Liberdade Por Um Fio
Liberdade Por Um Fio
Liberdade Por Um Fio
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Em 1806, governava a Bahia João de Saldanha da Gama Mello i' 'lhln~s J
Guedes de Brito, o sexto conde da Ponte. Nascido e criado em POl"lUgnl. IlIIdL\
leve formação militar, era o morgado da Casa da Ponte, que ao Indo ti CnsH da ,I f
ESCRAVOS E COITEIROS NO QUILOMBO I
Torre formavam as duas dinastias mais abastadas da Bahia. Quando pisou GIII ~
DO OITIZEIRO terras brasileiras pela primeira vez erndezembro de 1805, exatamente para
Bahia, 18061 governar, tinha acabado de completar 32 anos de idade e era dono de uiifhares
·!:r de cabeças de gado, centenas de escravos, engenhos no Recôncavo, dezenas tk
fazendas e sítios arrendados que cobriam imenso território nos sertões da.
JOãOJOSék~ Bahia, além de propriedades em Portugal.' Um formidável adversário paraos
.... ,,- ... -:.;
escravos baianos .
A formação de quilombos é um aspecto da escravidão pouco eSludad\~' Desde o início de seu governo, o conde se dedicaria à cuidadosa repressão
Brasil, Menos ainda é a relação entre quilombos e a sociedade queos cerç~ de toda forma de resistência e rebeldia escrava, política que lhe criou uma fama
Embora os especialistas sobre o assunto já tenham chamado a atençãopúiú\ ainda viva duas décadas depois.' Reprimiu batuques, festas, rituais africanos,
engano, predomina uma visão do quilornbo que o coloca isolado no altoda~l~ .. costumes que via como a ante-sala da rebelião; perseguiu escravos fugidcs.su-
ra,formado por centenas de escravos fugidos que se uniam para rec()ri~tJ)"il Iocou conspirações escravas e, sobretudo, moveu uma campanha de destruição
'uma vida africana em liberdade, ou seja, prevalece uma concepção "pàll})a\i'? dos quílombos baianos. Para isso disparava freqüentes ofícios a autoridades-Io- .
na" do quilombo enquanto sociedade alternativa. Um grande nÚll1t)r~ cais para que colocassem em alerta os capitães-do-mato (ou capitães-de-:ás~'
quilombos, talvez a maioria, não foi assim. Os fugidos eram poucos: se # salto) e outros oficiais que serviam em Salvador e outros municípios da capi-
beleciam próximos a povoações, fazendas, engenhos, lavras, às vezes riasJ tania da Bahia.
diações de importantes centros urbanos, e mantinham relações ora.cOI~(I. A severidade do governador servia a uma política maior de controle nas.
tuosas, ora amistosas, com diferentes membros da sociedade enyolvêW", c(ilônias. Insistia sempre em estar apenas seguindo à risca as "Reais Ordens";
Sociedade envolvente e também absorvente, no sentido de que os quii9pib.~)i segundo ele evitando o que se via em outras capitanias - e numa corres- ..'
circulavam com freqüência entre seus quilombos e os espaços "legítill1()S~ pondência de 1807 se referiu explicitamente às do Rio de Janeiro, Pará e
escravidão. .. '" ~1aranhão como relaxadas no controle escravo. Ao contrário dos dirigentes fll
Era o caso do quilombo do Oitizeiro. Mas esse quilombo tinha cat'~\' destas, ele não afrouxaria "a vigilância e rigorosa subordinação em que deve
ticas ainda mais peculiares, as quais me obrigam inclusive a discutir, l1CÚ ruanrer-se a imensa escravatura" da Bahia.' Era o que o governo português f
rer deste ensaio, a própria concepção de quilombo que tinham seuscoi. .. também queria, inclusive uma política de terra arrasada para os quilombos, re- .,I)
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porâneos. Pois ali os fugitivos conviviam com, e trabalhavam para;.boiii~; comendando que "assaltando-os repentinamente extinga tais Ajuntamentos,
livres e seus escravos, ambos assumindo o papel de protetores e emprégu<JÓ'1 sem deixar deles a menor sombra".' Essa ordem, escrita de Lisboa em 1799, 'lI
de quilombolas. Personagem também pouco estudado, emboranãoausénj certamente ainda valia em 1805 quando o conde da Ponte tornou-se gover-: .11
literatura especializada, o coiteiro, suas relações com os fugitivos e COI}l\)( lindo r e capitão-general da Bahia. j':ijil
homens livres serão temas detidamente discutidos, até porque constituqnt O conde não via com tranqüilidade o que consideraVaaflOtlcafjrnl~:t,:r 'j
pecto central da documentação disponível. . .•..••..•....... ('PIil que os senhores baianos tratavam seus escravos. Bruilco d~l;íOH[t:l\Íi.". I.!l
Um quilombo dirigido por homens livres. Um quilombo com escra,y,il I irpc, acostumado em Portugal a conviver apenas com g~nl.~"MIUGt.l••nCuviiJI~·'~ i~
_JJJltQuilombo agrícola~...QlJjª--Irrodução estava integrada ao mercádor~gh VI)ilO 110 meio daquela população "imensa" d.cesGniYQsinl'\iINlh;~;lÚ íl)lUúi;t\n '.
Que quilombo era esse? Esta é a história - ou uma das histórias poss(\I~ que uuqueles :~nos de tráfico intensocoma .,
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do quilornbo do Oitizeiro, na Bahia de 1806. . ' . vndo!' era uni dos maiaimportuntcs rcrrnlm iP
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h'lIi paixão por esta negociação da Costa da Mina". Já o conde contavaci11, 111J
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ILI r, Corte: mais de 8 mil cativos, das mais guerreiras nações afllcanas,htb
A BAHIA DO OITIZEIRO
desembarcado na Bahia em 1806.<> Suas preocupações não eram infuiJçJ
pois foi sob seu governo que os escravos africanos inauguraram o longe);
de levantes e conspirações que culminaria com a rebelião dos malês;eln>
Aristocrata amante da hierarquia, o conde sentia facilmente o cheirodé ,../-'
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ta no ar e adotou medidas preventivas, empenhando-se na perseguição
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cravos fugidos, que segundo ele abundavam na Bahia, E não precisouirl I
longe para combater quilombolas. Em fins de março de 1807 fez.arrasar (\ BAHIA
mocambos, invadir casas de culto africano e prender muitos negrosdçy; ,)
fugidos nas imediações de Salvador, principalmente nos distritos ded{ i
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Mares. No mesmo ano, em resposta a suas ordens, recebeu cartas dev;;ll' ~./'
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toridades informando sobre a prisão de suspeitos de conspiração, quilol1tl:tq
"feiticeiros" africanos acoitados em casas nas vilas e arranchados denlJ.'!~' oL....--l135 km
parca mata que restara dispersa entre os canaviais da regiãodos eIlgeIJ;i;;
Recôncavo baiano.' ..........•.. 'I":
Entretanto, uma das primeiras ações nessa campanha foi dirigirl
bem distante do palácio do governo.em Salvador. Em maio de 1806;,(;l
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da Ponte decidiu enviar uma expedição para destruir o quilombo do.Oil J
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nas imediações de Barra do Rio de Contas." '>I", ~
A vila de São José da Barra do Rio de Contas, atual Itacaré, ficaváHhl,H};, (;
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tão comarca de Ilhéus, sul da Bahia. Fundada em 1732, estava situadall~iliJ \.
sul da foz do rio de Contas, protegida sobre um outeiro contra as
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daquele rio, "que ensoberbecido, quando enche, parece querer venceftp.ll ~
barreiras que a Natureza lhe pôs", escreveu em 1802 Balthasar da Silvat,Íí I~
o I km
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1. Carregando ti mandioca, c. 1858 ("Négresse de Ia roça",
Brati! pitoresco. Álbum de visitas. paisagens. 11101Ulllwntos,CO,I'ftIllW,V/)/I'"
Paris, Lcmcrcier, 1861. Reprod. BaIK\t' Si\).
cavo. A farinha era o "pão da terra", o alimento mais freqüente nasêÚ,'l
baianas, mas também alimentava as muitas frotas de nav.ios que' faziadí,~,
comércio com Portugal e África. O Recôncavo produzia pouca mandioca, tl'tl"
do se especializado na bem mais lucrativa agricultura de exportação, fum» I
principalmente cana-de-açúcar. É famosa a afirmação do senhor de engél\lw
ManoeI Ferreira da Câmara de que não plantaria "um só pé de Mandioca,.lill/~1
não cair no absurdo de renunciar à melhor cultura do país pela piorqtie:i'l<
há". Em 1806 os negócios do açúcar iam realmente muito bem., favoreddêfir,
pela saída de cena do maior exportador mundial do produto, Saint Domillgf;:(;~.
que com a independência, em 1804, virou Haiti. Ali, uma revolução escJ'Uv'tI~\H
única bem-sucedida nas Américas, destruíra na década de 1790 a ecol1ol\jJr\
agroexportadora. Com a abertura de vaga no mercado internacional.u H;l;üi "
cresceu muito em número de engenhos, em área dedicada ao plantio da (':;llihtt\;
em escravos j mportados da África, o que resultou em menos terras para o nINi,~,
tio de ai imenro e mais bocas para comer. A expansão dos mandiocais de H1I!)'H ./,
do Rio ele Contas ajudava a alimentar a expansão dos canaviais do Recôncàve
A J110nocuItura da cana em uma região provocava a monocultura da ~mlJ)rI~nL!\i. 3. Manguezal nas margens do rio de Contas
em outras." . (Foto: J. Reis).
A farinha de Barra do Rio de Contas e adjacências era exportadaémb
cos, principalmente lanchas, surnacas e escunas, sendo a marinharia UIUlI]l-í'lf'!'
portante atividade entre seus habitantes. Em 1819, os viajantes alemães .I1j11~Í)í'
von Spix e Carl von Martius, além de elogiarem a fertilidade de suas terrus; \'j "..-; '."<~
rum na vila da Barra "um grande ancoradouro, com calado para escunas,
SIIiTlélCaS e outros navios pequenos"." Dentro da própria região, o transporte de
g.-nte e gêneros se fazia em canoas, que subiam e desciam a costa e penetravam
seus muitos rios, lição aprendida dos numerosos grupos indígenas que ali ainda
habitavam no alvorecer do século XIX. Além de escoar a produção agrícola, o
mar, os mangues e o rio proviam a vila e seus arredores de ma.riscos, crustáceos
t' peixes. Do lado oposto, a mata era fonte de caça e de frutos em abundância. 14
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por um capitão de entradas e assaltos. O capitão chamava-se AUI(\lIi(] ,lI' Au
drade e Conceição e a expedição era formada pelos índios carlris \ l('rHHI lh:ado
na época) ou Kiriri (termo usado pela antropologia moderna) l't·tlflklnt, nu
"Tropa da Conquista do Gentio Bárbaro da Pedra Branca" _. este \I IÚllln fi fi,
cial do batalhão. Anteriormente, no início de maio de 1806, o conde U!'tkllaJ,t
ao sargento-mar comandante dessa tropa que enviasse a Salvador o ctl(OIiUíu
Antônio - aquele "coxo de uma perna e morador nessavila de NOHSH SmllJ~1'
ra de Nazaré da Pedra Branca", esclarecia o conde. Saboreando o temor qUI)
dele tinham seus subordinados, o governador pedia ao sargento-mor que
avisasse o capitão para não ter receio da ordem, pois o convocava apenas "por
ser necessário para uma certa diligência do Real Serviço". Já sabemosâgora
qual era a diligência, mantida em segredo na convocação. Em 22 de maio ele
devolvia o oficial a Pedra Branca com uma carga de 25 armas de fogo, meiaar-
roba de pólvora, duas de chumbo, pederneiras e machados, com ordens para
formar duas companhias num total de cinqüenta guerreiros ca.riris que, além
dessas armas, recomendava o conde, não deveriam esquecer de carregar seus
tradicionais arcos e flechas. Ele cuidava pessoalmente dos detalhes policiais de
seu governo. Começava a execução do plano de ataque ao Oitizeiro."
4. O fabrico da farinha de mandioca, c. 1825
O recurso de usar índios contra quilombolas foi muito comum em várias
("Préparation de Ia racine de Ia mandioca", M. Rugendas,
regiões do Brasil escravista, em diversas épocas. Palmares foi destruído por
Malerlsche Reise in Brasilien, Paris, Engelmann & Cie., 1835. Reprod. Bauer
1806 existiam esses oficiais, como veremos adiante, mas aparentemente não} 5. Saveiro carregado de farinha de mandioca, c. 1825
puderam ou não se deram ao trabalho de recrutar milicianos contra c Oirizeiro.,' ("Ilia Itaparica", M. Rugendas, Malerische Reise in Brasilien,
O governo da capitania teve de Intervirenviatrdc tinia expedição coinandadú Paris, Engelmann & Cie., 1835. Reprod. Bauer Sã).
[mia cxpcdíção que incluía numerosos índios entre seus soldados. Na:B'1H
C':'M' expediente também fora usado várias vezes antes do Oitizeiroe, COfilÓ\ 1808 já os queria dizimar por considerá-Ios "bárbaros A!llrOI,MIiI:~ft;;',"NUIi\
mos de passagem acima, na própria comarca de Ilhéus. 19 Agora, em 180(5; clima desses não parecia boa política armar muitos índios da r41/1il!i,IlIÜ~;!lJO 'JtI
I'ia a vez dos cariris de Pedra Branca, aldeia localizada na fronteira sudoe~(: "mansos", para combater quem quer que fosse, pois, iIlW!'lid(1~i tkr,\II;,Wlll
kccôncavo com o agreste, a cerca de duzentos quilômetros de Barra dó Ri poder, sempre poderiam mudar de lado. Quanto aos cariris, qUI' Vlllhi,\lll de
Contas. (Ver mapa I.) Porque esses índios? Não teria sido melhor alvitJ'# longe, havia muito serviam os brancos nas entradas contra índios 1'(',br'ld~~:; I'.
vi ar os negros que, chefiados por oficiais brancos, formavam os dois corpo. mais recentemente - talvez desde meados do século XVIII -., palnlllHlvnm
capitães-da-mato sediados em Salvador?" O governador, entretantó.jf estradas e vigiavam os registros de ouro para o governo. Formavam, (;OIlIC-l)I(I'
muito serviço para essa tropa na capital, cercada daqueles terreiros d.ey curei deixar claro, um batalhão regular, com comandante e tudo. U I})II carta i 10
domblé e quilombos suburbanos que ele logo passaria a reprimir duraln\il conde da Ponte à Corte sugere que a expedição a Barra do Rio de Conl.<lxpo»l;
Nem sequer destacou um oficial de assalto graduado, um capitão-morou sa ter representado a iniciação dos cariris no offcio de assaltarquilornbos."
sargento-mor, para dirigir a operação no sul da Bahia, enviando apep;\~ Infelizmente, minhas freqüentes expedições a arquivos não resLJIUVH,IJI
capitão-do-mato, Antônio Conceição, talvez experiente caçador de escN em info rmação detalhada sobre a expedição dessa tropa contra o Oitizeiro . .Ful-
mas um capitão menor. Aliás o capitão-general e conde da Ponte nãoantlii"W: tum dados importantes, como por exemplo uma descrição mais precisa de suas
satisfeito com as forças de que dispunha para combater quilombos no intefi ati vidades e especificamente da operação contra o quilombo. Mas sabemos
Em carta de 1806 à Corte, pedia licença para formar um. corpo de cavá! que a tropa, toda ou parte dela, se encontrava na região entre 24 de junho de
Eram muitas as queixas recebidas de "distritos remotos", entre as quaisi] 1806 e 7 de março de 1807. Foi, provavelmente beirando a primeira data que a
Lavradores, a quem ou furtaram ou induziram a fugir os seus escravos"p,,!: vila da Barra foi alcançada.
congregarem em bandos de malfeitores, que aldcando-senos vastos des~rt(1 Os documentos disponíveis, em particular várias Listas de despesas de
deste incompreensível continente se destacam em pequenos corpos a perpeÜ',U\ll'l campanha, nos permitem algulls.flashes do cotidiano da tropa." Quanto à ali-
latrocínios, rapto de crianças e de mulheres, não se poupando a cometenm((; mentação, por exemplo, os cariris desfrutaram de uma dieta variada. Além de
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delitos mais detestáveis a favor de seus premeditados projetos. ,<\
se empanturrarem ele farinha de mandioca, consumiram frutas, milho seco e
É claro que o governador carregava nas tintas visando fazer a Coroacôj verde, feijão de várias espécies, arroz pilado e integral, carne de boi e vaca,
preender que, para conservar sua colônia continental, era precisoiilVQ verde e do sertão, carne de porco, carneiro, ovelha e caça. Pelas quantidades
naquela cavalaria, dando fim à "tolerância da existência de tais Qul1omj~ compradas, entretanto, o núcleo principal da dieta era farinha e carne de boi,
Seu plano contemplava a organização de quatro companhias de 255hopl tanto verde quanto seca. A galinha e o frango foram consumidos em pequena
montados." quantidade, provavelmente reservada aos doentes, como era o costume na
Mas, na emergência, restava usar tropas indígenas. Uma alterriativa.~6j·iL, época, confirmado no caso da compra de "uma galinha para o Capitão na sua
mobilizar índios da própria região de Ilhéus. Não sabemos por que essereJitr.ts;; doença". Mas o capitão tinha muitos privilégios alimentares e de etiqueta. Cer-
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80 não foi usado. Pois havia, como vimos - e veremos mais adiante --,ftit!if '," lamente comia num dos "dois casais de pratos finos" registrados entre as des-
locais dispostos a perseguir escravos fugidos, Masépossível que os nuüSjlll pesas de guerra, e saboreou peixe fresco comprado especialmente para ele.
grados ao mundo dos brancos não estivessem organizados e treinadosenqilü Para comer peixe fresco, seus liderados tiveram de usar os 23 anzóis distribuí-
to tropa regular, e outros mantinham-se em pé de guerra contra osbúllli; dos no dia de são João,.24 de junho. O certo é que - está registrado -.- co-
Neste último caso estavam os Pataxós, Várias cartas escritas entre 1804~18. merarn peixe seco e bacalhau, peixes de pobre.
ao conde da Ponte por um senhor de engenho da região, José de Sá BittencOlIt'!;V Talvez para manter a tropa em bom espírito, o capitão distribuía perio-
relatavam ataques desses índios - nelas referidos como "catachós"~<l ' dicamente fumo e aguardente. Ele mesmo não se privava, e até se favorecia.
soas, fazendas e povoados locais. Ali se diz que roubavam víveres e roupii,lIÜ'9,;,: pois um dos recibos referia-se a "aguardente que se mandoucm:i·egai·p:n;(,gfl.Ii';
atacavam sempre de surpresa, que usavam flechas envenenadas eMltl'il';!" 10 do dito capitão". Duas canadas de vinho e umade "nguard~'ul~~don,',tlio"
colonos, os quais, por isso, desistiam de ocupar os espaços vazios da éOlllillli.1h,,,i, possivelmente também foram regar a mesa do oficial-do-tuatu,
Bittencourt, que em 1804 tinha esperanças de "se amansarem os cati:\cJJ(í~" :íriO$.rçdhn~Jl~ginnlllllx)rçi'í\.'H de sabão,
nã(j~\r~inli;tlld"d(ls IHUllnl]ljJhoí{,JlC111
aplqs [lpf!lj;jSl)nl'ifl1!,;lliiqlkt;~pl'~'.>'<'
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tido aos cofres públicos, por ser escravo de couciro. N~'nIH!Ullhi';lit\'nHlili':".
jtll<'rrcil"Osindígenas receberam agulhas, linha e tecido ordinário de algodã{i'; livres que acoitavam escravos no Oitízeiro foi preso, P(~J\! Itltííh''';Pli\I\'' Ik
(estopa), com o que costuraram eles próprios suas calças e camisas. Os mesm6à 1807, quando o ouvidor de Ilhéus fez seu relatório final (10 L;Ollfk I~ !lI!) l!·l1vh'l!
costuraram mais quatro camisas e duas calças para outros soldados, recebendô:~)'?: a devassa que presidira."
pagamento em espécie - mais tecido: quatro varas e meia de estopa. Mas§'; Antes de discutir essa devassa, acompanhemos outros hlilt:l~f; r'L1~)\ItVI
capitão não confiava na agulha de seus comandados, pois contratou o alfai(\~ç: dades da tropa antiquilombo. Um sério incidente, em meados dello\'eml1nl.
Francisco da Cruz para lhe fazer duas camisas de bretanha, um tecido finode~H0: provou que os cariris não formavam a mais disciplinada das lr()pa~. Nnql.lüh:;H
godão, e talvez outras obras. Há o registro de compra de fustão, linho, riscadofit; dias, tendo notícias de haver escravos fugidos na vizinhança de Hht\uS;l\\h)·1.t\
no inglês e morim tino, mas sem indicação das peças de vestuário que seriàtll:f/ léguas de Rio de Contas, principalmente perto de Almada, o ouvido!' Dí Hllln
feitas com eles, nem de quem as usaria. Pagou-se também um lenço de cassai'i+~,\; gos Maciel acertou com o capitão Antônio de Andrade o envio de sua U'OPit
Desconfio que o capitão-da-mato aproveitou a campanha para melhor$é1 para prendê-los, Deixo o leitor com as palavras do ouvidor:
seu guarda-roupa, além de comer e beber bem, à custa do governo. Realmént"·
mas esta diligência não pode pôr-se em execução, porque ontem à noite aqui me
parece ter feito muita despesa indevida, segundo a opinião do ouvidor dac()";;"':
apareceu o Capitão, e participou-me que escolhendo alguns soldados para ela, re-
marca de Ilhéus, Domingos Ferreira Maciel, maior autoridade da região, eú·~:- pugnaram estes dizendo que não saíam do dito sítio senão para Pedra Branca,
carregado pelo governador de supervisionar o andamento da diligência e milu-}' onde queriam passar a Festa do Natal; e com efeito puseram-se em retirada osque
y ter abastecida a tropa. Segundo ele, as despesas poderiam ter sido menoress ;" constam da lista junta, não valendo para os mudar do seu intento as razões com
o capitão "não se alargasse tanto no princípio". Tendo chegado à vila daB~ri que O Capitão pretendia convencê-los."
somente dois meses após o batalhão de Pedra Branca - ele residia emlnl~1L
H A lista trazia 36 nomes, aos quais se devem acrescentar os nomes de outros oito
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-, o ouvidor se assustou com o tamanho da conta acumulada e chamoui'ts
falas o comandante dos cariris: "Entendendo-me então com o Capitão, l1iefi'~
que, estando ausentes caçando, foram no caminho convencidos pelos demais a
também desertarem. Dos cinqüenta homens da tropa, 43 foram embora. Pelo
ver que eu não devia consentir nisso; e que a despesa dali por diante deviase't
visto os desertores haviam aprendido bem a lição dos brancos, seguindo a
mais regular, no que ele conveio"." ..••••.••...••.
tradição cristã de passar o Natal com os familiares. É um desses casos em que
Houve despesas aparentemente bélicas, com chumbo e pólvora, compnL~'
o subalterno se utiiiza da cultura a ele imposta para desafiar a subalternidade. '
conserto de espingardas, atestam os recibos da campanha. Mas parece que,lti§~
A atitude dos cariris demonstra que seu comprometimento com o governo dos
se abriu fogo contra escravo fugido. O assalto ao Oitizeiro logrou êxito apeti#~Y;
brancos tinha limites. Natal à parte, eles também "se queixaram de lhes faltar
parcial, porque seus moradores foram avisados com antecedência e fUgir~ll)j)'i
assistência", o que foi veementemente contestado pelo ouvidor diante do
Ninguém foi preso no momento da ocupação. Segundo um taverneiro davil;;h. conde. Segundo Maciel, enquanto estiveram no Oitizeiro, eles comeram toda
"todos abandonaram suas moradas quando aqui chegou a tropa dos cariris Pl:\I'ri(
a farinha que podiam fazer com as mandiocas ali encontradas, além de carne
dar nesse Quilombo". Mesmo assim o acontecimento foi eloqüenteme'lt~< para eles comprada e frutas locais, inclusive, provavelmente, o oiti. A farinha .../'
definido por outros moradores locais como a "destruição do quilombo".26;;;;i e a carne seriam tantas, contou o ouvidor, que levaram boa quantidade para
A tropa dos cariris se aquartelou no Oitizeiro durante vários meses e deJ~i; casa quando desertaram. O governador acreditou nessa versão dos fatos e or-
fez incursões para prender os fugitivos e seus coiteiros. Muitos dos quilomb denou ao sargento-rnor comandante da aldeia de Pedra Branca que, chegando
Ias decidiram simplesmente retomar à casa de seus senhores, outros foram pi;9~;Y' ali o furriel Francisco Álvares, chefe dos desertares, lhe desse baixa e o envias-
sos nas imediações das vilas de Camamu e Santarém, não sei exatamente qlÚl.li;~(t\t: se preso a Salvador "com toda a segurança". É possível que o furriel tenha pas-
do nem quantos. Em dezembro, portanto seis meses após a disperSãoll():~' sado o Natal de 1806 na cadeia e não em casa."
quilombo, foi preso perto da aldeia de Almada o pardo Joaquim, escravo qllêf· .... Ficaram no Oitizeiro apenas sete cariris. A diligência feita em Almada foi
ouvidor Domingos Maciel dizia "culpado por asilar escravos fugidos", eOll\! executada cerca de um mês depois por esses soldados, auxiliados por mais al-
os quais sua companheira, uma quilombola negra presa com ele. Esta foi log\f guns índios das vilas de Olivença e Almada, todos chefiados pelo capitão Allw
devolvida ao senhor, enquanto Joaquim seria recolhido à fortaleza do Illo!'l'odg drade, De fato foram feitas quatro incursões a Ilhéus. A primeira delas. IlÜ iní
São Paulo porque não havia cadeia segura em toda a comarca de Ilhéus.O,ç~; cio de dezembro, coincidiu com a ida do ouvidorMacielallhéus, tjUl!PHI::Jhh
cravo seria açoitado, por ser coiteiro; e depoi s seria vendido e seu valor Tt:V(}i\'"
., ..
....•.-
\'ü!jitU por mur, ordenando que "o Capitão no mesmo dia da minha saída fos::;8';;
11tH Itnra. !).IO pela Estrada Real, mas sim pelo mato, e de sorte que fizesse ajor;;;?'
Ordens recomendando aos Ouvidores [... ) que tirem Devassa ll(\!~Qlldlilllho:;
!llltla pela aldeia de Almada, em cuja vizinhança me constou que haviae~+;f [...] e contra as pessoas que derem auxílio, ajuda e favor para (l ftqlll~:~jf1llell.Clll
.ru vos fugidos". Foi nessa ocasião que se deu a prisão do pardo Joaquim estl . O conde insistiu com o ouvidor, mais de uma vez, sobre () .·,hL ..I.:"'·.·..!" iIi"1,hl:;!';ii
companheira. Outras entradas mato adentro se seguiram, uma delas contra e "conhecer que existira o mesmo Quilombo, mas
cravos do engenho Santana remanescentes de um conflito ali ocorridot tigados os seus protetores e haja exemplo na sua COIIli\ll.)jj
anos antes. Eram cinco quilornbolas que vagavam pelo mato, mas que, ~
coibirem semelhantes asilos tão prejudiciais ao serviço 811nAJ.IXiiÚI,Hi!;lüI,\,il
pressão dos caçadores de escravos, resolveram procurar padrinho quel1e~ mo ao Sossego dos Povos". O ouvidor tratou de e IlICOll(t'Clf.J.II,\ilfilf11i{lilii;!!""!\U,
ciasse um retorno digno à tutela do senhor, Manoel da Silva Ferreira. E"fol·i.~j ficar e punir culpados."
bem recebidos pelo dito senhor", escreveu o ouvidor Maciel. Consideraníj A documentação produzida pela investigação <[uen eOI1tH~fhíl'(jrL[lr!ltjll\'>
um relato de Ferreira feito ao ouvidor três anos antes, os fugidosedh dou fazer esclarece vários aspectos do assalto. A c1evasKHil~:,W;;l[~:~i::;/~I!iJi~l~:.I!{j:~!;?
•••
·
quilombos existiam no local, mas para chegar aes~(\ ri
provavelmente parte de 1Il11 grupo de escravos, que incluía um mestre-de-a:ç(\
definição generosa de quilombo. Normalmente il11a~iir\1t!ill;'~1~fil;íilliUhh(il:r
car, acusados por outros escravos de serem feiticeiros. Teria havido ,gmI1'út~
mo um número razoável de escravos fugidos (pelo H1Clli)~ :ihj'ó,j!S~Hf1i;,iHH;
briga entre partidários de uns e outros, ocasionando a fuga de alguns. Isso em
·1. não centenas), reunidos em local de difícil acesso, ()fJ.i~nIlIZHiJ!j"
1803. Agora, em 1806, o caso finalmente se encerrava com ajuda do cap@o.
ocupados com a defesa de seu refúgio, no melhor d(l:'f::lfiÔ~)il!l~j,I~VIÜilfíl\i
Antônio e seus homens." " H
E essas foram as peripécias da expedição punitiva ao quilomb()<Úcj'; produção de alimentos, da caça, pesca, coleta,
jantes, do saque a plantações e animais alheios, ~i
1l~1~~ltd;~~f;~i~~;;f~:I~m~~J
./
Oitizeiro. O que restou da tropa cariri retomou para casa entre 7 e 9 de fl)a~~:if:"
de 1807, mais de oito meses após chegar a Barra do Rio de Contas. Umdçí~. nhores e autoridades coloniais. Esse o quilombo
Palmares. Na sua maioria, os quilombos tinham
C1~';~;íd&;;{ii'(j~l~~;i1~4'i~\)li;,li~lni~t~
cumento registra as despesas feitas pelo ouvidor da comarca "com o sustêiÚ;~~
verdade havia uma definição oficial, quase técn ica. düqfltirii(ílWííh1'11;~,rJ~';:li:'i
dos Índios da Tropa da Pedra Branca no regresso ela Vila dos Ilhéus paraesr.i'
colonial, abarcando agrupamentos bem mais <·"",,1,·<"
de Camamu pelas vilas da barra do Rio de Contas e de Maraú"." Em Camà(llli
foi fretada uma lancha, contratado um mestre e dois marinheiros paralev'~1' .. gros fugidos que passem de cinco, em parte d~;:~~6i~m~II~~;Ji:~;i~lli),rW~~;lt/ft(;~t~iti%W~f
ranchos levantados nem se achem pilões neles",
capitão e seus homens até a vila de Jaguaripe, na entrada para o RecôncávÔ.i5
Conselho Ultramari no, em 1740.35 A devassa dó Oilli/'t;irll',fJtil
. lá os cariris provavelmente seguiriam a pé para sua aldeia, após teremcunll~';
conceito mais estrito e por isso descobríu
do sua missão. Foi naquele mesmo barco o escravo Joaquim, desembarct\dp Acompanhado do capitão-mor e do sélr·gelnt(:I·-ll'IÚI'\.ItJ:'!1
meio caminho no morro de São Paulo, e um oficial de justiça que prosseguü
para Salvador levando cópia da devassa para o governador." . da Barra de Rio de Contas, ambos "1::'~~ld~;~:~JI~~tl~~(::;W~\;:'\~i;:~;!~JfI~lfl~l;ii0
(101' Maciel percorreu o sítio do Oitizeiro. Se:IJ;Úllldl)
'~i~il;~:i)
foram encontrados "os seguintes q.~i~~~:~~~\,~t.);ti);:;~i:~M11Ift'Pj)lt;Z·rr'l[i~'~iJ,!f',lrt81,t1r(
\
bem denotavam ter sido moradas de negros ftlitid.lii~'j:i
2
r'
lt·
TESTEMUNHAS DA DEVASSA CONTRA O QU/LOMBO
cos como torneiras da parte do mesmo caminho que se deixa conhecer cru 1',11,1
,
~,'
por eles dispararem as espingardas a todo o tempo que sentissem algum al:I'lllJ DO OITl'lEl/W, J 806
t~
1 tinha dentro uma cama larga de paus a comprido, onde podiam caber quaírn pl,~
f\ soas, e outra cama onde só poderia dormir uma pessoa, e subindo pela IIlCfWI:II" ucupação Cor:
Branro Pardo Tolal
cada por outra oculta vereda que ia ter bem perto da casa do dito Balthasnr 1'1'1';
mato fechado estava um quilombo todo de palha com duas camas já no t:l11I\i r
~'_.'----
2 7
nele poderiam morar mais de cinco negros, alérn de outros [quilornbos] n)!dNTI.\~i I,avradol' 5
I:õlzendeiro 2 2
gos de que só há vestígios." ' , 5 2 7
Embarcadiço
Negociante :\ 3
Aqui a definição de quilombo se restringe a cada casa individualmeútcn, 2' 3
'luvemeiro
como encontraram mais de uma temos vários "quilombos". As cafi,iI~f,; Sapateiro I
tornaram suspeitas por estarem escondidas no mato, por indícios de abrig:III;'I\i'i~ I
Ferreiro
I
pessoas com armas de fogo e, evidentemente, de que essas pessoas fOS~CIII["l ('arpina
I
( 'arccrciro
cravos fugidos. A palavra oculto (a) aparece várias vezes nesse trecho da (1\,1';1', I
E~crivãoltnbelião
sa, para salientar o aspecto clandestino do lugar. No primeiro "quilornbo" 1'01 :til. Lavrador/embarcadiço I
I
encontradas correias de pendurar espingardas; num outro, buracos SlIPO/"i,' Negociallte/embarcadiço
I
mente preparados para através deles apontar e fazer fogo, As autoridadps.l}lf Nno declarada I
Total 21 9 30
tariarn também calcular o número de escapados que ocupavam aS'várj[l~i~:í:;
ocultas, descobrindo até uma cama para "quatro pessoas", mas nãoU1,i\
guiram ir muito longe na adivinhação, Destaca-se nessa passagem o nome IIl}J'h ' radares do Oitizeiro" foram coletivamente acusados de induzir à fuga, ocultar
evocado entre os suspeitos no processo, Balthasar da Rocha, em cujas Irl ilí\, escravos alheios e se servir deles, As testemunhas arroladas durante o inquéri-
cheias de "ocultas veredas", existiriam vários esconderijos de negros. to revelariam os detalhes de uma operação que decerto prejudicava profunda-
~~i
Esses "quilombos" na verdade ficavam localizados numa pequena vihl mente o bom governo dos escravos na região e que, parece, já durava alguns
;F· habitada por duas dúzias de lavradores de mandioca, suas famílias, agreg:ldu :llIos(T7),
li e escravos. Os supostos esconderijos de negros fugidos estavam praticauu'nle Foram arroladas trinta testemunhas para depor. A maioria era casada
plantados nos quintais das casas desses lavradores, conforme se vê nas [llll'i (77%) e alfabetizada (70%), 21 residiam na própria vila de Barra do Rio de
i sagens acima reproduzidas. A rigor o que temos é o envolv.iiltelll(),·Ü~~ Contas, as demais em sítios e fazendas nas suas imediações. Um dos fazen-
i:,1
lavradores no acoitamento de quilombolas, não por uma solidariedade .dc~nh deiros morava numa fazenda ironicamente chamada Mocambo. As/ teste-
I
,i,
teressada, mas por interesse de usar sua mão-de-obra. É possível que 11\li I1O! •.
, ,
munhas se dividiam em brancas e pardas, sendo aquelas duas vezes mais nu-
quilombolas trabalhassem mas não morassem no Oitizeiro, e sim nos mnrn ;('t \( morosas do que estas. Nenhum negro ou índio testemunhou, o que confirma
mangues existentes no loca]; porém, para os habitantes de Barra cio Rio d« que pertenciam ao último escalão da sociedade colonial. Para dar legitimidade
Contas, ali "era mocambo de negro fugido", como definiu uma testemunha rld, ;I lima devassa era importante a convocação dos homens de maior prestígio,
inquérito (T4). Ou, disse uma outra: "tinham lá muitos aquilombados" ('I' l !J brancos e, em segundo plano, pardos. Eu disse homens porque a palavra da
O Oitizeiro seria um quilombo disfarçado de aldeia de lavradores, As tcrrux du mu Iher não tinha valor nesse procedimento judicial.
quilombo, ou pelo menos a maior parte delas, tinha porém um dono.Bulíhnsru As testemunhas, na sua maioria, faziam parte de grupos ocupacionais que
da Rocha, que as adquirira havia coisa de dez anos. se relacionavam o tempo todo com os moradores do Oitizeiro, viviam da
No próprio ofício que trazia a ordem de abertura da devassa, o cÓl1dwdn; lavoura da mandioca como estes, ou se empregavam no comércio e transporte
Ponte já tinha o problema equacionado quando especificou que Cj.lIcriúVkr
, ,
do farinha c, portanto, visitavam freqüentemente o local do quilombo. Algumas
punidos os protetores dos quilombolas do Oitizeiro. O governador dai"Ín p
iklas possuf.un escravos refugiados no Oitizeiro, e muitas reconheceram, em
nome de dois dos principais acusados: Balthasur da Rocha c seu ,inl);'«i 1'('.11"
:';\I;iSpaSSII)\t'IISptll' I;í. t'SCl'ílVOSque pertenciam a senhores que conheciam.
José Rocha. No corpo de delito, O primeiro documento produzido púJa dl'VflK
.sa, ambos seriam isoladamente nomeados, Na aburl.lInt da ckvaSsa, os "1!1I1# 1':I'ntll,!I(Jrlanlli, 1"'I,I,ll;I~;<jliGtiveram experiência de primeira mão com o que
Como era comum em agrupamentos de quilombolns, (i illioh.lf'tl di' IllIillI"n:s
:I\'onlecia no Oitizeiro. Poucas responderam às questões do ouvidor apenasêÚ na bem menor do que o de homens. Uma delas v ivia I'cfugi:ulit muuu hlpera lk
li dcscomprometido "sabe por ouvir falar" ou "sabe por ser público enotói:i:1' Agostinho Ramires (TS). Poucas mulheres, mas tampouco lIitlítn;, IH.llilttH!'> , li
Um bom número de depoentes tinha inclusive relações de parentesco, f' Oitizeiro estava longe de ser "um grande Quilombo" - com ''()'' liHlll'i~Gid(j (~
bólico ou sanguíneo, com os principais acusados de protegerem os escr:\' grifado no original -, como foi descrito pelo conde da Ponte 1II11Ún 1.'::ll'Irll'íii
fugidos. Lugar pequeno, escassamente habitado, não era difícil havern] que procurava impressionar as autoridades de Lisboa com sua ÇiI·ld\~Il"'ll.'AU
gente aparentada. Mas a parentela estava em guerra. Anselmo Gomes9H dizia ter "destruido" o reduto de negros fugidos - e o ministro dos l)\I"ufníí:~
seca disse ser "parente em grau remoto de Balthasar da Rocha e seus iftn 1.1 ltramarinos deve ter imaginado labaredas subindo, gente correndo. I ij'(i}!;).!,H
mas não o defen'deu nem remotamente, declarando-se testemunha ocu'.;,. IOS, cheiro de morte no ar."
crimes de que aqueles eram acusados (T5) . Outro parente "em grauren A testemunha Bernardo Gomes forneceria uma longa lista de cOil(,',jIY)í'ê
dos Rocha. Martinho da Silva Freire, fez até prisão de negro fugido no bitj rmpregadores de escravos fugidos. Havia a família Rocha já mencioüiidà;
(T23). O embarcadiço Francisco Xavier Nogueira era genro de Pedrolo~. H,dthasar, José Pedra, Agostinho, e mais o genro do primeiro, Antônio José da
portanto, sua mulher era sobrinha de Balthasar, mas, embora tivessesidQ';uu Soledade, e o genro do último, José Teixeira. O marinheiro de lancha Antônio
dos poucos a adotar a fórmula "somente saber por ouvir dizer pnblicam{,írli~i; Mendes Soares resumiu assim o papel. da família Rocha: "eram senhores da tc;r-
ele narraria uma conversa privada que incriminava os moradores do lugm·i'I.:~'l ru, se não acoitassem os ditos negros fugidos eles ali não estariam [...] amo-
Os membros da família Rocha demonstravam seu prestígio localpqFI.f cambadas" (T30). Acrescentem-se os escravos de vários membrosdessa
de ampla rede de compadrio, agora ameaçada de se romper. O lavrador.fpf1\ família, também mencionados como coiteiros e lavradores de mandioca. Este
José de Souza era compadre de Pedro José, a quem acusou nominalmente 101 seria confirmado, corrigido e às vezes ampliado pelas diferentes teste-
irmão Balthasar, de serem coiteiros no Oitizeiro, Foi ele quem denuIlcg? munhas. Dele constam mulheres e homens livres, escravos e forros, brancos,
"ali era mocambo de negro fugido" (T4). O comerciante Januãrio José dQ~.!~ pardos e pretos. Além da família Rocha, faziam parte do grupo: Valentim
era compadre tanto de Balthasar como do irmão Pedra, e fez acusüçõ~S~(} r\ Ivares, crioulo forro; o ferreiro lgnácio Félix de Santa Rita; seu irmão Antônio
lhadas contra os mesmos (TI). O comportamento dos coiteirosparccc H I'lorêncio e o escravo deste, o preto Gonçalo; Francisco Teixeira de Araújo, seu
rompido a teia de solidariedade que em pequenas comunidades congregaJIi escravo Benedicto, seu irmão Felipe Vieira e a escrava deste, Maria; Valentim
mens e mulheres por meio de laços de parentesco. Ou, mais cruamei1te,'ht~('I;' ('orreia; Paul a, negra forra, amásiade Balthasar da Rocha; Maria, ex-escrava
petição por mão-de-obra teria sido o corruptor dessa solidariedade. . .... d('~(e. Praticamente todos os moradores do Oitizeiro estavam elivolvidos. Um
A primeira testemunha arrolada, Bernardo José Gomes, pardoqúf cx-morador, Félix Fragoso, teria se mudado para Maraú porque, ~egundo con-
da lavoura e de embarcar, homem casado de cinqüenta anos, tambérnérú . IIlU um depoente durante a devassa, "não podia ver a ladroeira que lá havia COIU
padre de Balthasar e de seu outro irmão, Agostinho Ramires da Rocha.El w, serviços de escravosalheios fugidos que estavam aquilombados no dito
um dos depoimentos mais detalhados e pitorescos da devassa. Tendon'()tf( .. Oil izeiro, e que com eles se serviam os habitantes do Oitizeiro" (Tt3).
que um escravo seu, o crioulo Luiz, se refugiara no Oitizeiro, Gomesreso! A operação não era pequena. Na opinião das testemunhas todo mundo era
investigar. Foi secretamente para as imediações do lugar "em trajesdisr:IC~I1;, rúmplice, e apontavam para uma evidência decisiva: "era impossível deixar de
dos, escondendo-se de dia pelo mato e pondo-se de noite na estrada;'CfJy;c,t! :,l: servir e de ter ciência destes escravos fugidos porque o sítio é pequeno e to-
disfarce e a proteção da noite se justificavam porque ele. não eraesi:nlIl1l~;>' di1$ moram e trabalham uns juntos a outros, as roças em pouca distância" (Tl).
pessoas que ali moravam. Não vira seu escravo Luiz, mas asseguroütCf)! Melhor indício seria apontado por Antonio dos Reis de Figueiredo, pardo que,
"muitos escravos alheios fugidos [... ] todos armados e sempre passavilhlú 1'0111(> lavrador, entendia do que falava: "as lavouras que hoje se acham
ras de irem e virem do serviço", segundo ele nas roças de Balthasar d;jg(~ IUI Oi tizciro é impossível que estes moradores com os poucos escravos
O lavrador ficou nove dias nessa investigação e vira grupos qucV;tI'iIl suúun fil'.esscl11 tanta lavoura e tão grande plantação de n1t\ndioca"( .• ~I'.,.,.,.,
entre catorze e mais de trinta escravos, tmIDu-reconhecido entre eles vúrÍ!)~; Hiifra do Rio ele Contas a mandioca era a medida de todas as (,;oisus,
tencentes a senhores da região conhecidos seus. Outras testel11unhasf\i;:Wq !ít'lll uuuanho de quilombo. Uma outra testemunha, .Jallll:lriqJ(I~\0 dóCnt!í:.~.üe;
ter visto catorze, quinze escravos, sempre armados. Uma delasyiú'JÚ( g\ tI'ÍtUll('que comprava furi uha no Oi I izciru, falou Llu Ih'ilSÚ(,;i'l~lqllr·dillú~llf.Ú~I~'
"que vinham carregados de caças, que eram doze machos c Ir&s J'êlllt:,iS;' C
3,50
IH/IÍI:1 e desenvolta atividade dos quilombolas ali homiziados: "ouvirílt'll
c outro pardo de Agostinho Ramires de nome Joaquim refugiavam c se serviam
ill~grOSandarem assobiando e saindo e entrando em canoas"; e maiS:qll( dos escravos alheios fugidos" (T9). Bastante desinibido no papel tIL:coi tciro
lmpossível aos poucos escravos dos Rocha e outros moradores "fazeí' °
na o escravo Gonçalo, de Ignácio Félix, qual pediu ao barqueiro Manuel dos
grandes roças e plantações de mandioca que ele testemunha vira" (T7).·\Hi; Reis que fornecesse fumo e aguardente fiado a dois escravos seus protegidos,
A maioria dos escravos amocambados no Oitizeiro vinha de locálfú pois ele, Gonçalo, pagaria a conta em farinha no dia seguinte ""-'-o que rVill-
dentro da comarca de Ilhéus. Segundo o escrivão Agostinho José de mente fez (T19 e T26). Quando Manuel perguntou-lhe quem eram os dois,
lhães, os moradores do Oitizeiro "davam todo o auxílio a muitos negros1'l1 Gonçalo disse que um, o preto, era seu irmão, o outro ~ cabra oumestiço, a
tanto desta vila [Barra do Rio de Contas] como das mais da comarcaeaf testemunha não sabia como classiâcar c-- seu sobrinho, Depoisficousabendo
fora dela" (T9). Anselmo Gomes da Fonseca viu trabalhando na casa (I tratar-se de dois escravos fugidos, um de Cairu, outro de Camamu.Mas por
nha de Pedro José Rocha três escravos fugidos de Cairu, do posseSSÓri(l serem escravos fugidos não significa que não pudessem também ser parentes
Bento Correa Magalhães, além de outros dois escravos e uma escraVtí do escravo Gonçalo. A fuga freqüentemente se dava para promover a-reunião
senhores não pôde identificar (T5). Agostinho Ramires acoitavavárl de famílias e amizades escravas separadas pela venda, mudança de domicílio
capados, entre os quais "uma escrava de Camamu, do engenho Aca,·;jlí'Y~'\4,.. senhorial e outras circunstâncias. Como no caso de um menino escravo que foi
á::
coronel José de Sá Bittencourt, que tanto tempo a teve oculta queclll;iiôí-í1',' :II.rás da mãe forra, ex-escrava de Balthasar, que morava no Oitizeiro. Quanto à
parir na sua casa, e ele depois a comprou com a cria ao dito seu senhoi"~;''Nf; escrava do coronel Sá Bittencourt, há pouco mencionada, pode ter fugido para
escravos do potentado local,aquele mesmo Sá Bittencourt que vivia:eJ1'l"" reunir-se ao companheiro Joaquim, escravo de Agostinho da Rocha.
ra comos índios pataxós, escapavam da rede do Oitizeiro. A histÓ~iadeSI Além de parentesco, o recrutamento de quilombolas pelos escravos do
crava do coronel era bem conhecida, pois foi repetida por váriaspe.~kp Oitizeiro dependia de outras redes de relações. É provável que, por exemplo,
devassa. Em sua fuga, a escrava percorrera nove léguas entre CarnamUeT{ os escravos do Oitizeiro se utilizassem de seus contatos nas senzalas da região
Contas, provavelmente por mar. ""i." .•. , para, como se dizia na época, "seduzir" outros escravos à fuga. Como escravos,
Para alcançar o Oitizeiro, o meio de transporte mais usado eraa Ji.lti~Hj,' eles estavam em melhor posição do que seus senhores para alcançar, ganhar
Foi pelo menos esse o único meio mencionado ao longo do inquérito confiança e convencer o potencial recruta das vantagens de viver no quilombo.
munhas que iam ao local com diversos objetivos, mas principalmentec6!'fm Nesse cenário eles agiriam em acordo com seus senhores, os lavradores do
farinha. A tropa dos cariris fez uso de barcos para alcançar o Oitizeiro, que tanto se aproveitavam do trabalho dos fugitivos C01l10 permitiam
consta dos recibos de despesas da campanha. O fazendeiro capitão que seus escravos o fizessem. Estes últimos, como parte do acordo, talvez
da Silva - que tinha um escravo seu homiziado no Oitizeiro com ti vessem diminuído consideravelmente sua carga de tarefas para o senhor. Mas
Ignácio Félix de Santa Rita - também depôs que três quilombolas qual a vantagem do quilombola? Eles não estariam sendo constrangidos ao tra-
lhe roubaram uma canoa e outra ao vizinho, possivelmente para balho de forma semelhante àquela sob seus senhores?
portarem ao quilombo, pois foram dar lá (TI8). Pelo menos dois deles'era
cravos de Bento Correa, morador em Cairu, e aparecem mencionadóti
,
Foi muito comum o recrutamento .forçadode escravos, sobretud, o (~S-
' , " ',', " "',' ,
352
latam que os lavradores os "protegiam". Uma afirmou que "davam tod() escravos refugiados no Oitizeiro a irem buscá-Ias para descobrirem "que IH Ô o
auxílio a muitos negros fugidos", outra que "lhes davam todo o refútHú Balthasar" (T9). O lavrador José Caetano Simplício foi mais enfático: "nln-
auxílio" (T9; T20). Conforme o embarcadiço Antônio Mendes Soares, esc guérn se atrevia a ir buscar os seus escravos com temor das violências .cvalen-
teiros "conservavam [os escravos] em si contra a vontade de seus senhore tias de Balthasar da Rocha que sendo criminoso anda por esta vilayülllHantlo
não contra a vontade dos escravos (1'30). valentias e fazendo-se temível" (Tl3). Balthasar mandava no quiloinbo
Várias passagens da devassa indicam que os aquilombados no Oitize; circulava por Barra a desafiar autoridades e senhores de escravoa.Muitos.co
procuravam se defender de adversãrios externos. Um episódio cQntadop nhecidos seus confimaram esse comportamento. O lavrador Franejsç;o
negociante Felippe Manoel Urna mostra que os fugitivos não distribuíam sos declarou ter ouvido de Balthasar e do genro, Antônio
lícadezas com quem chegasse por lá bisbilhotando. Passando ele por ul11acW dizer [... ] que fosse para lá a Justiça contender com eles que havedá' ateHpt)iihí.
de palha de Pedro do L6, havia algum tempo abandonada, e "ouvindo láfªl. e dizia isso "em ar de ameaça" (T20). O negociante Januári()J()Ré{lp~.I~ílÜil
muita gente, quisera entrar mas um mulato, que mostrava ser fugitivo,porq branco de 36 anos, disse que os moradores do Oitizeiro
não era escravo de nenhum dos habitantes dali, abrindo os braços lhe tOI' tal forma que os senhores dos escravos entre eles arrlOc:anlbtldcls"só HI!ft!ltf(i.
a porta para que ele testemunha não visse os mais que lá estavam". E ap9.1 vam a falar nisso". E contou ao juiz que um moleque SelJIIlglt'ilIUlIT\
com rnalíci a: "a casa estava perto da de Agostinho Ramires" (T 14). Os quil Maria, uma ex-escrava de Balthasar que vivia no Oitiz,eÍl'lo;)\ltl0,liltifíHri'\f.tlü
bolas também pareciam dispostos a enfretamentos mais diretos. Andava moleque "com temor das valentias e despotismos-do (lil!O 1~lll.UHlriitr"{jX!!I~
mudos, como vimos em vários depoimentos. O escravo Joaquim, cujosfí ameaçou denunciã-lo. Dessa vez o homem forte
mentosde vida estão reunidos IlO box abaixo, defendeu com violência vinte dias devolveu o escravo, talvez sob protestos dal11~le('r71'ii\>"/ ..••••·•"..•
companheira contra um capitão-dü-mato que tentara capturá-Ia. De um modo geral Balthasar e todo o crn1n"tiAOjitiZtdl'(/:LÜ~(IJitiJÜítl\hh}ü
, UMA FAMÍLIA ESCRAVA NO OITIZE'IRO. O pardo Joaquim, escravodeÁg menos abertamente, sobretudo com seus fregueses de ftu'irHla,1,i'111,11.(:·i·l~::hiijn~1
tinho Ramires da Rocha, foi acusado de ser um dos principais coiteir()~ gociante e embarcadiço José Soares, relatou
Oitizeiro. Um dia resgatou "violentamente das mãos" de um capitão-doou'! Balthasar, que este "já os não ocultava dele [...]
uma negra do coronel José de Sã Bitencourt, senhor do engenho Acaraí,elll se com outra pessoa gritasse antes de
mamu (T16). Esse incidente sugere que Joaquim e essa escrava enlmrrlUi%. Â audácia de Balthasar funcionou por 1l1ldtçlt~nll'Ó, i\n'iÜ'~N!iil~t·rk('fJI{:1i~li~ll·
que coiteiro e quilombola. A relação afetiva entre os dois pode ter começtl IlIU iniciativa local tivesse sido tOl1rlad1ac:on1traselllcH.I!.J(I,rnltt
antes da fuga dela, e a fuga de Camamu para o Oitizeiro ter sido motivadílil: conhecido de recaptura de escravo envolveue fcrtcYi:!.'hill~lií\JCHi!!I~"~Klí;ktlll\!í,iffni.
seu desejo de reunir-se ao companheiro. Ali viriam a ter um filho ou fil?~\'/,1 de cerca de 27 anos, que indo ali carregar lellJHtviP\'(lJ'i,til\ki.H.t!l~it/!'l).í~1ll·ki%!íVI:tl·(,\n
eram uma família quando, talvez por pressão do escravo, seu senhoracolupl'f!. deu Caetano, escravo já idoso fugido
juntamente com o filho. No Oitizeiro a família continuava escravamas.(':s
() negro velho, surpreendido
., .'···,·':·.i.··;...· i./
junta, escrava mas com perspectivas de alforria. Joaquim era umhom~tn viria a morrer logo depois na ;",~",·1 n •• .••...••.•.. \v....
preendedor, Possuía 7 mil covas de mandioca no Oitizeiro que, transformada
tâncias (Tl2 e T23). ri ..... •...•.......
farinha e vendida em Salvador, daria 220$920 réis ao preço de 1808 .•Suanlul. ,. .. _...--~ .... .I •. '..í·,.·
e a criança haviam sido comprados por 180 mil réis e pelo mesmopre?()!J() (Ios propnos coiteíros e llUlHIS nq
. I· . idênci '."". .....• •....
,.... . ".
NIC o comcrcencra que ISSO
riam ser alforriadas, Antes disso o quilombo foi invadido. Joaquim e SUKf!\lll
talvez roubasse porque
-
nao
...\..... . ..
aparentemente fugiram juntos; ele e a mulher foram capturad()sel1l~lJt\ • .•... >< ;., lU,
quase seis meses depois. Finalmente separados, ele foi encarcerado no foJ'ü dos moradores do lugar e, pv. .....•...
morro de São Paulo, onde seria açoitado e posteriormente vendido. parálüu(l~ USHe velho e o menino h<Í ..'> ••',., il''Ú!iH'
pagar os gastos com a expedição contra o Oitizeiro; ela seria devolvida nO II r) • . , • •.. ......:> .',. .••••.....
'Ú.
f
sil,oram os UI1ICOS casos
go senhor. Os documentos não.mencionam o destino da crial.1ça.
t'
::·1
Os escravos, que vinham carregando cestos de mandioca, temendo ser reco-
;1 quintal da casa do chefe." . "ii/:/ nhecidos, largaram rapidamente os cestos e se ocultaram quando Viram
O roubo de escravos camuflava esse tipo de fuga transitória ou;cP91'
;1 .Ianuário. Eles pertenciam a um certo Theodoro Álvares Landim, de Camamu,
chamou Eduardo Silva, "fuga reivindicatória"." Quatro testerriunhasilt1} que já havia sido abordado por Balthasar da Rocha para que os vendesse por
veitaram a ocasião para denunciar um morador da própria vila de RiodeCojl J 00 mil réis cada. Mas Landim pediu 130 mil réis, segundo informou ao gen-
que trouxera um escravo na bagagem de uma viagem feita a Jequiríçano . ro de Balthasar, Antônio Soledade, que viajara nove léguas até Carnamu para
tremo norte da comarca, alegando tê-Io comprado. o fugitivo, um cabrachü propor o negócio. Aparentemente esses eram os mesmos escravos João e
do Antônio ---'-que virou Joaquim em outro depoimento -, acoitava-se' Joaquim vistos na roça de Balthasar por José Caetano. deSaavedra. Os es-
Joaquim José Duarte,em cuja casa terminou sendo preso pelo carcéreiro'f cravos disseram a este último que ali se encontravam havia pOllCOSdias pro-
após este receber denúncia do legítimo senhor. Em seu testemunho; OC~çí:l curando quem os comprasse, mas posteriormente Saavedradescobriria que
disse que Joaquim havia "furtado" Antônio, mas era claro que Ant6li eles já viviam no Oitizeiro havia mais de um ano (Tl9).Por que.mentiram? A
°
deixara furtar por Joaquim (T3). Vivia tão relaxado com novo senhorq~!ó resposta dos escravos sugere que andar procurandosenhor para cornprá-Ios
va o "título de forro" (T14). Um outro informante declarou que JoaquíMI ..
.. ..;: -;. ::·-.·.;..~:_~'·l}', não era um comportamento necessariamente estranho nem crimi noso, mas
na verdade dois escravos alheios consigo, um crioulo e üm cabra.eque girf)I~(l!'I;, parte das possibilidades nas relações escravistas locais. Ou seja, um senhor po-
este foi preso, o outro "logo se sumira e não aparecera mais nesta vila".4:lgiri~).~~ di a permitir que o escravo procurasse um novo dono, mas dedicar a essa tarefa
T 1.1.) O crioulo talvez agora empreendesse uma vera fuga. ..'. . i i;"" mais de um a60, sem voltar para casa, já caracterizavafuga."
Os escravos que no Brasil se deixavam roubar não estavam fazend()Q\;I Num outro episódio, um escravo pardo de Jerônimo Francisco refugiou-
coisa senão tentar uma troca de senhor. Na verdade, escravos podiam üiti(, se na casa de Pedro José da Rocha, onde passou um ano. Só depois que o se-
recusar a ser vendidos - para evitar sua separação de lugares, amigosêt nhor o vendeu a um certo Francisco Manuel é que o escravo retornou à es-
liares, além.de não querer arriscar o desconhecido -, como premo cravidão, já sob novo senhorio (T7). A história de que escravos refugiados no
própria venda, ou seja, trocar de senhor. Em ambos os casosbúscavanisi Oitizeiro andavam buscando troca de senhor é confirmada por Francisco
-rar sitillfçôesôetensão qtre.tacítmenre-podiam evohrirparaaviolêllcjar)(l~ Xavier Nogueira, que se ocupava de "viver embarcado", Ele relatou que, es-
de parte a parte." Muitos senhores terminavam cedendo à recusa doseseÚj\it:1~. tando a carregar a lancha de Felippe Lima, este lhe disse que "encontrara um
'.de os servirem, vendendo-os para evitar a fuga sem retorno e rec()Ulp6nsn;1~Hl: IlQgro fugido o quallhe pedira que o comprasse" (T8). Felippe Lima confir-
jornal baiano de 1839noticiOtl contrariado que umescravo ll\IÍlidéiKí!ll+a inm.'ia· i.l!::SH infóITÜÚÇn()(~lnH(}U próprlodcpoinieuto. Indo ele ao Oitizeiro para
...
;~
cobrar uma dívida, por ocasião da última Quaresma, fora abordado pOl~"UÚ 3
negro armado de espingarda, faca e pau de ponta, pedindo que ele [...] o f()~~(
comprar a seu senhor Bento Correa no Cairu" (Tl4). Aparentemente óI11eslôd O resultado da devassa foi o indiciamento de praticamente todos os habi-
escravo, com armas e tudo, pedira também a Francisco Antônio Dias; ()Ulji:ii tantes do Oitizeiro, dez brancos, três crioulos forros (inclusive uma mul her,
testemunha no inquérito, que o comprasse (T16). Um escravo. armado até , . Paula) e quatro escravos (inclusive outra mulher, Maria). As autoridades nem
cientes, a própria imagem do herói quilombola que se bate pela liberdadenf de leve pensaram emjulgar os quilombolas. Aquela foi a vez de punir coitel ros,
mais queria do que um outro senhor que o tratasse melhor. .\ Em outubro de 1806, juntamente com a devassa, o ouvídor.Máoiel man-
Outro escravo fugido de Cairu se chamava Théo e pertencia a Franêh dou fazer um inventário dos bens abandonados pelos moradores nafuga do
José Torres. Théo abordaria o lavrador José Caetano Saavedra para quec)cQ Oitizeiro e seqüestrados pela tropa de assalto mais de três meses antes." EI'f:e
prasse (T19). João Rodrigues de Souza, branco, taverneiro, contouhisl§ inventário lança mais luz sobre as relações de produção e podernoquilombo.
semelhante a respeito de um escravo fugido de José Caetano Simplício,~(Jt Os homens e mulheres indiciados possuíam, no seu conjunto, bens modestos,
encontrara no Oitizeiro e a quem perguntara "por que não ia para a casàcÍõst\ avaliados em 530$380 (leia-se quinhentos e trinta mil, trezentos e oitenta réls).
senhor, e lhe dissera o negro que andava procurando senhor que o COhlpta~se!" Aqui excluídos os escravos dos oitizeirenses que, culpados eles prôprioscnu-
(Tl9). Só depois do ataque da tropa dos cariris, com o fim do quilomboso'e» ruralmente fugiram com seus senhores. Aquela soma dos bens acumuladospe-
cravo retomou a seu legítimo senhor. Ao risco de levar a fuga adiante,ptr1~' los moradores do quilombo equivaliam a não mais do que uns cincoescravos
o de ser punido em casa. Outro caso envolveu a negra forra Paulaa PauJil dos mais baratos." Para um grupo de dezessete pessoas (aqui OSeSCI'HvOS.in-
do Oitizeiro, amásia de Balthasar, que acoitava um escravo pard? fugid9 cluídos, porque eram propriedades que tinham propriedades, comoveremos),
Camamu. Por duas vezes ela tentara comprã-lo, mas seu proprietário recus,< resulta em 31$198per capita. Uma quantia não desprezível, maspequena co-
os 80 mil réis oferecidos porque achava que o escravo valia "cento e tantQ~Ülit mo sinal de riqueza. Com esse valor se comprava o quê em 1806? 'Iomando por
réis". Esse e outros casos que já vimos confirmam que uma das viliittlgGn~ base os itens listados na prestação de contas da expedição punitiva, podiam-se
auferidas pelos coiteiros era aumentar seu poder de barganha na hora de.neg« comprar quatro espingardas; ou dezesseis sacos de farinha de mandioca; ou
ciar a compra do escravo fugido. Para evitar a perda total do escraVO,ln\I(Ú três vacas; ou cinco carneiros médios; ou dois bois. O dinheironão daria para
senhores se conformavam em vendê-Ios com desconto - descontodé( atravessar um ano.
digamos. Enquanto o negócio não se realizasse o coiteiro usava osetvlçtl Retrato resumido da região, no Oitizeiro imperava a mandi oca, A devas-
escravo. Paulinha, por exemplo, havia alguns meses mantinha o mulato,!1 sa não conseguiu encontrar outra lavoura digná de nota, embora seja possível
lado, trabalhando sua roça e remando sua canoa nas viagens que fazihi}' que houvesse alguma apenas para subsistência, sem valoncoráercíal.Também
li caça, pesca e coleta de frutas constam como atividades subsidíãriasa que os
região, com ares de senhora para afronta do público (T 19). Aliás, quemr~hl
a história foi o ex-senhor de Paula, o lavrador branco José CaetanoSan~ moradores, inclusive os quilombolas, sededicavam.Para.isso tinham armas de
que vendo a cena deve ter pensado em como sua crioula tinha ido longe,'J\:Í'lrl:;t fogo, armadilhas de caça (ou "mondés'') (Tl8) e redes de pesca. Masa riqueza
sido assim que ele um dia a perdera? .. ..).~:'j
do lugar sem dúvida se media em ma~dioca,que era plantada, transformada
CIlJ farinha e vendida - ou trocada por'outrosprodutos ~ ali mesmo, a nego-
Como se vê, nesses casos os quilombolas rião estavam eIl1preeilMnd;í':
uma fuga sem retorno da escravidão, mastentanto negociar mel horêS t6fBIy, dantes que vinham buscá-Ia em barcos e canoas. Dos 530$380 réis em que
dentro da escravidão. Eles tinham suas visões da escravidão ta~t()côriti'i' foram avaliados os bens confiscados, 63,3% equivaliam a 217 500 covas de
liberdade." Neste caso, a liberdade de escolher sua escravidão, A sitUtiV mandioca e praticamente todo o resto se distribuía entre os equipamentos das
fugitivos não lhes parecia ideal e, nesse sentido, a passagem pelo ()illzôi casas de processamento de farinha, instrumentos de lavoura, tulhas de deposi-
presentava apenas parte da aventura, um posto de espera, tlespenulça(l~t: lar farinha, dois cavalos, redes de pescar, portas, janelas e pisos de casas e uma
contatos que viessem a resolver seu proolema de senhor. O qllil()nlho~llt'ltJ. cnnoa, Havia outras canoas no local, além das usadas para a fuga dos
tão um abrigo temporário, não o destino, o lugar onde construii' 1l1Hll(f,i\1i moradores do Oitizeiro.
nidadc livre, llOHI sociedade alternativa. . ... .. Em seu relatório, o ouvidor da comarca mencionou mais duas canoas,
IH1\tlgründúyündiIJapu(' 30$000 pelo capitão Antônio logo após a ocupação do
lugar, talvez para despesas com manutenção da tropa; outra avariada, vas o que era "público e notório" - que os moradores acoitavam escravos e se
rombo na proa, que o ouvidor mandou consertar para vender serviam deles, e que "ali era rnocambo de negro fugido". À exceção de 23 mil
mamu, mas que ainda não estava pronta por ocasião do inventário. covas, Joaquim arrematou toda a mandioca confiscada, inclusive a do COIll-
não entraram no inventário bens no valor de mais de 100 mil réis, padre Pedro José Rocha. Levou ainda duas tulhas, uma canoa (também dePe-
quais alguns móveis, que o capitão teria cedido a moradores do Oitizeirouit dro José), equipamentos de casa de farinha, taboados e outras peças de madeira
de aberta a devassa, talvez por ainda desconhecer a extensão do envolyime e ferragens, tudo por 373$200 réis, O valor total conseguido pelos bens.dos
daqueles com os escravos fugidos. Mas não devemos também descartar coiteiros foi 458$000, 14% menos do que o valor em que foram avaliados. O
capitão-do-mato tivesse feito algum acordo vantajoso com os coiteiros, dinheiro não deu para cobrir os 911 $360 réis gastos pelo batalhão dos cariris,
sem dúvida estranho que nenhum deles tivesse sido preso. mas ajudou. Além disso, restavam ainda para ser vendidos o escravo Joaquim,
qüestradas, mas não inventariadas por ocasião da devassa, as preso no morro de São Paulo, de Agostinho da Rocha; as terras de Balthasar; e
Oitizeiro pertencentes a Balthasar da Rocha. Não foram sequer considef a canoa furada. Emais: o ouvidor pediu e recebeu do conde licença para cobrar
para a venda as casas dos moradores porque, fora as portas, janelas tomadia - taxa paga por apreensão e carceragem de escravos fugidos - dos
madeira, nada valiam por serem construções de taipa cobertas depama: senhores daqueles quilombolas que retomaram para casa como resultado das
rnadas à quase ausência de móveis, estas características dashabitaçõesSãl atividades da tropa dos cariris. É possível que, no final, e apesar da gastança do
di cativos do estilo de vida modesto daqueles lavradores, sem que um Balti1 capitão-do-mato, a expedição até rendesse um pequeno lucro para o governo."
da Rocha fosse exceção." De quem foram os bens seqüestrados? O maior proprietário individual de
Nem toda a mandioca existente quando da entrada da tropa mandioca no Oitizeiro era Felippe Vieira, dono de 30 mil covas avaliadas em
foi .inventariada. Os cinqüenta cariris que ocuparam o lugar, segundop 58$800 réis, Os menores formavamum grupo de três proprietários, cada qual
dor, fizeram e comeram farinha à vontade durante cerca de quatro dono de mil covas, entre eles o crioulo forro Valentim Correa e um certo "Vic-
aquela deserção coletiva de meados de novembro. E, conforme Vil11QS,(lll:: rorino de tal", que não aparece indiciado na devassa mas teve sua mandioca
levaram farinha para engordar o Natal de suas famílias em Pedra Brangll. confiscada da mesma forma. A crioula forra Paul a, a Pau linha, tinha entre 5 e
mandioca confiscada em outubro foi atribuído o valor de 335$800réis;c 6,5 mil covas - a documentação não é muito clara.
daria para produzir cerca de 6525 algueires (236 662 litros) de farinha,Vê! E a família Rocha, principal alvo de denúncia na devassa? Um dos
da pejo menor preço no mercado local- onde os preços variavam entre 2 maiores proprietários individuais de mandioca do quilombo era Agostinho
640 mil réis o alqueire, provavelmente a depender da qualidade=-, Ramires da Rocha, que possuía 19 mil covas avaliadas em 19$20{) róis. O
ernbolsariam 2:888$000 réis, no mínimo. Nesse caso teríamos.de.refg hll110S0 Balthasar tinha apenas 12 mil covas, mas de uma raiz mais valiosa que
conta anterior e aumentar o valor/mandioca per capita real da populaçâgtt alcançou 20$500 réis, Além disso tinha tulha e casa de farinha em sociedade
do quilombo para pelo menos 122$823. Agora cada lavrador poderiac0ll11 com o genro, no valor de 19$000 réis. O outro irmão Rocha.Pedro José, cul-
com as raízes seqüestradas quatro vezes mais do que como valor tivava com um índio seu agregado apenas 8 mil covas, avaliadas em 12$000
pelas autoridades: não quatro, mas dezesseis espingardas; não dois, réis, mas também p'ôssuía casa de farinha estimada em 14$640 réis e um cava-
bois etc. Ou seja, as mandiocas dos réus foram avaliadas por baixo,bemhpi. lo doente de 15$000 réis. Finalmente, o genro de Balthasar, Antônio José
talvez para que se pudesse vendê-Ias mais rapidamente, quem sabeparabe! Soledade, era proprietário de 4 mil covas, estimadas em 6$200 réis, e sócio do
ficiar os compradores dos bens seqüestrados." sogro na casa de farinha. Outros membros da família eram José Teixeira, gen-
Seis pessoas arremataram em hasta pública os bensseqüestradosrt] ro de Agostinho Ramires, e seu irmão Francisco Teixeira, Estes, conhecidos
quais apenas duas não participaram da devassa como testemunhas. Dá parad corno os Teixeirinhas, constam como grandes proprietários para os padrões do
confiar que estavam de olho no negócio daqueles a Oitizeiro, com 21 mil covas de mandioca avaliadas em 41$000 réis. Ainda
dos-bens-foi-arrematado-porfuaquim-José-de Souza, ·homembrallCo,··qum'e podemos acrescentar a crioula forra Paula, amásia de Balthasar, com seus 5 a
anos, casado, morador na vila da Barra de Rio de Contas e JavracloJ"t!ttf\lUll" (1,5 mil covas. Realmente os membros da família Rocha se destacam, quando
dioca, Em seu depoimento, foi umdos poucos a dizer que sabia d()~J·amsjj(.) \..~onsidefndoseoletivamellte, em todas as suas ramificações de parentesco.
Oiüzeiro apenas por serem fato "público e notório", nUlsrcf)etiuem ()Ot'têSVl ",ranl CIOII(.\sil!>ÇI\l'ü;t de 70 mil covas de mandioca, ou seja, 32% de toda a pro-
dução do quilombo. Uma proporção que aumenta para 40% se acrescenrm'li,( 10 XVIII" cerca de 20% do meio circulante interno. Apesar de no Caribe ser L;O-
as covas controladas por seusescravos," nhecido como lhe Brazil system, ou Brazilian custam, no Brasil o sistema
Porque não foram presos (à exceção de Joaquim, preso posteriornlentél j
aparentemente não foi assim tão difundido, embora o encontremos em vãrias
escravos dos moradores não entraram como propriedade no inventário dliljJ.] regiões" em vários períodos, em diversas atividades agrícolas. Sobre aBuhia
seqüestrados, mas como proprietários. O fato de que as roças dos escravosêt'~, dos engenhos, José da Silva Lisboaescreveu: "É de advertir que a sustentação
amplamente conhecidas pelas testemunhas da devassa - muitas dehis.\çp dos escravos ordinariamente não está a cargo dos senhores, porque-por um
madas a ir comprar farinha no Oitizeiro, inclusive dos escravos - cOIlJ1ti) costume quase universal, se lhes dá o dia do sábado e domingoparaneles
grau de autonomia econômica destes. E eles não eram dos menoresprqll./o.o lavrarem o que lhes for mister, assignando-se-lhes o terreno" .54 Isso. foi escrito
tários, pois tinham mais do que os negros forros, por exemplo. A elesi)~[J~i;" em 178ft, pouco antes do grande boom do açúcar, quando havia terradisponf-
ciam mais de 10% das covas de mandioca - equivalentes a 690alqueil;4;~;'~l: vel e talvez o costume pudesse ser "quase universal". Posteriormente.não.Um
farinha- arroladas entre os bens sequestrados aos coiteiros. Detalhando:! ··0.
estudo recente de B. Barickman conclui que, entre 1780 e 1860,nosengellhos
covas pertenciam ao pardo Joaquim e 6 mil ao crioulo Pedra, ambos escrtlV} a alimentação escrava ficava principalmente por conta do senhor. Os engenhos
Agostinho Ramires da Rocha; os dois escravos de Pedra José Rocha tinllúrl1:'1 eram, istto sim, grandes consumidores de carne e farinha produzidasforadelcs,
mil covas; a Gonçalo, escravo de Ignácio Félix, pertenciam 6 mil covasd~'Jml~;' inclusive a farinha fabricada no quilombo do Oitizeiro. Mesmoassim.apexar
dioca, além de uma casa de farinha. (Seu senhor tinha 21 mil covas,apellfl? de uma (certa ambigüidade, Barickman no final se rende: "110 Recôncavo, tal
-;i vezes e meia mais do que seu escravo.) As mandiocas dos escravos forania\!. como enn muitas outras áreas agrícolas dependentes do trabalho escravo. n:;
l roças permitiram aos escravos dos engenhos criar uma 'economia'próprla res-
,f.
~.
das em mais de 39$000 réis, cerca de 12% do valor das plantas confiscaÓas;~
incluí aqui outros escravos que possuíam mandioca inventariadajuntullJ trita mas; no entanto significativa"."
com a do senhor. O inventário registra "Trinta mil covas de mandiocas;q! Nas regiões produtoras de farinha, como erammuitasãreas.da CQOH\rCa
:1: diz ser de Antonio Florencio, seus escravos, e outros agregados, a mâioflli.tfM de Ilhéus, a instituição da roça parece ter sido bem mais significativa. Talvez
de vez, e outra verde", tudo no valor de 45$000 réis, . •......... mesmo dentro dos poucos engenhos da região, onde entretanto era Iuoti "O de
Os escravos do Oitizeiro não produziam apenas para consumopt9Ú disputa entre senhores e escravos. Um dos.documentos mais debatidos nos
Estimativas da época estabelecem que cada escravo necessitavaentreü] estudos recentes sobre escravidão brasileira foi pmd.ur.idosobn.;o assunto
dez alqueires ao ano para a própria subsistência." Os seis escravos acirnaD. por escravos de Ilhéus, em data não muito afastada daquela dos episódios de
cionados só necessitariam de, no máximo, sessenta dos 690 alqueiresque Oitizeiro, Em 1789, os escravos do engenho Santaua .,- aquele meSH1() en-
duziam, Eles parecem ter sido ativos forneced~res do mercado daregift(): genho que em 1806 recuperou quilombolas sob. pressãoda tropa cariri -
reexportava para o Recôncavo e Salvador, farinha que ia tambémab4s.1 mataram o feitor, pararam o trabalho, forrnararn um quilombo nas terras do
navios empregados no tráfico de escravos. Embora a documentaçãol{tí( engenho e escreveram um famoso"tratado de paz", 110 qual, entre outras
clareça, certamente também trabalhavam nas roças de seus senhoresiQI cai sas, rei vindicavam mais tempo e mais terra para dedicar a suas roças, con-
regime de meação, Mas a mesma documentação deixa claro que POSSUíat11 cessões que lhes haviam sido recentemente subtraídas, além de exigirem um
próprias roças e, tal como seus senhores, acoitavam e usavam otrabMh barco palra transportar seus produtos ao.mercado de Salvador, nova con-
escravos fugidos que foram dar no Oitizeiro. Suas vidas de roceiros hbSt: cessão qUIe queriam." .
tem à controvérsia historiográfica em torno da cbamada "brecha campÓ'1 Os viajantes Spix e Martius, passeando pela região em 1819, levantaram
ou seja, as roças dos escravos, o controle das quais fazia parte de di I' questões que podem nos ajudar a entender por que o sistema de roças de es-
adquiridos pelos escravos, por paradoxal que seja. Esse é um tipod~àl cravos estaria mais desenvolvido na região, e sua relação com o fenômeno do
que aconteceu em várias regiões da América escravocrata, mas [oi'n1111 acoitamento de escravos. Eles escreveram sobre as agruras de um proprietário
- --mttm-stlbretudo-no-&ribe;\Jnde os escravosrrãosõ pl~ntavaJ):fe se-W; estrangeiro que encontraram:
tavam do produto de suas roças. mas eram importantes fornecedol"es.(\Úl.tJ. OS escravossão para ele motivo de constantes apreensões, visto que o menordes-
mento para os mercados locais e regionais. Como se fossem protocallll)()úéªt}~ contentamento dá motivos para fugirem para as imensasmatas vizinhasou
Na Jamaica estima-se que os escravos chegaram a controlar, nÚI'iül.lltlü.~~· .f!çtrhl:n~erlillilSQnSIl$ dos fazendeiros distantes. As leis, na vcrda<le.dtitênlli;11tlljl
.362.
punição rigorosa dos brasileiros que detêm escravos alheios, mas não é raro ganhava dinheiro na região. O mesmo pode ser sugerido em relação a outros
isto se dê; o agricultor, no início de sua empresa, cujo capital fica assim em forros do Oitizeiro, A perspectiva de alforria podia estar nos planos tanto dos
improdutivo, sofre então da falta de braços, com maior dureza quando mais escravos como dos quilombolas que ali viviam."
cisa dele."
Havia sem dúvida o lado perverso das roças, quando eram concedirlas
()s coiteiros do Oitizeiro faziam em 1806 exatamente o que treze anosdepóí~ apenas para livrar os senhores da obrigação de sustentarem seusescravos,
os viajantes ainda denunciavam como prática corrente. A situação podese; diminuindo assim os custos senhoriais com reprodução da mão-de-obra-ísase
plicada porque a região era pouco habitada, longe da capital, mal policiá, tema, além de sugerido por historiadores atuais, foi levantado rta'comarcu
com ecologia favorável à formação de quilombos, tinha muito mato e índio Ilhéus por ocasião de uma devassa eclesiástica levada a cabo
dômito, e os proprietários eram de pequena grandeza." Em tudo diferente vendo, entre outras localidades, a vila de Barra do Rio de CCll1tits,VÜII·i()~};(,!·,
que acontecia no Recôncavo. Mas tinha mais. nhores foram acusados de dois pecados que em geral vinham combrnatíos:
Os lavradores do sul encontravam dificuldade tanto para obter esc"à "não dar ração" a seus escravos e "permitir" que trabalhassemnos (lüll\!111M,(I,q
como para mantê-los obedientes. Spix e Martius ouviram queixa doescl'iy dias santos. Outros foram acusados de dar aos escravos "anenas ,[)diú
de Barra do Rio de Contas sobre o alto preço dos escravos, proibitivopaã do para com o fruto deles se sustentarem e vestirem" .62U;,'fn ·;,,,,i' '>c'I",
lavradores locais. O acoitamento generalizado percebido pelos viaJâll sistema de roças aumentava a exploração escrava, po,delld()plr011IlÓlIIMH
provavelmente se desenvolveu num ambiente de competição por mão-de-<'1 tisfação e incentivar a fuga. Em outras palavras, a cOl[lce~ss:ãOd(HU'()ÇIl:s.I',U!
escassa." O que os alemães não perceberam foi. que o escravo acoita~9il\ não representava melhor tratamento, não garantia
deixava de ser produtivo, continuando a trabalhar para o coiteiroep~I"). portante também o tempo concedido para cHITlva":I:~~---(IISI)ectúJ.lllj(i$k,\iH!II.il
próprio. Desse ponto de vista a produção agrícola não saía prejtldicadi~; do pelos rebeldes do engenho Santana a que me referi acima .,l"lI'UIlJ·Ii(l{'(ií)!,,:!lI'iOh
talvez até melhorasse, pelo interesse dos escravos envolvidos na trama. terra e tempo para trabalhá-Ia. Todavia, mesmo quetl,'ab,\ltlass~"lill\lúÚillri!I;,!(ii
A confiar na avaliação dos viajantes - que é confirmada pelos aconü; dias santos, além de algumas horas em outros dias da Belllallu.\, ;j1"(Ii'}']>: lIi·'I,'O/'!'
mentos no Oitizeiro -, no sul da Bahia os lavradores eram fracos e os escra mitir que os escravos se auto-sustentassem, promovia o eSI)frilo·Uú.·i!UII(l!l(HIlj(1
exigentes: "o menor descontentamento dá motivos para fugirem". Em 18Q(1 entre eles e animava-os em suas refregas cotídianascom
senhores precisaram da intervenção militar do conde da Ponte para livrá-l() bem resume Dale.Tornich, para o ar,oç;Cl",enl:lúllr)l('tií!'.!óüli\I\(If;Ü
quilombolas e coiteiros. Quem quisesse manter seu escravo em casa, estilo de vida autônomo". 61 Mas volto ailrlsisti.l·;iíl·r()~~n{'(jfltt,{l:f'';\(XIJ('(j.fi:H IiM\
tratasse de conceder alguma coisa que tornasse a experiência daesCl'áyi~1 nhoriais - ou conquistas escravas ---- n""".,'''''' j~(U'(III)U n dü·jlH/í} hflilllfl i I í iL
minimamente suportável. Os escravos de senhores recalcitrantescerta111cj vo incompatível com a escravidão: N~i(j()bNtntlttj·.Hflá·f,'"i"''?i.',
viam relações desse tipo acontecendo em sua volta. Muitos dos aqui]omba~l acesso dos escravos à roça
no Oitizeiro, mais do que constituir quilombo, queriam apenas trocar(.lé1P se não dependiam
nhor, queriam senhores corno aqueles do quilornbo, que permitiam aséus sal' em viver sem o.o'l".hr., •• fJ4
cravos cultivar suas próprias roças, vender seus produtos, acumular[) Encerrando o as~;unt(),da~·"()I;(lS i:\s.Vf.I:V;\iW., ••••. 11"",";
priedade e ainda acoitar escravos fugidos para ajudá-los nissotudo,lss()ff,I,~$; foram mais comuns ell1láliea:sCl().!lílá$Xi~!Ni(:Í(hXHII('tlr;(h)
lembra um documento escrito cinqüenta anos mais tarde por senhoresflljIPk" por pequenos prclpríet<Íirjç'$.(ledhn)l(lPI;i\ljjlllit)fl.,.;li:!rll~)fll·\)
nenses, de Vassouras, em que se lê: "o escravo que possui [roçasJnelnt'()B cultura de exportação. $llgit<Úlltlq. til:ú,.ll)~"jhi!l
nem faz desordem" ,r'o Perfeito enquanto ideologia de controle, maS,c911 análogas, por exemplo, quC(lállISf(jf'HÜ:I(lli.U,
estamos vendo, o escravo era imperfeito. Muitos pensavam em ir aléln.Hsfi(I~!?i trar roças. Foi o que en'CÓI)ITqÜF\.ív:úlCi\!ill,(f·;
escravos podem terinvestido nas roças alguma expectativa de ülf()rria.l~ernt' Iguaçu, Rio de Janeiro, oJ1de:Ií:lJ,psj(lrlcl!tir;II'\:i*\illt~!l{lt.'· OI!!ir.lJh'
que uma das Iavradoras indiciadas em 1806 el.1 a pretaforraRosa.Mrirta, ria dos escravos se de(:liC;tlVlIIUJWlldlll,\n,flll\ê]ri'fll}{T ..I'í
havia sido escrava de Balthasar da Rocha, o homem forte do Oitizei I'()('I'.I), lá, no Oitizeiro á economia cal1'lrl.ol){.\~Ml(>I'lr}!.nIPH!i •.J)üliU.II·.ln
Corno teria ela obtido sua alforria? De graça? E, se a co,nprou,c()tn()()bl(Y\i~ li penas os es c 1'<1 vos dos U1()!'tI (Ipl'e ~:lijirt~Niii t\Jlf+J,:ttli t.iç!;j)).q tl,ijll(\IJHll(jfiqUli,: ·1111~·
dillheil'o?PluJltando .mandioca.é o. mais pr<)vável,pçlis ·01'11COUliSf{() (,IIIQ.{i cav IIm j lili 10 .H coi teiros .n:lellilO.li.\lS rÜÚ(l'i,)(J(:tl/~IW~ Hirilll'~lc~~I~c(lllB.,lit/'\'
nmc/orna): e os comentários de Flávio Gomes e dos alunos (Jailton, Sara, Wlamyru e Zucnrins}
o Oitizeiro fica mais bem entendido nos termos da época: UIlI(flNH
tio seminário "Escravidão e liberdade" que dirijo no mestrado em História da UFBa.
mas não como nos acostumamos a imaginar que fosse um quihWlbl!; (2) Ver Erivaldo Fagundes Neves, Uma comunidade sertaneja: da sesmaria (/ou;in(lll!/dio
mado por homens livres (negros, brancos e até um índio), seus pi'ô, (un: estudo de história local), Salvador, EDUFBa,no prelo, capo 2; Simeão Ribeiro Pires, I?ub's tlt;
cravos e os escravos alheios que acoitavam e que formavam urna ltnlj , Minas Gerais, Montes Claros, Minas Gráfica Editora, 1979, caps. 1.5 e 16; e Waldir P('()ílilN \k
parcela da população adulta. Os coiteiros, recordo, eram dez.cssC(CJ)l .. Oliveira, "Os Saldanha da Gama da Bahia", Universltos, 33 (1985).
(3) Em 1829, um juiz de paz de Salvador lamentava que nessa época os escruvos uno fos-
os negros fugidos podiam chegar a pelo menos três dezenas, crunlllVÜ
sem mais controlados com mão de ferro como 110 tempo do conde da Ponte: verJoão JIls6 Hds c'
Não se pode dizer que estes últimos fossem escravos roubados .,~';':Hliü~; Eduardo Silva, Negociação e conflito: a resistência negra /10 Brasil escravista;São'Pail.!o. ('\\1\1-
não foram definidos assim na devassa -, o que significaria di'l.t1rqV( panhia das Letras, 1989, p. 52. .
tivessem ali contra a vontade. Estavam tão à vontade que andavanlliYI·~lÍ.ü (4) "Offício do Governador Conde da Ponte para o Vi sonde de Anadia [16/6/1 ~07 r'.
"l/ltli,\
armados, trabalhando, caçando, assoviando. São fortes ind.ícjON~I~' da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (doravante ABNRJ), 37 (1918), p. 460.
ocupa vam uma posição de força, escapando à lógica de que "uma Vl\i'"q&~ (5) Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBU), Ordens régias, 1798,9, vot, 89, do<" 1\1.
(6) "Descrição de Joaquim Pereira da Costa ao príncipe regente nossosenhor" (I ,loho;!,
sempre escravo"." ...ii:·, 1151l8(0), Biblioteca Nacional, 1-31, 30, 83; "Conde da Ponte para ()ViS(\IIÍ\(kih' t\l1i\(lill",
Mas o Oitizeiro era um quilombo tão peculiar que podem.osllú~;V 16/611807, p. 460. Sobre o volume do tráfico baiano no período, Herbert Klein, "fI, dl'I!ltigl :I!la dll
tar se não houve a fabricação jurídica de um quilombo, pelo ouvidor J)PI tráfico atlântico de escravos para o Brasil", Estudos Econômicos, 1.7(J 9K7). p,1 \1,
gos Maciel, para satisfazer ao conde da Ponte, que por sua vez destl.iI!WI (7) Sobre quilombos no governo do conde da Ponte, estou etaborundo um. I':!tlo. "Qullom-
pressionar o príncipe regente. Em parte houve, à vista da im.precisã<)Cpt!ri bos baianos 110 século XIX". Vários autoresjá estudaram as révoltas escravaa bilii\iJiIS\Ítwlusil'l~cll
próprio: João J. Reis, "Recõncavo rebelde: revoltas escravas.nos cng(:IlII(I~bni1\lHls'''''f)'fI·t\.\'i(/.
a figura de quilombo foi concebida no discurso da devassa. MasahiJ~'
15 (1992), pp. 100"26 (sobre as revoltas no tempo de Ponte; pp. j()J,-S); kkl1l,lklxlil1l1 I'SiT'll'Il
entre outras coisas, feita de discursos, práticas e das relações, ami~d<?nrji 110 Brasil: a história do levante dos malês(1835), São Paulo, Brnsilfcnae, 19H6; entro 0\111'0:;. Pam
lentes, entre ambos. Definir Oitizeiro como quilombo não foi apeiliü.ÚÚl' uma discussão da historiografia das revoltas baianas, ver meu "Um \ln:I:III,'(1 dos o,;~llltl{~1sobre tis
curso de conveniência política. Ao mesmo tempo que tinha característiqii;i revoltas escravas da Bahia", in .r. Reis (org.), Escravidão i' invençiiu da Ii/J,I/tllldl' U'iil0 Paulo,
comuns, o Oitizeiro tinha feições atribuídas a qualquer quilombo dotell)j); Brasiliense, 1988), pp. 87-140.
escravidão: reunião em determinado lugar de um número crescente (lI: (8) Oittzeiro ou oiii: "árvore da famüin das rosãceus (MlJquilt'IIIIlIJl('II!llsa)", comum no
Nordeste, que dá um fruto amarelo, carnoso, de "nromu c saboi' intensos" INovo dicionârio Au-
cravos fugidos, que resistiam a retomar à casa senhorial, tocavam.uma
rélio). O quilornbo do Oitizeiro não é roralmcntodesconhccido dos historiadores, mas salvo
dução agrícola e desenvolviam outras atividades de subsistência,oc~úiü engano nunca foi estudado com maior detalhe, Entre os autores que o mencionam, Pédro Tomás
mente cometendo roubos, e submetidos a um "governo" alternatiy(~.Aó Pedreira, "Os quilombos baianos",.ReviS/II Brasileira de Geografia (1962), p. 88 (mas esse au-
sociedade envolvente. As relações de produção e de poder dentro do Oitit,c tor localiza o Oitizeiro erroneamente em Minas do Rio de Contas, cidade da Chapada Diaman-
ameaçavam a subordinação escrava na região; quanto a isso não reSÜtdú\!íil tina); João da Silva Campos, Crônica da capital/ia de São Jorge dos Ilhéus, Rio de Janeiro, Mi-
nistério da Educação e Cultura/Conselho Federal de Cultura, 1981, p. 190; Stuart Schwartz,
Eram relações perigosas. '..-....>""i{,
Sugar Plantations in the Formation ofBtatllian Society. Bahia, 1550-]835, Cambridge, Caro-
No entanto, Balthasar da Rocha e outros coiteiros não podem seriç91Í,~
bridge University Press. 1985, pp. 479-80; Judith Allen, "The Indians of Pedra Branca" (texto
Gerados libertadores de escravos, tipos proto-abolicionistas. EpossíYeJ~~l inédito), pp. 1l·2.
fossem apenas oportunistas. Mas se usaram os escravos em benefício pr(spl)l,~ (9) Baltbasar da Silva Lisboa, "Memória sobre a comarca de Ilhéus [1802)", ABNRl, 37
a recíproca também é verdadeira. Houve acordo, negociação.' No Oitizeirq'~!f' (191-5), p. 13.
escravos fugidos se aquilornbaram, encontraram pouso, trabalh();coili.i (10) Luís dos Santos Vilhena, A Bania no século XVIII, Salvador, Itapuã, 1969, li, p. 505.
(11) Lisboa, "Memória", p. 1.3; "Carta muito interessante do advogado da Bahia, José da
provavelmente roças e até filmo e aguardente longe de seus senhores, Paia;~
Silva Lisboa, para o dr, Domingos Vandelli [18/10/1781 J", ABNRJ, 32 (1910), p. 503. Ver também,
o Oitizeiro era um quilombo. '.
Campos. Crônica, pp. 105, 138, 162, 175,
(1.2) Sobre pressões e reações relativas à política colonial para a lavoura de abastecimento
interno, ver Thules de Azevedo, Povoamento da cidade do Salvador, Salvador, Itapuã, 1969, pp.
NfJTAS- 277 e segs.; Campos, Crônica, p. 170. Citação de Manoel Ferreira da Camara, "Carta n", in João
Rodrigues de Brito, Cartas ecollômico-po/(ticas sobre a agricultura e comércio da Bohia, Sal-
vudor, J\l'Ella, 1985, p. 102. O desernbargador Brito também escreveu: "obrigam o Lavrador 11
(I) Este artigo é parte de um projeto mais amplo apoiado pelo CNl'q, Agradeço. .'<
cipação lia coleta de dados de Vera N. dos Santos Silva e Marcia GabricluD, dcAmlint'(bóls1~táfr ucupur com a mesquinha plantação de mandioca, que se dá em toda li qualidade de terra, os raros
(58) Alguruus dessas características apontadas para a primeira metade do
Schwurtz, Slaves, Peasants, and Rebels, 1'1'. \06-7.
(59) Situação parecida na Carolina do Sul (EUA), segunda metade do século
lidi!em Meaders, Dead orAlive, pp. 149,154-5.
(60) Citado por Flávio dos Santos Gomes, "Histórias de quilombolas: mocambosq(·
nidades de senzalas no Rio de Janeiro - século XIX", dis. mestrado, Unicamp, 1992,p.41
outra passagem desse documento de 1854, produzido por fazendeiros de Vassouras te111ç CANTOSEQU~OMBOSNUMA
rebeldia escrava, lê-se que eles deviam "permitir que os [seus] escravos tenham CONSPIRAÇÃO DE ESCRAVOS HAUSSÁS
ao solo pelo amor da. propriedade". (lbid., p. 418).
(61) As alforrias pagas eram fenômeno mais comum nos centros urbanoS,laC1JI~ Bahia , 1814*
sistema de ganho, que colocava os escravos bem no coração da economia mercantilq~e
cidades. Sobre escravidão li rbana, sistema de ganho, alforrias e libertos em Salvador,v'
outros, Maria Inês Cortes de Oliveira, Os libertos; seu Inundo e osoutros, São PatllO,G Stuart·J3,··Schtvt:tl'tz
1988; Maria José Andrade, A mão-de-obra escrava em Salvador; 1811-1860, SãoPaulo
pio, 1.988(por descuido da editora o período indicado no título cio livro não é COll'eto,p<)
ria indicar 1888 e não 1.860); Kátia M, de Queirós Mattoso, "A propõsito de cartas de n.l A história da resistência escrava no Brasil é nonnalmel1tedivhlidt\.t'lll
Anais de História, 4 (1972), pp. 23-52; Stuart Schwartz, "The Manummission "f·III",""o.; dois temas paralelos e algo distintos: a fuga e fonnaçãodequilollllJOS:t!ll,rnn
nial Brazil: Bahia, 1684-1745", Hispanic AmeriC(11/ Historical Review,.54 des revoltas escravas, geralmente de natureza urban~,especiqhnent(~aflud'ls
Cecília Moreira Soares, "A mulher negra na Bahia no século XIX", dissertaçãodenu
que ocorreram na Bahia na primeira metade do sécl!loXIx,l:llnhol'(\üUII'OS
UFBn, 1994, espcaps, 11 e 11I.
(62) Arquivo da Cúria de Salvador, Devassa nas Freguesias das Comarcas aspectos da resistência escrava também recebessem .•~\lgunlaiMcn9i\(),
IlO Ano de 1813, não catalogado, fls. 8, 9v, 20, Agradeço a Luiz Mott por ter colocád()iü dois fenômenos dominaram as discussões. sobreotema,IlHlsentggrol ('01\\0
disposição suas anotações desse documento. atividades distintas, como duas estratégiasdiferentes.de ••enírentamemo .do
. (63) Tomích, Slavery in the Circuit ofSugar, p, 260. Vale a pena 11 cuaçaocompíeu regime escravocrata. () reexame das revoltas baianas.do séwlo XJX, lIO eillllll-
o senhor, us roças eram um meio de garantir trabalho barato. Para os escravos,
to, oferece a oportunidade de ver ligações possíveis entre 11 resist(;uüH\ endê-
elaborar um estilo de vida autônomo. A partír dessas perspectivas conflitivas
luta-sobre as condições de reprodução material e social, nas quals os mica à escravidão representada pelosquilornbose.aslllclloS .comuna embora
priar de aspectos destas atividades e desenvolvê-Ias em torno de seus com freqüência dramáticas, revoltas deJargacscala;cvp.I'ur(o. ap('n(l~ COl1lO
sidades", atividades diversas com amesrnaorigem na l'esi~têncit\,.lnus çnlllo· tãticas
(64) Mullin, Africa in America, comparando as relações senhoriais nos .EUA - •..••(1)( mutuamente articuladas na guerrados escravoscontraãescrav idão ,I
nhor provia 11 subsistência dos escravos e o sistema de roças era restri to
Neste estudo pretendo analisar um inquérito judíclnl, até agoratnédito.de
(principalmente Jamaica) - onde as roças eram fundamentaispara a subsistência\lt)g
Vos -:' concluiuque no segundo caso os escravos desenvolveram uma cultura bem Jl1ais r! uma revolta planejada pelosescravoshaussás em 1814, masque foitraídae
ma e umaresistência mais persistente. abortada (ver Anexo ).2 A organização e"oplallo dessa revolta acentuam certos
(65).yomes, "Histórias de quiiombolas", pp. 49-51,85-9. temas conhecidos dos levantes baianos, quais sejam: a maneira como escravos
(66) Num trabalho anterior, sugiro que se possa fazer aproximaçõesentJ'9(~ç( urbanos e rurais cooperaram e coordenaram suas ações; o papel das "identi-
quilombola e formas de produção camponesa: João Reis, "Resistência esCraVl\9111Jlhi
documento inédito" ,Anais do APEBa, 44 (1979), pp ..290-1 . Ver também sugestivo !lItigO
dades étnicas" e sua significação num contexto colonial; a adesão e participação
los Magno Guimarães, "Quilómbo e brecha camponesa-s- Minas Gerais de libertos nesses movimentos; e, finalmente, o papel que a fuga e os quilom-
do Departamento de História [da UFMO], 8 (1989), pp. 28-37. bos podiam desempenhar na coordenação e mobilização dos escravos rebeldes,
(67) Lara, Campos da violência, p. 246, sugere a expressão (que prudentell1t~ntcl\V. Na longa história da resistência contra a escravidão brasileira não houve,
panhar de UIIl si nal de interrogação) para fugitivos que passavam a servir ti colteiroscomn:
de fato, nada parecido com a série de revoltas e conspirações que sacudiram
sem senhores. .
a cidade de Salvador e a zona agrícola contígua, o Recôncavo, entre 1807 e
T833:-Foi um período turbulento, caracterizado no Brasil por revoltas de
caserna, o fim do regime colonial, a abdicação de um monarca, instabilidade
r conflitos políticos generalizados, turbulência intensificada pelas re\)o!J
escravas, elas próprias um produto dessas condições. As revoltas eS~I·
baianas foram em geral organizadas e desenvolvidas em torno das etnjà~."
às vezes a participação e a liderança ultrapassavam essas fronteiras clll1l1i
algo artificiais. Homens e mulheres escravos e libertos ocasionalnie)ll~~
uniam na ação comum. As revoltas escravas baianas constituíramUfl1.tI
de campanhas ou batalhas numa longa guerra contra a escravidão. OU;.
disse um escravo.ç'urna guerra dos pretos,'. A relação entre essaguw
>j tradição de fuga e quilombo precisa ser explorada. O levante ha:usSád~:
permite que se comece a fazê-Io.»
As rebeliões escravas baianas têm sido explicadas a partir de váriqs.f
1
los, seja religioso, político, conjuntural ou étnico. O fato de que alguíllfi~\lI
r~~ - como a dos m.~~~~~Je~l?.J"a maior delas - ~amf(j~~pi~!}~
--
tação islâmica, leY9.Ea uma
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explicação
- .: •••~"'>;,~""••••
religiosa,
"""~'''I'o''''_"'._--.:-..--~~_
mas outros.: estudiosos
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riram que nem todos os rebeldes eram muçuunanos ou tinham obj~tiX9§!7~
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cificamente religiosos. Alguns autores argumentaram que omol))~R~9
rebeliões - em meio à longa "Revolução Atlântica"t(1776-18401~.~~·
i:)!
:!~'i camente à inquietação polftica associada à independência brasileir~Xl?;
1. Vista de Salvador, C.··185S .' < .. ·i\i··..i
:ir ("Vue de Bahia", Brasil pitoresco. Álbumdé.vist{ls,paisagtll/S;
não foide maneira alguma acidental e que as rebeliões devem sercollsí.d .. monumentos, costumes ete., Paris, Lemercier, 1861. Repi·od,HattcrSú).
11; sob esse ângulo.' Ao mesmo tempo, o caráter fortemente étnico de nttliGl4"JJl
u:
revoltas, tendo sido organizadas por grupos africanos diversos, a f~ha(kpítl
ticipação em larga escala de crioulos (negros nascidos no Brasil)e.A1l.I14,I{},:
além das divisões de cor, status e origem dentro das comunidadesafto~t)J!Ü1}
caram na Bahia, comparados com 2588 escravos deArigolâel3êllgucJtt6A
leiras, vão de encontro à idéia da influência unificadora do jacobitÜsl1i§~61r(
Bahia tinha uma longa tradição de comérclocomaguelàpültOdacosta
coentre. os escravos. Esse tipo de pensamento político maisinçlu~iy~t:
africana e muitos senhores de escravos haviam desenvolvido'uma preferência
exemplo da França parecem ter sido mais importantes nos movimento.~ipf>
cosrepublicanosdo período; que envolveram pessoas livresde cor,eB1Slc por trabalhadores dessaregião.? .. . . ... .... .....•.. .. .............•...•.......
....
~~~timü!~Ç.iiQJJo"-~itj~92.!!l9"PX,?,~~~~"êg.r,..ª,Ç?,S~::;/l~:P9 .•.(lq.r't.119!j~~.·.º;~
i.$
o processo haitiano teve mais impacto sobre estas e sobre os seI111QKP8
. escàt:vos'doque. sobre os próprios escravos.' .. ... . ., .. .._1-7-9-2-estlmular~a.e:Ke~~~~9J!º-~,~ªI!~vlal~.!!Q.~J.1\§il,eáreas açucareiras tradi-
cionais, como a Bahia; floresceram comacriação de novas oportunidadesde
mercado. Essa expansão foi acompanhada por um aumento da importação de
escravos para os engenhos, o que também resultou no inchamento da popu-
CONTEXTOS
lação escrava da cidade-porto de Salva1pr. . .
1'i
.Na primeira década do século XIX;. a capitania. como um todo tinha uma
A capitania da Bahia foi por muito tempoumimpo~nteier~"aí~ população de mais de 400 mil pessoas, das quais um terço era de escravos.
fico de escravos, mas as mudanças na economia atlântica, especiahl1cnt?H
~,
Salvador tinha uma população de mais de 50 mil, cerca de metade formada por
a revolução haitiana de '1792, criaram novas condições paraa .expall~n(1 negros, 22% por pardos e apenas cerca de 25% por brancos. Os escravos re-
escravidão em terras baianas.-Wo início do século XIX, cerca de8 !nUa} O presentavam talvez 40% da população da cidade.' O que distinguia a popu-
africanos chegavam anualmente ao porto de Salvador. Entre dois terç6$~1 lação escrava de Salvador da do resto da capitania (e também daquela da maior
quartos desses africanos vinham do golfo de Benim ou do que os port:úgl1ú: parte elo Brasil), e que sempre provocava comentários de viajantes estrangei-
chamavam de Costa da Mina. Em 1806, por eXemplo,8Q37 minas de:~i.t]ll~[ll;:r' ros,era aodgci.lluJricallH da maioria dos escravos. Na Bahia desse período os
J
;f
~I
";:
ufrh iUlOS provavelmente representavam 60% da população escrava. À~~4i~ serviço tinha sido chefiar uma expedição de duzentos homens contra DS
u população ficava cada vez mais africana, ficava mais desequilibraqti, quilombos do Orobó e Andaraí, cujos escravos andavam, emsuuspalavl'us,
umHOs de distribuição sexual (proporção homem/mulher) e etãria d~yí "desolando fazendas, invadindo [sic] viajantes nas estradas, induzindo í\OS nu-
predominância de homens jovens vítimas do tráfico, O crescimento d<>{r tros escravos e levantando-os por força para seus reprovados u~os".I;EhlIJl1ha
trunsatlântico intensificou a proporção - cerca de dois terços - dos h()c especial orgulho de suas ações contra os "inimigos do Bstadc.deSua majes-
tade" que haviam construído um reduto grandemente fortificado,pr6t(:~gidoP()1'
nu população escrava de Salvador. iAs chances de escravos baianos~111
LImarede de galerias. subterrâneas, armadilhas e estrepes. ErnoutrtlSptllnv/'us,
trareru escravas e formarem famílias 'eram piores nesse período do quetip
uma povoação permanente e fortemente, protegida." Esses. BSerViÇ():-;"C>I:UIl
sido desde o século XVI. Finalmente, na estrutura etária da populaç~o~~q
típicos dos caçadores de escravos do período." Cada freguesia QUluÜ.11!tll Ü!;SC:i;
predominavam jovens adultos, que constituíam cerca de 60% .da mão~~
capitães-do-mato, que não s6 perseguiam quilombolas individuaismas (;11\1
escrava da cidade." Eis então uma população escrava que, no iníciõdo .
bém mobilizavam grupos ou milicianos para atacar os quil~nWos,< '..•............
XIX, era cada vez mais jovem, africana e masculina. Não surpreengeX
Embora os quilombos tivessem sido endêmicos ..naB,lN.ªdc~(k'(riílf\ijo
cente preocupação dos senhores, cercados por uma enchentedees,>
da escravidão de africanos, a preocupação do governo com eJess\.linll\Jí~tllo
estrangeiros, nativos da África, escravos cujos ajuntamentos, béitllguese~j.
ças haviam transformado partes da cidade em algo semelhante ao "sei"(t ' COuP9 .•final ..cI?~écul0 ~VIII, ..esp~~ialn~ent~ •..• C?I~ .•~ ~re~~~.nt~.n.lJ'1,l'I\O('~'
afri C~ll~~~'ti:azTaos,ü·.']?m:.tir
...d.a,.·expalJ§~o~gríc91a (J,ll~..•§ç,'.seg~jÍH~II'4.yi)llnJli,1
costa da Mimt.ioNão surpreende a onda de inquietação escravaesolf
Haiti;Ap?~ l.8~1,~ot1i a .ondaqe revoltas",o, probfFT~,.Ótlpef?,.i1l8!Vl~I}I)W(lo,
dades étnicas no interior da complexa estrutura da sociedadeesêtoây~
tóJ1íou:S~•.•.lnaís'~lg~do. 'Muft9~ ..desses ....'luiion1?~,s ..•. IÜW"~SÚ\y.tlnll(Jj\~t'·ill,IS
baiana e no contexto da resistência tracücional.lli. n úcle()s 'pópu't àéionais, ás 'cidades e e~ge~ih()s,·.~soRreVivj fÚll(J~,.U . tüqÚ(':{·.\Y(I~1
A insegurança natural da sociedade escravocrata se intensificaranà"iJ
·coI1i~êt?'"°ê~ií:pôpül~~ôe~':Viziúl~~';'·.N'9~Jl!ífi?'~fs~fli)~~:~IK,.,·(I((Ü'll,Flí'ilb\.IS
do século. Quilombolas e assaltantes tornaram as estradas niais inseg~f s 11bll1oba~lq;;';' .'ho Cabulá, 'Matitt'uoulhlpõan;nasilncdiá'ç(\dS '([?Snlv:lc!(),' ,'"
Manoel de Araújo e Goes, que vivia no engenho Carnorogi ét cerca de2S<:" estúval;ls,ªga vez mais illtegràdosà vida .dà esciavidã(júii'I)Ú1JrI.l:irlvÚ~.··ln0:\nl(;
metros da cidade de Santo Amare, no coração da zona açucareira,queixQlfi·tit.'Y;CS 'sávli14Q.~s-x~~~s:coin() ..d~ihinaQão-d~fLlg~\stenll)()ráI·ias .. ~;~l.nlf\\s ..il~'.a
• ssi~..
que, nas viagens para seu outro engenho, o Santana de Pojuca, ele têflÇii'l,.~,,9\!SCanSopara os •escravos ':urban()s.IH.()S(.IlIllhi'üb()IJ1~}\SW~,':~
ameaçado pelos bandoleiros e "mesmo seus próprios escravos". 12 Epe~~}i, entraY~R1..Il~cl~a?~ .paravénder'p.r?~p~os:r~)\l?a7I(}s,0i)i~}llú'111\1·n()·ldlilÜY()
para carregar sua pistola. Andar desarmado no Recôncavo passara a serpe~Jg! dosq~nonlbosaayaaos africanos ·a.challC:e de mantct'e:n)'UÚ11tCi.lrltrHlltQtlO-' ..'
Tais preocupações não eram infundadas. Os quilombolaser<\múú1., ~lIia.cl1rt~!~l;Jô'nge(~as .•.. r~str~çõe~ci yls.; ~·.ed.~si~sti~nsll<ls~)~'i~~":l~'k<~onli.- .
blema presente; Às vezes africanos recém-chegados aproveitaVal1lt\pi'~Il\ 'naniêt'llle suprinlia aprátiQ~'d~s'r~li~iõés' at"l.oiclll1llK.,I;.'PquiJnlnb\lsl.oWrPbp,
chancepara fugir e juntar-se a outros já cansados, com o que o c<?llsll1fV' destr\!IgÇ?;~m.1.84_6;"abrl.gaV~,:~!h'f.\iBª'911jbj~.z(J·ATotalividade. çlo~..bHhjülntes
chamava de. "despotismo intolerável" dos senhores. Osquíloillbos.~~
I) . nesses .;q?i19mP9~ ...,.sl.lb~rbar()sP8clia •.sel·Jllt~\~...l1là~l.embÓI.·àf(')SS~nlpJ"eS~\,f;;iÇil ...
Ihavam pela zona rural e serviam de farol e refúgio par<l:os escravos-dos, dos ataquespoliciais,alg'uns.ôon'seglliam soiJreyiver durante a I1?S;'ApóSJ\ .
nhos. A inter-relação entre engenhos e quilornbos - e a natureza da ai', clestr~ljçe~:de úmquilé~b,o,quase invarü\vehlle~ltéalg~nS' d?s fugitiv()§€wi~.··
-'- se torna. clara no exame da carreira de Severin~ereira, "Capitã()~m(! tavamsercapturadoseestabeleciam outrdquilomb6, para', serem 10goprÚ~
entradas e assaltos do distrito de São José das 'Itapororocaachefe.de'Mi curados por riovosquiíombora», numa espécie de dialética da resistência
efetiva da Redução dos escravos foragidos e dos fortificados nosquiloq115[ escnwa.A.formaçãodequil()mbosera um problema crônico para os senhores
coitos"; em outras palavras, um capitão-do-mato. Pereiraarrolou ent\'c. baianose uma tática permanente dos escravos baianos.
serviços zelar pela "segurança interna dos povos e domínio dos senhOl'i;!Si'
escravos e malfeitores", detalhando atividades que revelàrriàresistêncià
va." Em 1789, ele atacara um quilombo formado pbrescravo$qucJ)~lyr OSHAussAsE SUA "NAÇÃO':
escapado do engenho de Bento Simões de Brito e se reunidonasTl1.út:IS
r. Águas Verdes. Em '1791, ele havia sido feridoduas vezes n(l,\(ilqn~f< f\I().ill1íCIO(IOséculo XIX a população escrava da capitania e da cidade
quilombo nas imediações das matas do CôncaVO,li(~J'io:IIlCHrp(},::Il:lllid.tl\,i í!lç;h()'\l,qJr~I!~Ú~JlllnlCr()de escravos minas chegava, particularmente dos gru-
P(H; ('11 "nações" conhecidas na Bahia como nagô (iurubá), jeje (aja-f6i\ mente estaria relaxada. O conde da Ponte agiu rápido, suprimindo o movi-
w,/"rt ou aussã (haussá)." Em muitos sentidos, essas designações étnicas.~l·it. mente, prendendo líderes e postando guardas nas fontes públicas, por temor
L'I'j!ll.•.õos coloniais porque não reconheciam diferenças políticas, cultu~~i~ de que fossem envenenadas. 30 Essa conspiração foi comentada por uma ordem
l'digiosas na África. Assim, os nagôs podiam todos falar iorubá mas villll~ régia de outubro de 1807, que observava que a repressão impedia os conspi-
de sociedades diferentes e freqüentemente hostis: O mesmo pode ser ditBA.' radores de "violar os direitos de seus respectivos senhores nem também per-
daorneanos, os jejes." A formação de novas identidades e "comuni<l~Jd turbar a segurança e o sossego público de que depende a conservação dos
imaginárias" de acordo com rótulos coloniais foi um processo compl~*() estados"." Os líderes foram executados e dez outros escravos açoitados PU"
"
incompleto que teve lugar no Brasil. 23 '.,i ..' blicamente. Um toque de recolher foi imposto a todos os escravos na cidade
1:
Os haussás também estavam divididos por origens regionais e difeI'~llr e mesmo a circulação de pessoas libertas foi restringi da.
religiosas. O processo de islamização no país haussá tinha sido violeBt, Nem esses primeiros rebeldes haussás nem o conde daPonteeram
incompleto, e continuava na Bahia, já que a conversão continuou aac:9!1 ingênuos. Ambos 'entenderam que, embora a organização e mobilização
cer." Os haussás não eram o grupo mais numeroso na Bahia, e napl'Ópl escrava fossem favoreci das pela fluidez do mundo urbano de Salvador,onde
cidade de Salvador eles constituíam apenas cerca de 6% da populaçãC;escr~i~'> escravos e libertos se misturavam livremente, a maioria dosescravos da ca-
va. Mas começaram a entrar na capitania em bom número, juntamente;p~~m/' pitania vivia nas regiões dos engenhos e fazendas de cana, das plantações de
outros povos do golfo de Benim, depois de 1780 e, em número malor,de fumo e roças de mandioca e que qualquer esperança de sucesso residia em
que o líder fulanl Shehu Usumanu Dan Fodio iniciou .a jihad em t~t'dtl vincular a iniciativa urbana a um levante geral no campo. Assim. doponto de
haussá em 1804, que resultou no controle de grandes áreas pelos fula.l1Ís~ vista dos escravos, o contato com a massa de trabalhadores rurais era essen-
. .. ..
eventual' formação do califado de Sokoto. O conflito durou seis aD8s~.g cial e, da perspectiva do governo, a coisa mais temida. O relatório do gover-
duziu grande número de prisioneiros de guerra, muçulmanos e nãom~ç no sobre o incidente registrava, especificamente, que o projetado levante
manos do Sudão central." Com o tempo, a expansão islâmica provoêôúUI~l;H incluiria não apenas escravos urbanos mas também os dos engenhos do
série de guerras na área iorubá, na medida em que algumas cidades-estH~~I;~;' Recôncavo." O conde da Ponte também entendia haver um, perigo potencial
foram islarriizadas e novos estados surgiram." Essas guerras gerarâm~rjJj);i:' nessa combinação dentro dos quilombos, os quaís freqüentementeabtigavam
lhares de prisioneiros, que, foram vendidos para o tráfico atlântic()$âlQ<I(l fugitivos tanto da: cidade como do campo. Em abril de 1807, o conde já pro-
principalmente do porto de Lagos, na Nigéria. Nas primeirasdécâ~ifsTrlQ; gramara a destruição dos quilombos suburbanos nas matas em torno dacapi-
século XIX, a maioria dos muçulmanos chegados à Bahia era haussá.iOSV)(l!, tal, e a Coroa portuguesaaprovara a medida para assegurar a "paz e tranqüi-
jantes alemães Spixe Martius os viram em Salvador e osqualifi9'at'~1l1i~.l~' lidade dos povos". Ú Ele adotou uma linha dura na destruição dos quilombos,
"muito pretos, altos,musculosos e muito ousados", opinião C()l1lpª,~~bR " uma fonte potencial de revolta, e contra quaisquer manifestações da cultura
'por um cônsul francês na Bahia que acreditava serem os haussãs fisigami ' africana, como osbatuques, que podiam servirpara fomentar a rebelião eúnir
fones e menospassíveís de se resignarem à escravidão do que outi'osgrUhiJ? ainda maisos escravos em grupos étnicos e religiosos. "
Ele também notou que na sua maioria eles tinham sidoguel)"çiro$el~l:i Um exemplo doperígo potencial dos qullornbos não demoraria a se
sioneiros de guerra, e que era raro ver uma mulher haussá na Bahia;~7::S\ltt apresentar. Durante esse período, um grupo de fugitivos haussãs que 'haviam "
observações pessoais são confirmadas por pesquisas recentes.". i,;'
,,>
fugido de Salvador e de propriedades no Recôncavo formou um quilombono
. Oshaussás cedo começaram a causar problemas naBahia,~ml~()9i!~l\.; rio da Prata, não muito longe da vila de NazarédasFarinhas, No início de
1807. Uma suposta conspiração foi descoberta pelogovernador,ocQl1d~(j\~, janeiro de 1809, cerca de trezentos quilombolas haussás e aparentemente
Ponte, na qual os escravos haussás da capital tinham eleito um"goyenúldÇlI';\ alguns nagôsatacararn Nazaré, mas foram repelidos e batidos por tropas mili-
que, com a ajuda de um secretário liberto, começara a estab,elecerc()llú~t\'l'~ cianas dois dias depois, sofrendo muitas baixas. Centenas de rebeldes de
com os haussás dos engenhos do Recôncavo, Urna outranotíciadáicôil~qi(l~' Salvador que tentaram unir-se ao levante foram interceptados na estrada.
que "capitães" tinham sido indicados para cada freguesiada,cidade;z9A.1.]'1't\~; .. rebeldes foram capturados, mas muitos fugitivos continuaram a
haviam sido reunidas e o levante, combinado entre escravos da cjda,cjc~(,tü~S" ill[(~rj.or em pequenos grupos, alarmando vilas e engenhos da
engenhos, terialugaf no dia de Corpus Christi, quando a. Yigilância~)I·Q\I{JY~l"'
• , • - • • - 1'- ::. ., ••• :': ••••••. -'.-:.",-.':.;",;! em Sergipe.Punição exemplar foi nova-
mente distribuída e uma vez mais as autoridades locais impuseram to@' A GUERRA CONTINUA: MAIO DE 1814
recolher rigorosos, queixando-se de que os escravos freqüentavarntavei
batuques sem a devida supervisão dos senhores. Apesar dessas medid.l,IkJ Foi nesse contexto que, dois meses depois, em 25dentaio .de IX 1·1, o
1810 o governo suprimia mais uma revolta." Em 1814 os padrÓyii' português Joaquim José Correia Passos apareceu no escritório do udvogndo
.primeiras revoltas já estavam bem estabelecidos: organização étnica,J~it Elias Baptista Pereira de Araújo Lasso para declarar que tinhu.snbido p(lr. uow
vas de ligar cidade e áreas de engenho, contato com quilombos el'ephi negra da Costa da Mina, sua amante, que os escravos e libertos hau~slls ptllit~"
governamental. './. javam outro grande levante. Lasso era advogado do TribunuldaR(llil\\fl.n da
Em fevereiro de 1814uma nova e grande revolta explodiu logo.aç Bahia e também esteve envolvido na denúncia da revolta cie<J807:'" O(~puis
dos limites urbanos de Salvador, nas armações de pesca de baleia einJ que Lasso revelou essa nova conspiração ao ouvidorgeral.do.Crime, d~'K(1IU'
Um grupo de talvez 250 escravos reunidos em um quilombo próxirno,}l bargador Antônio Garcez Pinto de Madureira, o govemadormandou qutlCiíll"
as armações e sublevou os escravos ali empregados. Aos gritos de"lib~(~1 tinuasse a investigação debaixo do maior segredo e que tetltàs$(!<I~'Hi;litlt.iro
e "morte aos brancos e mulatos", os rebeldes incendiaram anr1 aç2 local de reunião dos conspiradores, suas armas e plarios.wp()r~(lifltl d\"j1('l!;
mataram entre cinqüenta e cem pessoas. Aparentemente liderados P(II (27 de maio), José Ferreira ela Silva denunciou qUéselleSçra\l(;IrÜLJS~il
malam (do árabe mu 'allim, clérigo) haussá, os rebeldes mataram muitos Germario e um escravo guriman (gurma) chamado Jerônimo (i 11Iiam 'lIlvid\l
cos e. mulatos, atacaram Itapoã, incendiaram mais de cem casase.t~pt~ outros haussás no porto que falavam entre si de uma"gllen·aq()(lll'a(;,~hrU.li·
recrutar mais escravos. Com a esperança de expandirem a revolta,()sr~b COS",40 De fato, o que fora dito na conversa era que quenlsejllúÚII1Xt>.UOTÚhvi
marcharam em direção ao Recôncavo, queimaram dois engenhospo mento ~omem e quem não o fizesse era mulher.Petrein\e~tnvulwJ\J 11.'11'01'·
nho, tomaram armas e cavalos e mataram a quem se interpôs asuaoo;u:& mado. Ele tinha experiência no tráfico de escravos e podiafular várias Utí!WHN
Interceptados por um contingente da cavalaria em Santo Amarodelpif:.rn da Costa da Mina, razão por que fora chamado a ler algmlsdoOUil'\enlos C'üar·
cerca de cinqüenta rebeldes foram mortos na própria batalha; outrosset:ll1' téis de guerra") vinculados ao levante de fevereiro, provaveltúcntt'es('I'i!ns
curam em desespero. A repressão convencional se seguiu: açcites.püb islâmicos. Lasso convenceu Ferreira a fazer Com que seu l~SÇI'fiv(l finf\h:<ú' que
execução de quatro .(líderes?) e a deportação de 23 homens pará;Al}'~ se unia aos rebeldes de forma a conhecer seus planos, lideJ'an~':1 ~'pn')J;II'íl!lvos
Muitos outros foram presos e submetidos a castigos brutaiseex.eftlnJf para a rebelião, O advogado mais tarde confirmouadüuónein t;onl t\OIJO
Aparentemente, outros escaparam mato adentro e formaram um novo,tlqf escravo de Ferreira, prometendo recompenSaSell'lê~rn() ..I.ib(>J'dHd".aÜf; dois
bo nas florestas ao norte da cidade." . escravos em troca da cooperação, Isso roifeito c FCITüim al6den ti sou llscru-
O inquérito judicial contra os rebeldes de Itapoã aindaestavàel1jç vo dinheiro, que havia sido requisitado P(;!.i(lSe()llSpil·(KkH'P~plH·najudw'nos
quando chegaram a Salvador, em março de 1814, notícias de um leyán't~' preparativos. Ferreira relatou queseu' escravoIiaviu visto uU1.elllosferrões
alguns engenhos do Iguape, perto de Cachoeira." Os escravos sereúlrii'iftl embrulhados em panose levados parao mato parao preparode ponlüSl11eláli-
engenho da Ponta com a intenção de assaltar avila de Maragogipe,#ii1#., cas de flechas. Outros tinham sido preparados na easade um ferreiro.Os con.
libertos haussãs em contato com eles foram presos ea revoltadissip#~h! spiradores haussás também haviam dito ao informante que cinco barris cheios
novo haussás do Iguape e de Cachoeira parecem ter organiiad()es~~lçeV(J de ferrões estavam prontos e outro barril ficara sob guarda do escravo de um
A câmara de Cachoeira já havia expressado em 1813 seutemordetí:dk~tl padeiro, Ferreira e seu. escravo testemunharamsobre a compra de dois JlJ{)ll:l?s
e tinha avisado o governo de que estivadores haussásandavarnpÚlliejllO de "canudos" que serviriam para fazer flechas. Os escravos decidiram ar-
algo, mas o novo governador, o conde dos Arcos, que não era exatam.êritéslí riscar-se a fazer essas compras porque a revolta estava planejada para o dia de
v.' pático a senhores e à escravidão, concluíra que as premoniçÕes.d()s são João, 24 de junho, e os conspiradores simplesmente não teriam tempo de
r;
cachoeirenses eram exageradas e provavelmente devidas a SUás.c()nSçiM apanhar os tais canudos no mato. .
r: culpadas. O governo pouco fez e a revolta ocorreu a 20 de :rnarçode1814i. Ferreira e seu escravo relataram que a conspiração envolvia "todos os
suprimida, mas os senhores estavam agora de guarda fechada'e (leslÚ>S(Q$! Negros Aussa forros e cativos, tanto desta cidade corno do Recôncavo".
com o que consideravam uma atitude vacilante. e permissiva do .11(iV(Jgove., Envolvia também, supostamente, alguns mulatos e crioulos de fora da cidade,
nado)', tão diferente daquela de seu antecessor.> ,c), benlcOQ10JudiN.que."quel·iam a sua terra que os Portugueses lhes.tinham
3(~()
, ",
iomado". "Embaixadores" indígenas enviados aos conspiradores, que ch§ cebem, eles próprios, por seu trabalho são raros; a maior parte deles é de escravos
uun fI cidade a 12 e 13 de junho, foram rapidamente despachados par~ mandados à rua para trabalhar com um cesto vazio e umas varas longas a serviço
dos seus senhores. Eles carregam objetos pesados, pendurando-os poruma cor-
chamur atenção. Na Salvador do século XIX índios não eram perso~ª.
li
rente suspensa por varas apoiadas sobre uma dupla de homens. Se é muito pesa-
e seus contatos com escravos na cidade podiam chamar umairiô,•
('011111111';
do, quatro, seis ou mais formarão um grupo de trabalho, capitaneado pelo mais
41
,[ável ate.nção. .' .•..............••.....••..•••......••........••.••....•
: .,.,.; -. ..... inteligente deles. Para dar ritmo a seu trabalho e coordenar os passos, o lídercan-
Até aqui os planos para o levante pareciam se encaixar nos padr9~Sf tara uma canção africana curta e simples, no final da qual o grupo responderãu \I 111
período. A rebelião teria início num momento do calendário secular e religiê' coro alto. A canção continuará por quanto tempo dure o rrabalhoécómtssoclce
em que o nível de controle estaria baixo - Natal, Páscoa, Nossa Senhqft' tornam seu fardo menor e alegram seus espíritos. Eu tenho àsvezesaimpl'c~sll()
Guia ou São João eram particularmente populares." A véspera de sãoJ()ã() de que essa gente não é insensível aos prazeres de suas memórias dos 'lares que
normalmente celebrada com fogueiras, celebrações e fogos de artifíciq perderam e que nunca retomarão a ver de novo. O que é certo é que (;!stes cá i1llços
poderiam disfarçar as primeiras hostilidades dos conspiradores. O diad~ dão às ruas uma alegria que do contrário lhes falta [ ...146 ' ..
'i.,
João também caía em junho, depois da safra, um momento em que ose$êrtt A mensagem às vezes não era tão nostálgica. Os carregad()resbengl;ehltl
.", de engenho podiam estar menos sujeitos à supervisão cotidiana. A colab()ra~~~.' de Alagoas cantavam:
entre escravos e libertos haussás indica que identidades lingüísticas e ét,li(;a~:,
. A cobranão tem braços
parecem ter sido mais importantes do que distinções jurídicas, mas opla!'lo,-~%'t/
Não tem pernas
incorporar crioulos e pardos, e até de mobilizar os índios, era curiosO;'>;\:'c" ",
.Não tem mãos, ..
aspecto algo distinto dessa conspiração. Embora tal aliança não fosseêóm9 . ".E liã() tem pés; .
era sempre uma posibilidade. Os crioulos e pardos podiam ter diferellçàs~H Comosobeeki?
si e com os africanos, mas a cooperação podia ser forjada em temposdetri~~;'; E nãosubimosn6s, ...'
, ~~~\
Tal colaboração era grandemente temida pelos senhores. Mais tarde/JÓti.i'i'·';;'l Que temos braços;
Maciel da Costa escreveu que "é uma enorme massa de negros escravos eJi' •..... Temos pernas,
I;'
'1:·;
bertosque fazem ordinariamente causa comum entre si"." ..i Temos mãos;
to 'e·w.o~>JY'"
",Js"'?47
A .investigação revelou que a liderança da rebelião estava. centr~d~,;F' .L#" "" •
negros ganhadores dos cantos de trabalho da cidade. Um grande nÚlI)eJ,'() ÀS vezes os observador~sestrangeiros tecóllheciarn qUtl cantur pOdttl ser
escravos e libertos trabalhava na cidade como carregadores,estivaclo1'7~ enganador. Spix e Marclusescreveram: ."Na cidadeé u'j:,>!JsKlmua ç0l1di~:il0
negros de ganho ou ganhadores." Eles se reuniam em vários pontos dapi4í.\ dos que são obrigados a gahhardiariamente uma certa quantiu ('~UlS 240 réis)
em grupos organizados de trabalho, os cantos, que eram aparentement~l! pura os seus senhores; são considerados capital vivo em (I,ção c, como O~seus
d~des sociais coesas, além de grupos de trabalho. Junto aos trapich~~ senhores querem recuperar dentro de certo prazo o capitll) e jW:_0L empre&n~.
,Çidade Baixa, em pontos estratégicos das principais ruas e pertodasf()!'lt l
t!qS,,~n!2.os po~am~~A àparenfe Hbhrdade dos llegros de ganho era talIlbém'
praças, os cantos eram estabelecidos deforma que quem precisasse4~J:; ( enganadm1CMuitos viviam com seus senhores e sob sua vigilância.
balbadores para transportar volumes, ou para um serviço ocasional,.s~\jl, Os cantos estavametrücamente organizados, quer dizer, o recrutamento
aonde ir e podia negociar diretamente com eles. Era um traball1otãobarqto,i era em geral controlado por um grupo étnico africano particular ou pelo
abundante que os brancos, mesmo empregados domésticos, rara.mellt~q,ii equivalente colonial de etnicidade .africana, já que algumas das categorias
regavam qualquer coisa. Os viajantes estrangeiros se impressionaramcOiii'Q étnicas eram definidas lingüística ou regionalmente, e não implicavam neces-
grupos de carregadores nas cidades brasileiras e os cânticos que aCÕrôpJlJi\;' sariamente identidades compartilhadas originalmente. Havia cantos de nagôs,
nhavam seu trabalho." Eles davam personalidade à cidade. John LuccockyÚh;.' haussás, jejes, angolas (Ovimbundu, Congo, Benguela etc.) e outros. Nos
os no Rio de Janeiro em 1820 e deu seu depoimento: ....•.. '; ..•. . ",:'t" cantos, escravos e libertos cooperavam entre si."
Entre as pessoas das classes baixas do Rio, os homens que carregamcOiSa~ll(ik; Os negros de ganho podiam circular livremente na cidade sem levantar
ruas chamam a atenção dos visitantes não só por causa de seunumero.lll.usll~f:' suspeitas. Seu trabalho no ou perto do cais os mantinha também em contato
causa de seus hábitos. Eles não são realmente estivadores porque aqueleS quetci2" cornescravosqu« traziamprodutos do Recôncavo. Além disso, os cantos
3.82 ..
não estavam certas quanto ao grau de comprometimento das diversas nações
africanas. Algumas testemunhas afirmaram que, com exceção dos tapas -
que vinham de uma região ao sul dos haussás, tinham sido submetidos ao
mesmo processo de islamização e freqüentemente colaboravam com os
haussás -, as_@m~ü_s~'I:l,a.ç~~~Hafric~n~~":-os ~Ulg()I~~?j~*~~'>_~,!gtW_ - 11~()
tinham sido recrutadas para a cO~lsp'iE~gª.C>/2 João uma ~~§.~1..~!!~"!!l~m!l'~'1.;
que·tTõilã·iíêlõ-',ç:QõYIª.,[9Si'ií·-ÜlilÍ::s;À,.cqn§pimç~2J?g!:.J~\l.,§,Jf~_~l!1!..~~~~.' decla-
rou quc,Antôl)lp, um capit,ã()~.c:t.~:,ǪDto e Jiº~rda. c2n~pi~~lÇ.f~9,lhe havia di!\)
que todos os cantos estavam envolvidos,u,..~.~_,._
~"., '" •..•• ~,_~ •.• ~'~'~._- ••••
exceto
,,_.
os"gºs_jej~s.53
...· __ ~._~._,.,""
•••••• -. .,... Talvez Antônio
..., .•.••-__ ••••••••••• , •• > ••••••••.•• _ •• ~ .••••••
('UlllO os haussás da fazenda de Manoel da Silva. A conspiração foi tX;.íIl< junho. Dois tipos de ferrões rorum a ele mostrados e se lhe perguntou se tinha
pluuejada e os preparativos, intensos. O escravo Germano relatou que a 1()(1(;': feito algum deles, sob encomenda de quem e quem fornecera o ferro. Ele
junho ele havia sido levado às matas do Sangradouro, onde lhe fora mostrnv respondeu que um huussá que morava na Cidade Baixa, chamado Jatão em
do um buraco cheio de armas e muitos embrulhos de pólvora. Entretanto.hn sua língua, os havia encomendado e que ele tinha feito dez, quatro de um tipo
pouca menção a armas de fogo. A maior parte dos preparativos envolverà e seis do outro, com o ferro de pregos velhos, Manoel sustentou que não sabia
arcos e flechas, e aqui, como em outras rebeliões, arcos e flechas e ati~RI<'~i o nome português ele Iatão, nem o nome ou endereço de seu senhor: Ele esta-
armas brancas formavam o arsenal dos rebeldes.c;i va protegendo seu cúmplice -- ou então refletia a realidade de um mundo
O governo entrou em ação em 23 de junho, despachando um pequeno africano na Bahia onde os nomes e categorias da' sociedade colonial não se
batalhão de soldados ao Sangradouro para confiscar as armas. Ali encontrarún: aplicavam necessariamente. O que ManoeI revelou de importante foi que o
mais de duzentas pontas de flecha, madeira para arcos e molhos de varas páti Jatão que encomendara as armas era um ganhador, um trabalhador escravo
flechas. João, o escravo haussá de Manoel José Teixeira de Souza que .irÜ(~i' dos cantos.
mara ter sido contactado para entrar na conspiração por Antônio, capitãó~ÇI A conspiração de junho de 1814 foi, em vários sentidos, uma continua-
canto que morava na rua do Xixi, relatou que para recrutá-lo ele tinha sidolé' ção ou um prolongamento do levante de fevereiro, e até envolvia alguns dos
vado à fazenda de uma viúva ao Cabeça, na estrada do Matatu, perto da Bo; rebeldes do movimento anterior." Àlguns escravos convidados a se' unir à
Vista. Lá, ele garantiu ter visto armas de fogo escondidas numa caixa deaçq conspiração foram informados de que muitos que haviam escapado da bara-
car, além de "armas da sua terra", provisões (carne-de-sertão e de sol) egüd lha de fevereiro, bem como novos recrutas, estavam aquilombados nas matas,
pertencente à dona da fazenda, que também seria usado pelos rebelq~\ inclusive "o sacerdote Malamim que se dizia morto nocornbare da entrada de
Encontrou quinze negros, cinco da fazenda e dez estranhos, e soube queháy Itapoã'', Essa é uma clara referência a João Malomi, o suposto "rei" dos
um grande quilombo nas imediações, no Matatu, onde muitos dos rebeldéstllV) rebeldes de fevereiro, Não é claro até que ponto sua ulegada presença seria
levante de fevereiro se haviam reunido, juntamente com alguns "caboclos"'~'f'YÔ um rumor espalhado para mobilizar recrutas, especialmeuto muçulmanos,
provavelmente uma referência aos índios envolvidos no plano. Eles tinhan( mas é óbvio o desejo dos rebeldes ele fevereiro de continuarem a luta ti partir
dinheiro, conseguido durante o levante de fevereiro, e estavam aparentementq de seu quilombo suburbano. Seja qual for o caso, a conspiração de maio de
bem aprovisionados, embora não inteiramente de acordo nos planos. 1814 fora além dos limites étnicos e religiosos: a liderança foi provida pelos
Uns queriam que a revolta começasse na véspera de são João, quandó cantos e não por grupos religiosos, e os rebeldes buscaram incluir no movi-
barulho das tradicionais comemorações abafaria seus primeiros movimel1t()}i mento crioulos, pardos e até índios. Os cantos haviam fornecido a liderança
Outros, como o capitão de canto Antônio, queriam esperar até lOdejúl1g porque sua organização e autonomia impunham respeito dentro do mundo
quando o numero de adesões seria maior. Qualquer pessoa vista na estrada.tld .. afro-baiano, Germano, o informante haussá, relatou que "os negros de mais
quilombo seria morta para prevenir vazamento de informação antesdeq)C: propósito entre eles que eram os dos cantos, isto é, dos lugares em que se sen-
plano ser colocado em prática. Os rebeldes planejavam tomar a CasÜÚ;FY tam os ganhadores da sua nação por serem gente de juízo". 56
Pólvora no Matatu, levando quanta pólvora precisassem e molhandoorésf A reação do governo à conspiração parece ter sido muda. Nenhuma
para torná-Ia inútil às forças do governo. João soube por intermédlo.id repressão generalizada teve lugar. O supostamente grande depósito de armas
Antônio que as armas e provisões tinham sido removida~ da fazenda Ijat~f\j não foi encontrado: mas aparentemente os planos dos rebeldes tinham sido
mato, e ele próprio passara boa parte do dia preparando flechas C0t11 Outl'i):~·, perturbados o bastante para remover a ameaça à ordem pública. O gover-
conspiradores. Ele alegou ter contado 37 pretos na mata. Revelou tudo issO:lO: nador, conde dos Arcos, tinha razões para abafar o episódio, O julgamento
senhor e foi despachado, na manhã seguinte, para guiar a tropa até o elepÔflf, dos rebeldes de fevereiro estava em curso e talvez ele quisesse evitar o medo
to de armas, mas quando ali chegaram tudo já tinha sido removido, Nã(\·~t cios brancos e as aspirações dos escravos num momento delicado. Além disso,
claro se os conspiradores desconfiaram de João ou se este silllplcsll1clltt" ele estava sob grande pressão dos senhores no Recôncavo e em Salvador, que
levara a tropa a uma caçada cega. Nada foi encontrado, viam sua política mais permissiva - que se manifestava, por exemplo, na
Mas o governo ainda não tinha terminado. Manoel, o aprendiz clelb·.~; permissão de batuques - como a principal causa da crescente inquietação
reiro de 26 anos, escravo de Caetano Soares, foi preso e interrogado enJ27 de ''<''''''I\''l ! i\ política. de Arcos de promover solidariedades étnicas como Um
380 .187
de manter os escravos desunidos parecia estar falhando. Seus crí!,
11,,~i(l repressão, procurou impor capatazes em lugar de capitães em cada cunto,
iudicavam que havia uma crescente aliança interétnica nas rebeliões. AsH matricular cada trabalhador e cobrar deles uma taxa. Era uma tentativa (k~re-
cssu conspiração, em que tal aliança aparecia e na qual cantos etnicamérü gulamentar o trabalho na cidade, mas também de impor um sistema de
organizados haviam se unido, era um incidente embaraçoso para ocolll! inspeção e controle. Houve resistência e o sistema nunca foi completamente
Arcos tinha interesse em descartar a seriedade da conspiração de modotll{ estabelecido." Uma tentativa municipal posterior de controlar os cantos de
dar a seus inimigos mais justificativas para buscar sua remoção." Salvador, em 1857, encontrou renhida resistência e uma greve de quase duas
semanas de trabalhadores africanos escravos e libertos." Como os próprios
escravos, os cantos tinham se tornado indispensáveis à sociedade escravocra-
No processo de resistência, os africanos forjaram instrumentos cUltui!({l ta. Esse seu perigo e sua força.
ou buscaram apoiar-se em instituições que pudessem servir comob.ls\:W No abortado levante de maio de 1814, os africanos encontraram nos cantos
organização e coesão. Estas podiam ser essencialmente africanas, coniOhi.,
, " - ....
e nos quilombos duas bases potenciais de mobilização para a resistência. Por
ques e candomblés, ou podiam ser instituições coloniais, como irmandIJt(~i. razões diferentes, ambos ofereciam uma certa liberdade de operação e um foco
religiosas e batalhões de milícias. À medida que o número de africanqk\í;t; potencial de resistência. Os conspiradores de maio de 1814, tal como seus ante-
Bahia inchou e, especialmente, o numero de rebeliões cresceu, as autori(l;t~ cessores e os que se seguiram nas décadas posteriores, entenderam que vincular
coloniais e os senhores buscaram cada vez mais restringir, controlarotl,\ o levante rural ao urbano representava a melhor chance de sucesso, e os quilom-
minar as expressões culturais que unissem os escravos, especialrnenteef bos pareciam proporcionar pontos de contato que podiam facilitar aquele víncu-
Ias abertamente africanas. Os senhores queixavam-se de eleições de "I' lo. Como uma árvore que espalha suas próprias sementes, muitas das revoltas
por escravos e libertos durante festas religiosas, vendo nelas atos político~ produziram seus qui lombos, na medida em que os rebeldes em fuga procuravam
candomblés se tornaram problema policial, suas casas de culto sencloiny evitar a captura e a punição cultivando em seus novos redutos os embriões de
das em Cachoeira, em 1785, e em Salvador, em J 829.56 O controle dOM futuros movimentos de resistência. Referências a fugitivos e quilombos podem
tuques tornou-se objeto de muita controvérsia entre os que os viamco] ser encontradas à margem de muitas das revoltas do período. Tal como no le-
esteio da rebelião e da autonomia escrava e os que, à Ia conde dos Ar(; vante de maio de 1814, por exemplo, um levante em Alagoas, em 1815, foi impe-
achavam que tais ajuntamentos tornavam a escravidão mais suportávelejj dido quando o governo atacou um qui lombo e confiscou uma grande quantidade
tinham as "nações" divididas. Contudo, em geral a tendência eraesm, de armas." Um comandante de batalhão de Sergipe, em 1827, observou preocu-
essas típicas manifestações da cultura ou autonomia africanas." Osquik pado que quilombolas locais andavam "engrossando o seu partido e contami-
bos também se encaixavam nessa categoria, mas por sua própria naturezIl\" nando a parte sã", a parte sã sendo os escravos ainda em cativeiro. Sua resposta
impossível eliminá-los. u tal ameaça foi aterrorizar os escravos de engenho, mas ele queria imped ir aqui-
lo que concebia como a possibilidade de um terrível resultado."
Instituições que não eram tão abertamente africanas, ou quep,u'o~ii
Os senhores de escravos havia muito tinham reconhecido a ameaça que
fazer parte da sociedade dominante e nela integravam escravos eIibei
os quilombos representavam para o sistema escravocrata, mas, num período
instituições como os cantos e as irmandades, eram menos destacadascó
de agitação política e rebeliões escravas, tanto eles como os escravos veriam
alvos da repressão. Era difícil reprimi-Ias.
os quilombos como elementos - em alguns casos elementos-chave - para
Os cantos representavam uma parte tão importante da vida econôrúi~··
o sucesso ou a derrota da revolta escrava.
cidade e da escravidão urbana que não podiam ser simplesmente elinlÍI1Ú
O máximo que se podia tentar era aumentar o controle sobre eles. Apesut,
papel que desempenharam na revolta de 1814, não há evidência de qneoJ
vemo impusesse um controle mais estrito sobre os cantos, ou quebusc .
destruir sua base étnica naquele momento. Ao passo que avançava ()(ijtlú
rebeliões, e especialmente após a revolta dos malês em 1835 (que envot,
rebeldes como Martinho, Ricardo, Manoel e Benedito, todos ganluldúl\:/-l
canto da Vitória) o governo decidiu agir." Como parte das nkdidúi;r
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ANEXO o preparo das flechas, ficando em casa do Ferreiro, outros tantos centos que
no dia treze do corrente, se não puderam conduzir, e que ainda continuava ()
Documento: Levantamento dos Negros projetado Ferreiro a fazer mais pontas de ferro, Que o mesmo escravo tivera notícia,
na Bahia em 1814. * dada por outros da sua Nação, que já estavam prontos cinco barris cheios dos
tais ferrões, e que o escravo de um Padeiro lhe mostrara um barri I, que esta-
Cópia da Notícia va debaixo de (3) uma escada, que dizia estar cheio dos tais ferrões. Que o
mesmo escravo e o dito Ferreira viram no dia treze do corrente um Negro
No dia vinte e seis de Maio deste presente ano achando-se no comprar na Praia duas patacas de canudos de Cachimbo, de uns amarilos que
do Advogado Lasso, Joaquim José Correa Passos, homem branco há de pau, para servirem de flechas, além das muitas que já tinham prontas,
participou ao mesmo Advogado, que nesta cidade, estava para porque não se podiam demorar em cortar paus no Mato para as ditas flechas,
grande Levante imprevisto, dos Negros Aussás, em cuja congregação em razão da brevidade com que desejavam pôr em execução o seu destino,
vam forros e cativos da mesma Nação; isto comunicou °
dito Passos, .... aprazado para o dia de São João, vinte e quatro do corrente. Que os desta COIl-
instâncias do dito Advogado temeroso da Devassa, a que se estava proC(:,tlt1 federação eram todos os Negros Aussás forros e cativos, tanto desta cidade
do por ordem do Excelentíssimo Senhor Conde Governador, por cujal·.fv;~\tJ~" como do Recôncavo, e que não havia nenhum que deixasse de ter notícia e de
me pedia lodo o segredo. Disse-me então que esta notícia do levantelllC!'ryf'}' ser já convidado. Que na mesma liga entravam os Índios e alguns mulatos, e
cornunicadu por urna preta da Costa com a qual tivera tratos ilícitos!If crioulos de fora de cidade, e que os Índios diziam, que queriam a sua terra,
assim lho asseverara no dia vinte e cinco de Maio pelas oito horasdu,J)f que os Portugueses lhe tinham tomado. Que no dia doze do corrente viera a
Pediu então o mesmo Advogado ao dito Passos que indagasse da referidà] esta cidade um Índio com certa embaixada aos cabeças da sedição, o qual per-
o lugar cio convenrículo, destas criminosas ações e ajuntamento dearlil:li;, noitando, fora logo despedido com a resposta no dia treze de manhã muito
tudo mais que fosse relativo à dita sedição. ...':<'. cedo, depois de ter almoçado rnoocotos, levando para o Mato lima pouca de
Esta notícia participou Jogo ao llustríssimo Senhor De se 11l bilrgatl carne-seca, e que no mesmo dia à noite chegara outro índio com diferente
Antônio Garcez, Sucede que no dia vinte e sete do dito mês, vindoüOI)l' embaixada, o qual fora também logo despedido, porque não convinha que
Escritório José Ferreira homem branco, me disse que um dos seus Negl'ó#; fosse visto nesta cidade. Que os Negros ganhadores do canto do cais da
Nação Aussá lhe participara, que estando no dito dia de manhã muitocêetêl Cachoeira, (4) os do Cais Dourado, Corpo Santo, eram os principais cabeças
sacada da parte do Mar, ouvira um Negro Aussá da sua vizinhança atr::ísq desta sedição; e os dos cantos do Terreiro, Passo do Saldanha Sé, e mais can-
vidando a dois para uma (2) Guerra contra os Brancos desta cidade equ\FI tos também entravam na liga e confederação que por ora era oculta aos
aceitara o convite, e outro não. Para efeito de se poder realizar esta itnpMtatlIi Negros das mais Nações, bem como Angola, Jejes, Nagôs etc., excetuando os
notícia, rogou o dito Advogado ao Ferreira que conversasse o dito sellu~#ti)~ Tapas, que estão unidos com os Aussás,
vo, dando-lhe certas instruções para ele poder entrar no grêmio dos outI'QR'dil:
Que o seu plano era saírem primeiro os que estão ocultos nos Matos do
sedição, a fim de descobrir o seu plano, o dia por eles aprazado paraÚ>h Sangradouro e vizinhos à casa da pólvora do Matatu, a fim de acudirem as
vante, a qualidade, e número das armas, quem eram os cabeças, o núnlCro(!
Tropas, e quando estas estivessem entretidas com os tais Negros do Mato,
confederados, e o lugar da sua reunião. De fato tudo isto se tem dCi;çób&,
saírem então os cabeças existentes desta cidade, a desolar tudo quanto existe
pouco a pouco e de dia em dia sem perda alguma de tempo, e COI11 despC~fl'...
dentro da mesma. Que o dito escravo do Ferreira fora conduzido por outro a
oito ou dez mil réis, que tem despendido o dito Ferreira dando ao SClIll1.'êJÚ
I!lU casebre adiante do Pilar, no qual achara um adjunto de dez Negros, no
aqueles dinheiros, que os outros dele exigem, para algum preparo da (lUl:l'/':"
iHJ mero dos quais se achavam dois forros, e dos cabeças da sedição e que
As notícias, que diariamente me tem participado o dito Perreira, dasqlJJlj
estavam tratando da matéria respectiva à mesma.
tenho feito memória, são as seguintes. Que o seu escravo vira dez cCiltQ"I'(lf\
Fazendo eu vir a minha presença o preto que tem noticiado estes fatos; e
ferrões embrulhados em panos em duas trouxas que foram para o 11l;:tiol)~lJ'il.
mais outro seu parceiro. ambos escravos do dito Ferreira, na noite do dia treze
(*) Transcrição revista e corrigida por João José Reis, baseado em fotllcúliia do III[UIII:.: do corrente ambos confirnuuum o mesmo que leva dito e que me tinha comu-
crito original. ' .. . ", Ideallo() (HI{IN~·lli;l}nhur.(;\11(\ presente estava, e então lhes disse que se eles não
3Cj()
lalta.sscm à verdade que seriam premiados por sua Alteza Real e até Libertos, assim lhe ordenava que debaixo de juramento que neste alo lhe deferiu e (7)
porém do contrário teriam um grande castigo; prometeram então de não prestou sobre os Evangelhos, e debaixo do mais inviolávcl segredo que a im-
faltarem à verdade, e asseveraram (5) que tudo era certo, quanto tinham infor- portância do caso, e do crime exigia, declara-se se era verdade ter comunica-
mado ao dito seu senhor. No mato diz que tem um crioulo que circula e vigia do a aquele Advogado Lassos, o que ele em seu nome linha feito a ele Mi-
por fora alguma novidade que possa acontecer, e tem conta com os Negros que nistro, e bem assim a razão de ciência que teve cara o íazer, sem omitir cir-
ali estão refugiados, Os Negros do Engenho de Antônio Vaz de Carvalho cunstância ou qualidade delas por onde pelas qtais se pudessem formar UI11
dizem que estão todos prontos e alguns da roça de Manoel da Silva Cunha, os Juízo seguro e prudente de fatos tão dignos de vigilância das Auroridndcs
Aussás. No dia de Ontem dezesseis do corrente foi ao mato do Sangradouro o públicas sem desfigurar a verdade, e a maior ingenuidade possível para que
dito escravo do Ferreira, e diz que lá viu uma grande cova 110 chão atacada de das medidas tomadas para deter uma torrente de :llalcs scnâo ocasionasse nu-
armas e coberta com palhas de Nicori, e que lhe mostraram dez. embrulhos de
tros não menos funestos; qual o da perda da confiança que O~ POV(lS devem
pólvora, que cada um cleles poderia ter duas até três libras. Os Matos do.
ter da tranqüilidade pública; e tendo recebido o jurnmento e entendido o
Sangradouro têm uma grande extensão e confinam com muitas Roças do
Decreto dele Ministro, declarou e disse que era \.erdll[lü]l'.f de dito J (lsé Fcr-
Caminho das Brotas, elo Mataru, com a Quinta dos Lázaros e com a estrada do
reira da Silva como vassalo fiel, e animado de um vcrrladeiro zel«, o IIOVO
Cabul a, e no dito Sangradouro existe o restante dos Negros que escaparam da
projeto da rebelião dos Negros por conhecimentos qlW linlHl Hdtloiridu de dllis
sedição da Itapoã. Os Sinais que têm destinado para o levante, são uns búzios
escravos seus Gerrnanoe Jerônimo, aquele AIIB~á \:c:{f\.'· thH'i1ll1lli1, C:'ll:nIVOS
dor'quais já estão prevenidos, e com bastante porção etc. etc. etc. .
aliás fiéis ao dever para com ele seu Senhor, c p!ll'H (.'Olll os mais brancos,
Não cabe no tempo dizer o mais que me resta.
segundo a sua frase, e por ocasião de ter servido do Intérprete IItlS perguntas
que se fizeram aos primeiros Réus, para a traduçn.) til' algulls CrIl'l6s d~~ Gucr-
Termo de declaraçãov:'
raque lhe foram achados por ser ele declarante peln pl'fÍJkn e uso de muitos
Termo de declaração de Denúncia que pela sua parte faz, e oferece a. anos que tem lidado com Armações (k E:wnlvnllli';IS inteligente dos diversos
JUlZOJosé Ferreira da Silva. Aos dezessete dias do mês de Junho de mil oito" idiomas das Nações da Costa da Mina, (8) ;HJlllll:ldos esses conhccirncutos a
centos e catorze (6) anos nesta Cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos, feitos positivos por despesas suas já extraindo aos ditos seus escravos parn se
e casas ele morada cio Desembargador Ouvidor Geral do Crime, o Douto{(;7 fazerem descobrar parciais ela nova e projetada rebelião, já suprindo com
Antonio Garcez Pinto ele Madureira, Professo na ordem de Cristo, aondeeüi'" algumas quantias com que os sócios entram para um fundo provisório a fim
Escrivão do seu cargo fui vindo, aí compareceu presente José Ferreira da de que não se lhe fazendo suspeitosos pudessem penetrar o infame segredo,
Silva morador à rua direita do Forte de São Francisco onde vive do giro 96 disposições e planos da sedição de que fielmente os ditos seus escravos têm
seu negócio, ao qual o dito Ministro declarou, e disse que por notícia que 1hei\ dado parte a ele respondente, parte que não dirigiu a ele Ministro diretamente
havia comunicado bocal mente por escrito o Advogado Elias Baptista Pereita, . (por ignorar persuadido de que era competente) dígo; direitamente persuadido
de Araújo Lasso, curador nomeado por ele para assistir ao processo de Devas~<;., de que era competente por ignorar direto o fazê-Ia transmitir por via de um
sa, perguntas e mais termos em que por ou razão do seu ofício, e ordenS) representante da diligência com quem tinha concorrido em atos essenciais da
procedentes e eficazes do Ilustríssimo e Excelentíssimo Conde Governadoó' primeira diligência com fim e preceito de a comunicar a ele Ministro perante
desta Capitania a respeito da sedição hostil, e rebelião que tinham formade] quem e neste ato ratifica o declarado, e o se necessário de a ato mais solene,
contra o alto poder, e segurança pública dos Povos da cidade e suas dependên- e pela maneira seguinte, pela ordem dos sucessos que depois do primeiro
cias lhe constava que ele dito José Ferreira da Silva tinha subministradoao sucesso, e revolta dos negros pouco mais ou menos em dias da semana
dito Lasso algumas notícias e idéias que inculcavam novas tentativas de .tfLt)< antecedente à do Espírito Santo, lhe deu parte o Escravo Germano de que
màlvado projeto, para cujo fim se armavam novamente [o] resto dos todqS)" tinha ouvido em uma tarde na Praia entre o Forte de São Francisco, e Trapiche
escravos que se tinham retrofugido e evadido às primeiras diligências dü do Julião uma conversação entre um negro que se achava sentado no casco de
prisão com outros novamente seduzidos e recrutados, que formavam UllÍ lima embarcação velha e dois outros que estavam rachando lenha, em que
grande e terrível número que anunciava funestíssimas, e novas couseqi.iêndaH, ' uuravamde nova sublevação, ou guerra de pretos, dizendo (9) o primeiro para
que se deviam prevenir com medidas ele segurança, e de castigo, e que simdo" os cI()í~, que.ele ntií\ pegava em armas, porém queia parú tocador d' instru-
mentos, e porque os dois rachadores de lenha lhe responderam que não que- cravos C0111 o do Padeiro dito, que se foi facilitando 11 descobrir 1)('111 como o
riam saber disso, lhe tornou aquele, que quem queria era homem, e quem outro a quem primeiro tentaram; que O ferreiro que forjava muitos l't'irões era
queria era mulher, o que moveu a ele declarante a dispor o seu dito escravo.: um negro Aussá Escravo de um preto velho de nome Caetano que tinha forja
e o parceiro Jerônimo para entrarem em comunicação com o dito preto que é,/ na rua da cabeça, a cuja casa e forja levou o Escravo de Antônio Carvalho ao
vizinho dele declarante, e se chama Januário escravo de Manoel FernadesC de.e declarante Germano, que presenciou tratar entre ambos sobre ter feito os
Lopes, a fim de colherem dele mais algumas notícias, o que com efeitopf(I>" fenos, e ultimamente disse mais que os Negros de mais propósito entre eles
ticaram, oferecendo-se depois de algumas conversações,' e por insinuações, que eram os dos cantos, isto é, dos Lugares em que se sentamos ganhadores
que para isso lhe deu o Escravo Germano àquele para entrar no númerop9/ da sua nação por serem gente de Juízo, concluindo finalmente o dito Escravo
conjurados, dando-lhe meia pataca pela primeira vez, na qual se alargou aquê> do Padeiro junto com outro que costuma vender leite, em levar o Escravo Ger-
le dito escravo dizendo que entrava a maior parte dos Negros Aussás, tanto/e' mano dele respondente, aos matos do Sangradouro para melhor se desenga-
forros como cativos; e que posto alguns não gostassem depois não haviam tei;)) nar, e convencer-se da verdade, e como sócio que já o considerava disposto,
remédio, porque os haviam ir buscar à casa de seus senhores, pedindoao" e ali lhe mostraram uns poucos de molhos de ferros de t1echas, paus para
mesmo escravo cautelas, e cuidado quando falasse, e particularmente de seu arcos, afirmando-lhe que todo aquele Mato estava cheio, e que lhe não podia
senhor que entendia língua, e tão bem do parceiro Jerônimo Guruman, de que .. mostrar tudo quanto estavam espalhados que não sabia bem os lugares, e que
o sossegou o escravo Gerrnano, segurando-lhe que o Guruman tão.l:>e:.11J( não eram eles só os que para ali conduziam, e que a causa estava para breve,
entraria, e para melhor o persuadir foi este dar a sua entrada com um tostãô, e não havia tardar dias, de cujos ferros trouxe (12) ele Escravo um que entre-
que ele declarante lhe deu para lhe oferecer para seu almoço; e estabeleci,díl, gou com outro que tinha havido do ferreiro a ele declarante, e neste ato apre-
assim a comunicação passou aquele dito Januário a entrar (IO) em abertufl,f. senta, bem como declara que a vista do que dito tem tornava a promover a
com eles, e ele declarante a favorecer este meio de penetrar o segredo, oOiF. observação por via do seu Escravo fazendo com que ele pata melhor se certi-
seguindo por ele o levar o primeiro sedutor os Escravos dele declarante à Cas:{< ficar e descobrir os progressos voltasse segunda vez ao mato, C0l110 voltou
de. outro preto chamado Mamo morador aos Coqueiros, e forro, para cujo fiflJ com outro preto da mesma Nação Aussá chamado Caboaia morador à Saúde
e entrada de amizade deram duas patacas ao introdutor, por cujas correspons defronte do Desernbargador Tavares, que igualmente sabia do Estado do mato
dências entrou ele declarante a saber e quanto entre eles se passava,equel( e da gente que neie tomava conta dos preparos; e que mostrou em uma cova
rebel ião continuava, estava disposta entre o resto dos pretos desta cidaded~;; mais ferros de flechas, e dentro de uma casa uma pouca de Pólvora em dez
inteligência com o resto dos fugidos e escapas do primeiro assalto, e con)1;lh~(~/ embrulhos, à vista do que passou ele declarante sem mais hesitar da dis-
em. que foram destrufdos, certificando-lhe estarem nos Matos ocultos~(ln'l posição dos negros a entender-se como dito tem com o Advogado Lasso, que
muitos que depois se associaram; e que tinham correspondência comel~:-;i imediatamente passou a participar a ele Ministro; e que estes eram os fatos de
entre os quais existia o sacerdote Malamim; que se dizia morto no comb~lt~{ que estava ciente, e que com ele se passaram, e por nada mais ter declarar de
da entrada da Itapoã. Que tinham armamento, e quanto se fazia necessár1o.;~< fatos essenciais sem fazer o caso circunstâncias de maior momento e que só
que no mesmo mato havia ferrões, notícias estas que ele declarante tive fé (lll~' pode influir em objetos que não o são da substância, e a ele se refere no esta-
, o sobredito preto Mouro veio a entrar em desconfiança dos Escravosd\)lg; do em que são concebidos na notícia ou participação que confiou àquele
declarante que tentou pesquisar por outros meios, e pessoas da mesma CÓi~~ Advogado curador; e que estão conformes terminadas assim a sua declaração
dição; para o que deu aos seus escravos algum dinheiro a fim de disporeillpâ;; e denúncia do que eu Escrivão dou minha fé assim o declarar, mandou o dito
outros alguma descoberta, que veio a efeito por via de outro Aussá Escrnvü'y:\ Ministro fazer este termo em que assinou com o declarante, Eu Germano
de Antônio Carvalho da Fonceca e que Costuma vender fumo no Canto(l!l. Ferreira Barretto Escrivão, (l3) o Escrevi e assinei Garcez Germano Ferreira
cais da Cachoeira, o qual lhe declarou então que já estava muita gente, e.que Barretto José Ferreira da Silva.
o principalcondutor da obra era um negro José (11) Escravo de um Pade.íl'([
morador na baixa do Sapateiro; e que já tinha cinco barris de ferro par" fli\i.i/.
.chas, e outras armas, que estavam no Mato, notícia esta pela qual dispôs t'lr' Porquanto IIIC sendo denunciado cru segredo por P~S:-;()IÜ\)lIil:iúi,jl~I:\11l do
declarante a continuar na mesma observação; e comunicação dosseus H~,' LCHI10 de dCfltinda. (111(' não obsuntc as Il1c(jidtt$ de PIlI(lêlicJir.l'tll)di;waçilo c
Justiça com que se tinha procedido e continuado a proceder contra os escravoâ Termo de Busca e Exame
que no dia vinte e oito de Fevereiro tinham formado a sedição e rebelião
Termo de busca e exame a que se procede nos Matos do Sangradouro,
cidade, e por vários lugares em que praticaram incêndios, roubos e mortes
segundo as ordens do llustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde Gover-
crueldade, continuava entre alguns destes, que escaparam à prisão, e outros
nador, e Portaria do Desembargador Ouvidor Geral do Crime. Aos vinte e três
desta cidade, e de fora dela o novo projeto de continuarem na infame coniu:
dias do mês de Junho de mil oitocentos e catorze anos, nesta cidade do
ração, e rebelião para o que tinham associado a si dobradas forças, e feito
Salvador Bahia de Todos os Santos e sítio do Sangradouro, e Matos dele onde
vimento de armas, novo cálculo de invasão fazendo daquelas depósito nOSJVlH"
eu Escrivão Ajudante fui vindo com o Alferes da Legião Antônio Joaquim de
tos do Sangradouro, subúrbios desta cidade, sendo tomado sobre este objeto
Vargas, acompanhado de sete soldados, e um Paisano, na conformidade das
primeiras medidas de dever os quais as de comunicar e participar a dita denüll<i
ordens do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde Governador comuni-
da ao Ilustríssimo e Excelentfssimo Senhor Conde Governador, por order))
deste, e conforme () seu prudente arbítrio de se dar busca nos ditos matos,pal't{ cadas a ele Ministro, e Portaria que este me expediu a esse fim para o qual, e
cujo fim ordeno no Escrivno Aj udante deste Juízo Honório Fidélis Barrl)t{() para as averiguações de fatos de fuga de alguns escravos desta cidade, e novo
projeto de subtraírem com rebelião ao Supremo Poder, e à Massa Geral do
para que IOWI que ("SUI receber se apronte a acompanhar o Alferes da Legifi'l
Antônio Joaquim de Vargas, e mais pessoas que por escolha do mesmo llustrís/
Estado se tinham juntado naquele sítio, e nele feito depósito de algumas ar-
simo e Excelentíssi mo Senhor, e segundo (I 4) as suas instruções mas, e instrumentos ofensivos de que pretendiam fazer uso e lhe tinham sido
mesmo oficial [01'0111 destinadas a semelhante ato a fim de que este para denunciados em segredo por Manoel José Teixeira de Souza, por participação
Judiciais possam ser autorizados com a fé pública que os acredite e legaitzeern que lhe havia feito um seu escravo de nome João de nação Aussá, o qW11 para
qualquer caso porque o sobredito senhor ordenar se proceda Lavrando este mesmo fim, para servir de Guia, e mostrador dos fatos que havia declara-
fim os termos necessários, O que cumprirá. Bahia dezoito de Junho do, foi nessa manhã entregue ao dito oficial por seu senhor seriam oito horas.
oitocentos e catorze Garcez. e sendo por ele guiados ao lugar onde afirmava ter visto segundo o lermo da
mesma denúncia vários Negros, e armas dos conjurados; c sendo ali com ele,
e dando-se buscas, e examinando o lugar, c todos os mais vizinhos, nada se
achou que respeitasse ao mesmo objeto, c sendo interrogado e mostrado ao
Aos dezenove dias do mês de Junho de mil oitocentos e escravo com novas interrogações que nada aparecia do que prometera
nesta cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos, em observância mostrar, em todo o ar de constância e de amiração, o mesmo como pasmado
taria retra, saí desta dita cidade às cinco horas da manhã na compallhiat() afirmou que vira, e nada tinha acrescentado, nem inventado, que era verdade,
Alferes da Legião Antônio Joaquim e Vargas e o Paisano Gonçalo daCost:n/; e que ali mesmo era o lugar em que estivera, e vira o que declarou a seu se-
e nos dirigimos à Mata do Sangradouro, onde em cima de um nhor, tanto que achando-se ali nesta ocasião em um monte, ou pilha de pe-
acha em capoeira, achamos um feixe de flechas encostado em uma Jaquéittl daços de barro trinta e sete torrões maiores e mais pequenos; disse e declarou
e ao pé do mesmo cinqüenta e oito ferrões, e pouco mais adiante mais que aquele era o modo por que contava o número dos escravos que se
para arcos, cinco dúzias e quatro canudos pintados, quatro feixes tinham juntado, isto com sossego, e sem perturbação que inculcasse suspeita
amarrados, e mais três varas, e continuando na busca achamos mais em de ter mentido, dizendo ultimamente que a mudança que achava seria talvez
lugares cento e cinqüenta e quatro ferrões, dois ferros de arpões, uma peC;<l~!:j, por ocasião da suspeita que os Negros teriam da busca, que antecedentemente
corda de algodão, sete cordas de couro cru, uma peça de t10 de ticum,mda se tinha dado por aqueles mesmos sítios, do que tudo eu Escrivão dou fé pas-
peça de barbante e outras miudezas insignificantes dentro de uma panela sar-se assim na minha presença e de que (17) segundo o resultado da dita
melha, o que tudo conduzimos e entregamos ao Desembargador Ouvido!" diligência se houve por concluído, para constar de tudo fiz este termo que
Geral do Crime a Doutor Antonio Garcez Pinto de Madureira, Professo.lI1f assinei com o mesmo oficial encarregado Eu Hon6rio Fidélis Barretto que o
ordem de Cristo, do que eu Escrivão dou minha fé; e para constar fiz Escrevi e assinei Honório Fidélis Barretto Antônio .Joaquim de Vargas Alferes
termo em que comigo assinou o dito Alferes, e Paisano, e Eu Honório da Legião.
Barretto que o Escrevi e assinei Honório Fidélis Barretto AntônioJoaquim
Vargas Alferes da Legião Gonçalo da Costa.
397
\" L
.~~j. Termo de ratificação sucesso tão grave. facilitou ao dito seu escravo que andasse com eles para
colher além do que fica dito, o que demais se pudesse descobrir, a fim de se
Termo de ratificação que faz Manoel José Teixeira a declaração por ele poder acautelar uma desgraça que tantas podia causar, e para a delatar, como
feita. Aos vinte e cinco dias do mês de Junho de mil oitocentos e catorze anos, delatou a ele Ministro por se considerar fiel vassalo. Seguiu o escravo a con-
nesta cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos, e casas de morada do tinuar na cominação com o dito Capitão de Canto, o qual lhe disse na quarta-
Desembargador Ouvidor Geral do Crime o Doutor Antônio Garcez Pinto de feira vinte e dois do corrente que havia novidade, pela qual se tinha tirado
Madureira, Professo na ordem de Cristo, onde eu Escrivão vim por sua ordem tudo da Casa da roça e levado para os Matos do Sangradouro, porque tinham
chamado, aí compareceu presente Manoel José Teixeira morador a São Mi- havido buscas, já se tinham pilhado alguns instrumentos, porém os que ti-
guel, que o reconheço pelo próprio de que faço menção, a quem o dito Minis- nham tirado da Casa, os tinham levado para mais longe, onde levou o escra-
tro disse que tendo-lhe declarado no dia vinte do corrente verbalmente alguns vo dele declarante, e ali vira tudo quanto tinha visto na casa da roça, e demais
fatos respectivos, a continuação ou nova convução de escravos desta cidade quatro negros barbados trabalhando em cravarem ferrões em taquaras para
como notícia adquirida de um seu escravo Aussá de nome João; de cuja par-. flechas, em cujo serviço entrou o escravo dele declarante quase todo (20) o
ticipação tinha ele Ministro feito uso convenientes se fazia com tudo preciso, dia, tendo levado carne e farinha em um balaio, de sorte que indo de manhã
que declarasse e ratificasse por tempo aliás por termo; para cujo fim o man- voltou depois de cinco horas da tarde, com a promessa de que vinha para fur-
dara vir a sua presença para que o fizesse debaixo de juramento dos Santos tar alguma coisa a ele declarante, e algumas armas para voltar na manhã de
Evangelhos que neste ato lhe deferiu; recebido pelo declarante o juramento quinta-feira vinte e três do corrente para ficar logo de uma vez, o que tudo
disse que bem (18) lembrado estava do que por zelo, sem paixão e ódio participou a ele Ministro, aprontando o Escravo para ir mostrar o lugar, como
declarado, e o ratificava pela maneira seguinte, Que sendo como é possuidor foi na quinta-feira na companhia do Escrivão Ajudante deste Juízo Honório
de um Escravo por nome João Aussá, este sem coação alguma, lhe participara" Fidélis Barretto que acompanhava o oficial Militar encarregado da diligência
que alguns seus malungos, e particularmente o preto Antônio Capitão do e apreensão, saindo desta cidade às oito horas ela manhã, hora em que entre-
~..,; ,~ Canto morador à Fonte do Xixi, o tinham convidado para entrar em uma: gou o escravo condutor e guia, e lhe consta que nada se encontrara, ignoran-
sedição com outros que estavam tratados, e para melhor o persuadirem das do ele declarante a razão pois que certo no que tinha averiguado, e persuadi-
suas disposições, o tinham levado a uma roça de uma viúva moradora do da verdade do seu Escravo, o tinha assim declarado pela responsabilidade
cabeça, a qual é na entrada da Estrada que vai para o Matatu fronteira a boa: ". " em que se julgava, se assim o não fizesse, sem responder por mais que não
vista onde mostraram-lhe Armas de fogo em um quarto, em uma caixa, seja a boa e fiel intenção com que o fez, e de corno assim o disse e declarou,
servira de Açúcar, Armas da sua terra, carnes do Sertão, e do Sol, umas mandou o dito Ministro fazer este termo no qual eu Escrivão dou minha fé
pertencentes à Senhoria da roça que diziam tão bem haviam de servir nara assim o dizer o declarante que assinou com o dito Ministro, Eu Germano Por-
rnatultage e achando-se ali quinze negros, cinco da roça, e dez de fora, , reira Barretto, Escrivão o Escrevi e assinei Garcez Germano Ferrcirn Barrctto
ficando-lhe mais que havia um grande quilombo acima do Matatu, no Manoel José Teixeira de Souza.
estavam muitos do Levante passado, e alguns caboclos recheados de tudo?
Que tinham dinheiro, do furto do dito Levante passado, e que o plano era para' Perguntas (21)
romperem na véspera ou dia de são João como pretexto do barulho ordinário
de semelhantes dias; sendo o primeiro passo matar a guarda da Casa da, Auto de pefg:uiilasfeittlS tio 11n'tIIMallqdrlC!lír!!;Ú!·I,:\tI:,~;;) nV\1
i~~iI:! ik
Pólvora do Matatu, tirar o que lhe fosse preciso, e deitarem água no resto, e Caetano Soares.
outros queriam a guerra para o dia dez (19) de Julho seguinte para ajuntarem
\I.IIPUI'lIluK e
maior número de negros; afirmando o dito capitão do canto que já estavam
prontos os Negros do Trapiche Novo, os do Grande ou Peso de fumo, alguns 11!,'11;( ddack tio
do comerciante Cunha, do Friandes, e quase todos dos cantos de todasus 'Jlddíif;!-nlH-~IJ!íf,Üj;kiil. il!hk' I oi vi mio
, , , li)JHi,IIj)r/\üt{rfHü f LU\f'l. I'ill(n de
Nações menos os Jejes, e que se havia de matar tudo quanto fosse encontra-,
j('Alli\J'liw. t' o Es-
do no caminho, até a chegada do Quilornbo para se não saber na cidade. À
vista de cuja declaração, ele declarante para entrar no conhecimento (/0 ;!hi1iHllIIVloll (\ dilo
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Ministro vir a sua presença ao preto Manoel de nação Aussá, e lhe encarregou encomenda de maicor número, c assim dissesse a verdade. Respondeu que (:
que bem e verdadeiramente respondesse às perguntas que lhe passava a f;If',t'í. verdade proximameente se lhe ter encomendado os ditos ferrões, e que deles
sem que nas suas respostas prejudicasse a terceiras pessoas contra a verdade: só fizera os dez deeclurudos que os entregou ao mesmo que lhe fez a cuco ..
recebido por ele o dito encargo assim o prometeu fazer. Foi perguntado seu rnenda, e não há dúivida de que os dois apresentados foram fabricados por ele
nome, naturalidade, estado, ocupação, de quem era escravo e idade. Respo» Respondente, E pcnr esta forma ouve o dito Ministro estas perguntas por
deu chamar-se Manoel de nação Aussã solteiro e ocupa-se no ofício deYcr'/. feitas por ora, as quiais sendo por mim lidas ao Respondente em presença do
reiro, e que era escravo de Caetano Soares, e representa ter ele idade vit\1y'i(;: curador, disse estarrern conforme suas respostas, de que nós escrivães damos
seis anos. E Jogo o dito Ministro mandou vil' a sua presença ao Advoguik; nossa fé, e para comstar fiz este termo em que assinou o dito Ministro, curudor
Manoel do Bomfim, a quem deferiu o juramento dos Santos Evangelhos t~ln e (24) Respondentre de cruz, e comigo o companheiro, Eu Honório Ilidélh
um Livro deles em que pôs sua mão direita, e lhe encarregou fosse bÚ1l1 Barretto que o Escrrevi e assinei. Garcez, Manoel do Bornfim. Honório Fi..
curador do Réu Manoel de nação Aussá que presente se acha, requerendo \'. délis Barretto. Marnoel de Soares de Albergaria. De Manoel Aussá Estava
defendendo tudo (22) quanto fosse a bem do mesmo nas presentes perguuíus, uma cruz.
recebido por ele o dito juramento assim o prometeu fazer, de que para COl1l'
tar, fiz este termo em que assinou com o dito Ministro Eu Honório Fidóll« A qual cópia eiu Escrivão bem e fielmente fiz copiar da própria por deter-
Barretto que o Escrevi Garcez Manoel do Bomfim. minação bocal do IDesembargador Ouvidor Geral do Crime, e Intendente UjI
Foi perguntado se sabia o motivo da sua prisão, e à ordem de quem fora Polícia, e aos reginiários em todo e por todo me reporto, e com eles, e outro
preso. Respondeu que fora preso haverá seis ou sete dias à ordem dele Mi. oficial abaixo-assiruado este conferi, consertei, subscrevi e assinei. Bahia, dois
nistro, e ignora o motivo por quê. Foi perguntado em que se empregava HII ele Julho de mil oitrocentos e catorze. Eu Germano Ferreira Barretto Escrivão
serviço de seu senhor. Respondeu que no ofício de ferreiro no qual ainda cru () Subscrevi e assiniei.
aprendiz. Foi perguntado se havia feito alguns ferrões à imitação dos que
neste alo lhe são apresentados, e quantos fizera, em que tempo, quem Ilws E com [o] Escn'[m]
encomendou, e quem deu o ferro para os mesmos? Cda pr mim Escrím]
Respondeu aliás Pegou ele respondente nos dois ferrões que lhe foram Honório Fidé1:is Barr[e]to
apresentados, um ele um coito ele comprimento, e outro de meio, ambos de Germano Ferr:a. Barr[e]to.
grossura correspondente ao seu tamanho, e depois de os examinar disseque E comigo escrivam Conferido por mim Escrivão
fizera dez, quatro dos maiores, e seis do menor, e que os dois presentes erUlú"
desse número, que lhe encomendara um negro Aussá ganhador que na sualín-'
NOTAS
gua é tratado por Jatão e mora na Praia, e ele respondente não sabe o seu
nome Português, quem é seu Senhor, nem da sua morada, e o ferro de que 0:-;
Siglas Utilizadas
fabricou fora de pregos velhos pertencentes a seu senhor, (23) nas ocasiões
em que este se não achava em casa, e quando os fabricou foi antes da fugiria ACS Arquivo da Câmara Municipal de Salvador
dos Negros Aussás, e ele respondente pela encomenda que teve fazia mais se AHU Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
não tivesse a notícia da fugida dos ditos Negros, e que a eles lhe foram acha .. ANRJ Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)
dos flechas com semelhantes ferrões, e depois da dita notícia não lhe apa- ANTI Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa)
APU Arquivo Público do Estado da Bahia
recera mais aquele Jatão que lhe encomendou.
BNL Biblioteca Nacional de Lisboa
Foi instado para dizer a verdade, pois constava a ele Ministro que ele
IlNIU Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
Respondente havia feito um grande número dos ditos ferrões, e que foram IGHII lnstiuno Geográfico e Histórico da Buhia
proximamente para com eles se armarem o restante dos negros para nova
sedição e Rebelião que tinham intentado, para certeza disso os dois fl!l'rÔLlS (I) A l'I'I:\I;lhl ,'1111\' lúg;l (' nWlIlt:1 na hiSltÍria do Haiti tem sido tratada com muita insistên.
presentes lhe foram achados em sua mão na ocasião em que lhe foram l'i1z\)r ria. V,:r ! .<::;11
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