Trabalho, Tempo Livre, Lazer e Ócio Da Antiguidade À Atualidade

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Trabalho, tempo livre, lazer e ócio:

da antiguidade aos tempos atuais


VICTOR NOBREGA ABREU*
VICTOR HUGO ALMEIDA**

Resumo: O trabalho apresenta papel central na vida humana, sendo expressão de personalidade
e vertente identitária importante. No decorrer da história, o trabalho se modificou acompanhando
e trazendo consigo transformações sociais e, além disso, a relação humana com ele também
cambiou, bem como a significação de termos correlatos como tempo livre, lazer e ócio.
Utilizando-se de abordagem qualitativa, pautada na investigação bibliográfica e no método
dialético, este artigo busca examinar as mudanças na relação do ser humano com o trabalho,
tempo livre, lazer e ócio, focalizando as variações semânticas e axiológicas dos principais termos
relacionados desde a antiguidade até os tempos atuais. Como resultado, expõem-se as principais
características do trabalho contemporâneo e, em paralelo, a utilização do tempo livre, tendo
como escopo o potencial de desenvolvimento subjetivo decorrente de sua utilização. O que se
percebe, porém, é que o trabalho e o lazer se unem num ciclo de consumo, potencializado pela
cultura de massa globalizada, que subtrai o tempo livre, seja lazer ou ócio, do seu caráter
autotélico.
Palavras-chave: trabalho; tempo livre; lazer; ócio.
Work, free time, leisure and idleness: from antiquity to present times
Abstract: Work plays a central role in human life, being regarded as a form of personal
expression and an important part of identity. Over time, work has shifted, bringing many social
changes. Moreover, the human relationship with work varied as well as the meaning of related
terms such as free time, leisure and idleness (otium). By means of qualitative approach, based on
bibliographic research and dialectical method, this article seeks to examine the changes in the
relationship of humans with work, leisure, recreation and idleness, focusing on the semantic and
axiological variations in key related terms from antiquity to the present day. As a result, the main
characteristics of contemporary work are exposed and, in parallel, the use of free time, with the
scope of its potential for subjective development. What is noticeable, however, is that work and
leisure are bonded in a cycle of consumerism, boosted by global mass culture, which subtracts
the free time, whether leisure or idleness, of its autotelic character.
Key words: work; free time; leisure; idleness.

*
VICTOR NOBREGA ABREU é Servidor Público do Estado de São Paulo; Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais de Franca (SP).

**
VICTOR HUGO ALMEIDA é Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo - Largo São Francisco. Docente da Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho" - UNESP. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca.

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Noon - Rest from Work (after Millet), obra de Vincent van Gogh (1890)
Introdução foram analisados com base no método
Nos tempos atuais, busca-se dialético, de forma a demarcar as
incessantemente a adaptação do ser características atuais do mundo do
humano ao trabalho, do tempo às trabalho e a carga valorativa dos
necessidades produtivas e a amoldagem principais temas circundantes, tendo por
do ser humano à tecnologia. Contudo, o base todo o seu trajeto histórico.
ser humano não se reduz à sua profissão, 1. Da antiguidade clássica às novas
devendo possuir campo temporal para modalidades de trabalho
semear seus outros interesses e
Com o surgimento da propriedade
permanecer multifacetado.
privada, determinado por privilégios de
A presente abordagem busca examinar classe, e com a consolidação de uma
as mudanças na relação do ser humano forma de Estado que legitima a
com o trabalho, tempo livre, lazer e apropriação (OLIVEIRA, 2001), na
ócio, focalizando as variações antiguidade clássica a produção era
semânticas e axiológicas dos principais eminentemente agrária e realizada na
termos relacionados desde a antiguidade pequena unidade familiar. A escravidão,
até os tempos atuais. resultante da prisão militar e da sujeição
Trata-se de uma abordagem qualitativa, por dívidas, se mostrava marcante. Em
construída sob o emprego do método de paralelo a tal sistema, o trabalhador era
levantamento através da técnica de contratado para realizar tarefas diárias
pesquisa bibliográfica, cujos dados complementares, especialmente em

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épocas de colheita, trabalho pelo qual estudiosos do período, segundo a qual o
recebia remuneração em gêneros trabalho teria valor de redenção, ou seja,
(OLIVEIRA, 2001). era capaz de agradar aos deuses, na
medida em que cria recursos, nos
Posteriormente, na Europa ocidental,
tornando independentes e gloriosos.
sob o domínio romano, ocorreram as
Desta feita, existem duas visões
invasões bárbaras, que cambiariam as
contrastantes de trabalho na antiguidade:
estruturas sociais. A escravidão já não
a que sustenta que o trabalho seria
correspondia às necessidades da
essencial ao homem; e a que considera
produção, tendo em vista o avanço do
ser o trabalho apenas designado aos
latifúndio e o aumento do preço dos
escravos (BATTAGLIA, 1951).
escravos. Assim, a produtividade do
escravo e a sua própria manutenção 1.2. O trabalho em tempos de
passam a não justificar o investimento feudalismo
necessário para adquiri-lo. É nessa etapa
que surge a primeira forma de senhorio O feudalismo se caracteriza como a
última etapa no processo de formação
(OLIVEIRA, 2001), que posteriormente
das sociedades pré-capitalistas.
se derivaria para a servidão
Constitui-se nos séculos IV a IX, após
característica do feudalismo.
as primeiras invasões bárbaras, porém se
Com muita frequência, nota-se que na consolida entre os séculos X e XII,
antiguidade clássica o trabalho não era quando o domínio dos senhores feudais
visto como algo positivo. Era entendido é legitimado pelas políticas básicas e
como peso, como algo que fadiga e pela Igreja. Tem como características
deprime; o trabalho, assim, era o principais o trabalho compulsório, sob
contraponto da divindade, que regime de servidão, primordialmente
permanecia contemplativa e não campestre, constituído por dependência
trabalhava. A produção de bens social e jurídica. A origem dessa relação
materiais devia ser encargo apenas dos de servidão (suserania e vassalagem)
seres não livres, pois o homem que remonta às primeiras manifestações de
trabalha, segundo a visão da época, dependência quando da distribuição de
perde a sua liberdade. Para ser terras entre romanos e bárbaros
verdadeiramente livre, o homem deveria (OLIVEIRA, 2001).
se dedicar apenas ao exercício da
No mesmo período, a associação de
política e das armas (BATTAGLIA,
trabalhadores em comunidades aldeãs,
1951). De acordo com Battaglia (1951),
confrarias e corporações de ofício se fez
há aqui a oposição entre o trabalhador e
muito presente. Finalmente, entre os
o pensador, pois o trabalhador
séculos XIV e XVIII, ocorre a crise do
conheceria apenas as coisas materiais,
feudalismo na Europa ocidental,
não detendo o verdadeiro conhecimento,
avançando-se para a consolidação do
que seria possível apenas por meio do
capitalismo. Nesta época, o
pensamento contemplativo. A atividade
desenvolvimento acentuado do
mental prescinde da matéria, sendo
mercantilismo proporciona uma
considerada, portanto, como ócio e não
estratificação mais demarcada da
como trabalho.
sociedade, que se divide em nobreza,
Tal representação negativa do trabalho clero e povo, de acordo com a estrutura
no mundo antigo, entretanto, não se de poder consolidada. Nos centros
mostra plenamente consensual. Surge urbanos, as manufaturas têxteis tornam-
nova visão, pouco reconhecida entre os se o principal núcleo de transformações

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no sentido de se formar a indústria vil aquele ócio inerte, que não fosse
(OLIVEIRA, 2001). decorrente diretamente do trabalho.
No decorrer deste longo trajeto, é 1.3. O trabalho na era industrial e em
possível se constatar, também, a tempos de tecnologia
mudança operada na significação de
A Revolução Industrial tem sua primeira
trabalho, que foi progressivamente
fase caracterizada pelas transformações
deixando de ser considerado como algo
tecnológicas no setor têxtil e na
que aprisiona o homem. Elucida
introdução, em outros setores, de
Battaglia (1951) que, no período feudal,
maquinários, como a máquina a vapor,
a religião enseja a superação do
que substituem antigas fontes motoras,
dualismo presente na antiguidade e
como a força manual, a tração animal e
afirmando a dignidade moral do trabalho
a energia hidráulica. A descoberta da
livre.
eletricidade e a utilização de
É com a visão do hebraísmo que se tem combustíveis, além de invenções como
a nova significação mais demarcada: no o rádio e o automóvel, tornam mais
Gênesis, o trabalho fatigante é visto expressivo e acentuado o processo
como decorrência do pecado de Adão, revolucionário (OLIVEIRA, 2001).
sendo condenado a retirar seu sustento
Do ponto de vista do trabalho, o
da terra todos os dias da vida com seu
trabalhador, que antes estava vinculado
suor. Assim, o trabalho não seria pena
a terra, que já não lhe pertencia, pois era
desmotivada, mas sim a permissão do
concedida pela relação de servidão, se
restabelecimento do valor que se perdeu
afasta cada vez dos meios de produção.
diante de Deus, pelo pecado
Assim, de camponês passou a ser
(BATTAGLIA, 1951). Conforme
artífice, transformando-se, por fim, em
Battaglia (1951), na ética cristã, o
trabalhador livre, obrigado a vender sua
trabalho, ao mesmo tempo em que
força de trabalho em troca de
permite a produção e acumulação de
remuneração que lhe proporcionaria
riquezas, permite também praticar o
meios de subsistência (OLIVEIRA,
bem, na medida em que fornece os
2001).
meios de fazer caridade, obrigatória aos
cristãos. O trabalhador, nesse cenário, é livre
para vender sua força de trabalho a
No período do Renascimento (séculos
quem quiser e o que regula essa venda é
XV e XVI), surge a exaltação ao
o contrato de trabalho. O salário se torna
trabalho sob a ótica humanista, como
a contrapartida ao dispêndio de energia
parte da essência humana ou um
por parte do trabalhador. Todavia, do
chamado, uma vocação, segundo as
ponto de vista do detentor dos meios de
ideias protestantes (VEAL, 2004). Para
produção, tal salário deve ser
Battaglia (1951), a ética humanista é a
efetivamente menor do que o valor que é
ética do trabalho, pois o homem livre
produzido pelo trabalho, de forma a
seria o responsável pela sua própria vida
gerar mais-valia, ou seja, lucro ao
e história, não se sujeitando ao destino e
capitalista, representando tempo de
sendo capaz de dominar os fenômenos e
trabalho não-remunerado (OLIVEIRA,
as vicissitudes, sendo o trabalho um
2001).
meio necessário de efetivar esse
domínio. O trabalho seria, pois, meio Em tal cenário surgiram os sindicatos,
para o progresso. O ócio seria a com a finalidade de organizar o
recompensa ao tempo de trabalho, sendo proletariado em torno de reivindicações

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comuns, usualmente consubstanciadas Aponta Thompson (2004) que, algum
em maiores proteções ao trabalho das tempo antes da Revolução Industrial, o
mulheres e crianças, com sua aparecimento de relógios começou a
regulamentação de jornada, direito à alterar a noção de tempo das pessoas,
assistência médica e liberdade de posto que se deixou de lado a orientação
expressão e organização. às tarefas que se precisava realizar e
passou-se ao vínculo ao tempo do
No caso brasileiro, com a expansão relógio. Já no século XIII, os relógios
cafeeira a partir de 1889, acentuou-se o mecânicos se encontravam no alto das
nível da divisão social do trabalho, torres comunais, marcando o tempo dos
tendo em vista que se configurou num mercadores, dos negócios e das vinhas,
pequeno processo de industrialização. em concorrência com os sinos das
Em virtude da concentração de capital, o igrejas (DE MASI, 2001). Segundo Veal
volume do maquinário aumentou, porém (2004), isso se refletiu também nas
a compra desses equipamentos fábricas, pois, para iniciar a produção,
pressupõe amortização por meio de todas as mãos deveriam estar no mesmo
volumes de produção cada vez maiores lugar e momento, pois a cada minuto
e, consequentemente, de um grande que o maquinário restava parado, menos
mercado interno, o que não ocorria no lucro se obtinha.
Brasil, que sofria concorrência dos
produtos ingleses, principalmente, e que O capitalismo, portanto, acabou por
apresentava estrutura agrária baseada no mudar a percepção do trabalho, antes
latifúndio, o que impedia o acesso às visto como dever moral ou necessário à
terras e restringia as dimensões do glória de Deus; o trabalho adquire uma
mercado (FOOT; LEONARDI, 1982). vertente mais terrena, materialista, na
medida em que, com a crescente
Assim avançou o Brasil no processo de produção e oferta de bens de consumo e
industrialização, tendo como expoente o aumento da prestação assalariada,
apenas a produção de café, vendido em cada vez mais trabalhadores tinham
contrapartida da grande quantidade de acesso a bens, o que lhes permitia mudar
produtos ingleses importados. No sua condição social. Isso se refletia na
entanto, a concorrência acabou por percepção do trabalho, que passou a ser
afetar negativamente as produções o meio para a mudança de condições de
internas de tecidos, fumo, couro entre vida.
outros (FOOT; LEONARDI, 1982).
No mesmo cenário, o lazer também se
alterou. Com o pensamento centrado no
Do ponto de vista trabalhista brasileiro, trabalho e no consumo de bens, o lazer
o aumento das jornadas de trabalho passa ao segundo plano, tendo sua
nessa época se mostrava mais evidente alocação temporal reduzida e, quando
no setor têxtil. Tal processo gerava o disponível, ocupada por atividades como
aumento do exército industrial de esportes cruéis, apostas, consumo de
reserva e, simultaneamente, álcool, ao lado de atividades como
desvalorizava a força de trabalho, com compras e participação em reuniões
salários reduzidos e ampla sujeição às religiosas. Posteriormente, o cenário se
determinações da burguesia, aprofunda, com o massivo aumento na
considerando as poucas previsões produtividade proporcionado pela linha
legislativas nesse sentido (FOOT; móvel de produção preconizada por
LEONARDI, 1982). Henry Ford e Frederick Taylor. E, em

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paralelo, as ideias da sociedade do lazer internacional do trabalho, a dinamização
ganharam força, defendendo jornadas de fornecida pelas tecnologias da
trabalho reduzidas e maior gozo e informática, a penetração do capitalismo
contemplação. (VEAL, 2004). nos antigos países socialistas e a queda
do Muro de Berlim em 1989. Tais
Da mesma forma, Keynes (1972) já
mudanças influenciaram a classe
sustentava o pensamento exposto acima,
operária, na medida em que se
segundo o qual a vida não consistiria de
romperam os padrões nacionais de
apenas encher a barriga e vestir o corpo,
referência, consolidando-se uma
e sim na criação e contemplação da
sociedade verdadeiramente global
beleza e na compreensão científica do
(IANNI, 1999).
mundo, proporcionada pelo trabalho
durante pequena parte do dia, de forma a O setor de serviços, especificamente,
produzir apenas o suficiente para a apresentou grande expansão,
subsistência. Porém, na prática, a incorporando parcelas significativas da
realidade não se amoldava a tais utopias. força de trabalho renegada pela nova
Crítico da sociedade industrial, Marx dinâmica produtiva industrial
(1996) analisou a exploração realizada (ANTUNES; ALVES, 2004). O
pelo trabalho assalariado sob a forma de trabalhador se torna polivalente e a
alienação objetiva e subjetiva. tecnificação da força produtiva também
se acentua. Assim, conforme Antunes e
Na visão de Marx (1996), o trabalho,
Alves (2004), outra tendência
que deveria ser a mais alta expressão do
significativa é a do aumento do novo
homem, resgatando-o da barbárie e
proletariado fabril e de serviços em todo
inserindo-o na cultura e riqueza, fez
o globo, que se apresenta com vínculos
cada trabalhador se reduzir ao nível de
de trabalho precarizados, entre os quais
escravo e regredir todo o proletariado a
se encontram os trabalhadores
uma classe subalterna. A partir de tais
terceirizados, aqueles em regime de
pensamentos, propõe a eliminação da
tempo parcial (part-time), os
divisão entre proprietários dos meios de
subcontratados, entre outros.
produção e produtores (DE MASI,
2001). Os direitos trabalhistas se reduzem em
Como encaminhamento a partir de tal nome da flexibilização, amoldando o
cenário, a sociedade do lazer Direito do Trabalho a essas novas
preconizada por muitos foi abandonada realidades e possibilitando o aumento da
a partir da década de 1970, quando os contratação por parte das empresas, de
países industrializados do Oriente, forma a combater o problema do
dentre eles o Japão e as atuais potências desemprego (SOUTO MAIOR, 2001).
do sudeste asiático, adentraram a Todavia, a flexibilização tem provocado
concorrência do mercado mundial com grande desvalorização do trabalho
uma ética de trabalho mais intensa do humano, o que, por sua vez, agrava o já
que os valores ocidentais (VEAL, 2004). nefasto problema brasileiro de má
Iniciava-se a Era Globalizada. distribuição de renda (SOUTO MAIOR,
2001). Conforme Kalleberg (2009), o
1.4. Globalização e novas modalidades trabalho precário produz insegurança
de trabalho econômica e volatilidade para
indivíduos e lares, contribui para o
O trabalho, acompanhando o fenômeno
aumento de desigualdades e reforça
da globalização, também se torna
sistemas desiguais.
mundial, apresentando uma nova divisão

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Além da questão econômica, a questão demarcadas segundo as condições locais
social também se altera com a (macrossistêmicas, incluindo
globalização. A expressividade do econômicas e sociais) e, nesse ponto, as
desemprego cíclico e estrutural, a organizações sindicais se mantém
superexploração da força de trabalho, relevantes. Porém, segundo Ianni
permanência de discriminação racial, (1999), as estruturas sindicais restaram
sexual, religiosa e movimentos debilitadas, pois o mundo do trabalho
migratórios são alguns dos aspectos não se restringe mais à área de atuação
sociais influenciados pela grande dos sindicatos, extrapolando seus
internacionalização (IANNI, 1999). limites.
Constata-se, também, a exclusão por 2. Trabalho, lazer, ócio e tempo livre
idade, afastando os jovens e os idosos
do mercado de trabalho; para além do Consoante à conceituação jurídica
vigor físico, há, também, o conceito de brasileira, tem-se que emprego ou o
idoso para o capital, que se daria pouco exercício de um trabalho sob a ótica
acima dos 40 anos de idade jurídica seria o vínculo de prestação de
(ANTUNES; ALVES, 2004). Aponta serviço recorrente, de forma dependente
Kalleberg (2009) existir estudos que em relação a quem contrata e possuindo
corroboram a ligação da precarização, como retribuição um salário, que seria a
fruto da globalização, com problemas de contrapartida pelo serviço prestado. No
saúde, como o estresse em virtude da entanto, vale explorar de forma mais
insegurança gerada por tais relações aprofundada e, sobretudo, humana o
trabalhistas, bem como corrosão de conceito de trabalho.
identidade e anomia.
De acordo com Hannah Arendt (2007),
Todavia, talvez o aspecto mais relevante são distintas as três atividades humanas,
do movimento de globalização seja o quais sejam, o labor, o trabalho e a ação.
desenvolvimento de cultura de massa Por meio de tais ações, o ser humano
em escala global, por intermédio da pode se sentir como parte do mundo. O
mídia eletrônica, que alcança os lugares labor seria considerado como a atividade
mais distantes e se difunde com o correspondente ao processo biológico do
marketing global, reiterando padrões e corpo, o metabolismo e tudo o mais que
valores das grandes nações ou cidades esteja ligado às necessidades vitais
globais, formando ideologia e (ARENDT, 2007). A condição humana
influenciando as vontades e os desejos do labor seria a vida. Já trabalho, ou
da população (IANNI, 1999). fabricação, seria a atividade humana
não-natural, que se encontra fora do
Nesse ponto, é interessante notar que a ciclo vital da espécie e que produz um
própria organização da força se trabalho mundo artificial de objetos, diferente de
se torna internacional. Para além da todo meio natural. A condição humana
regulamentação de cada país, os do trabalho seria o “pertencer-ao-
trabalhadores de empresas mundo”, “mundanidade” ou worldliness
multinacionais ou trabalhadores de (MAGALHÃES, 2006, p. 3). Ação, por
determinada categoria, exercem o fim, seria a única atividade que se dá
mesmo trabalho, ainda que em países sem a mediação da matéria,
diferentes (ANTUNES; ALVES, 2004). correspondendo à condição humana da
pluralidade (ARENDT, 2007;
Na prática, evidentemente, as condições
MAGALHÃES, 2006).
de trabalho são efetivamente

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Com base em tais distinções, Hannah tanto a ação de trabalhar, a coisa
Arendt (2007) vincula a ideia de labor elaborada, ou seja, o produto do
ao animal laborans, ou seja, aquele que trabalho-ação realizado, e o esforço
sobrevive em incessante e recorrente mantido durante a ação, sendo, nesse
interação com a natureza, em oposição sentido, equivalente a fadiga, tanto física
ao homo faber, que trabalha, criando quanto intelectual.
artefatos que não são para consumo
imediato, mas sim produtos finais Conclui, portanto, que trabalho “é (...)
(EHMER; LIS, 2009, p. 3). termo sintético do ato de construir, do
produto obtido, do esforço realizado; é o
Já na visão de Oliveira (2001), trabalho termo sintético do objeto, da ação e da
seria a atividade desenvolvida pelo relação de produtividade entre sujeito e
homem, sob determinadas formas, para objeto” (BATTAGLIA, 1951, p. 18).
produzir riqueza. Acrescenta, ainda, que
Tal confluência de sentidos provém dos
são as condições históricas que dão
antigos idiomas. Battaglia (1951) ensina
validade ao trabalho e estabelecem quais
que, segundo estudos de etimologistas, a
seriam os seus limites por meio da
raiz grega da palavra trabalho é a mesma
organização técnica, também conhecida
do latim poena. Da mesma forma, o
como modo de produção. Define que o
latim labor e o francês travail,
processo de trabalho seria a congruência
proveniente do baixo latim tripaliare, ou
de objeto, meios, força e produto do
seja, torturar com instrumento tripalium
trabalho, conceituando-os da seguinte
(objeto de três paus) possuem a
forma: objeto é a matéria com que se
conotação de fatigar e trabalhar. Por
trabalha, seja ela bruta, natural ou que já
fim, besogne ou no italiano bisogna,
tenha sofrido intervenção humana,
tarefa, representa o que devemos fazer
ocasião em que é conhecida como
mesmo que a contragosto; e o alemão
matéria-prima; meios seriam os
Arbeit e o inglês labour ou work,
instrumentos que o homem utiliza para
possuem, todos, a confluência de
realizar tal transformação; força, a
sentidos aqui retratada.
energia humana empregada no processo
de transformação, que, por sua vez, não Em complemento, Van Der Linden
se confunde com o trabalho (2011, p. 26) traz nova relação
propriamente dito, visto que esse seria o linguística da palavra trabalho,
rendimento dessa força; e, por fim, indicando que se relaciona também à
produto seria o valor criado pelo feminilidade, proveniente do grego tikto,
trabalho, de forma a satisfazer as significando, em tradução livre, trazer
necessidades humanas (OLIVEIRA, ao mundo, e do inglês labour, que pode
2001). ser utilizado com o sentido de parto.
Desse modo, a dor e pena do trabalho se
Battaglia (1951), partindo de uma vinculariam à dor do parto.
perspectiva filosófica, considera a nossa
civilização como a civilização do Porém, Battaglia (1951) afirma que a
trabalho, pois se fala em dignidade do visão tripartite do trabalho, qual seja, de
trabalho, dever do trabalho, direito ao atividade, produto e esforço, não se
trabalho, sendo, assim, algo que eleva o encontra completa, pois, para além de
homem, chegando a afirmar-se uma pena, o trabalho também pode ser fonte
religião do trabalho, laica e humana, de alegria. Tal característica não se
transformando-o num culto. Battaglia encontra na etimologia do termo, mas é
(1951) ainda explica que trabalho denota valor que se agrega historicamente.

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Acrescenta Battaglia (1951, p. 23) que inocupado” seria o tempo daqueles que
“o ato de consciência e de criação que não possuem obrigações profissionais.
dá começo ao espírito, é já trabalho.
Nessa mesma lógica, assevera Theodor
Desdobra tudo no sentido de que não há
Adorno (2002, p. 103) que “o tempo
existência e produção de bens, não há
livre é acorrentado ao seu oposto”, ou
atividade voltada para o exterior, que
seja, é apêndice do trabalho, pois visa à
não pressuponha aquele ato, já trabalho,
restauração da própria força de trabalho.
enquanto atividade desdobrada”.
Para Adorno (2002), a ânsia de ocupar o
Portanto, com tais novos elementos
“tempo livre” com algo que escape ao
agregados, tem-se a conceituação de
trabalho é a mais evidente prova dessa
Battaglia (1951, p. 25), ainda que
estreita relação, sobretudo em
parcial, que trabalho seria “toda
decorrência do modo de produção
atividade do homem, seja criando em si
capitalista que torna deveras impossível
a sua vida, seja projetando-se no mundo
a separação entre sujeito e trabalho. Por
exterior. Livre exaltação do eu
isso, o “tempo livre” (ou não-trabalho)
profundo, explicação para o não-eu,
não é dissociado do tempo das
sempre trabalho, tormento e destinação
obrigações e das possibilidades efetivas
do homem, fadiga e alegria”.
de dominação, ao passo que o modelo
Superado o exame da compreensão do capitalista a ele impõe o consumo de
significado de trabalho ao longo da “produtos culturais” capazes de
história, pautada em aspectos como justificar a necessidade de sobrelabor
fadiga, alegria, introspecção e (ADORNO, 2002). Haveria, portanto,
extroversão, cabe o exame dos termos muitas águas entre “tempo livre” e
lazer, ócio e tempo livre no decorrer do liberdade.
tempo.
O conceito de “ócio”, da mesma forma
2.1. Noções necessárias de lazer, ócio e que o conceito de trabalho, em muito se
tempo livre alterou no decorrer do tempo. Derivado
do latim otium, seria ele o fruto das
A vida humana sempre se organizou em horas vagas, do descanso e da
função do tempo e, atualmente, temos os tranquilidade, agregando ainda o
“tempos sociais”, expressão utilizada conceito de ocupação agradável e
para designar as diversas alocações prazerosa (AQUINO; MARTINS, 2007,
temporais dedicadas a atividades p. 488). O que era visto na antiguidade
específicas, tais como tempo de clássica como um valor nobre, tendo em
trabalho, tempo livre, tempo familiar, vista o seu viés contemplativo e
tempo de estudos ou educação, tempo educacional, no século XIX o ócio
para a igreja (PADILHA, 2003, p. 192). passou a adquirir significações
associadas à vadiagem, tempo
Em relação ao tempo livre, tem-se que
desperdiçado, libertinagem e desordem
ele não se regula por fatores externos,
(PINHEIRO; RHODEN; MARTINS,
estranhos à subjetividade. Para
2010).
Dumazedier (2003, p. 223), “tempo
liberado” seria o tempo restante após o Assim, a Enciclopédia de Paris,
cumprimento de todas as obrigações refletindo o pensamento da época em
profissionais; “tempo livre” seria o que foi produzida, traz a noção de que a
tempo que sobra após o cumprimento de ociosidade seria contrária aos deveres do
todas as obrigações, não apenas as homem e do cidadão, cuja obrigação
relativas à profissão, e “tempo seria se fazer útil à sociedade, obrigação

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esta imposta pela natureza. Fazia-se Portanto, pressupõe-se a existência de
necessária, então, a persuasão de que o trabalho para que haja lazer e vice-versa,
trabalho seria uma das fontes de prazer e na medida em que lazer seria sinônimo
que a ociosidade, a seu turno, seria a de prazer e liberação, em oposição à
fonte de diversas doenças (JACOB, pena e sofrimento do trabalho
1994). Em síntese, conforme Jacob (PADILHA, 2003).
(1994), o trabalho seria o remédio a
Em diferenciação de ócio e lazer, tem-se
todos os males que a ociosidade traz
que o lazer é exercido à margem das
consigo.
obrigações sociais, num tempo que varia
Essa visão de ócio parece inclusive se de acordo com a intensidade de
manter relativamente robusta até os dias engajamento com as atividades laborais
atuais, pois o ócio ainda é visto como (AQUINO; MARTINS, 2007),
contemplação, enquanto o lazer se relacionando-se com o conceito de
ligaria mais à atividade, embora ambos trabalho. Ócio, entretanto, representa
sejam possibilidades de “tempo livre” algo a mais, inserindo-se “no âmbito do
(PADILHA, 2003). liberatório, do gratuito, do hedonismo e
do pessoal, sendo estes fatores não
Em conceituação mais contemporânea condicionados inteiramente pelo social e
de ócio, este seria “uma experiência sim pelo modo de viver de cada um [...]”
humana integral, centrada em atuações (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 223).
queridas, livres e satisfatórias. Não existe, no ócio, conotação de
Autotélicas, ou seja, aquelas com um atividade voltada a fim determinado,
fim em si mesmas e pessoais, ou seja, conforme Aquino e Martins (2007), a
com implicações individuais e sociais”; atividade do ócio carrega consigo
logo, o ócio possui potencial de mesma o seu fim.
desenvolvimento e construção pessoal,
na medida em que permite um processo Battaglia (1951) afirma que o lazer nos
de aprendizagem mais livre e natural seria indiferente, enquanto o trabalho,
(PINHEIRO; RHODEN; MARTINS, segundo a lógica contemporânea, nos
2010, p. 1135), de forma engajada e interessa profundamente, na medida em
mais autêntica. Apresenta a percepção que as pessoas se veem por ele
de identidade e pertencimento, por meio representadas. Afirma inexistir lazer que
da escolha da atividade e possui função não possa se tornar trabalho ou vice-
terapêutica, na medida em que promove versa, considerando a intenção ou o
a manutenção da saúde física e mental vínculo subjetivo com a atividade
(AQUINO; MARTINS, 2007). desenvolvida a principal diferenciação
entre lazer e trabalho; e vê possibilidade
Já “lazer”, para Dumazedier (2003),
de aproximação entre o trabalho e a
seriam as ocupações às quais o
alegria presente no lazer, pois certos
indivíduo pode se entregar livremente,
trabalhos permitem expressar a própria
tanto para repousar quanto para se
personalidade e agir de acordo com a
divertir; para formar-se e informar-se,
vontade pessoal.
participar da sociedade ou criar
livremente, após livrar-se das obrigações Dessa forma, ao satisfazer sua
profissionais, familiares e sociais. O personalidade, o trabalho passa a ser,
lazer se oporia às obrigações (trabalho, além de penoso, jucundo
estudos, afazeres domésticos, obrigações (BATTAGLIA, 1951), expressão que
familiares, etc.); seria oposto ao indica algo ser feliz, alegre, prazeroso,
trabalho, em relação necessária. agradável. Felice Battaglia (1951) não

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se deixa levar, porém, por utopismos, Inicialmente tribal e desorganizado, o
alegando que, ainda que seja possível trabalho passou a ser influenciado pela
reduzir o caráter penoso do trabalho, a religião, glorificando-o como dever
pena em si não é eliminável, pois não se humano na terra, forma de expiação de
liga necessariamente ao sistema de pecados e fonte de virtuosidade, até a
produção ou organização econômica, Revolução Industrial, que permitiu
mas sim à própria moralidade do grande progresso econômico, porém,
homem. sem a contrapartida do progresso social.
Certo é que a relação do trabalhador
E, expostas as características principais com o tempo no contexto social jamais
da globalização na seção anterior, resta deixou a pauta de discussão no campo
o questionamento acerca dos efeitos do trabalho, justificando, inclusive, a
sobre a visão de trabalho e lazer na fixação de regramentos para limitar a
contemporaneidade. No atual contexto, jornada de trabalho e a exploração da
o consumo massificado influencia o força de trabalho. Todavia, o capital
lazer; influencia, ainda, perversamente, sempre cuida de reinventar novas
o estado de saúde de uma sociedade que formas de se abordar a exploração da
se consome na tentativa de se manter força produtiva humana, avançando,
financeiramente estável. Conforme sem pudor, no tempo “livre” do
Brant (2012), o ciclo frequentemente trabalhador, de modo a justificar a
visto é o de trabalho intenso para que se necessidade do sobrelabor.
possa ganhar mais e, da mesma forma,
consumir mais, retornando-se ao Nos tempos atuais, o trabalho e o lazer
trabalho intenso para manter esse estilo se unem num ciclo de consumo,
de vida. potencializado pela cultura de massa
globalizada, que subtrai o tempo livre,
Em retomada de Arendt (2007), aduz seja lazer ou ócio, do seu caráter
Brant (2012) que o ciclo de consumo autotélico e seu potencial de
acima jamais terá fim, tendo em vista a desenvolvimento subjetivo.
sua constante expansão, afetando
sobremaneira o tempo livre e,
particularmente, o lazer, na medida em Referências
que este se reduz ao consumo ou é ADORNO, T. Tempo livre. In: ______.
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