Doutrina Militar Terrestre 1 2013
Doutrina Militar Terrestre 1 2013
Doutrina Militar Terrestre 1 2013
MILITAR
TERRESTRE
em revista
Revista do Exército Brasileiro | Ano 001 | Edição 001 | Janeiro a Março/ 2013
A necessária transformação
Operações no amplo espectro: do Exército
novo paradigma do espaço de
Batalha A guerra no meio do povo
4
General de Divisão Mario Lucio Alves de Araujo MENSAGEM DO CHEFE DO
ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO
Assistente do Chefe do Centro
de Doutrina do Exército Gen Ex Silva e Luna
Coronel Gil Hermínio Rocha
CONSELHO EDITORIAL
6
General de Divisão Mario Lucio Alves de Araujo UMA NOVA ESTRUTURA PARA
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro
Coronel Douglas Bassoli
A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA
NO EXÉRCITO BRASILEIRO
EDITOR-CHEFE Cel Jansen
Coronel Douglas Bassoli
SUPERVISOR DE PRODUÇÃO
16
Coronel Nilson Kazumi Nodiri OPERAÇÕES NO AMPLO
REDAÇÃO E REVISÃO
ESPECTRO: NOVO PARADIGMA
Capitão Paulo de Souza DO ESPAÇO DE BATALHA
Gen Div Araujo
PROJETO GRÁFICO – CCOMSEx
1o Tenente Karla Roberta Holanda Gomes Moreira
1o Tenente Osmar Leão Rodrigues
28
1o Sargento Djalma Martins
2o Sargento Fabiano Mache A GUERRA NO MEIO DO POVO
Cabo Harllen de Oliveira Ximenes Mesquita Gen Ex Castro
DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL – CCOMSEx
1o Tenente Karla Roberta Holanda Gomes Moreira
Cabo Harllen de Oliveira Ximenes Mesquita
AS FUNÇÕES DE COMBATE:
COORDENAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx)
IMPRESSÃO GRÁFICA
UMA TRANSFORMAÇÃO NO
PLANEJAMENTO DAS
OPERAÇÕES MILITARES
34
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(Circulação dirigida no país e no exterior)
INFORMAÇÕES: UM OPERACIONALIZANDO O
56
ANTIGO CONCEITO SOB COMANDO E CONTROLE NO
UM NOVO PARADIGMA COMBATE AO TERRORISMO
78
Ten Cel Corrêa ONZE ANOS APÓS O 9/11;
REFLEXOS NO BRASIL.
Gen Bda Alvaro
A NECESSÁRIA TRANSFORMAÇÃO
64
DO EXÉRCITO
A IMPORTÂNCIA DA GEOINFORMAÇÃO
Cel Novaes
88
NO COMBATE MODERNO
Maj L.Carneiro
As ideias e conceitos contidos nos textos publicados nesta revista são de exclusiva responsabilidade de seus
autores e não refletem a concordância ou a posição oficial do C Dout Ex, do EME e do Comando do Exército
Brasileiro. Essa liberdade concedida aos autores permite que sejam apresentadas perspectivas novas e, por
DOUTRINA
vezes, controversas, militar
com TERRESTRE
o objetivo de estimulare o
m debate
r e v i sde | Janeiro a Março/ 2013
t aideias. 3
mensagem
Doutrina Militar terrestre Em revista, periódico concebido para circular a cada três meses
no âmbito de todo o Exército Brasileiro, tem como propósito, na sua essência, dois grandes objetivos.
O primeiro, de percepção mais óbvia, pretende ser uma publicação de divulgação da doutrina – em
construção por todo o Exército. O segundo, não menos importante, é a intenção de proporcionar a
todos os integrantes da Força Terrestre um instrumento pedagógico com energia capaz de permitir a
revisão permanente da Doutrina Militar Terrestre (DMT), mantendo-a “em estado de vir a ser”. Pela sua
Seu lançamento, no primeiro trimestre deste ano, é oportuno porque nasce junto com o Centro
de Doutrina do Exército (C Dout Ex) e deverá crescer com ele. O C Dout Ex foi ativado no último 1º de
principais propósitos:
na “doutrina em vigor”;
desenvolvidos em outros
países;
• difundir experiências de combate adquiridas pelo EB e por forças terrestres de outras nações;
• estimular o “pensar fora da caixa” e incentivar a formulação de preceitos doutrinários com base
• atuar como veículo de intercâmbio doutrinário entre a Força Terrestre brasileira e outros
Nessa primeira edição, estão sendo desenvolvidos temas de significativo conteúdo inovador para
a DMT. Com tal iniciativa visa, no contexto do processo de transformação do Exército, romper com
paradigmas da “Era Industrial” e buscar soluções de combate cada vez mais próximas da “Era do
• as funções de combate, como nova forma de pensamento das soluções dos problemas militares;
Finalmente, como Chefe do EME, concito todos a proporem artigos para este periódico, contribuindo
com suas ideias para a transformação do nosso Exército que marcha com o norte magnético da bússola
voltado para a Era do Conhecimento, com a estatura do Brasil e mantendo-se merecedor da confiança
da sociedade brasileira.
O Cel JANSEN é o atual Subcomandante da Escola de ideias e informações que deveria ter sido
Aperfeiçoamento de Oficiais, no Rio de Janeiro. Entre os anos de absorvida em estudos profissionais acabe sendo
2009 e de 2012, serviu no Estado-Maior do Exército, tendo sido desperdiçada, quando da passagem desses
o gerente do projeto de implantação do Centro de
militares para a Reserva. É comum, infelizmente,
Doutrina do Exército. Além dos cursos normais
da carreira militar, realizou o Curso da observar que conhecimentos úteis para a
Escola de Guerra, em Paris/França. Possui Doutrina Militar Terrestre (DMT) tenham que ser
o mestrado de Relações Internacionais novamente “garimpados” por outros militares,
pela Universidade de Paris e a pós- que, provavelmente, também os levarão consigo,
graduação em Governança Corporativa,
pela Fundação Getúlio Vargas. Nesta,
num ciclo vicioso e interminável.
seu trabalho acadêmico, foi “A Nova O impacto dessa situação é mais grave do
Concepção da Gestão do Conhecimento que possa parecer. A DMT orienta a atividade fim
para a Doutrina Militar do Exército do EB, pois o conjunto de seus produtos responde
Brasileiro: o Sistema SINAPSE”.
às necessidades primárias da Força Terrestre
H
(FTer). Ou seja, o que será necessário para que a
FTer disponha das capacidades de combate que
Há um imenso conhecimento acumulado lhe permitam enfrentar quaisquer ameaças, em
pelos integrantes do Exército Brasileiro (EB), um cenário futuro? A partir dessa visualização,
em todos os seus níveis, fruto de inúmeros a DMT procura responder às questões de como
cursos de formação, especialização, extensão, organizar os meios da FTer e como equipar essa
aperfeiçoamento e pós-graduação realizados no força para este combate?
Brasil e no exterior. Esse cabedal é complementado O Estado-Maior do Exército (EME) é o
pelas experiências individuais colhidas a partir responsável por compilar e codificar esta Doutrina,
da participação em operações militares, missões mas, na verdade, quem a produz são os integrantes
de paz e exercícios. Não faltam profissionais da Força, por meio de seus conhecimentos.
competentes nos quadros do Exército, capazes Esta é a forma pela qual o EB transforma o
de elaborar uma Doutrina Militar atual e conhecimento tácito de seus integrantes em um
contextualmente adequada às novas e emergentes valioso ativo corporativo. Em qualquer ambiente,
ameaças. o conhecimento compartilhado é o principal fator
Entretanto, após análise aprofundada de inovação e da produtividade.
realizada durante os três últimos anos1, Deseja-se, neste artigo, apresentar uma nova
diagnosticou-se que somente uma parte ínfima concepção da Gestão do Conhecimento para a
desse conhecimento individual é repassada para Doutrina Militar do EB e, com isso, produzir uma
o coletivo. Por diversas razões, o Exército não Doutrina alinhada com os Objetivos estratégicos
tem sido capaz de aproveitar os conhecimentos do Exército e compatível com os desafios que
adquiridos pelos indivíduos que o compõem, enfrentaremos em futuro próximo. Para isso
permitindo, com isso, que a riqueza de novas pretendemos discutir a seguinte questão: “Como
6
Foto: Soldado Jezo Fernandes, 33o BIMtz
melhorar a confiabilidade, a qualidade e a rapidez
de atualização dos produtos da Doutrina Militar
do Exército Brasileiro”?
UM DIAGNÓSTICO DA GESTÃO DO
CONHECIMENTO DOUTRINÁRIO NO EB
Da análise das conclusões de seminários e
reuniões sobre a DMT, realizados durante os anos As experimentações são uma das ferramentas para testar novos conceitos e
de 2009 e 2010, foram identificados os principais concepções para emprego das Força Terrestre. Oficiais da Brigada de Infantaria
Mecanizada de Cascavel/PR acompanham exercício no terreno, em 30 Out 12.
gargalos existentes no processo de atualização dos
produtos doutrinários e os motivos pelos quais se • a rotina de coleta de lições aprendidas
acumulam críticas quanto à sua confiabilidade, e seu eventual aproveitamento pela DMT
qualidade e agilidade, com a consequente visão ainda carecem de meios e processos que os
de que ele não tem sido capaz de atender às tornem eficientes; uma organização profissional
demandadas da FTer. Não surpreende que as tem que poder aprender com seus erros e
soluções propostas por essa análise indiquem sucessos e permanecer aberta à critica e a sua
a necessidade de reformulação da Gestão de melhoria;
conhecimento no EB. Destacamos algumas • a cultura de permanente atualização da
recomendações: DMT sofreu impacto negativo com as mudanças
• a produção doutrinária deve adotar uma estruturais ocorridas no âmbito do EME, na última
formatação matricial que década. Os reflexos acabaram
permita o estabelecimento “Em qualquer alcançando toda a Força. Poucos
de canal técnico com aqueles
que efetivamente “geram”
ambiente, o têm a conhecimento sobre o
processo de produção doutrinária
informações doutrinárias; conhecimento e a perfeita compreensão de que
• no trato dos assuntos
doutrinários, as diretrizes
compartilhado é seus objetivos estão ajustados às
demandas doutrinárias de todos
e orientações nem sempre o principal fator os órgãos do EB e dos escalões da
ficam claras àqueles que
podem contribuir com dados
de inovação e F Ter;
• a experiência adquirida
e informações de interesse. produtividade.” por oficiais e praças em
O EME deve selecionar e situações específicas nem
difundir periodicamente uma relação contendo os sempre é aproveitada, particularmente daqueles
Elementos Essenciais de Informação Doutrinária que concluem cursos e missões no exterior e de
(EEID), orientando os órgãos de direção setorial outras especializações. Integrantes da reserva
(ODS), e os Comandos Militares de Área (Cmdo Mil também não são adequadamente aproveitados
A) – e, de maneira mais ampla, todo o Exército – na produção doutrinária. Não existe, portanto,
quanto ao foco a ser dado na busca e pesquisa de um cadastramento de colaboradores voltado à
novas soluções doutrinárias; doutrina, que possibilitaria a formação de um
• o EB necessita urgentemente de um Banco corpo virtual de especialistas por assunto – um
de Dados Doutrinários que seja constantemente “banco de talentos”, para a montagem de Grupos
atualizado e permita fácil acesso por todos que de Trabalho (workshops) para a formulação/
integram a produção doutrinária. Essa iniciativa revisão de temas doutrinários inéditos, manuais
permitirá a sistematização do conhecimento de campanha e outros produtos de doutrina;
reunido, por meio de ferramentas corporativas • a alta rotatividade do pessoal que trata
de Tecnologia da Informação (TI), com todos os de doutrina conduz a uma significativa perda
encadeamentos necessários, conferindo sinergia da capacidade de acompanhamento doutrinário
ao trabalho de todos os órgãos e comandos desde a fase de pesquisa até as experimentações
envolvidos no sistema; conduzidas nos Comandos Militares de Área e suas
Grandes Unidades. Esse problema é agravado pelo desenvolvimento das organizações e equipes.
excesso de atividades paralelas, que desviam os Hoje, essas missões foram absorvidas pelo Army
analistas de sua missão; Operational Knowledge Management (AOKM),
• a configuração linear do ciclo de que pertence ao Diretório de Integração de
produção doutrinária não é a mais adequada. Ele Desenvolvimento das Capacidades (CDID) do CAC2.
seria melhor servido se passasse a ser cíclico e O Exército estadunidense desenvolveu
contínuo. o manual FM 6-01.1 “A Célula de Gestão do
Conhecimento do Comando da Batalha”3, que
MODELOS DE GESTÃO DE serve como referência para a compreensão do
CONHECIMENTO DOUTRINÁRIO papel da gestão do conhecimento nas operações.
Soluções adotadas por Forças Armadas Comparando-se essa solução com as
estrangeiras sempre são um bom caminho necessidades e possibilidades do EB, pode-se
para buscar e discutir soluções inovadoras, concluir pela validade da criação de fóruns virtuais
com procedimentos de operação mais eficazes. para debate que estimulem a participação de todos
Adaptadas à realidade das Forças Amadas nesse processo e a revisão das IG 20-134, incluindo
brasileiras, podem conduzir a um desempenho normas que regulem a Gestão do Conhecimento
superior na produção doutrinária, com melhor no campo doutrinário e operacional.
aproveitamento do conhecimento individual e Já nas Forças Armadas canadenses5 existe
coletivo obtido por seus integrantes. um sistema de doutrina e da instrução da FTer do
As Forças Armadas dos Estados Unidos da qual o Centro de Lições Aprendidas do Exército
América (EUA) estão, sem dúvida, entre as que (CLRA)6 faz parte e é o responsável pelo processo
melhor evoluíram seus métodos de Gestão do de aprendizagem do Exército canadense.
Conhecimento, seja por sua imensa estrutura Para os canadenses, o processo está apoiado
voltada para esse fim, seja por terem permanecido sobre uma cultura de aprendizado orientado pelo
empregadas durante as duas últimas décadas. O Estado-Maior no programa de revisão das lições
Battle Command Knowledge System (BCKS), aprendidas, o que facilita e agiliza a análise e
sediado no Centro de Armas Combinado do absorção das experiências operacionais que
Exército EUA (CAC), no forte Leavenworth, possam influenciar na melhoria da instituição.
Kansas, foi o agente de mudança para a Desse modelo, pode-se retirar o ensinamento
implementação de gestão do conhecimento do de que, como levantado na análise do Sistema de
Exército dos EUA. Tinha como missão apoiar Doutrina do EB, é importante institucionalizar
a geração, aplicação, gestão e exploração de as Lições aprendidas e sistematizá-las para que
conhecimentos do Exército, promovendo a realimentem o processo de produção doutrinária e
colaboração entre soldados e unidades, para difundam as melhores práticas e lições aprendidas,
compartilhar as expertises e as experiências; parte importante da Gestão de Conhecimento que
contribuir com o desenvolvimento de líderes visa a evitar a repetição dos erros cometidos por
intuitivos na tomada de decisão e apoiar o outros ou mesmo aproveitar soluções que podem
economizar tempo e dinheiro para a Instituição matricial, sendo composto pelo seu Diretor,
como um todo. um Diretor adjunto e três Subdiretores – um
Do Exército da França, podemos extrair dois de concepção, outro de doutrinas e o outro de
exemplos de como aproveitar o Conhecimento sinergia doutrinária. Abaixo dos dois primeiros
para produzir Doutrina. Diretamente subordinado só existem sete oficiais de projeto para cada
ao Chefe de Estado-Maior do Exército7, o Centro um. Quando da execução de novos projetos, são
de Doutrina de Emprego das Forças (CDEF) é o designadas equipes temporárias, com pessoas a
órgão central da Doutrina da Força, enquanto serem escolhidas pelo gerente do projeto, dentro
que no Estado-Maior das Forças Armadas, o do universo de todo o Ministério da Defesa,
Centro Interforças de Concepção, de Doutrinas e considerando as especialidades necessárias.
Experimentação (CICDE) faz esse papel8. Dessas experiências podemos retirar
O CDEF possui uma organização que permite um bom caminho para modificar a situação
gerir todo o ciclo da produção doutrinária, atual da Gestão do Conhecimento no EB: a
que compreende a concepção, a elaboração, a importância de estimularmos os profissionais
pesquisa, a simulação e a pesquisa operacional, da FTer a difundirem suas experiências e seus
as lições aprendidas e a difusão. Na vertente da conhecimentos – frutos de especializações, lições
difusão, impressiona a expressiva participação aprendidas e melhores práticas –, por meio de
de integrantes do Exército e mesmo civis na instrumentos que permitam fácil acesso a todos
produção de textos sobre assuntos doutrinários e os integrantes do EB.
lições aprendidas. Os militares são estimulados a Em resumo, podemos concluir sobre
escrever não só para as publicações da FTer, mas a necessidade de atender a alguns pontos
também para revistas e jornais civis. fundamentais que podem servir para
Nos trabalhos executados no CICDE, são melhorar a Gestão de Conhecimento do EB e,
utilizados três grandes princípios metodológicos: consequentemente, conferir mais confiabilidade,
• a atividade é organizada por projetos; qualidade e rapidez à produção da Doutrina:
um projeto pode ser a escrituração de uma • estimular todos os integrantes da FTer que
doutrina, de uma concepção ou a execução de uma difundam suas experiências, seus conhecimentos
experimentação; frutos de especializações, as lições aprendidas e
• o trabalho é essencialmente colaborativo, as melhores práticas, por meio de instrumentos
buscando a participação de todos os que permitam fácil acesso a todos do EB, como
correspondentes externos ao centro que tiverem revistas, ou por meios de portais de Doutrina,
uma contribuição a levar à cada projeto; além de fóruns de debate;
• o recurso à experimentação quando • revisar as IG 20-13 para incluir normas
se necessita responder a uma necessidade que regulem a Gestão do Conhecimento no campo
operacional urgente ou quando a problemática é doutrinário e operacional do EB;
complexa. • institucionalizar a coleta, análise e difusão
A organização do CICDE é totalmente das lições aprendidas, sistematizando-as para que
em áreas diferentes da organização. Com isso, O terceiro problema é que a base de dados
dificilmente um oficial consegue ter elevado que contém as informações sobre o pessoal do EB,
grau de competência em determinada função, a do Departamento Geral de Pessoal10, não passa a
possuindo, ao contrário, um conhecimento quem precisa decidir tudo o que é necessário, pois,
A difusão da doutrina e das melhores práticas será feita pelo Portal do C Dout Ex.
O SISTEMA SINAPSE
O Sistema para a Gestão do Conhecimento caso de um assunto totalmente novo, esta equipe
foi batizado de Sistema Integrador das Atividades emitirá EEID para os diversos militares no ex-
de Pesquisa, Simulação e Experimentação – terior e abrirá linhas de pesquisa para os trabalhos
SINAPSE17. Ele é o novo modelo aplicado na dos alunos/estagiários das Escolas Militares.
concepção do SIDOMT, com a finalidade de A fase de validação terá um papel
melhorar a confiabilidade, a qualidade e a rapidez importante, pois é nela que serão aplicadas a
de atualização dos produtos da Doutrina Militar avaliação técnica e a experimentação, com vistas
do Exército Brasileiro. a certificar os produtos do projeto elaborado e
A escolha do nome foi feliz ao adotar o permitir a correção de eventuais erros antes de
simbolismo da sinapse nervosa para destacar o o produto ser efetivamente utilizado por todo o
trabalho em rede, em que cada órgão depende do EB. Cabe ressaltar que a simulação, enquadrada
outro, recebendo e difundindo conhecimento, de pela experimentação, nessa fase, tem o caráter de
forma matricial. Isso é o que se deseja executar na buscar um resultado bem próximo da realidade,
Gestão do Conhecimento, como um contraponto para realmente comprovar que a nossa Doutrina
ao sistema funcional que vigorou até o momento. será efetiva em caso de ativação de alguma das
Adicionalmente, a sigla mostra a importância que hipóteses de emprego do EB.
será dada às atividades de pesquisa, simulação O acompanhamento doutrinário servirá
e experimentação, que terão seus processos de para, após o produto ser validado na avaliação
execução sensivelmente alterados. e aprovado pelo Chefe do EME, verificar como
O C Dout Ex buscará fazer uso de todas a doutrina está sendo empregada na prática,
as oportunidades de absorção de conhecimento por meio do acompanhamento de exercícios no
de interesse para a Doutrina gerados no terreno, das operações de paz (como a do Haiti),
16
\Militares Brasileiros no Haiti acompanham manifestação nas ruas de Porto Príncipe.
legítimas ou não, – missões de imposição da paz,
manutenção da paz, controle de contingentes
populacionais ou de recursos escassos, seja
de energia, água ou alimentos (sob a égide de
Um HM-2 “Black organismos internacionais). Dessa forma, as forças
Hawk”, do 4o BAvEx.
a serem empregadas nesses ambientes devem
Apesar dos novos ingredientes, esses estar aptas à condução de operações simultâneas
conflitos permanecem marcados pelo emprego ou sucessivas, combinando atitudes ofensiva,
da violência. Por outro lado, a participação do defensiva, de pacificação, de Garantia da Lei e da
vetor militar ficou mais complexa, por ocorrer Ordem, de apoio às instituições governamentais
em ambientes com a presença da população e internacionais, de assistência humanitária, em
civil, concentrada em núcleos urbanos, o que ambiente interagências.
reduz a possibilidade de identificar o oponente, Diante desse rompimento com as certezas de
demandando novas capacidades de combate para outrora, a forma de combater deve ser ajustada
evitar que a ocorrência de efeito colateral seja ao atual “Espaço de Batalha”2, agora sem frentes,
explorada pelo oponente contra nós. com inimigo distinto, que exige do vetor militar
Assim, a Doutrina militar é diretamente novas competências e estruturas mais flexíveis,
influenciada por essa avalanche de transformações, adaptáveis, elásticas e modulares. Em outras
já facilmente perceptíveis pelos meios colocados à palavras, a Força Terrestre deve estar apta a
disposição do soldado do presente. É preciso, pois, operar em toda gama dos conflitos modernos, ou
ter coragem de abandonar antigos paradigmas que seja, realizar Operações no Amplo Espectro.
formataram a maneira de pensar o combate nas
últimas décadas, sem perder a essência do vetor AS DuAS GrAnDES GuErrAS
militar como instrumento de defesa dos interesses Em que pese à acentuada diferença do
nacionais vitais, mas dispondo de novas formas desenvolvimento tecnológico entre as duas grandes
de combater que sejam coerentes com o campo de guerras do século XX, que para muitos trataram-se
batalha do século xxI. de um único e prolongado conflito, interrompido
Surgem, nesse contexto, diversas concepções por um armistício de cerca de duas décadas – há
doutrinárias a orientar a preparação de forças duas semelhanças marcantes no que tange aos
militares para enfrentar os novos desafios, que, campos de batalha utilizados: ter se dado entre
dentre outros aspectos, minimizam o planejamento Estados constituídos, buscando ampliar os seus
linear e a centralização, mas enfatizam suposições espaços de influência, organizados em blocos, com
sobre incertezas, descentralização e um espectro a participação ou reflexos para todos os países do
de conflitos1. Na medida em que os conflitos globo. Em segundo lugar, via de regra, as frentes
interestatais ficam cada vez mais raros, o ambiente dos campos de batalha eram bem definidas por
híbrido de ameaças ganha maior importância linhas de contato, normalmente apoiadas sobre
pelos estudiosos da guerra. São definidos conceitos obstáculos naturais para facilitar a tomada do
adaptados a essa realidade, nos quais o uso da dispositivo de defesa, em cuja retaguarda as forças
força assume novas configurações, descritos como oponentes se desdobravam em profundidade, com
Guerra de 4ª Geração; Guerra Híbrida, Guerra seus elementos de manobra à frente, seguidos de
Assimétrica ou Guerra Irrestrita, dentre outras. elementos de apoio ao combate e apoio logístico.
A arte da guerra se depara com ameaças As ações à retaguarda dessas frentes de
que geram novos desafios e complexidades nos combate eram patrocinadas pelas forças aéreas e
atuais cenários, tais como: terrorismo; armas por elementos que eram infiltrados, notadamente
de destruição em massa – com ações lideradas descaracterizados, a fim de degradar o poder de
por quem já as dispõem, para controlar a combate dos beligerantes em confronto, afetando
sua proliferação por “razões humanitárias”, a sua capacidade de durar na ação.
19
• os conflitos bélicos entre Estados não composição dos meios para o combate, quanto à sua
desapareceram, mas têm sido cada vez mais natureza e o armamento. A letalidade inteligente
raros. As novas ameaças aos Estados apresentam- ou seletiva das armas ganha importância capital,
se dentro dos próprios Estados, envolvendo atores visando a evitar os indesejáveis efeitos colaterais
não estatais, organizados em grupos rebeldes ou aos objetivos estratégicos;
insurgentes, contando ou não com o apoio político • o surgimento de novos instrumentos e
e material internacional; vetores de combate, com efetividade decisiva,
• aliada à baixa prioridade da Defesa na utilizando a Tecnologia da Informação no
agenda política, a alternativa bélica como ambiente cibernético;
solução dos conflitos tem sido evitada ao • as novas condicionantes da mobili-
máximo. Apesar de os conflitos de interesse zação das forças militares para a guerra,
entre os Estados persistirem ao longo do tempo, considerando a sociedade, a agenda política
outros instrumentos têm sido pouco dedicada aos assuntos
mais utilizados com maior “Os conflitos passam militares, a “crise de
frequência;
• o nível político tem
a ser intemporais, identidade” decorrente da
discussão sobre a necessidade
encontrado crescentes difi- pela ausência das forças armadas, a
culdades em formular
objetivos políticos para a
de batalhas presença de Organizações
Não Governamentais (ONG),
guerra. Uma vez definidos, decisivas no nível de agências nacionais e
esses objetivos políticos são
constantemente ajustados du-
operacional(...)” internacionais, do poder
político cada vez mais próximo
rante as operações, acompanhando a realidade e do campo de batalha, dentre outras;
a opinião pública interna e internacional. Nesse • a presença da mídia – com a sua
contexto, as forças militares, dentro do interesse importância na formação da opinião pública, um
de cada Estado, têm sido comumente empregadas dos objetivos estratégicos a serem conquistados,
em missões tais como: operações de paz, permitindo o acesso às Informações em tempo
ações humanitárias e controle de contingentes real com capacidade de influenciar as decisões dos
populacionais ou de recursos escassos; chefes militares;
• os conflitos passam a ser intemporais, • o avanço tecnológico experimentado pela
pela ausência de batalhas decisivas no nível sociedade, o que exige a capacitação do soldado
operacional, diferentemente do passado, quando em novas competências, alinhadas às capacidades
o inimigo estava relativamente concentrado necessárias ao domínio dessa tecnologia;
para combater e se buscava a destruição da • o emprego desproporcional de forças
maioria de seus meios. Rompeu-se a lógica da passou a ser inaceitável. Além dos custos
Guerra Industrial e foi reforçado o sentimento da da campanha, resultado da concentração de
incapacidade de o vetor militar, por si só, concluir numerosos contingentes, o inimigo se apresenta
o conflito e restabelecer a paz. A dinâmica das difuso, confundindo-se com a população, com
guerras do século XX obedecia geralmente diferentes formas de atuação, podendo se tornar
à lógica: paz-conflito-guerra-resolução4. Na símbolo nas “operações de informação”, que visam
atualidade os Estados que decidem pela guerra a retirar a liberdade de ação dos comandantes
têm experimentado uma nova dinâmica: no emprego de suas forças militares, quando o
confrontos prolongados-conflitos pontuais, com oponente se vale da estratégia da provocação e
os indesejáveis reflexos sobre os orçamentos propaganda de pequenos episódios do nível tático.
estatais e vidas humanas; Uma tropa organizada e treinada para a conquista
• a tendência, cada vez maior, de os de objetivos táticos e concretos no terreno,
conflitos se darem em ambientes urbanos ou muitas vezes não está preparada para entender a
no seu entorno com a presença da população, dimensão do “espaço de batalha”5, onde a guerra
trazendo significativos reflexos na organização e é vencida, muito além do campo de batalha. Um
governamentais ou autoridades civis, no mesmo missão, quanto à sua natureza e valor. Durante
espaço físico, de forma simultânea ou sucessiva; a operação, esse comando deve ter a capacidade
2º) os escalões menores que Força Terrestre de modificar o planejamento de acordo com os
Componente combinarem atitudes, isto é, capacitar resultados obtidos, devendo integrar as ações
os Grandes Comandos Operacionais (G Cmdo Op) e orientar a transição de cada fase da situação
e as Grandes Unidades (GU) da Força Terrestre de Guerra para a de Não-Guerra, a qual exige
ao emprego de seus elementos de manobra o planejamento acurado, exame de situação
na condução operações ofensivas, defensivas, continuado e liderança na condução dos vetores
simultaneamente, às de Pacificação, de GLO, no empregados.
ambiente interno, de ajuda humanitária, etc. Assim, a FTC ou escalões menores devem
Nesse novo ambiente, as Operações planejar as Operações no Amplo Espectro de
de Amplo Espectro contemplam também a forma não linear, em princípio, buscando atender
possibilidade de absorver as novas capacidades e às diversas missões e tarefas que envolvem o
exigências do combate contemporâneo, tais como: emprego dos elementos de manobra – que variam
efetividade no relacionamento com a mídia; de G Cmdo Op a unidades – de forma faseada,
operações em ambiente interagências; operações simultânea ou sucessiva. O acurado Exame de
de ajuda humanitária; controle de contingentes Situação irá desenhar a melhor forma de dispor
populacionais com ou sem apoio de organismos esses elementos de manobra. Dentro desses
internacionais; condução de operações de escalões subordinados, diferente do que se previa
informação; operações contra terror; operações anteriormente, será normal combinar atitudes
de proteção da população em ambiente de DQBN; de operações ofensivas, defensivas, de ajuda
apoio à população contra desastres naturais; humanitária, de apoio a órgãos governamentais,
proteção de estruturas estratégicas nacionais e de em um ambiente interagências. Entretanto, a
fontes de recursos escassos. capacidade de condução dessa combinação de
A condução das Operações no Amplo atitudes será ditada pelo exame de situação, no
Espectro implica que o mais alto escalão terrestre qual serão considerados todos os fatores da decisão.
em presença planeje a combinação de todas as Como afirma Joseph Nye, “(...) nas intervenções
vertentes envolvidas, definindo prioridades e modernas, os soldados podem ser obrigados a
a composição dos meios a empregar em cada conduzir simultaneamente ação militar em ampla
NOTAS
1. Joseph S. Nye Jr., “O Futuro do Poder – São Paulo: Benvirá, 2012, p. 65.
2. Espaço de Batalha: é a dimensão física e virtual onde ocorrem e repercutem os combates, abrangendo as
expressões política, econômica, militar, tecnológica e psicossocial do poder, que interagem entre si e entre os
beligerantes. O Campo de Batalha está incluído no Espaço de Batalha.
3. Sociedade pós-industrial. Daniel Bell, autor, entre outros, de The Coming of Post-Industrial Society, (1973), In
Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consulta. 2013-01-05].
4. Sir Rupert Smith, Utilidade da Força: A Arte da Guerra no Mundo Moderno, Edições 70.
5. Ibid.
6. FM 3-0, Army Field Manual: Operations (Feb-2008) – Exército dos EUA.
7. Ibid. As operações de estabilização são entendidas como um conjunto de medidas a serem implementadas
pelas forças militares, ou por especialistas, apoiados por forças militares, com a finalidade de influenciar o
ambiente operacional nas dimensões políticas e psicossociais, mitigando as ameaças contra a estabilidade
local, por meio da combinação de ações coercitivas, políticas governamentais de apoio ao desenvolvimento
regional e ações típicas do tempo de paz, em resposta à crise instalada. A estabilização, promovida pelas
forças militares em presença, visa a, principalmente, criar as condições necessárias para a prosperidade
socioeconômica local, necessária ao restabelecimento da paz.
8. FM 3-0, Army Field Manual: Operations (Feb-2008) – Exército dos EUA. As Operações de Apoio, visam a
empregar as forças do Exército no apoio às autoridades civis, estrangeiras ou nacionais, que se preparam
para ou respondem às crises e tem por objetivo aliviar o sofrimento de populações atingidas por sinistros,
desastres naturais ou deslocados de áreas de conflitos.
9. Conjunto de ações realizadas pela Força Terrestre em apoio aos órgãos governamentais em cooperação ao
desenvolvimento nacional e o bem-estar social.
10. Conforme prescreve o Manual de Campanha C 100-5-Operações, 3ª Edição – 1997 nos seus capítulos 5 e 6.
11. Joseph S. Nye Jr., “O Futuro do Poder – São Paulo: Benvirá, 2012, p. 74
12. bid., p. 77.
13. As Ideias da Ciência: As mudanças de paradigmas www.oocities.org/~esabio/paradigmas.htm [Consulta.
2013-01-05].
A
Castro Alves ao afirmar, em “Espumas Flutuantes”,
que “nem cora o livro de ombrear co’o sabre, nem
As ciências militares e a arte da guerra cora o sabre de chamá-lo irmão.” Sua folha de
têm sido impactadas por transformações serviços registra o comando da divisão blindada
exponenciais, fenômeno jamais experimentado britânica no Iraque (1990-1991) e de tropas
pela humanidade. Aceleradas e inéditas mudanças multinacionais da OTAN e da ONU nos Bálcãs
políticas, econômicas, culturais, sociais e (1995 e 1998-2001). Combinou suas experiências
científico-tecnológicas têm se refletido sobre as de combate a invejável conhecimento de História
forças armadas em todo o mundo. Militar para demonstrar que “as guerras hoje são
Em sua obra “The Utility of Force”, o travadas no meio de populações civis”4. O inimigo
General Sir Rupert Anthony Smith, experiente combate disperso no seio dessas populações e, não
comandante britânico, afirma que se vive novo raro, constitui parcela dessa mesma gente.
paradigma, o da guerra no meio do povo, em lugar O Gen Smith afirma que forças armadas (FA)
do consolidado paradigma da guerra industrial são essenciais a qualquer entidade geopolítica
entre estados, cuja premissa é a sequência paz – independente no sistema internacional. Afirma,
crise – guerra – solução1. também, que as FA apresentam quatro atributos
Este artigo tem o propósito de aplicar os integrados à estrutura legal do estado5: são
pensamentos desenvolvidos pelo General (Gen) instituições militares organizadas; primam por
Smith ao conflito entre Israel e o Hamas, travado estrutura hierárquica que responde à mais elevada
em novembro de 2012. O artigo pretende, também, instância do estado; dispõem de autoridade legal
provocar reflexões sobre a utilidade do emprego para empregar seu armamento e regem-se por
28
códigos disciplinares e penais independentes; chegaram a Gaza, acompanhados desde a origem
seus recursos orçamentários para aquisição de por militantes do Hamas e técnicos iranianos com
material bélico6 são centralizados7. Assim são, por passaportes falsos. Esses foguetes, com alcance de
exemplo, as FA brasileiras e as Forças de Defesa 75 km, juntaram-se aos Grad e Grad versão 2 (com
de Israel (IDF, na sigla em Inglês), ambas alcance de 20 e 48 km, respectivamente), Qassam
organizadas segundo o paradigma da guerra (17,7 km) e aos morteiros pesados (9,7 km) para
industrial entre estados. aumentar o poder de fogo do Hamas12.
A sobrevivência da nação, interesse vital
ISrAEL x hAMAS: de Israel, passou a ser fortemente ameaçada.
uMA GuErrA nO MEIO DO POVO? Em decorrência, de 14 a 21 de novembro, as
Desde que se tornou independente, em 14 de IDF entraram em ação contra os terroristas do
maio de 1948, Israel tem enfrentado sucessivas Hamas, dispersos no meio do povo palestino do
crises, conflitos, escaramuças e guerras com seus qual, por sua vez, são integrantes. Durante as
vizinhos, até mesmo porque nunca se efetivou operações militares, sobressaíram as seguintes
a criação do Estado Palestino, igualmente características do novo paradigma da guerra:
deliberada pela ONU, em 1947. O emprego mais • as forças armadas de Israel, organizadas
recente das IDF ocorreu em novembro de 2012. segundo o paradigma da guerra industrial,
Neste confronto, uma guerra no meio do povo, confrontaram-se com um inimigo não-estatal,
as características apontadas pelo Gen Smith o Hamas;
para identificar o atual • o conflito armado
paradigma da guerra “...a mídia teve duração reduzida:
puderam ser claramente desempenhou papel desde 14 de novembro,
observadas8. quando da eliminação
O Hamas, a maior e
central e ampliou as do comandante militar
mais influente organização dimensões da guerra inimigo, Ahmed al-Jabari,
fundamentalista palestina9,
prega abertamente a
no meio do povo...” até 21 de novembro,
data em que entrou em
completa destruição do Estado de Israel10. A vigor o cessar-fogo;
organização é considerada terrorista pelo Canadá, • a guerra foi travada no meio das populações
Israel, Japão, Estados Unidos e União Europeia, civis israelense e palestina, obrigando as IDF a
enquanto Reino Unido e Austrália consideram identificar, com a máxima precisão possível, os
terrorista somente o seu braço armado11. O Hamas, membros do Hamas, antes de transformá-los em
em 2006, venceu democraticamente as eleições alvos. Os terroristas, por seu turno, não tinham
nos territórios palestinos pelo que assumiu o obrigação alguma ao selecionar os alvos de seus
controle da Faixa de Gaza, da qual os israelenses foguetes que chegaram, pela primeira vez, a Tel
haviam se retirado unilateralmente em 2005. Aviv, centro financeiro de Israel;
De imediato, emergiram duas consequências: o • os objetivos das IDF consistiram na
enfraquecimento do poder político da Autoridade destruição/neutralização da rede de túneis e dos
Nacional Palestina (ANP) e o aumento da ameaça foguetes do Hamas além da eliminação de líderes
a Israel cujo direito de existir não é reconhecido e integrantes do braço militar da organização.
pelo Hamas. Esses objetivos, como se vê, foram diferentes do
Com liberdade de ação, o Hamas construiu que teriam sido os de uma guerra industrial entre
uma rede de túneis de Gaza ao Sinai, no Egito, estados;
essencial ao contrabando de foguetes Fajr-5 de • a mídia desempenhou papel central e
fabricação iraniana. Os foguetes foram enviados do ampliou as dimensões da guerra no meio do
Irã para o Sudão por via marítima, com aprovação povo, em particular dos palestinos. Onipresentes,
do governo local. A seguir, atravessaram o Egito televisão e emissoras de rádio, correspondentes
através do Saara até a península de Sinai, onde internacionais, jornais, revistas e internet
foram desmontados. Pelos túneis, os Fajr-5 transmitiram instantaneamente aos lares
NOTAS
1. SMITH, General Sir Anthony Rupert. The Utility of Power, pag. 183. Alfred A. Knopf, Publisher. NEW YORK,
2007.
2. Ob. cit. pag. 415.
3. Publicação da biblioteca pessoal do autor.
4. Ob. citada, palavras na primeira orelha.
5. Idem, pág. 10, em tradução livre e breves inserções do autor deste artigo.
6. Deliberadamente, empreguei a expressão material bélico e não material de emprego militar e, muito menos,
material de defesa.
7. No Brasil, por exemplo, os recursos são centralizados no Orçamento Geral da União.
8. Idem, páginas 19 e 271.
9. VISACRO, Major Alessandro. In: Military Review, edição brasileira, janeiro-fevereiro 2010, pag. 89.
10. SMITH, General Sir Anthony Rupert, ob. cit. pag. 261.
11. Disponível em: www.http://pt.wikipedia.org/wiki/Hamas.
12. O GLOBO, segunda edição, pag. 22. RIO DE JANEIRO, RJ, 19 de novembro de 2012.
13. O GLOBO. RIO DE JANEIRO, edições de 16 a 23 de novembro de 2012.
14. SMITH, General Sir Anthony Rupert, ob. cit. pag. 19 e 271.
15. O GLOBO. RIO DE JANEIRO, edição de 22 de novembro de 2012.
16. Disponível em www.http://youtube.com/watch?v=9-DT7Pq0264&feature=youtube_gdata_player.
17. “Iron Dome”, em Inglês.
18. Sistemas, segundo o vocabulário militar do Exército Brasileiro.
19. SMITH, General Sir Anthony Rupert, ob. cit. pag. 326.
20. Id. ob.cit. pag. 415.
21. BRASIL, Estado-Maior do Exército. O Processo de Transformação do Exército, pag. 44. BRASÍLIA: EME, 10
de maio de 2010.
22. 138 votos a favor, 9 contra e 41 abstenções.
23. SMITH, General Sir Anthony Rupert, ob. cit. pag. 5 e 6. Tradução livre.
24. EUA, Quartel-General do Exército. FM 3-0, Operações, pag. 1-4 e 1-5. WASHINGTON, DC, 27 de fevereiro de
2008. Em tradução livre.
25. BRASIL, República Federativa. Decreto nº 6.703. END, pag. 18. BRASÍLIA, DF: 18 de dezembro de 2008.
26. BERMÚDEZ, Brummel Vásquez, Capitão-de-Fragata da Marinha do Equador. A Guerra Assimétrica à luz do
pensamento estratégico clássico, Anexo A. RIO DE JANEIRO: Marinha do Brasil, Escola de Guerra Naval,
2004. O Anexo em questão apresenta outros conceitos de Guerra Assimétrica.
27. Idem, pag. 19, Anexo A.
28. BRASIL, Estado-Maior do Exército. O Processo de Transformação do Exército, pag. 41. BRASÍLIA: EME, 10
de maio de 2010.
29. Idem, pag.29.
30. O livro foi originalmente publicado em 2005.
31. Expressão empregada deliberadamente, como em parágrafo anterior.
Q
conceito. Para alguns, não passa de uma mudança
de nomenclatura, sem qualquer alteração
substancial. Outros entendem que ele surge para
Qualquer pessoa que se interesse em eliminar os sistemas operacionais do campo
acompanhar a recente evolução das doutrinas de batalha, com os quais gerações de oficiais
militares dos países ocidentais perceberá a habituaram-se a trabalhar. Para muitos, isso seria
profusão de novos conceitos que estão em uso uma impropriedade, uma vez que os sistemas
– ou em discussão – nos exércitos desses países. operacionais (ou operativos, se o leitor preferir) são
Operações no Amplo Espectro, Ação Unificada, entendidos como a forma de organizar os meios
Ação Decisiva, Operações de Informação e Desenho da Força Terrestre (F Ter) para o cumprimento de
Operacional são apenas alguns exemplos1. suas missões.
Foto: Arquivos CCOMSEx
de modo a formar um todo organizado, para o sistemas físicos ou virtuais – que possuem
cumprimento de determinada tarefa ou ação”3. um órgão central, instalações, subsistemas e
Ainda assim, é uma definição tão abrangente, que elementos que o integram e um conjunto de
pode ser empregada em uma grande variedade de regras que regem seu funcionamento. Em outras
contextos, com aplicações distintas. situações, a palavra “sistema” é empregada para
O que se vê, com frequência, é a adjetivação descrevermos atividades que devem funcionar
do termo na tentativa de qualificar e limitar seu de modo sistêmico, sem, de fato, possuírem a
significado. Assim, vemos exemplos nos mais organização mencionada acima.
diversos campos, como em: sistema solar; sistema Com frequência, vemos o emprego de
econômico; sistema circulatório, sistema de expressões como “sistema de informações” ou
comunicações, sistema computacional; sistema de “sistema de guerra eletrônica” gerando dúvidas
ensino; sistema de saúde; sistema federal; sistema entre os integrantes da Força. Alguns são levados a
de combate; sistema de segurança pública; e, até, crer, erroneamente, que estes poderiam ser novos
sistema de sistemas. “sistemas operacionais do campo de batalha”, por
Graças à abrangência do termo, podemos exemplo. O leitor provavelmente já se deparou
42
para os comandantes e os estados-maiores a ser descritos em um manual específico dessa
relacionarem, reunirem, descreverem e Função de Combate – e não mais em manuais de
coordenarem as tarefas e atividades que executam emprego da Infantaria ou da Cavalaria (claro que,
em operações terrestres, de modo a assegurar quando a intenção for tratar das especificidades
que todos os aspectos necessários à condução de como atua um pelotão de Cavalaria Mecanizado
das operações tenham sido considerados no ou um pelotão de Infantaria Blindado, por
planejamento e na execução. exemplo, a F Ter continuará a fazer uso de
O claro benefício é permitir melhor manuais contendo táticas e técnicas específicas
visualização e tratamento das soluções aos a essas frações). Da mesma forma, será possível
problemas militares pelos estados-maiores. As rediscutir as publicações doutrinárias conceituais
Funções de Combate permitem concentrar a sobre o emprego das Comunicações ou da
organização e a escrituração da nossa doutrina Engenharia, por exemplo. A F Ter poderá adotar
em torno dessas atividades e tarefas, com vistas manuais que abordem as atividades do Comando
a facilitar as atividades de preparo e emprego. É e Controle, de Obtenção da Superioridade
uma questão de metodologia! de Informações, de obtenção de Consciência
Nessa linha de raciocínio, alguns manuais Situacional, e de medidas de proteção dos nossas
passarão a tratar de fundamentos e conceitos tropas e sistemas, por exemplo.
próprios das seis Funções de Combate. Os
fundamentos do movimento e da manobra passarão CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerar a utilização das Funções de
Combate como uma ferramenta de apoio à
decisão trará benefícios à nossa Doutrina e à
organização do nosso Exército. Os comandantes
e seus estados-maiores terão ganhos substanciais
na preparação de suas tropas e no planejamento
de suas operações. O foco estará nas atividades
e tarefas a serem realizadas... Os meios para
o cumprimento dessas tarefas serão cogitados
durante o planejamento, na medida em que
se façam necessários, estejam eles a cargo de
determinada Arma, Quadro, Serviço – ou não
(como no caso dos meios de defesa cibernética,
entre outros).
É esse o enfoque dado pelo Estado-Maior
NOTAS
1. Amplo Espectro (Full Spectrum Operations – FSO), Ação Unificada (Unified Action), Comando de Missão
(Mission Command), Operações de Informação (Information Operations) e Desenho Operacional (Operational
Design) são conceitos em uso pelo Exército do Estados Unidos da América. Várias referências a esses conceitos
podem ser encontrados em manuais do US Army. Consulte, por exemplo, a página de publicações do Centro
de Armas Combinadas do Exército dos EUA, em www.leavenworth.army.mil/, ou diretamente na página da
“Doctrine 2015, em http://usacac.army.mil/cac2/MCCOE/ Doctrine2015Tables.asp . Acessado em 20 Dez 12.
2. O autor consultou vários dicionários. Uma opção é o dicionário online Houaiss/UOL, em http://houaiss.uol.
com.br/. Acessado em 06 Dez 12.
3. Definição comum em muitos dicionários. O autor utilizou o dicionário online Houaiss/UOL e o Dicionário da
Língua Portuguesa Larousse Cultural, da Editora Nova Cultural. Edição 1993.
4. Os sete “Sistemas Operacionais do Campo de Batalha” são: Comando e Controle; Inteligência; Manobra;
Apoio de Fogo; Defesa Antiaérea; Mobilidade, Contramobilidade e Proteção; e Logístico. Segundo o C 100-5,
“os elementos de combate, apoio ao combate e logísticos interagem, integrando sistemas operacionais, que
permitem ao comandante coordenar o emprego oportuno e sincronizado de seus meios no tempo, no espaço
e na finalidade”. Pag. 2-13. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha C 100-5 “Operações”. Brasília,
1997 - pag. 2-13 e 2-14.
5. Ibid. Pag. 2-13.
6. O amplo espectro dos conflitos deve ser entendido como toda a gama de possibilidades de emprego da F
Ter, desde as ações militares realizadas em situação de paz estável, até o extremo oposto do espectro: a
guerra total, entre Estados. Entre os dois extremos, estariam situações de ajuda humanitária e atendimento a
calamidades; instabilidade interna; “paz instável”; insurgência; e ações de guerra irregular. A F Ter deve estar
apta a realizar, portanto, operações clássicas (Ofensiva e Defensiva), Operações de Pacificação e Operações
em Apoio a órgão Governamentais.
7. Considerando o espaço disponível para este artigo – e o propósito da apresentação de exemplos de outros
países – citamos apenas os casos do Exército estadunidense e do Exército Francês. Há outros exércitos que
adotaram o conceito de Funções de Combate, baseados em princípios muito semelhantes ao que norteou esses
dois exércitos. A própria Organização do Tratado do Atlântico Norte e alguns dos exércitos europeus estão
entre os que optaram pelas Funções de Combate. Veja, por exemplo, os comentários do General de Divisão
Alfredo Ramírez Fernández, do Exército Espanhol, em seu artigo publicado na revista Ejército de Tierra
Español, intitulado “Doctrina de Empleo de las Fuerzas Terrestres - Edición 2011” (pag. 22 a 29) Disponível
em http://www.portalcultura.mde.es/Galerias/revistas/ficheros/R_Ejercito_854.pdf. Acessado em 21 Dez 12.
8. ESTADOS UNIDOS. FM 100-5 “Operations”. Headquarters, Department of The Army. June 1993. Os conceitos
mencionados estão no capítulo 2, pag.2-12. Disponível na biblioteca eletrônica da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército dos EUA (Combined Arms Research Library Digital Library), em http://cgsc.
contentdm.oclc.org/cdm/singleitem/collection/p4013coll9 /id/49/rec/12. Acessado em 10 Dez 12.
9. O FM 100-5 traz a descrição detalhada de cada uma das Funções de Combate, segundo a visão vigente à
época (pag. 2-12 a 2-15).
10. A versão de 2006 do JP 3-0 “Operations” está disponível e pode ser consultada em alguns sítios da Internet
que mantém arquivos de antigas versões de manuais doutrinários. Consulte, por exemplo, http://www.bits.
de/NRANEU/others/jp-doctrine/jp3_0(08ch1).pdf. Acessado em 20 Dez 12.
11. Segundo o TC Marcos Américo Vieira Pessôa, Oficial de Ligação (OLig) do EB junto ao Exército Sul, em San
Este artigo foi originalmente publicado na edição Nov/Dez de 2011, da Military Review, sob o título “Flight Simulation for the
Brain – Why Army Officers Must Write” (pag. 49-56), e, no bimestre Jan/Fev de 2012, uma versão em português foi publicada na
edição brasileira da mesma Revista. A presente reprodução foi autorizada pelo autor.
E
começar a preparar melhores escritores.
50
Nossos modelos mentais se tornam mais impressa da apresentação. Fica claro
ricos e mais precisos enquanto simulamos que um texto completo é melhor que
mentalmente narrativas sobre nossas ideias o PowerPoint. Se os conceitos exigem
e sobre os relacionamentos entre elas, ao parágrafos completos – e muitos exigem
redigirmos. Nosso cérebro se torna mais apto a – então eles devem ser compilados
simular os resultados prováveis, o que nos torna em um documento e fornecidos com
melhores na resolução de problemas e na tomada antecedência”20.
de decisões e, em última análise, nos transforma Estudos empíricos reforçam a noção de
em pensadores mais capacitados. Como para um Hammes, de que de ideias fragmentadas –
piloto em um simulador de voo, o tempo gasto como os tópicos e as anotações frequentemente
na escrita assemelha-se ao exercício de pensar encontradas nas apresentações do PowerPoint –
em um simulador de pensamentos. Da mesma não são tão efetivas como a escrita, quando se trata
forma que um piloto pode rever a simulação de de aprendizado. George E. Newell, da Universidade
seu voo para avaliar seu desempenho, também os do Kentucky, avaliou o aprendizado de estudantes
escritores podem avaliar criticamente seu próprio em diferentes situações. Ele analisou as vezes
pensamento, a partir de diferentes perspectivas. em que apenas tomaram notas, as ocasiões em
somente escreveram respostas curtas às questões
uMA PALAVrA SOBrE O POWERPOINT estudadas e as oportunidades em que escreveram
Colocar uma ideia no papel, com coerência, textos completos. Esses três métodos selecionados
é alcançar um entendimento íntimo dessa ideia, por Newell fornecem uma boa analogia para
por meio da simulação mental. Construir uma compararmos o PowerPoint com os estudos de
narrativa coerente exige que o escritor descreva estado-maior e com ouros trabalhos escritos
inequivocamente a natureza das ideias e dos semelhantes. As notas e as respostas resumidas
relacionamentos — causal, resultante ou outra19. são parecidas, respectivamente, com as frases
Em resumo, não se pode escrever bem sem que se fragmentadas e os tópicos das apresentações
tenha um entendimento completo do assunto. do PowerPoint, enquanto os textos completos
Por outro lado, é relativamente fácil produzir assemelham-se aos documentos do estado-maior.
uma apresentação do PowerPoint sem que se Newell descobriu que escrever textos
entenda perfeitamente o assunto. Podemos completos possibilitou aos estudantes “produzir
“cortar” e “colar” e reordenar os tópicos para associações consideravelmente mais abstratas
produzir uma ilusão de raciocínio e conhecimento. para os conceitos básicos, do que quando
Com frequência, briefings preparados no simplesmente tomavam notas ou respondiam a
PowerPoint circulam pelas organizações como questionários”21. Newell sugere que a natureza
formas de comunicação exclusivas, o que pode integradora da redação de dissertações é a
levar à interpretação errônea de ideias. O Coronel responsável por esse melhor resultado no
T.X Hammes (da Reserva Remunerada), do aprendizado.
Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, lamentou “[Ao] responder a questionários... o
o uso difundido do PowerPoint em um artigo no escritor somente pode considerar as
Armed Forces Journal intitulado “Dumb-dumb informações em segmentos isolados.
bullets” (“Tópicos Tolos”, em tradução livre). Consequentemente, embora haja grande
Hammes sustenta que escrever é um método quantidade de informação gerada [nesse
para comunicar ideias melhor do que distribuir processo], ela não é integrada em um texto
apresentações de slides: coerente e, menos ainda, na forma de
“A maioria das pessoas que assiste às pensar do próprio estudante. A redação de
apresentações recebe uma imagem dissertações, por outro lado, exige que os
incompleta das ideias apresentadas. escritores... integrem elementos da prosa
Alguns palestrantes tentam contornar o ao seu conhecimento sobre o assunto,
problema escrevendo parágrafos inteiros em vez de deixar as informações em
na parte destinada a notas, na versão fragmentos isolados”22.
de ordem mais elevada. O PowerPoint não exige Boyd teorizou que, em um ambiente
qualquer incursão cognitiva nos domínios da competitivo, todo aquele que fosse capaz de
síntese. As frases fragmentadas do PowerPoint conduzir esse processo mental de destruição
são produtos de análise simples, partículas de e oponente, seria o vencedor final . Hoje, nós
26
dados independentes, livres do contexto e da nos referimos a isso como “entrar no processo
narrativa mais ampla que nosso cérebro necessita decisório do oponente”.
para formar seus modelos mentais. É claro que A interação entre a dedução e a indução,
um hábil apresentador será capaz de fornecer a proposta por Boyd, descreve efetivamente o
síntese necessária para que os slides façam sentido. processo cognitivo de escrever. A redação exige que
Contudo, ao contrário da redação, o instrumento o autor “ligue seu motor dialético” e, mais do que
utilizado não obriga à síntese. Acresça-se a isso, o isso, permite que o autor analise o funcionamento
fato de que cópias dos slides são frequentemente desse motor com espírito crítico, uma vez que os
distribuídas como um produto independente, sem resultados dos processos cognitivos são colocados
o contexto necessário que seria responsabilidade no papel. As ideias de Boyd combinam com a
daquele que os preparou. descrição de Emig, de que a redação é um processo
Essa dialética de análise e síntese é central de conexão que vincula o passado, o presente e o
NOTAS
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Writing 2007 (April 2008), SALAHUDIN, Deborah; PERSKY, Hillary; MILLER, Jessica. Disponível em: <http://
nces.ed.gov/nationsreportcard/pdf/main2007/2008468.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2011, p. 9, 37.
2. DILLON, Sam. “What Corporate America Can’t Build: A Sentence”, New York Times, 7 Dec. 2004. Disponível
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5. HAMMES, T.X. “Dumb-dumb bullets: As a decision-making aid, PowerPoint is a poor tool”. Armed Forces
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7. GAGE, John T. “Why Write?” in The Teaching of Writing: National Society for the Study of Education Yearbook,
BARTHOLOMAE, David; PETROSKY, Anthony (Illinois: University of Chicago Press, 1986), p. 24. Disponível
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13. Ibid.
14. Ibid.
15. EMIG, Janet. “Writing as a Mode of Learning”, College Composition and Communication 28, no. 2 (May 1977):
p. 127. Disponível em: <http://www.jstor.org/pss/356095>. Acesso em: 21 fev. 2011.
16. HEATH, Chip; HEATH, Dan. Made to Stick: Why Some Ideas Survive and Others Die (New York: Random
A
essenciais para a tomada de decisão em momentos
de crise.
A partir da caracterização da Era da Por outro lado, a interconexão global das
Informação, na obra de Heide e Alvin Toffler, informações – uma das vertentes da “globalização”
“Guerra e Anti-Guerra: Sobrevivência na – impõe que os países disponham da capacidade
Aurora do Terceiro Milênio”1, consolidou-se o de preservar e proteger sua liberdade de
entendimento de que a gestão das informações ação interna e externamente, informando e
na Segurança e Defesa tornou-se algo vital para a exercendo influência sobre determinados
própria existência e soberania dos Estados. públicos-alvo, afetados diretamente ou não pelas
O ambiente do moderno campo de batalha ações desse país.
Foto: Soldado Jezo Fernandes, 33o BIMtz.
“Ações militares isoladas não podem pela Aliança Atlântica, constituem um grande
resolver crises, mas podem estabelecer guarda-chuva sob o qual várias outras operações
condições para que outros atores a são desenvolvidas.
resolvam, incluindo, para tanto, o uso de
todas as capacidades do poder nacional, INFORMAÇÕES E OPERAÇÕES
oferecidas pelos estados membros da DE INFORMAÇÃO NOS EUA
OTAN.” Os EUA foram o país que primeiro decidiu
Ainda, segundo o AJP-3.10, uma Op Info desenvolver doutrina específica, buscando
“(...) oferece tanto o assessoramento, sistematizar a utilização da informação no
quanto a coordenação das atividades de ambiente operacional. Inicialmente, as Op Info
informação militar, com a finalidade empregavam capacidades da C2W, por meio
de criar o efeito desejado na vontade, do ataque aos meios de Comando e Controle
no entendimento e nas capacidades inimigos e da proteção dos próprios meios de
dos adversários, potenciais adversários C2. Posteriormente, o Manual de Campanha
e outras partes, após aprovadas pelo 100-6 “Operações de Informação” (FM 100-6,
Conselho do Atlântico Norte, em apoio aos Information Operations), de 1996, incluiu duas
objetivos militares estabelecidos (...)”. outras atividades: Assuntos Civis e a Informação
As Op Info possuem os seguintes focos Pública. Ao conjunto integrado dessas tarefas e
específicos: atividades foi atribuída a designação de Operações
• mudar, influenciar ou reforçar percepções de Informação10.
e atitudes de adversários; O entendimento de que as Op Info estavam
• preservar e proteger a liberdade de manobra inseridas em um contexto mais abrangente (civil
da Aliança no ambiente das informações, por meio e militar) levou ao desenvolvimento de Doutrina
da defesa de dados e informações que apoiem o Conjunta específica, consolidada na Publicação
processo e a tomada de decisão; e Conjunta 3-13 “Publicação de Doutrina Conjunta
• atingir a capacidade de comando do para Operações de Informação” (Joint Publication
adversário, afetando as informações que servem 3-13 “Joint Doctrine for Information Operations
de dados de suporte para o C2, inteligência, Publication”), de 1998. Essa publicação destacou
vigilância e aquisição de alvos, além daqueles dos a interdependência estrutural e funcional entre
quais se valem os sistemas de armas inteligentes. agências civis e forças militares, o que condiciona
A figura 1 apresenta uma visualização de o processo de planejamento e execução das Op
como as Operações de Informação conduzidas Info. A “guerra de Informação” foi definida
NOTAS
1. Uma caracterização da chamada Era da Informação se apresenta nesta obra de Heide e Alvin Toffler.
Utilizamos a versão original, em inglês do livro. Vide TOFFLER, Alvin e TOFFLER, Heidi (1995). War and anti-
War: Survival at the Dawn of the 21 Century, New York, Warner Books.
2. Uma análise com razoável grau de credibilidade está no Relatório de Riscos Globais 2011 (Global Risks
Report 2011), do Fórum Econômico Mundial (WEF, sigla em inglês). O Relatório apresenta um diagnóstico dos
riscos mais marcantes que envolvem a atual conjuntura global, dentro de cinco grandes áreas de interesse:
economia, geopolítica, meio-ambiente, social e tecnologia. Segundo Klaus Schwab, fundador e Presidente
Executivo do WEF, o relatório de 2011 destaca que o mundo de hoje se encontra em um nível sem precedentes
de riscos interconectados entre todas as áreas de interesse. O assunto destaque no corrente ano foi o processo
de decisão nesse mundo interconectado e a necessidade de incrementar a consciência sobre os impactos
globais dos riscos advindos dessa situação. Disponível em www.weforum.org.
3. A argumentação foi baseada no mapa de interconexão de riscos apresentado por Klaus Schwab, disponível
em: www.weforum.org
4. Cf. MC 422/1 – OTAN Military Policy on Information Operations.
P
na realidade, novas interpretações das atuais, fruto
da análise do cenário global, regional e nacional e,
Para o Exército ficar em condições de acima de tudo, da mudança de paradigma da Era
cumprir novas missões na Era do Conhecimento, Industrial para a Era do Conhecimento.
com eficácia, eficiência, efetividade, e correndo
menos riscos, ele precisa transformar-se. E O AntIGO PArADIGMA
transformação é necessária quando, diante dessas Inicialmente, a guerra era lutada sob a forma
novas missões, demandam-se novas capacidades; de batalhas, e estas, em sua maioria, travadas em
caso contrário, seria preciso simplesmente uma campo aberto, combinando-se atitudes ofensivas
modernização, situação na qual se cumpre e defensivas. Os oponentes eram Estados ou,
melhor as mesmas missões, ou mesmo uma eventualmente, coligações de Estados. Muitas
adaptação1. Para tal transformação, há três vezes, a batalha era singular, lutada entre dois
para armas de destruição em massa, que visava a relevante e mais legítimo que o do oponente, e que
bater uma área ou destruir o inimigo, é cada vez os meios utilizados são necessários, adequados
mais reduzido. A guerra é feita pelo fuzileiro a e proporcionais. Na Guerra da Era Industrial,
pé, no meio da população, bem protegido e com perdia quem fosse derrotado na batalha decisiva.
armas de letalidade inteligente, e a multiplicação No modelo atual, os sinais de derrota são a
do poder se dá pelo sistema de informação, que é condenação pela opinião pública e, de forma mais
a integração, buscando sinergia, da comunicação pragmática, recomendações e, por fim, resoluções
social, operações psicológicas, inteligência, guerra de organismos internacionais para que o governo
eletrônica, guerra cibernética e assuntos civis. interrompa as operações e retire as tropas antes
Segundo Smith, o novo paradigma começou a da conquista do objetivo. A derrota, muitas vezes,
ser desenhado com a bomba atômica, que impediu é caracterizada pela queda do regime, ou do
o uso pleno dos meios de destruição em massa da governante.
guerra industrial, e tornou-se claro com a queda do No entanto, existem outras formas de derrota
Muro de Berlim. Já é hora de ser aceito. Enquanto e que podem ser mascaradas no curto e no médio
68
Kosovo (1999), Iraque (1991 e 2003) e Líbia (2011), que os da família Guarani9, atuam com eficácia
ou algo maior, como o ocorrido na II GM. Nesses e eficiência nesse ambiente. Tropas blindadas
casos, podem-se adotar duas linhas de ação: enviar e mecanizadas poderão ser usadas, desde que
uma tropa blindada para integrar a primeira adaptadas, para apoiar a ação principal, e não na
linha ofensiva, cujos resultados têm sido objeto forma clássica para a qual foram organizadas.
de críticas de nosso governo8, ou, por tradição
e coerência de nossa diplomacia, participar da O EMPREGO DO EXÉRCITO BRASILEIRO
pacificação, estabilização e reconstrução. NAS ÚLTIMAS DÉCADAS – AS “NOVAS” MISSÕES
Mas há, também, ameaças extrarregionais, Contextualizando essa realidade, nas últimas
com poder muito superior ao nosso. Contra essas décadas, o EB foi empregado na fronteira (no
potências, a dissuasão não será obtida com forças pleno cumprimento das Leis Complementares
blindadas, nem com apoio de fogo convencional, 97, 117 e 136), nos grandes centros (Operação
tampouco com navios de superfície e aviões, alvos Rio 93/94, Operação Guanabara 08, Operação
fáceis para as forças aérea e naval do oponente Arcanjo 10/11/12, V Jogos Mundiais e outras) e
(vide exemplos de Kosovo, Iraque e Líbia). Fazem no interior do país, ou ainda nas OMP do Timor
parte da solução mísseis de longo alcance (tendo Leste (99/04) e do Haiti (04/_), sempre de forma
o ASTROS 2020 como uma etapa a ser vencida), interagencial e contra ameaças não-estatais
defesa antiaérea e cibernética, veículos lançadores misturadas à população. Em muitas dessas
de foguete, satélites e submarinos nucleares. Se operações, houve e há o uso da força letal e
a dissuasão não for suficiente, nossas forças é nossos soldados foram hostilizados com fogos.
que atuarão misturadas à população e também Em todas elas, o EB e o Brasil correram o risco
usando o sistema de informação como principal de fracassar em duas frentes: pelo excessivo uso
multiplicador do poder de combate. da força, fruto do emprego de armamento ou
Existem, ainda, as ameaças provenientes de técnicas inapropriadas (danos colaterais ou
dos agentes não-estatais, ou “novas ameaças”, mesmo massacres), ou por um número inaceitável
contra as quais o Brasil vai empregar cada de baixas próprias, produto da falta de proteção,
vez mais seus meios militares em operações o que não ocorreu. Em todas essas oportunidades,
conjuntas e interagências no combate aos grande parte de seus meios (carros-de-combate,
crimes transnacionais e para monitorar e atuar artilharia, morteiros pesados, etc.) nunca foi
na fronteira. O Exército ainda continuará a ser empregada e a tropa saiu dos quartéis munida
empregado em operações de garantia da lei e somente de armamento leve. Ou seja, o emprego
da ordem (GLO) em áreas urbanas, densamente já se dá sob o novo paradigma10, mas a preparação
habitadas, nas quais grupos adversos também e a organização ainda são para o antigo, desviando
estarão misturados à população. Isso também é recursos e aumentando os riscos.
reflexo da Era do Conhecimento. Das mais de 80 A gama de operações realizadas varia desde
missões diárias que o EB vem cumprindo, várias o policiamento comunitário (operação típica de
estão neste escopo. uma polícia moderna, com uso mínimo da força,
Resumindo, no Brasil e no exterior, para somente para prevenir e corrigir), passando por um
vencer suas ameaças que, normalmente, atuarão policiamento repressivo ostensivo (ações na faixa
em meio às pessoas, o Exército terá que pacificar de fronteira, reprimindo o crime transnacional),
e/ou estabilizar áreas e proteger a população. ações típicas de forças de segurança (como o
Nessas situações, exige-se proteção individual e controle de distúrbios civis e a retomada de uma
dos pequenos grupos (viaturas blindadas leves) área dominada por grupos armados, como no
e letalidade seletiva, além de um sistema de Alemão, Rocinha, etc.) e operações robustas, como
informação eficaz. Também, é muito importante a as Operações de Manutenção de Paz (OMP) do
mobilidade tática e estratégica advinda de viaturas Timor Leste e Haiti. Aqui termina o atual (novo)
sobre rodas. Tropas leves, contando com veículos paradigma: emprego limitado da força, em meio à
com proteção blindada e mais aptos para a guerra população, e altamente controlado por regras de
no meio do povo, além de menores e mais baratos engajamento, leis locais e direitos humanos. Isso
NOTAS
1. Para detalhes, ver Manual do Processo de Transformação do Exército – 3a Edição, disponível em http://www.
exercito.gov.br/web/proforca/downloads.
2. Basicamente, estas missões são: defender a Pátria, garantir os Poderes Constitucionais, a Lei e a Ordem, atuar
em missões subsidiárias e apoiar a Política Externa do País.
3. BRIGAGÃO, C. (Org.). A América Latina e os Conflitos Fronteiriços. Rio de Janeiro: GAPCOM, EDUCAM, Konrad
AdanauerStiftung, 2010.
4. SMITH, R. The Utility of Force.New York: Vintage, 2008.“A Utilidade da Força” é a versão em português da
obra do GenRuphert Smith. Durante os estudos para a preparação deste artigo, preferimos utilizar a versão
original, em inglês.
5. Pode-se dizer que, pela falta de compreensão do novo paradigma, o poder material de uma nação ainda
Este artigo é um extrato da Publicação “Operacionalizando o Combate ao Terrorismo Onze Anos Após o 9/11; Reflexos
no Brasil”, elaborada em outubro de 2012, para aplicação no Curso de Comando e Estado-Maior da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro.
I
A EVOLUÇÃO DO TERRORISMO
INTERNACIONAL
Indubitavelmente, os dramáticos eventos No passado, as organizações enquadradas no
perpetrados em 11 de setembro de 2001 vieram chamado “terrorismo clássico” ou “tradicional”
a constituir um verdadeiro “divisor de águas”, materializavam um instrumento revolucionário,
no que se refere à Nova Ordem Mundial e às cuja perspectiva eminentemente tática tinha
ameaças à segurança internacional. Trata-se de como objetivo intimidar os segmentos sociais que
uma significativa evolução da chamada “Guerra apoiavam os governos, criando um ambiente de
Irregular”, que chega ao seu clímax. Nos cinco violência e insegurança desgastador da confiança
continentes, reconhece-se, consensualmente, que no regime. Todos os continentes se viram face
o conflito armado do Século XXI está sendo e será a essa realidade, inclusive a América Latina e,
o “Conflito Irregular Assimétrico”. nela, o Brasil. Hoje, num mundo acentuadamente
e nele estão representadas todas as agências que desdobrando seus efetivos no melhor dispositivo;
caracterizam em sua plenitude a integração de coordenando, controlando e sincronizando os
uma arquitetura multidisciplinar interagências. sistemas operacionais em melhores condições; e
Esta moderna concepção rede-cêntrica colocando suas tropas em situação vantajosa com
(fundamentalmente antagônica a uma já relação às ameaças em presença (a proatividade
ultrapassada filosofia egocêntrica) possibilita tornou-se fator fundamental!).
uma significativa expansão do compartilhamento Nesse contexto, possibilita-se aos coman-
simultâneo dos dados e informações, fator dantes, em todos os níveis – estratégico, opera-
decisivo para a incrementação da qualidade desses cional e tático – manter a iniciativa das ações,
dados e informações obtidas, resultando numa conservando uma postura permanentemente
consciência situacional muito mais acurada; e proativa (ao invés de uma ultrapassada
numa sincronização plena entre as três funções postura reativa). Essa proatividade é um fator
operacionais científico-tecnológicas básicas: o absolutamente imprescindível em qualquer plano
sensoreamento (busca da informação sobre o de segurança, particularmente, para eventos
terreno fisiográfico, condições meteorológicas, internacionais de grande porte, em função das
terreno humano e as ameaças em presença); atuais características das ameaças do terrorismo
o processamento (tomada da decisão e sua transnacional contemporâneo que, na atualidade,
implementação); e a atuação (neutralização das exercido por atores não estatais, desempenha
ameaças), propiciando uma relevante agilidade, um papel eminentemente protagonista (e não
eficiência, eficácia e, sobretudo, proatividade em mais coadjuvante), qualquer que seja o ambiente
todo o processo. operacional em presença.
Tudo isso resulta numa redefinição muito Todo esse “sistema de sistemas” é estabelecido
positiva no relacionamento entre comandos para suportar uma estrutura de comando e
superiores e seus escalões subordinados. Com o controle de um Comando Conjunto (de alto nível),
suporte de uma oportuna e acurada Inteligência, constituída, basicamente, por cinco pontos
os comandantes podem decidir com rapidez nodais: um Centro de Coordenação de Operações
e oportunidade (não raro, preemptivamente), Conjuntas; e 4 Centros de Coordenação de
COAGIR Ameaçar
Estados patrocinadores do terrorismo Impor
ENSINAMENTOS COLHIDOS
REFERÊNCIAS
1. “9/11 Commission Report”, http://www.9-11commission.gov/report911Report.pdf.
2. Major General Fast, Commanding General, US Army Intelligence Center,”Intelligence Lessons Learned:
Leveraging the Practical Experience of Operation Iraqi Freedom/Operation Enduring Freedom”, Jun 2006.
3. Olsen, Mathew G., Director, National Counterterrorist Center, Statement before the Senate Select Committee
on Intelligence, Jul 26, 2011.
4. Parrish, Karen, American Forces Press Service, “Department of Defense Agressevely Pursues Intel Innovation”,
Washington, Oct 11, 2012.
5. London Olympic Games, Safety-Security-Strategy, Jul 2012.
6. Powers, James F., “Great Events Security Considerations”, Department of Homeland Security (DHS), Oct 8,
2012 (private e-mail to the author).
7. Flynn, Michael T.; Jurgens, Rich; Cantrell, Thomas L.; “Employing ISR: Best Practices”, Joint Force Quartely,
Jul 2008.
8. Dye, Dale; “CODE WORD: GERONIMO”, IDW Publishing, San Diego/Cal, Sep 2011.
9. Stewart, Scott; “Terrorism Tradecraft” and “Evolution and Trends in Terrorism Tradecraft”, Secutiy Weekly,
STRATFOR, Oct 2012.
10. Pinheiro, Álvaro de Souza; “A Guerra Irregular no Sec XXI: a Prevenção e o Combate ao Terrorismo
Transnacional Contemporâneo; um Guia Militar nos Níveis Estratégico, Operacional e Tático”; Pub ECEME,
abril 2012.
O
Portanto, em face da crescente demanda de
emprego da Geoinformação no meio militar, este
O emprego da Geoinformação (Geoinfo)1 artigo abordará a importância do emprego da
no contexto dos conflitos armados tem sido Geoinfo, com foco nas seguintes questões:
crescente, aumentando a quantidade de produtos • que vantagens a Geoinfo proporciona em
e ampliando o uso de diferentes tipos de sensores, relação à cartografia tradicional?
fontes de Inteligência e ferramentas. A Geoinfo • qual o papel da Geoinfo na digitalização do
trouxe também novas capacidades, como o uso processo decisório?
de múltiplos sensores avançados; características • quais são os principais produtos e serviços
de visualização expandida; precisão aumentada, de Geoinfo?
88
• quais seriam os sistemas
básicos de Geoinfo?
• quais são as capacidades a
serem desenvolvidas na área da
Geoinfo?
• como se dá o apoio de Geoinfo
a missões militares no ambiente
interagências?
• há lições aprendidas sobre
o emprego da Geoinfo em conflitos
recentes que possam servir como
ensinamentos ao EB?
Dessa forma, o propósito maior
Figura 1: Exemplo de carta utilizando representação pictórica5.
é fazer com que o conhecimento
acerca do assunto não fique restrito aos nichos cartografia se baseiam as ordens, as linhas
de especialistas, mas seja amplamente difundido de ação, as possibilidades do adversário e, em
a todos os militares do Exército Brasileiro, geral, representam-se todas as ações capazes de
independentemente da Arma, Quadro ou Serviço serem realizadas pelas unidades. As coordenadas
a que pertencem. geográficas de qualquer ponto do terreno são
dadas automaticamente, bastando-se posicionar
REVENDO A CARTOGRAFIA TRADICIONAL o cursor sobre o lugar escolhido. A medição de
Até recentemente, o processo de produção distâncias e o cálculo de inclinações são efetuados
cartográfica usava apenas a representação de forma praticamente instantânea. A visada de
pictórica (ver fig.1) objetivando a obtenção de um observador no terreno, em 360º do seu ponto-
mapas, cartas ou plantas. A distribuição desses estação, é calculada e expressa em centésimos
produtos era realizada exclusivamente em meio de segundo (na metodologia antiga, isso requeria
analógico – uma prática que permaneceu por uma infinidade de cálculos). “Os estudos militares
considerável período, mesmo com o advento da do terreno, com seus correspondentes acidentes
Cartografia Digital. Havia inúmeras restrições, capitais, vias de acesso, observação e campos
como, por exemplo, o fato de que “a utilização de tiro, cobertas e proteção, são apresentados
dessas informações dependia, essencialmente, hoje na tela com o pressionar de uma tecla,
da inferência humana, para sua localização, podendo o usuário ajustar as tonalidades das
interpretação e manipulação”3. Outras limitações cores, se for preciso”6.
da cartografia tradicional são mencionadas por Adicionalmente, Srinivasan advoga que
Srinivasan4, Inspetor Geral da Força de Segurança o emprego militar da Geoinformação propicia
de Fronteira (BSF) da Índia: diversas vantagens em relação à cartografia
• impossibilidade da visualização das tradicional, entre as quais se destacam a maior
características naturais reais do terreno; facilidade na gestão logística e no planejamento
• impossibilidade da visualização em 3D; de missões; a maior agilidade e efetividade do
• distorções de escala; processo decisório; a facilidade na identificação
• dificuldade de focar em detalhes desejados; de ameaças e padrões de incidentes; o
• dificuldade de incorporar outros dados desdobramento mais eficiente de tropa; a
na carta; atualização automática de cartas e a melhoria
• a atualização era uma tarefa trabalhosa; e das habilidades de planejamento estratégico,
• a regeneração das cartas não era possível. provendo oportunidades de planejar várias
De forma distinta, a cartografia digitalizada, operações em áreas de responsabilidade por meio
mediante software adequado, permite visualizar do emprego de modelos em 2D e em 3D7.
as unidades, as instalações e os sistemas de Além disso, há a possibilidade de densificação:
armas na tela de um computador. Sobre esta os produtos digitais podem ser modificados para
Componente Descrição
1. Definir o São reunidos fatos básicos necessários para delinear a localização exata da missão ou área de
ambiente interesse. Fronteiras físicas, políticas e demográficas devem ser determinadas. Os dados podem
incluir coordenadas retangulares, latitude e longitude, vetores, altitudes, limites naturais,
serras, rios, etc. Essas informaçõ servem como camada base para os passos seguintes.
2. Descrever São fornecidas informações descritivas sobre a área definida na componente 1, identificadas as
a influência condições naturalmente existentes, a infraestrutura e os fatores culturais. Deve-se considerar
do ambiente que podem potencialmente afetar a operação na área: tempo, vegetação, estradas, instalações,
população, idioma, fatores de ordem social, étnica, religiosa e política. Esta camada de
informação é sobreposta à camada básica (componente 1).
3. Ameaças e São adicionados dados de Inteligência e ameaças, obtidos a partir de múltiplas fontes de
riscos Inteligência, sobre a camada básica e de informação descritiva (ambiente obtido nos primeiros
dois passos). Essa informação inclui: ordem de batalha, valor do inimigo ou ameaça, doutrina
do adversário, a natureza da tropa, capacidades e intenções dos grupos insurgentes, área e
possíveis efeitos químicos e biológicos. A componente 3 requer colaboração com a comunidade
de segurança nacional.
4. Desen- Busca-se desenvolver conclusões analíticas, a fim de integrar todas as informações a partir
volver dos componentes 1-3. A ênfase está no desenvolvimento de conclusões baseadas na análise
conclusões preditiva. Por exemplo, o analista pode criar modelos para determinar linhas de ação prováveis
analíticas. do adversário, ameaças, riscos e então avaliar o impacto potencial dessas ações. Em alguns
casos, a componente 4 poderia incluir uma avaliação das potenciais reações às operações
amigas. Naturalmente, as operações e as linhas de ação amigas podem ser analisadas e
visualizadas. A análise preditiva inclui, entre outros, a localização eletrônica, a análise de linha
de visada, a modelagem em nuvem (manchas sobre o terreno para designar tendências) e a
modelagem de propagação (ver Fig. 5).
LIÇÕES APRENDIDAS
EM CONFLITOS RECENTES Quadro 3: Principais produtores e usuários brasileiros de dados geoespaciais, segundo
A Geoinformação tem sido as principais categorias de demanda na área (DSG, 2012).