Poemas Analisados
Poemas Analisados
Poemas Analisados
Setentrional
Campo/cidade: campo, símbolo do amor e da felicidade no passado; cidade, símbolo da confusão no amor e da infelicidade - no
presente. No presente, ao campo opõe-se não só a cidade onde vive o poeta, mas também o convento, onde vive a mulher
amada. Cidade e convento identificam-se: para o poeta, a cidade é a morte e para a mulher amada, o convento é sepultura. A
mulher bonita, no campo, vive com alegria e, na cidade/convento, a mulher é tristíssima.
Movimento de fuga: "fugiste comigo da Babel"; o movimento de regresso: "E foste sepultar-te, ó serafim/No claustro das Fiéis
emparedada"; fuga da Babel/cidade para o campo e o ambiente de amor, de ósculos, de gestos e atitudes ternas em diversos
tempos e espaços; regresso à cidade/convento e separação lamentada em "censura" à mulher amada logo nos primeiros versos.
Sentimentalismo romântico: os meigos ditirambos dos rouxinóis; abraçado com as heras; tão calado como a morte…
A ironia e o vocabulário presentes na última estrofe.
"ó bonina", "mulher como não há nem na Circássia", "tristíssima Helena" - progressão da alegria para a tristeza.
eu/tu: da 1.ª à 6.ª estrofes; o nós: da 7.ª à 10.ª estrofes - caminhávamos, ouvíamos; de novo o eu/tu: da 11.ª à 13.ª estrofes.
Nós
Cidade/campo, duas realidades concretamente antinómicas no plano real:
Cidade: estrofes 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 13, 14, 15, 16, 17.
Campo: estrofes 2, 8, 9, 10, 11, 12.
Metáfora da fuga: "E em permanência? grandes chuvas" (ll.39-40)
Tom conversacional de confidência: Nós, a alusão aos seus familiares e às suas vicissitudes.
Saída da cidade/estada no campo/regresso à cidade, uma conceção espacial igual à de "Setentrional": alusão ao clima doentio
da cidade (1.ª estrofe); interrupção para falar da vida saudável do campo (2.ª estrofe); descrição da cidade como limitação,
repressão, doença e morte (3.ª à 7.ª estrofe); descrição do campo exaltando a sua fecundidade, espaço amplo de liberdade,
saúde e vida (8.ª à 12.ª estrofe); descrição da cidade novamente com as mesmas características negativas (13.ª à 17.ª estrofe).
Campo espaço livre e de opulenta fertilidade: 8.ª a 11.ª estrofe.
Metáfora do regresso: "Tínhamos nós voltado à capital maldita" (v.48).
Os acontecimentos trágicos e o triunfo final da cidade: Morte de um deles (irmão), o sujeito poético continua na cidade (ela
venceu) mas triste e desgostoso.
Protesto, rebeldia e desprezo, manifestações do poeta: estrofes 16 e 17.
Expressividade da linguagem:
métrica: versos alexandrinos (doze sílabas - dodecassílabos);
rima: cruzada (ABAB);
ritmo: binário e ternário;
sonoridades: aliteração do s na 1.ª estrofe, ecos rimáticos, etc;
comparações: vv.4, 19 e 20, 34 e 35; III - vv.10, 11, 15;
metáforas: vv.39-40 e 48;
hipérboles: I - vv.3, 11, 12, 17, 18.
Deslumbramentos
Mulher, produto de convenções mundanas e identificação com a cidade: 1.ª estrofe.
Mulher fatal de humilhante indiferença como a mulher de "Les Fleures du Mal" de Baudelaire: "gestos de neve e de metal",
"Grande dama fatal, sempre sozinha/E com firmeza e música no andar!"
Mulher, arcanjo e demónio: 6.ª estrofe.
Erotismo de humilhação: redução do amante à condição de servo: vv.15, 16; 26-28.
Transposição do plano individual para o plano coletivo: vingança contra a ordem social personificada pelas "miladies": duas
últimas estrofes.
Expressividade da linguagem:
métrica: versos decassílabos;
rima: cruzada (ABAB);
ritmo: binário;
sonoridades: aliterações, ecos rimáticos, etc.;
adjetivações: quase sempre duplas: vv.2, 10, 12, 15, 16, etc.;
1
estrangeirismos: Milady, toilettes;
apóstrofes: vv.1, 13, 25, 37, etc.;
comparações: vv.9, 15, 23, 32;
metáforas: vv.15 e 16, 22, 37, 38;
antítese: vv.11 e 12, 22, 23, 24;
ironia: vv.26 a 28.
A Débil
Mulher de cidade sem lhe pertencer: vv.2, 3, 6, 15, 16, 19, 20, etc.
O "narrador" cede à influência corruptora da cidade e liberta-se pela adesão fiel à mulher do poema em estudo: vv.10, 11, 12;
Patriarca, Titulares, etc., acentuam a vulnerabilidade na cidade ameaçadora: vv.21 a 24, 39 a 44, 48.
Reencontro do homem feio, leal com o homem varonil, rejeitando o decadentismo das poses citadinas: 1.ª e última estrofes.
A Débil, qual frágil bonina de Setentrional, partilha da experiência do amor libertador: vv.33-36, 49-52.
Expressividade da linguagem:
métrica: versos decassílabos;
rima: emparelhada e interpolada (ABBA);
ritmo: ternário;
sonoridades: aliterações, ecos rimáticos, etc.;
adjetivações: triplas e duplas: vv.1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, etc.;
tipos de frases: declarativas;
valor do imperfeito do indicativo: indicação de que o fascínio que ela exerceu no sujeito poético é durável, perdura;
antíteses: feio/bela; vv.47/48, 51/52;
metáforas: vv.7, 47 e 48;
hipálage: v.5.
Contrariedades
O poeta denuncia a imprensa, a adulação e o suborno; pela engomadeira denuncia a escravidão: está doente e tem de trabalhar,
"mal ganha para sopas". 1-2 estrofes = poeta; 3-4 = engomadeira; 5-8 = poeta; 9-10 = engomadeira; 11-12 = poeta; 13 = poeta e
engomadeira.
Podemos considerar a existência de seis momentos no desenvolvimento do tema:
1. Nas duas primeiras estrofes, o sujeito apresenta-se-nos "cruel, frenético, exigente", com dor de cabeça e contrariado, por razões
que conheceremos mais adiante;
2. Nas 3ª. e 4ª. estrofes, somos já confrontados com uma das causas do seu sofrimento - a miserável situação de uma engomadeira
tuberculosa;
3. Nas estrofes 5-12, deparamos, por outro lado, com uma violenta crítica à imprensa porque um jornal havia recusado publicar os
seus versos ("A imprensa … solene").
4. Abrange as estrofes 13 e 14 e nele o poeta foca de novo a miserável condição da engomadeira, que se "fina ao desprezo", e se
mantém "a chá e pão";
5. Nas estrofes 15 e 16, o poeta parece conformar-se com a sua situação ("Perfeitamente. Vou findar sem azedume") e chega, por
momentos, não sem alguma dose de ironia a deixar-se embalar por um sonho de sucesso (…"eu rico e noutros
climas,/Conseguirei… rimas");
6. Finalmente, na última estrofe, assistimos a um paralelo entre a situação do sujeito e da engomadeira, verificando-se que esta é
muito pior e merece toda a solidariedade:
o "E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha (…) Que mundo! Coitadinha!".
O poeta tem necessidade de desabafar e, desabafando, fica "melhor". A engomadeira sofre de doença física que perdura e,
explorada, não pode inverter o seu "status".
Ora em ritmo acelerado ora em ritmo lento: ritmo acelerado - estado psicológico; ritmo lento - apresentação de factos.
A adjetivação expressiva: no poema.
A ironia, sobretudo dirigida à sociedade, que esquece os que mais precisam, e à imprensa que promove medíocres e recusa a
originalidade:
"Mais duma redação, das que elogiam tudo,/Me tem fechado a porta".
"Eu nunca dediquei poemas às fortunas Mas sim, por deferência a amigos ou artistas. Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas".
"… tais coisas, tais autores". "Arte? Não Ihes convém", visto que os seus leitores "Deliram por Zaccone". "Obtém dinheiro,
arranja a sua coterie"."Eu raramente falo aos nossos literatos" "Perfeitamente" "Quem sabe se depois, eu rico (…) (…) Impressas
em volume?"
2
Na estrofe dezasseis chega a haver sarcasmo na maneira violenta como se refere às estratégias ou "manobras" que se
utilizavam para comprar o sucesso: a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague".
A exclamação é muito utilizada para traduzir emoções ou mesmo uma posição crítica face à realidade - no poema.
A interrogação que, muitas vezes, reforça a intenção irónica: no poema.
O advérbio expressivo aparece também várias vezes:
"Consecutivamente" (estrofe 1);
"insensatamente" (estrofe 2);
"lidando sempre" (estrofe 4);
"tão lívida" (estrofe 4);
"muitíssimos" (estrofe 7);
"raramente" (estrofe 12);
"fracamente" (estrofe 14).
Os estrangeirismos "coterie", "réclame" (comentário pago pelo editor sobre um livro antes de lançar) e "blague" denunciam a
apropriação lisboeta dos termos e métodos usados em Paris.
O diminutivo final seguido de exclamação ("Coitadinha!") tem um duplo valor semântico: por um lado, exprime o carinho e a
solidariedade do sujeito em relação à pobre engomadeira, por outro lado, faz recair na sociedade ("Que mundo!") todo o odioso
da sua situação.
De notar ainda a insistência aliterante no som g seguido da vogal aguda u ("… os gumes/E os ângulos agudos"), a sugerir a
angústia do sujeito face à "depravação" que o rodeia. Dir-se-ia que o mal-estar que a sociedade Ihe provoca é traduzido por
símbolos de geometricidade.
Também a cor branca aparece simbolicamente associada à ideia de fraqueza e morte: "Pobre esqueleto branco entre
as nevadas roupas! Tão livida".
Síntese: poderá dizer-se que, neste poema, se vislumbram já algumas das influências e características que fazem de Cesário
Verde o ponto de encontro de várias correntes que tinham sido ou haviam de ser importantes na história da cultura portuguesa:
o realismo, o impressionismo, o simbolismo, o parnasianismo (da segunda metade do séc. XIX) e mesmo o surrealismo e o
neorrealismo (do século XX) - acetato cm resumo esquemático do poema.
"Ave-Marias"
1. Elementos que contribuem para o ambiente: sombras, bulício, Tejo, maresia; céu, gás, edifícios, chaminés, cor; adjetivos ou
equivalentes; baixo, de neblina, extravasado, monótona, londrina. 1.ª estrofe, 4.º verso. Sofrimento, angústia e desespero.
5. A comparação: "como viveiros", "semelham-se" e "como morcegos"; metáfora: "ao cair das badaladas".
6. O poeta entra ("embrenho-me a cismar") na miséria moral - boqueirões e becos e lança o olhar ao largo, no horizonte, donde
regressavam as naus da glória e agora apenas chegam "botes".
7. Hotéis da moda/bairro aonde miam gatas; tinido de louças e talheres/às portas enfadam-se os lojistas; o fim de tarde, ao poeta,
incomoda: vazam-se os arsenais e as oficinas, apressam-se as obreiras, mas em terra tinem os talheres.
Noite Fechada
Depressão: "aneurisma/Tão mórbido me sinto…/À vista das prisões, da Velha Sé, das Cruzes,/Chora-me o coração que se enche
e que se abisma".
Recriação poética da lua: vv.9-12.
Evocação do Passado: as sombras das igrejas recordam-lhe o mundo da Inquisição "um ermo inquisidor severo".
Hipálage: "saudoso largo", "sinos dum tanger monástico e devoto".
Anticlericalismo: v.14.
Contraste Presente/Passado: o Passado ainda o afronta "Muram-me", "Afrontam-me". Evocação de Camões: recorda
novamente um passado de glória, associado ao povo e ao mar "num recinto público vulgar,/Com bancos de namoro e exíguas
pimenteiras,/Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,/Um épico de outrora ascende, num pilar!"
Contraste entre palácios e casebres: v.28.
Referência à cólera e à febre: vv.25, 26.
A repressão: os soldados e as patrulhas de cavalaria, defensores sombrios da ordem social.
Contraste social: entre as elegantes, que se podem dar ao luxo de gastar com o supérfluo "montras dos ourives" e as costureiras
e floristas que têm de trabalhar à noite no teatro para sobreviverem "muitas delas são comparsas ou coristas".
Solidão do Poeta versus o convívio dos emigrados: vv.41-44.
Autorretrato irónico: contraste entre a sua soturnidade, a sua inquietação e a aparente despreocupação dos emigrados que
jogam dominó. A sua "luneta de uma lente só" pode levá-lo a ter uma visão limitada do real mas pode também demonstrar que
há sempre causas de revolta na realidade objetiva.
Ao Gás
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Miséria na cidade e miséria no ensino - melancolia noturna: diferenças sociais entre as lojas e o ratoneiro, a lúbrica pessoa, a
velha de bandós e o velho professor de latim.
Imagens: "Um forjador maneja um malho, rubramente" (Visual); "de uma padaria exala-se, inda quente,/Um cheiro salutar e
honesto a pão no forno." (Olfativa), contrasta com as estrofes anteriores - o povo sempre como o único autêntico e honesto.
Sentimentos expressos: espanto e escárnio, solidão - "E aquela velha de bandós… a esterilidade sufocadora dos flocos de pó-de-
arroz".
Horas Mortas