Janaina Cardoso de Mello - Museus Afros No Brasil (Texto)

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ANAIS ELETRÔNICOS

II Encontro de História – Historiografia Brasileira: Problemas, Debates e Perspectivas


25 a 27 de Outubro de 2010
ISSN 2176-784X

MUSEUS AFROS NO BRASIL: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E AMADORISMO.

Janaina Cardoso de Mello


Universidade Federal de Sergipe
Doutora em História Social (UFRJ)
Pesquisadora FAPITEC-SE/ CNPq

Museu como lócus político-cultural, um debate preliminar.

Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres,
depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém, mais vivazes,
mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem
ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre
as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas
quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações.
(Marcel Proust)

A agenda pública pleiteada pela sociedade civil enfoca, de forma cada vez mais
contundente, a luta pelo reconhecimento e pelo espaço de diversas memórias. Assim, a noção de
“museu”, assim como seus valores e narrativas, é questionada em prol de uma maior pluralidade
e maior democratização.
Os museus têm assumido lugar de destaque nos debates que envolvem a problematização
das relações com o presente e com o passado. Mais do que nunca, questiona-se o tradicional
entendimento de que as narrativas construídas com os objetos históricos são expressões naturais
de um passado nacional uniforme e essencializado. Por outro lado, aprofunda-se a idéia de que o

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discurso museológico é produto de uma seleção feita com objetivos políticos e estéticos
específicos.1
Ao nos remetermos ao conceito de “Lugares de Memória” de Pierre Nora, percebemos a
configuração dessa noção em:...museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários,
tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações [...]. Pois, os lugares de
memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar
arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres,
notariar atas, porque essas operações não são naturais.2
Tradicionalmente, os museus, como lugares de memória e esquecimento, forjaram
projetos educativos para os cidadãos, quaisquer que sejam as definições de educação e/ ou
cidadania. Os museus da modernidade foram marcados pelo caráter disciplinador, explícito na
organização do tempo e dos espaços, na vigilância do patrimônio e na sacralização de objetos e
culturas. Os principais objetivos dessas instituições seriam educar o indivíduo, estimular seu
senso estético e afirmar o nacional.3
Cultuar a memória através de referenciais externos e coletivos, constituindo-os enquanto
patrimônio afetivo de um grupo faz parte do próprio conceito de identidade quando da formação
e do processo de consolidação dos Estados Nacionais modernos. Nesta direção, a noção de
patrimônio assumia o status de instrumento que cumpria inúmeras funções simbólicas, tais como:

... reforçar a noção de cidadania na medida em que são identificados, no espaço público,
bens [...] a serem utilizados em nome do interesse público. Nesse caso, o Estado atua como
guardião e gestor desses bens; ao partir da identificação, nos limites do Estado nacional, de
bens representativos da nação [...] a noção de patrimônio contribui para objetivar, tornar
visível e real, essa entidade ideal que é a nação [...]. A necessidade de proteger esse
patrimônio comum reforça a coesão nacional; os bens patrimoniais [...] funcionam como
documento das versões oficiais da história nacional, que constrói o mito de origem da nação

1
PIO, Leopoldo Guilherme. Musealização e cultura contemporânea. In: Musas: Revista Brasileira de Museus e
Museologia, Rio de Janeiro, ano 2 n. 2, p. 48-57, IPHAN, 2006.
2
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Revista Projeto História. São Paulo:
Departamento de História de Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / PUC-SP, nº.10, 1993, p.13.
3
CHAGAS, Mário. Memória e poder: focalizando as instituições museais. In: Interseções. Rio de Janeiro, UERJ,
ano 3, n. 2, p.5-23. jul./dez. 2001.

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e uma versão da ocupação do território, visando a legitimar o poder atual; a conservação


desses bens – onerosa, complexa e freqüentemente contrária a outros interesses públicos e
privados – é justificada por seu alcance pedagógico, a serviço da instrução dos cidadãos.4

Como instrumentos pedagógicos, os museus desempenham importante papel no que diz


respeito não só à criação de consciências pessoais, mas também à construção e à representação de
identidades coletivas diversas.5 Como terrenos contestados, tem sido alvo de profundas revisões
no que diz respeito à natureza de suas coleções, às modalidades de representação cultural e ao
papel dos visitantes. Em suma, a própria identidade e a missão de tais instituições passam por um
momento de intensos estudos, revisões e debates.6
Contudo, os museus históricos mostram-se, em geral, impermeáveis aos questionamentos
sobre os usos e abusos do passado, reforçando narrativas cronológicas, pautadas em
esquecimentos deliberados sobre períodos de conflito e ruptura. Um olhar panorâmico permite-
nos apontar forte tendência de teatralização do passado nacional, mecanismo pelo qual todo o
processo museográfico é silenciado e, aos olhos do visitante, torna-se possível voltar ao tempo.
Porém, a tendência monologizante da enunciação do discurso não implica silenciamentos
cognitivos, visto que diferentes estratégias de leitura são lançadas pelos sujeitos no processo de
ressignificação do mesmo.

Representações materiais da escravidão nos museus brasileiros: olhar sobre as instituições.

Após o ano das comemorações do centenário da abolição da escravidão (1988), o assunto


arte afro-brasileira passou a ser muito discutido, gerando várias publicações, mas no início do
século vinte, a matéria não era comum. Com o artigo As Belas Artes nos Colonos Pretos do
4
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ: IPHAN,1997, pp.59-60.
5
COSTA, Carina Martins. A escrita de clio nos temp(l)os da mnemósime: olhares sobre materiais pedagógicos
produzidos pelos museus. In: Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 47, p. 217-240, jun. 2008.
6
ANICO, Marta. A pós-modernização da cultura: patrimônio e museus na contemporaneidade. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 71-86, jan./jun. 2005.

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Brasil, Raymundo Nina Rodrigues inaugurou o campo de estudos sobre arte negra. Publicado
inicialmente na Revista Kosmos do Rio de Janeiro (1904) este artigo sintetiza as diligências de
Nina Rodrigues sobre arte negra. Fruto de um trabalho de campo e análises bibliográficas sobre
arte africana, trata-se de um texto seminal, que sob vários aspectos analisados a seguir,
estabeleceu as bases sobre as quais o assunto seria tratado no próximo meio século. A primeira
alteração ocorrerá apenas em 1956, quando Arthur Ramos ampliou o leque de obras a serem
abordadas no interior da arte afro-brasileira, incluindo artistas populares e que produziam obras
laicas. Até então, o que se denominava arte afro-brasileira era a produção ritualística e de origem
iorubana e fon, tal como conceituou Nina Rodrigues.7
Ao selecionar as peças que iria abordar em seu artigo, o Nina Rodrigues elegeu apenas
obras destinadas ao culto religioso, deixando de fora as obras populares e mesmo as eruditas
produzidas por negros aqui mesmo, em Salvador, na Escola de Belas Artes da Bahia e Liceu de
Artes e Ofícios, tais como Antonio Firmino Monteiro e Antônio Rafael Pinto Bandeira. Com esta
seleção criou um paradoxo que perpassa toda a história da arte afro-brasileira, a da relação
exclusiva entre arte negra e religião. Somente com a exposição de 1997, A mão afro-brasileira,
artistas negros que realizaram obras eruditas no século XIX foram historicizados, com a
introdução destes na mostra, como artistas afro-brasileiros, muitos dos quais contemporâneos de
Nina, considerando para a inclusão nesta categoria apenas o fato de serem negros e não a
temática presente nas suas obras.8
Nina Rodrigues não compreendeu inteiramente a gramática formal da arte negra
produzida na Bahia, mas é preciso que se diga que apesar de afirmações que hoje podemos
apontar como resultantes de limitações relacionadas ao conhecimento da arte negra de então,
reforçadas pelas teorias racistas vigentes, o seu mérito foi trazer à cena da época uma obra capital
que iniciou uma tradição de estudos sobre a temática, permitindo que na atualidade seja possível
uma visão do quadro da produção de cultura material afro-brasileira na virada do século XIX ao
7
RODRIGUES, Raymundo Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: Ed. da Universidade
de Brasília, 1988.
8
ARAÚJO, E. (org). A mão afro-brasileira. São Paulo: Tenengue, 1988.

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XX, dando visibilidade à presença negra na cultura e na arte brasileira de então e suas
continuidades contemporâneas.
Logo, a abordagem da escravidão nos museus necessita estabelecer um diálogo sobre os
sentidos e as marcas legadas pela escravidão na sociedade brasileira, bem como as formas de
representação social e material que estas adquirem ao longo do tempo. Dessa forma, torna-se
possível, desvelar os corpos dos seres humanos, em sua multiplicidade de cores, tipos de cabelos,
lábios, narizes e outros atributos físicos, traduzidos em valores sociais; a associação entre estes
seres humanos e experiências históricas de seus semelhantes físicos e/ ou culturais; diferentes
aproximações, em múltiplas experiências históricas, entre cor, raça, direitos e poderes.
Ao pensar a cultura material de matriz africana no Brasil, Kátia Mattoso9 ao estudar a
Bahia no século XVIII, realça a complexidade das relações entre senhores e escravos, citando o
refinamento das roupas e dos adereços de alguns cativos, que chegavam a incluir jóias de alto
valor. Estes ornamentos caros foram representados por artistas que estiveram no Brasil na época.
Todavia, não costumam ser encontrados em museus e instituições similares, na condição de
objetos de alto preço, usados pelo escravo X ou pela escrava Y. Em contrapartida, jóias e roupas
de luxo, que pertenceram a pessoas ricas da mesma época (a baronesa K, o ministro L – algumas
delas proprietárias de escravos semelhantes àqueles), fazem parte do acervo de importantes
museus históricos brasileiros. Porque esta diferença de destino?
Uma primeira questão diz respeito à própria relação de propriedade: as jóias não
pertenciam aos escravos, eles mesmos eram propriedades de outras pessoas. Jóias e roupas que
chegaram aos museus, freqüentemente, foram doadas por herdeiros de seus proprietários
originais, que demonstraram espírito público (poderiam ganhar muito dinheiro se as vendessem
no mercado de antiguidades) e vontade de ter reconhecida uma imagem de origem nobre (não é
qualquer um que possui objetos tão preciosos, herança de família, e pode abrir mão de seu valor
comercial para ser nobilitado no acervo de uma instituição respeitável: é melhor que árvore
9
MATTOSO, Katia M. de Queirós. A opulência na província da Bahia In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.).
História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo, Companhia das Letras,
1997, p. 143-179.

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genealógica duvidosa...). Houve casos de escravos que compraram a alforria e enriqueceram. É


possível que alguns de seus pertences cheguem a museus, como objetos de pessoas livres e ricas.
O comentário de Mattoso sobre o aspecto luxuoso de alguns escravos merece atenção,
embora não se possa contar com as evidências materiais diretas de jóias e roupas caras por eles
usadas. Porém, mesmo sem possuírem aqueles objetos nem poderem legá-los como herança para
seus descendentes, os escravos deviam sentir prazer em seu uso, índice de uma auto-estima e do
convívio com a beleza. Nos Maracatus, cortes negras se apresentavam e apresentam, em cortejo
festivo, com roupas que remetem à suntuosidade e à riqueza. Uma exposição itinerante
organizada pelo Ministério da Cultura, nos anos 90 do século XX, reuniu materiais de vários
museus brasileiros, sob o título “Tesouros do Patrimônio”. Uma das salas agrupou um vestido de
dama da corte de Pedro II, um vestido de princesa do Maracatu, uma rica bandeja de prata e um
instrumento de prender e torturar escravos. Esta seqüência, aparentemente desconexa, lembra-nos
relações de natureza material (não haveria vestido de dama e bandeja sem os escravos) e de
memória cultural (escravos podiam ver-se como pessoas belas e dignas de ornamentos que
evocavam o direito ao esplendor, e seus descendentes biológicos e culturais podem preservar esta
visão).10
Em 2007, foi inaugurado em Liverpool, um Museu Internacional da Escravidão,
apresentando os fundamentos econômicos que ajudam a entender a história, possuindo para isso
um acervo que explica a importância do tráfico de escravos para a Revolução Industrial. Sob
outra perspectiva, buscando um resgate de povos oprimidos no processo colonialista oitocentista
foi organizado um Museu Nacional da Escravatura em Angola.11
No Brasil, a experiência ainda é pontual. Em São Paulo, um importante e diversificado
acervo formado por manifestações artísticas afro-brasileiras, com a história da resistência negra à
escravidão e a trajetória de personalidades desconhecidas tornam o Museu Afro Brasil uma
experiência museológica única. Sob a direção do artista plástico Emanuel Araújo, o museu foi
10
SILVA, Marcos A. Além das coisas e do imediato: cultura material, história imediata e ensino de história. In:
Revista Tempo. Nº 21, pp. 82-96, Niterói: UFF, 2007. pp. 82-96.
11
SLENES, Robert. Malungu, ngoma vem! África encoberta e descoberta no Brasil. Museu Nacional da
Escravatura, INPC, Ministério da Cultura. 1995.
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inaugurado no Parque Ibirapuera, vinculado a Secretaria Municipal de Cultura, sendo também


patrocinado pela Petrobrás. Estão na exposição permanente a rica indumentária dos maracatus
rurais, obras de artistas plásticos contemporâneos como Rubem Valentim e Mestre Didi, além das
histórias de vida dos engenheiros André Rebouças e Teodoro Sampaio, do psiquiatra Juliano
Moreira, documentos históricos e fotografias da época da escravidão. No museu, Araújo focaliza
as questões da memória, e procura resgatar a trajetória de personalidades, como Carolina Maria de
Jesus. Foram inauguradas ainda, uma biblioteca e uma exposição em homenagem a esta mulher
negra, mãe solteira de três filhos, migrante, catadora de papel que há 45 anos vivia numa das
primeiras favelas paulistanas.12
Em Sergipe a mestiçagem se consolidou com a presença de portugueses e holandeses,
ampliada com os indígenas já encontrados, e as populações sudanesas e bantas, a partir do século
XVI, aumentando no século XVIII, se concentrando na região do Cotinguiba, região canavieira
do Estado, onde se encontra o município de Laranjeiras, considerado o “Berço da Cultura Negra
do Estado de Sergipe”. Mormente, em Laranjeiras localiza-se o Museu Afro-brasileiro de
Sergipe13, com um projeto museológico elaborado pelo jornalista e memorialista Antônio
Barreto, tendo como concepção interpretativa e expográfica a narrativa da história do povo negro
à partir da dinâmica da escravidão levada à termo pela dominação branca. É um olhar branco
sobre o negro e termina reforçando estereótipos de vitimização ou exotismo cultural.
Todavia, outras representações da cultura afro-brasileira podem ser encontradas em
exposições itinerantes no Museu do Homem Sergipano em Aracajú. Instituição essa organizada
em sua expografia a partir de um livro da década de 1970 produzido por professores da UFS, com
um discurso marxista da sociedade brasileira e especial enfoque em Sergipe.
Quadro Demonstrativo de Exposições Temporárias realizadas no Museu do Homem
Sergipano entre 1981 e 2000, com ênfase na abordagem da cultura afro-descendente.

12
ARAÚJO, E. Para nunca esquecer. Negras Memórias, memórias de negros. Brasília: Ministério da Cultura,
2001.
13
LODY, R.G. da Mota. O negro no museu brasileiro: construindo identidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2004.

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Temática Título Idéia Central


Negro O Negro e o Trabalho Mostrar como 100 anos após a
abolição a raça continua como
elemento classificatório
importante na divisão social de
trabalho no Brasil. Evidenciar
o lugar do negro na força de
trabalho e relacionar através de
rituais, a ligação entre o
simbolismo e o trabalho.
Negro O Negro em Sergipe Apresentar uma série de
conhecimentos sobre o negro
em Sergipe, dentro de uma
visão sócio-cultural e histórica
ampla, buscando relações entre
África, Brasil e Sergipe.
Ritual Negro O Nagô de Bilina Ampliar a discussão sobre o
papel do negro na diversidade
cultural do Brasil através da
religião e especificamente de
um terreiro de Nação Nagô.
Folclore Lambe-Sujo e Caboclinhos: Mostrar como em diferentes
Negros e Índios em Rituais formas de linguagem, se
Folclóricos apresentam as etnias, sendo no
caso, entre negros e índios.
Folclore Danças e Folguedos Mostrar as danças e folguedos
sergipanos: Uma expressão de sergipanos como resultantes do
Identidades encontro de tradições culturais
africanas, européias e
americanas.
Fonte: SAMPAIO, Roberta B. O museu do homem sergipano: uma realidade em construção.
Monografia. São Cristóvão: UFS, 2000. (Anexos)

Muitos museus, como o caso de Aracajú, têm adotado como organização de seu acervo
um fio condutor temático capaz de agregar conjuntos de uma mesma origem, não peças dispersas,
mas objetos que foram recuperados num contexto definido, representando o mundo rural ou
urbano, as formas de trabalho e economia, os elementos culturais e políticos presentes em

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distintos grupos sociais e étnicos, dentro de sua própria historicidade, permitindo a construção de
um olhar etnográfico.

Museus como territórios contestados: debates sobre as novas perspectivas nas exposições
sobre a cultura afro-brasileira.

14
Importantes trabalhos têm apontado as estratégias de construção de uma interpretação
da História e do Brasil por meio da pesquisa documental sobre as coleções, a história
institucional e os discursos museográficos. Da mesma forma, as pesquisas relativas à educação
não-formal nesses espaços crescem em número e qualidade. A produção concentra-se, em larga
medida, em análises de processos comunicativos, estudos quantitativos de público e descrições de
atividades pedagógicas.
É importante salientar que o museu educa por meio da tridimensionalidade e, nesse
sentido, a exposição e todas as linguagens que a compõem educam não somente o olhar, mas
também sobre a História. Assim: a Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização
cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido.
Este processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da
cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural.15
O autor Fernando Catroga16 conduz a uma reflexão importante ao analisar a relação
dialética entre memória e história. De acordo com o autor, uma produz a outra, não há hierarquia.
Ambas operam com a seletividade, a verossimilhança, a representação e a tridimensionalidade do
tempo, ou seja, com a inclusão do projeto de futuro.

14
ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de
Janeiro: Rocco: Lapa, 1996; BREFE, Ana Claudia Fonseca. O Museu Paulista: Affonso de Taunay e a memória
nacional. São Paulo: Editora Unesp, 2005; SANTOS, Myriam Sepúlveda. A escrita do passado em museus
históricos. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
15
HORTA, Maria de Lourdes; GRUNBERG, Eveline; MONTEIRO. Guia básico de educação patrimonial.
Petrópolis: Museu Imperial: IPHAN, 1999, p. 6.
16
CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto Edições, 2001.
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É necessária ainda a compreensão da fonte em sua dimensão social e histórica, refletindo


sobre os sentidos de sua conservação, sua organização e seu pertencimento à instituição. No caso
do museu, é preciso pensar a história das fontes, ou seja, os caminhos de seleção, aquisição,
doação, preservação e exposição a que estão sujeitas.
Myriam Sepúlveda destaca que “os museus têm a função de legitimar um imaginário
junto ao público e, quando cumprem sua função, não conseguem modificar este imaginário com
facilidade”.17 No caso dos museus históricos, tal tarefa é ainda mais espinhosa e é preciso refletir
sobre as expectativas do público em relação a eles, assim como os processos de reconhecimento.
Em um momento em que as políticas públicas nacionais incentivam o papel dos museus
como agentes de democratização e de valorização das culturas, em que os discursos sociais
apontam para o papel de resgate do passado, em que as escolas saúdam o dever de memória, os
museus históricos se repensam.
A par dos desafios monumentais, que incluem as pluralidades, o uso de diferenciadas
linguagens, a consolidação da acessibilidade física e cultural, os museus históricos precisam
dialogar com a própria construção do conhecimento histórico.18
Ressalte-se que em março de 2008, ocorreu o 1º Fórum de Museus de Sergipe, no
auditório da Biblioteca Pública Epifânio Dantas, resultando na sistematização e encaminhamento
da carta com propostas e diretrizes da política de Museus em Sergipe.
Ao explorar seu processo de construção de memórias, o museu histórico pode ensejar a
apropriação da linguagem e da ferramenta pelos diferentes grupos sociais, fomentando o diálogo,
e não apenas o reconhecimento. Jesus Barbero19 propõe o museu como espaço de choque e
negociação cultural, de articulação entre a imagem e a ausência. A dimensão dialógica propicia
aos museus e às suas ações educativas densidade para discutir o pluralismo e o processo litigioso

17
SANTOS, Myriam Sepúlveda. Op. cit., p. 56.
18
ALENCAR, Vera Maria Abreu de. Museu-educação: se faz caminho ao andar... Dissertação (Mestrado em
Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987.
19
BARBERO, Jesus-Martin. Cambios en la percepción de la temporalidad. In: MINISTÉRIO DA CULTURA.
Museo y memória nacional. Colômbia, 1999.
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das memórias. É necessário prever, incluir e expor formas diferentes de perceber o tempo e a
história.

Considerações Finais

Em tempos de usos das novas tecnologias, o uso da virtualidade promovendo interfaces


entre os museus afro-brasileiros e os usuários podem gerar instrumentos preciosos para uma
narrativa expográfica renovada. Ainda reforçando esse encontro entre história, educação,
identidade e novas mídias, também a projeção do documentário “Quanto vale ou é por Quilo” e
de documentários amadores postados no Youtube podem ser ferramentas importantes para a
composição de uma nova linguagem no campo da afirmação positiva da negritude no Brasil.
É necessário identificar e reconhecer os bens culturais enquanto portadores de valor
testemunhal, envolvendo sua preservação dentro de uma prática cultural imiscuída de valor
político e heterogêneo.20
Patrimônio, herança, ou seja, aquilo que é adquirido por transmissão, vindo de gerações
anteriores. Esse “patrimônio” compartilhado por um grupo é composto por valores e julgamentos
que são expressos e representados em práticas e manifestações culturais com todo um sistema de
significados que lhe é subjacente. Assim, se a tradição é vista como algo imutável, isso faz com
que o patrimônio cultural seja visto também como algo cristalizado no tempo e no espaço.

Referências Bibliográficas:

ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no


Brasil. Rio de Janeiro: Rocco: Lapa, 1996.

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(Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
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20
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