ARTIGO - MACHADO - VERGUEIRO - 2010 - A Prática Da Gestão Participativa em Espaços de Acesso À Informação - o Caso Das Bibliotecas Públicas e Comunitárias

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A prática da gestão participativa em espaços de

acesso à informação: o caso das bibliotecas públicas


e das bibliotecas comunitárias *

  Elisa Campos Machado **


Waldomiro Vergueiro ***
 

Resumen
En el artículo se plantea la posibilidad de que las bibliotecas públicas incorporen los principios de la
gestión participativa en sus prácticas cotidianas, con el fin de mejorar y ampliar la relación con sus
comunidades. Se explica la complejidad de las prácticas participativas en la sociedad contemporá-
nea y se destaca el caso de las bibliotecas comunitarias como un proyecto social de gran expansión
en el Brasil por sus procesos de gestión participativa. Se defiende la creación de mecanismos que
garanticen la participación cualificada de la comunidad en la gestión de las bibliotecas públicas,
reconociendo que involucrar los liderazgos locales en las decisiones implica importantes cambios
culturales y de comportamiento.

Palabras clave: bibliotecas públicas, bibliotecas comunitarias, gestión pública, gestión participativa

Cómo citar este artículo: MACHADO, Elisa Campos; VERGUEIRO, Waldomiro. A prática da ges-
tão participativa em espaços de acesso à informação: o caso das bibliotecas públicas e das bibliotecas
comunitárias. Revista Interamericana de Bibliotecología. Ene.-Jun. 2010, vol. 33, no. 1; p. 241-255

Recibido: 16 de marzo de 2010. Aprobado: 24 de mayo de 2010

Abstract
This article raises the possibility that public libraries can incorporate the principles of participatory
management in their daily practices in order to improve and expand their relationship with their com-
munities. It explains the complexity of participatory management in today’s society and highlights
the case of community libraries in Brazil where great social coverage has been achieved through their
participatory management. It advocates for the creation of mechanisms that will guarantee commu-

*
Artigo elaborado a partir do trabalho “A importância da gestão e da informação para unidades de informação: um paralelo
entre a biblioteca pública e a comunitária”, apresentado no XXIII Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação
e Ciência da Informação, realizado em Bonito, RS, em julho de 2009.
** Professora Doutora da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Av.
Pasteur, 458, Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22290-040. E-mail: [email protected]
*** Doutor em Ciências da Comunicação Professor Titular e Vice-Chefe do Departamento de Biblioteconomia e Documentação
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, São
Paulo, SP, Brasil, 05508-900. E-mail: [email protected]

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nity participation in the management of public libraries recognizing that involving local leaders in
decision making processes requires an important cultural and behavioral shift.

Keywords: public libraries, community libraries, public management, participatory management

Cómo citar este artículo: MACHADO, Elisa Campos; VERGUEIRO, Waldomiro. The practice of
participatory management in areas where information is accessed: the case of public libraries and com-
munity libraries. Revista Interamericana de Bibliotecología. Ene.-Jun. 2010, vol. 33, no. 1, p. 241-255

1.   Introdução
  As mudanças que estão ocorrendo no Brasil, principalmente a partir do final
da década de 1990 e início do novo século, apontam para um progressivo aumento
de projetos de desenvolvimento social nas mais diversas áreas e a consequente
preocupação e conscientização da sociedade com relação ao acesso à informação
como forma de transformação social. Em sua maioria, esses projetos incentivam o
uso de práticas e metodologias participativas pautadas em princípios propostos por
educadores, sociólogos, economistas, entre outros.
É possível afirmar, a partir dessas experiências, que práticas e metodologias
participativas têm se mostrado eficazes e que sua aplicação vem se ampliando,
num processo contínuo de mudança de mentalidade e de atitude, refletindo uma
maior conscientização por parte dos grupos envolvidos; por conseguinte, elas ge-
ram um maior engajamento por parte das pessoas em geral, em torno de questões
coletivas.
No entanto, a participação da sociedade brasileira na gestão da biblioteca pú-
blica ainda é, no mínimo, muito tímida. Na maioria dos casos não há canais que
garantam a pratica participativa, em sua essência, nesses espaços. É garantido, sim,
o livre acesso aos seus recursos e a utilização de serviços predeterminados para os
usuários. Mas isso talvez represente muito pouco em termos de participação e mes-
mo de legitimação de um equipamento público por parte da sociedade a que serve.
Este artigo tem por base essas considerações, ou seja, busca discutir e apresen-
tar a pratica da participação como uma maneira viável para as bibliotecas públicas
retomarem seu papel de referência na sociedade contemporânea. Nesse sentido,
considerando a carência de bibliotecas públicas no Brasil e as condições em que
se apresentam as existentes, cabe perguntar por quanto tempo elas ainda poderão
sobreviver se não desenvolverem mecanismos para ampliar a participação da co-
munidade na gestão desses espaços.
Tendo em vista o uso frequente do termo “biblioteca pública” e “biblioteca
comunitária” como sinônimos, cabe esclarecer que, para nós, à biblioteca pública

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é aquela instituição de informação criada pela administração pública e com vincu-


lação direta a um município, estado ou federação, que segue as diretrizes aponta-
das no Manifesto da UNESCO para bibliotecas públicas (Federacao Internacional
de Associacao de Bibliotecários e Bibliotecas, 1994). Já para tratar da biblioteca
comunitária, este artigo se fundamenta no conceito que aponta este espaço como
um projeto social, sem vínculo direto com instituições governamentais, “lideradas
por um grupo organizado de pessoas, com o objetivo comum de ampliar o acesso
da comunidade à informação, à leitura e ao livro, com vistas a sua emancipação
social” (Machado, 2008, p. 64).

2.   A prática participativa


As discussões e reflexões relacionadas aos processos de participação nos dias
de hoje estão sempre vinculadas a questões de administração democrática e a ini-
ciativas locais de mobilização e lutas, protagonizadas por grupos de pessoas ati-
vistas e/ou indivíduos que assumem a liderança de movimentos populares. No
entanto, segundo Bourdieu (2005) a sociedade cria mecanismos que asseguram
a reprodução do espaço social como ele é e dificulta a implementação de ações
transformadoras.
O processo comunicativo é apontado por Jürgen Habermas (Freitag e Rouanet,
1980) como um desses mecanismos. Para esse autor, todas as sociedades que se
constituíram ao longo da história são caracterizadas pela deformação sistemática
do processo de comunicação. Ou seja: a problematização discursiva é negada, obs-
truindo assim a comunicação.
Já o sociólogo português Boaventura de Souza Santos acredita que é possível
inverter esse processo e apresenta em seu livro, Democratizar a democracia: os
caminhos da democracia participativa, algumas experiências de práticas transfor-
madoras. Para o autor, apesar da globalização neoliberal ter um peso muito grande
sobre a sociedade e ser hegemônica em reação a ela, está surgindo uma outra glo-
balização, a globalização alternativa, 
constituída pelas redes e alianças transfronteiriças entre movimentos para
lutar contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das
políticas públicas, a destruição do meio ambiente e a biodiversidade, o des-
emprego, as violações dos direitos humanos, as pandemias, os ódios inte-
rétnicos produzidos direta ou indiretamente pela globalização neoliberal
(Santos, 2005, p. 13).

Paulo Freire, por meio da educação, provou que é possível inverter a ordem e
implantar ações transformadoras. Para isso, desenvolveu suas teorias pedagógi-

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cas, baseando-se no principio de que a educação é uma prática de liberdade e que


aprender a ler e escrever só tem valor à medida que desenvolve nas pessoas capa-
cidades de participar de maneira ativa na sociedade. É nesse contexto que afirma
que a “práxis é a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”
(Freire, 2003, p. 38). Para o autor, é a reflexão que conduz à prática, e estas se dão
simultaneamente, do contrário a ação não passa de mero ativismo. Ele, porém, res-
salta também a importância do equilíbrio neste processo, ou seja, nem só reflexão,
nem só ação.
As teorias de Paulo Freire nos dão uma das chaves para enfrentar os obstáculos
apontados na teoria da competência comunicativa desenvolvida por Habermas.
Nisso, parece estar de acordo com autores como Reis (2004), Fung (2004) e Werle
(2004) que apresentam a teoria da ação comunicativa de Habermas como um forte
componente para o processo participativo. No entanto, cabe esclarecer que, quan-
do Habermas apresenta os princípios do agir comunicativo, ele está se referindo à
interação social e à compreensão mútua e consensual entre os indivíduos dentro de
uma situação lingüística ideal. Para Habermas (Freitag e Rouanet, 1980, p. 18), a
situação lingüística ideal é aquela na qual “a comunicação não é perturbada nem
por efeitos externos contingentes, nem por coações resultantes da própria estrutura
da comunicação. A situação lingüística ideal exclui deformações sistemáticas da
comunicação”.
Os estudos de Habermas apontam para a interação entre os indivíduos que pres-
supõem um mesmo discurso e defende a participação de todos os interessados nos
contextos discursivos, sem obstrução da problematização discursiva. Paulo Freire
(2003), por sua vez, também estabelece uma relação entre a prática e a participação
ao defender a ação conjunta, na qual a transformação da realidade só será possível
se estiverem envolvidos não apenas um, mas vários atores dialogando de maneira
solidária – são os indivíduos como sujeitos do processo. Estes princípios permeiam
as teorias da ação cultural dialógica, que só é possível ser gerada a partir de um
pensamento crítico.
A importância da participação como princípio é consenso entre os diversos au-
tores, porém o processo de participação e os métodos utilizados são apresentados
sob diversos pontos de vista. Freire levanta a questão da manipulação e defende
que o antídoto para ela é a organização criticamente consciente. Para o autor, a ma-
nipulação está na teoria da ação antidialógica, a qual “tem que anestesiar as massas
populares para que não pensem” (Freire, 2003, p. 146).
Outro educador que discute de maneira contundente a questão da manipulação
nos processos participativos é Danilo Gandin. Esse pensador, ao apresentar o pla-

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nejamento participativo na educação, alerta para três desastres graves em relação


ao conceito de participação:
a manipulação das pessoas pelas ‘autoridades’, através de um simulacro
de participação; a utilização de metodologias inadequadas, com o conse-
qüente desgaste da idéia; a falta de compreensão abrangente da idéia de
participação (Gandin, 2001, p. 88).

Estas particularidades são também evidenciadas por Marcos Kisil (2000), ao


categorizar as formas de participação: a participação como um meio e a partici-
pação como um fim. Para melhor esclarecer a diferença entre as categorias, o autor
toma como base três interpretações do termo “participação”, que transcrevemos a
seguir:
Participação significa [...] no seu sentido mais amplo, sensibilizar as pes-
soas e assim aumentar a receptividade e habilidade delas com relação aos
programas de desenvolvimento, assim como encorajar as iniciativas locais
(LELE, apud Kisil, 2000, p. 149).

Nesse caso, segundo Kisil, a participação é um meio de se atingir um objetivo,


um modo de usar a comunidade a favor de um projeto. Aqui, os resultados são mais
importantes que o processo. É um modo de ver a participação como uma técnica
gerencial, pautada no cooptação de pessoas ou comunidades. Para nós, esta forma
de participação facilmente poderá se transformar em manipulação.
As duas outras definições, apresentadas pelo mesmo autor, referem-se a inter-
pretações diferentes, que vêem a participação como um fim.
Com referência a [...] participação, ela inclui o envolvimento das pessoas
no processo de tomada de decisão, na implementação de programas [...], na
repartição dos benefícios dos programas desenvolvidos e seu envolvimento
nos esforços para avaliar tais programas. (LISK apud Kisil, 2000, p. 149).

Participação envolve [...] esforços organizados para aumentar o contro-


le sobre os recursos e instituições reguladoras em situações sociais dos
grupos ou movimentos excluídos daquele controle (PEARSE, apud Kisil,
2000, p. 149).

Nesses casos, segundo Kisil (2000), “a ênfase é colocada na participação como


processo no qual a confiança e a solidariedade entre as pessoas são estabelecidas”.
Deixa de ser uma técnica de gestão e passa a ser um meio de formação de pessoas.
Entendemos que nesta segunda forma de participação, que valoriza o processo
e permite ao indivíduo fazer parte da tomada de decisão, estão intrínsecos o diá-

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logo e a negociação, ou seja, segue-se a linha da teoria da ação cultural dialógica


formulada por Paulo Freire. A partir dessa idéia de participação como processo de
formação, acreditamos que, partindo de um saber muitas vezes prático, os protago-
nistas de processos participativos colaboram para a emancipação social.
Por outro lado, um dos grandes argumentos contrários a práticas participati-
vas refere-se à condição dos grupos para agir como membros participantes de um
projeto. Esse tipo de argumento segue a mesma linha de pensamento daqueles
que questionam a democracia. Nesse sentido, Amartya Sem (apud Souza, 2005, p.
41) afirma que “a questão não é a de saber se um dado país está preparado para a
democracia, mas, antes, de partir da idéia de que qualquer país se prepara através
da democracia”.
Fazendo um paralelo, podemos dizer que, em relação à implantação de proces-
sos participativos, a questão não é saber se um determinado grupo ou comunidade
está preparado para a prática participativa, mas, sim, partir da idéia de que qual-
quer grupo ou comunidade se prepara por meio da participação.
Segundo Marilena Chauí,
a democracia exige a ampliação da representação pela participação, o que
leva ao surgimento de novas práticas que garantam a participação como ato
político efetivo [...] em outras palavras, só há democracia com a ampliação
contínua da cidadania (2006, p. 140).

Essa referência é feita pela autora para explicar a idéia de cidadania cultural que
permeou a política cultural implementada por ela durante sua gestão na Secretaria
Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, no período de 1988 a 1992.                           
Ainda segundo a autora, “no Brasil, conhecemos duas apropriações não-revo-
lucionárias da participação: a socialdemocrata e liberal, de um lado, e a da demo-
cracia-cristã, de outro” (Chauí, 2006, p. 146). A socialdemocrata e liberal é vista
como pressão sobre os órgãos públicos de poder e tornou-se para a classe domi-
nante sinônimo de lobby e, para a classe trabalhadora, reivindicação ou demanda.
A democracia-cristã refere-se à realização de uma ação com vistas a suprir uma
carência, tal como o mutirão. Dessa forma, temos “duas apropriações do conceito
de participação e da sua prática: ou fica reduzida a formas variadas de pressão ou
se reduz ao trabalho popular coletivo e voluntário” (Chauí, 2006, p. 146).
O Brasil tem se destacado como um país que vem, ao longo dos últimos anos,
ampliando esses canais de participação. A Constituição de 1988 foi um dos gran-
des avanços neste sentido. Ela prevê a participação da comunidade na saúde, na as-
sistência social, na educação, cultura, assim como nas questões relativas à criança

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e ao adolescente. O problema é que estes canais, muitas vezes, são subutilizados


pelo cidadão. Variados são os motivos que levam a isso, da falta de informação ao
descrédito no poder público.
Na esfera pública, existem vários canais de participação: conselhos, conferên-
cias, assembléias, audiências públicas, orçamentos participativos, mecanismos de-
liberativos das agências reguladoras. Em sua maioria, esses canais são destinados
à participação representativa.
A forte atuação das organizações da sociedade civil (OSC) durante o período de
transição para o regime democrático foi um dos grandes fatores que colaboraram
para o avanço do processo participativo e democrático no país.  Muitas dessas
instituições surgiram para lidar com questões voltadas à proteção ambiental, aos
direitos humanos, e às demandas locais, como é o caso das inúmeras associações
de moradores que proliferaram a partir do final dos anos 1970. Essas organizações
atuaram de forma pedagógica e instigaram, por meio de suas ações locais e mobili-
zações comunitárias, o desenvolvimento de novos valores democráticos na socie-
dade civil brasileira, ultrapassando assim o ideal democrático normativo que vê a
participação relacionada unicamente com a possibilidade do cidadão exercer seu
poder de voto.
A capacidade de ação e de participação de um cidadão é bem diferente da ca-
pacidade de ação de uma organização da sociedade civil, de uma empresa, ou do
Estado. “Saber organizar-se e associar-se é a ciência-mestra de uma sociedade por-
que assim se produz auto-regulação e assegura-se a proteção aos direitos” (Toro,
2005, p. 22). Não obstante a existência dos espaços de participação, conforme já
identificamos acima, o simples fato de eles existirem não garante resultados.
Baseando-se no que os autores acima citados nos apontam sobre a questão da
participação, fica evidente que estamos diante de uma ação que depende não só da
vontade do homem como agente da ação, mas também do acesso à informação, da
autonomia, do espaço e da posição deste agente neste espaço social, da reflexão e,
por conseguinte, de postura crítica, ou seja, se existem condições para que o pro-
cesso participativo efetivamente se instale. Certamente, não é qualquer ação que
promove a participação ativa e crítica de um agente individual ou coletivo.
Além disso, não podemos nos esquecer de que os espaços participativos nos
remetem à idéia de espaço de conflito. Além dos campos de força e luta, e dos
processos de comunicação inerentes aos espaços sociais, temos aqui também a prá-
tica da ação conjunta, decorrente de relações entre indivíduos que geram praticas
sociais, as quais podem ser articuladas, desarticuladas e rearticuladas de diferentes
maneiras e que, por conseguinte, tendem a gerar conflito. Para nós, este conjunto

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de fatores é visto pela sociedade como forte inibidor dos processos participativos
e é amplamente utilizado pelos detentores do poder para desarticular as práticas
sociais participativas.

3.   A biblioteca pública e a biblioteca comunitária


É principalmente em regiões periféricas - onde as populações têm maior difi-
culdade de acesso à informação, à cultura e à educação de qualidade e serviços
públicos em geral -, que percebemos o surgimento de novos espaços de leitura,
comumente denominados de “biblioteca comunitária”. São espaços que se formam
a partir de ações locais coletivas, baseadas em atitudes criativas e solidárias e lide-
radas por grupos que tomam para si o desafio de solucionar a carência da leitura,
na luta constante contra a crescente exclusão social.
No Brasil, temos visto, nos últimos anos, uma série de iniciativas de criação de
bibliotecas comunitárias. Consideramos que isto se dá por dois motivos:
1.   a carência de bibliotecas públicas e escolares no país, advindas da histórica in-
capacidade do Estado de formular e implementar políticas públicas para a área;
2.   a mobilização da sociedade, no sentido de enfrentar as dificuldades de acesso à
leitura, à informação e ao livro (pode ser considerado decorrência do primeiro).
Para nós, a biblioteca comunitária diferencia-se dos outros tipos de bibliotecas
caracterizados pela Biblioteconomia e Ciência da Informação, tais como a pública,
e a escolar, principalmente em função do seu passado histórico, fator que leva à
criação deste espaço pela comunidade e, também, pela autonomia em relação a
instituições governamentais. É importante destacar que este fato não a impede de
articular-se, estabelecer parcerias e buscar apoios de instituições públicas, privadas
ou organizações não governamentais.
Esta concepção de biblioteca está pautada no princípio de que ela surge de ma-
neira espontânea na comunidade ou, em alguns casos, incentivada por uma pessoa,
um grupo, ou mesmo, uma organização não governamental que, a partir do desen-
cadeamento de um processo participativo, é incorporada pela comunidade como
um espaço de debate e ação cultural.
Se, de um lado, vemos a biblioteca comunitária lutando para se constituir de
maneira independente, por outro, vemos as bibliotecas públicas, aquelas vincula-
das diretamente a uma instituição governamental, lutando para sobreviver. Isto é
decorrente de um vício estrutural da sociedade brasileira.  Estas, em geral, vêem
as instituições ligadas à administração pública – escolas, hospitais, teatros, biblio-

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tecas, entre outras -, como benesses do poder público, ignorando ou esquecendo


que tais iniciativas são realizadas com o dinheiro de impostos, representando um
direito inalienável dos cidadãos do país, previsto na constituição brasileiraEssa
visão do poder público como um ente paternalista talvez seja o elemento por ex-
celência a influir na pouca participação dos indivíduos na gestão das bibliotecas
públicas. Afinal, na medida em que o que se recebe da esfera governamental é
encarado como uma dádiva, pouco resta a fazer além de agradecer aos políticos e
administradores públicos pelo recebido.
No caso das bibliotecas públicas, a questão se torna especialmente delicada.
Sem a prática de frequentar essas instituições, a maior parte da população as vê
como direcionadas apenas para o público estudantil ou àqueles especialmente
abençoados com o gosto pela leitura. E as bibliotecas, por sua vez, de uma maneira
geral desprovidas de recursos financeiros, materiais e humanos para realização de
atividades que possam colaborar efetivamente para a mudança desse panorama,
pouco mais fazem que divulgar as benesses do livro impresso e complementar, de
forma nem sempre muito eficiente, as limitações da educação formal, ao mesmo
tempo em que algumas avançam timidamente em serviços de informação para
necessidades comunitárias. As poucas bibliotecas públicas que vão muito além
disso representam exceções no grande mar de acomodação que domina o ambiente
dessas instituições, cercadas por práticas burocráticas e burocratizantes e afastadas
das reais necessidades da população brasileira. Pode-se imaginar, assim, que o
avanço das bibliotecas comunitárias ocorre em espaço não preenchido pelas bi-
bliotecas públicas. Portanto, virgem às inovações.
Uma atuação diferenciada se faz necessária. Nesse sentido, Prado e Machado
(2008) defendem, no texto “Território de memória: fundamentos para a caracteri-
zação da biblioteca comunitária”, que a biblioteca que consegue revelar as carac-
terísticas socioculturais e políticas de sua comunidade, seja em suas ações, seja no
seu acervo, pode ser considerada um território de memória. No entanto, ressaltam
que um dos pontos determinantes para isto é a gestão participativa e o estabeleci-
mento de articulações locais que possibilitem o fortalecimento dos vínculos com
a comunidade.

4. Gestão participativa em bibliotecas públicas


Como vimos acima, a gestão participativa envolve vários fatores subjetivos
relacionados à postura individual das pessoas que lideram esses espaços e à cul-
tura institucional. No entanto, de forma objetiva, sabemos que existem métodos e
técnicas que colaboram para a construção de uma cultura da participação. Nesse
sentido, acreditamos que a comunidade interna, que compõe a equipe da biblioteca

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pública, precisa passar por um processo de aprendizado participativo, caso contrá-


rio não haverá condições para o estabelecimento dessas práticas. Trata-se, nesse
caso, de atuar proativamente no sentido de mudar a cultura organizacional dessa
instituição, cultura esta entendida como
um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos sim-
bólicos que, em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir
a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação
e consenso como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação
(Fleury e Sampaio, 2002, p. 293).

Trata-se, também, de despertar nos bibliotecários responsáveis pelas bibliote-


cas públicas a consciência de que têm um papel a desempenhar no processo de
transformação social (Vergueiro, 1988), desta forma interferindo diretamente nos
estilos gerenciais que adotam para o desempenho de sua função (Vergueiro e Cas-
tro Filho, 2007, p. 87).
Mas, além da equipe da biblioteca, quem são os outros cidadãos que poderão
ser convidados a participar? Como se leva a cabo tal participação? E ainda, o que
pode ser decidido coletivamente numa biblioteca?
Métodos e técnicas de estudos de comunidade e de usuários vêm sendo pro-
postos para melhorar a gestão de bibliotecas públicas. Sabemos também que todo
processo de planejamento e administração de bibliotecas envolve, como um dos
primeiros passos, o diagnóstico da comunidade e dos seus usuários (Almeida,
2005). No entanto, de modo geral, os resultados dessas pesquisas, quando reali-
zadas, não são aplicados efetivamente. Ou, ainda, são pesquisas realizadas dentro
de uma abordagem unicamente quantitativa, que não identifica a subjetividade e o
simbolismo que permeia os grupos estudados.
Ao se propor a estudar uma comunidade, estamos entrando num contexto de
grande complexidade e com inúmeras variáveis, ou seja, estamos entrando no
campo da subjetividade, no qual a abordagem que se apresenta como mais ade-
quada é a qualitativa. Minayo e Sanchez (1993), defendem a complementaridade
entre as abordagens em casos como este, unindo métodos e técnicas quantitativas
e qualitativas.
Um estudo de comunidades criterioso e consistente, que leve em consideração
as questões apontadas acima, possibilitará à direção da biblioteca, identificar o per-
fil da população do entorno, as instituições representativas que atuam na região, os
grupos e as lideranças locais, dando assim os primeiros indicadores de quem pode
fazer parte do processo participativo.

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Ainda sobre quem participa, é importante lembrar que o mecanismo mais co-
mum é a auto-seleção voluntária (Fung, 2004, p. 177). As pessoas são convidadas
a participar, mas tomam suas decisões de forma espontânea. Nesse sentido, cabe
lembrar que há a necessidade da equipe da biblioteca estimular essa participação
individual, levando em conta que existem padrões de participação que favorecem
determinados grupos e esses padrões devem ser identificados, para que possam ser
minimizados os desequilíbrios entre os diversos grupos existentes na comunidade.
É sabido que as diferenças de condição de vida favorecem a participação de
determinados grupos. Algumas estratégias colaboram para minimizar os desequi-
líbrios entre os diversos grupos, tais como o cuidado com a organização dos en-
contros - dia, horário e local acessível – ou ainda, o cuidado com a linguagem e
a comunicação na divulgação do convite. Grupos que normalmente ficam mais
isolados precisam de maior incentivo para que ampliem sua representação.
O passo seguinte é a identificação de mecanismos participativos adequados à
implementação dessa forma de gestão. A realização de fóruns de debates, a for-
mação de conselhos consultivos e deliberativos, a abertura de espaços para a
atuação dos grupos de jovens, a constituição de grupos de discussão e de leitura,
entre outras medidas, podem representar alternativas viáveis nessa direção, sem
representar um ônus tão grande para as atividades já estabelecidas. A priori, nada
existe que possa impedir, de forma definitiva, as bibliotecas públicas brasileiras de
caminharem nessa direção.
Quando uma biblioteca pública cria um conselho composto por representantes
da comunidade e da própria instituição, com o objetivo de discutir e decidir sobre
questões que envolvem a organização, a estrutura e a dinâmica de suas ativida-
des, ela está abrindo caminhos para a gestão participativa. Um conselho gestor da
biblioteca, por exemplo, pode interferir positivamente na formação e desenvolvi-
mento de suas coleções, nas formas de investimento para a melhoria da biblioteca,
na criação de novos serviços e, até mesmo, na busca de novos recursos. Nesse
caso, a comunidade está participando das tomadas de decisões da biblioteca e pas-
sando da posição de mero receptor das benesses de um órgão público, para a de um
agente social envolvido na construção de fatores que irão influir no seu cotidiano.
No entanto, esses mecanismos só serão realmente efetivos se partirmos de prin-
cípios baseados na participação, ou seja, que respeitam a diversidade, a pluralidade
cultural e as redes de sociabilidade locais; respeitam e valorizam o espaço público;
e estimulam a participação como processo, ou seja, aquela participação que permi-
te ao indivíduo participar da tomada de decisões. Não se trata apenas de ser poli-
ticamente correto, mas, muito mais, de abraçar a participação como um estratégia
eficiente para a incorporação da biblioteca à vida da comunidade.

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A título de ilustração apresentamos as recomendações previstas no Regimento


da Biblioteca Vaga Lume, da Comunidade de Santa Rosa, em Cruzeiro do Sul
(AC), quanto à formação e composição do Conselho de Biblioteca:
Será eleito um conselho da biblioteca composto por representantes de di-
versos segmentos da comunidade. O conselho será o responsável pelas
decisões que envolvem a biblioteca e deverá trabalhar pelo bom funciona-
mento da mesma (Associação Vaga Lume, 2009, p. 71).

Esse Regimento foi escrito e aprovado pelo atual Conselho, que é composto por
representantes de pais e jovens daquela comunidade; das duas escolas e da creche
de Santa Rosa; de um representante da empresa Guascor que apóia a biblioteca; e
pelo subprefeito da cidade de Cruzeiro do Sul (AC).
É necessário também refletir sobre o que é passível de ser decidido coletiva-
mente. Segundo Fung (2004, p. 179), “algumas áreas se beneficiam muito pouco
da deliberação porque requerem tipos de conhecimentos ou treinamentos altamen-
te especializados”. Sem dúvida, existem áreas temáticas que demandam técnicas
biblioteconômicas e pareceres de especialistas, os quais devem ser respeitados. No
entanto, em algumas áreas os membros da comunidade podem “contribuir com
informações acerca de suas preferências e valores, [...] em outras eles podem estar
mais bem posicionados para avaliar os impactos” (Fung, 2004, p. 179).
O processo participativo demanda debate e negociação. Quanto mais informa-
dos estiverem os participantes, maior serão as intervenções de qualidade. Nesse
sentido a periodicidade regular dos encontros é importante, assim como a reali-
zação de fóruns temáticos educativos, com o objetivo de criar condições para os
cidadãos formarem, articularem e refinarem opiniões sobre determinados assuntos.
Esses fóruns podem ser considerados ações formativas que possibilitam a sociali-
zação de conhecimentos e experiências para qualificar a participação das pessoas
envolvidas no processo.
Quanto mais informação as pessoas tiverem sobre a biblioteca, seu acervo, seu
público, seus recursos e etc. mais condições elas terão de colaborar na escolha de
prioridades.  Por exemplo: organizar um fórum sobre o tema “acervos e coleções”
para informar e discutir com a comunidade como é constituído o acervo daquela
biblioteca e quais as necessidades dos usuários é uma forma de instrumentalizar
o grupo para a tomada de decisão sobre formas de obtenção recursos para novas
aquisições.
Sem informações as pessoas normalmente não têm a noção da importância da
seleção do acervo e da necessidade de recursos para a aquisição de livros e outros
tipos de materiais. De modo geral a sociedade acredita que as doações são sufi-

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  Elisa Campos Machado / A prática da gestão participativa em espaços de acesso à informação: o caso das...

cientes para cobrir as demandas dos usuários das bibliotecas públicas. Ao preparar
esse tipo de atividade, a equipe da biblioteca estará facilitando e estruturando o
ambiente para melhorar a qualidade do processo participativo.

4.   Considerações Finais


Criar mecanismos de participação e envolver as lideranças locais na tomada
de decisões implica em mudanças culturais e de comportamento. É uma forma de
garantir serviços, acervos e ações mais adequados às necessidades dos grupos em
questão. Estes mecanismos, no entanto, não podem ser simulacros de participação,
criados meramente para cumprir formalidades legais, ou, ainda, para servir como
meio para atingir um objetivo individual, usando a comunidade a seu favor.
Nas bibliotecas públicas, percebemos que existem várias barreiras para o esta-
belecimento do processo participativo. Os gestores, em sua maioria pessoas exter-
nas à comunidade, precisam sair da posição de propositores de ações impositivas
e idealizadas e passar para a posição de membros da comunidade, que agem como
um interlocutor ou mediador no processo de identificar e satisfazer necessidades
de informação e cultura. Só assim conseguirão construir conjuntamente um espaço
de ação que fomente o acesso à leitura e à informação. Neste caso, consideramos
que existem barreiras discursivas que precisam ser identificadas e trabalhadas,
pois do contrário, estas agirão como um dos principais empecilhos neste processo.
Outra barreira importante a ser considerada é o medo e o isolamento decorrente
da violência que assola as grandes metrópoles, fator que dificulta muito a aproxi-
mação com a comunidade.
Já as bibliotecas comunitárias, diferentemente das bibliotecas públicas, nor-
malmente são criadas e administradas por membros da própria comunidade. Vistos
como iguais, têm maior facilidade de comunicação e circulação entre os diversos
grupos e lideranças. Dessa forma, pode-se dizer que as barreiras que têm pela fren-
te no que diz respeito à participação são bem menores, quando comparadas àquelas
relacionadas às bibliotecas públicas. No entanto, posturas dogmáticas e persona-
listas dos propositores das bibliotecas comunitárias podem também representar
barreira intransponível a processos de participação, comprometendo esforços me-
ritórios de democratização do conhecimento e da informação.
Acreditamos que as pessoas envolvidas com a biblioteca pública e a bibliote-
ca comunitária têm muito a partilhar. Por um lado, os bibliotecários das bibliote-
cas públicas devem dedicar um olhar atento para as experiências das bibliotecas
comunitárias, com o intuito de aprender com elas e incorporar este aprendizado
à gestão de práticas participativas em bibliotecas públicas. Por outro lado, estes

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Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 33, No. 1 enero-junio de 2010. ISSN 0120-0976

mesmos bibliotecários têm muito a ensinar para as lideranças que estão envolvi-
das na constituição de bibliotecas comunitárias, visto que estas mesmas lideranças
enfrentam muita dificuldade na organização e gestão da informação. Na prática,
muitas bibliotecas comunitárias não conseguem passar de um espaço de leitura
e acesso ao livro, em função da falta de especialistas para atuar nesse processo.
Ao aproximar desejos e habilidades poderemos ampliar e potencializar o acesso à
leitura e à informação.

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