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22 Rio Branco - Acre, domingo, 23, e segunda-feira, 24 de abril de 2006 Jornal Página 20

Papo de Índio
Txai Terri Valle de Aquino & Marcelo Piedrafita Iglesias

Projeto dos professores Kaxinawá


do rio Jordão registra em CD
cantos do cipó da Ayahuasca fotos: Dedê Maia e Maria Mazzillo

A
Dedê Maia tiu viajar por todo o rio Yuraiá!
As atividades aconteceram na
cabo de retornar aldeia São Joaquim, a primeira
de uma linda via- da TI Kaxinawá do Baixo Rio
gem ao rio Yuraiá, Jordão, cuja comunidade tem
como os Kaxina- como liderança nosso querido
wá chamam o rio amigo Agostinho Manduca Ma-
Jordão no hatxa kui, sua “lín- teus Muru, nosso principal anfi-
gua verdadeira”. Aproveito este trião Huni Kui.
Papo para enviar aos leitores Já fazia um tempo que não
desta coluna algumas notícias visitava essas famílias. Foi em
da referida viagem. 1997 que fiz minha última via-
Como professora indigenista gem entre elas, junto com a fo-
da Comissão Pró-Índio do Acre tógrafa, nossa parceira e aliada
(CPI-Acre), foi um privilégio ser dos índios, Cristiane Cotrim, ca-
convidada para assessorar uma rioca, com o intuito de também
equipe de professores/pesquisa- apoiar as pesquisas dos profes-
dores das três terras Kaxinawá sores. Naquele então, trabalha-
do Município de Jordão durante mos com o registro fotográfico
a primeira etapa das atividades da Arte dos Kene, grafismos que
do “Projeto de Registro das Tra- adornam as pinturas corporais, a
dições Musicais Kaxinawá”. tecelagem, a cestaria e a cerâmi-
Inicialmente, é importan- ca Huni Kui, outra de suas finas
te ressaltar que esses trabalhos ciências. Este material, que de-
de pesquisa, desenvolvidos há pois compôs exposições sobre a
vários anos nas aldeias, fazem Arte Huni Kui, apresentadas em
parte da formação e das práticas vários estados do Brasil e outros
profissionais desses professores países, hoje integra o acervo do
Kaxinawá, e são incentivados Centro de Documentação e Pes-
nos cursos promovidos anual- Professores Kaxinawá do rio Jordão comemoram mais um registro de suas tradições culturais quisa Indígena da CPI-Acre.
mente pela Setor de Educação Não faz tanto tempo assim dessa
da CPI-Acre. da minha assessoria. Contou, Nesta etapa do Projeto, ti- tão especial dos Huni Kui, “gen- viagem anterior, apenas nove anos.
Idealizado pelos próprios ainda, com apoio do adminis- vemos como objetivo principal te verdadeira”, como os Kaxi- No entanto, percebi, durante os 16
professores/pesquisadores, o trador da Funai de Rio Branco, realizar gravações de cantos re- nawá se autodenominam. Nesse dias que passamos no rio Jordão,
projeto foi encaminhado pela Antônio Ferreira da Silva Apu- lacionados às finas ciências do contexto, fui, de novo, aluna e as profundas mudanças territoriais,
Organização dos Professores rinã, que gentilmente colocou à Nixi Pae, como os Kaxinawá os Huni Kui os professores. políticas e culturais ocorridas desde
Indígenas do Acre (OPIAC). disposição da equipe um barco chamam o cipó, e registrar visu- Foi maravilhoso também então. Permanece, todavia, o mes-
Recebeu financiamento do Ins- de três toneladas e um motoris- almente esse evento. rever amigos, afilhados, com- mo jeito atencioso, dedicado, gen-
tituto do Patrimônio Histórico ta, Francisco Botosa Kaxinawá, Foi um privilégio essa opor- padres, comadres... Sem dúvida til, e a fina educação com os quais
e Artístico Nacional (IPHAN) que nos acompanhou durante a tunidade de aprender mais um um lindo presente! Pena que o as famílias Huni Kui recebem seus
e apoio da CPI-Acre, por meio viagem. bocadinho sobre esse universo tempo tão curto não nos permi- visitantes.

A equipe e seus convidados


Além dos professores/pesqui- para ativamente da concepção do
sadores, tive como companheiros projeto.
de viagem Gustavo Pacheco, an- Como convidados dessa equi-
tropólogo/etnomusicólogo, e Maria pe, participaram também do en-
Mazzillo, fotógrafa, ambos do Rio contro professores e um agente
de Janeiro. Eles foram contratados agroflorestal da TI Kaxinawá do
pelo projeto para realizar as ativi- Seringal Independência, dois pro-
dades de gravação e documentação fessores da TI Kaxinawá do Rio
visual, previstas nesse encontro, que Breu, três professores e um agente
reuniu quatro gerações de descen- agroflorestal da TI Kaxinawá do
dentes dos Huni Kui que primeiro Rio Humaitá e, ainda, um profes-
conheceram os brancos, em início sor e duas mulheres artesãs da TI
do século passado. Igarapé do Caucho.
Com esse objetivo, saímos de Estiveram presentes ainda
Rio Branco, no dia 6 de março, outros representantes Huni Kui
com destino à cidade de Taraua- das três terras Kaxinawá de Jor-
cá. Ali nos aguardava uma equipe dão: o vice-prefeito José Osair
de seis professores Huni Kui, to- Sales Siã, o Secretário Muni-
dos idealizadores do projeto, para cipal de Transporte e Comuni-
subirmos o rio Tarauacá rumo cação, Francisco Sabino Ixã, e
ao nosso destino, o Yuraiá. Eram o Secretário Municipal de Cul-
eles Isaías Sales Ibã, Rufino Sales tura, Nilo Pereira. Este último
Maya, José Mateus Itsairu, Tadeu também cantou algumas músi-
Mateus Siã, Norberto Sales Tene cas aprendidas com seu finado
e Francisco das Chagas Medeiros pai, o txana Pereirinha. Assim
Mana. Este último é irmão, mais como os professores/pesquisa-
novo, do nosso saudoso professor dores, essas autoridades consti-
Edson Medeiros Ixã, falecido em tuem uma terceira geração dos
24 de março, que também partici- Huni Kui do pós contato. Antropólogo e etnomusicólogo Gustavo Pacheco, à direita, gravando cantos do Nixi Pae na aldeia São Joaquim
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Papo de Índio
Os velhos txanas e a nova geração
Como convidados especiais
dos professores, realizaram as
gravações os principais txanas
(cantadores) do povo Huni Kui
do Jordão: Romão Sales Tui (84
anos), Miguel Macário Maru
(87) e Agostinho Manduca Ma-
teus Muru (61). Agostinho, con-
siderado da segunda geração,
contou ter adquirido seus conhe-
cimentos sobre o Nixi Pae com
esses dois velhos txanas e com
outros que já partiram para um
outro mundo desse universo.
Com os txanas, desfrutamos
momentos muito prazerosos e
de muito aprendizado, ouvindo
suas histórias de vida e suas ex-
plicações sobre os significados
dos cantos. Gravando com eles,
aprendemos que na cerimônia do
Nixi Pae existe uma seqüência
que é muito importante respeitar,
pois cada cantoria está relaciona-
da a um momento específico do
ritual: o Pae Txanima, cantos de
abertura, para “chamar a força”
do Nixi Pae; o Dawa Tibuya, refe-
rentes às mirações; e o Kaya Tibu,
entoados para diminuir a força e
fechar o ritual.
Uma outra participação impor-
tante, que vale a pena registrar, foi
a do “Grupo Juventude Indígena”.
Representantes da quarta geração,
são jovens alunos, alguns dos quais
já exercem a função de “professo-
res auxiliares”. Nesse processo de
revitalização dos conhecimentos Txanás Romão Sales e Miguel Macário ouvem gravações de suas cantorias de cipó, sob o olhar atento do professor Francisco das Chagas
tradicionais, eles vêm se apro-
priando de instrumentos musicais, da no início de seu estudo e dessa com umas boas dicas musicais, formas de cantar e atualizar e harmonia, regidos pelas ener-
como o violão, flautas e maracás, apropriação, não dominam ple- o “Grupo Juventude Indígena” os saberes milenares de seu gias do Nixi Pae e da lua cheia,
que tradicionalmente não faziam namente todas as afinações dos ainda vai longe. É a tradição se povo. que nos acolheu, iluminando os
parte de sua cultura, e usando-os instrumentos e sua harmonização renovando, percorrendo novos Foram 16 dias de muito tra- terreiros e os altares das forças
para acompanhar os cantos. Ain- com as cantorias. No entanto, caminhos, descobrindo outras balho, vividos com muita alegria da mata.

A “planta Ibã” e outras sementes de conhecimento


Gostaria de destacar aqui a vidades de pesquisa de vários formação, tem recolhido jun- para todas as doze terras indí- a rebrotar mais sementes e a se
participação do professor Isaías professores. É importante res- to aos velhos Huni Kui, prin- genas Kaxinawá no Estado do fortalecer conhecimentos e tra-
Sales Ibã (42 anos), meu amigo saltar, todavia, que Ibã, além cipalmente a seu pai, o txana Acre. Espera-se, assim, que, dições dessa cultural ancestral,
querido e companheiro de mui- de atuar como professor e pes- Romão Sales Tui. por meio das escolas indígenas que, devido à secular inserção
tas maratonas de trabalho no quisador em sua terra, no rio Um exemplo disso é o tra- e do seguimento desse traba- dos Kaxinawá no mundo dos
meio dessa floresta de muitas Jordão, tem distribuído, para balho de revitalização que vem lho conjunto das várias gera- seringais, correram, outrora,
jóias. parentes de outras terras, se- fazendo entre as famílias da ções dos Huni Kui, continuem sério perigo de se perder.
Como já disse, o presente mentes de conhecimento e de TI Kaxinawá do Rio Humai-
trabalho é resultado das ati- sabedoria que, ao longo de sua tá. Segundo Ninawa, jovem
professor dessa terra, Ibã é
considerado por essas famí-
lias como a “planta Ibã”. Esse
título lhe foi atribuído como
reconhecimento por seu traba-
lho, ao replantar sementes tão
importantes. “Hoje já podemos
ver as sementes da planta Ibã
dando muitos frutos. Muitos
de nós, eu, por exemplo, não
falávamos mais a nossa lín-
gua e muito menos sabíamos
cantar as músicas sagradas de
nossa cultura. Hoje eu estou
recuperando a minha língua e
estou dominando muitos co-
nhecimentos dos mais velhos.
E eu agradeço ao professor Ibã
por isso!”.
Seguindo o exemplo das
sementes da “planta Ibã”, os
produtos que resultarão desse
projeto, um livro e dois Cds,
contendo os mais importantes
Professor Ibã, tocando flauta, ensaia com integrantes do Grupo Juventude cantos de cada tema do ritual Os anfitriões da festa, Agostinho e sua esposa Mazenilda Dani, oferecem
Indígena Kaxinawá do Rio Jordão do Nixi Pae, serão distribuídos caiçuma de milho e mudubim na chegada da equipe de gravação da OPIAC

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