREZ, 2008, p. 127).

Da maneira como foram planejados e implantados, os CEUs apresentavam à


Cidade de São Paulo um meio importante para a consecução dos objetivos da
Cidade Educadora que são desejáveis para São Paulo. Após dez anos de sua
implantação, entretanto, será necessária a retomada desses objetivos no nível
de política pública para que o CEU possa desenvolver todo o seu potencial.

2.4 Iniciativas educacionais brasileiras que podem ter


influenciado o Projeto CEU.

Um projeto de educação popular que se propõe a quebrar paradigmas na


educação na cidade, não nasce ao acaso ou apenas pela legislação, como o
Decreto 42.832/03 (SÃO PAULO, 2003) que institui a implantação do Projeto
CEU. Antes de concretizar-se no campo da política educacional, pode ter sido
fruto de exaustivas investigações, até se firmar como realidade. Acreditamos
que com os CEUs não tenha sido diferente.

24Telecentro – espaço destinado à inclusão digital através do uso de softwares livres. Por
ocasião da pesquisa (2014), estes estiveram fechados a partir de abril por problemas na
documentação apresentada pela prestadora de serviços que administrou os espaços a partir
do governo Serra-Kassab (2005-2012), o IDORT (Instituto de Organização Racional do
Trabalho).

25Espaço construído nos CEUs a partir da planta original, teve o projeto de funcionamento
abandonado pela gestão Serra-Kassab (2005-2012).
64

Nossa hipótese é a de que os CEUs tenham sido influenciados por diversas


iniciativas em Educação Popular, tanto no Brasil como especificamente na
Cidade de São Paulo. Projetos que nascem de ideias, concepções e
experiências que, acumuladas em diferentes momentos históricos, contribuem
para a formatação de sua proposta final. O Projeto CEU e sua origem nos
remete a um passado não tão distante da educação brasileira em que diversas
iniciativas foram embasadas pelo conceito de educação democrática,
defendido por John Dewey, desde o início do século XX. Conceito esse que,
adaptado à revisão das teorias críticas em Educação, no caso brasileiro, pode
ser identificado com o movimento denominado Educação Popular, surgido a
partir das ideias de Paulo Freire.

Examinaremos algumas iniciativas que podem ter influência direta ou indireta


para a sua criação em 2003, tais como os projetos dos Parques Infantis,
idealizados nos anos 30 por Mario de Andrade, a Escola-Parque de Anísio
Teixeira fundada em 1950, o Convênio Escolar da décadas de 1940-1950, as
ideias de educação para a cidadania e de escola aberta de Paulo Freire, que
tinha na direção do recém-criado Departamento de Edificações do Município
de São Paulo (EDIF) o nome de Mayumi Watanabe de Souza Lima, importante
arquiteta que defendeu a relação entre educação e arquitetura.

2.4.1 Influência de experiências brasileiras.

Anísio Teixeira e a Escola-Parque em Salvador.

Nas abordagens atuais sobre educação integral ou educação com qualidade


social, quase sempre desponta o nome de Anísio Teixeira, como a grande
referência brasileira acerca desses dois conceitos. A importância desse grande
educador baiano para a origem do Projeto CEU teria sido assim apresentada
pela Prefeita Marta Suplicy, em livro autobiográfico:

Buscávamos um modelo. Conhecíamos experiências como a


Escola-Parque, de Anísio Teixeira, em Salvador, de 1950.
Propunha alternar atividades intelectuais – nas escolas-classe
- com atividades práticas, como teatro, música, dança, jogos e
recreação nas escolas-parque. É até hoje uma referência para
65

os pedagogos, mas não se multiplicou como ele desejara


(SUPLICY, 2008, p.52).

Talvez em seu depoimento esteja a explicação para o fato de, contrariando a


análise de Fernando José de Almeida, então Secretário Municipal de Educação
de São Paulo, que considerava prudente iniciar o projeto por um número menor
de equipamentos (quatro), decidiu construir vinte e três CEUs.

Na área da arquitetura, a influência de Anísio Teixeira também foi relatada


como referência para a criação dos CEUS. Anelli (2004), assim definiu a
influência de Anísio Teixeira no Projeto CEU:

O atual projeto dos CEU constitui mais um passo em uma longa


história de interação entre arquitetos e educadores no
desenvolvimento de propostas para enfrentar a perversidade
do processo de urbanização das nossas cidades. Um
personagem chave para entendermos essa interação é o
educador Anísio Teixeira. Após sua pós-graduação com o
norte-americano John Dewey entre 1927 e 1929, Teixeira
desenvolveu e aplicou políticas educacionais onde a escola
pública deveria ser estendida a todas as classes sociais e ser
capaz de cumprir um papel formador do cidadão (ANELLI,
2004, p1).

Com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932,


documento escrito por Fernando de Azevedo e assinado por diversos
educadores da época, dos quais destacamos Anísio Teixeira, a questão da
qualidade da educação passou por uma revolução conceitual. O movimento,
reconhecido historicamente como defensor das ideias do escolanovismo,
lançou mão das descobertas então recentes no campo da Biologia,
especialmente fundamentadas por Jean Piaget, para considerar o aluno central
no processo educativo. O conceito hoje revestido de certa obviedade,
encontrou o Brasil em um tempo em que os currículos eram notadamente
construídos para contemplar a aquisição de conhecimentos hegemônicos, por
meio de práticas que pouco consideravam o percurso histórico e as condições
de desenvolvimento na formação dos educandos, davam centralidade à figura
do professor e, segundo seus autores, elevavam o problema da educação ao
status de principal em relação aos outros problemas brasileiros. O texto teria
expressado essa intenção, conforme Saviani (2010, p.242): “Na hierarquia dos
66

problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da


educação.”

O documento, que pode ser considerado sob dois aspectos, tanto como
documento doutrinário quanto como um documento de política educacional
(SAVIANI, 2010), assumiu sua filiação ao Movimento da Escola Nova. Era
intenção do Manifesto a promoção de uma escola pública única, laica,
obrigatória e gratuita. As ideias presentes no Manifesto iriam inspirar, dois anos
mais tarde, a Constituição Federal promulgada em 18 de setembro de 1946,
que absorveria boa parte do conteúdo do manifesto, defendendo como principal
obrigação do Conselho Nacional de Educação a elaboração de um Plano
Nacional de Educação. (LIBÂNEO, 2012).

Mais do que um documento em defesa da Educação Nova, o Manifesto dos


Pioneiros da Educação Nova poderia ser definido como um documento em
defesa da escola pública, abarcando da escola de educação infantil à
universidade. Talvez o seu maior fruto tenha sido a projeção nacional de Anísio
Teixeira, que na década de 1950 se impôs como figura central para a educação
brasileira. (SAVIANI, 2010)

O Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi uma iniciativa que se destacou tanto
no plano arquitetônico, quanto no pedagógico e foi um projeto que marcou a
superação dos ideais liberais do movimento escolanovista pelo seu autor. A
principal evidência dessa ruptura, segundo Nunes (2009) foi o fato de que
enquanto a educação para a sociedade industrial preconizava uma diminuição
nos tempos escolares para atender a um grande número da população a se
alfabetizar, o modelo criado por Anísio Teixeira idealizava a educação integral
em tempo integral. No discurso de inauguração, Teixeira deixou claro o seu
objetivo:

Não se pode fazer educação barata – como não se pode fazer


guerra barata. Se é a nossa defesa que estamos construindo,
seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço para
a sobrevivência. Mas aí, exatamente, é que se ergue a grande
dúvida nacional.

Pode a educação garantir-nos a sobrevivência? Acredito que


responderão todos afirmativamente a essa pergunta. Basta
67

que reflitamos sobre a inviabilidade da criatura humana


ineducável. (TEIXEIRA, apud NUNES, 2009, p.124).

No discurso de Anísio Teixeira é possível identificar a preocupação com a


qualidade social da educação, que na época tinha na preparação para o
trabalho uma possibilidade a mais na oferta de educação integral ao ensino
primário, de acordo com a Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996), identificado como os anos iniciais do Ensino
Fundamental. Retrato de uma época, em que, nas classes populares,
especialmente, o final da infância era marcado pela necessidade de trabalhar.
Após o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído em 13 de julho de 1990
pela Lei 8069 (BRASIL. 1990), a preparação para o trabalho passou a ser
direcionada aos jovens e adultos. Porém, naquele discurso, pode ser
identificada a preocupação com a garantia de qualidade social para a educação
das classes populares, assim como o Projeto CEU manifesta na proposição
dos objetivos que o justificam:

I – Desenvolvimento integral das crianças, dos adolescentes,


dos jovens e adultos. A concepção do CEU pressupõe oferta
de Educação de qualidade, possibilitando o desenvolvimento
integral para crianças, adolescentes, jovens e adultos. Estão
incluídas a Educação formal, não-formal e as atividades
socioculturais, esportivas e recreativas como outras formas de
aprendizagem. (...)

II – Polo de desenvolvimento da comunidade O trabalho no


CEU propõe uma gestão compartilhada com a comunidade
local, atuando como polo de desenvolvimento e poderá
promover a articulação e organização no que se refere aos
programas sociais e às ações de interesse local. (...)

III - Polo de inovação de experiências educacionais. O


desenvolvimento de experiências educativas inovadoras nos
diferentes níveis e modalidades de ensino permite que o CEU
atue como centro de referência, estendendo o conhecimento
adquirido para as demais escolas da região (SÃO PAULO,
2003).

Segundo Anísio Teixeira, os objetivos de uma educação elementar, que não


haviam sido buscados até então no processo de democratização que criou a
obrigatoriedade do ensino primário, passariam por ações como oferecer
oportunidades amplas de vida, por meio de atividades de estudo, trabalho,
68

sociabilidade, arte, recreação e jogos. Seria necessário, para a implementação


dessas ações, romper com a visão de que a escola primária teria apenas a
função alfabetizadora, para que as crianças, sobretudo as mais pobres,
pudessem estar inseridas no contexto de uma sociedade moderna (NUNES,
2009).

A intenção de Anísio Teixeira era a criação de nove centros de educação


popular para Salvador, expressas no plano de reforma da educação baiana.
Foram definidos o número de alunos atendidos, a localização, a formação de
profissionais habilitados. Logo após essa definição, encomendaram o projeto
do escritório de arquitetura Paulo de Assis Ribeiro, onde trabalhavam os
signatários da planta, Diógenes Rebouças e Hélio Duarte. Este último,
passados os anos de contratação para o projeto de Anísio Teixeira, veio a São
Paulo trabalhar no Convênio Escolar, sobre o qual falaremos adiante.

FIGURA 13: O esquema do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (TEIXEIRA,


1962).
69

As experiências educacionais das escolas-classe do Centro desde a sua


criação são marcadas por inovações curriculares, das quais são destacadas
por Nunes (2009, p.126):

– artes aplicadas (desenho, modelagem e cerâmica, escultura


em madeira, cartonagem e encadernação, metal, couro,
alfaiataria, bordados, bijuterias, tapeçaria, confecção de
brinquedos flexíveis, tecelagem, cestaria, flores) no Setor de
Trabalho;

– jogos, recreação e ginástica no Setor de Educação Física e


Recreação;

– grêmio, jornal, rádio-escola, banco e loja no Setor


Socializante;

– música instrumental, canto, dança e teatro no Setor Artístico;


leitura, estudo e pesquisas no setor de Extensão Cultural e
Biblioteca. A Escola-Parque abrigava, ainda, a direção e
administração geral, o setor de Currículo, Supervisão e
Orientação Educativa, a assistência médico-odontológica e
alimentar aos alunos.

O Centro Educacional Carneiro da Cunha constitui-se de quatro escolas-classe


para mil alunos cada, com funcionamento em dois turnos; uma escola-parque,
com sete pavilhões destinados a atividades educativas desenvolvidas no
contra-turno. Quanto à configuração geométrica, o Centro é formado por várias
unidades que apresentam, em seus traçados, características da arquitetura
moderna ao combinar materiais como o vidro e o ferro, telhados de várias
águas, técnica do concreto armado aplicado às marquises, comprovando os
avanços da produção industrial da década de 1950.

Por seus ideais e por sua iniciativa política, foi Anísio Teixeira aposentado da
vida pública definitivamente em 1964, chegando a responder a inquéritos
policiais, dos quais foi inocentado. O Centro Educacional Carneiro Ribeiro
permanece, em Salvador, em 2014, como uma prova de que os ideais do
educador popular podem não ter alcançado plenamente os objetivos
pretendidos, mas permanecem como um importante centro de educação
popular.
70

OS CENTROS INTEGRADOS DE EDUCAÇÃO PÚBLICA (CIEPS) DE


DARCY RIBEIRO:

FIGURA 14: Foto de um CIEP26 .

Tendo regressado ao Brasil após os anos de exílio, Darcy Ribeiro se aliou a


Leonel Brizola, para lançarem, em 1982, a candidatura de Brizola a governador
do Rio de Janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista. Darcy foi o seu vice-
governador. Saíram vitoriosos, então, iniciaram o projeto educacional que teria
como objetivo a construção dos CIEPs.

Mineiro de Montes Claros, Darcy Silveira Ribeiro nasceu em 26 de outubro de


1922. Ao longo de sua vida, foi muitos: antropólogo, sociólogo, indigenista,
político... educador. Percebia-se mais ousado do que competente para as
causas da educação, mas em seu vasto currículo, acrescido dos anos no exílio
após ter ocupado o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil do governo João
Goulart, Darcy era um político educador. Foi responsável pela construção da

26 Disponível em: blogbyfeh.blogspot.com> Acesso em 02/03/2012.


71

Universidade de Brasília, e em 1962, tornou-se o seu primeiro reitor. Em 1997,


já muito doente, foi homenageado por aquela universidade, quando a mesma
completou 25 anos, com o título de doutor honoris causa. Seu amigo e parceiro
na construção da Universidade, Oscar Niemeyer, assinaria tanto o projeto da
UnB quanto o dos CIEPs. (GOMES, 2010).

Concebidos como representação da ideia de Darcy sobre a educação popular,


a inauguração do primeiro CIEP data de 1985. O governo de Brizola teve como
proposta central a melhoria da educação, e o primeiro projeto criado por Darcy
Ribeiro para efetivar as suas ideias chamava-se I Programa Especial de
Educação (IPEE). Segundo Darcy Ribeiro, o projeto era:

(...) escolões de tempo integral, cada um deles para mil alunos.


Cristalizavam, pela primeira vez no Brasil, como rede pública,
o que é o ensino público de todo o mundo civilizado, que não
conhece a escola de turnos, mas só as escolas de tempo
integral para alunos e professores. Eles preenchem as
condições necessárias indispensáveis para que as crianças
oriundas de famílias pobres, que não tiveram escolaridade
prévia, progridam nos estudos e completem o curso
fundamental. Assegurar isso a todas as crianças é o único
modo de integrar o Brasil na civilização letrada, dissolvendo as
imensas massas marginalizadas de brasileiros analfabetos.
(RIBEIRO, apud MOLL, 2012, p. 78).

Por suas ideias, Darcy Ribeiro conheceu a intolerância dos opositores políticos,
na mesma proporção em que seu inspirador, Anísio Teixeira , anos antes,
recebera as mais duras críticas. Em tempos de sociedade complexa, com o
aumento crescente da criminalidade no país, as críticas encontraram eco no
próprio povo a quem o projeto era dirigido, pois as pessoas passaram a sentir
medo de manterem seus filhos no mesmo ambiente de crianças que, tinham a
infância negada pela vida difícil a que estavam submetidas.

Darcy Ribeiro definia-se como intelectual do ‘fazimento’, e os CIEPs


representavam, talvez de uma maneira simplista ou até populista, uma solução
imediata para os problemas educacionais do Brasil após anos de regime militar,
com o objetivo de resgatar a população brasileira. ‘Quando a sociedade perde
o seu nervo ético, que é o amor pelas crianças, sua reprodução, é uma
72

enfermidade tremenda’ teria declarado em entrevista, analisando os motivos


pelos quais pensou uma educação integral para atender às camadas
populares.

Em pesquisa recente, citada no ensaio publicado pelas autoras (COELHO,


2013), as mesmas estabelecem uma importante relação entre educação
integral e diversidade curricular, conceitos explorados na referida pesquisa,
cuja conclusão a que chegaram, ouvindo diversos profissionais em atuação nos
CIEPs, no início dos anos 2000, é a de que há uma concordância entre os
mesmos sobre a relação entre atividades diversificadas e educação integral.
Entretanto, no interior das práticas curriculares não aparece estabelecida a
relação entre diversificação curricular e educação integral. À data da pesquisa
as autoras apontaram os CIEPs como uma referência arquitetônica para se
desenvolver educação de qualidade, a partir das entrevistas com os
profissionais que atuavam em seu interior. A falta de condições para o
desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, na fala dos mesmos
entrevistados, apareceu como dificultadora e dependente de políticas públicas
que, tendo sido inicialmente planejadas, foram de imediato abandonadas pelos
sucessores de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, no Estado do Rio de Janeiro.
Poderíamos interpretar a descaracterização da educação integral proposta
para os CIEPs, na sua concepção, como resultado das críticas desferidas pela
mídia, pelos opositores políticos do projeto e, por consequência, da opinião
pública do Estado e de todo o País.

Referência arquitetônica:

Uma recente publicação em site especializado trouxe a informação de que dois


arquitetos ingleses teriam sugerido ao Departamento de Educação Inglês a
arquitetura projetada por Oscar Niemeyer, como referência em design e
economia nos custos de construção:
73

Recentemente o governo britânico anunciou que as próximas


escolas públicas a serem construídas em seu território devem
evitar paredes curvas e grandes painéis de vidro numa
tentativa de reduzir os custos de construção.
Em busca de novas soluções para o solicitado, os arquitetos
ingleses Kevin Haley e David Chambers, do escritório Aberrant
Architecture, chamaram a atenção do Departamento de
Educação inglês para os modelos do Ciep - Centro Integrado
de Educação Pública, realizados por Oscar Niemeyer para o
Brasil dos anos 80.
‘Os edifícios escolares do Brasil nos ajudaram a desenvolver
novas ideias que são extremamente necessárias para melhorar
o design e a produção de prédios escolares no Reino Unido”,
disse Chambers, enquanto Haley explicou que a dupla está
“usando a pesquisa que fizeram para investigar o potencial de
design para uma abordagem similar no Reino Unido’.
(DEZEEN, 2012, p.1)

A reflexão proposta a respeito do insucesso da continuidade do projeto dos


CIEPs, a partir da fala dos educadores em atuação nas escolas pesquisadas
por COELHO (2013) poderia se guiar pela Nova Sociologia da Educação
(N.S.E.), que pôs o dedo na ferida com suas perguntas para a produção dos
currículos: Por que uma disciplina, um conteúdo, e não outro? Por que uma
forma de seleção e de organização e não outra? Quais processos de valoração
determinam certas configurações curriculares e não outras? (COELHO, 2013).
O fato é que a existência de uma arquitetura que favoreça a educação pode
apontar para a possibilidade de, a qualquer momento, serem recriados nesses
espaços, projetos de educação popular em sintonia com o tempo em que a
sociedade do Rio de Janeiro vive, a partir de 2.014.
74

CENTRO INTEGRADO DE ATENÇÃO À CRIANÇA (CIAC) E CENTRO DE


ATENÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA (CAIC):

Figura 15: Foto de um CIAC, transformado em CAIC após o


impeachment que tirou o Presidente Fernando Collor de Melo da
Presidência da República em 199227.

Na década de 1990, inspirado nas experiências dos CIEPs cariocas, o governo


de Fernando Collor de Melo criou o “Projeto Minha Gente”, integrado ao sistema
Programa Nacional de Atenção à Criança e ao Adolescente (PRONAICA),
como parte de uma política social voltada para ações integradas de educação,
saúde e cuidados básicos e promoção social para as crianças e adolescentes.

No conturbado cenário do governo Collor, por conta de falta de recursos


financeiros, os Centros Integrados de Atenção à criança (CIACs) não sairiam
do papel, apesar da intenção de construir cinco mil em todo o Brasil.

27
Fonte: Disponível no site: www.brasiliaguaiba.com.br> Acesso em 10/03/2013.
75

Com o final daquele governo, em 1992, apesar das dificuldades para a


implantação, o projeto que pensou os CIACs passou por uma transformação.
Agora se chamariam CAICs (Centro de Atenção Integral à Criança). Esses
centros tiveram como preocupação a qualidade de ensino e a democratização
do acesso à escola aos alunos carentes, buscando priorizar principalmente as
primeiras séries do Ensino Fundamental com incidência de altas taxas de
evasão e repetência. Eram centros planejados como espaços físicos ideais
para oferecer serviço de atenção integral, em articulação com setores de
saúde, nutrição, esporte e lazer, cultura e trabalho. Após a saída de Fernando
Collor de Melo, Itamar Franco, vice-presidente que assumiu o lugar de Collor,
pouco mudou do projeto original, além do nome. Segundo FREITAS e GALTER
(2007), esse projeto é considerado, junto aos CIEPs, como o marco da
educação em tempo integral no Brasil de larga escala, ainda que tenham sido
projetos de pouca expressão no cenário educacional brasileiro. Adiante, os
autores enfatizam a proposta trazida pela mentalidade da educação/cuidado
integral oferecido nos Centros (FREITAS e GALTER, 2007, p.131):

Ao manter as crianças envolvidas o dia todo nos CAICs, o


projeto tinha dois objetivos: primeiramente oferecer àquelas
famílias marginalizadas pela estrutura econômica, condições
mínimas para que seus filhos frequentassem a escola, onde
lhes era oferecido o que sua família não teria condições de lhe
proporcionar: comida, vestuário (uniforme), assistência médio-
odontológica, etc. Em segundo lugar, evitar que essas crianças
se lançassem precocemente no mercado de trabalho.

Em termos arquitetônicos, os projetos eram bastante semelhantes aos CIEPs


projetados por Oscar Niemeyer no Rio de Janeiro.

O projeto que deu origem aos CIACs tinha um enfoque arquitetônico, enquanto
o que os transformou em CAICs tinha um caráter mais curricular. Era o
lançamento de um modelo curricular de educação em tempo integral. Com o
final do Governo de Itamar Franco, o projeto de expansão dos CAICs foi
abandonado. Mais uma vez, o Brasil viu o retrato da descontinuidade dos
programas de governo, que não chegam a se concretizar como políticas de
Estado.
76

2.4.2 Influências de experiências paulistanas.

Na história de educação do Município de São Paulo encontramos um


encadeamento de relações que apontam para uma experiência comum a
diversos intelectuais que, exercendo cargos políticos ou não, ou abordaram a
educação na cidade como uma preocupação para a inclusão social das classes
populares, como no caso da vanguarda modernista tendo à frente Mario de
Andrade, ou a serviço da burguesia industrial paulistana, intensificou um projeto
desenvolvimentista para oferta de ensino primário a uma parcela significativa
da população. Dos anos 1930 do século XX, como consequência da crescente
urbanização fruto da revolução industrial ocorrida no Brasil ao início do século
XXI, com a criação dos CEUs, a cidade construiu políticas públicas em
educação que rompiam com a lógica do capital que Paro (2008) chama de
“racionalidade irracional”, explicada pelo esforço de utilizar racionalmente os
recursos, não para atender aos interesses da população em geral, mas para
atender aos interesses daquela parcela da população detentora dos meios de
produção (PARO, 2008, p. 54). O Convênio Escolar, celebrado entre União,
Estados e Municípios, tendo sido inicialmente projetado para atender à
finalidade de escolarizar a classe trabalhadora com o ensino primário, supera
essa filosofia a serviço do capital, pelas mãos de seus arquitetos, fortemente
influenciados pelo Movimento da Arquitetura Moderna e pelos ideais de
democracia trazidos por Anísio Teixeira e seu mestre, John Dewey28.

Trazer à tona essas iniciativas é poder demonstrar a importância de


experiências que buscam a construção de uma sociedade mais justa,
especialmente para as crianças da cidade, de quem se espera o porvir.

28 John Dewey, filósofo norte-americano nascido em 1859, é considerado o fundador do


Pragmatismo, filosófico que vê as ideias como hipóteses que só adquirem significado em
situações práticas de vida. Coerente com essa abordagem, Dewey concebe a educação como
campo privilegiado para a experimentação de noções filosóficas sobre o homem e o
conhecimento.
77

OS PARQUES INFANTIS DE MARIO DE ANDRADE:

Mário de Andrade, importante intelectual do cenário paulistano e um dos


representantes da Semana de Arte Moderna, de 11 a 18 de fevereiro de 1922,
é nomeado em maio de 1935, chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor
do Departamento de Cultura. Essa nomeação se dá, segundo Silva (2012) no
governo de Fábio da Silva Prado que, além de pertencer à elite paulistana, tinha
laços estreitos com intelectuais vanguardistas. Por alguns, chegava a ser
considerado comunista, dada a sua afinidade por ações voltadas à classe
operária. O próprio Mário de Andrade teria titubeado diante do convite a ele
formulado, considerando estar aceitando o convite de um comunista, o que à
altura de sua nomeação, ainda seria um mito para ele, filho da média burguesia
católica paulistana.

Fábio da Silva Prado é um homem moderno e aberto a novas influências. Foi


um dos fundadores do Partido Democrático, em 1926, tendo o apoio do jornal
O Estado de São Paulo e participando da Revolução de 32. Esse prefeito, com
uma gestão elogiada na época (ficou na Prefeitura de São Paulo de 7 de
setembro de 1934 a 31 de janeiro de 1938) até os dias de hoje, realiza na
Prefeitura de São Paulo ações voltadas à população mais carente, o operariado
da época.
78

FIGURA 16: Planta do parque infantil29.

29 Fonte: Faria (1999).


79

Mario de Andrade, junto a Paulo Duarte, nomeado chefe de gabinete de Fábio


da Silva Prado, seu amigo de longa data, também participante da semana de
Arte Moderna de 22 e vanguardista intelectual no cenário cultural paulistano,
realiza, à frente do Departamento de Cultura, diversas ações no intuito de levar
à população arte e cultura. Vários intelectuais da época ocuparam cargos no D
C, o que reforça a ideia de que Fabio Prado, prefeito, valoriza a cultura como
importante aspecto da civilização humana. Nesse contexto, de acordo com
Faria (1999) nascem os parques infantis da Cidade de São Paulo, direcionados
aos filhos e filhas dos operários em idade entre 3 e 12 anos. Mário de Andrade,
forte opositor à ideia de utilitarismo que norteava a industrialização dos grandes
centros urbanos por força da influência do pensamento do Presidente Getúlio
Vargas, a partir dos conhecimentos construídos sobre a cultura brasileira,
busca garantir o direito à infância para crianças moradoras das áreas
consideradas periféricas à época.

Segundo Silva (2012), o projeto dos Parques Infantis teve início em 1934,
quando o então prefeito Antonio Carlos Assumpção assinou o Ato nº 590, que
criava a comissão de Recreio Municipal. Essa comissão tinha o intuito de
organizar um sistema de recreio para as crianças da cidade de São Paulo,
tendo como modelo a experiência realizada com o Parque Pedro II e sua praça
de jogos infantis. A elite paulistana da época demonstrava, pelo teor do texto
do ato nº 590, o interesse em utilizar esse projeto com o objetivo de formação
moral e espiritual dos futuros cidadãos.

Em 1935, pelas mãos do então prefeito Fábio Prado é criado o Serviço de Jogos
e Recreios para Crianças. Portanto, a criação dos Parques Infantis é anterior à
criação do Departamento de Cultura.

Os Parques Infantis podem ser definidos, segundo Faria (1999, p.32), como

(...) a primeira experiência brasileira pública municipal de


educação (embora não-escolar) para crianças de famílias
operárias que tiveram a oportunidade de brincar, de ser
educadas e cuidadas, de conviver com a natureza, de
movimentarem-se em grandes espaços.
80

Um fator pode ter contribuído para a valorização de uma experiência, por parte
de Mario de Andrade, voltada à humanização das crianças atendidas: o flerte
com o marxismo, que fica claro quando, em verso e prosa, o escritor passa a
tecer duras críticas à burguesia da época, sendo ele próprio originário de uma
família burguesa. “Mário chega a romper parcialmente com o catolicismo, e
demonstra uma proximidade visceral com o povo” (SILVA, 2012, p. 53).

Mário de Andrade e o seu Departamento de Cultura buscam oferecer às


crianças o contato com a cultura, por meio das manifestações folclóricas, em
um movimento em busca de identidade cultural para o povo brasileiro.

O Projeto CEU resgata em Mário de Andrade, a importância de garantir a


infância enquanto direito das crianças, e a cultura como direito a todo cidadão
brasileiro.

HELIO DUARTE E O 2º CONVÊNIO ESCOLAR:

Hélio Duarte, em 1947, concebeu junto a Diógenes Rebouças em Salvador o


projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Sua responsabilidade, nesse
projeto, era dar vida às ideias pedagógicas de Anísio Teixeira associadas à
arquitetura, em desenho de Rebouças. Esse papel, de articulação,
acompanhou a sua trajetória profissional, em especial nos anos de atuação no
2º Convênio Escolar, em São Paulo, que dirigiu de 1948 a 1952. O Convênio
ainda sobreviveria à sua demissão, em 1954, até 1959, já na terceira fase.

O Convênio Escolar foi um acordo firmado entre a União, o Governo do Estado


e o Município, com a finalidade de implementar o ensino primário no país, como
consequência da promulgação do Decreto-Lei Federal nº 4.598, de 1942,
(BRASIL, 1942) no qual foi instituído o Fundo Nacional do Ensino Primário.
81

O 1º Convênio Escolar, de acordo com Abreu (2007), foi celebrado em 14 de


setembro de 1943, quando era interventor estadual Fernando da Costa e
nomeado prefeito, desde 1938, o urbanista Francisco Prestes Maia. O
Presidente da República era Getúlio Vargas em vigência do Estado Novo.

O objetivo principal do Convênio Escolar era atender à demanda apresentada


pela alta burguesia industrial paulistana que via o crescimento demográfico se
acentuar na cidade, por consequência da 2ª Guerra Mundial e das imigrações
ao Brasil, que trouxeram um grande contingente para São Paulo. A demanda
era por mão de obra qualificada, que somente por meio do ensino escolar
primário poderia ser atendida. Nesse período, poucos equipamentos foram
construídos, fazendo com que o dinheiro fosse acumulado para o próximo, que
compreende os anos de 1948 a 1954. Esse é o período que este trabalho se
propõe analisar, pela instituição de uma comissão executiva, com a qual o
primeiro período não contava. Essa comissão executiva foi responsável pela
presença marcante da Arquitetura Moderna enquanto movimento que
considerava as descobertas recentes da pedagogia para a construção de
prédios escolares, pela influência clara do pensamento de Anísio Teixeira na
concepção das escolas construídas, sob a coordenação de Hélio de Queiroz
Duarte, arquiteto da escola-parque baiana.

O Convênio Escolar teria ainda um terceiro período, de 1954 a 1959, no qual a


principal marca seria a crescente municipalização do ensino primário, obtida
por meio de debates entre parlamentares paulistas e chefes de departamentos
do governo, municipal e estadual. Não foi expressiva a qualidade das
construções nesse período, ao contrário, foram construídos por volta de 500
galpões de madeira, que funcionariam como ‘birutas’ para identificação da real
demanda escolar em diversos pontos mais afastados da Cidade de São Paulo.
Esses galpões, entretanto, anunciados em seu caráter provisório, teriam
ocupado a cena paulistana por diversos anos (ABREU, 2007).

Após as oscilações que tiraram da cena política Anísio Teixeira,


Duarte assumiu a subcomissão de planejamento da Comissão Executiva do 2º
Convênio Escolar no Município de São Paulo. Após oscilações políticas vividas
pelo país a partir do fim da Era Vargas, em 1945, era governador de São Paulo
82

Adhemar de Barros, e prefeitos, em um período de constantes trocas, Paulo


Lauro (29/08/1947 a 25/08/1948), Milton Improta (26/08/1948 a 03/01/1949),
Asdrúbal da Cunha (14/01/1949 a 27/02/1950), Lineu Prestes (28/02/1950 a
31/01/1951) e Armando de Arruda Pereira (01/02/1951 a 07/04/1953). A rápida
expansão urbana de São Paulo na década de 1940 havia levado a um
monstruoso déficit de vagas em escolas. Pressionados por movimentos
populares, e em consonância com os interesses da burguesia industrial
paulistana da época, Prefeitura Municipal e Governo Estadual firmaram um
convênio para a construção e operação em massa de escolas, propondo-se a
construir em 5 anos 100 escolas para atender a 48.000 crianças. Objetivo que
seria superado com a futura construção de 140 unidades entre escolas,
parques infantis, bibliotecas e teatros populares. Cabe salientar que, a partir
das ideias de Anísio Teixeira, que acompanharam os trabalhos dos arquitetos
do Convênio quando Hélio de Queiroz Duarte os coordenava, os interesses
burgueses de oferta universalizada de ensino primário aos filhos da classe
operária não foram integralmente satisfeitos, pois esses arquitetos, superando
os objetivos iniciais do Convênio Escolar, buscaram um padrão de escola em
consonância com o que definimos hoje por qualidade sociocultural: espaços
amplos, em projetos que favoreciam o desenvolvimento integral do ser humano
por meio de atividades diversas, da presença da luz solar e da comunicação de
seus pavilhões. As escolas construídas no 1º Convênio Escolar teriam outras
características: prédios muito grandes, com a finalidade de atender um maior
número de crianças em um mesmo equipamento.
83

FIGURA 17: Biblioteca Tatuapé, 1950, arquiteto Hélio Duarte (TAKIYA, 2009).

O Convênio Escolar é fruto de uma época (décadas de 1940 e 1950), em que


a Cidade de São Paulo vivia intenso crescimento demográfico associado ao
crescimento e diversificação das atividades produtivas e à necessidade de
reorganização da distribuição espacial da cidade, atingindo um processo
chamado por Meyer (1991) de metropolização.

Em sua segunda e mais expressiva fase, o Convênio Escolar existiu entre 1948
e 1954, e tinha na sua primeira equipe os arquitetos Eduardo Corona, José
Roberto Goulart Timbau, Ernest Robert de Carvalho Mange, Oswaldo Correa
Gonçalves e Hélio de Queiroz Duarte como chefe de projetos. O engenheiro
José Amadei era o presidente da comissão, que era ligada diretamente ao
gabinete do Prefeito. Segundo Takiya (2009), o Convênio Escolar tinha por
propósito inicial a construção de escolas, bibliotecas, teatros e postos de saúde
em quantidade para atender as crianças em fase escolar. A Prefeitura construía
os edifícios e o Governo do Estado se responsabilizava pela parte pedagógica
para os Grupos Escolares e os Ginásios, em um plano quinquenal até 1954.

Coube ao arquiteto Hélio de Queiroz Duarte (Rio de Janeiro,


RJ 1906 – São Paulo, SP 1989) dar a condução conceitual,
programática e arquitetônica aos novos projetos das coisas
públicas, sob o aval do Amadei, com uma arquitetura moderna,
sendo que, pela primeira vez, se estava fazendo arquitetura
moderna dentro de uma repartição pública (...) e, com uma
arquitetura que refletia a linguagem dos arquitetos cariocas
84

formados pela Escola Nacional de Belas Artes, com uma


implantação onde o edifício era composto por vários volumes
integrados e, também, com formas diversificadas. A arquitetura
refletia e trazia consigo conceitos modernos com relação à
pedagogia e à filosofia, trazidos ou traduzidos do pensamento
de Anísio Teixeira e, também, indiretamente, de Fernando de
Azevedo (Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova) e John
Dewey (pensador e pedagogo norte-americano dos anos 1920)
(TAKIYA, 2009, p.14).

A construção de prédios escolares no período do Convênio Escolar demonstra


um descompasso, em São Paulo, entre o avanço arquitetônico apresentado
pelos edifícios e os programas pedagógicos. Talvez por essa razão não sejam
reconhecidas tão facilmente as qualidades apresentadas por essas
construções pelos meios educacionais, fato que reduziu socialmente a
importância da relação entre educação e arquitetura. À guisa de análise, Takiya
(2009, p. 17) propõe a reflexão:

(...) Há, assim, a possibilidade da construção de belos edifícios


modernos para uma educação obsoleta e essa desproporção
entre os ideais e as atitudes (...) torna a arquitetura moderna
no país (...) um pungente e doloroso espetáculo que,
paradoxalmente, tanto aflige aos que não a compreendem, e
por isto a odeiam, como os que a sentem e a amam. Este é o
resultado do desenvolvimento contraditório e desarmônico no
país, a crescer dentro da sua camisa de força das suas, até
agora irredutíveis, cristalizações residuais. Somos, de certo
modo, um fóssil a lutar por viver e crescer.

Teixeira (apud TAKYIA, 2009, p. 17) diz:

Reconheçamos, entretanto, que nenhum outro elemento é tão


fundamental, no complexo da situação educacional, depois do
professor, quanto o prédio e suas instalações. Reconheçamos,
também, com Pascal, que o homem é feito de tal modo que
embora o sentimento anteceda o gesto, na sua ordem natural,
o gesto pode gerar o sentimento. No Brasil, estamos a procurar
este efeito. Façamos o gesto da fé para ver se a adquiriremos.
A arquitetura moderna é este gesto (...).

Podemos reconhecer, por esta afirmação de Anísio Teixeira, uma afinidade


conceitual do Projeto CEU em relação ao pensamento do educador. A
construção do Projeto CEU também pode ser definida por um gesto que pode
gerar o sentimento. Um sentimento que, tendo atravessado o turbulento
período eleitoral que rendeu muitas críticas ao governo que o implantou, e pela
85

substituição por oito anos de um outro governo, de matriz ideológica diversa


daquele, em 2014 sobrevive e busca caminhos para a concretização de um
projeto educacional diferenciado, que, neste trabalho, propomos relacionado
ao conceito de educação popular.

Anelli (2004), transcrevendo sob forma de epígrafe em seu texto, apresenta o


pensamento do arquiteto Hélio Duarte, visivelmente influenciado por Anísio
Teixeira:

Porque não considerar em cada bairro, a escola, o grupo


escolar, como fonte de energia educacional, como ponto
de reunião social, como sede das sociedades de “amigos
de bairro”, como ponto focal de convergência dos
interesses que mais de perto dizem com a vida laboriosa
das suas populações?

O Convênio Escolar não era ligado a uma secretaria ou órgão específico, mas
diretamente ao gabinete do Prefeito. Em 1953, ao assumir a Prefeitura de São
Paulo, Jânio da Silva Quadros teria sido o único entre os prefeitos a cercear
(ainda que indiretamente) a liberdade com que os arquitetos planificavam e
executavam as suas obras. O arquiteto Hélio de Queiroz Duarte, que já havia
então deixado a subcomissão de planejamento da Comissão Executiva do
Convênio Escolar, demitiu-se afinal em 1954.

MAYUMI DE SOUZA LIMA, EDIF30 E O ESPAÇO-CRIANÇA:

Durante a gestão de Luiza Erundina, de 1989 a 1992, especialmente no período


em que Paulo Freire foi Secretário Municipal de Educação, foi retomado o
conceito de ‘arquitetura que educa o cidadão’. De acordo com Souza (2010),
especialmente em 1992, quando a EDIF estava sob a direção de Mayumi, que
estudava as relações entre arquitetura e educação, sinalizando que o espaço

30EDIF: Departamento de Edificações do Município de São Paulo, subordinado à Secretaria


de Infraestrutura Urbana e Obras – SIURB.
86

ajuda o cidadão a se educar e balizar sua conduta, a ideia de um equipamento


urbano voltado à inclusão social estava em discussão.

Nascida em Tóquio, Japão, em 5 de dezembro de 1934, Mayumi Watanabe de


Souza Lima imigrou com a família para São Paulo, Brasil, em março de 1938.
A família viajou, durante a infância de Mayumi, para o interior de São Paulo,
para as cidades de Lins e Guaratinguetá. O pai que foi jornalista no Japão,
encontrou no campo do interior paulista o sustento da família por algum tempo,
nas plantações de arroz. Enquanto morou no interior, em fazendas, a menina
percorria longos trajetos para estudar com sua irmã. Esse fato, conforme citado
por Buitonni (2009), teria sido determinante para o desenvolvimento de um
olhar cuidadoso para a acessibilidade e localização das escolas públicas,
durante toda a sua trajetória profissional.

Outro fato na trajetória profissional da arquiteta pode demonstrar a sua


afinidade com a educação. Segundo Buitonni (2009) Mayumi dava aulas de
reforço para crianças na pensão de seu pai. Essa teria sido a sua primeira
atividade profissional.

Formada pela FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo), em 1960, partiu em 1962 com Sergio de Souza
Lima (colega de faculdade com quem se casou em 1961) para a Universidade
de Brasília, com o objetivo de cursar o seu Mestrado, por indicação de Vilanova
Artigas (1915-1985), com quem estagiou no período em que era estudante de
Arquitetura.

A Universidade de Brasília (UnB) teve o seu Plano Orientador elaborado pelo


educador Anísio Teixeira (1900 – 1971), cuja influência para a criação do
Projeto CEU já foi citada neste trabalho, e pelo antropólogo Darcy Ribeiro
(1922- 1997), que mais tarde, em 1985, seria responsável pela implantação
dos CIEPs do Rio de Janeiro.

É importante salientar que, para o projeto de universidade pensada por Darcy


Ribeiro, foram convocados grandes cientistas e intelectuais brasileiros. O Brasil
estava no governo de João Goulart, e o objetivo era montar um novo modelo
de ensino que promovesse a transformação da realidade nacional.
87

Brasília vivia a efervescência dos anos iniciais de sua criação, e os arquitetos


responsáveis pelo empreendimento da construção da capital recente do Brasil
eram os professores responsáveis pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da
UnB: Oscar Niemeyer (1908 – 2012), Lúcio Costa (1902 - 1998), Edgar Graeff
(1921 - 1990) e João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé (1932 – 2014). Ao mesmo
tempo em que davam aulas no curso, faziam no Ceplan (Centro de
Planejamento da UNB) os trabalhos de projeto da continuidade da construção
da sede da Universidade. Esse centro tornou-se um importante laboratório
onde surgiram as primeiras experiências de pré-fabricação.

No currículo do curso de Arquitetura e Urbanismo da UnB, aprendia-se o que


havia de mais avançado em termos de urbanismo, num projeto que buscava a
criticidade, para que o aluno compreendesse o contexto social onde atuava
profissionalmente (BUITONNI, 2009). Mayumi lecionou na Universidade, como
professora assistente, de 1963 a 1965.

Com o Golpe Militar (31/03/1964), muitas mudanças ocorreram na


Universidade:

(...) alguns professores foram presos sob a acusação de


subversão da ordem vigente. Iniciou-se a perseguição política
na Universidade: a sede foi invadida por tropas militares e
revistada à procura de material subversivo. O então reitor
Anísio Teixeira foi substituído por Zeferino Vaz, interventor
nomeado pelos militares. Zeferino era amigo de Darcy Ribeiro
e tentou seguir o projeto original da universidade, porém não
aceitava a pressão do governo para demitir professores e pediu
demissão. Zeferino transferiu-se para Campinas onde, como
reitor, coordenou a fundação da Unicamp.

O governo continuou a pressão sobre o novo interventor


nomeado, o filósofo da USP Laerte Ramos de Carvalho. Os
professores reunidos assinam um documento
comprometendo-se a pedir demissão coletiva caso houvesse
demissão de um professor. Em outubro de 1965, após o
afastamento de 15 professores por ordem do novo Reitor, mais
de 200 professores pediram demissão de seus cargos, em
solidariedade aos colegas, esvaziando a universidade.

Sérgio e Mayumi voltaram a São Paulo. (BUITONNI, 2009,


p.23).
88

Por força da repressão política, no final de 1970, o marido de Mayumi, como


ela, professor da FAU Santos, é preso com outros dois arquitetos. Mayumi
também é presa e torturada em 1971. Mayumi e Sérgio faziam parte de um
grupo denominado Arquitetura Nova.

A Arquitetura Nova é um grupo surgido a partir de um “racha” na USP em 1968,


entre profissionais que acreditavam no desenvolvimento a partir de modelos
oferecidos por países desenvolvidos e outros, que como Mayumi e Sérgio,
defendiam que a arquitetura poderia oferecer soluções para a transformação
da realidade política, social e econômica do país.

De acordo com Buitonni (2009), o movimento da Arquitetura Nova era um grupo


de pessoas com formação marxista e uma opção política comum, o que
propiciava um debate conjunto sobre a atuação do arquiteto e sua importância
na construção de uma nova sociedade brasileira. A atuação como professora
universitária de Mayumi tem essa marca: em pleno regime militar buscava
revelar aos alunos as condições de vida das classes populares, orientá-los
sobre os problemas da autoconstrução e orientá-los para uma atuação
engajada. Essa marca também acompanha a atuação da arquiteta nos órgãos
públicos onde exerceu seu trabalho, na cidade de São Paulo. Sempre
trabalhando pela politização da profissão de arquiteto.

Em 1984 iniciou seus estudos no doutorado em História e Filosofia da


Educação, sob a orientação de Celso de Rui Beisiegel, pesquisador da história
das políticas públicas de educação no Brasil. O título de sua tese apresentada
à qualificação era ‘Estado e movimentos populares na construção do prédio
escolar: confronto ou colaboração?’. O trabalho não teria chegado a ser uma
tese, devido ao período em que Mayumi passou trabalhando no governo de
Luiza Erundina, (1989 a 1992) e devido ao seu falecimento em 1994.
Entretanto, no estabelecimento do objetivo do trabalho podemos encontrar um
importante ponto de aproximação entre as ideias de Mayumi e o Projeto CEU:
“Analisar as condições em que ocorre o processo de produção e consumo dos
espaços escolares no Estado e examinar as possibilidades de sua
transformação em instrumento de educação popular” (BUITONNI, 2009, p.23).
89

Mesmo não sendo um nome comumente associado ao conceito de educação


popular, percebe-se durante toda a trajetória profissional da arquiteta Mayumi
Watanabe de Souza Lima uma afinidade com esse projeto de educação para o
país, antes e depois da ditadura militar. Essa marca política no trabalho de
Mayumi pode esclarecer os motivos pelos quais a autora se ocupou de
transformar o espaço escolar, com a certeza de poder transformar a cidadania
das crianças brasileiras, frequentadoras da escola pública.

Em 24 de outubro de 1989, no primeiro ano de governo da Prefeita Luiza


Erundina de Sousa, de acordo com Patarra (1996), um fato iria marcar a Cidade
de São Paulo: o desabamento de uma área de terra na área ocupada pela
Favela Nova República. Entre os 14 mortos, 12 eram crianças. A ocupação
daquela área se deu por consequência da construção de prédios luxuosos na
região do Morumbi, que atraiu trabalhadores da construção civil, que passaram
a se instalar em moradias precárias, construídas em área invadida. O
desenvolvimento local, a intensificação da oferta de vagas no setor de serviços
(empregados domésticos, comerciários, funcionários de salões de beleza,
entre outros) fez com que as famílias dos empregados da construção civil se
fixassem também na área de ocupação, aumentando, da noite para o dia, a
população do lugar.

Após a tragédia da Favela Nova República, a Prefeitura Municipal de São


Paulo, sob a coordenação da então diretora do Departamento de Edificações
do Município de São Paulo (EDIF) Mayumi Watanabe de Souza Lima, estudou
com a máxima urgência, entre dezembro de 1989 e janeiro de 1990, o projeto
Espaço-Criança, que foi apresentado a um público constituído de
representantes de setores econômicos e políticos importantes do país, além de
todos os veículos de comunicação, no aniversário da cidade, 25 de janeiro de
1990. A intenção da então Prefeita Luiza Erundina de Sousa era buscar
parcerias com a iniciativa privada, num projeto que iria ocupar os 60.000m²
onde ficava a Favela Nova República. Um espaço, conforme publicação do blog
intitulado ‘agendadaprefeita’ (SÃO PAULO, 1989) que previa a implantação de
creche, centro de convivência, cantina, anfiteatro, auditório, sala de exposição,
biblioteca, brinquedoteca, oficinas de criação e área de lazer. Uma
preocupação com a educação do cidadão, que, guardadas as diferenças, muito
90

se aproxima do conceito de educação popular defendido pelo Projeto CEU, a


partir de 2003.

FIGURA 18: Foto da maquete do Espaço Criança, desenvolvida pela equipe da EDIF,
sob a coordenação de Mayumi de Souza Lima, entre dezembro de 1989 e janeiro de
1990 (LIMA, 1995, p. 182).

No Anexo 1 deste trabalho consta publicação do jornal Folha de São Paulo de


25 de janeiro de 1990, onde foi veiculado infográfico que cita o Projeto Espaço-
Criança, como uma das propostas de governo da Prefeita Luiza Erundina no
caderno Cidades, à página C3.

A proposta formulada sob a coordenação de Mayumi apresenta os objetivos:

O ESPAÇO-CRIANÇA constitui um espaço lúdico de reflexão,


compreensão e memória do homem sobre si mesmo, sobre
suas relações com a natureza, outros homens e outros seres e
a vida, tendo como tônica o exercício da liberdade.

O ESPAÇO-CRIANÇA é destinado prioritariamente à criança,


sem excluir as pessoas de outras faixas etárias, procurando,
no entanto, resgatar a dívida que a sociedade tem para com a
infância.

O ESPAÇO-CRIANÇA adota a Declaração dos Direitos da


Criança, firmada pela UNESCO em 4 de novembro de 1969,
como programa mínimo de ação e ética.
91

O ESPAÇO-CRIANÇA manterá um complexo museológico


formado por oficinas de expressão e compreensão, em
espaços construídos e ao ar livre, articulados e interativos,
áreas expositivas, reservas técnicas, brinquedotecas e
bibliotecas, áreas destinadas a creche, prática de esportes e
atividades lúdicas, além de técnico-administrativa necessária
ao bom desempenho de suas finalidades e objetivos.

O ESPAÇO-CRIANÇA, pela própria natureza de suas


atividades, constituir-se-á, também, em centro interdisciplinar
de preparação de pessoas, para organismos similares e afins,
ou estabelecimentos que mantenham atividades idênticas ou
análogas.

O ESPAÇO-CRIANÇA deverá manter ainda espaços


destinados à recreação de idosos e estimular o convívio entre
esses e as crianças, como recuperação de traços
característicos da nossa cultura.

O ESPAÇO-CRIANÇA possibilitará a emergência de


programas sugeridos em subunidades pela comunidade, assim
como poderá articular-se com unidades semelhantes, em
outros locais do município da Capital e, eventualmente, de
outros municípios (LIMA, 1995, p.181).

O Espaço-Criança é concebido para o atendimento médio estimado de 300


crianças de 0 a 6 anos em período integral (na creche), em atendimento total,
250 crianças entre 6/7 e 14 anos, em atendimento parcial com o fornecimento
de lanches (no contra-turno escolar) e 200 entre idosos, jovens e adultos que
se inscrevam em programas destinados à comunidade.

O projeto não sairia do papel, por uma negligência assim definida pela autora
(LIMA, 1995, p.179) em obra de sua autoria:

A proposta apresentada pela Prefeitura Municipal de São Paulo


com o Projeto ESPAÇO-CRIANÇA e a trajetória percorrida
para terminar no projeto não-realizado são mais uma página da
hipocrisia com que as elites e as burocracias tratam dos
“direitos da criança” nesta cidade, respaldadas ambas em leis
igualmente hipócritas.

Em duas publicações31 subsequentes, a arquiteta demonstra a sua


preocupação com o resgate da cidadania das crianças por meio da apropriação
do espaço público. Reconhecendo que tal resgate não mais poderia ocorrer de

31“A recuperação da cidade para as crianças” – artigo publicado no Seminário SESC-ABRINQ-


A criança, o espaço e o brincar. São Paulo, 30 de abril de 1991 e “Espaço e equipamentos
lúdicos” – Projeto Tramar e brincar é só começar! – SESC Pompéia – 25/05/1993.
92

forma espontânea, como se dava no passado, mas num espaço amplo,


intencional, onde a cultura da infância possa dialogar com outras culturas,
próprias de outras faixas etárias. O intuito, como a própria autora reafirma
(LIMA, 1995), é estimular e desenvolver a prática social coletiva, que, pelas
características de uma megalópole como São Paulo, apresenta-se, já à época
(1990), pobre. O espaço público é definido por ela como espaço de ninguém.

A relação do Espaço-Criança com o Projeto CEU pode ser identificada por meio
dos objetivos anunciados, sob diversos aspectos. A preocupação assumida por
Mayumi com a ocupação dos espaços públicos pelo cidadão revela que essa
prática não é mais possível de forma espontânea em São Paulo. Atualizando
essa preocupação para 2014, quando a ocupação urbana ainda é maior e a
necessidade de garantir o espaço para a cidadania nem sempre garantido,
temos um panorama em que se faz necessária uma atuação efetiva do poder
público nessa direção.

O urbanista Mike Davis, já citado neste trabalho à seção 2, subseção 2.1, em


2012 aponta uma solução para a garantia de espaço público para o cidadão na
metrópoles urbanas :

A abundância pública – representada por grandes parques


urbanos, museus gratuitos, bibliotecas e inúmeras
possibilidades de interação humana – é uma rota alternativa
para uma vida rica baseada em uma sociabilidade que não
agride a Terra.

No entanto, prosperidade pública deve ser equilibrada em


todas as dimensões socioespaciais. Riqueza cultural e espaço
verde geralmente se acumulam em centros inacessíveis para
que sejam desfrutados basicamente por turistas e pela alta
classe. Em vez disso, a prioridade deve ser construir
complexos culturais, educacionais e esportivos que funcionem
como centros cívicos para bairros e distritos suburbanos,
mesmo que para isso seja preciso suspender os investimentos
no centro da cidade. (É evidente que, paralelamente, as
maravilhas dos centros devem se tornar mais acessíveis para
todos, por meio de passagens mais baratas e entradas
gratuitas). (DAVIS, 2012, p. 32).

Treze anos depois das publicações de Mayumi, o governo de Marta Suplicy, na


implantação dos CEUs, traz à tona a discussão do espaço de cidadania. Desta
93

vez, de forma ampliada e considerando a periferia da cidade o locus para essa


discussão.

Analisando a preocupação expressa pela arquiteta em artigos e documentos


publicados à época em que esteve à direção de EDIF, acreditamos poder ser
encontrada a pedra de toque que, na retomada do projeto de governo do
Partido dos Trabalhadores, leva à concretização do Projeto CEU.

ALEXANDRE DELIJAICOV E O PROJETO EMBRIONÁRIO:

A criação de EDIF (Departamento de Edificações da prefeitura de São Paulo)


em 1989, segundo Delijaicov (2001), o governo de Luiza Erundina está
diretamente relacionado à concretização do Projeto CEU. O então secretário
da Educação, Paulo Freire, ao idealizar a cidade educadora pela primeira vez
em São Paulo, como um projeto necessário para a educação popular – conceito
atribuído a ele, principalmente - contribuiu para o surgimento, em EDIF, da ideia
do edifício público como estruturador da cidade. Segundo Delijaicov, em artigo
publicado pela revista PISEAGRAMA (2001) define sua experiência em EDIF,
como uma das personagens principais de uma história recente que tem como
consequência a implantação do Projeto CEU na Cidade de São Paulo:

(...) fomos diagramando e redescobrindo nossa história.


Começamos intuitivamente, construindo o projeto da Vila Mara.
Queríamos dar uma lógica, coordenar os projetos, que
chegavam segundo a demanda, através de uma coordenação
de gestão pedagógica. Mais do que isso, queríamos uma
configuração arquitetônica que criasse unidade ou diálogo
entre os blocos. Fizemos alguns ensaios na época do Paulo
Freire e da prefeita Luiza Erundina: a Vila Mara, constituída por
três conjuntos habitacionais – o Conjunto Habitacional
Garagem, o Conjunto Habitacional Sítio do Jaraguá (onde
ensaiamos duas praças de equipamentos) e depois o Conjunto
Habitacional Inácio Monteiro, que deu origem ao Programa
CEU. A partir do escritório público de projetos, nossa ideia era
valorizar uma política de Estado, e não um projeto de governo,
94

pois visávamos a continuidade, e não a ruptura a cada gestão.


(DELIJAICOV, 2001).

Justificando o conceito de arquitetura do lugar, que fundamenta sua atuação


como arquiteto do CEU, o autor prossegue no mesmo artigo:

A Constituição de 1988 é um ponto primordial para ilustrar essa


vontade de estruturar o território. Segundo o texto
constitucional, algumas cidades como São Paulo deveriam ser
divididas em subprefeituras. Até então, existiam nas cidades as
administrações regionais e os distritos.
Começamos a imaginar que as administrações regionais que
seriam transformadas em subprefeituras deveriam ter uma
arquitetura simbólica através da construção de uma arquitetura
do lugar, um paço municipal. A praça dessa subprefeitura seria
uma grande plenária – como um ponto de encontro com
equipamentos para a vizinhança -, onde a população discutiria.
Os outros distritos teriam as praças de equipamentos, que não
abrigariam a sede administrativa, mas o teatro municipal, a
biblioteca pública, as piscinas públicas e assim por diante.
Teríamos uma média de 3 praças de equipamento por
subprefeitura, aproximadamente 93 equipamentos na cidade
de São Paulo (...) configurando a visão de rede. Desenhar os
espaços de ligação desses equipamentos valoriza os
percursos. Esse trabalho conecta os prédios pelo vazio,
identifica e dá dignidade para cada esquina. (DELIJAICOV,
2001).
Notadamente, em todas as influências abordadas neste trabalho, encontramos
uma relação com o Projeto CEU. À luz do conceito de educação popular, a
partir desta análise, acreditamos ser possível considerar o Projeto CEU, pelo
menos em parte, herdeiro de todas as iniciativas apresentadas. E, mais do que
isso, um projeto que representou a superação das outras iniciativas,
constituindo-se em experiência exitosa, em expansão na educação da Cidade
de São Paulo e em outras cidades do país.
95

3 A EDUCAÇÃO POPULAR.

“Eu sustento que a única


finalidade da ciência está em
aliviar a miséria da existência
humana”.

(Bertold Brecht)

A Educação Popular, termo surgido a partir das experiências de educação de


adultos de Paulo Freire na década de 1960 (experiência que lhe valeu o
exílio) reaparece no cenário pedagógico brasileiro no século XXI, de acordo
com Streck (2013), com a força de uma pedagogia que se insere como
instrumento pedagógico em uma sociedade que se movimenta em busca de
dignidade, justiça e integridade da vida. Paulo Freire é a referência básica a
todos os projetos de educação popular, no Brasil e na América Latina.
Entretanto, como afirma Streck (2013, p.8), a história da educação popular não
pode parar com Paulo Freire:

As práticas exigirão novas visões e novas ferramentas,


algumas delas emprestadas de fora e outras desenvolvidas
aqui mesmo. Para isso é importante o diálogo com o mundo
da arte, das práticas de economia solidária, das festas
populares, dos movimentos sociais, das escolas, das
universidades, dos centros de educação popular(...) É
necessário, ao mesmo tempo, um olhar para trás, a fim de que
(...) povoemos a nossa história.

3.1 Revisitando o conceito de educação popular.

Em busca de uma definição para a educação popular, Brandão (in STRECK e


ESTEBAN, 2013) afirma ser esta uma vocação da educação que, em seu todo
e suas múltiplas experiências do passado e do presente, resiste a um tal
96

colonialismo32. Adiante, define a educação popular como um movimento de


trabalho político com as classes populares por meio da educação.

Segundo Brandão (in STRECK e ESTEBAN, 2013, p.11): “(...) uma vocação da
educação que existe, persiste e se renova para seguir presente como uma
alternativa não domesticável de segmentos e movimentos da sociedade,
através da cultura e da educação.”

Pacheco e Torres (in ASSUNÇÃO, 2009, p.30), em defesa das possibilidades


que a educação popular apresenta, em detrimento das dinâmicas neoliberais,
a veem como desencadeadora de ações que sejam comprometidas com as
causas do povo:

(...) que contribua com seu processo de conscientização e


participação, com sua libertação, emancipação e participação
enquanto sujeitos no processo, que estabeleça relações para
contestar o sistema político e a ordem econômica vigente.

Paulo Freire orienta e ensina aos educadores, por meio de sua obra, que uma
educação emancipadora não pode atuar com os mesmos mecanismos da
educação opressora, pois, segundo Pacheco e Torres (in ASSUNÇÃO, 2009,
p.31), a educação emancipadora,

(...) deve, necessariamente, produzir, de forma dialética, novas


categorias e paradigmas que reafirmem a condição de ser mais
dos homens e das mulheres no mundo. Neste sentido, a noção
dialética de práxis libertadora, presente no referencial freireano,
faz-se indispensável para a proposta de educação popular.

Historicamente, o conceito de educação popular aparece no cenário


educacional brasileiro, inicialmente durante a Primeira República, no início do
Século XX, associada à instrução elementar. Vários intelectuais apontavam
para a responsabilidade do Estado na escolarização de toda a população. O
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932 afirmava a responsabilidade
do Estado na garantia de uma escola laica, (ênfase na racionalidade científica),
gratuita, obrigatória e pública, segundo Silva (in STRECK e ESTEBAN, 2013).

32Colonialismo aqui compreendido como violência matricial imposta pelos países culturalmente
hegemônicos. A esse respeito, ver Santos (2007, p. 59).
97

Segundo o autor, ainda, por meio da imprensa e dos meios culturais, assim
como a ocupação de cargos públicos dos intelectuais da época. São os liberais,
movidos por um projeto de desenvolvimento urbano-industrial em bases
democráticas, que vão debater a escola pública com bases democráticas
(LIBÂNEO, 2012, p. 163). O conceito de educação popular, para a época, era
equivalente à promoção da educação escolar das massas. Desta forma,
podemos compreender o posicionamento de intelectuais como Anísio Teixeira
e Mario de Andrade, que, na busca pela educação do povo, faziam educação
popular no contexto em que essa se consolidava, assim definido por Silva ((in
STRECK e ESTEBAN, 2013, p.135):

Fica, dessa forma, evidente que, naquele contexto, os


intelectuais se colocavam como uma elite que conduziria as
“massas, compreendendo que esse era o seu papel.. (...)
Pecaut (1990:15), esclarece que os intelectuais se faziam
intérpretes das massas populares, com um papel político de
ajudar o povo a tomar consciência de sua vocação
revolucionária, bem como ideológica, de buscar o
desenvolvimento econômico, a emancipação das classes
populares e a independência nacional, que faziam parte de um
mesmo projeto.

Na década de 1960, o conceito de educação popular é retomado com as


emergências sociais e a partir das experiências nascidas nos movimentos
sociais, por meio de uma proposta de educação voltada para as classes
populares, em especial jovens e adultos analfabetos. O lugar estratégico que
funda a educação popular, segundo Silva (in STRECK e ESTEBAN, 2013, p.
130) é o dos movimentos e centros de cultura popular: movimentos de cultura
popular, centros populares de cultura, movimentos de educação de base, ação
popular. Para o autor (SILVA, in STRECK e ESTEBAN, 2013, p.129),
entretanto, o Brasil não adotou a educação popular como política educacional,
ao contrário de outros países da América Latina, porque generalizar uma
concepção de educação enquanto política pública significa

adotá-la como fundamento que embasa a legislação de


ensino do respectivo país, com implicações no financiamento
público da respectiva proposta pedagógica, na
institucionalização de uma política de formação de
professores segundo tais parâmetros, na produção de material
didático-pedagógico para lhe dar o devido suporte e na
98

elaboração de indicadores de avaliação que mensurem


periodicamente sua eficácia e seus resultados.

Após a superação da ditadura militar no Brasil, apesar de ser acentuada a


autonomia pedagógica dos movimentos populares diante do Estado e da
escola, segundo Saviani (2010), postulando que a educação verdadeiramente
libertadora se daria fora dessas instituições, ao assumir algumas prefeituras, o
Partido dos Trabalhadores (PT) trasladou a concepção de educação popular
para a esfera estatal e escolar.

Tendo sido Secretário de Educação do Município de São Paulo, Paulo Freire


inspirou iniciativas curriculares antes marcadas como próprias da educação
não-formal, promovendo uma forma de fazer educação na cidade que
considerava um currículo voltado a libertação e a emancipação promovido por
meio da política pública:

Todo projeto pedagógico é político e se acha molhado de


ideologia. A questão a saber é a favor de quê e de quem, contra
quê e contra quem se faz a política de que a educação jamais
prescinde. (...) Para nós, não há sombra de dúvida em torno do
direito que as crianças populares têm de, em função de seus
níveis de idade, ser informadas e formar-se de acordo com o
avanço da ciência. É indispensável, porém, que a escola,
virando popular, reconheça e prestigie o saber de classe, de
“experiência feito”, com que a criança chega a ela. É preciso que
a escola respeite e acate certos modos populares de saber as
coisas, quase sempre ou sempre fora dos padrões científicos,
mas que levam ao mesmo resultado. É preciso que a escola, na
medida mesmo em que vá ficando mais competente, se vá
tornando mais humilde. (FREIRE, 2006, p.45-46).

Brandão (apud SILVA in STRECK e ESTEBAN, 2013, p. 130) considera


parcialmente a intencionalidade da educação popular enquanto política pública,
enquanto sinaliza a necessidade de revisão no significado da educação
popular, a partir das novas demandas sociais:

(...) o que tornou historicamente possível a emergência da


educação popular foi a conjunção entre períodos de governos
populistas, a produção acelerada de uma intelectualidade
estudantil, universitária, religiosa e partidariamente militante e
a conquista de espaços de novas formas de organização das
classes populares.
99

A revisão do conceito de educação popular se faz atual e necessário,


reavivando o compromisso dos educadores e das educadoras frente à
construção de uma sociedade mais justa e equânime para os cidadãos de
baixa renda, a classe trabalhadora. Depois de três décadas de modelo
neoliberal, segundo Torres (2012), o setor financeiro transformou o planeta no
que Bartra (apud TORRES, 2012), denominou ‘cassino global’. Nesse novo
capitalismo, a forma de produção que explorava o trabalho alheio, agora
exclui centenas de milhões de pessoas da possibilidade de trabalhar. O
Estado abandonou suas responsabilidades diante dos mais frágeis da
sociedade. As consequências são a perda generalizada do sentido da
existência, hedonismo e narcisismo consumista, violência e alienação
massiva (TORRES, 2012).

O presente trabalho apresenta uma série de iniciativas surgidas no Brasil


desde a década de 1930, que, guardadas suas características conceituais e
históricas, estiveram à frente de uma intencionalidade na educação da classe
trabalhadora da população, no sentido da emancipação social. Foram formas
de educação popular, sintonizadas com o seu tempo.

Por meio dos Parques infantis, Mario de Andrade buscou romper o


funcionalismo da ação humana, presente no discurso da Era Vargas, em uma
iniciativa que tirava das crianças paulistanas, filhas do operariado, o trabalho
precoce como única alternativa de ocupação do tempo, devolvendo a estas a
possibilidade de viverem plenamente a sua infância.

Anísio Teixeira, fortemente influenciado por seu mestre John Dewey enquanto
secretário de educação em Salvador deu forma ao seu sonho da escola-
parque, que, mesmo não atingindo numericamente o objetivo proposto,
permanece até os dias de hoje atendendo à população de baixa renda em um
complexo educacional ricamente construído para essa finalidade.

Hélio Duarte, arquiteto responsável pela articulação entre o ideal de Anísio


Teixeira e o desenho de Diógenes Rebouças, quando Teixeira abandonou o
cenário político em Salvador, partiu para São Paulo e integrou o Convênio
100

Escolar, cooperação entre União, Governo Estadual e Município, que se


ocupou de construir novos equipamentos escolares condizentes ao ideário da
Escola Nova, tal como em Salvador, respondendo ao crescimento da
demanda por escolas na capital paulista, que ampliasse o atendimento da
educação pública. Apesar de não trazer consigo uma reforma curricular para
a educação realizada no interior de uma escola arquitetonicamente em
sintonia com as descobertas contemporâneas na Pedagogia, foi um
movimento que garantiu, por meio da arquitetura, a possibilidade de educação
com qualidade social.

Herdeira da filosofia do Convênio Escolar e das influências marxistas


recebidas durante o mestrado cursado na recém-criada UnB, Mayumi
Watanabe de Souza Lima foi diretora de EDIF, departamento subordinado à
Secretaria de Infraestrutura Urbana da Prefeitura de São Paulo, criado
durante a gestão de Luiza Erundina de Sousa, quando prefeita de São Paulo,
de 1989 a 1992. Esse departamento buscava alternativas de construções
populares de baixo custo, viabilizando um projeto popular de cidade, no qual
estava inserida a educação. Mayumi acreditava, assim como Hélio Duarte, que
a arquitetura tinha influência sobre as pessoas, e que o cuidado na construção
de prédios escolares assumia, após a atuação do professor, o lugar mais
importante para a garantia de educação das classes populares.

Acreditamos que o Projeto CEU possa ser herdeiro de todas essas iniciativas.
E, mais ainda, acreditamos que o CEU possa ser considerado a
concretização dos ideais construídos por tantos, na Cidade de São Paulo e no
Brasil, e que se imponha como experiência exitosa, aprovada pela população
da cidade. A maior comprovação é a retomada do Projeto durante as gestões
de José Serra e Gilberto Kassab, que, anteriormente, em época eleitoral
(durante o horário eleitoral e nos debates para as eleições em 2004),
demonstraram rejeição pela ideia, e posteriormente assumiram a retomada
construção das vinte e quatro unidades que foram deixadas licitadas no
governo de Marta Suplicy.

Apesar de situadas em períodos históricos diversos, podem ser identificadas


diversas aproximações entre as iniciativas em educação popular no Brasil:
101

todas sintonizadas com formas contra-hegemônicas de educação


denominadas “pedagogias de esquerda”, e “(...) com toda a vagueza que o
termo comporta, e também com todas as esperanças de entendimento, de
união de que o termo está carregado” (SNYDERS, apud SAVIANI, 2010,
p.414).

A emergência do conceito de educação popular, hoje, coloca a necessidade


de um passo à frente de todas as iniciativas anteriormente realizadas e
citadas neste trabalho. Segundo Hech e Pontual (2012), será necessária a
criação de uma nova ordem, qualitativamente superior à civilização burguesa.
Por essa razão, a educação popular não é somente um assunto
exclusivamente político e econômico, mas implica em uma dimensão ética e
cultural.

Nesta concepção, nem as transformações econômicas, nem


sequer as modificações sociopolíticas são suficientes para
definir o projeto de transformação social numa linha de
emancipação. Para esta ser radical e integral, deve questionar,
criticar e transformar o núcleo primário dos valores e
significados que habita no mais profundo dos costumes, dos
hábitos e modos de viver e pensar na sociedade capitalista. “As
lutas pela emancipação devem apontar a socialização não
apenas do ter e do poder, mas igualmente, a socialização do
criar, no sentido de criar condições objetivas que tornem
possível a realização integral e múltipla de todas as
potencialidades criadoras do ser humano. Criar a possibilidade
de uma vida feliz que só pode ser alcançada mediante uma
liberdade criadora e lúdica, num reencantamento da vida”33.

A educação popular, na configuração de sociedade que o século XXI


apresenta, poderá assumir o que Santos (2007) conclama como sendo uma
postura perante a ciência que considera sua objetividade enquanto
rigorosidade, para que nos defenda de dogmatismos, ao mesmo tempo em
que, vivendo em sociedades injustas, nos seja impossível a neutralidade que
o positivismo preconiza. Dessa forma, o autor defende a necessidade de

33Texto para debate: a Educação Popular como política pública, Rede de Educação Cidadã –
Equipe Talher Nacional, 2009.
102

reinventar as ciências sociais, porque, dessa forma, fazemos com que as


ciências sociais sejam parte da solução e não dos problemas, como têm sido.
Também na Educação Popular é necessária a teorização que dê conta de uma
ação rebelde e rompa com a racionalidade que o autor denomina indolente,
preguiçosa.
Uma solução defendida pelo autor (SANTOS, 2007, p.32) seria o que denomina
“ecologia dos saberes”:

Não se trata de “descredibilizar” as ciências, nem de um


fundamentalismo essencialista “anticiência”; como cientistas
sociais, não podemos fazer isso. O que vamos tentar fazer é
um uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Ou seja, a
possibilidade de que a ciência entre não como monocultura
mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes, em
que o saber científico possa dialogar com o saber laico, com o
saber popular, com o saber dos indígenas, com o saber das
populações urbanas marginais, com o saber camponês.

No processo de reinvenção de uma educação popular para o século XXI, é


preciso considerar que a sua importância é ainda maior, considerando-se o
efeito hegemônico produzido por todas as forças que buscam a colonização
cultural do cidadão. Dentre elas, podemos destacar o acesso à informação,
que entre as classes populares, é feita de forma a manter hegemonicamente
a sociedade estruturada para garantir as desigualdades que alimentam o
sistema capitalista.

Pensamos que um projeto de Educação Popular deva se constituir em


instrumento para a superação daquele modelo de sociedade, por meio de um
trabalho de educação do povo, na busca de uma sociedade em que os
oprimidos sejam sujeitos do seu próprio processo libertador.
103

3.2 Os sujeitos da educação popular.

Considerando-se a atualidade do conceito de educação popular, uma reflexão


se faz necessária. Quem são os seus sujeitos? Quais os âmbitos de atuação
dos sujeitos da educação popular?

Os sujeitos da educação popular, segundo Torres, são:

Camponeses, dirigentes e integrantes de grupos de base, mulheres,


indígenas, professores, adultos, jovens e crianças de setores populares. Nas
experiências ligadas à incidência em políticas públicas ou em projetos de
participação local também se trabalha com atores institucionais, como por
exemplo, tomadores de decisões políticas e funcionários públicos. (TORRES,
2012, p.61).

Os âmbitos de atuação do sujeito de educação popular, anteriormente


reconhecido entre os atuantes no campo da educação de jovens e adultos,
participantes de organizações populares, promotores da economia solidária,
protagonistas da formação cidadã, protagonistas do trabalho com mulheres, o
desenvolvimento alternativo, comunidades quilombolas, atualmente também
incorporam novos atores políticos que se encontram no exercício de governo,
numa perspectiva de democracia participativa em cenários de poder local.
(HERRERA e CLAVIJO, apud TORRES, 2012).

Nesse contexto, chamamos a atenção para uma tendência atual no Brasil,


que diz respeito à promoção da educação popular por meio de políticas
públicas, envolvendo, segundo Heck e Pontual (2012), governos
democráticos e populares e sua relação com a sociedade, movimentos
sociais e populares, instituições da sociedade civil. De acordo com os autores
(HECK e PONTUAL, 2012, p. 92):

A ideia de Estado (educador/educando) é importante. Essa


ideia não nega o papel da sociedade, mas assume que há
tarefas de educação que são próprias do Estado. Desde o
Estado e pensando um processo de transformação do próprio
Estado.
104

Acreditamos que a retomada dos objetivos do Projeto CEU, em especial na


garantia da participação democrática e propositiva do seu Conselho Gestor e
do Colegiado de Integração, seja um meio importante de garantir o espaço para
a construção do poder popular, atendendo à demanda das comunidades às
quais atende.

Outro sujeito pedagógico da educação popular, nem sempre lembrado nas


reflexões a respeito são os centros que a promovem e desenvolvem. De acordo
com Torres (2012) estas não só educam por meio dos programas, projetos e
atividades formativas desenvolvidas.

Elas também são portadoras de imaginários, valores, símbolos, rituais, práticas


e estilos de trabalho que vão modelando seus integrantes. Esta cultura
institucional é decisiva na formação dos formadores que realizam o seu
trabalho educativo com outros educadores populares de base e com os atores
sociais com que trabalham.

No caso específico dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), a pesquisa


nos revela, que, além da importância da instituição como referência em
educação popular, é atribuída uma relevância muito grande ao papel do Gestor,
cargo criado pela Portaria SME 2212/03 (SÃO PAULO, 2003):

(...) o CEU nos acolheu, como pessoas de dignidade, como a dona


Anatália falou a gente tem o direito de chegar perto de um artista, na outra
gestão aqui a gente não podia falar nem com o pessoal da gestão, nós
éramos intrusos. Gestão, gestão, limpeza, limpeza, eletricista, eletricista.
E hoje a gente tem essa comunicação com eles até agradeço a eles a
fazer o convite a NÓS, a estar fazendo parte. Era muito difícil, reunião,
reunião, com eles, nós e nós (PINÁ).

Mas a outra gestão que tinha sentava na cadeira e não saia para nada,
para nada. Eu conheci a outra gestão que teve aqui. A gente nem falava
com a dona * (gestora). A gente nem falava com ela. Ela cruzava os
braços e ai daquele que fosse falar com ela. Cruzava os braços e lá ela
ficava (EDNA).

Por meio da comparação entre a atuação da gestora anterior e da gestora


atual, as participantes da pesquisa valoram a atuação deste profissional
para o desenvolvimento de uma prática que privilegia a participação social.
105

Quando a participação social não pôde ser percebida, a atuação do gestor foi
criticada.

A formação inicial dos gestores dos CEUs foi desenvolvida pela Fundação
Instituto de Administração (doravante FIA), vinculada à Faculdade de Economia
e Administração (doravante FEA) da Universidade de São Paulo (USP), em
convênio com a Prefeitura de São Paulo.

Para essa Fundação, aspectos gerais da Teoria da Administração seriam


fundamentais à formação do gestor, o que o transformaria num grande
administrador do Centro Educacional. Esse conceito, em 2014, durante um
novo período de formação dos atuais gestores dos CEUs, foi retomado. A
seção ‘Papel do Gestor’, que inicia a apostila desenvolvida para o curso,
expressa em que pressupostos a Fundação fundamenta o seu pensamento:

Foi Fayol quem propôs a definição mais popular até os dias de


hoje do que significa administração: “Administração é prever,
organizar, comandar, coordenar e controlar”.
Para detalhar essa afirmação, temos de entender que:
*prever é perscrutar o futuro e traçar o programa de ação;
*organizar é constituir o duplo organismo, material e social da
empresa;
*comandar é dirigir o pessoal;
*coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os
reforços;
*controlar é velar para que tudo corra de acordo com as regras
estabelecidas e as ordens dadas.

A partir da parceria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo com o


Instituto Paulo Freire, representado pelos professores Moacir Gadotti e
Roberto da Silva, ambos da USP, e com o Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC, 2006), houve o
estabelecimento de princípios e orientações assim definidos:

 Modelo de gestão e diversidade cultural;


 Um projeto político-pedagógico autônomo;
 Cada escola pública é única;
 Um centro de formação continuada para professores, pais e
comunidades;
106

 O CEU não se confunde com uma escola de tempo integral, nem com
uma escola para pobres ou clube recreativo;
 Os CEUs não podem ser idealizados ou politizados.

Esses princípios e orientações modificaram o caráter administrativo do CEU,


que anteriormente era considerado pela FIA como uma empresa.

O trabalho do gestor do CEU pode ser identificado com um trabalho político.


Ao negar a neutralidade do ato educativo, Freire (2001) nos coloca a
necessidade de assumir, junto aos nossos sonhos, o caráter político dos
mesmos. Este fato acompanha a função do gestor do CEU. Freire (2001, p.35)
conceituando a prática educativa, expressa os objetivos desta:

(...) não permitindo a neutralidade da prática educativa, exige


do educador a assunção, de forma ética, de seu sonho, que é
político. Por isso, impossivelmente neutra, a prática educativa
coloca ao educador o imperativo de decidir, portanto, de
romper e de optar, tarefas de sujeito participante e não de
objeto manipulado.

Referindo-se a Paulo Freire e sua produção durante os anos 1990, Gohn, (in
STRECK e ESTEBAN, 2013), afirma que a cidadania ganhou centralidade na
obra deste autor de forma especial. De acordo com ela, Paulo Freire
contestava a cidadania liberal e neoliberal e defendia a cidadania como uso
pleno dos direitos e deveres pelos cidadãos (GOHN, in STRECK e ESTEBAN,
2013, p.37).

Apesar da centralidade do cidadão para a educação popular, é preciso


reconhecer que, nas periferias da Cidade de São Paulo, a cidadania não é
natural das pessoas que moram na cidade. Refletindo sobre as cidades sob a
influência do jogo do mercado, Santos (2012), alerta para o fato de que a
consagração das desigualdades sociais produz espaços sem cidadãos, e que
um projeto consequente bastaria, nas cidades, para dotar a população dos
‘fixos’ sociais, ou seja, dos serviços estatais essenciais à vida das pessoas e
ao seu direito de cidadania. Por meio da educação popular, parece-nos
essencial, acima de tudo, a constituição do cidadão, ou o desenvolvimento da
consciência crítica para o que é, necessariamente, o cidadão, em espaços em
107

que a cidadania ainda não seja realidade. Dessa forma pode-nos ser possível
acreditar na educação popular enquanto política pública.

As políticas públicas, no contexto dos direitos humanos, devem


ser entendidas como direitos adquiridos que devem ser
assegurados plenamente, na linha de dar condições para que
as pessoas, em todas as fases da sua vida, possam estar
resguardadas e desenvolver as suas potencialidades humanas
e sociais. Isso rompe com a ideia ainda em vigor em muitas
políticas públicas, tidas como favor, aplicadas de forma
paternalista, autoritária, como moeda de troca, etc. as pessoas,
no processo de construção de toda a política pública, gestores
e destinatários, precisam ser sujeitos desse processo de
construção, avaliando, tendo acesso às informações e
podendo interferir na sua concepção, implementação,
avaliação e controle. (...) é possível entender que Educação
Popular pode ser referencial teórico/metodológico para a
construção de políticas públicas, na linha de aprofundamento
das práticas, apontando suas contradições e democratizando-
as.
É possível que a educação popular como política pública
possa se dar, num campo de síntese, de iniciativas da
sociedade civil e do próprio Estado. Para isso é necessário
um certo grau de institucionalização e uma perspectiva
intersetorial (HECH e PONTUAL, 2012, p. 98).

A transformação da educação popular, tradicionalmente oriunda dos


movimentos sociais, em política pública, segundo Heck e Pontual (2012), exige
o papel do governo com mediações e passos necessários, identificando as
oportunidades e limites a partir do seu lugar.
108

4 UNIVERSO DA PESQUISA.

Dizem que os acadêmicos e


intelectuais devem ser
neutros. Mas não há
neutralidade no pensamento.
(Florestan Fernandes)

Quando iniciamos a fase do trabalho de campo, algumas questões se


impuseram. Quantos CEUs seria-nos possível visitar? Em qual ou quais deles
iríamos desenvolver as entrevistas? Como se daria essa escolha?

Inicialmente, é importante salientar que, como já foi dito na Introdução deste


trabalho, a carreira no magistério da Prefeitura de São Paulo da pesquisadora
iniciou-se na V. Brasilândia, a poucos quilômetros do CEU Paz. Por essa razão,
e por ser um universo conhecido e onde atuamos profissionalmente até hoje,
em 2014, decidimos que seria um dos CEUs da Diretoria de Educação
Freguesia/Brasilândia. São dois os CEUs da região, o Paz, construído durante
o governo de Marta Suplicy e o Jardim Paulistano, este construído na gestão
Serra-Kassab.

Quando, por meio da contribuição de professores do Programa Educação:


Currículo da PUC – SP, (Professora Regina Giffoni, Professora Ivani Fazenda
e o meu orientador, Professor Fernando Almeida), ficou definido o trabalho de
campo principalmente em um CEU, nossa escolha recaiu sobre o CEU Paz.
Construído em uma área de difícil acesso, esse CEU representa a Operação
Urbana promovida pela gestão de Marta Suplicy. Ruas foram abertas, energia
elétrica levada à região, assim como abastecimento e rede de esgoto,
emplacamento nas ruas da região, usando o CEU Paz como referência são
algumas das modificações ocorridas no território. Entretanto, o que mais nos
chama a atenção é o fato de que o bairro Jardim Paraná que surgiu em função
do CEU, antes era chamado de ‘mata’. Foi intencional a escolha como parte
do nosso desejo de conhecer um pouco mais a vida daquelas pessoas,
109

e um possível impacto sociocultural com a implantação do Projeto CEU naquele


espaço.

4.1 Periferia, território e educação popular.

O território, mais do que localização geográfica, é o espaço que o cidadão


ocupa.

São Paulo, cidade com um total estimado em 11.895.893 habitantes,


distribuídos em 1.521,101 Km² (IBGE, 2014) de área, tem, segundo Sposati
(2013), um sistema de governo similar aos de pequenas cidades brasileiras.
Em uma cidade com população de metrópole, além de relações regionais e
inter-regionais, é preciso criar uma microescala administrativa capaz de cobrir
os territórios mais degradados (SPOSATTI, 2013). Não é possível, em uma
cidade que abriga muitas dentro de uma só, governar sob a lógica da pequena
cidade, ou seja, considerando uma suposta homogeneidade que caracterize o
cidadão dentro do espaço. A cidade não é a mesma para todos os seus
habitantes. A dificuldade encontrada por moradores das periferias é
sintomática do valor que o cidadão apresenta na sociedade, na medida em que
ocupa este ou aquele território. Não apenas pelo valor determinado pelo
mercado imobiliário, mas pela questão da mobilidade urbana de que uma parte
da população parece destituída. A acumulação do capital tem determinado o
espaço a ser ocupado pelas pessoas, em uma relação direta: quanto mais
pobres, mais distantes do centro elas habitam.

Hoje, fala-se em uma ‘fronteira paulistana’, que pode ser identificada com as
novas periferias, mais distantes ainda do centro da cidade do que as periferias
desenhadas anteriormente pela ocupação desordenada que a sobrevivência
impõe. Neste início de século XXI, a expansão da urbanização em áreas
periurbanas é fruto da lógica excludente socioterritorial sob a qual a cidade
de São Paulo tem sido planejada ao longo dos anos, e que, segundo
110

Maricatto (apud SPOSATTI, 2001) produziu duas cidades ao mesmo tempo: a


legal e a real. Afirmando a dualidade que caracteriza os territórios da cidade, a
partir do conceito de território de fronteira, Koga (2013b, p. 66) assim o define:

Territórios de fronteira, nessa perspectiva, colocam-se como


lugares que estão fora das ideias, excluídos da cidade legal
ou formal – literalmente, fora do “mapa da cidade”. Assim, do
ponto de vista das políticas públicas, esses territórios têm
representado grandes desafios, facilmente transformados em
impasses ou “terra de ninguém”, quando se trata de
responder à demanda por vagas e acesso aos serviços,
programas e benefícios: escolas, centros de saúde, Centro de
Referência e Assistência Social (CRAS), Programa Bolsa-
família (PBF) e outros.

As dificuldades também dizem respeito aos territórios pertencentes a reservas


ambientais, cuja ocupação, fruto da desocupação de lugares já excluídos,
mas que sofreram a expansão da cidade na direção da periferia, se deu.
Longe de uma solução que retirasse essas populações de regiões onde o
acesso ainda é dificultado em relação à própria periferia, esses lugares
passaram a representar os pontos mais vulneráveis socialmente. Koga
(2013a) traz à tona a discussão acerca da vulnerabilidade, presente nas
regiões mais distantes da cidade, ao afirmar que a lógica da formação de São
Paulo como metrópole obedece, investindo em determinadas porções legais,
cada vez mais caras e de acesso dificultado à maioria da população, que é
espremida para as porções ilegais, cada vez mais distantes e sujeitas a riscos
constantes:

Ter em conta esse cenário territorial excludente e de risco


ambiental e social é fundamental para compreender a
importância central das políticas públicas na proteção social
dos cidadãos, especialmente daquela população sobre a qual
incidem as diferentes manifestações de exclusão e
vulnerabilidade social. Nesse sentido, importa ressaltar uma
primeira sobreposição no que diz respeito à própria temática
da vulnerabilidade social e suas sobreposições.

Por um lado, a “vulnerabilidade social” é definida pela


contiguidade entre indicadores de precariedade urbana e
indicadores socioeconômicos das famílias. Em outras
palavras, parte-se do pressuposto de que uma família
vulnerável vive em lugar vulnerável, e um lugar vulnerável só é
constituído por famílias vulneráveis.
111

A indistinção das situações ou das condições de vida das


famílias e dos seus locais de vivência, por outro lado, termina
impactando a definição de vulnerabilidade social,
especialmente na busca por sua medição; assim, ela é fixada
sob uma ótica mais voltada às características dos indivíduos e
das famílias, ora às características físicas e urbanísticas de
determinados territórios. Alguns índices denominados de
“vulnerabilidade social” terminam concentrando indicadores
sociais ligados exclusivamente às características individuais e
familiares, não incluindo as características territoriais, por
exemplo. A articulação entre ambas as perspectivas parece
fundamental para a compreensão desse conjunto de situações
e processos decorrentes do modelo de desigualdade social
subjacente no país e que, na prática, configuram o fenômeno
da vulnerabilidade social (KOGA, 2013a, p.129).

A presença do poder público nessas regiões, a partir da implantação dos 45


CEUs da Cidade de São Paulo, foi fruto de uma política pública que incidiu
sobre áreas anteriormente abandonadas pelos governos. A partir da criação do
complexo nos bairros mais distantes da cidade, benfeitorias como
asfaltamento, iluminação pública, saneamento básico passaram a alcançar
regiões desprovidas anteriormente. Apesar de haver, em São Paulo, a
ocupação de regiões centrais por famílias vulneráveis, nos cortiços e prédios
abandonados, a questão territorial da mobilidade coloca tais cidadãos em uma
condição diferenciada, quando consideramos a imobilidade a que estão
sujeitos os moradores da periferia.

CEU PAZ PARA O JARDIM PARANÁ.

O locus privilegiado para este estudo é o CEU Paz, localizado no Jardim


Paraná, bairro relativamente novo pertencente ao distrito da Vila Brasilândia.

Originalmente surgido como um prolongamento da ocupação do Jardim


Damasceno, o Jardim Paraná foi citado durante as entrevistas coletivas como
um bairro que se formou na década de 1990 do século XX, ou seja, há pouco
mais de vinte anos, dos quais a maior parte sem contar com infraestrutura,
112

e, mais do que isso, crescendo com um medo permanente por parte de


seus moradores de um iminente despejo.

Toda vez que o helicóptero passava aqui ó... era correria... vai demolir
todo mundo, vai todo mundo ter que sair do Paraná, é área de despejo,
porque era área verde, área não sei o que lá, área ambiental, é que todo
mundo tinha que sair, muita correria (PIRI).

Apesar de a maioria dos moradores da Vila Brasilândia ser proprietário de


imóvel, há que se considerar, segundo a pesquisa DNA Paulista (FOLHA,
2008), a maior parte desses imóveis é fruto de ocupação. Também nas
entrevistas coletivas, é citada a situação de compra de segundos ou terceiros
proprietários após a ocupação inicial.

Quando eu cheguei, comprei o terreno, já tinham invadido, comprei da


mão de segundos. Construí uma casa, fui assaltada logo no começo que
eu cheguei, roubaram meu barraco lá, levaram um monte de coisa, mas
mesmo assim eu dei a volta por cima (PIRI).

Por estar em área de preservação ambiental (encosta da Serra da


Cantareira), a região ficou durante pelo menos dez anos, cravada no meio da
mata, sem luz, asfaltamento, saneamento básico. Segundo o que conceituou
Koga (2013a), podemos identificar o Jardim Paraná como uma área
periurbana, ou território de fronteira. Dentro do que as pesquisas recentes
apontaram em relação à baixa qualidade de vida ou ausência de elementos
que constituem a cidadania na Vila Brasilândia, segundo a pesquisa DNA
Paulistano- Zona Noroeste, podemos amplificar ao Jardim Paraná as
carências apontadas pelo estudo em relação ao distrito, caracterizadas abaixo
e comparadas com os outros bairros/distritos que fazem parte da jurisdição da
Diretoria Regional de Educação Freguesia/Brasilândia, da qual faz parte o CEU
Paz:
113

BRASILÂNDIA FREGUESIA CACHOEIRINHA CASA LIMÃO


VERDE

ESCOLARIDA 6% 16% 9% 17% 10%


DE

SUPERIOR

RENDA 34% 21% 38% 24% 32%


FAMILIAR

ATÉ 2
SALÁRIOS
MÍNIMOS

DESEJAM 34% 16% 24% 16% 24%


MUDAR DE
BAIRRO

FREQUENTAM 6% 10% 16% 13% 10%


PARQUES

FREQUENTAM 7% 16% 12% 19% 16%


SHOPPING
CENTER

ACESSAM A 18% 32% 19% 26% 21%


INTERNET

TABELA 3: Características socioeconômicas dos distritos pertencentes à


jurisdição da Diretoria de Educação Freguesia/Brasilândia34.

34
Fonte Folha (2008).
114

A tabela acima informa dados importantes sobre a Vila Brasilândia, para


podermos entender as necessidades de sua população de 264.918 de
pessoas, que apresentam IDH (Índice de desenvolvimento humano) de 0, 769,
o que a faz ocupar o 84º lugar entre os 96 distritos da Capital (IBGE,
2014).

A baixa escolaridade da população numerosa da Vila Brasilândia pode ser


observada na tabela: apenas 6% da população do distrito têm nível superior.
Em relação à participação política e social, de acordo com Santos (2012), a
baixa escolaridade reflete um handicap político, assim descrito: “quanto mais
longe dos centros de poder, mais difícil é fazer ouvir a própria voz” (SANTOS,
2012, p.118).

A distância geográfica e a distância política estão relacionadas, e quanto menor


o número de pessoas com escolaridade superior, menor a incidência de
participação social. Conforme Santos (2012, p. 118),

O grande número de iletrados desfavorece a periferia, do ponto


de vista da informação econômica e política. Na cidade, as
informações oficiais são quase sempre deformadas pelos
meios de comunicação de massa, mas os contatos entre as
diferentes redes informativas são maiores e, por isso, a
percepção das desigualdades é mais aguda.

Por conseguinte, a informação fabricada é econômica e


geograficamente concentrada.

Se a informação que chega à periferia dificilmente é relativizada em função do


grau de escolaridade do morador, ao considerarmos o acesso à internet
apresentado na pesquisa pelos moradores da Vila Brasilândia vemos que, entre
os cinco distritos comparados, este é o que apresenta o número de acesso
menor: 18%, enquanto o bairro vizinho Freguesia do Ó apresenta 32%.

Este dado, cotejado ao anterior, forma um panorama importante em relação à


necessidade de uma educação permanente que tenha foco na participação
social, com vistas a levar o cidadão a desenvolver criticidade em relação às
115

questões sociais que o cercam. Consciência de classe e direito de cidadania


só podem despertar de conhecimentos construídos de forma coletiva.

A alta incidência de pessoas que não frequentaram nível superior também


pode estar relacionada à renda familiar apresentada pela pesquisa DNA
Paulistano e retratada no quadro-resumo: 34% dos moradores entrevistados
têm renda familiar até 2 salários mínimos.

Aspectos citados durante as entrevistas coletivas com os participantes do


CEU Paz apontam para uma desvalorização atribuída ao CEU pela população
local.

Muitas pessoas dizem “aquele lugar cheio de barro, não. Meu filho estuda
na...” prefere sair pagando escola. Meu filho não, vou lá no CEU? Eu
vou atrás. Aí preferem Genésio, preferem Yadoia, e as mães vão pra fora,
pagam cem reais, cento e vinte reais, preferem o filho lá fora tendo o
CEU (PIRI).

Os alunos que tem no Genésio, eles mesmos não imaginariam a


estrutura que é aqui dentro, porque eu fiz uma apresentação há uns
quinze dias atrás aqui, os próprios professores do Genésio, os alunos
comentaram que eu ouvi, que a infraestrutura aqui é muito grande. A
escola tem um teatro. A grandiosidade que tem aqui. Na escola tem um
teatro que você pode sentar, comer pipoca, é difícil. Numa comunidade
pobre como essa não conhecer. Então isso é legal. Saber que a gente
mora tão perto de tudo isso e podemos fazer parte de tudo isso, porque é
só querer que a gente consegue muita coisa (PINÁ).

Com um alto índice de rejeição pelo bairro onde moram, os 34% citados na
pesquisa DNA Paulistano com desejo de mudar de bairro parecem coerentes
com a desvalorização em relação ao CEU e ao bairro em geral citada pelos
sujeitos da pesquisa.

A pesquisa DNA Paulistano mostrou, em 2009, que os moradores dos


diferentes bairros do distrito de Vila Brasilândia apresentam baixa frequência
a shoppings- centers. Tal fato pode estar demonstrando que essas pessoas
estão relativamente fora do jogo do consumo, fator que a sociedade
capitalista urbana valoriza como bem sociocultural. Em contrapartida, nos
116

remete a uma possibilidade de que esta região possa construir um novo viés
de cidadania, uma vez que, um pouco distanciados da lógica do consumo, de
acordo com Santos (2012), mulheres e homens da periferia têm condições de
recriar a sua cultura popular, pois,

(...) desde que imunizadas contra os fatores de banalização


que o consumo, entre outras causas carrega, as populações
desenraizadas terminam por reconstruir uma nova cultura
popular, que é ao mesmo tempo filosofia, e, por isso, um
caminho para a libertação. (SANTOS, 2012, p.86-87).

O Projeto CEU e sua implantação nos bolsões de miséria da Capital, foi


apresentado por Perez, Faria e Seixas (in CAMPOS, GAMA e SACCHETA,
2004) como parte de uma política inclusiva, explicada pelos autores:

O CEU foi concebido como espaço de reflexão, estudos e


construção conjunta de conhecimento, que se alia ao espaço
para receber e considerar a cultura da comunidade e irradiar
outras formas de manifestações culturais. Esse espaço deve
permitir a construção individual e coletiva da ação pedagógica
e, ao mesmo tempo, fomentar a participação e organização dos
diferentes segmentos e movimentos sociais.

(...) urge implementar, pois, projetos que possibilitem a


reversão do quadro geral da exclusão, que tem no seu bojo
as exclusões social, cultural, tecnológica e educacional. O
CEU é uma das respostas ao problema da exclusão social
da cidade.

Conhecendo um pouco do local onde se realizou esta pesquisa, é possível


compreender melhor os aspectos citados pelos participantes das entrevistas,
coletivas ou individuais, e desta forma, reconhecer o potencial de um complexo
educacional voltado à realização da educação popular na periferia de São
Paulo: o CEU Paz.
117

4.2 A coleta de dados.

No trabalho de campo, preferencialmente, optamos pela entrevista. A interação


nos colocou a possibilidade de atuar com as pessoas, e de certa forma,
surpreendentemente, participar de alguns encaminhamentos.

Apesar de termos elaborado um roteiro criterioso para antecipar o momento


das entrevistas, é necessária, por parte do pesquisador, uma certa flexibilidade
na condução dos trabalhos. A participação do entrevistador, segundo
Szymanski (2011, p.43), pode se dar de diferentes formas: “elaborando
sínteses, formulando questões de esclarecimento, questões focalizadoras e
questões de aprofundamento.” Com esses esclarecimentos prévios, foi
possível conduzir diferentes momentos, com diferentes públicos, mantendo,
apesar das diferenças de roteiros, um foco, em especial nos objetivos da
pesquisa.

Entre a primeira e a segunda entrevistas coletivas, elaboramos uma síntese


para levar como devolutiva aos participantes, e desta forma , explicitar as
contribuições dadas pelo grupo no primeiro encontro e dessa forma avançar
nas reflexões desenvolvidas. A síntese elaborada que foi lida aos participantes
durante a segunda entrevista coletiva consta no Apêndice 3 deste.trabalho.

4.2.1 Um estudo de caso: o Projeto CEU.

Este trabalho foi desenvolvido de acordo com o conceito de pesquisa


qualitativa. Foi pretendido por meio da estratégia de estudo de caso, porque
o mesmo sempre envolve uma instância em ação. Também identificamos que,
apesar de previamente estar claro que seria uma pesquisa qualitativa, com
alguns elementos da quantitativa, e que havia um referencial teórico que
pudesse nortear o trabalho, buscamos, neste caso, estar de acordo com a
afirmação de André (2005), de que não são as técnicas que definem o tipo
de estudo, e sim o conhecimento que dele advém. Não nos seria possível, a
118

priori, definir por completo a trajetória percorrida após a imersão na vida dos
participantes das entrevistas. As entrevistas, de acordo com Szymanski (2011),
assim como todas as atividades relacionais humanas, trazem questões
importantes como a interação face a face, a relação de poder e desigualdade
entre entrevistador e entrevistado, a construção do significado na narrativa e a
presença de uma intencionalidade. Neste trabalho, especificamente, as
entrevistas assumiram papel preponderante. Stake (apud, ANDRÉ, 2005, p.16)
esclarece as razões para nossa escolha metodológica:

(...) O que caracteriza o estudo de caso não é um método


específico, mas um tipo de conhecimento: “Estudo de caso não
é uma escolha metodológica, mas uma escolha do objeto a ser
estudado”. Uma questão fundamental (...) é o conhecimento
derivado do caso, ou melhor, o que se aprende ao estudar o
caso.

Conforme já foi esclarecido na primeira seção desta dissertação, quatro


características são essenciais num estudo de caso qualitativo: particularidade,
descrição, heurística e indução (ANDRÉ, 2005).

4.2.2 Características do estudo de caso e da pesquisa desenvolvida.

Neste estudo, propusemos a descrição do fenômeno, por meio das diferentes


técnicas de recolha de dados, buscando informar ao leitor as características
principais do Projeto CEU. A compreensão do estudo de caso somente é
possibilitada pela triangulação das diferentes técnicas. Buscamos variar, entre
análise bibliográfica e documental, entrevistas individuais e em grupo.

Também foi buscada a característica de particularidade, uma vez que as


entrevistas coletivas e individuais foram feitas privilegiando-se os atores de
uma experiência específica: o CEU Paz. Acreditamos ter garantido, desta
forma, a representatividade, uma vez que o Projeto CEU abrange as diversas
regiões periféricas da Cidade de São Paulo, com características semelhantes
entre os complexos educacionais. Entretanto, a focalização se deu em uma
determinada região, o Jardim Paraná, pertencente ao distrito Vila
Brasilândia, acreditando que esse foco tenha importância por suas
características.
119

Muito houve o que apreender da experiência enquanto se realizavam as


entrevistas com as pessoas da comunidade.

Outra característica importante para o estudo de caso é a heurística.

No dicionário on-line Ferreira (2014) encontramos a definição para o termo:

s.f. Em história, pesquisa de documentos que tem por objeto a


descoberta de fatos. / Log. Hipótese que, numa pesquisa, leva
a uma descoberta científica; método analítico para a
descoberta de verdades científicas.

André (2005) caracteriza a heurística, em pesquisa qualitativa, como o ato de


iluminar a compreensão do leitor sobre o fenômeno estudado. Neste caso,
buscamos tal iluminação por meio da análise de outras inciativas educacionais
brasileiras que podem ter influenciado historicamente a implantação do Projeto
CEU, além da aproximação da educação praticada em seu interior ao conceito
de educação popular, que tem em Paulo Freire a sua maior referência, e na
busca de sentidos territoriais por meio das contribuições de Milton Santos,
Aldaíza Sposatti e Dirce Koga. Saber que o território, mais do que espaço
geográfico, é espaço de cidadania, especialmente em uma metrópole como
São Paulo, pode contribuir para a compreensão dos objetivos do Projeto CEU.

Como uma experiência relativamente nova (apenas dez anos) no cenário


educacional brasileiro, o CEU se apresenta como um campo de possibilidades,
então foi característica desta pesquisa buscar levar o leitor à indução, uma vez
que não dispomos, no meio acadêmico, de uma extensa produção pré-definida
que dê conta de poder ser verificada sobre das práticas realizadas no interior
desses complexos educacionais. A partir de nossas descobertas, simples,
porém não simplistas, pretendemos levar o leitor às suas próprias, e ao
aprofundamento a partir do que está aqui exposto.
120

4.3 Os sujeitos da pesquisa.

FIGURA 19: Foto de participantes das atividades esportivas e sociais


que a autora conheceu durante a pesquisa de campo realizada no CEU
Paz35.

A pesquisa de campo desenvolvida para este trabalho ocorreu no CEU Paz,


por intercessão de duas figuras centrais à vida do complexo educacional: a
gestora nomeada em 2013, Anatália Almeida Cesar Pena e a professora
Isabel Cristina Gonçalves, titular do cargo de Técnico de Educação Física do
CEU. Foi planejada uma pauta para entrevista coletiva, com a questão
disparadora: ‘O que o CEU representa para o bairro, e para você?’.

Durante aulas da professora Isabel as entrevistas foram realizadas. O grupo


de pessoas que participam das atividades propostas pela professora é grande
e frequente. Reúne pessoas de diferentes idades com um objetivo comum:
qualidade de vida por meio das atividades físicas e pelas relações
interpessoais. As propostas reúnem atividades esportivas, como pilates,
natação, hidroginástica, caminhada, crossfit, ginástica aeróbica, musculação,

35
Fonte: Acervo pessoal.
121

mas também incluem educação e reeducação alimentar. A professora Isabel é


uma liderança importante para essas pessoas, na sua maioria mulheres. A
partir dos depoimentos, percebeu-se que, para além dos benefícios físicos que
as atividades desenvolvidas promovem para as participantes, existem outros,
emocionais e sociais, que a pesquisa pôde identificar. Em especial, salientamos
a importância atribuída ao subgrupo pertencente à terceira idade, que encontra
nos amigos um apoio para suas necessidades emocionais.

Acima de tudo, durante a pesquisa, foi observado que os participantes


mantiveram respeito pelas histórias e discursos de cada depoente do grupo.

É importante ressaltar que, neste trabalho, as entrevistas foram realizadas com


a comunidade e com pessoas que trabalharam para a realização do Projeto
CEU.

A pesquisa não foi realizada com os estudantes e trabalhadores das escolas.


Podemos justificar nossa escolha pelo desejo de conhecer as concepções
daqueles que tradicionalmente não fizeram parte do cotidiano das escolas. Por
essa razão, apesar de haver três escolas no Complexo, um Centro de
Educação Infantil que atende em média quatrocentas crianças de 0 a 3 anos,
uma Escola de Educação Infantil que atende em média trezentas e cinquenta
crianças, e uma Escola de Ensino Fundamental e EJA que atende em média
mil e duzentas crianças, adolescentes, jovens e adultos, mantivemos o foco em
outros atores, para conhecer o que pensam as pessoas que hoje participam de
um equipamento que foi planejado para fazer de São Paulo uma cidade
educadora. Pensamos que muito a respeito das escolas do CEU possa ser
investigado em outras pesquisas. Nosso trabalho pretende oferecer
contribuições a partir do olhar de quem não faz parte do cotidiano escolar, mas
representa, junto aos alunos, a população que se beneficia com a operação
urbana promovida a partir do Projeto CEU.

As técnicas de recolha de dados utilizada para nos possibilitar o contato com a


comunidade do CEU Paz foram as entrevistas semiestruturadas, individuais e
coletivas.
122

Nossa escolha pode ser justificada pelo fato de que a entrevista possibilita o
contato face-a-face, o que um questionário não possibilita. Coletiva porque,
sabendo-se que a entrevista é uma interação definida como uma “arena de
conflitos e contradições” que se dá no “espaço relacional do conversar”
(MATURANA, apud SZYMANSKI, 2011, p 11). Estão em jogo, numa entrevista,
as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e
interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado
(SZYMANSKI, 2011). A opção pelo diálogo tecido de forma coletiva deu-se
como forma de proteger cada participante emocionalmente de uma exposição
excessiva.

No grupo, acreditamos que as pessoas teriam uma maior desenvoltura. A


decisão, a nosso ver, foi acertada, uma vez que despontaram durante a
entrevista questões que, se fosse feita a opção por questionários ou entrevista
individual apenas, não teriam vindo à tona. O sentimento de pertencimento
desenvolvido no decorrer dos dois encontros reafirma o caráter reflexivo que a
prática da entrevista coletiva pode assumir.

Enquanto se formava um grupo disposto a falar sobre a importância do CEU


Paz para a vida das pessoas e para o Jardim Paraná, formava-se também um
grupo com desejo de emancipação em sua participação. Observou-se, durante
o processo, uma crescente horizontalidade na relação entrevistador-
entrevistado, o que, de acordo com Szymanski (2011), pode ser explicado pela
conquista da reflexividade.

Isto é o que as próximas páginas pretendem apresentar.

Caracterização dos sujeitos pesquisados durante a entrevista coletiva:

Foi realizado um questionário de pesquisa, para caracterizar os participantes.


Neste caso, sem identificação, a fim de que fosse preservada a identidade de
cada um, em suas respostas, ainda que objetivas.

Para cada participante, será adotado o símbolo P, seguido de numeração.


123

PARTICIPANTE IDADE SEXO ESCOLARIDADE PROFISSÃO

P1 70 F Não estudou aposentada

P2 22 M Superior publicitário

P3 28 F Ensino Médio dona-de-casa

P4 74 M Ens. Fund. Incompleto motorista


aposentado

P5 49 F Ens. Fundamental copeira

P6 34 F Ens. Fundamental dona-de-casa

P7 53 F Ens. Fund. Incompleto dona-de-casa

P8 44 F Ensino Médio costureira

P9 46 F Ens. Fund. Incompleto autônoma

P10 38 F Ens. Fundamental pensionista

P11 38 F Ensino Médio serviços gerais

P12 32 F Ensino Médio comerciante

P13 27 F Ensino Médio dona-de-casa

P14 67 F Ens. Fund. Incompleto aposentada

P15 31 F Ensino Médio dona-de-casa

P16 60 M Superior aposentado

P17 27 F Ensino Médio cozinheira escolar

P18 33 F Ensino Médio Incomp. ajudante de cozinha

P19 44 F Ensino Médio costureira

P20 16 F Ensino Médio estudante

TABELA 4: Relação dos participantes.


124

Também participaram dos encontros a gestora do CEU (participou do primeiro


encontro) e a professora Isabel Cristina Gonçalves (participou dos dois
encontros).

O participante aqui denominado P4 ficou parcialmente apenas no segundo


encontro. Não fez colocações para o grupo e se retirou logo no início,
demonstrando-se incomodado com a entrevista.

Os demais atuaram ativamente durante a entrevista.

Inicialmente, foi explicado o objetivo da pesquisa para o grupo e esclarecido,


de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido constante no
Apêndice 1 deste trabalho, que teriam sua identidade preservada e poderiam
desistir da participação na pesquisa quando assim desejassem, mesmo após a
realização das entrevistas coletivas. Também ficou claro a todos que seria dado
um retorno por meio de síntese das discussões realizadas em um próximo
encontro.

A partir das questões formuladas em um questionário constante no Apêndice


deste trabalho para se conhecer um pouco mais sobre os participantes da
entrevista, foram obtidos os dados apresentados abaixo, a fim de caracterizar
socialmente as pessoas que frequentam o CEU nas atividades esportivas e
sociais.

Dos 20 participantes, 8 são familiares de alunos dos equipamentos


educacionais, além de participantes das atividades esportivas e sociais do
CEU. Entre esses 8, 3 se declararam também trabalhadores do CEU.

Entre os participantes, apenas 4 não moram no Jardim Paraná ou no Jardim


Damasceno, este o bairro mais próximo, acessível sem uso de meios de
transporte.

Apenas quatro entre os vinte participantes moram em casa alugada, enquanto


dezesseis residem em imóvel próprio, incluindo-se entre esses, um que mora
125

na encosta, ocupação recente que tomou a rampa de skate do CEU. Neste


caso, a casa, apesar de própria, é feita de madeira.

À pergunta relativa ao tempo que conhece o CEU Paz, os participantes


responderam como segue:

CONHECE O CEU PAZ HÁ:

2 Menos de um ano

4 Até dois anos

3 Dois a cinco anos

3 Cinco a nove anos

8 Dez anos

TABELA 5: Tempo que os participantes conhecem o CEU Paz.

A tabela acima revela que a maioria dos participantes da entrevista conhece o


CEU Paz desde a sua inauguração, em 2.004. Esse fato foi recebido pela
pesquisadora de forma positiva, pois a nossa hipótese é a de que as pessoas
que já moravam no Jardim Paraná antes da implantação do CEU Paz tenham
condições de contribuir com informações acerca das transformações ocorridas
no bairro após esse marco.

Em relação à quantidade de dias no mês que os participantes da pesquisa


frequentam o CEU, temos:
126

PARTICIPAÇÃO:

13 Todos os dias

05 Duas ou mais vezes por semana

0 Uma vez por semana

0 Duas vezes por mês

0 Uma vez por mês

2 Ocasionalmente

TABELA 6: Quantidade de dias no mês em que o participante frequenta o CEU Paz.

A tabela acima mostra que o grupo de pessoas que participou da entrevista


apresenta frequência alta às atividades esportivas e sociais do CEU Paz.

Nosso grupo de pesquisa foi um agrupamento bastante heterogêneo em idade.


Esse fato poderia ser preocupante, uma vez que as diversas pessoas estão
inseridas em uma cultura etária. Como não massificar a participação foi uma
questão da pesquisadora inicialmente. Entretanto, no decorrer, foi observado
que com diferenças relativas ao grupo social ou etário a que pertencessem,
todos tinham um mesmo objetivo: demonstravam gostar do CEU Paz e
desejavam falar a respeito.
127

5 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA.

Comovo-me em excesso, por


natureza e por ofício. Acho
medonho alguém viver sem
paixões.
Graciliano Ramos

A pesquisa qualitativa com características de estudo de caso implica em uma


abertura para, a partir dos dados coletados, determinar categorias de análise
emergentes, ou seja, que não tenham surgido quando o estabelecimento dos
objetivos do trabalho. Apesar dessa abertura, pela gama de opções que
poderiam ser consideradas para a interpretação dos dados do trabalho de
campo à luz dos objetivos propostos, optamos por categorias pré-
estabelecidas, por haverem sido encontradas nas entrevistas.

A opção pelas entrevistas semi-estruturadas se deu pela possibilidade de


construção de sentido pelos entrevistados, fosse individual ou coletivamente.

No caso das entrevistas coletivas, pretendeu-se criar um clima apropriado, em


que as pessoas, estando em seu grupo de participantes das aulas de Educação
Física no CEU Paz, pudessem ter no coletivo o apoio necessário para falarem
de suas experiências pessoais. O encontro é fundamental, nessa perspectiva,
para o processo de conscientização, mobilização social. De acordo com
Assumpção (2009, p.84):

Num círculo de cultura, em que se dá o encontro entre os


sujeitos do conhecimento, a educação libertadora possibilita
que se dispam de sua visão ingênua e ideológica da realidade,
que toma o mundo e as relações sociais como fatos, e não
como processos. A partir do momento em que, reinterpretando
coletivamente a realidade e questionando as interpretações
ideológicas correntes que carregam em si, como parte do
opressor introjetado, os indivíduos se reconhecem como
sujeitos históricos, capazes de transformar a realidade de
opressão e de desenvolver plenamente a sua vocação de ser
mais.
128

Individualmente foram entrevistadas duas pessoas com histórias entrelaçadas


à história da implantação do CEU, e mais precisamente, do CEU Paz. A
Coordenadora de Educação da Freguesia;/Brasilândia à época da implantação
do Projeto CEU, Elza Ramelo, que hoje é gestora do CEU Vila Atlântica, O
roteiro inicial para a entrevista foi: 1) Qual é a sai relação com o Projeto CEU?
2) O CEU é um lugar que se destaca pela paisagem? 3) Você considera que a
arquitetura do CEU favorece ao trabalho? 4) O profissional que trabalha no
CEU vê diferença entre estar no CEU ou não?

A outra entrevistada foi uma professora que, à época, assumiu o cargo de


Assistente de Diretor de Escola, depois de Diretor de Escola na EMEI CEU Paz,
Sueli Ramos Leite. Nesse caso, atendendo à preferência da Sra. Sueli, a
entrevista foi realizada por e-mail, a partir das questões disparadoras: 1) Defina
o CEU, por favor. 2) O que é cidadania para você? 3) Ser aluno de escola do
CEU é diferente de ser aluno de uma outra escola fora do CEU? 4) O projeto
original foi mantido? Houve alguma mudança desde o início? e 5) A arquitetura
do CEU é favorável a um projeto de Educação Cidadã?

As entrevistas realizadas foram diversificadas, para buscar contemplar ao


máximo a realidade vivida atualmente nos CEUs:

 Entrevista semiestruturada individual com uma gestora geral atual de


CEU.
 Entrevista semiestruturada com uma professora, ocupante dos
cargos de diretora e de assistente de diretor em unidades
educacionais do CEU Paz. A entrevistada, por falta de
disponibilidade, preferiu responder às perguntas por meio de e-mail.
 Entrevistas coletivas (total de duas) com um grupo de pessoas
participantes de atividades no CEU Paz. Essas entrevistas se
iniciaram por um questionário individual com o objetivo de
caracterização dos sujeitos entrevistados.
 Entrevista semiestruturada com duas participantes da pesquisa. São
duas idosas que se dispuseram a falar sobre o CEU Paz em nosso
primeiro contato como pesquisadora.
129

Os questionários de caracterização social e os roteiros de entrevistas constam


no apêndice deste trabalho.

A partir dos objetivos que foram propostos à pesquisa, à luz do referencial


teórico, delimitamos as seguintes categorias de análise: CIDADANIA;
EDUCAÇÃO POPULAR; INTEGRAÇÃO; PARTICIPAÇÃO e ARQUITETURA.

5.1 Cidadania.

O Projeto CEU foi idealizado na gestão da Prefeita Marta Suplicy (2001-2004)


para inserir São Paulo na Associação Internacional das Cidades Educadoras
(AICE), retomando um projeto de cidade para o qual houve uma assinatura
firmando o compromisso ainda na gestão de Luiza Erundina de Souza (1989-
1992) tendo como Secretário de Educação Paulo Freire.

O projeto inicial, apresentado à cidade por meio do Decreto 42832/03 (SÃO


PAULO, 2003), trazia os objetivos no ‘Considerando’ do texto legal:

CONSIDERANDO que a ação educativa é norteada pelos


princípios da participação, descentralização e autonomia, bem
como da inclusão, não só escolar, mas também sócio-
econômica da população;

CONSIDERANDO a urgência de implementar projetos que


viabilizem a reversão do quadro de exclusão social, cultural,
tecnológica e educacional;

CONSIDERANDO a escassez da oferta de lazer e


entretenimento nos bairros da periferia, em evidente
desigualdade com a região central da cidade;

CONSIDERANDO que o Centro Educacional Unificado - CEU


propiciará à população acesso a bibliotecas, centros culturais
e esportivos, integrados aos Centros de Educação Infantil -
CEIs, Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs e
Escolas Municipais de Ensino Fundamental - EMEFs, num
complexo único concebido em todas as suas dimensões,
desde o projeto arquitetônico até o projeto político-pedagógico,
conferindo novo significado ao espaço escolar (...). (SÃO
PAULO, 2003).
130

Chamado de Operação Urbana CEU, o Projeto tinha por objetivo mais do que
a construção de um equipamento de serviços públicos. Era uma forma
integrada de intervenção no território, buscando reduzir as diferenças entre as
regiões da cidade, e por consequência, entre as pessoas que moram nas
diferentes regiões da cidade.

Para Santos (1996/1997) ser cidadão é ser dotado de direitos que lhe permitem
não só se defrontar com o Estado, mas afrontar o Estado. O cidadão seria tão
forte quanto o Estado. E sobre a construção da necessária cidadania, o autor
nos apresenta uma espécie de porvir da cidadania: “O indivíduo completo é
aquele que tem a capacidade de entender o mundo, a sua situação no mundo,
e que, se ainda não é cidadão, sabe o que poderiam ser os seus direitos.”
(SANTOS, 1996/1997, p.133).

Nessa perspectiva, ouvir os cidadãos ou os ocupantes desse espaço é também


uma forma de promover a cidadania.

Santos (1996-1997, p.139) adiante aponta para as possibilidades, na


contradição da globalização, que se fazendo perversa hoje, segundo ele, não
é obrigatoriamente a que vai ficar, uma vez que “os materiais de que dispomos
hoje no mundo são suficientes para fazermos uma outra globalização, mais
humana.

Para Santos (1996/1997) há cidadanias mutiladas neste país, e, dentre elas


encontram–se as cidadanias mutiladas na localização dos homens, na
circulação, na educação. A periferia concentra um número grande de
cidadanias mutiladas. Apesar de lugar-comum na pedagogia, educar para a
cidadania precisa assumir a perda de uma suposta ingenuidade que tem feito
com que, no dia-a-dia da educação formal, haja a negação dos problemas que
afetam o entorno dos equipamentos destinados à educação, bem como da vida
dos cidadãos em geral.

O Projeto CEU apresenta uma possibilidade.


131

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA E


SUBCATEGORIA.
PINÁ. Cheguei para sair do Cidadania
aluguel, comprei
esse terreno,
construí um barraco
onde eu moro e me
sinto um pouco
culpada em saber
que toda essa
estrutura está sendo
prejudicada por nós
aqui embaixo. Mas
também me sinto
mal em saber que o
Estado, o governo, a
sociedade nos
espremem, nos
jogam para cá.
Eu comprei o
terreno. Quando eu
olhei eu falei “Meu
Deus do céu” porque
comunidade que eu
conheço é com uma
infraestrutura,
saneamento básico,
pelo menos um lugar
para você fazer um
“xixizinho”, não é?
Eu olhei, falei “Maria
do Céu”. E agora?
Eu fechei os olhos e
falei “tá fechado, vou
comprar”.

TABELA 7: Relato de participante. Nome: Piná. Categoria: cidadania36.

36
Mora em uma ocupação na encosta que faz limite com o CEU Paz. É funcionária da
empresa que presta serviços terceirizados de limpeza no Complexo. Também é mãe
de dois alunos do CEU.
132

Quando se refere a ser espremida pelo Estado, pelo governo e pela sociedade,
Piná, participante da entrevista coletiva, está expondo a sua percepção de um
fenômeno que se refere aos processos espaciais que definem a problemática
urbana nas metrópoles. A cada solução em relação às condições do território,
se impõe um novo problema.

Melhorar uma via pública significa aumentar também a


possibilidade de implantação ou melhoria do transporte público
e criar uma valorização que acabará por expulsar daquela
vizinhança os mais pobres. Instalar um novo serviço público
(água, esgotos, eletricidade) acaba por ter o mesmo
resultado, pelas mesmas razões. E a necessidade (nova) de
pagar por esses mesmos serviços pesa sobre orçamentos
reduzidos e apressa o processo de expulsão (SANTOS, 2013,
p.125).

Vivendo em uma sociedade neoliberal, é compreensível que, sendo deixado à


mercê da lógica do mercado, um território periférico ao progredir, acabe por
expulsar os mais pobres. Ações do poder público, voltadas para essas
regiões, podem ser uma forma de romper tal lógica. O Jardim Paraná,
localizado em área de proteção ambiental, ainda sente os efeitos da ocupação
constante daqueles que, estando em situação de exclusão social, buscam por
sua conta dirimir os efeitos da negação de sua cidadania, naquilo que ao
homem é mais necessário: o abrigo, o lugar, a moradia.

Espaço fundamental ao desenvolvimento da vida privada a que todos temos


direito, para a parcela mais excluída da sociedade, em São Paulo, a moradia
tem sido conquistada sem a intervenção do Estado, o que leva ao surgimento
constante das ocupações irregulares. O CEU Paz, paradoxalmente, ofereceu
aos que já habitavam o Jardim Paraná, direitos de cidadania das quais estavam
alijados, ao mesmo tempo em que teve seus espaços, mal delimitados,
ocupados por novos moradores, que se sujeitam, hoje, às condições de vida
que foram superadas pelos antigos moradores, a partir da operação urbana
que o CEU representou na cidade.
133

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

PIRI. Não, eu não fazia parte Cidadania.


(da associação de
bairro), eu saía para ir à
reunião, para não ser
despejada também.
Quando eu cheguei,
comprei o terreno, já
tinham invadido,
comprei da mão de
segundos. Construí
uma casa, fui assaltada
logo no começo que eu
cheguei, roubaram meu
barraco lá, levaram um
monte de coisa, mas
mesmo assim eu dava a
volta por cima.
( O CEU) É bom para
todo mundo, porque se
não fosse esse CEU o
que a gente ia ter aqui
no Jardim Paraná?
Nada. Nem um
endereço a gente tinha.
Porque depois do CEU
foi que subiu energia,
subiu asfalto, porque
até então a gente não
tinha nada. Nós
tínhamos gato,
roubado. Tudo era
roubado. Hoje eu pago
a minha energia, pago
minha água, paguei
meu terreno, a
associação, aí o
Haddad deu o
documento.

TABELA 8: Relato de participante. Nome: Piri. Categoria: cidadania37.

37
Moradora do Jardim Paraná desde a década de 1990, quando a localidade ainda
fazia parte do Jd. Damasceno. Viu as transformações no bairro.
134

Antes do CEU Paz, o Jardim Paraná não contava com serviços públicos de
asfaltamento, transporte público, água, esgoto, iluminação. Era uma ocupação
irregular, embora boa parte dos participantes da entrevista alegue já ter
comprado casa ou terreno das mãos de segundos ou terceiros, conforme relato
acima.

Estas áreas localizadas em territórios de proteção ambiental, passaram um


longo período sem contar com equipamentos públicos. Entretanto, a ocupação
e a fixação do homem no território levou à necessidade crescente de garantir
fixos sociais necessários à promoção da cidadania.

Segundo Santos (2012, p.98), como os pobres ainda estão muito longe de
possuir todos os bens que a sociedade de consumo lhes comanda, e como a
sociedade de consumo está sempre a lhe criar novas necessidades de
consumo:

os seus ganhos insuficientes com frequência aconselham a


troca da casa por dinheiro, com o qual buscam completar a
cadeia dos objetos buscados. Quanto a morar, basta deslocar-
se para ainda mais longe, recomeçando tantas vezes o ciclo
quantas se façam necessárias.

É dessa forma que, em muitas localidades da Cidade de São Paulo se


formaram os bairros e distritos. Áreas longe do valor imobiliário para onde os
mais pobres foram impelidos a ocupar, ao mesmo tempo em que apresentam
grande déficit de serviços públicos, apresenta-se muitas vezes como única
alternativa de moradia para os excluídos de cidadania.
135

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

Adão Eu acho que dos CEUS Cidadania


paulistanos, o único que
tem problema de acesso é
o CEU Paz. E nós temos
uma estrutura muito boa
no CEU Paz: teatro,
piscina. Só que nós temos
uma comunidade que não
utiliza totalmente. Para
lideranças culturais, por
exemplo, fica difícil marcar
e levar uma pessoa de
idade. Em saraus de
poesias, por exemplo, no
CEU Paz. Primeira coisa
para melhorar no CEU é a
urbanicidade em torno
dele. . Fazer ele integrar
não só o Jardim Paraná
onde ele está inserido,
mas o Vista Alegre, o
Princesa, a V. Terezinha e
o Damasceno. Mesmo
para quem é do
Damasceno tem que ir lá
por cima, pela escola
Gervásio, não tem outro
caminho. Daria para você
cruzar do Jardim Princesa
para o Damasceno que
não tem acesso. Não tem
uma ponte que ligue as
duas ilhas. Não tem uma
ponte sobre o córrego do
canivete. Ligar o Jardim
Damasceno ao Princesa e
Vista Alegre seria só uma
ponte. Quem mora no
Vista Alegre tem que vir
até a Cantídio Sampaio,
cruzar o Damasceno para
dar a volta e ir para o CEU.
TABELA 9: Relato de participante. Nome: Adão. Categoria: cidadania38.

38
Líder comunitário. Representa o Movimento de Alfabetização de Jovens e
Adultos na Vila Brasilândia.
136

No depoimento acima, identificamos a necessidade de intervenção do Poder


Público para facilitar o acesso das pessoas da comunidade ao CEU Paz. A
operação urbana que foi iniciada com o Projeto CEU, na opinião de quem vive
na região, ainda precisa de investimento. Esse é um fator de grande
importância, pois, de acordo com Santos (2012,p.141):

Uma política efetivamente redistributiva, visando a que as


pessoas não sejam discriminadas em função do lugar em que
vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial. É
a partir dessa constatação que se deveria estabelecer como
dever legal – e mesmo constitucional – uma autêntica
instrumentação do território que a todos atribua, como direito
indiscutível, todas aquelas prestações sociais indispensáveis a
uma vida decente e que não podem ser objeto de compra e
venda no mercado, mas constituem um dever impostergável da
sociedade como um todo e, neste caso, do Estado.

A dificuldade enfrentada pelos moradores dos bairros vizinhos para terem


acesso ao CEU Paz acaba por reforçar as condições de vida que a população
da periferia enfrenta.

A presença do Centro Educacional no local, por si, não assegura que a


população do entorno participe ativamente das atividades, segundo o
depoimento. Acaba sendo sub-utilizado quando a região poderia se beneficiar
muito na educação integral do cidadão. Talvez esse fato explique as
dificuldades relativas à participação que são relatadas nesta seção à subseção
5.3.

Uma vez completa a Operação Urbana CEU na região do Jardim Paraná,


acreditamos que os moradores dos bairros vizinhos possam ter o acesso
facilitado, e, com isso, a concretização dos objetivos iniciais do Projeto pode
ser facilitada. Não há, como podemos verificar, condições de avaliar as razões
da participação ainda ser restrita a alguns grupos, e observada a baixa adesão
a eventos culturais no CEU Paz. Entretanto, estar em uma região de difícil
acesso pode ser uma explicação.
137

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

Adriana Aqui, bem de frente era Cidadania


a mata. A gente só tinha
um caminhozinho para
passar para ir par a
escola. Nessa época eu
estudava no Cecília
(EMEF Cecília Morais
de Vasconcelos), lá no
Jardim Elisa Maria, e
era aquele sofrimento
de chegar na escola
cheia de barro. Eu
sentava na cadeira e
minha irmã, coitada, em
volta sempre cheio de
barro no chão. A gente
chegava toda molhada
e cheia de barro. Maior
vergonha, os “pés de
barro”39, como diziam.

TABELA 10: Relato de participante. Nome: Adriana. Categoria: cidadania. 40

Os moradores das localidades mais distantes, não raramente carregam um


estigma, que dificulta a sua inserção social, como o relatado pela participante.

39
Pé-de-barro, entre os participantes do grupo, é uma expressão que, ao mesmo tempo em
que suscita risos, é lembrada como referência ao sentimento de inadequação social
experimentado por aqueles que residem em regiões sem asfalto. Em uma cidade onde o nível
de urbanização é símbolo para o país e toda a América Latina, trazer os pés sujos de barro é
sinônimo de exclusão social.

40
Moradora antiga do bairro. Joga futebol feminino desde a adolescência. Inicialmente,
na quadra onde está hoje o CEU Paz. Com a inauguração do CEU, continuou jogando
em horário destinado ao esporte que pratica.
138

Morar na periferia, muitas vezes é estar condenado a duas formas de pobreza.


Uma econômica, outra territorial. A localização do território é um fator que
determina quem vai ser mais ou menos pobre. Somada a uma valorização dos
ambientes urbanos na Cidade de São Paulo, leva à exclusão ainda maior
daqueles que residem em áreas onde a urbanização não se faz presente. A
falta de asfaltamento é um dos fatores que a pesquisa aponta como marcador
social entre os participantes. Pés sujos de barro em uma metrópole são sinais
corporais de pobreza e exclusão a partir do território.

No depoimento da gestora do CEU Paz, podemos perceber que, sendo uma


área de ocupação recente, os moradores do entorno enfrentam problemas
semelhantes ao relatado por Adriana:

Tem uma mãe que mora na encosta, ela veio pedir para a gente abrir
aquele portãozinho que dá acesso ao lado de trás da pista de skate
porque ela falou que no dia de chuva as crianças chegam cheias de lama.
Na biblioteca a gente tem um banheiro com uma torneirinha lá para o
pessoal da limpeza limpar o banheiro. As crianças vão até lá, lavam os
pés para irem à sala de aula. A coordenadora da biblioteca perguntou “O
que eu faço?” dentro da biblioteca, que é um lugar protegido, né?
Limpinho, aconchegante, fica cheio de lama... Eu falei “Paciência, pede
para as meninas (da limpeza terceirizada), depois que as crianças vierem
lavar aqui o pezinho, elas virem limpar o banheiro. Porque nós não vamos
proibir a criança de lavar o pé para chegar na sala de aula e não passar
vexame. Deixa ela lavar o pé”. (Anatália – Gestora do CEU Paz).

O papel da gestora, neste e em outros casos, pode ser decisivo no sentimento


de pertencimento vivenciado por cada aluno. Os adultos do CEU ou de
qualquer escola, sendo educadores ou não, precisam contar com mais do que
competência ou profissionalismo: é preciso sensibilidade.
139

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ROSA Que é que eu posso falar do Cidadania


CEU? Para mim é tudo.
Deixo o meu marido
sozinho. Que nem agora,
deixei ele lá sozinho,
amarrado que é para não
cair da cama. É, gente, eu
ponho lençol no braço dele e
ponho a faixa que é para
não machucar, entendeu? A
perna é a mesma coisa, ele
tem força na perna direita.
Ele está dessa grossura
(mostrou o dedo mínimo)
mas tem força na perna. E
tem força no braço direito.
Para eu sair de casa é muito
ruim. A melhor maneira de
eu fazer isso é vir ao CEU.
O CEU é tudo para mim.

Tabela 11: Relato de participante. Nome: Rosa. Categoria: cidadania41.

Dona Rosa, segundo relatos da professora de Educação Física, encontra-se


em depressão. Quando desaparece por longos períodos, a professora liga para
sua casa e convence-a a voltar a suas atividades no CEU.

41
Idosa, mora em um bairro vizinho e cuida do marido permanentemente acamado.
140

A sociedade brasileira, assim como a sociedade mundial tem discutido


amplamente o tratamento necessário a garantir a qualidade de vida à
população idosa. Vivendo em uma situação de cuidadora de doente acamado,
Dona Rosa, sem a tutela do Estado, divide o seu tempo entre esse cuidado, e
suas idas semanais ao CEU Paz.

Dona Rosa é o retrato de muitos idosos da sociedade brasileira, que, apesar


de há onze anos já terem conquistado uma lei que os ampara, a Lei 10.741, ou
Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), que em seu Artigo 3º anuncia: ”É obrigação
da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao
idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária”, ainda vive como um oprimido, no sentido em que Barbosa (1994,
p.11) denuncia:

Em nossa sociedade de classes, dilacerada até às raízes pelas


mais cruéis contradições, a mulher, a criança e o velho não são
classes: são antes aspectos diversificados e embutidos por
entre as classes sociais. Assim como não se pode falar, com
propriedade, em classes de artistas ou de cientistas. Estes,
como aqueles, pertencem a uma ou outra classe social que os
configura e deles exige definições.

Já se sabe: o que define a classe social é a posição ocupada


pelo sujeito nas relações objetivas de trabalho.

Quando se fala de uma ‘pedagogia do oprimido’, em referência a Paulo Freire,


o endereço tem nome certo: trata-se de uma pedagogia que possa dar conta
de uma situação precisa, no universo das relações sociais, de uma certa
camada da população subjugada pela dependência. Opressão: dependência.
Hoje, o idoso também se constitui em responsabilidade, para além da vida
familiar.
141

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

MARIA Olha, o CEU Paz para mim foi muito Cidadania


bom. Porque a gente vive assim...
leva uma vida sedentária. Eu
trabalhava, não tinha tempo nem
condições. Há quatro anos eu
aposentei e aí eu comecei as
atividades no CEU. Ginástica,
pilates, a hidro (hidroginástica).
Você pode acreditar que minha
saúde melhorou assim... não vou
dizer cem por cento, mas uns
noventa por cento melhorou. Eu
tinha cirurgia marcada no braço
porque eu tinha tendinite. Ruptura
do tendão, e com isso (as
atividades físicas realizadas no
CEU) eu não precisei mais, não
sinto mais dores nenhumas, essas
dores lombares, nada. Estou ótima.
Graças a Deus e não pretendo sair
tão cedo do CEU.
Tabela 12: Relato de participante. Nome: Maria. Categoria: cidadania42.

O grupo de idosas é significativo no CEU Paz. Em atividades esportivas, essas


mulheres têm a oportunidade de se relacionar com outras pessoas, idosas ou
não, uma vez que o grupo é heterogêneo sob o aspecto da idade.

Na Carta do Idoso (GCMI, 2013, p.3), constam como obrigações do Município:

Promover atividades físicas e esportivas adaptadas para


idosos, com acompanhamento de profissionais especializados
nos centros esportivos e nos centros educacionais unificados.
Apoiar e fortalecer a participação dos idosos no controle social,
através de seus mecanismos: fóruns regionais, redes, grupos,
núcleos de convivência, movimentos populares.

Observamos que o Centro Educacional Unificado, acompanhando a evolução


da sociedade e suas exigências mais recentes em relação à garantia de
respeito, reconhecimento e cidadania para a população idosa, vem cumprindo

42
Idosa, sentiu benefícios a sua saúde a partir da participação nas atividades esportivas do
CEU Paz.
142

as obrigações constantes da Carta do Idoso, inspirada da Lei 10.741, o Estatuto


do Idoso (BRASIL, 2003).

5.2 Educação Popular.

Sendo um conceito tradicionalmente associado aos movimentos populares, em


nosso trabalho assume o caráter de emergência enquanto ação educativa para
a classe trabalhadora, que muitas vezes se vê excluída da possibilidade de
usufruir cidadania. Nesse contexto, acreditamos que o poder público, por meio
de políticas educacionais, possa fomentar a emancipação dos indivíduos por
meio de práticas que sejam realizadas em espaços comunitários importantes
como os CEUs de São Paulo.

Nesse sentido, para explicitarmos o que entendemos por educação popular,


utilizamos a definição de Brandão (in BRANDÃO, 2009, p.29 e 30) para o
conceito:

1) Constitui passo a passo (“aos tropeços”, dirão os seus


críticos) uma nova teoria, não apenas da educação, mas das
relações que, considerando-a a partir da cultura, estabelecem
novas articulações entre a sua prática e um trabalho político
progressivamente popular das trocas entre o ser humano e a
sociedade, e de condições de transformação das estruturas
opressoras desta pelo trabalho libertador daquele;
2) Fundou não apenas um novo método de trabalho “com o
povo” por meio da educação, mas toda uma nova educação
libertadora, por meio do trabalho do/com o povo sobre ela –
esse é o sentido em que a educação popular projeta
transformar todo o sistema de educação, em todos os seus
níveis, como uma educação popular;
3) Definiu a educação como instrumento político de
conscientização e politização, por meio da construção de um
novo saber, ao invés de ser apenas um meio de transferência
seletiva, a sujeitos e grupos populares – este é o sentido em
que ela se propõe como uma ampla ação cultural para a
liberdade a partir da prática pedagógica no momento de
encontro entre educadores-educandos e educandos-
educadores.
143

4) Afasta-se de ser tão somente uma atividade “de sala de


aula”, de “escolarização popular” e busca alternativas de
realizar-se em todas situações de práticas críticas e criativas
entre agentes educadores “comprometidos” e sujeitos
populares “organizados”, ou em processo de organização de
classe;
5) Procura perder, aos poucos (o que nem sempre
consegue), uma característica original de ser um movimento de
educadores e militantes eruditos destinado a “trabalhar com o
povo”, para ser um trabalho político sem projeto próprio e
diretor de ações pedagógicas sobre o povo, mas a serviço dos
seus projetos de classe.

Especialmente considerando não ser a educação popular apenas um projeto


de educação desenvolvido em sala de aula é que buscamos, para a realização
desta pesquisa, as concepções de atores que não se encontram, via de regra,
inseridos no trabalho escolar. Pensar a educação popular a partir desses
atores, a comunidade em geral, não exclui a necessidade de se pensar um
projeto que integre os fazeres nas unidades educacionais a esse projeto maior,
de cidadania. Entretanto, como nos planejamentos das escolas com frequência
encontramos a cidadania como conteúdo básico ou transversal, preferimos não
correr o risco de impregnar a pesquisa com lugares-comuns presentes nos
registros realizados em escolas. Antes, se isso for possível, pretendemos
oferecer uma contribuição para a construção curricular do conceito de
cidadania a partir da experiência em relações sociais que o CEU possibilita.

Nesse aspecto, vale ressaltar que, ainda que a presença dos pais nas unidades
educacionais ainda possa estar limitada a dias de reunião de professores,
festas, assinatura de cheques para a APM, o CEU, possibilitando formas de
participação social inéditas, pode romper com a cultura presente nas escolas
que limita a forma desejável de participação dos pais no cotidiano, pois, de
acordo com Abranches (2003):

(...) colaboração não é participação. Esta abrange o poder,


enquanto aquela pode situar-se apenas na prestação de
serviços ou como aval de situações já tomadas. No processo
participativo, todos têm sua palavra a dizer diante das
orientações de ações pedagógicas e administrativas da escola.
144

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

Carlos O bairro não tem associação de Educação


moradores. Já teve, foi muito criticada, Popular
houve falhas na associação e no geral
teve muito benefício também. No geral,
se for voltar a ter alguma associação é
desconfiada por essa questão. Por má
administração. (acontecer uma
associação nova no bairro) seria bom.
Acho possível, mas quem tiver essa
empreitada vai ser muito complicado.
Por falta também de confiança da
população. Mas, como nesse processo
todo que envolve o bairro, envolvimento,
conquistas e melhorias, o CEU é a
nossa base, tem o Conselho Gestor
que eu faço parte como sendo morador
do bairro, que é onde a gente consegue
conversar com os equipamentos
públicos municipais e estaduais.
Também já participei de reunião com o
pessoal da DERSA perguntando,
tirando algumas dúvidas do que a
comunidade em geral tem. Ajudo a
administrar também a fanpage do CEU,
algumas coisas a gente posta na
fanpage. Também estou no começo de
um trabalho social aqui no bairro. É um
trabalho para formar jovens a terem uma
visão crítica, política. Pode ser essa
associação que o bairro não tem.
Pensei em começar primeiro com os
jovens, o projeto é junto com a
Coordenadora de Educação daqui do
CEU, Professora Marisa43e a ideia é
politizar os jovens do bairro para que
eles saibam do que está acontecendo
no bairro, as mudanças que sofremos,
as mudanças que ainda vamos sofrer e
lutar para que a mudança seja feita do
nosso jeito. Que não venha de cima
para baixo, mas sim no sentido inverso,
de baixo para cima atender aos pedidos
e não recebermos as ordens dos
poderes públicos.

Tabela 13: Relato de participante. Nome: Carlos. Categoria: educação popular44.

43 Profª Marisa do Nascimento, Coordenadora do Núcleo de Ação Educacional do CEU Paz.


44 Jovem, realiza trabalho voluntário com alunos jovens do CEU Paz.
145

Carlos, antigo morador do bairro, aluno da EMEF Teotônio Vilela, desde o


tempo em que a escola estava em outro lugar, fora do CEU Paz. Em outro
trecho da entrevista coletiva, na seção 5.1 deste trabalho, relata o que significou
passar a ser aluno do Centro Educacional Unificado. De acordo com Brandão
(in BRANDÃO, 2009, p.32):

Não é apenas em uma sociedade transformada que se cria


uma nova cultura e um novo homem. É ao longo do processo
coletivo de transformá-la, por meio do qual as classes
populares se educam com a sua própria prática e consolidam
o seu saber com o aporte da educação popular. Pela primeira
vez surge a proposta de uma educação que é popular não
porque o seu trabalho se dirige a operários e camponeses
prematuramente excluídos da escola seriada, mas porque o
que ela “ensina” vincula-se organicamente à possibilidade de
criação de um saber popular, por meio da conquista de uma
educação de classe, instrumento de uma nova hegemonia.

A presença de um ex-aluno no CEU Paz qualifica o trabalho com os jovens. A


escolha curricular do trabalho que esse jovem desenvolve pode caracterizar o
mesmo como trabalho de educação popular, no sentido em que sendo um
membro da comunidade formado em Universidade, coloca o seu saber
construído a serviço do processo de passagem do povo de sujeito econômico
a sujeito político. Nesse sentido, compreendemos o trabalho voluntário de
Carlos como uma grande conquista do CEU Paz e da Cidade de São Paulo.
146

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

PIRI A associação (de bairro) teve falhas, teve. E Educação


hoje ninguém tem associação de bairro. Popular
Nem que fosse uma sala aqui no CEU para
o pessoal acompanhar como funciona, para
que serve uma associação. Porque se a
nossa associação falhou ela também ajudou
bastante.
Tabela 14: Relato de participante. Nome: Piri. Categoria: educação popular45.

A ausência percebida pela participante Piri, de uma associação de bairro no


Jardim Paraná, sugerindo que o CEU pudesse organizar tal espaço, nos remete
a uma importante contribuição do CEU como espaço de promoção da educação
popular, lembrando o que afirma Brandão (in BRANDÃO, 2009 p.36 e 37):

Ao existir dentro e além de situações formais de ensinar-e-


aprender, a educação popular é uma entre outras práticas
sociais cuja especificidade é lidar com o saber, com o
conhecimento. Com relações de intercâmbio de saberes entre
educadores eruditos e sujeitos populares, que se dão não por
meio do “saber em si”, mas da prática de classe que o torna
finalmente, mais do que um saber necessário, aquilo a que
pode ser dado o nome de um saber orgânico. Este trabalho
existe no interior de uma associação de moradores de um
bairro de periferia, em um movimento de trabalhadores rurais
do interior de diversos estados do Brasil, em uma comunidade
eclesial de base, em um grupo de mulheres em luta pela
conquista de escola para o seu bairro. Por isso mesmo, é uma
prática de pensar a prática e é uma das situações
variadamente estruturadas de produção de um conhecimento
coletivo popular.

Como afirma Gadotti (2004), desde o início, o Projeto CEU nasceu com a
intenção de se constituir em espaço para a educação popular em São Paulo.
Segundo o autor, “os CEUs se inspiram na concepção de equipamento urbano
agregador da comunidade, com uma visão de educação que transcende a sala
de aula e o espaço escolar.” (GADOTTI, 2004, p.3.). É possível inferir o quanto
a descontinuidade conceitual do Projeto, sofrida pela descontinuidade política
durante oito anos tenha descaracterizado o aspecto popular da educação que
se fez no CEU a partir de 2005.

45
Moradora antiga do bairro.
147

PARTICI DEPOIMENTO. CATEGORIA.


PANTE.
ISABEL Da mesma forma que a gente faz esta reunião em que cada Educação
um coloca sua experiência, é o caso de se montar uma Popular
associação onde se poderia trabalhar uma atividade com as
mães, como a associação dos alcoólicos. Aonde cada um dá
o seu depoimento e fala de sua dificuldade. Porque a gente
não sabe também o que aquela mãe está passando dentro de
casa. Às vezes ela é usuária de droga, às vezes ela bebe, ela
está numa depressão profunda. Era o caso da mãe de um
aluno que passava o dia inteiro aqui. (...) Na verdade, ela não
largou o filho. A mãe se largou. A sociedade tem várias
pessoas com problema dentro de casa. Tem aquele filho,
também, que chega em casa e espanca a mãe. São tantos
problemas que a gente não consegue ter essa dimensão.
Seria legal nessa associação, o CEU ser um espaço, e a
gente poder conversar com essa mãe, porque às vezes ela
está lá no fundo do poço, a gente vem e puxa. A gente pode
resgatar. Quantas alunas chegam aqui em depressão
profunda? E a gente vai lá e puxa, não é Rosa? (reportando-
se à aluna idosa que tem problemas para cuidar do marido
acamado).
Tabela 15: Relato de participante. Nome: Isabel. Categoria: educação popular46.

Durante a segunda entrevista, o grupo vivenciou uma pequena turbulência na


exposição de ideias no que tange ao papel dos pais na educação dos filhos,
por vezes fruto da reprodução da mentalidade hegemônica sobre ideal de
família e meritocracia. A Professora Isabel Cristina Gonçalves, também no
papel de moderadora, realizou um importante encaminhamento sobre o quanto
aquele grupo pode contribuir para a criação de um outras formas de associação
que possam modificar padrões de vida entre os pais dos alunos do CEU Paz
que os participantes identificam com problemas na educação de seus filhos,
no dia-a-dia do CEU. Ao fazer a mediação das discussões, de forma respeitosa,
a professora propôs uma alternativa à visão apresentada por alguns
participantes do grupo sobre o papel da família na educação da criança.

Observando a integração do grupo e a atuação mediadora da professora,


podemos identificar o seu papel com o que Giroux (1997, p.161) defende, a
saber, os professores como intelectuais transformadores:

Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um


discurso que una a linguagem crítica e a linguagem da
possibilidade, de forma que os educadores sociais reconheçam

46 Professora do Núcleo de Esportes e Lazer do CEU Paz.


148

que podem promover mudanças. Desta maneira, eles devem


se manifestar contra as injustiças econômicas, políticas e
sociais dentro e fora das escolas. Ao mesmo tempo, eles
devem trabalhar para criar as condições que dêem aos
estudantes a oportunidade de tornarem-se cidadãos que
tenham o conhecimento e coragem para lutar a fim de que o
desespero não seja convincente e a esperança seja viável.
Apesar de parecer uma tarefa difícil para os educadores, esta
é uma luta que vale a pena travar. Proceder de outra maneira
é negar aos educadores a chance de assumirem o papel de
intelectuais transformadores.

A educação popular demanda esse tipo de profissional, identificado como um


intelectual transformador. Durante as entrevistas, pudemos observar que há
reconhecimento de seu trabalho:

(...) e a professora, tudo o que ela puder fazer para o nosso bem, ela faz
para ajudar a gente. (MARIA).

Agradeço A vocês, né? Agradeço ao CEU. A Isabel que é uma professora


dez. a minha filha veio num evento aqui. Nossa, a minha filha adorou ela.
A Isabel sempre está me ligando “O que está acontecendo que você não
vem?” às vezes eu falo com a Isabel chorando. (ROSA).

Não se pode desconsiderar o fato de que muitas vezes o opressor está dentro
do oprimido, que passa a incorporar o seu discurso, e, segundo Assumpção
(2009, p. 84) a Educação Popular, identificada com o conceito de educação
libertadora tem essa importância no processo de conscientização no encontro
entre as pessoas:

Num círculo de cultura, em que se dá o encontro entre os


sujeitos do conhecimento, a educação libertadora possibilita
que se dispam de sua visão ingênua e ideológica da realidade,
que toma o mundo e as relações sociais como fatos, e não
como processos. A partir do momento em que, reinterpretando
coletivamente a realidade e questionando as interpretações
ideológicas correntes que carregam em si, como parte do
opressor introjetado, os indivíduos se reconhecem como
sujeitos históricos, capazes de transformar a realidade de
opressão e de desenvolver plenamente sua vocação de ser
mais.

No encaminhamento realizado pela professora, podemos perceber que a


mesma propôs ao grupo relativizar o seu ponto de vista.
149

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ANATÁLIA Nós (...) temos por missão o resgate Educação Popular


daquela proposta inicial, que é
trazer de volta a proposta dos CEUs
nos lugares onde ele está
localizado e trabalhar o território,
não apenas o esporte, a cultura e a
educação. Então, ajudar a melhorar
o território, através do Conselho
Gestor, refletir sobre as questões
que o bairro enfrenta, propor aos
governos locais a solução para
esses problemas também é papel
do CEU, não só enquanto gestão,
mas enquanto Conselho Gestor,
que ele reúne os moradores, os
alunos e os órgãos institucionais
aqui no entorno: o CRAS, o SAS, a
UBS que a gente tem. Então essa
missão é muito desafiadora.
Quando nós chegamos aqui, além
de encontrarmos um CEU fechado
para a comunidade, que não tinha
tanta oferta de serviços, festas e
trabalhos, nós encontramos
também um prédio e alguns
equipamentos completamente
abandonados, quebrados, sujos.
Tabela 16: Relato de participante. Nome: Anatália. Categoria: educação popular47.

Ao assumir a importância do Conselho Gestor para a administração a partir de


uma democracia participativa, a gestora convoca o grupo a assumir a
responsabilidade conjunta da participação efetiva.

Ao planejar a formação dos gestores dos CEUs, o Instituto Paulo Freire (IPF),
tendo à frente os professores Moacir Gadotti e Roberto da Silva, buscou
superar o modelo empresarial sugerido pela Fundação Instituto de
Administração (FIA), que buscou uma formação pautada nos princípios da
teoria geral da administração.

De acordo com Silva e Padilha (2004), defendendo que o CEU não era uma
empresa os professores Moacir Gadotti e Roberto da Silva coordenaram um

47
Gestora do CEU Paz.
150

grupo de pesquisadores que, atuando junto à Secretaria Municipal de


Educação, ofereceram assessoria nos aspectos:

 Gestão democrática;
 Integração das secretarias envolvidas;
 Formação para os gestores dos CEUs;
 Formação dos formadores dos quadros que iriam compor os CEUs;
 Formação dos Conselhos Gestores.

A elaboração do primeiro Regimento Padrão dos Centros Educacionais


Unificados (CEUs) aprovado pelo Decreto nº 45.559, de 30 de novembro de
2004 (SÃO PAULO, 2004), foi fruto da referida assessoria.

A gestora, no relato acima enfatiza a importância do cuidado com as questões


territoriais, e sugere que as decisões necessárias devem ser tomadas em
conjunto com o Conselho Gestor. Enquanto reflete acerca da relevância desse
Conselho na tomada de decisões, a gestora faz uma opção pela educação
popular, pois, de acordo com Abranches (2003, p.81):

É importante considerar que a consolidação da democracia


está diretamente ligada à participação efetiva dos diversos
atores sociais no espaço público (...).
Quanto ao seu caráter de aprendizado político, a experiência
participativa apresenta dimensões diversas: primeiro porque a
participação não se aprende sem a prática de si mesma; ela
não se assimila pela leitura de textos ou por meio de palestras,
ela se revela participando; e segundo, porque a participação,
enquanto o assumir a condição de sujeito, de luta por direitos
e pelo bem-estar comum, representa a elaboração da eficácia
coletiva, condição de felicidade e de exercício de cidadania.
A qualificação da atuação dos diversos atores que compõem o Conselho
Gestor ocorre durante a participação mesma desse conselho, entretanto, há
que se considerar a mediação como caráter educativo. Acreditamos que, ao
assumir o papel de coordenador do Conselho Gestor, e o fazendo dentro de
princípios democráticos, o gestor do CEU se constitua em sujeito da Educação
Popular, e se constitua em referência para a participação dos envolvidos.
151

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ELZA Então você tem que ir ouvindo todo Educação Popular


mundo para conhecer. Uma das formas
é através do registro, embora nós não
tenhamos registro em fotos. O único
registro que existe no CEU (V.
Atlântica) é o registro do Conselho
Gestor, e isso eu lamentei muito. Hoje,
nós temos um portfólio com todas as
atividades de 2013, desde que nós
chegamos aqui, porque eu acho que
isso não é meu nome, não é o nome de
ninguém, isso é História.
E as pessoas que estavam do nosso
lado (governo do Partido dos
Trabalhadores) e que permaneceram
aqui durante os oito anos (de gestão
Serra-Kassab) não tinham acesso.
Essa parte elas não sabiam, que nós
não temos história, que nós não temos
nada, registros. A parte pedagógica do
CEU não tem história, infelizmente.
Tabela 17: Relato de participante. Nome: Elza. Categoria: educação popular48.
Por meio do relato da gestora nos é possível refletir sobre a necessidade de
sistematização para as ações desenvolvidas em todo ato educativo.
Sistematização que se pode realizar, em primeira instância, por meio do
registro.

Ainda que o registro não dê conta, como fato isolado, da sistematização, de


acordo com Assumpção (2009, p.159):

O registro inaugura a realização do processo de


sistematização. Expressa as representações dos sujeitos que
participam da experiência em estudo. Subsidia todo o processo
de sistematização, fornecendo elementos para que sejam
considerados na ordenação e classificação das informações.

Com base no pensamento de Paulo Freire, a quem devemos a construção de


uma epistemologia que tem por referência a prática, sabemos que essa relação
produz a práxis (ação-reflexão-ação), pois para Freire a teoria está na prática,
e todo ato educativo se baseia em conhecimentos que se expressam nela
mesma, dando-lhe sentido e significado. Aí reside a essência do conceito de
educação problematizadora:

48 Gestora do CEU V. Atlântica.


152

A educação problematizadora (...) é futuridade revolucionária.


Daí que seja profética, e como tal, esperançosa. Daí que
corresponda à condição dos homens como seres históricos e
à sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres
mais além de si mesmos – como “projetos” – como seres que
caminham para a frente, que olham para a frente; como seres
a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o olhar para
trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas
um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor
construir o futuro. Daí que se identifique com o movimento
permanente em que se acham inscritos os homens, como
seres que se sabem inconclusos; movimento que é histórico e
que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo.
(FREIRE, 1987, p.42).

O registro das reuniões do Conselho Gestor foi o único instrumento


sistematizado, citado pela entrevistada, como instrumento para se conhecer a
história em dez anos de existência do CEU V. Atlântica.

5.3 Integração.

No Decreto nº 45.559, de 30 de novembro de 2004 (SÃO PAULO, 2004), que


aprovou o Regimento Padrão dos Centros Educacionais Unificados –CEUs,
Título I – Da Caracterização, da Natureza, dos Fins e dos Objetivos, Capítulo I
– Da Caracterização, consta, no Art. 4º:

§1º. Por sua natureza multidimensional, o CEU será


administrado pela SME49, por meio de ações articuladas com a
Secretaria Municipal de Cultura – SMC, com a Secretaria
Municipal de Esportes, Lazer e Recreação SEME, com a
Secretaria Municipal de Comunicação e Informação Social –
SMCIS, com a Secretaria Municipal das Subprefeituras – SMSP
e demais Secretarias que vierem a constituir o Grupo Técnico
Intersecretarial – GTI, vinculado ao Gabinete da SME. (SÃO
PAULO, 2004).

A intencionalidade expressa no texto legal aponta para a intersetorialidade,


que, planejada a nível de Secretarias, encontraria no CEU a sua consecução.

49 Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo.


153

Esse Decreto, entretanto, teria sido publicado no final do governo da Prefeita


Marta Suplicy, após ter sido derrotada nas urnas por José Serra.

Um ano depois, uma das primeiras iniciativas desse governo que sucedeu ao
que criou o Projeto CEU, foi transformar o texto do Regimento Comum na
Portaria 7356/05 – SME, que alterou o Art. 4º como segue:

O CEU é vinculado à Secretaria Municipal de Educação em


função de sua natureza educacional e integra o sistema
educacional da Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo,
portanto, orientado por suas políticas públicas, atuando de
forma atriculada na gestão e coordenação dos órgãos que
compõem sua estrutura organizacional. (SÃO PAULO, 2005a).

Criado originalmente para promover diversas formas de integração, a partir da


portaria de 2005 que modifica a sua natureza, passando de multidimensional
para totalmente vinculado à Rede Municipal de Educação, o CEU teve a
descaracterização de seu caráter intersetorial.

Um dos objetivos deste trabalho, que busca analisar também a a integração


entre os vários setores que compõem o trabalho do CEU, é também aferir em
que medida o texto legal pode ter sido determinante para a fragmentação
observada nas práticas do Complexo. A nossa intenção, ao realizar o trabalho
de campo com a comunidade, e não com os educadores ou educandos do
CEU, foi conhecer os efeitos a partir das concepções daqueles que podem ter
ficado excluídos da política educacional desenvolvida nos CEUs desde a
mudança do governo. Consideramos a possibilidade de encontrar ilhas
preservadas de trabalho intersetorial.

Como era nossa hipótese, pouco encontramos sobre esse aspecto na fala dos
participantes de atividades destinadas à comunidade, portanto, de educação
não-formal. Encontramos com mais força esse conceito, de integração, na fala
das duas gestoras participantes: Anatália, do CEU Paz e Elza, do CEU Vila
Atlântica. Provavelmente por conhecerem o projeto inicial do CEU e
reconhecerem as ausências de trabalho intersetorial ou de integração, apontam
para possibilidades, mais do que para realizações, no trabalho de integração
entre os blocos didático, esportivo e cultural.
154

Ressaltamos a existência prevista no Artigo 46 do Decreto nº 45.559 (SÃO


PAULO, 2004) de um Colegiado de Integração no CEU, composto por:

I-Gestor(a);
II-Coordenador(a) do Núcleo Educacional;
III-Coordenador(a) do Núcleo de Ação Cultural;
IV-Coordenador(a) do Núcleo de Esportes e Lazer;
V-Diretor(a) de CEI;
VI-Diretor(a) de EMEI;
VII-Diretor(a) de EMEF;
VIII-Coordenador do Telecentro.(PMSP, 2004)
De acordo com o texto legal, ao Colegiado de Integração eram atribuídas ações
com vistas a garantir a integração entre os diversos equipamentos, no âmbito
do CEU, e entre secretarias, no âmbito da cidade, buscando a atuação
intersetorial, em especial nos Artigos 48 e 49:

Art. 48. O Colegiado de Integração tem por objetivo assegurar a


integração operacional entre as diretrizes e prioridades das
diversas secretarias municipais, coordenadorias, comunidade
interna e comunidade externa do CEU, promovendo a unicidade
e a organicidade do Projeto Educacional em seus objetivos
educacionais, culturais, esportivos, sociais e políticos.
Art. 49. Coordenado pelo Gestor, o Colegiado de Integração
representa o braço executivo das políticas públicas definidas nas
instâncias superiores, tendo a função de articular, sistematizar e
consolidar as propostas setoriais, internas e externas,
principalmente quanto à integração operacional dos recursos
humanos, materiais e financeiros necessários à consecução dos
objetivos do CEU. (SÃO PAULO, 2004).

No Regimento Padrão aprovado a partir da Portaria SME 4672, de 2006 (SÃO


PAULO, 2006), portanto no governo de Gilberto Kassab, percebe-se a
modificação no texto, no tocante à garantia de um trabalho intersetorial entre
as secretarias que integravam , no passado, o trabalho do CEU.

Como este trabalho já apresentou, em diversos artigos o texto da Portaria


4672/06 deixa claro que a administração dos CEUs, no governo Serra-Kassab,
passou a ser exclusivamente uma atribuição da Secretaria Municipal de
Educação. O caráter intersecretarial da administração do CEU seria
abandonado.

Em 7 de fevereiro de 2014, o Decreto nº 54.823 (SÃO PAULO, 2014) dispõe


sobre a gestão compartilhada entre as Secretarias Municipais de Educação, de
Cultura e de Esportes, lazer e recreação. O referido texto legal ainda mantém
a Portaria SME nº 4.672/06 (SÃO PAULO, 2006) que institui o Regimento
Padrão dos Centros Educacionais Unificados – CEUs, até que ocorra a sua
substituição.
155

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ANDRÉIA Para mim o CEU é Integração


uma maravilha. O
meu filho já
participou de
competição de
natação com a
Isabel (Professora
Isabel Cristina
Gonçalves), fez
contraturno no ano
passado, porque
nesse ano não está
tendo. Aula de
percussão tem a
oportunidade de
sair para passeio.
Ele fez percussão
no ano passado e
os professores
levaram ele para
passear, coisa que
eu não tenho
condição. Saíam
no Recreio nas
Férias durante a
semana todinha.
Todo ano eu coloco
eles, porque se á
para ficar na rua,
ele pode ficar aqui.
O CEU é uma
maravilha!

Tabela 18: Relato de participante. Nome: Andréia. Categoria: integração50.

Apesar de serem os alunos das Unidades Educacionais também integrantes da


comunidade atendida pelo CEU de um modo geral e participarem das
atividades, tal participação não é fruto de um projeto político pedagógico que
integre os diferentes núcleos que atuam no CEU. Na fala da mãe se percebe a

50 Mãe de aluno da EMEF.


156

valorização da mesma em relação ás atividades que o CEU oferece ao seu


filho. A mãe aparenta um conhecimento intuitivo de que a educação do seu filho
precisa dispor das oportunidades que o CEU oferece. Entretanto, em seu
depoimento, não são relacionadas as atividades citadas ao trabalho
desenvolvido na escola do CEU em que seu filho estuda.

Entre os participantes da pesquisa, apenas as gestoras gerais e a gestora de


Unidade Educacional mencionam a integração, mas essa menção acontece
reconhecendo essa integração mais como uma possibilidade de trabalho do
que uma realidade observável.

Esse fato pode ser explicado a partir de uma reflexão, importante, sobre o papel
do poder público enquanto referência na promoção da participação
democrática. Em governos mais centralizadores, a participação popular não
parece desejável, e isso acaba se refletindo na vida escolar. De acordo com
Abranches (2003, p.45):

(...) verificava-se que, nas últimas décadas, a administração


centralizada ou autoritária no sistema educacional não havia
conseguido introduzir inovações qualitativas e produtivas nas
escolas. Muitas proposições que pareciam agentes de
operação de mudanças relevantes na qualidade de ensino na
escola pública não foram adiante, não conseguindo alterar a
realidade vigente. As várias décadas de decisões educacionais
centralizadoras resultaram na falta de autonomia e inciativa da
escola, no seu esvaziamento e no desenvolvimento de uma
organização burocrática que impedia o repasse de recursos às
escolas e a execução de projetos inovadores.

Por essa razão, a integração, tão buscada no início do projeto CEU pode ter
sido a categoria que mais apresentou problemas no trabalho de campo. Ao
buscar caracterizar o CEU como “escolão”, os governos que sucederam o que
criou os CEUs, acabaram por ser uma referência negativa nesse aspecto.
157

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ELZA O PPP integrado, você que é Integração


educadora sabe que é muito
simples. São as três unidades
entregarem seus projetos e o
CEU, a Gestão, as equipes que
escolhem os núcleos de
educação, cultura e esportes
do CEU e os especialistas, a
biblioteca também, elaborarem
um projeto junto com essas
escolas e vou mais longe, os
CEIs conveniados que estão
próximos, os próprios CCAs
tendo o contraturno das
escolas que são ligadas mais à
questão de ONG, terceiro
setor, EMEIs próximas. O CEU
pode ter condições de fazer um
PPP voltado para a
necessidade, para essas
questões e essas escolas
pegarem os seus projetos e
falarem “Olha, nós vamos atuar
conjuntamente”. Isso não
acontece.
Eles conseguem (não se
envolver). Então, mas não é
culpa do profissional, não é
culpa. É culpa do que se criou
da história. Porque é assim:
eles eram chamados para ir ao
teatro, eles eram chamados
para ir à quadra. CHAMADOS.
(...) Tem caixinha também, é a
caixinha da EMEF, a caixinha
da EMEI, a caixinha do CEI e a
caixinha da Gestão, e vou mais
longe. Vou até o ano passado
quando eu cheguei, tinha,
dentro da Gestão, (...) a
caixinha da biblioteca, a
caixinha do esporte, e a gestão
ficava só para administrar. A
gestão é síndica.
Tabela 19: Relato de participante. Nome: Elza. Categoria: integração51.

51 Gestora do CEU V. Atlântica.


158

O relato da gestora demonstra que o CEU tem se organizado numa lógica que
sobrepõe os diferentes equipamentos e blocos, e não os tem integrado. A
participação das Unidades Educacionais pode ser entendida, aqui, como uma
participação a partir da ótica liberal, ou neoliberal, seguindo, de acordo com
Gohn (2011), os pressupostos básicos de uma ordem social que assegure a
liberdade individual, reproduzida ao nível de instituição:

A interpretação liberal (da participação) objetiva sempre


reformar a estrutura da democracia representativa e melhorar
a qualidade da democracia nos marcos das relações
capitalistas. Neste paradigma, as principais ações devem se
dirigir para evitar os obstáculos burocráticos à participação,
desestimular a intervenção governamental e ampliar os canais
de informações aos cidadãos, de forma que eles possam
manifestar suas preferências antes que as decisões sejam
tomadas. A participação liberal se baseia, portanto, em um
princípio da democracia de que todos os membros da
sociedade são iguais, e a participação seria o meio, o
instrumento em busca da satisfação dessas necessidades.
(GOHN, 2011, p. 17-18)

Na fala da gestora, como se pode observar, reside uma perspectiva de


trabalhar de forma integrada o PPP do Centro Educacional. O que ela parece
sugerir, de acordo com Apple e Beane (2001), é a promoção de uma escola
democrática a partir do estabelecimento de estruturas e processos
democráticos. Entretanto, nas decisões pedagógicas, aqueles autores sugerem
que não apenas os educadores profissionais, mas também os jovens, seus pais
e outros membros possam envolver-se na tomada de decisões pautadas em
valores democráticos.

Nessa perspectiva, reportando-nos a Gohn (2011) um fator que está


condicionalmente relacionado à integração é a participação, compreendida
como promoção de democracia participativa.
159

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

SUELI Originalmente o trabalho pedagógico Integração


oferecido nos CEUs priorizava um diálogo
sobre os equipamentos – EMEI, EMEF e CEI
– e os núcleos de cultura e esportes. O
currículo deste estudante era recheado de
experiências voltadas a modalidades
esportivas, dança, além das piscinas adulto
e infantil. O CEU conta com um excelente
teatro, onde estudantes e demais usuários
assistem respectivamente a espetáculos
culturais de qualidade, sem contar as mais
variadas oficinas oferecidas na semana e
aos finais de semana. É possível usufruir de
uma vasta biblioteca para acessar às mais
variadas obras produzidas por autores
renomados. Há também o teleceu
(telecentros específicos dos alunos, nos
CEUs), que, na proposta, vem para
assessorar na pesquisa e lazer dos
estudantes que nos fins de semanas e
interessem em fazer cursos de
aprimoramento em informática. (...) Para se
trabalhar no CEU há a necessidade de se
desconstruir o discurso de que a escola é
uma ilha de excelência. Há que se despir das
crenças arraigadas de que a criança não
pode interagir com pares de outras faixas
etárias, há que se estar predisposto a
trabalhar numa concepção que valorize a
gestão compartilhada.
O CEU tenta sobreviver ao sucateamento
que lhe foi imposto no período de 2005 a
2012, quando viveu sem acesso a verbas
destinadas à manutenção dos projetos e sob
as ordens de um regime que não considera
a qualidade da educação como um bem
legítimo do povo. Esperamos agora poder
assistir ao seu ressurgimento.
Tabela 20: Relato de participante. Nome: Sueli. Categoria: integração52.

A entrevistada, que já foi diretora de unidade educacional no CEU Paz traz no


seu depoimento uma visão do CEU formada a partir do que foi exposto no art.
48 do Decreto 45.559 (SÃO PAULO, 2004), que instituiu o Regimento Padrão
dos CEUs, durante o governo da Prefeita Marta Suplicy.

52
Foi diretora de equipamento educacional do CEU Paz.
160

Ao final de seu depoimento, a participante realizou uma espécie de desabafo,


declarando que, de 2005 a 2012, o Projeto CEU sobreviveu sem verbas para a
implantação de suas ações, e que espera em 2014 ver o seu ressurgimento.

5.3 Participação.

A implantação do Projeto CEU, a partir do estabelecimento de objetivos trazido


pelo Decreto 42832/03 (SÃO PAULO, 2003), buscou deixar claro, desde a sua
origem, a importância conferida à participação social.

O Instituto Paulo Freire, um dos organismos responsáveis pela assessoria na


implantação do projeto, tanto na elaboração do Regimento Padrão, como na
formação dos gestores, condicionou a participação popular à concretização dos
objetivos pretendidos, e que o colocavam na direção da Educação Popular.

Segundo Gadotti (2004, p.2), o CEU teria por objetivo “fortalecer a escola
pública, associando-a ao desenvolvimento comunitário”. Adiante, o autor
resume a conceitualização do Projeto CEU enquanto um projeto de Educação
Popular:

O projeto dos CEUs foi concebido, desde sua origem, como


uma proposta intersetorial, somando a atuação de diversas
áreas, como: meio ambiente, educação, emprego e renda,
participação popular, desenvolvimento local, saúde, cultura,
esporte e lazer.
Os CEUs inspiram-se na concepção de equipamento urbano
agregador da comunidade, com uma visão de educação que
transcende a sala de aula e o espaço escolar. (GADOTTI,
2004, p.2)

A partir do trabalho de campo, foi-nos possível conhecer algumas das formas


como a comunidade do CEU Paz tem participado.
161

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

NINA Eu conheço o CEU há um ano. Participação


Ouvi dois funcionários da escola
falando “tem atividade no CEU”,
mas só que eu estava com cem
quilos, para mim não interessava
subir tanta escada, porque eu moro
no Jardim Vista Alegre e eu sempre
esperando “Nossa, mas tem tanta
coisa nesse CEU?” E eu não
conhecia o CEU. Um dia, aos belos
cem quilos que cheguei, resolvi, eu
tenho que ir nesse CEU porque tem
alguma coisa especial e eu tenho
que ir lá conhecer. Aí subi. Para vir
no CEU subi duzentos e setenta
degraus. Aí não gostei muito.
Chegar no CEU é difícil. Aí cheguei
aqui e encontrei a Isabel fazendo
atividade, fui conversar com ela,
perguntei como era para entrar e
resolvi ficar, participar junto com a
turma da Isabel e comecei minha
saga vindo ao CEU. Descobri o
teatro.
Tabela 21: Relato de participante. Nome: Nina. Categoria: participação53.
Ainda que o conceito de participação possa ser diferenciado, dependendo da
forma como ela acontece (no caso de um paradigma liberal, por exemplo, é
possível concebê-la como meio coletivo de garantia de direitos individuais), a
participação pode se qualificar no processo mesmo em que passe a existir.
Pode se constituir em aprendizado político, segundo Abranches (2003, p.24-
25), porque:

A participação pode ser garantida à medida que surgem,


dessas experiências colegiadas, outras relações que
potencializam vivências que vão propiciar um amadurecimento
das relações sociais e a elaboração de uma atuação mais
política dos indivíduos.

No relato da participante, vemos a participação das atividades a partir da visão


da promoção de bem estar, a que o cidadão tem direito. Pode ser uma forma
iniciante de participação, mas também pode ser um meio de se conquistar
outras formas, estas mais políticas, de tomada de decisões pensando-se no
bem estar comum.

53
Participa das atividades esportivas do CEU Paz.
162

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

CARLA “O que é que você está Participação


fazendo?” Não é milagre,
é o CEU. Eu tenho vindo
para o CEU. Eu me
espelhei, Nina
(reportando-se a outra
participante), muito em
você, pela sua foto. Se
ela conseguiu, eu vou
conseguir também. Acho
que você estava do meu
lado e eu falei “Odeio ser
gorda”. Aí você ainda
falou para mim “Já é um
bom começo, já é um
sinal de que você tem
que começar”. Então isso
que você falou é bem
legal quando você diz.
Porque as pessoas
acham que a gente toma
remédio. Realmente o
CEU acaba fazendo
milagre, você aprende
muita coisa legal.

Tabela 22: Relato de participante. Nome: Carla. Categoria: participação54.

A participante Carla refere-se, em seu depoimento, ao Projeto CEU na Medida


Certa, que junto ao Projeto Esparrama Saúde são programas de reeducação
alimentar conjugados à prática de atividade física, que os professores do
Núcleo de Esporte e Lazer desenvolvem no CEU Paz. Além da qualidade de
vida proporcionada pelos projetos, os mesmos têm promovido um agrupamento
permanente e com força sob a ótica do associativismo. Esse é, basicamente,
o grupo que participou da pesquisa que realizamos. E que, em outros
momentos da entrevista, é convocado a participar de mais ações.

Podemos observar, a partir da fala das participantes dos projetos, e analisando


o material que é disponibilizado (apostila), a intencionalidade em promover
saúde e qualidade de vida aos participantes. Na apostila do Projeto Esparrama
Saúde, são agrupados no índice os capítulos: 1) Introdução; 2) Detox; 3)
Higienização e conservação dos alimentos; 4) Alimentação antes e depois do
treino; 5) Índice glicêmico; 6) Alimentação balanceada; 7) O corpo humano é

54
Participa das atividades esportivas do CEU Paz.
163

inteligente; 8) Pirâmide alimentar; 9) Orientação nutricional; 10) Culinária


saudável e 11) Fotos.

Os objetivos do Projeto Esparrama Saúde, expressos na apostila são:

 Adoção de hábitos saudáveis;

 Manutenção da saúde física e psicológica;

 Aumento da qualidade de vida;

 Alimentação balanceada, nutritiva e de acordo com as necessidades de


cada organismo;

 Prática regular de atividades físicas;

 Valorização da convivência social positiva;

 Controlar e, na medida do possível, evitar o estresse;

 Estimular o cérebro com atividades intelectuais (leitura, teatro, etc.);

 Busca pelo envolvimento em atividades sociais prazerosas e


construtivas;

 Dicas de relaxamento e aulas de relaxamento.

Como pode ser observado, a intencionalidade do projeto supera o


condicionamento físico. Abrange os aspectos biológicos, sociais e psicológicos.
164

PARTI- DEPOIMENTO. CATEGO


CIPANTE. RIA.
ARIANE Aqui tinha um campinho. Eu jogo futebol há mais de dez Participaç
anos, e jogo até hoje. As meninas jogam, trazemos nossos ão
filhos, jogamos do mesmo jeito. Jogo todo sábado das
duas e meia às quatro e jogo segunda das oito às dez. O
CEU ajudou muito a gente.

Tabela 23: Relato de participante. Nome: Ariane. Categoria: participação55.

O campinho a que se refere Ariane era o que existia no local onde hoje é o CEU
Paz. Assim como em muitos outros locais da Cidade de São Paulo, o terreno
foi negociado com as lideranças do bairro, conforme relatos de quem viveu o
processo:

O terreno adequado deveria situar-se em região com alta


concentração de crianças e jovens, a uma distância
conveniente de outras escolas com as quais o CEU formaria
rede, e não podia ter abrigado aterro sanitário, nem indústria
com resíduo químico que pudesse ter contaminado o lençol
freático. (...) Eventualmente, era preciso convencer a
comunidade de que a desapropriação traria benefícios, já que
os terrenos sediaram atividades – eram frequentemente, o
campo de futebol do bairro. (SUPLICY, 2008, p. 55).

Acreditamos que, a necessidade de negociação de boa parte dos terrenos onde


foram construídos os CEUs, como no CEU Paz, qualificou a participação da
comunidade desde aquele momento. De acordo com Gadotti (2004), ao tomar
conhecimento de como seriam os equipamentos, a comunidade opinou sobre
a construção da pista de skate e do teatro, para citar um exemplo.

55É antiga moradora, mãe de aluno e funcionária da empresa terceirizada de merenda no CEU
Paz.
165

PARTICI DEPOIMENTO. CATEGORIA.


PANTE.
CARLOS O CEU era ocupado pela comunidade em peso. Participação
Tinha gente sempre querendo entrar. Com o
passar dos anos foi caindo a frequência da
comunidade do bairro.
Tabela 24: Relato de participante. Nome: Carlos. Categoria: participação56.
No relato acima a expressão “ocupado pela comunidade em peso” talvez
ensaie uma explicação para o fato de que hoje a comunidade do entorno não
participe. E provavelmente, a explicação fundada na grande diferença
conceitual entre quem implantou o Projeto CEU e quem deu prosseguimento,
descaracterizando-o:

(...) dessa forma, as classes populares têm duas possibilidades,


as quais o próprio Paulo Freire destaca: “ou são manipuladas
pelas elites para manter a dominação ou se organizam
verdadeiramente para sua libertação. É óbvio, então, que a
verdadeira organização não possa ser estimulada pelos
dominadores (FREIRE, apud ASSUMPÇÃO, 2009, p. 33)

(...) além de partir dos próprios oprimidos, essa organização


requer organização coletiva em torno da consciência de classe
(ASSUMPÇÃO, 2009, p. 33).

A uma forma numericamente maior de participação nas atividades culturais do


CEU Paz poderíamos encontrar vinculado um sentimento de pertencimento,
que a comunidade parece ter perdido, conforme relato acima.

5.4 Arquitetura.

O Projeto CEU, conforme citado neste trabalho, tem na arquitetura uma de suas
características principais. Herdeiro de outras iniciativas brasileiras e
paulistanas que atribuíam à arquitetura importância como espaço onde se
educa o cidadão, pode ser considerado a evolução desse modo de promover a

56
Jovem, realiza trabalho voluntário com alunos jovens do CEU Paz.
166

educação popular a partir da consideração do espaço como espaço público


qualificado. Conforme Takiya (2009, p.41), podemos dizer que:

Os Centros Educacionais Unificados da Prefeitura Municipal de


São Paulo de 2004 têm uma afinidade afetiva e ideológica a
todas as realizações e tentativas anteriores ao tratar a
educação com sua devida seriedade.
(...) porque está em nosso inconsciente, como órgão da PMSP,
que a origem do atual Departamento de Edificações (EDIF), foi
a Comissão do Convênio Escolar em 1948. Esta comissão
teve, como objetivo, dentro de um plano quinquenal, colocar
todas as crianças carentes em idade escolar da cidade de São
Paulo em Parques Infantis, Grupos Escolares e Ginásios. Em
edifícios com arquitetura moderna, condizentes com uma
pedagogia e filosofia modernas.

Em sintonia com a educação do cidadão no século XXI, o Projeto CEU, que


neste trabalho acreditamos ser o espaço privilegiado para a promoção de uma
educação integral, não somente aos alunos do Centro, mas a toda a
comunidade do entorno, tem na arquitetura, mais do que a realização de um
projeto arquitetônico moderno, a concretização da educação em espaço de
cidadania.O trabalho de campo possibilitou conhecer de que maneira o cidadão
que utiliza o CEU vê o complexo a partir do projeto arquitetônico. Para nós,
esse conhecimento é de fundamental importância, visto que, de acordo com
Doria (2007), o projeto dos CEUs tem o objetivo de oferecer qualidade de vida
à periferia. Mais do que uma edificação, o CEU representou para o entorno uma
mudança no território, uma ação que os seus idealizadores chamaram de
Operação Urbana CEU, porque conforme nos esclarece Suplicy (2008,p.56),
quando as obras começaram, “em muitos casos era necessário alargar, asfaltar
ou abrir novas ruas para dar passagem aos caminhões e às máquinas”.Não se
trata, como podemos ver, de um simples projeto. É um projeto revestido de
filosofia e pedagogia, em que, a construção de um espaço que respeita o
cidadão e promove encontros é o símbolo de uma Cidade Educadora.
167

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

CARLOS Estudava no Teotônio (EMEF Arquitetura


Teotônio Vilela, Sen.) da primeira à
quarta série. Quando eu estava na
quinta série o Teotônio subiu aqui
pro CEU e foi um sonho para mim,
tipo, nunca tinha estudado numa
escola tão grande em que tinha
toda liberdade. Hoje em dia tem
algumas grades por questão de
segurança, mas isso não tinha,
grade nenhuma, tipo, era uma
escola do sonho. Falei “Poxa, uma
escola com piscina, uma quadra,
uma pista de skate, teatro
principalmente”.

Tabela 25: Relato de participante. Nome: Carlos. Categoria: arquitetura57.

No depoimento de Carlos, que, sendo aluno da EMEF que se mudou para


dentro do CEU Paz após a inauguração do mesmo, podemos conhecer a
percepção que o menino teve, enquanto criança, da liberdade propiciada por
um espaço planejado intencionalmente para promover o encontro: entre
gerações, entre secretarias, entre pessoas. De acordo com Lima (1979, p.80),
a diferença real entre adultos e crianças se constitui na desigualdade de força
entre ambos, porque:

(...) faz com que, desde a primeira infância, a criança vá sendo


subjugada por diferentes formas de autoridade que a impede,
principalmente na fase escolar, de manifestar-se livremente ou
de conceber outros padrões que não sejam aqueles adotados
pelos adultos. Mas se esta situação ocorre, as experiências
sugerem, também, que as crianças mostram uma capacidade
maior para responder positivamente aos estímulos novos,
transformando os espaços através de um uso que lhes é
próprio, desde que se assegurem condições para a sua
participação.

A liberdade verbalizada pelo então menino pode ser explicativa da valorização


que o mesmo busca no trabalho voluntário que desenvolve no CEU hoje, adulto
morador no mesmo espaço.

57 Jovem, realiza trabalho voluntário com alunos jovens do CEU Paz.


168

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

PINÁ Os alunos que tem no Genésio (EE Arquitetura


Genésio de Almeida Moura, Dr.)
eles mesmos não imaginariam e
estrutura que é aqui dentro. Porque
eu fiz uma apresentação há uns
quinze dias aqui, os próprios
professores do Genésio, os alunos,
comentaram que eu ouvi, que a
infraestrutrura (estrutura) aqui é
muito grande. A escola tem um
teatro. A grandiosidade que tem
aqui. Na escola tem um teatro em
que você pode sentar, comer
pipoca, é difícil. Numa comunidade
pobre como essa não conhecer.
Então isso é legal. Saber que a
gente mora tão perto de tudo isso e
podemos fazer parte de tudo isso,
porque é só querer.

Tabela 26: Relato de participante. Nome: Piná. Categoria: arquitetura58.

De acordo com Gadotti (2004, p.2), com a inauguração dos CEUs em São
Paulo:

Nascia um projeto de educação popular, de educação cidadã,


buscando tratar o povo com dignidade e respeito. O projeto dos
CEUs foi concebido, desde sua origem, como uma proposta
intersetorial, somando a atuação de diversas áreas, como:
meio ambiente, educação, emprego e renda, participação
popular, desenvolvimento local, saúde, cultura, esporte e lazer.
Os CEUs inspiram-se na concepção de equipamento urbano
agregador da comunidade, com uma visão de educação que
transcende a sala de aula e o espaço escolar.

Para um projeto criado com a intencionalidade de se desenvolver enquanto


proposta intersetorial com a inclusão dos equipamentos educacionais do
entorno, espera-se uma arquitetura condizente com a sua importância

58Mora em uma ocupação na encosta que faz limite com o CEU Paz. É funcionária da
empresa que presta serviços terceirizados de limpeza no Complexo. Também é mãe de
dois alunos do CEU.
169

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

KAREN Quando eu cheguei aqui da Arquitetura


primeira vez, fiquei assustada com
o tamanho. Falei “Nossa, isso aqui
é muito grande” Eu só entrei num
prédio aqui. Foi um susto bom
porque eu estudava no João Amós
(EMEF João Amós Comenius) e lá
era só a escola. Quando eu conheci
o outro prédio que tinha a biblioteca
e tudo, achei muito, muito
interessante. As piscinas também,
falavam “Vamos na piscina do
CEU”. Eu nunca tinha vindo, eu não
sabia que aqui tinha realmente
piscina. Foi assim que eu conheci o
CEU.

TABELA 27: Relato de participante. Nome: Karen. Categoria: arquitetura59.

O relato de Karen demonstra o impacto positivo que o Projeto CEU pode ter na
comunidade. Conforme já foi citado na seção 2 deste trabalho, a piscina do
CEU assume simbolicamente a importância da promoção de um direito até
então exclusivo da elite das grandes cidades: o direito ao lazer em piscinas. De
acordo com Dória e Perez (2007, p.132) o Projeto dos CEUs tem o objetivo de:

oferecer qualidade de vida à periferia, aos bairros que até


então estiveram totalmente desprovidos de qualidade da
arquitetura do espaço público. Bairros que só receberam,
quando muito, o urbanismo viário baseado no arruamento,
onde se dispõe das ruas e do casario, sem planejamento de
espaços de convivência comunitária.

No depoimento da participante acima, encontramos a admiração pela


arquitetura por meio do que é relatado como ‘susto’ de quem, morando próximo
ao CEU Paz, encontrou um equipamento que disponibilizava lazer, esporte e
cultura sem o seu conhecimento.

59
Mora no bairro vizinho e não estudou no CEU Paz.
170

PARTICIPANTE. DEPOIMENTO. CATEGORIA.

ELZA Este CEU tem toda a estrutura Arquitetura


inicial física preservada; então, é
assim, não tem grades, que muitos
CEUs já colocaram grades na
EMEF, na EMEI, e aqui não tem; o
CEI que é o redondo, não se
fechou, ele é aberto, como em
muitos CEUs, a gente sabe que o
telhado mesmo o nosso é vidro
ainda. Enfim, das características
iniciais, algumas paredes só foram
pintadas de azul, e isso por quê?
Mas as características físicas do
prédio eles conseguiram, essa
equipe que esteve aqui nestes oito
anos e que era uma das
implementadoras do projeto, eles
conseguiram garantir.

TABELA 28: Relato de participante. Nome: Elza. Categoria: arquitetura60.

A gestora relata a preservação da estrutura original, por meio de resistência.


Como se pode constatar em diversos CEUs da cidade, houve uma
descaracterização do princípio de convivência defendido pelo projeto CEU. Ao
isolar os diferentes equipamentos de educação, a arquitetura passa a não mais
favorecer à integração. As próprias administrações que sucederam aquela que
implantou o Projeto adotaram os blocos vazados nas unidades educacionais
que passaram a denominar como anti-vandalismo. Um retrato da modificação
do projeto inicial por meio da mentalidade de um governo que não considera a
importância das relações intergeracionais que o CEU buscou desde o início, no
estabelecimento de seus objetivos. De acordo com Dória e Perez (2007), a
escola ao longo de sua história tem se afastado da vida das pessoas.

A nova concepção de educação busca aproximar mais a escola


da realidade em que a criança vive. A convivência entre
diferentes gerações facilita e possibilita que a criança conviva
na escola como ela convive em casa, nos espaços abertos, nos
ambientes onde ela frequenta. Então ela aprende a se

60 Gestora do CEU Vila Atlântica.


171

relacionar na escola e fora dela, aprende a conviver


comunitariamente.

Por essa razão, as transformações no projeto original, separando


equipamentos de educação, tornando os espaços privativos e afastando as
diferentes idades, mais do que apenas uma descaracterização, representou
uma transformação conceitual que tem contribuído para que os CEUs sejam
“ensimesmados”, menos voltados à vida comunitária.
172

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Partimos, neste trabalho, da hipótese de que o Projeto CEU pode ser


considerado, ao mesmo tempo, herdeiro de outras iniciativas em Educação
Popular no Brasil, e especificamente na Cidade de São Paulo, bem como uma
iniciativa que se apresenta como evolução das anteriores, por buscar atender
às demandas sociais do século XXI, e por se constituir em política pública
exitosa de educação do cidadão.

O trabalho de campo foi essencial para conhecermos as diversas concepções


sobre o CEU, especialmente a partir da comunidade que se beneficia do projeto
(em nosso caso, principalmente o CEU Paz). Também foram ouvidas duas
gestoras e uma diretora de unidade educacional que já trabalhou em escola do
CEU.

A partir de nosso questionamento inicial, e do estabelecimento de categorias


para análise das entrevistas semiestruturadas, individuais ou coletivas, foi
possível chegar às considerações, que passamos a relacionar a seguir:

Cidadania.

Considerando que esse foi o principal objetivo expresso na implantação do


Projeto CEU, tivemos a necessidade de investigar a relação entre Projeto CEU
e cidadania.

A Operação Urbana CEU, projeto que assumiu mais do que a construção de


equipamentos públicos, representou uma importante intervenção urbanística
na periferia de São Paulo, e as consequências foram relatadas de muitas
maneiras.
173

Enquanto a implantação do Projeto CEU qualificava os espaços urbanos


anteriormente deixados de lado pelo poder público, por serem área de
ocupação desordenada, novos moradores foram ocupando a encosta onde se
encontra a edificação do Complexo. Esse fato leva hoje a uma nova
necessidade de planejamento da ocupação do espaço, com características de
território de fronteira, ou seja, área para onde são expulsos os mais pobres, e
nesse contexto, vê-se paradoxalmente uma parcela do bairro evoluir em suas
condições de vida e moradia, enquanto outra parcela busca, por conta própria,
sobreviver aos efeitos da sociedade neoliberal. O Jardim Paraná convive com
essas duas realidades, agravadas pela construção do Rodoanel, que
desapropriou uma parcela mais pobre do bairro.

No relato de quem morava ‘na mata’, como era conhecido o Jardim Paraná no
início dos anos 2000, encontramos o encantamento exercido pelo equipamento
sobre a criança que mudou de escola, e passou a contar com as possibilidades
do Projeto CEU.

Ser chamado de ‘pé de barro’ era uma consequência sentida pelo cidadão que
ocupava a porção não urbanizada do bairro, e é lembrada com um misto de
humor e tristeza pelos antigos moradores. Assim como pé de barro ainda é
quem chega ao CEU subindo a encosta, na nova ocupação do bairro.

Entre os idosos, observa-se uma relação de admiração pelo Projeto CEU.


Como citamos no início destas considerações, as necessidades da sociedade
no século XXI são diferentes das que tínhamos no passado. A questão do
respeito ao idoso é uma dessas condições muito sintonizadas com o nosso
tempo. Nos CEUs da Cidade de São Paulo, o idoso tem espaço e programação
para promover a sua saúde física, mental, psicológica e social. Foi interessante
observar na programação do CEU Paz, não haver uma atividade
marcadamente destinada ao idoso, como podemos encontrar em outros CEUs
da cidade. Entretanto, a pesquisa nos mostrou o ganho que isso representa na
convivência dos mesmos com os mais jovens, durante todas as atividades do
Núcleo de Esportes e Lazer. Também foi assim durante os encontros de
entrevistas coletivas.
174

Educação Popular.

Encontramos no Projeto CEU uma possibilidade para o desenvolvimento da


Educação Popular.

É principalmente por meio das associações, que podem ser identificadas com
os movimentos sociais, que os participantes da pesquisa apontam caminhos
para a educação popular. Colegiado de integração, conselho gestor,
associações de bairro, grupo de jovens, grupo de mães. Este último, uma
proposta surgida durante a entrevista, demonstrando o quanto a riqueza das
relações possibilita novas ideias.

As reuniões colegiadas precisam ser intensificadas na tomada de decisões do


CEU. Acreditamos que a própria participação, hoje dissociada das
responsabilidades de quem participa de um jogo democrático, precise ser
qualificada. Não há como separar o sentimento de pertencimento nascido nos
momentos de participação do desejo de levar a família para uma peça de teatro
no domingo à tarde. Ao menos, o trabalho nos apontou essa realidade.

O papel dos educadores enquanto sujeitos de Educação Popular é


fundamental. As duas gestoras entrevistadas neste trabalho reconhecem
possuir uma enorme responsabilidade diante da promoção da educação
popular no CEU. A professora que coordena o grupo de sujeitos entrevistados
em diversas atividades, também assume um papel primordial na constituição
desse grupo. É dela que parte a ideia de constituir um grupo de mães, diante
das críticas desferidas pelos participantes ao papel da família na vida das
crianças mais vulneráveis do CEU Paz. Acreditamos que do educador venha a
força necessária para a transformação, mas é importante que esse educador,
que atua no CEU, receba a formação necessária para reconhecer o seu
trabalho enquanto mobilizador da comunidade.
175

Integração.

O projeto CEU em sua construção de diversos equipamentos ocupando o


mesmo espaço buscou garantir por meio da integração arquitetônica, a
integração de ações nos diferentes núcleos de trabalho.

A pesquisa de campo nos demonstrou que as pessoas da comunidade avaliam


bem o Projeto CEU. Entretanto, não é com força que aparece essa boa
avaliação na integração com as unidades educacionais. A escola não é
mencionada nas ações do CEU por quem participa das atividades esportivas e
sociais. Parte dos sujeitos pesquisados era também familiar de alunos, mas
esse fato não conferiu diferenciação na sua participação. Tem-se a ideia de
núcleos e atividades que se sobrepõem, antes de se integrarem.

As práticas relacionadas ao currículo oficial da Rede Municipal de São Paulo,


desenvolvidas no interior das Unidades Educacionais não foram foco desta
pesquisa, mas eventualmente a relação destas com as atividades da educação
informal poderiam ser analisadas, especialmente no tocante à investigação de
eventuais transformações viabilizadas no interior das escolas. Não foram
observadas essas relações, e para nossa interpretação, essa ausência, como
era nossa hipótese, é indicativa de um trabalho que ainda precisa conquistar a
integração.

Participação.

A pesquisa nos mostrou que, assim como para a promoção da Educação


Popular, a participação social se alimenta da atividade colegiada. Os sujeitos
pesquisados são pessoas que participam, porque são reconhecidos no interior
do grupo, como pessoas importantes, que têm experiências que interessam a
todos. O amadurecimento que possibilita ao grupo outras experiências em
participação democrática ficou clara no desejo dos participantes em ajudar
176

famílias com problemas na educação de seus filhos, ou no desejo de trazer a


associação de moradores para o CEU. Entretanto, a participação parece ainda
focada na satisfação de desejos individuais, própria dos paradigmas liberais. A
busca por uma forma democrática de participação social pode ser planejada a
partir desse grupo, esse fato ficou claro durante o trabalho de campo.

Interessante notar o quanto na segunda entrevista coletiva, alguns


encaminhamentos foram feitos na direção de qualificar a participação daquele
grupo. Especialmente na fala da professora, que demonstrou assumir, naquele
momento, uma postura na direção da emancipação social do grupo.

Arquitetura.

A arquitetura é fator importante para todas as iniciativas em Educação Popular


pesquisadas, e no trabalho de campo aparece como fator de admiração para
crianças e jovens quando conheceram o CEU Paz. Ter uma escola com piscina
e teatro foi citado como um fator de grande importância para muitas das
crianças da periferia, que antes do CEU não conheciam esses equipamentos.

O Projeto CEU tem na arquitetura a possibilidade de proporcionar espaços de


cidadania, encontro de gerações e é símbolo do respeito com o cidadão.

Algumas modificações ocorreram ao longo do processo, inclusive, em relação


ao projeto arquitetônico original. Blocos vazados fechando o acesso às escolas
foram adotados com o argumento de inibirem vandalismo.

Este trabalho propõe ao leitor como contribuição o conhecimento do Projeto


CEU e de algumas concepções existentes a seu respeito. Sabemos que muito
ainda há para se investigar, inclusive no que se refere ao processo vivido, e
que, em alguns dos CEUs da cidade somente é possível conhecer por meio
dos registros das reuniões de colegiado.
177

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APÊNDICES
186

Apendice 1: Termo de consentimento livre e esclarecido.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo

Título da Pesquisa: CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO: CONCEPÇÕES SOBRE UMA


EXPERIÊNCIA
Pesquisadora responsável: SIMONE APARECIDA PRECIOZO FIGLIOLINO
Local da coleta de dados: CEU PAZ
Prezado (a) Senhor (a):
Você está sendo convidado (a) a responder às perguntas deste questionário de forma
totalmente voluntária.
Antes de concordar em participar desta pesquisa e responder este questionário, é muito
importante que você compreenda as informações e instruções contidas neste documento.
A pesquisadora deverá responder a todas as suas dúvidas antes que você se decida a participar.
Você tem o direito de desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhuma
penalidade.
Objetivo do estudo: CONHECER AS DIFERENTES CONCEPÇÕES SOBRE O PROJETO CEU, E
INVESTIGAR A IMPORTÂNCIA DO MESMO PARA A CIDADANIA EM SÃO PAULO.
Procedimentos: Sua participação nesta pesquisa consistirá no preenchimento do questionário
e participar de entrevista.
Benefícios: o provável benefício será a reflexão sobre suas concepções e envolvimento como
_______________________________________________________________________
Sigilo: As informações fornecidas por você serão confidenciais e de conhecimento apenas da
pesquisadora responsável. Os sujeitos da pesquisa e instituição não serão identificados em
nenhum momento, mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados em
qualquer forma.
São Paulo, ___ de _________ de _________
Assinatura da Pesquisadora:_____________________________________
Assinatura do Sujeito da Pesquisa:________________________________
Nome e CPF:________________________________________________

Testemunha:________________________________________________
Testemunha:________________________________________________
187

Apêndice 2: Questionário de pesquisa.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
MESTRANDA: SIMONE APARECIDA PRECIOZO FIGLIOLINO

QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
1- Idade: ___________

2- Você é: (assinale quantas alternativas desejar)


( ) aluno (a)
( ) pai/mãe de aluno (a)
( ) trabalhador do CEU
( ) outro _________________________________________

3- Escolaridade:
( ) não estudou
( ) ensino fundamental
( ) ensino médio
( ) ensino superior

4- Profissão: ____________________________________

5- Morador do bairro? ( ) sim ( ) não

6- Mora:

( ) sozinho
( ) com uma pessoa
( ) com duas pessoas
( ) com três pessoas
( ) com mais de três pessoas

7- Sua casa é:
( ) alugada
( ) própria
( ) emprestada
188

8- Há quanto tempo você conhece o CEU Paz?


( ) menos de um ano
( ) até dois anos
( ) dois a cinco anos
( ) cinco a nove anos
( ) dez anos
9- O que você faz no CEU Paz?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_______________________________________________________

10- Você frequenta o CEU Paz:


( ) todos os dias
( ) duas ou mais vezes por semana
( ) uma vez por semana
( ) duas vezes por mês
( ) uma vez por mês
( ) ocasionalmente

11- O que você faz fora do bairro em que mora?


____________________________________________________________________________
______________________________________________________________

12- Qual meio de transporte você usa para se deslocar do bairro em que mora?
_____________________________________________________________________

13- Quanto tempo leva em média para se deslocar do bairro em que mora?
_________________________________________________________________
189

Apêndice 3: Síntese da primeira entrevista coletiva realizada no


CEU Paz e questão disparadora para a segunda entrevista.

1º Encontro.
Síntese
Pergunta desencadeadora: O que o CEU representa para o bairro? E para você?
O Jardim Paraná é um bairro que se formou na década de 90 a partir de uma ocupação
na encosta da Serra da Cantareira, e por muito tempo as pessoas tinham medo de
terem que desocupar suas casas, muitas vezes compradas de segundos ou terceiros.
Não havia água encanada, rede de esgoto, iluminação e asfaltamento.
A vida no Jardim Paraná era muito difícil antes do CEU. O CEU trouxe iluminação,
asfaltamento das ruas, comércios, que deixaram a vida do bairro melhor. Várias
pessoas do bairro passaram a trabalhar no CEU.
A maioria das pessoas do bairro não conhecem o CEU, não valorizam as
possibilidades que ele traz. É preciso fazer a divulgação das atividades esportivas e
culturais do CEU.
Há pessoas que veem o CEU como escola para pobre, e por isso fazem questão de
não participar. O equipamento público muitas vezes não é valorizado. Outras,
acreditam que o CEU não é para elas, pois se consideram muito pobres para participar
das atividades do CEU.
A proposta inicial do CEU foi abandonada ao longo dos oito anos que sucederam a
sua criação.
A gestão atual encontrou problemas estruturais que inviabilizavam o trabalho com a
comunidade.
Foi apontada pelo grupo uma importante diferença entre as gestões do CEU, havia um
tempo em que as pessoas não tinham acesso à administração.
O CEU acolhe os participantes com dignidade.
O trabalho desenvolvido pelos profissionais da Educação Física do CEU Paz é muito
importante para os participantes. Vários relatos dão conta da qualidade de vida que
esse trabalho oferece. O CEU tem funcionado também como centro de acolhimento e
de relacionamento.
O CEU Paz irá receber uma reforma importante para reforçar a estrutura do
equipamento.
O CEU Paz será polo da Universidade Aberta do Brasil: um sistema de colaboração
entre governo federal e municípios que deverá trazer cursos de universidades federais
na modalidade semipresencial: uma parte através da internet, outra em aulas que
acontecerão no CEU. Outros CEUS de são Paulo já receberam a UAB. Essa novidade
foi recebida pelo grupo com alegria.
190

Houve uma associação de bairro no Jardim Paraná. Sua atuação teve falhas, mas a
falta de uma associação é um problema para os moradores. O grupo acredita ser
importante haver uma nova associação e aponta o CEU como local possível para essa
associação. C.V. trabalha com os jovens e adolescentes do bairro no sentido de fazer
com que eles sejam no futuro essa força de participação na região.
O Rodoanel mudou a história do bairro: remoção das famílias é vista com tristeza.
Várias pessoas estão deixando suas casas e morando de aluguel. Outras estão indo
embora. Lembramos o caso da família que sofreu um acidente indo embora para o
Nordeste do Brasil.
O Rodoanel tentou um diálogo com a comunidade, para trazer alguma compensação
para as transformações ocorridas no bairro. Por falta de uma associação de moradores
organizada, não trouxe nenhuma benfeitoria.
Várias pessoas do grupo desconheciam as dificuldades que os moradores da
ocupação recente na região enfrentam. Foi relatado que muitas crianças da ocupação
estão fora da escola, outras faltam com frequência.
Há crianças que vêm às escolas do CEU com os pés sujos de barro. Isso provoca
desconforto para elas, e muitas vezes são alvo de gozação. Vários participantes
lembram que isso já aconteceu com outros moradores no passado, antes de haver
asfaltamento.
Há alunos que não conheceram o teatro do CEU. Saíram da escola sem participar de
atividades culturais.
O CEU no início era um espaço aberto, onde as pessoas circulavam. Com o passar
dos anos, os espaços foram fechados.
A estrutura do CEU é vista pelo grupo de maneira bastante positiva. O ex-aluno da
antiga EMEF Teotônio Vilela descreve o encantamento quando houve a mudança para
dentro do CEU.
O sistema de transportes do bairro é muito deficitário. As pessoas sofrem muito para
tomar condução e chegar ou sair do bairro. Especialmente nos horários em que o fluxo
de trânsito e movimento de pessoas é contrário.
Depende de cada um dos participantes fazer o CEU ser ainda melhor.

2º Encontro.
Questão disparadora: Para vocês, que são participantes de atividades no CEU, ele
já foi apontado como importante. Como o CEU Paz pode ser ainda melhor?

Questões auxiliares:
Você conhece tudo o que o CEU oferece?
Você conhece a biblioteca do CEU Paz?
Você conhece o telecentro do CEU Paz?
191

O que não está na síntese do primeiro encontro?


192

Apêndice 4: Entrevista com diretora de Unidade Educacional


do CEU PAZ.

ENTREVISTA COM DIRETORA DE UNIDADE EDUCACIONAL DO CEU PAZ

1- DEFINA O CEU, POR FAVOR.

2- O QUE É CIDADANIA PARA VOCÊ?

3- SER ALUNO DE ESCOLA DO CEU É DIFERENTE DE SER ALUNO DE OUTRA ESCOLA FORA
DO CEU?

4- O PROJETO ORIGINAL FOI MANTIDO? HOUVE ALGUMA MUDANÇA DESDE O INÍCIO?

5- A ARQUITETURA DO CEU É FAVORÁVEL A UM PROJETO DE EDUCAÇÃO CIDADÃ?


193

Apêndice 5: Entrevista com Gestora do CEU .

ENTREVISTA COM GESTORA DE CEU

1- QUAL É A SUA RELAÇÃO COM O PROJETO CEU?

2- VOCÊ É UMA PESSOA QUE ACOMPANHOU COMO COORDENADORA DE


EDUCAÇÃO NA FREGUESIA/ BRASILÂNDIA A IMPLANTAÇÃO DO CEU DE
2003 A 2004. HOJE, VOCÊ ESTÁ NO CARGO DE GESTORA DO CEU. VOCÊ
ENXERGA NO DIA A DIA DO CEU AQUELE PROJETO QUE FOI
IDEALIZADO EM SUA IMPLANTAÇÃO?

3- O CEU É UM LUGAR QUE SE DESTACA PELA PAISAGEM QUE SE


ENCONTRA, VOCÊ CONSIDERA QUE A ARQUITETURA DO CEU
FAVORECE AO TRABALHO?

4- E O IMPACTO DE UM COMPLEXO GRANDE EM COMUNIDADES


PERIFÉRICAS, O QUE VOCÊ ACHA QUE ISSO PROPORCIONA PARA O
CIDADÃO?
5- PARA VOCÊ QUE ACOMPANHOU A CONSTRUÇÃO DOS CEU QUE FORAM
CONSTRUÇÕES IMPACTANTES NA CIDADE, VOCÊ ACHA QUE ELAS SE
JUSTIFICAM?
6- . O PROFISSIONAL QUE TRABALHA NO CEU VÊ DIFERENÇA ENTRE
ESTAR NO CEU E NÃO ESTAR NO CEU?
194

Anexo 1: Promessas aéreas de Erundina61.

No infográfico “Promessas aéreas de Erundina”, nº 10 – Entregar o “Espaço da


Criança” – centro cultural e de diversão infantil, que funcionará no terreno onde
existia a Favela Nova República (Morumbi).

61
Fonte: Acervofolha. Disponível no site: http://acervo.folha.com.br/. Acesso em 14/03/2012.

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