Teatro Grego
Teatro Grego
Teatro Grego
"A arte como a redenção do que conhece - daquele que vê o caráter terrível e problemático da existência, que quer vê-la, do
conhecedor trágico. A arte como a redenção do que age - daquele que não somente vê o caráter terrível e problemático da
existência, mas o vive, quer vivê-la, do guerreiro trágico, do herói. A arte como a redenção do que sofre - como via de acesso a
estados onde o sofrimento é transfigurado, divinizado, onde o sofrimento é uma forma de grande delicia."
(Nietzsche)
É na Grécia, que o teatro e o drama, assumem a sua feição definitiva. Das suas raízes religiosas, advindas do culto a Dioniso,
nasce o TEATRO GREGO. Esse culto agrário chegou à Grécia através da Trácia e da Frigia e lá se associou à vindima e ao ciclo
das estações do ano; ou se implantou em Atenas e na sua região, sobre resquícios de antigo culto da mesma natureza, comum a
todo o Mediterrâneo Oriental, assim se explicando os ARQUÉTIPOS que facilitaram a rápida aceitação de Dioniso, deus
estrangeiro. Num primeiro estágio a principal solenidade consistia na caça de um animal selvagem, que representava o deus,
sacrificado em seguida. Uma cerimônia acompanhada de libações, danças e música, já contendo o germe da representação
dramática.
Fundamentadas neste culto, instituíram-se as Pequenas e Grandes Dionisíacas, festas em honra ao deus Dioniso, que passaram
a ser celebradas cada vez mais freqüentemente: na vindima, no preparo do vinho e para prantear Dioniso, morto todos os anos
com o vinhedo. Nestas cerimônias, entoava-se o "ditirambo", hino de louvor ao deus, que tomou o nome de tragoidia (canto do
bode), quando acompanhado do sacrifício de um animal, sendo o bode o animal sagrado de Dioniso. Essa cerimônia era
realizada ao redor do altar de sacrifício, a thyméle. O coro e o ditirambo traziam em si elementos essenciais à arte teatral:
dança, canto, mímica.
Orgia Báquica
Até o século VI, o ditirambo que era praticamente o único acompanhamento destas cerimônias, reunia os elementos dispersos
da poesia épica primitiva, enquanto a epopéia dos conquistadores gregos, representada pela Ilíada e pela Odisséia (séc. IX),
proporcionou ao gênio grego e ao seu teatro o seu grande repertório de mitos e lendas.
Desde a mais remota antiguidade, poetas populares, os rapsodos, percorriam a Grécia recitando os cantos épicos e participando
dos concursos públicos. Perde a tragédia a relação aparente com as suas origens, uma vez abandonados os temas dionisíacos do
ditirambo.
E das que sobreviveram até os nossos dias, só uma retomou a mitologia da divindade matriz - As Bacantes, de Eurípedes. Ainda
assim, o teatro trágico grego conservou por muito tempo traços do seu início. Foi hábito construir no centro do conjunto teatral,
no coração da orchéstra, a thyméle simbólica que trazia à memória o altar-berço da tragédia; o coro permaneceu como uma
reminiscência do ditirambo, a indumentária dos atores nunca perdeu o seu sentido hierático; e a ocasião do espetáculo trágico
foi sempre a festa religiosa de Dioniso.
Teatro Grego - parte I | O Festival de Teatro de Atenas e suas convenções
Tudo começou por volta de meados do séc. VI quando o tirano democrático Pisistrato transferiu o antigo e rústico festival
dionisíaco dos frutos, para o coração de Atenas. Com as Dionísias Urbanas, que tinham lugar no fim de março, o povo recebeu
um magnífico festival popular em que podia cimentar seus interesses e exibir as glórias de seu Estado aos negociantes que
visitavam a cidade nesta época.
As Dionísias Urbanas eram consideradas tão sagradas, que violações menores eram punidas como sacrilégio. O Festival
começava suntuosamente com uma procissão que escoltava uma antiga imagem de Dioniso, literalmente o "deus pai" do teatro,
ao longo da estrada que conduzia à cidade de Eleutéria e regressava depois a Atenas à luz de tochas. A imagem era então,
colocada na orquestra do teatro, com rituais apropriados e assentos especiais eram reservados aos sacerdotes do deus, vestidos
com grande pompa.
No tempo de Péricles à frente do Estado entre 443 e 429 a.C., a grande Dionisíaca era uma festividade de sete dias de duração.
O primeiro dia era dedicado ao proágon, apresentação de todos os participantes no recinto coberto do Odeon. No segundo dia,
uma procissão, pompé, se dirigia para o âmbito sagrado do templo de Dioniso, onde se sacrificava um touro, seguindo-se às
provas ditirâmbicas, que consistiam em concursos corais por coros de homens e rapazes. O terceiro dia se reservava à comédia,
com cinco dramaturgos na competição.
Do quarto ao sexto dia, com cinco representações diárias, havia o festival de tragédias - três tragédias e um drama satírico fálico
pela manhã e uma ou duas comédias à tarde. Três dramaturgos competiam, cada um com três tragédias e um drama satírico.
No último dia, reunia-se a ekklesia, ou assembléia pública, para a entrega dos prêmios, com ampla discussão sobre o desenrolar
do festival. A preparação para o concurso era feita algum tempo antes do festival. As peças eram cuidadosamente selecionadas
pelo primeiro leitor profissional do teatro, o funcionário público ou arconte, que também escolhia o intérprete principal ou
protagonista. Cidadãos abastados eram designados por lei (a coregia) para arcar com as custas de um coro de doze ou quinze
homens, sendo este um dos diversos deveres estatais atribuídos a eles até o empobrecimento destes, durante a Guerra de
Peloponeso. A partir de então, o Estado passa a assumir o encargo. O corego designado responsabilizava-se pela formação do
coro; devia ceder um local para os ensaios; adquirir o equipamento necessário à representação (adereços, máscaras, etc);
garantir a cada executante (atores, músicos, dançarinos, figurantes, funcionários), um salário diário. Quando os poetas
renunciaram (no princípio do século IV) a interpretar e a dirigir as suas próprias peças, o corego também pagava a um
corodidascalo (diretor dos coros e muitas vezes da música e da dança) e a um protagonista.
Além das Dionisas Urbanas, havia um festival mais antigo, conhecido pelo nome de Lenianas, que tinha lugar mais ou menos no
fim de janeiro, que também começou a incluir concursos trágicos e cômicos. Mais tarde nas aldeias e cidades da Ática,
conhecidas por Dionisas Campestres, começaram a oferecer produções dramáticas, sendo que as melhores apresentadas no
porto marítimo de Pireu. O povo, na sua totalidade, está presente em todas essas jornadas solenes que são o seu orgulho e a
sua conquista. Os concursos dramáticos das Dionisas Urbanas, transformados em verdadeira instituição do Estado, davam aos
cidadãos a possibilidade de afirmar a ordem material e espiritual da cidade. As grandes Dionisas impunham a sua grandeza
religiosa e social. Estas festas eram um dos processos mais eficazes de reanimar a coragem, de exaltar os instintos e os
sentimentos de embriaguez sagrada de Dioniso e na beleza da tragédia. A magia dos ritos era assim substituída pela magia da
Arte do TEATRO. Os conflitos do homem e dos deuses, do indivíduo e do Estado, repercutiam-se em cada um e na cidade inteira.
Teatro Grego - parte I | O Ator, A Máscara e a Indumentária
Dionísio e o Teatro
A introdução dos atores trágicos e cômicos nos concursos dos festivais dionisíacos foi o primeiro sinal de um itinerário
ascendente, rumo à especialização que culminou no séc. IV a.C. O processo começou em 449 a.C., quando a escolha do
protagonista passou a ser feita pelo Estado e foi nessa mesma ocasião que os concursos para atores foram instituídos. No século
seguinte, surgiram as corporações de atores ou colégios dionisíacos, chefiados por protagonistas ou profissionais de outras artes,
como os músicos, com função de aperfeiçoamento e também de produção de peças. A sua composição era eclética, abarcando
desde atores trágicos e cômicos a poetas e cantores. As mulheres estavam excluídas, como sempre estiveram do palco grego
que se pode chamar de oficial. Só nas formas populares do mesmo, é que tiveram lugar. Eram necessárias as suas habilidades
pessoais, uma voz apropria da para amplos espaços e para o canto.
Na tragédia, a veste principal era o quiton (chitón), diferente do cotidiano por ter mangas largas e cores variadas e pela cintura
muito alta, disposta logo abaixo do busto. O coturno (kóthornos), sapato de solas grossas e pintadas e o onkos (alto adorno da
cabeça acima da máscara) davam ao intérprete dimensões fora do normal. O quiton era complementado com outras peças
externas ou mantos sobre esse traje fundamental. Outros elementos podiam ser acrescentados para melhor caracterizar o
personagem: figuras de países estrangeiros, que traziam alguns sinais das suas regiões; heróis usavam coroas; as cores
assumiam valor simbólico; o traje da comédia tinha o propósito de acentuar o ridículo e se tornou praxe recheá-lo à frente e
atrás, recurso que se denominava somátion. Houve modificações conforme o período da comédia. Resquícios do corte o dos ritos
fálicos estiveram presentes na comédia antiga, a exemplo das máscaras de animais e do falo artificial, que só a comédia nova
faria desaparecer. Tão pesadamente paramentados, os movimentos dos atores trágicos eram necessariamente lentos e seus
gestos amplos.
A mais forte característica do ator grego, estava na máscara cujas relações com os ritos primitivos, eram evidentes. Nos ritos
primitivos a máscara ritual não é um objeto qualquer. Tem um sentido sagrado, é um objeto sagrado. A máscara ritual encerra
em si forças. É uma transferência de energias. Nos rituais as máscaras têm uma função, estão ligadas a ações, ações essenciais.
Têm também um sentido de mutação, metamorfose. A máscara ritual transcende. Dá vida a um ser divino. É uma simulação de
poderes divinos. Concretiza conceitos abstratos. Confere uma qualidade espiritual ao homem. Representa o espírito dos mortos e
animais. Ao representar um determinado animal, a máscara transfere qualidades e poderes desse animal. Quando esculpida em
madeira, as qualidades sagradas das árvores impregnam a máscara e se transferem depois aos seus portadores. Em muitas
comunidades primitivas contemporâneas, entre elas as comunidades indígenas, a máscara está ainda viva. Segundo Jacob
Klintowitz, a máscara é para os índiosum fator de equilíbrio e de transcendência, é uma experiência social e espiritual nesta
vivência ritualística e mítica. Ela continua sendo para os índios, um elemento de ligação entre o homem e o mundo espiritual.
Quanto ao seu visual, as máscaras primitivas são abstratas. Elas partem do real (formas geométricas, linhas, triângulos,
indicando nariz, olhos, etc), mas expressam o não real, diz Kirby. As máscaras primitivas ao representarem o espírito do homem
ou do animal, apresentam um não-homem, um não-animal, mostram um ser mutuante, algo entre homem e animal, são como
que uma ligação entre um e outro.
Os rituais apresentam fragmentos da vida terrena, mas insinuam uma outra realidade. São manifestações do real e do não-real,
ilusão e realidade, partindo de dados reais, apresentam algo além. Os rituais são cerimônias onde se realizam determinadas
ações que provocam na mente dos seus participantes uma emoção que lhes confere uma espécie de iluminação. Nos rituais as
ações se repetem. E se repetem porque representam algo essencial e verdadeiro num determinado momento e para uma
determinada comunidade. Os rituais se utilizam de gestos, ações, ritmo, palavras, objetos e máscaras.Através dos rituais, os
mitos eram transmitidos e revividos. Mito e Rito, sempre ligados. Explicações de fenômenos naturais e suas relações com o
sobrenatural. Nos rituais ocorre um desdobramento imediato de personalidades. Ocorre uma identificação com o que se pretende
imitar, seja com uma entidade sobrenatural, seja com forças da natureza ou com animais. É o homem que, saindo de seu
quotidiano se transforma, acarretando modificações ao seu redor e transformando o seu ambiente, apresentando outra
realidade. Princípios esses básicos do teatro.
A máscara, como o teatro, amplia conceitos, amplifica a vida, mostra algo além do que aparenta.
"À medida que os rituais decaíram, conforme observou Odette Aslan, "a máscara se dessocializou e deixou de representar o
divino, passou a representar apenas conceitos genéricos, mas nunca deixou de trazer em si a sua essência."
Assim, as complexas e fortes histórias da mitologia grega, originaram as grandes tragédias. E a tragédia, tratando de deuses e
heróis, assimilou o uso da máscara para representá-los simbolicamente. As máscaras mantidas pelo teatro grego eram um
poderoso meio de prender a atenção, criando excitação e expressando a essência do drama. Todos os atores usavam máscaras
alongadas e grotescas de linho, cortiça e madeira, que se tornaram maiores com o tempo.
Máscaras especiais eram exigidas por personagens mitológicas e alegóricas como Io, de chifres, Argos de muitos olhos, as
Fúrias, cujos cabelos eram serpentes, e figuras alegóricas como a Morte, a Forca, a Loucura.
As máscaras criavam o clima mítico da tragédia, e grotesco na comédia. O que a máscara da tragédia perseguia em solenidade e
gravidade, a da comédia buscou em grotesco e ridículo.
Já se percebe na máscara grega o propósito de fixar tipos, destinação que a comédia dell'arte levaria ao extremo, na Itália do
Renascimento. Fator importante no uso da máscara era o ónkos, deformação piramidal da cabeleira sobre a mesma, bem como
a dos lábios, concebida para ampliar o alcance vocal.
Teatro Grego - parte I | Cenários e Efeitos Cênicos
Representação de "Pluto"
Desde os tempos clássicos da tragédia já se empregavam cenários pintados, creditando-se ao próprio Sófocles o seu
desenvolvimento. Dois cenógrafos ficaram famosos: Apolodro de Atenas e Clístenes da Erétria. Aristóteles menciona Fórmio
como sendo o inventor do cenário móvel.
O cenário básico era uma fachada de palácio com colunas e portas. No rol dos mecanismos, ocupa lugar de relevo a euquiclema
(ekkyklema), plataforma móvel que avançava de uma das portas para o proskénion , a fim de oferecer testemunho de fatos
ocorridos no interior, à revelia dos espectadores.
Vinham, assim, ao conhecimento do público os resultados de cenas violentas, como assassinatos, que as convenções não
permitiam se desenrolassem em cena. Entre os recursos do palco inclui-se, também, a chamada "escada de Caronte" (Charónioi
Klímakes), abertura sobre o proskénion por onde surgiam os fantasmas que subiam do mundo ínfero ou personagens desciam ao
Hades. Theologueion era o mecanismo que fazia subir ou descer os heróis ou deuses, amplamente empregado e definidor da
interferência de divindades na ação cênica. Tinha lugar no telhado provocando efeitos espetaculares, como por exemplo, a
partida de Medéia numa carruagem tirada por dragões alados. Ocasionalmente, os cenários chegavam a ser mudados dentro de
uma mesma peça com a ajuda de prismas giratórios pintados, conhecidos por periakti, embutidos na construção cênica em
ambos os lados do palco. Um engenho semelhante a um guindaste - o mekane - transportava o ator que também personificava
um deus para o teto da construção cênica. Esse guindaste possibilitava ao ator atravessar velozmente a área de representação,
mantinha-o suspenso no ar e baixava-o na orquestra. Era o "deus da máquina" ou deus ex machina.
O efeito cênico era grandemente realçado pela presença do côro, que saía dos bastidores marchando com garbo em formações
de fileiras e colunas, ia e vinha conforme as necessidades e misturava-se aos atores de tempos em tempos. Em lugar de uma
cortina, cada nova cena era introduzida e seguida por um coro, e se era necessária uma passagem de tempo, considerava-se
que decorria enquanto era cantado o stasimon ou ode coral. O côro cantava ou entoava odes com movimentos apropriados e
altamente estilizados. Uma forma majestosa de dança denominada emmelia (harmonia) acompanhava as odes mais solenes,
enquanto as odes que expressavam emoções intensas ou alegria faziam-se acompanhar por uma dança movimentada.
Mesmo quando o coro permanecia passivo, esse conjunto não ficava congelado na composição de um quadro imóvel, como se
supôs. Continuava a seguir a estória com movimentos descritivos, exprimindo emoções de ansiedade, terror, piedade, esperança
e exaltação. O coro também não cantava durante todo o tempo, pois algumas vezes usava a fala recitativa e até mesmo a
coloquial ao dirigir-se aos atores. E também não cantava ou falava sempre em uníssono.
Durante o assassinato do rei, em Agamemnon, os anciãos desamparados discutem o que fazer e cada membro do coro expressa
seu ponto de vista. As canções eram apresentadas com grande clareza na dicção, cada nota correspondia a uma sílaba e eram
acompanhadas por um instrumento de sopro em madeira, semelhante ao nosso clarinete.
O uso do côro no teatro grego tinha por certo suas desvantagens, pois ralentava e interrompia as partes dramáticas da peça.
Mas enriquecia em muito as qualidades espetaculares do palco grego e introduzia um componente musical no teatro, o que levou
escritores a comparar a tragédia clássica com a ópera moderna.
Sempre ao lado dos templos de Dioniso, a estrutura espacial do teatro grego, limita-se à orchéstra, circunferência de terra
batida situada nas imediações de um terreno em declive, onde permaneciam os espectadores, e que depois viria a transformar-
se no Kóilon, ou arquibancada.
Foi na época de Ésquilo que surgiu a Skené, a princípio uma cabana de madeira onde os atores se preparavam. Em fase
posterior, passou a ser construída de pedra e alvenaria, funcionando a sua parede de fundo como cenário, atrás do proskénion.
Este tinha a sua frente decorada com pirales, possivelmente pintados e denominados pínakes.
O hemiciclo (théatron) de Atenas acolhia cerca de catorze mil espectadores; era provavelmente reconstituído todas as
Primaveras, com a ajuda de andaimes provisórios. No recinto sagrado de Dioniso nenhuma dessas construções sobreviveu.
Somente no séc. IV, no reinado de Liturgo (cerca de 330 a.C.), foi construído um teatro permanente. Durante os séc; III e II,
em plena época da decadência, é que foram construídos proscênios de pedra. Ésquilo, Sófocles e Aristófanes viram as suas obras
representadas no teatro de madeira de Dioniso, constituindo a orquestra o único elemento permanente no teatro.
A orquestra e o proscênio formavam os únicos planos de representação. Não coincidiu, pois, com o período áureo da tragédia a
melhor fase do edifício teatral, só atingida no período helenístico. O desenvolvimento implicou na redução da área da orquestra,
outrora circular e depois correspondente a dois terços de um círculo, na ampliação do Kóilon, já então de pedra, e numa
elaborada da Skené.
Segundo Vitrúvio (sec.I a.C.) e Poleux (séc. II a.C.), o edifício teatral da Grécia, em sua forma mais evoluída, constava dos
seguintes elementos básicos:
Representação de "Pluto"
Os gregos produziram considerável acervo de comentários e referências sobre o teatro e a literatura dramática. Nada, porém,
superou em importância, a Poética de Aristóteles (Aristóteles, 384-322 a.C.), em seus capítulos dedicados à tragédia e à
comédia, o primeiro corpo sistemático de teoria do teatro e do drama.
Vista por outro ângulo, a tragédia grega é a imagem do homem e dos deuses
face ao destino inelutável, como está retratado em Édipo-Rei, de Sófocles.
Conquanto a epopéia tivesse servido de transmissor, a sua matéria-prima foi
na verdade o mito e, por seu intermédio, pode também deixar entrever,
momentos fundamentais da cultura humana, como em Prometeu Acorrentado
e na Oréstia, de Ésquilo.
"O dionisíaco, com seu prazer primordial, percebido até mesmo na dor, é a
matriz de que nasce a tragédia". (Nietzsche)
Ésquilo ganhou por treze vezes, o primeiro prêmio nos concursos dramáticos
da Ática. Autor de cerca de noventa peças, destas somente sete chegaram aos
nossos dias. Embora em número reduzido, no conjunto é como se fossem uma
amostragem representativa de alguns dos aspectos mais importantes da
tragédia: a exploração em profundidade da mitologia; a riqueza significativa
de cada mito eleito; um alto padrão literário como instrumento do teatro.
Ésquilo morreu em 456 a.C., em Gela, Sicília.
AS TRAGÉDIAS - de Ésquilo
Os Persas foi escrita em 472 a.C., oito anos após a batalha de Salamina e
valeu o primeiro prêmio ao seu ator.
O dramaturgo patriota exulta com a independência do povo grego, ao mesmo
tempo em que não exalta o vencedor, nem os vencidos e em nenhum momento
depõe a dignidade dos mesmos.
Quando a tragédia tem início, o titã está sendo acorrentado a um pico nas
montanhas do Cáucaso pela "Força", pela "Violência" e pelo deus-ferreiro
Hefaistos. Ficando a sós, Prometeu dirige-se à natureza e, sobretudo à sua
mãe, Têmis ou Terra - primeiro monólogo teatral que chegou a nós. Possuidor
do dom da "previsão" sabia o que deveria suportar se levasse o fogo aos
homens e tornasse possível sua sobrevivência e libertasse o seu temor. O
desafio de Prometeu a Zeus, é por este severamente punido e desde o início o
herói sofre o castigo que lhe fora imposto. Através de Prometeu, os homens
conquistaram suas mentes, recebendo dele o seu método de salvar a
humanidade através das artes e da indispensável ciência da cura dos corpos.
Prometeu diz que se Zeus desposar uma mulher cujo nome ele não revelará, a
criança que nascerá dessa união acabará por derrubá-la do trono. Os
emissários de Zeus exigem que o titã revele o mistério da futura derrocada do
vencedor. Prometeu se recusa e é tragado por uma convulsão da natureza - um
abutre que se alimenta do seu fígado. A dramaticidade em dimensões extra-
humanas e uma projeção épica dos incidentes marcam a obra.
TRILOGIAS
Antígona observa, "A discórdia é a última das deusas a terminar seu conto", e
um novo conflito é indicado no encerramento da tragédia. Ésquilo estava
galgando novas intensidades em OS SETE CONTRA TEBAS ao voltar-se
para a tragédia humana e individual.
Vem, por fim, a sua última e maior trilogia - A ORÉSTIA , que é qualificada
como "a maior criação do espírito humano".
AS TRAGÉDIAS - de Sófocles
Escrita em 442 a.C. Sófocles dedica-se aqui a um conflito básico: a luta entre
uma mulher defendendo a família (consciência individual) e o homem
apoiando o Estado (pretensões rivais do Estado). A oposição entre amor e
ódio lança sua magia por toda a peça. Nesta tragédia, Creonte, imperando em
Tebas após a vitória dos Sete, proíbe o sepultamento de Polinices, como
inimigo da sua pátria. Sua irmã Antígona recusa obediência à ordem e
proporciona-lhe sepultura. Condenada à morte, suicida-se.
Eurípedes foi inicialmente treinado para o atletismo, mas ainda que tenha
obtido algum êxito, o futuro mestre da "batalha mental" breve cansou-se da
profissão.
Também, é significativo que Eurípedes tenha crescido entre os esplendores da
adoração cerimonial. Fila, a aldeia na qual nascera, era renomada por seus
templos e, como membro de umas das primeiras famílias atenienses, estava
entre os jovens escolhidos que participavam dos serviços. Eurípedes esteve
estreitamente ligado à religião que mais tarde questionaria, permanecendo
suscetível aos valores estéticos da adoração religiosa até o fim de seus dias.
Seu fascínio como dramaturgo está neste dualismo entre o pensamento e a
fantasia, entre a emoção e a razão.
Em sua obra os componentes da tragédia se ampliaram, admitindo o
romanesco e mesmo o cômico, com um espírito dos mais alertas que a
Antiguidade conheceu.
AS TRAGÉDIAS - de Eurípedes
Nunca antes foi lançado um grito tão angustiante pela humanidade oprimida;
jamais voltaria a ser erguido com tal sustentação no teatro de modo tão
uniforme.
As dezessete tragédias de Eurípedes: Alceste, Medéia, Os Heráclidas,
Andrômaca, Hipólito, Hécuba, Hércules Furioso, As Suplicantes, Íon, Electra,
Helena, As Fenícias, Orestes, As Bacantes, Ifigênia em Áulida, As Troianas e
Ifigênia em Táurida.
A morte de Eurípedes e de Sófocles foi também o fim da tragédia como
gênero maior.
O único nome de algum relevo que ainda surgiu foi o de Agatão, referido por
Aristóteles, Aristófanes e Platão.
Teatro Grego, parte II - O Drama Satírico
Sátiro
Das danças mais recuadas em honra a Dioniso este drama reteve a imitação
dos sátiros, seguidores mitológicos da divindade, como se apresentavam os
celebrantes masculinos. O ditirambo que foi conduzido aos concursos
atenienses já não admitia também as Mênades, mulheres que participavam
ativamente das cerimônias do passado.
Quando o drama satírico assumiu as suas feições finais, fato que a tradição
atribuiu a Pratinas, já concorrente de Ésquilo nos festivais, não diferia em
muito da estrutura da tragédia, sendo como esta, nas suas versões mais
arcaicas, um jogo entre o coro e os protagonistas.
ESTRUTURA E PERÍODOS
Das suas origens ao declínio, a comédia ateniense teve três períodos bem
delineados:
Escreveu quarenta e sete comédias, das quais onze chegaram até nós: Os
Acarnienses (enc. 425 a.C.), A Paz (enc. 421 a.C.) Lisístrata (enc. 411 a.C.),
Os Cavaleiros (enc 424 a.C.), As Nuvens (enc. 423a. C.); A Assembléia das
Mulheres (enc. 392 a.C.), Pluto (enc. 388 a.C.), As Rãs (enc.405 a.C.), Os
Pássaros (enc.414 a.C.), As Vespas (enc.422 a.C.), As Festas de Ceres e
Proserpina (enc.411 a.C.).
Vencida por Esparta e governada pelos Trinta Tiranos, Atenas não mais
desfrutou da antiga liberdade política e da prosperidade que dela fizeram a
rainha das comunidades gregas. O teatro sofreu o impacto da modificação e da
crise. Empobrecido o tesouro público, já não era possível arcar com as
despesas da organização dos coros, fator que afetou não somente o gênero
cômico como também contribuiu para a decadência da tragédia. Os concursos
públicos perderam a regularidade.
Criar uma cena viva. Primal. Uma confrontação mítica e ritualística com a
obra, pois o que importa, como diz Artaud, não são os livros e sim as forças e
as energias que emanam desses livros. Captação ancestral. Irromper o tempo
homogêneo, o tempo do cotidiano. Transcender o discursivo. Tempo mítico:
a regeneração do tempo através do rito, do mito. No eterno retorno ao caos
do princípio, a regeneração da vida. Ato originário da criação em devir
permanente. A repetição como um incessante ensaio dos mitos primordiais,
que, embora aconteça no tempo, não carrega o peso do tempo, não registra
a irreversabilidade do tempo. Passado, presente e futuro contraem - se num
único momento do presente, onde a vida palpita em seu verdadeiro sentido.
Artaud nos propõe um teatro que se revele capaz de extrair as forças que se
agitam nos velho mitos.
Assim , ao adentrar o universo de As Troianas, buscamos resgatar esta
grande obra de sua escravidão temporal e reencontrar a força e a vida da
tragédia grega.
Eurípides, como Artaud, nunca encontrou um porto seguro na busca de
explicação para o mistério da alma humana. Inquieto, até mesmo
desesperado, estava sempre partindo para novas indagações e novas formas,
razão porque suas peças são, até hoje, objeto de controvérsias.
Também como Artaud, Eurípides foi incompreendido no seu tempo -
recolhido à paz de uma caverna, ele escrevia para outros tempos.
Eurípides preconiza em suas tragédias essa "crueldade vital", da qual nos fala
Artaud, em que a grande aventura humana já não consiste no desafio ao
destino ou aos deuses, ou no morrer por sua pátria, mas na impossível fuga
da condição humana. "A inevitável marca do humano: a contradição, a
irremediável convivência entre a grandeza e a fragilidade, entre a abnegação
e a mesquinhez, a coragem e a covardia. Entre o projeto e o acidente. Entre o
conhecer e o poder. A sabedoria e a paixão. Eis a grande e sublime tragédia."
Essa condição conflitiva explode com toda a força nas grandes figuras
femininas de Eurípides (Medéia, Fedra, Andrômaca, Hécuba, Cassandra, As
Bacantes...). A mulher, de certo modo, assume na tragédia de Eurípides o
lugar dos antigos heróis. É através delas que ele expressa o crepúsculo da
pólis, que se desenhava no horizonte, quando velhos ideais já não resistiam
e, pouco a pouco, germinavam tendências irracionalistas na cultura ática.
Eurípides desnuda esta irracionalidade do homem.
Ele viveu os problemas de seu tempo "com uma curiosidade insaciável pela
grandeza frágil da alma humana, para além dos discursos e das hierarquias
sociais (...) esteve preocupado mais com a significação dos afetos do que com
a importância dos cargos e dos feitos políticos ou militares (...) soube, como
ninguém, retratar toda a riqueza e o poder gerador e mortífero da paixão. A
paixão que faz os heróis, os mártires, os tiranos, os homicidas e que está por
trás da religiosidade, do amor à pátria, da devoção ao cônjuge, da rigidez
moral e da moralidade. Eurípides enxergou, além dos discursos e dos atos, a
verdadeira natureza dos homens. Para ele a norma social ou moral é apenas
dique frágil a conter torrentes de desejo."·
Trilhando esse caminho, buscamos ainda transpor o texto clássico grego para
o tempo que se chama hoje, para uma linguagem das nossas origens. Assim,
evocamos a força vital das Hécubas Africanas", as grandes - mães de santo,
que exiladas da sua terra, tornam - se as guardiãs de toda uma tradição
cultural. Mulheres - raízes ( o morto - vivo, síntese ativa da morte e da vida).
"Quando uma árvore é cortada, há esperança, ela reverdecerá e novos ramos
brotarão, ainda que seu tronco fique como morto no pó."
Após esse longo período de pesquisa, é que entramos em contato direto com
o texto, enquanto enunciação, já tendo como base a face oculta, o não -
manifestado, o invisível que veio se tornar manifestado e visível na partitura
e escritura cênica de AS TROIANAS.