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EVANGELHOS SINÓTICOS
Bruno Glaab
Introdução
Antes dos livros escritos, o evangelho era tradição oral. Os que conviveram com
Jesus testemunhavam sua ação e suas palavras para as comunidades. Há vestígios desta
tradição já um tanto concentrada em blocos (1Cor 11,23; 15,3; Rm 4,24s; Rm 10,9s.
Alguns tópicos ocorrem em muitos lugares (Rm 1,3s; 2Tm 2,8), etc.
b) Hinos cristológicos
As assembléias glorificavam a Cristo como o Kýrios em múltiplos hi-
nos (Cl 3,16; 5,19; 1Cor 14,26).
c) Tradição Litúrgica
A liturgia teve papel preponderante na transmissão oral dos evangelhos. Isto se
percebe no “Amém” (1Cor 14,16), no “Aleluia” (Ap 19,1.3.6), nas formulações fixas,
como no “Pai Nosso” (Mt 6,11ss). As assembléias gregas eram mais livres em suas
liturgias, por isto, modificavam, ou extravasam com nova roupagem os mesmos anún-
cios.
Inicialmente havia duas fontes para a pregação dos cristãos: a Escritura (AT) e
as palavras e ações do Mestre, mas de acordo com as promessas de Jesus, os apóstolos
receberam o Espírito Santo e, assim, suas palavras e cartas, também adquiriram autori-
dade de Palavras Inspiradas (SCHARBERT, 1983, 104). Lentamente as Cartas dos A-
póstolos, At, Hb e Ap também se tornaram Escritura.
A palavra Cânon significa junco, padrão, regra, norma. Designa o índice dos
livros bíblicos aceitos como sagrados (LOHSE, 1985, p.11). Inicialmente a Igreja acei-
tava como livros sagrados os livros do Antigo Testamento: he grafe (A Es-
critura) ou ai hai grafai (As Escrituras) = cf.1Cor 15,3-5.
Costuma-se citar três partes:
a)
Pánta tà guegramména én to nómo Mouséos kaì toîs profétais
(Todas as coisas escritas na Lei de Moisés, e nos Profetas e
kaì Psalmòis
nos Salmos (Lc 24,44).
Além dos escritos canônicos, nada deve ser lido na Igreja sob o nome de Escritura Sagrada. Os
escritos canônicos são estes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Jesus Navé
(Josué), Juízes, Rute, 4 Livros dos Reinados [1 e 2 Sm e 1 e 2 R], 2 Livros dos Paralipômenos
(=Crônicas), Jó, Saltério de Davi, 5 Livros de Salomão (isto é, atribuídos a Salomão: Provérbios,
Sabedoria, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Eclesiástico), 12 Livros proféticos (= Profetas me-
nores), Isaías, Jeremias (com Lamentações e Baruc), Daniel, Ezequiel, Tobias, Judite, Ester, 2
Livros de Esdras (Esdras e Neemias), 2 Livros dos Macabeus. Do Novo Testamento: 4 Livros
dos Evangelhos, Atos dos Apóstolos, 13 cartas do apóstolo Paulo, 1 carta do mesmo aos Hebreus
(Hb separado do Corpus Paulinum!), 2 de Pedro e 3 de João, 1 de Tiago, 1 de Judas, o Apocalip-
se de João (Enchiridion Biblicum 16 e 17) (Sínodo de Hipona, ano 393 d.C. citado por SCHAR-
BERT, 1983, p.109).
“Uma vez que o início é constituído pelo batismo de João e o término com a cruz e res-
surreição, essa moldura definida pelos acontecimentos passa a ser preenchida com a a-
presentação das tradições das palavras e dos feitos de Jesus segundo pontos de vista de
conteúdo, não em seqüência cronológica ou biográfica” (LOHSE, 1985, p.123).
Marcos é uma história da paixão com uma introdução. Mateus e Lucas são mais
amplos, acrescentam a infância de Jesus. João situa o Verbo preexistente, mas todos
acentuam a paixão, morte e ressurreição. O objetivo é despertar a fé (Jo 20,30-31). Tra-
ta-se da novidade do cristianismo e não de uma vida de Jesus.
A redação dos evangelhos não deve ser vista com uma precisão cronológica.
Nem sequer deve ser vista como exatidão histórica. Há muitas partes enxertadas, inter-
poladas e completadas.
a) Molduras: são partes colocadas com o fim de preparar, ou dar uma unidade
ao todo. “A moldura que serve à conexão das diferentes histórias foi colocada apenas de
forma solta, não oferecendo nenhuma base para determinação cronológica ou biográfica
dos trechos” (LOHSE, 1985, p.119). Um exemplo disto percebemos em Mc 3,9-5,43,
onde um vasto assunto parece acontecer num único dia.
Esta repetição dá uma ideia de que estamos diante de uma máxima comum que, conforme as ne-
cessidades das comunidades, se fazia ressurgir. Os v.43-44 retomam a velha regra de humildade
que aparece em tantos outros textos evangélicos (Mc 9,35; 10,31; Lc 9,48b; Mt 23,11; Jo 13,15)
e transformam a regra de comunidade, isto é, o que antes era só versava sobre a humildade, ago-
ra também fala sobre servir. Seria, então possível perceber no conceito de servir uma noção pós-
pascal aplicada a Jesus, talvez interpretando a ceia (Mc 14,22-24; Jo 13,1-17), ou ainda, refletin-
do a ceia, os primeiros cristãos já teriam visto a morte de Jesus como um serviço para a humani-
dade (GLAAB, 1996, p.37-38).
4 – Definição de sinóticos
O leitor que inicia a leitura dos evangelhos logo perceberá que Mc, Mt e Lc tem
uma estrutura e conteúdos muito semelhantes. Ou melhor, quem lê Mc e logo a seguir lê
Mt e Lc poderia dizer: “Este filme eu já vi, embora com outras cores e alguns detalhes,
inclusive acréscimos, mas a grosso modo, Mt e Lc são cópias reelaboradas de Mc”. Já o
evangelho de João tem estrutura e conteúdos bastante diferentes.
Esta semelhança entre Mc, Mt e Lc recebe o nome evangelhos sinóticos, pois
têm grandes semelhanças. A palavra “inóticos” deriva do grego syn opsis. Ou seja, duas
palavras: "syn" que pode ser traduzido por “junto” e "opsis" que se traduz por “ver”.
Então podemos afirmar que evangelhos sinóticos querem dizer, evangelhos vistos em
conjunto, ou de um mesmo ponto de vista.
Quando os sinóticos citam o Antigo Testamento, muitas vezes são iguais, até
mesmo quando um deles cita o Antigo Testamento livremente e se distancia do original,
os demais o seguem. Ex.: Mc 1,3 = Mt 3,2 e Lc 3,4:
Sinót. = euthéias poiêite tás tríbus autû
Direitas façam as sendas dele
LXX = eutheías poiêite
tás tríbu tu Theú hemôn
Direitas façam as sendas de Deus entre vós
Conclusão: o parentescos dos sinóticos não é obra do acaso. Deve haver depen-
dência literária entre eles.
1
Segundo João, Jesus foi três vezes à Páscoa, em Jerusalém. Segundo os sinóticos, Jesus foi uma única
vez, quando foi preso e condenado à morte.
“Portanto a relação entre os três sinóticos caracteriza-se tanto por uma grande
ocorrência de convergências como também por um considerável número de diferenças
menores e maiores” (LOHSE, 1985, p.128). Pensava-se que Mc fosse síntese de Mt,
mas isto não satisfaz mais. Buscou-se então, outras soluções:
- Pensava-se que os sinóticos seriam a tradução livre de um proto-evangelho
aramaico;
- Os apóstolos teriam anotações incompletas e diferenciadas. Assim, os sinóticos
seriam trabalhos baseados nestas anotações;
- Teria existido um evangelho oral. Daí teriam se formado os sinóticos;
- Os autores teriam se conhecido e teriam se influenciado mutuamente.
Estas teorias hoje, todas estão ultrapassadas. Surge, então uma nova teoria, que
será vista a seguir.
Parece que Mt se vale da Q, mas dispõe o material à sua maneira. Lc segue mais
de perto a disposição da Q. Porém Mt preservou melhor o aspecto lingüístico semita. Lc
helenizou. Trata-se, muitas vezes, de ditos (sentenças) também comuns na literatura
helenista e nos ditos dos rabinos. Neste logions (ditos) Jesus é mestre, o vitorioso. Falta
a paixão e o sofrimento. Além do evangelho de Mc, Mt e Lc utilizaram, independente-
mente logia de Jesus. Convém lembrar que cada evangelista tem também material ex-
clusivo, que não está nem em Mc, nem na Q.
Porém, a teoria das fontes Mc e da fonte q é na realidade uma teoria simplifica-
da, pois numa exegese mais profunda, julga-se que haja ainda mais fontes do que estas
duas. Para nós, convém saber da existência destas teorias, mas a teoria das duas fontes
nos dá uma dimensão apropriada da questão. Para, ao menos termo uma ideia da ques-
tão, que vai bem além do que expomos, reproduziremos um item do Livro A Diaconia
do Filho do Homem:
À guisa de conclusão desta parte, serão apresentados dois esquemas gráficos que visualizam bastante
bem as teorias mais comuns sobre o assunto. Para uma primeira visão, reproduzir-se-á um esquema
simplificado que ilustra a formação dos evangelhos:
a) O primeiro esquema é apresentado por Isidoro Mazzarolo (1995, p.98).
Legenda:
A = Marcos aramaico ou um primeiro conjunto de ditos e fatos da tradição oral.
Q = Fonte Quelle, conjunto de relatos sobre os discursos de Jesus.
Assim o Documento “A” teria sido o material básico para o Evangelho de Marcos, que teria se
formado num processo, cuja redação-final estaria fixada para o ano 65. Marcos, nesta represen-
tação, não se teria inspirado na Quelle, ou em outros documentos, além do já citado.
b) O segundo esquema é mais recente e tenta ilustrar a formação dos evangelhos (BOISMARD,
1979, p.17):
Legenda:
A = Documento de origem palestinense, de procedência judaica-cristã.
B = É uma releitura de “A”, feita por uma comunidade heleno-cristã.
C = É uma tradição independente, um documento muito arcaico.
Q = É uma fonte das palavras (lógia) ou ditos de Jesus, não conhecido por Marcos.
Este esquema supõe que “A” esteja na origem de Mateus e de Marcos. Desta forma pode-se dizer
que antes de se chegar à redação de Marcos, havia diversas tradições que tomaram forma escrita:
no mundo judeu-cristão existe o documento A. Uma releitura deste documento no mundo judeu-
heleno resulta no documento B e outra tradição independente é apresentada por C. Estas três tra-
dições estão na base de uma primeira redação de Marcos. O Documento “B” e “C” também in-
fluenciaram Lucas e João, ao passo que o Documento “A” só influenciou Marcos e Mateus. Ma-
teus e Lucas também receberam influência de outra fonte, chamada de Quelle. Porém, a redação
final de Marcos recebeu também influxo do proto-Mateus e do proto-Lucas (GLAAB, 2012,
p.65-67).
3
nAlguns autores chamam esta fonte de fonte leiga.
Introdução 1,1-4
Anúncio a Zacarias 1,5-25
Anúncio à Maria 1,26-56
Nasc. de J. Batista 1,57-80
Genealogia 1,1-17 3,23-38
10 – Parábolas 4,1-34
13,1-23 a) O semeador 4,1-20 8,4-15
c) A semente 4,26-29
O joio 13,24-30 e 13,36-45
13,31-32 d) O grão de mostarda 4,30-32 13,18-19
12 - Em Nazaré 6,1-33
13,53-58 a) Rejeição 6,1-6 4,16-30 Lc
10,1.9-14 b) Envio dos discípulos 6.6-13 9,1-6
14 – O Caminho 8,27-10,52
16,13-20 a) A confissão de Pedro 8,27-30 9,18-21
2 – Pmr 14,1-16,8
26,1-5 a) Conspiração 14,1-2 22,1-2
BIBLIOGRAFIA
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1985
SCHARBERT, Josef. Introdução à Sagrada Escritura. Petrópolis: Vozes, 1983
GLAAB, Bruno G. O Modelo Igreja Serviço. Porto Alegre: EST, 1996
GLAAB, Bruno G. A diaconia do Filho do Homem. São Paulo: Baraúna, 2012