Caderno Clisertao

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EXPEDIENTE

Governador
Paulo Câmara

SECRETARIA DE CULTURA
Secretário
Marcelino Granja

Gerente de Política Cultural


Maria Teresa Santana Amaral

Coordenador de Literatura
Wellington de Melo

Assessores de Literatura
José Jaime Junior
Gilvanedja Mendes

FUNDARPE
Presidente
Márcia Souto

Superintendente de Planejamento e Gestão


Marcos Vinicius da Silva Filho

Gerente de Produção
Luiz Cleodon Valença

SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA


Secretária
Lúcia Melo

Universidade de Pernambuco
Reitor
Pedro Falcão
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Renato Moraes

UPE/Campus Petrolina
Diretor
Moisés Diniz de Almeida
Coordenadora do Colegiado de Letras
Maria de Fátima Rolim C. dos Santos
Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa
Paulo Adriano Schwingel
Coordenadora de Extensão
Lidiane Régia Pereira Braga
Coordenadora de Graduação
Maria Gleide Macedo de Souza Santos Pereira

COORDENAÇÃO GERAL DO CLISERTÃO


Genivaldo do Nascimento (UPE)
Wellington de Melo (SECULT-PE)

COMISSÃO ORGANIZADORA
Dr. Iran Ferreira de Melo
Dra. Clarissa Loureiro
Ms. Francisco de Assis Silva Panta
Ms. Genivaldo do Nascimento
Ms. Maria Aparecida Ventura Brandão
Ms. Maria de Fátima Rolim Cavalvanti
Ms. Vlader Nobre Leite
Esp. Yolanda Almeida
Drª. Rossana Ramos Henz
Ms. Maria Gleide Macedo de Souza Santos Pereira
Esp. Maria Silu Caldeira

COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. Cosme Batista dos Santos
Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus III-DCH
Profa. Dra. Geida Maria Cavalcanti de Sousa
Universidade Federal do Vale do São Francisco
Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Profa. Ms. Ana Patrícia Frederico Silveira
Instituto Federal do Sertão de Pernambuco
Profa. Dra. Lívia Suassuna
Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Iran Ferreira de Melo
Universidade Federal de Pernambuco
Profa. Dra. Rossana Ramos Henz
Universidade de Pernambuco
Profa. Dra. Clarissa Loureiro
Universidade de Pernambuco
Profa. Dra. Dinani Gomes Amorim
Universidade do Estado da Bahia / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais
Prof. Dr. Ricardo José Rocha Amorim
Universidade do Estado da Bahia / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais
Prof. Dr. Josenilton Nunes Vieira
Universidade do Estado da Bahia / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais
Prof. Dr. Luiz Adolfo Andrade
Universidade do Estado da Bahia / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina
Prof. Ms. Francisco de Assis Silva Panta
Universidade de Pernambuco / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina
Prof. Ms. Genivaldo do Nascimento
Universidade de Pernambuco/ Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina
Profa. Ms. Maria Aparecida Ventura Brandão
Universidade de Pernambuco
Profa. Ms. Maria de Fátima Rolim C. dos Santos
Universidade de Pernambuco
Prof. Ms. Vlader Nobre Leite
Universidade de Pernambuco
Profa. Esp. Yolanda Almeida
Universidade de Pernambuco

C 749Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão. (2:2015 .Petrolina/PE)

IICLISERTÂO .Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão:

caderno de resumos, artigos e programação. Genivaldo do Nascimento; Wellington

de Melo(orgs.)/UPE.Secretaria de Cultura de Pernambuco. FUNDARPE. Petrolina.PE:

GráficaFranciscana, 2015.

548p.

(Material bibliográfico em pdf)

Disponível em http://www.upe.br/petrolina/

ISBN 978-85-60849-56-7

1-Literatura I. Congresso Internacional do Livro, Leitura eLiteratura no

Sertão.(2.2015 :Petrolina/PE) II. Genivaldo do Nascimento; Welligtonde Melo(orgs.).

CDD807
Realização

Secretaria de Cultura de Pernambuco/Fundarpe


Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina/Colegiado de Letras Português

Apoio

Facepe-Fundação de Amaparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco


Prefeitura de Petrolina

Tema do II CLISERTÃO

A democratização do Livro, o Sertão reinventado e as fronteiras da Literatura


HOMENAGEADOS DO IICLISERTÃO

J.Borges (xilógrafo, cordelista e editor . Prêmio Vivo de Pernambuco)

“Há décadas Jota Borges tem viajado quase que ininterruptamente dentro e fora do Brasil,
onde é muito conhecido. Suíça, Estados Unidos, Venezuela, França, Alemanha, Portugal,
Cuba são países para onde viajou, além dos lugares aonde tem ido a obra do artista, como
Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, México, Argentina. Para Caracas, foi em 1995. A Cuba, foi
em 1997, num avião russo dos anos 50. Permaneceu doze dias lá, ministrando oficina numa
casa de cultura caribenha. Graças ao talento, sobretudo ao talento, e à amizade que cultiva há
anos com importantes galeristas, artistas plásticos, jornalistas e pesquisadores, Borges tem
obras no acervo da Biblioteca Nacional de Washington e no Museu de Arte Popular do Novo
México (em Santa Fé, EUA), já saiu no New York Times, participou da revista suíça Xilon em
número especial (1980) dedicado aos xilógrafos nordestinos, ilustrou o livro "As palavras
andantes", do uruguaio Eduardo Galeano (1993), figurou no calendário da ONU de 2002,
com a gravura "A vida na floresta", dentre outras notáveis aparições internacionais no mundo
da arte” (Drª Maria Alice Amorim)

Antônio de Santana Padilha (in memorian). Escritor e jornalista petrolinense

“Amostras de vários gêneros de suas obras podem ser lidas e analisadas na antologia
Poética Ribeirinha, (Edupe,1998). Sua obra de maior envergadura é seguramente o
romance Pedro e Lina, leitmotif para justificar ficcionalmente o nome de Petrolina. De
Antônio Padilha, historiador, há sempre de se lhe dar o mérito de ter escrito a primeira
história de Petrolina, entremeada de pequenos causos, sobretudo a crônica do cotidiano, com
seus tipos exóticos e bizarros, muito mais revelador historicamente do que a menção fria e
factual de dados. Seus poucos textos, com características de reflexões sobre a Arte e
arredores, revelam, à maneira de Victor Hugo, uma visão romântica da vida e do destino, que
vai aparecer em muitos textos criativos, quase um contraponto com o homem de espírito,
sagaz e irônico que se sobressai em suas crônicas” (Elisabet Gonçalves Moreira- Mestre em Teoria
Literária e Literatura Comparada pela USP. Professora aposentada da UPE e IF Sertão – Petrolina)
“O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é
assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão
maldito vos governa”

Grande Sertão: Veredas


SUMÁRIO

Apresentação..........................................................................................................10

Grade de Programação............................................................................................11

Apresentação de Trabalhos Científicos ...................................................................17

Ensaios
O sertão é um punhado de saudades: literatura e história de um espaço, de um
sentimento(Durval Muniz de Albuquerque Júnior)....................................................28
Inscribir el sertón en el mapamundi: discursos científicos y ficcionales: os
sertões de euclides da cunha, veredicto em canudos de sándor márai y la guerra
del fin del mundo de mario vargas llosa ( Horst Nitschack).........................................37
Aleitura, o letramento e a formação do professor (Angela Kleiman )......................47
Discurso e literatura(Sírio Possenti )..............................................................................................52
Literatura e História:a cerimônia das palavras e das narrativas( Antonio Paulo
Rezende)....................................................................................................................................................56

Resenhas................................................................................................................60

Entrevistas.............................................................................................................74

Artigos...................................................................................................................80

Resumos...............................................................................................................426
APRESENTAÇÃO
OCLISERTÃO – CONGRESSO INTERNACIONAL DO LIVRO, LEITURA E LITERATURA
NO SERTÃO- acontece em uma das mais belas paisagens do Brasil: o Sertão do São
Francisco, banhado pelo rio homônimo, que cruza quatro estados e deságua no Oceano
Atlântico. Grande metáfora deste Brasil interior que se mostra ao mundo, o Sertão do São
Francisco é uma das regiões com ritmoacelerado de desenvolvimento econômico, graças à
grande produção de agricultura irrigada.
A imagem que se apresenta do Sertão do São Francisco contrasta com o imaginário popular
sobre Sertão e a literatura do século XX ajudou a fixar as tintas ocres desse quadro. Discutir a
literatura enquanto marca identitária de um povo e resultado de sua cultura é um dos
desafios lançados pelo CLISERTÃO, realizado pelo Governo do Estado de Pernambuco, em
uma parceria entre a Secretaria de Cultura e a Secretaria de Ciência e Tecnologia, através da
Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco e Universidade de
Pernambuco, Campus Petrolina, com o apoio da Prefeitura de Petrolina e da Facepe.
Diferentemente de outros eventos literários, o CLISERTÃOestabelece uma relação afetiva,
multicultural e de intercâmbio entre os convidados nacionais, internacionais e locais como
parte das ações, indo além das apresentações literárias ou das palestras, penetrando no Brasil
profundo, no Brasil dos Sertões, através de intervenções descentralizadas em espaços
urbanos, comunidades rurais e tradicionais da região, além das discussões acadêmicas em
torno do livro, leitura e literatura, coordenadas pela Universidade de Pernambuco.
Ao mesmo tempo, a partir do CLISERTÃO, a Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco
e a Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina (Colegiado de Letras Português)
fomentama criação de uma Rede do Livro, Leitura e Literatura na Região, envolvendo os três
eixos do setor nas discussões em torno da produção e de políticas públicas para o livro.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Grade de Programação

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PALCO CENTRAL
Debates e conferências em torno de temas relativos ao Livro, Leitura e Literatura
5/5 (SEGUNDA-FEIRA)
LOCAL: Auditório UPE – Petrolina
15h – 18h: Credenciamento
18h40: Abertura oficial – Representações da Secretaria de Cultura de Pernambuco,
Secretaria de Ciência e Tecnologia, Reitoria da Universidade de Pernambuco, Presidência da
Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, Diretoria do Campus
Petrolina e Prefeitura de Petrolina.
19h30: Os Sertões Inventados – Conferência com o prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior
(UFRN). Mediação profa. Dra. Janaína Guimarães (UPE Petrolina).
20h30-22h – Vozes dos Sertões - Recital e Show com Maciel Melo, Maviael Melo e Marcone Melo.
6/5 (TERÇA-FEIRA)
LOCAL: Auditório UPE – Petrolina
15h15 às 16h40 – O tempo e o lugar no conto — o lugar e o tempo do conto – Nivaldo Tenório
conversa com Sidney Rocha e Bruno Liberal
16h40 às 18h – Lusofonia: mito e paradoxo – Andreia Joana Silva (Portugal) conversa com Alexandre
Furtado (UPE – Nazaré da Mata/ Gabinete Português de Leitura), Abreu Paxe (Angola) e Luís Serguilha
(Portugal).
19h-20h20 Discurso e Literatura – Conferência com o prof. Dr. Sírio Possenti (Unicamp). Mediação
prof. Dr. Iran Melo (UPE Petrolina).
20h30-21h30 – Cordel Cantado – Leitura com o homenageado J. Borges e Bacaro (Bezerros-PE), Abraão
Batista e Amurabi (Juazeiro do Norte-CE). Mediação prof. Ms. Genivaldo Nascimento (UPE Petrolina).
7/05 (QUARTA-FEIRA)
LOCAL: Auditório UPE – Petrolina
15h15-16h40 – Produção de literatura no Sertão: perspectivas e olhar crítico – Socorro Lacerda
conversa com Cátia Cardoso e Virgílio Siqueira.
16h40 – 18h – Eu, Leitor: como, quando e o que leio? – Darcília Simões (UERJ/CnPq) conversa com
o escritor Rogério Pereira (Jornal Rascunho) e escritor José Castello.
19h-20h20 – Diários do exílio: Distância no processo de composição de Nosso grão mais
fino e O sonâmbulo amador – Schneider Carpeggiani conversa com José Luiz Passos.
20h30-22h: Poesia eletrônica. Recital e pocket show com José Paes Lira, Lirinha.
8/05 (QUINTA-FEIRA)
LOCAL: Auditório UPE – Petrolina
15h15 -16h: A Leitura, o Letramento e a Formação de Professores – Conferência com a prof. Drª
Ângela Kleiman (Unicamp). Mediação prof. Dr. Benedito Bezerra (UPE Garanhuns).
16h-18h: Comunicações Orais.

16h-18h – Encontro de adolescentes leitores. Coordenação do prof. Vlader Nobre.

19h-22h: Minicursos (25) – Lista em anexo


9/5 (SEXTA-FEIRA)
LOCAL: Auditório UPE – Petrolina

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
16h40-18h: Vozes do Mato: ecologias da identidade sertaneja – Com o prof. Dr. Cosme Batista dos
Santos (Uneb), prof. Dr. Josemar dos Santos (Uneb), Profa. Dra. Maria Rita do Amaral Assy (Maita) –
UNEB, Prof. Dr. Víctor Rodríguez (Espanha).
15h15-16h40: Sertão, Literatura e História: relações e incongruências – Profª Ms. Elisabet
Moreira conversa com o prof. Dr. Antônio Paulo de Morais Rezende (UFPE) e o prof. Dr. Anco Márcio
Tenório (UFPE).
19h-20h: Para Inscrever o Sertão no mapa-múndi: discursos científicos e ficcionais: Euclides
da Cunha (Os Sertões), Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e Vargas Llosa (La
Guerra del fin del mundo) – Conferência com o prof. Dr. Horst Nitschack (Universidade do Chile),
Mediação: Pedro Américo de Farias.
20h-21h30: Pé de Parede: Cantoria de Viola – Com Adiel Luna e Damião Enésio, Francinaldo Oliveira
e José Oliveira. Abertura com recital poético de Chico Pedrosa.

CLISERTÃO AMANHÃ
Planejamento de ações estruturadoras para o Livro, a Leitura e a Literatura no Sertão.
LOCAL: Salas do Prédio de Educação – Campus UPE – Petrolina
Público Alvo: gestores educacionais, professores, integrantes de conselhos municipais de cultura e de
educação, escritores, livreiros, alunos de Letras e de Pedagogia e demais interessados.

6/5 (terça-feira)
9h às 11h: Palestra sobre Elaboração de Planos Municipais do Livro e Leitura (PMLL), com
Roberto Azoubel (Regional Nordeste do Ministério da Cultura). Local: Sala A
10h: Conferência O papel das Tecnologias de Informação na circulação do livro. Prof. Dr.
Víctor Amar Rodríguez -Universidade de Cádiz-Espanha). Local: Sala B
7/5 (quarta-feira)
9h-11h: Instruções para circular: alternativas para a produção literária local. José Barbosa
conversa com Uberdan Oliveira (UBE – Petrolina) e Alexandre Melo (produtor do Nós Pós/ Mostra
PE). Local: Sala A
8/5 (quinta-feira)
9h-11h: Alternativas de editoração: da auto-publicação ao movimento cartonero. Wellington de
Melo (Secult-PE) conversa com Andreia Joana Silva (Cephisa Cartonera/ Universidade Blaise Pascal –
França), Nivaldo Tenório (u-Carbureto) e Patrícia Vasconcellos (Caleidoscópio Editora) e designer editorial
Patrícia Cruz Lima. Local: Sala A
9/5 (sexta-feira)
Poema em crise na escola. Roda de conversa com a participação do prof. Dr. Horst Nitschack
(Universidade do Chile), prof. Ms. Carmen Moguel (Espanha) e o prof. Dr. Antenor Rita (Uneb). Local:
Sala A

ALÉM DOS MUROS (AÇÕES DESCENTRALIZADAS)


BIBLIOTECA ITINERANTE

7/5 (quarta-feira)
10h: Inauguração da Biblioteca Itinerante no Bairro Cosme e Damião. Distribuição gratuita de livros,
revistas e gibis.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Local: em frente ao Posto de Saúde.

LITERPRAÇA
8/5 (quinta-feira)
9h às 19h – Recital, música e diversas atividades voltadas para o universo do livro e da literatura.

Local: Praça do Coreto (atrás da Prefeitura de Petrolina).

VERSO SE BULINDO

8/5 (quinta-feira) e 9/5 (sexta-feira)


Visita de poetas a escolas da rede pública para mini-recitais e conversa com alunos.

Local: escolas do ensino fundamental e médio da rede pública de Petrolina

LIVROS LIVRES

10/5 (sábado)
Atividade baseada no conceito de bookcrossing, que consiste em “esquecer” livros em espaços públicos com
selos identificativos da ação que convidam as pessoas a lerem os livros e deixarem em outro lugar público
após a leitura.
Local: Praça do Coreto (atrás da Prefeitura de Petrolina).

ECOLEITURA
10/5 (sábado)
12h: Visita à Ilha do Massangano, com apresentação do Samba de Véio e recital poético às margens do São
Francisco, com participação de Chico Pedrosa e Pedro Américo de Farias.

FORRÓ-LIVRO
10/5 (sábado)
19h: Encerramento do II CLISERTÃO, com Nilton Freitas e Orquestra Sanfônica de Petrolina.

Local: na Praça 21 de Setembro (Praça do Coreto-atrás da Prefeitura).

AÇÕES INTEGRADAS
EXPOSIÇÕES

CENACOR: exposição e venda de quadrosde Paulo Henrique Reis.Período: de 5 a 9 de maio. Das


16h às 21h. Local: UPE (ao lado do Auditório)
CORDEL E XILOGRAVURA: exposição e venda de livros de cordel e de xilogravuras de J.
Borges, Bacaro, Abraão Batista e Hamurábi.Período: de 5 a 9 de maio. Das 16h às 21h. Local: UPE
(ao lado do Auditório)
CURTASERTÃO: exibição de filmes curta-metragens sobre a região do Cariri. Alunos do
Colégio do Geo Petrolina. Período: de 7 a 9 de maio. Das 8h às 12h e das 14h às 21h. Local: Sala da UPE
ao lado do Espaço Umbu Cajá.
CINEMA NO CLISERTÃO

Dia 9/5 (quinta-feira)


8h30:Exibição do filme Abril Despedaçado”. Debate sobre tradição e modernidade no Sertão. Com
Chico Egídio e Vlader Nobre.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Programação do Cineclube Cine Raiz em Maio/2014
- Todo sábado às 18h – Entrada Franca – antes de toda sessão teremos a exibição de um curta-metragem.

Onde?! – No Espaço Cultural Janela 353, Rua Antônio Santana Filho, 353, 1º andar do Café de Bule,
Centro, Petrolina/PE, ao lado do Colégio Maria Auxiliadora.
Dia 03/05: Vidas Secas. Baseado na Obra de Graciliano Ramos. Direção: Nelson Pereira dos Santos.
Dia 10/05: Capitães de Areia. Baseado na Obra de Jorge Amado. Direção: Cecília Amado
Dia 17/05: Benjamim. Baseado na Obra de Chico Buarque. Direção: Monique Gardenberg.
Dia 24/05: A Hora da Estrela. Baseado na Obra de Clarice Lispector. Direção: Suzana Amaral.
Dia 31/05: Palavra Cantada. Baseado na Obra de diversos Poetas da Música Popular Brasileira. Direção:
Helena Solderg

CLISERTÃOZINHO (PROGRAMAÇÃO INFANTIL)


Tenda Mágica do Clisertãozinho
Local: Biblioteca Municipal Cid Carvalho

Período: de 6 a 9 de maio (de terça a sexta)

O Clisertãozinho tem como objetivo oferecer atividades lúdico-literárias dentro do evento: contação de
histórias, dramatizações, jogos e brincadeiras populares para o público infantil.

Horário: 8h às 11h45 e 14h às 17h15

Período: de 6 a 9 de maio (de terça a sexta)

Coordenação: Rossana Ramos (UPE Petrolina)

Minicursos
1-FICÇÃO EM PERNAMBUCO – BREVE HISTÓRIA (poeta Pedro Américo de Farias)
2-CONSIDERAÇÕES SOBRE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA (Dr. Eduardo Barbuio –
UFRPE)
3-A EXPERIÊNCIA AMOROSA DAS CRIAÇÕES FEMININAS DE MARILIA ARNAUD: ENTRE
A TRADIÇÃO E A PÓS-MODERNIDADE(Ms. Ana Patrícia da Silveira- IFSertão PE/Ouricuri)
4-A POÉTICA DAS ÁGUAS EM EDUCAÇÃO PELA PEDRA EO DISCURSO DO POEMA “O
RIO”, DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO(Profa. Dra. Maria de Fátima Gonçalves Lima-PUC-GO)
5-LITERATURA CONTEMPORÂNEA DE AUTORIA FEMININA BRASILEIRA: POR ENTRE
MUSAS, FIOS E TEIAS – LYA LUFT, MARTHA MEDEIROS, ELISA LUCINDA, CIDA
SEPULVEDA E LÊDA SELMA (Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes-UFRPE)
6-A NATUREZA DA ARTE LITERÁRIA: O IMPOSSÍVEL QUE CONVENCE (Prof Dr. Arturo
Gouveia-UFPB)
7-MOÇAMBIQUE NO FEMININO: A NARRATIVA DE PAULINA CHIZIANE (Prof.Dr. Sávio
Roberto Fonseca de Freitas-UFRPE)
08-INTERSEMIOSE E LITERATURA (Poeta e Prof. Ms. Abreu Paxe- Angola)
09-A EXPERIÊNCIA DE TRABALHO COM OS PAIS DE ALUNOS EM UMA BIBLIOTECA NA
ESPANHA (Ms. Carmen Moguel-Espanha)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
10-O SERTÃO EM FOTOGRAFIAS: PERSPECTIVAS PARA USO EM SALA DE AULA (Prof. Dr.
Antenor Rita-Uneb)
11-A PRESENÇA DO BARROCO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS(Doutoranda Rejane de Souza)
12- TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIAS COM
PROJETOS NA ESPANHA (Prof. Dr. Victor Amar Rodríguez – Universidade de Cádiz-Espanha)
13- INTRODUÇÃO À LEXICOGRAFIA CULTURAL (Prof. Dr. Cosme Batista dos Santos/UNEB, Profa.
Dra. Norma Almeida/UEFS e Profa. Dra. Marcia Guena/UNEB)
14- JOSUÉ DE CASTRO: DA FOME À TRANSUBSTANCIAÇÃO DO MANGUE EM HOMENS E
CARANGUEJOS (Prof Dr. Mário Medeiros-UPE/Garanhuns)
15-LEITURA NA ESCOLA: LETRAMENTOS MÚLTIPLOS NO ENSINO FUNDAMENTAL E
MÉDIO (Profª. Drª Jaciara Josefa Gomes-UPE/Garanhuns, Prof. Dr. Benedito Bezerra-UPE/Garanhuns e
Profª.DrªRossana Ramos Henz-UPE/Petrolina)
16-AS MUDANÇAS DO CORDEL: UMA COMPARAÇÃO ENTRE A PRODUÇÃO DE PORTUGAL
E A DO BRASIL (Drª Maria Alice Amorim)
17-ENSINO CONTEXTUALIZADO DE GRAMÁTICA (Prof. Esp. Yolanda Almeida e prof. Ms.
Francisco de Assis Silva Panta-UPE/Petrolina)
18- ICONICIDADE DO LÉXICO (Prfª Drª Darcília Simões (Uerj/Procientista Cnpq)
19- CELESTINO GOMES: LEITURA, PINTURA E IMAGEM (Pollyana Ramos Mattana –
Coordenadora de Artes do Sesc Triunfo e Uriel de Souza Bezerra –Univasf).
20- LITERATURA SEM PALAVRAS: REFLEXÃO SOBRE NARRATIVAS ORAIS (Prof. Dr. Juracy
Marques-Facape e Uneb)
21-TÉCNICAS PARA A REDAÇÃO DE CONTOS (Escritor e prof. Dr. José Luiz Passos- Universidade
da Califórnia-Estados Unidos)
22-LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL – TEORIA E PRÁTICA
NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICA (Profª Ms. Gláucia Rejane-Facape).
23-O LÚDICO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LÍNGUA INGLESA (Profª Ms. Antônia
Aparecida Barros Alencar Correia e Profª Ms. Roberta Guimarães de Godoy e Vasconcelos-IFSertão PE-
Salgueiro).
24-LITERATURA DE CORDEL PARA A SALA DE AULA: DIÁLOGOS COM O QUE SE
CONVENCIONOU CHAMAR DE LITERATURA ERUDITA (Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves-
UFCG)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
COMUNICAÇÃO ORAL
01. LETRAMENTO, VISUALIDADES E PRÁTICAS SOCIAIS: EDUCAÇÃO
CONTEXTUALIZADA PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO (Núbia Oliveira da Silva –
UNEB, DCH III. Mestranda em Educação, Cultura e Território Semiárido - PPGESA.)

02. EDUCAÇÃO INCLUSIVA – UM OLHAR DENTRO DO SERTÃO PERNAMBUCANO


Breno Silva Almeida - Licenciando em Computação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Petrolina
03-O ESPAÇO DO PAI EM UMA ILUMINOGRAVURA DE ARIANO SUASSUNA
Marcélia Guimarães Paiva - Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.

04 - AS CONTRIBUIÇÕES DE ALBERTO PASSOS GUIMARÃES PARA A


HISTORIOGRAFIA AGRÁRIA BRASILEIRA: UMA LEITURA DA SEMIFEUDALIDADE
NO BRASIL
Franciel Coelho Luz de Amorim - Graduando em História – UPE Campus Petrolina- Orientador:
Prof. Ms. Moisés Diniz de Almeida

05- LITERATURA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM ALAGOINHAS: DESAFIOS E


PERSPECTIVAS NA CONTEMPORANEIDADE
Vanise Albuquerque Santos -Mestra em Crítica Cultural (Uneb/Campus II)

06- GÊNERO E MOVIMENTO SOCIAL: LEITURAS E VIVÊNCIAS NO SERTÃO DA BAHIA


Pedro Paulo Souza Rios e Maria Gloria da Paz

07- JOÃO GRILO E A PROBLEMÁTICA SOCIAL BRASILEIRA


João Evangelista do Nascimento Neto - Professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB) - Doutorando em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

08- OS JOVENS EM CÍRCULOS DE LEITURA LITERÁRIA: UMA PROPOSTA PARA


ESPAÇOS ALTERNATIVOS.
Luciana Sacramento Moreno Gonçalves - Professora Assistente da Universidade do estado da Bahia,
UNEB.

09- DO ROMANCE À CRÔNICA NARRATIVA: LEITURAS DA OBRA AMADIANA - Bárbara


Moraes Pinto Hurst – Professora da EMITEC-BA/ Colégio Antônio Vieira.

10 - ANÁLISE DAS PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO EM UM CURSO DE


LETRAS À DISTÂNCIA
Amanda Cavalcante de Oliveira Lêdo - Doutoranda em Linguística
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

11- A ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA EM INFÂNCIA


Liliam Fernades - Universidade Federal dos Vales dos Jequitinhonha e Mucuri- Aluna de Graduação –
Bolsista PIBIC-CNPq.

12- A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA PARA AUXILIO DO ESTUDO DA LITERATURA


BRASILEIRA
Andréia da Conceição Santos - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano, Campus Petrolina – Licenciando em Computação

13- MARCAS DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA LITERATURA DE CORDEL: ANÁLISE


DOS TEXTOS “AI SE SÊSSE”, DE ZÉ DA LUZ E “AOS POETAS CLÁSSICOS”, DE
PATATIVA DO ASSARÉ
Anne Rose dos Prazeres Costa Tenório¹; Carlos de Oliveira Nunes Magalhães²; Diogo Rodrigo do
Nascimento³; Josiano Saulo Diniz4
¹Graduanda em Letras – IFAL, Campus Maceió; ²Professor efetivo – IFAL, Campus Maceió; ³
Graduando em Letras – IFAL, Campus Maceió; 4 Graduando em Letras – IFAL, Campus Maceió

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
14- I MOSTRA DE LITERATURA - VANGUARDAS EUROPEIASLêuda Fernandes Ferreira -
Professora Especialista

15- GÊNERO CORDEL: UM RECURSO NO PROCESSO DE LETRAMENTO


INTERDISCIPLINAR
Marília Roberta da Silva Leite - mestranda em Língua e Cultura Universidade Federal da Bahia
(UFBA)

16- MARGINAL E INSÓLITA: RECORTE E REPRESENTAÇÃO DA LITERATURA DE


CORDEL EM FEIRA DE SANTANA/BA Calila das Mercês Oliveira; Raquel Machado Galvão -
Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários-Universidade Estadual de Feira de
Santana - UEFS /

17- PUBLICAÇÕES NA BAHIA: MAPEAMENTO E DIAGNÓSTICO DAS EDITORAS


BAIANAS
Calila das Mercês Oliveira; Raquel Machado Galvão - Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Literários. Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS /

18-UM ENCONTRO COM EUCLIDES DA CUNHA, EM OS SERTÕES, SOB A LUZ DA


HERMENÊUTICA DE GADAMER: UMA TENTATIVA DE DIÁLOGO, Marcos José de Souza,
professor Secretaria da Educação do Estado da Bahia.

19- CARTA DO LEITOR: A ESCRITA PARA ALÉM DA SALA DE AULA Autora: Maria
Alcione Gonçalves da Costa. UPE – Mestranda do PROFLETRAS na UPE – Garanhuns

20 -CARTA DO LEITOR: A ESCRITA PARA ALÉM DA SALA DE AULA. AS MÚLTIPLAS


VOZES NOS CARTAZES DE PROTESTO.Josefa Maria dos Santos , Mestranda do Profletras UPE
– Campus Garanhuns.

21 - A LUSOFONIA PRESENTE NA POESIA DE DRUMMOND COMO DESTAQUE NA


LITERATURA PORTUGUESA. Ana Luciene Alves Garcêz- UPE-Estudante de Letras Português.

22-HERBERTO HELDER, LUIS SERGUILHA E ROBERTO PIVA: NO LIMIAR DOS


DEVANEIOS LÍQUIDOS E AÉREOS (José Barbosa de Oliveira Filho - Universidade de
Pernambuco – campus Petrolina)

23- PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ANALISADA EM SALA


DE AULA
Larissa Cordeiro Araújo (Estudante de de Letras, UFCG); Mayara Carvalho Peixoto(Estudante de
Letras, UFCG) Márcia Candeia Rodrigues (Orientadora, UFCG)

24- A SAGA CAROLÍNGEA E O CORDEL NORDESTINO: OS MESMOS FIOS EM MUITAS


AMARRAS
Naelza de Araújo Wanderley Profa. Universidade Federal de Campina Grande

25- CULTURA POPULAR: CONCEITOS E CARÊNCIAS EDUCACIONAIS


Mariano Carvalho Cabral e Sergio Nere Santana – graduandos UPE.

26 - “ARMARIA NÃM”: O DISCURSO, A MEMÓRIA E A FORMAÇÃO DISCURSIVA NAS


TIRAS DO BODE GAIATO
Rosângela Gonçalves Cunha - mestranda em Língua e Cultura- UFBA.

27 LITERATURA INFANTIL AFROBRASILEIRA PARA UMA FORMAÇÃO LEITORA E


IDENTITÁRIA
Izabel Gabriel de Oliveira – mestranda do PROFLETRAS, UPE Campus Garanhuns.

28 - “HISTÓRIA DE UM BODE”, “CONVERSA FIADA”: PROSAS DE GRACILIANO


RAMOS - SHAYELLI LAIANY MARECO ABRANTES – UFCG – BOLSISTA CNPQ- MARIA DE
LOURDES DIONIZIO SANTOS – UFCG – ORIENTADORA.

29 - VARIANTES LEXICAIS NAS CARTAS 87 E 92 DOS ATLAS LINGUÍSTICOS DA BAHIA


E SERGIPE
19
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Lidiane Ferreira Silva e Thamires Santana Coelho, Mestranda em Língua e Cultura (UFBA)

30 - MÚLTIPLAS LINGUAGENS MEDIADAS PELA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO


Maria do Socorro T. C. VIEIRA; Geraldo V. LIMA JUNIOR; Hommel A. B. LIMA IFSERTÃO PE –
Campus Petrolina.

31 - OS PAPÉIS E FUNÇOES DA POESIA ORAL E SUA VOZ POÉTICA


Mariana Barbosa Batista, Mestranda da Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS.

32-LIVRARIAS E LUGARES LIVRES: UMA LEITURA DO SER HUMANO.


Ingrid Rodrigues; Vinicius Pascoal; Thiago Pininga - Mestrandos em Teoria da Literatura - UFPE

33 - O TEXTO E A LEITURA EM SALA DE AULA: UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA


Illa Pires de Azevedo - Mestranda UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

34 “FIO LITERÁRIO”: UM EMBRENHAMENTO NAS VEREDAS DA LITERATURA SOB O


VIÉS DO CONTO CONTEMPORÂNEO
José Robson da Silva Licenciatura em Letras / UFRPE – UAST
Departamento Artístico e Cultural / Literatura – SESC / Triunfo

35 - A REDENÇÃO PELA ARTE: UMA ANÁLISE DA ILUMINOGRAVURA “DOM”, DE


ARIANO SUASSUNA
Karina de Almeida Calado - Mestranda do PPGL da PUC-Minas

36 - ECOCANÇÕES GERALDIANAS E AS RELAÇÕES ENTRE HUMANOS E MEIO


AMBIENTE – UM ESTUDO ECOCRÍTICO
Edilane Ferreira da Silva - Mestranda em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (UNEB)

37 - “QUASE DE VERDADE”: LITERATURA INFANTIL E DITADURA MILITAR NO


CONTEXTO BRASILEIRO
Edilane Ferreira da Silva - Professora da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro, Bahia

38 - LEANDRO GOMES DE BARROS: O MERGULHO, A OBRA, O RESSURGIMENTO.


Aroldo Ferreira Leão.

39. JOVENS E ADULTOS LENDO, ESCREVENDO E APRENDENDO INGLÊS POR


MEIO DE GÊNEROS TEXTUAIS (KELLIANE COÊLHO DE CARVALHO; MARIA APARECIDA
AMADOR CAVALCANTE; RELMA LÚCIA PASSOS DE CASTRO MUDO)

40. PROVÉRBIOS E FRASES DO COTIDIANO: UM ESTUDO SINTÁTICO E


SEMÂNTICO DESTAS CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS (EMANUEL DOS SANTOS
SÁ;FRANCISCO DE ASSIS SILVA PANTA)

41. E AS VOZES DO SERTÃO, O QUE ELAS TÊM A DIZER? (ERICK NALDIMAR DOS
SANTOS)

42. COLETIVO POÉTICO OGUM'S TOQUES NEGROS: FORMAÇÃO DE LEITOR DE


LEITURA NEGRA NA REDE SOCIAL FACEBOOK -HILDÁLIA CORDEIRO (UNEB)

43. REFLETINDO SOBRE A ABORDAGEM DO POEMA DE CORDEL EM UM MANUAL


DO 6º ANO – MÁRCIA CASSIANA

44. A REPRESENTAÇÃO DOS BICHOS NA POESIA POPULAR DESTINADA ÀS


CRIANÇAS – MORGANA FARIAS E THAÍSES DUTRA – UFCG

45. O CONFRONTO DE IDENTIDADE NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO – MARIA


VLADELANGE SILVA (UPE)

46. LOCALIZAÇÃO E NARRATIVA: COMO CONTARA HISTÓRIAS ATRAVÉS DA MÍDIAS


LOCATIVAS – LUIZ ANDRADE E TCHIANG NETO (FACAPE)
20
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
47. A RECONFIGURAÇÃO IDEOLÓGICA DO SERTÃO A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADE MEDIANTE ASPECTOS PÓS-MODERNOS – ADELINE LIRA (UFPE)

48. PROCESSOS DE NOMEAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DE IDENTIDADES FEMININAS


NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO – POLIANA LEITE (UPE)

49. TOPA - TODOS PELA ALFABETIZAÇÃO: DESAFIOS À CONTEXTUALIZAÇÃO E AO


LETRAMENTO - RELATOS DE ALFABETIZANDOS DO PROGRAMA NO SEMIÁRIDO
JUAZERIRENSE – PATRÍCIA JACINTO (UNEB)

50. O TEOR SATÍRICO NA OBRA DE LEANDRO GOMES DE BARROS: UM ESTUDO


SÓCIO-HISTÓRICO DO FOLHETO 'O SOLDADO JOGADOR' – LEIDIANE FAUSTINO
(UFCG)

51. A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICO-DISCURSIVA DO SERTÃO E A SUA PERMANÊNCIA,


OU NÃO, NA CONTEMPORANEIDADE – MANUELLA NAZARÉ (UFPE)

52. O PAPEL DA BIBLIOTECA PÚBLICA NA MEDIAÇÃO DO CONHECIMENTO PARA


SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – THAÍS CARVALHO (UPE)

53. O "PORTUGUÊS POPULAR": INTERFACE ENTRE A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E A


LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA – FERNANDO LIMA (UNEAL)

54. A LUDICIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS – ROBERTA VASCONCELOS (IF-SERTÃO)

55. DOS GRIMM A MANOEL MONTEIRO: NARRATIVAS INFANTIS EM CORDEL –


ANANÍLIA SILVA

56. O GÊNERO TEXTUAL CONTO COMO FERRAMENTA FACILITADORA PARA A


PRÁTICA DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA – GABRIELLA ULISSES (UNEAL)

57. O GRANDE PASSEIO: FRED E SEUS AMIGOS CONHECENDO OS MONUMENTOS DE


JUAZEIRO – BA – MARÍLIA NUNES (UNEB)

58. A IMPORTÂNCIA DAS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS NO ESTUDO DE GÊNEROS


TEXTUAIS E DISCURSIVOS – JOHN PORANGABA

59. A LINGUAGEM REGIONAL/POPULAR: 'UMA CANOA FURADA' EM ALEXANDRE E


OUTROS HEROIS, DE GRACILIANO RAMOS – MARIA DE LOURDES SANTOS (UFCG)

60. O USO DE IMAGENS EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS – GRACIÉLIA NOVAES (UNEB)

61. PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL: DISCURSOS E FORMAÇÕES


IMAGINÁRIAS SOBRE A PRÓPRIA FORMAÇÃO INICIAL - A LEITURA DE UM
PERCURSO ACADÊMICO – GLÁUCIA COSTA (FACAPE)

62. ROSA E KIERKEGAARD: DO CÁLIDO SERTÃO À GÉLIDA DINAMARCA – GABRIEL


KAFURI (UFPI)

63. TV CAATINGA, A VERDADEIRA IMAGEM DO SERTÃO" E "VIVA CAATINGA!,


INTERPROGRAMAS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA – JALDO LOPES E YONARA
SILVA (UNIVASF)

64. MARIEN E POMMOT: O SERTÃO MATO-GROSSENSE NA VISÃO DE OIS


FRANCESES – SUZE OLIVEIRA (UFMT)

65. O PROBLEMA DA LIBERDADE NA OBRA O ESPÍRITO DAS LEIS, NA CONCEPÇÃO


DE CHARLES DE MONTESQUIEU NO PERÍODO DA IDADE MÉDIA – FRANCISCO PANTA
E MIDIÃ SILVA (UPE)

66. A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE LEITURA, COMPREENSÃO E PRODUÇÃO ESCRITA


– MAGNA CALADO (UPE)
21
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
67. A CONTRIBUIÇÃO DA LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PARA A FORMAÇÃO DOS
ALUNOS DE ENSINO MÉDIO – MARIA DE LOURDES DIONÍZIO

68. ANÁLISE DO DESEMPRENHO COGNITIVO DOS ALUNOS DO 8º ANO DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO – IGOR ARAÚJO, CISLANE BRITO E MANASSÉS
XAVIER (UFCG)

69. A VARIAÇÃO ESTILÍSTICA NOS JORNAIS POPULARES: HÁ DIFERENÇAS DE


REGISTRO ENTRE JORNAIS DE PERNAMBUCO E DA PARAÍBA? – IGOR ARAÚJO, JULIA
GONÇALVES E LUCIENE PATRIOTA (UFCG)

70. LEXICOGRAFIA E INTERCULTURALIDADE DA PALAVRA CABOCLO – ANNA SOUZA

71. CORDEL: LITERATURA, MÍDIA E ENSINO – ARINÉLIO JÚNIOR (UFCG)

72. A PERSONALIDADE AUTORITÁRIA DESARGENTO GETÚLIO, DE JOÃO UBALDO


RIBEIRO – JOSÉ HELBER ARAÚJO (UFPB)

73. SÍNTESE BRASILEIRA DE GÊNEROS TEXTUAIS: O QUE REVELAM OS ESTUDOS


PIONEIROS EM LIVROS E ANAIS DO SIGET – IVANADYJA (UPE)

74. O PROCESSO DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E O DE RETERIORIZAÇÃO NO LIVRO


OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA – GERCLEIDE (UFRN)

75. O CORDEL COMO ARTEFATO (INTER)CULTURAL PARA A AQUISIÇÃO DO


LETRAMENTO – A ESCRITA DE ORALIDADES – GABRIELA BARBOSA (UNEB)

76. UM NOVO OLHAR SOBRE AS “COISAS DO SERTÃO”: DESMISTIFICANDO


ESTEREÓTIPOS EXISTENTES SOBRE O SEMIÁRIDO – SHEILA FEITOSA (UNEB)

77. PRÁTICAS DE LETRAMENTO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM DIÁLOGO POSSÍVEL NAS


AULAS DE LÍNGUA MATERNA – ISABEL SILVEIRA (UESB)

78. QUASE DE VERDADE: LITERATURA INFANTIL E DITADURA MILITAR NO


CONTEXTO BRASILEIRO – EDILANE FERREIRA (REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DA
BAHIA)

79. CANTIGAS AFRO-DESCENDENTES COMO FERRAMENTA DE (RE)LEITURA DA


HISTÓRIA EM BRUNO DE MENEZES – JOSICLEI SOUZA (UNFESPPA) E ALESANDRA
BESERRA (UFPA)

80. IDENTIDADE SOCIAL DO SUJEITO NO TEXTO PUBLICITÁRIO CONSTRUÍDA


ATRAVÉS DO USO DOS VERBOS RELACIONAIS – ALINE SILVA, FLÁVIO MEDEIROS, ISA
GALVÃO, JUAREZ JÚNIOR, THAÍS NASCIMENTO (UPE)

83. AS POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DO FACEBOOCK PARA TRABALHAR AS


VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS, ABORDANDO A FAN PAGE “BODE GAIATO” – NEURAIDE
MARINHO E COSMA SANTOS (UPE)

84. A REINVENÇÃO DO SERTÃO SERIDOENSE NAS MEMÓRIAS LITERÁRIAS DE


DONA COTA – LUCIANA SANTOS (UFRN)

85. [ENTRE]LAÇOS DE MEMÓRIAS: COMPARTILHANDO AS LEMBRANÇAS DA


INFÂNCIA NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO – LUCIANA SANTOS (UFRN)

86. A CULTURA VAQUEIRA NO ÂMBITO ESCOLAR – APARECIDA CASTRO, ARISTELA


SANTANA, MARIA JOSÉ CASTRO E TAIANE COELHO

87. INFLUÊNCIA DA LITERATURA DE CORDEL NA PRÁTICA DE LEITURA E


PRODUÇÃO TEXTUAL – NEURAIDE MARINHO E JOSÉ EUDES SILVA (UPE)

22
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
88. UMA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE O SERTANEJO: ASA BRANCA E CIDADÃO
COMUM – CISLANE BRITO (UFCG)

89. O ENSINO DE LEITURA NAS ESCOLAS: UMA PERSPECTIVA DAS PRÁTICAS DE


LEITURA NA SALA DE AULA – LAUANA TELES E MARIA SIRLANE DIAS (UPE)
90. UMA BREVE ANÁLISE DO LETRAMENTO NAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE
BASE – LILIANE SILVA (UPE)

91. A CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO PROMOVIDA PELAS BIBLIOTECAS –


KELLISON CAVALCANTE (IF-SERTÃO), MARIA JOSÉ OLIVEIRA (IF-SERTÃO) E RAFAEL ALVES
(UNEB)

92. A GÍRIA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO


FUNDAMENTAL II DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE PETROLINA/PE – JAKELINE
MARKULA, ERICA SANTOS E GREYCE NASCIMENTO (UPE)

93.III PROJETO DE LEITURA: A ARTE DE PROTAGONIZAR AS LINGUAGENS –


BANILDA SANTOS, CATARINA SÁ, LUZIA BRINGEL, MARIA SILVA, WILKSLAINE LIMA

94. A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II – ISADORA SILVA


(UPE)

95. O LIVRO IMPRESSO: UMA ABORDAGEM À “SOBREVIVÊNCIA” NA POSTERIDADE


– RAFAEL ALMEIDA (IF-BAIANO)

96. GRUPO DE ESTUDO EM POLÍTICAS DE LETRAMENTO – GPOL E AS PRÁTICAS DE


INVENÇÃO DOCENTE – NAZERETE MARIANO (UNEB)

97. LETRAMENTO EM LÍNGUA INGLESA COMO PROPOSTA DE FORMAÇÃO


CONTINUADA PARA PROFESSORES DA REDE PÚBLICA – LÓ LIMA (UPE)

98. CARTOGRAFIA DO NOVO: O REGIONALISMO NA FICÇÃO DE BARTOLOMEU


CORREIA DE MELO – MARIA BETÂNIA ROCHA (UFRN)

99. LITERATURA E CINEMA NA SALA DE AULA: UMA RELAÇÃO EM PROL DA


CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO – JULIANA RODRIGUES, JULIANA COELHO,
REGERLÂNDIA ALVES, RENATA BOTELHO E MARINALVA SANTOS (UPE)

100. PRÁTICAS DE ESCRITA NO POVO INDÍGENA TRUKÁ – PE – KÁTIA GOMES (UNEB)

101. OS ASPECTOS GRAMATICAIS, ESTILÍSTICOS E DISCURSIVOS DAS FÁBULAS –


AQUILAS RODRIGUES E FRANCISCO PANTA (FACAPE)

102. CONTADORES DE HISTÓRIAS: SEUS CAUSOS E ENREDOS COMO FONTES DE


LETRAMENTOS NA COMUNIDADE DE MANIÇOBA-JUAZEIRO/BA – SAYONARA
NOGUEIRA (UNEB)

102. UM PONTO DE CULTURA PARA LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA – BLOG:


“NOSSA ESCREVIVÊNCIA” – MAGNALDO SANTOS E HILDÁLIA CORDEIRO (FACULDADE
PEDRO II.

PÔSTER

01- FACEBOOK: INTERAÇAO PARTICIPATIVA COMO CONTRIBUTO PARA


MATERIALIZAÇAO DA LEITURA
Laene Alves Pacheco Vaz - Mestranda, PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus
Garanhuns

02- PRODUÇÃO TEXTUAL: ORGANIZAÇÃO E SENTIDO A PARTIR DO GÊNERO


“CONTO DE ENIGMA”
Diana Pereira Costa e Ecia Mônica Leite de Lima Freitas

23
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
03- OS RECURSOS SONOROS DOS TEXTOS COMO ESTRATÉGIA PARA A
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES METAFONOLÓGICAS
Maria Rivaldízia do Nascimento e Daniella Cavalcante Silva - Mestrandas do PROFLETRAS - UPE –
Campus Garanhuns.

04- LITERATURA INFANTIL AFROBRASILEIRA PARA UMA FORMAÇÃO LEITORA E


IDENTITÁRIA
Izabel Gabriel de Oliveira – Mestranda do PROFLETRAS, UPE Campus Garanhuns.

05. ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS NAS OBRAS “VIDAS SECAS” DE GRACILIANO


RAMOS, E “GABRIELA CRAVO E CANELA’’, DE JORGE AMADO (ADRIANO LEÃO DA
SILVA e FRANCISCO DE ASSIS SILVA PANTA)

06. O GÊNERO TEXTUAL CONTO COMO FERRAMENTA FACILITADORA PARA


PRÁTICA DO LETRAMENTO EM SALA DE AULA (Gabriela Fernandes Ulisses(UNEAL) ; Maria
Claudicélia C. da Silva (UNEAL); Iraci Nobre da Silva (UNEAL)

07. A Importância das Sequências Didáticas no Estudo de Gêneros(JOHN HÉLIO


PORANGABA DE OLIVEIRA)

08. AS LEIS DO DISCURSO NAS ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS EM ARTIGOS


DE OPINIÃO DE ALUNOS DE 9º ANO (MARIA RIVALDÍZIA DO NASCIMENTO)

09. RETEXTUALIZAÇÃO E REESCRITA, A PARTIR DOS GÊNEROS TEXTUAIS,


COMO FERRAMENTA FACILITADORA NO PROCESSO DE LETRAMENTO EM SALA DE
AULA (IRACI NOBRE DA SILVA)

10. A RELAÇÃO ENTRE O LOCAL E GLOBAL NA RECONSTITUIÇÃO DE MANGUE


SECO COMO REPRESENTAÇÃO INDENTITÁRIA NORDESTINA NO ROMANCE “TIETA
DO AGRETE” DE JORGE AMANDO (THAIS LAN PAULINO DO NASCIMENTO)

11. [ENTRE] LAÇOS DE MEMÓRIAS: COMPARTILHANDO AS LEMBRANÇAS DA


INFÂNCIA NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO (Luciana Maria Carvalho
Medeiros dos Santos)

12. MULTILETRAMENTO INTERSEMIÓTICO: ANÁLISE DOS GÊNEROS


MULTIMODAIS LITERÁRIOS NOS LIVROS DIDÁTICOS E NA PROVA BRASIL (Edilaine
Pereira de Sousa)

13. CULTURA POPULAR: A TRADIÇÃO NOS TRILHOS DA “PÓS MODERNIDADE”


(ERICK NALDIMAR DOS SANTOS)

14. ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO: (DES)CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE


SERTÃO A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO CETEP
(LAIANE FRAGA DA SILVA)

15. A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICO DISCURSIVA DO SERTÃO E A SUA


PERMANÊNCIA, OU NÃO, NA CONTEMPORANEIDADE (MANUELLA MIRNA ENÉAS DE
NAZARÉ)

16. O ENSINO DA ORTOGRAFIA: O QUE DIZEM OS CONHECIMENTOS TEÓRICOS E


O QUE MOSTRA A PRÁTICA DOCENTE (Maria Aparecida Ferreira da Silva e Silvia Maria
Carneiro de Moura

17. PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


(NÉLIO LIMA DE OLIVEIRA)

18. ESTUDO DE CASO: A ESCOLA NILTON OLIVEIRA SANTOS DE SANTA LUZ


BAHIA E SUA RELAÇÃO COM O LEITOR ATRAVÉS DA BIBLIOTECA (NÉLIO LIMA DE
OLIVEIRA) –

24
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
19. ANÁLISE DISCURSIVA DO TEXTO “HERMENGARDA , MINHA FRÔ” , UMA
REPRESENTAÇÃO IDENTITARIA DOS FALARES DIALETAIS DO SERTÃO (NÉLIO LIMA
DE OLIVEIRA)

20. O QUADRO ELETRÔNICO: INOVAÇÃO PEDAGÓGICA PARA NO ENSINO


APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA (MARIA GLEIDE M. DE SOUZA SANTOS PEREIRA,
MARIA DE FÁTIMA ROLIM CAVALCANTI DOS SANTOS, MARCELO WESLEY R. DOS SANTOS-
UPECAMPUS PETROLINA )

21. “AMORES ROUBADOS”: MÍDIA, GÊNERO E IDENTIDADE NORDESTINA


(LAIANE COELHO, MARIA LUCIMÁRIA, PORCINA LEANDRO, PRISCILA RAIANE, SAMARA
PEREIRA)

22. A INSUFICIÊNCIA DA SUBJETIVIDADE: INSPIRAÇÃO, DISTORÇÃO E


OPORTUNISMO NA POÉTICA DE GREGÓRIO DUVIVIER (ANA KARLA ALVES MOREIRA,
HERYKA PASSOS, JOHNATAN DIÊGO DE SOUZA GOMES, JOSÉ CLÁUDIO, KÁTIA DANIELLA)

23. A LITERATURA INFANTIL PRODUZINDO SENTIDO COMO INSTRUMENTO


MEDIADOR NA PRÁTICA DA LEITURA NO 3º ANO DE UMA ESCOLA MUNICIPAL DE
LAGOA GRANDE-PE (ELIETA TAMIRIS SANTOS BRITO)

24. A PRÁTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS


AFRODESCENDENTES NA SALA DE AULA (HILDOBERTO FERREIRA GUIMARÃES)

25. A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA BRASILEIRA EM “O


CONTINENTE” DE “O TEMPO E O VENTO” (TÂMARA TALLITA CARVALHO MENDES)

26. A SISTEMATIZAÇÃO DO ENSINO DE GRAMÁTICA NO 2º ANO DO ENSINO


MÉDIO DE UMA ESCOLA DA REDE PÚBLICA (EDIVALDO AMORIM DA SILVA, FÁBIO
GOMES DE CARVALHO, FLÁVIA FERREIRA YAMAMOTO, MANUELA GARCIA DE OLIVEIRA,
O’LDNEI DIAS DE SOUZA)

27. INSEGURANÇA LINGUÍSTICA (CÍCERA ROSIMEIRE VALÉRIO, CLEIDINÁ MARIA DA


SILVA PEREIRA, LÍDIA PRICILA DA CONCEIÇÃO, MARIA DO SOCORRO COELHO SANTANA,
VALDENICE RODRIGUES DE SALES)

28. INVESTIGANDO O PERÍODO COMPOSTO NAS COLEÇÕES DIDÁTICAS DE


PORTUGUÊS (CARLA PATRÍCIA, IRIA CONSIANE, JOSILENE DE CASTRO, MARIA LEONARDA)

29. LITERPARQUE (MARIA DA CONCEIÇÃO SILVA MATOS NOGUEIRA, MÁRCIO JEAN


CAVALCANTE DE LIMA, MARIA DE MORAES CARDOSO, WELLINGTON MOREIRA LOPES)

30. O ENSINO DA GRAMÁTICA A PARTIR DA LEITURA E ESCRITA DE TEXTOS NO


7º ANO DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE PETROLINA-PE (CRISLANE NOVAIS
GRANJA, MARIA DO DESTERRO DE MOURA, MARTA REJANE DA SILVA SANTOS, ROSA MOTA
MORAIS SILVA)

31. OS GÊNEROS TEXTUAIS DA E NA UNIVERSIDADE (FÁBIO GOMES DE


CARVALHO)

32. PRECONCEITO LINGUÍSTICO: UM PASSEIO PELAS ENTRELINHAS DESSE


FENÔMENO (JOABE NUNES DOS SANTOS, MARIA ROSENETI DA SILVA SOUZA)
33. UMA ANÁLISE DOS COMENTÁRIOS DAS TIRINHAS DO “BODE GAIATO” DA
REDE SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS (ADRIANA DOS
SANTOS PEREIRA LOPES DA SILVA, ANA CLÁUDIA COELHO, CAMILA FERNANDES
RODRIGUES)

34. A IMPORTÂNCIA DO CONTO NA FORMAÇÃO DO GOSTO PELA LEITURA (JAIR


PEREIRA, LARA VAÉCIA, LEANDRO RODRIGUES)

35. A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NA FORMAÇÃO ESCOLAR (DÉBORAH


MICHELLE, FÁBIO DOS SANTOS, FLACIANE GOMES, JOELITA FERREIRA)

25
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
36. PRODUÇÃO DE KEFIR NO SERTÃO NORDESTINO: UM INSTRUMENTO NO
PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM (GEISIELE DE SOUZA TEOTONIO, GEAZI ROSA
OLIVEIRA TEOTÔNIO)

37. RECICLAGEM DE ÓLEO COMESTÍVEL PARA A PRODUÇÃO DE SABÃO COMO


MUDANÇA NOS HÁBITOS CULTURAIS DOS ALUNOS DO SERTÃO (ARADY K. S.
RIBEIRO,GEISIELE DE SOUZA TEOTONIO, JULIANA RIBEIRO S., TAMILLYS PACHECO)

38. O ENSINO DA LEITURA NAS ESCOLAS: UMA PERSPECTIVA DAS PRÁTICAS DE


LEITURA EM SALA DE AULA (LUANA RODRIGUES TELES, MARIA SIRLANE DOS SANTOS
DIAS)

26
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ensaios

27
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O SERTÃO É UM PUNHADO DE SAUDADES: LITERATURA E HISTÓRIA DE UM
ESPAÇO, DE UM SENTIMENTO
Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ele e ela chegam no último momento, no último movimento do texto. Ela e ele chegam
pouco antes de se anunciar e se enunciar que é o fim. Vêm constituir uma das bordas de um
texto sobre cidades, sobre uma cidade, sobre o Recife, ou melhor, sobre o Rasif. * Ele e ela
chegam para além da cidade ou das cidades, pois a presença de São Paulo, a cidade das
cidades brasileiras, vem atravessar o textoe delinear um outro espaço para a fala, vem ser o
lugar de onde se fala. Ela e ele aparecem como margem, como fronteira que, ao mesmo
tempo, que clausuram o texto e as cidades, abrem-nas para o passado e para o futuro. Ele e
ela chegam como recuo no tempo, como saída de um presente urbano, citadino, cosmopolita,
globalizado, marcado pela violência, pela miséria, pelas guerras imperialistas, pela fome, pela
dor, pelo ódio, pelo ressentimento. Ela e ele chegam como uma lufada de ar fresco, de
esperança, como contraponto a um presente pavimentado com lajes, verdadeira estrada
constituída de rochedos, de pedras que cortam, que abalroam, que fazem naufragar e perecer
vidas, aos montes, aos magotes. Ela e ele chegam para refazer tempos, espaços, rituais,
objetos e pessoas,sons, cores e sabores, paisagens e passagens de vida, vêm para restabelecer
e reconstituir muitas das coisas que foram cortadas, esfaceladas, esquecidas, perdidas,
abandonadas, destroçadas por aquele mar que arrebenta, que se arrebenta. Ele, o sertão, e
ela, a saudade, surgem neste último instante do livro de Marcelino Freire, instaurando um
tempo equívoco, um tempo dobrado, plissado, tempo em que o passado torna-se o futuro que
se espera, o passado torna-se a única espera diante do presente que acabou de ser desenhado
nos dezesseis contos anteriores. Marcelino Freire sonha com um futuro passado ou com um
passado futuro, sonha com o sertão do passado e no futuro, lançando mão para realizar esta
conexão temporal do sentimento da saudade, aquele que permite que os tempos se toquem,
se interpenetrem, que a linearidade da cronologia com que comumente se escreve a história,
as histórias, seja rompida, permitindo que o antes venha habitar o depois, que o amanhã
conte com a presença do ontem, que na espera e na esperança possam vir a se alojar a
ausência, o ausente, venha se achar o perdido, venha se reencontrar o desencontrado, venha
tornar o detonado, venha aparecer o desaparecido, trazendo a possibilidade que ressurjam à
flor da água ilhotas de tempo que submergiram, restos e dejetos de tempos que como cristais
nascidos de um processo de decantação, de lenta sedimentação afloram à superfície da
memória, varando o silêncio que os corroía, traços e trastes de uma vida, de muitas vidas,
boiando no tempo, arrastadas pelas vagas que atravessam a história, que resolvem ancorar,
encostar-se, costear, habitar a beira de um texto, lá onde uma pequena mosca deixa a marca
de sua caca como um ponto final. †
O sertão e a saudade aparecem arrinconados num canto do livro, lá onde o movimento do
texto se arrebenta. Lugar distante contra o qual a onda do presente vem se quebrar, onde a
agitação da vida presente, seu bulício, suas correntes, seus turbilhões e tsunamis, suas
espumas de sangue, suor e saliva vêm esbarrar. O sertão e a saudade habitam um lugar
recôndito no ser do livro e no ser do autor, estão atirados num canto muito mais do que num
conto. Este texto que se pretende conto é muito mais um canto, uma elegia,uma ode ao sertão
modulados nos acordes da saudade. Ele canta muito mais do que conta. Ao contrário do que
ocorre nos dezesseis outros contos que compõem o livro, nenhuma história aí é narrada,
embora muitas histórias estejam aí agarradas e amarradas. Poderíamos dizer com Barthes

*
O texto tem como objeto de análise o livro de: FREIRE, Marcelino. Rasif: mar que arrebenta. São Paulo:
Record, 2008.

Referências ao conto intitulado “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 120-123. e à
gravura de Manu Maltez, que ilustra a página 127 do livro, onde se lê “É o fim”.
28
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
que são fragmentos de um discurso amoroso, e saudoso. ‡ São estilhaços de memórias, de
vivências, de experiências, os destroços que sobraram do passado do autor e dos atores que
traz para seu texto, após o encontro e a quebra do encanto com o litoral, com os arrecifes que
constituem a paisagem física, social, politica, moral e cultural do Rasif. Memória
estraçalhada, em filigranas, em flashes, dilacerada pela própria velocidade do tempo em que
foram produzidas. Se o sertão é o lugar da memória e da saudade, é porque dá tempo, há
tempo para isso: pra que pressa, pra quê? §Na cidade, na temporalidade urbana, apressada,
em que eventos se sucedem sem que dê tempo de serem fixados, guardados na mala da
lembrança, onde os acontecimentos logo viram fumaça, as memórias são farrapos, são ditos
em fiapos. Nela, mesmo a saudade chega apressada, as lembranças do sertão chegam
elípticas, pequenos clarões de luz a atravessar o breu do esquecimento, pontadas de dor a
varar uma alma entorpecida por tanto horror e desamor cotidianos. Como tecer uma
narrativa, um conto, se não colando, agrupando os restos e os rastros que estes eventos
deixaram, registrando as pequenas marcas, as manchas, os cheiros, os ritos e os rictos
passageiros em que tomaram corpo, em que se efetivaram. Mas, no último instante, naquele
canto do livro havia lugar, mesmo apressado, dito aos pedaços, entredentes, entrementes,
para um contracanto, ou seria para um contraconto, para uma espécie de ritornelo que ao
invés de indicar o retorno à sinfonia que até então se desenrolava, ao invés de ser o momento
de retorno de todos os instrumentos até então utilizados pelo autor em sua narrativa, figura
como um momento de abertura do texto para outros arranjos possíveis da realidade, da
cidade que acabara de figurar. Ao mesmo tempo último suspiro de um texto e lufada de ar
fresco que abre o tempo e a vida para outros futuros, mesmo que seja figurado pelo passado,
por um dado passado. O ser tão precário do presente encontra no canto, e não no conto, na
literatura e não na história, a pequena brasa de esperança para lhe aquecer, para dizer que há
futuro, que nos espera e que se espera.
Mas como falar dele e dela como dois entes separados. No livro de Marcelino Freire o sertão é
a saudade, o sertão é constituído de fragmentos de distintas saudades, o sertão é um punhado
ou um molho de saudades. O que dá o ser ao sertão é as saudades que dele se sente. Ele é a
colagem dos fragmentos de um passadoque chega através desse sentimento. O sertão é
presentificado como perda, como ausência, como uma fieira de lembranças penduradas no
precário cordel de uma narrativa, que parece ter sido feita aos soluços, aos solavancos na
estrada da memória. O sertão parece sempre ser uma saudade de quem o deixou, de quem foi
esbarrar no litoral, de quem saiu dele em busca da cidade, do sonho feliz de cidade, de quem
saiu em busca do Sul, de quem procurou se encontrar em outro lugar, de quem procurou ser
alguém fora dele, indo para bem longe dele, parece ser saudade de quem fez a partida para
São Paulo ou Rio de Janeiro, para quem colocou as pernas no mundo em busca de dias
melhores, para quem dele queria muito sair ou para muitos que dele foram saídos, expulsos,
tocados como rebanhos de gado. O sertão é a saudade de desterrados, de desterritorializados,
de gente sem terra, é território construído com a memória, com os retalhos de lembrança que
restaram após a triste ou a alegre partida. O sertão é descoberto com sendo a terra de cada
um após, muitas vezes, o retirante ter sacudido a última poeira que cobria seus pés para
poder estar conforme ao entrar na cidade. Decorridosanos, ele descobre que nunca
verdadeiramente entrou na cidade, e a cidade nunca entrou nele, quem se tornou cada vez
maior dentro dele foi o sertão, mesmo que mereça apenas um pequeno lugar em seu texto,
todo ele feito de denegação da cidade, de vômito dos dissabores que ela lhe trouxe, de
exposição de suas mazelas e de seus furores. Era preciso extrair de si mesmo as marcas e as
mágoas do Recife e de São Paulo, era preciso abortar os filhos bastardos que a vida de cidades
e em cidades gerou em sua subjetividade, era preciso contar, expor, matar em si mesmo as
inúmeras presenças da morte com que conviveu e vieramnele habitar, era preciso aplacar
num texto sua sede de vingança, seu ódio contra o muito que significou para ele sua
experiência de cidades, para poder voltar, num último ato, limpo, despojado, reconciliado
consigo mesmo e com a vida, ao sertão. Após o escarro na cara da cidade de todos os males
que ela fez, que ela lhe fez, que ela faz, que ela lhe faz, ele pode finalmente costurar a mala,
levantar as paredes de caixa, espiar com desprezo para os prédios e a fumaça de São Paulo e


Ver BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
§
Ver FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 123.
29
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
dizer que vai embora, naquele instante, porque ali nunca foi a sua terra, para outra terra da
qual já sente saudade num futuro que ainda vai viver, que ainda oespera. ** O sertão é
saudade, mas também é espera e esperança. Mas a saudade é sempre isso mesmo, lembrança
e esperança, ausência e espera de reencontro, experiência e expectativa, morte e vida, mesmo
que Severina. †† Se o sertão é saudade, o sertão é sonho, sonho com o que passou, sonho que o
que passou vai voltar. Se o sertão é saudade, o sertão é desejo, desejo de retorno do que se foi,
é o desejar que o que foi não tenha ido, é desejar que o que vem seja o que já foi.
Não há um tom conservador em tudo isso? Fazer do futuro uma espera de volta ao passado
não é temer a abertura do tempo para outros possíveis? A recusa do presente, do ser
presente, do estar presente, que é a marca de todo discurso saudosista, não inviabiliza buscar
no presente os devires, as linhas defuturo que prometem um tempo outro, diferente, diverso,
divergente? A revolta com o presente que apresenta a volta ao passado como saída, a volta
para a terra que se deixou para trás, que se pressupõe permaneceu infensa ao tempo,
realidade estática, não histórica, à sua espera, não é uma maneira de se fechar à possibilidade
de outros futuros, distintos tanto do presente, quanto do passado? A vontade de atirar no
presente, de matar o presente e depois arrumar as malas e rumar para o sertão da saudade,
de sair da cidade para entrar na saudade, não é uma proposta política conservadora? Quebrar
a cidade em cacos, estilhaçá-la a socos literários, atingir o presente no coração, ser um perigo
para quem se aproxima, para o próximo, para depois rumar para um sertão idílico, distinto e
distante, onde parece não haver cidade, violência, crimes, tiros, prostituição, drogas, meninos
pobres e abandonados, sujeiras e degradações físicas e morais, parece um consolo, mas me
parece tão perigoso, tão letal quanto o presente figurado em cada conto. Esta espera e esta
esperança saudosista podemarrebentar com a busca de outros fins, de outras saídas, de
outros finais, mesmo que nunca sejam finais em que todos vivam felizes para sempre, outras
finalidades que não se resumam em exclamar: Isso é o fim!, ‡‡pois nós historiadores sabemos
que todo fim é um começo, todo começo passa longe da harmonia e da idealização de quem
busca origens e volta às origens, todo começo é habitado pela dispersão e o disparate. Não é
só o presente, não é só a cidade que são disparatados, que são atravessados por disparos. Não
é apenas o presente, não é somente o Recife ou São Paulo que são dispersos, violentos,
conflitivos;o sertão também é assim, atravessou a história sendo assim, se constituiu na
história por processos onde o desastre, o sofrimento, a dor, o descaminho se fizeram
presentes. O sertão é mortal e mortífero tanto quanto a cidade. Este último momento do livro
o torna maniqueísta, uma quebra se faz, uma descontinuidade se instaura, para, no entanto,
enunciar a possibilidade de uma soldagem dos cacos do tempo, do passado, para com eles
figurar um tempo contínuo, que àscustas de negativar o presente reinstala um passado mítico
como possibilidade de futuro, do qual também sentirá saudade, pois sabe a volta impossível,
embora desejada, e desejo também é acontecimento, faz história e produz realidades.
De que saudades é feito o sertão de Marcelino Freire? De que material saudoso é feito sua
sertania?Antes de tudo é feito da saudade de sua terra natal, do lugar que o viu nascer, das
ribeiras do rio Moxotó, um sertão com saudades de Sertânia. §§ Sim, seu sertão começa com as
saudades de sua cidade. Mas também pelas saudades do Cariri e do Sertão do Pajeú. Um
sertão feito de muitos outros lugares, pois o sertão é diverso e pasmem é feito de muitos
outros centros urbanos, uns maiores outros menores: Catolé, Canindé, Paulo Afonso. Mas, o
que também não é surpreendente, seu sertão se espalha por todo Nordeste. Seu sertão
começa em Sertânia mas por deambulância e assonância vai se espalhando até abarcar outras
áreas do Nordeste. Estando em São Paulo, sendo escrito de lá, tal como costuma lá se pensar
e dizer,o Nordeste é o sertão, o sertão é todo o Nordeste, por isso suas saudades do sertão
transformam-se em saudade do Nordeste. As saudades de Sertânia se conectam e fazem
enredo com as saudades de Sairé, Nazaré da Mata, Caruaru, Quixeramobim e até da ilha de
Itamaracá. *** Sertão e Nordeste que vão sendo figurados por cidades, mas não propriamente

**
Referência a passagens do conto “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 123.
††
Para uma discussão filosófica sobre o sentimento da saudade, ver: TEIXEIRA, António Braz; PINHO, Arnaldo;
NATÁRIO, Maria Celeste e EPIFÂNIO, Renato (orgs.). Sobre a saudade. Sintra: Zéfiro, 2012.
‡‡
Referência ao enunciado presente em: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 127.
§§
Ver: http://www.tirodeletra.com.br/biografia/MarcelinoFreire.htm. Acesso em 09/05/2014.
***
Ver o conto “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 121-122.
30
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pelo urbano, pois o que se vai lembrar saudosamente dessas cidades não são seus aspectos
modernos, contemporâneos, urbanísticos, suas práticas e relações sociais em dias com o
presente, mas o que há nelas de artesanal, de folclórico, daquilo que lá no início do século XX
se inventou como sendo a cultura nordestina, pelas práticas e relações que remetem ao
passado, a uma pretensa tradição, afinal sertão e Nordeste só podem ser ditos na saudade e
no passado, daí este corpo estranho, esta postema, este cancro, esta anomalia que é o Rasif,
esta ferida que sangra e escorre pus, na carne do corpo regional. ††† Essa chaga que supura
modernidade desde o início do século XX. Foi nela e na recusa dela que se inventou a região e
o sertão, o sertão como região, a região como sertão, foi vivendo nela que se inventou a região
e o sertão como saudades, como espaços, como paisagens no passado e do passado. Das suas
entranhas saíram estes dois filhos bastardos, estes dois filhos ingratos, que só fazem dela
desdizer ou dizer dela os desditos.
O sertão e o Nordeste de Marcelino Freire também são feitos, como muitos, infindos,
infindáveis, intermináveis, de saudades das noites de festas, dos folguedos, dos instrumentos
musicais, das danças e ritmosditos tradicionais ou folclóricos, de seus personagens e
brincantes: das saudades do batucajé, dos papangus, do carnaval, do maracatu de lança, do
fandango e da ciranda, dos malungos, da maionga, do jurupari, de Mateus e Catirina, das
lutas entre o azul e o encarnado, da bernúncia, da zabumba, do reco-reco, do Zé Pereira, do
violão e da viola, da procissão que se foi. ‡‡‡ Como sempre este é o tempo da cultura
nordestina, aquela que se foi, que ficou no passado, que está morto ou prestes a morrer, a
cultura nordestina, este eterno defunto sem enterro. Mas o sertão, o Nordeste inteiro que ele
veio a se tornar, também é feito de saudades das iguarias, das comidas ditas tradicionais,
aquelas mesmas que os intelectuais e militantes regionalistas tradicionalistas, inventores da
região, diziam ser o cerne da regionalidade, aquelas mesmas que sociólogo glutão de
Apipucos não parava de comer e servir em seus banquetes regionalistas, enquanto a maioria
dos ditos sertanejos e nordestinos não tinham nada de decomer. §§§ Assim como a saudade
daqueles inventores da região vê-se que as saudades do escritor foram muito bem
alimentadas: afinal o sertão tem para ele gosto e lembrança de acarajé (talvez pela
necessidade de rimar mais do que por fome), de tumbança, de macaxeira-pacaré, de lelê ou
lelelé, do goiamum, do ponche de caju, do queijo de coalho, da tapioca, da rapadura, da
meladura, da moqueca, da pitomba, da canjica, da cocada, da graviola, da pitanga, do umbu,
do cajá e do maracujá. **** A dita cultura nordestina parece ser uma feira de mangaio, porque
ainda podemos encontrar entre as saudades que compõemo Nordeste e o sertão de Marcelino
Freire objetos os mais disparatados, todos juntos, formando uma pretensa unidade,
identidade, que aparece sarapintada, brega, chinfrim, parecendo um balaio de gatos: podem-
se encontrar o pacaia e o cobogó, o canário e o galo-de-campina. †††† Região que seria marcada
por crenças populares e tradicionais de origem africana e indígena vindas do quilombo e da
maloca, infundindo saudades da macumba, da jurema, da quimbanda. ‡‡‡‡ Região que é toda
uma paisagem clichê, beleza pura, não profanada pela feiura urbana, pela lama, o urubu e o
catador de caranguejos, feita de macambira, de luares, de açudes e cachoeiras, de tardinhas e
penderes do sol, feita de amanheceres, de barracas de folhas e carros de boi. §§§§ Sertão,
Nordeste composto de saudades de pessoas queridas, de personagens populares, de gente de
outros tempos, de outros costumes e outros modos: Mãe Valéria, dona Carminha, seu
Antônio, de Zé do Vale e até de Lia de Itamaracá, de muitas, de várias Marias-vai-com-as-
outras, um pouco como é a historiografia e a literatura quando querem figurar o sertão,
figurar a região Nordeste, termina tudo indo de enfiada na mesma direção de uma dada
maneira de ver, de uma dada maneira de dizer o que seria o regional. ***** E haja saudades!

†††
Ver: ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular
(Nordeste, 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013.
‡‡‡
Ver o conto “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 121-122.
§§§
Ver: FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista de 1926. Recife: FUNDAJ, 1976.
****
Ver o conto “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 121-123.
††††
Idem.
‡‡‡‡
Idem.
§§§§
Idem.
*****
Idem.
31
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A região Nordeste e o sertão são construções da e na linguagem, foram os discursos que
foram dando significados e instituindo signos e símbolos para estes recortes espaciais. ††††† As
saudades precisam das palavras, nem que seja esta tão própria palavra da língua portuguesa,
para ser expressa, para ser dita e até sentida. Por isso há uma certa forma de narrar e de
escrever a região, há uma dizibilidade regional que se impõea quem quer ela figurar. Quão
distinto é o vocabulário, as palavras que aparecem para narrar a cidade nos dezesseis
primeiros contos. Recife, ou Rasif se deixa narrar com dadas palavras que não são as mesmas
que servem para dizer o sertão. Aí “we speak English”. ‡‡‡‡‡ Quando se vai narrar o sertão, o
Nordeste, vem à tona as saudade de uma outra língua portuguesa, vem àtona a língua de
antanho, a linguagem saída das páginas da história da Princesa Magalona, das visagens,
miragens, impropérios e impertinências do poeta Zé Limeira, das modas de viola, das
histórias do boi-barroso. A escrita literária contemporânea para dizer o sertão, para dizer o
Nordeste, precisa abriro baú e de lá retirar palavras safadas pelo tempo, palavras que foram
esquecidas, que também são motivo de saudades. Palavras que circularam num dado tempo,
numa dada cultura e que se pretende preservar como sendo o tempo e a cultura do regional.
O sertão seria o espaço de uma língua cheia de exotismos e bizarrias, de palavras que
encantam e trazem saudade pelo inolvidável, pelo sabor de sua prosódia, de sua fonética,
mais do que por sua semântica, uma língua dos avós e dos canfundós: o sertão, o Nordeste é
onde se ouvia e ainda podiam se encontrar palavras como macauã, cramondongue,
piriprioca, bodega, trepeça, bagalafumenga, banguela, pirraia, bruguelo, cobogó e tipóia. §§§§§
À primeira vista este último capítulo é forjado com a mesma estrutura dos anteriores. Ele se
organiza como um quadro, como uma cena teatral, como um pequeno bloco formado por
frases curtas, onde se percebe o cuidado com o uso de cada palavra, o gosto pela própria
sonoridade particular que cada uma carrega. Mas ao invés de semelhança temos instaurada
no interior do livro a diferença. Nos dezesseis primeiros contos, cada frase, cada palavra
surgem como explosões, como cortes no tecido da cidade, que deixam a descoberto as suas
entranhas. Cada cena, cada conto, surgem como incisões, que expõema putrefação do corpo
grangrenado da cidade, do mundo contemporâneo. Nestes primeiros contos há personagens,
há histórias, há acontecimentos. Acontecimentos retirados da banalidade da vida cotidiana
mas que fazem mexer, fazem tremular, desfocam as imagens costumeiras da história oficial e
triunfal. Nestes relatos a cidade de Rasifé o mundo todo, mundo vivendo um tempo doente, o
presente. Um presente e uma cidade, uma contemporaneidade feita de entulhos, de lixo, de
sobras, de restos, de monturos, onde toda a sacralidade se perdeu, onde a deusa das águas
tem que conviver com todos os dejetos materiais e humanos de uma sociedade da mercadoria
e do consumo, em que o mar que arrebenta pode trazer uma maré de merda. Um presente
vivido como oceano de medo, onde a esperança é grão de sal, espuma de sabão, nenhuma
terra à vista. ****** Presente onde o desejo de paz se transformou em hipocrisia de classe média
e de político demagogo, pois a realidade da maioria dos pedaços da cidade é a violência física,
simbólica, econômica, social, política, moral. As passeatas com lenço branco de gente que
nunca soube o que é perder um filho perfurado por uma bala da polícia, vitimado pela
violência da miséria é acinte diante da guerra geral. †††††† Um tempo presente, um mundo feito
de personagens-bomba, de gente prestes a explodir, gente com vontade de matar todo
mundo, revolta contida ou incontida que pode voltar-se contra si mesmo, que impede as
relações afetivas, que faz do amor um sentimento retorcido, impróprio, improvável. ‡‡‡‡‡‡ Um
tempo em que ninguém mais se entende, em que ninguém fala a mesma língua, apesar de
todos falarem inglês, tempo babélico, do desentendimento, da falta de comunicação e

†††††
Ver: ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 5 ed. São Paulo/Recife:
Cortez/Massangana, 2011; MULINACCI, Roberto. Um deserto cheio de lugares: topografias literárias do sertão.
In: RAVETTI, Graciela; CURY, Maria Zilda; ÁVILA, Myriam (orgs.). Topografias da cultura: representação, espaço
e memória. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p. 11-31.
‡‡‡‡‡
Referência ao conto intitulado “We speak English”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 36-38.
§§§§§
Ver o conto “O futuro que me espera”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 121-123.

******
Referência ao conto intitulado “Para Iemanjá”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 21-22.
††††††
Referência ao conto intitulado “Da paz”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 24-28.
‡‡‡‡‡‡
Referência ao conto intitulado “O meu homem-bomba”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 30-34.
32
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
comunhão apesar da proliferação dos meios. §§§§§§ Tempo em que as crianças sonham com um
revolver de presente de Papai Noel, em que até o bom velhinho pode ser vitima de uma
emboscada infantil, crianças que têm como ídolos o traficante ou o justiceiro do pedaço. *******
Tempos estranhos em que o papai traz o travesti para casa e lhe oferece café com leite,
pãezinhos e biscoito, travesti tristonho e acabrunhado que pode acabar se transformando na
mamãezinha para a criança abandonada da casa. ††††††† Cada conto é marcado pelo choque,
pela derrisão, pela entrada em cena de personagens inusitados, de eventos que na sua
pequenez e na sua banalidade questionam a ordem, as estruturas sociais e culturais; o que
dizem e fazem se chocamcontra os pretensos códigos e regras que dirigem a normalidade do
mundo e da vida. Como cintilações ou marteladas, cada cena, cada evento, cada frase furam,
quebram as máscaras das aparências e deixam entrever outras faces, as arestas desse tempo e
dessa realidade.
No entanto, na última cena, no que seria, segundo o apresentador do livro, um conto-canto
da uma bicha nostálgica, ‡‡‡‡‡‡‡ onde ela se encontra ou pretende se reencontrar com o sertão
através da saudade, com um dado Nordeste através da saudade de um morador de cidade, de
um migrante em São Paulo, a cena formada pelas frases curtas e estilhaçadas não produz o
mesmo efeito estético e político que os demais capítulos. O clima não é de revolta,mas de
nostalgia.Aí não há explosões, estilhaçamento;há evocações, apaziguamento. Aí não há
personagens, a não ser o próprio narrador que lembra e algumas pessoas que são lembradas.
Aí não há ação, não há acontecimento, não há história. As frases curtas, incisivas,
desaparecem, os fragmentos não furam ou cortam, eles são apenas pedaços coagulados de
um dado tempo, são águas paradas, águas chocas, são fragmentos de experiências que boiam
para além do seu tempo de vivência, são sombras do passado, nódoas que tingem a memória,
são um punhado de saudades. O tom do texto é idílico, lírico, poético, embora haja nos contos
anteriores momentos em que a lírica e a poética também comparecem, mas neles predomina
o tragicômico, o sarcástico, o irônico, o nonsense. Neste conto o tom niilista, desesperado e
desesperançadodos contos anteriores desaparece, aí há reconciliação com o tempo, com a
história, com a sociedade, com a vida, mas isso às custas de negar a passagem do tempo, de
negar a historia através do recurso àmemória, de fazer desaparecer o próprio social, reduzido
a uma disparatada coleção de saudades.
Até quando a literatura e a historiografia continuarão presas a esta forma de dizer e ver o
sertão e o Nordeste? Quando será que o sertão deixará de ser uma saudade, um passado, para
ser o presente? Quando o sertão e o Nordeste deixarão de ser a fronteira, o limite, o exterior
da cidade, do urbano? Quando a literatura e a historiografia descobrirão que existem cidades
no sertão? Que o sertão está na cidade, porque os sertanejos nelas estão e com eles o levam, e
a cidade está no sertão, já que a maior parte da população sertaneja hoje vive em cidades?
Quando será que o sertão deixará de ter só sertania e passará a ter cidadania? Pois é disso
que se trata, esta imagem de um sertão, de um Nordeste coagulado no passado, estático, sem
história, sem acontecimentos é também a história de um espaço sem cidadania, em que sua
população não tinha acesso a direitos. Embora o sertão de Marcelino Freire seja um espaço
sem conflito, sem violência, sem pobreza, sem relações de poder discricionárias, sem
exploração do trabalho, sem fome, sem dor, sem sofrimento, bem ao contrário da maneira
como desenhou a cidade e o mundo contemporâneo - o que o exclui de saída desse espaço e
dessa realidade -, sabemos que os sertões, porque eles são muitos, foram marcados e são
caracterizados hoje, - pois o sertão tem existência presente, é realidade presente e não só
passada -, padecem das mesmas contradições, conflitos, dramas que o autor faz aparecer em
seu Rasif. Sim, há lixo, monturo, há restos, sobras morais e materiais no sertão, nele há rios
de merda na falta das marés, há merda pura, inclusive em forma de gente, muitas adoradas e
sacralizadas como Iemanjá, notadamente por fazerem pequenas oferendas em épocas
eleitorais, não tão expressivas como as oferendas que recebem dentro e fora das cidades. No
sertão sempre houve guerra, nunca foi o lugar da paz. Matar pobre ou mesmo gente de

§§§§§§
Referência ao conto intitulado “We speak English”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 36-38.
*******
Referência aos contos intitulados “Maracabul” e “Meu último Natal”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p.
40-43 e 44-49.
†††††††
Referência ao conto intitulado “Júnior”. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 50-53.
‡‡‡‡‡‡‡
Ver: NAZARIAN, Santiago. Explosões. In: FREIRE, Marcelino. Op. Cit., p. 15.
33
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
família nunca foide admirar e fazer drama, muito menos melodrama. Sim, no sertão, hoje se
fala inglês, se fala muitas línguas, sempre se falou muitas línguas, afinal foi para o sertão que
fugiram indígenas e africanos com seus diferentes falares, o sertão sempre foi babel, nunca
foi apenas este baú de ossos linguísticos, nunca foi apenas este lugar de palavras-fósseis, aí a
língua sempre correu léguas. No sertão também há criança que quer matar não apenas Papai
Noel, mas qualquer papai, sua revolta, abandono e miséria são tão grandes quanto as da
capital. No sertão há travestis, nostálgicas, tristes, sorumbáticas, mas também sempre foi
lugar de veados alegres e fagueiros, sim a viadagem sempre habitou o sertão, não é apenas
coisa de cidade grande e hoje no sertão há cidades do tamanho do sonho de mulher de muitos
deles. No sertão sempre houve comedores de criancinha. Pelo menos essa é uma famosa
lenda que, desde o século XIX, alimentou o discurso da seca e carreou para o bolso das elites
sertanejas recursos e investimentos. §§§§§§§
Chega, portanto, dessa literatura e dessa historiografia que só veemno sertão e no Nordeste
sua dita cultura popular, festiva, colorida, pretensamente inocente, moral e politicamente.
Chega desse sertão adocicado feito de iguarias, acepipes, manjares, ponches e frutas
sumarentas. No sertão come-se hoje a mesma comida fast-food que se come em Nova York,
bebe-se a mesma Coca-Cola que brilha nos outdoores de Tóquio. Chega desse sertão de luares
e ocasos, de causos e contos tradicionais. Chega desse sertão brega, chinfrim, sem sonhos de
coisa grande, conformista e conformado com o pouco, com o menos, com o simples. Chega
desse sertão de pureza, de beleza. Cadê o sertão de todas as safadezas, de múltiplas e
inoxidáveis tristezas?Cadê o sertão das ruas engarrafadas,de carros importados, da compra
de todos os enlatados, da farra em postos de gasolina, assim como as meninas?! Cadê o sertão
do forró de banda, das calcinhas pretas e aviões, sertão dos pancadões e
RobertaMiranda?Cadê o sertão do ApoCalypso? Cadê o sertão do tráfego e do tráfico, dos
craques e do crack, de homens querendo ir morar no cabaré e mulheres gritando alto: “- eu
sou cachorra”?,uma zorra. Cadê o sertão dos shopping centers, dos smartphones, do facebook
e do twitter, das suítes e piscinas, do amor de rapariga, de gente que pega e não se apega, do
doidão e da abestalhada? Cadê o sertão da motocicleta irregular, onde só quem tem placa são
as cisternas?Cadê o sertão da maionese e do iogurte, do colchão box e do desfrute, da novela
das nove e do BBB, do gordinho gostoso e do mercado religioso vendendo a salvação, em
suaves prestações e prostrações? Cadê o sertão do GPS, do Bolsa Família, do sobe e desce?
Cadê o sertão da parabólica e da Sky, dos sem terra, da academia e do suplemento, onde já
não existe mais jumento? Cadê o sertão do Minha Casa, Minha Vida, da dívida com ocartão,
com o banco, com o patrão, do empréstimo consignado do aposentado?Cadê o sertão do
babado, da luz elétrica, do supermercado, da roupa de grife, do partido irrigado, da
vinicultura, da contracultura e do boy chapado, piradão? Isto é sertão, sertões diversificados.
Tudo isso pode ser tema de literatura e de historiografia, desde que aposentemos o retirante,
a seca, o coronel, o beato e o cangaceiro, desde que aposentemos a nostalgia e prestemos
atenção em nossos dias. O sertão está globalizado, urbanizado, moderno, contemporâneo.
Vive-se no sertão os mesmos dramas existenciais de qualquer parte do mundo, embora, como
em todo lugar, nele convivammúltiplas temporalidades. Sem deixar de ter em cada um dos
espaços que o conforma suas singularidades, o sertão e o Nordeste podem ser objeto de um
tratamento estético e historiográfico que se coaduna com a contemporaneidade. Assim como
cantava o músico que nasceu na cidade bem aqui do lado, quando se tratar não apenas de
música, mas de literatura e historiografia: Chega de Saudade! ********

§§§§§§§
Esta história já aparece narrada no primeiro romance que tomou a seca e a retirada como temas, livro
publicado em 1879: PATROCÍNIO, José do. Os retirantes. São Paulo: Editora Três, 1973.
********
Referência a João Gilberto, nascido na cidade de Juazeiro, vizinha a cidade de Petrolina, e à canção
Chega de Saudade de autoria de Vinícius de Morais e Antônio Carlos Jobim, por ele gravada em disco Odeon,
de 1958.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INSCRIBIR EL SERTÓN EN EL MAPAMUNDI: DISCURSOS CIENTÍFICOS Y
FICCIONALES: OS SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA, VEREDICTO EM
CANUDOS DE SÁNDOR MÁRAI Y LA GUERRA DEL FIN DEL MUNDO DE
MARIO VARGAS LLOSA ††††††††.
Prof. Dr. Horst Nitschack
Universidade do Chile

El título de este ensayo consta de tres partes, en las que se adelantan varias hipótesis: 1)
inscribir el Sertón en el mapamundi, 2) discursos científicos y ficcionales y 3) los nombres de
los autores: Euclides da Cunha (Os Sertões), Vargas Llosa (La guerra del fin del mundo) y
Sándor Márai (Veredicto em Canudos).
La primera parte del título (inscribir el Sertón en el mapamundi) se refiere a la relación entre
lo local y lo global, es decir, entre una región particular, con su historia, su gente y sus
manifestaciones culturales, y el mundo en su totalidad histórica y geográfica. El verbo
“inscribir” en el título omite el sujeto. ¿Quién inscribe? ¿Es el Sertón, son los sujetos
provenientes del Sertón los que se inscriben, o es el “mapamundi” el que inscribe el Sertón?
Obviamente se dan ambas direcciones: la región geográfica y cultural que por sus propias
fuerzas, cuyos propios sujetos se inscriben en el mapa del mundo, pero también, por otro
lado, los sujetos que desde su identificación con el mapa del mundo y desde una mirada
globalizante realizan esta inscripción, como es el caso de los científicos, investigadores o
también los viajeros.
Se trata de dos movimientos muy distintos, que tendrán como resultado representaciones
muy diversas también de lo local. Idealmente, deberían ser complementarias, pero sabemos
que existe una asimetría que, en el fondo, refleja la asimetría de los poderes involucrados en
el proceso: si las metrópolis representan lo global, lo universal, ellas definen lo que entra en
la historia y definen el mapa del mundo usando los conocimientos producidos a escala
regional y local. Los sujetos que habitan lo local, sin embargo, a pesar de su conocimiento
preciso y detallado de su mundo, son siempre dependientes de los medios, los conceptos y los
paradigmas provistos por las instituciones y entidades que operan en la escala global para
inscribirse en el mapamundi.
Existe entonces una fuerte interdependencia entre ambos: las metrópolis requieren de las
informaciones locales para diseñar su mapa y, por otro lado, lo local requiere de las
coordenadas que le ofrece la metrópolis para inscribirse.

La segunda parte del título se refiere a los dos discursos, el científico y el ficcional, que
pueden ser considerados como discursos privilegiados en este proceso de inscripción. No
obstante, al comparar ambos discursos se hace evidente que el discurso científico es
claramente dominado por las metrópolis y las ciencias que allí se han desarrollado. En el caso
del discurso ficcional, la “desventaja” de lo local no es tan evidente, a pesar de que los medios
de distribución internacional y –otro hecho de gran importancia– las lenguas
internacionalizadas (antiguamente el francés, hoy en día el inglés, con mucho menos
importancia el español) son las de las metrópolis. Pero incluso así: los discursos ficcionales
que incluyen narraciones orales son el medio privilegiado para la representación de lo local.
Si consideramos los discursos ficcionales en comparación con los científicos, se puede
constatar que estos discursos ficcionales permiten una cierta autonomía de lo local, una
expresión regida por sus propios criterios, que los discursos científicos excluyen.

La tercera parte de mi título son tres nombres, el primero brasileño, Euclides da Cunha, el
segundo de un autor de la literatura mundial, aunque no tan conocido en América Latina:

††††††††
Este trabajo es resultado las investigaciones en el contexto del proyecto FONDECYT 1120116: Rebeldes,
malandros, delincuentes y locos: resistencias, transgresiones y expectativas utópicas en la literatura brasileña
del siglo XX. Se incorporan partes de una versión revisada del artículo: Horst Nitschack: “Mario Vargas Llosa: ‘La
ficcionalización de la historia en La Guerra del Fin del Mundo’”. En: Revista Chilena de Literatura. N° 80, Nov.
2011, pp. 117-133.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Sándor Márai; y el tercero es el de uno de los autores latinoamericanos más destacados de la
literatura contemporánea, Mario Vargas Llosa. No hay duda de que el primero y el último son
dos nombres que han contribuido de forma decisiva a que el Sertón, con su historia y su
complejidad social y cultural, fuera inscrito en el mapamundi. Pero también la novela de
Sándor es una contribución importante: la inscripción del Sertón en una cultura y una lengua
donde esta región brasileña es poco conocida: el húngaro. Si Euclides da Cunha escribe desde
Rio de Janeiro, con un cierto conocimiento del Sertón –a pesar, como se sabe, de que no era
sertanejo– Vargas Llosa escribe desde fuera, aunque desde el mismo continente, desde una
cultura similar, mientras que Sándor Márai escribe desde muy lejos y desde una cultura
completamente distinta.
Para los tres, el tema de su escritura es uno de los eventos más dramáticos de la joven
República, la Guerra de Canudos. Sus motivaciones, sin embargo, son muy distintas, lo que
tiene que ver evidentemente con la perspectiva desde la cual observan esta Guerra,
consecuencia de su situación histórica y de sus convicciones políticas e ideológicas. Para
Euclides era importante encontrar no solo una explicación para este acontecimiento trágico,
apoyándose en una multiplicidad de discursos científicos, muchos provenientes de las
metrópolis, sino también mostrar que la Guerra de Canudos no era un evento local
cualquiera en lo profundo del Sertón nordestino, sino una tragedia de alcance nacional, en la
que el concepto mismo de civilización estaba en juego.
Sándor Márai vuelve sobre el tema casi setenta años más tarde, en condiciones muy distintas.
Escribe desde el exilio italiano, expulsado de Hungría alrededor de veinte años antes por la
política cultural del Partido Comunista, cuando este asumió el poder. Sándor Márai escribe,
como cuenta en el comentario a su novela, bajo la impresión de los eventos políticos de los
últimos años de la década de los sesenta.
Comenta Sándor Márai:“[…] a aventura selvagem de Canudos se repetiu meio século depois
em outras paragens – sim, de repente a anarquia ‘entrou na moda’ novamente. Em nações
civilizadas, nos guetos e nas universidades dos Estados Unidos, a seguir na Franca, na Itália e
em outros lugares, despertaram os sintomas da anarquia” (152).
Las luchas contra el apartheid en 1967 en los Estados Unidos, Mayo del 68 en Paris y las
Brigadas Rojas en la Italia de fines de los años sesenta, son movimientos políticos que Sándor
Márai asocia con Canudos. Canudos es para él el sueño, la utopía anarquista de libertad,
igualdad y fraternidad, un sueño anarquista –en su interpretación– que para algunos se
convierte en realidad, mientras que para otros es solo un peligroso fanatismo que debe ser
destruido por todos los medios.
Cerca de 15 años más tarde, Vargas Llosa retoma el caso de Canudos en un contexto bien
distinto: el interés y la intención de Euclides da Cunha de revelar las condiciones objetivas de
la tragedia brasileña se opone a la intención ficcional de Mario Vargas Llosa, con su interés,
en cambio, por las disposiciones subjetivas que hicieron posible esta barbarie
sadomasoquista. Es decir, con Euclides de un lado y Sándor Márai y Vargas Llosa del otro, se
oponen o entran en disputa dos tipos de escritura literaria: la referencial, que pretende
revelar la realidad objetiva, y la ficcional, que pretende reconstruir la dimensión subjetiva de
los acontecimientos objetivos e históricos. Esta última toma el mundo objetivo, con sus
acontecimientos históricos, como material de base para la construcción de un mundo
subjetivo, y se atreve a realizar interpretaciones que no se justifican con respecto a esa
realidad objetiva, sino con el propósito de influenciar –o formar– el imaginario de los
lectores. Un objetivo que el autor húngaro y el peruano persiguen con intenciones muy
diferentes.

En Sándor Márai, la lectura de Os Sertões –en la traducción al inglés, Rebellion in the


blacklands, de Samuel Putnam, 1944– sirve como estímulo y punto de partida para su
novela ‡‡‡‡‡‡‡‡. La narración comienza la noche del 5 de octubre de 1897, un día antes de la
derrota final de Canudos. Las autoridades civiles y militares de la joven República y del
Estado de Bahia son reunidas por el Ministro de Guerra y Mariscal Bittencourt, que había
asumido personalmente el mando de la cuarta expedición a Canudos, que puede ahora

‡‡‡‡‡‡‡‡
La novela Veredicto em Canudos fue traducida al portugués en 2002. Sin embargo, fue originalmente
escrita en 1969 y publicada en 1970, más de diez años antes de La guerra del fin del mundo, de Vargas Llosa.
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celebrar su éxito definitivo. El narrador ficticio de la novela, ya con setenta años, es el
veterano del ejército brasileño, cabo Oliver O’Conel, que se propone narrar los hechos
ocurridos entre las cinco de la tarde y las nueve de la noche del día del fin oficial de la Guerra
de Canudos. Para el lector no hay duda de que el narrador y la historia que va a contar son
una invención del autor, Sándor Márai, con la intención de enriquecer o profundizar el
ensayo de Euclides da Cunha. En palabras de Sándor Márai:
Um dia comecei a escrever sobre o que acreditava ter ficado “de fora” do livro de
Euclides da Cunha –ficara de fora, mas ‘poderia ter sido assim’. (...) Da obra de
Euclides da Cunha não emprestei mais que os dados topográficos e as datas. E os
nomes de alguns personagens. Todo o resto é invenção (151-152).

¿Pero cuál es el objetivo de esta invención? ¿Cuál es su intención? ¿Es su objetivo


comprender mejor los acontecimientos de Canudos? ¿Formar el imaginario de los lectores
para influir en su interpretación de este evento histórico en el sentido que al autor le parece
apropiado? ¿O se trata en este caso –y esta es la hipótesis de nuestra lectura e
interpretación– más bien de que el ejemplo de Canudos sirve como pretexto para lidiar con
una preocupación o problema con el que el autor busca enfrentar a sus lectores, un propósito
para el que Canudos sirve de pretexto, de escenario histórico y geográfico?
En Sándor Márai y Vargas Llosa nos enfrentamos a dos estrategias literarias muy diferentes:
si en el primer caso la invención situada en Canudos tiene como objetivo esclarecer algo que
va más allá de Canudos, en el segundo la ficción crea eventos y personajes en Canudos para
interpretar el propio Canudos. Para el lector húngaro, que no tiene idea de la importancia de
este lugar para la historia de Brasil, que no sabe siquiera si existe, todo parece ficción. Para él,
solo es importante que un evento como ese podría ocurrir en cualquier lugar donde se
enfrentan y chocan deseos y expectativas milenaristas anarquistas con los poderes del
proceso civilizatorio.
En el primer caso, lo que es de interés e importancia para la humanidad está localizado en
Canudos; en el segundo, el de Vargas Llosa, en el propio Canudos se produjo algo de interés e
importancia para la humanidad. El interés de Sándor Márai no se refiere principalmente a
este lugar y sus circunstancias históricas, sino que elabora una problemática universal, y la
historia y el escenario de Canudos le permiten concretarlo. En Veredicto, la guerra de
Canudos permite representar un problema universal y Canudos tiene por ende un valor
alegórico. En La guerra del fin del mundo, la “Historia Universal” ocurre en Canudos, y
Canudos tiene así un valor simbólico. Para la representación alegórica, la verosimilitud es
secundaria. Las alegorías nunca serán verosímiles. Esto se hace evidente en la novela de
Sándor Márai.
Sin embargo, en ambas novelas Canudos se vuelve un drama de la historia de la modernidad
–y de la modernización– que no solo tiene una dimensión nacional sino global, en el sentido
que, como en un laboratorio, ahí ocurrían o se gatillaban conflictos y contradicciones
significativas para el proceso de modernización y para la modernidad en general. Las
reescrituras ficcionales de Sándor Márai y Vargas Llosa parten cada una de la lectura de Os
Sertões, pero se relacionan con eventos contemporáneos desde los cuales ellas actualizan el
texto de Euclides.
Retomemos la novela de Sándor Márai: su narrador decide antes de su muerte, 50 años
después de los eventos (o sea, en 1947, después de la Segunda Guerra Mundial y de la
dictadura de Getúlio Vargas) escribir lo que, según él, aconteció la noche del 5 de octubre de
1897 en la tienda de campaña del comandante y Ministro de Guerra Bittencourt. Son
particularmente dos eventos los que el narrador recuerda: en el primero aparece Euclides da
Cunha personalmente (lo que históricamente no es posible, ya que Euclides se retiró del
campo de batalla algunas semanas antes del fin de la guerra). Como periodista, Euclides
provoca al ministro con una pregunta: ¿qué pasó con el Conselheiro, qué saben los
responsables de la campaña sobre su destino? El ministro, preparado para esta pregunta,
ordena levantar la tapa de una gran olla que se encontraba en su mesa. Un olor a cachaza y
descomposición se esparce, y un ayudante saca de la olla la cabeza del Conselheiro. Como
sabemos, es un episodio completamente ficcional, aunque no del todo improbable.
El segundo evento es aún menos verosímil: al final de la reunión con las autoridades, los
guardias aparecen con tres prisioneros que dicen traer un mensaje del Conselheiro. Uno de
los prisioneros revela ser una mujer. Ella insiste fanáticamente en que el Conselheiro está
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
vivo aun, y que él y los suyos van a romper el cerco del asedio para crear muchos Canudos en
todo Brasil. Bittencourt la desafía a traer al Conselheiro, si aún vive. Ella pregunta: “O que
você da em troca?” (87). El Mariscal le ofrece dinero, pero la mujer lo rechaza. El Ministro
insiste: “O que você quer?” (87). Y con una voz histérica ella grita: “Quero tomar um banho”
(88).
Para sorpresa de todos –y del lector– el Mariscal Bittencourt acepta esta condición absurda y
manda a traer su propia bañera y baldes de agua (el agua vale oro en estas condiciones).
Con esta escena, estamos en la ficcionalidad más completa. Ciertamente no ocurrió un evento
semejante en Canudos. Aunque es cierto que hay material para esta escena en Os Sertões de
Euclides. En referencia a las prácticas de los militares Euclides escribe:
Fizera-se uma concessão ao gênero humano: não se trucidavam mulheres e crianças.
Fazia mister, porém, que se não revelassem perigosas. Foi o caso de uma mamaluca
quarentona, que apareceu certa vez, presa, na barraca do comando-em-chefe. O
general estava doente. Interrogou-a no seu leito de campanha –rodeado de grande
número de oficiais. O inquérito resumia-se às perguntas do costume –acerca do
número de combatentes, estado em que se achavam, recursos que possuíam, e outras,
de ordinário respondidas por um ‘sei não!’ decisivo ou um ‘E eu sei?’ vacilante e
ambíguo. A mulher, porém, desenvolta, enérgica e irritadiça, espraiou-se em
considerações imprudentes. ‘Nada valiam tantas perguntas. Os que as faziam sabiam
bem que estavam perdidos. Não eram sitiantes, eram presos. Não seriam capazes de
voltar, como os das outras expedições; e em breve teriam desdita maior –ficariam,
todos, cegos e tateando à toa por aquelas colinas...(732).
En Sándor Márai, sin embargo, esta mujer representa un mundo completamente distinto y la
ficcionalización de esta figura del texto de Euclides sigue otra lógica. ¿Qué podría haber
llevado a Sándor Márai a esa transformación e interpretación del material que encontró en
Euclides? ¿Cómo interpretar ese deseo histérico de tomar un baño? Volvamos a la novela de
Márai: la mujer, después de tomar un baño –los hombres presentes se dieron vuelta
discretamente– da las gracias a Bittencourt en un inglés perfecto: “Thank you, gentleman”, la
lengua que el Mariscal habla desde su juventud y que es familiar para el narrador –condición
que le permite ser el único testigo que comprendió esa conversación. Ahora, el Mariscal
invita a la mujer en inglés a un interrogatorio, que más parece una conversación, en que ella
cuenta su historia y las circunstancias que desembocaron en Canudos.
De repente, con esta escena del baño, Canudos ha cambiado completamente. Lo que era un
escenario de acciones bárbaras, tanto en el campo de batalla –los asesinatos de prisioneros
desarmados por los soldados– como en el momento del triunfo final –la exhibición de la
cabeza decapitada del Conselheiro–, sufre una metamorfosis: “Essa foi a hora da
metamorfose, em que não só a mulher se transformou, mas também nós, que a vivemos
naquele cenário. Parece que uma mulher é uma força poderosa.” (Márai 95)
¿En qué consiste esa fuerza poderosa de la mujer? ¿Cómo se relaciona con el acto de tomar
un baño? Para Sándor Márai, la mujer representa en esta escena el deseo y la fuerza
civilizadora como algo profundamente humano, pero especialmente preservado por las
mujeres. El hombre –haciendo alusión a una frase de Euclides, que este, no obstante, usa en
otro contexto y con una interpretación diferente– el hombre en el sentido de ser humano,
según Márai, no está condenado a la civilización (“Estamos condenados à Civilização”,
Cunha33), sino que su destino profundo y auténtico es la civilización, o mejor, “la
cultura” §§§§§§§§. “Cultura” en el sentido de una verdadera humanización, libre de la dialéctica
negativa que deja emerger el lado oscuro del proceso de civilización, esta dialéctica de la cual
la guerra de Canudos es uno de los ejemplos más trágicos.
La señora (su nombre no se nos revela), de hecho, viene de un mundo civilizado, de un
matrimonio en un medio burgués educado, de un país de lengua inglesa (rechaza decir
concretamente de donde viene). En este momento decisivo para Canudos, su deseo más
profundo es el de reconvertirse en un verdadero ser humano: con agua pura limpiar todo su
cuerpo y reaparecer como “mujer”. Comenta el narrador de la novela: “a prova em que um
homem tinha a oportunidade de mudar –por um instante poderia ser mais do que fora até
então por trás do papel e da fantasia” (96). Sin embargo, no todas las mujeres reales
incorporan en el fondo a esa mujer divina o arquetípica. Sándor Márai nos recuerda a otras:

§§§§§§§§En la tradición filosófica alemana se hace desde Kant la diferencia entre “cultura” (Kultur) que incluye

valorizaciones éticas y “civilización” (Zivilisation), que se define principalmente para la dominación de técnicas
tanto en las relaciones inter-humanas como en la relación entre el hombre y la naturaleza.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A maior parte dos sobreviventes, a nós enviados do covil de Canudos pelos
combatentes que morriam de fome e sede, eram biologicamente do sexo femenino.
Havia também crianças e anciãos... Mas a maioria eram mulheres: seres repugnantes,
bruxas da mata, megeras de cabeleiras brancas, emaranhadas, que como animais
selvagens olhavam em redor e apertavam contra o peito murcho os lactentes, vermes
humanos prematuros que lembravam embriões. Entre eles havia algumas –mestiças,
mulatas ou resultados de cruzamento de índio com portugués– que mesmo na
matilha dos perseguidos que abandonavam Canudos caminhavam de queixo erguido.
Postura ereta, como a retaguarda de uma tropa rebelde derrotada que não implorava
clemência nem se entregava, apenas desfilava diante dos soldados –passavam caladas
de uma luta fracassada, sem sentido, a uma morte sem porquê. Meia hora antes
aquela mulher também chegara assim (97).

Incluso si estamos conscientes de que quien habla en este pasaje es el narrador, no el autor,
quien inventa ese narrador es el autor. En el texto no encontramos ninguna señal de ironía,
ningún indicio de que el autor se distancie del narrador. Cierto, el lector puede albergar
dudas respecto a la capacidad del narrador para recordar con tanto detalle la escena, a 50
años del evento. Surge la sospecha de que todo no sea más que una fantasía del narrador,
fantasía de un hombre viejo que construye en su memoria una escena tan particular, de la
que él es el único testigo sobreviviente. Pero en este caso, si trasladamos el acto de
ficcionalizar solo del autor al narrador nuestra pregunta permanece: ¿cuál es el motivo de
esta ficcionalización, de la invención de esta escena y de esta mujer? El narrador nos presenta
como verdadero lo que autor nos presenta como ficción.
Entre los seres deshumanizados de Canudos había algunos excepcionales, que no eran como
los otros: no eran brujas, arpías completamente deshumanizadas. A pesar de todo,
preservaban su dignidad. Una dignidad, según veo, como es descrito en el caso de la
prisionera inglesa, de un núcleo profundamente humano que ellas tenían la fuerza y la
voluntad de preservar. El narrador no nos da ninguna pista de por qué en algunos este
núcleo, la humanidad pura, no fue destruido. Por única respuesta tenemos: o por casualidad,
por coincidencia, o por la fuerza de su propia voluntad *********. Una voluntad que, el narrador
lo enfatiza, no tiene nada que ver con la raza –al contrario, menciona explícitamente a las
mujeres mulatas y mestizas. Es la aparición de ese núcleo, de esa sustancia, la que provoca la
metamorfosis a la que todos los presentes asisten.
También en su novela Mario Vargas Llosa sitúa un evento completamente ficcional en el
centro de la hecatombe de Canudos, en este caso el encuentro amoroso entre una mujer del
Sertón, Jurema, y un periodista de Rio de Janeiro. Pero, como veremos, su significación es
profundamente distinta. Contra la utopía fundamentalista de los fanáticos, Veredicto em
Canudos deja aparecer otra utopía, la utopía de lo auténticamente humano, cuyos sujetos son
individuos, no la colectividad. En este encuentro entre la mujer y el Ministro de Guerra se
escenifica un sueño utópico en que lo profundamente humano puede producirse en cualquier
momento y lugar, que en cualquier momento esta metamorfosis sería posible.
El deseo de la mujer de tomar un baño y el acto de bañarse hace desaparecer por momentos
toda la barbarie de esta guerra y provoca la metamorfosis que, en seguida, continúa en una
larga conversación entre la mujer y el Mariscal y Ministro de Guerra Bittencourt, en la que
ambos se respetan mutuamente como representantes de la humanidad. Una conversación –
otra manifestación de esta utopía– en la que las relaciones de poder desaparecen, aunque no
desaparecen las posiciones y convicciones opuestas entre la mujer y Bittencourt. Ella no
desistirá de su creencia de que en Canudos, bajo la bandera de lo humano, se realizó una
verdadera convivencia, destruida ahora por las fuerzas armadas de una República ansiosa de
imponerse, a fin de eliminar todo lo que era diferente.
La escena cambia abruptamente de nuevo cuando, de repente, se escucha el toque de la
campaña de los rebeldes de Canudos. El sonido le recuerda la guerra a Bittencourt,
transformándolo de nuevo en Mariscal y Ministro de Guerra, que dará ahora las órdenes para
el ataque final y la destrucción completa de la comunidad: “É possível que em Canudos
tenham sobrado alguns barbudos. Não precisamos de homens barbudos [...] Duas
companhias da 9ª brigada vão ficar. De manha a guarda varrerá o terreno [...] Não
precisamos de prisioneiros” (144).

*********
Lo que recuerda la famosa frase de Hemingway en The old man and the sea: “A man can be destroyed, but
he can’t be defeated”.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Contra la orden del Mariscal que garantizó el retorno de la mujer y sus dos compañeros a
Canudos –claramente, solo para matarlos al otro día– los guardias quieren obligarlos a
saludar a la República con los gritos: Libertad, Igualdad, Fraternidad. Los tres se rehúsan con
vehemencia y pagan este acto con la muerte.

Mario Vargas Llosa escribe La Guerra del Fin del Mundo desde un contexto político e
histórico bien diferente. Es sabido que su biografía está marcada por una ruptura ideológica
en los inicios de los años setenta. El socialista convencido se transforma en un liberal y
después en un neoliberal militante. Esta ruptura ideológica, sin embargo, también puede ser
interpretada desde otra perspectiva, como continuación y como defensa de una misma idea
con medios diferentes, en el sentido de que sólo quien cambia sigue fiel a sí mismo. La idea y
la convicción fundamental de Vargas Llosa sería, vista desde esta perspectiva, la de la
necesidad de la modernización de América Latina. Hasta el inicio de los años setenta la
ideología y los métodos económicos y científicos del socialismo se presentaron como una
opción que podía competir con el proyecto capitalista de modernización. Sin embargo, a
partir de esta época las deficiencias económicas y políticas del socialismo real se vuelven cada
vez más evidentes †††††††††. En este sentido, el famoso ‘caso Padilla’ parece un pretexto
apropiado para el cambio político de Vargas Llosa hacia la ideología de un capitalismo
liberal ‡‡‡‡‡‡‡‡‡. La razón más profunda es el hecho de que cada vez se hace más obvio que el
sistema capitalista ofrece mejores condiciones que el sistema socialista para la modernización
necesaria de las sociedades latinoamericanas. Sin dudas, este cambio ideológico tiene
consecuencias en la poética de Mario Vargas Llosa. Si echamos una mirada a sus
publicaciones literarias se muestra claramente lo siguiente: las tres grandes novelas totales,
es decir, las novelas que pretenden presentar una visión total de la sociedad peruana (La
ciudad y los perros (1963), La Casa verde, (1966) y Conversación en la Catedral (1969))
fueron escritas antes de 1971. Las novelas de los años setenta Pantaleón y las visitadoras
(1973) y La tía Julia y el escribidor (1977) frustraron a muchos lectores de la época que
esperaron de Vargas Llosa la continuación de su realismo totalizante. En La guerra del fin
del mundo, de 1981, el escritor peruano aparentemente presenta de nuevo una novela
realista, totalizante. Sin embargo, esta vez no faltan críticos que le reprochan la insuficiencia
de su realismo que “se muestra incapaz de aprehender racionalmente la realidad
extraliteraria y representarla” (Schlickers 186).
Pero, ¿y si mostrar una realidad extraliteraria, en este caso la realidad de la Guerra de
Canudos, tema del gran libro de Euclides da Cunha, no fuera el objetivo primordial de Vargas
Llosa en esta novela? ¿Y si el compromiso con el lector no fuera un compromiso referencial,
es decir, representar la realidad factual, sino un compromiso ficcional, es decir, referirse e
influenciar el imaginario del lector?
Una reorientación estética como ésta correspondería completamente a la reorientación
política de Vargas Llosa: la mudanza desde una convicción socialista a una convicción
(neo)liberal implica estéticamente la reevaluación de lo individual y de la subjetividad con
respecto a lo social, la que supone, al menos, una independencia relativa del mundo de las
ideas con respecto al mundo social e histórico, y la posibilidad del primero de influenciar al
segundo. En otras palabras, y contra Marx y su tesis sobre Feuerbach: cambiar el mundo a
través de su interpretación ejerciendo un impacto sobre el imaginario de los lectores §§§§§§§§§.

††††††††† El espectáculo simbólico en esta contienda entre los dos sistemas, es decir, de la competencia entre la
URSS y los Estados Unidos, fue la corrida por la conquista del espacio que terminó en 1969 con el alunizaje y el
triunfo estadounidense.
‡‡‡‡‡‡‡‡‡ El “Caso Padilla”: “El poeta Heberto Padilla había criticado en 1971 en su libro Fuera del juego el devenir

de la Cuba postrevolucionaria. Tras su detención se sometió a una autocrítica pública, en la que se inculpó a sí
mismo de actividades contrarrevolucionarias para obtener la liberación. Este caso fue el disparador de que una
gran parte de los escritores latinoamericanos, para los cuales la Cuba socialista era hasta poco antes una
esperanza histórica, se distanciaran de ella.” (Nitschack, Mario Vargas Llosa: Potencia e impotencia de la ficción
491).
§§§§§§§§§ La referencia filosófica para esta reorientación ideológica de Vargas Llosa era Karl Popper y su obra La

sociedad abierta y sus enemigos (primera edición en inglés en 1945). El autor peruano descubrió este filósofo a
finales de los años setenta, “luego de haber perdido el entusiasmo por la utopía revolucionaria”y cuando
comenzaba “una revalorización de la cultura democrática”(Vargas Llosa, Mi deuda con Karl Popper 224).

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Pues, si aceptamos La Guerra del fin del mundo como un texto ficcional, entonces debemos
asumir también que los elementos históricos y sociales que sirven como material narrativo de
la novela no están en función de una reivindicación de la referencialidad, como en el caso de
Os Sertões de Euclides da Cunha, sino que su intención es la de influenciar al lector al nivel
de su imaginario y de sus conceptos ideológicos.
Para Vargas Llosa, Canudos no es un evento singular, sino un fenómeno que puede surgir en
cualquier parte. No es solamente, como en el texto de Euclides da Cunha, una región en el
Brasil donde se decide el destino de la joven República, tampoco solamente una guerra
contra un fanático religioso, Antônio Conselheiro, y sus seguidores milenaristas. La
apropiación del texto de Euclides da Cunha ********** en La guerra del fin del mundo convierte
a Canudos en materia prima de una novela de la literatura universal (Weltliteratur). Por
medio de la ficcionalidad, Vargas Llosa consigue transformar Canudos en un lugar como lo es
Macondo, de Cien Años de Soledad (Gabriel García Márquez) o Comala, de Pedro Páramo
(Juan Rulfo) donde el lugar no pierde su sustrato geográfico e histórico, a pesar de que el
interés principal del autor no es el de representar ese sitio geográfico, sino tomarlo como
espacio de acción para una narración que trata de la condición humana. En consecuencia, el
interés que se despierta en el lector no es histórico, sino que radica en la fascinación por la
propia narración que presenta ejemplos (ficticios) de esta ‘condición humana’. Canudos,
pues, se transforma de esta manera en un paradigmático lugar latinoamericano, en un
espacio donde los valores éticos de la modernidad están puestos en cuestión †††††††††† tanto por
un movimiento popular herético y retrógrado como por un Estado que abusa de su poder y su
aparato técnico más moderno (el ejército) ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡.
La novela logra esta ‘universalización’, resultado de la ficcionalización del material entregado
por Euclides da Cunha, esencialmente mediante las siguientes operaciones literarias:
1. La introducción de personajes ficcionales (el anarquista Galileo Gall, el periodista
miope, el guía Rufino, su esposa Jurema, el enano y el grupo del circo y el Barón de
Cañabrava§§§§§§§§§§, principalmente) y la interacción entre estos personajes ficcionales
y los personajes históricos ficcionalizados *********** (Antônio Conselheiro, Moreira
César, comandante de la tercera campaña contra Canudos, General Arturo Guimarães
comandante de la cuarta campaña, Carlos Machado de Bittencourt, Ministro de
Guerra en estos años, quien organizó personalmente la última campaña). De esta
combinación de personajes históricos ficcionalizados y personajes ficcionales resulta
un multiperspectivismo narrativo que permite la descripción de los eventos históricos
desde posiciones políticas e ideológicas contrarias: no solamente el contraste entre el
fanatismo milenarista de Antônio Conselheiro y sus seguidores por un lado y la
misión civilizadora del gobierno representado por los generales y el ministro de
guerra por otro, sino también la visión anarquista de Galileo Gall, la observación
distanciada e imparcial del ‘periodista miope’, las reflexiones basadas en un canon
valórico conservador-ilustrado del Barón de Cañabrava. Debido a este panorama
diversificado de personajes y posiciones ideológicas, el narrador parece dejar al lector
la tarea de formar su propia opinión y realizar un juicio personal de los
acontecimientos, sirviéndose de una razón que tiene valor universal. La
responsabilidad individual del juicio y de la acción que –según el narrador– en el
fondo tienen que asumir todos los personajes de la novela, se repite así también al
nivel del lector. No hay duda de que la posibilidad de asumir tal responsabilidad

********** No se trata únicamente de este texto, pero es el intertexto principal. Ver el estudio de Leopoldo Bernucci,
donde se analiza en detalles cuales son los intertextos de Vargas Llosa
†††††††††† Con respecto a esta problemática existen paralelos significativos entre Civilización y Barbarie de

Sarmiento y el libro de Euclides da Cunha


‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡Es significativo que Euclides da Cunha da mucha importancia al hecho que la victoria final se debe a un

administrador seco, sin entusiasmo militar y sin sentido de heroísmo, el Mariscal y Ministro de Guerra Carlos
Machado de Bittencourt.
§§§§§§§§§§ Esta figura fue obviamente inspirada por el Barão de Jeremoabo, el hacendado más poderoso del

nordeste de Brasil en las últimas décadas del siglo XIX. Pero como en el caso del ‘periodista miope’ (que se
queda sin nombre en toda la novela) y que algunos críticos proponen identificar con el propio Euclides da Cunha,
predomina claramente la parte ficcional sobre la referencial.
*********** Llamamos figuras ‘ficcionalizadas’ a aquellas que tienen su modelo en personajes reales, históricos, y

figuras ‘ficcionales’ a aquellas inventadas por el autor.


41
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
individual es resultado de la construcción literaria –y en última instancia de la
convicción ideológica del autor.
2. Los acontecimientos de la historia oficial, consecuencia de la política nacional e
internacional, forman un contraste con la micro-historia, en cuyo centro se encuentra
la figura de Jurema y en cuyo destino se incorpora la historia local, popular y
cotidiana del Sertón. Su vida está marcada por la relación con cuatro hombres que
representan cuatro extremos de esta existencia ‘al fin del mundo’, que, sin embargo,
reflejan al mismo tiempo alternativas de la condición humana o, más precisamente,
de la condición femenina en general: la dependencia sumisa de su esposo Rufino,
hombre del Sertón arraigado en su naturaleza y cultura, su violación por el extranjero
y anarquista fanático Galileo Gall, la persecución por el amor del yagunzo Pajeú,
ferviente admirador de Antônio Conselheiro, y finalmente su relación amorosa con el
‘periodista miope’, intelectual del mundo urbano, perdido tanto como ella en este
conflicto al cual se ven expuestos, que se ven obligados a asumir, y frente al cual están
forzados a actuar, a pesar de que la contingencia histórica no ofrece ninguna
explicación lógica del por qué se encuentran envueltos en esta catástrofe.
3. Finalmente, la dimensión subjetiva, con la cual la narración trata tanto a los
personajes históricos (Antônio Conselheiro y los militares de la República) como a los
inventados, ofrece al lector –también al lector completamente ajeno a este mundo del
Sertón y a sus prácticas y hábitos– la posibilidad de comprensión e identificación con
los sentimientos, expectativas y reacciones emocionales de cada uno de los personajes
de la novela. Otra vez se trata de una subjetividad “universalizada”, que suprime
completamente la otredad radical con respecto a cualquiera de las figuras cuya vida
fue marcada y cicatrizada por estas experiencias y que ningún lector del mercado de
libros donde esta novela tenía y tiene éxito consigue imaginarse.

En comparación con el intertexto de Euclides da Cunha, el trabajo literario de Vargas Llosa


consiste principalmente en esta individualización de los caracteres, otorgándoles su propia
subjetividad y llenando la macro-historia con innumerables eventos, acontecimientos y
episodios de una micro-historia en la cual se mueven los individuos concretos que
(absurdamente) encuentran esta concretización mediante la ficción. En este trabajo literario
se demuestran las posibilidades que ofrece el género novelesco en toda su ambigüedad: la
dimensión subjetiva otorga al texto referencial una plusvalía que hace desaparecer la brecha
entre ‘realidad’ y texto, pero ésta crea al mismo tiempo la ilusión de la subjetividad
literariamente escenificada, que permite, no obstante, una aproximación identificadora entre
lector y los sujetos de un mundo para él completamente desconocido.
Esta ambigüedad se hace evidente en la historia ficcional que se inserta en la historia oficial
de Canudos, y contrasta de forma significativa con ella: la narración que se despliega con el
trío ‘periodista miope’-Jurema-enano. Estos protagonistas no pertenecen a ninguno de los
grupos políticos o religiosos, provienen cada uno de contextos sociales completamente
diferentes, se mueven entre los frentes, sin rumbo y sin representar ninguna convicción
religiosa o política, con el único objetivo de salvar sus vidas. Los tres sobreviven finalmente y,
aún más, la catástrofe de Canudos se convierte en el tiempo feliz de sus vidas: el amor entre
Jurema y el periodista y el reconocimiento del enano como ser humano por parte de ambos
(La guerra 471-476). En la contingencia de sus destinos individuales no se ‘refleja’ ni la
historia objetiva, ni una totalidad social, ni una lógica o causalidad histórica. Aquí la
propuesta literaria de Vargas Llosa se distancia completamente de la de Euclides da Cunha,
cuyo texto está marcado por el esfuerzo (frustrado al final, como veremos más adelante) de
encontrar por medio de la ciencia, los discursos geográficos, sociales e históricos las razones
que son responsables de la barbarie que se ha producido en Canudos. Contra la ideología
marxista/socialista, el Vargas Llosa que políticamente se ha pronunciado a favor del
neoliberalismo no construye una relación lógica y causal entre las historias individuales y la
Historia, con H mayúscula. La propia tragedia de Canudos es interpretada como
consecuencia de casualidades que en el fondo serían evitables, si existiera la ‘buena voluntad’
entre los participantes de resolver los conflictos al nivel racional, es decir por negociación.
Contra Euclides da Cunha, que busca en los discursos científicos más diversos las razones de
este fanatismo destructor, y contra las convicciones marxistas, para las cuales los fanatismos
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
y violencia son el resultado de represiones sociales, Vargas Llosa insiste en la interpretación
individualista y busca en la población de estas regiones, en la socialización individual de cada
uno y no en las condiciones sociales generales, la disposición a convertirse en Yagunzos
crueles e inexorables.
El discurso referencial en Os Sertões de Euclides da Cunha, apoyándose en una variedad de
discursos científicos, se pone al servicio de ‘la realidad’ con la intención de representarla y de
interpretarla de la manera más fiel y más auténtica posible. La transformación de la realidad
en habla es considerada como un acto que en última instancia está completamente al servicio
de esta realidad, para hacerla parecer tal como es de hecho. Sin embargo, a pesar de las
referencias a los diversos discursos científicos, el discurso referencial nunca consigue captar
completamente esta ‘realidad’. Ella siempre se revela más compleja que el discurso
referencial, y hace sentir tanto al autor atento como al lector crítico una insuficiencia
provocada por la convicción de que existe algo “más allá de la palabra”. Solo discursos
fundamentalistas, propagandistas o divinos pueden pretender que su ‘verdad’ abarca toda la
realidad. El propio Euclides termina Os Sertões con la confesión de que a pesar de todos sus
esfuerzos no era posible explicar lo que ha ocurrido en Canudos: “Duas linhas. É que ainda
não existe um Maudsley para as loucuras o os crimes das nacionalidades...”(781) †††††††††††.
El discurso ficcional renuncia por su propia definición a una presentación fiel de la realidad;
‘inventa’ la realidad, ciertamente con la ayuda de los discursos referenciales. Así, no se
enfrenta a la exigencia de representar la realidad, como es el caso del discurso referencial. En
nuestro caso concreto, en Veredicto en Canudos y La guerra del fin del mundo, el discurso
ficcional utiliza el discurso referencial de Os Sertões como intertexto, sometiéndolo a la
economía de la narración ficcional. Sándor Márai y Vargas Llosa buscan crear mundos
imaginarios que entren en diálogo con el imaginario del lector y donde la relación narración-
lector/público (el efecto) es más importante que la relación narración-realidad extraliteraria.
Consecuentemente, los discursos, el referencial y el ficcional, suponen pactos diferentes con
el lector: en el pacto referencial el autor (no hay narrador), garantiza al lector que su discurso
se somete a la factualidad, con el compromiso de reproducirla fielmente (como en el caso de
Euclides da Cunha). De ahí resulta una retórica que busca convencer al lector que discurso y
realidad prediscursiva son idénticos, y hacer desaparecer lo que está ‘más allá de la palabra’,
utilizando las estrategias más diversas para suprimir la brecha entre ambos. El relato
referencial se dirige entonces principalmente a un público que se interesa por un contacto
real, vivido, con la realidad representada, es decir, se dirige a un lector que busca orientación
en e información sobre dicha realidad.
Por otro lado, en el pacto ficcional realista el lector está consciente de que el narrador finge o
inventa ‘realidad’. No juzga el texto según su compromiso con la facticidad sino por su
verosimilitud. El lector sabe –o debería saber, si no se comporta como Don Quijote, que cree
en la realidad de sus novelas de caballería– que esta realidad ficcional se presenta como si
fuera realidad, y produce un juego doble: admite que no es realidad pero insiste en que
podría serla, y que esta realidad ficcional podría ser más verdadera que la propia
realidad ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡.
El procedimiento poético más exitoso en este caso consiste en el enriquecimiento del discurso
referencial con la dimensión subjetiva, ejerciendo así un impacto en la imaginación del lector
que el discurso referencial difícilmente alcanza. En la medida que el discurso ficcional
completa la historia objetiva del discurso referencial con acciones entre personajes históricos
e inventados, con eventos e historias vividas por ellos, con toda la complejidad de sus
sentimientos y expectativas, deseos, temores y frustraciones, finalmente parece más real que
el discurso referencial. Esta carga del texto narrado con subjetividad produce una ‘plusvalía’
del discurso ficcional realista en comparación con el referencial. No importa si la narración
ficcional realista parte de la propia Historia, la vida social o los procesos psíquicos de los
personajes que vivieron o podrían haber vivido aquella experiencia en particular. Su

†††††††††††
Henry Maudsley (1835-1918): psiquiatra inglés que desarrolla una teoría sobre las relaciones entre la
locura y el crimen.
‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡
Mario Vargas Llosa habla en varias oportunidades de “la verdad de la mentira” (Vargas Llosa, La
verdad de las mentiras) (Nitschack, Mario Vargas Llosa: Potencia e impotencia de la ficción).
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
potencialidad no radica en la representación de la Historia, cuyo final está determinado y es
conocido (por ejemplo la hecatombe de Canudos), sino en su interpretación, sirviéndose de
historias inventadas (en el caso de La guerra del fin del mundo, los personajes ficcionales y
la historia de amor entre Jurema y el periodista, en Veredicto en Canudos, el diálogo entre el
ministro de Guerra Bittencourt y la extranjera desconocida) dándole un aspecto plástico y
concreto. Si el ‘engaño’ del discurso referencial consiste en su promesa de hacer desaparecer
la brecha entre discurso y ‘realidad’, el discurso ficcional realista asume esta brecha, la supera
con la ficción y juega con el ‘engaño’, entregando la responsabilidad al propio lector, si está
dispuesto a tomar la narración como ‘realidad’ y, con ello, como verdad.
En el caso de Sándor Márai, el escenario de Canudos, que debe completamente a Euclides, le
sirve para narrar una historia que le permite tratar la disposición al fanatismo en el ser
humano más civilizado, así como de su convicción utópica de un deseo humano profundo
presente, si no en todos, por lo menos en algunos. La ficcionalización de Vargas Llosa, a su
vez, es el intento de conseguir lo que el propio autor brasileño tenía que admitir que le era
imposible lograr: dar una explicación de cómo esta erupción de la violencia, tanto del lado de
la población del Sertón como del lado de las tropas oficiales, había sido posible. Los dos
autores ficcionalizan la Guerra de Canudos con convicciones valóricas e ideológicas bien
distintas. En su novela, Sándor Márai se muestra convencido de que hombres y mujeres
como representantes de una humanidad auténtica e indestructible se encuentran en todas
partes, entre todos los seres humanos, incluso en el fin del mundo. Este núcleo, esta
substancia, podría ser la base de una verdadera civilización, que no tendría que ser
forzosamente la civilización descrita y criticada por Euclides, civilización que fatalmente se
transforma en barbarie y que es meramente un arma más sofisticada de control y
disciplinamiento.
No hay duda de que la posición de Sándor Márai también debe ser descrita como
conservadora –“burguesa reaccionaria”, como le habían calificado el Partido Socialista y los
críticos literarios de su propio país (incluyendo a Georg Lukács) a fines de los años 40;
motivo para remover sus novelas del canon literario húngaro y para su exilio. Sin embargo, se
notan diferencias fundamentales entre su tendencia ideológica y valórica y la de M. Vargas
Llosa, comenzando por el hecho de que una posición liberal bajo un régimen estalinista (la
Hungría de la época) tiene una significación distinta en una época marcada por el
neoliberalismo, durante la década de los 80.
La guerra del fin del mundo tampoco termina con la sola hecatombe de Canudos; en medio
de la catástrofe Vargas Llosa narra la historia de amor entre el ‘periodista miope’ y Jurema.
No obstante, a diferencia de la escena de Sándor Márai en la tienda de campaña de
Bittencourt frente al Canudos destruido, en el acto de amor en un Canudos bajo el fuego de
los fusiles y el bombardeo de los cañones de las tropas republicanas, Vargas Llosa inventa
una pareja cuyo amor hace desaparecer las diferencias, mientras que en el interrogatorio de
la mujer de Sándor Márai las diferencias entre la mujer y el Ministro Bittencourt se
mantienen. La conversación entre sujetos “civilizados” de Veredicto contrasta con la unidad
erótica en La guerra del fin del mundo. Mientras la novela del autor húngaro termina con
una referencia cínica al “outro mundo (no el del Sertón y de Canudos, HN), belo, onde havia
liberdade, igualdade e fraternidade” (Márai 149), las últimas frases de la novela de Mario
Vargas Llosa son las palabras de una viejita, sobreviviente de Canudos, que insiste en que
João Abade, uno de los yagunços más terribles, no ha muerto, sino que los ángeles lo llevaron
al cielo: “Yo los vi” (Vargas Llosa, La guerradel fin del mundo 531). Sándor Márai trata de las
locuras y las contradicciones que produce el mundo civilizado y que ponen esta civilización
en peligro; Mario Vargas Llosa focaliza las locuras de los fanáticos dogmáticos de Canudos.
La guerra del fin del mundo de Mario Vargas Llosa enriquece Os Sertões con figuras de
ficción y, al final, con un acto de amor en que, como en el caso de Veredicto, puede
interpretarse que lo humano aún es posible, incluso en las condiciones más terribles. No
obstante, para Mario Vargas Llosa, Canudos es el lugar del fanatismo puro, que tiene su
origen en las biografías individuales y en la intervención de un Estado que, bajo la amenaza
que representan para él los pocos fanáticos, se convierte en una máquina de guerra con
características totalitarias. El fundamentalismo ideológico, como aparece en los seguidores
del Conselheiro, y el Estado autoritario, tales son las amenazas que Vargas Llosa detecta para
la América Latina en la década de los 80. Ambos son criticados en su novela –tomando
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Canudos como ejemplo y escenario. En comparación, la novela de Sándor Márai parece
menos política, aunque también haya sido inspirada por movimientos y conflictos políticos al
momento de su redacción. En la figura de la mujer (y de su marido, que no consideramos en
estas reflexiones) Márai tematiza la fascinación que un movimiento anárquico como el de
Canudos puede provocar en individuos bien instalados en la ‘Civilización’ –y no solo para los
subalternos y marginalizados. El narrador (y con él, el autor) respeta la convicción subjetiva
de la mujer de que Canudos era el lugar de lo ‘otro’, de una alternativa a la civilización, y
admite para el Mariscal Bittencourt la posibilidad de una ‘metamorfosis’ en que él está
dispuesto a una conversación auténtica con la mujer. Pero al mismo tiempo la novela no deja
dudas de que, en las condiciones de la realidad concreta (las campanadas le recuerdan al
Ministro esta realidad) esa metamorfosis, que hizo posible un diálogo entre iguales, no puede
ser sostenida.
En La guerra del fin del mundo Vargas Llosa integra a Canudos al imaginario occidental.
Canudos, este lugar ‘al fin del mundo’ ofrece el escenario para representar una de las grandes
amenazas del mundo civilizado moderno: la erupción de la violencia irracional y la recaída en
la barbarie, consecuencia –en la interpretación propuesta en esta novela– del entusiasmo
fanático provocado por un fundamentalismo religioso de un lado y político del otro. Esta
confrontación entre un fundamentalismo religioso y un Estado que con los medios técnicos
más avanzados se impone implacablemente, es el escenario que hacia el final del siglo XX y al
inicio del siglo XXI se ha convertido en una amenaza a escala global. “Guerra del fin del
mundo”, no obstante, también en el sentido de un milenarismo apocalíptico: la idea del ‘fin
del mundo’ como la fuente de un dogmatismo absurdo y altamente destructivo que encuentra
su razón de ser en una disposición del inconsciente humano, que Freud identificó como
‘pulsión de muerte’ (ver Freud: Más allá del principio de placer, 1920) –otro ‘leitmotiv’ de la
novela. Contrastan en las escenas en Canudos la disposición a la muerte de los fanáticos,
motivada por su vida en otro mundo mejor con el deseo de sobrevivir y el amor de Jurema y
del periodista miope.
Euclides da Cunha escribió Os Sertões –desde la perspectiva de los vencedores, claro está,
aunque con mucha simpatía por los vencidos– como la comprobación de sus convicciones
positivistas y de su teoría racial: para la formación de una futura gran nación brasileña se
necesita una raza homogénea formada de las tres razas principales que constituyen su
población: los indígenas, los negros y los blancos. Esta nueva raza, una raza de ‘titanes’, se
formó en el Sertón. Su valentía, su valor, su resistencia se demostró en la guerra de Canudos:
“Ademais entalhava-se o cerne de uma nacionalidade. Atacava-se a fundo a rocha viva da
nossa raça” (Cunha 766). La novela de Sándor Marai Veredicto em Canudos usa el escenario
nefasto del último día de Canudos para insistir en el potencial utópico de la humanidad, la
posibilidad de una metamorfosis que se produce en la situación más improbable, sin dejar
ninguna duda en el potencial destructor de la civilización. Vargas Llosa transforma Os
Sertões en una novela ficcional que alerta al lector de los peligros del dogmatismo político y
religioso, fuente de un fanatismo destructor y de la disposición a la violencia más bárbara.
Con estas reescrituras, las apropiaciones y transformaciones ficcionales los dos autores –
como hemos sostenido al inicio– entran en un diálogo con acontecimientos históricos y con
las discusiones ideológicas y valóricas de su propio tiempo. Sándor Márai buscando una
posibilidad de no renunciar – a pesar de todo– a la emergencia de las fuerzas de lo
humanitario en el ser humano y Mario Vargas Llosa con una ardua advertencia contra
cualquier tipo de fundamentalismo.

REFERÊNCIAS
CUNHA, Euclides da.Os Sertões. Editado por Leopoldo M. Bernucci. São Paulo: Ateliê editorial, 2001.
BERNUCCI, Leopoldo, M. Historia de un Malentendido. Un Estudio Transtextual de La Guerra del Fin del
Mundo de Mario Vargas Llosa. New York, Bern, Franfurt am Main, París: Peter Lang, 1989.
MARAI, Sándor. Verdicto em Canudos. Traducción del húngaro por Paulo Schiller. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
NITSCHACK, Horst. “Mario Vargas Llosa: Potencia e impotencia de la ficción frente a la realidad”. Texto social.
Estudios pragmáticos sobre literatura y cine. Eds. Paatz Annette y Pohl Burkhard. Berlín: Edition tranvia, Verlag
Walter Frey, 2003. 489-501.
________________. “Mario Vargas Llosa: La ficcionalización de la historia en ‘La Guerra del Fin del Mundo’”.
En: Revista Chilena de Literatura. N° 80, Nov. 2011, pp 117-133.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
SCHLICKERS, Sabine. “Conversación en la Catedral y La Guerra del Fin del Mundo de Mario Vargas Llosa:
Novela totalizadora y novela total”. Revista de Crítica literaria latinoamericana, 48 (1998): 185-211.
VARGAS LLOSA, Mario. La guerra del fin del mundo. Barcelona: Ed. Seix Barral, 1981.

___________________. "Mi deuda con Karl Popper". Encuentro con Popper. Madrid: Alianza,
1993.

___________________. "La odisea de Karl Popper". Homenaje a Karl Popper. Madrid:


Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales, 1995.
____________________.La verdad de las mentiras. Ensayos sobre la novela moderna. Bogotá: Peisa, 1996.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A LEITURA, O LETRAMENTO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Profª. Drª. Angela B. Kleiman
Unicamp

O meu objetivo, nesta palestra, é discutir a leitura, problematizando seu ensino na escola a
partir da perspectiva dos estudos de letramento — que advogam que a formação do
alfabetizador e do professor de língua portuguesa não pode estar baseada em uma concepção
sobre o uso da língua escrita que não leve em conta fatores sociais — e da concepção dialógica
da linguagem do Círculo de Bakhtin, que defende que quando há compreensão da linguagem
há simultaneamente uma atitude responsiva ativa à expressividade do enunciado,
envolvendo réplica com apreciação valorativa (BAKHTIN, 1979).
Levar em conta aspectos sociais da situação implica levar em conta, entre outros, fatores
situacionais. E, em uma perspectiva situacional, uma atitude responsiva envolve responder a
aspectos da situação imediata com base em outras situações já vivenciadas. Em outras
palavras, estabelecer comparações. O ensino de leitura, nessa perspectiva, consiste em
ensinar o aluno a fazer uma comparação avaliativa, portanto, crítica. Toda definição de
leitura crítica inclui uma valoração: o leitor compara e avalia objetivos, metas, imparcialidade
(aliás, efeito de imparcialidade) veracidade (aliás, verossimilhança) e modos de tratar um
determinado assunto expressos no texto (cf. SMITH, 1968). A essa atitude do leitor diante do
texto lido dá-se o nome de apreciação valorativa.
Essa apreciação valorativa da palavra — “uma atitude subjetiva e avaliadora do ponto de vista
emocional do falante com respeito ao conteúdo semântico de seu próprio enunciado”
(BAKHTIN, 1979, p. 289), parte inextricável da compreensão do enunciado — é realizada
segundo parâmetros da comunidade à qual o leitor pertence e na qual o texto circula:
científica, religiosa, literária, por exemplo. No caso do aluno, particularmente daquele que
está começando seu percurso escolar, os parâmetros são fornecidos pelos textos da vida
cotidiana. A todo momento, em toda situação e em relação a todo texto. À medida que o
aluno avança na escola, esses parâmetros serão fornecidos por outros textos escritos e, à
medida que ele aprende os controles que a comunidade que produziu o texto exerce sobre
este, a leitura será crítica desde que esses parâmetros sejam levados em conta.
Contrasta essa perspectiva com a dos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN), documento
que até este ano (2014) forneceu orientações e rumos a currículos, materiais didáticos,
formação do professor. Os PCN afirmam a importância do ensino da leitura crítica, ao
afirmar que a escola deve ensinar um “conjunto de práticas planejadas com o propósito de
contribuir para que os alunos se apropriem dos conteúdos de maneira crítica e construtiva”
(BRASIL, 1997, p.34). Também no documento publicado um ano mais tarde, afirma-se que
um dos objetivos da leitura consiste em tornar o aluno capaz de “desenvolver a capacidade de
avaliação do texto para ‘posicionar-se criticamente diante dele’ ” (BRASIL, 1998, p. 95).
Entretanto, ao considerar os objetos a serem usados, o documento faz uma distinção entre
textos que promovem a reflexão e textos supostamente mais pragmáticos que promoveriam a
ação não reflexiva. Embora reconheça a importância dos textos “que respondem a exigências
práticas da vida diária”, ocupa lugar privilegiado no referido documento outro tipo de textos,
aqueles “que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento
mais elaboradas e abstratas /...../ os mais vitais para a plena participação numa sociedade
letrada” (BRASIL, 1997, p. 26).
A classificação de textos em pelo menos duas categorias, aqueles que “favorecem a reflexão
crítica e imaginativa” e aqueles que não o fazem vai de encontro às concepções acima
discutidas, relativas à linguagem e ao letramento. Se a situação assim o exige, todo e qualquer
texto pode favorecer a reflexão crítica e imaginativa: um manual para montar uma mesa que
deixa de fora uma instrução crucial para o sucesso da empreitada pode ser objeto de uma
avaliação emocionalmente carregada — raiva ao perceber o erro do fabricante — e de uma
resposta crítica e imaginativa — a procura de uma solução para poder usar o móvel
comprado.
A disposição natural da criança, de questionar o mundo ao seu redor, merece fomento na
escola. O envolvimento da criança com a palavra do outro deve ir além do engajamento
cognitivo, aspecto geralmente testado em provas e provinhas padronizadas. O engajamento
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
emocional deve ser encorajado: aluno triste, alegre, surpreso, indignado, indiferente revela
engajamento emocional próprio de uma compreensão crítica, porque valorativa. E tal atitude,
como afirmado em trabalho anterior (KLEIMAN, 2006), pode ser desenvolvida desde os
primeiros momentos na escola, de modo contínuo, com todo e qualquer texto, pois não é o
texto, mas a situação, que determina as possibilidades de desenvolvimento de uma atitude
crítica. Como defendido no trabalho anterior, a introdução tardia de perguntas e atividades
para o desenvolvimento do leitor crítico, na espera de ele ter a capacidade ou maturidade
para ler textos de esferas mais elaboradas, sobre assuntos mais abstratos, pode impedir esse
desenvolvimento, porque nunca requisitado.
O pressuposto da existência de textos cuja forma ou assunto favoreceria o desenvolvimento
do leitor crítico, a despeito de outros que não teriam essa característica, está baseado em uma
ideologia sobre a língua escrita também questionada pelos estudos de letramento e por
historiadores da leitura. Trata-se de uma ideologia que sacraliza o livro e o investe com
grande poder desde suas origens mágicas:
Da mesma forma, em toda a cristandade, o livro de magia se encontrou investido
dessa carga de sacralidade, que dá saber e poder a quem o lê, mas, ao mesmo tempo,
dele se apodera. Tal captura foi enunciada em duas linguagens: primeiro, a da
possessão diabólica, depois, a da loucura provocada pelo excesso de leitura. O perigo
do livro de magia não demora a se estender a todo livro e toda leitura, qualquer que
seja, na medida em que ler absorve o leitor, afasta-o dos outros, enclausura-o num
mundo de quimeras (CHARTIER, 2010, p. 24).

É com esses poderes mágicos, voltados para o bem, que o livro passa a ocupar destaque no
imaginário brasileiro. A publicidade da Fig. 1, a seguir, baseia-se no poder simbólico
atribuído ao livro (ele é do bem, como as asas reminiscentes de asas angelicais e a simbólica
cor branca das vestes sugerem) e no valor que ele adquire em praticamente todas as camadas
sociais.

FIG.1 Propaganda de Feira do Livro (Riberão Preto, SP) veiculada em diversos


jornais e revistas, 2006.

Imagens como essa se repetem ao longo da história, como mostram as representações nas
Figuras 2 e 3, a seguir: retratos de pessoas sensíveis, capazes de reflexão, ensimesmadas,
desligadas das preocupações do mundo, voltadas para pensamentos, orações §§§§§§§§§§§ e
sentimentos íntimos, porém necessariamente bons.
Fig. 2. Pierre Subleyras (1699-1749) Fig. 3. David Alison (1882-1955)
Retrato de homem (prov. Giuseppe Mulher lendo perto da janela.
Baretti). Museu do Louvre The Fleming Collection

§§§§§§§§§§§
A tela Retrato de homem evoca uma leitura religiosa do homem retratado, que parece estar ajoelhado
lendo a Bíblia, ou outro livro sagrado, com a mão direita posicionada para fazer o sinal da cruz.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Essas imagens reproduzem, em outra linguagem, frases,ideias e ‘mensagens’ sobre o livro e
sobre a leitura que afirmam os benefícios do livro ao longo da história: na antiguidade, por
exemplo, o sentimento é reproduzido na frase de Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) O lazer sem as
belas-letras ************é como a morte e a sepultura do homem vivo ††††††††††††; na modernidade,
nas citações de Joseph Addison (1672-1719), Os livros são heranças de gênios para a
humanidade, passadas de geração em geração como presentes para a posteridade de
aqueles que ainda não nasceram, ou de Voltaire (1694-1778), na sua conhecida frase A
informação que encontramos nos livros é como o fogo. Nós trazemos dos nossos vizinhos,
acendemos no lar, passamos para outros e ele se torna propriedade de todos ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡; na
contemporaneidade, quando, por exemplo, Ítalo Calvino (1923-1985) declara que Um
clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer §§§§§§§§§§§§.
Quando a leitura do brasileiro é investigada em pesquisas quantitativas, em geral avalia-se
somente a leitura do livro, não de jornais, avisos, cartas, panfletos, folhetos, manuais ou
quadrinhos. Segundo o documento do Programa Nacional do Livro e Leitura (PNLL), uma
política pública instituída em 2006, voltada para fomentar a leitura de livros no Brasil, a
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil ************* revela índices muito baixos — críticos
segundo o documento — em relação ao número médio de livros por ano lidos pelobrasileiro:
apenas 1,8 livro por ano versus, por exemplo, 7,0 livros por ano da França. De acordo com a
avaliação no referido documento sobre a pesquisa feita em 2001 †††††††††††††, a pesquisa é “ainda
precária e insuficiente, mas a maior investigação já feita no Brasil sobre leitura fora de uma
perspectiva prioritariamente ‘escolar’ ” (BRASIL, 2006, p. 18).
Os estudos de letramento problematizam a determinação do perfil de leitura do brasileiro
sobre a base de apenas um objeto de leitura, que é caro e inacessível para uma grande
maioria de brasileiros que vive em regiões remotas do país. O próprio documento do PNLL já
referido aponta a escassa penetração do livro e o acesso restrito a esse bem cultural quando
afirma que: “o mercado comprador de livros [concentra-se] nas mãos de 20% da população
alfabetizada com 14 anos ou mais, na Região Sudeste, nas grandes cidades e metrópoles, nos
estratos de renda mais elevada (classe A) e com instrução superior” (BRASIL, 2006, p. 18).
Os estudos do letramento focalizam a prática social de leitura, que, dependendo da situação,
dos objetivos dos participantes, da instituição que determina as formas de aceder ao texto

************
Uma variante comum desta frase é: O lazer sem livros é como a morte e a sepultura do homem vivo.
††††††††††††
Esta e as demais frases ou “mensagens” citadas foram consultadas em abril de 2014 no site
https://www.goodreads.com/author/quotes/4918776
‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡
Em Lettres philosophiques.
§§§§§§§§§§§§
Em Por que ler os clássicos.
*************
Realizada por um consórcio de associações, comoCâmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato
Nacional dos Editores de Livros (Snel) e Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros).
†††††††††††††
A pesquisa já teve uma terceira edição, em março de 2012. Resultados podem ser consultados no
site http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf
49
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
escrito e dos valores que são atribuídos aos objetos escritos, será realizada com textos de
gêneros e suportes variados aos quais não é atribuído, a priori, um valor independente desse
contexto. Sendo uma prática situada, o que determina o valor do objeto de leitura é sua
função no percurso dos objetivos de leitura dos participantes de uma situação específica. E,
em decorrência, nessa perspectiva, não há gêneros mais legitimados do que outros para
definir alguém como leitor ou não leitor, pelo fato de serem produzidos e controlados por
instituições de poder.
Essa perspectiva fortalece os grupos que têm acesso restrito ao livro ou a alguns gêneros
usualmente publicados em livros (como romances, coletâneas, compêndios) e que, mesmo
lendo cotidianamente — encartes, páginas na internet, folhetos, revistas — não se
consideram, nem são considerados, leitores. Isso não é pouco para grupos que são
constantemente catalogados como não leitores, como estudantes da periferia, professores de
ensino básico, trabalhadores manuais (cf. KLEIMAN, 2005). Estudos em que estão implícitos
parâmetros do que é legítimo ler fazem sentido hoje somente na medida em que seus
resultados são utilizados para deixar disponíveis, em bibliotecas públicas, livros que sejam
realmente atraentes, com histórias cativantes e tão bem produzidos como os textos
multimodais disponíveis na Internet ou veiculados na televisão, ou seja com combinações
harmoniosas de muitas linguagens: sonora, visual – imagética, verbal. Enfim, que sejam
atraentes para aqueles que, tendo pouquíssimos momentos para o lazer, ainda não
conseguem ver a leitura como um dos meios para atingir momentos de prazer.
Da perspectiva da História da Leitura, Chartier faz uma crítica semelhante à concepção de
que somente é leitor quem lê livro. Numa entrevista publicada na terceira edição da revista
eletrônica Linguasagem, o historiador afirma que

Por vezes ouvimos um diagnóstico que consiste em dizer que lemos cada vez menos.
Isso é absolutamente falso: jamais nenhuma sociedade leu tanto, jamais se publicou
tanto livro (ainda que as tiragens tenham uma tendência a se reduzir), jamais houve
tanto material escrito disponível nas bancas, nas livrarias, e nunca lemos tanto
devido às telas. Portanto é falso dizer que a leitura declinou. Ao contrário, o que está
em jogo nesse tipo de observação é o fato de que freqüentemente quem pesquisa isso
não considera dignas de leitura as mesmas coisas que quem é pesquisado considera
(CHARTIER, 2008).
Segundo Chartier, a discrepância entre a realidade (por exemplo, os adolescentes leem
constantemente na escola, na tela do computador ) e as suas declarações de não leitores
(porque não querem passar uma imagem de leitor, no caso dos adolescentes franceses; no
caso brasileiro, porque não leem livros e portanto se autoavaliam como não leitores) seria
sinal da existência da tensão entre os discursos legitimados (na escola, por exemplo) “e as
infinitas práticas, disseminadas e variadas, que têm a ver com os mais diversos materiais
impressos e escritos que lemos ao longo de todo um dia ou de toda uma existência”
(CHARTIER, 2008).
São essas infinitas práticas, variadas e disseminadas, as que devem ser articuladas com as
práticas de leitura de livros na escola. Os estudos de letramento (assim como os estudos
históricos) trazem uma renovação salutar para a prática de ensino da leitura, ao mostrar, com
suas investigações, que toda prática de leitura pode ser crítica e pode ser avaliada
positivamente como prática de qualidade se permite atingir as metas específicas dos leitores
em uma determinada situação comunicativa.
A legitimidade na situação de leitura começa e termina pela reflexão crítica. Recentemente
um colega, também pesquisador da área de letramento, comentou que quando ele era
criança, já em idade escolar, agia como escriba e leitor de cartas no seu lar, no meio do
agreste nordestino, a fim de que a mãe, analfabeta, pudesse se comunicar com o pai, ausente,
trabalhando em São Paulo. Frisou que nunca tinha percebido como sua atividade
efetivamente mudava o gênero carta, tornando um gênero da intimidade entre casais em um
gênero público familiar, assim como não percebera as táticas ou artes de fazer do cotidiano
(CERTEAU, 1994) inventadas por sua mãe nessa situação comunicativa tão diferente
daquelas consideradas legítimas.
Talvez se a escola adotasse a concepção crítica e legitimadora de práticas locais, não
dominantes (vernáculas, na terminologia de Barton e Hamilton, 1998) como a descrita — as
quais, evidentemente, é preciso conhecer para poder legitimar —, então, o uso tranquilo, sem

50
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
sobressaltos da língua escrita não seria mais um fator de divisão dos grupos sociais, e as
enormes distâncias entre os grupos sociais brasileiros seriam, algum dia, menores.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M.1979). Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 3ª ed. São
Paulo: Martins Fontes.
BARTON, David; HAMILTON, Mary. Local literacies: reading and writing in one community. London:
Routledge, 1998.
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais 1º. e
2º. Ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC:SEF, 1997..
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais 3º.
e 4º. Ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC:SEF, 1998.
BRASIL. Ministério de Educação; Ministério de Cultura. Plano Nacional do Livro e Leitura, 2006Consultado no
site https://www.pnll.gov.br/ em abril de 2014.

CHARTIER, Roger. Entrevista com Roger Chartier. Linguasagem, Revista Eletrônica de Popularização Científica
em Ciências da Linguagem, 3ª. edição,São Carlos: UFSCar, 2008. Entrevistado por Ivan Jablonka; tradução
Luciana S. Salgado, entrevista originalmente concedida para La Vie des Idées em setembro de 2008. Consultado
no site http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao03/entrevista_chartier.php em abril de 2014

CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos, Estudos Avançados 24 (69), USP, São Paulo, 2010, p. 7-30.
Traduzido por Jean Briant.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.


KLEIMAN, Angela B.O impacto da leitura para o aprendiz adulto: do estranhamento à ação para a mudança
social, Revista Pátio, No. 33, fevereiro 2005, p. 10-14.
KLEIMAN, Angela B. Formando leitores críticos. In: MARI, Hugo, WALTY, Ivete e FONSECA, Maria Nazareth S.
(Orgs.). Ensaios sobre leitura, vol. 2. Belo Horizonte, Editora PUC-Minas, 2007; 368 p.; p. 99-123.
SMITH, N.B. The good reader thinks critically, In: DAWSON, M. (Org.) Developing comprehension: including
critical reading.Delaware: International Reading Association, 1968.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
DISCURSO E LITERATURA

Prof. Dr. Sírio Possenti


Unicamp / CNPq / FEsTA
Discurso

A noção de discurso está tradicionalmente associada à de ideologia. É o sentido que a palavra


tem, por exemplo, quando se diz que um partido mudou de discurso ou que ficou sem
discurso. Estas expressões significam que o partido passou a dizer o que antes não dizia ou
que ficou sem ter o que dizer (sobre certo tema) e, por isso, não fala dele.
A noção de discurso também está imbricada à de enunciação. Isso significa que discurso tem
a ver com o que de fato é dito (este aspecto se opõe aos exemplos de “orações” estudadas na
escola). “Ele é homossexual” é, na escola, um período simples, cujo sujeito é “ele”, no qual
“homossexual” é um predicativo e “é”, um verbo de ligação. O que são verdades gramaticais.
Mas este enunciado, se efetivamente proferido num contexto histórico específico, entra no
interdiscurso e produz sentidos historicamente condicionados (é minoria, é diferente, não é
confiável, é degenerado / imoral, é doente etc., conforme a posição de quem avalia a
afirmação). É por causa das questões históricas que não é a mesma coisa dizer “a presidente”
e “a presidenta”. Um caso implica apoio, adesão. O outro, neutralidade ou oposição.
Avancemos um pouco. A bibliografia corrente mostra que expressões nas quais a palavra
“discurso” aparece indica dois tipos de unidades fundamentais. Expressões como “discurso
de esquerda / direita / homofóbico / privatizante / estatizante” etc. indicam domínios
francamente ideológicos. A noção de formação discursiva cabe bem neste caso. Por exemplo,
um discurso estatizante é uma formação discursiva regida por determinado semas (traços de
base) sobre os quais os discursos se constroem, dos quais os enunciados “derivam”.
Expressões como “discurso religioso / político / científico / literário / publicitário” indicam
domínios de atuação, de práticas. Um termo corrente para designar estes discursos é
“campo”. Forjado por Bourdieu e por Bakhtin, independentemente, dá conta do fato de que
há um conjunto de regras a que se submetem os que “falam” (e agem) nestes domínios.
Os dois casos se recobrem de diversas maneiras, historicamente variáveis. Descrever estas
intersecções é uma das tarefas da análise do discurso. Por exemplo, verificar em que medida
o discurso científico afeta o literário ou o político ou o jurídico; em que medida o discurso
publicitário afeta o político (candidatos deixam de apresentar projetos para não perder votos,
por exemplo) ou o científico (a apresentação de si dos cientistas via currículos ou das
universidades via propagandas pode afetar seu trabalho ou sua inserção na sociedade, para o
bem ou para o mal).
Outra questão relevante é que as teorias do discurso têm problematizado a questão do falante
ou do locutor, substituindo estes conceitos pelos de enunciador e sujeito. O conceito de
enunciador visa a dar conta do fato de que nem todos os falantes (falante = o que fala uma
língua) diz tudo o que sua língua lhe permitiria dizer. Se ele é de esquerda, por exemplo, não
profere enunciados da direita; se é psicólogo, não produz enunciados dos economistas; se não
é médico, não pode pedir a internação de alguém; se não é juiz, não pode absolver ou
condenar. Qualquer um pode aprender a redigir uma sentença, mas ela só vale se o autor for
um juiz e a proferir no interior de certo ritual. É de fatos assim que o conceito de enunciador
dá conta.
De fato, não é difícil dar-se conta de que sempre se “fala” como enunciador. Ou, em outras
palavras, que nunca se fala, sempre se enuncia. É que sempre que se “fala” seguem-se regras
de algum ritual, mesmo quando parece que não. Os discursos cotidianos parecem disponíveis
para qualquer um, mas isso não é verdade: nem todos falam de cozinha, de limpeza, da
necessidade de tomar banho ou de trabalhar, nem todos prevêem chuva ou sol, opinam sobre
futebol etc. Um ensinamento das teorias de discurso, portanto, é que não falamos uma
língua, simplesmente, mas que a cada vez que falamos o fazemos segundo certa tradição que
se segue numa sociedade sobre quem fala legitimamente sobre cada um desses temas. Daí
52
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
expressões cheias de sentido do tipo “conversa de homem / de mulher / de médico / de
taxista” etc.
Ser sujeito é uma das maneiras de ser enunciador: implica ao mesmo tempo ser responsável
pelo que se diz e submeter-se a certa “doutrina”. Um sujeito é sujeito na medida em que
profere enunciados típicos de uma ideologia ou de um campo e não de outros, nos quais não é
sujeito – nem autorizado nem submetido às regras características de cada caso.
Ser autor é uma forma específica de ser sujeito. É específica porque nem todos os textos têm
autor (como bem explicitou Foucault em seu famoso “O que é um autor?”). Piadas não têm
autor (só colecionadores), saudações, pedidos, ordens, declarações não têm autor.
Só têm autor certos tipos de texto que a história associou a determinados nomes. A autoria
funciona mais nos campos do que nas formações discursivas. Há autoria na filosofia, na
literatura, na ciência, nas artes. Mas não em slogans e em manifestos, em cartas (a não ser
em cartas de filósofos e de literatos etc.). Por que autor é uma especificação de sujeito?
Porque todos são sujeitos, mas só alguns, em casos especiais (que a história define), são
autores. E, na função de autores, estão sujeitos a regras análogas às regras que submetem os
sujeitos. Com uma diferença, talvez: um autor é mais facilmente rebelde ou inovador do que
um sujeito. Um autor rebelde é um autor que quer criar outra regra (outra escola literária,
outra corrente filosófica, outra teoria científica...).
Discurso literário
Para falar de discurso literário,é preciso aceitar que discurso tenha a ver com campo, não só
com enunciação e ideologias. Operar com uma categoria como campo significa dar-se conta,
aceitar que cada campo tem regras próprias e, eventualmente, procurar descobrir quais são
elas e se estão ou não se alterando.
Algumas das características dos campos são relativas aos temas de que tratam. Alguns
campos têm limites mais definidos (como o científico), embora, como é óbvio, não sejam
imutáveis,já que estão sujeitos à história. Outros campos não se submetem a temas, tratam
de praticamente tudo. Seus limites são outros (a linguagem, a forma de circulação etc.). Uma
das características dos campos é que eles definem, entre outras muitas questões, quem pode
ser enunciador / sujeito / autor. Por exemplo, um cientista deve fazer uma carreira
universitária, na qual aprende a ser cientista, entrando no sistema de pesquisa, publicações e
freqüência a congressos... Mas um romancista não se “forma” da mesma maneira. Cada um
tem um percurso específico. Um jornalista devefazer um curso específico ou não, conforme a
lei o exija ou não. Um humorista não se diploma... Não se faz um filósofo como se faz um
biólogo.
Outra diferença entre os campos tem a ver com o funcionamento da autoria: romances não
têm vários autores, mas artigos científicos, sim. Mas os campos científicos não tratam da co-
autoria da mesma forma: ela é mais ou menos variada e numerosa em alguns campos do que
em outros. Nem mesmo romancistas e poetas funcionam da mesma forma (não há best-
sellers em poesia...).
Falar de discurso literário implica, pois, referir-se a um campo. Mas, no interior deste
campo, há várias tendências, que se sucedem ou que convivem. Assim, por exemplo, falar em
discurso romântico, realista ou fantástico implica assumir categorias análogas às formações
discursivas, ou seja, ideologias no interior do campo literário. A cada época, estas “escolas”
apresentam-se como sendo as melhores, assim como o fazem os partidos políticos, que
reivindicam maior legitimidade ou representatividade.
Uma das características que merece destaque nos diversos discursos é a maneira pela qual se
relacionam com a verdade. Sabemos que uma verdade filosófica ou ideológica não tem o
mesmo estatuto das verdades científicas. Não se trata tanto de certos enunciados serem
verdadeiros ou falsos, mas das regras segundo as quais em cada campo se sustenta que os
enunciados são verdadeiros. Um exemplo extremo pode ser a comparação entre uma verdade
religiosa e uma científica. Por mais que, para textos bíblicos, por exemplo, se busque um
53
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
fundamento científico (arqueológico, por exemplo), o que importa é que o regime de verdade
deste campo depende fundamentalmente da fé, enquanto os enunciados científicos
dependem crucialmente de algum tipo de evidência (mas é importante reconhecer que as
verdades sobre estados últimos da matéria não têm a sustentação que têm a lei da gravidade
num universo newtoniano). Da mesma forma, uma verdade “revelada” pela literatura (a
sociedade brasileira ou o “homem” na obra de Machado) não tem o mesmo estatuto que uma
descoberta histórica. Nem mesmo uma verdade biográfica equivale a uma literária ou
histórica. Em suma: cada campo tem seus regimes de funcionamento.
Interdiscurso e memória
Uma das questões que merecem destaque quando se trata de discurso é a do interdiscurso
(ou dialogismo), vale dizer, da relação de obras com outras obras, de textos a textos. Esta
relação assume várias formas. Uma delas é a construção de um texto que remete a outro. Um
exemplo é O matador, romance de Patrícia Melo, claramente relacionado a O cobrador, de
Rubem Fonseca. Os personagens centrais têm dor de dente e são matadores. A diferença é
que o cobrador se vinga das injustiças (embora sua consciência só venha a ser “mais bem”
dirigida ao final da narrativa), enquanto o matador é uma espécie de “miliciano” a serviço da
segurança dos ricos. Os textos dialogam entre si, mas o diálogo é também uma espécie de
confronto, na medida em que as saídas propostas pelas narrativas são divergentes.
Outro tipo de relação entre obras é de confronto, que pode ser direto ou indireto. Os
desfechos das tragédias gregas são decidias pelos deuses, os das tragédias modernas (como as
de Shakespeare), pelas personagens (que podem escolher). O romance naturalista propõe a
tese de que as personagens estejam submetidas aos limites do clima e da raça, entre outras
marcas “naturais”. Nem se trata de deuses, nem de sujeitos independentes.
Obras literárias podem demandar leitores específicos (leitores modelo, na terminologia de
Umberto Eco). Significa que a leitura depende da leitura, isto é, de uma enciclopédia que a
sociedade põe à disposição dos leitores, seja por meio de livros, seja por meio da escola e de
outros aparelhos institucionais. Livros evocam ou aludem cenas clássicas da literatura
clássica ou popular. São lidos de maneira mais proveitosa se o leitor se dá conta das alusões e
das citações.
Veja-se o poema “Perguntas de um operário que lê”, de Bertold Brecht. Ele supõe um leitor
específico, capaz de responder às perguntas que o poema faz, mas às quais não responde.
Quem deve responder, e de acordo com a narrativa que o autor propõe, é o leitor, que,
supostamente (já que lê...), sabe quais são. Vejamos algumas:
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros constam os nomes de reis.
Os reis carregaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída –
Quem a reergueu tantas vezes? Em que casas
Da Lima radiante de ouro moravam os construtores?
Para onde foram, na noite em que ficou pronta a Muralha da China
Os pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os levantou? Sobre quem
Triunfaram os Césares?

As respostas às perguntas que estão em negrito são, genericamente (e respectivamente): não


(os reis não carregaram as pedras); escravos de guerra (e não cidadãos romanos livres, muito
menos os nobres); em casebres miseráveis (não em palácios); de novo, foram escravos que
levantaram os arcos do triunfo.
O poema confronta duas concepções de história: uma, à que estamos acostumados, atribui
todos os fatos memoráveis a personalidades, como se elas tivessem feito todas as coisas
(monumentos, guerras) sozinhas. O “povo” é desconsiderado. A outra concepção atribui os

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
acontecimentos (os feitos) aos escravos (trabalhadores), aos soldados etc. Ou seja, aos que
nunca são mencionados nas narrativas dominantes.
Vê-se esta diferença, de certa forma, em escolas e gêneros literários. As tragédias ocorrem,
tipicamente, aos grandes, aos nobres, aos semideuses. Os enredos românticos envolvem
personagens que, a rigor, estão acima das pessoas comuns, seja por sua ousadia, seja por
ações extraordinárias em que se envolvem (D´Artagnan, Peri). Já as personagens dos
realistas estão mais próximas das pessoas comuns, quando não o são: esposas infiéis ou
suspeitas (Bovary, Capitu), homens banais (Brás Cubas), moradores das periferias de cada
época (como em O cortiço).
Ler literatura
Para encerrar, algumas palavras sobre leitura. Trata-se de uma questão que também merece
ser vista à luz das características dos campos. Não é a mesma coisa ler ciência, com seus
textos praticamente unívocos e, por exemplo, literatura. O que significa, em primeiro lugar,
que os enredos, que podem ser lidos objetivamente (quem morre no final etc.) embora
importantes, não são a questão mais relevante. Se fosse, literatura seria jornalismo. O
“sentido” das personagens não equivale ao das pessoas (políticos, generais etc.). O mesmo se
pode dizer dos textos religiosos. Vale a pena anotar que os campos literário e religioso são
tais que, quando mais seus textos são interpretados, mais opacos se tornam, o que,
evidentemente, não ocorre com textos jornalísticos e científicos.
Não se pode, isto é, não vale a pena, ler um poema como se lê uma bula. Neste caso, a
informação é o mais relevante (composição do medicamento, posologia etc.). Mas ler assim
um verso é o mesmo que desconhecer o que significa um texto literário, isto é, desconhecer o
papel que a literatura desempenhou nas sociedades nas quais ela teve um papel relevante.
Trata-se de um tipo de experiência que não tem equivalente nos discursos ideológicos e
científicos, para citar alguns. O texto literário é, por outro lado, semelhante à música e à
pintura, pelo tipo de experiência que propõe e, considerando seu viés discursivo, pela
quantidade e pelo tipo de interpretações (de tentativas de atribuição de sentido, portanto) de
que foi objeto. Ler literatura supõe considerar de alguma forma este tipo de experiência
histórica.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LITERATURA E HISTÓRIA:A CERIMÔNIA DAS PALAVRAS E DAS
NARRATIVAS

Prof.Dr. Antonio Paulo Rezende


Universidade Federal de Pernambuco

Inventar os mundos e flutuar sobre suas questões é um desafio. Temos que cuidar das
palavras, não esquecer a argila e a incompletude. Sempre há lacunas. Nada se esgota. O
absoluto é uma utopia que provoca humor nos deuses mais irônicos. Quem não se lembra de
Gabriel García no início dos Cem anos de solidão? Seus registros sobre a magia das
palavras são definitivos. Vivemos entre o desejo e a necessidade. A ambiguidade convive com
os nossos cotidianos de forma instigante. Talvez seja esse o maior drama e não a maior
tragédia. O drama tem relação com a nossa capacidade de mover a existência, o que Freud
chamaria de compulsão à repetição. Ele é indispensável para constituição do sujeito e
articular suas identidades fugidias. Como pensar a vida sem a presença do passado, muitas
vezes insistente e melancólica, nos amarrando a lembranças insones? Nossa maior tragédia é
a teimosia de não aceitar que somos finitos, dominados pela incompletude. Temos uma
dificuldade imensa de partir, queremos sempre construir ninhos, não escapamos de
estimular ousadias, apesar das fragilidades e contradições, reconfiguramos fronteiras e
turbulências.

A cultura é o nosso maior ninho. Somos criadores da cultura, mas também suas criaturas. Por
isso somos raízes e pássaros. Não podemos viver só na profundidade e na escuridão. Temos
que voar, sair das cavernas e dos abismos. Invadir o azul e sua luz. Ter asas e não ficarmos
adormecidos nas esquinas dos labirintos. A cultura é a ponte, é parte fundante principal da
história, onde alimentamos todos os sonhos e desejos. A sua geometria é desenhada por
pontos e contrapontos, com se dialogasse com a Sagração da primavera de Stravinsky.
Nela encontramos a barbárie da bomba atômica e o sonho de um adágio de Mahler, a
estupidez do totalitarismo e a beleza de um poema de Neruda. A cultura se institui como
aventura, travessia, sentimento, nostalgia. É preciso narrá-la, significá-la. A linguagem torna
visível sua permanência e sua socialização.
Duas palavras resumem, então, a linguagem, e traduzem todas as metáforas possíveis de
serem inventadas: raízes e asas. Não somos os quatros elementos, mas apenas dois: terra e
ar. Temos que levitar. Quem não levita não sobrevive. Morre do vírus guardado no
cartesianismo do penso logo existo. Talvez coubesse, aqui, outras afirmações mais ousadas,
mais contemporâneas: olho logo existo ou mesmo voo logo existo. O pensamento não diz
tudo e tem um poder enorme de ocultação, se envolve com as perguntas e vacilações de cada
época. Para cada tempo deve haver uma ordem que vai se diferenciando da que passou.
Descartes foi um dos filósofos emblemáticos dos primórdios da modernidade. Desafiou
tradições seculares. Hoje, o mergulho é outro. Tudo parece muito confuso, mas como pensar
a ausência de crise na construção de história? Vivemos das fusões, das impurezas, do
indistinguível, em buscas ansiosas da existência de um elemento único, divinamente
constituído.

O viver é um constante exercício de interpretação. As linguagens nos dominam, com seus


múltiplos símbolos, com a correspondência mágica das suas palavras ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡. Quem
esconde a verdade que deve ser traduzida, o sujeito ou objeto? Pergunta sem resposta ou
densa e sinuosa? Fica o incômodo para quem continua adormecido no berço frio do
positivismo, para quem pensa que a história é um território cercado de fronteiras

Entretanto o poder das palavras que rimam, das transformações das palavras, não pode ser de modo
‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡

algum desprezado. A sensação de magia perdura, mesmo que não possa ser ligada a uma busca de verdade, e
essa magia, essas mesmas correspondência entre palavras, estão presentes em todas as línguas, embora as
combinações sejam diferentes .Auster, Paul. A Invenção da Solidão. São Paulo: Cia. das Letras. 1999, p.179.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
impenetráveis, sem lugar para a fantasia, mas apenas para o fato, para a lei e o progresso,
quem pensa que o historiador somente é aquele que é escravo da poeira dos arquivos. Ele
vive das fontes, mas é também fonte, não vê o passado como túmulo, o tempo como
exclusivamente linear. Há a simultaneidade que contagia cada momento de invenção da
história. Não se pode perder de vista que a história é uma reflexão sobre o vivido, articulada
com as experiências que estão sendo arquitetadas. Estamos sempre diante de um grande
espelho, com imagens mutantes de traços rascunhadose o passado é um espelho que tem
vida. A verdade é produto de relações de poder, não um cristal transparente.

A literatura é a grande fonte de tradução dos significados e de estabelecimento de tradições


memoráveis. Seu território é o da imaginação, das assombrações, dos arquétipos, do lúdico.
Quem se conecta com a arte aprende a levitar. Quem se aproxima da literatura, ler o mundo
nas suas mais amplas traduções. Cria intimidades com o invisível. A literatura concilia,
sonha, interioriza, disfarça e, sobretudo, seduz. Não pertence nem a Apolo, nem a Dioniso, é
luz/sombra como o Zaratustra de Nietzsche. Quem se sente incapaz de seduzir, conhece a
literatura, como quem maneja um cabo de vassoura ou liga um ventilador. Aliás, o campo da
arte é o campo da estética, não há estética sem sedução, como não há política sem persuasão.
Não devemos perpetuar uma herança que se sedimentou e maldiz a sedução, reduzindo-a à
mentira e ao engano. Toda invenção da cultura tem seus contrapontos. A demonização
absoluta é um perigo, é uma porta aberta para um discurso fascista. O combate sem tréguas
entre os demônios e os anjos é uma invenção, uma forma de prolongar o dualismo ético que
nos persegue. Eles são apenas criaturas e como criaturas estão sempre em busca da salvação.

II

A literatura mantém um pacto com a solidão, mas não é o fechamento para o outro. Paul
Auster afirma que:
Todo livro é uma imagem da solidão. É um objeto tangível, que se pode
levantar, baixar, abrir, fechar, e suas palavras representam muitos
meses, quando não muitos anos, da solidão de um homem, de tal modo
que, para cada palavra que lemos em um livro, podemos dizer a nós
mesmos que estamos diante daquela partícula de solidão. §§§§§§§§§§§§§

A solidão é uma forma de estar no mundo, mas não de negar o conviver como fundamental
para afirmação da cultura. No seu silêncio, a linguagem também abraça e envolve seus
sujeitos. A literatura testemunha a multiplicidade que marca esse conviver, onde o real e o
imaginário se confundem. Não há porque dissociar a arte da ciência. Por que abolir do
conhecimento científico sua dimensão estética? Quem pode esquecer a beleza da astronomia,
das descobertas da física? A cultura flui porque se refaz e o mundo é o espaço da
multiplicidade. Renegamos a sedução porque herdamos preconceitos mesquinhos. Trazemos
censuras introjetadas na nossa subjetividade. É preciso estar atento, senão terminamos como
Big Brothersacadêmicos, fechados em nossos gabinetes, certos que temos verdades
inquestionáveis, quando só temos amarguras e armaduras, praticando uma violência
simbólica e sofisticada, deseducando mentes e corações, evitando que ousem ou que
transgridam. Sacralizando sempre a mesma ordem, mudamos o nome da grife do saber, sem
entender que para sempre é sempre por um triz. Não esqueçamos que o hábito é um grande
entorpecente, como dizia Becket.
A literatura combate as cartografias que escondem vaidades solitárias, corações mal amados,
torturados pela necessidade de eliminar o outro, como garantia de sobrevivência. A literatura
denuncia o mau gosto. A literatura é uma prática radical de levitação. Claro que estamos
falando de uma literatura que é efetivamente uma tradutora da vida, e não aquela que se
resume aos anúncios de classificados de jornais. A literatura que encanta, que não precisa de
adjetivos para qualificá-la. Ela estica nossas almas, é desnorteadora da preguiça de quem não
sabe o que é uma fantasia, de quem desconsidera que existe o invisível. Ela tece os cordões
mais sutis e significativos da vida.

§§§§§§§§§§§§§
Idem, ibidem, 153.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
São tantos os cavaleiros, os quixotes, os jagunços, os trabalhadores da literatura. Cada um
tem suas preferências: Calvino, Octavio Paz, Drummond, Paul Auster, Garcia Márquez,
Guimarães Rosa, Neruda, Machado de Assis, Todorov, Carlos Fuentes, Graciliano, José
Eduardo Agualusa, Hemingway, John Fante, Euclides, Joyce... tantas escrituras sagradas ou
não, testemunhas que a história é a grande aventura humana, é a construção cotidiana da
possibilidade e não há como dispensá-la de uma narrativa. Somos todos contadores de
histórias. A narrativa é nossa matéria-prima, o ponto de exclamação da nossa complexa
existência. Através dela recuperamos e inventamos sentidos, mas podemos concluir
perplexos que no final todas as vidas não passam de uma soma de fatos contingentes, uma
crônica de interseções fortuitas, lances de sorte, causalidades que nada revelam senão sua
própria falta de propósito. **************

III

No exercício da narrativa, a história amplia os voos dos seus trapézios. Para que eleger uma
narrativa única? Ela deve comunicar, atrair, encantar. Jamais se ausentar da questão do
instável. A narrativa não é a morada única da estética, porém um dos seus lugares mais ricos
de criação. Na narrativa nos conhecemos, ou melhor, nos reconhecemos. Não é uma
fotografia estática do passado. É uma travessia. Uma imensa e surpreendente travessia onde
a palavra se alarga e se dimensiona, com os seus mais incríveis desenhos. Palavras,
recordações, sentimentos, ritmos, negações, provisoriedades. Como diria o poeta, Vinícius, a
vida ( a narrativa) vem em ondas comoo mar. Dialoga com o mundo, incessantemente. Por
que não encontrá-la?

Há lugares que estão repletos de incontáveis significados. Por que não observá-los? Por que
não balançar as subjetividades e distraí-las com as possibilidades de transcendências, de
flutuar nas fantasias do tapete mágico? Quem ousa desprezar os significados e riscar as
aventuras fabulosas das 1001 noites de Scherezade? †††††††††††††† O sertão traz geometrias e
gramáticas que se estendem. É sempre bom registrar que a história conversa com o visível e o
invisível. Nossos diálogos internos são decisivos quando não se retraem e buscam negar a
naturalização dos sentidos. Sentir o outro ou sentir os outros. O sertão tem inúmeras
representações históricas. Não basta pensar Guimarães. Não deve ser resumido a um
contexto territorial, ao flagelo das secas, às opressões políticas.

O sertão está em toda parte dependendo dos significados e das interpretações. É uma
nomeação poderosa e persistente. Carregamos a cultura dentro dos nossos sentimentos,
procuramos esconderijos. Falar de sertão é desenhar um esconderijo, um labirinto de
arquiteturas inesperadas. Se a história é a construção da possibilidade, é fundamental
inaugurar diversidades e não ser sepultado pelas mesmices. Contudo o que na história não é
vestígio, não mistura palavras e retoma tradições? Estamos no leito dos significados, das
coisas que correm e adormecem, a sombra e a luz vestem a nudez que nos acompanha
desenhando o tempo e reafirmando as dúvidas.

A sociedade contemporânea reforça o delírio por máquinas e tecnologias. Celebra consumos,


coisifica, redimensiona os narcisismos, relembra mitos e inventa outros. As histórias sobre o
sertão navegam por diferentes formas, traz recordações das astúcias do passado, das
convivências com os limites e as carências. O sertão anuncia e denuncia, possui seu tempo e
atravessa políticas que sedimentam explorações. Ocupa notícias, lamentações, tristezas,
desigualdades. As permanências históricas chocam, muitas vezes, e desfazem ânimos, porém
revelam que há lutas que consagram poderes e saberes. Há quem desista e sepulte as
memórias como espelhos quebrados e insignificantes. Se pensar o sertão está além de cultivar
territórios e materialidades, por que não se inserir nas suas multiplicidades? É difícil
entrelaçar as diferenças, mas mesquinho festejar as uniformidades e não deixar que as

**************
Idem. O Quarto Fechado in A Trilogia de Nova York. São Paulo:Cia das Letras. 1999, p.237
††††††††††††††
Parte das reflexões sobre os sertões estão no artigo que publiquei (14.05.2014) no Blog
www.astuciadeulisses.com.br,
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
inquietudes visitem as histórias e se encontrem com as complexidades dos seus lugares. A
morte da narrativa é morte do movimento do inesperado, é a impossibilidade de fluir mesmo
que as dores incomodem e perturbem. Há no mínimo do encanto uma ruptura que impede
que o ponto final do texto decrete o fim da vida numa cerimônia muda e silenciosa, afastada
dos ruídos das contradições. O sertão tem permanências. Entretanto suas imagens não
afirmam uma única cor, mostram um bordado que abraça mundos e inquieta os discursos
dos planejamentos pragmáticos.

As cerimônias das palavras não se esgotam. Fazem parte cotidiana das invenções e das
andanças de quem escreve e reconhece magias. O historiador que se fecha na sistematização
dos arquivos diminui a profundidade instigante do seu texto. As verdades flutuam e, não se
cansam de interpretar o mundo dos acontecimentos e das possibilidades. Os tempos estão
sempre entrelaçados e não dispensam a imaginação. A literatura está próxima da história,
convive com suas questões, anima suas tramas. O ninho da cultura festeja quem abre as
fronteiras e acende as gramáticas. O mundo évasto, como dizia o poeta Drummond, nele
cabem suspenses e ousadias, celebrações inesperadas que reinagurem paraísos distantes de
qualquer pecado.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
RESENHAS

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CORDEL NA BOCA DA NOITE

Drª Maria Alice Amorim

Fim de tarde, boca da noite. O cenário, rural. A imaginação, solta. Um pai narrava
tradicionais enredos de cordel. Na cabeça de um menino naturalmente floresciam histórias
fantásticas, maravilhosas, sem que ele soubesse que, um dia, isso tudo seria decisivo para
angariar fama, algum dinheiro e notoriedade no mundo das artes da poesia e da xilogravura.
Imerso num ambiente agrário, a vida dura de trabalho no eito não poupava nem as crianças.
Assim é que das lembranças mais antigas lembra-se José Francisco Borges de quando
auxiliava o pai na agricultura familiar, aos oito anos, mesmo tempo em que se deleitava com
certos costumes: ouvir narrativas de folheto, assistir a espetáculos de mamulengo, dançar um
forrozinho danado de bom, vibrar com o improviso dos violeiros, apreciar culinária à base de
milho, mandioca, carne de bode.

A dureza de vida submetida às intempéries, totalmente dependente de chuva e boa colheita,


fez o matuto esperto se virar em oleiro, pedreiro, carpinteiro, pintor de parede, marceneiro,
artesão de cestinha de cipó e brinquedinhos de madeira, trabalhador da palha da cana,
passador de jogo de bicho. Na escola, permaneceu apenas dez meses. Da experiência com as
artes manuais, ganhou habilidades que não seriam de jeito nenhum desperdiçadas. O
artesanato feito pelas próprias mãos era vendido por ele mesmo nas feiras. Comunicativo,
inteligente, de profissão em profissão chegou, a partir de 1956, à venda de cordel nas feiras de
Pernambuco, Paraíba, Ceará, e principalmente na praça do Mercado de São José, no Recife,
histórico cenário de folheteiros e poetas tradicionais. Não demorou a descobrir o talento para
fabulações. E outra: a familiaridade com o entalhe na madeira levou-o ainda mais longe.

Nascido no Sítio Piroca, Bezerros, Agreste pernambucano, a 20 de dezembro de 1935, Jota


Borges nem sequer avaliava o significado dessas decisões profissionais, apenas deixava-se
levar pela intuição criadora, quando a fama começou a bater à porta. Foi procurado pelo
artista plástico Ivan Marchetti, foi logo aplaudido por Ariano Suassuna, mas sempre se
perguntava por que esses artistas o valorizavam tanto, onde realmente poderia estar
classificada a própria arte: “Roberto Benjamin foi quem primeiro me encomendou duas
gravurinhas maiores. Antigamente tinha que ser do tamanho da gravura de cordel, 7 x 10 ou
8 x 10 centímetros. Depois apareceu Ivan Marchetti que me encomendou uns trabalhos
maiores, disse que queria também me divulgar, viu que eu trabalhava aqui no anonimato.
Mandou que eu fizesse uma série, fiz dez ou doze trabalhos para ele. Tirou umas cópias no
papel arroz, bem tiradas. Mostrou a Ariano, que disse que eu era o maior gravador popular
do Nordeste. O povo besta acreditou. Daí fiz carreira”.

Uma das gravuras mais famosas é inventada em 1976: "A chegada da prostituta no céu".
Outro tema recorrente, o cangaço, flui da cabeça do criador para a madeira e o papel. A vida
do sertanejo, o imaginário nordestino, os contos populares, tudo ganha ares de novidade na
obra de J. Borges, que passa a ilustrar inúmeras capas de livros e discos, a expor e a dar
cursos. Na mesma década, uma exposição percorre vinte países. “Entrei na gravura como a
gente diz, entrei a cão, entrei no escuro. Hoje em dia, não. A gente faz, a televisão mostra,
explica, menino já vê. As pessoas chamavam de xilogravura e eu achava tão estranho. Tinha
um dicionário velho, fui, olhei, aí fiquei sabendo.” Isto, nos anos 1970, em plena ditatura
militar. Após contatos com Marchetti e Ariano, Borges passa a receber inúmeros e ilustres
visitantes, sobretudo do Rio de Janeiro. Muita gente comprava gravura, e pairava grande
receio quanto a olheiros da repressão por conta de gravuras encomendadas para telenovela
posteriormente censurada: “a primeira viagem de avião que eu fiz foi em 1964, quando eu
ilustrei a novela Roque Santeiro, da TV Globo, numa primeira versão. Fizemos a pré-estréia
na Galeria Ranulpho. Depois fui para o Rio e Belo Horizonte”.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Enredado num emaranhado de inquietações, políticas e artísticas, logo descobriu que estava
incluído na categoria de arte naïf ou primitiva e, conta ele, o alívio foi grande “pra um matuto
desconfiado que nem eu” quando entendeu o que isso, de fato, significava e que conquistas
profissionais poderia garantir com o talento. “Comecei a trabalhar em plena ditadura. Gente
do Rio de Janeiro comprava, levava pra lá e eu pensava que ia terminar sendo preso, como
subversivo. Mas, pensava, não tenho do que viver, vou vivendo assim. Ranulpho chamou
para eu trabalhar na galeria, trabalhei três anos. Fazia duas matrizes por mês e entregava em
madeira branca, sem imprimir. Ele lá que tirava a cópia. Imprimiu, vendeu muitas, fez
exposição pelo Brasil, por todo canto. Acho que ele ainda tem muitas matrizes. Carlos Scliar
disse a Ranulpho: você está com uma equipe de artista primitivo muito boa, Borges, Dila.
Artista popular muito bom. É só traços bons. Aí eu entendi, ah, eu tô é socado nesse meio aí,
de primitivo. Não é nada de contravenção, não, eles admiram o trabalho do cara que não
estudou, que não sabe desenhar nada, não sabe fazer nada.”

O embrião da fama vai, portanto, ganhando corpo desde que, envolvido com o universo da
literatura de cordel, escreve o primeiro folheto, em 1964, intitulado "O encontro de dois
vaqueiros no sertão de Petrolina", com capa ilustrada pelo xilógrafo Dila. No ano seguinte,
1965, resolve fazer a gravura para um folheto que havia acabado de escrever: "O verdadeiro
aviso de Frei Damião". Uma igreja de duas torres, esculpida em madeira de jenipapo. O
motivo para fazer a xilo foi simples. O amigo cordelista Olegário Fernandes incentivou-o,
alegando que, com tantas habilidades manuais, e depois de tantos objetos feitos em madeira,
certamente seria fácil. E foi tarefa fácil. Primeiramente pela familiaridade em lidar com as
mãos, a tábua, as ferramentas. Entretanto, muito mais do que a habilidade manual, decisivo
foi o vigor das engenhosas narrativas visuais desentranhadas das vivências de menino, do
imaginário de cordel e de todo um mundo de oralidade real e ficcional. No cordel, o talento
de poeta sobressai de forma ainda mais evidente nos enredos que no rigor de formas fixas. Na
xilogravura, sobretudo, inventividade e técnica estão bem afinadas, e é bem mais por causa
dela que o artista vem sendo sempre divulgado mundo afora.

Há décadas Jota Borges tem viajado quase que ininterruptamente dentro e fora do Brasil,
onde é muito conhecido. Suíça, Estados Unidos, Venezuela, França, Alemanha, Portugal,
Cuba são países para onde viajou, além dos lugares aonde tem ido a obra do artista, como
Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, México, Argentina. Para Caracas, foi em 1995. A Cuba, foi
em 1997, num avião russo dos anos 50. Permaneceu doze dias lá, ministrando oficina numa
casa de cultura caribenha. Graças ao talento, sobretudo ao talento, e à amizade que cultiva há
anos com importantes galeristas, artistas plásticos, jornalistas e pesquisadores, Borges tem
obras no acervo da Biblioteca Nacional de Washington e no Museu de Arte Popular do Novo
México (em Santa Fé, EUA), já saiu no New York Times, participou da revista suíça Xilon em
número especial (1980) dedicado aos xilógrafos nordestinos, ilustrou o livro "As palavras
andantes", do uruguaio Eduardo Galeano (1993), figurou no calendário da ONU de 2002,
com a gravura "A vida na floresta", dentre outras notáveis aparições internacionais no mundo
da arte. A propósito de Galeano, faz questão de ressaltar: “Além de um grande artista, é um
grande cidadão, sensível, fiel. Gastou 14 mil dólares com as minhas ilustrações. Ele me
marcou muito, e deu repercussão boa para o meu trabalho.” Em 2005, Borges comemorou os
quatrocentos anos do Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, com uma versão em cordel. No
mesmo ano foi para a França, participar da exposição "O universo da literatura de cordel",
como principal homenageado. Fez gravura para ilustrar trabalho sobre o Rio São Francisco,
tema do carnaval de 2006 da escola de samba da Mangueira, e para o qual escreveu, ainda,
cinquenta estrofes.

Sob regime de trabalho em ateliê coletivo, familiar, o patriarca J. Borges montou uma gráfica,
da qual uma das máquinas, de tipos móveis, pertenceu ao Diario de Pernambuco. Usou
durante quatro décadas tipografia e prensa manual. Mesmo com a participação dos filhos, é
ele quem cuida de todas as etapas da produção de folhetos e gravuras. Acrescente-se a isso
que os dotes artísticos para a xilogravura sempre foram partilhados em família: com os filhos
Baccaro, Pablo, J. Miguel, Ivan, Manassés, Pádua, Jerônimo; o neto Williams, filho de Ivan;
irmãos, cunhada, sobrinhos, como Amaro Francisco, Severino Borges, Nena, Joel, Lourenço,
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Givanildo. Dedicando-se há mais de cinco décadas à xilogravura popular, Borges
especializou-se na riqueza de temáticas tão caras ao imaginário nordestino, o que é
francamente observável nos artistas da família Borges, que, mesmo cada um exibindo traço
próprio, compartilham características da narrativa e da composição visual. “Cícero também
faz, mas não faz pra ele, não. Se eu mandar ele cortar uma xilogravura, ele corta. Ele me
ajuda aqui, mas não faz direto para ele. George faz também, mas parou a xilo, vive com
serigrafia, Ariano é gráfico, montou uma gráfica e está até bem. Agora tem os dois mais
novos". Ao todo, foram 18 filhos, o primeiro nascido em 1960 e só uma filha mulher, mais
cinco enteados, entre eles J. Miguel, xilógrafo cujas obras são primorosas no detalhe e
visualmente sofisticadas.

“Tenho duas coisas que é fora de muita gente que faz gravura: uma é a barra, eu comecei a
fazer a gravurinha para o cordel, é a barrinha pra botar o nome, e outra é que eu não numero,
vou fazendo avulso, lá vai, lá vai. Eu numero quando é uma gravura que alguém pede,
encomenda para dar de presente, e diz: eu quero tantas cópias numeradas. Então eu numero
porque é um trabalho exclusivo. Se fosse numerar tinha que encarecer. Minha gravura é sem
número, porque quero atingir um público muito maior. O meu trabalho é muito bem
divulgado e é barato. Não vendo caro, eu não quero riqueza. Quero dinheiro para comer,
vestir, cumprir com os meus deveres e morar bem. E ir no forró.” Ah, e manter, vizinho à
própria casa, o museu, loja e ateliê, nomeados por ele de Memorial J. Borges, na Rodovia
Luiz Gonzaga, Bezerros. Pode parecer fácil falar de um artista de currículo tão vasto e de
imaginação tão rica, desde 2005 eleito Patrimônio Vivo de Pernambuco. Não é. No panteão
da gravura em madeira, Jota Borges é um dos grandes xilógrafos do Brasil. No ramo dos
editores populares, a Gráfica Borges por ele liderada vem escrevendo parte desta história, a
da literatura de cordel brasileira. O poeta é autor de narrativas já colocadas entre os clássicos.
Constituiu aprendizes, disseminou saberes. Maneja memórias seculares e, com alegria e
vitalidade, concede-nos a cada dia intenso legado de invenção artística e tradições.

(artigo revisto e ampliado a partir de texto publicado originalmente em 2006)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ANTÔNIO DE SANTANA PADILHA:PRINCIPAIS DADOS BIOGRÁFICOS E
COMENTÁRIOS ACERCA DAESTRUTURA DO PROCEDIMENTO NARRATIVO
NO ROMANCE “PEDRO E LINA”

Elisabet Gonçalves Moreira

Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela


USP. Professora aposentada da UPE e IF Sertão –
Petrolina

Principais dados biográficos


Antônio de Santana Padilha é, até agora, o escritor autenticamente petrolinense (nasceu,
viveu, e morreu em Petrolina) com a maior produção literária e maior diversidade de
gêneros. Romance, contos, crônicas, teatro, poesia, história, além de discursos e saudações.
Ele nasceu no dia 5 de setembro de 1904 e faleceu no dia 19 do mesmo mês, portanto
quatorze dias depois de seu aniversário, no ano de 1981. Publicou os seguintes
livros:EscrituraçãoRelâmpago (Sistema Ficha Única – Contabilidade) – Sem local,
s/64d., 1945; ÁlbumdeSaudações (discursos) – Sem local, s/64d., 1964;
Correumriodelágrimas (contos, prefácio de Rui Santos, capa e ilustrações de Lula
Cardoso Ayres) Recife, Coleção Concórdia, Imprensa Oficial de Pernambuco, 1965;
RibeirildoSãoFrancisco (teatro) Recife, CEPE (Companhia Editora de Pernambuco),
1970; Superfície (versos) – s/ local, s/64d., 1967; Pedroe Lina (romance, prefácio de
Elisabet G. Moreira) Recife, CEPE, 1980; Petrolina no tempo, no espaço, na vez
(história, Biblioteca Pernambucana de História Municipal, vol. 10) Recife, FIAM/Centro de
Estudos de História Municipal, 1982. Todas as edições estão esgotadas, com exceção do
romance Pedro e Lina que teve uma segunda edição em 2007, patrocinada pelo Sistema
Municipal de incentivo à Cultura. Obras inéditas: Pescadores do São Francisco
(drama)*; Patriotismo (drama)*; IrmãoDivino (cine drama); O túmulo do poeta
(alegoria)*; Refúgios (versos); Sombras e soalheiras(crônicas). Estes textos foram
encontrados publicados em jornais. Essa classificação das obras inéditas foidada pelo autor.
Também foram encontrados, nos jornais onde foi possível pesquisar, crônicas, contos,
editoriais políticos e até um capítulo do que seria provavelmente um outro romance.

No livro RoteirodeVelhoseGrandesSertanejos (I Volume) de Luiz Wilson (Biblioteca


Pernambucana de História Municipal), Recife, Cia. Ed. de Pernambuco, 1978, p. 251-255)
encontra-se uma biografia de Antônio de Santana Padilha, feita quando o escritor ainda era
vivo.

Seu Padilha foi casado com Regina de Souza Padilha e teve quatro filhos: Humberto,
Elizabeth, Evanira e Hélio. Contabilista de profissão, autodidata, cursou formalmente
somente o ensino primário. Estudou também inglês e escrituração contábil.

Antônio de Santana Padilha foi também jornalista, correspondente dos jornais A Noite (do
Rio de Janeiro), A Tarde (de Salvador), Folha da Manhã (Recife) e
JornaldoCommercio (Recife). Sobretudo foi o fundador, em Petrolina, dos jornais O
Alicate, O Folgazão (satíricos) e Petrolina-Chic, colaborador de O Farol, O Sertão,
Cristo Rei, A Tribuna e o Escrínio, todos jornais que existiam em Petrolina, além de A
Notícia, A Tribuna do Povo e a Voz do São Francisco, de Juazeiro, BA, Cidade de
Teresina (Piauí), O Imperial (Salvador). Participou com textos nas revistas Revista do
Sertão, Revista do Congresso, ambas de Petrolina, A Luva, Única e Pesquisa de
Salvador, Evolução de Recife. Também de Petrolina, colaborou, mais tarde, com a revista
Drummoniana, números 1 e 2, do ClubeDrummonianodePoesia, do qual foi sócio-
fundador.

O autor participou, quando jovem, da construção de um teatro em Petrolina, além de muitas


outras atividades comunitárias, culturais, esportivas. Antônio de Santana Padilha também
exerceu cargos. Desde cargos políticos, passando por cargos na área de Direito e Educação.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Foi subprefeito e prefeito de Petrolina (1930), adjunto de Promotor Público (1932-1940),
Secretário da Prefeitura de Petrolina (1955), fiscal do Governo junto ao curso Normal do
Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, vereador da Câmara Municipal de Petrolina (suplente
em exercício, 1947) e delegado de ensino (1941). Outro lado da produção textual do escritor
está na contribuição como cronista político, com publicações no jornal O Farol de Petrolina,
sempre muito polido, mesmo em acirradas disputas municipais.

Amostras de vários gêneros de suas obras podem ser lidas e analisadas na antologia Poética
Ribeirinha, (Edupe,1998). Sua obra de maior envergadura é seguramente o romance
Pedro e Lina, leitmotif para justificar ficcionalmente o nome de Petrolina. De Antônio
Padilha, historiador, há sempre de se lhe dar o mérito de ter escrito a primeira história de
Petrolina, entremeada de pequenos causos, sobretudo a crônica do cotidiano, com seus tipos
exóticos e bizarros, muito mais revelador historicamente do que a menção fria e factual de
dados. Seus poucos textos, com características de reflexões sobre a Arte e arredores, revelam,
à maneira de Victor Hugo, uma visão romântica da vida e do destino, que vai aparecer em
muitos textos criativos, quase um contraponto com o homem de espírito, sagaz e irônico que
se sobressai em suas crônicas.

Escreveu muitas homenagens, discursos, saudações. Era afinal o poeta da cidade, o


historiador, a referência cultural mais forte. Poemas para mães, Natal, primeira comunhão,
textos para chegadas e idas de padres e bispos, sempre lhe eram solicitados. E, parece, ele
não costumava negar os pedidos. Escreveu como apresentação de um de seus livros, a
respeito de Petrolina: “minha terra querida, em nome de quem, tantas vezes, tive a honrosa e
distinta incumbência de interpretar e exprimir, na tribuna, os seus sentimentos coletivos.”

Estrutura do procedimento narrativo em“Pedro e Lina”,

O romance de seu Toinho Padilha, antes de tudo, precisa ser lido. Lido pela sua cidade, pela
cidade que ele homenageia no romance, através do trocadilho Pedro e Lina – Petrolina.
Sendo lido, melhor se poderá entender qualquer postura crítica. Aliás, condição primordial à
crítica imanente, a que sai da obra e não o inverso, trazendo opiniões de fora, em geral
preconcebidas.
Faço minha análise considerando-a como uma possibilidade dentre muitas, não só pela
ocasião do lançamento do livro, mas dedicando-a, sobretudo, a meus alunos do curso de
Letras, que aprenderam a conviver com questões desta natureza. Porém, numa linguagem
que possa interessar a todos, na medida em que mostra como uma obra literária interage
sistemicamente em sua estrutura.
Na linha do formalismo russo da primeira metade do século XX, desnudando o processo
narrativo, o teórico de literatura apreende de maneira in profundis os procedimentos de que
se vale o autor para dar a conhecer a obra ao leitor. Assim é que Pedro e Lina me chamou a
atenção justamente por utilizar como procedimento duas narrativas em tempo e espaço
diferentes, que correm paralelas, para somente no final se encaixarem, esclarecendo-se o
suspense criado. Suspense esse que funciona exatamente para manter a atenção do leitor
presa à composição da obra.
Esclareça-se que esse não é um procedimento original, já utilizado em outras narrativas, até
mesmo clássicas. No caso de Pedro e Lina temos uma primeira narrativa, a que chamarei
de narrativa Alfa (α). Ela se inicia no primeiro capítulo tendo como leitmotiv uma fuga
constante de um personagem solitário. Uma fuga que não é medrosa, porque tem uma
intenção, carregada do inevitável. Um personagem não nomeado, nem lugar e tempo são
determinados, apenas o cenário é descrito. Tudo aqui é ambíguo e nessa fuga, cercada de
perigos, o jovem (essa condição é facilmente percebida) os vai vencendo com destreza, força e
inteligência. Ganha as simpatias sem mesmo sabermos quem é e qual sua relação com a outra
narrativa.
Alta madrugada, guiando-se pela luz das estrelas, caminhando cautelosamente por
dentro do mato, vencendo a galharia agressiva das ramadas espinhentas, a
macambira rasteira lhe mordendo os calcanhares e as fitas verdes de caroá lhe

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
abarcando as pernas, (queriam retê-lo?) alguém percorre vereda estreita e sinuosa da
caatinga sertaneja, por onde transitam somente animais. (p. 21)
A outra narrativa, designada nesta análise por Beta (β), se inicia no capítulo III. Ali tudo é
nomeado, datado e localizado, exatamente ao contrário da primeira narrativa. Seria a
“narrativa moldura” (termo usado por Todorov em sua “Análise Estrutural da Narrativa”) em
que a sucessão linear ou causal dos fatos se presta ao esclarecimento da trama.
Ainda estava escuro quando terminou de tirar o leite das vacas, no curral; enxotou os
bezerros para a manga, soltou as vacas para o mato e levou as vasilhas do leite para
casa. Chegado de pouco, vaqueiro novo na Tiririca, adaptando-se às coisas e aos
serviços, Norberto acordara muito cedo, como era seu costume. (p. 27)

O início das duas narrativas pode me fornecer alguns dados essenciais para uma comparação:
α β
→ noite →manhã
→atitudes suspeitas →atitudes cotidianas
→ “alguém” →Norberto
→lugar ignorado →Fazenda Tiririca
→ “(queriam retê-lo?)” → “Chegado de pouco”

O paralelismo de ambas é conseguido pela linguagem, do ponto de vista de um observador


onisciente conversando com o leitor, receptor no tempo da leitura, que lança uma incógnita,
x da questão. Quem será esse “alguém”? Por que foge? O que encontrará? Qual a relação
desse fugitivo personagem com a outra narrativa, onde tudo é horizontalmente explicitado?
Justamente a narrativa “encaixante” α é que traz os motivos de maior interesse à obra como
um todo. Lemos a narrativa outra para tentar deslindar tantas interrogações, tentar
responder às perguntas que os motivos dela nos estimularam. É sintomático que venha entre
parênteses o “(queriam retê-lo?)”: é a própria narrativa que retém esse personagem, na
medida em que não se deslindam seus mistérios.
O discurso, mesmo de um narrador que sabe tudo, que sabe mais do que os próprios
personagens, do que o leitor, é ainda assim um discurso ambíguo que procura despertar o
interesse do leitor para prosseguir na leitura, assim como o personagem misterioso em sua
fuga. Já esse discurso é essencialmente monológico na narrativa Beta, caracterizando o
narrador onisciente.
A estrutura dos personagens é também bastante linear. O dinamismo narrativo é conseguido
portanto pelo procedimento narrativo, pelo modo como a história é contada, através destas
duas narrativas em paralelo e que caminham para um desfecho, no qual tudo fica finalmente
esclarecido.
Tanto assim que, a meu ver, quando quase imperceptivelmente as duas narrativas se fundem,
o romance perde muito do seu interesse, mas aí já estamos realmente perto do final do livro.
Em uma esquematização, obtemos em relação à narrativa α o seguinte quadro, bastante
simplificado, é verdade:
• o personagem principal desta seqüência de motivos é a grande interrogação. Como
num romance policial, se se souber de sua identidade, acaba-se o suspense. A ele
posso chamar de x;
• uma fuga constante, na busca de um local fixo, em local diferente por certo da outra
narrativa. A seqüência de motivos parece nada ter em comum com a narrativa linear,
causal. A esta temática geral chamarei de y;
• o tempo da narrativa é de um tempo presente, ao menos nesse início da ação
(“percorre, transitam”), como se pode perceber pelos tempos verbais do Capítulo I. A
este procedimento chamarei z.

De antemão, estes mesmos elementos convencionados em x, y, z estarão presentes na


segunda narrativa, pois ambas terão um mesmo pólo de convergência, justificativa do próprio
título da obra.

Assim, na narrativa β, temos o seguinte quadro:


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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
x – o personagem principal nomeado e grande força do livro por suas características e
peculiar personalidade é, sem dúvidas, o Capitão Jacinto Tiririca. O x fica por conta da
incógnita lançada sobre a paternidade de Pedro, possível incesto para o amor dos amantes-
núcleo do romance: os titulares Pedro e Lina, ambos jovens, belos e decididos, como convém
a um par amoroso em romance quase épico, ressaltando não só as dificuldades encontradas
no sertão, mas também o valor e a perseverança do sertanejo.

Aliás, este esquema de personagens principais está bem delineado:

Norberto Palmira Jacinto D. Ida

Pedro? Palmira
(filha adotiva)

Pedro Lina

“Petrolina”

As setas pontilhadas referem-se à filiação indireta. No caso de Palmira mais Jacinto está a
grande incógnita da segunda narrativa, tormento e suspense para o capitão. Seria Pedro
irmão de Lina?

y – a descrição dos costumes da terra, local onde se passa a maior parte da ação: a Fazenda
Tiririca.
z – o tempo da narrativa no pretérito perfeito: tudo passou, as ações definitivamente
acabadas há muito tempo, em relação à primeira narrativa.

Obtemos, então, este gráfico estrutural, visualizando o procedimento narrativo de “Pedro e


Lina”:

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
x y z
Narrativa β
“moldura”
2

y
0

A história do personagem Pedro e da


Narrativa α personagem Lina: justificativa do título
“encaixante” “PEDRO E LINA” = PETROLINA

}
2 – espaço da temporalidade

SUSPENSE
1 – espaço das causalidades

0 – CLÍMAX – ponto em que as narrativas se encaixam para dar, não em uma terceira
narrativa, mas ao segmento final onde tudo fica esclarecido, a história de “Pedro e
Lina”/Petrolina.

É verdade que um projeto desta natureza pode ser ampliado, ficando em aberto
inúmeras outras perspectivas de análise. Quem bem leu sabe o quanto isto é possível e
fascinante. Mas nessa amostra fica um pouco da complexidade desse romance que reflete a
formação de um autodidata consciente dos domínios de composição de sua obra. Da maneira
artisticamente manipulada que ele nos deu a conhecer seu texto.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A IDENTIDADE SERTANEJA NA OBRA
“VOZES DO MATO” , DO ESCRITOR ESMERALDO LOPES"
Profª. Drª Maria Rita do Amaral Assy
Universidade do Estado da Bahia

Em “Vozes do Mato”, de Esmeraldo Lopes Gonçalves, pretendo me deter na primeira parte,


das três que o autor subdividiu o livro, e, com essa escolha, oferecer ligeiramente, ao tema
proposto, a perspectiva da produção da subjetividade. Valho-me, nesse percurso, do
conhecimento que travei com o autor e com sua obra (“Opara – formação histórica e social do
sub-médio São Francisco”; “Caminhos de Curaçá”; e “Caatinga e caatingueiros – a agonia de
uma cultura”).
Especialmente nessa primeira série de capítulos, intitulada “Coisas daqui”, ouve-se uma
escrita que fala e que é traçada num desafio à memória. Desafia porque faz da lembrança do
passado um presente, o presente que era. E porque segue o passado até um desfecho que
ainda não se dera. Fala como se soube uma vez o dizer de si e do mundo, vozes esquecidas
pela escrita aprendida na escola. O autor, ele próprio, não articula (não mais) a fala como
escreveu nesse livro. Seu texto vai reencontrando as vozes do mato por escrito. E então sua
escrita fala com voz e a suas lembranças seguem além, vão continuar a fazer o mundo e o
povo já feitos. Quem não souber a língua da fala das caatingas pode perder aqui e ali um
gesto, uma pausa, um beiço que não se transcreve, isso vem nas palavras faladas. “Vôte”!
Para pensar em pouco tempo os destinos que a escrita alcança, é na frase final de cada
capítulo da primeira parte que se encontra a seiva essencial extraída. Chega-se a um desfecho
depois de ter partido sem rumo, apenas deixando que as vozes sigam se enrolando e
desenrolando. É um modo de pensar que espreita as passagens. Entra-se por elas com a
narrativa, que pede mais e mais até que venham as palavras certas, precisas e necessárias, de
uma história nada linear, mas que dobra sobre si mesma, que não escapa de um mundo que
continua seu movimento de se fazer sobre si mesmo. Como o ouvido do vaqueiro que “sabe
saber de quem é o chocalho e conhecer o barulho de qualquer bicho e coisa do mato”.
Essa marca de sua história por inúmeras vezes foi interpretada como um ‘insulamento’ do
sertão, como um ‘isolamento’ dessa região em relação ao restante do país. O recolhimento aí
presente é, no entanto, de outra natureza. Não é geográfico, visto que tantas trocas e
migrações, desde os primórdios da colonização, foram praticadas pelos habitantes da região,
até mesmo quando surgiram os caatingueiros. Tal recolhimento é mais um traço do seu
movimento, daquele que adentra as caatingas, que trilha pelos poros e sons como quem
penetra nos mistérios das palavras e das coisas. Dentro de cada coisa acontecem outras. Bem
assim são as palavras. Numa palavra se refugiam vários sentidos. Para ver é preciso refinar
não a busca, mas a espera sensível de algum ponto da narrativa de uma história vivida ou
ouvida. Ver de perto. Com a trilha da narrativa vai caçar a palavra e o jeito de dizer. E então
já é possível ao leitor ouvinte ouvir as vozes do mato.
Embora essa habilidade se manifeste no autor, na sua pessoa, como uma característica sua, a
aprendizagem das vozes se desenvolve em práticas coletivas e alcançam-no além e aquém de
sua existência. Ao falar, a escrita faz crer residir no seu autor cada personagem narrado. E ao
mesmo tempo, a experiência biográfica, expressa pelos detalhes, vai dando consistência ao
mundo que o leitor ouvinte vê passar por ali.
É no capítulo “Os donos”que isso se explicita bem. Termina dizendo “aqui no mato desses
lugares é assim: as pessoas só são donas do que são”. Se chegou a dizer isso é por obra de
uma história quase sem acumulação de riquezas materiais, que se fez para conceber a própria
existência ignorada ao longo dos séculos. A invenção de si e do mundo para quem o mundo se
acabou tantas vezes na violência da colonização. Ouvem-se as vozes no tempo e na escrita.
Tempo em que se é movido pelas caatingas e talhado em couro, escrita em que a narrativa se
desenvolve até explicar. O tempo que faz o caatingueiro só ser dono do que é. A escrita que
faz a voz narrativa conseguir falar isso. São, o tempo e a escrita, variações da matéria da
criação desse modo de existência.
Ao contrário do que muitos estudos propõem, não é a geografia (empírica) que associa o
caatingueiro à caatinga, mas o tempo, nas suas diferentes manifestações. Tempo do verde,
tempo de seca; tempo que se dedica à devoção de um santo; tempo de criança e o de adulto;
tempo das eras e tempo das tarefas diárias... E o tempo da narrativa.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
E nas vozes do mato (título do livro e do capítulo) aparece o caatingueiro brotando. Avista a
si próprio como estranho e desconhecido. Nos matos. No medo. No mistério do nome e do
ser. “Caboclo brabo vagueia no mato perdido no tempo e achado no lugar” até se fazer gente e
sentir a alegria nascendo. “Eu sou o caboclo-do-mato. Caboclo-do-mato nem se mudou e nem
morreu, caboclo-do-mato sou eu”!

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CARTA EN PRIMERA PERSONA A ESMERALDO LOPES

Prof. Dr. Víctor Amar


Universidad de Cádiz, España
E.mail: [email protected]

Seu Euzébio tinha toda a certeza:


“O céu existe, aqui mesmo nas caatingas”
(Esmeraldo Lopes, conto “A CRAIBEIRA CELESTIAL”)

El acercarse a una realidad precisa en primer lugar de un pretexto, luego de una motivación
para, más tarde, convertirse en un incentivo. No vale con una aproximación vaga que se
diluye, tal vez, eso sea fascinación. Lo que me sucedió al leer la obra de Esmeraldo Lopes,
sobre todos sus cuentos, fue la aproximación afectiva de dos realidades que me fascinan. En
este sentido, me considero muy machadiano, la de amar los territorios y no tienen porque ser
exclusivamente geográficos, también, los considero en el ámbito de la existencia literaria.
Pues bien, las imágenes que proyecta en su literatura tiene un hábitat: el Sertão, la caantinga,
el nordeste. Tal vez, dé igual… pero una vez que estuve en su tierra comencé a comprender
que existen variantes sobre aquella existencia territorial. El Sertão es un espacio, la Caantinga
un sentir y el Nordeste una distribución geopolítica. Pero se aglutinan, se complementan
irreversiblemente.
Yo nací en el sur de España, usted en el seno del Sertão. Yo muy cerquita de África, usted en
un lugar muy cerquita al río San Francisco. Yo me crié en una península (algo que no es una
isla ni es territorio continental pues una lengua estrecha la une), usted cerca de islas fluviales
que son sumamente hermosas. Yo tengo una gran predilección por el flamenco y usted creció
rodeado del forro. Yo nunca he ocultado mi predilección por Federico García Lorca, me
imagino que usted leyó las obras maestras de Graciliano Ramos. Yo soy andaluz, del sur de la
península ibérica. Y usted del nordeste brasileño. Yo fui creciendo en un habla muy
particular, lleno de cubanismo y de palabras locales, usted con su propia “fala” de la región
(que reconozco hay algunas que me constaron entender en sus textos).
Pero además, nosotros tenemos fiestas religiosas de gran seguimiento popular, como el
Rocío, y ustedes tienen, por ejemplo, la romería del Padre Cícero. Nosotros tenemos la
emigración a Barcelona, y ustedes a São Paulo. Nosotros tenemos nuestro particular río Nilo,
aquí los romanos cuando nos invadieron le llamaron Betis y luego los árabes lo renombraron
como Guadalquivir o río grande. Ustedes tienen su arteria sarteneja, es decir, el río San
Francisco. Nosotros tenemos la cultura del toro, con plazas para espectáculos como la
maestranza de Sevilla, ustedes cuentan con las vaquejadas, como por ejemplo las de Surubim.
Nuestra región, Andalucía, contó con un gran pedagogo, en tiempos atrás, él se llamó Gines
de los Ríos, ustedes en el vecino Pernambuco tuvieron a Paulo Freire. Nosotros tenemos un
tipo de sombrero muy particular, de ala ancha para, me supongo, cuidarnos del sol y ustedes
el chapeu sertanejo de cuero de fácil identificación regional.
Asimismo, nosotros tenemos nuestro particular urubú, le llamamos buitre, también tenemos
una especie de gallina, llamada andaluza y ustedes la caipira, además de una especie de
ganado con sabrosas carnes, que conocemos como retinta. Nosotros tenemos un símbolo a
manera de árbol, que podría ser el pino piñonero y, curiosamente, ustedes la caantinga;
ambas con sus olores tan particulares. Ustedes a lo que nosotros le llamamos cortijo, le
llaman fazenda, y al señorito propietario de las tierras ustedes se refieren a él como el
fazendeiro; el vaqueiro es el vaquero y nuestro bandolero es para ustedes el cangaceiro.
Pero ahí no acaban las similitudes entre su tierra y la mía. He pensado en los mitos
universales que compartimos. Usted recordará al de Carmen; yo el de María Bonita; y si le
pongo nombre en masculino seguro que sería en mi contexto el de un supuesto Curro
Jiménez y el suyo lo llamaríamos Lampião. Le suena de algo un tal Paco de Lucía, tal vez,
igual que a mí un músico llamado Gilberto Gil. Y que me dice del buzo; me imagino que sabes
que en la provincia de Cádiz, en plena sierra, en un pueblo pequeño, hay algo muy parecido
que se llama la gaita gastoreña.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Solo he podido acercarme a usted desde la similitud de los entornos donde hemos nacido.
Quizás, sea interpretado como un juego de acercamientos, es decir, por aproximación.
Recuerdo que una de las primeras palabras que mis hijos aprendieron en português del Basil
fue “brincar”. Y, casualmente, la aprendieron a muy pocos kilómetros de donde usted es. Y de
brincar hacemos una “brincadeira” evocativa y visual, además de literaria y narrativa a partir
de sus cuentos. Lógicamente, de algunos de ellos y se los pasaré a decir; estos son: “Urubú
encomendado”, “O canto”, “Desencanto”, “O rei sem trono”, “A mulher que virou alma”, “O
canto do emigrante”… Y sobre todo: “Imagens e problemáticas da caatinga”.
Parte de lo que aprendí sobre la Caantiga, lo aprendí en blanco y negro. Es decir, a través de
las películas; pero fundamentalmente dos: “Mandacaru vermelho” (1961) del paulista Nelson
Pereira dos Santos y “Deus e o diabo na terra do sol” (1964) de bahiano Glauber Rocha. Y,
más tarde, le tuve que poner color a mi imaginación con las lecturas de autores como
Graciliano Ramos o Jorge Amado. La realidad del Sertão me acompañaba y para
comprenderla un poco mejor, de nuevo, la comparo. Dicen que las comparaciones son
odiosas… pero en mi caso, me son útiles.
Pongamos el caso del cine de temática sertaneja y póngale imágenes a partir de estas palabras
de un catedrático de literatura de la Universidad de Sevilla, Jorge Urrutia en 1980 y seguro
que volvemos a coincidir en las muchas similitudes de ustedes y nosotros.

«Se crea un género cinematográfico que nunca llegó a dar un film de calidad: la
andaluzada. (…) determinada visión de Andalucía se convierte en símbolo de España
toda. Es la Andalucía de pandereta y castañuela, del baile y del cante, del señorito
calavera y bonachón y el bracero respetuoso, alegre y resignado, de la señora distante
pero caritativa y la joven humilde pero encantadora. También la Andalucía divertida
y religiosa, locuaz y sensitiva. La Andalucía que es modelo de un mundo que se
supone bien y cristianamente hecho. Esta Andalucía es la que se quiere para toda
España y ésta será la imagen exportable»

Estoy seguro que se ha sentido identificado. Que ha sentido lo mismo que nosotros sentimos
cuando vemos estas películas. Probablemente pues hablamos en clave de los perdedores. No
perdedor en el sentido de carente sino de aquel que sabe que aún perteneciéndole algo no se
ha hecho justicia. Nosotros los andaluces somos más que simples o bonachones, risueños o
ingenuos. Tenemos nuestro carácter e identidad. Y, por ello, no dudo pasar por ser diferente
de que nos miden o etiquetan. Somos más que eso y ustedes seguro que también,
refiriéndome a lo otros que quieren que pensemos determinadas cuestiones sobre los
nordestinos, de la gente del Sertão. ¿O no es verdad?
Siempre digo que en mi tierra, Cádiz, está en una encrucijada de caminos. Voy explicarme: A
menos de tres horas en coche está Portugal, que mucho tiene que ver con ustedes. A una hora
está Marruecos, la puerta más occidental al mundo árabe. También a una hora se encuentra
Gibraltar, un territorio que pertenece a Reino Unido, bandera que allí ondea. Frente a Cádiz
en el corazón de la bahía está la base militar norteamericana de Rota y por todos lados
España. Nosotros somos los bahianos de España. Somos concretamente los bahianos de
Cádiz (en nuestra habla Cai o Cadi).
Pero no se olvide, don Esmeraldo, que vivo en una España que mira a América, a nuestra
América. De Cádiz salían los barcos cargados de emigrantes para el Caribe y también para
Sudamérica. Por ejemplo, el Cabo de San Vicente, tenía su primera parada en Recife, para
luego continuar para Salvador, Río de Janeiro, Santos, Montevideo y, por fin, Buenos Aires.
No quisiera cansarle con mis muchas anécdotas, tan solo concluir diciéndole que el Sertão no
solo está en sus corazones, también en el de los andaluces. Debe ser algo invisible que se
arraiga en los más desfavorecidos. No es un Estado (con mayúscula) sino con minúscula. Lo
que la Real Academia de la Lengua Española identifica como una “Situación en que se
encuentra alguien o algo, y en especial cada uno de sus sucesivos modos de ser o estar”
(http://lema.rae.es/drae/?val=estado). Es decir, lo interpreto como un estado anímico, de
ser, de entender y de dar a comprender la vida. Y eso nos hace diferente a los demás, a los que
nos juzgan sin conocernos ni valorarnos. Pertenecemos a un territorio con un patrimonio
único, de suma singularidad, pues contamos con una importantísima pluralidad. Veamos:
histórica (desde fenicios a cartagineses, desde romanos a griegos, desde visigodos a árabes),
patrimonial (el conjunto de la Alhambra y el Albaicín), literaria (de Federico García Lorca a
los hermanos Machado), gastronómica (la chebaquia árabe que se come en el ramadán, aquí
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
se llama pestiño), religiosa (con la mezquita catedral de Córdoba) y personal (con rasgos
raciales del al-andalus) y yo que sé cuántas cuestiones más (es la tierra del pintor Picasso o
del músico Manuel de Falla, del escritor Rafael Alberti o del político Felipe González).
Imagino que estará pensando lo mismo que yo… en la similitud a un lado y otro del Atlántico.
No es nada nuevo… pero si al estrecho de Gibraltar entre Andalucía y el Magreb se le conoce
como la calle de agua; porque no pensar que entre Andalucía y el Nordeste nos separa una
larga avenida también de agua salada, lo que otros llaman el océano.
No tengo interés en cansarle, por ello, aprovecho para despedirme y decirle que debe existir
una especie de tranSertão, uno donde usted reside y otro en el que yo estoy. Y me gustaría
acabar con unas líneas de un profesor nordestino, Erenildo João Carlos, de João Pessoa,
cuando dice en su blog “em uma cultura do sectarismo não há lugar para o diálogo”
(http://paedagogiumejc.blogspot.com.br/); no permitamos el silencio, la omisión, el soslayo;
pues peligra nuestras identidades, que los otros nos etiqueten malintencionadamente. No
permitamos que las personas nos conozcan y reconozcan exclusivamente por las cosas que
nos separan y reivindiquemos aquellas que tenemos en común. Pues como dijo en sus versos
el poeta andaluz, Antonio Machado: “lo que se ignora, se desprecia”. No lo permitamos
jamás. Vayamos siempre a conocernos.
Atentamente.
Victor Amar

Y si una imagen vale más que mil palabras… comparemos.

Casa en el Sertão Casa en Andalucía

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Entrevistas
Por LeonardoVila Nova

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
José Luiz Passos

O escritor ganhou, em 2013, o Portugal Telecom, importante prêmio de


lietratura em língua portuguesa | Foto: divulgação/Fundarpe

Há 18 anos vivendo fora do Brasil, o escritor pernambucano José Luiz Passos é, atualmente, professor de
Literatura na Universidade da Califórnia, e seu nome foi alçado recentemente à condição de um dos mais
consistentes romancistas da atualidade. Seu livro “O sonâmbulo amador” foi o grande vencedor do Portugal
Telecom, mais importante prêmio literário exclusivamente dedicado às produções em língua portuguesa, no
final de 2013.

E é com esta língua portuguesa que ele lida cotidianamente, apesar da distância geográfica de seu país. Seus
livros são escritos em português e seus romances – o primeiro se chama “O grãos mais fino” – se passam em
sua terra natal, Pernambuco. Como se processou essa sua criação, a partir da experiência de estar morando
fora há um considerável tempo,foi um dos questionamentos do debate que ele travou com o jornalista
Schneider Carpegianni, no II Clisertão.

Clisertão – Sua pátria é sua língua?


José Luiz Passos – Como vivo fora do Brasil há 18 anos, minha relação com o espaço de origem, com os
dados da cultura, com a memória é mediada pela distância. O único elemento palpável, presente e cotidiano
da cultura brasileira é a língua que falo e ensino. Por isso, mais do que qualquer aspecto da nação ou da
rotina no Brasil, o que me acompanha é a língua, nas suas relações com práticas e espaços também
lusófonos. Sei que a frase parece um chavão. Mas no meu caso, o chavão é um fato. A língua portuguesa me
faz grande companhia lá fora.
Clisertão – Bateu mais forte em você o fato de ganhar um prêmio de literatura dedicado exclusivamente à
Língua Portuguesa estando longe do seu país?
José Luiz Passos – É verdade que o prêmio me alegrou especialmente por ser um prêmio para a
literatura em língua portuguesa, e que inclui autores dos demais países, além do Brasil. A companhia é
excelente e me honra muito. Além disso, o ensino da língua e da literatura nos EUA não separa

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
necessariamente os países de fala portuguesa. Ensino Machado, Eça, Lobo Antunes, Pepetela etc. Às vezes,
estar longe nos aproxima de “outros” que são nossos iguais.
Clisertão – “O grão mais fino”, seu primeiro romance, se passa numa usina de açúcar, no século passado; e
“O sonâmbulo amador”, num sanatório em Olinda, nos anos de 1960. Ambos, em cenários com uma
identificação local bem evidente, mas escritos quando você já se encontrava fora do Brasil. Há algo
deliberado em, mesmo morando fora, escrever em sua língua natal e com referências geográficas tão claras?
José Luiz Passos – Procuro escrever sobre relações e cenários que trago sempre comigo, mesmo que
removidos no tempo. Teria dificuldade em imaginar histórias sobre países, culturas ou grupos que eu pouco
ou nada tenha conhecido. Mas o Pernambuco em meus romances também é imaginado e sonhado. São
modos de destacar dramas ou questões que quero explorar através da imaginação da vida de outros. É um
cenário que escolho lembrar, mesmo que eu ali não tenha vivido ou sequer concorde com os valores em
questão. Essas referências geográficas me ajudam a imaginar mais densamente vidas diferentes da minha.
Clisertão – Há 18 anos você tem uma vida estabelecida em um país anglo-saxão, mas escrevendo em
língua portuguesa e lidando cotidianamente com ela. E, ao ganhar o prêmio Portugal Telecom, entre as
dedicatórias, você lembrou dos emigrantes, que mantêm sua língua viva, mesmo morando em outro país.
Em que medida essa “desterritorialização” desperta em você um novo olhar a respeito de si mesmo e do seu
país e de que forma isso se repercute na sua obra como romancista? Há algum conflito nisso?
José Luiz Passos – Não há conflito, há ganho. Como disse acima, a consciência da língua portuguesa
como língua estrangeira é modo de reconhecer a ligação entre os vários espaços, culturas e grupos que
compartilham a mesma língua. Sou imigrante. Falo como imigrante. Não só o espaço lusófono me interessa,
mas também a relação entre ser brasileiro e ser latino-americano, ou mesmo hispânico, em pais de língua
inglesa. Isso influencia a minha escrita, mesmo que eu não tenha escrito, até agora, pelo menos nos
romances, sobre o tema da “minha” situação migratória.
Clisertão – Na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, você leciona sobre Literatura Brasileira. Como
a experiência acadêmica influencia e lhe dá subsídios para o seu trabalho de escritor?
José Luiz Passos – Aprendo com os autores que ensino. E passo muito tempo lendo e discutindo textos
que admiro, tentando mostrar aos alunos como eles funcionam ou como vieram a ser o que são, ou qual seu
lugar na cultura brasileira. Acho que isso só pode ajudar. Desde que, é claro, eu não me deixe intimidar pelo
contato intensivo com o texto dos outros autores. Depois de tanto admirar, dá vontade de tentar fazer igual,
ou pelo menos parecido…
Clisertão – Sobre o mercado internacional e o consumo de literatura: como tem sido a visibilidade e
difusão da sua obra e da literatura brasileira, de uma forma geral, nos Estados Unidos? Há entraves – não
necessariamente a língua – para que essa literatura seja mais propagada?
José Luiz Passos – A visibilidade é pequena. Mesmo os livros de Machado, Jorge Amado e Clarice
circulam relativamente pouco. Pelo menos, no circuito comercial. Houve uma pequena ampliação recente
na difusão de autores contemporâneos, mas nada tão significativo assim. O mercado americano é o mais
fechado do mundo. Apenas 3% dos livros publicados são livros em tradução ou livros escritos em outras
línguas. Dentro desse pequeno nicho, o livro brasileiro precisa competir com todas as outras línguas e
países, inclusive Portugal. Há uma maior circulação dentro do meio acadêmico, onde o Brasil tem grande
prestígio. Mas trata-se, também, de outro nicho. Os entraves são o baixo interesse do público leitor pela
ficção estrangeira, a resistência a traduções de autores desconhecidos, a ausência de políticas de fomento
(que só começaram há pouco tempo) e a questão do filtro nacional. Ou seja, o próprio Brasil exporta autores
bem específicos, de editoras ou grupos editoriais bem específicos. Não é um mercado fácil, nem tampouco
justo.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Andreia Joana Silva

A escritora participa de debate sobre lusofonia | Foto: Divulgação Fundarpe

Portuguesa radicada na França, Andreia Joana Silva é uma “militante” do movimento cartonero, que tem
ganhado força nos últimos anos. Mas, muito antes disso, ela compartilha, com tantos outros escritores – dos
continentes africano, europeu e americano, neste último caso, o Brasil – o fato de falar em língua
portuguesa, num mercado em que essas distâncias territoriais (assim como algumas questões editoriais)
acabam provocando entraves na circulação da literatura entre esses países.

Ela participou, às 16h40, do debate “Lusofonia: mito e paradoxo”, junto ao escritor angolano Abreu Paxe, ao
poeta português Luís Serguilha e ao professor Alexandre Furtado, da UPE. Em entrevista para o Clisertão. O
encontroproblematizou a questão de língua portuguesa na literatura de países lusófonos tão diferentes, e
como ela os aproxima e os difere. Em entrevista para o Clisertão, ela fala sobresobre o assunto do debate.

Clisertão – Participam do debate “lusofonia: mito e paradoxo” você, Alexandre Furtado (professor da
UPE), o poeta Luís Serguilha e o escrito Abreu Paxe. Um brasileiro, dois portugueses e um angolano.
Onde/como essas culturas (e suas literaturas) se encontram, além da língua?
Andreia Joana Silva – O ponto comum é a língua, não o podemos negar. Se pensarmos em países como
São Tomé e Príncipe, Cabo-Verde, Angola, Moçambique e Guiné Bissau, o que há de comum entre eles é
uma das línguas oficiais (o português), o passado colonial comum e o fato de serem nações jovens (devido a
este passado comum). O Brasil é um caso diferente. Creio ser forçado tentar encontrar pontos comuns
atuais nas literaturas de língua portuguesa, para além das perspectivas pós-coloniais partilhadas. A meu ver
é na língua, e na diversidade e riqueza que daí advém, que estes países se encontram.
Clisertão – Apesar de falarem a mesma língua – guardadas as devidas peculiaridades regionais – pouco se
conhece, no Brasil, da literatura portuguesa e de outros países lusófonos. Quais os principais entraves que
você acredita existirem na difusão e circulação de literatura entre países de língua portuguesa?
Andreia Joana Silva – Creio que são questões puramente editoriais. A publicação e circulação do livro
em alguns países é ainda deficiente. Eu, por exemplo, tive imensas dificuldades em diversos momentos da
minha vida, em encontrar livros cabo-verdianos, são tomenses, etc. Encontrei-os em países “alheios”

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
à língua portuguesa (como na Alemanha, na Holanda, etc.), onde eram publicados em língua portuguesa.
Contudo, não eram distribuídos nem em Portugal nem no Brasil. Em situações destas, tomamos consciência
que os mercados editoriais (e as políticas culturais também) são diretamente responsáveis por estas
questões.
Clisertão – Quais as estratégias que podem ser adotadas para estimular um intercâmbio mais intenso
dentro do mercado literário lusófono no que diz respeito ao público consumidor?
Andreia Joana Silva – Para começar, introduzir nas escolas e nos manuais escolares textos em
português de todos os países lusófonos. Ensinar às crianças, e aos adultos, que o território da língua
portuguesa é vastíssimo e riquíssimo (em vocabulário, sintaxe, imaginários-simbólicos, etc.) e que há ainda
muito a ser explorado, lido e estudado. Recentemente, tem havido nos meios acadêmicos uma grande
profusão de estudos sobre o pós-colonialismo nas literaturas africanas lusófonas, dando-nos a descobrir
variados autores e autoras e abordando perspectivas até aqui postas à parte. Infelizmente, esse tipo de
estudo, essas abordagens ficam na Academia e nunca chegam ao grande público. O que chega ao grande
público é, mais uma vez, decidido pelos grandes grupos “editorial-econômicos”!
Clisertão – No caso do Brasil e de Angola (além de outros países africanos), há uma profusão de outras
línguas e dialetos que se amalgamaram à língua portuguesa e que fizeram com que cada
país desenvolvesse um vernáculo muito próprio. Você acredita que o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa realmente tem uma eficácia no sentido de unificar uma linguagem para todos esses países ou ele
ainda se mostra ineficiente, dadas as diferenças regionais, bastante arraigadas?
Andreia Joana Silva – As “diferenças regionais” como você lhe chama, sendo tantas e tão variadas,
existirão sempre dado ao vastíssimo território no qual se fala a língua portuguesa. Um dos estandartes do
acordo era a unificação e a manutenção de uma ortografia única em todos os países de língua oficial
portuguesa. Contudo, foi um acordo condenado à nascença, pois os seus propósitos estavam muito para
além da simples unificação (aliás, basta ler o texto do acordo ortográfico, para constatarmos a manutenção
de duas grafias em variadíssimos vocábulos, sem qualquer sustentação linguística e tendo por base decisões
arbitrárias, a meu ver).
Clisertão – Além dessa questão linguística, você acredita que exista alguma semelhança no discurso
literário e na estética que aproxime esses países, localizados em continentes diferentes (América, África,
Brasil)?
Andreia Joana Silva – Seria extremamente triste e redutor atribuir um discurso literário comum ou uma
estética comum a todos os países de língua portuguesa (quando isso nem sequer se verifica nem num
mesmo continente, nem num mesmo país). Quanto mais variantes dialetais uma língua tem, mais rica ela é.
Clisertão – Quanto à questão territorial, há uma sensação de que Brasil e Portugal desenvolveram, em
suas literaturas, um tipo de abordagem aberto a questões mais amplas e universais, enquanto os países
africanos tem uma tendência maior a abordagens mais locais. Você enxerga diferença na forma como esses
países vivenciam e relatam suas identidades em suas literaturas?
Andreia Joana Silva – Sem dúvida. Justamente pelo que já referi anteriormente as identidades culturais
nestes países são muito marcadas. A forma de ver e sentir o mundo é forçosamente diferente, mesmo
havendo uma língua comum. As identidades literárias foram forjadas ao longo de anos e séculos (no caso
brasileiro e português) evoluindo em sentidos diferentes e comuns, dependendo do caso.

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Artigos

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REPRESENTAÇÕES E IMAGENS DOS SERTÕES REAIS E DOS SERTÕES
IMAGINÁRIOS
Maria Aparecida Ventura Brandão

Professora de Teoria da Literatura da


Universidade de Pernambuco – UPE –
Campus Petrolina.

Mestre em Educação.

“Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente


ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando
menos se espera.”

Este estudo, ainda em andamento, é fruto dos resultados parciais obtidos da experiência
temática O sertão nas obras literárias, vivenciada no Programa de Bolsas de Iniciação à
Docência – PIBID – em desenvolvimento na Universidade de Pernambuco – Campus
Petrolina- durante o ano de 2014 e das reflexões plantadas durante a realização do 2º
CLISERTÃO – Congresso de Livro, da Leitura e da Literatura e fórum de intercâmbios entre
os vários conceitos de sertão: uma realização bienal promovida, também, pela UPE –
Petrolina.

Mas... o que é o sertão para os que estão distantes ou dentro dele? São questões que se
espraiam pelos diversos contextos sociais, políticos , históricos, geográficos, étnicos e
econômicos, entre outros. Assim posto,iniciamos pela reflexão dos conceitos que evocam
sentidos e significados da categoria sertão: primeiro momento de buscas, pesquisas e estudos
do PIBID. Nesse sentido, muitas visões foram expostas nos grupos de estudo com
graduandos e alunos da escola pública.

A partir da pergunta que insistia em nos provocar sobre o que vem a ser o sertão ou os
Sertões, passamos a investir em pesquisas, leituras e estudos sobre a referida proposição.
Fomos encontrando muitas possibilidades de conceitos de sertão, já que estávamos na trilha
da interdisciplinaridade. Essa multiplicidade de conceitos encontra-se na literatura deixada
por viajantes, cronistas, cientistas, exploradores ou aventureiros em geral. Desde a noção de
região inóspita e pastoril sempre a espera de um Messias, como quis Euclides da Cunha, até a
visão bucólica de Guimarães Rosa (2001; p. 134), encontramos um vasto cenário de
conceitos, ou melhor, de sensações. Assim, Rosa admite ser o sertão:

A gente se encostava no frio, escutava o orvalho, o mato cheio de cheiroso,


estalinho de estrelas, o deduzir dos grilos e a cavalhada a peso. Dava o raiar,
entreluz da aurora, quando o céu branquece. Ao ar indo ficando cinzento, o
formar daqueles cavaleiros, escorrido, se divisava. E o senhor me desculpe, de
estar retrasando em tantas minudências. Mas até hoje eu represento em meus
olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o é que saudade.

81
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Já em Graciliano Ramos, ao escrever, utilizando o sertão como mote de suas obras, passeia-
se por um sertão hostil e denso. Assim nos perguntamos: Que território ou pátria é essa?
Uma terra que para manter-se viva carece de uma boa dose de conformismo ante as suas
adversidades? Isso, possivelmente, convergiu ao longo do tempo para estereotipia de seus
elementos fundadores: a paisagem árida da obra de Graciliano Ramos e os elementos
formadores de um imaginário delirante: latifúndios, cangaceiros, jagunços, tropeiros,
benzeduras, retirantes, supertições, assombramentos, coronéis, moleques de pé no chão
correndo nos engenhos ou nas casas de farinha – elementos que constituem simbolicamente
seus espaços com uma profunda dose de subjetividade e invenção e reinvenção, servindo para
alimentar o imaginário romântico de camadas socioterritoriais privilegiadas. Nesse
sentido,Barbosa (2000, p. 33) observa que a “palavra sertão guarda um enorme poder de
evocação de imagens, sentimentos, raciocínios e sentidos que em torno dela foram sendo
construídos ao longo da experiência histórica brasileira.”

Ao que nos parece, pouco a pouco essas ideias foram sendo rompidas com a passagem de um
sertão medieval para um sertão onde tecnologias despontam para rasgar o véu que sucumbiu
cabeças e olhares por séculos e séculos de história.

Contudo, o que vem a ser o sertão numa visão geral da historia e da sociedade? Para
entendermos os valores que grassam num universo controverso, todavia, pesquisado e
povoado pela imaginação, partiremos de uma primeira pista que nos é dada pelo crítico
Gilberto Teles: a etimologia da palavra. Sertum, supino de desere, significa o que sai da
fileira, passando a compor, também, uma linguagem própria do setor militar, que significa o
que deserta, o que sai da ordem, resultando na formação do substantivo desertanum –
indicação de um lugar desconhecido para o qual se dirigia o desertor; portanto, lugar
impenetrável. Conclui, então, Gilberto M. Teles, que a palavra sertão é uma dessas acepções
que portam, interiormente e exteriormente, “aonde quer que se vá, a marca do colonizado e
sua dependência ao colonizador.

Essa relação deve ter sido constituída já na época do imperialismo português em sua largada
náutica ao ganhar as costas da África, cujo interior, avistado do litoral era concebido como
sertão ou certão. Seguindo a mesma lógica, a palavra sertão aporta pelas mesmas razões, com
os portugueses no Brasil de 1500, referência encontrada na carta de Caminha ao El Rei Dom
Manuel, onde descrevia-se: “de pomta a pomta He toda a praya Parma mujto chãa e mujto
fremosa. Pelo sartão nos pareceu do mar mujto grande.”

A partir desse trecho da carta de Caminha torna-se, já possível, concebermos o caráter


introdutório do pensamento que veio a firmar-se pelos fatos subsequentes de nossa história:
um deserto a ser conquistado e, portanto, uma terra inóspita e hostil a mercê da sorte ou da
sua falta.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Com efeito, torna-se clara que a visão e as intenções de interiorização do País decorreram a
partir do processo de colonização e de suas atividades, principalmente, agrárias e pecuárias,
marcadas pelo deslocamento da criação de gado do litoral para o sertão nos séculos XVI e
XVII. Nesse aspecto vai sendo maturada uma cultura de formação de uma região selvagem e
inóspita, revelada pela literatura das secas de Graciliano Ramos e Rachel de Queirós, distante
das riquezas de tradições e costumes edo processo de modernização dos centros urbanos.

Com efeito, o sertão e as diversas visões que a palavra arrebanhou durante o passar do tempo
constitui-se como um lócus da diversidade cultural, que entra na modernidade rompendo
com o rótulo de lugar inóspito e sem vida para torna-se prenhe de outros sentidos e
significados: irrigação, semeadura e colheita, como provam as regiões abastecidas pelas
vontades políticas e que aprendeu a romper, também, com o esvaziado imaginário criado em
torno do fenômeno das secas. O sertão assim vai se fazendo “dentro ou fora da gente” , pois,
segundo Rosa passarinho que debruça, o voo já está pronto.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ivone Cordeiro. Sertão: um lugar incomum: o sertão do Ceará na literatura do
século XIX. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ Fortaleza: Secretaria de Cultura e Educação.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UMA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE O SERTANEJO: ASA BRANCA E
CIDADÃO COMUM
Clislane Ramos de Brito*
Thayse Kelly Barbosa da Silva*

RESUMO: No presente trabalho objetivamos analisar comparativamente as músicas “Asa


Branca”, de Luiz Gonzaga e “Cidadão Comum”, de Flavio José. Tal análise tem como
finalidade, identificar as características que descrevem as diferentes maneiras do pensar e do
agir do Sertanejo brasileiro, tradicional e contemporâneo, na situação da seca nordestina,
tema principal para a composição destas canções. Procuramos estabelecer pontos de
encontros e desencontros, na tentativa de explicar os motivos de migração do eu lírico, seja
por obrigação ou por mera opção. Fundamenta nosso trabalho as contribuições teóricas de
Alfredo Bosi (1994), Joaquim Aguiar (1996), Massaud Moisés (2001), Antonio Carlos Robert
Moraes (2005), Sérgio Buarque de Holanda (1936), Hollanda, Freitas e Gonçalves (1979).O
resultado da análise cometida demonstra que são vários os motivos da saída do Cidadão
Nordestino para as grandes cidades comerciais, entretanto, expõe a evolução e o otimismo
agora encontrado no sertanejo, colocando em pauta o seu livre arbítrio, como sendo o único
motivo para a sua saída, já que agora a vida no Nordeste não é mais um problema enfrentado
pelo nordestino.

PALAVRAS-CHAVE: Sertanejo. Nordeste. Seca. Tradicional e Contemporâneo.

ABSTRACT: This paper analyse comparatively the songs “Asa Branca” by Luiz Gonzaga and
“Cidadão Comum” by Flávio José. The main objective of this analysis is recognize
characteristics which describe ways to act and think of the country people in Brazil
contemporary and traditional in the situation of the northeast's drought which is the main
subject for the composition of these songs. We established points and disagreements, in an
attempt to explain the reasons of migration of the persona, either by obligation or option.
This work is based on the theoretical contributions of Alfredo Bosi (1994), Joaquim Aguiar
(1996), Massaud Moisés (1936), Holland, Freitas e Gonçalves (1979). The analysis result
shows us many reasons for the migration of the country citizen for bigger comercial cities,
however, also show us the optimism and evolution now found in the country people of
Brazilian Northeast, putting in question their free will as the only reason for migrating for
bigger cities, once nowadays, the tough life is not anymore a problem faced by these people in
the Northeast.
Keywords: Country people. Brazilian Northeas.Drought. Contemporary and traditional.

INTRODUÇÃO

Objetivamos, neste trabalho, mostrar como os elementos discursivos da representação


simbólica do Nordeste, na obra Asa Branca, de Luiz Gonzaga, e Cidadão comum, de Flávio
José, tornam-se uma metanarrativa e uma apologia da identidade nordestina. Ou seja,
buscamos esclarecer de que modo Luiz Gonzaga e Flávio José, como representantes e
defensores do Nordeste, procuram, na obra analisada, por um jogo de simbolizações,
estabelecer uma comparação entes as imagens do Sertanejo, em um Nordeste uno e ideal,
motivo de orgulho e de engajamento histórico para os sujeitos que dele fazem parte. Para
tanto, inicialmente, procederemos à contextualização do autor e de sua obra, como
justificativa histórica da nordestinidade por ele assumida e defendida, e, em
________________________________________________________________
_____
** Universidade Federal de Campina Grande – Graduandas
[email protected] /[email protected]
seguida, faremos uma análise literária e cultural-ideológica dos discursos textualizados na
canção analisada. Antes, porém, faz-se necessária uma ressalva: o ano em que as canções
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
foram compostas mostra justamente a diferença entre os discursos dos sertanejos
apresentados pelos cantores.
Independentemente da validade dessas interpretações, a adoção das versões como objeto da
análise sobre o sertanejo aqui empreendida é justificada em virtude do sucesso musical, da
importância histórica e da popularidade alcançados a partir da vida e da trajetória artística de
Luiz Gonzaga e Flávio José.

1A MÚSICA A PARTIR DE UMA VERTENTE LITERÁRIA


Dentre vários gêneros literários estudados, nesse momento nos deteremos na música como
uma vertente literária, especificamente a música popular, e o leque de composições que estão
disponíveis para esse viés. Sobre esse tema, Gonzalez (2004 in.: Napolitano, 2005), aponta:

Nos últimos anos, o campo da musicologia popular vem sendo cada vez mais
delimitado, sem desconsiderar a sua natureza interdisciplinar e
interprofissional, levando-se em conta o lugar da música popular nas
sociedades contemporâneas, a partir de uma reflexão crítica em torno da
natureza fonográfica e comercial deste tipo de música. (p. 77).

Essa afirmação nos faz pensar o papel que a música está assumindo ao longo do tempo na
sociedade. Não apenas a partir de um viés profissional, mas um papel crítico e pensante,
nesse sentido, é fundamental a articulação entre a música, o sujeito e o discurso presente em
cada composição.

O grande desafio de todo pesquisador em música popular é mapear as


camadas de sentido embutidas numa obra musical, bem como suas formas de
inserção na sociedade e na história, evitando, ao mesmo tempo, as
simplificações e mecanismos que podem deturpar a natureza polissêmica (que
possui vários sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza
estética. (NAPOLITANO,2005, p. 78).

O momento da intencionalidade musical aparece como um atributo de vontade de uma


mensagem ao ser propositadamente direcionada, de ser arbitrária para atingir o seu destino.
É a interação de competências distintas existentes nos diferentes mundos: o mundo do
emissor da mensagem e o mundo de referencias do receptor, em sua realidade de
convivência e para onde o conhecimento se destina.
Sobre essa intencionalidade, Beaugrande e Dressler (1981) afirmam que, “para que uma
manifestação linguística constitua um texto, é necessário que haja a intenção do emissor de
apresentá-lo como tal”. Tal como Koch & Travaglia (2003), “a intencionalidade refere-se ao
modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo,
para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados”.
Quanto ao contexto situacional da música se relaciona tanto com o nível semântico quanto
com o nível pragmático. A situacionalidade, é um dos fatores responsáveis pela coerência de
um texto, pode atuar em duas direções: a) da situação para o texto: determina em que
medida a situação comunicativa interfere na produção/ recepção do texto e b) do texto para a
situação: o leitor interpreta o texto de acordo com a sua ótica, os seus propósitos, as suas
convicções.
Para Beaugrande & Dressler (1981), a situacionalidade refere-se ao conjunto de fatores que
tornam um texto relevante para dada situação corrente ou passível de ser reconstituída.Para
Koch & Travaglia (2003), “se a condição de situacionalidade não ocorre, o texto tende a
parecer incoerente, por que o cálculo de seu sentido se torna difícil ou impossível”.Para
Bentes (2003), ao analisarmos uma letra de música “se tivermos conhecimento de alguns
elementos relevantes do contexto sociocultural em que a letra foi produzida (...) seria possível
fazer uma outra leitura dessa letra”.
A partir desse pressuposto, podemos pensar a música a partir de uma vertente popular,
especificamente, nordestina. Esse “ser nordestino”, entenda-se, é uma construção histórica
que gerou no consciente coletivo nacional um bloco monolítico e homogêneo chamado
“Nordeste”, baseado nas categorias da seca, do retirante, do cangaço e do beato. Ou seja, o
Nordeste é pensado em termos de flagelo, revolta e religiosidade. A invenção do Nordeste,

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
segundo Albuquerque Jr. (2007), se deve às elites políticas dessa região, que se valeram do
discurso da seca para atrair investimentos federais, a partir da falência da economia
açucareira no final do século XIX.
Um segundo grupo criador dessa identidade nordestina é constituído pelos emigrantes dessa
região, que se estabeleceram no Sul e Sudeste ao longo do século XX, muitas vezes privados
de seus direitos mais fundamentais, homogeneizados em sua diversidade, em razão do olhar
de estranheza e da força da opressão, e encarnam em sua cultura e em seu modo de ser o
mito do “nordestino cabra-da-peste”, valente, honrado, destemido e religioso, mas também
agregado, vassalo, submisso e acrítico em relação à sua própria condição. É o Nordeste
emoldurado pelo Mito da Necessidade (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 123).
Pensamos na seca como um espaço que não pertence à maioria dos brasileiros, que se localiza
fora da compreensão dos que vivem além da condição de sertanejo. “A localização sertaneja
não se refere a um espaço imediato de vivência, a um lugar familiar e sempre visitado, ao
contrário, qualifica localidades tidas como fora dos circuitos cotidianos”. (MORAES, 2002 –
2003, p. 17)

O sertão explorado, pouco conhecido, que ali está para ser desvendado, faz com que os que o
vêem exteriormente criem uma imagem de lugar distante e isolado. E esta localidade
começou a ser vista como um espaço ocupado por povos diferentes, exóticos, culturalmente
ou racialmente distintos. Seus habitantes, ainda são definidos como arcaicos dotados ou não
de alguma positividade. (MORAES, 2002 – 2003).

Segundo Bosi (1992) a quebra destas barreiras deveria ser efetivada por todos que
desconhecem a condição do popular em nosso país, afinal, são obras extremamente
importantes que abrem caminho para reflexões novas e produtivas.
Os intelectuais puramente acadêmicos assim como os profissionais tecnicistas estão,
em geral, satisfeitos com suas conquistas. (...) Por isso, podem passar a vida sem
conhecer a cultura popular (...) além do mais, pela própria barreira de classe ou de
cor. Quando muito, vendo-a transportada para a televisão, ou no intervalo de suas
excursões turísticas, recebem uma imagem que (...) só acentua o desprezo ou a pena
pelo atraso do povo brasileiro (BOSI, 1992, p. 334 – 335).

Assumindo que o espaço geográfico é ele mesmo um discurso que manifesta as escolhas feitas
pela sociedade em um dado tempo e em um dado espaço, o pensamento geográfico é aqui,
nesse mesmo sentido, entendido também como um conjunto discursivo.

Por pensamento geográfico entende-se um conjunto de discursos a respeito do espaço


que substantivam as concepções que uma dada sociedade, num momento
determinado, possui acerca de seu meio (desde o local ao planetário) e das relações
com ele estabelecidas. Trata-se de um acervo histórico e socialmente produzido, uma
fatia da substância da formação cultural de um povo (MORAES, 2005, p.32).

Quando falamos em música, pensamos principalmente no que ela pode nos oferecer, o
discurso que está sobre ela, ou “por trás”. Portanto, nesse trabalho focaremos na comparação
entre dois sujeitos sertanejos apresentados em épocas diferentes, mas que são atingidos pela
seca. Primeiramente, teremos o sertanejo da música “Asa Branca”, de Flávio José, composta
em 1947, e “Cidadão Comum”, composta em 1997.
A canção Asa Branca possui um destaque especial porque, de autoria da dupla Luiz Gonzaga
e Humberto Teixeira, composta em 3 de março de 1947, foi cantada pelo próprio Luiz
Gonzaga e, posteriormente, por vários artistas, como Lulu Santos, Fagner, Caetano Veloso,
Elis Regina, Eduardo Araújo, Agnaldo Rayol, Paulo Diniz, Tom Zé, Chitãozinho e Xororó e
Ney Matogrosso, Badi Assad, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Luiz Bordon, Demis Roussos e
Raul Seixas, entre outros. Essa música foi eleita pela Academia Brasileira de Letras em 1997
como a segunda canção brasileira mais marcante do século XX, estando empatada com
Carinhoso, o choro que Pixinguinha compôs em 1917, e antecedida apenas de Aquarela do
Brasil, composta por Ari Barroso em 1939.
A perfeição estética e a popularidade de Asa Branca são incontestes e, ainda hoje, estão vivas
na memória cultural do povo brasileiro. Ela é, incomparavelmente, a canção histórica e
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
culturalmente mais representativa do Nordeste brasileiro e da trajetória artística de Luiz
Gonzaga.
É idiossincrático nesse cantor/autor que ele não apenas interpretou artisticamente o universo
cultural nordestino, uma vez que muitos outros o fizeram, mas também que assumiu a
linguagem estigmatizada do nordestino, transformando o estereótipo em emblema, em
bandeira de identidade, orgulho de ser nordestino e de falar “nordestinês”.

Asa Branca
Luiz Gonzaga
Quando olhei a terra ardendo
Qual a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de prantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Então eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Então eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração

Link: http://letras.mus.br/luiz-gonzaga/47081/

Os autores desse forró romântico Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira têm uma visão
romântica poética e realista do cenário do Nordeste brasileiro. A música fala da Seca no
Nordeste brasileiro, que por ser muito intensa, obrigando o seu povo a migrar, assim como as
aves também, a exemplo da asa branca que é um tipo de um pombo (columba picazuno) que
quando bate asa do sertão anuncia a seca. Migração essa que é feita por homens (hoje, por
homens e mulheres, mas na época da música era feita só por homens) que deixam sua cidade,
sua região, procurando melhorias de vida e sustento da família, saindo deixa para trás
mulher e filhos.
Assim, está explícita a divisão de papéis sociais do homem como o provedor e da mulher que
fica para cuidar dos filhos e do lar. Essa música foi composta em 1947, a seca castigava o
Sertão, fazendo aflorar o êxodo rural, conhecido também como retirantes ruralistas, passam-
se os anos e a seca continua assolando o Sertão, trazendo com ela o inchaço das cidades
grandes, começando também a discriminação contra os nordestinos. Pois, muitos acreditam
que são eles que sujam e enfeiam a cidade, tudo isso porque na maioria das vezes não
conseguem empregos e viram mendigos, pedintes, não tendo condições de voltar a sua terra,
poucos são os que alcançam êxito.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A seca continua e o Estado negligencia o sertão, pois não há políticas para acabar com os
efeitos da seca e o sofrimento do nordestino. Acabar com esse problema grave, para quê? Se é
justamente esse problema a solução para alguns políticos corruptos colocar em sua
plataforma política, sendo um dos motivos de promessa das campanhas eleitorais, a chamada
“política da indústria”, prometendo melhorias, mais como sempre não cumprindo.
A seca mostrada na música obriga um rapaz a mudar da região, assim, como a ave Asa-
Branca. Prometendo ao seu amor, que um dia irá voltar para seus braços e verá a terra verde
igual aos seus olhos. Portanto o engendramento dos símbolos das linguagens são fortes nessa
canção, pois ela e poeticamente cantada, o romantismo por seu amor a Rosinha,
a realidade nua e crua da seca no Sertão e o mais forte para os nordestinos a esperança o
verde espalhado no Sertão.

Agora, nos deteremos à análise da música “Cidadão Comum:

Cidadão Comum
Flávio José

Sou um sujeito
Pacato nordestino
Acredito até mesmo no destino
Posso até ser chamado sonhador
Acredito em tudo que eu quero
Apostei tudo em mim e considero
Que o opositor é um perdedor
E assim vou seguindo a minha sina
Sou um forte de alma nordestina
Obrigado a sair lá do sertão
Acredito em tudo que eu faço
Se deixei minha terra
É porque acho que não sou
Só um simples cidadão

E você me vem
Com esse preconceito
Pode despistar
Que eu não aceito
Pois eu nasci lá
E não sou mais um
Sem ter importância
Cidadão Comum

Se não fosse
Essa seca que atormenta
Expulsando de lá
Toda essa gente
Nos tornando um povo sofredor
Como é que vivia o paulistano
Sem contar com a força do baiano
Que sem dúvida
É um bom trabalhador
Se o nordestino tivesse cuidado
E escolhesse um governante arretado
Que investisse um pouquinho no sertão
Queria ver se o Rio e São Paulo
Sem contar com os maus remunerados
Se não iriam cair na depressão.

Link: http://letras.mus.br/flavio-jose/306910/

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Essa música entra em contraste com a música “Asa Branca”, no momento em que o eu-lírico,
apesar de estar sofrendo também com a seca do Nordeste, mostra uma valorização pela sua
terra, entendendo que alguns danos sofridos pelos sertanejos se dá pela não valorização dos
próprios nordestinos, que prefere valorizar aquilo que não é seu, como exemplo, ele cita Rio
de Janeiro e São Paulo, duas grandes cidades no Brasil que serve também como exemplo para
pensarmos nas migrações dos nordestinos quando a seca chegava. Esse sertanejo mostra a
força de viver no Sertão, não há muita melancolia, o tom da composição é mais “forte”. O eu
lírico fala também dos preconceitos sofridos pelos nordestinos pelas pessoas de outras
regiões.
É no momento de partida para outas cidades que as canções assumem um tom ao mesmo
tempo lírico e épico e se desenvolve numa conjunção de três elementos: terra, família e
trabalho. Perceba-se como a noção de terra enquanto “lugar” confunde-se com o conceito de
“casa”, donde advém a ideia de um Nordeste como casa, lugar familiar, espaço primordial de
existência e de identidade, que não somente dá nome aos nordestinos, mas, sobretudo,
representa o carinho familiar e vicinal, o Nordeste como um espaço de ser e de sentir.
Continua a identificação do nordestino com a natureza, que deixa de ser uma natureza
distante e terrível – aquela que lhe fornece a certeza do destino em termos de seca e fartura –
para tornar-se uma natureza doméstica: o galo, a flor, o gato, o cachorro... Tudo ganha
colorido e brilho, afetivamente marcado no imaginário, que irá constituir a memória comum
do Nordeste.
O povo nordestino foi um grande responsável pelo preconceito de que é alvo. No entanto,
trata-se de uma responsabilidade histórico-causal, não de uma responsabilidade moral.
Destituído do protagonismo histórico e de sua força produtiva, vulnerável à hostilidade da
natureza e à violência da sociedade, o nordestino tornou-se refém de seus próprios passos, tal
como foi difícil decidir entre morrer de fome no sertão, ou penar nas “bandas do Sul”:
assumir o preconceito, e mesmo produzi-lo, é mera imperatividade das condições
existenciais. A própria acriticidade do nordestino a que nos reportamos anteriormente não é
imputável a ele mesmo, por ser fruto de seu analfabetismo cultural e político.

CONSIDERAÇÕE FINAIS

As músicas “Asa Branca” e “Cidadão Comum” tornam-se, portanto, uma bandeira que acena
para a direção de um Nordeste eternamente curvado sobre si mesmo e de um nordestino que,
apesar da distância e da dificuldade do retorno à sua “terra ideal”, encontra no sertão tudo
aquilo que renova as veias da vida.
Dada a intencionalidade de sua linguagem, a natureza estilística, esse uso é motivado pela
própria defesa do universo nordestino. Isso significa que a linguagem de Luiz Gonzaga e
Flávio José não apenas reforça a identidade por ele incorporada, veiculada e defendida, mas,
sobretudo, é construída de modo a deixá-la transparecer.
Essa linguagem compõe um quadro de riquíssima imagética, da qual participa “Asa Branca” e
“Cidadão Comum”, que nos fala de um Nordeste, que dá unidade a uma região tão
diversificada quanto os sofrimentos de seu povo.
Luiz Gonzaga canta como alguém que deixou sua terra natal, que, de fato, realizou uma triste
partida, imaginada e poetizada, e vivenciou a dor e o sofrimento da desterritorialização. A
intencionalidade estético-política de Luiz Gonzaga parte da experiência do estrangeiro em
busca da identidade perdida. O enredo entoado é, também, a narrativa da história pessoal do
cantador. E Flávio José canta como alguém que tem orgulho de viver no nordeste apesar da
seca apresentada, e não admite que sua terra sofra preconceitos.
O estilo deles tem por fundamento e forma a identidade que ele idealizou e solidificou no
cenário político-ideológico nacional; ele comunica o “estatuto da nordestinidade” sócio
historicamente inventado, ao mesmo tempo em que se torna sua principal testemunha: não
fala de algo distante, mas de sua terra, de seu povo, da cultura de que participa e da história
que ajuda a construir.
As imagens por ele veiculadas são aquelas que fazem do Nordeste um mosaico, recomposto
quando a terra natal torna-se distante e o outro, o outro sofredor tão diferente de mim, torna-
se igual, conterrâneo, nordestino. O Nordeste de que nos fala

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
é o nordeste da necessidade, recomposto como uma tentativa de resgate da própria história e
da dignidade, uma reinvenção do lugar de origem daqueles para os quais sua nova situação
histórico-social é fatalmente ininteligível.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. Preconceito de origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São
Paulo: Cortez, 2007.

BEAUGRANDE, Robert de & DRESSLER, Wolfgang U. Introduction to text linguistics.Londres, New York:
Longman, 1981.

BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BENTES, Anna Cristina. Introdução à linguística 1. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

KOCH, Ingedore G. Villaça e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MORAES, Antonio Carlos Robert. O sertão: um “outro” geográfico. Terra Brasilis. Anos III-IV, N. 4 e 5 –
Território, 2002-2003 Rio de Janeiro, RJ.

NAPOLITANO, Marcos. História & música – história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica,
2005.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O PROCESSO DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E O DE RETERRIORIZAÇÃO NO
LIVRO OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA

Gercleide Gomes da Silva*

RESUMO:Este estudo visa discutir a problematização encontrada no livro, Oiteiro:


memórias de uma sinhá-moça, de Magdalena Antunes. O livro, publicado em 1958, trata da
variedade de discursos encontrada na obra. Compreendemos que, mesmo a literatura da
autora estando marcada por reminiscências, ainda assim, a mesma encontra-se entrelaçada a
aspectos históricos, sociais e culturais contidos na sociedade que a gerou. Dessa forma,
observamos a presença da teoria da desterritorialização que, de acordo com Deleuze e
Guatarri, defende a não mais existência de um território sem um vetor de saída para o
mesmo. Ou seja, não há desterritorialização sem, ao mesmo tempo, haver um esforço para a
reterritorialização em outra parte. Por conter aspectos de uma narrativa memorialística e
autobiográfica, a obra apresenta traços marcantes da sociedade do período. A autora expõe a
época de ouro dos engenhos potiguares, nos apresentando aspectos relacionados a escravidão
e a libertação dos escravos, como também as contações de histórias narradas pelas negras
Tonha e Patica. Por fim, a obra caracteriza-se por ser um misto de realidade social e
vivencias pessoais, o que contribui para a formação memorial da sociedade na qual a obra
está inserida, ao mesmo tempo que resignifica e reinventa um lugar que já não era mais o
mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Memória. Autobiografia. Reminiscências.

Desterritorialização.

ABSTRACT: This study aims to discuss the proposition found in the book, Oiteiro:
memórias de uma sinhá-moça, by Magdalena Antunes. The book, published in 1958, deals
with the discourse varieties found in the work. We understand that even when the author's
literature is marked by reminiscences, still it lies involved by historical, social and cultural
aspects contained in the society that engendered it. Thus, we observed the presence of the
deterritorialization's theory, which, according to Deleuze and Guattari, advocates the no
more existence of a territory without an output vector for the existence of the same. That is,
there is no deterritorialization without, at the same time, be an effort for the retorization
somewhere else. Because it contains aspects of memory and autobiographical narratives, the
work presents striking society features from the period. The author shows the potiguar's mil
ls golden age, presenting the aspects related to slavery and freeing slaves, as well as the story
tellings told by black slavers Tonha and Patica. Finally, the work is characterized by a mix of
social reality and personal experiences, which contributes to the society memorial formation
in which the work is situated, while recriates and means a place that was no longer the same.

KEYWORDS: Memory. Autobiography.Reminiscences.Deterritorialization. ∗

∗ Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN. Especialista em Língua Portuguesa: Gramática,
texto e discurso, Especialista em Literatura e Cultura do Rio Grande do Norte e mestranda em Literatura
Comparada. E-mail: [email protected].

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
1INTRODUÇÃO

Este estudo busca explorar aspectos territoriais, sociais, culturais e memorialísticos


encontrados no livro, Oiteiro: memórias de uma sinhá-moça, de Magdalena Antunes.

Apesar dos conceitos de desterritorialização e reterritorialização aparecerem em diversas


áreas de estudo, seu foco varia de acordo com o campo de investigação. Para Deleuze e
Guattari, filósofos de origem francesa aos quais é atribuído o conceito de desterritorialização,
referem no ano de 1988 que: “Construímos um conceito de que gosto muito, o de
desterritorialização (…), precisamos às vezes inventar uma palavra bárbara para dar conta de
uma pretensão nova. A noção com pretensão nova é que não há território sem um vector de
saída do território, e não há saída de território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo
tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”. (Gilles Deleuze, em entrevista em
vídeo).

Ainda para esses estudiosos com o ato do pensamento estamos entrando em um processo de
desterritorialização, pois pensando criamos algo novo, ou seja, novas concepções acerca de
algo que já existia uma ressignificação e reinvenção do que já estava concebido.

Em contrapartida a essa teoria encontramos na obra de Antunes aspectos relacionados às


reminiscências, memória e autobiografia, pois acreditamos que elas podem dialogar entre si
na busca de resposta e/ou questionamentos em comum.

Dessa forma este trabalho busca uma oportunidade de dialogar com diferentes horizontes.

1. MAGDALENA ANTUNES: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA

Oriunda de uma família de poetas, Madalena Antunes nasceu na Cidade de Ceará-Mirim


(RN), em 25 de maio de 1880, cresceu ao redor de saraus e encontros com intelectuais que
sua família proporcionava no Engenho Oiteiro.

Publicou o seu primeiro e único livro em 1958, pouco antes da sua morte, em 1959, Oiteiro:
Memórias de uma Sinhá-Moça, em um período em que poucas mulheres participavam da
vida literária brasileira.

Nele, a autora descreve com detalhes aspectos da infância de forma peculiar e não esquece a
árvore do oitizeiro que existia na frente da Casa Grande da família, lugar esse que guarda
grandes recordações e não por menos o nome do seu livro ser Oiteiro.

Na sua obra, é possível encontrar narrativas que descrevem desde a infância da autora e as
contações de histórias das amadas escravas Patica e Tonha, até a libertação dos escravos em
Ceará-Mirim, no ano de 1887, antes da lei Áurea em 1888. Dessa maneira a obra é
desenvolvida de forma a contemplar desde aspectos pessoais até fatos que marcaram a
história do Rio Grande do Norte.

2. A VOZ DA MEMÓRIA

Em sua obra Magdalena Antunes mostra aspectos sociais bastante significativos que mesmo
se tratando de uma narrativa autobiográfica acredita-se que seja uma fonte segura, pois
aborda problematizações acerca do espaço na qual a obra foi gerada.

Não podemos esquecer que com o decorrer dos anos, a história se tornou de certa forma
independente dos parâmetros que a guiavam anos atrás, pois, de acordo com Burker (2011),
hoje em dia não existe mais uma história fechada.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Um novo termo foi incorporado para falarmos de história, surgiu na França de uma coleção
de ensaio de Jacques Le Goff que foi intitulada de nova história. Na realidade, o que se
espera com essa “nova história” é ter a liberdade de buscar em várias fontes os aspectos
memoriais de uma civilização. A intenção são as múltiplas possibilidades que poderemos
utilizar para realizar as pesquisas, sejam elas histórias e/ou memorialística, podendo ser
investigadas através de uma narrativa dos acontecimentos ou se analisarmos a estrutura de
forma mais ampla.

A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se
concentrado nos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente
eclesiásticos. Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama
da história. [...] Por outro lado (como mostra Jim Sharpe, p. 39), vários novos
historiadores estão preocupados com a história vista de baixo, em outras palavras,
com as opiniões das pessoas comuns e com sua experiência da mudança social.
(BURKER, 2011, p.13)

Essa nova visão da história muda a abordagem dos estudos historiográficos, pois antes eles
eram feitos apenas baseados em documentos, registros oficiais que estavam guardados em
arquivos. Porém, percebeu-se que a memória das sociedades se perdia com essas limitações
metodológicas. Ainda de acordo com Burker (2011), os historiadores hoje em dia buscam
outras formas de pesquisas desde evidências visuais, orais fazendo com que o estudo
histórico deixe de ser apenas quantitativo.

O livro a História da escrita: novas perspectivas (BURKER, 2011, p.15) mostra que o modelo
tradicional da História é objetivo e que “a tarefa do historiador é apresentar aos leitores os
fatos como aconteceram”.

Com essas mudanças sobre a perspectiva do estudo histórico, abre-se um precedente para
buscarmos como referencial teórico as contribuições de Brandão (2008) com o livro
Labirintos da memória: Quem sou?. Nele, encontramos um leque de informações sobre o
conceito de memória, rememorar, reminiscências e lembranças. Desse modo, faz-se
necessário uma compreensão maior sobre esses aspectos devido à obra Oiteiro tratar sobre as
memórias de uma sinhá-moça, porém com contribuições muito relevantes para a formação
memorialística da sociedade do Rio Grande do Norte.

De acordo com Brandão (2008, p.19), memória é “à faculdade de lembrar e de conservar o


passado e, também aos relatos que descrevem esse passado (re) vivido, pressupondo, assim,
um narrador.” Esse tipo de definição pode ser facilmente identificado na obra de Antunes
(2008), na qual a todo instante a autora narra situações vividas por ela de forma a contar não
apenas o seu próprio passado, mas o momento histórico no qual ela estava inserida e quais
transformações aconteciam com a sociedade e as ressignificações que ocorriam com ela.

As narrativas presentes em Oiteiro são memórias autobiográficas, porém não podemos negar
a contribuição cultural e social que, ao escrever o livro, a autora deixa de herança. Claro que
deveremos fazer algumas ressalvas.

Nos estudos que têm como base as narrativas individuais, é preciso ficar atento às
várias camadas de recordações, que se acumulam ao longo do tempo, e à pluralidades
“de versões sobre o passado [...]a postura de atenção sensível à narrativa torna clara a
relação entre reminiscências pessoais e memória coletiva, entre memória e
identidade, e entre memória e história. (BRANDÃO, 2008, p. 39)

Essas reflexões são necessárias devido às múltiplas lembranças que são contadas ao decorrer
do livro. Percebe-se um processo de rememoração ao longo de toda a obra e, de acordo com
Brandão (2008), essas lembranças só retornam porque elas já passaram pelos passos
necessários para se tornarem aprendizagem. Brandão (2008, p.9) expõe: “Tudo o que afeta
nossos sentidos é reelaborado e pode ser transformado em aprendizagem e, posteriormente,
em memórias”.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ele ainda cita três passos para esse processo acontecer com sucesso: o primeiro está no
campo do recebimento das informações; segundo, esses elementos são armazenados,
codificados, estruturados em diferentes áreas e, por fim, a recuperação dessas informações
em lembranças permanentes e passíveis de recuperação. O motivo de essas memórias
voltarem a todo instante se deve ao valor emocional atribuído a elas. Pois, como podemos
perceber na citação abaixo, os sentimentos são extremamente importantes para lembramos
ou esquecermos.

Podemos destacar um outro aspecto: sem necessidade, motivação, interesse, ou afeto


por diferentes fatores externos, e que envolvem níveis variados de emoção, o processo
de conhecimento fica incompleto. O que nos é indiferente, ou que não mobiliza
nossos desejos e sentimentos, pode não ser incorporado como conhecimento e,
aprendizado, não fica consolidado e, portanto não se transforma em memória de
longa duração. Nesse sentido, podemos pensar que fica gravado o que teve
significado, [...]. (BRANDÃO, 2008, p.10)

Compreende-se que, na obra Oiteiro, fica claro essa variedade de sentimentos, porque são
encontradas diversas emoções entrelaçados na obra. Entretanto, essa mistura de sensações
não chega a atrapalhar a narrativa memorialística. Ao contrário exerce uma certa magia a
respeito dos acontecimentos desse período, uma vez que Magdalena Antunes sabe envolver o
leitor com as suas memórias, e somos presenteados com uma leitura rica tanto em aspectos
literários como históricos e memorialísticos.

3. UMA NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA

Não poderíamos, apenas com as memórias de Magdalena Antunes, esboçar um relato oficial
do que realmente aconteceu no século XIX no Vale do Ceará-Mirim, porque, junto com essas
memórias, estão vinculadas as emoções vivenciadas em suas narrativas. Entretanto, podemos
mostrar alguns fatos com outra visão, porque, segundo Burker, hoje em dia não existe mais
uma história fechada como visto no capítulo anterior e a todo momento estamos vivenciando
processos de reterritorialização.
Já no primeiro capítulo intitulado de Reminiscências, a autora narra o seu primeiro dia de
escola que coincide com seu o aniversário de sete anos de idade:

No outono da vida, recordar a infância é abrir pontos de luz na estrada abandonada


do passado. Guardo com devoção a lembrança do meu primeiro dia de escola. [...]
Estávamos no Oiteiro. A folhinha pregada à parede da vasta sala de jantar marcava 25
de maio de 1887, dia do meu aniversário. (ANTUNES, 2003, p. 29)

Percebe-se uma certa nostalgia nas palavras escolhidas pela autora: “recordar a infância é
abrir pontos de luz na estrada abandonada do passado”, confirmando o quanto o processo de
ida à escola marcou a sua trajetória de vida, aspecto esse que a escritora continua a relatar em
uma boa parte do seu livro, pois, já no segundo capítulo, O estudo, ela desabafa:

Por muito tempo ainda, fui a maior preocupação de meus pais, por não ter amor ao
estudo. Em casa diziam que, se quisessem esconder uma coisa de mim, guardassem
dentro dos meus livros...
Quando à noite, meu pai chegava do engenho e pedia as lições, todos se saíam bem,
menos eu, a mais velha da “escola”, que era composta por mim e de meus irmãos.
(ANTUNES, 2003, p. 37.)

As particularidades narradas no texto vêm mostrar que as memórias individuais são


reelaboradas com um novo olhar da autora. Nesse período, era comum enviarem os filhos
para estudarem em escolas mais especializadas, onde a educação dada não seria apenas em
aspectos de saber ler e escrever, mas também sobre cultura e comportamentos sociais.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
É interessante destacar que, por ser a mais velha, Magdalena Antunes foi a primeira a sair de
casa para estudar e morar fora do seio da família, e seus irmãos mais jovens só iriam pouco
tempo depois. Mas todos tiveram oportunidade de estudar em escolas de referência, porque a
família da autora acreditava que as pessoas se tornavam melhores com uma boa educação.

A narradora relata um dos primeiros exames que ela faz no colégio e nomeia como As aulas:
“Após um ligeiro exame da mestra de Português, fui classificada na quinta classe, devido ao
meu atraso. Naquela aula só havia meninas de sete ou oito anos. A minha vergonha só não foi
maior porque o meu físico não aparentava mais de nove anos.” ( p. 63). Percebe-se que este
foi um dos primeiros entre muitos momentos que a autora se arrepende de não ter estudado
como deveria, porque as situações desconfortáveis por falta dos estudos estavam apenas no
começo.
A minha “via crucis” começou logo aos primeiros dias de aula. A estreia foi
desastrosa!
Convidaram-me a ler um trecho da História Sagrada, e gaguejei do princípio ao fim.
Chamaram-me ao quadro negro e errei a conta de somar.
Ao voltar à minha carteira, derramei o tinteiro.
A companheira do lado, vendo os seus cadernos salpicados de tinha, crivou-me de
beliscões, dizendo: “Papa-jerimum desastrada!!”.
Quis perguntar a significação de “papa-jerimum”, mas não tive coragem. Um
complexo de inferioridade tolhia os meus movimentos e o direito de defender-me.
Lembrei-me, então do que mamãe me dizia constantemente: “Estuda, minha filha,
para não passares mais tarde por muitas aflições...” ao que meu pai acrescentava:
“sem instrução, não passarás de uma ceguinha, guiada pelas mãos dos outros”.
Quanto tempo perdido! (ANTUNES, 2003, p. 65)

Uma das características da autobiografia é justamente o fato de o texto ser autobiográfico de


acordo com os apontamentos de Lejeune: Narrador igual a personagem principal. Dessa
forma, temos em Oiteiro um romance com uma Autobiografia clássica (autodiegética).
Percebemos as marcas textuais em que o uso da primeira pessoa gramatical prevalece.

Ao ler o capítulo dedicado à sua ama e a sua amiga inseparável de brincadeiras, Tonha e
Patica, a autora demostra o afeto que sentia por elas já no início do capítulo narrando de
forma poética como as conheceu:
Como conheci a Patica? No alvorecer da minha primeira infância, guiando-me os
incertos passos com entranhada dedicação.
Penteava-me os cabelos, vestia-me com esmero, zelava pelo meu asseio corporal,
cuidava da higiene alimentar e foram sem contar as noites passadas em claro, quando
eu, doente, embalando-me o punho da rede, sonolenta, cantarolava, maviosa:
“Dorme, filhinha,
Que eu tenho que fazer
Vou engomar, vou consturar
Camisinha pra você
Ah!... Ah!... Ah!... É... É... É...”
(ANTUNES, 2003. p. 75)

Essa canção faz parte das várias manifestações culturais que a autora vivenciou com suas
amas. Fica claro a importância para a formação literária da Sinhá, a presença delas, porque
Patica sempre contava diversas histórias de Trancoso como a da “Moura Torta”, do “Príncipe
encantado” e a da “Maria Borralheira”.

As histórias de Trancoso são conhecidas popularmente como as lendas e crendices de um


povo, que eram passadas de pais para filhos e percorriam várias gerações. Mas acredita-se
que elas são oriundas de um português do século XVI chamado Gonçalo Fernandes Trancoso
e seus contos haviam sido trazidos para o Brasil pelo Padre Antônio Vieira.

No mesmo capítulo, a autora narra o dia que a negra Tonha decide ir à “Olindra” e, não
obtendo sucesso na fuga, é encontrada e punida. É importante ressaltar que mesmo sendo
um período onde a escravidão predominava fortemente, a Sinhá tinha um zelo pela negra
fujona e não queria vê-la sofrendo, pois sentia um apego muito forte a ela.As “escapulidas”

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
que os escravos costumavam fazer das fazendas eram penalizadas pelo atrevimento
cometido.
Acordei mais tarde com um ruído no quintal, a cancela batendo, tropel de cavalos, e
logo após gritos partindo da cozinha. [...] Não durmo, Patiquinha! Parece-me que
ouvi gritos da Tonha. [...] A Patica alarmou-se e debruçando-se sobre mim disse com
voz trêmula: - É a negrinha apanhando pancada para não ser cavilosa...Pois não é que
a pegaram já perto de Santa Cruz dos Gois? (ANTUNES, 2003, p. 86)

Observa-se que, mesmo sendo uma obra memorialística e autobiográfica, podemos notar
traços marcantes no que se refere à história da sociedade daquele período.Então, o livro não
se trata apenas de confissões de uma sinhá-moça, mas, acima de tudo, é um retrato do
momento em que a sociedade estava vivendo. No capítulo intitulado A libertação,
encontramos as memórias de uma Sinhá-moça que narra dois acontecimentos, “dois
documentos de valor inestimável”.

No primeiro Documento, Como se enterrava um escravo, ela mostra os trâmites legais do


sepultamento de um escravo (Josefa), data a morte em 1882. Porém, a data do documento é
24 de julho de 1884. Já o Segundo Documento, Como era libertado um escravo, datado em
24 de junho de 1887, pouco antes da Lei Áurea em 1888.

Eu, abaixo assinado, em regozijo ao dia de hoje, aniversário natalício de minha


mulher e de acordo com ela, tenho resolvido libertar o nosso escravo de nome
Martinho, de idade de 32 anos, solteiro e natural da freguesia de Angicos, sem
condição alguma, considerando-o desde já um verdadeiro brasileiro a gozar de todas
as imunidades que lhe forem conferidas pelas leis do Império. (ANTUNES, 2003, p.
92)

Percebe-se que não era apenas Magdalena que tinha apreço pelos escravos da fazenda, pois o
seu pai decide libertar um dos seus escravos no dia do aniversário da sua mãe. Nesse mesmo
capítulo, Magdalena Antunes narra a ansiedade dos escravos ao ouvir falar sobre a Abolição
dos Escravos, pois os rumores aumentavam, e com a aproximação do 13 de maio, eles
enchiam o peito de esperança:
Os negros mostravam-se nas senzalas vizinhas com semblantes alegres, refletindo o
que confusamente ouviam pelos cafés, no mercado da cidade [...] Repetiam
decorados trechos dos jornais e panfletos espalhados pela cidade. Falavam de homem
chamados José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e principalmente um poeta, Castro
Alves, todos falando e escrevendo a favor dos escravos! (ANTUNES, 2003, p.96)

O fragmento acima é um dos mais representativos no que se refere à escravidão, porque


demonstra o sentimento de felicidade dos negros com a possibilidade de uma libertação.
Uma certa magia ronda as palavras da narradora, pois faz com que o leitor vislumbre a
representação da notícia.

Outro fato é que, mesmo os negros não sabendo exatamente quem eram José do Patrocínio,
Joaquim Nabuco e Castro Alves, eles ficavam esperançosos com o que essas personalidades
andavam dizendo pelos lugares em defesa da libertação dos escravos.

Em alguns momentos a narradora sentia-se inferior pelo fato de ser apelidada de papa-
jerimum. Porém, com o passar do tempo, e com um pouco mais de conhecimento e visão
crítica, temos, em uma das suas narrativas, uma aula de história:
Quando cheguei à idade exata de compreender o que lia, certificada, não somente da
existência de Frei Miguelino, que me causou admiração, como de que houve grandes
heróis na revolução de 24 e 48, assinaladamente Frei Caneca, Pedro Mossoró, Pais de
Carvalho, Natividade Saldanha, Nunes Machado, todos genuinamente nortistas!
E que diria da epopeia dos jangadeiros cearenses? E onde mais brilhante a campanha
da Abolição e da República?
Como me orgulho de ser nortista! (ANTUNES, 2003, p. 149-150)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Nesse fragmento, percebemos a importância da história social de um povo, pois o
conhecimento das conquistas do seu povo faz Magdalena mais confiante perante as outras
pessoas e descobre com orgulho de pertencer ao norte. E a partir do momento que essas
informações são descritas em um romance como Oiteiro, fica mais evidente que não é apenas
um simples relato de experiência individual, mas de transformações sociais.

Percebemos, durante toda a narrativa, que a autora narra acontecimentos passados e os


misturam aos sentimentos do momento da escrita, que acontece muitos anos depois.
Observa-se as inquietações que passam pela cabeça da escritora quando vai narrar o
depoimento do pai em relação à atual situação financeira da família. Aqui a voz de uma
menina aos treze anos de idade se mistura à voz da autora já adulta em um processo de
reterritorialização:
Íamos todos a cavalo, e ele sempre ao pé de mim. Os outros mais distanciados, e Seu
Cristino no meio, contando lorotas...
Então meu pai manifestou-se:
- Estou envelhecendo... Tenho despendido muita atividade para sustentar o “barco”,
que é pesado. Quatro filhos no colégio não é brincadeira... mas espero vencer. Não
somos ricos e a e a nossa propriedade é muito pequena. Sem que vocês me auxiliem
estudando muito, não perdendo tempo, não lograrei cedo a vitória dos meus
intentos...
Esta singela revelação oprimiu-me de alguma forma o coração, por persuadir-me do
pouco caso que fazia dos estudos. Firmei incontinenti o propósito de emendar-me,
para assim compensar os esforços da adorada criatura que se sacrificava pelo meu
futuro e dos meus irmãozinhos. [...]
Meu pai continuou:
Tudo aqui vai de mal a pior... É a velha história. Havendo safra, não há preço, e
quando há preço não há safra... [...]. (ANTUNES, 2003, p. 187).

Parece não existir dúvida sobre o processo pelo qual o pai de Magdalena vinha passando nos
últimos tempos, com as dificuldades encontradas na lavoura e com a cana- de-açúcar que,
durante um longo tempo, foi uma das maiores fontes de renda do vale do Ceará-Mirim, agora
não estava mais conseguindo sustentar os quatro filhos longe de casa e a própria fazenda
“Tudo aqui vai de mal a pior...”.

Existia um lugar em Ceará-Mirim onde as pessoas não podiam deixar de ir, pois era visto
quase como um dia santo.
O dia de feira era tão significativo para o cearamirinense de qualquer categoria, como
os domingos e dias santos ou feriados.
Não havia ocupação por mais forçada que fizesse o senhor de engenho ou lavrador
deixar de comparecer à feira. A ausência indicava obrigação maior ou moléstia. As
estradas enchiam-se de cavaleiros, mostrando cada qual o seu ginete, rumo à cidade.
No mercado é que todos combinavam os encontros, entabulavam-se negócios e fazia-
se a provisão da semana. (ANTUNES, 2003, p.199)

Essa tradição, que vem de muitos séculos atrás, ainda continua até hoje, porém não com a
mesma função social que era antigamente. A feira é um dos poucos lugares onde as pessoas,
independente da classe social, podem se cruzar:
Mulheres do povo, sentadas ao relente, saias sungadas à cintura, seios balouçantes no
rendilhado barato, das camisas de morim, cabelos e, salinho, comprimidos em
rodinhas de pano velho, baforavam toscos cachimbos de barro, pernas cruzadas,
tendo o filho de peito ao colo [...].
Cegos cantarolavam acocorados nos recantos das paredes, tendo entre as mãos a cuia
dos níqueis, fazendo-a tilintar, como pandeiro de infelicidade, despertando no
coração dos transeuntes ritmos de piedades. (ANTUNES, 2003, p. 202-203)

Existe uma nostalgia quando a autora fala sobre o seu espaço materno. A representatividade
da feira faz com que Magdalena sinta no ar o que é realmente estar sem seu lar, pois é um
lugar com vida e movimentos próprios.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Não podemos negar o fascínio que o Vale do Ceará-Mirim causava na Sinhá. Em um dos seus
contos, ela pega emprestado de Nilo Pereira uma descrição:

Ceará-Mirim, escreveu Nilo Pereira, não era apenas uma cidade à margem de uma
estrada de ferro, como se diz na simplificação niveladora dos compêndios. E ela é
sobretudo uma cidade à margem de um vale; e nesse vale surgiu com o ciclo da cana
de açúcar a aristocracia rural, a família única dos senhores de engenho – única pelos
sentimentos, pela afeição à terra, pela grandeza do trabalho, pelas raízes morais e
emocionais. (ANTUNES, 2003, p. 248-249).

Logo em seguida a esse depoimento, teremos um conto que narra o Retorno definitivo ao lar,
onde perceberemos que a menina que tinha ido morar em outro território volta com uma
visão diferenciada da que partira:

Eis-me na terra amada!

Parece incrível que uma pequena cidade, que mais parecia “um burgo da Idade
Média”, pudesse exercer tanta sedução no meu espírito!

Encontrei-a mais ou menos a mesma “mirim de sempre, cumprindo a sentença da


“santa” que, ao ver trocarem-lhe o antigo nome de SantaÁguida pelo de Ceará-Mirim,
prognosticou a cidade seria sempre “mirim”, apesar da fartura de seus vales e da
beleza farfalhante de suas messes. Mas, já se falava na estrada de ferro... (ANTUNES,
p. 251)

Percebemos claramente nas narrativas do romance Oiteiro aspectos de memória social e


coletiva, mesmo sendo uma obra de cunho autobiográfico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os fragmentos apresentados aqui confirmam o quanto é rica a obra de Magdalena Antunes.


Podemos destacar aspectos sociais e históricos que com o passar do tempo ganham novos
sentidos no que se refere não apenas ao espaço da narrativa, mas também a própria
significação do romance.

Verifica-se que mesmo a autora rememorando a cidade de Ceará-Mirim ela reelabora o


ambiente da narrativa com suas histórias e significados atribuídos. Essa constatação nos leva
a acreditar que existe na obra o processo de desterritorialização e reterritorização, pois de
acordo com Deleuze e Guattari ela é relativa por abordar aspectos físicos, psicológicos e
sociais. Situações essas que encontramos durante os capítulos do livro em estudo.

Alguns escritores discorreram sobre essa obra como: Câmara Cascudo no prefácio do próprio
livro da autora, Constância Lima Duarte e Diva Cunha como também Tarcísio Gurgel.

Elencamos alguns pontos que acreditamos serem marcantes para o momento neste artigo,
porém é uma obra que ainda tem muito a nos enriquecer acerca não apenas no aspecto local,
como também a nível nacional.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Magdalena. Oiteiro: memórias de uma sinhá-moça. 2. ed. Natal: A. S. Editores, 2003. (Col. Letras
Potiguares).
BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Labirintos da memória: quem sou?. São Paulo, 2008. – (Coleção
questões fundamentais do ser humano 7.)
DELEUZE, G. ; GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e esquizofrenia.V.1. Trad.
Aurélio Guerra neto e Celia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.DUARTE, Constância Lima. e MACEDO,
Diva Cunha P. (Org.). Literatura do Rio Grande do Norte - Antologia. 2. ed. Natal: Fundação José Augusto -
Governo do Estado do RN - SET, 2000.
BUERKER, Peter; Lopes, Magda. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte: Editora UFRMG, 2008.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O ESPAÇO DO PAI EM UMA ILUMINOGRAVURA DE ARIANO SUASSUNA

Marcélia Guimarães Paiva ∗

RESUMO: Ariano Suassuna promove umacriativa integração entre poesia e pintura em


suas obras chamadas iluminogravuras. Essasiluminogravuras são pranchas, na dimensão
de 70 cm x 50 cm, constituídas de um soneto e ilustrações, organizados em dois conjuntos
denominados “Sonetos com mote alheio”, de 1980, e “Sonetos de Albano Cervonegro”, de
1985. Nesteartigo interpreta-se o texto de um poema com as gravuras criadas pelo autor: “A
Acahuan - A Malhada da Onça”. Esse tipo de obra feito de escritura e imagem
reúneelementos da cultura medieval e da cultura nordestina. O poematrata da figura do
pai registrada na memória do filho e recriada pelo texto e pela gravura. Essa figura transita
porum espaço especial na obra de Ariano Suassuna: o sertão onde o autor morou nas
fazendas Acahuan e Malhada da Onça citadas no título do poema. As transformações
espaçotemporais dizemrespeito tanto à imagem paterna quanto à filial no poema. A partir
de uma tragédia e, também, levadopor um sentimento trágico da vida além da percepção de
ser um exilado, o poeta reflete a respeito de sua posição em dois papéis: o de filho e o de
herdeiro que recebe a herança do pai e a leva para diante. As imagens pictóricas reforçam as
imagens verbais em um conjunto que oferece ao leitor uma experiência dupla. Cada elemento
desenhado remete ao poeta ouà natureza e à cultura do sertão, como em outras
iluminogravuras do autor. Especialmente, nesta iluminogravura, é dado um destaque muito
grande à figura do pai – nomeado como rei, guia ou sol. O poema está entre as várias obras
de Ariano Suassuna que criam esse pai ideal.

Palavras-chave: Ariano Suassuna. Poesia armorial. “A Acahuan - A Malhada da Onça”.

ABSTRACT: ArianoSuassuna promotes a creative integration of poetry and painting in his


works called lightening pictures. These lightening pictures are planks in the size of 70 cm x
50 cm, consisting of a sonnet and graphics, organized into two sets called "Sonetos com mote
alheio," 1980, and "Sonetos de Albano Cervonegro", 1985. This paper interprets the text of a
poem by the pictures created by the author: “AAcahuan – A Malhada da Onça”. This type of
work is done with writing and image combining elements of medieval and northeastern
cultures. The poem deals with father´s figure marked in child´s memory and recreated by the
text and the pictures. This figure moves through a special space in ArianoSuassuna´s work:
the backlands, where the author lived on Acahuan and Malhada da Onça farms that were
already mentioned in the title. In this poem, the spatiotemporal changes concern both
paternal and filial images. Starting from a tragedy and also led by a tragic sense of life,
beyond the perception of being an exile, the poet reflects on his position in two roles: that of
a son and heir who receives father´s inheritance and takes it forward. The pictorial images
reinforce the verbal images in a set that offers to reader a double experience. Each element
drawn refers to the poet or the nature and culture of the hinterland, as in other author´s
lightening pictures. Especially in this lightening picture is given a great emphasis on father´s
figure - named as king, guide or sun. This poem is among several ArianoSuassuna´s works
that create an ideal father.

Key words: Ariano Suassuna. Armorial poetry. “A Acahuan – A Malhada da Onça”.

As iluminogravuras de Ariano Suassuna são pranchas, na dimensão de 70 cm x 50 cm,


constituídas de um soneto e uma gravura, organizados em dois conjuntos denominados
“Sonetos com mote alheio”, de 1980, e “Sonetos de Albano Cervonegro”, de 1985. Cada um
desses álbuns está acondicionado em uma caixa de madeira que contém dez pranchas com o
respectivo soneto escrito e ilustrado a mão.


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG. Doutoranda no Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. [email protected].
99
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O neologismo iluminogravura foi composto por Ariano Suassuna nas décadas de 1970
ou 1980 pela justaposição do radical da palavra iluminura (ilumin-), a arte medieval
de ilustração de manuscritos que “[...] aliava a ilustração e a ornamentação, por meio da
pintura a cores vivas, ocupando parte do espaço comumente reservado ao texto, na folha de
pergaminho”, e gravura – “arte que, por incisões, entalhes, ou meios químicos, grava,
em madeira, metal ou pedra, não só desenhos e letras, mas também ornamentos vários”
–, remetendo a uma arte em que as técnicas de gravar juntam-se à criação literária (LEÃO,
2003: 14). Assim, fundem-se elementos da cultura medieval e da arte nordestina da
xilogravura.

O soneto da iluminogravura escolhida para este artigo tem o título de “A Acahuan - A


Malhada da Onça” (NEWTON JÚNIOR, 2008), da coleção denominada “Sonetos com mote
alheio”. A epígrafe indica que o texto tem um mote da poeta armorial paraibana Janice
Japiassu. Ariano Suassuna foi o criador do Movimento Armorial, na década de 1970, um
conjunto de manifestações artísticas e culturais que buscava uma arte erudita brasileira
baseada no nacional e no popular. Participaram do movimento escritores, escultores,
pintores, músicos, teatrólogos, entre outros artistas cultos que:

[...] recorrem à obra popular como a um ‘material’ a ser recriado e transformado


segundo modos de expressão e comunicação pertencentes a outras práticas artísticas.
Esta dimensão culta e até erudita manifesta-se tanto na reflexão teórica, desenvolvida
em paralelo à criação, quanto na multiplicidade das referências culturais (SANTOS,
1999: 98).

O título do poema “A Acahuan - A Malhada da Onça” remete aos nomes das duas fazendas
localizadas no município de Souza, no Estado da Paraíba, da família de Ariano Suassuna,
Acahuan e Malhada da Onça.

O tema do poema é a figura do pai, um pai ideal inventado pela literatura. O título introduz
o reino desse rei que vivia “aqui”. Nesse espaço idealizado são fundidas as imagens das
duas fazendas onde o autor morou na infância. Na Acauhan, o menino conviveu com o pai
até os 3 anos de idade. A Malhada da Onça foi o destino final após a morte do pai e as
perseguições políticas sofridas pela família (NEWTON JÚNIOR, 1999: 206). A palavra
“acauhan” preserva a grafia original, uma indicação de que o reino tem algo de eternidade.

Quanto a esse espaço criado no poema, Ariano Suassuna também é um ‘fazendeiro do ar’
conforme conceitua Idelette Muzart Fonseca dos Santos, ao analisar a obra dos participantes
do Movimento Armorial, criado pelo poeta:

A expressão ‘fazendeiro do ar’, criada por Carlos Drummond de Andrade, evoca estes
escritores, tão numerosos no Brasil que, após uma infância rural e, geralmente,
privilegiada, procuram em sua obra inventar e recriar terras e reinos imaginários. Tal
relação com a terra, com a região, ancora-se, em primeiro lugar, na lembrança de
uma infância livre e feliz, numa abolição ou suspensão do tempo, mas fixa-se
também graças ao exílio, à ruptura com o espaço, ao país da infância. Os escritores
armorialistas são todos, de algum modo, fazendeiros do ar, e manifestam assim sua
mais íntima relação com o Nordeste (SANTOS, 1999: 97).

O primeiro verso do soneto apresenta o Rei, escrito com maiúscula, e o menino. O pai
aparece com sinais de nobreza e mestiçagem, vestido de “ouro e Castanho”. As marcas
espaçotemporais são o uso dos verbos no passado enquanto o uso das palavras “Castanho” e
“gibão” alude ao espaço do sertão:

Aqui morava um Rei, quando eu menino:


vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração. (SUASSUNA, 1980 apud NEWTON JÚNIOR,
2008)

100
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
João Suassuna era um grande admirador de poetas populares e cantadores. Entre 1924 e
1928, ao governar a Paraíba, promovia cantorias no próprio palácio do governo (NEWTON
JÚNIOR, 1999: 43-44). Como o coração do pai determinava o destino do filho, no poema,
pode-se supor que esse destino ou herança do pai seria também ser cantador:

Para mim, seu Cantar era divino,


quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava com voz rouca o Desatino,
o Sangue, o riso e as mortes do Sertão. (SUASSUNA, 1980 apud NEWTON JÚNIOR,
2008)

Em meio ao riso, à alegria do passado, a tragédia é inserida nessa segunda estrofe. O


“desatino” anuncia o desequilíbrio na vida do poeta. A presença do sangue e das mortes
prepara o leitor para a quebra da relação entre o menino e o pai amado e perdido. Aqui
o poema anuncia que o espaço do exílio é uma terra amarga. A alusão ao sangue também
enfatiza as relações de herança e continuidade. Nesses versos, a imagem do pai muda em
termos hierárquicos: agora é um ser divino e de voz rouca, sinal de maturidade e de
compromisso com a realidade.

A tragédia anunciada na segunda estrofe torna-se explícita a partir do primeiro terceto. Como
escreve Ângela Vaz Leão (2003: 18), o primeiro terceto em um soneto “[...] pode
corresponder a uma mudança de direção no desenvolvimento do tema”. É realmente o que
acontece no poema aqui interpretado:

Mas mataram meu Pai. Desde esse dia,


eu me vi, como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado. (SUASSUNA, 1980 apud NEWTON JÚNIOR,
2008)

O verso “Mas mataram meu Pai” divide o soneto em duas partes e em dois tempos, o passado
e o presente. Além da guinada em relação ao tema, a estrofe também registra uma
modificação temporal da figura principal do poema: o “Rei” e ser divino que estabelecia qual
deveria ser o destino do filho, é nomeado como “Pai”. Sua morte dá a sensação, ao filho, de
estar perdido no mundo. Enquanto o pai é transformado no sol, um símbolo masculino, o eu
lírico se apequena, perde justamente a capacidade de perceber a luz. No final do poema,
resta a “efígie”, a representação da divindade:

Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,


Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado. (SUASSUNA, 1980 apud NEWTON
JÚNIOR, 2008)

A última estrofe é a descrição de transformações espaçotemporais. O passar do tempo


se encerra com os verbos no presente. O espaço igualmente é outro, diferente do sertão.

O espaço atual é o “Pasto ensanguentado”, o mundo marcado pela tragédia. O poema redime
esse espaço destruído enquanto vislumbra um espaço futuro, local de atuação do eu lírico.

A efígie é representação da presença do pai que provoca o filho, ou sua presa. A tragédia
transformou o menino em uma “Espada de ouro” acesa. Como o filho não se liberta da
imagem do pai, o compromisso de atuar, de ser “Espada” tão nobre e tão másculo quanto o
pai, transforma-se em sua herança. O primeiro terceto fala da queda enquanto no segundo,
em contraponto, o filho percebe que é a continuação de seu pai.

Seu pai foi assassinado quando Ariano Suassuna tinha 3 anos e a família foi obrigada a
constantes mudanças de residência devido às perseguições políticas. Esses acontecimentos
marcaram sua obra e contribuíram para a existência de um ‘sentimento trágico da vida’, nas
palavras de Carlos Newton Júnior (2000), citando Miguel de Unamuno.
101
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A obra de Ariano Suassuna mostra um homem com desejo de “[...] unir-se ao divino, mas a
todo instante é chamado, pela consciência, à dura realidade, ao enfrentamento da sua
condição de ser-ao-sol exposto, sujeito à decadência, à passagem do tempo e à ruína”
(NEWTON JÚNIOR, 2000: 136).

Esse sentimento trágico é ainda intensificado pelo sentimento de exílio, tanto existencial –
“o mundo visto como um lugar de sofrimento, privações, dificuldades de todas ordem” –,
como uma sensação de ser um estranho ao mundo, como o físico, acontecido na mudança do
menino sertanejo para a cidade grande do Recife, situada à beira-mar. Outros fatos da
biografia de Ariano Suassuna que contribuíram para esse sentimento foram o contágio pela
tuberculose na década de 1950 e a repressão política advinda do golpe de 1964 (NEWTON
JÚNIOR, 2000: 139-140).

Um artifício gráfico faz emergir a importância do pai no poema. É usada a inicial maiúscula,
sinal do simbolismo barroco e da poesia de cordel (SUASSUNA, 2000: 33), em um adjetivo e
sete substantivos para qualificar o gibão e nomear o pai: “Rei”, “Castanho”, “Coração”,
“Cantar”, “Viola”, “Pai”, “Guia”, “Sol”.

Do mesmo modo, a imagem do pai sobressai no desenho que compõe a iluminogravura


(Figura 1). A figura de um homem montado a cavalo ocupa a parte superior dentro de um
retângulo com altura correspondente a quase metade da altura total.

Em toda a extensão da iluminogravura, há uma borda com retângulos, alternadamente pretos


e brancos, e franja. O fundo é branco como nos outros sonetos com mote alheio. Além do
preto e do branco, são usadas cores vibrantes como o azul, o laranja, o vermelho, o amarelo e
o marrom.

A figura central do homem olha para o espectador. Tem um bigode, como o pai do poeta, e
segura com a mão esquerda um estandarte em que existe uma figura de onça, frequente nos
textos de Ariano Suassuna e identificada com uma morte violenta (MACHADO, 2005:
190). Essa bandeira com onça é também uma ilustração de Ariano Suassuna retirada
do Romance d’A pedra do Reino. A onça está em posição de ataque, com a cauda erguida
e a língua e os dentes à mostra. Sua imagem combina com parte do título do poema. Além de
compor o nome da fazenda, “malhada” é a toca ou ninho de animais selvagens.

O homem monta um cavalo, símbolo de pode viril. A sela do cavalo é azul como a lembrar um
trono real. O aspecto de reino, dado tanto ao espaço do poema como ao da gravura, remete a
uma idealização do real, que o poeta opera em sua poesia. Carlos Newton Júnior escreve que
o mesmo acontece nos cordéis onde:

[...] as fazendas são quase sempre reinos, os fazendeiros são reis, duques ou barões,
enquanto suas filhas são princesas, e os vaqueiros e cangaceiros são quase sempre os
cavaleiros que incursionam por esses reinos sertanejos, disputando belas mulheres e
vestidos de armadura de couro (NEWTON JÚNIOR, 2000: 140).

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura 1: Iluminogravura
Fonte: NEWTON JÚNIOR, 2008.

Embora a figura trágica não corresponda a essas figuras ingênuas, pode-se perceber no
soneto e na ilustração uma influência da poesia popular nordestina.

Sobre o cavaleiro, o ar está cheio de uma chuva de gotas de sangue. O vermelho também está
no gibão e na marca a ferro na anca do cavalo. O uso da cor reforça a tragédia do momento da
103
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
morte e a paixão do eu lírico. Acima do cavaleiro, há um sol laranja. Observa-se que o cavalo
é o que sustenta o cavaleiro, o conduz e o cria literariamente.

O cavalo é identificado, na anca, pelo ferro de marcar gado dos Suassunas, ferro do bisavô
paterno de Ariano Suassuna, usado depois por seu avô e seu pai. Portanto, é propriedade do
cavaleiro. Esse é um símbolo muito forte no conjunto da iluminogravura, pois é realizado
pelo fogo além de ser a “assinatura” de Ariano Suassuna em suas obras (NEWTON JÚNIOR,
1999: 128). O animal representa o próprio filho, queimado ou marcado pela “brasa” da
presença do pai, e com um sinal de fogo, de paixão, no coração. É um sinal do tempo presente
a pintura, feita em vermelho com detalhes pretos, do gibão encharcado de sangue e não mais
“ouro e Castanho”.

Passando ao campo do soneto, há outros símbolos pictóricos que aparecem em outras


iluminogravuras de Ariano Suassuna como um pássaro, um cervo e três insculturas da pedra
do Ingá.

O pássaro remete à imagem da acauã, ave de rapina, de mau agouro, pois no Nordeste canta
“Durante o tempo do verão / No silêncio das tardes agourando / Chamando a seca pro
sertão” como está na música de Luiz Gonzaga. A imagem do pássaro em posição de
ataque está duplicada em cada lado da iluminogravura, posta em cima da imagem de
um cervo, igualmente duplicada. O cervo representa a imagem do filho e está também em
vermelho.

Ariano Suassuna denomina-se “cervonegro”, tradução de seu nome de família suassuna, de


origem tupi. Ainda que desenhado em vermelho, com aspecto de vítima sacrificial, o cervo
simboliza a fecundidade, os ritmos de crescimento e os renascimentos. É uma imagem
arcaica da renovação cíclica (CHEVALIER, 1986: 287). Assim é o filho, continuador e
herdeiro do pai.

As figuras desse pássaro e da onça remetem ao título do poema. A escolha do título não
apenas resgata os nomes do “reino” do pai. O título já vaticina um destino ruim, ao citar a
acauã, pássaro de mau agouro. Esse destino também é marcado pela violência e morte no
momento em que o título alude à “malhada”, a toca da onça.

Abaixo das figuras de cervo, há uma figura também duplicada, composta por três desenhos
feitos na pedra do Ingá, sítio arqueológico situado na região do Cariri, na Paraíba. Essa
figura parece ter relação com a arte rupestre das itaquatiaras do sertão nordestino. A
reprodução desses grafismos pode ser observada em outras iluminogravuras de Ariano
Suassuna.

Por fim, no centro e embaixo, há duas luas crescentes que funcionam como dois olhos do sol
que está entre elas. Esses olhos do sol observam e conduzem o filho. Há ainda doze estrelas
espalhadas em pares por entre as figuras da acauã, do cervo e da que remete às insculturas
na pedra do Ingá. Esses signos estelares sugerem a sina eterna que acompanha o filho em
todos os lugares e da qual não pode fugir.

Embora se suponha que o gravador e o poeta estejam presentes, ao mesmo tempo, no


processo único de criação do texto literário e das ilustrações, nessa iluminogravura percebe-
se uma diferença entre a abordagem feita pelo soneto e a feita pela gravura. O tempo
presente é que dá a tônica da gravura. São representados os elementos do tempo presente e
o pai visto pelo eu lírico no tempo da escrita. Por outro lado, no texto, observa-se a ênfase
nas mudanças espaçotemporais. O eu lírico movimenta-se no reino e no “pasto
ensanguentado” resumidos na palavra “aqui”. Tanto no soneto como nas ilustrações, há uma
tensão entre o passado e o presente. Esse aqui parece sintetizar os tempos em descompasso,
pois está repleto do tempo passado, de um tempo posterior e do presente. Assim, aqui é o
lugar da busca de identidade do eu lírico.
104
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O tema do poema também é a morte, comum à poesia de Ariano Suassuna e à de vários
poetas. O próprio Ariano Suassuna faz alusão a esse mote habitual, no poema “Carta”, no
qual chama a morte de “agra Felina” (SUASSUNA, 1999: 73-74). Para tentar vencer a morte,
em sua obra Ariano Suassuna procura reconstruir o mundo de sua infância. Seu objetivo é
exorcizar a ausência do pai para, afinal, como no poema, tornar-se “Espada de ouro” nesse
“Pasto ensanguentado”.

O poema também aponta para o futuro. Continuamente, por meio da linguagem, será
possível ao poeta atender ao desafio imposto por seu pai e dar testemunho de que o que o
filho se tornou é a herança do pai.

REFERÊNCIAS

CHEVALIER, Jean.Ciervo. In:CHEVALIER, Jean. Diccionario de los símbolos. Barcelona: Editorial Herder, 1986.
p. 287-290.

LEÃO, Ângela Vaz. A tigre negra: uma iluminogravura de Ariano Suassuna. Scripta, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p.
13-24, 2. sem. 2003.

MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. Línguas & Letras. v. 6, n. 11, p. 183-194, 2005.
Disponível em: <http://erevista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/view/879>. Acesso em: 19 abr.
2014.

NEWTON JÚNIOR, Carlos (Org.).Ariano Suassuna 80, memória: catálogo e guia de fontes. Rio de Janeiro:
Sarau, 2008.

NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano Suassuna. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1999.

NEWTON JÚNIOR, Carlos.O pasto iluminado. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 10, p. 129-146,
nov. 2000.

SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento
Armorial. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

SUASSUNA, Ariano. Ao som da prosa brasiliana. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 10, p. 23-51,
nov. 2000. Entrevista.

SUASSUNA, Ariano. Poemas. Recife: Editora da UFPE, 1999.

105
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LITERATURA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM ALAGOINHAS: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS NA CONTEMPORANEIDADE

Vanise Albuquerque Santos i

RESUMO: Trata-se de uma abordagem reflexiva sobre a possível relação entre o ofício
literário e as atuais políticas públicas culturais. Nesse sentido, serão discutidos os resultados
obtidos no projeto de Mestrado intitulado Literatura e políticas públicas emAlagoinhas/BA
que investigou os modos de produção/circulação da literatura no município, assim como o
posicionamento político-cultural dos escritores frente ao Estado baiano, considerando o atual
momento de efervescência das políticas públicas de cultura e institucionalização da malha
cultural no Brasil. Sob a perspectiva da crítica cultural, fundamentada em estudos pós-
estruturalistas, abordaremos a noção de cultura literária que vem norteando a prática
cultural no país, seus reflexos e desdobramentos, traduzidos pelas políticas voltadas para o
livro, a leitura e a literatura. Para tanto, evidenciamos o método de pesquisa qualitativa
desdobrando-se em um conjunto de diferentes técnicas. Esta abordagem está pautada na
análise de resultados obtidos junto ao grupo focal e seus modos de produção. Como
resultados, além da constatação da existência de um rico acervo de escritores que não cessam
em produzir tornou-se visível a construção de um possível roteiro rizomático e suas
interconexões literárias, que se acionados, abrem possibilidades de a literatura ativar uma
máquina de guerra contra certa concepção excludente de fazer cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Políticas públicas. Cultura literária.

ABSTARCT: It is a reflective approach on the possible relationship between the literary


craft and the current cultural policies. In this sense, the results obtained are discussed in the
master's project titled Literature and public policies in Alagoinhas / BA investigating the
modes of production / circulation of literature in the city, as well as the political and cultural
positioning of writers across the Bahia State, considering the current moment of
effervescence of public cultural policies on culture and institutionalization of public policies
in Brazil. From the perspective of cultural criticism, grounded in poststructuralist studies, we
discuss the notion of literary culture that has guided the cultural practice in the country, their
reflections and developments, translated by policies for books, reading and literature. To do
so, we noted the qualitative research method unfolding in a number of different techniques.
This approach is guided by the analysis of results obtained from the focus group and their
modes of production. As a result, apart from the finding of a rich collection of writers who
never cease to produce became visible the construction of a rhizome can script and its literary
interconnectionswhich, if triggered, creating the possibility for the literature activate a
machine of war exclusive right to make design culture.

KEYWORDS: Literature. public policy. literary culture

1 “TEMOS FOME DE LITERATURA”

Na contemporaneidade, em tempos de capitalismo tardio, a literatura assim como as demais


expressividades culturais, tem papel fundamental para problematização da cultura e sua
intrínseca relação com os modos de vida. Com a recente construção do PNC (Plano Nacional
de Cultura) no país e percebendo a importância deste momento também para o campo
literário, sobretudo no que diz respeito ao modo como é concebido o ofício do escritor (a),
consideramos relevante visualizarmos até que ponto há (ou não) um movimento de
fortalecimento da cultura literária, já que a atual política cultural traz como bases estruturais
as dimensões simbólica, econômica e cidadã da cultura.
Nesse sentido e considerando o espaço local como lugar, por excelência, de intensas trocas e
transformações socioculturais, optamos por desenvolver o projeto de pesquisa intitulado
106
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Literatura e políticas públicas em Alagoinhas: outros modos de produção cultural. Tal
projeto traz como foco a investigação dos modos de produção/circulação da literatura no
município, bem como o posicionamento político-cultural dos escritores (as) frente ao Estado,
num momento de institucionalização da malha cultural no país. Uma temática que se mostra
muito pertinente, visto que possibilita a visibilidade e potencialização deste segmento
artístico no município, além de contribuir para a efetiva democratização cultural e
fortalecimento da literatura local.
Para tanto, alguns questionamentos importantes perpassam este estudo, a saber: se a cultura
vem se tornando um dos segmentos mais dinâmicos e estruturantes das economias na
sociedade moderna, como se dá a produção literária em Alagoinhas num contexto de políticas
públicas culturais? Em que circunstâncias escritores (as) produzem e como estes exercem a
sua participação cidadã no espaço público?
Ao adentrarmos nestas questões nos respaldamos no conceito de políticas públicas
apresentado por Rubim (2008), assim como em discussões que perpassam por reflexões que
apontam a potência contida no texto literário enquanto linguagem artística para questionar a
própria cultura e seus possíveis movimentos subjetivos. Nesse viés propomos pensar a
organização das artes e suas implicações nos modos de vida dos sujeitos envolvidos num
mundo cada dia mais globalizado.
Para investigarmos esta temática com o devido cuidado que a mesma requer, adotamos como
caminho metodológico a pesquisa qualitativa, desdobrando-se em um conjunto de técnicas
que vão do estudo teórico de autores (as) que tematizam cultura, literatura e políticas
públicas culturaisa pesquisas virtuais, pesquisas em projetos de IC (Iniciação Científica),
realização de visitas à Associação de escritores de Alagoinhas – Casa do Poeta (Caspal) e
Academia de Letras e Artes de Alagoinhas (Alada), realização de entrevistas com escritores e
gestores culturais, participação em reuniões e eventos ligados à literatura local, participação
em conferências, Fóruns e colóquios de cultura.
É interessante ressaltar também que o parâmetro utilizado para pesquisarmos a produção
literária em Alagoinhas, levou em consideração as produções literárias lançadas por
escritores (as) que residiram, residem ou desenvolvem alguma atividade no município por
um período mínimo de cinco anos – a contar retroativamente à data em que iniciamos a
execução deste projeto - e que neste período tais escritores (as) tenham lançado seus livros.
Neste estudo investigativo, trazemos como ponto relevante a eclosão do Movimento
Literatura Urgente (MLU) em 2004 no país, quando um grupo de escritores (as) com
representatividade dos diversos Estados brasileiros elaboram o manifesto reivindicatório
denominado Temos fome de literatura ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡ pontuando a necessidade de políticas
consistentes para o campo literário, sinalizando assim a escassez de discussões em torno de
políticas públicas para a literatura e toda uma produção que se dá à margem de um mercado
editorial hegemônico.
Conforme descrevem os escritores neste documento, os problemas envolvendo a literatura
em nosso país vão das condições precárias em que se dão as diversas produções, às questões
que denotam não só a “fome” de livros que o país possui, mas a situação de fome depolíticas
de fomento à criação literáriaenfrentada pelos escritores (as). Nesse sentido, a reivindicação
do grupo se torna incisiva quando aponta para a negligência relegada ao trabalho do artista
que se encontra à margem num momento de discussão e articulação de políticas para o livro,
a leitura e as bibliotecas.
No decorrer de dois anos de intenso trabalho de pesquisa - e sem pretensões de esgotá-lo,
mas de ampliá-lo -, pudemos levantar reflexões que, se por um lado confirmam o que RUBIM
(2008) em sua análise culturalística já comprovava - quando elege três palavras que
traduzem o itinerário das políticas culturais no Brasil: ausência, autoritarismo e instabilidade

Uma comissão formada por escritores compôs o Movimento Literatura Urgente e fez chegar, em
‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡

novembro de 2004, às mãos do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e ao coordenador Nacional do
LivroGaleano Amorim, o manifesto “Temos fome de literatura”. A eclosão do movimento se deu a partir da
iniciativa de escritores que, diante da inexistência de discussões em torno das políticas públicas de fomento à
literatura, resolveram, de forma organizada, mobilizar um número significativo de assinaturas e reivindicar a
inclusão de políticas consistentes para o setor.

107
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
-, por outro, permite-nos visualizar indicadores culturais que demonstram que a construção
de uma cultura literária ativa é possível e urgente, demandando para isso a emergência de
um novo comportamento ou cultura política nova à qual se refere a filósofa Marilena Chauí:

O que é uma relação nova com a cultura, na qual a consideramos como processo de
criação? É entendê-la como trabalho. Tratá-la como trabalho da inteligência, da
sensibilidade, da imaginação, da reflexão, da experiência e do debate e trabalho no
interior do tempo é pensá-la como instituição social, portanto, determinada pelas
condições materiais e históricas de sua realização. (CHAUÍ, 2007, p. 41).

Para a autora a concepção de cidadania deve ser entendida a partir do exercício de uma
cultura política que possibilite a tomada de consciência do cidadão e sua interferência no
espaço público fazendo valer seus direitos frente a um Estado que também é um produto
cultural.
Nesta dimensão mais ampla e reconhecendo a efervescência atual em que se encontra o
capitalismo tardio, o entendimento das questões levantadas por Chauí (2007) e pelo grupo de
escritores (as) do MLU, é fundamental, para que possivelmente estejamos reelaborando
significados, abrindo outras formas de viver e sobreviver.

2 DEMANDAS LITERÁRIAS EM ALAGOINHAS

Em Alagoinhas – cidade-pólo que integra o território dezoito de identidade - pudemos


constatar que há uma significativa e crescente produção literária que resiste ao longo dos
anos. Inicialmente, quando buscamos conhecer e mapear essa produção, seus modos de
sobrevivência e circulação, percebemos que a sua vasta e intensa atividade já vem de muitos
anos. Porém, não foi difícil comprovar as formas de silenciamento à qual vem sendo
submetida no espaço público local. A ausência de exemplares dessas obras nas livrarias do
comércio e na biblioteca pública municipal é “facilmente” comprovada. Nessa biblioteca
existem escassos exemplares da autora que dá nome à instituição: “Maria Feijó”; são livros
que ficam em espaço restrito e estão em avançado estado de envelhecimento.
Para entrarmos em contato com a produção literária local e investigarmos as atuais condições
de sua resistência, recorremos a diversas fontes de informação no município. Dentre estas
fontes estão, as instituições culturais voltadas para este segmento artístico, a fortuna contida
em pesquisas de projetos de Iniciação Científica desenvolvidos pela Universidade do Estado
da Bahia §§§§§§§§§§§§§§ e que contemplam essa produção, a Secretaria de Cultura, participação
constante em eventos locais e estaduais como colóquios, conferências, concursos de poesia,
Fóruns, palestras, de reuniões e lançamentos de livros.
O contato com alguns escritores e personalidades locais que lutam pela afirmação da cultura,
como a profª Iraci Gama Santa Luzia***************, foram parcerias que também nos
conduziram não só a manter maior entrosamento com esta produção, mas a fazermos o
levantamento bibliográfico e investigarmos as estratégias de sua manutenção.
Até o momento, foi possível catalogar 128 títulos, de 41 escritores (as) ‘quase invisíveis’,
publicados desde a década de oitenta, quatro coletâneas †††††††††††††††, uma considerável
quantidade de folhetos de cordel, um livro com letras de rappers de Alagoinhas ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡ e

§§§§§§§§§§§§§§ A exemplo dos projetos de pesquisa sob coordenação do profº Osmar Moreira, profª Jailma Pedreira,
profª Eliana Brandão e profª Maria José Oliveira.
*************** Iraci da Gama Santa Luzia é também professora do curso de Letras da Universidade do Estado da

Bahia, Mestra em Educação, foi também vereadora da cidade, incansável militante e ativista em defesa da
cultura local é hoje também responsável pela FIGAM – Fundação Iraci Gama de Cultura – junto com Litho Silva e
Fátima Sales. Além da preocupação com o patrimônio arquitetônico e material, a Fundação também tem um
trabalho voltado para o patrimônio imaterial e natural, como, por exemplo, os recursos hídricos que estão sendo
desrespeitados.
†††††††††††††††
Nestas quatro coletâneas, estão reunidos textos/poemas de 355 autores com as mais diversas
temáticas.
‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡
Livro organizado pelo profº Osmar Moreira e pelo mestrando em Crítica Cultural Wilton Oliveira e
publicado pela Universidade do Estado da Bahia através do projeto Fábrica de Letras/usina de produção do
crítica cultural.
108
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
documentos de correspondências trocadas entre os escritores §§§§§§§§§§§§§§§ - podemos flagrar na
fulguração desse rico acervo profusões de imagens e desdobramentos múltiplos que emergem
dos seus textos revelando ao leitor traços culturais particulares. Tudo isso vem sendo
produzido de forma material precária, devido ao modo como tais escritores (as) produzem,
sem apoio sistemático e investindo dinheiro próprio, muitas vezes sem obter retorno do
capital investido.
Como possível alternativa de fazer circular suas obras, alguns possuem páginas virtuais e
comercializam como podem, vendendo com a ajuda de amigos e familiares, bem como
através da participação em eventos promovidos por programas das Universidades,
divulgação em rádios locais, jornais e revistas.
Não raro encontramos também alguns destes artistas em transe, movimentando-se pelos
diversos espaços da cidade e exercendo as mais variadas atividades no mercado de trabalho
capitalista para sobreviverem. Alguns divulgando e comercializando a preço de custo, outros
ainda absorvidos pelo próprio Estado produzindo e vendendo sua força de trabalho para
enaltecer feitos de gestões político-partidárias.
Dentre os equipamentos culturais do município, podemos destacar além de uma Secretaria
de Cultura e Centro de Cultura, instituições ligadas à literatura como bibliotecas (pública
municipal, escolares e comunitárias), Fundação Iraci Gama de Cultura (Figam), escolas,
universidades, associações de artistas como a Casa do Poeta (Caspal) – que inclusive é a
única associação literária existente no Território - e a Academia de Letras e Artes de
Alagoinhas (Alada), que atualmente encontra-se desativada. Verificamos que problemas de
gerenciamento de espaço e dispersão dos membros dessas associações são fortes indicadores
que agravam as dificuldades de seu funcionamento. Atualmente não há nenhum registro de
projeto elaborado coletivamente pelos membros da Caspal para concorrer aos editais
lançados pelo Estado.
Outra iniciativa mapeada diz respeito a revistas e jornais independentes que circulam no
município e oportunizam a divulgação da produção literária local, a exemplo do Jornal
Expresso 18, Jornal e revista da ACIA (Associação Comercial e Industrial de Alagoinhas) e
rádios locais, eventos promovidos pela universidade que oportunizam o fortalecimento da
cultura literária.
Apesar de todo este equipamento cultural, são visíveis alguns sérios e preocupantes entraves
neste campo, como: a ausência de políticas via Secretaria de cultura municipal que contemple
e potencialize este segmento artístico - este setor no município apresenta problemas em sua
própria estrutura interna -, dificuldade dos escritores em encontrar editoras no Estado para
lançar seus livros, dificuldade dos escritores em participar dos editais lançados pelo Estado,
problemas estruturais de funcionamento da Caspal e Alada - dado o estado de precariedade
em que se encontram -, ausência de ações de incentivo à criação literária para além da
política de editais, ausência de grande número de exemplares da literatura local em
bibliotecas e livrarias locais, dificuldades de financiamento do poder público e iniciativa
privada para publicação.
Em se tratando de gestão cultural, alguns problemas institucionais provenientes ainda das
marcas de uma herança antidemocrática podem ser facilmente flagrados. São problemas, que
além de gerarem obstáculos, vem dificultando o processo de descentralização a que se propõe
a política pública vigente. Este fato comumente “aparece” nos rastros deixados e percebidos
nos discursos e nas ações que nos propomos investigar.
A esse respeito, é interessante ressaltarmos a importante reflexão trazida por Teixeira Coelho
(2008) em seu estudo sobre as atuais políticas culturais. O referido autor recorrendo ao texto
do antropólogo francês Pierre Clastres, nos lembra da pertinência em percebermos o
obstáculo epistemológico mais difícil de enfrentar na busca de um entendimento
contemporâneo entre o Estado e a sociedade. E afirma:

Fenômenos como os da globalização e do mercado, agora habitualmente


apresentados como os principais opositores à felicidade das pessoas, são na verdade
obstáculos exteriores, de força menor àquela que detém um certo obstáculo interior,

§§§§§§§§§§§§§§§
Estes títulos e correspondências aos quais nos referimos, podem ser encontrados nos arquivos da
Caspal ou nas residências dos próprios escritores (as) em que alguns constituíram um acervo particular com suas
publicações e preferências literárias.
109
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
o obstáculo cimentado no pensamento e no comportamento de cada um, a ideologia
mais incorporada que se pode imaginar, aquela que arma esse obstáculo
epistemológico. (COELHO, 2008, p.70).

Esta questão vem por em evidência um dos aspectos relevantes - senão o principal - deste
estudo, para o qual nos empenhamos, ao tempo que entendemos que já está mais do que na
hora de problematizarmos e verificarmos, num momento em que há a convocação da
sociedade civil para em consonância com o Estado construir estas políticas, como está se
dando este obstáculo epistemológico em uma sociedade em constante processo de (re)
avaliação de si num cenário de intensas trocas culturais e possibilidades de florescimento dos
direitos de um sujeito plural.
Verificando essa trajetória, é pertinente refletirmos: que subjetividade estaria emergindo no
interior deste sistema capitalístico aos quais estão submetidos os profissionais da palavra, em
tempos de política pública cultural? Qual seria o perigo em potencializar estas escritas locais
como um produto cultural a ser consumido e valorizado?
Para além das diferenças que flagramos entre o coletivo de escritores e o poder público local
nos diversos momentos da pesquisa, o desejo de que haja a quebra de certa continuidade de
determinadas linhas de orientação de alguns gestores culturais é evidente. Neste caso,
percebemos que uma boa parcela de escritores (as) anseia por inovações no campo da
literatura e do livro e acreditam que as políticas públicas culturais podem gerar também um
possível caminho para alcançá-las. Isto se torna visível quando este coletivo aposta numa
dinamização da produção vislumbrando uma política de circulação e democratização do
acesso não só das obras da literatura nacionalmente reconhecidas como também de
escritores ditos ‘marginais’.
Contemporaneamente, vemos que o desenvolvimento de uma cultura – e aqui me refiro
especialmente à literária – que se percebe também em constante processo de reflexão, do seu
potencial criativo, dentro de uma cadeia global, pode questionar a manifestação dessa
também conhecida ‘alta cultura’ no cotidiano, considerando os seus contornos políticos.
Sendo assim é oportuno perguntarmos: como pensar globalmente e agir localmente para que
a cultura da cidadania referida por Chuí (2007) garanta o pleno exercício da democracia em
literatura?
É importante percebermos assim que as implicações culturais inerentes ao processo literário
vão muito além do que se pode imaginar. A literatura assim como as demais artes, se
desenvolve em universos semióticos que não são separados, ou seja, a sua produção expressa,
mesmo que sem perceber, modos de representação da subjetividade. Nessa perspectiva,
acrescentamos aqui a percepção do artista/escritor e seu caráter eminentemente político –
em que pese a importância da sua produção - no atual cenário cultural em que vivemos.
Para tanto, é válido ressaltarmos as relações de força que circundam o fazer literário, bem
como o discurso que atravessa a “imagem” do escritor (a), esta figura “central” e sujeito
atuante que se encontra envolvido num contexto de cultura do dinheiro, mercado,
mercadoria, bens simbólicos e indústria cultural que tentamos descrever e que influenciam
também nas suas modelizações subjetivas, refletindo no seu fazer cotidiano. Este vem a ser
um terreno fecundo já que este tipo de modelização está disseminada por toda a malha social
- e Alagoinhas não escapa a essa realidade.
No contexto atual, esse artista da palavra é ‘convidado’ a interferir e opinar nas decisões para
o campo literário e são ‘deslocados’ do seu ‘lugar’ de escritor para reivindicar seu espaço de
cidadão de direitos, próximos e com o espectador. Sobre este aspecto é conveniente
lembrarmos as importantes contribuições do Walter Benjamin **************** (1994) quando este
nos revela o processo de construção do conceito de aura e seus prováveis impactos sobre o
papel do artista e difusão da obra de arte.

3 POSSÍVEIS AGENCIAMENTOS

****************
Aqui nos referimos ao texto intitulado “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”. Ensaio
traduzido em português por José Lino Grunnewald e publicado em A ideia do cinema (Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1969) e na coleção “Os Pensadores”, da Abril Cultural, é a segunda versão alemã, que
Benjamin começou a escrever em 1936 e foi publicado em 1955.
110
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Diante da transversalidade de fatores inerentes à literatura local e a convergência de
discussões provocadas pelos estudos em Crítica Cultural, podemos afirmar que é notável a
importância da superação de alguns problemas de ordem socioeconômica e sociocultural
mais geral, apontadas também pelo manifesto do MLU em 2004, dentre as quais estão a
centralidade de algumas políticas existentes para o livro no Estado direcionadas às escolas e
bibliotecas públicas - via Secretaria Estadual de Educação - que ainda não contemplam a
literatura local e não reconhece ofício do escritor (a) como um trabalho, a escassez de
editoras habilitadas para atuar neste mercado no Estado.
Algumas iniciativas que existem, como os projetos de incentivo a leitura, os Pontos deLeitura
do Governo Federal, o Proler do Governo Estadual da Bahia, o Programa Nacional para
Biblioteca Escolar-(PNBE), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a construção de
Plano Nacional do Livro e da Literatura, Programa do Livro Popular lançado na no Ano
passado, dentre outras implementações, devido à própria dinâmica socioculturalaqui
mencionada aponta para a necessidade de revisão dessas políticas.Projetos intersetoriais
também vem sendo realizados desde 2008 como as políticas culturais voltadas para a
juventude estudantil baiana, o Tempo de Arte Literária (TAL), as Artes Visuais Estudantis
(AVE) e o Festival Anual da Canção Estudantil (FACE), idealizados pelo Governo do Estado
através da Secretaria Estadual de Educação (SEC).
Sem dúvida, percebendo a amplitude dos fatores implicados ao processo literário, alguns
complicadores precisam ser visualizados, a saber: a superação de uma política editorial
hegemônica que opera junto a uma indústria capitalística neoliberal, a dificuldade de alguns
escritores em operarem junto à política pública cultural, a noção de que somente à escola
cabeo papel de formação de leitores em potenciale a superação de determinada ideologia no
que se refere ao modo como é concebido o ofício cultural do (a) escritor (a).
Diante desta recente proposição do Estado em instituir o Sistema Nacional de Cultura e com
isso, formular políticas públicas voltadas também para o campo da literatura e leitura,
somando-se a isso a instituição de políticas de Estado que contemplam este segmento
cultural, percebemos que apesar de algumas dificuldades dos escritores (as) e instituições em
lidar com as recentes políticas públicas, notamos que a participação e o interesse dos
escritores e representantes de instituições culturais nos debates vem se dando - ainda que
timidamente - de forma gradativa, sendo constante e recorrente a sua presença nos espaços
de discussão e eventos promovidos inclusive pela Universidade.
Considerando a realidade até aqui exposta, podemos afirmar que há um movimento subjetivo
latente de escritores (as) anônimos que desejam engendrar uma outra dinâmica ao seu ofício
cultural. Surge assim através da identificação destes problemas a necessidade de refletirmos
e repensarmos as políticas públicas culturais; que o empreendimento e discussão no campo
da pesquisa literária abram possibilidades de operarmos localmente em diálogo com o global
no sentido de nos mobilizarmos de fato e construirmos uma cultura literária que afirme a
vida e solidifique as noções de cultura como bem simbólico, econômico e cidadão, se opondo
à reprodução de práticas capitalistas hierarquizantes e violentas.

CONCLUSÃO

É coerente afirmar que diante do contexto sociocultural que aqui descrevemos - imerso na
cultura do dinheiro, mercado, bens simbólicos, indústria cultural acrescida de seus interesses
e fetiches -, a literatura assim como as demais artes entra como forte possibilidade na
contemporaneidade para repensarmos e reelaborarmos outras formas de vida, numa
perspectiva mais humana, em que pese os espaços sociais de subjetivação e sua luta pelo
exercício dos direitos culturais.
Nesse sentido, acreditamos que um dos pontos relevantes diante da atual perspectiva de
transformação cultural em sua multiplicidade, diz da figura do artista e seu caráter
eminentemente político no cenário atual – perpassando pelas modelizações subjetivas e seus
desdobramentos e fantasmas que transversalizam o ofício da escrita – quando vivenciamos
um momento em que o artista é convidado a formular junto ao Estado diretrizes que
subsidiarão os planos decenais de cultura e consequentemente alicerçam o Sistema Nacional
de Cultura.

111
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
No espaço-tempo desta pesquisa, percebemos que alguns equipamentos culturais se mostram
imprescindíveis e valiosos no sentido de figurar junto com o coletivo cultural de escritores
um possível movimento estético-político organizado em favor de uma arte literária aberta a
outras experimentações, e nessa empreitada estabelecer múltiplas conexões, em tempos de
institucionalização da malha cultural no país. Dentre estes equipamentos temos bibliotecas
públicas e comunitárias da cidade/território/estado, associações de moradores nos bairros,
Universidades públicas e particulares, agências de fomento à cultura, escolas, centros de
cultura.
Se, podemos afirmar que há um movimento subjetivo latente de escritores (as) anônimos que
desejam uma outra dinâmica ao seu ofício cultural, surge daí a possibilidade de operarmos
localmente em diálogo com o global no sentido de percebemos que apesar de haver certa
abertura gerada pelos mecanismos de política pública com alguns ainda tímidos avanços no
campo literário, a existência de problemas no funcionamento destas políticas apontam para a
necessidade de sua revisão, já que na base do seu funcionamento notamos sérios problemas
que vão da desarticulação provocada pelos interesses particulares de quem está gerindo a
cultura no município, a problemas estruturais de funcionamento interno da própria Secult
(Secretaria de Cultura do Estado).
Acreditamos que muito pode ser articulado principalmente quando partimos de reflexões
como nos mostra Singer (2008), em que é possível articular um cenário alternativo sempre
aberto a outras perspectivas construindo assim outras narrativas em que a produção literária
se transforme no signo enquanto forma de representação de uma realidade diferencial e
libertária. No entanto, esta articulação não deve prescindir de uma autocrítica do
escritor/trabalhador e seu engajamento diante da realidade em que vivemos, a fim de
solidificar a cultura como um bem simbólico, econômico e cidadão.
Sendo assim, a iminência do debate e abertura a que se propõe este estudo está aliada à
construção de roteiros e redes alternativas que invistam contra um modelo hegemônico e
excludente de fazer cultura, vislumbrando uma política de organização das artes e seu
potencial criativo. Cremos que atribuir e relegar todas as responsabilidades somente ao
Estado seja um grande equívoco. São necessárias políticas que garantam além da valorização
e democratização do acesso aos bens culturais, proporcione o eco de vozes historicamente
recalcadas, numa perspectiva de acesso aos modos de produção e geração de renda.

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112
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
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113
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
JOÃO GRILO E A PROBLEMÁTICA SOCIAL BRASILEIRA
João Evangelista do Nascimento Neto ††††††††††††††††

RESUMO: De origem incerta e de nacionalidade múltipla, João Grilo, personagem da cultura


popular, encerra em suas ações todos os anseios das classes subalternizadas. No Brasil, Grilo
encontra terreno fértil para as suas picardias e o texto de cordel é o ambiente ideal para
proliferar seus pensamentos e atitudes em prol de uma melhor condição de vida. Desse
modo, ao verificar a construção da personagem e seus atos como forma de protesto a uma
política que promove a exclusão e as diferenças sociais, neste trabalho, discute-se a
composição da personagem João Grilo a partir do folheto Proezas de João Grilo, atribuído a
João Ferreira de Lima e sua relação com o ambiente agreste em que vive. A personagem,
pois, sai do imaginário popular, da boca dos cantadores para habitar os textos de cordel,
sendo o porta-voz do povo sofrido do sertão. Como pícaro que é, dribla as dificuldades da
vida, rompe com um status quo estabelecido e questiona o descaso político-social existente
no Nordeste. Suas aventuras, pois, remetem a uma subversão das normas sociais vigentes,
quando, o povo, representado por Grilo, ousa denunciar as mazelas que reinam no mundo
esquecido do sertão. Para tal estudo, utilizam-se os pressupostos de Haurélio (2010),
Zumthor (2007), Abreu (1999), Araújo (1992), dentre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura deCordel. João Grilo. Problemática social.

ABSTRACT: Of uncertain origin and multiple nationality, Joã Griloohn. character of popular
culture, his actions in terminating all concerns of subaltern classes . In Brazil Grilo finds
fertile ground for their actions and the cordel text is ideal to proliferate their thoughts and
attitudes towards a better life environment. Thus, to verify the construction of the character
and his actions as a protest to a policy that promotes exclusion and social differences, in this
paper, we discuss the composition of the character from João Grilo through the brochure
Proezas de João Grilo, assigned to João Ferreira de Lima and its relation to the arid
environment in which they live. The character leaves the popular imagination, the mouth of
the singers to inhabit the cordel texts, being the spokesman of the suffering people of the
northeast. How that is picaresque, dribbles the difficulties of life, breaks an established status
quo and question the existing political and social neglect in the Northeast. His adventures
refer to a subversion of the social norms, when the people, represented by Grilo, dare
denounce the evils that prevail in the forgotten world of the arid region. For this study, we
use Haurélio (2010), Zumthor (2007), Abreu (1999), Araujo (1992), among others.

KEY WORDS: Cordel literature. João Grilo. Social problem.

INTRODUÇÃO

A palavra é semente, o fruto vem da sua interação com o ouvinte-leitor. Por isso, elas, as
palavras, podem ser semeadas em qualquer solo, frutos brotarão deles. Nem sempre é aquele
que se espera, mas ainda assim é fruto. Sejam em solos rochosos, vulcânicos, argilosos ou
áridos, os frutos nascem. No sertão de chão duro e quase impermeável à chuva, a palavra-
performance fez sua morada, fincou suas raízes, fez dele sair seus brotos, que se
transformaram em galhos firmes de uma árvore frondosa que é a cultura nordestina. Um
desses galhos, que dá boa sombra aos que por essa árvore passam, é a literatura de cordel
(HAURÉLIO, 2010).
A literatura de cordel não pode ser confundida com a literatura popular, já que nem todos os
autores, públicos e temas fazem parte das camadas populares. Contudo, é comumente
atribuída às camadas mais próximas da base da pirâmide social. Se há cordelistas com pouca

Professor Assistente da área de Literatura da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus


††††††††††††††††

Universitário Professor Gedival Sousa Andrade, DCHT XXIV, Xique-Xique-BA. Doutorando em Letras pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected].

114
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
instrução, não se pode negar a existência de autores acadêmicos que escrevem textos de
cordel de qualidade e contribuem para a manutenção da prática cordelista no Brasil.
Abreu (1999) defende o termo “literatura de folhetos” para diferenciar dos textos de cordel
vindos da Europa, mais especificamente do solo português. Em seu estudo acerca dos textos
de cordel lusitanos e a pretensa influência dessas obras em solo brasileiro, a autora percebeu
que, em Portugal,

Todas as histórias passam-se entre os nobres, havendo poucas referências à vida, aos
problemas ou às dificuldades dos pobres. Quando os súditos aparecem, nota-se que
eles vivem em perfeita harmonia com seus senhores. [...] Os pobres são capazes de se
alimentar e proteger os nobres, portanto ambos estão em igualdade de condições. [...]
Pobres e ricos vivem em simbiose, numa comunhão perfeita de interesses e
sentimentos (ABREU, 1999, p. 65).

No Brasil, a literatura de folhetos possui um forte e recorrente caráter social. Escrita sob
normas rígidas de rima, métrica e estruturação do texto, o texto dos folhetos são elaborados
pelos poetas “como se estivessem contando uma história em voz alta” (ABREU, 1999, p. 118).
Exemplo sonoramente vivo e vibrante da palavra-performance.
A palavra-força é tomada por João Grilo, quando da sua chegada em solo brasileiro. Assim
como um dia os homens roubaram o fogo dos deuses, Grilo, detentor da fala das camadas
populares, apropria-se do discurso dos poderosos a fim de que, fundidos os dois, surja um
texto intenso, imbuído de críticas sociais, permeado de escárnio e desejo de sobrevivência.
Esse capítulo da vida do personagem em solo brasileiro deu-se em terras nordestinas, mais
especificamente no ano de 1932, com “a publicação de Palhaçadas de João Grilo, de João
Ferreira de Lima, na tipografia Athayde, no Recife” (HAURÉLIO, 2010, p. 67).
No período em que o cordel foi lançado, era comum, nas capas dos folhetos, o nome do autor
ser substituído pelo do editor, que detinha os direitos da obra. Por isso, não raramente, vê-se
o folheto Proezas de João Grilo ser atribuído a João Martins de Athayde. Há, modernamente,
no entanto, um consenso de que o texto fora escrito por João Ferreira de Lima.

1 PROEZAS DE JOÃO GRILO

É no sertão nordestino que Grilo encontra acolhida. Sob o forte sol do sertão, renasce com
outras características díspares da sua representação portuguesa. Em 1948, João Ferreira de
Lima relança o cordel, batizado agora como Proezas de João Grilo. No texto, o personagem
ganha nascimento, infância e adultez. A morte? Essa não é contada, pois simplesmente
inexiste. Personagens, como João Grilo, não morrem jamais, pois renascem na memória dos
ouvintes e leitores e nas obras produzidas sobre eles. Daí sua vida ser um eterno re-
nascimento:

João Grilo foi um cristão


Que nasceu antes do dia,
Criou-se sem formosura,
Mas tinha sabedoria
E morreu depois da hora,
Pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses,


Chorou no bucho da mãe,
Quando ela pegou um gato
Ele gritou: - Não me arranhe!
Não jogue neste animal,
Que talvez você não ganhe!
(LIMA, 1979, p. 03).

João Grilo é um ser especial, um ente único. Antes mesmo de nascer, eventos sobrenaturais
prenunciavam que estava por vir uma criatura que transformaria o mundo. Desprovido de
beleza física, superabundava em inteligência. A primeira sextilha apresenta o Amarelo em
tom profético, anunciando nascimento e morte. A voz narrativa, ao fundir ao discurso solene
um ar jocoso, sugere que transformações são essas que o personagem faria vir à tona: sua
115
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
presença seria incômoda onde estivesse e sua inteligência confundiria os sábios. No fim da
primeira sextilha, o prognóstico de que teria condições, pela sua sabedoria, de enganar até
mesmo a morte, fato que será narrado por Ariano Suassuna em seu Auto da Compadecida.
O título de cristão que recebe remete à religiosidade do povo do sertão, local onde o
catolicismo popular encontrou espaço para fincar seus pilares. Mentiroso, trapaceiro,
enganador. Diante de todas essas adjetivações, Grilo é cristão justificado, já que a maioria de
suas atitudes revela o forte desejo de um nordestino em sobreviver em meio à seca da região e
à aridez de ações do governo e das demais instituições oficiais.
Antes de nascer, já fazia prodígios, como falar no ventre da mãe. Parecia saber, o ardiloso,
que nessa vida, o pobre não pode contar com a sorte para enriquecer, nem mesmo apostando
no jogo do bicho. Resta-lhe, portanto, a astúcia para driblar a fome e a morte todos os dias.
Mas isso não o intimida. Grilo, ansioso para vir enfrentar a vida e dar trabalho a ela, nasce
dois meses antes do previsto. A noite de sua chegada foi marcada por estranhos eventos:

Na noite que João nasceu,


Houve um eclipse na lua,
Detonou grande vulcão
Que ainda hoje continua;
Naquela noite correu
Um lobisomem na rua.

Assim mesmo ele criou-se


Pequeno, magro e sambudo,
As pernas tortas e finas,
A boca grande e beiçudo.
No sítio onde morava,
Dava notícia de tudo
(LIMA, 1979, p. 03).

O nascimento de João Grilo apresenta traços que se assemelham ao de Jesus. Assim como,
durante o nascimento de Cristo, a natureza se manifesta, estranhos eventos marcam a vinda
do personagem nordestino: um eclipse lunar, um vulcão em erupção e um lobisomem são
evidências que aquele dia é especial e que, da mesma maneira que o mundo seria
transformado pela vinda do Filho de Deus, o sertão seria revirado pelas ações de Grilo. Não
há pretensão em transformar o personagem em divindade, nem de aproximá-lo da figura de
Jesus, mas em ser seu contraponto. Se de um lado, tem-se Emanuel e seu sério discurso de
salvação da humanidade, do outro, aparece João Grilo e seu discurso chistoso de salvação de
si mesmo: a seriedade do discurso da religião versus a pilhéria da linguagem popular. Mas é
na hora da necessidade que o pícaro reconhece sua pequenez diante do Salvador. Aí utiliza de
suas artimanhas para garantir a benevolência do Manuel do catolicismo popular, que
também se diverte com as palhaçadas do pícaro e percebe que a vida é muito mais fácil de ser
vivida com doses de humor.
As características físicas de João Grilo afastam-no de qualquer previsão de vida longa ou de
êxito: sem beleza física, era de baixa estatura, franzino e barrigudo, enfim, representava o
menino que, desnutrido, não conseguira crescer adequadamente. Sua vida é, como de tantos
sertanejos, um milagre desses que só existem no Nordeste. A barriga grande é causada pela
esquistossomose, o que dá um ar risível, já que sua descrição aponta para uma criança magra
que carrega o peso de uma barriga repleta de vermes conseguidos por ingerir alimentos mal
lavados e água de cacimbas, sem tratamento. Daí a alcunha de Amarelo, como muitos outros
pequenos nordestinos. Contra todas as previsões, João Grilo cresce irrequieto. Na região
onde morava, cresceu, fazendo-se conhecido pelas suas intromissões nos mais diversos
assuntos. É desde pequeno que Grilo constrói sua fama de pícaro:

[...] Há um jogo ambíguo na construção do personagem picaresco. Esse anti-herói


utiliza-se de sua baixa condição social, miserável mesmo, para justificar-se perante o
leitor de seus atos vis. Aliás, tal condição social separa-o do trapaceiro. Ambos
116
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
burlam a ética e a moral vigentes, mas enquanto aquele luta pela sobrevivência e, por
isso, seus atos ganham outra conotação, este age pela simples ganância, pela sede de
poder (NASCIMENTO NETO, 2011, p. 03).

Em João Grilo, a picardia ganha ares requintados. Se o pícaro clássico age tão-somente para
garantir o direito à vida, João Grilo alia tal necessidade com o mais puro prazer de burlar os
outros. Desde a infância, aprendera a rir dos outros. Nascera para tal. Suas aventuras
parecem não ter fim: o quase afogamento de um vaqueiro na cheia do rio, a garapa com rato
morto oferecida ao padre, o penico da mãe oferecido como cuia de água ao vigário, a pretensa
confissão que gerou a nudez do cura e a vingança contra o português vendedor de ovos são
algumas de suas peripécias registradas no cordel.
Como perdera o pai aos sete anos, a sua mãe era a única referência familiar que possuía.
Transformara-se, desde cedo, no homem da casa com a morte do pai. Era preciso cuidar da
sua genitora. É desse modo que a escola torna-se um elemento secundário na vida de João
Grilo, tendo frequentado o ambiente educacional dos sete aos dez anos somente. Sua
sabedoria, portanto, é advinda de lugares não formais de saber. Por isso, também, a escola
não o atraiu. Em três anos, percebeu que o seu saber não cabia nas quatro paredes daquele
prédio que guardava o conhecimento oficial. Ao questionar o professor dos saberes práticos,
não obteve resposta:

João Grilo, em qualquer escola,


Tinha do povo s atenção,
Passava quinau no mestre,
Nunca faltou com a lição.
Era um tipo inteligente –
No futuro e no presente,
João dava interpretação.
[...]
João Grilo olhou de um lado,
Disse para o diretor:
- Este mestre é um quadrado,
Fique sabendo o senhor!
Sem dúvida, exame não fez –
O aluno desta vez
Ensina o professor!
(LIMA, 1979, p. 09; 12).

Ele já detinha o conhecimento necessário para sobreviver, o saber da vida. É das ruas, dos
campos e do contato com as pessoas que nasce o saber do Amarelo, uma ciência do riso, um
conhecimento da alegria mesmo em face dos obstáculos. Quer seja enfrentando ladrões, ou
mesmo os desafios de um sultão, João, em cada ato, torna-se exemplo e imagem de uma
camada social abandonada à própria sorte. Cada vingança de Grilo é uma vingança do povo
que representa contra os poderosos e representantes do governo. Rir das ações do pícaro não
é somente aprender a rir da sua própria situação, mas também crer que é possível vencer o
nobre, sendo plebeu, subjugar o forte, sendo fraco, dominar o rico, sendo pobre:

Humilhando, pelo riso, os seus algozes, o anti-herói realiza uma catarsis reveladora
do caráter e disposição de luta e resistência do povo de que é símbolo. Justamente
por representar a gente simples e, em consequência os sofrimentos e mágoas das
populações oprimidas é que o herói se identifica como o flagelo do Poder. Por isso
todas as formas de poder no Nordeste são atingidas [...] (ARAÚJO, 1992, p. 7-8).

As atitudes de João Grilo diminuem o fosso entre os mais necessitados e os abastados,


mesmo que, para isso, seja preciso recorrer ao fantástico, como no seu encontro, na caatinga,
com ladrões de Meca que haviam roubado no Egito. Aqui, todas as distâncias são reduzidas, a
fim de que o Amarelo possa colocar em prática a máxima que “ladrão que rouba ladrão, tem
cem anos de perdão”. Com uma ação simples, veste-se com um lençol branco, deita em um
caixão, finge ser um fantasma, afugenta os bandidos, e ainda fica com o soldo da ação dos
malfeitores. É perdoado pela mãe, ao chegar a casa, pois “os fins justificam os meios”, outra
máxima praticada pelo personagem.
117
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
No embate de Grilo com o sultão Bartolomeu do Egito, vê-se que a trama principal da versão
lusitana do personagem ressurge, e seu dom de adivinhação é posto em xeque pela majestade
que o ameaça de morte caso não consiga resolver as doze questões propostas. Como
Hércules, é preciso que o Amarelo delibere sobre os doze trabalhos do Sultão. Mas, por não
ter um corpo hercúleo, sua luta é com as palavras. É a única arma que o humilde possui, sua
voz. É certo que ela é fraca, quase inaudível aos ouvidos do poder constituído, mas, ainda
assim, é uma palavra cortante, afiada, capaz de questionar, boa para insurgir contra os
poderosos. É essa a arma de João Grilo. Com ela, o nordestino adivinhão acerta as esfíngicas
charadas, por conhecimento, as oito primeiras, e por sorte, as duas seguintes, como nas
versões portuguesas, aqui também estão inclusos os testes do rabo da porca e do vaso de
merda. Dentre todas as suas aventuras, essa, em especial, é a junção do Doutor Grilo ao
amarelo do sertão. Nessa peleja, Doutor Amarelo torna-se vitorioso pela astúcia brasileira
aliada à sorte lusitana:

O rei achou muita graça,


Nada teve o que fazer.
João Grilo ficou na corte,
Com regozijo e prazer,
Gozando um bom paladar –
Foi comer sem trabalhar,
Dessa data até morrer
(LIMA, 1979, p. 24).

Grilo não completa os doze trabalhos, pois somente dez questões lhe são apresentadas pelo
Sultão. Isso é o bastante para que ele consiga a confiança do rei e tenha a sua vida
transformada. Passa de pobre a rico e realiza o sonho de todo pobre sertanejo, não precisar
ganhar o sustento pelo suor do seu trabalho. A septilha supracitada atesta que do palácio o
Amarelo não saiu mais, aproveitando a boa vida conseguida até a sua morte. É claro que o
narrador não fala, no entanto, na segunda vida do farsesco, outra peculiaridade do
personagem a ser tratada por Suassuna em sua obra. Até a morte, a primeira, Grilo
contentou-se em ficar na corte, regalando-se com as mordomias recebidas, mas é certo que
depois ele pulou, como grilo que é, por outros caminhos, conhecendo outras realidades,
experimentando outras aventuras.
Diferente das versões lusitanas aqui apresentadas, o João Grilo brasileiro assume a função de
legislador do Egito. Utiliza a sagacidade que possui para “adivinhar” as pendências a ele
trazidas. Com exceção do conto compilado por Teófilo Braga, em todas as outras variantes,
Doutor Grilo sai às pressas do castelo, temendo o fim de sua sorte e, consequentemente, a sua
sentença de morte. Nas Proezas de João Grilo, o personagem decide residir no palácio e
mais, assume importante cargo de legislador. Semelhante ao patriarca José, no Egito, que
passou de escravo condenado a governador, por ordem do Sultão, e também em terras
egípcias,
Todas as proezas do reino
Era João que deslindava.
Qualquer pergunta difícil
Ele sempre decifrava.
Julgamentos delicados,
Problemas muito enroscados,
O João Grilo desmanchava
(LIMA, 1979, p. 25).

Grilo é metamorfoseado de pobre desconhecido em respeitado juiz. É a vitória do saber


popular sobre o valor das aparências. Dessa forma, Grilo fazia sua justiça prevalecer sobre os
menos favorecidos. Conhecedor dos problemas dos mais humildes e da capacidade dos
poderosos em humilhar os mais pobres, o pícaro encarna a figura de defensor dos pobres
num claro embate de classes. Nessa luta, por mais erros que as pessoas das camadas
populares cometam, são abonados por uma conjuntura opressora que as leva a agir desse
modo. Por tal pensamento, delibera favorável a um mendigo contra um duque. Acusado pelo
nobre de ter furtado o vapor da galinha que seu cozinheiro preparava, o mendigo, impelido
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pela fome, confessa ter colocado o pão apenas no ar quente a fim de saciar seu apetite.
Esdrúxula história, o riso surge pelo teor da denúncia, mas por trás dela, há ricos oprimindo
pobres, negando-lhes o direito de viver, cerceando-lhes os direitos básicos de sobrevivência,
impedindo-lhes de alimentar-se. Mas se é esquisita a questão, isso pede uma resolução tão
exótica quanto a pendência trazida aos ouvidos de João Grilo: o juiz coloca moedas de ouro
na mochila do mendigo e pede que ele a balance, fazendo as moedas tilintarem. Se provar o
vapor é crime, o pagamento pode ser dado pelo alarido das moedas, odor por som, um
sentido por outro. Com uma decisão salomônica, Grilo resolveu a questão, deixando o duque
insatisfeito e o mendigo com as cinco coroas de prata. Enfim, os papéis inverteram-se: a
justiça sorriu para os mais fracos “A forma como João Grilo resolve a questão demonstra que
a perseguição aos humildes não passa desapercebida à trovadoresca do cordel, cuja sátira
responde às inquietações do homem comum pelo látego da malícia, da picardia, da
malandragem”. (ARAÚJO, 1992, p. 14).

Se, no mundo prático, está difícil visibilizar direitos iguais para todos, no cordel sobre João
Grilo ela se faz presente com a atuação do pícaro que, mesmo rico, continua a agir conforme
seu pensamento de justiça. Mas a justiça de um pícaro não transita pelos mesmos vieses que
a oficial. Ela se dá da forma como o personagem aprendeu nas suas lutas diárias, passando
por cima de códigos de conduta, esquecendo-se de leis morais, regras sociais e práticas
jurídicas. Para o anti-herói, não basta lograr êxito em suas ações, elas precisam gerar o
próprio riso, o riso de outros personagens e o riso dos seus admiradores, sejam os ouvintes
das versões orais da história de Grilo, sejam os leitores, nos cordéis que ele protagoniza ou os
espectadores, da peça de Suassuna e das adaptações fílmicas:

A satisfação pelo êxito através da palavra e da esperteza satisfaz a plateia, dai o


espectador defender o pícaro. Este não possui força física, contudo são pela
perspicácia das ações empreendidas e pelos discursos proferidos que vence os seus
algozes, conquista o público e ainda gera o riso. Um discurso criado a partir de
situações dúbias, expressões ambíguas e situações confusas. A catarse do espectador
dá-se pela vingança dos protagonistas, em nome de todos, contra os trapaceiros
(NASCIMENTO NETO, 2011, p. 15).

A última aventura “grilesca” se passa em um reino de outro sultão. Por sua fama ter-se
espalhado, é convidado, com honras de Estado, a fazer-se presente para ser aclamado por sua
sabedoria e senso de justiça. Toda a corte se prepara para receber o grande João Grilo que se
apresenta simplório, com as vestes remendadas e os sapatos furados. Para decepção do paço,
aquele era o renomado juiz. Nesse enredo, a supervalorização das aparências é o mote
utilizado para questionar os valores de uma sociedade baseada em futilidades, como roupas,
calçados e acessórios. A moda, vista como vazia, é a simbologia de uma sociedade também
oca. Por mais que os atributos de Grilo fossem cantados em prosa e em verso, era a sua
aparência o que toda a corte aguardava. Em um mundo onde as vestes valem mais do que
quem as usa, não pode haver justiça social. Em um lugar onde a preocupação central é o
exterior, não sobrará tempo para o requinte das virtudes, o esmerilhamento dos valores
pessoais ou o aperfeiçoamento do bem coletivo. Essa é a prova da história, mas desta vez, é
João Grilo quem a propõe a todo o reino que está visitando.
Quando estava maltrapilho, fora maltratado, levado para alimentar-se na cozinha, longe dos
membros da corte, separado do convívio com os nobres, sofreu injúrias e toda sorte de
preconceitos. Então, veste-se com as roupas finas, que havia trazido em sua bolsa, e exibe-se
diante do público no castelo. Para comoção geral, todos se regozijam com o João Grilo bem
trajado, e reconhecem nele, agora, o grande juiz. O banquete, feito para ele, pode ser servido
com todas as pompas, mas o Grilo legislador precisa, enquanto defensor da essência do ser
humano sobre a sua aparência, levar as pessoas à reflexão. Assim,

O almoço foi servido,


Porém João não quis comer:
Despejou vinho na roupa,
Só para vê-lo escorrer,
119
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ante a corte estarrecida;
Encheu os bolsos de comida,
Para toda a corte ver.
[...]
Esta mesa tão repleta
De tanta comida boa,
Não foi posta pra mim,
Um ente vulgar, à toa –
Desde a sobremesa à sopa,
Foi posta pra minha roupa
E não pra minha pessoa!
(LIMA, 1979, p. 31-32).

Como em uma fábula, o Grilo encerra sua estada na corte com uma lição de moral a ser
seguida: não se pode medir a capacidade intelectual humana por aquilo que se veste, mas os
atributos a serem venerados são a sabedoria e a caridade. A homenagem recebida não lhe
dizia respeito, mas era para seus ricos trajes. Desse modo, a estes ele o repassava. O outrora
pícaro, agora se estabelece como um homem sapiente que, na maturidade, depois de ter
passado privações e obtido riquezas, não mudou. Em seu cerne, havia o mesmo morador do
sertão nordestino, que aprendera a ver o sofrimento alheio com o seu próprio sofrimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pícaro só existe onde existe a privação, onde habita a necessidade. Rico, João Grilo
distancia-se dessa sua faceta e parece perder parte do seu veio cômico. O folheto Proezas de
João Grilo, escrito originalmente em sextilhas. As 31 primeiras estrofes fazem parte desse
primeiro texto publicado. A esse material, foram acrescidas 95 estrofes em septilhas. Há,
claramente, dois Joões Grilos no cordel de João Ferreira de Lima. O primeiro, cantado em
estrofes de seis versos, é o pícaro brasileiro, o anti-herói nordestino que, sagazmente, cria
suas artimanhas, gera o riso fácil, mesmo moralizador em vários momentos. A alegria pessoal
está acima de qualquer outro motivo para esse Grilo dos trópicos:

João Grilo tinha um costume:


Pra toda parte que ia,
Era alegre e satisfeito.
No convívio de alegria;
João Grilo fazia graça
Que todo mundo sorria
(LIMA, 1979, p. 06).

A vingança é arma que usa como reparação dos males cometidos pelos poderosos contra ele,
para tal utiliza a inteligência, pois é destituído de força física. Cada ação premeditada possui a
intenção de gerar o cômico. Não basta a vingança, ela precisa ridicularizar o algoz aos seus
olhos, aos olhos do inimigo e, principalmente, às vistas do público-leitor, dos ouvintes e dos
espectadores. Esse João Grilo nordestino carece de plateia, ele gosta de ouvir seus feitos
serem repetidos mundo a fora.
Com o excerto dos versos de sete sílabas, vê-se surgir outro João Grilo, à imagem do
personagem lusitano, que dependia muito mais da sorte que da própria sabedoria para
enriquecer. O Doutor Grilo é bem mais moralista que sua versão tupiniquim. E, embora
acrescido de um discurso social, a abastança tira-lhe o ânimo para criar suas artimanhas.
Rico, o personagem perde todos os oponentes que tinha. Com a fome aplacada e sem a
urgência diária de lutar pela sobrevivência, passa de réu dos próprios malfeitos para juiz das
tiranias alheias.
Sem fome não há pícaro, sem disparidades sociais inexistem os ardis do personagem.
Paradoxalmente, sem essas privações também rareia o riso, cessa a alegria. Por isso, a verve
picaresca desse herói nordestino prevalece sobre a outra, vinda de além-mar. Os textos
posteriores que falam de João Grilo conservam o caráter folgazão do personagem, ou seria
sua falta de caráter, ou um caráter móvel, moldado a seu bel prazer? De qualquer forma, isto
não é visto como demérito, pelo contrário, nas suas peripécias, João Grilo encarna centenas
de milhares de pessoas que se sentem reparados pela sua justiça enviesada.
120
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia. Histórias de folhetos e cordéis. Campinas, São Paulo: Mercado de letras, 1999.

ARAÚJO, José Anchieta Dantas. As proezas de João Grilo e o capitão do navio. Fortaleza: Publicação do autor,
2010.
ARAÚJO, Jorge de Souza. João Grilo: síntese e transparência do anti-herói popular. Em: Sitientibus. Feira de
Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, v.6, n. 9, jan./jun. 1992. pp 5-19.

HAURÉLIO, Marco. Breve história da literatura de cordel. São Paulo: Claridade, 2010.

LIMA, João Ferreira de. Proezas de João Grilo. São Paulo: Luzeiro, 1979.

NASCIMENTO NETO, João Evangelista do. Um passeio pelo reino da picardia: as peripécias de Lázaro e João
Grilo no diálogo entre O Lazarillo de Tormes e o Auto da Compadecida. 2011, Inédito.

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 1957.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ENCONTRO COM EUCLIDES DA CUNHA, EM OS SERTÕES, SOB A LUZ
DA HERMENÊUTICA DE GADAMER: UMA TENTATIVA DE DIÁLOGO

Marcos José de Souza*

Resumo: A hermenêutica, redimensionada por Hans-Georg Gadamer, é nossa orientação


para a análise de alguns pontos do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Valendo-nos de
um dos elementos fundamentais, o preconceito, divididos em verdadeiros e falsos, fizemos
uma escansão de diversos pontos do livro em análise. Vimos que os preconceitos verdadeiros
incidiram sobre o conhecimento do lugar, a terra, enquanto que os falsos, sobre o homem, o
povo e sobre o a guerra, o fenômeno. Faremos uso de alguns momentos do texto, destacando
trechos das três partes que constituem a obra a fim de possibilitar-nos um quadro amplo
dela. Dividido conforme o cunho naturalista que subjaz a obra, Euclides da Cunha dividiu seu
trabalho na sequência seguinte: I - A TERRA, II - O HOMEM, III - A LUTA. Há que se
observar também, outro aspecto do pensamento euclidiano, na obra aqui analisada, é aquela
em que nos defrontamos, dentro das terras colonizadas, com os considerados Moderno e
não-Moderno. Pertencendo ao primeiro grupo, os moradores do litoral e, ao segundo, os
sertanejos, interioranos. O feito de Euclides fez surgir no país, daquele que detinha o saber
letrado, o logos, o sentimento de que o Brasil era muito mais que o litoral. E o fez com o
monumento literário nunca visto antes, o qual permanece até os dias atuais como fonte de
debates sobre uma possível classificação para o texto, se uma tese, um ensaio, um romance,
etc.
Palavras-chave: Hermenêutica. Os sertões. Euclides da Cunha. Preconceitos. Compreensão.

Abstract:
Hermeneutics, resized by Hans - Georg Gadamer, is our approach to analysis of some points
of the book Rebellion in the Backlands, Euclides da Cunha. Making use of one of the
fundamental elements, prejudice, divided into true and false, made scansion of several points
in the book under review. We have seen that the true prejudices focused on the knowledge of
the place, the earth, while the false, upon man, the people and about the war, the
phenomenon. We will use a few moments of the text, highlighting excerpts of the three parts
that make up the work to enable us her ample frame. Divided according to the naturalistic
nature that underlies the work, Euclides da Cunha divided his work in the following
sequence: I - THE EARTH II - MAN, III - THE FIGHT. It should be noted also, another
aspect of the Euclidean thought, the work examined here, is that in which we are confronted,
within the colonized land, with those considered non-Modern and Modern. Belonging to the
first group, the inhabitants of the coast, and the second, sertanejos provincials. The
achievement of Euclid did arise in the country, which held that knowledge literate, the logos,
feeling that Brazil was more of a coastline. And what made the literary monument never seen
before, which remains to this day as a source of discussions on a possible classification of the
text, a thesis, an essay, a novel, etc.

Keywords: Hermeneutics. Rebellion in the Backlands. Euclides da Cunha. Prejudices.


Understanding.

INTRODUÇÃO
A Modernidade e seus reflexos na vida comum da humanidade transformaram-se em
cláusula pétrea, mesmo dentro daquele ambiente, daquele modo de operar o pensamento, a
intelectualidade. Em outras palavras, ser Moderno consolidou-se como sinônimo de
Humano, dono do curso natural das coisas, domador, manipulador do curso da natureza.
___________
*Secretaria de Educação do Estado da Bahia, Fátima-Bahia, Mestre em Educação, professor.
[email protected]
No Brasil, periferia do globo, tivemos como em toda a América Latina, tomou-se emprestado,
inclusive, uma frase também sinônimo de Modernidade, “estamos condenados à civilização”,
usado com frequência por um ícone da chamada modernidade brasileira, Euclides da Cunha,

122
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
militar republicano, que teve seu auge na intelectualidade nacional no final do século XIX e
primeira década do século seguinte. Entre outras profissões, o dr. Euclides também foi
engenheiro, geógrafo, jornalista e escritor. Foi a partir deste último papel social que seu
nome ganhou projeção nacional e, posteriormente, internacional.
O seu livro, OS SERTÕES, publicado em 1902, maior obra da sua produção e considerado o
livro a obra prima nacional, foi considerado por uma das maiores intelectualidades
brasileiras da época, o abolicionista Joaquim Nabuco, a bíblia da nacionalidade. Pensado,
elaborado, organizado e construído sob o pensamento positivista e naturalista, vigentes à
época na hegemonia do pensamento europeu e, por extensão, pelo resto da humanidade
intelectual também hegemônica, o livro será aqui analisado a partir da hermenêutica de
Hans-Georg Gadamer, quando utilizaremos a categoria preconceito, tanto em sua origem
filosófica, quanto em seu uso popular.
Há que se observar também, outro aspecto do pensamento euclidiano, na obra aqui
analisada, é aquela em que nos defrontamos, dentro das terras colonizadas, com os
considerados Moderno e não-Moderno. Pertencendo ao primeiro grupo, os moradores do
litoral e, ao segundo, os sertanejos, interioranos. Desta forma vemos ser reproduzida a
mesma relação do europeu, o colonizador, Moderno, para com os latino americanos, os
colonizados, os não-Modernos. É o pensamento, o logos, europeu, em terras não europeias,
fenômeno que consolidou ainda mais a noção de dependência destas terras, o novo mundo,
para com o velho mundo, a Europa.
Neste sentido, o percurso científico-literário e o objeto de estudo de Os sertões compreendem
e inserem-se, na visão de Nestor Canclini, na tentativa de compreensão via hibridização,
posto que mesmo sendo um país aspirante a nação, havia claramente dois Brasis, o menor,
que copiava (ou tentava copiar) o modelo de vida europeu, em particular o francês e outro,
muito maior, que não havia atingido a Modernidade, que estava na pré-história da
civilização.

1 O PROCESSO ELABORATIVO DE OS SERTÕES: UM PERCURSO PESSOAL


SOBRE A SUA TRAJETÓRIA

Construído em plena efervescência de renovação científica, tecnológica e artística, o final do


século XIX e início do XX, o livro Os Sertões foi fruto de intensos e profícuos estudos
promovidos por dr. Euclides da Cunha. O primeiro “encontro” para a construção da obra
deu-se a partir do conhecimento de uma “revolta de fanáticos” que ocorria no Nordeste da
Bahia, o que gerou dois artigos publicados no periódico A Província de São Paulo. Ali, o
escritor comparou o levante brasileiro com outro semelhante que ocorrera na França.
Façamos saber que a existência do livro deve-se à ocorrência do movimento social
denominado Guerra de Canudos.
Com a ascensão ao poder, os republicanos, mas devido aos problemas de ordem político-
ideológicos, Euclides da Cunha é alijado do Exército, contudo já desfrutava de prestígio
intelectual (e também político) no pensamento hegemônico brasileiro e, assim, é convidado
para ser jornalista naquele levante popular que ocorria na Bahia, liderado por Antonio
Vicente Mendes Maciel, o Antonio conselheiro.
Agora imbuído da tarefa, Euclides parte para conhecer o novo mundo que se descortinava à
sua frente, o semiárido brasileiro. Com suas crenças, sua gente, sua formação, sua
organização, sua paisagem. A primeira fonte de informação utilizada foram as publicações do
já conhecido engenheiro baiano, o dr. Teodoro Sampaio, um dos poucos homens negros que
ascenderam intelectual e profissionalmente no racista Brasil daquela época. Com amplo
conhecimento sobre a fauna, flora e relevo do lugar, Euclides se deslocou até a Bahia, fazendo
uma pausa na capital, onde ampliou seus conhecimentos sobre o fenômeno social, o lugar e
sua gente. Em Salvador, ele pesquisou em fontes primárias como o Arquivo público, bem
como entrevistou militares e populares que iam e vinham do local da guerra.

123
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
2 UM DIÁLOGO COM GADAMER PARA A BUSCA DA COMPREENSÃO DOS
TRAÇOS FUNDAMENTAIS DE UMA EXPERIÊNCIA HERMENÊUTICA

Denominando de estrutura prévia da compreensão promovida por Heidegger, Gadamer


expõe o “pensamento” desse filósofo para aquela denominação identificando os seguintes
elementos conceituais, no que tange ao corpus de uma experiência hermenêutica, a saber:
I – opinião previa;
II – hábitos de linguagem;
III – contexto da obra em estudo;
IV –pré-compreensão e
V – pressuposição.
Ao ampliar o nosso “campo de visão” acerca da estrutura prévia da compreensão e relação
íntima com o preconceito, o autor traz também a experiência de Kant com a Aufklärung a
qual é refutada em alguns momentos (a citação é longa, mas esclarecedora):

É justamente nesse ponto que deverá engatar criticamente a tentativa de uma


hermenêutica histórica. A superação de todo preconceito, essa exigência global da
aufklärung, irá mostrar-se ela própria como um preconceito cuja revisão liberará o
caminho para uma compreensão adequada da finitude, que domina não apenas o
nosso caráter humano, mas também nossa consciência histórica.
Será verdade que achar-se imerso em tradições significa em primeiro plano estar
submetido a preconceitos e limitado em sua própria liberdade? O certo não será,
antes, que toda existência humana, mesmo a mais livre, está limitada e condicionada
de muitas maneiras? E se isso for correto então a ideia de uma razão absoluta não
representa nenhuma possibilidade para a humanidade histórica. Para nós a razão
existe como real e histórica, isto significa simplesmente: a razão não é dona de si
mesmo, pois está sempre referida ao dado no qual exerce sua ação.(GADAMER; p.
367)

Na esteira de elucidar aquela estrutura prévia de compreensão, Gadamer continua


recorrendo ao conceito de preconceito kantiano da aufklärung, desta feita para mostrar o
“esquema” metodológico do defrontamento com o fenômeno a que se quer analisar. Assim
vaticina o autor: hermenêutica tem como ponto de partida a recuperação da autoridade e da
tradição.
Segundo o autor – Gadamer, ambos os termos precisam ser historicizados a fim de que o
projeto hermenêutico seja viável, posto que autoridade “ ...não tem a ver com obediência,
mas com conhecimento.(...) ... o que a autoridade diz não é uma arbitrariedade irracional,
mas algo que em princípio pode ser compreendido” ( p. 371);enquanto que tradição é “ ... ter
validade sem precisar de fundamentação.”(p. 372) “(...) é essencialmente conservação e
como tal sempre está atuante nas mudanças históricas. (p. 373)”. Tais afirmações vão de
encontro aos lugares comuns sobre os elementos, autoridade e tradição, dentre os mais
corriqueiros, para o primeiro, o de incontestável, para o segundo, verdade absoluta. Vê-se
que ambos são suscetíveis às mudanças, às ações do tempo, este, por sua vez, fruto da ação do
indivíduo, disponível às intervenções humanas.
Chama a nossa atenção o seguinte esquema por nós formalizado sobre os esclarecimentos
gadamerianos ao se reportar a um determinado esquema metodológico, o cartesiano:
PRECIPITAÇÃO AUTORIDADE DISTINÇÃO
Fonte de equívocos Culpada pelo não uso da Oposição excludente de
razão autoridade X razão

Ao introduzir a noção de clássico no corpus hermenêutico, Gadamer historiciza o termo


apontando os aspectos normativo e retrospectivo que o mesmo adquiriu e aponta que,
juntamente a ideia de autoridade e tradição, constituem a base do “método” hermenêutico
cuja porta de entrada (e de saída) é a compreensão.

Assim, o empreendimento hermenêutico ganha um solo firme sob seus pés. Aquele
que quer compreender não pode se entregar de antemão ao arbítrio de suas próprias
opiniões prévias, ignorando a opinião do texto da maneira mais obstinada e
consequente possível – até que este acabe por não poder ser ignorado e derrube a
suposta compreensão. (GADAMER; p. 358)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Com os sugestivos questionamentos “Como se começa o trabalho hermenêutico? Que
consequências tem para a compreensão a condição hermenêutica de pertencer a uma
tradição?” (p. 385), Gadamer vai delineando o modus operandi hermenêutico e a fim de nos
assentar quando/onde a compreensão ganha corpo, toma forma.
Termos e expressões como tempo e distância temporal são elementos-chave para a
tentativa de compreensão. Para maiores esclarecimentos, Gadamer usa a obra de arte e sua
relação com o intérprete, o qual afirma, buscando em Heidegger que aquilo que sabemos,
inferimos, não é uma ação individual, do ego, mas aquilo que a nossa convivência determina.
É um continum ir e vir (GADAMER; p.388)
Diferentemente do que se supõe, o tempo e a distância temporal entre o intérprete e a obra
não constituem obstáculos para a manutenção do diálogo, da busca da compreensão, da
possibilidade de avaliações, de inferências. Muito pelo contrário, esse intervalo cronológico
gera uma riqueza de informações A CONCEPÇÃO PRÉVIA DE INFORMAÇÕES, construindo,
dessa forma, um círculo produtivo. Conforme salienta Gadamer (p.395):

Muitas vezes essa distância temporal nos dá condições de resolver a verdadeira


questão crítica da hermenêutica, ou seja, distinguir os verdadeiros preconceitos, sob
os quais compreendemos, dos falsos preconceitos que produzem os mal entendidos.

Tornando ainda mais esclarecedora a hermenêutica, reforçando a noção da parte ao todo e do


todo à parte, como prática reflexiva e construtora do conhecimento, Gadamer afirma que “A
partir daí determina-se o que pode ser realizado como sentido unitário e, com isso, a
aplicação prévia da perfeição” (p. 390 – grifo nosso). Nosso interlocutor refere-se ao
“movimento” indicado acima, o da parte ao todo e deste, à parte.
Ele ainda reforça o caráter da distância temporal para a hermenêutica ao afirmar que ... “a
compreensão começa onde algo nos interpela. Sabemos agora o que isso exige: suspender
por completo os próprios preconceitos.” (p. 395-6). Entretanto o próprio autor adverte:
“Mas, do ponto de vista lógico, a suspensão de todo juízo, e a fortiori, de todo preconceito,
tem a estrutura da pergunta. “(p. 396)
Desse modo Gadamer encerra a sua explanação sobre a distância temporal e seu significado
para a hermenêutica, do mesmo modo que iniciou: questionando. Agora elegendo a pergunta
como elemento desencadeador da possibilidade de compreensão, pois “a essência da
pergunta é abrir e manter abertas as possibilidades” (p. 396)
Outro destaque dado dentro do campo de análise hermenêutico é dado à história efeitual, isto
é, a repercussão que uma obra provoca em uma determinada sociedade e/ou tempo histórico.
Não sendo visto o efeito da obra como um procedimento metodológico hermenêutico, mas
como a possibilidade, uma ampliação do seu conhecimento, da obra, tendo em vista a
distância temporal.
Não menos sui generis, temos o livro OS SERTÕES, de Euclides da Cunha, publicado
em 1902, no alvorecer do século XX, herdeiro das transformações científicas, tecnológicas e
artísticas do final do século anterior. Afora o impacto que a publicação da obra causou, sobre
a feitura da obra, os passos dados pelo autor e a capacidade de “bordá-la”, costurá-la,
construí-la, no nível macro consideramos o todo em que Os Sertões, à onda avassaladora da
produção intelectual de cunho positivista e, no nível micro, a obra em si, dividida em 03(três)
partes, com temas específicos, mas, mesmo assim o autor abordou-as de modo simultâneo,
evidentemente com a hegemonia própria para cada uma delas: A TERRA, O HOMEM, A
LUTA.

3 PARA ENTENDER OS SERTÕES, O ANTES E O DEPOIS


Neste momento do trabalho buscaremos analisar o livro Os Sertões, à luz da hermenêutica
preconizada por Gadamer, mais precisamente, focando a partir do elemento (categoria de
análise?) PRECONCEITO. O antes, pretende-se COMPREENDER a obra, em outro seguinte.
Tendo como lugar o estudo da obra em sala de aula, o depois. Entretanto, em ambas as
situações, a noção do particular para o geral e do geral para o particular, conduzirá o nosso
raciocínio de (des)construção analítica.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
3.1 O(OS) PRECONCEITO(S) EM OS SERTÕES
Para escrever a bíblia da nacionalidade, conforme o contemporâneo Joaquim Nabuco se
reportou ao livro do chamado dr. Euclides, o autor, como salientamos no início desse
trabalho, valeu-se de diversas informações, dentre as mais importantes podemos destacar os
estudos realizados pelo engenheiro Teodoro Sampaio, um dos poucos homens negros com
atividade intelectual no século XIX neste país de mestiços. Mas as fontes foram além,
inclusive com pesquisas do tipo entrevistas com soldados e sertanejos vindos do campo de
batalha, na estação de trem do bairro da Calçada, na capital baiana, Salvador.
Fazendo uma analogia com a noção de preconceito exposto por Gadamer, nosso interlocutor
maior nesse trabalho, podemos considerar que Euclides da Cunha fez uso dos preconceitos
falsos e dos preconceitos verdadeiros.
Para o primeiro tipo, os falsos, podemos destacar dois dos mais conhecidos deles: o primeiro
diz respeito ao moto propulsor do que acontecia no interior da Bahia. Para tal, faremos uso
de dois exemplos retirados de dois artigos publicados por Euclides da Cunha, no jornal O
Estado de São Paulo, o mesmo que o contratou para fazer a cobertura da guerra. Os textos
receberam o mesmo nome e foram publicados respectivamente, nos dias 14 de março e 17 de
julho de 1897, constando, posteriormente o Canudos; Diario de uma expedição.
...a horda dos fanatizados sequazes de Antônio Conselheiro, o mais
sério inimigo das forças republicanas.(p. 121)
Identificados à própria aspereza do solo em que nasceram, educados numa rude es
cola de dificuldades e perigos, esses nossos patrícios do ser tão, de tipo et no
logicamente indefinido ainda, refletem naturalmente toda a inconstância e toda a
rudeza do meio em que se agitam.(...)
Como na Vendéia o fanatismo religioso que domina as suas almas ingênuas e simples
é habilmente aproveitado pelos propagandistas do Império. (p. 124)
Vestido de couro curtido, das alparcatas sólidas ao desgracioso chapéu de abas largas
e afeiçoado aos arriscados lances da vida pastoril, o jagunço, traiçoeiro e ousado,...(p.
127)

Nesse trecho temos uma das muitas confusões tipológicas quando identifica o homem
sertanejo com um tipo do lugar, o homem que vive para proteger uma propriedade ou um
serviço a mando de uma autoridade – política ou econômica – de um determinado lugar.
E quanto ao segundo exemplo, aquele que incide sobre o habitante do lugar, o sertanejo.

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-
lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações
atléticas.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra
remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das
modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.(p. 77 – grifo nosso)

Apesar de extensa, a citação é uma das descrições mais usadas dentre tantas que Euclides usa
em Os Sertões. Nela temos um misto de ideias preconcebidas, o que entendemos aqui como
preconceitos falsos, mas o mesmo autor “ressalva” seu ideário ao concluir de modo
“compensador”.
Para o segundo tipo, os verdadeiros, destacaremos alguns vistos nos mesmos textos em que
vimos os falsos preconceitos:

As aves que tinham emigrado para as margens e lugares próximos dos rios e
mananciais voltam a suas habitações. Foi ali que compreendemos quanto é bem dado
aos papagaios o nome específico de festivus. Com efeito, quando chegam os bandos
destas aves a gritarem alegremente, acompanhadas de um sem-número de outras,
começam logo a se animar aquelas paragens e como que a natureza desperta. “Então,
o sertanejo é feliz e não inveja nem mesmo os reis da Terra! Como se vê naquela
região, intermitentemente, a natureza parece oscilar entre os dois extremos – da
maravilhosa exuberância à completa esterilidade. Este último aspecto, porém,
infelizmente, parece predominar.(p. 122)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
É pública e notória a pesquisa de campo e bibliográfica realizada por Euclides para conhecer
o lugar onde ocorria o conflito e aqui temos um exemplo no qual o escritor revela seu
conhecimento.
Ao se referir à ação do Exército no campo de batalha assim se expressa o nosso interlocutor
nesse momento deste trabalho:
Prolongando-se para o norte, ao atingir o morro da Favela, eixo das operações do
nosso Exército, os grandes acidentes de terreno derivam para leste e depois para o
norte e subseqüentemente para noroeste, como que estabelecendo em torno de
Canudos um círculo de cumeadas, cortado pelo Vaza-Barris em Cocorobó. A marcha
do Exército republicano opera-se nesse labirinto de montanhas. Não é difícil
aquilatar-se a imensa série de obstáculos que a perturba.(p. 127)

3.2 A COMPREENSÃO DE OS SERTÕES


Faremos uso de alguns momentos do texto, destacando trechos das três partes que
constituem a obra a fim de possibilitar-nos um quadro amplo dela. Dividido conforme o
cunho naturalista que subjaz a obra, Euclides da Cunha dividiu seu trabalho na sequência
seguinte: I - A TERRA, II - O HOMEM, III - A LUTA. À medida que lançarmos mão de um
comentário que busque a compreensão do texto, imediatamente destacaremos um trecho que
ilustre tal comentário.
I A TERRA - Assentado sobre pensamento acadêmico da linha naturalista, Euclides da Cunha
vai expondo a paisagem natural do Brasil destacando o planalto central como se pode ver já
no primeiro parágrafo do texto, o qual, curiosamente denomina-o de Preliminares. Esse
circuito é feito para “desembarcar” no nordeste da Bahia, local onde o fenômeno social
ocorreu, predisposição “natural”, conforme os ditames positivistas e naturalistas, base do
pensamento euclidiano.
O planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e
abruptas. Assoberba os mares; e desata em chapadões nivelados pelos visos das
cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas. Mas ao derivar para as
terras setentrionais diminui gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que
descamba para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, que o despem da
primitiva grandeza afastando-o consideravelmente para o interior.(p.12)

Com o instigante subtítulo de Higrômetros singulares, Euclides apresenta um quadro bizarro,


ao tempo em que antecipa um instante da luta, quando, ao deixar o campo de batalha,
depara-se com um cadáver de soldado. Vemos na citação que até em situações dessa
natureza, a “veia” poética se faz presente. Atentemos também para o uso das reticências.

O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela – braços
largamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava.
Descansava... havia três meses.” (...) “O destino que o removera do lar desprotegido
fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de um fuso
repugnante; e deixara-o ali há três meses – braços largamente abertos, rosto voltado
para os céus, para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas fulgurantes
(p.28 – grifo nosso)

Somos desafiados no encerramento deste item com um quadro da paisagem sob a ótica do
invasor, de um viajante, ao se deparar com um oásis.
O narrador define a seca e o sertão de Canudos como sendo o local que resume todo o
semiárido, ao tempo em que expõe um quadro do calendário daquele fenômeno natural, o
qual é denominado de “...vicissitudes climáticas...” (p.32). Indica-nos também preocupações
de parlamentares acerca do fenômeno, inclusive a divulgação de uma tese sobre a
periodicidade dela, a seca. Segundo Euclides o que motiva a existência da seca é a falta de
ventos favoráveis ao surgimento de chuvas, bem como a disposição de serras que
proporcionem a presença desses, os ventos.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A caatinga é apresentada como grande adversário dos que nela nunca entraram ou nunca
viram. A sequência a seguir, além da situação indicada, expõe o uso do verbo numa tentativa
de ampliar a condição de tamanho entre o homem e a natureza.
Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o
na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o
espinho, com os gravetos estalados em lança; e desdobra-se-lhe na frente léguas e
léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e
secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se
flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante...
(p.35 – grifo nosso)

II O HOMEM - Euclides define, portanto, a gênese étnica brasileira a partir do arquétipo


indígena, da força do africano e da inteligência e civilidade do português. Mas não é assim tão
simples localizar o brasileiro, pois a “junção” daquelas 03 raças proporcionam uma
variedade de tipos, pardo (pálido).

Adstrita às influências que mutuam, em graus variáveis, três elementos étnicos, a


gênese das raças mestiças do Brasil é um problema que por muito tempo ainda
desafiará o esforço dos melhores espíritos.
Está apenas delineado.(p. 50)
Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro remoto, se o
permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. Invertemos, sob este aspecto, a
ordem natural dos fatos. A nossa evolução biológica reclama a garantia da
evolução social.(p. 52)

Uma breve viagem sobre variados aspectos climatológicos brasileiros, proporciona ao leitor a
visão que Euclides tem sobre a relação intrínseca entre o tipo humano e o clima dos lugares,
dos Brasis. É importante destacar que o autor entende que o português “povo” precisa de
“mistura” a fim de poder resisti às variações climáticas que o país possui, entretanto salienta
que a capacidade intelectual diminui. Esta era a teoria predominante à época. “É natural que
estas camadas profundas da nossa estratificação étnica se sublevassem numa anticlinal
extraordinária — Antônio Conselheiro... A imagem é corretíssima.” (p. 96)
Recorrendo à riqueza da metáfora, Euclides apresenta Antonio Conselheiro, um ser oriundo
do âmago de um núcleo gerador de potencialidades. Contrapondo a postura científica do
geólogo, ante a do historiador, sendo para o 1º a montanha, para o segundo, o homem – o
Conselheiro, Euclides destaca 03(três) características de situação, a saber: isolado, incluído e
em função do meio. Segue o autor, ora delineando o desenvolvimento psíquico do
Conselheiro, ora relacionando a barbárie ou fetichismo, ora enaltecendo seu atavismo,
considerada esta como o que dá forças ao andarilho, em busca dos seus princípios como
humano.
Euclides apresenta o novo Antonio Vicente, o Conselheiro, figura-parte do cenário, da
paisagem natural, mística dos sertões (vê-se que o autor nos informa a quem recorreu para
traçar a rota e o comportamento do futuro líder: “um velho caboclo, preso nos últimos dias de
campanha...”(p. 103)
O narrador enfatiza sobre o “surgimento” do Conselheiro, o papel fundamental do povo, da
multidão na criação do mito: “A multidão (...). Criava-o. Ampliava-lhe, desmesuradamente, a
vida, lançando-lhe os erros de dois mil anos”(ibidem).
A fama do Conselheiro começa a se espalhar pelo Brasil e, como para confirmar essa situação,
Euclides apresenta um trecho de notícia sobre o andarilho na qual se vê a intenção de quem o
escreveu. Euclides identifica o primeiro percurso do religioso sendo Itabaiana, Conde,
Itapicuru o primeiro trecho que se tem notícia (não necessariamente nessa ordem), mas a
passagem por Sergipe fora registrada no jornal O Rabudo, de Estância.
O episódio da prisão do Conselheiro, acusado de assassinar a esposa e a própria mãe, serve
como reforço a imagem do milagreiro, pois retorna exatamente no dia em que diz que voltará

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
à Itapicuru de cima, onde fora detido. Sua peregrinação e força religiosa ganham mais ânimo
e os seguidores aumentam. Assim reina absoluto sobre nossa região.

Em toda esta área não há, talvez, uma cidade ou povoado onde não tenha aparecido.
Alagoinhas, Inhambupe, Bom Conselho, Jeremoabo, Cumbe, Mucambo, Maçacará,
Pombal, Monte Santo, Tucano e outros viram-no chegar, acompanhado da farândola
de fiéis. Em quase todas deixava um traço da passagem: aqui um cemitério arruinado,
de muros reconstruídos; além uma igreja renovada; adiante uma capela que se
erguia, elegante sempre. (p. 106)

Com a fama e a força já conquistadas, passa Euclides a indicar os efeitos e os embates do


conselheiro e sua gente por onde chegavam: a construção e reforma de igrejas e cemitérios.
Vale ressaltar a posição do narrador frente aos atos do religioso, afirmando que “O
Conselheiro continuou sem tropeços na missão pervertedora avultando na imaginação
popular” (p. 111 – grifo nosso)
E Canudos nos é apresentada. A cidade é erguida, mas não é vista de longe, pois a serras a
encobrem o que provoca susto no viajante desatento, tendo em vista que somente do alto de
alguma montanha é que terá a visão da nova cidade.

III A LUTA - Considerada por muitos, como a principal parte, visto que é nela que consiste a
necessidade da presença de Euclides da Cunha em terras baianas. É a mais longa do livro e
tenta corresponder às investidas do exército brasileiro contra o povo do lugar, Canudos. Com
um título bastante sugestivo, Causas próximas da luta e Uauá, e um parágrafo inicial ainda
mais provocativo, “Determinou-a incidente desvalioso”, Euclides nos informa que o motivo
do início das investidas do governo da Bahia e, por conseguinte, do Brasil, contra o
Conselheiro e sua gente, deveu-se ao juiz Arlindo Leone, que criou uma situação, a qual
exigia a presença das tropas naquela cidade. Note que houve uma querela entre este e o
Conselheiro em Bom Conselho, mas que anteriormente Euclides não cita, fazendo uso do
recurso narrativo.
Antônio Conselheiro adquirira em Juazeiro certa quantidade de madeiras, que não
podiam fornecer-lhe as caatingas paupérrimas de Canudos. Contratara o negócio com
um dos representantes da autoridade daquela cidade. Mas ao terminar o prazo
ajustado para o recebimento do material, que se aplicaria no remate da igreja nova,
não lho entregaram. Tudo denuncia que o distrato foi adrede feito, visando o
rompimento anelado.(p. 131 – grifo nosso)

Para tal, o autor faz uso de correspondências oficiais, trocadas entre o governador da Bahia,
Luiz Viana e o presidente da República, Prudente de Morais.
Segundo Euclides, o governo baiano não deu importância necessária ao episódio; a partir
disso, o autor refaz a saga do Conselheiro pela Bahia ao relatar as construções de igrejas,
cemitérios, bem como a reforma e/ou ampliações desses mesmos prédios. Outro destaque é
dado à cronologia do evento cujas datas vão dando aos leitores a dimensão exata do episódio,
inclusive a dificuldade por qual passava a soldadesca.
Novamente fazendo referência ao ambiente físico da guerra, o autor reforça a situação de
cansaço provocada pelo sol escaldante do sertão, a inexistência de árvores frondosas que
permitam o sombreamento e, o mais grave, o período de estiagem daquele momento, em um
ambiente em que a escassez de água é uma triste realidade.
As dificuldades encontradas na aquisição de elementos essenciais à marcha ali
retiveram a força até ao dia 12 em que partiu, ao anoitecer, quando, certo, já chegara
a Canudos a nova da investida . Partiu sem os recursos indispensáveis a uma
travessia de duzentos quilômetros, em terreno agro e despovoado, orientada por dois
guias contratados em Juazeiro.(...) (p. 133)

Quando chegam à primeira povoação, antes do Belo Monte, a pequena Uauá, a tropa é
recebida com espanto. Euclides nos informa acerca da sua formação atual, a presença
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
naquele ermo, para aqueles que viviam na caatinga tratava-se de uma grande cidade. Ali a
tropa descansa, o que sugere a derrota iminente, pois também tinha, naquele lugarejo,
adeptos do Conselheiro.
Enquanto os soldados descansavam da penosíssima travessia, os conselheiristas invadiam o
povoado, entretanto não entoavam gritos de guerra, mas rezas; alguns munidos de objetos,
símbolos do catolicismo, outros de armamentos rudimentares. Entretanto, o modo de ação
foi tão assustador e repentino, que os soldados entraram em desespero e não tiveram tempo
de se organizarem taticamente (se é que existia essa tática). E, mesmo com muito menos
baixas, abandonaram o lugar. “Este movimento foi instantâneo e foi, afinal, a única
manobra percebida pelos que testemunhavam a ação. Dali por diante não a descrevem os
próprios protagonistas. Foi uma desordem de feira turbulenta.” (p. 136)

Note-se que Euclides afirma que o médico da expedição enlouqueceu, tamanho o susto e as
dificuldades de curar os enfermos; e os soldados retornaram a Juazeiro aos frangalhos, como
se tivessem perdido a batalha – em relação à quantidade de baixas, a tropa venceu, mas como
sabemos... –
A população alarmou-se, reatando o êxodo. Ficaram de fogos acesos na estação da
via-férrea todas as locomotivas. Arregimentaram-se todos os habitantes válidos,
dispostos ao combate. E as linhas do telégrafo transmitiram ao país inteiro o
prelúdio da guerra sertaneja... (p. 137 – grifo nosso)

Este último momento, a seguir e pertencente à 3ª expedição, demonstra que ambos os lados
perderam nesta batalha. Destacamos a “engenhosidade” do poeta Euclides ao pintar esta
paisagem bela e ao mesmo tempo fúnebre, sobre o modo como os conselheiristas recolhem
seus cadáveres, moribundos e feridos. Atentemos ainda para o uso dos verbos no gerúndio,
proporcionando assim uma dinâmica à ação.
À tarde ultimava-se a missão piedosa.
Faltavam poucos, os que a tropa queimara.
O fúnebre cortejo seguia agora para Canudos...
Muito baixo no horizonte, o sol descia vagarosamente, tangenciando com o limbo
rutilante o extremo das chapadas remotas, e o seu último clarão, a cavaleiro das
sombras, que já se adunavam nas baixadas, caía sobre o dorso da montanha...
Aclarou-o por momentos.
Iluminou, fugaz, o préstito, que seguia à cadência das rezas. Deslizou,
insensivelmente, subindo, à medida que lentamente ascendiam as sombras, até ao
alto, onde os seus últimos raios cintilaram nos píncaros altaneiros. Estes fulguravam
por instantes, como enormes círios, prestes acesos, prestes apagados, bruxuleando na
meia luz do crepúsculo.
Brilharam as primeiras estrelas. Rutilando na altura, a cruz resplandescente de Órion
alevantava-se sobre os sertões . . .(p. 168 – grifo nosso)

Aqui o sol é acompanhante e, ao mesmo tempo em que castiga, também chora.


Para finalizar nosso percurso literário, dirigimo-nos para o final do texto, momento em que a
última batalha é travada, momento posterior em que algumas pessoas são “entregues” ao
Exército, posto que a situação tenha se tornado insustentável para os conselheiristas:
O Exército mais uma vez, é surpreendido pelos sertanejos. Dessa vez não houve tiros (ainda),
mas uma legião de decrépitos, homens e mulheres de todas as idades, com vários ferimentos,
sujos, maltrapilhos, com fome e com sede vão surgindo. Segundo consta este ato de Beatinho
de Bernabé foi uma jogada de estrategista, pois assim sendo, os últimos combatentes não
teriam que se preocupar com os doentes, estes ficariam a salvo e sob a proteção do Exército.
O momento de chegada dos rendidos, em que as pessoas estão sentadas no chão, foi
registrado por Flávio de Barros e se transformou ao longo da história na ilustração
emblemática de todo o conflito.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONCLUSÃO A feitura de Os Sertões equivaleu à construção de um monumento, desses
vistos em diversas praças de diversos lugares, entretanto, diferentemente daqueles de
concreto, somente duas mãos foram utilizadas para o seu erguimento. A despeito das
pesquisas feitas anteriormente as quais constituíram a estrutura prévia do conhecimento do
escritor, mas foi ele o escultor, o operário, o ouvinte, o construtor, de fato e de direito.
Munido de um daqueles elementos caros à hermenêutica, o escritor valeu-se dos
preconceitos, tantos os preconceitos verdadeiros, quanto os preconceitos falsos. Vimos que
para os primeiros, o autor incidiu sobre os conhecimentos do MEIO – o lugar onde ocorreu o
fenômeno, e para os segundos, os falsos, O HOMEM, sujeito principal dos eventos, o
sertanejo e A LUTA, o fenômeno em si, que “exigiu” a presença do republicano, positivista e
civilizado Euclides da Cunha.
Entendemos que os preconceitos falsos recaíram sobre esses dois momentos do texto em face
tanto o sertanejo, homem do lugar, e a luta, modo de defesa do povo do lugar,
transformaram-se em elementos-surpresa para o Brasil civilizado, o Brasil que ignorava os
sertões do país, o Brasil que de fato desconhecia o outro Brasil. Desconhecimento no sentido
de desrespeito, não no sentido de não saber da presença daquele outro país dentro deste país.
O feito de Euclides fez surgir no país, daquele que detinha o saber letrado, o logos, o
sentimento de que o Brasil era muito mais que o litoral. E o fez com o monumento literário
nunca visto antes, o qual permanece até os dias atuais como fonte de debates sobre uma
possível classificação para o texto, se uma tese, um ensaio, um romance, etc.

REFERÊNCIAS
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CANCLINI, N. G. “Entrada” in Culturas híbridas:estratégias para.entrar e sair da Modernidade. 4 ed. São
Paulo:EDUSP. Trad. Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. Trad. da introd. Gênese Andrade. 2013.
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__________.Canudos; diário de uma expedição. São Paulo:Martin Claret. 2006.
GADAMER, H.-G. “Os traços fundamentais de uma teoria da experiência hermenêutica inVerdade e método
I:traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 13 ed. Petropólis, RJ:Vozes e Bragança
Paulista,SP:Editora Universitária São Francisco. Trad. Flavio P. Meurer. 2013.
PAULA. A. C. de. A teia dialógica da teoria literária:uma proposição hermenêutica. 2008. Disponível em
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QUADROS, T. R. de. Hermenêutica e ensino de literatura. Disponível em http://w3.ufsm.br/senafe/Anais/Eixo.
3. Acessado em 22.12.2013, às 18:55h.
UNGER, N. M. “A desertificação do mundo contemporâneo” e “Da foz à nascente”, in Da foz à nascente:o recado
do rio. São Paulo:Cortez e Campinas:EDUNICAMP. 2001.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CARTOGRAFIA DO NOVO: O REGIONALISMO NA FICÇÃO DE BARTOLOMEU
CORREIA DE MELO

Maria Betânia Peixoto Monteiro da Rocha ‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡

RESUMO: A ficção do potiguar Bartolomeu Correia de Melo foi lançada ao público na


segunda metade da década de 1990, consistindo em livros de contos. Sob o título Lugar de
estórias, foi publicado em 1998 o seu primeiro livro. Depois dele vieram, também de contos,
os livros Estórias quase cruas (2002) e Tempo de estórias (2009). As narrativas das três
obras são ambientadas no sertão do Rio Grande do Norte, onde os elementos da tradição
disputam lugar com os da modernidade. Para além da trama – que absorve a tensão desta
disputa – a linguagem incorpora as relações sociais do homem campesino, seja por
aproximar-se da oralidade ou por beneficiar-se dos regionalismos léxicos e sintáticos. Por tal
composição, podemos dizer que a ficção de Melo é resultado de um aproveitamento literário
das matrizes regionais, embora não resulte na quebra de vínculo com o momento histórico ao
qual pertence. Dito isto, o presente artigo tem como objetivo identificar os elementos
representativos da tradição literária cuja máxima é a valorização do local – no caso específico
da obra de Melo, o sertão do Rio Grande do Norte – destacando aqueles elementos que
sofreram transformações significativas e que contribuem para a composição de uma nova
imagem do sertão nordestino e de uma literatura regional.
Palavras-chave: literatura. Regionalismo. Ficção. Tradição. Modernidade.

ABSTRACT: The fiction of Bartolomeu Correia de Melo was released to the public in the
second half of the 1990s, focusing mainly on storybooks. Under the title Lugar de estórias,
his first book was published in 1998. Short stories succeeded the last one, such as Estórias
quase cruas (2002) and Tempo de estórias (2009). The narratives of the three works are
backgrounded by the hinterland of Rio Grande do Norte, where the elements of tradition
clash with modernity. In addition to the plot – which absorbs the tension of this dispute – the
language incorporates the social relations of the peasant man, either by approaching the
orality or being supported by the lexical and syntactic regionalisms. By this arrangement, we
can say that the Melo’s fiction is the result of a literary use of a regional lexicon, although not
resulting in the breaking of ties with the historical moment to which it belongs. That being
said, this article aims to identify the representative elements of the literary tradition which
pinnacle is to add value to the community – in the specific case of the work of Melo, the
countryside of Rio Grande do Norte – highlighting those elements that have undergone
significant transformations and contribute for composing a new image of the northeastern
hinterlands and regional literature.
Keywords: Literature. Regionalism. Fiction. Tradition. Modernity.

‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡‡
Universidade Federal do Rio Grande do norte, Natal-RN. Especialista em Literatura Brasileira e
mestranda em Literatura Comparada. E-mail: [email protected].
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTRODUÇÃO

O sertão do nordeste, nunca em outro tempo e espaço, ganhou tanto relevo quanto na
literatura feita pelos escritores brasileiros durante os anos que compreendem a década de
1930. O sertão ali representado era o do sol que castigava o solo, o gado, o homem. O da
pobreza, do êxodo, da falta de esperança, apontando para um projeto ideológico literário, que
João Luiz Lafetá compreende como parte do movimento modernista, sendo dele, a sua
segunda parte.

No prefácio do livro de Lafetá – 1930: a crítica e o Modernismo – Antonio Candido (2000)


apresenta o objetivo do autor e diz que seu desejo é mostrar de que maneira o Modernismo se
desdobrou como passagem do projeto estético de 1920, ao projeto ideológico de 1930,
atentando para o fato que, em ambos os períodos, existiu a preocupação tanto com os valores
estéticos, quanto com os ideológicos.

Lafetá faz a distinção dos projetos do Modernismo (2000, p. 21) afirmando que o projeto
estético preocupava-se com a renovação dos meios e a ruptura da linguagem tradicional; e o
projeto ideológico, com a consciência do país, com o desejo e busca de uma expressão
artística nacional e com o caráter de classe de suas atitudes de produção.

Sabendo que o romance de 30 é resultado do desdobramento do movimento modernista –


tendo usufruído da liberdade estética conquistada pela Semana de Arte Moderna e que se
concretiza como um romance ideológico que abarca as tensões da sociedade brasileira – o
sertão representado nas obras publicadas durante o período não poderia ser considerado
pano de fundo, paisagem para enredos. Trata-se de um sertão histórico, não meramente
natural.

A visão crítica constituinte do romance de 30 também persiste em ficções surgidas em outros


períodos da história do Brasil. Ligia Chiappini (1995), ao desenvolver suas dez teses sobre o
regionalismo na literatura, coloca que o regionalismo surgiu e se desenvolveu em conflito
com a modernização, a industrialização e a urbanização, sendo ele “fenômeno moderno e,
paradoxalmente, urbano” (CHIAPPINI, p. 155). É neste ambiente de conflito, tensão e
paradoxo que a crítica nasce e permanece viva.

A ficção do potiguar Bartolomeu Correia de Melo pertence à tradição literária herdada do


romance de 30, tanto por sustentar a inovação estética conquistada pela primeira fase do
Modernismo, quanto por questionar os valores locais. Mas os questionamentos não são
explicitados no texto, a ponto de fazer de Melo um autor engajado. Sua estratégia é
desconstruir os lugares comuns, estando dentro deles.

É o que faz, por exemplo, no conto Transa de Gado, quando conta a história de uma mulher
sem nome, mas com marido, que se vê enredada nas artimanhas de um marchante bem
apresentado. À mulher é dado o papel de esposa, dona de casa e lhe é roubado o direito à voz;
e ao homem, o papel principal: de chefe. Mas é a mulher que, mesmo tendo seu lugar negado,
toma as rédeas dos acontecimentos e comanda o desfecho da situação.

O lugar da mulher na sociedade, a postura do narrador e a relação destes com os valores


compactuados e com as paisagens do local, constituem os elementos fundamentais para a
análise do conto Transa de Gado, tendo em vista a sua contribuição para a constituição de
uma nova imagem do sertão.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Transa de Gado é um dos dez contos do livro Tempo de estórias, publicado pela primeira vez
em 2009. Além deste, Bartolomeu Correia de Melo publicou em vida os livros Lugar de
estórias, vencedor do Prêmio Joaquim Cardozo, concedido pela União Brasileira de
Escritores em 1997 e Estórias quase cruas (2002). Além dos livros de contos, publicou dois
destinados às crianças: O fantasma bufão, (2004) e A roupa da carimbamba (2009). Após a
sua morte foram publicados dois novos livros: o infanto-juvenil A onça braba e o cachorro
velho (2012); e o de poesia, Musa cafuza (2013).

O Escritor norte-rio-grandense nasceu em 1945, na cidade de Natal, mas viveu a infância e o


início da juventude na cidade de Ceará-Mirim, 32 quilômetros distante da capital. Faleceu há
dois anos, em sua cidade berço. Formado em química, ensinou na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte até o final da década de 1990. Apesar de escrever contos na juventude,
só em 1998 publicou seu primeiro livro.

Nos livros de contos, Melo narra com minúcia a paisagem de suas histórias. Os cenários do
seu lugar e de sua gente – já deslocados no tempo – são construtos de uma linguagem
entalhada com poesia e marcada pela oralidade e cultura de seu povo. Sobre a linguagem
utilizada por Melo, Lourival Holanda (2012) diz ser o resultado de uma reelaboração de
formas de expressões correntes no Nordeste de hoje, capaz de perenizar a cultura de uma
região. Holanda (2012, p. 52) destaca o mérito incomum da narrativa de Melo ao dizer que
“reencontra a poética da fala popular, sem, no entanto, cair, por veleidades de fideísmos, no
risco de repetir a dicção do povo”. Sintetiza suas impressões acerca do modo de dizer de
Bartolomeu, afirmando que “dá canto e plumagem às palavras populares.” (HOLANDA,
2012, p. 50).

1. A MULHER

O lugar da mulher na literatura foi discutido por Luís Bueno em seu livro Uma História do
Romance de 30(2006). Fazendo uma análise mais demorada de romances que apresentaram
a mulher como personagem em transição – como procedeu com O Quinze, de Rachel de
Queiroz; e Maria Luizae Em Surdina, de Lúcia Miguel Pereira –, Bueno expõe a tese de que
havia dois lugares para a mulher, fixados no romance de 30: o da namorada e o da prostituta.
As mulheres de O Quinze, Maria Luizae Em Surdina não eram nem de um, nem de outro
tipo, por isso personagens de transição.

A distinção entre namorada e prostituta é imanente ao romance de 30 e reflete o


aprisionamento da mulher na sociedade brasileira àquele período. As mulheres
representadas como namoradas e esposas – as mocinhas – eram as sem desejos. Mulheres
que não questionavam o seu papel social: cuidar da casa e da família incansavelmente. Para
além disso, eram perseguidas pela imposição do casamento. As outras, as prostitutas,
compreendiam as mulheres que sentiam desejo, sendo elas majoritariamente mulatas,
solteiras, desquitadas ou que almejassem independência financeira. Sobre a caracterização
da mulher, diz Bueno (2006, p. 302): “(...) a ficção brasileira, assim como criara uma imagem
simplificadora e exótica do homem do campo, do pobre, também aprisionara a mulher numa
concepção redutora demais”.

O local de aprisionamento, destacado por Bueno, é questionado no conto Transa de Gado.


Um questionamento implícito, que seja dito. A personagem principal, que também é a
narradora, não tem nome. Aliás, o único nome é dado ao homem-marido. Ela relata um fato
ocorrido no ano de seu casório, quando um marchante se aproxima da propriedade para
propor a compra do gado que estava minguando pela ausência da chuva. Num tempo, diz a

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narradora, que ainda era “verde e destraquejada” (MELO, 2009, p. 79) 64. A observação que
faz sobre si mesma destaca a falta de maturidade que possuía quando se casou, bem como a
falta de malícia para os eventos do mundo, sendo ela a do tipo esposa e não prostituta, como
difere Bueno.

A narradora situa a sua falta de traquejo, o seu papel social e a paisagem sertaneja já no início
do conto, ao descrever a chegada do forasteiro. Personagem sem nome, mas que a narradora
lhe atribui inúmeros adjetivos. Ela percebe a chegada do homem no momento em que
tomava conta das panelas na cozinha, enquanto refletia sobre uma gravidez
malsucedida.Referindo-se ao marido ora como “Zé”, ora como “Zé-Meu”, conta que recebeu o
visitante com uma foice amolada nas mãos, debaixo de um pé de Juazeiro grande. A primeira
imagem do marido, a de homem bruto e de pouca conversa é reforçada logo em seguida, ao
reproduzir a postura dele diante do visitante: “Zé-meu, naquele jeito trancado dele, cubava o
cujo a meio-olho, respostando em bom-tom quase resmungando” (p. 79).

O visitante dizia-se interessado nos gados de Zé, e a convite do chefe da casa, entra para
tratar de negócio. O alpendre deixa de ser parte do ambiente privado do casal, passando
agora a pertencer aos dois homens. À mulher, apenas o “direito” de permanecer na cozinha
trabalhando. Mas, apesar do lugar que lhe é destinado, ela se aproxima da conversa,
esticando o pescoço para dar conta do andamento do encontro. A mulher conclui, ainda
longe, que as vestimentas de boa qualidade e a voz grave do visitante só podem ser de um
marchante.

Ao ser apresentada ao homem, a mulher parece dar um passo adiante em relação à sua
imaturidade e à falta de traquejo pois, de certo modo, encanta-se com a presença daquele que
não se sabe o nome, mas não se deixa levar por sua aparência:

O comprador, tipão de homem alvo, bem mais novo que Zé, sendo também mais
cheio, corado e afilado. Mostrava modos sertanejos, embora que menos ronceiros,
dizendo d’alguma fidalguia. Não nego que fosse tirado a bonito, vistoso mesmo (vige,
que Zé nem sonhe assim achando!...). Senti demora no aperto de mão e, bem
confesso, quase me encandeio no alumiar do sorriso, respeitoso, porém tinhoso (p.
80).

Embora se dando ao direito do desfrute da imagem do homem, a mulher se retira sob o


argumento de que precisa olhar o café e reforça o seu papel de boa esposa: “Mulher bem
procedida há que mostrar compostura”. A postura da mulher a esta altura já está desenhada.
Ela sabe o papel ao qual se destina, cumpre este papel, mas age em desconformidade ao que
lhe é imposto. Mesmo que sua postura não resvale em suas ações, está presente em seu
pensamento que, aliás, não teme compartilhar com o interlocutor da história narrada.

Depois do café tomado, a negociação do gado continua, a mulher temendo o pavio curto do
marido, que já não suportava o preço baixo colocado pelo marchante, interfere na conversa:
“Dei voto que os bichinhos fossem vistoriados, gavando-lhes o bom estado. Zé-Meu careteou
suspiroso, rejeitando meu pitaco” (p. 81). A mulher participa da conversa sem ser convidada,
e sob o olhar reprovador do marido, ainda percebe que está sendo admirada pelo homem,
como se fosse mercadoria. Diferente de Zé, o marchante concorda que é preciso ver o gado
antes de fechar a venda. O marido sai para buscar o gado sozinho, mas antes, encara a
mulher, como que a acusando de astúcia.

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Deste ponto em diante serão fornecidas o número de páginas nas citações feitas do conto Transa de Gado, do
livro Tempo de estórias (2009).
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Nesta altura do conto, a mulher não é mais aquela descrita no início da narrativa: “verde e
destraquejada” (p. 82), a que poderia ser chamada de esposa. Está muito mais próxima da
prostituta. Isto porque o visitante lança olhares de interesse sobre ela e o marido lhe culpa
por estes olhares, como se fossem frutos do desejo dela.

É tão intensa a influência do romance de 30 na obra de Bartolomeu Correia de Melo, que nela
também é tratada a queda da mulher: a passagem de esposa a prostituta. Uma passagem
rápida, marcada pela perda da inocência. Bueno comenta sobre a transição de um para outro
status do papel feminino no romance de 30, dizendo que “nunca se viu tanta mulher caindo
na vida como no romance de 30” (BUENO, 2006, p. 303).

A queda da mulher em Transa de Gado não é o ponto de chegada da personagem. É ponto de


passagem. Se o fato de se intrometer na conversa de homens, de adquirir traquejo para lidar
com o assédio masculino e perceber a beleza do outro torna a mulher imprópria para o
casamento, também lhe capacita para o lugar de comando.

Depois que Zé parte para recolher o gado, deixando o homem e a mulher sozinhos em casa, é
iniciada uma sequência de diálogos, em que o visitante, já não precisando disfarçar seu
desejo, deixa explícito o seu interesse pela mulher. Após algumas investidas, compõe versos:

– A menina se desgosta
ou já entende, de início,
se lhe faço uma proposta?
Chegar onde a gente gosta,
pode ser ou tá difícil?... (p. 84)

As frases rimadas não encorajam a mulher, de outro modo, ela reage: “Vôtes, que moda mais
troncha!”. A esposa procura o marido, olhando pela janela. O marchante para disfarçar, faz
proposta de compra, mas a mulher recusa, dizendo que o acerto deve ser feito com Zé.
Mesmo a mulher rejeitando as investidas do homem, resolve colocar um ponto final na
história sem descartá-lo definitivamente: “Pra rejeitar sem maltratar, logo inventei desculpas
pelas grossuras de José, explicando que sofreres tidos na prisão – por morte, por roubo, não
– lhe renderam lunduns e malestouros” (p. 84).

O homem não se incomodou com a explicação da mulher e continua fazendo insinuações.


Ela, já com dificuldades de resistir à tentação, evoca os santos disponíveis e aguarda a
chegada do marido. Diz a mulher: “fui negaceando, negaceando com brandura, mas firmeza.
Até que José enfim chegou, tangendo o gado curralinho adentro. Suspirei uma jaculatória”
(p. 84).

A passagem reforça mais uma vez o amadurecimento adquirido com a experiência da


chegada do visitante. A mulher não mais se vitimiza por sentir-se atraída pela beleza do
homem, como no início de sua trajetória, e gaba-se da força possuída para resistir aos
encantos. Mas o marido não quer saber o quanto a mulher resistiu, mas da possibilidade de
ter desejado e passa a olhá-la com desconfiança.

O lugar de comando, conquistado após sua queda, fica evidente no desfecho do conto,
quando a sua palavra e a sua astúcia impedem que o marido seja enganado pelo marchante.
O homem, já bem à vontade na residência do casal sertanejo, oferece um baixo valor para o
gado e ainda diz que entregará o dinheiro depois. A mulher entra na conversa e pergunta ao
homem pela proposta feita há pouco. O homem fica pálido, gagueja e pergunta ao que está se
referindo. A mulher responde, dizendo que se trata da proposta de um valor bem acima do

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falado para o marido. O homem trapaceado pela mulher, conclui: “Ah, sim! Sustento e pago
no dinheiro vivo!”.

A narrativa termina com a vitória da mulher sobre os dois personagens homens. Um deles o
marido, que não lhe dava o direito de atuar nas decisões da casa e lhe condenava pelo desejo
que o outro poderia sentir pela esposa; e o homem, que subestimara a capacidade da mulher
em compreender a intenção por trás do assédio explícito, fazendo com ele, o que certamente
teria feito com o seu marido: trapacear.

2. O NARRADOR

A ficção de Melo aproxima-se das narrativas da tradição oral, descritas por Benjamin (1993)
como aquelas em que o narrador formula sua fala a partir do substrato extraído da
experiência vivida e este narrador, segundo Benjamin, está em vias de extinção. Estaria
assumindo o seu lugar, um narrador fabulado pelo escritor que investe menos em produzir
conselhos do que em conduzir o leitor às venturas e desventuras de seus personagens.

A morte do narrador da tradição oral foi anunciada por Benjamin no ensaio O narrador:
considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, escrito em 1936 – década que engendrou a
Segunda Guerra Mundial. Assim, não se trata apenas da morte do narrador, também da
morte do trabalho realizado com as mãos, da troca de olhares, da escuta, da experiência como
fonte de sabedoria. Para Benjamin, era justamente este, o lugar das narrativas tradicionais,
que, segundo o crítico, pressupõe modos de vida pré-capitalistas, antes mesmo de o homem
ser guiado pela técnica científica e viver sob a égide do capital.

A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo. Interagindo, eles
definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser familiar. O papel da mão no
trabalho produtivo tornou-se mais modesto, e o lugar que ela ocupava durante a
narração está agora vazio. (Pois a narração, em seu aspecto sensível, não é de modo
algum o produto exclusivo da voz. Na verdadeira narração, a mão intervém
decisivamente, com seus gestos, apreendidos na experiência do trabalho, que
sustentam de cem maneiras o fluxo do que é dito.) A antiga coordenação da alma, do
olhar e da mão (...) é típica do artesão, e é ela que encontramos sempre, onde quer
que a arte de narrar seja praticada. Podemos ir mais longe e perguntar se a relação
entre o narrador e sua matéria – a vida humana – não seria ela própria uma relação
artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência – a sua e a
dos outros – transformando-a num produto sólido. (BENJAMIN, 1993, p. 220).

Trata-se, então, de saber que a relação humana aventada pelo trabalho artesanal é deixada
para trás, uma vez que a ordem, no contexto da vida moderna, assume o lugar. Esvaziam-se
as relações diante da nova forma produtiva: aquela que paulatinamente substitui mãos por
máquinas, o homem pela função que exerce. O narrador é abalado por este novo modelo de
produção e passa a ser guia de um leitor solitário. Um leitor que abandona a escuta conjunta
– processada em conluio com as mãos e os afazeres – para ficar apartado da coletividade
diante de um livro. Diz Benjamin (1993, p. 201) que a origem do romance tradicional é o
indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais
importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los.

O narrador dos contos de Bartolomeu está na contramão do romance tradicional e aproxima-


se daquele da tradição oral de contar história. Em Transa de Gado, a narradora é a
personagem. A estratégia usada pelo autor de ter uma narradora personagem não visa tão
somente justificar o fato de ela saber antecipadamente os acontecimentos, nem de ter
domínio sobre o fato narrado. A narradora sequer estabelece contato com o leitor. A matéria
do conto, as páginas do livro escritas, parece ser o registro de um momento de conversa
flagrado entre aquela que contava a história e sua interlocutora.
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A narrativa começa como se o diálogo entre as duas mulheres já tivesse sido iniciado, mas só
daquele ponto passasse a ser registrado: “Deu-se no mesmo ano do nosso casório” (p. 79), diz
a narradora. Ela inclui a sua interlocutora ao utilizar a primeira pessoa do plural: “entrado
janeiro, cá em nós, derna de agosto” (p. 79, grifo nosso). Além de situar o local de onde
partiu a história, a narradora fornece dados sobre a ouvinte: “Daí fechei-me em copas,
amiga” (p. 84), “porém lhe digo, comadrezinha” (p. 86, grifo nosso).

A conversa entre as mulheres se passa na casa onde ocorreu o fato. Inicialmente elas estão na
cozinha: “Daqui mesmo da cozinha, espichei pescoço pela janela do oitão”. Em seguida a
narradora se refere à cozinha como se estivesse distante dela: “escapuli pra cozinha, dizendo
ser mode o café” (p. 80). A mudança de local é confirmada quando a mulher fala do alpendre
como se ele estivesse próximo: “Saída aí neste alpendrinho, aguardei curiosa” (p. 80). A
aproximação e o distanciamento dos ambientes da casa em relação ao fato narrado apontam
para a tradição de contar histórias, descrita por Benjamin, onde a experiência da voz se
aproxima da experiência do corpo. Percebe-se que, paralelo à narrativa, alguma ação está
sendo executada por quem conta a história – provavelmente relacionada com atividades
domésticas – e acompanhada por quem a ouve.

Outro elemento que contribui para a composição de uma narrativa oral é a utilização de
expressões faladas no sertão do conto de Melo: “destraquejada”, “derna de agosto”, “espichei
o pescoço”, “o baque da porteira”, “arribou sem largar”, “cubava o cujo a meio-olho”, “tirando
a bonito”, “dizendo ser mode o café”, “negoceio deles”, “a coisa gorasse”, “a frevura do
tempo”, “coçando o quengo”, “findou convidando”, “mistura gozosa de arrupio e arreceio”,
“dava uns tuncos”, “aquele frichilim”, “tibes”, “fhum”, “oiças”, “malensaiada”, dentre outras.

Outro grupo de expressões que permanece com a força de representar uma narrativa oral,
por se aproximar da fala, é o utilizado para descrever o marchante. Apesar de não ter seu
nome revelado, ele é substituído por várias palavras e expressões qualificadoras: “o homem”,
“forasteiro”, “o tal”, “o cujo”, “aquele um”, “marchante ou boiadeiro”, “o comprador”, “tipão
de homem”, “tinhoso”, “sujeito”, “avesso safado”, “o malino”, “o diacho”, “malfazejo”, “aquele
chiste”, “o cara-lisa”, “o azucrim”, “salafrário”, “sem-vergonha”, “enganoso”, “come-quieto”,
“desgranido”, “galo-cego”.

As palavras e expressões qualificadoras do personagem – transcritas na ordem em que são


apresentadas no conto – representam o andamento da narrativa. O homem é tratado com
indiferença e distanciamento quando a narradora ainda não conhece sua intenção: “o
homem”, “forasteiro”, “o tal”, “o cujo”, “aquele um”, “marchante ou boiadeiro”, “o
comprador”. Ao se dar conta da beleza do marchante, diz: “tipão de homem”. Deste ponto em
diante, por se ver encurralada – tanto pela admiração sentida por ele, quanto pela forma com
que o homem a observa – a narradora passa a se referir ao marchante com desprezo:
“tinhoso”, “sujeito”, “avesso safado”, “o malino”, “o diacho”, “malfazejo”, “aquele chiste”, “o
cara-lisa”, “o azucrim”, “salafrário”, “sem-vergonha”, “enganoso”, “come-quieto”,
“desgranido”. No desfecho da história, quando vence a reprovação do marido e o assédio do
marchante, a narradora lhe atribui a última expressão qualificadora: “galo-cego”. As linhas
que descrevem a elevação e queda dos personagens (o homem e a mulher sem nomes) são
exatamente opostas na narrativa.

Além de o conto trazer uma narradora que fala se dirigindo a uma interlocutora personagem,
como que a passar para ela uma experiência vivida; e fazer uso de palavras e expressões que
são reconhecidamente orais, o conto ainda pode se aproximar das narrativas tradicionais,
descritas por Benjamim, por trazer em seu interior a estrutura dos contos de uma tradição
anterior à propagação da escrita.

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O marchante se assemelha a figura do diabo, quando bem vestido e com boa aparência se
aproxima da propriedade do casal, ou mesmo ao lobo se postando no caminho da pequena
vítima. O homem é o anúncio de algo ruim que está para acontecer. Naquele período de seca
e da escassez progressiva do gado, o marchante é a personificação da morte, ou daquele que
rouba a inocência das crianças. É seu papel arrebanhar o gado franzino para matá-lo ou
simplesmente possuí-lo. Por outro lado, a vítima percorre um caminho que a leva ao
amadurecimento. Adquire malícia, percebe a ameaça e em seguida, sendo mais rápida que o
malfazejo, o sobrepuja.

Neste sentido, o conto de Bartolomeu Correia de Melo, enquanto problematiza a relação da


mulher, da religião, da seca, da falta de investimentos nos territórios afastados dos centros
urbanos brasileiros, fala de uma realidade que ultrapassa sua região, seu país e seu tempo. É
exatamente o que afirma Chiappini (1995, p. 155) sobre o regionalismo. Não se trata de
confirmar a tendência que classifica de regionalista a literatura vinculada às áreas rurais onde
são situadas as ações das personagens e as particularidades linguísticas, trata-se de enxergá-
lo como um fenômeno moderno e, paradoxalmente, urbano; local e, paradoxalmente,
universal.

3. A PAISAGEM

A paisagem natural que se configura no conto é a do sertão do sol intenso e da falta de chuva.
Do gado faminto. Dos pés de juazeiros e das sombras requisitadas. Uma paisagem que aponta
para escassez de trabalho e de alimento, mas que não chega a ameaçar a permanência de
homens e mulheres. A relação dos personagens com o meio ambiente é uma relação de
resignação. A paisagem vai sendo composta no decorrer da narrativa, entre um e outro
acontecimento.

Quando a mulher descreve o dia da visita do marchante, fornece os primeiros dados da


paisagem: “Entrando janeiro, cá em nós, derna de agosto, secura reinando. Solão
escancarado” (p. 79). Momentos depois relata a situação do gado: “Diz-que seca chegou,
pasto secou, gado baixou” (p. 80). O único lamento da mulher é ver a carne do gado ser
comida pelos urubus.

Em seguida, novo elemento é inserido na paisagem ao descrever o rincho de um jegue, “das


onze pro meio-dia” (p. 81), hora de sol tão intenso onde “a frevura do tempo tremelicava a
paisagem” (p. 81). Adiante, quando o marido saiu para buscar o gado, a mulher comenta:
“com a água verdosa e pasto cinzento, os bichos ganhavam a mata, catando as ramas
restantes” (p. 82).

A paisagem apresentada em Transa de Gado não serve apenas para descrever fisicamente
uma parte do território brasileiro. Não é uma visão ingênua do sertão. A tese número nove de
Chiappini (1995, p. 160) mostra que o espaço da ficção regionalista atua como “portador de
símbolos”. É preciso perceber que os valores veiculados nesta representação do regional estão
entrelaçados nas paisagens e, ao passo em que representam um local específico, também
representam o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O lugar da mulher, a postura do narrador e a paisagem se destacam no conto Transa de Gado


como elementos do regionalismo que contribuem para a composição de valores do sertão
contemporâneo. Estes elementos apresentam um estado de avanço e permanência na
representação do sertão, o que aponta para uma sociedade em constante mutação.
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A representação da mulher no romance regionalista nascido na década de 30 era compatível
com o papel prescrito pela sociedade àquela altura. Uma mulher sem voz e, portanto sem
nome, imersa numa dicotomia cruel que a classificava ora como esposa, ora como prostituta.

A mulher do sertão representada em Melo ainda ocupa o lugar da cozinha, ainda teme dar
sugestões sobre negócio e ainda é punida pela possibilidade de sentir desejo. Estes são dados
de permanência de um valor do passado.

No entanto, esta mulher não é a mesma, pois já não é a mesma a própria sociedade. A
história está sendo contada a uma amiga, mas a narradora não teme ser punida por ela e faz
confissões sobre como ficou tocada com a beleza do marchante. Também é a mulher que sai
de um lugar mais baixo, de inocência, e ascende para outro mais elevado, conquistado com
maturidade e esperteza.

Os homens da trama quando não caem em conceito, como o marchante que chega como
astuto e sai como “galo-cego”, permanece numa linha reta, como o marido. Ou seja, há dentro
da permanência sinais de avanço na representação da mulher no sertão.

O mesmo pode ser dito da representação da paisagem. Melo fala no presente utilizando
dados da memória. Para compor o cenário do conto, lança mão da sua vivência, ainda
quando criança, no sertão norte-rio-grandense. O que importa desta paisagem não é a sua
representação enquanto paisagem natural, mas as relações estabelecidas entre ela e os
demais elementos da ficção.

Assim, a paisagem natural é um dado de permanência, mas a sua relação com outros
elementos da ficção, não. Pois já não se trata de atribuir ao cenário árido a razão de destinos
malsucedidos. O que se destaca é uma relação pacífica entre a aridez e os personagens, muito
embora façam questão de comunicar o calor e a morte dos animais. O que não está mais em
foco é o êxodo decorrente da falta de meios de subsistência. Não se trata de afirmar que a
resignação dos personagens seja entendida como avanço, mas de destacar que há presença de
movimento de um tipo para outro de representação.

Outro elemento que se destaca é o narrador. Ele se posta como um narrador da tradição oral,
que conta sua história a partir da experiência vivida, como que a aconselhar ou alertar o seu
interlocutor. A visão que tem dos fatos está associada aos próprios fatos, não penetrando na
consciência de nenhum outro personagem e não reproduzindo fluxos de consciência típicos
de uma postura intimista. Este narrador, mesmo sendo um elemento de permanência, é o
facilitador de todos os avanços.

Assim, a narrativa de Melo, na medida em que apresenta dados de avanço da representação


do sertão brasileiro, também apresenta dados de permanência. A sua ficção reflete a manobra
da literatura de absorver as transformações da sociedade, problematizando a realidade
ficcionalizada.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O Narrador. In Obras escolhidas vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense,1993 a, p.197-121.
BUENO, Luís. Uma História do Romance de 30. São Paulo: Editora da Unicamp, 2006.
CANDIDO, Antonio. Prefácio. In: LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o Modernismo. Duas Cidades: Ed. 34,
2000.
CHIAPPINI, Ligia. Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura. In: Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 8, n. 15, 1995, p. 153 – 159. Disponível em:
http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1989/1128 Acesso em: 10/02/2014.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
HOLANDA, L. A irradiação das sementes. In: PATRIOTA, N.; MARQUES, M. (Org.). Louvor de Bartolomeu
Correia de Melo. Recife: Bagaço, 2012. p. 49-54.
LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o Modernismo. Duas Cidades: Ed. 34, 2000.
MELO, Bartolomeu Correia de. Tempo de estórias.Recife: Editora Bagaço, 2009.

141
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A RELAÇÃO ENTRE O LOCAL E GLOBAL NA RECONSTITUIÇÃO DE MANGUE
SECO COMO REPRESENTAÇÃO INDENTITÁRIA NORDESTINA NO ROMANCE
“TIETA DO AGRETE” DE JORGE AMANDO

Thais Lan Paulino do Nascimento


Graduanda em Letras Português
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina
Orientadora: Prof.ª Dr. Clarissa Loureiro Marinho
*

RESUMO: Este trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica que pretende estudar a
representação do cenário no romance “Tieta de Agreste” de Jorge Amado. Analisando a
relação entre o local e global na reconstituição de Mangue Seco como representação
indenitária nordestina, constatou-se que esse é um traço folhetinesco de idealização na
constituição do local como um paraíso perdido que se mantem como representação
indenitária de um local por manter-se afastado da zona urbana e do progresso. Observa-se
que os fatores que possam transformar o local e urbanizá-lo são tidos como vilões. No
enredo, a fábrica Brastânio traz a promessa de progresso e sob o ponto de vista estético e
folhetinesco. Representa o vilão, o mal associado ao progresso. Este trabalho também analisa
o uso da xilogravura como artificio estético de uma literatura popular que vem reforçar a
busca de Jorge Amado de constituição de uma literatura moderna comprometida com uma
reinvenção do ethos nordestino. Como resultado da pesquisa, percebe-se como a análise das
xilogravuras demostra a forte ligação do progresso com o mal. A xilogravura analisada
simboliza o medo dos habitantes com relação à urbanização de um local paradisíaco e intacto,
revelando assim, a forte ligação entre local e identidade expressa no romance.
Palavras-chave: Romance. Dialogismo. Xilogravura. Identidade.

ABSTRACT: This paper is a literature review which aims to study the representation of the
scene in the novel " Tieta do Agreste " by Jorge Amado. Analyzing the relationship between
the local and global reconstruction of the Mangue Seco as Northeastern indenitária
representation , it was found that this is a trait folhetinesco of idealization in the constitution
of the place as a lost paradise that keeps indenitária representation as a place for keeping
away from the urban area and progress . It is observed that the factors that can transform
local urbanization and it is taken as villains . In the plot, the Brastanio factory brings the
promise of progress and under the aesthetic point of view and folhetinesco . Is the villain , the
evil associated with progress. This paper also examines the use of the woodcut as an aesthetic
artifice of a popular literature that reinforces the search for Jorge Amado constitution of a
modern literature committed to reinventing the northeastern ethos . As a result of the
research , we find the analysis of woodcuts demonstrates the strong link with the progress of
the evil. The woodcut analyzed symbolizes fear of the inhabitants regarding urbanization in a
paradisiacal place and intact , thus revealing the strong link between place and identity
expressed in the novel .
Keywords : Novel. Dialogism . Woodcut . Identity.
INTRODUÇÃO

A obra de Jorge Amado “Tieta do Agreste” configura-se como um romance folhetinesco


expressivo de uma memória coletiva que atua como uma representação identitária
nordestina. No romance, diversos fatores da memória individual que estão ligados à
memória coletiva de se cruzam na formação de um enredo que traz muito da identidade do
nordestino. Jorge Amado faz isso ao associar a história de uma mulher com história de uma
cidade, recriando a forte ligação do povo nordestino com seu lugar. A forte idealização de
Mangue Seco é outro traço que instiga a memória individual (leitor) revisitando a memória
coletiva (nordestino). Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória
142
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
coletiva, este ponto de vista muda conforme o lugar que o indivíduo ocupa e este lugar muda
segundo as relações que mantem-se com outros meios (HALBSWACH, 1990).
A narrativa expressa o medo do progresso, trazendo á tona o medo que o nordestino tem de
perder seu lugar paradisíaco para às transformações da modernidade. Desse modo, o autor
expressa na obra o conceito de Stuart Hall (2000) que diz que “A modernidade propicia a
fragmentação da identidade”. Ao trazer essa temática, Jorge Amado recria o local como uma
representação de identidade cultural e as mudanças nesse local afetariam a identidade dos
seus habitantes. Neste sentido este trabalho se baseia na definição de Stuart Hall (2000), que
diz que identidade cultural se constitui “daqueles aspectos de nossas identidades que surgem
de nosso "pertencimento" a culturas étnicas, raciais, e, acima de tudo, nacionais.”.
Este trabalho analisa com Jorge Amado utilizou-se da relação entre Global e Local para
constituir um lugar (Mangue Seco) que representa a identidade de um povo. A definição de
Global e local neste artigo está baseada no conceito de Stuart Hall (2000) e Antônio Candido
(2004) que abordam o local associado ao regional e à tradição. O Global é associado ao
exterior, com uma origem universal ditada por valores exteriores a uma cultura brasileira.
No romance há uma valorização do popular na constituição da identidade brasileira,
sobretudo, da nordestina. O autor se apropria de manifestações peculiares à região nordeste e
as coloca dentro do romance, fazendo uso do que Candido (2004) chama de adaptação dos
gêneros as necessidades e expressões dos sentimentos e da realidade local. É o caso da
xilogravura que aparece como elemento interno de constituição da narrativa. Desse modo, o
local também ganhou um novo sentido na obra e passa a ser um espaço de tradição.
O global na obra é representado pela metrópole que quer instalar uma fábrica na cidade
trazendo com ela a modernidade e os valores de lá. Antônio cândido fala de valores exteriores
que são ditados como melhores e únicos. Na obra, esses valores estão associados ao progresso
e à modernidade que a fábrica trará e que irá uniformizar hábitos associados a uma
modernidade imposta em Mangue Seco.
A análise do romance neta pesquisa se estrutura em três tópicos. O primeiro analisa o traço
folhetinesco de idealização na constituição de mangue seco como paraíso perdido que se
mantem como representação indenitária de um local por manter-se afastado da zona urbana
e do progresso. O segundo tópico aborda a representação simbólica da fabrica Brâstanio
como valores globais urbanos de destruição do universo local nordestino associado a mangue
seco. E o terceiro trata-se da analise do uso da xilogravura como artificio estético de uma
literatura popular que vem reforçar a busca de Jorge Amado de constituição de uma
literatura moderna comprometida com uma reinvenção do ethos nordestino.

1.0 A IDEALIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE MANGUE SECO COMO PARAÍSO PERDIDO


QUE SE MANTEM COMO REPRESENTAÇÃO INDENITÁRIA DE UM LOCAL POR
MANTER-SE AFASTADO DA ZONA URBANA E DO PROGRESSO.

O romance “Tieta do Agreste” narra a trajetória de uma mulher que na adolescência foi
expulsa de sua cidade natal por viver aventuras amorosas que escandalizaram a população.
Denunciada pela irmã mais velha, Perpétua, Tieta foi expulsa de casa e humilhada pelo povo
da sua cidade. Tieta retornou anos depois para se reencontrar, pois, só naquelas terras
encontra-se a verdadeira Tieta. A população esperava ansiosamente por sua “Filha Prodiga”,
pois ela voltou uma mulher rica e poderosa que trazia consigo a esperança.
A relação de Tieta com Agreste se assemelha com a retirante- nordeste. Assim como Tieta, o
retirante é expulso de sua terra, por conta da seca, e depois retorna para sua cidade por ter
deixado naquelas terras parte de si. O nordeste é para o retirante o que Mangue Seco é para
Tieta: uma parte do seu ethos que compõe sua identidade, pois segundo Hall (2000)
identidades “culturais são aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso
pertencimento a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais.”

143
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Percebe-se em vários trechos da obra e na leitura do enredo geral a forte relação de Tieta com
seu espaço de origem. Mangue Seco se mantém como paraíso que proporciona felicidade, paz
e bem-estar acima de tudo. Mesmo tendo sofrido no passado com o preconceito típico de
cidades pequenas e de uma população que é influenciada pelo pensamento patriarcal, Tieta
não pensa duas vezes em retornar para seu lugar no mundo. Pois ali se encontra sua
identidade e é somente em Agreste que se encontra a paz e a felicidade interior, como é
observado abaixo
[...] Nem por isso Tieta a desejou e previu menos grata e exaltante. Após os dias de
tormenta, o sol iluminou o esplendor de Mangue Seco, jamais esteve tão bela a
paisagem, o ar tão puro, a paz tão completa. Durante todos aqueles anos de exilio,
Tieta sonhara possuir nas dunas de Mangue Seco pequeno chão de casa, nele erguer
cabana onde repousar. [...] Viera aflita em busca de seus começos, ao reencontro da
pastora de cabras da adolescente árdega e feliz [...] (AMADO, 1977, p. 479).
[...] Deixei a Marinha e voltei para Agreste porque desejo viver em paz o resto da
minha vida, tranquilo ao lado da minha mulher neste pedaço de paraíso [...]
(AMADO, 1977, p. 516).

Há, então, a forte idealização do local como um lugar divino e paradisíaco que
independentemente de qualquer acontecimento carrega em suas terras um poder capaz de
trazer felicidade aos moradores. A descrição do local Mangue Seco se confunde com a
descrição de um paraíso e difere-se da descrição de uma metrópole que tem características
globais e que nunca traria paz à Tieta, sendo que a metrópole São Paulo era para Tieta como
um exílio. Os trechos acima expressam o sentimento dos personagens de paz encontrado em
Mangue Seco, mostrando que a felicidade só é possível naquele pedaço de chão afastado do
progresso e da zona urbana. As falas dos personagens mostraram a necessidade que eles
sentiram em sair do seu local para prosperarem e a necessidade ainda mais forte sentida de
voltar para só assim serem felizes. Ao fazer essa relação, Jorge Amado traz à tona valores e
memórias típicas dos nordestinos, principalmente sertanejos, criando uma identificação do
enredo com a história do Nordeste. Essa relação é indispensável para construção de uma
literatura que recria a memória de seu povo. Sobre as memórias,Ortiz (1985, p.133) nos diz
que
A memória coletiva deve necessariamente estar vinculada a um grupo social
determinado. É o grupo que celebra a sua revivificação, e o mecanismo de
conservação de um grupo está associado à preservação da memória. A dispersão de
atores têm consequências drásticas e culmina com o esquecimento das expressões
culturais. Por outro lado, a memória coletiva, só pode existir enquanto prática que se
manifesta no cotidiano das pessoas.

Neste sentido, constata-se que a obra analisada faz uma complementação da memória
individual e da memória coletiva (HALBWACHS, 1990). Ao utilizar fatores de retomam à
memória coletiva nordestina (como: costumes, crenças, hábitos, valores e expressões
culturais) Jorge Amado contribui para a identificação da identidade cultural do leitor
nordestino e principalmente para a recriação e preservação da memória nordestina.
2.0 A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA DA FABRICA BRÂSTANIO COMO VALORES
GLOBAIS URBANOS DE DESTRUIÇÃO DO UNIVERSO LOCAL NORDESTINO
ASSOCIADO A MANGUE SECO.
No romance, há uma especulação da vinda da indústria Brastânio para Agreste. Essa
possibilidade causa um grande tumulto e provoca medo nos personagens, pois a indústria
traria destruição à cidade. Mangue Seco o local intocável, o paraíso perdido com valores que
diferem de valores globais, corre “o risco do progresso” “o risco da mudança". Segundo Hall
(2000) o global quando chega ao local tem poder de gerar mudanças no sentido de
uniformizar os valores locais com os globais. A fábrica além de destruir a natureza, traria
agitação e mudança de hábitos dos habitantes, Agreste não mais seria um lugar “bom para
esperar a morte” (AMADO, 1977, p. 300). A vinda da fábrica acarretaria na perca da
identidade do Agreste e consecutivamente na perca da identidade cultural de seus moradores
144
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
que perderiam suas raízes, seu paraíso, o lugar no mundo que representa uma parte da
essência dos moradores daquele local. Para Hall (2000), “a globalização tem, sim, o efeito de
contestar e deslocar as identidades centradas e "fechadas" de uma cultura nacional”. O
enredo narra o medo dos personagens em perder esse local. Nota-se isso claramente no
trecho em que se narra o medo contido em um sonho de Tieta em relação aos
acontecimentos. “Onde existira antes o esplendor paradisíaco da praia de Mangue Seco,
crescera uma paisagem paulista de fábricas, cortiços de concreto, ferro aço, fumaça e morte”.
(AMADO, 1977,p. 300).

O que nos chama atenção é a descrição dos ambientes. O Agreste não só na descrição do
trecho acima como também em outras, representa um lugar ameno, feliz com paisagens
naturais, um lugar cheio de vida que faz bem para o povo que ali habita. O universo urbano,
representado por São Paulo, significa destruição e em sua descrição nãoexalta-se nada de
bom. A narração leva o leitor a imaginar um lugar triste que não traz paz aos seus habitantes,
um lugar que ninguém quer viver. Com esse discurso, Jorge amado trazà tonaa memória
coletiva do Nordeste para adentrar na memória individual do leitor e assim emite um sentido
ao enredo que contempla a identidade cultural do nordestino (HALBWACHS, 1990). O
trecho acima analisado faz concluir-se que se instalada em Agreste a fábrica traria valores
globais urbanos de destruição que acabaria com aquele local. As mudanças negativas
ultrapassariam as mudanças no ambiente. O progresso traz transformações nos hábitos e no
caráter do povo como foi exposto na chamada do Epílogo: “Quando se sabe da ambição
humana, da sede de poder e de como o poder corrompe, com referências a corrupção
reinante” (AMADO, 1977, p. 300). O medo da transformação do espaço está associado com o
medo da perca de identidade, uma vez que a mudança que Agreste poderia vir a sofrer
resultaria em mudanças no caráter do seu povo. Ao abordar isso no romance, Jorge Amado
traz à tona o conceito de Hall (2000) que diz que umas das consequências possíveis da
globalização seriam a produção de novas identidades. Portanto, aqueles costumes e valores
estão enraizados com o local. São costumes e valores daquele cenário especifico, não sendo
possível ser a mesma pessoa em um lugar diferente. Os trechos abaixo expressam o medo da
população em relação a essas mudanças

Uma fábrica situada no coqueiral não somente atingiria a praia, tornando


impraticáveis a pesca e o banho de mar, como destruiria a povoação de Mangue Seco
ao envenenar as águas e o ar, transformando o oceano numa lata de lixo [...] lutar por
todos os meios contra o que haviam passado a denominar de a fumaça da
morte(AMADO, 1977, p. 310)
Dizem que apodrece a água, envenena o ar. Está nos jornais [...] Com uma fábrica de
dióxido de titânio funcionando aqui, nem vale a pena pensar nisso, nosso paraíso vai
virar uma lata de lixo (AMADO, 1977, p. 516).

O progresso significa a morte de uma natureza paradisíaca, que representa felicidade, e


morte da identidade de um povo que só sobrevive nesse local, pois ainda algumas
identidades gravitam ao redor daquilo que se chama de Tradição, tentando recuperar sua
pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas
(HALL, 2000). A identidade do povo de agreste está enraizada ao local e perder o local seria
perder a pureza de seus ethos. A modernidade resultaria na mudança da identidade daquele
povo. Segundo Hall (2000), o amplo processo de mudanças ocorridas nas sociedades
modernas resulta em uma crise de identidade, uma vez que os povos tendem a mudar para se
uniformizarem com as características globais. Jorge Amado utiliza-se de elementos externos,
no caso o fator social, de um modo que tais elementos têm forte participação no significado
do enredo, e por isso, os elementos externos passam a ser internos. Passam a ser
características pertinentes no sentido do enredo. (CANDIDO, 1976). As características sociais
que envolvem o local e o tempo da obra tem grande representatividade na construção de
sentido que o leitor fará, influenciando de forma significativa na constituição estética do
145
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
romance.
3.0 O USO DA XILOGRAVURA COMO ARTIFICIO ESTÉTICO DE UMA LITERATURA
POPULAR QUE VEM REFORÇAR A BUSCA DE JORGE AMADO DE CONSTITUIÇÃO DE
UMA LITERATURA MODERNA COMPROMETIDA COM UMA REINVENÇÃO DO ETHOS
NORDESTINO.
A xilogravura que abre o último episódio do livro. Recria o que está na imaginação do povo de
Agreste em relação à vinda da Bratânio e dialoga com fatos da narrativa em que os
personagens exprimem o medo da desgraça que a fabrica traria. Diante disso, a Brastânio se
torna a grande vilã do romance. No entanto, a imagem não representa uma cena específica,
mas sim o que está no imagético do povo. A xilogravura dialoga com o título do epílogo que
faz uma alusão ao medo do povo: “Da poluição do Paraíso terrestre pelo dióxido de titânio”.
Veja na xilogravura a seguir:

Fonte: Amado, 1977, p. 489.

A xilogravura acima tem uma importante representatividade simbólica e dialoga com os


acontecimentos que se passaram ao longo da narrativa, embora a imagem não represente
uma cena especifica, mas sim o que está no imagético do popular. A xilogravura recria o que
está na imaginação do povo de agreste em relação à vinda de uma fábrica de Titânio para
Mangue Seco. Diante da poluição que a fábrica traria se se instalasse naquela cidade
paradisíaca, acabando com os peixes, com a beleza da praia e a paz do povo. A Brastânio se
torna a grande vilã imagética do romance “Dizem que apodrece a água, envenena o ar. Está
nos jornais” (AMADO, 1977, p. 516). Como vimos nas análises anteriores, somente a
especulação de sua vinda já causa discórdia, acaba com grandes amizades, desperta a cobiça e
a ganância de alguns. A xilogravura materializa o medo dos personagens, ao trazer a fábrica
como um monstro, representando destruição. Esse monstro flutua sobre Agreste, carregando
uma foice que representa a morte. Ao redor dele, paira uma fumaça preta que representa a
poluição, com caveiras aludindo ao povo que morrerá. No fundo da imagem, a cabra deitada
representa a tristeza que isso acarretará para o povo.
A xilogravura alude à fábrica Brastânio que acabaria com o paraíso que é Mangue Seco. O
titulo do capítulo também faz uma alusão a esse medo da poluição: “Da poluição do paraíso
terrestre pelo Dióxido de Titânio” anuncia uma catástrofe esperada pelo povo e pelo leitor.
Porém, o mais interessante é que tudo isso não passou de especulação e da imaginação do
povo da cidade que tinham muito medo das consequências que a instalação da fábrica traria à
cidade. Consequências que vão desde a destruição da natureza, matando os animais, as
árvorese poluindo as águas. Até asmudanças no modo de vida e na cultura de todo um povo.
O que acarretaria com a perda de sua identidade. Ao abordar esse tema, Amado traz à tona a
ideia de Hall (2000) de que um “outro aspecto desta questão da identidade está relacionado
ao caráter da mudança na modernidade tardia; em particular, ao processo de mudança
conhecido como "globalização" e seu impacto sobre a identidade cultural.”
146
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Vale salientar que em nenhum momento se soube ao certo o que é o dióxido de Titânio. O que
nos mostra que basta apenas uma ameaça, mesmo que sem muito fundamento, para gerar
um medo coletivo de se perder o Mangue Seco. Esse medo está relacionado ao fato de
Mangue Seco ser muito mais que um cenário, mas a representação da identidade de seu povo.
Em “Tieta do Agreste”, Jorge Amado faz uso da xilogravura como artifício estético de uma
literatura popular que reforça a busca de constituição de uma literatura moderna
comprometida com uma reinvenção do ethos nordestino. A xilogravura é uma manifestação
popular e na obra ela traz símbolos nordestinos como a cabra representando o próprio povo.
Neste sentido, Candido (2004) fala de uma necessidade de usar a literatura de maneira, por
vezes, de diferentes "formas", adaptando os gêneros às necessidades de expressão dos
sentimentos e da realidade local.
Desse modo, Jorge Amado faz uso desses intertextos (BAKHTIN, 2002) que são
manifestações populares significativas para a recriação das identidades do nordestino. A
xilogravura é ressignificada na obra e, utilizando-se do conceito de Candido sobre o uso de
manifestações populares, percebe-se que seu uso é todo voltado, “no intuito dos escritores ou
na opinião dos críticos, para a construção duma cultura válida no país. Quem escreve,
contribui e se inscreve num processo histórico de elaboração nacional” (CANDIDO, 2006,
p.20).
Ao analisar a xilogravura e sua relação com a obra e com os fatos sociais que a sustentam,
constata-se que o cruzamento de linguagens que compõe o enredo do romance “Tieta do
Agreste” (BAKHTIN, 2002) resultam em uma obra expressiva que recria a memória
nordestina. Jorge Amado faz isso, ao orquestrar elementos populares fazendo uso de gêneros
populares, usando a xilogravura para representar características da cultura nordestina na
criação de um enredo que recria a memória de um povo.
CONCLUSÃO
A partir da analise realizada, conclui-se que ao longo do romance Jorge Amado faz uso de
diversos fatores que compõem a memória nordestina. Dentre eles o mais representativo é a
relação entre o Local e o Global. Amado recria nesse romance a identificação nordestina do
seu local como sendo parte de si, como sendo sua identidade. O autor representa o nordeste
como um paraíso que deve ser preservado, no enredo retrata-se o medo de que esse local se
transforme e se urbanize. Mangue seco torna-se a representação indenitária nordestina que
se expressa pela distinção entre valores locais e valores globais.
Contatou-se nesta pesquisa, a forte idealização na constituição de Mangue Seco como paraíso
perdido que se mantém como representação indenitária de um local por manter-se afastado
da zona urbana e do progresso. Vários trechos comprovam o caráter paradisíaco atribuído a
Mangue Seco e a necessidade desse local manter-se com as mesmas caraterísticas de sempre.
Neste sentido, tudo que venha a ser uma promessa de urbanização será combatido e tido
como vilão. Esse traço foi comprovado ao se analisar a representação simbólica da Fábrica
Brâstanio como valores globais urbanos de destruição do universo local nordestino associado
a Mangue Seco. A Brastânio se tornou a grande vilã do romance, a análise demostrou que a
fábrica Bastânio vem como um monstro-máquina destruidor da paisagem e da vida de uma
cidade que povoou o imaginário dos personagens, ao longo dos capítulos, de tal modo que se
tornou um adversário concreto a ser derrubado ao longo enredo.
Constatou-se que o uso da xilogravura como artificio estético colabora para a identificação
cultural de determinados leitores e para recriação e preservação da memória nordestina,
sendo que Jorge Amado faz o uso da xilogravura como artificio estético de uma literatura
popular que demostra a busca da constituição de uma literatura moderna comprometida com
uma reinvenção do ethos nordestino. Observou-se com essa pesquisa que o autor descreve ao
longo do romance as características de Mangue Seco com um viés de paraíso por manter-se
afastado do progresso. Fica claro que a urbanização destruiria o paraíso o transformado em
um inferno. Deste modo a urbanização está associada ao mal por ocasionar na perda de
identidade nordestina. Sendo que a relação entre o local o Global, na obra, criam um Mangue

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Seco que se configura como representação indenitária nordestina o que nos mostra a forte
ligação entre local e identidade expressa no romance.

REFERÊNCIAS

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folhetim em cinco sensacionais e empolgantes episódios: emoção e suspense. Rio de Janeiro: Record,
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ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: editora brasiliense, 1985.

148
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REINVENÇÃO DO SERTÃO SERIDOENSE NAS MEMÓRIAS LITERÁRIAS
DE DONA COTA

Luciana Maria Carvalho Medeiros dos Santos**

RESUMO: No gênero Memórias literárias o autor escreve suas lembranças pela via da
criação estética, ou seja, o autor de memórias fala de suas experiências ofertando a cada uma
nuances de criatividade, emoção e devaneio, o que confere a estas o caráter universal. O livro
Minha infância minha vida: livro de memórias, foi escrito por Maria Raquel de Medeiros
dos Santos (in memoriam), mais conhecida como Dona Cota, uma seridoense nascida em
1921, no interior do RN, onde viveu até os seus 92 anos de idade. O livro reúne trinta Textos/
Ilustrações (T/I) que guardam e contam suas histórias da meninice e juventude. Ler e
observar os T/I de Dona Cota é aventurar-se em uma viagem feita de cores, palavras e
lembranças. Suas memórias são contadas e desenhadas pelo caminho da realidade e da
imaginação. Diversas são as imagens em que o belo e o apelo às cores sinalizam para um
sertão colorido, florido, também vivido pelo sonho, pela fantasia. Trazer à análise essas
memórias é possibilitar a indivíduos seridoenses ou não, desse ou de outros tempos, a
experiência da leitura estética, a [re]significação do sertão seridoense, da identidade
sertaneja.

PALAVRAS-CHAVE: Memórias Literárias. Velhice. Sertão Potiguar. Seridó.

ABSTRACT: In genre literary memories the author writes his memories by way of aesthetic
creation, ie, the author speaks of memories of their experiences offering to each nuance of
creativity, emotion and reverie, which gives these universal character, since the reader tends
to identify each of these memories. The book My childhood my life: memoir, was written by
Maria Raquel Medeiros dos Santos ( in memoriam) , better known as Dona Cota, a Seridó
born in 1921 , in RN , where she lived until her 92 years old. The book brings together thirty
Texts / Illustrations (T/ I) which save and share her stories of childhood and youth. To read
and to follow Dona Cota's verbal texts and graphics is venturing on a journey made of colors,
words, shapes and souvenirs. Her memoirs are told and drawn by way of reality and
imagination. There are several images in which the beautiful and the colors appeal to point to
a colorful, flowery wilderness, also lived the dream, the fantasy. Bring those memories to the
analysis is to enable seridoenses (people who live in Serido region) or not, from this or other
times , The experience of aesthetic reading , the [ re] significance of Seridó backcountry,
backwoods identity of individuals.

KEYWORDS: Literary Memoirs. Old age. Hinterland Potiguar. Seridó.


INTRODUÇÃO

Memórias literárias é considerado um gênero discursivo confessional em que um narrador


apresenta fatos de sua vida, constituídos e constituintes de sua identidade, pelo viés da
memória.
mportante ressaltar a natureza da memória que aborda-se nesse estudo, tendo em vista que
esta pode ser analisada por diversas áreas de estudo como a medicina, a psicologia, a
antropologia, a sociologia e a literatura.
A memória aqui estudada parte do princípio da faculdade de conservar determinados
acontecimentos para, enfim, ser compreendida como o lugar em que imagens, impressões e
fatos são guardados e, vez por outra, reavivados.

149
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A memória, como capacidade de conservar certas informações, recorre, em primeiro
lugar, a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar
impressões ou informações passadas, que ele representa como passadas. [...] Os
fenômenos da memória, seja nos seus aspectos biológicos ou psicológicos, mais não
são do que os resultados dos sistemas dinâmicos de organização, e apenas existem
enquanto a organização os mantem ou os reconstitui. (LE GOFF, 1982, p. 9)

Dessa forma, é possível compreender o gênero memórias literárias como um espaço de fuga e
encontro do eu, considerando que a literatura corresponde à necessidade intrínseca do ser
humano de sonhar, (CANDIDO 2004, p: 174), ao escrever suas memórias o autor envereda-se
no caminho da fuga do real, porque a realidade não satisfaz a sua necessidade de plenitude e,
ao mesmo tempo em que foge dessa insatisfação, encontra-se na lembrança do que foi e no
desejo do que podia ter sido – lembrar é, assim, viver novamente.
Nesse gênero, o autor escreve suas memórias pela via da criação estética, ou seja, o autor de
memórias fala de suas experiências ofertando a cada uma nuances de criatividade, emoção,
devaneio e novidade, o que confere a estas memórias o caráter universal, uma vez que o leitor
tende a se identificar com cada uma delas pelas inúmeras possibilidades de interpretação e
identificação sugeridas por toda essa intersubjetividade.
Portanto, o gênero memórias literárias configura-se como uma tentativa de busca da
identidade pessoal, e por tratar-se de memórias compartilhadas com outros indivíduos,
direta ou indiretamente, ultrapassa os limites da identidade pessoal e abarca a identidade de
grupo, correspondendo a necessidade inerente do ser humano de permanência.

1. UMA VIAGEM NAS MEMÓRIAS LITERÁRIAS DE DONA COTA

Ler e observar os textos verbais e as ilustrações de Dona Cota é aventurar-se em uma viagem
feita de cores, palavras, formas e lembranças. Suas memórias de meninice e juventude são
contadas e desenhadas pelo caminho da realidade e da imaginação. Muitos são os fatos em
que visivelmente a emoção é flagrada entrecortando a narrativa. Diversas são as imagens em
que o belo, o apelo às cores, sinalizam para um sertão colorido, florido, também vivido pelo
sonho, pela fantasia.
Assim, mesmo sendo Dona Cota e suas memórias “singulares”, visto que se trata da
experiência de vida de uma pessoa em particular, trazer à análise e à discussão suas
memórias é possibilitar a indivíduos, seridoenses ou não, desse ou de outros tempos, a
experiência da leitura estética, a recriação, [re]significação de suas próprias lembranças,
enfim, a [re]significação de sua identidade.

1. 1. QUEM É DONA COTA

Dona Cota é o apelido carinhoso de Maria Raquel de Medeiros dos Santos (in memoriam),
uma seridoense nascida em 24 de fevereiro de 1921, no sítio Várzea, município de Acari-RN,
onde morou até o seu casamento em 1942. Nesse momento, mudou-se para Jardim do
Seridó-RN, cidade onde viveu até os seus 92 anos de idade.
Cota teve uma infância alegre. Gostava de brincar de boneca, pular corda, de jogo de pedras,
correr pelo terreiro e brincar embaixo das catingueiras com suas primas. Já na infância
ajudava sua mãe cuidando da casa e dos irmãos menores.
Aprendeu a ler cantando, segundo a própria Cota, quando na escola, ela e suas amigas
soletravam as sílabas cantando e balançando as pernas.
Casou-se com Hermes Conegones numa cerimônia simples, mas repleta de convidados e
carnes diversas; a festa denominada “pagode” durou dois dias.
Dona Cota teve 19 filhos, porém apenas 12 sobreviveram. Além de bastante dedicada à família
e à fé católica, sempre dedicou parte de seu tempo à cozinha no preparo de pratos típicos do
Seridó como canjica, pamonha, galinha caipira, e arroz doce.
Vaidosa e delicada, quando precisava de roupas novas e os seus muitos ofícios não mais a
permitiam costurar, dona Cota costumava desenhar suas próprias roupas antes de ir à
costureira.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Aos 90 anos, comprou um caderno e uma coleção de lápis de cor e decidiu escrever/ ilustrar
suas lembranças de infância e juventude como um exercício de pura descontração. Como
resultado dessa atividade, existem em torno de 30 Textos/ Ilustrações (T/ I) que guardam e,
ao mesmo tempo, contam suas histórias da meninice e juventude cercadas de primos, bois,
pássaros, rios e flores.
Em 2013, aos 92 anos de idade, publicou suas memórias no livro Minha infância minha
vida: livro de memórias. Faleceu no mesmo ano deixando um legado de cores e lembranças.

2. UM SERIDÓ DE TODOS OS TEMPOS E DE TODAS AS GENTES

O Seridó é o nome de uma das microrregiões que integram o sertão do Rio Grande do Norte.
Está situado na porção centro-meridional do estado e, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística) compreende atualmente um universo de dezessete municípios.
O clima predominante no Seridó é o semiárido, caracterizado por chuvas irregulares e longos
períodos de seca; a vegetação é a caatinga, facilmente adaptada à falta de água, e a bacia
hidrográfica que banha a região é a Seridó (rio Seridó). Sobre algumas particularidades da
geografia física do Seridó, Faria acrescenta:
As chuvas são esparsas e mal distribuídas; 4 meses de molhado para 8 secos – é o que
Deus dá nos anos normais de inverno. Mas, tão cedo caem as primeiras chuvas, a
vegetação estoura em verde nos arbustos – a rama – e o chão se atapeta de ervas e
capins – a babugem. (1980, p. 174)

Por muito tempo, a cultura do algodão e a extração mineral foram as principais atividades
econômicas do Seridó. Hoje, a economia da região sustenta-se de atividades ainda no campo
da agricultura, além da fruticultura e do comércio, segundo dados apresentados no Atlas do
Rio Grande do Norte.
A experiência da religiosidade é vivida com bastante fé e força pelo povo seridoense. Grandes
são as festas de padroeiras das cidades do Seridó. São festas religiosas que também agregam
manifestações do profano, como as festas de clube, bailes, entre outros, que atraem a
população local, das cidades vizinhas e antigos moradores que fazem da festa um espaço de
reencontro.
No que se refere às manifestações artísticas e culturais, o Seridó sempre foi, e continua
sendo, um verdadeiro celeiro de artistas e ativistas culturais de tempos passados e da
atualidade.
Falar do Seridó é, portanto, falar de um povo feito de simplicidade, fé e tradição. É falar de
uma gente que escreveu e escreve sua história em pedras e cactos, extraindo da dureza dos
dias o sentimento de pertencimento e atualidade.

3. METODOLOGIA

Essa é uma pesquisa de abordagem qualitativa, tendo em vista o objeto que se pretende
estudar e dos objetivos que irão orientar os estudos (OLIVEIRA, 2008, p: 66).
Essa pesquisa procederá a uma investigação dos elementos representativos do sertão e da
memória do povo seridoense em três T/ I de Dona Cota, identificando-os e analisando-os.
O enfoque dessa abordagem será dado aos seguintes elementos: religiosidade, costumes, casa
e família. A escolha desses elementos segue a própria natureza da maioria dos T/I que
compõem a obra em estudo, além de fazerem parte do universo de significações
representativas da região Seridó e seu povo, conforme outras leituras apontaram.
Cada T/I analisado nesse artigo, assim como todos os outros que integram as memórias
literárias de Dona Cota, apresentam textos verbais e não verbais que, juntos, contam os fatos,
descrevem a cena e os personagens, construindo assim o sentido do texto em sua totalidade.
Os T/I foram analisados a partir do que está expresso em palavras e imagens, mas também
daquilo que aparece como sugestões de sentidos e impressões.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
4. ANALISANDO AS MEMÓRIAS LITERÁRIAS DE DONA COTA

Em muitos de seus registros é possível identificar a experiência da religiosidade como um


elemento bastante representativo da tradição seridoense. A figura a seguir é um exemplo
dessa experiência.

Figura 1 Papai ensinando-nos a rezar (MEDEIROS DOS SANTOS p: 25)

Observa-se nesse T/I a experiência da religiosidade compartilhada entre alguns membros da


família. O pai, tradicionalmente ocupando o posto de chefe da família, responsável pelo
provimento e pela educação moral, é o condutor das orações realizadas depois da ceia:
“Meninos vamos rezar, louvar a Deus pelas graças que recebemos todos os dias”
(MEDEIROS DOS SANTOS, p: 25). A mãe representada no T/I em análise aparece realizando
um de seus inúmeros ofícios como dona de casa, ofícios esses compreendidos pela própria
Cota menina como “obrigação”.

Se as mulheres não se dedicavam tanto às tarefas da roça é porque em casa a luta era
árdua. Todos os trabalhos caseiros exigiam tempo e dedicação, já que também eram
realizados de forma um tanto primitiva se comparados aos dias de hoje. (MACEDO,
et all, 1997, p. 16).

A respeito da experiência da religiosidade, muitas são as manifestações e os registros que


evidenciam a expressão da fé do povo seridoense como missas, terços, novenas, santos,
promessas, procissões, entre outros.
No T/I em análise, embora seja o pai que chama os filhos para rezar antes de dormir, é a
figura feminina que geralmente emerge como representação da fé e da religiosidade no
cenário nordestino. E é nesse cenário mais específico do Seridó que a mulher, representada
no T/I analisado pela figura da mãe, assume o papel de difundir e preservar alguns costumes
relacionados à religiosidade, como rezar terços e novenas.
Ensinar os filhos a rezar é para o nordestino, e por sua vez, para o seridoense, mais que um
ritual, é educação religiosa e moral, é confirmação de fé em Deus, é tradição que une e
fortalece a família, pois

através da tradição, algo é dito e entregue e o dito é entregue de geração a geração. De


certa maneira, estamos, pois, instalados numa tradição, como que inseridos nela, a
ponto de revelar-se muito difícil desembaraçar-se de suas peias. (BORNHEIM,1987,
p. 18)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Portanto, a tradição está enraizada em cada um como algo pertencente a natureza individual,
mas que por vezes se confunde com o coletivo, visto que as interações sociais se completam
na troca de experiências.
Um outro aspecto interessante de observar no T/I em estudo é a prática da religiosidade
atrelada à Igreja Católica. Isso é visível nas orações que o pai ensina às crianças como o
Credo, o Pai-Nosso, a Ave-maria e a Salve rainha, todas essas orações pertencentes à crença
católica.
Essa adesão ao Catolicismo advém do período colonial, quando o Brasil esteve sob o poder de
Portugal e todas as suas práticas no que se refere à língua, religião, trabalho, etc., foram
impostas ao povo brasileiro como uma norma. Nesse sentido, a religião atuou no sentido de
unificar crenças, servindo também como um instrumento de adestramento e de
homogeneização cultural. E toda essa prática somente foi possível pela imposição da língua,
certamente um dos elementos de maior poder quanto à identidade de um povo.
O Seridó sempre se destacou, e provavelmente ainda mantém esse destaque, como uma
região em que a expressão da fé é fortemente difundida e preservada, em especial pelos mais
velhos. É claro que em tempos mais antigos essa religiosidade era vivida de maneira mais
alienada, tendo em vista que muitas são as histórias contadas pelas pessoas mais velhas de
fatos curiosos a respeito de promessas e crenças, como por exemplo a devoção aos padres,
como o Padre Cícero, considerado por muitos sertanejos como um ser superior, dotado de
dom divino (MACEDO, et all, 1997, p: 19).
Em outros T/I de Dona Cota é possível identificar manifestações da religiosidade seridoense
(p.24,25 e 41).
Outro elemento representativo de uma determinada comunidade bastante percebido nos
textos de memórias são os costumes. Observe o T/I abaixo que apresenta alguns costumes
típicos do Seridó.

Figura 2 Missa do Natal na Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Jardim do Seridó-RN


(MEDEIROS DOS SANTOS p: 16)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
No T/I em análise, alguns costumes bem seridoenses são ressaltados. A ida à missa de Natal
na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, localizada no município de Jardim do Seridó, é
além de uma manifestação de profunda religiosidade e apego às tradições, um grande evento
social. Por essa razão, todos vão com suas melhores roupas, sapatos novos guardados por
seus tios para serem usados somente na chegada à cidade. A respeito desse costume Macedo
descreve no capítulo dedicado às festas profanas:

Na vinda para as festas, as pessoas do campo que não possuíam casas na rua, traziam
as roupas e os sapatos novos debaixo do braço. Ao chegar perto da cidade, trocavam
de roupa e de calçados, deixando os velhos escondidos no mato. Na volta para casa
mudavam de roupa, chegando a casa com a mesma que haviam saído. (MACEDO, et
all, p:20)

Esse costume sugere em sua simplicidade, nuanças da relação do homem do campo com a
cidade. A cidade compreendida como espaço da modernidade, da vida em movimento, onde
tudo acontece dentro de uma dinâmica bastante intensa. O vestir-se bem, escolher a melhor
roupa e o melhor sapato para ir à cidade, denuncia a ideia da cidade como o lugar da norma
estabelecida, dos modelos esperados.
Nesse T/I, um outro fato também chama a atenção - a menção ao que as crianças iriam
comprar com o dinheiro que o pai deu a elas: “Papai dava dinheiro para nós comprar rodela
de abacaxi, cocada e doce seco, era o melhor da festa. A gente trazia também para nossas
mães” (Medeiros dos Santos, 2012, p: 16). Esse fato é mais uma representação da
simplicidade do povo seridoense, em especial as crianças, pois é o que a menina Cota
evidencia como “o melhor da festa”, a compra de rodela de abacaxi, cocada e doce seco, que
denuncia esse aspecto de singeleza.
A religiosidade é também um aspecto bem nítido no T/I em análise. Além de se tratar de um
relato sobre a ida à missa de Natal na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, o T/I traz a
devoção das crianças envolvidas na cena quando, ao avistar a igreja, iniciam uma oração
“Deus salve casa santa/ Onde Deus fez a morada/ Lá está o cálice bento/ E a hóstia
consagrada” (MEDEIROS DOS SANTOS, 2012, p: 16)
Atenta-se também na leitura deste T/I para um outro fato: os apelidos usados por algumas
das personagens que compõem esse T/I. Tia Nega, Mulata, Preta, além de Cota, são apelidos
que revelam além da simplicidade, a cumplicidade nas relações.
De fato, quem por aqui morava em tempos um pouco mais antigos, sabe da predominância
dos apelidos entre todos os moradores de uma cidade pequena, ou pelo menos entre os mais
conhecidos. Era comum, e mesmo hoje ainda é, embora não com tanta frequência, nominar
alguém de um apelido, ou mesmo referenciá-lo sempre a uma outra pessoa, sendo esta o pai
ou a mãe, ou mesmo o esposo. Confirma esse costume a literatura da época.
No livro Os Brutos, do autor José Bezerra Gomes, muitos são os apelidos ofertados às suas
personagens como Zé do Cego, João Bolo, Linda do Dr. João (GOMES, 1938, p: 18). O
próprio escritor citado também tinha seus apelidos. Conhecido como “Seu Gomes” pelos que
sabiam da sua importância e sua competência na arte da literatura, e como “o doido de Dona
Venera” (sua mãe), sendo este apelido usado pelas pessoas da cidade que apenas o viam
como um indivíduo de comportamento diferente dos demais devido sua sensibilidade e
também porque José Bezerra Gomes apresentava alguns problemas mentais, segundo SILVA
(2005, p:15).
Assim, todos esses costumes atestam para o que a tradição é em sua natureza: “o conjunto
dos valores dentro dos quais estamos estabelecidos” (BORNHEIM, p: 20). Ou seja, é por
meio de todos esses traços de semelhança na forma de estar, pertencer e atuar no mundo
entre uma determinada comunidade, ou entre um determinado povo, que faz da tradição um
elemento que converge para a afirmação da identidade.
Caminhando pelas memórias literárias de Dona Cota, o leitor é, inúmeras vezes, convidado a
compartilhar da alegria de estar em casa com a família e com os amigos.
As casas ilustradas em seus T/I’s são sempre coloridas, agradáveis, acolhedoras. Espaço onde
a família se reúne, no início e no fim do dia, sobretudo em momentos de refeição, é a casa

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
para o seridoense um lugar sagrado, pois é o canto de morada, mas também de encontro, de
confraternização.
Observe o T/I a seguir em que a casa ocupa um espaço de destaque na construção dessa
memória.

Figura 3 Noite de Lua (MEDEIROS DOS SANTOS p: 43)

Para falar desse T/I, toma-se como norte o pensamento de Bachelard em seu livro A Poética
do Espaço, quando afirma que a memória constitui-se de lembranças e de imaginação, isto é,
parte do que conservamos de memória é constituída de sonhos, devaneios, desejos de
concretude e “é exatamente porque as lembranças das antigas moradas são revividas como
devaneios que as moradas do passado são imperecíveis dentro de nós” (BACHELARD, 2008,
p: 46).
A casa apresentada nesse T/I quase que arrebata o olhar de quem passa a página, tudo em
razão da luminosidade e do jogo de cores que pintam essa casa de amparo e aconchego. Aliás,
as cores pintam a casa e seus arredores, pois que o “terreiro” (expressão bastante usada pelo
seridoense para referir-se a parte externa da casa, as suas cercanias) também carrega essas
nuanças de afago, proteção e aconchego.
Imaginar uma casa antiga, que abrigou um dia um ser ainda pequeno, que foi leito para os
seus primeiros dias, chão para os seus primeiros passos, parede para os seus primeiros
limites, é pensar uma casa-mãe, protetora, guardadora da memória de seus melhores dias.
Por isso, para caminhar pelos vãos da memória é necessário, muitas vezes, abrir a porta da
antiga casa, da casa primeira.
A casa no T/I é apresentada sob dois aspectos: a casa enquanto espaço físico, abrigo, morada,
e a casa enquanto espaço metafísico, circundado de sonhos e lembranças.
É essa casa que abriga a menina Cota. Uma casa que guarda por entre paredes, chão, teto e
cantos as experiências vividas na infância e tantas vezes confundidas com as lembranças de
outros nas imagens projetadas em histórias contadas pelos mais velhos, por exemplo.
Essa importância de compreender o estudo das obras literárias como norte para a real
compreensão do indivíduo é evidenciada por Antonio Candido (2010, p: 175) quando afirma
que “cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo

155
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de
fortalecer em cada um a presença e atuação deles”.
É essa memória que se configura como espaço de lembranças e nostalgia porque, por diversas
vezes, é evocação daquilo que se foi em razão de uma profunda insatisfação com o atual, que
se apresenta no T/I 3 de Dona Cota.

Escrever sobre o Seridó era escrever-se em um espaço, lembrar-se dos tempos da


meninice, dos antepassados, de um lugar que imprimiu marcas em suas
subjetividades. Eram os tempos de outrora de si e do Seridó, era a tradição e a
memória que passavam a delimitar a produção sobre essa terra e o espaço do eu.
(MEDEIROS NETA, p. 277).

A casa do T/I em análise traz uma das principais marcas das moradias do sertanejo: o
alpendre. Era no alpendre que os mais velhos reuniam-se para contar causos, recitar versos
(literatura de cordel), conversar, muitas vezes deitados em redes.
É fato que o referido T/I não apresenta a memória de um fato em particular, mas de uma
prática comum à menina Cota - varrer o terreiro com o claro da lua. Talvez a experiência de
subverter o medo da noite e dos mistérios que ela carrega, medo comum a toda criança, essa
atividade provocasse na menina uma espécie de magia, de encantamento. É possível assim
deduzir ao observar a ternura com a qual Dona Cota representou tão delicadamente essas
lembranças coloridas.
Outros elementos próprios de nossa cultura e do nosso cenário também são explorados no
T/I como a porteira, a carroça e os pássaros, representados no T/I pelo canário e pelo galo-
de-campina. A luz que predomina no T/I é em função da lua e seu clarão, essa lua tão cantada
e ecoada em versos da literatura de cordel ou nas canções populares.
Falar das casas do Seridó, casas grandes e altas, cheias de tornos de madeira para o balanço
da rede, cercadas de alpendre para o aconchego do fim das tardes é falar de um tempo que
perpassa a existência de cada um do Seridó. Mesmo os que nunca viveram essa realidade das
casas de sítio, das casas mais antigas, trazem essa vivência, na memória compartilhada com
todos aqueles que o antecedem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caminhar por entre as lembranças de Dona Cota é ouvir os chocalhos das vacas, o chiado da
vassoura varrendo o terreiro, meninos brincando e cantando de roda, homens e mulheres
rezando, pedindo por novos tempos, tempos de chuva e fartura.
Em seus Textos/ Ilustrações o tempo do seridoense é recontado e[re]significado, uma vez que
a Cota que relata esses fatos, que traz para o presente essas lembranças, não é mais a Cota
menina.
Cota é a protagonista e também a narradora de suas histórias, e a estas dedica nuanças de
alegria e saudade.

Pensada assim, lançar-se para o passado não significa estabelecer-se fixo nos
tempos idos, mas dá sentido ao que se foi movendo-o para o espaço do
agora; a memória ativa e reconstrói o passado, de modo que a substância que
aí se interpõe é o tempo social. (SANTOS, 2010, p: 112 - 113)

Suas memórias, incontestavelmente tão suas, são quase que na mesma proporção de todos os
seridoenses, pois compartilham dos mesmos traços, cenários e vozes.
Em muitos dos T/I que integram sua obra, a tradição é apresentada como um elemento ao
mesmo tempo constituinte e constituído da identidade do Seridó. As manifestações de fé,
brincadeiras, festividades, a relação com a família, a casa e a natureza são algumas das
representações da tradição seridoense tão bem ilustradas, descritas e relatadas por Dona
Cota.
Pensar na relevância de um registro dessa natureza é saber do caráter humanizador da
literatura defendido por Antonio Candido, pois nesse caso as memórias impressas/ expressas
no papel, embora estejam diretamente relacionadas à experiência de vida de um indivíduo
156
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
em particular, concretizam aquilo que para muitos se faz vivo apenas na emoção, na
imaginação e na lembrança e assim, garantem a permanência, pois “a literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos
para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO, 2004, p: 180)”.

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston de. A Poética do Espaço. Martins Fontes, São Paulo, 2008.

BORNHEIM, Gerd. O conceito de tradição. In: _____. Tradição/ Contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1987.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 4 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul/
São Paulo: Duas cidades, 2004, p. 169 – 191.
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Sertões do Seridó. Brasília, 1980.

GOMES, José Bezerra. Antologia Poética. Natal: Fundação José Augusto, s/ d.

LE GOOF, J. História e memória. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.

MACEDO, Adriana Medeiros de, et all. Como se vivia nos sertões do Seridó (século XIX e meados do século XX.
In: ______ Livro Seridó Antigo: história e cotidiano. Maria das Dores Medeiros (Org). Revista. Natal-RN.
EDUFRN – Editora da UFRN. 1997 - 2ª edição.
MORAIS, Grinaura Medeiros de e DANTAS, Eugênia. Livro de Memórias. João Pessoa: Ideia, 2006.

MEDEIROS DOS SANTOS, Maria Raquel de. Minha Infância Minha Vida: Livro de Memórias. Natal: Unigráfica
Natal, 2012.

MEDEIROS NETA, Olívia Morais de. Configurações espaciais do Seridó Potiguar. In: ______ Seridó Potiguar:
tempos, espaços, movimentos. Helder Alexandre Medeiros de Macedo (Org). João Pessoa: Ideia, 2011.

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SANTOS, Derivaldo dos. Memória, exercício de humildade na poesia de José Gomes. In: ______ Trama de um
cego labirinto: ensaios de literatura e sociedade. João Pessoa: Ideia editora, 2010. p. 105 – 114.

SILVA, Vilma Nunes da. Os Brutos: tradição literária e a memória cultural do Seridó. UFRN, 2005. Dissertação
(Mestrado em Estudos da Linguagem).

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REDENÇÃO PELA ARTE: UMA ANÁLISE DA ILUMINOGRAVURA “DOM”, DE
ARIANO SUASSUNA

Karina de Almeida Calado *

RESUMO: O presente estudo busca realizar uma leitura intersemiótica da iluminogravura


“Dom”, obra de Ariano Suassuna constante do álbum Sonetos de Albano Cervonegro,
publicado em 1985 e reproduzido, ao lado do álbum Sonetos com mote alheio, como
parte integrante do Caderno de Iluminogravuras, que compõe o livro Ariano Suassuna 80,
memória: catálogo e guia de fontes, publicado em comemoração aos oitenta anos do autor,
em 2008. Parte-se do pressuposto de que essa iluminogravura oferece uma visão-síntese do
imaginário poético de Ariano Suassuna, fundada na temática da morte e da redenção por
meio da arte. Suassuna cria o termo “iluminogravura” para batizar o gênero original, com o
qual realiza o amálgama entre arte medieval e arte popular nordestina. Adianta-se que o
autor usa temas, imagens e expressões do imaginário popular como fonte de sua arte,
trabalhando-os, com domínio técnico, em estilo rebuscado e estruturas consagradas da
poesia erudita, o que denota uma extrema facilidade de deslocamento da tradição poética
nordestina à tradição poética ocidental. Sua poesia apresenta características que evidenciam
uma “visão trágica do mundo”, proposta por Newton Junior (1999), e o aproximam da noção
de “homem trágico”, considerada por Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia (1999).
Este trabalho está ancorado, ainda, em estudos desenvolvidos por Ângela Vaz Leão (2003) e
Idelette Muzart dos Santos (1999).
PALAVRAS-CHAVE: Ariano Suassuna. Iluminogravura. Morte. Arte. Redenção.

ABSTRACT: This study brings an intersemiotic reading of the iluminogravura "Dom", a


work by Ariano Suassuna that is part of the album "Sonetos de Albano Cervonegro",
published in 1985 and republished, together with the album "Sonetos com mote alheio", as
part of the "Caderno de Iluminogravuras", which belongs to the book "Ariano Suassuna 80,
memória: catálogo e guia de fontes", published in celebration of the author's 80th birthday,
in 2008. Assuming that this iluminogravura offers a synthetic view of Ariano Suassuna's
poetic imagination, based on the themes of death and redemption through art. Suassuna
crafted the word "iluminogravura" in order to define the original genre, with which he
amalgamates medieval art and popular Northeastern Brazilian art. The author uses themes,
images and expressions from the popular imagination as a source of his art, working on
them, with technical skill, in a sophisticated style and with traditional structures taken from
erudite poetry, indicating an extreme easiness of movement from the traditional
Northeastern poetry to the traditional Western poetry. His poetry has characteristics that
demonstrate a "tragic world view", proposed by Newton Junior (1999), leading him to the
"tragic man" notion, considered by Nietzche in The Birth of Tragedy (1999). This work is
anchored, too, in studies by Ângela Vaz Leão (2003) and by Idelette Muzart dos Santos
(1999),
KEYWORDS: Ariano Suassuna. Iluminogravura. Death. Art. Redemption.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Literaturas de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade


Católica de Minas Gerais, com bolsa CAPES. Belo Horizonte. E-mail: [email protected].
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O interesse pelo estudo das iluminogravuras de Ariano Suassuna se deu a partir da disciplina
“A arte armorial de Ariano Suassuna”, ministrada pela Professora Ângela Vaz Leão, no
programa de Pós-Graduação da PUC-Minas. Ao longo dos instigantes encontros, tivemos o
prazer de nos debruçarmos e de trocarmos impressões, verso a verso, palavra a palavra,
símbolo a símbolo, sobre a obra poética do Mestre Ariano. Aulas memoráveis que nos
deixaram encantamento e perplexidade diante da beleza contida no universo significativo de
cada poema e da riqueza com que cada verso é intensamente trabalhado. No curso, fomos
apresentados aos álbuns Sonetos com mote alheio (1980)e Sonetos de Albano
Cervonegro (1985) e analisamos, coletivamente, todas as iluminogravuras inter-
relacionando poesia e imagem. Do trabalho coletivo, surgiu a ideia de aprofundar a leitura,
em caráter individual, da iluminogravura “Dom”.
Os álbuns Sonetos com mote alheio (1980)e Sonetos de Albano Cervonegro
(1985)foram produzidos em edição artesanal, manuscrita e iluminogravada pelo próprio
Suassuna. Cada álbum contém dez iluminogravuras, que medem 44 por 66 cm, dispostas em
pranchas soltas e acondicionadas em uma caixa de madeira. O termo iluminogravura foi
concebido por Suassuna para batizar o gênero, também de sua criação, no qual integra poesia
(soneto) e pintura. Trata-se de um neologismo composto pelo radical “ilumin”, da palavra
“iluminura”, justaposto à palavra “gravura” por meio da vogal de ligação “-o-” (LEÃO, 2003,
p.14).
A iluminura é arte da ilustração e da ornamentação de manuscritos, desenvolvida e muito
praticada na Idade Média. Aliando técnicas dessa arte aos processos modernos de gravação
em papel, visando à posterior reprodução da iluminogravura em exemplares iguais, Suassuna
cria gravuras para ilustrar suas composições literárias, integrando palavra e imagem em “um
poema plástico”*. Conforme Carlos Newton Júnior (1999, p. 125-126), as ilustrações podem
aludir “ao texto integralmente, passando de episódios ou cenas descritas no poema a motivos
do universo armorial, recolhidos tanto em nossa xilogravura popular quanto em arte pré-
histórica”.
Na nomenclatura do gênero, temos a síntese do explícito amálgama entre arte medieval e arte
popular nordestina como fundamento de uma arte original. Compreender o propósito de
fusão entre essas culturas é uma chave de entrada ao projeto estético de toda a arte de Ariano
Suassuna, uma vez que as aproximações entre o O Romanceiro Popular Nordestino e a
cultura medieval, dentre elas, a presença da poética da oralidade, fundam toda a sua
produção artístico-literária.
O ideal de integração entre as artes, que está na concepção fundadora da iluminogravura,
reflete a postura do autor diante dos gêneros com os quais trabalha. Há uma coerência
formidável entre tudo que Suassuna faz, entre todas as produções dentro de um mesmo
gênero, ou entre produções de gênero diferentes. O crítico Newton Júnior (1999) atribui,
inclusive, o hermetismo existente na poesia de Suassuna à unidade presente em toda a sua
obra. De fato, quanto mais nos inserimos no imaginário do autor e quanto mais conhecemos
a sua rica produção, mais nos familiarizamos com as imagens evocadas e com a linguagem
trabalhada e mais propriedade de interpretação ganhamos. Newton Júnior salienta ainda que
a poesia de Suassuna é a fonte profunda de toda a sua obra e exemplifica que todo um
capítulo do romance A Pedra do Reino, o Folheto LVI – A Visagem da Bicha Bruzacã, é
baseado num poema de sua autoria.
Esse princípio da integração faz parte de toda a trajetória artística de Ariano Suassuna,
pautando não só o seu fazer individual, mas se tornando também um dos fundamentos de
uma estética concebida por ele. Suassuna é um dos idealizadores do Movimento Armorial, na
década de 70, sendo o responsável por adotar o folheto de cordel como bandeira do
movimento, compreendido como um “modelo de integração das formas artísticas” que une
três caminhos artísticos:
________________________
* Informação dada pelo estudioso Newton Júnior (1999, p. 48).
uma via literária, teatral e poética, que se inspira em seus versos e narrativas; uma
outra via para as artes plásticas, apoiando-se nas xilogravuras que ilustram as capas
de folheto;

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
finalmente uma via musical que, através dos cantos e das músicas que acompanham
a leitura-recitação do texto, reencontra a tradição da poesia oral, improvisada ou não
(SUASSUNA apud DOS SANTOS, 1999, p. 36).
É importante salientar que a estética armorial sobrevive ao movimento e que Ariano
Suassuna é o seu maior expoente. As iluminogravuras, bem como toda a sua obra escrita a
partir de 1946 65, inserem-se nessa estética que possui, como característica marcante,
conforme Idelette dos Santos (1999, p. 37), o intertexto de obras e temáticas desenvolvidas
por artistas no interior do movimento armorial ou buscadas no Romanceiro Popular
Nordestino e em autores da tradição poética ocidental. É comum nas iluminogravuras de
Suassuna a referência a temas desenvolvidos por outros autores armoriais ou a temas e
autores de outras estéticas. Augusto dos Anjos, por exemplo, é uma referência muito
frequente. Suassuna usa temas, imagens e expressões do imaginário popular como fonte de
sua arte, trabalhando-os com domínio técnico, em estilo rebuscado e estruturas consagradas
da poesia erudita, tais como o soneto. Ele se desloca com facilidade extrema da tradição
poética nordestina à tradição poética ocidental, facilidade explicada por Ângela Vaz Leão
(2003, p. 15) ao afirmar que:
só um conhecimento profundo da dicotomia cultura popular e cultura erudita torna
possível a opção por um dos dois polos. Suassuna opta por formas da cultura popular,
mas dá-lhes um tratamento de alta categoria, solidamente enraizado na história da
cultura erudita ocidental.

Ousamos falar em visão-síntese, ao propor a nossa análise sobre o poema “Dom”, porque
consideramos, como já aqui manifestamos, que toda a obra de Suassuna está intimamente
interligada. Nesse sentido, Jarbas Maciel apud Newton Júnior (1999, p. 16) defende que não
pode faltar uma visão de sistema, uma visão que considere toda a sua obra, para que seja
possível uma compreensão mais profunda da obra de Suassuna. Isso porque cada produção
dialoga com o conjunto da obra.
O poema “Dom” desenvolve uma temática presente no projeto artístico de uma vida inteira.
Nele está presente o cruzamento entre biografia e arte, celebrando uma concepção de que a
arte está entrelaçada à vida. Nesse sentido, a ideia da morte do pai, que marca a vida do autor
desde sua infância, marcará também toda a sua produção artístico-literária. Acreditamos que
em toda a obra de Suassuna pode ser encontrado o princípio de aceitação da morte e de
redenção por meio da arte.
Newton Júnior (1999, p. 126-127) afirma que as iluminogravuras de Suassuna compõem a
sua autobiografia poética. Corroborando com essa definição, pensamos que seja interessante
registrar algumas considerações da Professora Ângela Vaz Leão (2013, informação verbal)**
sobre o processo de composição do título do álbum de iluminogravuras Sonetos de Albano
Cervonegro. Leão (2013) explana que Albano Cervonegro corresponde etimologicamente,
no Latim e no Tupi, respectivamente, ao nome Ariano Suassuna. Albano deriva de albus, -a, -
um, significando alvo/alva, branco/branca. Ariano provém de arya, indivíduo dos árias, os
mais antigos antepassados dos indo-europeus. Ariano seria, então, sinônimo de Albano.
Suaçu significa veado, cervo; una, negro. Suassuna denota cervo negro. Chegamos à
conclusão que o título Sonetos de Albano Cervonegro equivale, portanto, a Sonetos de Ariano
Suassuna.
Antes de procedermos à leitura do poema, convém que façamos breves reflexões sobre alguns
estranhamentos que pautaram a nossa leitura individual: o mote e as palavras iniciadas por
maiúsculas no meio do verso.
Como é frequente na estética armorial, o poeta afirma ter desenvolvido o texto a partir de um
tema ou mote “deixado” por outro autor. Assim também acontece na poesia popular
nordestina, com os cordelistas, violeiros, emboladores e aboiadores. No poema “Dom”,
Suassuna declara ter partido de um tema do poeta armorial Ângelo Monteiro.
Ao longo de todo o texto, há palavras iniciadas por letra maiúscula, como forma de valorizar
palavras simbólicas. Essas palavras perdem o seu sentido comum e assumem o status de
entidades e de símbolos. Algumas delas, como “Dom”, “Morte”, “Sangue”, “Fonte”,
“Mundo”,“Marca”, “Sono”, “Vida”, “Sol” e “Reino”, aparecem em toda a obra de Suassuna.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Parece-nos essencial notar que as palavras simbólicas se associam ou ao campo semântico da
ideia de Morte (Garra, Sangue, Nefasto, Amarga, Mundo, Marca, Sono, Sol) ou ao da
redenção pela arte (Dom, Fonte-sagrada, Voz, Veio, Tesouro, Vida, Bocais-de-ouro, Reino).
Devemos salientar que a análise aqui apresentada, tanto do soneto quanto das gravuras que o
ilustram, é uma leitura entre muitas outras possíveis.
Dom
Com Tema de Ângelo Monteiro

Se a visagem da Morte — a dura Garra —


para sempre meu Sangue penetrou,
deu-me a Fonte-sagrada, e, sem amarras,
esta Voz em meu sangue se selou.

A visão do Nefasto, sol da Amarga,


todo o sangue do Mundo envenenou.
Nunca mais fui o mesmo, pois a Marca,
ao sol cruel do Sono, me apontou.

Mas, se fui para sempre assinalado,


achei o Veio, a chama do Tesouro,
que a Morte é sonho, a Vida é fogo e treino.

E, se o selo do Sol me tem, marcado,


me deu o Dom de, em três Bocais-de-ouro,
fazer ouvir as trompas do meu Reino.

Do ponto de vista da composição formal do poema, trata-se de um soneto italiano (dois


quartetos seguidos de dois tercetos). Os quatorze versos são decassílabos e as rimas são
alternadas, dispostas em a-b-a-b, nos quartetos, com pequenas variações (-arra(s)/ -ga/ -ca;
-ou); e c-d-e, nos tercetos, correspondentes às rimas (-ado; -ouro; -eino).
Partindo do título do poema, compreendemos que a palavra “Dom” pode ser interpretada
como “dádiva”. A morte marca profundamente o eu poético, mas compensa sua marca
dando-lhe a fonte, o talento, para, na arte, superá-la. Pensamos que o verbo “dar”,
empregado, por duas vezes ao longo poema, nos versos 3.º e 13.º, como compensação para a
marca da morte, confirma a nossa escolha interpretativa. No entanto, como associamos a
aparência da iluminogravura à imagem de um castelo, ideia que desenvolveremos adiante,
podemos interpretar a palavra “Dom” como o título de nobreza mais alto do reino, o
equivalente ao de rei.
O poema é essencialmente metalinguístico. Ao mesmo tempo em que a temática da morte é
desenvolvida no texto, a voz poética assinala que a temática também serve como fonte para a
composição de toda a obra do autor.
No primeiro verso do soneto “Dom”, o eu poético nos traz a primeira metáfora para a morte,
que é sugerida como “a dura Garra”. Está explícita a ideia de tornar o substantivo abstrato
“Morte” em uma imagem concreta: “a dura Garra”. Conforme Leão (2003, p. 15), a escolha de
signos linguísticos que representem “imagens concretas, de contornos nítidos e firmes” é
recorrente na literatura de Ariano Suassuna.
“A dura Garra” é uma metonímia possível para ave de rapina ou para felino, uma vez que
garra é uma acepção semântica para as unhas desses animais. Cabe-nos considerar que essa
metáfora, reconstruída pelo sentido metonímico, é muito comum no imaginário suassuniano.
A morte, em muitas ocorrências da produção do autor, é mimetizada como aves de rapina e
felinos, a exemplo do gavião, da acauã e da onça. Podemos ilustrar tais argumentos
recorrendo, intertextualmente, a dois poemas de Suassuna: “A Morte – A Moça Caetana” e “O
Sol de Deus”. No primeiro exemplo, em que a Moça Caetana é mais uma metáfora para a
morte, maneira como também é representada no imaginário sertanejo, Suassuna descreve e
grava a Moça Caetana encenando-a com um gavião na fronte. Do mesmo modo, no poema “O
Sol de Deus”, a imagem da morte é construída, dentre outras, no primeiro terceto, como uma

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mulher em que também se faz presente a imagem de um gavião: “Ela virá-Mulher-aflando as
asas,/ com o mosto da Romã, o sono, a Casa,/ e há de sagrar-me a vista o Gavião”. A imagem
da morte é transfigurada na imagem de um predador, com a qual a voz poética sugere que ela
é a predadora universal, a que vitimiza todos o seres, da qual não se escapa, não se pode
fugir.
O segundo verso, “para sempre meu Sangue penetrou”, apresenta duas compreensões que se
complementam: uma que sugere a referência à morte do pai, como fato que marca a biografia
do eu poético, tendo na palavra “Sangue” a sinonímia do laço familiar; e uma segunda
compreensão, indicando que esse fato biográfico pulsará eternamente em suas veias,
assinalando a sua existência. Notemos que “Sangue” é uma palavra que denota o princípio da
vida. A palavra adotada para a ação frasal é o verbo “penetrar”, com o qual, percebemos a
ideia construída pelo eu poético de que “a visagem da Morte” está entranhada em seu íntimo
e permanecerá durante toda a sua vida.
Na sequência, a voz poética evidencia uma aceitação da ideia da morte, que é feita de modo
afirmativo, ausente de pessimismo. A morte é deslocada para a condição de matéria do fazer
artístico. É a “Fonte-sagrada”, o estado de poesia, o impulso criador. A arte revela-se ao
homem como a melhor vingança sobre a morte, a sua vitória, ou, numa interpretação
nietzschiana, o seu consolo metafísico. A “Fonte-sagrada” é o âmago de onde emana todo o
repertório, que, livre, sem imposições ou limites, torna-se “Voz”, ao transfigurar a dor, o
horrível, a inquietação que atravessa a sua existência, na beleza de seu canto. Essa fonte está
necessariamente marcada pela dualidade: o horrível que almeja tornar-se belo, enquanto
arte. Tal imagem poética evocada por Suassuna converge com a compreensão nietzschiana
dos impulsos artísticos apolíneo e dionisíaco. Sob essa possível linha interpretativa, a
primeira estrofe nos remeteria à necessidade de o dionisíaco (a dor, o sofrimento, o trauma
da morte, a contradição e o tormento do mundo) ser liberto por meio do apolíneo (a
aparência, a arte). Para Nietzsche, o artista está liberto de sua vontade individual, tornando-
se um medium entre o impulso criador (a fonte) e a obra (a aparência). Em sua obra, o artista
celebra a sua redenção.
Compreendemos que, já a partir dessa primeira estrofe, é possível identificarmos algumas
noções do trágico, apontadas por Nietzsche. Consideramos que a nossa interpretação
converge com a caraterização feita por Newton Júnior (1999), que aponta a visão trágica do
mundo ou sentimento trágico da vida, na obra de Suassuna.
Para Nietzsche, a vida possui uma destinação trágica. Citando Schopenhauer, ele considera
que o mundo, a vida em si, não faz sentido, e que essa constatação nos conduz à resignação. A
arte seria o mecanismo necessário para se viver, para se suportar a existência. Segundo o
filósofo, o homem é “salvo pela arte, e através da arte salva-se nele – a vida.” (1999, p. 55). No
trabalho incessante de criação das belas formas, o homem se redime do sofrimento, sem
precisar negar a vida. De acordo com Nietzsche, a existência e o mundo só podem justificar-
se eternamente como fenômeno estético. Desse modo, Suassuna seria o homem trágico
proposto pelo filósofo, aquele ser que é capaz de justificar a sua existência na transfiguração
do sofrimento.
Nietzsche, a partir do estudo da tragédia grega, considera que a arte conta, em sua origem,
com os deuses Apolo e Dionísio unidos conjugalmente, após prolongada luta prévia. Esses
deuses são pensados como universos ou impulsos artísticos perceptíveis na natureza. Apolo,
deus da luz, imagem divina da ordem, da medida e da harmonia. Dionísio, o deus da
escuridão, do caos, da desmesura. Apolo seria o responsável por dar forma, em bela
aparência, aos impulsos dionisíacos. Na visão grega, todo sujeito experimenta o sofrimento, o
horror, e tem o seu íntimo marcado por imagens sombrias, tristes e escuras, da mesma forma
que também experimenta de imagens agradáveis e amistosas. Na aparência da beleza
apolínea reverbera a eterna dor primordial. Vejamos o que o filósofo nos diz sobre a
necessidade de existência mútua desses deuses, união fundamental à atividade criadora:
quanto mais percebo na natureza aqueles onipotentes impulsos artísticos e neles um
poderoso anelo pela aparência [Schein], pela redenção através da aparência, tanto
mais me sinto impelido à suposição metafísica de que o verdadeiramente-existente
[Wahrhaft-Seiende] e Uno-primordial, enquanto o eternopadecente e pleno de
contradição necessita, para a sua constante redenção, também da visão extasiante, da

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aparência prazerosa, aparência esta que nós, inteiramente envolvidos nela e dela
consistentes, somos obrigados a sentir como o verdadeiramente não existente
[Nichtseiende], isto é, como um ininterrupto vir-a-ser no tempo, espaço e
causalidade, em outros termos, como realidade empírica. (NIETZSCHE, 1999, p. 39).

A obra de Suassuna nos coloca exatamente diante dessa visão dialética, da inseparabilidade e
inescapabilidade dos opostos. O eu poético em “Dom” tem ciência de que não é possível a
correção da existência e, diante disso, aceita o seu destino, sabendo, ao mesmo tempo, que é
detentor de mecanismos para transfigurá-lo. Tal percepção nos conduz ao conceito do
apolíneo sugerido por Barbosa (2011, p. 14-15), em sua interpretação da obra nietzschiana.
Para esse estudioso, o apolíneo é a “forma encontrada para a aceitação daquele lado da
existência considerado escuro, insuportável, aterrador”, o impulso responsável por
transfigurar o “aspecto ameaçador em algo suportável a todo vivente. […] a disposição formal
do informe, a ordenação do caos.”
Ainda, quando apontamos a presença da vida de Suassuna em sua obra, estamos diante de
uma concepção de arte trágica dos gregos de que vida e arte estão intimamente ligadas, em
conflito e equilíbrio constantes. A perspectiva de Reino literário, construída em toda a obra
do autor, aproxima-se do “consolo metafísico”, essencial à tragédia grega, definido
magistralmente por Nietzsche (1999, p. 101-102) nas seguintes considerações: “a alegria
metafísica com o trágico é uma transposição da sabedoria dionisíaca instintivamente
inconsciente para linguagem das imagens”.
Agora que fizemos uma aproximação entre a perspectiva de redenção na arte de Suassuna e
as considerações nietzschianas sobre essa mesma temática, podemos retomar a nossa análise
do soneto.
No segundo quarteto, observamos que o eu poético encena não só o seu infortúnio, mas
também a destinação trágica de todo o mundo: a consciência da mortalidade. Temos, nos
dois primeiros versos do quarteto, a representação da queda do homem do paraíso e, por sua
vez, a perda da inocência e a tomada de conhecimento de que é um ser que nasce para
morrer. A marca da morte faz parte da existência humana desde a sua concepção original. A
queda do paraíso é, portanto, a peripécia original da humanidade. Não é aleatório o emprego
do verbo “envenenar”. Pensamos tratar-se de uma clara referência ao veneno da serpente,
símbolo do conhecimento e representação alegórica do demônio que tentou Adão e Eva no
Éden. O veneno é uma substância que penetra na circulação sanguínea e altera a composição
química do ser. Assim como o chamado “pecado original”, esse veneno também vai deixar a
sua marca nos descendentes de Adão, ou, como sugerido no poema, em toda a humanidade.
O terceiro e o quarto versos do segundo quarteto se referem à peripécia pessoal. O eu poético
é expulso de seu paraíso: o universo da infância. A consciência da mortalidade humana lhe
vem da maneira mais dolorosa: o brutal assassinato de seu pai. Toda a trajetória de felicidade
é transformada no seu contrário. Nesse quarteto há um diálogo muito intenso com os poemas
“Infância” e “Abertura 'sob pele de ovelha'”, dos quais destacamos, em especial, o primeiro
terceto e o segundo quarteto, respectivamente: “E veio o Sonho: e foi despedaçado./ E veio o
Sangue: o Marco iluminado,/ a luta extraviada e a minha Grei.” e “Eu, forçado a ascender, eu,
Mutilado,/ busco a Estrela que chama, inapelável./ E a Pulsação do Ser, Fera indomável,/
arde ao sol do meu Pasto — incendiado.”. A peripécia, característica essencial da tragédia, é o
mais forte laço entre os trechos e torna-se mais um exemplo da manifestação do trágico na
obra do autor. Essa ponte pode ser observada com muita clareza nos seguintes exemplos: em
“Dom”, o eu poético é apontado “ao sol cruel do Sono”; em “Infância”, o sonho, ou paraíso, é
despedaçado; em “Abertura 'sob pele de ovelha'” o eu poético se vê como “mutilado”; e, de
acordo com a leitura de Newton Júnior (1999), o pasto, que era verde, incendeia-se.
Percebamos que a vida do autor é marcada pela peripécia, mas, assim como esta é essencial à
tragédia grega, ela se torna fonte da poesia de Suassuna, condição primordial para sua
existência. Há um movimento de busca pela inversão, o desejo de vingança contra a desgraça;
algo que só é alcançável ao ser humano por meio da arte. Se da fortuna bruscamente veio o
infortúnio, há o desejo de, na arte, reconstruir-se o reino destruído na vida empírica. Leitura
que se faz clara nos seguintes versos: “E veio o Sangue: o Marco iluminado”, em que a morte
é percebida com a possibilidade de ser transfigurada, ou a ação apolínea de dar uma bela
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
aparência ao horrível; e “Eu, forçado a ascender […]”, no qual observamos a admissão da
queda e a necessidade de superação.
O primeiro terceto do poema “Dom” se inicia com a conjunção adversativa “mas”. Essa
marca gramatical evidencia uma mudança de sentido em relação à estrofe imediatamente
anterior. Como expusemos acima, a temática da “queda” predomina na segunda estrofe. A
terceira estrofe, então, opõe-se a ela para retomar a temática da compensação da morte por
meio da arte, desenvolvida na primeira estofe.
Na existência marcada pela morte, o eu poético encontra a base, a causa primeira de sua
literatura, o tesouro de seu Reino, sugerido nos seguintes versos: “Mas, se fui para sempre
assinalado,/ achei o Veio, a chama do Tesouro,”. No verso que fecha o primeiro terceto, “que
a Morte é sonho, a Vida é fogo e treino.”, pensamos estar diante de uma imagem basilar ao
universo suassuniano. Sugerimos que a imagem evocada em “a Morte é sonho” remete ao
sonho de Quaderna, em “A Visagem da Onça Caetana”, capítulo d'A Pedra do Reino.
Quaderna, esperando o interrogatório do Corregedor, adormece numa espreguiçadeira e
sonha com a Moça Caetana passando o dedo na parede, de onde ia surgindo um texto. Esse
texto é entendido por Suassuna como a origem de todo o romance d'A Pedra do Reino.
Por aproximação, acreditamos que o sonho é uma referência à passagem bíblica, no Livro do
Profeta Daniel, capítulo 5, no qual o rei dos caldeus, Belsazar, vê uma mão escrevendo
palavras enigmáticas na caiadura do palácio real. O rei mandou chamar o Profeta Daniel,
cativo do reino e conhecido por sua inteligência e sabedoria, para decifrar o enigma. Daniel
revela que o enigma foi escrito pelas mãos de Deus e que se trata da mensagem que anuncia o
final do reino dos caldeus com a morte de seu rei. Além disso, a imagem de Daniel, enquanto
profeta e decifrador de enigmas, pode estar associada a um espelhamento do autor. Também
“A Visagem da Onça Caetana” é um anúncio da morte do rei, no caso, o pai de Suassuna, e a
consequente destruição de seu reino. O final do verso “A Vida é fogo e treino” refere-se à
expressão latina fiat lux, que, aliada ao trabalho intenso, é condição indispensável à atividade
criadora, que dá sentido à vida.
Na última estrofe, “E, se o selo do Sol me tem, marcado,/ me deu o Dom de, em três Bocais-
de-ouro,/ fazer ouvir as trompas do meu Reino”, o eu poético se vale de uma construção
metafórica, “três Bocais-de-ouro”, para evidenciar o dom de escrever com maestria nos três
grandes gêneros literários (épico, lírico e dramático). A literatura de Suassuna é, ao mesmo
tempo que marcada pela morte de seu pai, a pedra com a qual ele reergue o Reino destruído e
assume o trono deixado vago. O soar das trompas de seu Reino representam a vitória de sua
arte contra a morte.
Antes de passarmos à leitura das imagens, cabe salientar que o texto pictórico é formado por
imagens que compõem o universo armorial suassuniano, de modo que nos foi necessário
realizar uma incursão em outras obras para melhor o compreendermos. Tal constatação nos
faz considerar que o desconhecimento do conjunto das iluminogravuras instalará no leitor,
inicialmente, o sentimento de que está diante de vários enigmas. Foi justo com o propósito de
atribuir interpretações a estes “enigmas” que realizamos a leitura que se segue.

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Percebamos, inicialmente, que há uma referência clara às insculturas pré-históricas da Pedra
do Ingá, no “D” do título e nas ilustrações dos quadros centrais.

A iluminogravura é dividida em três planos horizontais (quadros superior, central e inferior).


Toda a imagem está decorada com a cor vermelha intensa e todos os espaços estão
preenchidos, seja pela cor, pelas gravuras ou pelas tábuas do soneto. A cor de fundo não
poderia ser outra, considerando-se que o vermelho simboliza a cor do sangue, o qual, por sua
vez, representa a vida, a morte, os laços consanguíneos, a continuidade do reino. Planos,
gravuras e soneto estão dispostos em perfeito equilíbrio simétrico, compensando-se
mutuamente.
No plano superior, observamos o título da iluminogravura, “Dom”, entre dois pares de patas
e, na sequência, uma narrativa pictórica composta por um centauro, uma lua crescente, uma
onça e uma forma circular que sugere o formato de um sol. O centauro, metade homem,
metade cervo, indica a representação imagética do eu poético. Na iluminogravura, em vez de
perseguidor de touro, o centauro acossa uma onça castanha. Essa caça representa,
simbolicamente, a jornada empreendida pelo autor em busca da compreensão do “enigma do
mundo”.
No poema “O mundo do Sertão”, Suassuna remete a essa mesma imagem, ao escrever os
seguintes versos: “Diante de mim, as malhas amarelas/ do mundo, Onça castanha e
desmedida.”. A “Onça castanha e desmedida” é metáfora para “as malhas amarelas do
mundo”, que seriam correspondentes ao seu grande “enigma”. Nesse poema, o eu poético se
põe no papel de dar forma ao que é informe, tornar concreto o que é abstrato. O mundo cheio
de mistérios e contradições é visualizado como as malhas amarelas da onça castanha.
Essa leitura é ampliada pelos versos do poema “Abertura 'sob pele de ovelha'”, nos quais a
voz poética enuncia: “Falso Profeta, insone, Extraviado,/ vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:/
e, jaguar da Sibila – inevitável,/ meu Sangue traça a rota deste Fado.”. Aqui, temos o poeta
diante de seu destino e da sua inevitável condição: a peleja vã para se tentar entender o que é
indecifrável. Por uma vida inteira, a luta é assumida pelo artista; uma busca para encontrar
sentido à sua existência. Um sentido que só por meio da arte é encontrado.
A jornada se encerrará quando ele, enfim, estará diante do “Sol divino/ o olhar sagrado em
que a Pantera arde”, e encontrá a resposta: “Saberei porque o laço do Destino/ não houve que
cortasse ou desatasse”. A corrida empreendida pelo centauro é, na verdade, a busca pela
decifração do enigma do mundo, que é o papel imposto a si mesmo por todo poeta. Conforme
observado no diálogo com os outros poemas, há a aceitação do seu destino e de sua condição
trágica. Quanto mais se aproxima de sua presa, ou de sua resposta, mais próximo fica da
morte. Percebemos que nos poemas postos em diálogo com essa cena da iluminogravura há a
imagem de um grande felino: onça castanha, jaguar e pantera.
A lua crescente, de cor amarela, divide o quadro superior da iluminogravura “Dom” e está
entre o centauro e a onça. Ao mesmo tempo, ela marca o eixo vertical central da composição.
O outro ponto desse eixo vertical é o Sol do quadro inferior. Esses símbolos podem nos
sugerir interpretações várias. O eixo composto por lua e sol pode representar a síntese dos
opostos: noite e dia. A lua crescente pode encenar, simbolicamente, o exercício da
espiritualidade ao longo da existência, acrescentando à compreensão de que a autobiografia
não é só poética, mas também espiritual. A lua pode simbolizar também o feminino,
conforme Leão (2003, p. 20), e o sol, o masculino. Teríamos lua e sol alinhados pelo mesmo

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eixo, informação que transcende o texto verbal e que remete à temática do amor, muito
presente no universo suassuniano.
Sol e lua entram no quadro, marcando também o movimento temporal da existência. Como o
sentido de leitura no Ocidente, tanto para textos quanto para imagens, é o da esquerda para a
direita, podemos considerar que a imagem do Sol na esquerda representa um nascer, um
princípio. A onça castanha corre em direção ao Sol enquanto é perseguida pelo centauro.
Essa cena acontece na fase da lua crescente, assim como os rituais de iniciação, que
tradicionalmente aconteciam nesse período, ao qual os antigos atribuíam características
favoráveis ao desenvolvimento da espiritualidade, por termos uma lua que aparece cada vez
maior no céu, o que representa um processo de “amadurecimento”.
O plano horizontal do meio se divide em três quadros verticais. É como se tivéssemos uma
porta, aberta em duas abas, que dá para o interior de um castelo.
Nas abas da porta, temos quatro gravuras inspiradas em insculturas pré-históricas. Essa
informação nos é esclarecida a partir da análise feita por Newton Júnior (1999, p.139) sobre
as figuras que integram a iluminogravura “Lápide”. Compostas, aparentemente, pela junção
das duas gravuras que figuram no eixo vertical central das iluminogravuras “Abertura 'sob
pele de ovelha'” e “Lápide”, pensamos que a interpretação das imagens demanda a nossa
atenção sobre essas outras iluminogravuras.
Primeiro, essas imagens só aparecem nessas três iluminogravuras e justo elas apresentam de
maneira mais explícita a autobiografia poética de seu autor. “Abertura sob pele de ovelha” é o
primeiro poema do álbum, representando o início de seu destino, e “Lápide”, o último poema,
encena o seu final. Sugerimos que as imagens convergem com o ideal de Reino construído
por Suassuna e representariam o seu brasão. No 3.º verso do 1.º terceto de “Abertura sob pele
de ovelha”, encontramos a seguinte descrição: “transforma o sangue em Candelabro e Veiro”.
A palavra “Veiro” é, para nós, a chave para a interpretação das imagens como o escudo, a
identidade do Reino, o Reino da literatura e da arte. Por isso, as gravuras estão nas portas.
São os escudos que defendem o Reino. Nossa interpretação é reforçada pelas palavras de
Newton Júnior (1999, p. 106), ao afirmar que é “como se cada poema de Suassuna fizesse as
vezes de um escudo de armas”.
No quadro vertical do meio, o interior do castelo, encontramos o soneto manuscrito, que está
dividido em três partes: dois blocos com os quartetos e um bloco com os dois tercetos.
Pensamos que os blocos do soneto correspondem a tábuas escritas. Como também o título
estaria inscrito em uma tábua. Cada tábua é intercalada por um quadro de imagens.
No primeiro quadro de imagens, temos um rei coroado, em seu trono, ao lado de sua espada.
Aqui, mais uma vez, visualizamos o correspondente imagético do eu lírico. No segundo
quadro, uma figura humana com um livro na mão, simbolizando o Reino literário, ou o
patrimônio literário como tesouro do Reino. A figura humana está ladeada de tochas, que
representam a luz, a chama do tesouro, a vida literária como fogo e treino. À luz do fogo das
tochas, temos o exercício de leitura e escrita. No terceiro quadro, acreditamos que a figura
animalesca é um camaleão, pintado em três cores, representando a transfiguração, própria da
arte. Os três desenhos iguais abaixo do camaleão representam os três “Bocais-de-ouro”, que
são os três gêneros literários, que já expusemos anteriormente.
No quadro inferior da prancha, observamos que um sol divide dois gaviões-reais, um em
pouso, à direita da iluminogravura, e o outro em voo, à esquerda. Ambos detêm sob suas asas
duas figuras humanas, que representam o pai e o filho separados pelo sol da morte.
A imagem do gavião não foi escolhida de forma gratuita pelo autor. Por sua capacidade de
voar muito alto, em civilizações antigas, como a egípcia e a greco-romana, o gavião
simbolizava o Sol, o Céu, a morada dos deuses, sendo também associado à nobreza e à
elevação espiritual. Na mitologia romana, por exemplo, o voo do gavião simbolizava a
elevação do espírito de um soberano após a morte física; entre os gregos, representava a força
e a espiritualidade. O pai estaria sob a asa do gavião em pouso, no final da jornada. O filho
estaria sob a asa direita do gavião em voo e, sob a asa esquerda, o seu cavalo alazão. Embora
os traços não marquem com precisão a anatomia da figura, pensamos que se trata de um
cavalo, uma vez que podemos visualizar quatro patas e uma cauda, uma elevação superior
traseira que sugere a forma de uma garupa e, na extremidade dianteira, a forma de orelhas,

167
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
de onde desceriam traços para formar a fronte da cabeça, e, a partir desta, esses traços
seguem até confundir-se com a pata dianteira. A presença do sol e do gavião também pode
sugerir a representação do masculino e do feminino, uma vez que o gavião também é símbolo
do poder feminino, pelo fato de a fêmea ser maior e mais forte que o macho.
Nesta análise, pudemos constatar que o texto pictórico também está fundamentado na
encenação da vida e da morte, na jornada poética e espiritual e na perspectiva do Reino, e
que, portanto, corresponde tematicamente ao texto verbal.
Procuramos, ao trazer as considerações de Nietzsche para analisarmos a iluminogravura de
Suassuna, mostrar que a temática trabalhada pelo poeta, a redenção por meio da arte, pauta
as inquietações humanas pelo menos desde a antiguidade grega. Essas considerações nos
permitiram caracterizar o autor como um “homem trágico” e a temática de sua obra como
“universal”.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ildenilson Meireles. Arte trágica, pessimismo e redenção em O nascimento da tragédia. Trilhas
Filosóficas, Caicó/ RN, ano IV, n. 2, p. 9-19, 2. sem. 2011.

LEÃO, Ângela Vaz. A tigre negra: uma iluminogravura de Ariano Suassuna. Scripta, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p.
13-24, 2. sem. 2003.

NEWTON JÚNIOR, Carlos (Org.). Ariano Suassuna 80, memória: catálogo e guia de fontes. Rio de Janeiro:
Sarau, 2008.

NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano Suassuna. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1999.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhetm. O nascimento da tragédia, ou helenismo e pessimismo. 2. ed. 3. reimpressão.


Tradução, notas e posfácio J. Guinsburg. São Pauto: Companhia das Letras, 1999.

SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano


Suassuna e o Movimento Armorial. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A INSUFICIÊNCIA DA SUBJETIVIDADE: INSPIRAÇÃO, DISTORÇÃO E
OPORTUNISMO NA POÉTICA DE GREGÓRIO DUVIVIER

Johnatan Diêgo de Souza Gomes


Graduando em Letras
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina

RESUMO
Este trabalho analisa como um discurso artístico pode fundamentar-se em argumentos distorcidos e
oportunistas; descreve instrumentos reflexivos sobre tais argumentos para contribuir a professores e
estudantes uma reflexão sobre a insuficiência da subjetividade. Estuda os conceitos de “virtual”, de
Pierre Levy, e “discurso”, de Dominique Maingueneau. Descreve uma pesquisa qualitativa por meio do
método dialético, escolha necessária para análise textual com referências históricas. Iniciamos a
pesquisa observando a existência de uma arte que se fundamenta distorcendo a obra impactante de
Duchamp (“Mictório”) na sociedade e contexto da época em que foi produzida. Hoje muitas artes
fomentam a sociedade do espetáculo ou lucram com editais. Problematizamos a questão ao
escolhermos o poema: “Receita para um dálmata (ou Soneto branco com bolinhas pretas)”, de
Gregório Duvivier. No texto, há uma manipulação do discurso dadaísta que gera uma fusão entre
argumento distorcido (por ridicularizar, primazias do meio/modo) e o oportunista (a arte
contemporânea, primazias da finalidade). Revela-se na análise que entendemos por virtual: a potência
de um texto está sempre se transformando, seja pela atualização da forma e conteúdo que são
preenchidos pela leitura, seja pelo meio social em que o texto é construído. Diferentemente seria a
análise se não tivéssemos a primazia do interdiscurso, o poema só poderia ser aceito na instância
subjetiva. Compreendemos que a subjetividade está para além do emocionar, está no persuadir
também. Instrumentalizar-se das primazias do discurso e ter em mente o conceito do virtual é
recepcionar a arte feita e assumida por uma pessoa, mas também a serviço de algo e justificada por
algo. Quando os fins justificam os meios, é preciso cautela para que o meio vazio não venha a encher
os olhos a uma finalidade de embuste. Subjetividade não é condescendência e permissividade, somos
nós mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Arte. Literatura. Crítica. Discurso. Subjetividade.

ABSTRACT
We analyze how an artistic speech can be based on distorted arguments and opportunistic;
We seek reflective instruments on such arguments to contribute to teachers and students a
reflection on the lack of subjectivity. We studied the concepts of "virtual" by Pierre Levy, and
"speech" by Dominique Maingueneau. We conducted a qualitative research through the
dialectical method, choose necessary for textual analysis with historical references. We
started the research noting the existence of an art that is distorting the work impact of
Duchamp ("Urinal") in society and context of the time in which it was produced. Today many
arts nurture the society of the spectacle or profit from edicts. We problematize the issue to
choose the poem: "recipe for a Dalmatian (or white black polka Sonnet)" by Gregorio
Duvivier. In the text, there is a manipulation of the Dadaist speech that generates a fusion
between Fuzzy argument (by ridicule, primacies the Middle/mode) and the opportunist
(contemporary art, primacies of purpose). The analysis reveals what we mean by virtual: the
power of a text is always turning, either by updating the form and content which are filled by
reading, either by the social environment in which the text is constructed. Unlike analysis
would be if we didn't have the primacy of INTERDISCOURSE, the poem could only be
accepted on subjective instance. We understand that subjectivity is beyond thrilled, in
persuading too. Instrumentalize the primacies of speech and keep in mind the concept of the
virtual is approve the art made and assumed by a person, but also in the service of something
and justified for something. When the ends justify the means, we must caution that the half
empty will not fill your eyes to a purpose of hoax. Subjectivity is not condescension and
permissiveness, ourselves.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
No nosso curso de Letras, muito se tem discutido sobre o que seria poesia, o que seria
literatura. Frequentemente, o professor aponta inúmeros textos estonteantemente
diversificados, invariavelmente ele se apodera do método socrático e faz perguntas sobre
como poderíamos ser tão inocentes em classificar as formas clássico-tradicionais
prontamente em arte, literatura, poesia e outras formas sem estrutura, rima ou qualquer
elemento facilmente perceptível como não-arte. Gera-se aí uma predisposição, um
condicionamento a desarmar o olhar dos critérios convencionais de literatura (aqui
definitivamente leia-se também como arte e poesia).
O estudante, depois do fuzilamento de questionamentos, da implosão do que ele pensava ser,
desconstrói todo um conhecimento “inútil, antiquado” de compreender o fenômeno literário.
Uma das conclusões mais ontológicas é a de que “se isso mexe comigo, se isso me toca, é arte,
é poesia, pois é subjetivo”. Tal conclusão é resultante da famigerada desconstrução que os
professores universitários consolidam (e sentem-se deuses com isso, senhores que iluminam
a mente de gente ignorante). Na escola e no colégio, Carlos Drummond de Andrade e Manuel
Bandeira agradam a alguns, intrigam outros, confunde uns tantos. A arte deixa de ser coisa
arraigada/enraizada para condição de fenômeno.
Uma vez que as convenções na arte já foram abolidas e é difícil reconhecer brilhantismo ou
imanente personalidade poética ao recriar o cotidiano, optamos por investigar o
comportamento da nossa subjetividade na recepção da obra. Com Receita para um Dálmata
(ou Soneto branco com bolinhas pretas) Gregório Duvivier, jovem poeta escritor, que não
participou do tempo histórico de um Ferreira Gular ou de um Décio Pignatari, de um Paulo
Leminski ou de uma Ana Cristina César, se expõe a um arsenal de leitores multiplicados por
suas subjetividades. Leitores dos mais variados saberes: céticos sobre o destino da arte,
entusiastas da constante renovação de uma linguagem, tradicionalistas (para não dizer,
estruturalistas) e tantos outros.
Queremos dizer o que já foi dito e mais um pouco: um jovem escritor que não foi laureado
pelo tempo nem pelos números de exemplares vendidos e muito menos pela influência
política dos seus leitores que constrói uma obra simples (simplista, singela e superficial) seria
ou não seria digno de uma interpretação mais que aparente? A pesquisa, ao procurar
compreender a performance literária atualagrega em si estudos da área da linguística, no que
diz respeito a discurso, e literatura, mas estritamente a crítica literária. Com um enfoque
interdisciplinar, podemos evitar o que Sírio Possenti (1993, p.153) alega como defeito em
qualquer teoria científica: “a iluminação de um aspecto coloca outro na sombra. O privilégio a
uma abordagem acaba sendo a exclusividade de um aspecto”. Em seguida, Possenti menciona
as três principais vertentes que na crítica literária que se aproximam dos compromissos da
análise do discurso, são elas: a psicologizante, sociologizante e formalista.
A partir desta vertente teórica, este trabalho se estrutura da seguinte forma: Os impasse da
subjetividade em trânsito na contemporaneidade e A busca de critérios para a
interpretação da mensagem poética. Ambos os tópicos são focados na leitura dos discurso
simplista dos poetas contemporâneos. O impasse da subjetividade em trânsito na
contemporaneidade busca mapear a crise da significação contemporânea produzida pelo
olhar do leitor no que se refere a uma arte que rompe com a linguagem clássica como
referente. Já o tópico A busca de critérios para a interpretação da mensagem poética
centra-se na análise do poema Receita para um Dálmata (ou Soneto branco com bolinhas
pretas) com o propósito de desenvolver ferramentas que proporcionem um olhar crítico-
estético do leitor debruçado sobre a poesia contemporânea.
1 .0 Os impasses da subjetividade em trânsito na contemporaneidade
A prática da reprodução do cotidiano nas obras de arte é uma característica marcante do
modernismo enquanto rompimento com uma tradição que por si só não se define). Tais
tradições estavam saturadas de inúmeras convenções em várias esferas da sociedade. Na arte,
em específico, a convenção da beleza e da verdade vivenciou uma situação limite de que não
se podia mais resguardar-se a salas da elite, enclausurar-se a museus e a outros lugares
inacessíveis à nova burguesia. A beleza e a verdade alçam voos a uma realidade do povo. A
globalização muito contribuiu para o acontecimento. Segundo Gilles Lipovetsky e Jean
Serroy (2001, p.31)“a desorientação contemporânea não resulta mais apenas da depreciação

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
dos valores e da ruína dos fundamentos metafísicos do saber, da lei e do poder, mas da
desintegração dos pontos de referência sociais mais comuns”.
No entanto, apesar das convenções já terem sido ultrapassadas pelo próprio contexto cultural
da sociedade que a engendrou propiciando expressões artísticas que contrariavam as
referências consagradas seja pela religião, pela ciência ou pela arte, ainda hoje persistem
poetas em criar poesias que continuam retratando o cotidiano a uma linguagem
extremamente coloquial, inteiramente despropositada. E podemos falar também
descompromissada. O poema de um desses poetas é ponto de partida e chegada da nossa
busca sobre a questão da subjeti vidade perante as performances literárias mais
contemporâneas após o segundo milênio da era cristã.

Mas para problematizarmos ainda mais a questão ao compasso que inserimos os conceitos
que serão utilizadas, tecemos um paralelo entre a obra de Marcel Duchamp e objeto de nossa
pesquisa. A obra A fonte, popularmente conhecida como O Mictório, pasmou muita gente na
época em que foi apresentada. No início do século XX, estávamos a beira de uma guerra, o
mundo parecia entrar em colapso. O repouso das formas nos quadros eram substituídos pela
instantaneidade da fotografia. O teatro enquanto arte dramática estava cada vez mais
dividindo lugar com a velocidade da sobreposição de imagens do cinema, ou seja, as formas
esculturais, a inspiração do gênio romântico de antigamente certamente não passariam
intactas às mudanças econômicas, políticas e tecnológicas.
A produção da arte de Duchamp está sociologicamente e psicologicamente de acordo com o
um discurso fundamentado ao seu momento histórico que, ao contextualizá-lo, inferimos a
autenticidade e a força criativa do artista, pois, conforme Dominique Maingueneau (2001,
p.55) “não se pode atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; e o mesmo
enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos”. Não obstante,
como foi dito, inúmeros outras expressões artísticas estavam a transformar-se, é preciso
considerar o discurso do “mictório” no universo de outros discursos para que tenhamos um
sentido representativo, tal pensamento alude ao que seria interdiscurso sendo uma interface
com o universo de discursos produzidos no mesmo tempo-espaço.
Releituras diversas foram feitas em torno de Duchamp, e talvez tenha sido esse uma das
intenções: chocar, desestabilizar, escandalizar. Tamanha foi a repercussão de sua obra que
ele chamou por “A Fonte” que a obra deslocou-se do tempo de produção e está associada ao
imaginário como uma revolução da arte ou o cúmulo da arte. É um novo jeito da arte pela
arte, da arte conceitual. A compreensão desse fenômeno cede espaço para a contemplação
inerte que muitas vezes, a depender do sujeito que o examina, o retransforma em coisa e sai
de uma exposição atônito, calado, emudecido. Percebamos que no primeiro caso, ao situar o
discurso artístico contextualizado e no bojo de um interdiscurso obtemos mais êxito do que
reler indiscriminadamente a partir de uma subjetividade sem filtros.
Não seria muito arriscado mencionar que a crise da significação da linguagem desde o
modernismo fez fértil o terreno acadêmico para que a evolução da linguística englobando o
avanço da pragmática, bem como o da semântica. Contudo, a Escola de Constância registra
uma mudança da maneira de conceber a interpretação que até então se pautava em texto-
autor, agora a “abordagem alemã” enfatiza a relação texto-leitor. Disso resulta um sem
números de teorias sobre leitura, entre tantas, a estética da recepção de Hans Robert Jauss, a
teoria do leitor implícito de W. Iser A multiplicidade de pontos de vista é também
identificada por Antonio Costella: factual, expressional, técnico, convencional, estilístico,
atualizado, institucional, comercial, neofactual e estético. A necessidade de ler demanda a
sociedade teorias de como se ler, e a sociedade, como foi dito, responde à altura do pedido e
fornece ferramentas, filtros, critérios para que o leitor consiga reconhecer a complexidade
das linguagens.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Os engajados senhores apreciadores e consumidores de arte travam uma luta sobre a real
situação dos limites da arte contemporânea. A arte plástica é a mais evidente tensão entre os
estudiosos: a disposição da pintura, a textura, os recursos utilizados podem ser facilmente
questionados sobre o status de arte. Mediante a fulminação de informações e produtos
artísticos, faz-se necessário o uso de critérios interpretativos para que possamos dialogar com
base em argumentos os elementos poéticos de uma obra. Segundo Antonio Costella (1997,
p.15) para “apreender bem a mensagem contida em uma obra de arte, o espectador deve
esforçar-se por aprimorar sua capacidade de percepção”. Outrossim, com quantos mais
critérios interpretativos tivermos, maior será o alcance da nossa subjetividade em filtrar as
mensagens chegadas. Assim, possivelmente, seremos mais transformados pela relação
sujeito-obra, uma vez que a essência e algo mais poderá nos tocar.
2.0 Inspiração, distorção ou oportunismo: A busca de critérios para a interpretação da
mensagem poética

Pegue um papel, ou uma parede, ou algo/ que seja quase branco e bem vazio/
Amasse-o até que tome forma/ de um animal: focinho, corpo, patas/ Em cada
pata ponha muitas unhas/ e em sua boca muitos dentes. (Caso/ queira, pinte o
focinho de qualquer/ cor que pareça rosa). Atrás, na bunda/ ponha um fiapo
nervoso: será seu/ rabo. Pronto. Ou quase: deixe-o lá/ fora e espere chover
nanquim/ dê grama ao bicho. Se ele rejeitar,/ é dálmata. Se comer (e mugir) é
uma vaca que tens. Tente outra vez. (DUVIVIER, p. 21)

Não há maiores dificuldades na interpretação do poema Receita para um dálmata (ou


Soneto branco com bolinhas pretas) e isso já oculta uma coisa que o torna complexo: ele está
sujeito a todos os olhares, a todos os públicos, carrega consigo uma potencial ambiguidade.
Nisso reside um triunfo extemporâneo, pois, sendo a leitura uma ação de várias facetas, uma
vez que a obra literária sobrevive graças a um público, a própria história da literatura é
menos a história da obra se comparada a contribuição dos sucessivos leitores (JOUVE,2002).
Em suma, queremos dizer que uma obra poética como a de Gregório Duvivier não passa em
branco no meio literário pois ela simula sua aparente fraqueza ao mesmo tempo que
dissimula o seu discurso literário. Estamos ainda perante uma representação do cotidiano,
temos uma linguagem coloquial e imagens inteiramente superficiais. Com isso, toda leitura é
legítima?

Como trata Vicent Jouve(apud Catherine Kerbrat-Orecchoni, 2002, p.25): “ler não é se deixar
levar pelos caprichos de seu próprio desejo/delírio interpretativo, se se pode ler qualquer
coisa atrás de qualquer texto... então todos os textos se tornam sinônimos”. A leitura
enquanto processo afetivo é o que frequentemente ativa a nossa subjetividade, isso se
manifesta no resultado estético primeiro do poema, pois ele nos causa o que causa um
poema-piada, ainda que tenha um sentimentalismo debochado de si mesmo. No entanto,
muitas vezes paramos no processo afetivo como se o texto se esgotasse nisso, porém, existem
ainda a leitura como processo neurofisológico, cognitivo, argumentativo e simbólico (JOUVE,
2002) e é preciso reforçar tais categorias ao analisarmos a produção atual, possibilitamos,
concomitantemente, após a leitura tendenciosa, uma releitura plural.
Se quisermos ir além do entretenimento e vasculhar o real propósito do texto podendo retirar
dele o mais proveitoso ao nosso desenvolvimento pessoal e ensaiar para que tenhamos outros
posicionamentos na rotina da vida, admitir-nos-emos que o texto não nasceu pronto. É uma
forma de ação que pode ser assumida ou não pelo sujeito que o criou. Retomando, algumas
características da análise do discurso, Maingueneau (2003) “falar é uma forma de ação sobre
o outro e não apenas uma representação do mundo”. Tal posicionamento do locutor terá por
consequência algo que dialoga com Michel Picard, em La lecture comme jeu (A leitura como
jogo) quando é abordado o descobrimento de três instância no leitor: o ledor (a
circunstâncias externas que o rodeiam), o lido (o inconsciente que responde as formas e
conteúdos fantasmagóricos do texto) e o leitante (uma secundaridade crítica que se
compromete com uma perspectiva crítica da obra).
Atentaremos ao passeio por entre as instâncias identificadas por Picard. Na instância do lido,
em evidências por um ponto de vista factual, estamos diante de um poema intitulado como
172
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
receita, e como sabemos o gênero-título implicitamente visa a concretização de algo e cumpre
ao descrever minuciosamente o passo a passo de como fazer um dálmata. O último trecho
serve de arremate para quem não conhece o autor, pois, serve de conclusão por seu caráter de
desfecho-piada: “Agora dê grama ao bicho / Se ele rejeitar, é dálmata / Se comer (e mugir),
é uma vaca que tens/ Tente outra vez”. Se partirmos mesmo para uma perspectiva textualista
entre o leitor e mensagem, observaremos o quão “cara de pau” é o sujeito assume a ação. Ele
colocou em versos uma linguagem simples, de não muita elaboração, sortida de verbos no
modo imperativo ao indicar a facilidade e banalidade de se fazer um animal (que pode ser um
origami) e desprezando o material de trabalho: “ou algo que seja quase branco e bem vazio”.
O tema da distorção do sentido da arte facilmente é ativada num leitor mediano, cujas
circunstâncias do ledor faz com que surja um meio riso ao deparar-se com a simplicidade da
poesia moderna ou mesmo com a frivolidade de lidar com coisas outrora muito estilizada,
rebuscada, repleta de figuras de linguagem, pontuação e imagens. Ainda temos tudo isso,
mas de outra maneira, pois o sujeito da ação que utiliza as informações e sensações do
mundo, aplica sua cosmovisão somada aos questionamentos do seu tempo:

Cada obra de arte é em si mesma um sinal de descontentamento. Todo artista,


diversamente do comportamento-padrão, em vez de simplesmente satisfazer-se com as
obras já existentes, de ficar extasiado pela leitura de um livro, pela contemplação de
uma pintura ou pela audição de uma música, prefere ir além: prefere produzir mais um
livro ou pintura ou obra musical. Sintoma de uma insatisfação, cada obra de arte traz
embutida uma crítica à própria noção de arte e pode mesmo modificar aquilo que
entendemos por arte (FARIAS, p.14)

Apontamos aqui uma fusão das principais vertentes já mencionadas da crítica literária em
proveito da intertextualidade. Segundo Maingueneau (2003), isso acontece, pontualmente ,
nos anos 60 quando a morte do autor após atingir o ápice, cede espaço para uma
compreensão menos singular como unidade fundamental a uma integridade onde a obra
analisada é descoberta como latente de uma multiplicidade de outras. Assim também é o
poema e para que cheguemos na instância leitante preconizada por Picard é preciso ir em
busca desses implícitos que na aparente superficialidade do poema nos deixa inerte, ou
melhor, sem motivações a um aprofundamento. Contudo, tenhamos em mente que o texto
não nasceu pronto.

Quem nasceu antes do texto, e aqui a essência precede a existência, foi o Gregório Duvivier.
Em seu primeiro livro, o jovem já tem um currículo considerável: é roteirista, ator, formado
em letras pela PUC-Rio desde 2008 e é também um dos diretores/realizadores de um canal
de vídeo no site do YouTube. Ao sabermos disso, ativaremos que é comum na vida do artista
a releitura, muitas vezes original, de situações históricas. Mas também o provável
conhecimento da história da literatura. Um aspecto marcante na poética de Gregório
Duvivier é o fascínio demonstrado na suas composições pelo aspecto lúdico da linguagem
onde ele consegue brincar, inclusive de ser poeta.

Toda essa possibilidade de riqueza textual é defendida pelo filósofo Pierre Levy que
caracteriza o texto como uma instância virtual que está sempre se atualizando e adquirindo
potência em cada ato de leitura (LEVY, 1997). O próprio conceito de virtual faz menção ao
conjunto dos estudos que ele realiza, entre elas a de conceber formas de tecnologias da
inteligência, grosso modo, livrar de modos antigos de pensar: tal qual a lógica aristotélica de
verdadeiro e falso, pois o próprio virtual é um ser e não ser ao mesmo tempo (LEVY, 1993).
Portanto, ao refletir sobre a criação do contemporâneo nada melhor do que direcionar a
nossa subjetividade a um pensar também contemporâneo.
O pensamento do filósofo explica a inserção do leitor num ponto de vista mais crítico,
instância leitante, esse “como se viu, sempre se lembra de que o texto é antes de mais nada
uma construção, se toda construção supõe um arquiteto, o ‘leitante’ tem, consequentemente,
como perspectiva, uma imagem do autor que o guia em sua relação com o texto” Jouve
(2002, p. 51) Se nos atentarmos a tudo isso, mais uma vez ratificaremos a primazia de que o
discurso é assumido por um sujeito, “um EU, que se coloca como fonte de referências
173
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pessoais, temporais, espaciais e, ao mesmo tempo, indica que atitude está tomando em
relação a seu coenunciador” MAINGUENEAU(2001).
Ao considerarmos que as condições do dizer e de quem diz atravessam o dito, teríamos um
conhecer mais favorável a uma leitura crítica. Temos um poeta lúdico, inserido em esferas do
humor na sociedade e que tem na bagagem um curso universitário de letras. Podemos até
cogitar que o poema é uma releitura da ideologia dadaísta e assemelha-se muito com o
modos operandis da concretização do poema Receita dadaísta, de Tristan Tzara, compilado
por Teles (1986, p. 81):

Pegue num jornal / Pegue numa tesoura / Escolha no jornal um artigo que
tenha tamanho que pensa dar ao seu poema Recorte o artigo / Recorte
seguidamente com cuidado as palavras que formam o artigo e meta-as num
saco / Agite com cuidado / Seguidamente, retire os recortes um por um /
Copie conscienciosamente segundo a ordem pela qual foram saindo do saco o
poema parecer-se-á consigo / E você tornou-se um escritor infinitamente
original / e de uma sensibilidade encantadora / ainda que incompreendida
pelo vulgo.

Usufruir melhor da nossa subjetividade sem com isso cair na cilada das ideias preconcebidas
e arraigadas de um pensamento delimitado pela lógica e razão, de tal modo, estaria
diretamente relacionado a construir possíveis cogitações ao que é extrínseco e intrínseco no
texto. Assim, ao buscarmos tais elementos de produção textual, a partir do momento em que
consideramos as faces positivas e negativas de do enunciador do discurso, estaremos mais
aptos a preservar-nos de um iminente epidêmico charlatanismo na arte contemporânea.
Gregório Duvivier, a primeira vista, com tal poema poderia ser muito bem um charlatão. Mas
considerando todas as primazias do discurso, observamos um poeta que se inspira num
movimento vanguardista e perfaz o discurso ideológico que deixa uma sugestão de distorção
exacerbada. A graça nisso está também na inteligência do poeta em sacar a oportunidade que
o momento atual proporciona e fazer ambíguo o seu poema. Se, por um lado, pode ser apenas
um poema piada dessacralizador até mesmo do gênero soneto; por outro, pode refletir sobre
o aspecto dadaísta da poesia em todas as artes.
Tome nota: a arte contemporânea ao se aproximar da vida quis também se confundir com
ela. Muito provavelmente por estar a vida ontem e hoje escassa de significados, ora ela
exacerba a mimesis num modo nonsense, ora ela representa pelo absurdo, ora ela se
banaliza, como que para se igualar a um escândalo para que a vida a enxergue e possa
reverenciá-la. Seja pelo humor, seja pela dor, seja pelo amor, seja plural e raramente unívoca.
Gregório Duvivier, ao reapresentar o cotidiano no poema estudado, faz percebermos que ser
subjetivo é insuficiente na poética dele. Rir do que ele diz sem mais implicações atende a um
dos efeitos de sentido, mas também nos coloca no papel de um idiota se descobrirmos que
podemos ir além.
A nossa subjetividade, a grosso modo, tem filtros conceituais, parâmetros sobre os valores da
arte. Hoje, cada vez mais, e muito frequentemente no âmbito educacional, os filtros são
desprezados. Poemas que podem não dizer nada, poetas que podem simular uma dor, que
diferente, deveras não sentira, mas dizem sentir para passar num edital ou agradar um
público e respeitar o mercado do marketing. O embuste na arte existe, é fato. Hoje, mais que
nunca, a lei Rouanet favorece isso. Empresas financiam qualquer coisa desde que a
companhia de teatro, o escritor, os músicos estejam devidamente com o Certificado de
Regularidade Fiscal, registrado na Junta Comercial ou tenham um Alvará. Não estamos
falando de uma epidemia, mas do presente potencial para a realização de um futuro
desastroso. O estudo aqui não visou encaixotar, algemar ou solidificar a nossa subjetividade,
mas pretendeu pensar critérios de como deixá-la senhora de si, pensante, e não paralisante,
não estanque, não imóvel. Até porque a subjetividade não é uma coisa insignificante, uma
coisa qualquer. É o nosso processo afetivo que está em jogo. Quando estamos na condição de
subjetivos, somos nós, em princípios, em humanidade. Isso, evidentemente, não
desconsidera como complexo o uso da subjetividade na recepção da arte.

Referências
174
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
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175
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CONTRIBUIÇÃO DA LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PARA A FORMAÇÃO
DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Maria de Lourdes Dionizio Santos *

RESUMO: Partimos do pressuposto de que os avanços tecnológicos e científicos têm se


destacado com sua contribuição para o desenvolvimento do nosso mundo. Contudo, são
visíveis as necessidades da leitura e da literatura entre o público juvenil. Compreendemos,
assim, que o acesso à literatura e à cultura tem assegurado uma contribuição relevante à
formação do cidadão, de modo que a evolução dessa formação se reflete nos domínios da
produção intelectual do indivíduo que a ostenta, seja em mínima ou em larga proporção. No
entanto, percebemos que a falta ou presença de leitura na vida do indivíduo altera sua
condição de ser-cidadão. Com vistas nisso, propomo-nos realizar um projeto, no intuito de
viabilizar e/ou ampliar o acesso à leitura de textos literários ao aluno do Ensino Médio, a fim
de expandir sua capacidade de compreensão e seu senso crítico em relação a esse e a outros
tipos de texto do seu cotidiano. Na execução desse trabalho, abordamos leituras de textos de
literatura de língua portuguesa compatíveis com o nível de formação do estudante. Nosso
aporte-teórico metodológico seguiu à luz de textos que fundamentam e dialogam com nossa
discussão. Desse modo, os objetivos foram alcançados, visto que, a aluna bolsista aprimorou
seus conhecimentos, desenvolvendo seu senso crítico e sua formação integral, através da
leitura do texto literário.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura e Literatura. Formação Básica. Cidadania.


ABSTRACT: We assumed that the technological and scientific advances have distinguished
themselves with their contribution to the development of our world. However, we can see the
needs of reading and literature among the young audience. We understand, therefore, that
access to literature and culture has provided a significant contribution to the education of
citizens, thus the evolution of this formation is reflected in the areas of intellectual
production of the individual, either in minimum or in large proportion. However, we realize
that the absence or presence of reading in the life of the individual changes his condition to
be citizen. With that view, we propose to undertake a project in order to facilitate and to
expand access to the reading of literary texts to high school students in order to expand their
understanding and their ability to critical thinking in relation to this and other text of their
everyday life. In performing this work, we accost readings of literary texts in Portuguese
language, selected according to the school context, consistent with the educational level of
student. Our theoretical and methodological approach followed the texts which talk about
similar subject. The project achieved its goals, since the high school researcher student,
through the reading of
literary texts, increased knowledge and developed critical thinking, contributing to the
integral formation.

KEYWORDS: Reading and Literature. Basic education. Citizenshi


INTRODUÇÃO

*
Docente Mestre da Escola Técnica de Saúde de Cajazeiras do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal
de Campina Grande – ETSC/CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras, Paraíba.
E-mail: [email protected]

Este Projeto foi aprovado pelo PIBIC/CNPq/UFCG, e desenvolvido por Islânea Blenda Rolim de Sousa, aluna do 2º ano do
Ensino Médio da Escola Técnica de Saúde de Cajazeiras do Centro de Formação dos Professores da Universidade Federal de
Campina Grande – ETSC/ CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras – Paraíba, com Bolsa do CNPQ – PIBIC-EM (2012), sob minha
coordenação e orientação.

176
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Quando fazemos um retorno aos primórdios da humanidade em relação à sua formação
cultural, constatamos que o seu universo imaginário – da oralidade à escrita – exerceu papel
preponderante na disseminação e perpetuação do nosso legado histórico-cultural. A
transmissão desse legado nos coloca diante de algumas reflexões sobre o modo com que ele
nos é passado e recebido até nossos dias, quando, por diversas razões, nem sempre se tem
acesso a isso. Neste sentido, vale ressaltar o que observa Candido (1995, p. 175 diz que:

nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e


educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento
intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera
prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação
dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate,
fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.

Candido (1995, p. 176) acrescenta que: “No âmbito da instrução escolar o livro chega a gerar
conflitos, porque o seu efeito transcende as normas estabelecidas”.
Convém levar em consideração, aqui, a defesa da literatura feita por Antonio Candido,
quando este a compreende como um direito que deve se estender a todos, por ser “uma
necessidade universal”, um bem incompressível a ser satisfeito, tendo em vista a
impossibilidade do ser humano sobreviver “sem mergulhar no universo da ficção e da poesia,
visto que, em “uma sociedade, em todos os tipos de cultura”:

a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os tempos. Não


há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de
entrar em contacto com alguma forma espécie de fabulação. Assim como todos os
homens sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar vinte e quatro horas do
dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante
o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa
vontade. E durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura
em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto
ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção
popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio
amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novbolela de televisão ou na
leitura seguida de um romance. (CANDIDO, 1995, p. 174-175)

Na esteira desse raciocínio, que compreende a literatura como forma de arte humanizadora,
remetemos ao texto “O que pode a literatura?”, de Tzvetan Todorov (2000, p. 76), quando
este autor afirma que
A literatura pode muito. Ela pode estender a mão quando estamos profundamente
deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos
cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. [...] revelação
do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a
partir de dentro.

Assim, por entender que imaginar é poder, acreditamos que, “através do fictício e da
fantasia”, a literatura propicia ao jovem o poder de autonomia de pensamento, e a aquisição
de “um saber sobre o mundo” (CADEMARTORI, 1986, p. 23).
Dessa forma, partimos de uma investigação sobre a contribuição da leitura de textos
literários para a formação educacional do aluno do Ensino Médio, no intuito de descobrir de
que modo esse tipo de leitura colabora com o desenvolvimento do seu potencial intelectivo.
Nesse sentido, buscamos verificar em que medida a leitura de textos fictícios possibilita o
crescimento intelectual e a consciência de cidadania a partir da inserção desse aluno em um
universo que lhe propicie aprendizagem e prática de reflexão, despertando o seu senso crítico
para a realidade que o envolve.
Destarte, intentamos conhecer, através de relato escrito de suas experiências vivenciadas, o
que esse aluno sente, pensa e deseja expressar a respeito de sua história de leitura literária,
bem como sobre a contribuição destes textos para a sua formação escolar, visto que, para
Paulo Freire (1995, p. 11), “a compreensão crítica da importância do ato de ler” constituiu-se
177
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
a partir da releitura dos momentos fundamentais de sua “prática, guardados na memória,
desde as experiências mais remotas de sua “infância”, “adolescência” e “mocidade”.
Em seu depoimento sobre sua experiência de leitura como professor de língua portuguesa,
em A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, Paulo Freire (1995, p.
18) ressalta a “necessidade que temos, educadores e educandos, de ler, sempre seriamente, os
clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma
disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e
estudantes”. Freire (1995, p 18) destaca ainda:

Dentro ainda do momento bastante rico de minha experiência como professor de


língua portuguesa, me lembro, tão vivamente quanto se ela fosse de agora e não de
um ontem bem remoto, das vezes em que demorava na análise de textos de Gilberto
Freyre, de Lins do Rego, de Graciliano Ramos, de Jorge Amado. Textos que eu levava
de casa e que ia lendo com os estudantes, sublinhando aspectos de sua sintaxe
estreitamente ligados ao bom gosto de sua linguagem.

As lembranças referidas por Freire, sobre as “vezes em que demorava na análise de textos”
dos escritores acima mencionados, nos permite um diálogo com o entendimento de José
Edilson Amorim, ao nos apresentar “Idéias para um estudo interpretativo da poesia”, quando
ele remete ao seu texto “Leitura, análise e interpretação,” cujas ideias defendem

que a leitura é uma experiência de convívio estreito com o texto, de aprendizado


demorado; que a “interpretação” resulta da investigação, da pesquisa e da “análise”
paciente e não da adivinhação; e que o diálogo entre um texto e os seus contextos (de
produção, de circulação) é fundamental para o ato de interpretar. (AMORIM, 2006,
p. 127)

A propósito da leitura e compreensão dos textos literários, propomos a leitura e o seu


respectivo comentário por escrito sobre textos frequentemente inseridos no conteúdo do
Componente Curricular Literatura, no Ensino Médio. Propomos, ainda, estudos
comparativos entre obras homônimas no âmbito da produção literária, no sentido de
estabelecer diálogo entre si, para com isso ressaltar a contribuição, a atualidade, a validade
da criação fictícia e poética de épocas diferentes, conferidas através da observação da
intertextualidade presente nos textos de diversos autores, a exemplo das obras Vidas secas,
e do seu filme homônimo, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, na adaptação
cinematográfica produzida em 1964, pela Companhia Herbert Hichers, com base no livro.
Esse caráter de intertextualidade que o texto literário apresenta, propõe uma relação de
dialogicidade entre os discursos que perpassam a História da Humanidade, daí a literatura
ser um Componente Curricular que contribui de modo efetivo com os demais Componentes
que integram a Educação Básica, no sentido de facilitar a apreensão dos conteúdos destes.
Isso para ficarmos apenas no exemplo da Educação Formal do público infanto-juvenil, visto
que a arte literária tem um poder incomensurável de auxílio nos mais diversos campos e
níveis do saber, o que atesta sua fundamental importância para o desenvolvimento
intelectual e cultural do homem.
Nessa perspectiva dialógica da leitura e compreensão do texto literário, relacionaremos os
aspectos similares entre poemas, a exemplo de “Ao desconcerto do mundo”, de Camões, e
“Desenganos da vida humana metaforicamente”, de Gregório de Matos. O primeiro, poeta
exponencial do Classicismo português; o segundo, do Barroco brasileiro. Ambos os textos
expressam o sentimento universal do homem em relação ao desencantamento da vida, não
obstante a peculiaridade do estilo, da Escola Literária, da época e do lugar de origem de cada
poeta. A partir disto, verificaremos a contribuição da criação poética de outrora para os
nossos dias, conferindo aspectos que influenciaram na transformação ou na permanência da
cultura humana, a exemplo dos problemas e da crítica que a literatura suscita ao leitor.

178
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ainda na perspectiva do estudo comparativo de textos, faremos a leitura e análise da obra O
quinze, de Raquel de Queiroz, estabelecendo uma relação com “A trágica seca de 1915”,
relatada em Memórias do Zé do Norte, por Alfredo Ricardo do Nascimento. Nesta análise
serão destacados os aspectos pertinentes à temática da seca na região, de acordo com a
narrativa de cada um dos autores, ressaltando os pontos comuns ou peculiares dos dramas
experimentados pelos personagens dessas obras.
Desse modo, tomamos como referências a leitura do texto “O direito à literatura”, de Antônio
Candido; numa perspectiva dialógica, remetemos também ao texto “O que pode a
literatura?”, de Tzvetan Todorov;A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam,de Paulo Freire, cuja compreensão de leitura da palavra pressupõe um
conhecimento prévio do mundo para que o sujeito interaja com o mundo, ou seja, a leitura
engloba três aspectos básicos: percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido; a
Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção, livro organizado por
Guaraciaba Micheletti, Letícia Paula de Freitas Peres e Ana Elvira Luciano Gebara. Em seu
texto “A leitura como construção do texto e construção do real”, Guaraciaba Micheletti
dialoga diretamente com a concepção freiriana sobre leitura, ao considerar que é da leitura
processada em vários níveis que “brota a construção do real” e conduz o leitor a inferir e
atribuir sentidos ao texto para a interpretação do mundo, e destacar que compartilha da
“idéia de que ‘a leitura é um ato interativo e de compreensão de mundo’”. (MICHELETTI,
2006, p. 16).
Remeteremos ainda à obra Literatura: da crítica à sala de aula, organizada por Hélder
Pinheiro e Marta Nóbrega; também à Poesia na sala de aula, de Hélder Pinheiro,
especialmente o texto “Poesia para jovens”, cujo tópico final ressalta “O poder da poesia”.
Dentre esses autores e obras, tomamos como suporte teórico para fundamentar este projeto o
pensamento de autores versados na problemática brasileira da leitura e da abordagem
literária, cuja discussão e alternativas para os problemas da nossa realidade, correspondem
as nossas expectativas. Assim, recorreremos à obra A literatura infantil: História. Teoria.
Análise: das origens orientais ao Brasil de hoje, de Nelly Novaes Coelho; à Literatura infanto-
juvenil. Revista Tempo brasileiro, que contém artigos de Nelly Novaes Coelho e de outros
autores.
Faremos recurso também a Alfredo Bosi, em suas obras História concisa da literatura
brasileira e O ser e o tempo da poesia. Ainda recorreremos aos textos: O que é
leiturae “Leitura: enigmas e possibilidades”, de, Maria Helena Martins; Leitura em crise
na escola: as alternativas do professor, organizado por Regina Zilberman, e à sua obra O
que é literatura.
Como exemplo elucidativo e prático para a compreensão da leitura literária, assim como
sugestão de ideias e experiências, recorreremos às obrasLiteratura infantil & juvenil:
relatos de experiência na escola eLiteratura infantil & juvenil: vivências de leitura e
expressão criadora, ambas de Vânia MariaResende, entre outros.
Outra referência a ser tomada para o desenvolvimento deste Projeto é Nelly Novaes Coelho,
visto que, sua contribuição é muito significativa, conforme atestamos na Revista Tempo
Brasileiro – Literatura infanto-juvenil –, na qual Nelly inicia o seu texto intitulado
“Literatura infantil, abertura para a formação de uma nova mentalidade” (Comunicação
apresentada no 1º Encontro de Professores Universitários de Literatura Infantil e Juvenil,
promovido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e pela Faculdade de Educação
da UFRJ, de 30/6 a 4/7/80):

Partindo do dado básico de que é através de sua consciência cultural que os seres
humanos se desenvolvem de maneira integral, é fácil compreendermos a importância
do papel que a Literatura pode desempenhar para todos os seres em formação. É ela,
dentre as diferentes manifestações da Arte, a que atua de maneira mais profunda e
essencial, no sentido de dar forma e de divulgar os valores culturais que dinamizam
uma sociedade ou uma civilização. (COELHO, 1980, p. 3).

179
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Estes termos de Nelly Novaes Coelho são fundamentais para nos orientar na execução do
projeto que aqui empreendemos, visto que é nessa linha de pensamento que pretendemos
realizar, observando através do uso prático da literatura, na manifestação da linguagem
expressa pelo sujeito, uma abertura para várias possibilidades de crescimento e
amadurecimento de si, rumo à elevação de sua autoestima, bem como de sua autoafirmação.
É da mesma autora a obra A literatura infantil: história, teoria, análise: das origens
orientais ao Brasil de hoje, que faremos também recurso.
Não poderia faltar à nossa fundamentação, a obra A literatura infantil na escola,escrita
por Regina Zilberman, como também as obras: Um Brasil para crianças: para conhecer a
literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos; e, Literatura infantil brasileira:
história & histórias; ambas de sua autoria em parceria com Marisa Lajolo, entre outras obras
organizadas pela referida autora, na mesma área de interesse, a exemplo de Leitura e crise
na escola: as alternativas do professor.
A obra intitulada O texto na sala de aula: leitura & produção, organizado por João
Wanderley Geraldi, nos fornece respaldo significativo, haja vista as sugestões apresentadas
por este autor no seu texto “Unidades Básicas do Ensino de Português”, cujo conteúdo
fornece uma metodologia para a aplicabilidade dos textos a serem lidos e discutidos nesta
pesquisa.

O objetivo geral foi empreender a busca sobre a contribuição da literatura para a formação
do/a aluno/a do Ensino Médio, a partir da leitura de textos literários da língua portuguesa.
Quanto aos objetivos específicos, foram elencadas as seguintes ações:

 Ampliar o acesso à leitura de textos de literatura da língua portuguesa ao/à aluno/a do


Ensino Médio, aperfeiçoando seu domínio linguístico-literário e viabilizando sua imersão
em outras culturas.
 Desenvolver o senso crítico e a consciência de cidadania do indivíduo através da leitura de
textos literários da língua portuguesa.
 Ler e analisar os textos literários indicados, refletindo sobre significações suscitadas a
partir das linhas e entrelinhas do discurso poético.
 Estudar os textos literários observando os aspectos poéticos pertinentes em obras, gêneros
e autores diferentes, destacando as suas relações de similaridade.
 Elevar a autoestima do/a aluno/a por meio da livre manifestação do seu ponto de vista
sobre os textos lidos, promovendo sua autonomia de pensamento e seu potencial criador.
 Contribuir, por meio da leitura literária, com a formação intelectual e a conduta ética do
indivíduo, propiciando-lhe um novo modo de olhar, compreender os fatos da realidade.
 Instigar o indivíduo para o exercício da leitura e reflexão, a fim de que ele possa inferir
sobre do mundo atual.
 Destacar a contribuição do texto literário para a disseminação e permanência do nosso
legado cultural, pontuando os aspectos mais relevantes em relatórios.

Nos últimos tempos, os avanços tecnológicos e científicos têm se destacado com sua
contribuição para o desenvolvimento do nosso mundo. Contudo, são frequentes e notórias as
contradições entre os modelos de comportamento humano atuais e os anteriores. Neste
paradoxo, o homem não pode prescindir da cultura, visto que ela o acompanha porque lhe é
inerente. Dela depende a sua formação, posto que ela sintetiza passado, presente e futuro do
ser humano, o qual pode selecionar o que lhe servirá ou não aos seus anseios.

Nesse sentido, quando mencionamos a cultura, pensamos diretamente no legado histórico da


humanidade, nosso patrimônio coletivo rico e poderoso que sobrevive graças à memória do
homem. Este, imprescindível para transmitir sabedoria a gerações futuras, através de sua
capacidade criadora e, assim, deixar o registro de sua criação, expresso de variadas formas.
Dessa forma, entendemos que o acesso à literatura e à cultura, de um modo geral, tem
assegurado uma contribuição relevante à formação do cidadão, de modo que a evolução dessa
formação tem sua repercussão nos domínios da produção intelectual do indivíduo que a

180
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ostenta, seja em mínima ou em larga proporção. Não obstante essa evolução, percebemos, a
partir de uma observação no campo da criatividade humana, nos últimos tempos, que a falta
ou presença de leitura na vida do indivíduo tem interferido consideravelmente no
desempenho de sua condição de ser-cidadão. Com vistas nisso, cientes do poder de
criatividade do jovem que, no entanto, muitas vezes é/está contido por razões inaceitáveis
que não o justificam, pensamos, com este projeto, viabilizar e/ou ampliar o acesso à leitura
de textos literários ao aluno do Ensino Médio, no intuito de expandir sua capacidade de
compreensão e seu poder de critica em relação a esse e a outros tipos de texto do seu
cotidiano.

Desse modo, acreditamos que a leitura do texto literário permite que esse indivíduo se firme
como ser crítico e autônomo e busque a cidadania em suas ações, uma vez que esse tipo de
atividade proporciona reflexão sobre atitudes que interferem direta ou indiretamente na
conduta ética do ser humano, melhorando sua postura no mundo.
Partindo desse entendimento, na defesa de uma formação plena do indivíduo com mais
possibilidades de vida digna, de acesso às condições imediatas das necessidades humanas, na
perspectiva de que ele transcenda seus horizontes, acreditamos, com esse projeto, contribuir
efetivamente com um mundo melhor, por meio da leitura literária, visto que esta permite ao
ser humano, especialmente ao indivíduo em formação, não apenas um novo olhar e uma nova
compreensão sobre os fatos da realidade do mundo atual, mas também uma condição
também de expressar o seu pensamento, de forma autônoma, e assim contribuir também
com elaboração de um mundo humanizado, mediado pela arte literária.

METODOLOGIA E MATERIAIS

Como procedimentos metodológicos utilizaremos recursos que viabilizem o desenvolvimento


do nosso trabalho através da leitura, discussão e produção textual a respeito dos assuntos
abordados, estimulando a capacidade de reflexão e o senso crítico do/a aluno/a, de forma a
ampliar o seu potencial intelectual.
A execução de nossa tarefa se fará através de leitura de textos de literatura de língua
portuguesa, selecionados de acordo com o contexto escolar que envolve o conteúdo desse
Componente Curricular e o nível de formação do/a estudante do Ensino Médio. Desta forma,
buscaremos expandir no/a estudante, a capacidade de compreensão e análise escrita dos
textos indicados para leitura, no universo da ficção e da poética.
As discussões sobre os textos abordados serão tomadas para facultar a palavra ao/à aluno/a,
no intuito de que este/a se expresse, manifestando, assim, voz e opinião sobre o assunto, de
modo que possa exercer sua autonomia intelectual.
Assim, faremos leitura e discussão do/sobre o texto “Poesia para jovens”, cujo tópico final
ressalta “O poder da poesia”, além de destacar suas ideias principais. Nessa mesma proposta
de atividade, faremos a leitura para a compreensão sobre as obrasLiteratura infantil &
juvenil: relatos de experiência na escola, eLiteratura infantil & juvenil: vivências de
leitura e expressão criadora, ambas de Vânia MariaResende. Também estudaremos as obras
sobre literatura infanto-juvenilde Nelly Novaes Coelho, visto que, sua contribuição é muito
significativa para a nossa leitura, análise e compreensão sobre os aspectos peculiares à crítica
literária.

A partir da leitura do texto “O direito à literatura”, de Antônio Candido, estabeleceremos um


com o texto “O que pode a literatura?”, de Tzvetan Todorov. A importância do ato de ler:
em três artigos que se completam,de Paulo Freire, cuja compreensão de leitura da palavra
pressupõe um conhecimento prévio do mundo para que o sujeito interaja com o mundo,
possibilita uma reflexão que dá sustentação ao diálogo que perpassa outros textos, daí nossa
metodologia seguir uma abordagem de estudos comparativos entre obras homônimas, no
sentido de ressaltar a contribuição, a atualidade, a validade da criação fictícia e poética em
épocas diferentes, conferidas através da observação da intertextualidade presente nos textos
Vidas secas, e do seu filme homônimo, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, na

181
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
adaptação cinematográfica produzida em 1964, pela Companhia Herbert Hichers, com base
no livro.
Nessa perspectiva de abordagem dialógica da leitura e compreensão do texto literário,
relacionaremos os aspectos similares entre poemas, a exemplo de “Ao desconcerto do
mundo”, de Camões, e “Desenganos da vida humana metaforicamente”, de Gregório de
Matos. O primeiro, poeta exponencial do Classicismo português; o segundo, do Barroco
brasileiro. Ambos os textos expressam o sentimento universal do homem em relação ao
desencantamento da vida, não obstante a peculiaridade do estilo, da Escola Literária, da
época e do lugar de origem de cada poeta.
A partir das leituras, reflexões e comentário escrito sobre estas obras, pelo/a aluno/a,
empreenderemos nossa busca da contribuição da criação poética de outrora para os nossos
dias, destacando os aspectos da arte literária que interferiram na transformação ou na
permanência da cultura humana, a exemplo dos problemas e da crítica que a literatura
suscita ao leitor.
Ainda na perspectiva do estudo comparativo de textos, faremos a leitura e análise e
compreensão por escrito sobre O quinze, de Raquel de Queiroz, estabelecendo uma relação
com “A trágica seca de 1915”, relatada em Memórias do Zé do Norte, por Alfredo Ricardo
do Nascimento. Nesta análise serão destacados os aspectos pertinentes à temática da seca na
região, de acordo com a narrativa de cada um dos autores, ressaltando os pontos comuns ou
peculiares dos dramas experimentados pelos personagens dessas obras.
Nesse sentido, a aplicabilidade dos textos visa desenvolver a capacidade intelectual do/a
aluno/a do Ensino Médio e ampliar o seu conhecimento cultural, tanto no âmbito da
oralidade quanto da escrita, através de leitura, reflexão e produção textual, contribuindo
assim para a formação integral do/a estudante.
Oportunamente poderemos lançar mão de autores e obras da literatura que venham elucidar
e enriquecer possíveis discussões, uma vez que uma história poderá remeter a outra. Ou, de
outro modo, que possam fundamentar a nossa discussão nesta pesquisa.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UMA BREVE ANÁLISE DO LETRAMENTO NAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE
BASE

Liliane Alves da Silva ii

RESUMO:Os estudos acerca das práticas e eventos de letramento nos contextos sociais
formais como a escola e a universidade têm sido alvo de muitas pesquisas, porém quando se
trata das práticas que se desenvolvem em ambientes alternativos ou considerados informais,
poucos estudos são encontrados. Por esta razão, o presente trabalho buscou analisar os
eventos de letramento desenvolvidos pelas Comunidades Eclesiais de Base, já que elas
primam pela formação de seus membros tanto no âmbito religioso, quanto no social. Nosso
referencial teórico baseou-se nos estudos sobre práticas e eventos de letramento
desenvolvidos por Street (1984), Kleiman (2007), Lêdo (2013), entre outros. Ainda fazem
parte da nossa base teórica os estudos sobre gêneros desenvolvidos pelos pesquisadores
Marcuschi (2008), Miller (2012), Bazerman (2005), Bawarshi e Reiff (2013), visto que
tomamos gêneros como mediadores dos eventos de letramento. Para o cumprimento dos
nossos objetivos observamos os encontros de formação promovidos pelas Comunidades
Eclesiais de Base durante o segundo semestre de 2013 e o primeiro semestre de 2014 com a
finalidade de observar que práticas de letramento orientam os eventos de letramento
desenvolvidos com o letramento escolar.
Palavras-chave: Letramentos.Gêneros textuais. Comunidades Eclesiais de Base.

ABSTRACT:Studies on the practices and literacy events in formal social contexts such as
schools and universities have been the target of much research, but when it comes to
practices that develop in alternative environments or considered informal, few studies are
found. For this reason, the present study aimed to examine literacy events developed by the
Basic Ecclesial Communities, as they excel in training its members both in the religious
sphere, as in the social. Our theoretical framework was based on studies on literacy events
and practices developed by Street (1984), Kleiman (2007), Ledo (2013), among others. Still
part of our theoretical studies based on genres developed by researchers Marcuschi (2008),
Miller (2012), Bazerman (2005), Bawarshi and Reiff (2013), since we genres as mediators of
literacy events. To accomplish our goals we observe the formation meetings promoted by the
Basic Ecclesial Communities in the second half of 2013 and the first half of 2014 with the
purpose of observing literacy practices that guide the literacy events developed with school
literacy.
Keywords: Literacies. Textual genres. Basic Ecclesial Communities.

INTRODUÇÃO

Ultimamente muitos estudos têm sido feitos acerca do letramento. Atualmente esse tema é
abordado como práticas que vão além da leitura e da escrita. Essas novas concepções
relacionam o letramento aos contextos sociais e históricos, sendo esses uma realidade
complexa que envolve relações de poder. De acordo com essa perspectiva, não existe apenas
um tipo de letramento, mas múltiplos letramentos desde aqueles que são utilizados pelas
pessoas no cotidiano até os mais complexos que estão no ambiente acadêmico, por exemplo.
As diferentes estratégias de letramento tornaram-se essenciais na vida de todos os seres
humanos. Estes, geralmente, o adquirem por meio das práticas sociais que realizam
individualmente ou em grupos nos quais estão inseridos. Sabe-se que cada comunidade
possui práticas de letramento diversificadas, as quais são desenvolvidas de forma particular
por cada um desses grupos. Dessa forma, os objetivos que as comunidades pretendem
alcançar são realizados por meio dessas práticas. Por isso, a presente pesquisa objetiva
compreender como os membros das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) constituem-se
sujeitos letrados dentro da realidade em que vivem.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Nos dias atuais, uma pessoa letrada não se restringe apenas àquela que possui a habilidade
de ler e escrever, mas sim a todas que conseguem desenvolver práticas sociais necessárias à
sobrevivência em sociedade. No entanto, apesar de existirem muitos estudos acerca das
estratégias de letramento, ainda são poucas as pesquisas que analisam essas práticas, quando
vinculadas e desenvolvidas por comunidades discursivas que não pertencem ao âmbito
escolar ou acadêmico. Com base nessa observação, a presente pesquisa pretende contribuir
para o preenchimento dessa lacuna.
Este artigo está estruturado da seguinte modo: no primeiro tópico, discutiremos o conceito
de práticas e eventos de letramento. No segundo tópico, será apresentada uma breve reflexão
sobre o letramento na escola. No terceiro tópico, trataremos dos gêneros nas atividades
humanas. No quarto tópico, serão expostas algumas considerações sobre as CEBs e o seu
papel na sociedade. No quinto tópico, daremos destaque à análise dos eventos de letramento
promovidos pelas CEBs de Garanhuns. Por fim, nas considerações finais apresentaremos as
conclusões da nossa pesquisa.

1. DISCUTINDO O CONCEITO DE PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO


Segundo Lêdo (2013), quando se fala em práticas de letramento é uma forma de evitar que
esse conceito torne-se limitado a uma habilidade que adquirimos e transmitimos de maneira
completa e finalizada. Sendo visto de outra forma, essa concepção possui caráter sócio-
histórico e dinâmico. No entanto, de acordo com essa autora, as práticas referidas modelam o
que chamamos de eventos de letramento.
Alguns pesquisadores (Street 2001; 2003, Bayhan 2004)observam que embora vozes
dominantes caracterizem as populações locais como ‘iletradas’, uma rica variedade de
práticas de letramento podem ser deflagradas em comunidades marginalizadas, sejam elas
situadas em ambientes rurais ou urbanos. Defendem por isso, a necessidade de tornar
visíveis as práticas de letramento cotidianas em toda a sua complexidade (apud OLIVEIRA,
2010).
Em épocas distintas pode haver práticas de letramento diferenciadas, já que cada
comunidade atualiza suas práticas a partir do contexto de que faz parte. Por isso, é possível
observar que as práticas anteriores oferecidas pela escola diferem das atuais.
Street (1984) “define práticas de letramento como práticas culturais discursivas, que
determinam a produção e interpretação de textos orais e escritos, em contextos específicos”
(apud LÊDO, 2013, p. 60). A partir disso, pode-se dizer que essas práticas podem ser
realizadas por grupo ou comunidades que envolvem o uso da leitura e da escrita em contextos
específicos. Nesse uso estão envolvidos vários aspectos, dentre os quais destacamos: as
normas, os direitos, os papéis assumidos pelos membros de um grupo, as relações
estabelecidas, bem como as percepções e valores que são atribuídos a cada participante do
evento, nos quais se torna visível o desenvolvimento dessas práticas. (apud LÊDO, 2013)
Os eventos de letramento podem acontecer em ambientes como o escolar e o universitário,
além de outros que não são considerados formais. Por isso, Vieira (2005) deixa claro “que os
eventos são ocasiões em que um texto escrito (ou mais de um) é elemento essencial nas
interações entre pessoas (participantes) e nos processos de construção de sentidos que aí se
desenvolvem.” (p. 104) Desse modo, eles não podem ser vinculados unicamente à
alfabetização, mas podem ocorrer antes, mesmo que a criança, ou adulto, não seja
alfabetizado. Durante a alfabetização, que atualmente é considerada um dos processos de
letramento, ou depois que o indivíduo é alfabetizado, pois cada dia surgem novas formas de
ler e escrever, essas atividades exigem do leitor novas habilidades, ou seja, novos
letramentos.
A respeito das práticas de letramento,Kleiman (2002) argumenta que elas podem estar
relacionadas a conhecimentos do tipo social, que são aqueles que se inserem na identidade
profissional do sujeito. Desse modo, os indivíduos estão aptos para produzir e interpretar
gêneros que fazem parte do contexto em que estão inseridos. Contudo, essas práticas ainda
podem envolver os conhecimentos que as pessoas têm dos ritos de sua Igreja, grupo, entre
outros.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Mais um aspecto relevante é o conhecimento das relações de poder entre os grupos sociais no
que diz respeito às decisões sobre como, quando e a quem fazer um pedido. Por fim, outro
conhecimento é o que se refere aos valores e hábitos do próprio grupo. Todas essas atividades
realizadas e esses conhecimentos adquiridos pelos membros quando atuam em grupos
constituem as práticas, que podem ser desenvolvidas em outros grupos que não possuem
ligações com o contexto escolar. Porém, não podemos negar que esses letramentos sofrem
influência um do outro. Barton & Hamilton (2005) afirmam que:

Algumas práticas são dominantes em relação a outras, que o letramento é


significativo para as instituições em que os eventos são localizados, e que questões de
poder são importantes. Na verdade, a maioria das interações de letramento envolvem
distribuições desiguais de poder entre as pessoas. (apud LÊDO, 2013, p. 61)

Todas as práticas de letramento são permeadas por relações de poder e refletem as ideologias
de cada grupo. Em maior ou menor grau há diferenças entre algumas práticas, em alguns
casos umas possuem status mais valorizado do que outras. Para expor de forma mais simples
as diferenças e semelhanças entre as práticas e eventos de letramento podemos observar
neste quadro:

Quadro: Síntese das características das práticas e eventos de letramento


Práticas de letramento Eventos de letramento
São mais gerais e abstratas São mais específicos; visíveis; unidade de
análise
Estão associadas com domínios específicos São as “pontas do iceberg” das quais as
da vida práticas podem ser inferidas
São culturalmente reconhecíveis Podem ser recontextualizados
Estão atreladas à estrutura social Estão atrelados à estrutura social
São históricas, locais Estão ancorados em tempo e local
específicos
São dinâmicas São dinâmicos
São multimodais São multimodais
Fonte: Quadro elaborado por Lêdo (2013, p. 69)

Na perspectiva de Dantas (2005) os elementos que podem ser percebidos durante a


realização de um evento de letramento são: os participantes (as pessoas que interagem por
meio de textos escritos). O segundo, o ambiente que corresponde ao local físico, onde ocorre
a interação. O terceiro, os artefatos que são os materiais e os acessórios que possibilitam a
interação, inclusive os próprios textos. O quarto, são as atividades que, geralmente, são
realizadas pelos participantes no momento em que o evento de letramento está acontecendo.
Dando continuidade faremos uma exposição breve do letramento na escola.

2. UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O LETRAMENTO NA ESCOLA


Ao fazer referência às práticas de letramento na escola, Kleiman (2002, p.96) argumenta que
“a diversidade nos usos da escrita do cotidiano deveria encontrar eco na escola. Entretanto,
os estudos sobre o letramento têm mostrado que a escola privilegia apenas um tipo de
prática, dominante na sociedade e que passou a ser considerada universal”. Para ela, as
crianças, antes de chegar à escola, já são letradas, porque estas participam de eventos de
letramentos que envolvem a escrita. Todavia, grande parte das atividades escolares são
desvinculadas do contexto dos estudantes, pois ao invés de produzir textos, como
reinvindicações, em grupos com a assinatura dos estudantes de modo coletivo, na escola os
alunos são levados a produzir gêneros sozinhos, muitas vezes com um único objetivo; a
obtenção de notas. Isso torna o ensino de gênero descontextualizado.
Kleiman (2007) enfatiza que o professor deve atuar como um agente de letramento, e para
que isso aconteça as exigências quanto à formação universitária serão maiores, porquanto os
saberes acadêmicos e a familiaridade com as práticas de letramento do ambiente
universitário são essenciais para que o professor possa agir como alguém que se encontra em
186
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
um contínuo processo de letramento. O docente precisa considerar as práticas letradas que os
estudantes adquirem fora do ambiente escolar e que atendem tanto a interesses particulares,
quanto coletivos. Um estudante, ao aprender a ler e a escrever, mesmo que seja como
reconhecimento do código, já está em processo de letramento, pois o letramento não é um
método de ensino, uma vez que ele consiste na imersão dos indivíduos, sejam eles crianças,
jovens e adultos no mundo da escrita (KLEIMAN, 2005).
De acordo com Kleiman (2005, p. 22), “as práticas de letramento fora da escola são em
essência colaborativas, em contraposição às da escola em que há uma preocupação com o
caráter individual do processo de aquisição que, normalmente, caracteriza a alfabetização.”
Conforme argumenta a pesquisadora, todas as ocasiões em que a fala tem como base um
texto escrito podem receber o nome de eventos de letramento. Nesses eventos a participação
das pessoas se dá de forma coletiva e de modo interativo, diferente dos que ocorrem na escola
que trabalham centrados na individualidade.
Quanto às práticas de letramento, Marcuschi (2004, p. 19) as define como “um tipo de
processo histórico e social que não se confunde com a realidade representada pela
alfabetização regular e institucional [...]” Desse modo, não podemos afirmar que o simples
fato de ser alfabetizada pode tornar uma pessoa letrada. O autor supracitado fala sobre
“letramentos sociais” que são desprezados e colocados à margem, porque eles surgem e se
desenvolvem fora do contexto escolar. A seguir, discutiremos noções teóricas sobre gêneros,
pois eles possuem grande importância para o desenvolvimento dos eventos de letramento.

3. O GÊNERO NAS ATIVIDADES HUMANAS


Pode-se dizer que estudar os gêneros é conhecer o funcionamento da sociedade,
considerando as mudanças que interferem na produção e recepção dos mesmos, pois os
gêneros revelam as formas de organização da estrutura social, além de acompanharem o
desenvolvimento da mesma. Visto que eles se transformam ou outros surgem a partir dos que
já existem. De acordo com Miller (2012, p. 40) “Os gêneros originais persistem como
estratégias constituintes dos gêneros contemporâneos”. Mesmo que um gênero passe por
modificações ele permanece com aspectos que são peculiares e pelos quais somos capazes de
identificar sua origem. Os gêneros são dinâmicos e com o passar do tempo alguns surgem,
outros desaparecem, por isso concordamos com Bezerra (2006, p. 55) quando diz que “Os
gêneros não podem ser vistos como traços formais, e sim como lugar privilegiado da
realidade social.” Essa forma de ver os gêneros contribui para que compreendamos sua
relevância na construção, manutenção ou modificação da sociedade, bem como nas práticas
de letramento que são desenvolvidas por meio deles.
Quando somos capazes de compreender os gêneros a partir desse ponto de vista, notamos
que eles não se limitam apenas a um conjunto de traços formais que os tornam superficiais
ao serem produzidos. Essa perspectiva nos faz recordar a concepção de gêneros de Atkinson
(1999), que diz: “nota-se que os gêneros exercem ações sociais e que não poderemos jamais
ensinar que a distinção entre os gêneros ocorre por meio de traços formais.”(apud BEZERRA,
2006, p.55) Contudo, não podemos esquecer que todo gênero possui traços distintos pelos
quais somos capazes de identificá-los. Desse modo, aprender a produzir um gênero é mais do
que aprender características formais, é atingir objetivos por meio de realizações linguísticas
que são adequadas a contextos diferenciados.
Bazerman (2005) defende a perspectiva de que os gêneros “são parte do modo como os seres
humanos dão forma às atividades sociais.”(apud OLIVEIRA, 2010, p.330) Eles materializam-
se por meio de textos e ao mesmo tempo contribuem para as distintas práticas de letramento.
Para conhecer o funcionamento de uma sociedade faz-se necessário a análise dos gêneros que
ela produz. Como lembra Marcuschi (2008, p. 154), “toda manifestação verbal se dá sempre
por meio de textos realizados em algum gênero.”Através dessa afirmação percebe-se a
importância dos gêneros textuais para a realização dos mais variados objetivos que diversas
comunidades linguísticas ou pessoas pretendem alcançar. Estes são mediadores das
comunicações que ocorrem entre os seres humanos, realizando assim diversas ações sociais
que possibilitam transformações na sociedade.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
É por meio da análise dos gêneros produzidos por comunidadesou grupos que os conhecemos
mais profundamente, pois eles possibilitam a observação dos objetivos, como também das
intenções particulares dessas comunidades. Recordamos, assim, a concepção de Bazerman, o
qual afirma que:

Os gêneros são formas de vida, modos de ser. Eles são enquadres para ação social.
São ambientes para aprendizagem [...] Os gêneros são lugares familiares a que
recorremos para realizar uma ação comunicativa inteligível e as placas de sinalização
que usamos para explorar um ambiente desconhecido. (2011, p. 23)

A produção de gêneros não deve ser algo superficial, somente para um determinado fim, ou
aprendizagem de estruturas, porque os gêneros estão além das formas, fazem parte da vida
das pessoas revelando modos de ser e de agir das mesmas no ambiente social.Nesse caso, são
dois modos diferentes de compreender os gêneros, sendo necessário entender que as funções
deles variam em contextos diferentes, pois elas dependem da realidade vivenciada pela
pessoa ou grupo que os utiliza. Para alguns, eles são ferramentas utilizadas para conhecer
melhor padrões culturais, enquanto que para outros são uma forma de inserção em
determinadas comunidades. Como percebemos, é essencial que as pessoas que desejam
participar efetivamente de uma comunidade aprendam a produzir os gêneros próprios desse
ambiente. Para compreendermos melhor nosso estudo serão apresentadas a seguir algumas
considerações sobre as CEBs.

4. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS CEBS


O surgimento das CEBs dá-se a partir do ano de 1950, fortalecendo-se durante o Concílio
Vaticano II. Elas autodenominam-se como um novo jeito de ser Igreja. Segundo Maués
(2010), o engajamento nessas comunidades faz com que as pessoas assumam uma nova
identidade que além de religiosa é, também política. Essa identidade, além de ser
proporcionada, é construída pelos participantes dessas comunidades e uma vez adquirida,
motiva as pessoas a lutar por seus direitos.
Não se pode negar que as CEBs tornaram possível o surgimento de um número significativo
de movimentos sociais. Esses grupos, por meio do engajamento na luta por dignidade,
buscam tornar a sociedade justa e igualitária.
Conforme Coutinho (2009), as CEBs começaram a ter uma vida independente a partir de
1970. Desenvolvendo-se em um período autoritário (mais especificamente o militar) atraíram
um número grande de agentes sociais. Do ponto de vista ideal-típico, os aspectos que
poderiam caracterizar as CEBs, de acordo com esse autor, são os “4Cs” das CEBs:
1) Celebração aos domingos com ou sem padre, com ou sem eucaristia;
2) Conselho Comunitário: grupo responsável pela coordenação da comunidade;
3) Círculos bíblicos: momento em que o texto bíblico é refletido, relacionando-o com a
vida;
4) Compromisso sócio-transformador assumido por cada membro, por meio da opção
preferencial pelos pobres, que pertence a Igreja Católica como um todo. Porém, são as
CEBs que vivem com mais intensidade esse compromisso.
O estudioso ainda afirma que “internamente às CEBs, os Conselhos comunitários têm uma
importância fundamental para o aprendizado e o exercício da cidadania” (2009, p.182). O
autor também acrescenta que nos últimos anos os participantes das CEBs tornaram-se
atuantes em novos canais de exercício de cidadania como a participação em orçamentos
participativos, conselhos tutelares, entre outros.
Com o objetivo de unir as forças para transformar a sociedade, melhorando as condições de
vida dos moradores do campo e da cidade, as CEBs buscam trabalhar de forma coletiva,
combatendo o individualismo gerado pelo sistema capitalista. Os seus membros trabalham
em conjunto e as decisões são tomadas em grupo depois de conversar e refletir sobre as ações
possíveis para a resolução de problemas. O compromisso das CEBs é lutar por uma sociedade
mais justa e contribuir para que a desigualdade social seja reduzida. Nisso é baseada toda
formação oferecida pelas CEBs aos seus membros.

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Os responsáveis ou animadores, como são chamados àqueles que recebem formação para
atuar nas comunidades, assumem o compromisso de partilhar com os grupos que estão na
base os conhecimentos adquiridos nos encontros de formação. O encontro é sempre o lugar
de rezar, mas também de discutir questões sociais que têm repercussão na sociedade, bem
como problemas que afetam as comunidades tanto no campo quanto na cidade.
As CEBs revelam-se como um jeito de ser Igreja que leva seus membros a comprometer-se
com as causas sociais, iluminados pela Palavra de Deus, ligando a fé à vida. Desse modo, o
desejo de construir um mundo onde haja justiça e fraternidade vem modificando a sociedade.
Para muitas pessoas, isso parece ser apenas uma utopia, enquanto para as CEBs isso pode ser
uma realidade.

5.PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO NAS CEBS DE GARANHUNS


Os eventos analisados por esta pesquisa ocorreram no Sítio Cruz em uma casa de encontro
chamada Recanto Franciscano. Esses eventos reúnem animadores das comunidades
pertencentes às cidades próximas à Garanhuns. No Sítio Cruz acontece três encontros
nomeados por Ampliada das CEBs.
Além disso, a cada ano as CEBs oferecem dois dias de formação específicos para os jovens e
dois dias para as mulheres das comunidades, ambos os encontros com temáticas que
envolvem aspectos religiosos e sociais como: Fé e compromisso social, Sexualidade e
afetividade, O meio ambiente, entre outras. Numa tentativa de tornar os jovens e as mulheres
protagonistas do seu futuro e contribuir para que a atuação desses sujeitos na sociedade se dê
de forma crítica.
No segundo semestre de 2013participamos da Assembleia que, geralmente, acontece no mês
de setembro. Esse encontro reúne um número maior de participantes vindos de diversas
comunidades, muitas vezes chegando a um número de aproximadamente 70 pessoas. Outros
encontros de que participamos foram as Ampliadas das CEBs,os quais reúnem um número
menor de pessoas, pois são específicos para os animadores das comunidades.Foi percebido
que os encontros seguem a mesma organização, tendo início sempre com um momento de
acolhida que é feito por uma pessoa da coordenação, seguida pela oração de abertura para
depois expor a temática.
Na Assembleia o principal assunto abordado foi a preparação para o 13º Intereclesial das
CEBs. No primeiro momento, um dos coordenadores fez a exposição do tema: Justiça e
profecia a serviço da vida,assunto central no Intereclesial em que os participantes
interagiram com o expositor, argumentando, questionando e defendendo seus pontos de
vistas.No segundo momento, como ocorre em todos os encontros das CEBs, os participantes
se organizam em grupo.NaAssembleia foi entregue a cada grupo um texto contendo a
biografia das pessoas que lutaram em defesa da vida e da dignidade como: Antônio
Conselheiro, Beato José Lourenço, Padre Ibiapina, Padre Cícero, entre outros.
Como se percebe a discussão no decorrer da exposição oral e nos trabalhos em grupo partem
sempre de um texto escrito. Após as discussões em grupo os membros participam da
plenária, momento em que um dos integrantes do grupo assume o papel de relator para
expor oralmente as reflexões feitas nos grupos, porém na Assembleia as apresentações
forampor meio de dramatizações. Os momentos finais dos encontros são reservados para
planejar e propor ações comunitárias que possam surgir a partir das discussões durante o
mesmo, bem como para informações e para a Celebração Eucarística.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Quanto às Ampliadas, elas seguem a mesma organização acima apresentada, sofrendo
modificações apenas nas temáticas. Entretanto, na Ampliada de novembrode que
participamos a temática continuou a mesma, visto que estava no período de preparação para
o 13º Intereclesial das CEBs. A discussão em grupo foi feita a partir dessa cartilha:

Esse material foi trabalhado na Assembleia com o objetivo de preparar alguns integrantes do
grupo para participar desse encontro. Esse roteiro de reflexão divide-se em várias partes,
cada qual com uma temática diferente, as quais foram discutidas em grupo para, em
seguida,serapresentada na plenária.Essa atividade configura-se em um evento de letramento
incluso no encontro de formação.
Na outra Ampliada que ocorreu em fevereiro do ano em curso, os participantes do 13º
Intereclesial relataram oralmente as impressões que tiveram desse encontro. Observa-se,
através desse relato, que os eventos de letramento são praticamente os mesmos, mantendo
uma forma de organização e metodologias unificadas para as comunidades em diversos
lugares. O tema abordado nessa Ampliada foi “O tráfico humano”, o qual foi trabalhado em
grupo a partir desse roteiro de encontros.

O trabalho com esse roteiro seguiu a mesma metodologia citada acima, a qual se repete nas
comunidades de base que são coordenadas pelos animadores. Todas as cartilhas ou roteiros
como são nomeados pelos membros das CEBs são levados pelos animadores às comunidades
com o compromisso de refletir o que foi vivenciado nos encontros de formação. Desse modo,
eles se tornam os formadores nas comunidades de base.
As CEBs, nos momentos de formação de seus membros, seguem a metodologia da Educação
Popular, a qual parte do conhecimento prévio dos interlocutores. Quanto aos métodos, os
passos são os seguintes:
 Ver, queconsiste na observação da realidade à sua volta feita durante a
exposição oral;
 Julgar, que analisa a situação procurando perceber se está certa ou errada, essa
ação é desenvolvida nos trabalhos em grupos;
 Agir,que geralmente iluminado pela Palavra bíblica, sendo nesse momento que
surgem as propostas para serem colocadas em prática.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
 Celebrar, momento de agradecimento pelas conquistas ou pela resolução de
um problema que afeta a comunidade.
Ao observarmos os gêneros que circulam nas CEBs foi possível perceber que eles são de
grande relevância para que as pessoas participem de modo organizado dos eventos de
letramento e possam inserir-se nas práticas letradas. Os gêneros mais recorrentes durante os
eventos de letramentos promovidos pelas CEBs são os que elencamos no quadro a seguir:

Quadro: gêneros que circulam nos encontros


Exposição oral
Relatos orais
Orações
Cantos
Fonte: Elaborado pela autora

Nas CEBs, uma pessoa mesmo não sendo alfabetizada participa ativamente dos eventos de
letramento, uma vez que a maioria dos gêneros produzidos no decorrer dos encontros são
orais e as atividades são realizadas de forma coletiva. O assunto é abordado por uma ou mais
pessoas, as quais utilizam recursos semióticos, sonoros, apresentações em slides, entre
outros. Mas nem sempre essas tecnologias estiveram presentes, o que mostra que os eventos
vão se modificando ao longo do tempo para se adequar às novas realidades.
A presença da escrita como em outros eventos de letramento é evidenciada, todavia a
oralidade assume um papel relevante, já que nem todos os membros do grupo são
alfabetizados. Aos poucos os novatos vão se apropriando do discurso desse grupo. Nesses
eventos o estudo do texto não está atrelado aos padrões linguísticos formais, uma vez que a
maior preocupação das CEBs é a compreensão do texto de modo aprofundado, tentando
entender a mensagem principal, considerando o contexto e a função social do mesmo.
Os integrantes das CEBs produzem textos orais em vários gêneros a partir de textos escritos,
sem maiores preocupações com a classificação ou a identificação. Eles usam os gêneros de
texto para alcançar seus objetivos, não como objeto de ensino-aprendizagem, mas como
mediadores. Nesse ambiente, os gêneros são realmente formas de vida e modos de ser como
afirma Bazerman (2005).
Com base nos estudos realizados por Lêdo (2013), a qual se ancorou nos estudos
desenvolvidos por Hamilton (2000) e Dantas (2005), pode-se dizer que os elementos visíveis
e não visíveis possibilitam o reconhecimento das noções de práticas e eventos de letramentos.
Sendo assim, essas noções são fundamentais para utilizarmos de modo adequado os
conceitos de letramento no que se refere às análises e as descrições com o objetivo de
entender o letramento dos grupos de letramentos promovidos pelas CEBs são: os animadores
que têm como principal função partilhar com a comunidade as temáticas refletidas nos
encontros; os assessores,pessoas responsáveis pelas exposições e discussão de temas nos
encontros e os coordenadores que articulam, organizam, comunicam e acompanham as
comunidades por meio de visitas. O ambiente em que acontecem é o Recanto Franciscano,
casa de encontro que reúne grupos religiosos para encontros de formação. Os artefatos:
equipamento de som, Datashow, papéis, quadro e os textos que sempre mediam as
interações, podendo ser cantos, orações, textos bíblicos e outros que abordam temáticas que
envolvem questõessociais. As atividades que são desenvolvidas como: trabalho em grupo,
dinâmicas, plenárias, momentos de orações, entre outros.
Os elementos invisíveis que constituem as práticas de letramento nas CEBs são: o discurso
religioso em consonância com o discurso político que busca a transformação da sociedade
por meios de ações que garantam a dignidade humana, uma espiritualidade libertadora
fundamentada na opção preferencial pelos pobres e o caráter hierárquico que organiza as
relações de poder em que cada membro tem um papel definido, cada qual exercendo funções
específicas. Essa mesclagem que envolve o discurso religioso e o político não é aceita por
alguns membros da Igreja Católica, os quais argumentam que religião não deve ter nenhum
envolvimento com a política. Na realidade essas pessoas parecem não compreender que a
191
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
política não está limitada apenas à partidária e que as CEBs orientam suas ações a partir da
política do bem comum.
No que se refere à regulação das ações que envolvem as práticas, o assessoramento de um
encontro só é permitido àqueles que estão há mais tempo no grupo.Esse critério também
serve para a escolha dos membros para exercer funções na coordenação. Aos coordenadores
compete a organização dos encontros, a comunicação com o grupo que articula as CEBs no
Regional, a escolha de temáticas para discussão nos encontros que atendam às necessidades
do grupo e as visitasque devem ser feitas durante o ano às comunidades. Quanto aos
animadores, suas principais funçõessão: a participação nas atividades durante os encontros e
a realização das reuniões sugeridas pelos coordenadores nas comunidades de base.
Dando continuidade apresentaremos as considerações finais deste estudo, embora a pesquisa
ainda possa ser aprofundada em estudos futuros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo buscamos compreender as práticas e eventos de letramentos promovidos pelas
Comunidades Eclesiais de Base. A análise foi feita a partir dos gêneros que organizam esses
eventos, por reconhecermos que a maioria das práticas sociais, incluem os gêneros, que por
sua vez, permitem a realização das atividades de vários grupos e a inserção de indivíduos nos
eventos de letramento desses grupos. Tais eventos são mediados por gêneros (LÊDO, 2013).
A exposiçãooral,gênero mais evidenciado nesses eventos, tem grande relevância para o
desenvolvimento do letramento, porque permite que a discussão de temas amplie o senso
crítico dos participantes, para que estes saibam defender seus ideais. Pode-se dizer que os
membros das CEBs são letrados dentro da realidade em que vivem, visto que eles
compreendem e proferem o discurso do grupo, participando ativamente dos eventos desse
grupo.
As estratégias de letramentos evidenciadas no decorrer da observação participante, feita no
período dos eventos, demonstraram que a formação oferecida pelas Comunidades Eclesiais
de Base possibilita aos seus membros a aquisição do letramento crítico, de modo que essas
pessoas poderão analisar, como também desafiar as forças opressoras presentes na
sociedade.
Nos eventos de letramento das CEBs, os gêneros orais são os mais evidenciados, enquanto
outras instâncias de letramento, principalmente a escola, centralizam suas práticas nos
gêneros da modalidade escrita. Como foi percebido, os eventos de letramento das CEBs
assemelham-se de certa forma às da escola, no que se refere à utilização dos gêneros para
facilitar a aprendizagem. As CEBs objetivam fazer com que seus membros possam discutir
acerca das temáticas tratadas nesses gêneros, na tentativa de reconhecer sua função social,
bem como realizar ações por meio deles.

REFERÊNCIAS

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em linguística), Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2006.
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<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=313028473011> Acesso em: 02 jan. 2014 pp. 173-185.
DANTAS, D. Blogs como eventos de letramento. Anais eletrônicos do 15º Congresso de Leitura do Brasil,
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____________. Preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? São Paulo: Unicamp,
2005. Disponível em: <http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_ professor/arquivos5710.pdf
Acesso em: 11 nov. 2013.

192
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LÊDO, Amanda Cavalcante de Oliveira. Letramentos acadêmicos: práticas e eventos de letramentos na
educação à distância. 2013. 155 f. Dissertação (Mestrado em Linguística), Universidade Federal de Pernambuco.
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
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__________________. Oralidade e Letramento. In: MARCUSCHI, L. A. (Org.) Da fala para a escrita:
atividades de retextualização. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
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Disponível em:<http://www.scielo.br.php?pid=S0100-85872010000200002&script=sci_arttex&tlng=es> Acesso
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OLIVEIRA, Maria do Socorro. Gêneros textuais e letramento. Universidade do Rio Grande do Norte. RBLA, Belo
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em 20 fev. 2013

193
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
SÍNTESE BRASILEIRA DE GÊNEROS TEXTUAIS: O QUE REVELAM OS
ESTUDOS PIONEIROS EM LIVROS E NOS ANAIS DO SIGET

Ivanadyja Dafyni de Lima 66 (UPE)


Jeanine Barbosa da Silva 67 (UPE)

RESUMO: Atualmente, o estudo sobre gêneros tem se tornado comum e cada vez mais
conhecido e reconhecido por meio dos inúmeros estudos e pesquisas, não só desenvolvidas,
mas também publicadas na área. As questões que orientam este projeto apresentam
interesse não apenas teórico para o campo de estudo de gêneros, pois consideram a
centralidade do conceito de gêneros e sua repercussão no ensino de língua no país
contribuindo para que se perceba a complexidade do tema e a variedade de abordagens que
podem ser utilizadas para tratá-lo. Além de compreender o rumo dos estudos e da pesquisa
de gêneros no Brasil também pode contribuir para se colocar ao alcance dos docentes de
língua portuguesa diversas outras concepções teóricas e metodológicas para o ensino,
evitando que se tomem os PCN como uma espécie de caminho único para o tratamento do
assunto. Além disso, tivemos como objetivo, fazer um mapeamento dos estudos de gêneros
textuais no Brasil conforme apresentados em livros que foram publicados entre os anos de
2000 e 2010 e em artigos de pesquisadores vinculados à Universidade Federal de Santa
Maria-RS (UFSM), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).
Palavras-chave: Gêneros. Síntese Brasileira. Livros. Anais SIGET.

ABSTRACT: Currently genre studies have become commonplace and increasingly known
and recognized through numerous studies and research not only developed , but also
published in the area .The questions that guide this project are of interest not only to the field
of theoretical study of genre as it considers the centrality of the concept of genre and its
impact on language teaching in the country contributing to realize the complexity of the topic
and the selection of approaches that can be used to treat it in addition to understanding the
course of genre studies and research in Brazil can also help to put within the reach of
language teachers several other theoretical and methodological concepts for teaching
preventing to take the PCN as a kind of one way to treat the subject. Moreover , our objective
is mapping studies of textual genres in Brazil as presented in books that were published
between the years 2000 and 2010 and in articles by researchers from Federal University of
Santa Maria - RS ( UFSM ) , University Federal de Pernambuco (UFPE) and Federal
University of Santa Catarina ( UFSC) .
Keywords : Genres . Brazilian synthesis. Books .SIGET Proceedings.
INTRODUÇÃO
A pesquisa brasileira sobre gêneros textuais, divulgada mundialmente através dos livros que
abordam o tema, e do Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (SIGET) e
publicações deles derivadas, levou estudiosos norte-americanos a postularem, recentemente,
a existência de uma “síntese brasileira de gêneros”, configurada como uma espécie de nova
abordagem teórica, capaz de conciliar aportes de diferentes teorias estrangeiras com a ênfase
nacional no ensino de gêneros integrado ao ensino de língua portuguesa.
Os primeiros estudiosos a fazer isso foram Anis Bawarshi e Mary Jo Reiff em sua obra
Gênero: História, Teoria, Pesquisa e Ensino (2010). 68 De acordo com os autores, o modelo

66
Graduanda em Letras, bolsista do PIBIC/CNPq
Universidade de Pernambuco (UPE).
Campus Garanhuns.
[email protected]
² Graduanda em Letras, bolsista do PIBIC/CNPq
Universidade de Pernambuco (UPE).
Campus Garanhuns.
[email protected]

194
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
educacional brasileiro, no que diz respeito aos gêneros textuais, pode ser definido como “uma
abordagem pedagógica embasada na teoria do interacionismo sociodiscursivo na tradição
suíça de gêneros”. Ainda segundo Bawarshi & Reiff, “o modelo brasileiro combina um foco na
consciência de gênero, na análise de convenções linguísticas e na atenção ao contexto social”
(2010, p. 210).Entretanto, se, como Bawarshi & Reiff afirmam, “a síntese brasileira foi
dinamizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação” (2010, p.
5), não nos parece pertinente reduzir os estudos de gêneros realizados no Brasil à
preocupação com o ensino na educação básica nem com a abordagem teórica do
interacionismo sociodiscursivo. O ensino de gêneros, sobre gêneros ou através de gêneros
pode ser e é realizado com base nas diversas abordagens teóricas e visando a diferentes níveis
de ensino, inclusive o ensino superior e de pós-graduação.De modo que a ideia de uma
síntese brasileira nos estudos de gêneros textuais levanta algumas questões importantes:
existe realmente uma síntese brasileira? Se existe, de que natureza é essa síntese? Qual é o
papel do ensino na orientação dessa síntese? Que tipo de abordagem de estudos de gêneros
serve de base para a pesquisa no Brasil? Existe uma escola de gêneros predominante na
formulação de uma síntese brasileira? Quais são as principais contribuições dos estudos
brasileiros para uma teoria de gêneros mais abrangente?As questões que orientam este
projeto apresentam interesse não apenas teórico para o campo de estudo de gêneros.
Considerando a centralidade do conceito de gêneros e sua repercussão no ensino de língua no
país, trata-se de contribuir também para que se perceba a complexidade do tema e a
variedade de abordagens que podem ser utilizadas para tratá-lo. E, além disso, compreender
o rumo dos estudos e da pesquisa de gêneros no Brasil também pode contribuir para se
colocar ao alcance dos docentes de língua portuguesa diversas outras concepções teóricas e
metodológicas para o ensino, evitando que se tomem os PCN's como uma espécie de caminho
único para o tratamento do assunto. O artigo tem início com os procedimentos
metodológicos usados para a realização da pesquisa, logo depois traz as teorias relacionadas à
Linguística Sistêmico Funcional, Inglês para fins específicos e gêneros nas tradições retóricas
e sociológicas, além da análise dos artigos e livros selecionados e por fim as considerações
finais.

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa, de natureza bibliográfica, se apoiou na análise da produção teórica e aplicada no


campo dos estudos de gêneros realizados no Brasil, representada pela análise de capítulos de
livros publicados no país entre os anos de 2000 e 2010 e também por artigos apresentados no
SIGET e publicados nos anais.Para fins deste trabalho, considerando os principais centros
irradiadores dos estudos de gêneros no Brasil, em termos de distribuição geográfica, foram
definidos e analisados 3 livros que estão relacionados aos estudos sobre o tema. São eles:
Gêneros Textuais e Ensino (2002), Hipertexto e Gêneros Digitais (2004), Gêneros teorias,
Métodos, Debates (2005). Em relação aos artigos publicados nos anais, foram selecionados
15 deles, estes, assinados por pesquisadores das seguintes Universidades: Universidade
Federal de Santa Maria-RS (UFSM) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).Para a
análise dessas produções anteriormente citadas, serão levados em consideração
principalmente, as introduções, as referências bibliográficas e os abstracts, sem desprezar
quaisquer outras pistas que levem à identificação dos aportes teóricos adotados, bem como
de possíveis combinações teóricas que possam indicar uma tentativa de síntese.O diálogo, a
confrontação ou a combinação de teorias que foram identificados no decorrer das análises
consideram os principais autores de cada tendência bem como a referência explícita a esses
autores e às correspondentes escolas.

2. LINGUÍSTICA SISTÊMICO FUNCIONAL E LINGUÍSTICA DE CORPUS

68 Esse livro, citado aqui a partir do original,foi traduzido pelo Prof. Dr. Benedito Gomes Bezerra, orientador deste projeto, e

publicado pela Parábola Editorial em 2013.


195
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Como a própria definição da teoria sugere, a linguística sistêmico funcional (LSF) vem
trabalhar os gêneros com o propósito de fazer a junção exatamente do propósito social
(função social) do gênero, com o contexto que ele está inserido. Portanto:

o "funcional" diz respeito ao trabalho que a linguagem realiza dentro de


determinados contextos. O "sistêmico" diz respeito à estrutura ou organização da
linguagem de modo que possa ser usada para fazer determinadas coisas dentro
daqueles contextos. O"sistêmico", então, se refere aos "sistemas de escolhas"
disponíveis aos usuários da linguagem para a realização de sentido. (CHRISTIE,
1999, p, 759, itálico nosso). (p.47)

Esses estudos são atualmente aplicados tanto nas análises textuais, como também nos
estudos que dizem respeito aos ensinos de língua. Os estudiosos que fazem parte dessa
corrente teórica são Gunther Kress, Bill Cope, J. R. Martin, entre outros. Foram esses
teóricos citados anteriormente que aplicaram tais teorias ao estudo dos gêneros que,
influenciados, basearam grande partede seus estudos nas obras pioneiras de Michael
Halliday 69 da Universidade de Sidney, por isso, o fato, dessa corrente teórica também ser
conhecida como Escola de Sidney.Quando os estudos de Halliday se voltam para o propósito
social, é necessário observar tanto o "campo" onde a situação acontece, considerando dessa
forma o contexto, a "relação" entre os participantes no momento da interação, como também
o "modo" usado por tais participantes para realização das ações, levando-nos a observação
das "metafunções" da linguagem. São elas: ideacional, interpessoal e textual, se referindo,
respectivamente à representação linguística de ( quem está fazendo o quê, a quem, quando e
onde), (p. 26), a interação desses participantes e à relação dos mesmos.Já quando a teoria se
volta para a linguística histórica de corpus, vem contribuir mais especificamente tanto com o
ensino, quanto à pesquisa de gêneros, pois Hans-Jurgen Diller ampliou as análises das frases
para os textos, levando os mesmos a uma categorização mais abrangente nos estudos, sendo
estes dessa forma definidos por Longacre como:

o modo narrativo abrange gêneros como contos de fada, romances, contos e


reportagens jornalísticas; o modo Procedural inclui gêneros como receitas culinárias,
manuais de instrução etc,; o modo Comportamental inclui ensaios e artigos
científicos; e o modo Expositivo inclui sermões, preleções, discursos etc. (DILLER,
2001, p. 13). (56)

3. INGLÊS PARA FINS ESPECÍFICOS

Além de estabelecer uma relação intrínseca de aspectos linguísticos e retóricos, essa teoria
está inserida em uma categoria mais abrangente das línguas para fins específicos, focando
seus estudos nas variedade de um inglês que se volta para falantes não nativos do idioma, e
que usam contextos avançados, incluindo dessa forma estudos mais especializados em suas
análises. Podemos citar como exemplo o Inglês para Fins Acadêmicos, Inglês para fins
Profissionais e Inglês para fins Médicos.
No entanto, o foco desses estudos se dá tanto no inglês acadêmico e de pesquisa, como o uso
da análise desses gêneros para fins aplicados, fazendo com que as mesmas se aprofundem
também nos propósitos e efeitos comunicativos da língua em questão.
É interessante que a teoria do Inglês para fins Específicos em muito conversa com a
Linguística Sistêmico Funcional, pois

ambas partilham a concepção fundamental de que os traços linguísticos estão ligados


ao contexto e à função social. E ambas se orientam pelo imperativo pedagógico de

69
" A obra de Halliday não se concentra especificamente nos gêneros. Quando Halliday posiciona o gênero como
um modo ou conduto de comunicação, um dos meios textuais ou linguísticos disponíveis no registro, que ajuda
os participantes da comunicação a perceber o tipo de situação..." (1978, p. 113)
196
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
tornar visível para estudantes desfavorecidos as conexões entre língua e função social
incorporadas pelos gêneros ( BAWARSHI; REIFF, 2013, p.62).

No entanto, apesar dessas duas teorias apresentarem similaridades, há também distinções


entre elas. Podemos por exemplo citar o fato de que o público-alvo da aplicação é
diferenciado, pois enquanto o Inglês para fins Específicos (ESP) trabalha a aplicação em
contextos avançados, como já foi citado anteriormente, a Linguística Sistêmico funcional visa
crianças em idade escolar.
As análises mais recentes em ESP se iniciam a partir a identificação do gênero e logo em
seguida pelo propósito comunicativo que esse gênero irá desempenhar em dado contexto,
caracterizados em sua maioria pelos movimentos retóricos, além é claro de considerar o
contexto e a natureza dinâmica intertextual dos gêneros.

4.GÊNEROS NAS TRADIÇÕES RETÓRICAS E SOCIOLÓGICAS

A preocupação dessa teoria é saber como os gêneros capacitam os usuários da língua a fazer
estudos retóricos desempenhando e se relacionando nas ações e relações sócias. Da mesma
forma, se emprega para saber de que maneira os gêneros ajudam a reproduzir práticas e
realidades sociais, tendo em seu objetivo maior a compreensão dos contextos e o seu
desempenho. Assim afirma Bazerman, “O foco da análise de gêneros nos Estudos Retóricos
de Gêneros (ERG), dessa forma foi dirigido para a compreensão de como os gêneros
medeiam práticas, interações e realidades simbólicas situadas e “significados congruentes”
([2003] 2006, p. 117).Os Estudos Retóricos de Gêneros deram ênfase com a obra da nova
retórica quando estudou jeitos retóricos tipificados de agir em modos sociais, e como estes se
situavam socialmente. Em seu artigo “Gênero como ação social” ([1984] 2012),Carolyn Miller
fez relações entre as concepções retóricas da Retórica como ação simbólica e sociológica que
focava a tipificação retórica e social. Edwin Black e Lloyd Bitzer, no ano de 1960,
identificavam os gêneros como entidades conectadas a tipos de situação. As tradições
recorrentes é um reconhecimento que permite os retóricos investigar as estratégias habituais
que vêm a delinear amaneira de agir em situações semelhantes.
Para David Fleming (1998, p. 176) a retórica é: “a condição de nossa existência como um
modo de estar, conhecer, organizar e interagir no mundo”.

5. ANÁLISES

Inicialmente as análises vão se deter nas observações das introduções e referências, e


também serão levadas em consideração as referências bibliográficas presentes nessas
publicações e produções. Logo em seguida, cada capítulo e artigo será analisado mais
minuciosamente, ou seja, a análise será feita de forma mais aprofundada sobre como se dá a
presença das teorias, para a partir daí ser possível perceber quais teorias são mais difundidas
nas publicações brasileiras, além de identificar quais são as possíveis e mais relevantes
ligações e/ou misturas das mesmas.
Partindo para a análise propriamente dita, o livro Gêneros Textuais e Ensino, possui quinze
capítulos que são divididos em duas partes. A primeira delas é intitulada de "Suportes
Teóricos e Práticas de Ensino", e a segunda de "Gêneros textuais na mídia e ensino". Em um
primeiro momento de análise foi observado o sumário da obra em questão e os respectivos
títulos que, de cara já indicavam uma discussão dentro de algumas das teorias sobre gêneros
que foram definidas para o projeto.
Apenas através dessa observação inicial, foi percebido que dos oito capítulos presentes na
primeira parte, cinco deles possuem indícios claros quanto a presença das teoria já citadas
anteriormente. Já na parte seguinte, apenas um dos capítulos, dos sete presentes mostram
claramente essas abordagens.
Logo em seguida, foram observados os capítulos que inicialmente não apresentam o nome
"gêneros", propriamente dito, no entanto com uma observação mais atenta, foi possível
perceber que eles possuem sim traços das teorias selecionadas para o desenvolvimento da
197
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pesquisa. Foi possível perceber a presença de quatro desses capítulos, sendo um deles na
primeira parte e três na segunda parte. Já no livro Hipertexto e Gêneros Digitais , foram
observados os capítulos que já indicavam uma discussão sobre gêneros. São eles: "Gêneros
textuais emergentes no contexto da tecnologia digital" de Luiz Antônio Marcuschi, "E-mail:
um novo gênero textual", de Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva e "A conversa na web: o
estudo da transmutação em um gênero textual" de Júlio César Rosa de Araújo.
É relevante observar que apenas um terço da obra apresenta de forma clara, a questão
voltada para os gêneros.
Outro ponto de relevância inicial foi a observação das referências bibliográficas presentes no
fim da obra que indicaram duas fortes presenças das teorias selecionadas para a pesquisa.
Dentre elas, percebemos um dos trabalhos de JohnSwales intitulado "Genre Analysis. English
in academic and research settings", (Análise Gênero. Inglês em ambientes acadêmicos e de
pesquisas ) 70, apresentando supostos indícios que teríamos presentes nas análises algumas
das tendências do estudo do ESP "Inglês para Fins Especificos".A outra referência é de
Halliday, do trabalho que tem como título "Language as Social Semiotic. The social
interpretacion of language and meaning." (A linguagem como semiótica social. A
interpretação social da linguagem e do significado), indicando a presença de análises
baseadas na LSF (Linguística Sistêmico Funcional) 71.
Em se tratando do livro Gêneros teorias, métodos e debates, ele é dividido em três partes,
sendo a primeira "Abordagens Sócio-Semióticas" com cinco capítulos, a segunda
"Abordagens Sócio-Retóricas" com apenas dois, e a terceira parte "Abordagens Sócio-
Discursivas" com cinco capítulos. Foi possível perceber que antes mesmo da análise
minuciosa, e apenas a partir das observações de cada um dos títulos presentes no sumário,
todos os doze capítulos da obra possuem uma indicação aberta sobre as abordagens de
gêneros.
Para demonstrar a presença das teorias presentes nessas publicações, foram selecionados
alguns recortes dos livros selecionados. São eles: O capítulo intitulado "Gêneros discursivos e
ensino de língua inglesa" que está no livro " Gêneros Textuais e Ensino". Nesse capítulo,
podemos perceber a presença do ESP (Inglês para Fins Específicos), não de forma superficial
e sim de forma prática. O autor em suas análises, fez uso de estratégias dinâmicas e
intertextuais para solicitar aos seus alunos produções que fossem ao mesmo tempo familiar e
complexas. Por exemplo, foi solicitado que os alunos produzissem cartões postais, slogans e
cartas formais na língua não nativa. No caso, em inglês.
Portanto, " todos esses aspectos devem ser aprendidos mediante práticas sociais que
desenvolvam as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de aprendizagem".
(Pág.56).
Na análise do livro Gêneros teorias, métodos e debates, o recorte se deu no capítulo
intitulado "A Proposta Sócio-Retórica de John M. Swales Para o Estudo de Gêneros
Textuais". Fazendo a relação das teorias já citadas, podemos perceber que as autoras do
capítulo fazem o diálogo das teorias de Swales, juntamente com a discussão sobre gênero a
partir da Linguística Sistêmico Funcional (LSF) que visa a interação da função e do sistema.
Além disso, também há o diálogo entre as ideias de Swales com Martin que analisa os gêneros
e afirma que "realizam propósitos sociais e observa que a realização de um gênero se faz
através do discurso e por isso a análise de estruturas discursivas se integra na abordagem dos
estudos dos gêneros". (pág.112), sem deixar de levar em consideração os estudos da retórica e
a necessidade de não apenas perceber a forma discursiva do gênero, "mas em vez disso, a
ação social realizada pelo gênero" (MILLER, p. 113)
Quando as análises se voltam para os artigos, primeiramente as análises serão feitas a partir
das observações nos abstracts. Dando continuidade ao procedimento, serão analisadas mais
detalhadamente as introduções e as referências bibliográficas, sem desprezar quaisquer
outras pistas que levem à identificação dos aportes teóricos adotados, bem como de possíveis
combinações teóricas que possam indicar uma tentativa de síntese.Com o objetivo de facilitar

70
Tradução realizada pela aluna Ivanadyja Dafyni de Lima, orientanda deste projeto.
71
Tradução realizada pela aluna Ivanadyja Dafyni de Lima, orientanda deste projeto.
198
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
a leitura desta análise para busca de informações, foram selecionados em um primeiro
momento artigos de pesquisadores da UFSM no IV SIGET, da UFSC no V SIGET e da UFPE
no VI SIGET respectivamente, os quais possuem indícios claros de que tratam de tais teorias
citadas anteriormente. Nas figuras 1 é possível observar um diálogo de teorias entre os
estudos retóricos, sociológicos e a LSF, focalizando nos aspectos da linguagem para a análise
de gêneros textuais, onde sabe-se que é por intermédio da linguagem que se organiza a
maioria das ações humanas, uma vez que são identificáveis as falas os autores que se filiam
em uma mesma perspectiva.
Exemplo 1: Recortes do artigo: Acusação e defesa: A função ideacional da linguagem no
gênero alegações finais. 72

Disponível em: http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/eventos/cd/index1.htm

Nas figuras 2, apresenta–se uma combinação entre os teoricos Marcuschi e Bazerman para a
definição de gêneros textuais no ensino de línguas em funcionamento nas comunidades de
fala e em seus falantes pela grande variedade e diversidade linguística .
Exemplo 2 : Recortes do artigo: Livro didático de português para estrangeiros: Um gênero
textual. 73

72
Produzido por Cristiane FUZER e Nina Célia BARROS, UFSM.
73
Produzido por Fabrícia CAVICHIOLI, Cândida Martins PINTO e Marcos Gustavo RICHTER, UFSM.
199
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Disponível em:
http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/eventos/cd/index1.htm
Na figura que segue, mostra-se uma fala de Bakhtin por Rodrigues (2005) sobre a noção de tipificação
denominando os gêneros do discurso para situar os estudos que se relacionam com os gêneros textuais.
Exemplo 3: recortes do artigo: A elaboração didática em uma abordagem de gêneros: Análise
de planejamentos de ensino de língua portuguesa74

Disponível em: http://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/textos_autor

As figuras abaixo se referem a uma noção sobre gênero textual e sua importância dentro da
comunidade em que circulam e como ele foi identificado por Swales, em seguida apresenta-se
uma ampliação da mesma teoria por Bhatia, destacando a realização dos propósitos
atentando como não são pertencentes ao gênero.
Exemplo 4: Recortes do artigo: Produção e recepção de gêneros acadêmicos: Dificuldades
encontradas por alunos de EAD 75

Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/visiget/

74
Produzido por Simone Lesnhak KRUGER, UFSC
75
Produzido por Amanda C. de O. Lêdo, UFPE.
200
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de um recorte de uma pesquisa maior, a análise se deteve em apenas 15 artigos,
e a análise referente às publicações dos três livros selecionados, foi possível serem expostas
as observações feitas apenas de quatro dos artigos selecionados, como também de apenas
quatro dos capítulos dos livros anteriormente citados. Para essa escolha, observamos por
exemplo as teorias que mais conversavam entre si, assim como as possíveis formações que
indicassem as filiações, assim como as combinações entre as teorias. Concluindo, foi
plausível observar uma tentativa de síntese entre os diálogos e combinações das teorias
abordadas pelas correspondentes escolas, sobre os mais variados gêneros.

REFERÊNCIAS
BAWARSHI, A. S. ; REIFF, M. J. Gênero História, Teoria, Pesquisa, Ensino. São Paulo: Parábola, 2013.
CAVICHIOLI, Fabricia; PINTO, Cândida Martins; RICHTER, Marcos Gustavo. Livro didático de português para
estrangeiros: Um gênero textual. Disponível
em:http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/eventos/cd/index1.htm Acesso em: 02 des. 2013.
DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Gêneros textuais e ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
FUZER, Cristiane. Acusação e defesa: A função ideacional da linguagem no gênero alegações finais.Disponível em:
http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/eventos/cd/index1.htm. Acesso em: 02 des. 2013.
KRUGER, Simone Lesnhak. A elaboração didática em uma abordagem de gêneros: Análise de planejamentos de
ensino de língua portuguesa. Disponível em:
http://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/textos_autor Acesso em: 02 des. 2013.
LÊDO, Amanda C. de O. Produção e recepção de gêneros acadêmicos: Dificuldades encontradas por alunos de
EAD. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/visiget/ Acesso em: 02 des. 2013.
MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (Org.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros teorias, métodos, debates. Rio de Janeiro:
Parábola, 2005.

201
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
REFLETINDO SOBRE A ABORDAGEM DO POEMA DE CORDEL EM UM
MANUAL DO 6º ANO

Márcia Cassiana Rodrigues da Silva¹


Monaliza Mikaela carneiro²
Drª Márcia Tavares³

RESUMO: A poesia popular, enquanto literatura oral já existe há mais de 3.500 anos. No Brasil o
cordel chegou, trazido de Portugal, onde era vendido como "folhas soltas", mas foi com o poeta
Leandro Gomes de Barros que ele ganhou celebridade e passou a ser comercializado em folheto na
forma como conhecemos hoje. A literatura de cordel é um Patrimônio do Povo paraibano, nordestino e
brasileiro que só se transformará em uma cultura conhecida e divulgada a partir do momento em que
as escolas passarem a estimular o seu uso, adotando o hábito da leitura e conscientizando a todos da
real necessidade de se preservar o cordel enquanto saber cultural. Acreditamos que estas devem
incentivar e promover o trabalho com cordéis em sala de aula, mas sabemos que isto não é uma tarefa
fácil tendo em vista que os livros didáticos têm assumido certa importância dentro da prática de
ensino, sendo este instrumento de ensino-aprendizagem quem determina conteúdos e condiciona
estratégias. Partindo deste pressuposto nossa pesquisa consistirá em analisar um livro didático do 6°
ano do ensino fundamental, a fim de investigar qual o lugar dedicado à poesia popular neste manual,
verificando as propostas de atividades e como estão sendo desenvolvidos os conteúdos referentes à
abordagem do cordel no contexto escolar. Verificaremos ainda se o manual está em consonância com
as propostas dos PCNs de Língua portuguesa (1997). Fundamentaremos nossas discursões acerca da
tipologia de perguntas em Marcuschi (1998) e o ensino de poemas em sala de aula em Pinheiro
(2003,2007).

PALAVRAS-CHAVES: Poesia popular; Livro didático; ensino.

ABSTRACT: The popular poetry as oral literature has existed for over 3,500 years . In Brazil the line
came , brought from Portugal , where it was sold as " loose leaf " , but it was with the poet Leandro
Gomes de Barros he gained celebrity and has been marketed in the brochure as
we know it today. The Cordel literature is a Heritage People of Paraíba , northeastern Brazil , and that
just turns into a culture known and publicized from the moment that the schools spend to stimulate its
use , adopting the habit of reading and aware of all real need to preserve the line as cultural knowledge
. We believe these should encourage and promote the
work with strings in the classroom , but we know that this is not an easy task considering that the
textbooks have assumed some importance in the practice of teaching , which is a teaching - learning
who determines content and determines strategies. Under this assumption our research is to examine
a textbook of 6th grade of elementary school , to investigate what place dedicated to folk poetry in this
manual , checking the proposed activities and how the contents are being developed regarding the
approach of the twine in the school context . Also verify if the manual is in line with the proposals of
the PCNs Portuguese Language (1997 ) . Will base our discursões about the typology of questions in
Marcuschi (1998) and the teaching of poetry in the classroom in Pinheiro (2003,2007).

KEYWORDS : Folk Poetry ; Textbooks; education.


____________________________
¹ Graduanda pela Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande-PB
[email protected]
² Graduanda pela Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande- PB
[email protected]
³ Doutora pela Universidade Federal da Paraíba- PB, atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de
Campina Grande, Campina Grande-PB
[email protected]

INTRODUÇÃO

Ensinar é uma arte. Hoje, o professor precisa dominar muito bem seu ofício, desenvolver
determinadas habilidades. A sociedade atual oferece uma diversidade de ferramentas ou
recursos didáticos audiovisuais aos educadores, uma variedade de linguagens como o cinema,

202
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
a TV, a fotografia, a música, por exemplo. Ademais, oferece outros tipos de linguagens como
o jornal (impresso), revistas e todo tipo de literatura, em prosa e verso. Dentre os tipos de
linguagem literária, destacamos a literatura de cordel, objeto de análise do presente artigo,
que, a nosso ver, é muito pouco utilizada na sala de aula, mesmo no Nordeste, apesar de
possuir uma riqueza imensa, tanto poética quanto documental.
A literatura de cordel é um Patrimônio do povo paraibano, nordestino e brasileiro que só se
transformará em uma cultura conhecida e divulgada a partir do momento em que as escolas
passarem a estimular o seu uso, adotando o hábito da leitura e conscientizando a todos da
real necessidade de se preservar o cordel enquanto saber cultural. Acreditamos que estas
devem incentivar e promover o trabalho com cordéis em sala de aula, mas sabemos que isto
não é uma tarefa fácil tendo em vista que os livros didáticos têm assumido certa importância
dentro da prática de ensino, sendo este instrumento de ensino-aprendizagem quem
determina conteúdos e condiciona estratégias. Partindo deste pressuposto nossa pesquisa
consistirá em analisar um livro didático do 6° ano do ensino fundamental Intitulado
Universos: Língua Portuguesa, a fim de investigar qual o lugar dedicado à poesia popular
neste manual, verificando as propostas de atividades e como estão sendo desenvolvidos os
conteúdos referentes à abordagem do cordel no contexto escolar.
Sabemos que são antigas as reclamações sobre a utilização de poemas em manuais escolares
no Brasil. As razões destas reclamações ontem e hoje são bem diferentes, se por um lado, hoje
os manuais não ostentam um número significativo de poemas de caráter moralista, presos a
ensinamentos de boas condutas, por outro, os poemas ainda não foram vistos como um valor
em si. Enquanto não se compreender que a poesia tem um valor, que não se trata apenas de
um joguinho de palavras, ela continuará a ser tratada como gênero menor e, pior ainda,
continuará a ser um dos gêneros literários menos apreciados no espaço escolar. Logo, é de
grande relevância analisamos manuais escolares, uma vez que proporcionará constatamos se
existe ou não mudança no modo como os poemas, neste trabalho especificamente os poemas
de cordéis, são explorados em manuais escolares.
Para as discursões sobre o ensino de poemas em sala de aula recorreremos aos pressupostos
teóricos de Pinheiro (2003,2007), entre outros e sobre as tipologias de perguntas nos
basearemos nos estudos de Marcuschi (2008).
Este trabalho está organizado em cinco partes, além desta introdução. Inicialmente
apresentaremos uma breve contextualização do surgimento da literatura de cordel,
principalmente no Brasil. Na sequência abordaremos alguns aspectos da abordagem da
literatura de cordel em sala de aula. Logo após será exposto as tipologias de perguntas de
compreensão textual. Dando continuidade apesentaremos a análise do LDP no que se refere
ao trabalho com poemas de cordéis. Por último, faremos nossas considerações finais sobre
tudo o que foi exposto no presente trabalho.

1. LITERATURA DE CORDEL: ASPECTOS HISTÓRICOS

Não há precisão da data em que se iniciou a Literatura de Cordel, em buscas feitas encontrou-
se uma grande disparidade entre as datas, uns adotam o século XII, como relata a
reportagem do jornal Mundo Lusíadas, por Costa Filho de 02/Abril/2007.

A “Literatura de Cordel” vem de Portugal, começou ai por volta de inicio do século


XVII (século 17), mesmo porque, a poesia é eterna, vem da alma dos poetas, dos
declamadores, dos cancioneiros e temos notícias já do século XII (século 12), quando
ainda falava-se o português arcaico, de poesias que ficaram gravadas para a
posterioridade, como do poeta dessa data: João Rodrigues de Castelo Branco (COSTA
FILHO, 2007, on line).

A literatura de cordel, narrativa poética construída em versos tem sua origem na oralidade,
uma vez que é através das narrativas orais, contos e cantorias que surgiram os primeiro
folhetos de cordéis, tendo a métrica, o ritmo e a rima como seus elementos formais e
essencialmente marcantes dessa literatura.

203
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A literatura de cordel foi trazida para o Brasil pelos portugueses, no século XVII. Em terras
brasileiras, desenvolveu se na região Nordeste, onde surgiram as primeiras tipografias no
final do século XIX. Os pioneiros nesse tipo de expressão poética foram Leandro Gomes de
Barros, Francisco das Chagas e João Martins de Athayde, principais nomes da primeira
metade do século XX. No entanto, é bom lembrar que a produção da literatura popular
brasileira no foi denominada de literatura de cordel, e sim, de folhetos. Esse tipo de poesia
denominada pelos próprios poetas como folhetos também era chamada de “romance” ou
“livrinho”. É só a partir da década de 70 que alguns estudiosos começaram a chama-la de
Literatura de Cordel.

2. LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA

Rasgar as amarras do preconceito faz parte da construção da educação, e é rompendo com o


padrão de ensino de leitura que surge a “figura” da Literatura de Cordel na sala de aula como
incentivo à leitura, em um mundo cada vez menor e alunos cercados de tecnologia, faz-se
necessário lançar mão de artifícios para atrair a atenção dos alunos para a leitura, visando à
necessidade de promover o desenvolvimento pelo prazer de ler, os incitando a ter uma
aproximação maior com os livros, usando o Cordel como ponto de partida para causar
interesse pela busca de novos tipos literários.
Segundo Hélder Pinheiro e Ana Cristina Lúcio (2001, p. 81) ao trabalhar com literatura
popular em sala de aula é importante “recolher dos próprios alunos relatos de vivências,
experiências deles conhecidas, e, ao mesmo tempo, partir das obras – os folhetos – e penetrar
em questões que lá estão penetradas”. Entendemos que, ao observar o caráter denotativo dos
folhetos de cordéis podemos efetivar um diálogo entre a Literatura Popular e a realidade
vivenciada por alunos e professores, que se concretizará através de um ensino de literatura
por meio de uma abordagem contextualizada, através do cordel. Pinheiro (2003) destaca que
ao trabalhar com poema é de grande importância à realização da leitura oral do poema, uma
questão que segundo o autor não é levantada nos manuais escolares, pois não se trata de uma
tarefa simples. De acordo com Pinheiro (2003, p. 64):
Embora o valor atribuído à realização da oral do poema não seja consenso entre os
estudiosos da poesia, acredito que uma leitura expressiva, que realce, por exemplo, o
ritmo, a sonoridade e andamento do poema é um instrumento didático pedagógico da
maior importância para cativar o encantar o leitor.

Pinheiro (2006, p.106-107) também chama a atenção para o fato dos livros didáticos de
português apresentarem poucas quantidades de textos literários, principalmente ao que se
refere ao gênero lírico. Muita fragmentação e sempre relacionam o texto literário a um estilo
de época (livros do ensino médio), engessando a obra, poucas referências bibliográficas e uso
das figuras de linguagens. Ainda segundo o autor (op.cit., p.107) é importante destaca:

(...) como os livros didáticos são, em sua totalidade, escritos no eixo Rio-São Paulo, os
autores não priorizam autores contemporâneos de outras regiões do país. Não
conheço nenhum livro didático do ensino médio que trabalhe com literatura de
cordel, para ficarmos num dos gêneros da literatura popular. Autor como Leandro
Gomes de Barros, por exemplo, é um ilustre desconhecidos dos alunos e professores,
uma vez que não está no cânon.

No ensino fundamental a história não é diferente, pois no seu currículo não há unidades
especificas sobre a leitura literária e, mais particularmente, sobre o trabalho com o poema.
Nos LDP destinados ao terceiro e quarto circulo do ensino fundamental, a presença de
poemas é uma constante, mas o modo como são utilizados apresenta problemas sérios. Há
problemas relativos à qualidade estética dos textos, à adequação ao leitor a que se destina e,
sobretudo, ao modo de abordagem. O problema de escolha dos poemas, no plano geral das
obras, está ligado aos núcleos temáticos, à possibilidade de maior exploração de aspectos
gramaticais, interpretação textual e sugestões de criação. Portanto, a seleção dos poemas
muitas vezes obedece a critérios que passam longe do valor estético. O ludismo sonoro, por

204
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
exemplo, um atrativo para leitores mais jovens (e para qualquer leitor), quase nunca preside
estas escolhas.

3. TIPOLOGIAS DAS PERGUNTAS DE COMPREENSÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS


Embora hoje se tenha uma maior consciência de que a compreensão não é um simples ato de
extração de informações de textos por meio da leitura superficial, ainda persiste com
frequência nos LDP/manuais escolares atuais atividade de leitura superficial. Tudo indica
que esta questão esteja ligada a falta de reflexão em sala de aula, pois o “trabalho com a
compreensão dentro de um paradigma que se ocupa com a interpretação e análise mais
aprofundada exige que se reflita e discuta o tema e isto não é uma pratica comum em sala de
aula” (MARCUSCHI, 2008, p.270).
Marcuschi (op.cit) ao fazer análise dos exercícios de compreensão nos livros didáticos
desenvolveu uma tipologia de perguntas. Os tipos de perguntas localizados nos exercícios de
compreensão dos LDP analisados foram identificados a partir das estratégias que utilizavam.
Ao fazer esta análise Marcuschi (op.cit., p.271-272) desenvolveu um quadro com nove tipos
de perguntas encontradas nos LDP. Sobre os tipos de perguntas e suas definições
apresentamos a seguir a tabela desenvolvida pelo autor:
Tipos de Perguntas Explicação dos Tipos Exemplos
São perguntas não muito Ligue:
A cor do cavalo branco de frequente e de perspicácia, Lilian - Não preciso falar
Napoleão mínima sendo já auto sobre o que aconteceu.
respondido pela própria Mamãe – Mamãe desculpe,
formulação. eu menti para você.
São as perguntas que
sugerem atividades - Copie a fala do trabalhador.
mecânicas de transcrição de - Retire do texto a fala que...
Cópias frases ou palavras. Verbos - Complete de acordo com o
frequentes aqui são: copie, texto.
retire, aponte, indique,
transcreva, complete,
assinale, identifique etc.
São as perguntas que
indagam sobre conteúdos -Quem comprou a meia azul?
objetivamente inscritos no -O que ela faz todos os dias?
Objetivas texto (o que, quem, quando, -Assinale com x a resposta
como, onde...) numa certa.
atividade de pura
decodificação. A resposta
acha-se centrada só no texto.
Estas perguntas são as mais
complexas, pois exigem
conhecimentos textuais e -A donzela do conto de
Inferenciais outros, sejam eles pessoais, Veríssimo costumava ir à
contextuais, enciclopédicos, praia ou não?
bem como regras inferenciais
e análise crítica para busca
de resposta.
São as perguntas que levam
em contra o texto como um -Qual a moral dessa história?
Globais todo e aspectos extratextuais, -Que outro título você daria?
envolvendo processos
inferenciais complexos.
Estas perguntas em geral
têm a ver com o texto de -Qual a sua opinião sobre...?
maneira apenas superficial, Justifique.
205
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Subjetivas sendo que a resposta fica por -O que você acha do...?
conta do aluno e não há Justifique.
como testá-la em sua
validade. A justificativa tem
um caráter apenas externo.
São as perguntas que
indagam sobre questões que
admitem qualquer resposta,
não havendo a possiblidade
de que se equivocar. A -De que passagem do texto
Vale-Tudo ligação com o texto é apenas você mais gostou?
um pretexto sem base -Você concorda com o título?
alguma para a resposta.
Distinguem-se das subjetivas
por não exigirem nenhum
tipo de justificativa ou
relação textual.
Estas perguntas exigem
conhecimentos externos ao -Dê um exemplo de
texto e só pode ser pleonasmo vicioso (não
Impossíveis respondidas com base em haverá pleonasmo no texto e
conhecimentos isso não fora explicado na
enciclopédicos. São questões lição).
antípodas às de cópia e às
objetivas.

São as perguntas que


indagam sobre as questões -Quantos parágrafos tem o
formais geralmente da texto?
Metalinguísticas estrutura do texto ou do -Quantos versos tem o
léxico, bem como de partes poema?
textuais. Aqui se situam as -Numere os parágrafos do
perguntas que levam o aluno texto?
a copiar vocábulo e depois
identificar qual o significado
que mais se adapta ao texto.

4. A LITERATURA DE CORDEL NO LDP DO 6° ANO


Neste tópico inicialmente apresentaremos uma breve contextualização do Livro didático,
Universos: Língua Portuguesa, a fim de situar os nossos leitores do modo como a referida
obra está organizada, na sequência expomos nossa análise do LDP analisado.
4.1. CONTEXTUALIZADO O LDP
O livro didático Universos: Língua Portuguesa é uma obra concebida coletivamente e
desenvolvida e produzida por edições SM tendo como editor responsável Rogério de Araújo
Ramos. Este LDP está organizado em quatro unidades, cada uma contendo três capítulos.
Cada capítulo trabalha com um gênero textual voltado para o tema central da unidade,
percebemos com isto que o livro didático apresenta uma das orientações proposta pelos PCN-
trabalhar com gênero textual.
Com relação ao trabalho com poemas, encontramos apenas o terceiro capítulo da primeira
unidade intitulado “Poemas ao vento/cordel” que propõe o trabalho com poemas no gênero
Cordel. Neste capítulo encontramos um total de três poemas, sendo: dois poemas na íntegra
“Pedro Malasartes e a sopa de pedra” e “Patativa do Assaré: Vida e obra do poeta do povo” e
um incompleto “Seu Lunga: o rei do mau humor”.
Os referidos poemas encontram-se distribuídos da seguinte maneira: o primeiro poema de
cordel “Pedro Malasartes e a sopa de pedra” está localizada no início do capítulo três, logo
206
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
após as orientações referentes a postura de como ler um cordel em público. Em seguida,
temos dois exercícios, o primeiro exercício é de interpretação do texto e o segundo exercício é
voltado para análise linguística.

4.2. ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO


Neste trabalho analisaremos como o trabalho didático organiza o conteúdo destinado ao
trabalho com os poemas de Cordel. Para a análise do LDP retomo uma ampla pesquisa
realizada por Pereira e Silva (apud DIONÍSIO & BEZERRA, 2003, p.64). As referidas autoras
após analisar várias coleções de livros didáticos agruparam os modos de abordagem em três
núcleos: 1°) “Estudo de textos”, em que apontam o modo como os poemas são interpretados;
2°) “Vamos praticar”, em mostrar o uso do poema como pretexto para estudo gramatical; 3°)
“Criando e compondo”, em que o poema aparece como estímulo para a produção escrita.
O capítulo é iniciado com uma breve descrição sobre como surgiu o cordel, atentando para
histórias que possam de geração em geração por intermédio da oralidade, ou seja, do boca a
boca. Em seguida, é aberto um tópico intitulado “Antes da leitura”, o qual é introduzido por
meio de uma xilogravura, imagens utilizadas na ilustração dos poemas de cordéis, e de
questionamentos que devem ser respondidos oralmente a respeito da xilogravura. Após uma
rápida contextualização sobre como surgiram os poemas de cordel é aberto um novo tópico
“Durante a leitura” este, apresenta informações de como os cordéis são recitados e em quais
lugares são mais comuns encontramos alguém recitando esses textos. Partindo dessas
informações, são expostas algumas orientações que ajudam a realizar a leitura de um cordel
de forma expressiva. Transcrevo abaixo as orientações que o LDP oferece:
(1)
Veja como prepara uma leitura.
- Leia o texto, procurando torna-lo compreensível para você e para os ouvintes.
- Use entonações diferentes para que o texto não fique cansativo e monótono.
-Enfatize, pela entonação, uma palavra ou expressão, de acordo com o efeito de sentido que você
queira produzir em seu ouvinte.
- Pronuncie todas as palavras de forma clara.
- Planeje as pausas, que devem respeitar a pontuação, para que você possa respirar e ganhar fôlego,
assim como controlar o ritmo da leitura.
- Evite postura curvada, cabeça baixa e mão na boca.
- Faça uma leitura expressiva, indicando o sentido emocional dos versos. Por exemplo, se eles
expressam tristezas e sofrimento, o tom de sua voz deve ser triste (ou seja, não leia de maneira
entusiasmada, como se estivesse falando de coisas boas e alegres).
(RAMOS, 2012, p. 43)
Neste tópico “Durante a leitura” que traz sugestões para a realização da leitura oral de um
cordel observamos um ponto que segundo Pinheiro (2003) é pouco abordado nos LDP, a
valorização da leitura oral do poema uma tarefa não muito simples, mas que é preciso
praticar em sala de aula.
O terceiro tópico “Leitura” é aberto com a proposta de leitura do cordel “Pedro Malasartes e a
sopa de pedras”. Observamos que este cordel é extenso, seu conteúdo é exposto em quatro
páginas. Não acreditamos estar inadequado utilizar o cordel na integra, mas não houve uma
preparação anterior, no que diz respeito à leitura de outros cordéis, os alunos iniciarão o
período da leitura com um texto muito longo, e considerando que são alunos do 6° ano com
faixa etária entre dez e doze anos seja pouco provável que aceitem com facilidade textos
muito longo. O trabalho com esse texto acontece por meio de exercícios de interpretação e
exercícios gramaticais. Nos exercícios de interpretação, constatamos que algumas questões
não requerem muito esforços dos alunos para respondê-las. Para comprovar o que acabamos
de afirmar transcrevo a algumas questões da atividade:
(2)
1) Para começar, responda: Quem ganhou a aposta? Você estava certo sobre o final da
história?
2) Como o vencedor ganhou a aposta?
5) Observe o significado de algumas palavras e expressões do texto:
Pixote Menino novo

207
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Danada Levado, esperto
Peraltice Esperteza, molecagem
Peripécias Aventuras
Trapaceiro Individuo que faz trapaças, que engana
Zombateiro/Zombeteira Individuo que zomba, que faz gozação
Cambio de mocotó Perna fina
Cabeça de Sarapó Cabeça pequena
Tranquinairo Individuo que faz trambiques, malandro
Contar lorota Falar mentira
Mofino Medroso, covarde
Matreiro Esperto, astuto, experiente
Engambelar/engabelar Enganar individuo que não tem vergonha
Cara de pau Indivíduo que não tem vergonha
Cara de janota Aparência de bom moço, de pessoa
inofensiva

a) Esses termos estão relacionados a que personagem?


b) Que termos se referem a características físicas da personagem?
c) Quais termos se referem a características de comportamentos?
d) Que termos indicam ações da personagem?
e) O conjunto de palavras da uma ideia positiva ou negativa da personagem? Justifique.
(RAMOS, 2012, p. 48)

Observe que em nenhum momento há sugestão de apreciação do poema de um ponto de um


ponto de vista mais lúdico- não esqueçamos que são alunos do 6° ano; em nenhum momento
tocou-se na fantasia poética de que está investido o poema. As questões um e dois são
perguntas apenas de decodificação, uma vez que os alunos precisam apenas localizar no texto
fragmentos que respondam a pergunta. Este tipo de pergunta Marcuschi (2008) classifica
como sendo uma pergunta “Objetiva” já que são perguntas que indagam sobre conteúdos
objetivamente transcritos no texto. Com relação à quinta questão é preciso apenas que os
alunos leiam os significados das palavras e associem ao personagem da história, farão apenas
o copia e cola. Nada, portanto, de apreciação do poema - suas imagens, seu ritmo e seu
caráter social e até mesmo o contexto em que foi escrito.
Com relação ao segundo núcleo, “Vamos praticar”, apresentados por Pereira e Silva (op.cit)
podemos identifica-lo no LDP no tópico “oficina de texto” que é destinado à preparação e
produção de um cordel. Para isto é apresentado um questionário que os alunos precisam
pesquisar para ajudar na produção. Transcrevo na sequência algumas questões do
questionário:

(3)
Preparação de conteúdos
Você e usa dupla devem fazer um levantamento de informações sobre a vida da
personalidade que escolheram.
1.Vá biblioteca da escola para pesquisar informações em livros e revistas especializados. Por
exemplo, se a personalidade escolhida é um piloto de corrida, procure por revista de
automobilismo ou de prática esportivas.
(...)
3.Selecione as informações mais importantes. Veja alguns exemplos.
a) Onde e quando nasceu o homenageado.
b) Como foi a trajetória dele para alcançar o reconhecimento público e quais foram as
dificuldades enfrentadas nesse percurso.
...
e) Acontecimentos marcantes na vida da personalidade.
f) Se for escrito ou cantor, nome ou trechos de textos ou músicas importantes.
g) Se já faleceu, quando e como morreu.
208
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A primeira produção
Escreva, com o colega, a primeira versão do seu cordel. Utilize as informações que você
pesquisou, mas sem copia-las. Não esqueça de que o texto deve ser escrito em versos.
(RAMOS, 2012, p. 53)

Neste exemplo retirado do LDP analisado podemos constatar a presença do gênero poema
como pretexto para produção escrita, no entanto não é oferecida aos alunos nenhuma
informação de como deve ser a escrita de um poema de cordel, uma vez que o questionário
permitirá aos alunos apenas obter informações sobre o personagem que ira ser homenageado
no texto.
Sobre a utilização de poemas para o estudo gramatical não encontramos exercícios que
explorar a gramática “pura”, mas sim exercícios que são aplicados com o pretexto de
intensificar a reconstrução dos sentidos do texto a partir da gramática, como por exemplo no
tópico “A gramática na reconstrução dos sentidos do texto” que é acompanhado de um
questionário do qual transcrevo a seguir algumas questões:
(4)
1. Segundo o texto, Malasartes “passava todos para trás”.
a) Se você pedisse ao colega sentado à sua frente para “passar a borracha para trás”, qual
seria o significado dessa expressão?
b) Se você dissesse que foi passado para trás ao comprar um produto com defeito, qual seria o
significado da expressão?
c) Qual dos dois sentidos da expressão você acha que seria mais difícil de traduzir para outra
língua? Por quê?
3. Por que o texto tem muitas expressões idiomáticas?
(RAMOS, 2012, p. 50)

Não acredito que esse modelo de questão consiga intensificar o encantamento pelo poema,
que deveria ser o objeto do roteiro de aproveitamento, entretanto só pelo fato de não
trabalhar com poemas questões de ordem puramente gramatical, mas o sentido de
expressões no texto os autores do LDP já estão de parabéns. Com relação a classificação das
perguntas segundo a tipologia de Marcuschi (2008) podemos classificar as letras a e b da
primeira questão como perguntas “Vale tudo”, uma vez que admite qualquer resposta, já a
questão três é uma pergunta “inferencial”, pois tem a ver com o texto apenas de modo
superficial, sendo que a resposta fica por conta do aluno.
Por último é apresentado um projeto, “Um sarau na escola” (Ramos, 2012, p.62), o qual
sugere a produção de um sarau na escola. Os autores trazem um trecho do romance “A
moreninha” de Joaquim Manoel de Macedo para que os alunos descobrissem como seria um
sarau. Logo após, as três etapas em que o projeto deve ser organizado: “Sensibilidade –
Atividade 1” – orientações para uma pesquisa que os alunos deveram desenvolver sobre
poemas e histórias que chamam a atenção do aluno; “Sensibilidade – Atividade 2” – são
apresentados os elementos que contribuem para uma boa leitura de um poema, tais como:
ritmo e pausa, entonação, pronúncia, expressão corporal, no entanto, embora estes
elementos sejam expostos não temos nenhuma explicação a respeito deles neste tópico. Após
a apresentação destes elementos inicia-se um pequeno exercício com cinco questões que irão
ajudar os alunos a declamar no sarau o poema escolhido de maneira expressiva intitulado
“Preparação” que é uma subdivisão onde os autores descrevem algumas decisões que devem
ser tomada para a realização de um sarau, como por exemplo: tema, data e local; decoração
do espaço onde vai acontecer o sarau etc; Na subdivisão “Produção” são apresentados
algumas dicas de como os alunos devem proceder no dia do sarau.
Consideramos muito interessante a proposta de produção de um sarau na escola, tanto do
ponto de vista metodológico, no sentido de apresentar estratégias para o trabalho com os
poemas de cordel, quanto por tornar o poema de cordel mais acessível aos alunos. Não
podemos deixar de considerar que se deve ter bastante cuidado com esse tipo de proposta por

209
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
se tratar de um público alvo recém-saído do ensino fundamental I, Por tanto, o professor
deve estar preparado para elaborar, planejar e principalmente executar esse trabalho.
Por fim, queremos ressaltar que o LDP analisado apresenta problemas no modo como
explora o poema de cordel principalmente por não apreciar o poema no seu lado lúdico,
entretanto devemos reconhecer que o LDP traz muitos apontamentos relevantes sobre o
cordel especialmente no que diz respeito à leitura oral do poema e o desenvolvimento de um
sarau na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao usar a literatura de cordel enquanto documento, o professor estará, de forma direta,


evidenciando aos alunos que as visões e as representações contidas nos folhetos de cordel são
condicionadas pela ideologia dos autores; ao mesmo tempo, oportuniza aos alunos o
desenvolvimento da reflexão, da atividade crítica; por fim, o professor contribuirá, nesse
contexto didático-pedagógico, para o que Rafael Ruiz chama de “edificar o próprio ponto de
vista”, ou seja, o aluno, construindo conceitos, levantando problemas, estabelecendo relações
entre realidades (tempo/espaço) históricas diferentes.
Os problemas detectados no LDP não invalidam de forma alguma a sua utilização em sala de
aula. Sabemos que as condições sociais e a formação da absoluta maioria dos profissionais de
ensino não permite que abdiquem desse instrumento de ensino. O ideal seria que os autores,
conscientes da especificidade do texto literário, repensassem o modo de abordá-lo, bem como
outros autores reproduzissem algumas abordagens do LDP analisado, a exemplo da
valorização da leitura oral e da proposta de produção do sarau.
Não creio que o afastamento do leitor jovem da poesia se deva apenas ao LDP e à escola. Mas
não podemos negar que os dois não têm ajudado como poderiam ajudar. Acredito que se os
autores e autoras de livros didáticos de português levassem em conta o apelo do poeta,
provavelmente a poesia seria tratada de um modo mais sensível com uma valorização do seu
lado lúdico. Num país em que milhares de crianças e jovens têm acesso à poesia apenas
através do LDP, a ampliação do número de poemas nesses manuais com orientações de
leitura que levassem em conta a dimensão estética do texto, não meramente técnica, seria
bem-vinda.

REFERÊNCIAS
MARCUSCHI, Antônio Luiz. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
PINHEIRO, Hélder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUNZEN, Clecio e MENDONÇA, Márcia.
(Orgs.) Português no ensino médio e formação de professor. São Paulo: Parábola Editoria, 2006, p.103-116.
_____________.Teoria da literatura, crítica literária e ensino. In PINHEIRO, Hélder e NÓBREGA, Marta.
(orgs.) Literatura: da crítica à sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2006, p.111-126.
______________. Abordagem do poema: Roteiro de um desencontro. In DIONÍSIO, A. P. e BEZERRA, M. A. O
livro didático de português: Múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna,2003.
_____________.Poesia na sala de aula. 2. Ed. João Pessoa: Ideia, 2002.
PINHEIRO, Hélder e LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São Paulo: Duas Cidades, 2001.
UNIVERSOS: Língua Portuguesa, 6° ano/ Obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por edições SM;
editor responsável Rogério de Araújo Ramos. – 1. Ed. São Paulo: Edições SM, 2012.
Disponível em: <http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_coluna_023.htm>. Acesso em: 17 de março
de 2014.

210
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICAS DE ESCRITA NO POVO INDÍGENA TRUKÁ –PE

Katia Maria Rodrigues Gomes 76

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de socializar as práticas de escrita das


professoras indígenas Truká, da Ilha da Assunção em Cabrobó-PE,na região do submédio São
Francisco a 535 km de Recife. Este trabalho está orientado pela perspectiva social e
etnográfica do letramento (STREET, 2010); pela perspectiva de autonomia presenteem
(FREIRE, 2011); como também pelo viés do conceito de autonomia/autoria a partir do estudo
realizado por (CESAR, 2011), uma vez que para a autora essa construção na verdade é uma
tentativa de compreender como os sujeitos subalternizados historicamente conseguem se
potencializar e se autorizar como produtores de seus discursos. Dessa forma, focaliza como
objeto de estudo, a escrita do livro “Índios na visão dos índios Truká”, de autoria coletiva
dessas professoras indígenas. A análise considera as práticas de escrita que, por oportunizar
um material didático contextualizado e favorecer ao fortalecimento da identidade Truká,
permitem a inserção dessas professoras/pesquisadoras em práticas de autoria na produção
escrita - uma prática social e cultural ainda exclusiva dos escritores de grandes centros –
discutindo, a partir dos seus saberes, temas poucos explorados nos currículos escolares
tradicionais, tanto na própria escola indígena, quanto na escola do não-índio.
PALAVRAS-CHAVE: Práticas de escrita. Afirmação identitária. Professoras Truká.

ABSTRACT: The work aims to socialize writing practices of indigenous teachers Truká, the
island of Assumption in Cabrobó-PE, in the region of the São Francisco River San Francisco
535 km from Recife. This work is guided by social and ethnographic perspective of literacy
(STREET, 2010); the prospect of autonomy present (FREIRE, 2011); but also by the bias of
the concept of autonomy/authorship from the study by (CESAR, 2011), once to the author
this construct actually is an attempt to understand how the subject historically first manage
to increase and if authorize as producers of his speeches. Thus, as an object of study focuses
on the writing of the book "Indians in the vision of the Truká Indians," collective authoring of
indigenous teachers. The analysis considers the practices of writing that, by encouraging a
contextualized teaching materials and promote the strengthening of identity Truká, allow the
insertion of these teachers/researchers in authoring practices in written production-a social
and cultural practice still exclusive writers of major centres – arguing, from their knowledge,
few themes explored in traditional school curricula, both in own indigenous schoolthe non-
Indian's school.
KEYWORDS: Writing practices. Statement of identity. Teachers Truká.

INTRODUÇÃO

Este estudo faz parte da experiência de vida das professoras indígenas Truká da Ilha da
Assunção em Cabrobó na região do submédio São Francisco a 535 km de Refice-PE, as quais
registraram pela primeira vez a versão da história de sua gente numa caminhada de busca
pelo fortalecimento de sua identidade indígena. Atualmente o povo Truká tem uma
população aproximada de 6 mil índios que habitam os 6.200 hectares da Ilha da Assunção e
os 970 hectares do arquipélago, que abrangem 84 ilhas menores.
Na narrativa do livro “Índios na visão dos índios Truká” é possível perceber a tentativa de
mostrar o quanto esse povo é e está ativo pelo reconhecimento de sua história. Essas
profissionais não deixam de lado a busca pelas mudanças sociais que lhes favorecem, não
desprezam as “velhas tradições”, mas também não estão fechadas aos novos padrões e
adaptações da realidade social. As professoras fazem uso das práticas de letramento para
apresentar seus registros históricos com base, principalmente, no “acervo de histórias orais

76
Mestre em Crítica Cultural, Linha 2 – UNEB- Campus II; professora de Língua Portuguesa; email:
[email protected]

211
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
guardado pelos sábios e sábias do Reino da Assunção”; utilizam, como diz Street (2010),
outras formas de se chegar ao significado.
Para dar conta dessa abordagem, este trabalho está organizado da seguinte forma: na
primeira seção, apresento os Aspectos gerais da obra: com a descrição do que pode ser
apreciado pelo leitor ao manusear esse livro; na segunda seção, trago mais detalhadamente a
apresentação do livro acima citado na seção intitulada A produção escrita: “Índios na visão
dos índios Truká” na tentativa de revelar os processos de autoria/autonomia implicados na
produção das obras.; e finalizo este artigo com as considerações acerca dos Significados das
práticas de escrita para as professoras Truká;

1 ASPECTOS GERAIS DA OBRA


Em relação à linguagem, o livro estudado apresenta textos multimodais, ou seja, a linguagem
utilizada integra o texto verbal e o não verbal. Logo, apresentam capas coloridas, geralmente
com fotografias ou imagens produzidas pelas/os próprias/os professoras/es indígenas,
narrativas recheadas de descrições, relatos de experiência, entrevistas, depoimentos e muitas
ilustrações em diversas cores e/ou fotos.
No que diz respeito à metodologia da produção do livro, esta foi consolidada porque as
professoras Truká se reuniram, pesquisaram, e organizaram seus textos e ilustrações, tanto
para registrar por escrito a história das lutas e conquistas enfrentadas por seu povo, como
também para utilizar este livro como material didático nas escolas indígenas e nas escolas do
não-índio. Vale ressaltar que o livro “Índios na visão dos índios Truká” é de autoria coletiva
das próprias/os professoras e professores do povo Truká.
Quanto aos temas tratados, em geral, são temas referentes à terra; à organização do povo; à
economia existente na comunidade; à religião; aos rituais; à natureza e à historia de lutas e
conquistas do povo indígena, ou seja, são temas poucos explorados nos currículos escolares
tradicionais, inclusive na própria escola indígena. Esses temas só chegaram ao ambiente
escolar indígena porque esses povos tiveram essa iniciativa: tornaram-se pesquisadoras e
pesquisadores da sua história para, assim, grafar os seus saberes.

2 A PRODUÇÃO ESCRITA: ÍNDIOS NA VISÃO DOS ÍNDIOS

Capa do livro Índios na visão dos índios Truká, com publicação em2002.
Este livro é fruto do Projeto Educativo Sociocultural: Índios na visão dos índios sob a coordenação de Sebastián
Gerlic e a colaboração de Gabi de Melo através da ONG Thydêwá 77 e o apoio institucional da UNESCO 78.

77
Organização não-governamental criada em 2002 com a visão de promover a Consciência Planetária, valendo-
se do diálogo intercultural da valorização da diversidade e das culturas e conhecimentos tradicionais e visa um
desenvolvimento integral em nome da paz; com sede em Ilhéus-BA. Disponível
emhttp://www.thydewa.org/historico/ Acesso em 30/01/2014
212
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Relevante ressaltar que a partir das Oficinas de Identidade e Expressão Criativa promovidas
pelo projeto, cada povo indígena teve a sua história contada em um livro exclusivo, isto é,
neste trabalho não estavam reunidas as histórias dos povos indígenas de Pernambuco em
uma única obra. Dessa vez, o povo Truká teve o seu livro com exclusividade. Assim, as
professoras, lideranças e comunidade historiaram, fotografaram e organizaram seu próprio
material em 62 páginas que retrataram sua identidade étnica. Logo, muitas fotografias
compõem esta obra, a começar pela capa que traz a imagem da Ilha da Assunção, localizada
em Cabrobó-PE, do rio São Francisco e de Seu Antonio Emiliano, conhecido por Toinho –
grande liderança da ciência Truká - sob a imensidão de um céu azul, como pode ser
visualizado na imagem acima. Em 2003, a coleção já possuía sete livros de povos diversos e
21.000 exemplares.
Assim, surgiram nas aldeias as entrevistas, os depoimentos e as vivências do povo. A
comunidade participou ativamente no trabalho de campo. O povo Truká viveu com
autonomia esse momento de registro em suas aldeias:

Foto do povo Truká tirada por eles mesmos na elaboração do material para o livro Índios na visão
dos índios Truká, 2002, p.60

Muitos guerreiros TRUKÁ aceitaram o desafio de empunhar uma máquina de


fotos e um gravador, para ajuntar suas estórias, para contar sua História, para
abrir ao conhecimento seus sentimentos e sua realidade. [...] Ouvimos os
índios levantar sua VOZ em busca de respeito, na verdade de sua memória,
para todos nós partilharmos, na arte de sua tradição, que a todos nós cabe
cuidar. (Sebastian Gerlic 79, 2002, p.60)

78
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
79
Colaborador e editor do livro “Índios na visão dos índios Truká”.
213
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Foto do povo Truká tirada por eles mesmos na elaboração do material para o livro Índios na visão
dos índios Truká. 2002, p.60.

Dessa forma, fazendo jus ao título da obra: “Índios na visão dos índios Truká”, seus autores e
autoras contam as histórias dos Encantados, falam do tempo de escravidão, das lutas durante
o período das retomadas da terra, dos saberes dos mais velhos, da religião, dos rituais, da
agricultura, dos remédios retirados da natureza, da luta coletiva do/a índio/a Truká contra o
preconceito do não-índio:

JACARÉ O casco p`ra fazer


A gente tira os dentes defumador.
do jacaré p`ra botar
nos braços das A banha do jacaré é
crianças contra o mal boa para reumatismo e
olhado! Fazemos dor no joelho
pulseirinhas.
E a carne é bem
O couro serve para parecida com peixe!
remédio. (Mãe Rosa – Paulo Ciriaco)

214
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Poema: Jacaré sobre a imagem que aponta a relação do indígena com o meio
ambiente na aldeia. COMUNIDADE TRUKÁ, 2002, p .51.

215
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Com este livro, as índias e os índios Truká ressignificam suas especificidades e são os
verdadeiros autores das narrativas que compõem esta obra, tratando aqui a autoria como
aborda América Cesar (2011), sob a perspectiva da ação do sujeito enquanto construtor
social, já que este trabalho escrito é resultado dos textos, entrevistas e fotografias realizados
durante as oficinas na própria aldeia.
Essas professoras estão engajadas na “aquisição de um conjunto particular de práticas de
letramento, [...], pode de fato ser um foco para transformação e desafio” (STREET, 2007,
p.471) como sujeitos sociais na sua realidade, tanto em casa, na vila, na cidade, na escola
quanto em movimentos fora da aldeia. Assim, o letramento é visto nessa pesquisa como "uma
prática social, não simplesmente uma habilidade técnica e neutra. Trata-se de uma prática
sustentada por princípios epistemológicos socialmente construídos.", (MARINHO, 2010,
p.78).
Nessa direção, Kleiman (1995, p.41) aponta os níveis de letramento como decorrentes da
familiaridade de falantes com usos, funções e organizações textuais da escrita que irão refletir
diretamente no fazer desses sujeitos. Além da escola, são trabalhos onde o sujeito está
sempre em contato com a escrita. Assim quando as professoras se organizam em grupos e
saem visitando casa a casa os moradores mais antigos da aldeia em busca das histórias por
eles vividas, para registrá-las por escrito, ocorre uma organização daquelas narrativas em
forma de textos escritos e mais tarde a publicação de livros.

Nesse sentido, Santos (2011, p.27) coloca que “o letramento não é apenas o efeito da escrita
nas representações dos grupos, mas também as mudanças que as pessoas são capazes de
fazer e que de fato fazem com a escrita, quando a usam em práticas sociais específicas”. Logo,
quando essas professoras utilizam suas práticas de escrita no intuito de que“essas produções,
elas estejam na sala de aula e que os alunos tenham contato com elas e que a gente consiga a
partir da oralidade e dessa forma escrita e do professor em sala de aula, poder tá fortalecendo
essa educação escolar indígena dentro do território [...] 80”, as mudanças com o modo de se
utilizar a escrita estão acontecendo, é uma nova forma de marcar o registro escrito dentro do
povo Truká.
É a autonomia do fazer das professoras fazendo valer seus saberes, costumes e a tradição
Truká, relacionada com o fazer da terra, e para que isso aconteça é importante que haja “uma
pedagogia da autonomia [...] centrada em experiências estimuladoras da decisão e da
responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade”, (FREIRE, 2011,
p.105).

Neste sentido, as/os educadoras/es Truká usam esta obra escrita para denunciar o
preconceito contra o indígena. A fala do Cacique Issor Truká 81, no livro acima citado,
confirma a tal observação quando argumenta que:

Ser índio é ser humano 82


Somos apenas pessoas diferentes porque temos culturas diferentes. Eu até me
assusto quando vejo as pessoas criminalizar os índios, achar que índio é bicho
do mato, que índio tem que andar no mato, tem que andar nu [...] Porque nós
não ÉRAMOS índios; nós SOMOS índios com todos os direitos e deveres. Eu
vejo com muita tristeza quando a sociedade trata a gente como animal. Nós
temos o direito de ter carro, de ter casa boa, de ter telefone, de ter e dar aos
nossos curumins e parentes uma vida digna.
Nós precisamos estar informados, estar bem estruturados culturalmente, não
só na cultura índia, mas na cultura da civilização branca. Tem muitas coisas
que não se resolvem com o branco, com cortina de fumaça, com sinais de sol.

Trecho da fala da professora Claudete (Cláudia Truká) na Mesa redonda sobre a Educação Escolar Indígena,
80

na Escola Manoel Deodato, na aldeia Caatiguinha, Ilha da Assunção- Cabrobó-PE, em 16 de fevereiro de 2014.

81
Cacique dos Truká na Aldeia Tapera em Orocó-PE.
82
Grifo do autor.
216
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Tem coisas que se resolvem com telefone [...] Nós precisamos ser
respeitados 83.
Em outra ocasião, o depoimento do índio Rodrigo ainda no livro supracitado indica mais uma
vez a discriminação, o preconceito que o índio tem enfrentado na sua luta cotidiana:
Tu não é indio!

Morar na ilha é mais saudável. Aqui é todos por um e um por todos. Lá na


cidade, você se vire, ninguém é parente seu, ninguém é nada seu.
Se disser que é índio lá é caçar confusão, é discriminação.
Com meu primo aconteceu assim:
Tu não é índio!
Por que não sou?
Porque não é! Nunca vi índio branco!
Comigo eles dizem:
Tu não é índio, tu morava perto de casa!
Tem umas professoras que nos chamam de ladrão, diz que nós roubamos a
terra.
(Rodrigo)
Depoimento do índio Rodrigo para o livro
Índios na visão dos índios Truká, 2002, p.
43

Ainda nesse sentido, afirma seu Zé Carinhanha em seu depoimento para o livro Índios
na visão dos índios Truká:

Ainda tem gente que não sabe o significado de ser índio.


Para mim, ser índio vem da natureza. Quando você nasce com aquele dom, e
você sabe de onde vem sua raiz, você é índio.
[...]Muita gente pega aquela imagem da televisão, dos índios da Amazônia, do
cabelão liso, dos livros que tão tudo errado. É a mesma coisa que você dizer
que foi Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil. Na época que eu
comecei a estudar foi isso que eu aprendi.
(Zé Carinhanha 84)

Sem compreender as especificidades que compõem a população indígena, o não-índio muitas


vezes atribui o “ser índio” a traços da caracterização física. Comparam o índio do Nordeste
com o índio da Amazônia; sem atentar, por exemplo, que os povos indígenas que vivem na
região Nordeste convivem com situações adversas àqueles que estão na Amazônia, desde a
questão climática até a questão territorial. Neste sentido, Oliveira (1997, p. 53) 85 destaca que
“se na Amazônia, a mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a degradação de
seus recursos ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação indigenista é restabelecer os
territórios indígenas 86, promovendo a retirada dos não-índios [...]”
Dessa forma, o tema central dessa obra é apontar o preconceito existente na sociedade; a
discriminação vivenciada pelos índios e índias Truká na luta diária para se afirmar como
índio, uma vez que muitos dos não-índios teimam em proclamar que não há índio além do
modelo amazônico ou dos citados nos livros didáticos. Como já dizia o líder Mozanir (hoje já
falecido) quando lhe foi perguntado: “Antigamente, o Povo Truká era muito criticado?”:

Sim, e muito. Até hoje somos criticados. Quando eu era criança da sua idade,
11 anos, estava no primário, já recebíamos críticas. As pessoas diziam que o
povo Truká não existia e perguntavam quem éramos, já que os livros não
falavam nada da gente. Eu sempre lutando, brigando, segui na luta.

83
Grifo do autor.Texto escrito pelo Cacique Issor Truká para o livro Índios na visão dos índios Truká, 2002, p. 45

Ibidem, 2002, p.46.


84

85
Conferência realizada no concurso para professor-titular da disciplina Etnologia. 1997. Museu Nacional/UFRJ.
Rio de Janeiro. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais.
Acessível em http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf acesso em 10/01/2014
86
Grifo do autor.
217
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Até mesmo na Câmara era difícil. Para dizer que nós existíamos tivemos que
fazer muita zoada, muito Toré. Nosso Povo teve que ficar unido para dizer que
nós existíamos. Eu me sinto uma pessoa abençoada pelos Encantos por ser a
pessoa que estava à frente, pela primeira vez no Legislativo, na Câmara dos
Vereadores, onde levava o nome Truká. (COMUNIDADE TRUKÁ, 2002, p.
59).
Em relação aos rituais, o Toré é destacado na fala de Tonho de Chiquinho (Mestre) como
afirmação da identidade Truká, quando diz:

Nosso costume é dançar Toré.


Não é samba, o pagode ou forró.
O Toré nos dá todo ensinamento.
Os antepassados dão orientação para a gente,
[...]
Sem o Toré não teria mais índio.
Nasci e me criei com o Toré.
Cantar, dançar, beber Jurema.
Maracá era daboca da noite até amanhecer, era sábados e quartas.(Ibidem,
2002, p. 27).

Assim, esta obra finaliza com a imagem de dois jovens índios Truká e o seguinte texto: “Sou
índio Truká e espero que todos aqueles que tenham oportunidade de ler este livro conheçam
um pouco de nossa cultura e de nossos costumes. Espero que os brancos tenham consciência
e que colaborem com todas as nações indígenas do mundo”. (Jorge Truká).

Foto do povo Truká tirada por eles mesmos na elaboração do material para o livro “Índios na
visão dos índios Truká”

218
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar das professoras participantes deste trabalho de investigação enquanto escritoras na


aldeia remetem-nos tanto ao movimento político-pedagógico existente no povo Truká em
busca de uma maior autonomia dentro da escola indígena, “não como um horizonte
totalizador de qualquer percurso político, mas como uma meta localizada e
contraditoriamente constituída no interior dos conflitos sociais, no processo de afirmação
étnica e política dessas sociedades [...]” (CESAR, 2011, p. 95).

Dessa forma, estas profissionais sentem que a partir dos registros escritos da sua história
estarão firmando-se com mais propriedade diante de um sistema que já possui muitas leis
que favorecem aos povos indígenas, entretanto com uma grande problemática na hora de
serem efetivadas no dia a dia dentro das comunidades indígenas, como elas mesmas colocam,
“difícil é na hora de se tirar do papel” 87.

Diante disso, observo a autonomia das professoras enquanto sujeito que pesquisa, escreve,
autoriza, registra e que conta sua história sob o viés da autoria indígena, fora dos modelos
canônicos, já colocados na sociedade. Trago a autoria do sujeito que interage em suas
práticas sociais e amplia sua compreensão na construção política e coletiva, numa
convivência de oralidade e escrita, opondo-se ao silenciamento que lhe fora imposto no
decorrer da sua história, e que agora se autoriza a falar por si e sobre si mesmo, produzindo,
assim, “deslocamentos nas posições subalternas”. (CESAR, 2011).

Neste sentido, as professoras indígenas Truká valorizam esse empoderamento que as


possibilita marcar a ressignificação de seus fazeres de modo que a sociedade nacional
perceba, valorize e respeite-os em suas diferenças, especificidades e interculturalidade: “[...]
Nós não somos comunidades do passado, nós somos comunidades do presente que
reelaborou sua cultura, que reconstruiu aquilo que foi tentado tirar durante esse processo
todo de colonização. Então... nos tornamos professores pesquisadores...” 88

REFERÊNCIAS

CESAR, America Lúcia Silva. Lições de Abril: construções da autoria entre os pataxó de Coroa Vermelha. Salvador: EDUFBA,
2011.
COMUNIDADE TRUKÁ. Índios na visão dos índios Truká. Salvador: Thydêwá. 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 2011.
KLEIMAN,B. Angela. Modelos de Letramento e as Práticas de Alfabetização na Escola. In: KLEIMAN, A. B. (org.). Os
significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado Aberto, 1995.
MARINHO, Marildes. Letramento: a criação de um neologismo e a construção de um conceito. In: MARINHO, Marildes;
CARVALHO, Gilcinei Teodoro (orgs).Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
Mesa Redonda sobre a Educação Escolar Indígena, na Universidade Federal do Vale do São Francisco-Univasf, em
Petrolina-PE, em 30 de agosto de 2013.
OLIVEIRA, João Pacheco de. Conferência realizada no concurso para professor-titular da disciplina Etnologia. 1997. Museu
Nacional/UFRJ. Rio de Janeiro. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e
fluxos culturais. Acessível em http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf Acesso em 10/01/2014
SANTOS, Cosme Batista dos. Letramento e senso comum: a popularização da linguística na formação do professor.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011.
STREET, Brian. Os novos estudos sobre o letramento: histórico e perspectivas. In: Cultura Escrita e Letramento. Org.
Marildes Martinho. São Paulo, 2010.

87
Pretinha Truká, in: Mesa Redonda sobre A Escola Indígena, na Universidade Federal do Vale do São Francisco-
Univasf, em Petrolna-PE, em 30 de agosto de 2013.
88
Idem.

219
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O USO DE IMAGENS EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

*Gracielia Novaes da Penha

RESUMO: O presente trabalho pretende fazer um relato sobre a vivência do subprojeto do


Pibid: Educação pela Imagem: formação cultural, leitura e escrita, realizado no Colégio
Modelo Luís Eduardo Magalhães no município de Jacobina e no Colégio Normal Estadual
Arnaldo de Oliveira no município de Caém. A proposta da Educação pela Imagem procura
oferecer aos estudantes do Ensino Médio uma formação cultural relacionada à formação
geral dos sujeitos e ao conteúdo das disciplinas, através de intervenções em sala de aula e
oficinas tematizadas. O trabalho é desenvolvido em torno da leitura, reflexão e produção de
linguagem imagética associada à prática da leitura e escrita de textos de linguagem verbal,
sob a ótica da interdisciplinaridade. Neste sentido, a proposta se apresenta como
possibilidade de inovação das práticas pedagógicas através das ações e atividades
desenvolvidas pelos bolsistas de Iniciação, bem como, na apropriação pelos alunos do Ensino
Médio de linguagens contemporâneas em torno das questões subjacentes a leitura e produção
de textos da cultura visual. Para tanto, se fundamenta em autores tais como MANGUEL,
2002; OLIVEIRA, 2006; HERNANDEZ, 2000; SARDELICH,2006; VOLPATO, 2003, entre
outros, que discutem a utilização do texto imagético, como objeto imprescindível para a
formação de leitores proficientes, de diversos contextos, coerente com as demandas da atual
sociedade que se ver cercada pelas produções advindas da cultura visual.

Palavras Chaves: Texto Imagético. Leitura e Escrita. Cultura Visual. Formação de leitor.
ABSTRACT: This work intends to make a report on the experience of the subproject Pibid :
Education for Image : cultural education , reading and writing , created the Colegio Modelo
Luis Eduardo Magalhaes in the city of Jacobina and the Colegio Estadual Normal Arnaldo de
Oliveira in the city of Caem . The proposal by the Education Image seeks to provide high
school students to a related general education subjects and content of cultural training
courses, through interventions in the classroom and themed workshops. The work is
developed around reading, reflection and production of language imagery associated with the
practice of reading and writing texts of verbal language, from the perspective of
interdisciplinaridade. In this sense, the proposal is presented as a possibility for innovation
in teaching practices through the actions and activities of the Fellows of Initiation, as well as
the appropriation by high school students of contemporary languages around the issues
underlying reading and producing texts visual culture. For this, it is based on authors such as
MANGUEL, 2002; OLIVEIRA , 2006; HERNANDEZ , 2000; SARDELICH,2006;VOLPATO
2003 , among others, discuss the use of imagery text as essential for the formation of
proficient readers in different contexts , consistent with the demands of today's society that is
surrounded by deriving see productions of visual culture object.

Keys words: Imagistic Text. Reading and Writing . Visual Culture. Formation reader .

Introdução

Com o advento das novas tecnologias, onde a informação e os recursos midiáticos


transformam o modo de vida do homem em sociedade, a linguagem imagética tornou-se,
excepcionalmente, privilegiada. As imagens estão presentes em nossos pensamentos, nos
meios de comunicação, enfim circundam cotidianamente a todos. Muitos são os usos que se
fazem delas, em especial a mídia que a usa não apenas como meio de informação, mas,
também com fins mercadológicos, o que leva a contemporaneidade ser marcada pela cultura
do consumo propagada por essa avalanche de imagens midiáticas, publicitarias que são
condensadas e assimiladas por grande parte da população, sem quase nenhum critério
reflexivo, critico.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Nessa perspectiva, torna-se necessário que os espectadores passem a serem leitores dessas
representações visuais, indo além da mera decodificação, do perceber apenas o que está posto
num primeiro plano da imagem. É salutar que os sentidos sensoriais se juntem também com
as experiências vividas de cada um e seus conhecimentos de mundo, a fim de que outro
processo de apreensão seja inaugurado. Aquele em que os sentidos culturais, ideológicos,
sociais que constituem a imagem, desde o processo de sua criação até os mais diferentes usos,
nos mais diferentes espaços, sejam identificados numa leitura critica reflexiva, fazendo com
que este espectador-leitor seja capaz de gerar outras (res) significações e sentidos. Dando
margem a possibilidades de produção do conhecimento, como bem aponta (CATANHO 2007,
p.85),

Não existe uma única forma de “ler” uma imagem. Sua recepção é um processo
idiossincrático, depende essencialmente do “saber do mundo” de cada pessoa, sempre
individual e, portanto, distinto. Não existe nas imagens uma única forma de
interpretação, uma única realidade expressa. Elas podem proporcionar múltiplas
leituras. Isso vai depender de como os indivíduos e grupos sociais as utilizam dentro
de uma determinada cultura. Da mesma forma que o texto verbal pode não expressar
para todas as pessoas os mesmos sentidos, as imagens também não são reproduções
absolutas e passivas da realidade.

Vale ressaltar ainda, que este caráter de ser plural e significativo, que é peculiar a linguagem
imagética, suscita a ideia de que o processo interpretativo frente às imagens é algo inacabado,
pois muitas histórias podem ser contadas a partir de uma mesma representação visual, em
diferentes perspectivas. Conforme assinala Manguel (2001,p.26), quando menciona que,
nenhuma narrativa criada a partir de uma imagem é definitiva, exclusiva, pois o que se ver é
sempre uma leitura que parte das emoções do leitor: ou seja, de como as emoções do leitor
afetam e são afetadas pela leitura das imagens.

A partir desse ponto, surge outro aspecto que diz respeito à leitura de imagens, é o
pedagógico, embora, seu uso neste sentido já tenha sido usado desde a antiguidade, hoje com
proliferação do visual é iminente que sejamos suficientemente formados para a compreensão
e efeitos de toda a produção advinda desse novo campo, o da cultura visual.

É nesse interim que a Escola, espaço sócio e culturalmente determinado como sendo
responsável pela transmissão e confecção de saberes, deve trazer para o centro de suas
práticas o texto imagético, que pulula o cotidiano dos sujeitos ai implicados (alunos,
professores). Esse imagético já faz parte da rotina diária desses sujeitos, seja com o uso dos
celulares digitais e todos os seus aplicativos, das redes sociais, da televisão, internet, enfim
dos mais diversos recursos. Em conformidade com Hernandez (2007) que defende a ideia de
que a sociedade está em plena elaboração de sentidos múltiplos, embutidos nas imagens que
produz, logo, a educação para a imagem, para os mass media é tarefa crucial na formação do
aluno. Portanto, o uso da imagem como conteúdo das aulas, e não somente ilustração ou
decoração representa a adequação aos novos paradigmas educacionais contemporâneos.

[...] as imagens são mediadoras de valores culturais e contém metáforas nascidas da


necessidade social de construir significados. Reconhecer essas metáforas e seu valor
em diferentes culturas, assim como estabelecer as possibilidades de produzir outras,
é uma das finalidades da educação para a compreensão da cultura visual
(HERNÁNDEZ, 2000, p.133)

Todavia, é importante ressaltar que a utilização do texto imagético em várias práticas


docentes, já é constada, o que importa conhecer, entretanto, é quais aspectos essas práticas
conseguem de fato extrapolar a visão mais estrutural de apreensão da imagem, em favor de
uma proposta baseada nos Estudos da Cultural Visual que dá ênfase a ideia que este campo
de estudos não se organiza a partir de nomes de artefatos, fatos e ou sujeitos, mas sim de seus
significados culturais, vinculando-se a mediação de representações, valores e identidades
(SARDELICH,2006, p.461).

221
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Para Hernández isso seria dizer que o estudo sistemático da cultura visual pode proporcionar
aos docentes e alunos uma compreensão critica do seu papel e suas funções sociais, como
também de suas relações de poder, indo além da apreciação ou do prazer que as imagens
proporcionam. Ou seja, é sai do lugar comum de práticas comuns que usam as
representações visuais como acessório, ilustração ou recursos que apenas continuam
evidenciando o sistema tradicional de ensino.

Para tanto, um dos caminhos apontados pela Cultural Visual como forma de superar esse
modelo de ensino tradicional, fragmentado em disciplinas seria o da aplicação de práticas
onde a transdisciplinaridade e transversalidade sejam de fato responsáveis por criar
possibilidades de produção de saberes, a partir de um processo dialógico, associativo e
dialético entre as mais diversas áreas do conhecimento, tanto aqueles exigidos pela escola
como aqueles advindos de outros espaços.

1. Leitor de imagens
“Uma imagem fala mais do que mil palavras”, essa é uma frase que se tornou comum. As
pessoas costumam repeti-las quando querem se referir ao poder de alcance e potencial de
sentidos que as imagens representam na contemporaneidade. A cada instante as pessoas são
bombardeadas por centenas de imagens à sua volta, que chegam através dos meios de
comunicação, especialmente pela internet. E essas imagens são carregadas de sentidos, que
aguçam e potencializam o senso criativo dos expectadores.

E quando essa relação de observar e interpretar as imagens estabelece um diálogo, a imagem


passa ter uma conotação de texto. Pois, sua carga semântica é formada por símbolos
advindos da cultura a qual seu produtor está inserido. “Uma imagem, portanto, entendida
como manifestação de um código, que por sua vez pertence a um determinado sistema, é
expressa através de formas e cores, sons ou gestos – ou da simultaneidade destes elementos
estruturantes - e pode se tornar um objeto ou evento passível de estudo” (OLIVEIRA, 1995,
p.43)

Dessa forma a imagem compreendida como um objeto polissêmico e potencialmente um


objeto de estudo, é considerado como texto. Nessa perspectiva todas as imagens podem ser
lidas e interpretadas, o expectador agora, não é mais apenas um apreciador, mas seu olhar
deve ser aguçado para interpretar os valores ideológico-culturais que formam esse texto.

Neste sentido, a imagem pode ser considerada, tal como a linguagem verbal, um texto
simbólico, isto é, em determinada cultura, socialmente se define o significado de um
elemento ou forma, como por exemplo: uma cor, como o vermelho, um conjunto de
linhas como cruz e, todos que comungam do conhecimento da significação a eles
atribuída, fazem sua leitura. (VOLPATO, 2003)

Ou seja, ele se torna um leitor de textos imagéticos.

Assim, seguindo a lógica da teoria da leitura critica onde o ato de ler um texto (verbal)
pressupõe compreender o processo de produção: quem escreveu, de que lugar, para quem,
qual a intencionalidade; destacando esses fatores como de suma importância para o
entendimento dos significados textuais e produção de novos sentidos, deixando de lado a
ideia de que ler é decodificar o código. Ler é ir além. Da mesma forma ocorre com o texto
imagético, embora outros mecanismos sejam usados na apropriação deste.

Para que o leitor tenha compreensão dos significados e condição de produzir novos, é preciso
que o mesmo utilize estratégias que o possibilite dialogar com a imagem, tais como rever seu
repertorio de conhecimentos, fazendo associações do texto com as suas memórias. E ainda,
fazer do ato de olhar a imagem, uma ação sensibilizadora apurando todos os sentidos, ou
seja, ver não é somente decodificar, mas é também sentir, percebendo inclusive, o que não
pode ser dito. Só assim, esse processo de leitura ganhará o aspecto reflexivo. Comungando

222
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
com Ferrara quando afirma que: “o objetivo da leitura não verbal vai muito além
dadecodificação” (FERRARA.2007. Leitura sem Palavras. P.28).

O texto imagético representa a linguagem quando se associa e produz ideias novas a partir de
inferências que mostra a proximidade e a comparação entre objetos e situações distantes.
Nesse sentido, a visão apresentada aqui, é de que esse processo de “ler imagem” ganha
aspectos pedagógicos, ou seja, a imagem agora pode e deve ser utilizada como texto em sala
de aula, repleto de significados em si só, ou relacionados com outros. Não é possível utilizar,
pois, a imagem apenas como ilustração do texto verbal ou um pretexto, para o texto escrito. É
necessário, concordando com Hernández, construir uma dinâmica de leitura imagética sob a
perspectiva de interpretação, relacionando todos os elementos que formam o texto: da
produção pelo autor à recepção do leitor (espectador), a fim de identificar significados e
possibilidades de empregar ou criar novos sentidos.

Já se sabe, conforme mencionado anteriormente, que o texto imagético é amplamente usado


pelos meios de comunicação e informação. Por isso, sua imersão na escola é inevitável, os
alunos estão em contato direto com imagens que vem e vão durante todo o tempo, sem,
entretanto constituir uma relação de leitura critica. Assim:

A leitura da imagem como uma tecnologia incorporada a cultura, está ampliando


seu campo e tomando a projeção que teve seu passado. O texto ocupou grande
espaço após a invenção da impressa e da democratização do acesso à informação
escrita. Na chamada sociedade moderna, a ênfase dada pela educação ao texto
escrito foi muito maior do que a ênfase dada à educação pela imagem porque esta
ultima permanece como atividade marginal, associada à ornamentação, ao lúdico,
ao dispensável, secundário, ilustrativo. Consequentemente houve uma perda
gradual da educação pela imagem. Hoje ninguém aprende a lê-la. (BARBOSA, 1995,
p. 5)

Dessa maneira, ampliar a discussão e estudos sobre a problematização da imagem como


texto, inserido nas práticas docentes, certamente favorecerá para uma formação mais
adequada de alunos quanto leitores de textos imagético e também verbal, pois nesse processo
de apropriação um não exclui o outro. Ao contrario, até porque vale acrescentar que há a
formação de um texto hibrido a partir da junção do escrito, como imagético.

2. Vivenciando a prática docente através do texto imagético no PIBID


Sabe-se que, infelizmente, ao aluno que está na escola não lhe é garantido o sucesso pleno no
domínio da leitura e da escrita, muitos terminam o ensino médio sem ter alcançado a
proficiência nessas habilidades. Muitos acabam só desenvolvendo o conhecimento mínimo
para decodificação do código escrito, fato que, torna cada vez maior a estatística dos
chamados “analfabetos funcionais”. Fenômeno que, contraditoriamente, cresce entre os
jovens que frequentam a escola.

Paralelo a isto as mídias contemporâneas tem exercido enorme influência sobre o


comportamento e o interesse dos jovens, inspirando novas formas de pensar e de se
comportar em sociedade; em verdade, as novas mídias com o advento das novas tecnologias
da informação e da comunicação inauguram um novo “ethos” cultural que articula em um só
corpo, diferenças culturais, diferenças espaço-temporais e variados níveis intelectuais. Esta
multiplicidade de vozes e perspectivas que a linguagem das mídias encerra, coloca-se como
possibilidade de integração das massas na contemporaneidade e articula as várias disciplinas
do currículo escolar. Esta linguagem midiática que tem na imagem uma das principais
formas de comunicação guarda em si diversos significados e símbolos culturais e ideológicos
que atrai os jovens e possibilita à escola o desenvolvimento de ações formativas ligadas à
cultura geral e aos conteúdos específicos.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Dessa forma, a utilização dos textos imagéticos nas práticas docentes traz a possibilidade de
ampliar o universo de conhecimento do aluno. Pois, ver e observar as mais diversas imagens,
já é algo comum para todos, e ainda mais para os adolescentes e jovens que vivem em meio
aos dispositivos midiáticos, com conexão em tempo real, cheios de aplicativos e imagens. Mas
do que nunca é necessário que os professores lancem mão dessa linguagem imagética, a fim
de efetivamente formar alunos que sejam leitores críticos tanto de textos verbal ou não.

O subprojeto “Educação pela Imagem: formação cultural, leitura e escrita” que faz parte do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), é desenvolvido noColégio
Modelo Luís Eduardo Magalhães na cidade Jacobina, e no Colégio Estadual Normal Arnaldo
de Oliveira na cidade de Caém no interior da Bahia, e traz como finalidades primordiais, 1)
proporcionar aos bolsistas de iniciação (alunos dos cursos de Letras e Inglês DCH-Campus
IV) a vivência efetiva do cotidiano escolar, através do desenvolvimento de intervenções, de
caráter interdisciplinar, com a utilização de textos imagéticos. e, 2) através da abordagem de
textos da cultura visual como tema de estudo transversal oferecer aos estudantes do Ensino
Médio uma formação cultural relacionada à formação geral dos sujeitos e ao conteúdo das
disciplinas, colaborando assim para a formação de leitores e produtores proficientes.

A proposta de caráter interdisciplinar (e transdisciplinar) busca com essa temática inovadora,


tornar o texto imagético como problematizador durante as aulas das diversas disciplinas do
currículo do ensino médio, provocando assim o diálogo e a construção de sentidos e novos
conhecimentos nas mais diferentes áreas. Então, o projeto gira em torno da leitura, reflexão
e produção de textos imagéticos, associada á prática da leitura e escrita de textos de
linguagem verbal também.

Dessa forma, os alunos do Ensino Médio e também seus professores, se veem em meio a
essas novas práticas pedagógicas, que visa através da apropriação de linguagens
contemporâneas, ajudar na sua formação cultural em torno das questões subjacentes a
produção do texto da cultura visual e das práticas de leitura e escrita em diferentes áreas do
conhecimento.

As atividades desenvolvidas se caracterizam em duas modalidades: Intervenções em sala


de aula, que a aconteciam nas diversas disciplinas. Pois, compreende-se que a imagem traz
em seu cerne o caráter de ser interdisciplinar. Seus sentidos são múltiplos e podem ser
direcionados para os diversos conhecimentos disciplinares. Oficinas temáticas, como já
posto, a imagem foi tratada neste projeto sendo observado seu caráter interdisciplinar,
contudo, os significados e sentidos produzidos a partir de uma representação visual, por
vezes extrapola esse caráter interdisciplinar lhe proporcionando uma outa característica, a da
transversalidade. Afinal, há sentidos que atravessam a imagem e levam o leitor a fazer
associações que vão além do conhecimento disciplinar. Por essa caraterística é que se justifica
a confecção e execução de atividades em forma de oficinas. Estas contavam com uma carga
horaria bem superior a das aulas, para realização, pois não havia a obrigatoriedade de
entrelaçar ao estudo da imagem os conteúdos obrigatórios e pré-estabelecidos pelo currículo.
O que permitia, nessa modalidade, uma liberdade maior para seleção de textos imagéticos e
recursos diversos.

Dentre as atividades desenvolvidas no decorrer do projeto com a finalidade de potencializar o


poder interpretativo das imagens com vista a formar sujeitos leitores críticos de textos
imagéticos, podemos destacar:

• Oficina de Fotografia: Tema-Crônica Visual: O cotidiano sob um olhar


fotográfico. Objetivos: Conhecer a história da fotografia; Analisar a intencionalidade
do autor fotográfico; Compreender o ato fotográfico; Analisar fotografias do
cotidiano; Registrar fotografias de situações cotidianas do lugar em que vivem.
Eixos norteadores: História da fotografia (Contextualização); Fotografia –
Perspectivas e diversos olhares.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Produtos realizados: Registro do cotidiano pelo público participante da oficina.
Exposição fotográfica (Produto do grupo – Escola e UNEB). Divulgação do trabalho
no Blog do PIBID e outros espaços da web.

• Intervenção em sala de aula: Tema-A religião na arte barroca.


Objetivos:Ler e entender textos imagéticos provenientes desse período; Observar
como a religiosidade era vista antigamente e nos dias atuais. Adquirir postura crítica.
Conteúdo Trabalhado: Importância do Barroco; Marcas da religião no movimento
barroquista.
Produto Final: Registros de imagens da cidade de Jacobina do estilo barroco, a
exemplo de igrejas, pinturas, imagens.
Interfaces com as disciplinas de Artes, Literatura, História.

• Oficina de imagem: Tema –Imagens na poesia negra


Objetivos: Proporcionar discussão/debates a cerca do tema da consciência negra na
sala de aula; Oportunizar o conhecimento e contato com a poesia negra; Possibilitar
uma visão crítica da realidade no que se refere à temática discutida; Utilizar as
imagens como principal instrumento de formação crítica.
Temas Explorados: Dia Nacional da Consciência Negra; Poemas selecionados dos
“Cadernos Negros”, dos poetas Cuti, Jamu Minka, Celinha, Carlos Assumpção e
Esmeralda Ribeiro; Prefácio dos “Cadernos Negros”; Imagens selecionadas a partir da
interpretação dos poemas; Vídeo sobre Cadernos Negros, da professora da UFBA
Mara Rute; Vídeo com pronunciamento do Ministro Edson Santos sobre o dia
Nacional da Consciência Negra (2009).
Produto Final: Produção de um “sarau da poesia negra”.
Interfaces com as disciplinas: Historia Literatura, Sociologia.

• Intervenção em sala: Tema – Novelas: encontro com a literatura


Objetivos: Promover análise/ discussões a cerca das telenovelas brasileiras adaptadas
de obras literárias; Abordar de forma abrangente o gênero literário novela; Propor
leitura e produção textual em torno do tema trabalhado.
Conteúdos trabalhados: Definição do termo novela; novelas baseadas em obras
literárias; imagens dos livros ás novelas.
Produto Final: Produção de texto a partir de um trecho das novelas apresentadas.
Interfaces com as disciplinas: Literatura, Sociologia. Filosofia

Além dessas atividades destacadas acima, ainda podemos elencar outras ações tais como:
com a promoção de palestras para discussão a cerca dos trabalhos desenvolvidos pelo PIBID,
bem como os seus resultados; realização de aulas de campo em parceria com os professores;
desenvolvimento de projetos de leitura e escrita oferecidos aos alunos das escolas
participantes; além de oficinas de redação, vídeo e apoio efetivo aos projetos estruturantes da
rede Estadual aderidos pelas escolas parceiras, tais como Festival da Canção Estudantil
(FACE), Tempos de Artes Literária (TAL), Artes Visuais Estudantis (AVE), Educação
Patrimonial Artística (EPA). Acrescenta-se ainda, de organização de exposição e sessão de
filmes.

Vale salientar, que a realização desse subprojeto além de instigar e contribuir para a
formação leitora do aluno do ensino médio, oportunizou também aos bolsistas de iniciação
(alunos da graduação) vivenciar de modo mais completo, pelo menos se comparado aos
estágios supervisionados, à vivência de fato, ou mais aproximada da docência, pois os
mesmos participaram como observadores e colaboradores de reuniões pedagógicas,
atividades complementares, projetos e eventos desenvolvidos nas Unidades Escolares. E
ainda, de modo colaborativo, professor regente e bolsista fazendo planejamento e execução
de intervenções nas mais diversas disciplinas do Ensino Médio, interligadas a temática do
projeto, a serem desenvolvidas na sala de aula. Por isso, os bolsistas se envolviam nas
atividades desenvolvidas de modo efetivo. E de fato, criando e experimentando práticas
225
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
leitoras de textos imagéticos. Ao mesmo tempo em que contribuíam para formação de
leitores críticos de imagens, também se tornavam leitores, mais críticos e produtores mais
conscientes e reflexivos de significados e sentidos a partir de representações visuais.

Considerações finais
Considerando que o texto imagético, no subprojeto em questão, é o propulsor para produções
de novas formas, práticas (estratégia) de lidar com essa linguagem (imagética) em sala de
aula, percebe-se que a utilização da imagem na sala, como texto colabora e muito para
formação dos alunos como leitores. Essas práticas levam os alunos a criarem uma consciência
leitora crítica diante do texto observado. Onde os sentidos impressos pelo produtor, e que
não estão de modo explicito, como elementos culturais, ideológicos, políticos, pessoais, serão
identificados e colaborarão no processo de significação e produção de novos sentidos e outros
textos.

É notória a necessidade de que os futuros professores, bem como os que já atuam possam
perceber a importância da imagem na sala de aula, não só como ilustração, mas como textos
carregados de sentidos, que devem fazer parte da aulas, pois já são partes do mundo.
Portando, é preciso que haja mais pesquisas e experimentações metodológicas sobre o uso da
imagem, para que se torne mais simples sua utilização pedagógica.

Nesse sentido é que o papel da escola atualmente, através de práticas docentes implicadas em
novos saberes, a exemplo das práticas visuais, torna-se fundamental para a formação de
cidadãos que possam ler e interpretar as imagens do mundo que os cerca de forma
consciente, crítica e proveitosa. A fim de que esses cidadãos leitores saibam intervir de modo
produtivo em suas comunidades.

Referências

BARBOSA, E. Leitura e Midia: Entre Ler, ano 1, nº 3jun|jul. PROLER. Casa da Leitura, Rio de Janeiro, 1995.

FAGUNDES, André Luís de Oliveira. O Poder Formativo Das Imagens E Suas Implicações Pedagógicas.
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2009

FERRARA, Lucrecia D’Alésio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.

HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova narrativa educacional.
Trad.: Ana Duarte. Porto alegre: Mediação, 2007.

GOMES, Antenor Rita. Linguagem Imagética e Educação. Guarapari-ES: Ex Libris, 2008.


Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 9, n. 1, p. 15-39, jan./jun. 2006.

HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova narrativa


educacional. Trad.: Ana Duarte. Porto alegre: Mediação, 2007.

MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma historia de amor e ódio.São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

OLIVEIRA, Sandra Regina. Leitura de Imagens para a Educação. – São Paulo: s.n.,1998. Tese (Doutorado) –
Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo. Área de Concentração: Comunicação e Semiótica
PEREIRA, Maria Cristina C. L. Uma arqueologia da história das imagens. In: GOLINO, William (org).
Seminário: A importância da teoria para a produção artística e cultural. Vitória, UFES, maio, 2004. Site:
http://www.tempodecritica.com/

SARDELICH, Maria Emília. Leitura de imagens, cultura visual e prática educativa. Cadernos de Pesquisa,
volume 36, número 128, páginas 451-472. Agosto 2006.

VOLPATO,Edite. Cultura, Imagem e Educação. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PUBLICAÇÕES NA BAHIA: MAPEAMENTO E DIAGNÓSTICO DAS EDITORAS
BAIANAS

Calila das Mercês Oliveira 89*


Raquel Machado Galvão 90**
Roberto Henrique Seidel 91***

RESUMO: A pesquisa “Publicações na Bahia: mapeamento e diagnóstico das editoras


baianas” (CNPq/MinC/Secretaria de Economia Criativa), ligada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), tem
como objetivo principal realizar um mapeamento detalhado das editoras atualmente
existentes na Bahia em suas diversas regiões, englobando tanto as que funcionam na
formalidade com um apelo comercial, quanto as que operam de forma alternativa e não-
tradicional. Este artigo visa apresentar e compartilhar de que forma esta pesquisa está sendo
implementada no estado da Bahia, debatendo questões sobre a cadeia produtiva do livro.
Devido à extensão territorial e a quantidade de municípios da Bahia (417 municípios), o
mapeamento terá como referência sete mesorregiões do estado, a fim de não concentrar o
trabalho em apenas uma área. Diante do desafio de realizar um levantamento sobre
informações e dados da Economia Criativa, uma lacuna ainda em aberto, o projeto visa
investigar experiências do setor criativo do livro, envolvendo uma articulação dos setores de
livro e publicações de mídias impressas. Já tendo conhecimento da existência de algumas
editoras, o projeto busca assimilar as que ainda não estão listadas e as que já trabalham de
forma alternativa, como as editoras de cordéis, quadrinhos e gráficas que funcionam como
editoras. Busca-se, com o projeto, aprofundar o conhecimento sobre o perfil dessa cadeia
produtiva e as nuances de criação e empreendedorismo, considerando as especificidades de
cada um dos agentes que a compõe.

PALAVRAS-CHAVE: Economia Criativa. Cadeia Produtiva do Livro. Editoras Baianas. Livro.


Mapeamento

ABSTRACT: The research “Publications in Bahia: mapping and diagnosis of Bahia’s


Publishers” (CNPq/MinC/Department of Creative Economy), linked to the program of Pos-
Gratuate in Literary Studies at the State University of Feira de Santana (UEFS), has the main
objective to conduct a detailed mapping of currently existing in different regions in Bahia
publishers, speaking of publishers who work in the formal sector with a commercial appeal,
and who work for alternative and non-traditional way. This article aims to present and share
how this research is being implemented in the state of Bahia, debating issues of the book
production chain. Because of the territorial extension and the amount of cities of Bahia (417
cities), the mapping uses seven major regions as a reference, not to focus work on just one
area. The main challenge of the project is to survey the information and data of the Creative
Economy, a gap still open, and aims to investigate the creative sector experiences of the book,
involving a network of articulation of book publications and print media sectors. Already
aware of the existence of some publishers, the project seeks to assimilate those who are not
yet listed and already working alternatively, as the editors of popular literature, comics and
graphic that act as publishers. What is sought with the project is to deepen the knowledge
about the profile of this productive chain and the nuances of creation and entrepreneurship,
considering the specificities of the agents that compose it.
KEYWORDS: Creative Economy. Chain of production. Publishers of Bahia. Book. Mapping.

89* Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários, Bolsista do CNPq, [email protected].
90** Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em

Estudos Literários, Bolsista da Capes, [email protected].


91*** Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Professor do Programa de Pós- Graduação em

Estudos Literários da Universidade Estadual de Feira de Santana e Coordenador da pesquisa “Publicações na Bahia:
mapeamento e diagnóstico das Editoras Baianas”, [email protected].
227
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Introdução

A Economia da Cultura é um novo campo de estudo. A criação recente, em 2011, de uma


Secretaria ligada ao Ministério da Cultura insere as diversas áreas da cultura nesse debate,
legitimando essa necessidade de diálogo sobre esse setor estruturante. Segundo a economista
do IBGE e coordenadora do Sistema de Informações e Indicadores Culturais, Cristina Pereira
de Carvalho Lins, faltam estatísticas governamentais para cobrir o setor das indústrias
criativas, englobando questões metodológicas, referências numéricas, produtivas e de
nomenclatura. Para ela é preciso “aprofundar a reflexão sobre o âmbito do conceito de
cultura/economia criativa para a produção das estatísticas nacionais é uma condição para o
avanço do trabalho, nos termos da parceria” (MINC, 2011, p.108).
Carlos Lopes, no artigo “Competências criativas para fortalecer a economia criativa no
Brasil”, diz que “é preciso mapear as competências e avaliar as necessidades de formação de
economia criativa brasileira” (LOPES, 2011, p.113). Só assim, artistas e empreendedores
criativos poderão buscar uma inserção produtiva e social mais forte, com melhor rendimento
e eficiência.
Segundo Leitão (LEITÃO, 2003, p.115), “cultura é, ao mesmo tempo, processo e produto.
Algo tangível e intangível”. Quando o ensino superior, no seu papel de facilitador de acessos
diversos, se propõe a realizar um estudo sobre o setor de livros, focado em publicações, mais
do que mapear e conhecer, ele visa diagnosticar de que forma os artistas das letras e os
empreendedores culturais estão atuando, e como será possível a interrelação e cooperação
entre os diversos agentes, para que os abismos sejam minimizados e possa existir um real
fortalecimento da área, respeitando assim o pleno exercício da cultura, estabelecendo algo
que vem sendo denominado de cidadania cultural.

I - A Economia do Livro no contexto das Editoras Baianas

A pesquisa "Publicações na Bahia: mapeamento e diagnóstico das editoras baianas", que está
ligada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS), tem como objetivo principal realizar um mapeamento detalhado
das editoras atualmente existentes na Bahia em suas diversas regiões, englobando tanto as
que funcionam na formalidade com um apelo comercial, quanto as que operam de forma
alternativa ou não-tradicional. No que diz respeito ao segmento dito alternativo, há que se
destacar que “o Brasil está assistindo, nos últimos anos, a um movimento cultural vindo da
periferia, englobando literatura, música, entre outras manifestações”, sendo que tal
tendência, conforme a expressão pública do próprio Sindicato Nacional dos Editores de
Livros (SNEL), sinaliza para a “importância de se ter um padrão de qualidade no que se
refere à literatura marginal, ou de periferia, [...] para que ela saia desse nicho e possa atingir
o mercado como um todo” (GANDRA, 2013, online).
Devido à extensão territorial e a quantidade de municípios da Bahia (417 municípios), está
sendo adotada para o mapeamento a referência às sete mesorregiões do estado. Trabalhar
com o conceito de mesorregião significa levar em consideração aspectos mais vastos que
apenas o histórico ou o econômico, de forma a ampliar as determinações no âmbito
conjuntural, observando-se como elementos: “o processo social como determinante, o quadro
natural como condicionante e a rede de comunicação e de lugares como elemento da
articulação espacial” (IBGE, 2013, online).
Segundo o professor e pesquisador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura
(Cult) da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez (MIGUEZ, 2011, p.99): “é bastante
plausível a expectativa de que a realização de estudos e pesquisas voltados para responder às indagações próprias
de toda a novidade venha garantir a densidade teórico-metodológica necessária ao enfrentamento do desafio de
pensar o conceito de economia criativa em chave brasileira”.

Ao pensar o universo editorial, sabe-se que o número de editoras no Brasil até meados da
década de 90 era muito inferior ao quadro que se tem hoje. Havia o domínio daquelas de
228
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
grande porte, localizadas em grandes centros urbanos. Foi a partir da expansão e ampliação
das novas tecnologias da informação, da possibilidade da compra de maquinário,
computadores, e softwares, que houve a mudança desse quadro.
No recorte da Bahia, sabe-se da existência de inúmeras editoras e de políticas culturais
voltadas para elas. A cunho de exemplo, a Fundação Pedro Calmon, principal órgão
governamental ligado ao setor de livros na Bahia, conta com uma Diretoria do Livro e da
Leitura que promove políticas para o setor de publicações. A Fundação é a responsável pelos
editais específicos para a publicação de livros por editoras baianas. No ano de 2012, tais
editais tinham como objetivo:

Apoiar propostas de edição de livro ou coleção de autores baianos, cuja temática


seja a cultura baiana em suas diversas expressões: cultura negra, cultura
sertaneja, literatura (ficção e poesia), folclore, história da Bahia, biografias de
personagens ilustres, literatura popular, fotografia, cultura praieira, etc. (BAHIA,
SECULT, Edital 08/2012, p. 7).

O Plano Nacional do Livro e Leitura, formulado em 2010 pelo Ministério da Cultura em


parceria com o Ministério da Educação, trouxe como um de seus eixos o Desenvolvimento da
Economia do Livro. Elaborado em debate com a sociedade civil, o documento diz que:

A política para o livro e a leitura deve considerar também as diversas autorias e


a criação liter ria, além das questões de fomento do setor editorial e livreiro, de
forma a criar condições para que a produção das obras necessárias aconteça de
forma cada vez mais eficaz [...] (BRASIL, MinC. Plano Nacional do Livro e
Leitura, 2010, p. 35).

O eixo de Desenvolvimento da Economia do Livro traz debates que englobam o


desenvolvimento da cadeia produtiva do livro, o fomento à distribuição, circulação e
consumo de bens de leitura, apoio à cadeia produtiva do livro e maior presença no exterior da
produção nacional literária, científica e cultural editada. E sem o diagnóstico essas metas
podem ficar com diversas lacunas.
O Plano Estadual do Livro e Leitura na Bahia (2013-2022) traz também como um de seus
eixos o Desenvolvimento da Economia do Livro. Entre as estratégias definidas estão:
incrementar a rede produtiva do livro e apoiar a rede criativa do livro, incluindo entre seus
objetivos fomentar a produção de indicadores sobre a situação do livro e leitura na Bahia,
para cujo âmbito esse projeto se propõe em colaborar.

II - Cadeia produtiva do livro e Diversidade Cultural

Pensar a Bahia na sua diversidade territorial — portanto, sem focar apenas a capital e região
metropolitana — é uma tarefa importante, uma oportunidade de possibilitar a voz e a vez aos
demais territórios com diferentes e diversas características sócio-político-culturais,
características estas que não os coloca imunes à dinâmica de atividades artísticas e partícipes
da área de Economia da Cultura. Em termos de abordagens acadêmicas (dissertações de
mestrado), cita-se o exemplo de duas pesquisas recentes que deram conta da dinâmica
cultural de escritores de duas diferentes regiões do interior da Bahia 92, ambas apontando que
há em regiões tão distintas entre si e distantes espacialmente dos centros, tanto uma
intelectualidade que escreve e publica, quanto um público leitor que demanda obras, sejam
elas literárias, sejam não literárias.

92
Trata-se das pesquisas de Alves (2011) e Lopes (2013). A primeira fez pesquisa de campo com a geração de
escritores que se espelhou na carreira do escritor Antonio Torres (natural da microrregião Agreste e Litoral
Norte da Bahia), os quais tanto publicam em editoras alternativas quanto naquelas ditas comerciais. Já a
segunda pesquisa dá conta da microrregião do Médio São Francisco, igualmente constando a existência de
autores, publicações e público leitor.
229
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Dessa forma, as microrregiões selecionadas para o início da pesquisa, que envolverá
levantamentos locais, foram as seguintes: Mesorregião Metropolitana de Salvador
(Microrregião de Salvador e de Santo Antônio de Jesus), Extremo Oeste Baiano
(Microrregião de Barreiras e de Santa Maria da Vitória), Vale São-Franciscano Baiano
(Microrregião de Juazeiro e de Bom Jesus da Lapa), Centro-Sul Baiano (Microrregião de
Vitória da Conquista e de Seabra), Sul Baiano (Microrregião de Porto Seguro e de Ilhéus-
Itabuna), Centro-Norte Baiano (Microrregião de Feira de Santana e de Irecê) e Nordeste
Baiano (Microrregião de Alagoinhas e de Euclides da Cunha).
Diante do desafio de realizar um levantamento sobre informações e dados da economia
criativa, uma lacuna ainda em aberto, a pesquisa visa investigar experiências do setor criativo
de Livro, envolvendo uma articulação dos setores de Livro e Publicações de Mídias
Impressas. Dessa forma, a pesquisa ancora no primeiro dos três eixos colocados pela
Secretaria da Economia Criativa como sendo fundamentais para o desenvolvimento e/ou
incremento da economia criativa no Brasil, quais sejam: a) mapeamento da informação das
cadeias produtivas, com diagnóstico de territórios criativos, de vocações regionais, para
formulação de políticas públicas; b) capacitação técnica para gestão de negócios criativos,
com formação de gestores, do artesanato à cultura digital; c) promoção e difusão desses
empreendimentos em feiras, rodadas de negócios, etc. (cf fala da secretária Claudia Leitão,
apud Economia Criativa, Notícias do MinC, 27 mar. 2013, online).

Considerando aspectos do desenvolvimento como a diversidade, a sustentabilidade, a


inovação e a inclusão social, a pesquisa envolve uma investigação sobre experiências bem
sucedidas com a publicação de livros, assim como o desempenho de coletivos, associações e
cooperativas culturais que atuam na área (com impressão de cordéis, livros artesanais) de
forma alternativa, podendo ser exemplos de sustentabilidade econômica e social.

III - Mapeamento, Diagnóstico e Economia da Cultura

Para o professor e escritor baiano Mayrant Gallo (que já foi titular da Diretoria do Livro e da
Leitura da Fundação Pedro Calmon), a produção editorial baiana atual não fica a dever, em
qualidade gráfica, a quase nenhuma editora das regiões Sudeste e Sul:

Posso estar enganado — e não são poucos os homens que se enganam —, mas,
ao que parece, uma nova era no meio editorial baiano começou. Já temos
editoras — e editoras criteriosas —, em quantidade que nem sei se a constelação
de leitores baianos a justifica. Não faltam livros, portanto. Falta talvez que
leiamos mais, que frequentemos mais as livrarias e aos lançamentos de livros.
Que nos “aculturemos” tanto para a mente quanto para o corpo (GALLO, 2013,
online).

Em uma de suas ações, a Fundação Pedro Calmon realizou uma chamada pública para
selecionar editoras baianas para compor o estande da instituição na XI Bienal do Livro da
Bahia, demonstrando um interesse por par das políticas públicas em fomentar o setor.
Contudo, deve-se considerar que existem ainda editoras desconhecidas pelos mapeamentos
até então realizados, muitas atuando de forma alternativa, como as editoras de cordeis,
quadrinhos e gráficas que funcionam como editoras. Para envolvê-las e criar linhas de apoio
para o financiamento de livros, como costa no plano de ações do Plano Estadual do Livro e da
Leitura, é necessário conhecê-las, em mapeamento e diagnóstico. Ter em mãos informações
sobre quais são as editoras baianas em atuação, investigando a sua cadeia produtiva — que
inclui criação, produção e distribuição — já é um passo importante para divulgação e
facilitação do trabalho delas em rede. Só a partir dessas informações será possível estimular
capacitação e fomento a empreendimentos criativos em toda a Bahia.

Em um levantamento prévio em documentos ligados às políticas estaduais do setor de


cultura, foram identificadas algumas editoras, com perfis diferenciados, que vão das
230
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
universitárias, passando pelas que têm um perfil mais comercial, e outras comunitárias. São
exemplos: Cogito Editora (Salvador), Editora Vento Leste (Salvador), Pimenta Malagueta
(Salvador), Mondrongo (Ilhéus), Quarteto (Salvador), Editora Kalango (Simões Filho), P55
Edições (Salvador), Casarão do Verbo (Anagé), Cedraz (Salvador), Livro.com (Lauro de
Freitas), Casa de Palavras (Salvador), Editora Corrupio (Salvador), EDITUS (Universidade
Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-Itabuna), EDUFBA (Universidade Federal da Bahia,
Salvador), EDUNEB (Universidade Estadual da Bahia, Salvador), Òmnira Editoração e
Revista (Salvador), Selo Arcádia (Salvador), Solisluna Editora (Lauro de Freitas), Todas as
Falas (Porto Seguro), UEFS Editora (Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de
Santana), UNIJORGE (Faculdade Jorge Amado, Salvador), Via Litterarum (Itabuna) e Egba
(Salvador).
Já tendo conhecimento da existência dessas editoras, o projeto busca assimilar as que ainda
não estão listadas e as que já trabalham de forma alternativa, como, por exemplo, as editoras
de cordeis, quadrinhos e gráficas que funcionam como editoras. Munidos dos dados, deve-se
chegar a um perfil das Editoras da Bahia, para que haja uma maior compreensão da cadeia
produtiva do livro no âmbito da criação, produção e distribuição. Já em andamento, a
pesquisa divulgará as informações em um site exclusivo (Publibahia) e, posteriormente,
tornará públicas as informações também em formato e-book.

REFERÊNCIAS

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Cultural). Universidade do Estado da Bahia, Campus II. Alagoinhas, 2011.
BAHIA, SECULT. Edital 08/2012. [Apoio à edição de livros]. Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2012. Disponível
em: http://www.cultura.ba.gov.br/edital/edital-n%C2%BA-08-2012/. Acesso em: 30 out. 2013.
BAHIA. SECULT. Plano estadual do livro e da leitura. Salvador, 2013. Disponível em
http://www.cultura.ba.gov.br/wp-content/uploads/2013/03/Plano-Estadual-do-Livro-e-Leitura- do-Estado-da-
Bahia00.pdf. Acesso em: 30 out. 2013.
BRASIL. MinC. Plano nacional do livro e da leitura. Brasília, 2010. Disponível em:
http://www2.cultura.gov.br/cnpc/wp-content/uploads/2011/07/plano-nacional-do-livro-e- leitura1.pdf. Acesso
em: 30 out. 2012.
BRASIL. MinC. Plano da secretaria da economia criativa: políticas, diretrizes e ações: 2011-2014. Brasília, 2011.
CÂMARA dos Deputados. Legislação sobre livro e leitura. Brasília: Edições Câmara, 2011. Série Legislação, 78.
Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/
handle/bdcamara/8506/legislacao_livro_leitura.pdf?sequence=1. Acesso em: 8 nov. 2013.
ECONOMIA criativa, Notícias do MinC, 27 mar. 2013. Disponível em:
http://www2.cultura.gov.br/site/2013/03/27/economia-criativa-26/. Acesso em: 30 out. 2013.
GALLO, Mayrant. Não faltam editoras. Revista Verbo 21: Cultura e Literatura. Disponível em:
http://www.verbo21.com.br/v5/index.php?option
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GANDRA, Alana. Literatura da periferia começa a chamar a atenção do mercado, diz sindicato das editoras. Portal
EBC, Brasília, 9 set. 2013. Disponível em: http://www.ebc.com.br/cultura/2013/09/literatura-da-periferia-
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Unidas.

231
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LETRAMENTO, VISUALIDADES E PRÁTICAS SOCIAIS:
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO¹

Núbia Oliveira da Silva 93

RESUMO: Este trabalho discute sobre as visualidades e a confluência das culturas do sertão
na Festa do Licuri na perspectiva de análise das formas de letramentos e formação para a
convivência com o semiárido. Embasado pelos ideais de Santos (2011) e Kleiman (2008),
compreende o letramento como múltiplas habilidades em práticas sociais; e as visualidades,
tomadas pelos estudos de Gomes (2012) como uma proposta de produção de sentidos e
aprendizagens a partir das redes transversais; de maneira que os elementos visuais
emprestam condições aos fenômenos de letramento e referentes suficientes aos processos
comunicativos contextualizados, visto que essas ocupam, nesses processos-fenômenos, um
lugar central. Assim, se configura nossos interesses para pesquisar e defender a questão dos
letramentos plurais a partir do visual e todas as questões habitadas no contexto e nos
conceitos estudados.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Visualidade. Educação Contextualizada.


ABSTRACT: This work will deal with the visualities and the confluence of cultures of the
Sertão at the Festa do Licuri in the perspective of analysis of the forms of literacies and
training for acquaintanceship with the semiarid region. Based upon the ideals of Santos
(2011) and Kleiman (2008), it comprises literacy as multiple skills in social practices; and the
visualities by Gomes’s studies (2012) as a production of meanings and learning from the
transversal networks; so the visual elements lend conditions to the phenomena of literacy
and sufficient concerning to contextualized communicative processes, inasmuch as the visual
elements occupy, in these processes-phenomena, a central place. Thus, it is set our interests
to research and to defend the issue of plural literacies from the visual elements and all
inhabited issues in the context and concepts studied.

Key-words: Literacy. Visuality. Contextual Education

INTRODUÇÃO

Reis (2011), em seu artigo “Educação para a convivência com o Semiárido: desafios e
possibilidades”, nos diz que o “contexto do Semiárido é uma construção humana, e assim
como o contexto, também aquilo que se fez historicamente é uma construção humana, e,
portanto, possível de ser revertida, a depender da nossa vontade política de modificar as
coisas”. Essa vontade de mudança conclamada pelo autor deve ser vista como o mote das
práticas educativas contextualizadas para a convivência integrada do homem com o
semiárido, região que devido suas peculiaridades climáticas, favoreceu a criação de imagens
artificializadas como representações do sertão. Ainda para o autor, “é essa uma das
construções humanas que precisa ser desconstruída, pois esse ranço cultural reacionário
contribui para a fabricação de ‘uma identidade de inclinação despótica”’. Reis, no mesmo
artigo, defende que o clima seco da região

permitiu se criar a ideia de calamidade pública que até hoje vigora na ideia e no
imaginário social da população do nordeste e do Brasil como um todo que vai
compreender o Semiárido apenas pela representação idealizada da fome, da miséria,
quando na verdade existem muitas outras coisas nessa região, que precisariam de
maior visibilidade (REIS, 2011, p.2).

93Mestranda em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – Linha Letramento e Comunicação Intercultural, Universidade
do Estado da Bahia – DCH III. E-mail: [email protected]

232
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Considerando essas questões em torno das representações, das imagens, das visualidades e
visibilidades, da construção dos significados e dos sentidos como fundamentais para
instrumentalizar os processos de comunicação e práticas discursivas, portanto, fundamentais
para os processos de letramento, tomamos um evento, nomeadamente, a Festa do Licuri,
como uma prática social promotora destes entrecruzamentos implicados nos processos
formativos contextualizados e emancipatórios.

A Festa do Licuri é um evento que acontece anualmente no interior da Bahia com


abrangência na região dos territórios do Piemonte Norte Itapicuru, Piemonte da Diamantina,
Chapada Diamantina, Bacia do Jacuípe e Sisal. Essa festividade ao licurizeiro, sob a
organização da COOPES (Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina) e
outros parceiros, já ocorreu nas cidades de Mairi, Quixabeira, Várzea da Roça, Capim Grosso,
Serrolândia, São José do Jacuípe. O evento tem proporcionado além da celebração do cultivo
da palmeira, a integração do homem ao seu contexto e o encontro das diversas culturas do
sertão. Ao proporcionar isto, a festa constitui-se como um lugar de fluxo de saberes. Nesse
ponto, nos propusemos a investigar por meio de uma pesquisa etnográfica sobre as
visualidades nela presentes compreendidas em termos de possibilidade de formas de
letramentos e formação para convivência com o semiárido.

A razão pela qual escolhemos esse objeto de estudo foi motivada por diversos fatores. De
antemão, consideramos nossos vínculos pessoais com os assuntos que nela se encontram
engendrados sob a perspectiva de identidade com os sujeitos que participam dos festejos;
com os elementos que a festa traz como representações do sertão e, consequentemente, com
a relevância da valorização do contexto cultural e social do sujeito para os processos
formativos contextualizados.

Com o surgimento da Festa do Licuri, muitos sertanejos vêm despertando para a preservação
do bioma da Caatinga e a readaptação integradora do homem ao seu contexto agora com
novos olhares para o lugar, para suas representações e para os seus reflexos sobre a
identidade da pessoa humana. Assim sendo, a pesquisa buscará responder como a festa do
Licuri, enquanto espaço produtor de visualidades, se constitui como lugar de confluência das
culturas do sertão e oportunidade de letramento/formação dos sujeitos na convivência com o
semiárido? Para isto, buscar-se-á relacionar as simbologias da comunicação visual aí
presentes às múltiplas formas de letramento; identificar formas de integração das diversas
culturas do sertão, suas relações com o contexto e com as formas plurais de letramentos;
identificar temas geradores (sociais e culturais) e alternativas interdiscursivas pautadas na
comunicação visual e nos processos de letramento, por intermédio das múltiplas formas de
linguagens, aspectos cognitivos e formativos da identidade do povo sertanejo.

Isso porque o olhar nos convida a produzir subjetividades para apreender e criar condições
cognitivas necessárias ao desenvolvimento de competências para apropriação social, cultural
e simbólica dos contextos de integração dos indivíduos. Dessa forma, destaca-se a questão do
letramento e da interdiscursividade instauradas a partir das visualidades que se efetivam em
práticas reais e situadas num campo de ação e produção de saberes, focalizando os
fenômenos sociais, culturais e ideológicos, que diretamente, se correlacionam com o
ecossistema discursivo da comunicação, constituindo-se num lugar de compartilhar
conhecimento de forma autônoma e autorizante.
1 CULTURA VISUAL, LETRAMENTO E IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO
CONTEXTUALIZADA.

Compreendemos que a aprendizagem contextualizada para a convivência com o semiárido


deve criar, conforme salienta Reis (2011), condições para construção de um conhecimento
que permita aos sujeitos intervirem no mundo em que se vive por meio de sua compreensão e
da articulação com os saberes diversos. Para tal, entendemos que é preciso estar
fundamentada na globalidade das situações sociais, na sustentabilidade solidária e nas
233
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
diversas culturas do sertão. Entendemos que essa contextualização que se pretende é viva e
vivificada pelos sujeitos. É enraizada nos valores culturais, nos aspectos naturais, históricos e
sociais. Por esse caminho, transita o visual como facilitador, reconhecendo a ação social e
ideológica do olhar como forma de produzir os significados simbólicos aí necessários,
intrinsecamente ligados ao “eu-mundo”.
As hibridações delegadas nos diversos campos da sociedade implicam na organização de
novas formas e novos contextos de aprendizagens abertos à interdiscursividade agora de
forma múltipla, movente e favoráveis ao saber transversal. Nesse viés, a percepção visual, em
especial, contribui substantivamente para a negociação dos significados representativos e
simbólicos das relações sociais cotidianas.
Na Festa do Licuri, esses elementos encontram o ambiente favorável para essa inserção e a
interação dos sujeitos com suas crenças, valores, saberes e (con)vivências. Estes, por sua vez,
ao sentir-se integrados, produzem as representações significativas, as subjetividades e outras
formas de compreensão de mundo, que são, por assim dizer, formas de letramentos. Santos
(2011) e Kleiman (2008) interagem na discussão sobre letramento, apresentando esse
conceito como múltiplas habilidades de conhecimentos que se efetivam em práticas sociais.
Para Kleiman,

um evento de letramento inclui atividades que tem as características de outras


atividades do mundo social: envolve mais de um participante e os envolvidos têm
diferentes saberes, que são mobilizados na medida adequada, no momento
necessário, em prol de interesses, intenções e objetivos individuais e de metas
comuns. Daí ser um evento essencialmente colaborativo (KLEIMAN, 2005, p. 23).

À luz dessa reflexão, aportamos nas visualidades da Festa do Licuri como caracterização de
um evento de letramento e como um espaço integrador do homem à comunidade, para isso,
fica definido que esse evento é constituído em sentidos políticos, sociais, culturais e
identitários. Assim, aos nossos olhares, trata-se de um espaço que combina o encontro com
as culturas sertanejas mais formação para convivência com o semiárido mais possibilidades
de letramentos.
Além disso, Santos (2011) nos auxilia, ao trazer à luz, as representações sociais deslocadas
para a atividade social. Segundo o autor, em consonância com Jodelet (2001), as
representações são formas de conhecimento, socialmente elaboradas e partilhadas, que
podem contribuir para a construção de uma realidade comum a um grupo social e se
constituem num saber prático, ligando o sujeito representador ao objeto representado.

2 O VISUAL E AS FORMAS DE LETRAMENTO

As reflexões acerca do letramento e da formação dos sujeitos para convivência com o


semiárido, defendidas anteriormente, implicam na criação de eventos e práticas discursivas
de letramento, na ressignificação do olhar sobre o lugar e sua gente e sobre a forma de como
o homem, especialmente o do campo, se vê integrado ao mundo, agora, sob a ótica da visão
plurissignificativa e da contextualização.
Soares (2010) enfatiza que para definição do letramento, são relevantes as questões em torno
dos aspectos ideológicos e políticos. Portanto, o letramento cobre uma vasta gama de
conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais; envolve sutilezas e
complexidades.
Isso abre um legue para inteirar que com a crescente pulverização dos artefatos da cultura
visual para os processos comunicativos, faz-se emergente, ao indivíduo do século XXI, o
domínio de leituras outras além do livro, de competências outras, de letramentos plurais.
Fato atestado pelos fenômenos do todo ecossistema comunicativo da contemporaneidade,
que se apresenta impregnado pelas descentralizações, pelo hibridismo e pela mestiçagem
discursiva conforme nos lembra Martín-Barbero (1999).
Para Magalhães (2012), a prática discursiva de letramento constitui conceitos, relações
sociais, identidades, valores e crenças. A autora defende que a identidade social dos sujeitos
se constitui pelo discurso, que por sua vez, é compreendido como prática social. Perpassa por

234
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
esse caminho, o entendimento de que o discurso é uma ação sobre o mundo, um modo de
representação da realidade, sobretudo, um modo de constituição e construção de significado.
Essa compreensão incide na organização de novas formas e novos contextos de
aprendizagens abertos à interculturalidade, à intuição, à criatividade e ao diálogo propulsor
de sentidos. Assim, é perceptível que a Festa do Licuri, no sentido de prática social de
letramento a partir da identidade social e cultural dos sertanejos em interação e “por
envolver o engajamento do indivíduo em projetos coletivos que transcendem os dados da
experiência concreta individual, favorece o desenvolvimento de uma perspectiva cognitiva,
isto é, que se debruça sobre o real como objeto de reflexão e não apenas de ação” (OLIVEIRA,
2012, p.158).

Ao tomarmos a questão da cognição a partir do refletir sobre um objeto, adentramos nas


questões voltadas para a produção de sentidos por meio do visual e todas as implicações que
aí habitam. Nesse contexto, são fundantes os estudos de Gomes (2012) no tocante à
produção de conhecimentos e de aprendizagens contextualizadas pelo amparo das imagens e
das visualidades. Para o autor (2012, p. 25), esse sentido cria “um espaço próprio do dizer;
faz transgressões e transmutações; forja sentidos insuspeitados relacionados ao inconsciente
e ao enigmático. Uma cadeia flutuante de significados que atravessa e vai além do sentido
conotativo e denotativo, simplesmente”. Desse modo, cremos que por meio do sentido das
visualidades e da confluência das culturas do sertão, a Festa do Licuri se caracteriza como um
espaço plural de letramento porque proporciona múltiplas formas de produção se sentido e
significados pelas diversas formas de tradição comunicativa-discursivas, especialmente aqui,
a visual.

Santos (2008) conclama a favor de práticas discursivas (de letramento) a partir de uma
significação local ou orientada a partir dos modos de saber e de dizer localmente situados.
Assim, as diversas formas de linguagem devem ser a conexão entre as diversas formas de
saber, de conhecer, de compreender e de interpretar com autonomia os enunciados da
comunidade.
Ademais, investimos na questão das visualidades por compreendermos que estas ocupam,
desde os primórdios da humanidade, um lugar central nos processos de comunicação e nas
diversas formas de propagação e produção do conhecimento. Aliás, as visualidades são
entendidas aqui, em consonâncias com os pressupostos de Gomes (2012), como formas de o
indivíduo ver o mundo e enxergar a si próprio como sujeito potencial construtor de seus
conhecimentos. Hernández (2012) por seu turno, alega que a cultura visual é uma condição
cultural que, especialmente na época atual, está marcada por nossa relação com as
tecnologias da aprendizagem e comunicação que afeta como nós vemos a nós mesmos e ao
mundo. Assim sendo, portanto, um fenômeno relevante e implicado aos processos de
letramento.
Somadamente, saber contemplar o mundo e dele criar uma representação, possibilita a
criação de um ethos significativo do qual se produz as políticas de sentidos, que são
atravessadas por determinantes e conexões emanados dos diversos contextos dos
interactantes. As aprendizagens a partir do visual estão fortemente ligadas à condição
humana de interar com o próprio homem e o meio em que vive, compartilhando saberes e
vivências, construindo aprendizagens e compreensões e, por assim dizer, formas de
letramentos. Trata-se, de uma racionalidade sensível, como sugere Gomes (2012), que faz
com que o processo de produção de sentido seja localizado, complexo e híbrido. Ainda
segundo o autor, trata-se de um processo que assume as abordagens transversais, ancorado
pelo paradigma rizomático, deleuziano, e não aquele da fragmentação ou mapeamento dos
territórios do conhecimento.
Com efeito, ao pensarmos sobre as visualidades como forma de letramento, estamos
inferindo sobre a produção de sentidos e sobre ela elucidar leituras de mundo, uma vez que
estas precedem a leitura da palavra. Pensamos nestas leituras e compreensão a partir da
transversalidade do visual como possibilidades de o indivíduo criar significados e
desenvolver a consciência crítica e transformadora, pois à medida que o conhecimento é
produzido a partir desses ideais, aprende-se a agir sobre o mundo. Por isso, Gomes (2012, p.
235
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
138) nos diz que “la comprensión que nos llega por la mirada es una de las más importantes
formas de dar sentido a nuestro mundo. Em muchas circunstancias, para su mejor
comprension, es necessário ver, es preciso mirar”.

À luz dessas reflexões, Santos (2008) nos avisa que as práticas sócias ou as interações sociais
são mediadas por gêneros específicos de discursos também específicos. E são nestas
especificidades, conclamadas pelo autor, que as visualidades atendem aos propósitos de
problematização entre os saberes que são negociados socialmente e efetivados em redes
transversais de política de sentido, significados e representações. O visual se configura, pois,
como um hipertexto, que potencializa as leituras de mundo de forma cidadã, crítica e
autônoma. Por essa razão, para Gomes (2004), toda prática social humana se constitui de
sentidos, e todo sentido é atravessado por práticas discursivas. Estas por sua vez, constituídas
de uma multiplicidade de vozes que fazem do sentido uma configuração híbrida de
complexas relações e fortes interferências políticos/sociais. Assim, quando o mesmo autor
traz à luz as questões voltadas para o campo das visualidades, é perceptível que há algumas
condições indissociáveis com a noção de letramento do ponto de vista ideológico, visto sua
intrínseca conexão com as linguagens contemporâneas, os discursos, a produção de sentido e
as formas de interpretação. De maneira que as visualidades emprestam aos fenômenos de
letramento condições e referentes suficientes aos processos comunicativos contemporâneos,
visto que essas ocupam, nesses processos-fenômenos, um lugar central. Gomes, completa
essa reflexão, inferindo que

nos processos de comunicação (incluindo aí os processos educativos e as


manifestações culturais) imagens diversas são construídas e mobilizadas como
representações dependentes da identidade e do sentimento de pertencimento dos
sujeitos envolvendo aspectos cognitivos, culturais e afetivos, de tal modo, imbricados
às experiências pessoais e sociais, que se configuram como o resultado das
sofisticadas relações do “eu” com o “outro” e com o ambiente. São realidades
linguísticas indexadas e por isso, parte indissociável dos processos culturais e
comunicativos (GOMES, 2004, p. 62).

Portanto, ao tomarmos as questões envoltas do modelo ideológico de letramento numa


perspectiva intercultural conforme propõem Santos (2008) e Kleiman (2012), desvelamos a
abertura para a produção de sentidos de forma anti-hegemônica, abrindo caminhos para a
entrada massiva das visualidades e todas as questões que aí habitam. É desse ponto de vista
que as visualidades, apresentadas como instâncias abertas, híbridas e não aprisionadas pelos
estatutos da lógica, nem pelos saberes compartimentados se prestam inteiramente às
reflexões das emergências contemporâneas. Assim, entendemos que não compete a elas um
letramento específico, mas sim, o letramento plural, que se efetiva contextualizado.

3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Presentemente, as informações atingem a sociedade através de diversas modalidades, dentre


as quais, e com merecido destaque, as visualidades, dada a suas inferências e construção de
significados nos processos comunicativos. Fato que nos norteia a prescrição dos novos
conceitos para o letramento, para, posteriormente, dialogarmos com suas práticas
claramente associadas às questões da identidade cultural e das ideologias que habitam nestes
processos. De modo que conforme sugere Street (2006) e Santos (2008), um letramento
plural que possa ser um lugar de negociação de significado e transformação.
Sabemos que a cultura visual não é ideologicamente neutra, portanto, entendemos que as
visualidades presentes na Festa do Licuri realçam o sentido do ver-e-aprender com reflexo
crítico e implicado em conhecer o que é essencialmente humano. Lembramos, assim, que
“conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo
dele”(MORIN, 2001, p. 47), um universo de contextualização multirreferencial e ampliado
por conexões transversais entre os interactantes.

236
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Dessa maneira, a ambientação da Festa do Licuri coloca em relevo a valorização dos eventos
de letramentos, das visualidades e a integração das práticas culturais ao alcance dos sujeitos
para sua formação para convivência com o semiárido. Assim, buscaremos desenhar por meio
da pesquisa aqui anunciada, um caminho que se desvele em desafios e possibilidades para
abarcar a imensidão discursiva dos elementos encontrados ou não no contexto daquele
evento, ressignificando-a dentro de uma cadeia maior de conceitos para os processos do
letramento em conexões fortemente ligadas ao discurso, ao evento e aos sentidos que
transitam pelos entornos do visual.

REFRÊNCIAS

FREIRE, P. Educação e mudança. 12ª Ed. Paz e terra.

GOMES, A. R. Ver e aprender: Proposições Pedagógicas sobre Educação e Cultura Visual. Salvador:
Eduneb, 2012.

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pedagógico no uso do texto imagético-verbal em atividades do ensino da língua portuguesa. Tese
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X9/EducaoparaConvivnciadesafiosepossibilidades.pdf. Acesso em 25-09.2013

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professor. Campinas: Mercado de letras, 2011.

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http://www.ppgesa.uneb.br/arquivos/Letramento.pdf

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Disponível in http://www.revistas.usp.br/flp/article/download/59767/62876

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

237
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LETRAMENTO EM LÍNGUA INGLESA COMO PROPOSTA DE FORMAÇÃO
CONTINUADA PARA PROFESSORES DA REDE PÚBLICA

94Ló Ruama Patrícia da Silva Lima


95Zaira Dantas de Miranda Cavalcanti

RESUMO:O Letramento em Língua Inglesa constitui uma ferramenta relevante para a


constituição de sujeitos críticos, aptos a comunicar-se e a interagir com o outro nos diversos
contextos sociais, possibilitando a inclusão dos mesmos no mundo e na pluralidade cultural
por meio da língua. Diante dessa realidade, o professor precisa estar atento às demandas do
ensino-aprendizagem, para que, diante do seu progresso profissional, possa atendê-las de
forma eficiente. Partindo dessa perspectiva, a proposta pedagógica na qual a formação
continuada baseia-se visa, por meio do letramento em Língua Inglesa, a ampliação das
competências: linguístico-comunicativa, aplicada (teórica) e prática. Dessa forma, nosso
trabalho teve como objetivo, proporcionar aos professores de Inglês da Rede Pública, o
aperfeiçoamento de suas práticas, por meio do estudo intensivo das habilidades de oralidade,
escrita, leitura e audição. Assim, participaram do projeto, quarenta e cinco professores da
rede pública estadual e municipal, com faixa etária de vinte e cinco a sessenta e cinco anos.
Assim, alcançamos como resultados, o desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos dos
sujeitos envolvidos, o qual reflete no processo de ensino-aprendizagem de Inglês nas escolas
públicas, assim como uma reflexão quanto às práticas dos professores em sala de aula. Nesse
sentido, o projeto pôde contribuir para um novo olhar acerca da formação continuada dos
professores como recurso importante para a educação.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento em Língua Inglesa. Formação Continuada. Ensino-


aprendizagem.

ABSTRACT: The Literacy in English language is an important tool for the formation of
critical individuals, able to communicate and interact with others in different social contexts,
enabling their inclusion in the world and cultural diversity through language. Given this
reality the teacher needs to be aware of the demands of teaching and learning so that,
through their professional progress they can actuate efficiently. From this perspective, the
pedagogical approach in which continuing education is based aims through literacy in
English Language, expansion of skills: linguistic-communicative, applied (theoretical) and
practical. Thus, our work aimed to provide teacher of English Public schools the
improvement of their practices, through the intensive study of the skills such as reading,
writing, speaking and listening. Therefore, in the project took part forty-five teachers from
the state and municipal public schools, aged from twenty-five to sixty-five years. Then, we
achieved as a result the development of language skills of the involved subjects, which reflects
on the teaching and learning English as public schools, as well as a reflection on the practices
and management of teachers in the classroom. In this sense, the project could contribute to a
new perspective on the continuing education of teachers as an important resource.

KEYWORDS: Literacy in English language. Continuing education. Teaching and learning.

1 Introdução

Por meio da iniciativa aos projetos de extensão idealizados na Universidade de Pernambuco,


obtivemos, no segundo semestre de 2013, a oportunidade de realizar um projeto intitulado
“Curso de Aperfeiçoamento da Língua Inglesa para Professores da Rede Pública”, cuja

94 Graduada do curso de Licenciatura em Letras - Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco – UPE/
Campus Petrolina.
95 Professora auxiliar do curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco

- UPE/ Campus Petrolina.


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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
finalidade é de dar continuidade à aquisição de conhecimentos linguísticos e práticos aos
professores de Inglês como proposta de formação continuada, visando o progresso
profissional e, consequentemente, educacional.
A ideia de desenvolver o curso de aperfeiçoamento surgiu da observação em projetos de
pesquisa realizados pelos alunos do curso de Letras - Língua Inglesa e suas Literaturas, na
disciplina de Estágio Supervisionado I,II,III e IV, os quais apontavam para as dificuldades
desse profissionais, assim como da experiência vivenciada pela professora da disciplina,
durante os cursos de Formação Continuada promovidos na região, onde foi possível conhecer
o perfil dos professores de Inglês, as competências a serem aperfeiçoadas nos estudos e a
aplicação de ações específicas para os problemas apresentados, diante dos quais os
professores mostram-se motivados em minimizá-los.
Desse modo, nosso projeto teve o objetivo não apenas de potencializar os conhecimentos
linguísticos dos professores como recurso essencial em suas práticas pedagógicas, sobretudo,
de mostrar novos caminhos que apontassem para as melhorias possíveis, como também para
apresentar ações pedagógicas úteis à aprendizagem significativa dos alunos.
De acordo com Jordão e Halu (2011), adotar um modelo tradicionalista de ensino é ignorar o
conhecimento dos professores aplicados em suas práticas, no planejamento. Nesse sentido,
nos propomos a desenvolver todas as atividades de forma contextualizada, relacionando o
conhecimento prévio desses profissionais àquilo que se buscava alcançar ao longo do curso,
em situações reais de uso da língua, tentando aproximá-la da realidade dos professores, a fim
de contribuir para o desenvolvimento da carreira profissional do educador e, por
conseguinte, da vida acadêmica dos alunos das escolas públicas.

2 Formação Continuada e o ensino-aprendizagem de Língua Inglesa

No ponto de vista de Walesko e Procailo (2011), antes de falarmos sobre formação continuada
de professores e seus reflexos no ensino de Língua Inglesa nas escolas públicas, é importante
conhecer os conceitos dados a este termo. De acordo com o dicionário Houaiss de Língua
Portuguesa (2008, p. 356), podemos definir a palavra formação como sendo: 1. criação,
constituição; 2. posicionamento, ordenamento; 3. conjunto de cursos concluídos e graus
obtidos por uma pessoa; 4. maneira como uma pessoa é criada, educação. Relacionado o
último conceito ao contexto educacional, podemos afirmar que, para exercer a função de um
professor, é preciso que o indivíduo forme-se ou tenha sido formado por outros, isso significa
que este, tenha se desenvolvido suas competências em um processo longo, a partir do
ingresso em um curso universitário e da permanência durante toda sua carreira profissional.
Acerca da formação profissional, Almeida Filho (1997) apud Walesko e Procailo (2011, p.207)
assegura que:
É a competência profissional do professor credenciado pela universidade que terá de
se fortalecer a partir de então no reconhecimento do valor de ser professor, das
necessidades de movimento constante, de aperfeiçoamento em cursos, congressos,
projetos, seminários, viagens de participação em eventos organizados por associações
de docentes e pesquisadores.

Almeida Filho (1997) apud Walesko e Procailo (2011, p.2008) diz que, a formação continuada
ou permanente: refere-se ao engajamento do professor em serviço pela busca do
aperfeiçoamento profissional, seja em curso de formação de professores presenciais ou à
distância ou de forma independente, a partir da reflexão sobre o próprio trabalho.
Ainda, nas palavras de Walesko e Procailo (2011), grande parte dos cursos de graduação em
licenciaturas em Letras no Brasil não consegue atingir plenamente os objetivos necessários
para uma formação profissional sólida, ou seja, o domínio dos aspectos linguísticos, tanto na
habilidade oral quanto na escrita, o que representa a falta de uma base pedagógica e de
conhecimentos em Linguística Aplicada consistentes. A boa formação desse profissional é,
muitas vezes, resultado do empenho individual, uma vez que os cursos de licenciatura
ensinam sobre a língua sem propor aprofundamento na área específica de aprendizagem de
Língua estrangeira.

239
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Lima (2011) também assegura que, o descaso com que o ensino de língua estrangeira sempre
foi tratado nas escolas brasileiras, apesar de leis, resoluções e diretrizes publicadas no intuito
de reverter esse contexto, tornou-se um tema constante no campo da Linguística Aplicada.
Nas palavras de Paiva (1997) apud Walesko e Procailo (2011, p. 201),a deficiência na
formação inicial do docente de línguas gera a necessidade de criação de ambientes de
Formação Continuada, uma vez que, diante do grande número de professores que concluíram
o curso de licenciatura há muitos anos, precisam reavaliar a validade das metodologias de
ensino adotadas, assim como desenvolver suas habilidades cognitivas, o aprimoramento
profissional e a motivação para continuar o caminho que escolheram seguir.
Compreendemos que, a falta de um bom nível de conhecimentos na língua constitui um
obstáculo no desempenho pedagógico do professor e, tal dificuldade apresenta-se nas crenças
do mesmo, quando escutamos frases como a seguinte “como posso ensinar aquilo que não
domino?”. Perguntas como essa nos conduzem à reflexão quanto ao que se tem feito para
modificar a realidade da formação inicial do professor e os seus reflexos no processo de
ensino de Língua Inglesa nas escolas públicas, nas quais, muitos professores, não apresentam
aos alunos o uso da língua como prática social, mas, como um componente curricular
obrigatório desconexo de uma utilização significativa na vida dos estudantes. Entendemos
que, o professor, em sua posição de mediador deve conscientizar-se e conscientizar seus
alunos do ponto de vista de um falante da língua e detentor de um instrumento de conexão,
de intercâmbio de culturas, de conhecimento e ideologias.
Nesse sentido, limitar a concepção de ensino de Língua Inglesa à ideia de disciplina
obrigatória, tendo como pressupostos teóricos métodos que não atinjam as demandas dos
aprendizes, significa impedi-los de ingressar no mundo contemporâneo e em suas inúmeras
oportunidades.
Ademais, acerca dessa problemática, Leffa (2011) apud Almeida Filho (advoga que, “é óbvio
que não basta saber a língua estrangeira para ser bom professor, mas nem mesmo a língua
muitos deles sabem, principalmente fora dos grandes centros”. Assim sendo, diante do
despreparo do professor que ensina ao aluno algo que ele mesmo não conhece, há uma
questão histórica e complexa. Em virtude disso, se faz necessária a aplicação de ações que
contribuam para o aperfeiçoamento pedagógico do professor de Língua Inglesa. Em resposta
a esses “velhos desafios”, muitas universidades do país têm pesquisado e proposto projetos
de intervenção.

3 Língua Inglesa e Letramento

Dentre as várias concepções dadas ao termo letramento, destacamos aquela que o define
comosendo o uso efetivo das práticas de leitura e escrita e suas implicações no meio social.
Sendo assim, do ponto de vista de Soares (2004) os sujeitos que dominam as práticas de
leitura e escrita estão aptos a integrar e atuar nas diferentes atividades sociais, podendo,
então, estabelecer, por meio da interação com o outro, da produção discursiva e de
conhecimento a condição ou estado de indivíduo participante de uma sociedade letrada.
Dessa forma, o letramento torna-se um meio de relacionar as formas de linguagem escritas,
como fio condutor à reflexão crítica, usando a língua como prática social e ferramenta de
interação com o outro, estabelecendo e (re) negociando os sentidos e visões de mundo através
da leitura e escrita. Logo, o letramento em Língua Inglesa permite ao aprendiz realizar
inferências, novos olhares e interpretações irrestritas dos discursos produzidos nas relações
sociais.
Com base na leitura das recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Estrangeira (PCN, 1997) percebemos que, as habilidades de leitura e escrita são privilegiadas
no processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa, haja vista que, tais habilidades são
consideradas mais acessíveis aos estudantes em relação às práticas da oralidade e fala. É
partindo dessa premissa que o ensino da língua norteado pelo letramento, propõe a
expansão, desenvolvimento da competência crítica, aquisição de conhecimentos linguísticos,
bem como o enriquecimento de cultural nas diversas formas em que a linguagem escrita se
apresenta ao aprendiz. Ademais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n°
9394/96, no artigo 205 diz que, a educação “será promovida e incentivada, com a
240
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania”, reafirmando assim, a importância da abordagem do letramento no
ensino-aprendizagem de Língua Inglesa como recurso relevante para a constituição de
cidadãos crítico-reflexivo.

4 METODOLOGIA

O curso de aperfeiçoamento foi desenvolvido em dois ambientes distintos, no período de


agosto a dezembro de 2013. Assim, foram formados dois grupos com professores da rede
pública estadual e municipal, inicialmente de quarenta e cinco docentes, sendo uma turma
em sala disponibilizada pela Universidade de Pernambuco, campus Petrolina e outra turma
no espaço cedido pelo NEL (Núcleo de Ensino de Línguas) de uma escola de referência em
ensino Médio de Petrolina - PE, com a carga horária de duas horas semanais em ambas as
turmas.
No grupo de estudo realizado no campus da universidade, vinte e um professores concluíram
o nível 1 do curso, já no segundo, avançaram ao nível 2, quatorze professores.
Propomos, no início das aulas um teste de nivelamento, com a finalidade de conhecer o nível
em que cada um se encontrava, uma vez que, estávamos estabelecendo um ambiente de
convívio com professores, que já tinham conhecimento na língua que ensinavam, a fim de
inseri-los em uma turma onde se sentissem à vontade e que não quebrássemos a sequência
cronológica da aprendizagem. Assim, o diálogo nos permitiu ter mais autonomia sobre as
atividades, sendo negociadas em conjunto, sem submetê-las a esta ou aquela abordagem
como única e intransferível, considerando as singularidades de cada participante.
Em virtude do caráter heterogêneo das turmas, em termos de idade, formação acadêmica,
(alguns professores, eram graduados em outras licenciaturas, entretanto, lecionavam a
Língua Inglesa), tempo de experiência e nível de proficiência, nos possibilitou conhecer as
necessidades específicas de cada professor. Esse conhecimento pôde nos nortear sobre como
conduzi-los à aquisição dos conteúdos programados mediante as diversas formas de
aprendizagem que cada possuía.
Quanto às formas de avaliar o aprendizado, eram feitos testes orais e escritos ao final de cada
unidade, bem como a observação da participação nas atividades de leitura, produção textual,
homeworks e games.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do curso de aperfeiçoamento confirmam que, por meio da vivência em um


ambiente propício à aprendizagem, do letramento, assim como de uma abordagem de ensino
comunicativo e contextualizado, é possível garantir aos professores de Inglês da Rede Pública
acesso a conhecimentos linguísticos mais amplos e a formação de novas perspectivas
educacionais, com base na troca de experiências em sala de aula. Esta é, portanto a
característica que diferencia a experiência adquirida nos cursos de formação continuada
daqueles oferecidos em escolas de idiomas, uma vez que, os espaços onde os programas de
formação continuada acontecem são organizados por e para professores, garantindo assim a
integração entre os docentes. Por essa razão, a criação e manutenção de cursos de
aperfeiçoamento voltados exclusivamente para professores são relevantes para que o
professor construa, a partir da interação com os demais, novas perspectivas e se aperfeiçoe de
forma ininterrupta ao longo de sua carreira profissional. Nesse sentido, consideramos que, o
aprimoramento profissional do professor reflete diretamente no processo de aprendizagem
da Língua Inglesa pelos alunos, uma vez que, na medida em que o professor percebe-se
melhor preparado para atender as necessidades e superar os novos desafios constantes
procedentes do ensino-aprendizagem da língua nas escolas públicas, suas ações em sala de
aula tornam-se, de igual modo, capazes de contribuir para a constituição de sujeitos mais
conscientes de suas funções na sociedade, sejam eles professores ou alunos.
Referências

ALMEIDA FILHO, J.C.P de. O professor de inglês em formação. (org). 3ed, Campinas, SP: Pontes, 2009.

241
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria de
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Disponível em: <http: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf. Acesso
em abril de 2014.

242
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
JOVENS E ADULTOS LENDO, ESCREVENDO E APRENDENDO INGLÊS POR
MEIO DE GÊNEROS TEXTUAIS
Kelliane Coêlho de Carvalho 96
Maria Aparecida Amador Cavalcante 97
Relma Lúcia Passos de Castro Mudo 98

RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem se constituindo no Brasil uma


modalidade de ensino de grande importância pelo seu valor de inclusão de grupos menos
favorecidos, pela oportunidade de crescimento na profissão ou pelo desejo de adquirir uma.
Porém, para que ela cumpra de fato o seu papel de oferecer ensino de qualidade e
preparatório para o mercado de trabalho, um dos seus desafios é redefinir a visão que muitos
ainda possuem dela, de uma mera escolarização compensatória para um ensino que
desenvolva a autonomia e sentido de responsabilidade das pessoas. Partindo desse ponto de
vista, o presente artigo é resultado de um projeto de extensão que teve como objetivo
oportunizar, para o aluno da EJA, o desenvolvimento de competências de leitura, habilidades
de compreensão textual em Língua Inglesa a partir do uso de métodos e abordagens de
ensino bem como dos gêneros textuais. Para tanto, buscou-se desenvolver conhecimentos,
competências e habilidades por meio de atividades práticas, debates, leitura e compreensão
de textos. Os resultados apontaram que o uso de um ensino contextualizado se mostrou
eficaz, visto que houve motivação, interação e satisfação por parte dos alunos da EJA, o que
os conduziram à familiarização de diferentes gêneros, à realização de previsões e inferências
contextuais e à elaboração de um posicionamento crítico e reflexivo. Confirmando, assim,
que trabalhar leitura, escrita, oralidade e aspectos gramaticais em conjunto e voltado para a
realidade destes garantem uma aprendizagem mais significativa.
PALAVRAS-CHAVE: Língua Inglesa. EJA. Leitura e compreensão de textos. Gêneros
Textuais.
ABSTRACT: The Education of Youth and Adults, known in Brazil as EJA, has been
constituted as an important way of teaching for its inclusion of disadvantaged groups , giving
opportunity of profession growth or the desire to acquire one . However, for the fact that it
fulfills its objective of providing quality education and prepare for the labor market, one of its
challenges is to redefine the vision that many people have about it, a mere compensatory
education for teaching that develops autonomy and sense of responsibility. From this point of
view, this article is the result of an extension project aimed to create opportunities for the
student of EJA, with development of reading skills, reading comprehension in English
Language from the use of methods and approaches teaching as well as textual genres. To this,
it was developed knowledge, skills and abilities through practical activities, discussions,
reading and texts comprehension. The results showed that the use of a contextualized
teaching was effective, because there was motivation, interaction and satisfaction by the
students of EJA, which brought familiarization of different genres, predictions, contextual
inferences and critical and reflexive positioning. Confirming that, when it is worked reading,
writing, speaking and grammatical aspects together, facing their reality, it can be guaranteed
a more meaningful learning.
KEYWORDS: English Language. EJA. Reading and comprehension texts. Textual Genres.

96Graduanda do curso de Licenciatura em Letras - Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco – UPE /
Campus Petrolina. [email protected]

97Graduada do curso de Licenciatura em Letras - Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco – UPE /
Campus Petrolina. [email protected]

98Professora Assistente do curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de
Pernambuco – UPE / Campus Petrolina. [email protected]

243
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTRODUÇÃO

Conforme dito acima, o presente artigo foi realizado a partir de experiência de um projeto de
extensão em uma escola estadual da cidade de Petrolina - PE, na modalidade de ensino de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), durante os meses de maio e novembro de 2013. O
mesmo teve como objetivo oportunizar, para o aluno da EJA, o desenvolvimento de
competências de leitura, habilidades de compreensão textual em Língua Inglesa a partir do
uso de métodos e abordagens de ensino bem como dos gêneros textuais.
Vale destacar que, a opção por essa escola deu-se pelo fato de uma das participantes desse
estudo já ter realizado estágios anteriormente na instituição e, assim, possuir conhecimento
a respeito da dinâmica escolar e aproximação com os profissionais atuantes na mesma.
Consideramos, também, importante ressaltar que a comunidade atendida pela escola é, em
sua maioria, composta de famílias com formações diferenciadas, pessoas carentes e de renda
baixa. Ressaltamos ainda que, as participantes desse projeto foram bem acolhidas pela gestão
escolar e pelo professor regente da disciplina.
Antes de aplicar o projeto, as participantes passaram por meio um período de observação de
aulas, onde ficou perceptível que o ensino da Língua Inglesa ainda estava distante da sua
função comunicativa, realidade esta que vem sendo amplamente discutida na literatura
científica e nos documentos do Ministério da Educação (MEC). Partindo dessa premissa,
serão discorridos, ao longo do nosso artigo, uma breve análise teórica sobre a EJA e o ensino
da Língua Inglesa, os gêneros textuais no contexto escolar, os procedimentos didáticos
utilizados para a aplicação do projeto, bem como os resultados obtidos.
Com base nas informações adquiridas, a análise dos dados foi feita de forma qualitativa e
descritiva tendo como referência os objetivos deste estudo, visto que a mesma recai sobre a
compreensão de dados reais, levando em conta não só o contexto social no qual estão
inseridos, mas as subjetividades e as opiniões dos sujeitos envolvidos.
Assim sendo, esperamos que esse estudo possa contribuir com as pesquisas voltadas para o
ensino de Língua Inglesa, assim como, possa lançar um novo olhar sobre a valorização dos
sujeitos enquanto aprendizes de Língua Inglesa na modalidade de ensino EJA, levando em
consideração os saberes construídos em suas trajetórias de vida, uma vez que a educação
escolar atua historicamente na vida do indivíduo, constituindo-se não só como necessária
para sua sobrevivência, mas também como base de informação e cultura para enfrentar o
mercado de trabalho e, principalmente, como formadora de agente criador e transformador
da sociedade.

UM BREVE OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A


APRENDIZAGEM DE UMA LÍNGUA INGLESA

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem se constituindo no Brasil uma modalidade de


ensino de grande importância pelo seu valor de inclusão de grupos menos favorecidos, pela
oportunidade de crescimento na profissão ou pelo desejo de adquirir uma. Porém, para que
ela cumpra de fato o seu papel de oferecer ensino de qualidade e preparatório para o mercado
de trabalho, um dos seus desafios é redefinir a visão que muitos ainda possuem dela, de uma
mera escolarização compensatória para um ensino que desenvolva a autonomia e sentido de
responsabilidade das pessoas.
Partindo desse ponto de vista, podemos afirmar que a aprendizagem de uma Língua
Estrangeira é uma possibilidade de aumentar a auto percepção do aluno da EJA como ser
humano e como cidadão. Por esse motivo, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Estrangeira (PCNs LE), “ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz,
ou seja, em sua capacidade de se engajar e engajar os outros no discurso de modo a poder
agir no mundo social” (BRASIL, 1998, p. 15). Ainda segundo os PCNs LE (1998), esse ensino
deve partir do desenvolvimento da habilidade de leitura, justamente por ser essa a forma
mais encontrada e utilizada pelos alunos no seu cotidiano, colaborando também o seu
desempenho como leitor em sua língua materna. Seguindo o mesmo pensamento, os PCNs
LE (1998, p. 29-30) asseguram que:

244
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Para que o processo de construção de significados de natureza sociointeracional seja
possível, as pessoas utilizam três tipos de conhecimento: conhecimento sistêmico,
conhecimento de mundo e conhecimento da organização dos textos. Esses
conhecimentos compõem a competência comunicativa do aluno e o preparam para o
engajamento discursivo (BRASIL, 1998, p.29-30).

Na perspectiva Bakhtiniana (BAKHTIN, 2006), a linguagem é entendida como um fenômeno


social e histórico e, em função disso, ideológico. É vista como tendo papel crucial na
construção do homem como ser social. Diz, ainda, que, à medida que as vozes dos
interagentes de cada situação de comunicação verbal entram em contato constroem,
reconstroem, ou traduzem em sentidos os significados que estão sendo negociados, sua
consciência, seu conhecimento do mundo e, em última análise, eles próprios se completam e
se constroem continuamente, nas suas práticas discursivas e nas dos outros. Bakhtin vê o
sujeito imbricado em seu meio social, sendo permeado e constituído pelos discursos que o
circundam. Para o autor, a linguagem também é vista como uma arena de conflitos, é
inseparável da questão do poder; cada signo é materialmente constituído no sentido de ser
produzido dialogicamente no contexto de todos os outros signos sociais. Nesse sentido,
podemos dizer que a função discursiva da língua, onde o ensino deve estar atrelado ao seu
uso em diferentes contextos sociais, identificando e analisando as peculiaridades existentes
em cada situação.
Em uma pesquisa realizada pelo Ministério da Educação (2002) sobre a EJA no Brasil, revela
que as estratégias didáticas utilizadas por professores de Língua Estrangeira consistem em
aulas expositivas com uso de livro didático ou apostila, onde na maioria dos casos, não é
adaptado à realidade da turma. Vale também ressaltar que entre as atividades realizadas em
sala de aula estão as que envolvem o estudo da gramática, seguido de leitura e tradução de
textos e diálogos. Percebemos, com isso, a necessidade de mudanças no panorama da
educação pública brasileira, principalmente quando se trata das turmas da EJA e do
aprendizado da Língua Inglesa, cujo alunado, em sua maioria, não tem conhecimento da
língua devido o seu afastamento da escola ou à sua condição de vida.
Podemos assegurar, também, que a aprendizagem de uma língua estrangeira está
intrinsecamente ligada ao tema da diversidade cultural que vem adquirindo crescente
importância na atualidade, cuja aprendizagem passa a ser uma experiência completamente
nova e que a Língua Inglesa, de um ponto de vista discursivo, não pode apenas representar
algo já dado, uma vez que a linguagem constitui um elemento essencial de toda cultura, pois
possibilita a transmissão oral ou escrita do passado de um sujeito ou de uma coletividade
construída a partir de experiências pessoais, experiências dos outros, por discursos já
constituídos ou a serem construídos pelos que o cercam.

GÊNEROS TEXTUAIS, CICLO DE TAREFAS E ESTRATÉGIAS DE LEITURA: O


QUE PENSAM ALGUNS AUTORES

Iniciemos o segundo ponto tentando compreender um pouco sobre a diferença entre


tipologia e gênero textual. Para Marscuschi (2010), tipo textual é uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição e, em geral, abrangem
cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção, dentre outras. Já Gêneros textuais são, segundo Marscuschi (2010),
textos materializados que encontramos na vida diária e que apresentam características sócio
comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição
característica. Diante disso, podemos dizer que a melhor opção para o ensino de uma língua
estrangeira está na manifestação concreta do discurso, seja oral ou escrita, na
intertextualização de diversos escritos e realidades, gerando sentidos pelas suas marcas
culturais, históricas, sociais e ideológicas de quem produz e do contexto onde foi esse
material foi produzido.
Fazendo uso das palavras de Bakhtin apud Vargens e Almeida de Freitas (2010, p.195), a
comunicação humana e a existência dos diferentes gêneros estão sempre relacionadas com as
atividades e são compartilhadas pelos sujeitos em um tempo e em um lugar histórico
específico. Portanto, para Vargens e Almeida de Freitas (2010, p.197), conhecer os gêneros de
245
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
uma Língua Estrangeira é um elemento essencial para alcançar a competência discursiva
nessa língua, isto é, para reproduzir e compreender sentidos que circulam nos contextos
sócio culturais.
Em se tratando de leitura e contextualização, nada melhor que trabalhar com gêneros
textuais, visto que tal proposta possui a intenção de suprir as necessidades comunicativas
entre as pessoas. Tal afirmativa é assegurada por Marcuschi (2002) apud Colferai (2009, p.
2) quando diz que o gênero textual é caracterizado por possuir função, organização
composicional e suporte (canal comunicativo) específicos para cada função de comunicação
que busca cumprir.
Tudo isso pode ser evidenciado ou não no texto proposto pelo professor, a depender de como
esse texto é abordado na sala de aula. Lima (2009) fala que, atualmente, o ensino de línguas
estrangeiras possui a meta de capacitar o estudante a ler e a compreender de forma crítica os
textos, por sua vez, estes podem ser utilizados como recursos válidos para a introdução das
questões lexicais, elementos morfológicos e sintáticos, aspectos fonológicos e os conteúdos
culturais.
Especificamente, no processo de ensino aprendizagem de uma Língua Estrangeira, Govea
Piña (2009, p.121), advoga que a leitura representa um instrumento primordial na aquisição
de conhecimentos, já que permite não só ter acesso a diferentes fontes de informação, mas
também oferece a oportunidade de praticar estruturas em um contexto real. Para Paiva
(2000), Não há a menor dúvida de que a leitura é um dos componentes mais relevantes no
ensino de uma LE. Além disso, a leitura é a maior fonte de exposição do idioma em contextos
como o nosso, onde há pouco contato com falantes nativos. Segundo os PCNs (1998),
aprender a ler em outra língua pode aumentar o desempenho do estudante como leitor em
sua língua materna.
Corroborando com essas ideias, Kleiman (2005) diz que, como toda ação, a leitura e a
redação se dão em contextos específicos. O autor acrescenta ainda que, elas têm objetivos e se
caracterizam pela intencionalidade e que são intersubjetivas, ocorrendo entre pelo menos
dois sujeitos, neste caso, autor e leitor(es). Dessa interação é que se determina um dos
princípios reguladores mais importantes da leitura e da redação. Diante desse entendimento,
que podemos assegurar que, para ler e compreender um texto em Língua Inglesa ou em
qualquer outro idioma não precisamos apenas conhecer o léxico e as estruturas frasais.
Precisamos, além disso, fazer uso de técnicas e estratégias de leitura. Esses esquemas
interpretativos constituem-se nos conhecimentos prévios, que para Donnnini (2010) podem
ser organizados em conhecimentos prévios de mundo, de língua e de organização textual.
Portanto, o professor deve ter em mente a importância de planejar suas aulas de forma a
resgatar os saberes que os alunos trazem consigo.
Sendo, assim, as técnicas e as estratégias de leitura são mais bem trabalhadas em forma de
sequências didáticas, podendo ser inseridas no ciclo de tarefas (DONNINI, 2010). Nas
palavras do autor, elas podem atuar na antecipação (predicting/antecipating) utilizada na
fase de pré-tarefa como mecanismo de ativação dos conhecimentos prévios; durante a fase de
tarefa, onde a mais utilizada é o skimming - estratégia que exige rapidez na leitura para a
apreensão do assunto geral; scanning, que exige rapidez na leitura a fim de localizar
informações específicas e detailed reading, a qual exige um estudo detalhado do texto. Já na
fase de pós-tarefa encontra-se a estratégia de elaboração pessoal (personal elaboration), que
poderá se apresentar em diferentes atividades, como na elaboração de interpretações do
texto, no posicionamento crítico em relação ao tema e na transposição de gêneros, podendo
esta ir além da compreensão textual, passando também pelo intuito de desenvolver a
formação crítica do aluno.
Nessa direção, vale ressaltar que a aprendizagem de uma língua estrangeira não é um sistema
vazio de sentido, visto que ela traz consigo, àrevelia do aprendiz, uma carga ideológica que o
coloca em conflito permanente com a ideologia da língua materna. Nesse processo estão em
jogo valores, símbolos e imagens da língua materna onde as representações que habitam o
imaginário do sujeito são reveladoras de identidade. É pela enunciação que o sentido novo
pode surgir, uma vez que representa interpretação historicizada pelo sujeito da linguagem.

246
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Portanto, envolver esses alunos em aulas voltadas para o uso e a função comunicativa da
Língua Inglesa de forma crítica e reflexiva pode tornar o processo de ensino-aprendizado
mais significativo.

PROCEDIMENTOS PEDAGÓGICOS UTIZADOS NO DESENVOLVIMENTO DO


PROJETO

O presente estudo teve como sujeitos 48 alunos distribuídos em duas turmas da EJA, com
faixa etária entre 20 a 69 anos, sendo a maioria destes casados e do sexo feminino. Assim que
foi apresentado o projeto de extensão à escola, os professores de língua inglesa nos
informaram a respeito das dificuldades que os alunos da EJA tinham com a disciplina. Isso
foi bastante válido, pois direcionou na adaptação das aulas à realidade dos alunos, com a
inserção de aspectos gramaticais nas atividades envolvendo textos.
Seguindo as orientações de Donnini (2010), o planejamento das aulas/atividades foram
utilizadas sequências didáticas inseridas em ciclos de tarefas. Com isso, o projeto de extensão
buscou desenvolver conhecimentos, competências e habilidades por meio de atividades
práticas, debates, leitura e compreensão de textos, bem como de aulas expositivas dialogadas.
As ações realizadas encontram-se descritas abaixo:
1. Seleção e organização de materiais que envolvessem gêneros textuais diversificados;
englobando textos autênticos e textos pedagógicos, onde foram abordados o reconhecimento
da tipologia textual e as suas principais características.
2. Planejamento das aulas envolvendo atividades sequenciadas em torno de um ciclo de
tarefas organizado em três fases: pré-leitura, leitura e pós-leitura. Na fase de pré-leitura
foram mobilizados os conhecimentos prévios dos alunos a cerca do tema que foi abordado e
da tipologia textual, por meio de atividades que contemplassem a estratégia de antecipação
(predicting/anticipating), tais como: identificação do formato (layout), dos recursos
tipográficos (título, subtítulo, o uso do negrito/itálico, imagens), tempestade de ideias
(brainstorming) e sequência de imagens (Picture Books). Na fase de leitura foram utilizadas
as estratégias de leitura (skimming, scanning, detailed reading, palavras cognatas, palavras-
chave e informação não-verbal). Já na fase de pós-leitura foram desenvolvidas as habilidades
de pensamento crítico e de compreensão de texto, utilizando de atividades que levaram o
aluno a fazer inferências, a posicionar-se criticamente individual e coletivamente, bem como
rever as suas opiniões, propiciando, assim, os alunos a serem leitores ativos e construtores de
seus conhecimentos, o que poderá levá-los a um bom desempenho nas provas de vestibular e
ENEM.
3. As aulas foram ministradas com duração de uma hora e vinte minutos, previamente
planejadas e adaptadas à realidade dos alunos, com temas previamente conhecidos e de
interesse deles. Devido os alunos da modalidade EJA, na sua maioria, trabalharem durante a
semana e aos sábados, foi acordado com a gestão escolar juntamente com o professor regente
a possibilidade das aulas acontecerem no turno normal de aula, duas vezes por mês em cada
turma. Felizmente os assuntos organizados pelo presente projeto – gêneros textuais e
estratégias de leitura – também se encontravam no conteúdo programático que o professor
de Língua Inglesa precisava cumprir durante o ano letivo.
4. Foram aplicados questionários de avaliação e de auto avaliação com os alunos a fim de
saber a satisfação destes com os métodos e abordagens utilizados em sala de aula e com o
envolvimento da turma.

ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA


Partindo do conhecimento da realidade e da necessidade dos alunos, as aulas foram
organizadas de forma a trazer constantemente a importância de aprender uma língua
estrangeira e a desenvolver as quatro habilidades de uma língua (ler, escrever, falar e ouvir),
mostrando a importância do uso da língua dentro e fora da sala de aula. Como os alunos da
EJA eram constituídos por um público de jovens, adultos e idosos que tinham deixado de
estudar a certo tempo, os mesmos demonstraram interesse nas aulas e em conseguir
desenvolver as atividades. No entanto, pudemos verificar o grande apego que os mesmos
tinham pelas aulas voltadas à tradução e focadas ao ensino de regras gramaticais.
247
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Com a finalidade de se distanciá-los desse ensino tradicional, as aulas foram conduzidas de
forma a trabalhar com os alunos a prática da dedução por meio da identificação de palavras
cognatas e de inferências contextuais. Dessa forma, aos poucos os mesmos conseguiam
chegar à resposta e, consequentemente, se sentiam capazes de ler e compreender um texto
em inglês sem ajuda direta do professor ou de um dicionário. As aulas/atividades foram
planejadas e conduzidas de forma a resgatar os conhecimentos prévios dos alunos,
utilizando-se da sistematização de conteúdos em uma sequência didática e ciclo de tarefas, as
quais cumpriram com o objetivo de proporcionar a participação e o envolvimento dos alunos.
Como previsto, as atividades giraram em torno das estratégias de antecipação, de leitura e de
elaboração pessoal aplicadas em diferentes gêneros textuais, dentre eles reportagem,
pequena biografia, diálogo, texto informativo sobre pontos turísticos de uma cidade, texto
argumentativo, texto narrativo, pirâmide alimentar, rótulo nutricional, tirinhas e música.
Mediante as propostas, constatamos que os alunos corresponderam bem às atividades,
fazendo previsões dos assuntos dos textos e identificando neles os gêneros textuais, sua
função comunicativa e principais características, como também fazendo uso das estratégias
de leitura para facilitar na compreensão textual e na elaboração de opiniões em relação aos
temas lidos.
A partir do momento em que os alunos da EJA adquiriram a habilidade de identificar e usar
as estratégias de leitura foi detectado um grande avanço na compreensão de texto,
confirmando, então, as palavras de Calixto (2007), quando diz que, havendo reciprocidade ou
diálogo do aluno com o texto e o autor, isso lhe dará autonomia para entender melhor o texto.
Outro fator positivo alcançado foi o aumento do interesse e da presença dos alunos em sala
de aula, o que também contagiou o professor regente despertando o seu interesse em aplicar
as mesmas atividades em outra escola que lecionava. Evidenciando, dessa forma, o impacto
positivo que os projetos de extensão vinculados às universidades podem promover no espaço
escolar voltado para melhoria e fortalecimento da Educação Pública.
Para avaliação do projeto de extensão foi aplicado um questionário com os alunos, onde
mostrou aprovação e satisfação com os métodos e abordagens utilizados em sala de aula
(gráfico 1) e com a participação e envolvimento da turma (gráfico 2) pela maioria dos
entrevistados. Alguns apontaram no questionário que deveriam ter se empenhado mais nas
atividades e outros solicitaram mais projetos como este no meio escolar. De 48 alunos no
total, apenas 38 participaram do questionário.

Gráfico 1 – Satisfação dos alunos da EJA de uma escola estadual da cidade de Petrolina/PE.

5% 0%
Completamente Satisfeito

34% Muito Satisfeito

61% Pouco Satisfeito

Insatisfeito

Fonte: Questionário aplicado aos alunos (12 e 14/11/2013).

248
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Gráfico 2 – Auto avaliação dos alunos da EJA de uma escola estadual da cidade
dePetrolina/PE.
35
30
25
20 SIM
15 RAZOAVELMENTE
10
NÃO
5
0
Aquisição do Compromisso e Integração com os
conteúdo participação demais alunos
Fonte: Questionário aplicado aos alunos (12 e 14/11/2013).

Os resultados apontaram, então, que o uso de um ensino contextualizado se mostrou eficaz,


visto que houve motivação, interação e satisfação por parte dos alunos da EJA, o que os
conduziram à familiarização de diferentes gêneros e à elaboração de um posicionamento
crítico e reflexivo, contribuindo também para a inclusão dos mesmos em um mundo rodeado
cada vez mais de informações em língua estrangeira, e na propagação de novas abordagens e
mecanismos no ensino de Língua Inglesa.
Assim sendo destacamos a relação saber-poder que Veiga-Neto (2005) fazendo uso das
palavras de que Foucault, ao estudar as articulações entre poder e saber, assegura que os
saberes se constituem com base em uma vontade de poder e acabam funcionando como
correias transmissoras do próprio poder que a servem e que ambos se articulam com a
produção, num corpo, que é político. Acrescenta, ainda, que o poder se manifesta como
resultado que cada um tem de atuar sobre a ação de outros e de governá-los.
Partindo desse ponto de vista, podemos afirmar que o indivíduo tem a necessidade de, pelo
uso da linguagem, entender e ser entendido, uma vez que, no momento em que um sujeito
aprende um novo idioma, abre-se um caminho de diferenças sócio-histórico-culturais onde
cada um tem seus valores, e, por conseguinte, sua linguagem e sua forma de expressão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É na tentativa de suprir algumas necessidades existentes no ensino de Língua Inglesa nas


escolas, que os projetos de extensão surgem com a possibilidade de, junto com o professor e
seus alunos, desenvolver um trabalho que articule os saberes difundidos na universidade e os
apreendidos no dia a dia das instituições de ensino. Assim sendo, podemos assegurar que foi
bastante gratificante a oportunidade de desenvolver esse trabalho com uma perspectiva de
ensino diferente do que se tem visto nas escolas.
Vale destacar que, não foi fácil trabalhar com esse público devido a sua heterogeneidade.
Porém, notamos que a ativação dos seus conhecimentos prévios abriu espaço para o seu
contexto sociocultural e trocas de experiências. O uso de gêneros textuais e estratégias de
leituras aplicados nas aulas devolveram a autoestima dos alunos, fato que distanciou a
prática de ensino tradicional que possuíam, fortalecendo tanto a função comunicativa da
Língua Inglesa quanto o seu uso nas atividades propostas.
Assim, podemos dizer que conseguimos atingir o nosso objetivo que era de oportunizar, para
o aluno da EJA, o desenvolvimento de competências de leitura, habilidades de compreensão
textual em Língua Inglesa a partir do uso de métodos e abordagens de ensino bem como dos
gêneros textuais. Confirmando, assim, a nossa hipóteses de que trabalhar leitura, escrita,
oralidade e aspectos gramaticais em conjunto e voltado para a realidade destes garantem
uma aprendizagem mais significativa.
Com isso, destacamos a necessidade de motivar, não só os alunos da EJA, mas todos aqueles
que fazem parte de uma educação inclusiva, para a autonomia na construção do seu
249
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
conhecimento, partindo de atividades que os envolvam e que tenham sentidos para a suas
vidas, desfazendo, assim, a ideia que muitos alunos possuem de serem incapazes de
compreender um texto em inglês.
Por fim, esperamos que a nossa experiência possa contribuir para uma ampliação do
conhecimento ou um repensar sobre os métodos e abordagens de ensino utilizados pelos
professores de Língua Inglesa, como também suscitar como determinados sentidos são
produzidos e como os sujeitos se constituem na/pela linguagem nessa situação educacional.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12 ed., São Paulo: Hucitec, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira.
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

___________.Proposta Curricular para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino


fundamental: 5ª a 8ª série: introdução. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental,
2002.

CALIXTO, Benedito José. Leitura: Compreensão e Interpretação. Revista Expectativa, América do Sul. Volume 3.
Agosto de 2007.

COLFERAI, Luzia. Gênero Textual: relevância e aplicação no ensino de língua estrangeira. XV EPLE - Encontro
de Professores de Línguas Estrangeiras do Paraná Línguas: culturas, diversidade, integração. 2009.

DONINI, Lívia et al. Ensino de Língua Inglesa. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
GOVEA PIÑA, Lidia. La lectura en la producción de textos argumentativos en inglés como lengua
extranjera.Revista Revicyhluz/omnia año 15, No. 3 (2009) p.117-129. Disponível em:
http://revistas.luz.edu.ve/index.php/omnia/article/viewFile/8728/8701. Acesso em 10 de abril 2014.

KLEIMAN, Ângela B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? Brasília: Unicamp.
2005.

LIMA, Luciano Rodrigues. Texto e discurso no ensino de inglês como língua estrangeira. In: Diógenes Cândido
de Lima (org). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.

MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO,A.P. ; MACHADO, A.R.;
BEZERRA, M.A. (org.) Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola Editora, 2010.

PAIVA, V.L.M.O. O lugar da leitura na aula de língua estrangeira Vertentes. n. 16 – julho/dezembro 2000. p.24-
29. Disponível em: http://www.veramenezes.com/leitura.htm . Acesso em 3 de abril de 2014.

VEIGA-NETO, Alfredo. Focault e a Educação. 2 ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

250
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GRUPO DE ESTUDO EM POLÍTICAS DE LETRAMENTO – GPOL E AS PRÁTICAS
DE INVENÇÃO DOCENTE.

*Nazarete Andrade Mariano 99

RESUMO: Este trabalho trata um grupo de estudo que inclui discussões sobre leitura de
professoras de Língua Portuguesa que trabalham na Educação Básica de Escolas Públicas do
Vale do São Francisco e, que participam de uma pesquisa de mestrado em andamento. O
GPOL discute questões voltadas para as politicas de letramento, com contornos particulares
na reflexão da formação e as práticas de leitura de professores e professoras que desenvolvem
seus trabalhos nas Escolas Públicas Estaduais e Municipais. Docentes que se preocupam com
a própria formação. A fundamentação teórica partiu da concepção de invenção e apropriação
cunhada por (CERTEAU, 2012); também de (FREIRE, 1996) na perspectiva da autonomia
docente; (STREET, 2010) com os novos estudos do letramento E (KLEIMAN, 1995/2001)
com as práticas sociais de leitura e o letramento docente e (SANTOS, 2013) que contribui
para dar uma noção de pesquisa em formação. O objetivo desse trabalho é socializar uma
experiência de um grupo de estudo (GPOL) pelo prisma da pesquisa-formação. O enfoque
ancora-se em discussões voltadas para as práticas de invenção docente que possibilitam a
fomentação nas práticas de leitura desenvolvida nas salas de aulas. Nesse sentido, o grupo
possibilita uma aproximação dos espaços acadêmicos com as práticas desenvolvidas na
Educação Básica, em especial sobre as práticas de leitura.

PALAVRAS-CHAVE: grupo de estudo; professoras inventoras; práticas de leitura;


pesquisa-formação.

ABSTRACT: This work deals with a study group that includes discussions about reading of
Portuguese language teachers who work in basic education public schools do Vale do São
Francisco, and participating in a Masters research in progress. The GPOL discusses issues
facing literacy policies, with particular contours on reflection training and reading practices
of teachers and teachers who develop their work in the State and municipal public schools.
Teachers who care about the training itself. The theoretical foundation of conception of
invention and appropriation coined by (CERTEAU, 2012); also (FREIRE, 1996) in the
perspective of teaching autonomy; (STREET, 2010) with the new literacy studies and
(KLEIMAN, 1995/2001) with the social practices of reading and teaching literacy and
(SAINTS, 2013) which contributes to give a notion of training research. The objective of this
work is to socialize an experiment of a study group (GPOL) through the prism of research
training. The focus ancora in discussions aimed at teaching invention practices which allow
the fomentation reading practices developed in the classrooms. Accordingly, the group allows
an approximation of the academic spaces with the practices developed in basic education, in
particular on the practices of reading.

Keywords: study group; teachers inventoras; reading practices; research-training.

INTRODUÇÃO

Este estudo reflete sobre práticas de invenção docente voltada para o trabalho com leitura em
sala de aula da Escola Pública, especial da inserção uma das professoras de Língua
Portuguesa do Grupo de pesquisa e estudo voltado para Politicas de Letramento – GPOL.
Neste artigo trataremos de discussões como: praticas de leitura; formação docente; Práticas
de invenção e GPOL – Grupo de Estudo sobre Políticas de Letramento.
Nessa perspectiva oferece uma reflexão sobre o processo de invenção e diálogos como apoio
formativo para as docentes através do GPOL, pois acredita-se não ser suficiente apenas

99O artigo foi produzido a partir de parte de dados da fase final da dissertação Mestrado em Crítica Cultural pela UNEB
Campus II – Alagoinhas- BA. [email protected]
251
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
investigar sobre o que pensam as professoras participantes, é preciso saber suas práticas e
suas apropriações.
Para direcionar este estudo serão abordados conceitos tratados na pesquisa de mestrado 100
que investiga as práticas de invenção docente que durante o processo de pesquisa resultou
em um grupo de estudo voltado para Políticas de Letramento – GPOL, por sua vez,
proporcionou a inserção de professoras de Língua Portuguesa no debate voltado aos teóricos
que compõem a discussão da referida pesquisa, inclusive que as mesmas são participantes.
Para tanto, nos valemos de Certeau (2012) na perspectiva de invenção e apropriação; Street
(2010) e Kleiman (1995/2001) com as práticas sociais de leitura com as práticas sociais de
leitura e o letramento docente e (SANTOS, 2013) que contribui para dar uma noção de
pesquisa em formação.
O texto é organizado em tópicos seguindo a seguinte ordem: Uma espiada em questões sobre
formação e práticas docentes, situando o leitor sobre uma breve reflexão da formação
docente; as práticas de invenção docente, para tanto, será escolhida apenas uma das
participantes da investigação, Sayonara101 e as práticas de Leitura e a subjetividade
desenvolvidas com estudantes da Modalidade de Ensino Fundamental. A inserção da
participante da pesquisa ao Grupo de Estudo de Políticas de Letramento - GPOL levou a
apontar uma noção de método, a pesquisa-formação, por fim, os possíveis impactos do GPOL
e as considerações sobre este estudo.

1 UMA ESPIADA EM QUESTÕES SOBRE FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOCENTES


DE LEITURA.

Mesmo com o impulso democrático e demográfico, mesmo com a gratuidade e/ou sistema de
cotas em algumas universidades, ainda há uma ideia de uma cultura sem a devida
consideração à diversidade trazida por essa nova situação. NOVÓA (2007) nos lembra de que
“muitas vezes os discursos sobre a profissionalização dos professores são uma estratégia dos
especialistas e investigadores em educação para melhorar o seu estatuto e o seu prestígio no
seio da universidade.”
Considerando as discussões de Nóvoa e André, percebe-se que a formação é uma invenção
recente no meio educacional e nas discussões sobre a profissão docente, seja nos discursos de
teóricos renomados, seja nas discussões nos interiores das Unidades Escolares. Mas sempre
foi assim? O que mudou? Vale lembrar que falar de formação é inevitavelmente falar sobre
professores e não apenas pronunciar ou escrever uma palavra, mas sim um signo que nos
remete a vários significados que vão da influência às práxis docentes (teorias e práticas) até
as políticas públicas presentes no cenário educacional.
Parafraseando as palavras de Nóvoa, a formação docente deve funcionar como um aspecto
primordial nesse enorme desafio de legitimar as práticas de professores nos diversos espaços
que a escola dispõe, em especial de profissionais que criam situações diversas para
desenvolver suas práticas, uma vez que estes fazem parte de um grupo de profissionais com
qualificações e potencia cultural que não podem ser relegados ao anonimato das discussões
acadêmicas, pois, “Não podemos continuar a desprezar e a minorizar as capacidades de
desenvolvimento dos professores” (NÓVOA, 2006, 31)
Nóvoa nos leva a refletir sobre algumas questões em torno desse debate, uma vez que se fala
consideravelmente que o professor precisa ser reflexivo, entretanto pode ter chances
consideráveis de esse professor reflexivo já existir mesmo antes dos discursos acadêmicos
terem tornados recorrentes nos debates sobre formação docente e ação reflexiva. Ainda
segundo NÓVOA (2007), muitas vezes os discursos sobre a profissionalização dos professores
são uma estratégia dos especialistas e investigadores em educação para melhorar o seu
estatuto e o seu prestígio no seio da universidade.

100 A discussão deste artigo faz parte de dados inseridos na pesquisa de mestrado com título “Professoras Inventoras: um
estudo sobre as práticas inventivas nas Escolas Públicas do Vale do São Francisco que está em fase final de conclusão. Sob a
orientação do Prof. Dr. Cosme Batista dos Santos.
101 Adotamos o nome da professora, pois a pesquisa foi submetida ao comitê de ética da UNIVASF.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Certeau, filosofo e historiador Frances, nos coloca que “a escola poderia ser um dos lugares
onde seja possível reaprender” (CERTEAU 1995, 129), uma vez que ela constitui um
laboratório adequado para desenvolver diversas experimentações, inclusive para trabalhar a
formação continuada do professor in Lócus, como apontam Kleiman (2001) iii e Santos e Orge
(2010) iv, a formação e o letramento do professor no e pelo local de trabalho.
Este processo de formação que considera os significados do letramento (KLEIMAN, 1995),
também possibilita o professor refletir inicialmente sua própria prática, isto é, o letramento
pessoal do professor, para em seguida refletir suas ações nas práticas docentes e
consequentemente as ações formativas direcionadas à sua profissão docente. A formação
continuada teve ter esse caráter, pois os estudos e reflexões em serviços devem partir do
interesse do educador que tem anseios singulares, uma vez que algumas políticas de
formação não dão conta das demandas exigidas no cotidiano escolar.
Nesse sentido, é preciso pensar em formatos de formações que possam considerar de fato a
realidade vivida pelos docentes em sala de aulas: suas identidades, inquietações, seus
conhecimentos e, por conseguinte suas invenções. Pois precisamos pensar uma escola
dialogada com os espaços interdependentes.

2 PRÁTICAS DE INVENÇÃO DOCENTE COM VIÉS À LEITURA

Nas Escolas Públicas de Petrolina-PE, tal como deve ocorrer em outras realidades da
Educação Básica, há prática docente envolvendo a leitura que vai além do currículo imposto
pela Rede de Ensino. Isso se configura a partir de táticas astuciosas de criação docente como,
por exemplo: Professoras que desenvolvem micropolíticas 102 para chamar atenção de seus
estudantes como a subjetividade poética e contação de histórias da professora Sayonara para
estimular a prática em sala de aula.
Mesmo presas a determinadas regras voltadas para resultados quantitativos, as professoras
da Educação Básica criam situações inusitadas para o desenvolvimento de prática de
invenção voltada para a leitura desapropriando e (re)apropriando os mais variados
ambientes, muitas vezes sem apoio até mesmo para ter acesso ao material didático que
possibilite desenvolver situações que contribuam com suas atividades para e na formação de
leitores e escritores críticos.
Vale lembrar que existem situações no cotidiano escolar que não consideram os diversos
contextos daqueles que poderiam ser os usuários de leitura da biblioteca. Com isso, Street
(1984) afirma que as práticas de letramento [...] são social e culturalmente determinadas, e,
como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem
dos contextos e instituições em que ela foi adquirida.
Sabemos que a leitura é tão importante quanto à escrita, inclusive porque a escola uniu estes
dois eixos, apesar de muitas vezes deixar de lado o ouvir e o falar, enfim as tradições orais tão
importantes para o desenvolvimento do ato de ler. Neste sentido, Chartier coloca a leitura
como,

Prática de invenção de sentido, uma produção de sentido. A partir de tal fato, devemos
compreender que essa invenção não é aleatória , mas está sempre inscrita dentro de
coações, restrições e limitações compartilhadas; e por outro lado que, como invenção,
sempre desloca ou supera estas limitações que a restringem. É algo parecido com a
ideia de uma história das liberdades limitadas ou das restrições superadas, que seria o
coro de uma história da leitura. (CHARTIER, 2001, 43)

Esse aspecto nos faz refletir que a escola por muito tempo também compartilhou a leitura
com restrições onde os aprendizes tinham que peregrinar por este sistema sem muitos
questionamentos.

2.1 AS PRÁTICAS DE LEITURA E A SUBJETIVIDADE DOCENTE.

102Talvez essas práticas sejam vistas como micropolíticas pelo olhar do outro, pelo olhar de quem as subalternizam, pois no
interior da escola funcionam como práticas com possibilidades de grandes resultados.
253
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
contações de histórias:Contar histórias, estórias, assuntos, causos, enredos, prosas,
entre outros rótulos dados para contar uma narrativa, faz com que a imaginação do
homem invente, e com seu jeito único, transforme assuntos singulares, dos afazeres
domésticos, das pescarias, das brincadeiras, em fantásticas. Contações de histórias que
não se sabe se emergem de um dom ou de influências arraigadas na família, essas
influenciam no espaço escolar. (SAYONARA)

Trazer para as discussões centrais, relatos de pessoas anônimas, é também trazer a tona
fazeres anônimos, que estão às margens, imbuídos à cultura do fazer comum do cotidiano das
pessoas que trabalham, andam, leem, consomem, enfim, das pessoas que fazem o dia a dia
acontecer. Estes fazeres é parte que realçam as práticas vividas por professoras que trazem
nas suas histórias de vida dados que são acontecimentos históricos relegados ao anonimato,
em detrimento aos grandes acontecimentos que movimentam as questões centrais. Assim, é o
fazer inventivo de professora como Sayonara 103 que faz de sua subjetividade poética astucia
para empoderar seus estudantes com as práticas de leitura.
A poesia e a contação de história da professora Sayonara foram pensadas para trabalhar com
turmas do 9º (nono) ano do Ensino Fundamental da Escola Eneida Paixão Coelho localizada
em outro bairro periférico da cidade de Petrolina-PE. A subjetividade presente em sala de
aula chama a atenção dos alunos do 9º (nono) ano. São as poesias que Sayonara produz para
introduzir um tema, conteúdo ou para a leitura deleite. Ela cria em suas aulas situações
subjetivas para envolver seus estudantes, inclusive boa parte dos seus depoimentos para este
estudo foram em versos.
Foi trabalhando significados diversos que encontramos a professora Sayonara com outras
práticas de leituras distintas da convencional, envolvendo seus aprendizes na subjetividade
poética e nas contações de história.
Esta professora evidencia sua subjetividade nas suas falas e nos seus fazeres, pois mesmo
com tantas dificuldades cria possibilidades de mudanças perceptíveis em prol de uma causa
que considera maior; o letramento dos seus estudantes. Implicando outras possibilidades de
construção do ser e do fazer.
Conta que seu gosto pela leitura adquiriu com a relação que sua mãe tinha com a leitura e das
histórias que seu pai contava e povoava seu imaginário de menina moleca. Nas várias
conversas 104 ela relata, “Minha mãe lia muito e meu pai contava histórias fantásticas para
mim, e para meus irmãos. Adoro ler, adoro contar histórias.”

Aos dezoito anos já era professora


O Magistério foi à única condição
Logo num Concurso passei
Não teve jeito não.

Andei muito chão


Por acreditar numa paixão
Meus alunos não só alfabetizei
Eu me doei, eu amei.

Como uma andarilha anônima 105, Sayonara sai em busca do seu espaço, ressurge de suas
ruínas 106 historicamente construídas pelo outro. Inventando pelas margens de um sistema
fechado e excludente. Para tanto recorremos à contribuição de Nóvoa (2007,10) que interpela
dizendo, “é preciso dar passos concretos, apoiar iniciativas, construir redes, partilhar
experiências, avaliar o que se fez o que ficou por fazer. É preciso começar.”

103 Sayonara Nogueira é uma das professoras participantes do grupo de estudo em politicas de letramento (GPOL), bem
como da pesquisa de mestrado sobre as práticas de invenção docente com foque na práticas de leitura.
104 As informações obtidas foram através de questionários, rodas de conversas, entrevistas abertas e gravadas, além de

textos por ela produzidos.


105 Termo utilizado por Certeau em sua obra A Invenção do Cotidiano.
106 Termo cunhado por Walter Benjamim para, designar a descontinuidade do tempo; imagem fragmentada; fragmentos.

254
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Que esse começar seja iniciado pela valorização de oportunidades que as docentes criam em
favor de práticas de leitura em sala aula, pois acredita ser um fator determinante no
aprendizado do seu alunado.
A professora Sayionara diz que quando trabalhava com as séries iniciais, levava sempre uma
mala personalizada para suas aulas “para estimular a leitura, eu levava essas malas para
eles (alunos e alunas) escolherem os livros. Aquela mesma sequência de escolher livros...”
cada um levava um livro, ela diz que muitos livros não voltaram nesse processo de emprestar,
mas não se incomoda em ter perdido alguns, pois aqueles que devolviam sempre tinham
histórias para contar sobre as leituras lidas e, os que não voltavam, eram porque estavam
servindo para outras leituras.
Além do seu acervo particular, ela também cria poesias para trabalhar as práticas de leituras
com seus estudantes, a mesma conta história com uma peculiaridade dos poetas, e
contadoras de histórias. Às vezes, didatiza suas poesias para trabalhar outros aspectos da
língua, mas sempre com a preocupação de ler os livros que planeja para atividades com os
alunos. A maioria das suas poesias e histórias narradas é de cabeça, dificilmente Sayonra as
transpõem para o papel. Ela Envolve seus alunos nessa teia de contações poéticas de
histórias.
Práticas como essas possibilitam que seus estudantes se soltem de amarras da segregação e
da ignorância às vezes proporcionadas pela própria escola e possibilite uma prática de
reflexão como nos presenteia o mestre Paulo Freire (2011, 71), com seu pensamento em
defesa aos oprimidos, “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão.” É nessa perspectiva que observamos o trabalho de Sayonara, à
medida que ensina, aprende e nessa troca ela também se liberta das arramas impostas por
uma escola que indicava o que ela não poderia ser 107!

3 GRUPO DE ESTUDO EM POLÍTICAS DE LETRAMENTO – GPOL: apontando


uma pesquisa – formação

Este tópico trata de uma abordagem sobre a participação das professoras no GPOL- Grupo de
Estudos em Políticas de Letramento, além de discutir questões voltadas para as politicas de
letramento, ganhou um contorno particular de refletir à formação e auto formação de
professores/as, que desenvolvem seus trabalhos nas Escolas Públicas Estaduais e Municipais.
Docentes que se preocupam com a própria formação, que querem seguir estudando
pesquisando e inventando.
Quando passamos a investigar a vida e as práticas docentes encontramos professoras
envolvidas com suas práticas, fazendo a diferença em sala de aula, porém encontramos uma
professora desmotivada que sentia desvalorizada, estudando para fazer concurso em outras
áreas e sair da educação, tudo pela falta de valorização e incentivo em continuar na
docência108.
Como uma das intenções da pesquisa era envolver as participantes em discussões a partir do
quadro teórico escolhido à pesquisa, intensificamos a constituição do GPOL – Grupo de
Estudo em Politicas de Letramentos como proposta de dá um retorno durante a pesquisa.
Um processo de formação que considere os significados do letramento (KLEIMAN, 1995),
possibilita o professor refletir inicialmente sua própria prática, para em seguida refletir suas
ações nas práticas docentes e consequentemente as ações formativas direcionadas à sua
profissão docente.
É preciso enfatizar a necessidade de criação de novos instrumentos que mudem de alguma
forma as práticas docentes e consequentemente possam adquirir novos conhecimentos em
conjunto com o discente. Reflexões como essas só são pertinentes pelo fato de as professoras

107 Uma professora disse para Sayonara que ela era “burra” e que não iria ter futuro. Esse episódio aconteceu quando fazia
5ª série do Ensino Fundamental.
108 Sayonara inventava em suas aulas práticas que chamavam a atenção dos seus aprendizes, segundo ela a desvalorização

não pode ser empecilho de trabalhar bem na sala de aula.


255
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
estarem envolvidas com as discussões de sala de aula, envolvidas também com seus alunos e
considerando que o ensino possibilita ações a serem investigadas.
Apesar de os procedimentos formativos virem muitas vezes esvaziados de uma reflexão
teórica voltada ao saber-fazer, as pesquisadas sempre tiram proveitos desses encontros, pois
algumas ficam mais encantadas com a educação. Sayonara acredita que de certa forma esses
espaços formativos contribuem para o desenvolvimento do letramento docente, diferente de
outras propostas de formação que há um discurso vazio, evidencia que “muitos formadores
não vivenciaram a prática na sala de aula, fugindo do contexto, exceto em eventuais casos,
como a do Gestar II”. ( Sayonara, GPOL). Professora como Sayonara traz uma proposição
real de um quadro caótico no processo de formação docente; na Rede Pública em que atuam,
há um dia para as aulas atividades destinado à formação no interior da escola, porém, isso
não vem ocorrendo como gostaria.
Isso nos leva a um olhar para o construto de pesquisa em formação docente, uma vez que
professoras, como Sayonara, articulam a teórica à prática para desenvolver suas invenções
sem o formalismo técnico das teorias positivistas. Suas práxis atendem as demandas que
surgem constantemente em sala e não apenas uma parcela dela, além de configurarem em
um “saber já escrito nas práticas, mas não ainda esclarecido.” (CERTEAU, 2012, 131)

3.1 UM DEDINHO SOBRE PESQUISA-FORMAÇÃO.

Com a dimensão que o grupo ganhou como uma politica de formação durante a pesquisa
sentiu-se uma necessidade de uma aproximação entre as discussões acadêmicas da
universidade e da docência na Educação Básica. Apontamos assim, a pesquisa-formação
docente, ou simplesmente, pesquisa-formação. E assim pensou uma possível noção de
método.
Neste sentido, o processo formativo que se desenvolveu nesta pesquisa visou fortalecer as
práticas de docentes como Sayonara e empoderando suas reflexões sobre as suas práticas e,
se configurou através de estudos dos referenciais básicos, explorando temas ligados como a
“formação”, “invenção” e “letramento”. Estes encontros do grupo de estudo GPOL, podem
servir de fendas para constituir a ação que possibilite o empoderamento de micropolíticas
desenvolvidas pela professora inventora que é também, mulher, mãe, militante, dona de casa
e vários outros atributos femininos – muitos deles impostos por práticas historicamente
construídas.
Sayonara complementa, dizendo: “O momento do encontro neste grupo é um momento
deleite, pois essas discussões desses teóricos nos levam a reflexão sobre a teoria articulada
em nossas práticas, a gente tá atrás da facilidade que o grupo proporciona, mas quando a
gente volta para a escola não tem ninguém para discutir ou refletir” (SAYONARA, GPOL)

Nessa fala evidencia a solidão que as professoras vivem em suas escolas, talvez pela não
inserção de uma cultura que valorize também o ordinário e o singular agregado no coletivo
docente, pois muitas situações postas na escola não consideram os fazeres das professoras
que pensam suas práxis.
Assim definimos que a pesquisa-formação109 é uma pesquisa qualitativa que reflete as ações
direcionadas para a formação do professor, como parte do benefício social e cultural de uma
pesquisa na escola, que demanda ou que resulta em formação em serviço ou de uma
formação continuada ou universitária, que visa ou que resulta em um trabalho de pesquisa.
Vale lembrar que a nossa participação no grupo enquanto pesquisadora/orientador, não foi
para delimitar as questões apenas teóricas ou acadêmicas, mas para que haja uma
reciprocidade com as participantes, nos propusemos a colaborar, desempenhando um papel
ativo nas reflexões construídas nos encontros de estudos, inclusive na realidade das práticas
investigadas.

109Um método pensado durante o processo de investigação e análise dos dados da pesquisa de mestrado, uma parceria
entre a pesquisadora e autora da pesquisa dissertação de mestrado Nazarete Mariano e o orientador Prof. Dr. Cosme dos
Santos.
256
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
3.2 POSSÍVEIS IMPACTOS NO GPOL.

O grupo além de refletir sobre discussões teóricas relacionando com a prática desenvolvida
por professora na Educação Básica. Mas, o impacto maior foi exatamente em relação às
perspectivas de Sayonara que ao iniciar nossa investigação queria mudar definitivamente de
profissão e com o envolvimento dessa professora em nossos estudos e encontros com outras
pessoas que discutem práticas de invenção e de formação para trabalhar as práxis sociais de
leitura suas expectativas foram modificadas.
Por esse prisma, durante a pesquisa o GPOL já gerava resultados, pois a professora Sayonara
que estava disposta a sair da educação, se envolve com as discussões teóricas, passa a
trabalhar em formações e mais, não só passou em seleção de mestrado acadêmico e público
como ficou em segundo lugar na seleção do projeto, cuja temática é exatamente sobre
contações de histórias.
Acredita-se que o GPOL criou outras condições para o desenvolvimento de (auto) formação,
para que professora como Sayonara, mesmo no anonimato, estude, discuta, reflita e crie
possibilidades de um novo olhar à profissão, mapeando as necessidades vitais nas suas
práticas de invenção docentes.
Portanto, que as políticas de formações quebrem as barreiras e vão ao encontro dos
professores dentro das escolas para concretizar sua presença na vida profissional dos
professores da Educação Básica, assegurando as diversidades presentes no ensino e, que
estejam de fato fazendo parte dessas discussões que o professor precisa se apropriar,
considerando o lugar de fala dos professores e das professoras nos contextos em que são
inseridos/as.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste estudo tentamos enfatizar reflexões que evidenciam em relação às


invenções docentes voltadas para a leitura e propondo um método de pesquisa que atenda
diretamente a formação docente, a pesquisa - formação para que se possa situar a prática
docente com possibilidades de configurar um novo contexto dentro da profissão, pois “quem
parece ter interesses de pesquisa mais afins é o educador”. (Kleiman, 2001, 16), uma vez que
este profissional tem condições de anunciar outras hipóteses de trabalhar a formação do
professor e, principalmente convidando os especialistas de formações a revisitarem suas
práticas de leitura.
A professora que inventa é também uma transformadora de sua prática, do seu tempo e de
sua sala de aula, usa lugares não legitimados, subverte a ordem em prol de um poder de
criação e de libertação através outras leituras, isto talvez seja um dos maiores impactos de
seus inventos.
Nesse sentido que, Acredita-se em formação docente que considere as micropolíticas de
leitura desenvolvidas por professoras, principalmente valorizar as necessidades dos docentes
e suas leituras que já trazem dos seus contextos. Acima de tudo que garanta o direito de
escolha, principalmente de querer ou não em continuar em busca de titulações outras para
fortalecer suas discussões na Educação Básica.

REFERÊNCIAS

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Alegre, V.33, n. 5, p. 174-181, set/dez. 2010.
CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história: conversas de Roger Chartier com Carlos
Aguirre Anaya, Jesús Anaya Rosique, Daniel Goldin e Antonio Saborit. Porto Alegre: ARTMED, 2001
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano 1. Artes de fazer. 18.ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Cortez, 1996.
_______________________ A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49
ed. São Paulo: Cortez, 2008.
_________________ Pedagogia do oprimido. 50. Ed.rev.atual.- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
KLEIMAN,B. Angela. Modelos de Letramento e as Práticas de Alfabetização na Escola. In: KLEIMAN, A. B. (org.).
Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas,
SP: Mercado Aberto, 1995.
____________________ Formação do professor: retrospectiva na pesquisa. In.A formação do
professor: perspectiva da linguística aplicada. Org. Ângela B. Kleiman. – Campinas-SP: Mercado das Letras, 2001.
NÓVOA, António. O passado e o presente dos professores. In Profissão Professor. Org. António Nóvoa.
Porto – Portugal: porto editora, 2008.
___________________ O regresso dos professores. Livro da conferência desenvolvimento profissional
de professores para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida. Lisboa: Ministério da
Educação, 2008.
SANTOS, Cosme B. e ORGE, Lívia. Letramento do alfabetizador no local de trabalho: o efeito da Revista
Nova Escola. In. Claudia Vóvio, Luanda Sito e Paula de Grande (Orgs.). Campinas (SP): Mercado de Letras, 2010.

258
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GÊNERO E MOVIMENTO SOCIAL: LEITURAS E VIVÊNCIAS NO SERTÃO
DA BAHIA

Pedro Paulo Souza Rios 110


Adson dos Santos Bastos 111

RESUMO: O mundo contemporâneo será profundamente marcado pela velocidade com que
os fatos ocorrem. No atual modelo de sociedade nada está posto como pronto, somos seres
em processo, sendo assim, poderíamos dizer que as relações com o meio social são
construídas e estabelecidas de acordo as necessidades/interesses políticos, sociais, culturais,
econômicos e geográficos, concepções que podem ser ampliada ou reduzidas a partir das
leituras que tecemos no mundo e com o mundo. Intensifica-se o debate e a reflexão em torno
de questões tidas e consideradas tabus pela sociedade, como: sexualidade, orientação sexual,
preconceito racial e étnico, além da garantia de direitos de categorias como mulheres,
crianças e adolescentes, e idosos/as. Gênero é outra categoria, que nas últimas décadas saiu
do anonimato, e passou a ser pensada e discutida. Vale salientar a importante contribuição
dos movimentos sociais, inicialmente o movimento feminista e posterior outros movimentos
em defesa dos direitos humanos, das organizações não governamentais, das Pastorais Sociais,
dentre outros setores que se debruçaram sobre essa temática. A metodologia utilizada nessa
pesquisa foi a etnográfica com método qualitativo. A pesquisa foi desenvolvida no Projeto de
Assentamento Nova Canaã – Pindobaçu – Bahia. A partir das analises dos dados constata-se
que há por parte dos assentados e assentadas uma legitimação sobre a importância da
discussão da temática, relações sociais de gênero, contudo, no cotidiano a vivência dessas
relações acontecem na sua maioria de acordo o modelo patriarcal.
Palavras-Chaves: Relações Gênero. Movimentos Sociais. Formação. Semiárido

ABSTRACT: The contemporary world is deeply marked by the speed inwhich events occur.
In the current model of society nothing is posited as something ready, we are beings in
progress, so we could say that the relationship with the social environment are constructed
and established in accordance with the political, social, cultural, economic and geographic
needs/interests, conceptions that can be enlarged or reduced from the readings we weave in
the world and with the world. The debate and reflection are intensified around issues taken
and considered taboo by society, such as sexuality, sexual orientation, racial and ethnic
prejudice, as well as ensuring rights of categories such as women, children and teenagers, and
the elderly. Gender is another category, which in recent decades has left anonymity, and
came to be considered and discussed. It is worth emphasizing the important contribution of
social movements, initially the feminist movement and further other movements in defense
of human rights, non-governmental organizations, the Social Pastoral, among other sectors
that have studied this issue. The methodology used in this research was the ethnographic one
with qualitative method. The research was conducted at Projeto de Assentamento Nova
Canaã – Pindobaçu – Bahia. Based on the analyzes of the data it appears that there is, on the
part of the settlers, a legitimation about the importance of the discussion of the theme, social
relations of gender, however, in daily life, the experiencing of these relationships happens
mostly according to patriarchal model .
Key – words: Gender Relations. Social Movements. Training. Semiarid

INTRODUÇÃO: O QUE SE LER DO SERTÃO E O SERTÃO A SER LIDO

Um olhar mais atento é o suficiente para constatarmos que os relatos, literaturas e imagens
relacionadas ao Semiárido Brasileiro, desde o período colônia, até os dias atuais, em sua
maioria, dão ênfase a paisagens naturais desoladoras, tais como açudes secos e solo rachado,

110 Mestrando em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, Universidade do Estado da Bahia, Juazeiro –
Campus III. Email: [email protected]
111 Mestrando em Ensino, Filosofia e História das Ciências – PPEnFHC – UFBA/UEFS. E-mail: [email protected]

259
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ou, ainda, as situações de miséria da população sertaneja nos períodos de seca. O perfil do
homem e da mulher nordestina também aparece intimamente ligado a essa imagem, sendo
retratado quase sempre pela sua condição de miserabilidade. Podemos encontrar nas mais
diferentes manifestações artísticas e literárias a figura da mulher rodeada de crianças,
geralmente com expressão que nos remetem à imagem da fome e da seca, enquanto seus
companheiros engrossavam a fileira dos retirantes. E por essa ótica o Semiárido foi
produzido, reproduzido e perpetuado durante intensas décadas. Nossos olhos foram
acostumados apenas a essas imagens tão bem representadas nos jornais, na música, na
poesia, na literatura e principalmente por meio do livro didático difundido de norte a sul do
país.
Nesse processo era desconsiderado o povo, a cultura, a arte, a religiosidade e a identidade do
ser homem e do ser mulher no Sertão, prevalecendo a figura patriarcal do coronel, contudo,
novos olhares em torno dessa realidade começam a surgir a partir da primeira metade do
século XX, quando pesquisadores/as das mais diferentes áreas do conhecimento, com
predominância das ciências humanas, fazem uma releitura, agora com mais criticidade sobre
a complexidade que permeiam as relações estruturantes presentes no Semiárido. Nesse
período o Brasil atravessava o momento pós-ditadura, onde as lutas sociais, tanto urbanas
quanto rurais, ocorrem num contexto de grandes transformações. A desigualdade econômica,
social, étnica e política de gênero é uma das preocupações com a qual nos deparamos nesse
contexto histórico.
A década 1980 se configura como o estopim para a discussão e consolidação de grupos sociais
organizados e articulados em defesa das mais diferentes causas, dentre elas uma parcela
significativa da população que foi excluída de todo processo politico, cultural e econômico.
Para exemplificar o que estamos dizendo podemos citar o Movimento Muda Nordeste, que
desponta denunciando a situação de miséria em que o Nordeste estava submetido (FAVERO,
2002) e o Movimento Feminista com a reflexão em torno das questões de gênero. Vale
ressaltar que a pesquisa em torno das questões de gênero não nasce necessariamente nesse
período, mas é nesse momento que se dá o grande passo.
Podemos perceber a organização das mulheres também no Semiárido Brasileiro. Conforme
Carvalho (2011) houve contribuição do movimento de mulheres na configuração desse novo
momento. Dessa maneira, entendemos que não há como pensar em novas formas de
convivência com o Semiárido sem considerar as questões pertinentes às relações de gênero e
a importância dessa temática na configuração desse novo momento.

1 GÊNERO UMA CONSTRUÇÃO SOCIOCULTURAL: O SURGIMENTO DE NOVAS


LEITURAS

O mundo contemporâneo será profundamente marcado pela velocidade com que os fatos
ocorrem. Acontecimentos que demoravam dias para serem noticiados, com o advento da
tecnologia viram notícias em fração de segundos. A tecnologia nas suas mais variadas formas,
cores, cheiros e odores adentram nossas casas nos deixando reféns de recursos tecnológicos
que há bem pouco tempo eram inconcebíveis. No atual modelo de sociedade nada está posto
como pronto e acabado, somos seres em processo, sendo assim, poderíamos dizer que as
relações com o meio social são construídas e estabelecidas a partir das
necessidades/interesses políticos, sociais, culturais, econômicos e geográficos.
Um ligeiro olhar sobre a realidade brasileira nos permite identificar a velocidade com que as
mudanças vêm ocorrendo nos últimos tempos. Podemos identificar a intensificação do
debate e da reflexão em torno de questões tidas e consideradas tabus pela sociedade, como:
sexualidade, orientação sexual, preconceito racial e étnico, além da garantia de direitos de
categorias como mulheres, crianças e adolescentes, e idosos/as. Gênero é outra categoria, que
nas últimas décadas saiu do anonimato, e passou a ser pensada e discutida. Nos últimos anos
já podemos constatar um novo cenário no que se refere às relações sociais de gênero no
mundo e consequentemente no Brasil. A eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita
para o cargo político mais importante da nação serve bem para ilustrar o que estamos
dizendo.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
As abordagens de gênero proporcionam uma nova perspectiva que nos permite vislumbrar
novos significados e almejar novos horizontes ao tempo em nos ajuda a compreender de que
maneira a contínua construção das relações sociais tem sido fértil em criar estratégias que
permitam transformá-las em experiências equitativas entre homens e mulheres e entre estes
e estas e o seu meio. Pesquisas realizadas em várias partes do mundo, sobre a temática de
gênero, ressaltam que esta categoria por si só não consegue fornecer elementos que garantam
uma interpretação condizente e coerente da realidade, sendo necessário para isso é
estabelecer mediações com outras categorias, como: raça e etnia, orientação sexual, classe
social, conflito geracional dentre outros possibilitando assim, uma leitura complexa e ampla
da realidade.
A discussão e reflexão sobre gênero passou a ser uma tendência na difusão das abordagens
dessa temática dentro da academia. As vozes que antes eram silenciadas ou de pouca
expressão passam a serem escutadas e respeitadas. Nesse sentido, não podemos deixar de
salientar a importante contribuição dos movimentos sociais, inicialmente o movimento
feminista e posterior outros movimentos em defesa dos direitos humanos, das organizações
não governamentais, das Pastorais Sociais dentre outros setores que se debruçaram sobre
essa temática.
Ao pesquisarmos a temática gênero, muitas vezes nos deparamos com uma diversidade de
abordagens que nem sempre conseguem atingir o cerne da questão, já que muitas dessas
abordagens limitam-se muitas vezes a contemplar a realidade das mulheres, sem, no entanto
considerar o aspecto relacional do gênero, no que diz respeito às relações sociais de poder,
como os conflitos geracionais, as lutas de classes, étnicas, a diversidade sexual dentre outras.

1.1 LEITURAS HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DE GÊNERO


O despontar do novo século trouxe para a humanidade uma extensa e inesgotável pauta que
precisa ser refletida e analisada. Essa pauta traz em seu bojo questões, problemas e
indagações que dizem respeito às inquietações de homens e mulheres e que pensávamos ser
algo já superado, no entanto, temos percebido que, elas estão presentes e latentes,
perpassando todas as esferas das nossas relações, transitando desde o bate-papo informal
entre vizinhos e familiares em conversas informais ao tempo em que adentram as discussões
e pesquisas acadêmicas, fazendo emergir novos conhecimentos que correspondam com os
anseios da atual sociedade e que sejam verdadeiramente de respeito ao diferente.
Essa pauta não se apresenta como algo que já vem pronto, ao contrário, se mostra como algo
a ser construído a partir das inquietações que envolvem o ser humano em sua complexidade.
Sendo assim, ela é um convite que nos instiga e nos desafia, possibilitando um olhar
completamente novo sobre a realidade que nos cerca.
A abordagem de gênero nasce configurando-se como um paradigma novo que se mostra
capaz de desnaturalizar a subordinação das mulheres na sociedade. A experiência do
movimento feminista na década de 1960 revelou uma forte rejeição a esta maneira de
interpretar a realidade na perspectiva do determinismo biológico, a partir da noção de sexo
ou de diferença sexual, passando a utilizar a palavra gênero, “como uma maneira de se referir
à organização social da relação entre sexo”. (SCOTT, 1990, 5).
Num primeiro momento a categoria gênero nasce num contexto de construção da crítica de
que os estudos sobre as mulheres estavam voltados para as elas mesmas sem levar em
consideração o aspecto relacional entre as mulheres e os homens. As reflexões que surgem a
partir da consciência destes limites motivaram o movimento feminista a fazerem uma revisão
e repensar a dominação de um sexo sobre o outro, trazendo a ideia do aspecto relacional. Foi
considerando essas questões que as feministas estadunidenses passaram a utilizar o termo
gênero, do inglês gender.
A categoria gênero vem evoluindo ao tempo em que se materializa dentro de um processo
contínuo de reconstrução das suas fundamentações que tem provocado mudanças
quantitativas e qualitativas na sua estrutura conceitual e metodológica. Sendo que uma
dessas mudanças é a evolução do gênero enquanto categoria analítica. Para Scott (1990) não
se tratava apenas de reconhecer a participação das mulheres na história, mas de recontar a
própria história. Dessa forma, a concepção de gênero inaugura no debate da questão
masculina e feminina a noção de relações sociais e de historicidade. O que segundo Scott:
261
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O gênero torna-se, antes, uma maneira de indicar ‘construções sociais’ – a criação
inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É
uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado (1990, p. 7).

Sendo assim, o pensamento de Scott apresenta-se como alternativo às duas abordagens de


gênero comumente utilizadas pelas/os historiadoras/es, sendo uma essencialmente
descritiva e a outra de ordem causal. Na concepção da autora mesmo que esses estudos
considerassem a participação das mulheres nos diversos momentos históricos não foram
capazes de se constituírem em novas análises, uma vez que estavam pautadas em princípios e
explicações universais. Identificando os limites do alcance dessas abordagens a autora propõe
um terceiro caminho: gênero enquanto categoria de análise.
Considerando o enfoque de gênero enquanto categoria de análise, Scott (1998, 1990)
apresenta como proposta, uma abordagem que seja capaz de desconstruir a lógica dicotômica
e desnaturalizar as verdades estabelecidas até então, referentes a relações sociais entre
homens e mulheres na história. Ela considera que o gênero é constituído de quatro elementos
e que há uma articulação entre eles: os símbolos, que são cultural e socialmente cristalizados,
e que quase sempre são contraditórios; os conceitos normativos, que acabam fundamentando
e dando evidência às significações simbólicas, geralmente por meio de doutrina religiosas,
educativas, científicas, políticas e jurídicas, fundamentando os sistemas binários e
dicotômicos, dentre eles, a concepção feminino/masculino; as instituições e organizações
sociais, dentre elas o sistema educacional, a Igreja, a família, entre outros, são os espaços que
são fundados nos símbolos e conceitos normativos; a identidade subjetiva, que é a construção
individual de aceitação e reprodução do que é estabelecido como verdadeiro.
Estes quatro elementos estão intrinsecamente imbricados e presentes na nossa realidade,
ainda que não tenhamos consciência da sua existência. Essa divisão é meramente didática e a
autora utiliza deste recurso apenas como forma de demonstrar os fundamentos da categoria
gênero. A sistematização desses quatro elementos tem se constituído como eixo central deste
texto de Scott (1990). Nessa direção, Sílvia Camurça (2001), nos chama a atenção para o fato
de que Scott aplica gênero como categoria de análise para abordar política e poder, quase
sempre tomado como questão secundária na obra da autora. “Gênero é a construção cultural
que toda sociedade elabora sobre o sexo anatômico e que vai determinar, ao menos em
alguma medida, e segundo a época e cultura de que se trata, o destino da pessoa, seus
principais roles, seu status e até sua identidade em tanto identidade sexuada” (2001, p. 29).

Sendo assim, a concepção de gênero acaba por ser contrária ao conceito de diferença sexual
que é fundamentada meramente nas questões de ordem biológica, não considerando as
relações de poder estabelecida entre os sexos. De acordo com o conceito de diferença sexual a
consideração da mulher e do feminino precede a relação com o sexo oposto e o caminho para
a libertação da mulher reside dentro dela e entre elas, desconsiderando ou secundarizando a
dimensão cultural e relacional proposta na categoria gênero.

1.2 GÊNERO NOS ESPAÇOS ESCOLARES


As relações humanas são construídas no fazer cotidiano dos homens e das mulheres e muitas
vezes nem percebemos as sutis relações de poder, estabelecidas numa sociedade
hierarquizada, que em alguns casos impõe modelos a serem seguidos por todos e todas. Sem
que percebamos acabamos por naturalizar alguns hábitos, concepções e valores. Várias
pesquisas dedicam que essas questões apontam que às crianças têm sido oferecidos modelos
de mulheres e homens com bases sexistas, racistas e classistas. Sendo a escola um espaço
privilegiado de manutenção desses valores discriminatórios.
A escola é sem dúvida um espaço marcado pelas relações interpessoais, não somente entre
alunos/as, mas esses/as e seus professores/as e esses/as e os funcionários/as da instituição,
devemos considerar ainda a relação com os pais e mães dos/as alunos/as, dessa maneira
entendemos que as relações interpessoais estabelecidas dentro do processo pedagógico vão
influenciar de maneira significativa nas questões de gênero, por exemplo, nas atividades de
educação física diferenciadas para meninos e meninas, o que reflete uma concepção dos
262
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
professores de que as meninas são mais incapazes que os meninos na realização de atividades
motoras. Além disso, a prática do futebol é uma constante referência à virilidade dos alunos
(LOURO, 2003). Outras formas de socialização sexista seriam as brincadeiras infantis e as
escolhas de brinquedos em que também se manifestam as relações de gênero, por exemplo,
quando são oferecidos às meninas brinquedos que simulam atividades domésticas e a
vaidade, enquanto são oferecidos aos meninos jogos que envolvem raciocínio lógico, força ou
exploração do espaço físico.

2. SEMIÁRIDO: TERRITÓRIO DE POSSIBILIDADES


É nesse sentido que entendemos que não podemos pensar em processos educacionais no
Semiárido desconhecendo suas fragilidades e potencialidades. As regiões semiáridas são
caracterizadas geralmente pela aridez do clima, escassez de água e presença de solos pobres
em matéria orgânica. Contudo, mesmo com essas características gerais, o Semiárido
brasileiro é muito mais que isso, ele se apresenta como uma realidade complexa, tanto no que
se refere aos aspectos geofísicos, quanto à ocupação humana e à exploração dos recursos
naturais. Segundo Albuquerque Jr. (1999), a idealização e delimitação geográfica do Nordeste
Brasileiro trazem a marca de um ranço negativo. Para o autor, esse ranço da elite nordestina,
forjou a criação do Nordeste, na contramão da história, sendo suportado inclusive, na ideia
de calamidade originada no clima e principalmente, na manifestação do fenômeno da seca.
Para Malvezzi (2007, p. 9) “o Semiárido brasileiro não é apenas clima, vegetação, solo, Sol ou
água. É povo, música, festa, arte, religião, política, história. É processo social. Não se pode
compreendê-lo de um ângulo só”. Pensar o Sertão considerando apenas um desses ângulos
seria continuar perpetuando as estruturas de desigualdades estabelecidas até então, que tem
por base estrutural a figura patriarcal do coronel, colocando no centro das relações um
modelo machista de submissão ao sexo masculino, ao contrário, pensá-lo em sua
complexidade significa criar novas possibilidades de convivência nesse território e com o
povo que nele habita, por meio de relações dialógicas construídas e estabelecidas no respeito
ao diferente, ao outro.
Esses processos requerem uma abordagem negociada e contratual de identificação de
necessidades, de capacidades locais e do aproveitamento dos recursos potenciais para a
melhoria das condições de vida da população. Sendo assim, devemos considerar o fato de que
não há como pensar em convivência com o Semiárido desconsiderando os saberes prévios e o
fazer educação nesse território. Nesse sentido, Carvalho (2011, p.187) destaca: “Mais do que
uma fundamentação metodológica, presentes nas ações de ‘Convivência’, em suas diferentes
maneiras de usá-las, é a recuperação do sujeito pensante, é a valorização dos saberes não
científicos e da percepção como formas válidas do conhecimento, tão negados e postos de
lado na Ciência Moderna”.

Devemos ainda estabelecer uma relação entre os discursos de convivência com o Semiárido e
a valorização do local, da diversidade cultural, da recomposição e afirmação de identidades
de gênero e territórios. Sendo essa uma perspectiva importante na compreensão de
convivência, considerando que as questões devam ser pensadas e formuladas, no próprio
lugar, valorizando e resgatando os conhecimentos locais, como propõe Zaoual (2003), com o
conceito de espaço simbólico de pertencimento: “Um espaço de crenças e práticas ajustado às
circunstâncias locais. Sua transversalidade articula a cultura dos atores da situação, com a
sociedade e o meio ambiente. Contrariamente à exclusiva visão de mercado que subtrai o
homem do seu ambiente social, o sítio o inclui e o vincula a suas raízes” (ZAOUAL, 2003, p.
95).

Nessa perspectiva, valorizar o espaço territorial para convivência requer maneiras novas de
pensar, sentir e agir no ambiente no qual se está inserido. Sendo assim, a convivência é um
reaprendizado constante entre os sujeitos e a realidade do Semiárido por meio de
experiências e vivências concretas. A mudança de percepção sobre essa realidade e a
experimentação de alternativas de produção apropriada pela população passa a ser a
principal garantia da convivência. Segundo Pimentel (2002, p, 19) uma: “coexistência regida
pelos princípios da reciprocidade, da aceitação e do cuidado com o outro reconhecido em sua
263
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
legitimidade enquanto outro da partilha, aquele com quem cada uma das partes da
convivência estabelece laços de complementaridade e interdependência”.

3. RELENDO O SEMIÁRIDO: ANALISANDO DADOS

Gênero é uma categoria historicamente determinada, ainda que não seja construída apenas
sobre a diferença de sexos, mas, sobretudo, uma categoria que serve para dar sentido a esta
diferença, sendo assim, gênero serve para determinar tudo que é social, cultural e
historicamente determinado, conforme afirma SCOTT (1995).
A experiência dos movimentos feministas no mundo, e de maneira particular no Brasil ao
longo dos séculos XIX e XX, se apresenta a partir de perspectivas contraditórias ao provocar
uma ruptura no modelo de pensamento que é legitimado por princípios meramente
biológicos para justificar as desigualdades entre homens e mulheres. Além de expressarem a
forte resistência das mulheres, o movimento feminista, também tece veementemente uma
crítica à lógica patriarcal em que foram fundadas as sociedades ocidentais.
Para Bandeira “o feminismo constitui-se no movimento social que mais profundamente
interferiu no pensamento social e político ocidental, da forma como este se estruturava desde
o século XVI”. (2000, 15). Ainda segunda a autora o movimento feminista foi o portador de
vozes silenciadas desde o período grego até a modernidade, o que o movimento fez foi
resgatar a mulher da condição de inferioridade à qual ela foi submetida, e não apenas como
categoria, mas principalmente enquanto ser sócio histórico.
Foi nesse contexto de luta e resistência em todas as partes do mundo que as mulheres se
organizaram politica e socialmente articulando os movimentos de mulheres e os movimentos
feministas. Ao longo da história esses movimentos continuam sendo cenário de lutas,
conquistas, resistências e avanços contribuindo significativamente na construção de modelos
sociais e culturais mais igualitários tanto na esfera pública quanto privada.

3.1 ESPAÇO DA PESQUISA


A pesquisa foi desenvolvida no Assentamento Nova Canaã. A luta pela possa da terra na
então Fazenda Canaã tem seu início em 2002, com a organização de famílias sem terra
militantes do Movimento CETA – Coordenação Estadual dos Assentados e Assentadas da
Bahia, de diferentes cidades da Bahia, com predominância dos municípios de Pindobaçu,
Cansanção, Itiúba e Queimadas. Em 2006 é constituído o Assentamento Nova Canaã, com
um total de 81 famílias assentadas, que vivem na sua maioria da agricultura familiar, além de
desenvolverem atividades comerciais na sede do município e outras atividades econômicas
tais como diaristas em roças de terceiros ou em casa de famílias.

3.2 SUJEITOS DA PESQUISA


A pesquisa teve como sujeitos os posseiros e as posseiras do Assentamento Nova Canaã. Nas
entrevistas priorizamos a participação dos membros da Coordenação do Assentamento, por
entendermos que os mesmos, por serem representantes eleitos em assembleia, melhor
compreenderiam a dinâmica nos e dos processos que legitimavam legalmente a construção
das relações de gênero nos espaços coletivos do Assentamento. Pela coordenação
participaram das entrevistas José de Cintra Novaes, tesoureiro e Tonis de Jesus Salvador,
Secretário.
No grupo focal, optamos por trabalhar com oficinas. Foram realizadas três (3) oficinas, com
duração de quatro horas (4) cada uma. A organização e convocação das oficinas ficou a carga
da Comissão de Gênero do Assentamento, tendo por critério a assiduidade nos três
momentos. Participaram das oficinas Jucileide Mota de Almeida, Claudinei Gonçalves da
Silva, Terezinha da Jesus Oliveira, José de Cintra Novaes, Marivanea de Jesus, Tonis de
Jesus Salvador, Margarida Jesus da Silva, Edineia Oliveira dos Santos, Pedro Matos de Souza
e Maria dos Santos.

264
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
3.3 LEITURA VIVA: VIVÊNCIAS NO ASSENTAMENTO

Para Beauvoir (1949), o fato de nos dizemos homens ou mulheres já é em si construção


social, nessa perspectiva ela vai dizer que nascemos humanos, o que nos torna masculino ou
feminino é exatamente o processo histórico e suas nuances sociais e culturais.
Os posseiros e posseiras do Assentamento Nova Canaã, a partir de dados coletados em uma
oficina, definem que gênero “É uma construção social.” (POSSEIRA 1). E acrescentam que as
desigualdades, tão evidenciadas entre os gêneros, na atual sociedade é consequência de um
longo processo de subordinação e dominação legitimado por meio de um modelo social que
constituí o sexo masculino como o “natural” colocando-o no centro da tomada de decisões.
Esse modelo foi e ainda é considerado como o verdadeiro e qualquer outro possibilidade de
organização social entre os gêneros será uma transgressão, isso porque “essas desigualdades
vieram sendo construídas desde o tempo das comunidades primitivas, sendo repassada de
uma geração para outra” (POSSEIRA 1).
Gênero não diz respeito apenas às mulheres, mas também aos homens e por isso extrapolam
as dimensões ligadas às questões do masculino e feminino. Para a Posseira 2 “É um conceito
de igualdade entre ambas as partes, homem, mulher, rico, pobre, brancos e negro, velhos e
velhas e jovens e crianças. Diz respeito as relações sociais dos seres humanos”. Podemos
perceber que a discussão de gênero no âmbito dos movimentos sociais avança um pouco
mais, trazendo para o debate as relações sociais de poder, tais como etnia, geração,
orientação sexual dentre outras.
A conceituação do termo gênero enquanto construção sociocultural das relações de poder foi
perceptível durante a pesquisa.
Relações sociais de gênero é aquela relação que existe não só entre homens e
mulheres, que a gente sabe que tem a criança tem o adolescente o idoso, tudo isso
envolve relações de gênero. Essa relação que vem sendo construída ao longo do
tempo que agora a gente está tentando mudar. As mulheres estão aí na luta pra ver se
consegue conquistar seu espaço, porque a mulher percebeu que não dava pra
continuar do jeito que estava então foi à luta (POSSEIRA 1)

Os teóricos e as teóricas de gênero encontram no movimento feminista e de mulheres sua


primeira fonte, é aí que estudiosos e estudiosas vão buscar sanar suas primeiras inquietações
ao tempo em que buscam suscitar outras tantas.Nessa perspectiva entendemos que é
necessário que aja uma ruptura com a ideia de que o masculino e o feminino se constroem na
dominação de um sexo sobre o outro. É neste sentido que os estudos recentes apontam que a
categoria gênero é uma categoria de análise histórica. A discussão de gênero deve abarcar a
totalidade das relações humanas em todas as suas nuances e não restringir-se a apenas um
dos sexos.

3.4RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO NO ASSENTAMENTO NOVA CANAÃ

Historicamente, nos movimentos sociais há toda uma preocupação com as questões de


gênero. Normalmente é formada uma comissão que irá deliberar questões relacionadas a essa
temática, sendo responsabilidade dessa comissão proporcionar momentos de formação e
reflexão em torno do assunto, além de motivar e incentivar políticas de equidade e ações
cotidianas que favoreçam relações de igualdade social. No Estatuto da Associação dos
Assentados e Assentadas do Projeto de Assentamento Nova Canaã, na seção IV, que diz
respeito às comissão, no Art. 36º lê-se: “As comissões de Gênero (grifo nosso), Jovens,
Produção/Comercialização, Finanças, Formação/Educação, Meio Ambiente, Ocupação,
Esporte e Lazer e outras que vierem surgir por necessidade do assentamento, serão de caráter
permanente, composta de, no mínimo 03 (três) membros cada, escolhidos em sua assembleia
específica”.

Dessa maneira constata-se que nos primeiros sinais de organização do Assentamento já havia
uma preocupação com a questão de gênero. De acordo com Claudinei “A gente (assentados e
assentadas) já vem trabalhando ha muito tempo, desde do inicio da fundação do
265
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
assentamento, a gente vem trabalhando essa questão de gênero para que o homem tenha
consciência”.
O Art. 38º do Estatuto diz respeito às atribuições da comissão de gênero, sendo elas:
I - Compor e participar da coordenação colegiada; II - Procurar resolver os problemas
das companheiras em Assembleia das mesmas; III - Organizar as companheiras nos
trabalhos coletivos; IV - Buscar autonomia financeira; V - Conscientizar as
companheiras da necessidade e importância de se associarem na Associação do
Projeto de Assentamento; VI - Participar das Assembleias ou outras atividades do
Assentamento e do Movimento, bem como motivar as demais companheiras assim
fazerem; VII - Levar sempre a questão de gênero em pauta de discussão da área.

É curioso notar que todo o texto diz respeito apenas às mulheres, referindo-se apenas às
companheiras. Em momento algum se contempla a participação dos homens, tanto na
comissão quanto nas assembleias do coletivo, como se o assunto fosse algo pertinente apenas
às mulheres. Mesmo considerando e sabendo da importância da temática nos espaços
formativos do Assentamento. Podendo ser confirmado na fala de Jucileide: “É importante
sim, por que a gente sabe que aqui na comunidade se a gente deixasse, por exemplo, só para
os homens tocarem a situação ficaria complicada, porque a mulher é importante tem o seu
papel aqui na comunidade, eu acho importante sim essa discursão porque, vem trazer a
mulher para a luta”.
Em alguns momentos fica evidente que não há uma participação efetiva das mulheres nas
decisões do Assentamento, competindo a ela a esfera do privado e aos homens a esfera do
público. As mulheres, em sua maioria, ficam em casa, cuidando dos afazeres domésticos e do
cuidado dos filhos, atividades que dizem respeito ao universo do privado. Aos homens
compete participar das assembleias e dos momentos de tomadas de decisão. De acordo com
Tonis “Nem todas participam, não sei por que, são poucas que tem mais interesse, no início
quando começou mesmo, era muitas mulheres que participou, mas hoje tem muitas
mulheres que pensam no interesse particular e não pensa no todo.”
Verificamos que nas assembleias no Assentamento, atividade que acontece sempre na
primeira terça-feira de cada mês, que no período da manhã a participação maior era dos
homens, já no período da tarde esse cenário era invertido. Essa constatação me faz pensar
que na primeira metade do dia as mulheres ficam em casa executando as atividades do lar,
tais como: fazer comida, lavar roupa, cuidar da casa, enquanto seus maridos as representam,
já no período da tarde, esses vão para a roça ou desenvolver outra atividade enquanto suas
esposas participam da assembleia. Vale ressaltar que as decisões mais importantes são
sempre encaminhadas no período da manhã, no período da tarde a pauta se limita aos
informes e encaminhamentos.
É unanime entre os posseiros e as posseiras a importância dessa temática para que aja uma
convivência baseada no respeito ao diferente, mas também reconhecem que na prática as
coisas acontecem de maneira bem diferente, mesmo reconhecendo seu valor. De acordo com
José Cintra na coordenação do Assentamento sempre há participação de mulheres, vale
esclarecer que a coordenação é constituída pelo coordenador ou coordenadora de cada
comissão eleito/a nas assembleias das próprias comissões e validada pela assembleia geral:
“Porque sempre que se elege uma coordenação, sempre tem mulheres. Normalmente é
educação e gênero”. Mesmo com a participação das mulheres podemos perceber que a elas
competem apenas algumas funções na coordenação, legitimadas pelo coletivo de gênero,
espaço considerado feminino e pelo coletivo de educação, que podemos classificar também
como uma atividade feminilizada.

CONCLUSÃO

Podemos dizer então que novas relações de gênero se apresentam como um ideal, já
legitimado pelo Movimento em seus documentos, e isso é um bom começo, no cotidiano o
que se percebe é um desejo enorme por equidade, mas essa não acontece da noite por dia, se
dá por meio de um processo de construção diária. Construção requer novas leituras e
interpretações, requer ainda, tempo, planejamento e organização, é construir na ação, no
fazer, no arregaçar as mangas e colocar a mão na massa. Constatou-se que as relações

266
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
estabelecidas até então não correspondem às reais necessidades dos homens mulheres
contemporâneos. Que caminhos percorrer? Essa é tarefa a ser feita por homens e mulheres
que vislumbram relações que tenham por base a equidade entre os seres humanos
independentes do sexo, etnia, classe social, orientação sexual dentre outras diferenças.

REFERÊNCIAS

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FAVERO, Celso Antunes. Semiárido: fome, esperança e vida digna. Salvador (BA): EDUNEB, 2002.
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PIMENTEL, A. O elogio da convivência e suas pedagogias subterrâneas no Semiárido brasileiro. 2002. 341 f. Tese
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PISCITELLI, Adriana. “Re-criando a (categoria) Mulher”.In: L. M. Algranti (org.) A Prática Feminista e o Conceito
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267
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GÊNERO CORDEL: UM RECURSO NO PROCESSO DE LETRAMENTO
INTERDISCIPLINAR

*Marília Roberta da Silva Leite 112

RESUMO: Os gêneros textuais estão em todos os lugares mediando à comunicação entre as


pessoas, tanto os gêneros orais quanto os escritos, pois eles são a materialidade da língua nas
diferentes situações comunicativas e práticas sociais. Podemos destacar entre os gêneros o
cordel, este que materializa na sua composição a cultura, a história, a geografia e ou o social
de uma comunidade. Dessa forma, este artigo está inserido na esfera de discussões acercados
gêneros discursivos como um recurso no processo deensino, em especial o da leitura e
interpretação interdisciplinar, pois a partir de um cordel pode-se discutir sobre política,
condições climáticas, aspectos históricos, diferenças sociais, preconceitos etc, temas
importantes para a formação leitora e cidadã. Ter os gêneros como recurso no ensino de
língua é ensinar também aos alunos a competência comunicativa, saber usar a linguagem nos
diversos ambientes, uma habilidade tão importante nesta sociedade dinâmica e interativa,
marcada pela velocidade da comunicação. O presente artigo, então, segue realizando
algumas reflexões sobre os gêneros (definições e características) e suas contribuições no
processo de letramento dos alunos, já que, a partir deles podem ser entendidos os aspectos
funcionais da língua, vendo-a também como uma prática social. O uso dos gêneros perpassa
também por uma escolha de uma concepção de língua. Para tanto, o presente trabalho
discorre sobres os gêneros e tipos, fundamentando-se nos seguintes autores: Bakhtin (2003),
Schneuwly e Dolz (2004), Marcuschi (2004 e 2008), Batista (1997) e Bazerman (2011).

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Cordel. Leitura. Interdisciplinaridade

ABSTRACT: Thetextual genresareeverywheremediatingthecommunication between people,


bothoral genresaswritten, they are themateriality oflanguage indifferent
communicativesituations andsocial practices. We highlightthe linebetween genders,
thatthismaterializesin its composition theculture, history, geography andsocialora
community. this article is inserted in thesphere ofdiscussionsofspeech genresas a resourcein
the teaching process, especiallyreading andinterdisciplinaryinterpretation, because from
astringcandiscusspolitics,weather, historical aspects,social differences, prejudices, etc.,
relevant to thereader andcivic educationtopics. Havinggenreslikefeature inlanguage
teachingis alsoteaching studentscommunication skills, learnto use languagein
variousenvironments, an importantskill in thisdynamic and interactivesociety, markedby the
speed ofcommunication. The articlethencontinues performingsome reflections
ongenres(definitions and characteristics) and their contributionsin theliteracyprocess of
students, since from themthe functional aspects oflanguagecan be understood. The
useofgenresalsopermeatesa choice ofa conception oflanguage. To this end,this
paperdiscussesenvelopesgenres andtypes, basing on the followingauthors: Bakhtin(2003),
andSchneuwlyDolz(2004), Marcuschi(2004and 2008), Batista(1997) and Bazerman(2011).

KEYWORDS: Gender. Line.Reading. Interdisciplinarity

112 Aluna do mestrado de Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador.
([email protected])
268
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTRODUÇÃO

Os gêneros discursivos são inúmeros, visto que as ações humanas são específicas, em
contextos e funções diferentes. Por conta dessas características, Bakhtin (2003) cita que para
cada momento comunicativo o enunciador utiliza de algum gênero. O gênero conforme o
autor tem a capacidade de organizar a interação social. Ressalta-se que a utilização dos
gêneros é um fato particular a cada sociedade e cultura. Para Bazerman (2011) não se pode
considerar que eles sejam iguais ou utilizados da mesma forma em todos os lugares, já que se
têm culturas tão ímpares. Por essa grandeza funcional e linguística, os gêneros são
mediadores importantes no ensino-aprendizagem da língua, dando contribuições
importantes para o ensino de produção e recepção textual, maneira pela qual entendemos a
língua como prática social. São destas contribuições que nasce este artigo. Logo, o objetivo
central é refletir sobre os processos de aprendizagens de leitura e escrita mediadas pelos
gêneros, sejam eles orais ou escritos.
Nesse processo de contribuições dos gêneros no ensino e aprendizagem é destacado que a
variedade de gêneros colabora decisivamente na competência comunicativa. Dentro desta
variedade está o cordel. Conforme Bazerman (2011, p. 16) “os alunos precisam de habilidade
e flexibilidade para se adaptar às situações da escrita”. Analisar os diferentes gêneros na sala
de aula é criar oportunidades para que o aluno veja o uso da língua como algo dinâmico, a
linguagem que se concretiza no dia a dia para atender aos objetivos das situações
comunicativas. No entanto, salienta-se que, por muitas vezes, os alunos já possuem contato
com muitos gêneros. Cabe ao professor criar situações em que estes gêneros são utilizados e
assim o aluno perceber a sua função social.

1 OS DIFERENTES GÊNEROS

Os gêneros ampliaram-se principalmente com o advento da escrita, e hoje estão mais


diversificados com os suportes tecnológicos oferecidos pela sociedade. Marcuschi (2005) cita
que os gêneros surgem emparelhados a necessidade e atividade sócio-cultural e dessa forma
situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem (cultura oral,
escrita e informatizada), são cartas, romances, blog, poemas, contos, e-mail, reportagem,
aviso, que enriquecem a linguagem. Neste contexto de variedade, destacam-se os gêneros
surgidos a partir da oralidade, os chamados gêneros primários, aqueles não menos
importante, mas os gêneros que acontecem conforme Bakthin (2003) no contexto imediato
como o diálogo. A partir das novas atividades sociais nasceram outros gêneros, a exemplo: o
mito, a ode, o coral, o drama, conto popular, adivinhas etc, também baseados na oralidade.
O surgimento da escrita proporcionou mudanças significativas na nossa sociedade que, hoje,
valoriza insistentemente essa produção. Nasceram, então, novos gêneros fundamentados na
escrita. Neste sentido, Bazerman (2011, p. 63) afirma: “o surgimento de gênero está
intricadamente ligado às mudanças nas relações e nos papéis profissionais, às mudanças
institucionais, ao surgimento de normas e identidades profissionais, às ideologias, à
epistemologia, à ontologia e à psicologia”.

Fazemos parte de uma realidade em que a escrita é o centro. Marcuschi (2003, p.17) afirma
que “a escrita chegou a um status de simbolizar educação, desenvolvimento e poder, ou seja,
[...] a apropriação da escrita é um fenômeno ideologizável [...]” (MARCUSCHI, 2003, p.24).
Por outro lado, Bazerman (2011) chama atenção que a grande necessidade da nossa
sociedade é ensinar aos alunos que escrever bem requer muito mais do que a produção de
sentenças, envolve a comunicação bem sucedida de mensagens significativas para o outro.
Dessa forma, não basta ensinar o código, mas conduzir o aluno a entender a situação
comunicativa e entender que tipo de linguagem ele deve empregar naquele contexto
específico.
Sobre os diferentes gêneros, além do contexto social, deve-se se levar em consideração
também o suporte, Marcuschi (2008, p.182) o define como: “... um lócus físico ou virtual com
formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como
texto...” Pode-se dizer sobre o suporte de um gênero:
269
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
a) Suporte é um lugar (físico ou virtual);
b) Suporte tem formato específico;
c) Suporte serve para fixar e mostrar o texto;

Assim, telefone, o jornal, o rádio, o papel etc. são suportes que influenciam nas características
dos gêneros. Uma mensagem exposta através dos ambientes virtuais, ganha estilo diferente
daquela que é exposta usando a fala. São recursos diferentes que não mudam o conteúdo,
mas que facilita a identificação do gênero. Dessa forma, no processo de estudo sobre um
gênero, o suporte é um elemento importante, já que este, de acordo com Marcuschi (2008)
não é neutro e nem fica indiferente a ele, pois para o autor, o suporte é meio para que o
gênero circule na sociedade.
Entendo a variedade dos gêneros, a sua relação intrínseca com a situação comunicativa,
percebe-se o quanto estes são exímios mediadores no processo da leitura, especificamente a
leitura interdisciplinar, pois eles contemplam na sua estrutura, conteúdo e estilo aspectos
importantes para o leitor como dinamicidade, intertextualidade, competência comunicativa
etc. Ler um gráfico, por exemplo, é um exercício interessante e que não deve ser restrito às
aulas de matemática. O gráfico exige do leitor uma relação de sentidos com os números e com
o objetivo deste gênero. Ler qualquer gênero é ir além da decodificação, ler nas entrelinhas e
perceber qual a função daquele gênero na sociedade.

2 O CORDEL NO PROCESSO DE ENSINO

O cordel faz parte da literatura popular nordestina no Brasil, sendo um gênero vendido nas
feiras livres ou praças. Esta herança européia chegou ao Brasil por meio dos colonizadores
portugueses, Batista (1997, p. 3), “é uma das heranças que devemos, o Brasil a Portugal, os
outros países americanos à Espanha”. O cordel, no entanto, só veio se firmar no nordeste
brasileiro no final do século XIX.

No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o


surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia,
característica da própria fisionomia da região. Fatores de formação social
contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal; o surgimento
de manifestações messiânicas; o aparecimento de bandos de cangaceiros ou
bandidos; as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais;
as lutas de famílias que deram oportunidade, entre outros fatores, para que se
verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumento do
pensamento coletivo, das manifestações da memória popular. (BATISTA,
1997, p.74)

Devido a este enfoque regionalista, a literatura de cordel achou refúgio nas mãos do povo
nordestino, que soube cultivar e aprimorar essa riqueza cultural, explorando nas narrativas a
história e a cultura local. Narrando histórias de vaqueiros, o cordel conquistou seu espaço,
pois retrata com fidelidade a realidade, seja através das personagens ou da linguagem do
povo nordestino. O gênero cordel se transformou ao longo do tempo (comparando a
estrutura e a temática desde a Europa até o Brasil), ratificando que o gênero não pode ser
visto como formas estanques, mas conforme Marcuschi (2008, p.151) entidades dinâmicas,
cujos limites são fluidos.
Utilizando de vários temas como seca, tradição religiosa, figuras atuais, pelejas, sofrimento,
adultério, corrupção, o cordel tornar-se um bom recurso no processo de letramento. Vale
ressaltar que por essas características o cordel não é um gênero exclusivo para as aulas de
Língua Portuguesa, podendo ser interdisciplinar, qualquer educador ao utilizar um cordel,
explorando seu tema, proporcionará uma leitura interdisciplinar, ou seja, o diálogo das
disciplinas, das vozes que ecoam no texto bem como utilizar a língua escrita em situações
diferentes. Estamos, assim, destacando um processo de letramento que deve ocorrer em
todas as disciplinas. Entender o funcionamento da língua falada e escrita não é restrito aos
professores de Língua Portuguesa. Os cordéis de Patativa do Assaré, por exemplo, retratam a
realidade dura de muitos sertanejos que sofrem com a seca. O uso desses cordéis possibilita
uma leitura critica e interdisciplinar, já que o educador pode estabelecer pontes com outras
270
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
leituras (geografia, história, literatura, física, biologia). A partir da leitura o aluno pode ser
motivado a escrever textos argumentativos e opinativos, explorando a leitura crítica.
Meu Deus, meu Deus. . .
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz [...]
(Patativa do Assaré, 2014)
O seguinte trecho do cordel “Triste Partida” possibilita uma leitura atenciosa de um eu lírico
que clama a Deus por tanto sofrimento, do medo de viver com a fome, que para o sertanejo é
considerado uma peste. Compreende-se, dessa forma, que o cordel abre um leque para o
estudo semântico, sintático bem como para a realização de leituras dialógicas, ou seja, ler um
texto associando a outros. A partir deste cordel, o professor pode explorar a leitura de outros
gêneros como o romance Vidas Secas de Graciliano Ramos, as letras de Luiz Gonzaga ou Os
Sertões de Euclides da Cunha a depender da turma em que o cordel está sendo estudado.
Vale neste momento o olhar atento do professor, aquele que deve ter no centro de suas
atividades uma prática flexível e interativa.
Amazônia é equação
Que temos que resolver
Se será fácil ou difícil
O tempo é quem vai dizer
É nosso dever de casa
E vamos ter que fazer
(Marcus Lucenna, 2014)

Ampliando os conhecimentos, o cordel de Marcus Lucenna retoma as discussões sobre a


Amazônia, a exploração e o interesse político e econômico de outros países sob ela. Ressalta-
se que o cordel pode ser explorado em diferentes turmas, desde o infantil ao ensino médio,
cada professor escolhe um cordel de acordo com os conhecimentos prévio dos seus alunos,
visto que o aluno só estabelece sentido em um texto a partir do que ele tem de conhecimento,
as relações sociais que ele estabelece; sobre isto Marcuschi (2008, p.126) destaca que a
coerência de um texto deve estar ligada aos processos sociointerativos, isto é, o leitor para
inferir sentido não precisa só conhecer aspectos linguísticos.
A partir do entendimento de que existem inúmeros gêneros, orais e escritos, etc. considera-se
que o professor tem em mãos um riquíssimo aparato para o ensino de língua. Por outro lado,
os gêneros só podem ser bons recursos de ensino desde que na base da prática educativa do
professor, ele conceba a língua como algo interativo, fruto das relações entre sujeitos. Quem
tem por base a concepção de língua estruturalista, baseada no estudo da forma, que
conceiptualiza a língua como algo estanque, os gêneros são pretextos para o estudo de uma
gramática descontextualizada. O ensino de língua mediado pelos gêneros oferece condições
para aprendizagem da leitura, a produção textual (em que podem ser estudados os aspectos
gramaticais), compreende-se a língua como uma prática social, a língua modificada com
tempo e as circunstâncias sociocomunicativas.
O uso do cordel na prática escolar, assim, requer inicialmente uma concepção de língua
aberta para os sujeitos e o contexto social, cultural de uma comunidade linguística. Inserimos
nessas discussões o processo de letramento, pois falar de leitura, interpretação e escrita é
estudar as diferentes situações em que a escrita está inserida, neste caso, a partir dos gêneros.
O professor deverá compreender que o processo de letramento se estende para além da
aprendizagem da escrita, mas que há diversas formas de letramento, isto é de usar e produzir
sentido sob a escrita. Kleiman (1995, p.39), por exemplo, considera que as práticas de

271
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
letramento se constituem conforme o contexto. No entanto, ela ainda critica que a escola
mantém alguns modelos de letramento, sustentando ideologias discriminatórias.
O uso dos gêneros, especificamente os gêneros orais são importantes na sala de aula, pois
desmistificam que o letramento se restringe à escrita. Rojo (1995) considera que a partir da
oralidade pode se desenvolver práticas de letramento nos ambientes em que a criança, por
exemplo, esteja inserida, ou seja, desenvolver com as crianças desde a idade pré-escolar
práticas discursivas, para que, por conseguinte a escrita seja desenvolvida.
Nesse sentido, vale ressaltar a importância de inserir no ensino de leitura o cordel, já que é
um gênero que além da forma impressa retoma a forma oral, ou seja, o cordel cantado ou
recitado e que tem um valor importante. A utilização do cordel em uma prática dialógica, isto
é, entender que enunciado ali cantado dialoga com outros enunciados, possibilita que o
educando compreenda que a oralidade é tão importante quanto à escrita. Ouvir ou ler um
cordel condiciona um olhar mais sensível aos fatos do mundo, contribuindo para a produção
de textos, seja o próprio cordel outro gênero textual.
A presença dos gêneros nas escolas como um recurso de aprendizagem deve-se também às
reflexões dos PCN. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam os gêneros como
mediadores no processo de aprendizagem da escrita, o desenvolvimento e incentivo à leitura.
Qualquer gênero conforme Dolz e Schneuwly (2004) são (mega) instrumentos tanto de
ensino quanto no saber agir em situações de linguagem.
Schneuwly & Dozl (2004) propõem uma sistematização do uso dos gêneros textuais. A ideia é
que se crie uma sequência a fim de que se depreendam tudo que o gênero possa oferecer,
principalmente a questão da flexibilidade da linguagem diante das diversas situações de
comunicação. Os autores defendem que os gêneros devem fazer parte do cotidiano escolar,
pois eles usados de maneira correta colaboram no desenvolvimento da linguagem, chamam
atenção também que o ensino não pode se restringir aos gêneros “cânones” 113, mas buscar no
próprio escolar, gêneros que são utilizados entre alunos, professores, direção, ratificando que
a mesma é um espaço comunicativo, que o texto é utilizado para representar os objetivos dos
interlocutores.
Para as escolas em que o cordel faz parte da realidade, ele segue como esse mega recurso que
pode ser sistematizado através das sequências didáticas, propondo aos alunos uma reflexão
de sua própria realidade, constitui-se neste momento a formação de um cidadão que não só
analisa a realidade alheia, mas que entende os processos históricos, políticos, culturais que
envolvem sua comunidade e como pode transformá-la. Kleiman (1995, p.20) também
destaca que a escola a partir das suas escolhas restringe o conceito de letramento “[...] Pode-
se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não
como o letramento, prática social, mas apenas como um tipo de prática de letramento, a
alfabetização, o processo de aquisição de códigos [...]”, isto é, se uma escola nega o valor de
um cordel, ela nega ao aluno a oportunidade de valorizar sua cultura ou de conhecer o novo.
O recorte a seguir do cordel a “Importância do Cordel” de Mundi do Vale representa um
pouco disso.
“[...] O cordel tem seu valor
Por ser de fácil leitura.
Tem muita arte na capa
Feita em xilogravura.
A métrica faz a grandeza,
A rima gera beleza
Para elevar a cultura.
O cordel noticiou
Para o povo nordestino,
O suicídio de Vargas
E a prisão de Antônio Silvino.
Deu notícia da chacina,
No Largo da Catarina
Quando morreu Virgulino.[...]” (Vale, 2014)

113 Os gêneros textuais supervalorizados pelos livros didáticos.


272
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A sistematização do ensino de gênero para Dolz & Scheneuwy (2004) consiste em adotar
estratégias de intervenção exercidas pelo educador a fim de que o educando consiga
desempenhar com maestria a interação com o texto. Assim, o educador deverá proporcionar
condições de produções para qualquer gênero como conhecer e adaptar-se às características
do contexto e do referente. No processo de aprendizagem Dolz & Schneuwy (2004, p.46)
citam algumas atitudes:
1. Adaptar a escolha de gêneros e de situações de comunicação às
capacidades de linguagem apresentadas pelos alunos;
2. Antecipar as transformações possíveis e as etapas que poderiam ser
transpostas;
3. Simplificar a complexidade da tarefa, em função dos elementos que
excedem as capacidades iniciais das crianças;
4. Esclarecer com os alunos os objetivos limitados visados e o itinerário
a percorrer para atingi-los;
5. Dar tempo suficiente para permitir as aprendizagens;
6. Ordenar as intervenções de maneira a permitir as transformações;
7. Escolher os momentos de colaboração com os outros alunos para
facilitar as transformações;
8. Avaliar as transformações produzidas;

Essa proposta faz uma reflexão pertinente do uso dos gêneros e consequentemente do ensino
de língua. A postura do educador, mais do que nunca, será de um mediador que deverá
conhecer os limites da sua turma e como o texto pode ser aprendido na sala de aula. No final
o trabalho com o texto será um processo e não uma ação descontextualizada. A turma, dessa
forma, vai compreender o gênero como um mediador linguístico das interações social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Valorizar o estudo do texto a partir do contexto é amadurecer nos educandos uma leitura
crítica do mundo, da sua sociedade. O gênero desse ponto de vista é um recurso valioso para
aquisição de saberes interdisciplinares, tanto pelos textos escritos como orais. Os gêneros
contribuem, dessa forma, na formação cidadã, pois são produções textuais que refletem a
cultura, a ideologia, etc.
O uso do gênero na sala de aula, especificamente o cordel, parte inicialmente de uma visão
sociointeracionista da língua. Fazer com que os educandos entendam o funcionamento da
língua não se dar só por meio de regras gramaticais, mas pela situação comunicativa. É
preciso estimular outras competências como a discursiva, sociolinguística. Além disso, Dolz
& Schneuwly (2004) ratificam que o gênero na escola requer uma reorganização didática, ou
seja, procurar adequar o gênero a realidade dos educandos, criando uma sequência didática
pertinente à turma, a fim de alcançar os objetivos traçados.

REFERÊNCIAS

ASSARÉ, Patativa. A triste partida. Disponível em www.letras.com. Acesso em 11 de fevereiro de 2014.

BAKHTIN, M. (2003 [1951-1953]). Os gêneros do discurso. In:________. Estética da criação verbal. 4 ed.
Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes.

BAZERMAN, C. (2011). Gêneros textuais tipificação e interação. Ângela Paiva Dionísio, Judith Chamblis
Hoffnagel (org.). Revisão técnica Ana Regina Vieira et al. São Paulo: Cortez.

BATISTA, Sebastião Nunes, (1997). Antologia da Literatura de Cordel. São Paulo: Fundação José Augusto.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares


nacionais: códigos e suas tecnologias. Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1999.

KLEIMAN, Angela B. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN,
Angela B. (org.). Os significados do letramento. Campinas, São Paulo:Mercado de Letras.

LUCENNA, Marcus. A Amazônia é nossa. Disponível em www.mundocordel.blogspot.com.br. Acesso em 11 de


fevereiro de 2014.

273
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. (2008). Aprodução textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. (2005). Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In:
________.Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentidos. Rio de Janeiro: Lucerna,
p. 13-67. Disponível em: http://www.googleacademico.com.br//. Acesso em: 9 jan. 2010.

ROJO, R.H.R. (1995) Concepções não-valorizadas de escrita: a escrita como “um outro
modo de falar”. In: KLEIMAN, A. (org.). Os significados do letramento. Campinas-
SP: Mercado de Letras.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim etal. (2004). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras.

VALE, Mundin do (2008). A importância do cordel. Disponível em www.mundocordel.blogspot.com.br.


Acesso em 11 de fevereiro de 2014.

274
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO IF SERTÃO PE: O DESAFIO DE ARTICULAR
MÚLTIPLAS LINGUAGENS MEDIADAS PELA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Maria do Socorro Tavares Cavalcante Vieira1


Geraldo Vieira de Lima Junior2
Hommel Almeida de Barros Lima3
114

RESUMO: A linguagem, como poderosa instituição social na sociedade da informação e do


conhecimento, requer constantemente melhorias em seus instrumentos, posto que necessita
viabilizar a comunicação eficiente e consequentemente a transmissão de informações que
atendam ás demandas geradas pelos sujeitos dessa sociedade. A educação é distância não é
uma inovação dessa sociedade, mas suas ações foram potencializadas nela a partir do uso de
ferramentas que possibilitam o acesso mais rápido as diversas formas de interagir com o
conhecimento acumulado pela humanidade. Garantir, através das dinâmicas de educação à
distância, o acesso à diversidade textual seja acadêmica ou não, utilizando-se da
multiplicidade de e tecnologias da informação e da comunicação promovendo articulações
nessas linguagens é o primeiro grande desafio dos cursos na modalidade à distância
vivenciados no IF SERTÃO – Campus Petrolina. Para a elaboração desse estudo foram
traçados objetivos que possibilitassem descrever as experiências com formas de linguagem,
de leitura e interpretação de textos nos ambientes virtuais de aprendizagens nas disciplinas
dos cursos estudados.
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Tecnologia. Aprendizagem.
ABSTRACT: The language, as powerful social institution in the information and knowledge
society requires constant improvements on their instruments, since they need to facilitate
efficient communication and consequently the transmission of information to meet the
demands generated by the actors of the company. Education is away is not an innovation of
the company, but their actions were potentiated it from the use of tools that enable faster
access various ways to interact with the knowledge accumulated by humanity. Ensure,
through the dynamics of distance education, access to textual diversity is academic or not,
using the plethora of information and communication technologies and promoting
connections in these languages is the first major challenge of the courses in the distance
experienced in IF SERTÃO - Campus Petrolina. In carrying out this study aims to describe
the experiences that enabled with forms of language, reading and interpretation of texts in
virtual environments for learning in academic courses studied were plotted.
KEYWORDS: Language. Tech. Learning.

INTRODUÇÃO
A modalidade de Educação à Distância não pode ser considerada um grande feito da
sociedade contemporânea que preza pelo pragmatismo das mais variadas situações de
convivência humana. Após o advento da escrita, muitos foram instrumentos organizados
para possibilitar que a informação chegasse o mais longe possível cumprindo na íntegra a
função comunicativa. No início do Século XX o ensino à distância acontecia pela utilização do
rádio de materiais impressos sobre os mais diversos temas enviados através dos serviços de
correio. Desses mecanismos e com o surgimento de estruturas de comunicação remota, como
a internet e suas ferramentas de uso coletivo ou individual as linguagens se aprimoram em
função das novas exigências sociais.
Essas formas de linguagem presentes nos materiais didáticos, destinados a educação à
distância, devem ser clara, sucinta (sem ser resumida demais), com precisão inerente ao

114 IF SERTÃO PE, Campus Petrolina, Professora do Curso de Licenciatura em Química, Coordenadora de Tutoria nos Cursos
de Educação à Distância, Mestranda em Ciências da Educação. Email: [email protected]
2IF SERTÃO PE, Campus Salgueiro, Técnico de Laboratório de Química, Tutor nos Cursos de Educação à Distância,

Mestrando em Ciências dos Materiais. Email: geraldo.vieira@ ifsertao-pe.edu.br


3IF SERTÃO PE, Campus Petrolina, Professor do Curso de Eletrotécnica, Coordenador Geral dos Cursos de Educação à

Distância, Mestrando em Engenharia de Software. Email: hommel.almeida@ ifsertao-pe.edu.br

275
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
assunto, acessível e adaptada ao aluno que se destina, considerando níveis de escolaridades
exigidos para a modalidade do curso. Todo material deve ter em seu bojo linguagem auto
instrucional que possibilite certa independência ao aluno.
Os espaços configurados como sala de aula desse novo segmento seguem um padrão
específico como, com linguagem peculiarque se apresenta como um espaço virtual de
aprendizagem com procedimentos de abordagens pedagógicas que viabilizam o estudo de
conteúdos através de pressupostos didáticos definidos a partir do padrão “à distância”. Esse
padrão prioriza mecanismos de interação, colaboração, mediação e linguagem articuladora.
No IF SERTÃO PE são vivenciados atualmente cursos de Manutenção e Suporte em
Informática nos cinco Polos que o compõem com um público oriundo das zonas urbanas e
rurais das cidadãs onde estão implantados seus Campi. Essa realidade está posta no
Referencial Metodológico de EaD do IF SERTÃO PE (2014) quando evidencia que, amparado
pela legislação, vem concentrando esforços para levar a educação onde for necessário.

O desafio de apresentar formas de linguagens eficientes é constante, pois nem sempre o que
foi planejado chega de forma clara ao aluno que não está cotidianamente na sala de aula
convencional (com professor, quadro, alunos enfileirados) mas diante de um equipamento
eletrônico que funciona como canal de comunicação e apresenta uma aula. Para a elaboração
desse estudo foram delineados objetivos que possibilitassem descrever as experiências com
formas de linguagem, de leitura e interpretação de textos nos ambientes virtuais de
aprendizagens nas disciplinas dos cursos estudados. Os alunos alvo do estudo, matriculados
no CEAD4115Polo Salgueiro– IF SERTÃO PE cursam Manutenção e Suporte em Informática.
Caracterizada como uma pesquisa descritiva utilizou-se de questionários de perguntas
fechadas pautadas na moda estatística observando maioria de um conjunto de dados. Nesses
termos, justifica-se essa escolha, pela moda estatística, considerando o valor que detém o
maior número de observações, ou seja, valores ocorrem com maior freqüência num conjunto
de dados, sendo assim, aponta-se o valor mais comum.
Além da aplicação de questionários foi feita observação direta em sala de aula do polo
pesquisado. Os resultados desse estudo interessam diretamente a todos que buscam entender
os potenciais oferecidos pelas tecnologias da informação e da comunicação no desempenho
de habilidades de leitura, escrita e interpretação de textos.

1 AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM, PERSONIFICAÇÃO DAS


TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E AS NOVAS FORMA DE LINGUAGEM
Os conceitos de aula e de sala de aula a partir do advento das novas tecnologias da
informação e da comunicação tem nova configuração refletindo diretamente nas práticas
pedagógicas cotidianas. Ou seja, o “movimento aula” pode acontecer de forma mais
tradicional ou menos tradicional a partir dos meios que se utilizam para viabilizar o trabalho
com os conteúdos. Com o surgimento dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA’s) há
uma espécie de transformação em que os conceitos subjetivos de tecnologia da comunicação
e da informação passam a ser compreendidos como elementos palpáveis, visíveis e passíveis
de utilização na realidade. Uma das primeiras observações diz respeito ao uso da linguagem
necessária à transmissão de conteúdos dispersos nas mais diversas situações que antes,
organizados de forma mais tradicional, limitava a acessos e interações.

[...] o ambiente tecnológico no ciberespaço que permite o processo de ensino e


aprendizagem através da mediação pedagógica entre alunos ou um grupo de
alunos e o professor ou um grupo de professores, ou outros agentes
geograficamente dispersos. Apresenta-se em forma de portais, banco de
dados, bibliotecas virtuais, cursos a distância, museus ou outros. (GOMES,
2001, p. 25).

Os diversos modelos de salas de aula virtuais, quando usadas com planejamento e


responsabilidade, contribuem para o desenvolvimento de muitas habilidades além da

4 Centro de Educação à Distância do IF SERTÃO PE


276
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
aquisição de conhecimentos permitindo assim, ampliar conexões linguísticas, interpessoais,
de autonomia e flexibilidade.

Os alunos e professores usuários dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem têm maior


flexibilidade para delimitar seus tempos pedagógicos determinando dias e horários para se
dedicar às suas atividades virtuais considerando, que o ambiente fica disponível em tempo
integral (24 horas por dia), e, por isso, podem ser usados segundo cada conveniência do
usuário e atentando para a responsabilidade do tempo limite que é determinado muitas vezes
eletronicamente. Em síntese, um Ambiente Virtual de Aprendizagem pode ser conceituado
como "um espaço fecundo de significação onde seres humanos e objetos técnicos interagem,
potencializando a construção de conhecimento" (SANTOS, 2005, p. 91).

Harasim (2005, p. 31) observa que "a interação através das redes ajuda a romper barreiras de
comunicação e inibições que frequentemente asfixiam a troca aberta de ideias nas salas de
aula tradicionais". Os personagens que interagem nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem
dispõem de informações necessárias disponíveis para o bom andamento das atividades. Em
outras situações também podem enriquecer suas ideias partindo de maiores informações,
também disponíveis de outros ambientes similares. Em decorrência dessa forma interativa de
linguagem há a possibilidade de transformar suas experiências, as quais ficarão disponíveis
aos demais participantes do mesmo ambiente, propiciando um repensar das formas de
conhecer o mundo.

A interação num Ambiente Virtual de Aprendizagem ocorre de forma síncrona


caracterizando-se como todas as ferramentas que possibilitam a comunicação do professor e
do aluno no mesmo espaço de tempo, como o telefone, Chat, vídeo conferência, Web
conferência. Mas também podem ocorrer de forma por assíncrona que possibilita o uso de
recursos em espaço de tempo diferenciados, ou seja, situações em que professor e alunos não
estão em aula ao mesmo tempo. Como exemplos dessa situação pode-se citar a utilização de
e-mail ou participação em fóruns de discussão. Nas duas situações as formas de linguagem
específicas, são necessárias para que a comunicação seja eficiente.

Para discutir a importância da linguagem nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem é


necessário compreender, antes de qualquer outra coisa, as premissas básicas dos processos
de comunicação formais. Kerbrat-Orecchioni (1998), evidencia que muitas vezes parece
“difícil argumentar”, que "falar é interagir", que "a interação verbal é a realidade fundamental
da língua", e que não pode, por conseguinte, ter a esperança de compreender a verdadeira
natureza da linguagem sem uma atenção cuidadosa e exigente dos meios que ela usa para
alcançar suas comunicações. Eis então o grande desafio dos processos de aprendizagem
presentes nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

As páginas virtuais presentes nos citados ambientes, variam entre textos, hipertextos, mídias
diversas, que organizam os espaços específicos, considerando todas as ações comunicativas,
constantes no evento, sejam síncronas ou assíncronas. O principal ponto a considerar diz
respeito às estratégias destinadas à garantia da compreensão na interlocução e posterior êxito
na conclusão da atividade proposta principalmente em relação à interpretação dos escritos e
capacidades de síntese.

Portanto, uma forma de linguagem oferece a seus usuários diferentes formas “de falar e
escrever”, e, segundo os princípios que regem a linguística, não existe uma forma melhor ou
pior de empregá-las. As diversas formas de linguagem configuram uma realidade diversa,
extremamente variável e vinculada à realidade da sociedade, da econômica, de aspectos
culturais e regionais em que está inserida. As ações de comunicação têm finalidades das mais
variadas e realizam-se nas mais diferentes circunstâncias de tempo e história, por isso são
também muito variados os elementos contextuais que influem na maneira como a linguagem
deve ser ajustada à situação ou finalidades da comunicação pretendida. A linguagem no AVA

277
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
é basicamente escrita, bem como a apresentação dos diferentes níveis de linguagem, assim
como a função de cada um e seus diferentes usos e características.

2 DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Como anteriormente citado a coleta de dados em busca de respostas ao tema proposto foi
baseada, na aplicação de questionários de perguntas fechadas seguindo os parâmetros da
moda estatística. Ou seja, "no valor que ocorre com maior frequência num conjunto de dados,
isto é, o valor mais comum" (SPIEGEL, 1976, p. 74). Vale salientar que a palavra "moda”
nesse contexto, significa no cotidiano, ser "muito usado" e segundo Clegg (1995) expressa
com propriedade o significado da moda estatística. Esta é o valor que se repete o maior
número de vezes, num conjunto de valores, isto é, o mais frequente. Destaca-se que a
expressão “a maioria” num conjunto de dados, nem sempre representa a moda estatística
(HUOT, 2009). Considerou-se no questionário valores de 1 a 5 onde 1 representa menor valor
e 5 maior valor seja em sentido negativo ou positivo disposto na pergunta.

É um parâmetro fácil de calcular e não é afetada pelos valores extremos. Segundo Bunchaft e
Kellner (1997, p.119): "A moda tem como característica importante a sua aplicabilidade a
todos os níveis de medida - nominal, ordinal e intervalar - sendo seu emprego desejável em se
tratando de dados em categorias, ou seja, distribuições de variáveis qualitativas".

2. 1 DIFICULDADES COM A LINGUAGEM DISPOSTA NO AMBIENTE VIRTUAL


Desde o início das atividades do curso de Manutenção e Suporte em Informática muitas
foram as dificuldades relatadas informalmente pelos alunos que, empolgados, pelas novas
perspectivas buscavam melhores formas de interagir e ter êxito em suas aprendizagens.
Citavam situações estruturais de acesso e fatos de cunho particular para justificar o não
cumprimento de determinadas atividades. Porém, considera-se nesse contexto a máxima
popular que afirma “tudo que é novo assusta e desafia”.
Todavia, observando as postagens e situações de necessária interação percebeu-se que
poderia ser o formato da linguagem do Ambiente Virtual de Aprendizagem a grande
dificuldade. O fato do indivíduo estar conectado à internet, através de redes sociais ou
qualquer outro tipo de acesso não significa necessariamente que o sujeito tenha compreensão
real da totalidade em que está inserido. Não significa nem mesmo afirmar que está
compreendendo de forma ampla a linguagem vivenciada nesses mecanismos. A seguir a
disposição de respostas em relação a essa situação.

Gráfico 1: Dificuldades com a Linguagem do AVA

1-Você tem dificuldades com a linguagem das


atividades dispostas nos ambientes virtuais de
aprendizagem?

Fonte: Dados da Pesquisa

5
4
3
2
1

278
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Certamente a partir do disposto será necessário um repensar constante das atividades a fim
de evitar problemas típicos das formas de educação presencial, como a evasão ou retenção
por falta de aproveitamento nos componentes curriculares. Adaptar novas formas de
linguagem nas atividades dispostas nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem é mais um
desafio para a articulação das múltiplas linguagens imbricadas no processo. As demais
situações certamente terão seus êxitos interligados a essas ações.

2.2 MUDANÇAS EM RELAÇÃO À COMPREENSÃO DAS LINGUAGENS DO AVA.

Perceber se houve mudança na compreensão do que está posto no Ambiente Virtual de


Aprendizagem, ou não, após vivências com as atividades em educação à distância requer
tempo e observação apurados, porém, após um módulo com seis disciplinas cursadas, tanto
de área técnica como de área propedêutica, é possível questionar a respeito.
Essas possíveis e esperadas mudanças dizem respeito a maior agilidade em resolução de
problemas montados nas diversas atividades sejam de fóruns, webquests ou chats.
Interpretar com maior clareza o objeto escrito contribui para que o aluno avance nos demais
segmentos da educação formal.
Considerando que a linguagem escrita é o principal objeto de comunicação dos ambientes
virtuais de aprendizagem, a leitura é elemento indissociável e a interpretação correta é a
consequência esperada no processo, que realimentado, a cada nova atividades apresentada.

Gráfico 2: Mudanças na Linguagem

2-Você modificou suas formas de compeensão


de linguagem após iniciar e vivenciar os cursos
na modalidade EaD?

Fonte: Dados da Pesquisa

5
4
3
2
1

Toda aprendizagem, de certa forma, implica em mudanças sejam comportamentais,


atitudinais ou de qualquer outra ordem. É esperado que todo aluno que, experimentando
situações inovadoras, consiga incorporar elementos novos e se transformar de alguma forma
contribuindo consigo inicialmente e com a sociedade de forma mais ampla.
Afirmar que essas mudanças ocorreram depende muito de um conjunto de fatores que
interligados sinalizam para a melhor resposta. Acredita-se, pelas respostas apresentadas no
gráfico acima, que houve avanço em relação a apropriação de novos elementos ao conjunto
de aprendizagens desejadas aos alunos em questão.

2.3 NIVEL DE DIFICULDADE ESPECIFICAMENTE COM A ESCRITA, LEITURA


E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS DISPOSTA NO AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM.

Ler e interpretar são desafios constantes a qualquer modalidade de escolarização formal


desde as primeiras intervenções. A escrita é um mecanismo convencional que requer domínio
279
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
de signos e símbolos que juntos formam um contexto. A leitura é a capacidade de enxergar as
ideias organizadas na escrita e a interpretação da escrita, através da leitura, apela para a
subjetividade do sujeito que põe em jogo sua condição de ser no mundo.
Entender os conteúdos postos na multiplicidade de textos usados na educação à distância
desafia o sujeito a interagir de forma ímpar com tudo que já aprendeu com a escolarização
formal e com a vida de modo geral. Ele não aprende a ler na modalidade à distância. Ele
aprimora seus conhecimentos e agrega novos valores. O não entendimento de textos
compromete qualquer situação de vida seja escolar ou não.

Gráfico 3: Leitura e interpretação de texto no AVA

3-Qual seu grau de dificuldade em relação a


leitura e interpretação de textos em ambientes
virtuais?
Fonte: Dados da Pesquisa

5
4
3
2
1

Outros estudos nessa perspectiva poderão evidenciar elementos, que agregados a este, darão
uma dimensão maior a estudo do tema e delinearão um cenário mais definido para
fundamentar os planejamentos dos próximos módulos e as ações necessárias para o
desempenho satisfatório dos cursos de EaD no IF SERTÃO PE.
Ler e escrever não é passear por cima das palavras, dizia Paulo Freire5, ler é ter a convicção
profunda e estética do lido. E, se este 116país não levasse a sério o exercício da leitura, da
palavra, associada à leitura do mundo com todas as suas implicações estéticas, de beleza
("boniteza") e de liberdade de criação, ensinar a ler e a escrever, numa perspectiva como essa,
faria parte da pedagogia, da democracia.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A linguagem humana, com o passar dos tempos, dos usos cotidianos, e das muitas
intervenções evoluiu, ficou mais leve, mais solta, mais funcional e mais dinâmica.
Ultrapassou o limite dos gestos e falas toscas e chegou a complexidade a comunicação remota
que está pautada das velocidades, sejam dos próprios meio utilizados para sua propagação,
como da urgência de renovação constante.
Essa mesma linguagem deixou as paredes da norma culta e ganhou ares de informalidade,
inclusive nos ambientes escolares. O uso coloquial da língua extrapolou o convívio das
relações familiares e de encontros de amigos e evolui sem respeitar domínios, donos ou
formas aprisionantes.
E suas mais variadas nuances, as formas de linguagem se apropriaram do amplo espaço
oferecido pelas redes sociais, que assumiram o papel de interlocutor no ambiente de convívio
social, dos mais formais aos mais íntimos e chegou até os ambientes virtuais escolares, ou

5
Cf. FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 1995, p. 101
280
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
melhor, aos ambientes virtuais de aprendizagem. O desafio está diante de nós: fazer a
necessária articulação entre os pressupostos escolares, o desejo dos estudantes, as urgências
sociais e as linguagens inerentes a essa realidade.

REFERÊNCIAS

BUNCHAFT, Guenia; KELLNER, Sheilah R. Oliveira. Estatística sem mistérios. V. I. 2.ed. Petrópolis: Vozes,
1997.
CLEGG, Frances. Estatística para todos. Lisboa: Gradiva, 1995.

GOMES, P.V. Eureka na PUC/PR: um ambiente para aprendizagem colaborativa baseado na www. Curitiba:
Champagnat, 2001.

HUOT, Réjean. Métos quantitativos para ciências humana. Lisboa: Piaget, 1999.

HARASIM, L. Redes de aprendizagem: um guia para ensino e aprendizagem online. Trad. Ibraíma Dafonte
Tavares. São Paulo: Senac, 2005

KERBRAT-ORECCHIONI, Catharine. Análise da conservação: princípios e métodos. Trad. Carlos Piovezani


Filho. São Paulo: Parábola Editorial, 1998.

SANTOS, E. O. Educação online, cibercultura e pesquisa: formação na prática docente. Tese, Salavandor:UFBA,
2005.

SPIEGEL, Murray R. Estatsitica. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976

281
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A VARIAÇÃO ESTILÍSTICA NOS JORNAIS POPULARES: HÁ DIFERENÇAS DE
REGISTRO ENTRE JORNAIS DE PERNAMBUCO E DA PARAÍBA?

Igor Soares Araújo (Universidade Federal De Campina Grande - Graduando)


Júlia Neves Gonçalves (Universidade Federal De Campina Grande - Graduanda)
Luciene Maria Patriota (Universidade Federal De Campina Grande – Professora doutora)

RESUMO:Todo veículo de comunicação tem seu lugar de atuação e um modo de empregar a


linguagem, seja na fala, seja na escrita. Os jornais impressos, como veículos de comunicação
de massa, fazem uso de diversos tipos de uso da língua, dependendo do assunto que eles
veiculam, para quem eles veiculam e onde estão veiculando a informação. É o que se chama
de variação estilística, ou de registro, é a variação dentro de um contexto específico. Os
usuários “adéquam” o uso da língua dependendo das circunstâncias de utilização dela. Diante
disso, o objeto de estudo deste artigo são os jornais populares que circulam no estado de
Pernambuco e na Paraíba e seus correspondentes mais tradicionais. São considerados
populares por atenderem a um público específico, situado em classes sociais menos
privilegiadas, por custarem mais barato que os jornais mais tradicionais e por usarem a
língua num registro mais informal como forma de alcançarem esse público, fazendo com que
tenham acesso à informação. Para subsidiar a pesquisa, seguimos como fundamentação
teórica os trabalhos em Sociolinguística de autores como Alkmin (2005), Camacho (2005),
Scherre (2008), dentre outros, que trabalham com a questão da variação linguística,
especificamente os registros linguísticos, em vários contextos. O corpus da pesquisa é
constituído de exemplares de jornais populares e tradicionais de Pernambuco (o chamado
Aqui PE) e da Paraíba (que tem o nome de Já). A análise será realizada comparando o
registro de um e de outro jornal para detectar se a linguagem difere ou não nestes jornais,
chegando assim a saber se, de fato, há discrepâncias entre o uso da língua nos veículos de
Pernambuco e da Paraíba.

PALAVRAS-CHAVE: Variação estilística. Jornais populares. Uso da língua.

1. INTRODUÇÃO
O artigo ora apresentado está embasado na Sociolinguística, área da Linguística em que seus
estudiosos versam sobre as variações da língua, afinal a língua é um construto social e, como
tal, fica difícil dizer que a língua não muda de acordo com o social e, semelhantemente, não
há como dizer que haja atividades linguísticas bem sucedidas que não se deem pelo e no
social (BAGNO, 2008; LABOV, 2008)
Tendo esse conceito por base, este trabalho tem como objetivo analisar como se dá os
registros em jornais populares de Pernambuco para sabermos se há discrepâncias com
relação aos usos da linguagem nos dois jornais.
Por se tratar de uma pesquisa de cunho comparativo, cruzaremos os dados obtidos da análise
dos dois jornais para pesarmos as diferenças entre um e outro veículo de comunicação e.
O estudo aqui realizado justifica-se no fato de que a variação linguística existe em todos os
lugares e cada pessoa está situada em um contexto que pode ser diferente dentro de um
contexto ainda maior. Por exemplo, o Brasil é um só país, mas tem, dentro de seu território,
diversas variedades linguística, diversos falares e escreveres. Outro exemplo é que, dentro de
um mesmo estado, varia a linguagem e isso é motivo para descrevermos e estudarmos os usos
de linguagem dentro dessas comunidades. Para comprovar isso, mesmo sendo em outro meio
- o livro didático e o ensino - as palavras de Bagno quando cita os PCN no que diz respeito a
variedades dialetais (2008: 27). Ou seja, diversas variedades existem e precisam ser lvadas
em consideração nos nossos estudos.
Sabemos que o caminho é longo, mas acreditamos estar começando aqui a trilhar este
caminho e nos próximo itens apresentaremos os pressupostos em que nos baseamos para
analisarmos os jornais populares e as análises de cada um dos jornais e dos dois adotados
como corpus entre si.

282
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É interessante ver como a língua é mutante mesmo em gêneros iguais. Estamos falando dos
jornais impressos. Ainda que estejamos falando sobre jornais impressos de nuances
diferentes – os de maior circulação no ambiente mais rico e os de maior circulação no âmbito
menos abastado – usa-se ilustrações diferentes e, principalmente, linguagem diferente para
transmitir uma mesma coisa.
Pensando nisso, este trabalho visa a estudar como os jornais impressos mais
prestigiados e menos prestigiados utilizam a mesma língua em locais diferentes. É o que
chamamos de variação estilística, ou variação de registro. Camacho (2005: 60) conceitua a
variação de registro como sendo “o resultado da adequação da expressão às finalidades
específicas do processo de interação verbal com base no grau de reflexão sobre as formas que
seleciona para compor seu enunciado”. Trocando em miúdos, o usuário da língua reflete no
que vai usar em cada contexto específico, utilizando o registro mais conveniente com a
situação, ou seja, o usuário alterna entre os registros em cada contexto de uso.
Ainda conceituando a variação de registro (doravante VR), Alkmin (2005: 38)
apresenta essas como a variação que decorre do contexto em que os falantes diversificam a
sua maneira de empregar a fala nas suas interações verbais. Essa conceituação de VR que traz
Alkmin pode suscitar um desconforto, pois, se somente na fala é que ocorre diversificação,
voltamos à discussão que se formou com relação à dicotomia fala/escrita, em que a fala está
para o caos (ainda que organizado, como alguns teóricos afirmam) e a escrita para a
normalidade. Já Bagno (2007: 45) crítico ferrenho da noção de que fala é um caos e escrita é
uniformidade e normalidade, conceitua a variação estilística da seguinte forma:

Empregramos os termos estilo ou registro para designar a variação presente na fala


de um indivíduo segundo a situação em que ele se encontra. Para classificar os estilos
ou registros, é mais adequado usar as gradações de monitoramento (mais
monitorado, menos monitorado etc.) do que certos termos vagos e imprecisos como
"estilo coloquial", "registro culto", "estilo cuidado" etc. (BAGNO, op. cit.)

Quando se fala em alternância entre registros, estamos falando de trocas entre dois
tipos de registros: o formal e o informal. Quanto a isso, Camacho (op. cit.) aponta que,
quando se fala em registro formal, fala-se em um maior grau de reflexão acerca da linguagem,
enquanto que o registro informal caracteriza-se pelo baixo grau de reflexão das expressões
que são utilizadas pelo usuário.
Apesar de Bagno falar em variação apenas na fala, a variação estilística também se dá na
escrita, mas não de maneira tão exacerbada como na fala. Consideramos interessante citar
Ilari e Basso (2006: 181) no que diz respeito à variação entre fala e escrita. Apesar de os
autores discorrerem sobre a variação diamésica (a variação que se dá pelo meio), o discurso
destes exemplifica bem a diferença de uso da linguagem nos dois meios:
A variação diamésica compreende, antes de mais nada, as profundas diferenças que
se observam entre a língua falada e a língua escrita. [...] Na fala, as pessoas dizem
coisas como "né", "ocêis", "disséro", "téquinico", pensando que dizem "não é",
"vocês", "disseram", "técnico". Mas a diferença entre o escrito e o falado vai muito
além dos fenômenos que dizem respeito à forma das palavras. (ILARI E BASSO,
2006: 181)

A título de comentário, é evidente que na fala dizemos uma coisa e na escrita, outra, o que
não quer dizer que uma seja considerada errada e a outra correta, mas que diferem por causa
da situação em que estão sendo utilizadas.
Obviamente, a escrita é mais monitorada do que a fala, ainda mais quando se fala em
contextos específicos, ou comunidades de fala específicas, o que podemos chamar de normas.
Uma norma é a variedade linguística utilizada dentro de uma comunidade de fala, onde seus
componentes compartilham do mesmo registro e esta variedade pode diferir das variedades
adotadas por outras comunidades (FARACO, 2008: 33). Sendo assim, os jornais populares
adotam normas ou alguns tipos de normas que são acessíveis a comunidades de fala diversas.

283
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Alguns trabalhos utilizando os jornais tendo como objeto os jornais (não apenas os
populares) já foram escritos antes deste artigo. Um dos trabalhos fala justamente da variação
linguística nos jornais, tendo como base de análise a variação diamésica em jornais de
Piracicaba e de Curitiba, escrito por Linamaria Moraes e Daniela de Moraes (2012). Ainda
que não sirva de referência teórica para este artigo, é importante citá-lo pelo fato de já estar
em evidência a questão da análise da variação linguística em jornais. Outro trabalho
interessante na área de variação linguística em jornais é o de Osias (2010), em que a autora
discorre acerca do preconceito linguístico nos jornais populares, com relação à mídia e como
esta propaga o "falar bem".
Adiante passaremos à análise do registro nos jornais impressos, em que apresentaremos os
jornais e partes destes que demonstram como a linguagem é empregada e um comparativo
entre estes tipos de linguagem.

3. OS OBJETOS DE ANÁLISE: OS JORNAIS POPULARES DE PERNAMBUCO E PARAÍBA

3.1. O JORNAL JÁ
O Jornal Já Paraíba surgiu no Sistema Correio de Comunicação no ano de 2009. Circula no
Estado da Paraíba sendo vendido ao preço de R$ 0,50 (cinquenta centavos). Pelo valor, já se
percebe que ele aponta para um público de menor poder aquisitivo, pertencente a classes
sociais menos favorecidas. A própria linguagem configura outro indício claro da proposta do
jornal: ser acessível a um público menos favorecido, levando informações numa linguagem
que faz parte do universo linguístico desse público, ou seja, sem dependência de uma norma
culta exigida, exigente, imposta e excludente. A existência de um jornal como o Já Paraíba
mostra-nos que modalidades linguísticas diversas podem coexistir, sem que isso represente a
morte da língua portuguesa. Assim apresenta o jornal Já o Sistema Correio de Comunicação,
seu criador:
Composto de matérias que falam dos acontecimentos do nosso estado e do mundo,
destaca notícias sobre esporte, bem-estar, matérias que falam dos acontecimentos do
nosso estado e do mundo, destacando também a vida dos famoso, horóscopo entre
outros, tudo isso em um formato mais enxuto e preço popular. [...] O Jornal Já
alcançou uma ótima aceitação no mercado, colaborando para aumentar o hábito da
leitura das classes C, D e E, conquistando espaço no dia a dia da população, tornando
seus leitores, clientes fiéis da informação mais acessível da Paraíba (Site: Portal
Correio)
Esse tipo de mídia tem tido aumento de circulação, o que nos leva a constatar que mais
pessoas de classes menos favorecidas estão tendo acesso à leitura, à informação, não
importando se a linguagem utilizada neles é culta ou não, mas importando a funcionalidade
dessa leitura. O Jornal Já Paraíba foge desse padrão e aponta para uma prioridade: a
eficiência da comunicação verbal frente ao público-alvo em questão, e não a observância
rígida a um padrão linguístico pouco (ou nada) frequente no contexto social desse público.
A mídia é uma das responsáveis por essa sedimentação, muitas vezes, sistematizando um
comportamento de verdadeira patrulha em nome do “bom” uso da língua. O Jornal Já
Paraíba, periódico de circulação no Estado da Paraíba, é um exemplo contrário a essa
patrulha e uma confirmação de que há público para todas as modalidades da língua – oral
formal, oral informal, escrita com influência de oralidade, escrita formal, escrita com
presença de gírias, oral com presença de gírias, entre outras possibilidades. Ele chega ao
público usando uma linguagem condizente com a condição social, com a classe social e com a
realidade linguística do leitor – um leitor que escolhe essa leitura porque se identifica com
ela. Nessa identificação que está a funcionalidade dessa leitura, a eficiência comunicativa – é
isso que interessa. Nenhuma modalidade da língua está morrendo ou sendo desrespeitada –
apenas há modalidades diversas e geradas por diversos contextos e situações, e todas podem
coexistir. Sem preconceito, sem restrições e levando-se em consideração que elas existem e
não podem, simplesmente, ser ignoradas, ou condenadas, ou relegadas à condição de chulas
ou grosseiras, quando são, na verdade, formas eficientes de comunicação.
Uma das particularidades já mencionadas na apresentação do jornal Já é a linguagem
acessível, o que faz com que o jornal seja bastante aceito. Abaixo está a capa do Jornal Já:

284
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Algo que chama bastante a atenção dos leitores não é só a linguagem de fácil entendimento,
mas as imagens de cunho apelativo que fazem com que o público (principalmente) masculino
seja atraído a comprar o jornal. A linguagem também é abordada de maneira leve, de fácil
compreensão por parte do leitor das camadas sociais a que o jornal se presta a atingir, ou
seja, um registro menos monitorado, mais adequado ao leitor das camadas mais
desfavorecidas.
Um outro fator que particulariza, no que tange à linguagem, o jornal Já são as notícias e a
forma como são abordadas tais notícias. Abaixo um exemplo de manchete e notícia que
comprovam a particularidade de tal meio:

O que torna o Jornal Já particular, na nossa visão, é a mistura de registro. Na manchete


acima vemos uma expressão que pode circular em todas as camadas sociais, a expressão
"grana no bolso". É evidente que poderiam ser usadas outros tipos de expressões, mas,
devido sempre ao público leitor, a expressão menos monitorada foi utilizada. Contudo, no
que diz respeito à linguagem empregada no corpo da mensagem, não conseguimos perceber a
presença de expressões que remetam a uma linguagem menos monitorada, o que pode ser
considerado como híbrido em sua linguagem.
Terminada a análise estilística, passemos à análise do jornal Aqui PE, jornal popular que
circula neste estado e que pode ser considerado de mesmo cunho que o Já.

285
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
3.2. O JORNAL AQUI – PE

Jornal do grupo Diários Associados (omesmo grupo do Diario de Pernambuco), circula no


estado de Pernambuco e atinge não apenas um determinado tipo de público, mas,
similarmente ao Já, alcançam desde as camadas menos favorecidas até as médias. Diários
Associados apresenta assim o Aqui PE:
O Aqui PE, um dos veículos dos Diários Associados, é um jornal com um
conteúdo informativo e o objetivo. Tem como linha editorial o tripe básico:
Cidades/Polícia, Entretenimento e Esportes. Hoje é uma das principais fonts
de informação diária das classes C e DE de Pernambuco, que representam
metdade dos lares brasileiros. (Site: Diários Associados)
Além de atrair o público leitor com os assuntos de que trata, assuntos estes do cotidiano de
todo o público que alcança ou pretende alcançar, um dos artifícios de que se utilize o jornal
são o sensacionalismo das manchetes que andam juntamente com a linguagem empregada na
manchete e no corpo da notícia, e isto é o objeto deste trabalho, não a junção, mas a
linguagem empregada pelo jornal. Abaixo, uma capa do jornal Aqui PE nos dá uma ideia do
que estamos escrevendo aqui:

Logo no início da capa do jornal Aqui PE o jornal já traz uma imagem apelativa que funciona
como atrativo para que o leitor (principalmente masculino) compre e leia o jornal. Em sua
manchete principal com uma linguagem apelativa e chamativa pela sua diferença dos outros
jornais que circulam nas camadas mais favorecidas da sociedade. Aí encontramos o nosso
primeiro registro de diversidade dos estilos que podem surgir e que estão associados às
comunidades diversas, tomando como base o fato de que o jornal é voltado para certos tipos
de camadas sociais, de acordo com o site do Diários Associados.
O jornal Aqui PE, diferentemente do seu “coirmão” paraibano, o Jornal Já, quando se fala em
linguagem, adota um estilo mais informal, ou seja, monitora menos o seu uso da linguagem,
visando, principalmente, a atingir os leitores. O jornal popular pernambucano utiliza de
expressões que são quase que totalmente próprias do falar popular, mas que são trazidas para
a escrita. Abaixo um recorte de uma notícia que ilustra como se dá a veiculação da notícia no
jornal:

286
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Algumas palavras e/ou expressões podem ser levadas em consideração quando se fala em
registro, como o uso da palavra “bufa” e da expressão “detonasse a flatulência”. A palavra
"bufa", de acordo com o dicionário online Priberam, significa "ventosidade expelida pelo
ânus", "flautlência". A linguagem utilizada revela não somente um recurso lexical que
exprime uma situação engraçada, mas revela o baixíssimo monitoramento da linguagem
utilizada ainda que o gênero geralmente requeira uma linguagem mais monitorada, em que o
vocábulo "bufa" poderia facilmente ser modificado e, em seu lugar, utilizado "flatulência" ou
ainda, "flato", entretanto o recurso é utilizado devido à pessoa que lê e sua camada social. A
outra ocorrência, a expressão "detonasse a flatulência", revela dois fatores: 1) sintaxe normal
- não provoca nenhuma mudança quanto à sintaxe o fato de a linguagem ser pouco
monitorada; 2) o pouco monitoramento não afeta o movimento anafórico (flatulência/bufa) e
nem afeta o cunho engraçado que o escritor imprimiu ao usar tais palavras/expressões.
4. ANÁLISE CRUZADA ENTRE OS DOIS JORNAIS
Depois de analisados separadamente, consideramos importante cruzá-los para que possamos
ter um panorama da variação estilística entre um estado e outro no tangente aos jornais
populares.
De acordo com as análises feitas, o que pudemos depreender é que, mesmo que Pernambuco
e Paraíba sejam estados próximos, algumas diferenças no registro podem ser notadas, no que
diz respeito ao uso no meios de comunicação anteriormente citados e no arranjo das notícias
também. A análise também nos mostrou que não é necessário estar em duas regiões
diferentes ou, neste caso, dois estados diferentes para que tenhamos dois estilos diferentes,
mesmo que estejamos falando em estilos menos monitorados. Nesse sentido, o Já
demonstrou utilizar linguagem um pouco mais monitorada do que o Aqui PE¸ pois, como
vimos, o jornal paraibano ainda emprega certo monitoramento na veiculação da informação,
enquanto o pernambucano emprega uma linguagem ainda menos monitorada que o seu
"coirmão" paraibano.
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas coisas podem ser pontuadas aqui como considerações finais. A primeira delas é que
o trabalho com variação linguística é mais extenso do que podemos ter em mente e ainda está
só no começo. Seja nos jornais de grande circulação, nos jornais populares ou em outros
veículos de comunicação, podemos estudar variação linguística em todo tipos de objeto.
Em segundo lugar, os jornais são território onde circulam diversos tipos de linguagem, seja
verbal ou não-verbal e, dependendo do tipo de jornal em seu meio de comunicação (televisão
ou impresso), escrita ou falada, os jornais são fontes inesgotáveis para análise linguística, seja
de variação, seja semiótica ou qualquer outra.
287
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Em terceiro lugar, os jornais são também fontes de objetos de análise em variação linguística
em todas as suas vertentes, principalmente que foi desenvolvida neste trabalho e na variação
diamésica, aquela que se dá pelo meio em que se propaga (ILARI e BASSO, op. cit.), o que
pode ser um estudo muito interessante.Mas o principal é que temos muito o que fazer ainda
em variação e não podemos parar de estudá-la, pois falamos de diversidade de linguagens, ou
seja, a língua: é "intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e está sempre em
desconstrução e em reconstrução. ao contrário de um produto pronto e acabado, um
monumento histórico feito de pedra e cimento, a língua é um processo, um fazer-se
permanente e nunca concluído. A língua é um trabalho social [...]" (BAGNO, 2007: 36)

REFERÊNCIAS

ALKMIN, T. Sociolinguística: Parte I. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.) Introdução à Linguística:
domínios e fronteiras, vol. 1. São Paulo: Cortez, 2001.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola
Editorial, 2007.
CAMACHO, R. G. Sociolinguística: Parte II. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introdução à Linguística:
domínios e fronteiras, vol 1. São Paulo: Cortez, 2001.
DIÁRIOS ASSOCIADOS. Aqui PE. Disponível em:
<http://www.diariosassociados.com.br/home/veiculos.php?co_veiculo=32>. Acessado em 24/04/2014.
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial. 2008. p. 33 - 107.
ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto.
2006.
LABOV, W. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial. 2008.
OSIAS, J. P. A. Jornal Já Paraíba: quebrando paradigmas no ciclo midiático do preconceito linguístico. Revista
Eletrônia Temática. João Pessoa - UFPB, no. 9, ano VI, Set/2010.
<http://www.insite.pro.br/2010/Setembro/preconceito_linguistico_jornaljaparaiba.pdf> Acessado em
24/04/2014.
PINELLI, D. M. P.; MORAIS, L. S. R.; OLVEIRA, D. F. Variação Linguística em Jornais. 10ªMostra Acadêmica
Unimep. Piracicaba. < http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/10mostra/4/297.pdf> Acessado em:
24/04/2014
SISTEMA CORREIO DE COMUNICAÇÃO. Jornal Já Paraíba. Disponível em:
<http://www2.portalcorreio.com.br/sites/jornalja/>. Acessado em 24/04/2014.

288
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
TOPA – TODOS PELA ALFABETIZAÇÃO: DESAFIOS À CONTEXTUALIZAÇÃO E
AO LETRAMENTO - RELATOS DE ALFABETIZANDOS DO PROGRAMA NO
SEMIÁRIDO JUAZEIRENSE

Patrícia Lopes Jacinto Mendes


Mestranda do Programa de Pós-graduação
Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos
Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Resumo: A ideia da construção deste trabalho é fruto de algumas reflexões concebidas a


partir de observações nas turmas de alfabetização do TOPA – Todos pela Alfabetização, no
qual sou coordenadora de turma no município de Juazeiro-BA, região do Semiárido
Brasileiro. O estudo objetiva fazer um recorte retratando homens e mulheres sertanejos e sua
trajetória educacional, num contexto histórico de políticas públicas assistencialistas de
combate às secas. A partir dos relatos desses senhores e senhoras é possível compreender
como se deu o processo histórico de constituição dessa região estigmatizada, invisível aos
olhos do Poder Público que não promovia políticas educacionais que de fato promovessem a
permanência desse povo em seus territórios e o desenvolvimento da região. Analisar e
problematizar as práticas educativas na perspectiva da contextualização e do letramento nas
salas de aula do Programa também faz parte da pesquisa, uma vez que vivemos um período
de mudanças paradigmáticas focadas no rompimento com o colonialismo científico, que
durante muitos anos traçou os contornos desse Semiárido retratado de forma distorcida nos
livros didáticos e que de certa forma subjugou a capacidade desse povo de viver e conviver
nesse território. Com a pretensão de provocar uma discussão acerca das práticas educativas,
tendo em vista que a contextualização e o letramento são pressupostos fundamentais na
desconstrução dessa imagem de Semiárido “seco”, “feio”, “pobre” e a ressignificação de um
território habitado por gentes, que pensam que sentem e que desejam ser ouvidas. Dessa
forma, é possível compreender a necessidade de uma política educacional fundamentada em
práticas educativas na perspectiva da construção identitária desses sujeitos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Letramento. Contextualização.


Semiárido.

INTRODUÇÂO
O desejo de se fazer um estudo focado no ensino da Educação de Jovens e Adultos se deu a
partir da experiência enquanto coordenadora do Programa Todos pela Alfabetização (TOPA),
buscando através dessa pesquisa, desenvolver uma investigação sistemática das práticas
educativas dos educadores que atuam nesse segmento, com vistas a provocar uma discussão
analisando os aspectos relacionados à contextualização e ao letramento na perspectiva da
Convivência como o Semiárido, uma vez que os educandos que fazem parte dessa pesquisa
estão inseridos nesse contexto inventado como região-problema.
Pensar na alfabetização de Jovens e Adultos pressupõe compreender esse segmento na
concepção de que esses sujeitos aprendentes trazem consigo uma história de vida e, portanto,
são portadores de conhecimentos variados sejam eles adquiridos de sua experiência pessoal,
profissional ou escolar, que precisam ser respeitados e valorizados nas entrelinhas das
práticas alfabetizadoras, que possibilitem fazer desses sujeitos críticos e pensantes na
formação de pretensos agentes sociais. Entretanto, de acordo com Di Pierro et al (2001, p.01)
“o lugar da Educação de Jovens e Adultos pode ser entendido como marginal ou secundário,
sem maior interesse do ponto de vista da formulação política e da reflexão pedagógica”.
O estudo ora proposto tem como campo empírico seis turmas de alfabetização do Programa
TOPA, localizadas no Semiárido Juazeirense e é nesse ambiente de investigação que teremos
como foco a prática educacional dos educadores da EJA analisando os aspectos relacionados
à contextualização e ao letramento como pressupostos imprescindíveis na perspectiva da
Convivência como o Semiárido.
Nesse sentido a pesquisa é de caráter qualitativo por ser, sem dúvida o melhor caminho,
tendo em vista que se pretende fazer uma análise reflexiva e perceptiva, pressupondo assim,
estar mais próximo dos sujeitos pesquisados, educadores e alunos, contexto escolar.
289
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Para tanto a construção do texto foi dividido em partes: a primeira trata de fazer um breve
recorte dos princípios que fundamentam o Programa de alfabetização TOPA, num segundo
momento farar-se-á uma relação entre os relatos desses senhores e senhoras como forma de
compreender como se deu o processo histórico de constituição do analfabetismo nessa região
estigmatizada que é o semiárido e na terceira e última parte será feita uma análise e uma
problematização das práticas educativas dos alfabetizadores na perspectiva da
contextualização e do letramento nas salas de aula do Programa.

O Programa Topa – Todos pela Alfabetização e o analfabetismo de Jovens e


Adultos no estado da Bahia

O Programa TOPA - Todos pela Alfabetização foi implantado pelo Governador do Estado da
Bahia Jacques Wagner, no ano de 2007, como um desdobramento do Programa Brasil
Alfabetizado idealizado pelo então ministro da educação Fernando Haddad. O programa tem
como objetivo alfabetizar jovens e adultos baianos que tiveram seu direito a educação na
idade certa, negado.
O TOPA de acordo com a Secretaria de Educação da Bahia intenciona “elevar o nível de
alfabetismo de pessoas jovens, adultas e adultos idosos, a fim de garantir-lhes as
oportunidades necessárias à apropriação da leitura, da escrita e da numeralização,
propiciando-lhes às condições objetivas para intervir na sua realidade” ( PPAlfa, SEC-BA,
2007). Através de parcerias estabelecidas com empresas públicas e privadas, movimentos
sociais, Universidades e Prefeituras Municipais por todo o estado da Bahia.
De acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2012, “os estados do Nordeste têm os piores índices de analfabetismo do Brasil, e
foi constatado que 15,86% da população baiana é analfabeta”.
Tabela 1:

Ao observamos a tabela acima, podemos constatar como o restante do Brasil, o percentual de


analfabetos aumenta de acordo com a idade. Ou seja, os maiores índices estão na faixa etária
entre adultos e idosos. Vale ressaltar que esses números são percebidos mais na zona rural,
uma vez que o estado da Bahia ainda é muito rural, pois de acordo com o IBGE (2012) 3,728
milhões de baianos vivem na zona rural.
Nesse sentido, o TOPA representa mais um programa de alfabetização de jovens e adultos
idealizado pelo movimento político nacional de instituição de políticas públicas educacionais
que visam a erradicação do analfabetismo nessa faixa etária, porém como a maioria dos
programas seu formato não estabelece uma relação com uma política identitária dos sujeitos
que fazem parte da clientela.
O que implica numa situação recorrente, provando a ineficácia do sistema educacional
brasileiro que continua a pregoar políticas educacionais inadequadas e superficiais que pouco
ou em nada favorecem na erradicação do analfabetismo de fato.
Acerca disso Oliveira (2007, p. 55) postula que:
[...] o problema do analfabetismo no nosso país é uma questão recorrente, apesar das
tentativas de erradicá-lo. Resulta da ineficiência do nosso sistema educacional e de
políticas públicas inadequadas, materializadas em programas e campanhas

290
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
descontinuadas, tão antigas quanto ineficientes, que apareceram para erradicar o
analfabetismo desde o primeiro programa oficial criado em 1947.

O Estado por meio de políticas públicas compensatórias, assistencialistas e pontuais tenta


atender as necessidades demandadas. Porém, passados vários programas de alfabetização
implantados no país, hoje vivemos a era do Brasil Alfabetizado, programa de alfabetização de
jovens adultos de curta duração, representado no Estado da Bahia pelo Programa TOPA –
Todos pela Alfabetização, que tem como bandeira “alfabetizar um milhão de baianos”.
Albuquerque (2004, p.55) alerta para:
Mas, afinal, onde se insere o Brasil Alfabetizado nessa rede de histórias? Por um lado,
embora alguns de seus idealizadores neguem, o Programa tem um aspecto geral de
campanha, na medida em que sua tônica está em baixar as estatísticas, na concepção
de que em seis meses é possível alfabetizar um adulto, no pressuposto de que
qualquer pessoa é capaz de alfabetizar, na disseminação do discurso de que o
analfabetismo é um mal em si mesmo, uma mazela social semelhante à escravidão.
Por consequência, acaba por identificar o analfabeto à dependência, à incapacidade, à
menoridade.

O Programa TOPA, dessa forma, trabalha com um quadro de alfabetizadores na perspectiva


da educação popular. Entretanto, enquanto sujeito no processo de ensino-aprendizagem, é
necessário compreender como acontece na prática essa oportunização massificada pelas
políticas públicas educacinais de jovens e adultos.
Lima (2009, p.28) corrobora elucidando que:
Ao tratar de políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos, inúmeras vozes
reacendem o debate sobre a questão no cenário brasileiro, exigindo uma análise
crítica sobre a implementação de políticas públicas de EJA no Brasil e na Bahia que,
durante décadas, se deu a partir de programas de alfabetização modificados ou
suprimidos ao sabor das mudanças de governo.

Nessa perspectiva, o Estado objetiva reduzir em 50% o índice de analfabetos em todo o


território baiano, entretanto elevar a quantidade de alunos alfabetizados, não significa dizer
que a alfabetização ofertada seja de fato significativa, que atenda as necessidades e as
especificidades demandadas. Ou seja, uma alfabetização pautada nos princípios da
contextualização e do letramento, que provoquem no educando o sentimento de
pertencimento nesse território, permeado de subjetividades.
O analfabetismo, de acordo com Galvão; Soares (2004, p. 27) está sempre relacionado à
condição de pobreza, porém é sabido que esse fenômeno é reflexo da construção histórica de
uma sociedade injusta e não igualitária. Nesse sentido, “a alfabetização de adultos deveria
contribuir para a transformação da realidade social” e não apenas sendo representada por
programas emergenciais de erradicação dos altos índices de analfabetismo.
Nesse contexto Galvão;Soares (2004, p.49) também alerta para:
Chegamos, então, ao século XXI, com um índice elevado de brasileiros que ainda não
têm o domínio da leitura, da escrita e das operações matemáticas básicas: são quase
20 milhões de analfabetos considerados absolutos e passam de 30 milhões os
considerados analfabetos funcionais que chegaram a frequentar uma escola, mas, por
falta de uso da leitura e da escrita, retornaram à posição anterior. [...] São produto de
uma nova exclusão: mesmo tendo se escolarizado, não conseguem ler e interpretar
um simples bilhete ou texto. Esse novo contingente estará fazendo parte do público
demandatário da Educação de Jovens e Adultos.

Assim, os desafios da EJA estão para além de considerarmos os sujeitos aprendentes das
salas de alfabetização de jovens e adultos como vítimas, coitadinhos, dignos de piedade.
Requer sim, um olhar diferente sobre as questões que se consolidaram e caracterizaram a
trajetória escolar desses sujeitos que habitam o Brasil e principalmente o Semiárido
Brasileiro (SAB).
A trajetória escolar desses homens e mulheres que vivem no SAB se confunde com a história
da maioria dos adultos e jovens que hoje frequentam uma sala de EJA no restante do país.
Devido às dificuldades econômicas de suas famílias, esses sujeitos ao invés de irem à escola

291
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
enquanto crianças foram obrigadas a trabalhar desde cedo para ajudar os pais nos roçados
onde nasceram.

Semiárido e trajetória escolar dos alfabetizandos do Topa

Para se compreender a historiografia da educação no Semiárido Brasileiro, é necessário fazer


uma abordagem histórica acerca da construção estereotipada e marginalizada de um
Semiárido retratado de forma distorcida nas narrativas hegemônicas dos verdadeiros
interessados em manter essa visibilidade, os políticos e a elite nordestina, que utilizam a
demagogia do discurso da seca como estratégia política.
Farias (2009, p.13) pontua que:

A tragédia inerente às secas é pintada com cores fortes, explorando ao extremo seu
cenário e conteúdo trágico. Os discursos e as imagens – construtores do regionalismo
– que falam e mostram o Nordeste estão repletos de subjetivações que
depreciam/estereotipam a região e os seus habitantes. Um imaginário social
composto por “flagelados”, “retirantes”, “mortos de fome”, “figuras esqueléticas”,
habitantes de uma região “inócua, de vegetação cinza e solo pedregoso”, que tem na
figura do vaqueiro e do agricultor o baluarte da resistência.

A Educação de Jovens e Adultos emerge de movimentos de lutas, desafios e conquistas da


educação popular. Segundo Wanderley (1980, p. 63) entende-se por educação popular
“aquela que é produzida pelas classes populares ou para as classes populares, em função de
seus interesses de classe”.
A história dos ideais e lutas em torno da Educação de Jovens e Adultos no Brasil se confunde
com a própria história da educação como um todo, que também se vê entrelaçada com a
história econômica e política do país, bem como com a história das relações de poder, dos
grupos que estão no exercício do poder.
No que tange a educação no Semiárido brasileiro o retrato ainda se torna mais agravante,
uma vez que esta região sempre foi representada nos livros didáticos como um lugar feio,
miserável, violento e seco. Essas representações sobre o Semiárido, segundo Santos (2005,
p.76), “são as mais variadas possíveis, a maioria delas superficiais e preconceituosas”.
Deste modo, Silva (2010, p.3) pontua que:
A visão de mundo e o pensamento que instituíram o Semiárido brasileiro como
“região-problema” têm origem na ciência moderna, que viabilizou a consolidação do
capitalismo a partir dos séculos XVI e XVII, e nos legou o paradigma clássico de
inovação que penetrou e condicionou a natureza e a dinâmica da “educação
universal” que temos, mas que não queremos e devemos superar.

Esse paradigma clássico ressalta o autor, nos deixou uma educação alienadora e
domesticadora, que ignora a diversidade, as especificidades, os símbolos e o modo de se viver
nessa regiãosubjetividade. Uma educação alheia à realidade na qual os sujeitos estão
inseridos, descontextualizada em relação à cultura e a história construída por este povo, que
historicamente foram estereotipados e marginalizados, reféns da dicotomia superior-inferior,
civilizados-primitivos, desenvolvidos-subdesenvolvidos. (SILVA, 2010, p.3)
Desse modo, a história da educação escolar no semiárido não difere muito de outros
contextos marginalizados de outras regiões do Brasil, apresentando os mesmos problemas
encontrados na educação pública no restante do país: falta de estrutura, de políticas, de
conteúdos, de professores formados e qualificados.
Essas limitações legitimaram ao longo dos tempos fatores que implicavam no não
desenvolvimento da região
Nordeste como um todo, dificultando ações e intervenções que fossem capazes de criar
sustentabilidade socioeconômica por parte da população rural. (CARVALHO, 2011)
O relato de um alfabetizando confirma essa afirmativa:
“Nasci em 1976 e em 1978 meu pai morreu. Dai em diante eu não me lembro
da minha infância, eu só sei que foi de muita dificuldade, tive que trabalhar
para ajudar meus irmãos e não tive como ir para escola. (A.A.S., entrevista,
Setembro/2013, Juazeiro-BA”.
292
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A aceitação das condições sociais e históricas cristaliza um discurso que reproduz a imagem
equivocada do Semiárido, o que nos permite entender como as relações de força, de poder e
os lugares sociais de onde se fala irão perpetuar, historicamente, suas marcas.
Neste sentido, Ferreira (2004), afirma que homens e mulheres são fazedores de histórias e,
portanto responsáveis pelo processo histórico, no meio em que vivem pelas gerações que
virão e pelos efeitos deste processo em torno da vida de todos, os seres.
Esse pensamento é abordado também por Nora (1993, p.09): “A memória é vida, sempre
carregada por grupos vivos e, nesse sentido, a está em permanente evolução, aberta à
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas,
vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações”.

Segundo recorda outro alfabetizando do programa:


“Lá no interior onde nasci e vivi minha infância na roça junto com
meus pais e meus oito irmãos, a vida não era fácil. Eu achava que o
mundo se resumia apenas àquele lugar, pois desconhecia a existência
de outros mundos. Eu trabalhava todos os dias de sol a sol, ajudando
meu pai a plantar feijão, milho, mamona e nunca fui à escola. Naquela
época só havia escola na cidade e ficava muito distante de onde nós
morávamos, o que dificultava manter uma vida escolar ativa. (A.B.S.
entrevista, Setembro/2013, Juazeiro-BA)”.

É nesse contexto de exclusão histórica, que as ações do governo federal se resumiam em


oferecer carros pipas, cestas básicas e outras ações assistencialistas, paliativos que não
ofereciam uma melhoria substancial nas condições de vida dessas pessoas, mas sim
ampliavam cada vez mais os vínculos de dependência entre as gentes locais e a “politicagem”
do Nordeste.
Outra alfabetizanda elucida que:

“Nasci na zona rural, minha mãe me matriculava na escola, porém


como a escola ficava longe, logo desistia de estudar, aos 12 anos ainda
trabalhava na roça e nunca mais voltei para a escola. Depois de muito
tempo, resolvi entrar no TOPA, para aprender a ler e escrever.
(T.M.S., entrevista, Setembro/2013, Juazeiro-BA)”.

Essa condição da alfabetizanda só vem a revelar o quão precárias eram as políticas


educacionais no Nordeste, especialmente no Semiárido, onde o sistema educacional da época
em que esses adultos se encontravam em “idade escolar” era ineficiente, excludente.
Entretanto, apesar dos avanços, atualmente percebe-se que as políticas educacionais voltadas
para a Educação de Jovens e Adultos ainda não garantem de fato o direito à educação para
esses sujeitos aprendentes.
Soares (2001, p. 221) valida essa elucidação expondo:
Partindo do princípio de que não há educação sem utopia, qualquer esforço educativo
se relaciona com a vontade de construir uma sociedade melhor. A educação de jovens
e adultos precisa ser assumida no âmbito de um concepção mais ampla, que
contemple os múltiplos processos de formação. Nessa direção a educação continuada,
que implica apropriação, criação e aquisição de novas competências ao longo da vida,
é a modalidade que mais se próxima do ideário da EJA.

Dessa forma, é necessária e urgente uma educação que transcenda os moldes estruturais que
fundamentam os atuais programas de alfabetização de jovens e adultos que apontam para a
necessidade de mudanças paradigmáticas principalmente no aspecto relacionado ao ensino-
aprendizagem, na preocupação de alfabetizar para a vida, ou seja, “letrar” esses sujeitos

293
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
partindo do contexto no qual esses sujeitos estão inseridos, de forma que possam
problematizar, se indignar e transformar sua realidade.

Educação de jovens e adultos desafios e possibilidades à contextualização e ao


letramento

Quando abordamos o tema educação de jovens e adultos, não nos limitamos apenas a
especificidade etária dessa modalidade de ensino da educação básica. Mas, principalmente
consideramos esses sujeitos aprendentes com especificidade cultural próprio. Oliveira (2001,
p. 15) ressalta que “apesar do corte por idade (jovens e adultos são, basicamente, “não-
crianças”).
A autora complementa enfatizando que:
O adulto – para a educação de jovens e adultos – não é o estudante universitário, o
profissional qualificado que frequenta cursos de formação continuada ou de
especialização [...]. Ele é geralmente o migrante que chega às grandes metrópoles
proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não-
qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muitos frequentemente
analfabetos), [...] que busca a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar
algumas séries do ensino supletivo (OLIVEIRA, 2001, p.16)

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, essa modalidade de educação
desempenha as funções “reparadora, equalizadora e qualificadora” no processo educacional
(SOEK, 2009, p. 43). Isso significa reconhecer que:
A Educação de Jovens e Adultos representa uma dívida social não reparada para com
os que não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na
escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de
riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso é de fato a perda de
um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social
contemporânea.

O relato de um dos alfabetizandos ajuda a compreender essa demanda decorrente da


urgência e da necessidade de cumprimento dos direitos básicos dos cidadãos que dentre
muitos, está o direito à educação.
Tal afirmação se confirma nas palavras de um aluno:

“Por não ter frequentado a escola na idade certa, e não saber ler e
escrever dificultava arranjar bons empregos. Por isso, resolvi voltar a
estudar, para ter acesso às novas tecnologias e uma melhoria na
qualidade de vida, pois sem educação o homem não é nada. (G.A.O,
entrevista, Setembro/2013, Juazeiro-BA)”.

Dessa forma, esses sujeitos não são apenas simples trabalhadores subempregados, oprimidos
e excluídos por políticas públicas elitistas, caracterizadas pelo coronelismo, onde a figura
tradicional do “coronel” além de deter o poder econômico e político da região, também
detinha o poder de usar a força para amedrontar aqueles que ousavam ser contrários as suas
ordens. Eles são acima de tudo gentes que compartilham o mesmo sonho de aprender a ler e
escrever.
Surgem as discussões e os desafios em torno das práticas educativas dos educadores da EJA,
uma vez que estes indivíduos sentem-se envergonhados de voltar à sala de aula depois de
atingiram a idade adulta, pois no imaginário deles a escola é um espaço de aprendizagem
para as crianças, se consideram cansados, “ruins da vista”, com sono. A maioria acredita que
o fato de não ter estudado, é culpa deles mesmos, desconhecendo eles que é direito
constitucional e assegurado o seu acesso à escolarização.
Esses e outros fatores podem interferir na motivação desses alfabetizandos em sala de aula o
desafio é portanto, romper com a postura fatalista e criar possibilidades, caminhos para uma
prática escolar que minimize as dificuldades de cada um, respeitando a autonomia, as

294
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
diversidades e as especificidades individuais, de forma a promover a permanência desses
homens e mulheres no processo educacional.
Freire em seus escritos também faz duras críticas aos métodos de alfabetização utilizados nas
turmas de jovens e adultos, argumentando que o uso de velhas cartilhas, cujos conteúdos
pautavam-se na repetição: “Ivo viu a uva”, é totalmente descontextualizada com a realidade e
o universo dos adultos.
...as palavras com que organizar o programa de alfabetização deveriam vir do
universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus
anseios, as suas inquietações, as suas reinvindicações, os seus sonhos. Deveriam vir
carregadas de significação de sua experiência existencial, e não da experiência do
educador. (FREIRE, 1996, p.20)

Uma alfabetização que construa significados para esses sujeitos, capaz de promover a
“intervenção no mundo” (FREIRE, 1996), rompendo com a ideologia dominante, excludente
que predomina há séculos no território nordestino. Valorizando os aspectos culturais e
sociais do lugar onde vivemos. Bem como a simbologia, a cultura e a história desse povo,
tornando-os capazes de promover uma transformação na constante busca de uma melhor
qualidade de vida, respeitando suas diversidades e seu ecossistema.
Os desafios dos alfabetizadores do TOPA no contexto do Semiárido estão em provocar uma
visão holística a cerca das questões que se consolidaram e caracterizaram a trajetória escolar
desses sujeitos que habitam esse lugar.
Oliveira (2001, p.16) acrescenta assegurando que: “Refletir sobre como esses jovens e adultos
pensam e aprendem envolve, portanto, transitar pelo menos por três campos que contribuem
para a definição de seu lugar social: a condição de “não-crianças”, a condição de excluídos da
escola e a condição de membros de determinados grupos culturais”.

Freire (1996, p.92) demonstra sempre uma preocupação com a prática educativa dos
alfabetizadores da EJA, por acreditar que a mesma não pode estar alheia as condições
concretas do tempo-espaço em que se dá o processo de ensino e aprendizagem,
fundamentada nos sujeitos e na sua relação com a história e a cultura no contexto no qual
está inserido.
Sobre a contextualização Silva (2011, p.24) postula que:
É um processo facilitador da compreensão do sentido das coisas, dos fenômenos e da
vida, enfatizando informações que o estudante tem e, encorajando a busca de novas
informações a partir dessas. Enfim, contextualizar implica em problematizar o objeto
em estudo a partir dos conteúdos, dos componentes curriculares, fazendo a
vinculação com a realidade, situando-os no contexto e retornando com um novo
olhar.

Isto significa dizer que para conseguir o sucesso com os alfabetizandos da EJA as práticas
“educativo-críticas” (FREIRE, 1996, p.110) devem estar pautadas na contextualização e no
letramento, uma vez que esses são pressupostos que embasam um processo de
ensino/aprendizagem capaz de promover a construção da cidadania bem como a capacidade
de intervenção desses indivíduos na realidade e no seu contexto, compreendendo e buscando
alternativas de desenvolvimento que promovam uma melhoria na qualidade de vida de suas
gentes e de seu ambiente natural. (FREIRE, 1996, p.110)
Soares (2003, p. 18) diferencia letramento de alfabetização:
[...] um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado:
alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o
indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever,
mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita,
responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.

Dessa forma, letramento está para além da simples decodificação da escrita. Ou seja, o sujeito
aprendente deve ser capaz de aplicar a leitura e a escrita nas suas práticas sociais do dia-a-dia

295
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
como: ler livros, jornais e revistas, redigir uma carta, conseguir interpretar informações
numa conta de luz, ou numa bula de remédio, dentre outras.
No caso específico dos alfabetizandos da EJA do Semiárido Brasileiro, a alfabetização, os
temas abordados devem ser efetivados de forma que possam trazer significados para
cotidiano desses agentes, “e que sejam capazes de aplicá-los, por exemplo, ao estudo de
fenômenos da realidade e à vida”. (SILVA, 2011, p.27)
Nessa perspectiva alfabetizar a partir de práticas fundamentadas no letramento e na
contextualização, significa alfabetizar significativamente de modo que o sujeito aprendente
possa ampliar e reconfigurar seus saberes já existentes na sua bagagem histórica e com isso
ser capaz de relacionar e acessar novos conhecimentos associando com elementos da
realidade, e assim problematizar e compreender o contexto que o cerca.
Freire (1996, p.77) compactua desse pensamento quando diz que:
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos
tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a
lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que
não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.

Pensar então, numa alfabetização de jovens e adultos fundamentada no letramento e na


contextualização é pensar numa prática educativa sistematizada que problematize e que
proponham alternativas de desenvolvimento que busquem uma melhoria na qualidade de
vida desses sujeitos que tiveram o acesso à escolarização negado, Que promova
principalmente a cidadania da população desse Território, que garanta o uso sustentável dos
recursos naturais, viabilizando iniciativas econômicas que propiciem uma melhor
distribuição de renda, valorizando as peculiaridades e as potencialidades do SAB, bem como
construindo novos paradigmas acerca de suas gentes e de seu ambiente natural.

Considerações finais
A realização deste estudo proporcionou uma maior proximidade com a cultura da
alfabetização de Jovens e Adultos, a partir de programas padronizados que não respeitam as
diversidades culturais, sociais e econômicas dos aprendentes que habitam o Semiárido
Brasileiro, um território permeado de complexidades histórico-geográficas e socioculturais
concebidas ao longo dos anos pelo estigma de “região problema”, imagem que reproduziu a
lógica excludente da educação formal capitalista.
O caminho percorrido durante a investigação foi importante na compreensão e na percepção
de que não há uma exigência com relação a formação do alfabetizador, o que vai na
contramão do que indicado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9394/96, uma
vez que exigido apenas do alfabetizador, o ensino médio:
Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Abordagem desse tempo também possibilitou uma análise mais íntriseca das estruturas
pedagógica, política e social que fundamentam a concepção teórica do Programa que tem em
sua bandeira o respeito ao direto à cidadania, ao aprendizado buscando assegurar uma
educação de qualidade.
Entretanto, como assegurar uma alfabetização de qualidade quando a exigência mínima para
ser um alfabetizador popular, basta ter formação no ensino médio. Ou seja, se ele não é
habilitado para exercer o magistério quais são os paradigmas que fundamentam sua prática
enquanto alfabetizador?
Diante disso, pode-se concluir que o nível de escolaridade dos alfabetizadores precisa ser
revisto, uma vez que se esse alfabetizador precisa estar habilitado e ter os conhecimentos
mínimos sobre os processos de alfabetização e letramento. Devendo o alfabetizador
fundamentar sua prática educativa na perspectiva de esses sujeitos aprendentes necessitam
296
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
para além do aprendizado da escrita e da leitura, precisam sim reconstruir seus saberes e
possibilitar uma aprendizagem que qualifiquem o alfabetizando a pensar criticamente esse
lugar “inventado”.
Os relatos dos sujeitos entrevistados contribuíram na investigação indicando que a história
desse povo sertanejo é recorrente, no qual a negação indenitária de homens e mulheres, seres
histórico-sociais contribuíram no formato desse triste retrato do analfabetismo fortemente
existente no Semiárido.
Dessa forma é necessário e urgente uma ressignificação holística das práticas alfabetizadoras,
especialmente na EJA, é necessário uma busca constante por metodologias e estratégias de
ensino que facilitem o aprendizado crítico-reflexivo, imbuído na promoção de melhorias na
qualidade de vida dessas pessoas que vivem e convivem com as peculiaridades desta região
demasiadamente singular.

Referências

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297
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LIVRARIAS E LUGARES LIVRES: UMA LEITURA DO SER HUMANO
Ingrid Rodrigues 117
Vinicius Pascoal 118

RESUMO: As livrarias, durante muitos anos, foram espaço de encontros intelectuais, onde
grandes ideias eram debatidas e grandes pensadores encontravam-se num entrelugar de
boemia, para discutir não só literatura, mas política e todo o tipo de questão social. Esses
espaços físicos abriam suas portas para o saber e para a fomentação de novos ideais políticos.
Segundo Morin (2007), Adorno (2002) e Sardar (2010), as livrarias eram mais do que um
local da indústria cultural: era um espaço cultural. Contudo, nos últimos anos com o aumento
da tecnologia e dos meios de comunicação em massa, o acesso aos livros vem sendo facilitado
por mecanismos inovadores: desde as fontes institucionais de consulta online (Internet
Archive, JSTOR, OpenLibrary, etc) até os caminhos livres (P2P, 4Shared, Scribd,
Megaupload, entre outros). As campanhas publicitárias direcionadas pelo greencommerce
também posicionam um duelo do papel impresso versus E-Ink. Tudo pelo bem da natureza
ou do habitat mercadológico? As livrarias estão mudando seu espaço, diminuindo
fisicamente enquanto ampliam a logística dos longínquos destinos através da internet, redes
sociais e correios. Em tempos atuais, restaria ao livro, e às suas catedrais chamadas livrarias,
o destino apocalíptico que fora denunciado por Ray Bradbury em Fahrenheit 451 (1951),
George Orwell, em 1984 (1949) ou Huxley, em Brave New World (1932)? Esta
comunicação visa discutir que espaço sobra às livrarias, e também debater as atuais formas
de acesso aos livros.
PALAVRAS- CHAVE: Formação de Leitores. Indústria cultural. Literatura de massa.
Literatura online. Locais de Cultura
ABSTRACT: Bookstores during many years have been a place to intellectual meeting and
great ideas debates. A place to hobnob not only about literature but also about new political
ideals.
As Morin (2007), Adorno (2002) and Sardar (2010) think, bookstores were more than a
cultural industry’s place it is a cultural place. Nowadays technological culture brings easier
mechanisms to book diffusion (Internet Archive, JSTOR, OpenLibrary, etc) and non-
licensed options (P2P, 4Shared, Scribd, Megaupload, entre outros) while publicitary
campaigns known as greencommerce posit a duel against paper and E-ink and physical
bookstores migrate their stores through virtual web space to achieve more and more
consumers around the world. This article proposes a critical review about bookstores in our
society alluding to Ray Bradbury in Fahrenheit 451 (1951), George Orwell, in 1984 (1949)
and Adous Huxley, in Brave New World (1932).
KEYWORDS: Reader’s formation; cultural industry; mass literature; internet literature; local
of culture;

Introdução
Da invenção do Papiro à era digital, o livro passou por profundas transformações,
conseguintemente, sua forma de reprodução e circulação sofreu os ajustes necessários do
tempo e das novas estruturas sociais que surgem e mesclam-se continuamente. O livro, tal
qual conhecemos hoje impresso, foi possível graças à invenção da imprensa por Johannes
Gutemberg no século XV. De lá pra cá, a metodologia para impressão de escritos evoluiu, a
tipografia deu subsídio para modernas impressões e melhorias gráficas. Os livros foram
subindo de qualidade e variedade e seus locais de circulação também foram ampliados.
O domínio da palavra escrita durante muito tempo esteve restrita ao clero, nos mosteiros
haviam enormes bibliotecas e aquele acervo esteve ligado à pratica religiosa. A população não
tinha acesso aos livros. Os poucos livros que circulavam eram enviados sob encomenda. Não

117Discente do mestrado em Teoria da literatura pela UFPE-PPGL. Professora de Literatura, graduada em Letras pela UPE. É
pesquisadora do NELI-UFPE. Residente na cidade do Recife - PE. ([email protected])
118É discente do mestrado em Teoria da literatura pela UFPE-PPGL. É tradutor e professor em língua inglesa, graduado em

letras pela UPE, especialista em tradução pela FAFIRE. É membro do NELI-UFPE. Residente na cidade do Recife- PE.
([email protected])

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
havia um espaço fixo para esse tipo de comercialização. Buscar datas sobre qual foi de fato a
primeira livraria da história é uma tarefa infindável. Entretanto, o Guiness Book adotou a
Livraria Bertrand, localizada em Lisboa Portugal, como a livraria mais antiga em
funcionamento no mundo. Aberta desde o ano de 1732, ela nunca cessou o seu
funcionamento. Sendo um dos lugares mais frequentados no Chiado, contando com um
acervo que se renova continuamente. Há também em Portugal, a Livraria Lelo e Irmão,
localizada na freguesia Vitória, em Porto. Que está em funcionamento desde 1864 e ainda
preserva a estrutura original, considerada por muitos intelectuais uma das mais belas do
mundo, é ponto de encontro dos estudantes da Universidade do Porto, que utilizam de seus
corredores para discutir arte, filosofia, política entre outros assuntos. Fazendo da livraria
mais que local de consumo, mas um local para troca de ideias.
No Brasil, a história das livrarias se mescla com a história da formação intelectual do próprio
país. Inicialmente os jovens estudantes precisavam fazer encomendas de livros da Europa.
Segundo MACHADO (2009), o Colégio dos Jesuítas foi o primeiro ponto de venda dos livros
no Rio de Janeiro. Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, no ano de 1808, o
comércio de livreiros começou a se espalhar, contribuindo para a formação de um público
leitor e a implantação das primeiras livrarias. Também no Rio de Janeiro, está localizada a
livraria Ao Livro Verde, em funcionamento desde 1844 e considerada a livraria mais antiga e
ainda em funcionamento de todo o país. Tendo passado por duas guerras mundiais, e
acontecimentos políticos importantes no Brasil como a abolição da escravatura, proclamação
da república e ditadura. Interessante entender esse processo, que tem haver com a própria
formação do publico leitor no Brasil.

Da origem do idioma ao processo de formação dos leitores no Brasil

O idioma falado no Brasil, tal como conhecemos hoje, foi o processo de várias mudanças
significativas no português de Portugal, mais a fusão dos diversos dialetos indígenas, a
influência dos idiomas trazidos pelos imigrantes de todas as partes do mundo que aqui se
instalaram, além é claro, dos dialetos trazidos pelos escravos dos diversos países do
continente africano. Podemos dizer que o português brasileiro, ou simplesmente “brasileiro”,
não é uma língua única. Ele é diversificado em sua própria raiz e através de seus próprios
falantes. Com um país numa extensão tão grande, é impossível não ter variações linguísticas
tão difusas. De norte a sul, a língua é o reflexo da transculturalidade119 do nosso país. Essa
variação na língua falada pelo país, durante muitos anos foi “esquecida” durante o estudo da
língua escrita, criando-se um mito de univocidade da língua. Não existe forma legítima de
falar “brasileiro” o que existem são variações que foram utilizadas como padrão pela
gramática normativa. Essa padronização mais tem haver com interesses econômicos, que
linguísticos, sendo chamado até de língua “culta”.
A reflexão sobre a linguagem não é um assunto novo, na Grécia antiga muitos pensadores já
buscavam as formas de estudar a língua, bem como seus mecanismos de funcionamento,
entretanto, só a partir do século XX, com os estudos de Saussure, que a linguística passa a ser
adotada como ciência e vem se estruturar como o estudo da linguagem, propriamente dito,
nos seus usos e costumes dentro de uma sociedade.
Competência linguística é o que se diz quando o falante sabe se adequar em diferentes
situações que requerem diferentes usos da língua. A linguística ajuda a entender a estrutura e
a especificidade de cada língua e o surgimento desta ciência foi um divisor de águas dentro da
sociedade e tem sido um agente modificador nesta forma de pensar, encontrando conceitos
linguísticos universais que se apliquem, mesmo que de forma abstrata, a todos os usuários de
todos os tipos de linguagem humana.
Língua e poder estão diretamente ligados, na sociedade brasileira só quem tem direito à fala é
uma minoria. A norma culta está canonizada nos livros e na gramática, nas situações
cotidianas as variantes se mesclam e nos dão um panorama social do país. A língua(gem) do
motorista de ônibus, não é a mesma do médico; que por sua vez, não é a mesma língua(gem)
de um político. Um pedreiro não fala a língua(gem) do bancário, mas dentre todas essas

119 Bhaba, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
profissões citadas, há uma relação de necessidade e poder. A língua(gem) é o distanciamento
e a aproximação. Como se fala determinará quem você é, infelizmente é o nosso retrato
social. Quando aparecem na televisão entrevistas de pessoas mais simples, que não tiveram
acesso à educação, o discurso do indivíduo muitas vezes é satirizado, ou pior, usado para
diminuição do mesmo. As diferenças linguísticas são diferenças sociais. O direito à fala é
dado aos mais competentes, mas essa competência é distribuída de maneira muito injusta. O
competente é tido como aquele que sabe se comportar e relacionar nas mais diversas
variações da língua. O que o torna capaz de comunicar-se com qualquer pessoa. É uma
democratização da fala, um “intérprete” dos mundos, das classes, das tribos, das regiões. A
competência linguística gera poder de persuasão. Mas essa tal competência, deveria
teoricamente ser distribuída para todos durante a escolarização. Mas o direito à expressão
ainda não é de interesse político. Uma possível explicação para o baixo investimento
financeiro, por parte dos governantes, numa educação de qualidade para todo o povo. Um
sujeito competente é aquele que seria capaz de raciocinar e interferir efetivamente no país, na
política, no consumo. Não há espaço para mais “pensantes” neste país que cresce vendo o joio
e o trigo se fortalecendo na mesma proporção. Uma mistura de desenvolvimento econômico e
escândalos de corrupção. A realidade é que uma população ignorante é passível de ser
controlada.
Os processos de ensino da língua brasileira influenciam transversalmente na competência
linguística dos brasileiros. A língua brasileira, cheia de ambiguidades e beleza, não é
ministrada de maneira diligente nas escolas. O ensino é muito mais normativo que descritivo.
A grande maioria dos brasileiros tem contato com a literatura apenas como disciplina escolar,
e não como uma brecha de libertação de mente, ou uma forma de manifestação da arte. Os
brasileiros aprendem texto não com o objetivo de interferir e compreender as entrelinhas,
mas de aprender a responder questões. Não estimulam os jovens a pensarem, talvez para que
isso não se torne um problema no futuro. A implantação de um pensamento crítico na
infância poderia levar um país ou ao desenvolvimento, ou a loucura, ou ao caos. Segundo
Bakhtin (2000) os mecanismos signicos que tangem os processos da linguagem, tanto os
linguísticos como os extralinguísticos, são essenciais para compreensão da fala. Isso ocorre
pelo fato que cada um compreende a vida, a língua e os discursos, ponderando de acordo com
o conhecimento de mundo que carrega em si mesmo.
Diante de tudo isso, fica difícil obter uma diagnose de um público leitor no Brasil, dos anos
que se iniciou a alfabetização do país, até os dias de hoje, o público leitor do Brasil cresceu na
mesma proporção das livrarias. Não pode-se afirmar que eram tipos leitores conscientes mas
durante um momento histórico muito importante no país, esses frequentadores de livrarias,
foram de importância fundamental para as transformações políticas que aconteciam de foras
das portas desses redutos literários.
O Brasil é um país jovem, quinhentos anos de história, não conseguem dar conta de tanta
informação e da formação intelectual que alcance a todos. Quinhentos anos também não dão
conta de uma literatura, e ainda mais: Não fecham esse déficit de informações que foram
negadas durante muito tempo aos brasileiros. O direito a fala, e o direito a escrita.
Após mais de trezentos anos de “descoberto” é que o país conquistou sua primeira livraria. E
o que isso representa, uma possibilidade de mudança social. Um espaço dedicado não só à
literatura e leitura, mas espaços de conversas. Esses espaços de cultura, propriamente, darão
suporte para o que viria no Brasil no século XX.

Livrarias e Locais de Cultura

Para Lajolo (2012, p. 123) a literatura e a leitura tem um valor positivo por um status que ela
concede aos seus “dominadores”. É a marca no imaginário que o conhecimento era restrito a
determinados grupos sociais.

300
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Como vimos, durante largo tempo, em vários locais, leitura e escrita foram privilégio
dos sacerdotes. Depois o privilégio foi se estendendo a outros grupos sociais. Depois,
finalmente, leitura e escrita democratizaram-se. Democratizaram-se em teoria, ao
menos. O que já é alguma coisa! Por aí. E é nesse momento de democratização da
leitura e da escrita que se pode inscrever a reinvindicação do acesso amplo, geral e
irrestrito, à literatura. A toda e qualquer literatura. À popular e a erudita. À tida como
excelente e À tida como não tão excelente. Não é?

O pensamento de Lajolo é coerente com a busca de igualdade que procuramos para o nosso
país, infelizmente, não faz parte da nossa realidade essa democratização da leitura, pelo
menos, ainda há um caminho muito longo a ser caminhado até esse suposto acesso irrestrito.
Os caminhos até as livrarias já são mais democráticos, elas fazem parte do círculo social de
muitas pessoas, o passeio à livraria já é muito praticado. Livros para ter livros, não para ler
livros. Apenas reflexo da indústria de consumo. Um produto da Indústria Cultural. Mas nem
sempre foi assim. O local sagrado da livraria já foi usado para o oposto de tudo isso.
Ao longo deste século, assistimos mutações no modo de viver dos brasileiros, juntamente
com as transformações sociais, vieram transformações nas esferas culturais que foram de
extrema importância para a solidificação intelectual do nosso país. A história se constrói com
o sacrifício de muitos, a fomentação de ideias e o desejo de melhorar. A história do Brasil foi
rabiscada dentro de inúmeras livrarias espalhadas pelo Brasil, que reunia intelectuais de
diversas áreas, que discutiam sobre política, literatura, poesia, filosofia, entre outros
assuntos.
As livrarias eram ponto de encontro, e por vezes pontos de resistência. Durante a ditadura
militar no Brasil, mascarados pela Boemia (ou não) muitos intelectuais, usavam esses
espaços de cultura para lutar contra o regime que estavam vivendo. Há um exemplo muito
bom para esse assunto. No Recife, a livraria Livro Sete, foi fundada na década de 70. E foi um
berço onde nasceram vários escritores, na realidade ele é considerada como grande quartel
general da geração de poetas pernambucanos de 65.
[...] A Livro 7 transcendeu a carismática figura de Tarcísio Pereira, a hegemonia de um
bloco de esquerda, e tornou-se orgulho de todo o pernambucano. [...] passou a ser uma
espécie de Academia Pernambucana de Letras, na qual ter o seu retrato acima das
estantes significava um reconhecimento e uma certa imortalidade para a sociedade
literária pernambucana. Não foram poucos os intelectuais, escritores e poetas que
doaram os seus retratos para ali ficarem expostos: Gilberto Freyre, Ariano
Suassuna, César Leal, João Cabral de Mello Neto [...] (D’MORAIS, 2008).

A Livro 7, ilustra o papel social e cultural das livrarias naquela época. Pouco depois, durante
a ditadura, o seu proprietário, Tarcísio Pereira, ignorou todas as regras e repressão e
continuou importando todos os tipos de livros. E continuou abrindo suas portas para as
reuniões que aconteciam continuamente. Esta livraria por cinco anos foi a maior do Brasil,
referência da intelectualidade Pernambucana e um ponto Turístico. A Livro 7 foi pioneira em
abrir seu espaço e deixar os livros a mostra, para que os leitores pudesses folheá-los. Era
quase como uma grande biblioteca. Com grandes poltronas, espaço amplo e ambiente
aconchegante. Também promovia lançamentos de livros, noites de autógrafos entre outras
atrações para promover a livraria. Hoje, várias livrarias utilizam desse conceito para atrair
mais clientes-leitores.
É embaraçoso ver como o papel social das livrarias mudou, ainda é um ponto de encontro.
Mas o espaço da intelectualidade foi sufocado pela indústria cultural. E as livrarias hoje são
Megastores que não estão preocupadas com a propagação da leitura, tampouco no auxílio da
divulgação de novos escritores, o que nos resta nas grandes livrarias são grandes cafés para
“pseudo intelectuais” e um afogamento nos chamados Best sellers escolhidos pelas grandes
editoras. Toda essa “calmaria” política esfriou a chama reacionária dos frequentadores de
livraria, ou simplesmente as pessoas mudaram. Não somos contra a democratização das
livrarias, longe disso. Somos militantes no que se refere à qualidade da leitura que será
oferecida a esses novos leitores. Lajolo (2012) fala de qualquer literatura. Pensamos sobre
isso com um pouco mais de responsabilidade. Como já foi supracitado, a aumento de pessoas
alfabetizadas não significa o aumento de leitores, pelo menos não proporcionalmente,
também é preciso se pensar, que o aumento de leitores, não implica na qualidade das
301
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
leituras, sem utilizar de um olhar elitista. Apenas com um olhar mais crítico. Se a função
principal da literatura é estimular o leitor a pensar, ao engolir esses livros expelidos pela
indústria cultural o leitor (com toda boa vontade de se iniciar leitor) não estará sendo
contemplado por essa função principal. Evidente, deve-se começar por algum ponto. E não
condenamos ficções nem tampouco desmerecemos todos os livros na lista “dos mais
vendidos”. Apenas entendemos que todo o sistema mudou e que infelizmente, livros e
livrarias não cumprem como deveriam seu papel essencial. Será preciso uma reformulação
nas estruturas das livrarias? A morte do livro está eminente? Ou a livraria de fato, já é uma
instituição falida? Essas grandes lojas não passam de mais um local para bens de consumo?
Veremos adiante esses conceitos e como as novas tecnologias mudaram as estruturas das
livrarias.

LUGARES LIVRES

Muito foi dito e problematizado, neste ensaio principalmente, sobre o espaço estrutural e
físico onde habita o livro. Se levado em consideração a dual campanha de opositores feita por
Eco (2008), em Apocalípticos e Integrados, o diagnóstico de nosso sistema de aquisição e
difusão de livros em locais físicos estará entre assumir uma posição apocalíptica ou
integrada. A opinião do crítico, aqui, sendo estendida não apenas aos objetos da cultura de
massa, mas às livrarias também. Contudo, se for possível ampliar a compreensão do mundo
daqueles que se dizem leitores críticos o resultado desta leitura do ser humano não tenderá
nem ao apocalipse nem à integração em totalidade. Temos aqui uma posição influenciada
tanto por Baudrillard (2004), em Às sombras das maiorias silenciosas, Morin (2007), em A
Cultura de Massas, e do canadense Marshall Mcluhan (2008), em The Medium is the
Massage.
No atual estado dito pós-contemporâneo de nosso mundo a livraria, definitivamente, não
carrega mais o status de espaço cultural. Ela é antes de tudo um símbolo social e cultural.
Símbolo esse que em nossa sociedade atribui qualidade valorativa aos seus frequentadores.
Assim, vista aquele espaço o erudito, o intelectual, o cidadão diferenciado. Embora, todos
esses estejam naquele ambiente apenas de passagem. Passagem para o café do final de
semana. Para a foto selfie, para o encontro corriqueiro com os amigos, que em seguida vão ao
show, ou ao museu, espaço cultural, bar da esquina, circuito de barco e afins. A livraria se
torna um local aurático múltiplo de uma sociedade mercadologicamente serva do
capitalismo. A livraria, na sua condição atual de Megastore seriam objetos de desejo (e
prazer) analítico aos bons críticos da amável semiótica da cultura, aos militantes dos estudos
culturais e também ao Bourdieu, Barthes e Baumman.
A livraria é um local para se passar o dia. E na condição de Megastore também serve para
salvar o planeta, seja com bolsas ecológicas a preços [nada]módicos ou mensagens positivas
em marcadores de texto. É um espaço que substitui sacolas plásticas quando o cliente já
dispõe de bolsa, mochila ou acessório semelhante. É onde o Pocket Show gratuito vende cd’s
e dvd’s enquanto divulga novos artistas e lançamentos das mais diversas expressões
artísticas. É a livraria que acolhe os artistas de hoje e os intelectuais em formação de amanhã.
Toda livraria é templo simbólico que marca o fim da (longínqua) torre de marfim.
O poeta, o escritor, o artista e o pensador da (pós)modernidade pode, e deve, se assim quiser
de fato assumir sua condição pop estar, ou ser, vislumbrável em horários comerciais pela
livraria, de preferência nos ambientes destinados aos comestíveis. O pop é tudo aquilo que é
popular. A livraria é um lugar popular. Popular é tudo aquilo que seja usado, comum, do
agrado ou pertencente ao povo. O comerciante, a doméstica, o motorista, o cobrador, a
atendente de telemarketing, o médico, o juiz e o doutor. Tudo listado é povo. E assim como
todo empreendimento previsto por Marx em O capital (1867), a livraria também estará de
braços, melhor: portas, abertas a receber o capital do povo.
Em Bradbury Fahrenheit 451 (1951), George Orwell, em 1984 (1949) ou Huxley, em Brave
New World (1932), anunciavam-se mundos em que o povo era alvo de tamanha opressão
intelectual que não conseguia mais pensar o espaço livre das livrarias. Em Fahrenheit (451) o
livro se torna objeto aurático, espaço limite em que a imaginação humana não pode mais
acessar. Em 1984 (1949), o ser humano entra em embate com o sistema que domina e molda
302
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
suas práticas culturais, enquanto que em Brave New World (1932) a sociedade dividida em
castas já indica o modus operandi de cada ser humano naquela sociedade e que práticas
culturais ele estará disposto a estabelecer. Nas três obras supramencionadas encontra-se
semelhanças e diferenças quando comparadas ao nosso mundo empírico do século XXI.
Essas questões de acessibilidade e difusão da cultura inquietam filósofos, sociólogos, críticos
literários e demais conjunto de pensadores do tempo atual. Contudo, não nos resta solução
de intervenção direta. Não há mais espaço para uma resolução teleológica como propunham
as grandes narrativas que nos antecedem. E é interessante lembrar que nas três obras ditas
“ficcionais” acima nenhuma resolução favorece a humanidade oprimida. Nenhum dos
personagens protagonistas, seja Montag, Winston Smith ou John, consegue a libertação
heroica de seu povo. O desespero humano em busca de um lugar livre é aquilo que move
essas três personagens. O desespero e a inquietação. O desassossego que estimula a repensar
o sentido de liberdade das práticas humanas, seja a de leitura ou a de pensamento. A que vale
levantar um debate sobre as livrarias quando se vive numa sociedade em que o cidadão
precisa escolher entre os itens da cesta básica ao invés da cultura e da informação? Onde o
letramento não é conclusivo e efetivo. Onde os índices de analfabetismo funcional continuam
ganhando espaço em pesquisas e levantamentos. A literatura é a grande arma, o grande
tesouro dos locais livres. A livraria também se vale de morada da literatura. Mas embora hoje
a literatura esteja disponível em demasiados lugares livres, a internet e os aplicativos de
celulares, por exemplo, ela ainda é um espaço pouco procurado, pouco visitado pela geração
atual. É preciso trabalho e ações, sejam públicas ou privadas, em busca de uma nova cultura
da educação, informação. Uma disposição que esteja além dos papéis. Para mesurar o
desconforto das livrarias e dos lugares livres, eis um resultado de pesquisa recente que foi
desenvolvido pelo SESC SP, entre 31 de Agosto e 8 de Setembro de 2013, em 25 estados, 139
municípios e 2.400 entrevistados:

(Disponível em:http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura/gostosculturais/P29. Acesso:


20/04/2014)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
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SARDAR, Ziauddin. VAN LOON, Borin. Introducing Cultural Studies: A graphic guide. Icon Books, September
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
[ENTRE] LAÇOS DE MEMÓRIAS: COMPARTILHANDO AS LEMBRANÇAS DA
INFÂNCIA
NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO

Luciana Maria Carvalho Medeiros dos Santos 120

RESUMO: A leitura é uma atividade naturalmente interativa, pois o leitor interage com o
autor e todas as vozes que dali emergem por meio do texto. Quando se trata da leitura
literária, são muitos os desencontros na sala de aula. Por essa razão, a escola precisa
conscientizar-se do seu papel fundamental na formação do leitor literário. A pesquisa aqui
apresentada configura-se como um relato de experiência na perspectiva do letramento
literário, vivenciada no segundo semestre do ano de dois mil e treze, junto a uma turma do 9º
Ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Tristão de Barros (Currais Novos-RN).
Apresenta uma abordagem qualitativa e segue a orientação das quatro categorias defendidas
por Hamilton. A atividade que foi intermediada por textos/ ilustrações produzidos por uma
senhora de 92 anos, foi avaliada como bastante significativa, considerando a dinâmica de
interação dos alunos e demais participantes e também porque promoveu a reflexão e a
[re]significação da leitura, sobretudo a leitura literária, e das concepções de memória e
velhice.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento Literário. Sala de Aula. Memórias. Família.

ABSTRACT: Reading is a naturally interactive activity, as the reader interacts with the
author and all the voices that emerge from there through the text. When it comes to literary
reading, there are many disagreements in the classroom. For this reason, the school needs to
become aware of its key role in the formation of the literary reader. The research presented
here appears as an experience report from the perspective of literary literacy , experienced in
the second half of the year two thousand and thirteen along to a class of 9th grade Basic
Education State School Tristão de Barros (Currais Novos-RN). It presents a qualitative
approach and follows the guidance of the four categories advocated by Hamilton. The activity
that was mediated by texts / graphics produced by a lady of 92 years was assessed as very
significant, considering the dynamics of interaction between students and other participants
and also because it promoted reflection and [ re] significance of reading, especially reading
literary, and conceptions of memory and aging.

KEYWORDS: Literary Literacy. Classroom. Memories. Family.

INTRODUÇÃO
A leitura é uma atividade naturalmente interativa, pois o leitor interage com o autor e todas
as vozes que dali emergem por meio do texto.
Entretanto, quando pensamos na leitura dentro do espaço escolar, muitas vezes seu
encaminhamento segue uma abordagem fechada, utilitarista e homogênea, provocando
assim a perda significativa de sua função social, pois não transcende aos limites da
decodificação.
Quando se trata da leitura literária, os desencontros na sala de aula são ainda maiores e mais
graves. Certamente pela subjetividade que o texto literário apresenta, ou pela dificuldade de
se atribuir a este sentidos homogêneos, o texto literário ainda se encontre em segundo plano
no ambiente escolar, ou mesmo marginalizado.
A escola, a agência institucionalmente reconhecida como promotora do letramento, é o
espaço que precisa conscientizar-se do seu papel fundamental na formação do leitor. Dessa
forma, é o professor um dos principais personagens responsável pela difusão da leitura.

120Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Mestranda do PROFLETRAS – Campus de Currais Novos – RN.
Professora de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Estadual Tristão de Barros – Currais Novos –RN (Ensino Fundamental
e Ensino Médio Inovador) E-mail: [email protected].
305
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Nesse sentido, a pesquisa aqui apresentada configura-se como um relato de experiência na
perspectiva do letramento literário, vivenciada no segundo semestre do ano de dois mil e
treze, junto a uma turma do 9º Ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Tristão de
Barros.
Trata-se de um evento de letramento em que os alunos foram instigados a reavivar as suas
memórias de infância, para enfim, pensar na dimensão dessas memórias quando a idade é
outra, ou seja, pensar no significado dessas memórias sob a perspectiva do olhar de alguém
mais velho.
Para isso, os alunos leram, observaram e interpretaram alguns Textos/Ilustrações (T/I) que
compõem as memórias literárias de Dona Cota.
A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa e segue a orientação das quatro categorias
defendidas por Hamilton.
A atividade foi avaliada como bastante significativa, considerando a dinâmica de interação
dos alunos e demais participantes e também porque promoveu a reflexão e a [re]significação
da leitura, sobretudo a leitura literária, e das concepções de memória e velhice.

1. COM LICENÇA, PROFESSOR. POSSO ENTRAR?

A Escola Estadual Tristão de Barros está localizada na zona urbana do município de Currais
Novos – RN.A escola atua na cidade há trinta e cinco anos e contempla o Ensino
Fundamental durante o turno matutino, e o Ensino Médio, na nova configuração de Ensino
Médio Inovador, nos turnos vespertino e noturno.
Os professores que compõem o corpo docente da escola são todos formados em suas áreas de
atuação, o que possibilita uma maior credibilidade ao trabalho realizado por toda a equipe.
Dentre as inúmeras proposições que integram a concepção pedagógica da escola está a
necessidade de difundir e potencializar as atividades de leitura, como forma de promover a
aquisição das competências necessárias ao aluno para que este possa interagir com textos
orais e escritos, nas mais diversas esferas sociais, de forma proficiente. Assim, os professores
são constantemente estimulados e provocados a propor aos alunos a leitura de textos dos
mais diversos gêneros, inclusive os literários.

2. MEMÓRIAS LITERÁRIAS: LEMBRANÇAS COLORIDAS DE UM TEMPO EM


PRETO E BRANCO

Os textos pertencentes ao gênero Memórias literárias têm um caráter discursivo confessional,


visto que um narrador apresenta fatos de sua vida pelo viés da memória, sendo esta memória
aqui entendida a partir do conceito de Le Goff:

A memória, como capacidade de conservar certas informações, recorre, em primeiro


lugar, a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar
impressões ou informações passadas, que ele representa como passadas. [...] Os
fenômenos da memória, seja nos seus aspectos biológicos ou psicológicos, mais não
são do que os resultados dos sistemas dinâmicos de organização, e apenas existem
enquanto a organização os mantem ou os reconstitui. ( 1982, p. 9)

Nesse gênero, o autor escreve suas memórias não pelo simples ato de relatar fatos
acontecidos em um determinado tempo e espaço, mas escreve-as pela via da criação estética,
ou seja, o autor de memórias fala de suas experiências com adornos de criatividade,
inventividade, emoção e devaneio. Dessa forma, estas memórias ultrapassam os limites da
individualidade e adquirem o caráter universal, considerando que o leitor tende a se
identificar com cada uma delas pelas inúmeras possibilidades de interpretação e identificação
sugeridas.

306
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
3. MAS, QUEM É DONA COTA?

Maria Raquel de Medeiros dos Santos (in memoriam), mais conhecida como Dona Cota,
nasceu em 24 de fevereiro de 1921, no sítio Várzea, município de Acari-RN, cidade em que
morou até 1942, quando se casou e, em seguida, mudou-se para Jardim do Seridó, cidade
onde viveu até os seus 92 anos de idade.

Figura 1 Dona Cota aos 91 anos

Na infância gostava de brincar com seus primos embaixo dos cajueiros e de correr pelo
terreiro. Ajudava sua mãe a cuidar da casa e dos irmãos menores.
Dona Cota teve 19 filhos, entretanto apenas 12 destes sobreviveram. Sempre dedicada à
família e à fé católica, dedicou parte de seu tempo à cozinha no preparo de pratos típicos do
Seridó como canjica, pamonha, galinha caipira, e arroz doce.
Aos 90 anos, decidiu comprar um caderno de desenho e uma coleção de lápis de cor para
registrar suas lembranças da infância e juventude como um exercício de pura descontração.
Produziu 30 Textos/ Ilustrações (T/ I) que foram publicados e lançados em 2013, no livro
Minha infância minha vida: livro de memórias. Faleceu no mesmo ano, aos 92 anos de
idade, deixando um legado de cores e lembranças.

4. METODOLOGIA

A referida pesquisa segue uma abordagem qualitativa considerando o objeto estudado, pois
não há a possibilidade de uma mensuração quantitativa dos dados coletados.Além disso,
configura-se como uma pesquisa-ação, pois implica na realização de um estudo junto a
grupos sociais (OLIVEIRA, M 2008, p: 74), no caso específico desse estudo, uma turma de
Ensino Fundamental da Escola Estadual Tristão de Barros.
A atividade é, inicialmente, uma proposta de leitura literária de alguns Textos/Ilustrações
que integram o livro Minha infância minha vida: livro de memórias de Dona Cota, para
enfim tornar-se uma entrevista junto a pessoas mais velhas da família a respeito das
memórias resguardadas por cada um, além do registro em forma de ilustrações das memórias
relatadas.

5. LITERATURA E LETRAMENTOS DE MÃOS DADAS NA ESCOLA

Os estudos realizados no Brasil na perspectiva do letramento são bastante recentes, embora


bem articulados, e em razão dessa pouca “idade”, ainda são muitos os caminhos e os
descaminhos que esta ciência encontra, sobretudo no ambiente escolar.
Todas as discussões que emergem dos estudos do letramento configuram-se como uma
proposta de [re]significação das práticas de leitura e escrita, considerando que essas práticas
correspondem ao exercício pleno da cidadania.
307
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A respeito da relevância dessa nova vertente de pesquisa, Kleiman aponta:

O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é


concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos
no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de
letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um
tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos
(alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma
competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras
agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho,
mostram orientações de letramento muito diferentes. (Kleiman, 2006, p. 20)

Ao considerar a leitura e escrita como práticas sociais que têm o poder de legitimar papeis
sociais, potencializar a cidadania e [re]significar a inserção e atuação do indivíduo na
sociedade por meio da reflexão, a literatura, que é um projeto discursivo permeado de
singularidades e sentidos, em que interlocutores interagem em um processo constante de
construção e desconstrução de sentidos, precisa assumir um papel de importância na escola.
Ou seja, são necessárias e urgentes muitas discussões voltadas para o letramento literário no
âmbito escolar, na tentativa de avaliar e propor novos caminhos mais adequados para sua
escolarização.
É sim o letramento literário um grande desafio, pois, a princípio, não é possível e nem
mesmo desejado, evitar que a literatura passe por esse processo de escolarização. É
imprescindível que a escola se aproprie da função de promover a inserção e a valorização da
literatura em seus espaços de construção de saber. No entanto, segundo Soares, é necessário
estar atento para uma escolarização da literatura pautada em propostas errôneas,
inadequadas, que comprometem, corrompem o literário quando o transforma em escolar.
(2001, Apud COSSON, 2006, p: 19)
Pensar a literatura enquanto projeto estético, discursivo, é pensar na sua natureza particular
de pensar e dizer o que muitos pensam e dizem; a literatura pensa e diz de maneira única,
complexa e compreensível a todos, porque organiza seus sentidos pelo viés da fruição, por
isso humaniza, porque amplia, multiplica, [re]significa o sentido da vida.
Humanização é o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para
com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas
da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante. (CANDIDO, 2004, p. 180)

Assim, somente quando a literatura assumir o papel de protagonista na escola, em especial


na formação do leitor e, consequentemente, na promoção do letramento, as lacunas que
insistem em contornar a educação serão preenchidas de forma consistente, criativa e
significativa.

6. CUIDANDO DAS MEMÓRIAS

Cuidando das Memórias é o nome da atividade aqui apresentada. Para compreender sua
dinâmica aqui estudada parte-se das considerações de Hamilton acerca do conjunto de
elementos que integram a cena de todo e qualquer evento de letramento.
A presença desses elementos aponta para a complexidade do letramento em uso. Para
entendê-lo, devemos levar em consideração não apenas as evidências empíricas observáveis
nos eventos de letramento – quem faz uso de textos, onde e como – mas também os
elementos invisíveis, tais como sentimentos, conhecimentos, propósitos, relações de poder,
valores e ideologias, nem sempre inferíveis de dados documentais, conforme chamam
atenção Barton, Hamilton e Ivanic (2000 Apud OLIVEIRA, S. 2007, p: 103).Portanto, é
necessária a compreensão de cada um dos elementos que perpassam todo evento e prática de
letramentos – participantes, ambiente, artefatos e atividades - para uma ampla compreensão
da complexidade do letramento em questão.

308
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
6.1. PARTICIPANTES

Os participantes envolvidos na atividade são trinta e um alunos de um universo de trinta e


cinco, a professora de Língua Portuguesa orientadora da atividade e familiares de alguns dos
alunos envolvidos.

Figura 2 Alunos do 9º Ano A da Escola Estadual Tristão de Barros (2013)

Os alunos situam-se na faixa etária dos catorze aos quinze anos de idade e são todos
residentes na zona urbana do município de Currais Novos, moradores dos mais diversos
bairros da cidade, inclusive alguns bastante afastados da escola.
A turma apresenta algumas dificuldades no que diz respeito à aprendizagem, mas nada muito
significativo, o que possivelmente é consequência da indisciplina que a caracteriza.
É essa turma constantemente comentada em reuniões e conselhos escolares como
necessitada de novos encaminhamentos, novas estratégias, pois é composta de alunos
consideravelmente inquietos, dispersos, entretanto, bastante participativos.
No que se refere à professora de Língua Portuguesa, orientadora dessa atividade, realiza suas
atividades junto a essa turma desde o início do ano de dois mil e treze.
A professora, que mantem um relacionamento bastante agradável com a turma,
constantemente aborda o texto literário na sala de aula e, na maioria das vezes, as suas
singularidades enquanto textos literários são respeitadas e exploradas.
Os familiares que participaram de maneira indireta na atividade, mas não menos
significativa, são em sua maioria mulheres, muitas destas mães dos alunos envolvidos.

6.2. AMBIENTE

A escola adota o sistema de salas-ambiente, ou seja, há uma sala de aula específica para cada
disciplina e o professor de cada turno é o responsável pela organização da sala. Entretanto,
no ano de dois mil e treze a escola abarcou para o Ensino Fundamental mais um professor de
Língua Portuguesa, somando assim três professores, o que inviabilizou o número adequado
de salas-ambientes referentes à disciplina de Língua Portuguesa para o referido turno.
Assim, a professora personagem dessa pesquisa trabalha suas aulas junto aos alunos do
Ensino Fundamental na sala doze, referente à disciplina de Química, já que a mesma não é
utilizada durante as aulas da manhã. A professora também costuma realizar suas atividades
na biblioteca, na tentativa de dinamizar o espaço e promover a familiarização do aluno com a
biblioteca e sua real função no espaço escolar.
A sala de aula é razoavelmente ampla, bem iluminada, principalmente durante o turno
matutino e bastante arejada, pois possui janelas grandes, além de ventiladores.
A biblioteca da Escola Estadual Tristão de Barros que recebe o nome de Monteiro Lobato
como forma de homenagear esse escritor tão importante em nossa literatura, dispõe de um
acervo bibliográfico bastante interessante, como livros de literatura brasileira e estrangeira –
romances, contos, poesias, etc – revistas de circulação nacional, jornais, periódicos, entre

309
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
outros. É um espaço não muito grande, em virtude do acervo que se espalha em algumas
estantes, entretanto é bastante iluminada e arejada.
Os alunos do Ensino Fundamental apresentam uma frequência razoável à biblioteca. Alguns
destes são instigados pelos professores a frequentar o espaço, outros já têm o hábito da
leitura e, independente de orientações, ou mesmo solicitações de algum professor, costumam
frequentar o espaço com bastante autonomia e interesse.

Figura 3 Aluna em uma atividade de leitura na Biblioteca

6.3. ARTEFATOS

Para a realização da atividade Cuidando das Memórias alguns elementos materiais e


simbólicos foram utilizados na mediação das ações desenvolvidas.Os alunos foram
convidados a viajar nas memórias literárias de Dona Cota, lendo, observando, comentando e
interpretando alguns dos T/I que fazem parte de seu livro Minha infância minha vida: livro
de memórias.

Figura 4 Capa do Livro de Dona Cota

Um dos T/ I entregue aos alunos para a leitura da imagem e do texto verbal tratava das noites
de São João: a preparação da fogueira, as comidas típicas, etc.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura 5 Noite de São João na casa de papai (MEDEIROS DOS SANTOS p: 18)

Um outro T/ I apresentado aos alunos tratava dos primeiros momentos da aquisição da


leitura e da escrita da menina Cota na zona rural e através da cartilha do ABC.

Figura 6 Aprendendo a Cartilha do ABC (MEDEIROS DOS SANTOS p. 14)

O Terceiro T/I entregue aos alunos para a apreciação apresentava elementos relacionados aos
costumes e a manifestação da fé seridoense.

311
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura 7 Papai ensinando-nos a rezar (MEDEIROS DOS SANTOS p. 25)

O quarto T/I trazia uma cena em que a menina Cota, mesmo bem pequena, ajudava a mãe
nos afazeres domésticos.

Figura 8 Torrando café (Cota com 08 anos) (MEDEIROS DOS SANTOS p. 10)

312
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
6.4. ATIVIDADE

A atividade aqui apresentada recebe o nome de Cuidando das Memórias e foi realizada
durante cinco aulas dentro de uma mesma semana, iniciando no dia vinte e um de outubro de
dois mil e treze e encerrando no dia vinte e três do mesmo mês.No primeiro dia de atividade
os alunos receberam para leitura e discussão os T/I de Dona Cota. Para esse momento, os
alunos dividiram-se em grupos de quatro componentes e para cada um foi entregue um T/I
diferente para apreciação.Em seguida, os alunos apresentavam seus T/I, apresentavam suas
impressões acerca do texto, as possíveis memórias reavivadas, entre outras observações.

“Os desenhos dela parecem de uma criança.” (Aluno 1)


“Dá pra imaginar que a infância dela foi muito feliz, porque é tudo tão
colorido.” (Aluno 2)
“Acho que a vida da minha avó era também assim.” (Aluno 3)

Depois de todos os comentários, os alunos assistiram a um pequeno vídeo em que a senhora


Dona Cota fala da sua experiência enquanto escritora de memórias.
No segundo momento da atividade, os alunos foram convidados a refletir sobre suas
memórias de infância, os momentos marcantes, além da projeção para o futuro, por meio de
uma atividade impressa composta de seis questões subjetivas.

Figura 9 Atividade Cuidando das Memórias Parte 1

A terceira aula foi iniciada com a canção Epitáfio dos Titãs. Os alunos receberam a letra
impressa e, dessa forma, foram incentivados a cantar juntos.Depois de ouvir a canção duas
vezes, a professora levantou algumas questões sobre a temática abordada na letra da música,
as impressões apontadas sobre o tempo passado e o presente, entre outros aspectos.Em
seguida, a professora apresentou uma proposta de produção textual: a produção de uma
pequena entrevista junto a algum membro da família com mais idade, preferencialmente
alguém com no mínimo 30 anos; o entrevistado também poderia ser um vizinho ou alguém
da escolha do entrevistador.Para essa produção, a professora abordou um pouco das

313
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
características que delineiam o gênero entrevista, apontando, inclusive as diferenças entre a
entrevista gravada e a escrita.
Os alunos também foram orientados a como se comportar diante do entrevistado; o uso da
linguagem mais adequada, o modo de tratamento, a fidelidade à resposta do entrevistado,
etc.A professora pediu para que os alunos levassem os T/I de Dona Cota para mostrar aos
entrevistados e, assim, estimulá-los para também produzir seus T/I como forma de ilustrar
as memórias relatadas na entrevista. Essa proposta de produção de texto acompanhada de
todas as orientações foi realizada em duas aulas.

Figura 10 Cuidando das Memórias Parte 2 (Memórias da mãe de um dos alunos)

Na quinta e última aula dessa proposta de atividade, os alunos apresentaram para os outros
colegas o material produzido em casa - a entrevista e as ilustrações.
“Minha mãe me contou histórias de quando era criança. Eu gostei de
conversar sobre isso com ela. A vida dela foi bem diferente da minha.”
(Aluno 4)

Figura 11 Cuidando das Memórias Parte 2 (Memórias da mãe de uma aluna)

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura 12 Cuidando das Memórias Parte 2 (Memórias da mãe de uma aluna)

A avaliação que a professora fez da atividade depois de toda a dinâmica e a interação, em sala
de aula e com os familiares, foi bastante positiva, pois apresentou-se como uma proposta
inovadora de construção/ desconstrução das concepções de velhice, juventude e memória
pautada nas concepções do letramento literário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Promover atividades de leitura pautadas na diversidade de gêneros, sobretudo nas


necessidades e afinidades dos alunos, é tarefa essencial para possibilitar a competência
linguística e um caminhar seguro por toda e qualquer esfera social em que a interação se faça
por meio da linguagem.E, embora a noção de letramento no espaço escolar esteja quase que
sempre associado à disciplina e ao professor de Língua Portuguesa, é missão de todos da
escola pensar a linguagem como artefato social e cultural, portanto, essencial a natureza
humana.
É também função da escola propor a leitura de textos literários considerando sua natureza
estética e inventiva.
Enfim, é a escola o lugar onde as mais diversas possibilidades de interação por meio da
linguagem precisam ter espaço sempre aberto e atraente para acontecer, pois é da natureza
humana a necessidade de expressão e cabe, assim, a escola, orientar quais os meios mais
adequados para uma expressão que satisfaça a todos os interlocutores.

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 4 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul/
São Paulo: Duas cidades, 2004, p. 169 – 191.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita
(Org.) Campinas, São Paulo: Mercado de letras, 1995. Coleção Letramento, Educação e Sociedade.

LE GOOF, J. História e memória. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

OLIVEIRA, Maria do Socorro. Projetos: uma prática de letramento no cotidiano do professor de língua materna.
Pesquisa de pós-doutorado – IEL/ UNICAMP. 2004 A 2006. Orientação Profª. Dra. Angela B. Kleiman

SANTOS, Maria Raquel Medeiros dos. Minha Infância Minha Vida: Livro de Memórias. Natal: Unigráfica Natal,
2012

315
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CARTA DO LEITOR: UMA ESCRITA PARA ALÉM DA SALA DE AULA

Maria Alcione Gonçalves da Costa 121


Orientadora: Professora Doutora Jaciara Josefa Gomes 122

RESUMO: Ao reconhecer a necessidade e urgência de estratégias que tornem as práticas de


produção textual efetivas, a presente pesquisa apresenta possibilidades do ensino da
produção do gênero – Carta do leitor – para uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental II.
Adotamos como aporte teórico o Interacionismo Sociodiscursivo interconectado com os
estudos de gêneros desenvolvidos pelas tradições sociológicas e retóricas, além dos estudos
sobre letramento. Para tanto, fizemos o acompanhamento de seis alunos da rede pública do
Município de Caruaru a partir da realização de atividades de ensino da produção escrita
(sequência didática), analisando as dificuldades e os resultados alcançados durante o
processo. Com base nos dados coletados, percebemos que é possível se ensinar os gêneros
textuais, inserindo nossos alunos em contextos sociais de uso da língua nos quais eles possam
aprender de forma significativa novos modelos de enunciação, ou seja, novos gêneros
textuais. Além disso, é importante ressaltar que, ao ensinar um gênero, podemos também
ensinar habilidades comunicativas, argumentativas e linguísticas, contribuindo, assim, para a
ampliação do grau de letramento de nossos alunos.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Gêneros textuais. Sequência didática. Letramento
ABSTRACT: Recognizing the necessity and urgency of strategies that make the textual
production practices effective, the present research presents possibilities of the genre
production teaching – Letter to Readers – for a 6th class of Primary School. We adopted as a
theoretical asset the Socio-discursive Interactionism interconnected with the developed genre
studies through the rhetorical and sociological traditions, beyond the studies over literacy.
For this purpose, we have made de follow up of six public school students of the Municipality
of Caruaru from the execution of teaching activities of writing (didactic sequence), analyzing
the difficulties and the outcomes achieved during the process. Based on the data collected, we
realized that it is possible to teach textual genres by inserting our students into social
contexts of the language use in which they can learn in a meaningful way, new models of
enunciation, we mean, new textual genres. Besides, it is important to highlight that by
teaching a genre we can teach communicative, argumentative and linguistic abilities, thus
contributing to the amplification of the degree of literacy of our students.
KEY WORDS: Teaching. Textual genres. Didactic sequence. Literacy

INTRODUÇÃO
O ensino da produção oral e escrita dos gêneros textuais tem despertado o interesse de
estudiosos e de professores de Língua Portuguesa. Isso se deve ao fato de haver um consenso
de que só nos comunicamos por meio dos gêneros (Bakhtin, 2011), assim como ao fato do
processo de ensino/aprendizagem, ainda, apresentar dificuldades que urgem ser superadas.
No que se refere ao terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, percebemos que as
dificuldades do aluno acentuam-se, especialmente, nas práticas de produção escrita de textos
argumentativos. Por isso o foco da pesquisa será o ensino da produção do gênero “Carta do
leitor” com alunos do 6º ano de uma escola pública do município de Caruaru.
Sabemos que os estudos atuais sobre os gêneros textuais são vários e têm ampliado as
discussões sobre o ensino da Língua Portuguesa, porém, diante das dificuldades encontradas
em sala de aula, percebemos que ainda são necessários novos olhares sobre o ensino do

121Mestranda do Profletras da UPE (Campus Garanhuns). Especialista no ensino de Língua Portuguesa. É professora na
Faculdade Maurício de Nassau e na Secretaria de Educação de Caruaru. Email: [email protected]
122Doutora em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também cursou o mestrado em
Linguística. É professora na UPE (Campus Garanhuns) atuando na graduação e no PROFLETRAS (Mestrado Profissional em
Letras/Capes). Também é professora no Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos na Universidade Federal de
Pernambuco. Email: [email protected]

316
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
gênero. Assim sendo, a presente pesquisa pretende estabelecer um elo entre teoria e prática,
apresentando estratégias de ensino da “carta do leitor” a partir da perspectiva dos gêneros
como formas “relativamente estáveis” de enunciados (Bakhtin, 2011) através das quais
participamos das práticas de leitura e escrita com vistas à transformação social. Assim sendo,
dialogamos também com os estudos retóricos de gêneros de Bazerman (2011) e com a
perspectiva do letramento em Soares (2001) como um conjunto de práticas sociais de leitura
e escrita a partir das quais o trabalho pedagógico precisa ser organizado e direcionado, com o
intuito de levar o indivíduo a ampliar o seu grau de letramento. A respeito do ensino dos
gêneros, baseamo-nos na proposta de Dolz e Shneuwly (2011) a qual tem como base o
trabalho com “sequências didáticas”.
Com isso, esperamos apresentar contribuições relevantes para que os professores
possam ressignificar o ensino de produção escrita e os alunos possam produzir
significativamente. Como o gênero Carta do Leitor tem uma essência explicitamente
dialógica, pois estabelece a interação entre sujeitos (leitor-editor) dentro de contextos bem
definidos, buscamos garantir as condições de produção propostas por Geraldi (2013)
necessárias para que o ato de produzir fosse, de fato, uma atividade de produção de sentidos
por sujeitos conscientes de seu papel dentro do processo de interação, assim como incluímos
o contexto de uso do gênero na proposta didática, enviando as cartas para os responsáveis da
revista Ciência Hoje das Crianças a fim de tornar a atividade de escrita efetiva.

1. LEITURA E ESCRITA: PRÁTICAS ESCOLARES DE LETRAMENTO


Os estudos sobre os gêneros textuais e as práticas de leitura e produção textual na escola têm
revelado a necessidade de uma ressignificação do ensino tanto da leitura quanto da produção
textual. As discussões acerca do assunto são múltiplas, dando origem a várias tendências que,
a seu modo, contribuem para essa mudança de postura do professor de Língua Portuguesa,
tais como a Análise do Discurso, a Análise Crítica do Discurso, a Sociolinguística, a
Psicolinguística, a Linguística Textual, entre outras, as quais reforçam a ideia de língua como
interação social. Isso nos leva a perceber o ensino de Língua Portuguesa a partir do texto, ou
melhor, dos gêneros textuais, visto que é através deles que interagimos nas diversas situações
comunicativas. Segundo Bakhtin (2011, p. 262), “[...] cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados [...]”, ou seja, os gêneros são construtos sociais que se materializam nos contextos
de comunicação e que, apesar de apresentarem uma forma reconhecida pelos falantes,
podem sofrer alterações. Ainda segundo o autor, os gêneros são classificados em primários e
secundários, sendo os primeiros mais simples e construídos em situações de comunicação
imediata e os últimos mais complexos e desenvolvidos no convívio cultural desenvolvido e
organizado. Daí entendermos que cabe à escola inserir os gêneros secundários no processo de
ensino, ampliando a grau de letramento de nossos alunos, pois a partir do contato com novos
gêneros, eles poderão participar de práticas novas de leitura e produção textual.
Outra questão relevante para nossa pesquisa é a aceitação de que os gêneros podem ser
sistematicamente ensinados. Por isso, também nos baseamos nos estudos de Dolz e
Schnewuly (2011) que propõem o ensino do gênero textual por meio de sequências didáticas
(SDs), vistas como uma forma de levar os alunos a se confrontarem com práticas discursivas
historicamente construídas (gêneros textuais), fazendo com que eles se apropriem delas em
contextos reais (ou próximos) de comunicação. Além disso, também adotamos a proposta de
agrupamento de gêneros dos referidos autores, enveredando-nos, em especial, no aspecto
tipológico do argumentar, visto que é consenso entre autores tais como Melo (2003) e
Chaparro (1992) o enquadramento da carta do leitor na categoria argumentativa, pois através
dela o leitor expressa sua opinião sobre temas diversos ou sobre a própria revista/jornal.
Assim sendo, resta ao professor, criar estratégias que possibilitem o ensino do gênero em
contexto escolar, tarefa esta que não é fácil, visto que tais gêneros podem não fazer parte do
convívio imediato dos educandos. Além do mais o trabalho com o gênero nem sempre
permite a inserção de seu contexto de uso, sendo necessário, pois, ensiná-lo fora de seu
contexto social o que exige do professor a criação de uma situação comunicativa que torne a
produção significativa e que desperte o interesse do aluno para produzir um texto de certa
forma fictício, ou seja, para um leitor imaginário dentro de um contexto de uso também
317
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
imaginário. De qualquer forma concordamos com Bazerman sobre o fato de que o gênero
“[...] é um meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro
das quais aquelas ações são significativas e motivadoras.” (2011, p. 10). Por isso, se não for
possível agregar o contexto de uso do gênero ao processo de ensino/aprendizagem, faz-se
necessário (re)criá-lo em situações próximas das reais.
No entanto, percebe-se que ao ensinarmos a produção de um gênero, seja em contextos de
uso ou em contextos escolares, precisamos ter definidos os elementos básicos da situação
comunicativa: o que dizer, para quem dizer, por que dizer e como dizer (Geraldi, 2013) além
de motivarmos o aluno a dizer o que tem a dizer ao leitor pretendido por meio do gênero
proposto. Isso significa dizer que ensinar um gênero, além de exigir do professor o
conhecimento do gênero e da metodologia adequada (SD), exigirá a criação de estratégias
que motivem a turma a produzir o texto, adentrando-se na situação comunicativa proposta,
seja ela real ou imaginária, pois só assim o aluno poderá assumir-se como sujeito de discurso.
A respeito da relação entre o locutor e interlocutor na construção dos sentidos de textos,
levamos em consideração os estudos de Marcuschi (2008) que nos revelam que o ato de
compreender não é individual, mas é uma atividade colaborativa.
Um texto bem-sucedido é aquele que consegue dizer o suficiente para ser bem-
entendido, supondo apenas aquilo que é possível esperar como sabido pelo ouvinte
ou leitor. Se o autor ou falante de um texto diz uma parte e supõe outra parte como de
responsabilidades do leitor ou ouvinte, então a atividade de produção de sentido (ou
de compreensão de texto) é sempre uma atividade de co-autoria.(2008, p. 241)
Dessa forma, percebe-se que a relação autor-leitor é ativa, visto que ambos participam do
processo de construção de sentidos, por isso reafirmamos a importância do professor, no
processo de ensino de um gênero, definir bem a situação comunicativa, possibilitando ao
aluno assumir uma postura consciente no ato de produção, levando em conta a colaboração
do leitor. A situação comunicativa aqui é vista como “conjunto de condições situacionais não
enunciadas que determinam em parte o sentido do ato de linguagem e que fariam deste um
objeto de troca contratual entre as duas partes envolvidas.” (Charaudeau, 2010, p. 7), ou seja,
é através da situação comunicativa que o produtor do texto dialoga com seu interlocutor e
ambos produzem os sentidos. Eis, portanto, um dos grandes desafios do professor de Língua
Portuguesa: criar uma situação comunicativa para a produção textual do gênero em que o
aluno se envolva de tal forma que assuma a posição de sujeito consciente do ato de dizer, ou
seja, reconheça o propósito da ação comunicativa, pensando no leitor pretendido.
Dessa forma, percebe-se claramente que o ensino do gênero textual precisa estar voltado para
práticas sociais de uso da leitura e da escrita, isto é, para práticas de letramento. Sendo
importante ressaltar que o letramento, como afirma Soares (2001, p. 44) “[...] é o estado ou
condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita”,
isto é, o letramento é mais que a aquisição da tecnologia da leitura e da escrita, é a
capacidade de, após o domínio dessa tecnologia, poder usá-la de forma consciente em
contextos diversos. Assim, ao ensinarmos um gênero textual, estamos ensinando o aluno a
usar a leitura e a escrita e quando conseguimos inserir essas práticas em contexto reais,
ressignificamos ainda mais o ensino da Língua Portuguesa, pois acreditamos ser a prática da
leitura e da escrita um importante instrumento para a formação de sujeitos críticos e
atuantes na sociedade. A respeito do ensino dos gêneros, Bazerman afirma que
Cabe a nós, professores, ativarmos o dinamismo da sala de aula de forma a manter
vivos, nas ações significativas de comunicação escolar, os gêneros que solicitamos aos
nossos alunos produzirem. Isso pode ser feito, tomando-se como base a experiência
prévia dos alunos com os gêneros, em situações sociais que eles consideram
significativas, ou explorando o desejo dos alunos de se envolverem em situações
discursivas novas e particulares, ou ainda tornando vital para o interesse dos alunos o
terreno discursivo que queremos convidá-los a explorar. (2011: 30)

Dessa forma, percebemos que, ao ensinarmos um gênero, precisamos criar estratégias que
motivem o aluno a se disporem a aprendê-lo. Sendo que tais estratégias devem levar em
consideração a relevância do gênero para a vida do aluno seja em relação a suas experiências
prévias ou em relação a situações com as quais eles poderão se deparar. Portanto, não só é
possível ensinar os gêneros textuais, como se faz necessário que o aluno esteja inserido em
situações reais de comunicação que lhe revelem as possibilidades de produção de sentidos.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
2. O ENSINO SISTEMÁTICO DO GÊNERO CARTA DO LEITOR: UMA ANÁLISE
DO PROCESSO DE PRODUÇÃO ESCRITA
A nossa pesquisa, que se caracteriza como qualitativa por fazer uma descrição e compreensão
do processo de ensino-aprendizagem do gênero “carta do leitor” desenvolvido com um grupo
de seis alunos do 6º ano da Escola Municipal Professor Luiz Pessoa em Caruaru, tem como
corpus um conjunto de atividades (sequência didática) elaborado e aplicado com os referidos
alunos, através do qual se apresentam os avanços e as dificuldades apresentadas durante as
etapas do processo de ensino do gênero proposto, assim como as intervenções realizadas.
Para o desenvolvimento do trabalho, escolhemos a revista Ciência Hoje das Crianças (CHC)
como referencial para a leitura e escrita do gênero textual “carta do leitor”. Essa escolha deve-
se ao fato de que a escola tem a assinatura da revista, CHC, além do mais a revista atende ao
público alvo de nossa pesquisa.
No desenvolvimento das atividades de ensino da produção do gênero carta do leitor,
seguimos as etapas propostas por Dolz e Schnewuly
Após uma apresentação da situação na qual é descrita de maneira detalhada a tarefa
de expressão oral e escrita que os alunos deverão realizar, estes elaboram um
primeiro texto inicial, oral ou escrito, que corresponde ao gênero trabalhado, é a
primeira produção. Essa etapa permite ao professor avaliar as capacidades já
adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na sequência às
possibilidades e dificuldades reais de uma turma. Além disso, ela define o significado
de uma sequência para o aluno, isto é, as capacidades que deve dominar para melhor
dominar o gênero de texto em questão. Os módulos, constituídos por várias
atividades ou exercícios, dão-lhe os instrumentos necessários para este domínio [...].
No momento da produção final, o aluno pode pôr em prática os conhecimentos
adquiridos e, com o professor, medir os progressos alcançados. (2011, p. 84)

No entanto, antes da introdução da situação comunicativa, aplicamos um questionário por


escrito para fazermos um levantamento prévio do conhecimento que os alunos possuíam
acerca da revista, do gênero textual e do tema do artigo escolhido para leitura. Com isso,
percebemos que o conhecimento deles a respeito da revista e do gênero era pouco: dos seis
alunos, três não conheciam a revista e apenas um afirmou conhecer a carta do leitor.
Após a aplicação do questionário demos início à aplicação da sequência didática a qual foi
realizada em cinco encontros e apresentou as seguintes etapas: primeira produção, conjunto
de atividades sequenciadas com intenções específicas de ensino-aprendizagem a partir das
dificuldades apresentadas pelos alunos (apresentar a organização composicional do gênero
carta do leitor, ampliar a competência argumentativa do aluno para avaliação do artigo lido e
da própria revista, refletir sobre questões relacionadas ao conhecimento ortográfico) e, por
fim, a última produção, que consistiu na reescrita do texto inicial, fazendo as adequações
necessárias, visto que as cartas seriam enviadas para os editores da CHC, podendo, assim,
serem escolhidas para a publicação na próxima edição.
No primeiro encontro, buscamos criar a situação inicial para a atividade comunicativa, por
isso o primeiro passo da atividade foi a leitura do artigo “por que o leite materno é
importante?” publicado na revista Ciência Hoje das Crianças n° 249, que serviu de base para
a produção inicial. No entanto, antes da leitura, perguntamos aos alunos o que eles sabiam a
respeito da importância do leite materno e percebemos que eles traziam algumas
informações a respeito do tema tais como: “porque ajuda o bebê a ficar forte”, “porque é
saudável”. Após a discussão, fizemos a leitura coletiva do artigo, ampliando o saber dos
alunos sobre o tema e em seguida solicitamos a produção da carta para os editores da revista,
avaliando o artigo lido. Com isso, criamos a situação comunicativa, apresentando as
condições de produção: o que dizer, para quem dizer e por que dizer propostas por Geraldi
(2013). Não apresentamos a condição do “como dizer”, que seria o estudo do gênero, porque
nossa intenção era saber a representação que os alunos tinham desse modelo textual, ou seja,
ao produzir uma primeira versão da carta sem ter tido o contato prévio com textos do gênero,
os alunos iriam revelar os conhecimentos que tinham sobre a estrutura formal e sobre o
propósito comunicativo da carta do leitor.

319
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ao analisar a primeira produção, pudemos perceber que a representação textual do gênero
carta do leitor dos alunos era pouca e bem mais próxima da representação do gênero “carta
pessoal” (quatro alunos começaram o texto, colocando na margem direita o local e a data),
sendo importante ressaltar que o fato dos alunos não estarem familiarizados com a revista,
nem com o gênero dificultou a produção discursiva. Assim sendo, três alunos fizeram um
resumo geral do artigo lido sem se posicionar diante do tema, ou seja, não assumiram a voz
de sujeitos do ato de dizer, ou melhor, do ato de avaliar o artigo lido de forma argumentativa,
nem estabeleceram diálogo com os editores da CHC.

Vejamos a primeira produção de dois alunos:


Texto 1

Texto 2

Ao analisar os dois textos acima, percebemos que propósito comunicativo não corresponde
ao propósito do gênero carta do leitor, visto que os autores não estabeleceram uma
comunicação explícita com o leitor (editores). O texto 1, embora apresente a marca formal de
local e data é, na verdade, um resumo das principais ideias do artigo lido, no qual a aluna
seleciona informações sobre os benefícios do leite materno e conclui afirmando que “o leite
materno é muito importante para o bebê”. O texto 2 não é muito diferente, pois o aluno já
inicia dizendo que vai falar sobre o que entendeu da leitura do artigo, revelando assim que a
sua compreensão não corresponde ao que foi solicitado – estabelecer comunicação com os
editores, avaliando o artigo lido. Sendo importante ressaltar que ele apresenta as informações
em sequências, predominantemente, expositivas.
No segundo encontro, levamos exemplares da revista CHC e solicitamos que os alunos a
folheassem, lendo os textos que achassem interessantes. Esse momento foi essencial para que
320
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
os alunos pudessem conhecer melhor o suporte. Após o contato inicial com a revista,
direcionamos a análise do gênero carta do leitor a partir dos textos presentes na sessão das
cartas. Cada aluno foi convidado a escolher a carta que mais despertou sua atenção e realizar
a leitura coletivamente. Em seguida, entregamos a primeira produção realizada por eles para
que pudessem compará-la com a carta escolhida, analisando as diferenças e semelhanças
encontradas entre elas. Durante a execução da atividade, os próprios alunos perceberam
detalhes da organização composicional do gênero carta do leitor, tais como: o título e a
identificação do autor da carta. As partes da carta que os alunos não identificaram (saudação,
vocativo, assunto/finalidade, despedida) foram problematizadas em sala, possibilitando,
pois, a representação completa do gênero. Ainda nesse encontro, os alunos fizeram a
reescrita da carta, buscando atender à modalidade do gênero. O resultado foi muito
satisfatório, pois os alunos revelaram ter construído uma nova representação do gênero.
Assim, percebemos que a leitura do gênero deve ser uma atividade anterior à sua produção,
porém esse contato inicial não é suficiente para a aprendizagem do gênero, ou seja, ler cartas
de leitor não garante que o aluno seja capaz de produzi-las; é preciso que o professor conheça
bem o gênero para, de forma consciente, direcionar o seu ensino, levando o aluno a perceber
sua organização composicional e seu propósito comunicativo, conhecimentos fundamentais
para que possam assumir-se como sujeitos do discurso e desenvolvê-lo a partir de modelos
representativos já conhecidos.
No terceiro encontro, buscamos desenvolver a competência argumentativa dos alunos a
respeito do artigo lido, por isso fizemos a releitura do texto e cada aluno foi levado a dizer o
que achou do artigo, argumentando. Em seguida, eles fizeram uma atividade escrita de
leitura e interpretação do artigo na qual retomamos informações relevantes sobre o assunto
“a importância do leite materno”.
No quarto encontro, foi feita uma reflexão sobre o uso do S e do SS em contextos regulares,
tais como a desinência verbal de subjuntivo “sse” “ssem” e a representação fonética das letras
S e SS entre vogais. Sendo a primeira representada por [Z] e a segunda por [S]. Essa análise
foi motivada pelos erros ortográficos cometidos pelas crianças na primeira produção e na
reescrita tais como “necesarios”, “colocace”, “puplicasem”. É importante ressaltar que o
trabalho com a produção escrita de gêneros textuais torna-se importante instrumento para o
professor levar os alunos a refletirem sobre regularidades ortográficas de nosso sistema de
escrita, sobre a pontuação, sobre a sintaxe, enfim, sobre a gramática de nossa língua, pois na
produção escrita os alunos revelam desvios do padrão da língua diversos que podem ser
analisados de forma crítico-reflexiva.
No quinto e último encontro solicitamos que os alunos reescrevessem a carta, fazendo as
adequações necessárias para isso fizemos um cartaz no qual enumeramos os pontos a serem
observados por eles (organização composicional do gênero, argumentação e o uso das letras S
e SS) os quais foram foco das atividades realizadas em sala.
Vejamos as duas produções de uma das alunas:

Primeira produção

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Produção final

Nome da aluna e endereço postal

É notável a mudança realizada pela aluna, especialmente, no que se refere à organização


composicional do gênero e, consequentemente, ao propósito do ato comunicativo, pois na
produção final percebemos que a aluna assume-se como sujeito da ação comunicativa,
revelando uma intenção explícita – dialogar com os editores da revista – além de apresentar
uma avaliação sobre o artigo.
Portanto, verificamos que é possível, sim, ensinar-se um gênero textual em contextos
escolares, visto que, ao compararmos as produções iniciais e finais dos alunos, podemos
perceber o quanto a representação do gênero foi ampliada de forma que todos os seis alunos
revelaram o domínio, especialmente, da organização composicional – foco central de nosso
trabalho. Isso se deve ao fato de que, ao sistematizarmos o ensino do gênero a partir da
proposta da Sequência Didática (SD), criamos possibilidades de aprendizagem de habilidades
de escrita do gênero tais como: o reconhecimento da organização composicional da carta do
leitor, o desenvolvimento da argumentação na avaliação do artigo e da revista, a reflexão
sobre regularidades ortográficas e o reconhecimento do propósito comunicativo, permitindo
que os alunos refletissem sobre a escrita, assumindo-se como sujeitos sociais dentro do
contexto discursivo bem definido. Assim, percebemos que a proposta de ensino do gênero
teve grande relevância para a formação cidadã dos alunos, pois lhes permitiu participar de

322
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
práticas reais de leitura e escrita de um gênero “novo” a partir do contato com o
suporte/revista, ampliando, assim, o grau de letramento deles.

CONCLUSÃO
A partir do trabalho desenvolvido, percebemos que as práticas de leitura e escrita realizadas
na escola, especialmente, nas aulas de Língua Portuguesa, quando bem fundamentadas e
direcionadas, podem contribuir para a ampliação do grau de letramento de nossos alunos,
pois à medida que introduzimos um gênero novo nas práticas escolares de leitura e escrita,
estamos, na verdade, possibilitando ao aluno a participação efetiva em práticas sociais de
leitura e escrita. Além do mais, estamos contribuindo para a formação de sujeitos críticos e
atuantes, pois como afirma Soares “[...] fazer uso da leitura e da escrita transformam o
indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social,
cultural, cognitivo, linguístico, entre outros” (2001, p. 38). Assim, reafirmamos a ideia de que
a escola é um importante espaço de ampliação do grau de letramento de nossos alunos, pois
através de práticas de ensino de leitura e escrita, o professor poderá inserir o aluno em novos
contextos de comunicação, além de contribuir para a sua (trans)formação.
No entanto, para que isso possa de fato acontecer, não se pode desvencilhar o ensino da
leitura e da escrita da perspectiva dos gêneros, pois como afirma Marcuschi, “os textos
sempre se realizam em algum gênero textual [...] E cada gênero tem maneiras especiais de ser
entendido [...]” (2008, p. 243). Dessa forma, evidencia-se que o ensino dos gêneros é
imprescindível, visto que é por meio deles que interagimos com o outro e mais, cada gênero
possui especificidades próprias que precisam ser conhecidas pelos usuários da língua, para
que eles possam, de fato, produzir sentidos seja na leitura seja na escrita. Sem falar que uma
prática pedagógica verdadeiramente significativa precisa superar as práticas tradicionais e
fracassadas de ensino da escrita, nas quais os alunos não conseguem se envolver por diversos
motivos: o leitor dos textos, muitas vezes, é apenas o professor; o ato de escrever perde sua
essência dialógica e passa a ser meramente uma tarefa escolar; o gênero não é ensinado de
maneira contextual, ou seja, não se (re)cria situações comunicativas próximas às situações de
uso. Com isso, afirmamos que as práticas de leitura e escrita realizadas na escola precisam
ultrapassar os muros da sala de aula e alcançar as práticas sociais para que, assim, o aprender
seja uma prática estimulante e, especialmente, significativa para aos alunos.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do jornalismo. São Paulo: Summus, 1992.
CHARAUDEAU, Patrick. Um modelo sócio-comunicacional do discurso: entre situação
de comunicação e estratégias de individualização. In. STAFUZZA, Grenissa; PAULA, Luciana de (org.). Da
análise do discurso no Brasil à análise do discurso do Brasil. Uberlândia: Edufu, 2010.
DOLZ, J, NOVERRAZ, N. e SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um
procedimento. In. DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas, SP:
Mercado das Letras, 2011, pp. 81-108.
GERALDI, J. Wanderley. Portos de passagem. 5. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes: 2013.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. São Paulo: Mantiqueira, 2003.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, SP:
Parábola, 2008.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REPRESENTAÇÃO DOS BICHOS NA POESIA POPULAR DESTINADA ÀS
CRIANÇAS

Morgana de Medeiros Farias 123

RESUMO: A literatura popular explicita genuinamente o espírito de um povo e o seu modo


de viver. Muitos podem ser os temas abordados por essa vertente literária, dentre eles,
aqueles que são voltados ao público infantil. A partir dessas assertivas, adentraremos à
poesia popular, que representa a infância através de bichos, seres encantados, entre outros.
Examinaremos de que forma o tema dos bichos é abordado na antologia de poesias infantis
“Pássaros e bichos na voz de poetas populares”, observando aspectos que compõem o
mundo desses escritos.

Palavras-chave: Literatura popular. Literatura infantil. Bichos. Fantasia.

ABSTRACT: The genuinely popular literature explains the spirit of a people and their way of
living. Many topics can be addressed by this literary aspect, among them, those that are
geared to children. From these assertions, enter to popular poetry, representing infancy
through animals, faeries, among others. Examine how the theme of animals is covered in the
anthology of children's poetry "Birds and animals in the voice of popular poets," noting
aspects that make up the world of those writings.

Keywords: Folk Literature. Children's literature. Animals. Fantasy.

INTRODUÇÃO

Quem esteve inserido, há muitos anos, no âmbito rural ou em pequenas cidades e povoados
do interior do Nordeste, provavelmente teve acesso a uma belíssima experiência com a poesia
popular oral, essa que, como o próprio nome já diz, emana do povo, da vivência diária dessas
pessoas com os diversos elementos que compõem suas vidas. Normalmente, vendedores de
folhetos, repentistas, emboladores de coco, entre outros artistas, estão sempre enaltecendo
essa cultura de gente simples e pobre, mas que não deixa a desejar em relação às outras
quanto à emoção que é capaz de provocar em diferentes povos.
Se nos voltarmos para o lado das crianças, também encontraremos escritos populares de
muita qualidade para os pequenos, sobretudo poesias. A poesia popular destinada a meninos
e meninas representa de forma muito bonita os bichos que fazem parte da nossa fauna.
Frequentemente, na obra poética para as crianças, encontramos estrofes compostas por seis
versos (sextilhas). Esses poemas revelam aspectos como sonoridade, fantasia poética, humor,
inventabilidade e a originalidade inerente aos nossos poetas.
Lamentavelmente, com o passar dos anos, a escola apagou essa vivência com a literatura
popular, já que a mesma não é tida por muitos, até hoje, como uma leitura de valor. Assuntos
relacionados à estética são transformados em preconceito, este que leva as obras de muitos
autores para a margem da literatura brasileira. Essas experiências artísticas são deixadas de
lado, já que a literatura erudita é considerada como uma produção superior, esteticamente
falando. Muitos estudiosos e professores deixam a vertente popular longe do ensino de
literatura.

123Estudante concluinte da graduação de Letras, vinculada à Universidade Federal de Campina Grande, campus I - situado
nesta mesma cidade - com habilitação em Língua Portuguesa. Monitora da disciplina Introdução à Linguística pelo segundo
semestre consecutivo – 2013.1/2013.2. Desenvolve pesquisas relacionadas à área de Literatura Infanto-juvenil. E-mail:
[email protected]
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Levando em consideração os fatos discorridos, essa pesquisa tem por intenção mostrar uma
parte dessa vertente de escritos populares – a poesia popular destinada às crianças -, com
ênfase na forma como os bichos são mostrados ao público infantil. Aproveitando o ensejo,
podemos afirmar o quanto essa literatura é bonita e que ela poderia ser trabalhada nas
escolas ou em qualquer outro segmento, a fim de torná-la acessível a todos, pois ao contrário
do que muitos pensam, esses escritos alcançam um nível estético de construção muito
superior.
A obra que será analisada denomina-se “Pássaros e bichos na voz de poetas populares”, uma
antologia que contém poesias de variados escritores como Manoel Xudu, Manoel Filó,
Antônio Lucena, Pedro Costa, Zé Vicente e muitos outros, organizada pelo professor da
Universidade Federal de Campina Grande, Hélder Pinheiro. De acordo com os objetivos
encontrados nessa antologia, o livro foi idealizado com o intuito de partilhar da alegria que
acompanha os admiradores da poesia popular, sempre que leem esses poemas. Sendo assim,
as famílias podem viajar junto com suas crianças pelas belas criações dos nossos poetas.
Com essa análise, que é de cunho bibliográfico, tendemos, entre outras coisas, a fazer uma
ligação entre os bichos que encontraremos no decorrer da obra e a fantasia, esta que é de
suma importância para a construção do imaginário infantil. Veremos, então, que o
imaginário é um forte impulsionador do real e, deste modo, leva a criança ao progresso, ao
desenvolvimento, pois, assim, ela cultiva a sua inteligência, a sua sensibilidade, sentimentos
que frequentemente estão em falta no mundo em que nos encontramos. Ao se trabalhar a
fantasia com responsabilidade, os pequenos não serão alienados, mas aprenderão a driblar –
brincando – as verdadeiras dificuldades do seu cotidiano.

I – PONDERAÇÕES ACERCA DA POESIA INFANTIL

Quando nos deparamos, no território brasileiro, com algumas obras relacionadas à poesia
para crianças, percebemos que muitos dos poetas que compõem essas obras têm como
parâmetros os escritos da literatura popular. A linguagem utilizada nessas produções, seus
temas, sua sonoridade, chama a atenção do público infantil, que se adapta pouco a pouco ao
que lê/ouve. Para Bordini (1986:42)“Trata-se da poesia infantil de origem popular, cuja
autoria desapareceu da memória popular coletiva e que se transmite (ou se produz) nas
classes sociais dominadas, espelhando seus interesses postergados”.
Segundo Alves (2008: 35) “Adivinhas, parlendas, provérbios, ditos populares são, muitas
vezes, pontos de partida de importantes poetas para a criação de seuspoemas”.Porém,
paradoxalmente, alguns pedagogos sustentaram a opinião de que as crianças não estavam
aptas a compreenderem a poesia, portanto, ela devia ser limitada no âmbito escolar. Os
exemplos elencados pelo autor citado acima são provas cabais de que a poesia sempre fez
parte do nosso cotidiano, embora não fosse com essa denominação específica. Quem nunca
ouviu um “causo” contado em versos por algum familiar geralmente proveniente da zona
rural? São situações como essas que aproximam as pessoas da poesia sem sequer elas
sentirem.
É errôneo pensar que a capacidade de entendimento das crianças não é tão evoluída, pelo
contrário, muitas delas são capazes, inclusive, de criarem seus próprios poemas. Sosa (1978:
179) nos esclarece que

Há muitas experiências modernas comprobatórias de que, no atinente à expressão da


criança, sua poemática é extraordinariamente rica; de que ela é capaz de traduzir os
matizes mais delicados do espírito humano, em seus volteios e imagens exatas, e nem
sequer lhe falta originalidade quanto à forma, porque a criança, assim como o
primitivo que pensava por imagens e não por raciocínios, é direta na transcrição de
suas emoções.

A poesia, devido às rimas que possui, pode ser facilmente memorizada. O ouvido das crianças
é agradavelmente embalado pelo compasso dos versos, pela sua harmonia e pela própria
qualidade dos sons.
É do conhecimento de muitos que a poesia foi banida da escola porque a julgaram através de
um critério utilitarista que se perpetuou por muitos anos no ensino. O conteúdo que não
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
possuísse um viés que pudesse “preparar o aluno para a vida”, não faria parte do currículo
escolar. Atualmente, mesmo que não haja mais esse pensamento, há diferenças entre as
finalidades propostas por quem ensina e os objetivos dos alunos em relação ao tema. É bom
que o professor possa aproximar a criança da arte.
As crianças, sabendo que a imagem que traziam com ela e que a escola consegue
verter em linguagem trivial adulterada é moeda com grande valor de troca, afirmam-
se nela e procuram animar o que as cerca, hierarquizando formas, fatos e coisas de
maneira admirável. Porque – e antes de tudo – a criança tem uma alma poética. E é
essencialmente criadora. (SOSA, 1978: 182).

O valor educacional que a poesia possui é intrínseco. Elementos como o ritmo e a forma dos
versos, recorrem à imaginação, mas também a outros meios psíquicos que tornam a
sensibilidade infantil uma constante. Por esses fatos elencados, a poesia destinada às crianças
não deve possuir um cunho moral ou especulativo, mas deve ser generosa, de linguagem
bonita, que seja capaz de emocionar autenticamente as almas desses pequenos seres. Desse
modo, pode-se criar na fria classe escolar, uma atmosfera poética, esta que se projetará nos
alunos sem penas ou angústias.

II – O POPULAR E O INFANTIL

Se formos partir para uma investigação relacionada à literatura popular, sobre o que é ou a
quem é destinada, uma boa ideia seria começar analisando a sua própria denominação. O que
é popular? Utilizando-se de um significado simples, podemos dizer que é aquilo que diz
respeito ao povo. Desse modo, a literatura popular, de forma espontânea, exprime o espírito
de muitos povos, como suas crenças, seus valores tradicionais, seu viver histórico, entre
outras coisas.
Nesse sentido, a literatura popular assume uma relação muito próxima com a literatura oral,
já que muitos dos autores que compõem essa modalidade literária, também se expressam
através de repentes, de rimas e outros. Essa literatura é composta pelo povo e para o povo, e
se opõem, portanto, à literatura erudita, que é fruto de uma cultura letrada. Por esse fato, os
escritos formados através desse viés popular, foram, por muito tempo, relegados à
marginalização, pois se acreditava que eram de pouca qualidade e, portanto, eram deixados
de lado, talvez por ser produzida por pessoas simples, humildes, sem alto grau de estudo.
Partindo de um conceito geográfico, vemos que a literatura popular é mais valorizada na
região Nordeste, onde se encontram com mais frequência pessoas que são possuidoras de um
espírito que representa a cultura viva de um povo. Só que, mesmo nessa região, os estudos
relacionados ao popular ainda são tratados com descaso, não é dado a eles o devido valor.
Muitos estudiosos renegam a literatura popular como uma representação da cultura de um
povo. Esse fato pouco a pouco vai sendo desconstruído, pois, com todo o preconceito que
ainda existe por parte de muitos que compõem e admiram a cultura erudita, a cultura
popular está sendo inserida no âmbito das universidades, das escolas e, dessa forma, se
chagará a um ponto comum: a sua valorização.
Ao levarmos em consideração o percurso histórico da literatura desde as suas abordagens no
passado, veremos que não havia uma literatura destinada às crianças, elas observavam a arte
do mundo adulto. Com o passar do tempo, foi criado um caminho dentro daquilo que era
destinado aos adultos e, nesse caminho, figurava a literatura infantil, que nasceu através dos
contos populares para crianças.

Dentre os fatores que podem ser apontados como comuns às obras adultas que
falaram (ou falam) às crianças, estão os da popularidade e os da exemplaridade.
Todas as que se haviam transformado em clássicos da literatura infantil nasceram no
meio popular (ou em meio culto e depois se popularizaram em adaptações). Portanto,
antes de se perpetuarem como literatura infantil, foram literatura popular.
(COELHO, 2000: 41).

Opondo a literatura popular e a infantil e, ao mesmo tempo, investigando a identidade entre


elas, podemos inferir que o que mais aproxima as duas é o fato de ambas conhecerem a
realidade através da sensibilidade e da emoção, diferente do que acontece com a literatura
326
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
mais culta destinada aos adultos, que convoca o racional, a inteligência e o intelectual. Por
isso, o popular e o infantil se sentem atraídos pelas mesmas realidades.
Dentro dessas manifestações populares está a poesia infantil, que resgata, tanto no plano
semântico, quanto no fônico, a poesia popular. Verificamos que nas cantigas de roda,
cantigas de ninar, parlendas e advinhas estão inseridas as propriedades específicas dessa
poesia, como sonoridade, ritmo e temas fantásticos que juntos constituem, na maioria dos
casos, uma linguagem simples e acessível aos pequenos.
O procedimento que leva os bebês a iniciarem a degustação poética começa justamente
através das canções de ninar, que os tranquiliza tanto, ao ponto de fazê-los dormir.

Sua mente, ainda indiferenciada para a generalidade dos processos psíquicos, mais
ou menos complexos, do entendimento, prende-se, no entanto, ao som produzido
pelas palavras cantadas, encadeadas aos clássicos estribilhos onomatopaicos, e assim
ela sente o gozo puro mais da música, do que das palavras. (SOUSA, 1978: 184).

A partir desse contato com a sonoridade, as crianças podem, se direcionadas a isso, ser
admiradoras da poesia. Assim, elas passam por um constante aprendizado e uma longa
experiência poética. O poema cantado ou o canto em forma de poema, num brincadeira de
roda, ou em outro momento, pode ser transmitido de geração para geração.
Desse modo, se aproximarmos as crianças da literatura infantil, ela estará próxima também
da literatura popular, já que uma linha muito tênue separa essas duas produções. É
importante que os nossos meninos e meninas tenham esse contato com a leitura sem
pararem para pensar naquilo que é mais difundido, como uma literatura de maior qualidade,
o que é o caso da literatura clássica, dos contos de fadas. O viés popular também tem muito a
mostrar, é possuidor de muitas qualidades, inclusive estéticas e, também por esse fato, não
deve ser esquecido.

III – A PRESENÇA DOS BICHOS NA POESIA POPULAR

Chegamos ao ápice, ao ponto proposto por este trabalho, que é ver como os bichos são
abordados na obra Pássaros e bichos na voz de poetas populares. Começamos fazendo
alguns questionamentos: porque pensarmos na presença dos bichos nas poesias populares
para crianças? Ora, há algo que chame mais a atenção dos nossos pequenos do que a vida
animal? Quem nunca se deparou com uma criança imitando bichos ou até dizendo que é um
deles? Pois é, esses são fatos recorrentes na infância. Ademais, nós possuímos uma fauna
bastante diversificada, logo, há muitos bichos a serem imitados e admirados, cada um com
sua peculiaridade.
Gostaríamos de ressaltar que as poesias que serão demonstradas são sextilhas, todas falando
sobre os animais. Também poderemos notar que todos os versos são compostos por
redondilhas maiores, ou seja, são de sete sílabas poéticas, algo que lhes atribui uma
musicalidade bastante agradável. Para Alves (2008: 39) “O esquema rítmico é quase sempre
o mesmo: versos de sete sílabas com a primeira acentuação variando entre a segunda e a
quinta tônica, e a última sempre na sétima sílaba. Quanto às rimas, predomina o esquema:
ABCBDB 3. Ou seja, rimam os versos 2, 4 e 6”.
Analisando as vontades infantis, poderíamos afirmar que esses pequenos seres projetam suas
vontades nos animais. Que criança nunca imitou um porco, por exemplo? Será que a imitação
é somente pelo animal, por ele muitas vezes ser mostrado como fofinho? Um porco não
escova os dentes, não tem hora para tomar banho, não obedece às ordens da mamãe. Isso
seria uma boa para qualquer criança, não? Concordando com Held (1980: 105), podemos
afirmar que “Se o animismo infantil personifica a pedra, a planta, o astro, o objeto inerte
fabricado pelo próprio homem, sua predileção – isso foi dito muitas vezes – é pelo animal:
sonho longínquo, sonho ancestral de fundir-se com ele (...)”.
Os animais alados: pássaro e insetos

Voltando agora as nossas atenções para a obra supracitada, analisaremos algumas poesias e a
representação dos bichos nelas inseridas. A primeira delas é atribuída ao poeta Jô Patriota e
denomina-se “O ninho da rolinha”.
327
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
No Moxotó, a rolinha
Voa sem saber pra onde,
Não pode fazer seu ninho,
As árvores têm mais fronde
E às vezes busca refúgio
Onde o gavião se esconde. (p. 11).

Nessa poesia, podemos ver a presença de um pássaro bem comum e facilmente encontrável
na região Nordeste: a rolinha. Podemos perceber que o passarinho está buscando um lugar
para fazer seu ninho nos ramos das árvores e, já que se vê sem rumo, busca abrigo onde o
gavião se esconde.
Os pássaros, assim como outros animais alados, chamam a atenção dos pequenos devido a
sua capacidade de voar, esta que lhes atribui uma forte ideia de liberdade. Segundo Held
(1980: 114), “Para a criança, a ave também está próxima. Está carregada de sonhos. Encarna
a nostalgia de voar. A partir do momento em que a criança se expressa, aparecem numerosos
textos que testemunham familiaridade, desejo de projeção, de assimilação a esse mundo
alado”.
A própria figura do passarinho, um bicho pequeno, bonitinho, fofo, é uma imagem delicada,
bonita de se ver ou ser imaginada. Na poesia, vemos esse bichinho buscando um lugar para
construir sua casa. No segundo verso “Voa sem saber pra onde”, reafirmamos a ideia de
liberdade passada às crianças através do que podem fazer esses animais com as suas asas. Ir
sem querer saber para onde está indo, sem precisar dar satisfações é um desejo que muitos
adultos, inclusive, desejam realizar. O poeta popular narra o que acontece com a rolinha
como se estivesse perto dela, vendo o que lhe ocorre.
Para Alves (2008: 39) “Um aspecto curioso, ligado às relações, diríamos familiares entre os
animais, e que comparece em muitas sextilhas populares, são os cuidados dos bichos para
com suas crias”. Pensando por essa perspectiva, mostraremos outra poesia de Manuel Xudu,
que fala das galinhas:
A GALINHA

Uma galinha pequena


Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem sem força
O bico do pinto novo. (p. 6).

A poesia em questão mostra a galinha de uma forma muito bonita: no momento em que
auxilia os seus filhotes a virem ao mundo. O autor aborda o fato do animal, mesmo sendo
pequeno, conseguir ser forte quando solicitado. Essa sextilha demonstra a percepção do
poeta diante do caráter protetor dos animais, da atenção que eles destinam às suas crias.
Através da leitura, essa percepção relacionada ao cuidado é aguçada, implica em uma
observação detida da natureza. As crianças apreciam muito o que diz respeito a esse meio
natural.
Levando em consideração o aspecto sonoro do poema, destacamos três versos: o segundo, o
quarto e o sexto. As palavras que os encerram são sempre terminadas em “ovo”: comovo, ovo
e novo. Em termos de sonoridade, vemos que há uma ênfase no plano temático da poesia,
que é o cuidado da galinha com o ovo no momento em que nasce o seu pintinho. O poeta está
sempre falando nisso, mesmo que indiretamente, com a palavra inserida em outras.
Concluindo essa parte destinada às aves, mostraremos uma poesia que fala de um passarinho
muito bonito, comum na América do Sul e, portanto, no Brasil e nas terras do Nordeste.
Estamos falando do sabiá, ave de um canto muito bonito. O poeta Biu Gomes retrata
lindamente o cotidiano dessa ave.

328
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O SABIÁ

O sabiá do sertão
Faz coisa que me comove:
Passa três meses cantando
E sem cantar passa nove
Como que se preparando
Pra só cantar quando chove. (p. 12).
Novamente, temos a impressão de que o autor está próximo da natureza, observando o que se
sucede com a vida cotidiana dos animais. Nós temos uma imagem perfeita desse pássaro
através da poesia acima, pois vemos a sensibilidade inserida nela. A felicidade do passarinho
quando a chuva se aproxima é tão forte, que ele canta. Quando passa esse momento, ele se vê
calado. São acontecimentos da natureza que inspiram beleza por todos os lados.
Alves (2008: 42) afirma que “Neste cordel o poeta popular revela toda sua fantasia poética,
além de dialogar com poemas importantes de nossa tradição cultural, como “Canção do
exílio”, de Gonçalves Dias”. Aqui, o poeta popular é comparado a um autor consagrado
nacionalmente, e nós podemos inferir disso que a qualidade dos seus escritos não deixam
mesmo a desejar em termos temáticos ou estruturais.
Ainda acompanhando os animais que voam, dessa vez os insetos, podemos elencar mais dois
poemas dessa antologia: o primeiro do poeta Manuel Xudu e o segundo do poeta Odilo Nunes
de Sá.

BORBOLETAS

As borboletas azuis
Que vivem na capoeira
Têm as vestes parecidas
Com as das misses trigueiras,
Sem comprar nada na loja
Nem pagar à costureira. (p. 14).

De acordo com um pensamento de Alves (2008: 40) “A contemplação da beleza dos animais
comparece também em diversos poemas. Neles parece haver embutido um desejo de viver
fora dos ditames do mundo do consumo e das aparências, num estado que poderíamos
denominar contemplativo”.
Poucas coisas com as quais temos contato em nossas vidas possuem a sutileza de uma
borboleta. Essa beleza inerente a essa espécie deve mesmo ser mostrada e, como bem falou o
autor citado acima, contemplada. As crianças precisam, desde pequenas, ter contato com o
que há de bonito no mundo. Essa poesia é muito delicada, rica de significados. As borboletas
são comparadas às misses, pois possuem igual formosura.
Na segunda poesia, outros bichos diferentes das rolinhas e das borboletas, também possuem
igual encantamento quando são observados de perto. Estamos, dessa vez, falando da espécie
dos insetos. Vejamos o poema:

PIRILAMPOS

Centenas de pirilampos
Que se espalham na amplidão,
Parecem bando de loucos
Com lanterninhas da mão
Iluminando os caminhos,
Sem saber aonde vão. (p. 24).
Nessa sextilha que fala dos pirilampos, há, igualmente, belos detalhes a serem vistos. Nós
também conhecemos esses insetos como vagalumes e sabemos que eles emitem uma linda luz
fluorescente.
Quão bonito pode ser um animal tão pequeno que carrega em seu corpo uma luz parecida
com aquela que as crianças possuem em casa? É algo de se encantar. Como deve dar uma
sensação boa o fato de podermos nos espalhar pela amplidão, assim como vemos no segundo
329
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
verso. A metáfora que descreve a luz dos pirilampos, no quarto verso, “Com lanterninhas na
mão”, não poderia ser mais esplêndida e sutil. Para Alves (2008: 40) “ a atitude
predominante dos poetas quando tratam dos animais é conferir um caráter de fábula aos seus
poemas. Esta atitude consiste em atribuir profissões aos bichos, em descrever seus costumes,
suas rixas, seu lado malandro, entre outras caracterizações. São muitos os poemas que
retratam os animais nestas circunstâncias”

Essa questão do tema do trabalho, das profissões que os poetas atribuem aos bichos, pode ser
vista no quinto verso, quando lemos “Iluminando os caminhos”. Podemos perceber que os
pirilampos prestam um serviço, clareiam as estradas para que as pessoas possam passar.
Vendo por esse lado fantástico, mágico, no meio da escuridão, os vagalumes podem ser de
muita serventia para as pessoas, já que possuem sua luzinha tão gentil e tão formosa.

Alguns animais peludos

Chegamos à parcela dos bichos que mais faz parte do nosso cotidiano: os nossos amigos
peludos. Qual criança não teve contato com um cavalo, um macaco, um gato e, em especial,
com aquele que recebeu o título de melhor amigo do homem: o cachorro? Muitas são as
oportunidades em que esse contato pode acontecer, sem falar nas réplicas que podemos
encontrar facilmente nos comércios: os bichinhos de pelúcia. Para iniciarmos as falas sobre
essa classe, nada mais justo do que darmos a vez aos cãezinhos. A poesia abaixo é do autor
Adauto Ferreira e intitula-se “Dois cachorros”:

Tem dois cachorros ali


Um do outro diferente,
Um embaixo e outro em cima,
Um é frio, o outro é quente:
Cachorro que a gente morde,
Cachorro que morde a gente. (p. 36).

A poesia fala sobre dois cachorros diferentes. O autor, a cada verso, faz questão de
demonstrar essa diferença. Podemos perceber a inteligência da sonoridade presente na
sextilha e o jogo de palavras que denota um ar engraçado. Exemplificando o que foi dito,
como seria um cachorro frio e um cachorro quente? Poderíamos levar esse joguete pelo lado
do sanduíche que possui essa segunda denominação. Cachorro que morde, nós conhecemos,
mas a gente também morde os cachorros? Mais uma vez, vemos aí a imagem do alimento, já
que nenhuma pessoa consciente morderia um cachorro real. O autor brinca com o leitor e o
faz pensar a respeito do que lê.
Comecemos, agora, nossas reflexões a respeito da importância dos cachorros para a infância.
A figura desse animal já nos inspira afeto devido ao seu companheirismo e ao fato de estar
sempre a postos, pronto para nos fazer felizes. Eles podem ser, além de melhores amigos do
homem, como foi citado acima, melhores amigos das crianças. Que pai nunca viu o seu filho
pequeno imitando um cachorro? Pois é, os animais do cotidiano dos garotos são os mais
imitados por eles, devido ao contato que há entre ambos, e neles são depositadas todas as
suas incompreensões.
Utilizando-nos das palavras de Held (1980: 106) para fazer referência ao animal citado,
chegamos à seguinte constatação: “O animal doméstico e familiar, principalmente o que vive
em apartamento, se revela infinitamente presente quando os pais estão ocupados, sempre
disponível, pelo menos nos sonhos, os quais não contradiz, para conversar”. Ainda sobre a
relação criança/cachorro, a autora faz mais uma consideração de bastante relevância e que
deveria ser do conhecimento de todos os pais: “na vida cotidiana moderna, o bebê passará
muitas vezes do urso sedoso e pacífico para o animal vivo, o animal doméstico a quem confia
suas tristezas e que o consola quando os adultos são severos, injustos, incompreensivos, ou
simplesmente indiferentes”. (HELD, 1980: 107).

330
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Como vimos, esse animal de estimação pode contribuir muito com o desenvolvimento social e
afetivo de qualquer criança. Por vezes, a presença de um cachorrinho de estimação é
indispensável pela sua companhia tão fiel. A poesia que citamos brinca com esse animal
através da linguagem e, por se tratar dele, é de se esperar que meninos e meninas se sintam
atraídos pela leitura da mesma, já que o tema é algo tão presente em suas vidas.
A próxima poesia tem como protagonista um “amigo” muito conhecido nosso, que aparece
em vários desenhos animados, programas infantis e obras escritas. Estamos falando do
porco, um animal considerado fofinho, mesmo que seja visto por muitos como sujo. Vejamos
como o autor Apolônio Alves retrata a vida desse animal:

OLHA O PORCO

O porco tomou um porre


Ficou logo embriagado
Queria invadir a festa
Todo sujo enlameado
Foi expulso do salão
Por ordem do delegado. (p. 29).

No quarto verso do poema, podemos confirmar o que foi dito acima a respeito do animal: que
ele é sujo. Mesmo assim, o porquinho também é querido pelas crianças. Analisando a poesia
como um todo, notamos, novamente, a graça inserida no mesmo, o caráter da fantasia é
predominante, pois a ideia do animal tomar um porre, se embriagar, invadir uma festa e ser
expulso do salão por ordem de uma autoridade, é algo surreal, que só poderia acontecer com
um ser humano. É nesse aspecto que os bichos ganham a atenção dos leitores infantis, pois
podem fazer tudo o que desejam. Nesse sentido, as crianças se projetam nesses animais.
Em mais uma reflexão, Held (1980) compara o porco ao hipopótamo. Vejamos como se dá
essa comparação: “O hipopótamo, inicialmente, parece apresentar, por muitas razões, o
mesmo gênero de atração que o porco. Diante das recomendações intempestivas e fatigantes
do pais: “lave as mãos antes de comer!”, “não se arraste no chão”, etc., encarna a deliciosa
liberdade de se sujar”. (p. 113).

Nesse sentido, a criança projeta no porco a sua vontade de ser como ele, de não ter hora, nem
porque para fazer sua limpeza pessoal, de poder brincar na areia, se sujar, não escovar os
dentes, não tomar banho, etc. Quem dos pequenos não gostaria de ter essa liberdade tão
prazerosa? É a partir dessas reflexões que muitas vezes deixamos de lado, que podemos
constatar o quanto é importante a presença dos bichos na infância, bem como na literatura
infantil.
Alves (2008: 43) também tem algumas considerações a fazer à respeito da linguagem: “O
humor não é exatamente um tema; trata-se, antes, de uma atitude. A poesia oral, como um
todo ostenta esta atitude. Os emboladores me parecem os que mais exploram este viés,
sobretudo nos momentos de desafio, de contenda”.
Findamos a parte das análises destinadas aos amigos peludos com uma poesia que fala do
mais esperto dos animais, aquele cheio de graça, que não mede esforços para colocar em
prática as suas brincadeiras. Sim, nós estamos falando do macaco. A próxima poesia é do
autor Clodomiro Paes.

MACACO

Macaco não trabalhava


Nenhum dia da semana
Vivia no cabaré
Jogando e bebendo cana
Só arranjava dinheiro
Quando vendia banana. (p. 33).
331
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A poesia é tão brincalhona quanto o animal em questão. O macaco é mostrado como
fanfarrão, que não trabalha, vive de farra e só ganha dinheiro quando quer, vendendo
banana. O macaco é associado à ludicidade, à brincadeira. O seu nome já nos lembra
divertimento. Isso, para os meninos, é um convite irrecusável à imaginação, ao riso frouxo. A
forma com que a poesia o trata é muito semelhante – mesmo que falando de forma lúdica –
ao seu verdadeiro modo de se comportar, e isso causa um forte encantamento.
Todos os bichos citados são conhecidos pelas crianças. Alguns não são de uma convivência
constante, mas, ainda assim, tem um encantamento a oferecer. Pássaros, insetos, cachorros,
porcos, macacos, todos têm um adjetivo para si. Uns são bonitos, outros espertos, mais
alguns são sujos e assim por diante. A poesia popular para crianças é mesmo repleta de muita
beleza e é de suma importância no meio infantil.

CONCLUSÃO
A poesia que nasce da experiência do povo demonstra o cotidiano dessas pessoas, seus modos
de pensar, de enfrentar o mundo. Mostra-se, por vezes, a vivência na zona rural,
normalmente entre nordestinos. Os animais são muito presentes nessa cultura e os escritos
voltados às crianças são muito bem recebidos por elas. Como vimos, esse viés da literatura
não deixa nada a dever à literatura erudita, pois também possui qualidades muito notáveis.
Os povos mais simples, sem escolaridade ou convivência no mundo globalizado, conseguem
expressar suas experiências de forma muito simbólica e peculiar. No campo da literatura
popular, inúmeros artistas se sentem inspirados por esse modo de vida e expressam isso
através de músicas, poemas, romances e outras produções. Muitos deles colheram na cultura
popular os reais motivos que permeiam sua produção.
Tendo em vista a riqueza temática da poesia popular para crianças, bem como a literatura
popular em geral, afirmamos que há um valor nato nessas produções. A qualidade dessa
literatura não necessita de ser nivelada por baixo, pois se trata de uma produção artística que
também conta com muitos autores consagrados, que têm muito a mostrar aos seus leitores.
Os escritos populares devem ser lidos, apreciados e, portanto, vistos através do devido valor
que possuem.
Na obra em questão, pudemos observar com riqueza de detalhes, as diversas imagens dos
bichos, os ritmos, os temas e as percepções próprias do mundo que lhes confere valor. A
literatura para crianças, que tem os animais como temática, é algo que dialoga
constantemente com a fantasia, com o maravilhoso, pois os bichos, nesse âmbito, são capazes
de desempenhar papéis que qualquer ser humano desempenha, algo que pode provocar
verdadeiro encantamento nos pequenos.
Concluímos esse trabalho reafirmando a importância que há na literatura popular para
crianças, bem como no campo da poesia. É indispensável que nossos meninos e meninas
tenham conhecimento dessas produções tão ricas e provocadoras da imaginação. As crianças
necessitam de contato direto com a leitura, com a beleza da poesia e, assim, podem
desenvolver diversas formas de sensibilidade, como é o caso do sentimento de cuidado com
os animais, com o que diz respeito à natureza. O que vem do povo não deve ser deixado de
lado, pois as pessoas mais simples também têm muito a nos ensinar.
Se começarmos a inserir a literatura popular nas séries iniciais da educação infantil, os
pequenos não serão encaminhados ao preconceito a que parte da população letrada os
submete. Com isso, não queremos dizer que as produções eruditas não devam ser
contempladas – de forma nenhuma – propomos a inclusão da cultura popular no âmbito
educacional, bem como a conferência da importância com a qual ela merece ser tratada:
como uma produção de valor estético, temático e estrutural consideráveis.

REFERÊNCIAS

ALVES, J. H. P. Tesouros da poesia popular para crianças e jovens. Boitatá, v. 05, p. 34-45, 2008.

BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, 1986.


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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.

HELD, Jacqueline. O imaginário no poder. As crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus, 1980.

SOSA, Jesualdo. A literatura infantil: ensaio sobre a ética, a estética e a psicopedagogia da literatura infantil.
São Paulo: Cultrix, 1978.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Isadora Cristiana Alves da Silva *


Jaciara Josefa Gomes*

RESUMO: Considerando o processo de desenvolvimento do ensino de Língua Portuguesa


desde os anos 60 que se pautava numa visão estruturalista e formalista acerca da língua, bem
como as transformações que ocorreram a partir da década de 80 em que a noção de língua
fechada em si mesma passa a não ser mais suficiente para dar respaldo às discussões e
conflitos que envolvem a aprendizagem dos alunos, discutimos a produção textual no Ensino
Fundamental II, mais especificamente, no sexto ano, sobre a escrita enquanto processo de
inserção social de estudantes (BRONCKART, 1999), como parte de nossas atividades de
monitoria em Linguística Textual. Nesse sentido, a ideia de que língua e sociedade estão
intimamente relacionadas e que não se definem separadamente, revalidando a concepção de
linguagem como forma de ação e evento social, cultural e histórico, além de cognitivo e
interacional (MARCUSCHI, 2008) ganha força e orienta o estudo da língua/linguagem
pautado no estudo do texto, elemento básico para o ensino de Língua Portuguesa. A
relevância de nosso estudo está em mudanças necessárias à prática que tem apresentado
algumas carências em relação à aplicação dessas teorias no contexto de ensino de LP, uma
vez que muitos docentes não estão trabalhando o texto como fenômeno comunicativo e estão
enfocando apenas os aspectos linguísticos. Além disso, os livros didáticos podem não
favorecer essa aplicação, pois costumam influenciar a utilização dos mesmos gêneros
textuais, deixando de explorar outras possibilidades de textos que estejam presentes em
contextos mais gerais, deixando de possibilitar uma produção textual de forma significativa e
a identificação com situações concretas de uso. São essas situações concretas que
favorecemos nesse estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem. Gênero. Escrita.


ABSTRACT: Considering the process of developing the teaching of Portuguese language
since the 60s that were based on a formalist and structuralist view on language as
thetransformations that took place from the 80 in which the notion of language itself closed
shall not be sufficient to support the discussions and conflicts involving students' learning ,
we present our experience in the Secondary School , more specifically in the sixth year , while
writing about the social integration of students ( Bronckart , 1999) process , as part of our
monitoring activities in Textual Linguistics . In this sense, the idea that language and society
are closely related and that are not defined separately , revalidating the conception of
language as a form of social action and event, cultural and historical, as well as cognitive and
interactional (Marcuschi , 2008) gains strength and guides the study of language / language
guided the study of text, base for teaching Portuguese language element. The relevance of our
study is based on the necessary practice that has presented some deficiencies regarding the
application of these theories in the context of teaching LP changes, since many teachers are
not working text as communicative phenomenon and are focusing only on the linguistic
aspects. In addition , textbooks may not favor this application because usually influence their
use textual genres , leaving to explore other possibilities of texts that are present in more
general contexts, leaving enable textual production significantly and identification with
situations practical use. These are specific situations that favor this study.

KEYWORDS: Teaching-learning. Genre. Writing.

*Isadora Cristiana Alves da Silva – Graduanda em Letras e suas Literaturas – UPE/ Campus Garanhuns. E-mail:
[email protected]
* Profª.Drª. Jaciara Josefa Gomes – Orientadora – UPE/ Campus Garanhuns.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTRODUÇÃO

Embora teoricamente o reconhecimento do texto como base para o ensino de LP pareça


ponto pacífico (PCN, 1998), a prática tem revelado um distanciamento ainda grande dessa
ideia, já que muitos professores não sabem trabalhar com o texto, enquanto uma atividade
comunicativa que integra aspectos linguísticos, sociais e cognitivos (BEAUGRANDE, 1997).
Ainda que ensino de LP tenha se modificado nos últimos anos, juntamente com a percepção
de língua, que afasta-se da perspectiva de sistema e assume um caráter funcional,
revalidando a relação indissociável entre língua e sociedade, é possível observar algumas
divergências em relação ao desempenho do professor diante de tais teorias.
Nesse sentido, a ideia de que língua e sociedade estão intimamente relacionadas e que não se
definem separadamente, revalidando a concepção de linguagem como forma de ação e evento
social, cultural e histórico, além de cognitivo e interacional (MARCUSCHI, 2008) ganha força
e orienta o estudo da língua/linguagem pautado no estudo do texto, elemento básico para o
ensino de Língua Portuguesa. O ensino que antes era pautado em (re)afirmar as normas
gramaticais, assume agora uma dimensão mais ampla,voltada para o social.
Diante dessas considerações, este estudo tem por objetivo associar aspectos teóricos que
compreendem os gêneros textuais, a questões referentes à prática do ensino da produção
escrita dos alunos da 5ª série do Ensino Fundamental II.
Ao estabelecer essa intrínseca relação, busca-se identificar lapsos na teoria e em sua
aplicabilidade no ensino da produção textual dos alunos, uma vez que se possam avaliar
criteriosamente alternativas de solucionar os conflitos verificados e sugerir ações mediadoras
buscando a melhoria da produção escrita dos alunos, além de observar a reescrita pontuando
aspectos positivos e os que são passíveis de aperfeiçoamento.
Para o estudo, foram escolhidos três gêneros textuais: diário (pode ser o blog que substituiu
o diário no suporte digital), notícia e carta do leitor. O que impulsionou a escolha desses
textos foi o fato de que neles é possível perceber claramente uma elaboração convergente no
processo de formação de um sujeito-autor, posto que o diário representa uma produção de
caráter mais pessoal, entretanto a notícia se mostra com traços mais sociais e públicos,
ambos não ligados ficção, e a carta do leitor que requer do produtor uma análise crítica em
relação a algo, o que por efeito possibilita o desenvolvimento da capacidade argumentativa
dos alunos. Partindo desses pressupostos, o propósito é averiguar inicialmente as propostas
de produção dos três textos. No entanto, posteriormente pretenderemos intervir na reescrita
de um dos gêneros ao passo do que for observado no decorrer das aulas.
Com propósito de alcançar os objetivos, o trabalho baseia-se em uma metodologia de
natureza multifacetada, e destina-se, dentre outras funções, a cooperar para que se
construam aptidões essenciais à prática do futuro docente de Língua Portuguesa.
Com embasamento em conceitos interdisciplinares que venham oportunizar uma abordagem
problematizadora dos conteúdos e a utilização de diferentes procedimentos de ensino como
leitura de textos teóricos que discutam os conteúdos do componente, análise de atividades
realizadas pelos discentes do componente curricular (com supervisão do docente),
observação de aulas de LP da 5ª série, para identificar a noção de língua e de texto adotada
pelo professor titular. Nossas atividades envolvem a análise do livro didático de LP buscando
identificar a noção de texto, bem como o levantamento dos gêneros propostos para a
produção escrita, reflexão crítica com o discente sobre o desenvolvimento do projeto,
envolvem ainda verificar se os gêneros selecionados para estudo (diário, notícia e carta do
leitor), com base nas as orientações teórico-metodológicas de Pernambuco (OTM, 2008), são
contemplados pelo Livro Didático de Língua Portuguesa, analisar a produção escrita dos
alunos, devemos ainda levantar os pontos que, na prática do professor de LP, favoreceram ou
não a produção alunos, bem como elaborar atividades de intervenção para melhorar as
produções dos alunos, aplicar as atividades propostas e reescrita dos textos pelos alunos,
análise da reescrita, (re)avaliar as produções dos alunos após a reescrita para identificar os
aspectos positivos e negativos da intervenção proposta, produção de um artigo científico e do
relatório final.
Espera-se ao término da pesquisa contribuir para fundamentar a compreensão da teoria
através do acompanhamento das aulas do componente curricular Linguística Textual, tal
335
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
como sanar possíveis conflitos existentes entre teoria e pratica, além de contribuir para o
desempenho da prática do professor e de colaborar para a produção escrita dos alunos.

1. ENSINO-APRENDIZAGEM DE GÊNEROS TEXTUAIS: A PRÁTICA DOCENTE E O


LIVRO DIDÁTICO DE LP

Para o estudo, foram escolhidos três gêneros textuais: diário (pode ser o blog que substituiu
o diário no suporte digital), notícia e carta do leitor. A princípio o foco estava nas aulas de
Língua Portuguesa na 5ª série do Ensino Fundamental II,como uma das atividades de
monitoramento do componente, durante os meses de março, abril e maio, para verificarmos
qual a noção de língua e de texto empregada pelo professor, se ele parte da concepção de
escrita como prática social e de linguagem em funcionamento sociocomunicativos, como
prática produtora de letramento(s) em várias instâncias sociais,políticas e culturais.Ou
observar se o direcionamento é exclusivamente voltado para a escrita como apropriação e
representação do código linguístico como sistema autônomo, desarticulando toda e qualquer
relação que há entre a língua e sociedade.
Seria feita também a análise do livro didático, durante o decorrer dos meses de abril e maio,
atentando para a noção de texto abordada no material e se esses gêneros, com base nas OTM,
são considerados pelo Livro Didático de Língua Portuguesa. Busca-se observar se o ensino de
língua esta partindo do texto concebido como menor unidade para o ensino de LP (SOARES,
1998), ou os conteúdos são abordados sem a menor contextualização, partindo apenas do
nível da frase.
O que impulsionou a escolha desses textos foi o fato de que neles é possível perceber
claramente uma elaboração convergente no processo de formação de um sujeito-autor, posto
que o diário representa uma produção de caráter mais pessoal, enquanto a notícia se mostra
com traços mais sociais e públicos, ambos não são ficcionais, e a carta do leitor que requer do
produtor uma análise crítica em relação a algo, o que por efeito possibilita o desenvolvimento
da capacidade argumentativa dos alunos. Partindo desses pressupostos é importante
salientar, que nesse trabalho que apresenta parcialmente a monitoria, são analisadas apenas
propostas de produção escrita dos três textos, para intervir na reescrita de um deles ao passo
do que for observado no decorrer das aulas.

2. A PRODUÇÃO TEXTUAL NO EFII: ALGUMAS REFLEXÕES

Conforme os PCN (1998), a escola deve assumir um papel essencial no desenvolvimento de


um processo de ensino-aprendizagem que tem em vista proporcionar o desenvolvimento da
competência linguística, conceito este diretamente relacionado à habilidade dos indivíduos
em empregar a língua em seus múltiplos aspectos, tal como produzir e interpretar textos
específicos das mais variadas esferas de comunicação.
Alertam ainda para a necessidade de se ampliar a perspectiva de leitura e de escrita, uma vez
que com os novos estudos acerca do letramento, termo que tem sido empregado atualmente
no plural - letramentos - fundamentados numa perspectiva de letramentos ideológicos, estão
diretamente relacionados a práticas sociais, culturais e de poder em distintos contextos. Os
letramentos são múltiplos, variando no tempo, espaço, situações, e estritamente
determinados por relações de poder (STREET, 1993 apud FEL).
Frente a isto, foi necessário adotar uma postura diferente em relação aos métodos e à atuação
do professor em sala de aula, ao ensino de língua baseado apenas na estrutura linguística que
parte da análise de frases isoladas, fora de contexto, não estava mais dando respaldo para
uma formação sólida, crítica e atuante em sociedade. Pensar a produção escrita na
perspectiva do letramento e da inclusão social, nos obriga a pensar a escola como uma
agência de letramento em que as práticas discursivas devem favorecer a construção e o
exercício da cidadania plena (KLEIMAN, 1995). Nesse sentido, essa abordagem permite que
se perceba a produção textual vinculada a um ensino que possa reunir uma abordagem
funcionalista à comunicação social. Ademais, é preciso considerar o letramento crítico, visto
336
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
que as práticas sociais de uso da escrita são geradas através de contextos sociais, culturais e
políticos.
Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das situações privadas de
interlocução, em função dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da
cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os
textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são
aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de
formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos
artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade
letrada (PCN-EF, 1998).
Existem controvérsias em relação ao que é definido nos PCN e ao que realmente se constitui
na prática docente. Segundo Marcuschi (2008) em seus estudos, o foco dos PCN para o
ensino de língua ainda é restrito, diante da multiplicidade de produções textuais e dos
propósitos comunicativos que vão emergindo ao longo de um processo sócio-histórico e
cultural. O linguista também aponta para outro aspecto divergente em relação à proposta dos
PCN, que consiste na recorrência dos mesmos gêneros nos manuais de ensino de língua,
embora teoricamente afirmem o contrário.
De acordo com Marcuschi (2008) há ainda grandes obstáculos quanto à abordagem da
pluralidade dos gêneros, pois o foco dos estudos e as produções textuais muitas vezes estão
direcionando-se aos mesmos gêneros. Os demais gêneros figuram apenas para “enfeite’ e até
para distração dos alunos. São poucos os casos de tratamento dos gêneros de maneira
sistemática (MARCUSCHI, 2008).
Pensar nos livros didáticos utilizados para o desenvolvimento de atividades pedagógicas no
Ensino Fundamental, desperta um inquietante ponto discursivo, a noção de que existe uma
infinidade de gêneros com grandioso potencial educativo e de letramento, mas que
infelizmente, por diversas vezes, não são reconhecidos e explorados em sala de aula. Muitos
livros trazem na maioria das vezes abordagens voltadas apenas para gêneros específicos do
âmbito escolar e de situações mais formais. Não contemplando outros gêneros próprios do
dia a dia e que desenvolvem a identificação quotidiana dos alunos.

3. OS GÊNEROS ESCRITOS NO FUNDAMENTAL II: UM RECORTE

Ao analisar o Livro Português: Dialogando com textos¹, como elemento fundamental para
auxiliar a prática do professor e direcionar a metodologia utilizada por ele, é preciso destacar
a importante noção de que a prática de ensino não deve estar delimitada apenas ao livro
didático, mesmo que ele se apresente como elemento suficiente, pois existem outras
possibilidades de abordagem dos conteúdos que também devem ser contempladas.
Nesta coleção didática, verifica-seque a proposta não consiste em impor apenas o
conhecimento de língua determinada pelo escopo gramatical, apoiado por um mecanismo de
ensino direcionado para a análise das frases fora de contexto, embora também não
desvalorize a importância que a norma padrão tem para determinadas situações, outrossim,
apresenta a língua como funcional e passível a transformações relacionadas ao contexto
histórico, social e cultural.
A obra orienta-se na articulação de três competências para o ensino de língua, a competência
comunicativa que abrange aspectos relacionados a uma visão mais geral e prática da
habilidade de comunicação oral e escrita nas mais diversas esferas sociais, considerando o
contexto social em que cada aluno esta envolvido, gerando um diálogo entre o professor,
aluno e conteúdo, estimulando um raciocínio critico e argumentativo diante das atividades. A
habilidade gramatical que tenciona-se a proporcionar o conhecimento da estrutura e regras
responsável por uma produção enunciativa própria dos alunos, mas que seja reconhecida no
domínio da linguagem, e por fim a capacidade textual que é firmada na visão de trabalhar o
texto como ponto de partida para o ensino de língua materna, promovendo a produção e
interpretação textual além da prática da leitura dos mais diversos gêneros orais e escritos.
No livro as atividades são elencadas a partir de sete seções-Motivações, Descobertas,
Reinvenção, Papo-firme, Lendo mais, Realimentação e Roda de leitura, dispostas em cada
uma das sete unidades, nas quais se evidencia com maior ou menor intensidade as
337
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
competências, comunicativas, gramaticais e textuais.A seção Descobertas subdivide-se em
mais três seções, a primeira, Dialogando com o texto, ressalta mais a competência textual e
menos a comunicativa, favorecendo a interpretação e compreensão do texto, e as noções de
estrutura e estilo textual.
Em seguida a Extrapolando que salienta mais a comunicativa e menos a textual, construindo
uma possível identificação com a leitura por parte do aluno, impulsionando uma conexão
entre a leitura e a realidade que resulta em não permitir que o aluno fique à margem do texto
e sim se apodere dele para compor seu conhecimento representativo. E por fim Indo e vindo
que destaca a aptidão gramatical em ausência da comunicativa e textual, atestando a
importância das regras gramaticais para a sistematização do conhecimento linguístico.
No seguimento Descobertas, busca-se enfatizar a utilização dos gêneros textuais, a partir do
tema que baseia as unidades. Os principais gêneros explorados são Poema, Reportagem,
Conto e Roteiro de cinema.
Na segunda unidade, o assunto discutido é criatividade e imaginação e o gênero selecionado
para subsidiar a abordagem foi o Poema Muros de Murilo Mendes, que contempla questões
ligadas ao imaginário. A terceira unidade exibe uma matéria relacionada às sensações
geradas pelas primeiras experiências, a primeira vez, Reportagem de Xico Sá intitulada Aos
54, avô festeja 1ª aventura no mar. No quarto item, o Conto de susto Gaspar, eu caio, de
Ricardo Azevedo traça um paralelo entre questões relacionadas à Cultura popular, tradições
e folclore. Na sétima unidade, o Roteiro do Central do Brasil escrito por João Emanuel
Carneiro e Marcos Bernstein estabelece um diálogo com o conteúdo que versa sobre o futuro
e as expectativas do Brasil.
É importante pontuar alguns gêneros que também são explorados na seção Reinvenção que
focaliza aspectos direcionados à comunicação e textualidade, norteando o professor no
desenvolvimento de atividades de produção de texto. Os gêneros destacados são Carta com
relato de experiência Receita e Relato.
O exemplar, embora se apresente com propostas inovadoras, voltadas para a noção de que é
preciso implementar a diversidade de gêneros em livros didáticos, mostra-se contraditório
em alguns aspectos, pois é possível percebera tentativa de evidenciar os gêneros literários.
Nesse sentido, outros gêneros presentes na vida cotidiana, em situações concretas de uso não
são explorados, reafirmando o ensino pautado na tradição. A melhor alternativa para
trabalhar o ensino de gêneros textuais é envolver os alunos em situações concretas de uso da
língua, de modo que eles consigam desenvolver de forma significativa o domínio das
produções textuais presentes nas diversas esferas da comunicação humana. É necessário ter
a consciência de que a escola é um “autêntico lugar de comunicação” e as situações escolares
“são ocasiões de produção e recepção de textos” (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004).
Verifica-se também que dos gêneros selecionados para análise, Diário, Notícia e Carta do
leitor, com embasamento nas propostas de orientações teórico-metodológicas de
Pernambuco (OTM, 2008) para o ensino de Língua Portuguesa na 5ª série, não foram
contemplados pelo livro em análise.
Outra lacuna foi identificada na seção Descobertas, onde observou-se que nas unidades I, V,
VI, respectivamente, a narrativa intimista, O nome das vacas, de Vivina de Assis Viana, a
narrativa de aventura, Quadribol, de Joanne K. Rowling, e a narrativa de costumes, Keiko, de
Cristina Von foram classificadas como gênero textual. Dessa forma, observa-se que a noção
de gênero textual e tipo textual não está sendo trabalhada de forma clara.
Os tipos textuais se caracterizam linguisticamente pelos aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, como a narração, exposição, descrição, argumentação e injunção. Visto que os
gêneros textuais são textos com funções comunicativas de organização e interação que se
constituem sócio-histórica e culturalmente. Os gêneros podem compreender diversos tipos
textuais, fenômeno chamado de heterogeneidade tipológica. Em todos os gêneros também se
estão realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais
tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). (MARCUSCHI,
2002).

338
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com o desenvolvimento de teorias como a Sociolinguística, a Análise do Discurso,


Teoria dos gêneros e a Linguística Textual, que contribuíram diretamente para a ocorrência
de perspectivas inovadoras em relação à língua, texto, gênero e ensino, que
consequentemente contribuíram para a melhoria do ensino de língua portuguesa, ainda é
preciso, portanto, uma observação atenta no tocante à aplicabilidade da teoria na prática
concreta.
Neste trabalho, buscou-se aprofundar os conhecimentos teóricos para poder identificar as
possíveis lacunas no processo de ensino-aprendizagem. Com base nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN, 1998) e nas as orientações teórico-metodológicas de
Pernambuco (OTM, 2008) ,observou-se a proposta do livro didático Português: Dialogando
com textos, percebeu-se que o foco de ensino não está baseado apenas na assimilação do
código linguístico, compreendendo também a língua a partir de seu funcionamento, e os
conteúdos são trabalhados de forma contextualizada. No que refere-se aos gêneros textuais,
constatou-se que não há uma abordagem muito diversificada, a ênfase é dada nos gêneros
literários o que não possibilita examinar os gêneros presentes na vida cotidiana, nem
favorecer a produção significativa de muitos textos.
Em relação aos gêneros analisados, Diário, Notícia e Carta do leitor, não foram contemplados
pela obra. O que o trabalho com esses gêneros possibilita, uma vez que não estão ligados a
ficção, são de natureza pessoal e apresentando um caráter mais social e público, é favorecido
em partes por outros, como Reportagem, Relato e Carta com Relato de Experiência, sem
causar danos à aprendizagem, pois alguns aspectos se mostram semelhantes entre Notícia e
Reportagem, Diário e Relato, assim como a Carta do leitor e a Carta de Relato de experiência.

REFERÊNCIAS

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1998.
BEAUGRANDE R. de. New fundations for science of text and discurse: cognition, communication, and the
freedom of Access to knowledge and society. Norwood, Ablex, 1997.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sócio-discursivo.
São Paulo, EDUC, 1999.
FELÍCIO, Rosane P. et al. Projet(o) arte. In: MOURA, Eduardo; ROJO, Roxane. (Orgs.). Multiletramentos na
escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 123- 146.
HELENE, Maria Beatriz Marcondes; LAURIA, Maria Paula Parisi; BUSCATO, Lenira Aparecida. Português:
Dialogando com textos: 5ª série. Curitiba: Positivo, 2006. (coleção Português: dialogando com textos, v.5).
KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. (org.). Os
significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. São Paulo, Mercado de Letras,
1995, p. 15-61.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.
_____. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel;
BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36.
Secretaria de Educação. ORIENTAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: Ensino fundamental; Língua Portuguesa.
- 1º ao 9º Ano. Pernambuco, 2008.
SCHENEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. Roxane Rojo e Gláis Sales Cordeiro.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004
SOARES, Magda B. Concepções de linguagem e o ensino de língua portuguesa. In: BASTOS, N. B. (org.). Língua
portuguesa: história, perspectivas, ensino. São Paulo, Educ, 1998, p. 53-60.

339
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO PROMOVIDA PELAS BIBLIOTECAS

Kellison Lima Cavalcante 124


Maria José dos Santos Oliveira 125
Rafael Santana Alves 126

RESUMO: As bibliotecas desempenham papel de acumulação de registros escritos ao longo


da consolidação das civilizações, a partir do conhecimento adquirido por seus povos e do seu
legado para o futuro. Nesse sentido, a evolução social e intelectual da humanidade é mantida
e perpetuada pela função primordial das bibliotecas, organizando e disseminando a
informação ao longo dos tempos. No entanto, com o progresso da humanidade e o
consequente surgimento de novas tecnologias, deixaram de ser simples repositórios de saber
e cultura e possibilitaram a circulação das ideias e do conhecimento da humanidade,
evidenciando o acesso aos mais variados materiais de leitura, não apenas ao acervo estático.
Dessa forma, atualmente, consistem em espaços de encontro da comunidade em geral com a
informação e o conhecimento, atuando na disponibilidade de leitura a uma parte da
população que está distante do conhecimento e com o imprescindível acesso, cada vez mais
disseminado, àqueles leitores ávidos por tê-lo. As bibliotecas acompanharam e se adequaram
às mudanças que a humanidade experimentou, mantendo a sua função de circulação do
conhecimento e estimulando a evolução permanente do ser humano. Com o seu papel
definido desde o seu surgimento, as bibliotecas preservam o saber registrado e promovem a
sua circulação e disseminação na sociedade através do apoio à educação, ciência e tecnologia,
ao desenvolvimento cultural e ao estímulo intelectual. Com as modernas tecnologias de
informação e comunicação e a larga produção de obras escritas, a circulação do
conhecimento, promovida pelas bibliotecas, ganhou mais destaque e prioridade de acordo
com as necessidades de leitura, cada vez mais crescente da humanidade. Assim, as bibliotecas
cumprem seu papel que se materializa na disseminação do conhecimento registrado.

Palavras-chave: Disseminação. Repositório. Humanidade. Conhecimento.

ABSTRACT: Libraries play a role in accumulation of writings over the consolidation of


records civilizations, from the knowledge gained by its people and its legacy for the future. In
this sense, the social and intellectual evolution of mankind is maintained and perpetuated by
the primary function of libraries, organizing and disseminating information over time.
However, with the progress of humanity and the consequent emergence of new technologies,
are no longer simply repositories of knowledge and culture and enabled the circulation of
ideas and knowledge of humanity, showing access to a variety of reading materials , not only
the collection static. Thus, currently consist of gathering spaces in the general community
with information and knowledge, acting on the availability of reading a portion of the
population that is far from the knowledge and the critical access increasingly widespread,
those bookworms by have it. Libraries and accompanied suited the changes that humanity
experienced, maintaining its circulation function of knowledge and stimulating permanent
human evolution. With its defined role from its inception, libraries preserve and promote
knowledge recorded their movement and spread in society by supporting education, science
and technology, cultural development and intellectual stimulation. With modern information
and communication technologies and large production of written works, the movement of

124
Mestrando em Tecnologia Ambiental – ITEP; Auxiliar de Biblioteca do Instituto Federal do Sertão Pernambucano,
Campus Salgueiro; E-mail: [email protected]
125 Graduanda em Gestão Ambiental – UNOPAR; Auxiliar de Biblioteca do Instituto Federal do Sertão Pernambucano,

Campus Salgueiro; [email protected]


126 Especialista em Metodologia do Ensino da Matemática – Faculdades Montenegro; Graduando do Curso de

Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro – UNEB; Professor da Rede
Pública Municipal de Ensino – Juazeiro-BA. [email protected]
340
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
knowledge promoted by libraries, gained more prominence and priority according to the
reading needs, increasingly growing humanity. Thus, libraries fulfill their role materializes in
the dissemination of recorded knowledge.

Keywords: Dissemination. Repository. Humanity. Knowledge.

INTRODUÇÃO

A temática abordada neste artigo de caráter científico versa sobre “A circulação do


conhecimento promovida pelas bibliotecas”. Nesta perspectiva, é válido enfatizar que os
livros são essenciais em meio à formação cultural do homem, como também para a formação
do indivíduo enquanto cidadão, sendo que, em meio a esse fato as bibliotecas configuram-se
como um universo mágico para crianças, jovens e adultos em torno da descoberta de novos
saberes, ou seja, conhecimentos.
Diante disso, é importante destacar que as bibliotecas são um dos melhores métodos de
inclusão social, bem como de difusão de aprendizagem que o homem possui. A realidade é
que, hoje, muitos questionam que o destino de muitas bibliotecas é, justamente, cair no
esquecimento em decorrência do advento da tecnologia, uma vez que esses espaços não estão
mais sendo tão visitados e muitos dos acervos estão sendo digitalizados e disponibilizados em
bibliotecas digitais. No entanto, em meio ao questionamento em foco, é necessário ressaltar
que o livro é fundamental para a vida de toda e qualquer pessoa, pois por meio da leitura de
um determinado livro o homem não só amplia o seu conhecimento em torno de informações
que o cerca, como também são essenciais para a construção da sua autonomia de
pensamento. Desse modo, vale destacar que um dos motivos que demonstram a importância
das bibliotecas é, justamente, o fato que nesses espaços o homem pode ter contato com o
livro que, por conseguinte, contribui com o enriquecimento cultural e social do indivíduo.
Ademais, as bibliotecas têm a capacidade de proporcionar aos usuários paz de espírito, bem
como inspiração.
Dentro desse contexto, bem como levando em consideração o questionamento acerca do
possível esquecimento das bibliotecas em virtude do advento da tecnologia, é possível
destacar que nem todas as cidades, bem como vilas, distritos ou demais localidades têm
acesso à internet, uma vez que as bibliotecas ainda continuam sendo fundamentais e úteis
para a circulação do conhecimento. Nesse sentido, constata-se que todas as bibliotecas, ou
seja, as escolares, as municipais, bem como as bibliotecas itinerantes são essenciais para a
disseminação da cultura para o homem que tem pouco acesso a ela.
Nesta perspectiva, deve-se enfatizar que o objetivo deste artigo, é justamente, analisar a
importância da circulação do conhecimento promovida pelas bibliotecas, uma vez que esses
espaços são fundamentais para o cumprimento de metas e dos objetivos acerca do
desenvolvimento da aprendizagem. Por conseguinte, a metodologia utilizada em meio à
construção deste artigo gira em torno da pesquisa qualitativa com foco na pesquisa
bibliográfica, ou seja, este é um estudo, eminentemente, teórico. Ademais, é fundamental
destacar que a biblioteca é um espaço que possibilita a integração de todas as pessoas, bem
como oferece ao homem ensino, leitura e conhecimento sem cobrar absolutamente nada.

1. O CONTEXTO HISTÓRICO DA BIBLIOTECA E DO BIBLIOTECÁRIO NO


MUNDO E NO BRASIL

Partindo da temática abordada neste artigo e que versa sobre “A circulação do conhecimento
promovida pelas bibliotecas”, é válido realizar uma breve abordagem acerca do contexto
histórico da biblioteca e do bibliotecário no mundo e no Brasil. Desse modo, deve-se destacar
que ao desenvolver um estudo acerca da história das bibliotecas no mundo foi possível
observar que esse é um fato que está de modo direto relacionado ao próprio contexto
histórico acerca da escrita, bem como das maneiras de registro do conhecimento humano.
Segundo Pinho e Machado (2011, p.1) ressaltam que,
341
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Biblioteca (do grego βιβλιοϑήκη, composto de βιβλίον, "livro", e ϑήκη "depósito"), na
definição tradicional do termo, é um espaço físico em que se guardam livros. De
maneira mais abrangente, biblioteca é todo espaço (concreto, virtual ou híbrido)
destinado a uma coleção de informações de quaisquer tipos, sejam escritas em folhas
de papel (monografias, enciclopédias, dicionários, manuais, etc) ou ainda
digitalizadas e armazenadas em outros tipos de materiais, tais como CD, fitas, VHS,
DVD e bancos de dados. Revistas e jornais também são colecionados e armazenados
especialmente em uma hemeroteca. (PINHO; MACHADO, 2011, p.1)

Nesta perspectiva, é importante enfatizar que há relatos da existência de bibliotecas desde a


Antiguidade e que, por conseguinte, eram constituídas por um grande acervo de tábuas de
argila. Com o passar dos anos, as bibliotecas foram se modernizando e com isso surgiram as
coleções de papiros e pergaminhos, sendo que, esses materiais escritos, ou seja, os que ainda
existem e os que já existiram contribuem e continuam a contribuir com o conhecimento da
história da humanidade por parte do homem. Frente a esse fato, torna-se essencial destacar
que a biblioteca de Alexandria foi a mais famosa e conhecida da Antiguidade, sendo que foi
criada no século III a.C., vindo a ter quase setecentos mil volumes de manuscritos.
Dentro desse contexto, deve-se ressaltar que a biblioteca de Alexandria encontrava-se
localizada no Egito sendo constituída por dez grandes salas e quartos que, por conseguinte,
eram separados para os consuletes. A referida biblioteca até hoje é considerada como um
grande marco da história das bibliotecas do período Antigo, uma vez que foi destruída em
decorrência de um vasto incêndio ocasionado pelos árabes no ano 646 da Era Cristã. No que
diz respeito à Idade Média, constata-se que existiam três tipos de bibliotecas, ou seja, as
bibliotecas dos mosteiros que estavam relacionadas à esfera religiosa, as bibliotecas das
universidades e as bibliotecas particulares que pertenciam aos reis, nobres e grandes
senhores. No que se refere às bibliotecas dos mosteiros Pinho e Machado (2011, p.12)
enfatizam que,
A antiga e recente história das bibliotecas é marcada por fatos de pura resistência do
conhecimento. Ela vem sofrendo ao longo dos anos a ação do tempo, as guerras, a
censura, e mesmo assim elas conseguiram sobreviver a todos os ataques. Na Idade
Média, por exemplo, as bibliotecas quase foram extintas, vindo principalmente pela
ação de censura da Igreja Católica. Mas, contraditoriamente, foram nos mosteiros,
preservadas em esconderijos, e que elas conseguiram mais uma vez se salvar. Um
bom exemplo desse tipo de operação medieval foi resgatado no romance“0 nome da
Rosa”, de autoria de Humberto. Na verdade, as bibliotecas são a metáfora do fênix,
que, segundo a tradição egípcia, era uma ave fabulosa que durava muitos séculos e,
quando queimada, renascia das próprias cinzas. (PINHO; MACHADO, 2011, p.12).

Diante disso, é possível mencionar que as bibliotecas particulares são consideradas,


justamente, as bibliotecas que fizeram surgir às bibliotecas nacionais no Mundo. No
momento do surgimento das primeiras bibliotecas no Mundo não existiam como existe hoje
bibliotecários e como tal quem ficava responsável no período da Renascença pelos livros
eram, justamente, os eruditos que eram considerados guardiões dos livros. Neste contexto, é
válido afirmar que os eruditos eram sacerdotes ou figuras da elite da época da Renascença e
que viviam nas bibliotecas com o objetivo de salvaguardar os acervos existentes. No que diz
respeito aos bibliotecários, é válido afirmar que,
A figura do bibliotecário tomou forma conjuntamente à criação das bibliotecas por
parte da nobreza e do clero, que remontam o período compreendido como Idade
Média. Tinham-se como bibliotecários homens eruditos, considerados os ‘guardiões
do saber’ ou os ‘guardiões dos segredos’, lhes era confiado o que havia de mais
precioso para a época, os livros com seus saberes e segredos. Ainda não existia a
formação na área de Biblioteconomia, esta se consolidou tempos depois, por conta do
aumento das bibliotecas que necessitaram cada vez mais de técnicas aprofundadas
acerca de administração, armazenamento, conservação e disseminação de seus
respectivos acervos (BAPTISTA; BRANDIT, 2006, p. 21).

A realidade é que durante o período da Antiguidade, bem como da Idade Média as bibliotecas
não possuíam como objetivo central dar acesso ao grande público, ou seja, ao homem. Muito
pelo contrário, esses espaços se configuravam como símbolos de poder e acúmulo de saber
para os poucos privilegiados que podiam ter acesso as bibliotecas, uma vez que em meio ao
contexto de grandes invasões e guerras às bibliotecas tornavam-se um dos principais alvos
342
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
em decorrência da sua importância simbólica em torno da disseminação do saber. De acordo
com Martins (1998, p. 72),
A biblioteca foi assim, desde os seus primeiros dias até aos fins da Idade Média, o que
o seu nome indica etimologicamente, isto é, um depósito de livros, e mais o lugar
onde se esconde o livro do que o lugar de onde se procura fazê-lo circular ou
perpetuá-lo. A própria disposição arquitetônica dos edifícios demonstra-o melhor do
que qualquer outro índice: na grande biblioteca de Nínive, o depósito de livros não
tem saída para o exterior – a sua única porta parece dar, ao contrário, para o interior
do edifício, para o lugar onde viviam ou onde permaneciam os grandes sacerdotes. Da
mesma forma, as bibliotecas medievais se situam no interior dos conventos, lugares
dificilmente acessíveis ao profano, ao leitor comum. (p. 72).

O livro no contexto histórico das bibliotecas ganhou destaque, ou seja, visibilidade e


veiculação a partir do surgimento da tipografia que foi criada no período da Renascença.
Desse modo, torna-se necessário ressaltar que foi, justamente, o livro que fez com que a
biblioteca e, por conseguinte, o bibliotecário tornarem-se mais populares. No entanto, vale
lembrar que na Renascença o referido profissional ainda vinha a ser um erudito ou um
escritor cuja função era, justamente, cuidar dos acervos existentes nas bibliotecas, bem como
escrever suas obras. Segundo Andrade (2009, p. 4-5),
Numa trajetória histórica, o livro assumiu diferentes aspectos. Inicialmente, o
suporte adotado era o papel de trapos, depois vieram às folhas volantes, os
almanaques, os jornais. Surgiram os incunábulos, livros que destacavam a ilustração,
a edição monumental. A partir do século XVI, a imprensa se propagou com rapidez,
ao mesmo tempo em que os livros ganhavam características e estéticas próprias. A
tipografia passou a ser uma arte, na qual se distinguiram indivíduos e dinastias, como
a dos Manúcio (Itália), Estienne (França). As marcas e ornamentos utilizados pelos
impressores agregavam beleza e valor às obras do período. O livro era valorizado por
sua beleza e raridade. (ANDRADE, 2009, p.4-5)

O contexto histórico ressaltar que até a Idade Moderna as bibliotecas, bem como os arquivos
e os museus eram apenas considerados entidades cuja função era guardar todos os tipos de
documentos. Foi apenas com a criação, ou seja, surgimento dos livros impressos que a
biblioteca passou a ganhar uma existência própria. Frente a esse fato, é válido enfatizar que a
partir do Século XVII foram criadas as primeiras bibliotecas públicas que vieram a ser
patrocinadas por mecenas, sendo que esse foi um dos motivos que fizeram com que museus e
bibliotecas viessem a ser abertas para o grande público. Tudo isso ocorreu em decorrência
também da Revolução Francesa que defendia os ideais do oferecimento para a sociedade
como um todo de uma educação pública laica e gratuita.
Neste contexto, é importante destacar que nesse período o bibliotecário ganhou
destaque social e a biblioteca não mais era o local de disseminação do saber e do
conhecimento restrito, mas o espaço que deveria possibilitar ao homem adquirir novos
conhecimentos e que pudessem ter acesso aos diversos saberes que a própria biblioteca
disponibilizasse. Em meados do Século XIX, ocorreu a necessidade das bibliotecas contarem
com os serviços de um profissional especializado e com formação técnica para trabalharem
nesses espaços, uma vez que foi nesse período que surgiram e foram desenvolvidas práticas e
técnicas bibliotecárias cuja meta era sistematizar as informações, bem como os acervos. De
acordo com Santos (2013, p.3),
Sobre a profissão de bibliotecário, ela foi regulamentada no Brasil pela Lei nº 804 de
30 de junho de 1962 (BRASIL, 1962). Na contemporaneidade, tem-se que o objeto de
trabalho do bibliotecário é a informação apresentada nas mais variados suportes, isto
é, impressa e eletrônica e formas, ou seja, textual, imagética, sonora, botânica, entre
outras (CRB-3ª Região, 2011). (SANTOS, 2013, p.3).

No que se refere à formação do bibliotecário, pode-se destacar que a partir do Século XIX
desenvolveram-se dois métodos diferentes de ensino e formação em biblioteconomia, ou seja,
o método francês e o norte-americano. Desse modo, deve-se ressaltar que nas últimas
décadas do Século XX a Biblioteconomia enquanto área de estudo ganhou mais cursos de
bacharelado e de especialização no Mundo e cujo caráter em comparação ao início dessa
profissão foi modificado, uma vez que o bibliotecário ao longo da sua formação, hoje, aprende

343
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
questões interdisciplinares á exemplo da Análise Documentária, Linguística, Lógica
Terminologia, bem como Organização do Conhecimento. (ORTEGA, 2004).
Levando em consideração esse fato, bem como o modo como os acervos eram organizados,
constata-se através de relatos históricos que desde a Antiguidade o homem buscou
desenvolver maneiras de classificar as mais diversas áreas do conhecimento humano
existentes na esfera de uma biblioteca, sendo que foi a partir desse instante que se pensou em
criar sistemas de classificação bibliográfica universal. Contudo, foi apenas em 1876 que
Melvil Dewey apresentou para o Mundo a sua Classificação Decimal-CDD, que vem a ser o
primeiro sistema utilizado para classificar assuntos adotados nas bibliotecas e que é usado
até hoje. Segundo Damy (2010, p.1),
Tanto a Classificação Decimal de Dewey como a Classificação Decimal Universal
constituem um sistema hierárquico, no qual idéias e conceitos são representados em
suas múltiplas relações de coordenação, subordinação e superordenação. Adota-se
como princípio fundamental a divisibilidade do todo, que é o conhecimento, em dez
partes divididas em disciplinas e subdisciplinas. (DAMY, 2010, p.1).

Diante desse fato, é essencial ressaltar que compreender a história da biblioteca e do


bibliotecário no Mundo possibilita um melhor entendimento acerca do contexto histórico da
biblioteca no Brasil. Assim, vale enfatizar que a primeira biblioteca pública oficial do Brasil
foi a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, uma vez que o seu acervo foi trazido, justamente
pela família real e a corte portuguesa no ano de 1808. O acerco dessa primeira biblioteca
pública brasileira foi trazido para o Brasil após Portugal ter sido invadido pelas tropas de
Napoleão Bonaparte, uma vez que antes desse período, especificamente, no período colonial
só existiam no Brasil bibliotecas particulares a as existentes em conventos que eram usadas e
frequentadas por poucos usuários. Portela (2010, p.2) afirma que,
Atualmente a Biblioteca Nacional é considerada oficialmente, pela UNESCO, a oitava
maior do mundo, pelo seu valor histórico e pela quantidade de peças do seu acervo.
Possui a mais rica coleção de livros da América Latina, com mais de nove milhões de
peças. Está sob sua responsabilidade coletar, guardar, preservar e difundir a
produção bibliográfica brasileira. Hoje, ela é referência insubstituível para
profissionais das humanidades, das ciências, das artes, pelos que pesquisam sobre a
construção do Brasil e as projeções europeias no Novo Mundo. (PORTELA, 2010,
p.2).

Nesta perspectiva, é necessário destacar que a fundação da Biblioteca Nacional aconteceu,


oficialmente, em 29 de Outubro de 1810, no entanto somente em 1814 a referida instituição
foi aberta para o público, uma vez que até esse ano ela ficava restrita para uso exclusivo da
família real e limitado número de estudiosos. Em meio a esse fato, a segunda biblioteca
pública brasileira foi inaugurada em Salvador-BA no ano de 1811 em decorrência de iniciativa
particular e como tal muitos a considera como sendo a primeira biblioteca pública, uma vez
que a Biblioteca Nacional só foi aberta para o público em 1814. Muitas outras bibliotecas
públicas foram criadas no Brasil com o passar dos anos e hoje a biblioteca continua até como
uma das suas funções centrais a disseminação do conhecimento. De acordo com Soares
(2011, p.9),
As bibliotecas públicas são importantes centros educativos, irradiadores de
conhecimento, arte e cultura. Mas, preponderantemente, como uma enciclopédia
gigante, destinam-se a democratizar o acesso equitativo ao mundo dos livros,
possibilitando, assim, o desenvolvimento amplo e justo do indivíduo. Além disso,
qualquer biblioteca constitui um “lugar” insubstituível para os estudiosos,
pesquisadores, especialistas, estudantes, escritores: é na biblioteca que eles muitas
vezes começam suas carreiras e é para elas que eles voltam, mais tarde, nos livros de
sua autoria, que escreveram a partir do que leram. Por estas razões – e certamente
por algumas outras tantas —, as principais nações do mundo se esforçam por
preservar os tesouros do acervo de suas bibliotecas, sem os quais qualquer civilização
ou povo ficariam empobrecidos. (SOARES, 2011, p.9).
A biblioteca, bem como o bibliotecário no Brasil tem uma importância muito ampla frente à
aquisição do saber por parte do homem. Frente a esse fato, é válido mencionar que o
primeiro curso de Biblioteconomia existente no Brasil data do ano de 1915 e que funcionava
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sendo que o curso era constituído por cinco
disciplinas e cuja duração era equivalente há dois anos. Por conseguinte, relatos históricos
344
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
enfatizam que a primeira bibliotecária brasileira foi, justamente, Adelpha Rodrigues que veio
a estudar Biblioteconomia na School of Library Science of Columbia University (a primeira
escola na área, fundada por Dewey) e adquiriu formação superior na referida área de estudo.

2. A IMPORTÂNCIA DAS BIBLIOTECAS PARA A CIRCULAÇÃO DO


CONHECIMENTO

As bibliotecas preservam a evolução social e intelectual da humanidade, organizando e


disseminando a informação ao longo dos tempos, possibilitando a circulação das ideias e do
conhecimento. Consistem em espaços de encontro da comunidade em geral com a
informação e o conhecimento, atuando na disponibilidade de leitura a uma parte da
população que está distante do conhecimento e com o imprescindível acesso, cada vez mais
disseminado, àqueles leitores ávidos por tê-lo. Dessa forma, as bibliotecas desempenham
grande importância na circulação do conhecimento através da disponibilidade das mais
variadas fontes de leitura, como destaca Milanesi (2002),
A história da leitura acompanhou efetivamente a evolução da história das bibliotecas
e passeando rapidamente por esta trajetória histórica, constatamos que, com a
expansão da educação, as bibliotecas públicas, que eram consideradas como um
instrumento de apoio pedagógico, são assimiladas pelas classes populares e pela
escola, transformando-se no que alguns teóricos chamam de biblioteca escolarizante,
dessa forma, o papel social da Biblioteca Pública é permeado pelo acesso e
disponibilidade da informação (MILANESI, 2002, p. 72).

Entende-se que o papel primordial da biblioteca está no acesso, disponibilidade e


disseminação da informação, com a promoção da circulação do conhecimento. No entanto,
para alcançar o seu objetivo, as bibliotecas promovem e executam projetos que visam à
disseminação da leitura e a participação da comunidade nas várias atividades que promovam
troca de conhecimento.
Um dos serviços da Biblioteca Pública perante a sua comunidade é a introdução de
projetos culturais, atendendo ao seu objetivo de disseminar a cultura e a leitura aos
seus usuários. A realização de projetos culturais de leitura em bibliotecas já faz parte
do leque de atividades destas e coincidem quanto ao objetivo principal, que é
incentivar a leitura e a cultura na comunidade (BERNARDINO; SUAIDEN, 2011, p.
30).

Dessa forma, através da leitura, as bibliotecas se caracterizam como um local de construção


permanente de cultura, permitindo a aprendizagem constante e crescente, como um direito
da comunidade que é o acesso à informação e a circulação do conhecimento. Com isso, as
fontes de leitura preservada e organizada nas bibliotecas e as formas de incentivo a mesma
tem um papel preponderante nesse contexto, uma vez que para a consolidação de uma
sociedade evoluída e instruída com base na informação e no conhecimento, a democratização
da leitura é fundamental.
A circulação do conhecimento pressupõe uma evolução intelectual de uma comunidade a
partir da disseminação da leitura e da informação preservada que Rocha (2000) relata:
A integração com a comunidade pressupõe conhecê-la para permitir o planejamento
de ações e a criação de produtos e serviços adequados às necessidades dos usuários
da biblioteca pública. Servir de mediadora entre sociedade para qual foi criada e o
patrimônio cultural da humanidade, é papel do qual a biblioteca pública não pode
abdicar. O processo de mediação é o reflexo de sua responsabilidade social com a
formação e desenvolvimento da cidadania no espaço físico ou virtual de que se utilize
para atender ao seu público. E nesse espaço lhe cabe transmitir o conhecimento
acumulado assegurando um processo sistemático de formação intelectual e moral do
indivíduo que associa a suas experiências pessoais, garantindo a construção de sua
dimensão enquanto cidadão (ROCHA, 2000).

Com o seu papel definido desde o seu surgimento, as bibliotecas preservam o saber
registrado e promovem a sua circulação e disseminação na sociedade através do apoio à
educação, ciência e tecnologia, ao desenvolvimento cultural e ao estímulo intelectual. Assim,
com a circulação do conhecimento promovida pelas bibliotecas, a relação intrínseca entre

345
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
informação e leitura favorece a cidadania nos mais variados aspectos da sociedade, com uma
função extremamente importante na formação cidadã e cultural das pessoas.
Nesse sentido, a circulação do conhecimento é fator de grande importância na sociedade, na
comunicação e na linguagem, fundamental para tornar os leitores mais conscientes da prática
em que estão envolvidos. Assim, com os livros, com a circulação do conhecimento, podemos
ampliar nosso entendimento a respeito das informações que nos cercam, obter autonomia de
pensamento e decisão, encontrar respostas para os problemas enfrentados e conquistar
consciência diante de nossos direitos e deveres, pois o contato com o livro enriquece
culturalmente e socialmente.
Ao promover a circulação do conhecimento, assumindo esse papel na comunidade, a
biblioteca reconhecerá sua função social e conforme Bernardino e Suaiden (2011),
(...) incorporará, além do seu objetivo primordial, que é preservar e difundir o
conhecimento, fazendo isto, principalmente no que se refere à cultura local, mas,
incorporará, também, a própria comunidade do seu entorno, as suas funções e
atribuições, sendo reconhecida e legitimada pela sociedade (BERNARDINO;
SUAIDEN, 2011, p. 32).

Dessa forma, as bibliotecas definem suas formas de circulação e disseminação do


conhecimento de acordo com a comunidade, acompanhando a sua evolução incentivando a
leitura e a troca de experiências para aprimoramento das informações. Assim, a biblioteca
não é um espaço solitário e sim um conjunto formado por indivíduos em busca de uma
formação coletiva, que se materializa na disseminação do conhecimento registrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As bibliotecas são organizações que acompanharam a evolução da humanidade, preservando


e acumulando os registros produzidos e ao longo do tempo vêm modificando conceito,
estrutura, missão e estratégias, em função das mudanças da sociedade ao longo dos séculos.
Nesse sentido, as bibliotecas acompanharam e se adequaram às mudanças que a humanidade
experimentou, mantendo a sua função de circulação do conhecimento e estimulando a
evolução permanente do ser humano. Dessa forma, a biblioteca é a comunicação que se
materializa na circulação do conhecimento registrado e preservado através da leitura, troca
de experiências, partilha e discussão de informações e outras atividades promovidas com
uma comunidade.
As bibliotecas se encontram inseridas numa sociedade que necessita e busca informações.
Dessa forma, a disseminação cada vez mais ampla e democrática da informação e do
conhecimento é imprescindível nos objetivos e projetos das bibliotecas. Cabe destacar a
inserção do leitor no processo de formação do planejamento das atividades de circulação do
conhecimento. No entanto, atualmente, as bibliotecas de qualidade apontam para o foco na
circulação do conhecimento e informação de caráter dinâmico e participativo.
Assim de repositório do saber produzido e registrado, seu primeiro papel na sociedade, ao
apoio à educação, ao desenvolvimento cultural e ao estímulo intelectual, as bibliotecas
promovem a inserção dos leitores nos processos de conquista da cidadania.
REFERÊNCIAS

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BAPTISTA, S. G.; BRANDT, M. B. Do manuscrito ao digital: a longa sobrevivência das bibliotecas e dos
profissionais envolvidos. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação. Campinas, v. 4, n.
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BERNARDINO, M. C. R.; SUAIDEN, E. J. O papel social da biblioteca pública na interação entre informação e
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
DAMY, Antônio Sérgio Azevedo. Classificação decimal de Dewey e classificação decimal universal.
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MARTINS, Wilson. A Palavra Escrita. São Paulo. Ática, 3. ed. 1998. 512p.

MILANESI, L. Biblioteca. Revista de Biblioteconomia de Brasília, Brasília, v. 6, n. 1, p. 69-75, jan./jun.


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ORTEGA, Cristina Dotta. Relações históricas entre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação.
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ROCHA, M. P. C. A questão da cidadania na sociedade da informação. Revista Ciência da Informação, v. 29,


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SANTOS, Cintia Almeida da Silva. A atuação dos bibliotecários do Instituto Federal de São Paulo: uma
perspectiva sociocognitiva do fazer profissional. 2013. Disponível em:
http://portal.febab.org.br/anais/article/viewFile/1480/1481 Acesso em: 05 de Mar. de 2014.

SOARES, Francisco Sérgio Mota. A Biblioteca Pública da Bahia: dois séculos de história/ Francisco Sérgio
Mota Soares... [et al.] − Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2011. 204p.

347
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO E LEIS DO DISCURSO EM ARTIGOS DE OPINIÃO
DE ALUNOS DE 9º ANO: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
Maria Rivaldízia do Nascimento
Rede Estadual de Ensino de Pernambuco
Mestranda do Profletras-UPE Garanhuns

Resumo: discutir o ensino e a aprendizagem de elementos da análise do discurso, com base nos
pressupostos da AD francesa a partir da produção do gênero artigo de opinião no 9º ano do Ensino
Fundamental, torna-se indispensável para repensar a escrita enquanto possibilidade de manifestar-se
em práticas sociais reais de interação. Sendo assim, O presente trabalho visa refletir sobre como os
elementos da AD, a exemplo de contexto de produção e leis do discurso, podem auxiliar os alunos de
9º ano de uma escola pública na construção eficiente da argumentação no gênero artigo de opinião e
propor uma sequência didática como possibilidade de intervenção. Para tanto, realizamos pesquisa
bibliográfica com base teórica nos estudos de Maingueneau (2001), Orlandi (2001) e Dolz e Schneuwly
(2004) e adaptamos uma sequência didática direcionada para o 9º ano. As reflexões realizadas e a
proposta de intervenção elaborada contribuem significativamente para o ensino e a aprendizagem de
elementos da análise do discurso a partir do gênero textual artigo de opinião, considerando que o
estudante precisa produzir discursos através do uso significativo da linguagem.

Palavras-chave: Situação de produção. Leis do discurso. Artigo de opinião

Abstract:
Discuss the teaching and learning the elements of analysis of discourse, based on the assumptions of
the French AD from the production of the genre opinion article in the 9th grade of the Elementary
Teaching, becomes indispensable for rethinking the possibility of writing as manifest in real social
practices of interaction. Thus, the present study aims to reflect on how the elements of AD, like the
context of production and laws of speech, can help students of 9th grade in a public school in the
efficient construction of argumentation in the genre opinion article and propose an instructional
sequence as the possibility of intervention. Thus, we performed bibliographic search with theoretical
basis on the studies of Maingueneau (2001), Orlandi (2001) and Dolz and Schneuwly (2004) and
adapted a didactic sequence directed to the 9th grade. Our reflections and elaborate intervention
proposal contribute significantly to the teaching and learning the elements of analysis of discourse
from the genre opinion article, considering that the student needs to produce discourses through
meaningful use of language.

Keywords: Production situation. Laws of speech. External reviews

INTRODUÇÃO
O ensino e a aprendizagem de gêneros textuais da esfera argumentativa no Ensino
Fundamental podem facilitar a compreensão, pelo estudante, da complexa e dinâmica
natureza da linguagem, bem como, habilitá-lo a dominar estratégias argumentativas para que
(re) construa valores e posturas, sobretudo mobilizando os recursos da língua e do discurso
para persuadir, concluir, refutar. Conforme preveem os PCN (EM, 1998, p. 64) o estudante
deve assumir “posicionamento crítico diante de textos, de modo a reconhecer a pertinência
dos argumentos utilizados, posições ideológicas subjacentes e possíveis conteúdos
discriminatórios neles veiculados”, o que pode ser decisivo à formação do sujeito que atua
para uma sociedade mais solidária em sua pluralidade. Entretanto, segundo Kleiman (2007 p
9) muitos professores trabalham com gêneros textuais na escola priorizando a
metalinguagem, estimulando o estudante a “analisar os textos do gênero para aprender como
está formado ou para aprender a escrever textos segundo o modelo”, o que nos leva a crer que
tal visão é reducionista, uma vez que para a compreensão de um texto é preciso realizar
outros níveis de análise como, por exemplo, a discursiva.

Analisar discursivamente um texto requer conhecimentos a respeito da linguagem como


possibilidade de ação entre sujeitos que possuem ideologias, são afetados por elas ao
construir sentidos. Isso se dá também na produção de textos, cujos sujeitos, inseridos em um
contexto histórico-social, como produtores ou interlocutores precisam interagir em situações
348
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
reais em que sendo agentes ou pacientes estão sempre (re)inventando e transformando
linguagens e discursos.
Considerando que, para desenvolver a competência leitora e escritora do estudante, a escola
integra em seu currículo o estudo dos mais diversos gêneros textuais, escolhemos como alvo
desse trabalho, o estudo do artigo de opinião sob a perspectiva da análise do discurso. Tal
escolha é motivada por acreditarmos que esse é um gênero no qual o estudante pode
desenvolver seu raciocínio argumentativo ao tempo em que reflete sobre propriedades
textuais e discursivas do texto e aumenta as possibilidades de tornar-se um leitor mais crítico
diante desse e de outros gêneros argumentativos.
A justificativa do projeto é de cunho científico e social, tendo em vista que contempla a
ampliação do conhecimento de mundo e possibilita a reflexão, a reconstrução e a ampliação
de saberes a respeito do ensino e da aprendizagem de língua materna. Com os saberes
advindos desse trabalho, contribuímos, para aumentar a capacidade de argumentar e,
consequentemente, a participação do estudante na sociedade enquanto formador de opinião,
no que se refere às práticas sociais e seus impactos sobre os sujeitos em seus grupos.
Concorremos, ainda, para que se atinja o que propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998 p 55) que elencam, entre os objetivos para o Ensino Fundamental, que os alunos sejam
capazes, ao término desta etapa, de participar ativamente da sociedade, posicionando-se de
maneira crítica e mediando conflitos.
Segundo Gil ((2002, p.44-45), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material
já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Dessa forma, faz-se
necessária devido a sua relevância para o conhecimento e atualização das discussões acerca
do tema, bem como, para a compreensão de concepções. Sendo assim, recorremos, entre
outros, aos estudos de Amossy (2007) sobre argumentação e análise do discurso, Orlandi
(2001) e Maingueneau (2001) sobre elementos da análise do discurso para fundamentar as
discussões.
A proposta de intervenção, uma sequência didática elaborada a partir dos pressupostos de
Dolz e Schneuwly (2004), é uma adaptação do que propõe a Olimpíada de Língua Portuguesa
– Caderno Pontos de vista, edição 2010. Optamos por tal proposta teórico metodológica por
considerarmos que, muito mais que uma maneira de organizar as aulas, ela se traduz como
um meio de, conforme os autores citados (2004 p 97), “favorecer a mudança e a promoção
dos alunos ao domínio dos gêneros e das situações de comunicação”, o que consideramos ser
um dos principais objetivos do ensino de língua materna.
Somente na interação a linguagem se configura como possibilidade real – e, quiçá, única - de
estabelecimento de uma sociedade que jamais pode prescindir das relações sociais. Nessas
relações os sujeitos vão expressar suas intenções e buscar compreensão e resposta dos seus
interlocutores a partir da produção de textos sejam eles orais, escritos, visuais ou outros
tantos formatos quantos decidirem sua imaginação e necessidade, nos mais diversos
contextos. Isso evidencia a relevância do interlocutor em toda e qualquer realização
linguística, pois, segundo Bakhtin (1997 p. 320), citado por Zequim (2007 p 1640):
O papel dos outros, para os quais o enunciado se elabora, é muito importante. Os
outros, para os quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real
não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de
início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo
enunciado se elabora como para ir ao encontro dessa resposta.

Nessa perspectiva, a dinâmica da interação verbal está centrada na concepção de que


comunicar-se não é dizer algo para alguém – passivo – e sim, dizer algo em relação a alguém,
que responde ativamente. Este alguém, este outro ocupa papel tão importante quanto aquele
que diz, segundo Bakhtin (1997 p 320), pois: “Os outros, para os quais meu pensamento se
torna, pela primeira vez, um pensamento real, não são ouvintes passivos, mas participantes
ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta. ” Isso nos
leva a apreender que é preciso considerar os valores, os pensamentos do outro, sempre que
um enunciador deseja estabelecer uma comunicação. Isto porque, para Bakhtin (1997), o
enunciado é um tipo de ponte que conecta dois sujeitos, estabelecendo relações entre os dois
e dependente dos dois para se dar. Para que isso ocorra, conforme Fiorin (1996 p 32), este
enunciador necessita ter determinadas competências, dentre as quais se destacam:
349
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
i) Competência linguística, que é o conhecimento da gramática e do léxico da
língua para poder produzir enunciados gramaticalmente aceitáveis
ii) Competência discursiva a qual o sujeito está recorrendo quando usa os
recursos linguístico-discursivos concernentes a cada gênero textual
iii) Competência intertextual que se refere ao caráter dialógico que todo texto
mantém com outros, seja para reiterá-los ou ratifica-los
iv) Competência situacional, que diz respeito ao conhecimento referente à
situação em que se dá a comunicação e ao parceiro do ato comunicativo.

É a partir de premissas como as citadas acima que defendemos um ensino de língua materna
delineado a partir do estudo e produção de gêneros textuais, uma vez que entendemos que a
enunciação toma corpo e forma via gêneros textuais e a escola é o lugar para aprimorar as
competências do sujeito como responsivo do ato enunciativo e, portanto capaz de aderir,
rejeitar, deleitar-se com e pelo texto. Enquanto produtor, ele assume posicionamentos e
espera do interlocutor, uma reação, já que, como postula Geraldi (1997 p 102):
[...] é para o outro que se produz o texto. E o outro não se inscreve no texto apenas no
seu processo de produção de sentidos na leitura. O outro insere-se já na produção,
como condição necessária para que o texto exista. É porque se sabe do outro que um
texto acabado não é fechado em si mesmo. Seu sentido, por maior precisão que lhe
queira dar seu autor, e ele o sabe, é já na produção um sentido construído a dois.
Ao produzir um texto o enunciador assume a posição de sujeito responsivo ativo em relação a
outros e espera estabelecer um diálogo com seu interlocutor que, por sua vez, ao demonstrar
que compreendeu, porta-se como respondente ativo.
Nessa perspectiva, a produção de textos escritos como atividade de interação através do texto
deve ser foco em todas as atividades educativas da escola e, sobretudo, das aulas de língua
materna, uma vez que assim, o sujeito transforma e pode ser transformado em sua trajetória
sócio histórica. Segundo Kleiman (2005 p.57):
O sujeito letrado passa a ter não um, mas pelo menos, dois sistemas para se comunicar:
o falado e o escrito. Mas usará o escrito somente se for tão fluente nele como é na fala e,
para tal, é preciso trabalhar abordagens, estratégias e recursos de desvendamento do
texto, ensinar o processo sócio cognitivo que está por trás da compreensão da palavra
escrita. é preciso fazer isso entendendo bem como funcionam os textos.
Dessa forma, cabe ao educador ensinar o estudante a ler e produzir textos orais e escritos que
atendam a determinadas necessidades de interlocução.
A prática pedagógica voltada para a ampliação de competências e habilidades concernentes
ao sujeito letrado, é enriquecida quando o educador concebe a argumentação como
importante recurso para que o educando construa o discurso em situações reais de uso,
compreendendo-o como uma possibilidade de agir, interagir e perceber as intenções
presentes nos mais variados enunciados. Segundo Ducrot (1990 apud Ortmann, 2009 p. 2),
“a argumentação é intrínseca a própria língua”. Já para Souza (2008 p. 72): “a argumentação
no discurso é uma das principais formas para entendermos melhor os processos de
construção de sentido, para entendermos como a sociedade se constrói discursivamente e
como interagimos socialmente e influenciamos uns aos outros”. Ou seja, ao perceber e
compreender as vozes, os discursos e os aspectos histórico-ideológicos que compõem a
argumentação, o estudante constrói sentidos para o dizer de outros ao tempo em que assume
uma posição e constrói o próprio dizer.
Para Amossy (2007 p 133), a argumentação está intrinsecamente ligada a Análise de
Discurso, uma vez que “o projeto de persuasão fundamenta-se também em procedimentos
linguageiros que ultrapassam a esquematização”. Ou seja, na perspectiva da AD, produzir um
texto argumentativo é muito mais que seguir esquemas, uma vez que isso não dá conta da
“densidade e da complexidade da argumentação”. Para a pesquisadora (2007 p 134):
A argumentação deve ser analisada em situações de discurso variadas, uma vez que ela
depende das possibilidades da língua e das condições sociais e institucionais que
determinam parcialmente o sujeito, fora dos quais a orientação ou a dimensão
argumentativa do discurso não pode ser apreendida com discernimento.
Nessa perspectiva, o artigo de opinião, gênero a ser analisado neste trabalho, mostra-se como
ideal às nossas propostas, por ser um texto no qual o escritor tem a possibilidade de
mobilizar os recursos da língua com o fim específico de persuadir. Segundo Dolz e Schneuwly
(2004), o artigo de opinião está inserido na esfera de comunicação jornalística e, como tal,

350
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
presta-se à discussão social de assuntos polêmicos, expressando uma opinião sobre estes,
visando persuadir o leitor.

O gênero artigo de opinião costuma circular em meios impressos e virtuais, voltado para a
elite leitora do país, é uma forma de divulgar ideologias e valores com o objetivo de persuadir
seu público-alvo a respeito de temas controversos que a este interessa. Para isso, o articulista
recorre a discursos de outros, dando-lhes determinado tratamento conforme seus objetivos.
Conforme Maingueneau (1997 p 85), essa “forma de relatar a mesma enunciação” atribui ao
gênero um caráter heterogêneo e pode ocorrer na forma de citação direta ou indireta através
da qual o articulista demonstra sua adesão ou refutamento.

Por outro lado, ao produzir o artigo de opinião – ou qualquer outro gênero textual - o sujeito
só pode ter sucesso na ação de interação que pretende realizar a partir de considerações a
respeito de aspectos referentes ao conteúdo, à forma, ao estilo do texto e aos discursos que o
atravessam, o que interfere na construção de sentidos.
Os teóricos e estudiosos da Análise do Discurso de linha francesa acrescentam alguns
aspectos a essa concepção de produção textual, ao defenderem que para se produzir um texto
– forma de materializar o discurso – é preciso considerar suas condições de produção que
envolvem além de aspectos linguísticos, crenças, princípios, aspectos políticos, históricos e
até as relações de poder existentes entre os participantes da interlocução.
Para Orlandi (2001) a linguagem se realiza entre interlocutores situados em determinados
espaços sociais e, portanto, deve ser considerada a partir de uma situação efetiva de
produção. A pesquisadora denomina o contexto de situação de produção e defende que seu
funcionamento ocorre segundo fatores como: relações de sentidos, relações de força e
antecipação. Segundo Orlandi (2001 p 39), “todo discurso é visto como um estado de um
processo discursivo mais amplo”, ou seja, os discursos mantêm relações entre si e um está
sempre se relacionando com outro que o precede, sustenta ou com outro que o sucederá.

As representações que um sujeito tem ao produzir um texto exercem influência sobre a


construção de sentidos dos discursos. Para Orlandi (2001 p 42) “As palavras mudam de
sentido segundo as posições daqueles que as empregam”, o que corresponde a afirmar que a
posição é muito mais que um lugar na sociedade, na medida em que seu funcionamento no
discurso reflete uma imagem que o sujeito tem de si e da posição que ocupa enquanto locutor
naquele momento da enunciação. Dessa forma, ele pode ser em um momento, uma
autoridade em determinado assunto e por isso entender que pode falar de uma ou de outra
maneira. O locutor constrói representação, ainda, de seu(s) interlocutor(es) e, por considerar
a posição que este(s) ocupa(m), adequa suas estratégias discursivas conforme o papel social
desempenhado por tal(is) interlocutor(es).

Considerando o recurso da antecipação, Orlandi (2001 p 39) preconiza que com tal
mecanismo “o sujeito se antecipa a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras
produzem”. Sendo assim, o sujeito coloca-se no lugar do seu interlocutor e faz escolhas para
seu dizer a partir de considerações sobre o efeito que deseja produzir no outro com o qual
pretende interagir.

Maingueneau (2001) por sua vez, refletindo acerca de enunciado e contexto, nos conduz a
observar as Leis do Discurso e seu importante papel na construção de interpretações.
Segundo o pesquisador, isso ocorre, a partir do respeito a determinadas regras de cooperação
instituídas, por vezes, tacitamente pelos participantes da troca verbal. Dentre essas leis nos
deteremos em três: lei da pertinência, lei da sinceridade, e lei da preservação das faces - que
partem do princípio de que a comunicação verbal é também uma relação social - para
analisar os textos produzidos por alunos, em uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental.
Considerando que algumas convenções devem ser aceitas, ainda que tacitamente, pelos
coenunciadores as Leis do discurso são percebidas como um relevante referencial na
constituição do entendimento e da interação a partir do discurso produzido. Assim, durante
a interação, o respeito a tais leis leva a manutenção das relações sociais e da comunicação,
351
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pois, segundo Maingueneau (2001 p 41): “O domínio das Leis do discurso [...] é componente
essencial de nossa competência comunicativa, ou seja, de nossa aptidão para produzir e
interpretar os enunciados de maneira adequada às múltiplas situações de nossa experiência.
[...] ao aprendê-la, aprendemos a nos conduzir na sociedade”.

Maingueneau (2001 p. 34) explica que a lei da pertinência “estipula que uma enunciação deve
ser maximamente adequada ao contexto em que acontece; deve interessar ao destinatário,
fornecendo-lhe informações que modifiquem a situação.” Sendo assim, o locutor deve
priorizar em sua produção, dados que sejam relevantes ao interlocutor e fazer isso
observando o contexto e o cotidiano.

A lei da sinceridade, por sua vez, “diz respeito ao engajamento do enunciador no ato de fala
que realiza”, nesse caso, ainda conforme Maingueneau (2001 p 35), o enunciador não pode
afirmar algo no qual não acredita ou que não pode ter sua veracidade comprovada. Dessa
forma, o locutor “para afirmar algo, deve estar em condições de garantir a sua veracidade” o
que fatidicamente elimina a possibilidade de o enunciador enunciar algo que não deseja ver
realizado.

Quando os participantes de um ato de interlocução usam estratégias discursivas para


encontrar maneiras de respeitar determinadas regras de convívio social, como por exemplo,
a polidez, estão procurando não transgredir a lei de preservação das faces. De acordo com
Maingueneau (2001 p. 38), “existem, no mínimo, quatro faces envolvidas na comunicação: a
face positiva e a face negativa de cada um dos interlocutores. A negativa corresponde ao
território de cada um (seu corpo, sua intimidade, etc.) e a positiva corresponde à fachada
social, à nossa própria imagem valorizante tentamos apresentar aos outros.” Ainda conforme
o autor, admitir um erro, por exemplo, seria uma ameaça a face positiva do locutor; já emitir
uma crítica ou insulto seria uma ameaça à face positiva do interlocutor.

De acordo, ainda, com Maingueneau (2001 p 41), as leis do discurso devem ser adaptadas
conforme as especificidades de cada gênero textual e, geralmente, são usadas pelos
participantes do discurso de maneira intuitiva. Por exemplo, em uma peça teatral pode-se
insultar o público, mas isso não se faz em uma palestra, pois isso não seria adequado a esta
situação comunicativa.
Para a produção de um artigo de opinião no 9º ano, consideramos relevante o respeito às leis
acima citadas e o conhecimento e domínio sobre a situação de produção, na medida em que
estas contribuem significativamente para a construção do sentido e estabelecimento da
interlocução. Para tanto, propomos a sequência didática a seguir:
Na apresentação da situação inicial, os alunos são estimulados a perceberem a relevância dos
conteúdos e das atividades de que irão participar, ao tempo em que o projeto do trabalho é
apresentado, em linhas gerais. Como esse momento visa possibilitar à turma a construção de
uma ideia sobre a atividade linguística a ser trabalhada e, ainda, o contexto situacional que
norteará a produção final, é necessário fornecer-lhes informações a respeito do conjunto de
módulos e, de modo geral, sobre a linguagem geralmente utilizada no gênero a ser
trabalhado. Segundo os idealizadores dessa metodologia, esse momento é muito importante
para que o aluno possa refletir sobre a necessidade da interação verbal, percebendo, por
exemplo, a quem ela será direcionada.

Para isso, apresentar um anúncio publicitário de TV de telefone celular para que a turma faça
a leitura e se observe seu conhecimento de mundo e a construção de sentidos realizada. Os
estudantes devem ser estimulados a falar sobre aspectos composicionais e a função do texto,
bem como, a respeito do uso do aparelho na sociedade moderna. Apresentar uma notícia
sobre a utilização do celular por pessoas que caminham pelas ruas do país enquanto falam ao
telefone e estimular uma discussão sobre a conveniência e a necessidade do uso em
determinados locais e momentos Após as discussões, a turma deve ser informada, em linhas
gerais, sobre a temática, os módulos da sequência, e a produção final – um artigo de opinião -
, cuja publicação será no mural e no blog da escola.
352
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Para diagnosticar os conhecimentos prévios da turma sobre o gênero artigo de opinião e
sobre contexto e leis do discurso, apresentar uma charge, um cartaz, um artigo de opinião
que tratem sobre o uso do celular e o regimento da escola destacando os artigos a respeito da
utilização do aparelho nas dependências da escola. A discussão deve ser conduzida para que a
turma fale sobre os discursos que atravessam cada texto, a presença de opiniões, a posição
dos interlocutores nos discursos, com quais outros discursos se relacionam, preservação das
faces, pertinência. Quanto ao gênero artigo de opinião, é importante observar se a turma tem
conhecimentos acerca da finalidade do gênero, das situações sociais em que é produzido, em
que suportes circula, quem são seus leitores, quem os produz, e ainda, seus aspectos
linguísticos. Aqui, o professor precisa ter muita habilidade para dividir a apresentação dos
textos em aulas ou momentos, conforme o interesse, a participação da turma e o tempo
disponível; bem como, conduzir as discussões, pois, não se trata de ensinar os tópicos aos
estudantes, e sim, de conhecer o que eles sabem para facilitar a realização dos módulos da
sequência didática.

O momento da produção inicial é aquele destinado à elaboração de um primeiro texto escrito


pelos alunos, quando eles mostrarão o que sabem sobre o gênero e o quão próximos podem
chegar de uma produção de tal gênero, deixando evidentes seus conhecimentos e suas
necessidades linguísticas. A proposta é que a turma produza um artigo de opinião sobre o uso
do celular na escola analisando os discursos presentes nos textos apresentados no início
(concordar ou discordar com o que a escola e a empresa defendem sobre o uso do
celular...como resolver isso enquanto usuário do celular e aluno da escola? Ficar sem ele ou
ceder completamente a sua funcionalidade e vantagens? Qual seria o ponto de equilíbrio
entre as duas situações?). Esse texto deve ser recolhido pelo professor para analisar e
perceber as dificuldades de cada estudante e ser reescrito no final da sequência didática.

As atividades do 1º módulo podem ser sobre o gênero artigo de opinião, caso a turma
demonstre dificuldades quanto aos aspectos linguísticos e composicionais do texto. Formar
duplas para responderem a questionamentos sobre a construção do título, nível de
formalidade da língua, tempo verbal predominante, se o texto remete principalmente a fatos
ou a opiniões e argumentos, presença ou não de trechos que reflitam declarações de terceiros
sobre um fato, marcas linguísticas que indicam autoria. As conclusões, anotadas no caderno,
socializadas com os colegas e sistematizadas conjuntamente com o professor servirão para
propiciar ao aluno, em etapa posterior, avaliar a própria produção, identificando possíveis
problemas na escrita e algumas possibilidades de reescrita. Dando continuidade, os alunos
são estimulados a refletirem sobre as diversas formas de construir e selecionar argumentos.
Para isso, o professor seleciona trechos argumentativos em textos disponíveis no livro do
aluno e apresenta-os, em Datashow – destacando alguns elementos para exemplificar
recursos linguísticos que podem ser utilizados para representar a posição do locutor e do
interlocutor, conforme os efeitos de sentido pretendidos. O próximo passo é a realização de
um debate a respeito dos diversos discursos sobre o uso do celular. A turma pode pesquisar,
por exemplo, o que diz a mídia, o jovem, o adulto, etc. e, durante o debate, cada grupo
assumir uma posição e defende-la com argumentos pertinentes, fundamentados.
O segundo módulo trata de leis do discurso e situação de produção. Iniciando, o professor
aborda a questão dos implícitos e sua relação com o contrato de cooperação e as leis do
discurso lendo com a turma anúncios publicitários nos quais o uso de imagens e textos
verbais mantêm relação com o público alvo consumidor do produto através de discursos e
informações implícitos; até que ponto isso ameaça a face do consumidor; qual verdade está
sendo divulgada. Também é importante refletir sobre o modo como são construídos os
implícitos e a implicação disso para a persuasão do público alvo. Além disso, levantar
questões a respeito da situação de produção e do jogo de imagens entre os interlocutores,
como: “Quem é o locutor para falar assim? Quem é seu interlocutor para que o locutor fale
assim? De que o locutor fala?", entre outras. O professor sistematiza por escrito as discussões
e propõe atividade semelhante com textos de outros gêneros, inclusive, artigo de opinião.

353
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Para que os estudantes ponham em prática o que aprenderam sobre elementos de análise do
discurso e o gênero artigo de opinião, propor a reescrita coletiva de um dos textos produzidos
no início da sequência. Um guia com questões pode ser elaborado e apresentado nesse
momento para que o aluno avalie e perceba possibilidades de reescrita e o texto coletivo pode
ser publicado no blog da escola. Para a auto avaliação e a reescrita individual, cada estudante
receberá seu primeiro texto escrito com observações do professor a respeito dos aspectos
trabalhados na sequência. Os textos podem ser publicados no mural da escola e no blog da
turma conforme se acordar.
Sem a pretensão de ter esgotado o assunto, o presente trabalho contribui de maneira
significativa para reafirmar a certeza de que a compreensão e a produção de textos na escola
exigem muito mais que o ensino e a aprendizagem de aspectos linguístico-textuais, uma vez
que o estudante precisa perceber o discurso como revelador de ideologias, interesses e
comprometimentos com determinados projetos sociais que pressupõem, por um lado,
reprodução e dominação, e por outro, transformação e desejo de mudança. Nessa
perspectiva, a sequência didática aqui proposta apresenta-se como uma proposta viável de
abordar os elementos da análise do discurso a partir da produção do gênero artigo de opinião
no Ensino Fundamental, considerando que essas são premissas relevantes para a formação
de leitores proficientes.

REFERÊNCIAS
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Tradução: Adriana Zavaglia. Revista Filologia e linguística portuguesa, n 9, p 121-146. 2007.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UM NOVO OLHAR SOBRE AS “COISAS DO SERTÃO”: DESMISTIFICANDO
ESTEREÓTIPOS EXISTENTES SOBRE O SEMIÁRIDO.

Sheila Feitosa Santos 127


Fabiola Moura Reis Santos 128

RESUMO: Este trabalho tem como propósito apresentar o conteúdo produzido pelo “Coisas
do Sertão”, programa do site WebTv Uneb -Núcleo Juazeiro-BA. O projeto é desenvolvido por
alunos do curso de Jornalismo em Multimeios sob a coordenação da professora Fabíola
Moura. As reportagens produzidas pelo “Coisas do Sertão” buscam mostrar as
potencialidades do Semiárido Brasileiro, seguindo uma ótica que muitas vezes não é
retratada pelos veículos de comunicação comercial e pela grande mídia. O programa faz uma
abordagem regional sobre diversos aspectos e características locais como a cultura, sociedade
e ciência, com o intuito de desmistificar os estereótipos construídos em torno da imagem do
sertanejo e do semiárido. O “Coisas do Sertão” apresenta pautas sobre assuntos de interesse
social, mas que muitas vezes, não são abordadas pela mídia local. O programa também
permite aos estudantes que integram o projeto, refletirem e debaterem os discursos
produzidos pela mídia, que descaracterizam a imagem do sertão, levando-os a repensar
matérias que valorizem as riquezas encontradas no semiárido brasileiro.

PALAVRAS CHAVES: Sertão. WebTV. Estereótipo. Telejornalismo. Semiárido.

ABSTRACT:This work aims to present the content produced by the " things of the Wild "
program WebTv UNEB - Core Juazeiro - BA website. The project is developed by students of
Multimedia Journalism under the coordination of Professor Fabíola Moura . The reports
produced by the " things of the Wild " seek to show the potential of the Brazilian semiarid
region , following a perspective that is not often portrayed by heavy commercial
communications and the mass media . The program makes a regional approach on various
aspects and local characteristics such as culture, society and science, aiming to demystify the
stereotypes built around the image of the frontiersman and semiarid . The " Things of the
Wild " presents guidelines on matters of social interest , but which are often not covered by
local media . The program also allows students to participate in the project , reflect and
discuss the discourses produced by the media , which mischaracterize the image of the
interior, causing them to rethink materials highlighting the riches found in the Brazilian
semiarid region.

KEYWORDS : Hinterland . WebTV . Stereotype. Newscast . Semiarid .

INTRODUÇÃO

O Semiárido Nordestino é caracteriza por apresentar singularidades típicas no que diz


respeito a cultura, ao clima, a fauna e flora. O local abriga o único bioma exclusivamente
brasileiro, a caatinga, que na língua indígena significa "Mata Branca". As particularidades do
sertão acabam atraindo olhares dos veículos de mídia televisivos, que muitas vezes constroem
imagens negativas do Semiárido, utilizando representações com forte apelo emocional,
construindo assim estereótipos. Dessa forma, Ferrés (1998), afirma que o estereótipo é um
tipo de representação social que se forma por meio de uma visão compartilhada, que um
dado grupo tem sobre outro coletivo social e que são criadas com base na repetição constante
do fato, ou mesmo “crenças compartilhadas sobre os atributos pessoais, especialmente traços

127 Universidade do Estada da Bahia (UNEB), Campus III, Juazeiro - BA.


Graduada em Comunicação Social- Jornalismo em Multimeios e-mail:. [email protected].
128 Orientador do trabalho. Professor do Curso Comunicação Social- Jornalismo em Multimeios. e-mail:

[email protected].
355
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
de personalidades, como também sobre o comportamento de um grupo de pessoas”
(PEREIRA, 2002 apud MORONI, 2008).

A televisão é um veículo que fascina e envolve o telespectador nos conteúdos veiculados,


passando a exercer influência sobre a vida de seus espectadores que “prestam atenção,
investigam, inquietam-se e envolve-se em profundidade”, (MCLUHAN, 2003). As imagens
transmitidas na TV tem como objetivo convencer e dar credibilidade aos conteúdos
repassados, “mas não podemos deixar de pensar que a imagem é uma linguagem universal,
tem um entendimento imediato, e possibilita as pessoas uma realidade externa àquela em
que vive” (PATERNOSTRO, 2006, p. 85) .

Por exercer fácil assimilação, algumas produções telejornalísticas criam estereótipos sobre a
imagem do Nordeste. Os veículos da grande mídia, em suas reportagens, abordam o
Semiárido Brasileiro de forma pejorativa, retratando muitas vezes, apenas as mazelas
existentes no local.

Na busca por uma alternativa que revelasse um novo olhar sobre o Semiárido, surgiu o
“Coisas do Sertão” da Web TV UNEB- Núcleo de Juazeiro. O produto faz parte do projeto de
extensão Programas Experimentais de Televisão, da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). O programa é produzido pelos alunos do Curso Jornalismo em Multimeios, sob a
coordenação da professora Fabíola Moura.

‘Coisas do Sertão’ busca abordar em suas reportagens, conteúdos regionais que valorizam a
identidade do sertanejo. O programa procura pautar o meio ambiente, cultura, ciência e
educação que ajudam a desmistificar o cenário até então construído pela mídia. O programa
foi um dos primeiros produtos da programação da WebTV UNEB Núcleo de Juazeiro e nele
estudantes tem a oportunidade de fugir das representações criadas pelos veículos de
comunicação de massa, tendo a liberdade de lançar um novo olhar crítico sobre as “coisas do
sertão”.

O programa ‘Coisas do Sertão’ é um dos 10 links do site WebTV UNEB Núcleo de Juazeiro,
primeira TV educativa do Vale do São Francisco. Por ser uma ferramenta presente na
internet, o site se destaca como um importante meio de interação entre os públicos, não só da
região como também de todo o Brasil. Para Ribeiro (2009), a TV na WEB trás a possibilidade
de alterar o contexto e a forma como as informações são distribuídas na sociedade, além de
transformar o receptor das mensagens em um possível produtor e emissor de informações.

O programa tem como principais propósitos fazer um intercâmbio entre educação e


informação desmistificando os estereótipos criados pela grande mídia contra o sertanejo.
Esse tipo de discurso midiático para Albuquerque Jr. (1999), nada mais é do que um fruto de
uma caracterização grosseira, realizada por um determinado grupo, que desconhece a
realidade de um coletivo, as diferenças individuais e se detém apenas as semelhanças
superficiais do grupo. “O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma
fala arrogante, uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e
autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras”.
(ALBUQUERQUE JR., 1999 p. 30).

É importante ressaltar que as reportagens produzidas pelo ‘Coisas do Sertão’ não visam criar
uma imagem do que seja o Semiárido Brasileiro e sim destacar aspectos culturais, naturais e
sociais típicos da região, ou seja, mostrar uma realidade que não é retratada nos veículos de
mídia.

As notícias transmitidas pelos meios retratam um nordeste atrasado, preso ao retrocesso


social da fome e miséria. O programa também consiste em um espaço para os estudantes
refletirem de forma crítica sobre esse tipo de abordagem realizada de maneira equivocada
356
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pelos veículos de comunicação tendo a oportunidade de trabalhar temáticas regionais que
despertam o interesse do público sertanejo. Para Lage (2005) apud Franco (2013), “quanto
maior o interesse jornalístico, maior a abrangência do público a que a informação possa
destinar”, (LAGE, 2005 apud FRANCO, 2013).

O caráter educativo dos programas veiculados no site Web TV UNEB Núcleo de Juazeiro, em
especial o ‘Coisas do Sertão’, busca também levar a informação para transformação do
conhecimento, em uma prática educomunicativa. Para Martins(2008), um produto que
relaciona comunicação e educação, tem por finalidade procurar meios que possam intervir
socialmente.

Dessa forma, o programa ‘Coisas do Sertão’ leva a informação para seu público, transmitindo
para o webespectador um conhecimento diferenciado sobre o Semiárido Brasileiro,
mostrando que é possível conviver com as diferenças existentes no sertão, utilizando,
segundo IRPAA (2012), tecnologias e procedimentos apropriados ao contexto ambiental e
climático da região. Analisando o grau de aceitabilidade do programa, foram contabilizadas
16.500 acessos até o dia 17 de março de 2014.

É justificável que o programa ‘Coisas do Sertão’ procura mostrar um cenário diferente do


Semiárido que é pouco pautado nos meios de comunicação. Um lugar rico em cultura, belezas
naturais que abriga, segundo Santos (2007), um patrimônio biológico que não é encontrado
em nenhuma parte do mundo, onde as plantas da caatinga ajudam a agregar valor a
economia local. “A diversidade biológica, principalmente na flora, as várias formas de
manifestações culturais e até mesmo os diferentes microclimas fazem do Semiárido
Brasileiro uma região extremamente rica e com grande potencial para o desenvolvimento
sustentável” (SANTOS, SCHISTEK, OBERHOFER. 2007, P. 14).

Para a escritora Rachel de Queiroz apud Albuquerque Jr. (1999), “a mídia tem o olho torto
quando se trata de mostrar o ‘nordeste’” e insiste na repetição de discursos estereotipados
sobre o sertão, abordagens pejorativas que acabam desfragmentando a identidade do povo
sertanejo, tratando o Nordeste de forma inferior, quando comparada com outras regiões.

Por se tratar de uma produção de uma WEBTV educativa, o ‘Coisas do Sertão’ procura
produzir um formato de programa diferente do padronizado pelas TVs comerciais. O
programa educa na medida em que informa, levando a população o conhecimento sobre as
características e diferenças existentes no Semiárido, apresentando o que é produzido na
região nas áreas de ciências, tecnologia e cultura. O programa possui um enfoque
educomunicativo, que segundo Schaun, (2002) apud Santana (2010) consiste em um

Novo campo de intervenção social permeado pela inter-relação


comunicação/educação, mediante a qual na primeira predomina a excelência da
forma, do poder estético, enquanto a segunda elege valores éticos, morais e políticos
que buscam romper a lógica dos discursos hegemônicos, fundados na racionalidade
econômica e de mercado. (SCHAUN, 2002, p. 76).

Também justifica-se que a WebTV UNEB Núcleo de Juazeiro é um importante espaço para a
prática laboratorial em jornalismo, que proporciona aos estudantes/ repórteres que atuam no
projeto Programas Experimentais para Televisão, experiência prática, além de agregar
formação no currículo ao ingressar no mercado de trabalho. A preocupação com a formação
do estudante/repórter é constante e por isso, faz-se necessário que esse aluno passe por todo
o processo de produção da notícia. O público também tem espaço próprio para opinar e
sugerir pautas para o programa. Por meio da parceria entre o Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada (IRPAA) e a WebTV UNEB Núcleo de Juazeiro, com o programa ‘
Coisas do Sertão’, os estudantes tem a oportunidade de participar de cursos anuais sobre
comunicação e Semiárido e conhecem práticas que facilitam a convivência nesses territórios.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MÉTODO E TÉCNICAS UTILIZADAS

Para a realização desse trabalho, foram utilizados dois métodos de pesquisa: análise do
discurso transmitido pela grande mídia sobre o Nordeste e análise do enquadramento
jornalístico, observando o tratamento que é dado as notícias sobre o Semiárido no programa
‘Coisas do Sertão’ da WebTV Núcleo de Juazeiro.

O enquadramento jornalístico segundo Carvalho (2011) consiste nos modos como os veículos
jornalísticos apresentam as notícias ao seu público, tendo como foco as formas como os
indivíduos identificam situações das quais presenciam. As noticias produzidas sobre o
Nordeste pelos veículos de comunicação insistem em mostrar um ambiente pobre, onde a
‘seca’ é apresentada como principal problema da região. Para Soares (2006) apud Franco
(2013) o enquadramento jornalístico:

Trata-se de uma abordagem que salienta o caráter construído da mensagem,


revelando a sua retórica implícita, entranhada em textos supostamente objetivos,
imparciais e com função meramente referencial. No entanto refere-se à natureza do
texto jornalístico em geral, numa perspectiva sociocultural e política, não implicando
um questionamento da atuação profissional dos autores das matérias. Ao desenvolver
a análise, o pesquisador identifica as estratégias textuais e as representações contidas
em um corpus, podendo estabelecer, por exemplo, contrastes entre coberturas
diferentes, as quais, a uma simples leitura, podem parecer semelhantes. (SOARES,
2006, p.450)

Fazendo um comparativo entre as reportagens produzidas pelo programa ‘Coisas do Sertão’


e as matérias realizadas pelos veículos de mídia sobre o Semiárido, analisa-se que a condução
dada às reportagens do programa da WebTV UNEB Núcleo de Juazeiro, se preocupa em dar
visibilidade ao que é produzido nesses territórios, valorizando assim a identidade do
sertanejo.

De acordo com Robert Entman (1993), o enquadramento realizado pelos telejornais, procura
chamar a atenção para aspectos da realidade então descrita, o que significa dizer que é tirada
a atenção de alguns assuntos em prol de outros, que produz audiência. Segundo Wolf (2008),
“os campos da audiência tendem a se expor as informações que correspondam a suas
opiniões e evitam as mensagens que são inversamente diferentes”. Nesse sentido, o chão
rachado, a mulher com a lata de água na cabeça, a caatinga seca sempre serão abordados pela
mídia como um local de extrema miséria, em nome da audiência, obedecendo assim uma
lógica capitalista de mercado. O programa ‘Coisas do Sertão’ busca justamente fazer uma
abordagem diferenciada sobre o Semiárido, mostrando as suas inúmeras potencialidades e
desmistificando os estereótipos impostos pela mídia.

Por estar presente no inconsciente humano e social e ser resultado do processo cultural e
histórico, os estereótipo acabam trazendo consigo generalizações equivocadas sobre um
determinado local (MORONI, 2008). Os discursos defendidos pelos veículos de comunicação
dramatizam o cenário sertanejo, colocando em cheque a identidade local. Não há como negar
que as imagens apresentadas pela TV sobre o nordeste causam impacto e a repetição delas,
formam um elemento que estrutura o discurso midiático (SODRÈ, 1997 apud MORONI,
2008).

A análise do discurso pode ser vista como algo que:

Ao levar em conta tanto a ordem própria da linguagem como o sujeito e a situação,


não vai simplesmente juntar o que está necessariamente separado nessas diferentes
ordens de conhecimento. Ao contrário, ela vai trabalhar essa separação necessária,
isto é, ela vai estabelecer sua prática na relação de contradição entre estes diferentes
saberes. (...) A Análise do Discurso produz realmente outra forma de conhecimento,
com seu objetivo próprio, que é o discurso. (ORLANDI, 1994, p. 53).

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Segundo Albuquerque Jr (1999), o estereótipo criado em torno do sertão está relacionado à
tradição histórica do cangaço e o messianismo e essa consciência discursiva e imagética
dificulta hoje a criação de novos produtos que retratem um novo olhar sobre o Semiárido.
Ainda de acordo com o escritor, as figuras e signos exibidos sobre o sertão são impostos para
o público como “verdades” devido a insistente repetição e faz com que esses arquivos de texto
e imagens componham discursos que desfragmentam o retrato do nordeste.

O Coisas do Sertão procura desconstruir esse conceito de “verdade” sobre o Semiárido,


imposto pela mídia, tentando mostrar que a região não é sinônimo de seca, fome e miséria,
mas de produção de conhecimento nas áreas de ciência, meio ambiente, tecnologia, educação
e cultura além de mostrar que é possível conviver de forma harmônica com as diferentes
realidades desses territórios.

DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO

O programa ‘Coisas do Sertão’ faz parte da programação da WebTV Núcleo de Juazeiro,


projeto experimental que é orientado pela professora Fabiola Moura. Nele os
webespectadores tem a oportunidade de conhecer matérias educativas sobre o Semiárido
Brasileiro, além das potencialidades da região do Vale do São Francisco.

No programa são pautados temas relacionados a educação, ciência, cultura, tecnologia e meio
ambiente, buscando ressaltar toda produção de conhecimento que é realizada no sertão.
Desmitificar os estereótipos sobre o Semiárido de forma educativa, este é um dos objetivos do
‘Coisas do Sertão’. Por ser uma ferramenta que funciona via web, proporciona uma maior
interação entre o seu público, que pode opinar e sugerir pautas no espaço reservado aos
comentários no site ou por meio do e-mail da WebTV.

Para a execução das reportagens exibidas no ‘Coisas do Sertão’ , é sempre realizada a cada
quinze dias uma reunião de pauta. Nesse espaço, os estudantes podem dar sugestões de
pautas e reforçarem o conhecimento crítico a respeito do conteúdo que é produzido
diariamente sobre o sertão, tanto pela grande mídia, quanto pelos veículos de comunicação
local. Após as reuniões, os estudantes são designados a trabalharem em equipes, ação que
auxilia na condução das atividades e do aprendizado, além de preparar os estudantes a
desenvolver trabalhos em grupo, uma prática constante dentro de uma redação de TV. “A
produção de reportagem para o telejornalismo requer muita atenção, pesquisa, checagem,
além de muito profissionalismo da parte de todos os envolvidos no processo”.(SQUIRRA,
1993 apud XAVIER, 2013).

O conhecimento acerca do sertão também é reforçado nos encontros anuais realizados pelo
‘Coisas do Sertão’, em parceria com o Instituto Regional da Pequena Agropecuária
Apropriada (IRPAA), desenvolvidos para os estudantes do curso de jornalismo em
Multimeios da UNEB. Durante os cursos, a comunidade acadêmica conhece as práticas de
convivência com o Semiárido que são desenvolvidas em comunidades rurais da região, além
de discutir sobre o tipo de abordagem realizada sobre o Nordeste e como ela pode ser feita, a
partir dos aprendizados adquiridos no curso.

No projeto Programa Experimentais em Televisão, o estudante tem a oportunidade de


participar de todo o processo que envolve a construção da notícia que vai desde a reunião de
pauta, as entrevistas em campo, construção do off até a edição das reportagens com editor de
imagens. Uma das grandes preocupações do projeto está relacionada a simplicidade do texto,
que para Paternostro (2006) deve ser escrito de forma coloquial. Outra preocupação está
relacionada a condução dada entre o texto e imagem: “Em telejornalismo, a preocupação é
fazer com que texto e imagem caminhem juntos, sem um competir com o outro: ou o texto
tem a ver com o que está sendo mostrado ou não tem razão de existir, perde a sua função. O
papel da palavra não é brigar com a imagem” (PATERNOSTRO, 2006, p. 85 e 86).
359
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ainda segundo Paternostro (2006), “unir imagem, informação e emoção é uma boa saída
para transmitir uma notícia ideal”. Após a apuração, gravação das imagens e sonoras em
campo, o repórter escreve o off, que passa pela supervisão da Jornalista e professora Fabiola
Moura. Realizado o trabalho, o repórter segue para ilha de edição da Uneb , edita o material,
finalizando assim o seu trabalho. “ Editar é uma arte. No sentido de lapidar a reportagem
usando seus ingredientes básicos – imagem, informação e emoção - para contar uma história
no tempo certo”. (PATERNOSTRO, 2006, 162). Concluído o processo de edição, as
reportagens são hospedadas no site www.webtvjuazeiro.uneb.br.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas páginas de jornais, no rádio, sites e nas imagens televisivas, as reportagens que tratam
do nordeste sempre impactam devido a abordagem dramática e pejorativa que é dada ao
local. Nelas, o Semiárido é mostrado como retrato da fome, miséria sendo a seca a causa de
todos os problemas existentes na região. O objetivo do programa ‘Coisas do Sertão’ da
WebTV Núcleo de Juazeiro é realizar uma produção que valorize a identidade do sertanejo,
buscando desmistificar os estereótipos construídos sobre o sertão, se contrapondo ao que é
produzido pelas emissoras locais e nacionais sobre o nordeste.

No programa são apresentadas alternativas para a convivência no Semiárido, além de uma


vasta produção de conhecimento cultural e social que é realizada no sertão. Para isto, os
alunos são capacitados em oficinas jornalísticas de comunicação e Semiárido para melhor
lidar com noticias sobre esses territórios e, de forma crítica, construir matérias fora dos
padrões impostos pela grande mídia.

‘Coisas do Sertão’ além de ser uma ferramenta que possibilita uma nova abordagem sobre o
Semiárido Brasileiro, também contribui para o aprendizado prático dos alunos em
jornalismo. No programa, os estudantes tem a oportunidade de colocarem em prática o
aprendizado adquirido em sala de aula, ação que contribui para o desenvolvimento
profissional do aluno e facilita o ingresso no mercado de trabalho.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e ouras artes. São Paulo, Cortez, 1999.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e prática de entrevista e pesquisa jornalística. 5ª Ed., Rio de Janeiro,
Record, 2005.

MARTINS, Josemar. Comunicação e educação: fronteiras comuns necessárias. UNEB, 2008.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo, Cultrix,
2003. ORLANDI, Eni, Puccinelli. Discurso, Imaginário Social e Conhecimento. Em Aberto, Brasília, Ano
14, nº 61, 1994.

PATERNOSTRO. Vera Ìris. O texto na TV: Manual de Telejornalismo. 2ª Ed., Rio de Janeiro, Elsevier, 2006.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.

CARVALHO, Carlos Alberto de. O enquadramento como conceito desafiador à compreensão do


jornalismo. Disponível em: http://www.intercom,org,br/papers/regionais/sudeste2009/resumos/R14-
0206.pdf

FRANCO, Amanda Pinto. SANTOS, Fabiola Moura Reis. (Reconstruindo as “Coisas do Sertão”: um
semiárido em foco. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/expocom/EX32-0035-1.pdf

360
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
IRPAA. Convivência com o Semiárido. Disponível em http://www.irpaa.org/modulo/convivencia-com-o-
semiarido

MENDES, Marcília Luzia Gomes da Costa. COSTA, Maria Ivanúcia Lopes. O Discurso Midiático e a
Construção da Notícia: relações entre infraestrutura e superestrutura da teoria bakhtiniana. Disponível
em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/mendes-costa-o-discurso-midiatico-e-a-construcao-da-noticia.pdf

MORONI, Alyohha de Oliveira. OLIVEIRA, Elza Aparecida. Estereótipos no telejornalismo


brasileiro: identificação e reforço. Disponível em:http://www.bocc.ubi.pt/pag/moroni-alyohha-oliveira-elza-
estereotipos-no-telejornalismo.pdf

PINTO, Edilene Barbosa. LIMA, Maria José de Araújo. O programa de convivência com o semiárido
Brasileiro e sua influência na mudança de hábitos e valores. Disponível
em: http://www.yumpu.com/pt/document/view/12827880/o-programa-de-convivencia-com-o-semi-arido-
fundacao-joaquim-

RIBEIRO, Daniela Costa. WebTV: Perspectivas para Construções Sociais Coletivas. Disponível
em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/ribeiro-daniela-web-tv-perspectivas-para-construcoes-sociais-coletivas.pdf

SANTANA, Everaldo Costa. VITAL, Cleyton Douglas de Apolônio A educomunicação na produção de


conteúdos audiovisuais na formação de jovens. Disponível
em: http://www.ufpe.br/nehte/simposio/anais/Anais-Hipertexto-2010/Everaldo-Costa&Cleyton-Douglas-
Vital.pdf

SANTOS, Cícero Félix, SCHISTEK, Haroldo, OBERHOFER, Maria. No Semiárido- Viver é aprender a
Conviver. Acesso em: 13 de março de 2014. Disponível em http://www.irpaa.org/publicacoes/cartilhas/no-
semiarido-viver-e-aprender-a-conviver.pdf

XAVIER, Aline. RODRIGUES, Liliana. Técnicas e Práticas para elaborar reportagens


telejornalísticas. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/norte2013/resumos/R34-0170-1.pdf;

361
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PROCESSOS DE NOMEAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DE IDENTIDADES
FEMININAS NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO

Poliana Mireli Barbosa Leite ∗ (UPE/CNPq)


Jaciara Josefa Gomes ∗∗ (UPE)

RESUMO: O discurso é uma prática social pela qual o ser humano constrói seu
conhecimento e exerce sua cidadania (FAIRCLOUGH, 2001). Diante da ideia de que o
indivíduo possui múltiplas identidades que se moldam ao longo de uma vida através de
influências de diversas formas socioculturais. Considerando que é através do discurso que as
pessoas constroem suas identidades sociais e se posicionam no mundo (HAL, 2006), este
artigo discute os resultados parciais do projeto de iniciação científica que tem como objeto de
estudo o discurso veiculado em letras de músicas (Funk-brega 129, Sertanejo universitário e
Arrocha) que circulam na sociedade pernambucana, entre outras, e exploram como foco a
mulher, seja nomeando-a ou categorizando-a. Para tanto, identificamos e classificamos
formas de nomeação e categorização (VAN LEEUWEN, 1997) mais recorrentes nas letras
selecionadas e investigamos os aspectos intertextuais de (des)valorização no funk-brega. Se a
construção de significados depende não só do que está explícito em um texto, mas também
do que está implícito – o que está presumido (RESENDE e RAMALHO, 2006, p. 80) e as
identidades resultam de construtos social, político, cultural que são diversos. Contudo,
destacamos que há uma construção identitária múltipla e em fluxo, corroborando com a
literatura estudada.

Palavras-chave: Funk. Nomeação. Categorização. Feminismo.

ABSTRACT: The discourse is a social practice in which humans construct their knowledge
and exercise their citizenship (Fairclough, 2001). Given the idea that the individual has
multiple identities that shape the course of a lifetime through influences from various
sociocultural forms. Whereas it is through discourse that people construct their social
identities and position themselves in the world (HAL, 2006), this article discusses the partial
results of the scientific research project that has as its object of study the discourse conveyed
in lyrics (Funk-tacky 130, Sertanejo university and Arrocha) circulating in society Pernambuco,
among others, explore and focus on the woman, either by naming or categorizing it. For this,
we identify and classify forms of naming and categorization (van Leeuwen, 1997) recurrent in
selected letters and investigated the intertextual aspects of (un) recovery in the funk - tacky.
If the construction of meaning depends not only on what is explicit in the text, but also of
what is implied - that is presumed (Resende and Ramalho, 2006, p 80.) And identities result
from, political, social, cultural constructs that are diverse. However, we emphasize that there
is a flow and multiple identity construction, corroborating the literature studied.

Keywords: Funk. Appointment. Categorization. Feminism.

INTRODUÇÃO

O processo de construção de identidades pode ser compreendido como uma ação contínua
que ocorre nas práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Nessas práticas, são construídos
sujeitos que se caracterizam por não ter uma identidade fixa nem permanente. Cada
indivíduo possui múltiplas identidades que se moldam ao longo de uma vida por influências
de diversas formas socioculturais. Considerando a ideia de que é através do discurso que as

∗Universidade de Pernambuco-Campos-Garanhuns/Graduanda (Bolsista PIBIC), [email protected].


∗∗ Universidade Pernambuco/UPE-Campus-Garanhuns. Doutora em Letras/Linguística pela (UFPE, 2013)
, [email protected].
129 Neste artigo, traremos uma análise focalizada nas letras de músicas do gênero funk-brega e Arrocha.
130In this articlewe will bringa focusedanalysis on thelyricsof the genrefunk-tacky.

362
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pessoas constroem suas identidades sociais e se posicionam no mundo (HALL, 2006), este
artigo tem como objeto de estudo o discurso veiculado em letras de músicas (funk-brega e
Arrocha) que circulam na sociedade, em variados contextos e exploram como foco a mulher,
seja nomeando-a ou estereotipando-a.
No Brasil, o estilo funk teve origem na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas foi nas comunidades
periféricas da cidade que se desenvolveu de maneira bem particular, revestindo-se de
características tipicamente brasileiras, mostradas em uma nacionalidade também única
(GOMES, 2013). O Funk desde o surgimento se caracteriza como uma hibridização muito
diversa e aparenta não ter preconceitos temáticos, pois une além de diferenças regionais, o
mundano e o venerável. Essinger (2005 apud GOMES, 2013). Tais músicas representam
possíveis construções de identidades distintas, identidades que não são fixas (MOITA
LOPES, 2003; 2002), as quais podem ser direta ou indiretamente aceitas por mulheres que
consomem tais estilos musicais. É sabido que a figura feminina é, comumente, alvo de
diversas formas de discriminação, sendo colocada como mulher objeto para satisfazer os
desejos masculinos.

Vivemos em uma sociedade construída em bases patriarcais, na qual vigora o “poder”. Van
Dijk (2008, apud GOMES, 2013, p. 71) defende a importância de qualificar culturalmente a
reprodução do poder, uma vez que os discursos, as cognições sociais e as maneiras de
reprodução do poder vão variar não apenas numa perspectiva histórica, como também de
uma cultura para outra. Sabemos que nesta reprodução do poder, a mulher ainda possui
pouco espaço, por exemplo, em suas relações sociais trabalhistas, amorosas, entre outras,
além de muitas vezes esse espaço ser desvalorizado. É evidente que esse fato vem se
modificando com os avanços da humanidade, mas a mulher com frequência é vinculada a
estereótipos que a inferioriza em relação ao gênero masculino, na sociedade de modo geral.
Em letras desses estilos musicais, tais estereótipos costumam ser bastanteexplorados. Ainda
são representadas imagens femininas que colocam a mulher como submissa e também como
produto que satisfaz os desejos sexuais dos homens. Diante dessa problemática, surge a
inquietação de compreender como essas diversas identidades são construídas.

1. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Os materiais necessários à realização desse estudo são os CDs dos artistas escolhidos para a
investigação, são eles: o MC Leozinho do Recife, o MC Sheldon e os MCs Metal e Cego, todos
do chamado funk-brega 131 e Pablo do Arrocha. Realizamos a escuta das músicas dos CDs
produzidos pelos artistas no período de 2008 a 2013, como corpus ampliado. Em seguida,
com base no sucesso das letras (sucesso verificado a partir da aceitação popular),
selecionamos aquelas que compõem o corpus restrito. Essas letras, quando não disponíveis
na internet,foram transcritas. O processo de transcrição foi com base no que propõe
Marcuschi (2005). A partir dessas transcrições é que pudemos realizar a identificação e
posterior classificação das formas de nomeação e de categorização (VAN LEEUWEN, 1997).
Como as letras são de domínio público e amplamente divulgadas, não identificamos
problemas de natureza ética em apresentar os artistas nominalmente na pesquisa.

Realizada essa primeira etapa, investigamos os aspectos intertextuais de (des)valorização da


mulher no funk-brega. Como nossa pesquisa é de cunho qualitativo, não pontuamos de início
um quantitativo de letras a serem analisadas, até porque nosso olhar atenta para questões
que envolvem os agentes sociais construídos em diferentes instâncias discursivas. Assim,
analisamos usos linguísticos particulares e construímos classificações gerais para as
identidades (des)veladas.

131
O estudo maior é composto ainda pelo gênero: Sertanejo universitário, dos quais selecionamos como representantes os
artistas Gusttavo Lima.
363
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
2. DISCURSO E PRÁTICA SOCIAL: CONCEITO DE IDEOLOGIA, CATEGORIZAÇÃO E
NOMEAÇÃO

Embasamo-nos na teoria Crítica do Discurso, proposta por Fairclough (2001), que ao usar o
termo ‘discurso’ considera o uso da linguagem como prática social e não como exercício
puro/individual ou reflexo de variáveis situacionais. Para entender como os atores sociais
constroem suas identidades e situam a si e ao outro no mundo através do discurso, esse
discurso é compreendido como ação, em que as pessoas são agentes no mundo e agem sobre
os outros através de representações. Em razão disso, Fairclough (2001, p. 91) argumenta que
“o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do
mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.”

O construto significativo do mundo é carregado de ideologias que por meio de discursos são
expressadas pelos grupos, comunidades, instituições, etc. Segundo Fairclough (2001), a
ideologia é entendida como significações/construções da realidade, o mundo físico, as
relações sociais de modo geral e as identidades sociais que são construídas em instâncias dos
modo de práticas discursivas, contribuindo na produção, reprodução ou transformação das
relações de dominação. Neste estudo, observamos formas ideológicas embutidas em práticas
discursivas aparentemente eficazes por se tornarem naturalizadas atingindo o status de senso
comum, e com essa pesquisa mostraremos como essas ideologias camufladas ocorrem de
modo a possibilitar uma possível transformação, um outro olhar ideológico, quando
pensamos na relação texto-leitor. “A ideologia está localizada tanto nas estruturas (isso é,
ordens de discurso) que constituem o resultado de eventos passados como nas condições
para os eventos atuais e nos próprios eventos quando reproduzem e transformam as
estruturas condicionadoras” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 119).

Estruturas condicionadoras são (des)veladas por discursos que se encontram em locais


ideologicamente distintos, sabendo disto, compreender os modos utilizados pelas pessoas
para identificarem a si e ao outro no mundo, através de significações expressadas
discursivamente torna-se essencial. Sendo estes locais distintos, pensando o lugar onde o
falante se encontra será que as nomeações e categorizações utilizadas são atos de fala
individuais? Segundo Gomes (2013), é necessário refletir sobre o uso real da língua por
jovens funkeiros através dos postulados de Bakhtin (2004, apud GOMES, 2013) que enfatiza
o fato de a ideologia impregnar todo o discurso. Para entender as maneiras como os atores
sociais são representados através de posicionamentos ideológicos, recorremos a Van
Leeuwen (1997, apud GOMES, 2013), especificamente aos estudos de representação de
atores sociais. O autor dispõe dois grandes grupos de escolhas representacionais:
personalização e impersonalização. Detemo-nos aqui ao primeiro que pode ocorrer com a
utilização de nomes próprios, pronomes pessoais ou possesivos e substantivos. Este processo
pode acontecer por meio de nomeação, categorização e generalização. Neste estudo, focamos
os dois primeiros. A nomeação acontece quando os atores são nomeados por suas identidades
únicas e categorização quando os atores são nomeados com as identidades e funções
compartilhadas com outros. Para compreender como acontecem tais processos de
representação de atores sociais, procedemos a análise das letras de música Funk-brega.

3. (DES)VELANDO SIGNIFICADOS: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

Diante do contexto amplo que a música de modo geral, não só o gênero funk, engloba, torna-
se relevante percebermos como a figura feminina está sendo vista e também como é aceita,
como ganha voz nesse mundo musical. O quadro abaixo mostra quais são as formas de
representação social mais recorrentes no discurso de funkeiros, a partir das letras
selecionadas. Vejamos:

364
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Personalização
Nomeação Categorização Generalização
garota Assanhada Ela
novinha 132
QUADRO 1: Representações das figuras femininas personalizadas nas letras selecionadas

A seguir, analisamos as letras da canções “Chama ela”, gravada pelo funkeiro Mc Leozinho do
Recife e “Malhado e Gostoso”, gravada pelo Cantor Pablo do Arrocha “A voz romântica”:

Exemplo 1
CHAMA ELA 133 – 2012 E se nós tá bebendo whisky
Mc Leozinho do Recife Chama ela que ela vem
Se é pra andar na lancha
Chama ela ai Chama ela que ela vem
Ei chama ela em É pra andar na mil e cem
Ei Chama ela que ela vem
Ô chama ela Pra andar na minha nave
Chama ela que ela vem Chama ela que ela vem
Chama ela Se ela tá na tua mesa quer beber e nada
Chama ela que ela vem tem
Chama ela Chama ela aqui pra minha que nós faz
Chama ela que ela vem chuva de cem
Chama ela Quando ela escuta o ronco da orna de
Chama ela que ela vem mil e cem
Cavazaque tem bandit RR ela tem
Ôááá
Acertei de novo pai Chama chama ele em (2x)
Voltei apavorando tudo Vem vem vem

Em Passe por longe

Chama ela que ela vem


Chama ela (2x)
Que nó faz chuva de cem
Vem vem vem (4x)
Ôôô

Exemplo 2
MALHADO E GOSTOSO134 Perto da minha Ferrari seu camaro é
fichinha
Pablo As mulheres que eram suas agora estão na
minha
Perto da minha Ferrari seu Camaro é
fichinha Tô nas praias do nordeste e você no frio
As mulheres que eram suas agora estão na do sul
minha E além da lamborghini tenho uma pajero
full
Tô nas praias do nordeste e você no frio
do sul Tenho uma amarok, um jet sky

132
Esse uso também pode ser analisado como categorização, já que não necessariamente individualiza um ser no
mundo.
133
O processo de transcrição foi com base no que propõe Marcuschi (2005), para a canção “Chama ela”. Já a
letra da canção “Malhado e Gostoso” está disponível na internet.
134 Disponível em http://letras.mus.br/pablo/malhado-e-gostoso/. Acesso 10/04/14.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
E além da lamborghini tenho uma pajero Uma harley, uma lancha, muita grana pra
full curtir
Tenho uma amarok, um jet sky
Uma harley, uma lancha, muita grana pra Uma casa em nova york e além da
curtir cobertura
Uma fazenda em goiás, quero ver quem
Uma casa em nova york e além da me segura
cobertura
Uma fazenda em goiás, quero ver quem Tô de bem com a vida, eu tô bem
me segura arrumado
Se você se acha doce eu já tô açucarado
Tô de bem com a vida, eu tô bem
arrumado Tô do jeito que elas gostam tô chamando
Se você se acha doce eu já tô açucarado a atenção
Tô malhado, tô gostoso sem ninguém no
Tô do jeito que elas gostam tô chamando coração
a atenção
Tô malhado, tô gostoso sem ninguém no Tô de bem com a vida, eu tô bem
coração arrumado
Se você se acha doce eu já tô açucarado
Tô de bem com a vida, eu tô bem
arrumado Tô do jeito que elas gostam tô chamando
Se você se acha doce eu já tô açucarado a atenção
Tô malhado, tô gostoso sem ninguém no
Tô do jeito que elas gostam tô chamando coração
a atenção
Tô malhado, tô gostoso sem ninguém no
coração

No exemplo 1, a expressão “chama ela”, presente desde o título, permite-nos pensar “a quem”
se refere a generalização “ela”, podemos a princípio afirmar que a todas as pessoas do gênero
feminino. Entretanto, parece mais adequado considerar a generalização utilizada pelo
compositor, quando faz uso do pronome pessoal do caso reto “ela” flexionado em número e
gênero (singular/feminino) sendo construída como uma especificação do ser, já que o
enunciador, ao longo da canção, atribui ações ao pronome “ela” que o particularizam no
mundo, ou melhor, o identifica no mundo. Logo, refletimos esse processo de nomeação e
categorização a partir do questionamento de se é generalização ou não, para entender como a
figura feminina é identificada nesse contexto e como consequência dessa identificação como
são geradas as múltiplas identidades empregadas ao gênero feminino.

Podemos observar que os processos ideológicos que contribuem para a construção de uma
identidade feminina neste contexto são aliados a ideias do mundo capitalista. Isto porque é a
mulher categorizada como “interesseira 135”, já que só se aproxima do rapaz por causa dos
bens e serviços cobiçados no âmbito do poder, do “mundo rico”, no mundo funkeiros esses
bens e serviços são almejado de modo mais expressivo, notado através da ostentação 136 e do

135 Esta é uma interpretação que o contexto da música permite, e não a letra.

136Ostentação é o ato ou efeito de ostentar, quer dizer “apresentar” ou “mostrar” num sentido exibicionista, estando ligado

ao orgulho, à presunção ou simplesmente à vaidade. É o ato de alguém que exibe as suas riquezas ou as suas próprias
qualidades, sublinhando a importância de algo que tem, que fez ou que é. Ostentação é uma palavra que tem origem no
termo em latim ostentatio, que significa exibição vã ou inútil. Uma pessoa que recorre à ostentação é muitas vezes
conhecida como afetada ou fútil. Esta é uma palavra bastante usada no contexto do funk, mais concretamente em músicas
da autoria do MC Daleste (Ostentação Fora do Normal) e da MC Pocahontas (Mulher do Poder). Disponível em
http://www.significados.com.br/ostentacao/. Acesso 10/03/14.

366
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
poder aquisitivo. No exemplo 2, encontramos trechos que conduzem a uma compreensão que
também categoriza a figura feminina como “interesseira137” (Perto da minha Ferrari seu
Camaro é fichinha/As mulheres que eram suas agora estão na minha), E esse poder
aquisitivo se torna um atrativo que serve à conquista, quanto maior for a ostentação, maior
será o número de “novinhas” conquistado, pois “Se é pra andar na lancha/chama ela que ela
vem” “É pra andar na 1100 138/chama ela que ela vem” 139. A figura feminina constrói suas
relações interpessoais por interesse e não por valores como a amizade/companheirismo que
são “prezados”: “Se é pra andar na minha nave/chama ela que ela vem”. Nave é uma palavra
que nos faz inferir sentidos como: céu, nuvens, o voo nesse mundo do consumo tão sonhado.
Nave também nos faz pensar em uma supermáquina, uma máquina espacial, fora do
terrestre, ou além deste.

No trecho, “Se ela tá na tua mesa quer beber e nada tem” “chama ela aqui pra minha que nos
chuva de cem” “quando ela escuta o ronco da orna de mil e sem Cavazaque, tem Bandit, RR
ela tem”, observamos as ideologias veiculadas, ou melhor, construídas discursivamente,
discutimos anteriormente, ideologias do mundo do consumo/capitalista, onde a aquisição de
bens materiais tornou-se acelerada e voraz, quando o ter bens materiais passa a ser um pré-
requisito nas relações interpessoais, o “eu” e o “outro” são bem vistos quando mostram o que
“possuem”. No exemplo 2, o discurso do enunciador enfatiza a ideia de que as relações
interpessoais (amizade, amorosa) são conquistadas por meio dos bens e consumo/voraz, (Tô
do jeito que elas gostam tô chamando a atenção) (Tenho uma amarok, um jet sky
uma harley, uma lancha, muita grana pra curtir). Esse mundo é colocado de modo expressivo
nesses contextos musicais, é notável quando os enunciadores utilizam variados modelos de
motocicletas/automóveis entre outros meios de transporte (aquático) que são
comercializadas no mercado com um alto valor, esbanjando assim a “chuva de cem 140”,
metáfora utilizada para intensificar o lugar que tal indivíduo ocupa num determinado espaço
ou que almeja ocupar, o lugar de poder, lugar onde há “muita grana pra curtir 141”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O universo aqui estudado nos permite identificar ideologias que abrangem o âmbito
discursivo do poder social aquisitivo. Essas ideologias são base na construção de identidades
e nesse recorte objetivamos identificar como as identidades femininas são construídas
através dos processos de nomeação e categorização observando os aspectos intertextuais de
(des)valorização da mulher empregados nas letras das músicas funk-brega e arrocha
analisada.
Percebemos que, através das formas de representação de atores sociais, a figura feminina
pode carregar e/ou ser identificada por múltiplas identidades como, por exemplo, assanhada,
“interesseira”, novinha. Nas letras analisadas, observamos que “ela” foi categorizada
implicitamente como interesseira, pois quando o enunciador pronuncia “se é pra andar na
minha nave/chama ela que ela vem”, observamos que o contexto criado pelo discurso é
preenchido por objetos que fazem parte do “mundo do poder/aquisitivo”, colocando a ideia
de que “ela” vai por tais motivos, sem estes motivos, “ela” talvez não fizesse parte do contexto
se “ele” não estivesse: “Tô do jeito que elas gostam tô chamando a atenção”.
O discurso é a própria ostentação “...nós faz chuva de cem” / “muita grana pra curtir”.
Contudo, observamos que as construções identitárias em meio a ideologias diversas
(capitalistas, implantadas muitas vezes pelo mundo midiático) torna o ator social plural, sem
uma identidade definida, se apropriando de múltiplos valores fragmentados, que o
posicionam no mundo de modos diversos e não estável.

137 Nas letras das músicas analisadas não há a palavra interesseira de fato escrita/ “explicitamente”, mas a contextualização
musical abre caminhos(implícito) nessa perspectiva.
138 A letra é contextualizada através (não só) de modelos de motocicleta que estão disponíveis no mercado.
139 Exemplo 1.
140 Exemplo 1.
141 Exemplo 2.

367
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
REFERÊNCIAS

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília, Editora da UnB, 2001.


GOMES, Jaciara J. Tudo junto e misturado: violência, sexualidade e muito mais nos significados do funk
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2011.

368
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ANALISADA EM
SALA DE AULA

Larissa Cordeiro Araújo 142


Mayara Carvalho Peixoto 143
Márcia Candeia Rodrigues 144

RESUMO: A análise Linguística (AL) é apresentada como um eixo do ensino de Língua


Portuguesa e é abordada com uma perspectiva conservadora, inovadora e conciliadora, neste
sentido, no presente relato de experiência objetivamos discutir a prática de AL em sala de
aula. Sendo assim, relatamos aulas de língua portuguesa lecionadas em uma escola pública
da cidade de Campina Grande-PB, por meio do componente curricular Estágio de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental (segunda etapa) e detalhamos como a Análise
Linguística é abordada e tratada através do planejamento e execução de sequência didática.
Fundamentam nosso relato as contribuições teóricas de Bezerra e Reinaldo (2011), Franchi
(2006), Marscuschi (2008), Mendonça (2002), os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua portuguesa do 3º e 4º ciclo do Ensino Fundamental (1998), Pereira (S/A), Pimenta e
Lima (2004) e Schneuwly e Dolz (2004). Os resultados das análises desenvolvidas
demonstram que a abordagem de AL se apresenta como alternativa ou complementação ao
ensino de gramática tradicional e como reflexão relacionada aos demais eixos da língua
portuguesa: leitura e escrita.
PALAVRAS- CHAVE: Análise Linguística. Prática. Leitura e escrita.

ABSTRACT: The Linguistic Analysis (LA) is presented as an axis of teaching Portuguese and
is approached with a conservative and innovative perspective. Therefore, the present study
aims to discuss the practice of Linguistic Analysis in the classroom. So reports of Portuguese
language classes in a public school in the city of Campina Grande- PB, through curricular
component Stage Portuguese Language in Junior High School and is made descriptions of
how the Linguistic Analysis is approached and dealt with through the planning and execution
the didactic sequence. Underlie the reported theoretical contributions Bezerra and Reinaldo
(2011), Franchi (2006 ) , Marscuschi (2008 ) , Mendonça (2002), the National Curricular
Parameters for Language Portuguese 3rd and 4th level of Elementary School (1998) , Pereira
( S / A ) , Pimenta and Lima (2004) and Schneuwly and Dolz (2004 ). The results of the
analysis show that the developed approach to Linguistic Analysis is presented as an
alternative or complement to the traditional teaching of grammar and reflection as related to
other strands of the Portuguese language: reading and writing.
KEYWORDS: Linguistic Analysis. Practice. Reading and writing.

INTRODUÇÃO

O Estágio Supervisionado é a exteriorização do aprendizado acadêmico fora


dos limites da universidade, é o espaço onde o discente irá desenvolver seus conhecimentos,
correlacionando teoria à prática, contribuindo para uma análise de pontos fortes e fracos das
escolas e propondo melhoria para os cursos de licenciatura das instituições públicas. Sendo
assim, o estágio tem o intuito de promover o contato dos graduandos com a realidade
profissional que eles lidarão posteriormente.
A disciplina Estágio de Língua Portuguesa no ensino fundamental, ministrada pela
professora Márcia Candeia Rodrigues nos proporcionou a prática das teorias estudadas no
decorrer do curso, já que segundo Pimenta e Lima (2005):

142 Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa – Universidade Federal de Capina Grande – [email protected]
143 Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa – Universidade Federal de Capina Grande – mayaracarvalho-
@hotmail.com
144 Professora Doutora da Universidade Federal de Campina Grande – Campina Grande –[email protected]

369
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O exercício de qualquer profissão é prático, no sentido de que se trata de aprender a
fazer ‘algo’ ou ‘ação’. A profissão de professor também é prática. E o modo de
aprender a profissão, conforme a perspectiva da imitação será a partir da observação,
imitação, reprodução e, às vezes, da re-elaboração dos modelos existentes na prática,
consagrados como bons. ( p. 7)

Esta experiência teve como objetivo oferecer situações de nos assumirmos como sujeitos
ativos do processo de ensino-aprendizagem, preparar-nos para o trabalho docente utilizando
métodos de aplicação e avaliação das aulas e promover reflexões sobre a aplicação dos
conhecimentos e habilidades relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem de língua
materna.
Essa disciplina foi realizada em uma escola pública da cidade de Campina Grande, escolhida
pela professora, na qual tivemos um período de duas semanas para observar as aulas de
língua portuguesa dos alunos do 8º B, posteriormente, atuamos em sala de aula durante
quatro semanas, sendo duas para cada estagiária. A nossa Sequência Didática (SD) deu
continuidade ao trabalho que o professor vinha realizando na turma, foi constituída por oito
módulos, teve como conteúdo conjunções, coordenação e orações coordenadas e trabalhou
com vários gêneros textuais dentre eles: anúncio, artigo de opinião, tirinha, propaganda
televisiva, editorial etc.
A realidade escolar que observamos mostra que ainda há dúvidas e contradições a respeito do
ensino da gramática. O professor continua a usar a metalinguagem com o objetivo de induzir
os alunos a dominar conceitos que talvez não os ajudem no desenvolvimento das habilidades
linguísticas. Ou seja, nas observações das aulas, vimos que elas tinham uma abordagem
muito tradicional, na qual o professor escrevia conceitos no quadro e explicava exemplos
descontextualizados, o que dificultava a compreensão dos alunos.
Diante do exposto, nosso relato será norteado pela Análise Linguística (AL), um dos eixos de
ensino da Língua Portuguesa. Estudar essas práticas como um eixo de ensino, exige que
esclareçamos sobre essa própria expressão, sendo assim análise linguística seria, de acordo
com Mendonça (2006, p. 205) “uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico
e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais,
textuais e discursivos”.
A escolha desse eixo de ensino deve-se ao fato de que esta perspectiva mostra que através das
atividades da análise linguística, o professor poderá promover a compreensão dos aspectos
sistemáticos da língua através de um pensamento crítico e reflexivo sobre ela.
Diante disso, nosso trabalho tem como principal objetivo relatar como nossas aulas
abordaram o tratamento da Análise Linguística através do planejamento e execução da
sequência didática (SD). Sendo assim, os específicos seriam discutir sobre a abordagem do
ensino de gramática nas aulas observadas; analisar fragmentos da SD que comprovam o
tratamento de AL; discutir as escolhas metodológicas no planejamento da SD; analisar
algumas atividades propostas e discutir se nossas aulas contribuíram para a compreensão do
conteúdo através da AL.
Fundamentam nosso relato as contribuições teóricas de Bezerra e Reinaldo (2011), Franchi
(2006), Marscuschi (2008), Mendonça (2002), os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua portuguesa do 3º e 4º ciclo do Ensino Fundamental (1998), Pereira (S/A), Pimenta e
Lima (2004) e Schneuwly e Dolz (2004).
Este trabalho será divido em três seções: esta referente à introdução; o desenvolvimento do
texto e as considerações finais, a seção destinada ao desenvolvimento do texto será
subdividida em três tópicos: 1.1. Período de observação em sala de aula, 1.2. Planejamento
da Sequência Didática e práticas de Análise Linguística 1.3. Análise das atividades
propostas e desempenho dos alunos.

1. PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ANALISADA EM


SALA DE AULA

Nessa disciplina – Estágio de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental – tivemos a


oportunidade de refletir sobre o ensino de língua materna, bem como realizar leituras em
370
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
torno das abordagens desse ensino. Essas abordagens referem-se ao Behaviorismo,
Construtivismo e Sociointeracionaismo e foram discutidas por Pereira (S/A) em seu artigo
Didática do Ensino de Língua Portuguesa.
A partir dos estudos sobre esses paradigmas e do período de observação das aulas do
professor na escola pública, notamos que a abordagem destas tinha um cunho tradicionalista,
que pode se encaixar na concepção de Behaviorismo, proposta por Pereira (S/A): “o
behaviorismo está bem associado ao ensino tradicional de língua, baseado essencialmente no
estudo de conceitos, terminologias, memorização de regras de acentuação, conjugação verbal,
ênfase em analise sintática e outros conhecimentos de estrutura da língua” (p. 37)

Chegamos a essa conclusão, observando a metodologia do professor e anotando o conceito de


termos gramaticais copiados por ele. Vejamos essa transcrição do conceito e exemplos do
conteúdo aposto:

Aposto: Termo da oração que especifica algo dito anteriormente.


Exemplo1: Eu já morei em vários bairros da zona leste: Zé Pinheiro, Monte Santo e
Santo Antônio.
Exemplo 2: Eu trabalho no shopping Boulevard, antigo Iguatemi.

Vejamos agora o conceito de aposto formulado por Mauro Ferreira em sua gramática
Aprender e praticar (2007, p. 396):

Aposto: Explica, enumera, resume ou especifica um nome.

Analisando comparativamente esses conceitos, vemos que o conceito dado pelo professor
(Termo que especifica algo dito anteriormente) não é completo e não condiz com os
exemplos mostrados por ele (o Exemplo 1, trata de um aposto que enumera os vários bairros
da zona leste e o Exemplo 2 trata de um aposto que explica o termo dito anteriormente –
shopping Boulevard.), pois como sabemos e assim como afirma Ferreira (2007) o aposto não
apenas especifica um termo, mas explica, resume e enumera.
Essa confusão do conceito explicado pelo professor pôde ainda ser percebida em sua fala na
explicação do Exemplo 2:
“Vocês estão vendo? Antigo Iguatemi acrescenta uma informação nova a Boulevard”
A explicação do professor não possibilitou a compreensão de boa parte dos alunos, pois ele,
segundo o Behaviorismo, foi apenas um transmissor de conhecimentos, e os alunos foram
apenas receptores. Então, a metodologia foi transmissiva, baseada na exposição dedutiva –
do geral para o particular isto é, do conceito para o exemplo. Essa metodologia pode
impossibilitar o aluno a produzir efeitos de sentido e a refletir sobre os usos da língua.
Não queremos dizer com essa análise, que o trabalho com conceitos da gramática seja
desnecessário, mas sim, o trabalho apenas com eles. Então, o que deve ser feito são práticas
de leitura e produção de textos, que apresentem usos legítimos da linguagem, ou seja,
práticas de AL, pois como afirma Mendonça (2006):
AL é parte das práticas de letramento escolar, consistindo numa reflexão explicita e
sistemática sobre a constituição e o funcionamento da linguagem nas dimensões
sistêmica (ou gramatical), textual, discursiva e também normativa, com o objetivo de
contribuir para o desenvolvimento de habilidades de leitura/escuta, de produção de
textos orais e escritos e de análises e sistematização dos fenômenos linguísticos
(p.208).

Diante deste fato, vimos que havia uma necessidade de se trabalhar com AL nas aulas de
língua portuguesa da turma do 8º B, uma vez que esta tinha grande dificuldade de
compreensão, pois a abordagem metodológica feita pelo professor não possibilitou que os
alunos fizessem suas descobertas, expusessem seus conhecimentos e construíssem novos
saberes sobre gramática.

1.2. Planejamento da Sequência Didática e práticas de Análise linguística

371
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Segundo Schneuwly e Dolz (2004, p. 97) “uma sequência didática é um conjunto de
atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual,
oral ou escrito”.
Nesse contexto, o planejamento da nossa SD aconteceu a partir de elaborações de módulos –
tendo em vista que estes são um conjunto de atividades organizadas de maneira sistemática –
bem como pela necessidade de se trabalhar com AL. Sendo assim, neste tópico iremos
analisar fragmentos da nossa SD que comprovam o tratamento dessa abordagem, pois, o
trabalho de AL na SD
surge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção de texto, dado
que possibilitaria a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais e textual-
discursivos que perpassam os usos linguísticos, seja no momento de ler/executar, de
produzir textos ou de refletir sobre esses mesmo usos da língua (MENDONÇA, 2006.
p. 204).

Analisando o fragmento do Módulo I (Em anexo) da nossa SD a seguir, vemos que alguns dos
objetivos esperados foram essenciais para a construção de uma reflexão dos alunos acerca do
conteúdo trabalhado, conjunções:
• Discutir sobre o conteúdo semântico presente nas conjunções;
• (Re)conhecer as conjunções e seus respectivos valores semânticos no gênero textual
anúncio.

Além disso, a estagiária utilizou a prática de AL para conceituar conjunção, pois ela, através
de anúncios que foram exibidos e discutidos – proporcionando aos alunos um bom contato
com o texto – deu a noção desse termo sintático, ou seja, utilizou o texto como um pretexto.
Vejamos o conceito apresentado por ela:
Conjunção é a palavra de liga: “Duas orações.Duas palavras de mesma função
sintática em uma oração”.(FERREIRA, 2007. p. 311)

Outra prática de análise linguística presente na nossa SD ocorreu no momento em que foi
dada a noção de coordenação. A estagiária colocou no quadro o seguinte exemplo:
Uma frente fria chegará amanhã.
A temperatura diminuirá bastante.
O sol aparecerá pouco.
Depois, ela induziu os alunos a ligarem as frases através das conjunções, atentando para o
fato que as frases além de terem sentido sozinhas, podem ter outros sentidos se forem ligadas
por conjunções.
É importante considerar que para compreensão das classificações desse termo sintático –
conjunção coordenativa – o aluno teve que compreender as relações de sentido estabelecidas
por elas, pois a noção de sintaxe relacionada à semântica, assim como afirma Franchi (2006):
“nos permite ver que as considerações semânticas, em que estamos interessados na
construção de uma teoria gramatical, exigem, como pressuposto, um trabalho cuidadoso de
descrição das estruturas sintáticas envolvidas” (p. 107)

Esta afirmação de Franchi (2006) também pôde ser considerada no conceito de conjunção,
como vimos mais acima, explicado pela estagiária.
A prática de AL também se fez presente nesse objetivo esperado para Módulo VI (Em anexo),
pois ele condiz com a abordagem de prática de AL proposta pelos PCN (BRASIL, 1998. p. 59):
reconhecimento das características dos diferentes gêneros de texto, quanto ao conteúdo
temático, construção composicional e ao estilo. Vejamos:
• (Re)conhecer a temática, a estrutura composicional e o meio de circulação do
gênero textual artigo de opinião;

Vale ressaltar que além da estagiária ter trabalhado com aspectos característicos do Artigo de
opinião, utilizou esse gênero para explicar o conteúdo gramatical: termos essenciais da
oração, pois segundo Marcuschi (2008, p.51) o texto tem várias alternativas de conduzir o

372
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
trabalho com a língua e uma dessas alternativas é trabalhar com o texto visando o
funcionamento e a definição de categorias gramaticais.
Esse trabalho demonstrou prática de AL, pois como afirma Bezerra e Reinaldo (2013)
em seu livro Análise Linguística a que se refere? no tópico Análise Linguística na sala de
aula:

para fazermos análise linguística no Ensino Fundamental


ou Médio [...] partimos do gênero para chegarmos às
unidade linguísticas, considerando a língua como ação
entre seus usuários. (p. 64)

1.3.Análise das atividades propostas e o desempenho dos alunos

Para sustentar a análise de algumas atividades propostas em nossa SD, iremos analisar, de
inicio, uma atividade abordada pelo professor da turma durante o nosso período de
observação, vejamos:

1) Amplie as orações, acrescentando um aposto para a palavra em destaque.

a) Irei passar as férias em Recife


b) Renato solicitou a autorização
c) Descobri a razão da minha vida
d) O rio transbordou com a chuva

2) Reescreva as orações, eliminando, se houver, os apostos e os vocativos.

a) Meus senhores, a enorme expansão demográfica surge a mim, especialista no


assunto, como um fenômeno capital.
b) O barbeiro disse que esse era o cavaleiro da triste figura, vingador das
ofensas amparo das donzelas, assombro dos gigantes, que vinha acompanhado do
seu escudeiro, Sancho Pança.
c) Minha bela Marília, tudo passa, a sorte deste mundo é mal segura se vem
depois dos males a ventura vem depois dos prazeres a desgraça.
d) Cecília Meireles, uma importante escritora da literatura, pertenceu à era
moderna.

Nesta atividade, percebemos que a abordagem utilizada na questão 1) pode não promover
uma boa reflexão sobre a função desse uso na língua, pois ela pede que o aluno apenas repita
usos de aposto em termos (Recife, Renato, vida, rio). Na questão 2) a abordagem utilizada é
mecanizada, pois pede que o aluno retire os termos sintáticos – aposto e vocativo – existentes
nas frases. Além disso, percebemos também que essas questões não são contextualizadas, ou
seja, não norteia o aluno do que a atividade irá tratar.
Sendo assim, buscamos uma nova abordagem nos exercícios a serem propostos para o 8º B,
elaborando em nossos módulos atividades que tentaram promover uma maior reflexão sobre
os usos de termos sintáticos da língua. Exemplo disso é a Atividade 5 que está no Módulo IV ,
vejamos abaixo um recorte dessa atividade:

2) Sabemos que as conjunções estabelecem sentido entre as orações. Analise as


proposições abaixo e reescreva a frase utilizando as conjunções adequadas, atentando
para as alterações que se fizerem necessárias:
a) Não me esforcei muito. Obtive um bom resultado.
b) Precisamos nos apressar. O voo já está quase partindo
c) Ora tens uma opinião. Ora outra.
d) Não fomos à estreia do filme. Estávamos trabalhando.
e) O acidente foi terrível. Não houve vítimas fatais.
373
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
f ) Mariana estuda. Mariana toca no coral de sua igreja.

4) Leia a tirinha abaixo e responda:

a) Na tirinha acima há a ocorrência de algumas conjunções, quais são elas? Reescreva


a frase em que elas aparecem e os sentidos que elas estabelecem.

b) Sabemos que uma conjunção tem a função de ligar duas palavras de mesma ordem
sintática ou duas orações. Na tirinha acima, Mafalda faz o uso de uma mesma
conjunção, porém em períodos distintos. Diga que conjunção é essa e explique os
diferentes usos dela.

Ao elaborarmos a questão 2) pensamos em fazer com que o aluno percebesse a função de


uma conjunção, como também a relação de sentido que elas estabelecem, tendo em vista que
o aluno deveria colocar a conjunção que desse maior sentido a frase dada em questão.

Na questão 4), abordamos o mesmo conteúdo através de uma tirinha, ou seja, para responder
as questões o aluno teve que ler e interpretar o gênero dado, e através dele identificar o uso
de conjunções – a)Na tirinha acima há a ocorrência de algumas conjunções, quais são elas?
Além disso, a letra a) ainda requereu que o aluno percebesse a relação de sentido que essas
conjunções provocam – Reescreva a frase em que elas aparecem e os sentidos que elas
estabelecem.

A letra b) requereu que o aluno soubesse as funções das conjunções, bem como as diferentes
funções dela no contexto da tirinha (Ligar duas orações: Está preocupada porque amanhã
vou começar o jardim de infância e ela tem medo que eu não goste; Ligar duas palavras de
mesma função sintática: Mais tarde não vou ser uma mulher frustrada e medíocre como
você).
Através desse nosso critério utilizado no Módulo IV: Verificar, através da atividade, se os
alunos reconhecem e identificam o valor semântico de uma conjunção, chegamos à
conclusão de que parte dos alunos entendeu o conteúdo explorado na atividade.
Levando em consideração este método avaliativo, torna-se relevante descrever o desempenho
dos alunos quanto todas as atividades realizadas e a compreensão de todo o conteúdo
abordado durante as aulas, tendo em vista que chegamos a esses apontamentos através dos
critérios avaliativos usados nos módulos da nossa SD.
Sendo assim, percebemos que eles conseguiram atingir boa parte dos objetivos esperados por
toda a SD, como por exemplo: (Re)conhecer as características gerais do gênero textual
Anúncio; Diferenciar anúncio de ideia de anúncio de produto;(Re)conhecer as conjunções
como classe morfológica; (Re)conhecer as conjunções no seu âmbito semântico, assim como
sua função de coerência e coesão no texto;Identificar a temática e a estrutura de um Artigo de
Opinião etc.

374
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o papel relevante das instâncias e dos processos de didatização de saberes


acadêmico-científicos na construção da prática docente, acreditamos que os resultados das
análises desenvolvidas neste relato de experiência, além de contribuir para uma melhor
compreensão do trabalho realizado em sala de aula pelo professor, nos possibilitou a prática
pedagógica de ensino de Língua Portuguesa.
Foi possível, através da prática de AL executada por nós no decorrer do estágio, percebermos
que essa abordagem se apresenta como alternativa ou complementação ao ensino de
gramática tradicional e como reflexão relacionada aos demais eixos da língua portuguesa:
leitura e escrita. Devemos, então, atentar para o fato de que “prática análise linguística não é
uma nova denominação para ensino de gramática” (BRASIL, 1998 p. 78), mas sim uma nova
perspectiva de reflexão sobre os usos da língua e o sistema linguístico, visando o tratamento
escolar de fenômenos textuais discursivos e gramaticais.
No decorrer da nossa prática lidamos com diversos desafios e entraves, dentre os quais
podemos citar o fato da mudança mal planejada na atuação das estagiárias, que acarretou na
dificuldade de execução de estratégias didáticas eficientes, bem como, a dificuldade de fazer
com que todos os alunos prestassem atenção ao que estava sendo lecionado em sala de aula,
tendo em vista o tamanho físico da sala e a grande quantidade de alunos. No entanto, estes
desafios foram fundamentais para o amadurecimento da nossa prática docente.
Finalmente, pudemos concluir que os estudos na disciplina de Estágio de Língua Portuguesa
do Ensino Fundamental I e os estudos realizados no decorrer do nosso curso, foram
fundamentais para nossa atuação em sala de aula e para nossa formação como professoras
críticas e reflexivas da nossa prática pedagógica.

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FERREIRA, Mauro. Aprender e praticar gramática. Ed. Renovada.- São Paulo: FTD, 2007.
FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo gramática? [com] Esmeralda Vailati Negrão e Ana Lúcia Muller. São
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
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MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, Clécio;
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PIMENTA, Selma G. & LIMA, Maria Socorro L. Estágio e Docência. São Paulo. Cortez Editora. 2004.

375
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O CONFRONTO DE IDENTIDADES NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO

Maria Valdelange Virginio da Silva 145


Jaciara Josefa Gomes 146

RESUMO:A construção de identidade é resultado de práticas discursivas e todas as ações do


ser humano contribuem para tal construção. Com isso, entendemos, a partir de Resende e
Ramalho (2006), que o discurso está relacionado a outros elementos da vida social e é um
modo de as pessoas agirem no mundo. Diante disso, a presente pesquisa de iniciação
científica investiga não só as produções do funk-brega, como também o consumodesse estilo
musical, pois este é bastante ouvido, além de ser ritmo exclusivo em bailes e festas por todo
país. Esperamos com esse estudo refletir sobre a construção de identidades, uma vez que é de
fundamental importância que se compreenda a funcionalidade da linguagem em práticas
discursivas com vistas a mudanças em práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Objetivamos
verificar as relações interdiscursivas em letras do funk-brega pernambucano; observar a
inserção de diferentes vozes no discurso funkeiro, bem como comparar as identidades
construídas em letras do funk-brega com o que pensam estudantes universitárias sobre tais
representações. Para tanto, após uma prévia seleção, escuta e transcrição de letras com maior
aceitação popular, gravadas por MC Leozinho do Recife, MC Sheldon e MCs Metal e Cego,
comparamos trechos mais “significativos” com respostas dadas por estudantes universitárias.
De início, verificamos que as mulheres não questionam as letras e as consomem sem uma
avaliação crítica do produto cultural. Assim, os resultados apontam para construções fluidas
de identidades, na medida em que as entrevistadas revelam surpresa ao refletirem
conscientemente sobre os sentidos produzidos nas canções.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso. Identidades. Funk-Brega.

ABSTRACT: The construction of identity is a result of discursive practices and all the
human actions contribute to this construction. Therewith, we understand, from Resende and
Ramalho (2006), that the discourse is related in other social life elements and it is a way of
people act in the world. In addition, this scientific initiation research investigates as the
production of cheesy funk, as the consumption in this musical style, because it’s fairly heard,
besides it is an exclusive beat in proms and parties in the whole country. We hope with this
study reflect about the identities construction, once it is fundamental understand the
language functionality in discursive practices in order the social practices changes
(FAIRCLOUGH, 2001). We aim inspecting the interdiscursive relations in songs letters of
Pernambuco cheesy funk; notice the insertion of different voices in the funk discourse, as
well compare the identities framed in letters of cheesy funk with what the university students
think about this representations. For this, after a previously selection, listening and
transcription of letters which the most popular acceptance, record by MC Leozinho from
Recife, MC Sheldon and MCs Metal e Cego, we compared snippets more “significatives” with
answers given by university students. At the beginner, we verified that the women don’t
questioned the songs letters and consume without a critical evaluation of the cultural
product. Therefore, the results indicate fluid identity constructions, according as the
interviewees reveal surprise when they reflecting about the real meaning produced in the
songs.

KEYWORDS: Discourse. Identities. Cheesy funk.

145 Graduanda em Letras e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco-Campos-Garanhuns


(Bolsista PIBIC). [email protected]
146 Doutora em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2013) e docente na UPE/Campus

Garanhuns. [email protected]

376
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTRODUÇÃO

Considerando que o funk-brega é um estilo musical frequentemente ouvido na região


metropolitana do recife (RMR) e que tem também conquistado outras regiões do estado,
inclusive a região do agreste meridional, com letras que expõem as mulheres, sua
sexualidade, sua intimidade e contribuem para a construção de diferentes identidades
femininas, principalmente nos dias atuais em que as identidades femininas encontram-se em
declínio. Dessa forma, procuramos aqui refletir sobre identidades construídas a partir do
funk-brega pernambucano.
Acreditamos que através de um estudo aprofundado podemos identificar fatores
determinantes que favorecem a construção desses discursos. É importante observar que tais
discursos, dependendo do contexto em que estejam inseridos, podem variar, já que são
moldados tanto por relações de poder, como também por ideologias (FAIRCLOUGH, 2001).
Percebemos que os estilos musicais variam de acordo com o contexto social, cultural e que
dependendo do lugar em que são construídos e divulgados (consumidos) podem ou não ser
aceitos. Tratamos de explorar neste artigo questões sobre o funk-brega pernambucano, suas
contribuições e implicações para as construções de identidades. Ademais, confrontamos as
letras desse estilo com a avaliação que mulheres universitárias fazem a respeito dessas
produções. Portanto, o propósito é analisar as músicas de modo a (des)velar nos discursos a
manutenção, rejeição, aceitação e construção de novas identidades. Tendo em vista que é de
extrema importância levar em consideração questões sociais para a construção de
identidades, o presente trabalho tem como foco investigar não só as produções do funk-
brega, como também o consumo; verificar relações interdiscursivas em letras do funk-brega
pernambucano; observar a inserção de diferentes vozes no discurso funkeiro; comparar as
identidades construídas em letras do funk-brega com o que pensam estudantes universitárias
sobre tais representações.
Os artistas selecionados são os MCs Leozinho do Recife, Sheldon e Metal e Cego,
representantes do funk-brega pernambucano por terem uma representativa projeção local. A
partir desse confronto é que pretendemos (des)velar as relações entre várias ordens
discursivas presentes nas canções, bem como analisar a representação de diferentes vozes
sociais para verificarmos se a presença de vozes diversas implica ou não na aceitação da
diferença. Com isto, o método utilizado busca analisar usos linguísticos particulares para
construirmos generalizações. Assim, com base no discurso de jovens funkeiros
pernambucanos, pretendemos refletir criticamente sobre a construção, manutenção ou
contestação de identidades femininas, pois se acredita que as identidades são construídas no
social.
Para compreender melhor como se dão esses processos, a análise realizada neste artigo
baseia-se nos estudos críticos do discurso de Fairclough (2001), assim como (2003, apud
RESENDE e RAMALHO, 2006). É importante ressaltar que é através do discurso que as
pessoas agem sobre o mundo, construindo significados a partir de relações sociais. Para a
(ACD), Análise Crítica do Discurso a organização social acontece a partir de práticas sociais,
estas são ações habituais da sociedade “institucionalizadas” RESENDE e RAMALHO, 2006.
P.35). Por isso, falar em questões sociais é pensar sobre o que está repercutindo na atualidade
e procurar de alguma forma contribuir de maneira crítica para o processo de
desenvolvimento da sociedade. O funk é um dos gêneros musicais que é frequentemente
ouvido pelos jovens, por isso faz-se necessário observar de maneira crítica os discursos
produzidos pelos funkeiros, uma vez que algumas letras descrevem as mulheres como objeto
sexual.
Sabendo que nas letras do funk é comum encontramos questões referentes às mulheres,
decidimos fazer esta pesquisa com universitárias do curso de letras, já que espera-se que
sejam mais críticas na avaliação dos usos, uma vez que estão capacitadas para discutir sobre
assuntos relacionados à linguagem, pois um dos focos do curso é compreender como se dão
os processos linguísticos.

377
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
1. CONSTRUINDO A PESQUISA: ASPECTOS METODOLÓGICOS

O corpus da pesquisa é composto por um questionário aplicado em três períodos do curso de


Licenciatura em Letras (quarto, sexto e sétimo períodos). A pesquisa foi feita com apenas
universitárias do curso de letras da Universidade de Pernambuco – UPE, Campus
Garanhuns, pois percebemos que em grande parte do discurso funkeiros são abordadas
questões relacionadas às mulheres, principalmente chamando a atenção para o corpo e
sexualidade. Diante dessas observações, decidimos escolher as discentes do curso de letras
porque acredita-se que elas sejam mais críticas para analisar tais questões, já que estudam a
linguagem.
Os artistas selecionados são os MCs Leozinho do Recife, Sheldon e Metal e Cego,
representantes do funk-brega, por terem uma representativa projeção local. Ademais, o
questionário aplicado conteve (questões abertas e fechadas). Por razões éticas, as estudantes
terão suas identidades preservadas, ou seja, não será possível identificá-las no discurso, uma
vez que utilizamos nomes fictícios ou abreviações com o intuito de não gerar nenhum
constrangimento, nem danos psíquicos, emocionais nem físicos à pessoa das entrevistas.
Observamos como essas mulheres avaliam as letras de funk-brega. Será solicitado que as
participantes assinem um termo de consentimento livre e esclarecido em que nos
comprometemos em utilizar as informações apenas para fins científicos, bem como nos
comprometemos a não identificá-las, como já foi pontuado. Após a realização dos
questionários, foi feita as transcrições das respostas coletadas. A partir dessas respostas
podemos realizar um confronto com as identidades produzidas pelos funkeiros nas letras de
suas canções.

2. O FUNK NO BRASIL: UMA BREVE RETROSPECTIVA

O funk é um gênero musical que se originou nos Estados Unidos, derivando da soul music,
um ritmo dançanteque atrai muitos jovens principalmente por ter letras chamativas e batidas
repetidas, mas só nos anos 1960 foi considerado um gênero distinto. No Brasil, o funk surgiu
em meados dos anos 1970, nas favelas do Rio de Janeiro, e a partir dai foi se popularizando e
ganhando espaço em demais regiões, em lugares que habitam as camadas mais pobres.
De início, as letras do funk relatavam de maneira acontecimentos favoráveis às facções
criminosas, porém aos poucos foram mudando seus repertórios e começaram a contar
acontecimentos do cotidiano das comunidades, pobreza e violência. Mas esse estilo musical
não foi bem aceito e começaram a surgir preconceitos diante dessa situação, os funkeiros
passaram a construir letras mais românticas com a intenção de ganhar território. O estilo
enfrentou grandes desafios, mas o reconhecimento iniciou-se quando a apresentadora Xuxa
levou em seu programa o DJ Marlboro.

O sonho dourado dos funkeiros se tornou realidade em junho de 1994, quando a


apresentadora infantil Xuxa inaugurou em seu programa de todo sábado, o Xuxa
Park, o quadro Xuxa Park Hits – uma espécie de parada de sucessos, com a
participação, em caráter experimental, do DJ Marlboro. Era Mais ou menos como se
o funk entrasse pela porta da frente da TV, com tapete vermelho. (...) Marlboro tanto
fez, porém, que acabou virando atração fixa do Xuxa Park Hits, Permanecendo no ar
durante três anos. ESSINGER (apud VIANA, 2010, p. 5)

Ao logo do tempo, o funk foi adquirindo espaço, mudando suas letras e fazendo com que cada
vez mais os sujeitos ficassem adeptos ao gênero. Muitas letras passaram a ser eróticas com
duplo sentido, mostrando a mulher como objeto sexual desvalorizando assim o gênero
feminino.
Em Pernambuco, não foi diferente além dele está sendo bastate ouvido e tocado adquiriu
outra nomeclatura funk-brega por ser acompanhado por uma melodia romântica contando o
amor vivido por homens e mulheres, sexsualidade etc. Mas vale ressaltar que mesmo
contendo características do “brega”, que é um estilo romântico pelo qual os cantores
mostram a maneira que enchergam o mundo, esse estilo ‘brega’, ainda não foi classificado

378
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
como gênero musical e é estigmatizado por ser consumido normalmente pela classe social
baixa, como podemos notarem Gomes (2013, p. 96):

Se o estilo brega não se estabeleceu como um gênero musical em si, fica difícil definir
claramente o que seja o tecnobrega. Segundo Amaral (2009), trata-se de uma versão
tecno (eletrônica) do brega cuja estética não é de “bom gosto”, ou de um brega pop.
Desse modo, nós vamos apresentar generalizações sobre o que é esse estilo musical.
O “ultra-romantismo” das letras associado a uma base sonora bem marcada de
guitarra elétrica compõe o estilo. Fontanella (2005), em seu estudo sobre a estética
brega nas periferias pernambucanas, já apontava que o consumo crescente do
gênero³ indicava a busca de grupos menos privilegiados economicamente para se
inserirem na cultura de consumo.

Foi com a união entre o funk e o brega que surgiu uma nova hibridização denominada funk-
brega pernambucano. Isso mostra que o funk pode elaborar e se enquadrar em diversas
situações construindo diferentes discursos e contribuindo para construção de identidades.
Os consumidores do funk conheceram uma nova maneira/forma de se construir as letras do
gênero. Mesmo utilizando termos do “brega”, o estilo não deixou de divulgar letras
pejorativas expondo as mulheres, como podemos perceber na canção de Mc Sheldon (com
Boco) “Nois Gosta e de Novinha”: Só quer carro do ano/E homem bombado/No final da
noite/Ela quer quarto espelhado/Ela não te quer/Ela não te ama/Só ta com interesse/Do
ouro, fama e grana (2x). Nesse fragmento, percebemos explicitamente a exposição do gênero
feminino, pois como bem diz o enunciador: Só ta com interesse/Do ouro, fama e grana.
Dessa maneira, ele faz uma generalização mostrando que as mulheres, quando em
relacionamento com alguém, não se interessam por amor e sim pelo dinheiro do homem.
Percebemos certo machismo, pois enquanto sujeito praticante e participante da sociedade,
grande parte das mulheres estão trabalhando e construindo sua autonomia. Ainda sobre a
fusão do funk com o brega, Gomes (2013, p. 97) salienta que tal procedimento,

Apresenta letras em que o mais comum é o diálogo entre funkeiros e cantoras de


brega tematizando, sobretudo, relacionamentos amorosos. O embate discursivo entre
galeras rivais passou a ser travado entre os rappers e as cantoras de brega
(lembremos os repentistas eletrônicos). Mesmo que a voz feminina não esteja
presente, o MC “manda” a letra fazendo alusão à sua suposta interlocutora.

3. A PRÁTICA SOCIAL DO FUNK: ESTUDANDO O DISCURSO

O discurso e constituído em relações sociais, uma vez que os indivíduos constroem o mesmo
de acordo com sua vivência, tendo assim reflexo do meio, ou seja, é observando à cultura,
religião, crenças, valores, escolaridade, status, que os sujeitos elaboram seus discursos. Com
isso, podemos dizer que ele é constituído/carregado de ideologias. Como bem ressalta
Fairclough (apud RESENDE e RAMALHO, 2006), define discurso como forma de prática
social, modo de ação sobre o mundo e a sociedade, um elemento da vida social
interconectado a outros elementos.
No discurso funkeiro é comum observarmos a presença de acontecimentos vividos ou
observados pelos MCs. Isso faz com que algumas comunidades apreciem o estilo por se
identificarem ou por gostarem do ritmo o mesmo ainda encontra-se estigmatizado por parte
da população, principalmente pela classe social média que preferem não ouvir o gênero, por
ter suas origens nas favelas ou por trazerem em muitas de suas letras termos ligados à
violência, sexualidade, exposição do corpo da mulher, vivências nas favelas/morros. Mesmo
já tendo conquistado um grande público e estando frequentemente sendo divulgado em
programas de TV e rádios o funk ainda passa por muitos preconceitos.
É importante perceber que encontramos diferentes discursos que estão interligados e que são
constituídos nas relações com a família, comunidade, escola, trabalho etc. É essa diversidade
de discursos que nos permite fazer um estudo crítico, pois é através da linguagem que os
seres humanos se identificam e identificam o outro promovendo mudanças sociais e
contribuindo para a construção/formação da própria identidade.Vejamos o que afirma
Harvey (apud RESENDE e RAMALHO, 2006, p.35) sobre a noção de discurso: “o discurso é

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
um momento de práticas sociais dentre outros – relações sociais, poder, práticas materiais,
crenças/valores/desejos e instituições/rituais – que, assim como os demais momentos,
internaliza os outros sem ser redutível a nenhum deles”.

Dessa forma, o discurso tanto se constitui quanto é influenciado pelas práticas sociais. Só os
sujeitos praticantes e inseridos nas práticas discursivas podem contribuir para uma
transformação social. Buscamos ainda compreender o funk como uma prática social
carregada de ideologias, uma vez que suas composições não são construídas aletoriamente,
mas trazem/proporcionam reflexões acerca do que está acontecendo ou repercutindo na
atualidade. Músicas que expõem as mulheres como objeto sexual e que merecem uma
reflexão para observarmos o porquê e desde quando que isso vem acontecendo. Vejamos o
que aponta Fairclough (apud RESENDE e RAMALHO, 2006, p. 47) sobre ideologia: “As
ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as
identidades sociais) que são constituídas em várias dimensões das formas/sentidos das
práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou transformação das
relações de dominação”.

4. IDENTIDADES FEMININAS NO FUNK

Desde a antiguidade que a mulher vem tentando ganhar seu espaço em uma sociedade que
está em constantes transformações, pois sabemos que há muito tempo que as mulheres
sofrem com preconceito e que não foram educadas da mesma maneira que os homens como
exemplo. Podemos retomar Alves e Pitanguy (2003, p. 12) que citam Xenofonte no século IV
A.C, quando já afirmava que ““os Deuses” criaram a mulher para funções domésticas, e o
homem para todas as outras”. Dessa forma, mostramos que é não de hoje que as mulheres
sofrem com preconceitos e pré-conceitos concebidos desde a antiguidade. Podemos perceber
isto também na fala de Platão (apud ALVES e PITANGUY, 2003, p. 11) quando ressalta que
“se a natureza não tivesse criado a mulher e os escravos, teria dado ao tear a propriedade de
fiar sozinho”.
Para construir uma identidade feminina, não é fácil. É preciso antes de qualquer coisa que a
mulher conquiste seu lugar no espaço, para sentir-se integrante e atuante em uma sociedade
que se transforma constantemente. Vale lembrar que as mulheres não apagam as situações
vivenciadas, mas procuram superá-las. Para Hall (2006, p. 38) a identidade: “É realmente
algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato,
existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou
fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”,
sempre “sendo formada”.

Segundo Hall existem três concepções de identidade: as identidades dos sujeitos do


iluminismo, dos sujeitos sociológicos e dos sujeitos pós-moderno. Neste artigo, tratamos de
estudar melhor as identidades do sujeito pós-moderno que é aquele indivíduo que não tem
uma identidade fixa, ou seja, dependendo da ocasião/contexto ele utiliza outras
identificações.
A construção identitária nos dias atuais não tem se constituído facilmente, pois é comum ter-
se mais de uma identidade, uma vez que os indivíduos exercem funções diferentes na
sociedade e que a todo o momento está adaptando seu discurso para o contexto em que está
inserido. SegundoMoita Lopes (2003, p. 27), “uma mulher, por exemplo, não é só lésbica,
mas também professora universitária, branca, classe média, mãe, católica etc.” Ou seja, o ser
humano comporta-se de diferentes formas constituindo-se assim como um sujeito pós-
moderno. O sujeito pós-moderno não nega sua história como também não tem uma
identidade fixa, mas ao contrário dos demais sujeitos acompanham as transformações
sociais. Para Hall (2006, p. 12/13): “O sujeito pós-moderno conceptualizado como não tendo
uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração
movem”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Com isso, observamos que a identidade é uma construção reflexiva em que os indivíduos
operam suas escolhas, diferente da sociedade tradicional em que as escolhas eram impostas
ou pré-determinadas tradicionalmente. Desse modo, o conceito de reflexividade refere-se à
possibilidade de os sujeitos construírem ativamente suas autoidentidades, em construções de
sua atividade na vida social, conforme esclarecem Resende e Ramalho (2006). Todavia, o
gênero funk se constitui como uma ação social, pois foi neste gênero que os MCs
encontraram subsídios para relatar/contar suas reflexões sobre a sociedade e percebemos
que o mesmo contribui para a construção identitária feminina, pois nas festas, baladas “volta
e meia” estão tocando esse ritmo e, mesmo “agredindo” a mulher, as participantes desses
eventos dançam, cantam sem ao menos refletir a letra.

5. CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES FEMININAS NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO

A construção da identidade ocorre nas interações sociais, interações essas que podem ou não
contribuir para a construção identitária. Com isso, queremos dizer que quando o indivíduo se
posiciona sobre determinado assunto é porque ele já ouviu falar ou conhece o mesmo. Dessa
forma, os discursos vão carregados de ideologias cabendo ao outro deixar-se ou não ser
influenciado, pois todo ser humano independente de cultura, religião, condições sociais, é
integrante de uma sociedade e tem consigo valores/crenças adquiridas no seu contexto.
Como bem mostra Fairclough (apud RESENDE e RAMALHO, 2011, p.23), a linguagem
constitui-se socialmente, mas também tem “consequências e efeitos sociais, políticos,
cognitivos, morais e materiais”.
Para iniciarmos nosso estudo sobre a construção da identidade feminina no funk-brega
pernambucano, começamos descrevendo algumas questões percebidas a partir das respostas
do questionário. No primeiro momento, foi perguntado que estilos de músicas as
entrevistadas gostavam de ouvir e de um total de quinze entrevistadas só duas responderam
que ouvem funk, as demais alegaram não gostar do ritmo, mas ressaltaram que já ouviram o
gênero em rádios, TV ou festas. Diante disto, percebemos que o gênero funk não é um ritmo
ouvindo pelas universitárias pesquisadas e que as mesmas procuram selecionar seus estilos
musicais. Em outro momento, perguntamos o seguinte: Em sua opinião por que o funk atrai
tantos ouvintes?
R: M.L. Por trazer uma linguagem mais simples oriunda de comunidades marginalizadas e
de classe social baixa.
R: M.B. Atrai os ouvintes por se tratar de uma música descontraída em que o linguajar da
letra envolve o público jovem, sem contar que a batida forte envolve os ouvintes.
R: J.M. Por se tratar de uma realidade que algumas pessoas se identificam.
Percebemos que um dos motivos pelo qual o funk chama a atenção dos ouvintes é por suas
letras trazerem/relatarem fatos do cotidiano das comunidades. É através do discurso que os
MCs procuram chegar até as camadas populares. Com isso, eles estão agindo, interagindo e
representando o mundo do qual fazem parte. Nas repostas, em momento algum, as
entrevistadas falam do “eu” sempre do outro mantendo um distanciamento entre elas e o
funk.
Em outra questão foi colocada uma postagem para observação e leitura. As estudantes
responderam e avaliaram a afirmação de Regina Casé em uma postagem no facebook?

381
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
R: J.M. Sabemos que existe uma massificação com relação a música brasileira nesse caso,
Regina considera a maioria das pessoas, a grande massa, e acaba generalizando o gosto
musical de todos.
R: L.V. Avalio da seguinte forma: na primeira postagem ela diz que todo brasileiro ama funk,
carnaval, pagode e samba. Eu mesma curto e gosto só de pagode, sou brasileira, ela anda mal
informada mesmo. Não é todo brasileiro não.
R: L.L. A afirmação de Regina não condiz com a realidade, não é todo os brasileiros que
gostam desses estilos de música.
R: J.B. Não pode generalizar, pois no Brasil a diversidade cultural é grande! Nem todas as
pessoas gostam de funk, assim serve para os outros ritmos musicais.
R: M.B. A fala de Regina engloba a maioria dos brasileiros, raça envolvente que gosta de
mistura, e diversidade, porém como a segunda fala mostra, nem todos está nesse grupo, há
uma minoria que está exclusa desse grupo.
Observamos que nas repostas das universitárias fica evidente que elas têm um foco e suas
preferências musicais já estão definidas não sofrendo influências do funk como bem mostra a
reposta de J.B. Não pode generalizar, pois no Brasil a diversidade cultural é grande! Nem
todas as pessoas gostam de funk, assim serve para os outros ritmos musicais. Então,
mesmo o funk-brega chegando a muitos lugares percebeu-se que as estudantes universitárias
não consomem este gênero tendo uma identidade definida, como mostra a estudante J.B. ao
ressaltar que nem todos os brasileiros gostam de funk. Percebemos ainda que embora sejam
conduzidas a partir das relações sociais, elas não foram influenciadas pelo estilo.
A seguir apresentaremos as três últimas perguntas do questionário em que consta um
fragmento /recorte das canções de Mc Sheldon, Mc Leozinho e MCs Metal e Cego junto com
algumas respostas das discentes.
P: Observe fragmentos da música de Mc Sheldon “Nois Gosta e de Novinha” (com Boco). Só quer
carro do ano/E homem bombado/No final da noite/Ela quer quarto espelhado/Ela não te
quer/Ela não te ama/Só ta com interesse/Do ouro, fama e grana (2x). Você se identifica
com essa música ou outras do artista? Justifique.
R: L.P. Não me identifico. A música só refere a mulher como uma interesseira, alguem que só
fica ou se relaciona com um homem pelo dinheiro e a fama que ele tem.
R: M.B. Não porque, primeiramente a letra da música retrata as mulheres no homem o
dinheiro, aquele que oferece a elas poder acima de tudo. Eu, praticamente não tenho esses
interesses.
R: M.R. Não, são letra que desvalorizam a figura feminina, relacionando-a à ostentação, ao
interesse, à banalização.
R: J.F. Não. Não costumo ouvir esse tipo de música e tenho ideologias que são diferentes as
que estão expressas na música.
P:Mc Leozinho do Recifeem um fragmento da música “Vem que vem não para não” diz: Porque
quando meu funk toca as mulheres ficam louca/Descendo ate em baixo com o dedinho na
boca/Com cara de safada e um jeito excitante/Mexendo e rebolando ao som da batida funk.
Você se identifica com essa canção ou outras do artista? Explique.
R: T.V. Não. Porque apesar de gostar de dançar funk eu não me “identifico” com a letra.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
R: L.L. Não, a letra a todo momento só fala em sexo.
R: M.R. Não, mais uma vez a letra da música desvalorisa, de maneira extremamente vulgar, a
mulher.
R: M.B. mais uma vez, não me identifico, pois a letra da música mostra mulheres que usam a
dança para conquistar, abusam da sensualidade.
R: L.G. Não. Porém já escultei outras e gostei.
P: Mc’s Metal e Cego na canção “Novinha Tá Querendo o Que? dizem: Cego tá desandado, tá com
Peru sem freio/As novinhas tá doida querendo ficar no meio/Só camarote vip e área
reservada/Mulher é nacional e a bebida é importada. Você ouviu essa música ou outras do
gênero? Por quê?
R: J.B. Não, porque não gosto do gênero.
R: L.P. Não ouvi essa música. Já ouvi “chama ela” do MC Leozinho, são músicas que falam da
ostentaçõ, de mulheres que so namoram por interesse e apologia ao sexo em quase todas as
letras.
R: T.V. Não ouvi esta música especifica, mas já ouvi outras bem parecidas. Porque quando
estou em uma festa ouço todos os tipos de música incluseve músicas neste estilo.
São perguntas distintas, mas as respostam foram interligadas umas com as outras, já que a
temática é bem semelhante. Mesmo sendo de estudantes diferentes, seus posicionamentos
permaneceram desde a primeira pergunta até a última, ressaltando entre quinze
entrevistadas duas afirmaram ouvir funk-brega pernambucano. Percebemos que o funk-
brega traz a mulher como objeto sexual que serve apenas para fazer as satisfacões ou os
desejos masculinos como mostra a canção do MC Leozinho “Vem que vem não para não” De
maneira implícita, ele trata da sexualidade feminina como algo fácil e sem importância, que
apenas com a batida do funk elas enlouquecem. Mas uma entrevistada (M.B) contraria essa
afirmação dizendo que não se identifica, pois existem mulheres que se valorizam.
Temos uma prática social pela qual os MCs dialogam com a sociedade de maneira que a
mulher é desvalorizada, uma vez que seus desejos não saõ importantes, mas sim os desejos
do homem que devem ser satisfeitos a todo custo. Entretanto, há quem consuma esses
produtos culturais, como pudemos observar na resposta de T.V. R: Não ouvi esta música
específica, mas já ouvi outras bem parecidas. Porque quando estou em uma festa ouço todos
os tipos de música incluseve músicas neste estilo. Com esssa resposta, percebemos que
algumas pessoas não ovem funk-brega costumeiramente, mas ao estarem em festas/baladas
ouvem e chegam a dançar, mostrando assim que a identidade não é algo fixo, mas que é
moldada e construída a partir as situações e contextos sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com isso podemos dizer que há posicionamentos diferentes acerca do funk-brega, mas
seguindo em uma mesma perspectiva, ou seja, grande parte das estudantes universitárias
entrevistadas não consomem o funk e as que chegam a ouvir esse estilo escutam apenas
quando em festa mostrando que a identificação com as letras não podem ser determinadas a
priori, uma vez que as preferências das entrevistadas podem ser modificadas, adequadas aos
diferentes contextos, assim como também seus discursos.
Nossas análises ainda que breves nos permitam dizer que parece haver contradições nos
posicionamentos femininos em relação ao estilo funk, já que as letras são questionadas
quando analisadas de modo frio, mais distante de contextos reais em que costumam ser
ouvidas. Entretanto, considerando o sujeito pós-moderno pensado por Hall (2006),
percebemos que se trata na verdade de um movimento identitário totalmente possível e
coerente com uma sociedade complexa e também em fluxo, onde as preferências precisam
ser investigadas à luz das situações a que se referem.

REFERÊNCIAS

ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 8.ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.
GOMES, Jaciara Josefa. Discurso feminino: uma análise crítica de identidades sociais de mulheres vítimas de
violência de gênero. Dissertação (Mestrado em Linguística) — Departamento de Letras, Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 2008.
383
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
______.Tudo junto e misturado: violência, sexualidade e muito mais nos significados do funk
pernambucano/ É nós do Recife para o mundo. Tese (Doutorado em Linguística) — Departamento de Letras,
Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2013.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
LOPES, Luiz Paulo da Moita. Socioconstrucionismo: Discurso de identidades sociais. In: LOPES, Luiz Paulo da
Moita (Org.). Discurso de identidades: discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça,
idade e profissão na escola e na família. São Paulo: Mercado de Letras, 2003, p.13-38.
RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise do discurso crítica. São Paulo: Contexto, 2006.
______. Análise de discurso (para a) crítica: O texto como material de pesquisa. São Paulo: Pontes, 2011.
VIANA, Lucina Reitenbach. O Funk no Brasil: Música Desintermediada na Cibercultura.
www.sonora.era.unicampi.br– VOL. 3. Nº 5, 2010, p.21.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
AS MÚLTIPLAS VOZES NOS CARTAZES DE PROTESTO

Josefa Maria dos Santos 147


Orientador:Prof. Dr. Benedito Gomes Bezerra2

RESUMO: Esta pesquisa tem como objeto de estudo o gênero textual “cartaz de protesto” no
site de redes sociais Facebook, cuja utilização em nível mundial intensificou novas formas de
comunicação, representando hoje, além de um artefato tecnológico, um fenômeno social,
cultural e comunicacional. Analisar as principais estratégias de persuasão utilizadas no
discurso dos cartazes, e suscitar reflexões acerca do papel do professor de língua portuguesa
frente às novas exigências educacionais e sociais constitui o objetivo desse trabalho. A
pesquisa se deu a partir de uma abordagem qualitativa através da qual foi coletado um
corpus de oito textos, retirados do facebbok e analisados à luz da perspectiva da análise
crítica do discurso, (FAIRCLOUGH 2001) e da sociorretórica de gênero, (SWALES 1990). Ao
analisarmos os textos pudemos constatar que seus autores se utilizaram de intertextualidade,
multimodalidade, interdiscursividade e figuras retóricas como metáforas, metonímias,
antíteses, hipérboles e ironias como formas de persuasão. Ao iniciarmos nossa pesquisa
percebemos que existem muitas lacunas no meio acadêmico no tocante ao gênero em análise,
que com as recentes manifestações, mostrou o quanto necessário se faz tirá-lo apenas do
papel de suporte pelas escolas, para conferir-lhe um lugar de destaque nas aulas de língua
portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Discurso. Intertextualidade.

ABSTRACT: This research has as object of study the textual genre “protest sign” in the site
of social networks Facebook, whose utilization in global level intensified new ways of
communication, accounting for beyond a technological artifact a social, cultural and
communicational phenomenon. To analyze the main strategies of persuasion used in the
speech of the signs and stimulate reflections on Portuguese teacher’s role in light of the new
educational and social requirements constitutes the aim of this work. We carried out the
research from a qualitative approach through which we collected a corpus of eight texts,
taken from the Facebook and analyzed under the perspective of critical analysis of speech
(FAIRCLOGH 2001) and of socio-rhetoric genre (SWALES 1990). When we analyzed the
texts, we could conclude that their authors used intertextuality, multi-modality,
interdiscursivity and rhetoric figures such as metaphors, metonyms, antithesis, hyperboles
and ironies as a way of persuasion. By the time we started off our work we realized that there
are many gaps in the academic field as regard the genre in analyzes that with the recent
manifestations, presented how important is to take it from the role of school support, in
order to give it a prominence in the Portuguese language classes.
Key words: genre; speech; intertextuality.

INTRODUÇÃO
As ruas de diferentes cidades brasileiras foram palcos de inúmeras manifestações ocorridas
no mês de junho de 2013, manifestações essas veiculadas exaustivamente pela mídia,
principalmente pelas redes sociais digitais, lugar que deu origem àsdiscussões e organizações
desses eventos. Não nos interessa aqui analisar o discurso político por trás dos protestos, e se
eles são positivos ou não para a sociedade, mas perceber, à luz da análise crítica do discurso,
os mecanismos de persuasão utilizados por milhares de vozes que se materializaram em
cartazes de protestos irreverentes, criativos e dialógicos. Para isso, constitui-se como foco
dessa pesquisa analisar as estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes,
explicar que funções sociodiscursivas essas estratégias desempenham e que efeitos produzem

147Mestranda do Profletras da UPE – Garanhuns. E-mail: [email protected]


2Professor e Coordenador do mestrado profissional – Profletras. E-mail: [email protected]
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
no gênero cartaz de protesto no site de redes sociais Facebook, além de promover reflexões
acerca do trabalho com esse gênero em ambiente escolar.
A relevância desse trabalho deve-se ao fato de ser o cartaz de protesto um gênero discursivo
de grande função social e um excelente exemplo de texto do mundo real, mas ainda pouco
explorado nas aulas de língua portuguesa. Entendemos que se faz urgente a compreensão de
diferentes discursos como formas de ação social para que a partir daí professores e
estudantes construam nas escolas espaços criativos e dinâmicos de aprendizagem.
São inúmeros os cartazes difundidos na rede, e para análise coletamos um corpus de trinta
textos e selecionamos oito exemplares, nos quais observamos como mecanismos principais
de persuasão a intertextualidade, multimodalidade, interdiscursividade e a presença de
várias figuras retóricas. Em relação à caracterização dos cartazes utilizamos a abordagem
sociorretórica que caracteriza o gênero pelo(s) propósito(s) comunicativo(s) que pretende
realizar (SWALES, 1990), e como forma de ação social em determinado contexto discursivo
(MARCUSCHI, 2002). Utilizamos também os estudos de (FAIRCLOUGH, 2001), e (VAN
DIJK, 2012) como aporte teórico para a análise crítica do discurso.

1. OS CARTAZES NO TEMPO
A história dos cartazes de acordo com Abreu (2011) coincide com a evolução do
conhecimento, da tecnologia, do comércio, da política, da arte, da vida urbana e do progresso
das cidades. Sabemos,por exemplo, que os primeiros exemplares de cartazes da história
tiveram a pedra e a madeira como suporte em cujas superfícies eram esculpidos os textos,
depois com o aparecimento do pergaminho e do papiro efetivou-se a sua portabilidade, e só
mais tarde o papel, inventado pelos chineses, lhe possibilitou uma maior propagação. Com a
chegada dos computadores, o gênero ganhou nova roupagem, as combinações entre
fotografias, ilustrações, cores, tamanhos e tipos de letras conferiram aos cartazes um lugar de
destaque, seja no ambiente escolar, na mídia, nas empresas publicitárias, e nas ruas.
Apesar das mudanças ocorridas no gênero, percebemos que ele manteve seu propósito
comunicativo de informar, divulgar e propagar idéias. De acordo com Marcuschi (2002:30),
isso acontece porque “os gêneros não são entidades naturais como as borboletas, as pedras,
os rios e as estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano.
Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade e ainda continuar sendo
aquele gênero.”
Embora existam muitos estudos no Brasil e no exterior sobre gêneros, conceituá-los não é
uma tarefa fácil, assim como também não é fácil perceber quais aspectos considerar em sua
caracterização ou ainda separar o conceito de gênero e suporte quando estes aparecem
imbricados, quase numa relação de interdependência. Das tradições literárias às tradições
retóricas muitas concepções foram formuladas e muitas discussões geradas no intuito de
compreender esse fenômeno. Segundo Meurer, Bonini e Motta-Roth (2005:8-9):
Tanto no Brasil, principalmente após a publicação dos PCN (BRASIL, 1998), quanto
no estrangeiro (BHATIA, 1997, HYLAND, 2002), é notável o número de campos
científicos e profissionais interessados nesse tema. Pode-se dizer hoje, que estão
inclinados a discutir questões relacionadas aos gêneros, entre outros, críticos
literários, retóricos, sociólogos, jornalistas, cientistas cognitivistas [...]. O gênero
passou a ser uma noção central na definição da própria linguagem. É um fenômeno
que se localiza entre a língua, o discurso e as estruturas sociais, possibilitando
diálogos entre teóricos e pesquisadores de diferentes campos e, ao mesmo tempo,
trazendo elementos conceituais vibializadores de uma ampla revisão de todo o
aparato teórico da Lingüística. [...] Ao tomar o conceito de gênero como categoria do
discurso, a LA amplia o horizonte de explicações para a linguagem.

Como já foi citado anteriormente, são muitos os estudos e concepções de gêneros nas
diferentes áreas em que é tomado como objeto de estudo. Nesta pesquisa filiamo-nos à
abordagem sociorretórica do estudo do gênero, considerando o postulado de Swales
(1990:45) que conceitua o gênero como uma “classe de eventos comunicativos vinculada a
uma comunidade discursiva específica que faz uso de um gênero específico para atingir seus
objetivos”. Nesse sentido,Bazerman (2011:23) afirma que os “gêneros não são apenas formas.
Gêneros são formas de vida, modos de ser, são enquadres para a ação social. São ambientes
para aprendizagem. São os lugares onde o sentido é construído”.
386
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Ao definirmos o termo ‘cartaz de protesto’ como gênero textual, temos consciência de que
esta escolha gera um embate teórico, pois noções sobre suporte e gênero textual não são
consensuais e há ainda muito o que se discutir, principalmente no tocante aos gêneros em
suporte eletrônico. Marcuschi (2002:21) observa que “em muitos casos são as formas que
determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções. Contudo, haverá casos em que
será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o gênero
presente”. Com o objeto em estudo, a discussão se constitui por ser o cartaz, antes de tudo,
um portador de gêneros. Realmente, o cartaz é um meio de comunicação de uso constante em
vários domínios discursivos, prestando-se especialmente às atividades pedagógicas, de
divulgação, publicidade e propaganda. No entanto, com base em reflexões apoiadas em vários
estudiosos, a exemplo de Swales (1990) e Bhatia (1993), utilizamos como um dos critérios
definidores do gênero em tela o propósito comunicativo, que confere ao cartaz de protesto
uma identidade que lhe dá condições de aceitação e de funcionalidade reconhecida nas
esferas sociais em que circula, pois de acordo com Marcuschi (2002:19) os gêneros “surgem
emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com
inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de
gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita”
O cartaz de protesto constitui, portanto, um gênero complexo em que se verifica, inclusive, o
desdobramento dos seus propósitos comunicativos como no caso dos cartazes produzidos em
ambiente escolar com o intuito de informar, em campanhas publicitárias cujo objetivo
principal é vender, e em ações de manifesto cujos propósitos são criticar e reivindicar.
Bazerman (2005:31) defende a ideia de que os “gêneros emergem nos processos sociais em
que pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar
atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos”.

2. ELEMENTOS NORTEADORES DA ANÁLISE DOS CARTAZES


Entendemos que o propósito comunicativo é imprescindível na categorização do gênero,
assim como o é a função social que ele possui, mas entendemos também que há outros
elementos que precisam ser analisados na tessitura do texto para que uma compreensão mais
ampla seja concebida, Sendo assim,conduzimos nossa análise levando em consideração as
três categorias do quadro tridimensional proposto por Faiclough (2001), cuja acepção de
gênero não corresponde somente a um tipo particular de texto, mas também a processos
particulares de produção, distribuição e consumo de textos, o que poderíamos sintetizar de
acordo com o gráfico abaixo.

Ao optarmos pela análise do gênero em tela percebemos que seria de extrema importância
observar como se dá a relação entre texto, prática social e prática discursiva na construção do
discurso nos cartazes de protesto. Para tanto utilizaremos os estudos de Norman
(FAIRCLOUGH, 2001) e (VAN DIJK, 2001) como aportes teóricos para uma análise crítica
do discurso a fim de percebemos as estratégias persuasivas utilizadas por esses locutores e os
efeitos produzidos nos interlocutores.
Para a Análise Crítica do Discurso (ACD), o discurso é tido como uma forma de prática social,
realizada por intermédio de gêneros textuais. E isto tem as seguintes implicações
(FAIRCLOUGH, 2001):

387
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
(a) os indivíduos realizam ações por meio da linguagem;
(b) há uma relação bidirecional entre o discurso e as estruturas sociais, na exata
medida em que o discurso é simultaneamente influenciado pelas estruturas sociais e
as influencia;
(c) há uma preocupação com os recursos empregados na produção, distribuição e
consumo dos textos, recursos sociocomunicativos, porquanto perpassados por
discursos e ideologias.

Nossa opção pelos teóricos da ACD em detrimento de outras abordagens justifica-se por
compactuarmos com eles da ideia de sujeito como produtor e transformador de suas práticas
discursivas e não como ser assujeitado.
Para Van Dijk (2012:17) “produzir e compreender o texto envolve aquilo que tradicional e
informalmente costuma se chamar de ‘contexto’ dessas falas, abrangendo categorias tais
como as identidades e os papéis dos participantes, o lugar, o tempo, a instituição, as ações
políticas.” Ainda segundo o mesmo autor (Van Dijk, 1997 apud Koch 2013:173), contexto
“representa o conjunto de todas as propriedades da situação social que são sistematicamente
relevantes para a produção, compreensão ou funcionamento do discurso e de suas
estruturas”. Nesse sentido, compreendemos como o entendimento do contexto sócio/político
do Brasil, com denúncias de corrupção em todos os níveis, deficiência nos sistemas de saúde,
educação, segurança e transporte, altas taxas de impostos e baixa qualidade de vida, se faz
imprescindível para a compreensão do discurso dos cartazes, pois sem a compreensão dos
problemas sociais evidenciados pela massa nas ruas, perde-se o sentido das reivindicações e
do próprio discurso.
Ao selecionarmos os cartazes partimos de um pressuposto de que existe entre eles uma
mesma intencionalidade: persuadir os brasileiros a aderirem ao movimento e irem para as
ruas como forma de protesto contra a situação social e política do país. Para conseguirem
seus propósitos os manifestantes se apoiaram nos mais variados fatores de persuasão, o que
nos levou, depois de pesquisa, a organizamos um corpus de oito cartazes coletados no site
Facebook e agrupá-los a partir da relação de interdiscursividade estabelecida entre eles. A
escolha pelo suporte se justifica por ser esse, primeiramente, o espaço de produção,
reprodução, distribuição e recepção desse discurso.

2.1 OS CARTAZES E O DISCURSO NA REDE


Como é de conhecimento geral, a convocação para participar da onda de protestos que
começou no Brasil em junho de 2013 veio em forma de convite/discurso pelo Facebook que
foi compartilhado e endossado por milhões de usuários da rede. Este evento mostrou a
capacidade de interação e mobilização que emerge dos meios digitais através das redes
sociais, e sai para as ruas em forma de (inter)discurso. Segundo Fairclough (2001:91) “o
discurso é um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e
especialmente sobre os outros”. Dessa forma, compreender os eventos discursivos é condição
para que os sentidos sejam processados textualmente. Os cartazes a seguir ilustram
claramente como os discursos do ambiente virtual ocuparam o mundo real e ganharam um
novo significado.

Figura 1 Figura 2 Figura 3


É perceptível que existe nos cartazes acima uma linguagem conhecida por um público que se
sente chamado a aderir ao movimento e essa interdiscursividade faz com que o discurso se
torne mais atraente. As metáforas utilizadas, que de acordo com Fairclough (2001)
estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos, aproximam o significado entre

388
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
uma reforma política no Brasil e o ato de formatação de uma máquina e, nesse caso, o país
passa a ser pensado enquanto máquina e não mais como nação. Nesse sentido, percebemos
que, ao diluir os limites entre dois elementos, “sistema político e sistema operacional” ela
aproxima os membros da comunidade discursiva através do uso eficiente da linguagem,
garantindo uma relação de interdependência entre o sujeito usuário da rede e o sujeito
inconformado com a situação política e social do país.
Quando analisamos o discurso utilizado nas figuras 1, 2, e 3, percebemos como as três
funções da linguagem discutidas por Fairclough (2001) função identitária, função relacional e
função ideacional se efetivam de modo a garantir que o objetivo persuasivo seja alcançado,
pois como fica claro na leitura dos textos as identidades sociais são estabelecidas no
discurso; as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e
negociadas; e os modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades
e relações são explicitados através do código linguístico e das imagens. As figuras 1 e 3
evidenciam claramente a necessidade das imagens na construção da coerência textual, isso
porque, além da linguagem verbal, os textos necessitam cada vez mais de cores, imagens,
movimentos, para que novos sentidos possam ser construídos. Dessa forma, concordamos
com Kress (1989) em que os gêneros textuais não devem ser analisados isoladamente dos
elementos não verbais. A forma como a linguagem verbal e os elementos não verbais
articulam-se deve ser considerada na construção do sentido.

2.2 INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE COM OUTROS


MOVIMENTOS
Para Fairclough (2001:114), “intertextualidade é a propriedade que têm os textos de ser
cheios de fragmentos de outros textos”. Nesse sentido Kristeva (1986:39 apud Fairclough,
2001:134) observa que intertextualidade implica a “inserção da história (sociedade) em um
texto e deste texto na história”, o que implica dizer que o texto absorve e é construído por
textos do passado, mas que também responde, reacentua e retrabalha outros textos
construídos historicamente, como também antecipa e molda textos subsequentes. Essa
observação fica explícita, quando analisamos as figuras abaixo.

Figura 4 (cartaz de protesto - 2013)Figura 5 (cartaz de protesto - 1932) Figura 6 ( cartaz da 1ª guerra - 1917 )

Como é vísivel, os produtores dos discursos nos cartazes de 2013 se valeram de outros textos
e discursos historicamente construídos como estratégias persuasivas a fim de atingir o
propósito comunicativo. Segundo Charles Bazerman (2006), o gênero é apenas a realização
visível de dinâmicas sociais e psicológicas. Ao compreendermos o que acontece com o gênero,
porque o gênero é o que é, percebemos os múltiplos fatores sociais e psicológicos com os
quais nossos enunciados precisam dialogar para serem mais eficazes. Ao observamos os
cartazes utilizados em momentos e lugares distintos,percebemos o quão necessária se faz a
compreensão da intertextualidade como fator persuasivo, pois ao trazer à tona textos que
ficaram conhecidos mundialmente em revoluções que saíram vencedoras, os
locutores/autores implicitamente resgatam no interlocutor/leitor, através da emoção, o
desejo de luta e de mudança. Para Fairclough (2001) é pelo recurso da intertextualidade que
se busca garantir a legitimidade e aprovação do discurso. A interdiscursividade é outro fator
instigante nos textos, segundo Maingueneau (2001) interdiscurso corresponde aos diversos
389
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
discursos no interior do discurso, e é a partir dos vários outros falares que se constituem os
enunciados nos cartazes de protesto. Para Bakhtin (1986:89 apud Fairclough, 2001:134)
Nossa fala... é preenchida com palavras de outros, variáveis graus de alteridade e
variáveis graus do que é de nós próprios, variáveis graus de afastamento. Essas
palavras de outros carregam com elas suas próprias palavras expressões, seu próprio
tom avaliativo, o qual nós assimilamos, retrabalhamos e reacentuamos.

Nas figuras, os textos verbais, apesar de diferentes, trazem uma mesma estratégia
comunicativa: o uso do pronome “você” dirigido diretamente a um leitor de forma imperativa
e contundente, o dêitico usado, embora no singular, refere-se diretamente a uma massa,
interpela os sujeitos a participarem dos movimentos nas ruas, ou no caso da figura 6, da 1ª
guerra mundial como soldado americano.
Outro elemento que se sobressai nas figuras é a imagem. Nos cartazes 4 e 5 a imagem do
soldado é a mesma, que com o dedo indicativo e o olhar de autoridade dá uma ordem,
enquanto no cartaz 6 tem-se a presença do Tio Sam, personagem conhecido durante a guerra
anglo-americana em 1812 e que parece persuadir melhor os americanos. Embora texto e
imagem sejam diferentes, no todo da composição dos cartazes é pelas marcas reiteradas em
cada um deles que percebemos como a multimodalidade se faz presente também como fator
de persuasão. Segundo Kress e Van Leeuwen (2001: 46),
Na era da multimodalidade os modos semióticos além da língua são vistos como
completamente capazes para servir de representação e comunicação. Na verdade, a
língua, seja falada ou escrita, pode agora, com mais frequência ser vista como ‘apoio’
aos outros modos semióticos: ao visual, por exemplo. A língua pode agora ser
‘extravisual’.

Nos protestos de junho de 2013, muitos foram os cartazes que fizeram alusão ao tema da
ditadura. Ideologicamente, é como se os jovens de hoje pudessem fazer o mesmo que os
jovens de outros manifestos fizeram, e por isso a persuasão pela emoção e memória se
justifica. Nos cartazes abaixo vemos como essa ideia é explicitamente trabalhada.

Figura 7 Figura 8

Na figura 7 a coerência se estabelece pela ativação da memória, o interlocutor apoiado pela


referência cronológica é levado para o contexto da ditadura. O questionamento feito à
presidenta busca chamar a atenção para a inversão de papeis, ontem (1970), a presidenta
militava contra a ditadura, hoje (2013), a presidenta assume, de acordo com a cartaz, a
mantenedora da opressão. Já na figura 8 a antítese utilizada entre as palavras ‘ditadura e
democracia’ funciona como elemento persuasivo, pois ao aproximar o significado dessas
palavras, busca-se convencer o leitor de que não temos um país democrático, mas uma
ditadura disfarçada.

2.3 A PARÓDIA E A SÁTIRA EM CENA


Como é característica do discurso dos brasileiros, a criatividade e a irreverência também
foram marcantes nos cartazes. A intertextualidade através da paródia e da sátira conseguiu
chamar a atenção do público e despertar também o desejo de participar das mobilizações.

390
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura 9 Figura 10
Um dos cartazes mais comentados na rede corresponde ao da figura 9, o discurso
"Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil" remete a avisos análogos ("Desculpe o
transtorno") comuns em lugares nos quais obras em execução atrapalham os usuários. Esse
discurso é claramente retórico, pois o produtor não pretende se desculpar, mas persuadir o
interlocutor/leitor, através do recurso da ironia a também se sentir responsável por essa
mudança. É importante lembrar que de acordo com Faiclough (2001:159) “a ironia depende
de os intérpretes serem capazes de reconhecer que o significado de um texto ecoado, não é o
significado do produtor do texto”.
Na figura 10 o discurso latino “pão e circo” assume um outro significado. Se no passado
entendia-se que o provimento de comida e diversão para o povo eram suficientes para
diminuir a insatisfação popular contra governantes, nesse cartaz já não se aceita mais o
discurso populista, pelo menos não totalmente. Claro está que ao utilizar o termo “pão”
metonimicamente como comida, o autor acentua o contexto social do país em que muitos
brasileiros ainda passam fome, e essa figura de estilo constitui no discurso um elemento
persuasivo de autoridade, é a voz das ruas, é a voz da massa. O termo “circo” como metáfora
para copa é utilizado negativamente pelo autor, não mais entendido como diversão, mas
assumindo um papel de responsável pela falta de “pão”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Possenti (2013) as manifestações de rua têm oferecido aos professores interessantes
materiais para que a prática de leitura na escola seja efetivada a partir de análises mais
explícitas e não apenas como identificação de conteúdo. Analisar com os estudantes as
produções desses discursos a partir de seus contextos globais, da observação do cartaz
enquanto gênero e como esse gênero ganha um outro significado quando colocado a serviço
das práticas sociais pode suscitar no aluno uma maior reflexão a cerca de como os discursos
se estabelecem e como as relações de poder e dominação são manifestadas pelos usos
linguísticos que se faz no texto. O estudo do gênero em tela, além de fornecer elementos
importantíssimos para a análise linguística, propicia também um trabalho interdisciplinar,
visto que dialoga com outras disciplinas como a sociologia, história, filosofia, em fim, as
ciências humanas, fomentando assim um painel mais rico e diversificado de saberes.
Analisar as estratégias persuasivas utilizadas nos cartazes de protesto e possibilitarreflexões
acerca do papel do professor de língua portuguesa frente às novas exigências educacionais e
sociais constituíram o objetivo dessa pesquisa. No gênero analisado, percebemos que os
locutores usaram os recursos da intertextualidade e interdiscursividade como fatores de
persuasão, ora assumindo a fala alheia, ora negando o discurso de outrem. Além disso, a
metáfora, considerada tradicionalmente como aspecto da linguagem literária, especialmente
da poesia, foi fortemente utilizada e teve, na constituição dos discursos, importante papel
persuasivo.
Ao optarmos pelo gênero em suporte eletrônico, objetivamos mostrar como as redes sociais
digitais podem funcionar como importante ferramenta pedagógica e como o professor, ao
fazer uso de outros suportes textuais, pode transformar suas aulas em momentos mais
significativos para os estudantes. Longe de ter a pretensão de fornecer dicas, receitas ou
produzir manuais de como se trabalhar com o gênero em sala de aula ou como abordar a
análise do discurso no ensino fundamental, pretendemos apenas possibilitar discussões
acerca do papel do professor de língua portuguesa frentes às novas exigências educacionais,

391
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
pois entendemos que só compreendendo o discurso de diferentes formas de ação em
sociedade, é possível construir nas escolas espaços criativos e dinâmicos de aprendizagem,
assim como é possível também utilizar outros suportes como as redes sociais para efetivar
leituras e discussões críticas.

REFERÊNCIAS

ABREU, Karen Cristina Kraemer. Cartaz publicitário: um resgate histórico. VIII Encontro Nacional de História
da Mídia. Unicentro, Guarapuava-PR – 2011

BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2006.

_____ Atos de fala, gêneros textuais e sistemas de atividades como os textos organizam atividades e pessoas.
In: BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. Organização de Ângela Paiva Dionísio e Judith
Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.

______ Gêneros agência e escrita; Judith Hoffangel; Angela Paiva Dionísio (organizadoras); tradução e
adaptação Judith Hoffnagel - 2 ed. – São Paulo: Cortez, 2011.

BHATIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. New York: Longman, 1993.

Dijk, Teurn A. Van, Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva; tradutor Rodolfo Ilari. - São Paulo:
contexto, 2012

FAIRCLOUGH, N. A. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília/DF: Edunb, 2001a.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,
2006.

KRESS, G.; e VAN LEEUWEN, Theo. Reading Images: The Grammar of Visual Desgin. New York: Routledge,
1996.

_______ Multimodal discourse: the modes and media in the contemporary communication.
New York: Oxford University Press, 2001.

MARCUSCHI. L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva et al. Gêneros
textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Tradução de Cecília P. de Souza-e-Silva, Décio Rocha.


São Paulo: Cortez, 2001.

MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.).Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.

POSSENTI, Sírio: http://revistalingua.uol.com.br/textos/94/leitura-das-ruas-294844-1.asp


SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge
University Press, 1990.

Fonte dos cartazes:


https://pt-br.facebook.com/Cartazesdeprotestos
https://www.facebook.com/MelhoresCartazesEmProtesto

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REFIGURAÇÃO IDEOLÓGICA DO SERTÃO A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADE MEDIANTE ASPECTOS PÓS-MODERNOS.

Adeline Ruthiely de Melo Guedes*


Rafaela de Lira Nascimento**

RESUMO: Este artigo propõe a discussão acerca do romance Galileia (2008), de Ronaldo
Correia de Brito, partindo de princípios que regem questões culturais, bem como estudos
voltados à identidade do indivíduo e a forma como esses temas perpassam o que diz respeito
aos efeitos do processo de globalização. O modo utilizado pelo autor na construção e na
constituição do romance apresenta um novo olhar sobre o Sertão brasileiro, opondo-se aos
discursos imagético-discursivos idealizados pelos regionalistas e tradicionalistas referentes à
região. O romance apresenta-se como palco para rememorações de um passado arcaico em
contraste com as novas mudanças ocorridas devido à sociabilidade moderna, ele ultrapassa
os limites das estagnações culturais do local e transcende o tradicional e o antimoderno. As
formas cristalizadas pela perpetuação de costumes, hábitos e concepções construídos são
rompidas, não mais refletindo estereótipos imagéticos de caráter moral para a preservação
histórico-cultural da região. A nova configuração introduz produtos dos trânsitos culturais
provenientes do processo de globalização, substituindo as temáticas clássicas, que se
encontram presentes em diversas obras do passado que construíam o Nordeste, como a seca,
o cangaço, os retirantes, beatos, profetas, santos, coronéis, escravos etc. A partir disso, o
presente trabalho concentra-se na análise do processo pelo qual Ronaldo Correia de Brito
reinventa o Sertão dentro da obra, inovando ao inserir aspectos característicos da pós-
modernidade.
Palavras-chave: Pós-modernidade. Globalização. Identidade. Sertão. Galileia.

ABSTRACT: This article submits discussion about Ronaldo Correia de Brito’s romance
Galille (2008),starting from principles governing cultural issues, as well as studies related to
the identity of the individual and how these themes found what concerns the effects of the
globalization process. The manner used by the author in the construction and constitution of
romance presents a new look at the Brazilian hinterland, as opposed to the idealized image-
discursive discourses by Regionalist and traditionalists refer to the region. The Romance
presents itself as a stage to recollections of an ancient past in contrast with the new changes
due to modern sociability, he goes beyond the limits of cultural stagnation of local and
transcends the traditional and anti-modern. Crystallized forms perpetuation of customs,
habits and conceptions are built broken, no longer reflecting imagistic stereotypes of moral
character for the preservation of historical and cultural region. The new configuration
introduces cultural influences from the globalization process, replacing the classic themes
that are present in several works of the past who built the Northeast, such as drought,
banditry, retreatants, Blesseds, prophets, saints, colonels, slaves etc. From this it the present
study focuses on the analysis of the process by which Ronaldo Correia de Brito reinvents the
Hinterland within the work, innovating to insert characteristic features of postmodernity.

Key words: Post modernity, Globalization, Identity, Hinterland, Galilee.

INTRODUÇÃO

O Sertão, no decorrer da sua construção imagético-discursiva, foi representado por discursos


inventados pelos regionalistas (1930) e tradicionalistas (1926), no qual se apoiavam num
passado arcaico, pois acreditavam que lá estaria contida a essência da região. A literatura
antiga e rigorosa da tradição perde lugar para a narrativa contemporânea de Ronaldo Correia
de Brito. A imagem engessada do espaço sertanejo que mostra um Brasil profundo, afastado
das metrópoles e de qualquer outro tipo de manifestação moderna é quebrada.
O romance Galileia consiste numa obra renovadora, que explora a relação entre o desejo de
se romper os limites locais e a realização de experiências cosmopolitas, ela se constitui
393
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
primordialmente no conflito contemporâneo versus arcaico. A partir dessa problemática, será
realizada a análise em busca de características que julguem essa distorção temporal e de
como o autor configura os personagens inseridos nesse ambiente de constantes processos de
transformação de narrativa conflituosa, entre os efeitos da dobras da memória e a perda da
particularidade geográfica do Sertão.
_____________________
* Graduanda em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
[email protected]
** Graduanda em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
[email protected]

O assunto a ser discorrido no artigo é abordado sob o ponto de vista de teorias culturais,
sociais e antropológicas baseado nos seguintes livros: A invenção do Nordeste e outras artes
do Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2009), o qual aborda a questão do recorte espacial
de um local real e imaginário inventado à base de mitos e estereótipos; o livro A identidade
cultural na pós-modernidade (1998) e Da diáspora: identidades e mediações culturais
(2003), do Stuart Hall, que discutem sobre o comportamento do homem na sociedade
moderna e a relação das identidades múltiplas, edificadas sob as diásporas e o livro O local da
cultura (1998), de Homi K. Bhabha, voltado para as questões da identidade, do hibridismo,
da tradução, no qual possui enorme relevância para a realização da pesquisa em questão.

1. NORDESTE: UM ESPAÇO IMAGÉTICO-INVENTIVO

Ancorada no discurso da tradição, ou seja, “[...] estar primordialmente em contato com um


núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa linha
ininterrupta.” (HALL, 2003 p.29), em meio a nostalgias dos antigos territórios sociais e
existenciais, a região do nordeste nasce da construção político-cultural mediante as ameaças
de um possível apagamento da sua memória. De acordo com Durval Muniz de Albuquerque,
cria-se a necessidade de reterritorialização. Os fatores históricos e principalmente os de
cunho cultural marcam a origem e o desenvolvimento de uma invenção imagético-discursiva
do espaço, com o intuito de preservação de um passado. Segundo o Gilberto Freyre: “As
tradições desenvolvidas à sombra das casas grandes, das senzalas, das igrejas, dos sobrados,
dos mocambos, dos contatos “afetivos” de brancos com negros e índios eram o substrato
verdadeiramente nacional de nossa cultura”. (1987 apud ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001,
p.89) 148

Os movimentos Regionalistas e Tradicionalistas possuem a missão de resgatar e preservar as


tradições do Nordeste, sendo uma “[...] fantasmagórica repetição de outras histórias.”
(BHABHA, 1998, p. 220). O Nordeste seria o local verdadeiramente brasileiro, pois não
estava às influências da Europa, diferentemente de outras regiões do país.

O tecer da identidade regional se baseia na memória, sempre à procura de religar o presente


ao passado, estabelecer um equilíbrio entre a nova e a antiga territorialidade. Por esse
motivo, os hábitos nordestinos são voltados para um passado rural e pré-capitalista, são
buscas “de sociabilidade e sensibilidade patriarcais [...] uma verdadeira idealização do
popular, da experiência folclórica, da produção artesanal, tidas sempre como mais próximas
da verdade da terra” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.77). Homi Bhabha afirma que “As
problemáticas fronteiras da modernidade estão encenadas nessas temporalidades
ambivalentes do espaço-nação. A linguagem da cultura e da comunidade equilibra-se nas
fissuras do presente, tornando-se as figuras retóricas de um passado nacional.” (1998, p.
202).

O discurso literário se baseia no espaço natural nordestino, apresentando-se com mais força
no romance de trinta, com o intuito de autenticar, artisticamente, uma identidade regional e

148Gilberto Freyre, Vida, Forma e Cor, pp. 143 e 144.


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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
denunciar polemicamente esse espaço original, que se perdia: “[...] o romance nordestino era
rústico, inculto e forte como aquela área.” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.108). É
inventado um Nordeste tradicional a partir de imagens, lembranças, experiências, dentre as
quais estão as narrativas de cangaceiros, das secas, dos santos, entre outros, esses temas
permeiam a construção da obra literária produzida nesse momento histórico, com destaque
para a seca, ponto relevante para as mudanças sociais e morais. A tentativa de retomada do
passado é “frequentemente representado nas formas reificadas do realismo e do estereótipo
[...] é a partir dessa instabilidade de significação cultural que a cultura nacional vem a ser
articulada como uma dialética de temporalidades diversas – moderna, colonial, pós-colonial,
“nativa” – (BHABHA, 1998, p. 215).

O cangaço, por sua vez, era o estereótipo da violência, valentia. “Existia na região, toda uma
tradição literária de origem medieval de narrar crimes feitos em nome da honra, em defesa
da família e de seus protetores” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.124). Acreditava-se que
os cangaceiros agiam por ordem divina, rebelados contra as injustiças acometidas e contra o
processo de modernização ameaçadora da essência da região “[...] ao lutarem contra os
correios, arrancarem fios de telégrafo e trilhos de trem, sequestrarem ‘gringos’, enfrentarem
os agentes do Estado” (2001, p, 127). Em resultados das catástrofes naturais, surgem os
beatos e profetas, defensores de um mundo sagrado, perambulantes das terras sertanejas em
busca de converter pecadores e anunciadores de castigos para os que desrespeitassem as
normas tradicionais. “O misticismo e a visão sacralizada da natureza e da sociedade faziam
parte deste mundo tradicional” (2001, p.127). Região de crenças primitiva em contraste com
a racionalidade característica da modernidade. Diversos são os temas estagnados na
memória dessas terras, que serviram de base para a figuração do local e percorrem inúmeras
obras:

Nordeste do fogo, da brasa, da cinza [...] da vegetação agressiva espinhosa, onde só o


mandacaru, o juazeiro e o papagaio são verdes. [...] Nordeste das cobras, da luz que cega, da
poeira, [...] da terra gretada, das ossadas de boi espalhadas pelo chão, [...] dos retirantes
puxando jumentos, das mulheres com trouxas na cabeça trazendo pela mão meninos magros
e barrigudos. Nordeste da despedida dolorosa da terra, de seus animais de estimação, da
antropofagia. Nordeste da miséria, da fome, da sede, da fuga para a detestada zona da cana
ou para o Sul. (2001, p.121)
Essa imagem da tradição direciona os homens numa sociedade em constante transformação
ameaçadora para a não perpetuação de laços histórico-culturais da região. Segundo Stuart
Hall, um dos fatores dessa suposta descaracterização do local seria o processo de
globalização, que se dá pelas relações sociais e econômicas capitalistas, por meio de fluxos
culturais globais, provenientes da modernidade:
[...] a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e
“fechadas” de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades,
produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as
identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas
ou trans-históricas. (1998, p.87)
O efeito da globalização tanto pode fortalecer as identidades do local quanto pode produzir
novas identidades. Algumas identidades giram em torno da chamada Tradição, isto é,
recuperação substancial do seu interior como ser de uma determinada cultura, em busca do
que melhor se aproxima de suas origens, outras se deixam levar pela chamada Tradução, ou
seja, identidades que são formadas por meio do ultrapasse das barreiras naturais, entrando
em “acordo” com novas culturas, o que tem por consequência o hibridismo, segundo Stuart
Hall: “As identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão naufragando nos
rochedos de uma diferenciação que prolifera. [...] migrações livres e forcadas estão mudando
de composição, diversificando as culturas e pluralizando as identidades culturais (2003,
p.44-45)
Anthony Gilddens diz que na sociabilidade tradicional, o passado tem destaque importante,
pois dá continuidade aos costumes e práticas de gerações. (GILDDENS, 1990 aput HALL,
1998, p.14). Em contrapartida, as sociedades modernas são de mudança constante, rápida.
De acordo com Stuart Hall, essas sociedades da modernidade são caracterizadas pela
“diferença”, elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que
395
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito” (2003, p.17). A interferência
dessas sociedades nos indivíduos vem desestruturando as suas bases edificadas nas tradições.
As identidades modernas estão sendo cada vez mais fragmentadas, isto é, compostas não
apenas de uma identidade unificada, mas de várias. Esse produto condiz ao sujeito pós-
moderno, desterritorializado pelo efeito da globalização cultural: “[...] suas compressões
espaço-temporais, impulsionadas pelas novas tecnologias, afrouxam os lagos entre a cultura
e o ‘lugar’” (2003, p.36).

2. O SERTÃO PELO ESPELHO DO RETROVISOR.

O romance Galileia (2008) 149, do autor Ronaldo Correia de Brito 150, trata dos embates
insolúveis entre cidade e campo com sua escrita exata e rápida, considerada cinematográfica.
A obra é narrada pelo protagonista Adonias, que atravessa o Sertão do Ceará junto com seus
primos Ismael e Davi em destino à fazenda da Galileia, devido à doença de seu avô Raimundo
Caetano. O retorno a esse lugar traz uma série de rememorações a cerca dos costumes e
princípios da região sertaneja em contraste com a situação real e presente no qual eles se
deparam. Raimundo Caetano é dono da fazenda Galileia e pertence a uma grande família. O
Nordeste era tema das “Famílias extensas que se espalhavam em muitos concubinatos”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.116). Contrapondo-se a isso, por exemplo, dos seus nove
filhos (exceto Benjamim que falecera), encontram-se somente três que moram em torno da
fazenda: Natan, Josafá e Salomão, o restante foi morar na cidade, “Os filhos, netos, bisnetos,
parentes e agregados retornavam apenas nas festas do padroeiro, aniversários e férias.”
(BRITO, 2008, p.60). Os romances de trinta possuíam um olhar negativo em relação à
cidade. A oposição existente entre litoral e Sertão permanece no passado – um novo tempo se
institui.

Outro exemplo de rompimento do tradicional é o de Natan, que renega o filho (Ismael), o


qual teve fora do casamento com Maria Rodrigues, um índia Kanela de Barra do Corda
(Maranhão), bem como, posteriormente, a separação com sua esposa, mãe de Davi e Elias,
Marina – socióloga da região Sul. A organização das famílias não se dá mais apenas por
nucleares. Natan também trabalhava com exportações, investidor na compra de peles, ele
comprava couros no Ceará, Piauí e Maranhão.

Partindo da controvérsia das regiões Norte e Sul, causada pelas “grandes distâncias, a
deficiência nos meios de transporte e comunicação [...] tornavam estes espaços
completamente desconhecidos entre si, verdadeiros mundos separados e diferentes.”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.41), observa-se o rompimento dessa divisão existente
sob a perspectiva “racial, psicológica e moral” (2001, p.57), uma vez que Marina, socióloga
estudiosa da Família Rego Castro, foi para Galileia em busca de informações para sua
pesquisa e se casa com Natan, quebrando, assim, a dicotomia existente entre essas duas
regiões. A sociedade moderna, em meio as suas relações culturais, está provocando
modificações nas suas estruturas: “[...] à medida em que áreas diferentes do globo são postas
em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente
toda a superfície da terra” (GIDDENS, 1990 apud HALL, 1998, p.15). É relevante destacar a
ajuda de Salomão para os estudos da sulista por meio de pesquisas e estudos realizados por
ele, grande estudioso da região, o que também deixa de lado a idéia estereotipada da
ignorância regional.

O romance é iniciado com a volta dos primos Ismael, Davi e Adonias para a fazenda – o
êxodo. Diferentemente dos retirantes, caracteres clássicos do mundo sertanejo, no qual saíam
do local em busca de sobrevivência, devido ao flagelo das secas. Não era frequente a imagem

149Vencedor do prêmio São Paulo de Literatura 2009.


150Nascido no mesmo Sertão do Ceará, onde se encontra a fazenda Galileia, é profundo conhecedor do cenário escolhido
para o entorno do seu primeiro romance. Reside em Recife, é médico e dedica-se à literatura, realizando trabalhos como
contista, dramaturgo e roteirista.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
de pessoas voltando para a terra das secas. Os fatores que levaram as saídas dos primos do
Sertão não consistem em questões de necessidade, pois nunca houve miséria na fazenda. Eles
caracterizam “[...] a geração que largou o campo pra nunca mais voltar” (BRITO, 2008, p.
114). (2008, p.23). Davi saiu em busca da aprendizagem e aperfeiçoamento dos estudos
musicais fora do país; Adonias estudou medicina na Europa e Ismael viveu como imigrante
na Noruega: “Três vaqueiros desgarrados, cowboys voltando das planícies lunares.” (2008,
p.135).

[...] é importante ver essa perspectiva diaspórica da cultura como uma subversão dos
modelos culturais tradicionais orientados para a nação. Como outros processos
globalizantes, a globalização cultural é desterritorializante em seus efeitos. Suas
compressões espaco-temporais, impulsionadas pelas novas tecnologias, afrouxam os lagos
entre a cultura e o "lugar". (HALL, 2003, p.36)

Ismael, Davi e Adonias retornam numa camioneta importada “No êxtase do som do carro,
rasgamos os Sertões em alta velocidade: maravilha o mundo lá fora, atenuado por um vidro
fumê e pelo controle de temperatura” (BRITO, 2008, p.10). Pelas janelas observam
modificações ocorridas no local durante o tempo em que passaram fora. A paisagem ao lado
do sócio-histórico concerne na imagem sob as influências de produtos urbanizados,
características da pós-modernidade, pano de fundo da narrativa. Essa descrição durante o
percurso da viagem ocupa quase um terço do romance.

Adonias traz inúmeras lembranças, como, por exemplo, o nome de todos os pássaros e
árvores que era obrigado a decorar quando criança: “Meu pai exigia que eu memorizasse as
plantas da caatinga, por mais insignificantes que me parecessem [...] lembro de muitos, mas
sou incapaz de reconhecer uma plumagem, um canto, um ninho. É outra memória inútil,
guardada não sei para quê.” (BRITO, 2008, p.12-16). O personagem sempre se lembra e
reclama desse episódio de sua infância reforçando a inutilidade do hábito, praticado
fielmente pelos regionalistas: “A necessidade de reterritorialização leva a um exaustivo
levantamento da natureza” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.67). Dessa forma, é passada
a ideia crítica da perpetuação dessas memórias normativas desnecessárias, regionalistas.

Em meio a tantos estranhamentos diante dos seus olhos, Adonias destaca: “Imagino a casa
dos meus avós derrubada por tratores, dando lugar a uma rodovia. O barulho forte das
máquinas e as luzes dos faróis me deixam a impressão de que estou noutro planeta. Mas não
estou. (BRITO, 2008, p.8). Durante a viagem rumo à fazenda, Adonias verifica a decadência
da identidade cultural fixada pela memória, como, por exemplo, a imagem da mulher, antes
vista como frágil e destinada aos cuidados da casa e da família, agora ganha o mundo: “O
poder masculino cede lugar ao feminino [...] Com certeza já não se escondem na cozinha e
nos quartos da casa, atravessam as salas, ganham os terreiros, as ruas, as cidades.” (2008, p.
227). Imagens ancoradas na tradição decaem, Adonias observa mulheres tangendo vacas em
cima de motocicletas: “Dois mitos se desfazem diante dos meus olhos, num só instante: o
vaqueiro macho, encourado, e o cavalo das histórias de heróis, quando se puxavam bois pelo
rabo.” (2008, p.8). Outro destaque feminista consiste no trabalho das mulheres da fazenda,
“na manufatura de punhos, cordões, varandas de crochê e bordados” (2008, p.60), principal
sustento da fazenda – um fabrico de redes:

Os quartos de dormir, as salas de estar e os terraços da casa foram ocupados por máquinas
de costura e fiação. As mulheres romperam as prisões simbólicas, saíram para o mundo,
quebraram as paredes do gineceu e as portas que as isolavam no claustro sombrio. Os
tempos eram outros, homens e mulheres se ocupavam dos mesmos afazeres, invertia-se a
antiga ordem patriarcal. (2008, p. 60)

Na Galileia, a antiga dependência da agropecuária dá lugar à manufatura, subvertendo o


estrito mando dos patriarcas, já não sobreviviam dos plantios e dos rebanhos, “Não existe
mais roça, nem eles querem. Não existe mais gado, nem eles querem.” (2008, p.38). O
latifúndio é improdutivo, “[...] nada lembra os inventários do passado, com até doze mil
cabeças de bois e vacas.” (2008, p.53), como diz Raimundo Caetano, “Os tempos são outros,
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
[...] a terra perdeu a sustância. De onde se tira e nunca se bota, acaba.” (2008, p.53). O tempo
não se encontrava mais estático, “Substituíram as pastagens de gado dos Sertões por plantios
de maconha” (2008, p.9), a surpresa de Adonias se reflete durante toda a narrativa,
observando a brusca mudança no cenário sertanejo:

Arruinou-se o quarto de fabrico de queijo, e as prensas lembram esqueletos de dinossauros,


memória da fartura de leite. Parece que um meteoro caiu sobre Galileia, queimou os pastos,
matou os rebanhos, pôs os currais abaixo. Até os aboios dos vaqueiros são ouvidos apenas
nos programas de rádio. Nos fogões de lenha não se torra café, nem manteiga, nem se
produz o sabão da gordura de porcos e bois. Panelas de barro e cobre, cuias, jarras, potes e
alguidares perderam a função. Minguaram, substituídos sem saudade por plásticos e
acrílicos. (2008, p.69)

Elias, neto de Raimundo Caetano, é uma das provas de que a “agricultura e a pecuária faliram
no Nordeste” (2008, 112), como ele mesmo diz, sendo trabalhador no ramo da construção
civil. O solo onde se plantavam algodão endureceu, o que, no passado, saiam caminhões
cheios para as fábricas de tecido. Uma praga de besouros destruiu os algodoais, Salomão é
convicto da armação dos americanos para com as plantações, pois temiam a concorrência do
Nordeste. Essa possível inserção destruidora dos americanos nessas plantações está
fortemente ligada à idéia da invasão estrangeira nas terras nordestinas, ação
descaracterizadora da identidade regional, “[...] a moldagem e a remodelagem de relações
espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos
sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas. (HALL, 1998, p.71).

Salomão “é um xenófobo incorrigível” (BRITO, 2008, p114), embasado na tradição, coleciona


de tudo o que diz respeito ao mundo sertanejo, folclore, cultura popular etc., é um grande
estudioso da região. Em contrapartida, além de investir em caprinos, planta mamonas, de
olho nos bicombustíveis. A construção de identidade se dá de modo ambíguo, entre o passado
e o futuro: “Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por
avançar ainda mais em direção à modernidade. (HALL, 1998, p.56). Por um lado ele tenta
preservar o passado da região e por outro reflete a influência de fatores estrangeiros, isto é, a
ânsia por um capital maior através da plantação de produtos contribuintes para o processo
tecnológico: “A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam” (1998, p. 12-13). A deterioração física do Nordeste era
um sinal da decadência daquela sociedade tradicional, segundo Gilberto Freyre “a busca do
equilíbrio social da permanência, da estabilidade passavam pela própria conservação da
natureza.”(FREYRE, 1985 apud ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.100). 151

As imagens do romance de trinta foram ancoradas em torno da seca, assunto central das
narrativas. Em contrapartida, em Galileia, na maioria das vezes, quando o céu não se
encontra com prenúncios de chuva, está chovendo. A seca perde lugar, ela não se constitui
mais o problema central. O Sertão de antigamente vivia sob uma sociabilidade rotineira, onde
apenas a irrupção da natureza quebrava essa rotina, como a seca, as enchentes, as mortes
etc., mas o Sertão de Ronaldo Correia de Brito está impregnado por outras problemáticas
desestabilizadoras da rotina, tal como a pedofilia, a prostituição infantil, entre outros;
questões de ordem social. Observa-se esse cenário representado na fala de Adonias: “antes, o
único flagelo era a seca.” (BRITO, 2008, p.82).

Com o objetivo do entendimento da alma da terra, a espiritualidade, a religiosidade eram


temas recorrentes, “um catolicismo nordestino, sertanejo, em que o sagrado se mistura com a
natureza e com os vínculos sociais concretos.” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.83). Em
Galileia, como lembrança do passado da fazenda, adoece Beijamim, o filho caçula de
Raimundo Caetano, o pai “rolava pelo chão, rezando e pedindo a Deus que não levasse a
criança” (BRITO, 2008, p.63), Maria Raquel e Teresa Araújo, esposa e afilhada,

151Ver Gilberto Freyre. Nordeste (Prefácio), p. 6.


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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
respectivamente, “rivalizavam a dor, competindo em devoções, retratos ampliados, santinhos
e coroas funerárias.” (2008, p.63). Apenas lembranças, pois já não mais se tem esses
episódios religiosos na fazenda, o sagrado perde espaço na narrativa. O desfecho do livro se
dá em meio a uma procissão de motos em meio a muita música, dança e bebida, totalmente
descaracterizada.

No lugar do antigo lampião ou candeeiro há a substituição pela energia elétrica, as estradas


de barros foram substituídas pelo “asfalto fedorento”, Adonias acentua sobre: “Já chorei por
causa dessa ferida preta, cortando as terras. Agora, me distraio com os carros que passam.”
(2008, p.8). Há vários postos de gasolina, os carros e motocicletas tomam o lugar dos bois,
das vacas. O cenário sertanejo em quase nada se distingue do litoral: “um posto de mototáxi
[...] um carro vende botijões de gás, umas caixa de som toca música alta.” (2008, p.83). No
escritório de Salomão “ficavam o computador e a impressora [...] As luzes de todas as casas
estavam acesas. Certamente as pessoas jantavam e viam televisão.” (2008, p.173).

A modernização está espalhada pela região, as lan houses estão por toda parte; Davi há quase
todo momento representa essa vivência tecnológica, ele não desgruda do brinquedo
eletrônico durante toda a viagem. Observa-se fortemente este fenômeno por meio da cena na
qual Natan narra histórias em meio a vibrações sonoras provindas dos aparelhos tecnológicos
e Adonias examina, em meio a cenas rápidas, provenientes da modernidade: “a claque da
televisão ri, vozes se agitam, gritam, choram. As vibrações sonoras disputam o espaço [...]
Tento abstrair a televisão. Escuto os teclados dos computadores.” (2008, p.205). Não se tem
mais a imagem dos jagunços ‘torando’ as estradas e a caatinga tampouco cangaceiros, como
relembra o dono do bar no qual Adonias, Davi e Ismael visitaram: “Antigamente não existiam
computadores. No máximo, um bando de cangaceiros aparecia e estuprava as mulheres da
casa, roubava, matava e dançava até o dia amanhecer.” (2008, p. 34-35), nessa fala observa-
se a concepção estática do passado sertanejo, tida apenas na memória.

Diversos elementos sofrem mudanças significativas. Durante a viagem, Ismael, Davi e


Adonias visitam uma bodega, onde encontram uma banda de forró modernizada, diferente
do conhecido trio pé-de-serra. A zabumba e o triângulo foram trocados pela guitarra, pelo
teclado, baixo, pela bateria, permanecendo apenas a sanfona. O vocalista da banda “usa três
argolas na orelha esquerda, um piercing no nariz e roupa preta brilhosa. Passa a mão nos
cabelos pintados de louro, endurecido pelo excesso de gel fixador” (2008, p. 34). O
bodegueiro acentua: “Agora, os rapazes acham feio vestir roupa de couro, botar um chapéu
na cabeça. [...] Mudaram os tempos. Pra que serve vestir roupa de couro, botar chapéu na
cabeça, se não tem boi pra correr atrás? Serve apenas pra dançar xaxado, folclore, o senhor
conhece. Roupa de couro perdeu o valor porque não tem utilidade.” (2008, p.38). Cenas que
descaracterizam a região inventada pelos regionalistas são repercutidas durante toda a
trama. O romance de trinta elaborava personagens típicos, identidades regionais, no romance
de Ronaldo Correia de Brito esses personagens típicos estão em crise devido ao hibridismo,
como diz Stuart Hall:

Quanto mais a vida social se torna medida pelo mercado global de estilos, lugares e imagens,
pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação
globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de
tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. (1998, p.75)

O passado tradicional possuía o tema dos avôs patriarcais, “generosos, brandos, de muita
força e poder” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.116). O romance é voltado para a doença
do avô, ele é o motivo pelo qual Adonias, Davi e Ismael retornam a fazenda. Raimundo
Caetano representa o passado no presente, “[...] era o último da sua espécie.” (BRITO, 2008,
p.59). Ele simboliza a degradação do espaço arcaico, que está morrendo. A decadência do avô
patriarca, a queda de seu poder sobre a fazenda, corresponde com a degeneração da fazenda:
“A Galileia reflete a doença do avô. A mesma infecção que destrói sua carne parece arruinar a
terra.” (2008, p.111).
2.1 GLOBALIZAÇÃO: COMBINAÇÕES LABIRÍNTICAS DE IDENTIDADE.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Os comportamentos dos personagens são regidos pela desestabilização de suas identidades,
como se observa nessa fala de Adonias: “Quem me garante que os pensamentos cessarão de
remoer dentro de mim?” (BRITO, 2008, p.86). Eles estão inseridos na concepção de “sujeitos
pós-modernos” de Stuart Hall, resultados de processos modernos de globalização. O
sentimento de estrangeirismo é recorrente, principalmente, na fala do personagem Adonias:
“Vago numa terra de ninguém, um espaço mal definido entre campo e cidade. Possuo
referências do sertão, mas não sobreviveria muito tempo por aqui. Criei-me na cidade, mas
também não aprendi nem a ginga nem o sotaque urbanos. Aqui ou lá me sinto estrangeiro”.
(2008, p.160)

Salomão afirma que a família Rego Castro é um povo inacabado, em constante mobilidade,
“[...] adaptando-se aos lugares distantes, às culturas exóticas. [...] pertencemos a todos os
recantos e a nenhum.” (2008, p.25). Adonias nega-se frequentemente, ele encontra-se
sempre em desacordo consigo e com o mundo, o narrador sente “fascínio e repulsa por esse
mundo sertanejo”, a ambiguidade está enraizada nas ações dos personagens, diferentemente
dos personagens típicos presentes no romance de trinta: “tipos fixos que mesmo diante de
todos os conflitos internos e dos dissabores externos que enfrentam ao longo da trama, nunca
chegam a se negar a si mesmo, eles tem garantia da continuidade de “um modo de ser”, de
“um modo de pensar”, de “um modo de agir” regional. (CHAMIE, 1976 apud
ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p.110)

Em vários momentos observam-se cenas agonísticas, como, por exemplo, o momento do


boteco, que a banda de forró toca instrumentos desarmônicos em meio a ventiladores de teto
que fazem bastante barulho, rodeados por inúmeras moscas do local; esse episódio se passa
durante uma tempestade, com raios e fortes trovões. É relevante destacar a importância das
chuvas dentro da obra, há quase todo momento o céu encontra-se nublado, numa posição de
instabilidade, mais um reforço para a idéia da “descentração” de sujeitos presentes no
romance. A velocidade com que as imagens passam em alguns momentos do romance
provoca uma sensação de desconforto, de agonia. O leitor sente o drama, a pressão, a
embriaguês proveniente dessa cinematografia embebida na modernidade.

Não há uma ordem cronológica para os acontecimentos, a aparição dos fatos que se passam
no romance, o que reforça a idéia da contradição interior dos personagens, segundo Yves
Reuter “Os jogos com a ordem podem também ‘imitar’ as atribulações de um percurso
psíquico” (1995, p. 93). Na construção do romance, várias lacunas são existente, tal como
segredos, traições, assassinatos etc. São dadas informações necessárias para se “compreender
tudo”, um pouco mais tarde, num flashe-back explicativo. (1995, p.92).

As várias viagens dos personagens consistem numa busca incansável por um lugar onde
possam se encaixar, se encontrar. Esses lugares, como diz Yves Reuter, simbolizam “[...] tal
status ou tal desejo” (1995, p. 61). Dessa forma, as diásporas realizadas são movidas por uma
necessidade existencial em meio ao transito cultural existente que está cada vez mais
“desfragmentando” as identidades dos indivíduos: “Em condições diaspóricas, as pessoas
geralmente são obrigadas a adotar posições de identificação deslocadas, múltiplas e
hifenizadas.” (HALL, 2003, p.76). O conflito de identidade acompanha Adonias na volta de
Inhamuns para o Recife:

À medida que me afasto desse Sertão dos Inhamuns sem nunca virar-me, igualzinho fez Ló
quando fugia de Sodoma, ele me transmite um apelo. Tapo os ouvidos com cera de carnaúba
e fico surdo aos seus chamados [...] Não quero o Recife. Ao lado do avô e dos parentes só
pensava em voltar para casa. Agora prefiro um espaço neutro, um caminho que me leve a
lugar nenhum. (BRITO, 2008, p. 225-228)

Durante a volta, perdido numa cidadezinha, em meio a Festa de São Gonçalo: uma procissão
de motos onde dançarinos canta e bebe. Adonias embriaga-se, roubam seu celular. Perde a
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
comunicação com o mundo. Num instante ele celebra, segura o santo em meio à dança e a
embriaguez, alegria que de repente cessa: “Sem a chance de partir tudo parece sombrio e feio;
o coração se tranca, a boca amarga. [...] Até bem pouco tempo, o mundo em volta de mim era
compreensível e amável. Agora, seu significado me foge por completo. (2008, p.236).

O desfecho do romance se dá em meio a essa subjetividade indefinida. Um lugar movediço é


literalmente narrado. Adonias vivencia velozmente e labirinticamente um estado de
insignificância: “Emerge do abismo da enunciação onde o sujeito se divide, o significante
“[...] desaparece gradualmente” e o pedagógico e o performativo são articulados de forma
agonística. (BHABHA, 1998, p.217), isto é, “[...] o processo de identidade constituído pela
sedimentação histórica (o pedagógico) e a perda da identidade no processo de significação da
identidade cultural (o performativo).” (1998, p.216). A sociedade moderna é responsável por
ocasionar uma condição de instabilidade aos indivíduos, uma crise de identidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, o romance Galileia representa uma forma de superação do regionalismo, a obra se


constitui numa revolução. A região do Nordeste é vista de outra forma, é deixada de lado a
imagem ancorada nos livros acerca do Sertão, que demonstrava um local estático do Brasil
profundo, onde as relações sociais se davam de modo arcaico.
A voz do livro está em torno do constante movimento em que se encontram as pessoas, a
procura de um lugar inexistente, reflexos de desajustes no que diz respeito às identidades -
consequências das variadas relações culturais. A literatura produzida no Nordeste tenta se
libertar de estereótipos que foram criados para ela. A escrita de Ronaldo Correia de Brito
rompe esse modelo cristalizado, ela apresenta a real imagem do Nordeste: inserida na
situação pós-moderna, num ambiente globalizado.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2001.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. UFMG, 1998.
BRITO, Ronaldo Correia de. Galiléia. Rio de janeiro: Alfaguara, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
__________. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
REUTER, Yves. Introdução à análise do Romance. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

401
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICO-DISCURSIVA DO SERTÃO NORDESTINO E A
SUA PERMANÊNCIA, OU NÃO, NA CONTEMPORANEIDADE

Manuella Mirna Enéas de Nazaré 152

RESUMO: Neste trabalho, abordamos a construção imagético-discursiva do Nordeste e seu


Sertão, para, nesse contexto, buscarmos visualizar a permanência, ou não, de tal Sertão na
contemporaneidade. Para tanto, utilizamos estudos de Laraia (2006), sobre cultura, e,
sobretudo, de Albuquerque Junior (2001), acerca dos discursos criados para identificar o que
seria o Nordeste e seu Sertão. Este autor nos faz percorrer o famigerado discurso da Seca do
século XIX, discursos naturalistas de fins deste mesmo século, as tentativas de compreensão
e rotulação feitas pelos modernistas paulistas, bem como as feitas por Gilberto Freyre e
Ariano Suassuna, entendendo estes dois últimos como os maiores expoentes da estabilização
da identidade nordestina e sertaneja. Por fim, com base em estudos de identidade pós-
moderna feitos por Hall (2006) e no trabalho desenvolvido por Albuquerque Junior (2013)
acerca do mito da pureza sobre a cultura popular nordestina sertaneja, buscamos perceber
em que medida o Sertão que fora construído em fins do século XIX e XX ainda está vivo.

PALAVRAS-CHAVE: Discursos. Sertão. Contemporaneidade. Identidade. Cultura.

ABSTRACT: In this paper, we discuss the imagetical and discursive construction of the
Northeast and its Hinterland, for, in this context, we seek to view the permanence, or not, of
such Hinterland nowadays. Therefore, we use studies of Laraia (2006), about culture, and
particularly of the Albuquerque Junior (2001), about the speeches designed to identify what
would be the Northeast and its Hinterland. This author makes us travel the famous Drough
Speech of the nineteenth century, naturalists discourses purposes of this same century, the
attempts to understanding and lettering made by modernists of São Paulo, as well as those
made by Gilberto Freyre and Ariano Suassuna, understanding the latter two as the greatest
exponents of the stabilization of the northeastern and hinterlands identity. Finally, based on
studies of postmodern identity made by Hall (2006) and on the work done by Albuquerque
Junior (2013) about the myth of purity about popular culture of the northeastern hinterlands,
we seek to understand if the Hinterland which was built in the late nineteenth and twentieth
century is still alive.

KEYWORDS: Speeches. Hinterland. Contemporaneity. Identity. Culture.

1. A construção imagético-discursiva da definição e identidade em torno do


Nordeste e seu Sertão

“O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes


comportamentos sociais e mesmo as posturas são assim produtos de uma herança cultural,
ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 2006:68). Isso quer
dizer que o reconhecer-se latino-americano, brasileiro ou nordestino é fruto de uma série de
heranças de ordem cultural, que fomos recebendo dos nossos pais, que receberam dos pais
deles e assim sucessivamente. Nós somos, então, uma construção cultural e nossa
identidade 153 perante a sociedade é formada a partir da cultura que recebemos desde nosso
berço.
Por haver essa consciência de que se é diferente de outros povos é que não raramente
incorre-se no extremo disto, numa postura etnocentrista e xenofóbica, pois “o fato de que o

152Graduanda do 7º período do bacharelado em Letras com ênfase em estudos literários, pela Universidade Federal de
Pernambuco. Bolsista de Iniciação Científica pela FACEPE. Residente na cidade de Recife-PE. E-mail:
[email protected].

153 Entendendo por identidade os particularismos grupais que nos diferenciam de outros povos de outros lugares.
402
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão em
considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural” (LARAIA, 2006:72). Foi
a partir de erros assim – não analisando aqui se conscientemente ou não – que o Nordeste foi
construído, ou melhor, inventado, nos termos de Albuquerque Junior (2001), tanto por
interesses particularistas sulistas 154 quanto por interesses nortistas².
De início, já criticamos o etnocentrista, concordando com Laraia (2006) na afirmação do
caráter dinâmico das culturas de uma forma geral. Sendo assim, não há como definir de
forma simplista nem rápida o que seja tal ou qual cultura, o que a representa, o que a
delimita, pois as paredes internas e fronteiriças estão sempre mudando de lugar, sendo
derrubadas ou expandidas. Percebemos, então, que tal posturatende a ser simplista e
generalista com as demais culturas, bem como extremamente particularista em relação às
suas, nos termos de Rouanet (1993) ao abordar os comportamentos universalistas e
particularistas de cada cultura. Nessa forma de agir, as culturas utilizam seus binóculos para
enxergar e criticar a outras diferentes de si, sem entender que “a coerência de um hábito
cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence”, pois “todo sistema
cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar
transferir a lógica de um sistema para outro” (LARAIA, 2006:87).
Entendamos, no entanto, que essa miopia foi fruto de tentativas de se delinear – ou criar –
identidades, não só regionais, mas nacionais; uma busca iniciada desde fins do século XIX,
com os discursos naturalistas de teóricos como Silvio Romero, Nina Rodrigues, Graça
Aranha, etc, que fazem uma descrição pormenorizada dos diferentes meios e tipos regionais,
estes condicionados aos meios. Esse pensamento só passa a mudar de figura com a
intervenção dos modernistas do Sul e do movimento Regionalista iniciado por Gilberto
Freyre.
Assim,
o Brasil era apenas uma coleção de paisagens sem síntese ou estrutura imagético-
discursiva que dessem unidade. O modernismo vai tomar os elementos regionais como
signos a serem arquivados para poder posteriormente rearrumá-los numa nova imagem,
em um novo texto para o país. Uma centralização de sentidos. (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2001:56).
Porém, os modernistas acabam por serem simplistas com essa postura de unificação da
cultura brasileira, determinando, como dados regionais, características vistas somente em
alguns lugares do Nordeste e colocando de forma atemporal e não localizada signos que, em
realidade, são ambientados num certo tempo e espaço. Sem contexto bem delineado, tudo
pode ser qualquer coisa. E foi o que aconteceu com o Nordeste, se tornou vários, com várias
faces e facetas, sem, na verdade, significar nada, uma vez que tudo estava poluído de
verdades isoladas e deslocadas.
Antes dos modernistas, a situação não era tão melhor, como dissemos. Os intelectuais
regionalistas-naturalistas, por sua vez, viam o regional como “um desfilar de elementos
culturais raros, pinçados como relíquias em via de extinção do progresso [...] elemento do
folclore e da cultura popular, notadamente rural, abordando-os com indisfarçável postura de
superioridade, com um olhar distante” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001:52). O Nordeste,
sob esta ótica, assemelhava-se a um catálogo cultural, e, o Brasil a um somatório de
catálogos, facilmente acessáveis por meio de uma literatura que pretendia “revelar” – ou
prescrever – a Nação, tão ricamente construída por suas regiões.
Essa construção naturalista do Nordeste, em fins do século XIX, era tanto influenciada pelo
discurso da Seca quanto o influenciava. Esse discurso foi instituído a partir de 1877, o qual,
segundo Albuquerque Junior (2001), foi um ano marcante no registro de secas da região,
uma vez que significou a dependência da ajuda sulista, bem como a assumida derrota frente
às regiões sulistas, o que fez o Nordeste admitir – ou permitir –, com todo o discurso da seca,
grande inferioridade em relação ao Sul. Esse discurso foi acionado por interesses políticos
tanto nortistas quanto sulistas: daqueles, em conseguir verbas, rápida e facilmente,
utilizando-se da miséria deixada pelas secas; e destes, por estarem em posição de
controlar/manobrar os estados nortistas.

154 Usamos esses termos por simplificação, sabendo que eles são, por demais, generalistas.
403
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A partir desse discurso político da Seca, certas características são levantadas como
tipicamente nordestinas, sendo de tal forma fortalecidas que, até hoje, os próprios
nordestinos têm tal visão. Segundo nos mostra Albuquerque Junior (2001), são dados
regionais buscados na história da região e pensados como atemporais e imemoriais, tentando
mostrar que a identidade regional sempre esteve lá. Aqui, não são mais os fatos naturais que
definem a região, mas os históricos, que levam a idealizar as tradições do povo, as quais, para
serem resgatadas, são procuradas via memória coletiva. Esse regionalismo “ativista”, iniciado
com o discurso da Seca, utilizou-se do regionalismo freyreano para ganhar vitalidade e poder
de ação, o qual consistia, primordialmente, em valorizar as tradições do povo nordestino,
buscadas na memória coletiva.
Configura-se, então, como “um discurso que opera por analogias” (ibidem:76), aliando-se a
elas certas modernizações necessárias, as quais nunca retirariam a essência das tradições,
visto que existiriam em função delas. É por tudo isso que Albuquerque Junior (op cit) afirma
ser o Nordeste “um lugar de lirismo e saudade. Retrato fantasioso de um lugar que não existe
mais, uma fábula espacial” (ibidem:77) criada a partir da crise identitária de uma região
desacreditada de si mesma e frente aos outros estados brasileiros, visto não conseguir vencer
seus empecilhos naturais – os quais não precisavam ser encarados como determinantes.
Dos dados regionais impressos como verdade absoluta, são três os mais expressivos: o
cangaço (ou, para alguns particularistas, banditismo), o messianismo (ou beatismo) e o
coronelismo. Isso quer dizer que o imaginário acionado será o do poder nas mãos dos que
possuem terras, que conseguem, pelo direito que lhe instituem suas posses, dominar e
controlar a vida dos seus familiares e dos seus trabalhadores (escravos); será o do beato que,
com grande dose de fanatismo, levanta seguidores incontestes sobre seus atos, seus mandos e
desmandos; e o do herói bandido que luta contra a lei a favor dos pobres e oprimidos. É tudo
muito fantasioso e extremista, não se encontra um equilíbrio de realidade, mas uma distorção
de fitos da vida real. Assim, seja pelos modernistas sulistas, seja pelos regionalistas-
naturalistas, seja pelos próprios regionalistas nortistas – mesmo que, por estes, sem intenção
direta –, o Nordeste tenderá a ser visto como uma área inferior do País, condenado pelas
questões naturais a uma eterna deficiência e dependência – características as quais os
próprios governos nordestinos não tiveram interesse em consertar ou desmentir, uma vez
que a miséria da região os rendia-lhes bons ganhos e privilégios estatais.
A reelaboração dessa visão deplorável de Nordeste é ajudada pelo discurso nacionalista
modernista, que valoriza as idiossincrasias regionais, por constituírem o Brasil. No entanto,
como vimos, ao valorizar os regionais em prol do nacional, o regional não será o foco e o
Nordeste não será visto com apuro satisfatório para alguns intelectuais e pesquisadores,
como Gilberto Freyre.
Com Freyre, o discurso vai ser menos naturalista e mais cultural, segundo nos explica
Andrade (apud FREYRE, 2004), já que pensa a ação do homem como determinante no
processo de formação, transformação e definição de um regional. Levou em consideração a
existência de classes, de dominadores e de dominados, de senhores de engenhos e de
escravos, retratando a sociedade açucareira para pensar seu Nordeste – sua obra e a região –,
admitindo, contudo, saber da existência de vários nordestes. Ao salientar essa sociedade, o
sociólogo salientava a importância de certos aspectos culturais, marcando-os muito
especificamente, criando, assim, identidades regionais e locais. Essa identidade foi pensada a
partir de Pernambuco, cujo ponto central foi atribuído a Recife, de onde partiriam as
características regionais, que se disseminaram e se alojaram em lugares específicos,
mudando a si e a outros dados culturais. Escolhe este estado não aleatoriamente, para Freyre
(2004:194): “dentro da civilização do açúcar – que por algum tempo constituiu quase toda a
civilização brasileira – o pernambucano foi a especialização mais intensa das qualidades e
dos defeitos dessa organização monocultora, monossexual, e principalmente aristocrática e
escravocrata”.
Segundo Andrade (apud FREYRE, 2004), Gilberto Freyre tenta projetar as raízes nordestinas
a partir de manifestações culturais populares da região, das raízes indígenas, das africanas e
das ibéricas de tradição cristã, dentro de um contramovimento ao simplismo dos
modernistas, que não enxergavam o nordeste com apuro e clareza suficientes, segundo o
antropólogo. Ele recorre ao popular como um depositário das reais raízes nordestinas,
404
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
capazes de fornecer a identidade nordestina por excelência, pois via a cultura popular como a
que menos tinha se maculado pelas perigosas – para ele – influências estrangeiras e
modernizantes. (FREYRE, 2004).
Esse movimento procurava aliar as modificações modernas e as tradições regionais,
aceitando aquelas de forma muito moderada, para não obscurecer ou retirar a essência das
tradições. Essas, por sua vez, remetiam ao passado patriarcal dos engenhos de açúcar da
região, às relações sociais ali criadas, aos costumes e manifestações culturais ali gestadas. Ao
ler com olhar crítico seu Nordeste (2004), observamos que, defendendo essa sociedade,
Gilberto a retratou de forma muito panfletária, imiscuindo nela, então, os equívocos, como o
abuso do poder e os excessos da escravidão – se é que se pode falar em excesso na escravidão,
a qual já é em si um absurdo. O senhor de engenho, por exemplo, era visto como um uma
espécie de pai dos escravos, um verdadeiro cuidador destes, romantizando – muitas vezes
indigerivelmente – essa relação, bem como todas as outras (a relação sexual senhor-escrava,
o maternalismo sinhás-escravos, etc.), nesse cenário imortalizado do engenho de açúcar.
Decerto, Freyre vê pontos negativos nessa sociedade: “organização cheia de contrastes.
Inimiga do indígena. Opressora do negro [...]. Opressora do menino e da mulher [...]”
(2004:194). Mas, não se focou – ou não quis se focar – nesses pontos, enaltecendo que,
mesmo com toda a “patologia” dessa sociedade, destacadamente o seu extrato
pernambucano, foi ela a responsável por enriquecer de elementos mais característicos a
cultura brasileira, tanto politicamente quanto esteticamente e intelectualmente. Nesse ponto,
Gilberto faz uma comparação – um tanto esdrúxula – entre a sociedade açucareira
nordestina e a ateniense dos tempos clássicos, que mesmo com toda “morbidez”, foi mais
criadora de valores que civilizações mais “saudáveis”.
A esta sociedade, como pudemos entender na sua obra (2004), o sociólogo opunha à
sociedade usineira, fruto das transformações modernas. As usinas, para ele, ao intensificar a
monocultura, a destruição ambiental e afrouxar as relações senhor-trabalhador,
desumanizaram a cultura nordestina e as relações patriarcais – as quais, como discutimos
acima, não eram exatamente humanas –, constituindo verdadeira ameaça de contaminação e
dizimação dos reais dados regionais. Segundo ele, com as usinas, houve uma diminuição não
só das fontes naturais e da “dignidade e beleza da paisagem”, mas também a diminuição da
saúde, da “sensibilidade, ou da emoção da gente do Nordeste, que hoje quando se manifesta é
quase sempre em atitudes de crispação, de ressentimento e de revolta” (FREYRE, 2004:178).
Historicamente, é mais recente a sociedade usineira que a dos engenhos de açúcar, deixando
inúmeros albuquerques, cavalcantis, lins, rego barros, etc, ainda nesta geração. Somos filhos
das usinas, nós nordestinos. Somos, então, sem saúde, insensíveis e incapazes de emoção,
crispados, revoltados e ressentidos? Bem, é algo que só a identidade individual de cada um, e
não aquela regional, é que pode filtrar e determinar.
Paremos, agora, nesta parte, para tentar esclarecer um conflito ideológico-político. Embora o
Modernismo tenha tido posturas que acabaram por não dar um enfoque satisfatório ao
Nordeste, ele tinha algo de positivo em relação a esse Regionalismo Tradicionalista, ele foi
mais engajado em pesquisar raízes verdadeiras, não a partir de um ponto de vista só, mas
tentou estudar a região como um todo. O Modernismo tentou descobrir as tradições, não
embalsamá-las, como um artefato museológico que não muda nem se dinamiza, tal como
toda cultura, conforme Laraia (2006). Esse processo é importante de ser ressaltado, mesmo
que o Modernismo tenha caído nas armadilhas da visão particularista sulista.
Dentro desse discurso modernista, havia vozes que pregavam o além da descoberta das raízes
do nosso Povo Brasileiro e, ainda, com uma voz mais alta e violenta, como Joaquim Inojosa,
que criticava frontalmente o Regionalismo Tradicionalista de Freyre, dizendo da
“necessidade de se criar um Brasil preocupado com o contemporâneo e não se deter na
contemplação das glórias passadas” (apud ALBUQUERUQE JUNIOR, 2001:92).
A parte esses combates, no Regionalismo Tradicionalista – oficializado em 1926 no
Congresso Regionalista do Recife e consagrado, em 1937, com a publicação de sua obra
Nordeste – muito beberá a literatura regionalista de 30, a qual contribuirá para fixar esse
nordeste freyreano no imaginário nordestino e no sulista, se configurando, nos termos de
Albuquerque Junior (op cit:123), como “romances formadores”. Formadores, segundo
pudemos perceber, de opinião, imaginário e identidade.
405
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Segundo Dacanal (1986), esses romances terão, geralmente, uma narrativa verossímil, linear,
de foco narrativo em terceira pessoa, se proporão a ter uma linguagem dentro do código culto
urbano – e nisso vemos refletido “o fracionamento sócio-econômico cultural do país”, nas
palavras do referido autor. Ainda segundo ele, esses romances fixam narrativas
perfeitamente identificáveis historicamente, a cujas estruturas os personagens estão
submetidos ou lutando por mudá-las; essas estruturas históricas são, em maioria, agrárias ou
trazem o meio rural de alguma forma. Seus romancistas, por fim, têm um objetivo crítico,
mais ou menos panfletário, em relação à realidade política e socioeconômica – e isso porque
buscam o retrato identitário de suas regiões, sem, contudo, fechar os olhos – pelo menos de
todo – para a contemporaneidade desordenada em que se contextualiza essa busca.
Dissemos “pelo menos de todo”, porque, por estarem em busca de uma identidade e de
fotografias de suas regiões, esses autores serão, conforme Dacanal (1986), em geral
otimistas, querendo fazer crer – e, quase sempre, realmente crendo – que o mundo, embora
esteja desordenado, é compreensível e pode ser reordenado e até melhorado, uma vez que se
valorizem as tradições populares e os valores tradicionais, segundo nos faz ver Albuquerque
Junior (2001:123). Esse autor nos mostra, então, que os regionalistas de 30 tentaram
defender a permanência dos “territórios-refúgio”, dos “territórios sagrados”.
Anos depois, por volta da década de 40, é a vez de Ariano Suassuna se destacar entre os
projetos de romancistas que tentam construir um nordeste, uma vez que ele próprio cria e
encabeça um movimento, que foi idealizado e guiado inteiramente por sua supervisão, de tal
forma que o Nordeste de Ariano conseguiu prosperar na memória coletiva nacional muito
mais que os outros.
Seu Nordeste popular, medievalizado [...] entra nos projetos de invenção, reinvenção e
atualização da série de temas, conceitos, imagens, enunciados e estratégias que instituem o
Nordeste como espaço oposto ao moderno, ao burguês, ao urbano, ao industrial. Nordeste
sem espaço público, sem dessacralização da natureza, sem separação radical entre homens
e coisas. (ibidem:172).
Um Nordeste que, aliás, não vê as distinções de classes, entendendo como designíos divinos
níveis sociais e injustiças que os seres humanos não podiam compreender. É o Movimento
Armorial, que nasce da observação de uma série de tendências artísticas e do apuro e
ajustamento dessas tendências, por Ariano, a certa lógica idealizada por ele.
Essa arte ligará a essência dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste (literatura de
cordel), com a música popular feita com instrumentos regionais (viola, rabeca, pífano), com a
xilogravura, com os espetáculos populares regionais, de tradição fortemente ibérica e, ainda
mais, com o que ele chama de a “Heráldica popular brasileira”. Com essas influências, o
movimento Armorial pretendia “realizar uma Arte brasileira erudita a partir das raízes
populares da nossa Cultura” (SUASSUNA, 1977:40).
Ariano pretendia não imprimir retratos do nordeste, como os romancistas de 30, nem
tampouco inventar um imaginário mágico, criando algo não percebível, em certa medida, em
realidade. Ele queria, sim, trabalhar com o espírito mágico e a essência mitológica que havia,
de fato, nas sociedades nordestinas, especificamente, no Sertão. E nisso contrapõe o
Nordeste de Freyre, para o qual, como vimos, a regionalidade é vista a partir dos valores
tradicionais da “civilização do couro” e não da “civilização do açúcar”, nos termos de Ariano
(apud ALBQUERQUE JUNIOR, 2001:168), visto que, para ele, estaria no Sertão a identidade
também brasileira, as raízes da personalidade brasileiras.
A partir desse ponto localizado no Brasil, d’onde se extrairia a Verdade regional e nacional, o
Armorialismo, segundo Albuquerque Junior (op cit), buscará também a expressão da Beleza,
a qual teria sido negligenciada, segundo Ariano, pela produção sociológica e literária
anterior, preocupada com as belezas da sociedade açucareira e os defeitos culturais e sociais,
advindos de problemas naturais – lembremos aqui o discurso da Seca – do Sertão, no
objetivo de expor os problemas do capitalismo para a região. Ariano descobrirá – ou criará –
um Sertão épico, cujo povo era guerreiro e lutava em nome da honra e da vingança, tinha
heróis dignos como os cavaleiros medievais, donzelas idôneas e belas quanto a dama de bon
parecer do trovadorismo ibérico, enigmas e maravilhas que precisavam ser decifradas, a fim
de se encontrar a raiz nordestina e brasileira por excelência.
Ariano rejeitou todo tipo de estrangeirismo e modernismo para seu movimento, mas
podemos identificá-lo como modernista na medida em que busca, pelo primitivismo da sua
406
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
região, uma identidade regional e, a partir desta, uma identidade brasileira, que partiria do
recorte do essencial das regiões. E, mesmo que recorra aos primitivismos ibéricos – ou seja,
cultura não brasileira, o que o modernismo não quis abraçar –, ainda o vemos como
modernista, porque busca, nesses, raízes para o popular regional, vendo neles a origem do
Sertão e, por consequência – para ele –, do Nordeste.
Vale dizer que, mesmo o modernismo, buscou em outras culturas raízes ou formas de
expressão de uma identidade que eles pretendiam ser genuinamente brasileira, um desejo de
ambos, de Suassuna e do Modernismo, pelo próprio apelo nacional em busca de raízes e faces
que o significassem. Muitos movimentos, como estamos vendo neste estudo, tentaram
fornecer essas faces, mesmo que de formas particularistas e até muito erradas – hoje
entende-se que são erradas –, como os naturalistas.
Continuando a discussão armorial, é importante ressaltar que, no movimento de Ariano, todo
lugar do mundo, toda cultura, tinha algo que lhe podia emprestar, influenciar, inspirar, já
que “o Sertão é o Mundo” (SUASSUNA, 1977:46). Isso significava que o movimento via
unidade cultural em toda a América Latina e parentesco cultural com esta e outras culturas,
cujos imaginários, igualmente maravilhosos de suas culturas populares, estavam impressos
em nosso sangue.
Ariano firmou pactos com a ilusão e a ficção ao criticar Bertolt Brecht em sua fórmula de
distanciamento ator-personagem, ator-público, personagem-público, fragmentando a cena e
chamando o público para interferir na cena ideologicamente, pedindo, assim, uma plateia
ativa e pensante, não passiva, a qual se deleita e recebe as emoções trazidas pelo teatro.
Ariano, ao contrário, defende “a ilusão e o encantamento do Teatro”, ele se afirma
herdeiro é do Tetro antigo, assim como, principalmente, dos espetáculos nordestinos [...]
não me interessam nem o Drama psicológico e burguês, nem o Drama politizado do Teatro
sectário. Sempre preferi a Tragédia e a Comédia, formas mais preferidas pelo Povo, mais
próximas do espírito do nosso Romanceiro [...] uma dramaturgia de caráter nordestino e
ligada à Literatura de Cordel e aos espetáculos populares nordestinos [...] trabalho de
recriação e de amor ao espetáculo popular nordestino. Baseados em meus textos, deveriam
partir deles um espetáculo mágico, festivo, com músicas, danças, máscaras, bichos e
demônios. (SUASSUNA, 1977:48).
Por tudo isso, percebe-se que Ariano, por sua vez, também se empenhou em criar um
Nordeste, que tinha, sim, características da real região nordestina, mas tinha também muito
de discurso de invenção, orientado para determinados interesses e influências que ele definiu
como importantes e legítimas, tal como os outros modelos de Nordeste que vimos até aqui.
Até aqui, pudemos perceber, então, que o Nordeste e a sua identidade regional tem muito de
discursos de invenção e de interesses a cada momento orientados para uma lógica um tanto
individual e não regional:
Quando da emergência da ideia de região Nordeste, nos anos 10 do século passado, dois
aspectos foram considerados elementos privilegiados de singularização deste espaço, de
definição de sua particularidade, de conformação de sua identidade: a sua natureza,
marcada pela ocorrência das secas periódicas e pela rusticidade da formação da caatinga,
pela paisagem sertaneja, árida e rústica; e a sua cultura, diferenciada em relação a outras
áreas do país, cultura que teria preservado sua autenticidade, que representaria as próprias
raízes da cultura brasileira, por não ter sofrido os influxos deletérios da imigração
estrangeira. [...] Cultura que teria sua melhor expressão nas matérias e formas de
expressão populares, nas manifestações culturais das populações rurais ou sertanejas, nos
rituais, lendas, contos, poesias, danças, manifestações religiosas, festas, tradições,
superstições, na literatura oral, presentes um passado que estava ficando para trás, na
sociedade patriarcal que vinha desaparecendo sob o impacto da modernidade, da
sociedade urbana, do mundo da técnica e do dinheiro, da sociedade burguesa e da
economia capitalista” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2013:39)

Albuquerque Junior fala em “invenção” do Nordeste, Merquior (apud ALBUQUER JUNIOR,


2001:107) defende que “a literatura do Nordeste nunca existiu, pois ela tratou-se de uma
identidade forjada pelos críticos políticos e assumida pelos seus escritores”. Vimos que os
modernistas não tem uma visão clara de Nordeste, antes criando dados regionais deslocados
e simplistas para o definir e os regionalistas-naturalistas incorrem no absurdo da definição
via dados naturais. Freyre e Suassuna, por seus turnos, analisam todo o Nordeste partindo de
um círculo muito estreito e fazendo suas teorias girarem em torno desses pontos, de forma
que o Nordeste permanece um tanto irreal visto que inabarcável em sua totalidade. Para
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Albuquerque Junior (op cit:172), o romance de 30 tinha documentado o Nordeste, Ariano,
por sua vez, ficcionalizou a região, exaltando-lhe as belezas e consagrando a imagética-
discursiva de “um nordeste saudoso, de um passado mítico, idílico, de pureza, ingenuidade,
glórias, fausto”.
Não incorrendo em niilismos pós-modernos, para nós é fato que a região Nordestina é fruto
de uma série de discursos que tentam imperar, mas não traduzem o que é Nordeste e o que é
ser nordestino. Arriscamos dizer que, talvez, com uma junção de todos esses discursos,
limando de cada um seus particularismos ou seus universalismos exagerados, consigamos
uma visão clara de como e de que forma a identificação nordestina acontece.

2. Entendendo a questão da identidade pós-moderna a partir de Stuart Hall

Vimos até aqui um trajeto da formação imagético-discursiva do Nordeste e seu Sertão não só
enquanto região mas também enquanto identidade. Essa construção, no entanto, se deu em
fins do século XIX até meados do século XX. A partir de meados do século passado, então, até
hoje, o mundo mudou muito como um todo, o que desencadeou mudanças, passo a passo, de
maiores proporções a menores, continentais a regionais. Para buscar entender como se
encontra a questão a visão sobre o Sertão nordestino contemporaneamente e as identidades
que ele desencadeia é relevante compreender a questão da identidade pós-moderna como um
todo, o que ocorre nos ânimos atuais a esse campo do ser.
Atualmente, na teoria social, a questão da identidade é assunto constante. O argumento para
tanto é de que houve um declínio das velhas identidades há tanto tempo estáveis, por abalo
das antigas referências ideológicas e estruturais da sociedade, desestabilizando-a. Com tal
realidade fragmentada, o indivíduo moderno viu-se também fragmentado, sem a ancoragem
identitária que sempre costumou ter, o que resultou na construção natural de novas
identidades. No entanto, esse processo não tem sido tranquilo, por isso fala-se na pós-
modernidade de “crise de identidade”, nas palavras de Hall (2006).
A mudança estrutural do século XX vem fragmentando paisagens culturais antes bem
estabelecidas: a noção de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça, nacionalidade, etc. Dessa
forma, as identidades pessoais são embaralhadas e constantemente mudadas, bem como a
ideia de sujeitos integrados, o que acarreta, assim, a perda do sentido de si estável. Hall
(2006) chama a isso de “deslocamento ou descentralização do sujeito”, é o que caracterizaria,
em palavras curtas, a crise de identidade.
Para entender melhor a noção de identidade, o autor nos leva a observar três conceitos de
identidade: o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O
primeiro seria aquele indivíduo centrado, unificado, pertencente a um tempo e uma
sociedade fundamentada na razão, na consciência do agir e do ser, e, por isso, possuiria um
núcleo interior bem coordenado pela lucidez do seu tempo, uma identidade pessoal. Trata-se
de uma concepção individualista de sujeito.
A segunda concepção é de um indivíduo consciente do mundo social, seu núcleo interior não
é auto-suficente como o anterior, ele é formado em relação com o outro, mediando os valores
e símbolos (a cultura). Essa é uma concepção interativa de sujeito, já que a identidade é
formada na interação do indivíduo e da sociedade, num diálogo contínuo, em que a
identidade é costurada à estrutura social. No entanto, ao longo do tempo, essa estrutura foi e
está mudando, num processo contínuo de fragmentação de identidades, as quais foram se
tornando várias e contraditórias.
Foi esse processo que gestou o sujeito pós-moderno, a terceira concepção de identidade que
nos apresenta Stuart Hall nessa obra. Nela, o indivíduo não tem uma identidade fixa, sua
identidade é a própria “celebração móvel”, nas palavras do autor, a qual está sendo
constantemente transformada e formada, já que na atualidade são várias as representações
(ou sistemas) culturais que nos rodeiam. Assim, o sujeito pós-moderno é aquele que tem uma
identidade diferente para cada momento, tem várias identidades possíveis.
Essas mudanças estruturais e, consequentemente, ideológicas e identitárias, foram
desencadeadas por um processo de um nome só mas com inúmeras e inesgotáveis
consequências: a Globalização. Este é o caráter de mudança na modernidade tardia, o
produto da modernidade e o definidor da mesma. Em contraposição com essa mudança
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
constante, rápida e permanente das sociedades modernas, numa reestruturação contínua,
uma perpétua “descontinuidade”, na palavra de David Harvey (1990 apud Hall, 2006), há a
veneração do passado, a valorização dos símbolos e a perpetuação da experiência de gerações
(tradição) das sociedades tradicionais.
Hall (op cit), que vem nos guiando até aqui, nos faz refletir mais acuradamente sobre o que
está realmente em jogo na questão das identidades. Para responder a tal pergunta é
importante perceber que as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas, erodindo
assim a identidade mestra da classe política vigente, o que ocasiona identidades deslocantes e
rivais, pertencentes a novas bases políticas definidas pelos novos movimentos sociais, como o
feminismo, a luta negra, os movimentos antinucleares, etc. Mudando a forma como o sujeito
é representado, mudam-se as identidades, pelo que a identificação pode ou não ser ganhada
rapidamente. Por essa intensa mudança, percebemos que o que está em jogo na questão das
identidades é um processo político: a política é definida hoje em dia através da diferença (de
classes representacionais) e não mais política da identidade.

No segundo capítulo de sua obra, Hall reforça o nascimento do sujeito moderno a partir das
três concepções do sujeito humano, essa figura discursiva sempre em mutação.
Historicamente, foi o Iluminismo (resultado da Reforma Protestante, do Humanismo
renascentista e das revoluções científicas) que propiciou o nascimento do indivíduo soberano
da natureza, que não dependia mais do fluxo natural das coisas para se guiar e interpretar a
vida, ele passou a duvidar das respostas metafísicas para tudo, passando a dominar a
natureza materialmente. O individualismo surgia com força e com ele o sujeito cartesiano se
impunha na sociedade, o qual se mostrava racional e autônomo. Esse é considerado o motor
histórico da modernidade em movimento, a partir da lógica de que, se formas tão bem
estabelecidas de pensamento ruíram-se, fazendo, assim, ruir a estabilidade e centralidade do
sujeito, é porque este nunca foi estável e unificado como se pensava.
Dessa concepção nasce o sujeito moderno, em um mundo onde se afirmava, paralela a essas
mudanças ideológicas, uma grande mudança estrutural: o capitalismo ocidental. Assim,
sociedades modernas complexas nasciam, nas quais o cidadão individual tornou-se
engendrado nas maquinarias administrativas e burocráticas do mundo moderno,
consolidava-se o sujeito social (a segunda concepção de identidade colocada por Hall no
capítulo anterior).
Entretanto, na 1ª metade do século XX, houve um choque entre o individualismo do sujeito
do Iluminismo e a teoria da socialização do sujeito sociológico. Surgia o Modernismo, um
movimento estético e cultural que mostrava um indivíduo exilado em si, em meio à multidão
da metrópole, paradoxalmente anônima e impessoal, um sujeito flanêur, que observava e não
se achava pertencente ao que via. Ele queira instaurar uma nova forma de ver e viver no
mundo. Tal postura influenciará o sujeito deslocado da modernidade tardia, o qual nascia
oficialmente na 2ª metade do século XX, caracterizando o descentramento final do sujeito
cartesiano e a morte do sujeito social.
A primeira descentração importante se deu a partir das tradições do pensamento marxista,
pertencente ao século XIX. Marx foi reinterpretado no século XX a partir da afirmação de que
o homem não tem agência individual, já que faz história somente a partir da sua cultura e
contextos histórico-sociais. O segundo dos grandes descentramentos do século XX se dá com
a descoberta do inconsciente por Freud e sua leitura por Lacan, o qual afirmaria não haver
um sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada (como defendia Descartes
com seu sujeito cartesiano). Ele explicava que o eu inteiro é aprendido gradualmente e com
certa dificuldade, a partir do outro e das negociações psíquicas inconscientes, e não a partir
de si próprio. Assim, o eu seria inacabado e dividido, mas vivenciaria sua individualidade
como sendo unificada, já que nutre uma fantasia de si em relação com o outro, externo a si.
Desse ponto de vista, fala-se não em identidade, mas em identificação, uma identidade em
andamento, sendo construída a partir da falta de inteireza e pelas impressões dos outros
sobre nós.
Uma terceira descentração está associada aos trabalhos do linguista Saussure, o qual nos
afirmava que não somos autores dos significados que expressamos pela língua, já que ela é
um sistema social, que preexiste ao indivíduo. Os significados são, portanto, instáveis,
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
surgem de analogias feitas no mundo social a todo instante. Por esse ponto de vista, as
identidades surgem de relações de analogia com o outro, na diferenciação com o outro.
Observa-se que nós (indivíduos) estamos sempre buscando significados fechados, assim
como identidades cada vez mais fechadas, mas somos sempre surpreendidos pela diferença.
A quarta descentração principal referida por Hall (2006) ocorre a partir do trabalho do
filósofo e historiador Foucault, o qual destaca algo que chama de “poder disciplinar”, regimes
administrativos e políticos que, do século XIX ao início do XX, regulam e governam a espécie
humana, a população e os indivíduos. Paradoxalmente, tal controle social, existente somente
devido à noção de coletividade e organização das instituições sociais da modernidade tardia,
aumenta o isolamento.
O quinto e último descentramento se dá com o movimento feminista, o qual faz parte dos
“novos movimentos sociais” emergentes na década de 60, o período de grande marco da
modernidade tardia. O Feminismo faz parte da “política das identidades” – de que falamos
mais acima ao explicar que a identidade é definida por um jogo político -, isto é, ela se
enquadra na defesa de uma identidade única para seu grupo social, é a política da
diferenciação. Esse último descentramento foi o único que teve relação direta com o processo
de dissolução do sujeito cartesiano e sociológico e o estabelecimento do sujeito pós-moderno,
altamente plural e contraditório, como vimos, fragmentado e permanentemente em
construção.

Nessa sua obra, Hall (2006) nos leva a compreender que as culturas nacionais, as fronteiras
de Nação, são estabelecimentos imaginários no atual caráter de mudança que a Globalização
impõe. As identidades culturais, entre elas a identidade nacional, não são inatas, elas são
aprendidas e passam, com o tempo, a constituir o sujeito, inclusive aquele, fragmentado, da
modernidade tardia (pós anos 60 até fins do século XIX) e da pós-modernidade (século XX).
Essas identidades nascem no interior de um sistema de representação cheio de significados,
que acabam por criar, no caso, uma ideia de Nação, uma comunidade simbólica que inspira
no indivíduo a sensação de pertencimento e na qual há padrões de alfabetização, uma única
língua vernácula e uma cultura homogênea. Trata-se da criação de discursos culturais criados
a partir dos símbolos que compõem as diversas culturas ao redor do globo. Esses discursos
constroem sentidos e influenciam as ações individuais e a concepção que um indivíduo tem
de si mesmo, sua identidade.
Assim, nota-se que a identidade nacional é um conjunto de sentidos e símbolos presentes
numa cultura, a qual não é para sempre estável, mas consegue se mostrar numa
representação homogênea devido à memória coletiva, às histórias que passam de geração em
geração dentro de uma cultura e às imagens constituídas no imaginário coletivo de uma dada
comunidade. É desse ponto de vista que Benedict Anderson (1983) afirma que a identidade
nacional é uma “comunidade imaginada”, gerando diferenças de Nação para Nação.
Fortalecendo tal ideia, Hall (2006) observa que a identidade nacional é como uma narrativa,
perde suas origens reais ao longo do tempo com os mitos da comunidade e se efetiva nas
mentes, é, pois, imaginada e constantemente reconstruída.
O autor nos leva a compreender que a narrativa da cultura nacional é contada a partir de
cinco diferentes discursos. O primeiro é a narrativa contada pela mídia e pela cultura
popular, ela cria um foco de identificação representando as experiências partilhadas pela
comunidade, as vitórias, os desastres, as perdas, histórias comuns que dão sentido à ideia
unificada de Nação. A segunda narrativa é a da continuidade, a da tradição, o fenômeno da
intemporalidade. Desse ângulo, a identidade é algo que está “lá”, é exata natureza das coisas,
o natural fluir do tempo, numa indestrutível existência eterna, mesmo ao longo de mudanças
estruturais. A terceira narrativa é a da “invenção da tradição”, na voz de Hobsbawn e Ranger,
que se define por um conjunto de práticas e rituais que buscam incutir valores e normas de
comportamento numa comunidade por meio da repetição dos mesmos. A quarta narrativa da
cultura nacional é o mito fundacional, uma estória que conta a origem da Nação e explicita o
caráter nacional, num tempo não real, mas mítico, apresentando a partir da desordem de
estórias a comunidade. Esta forma de discurso nacional ajuda povos desprivilegiados a
entenderem seu sofrimento e aceitarem sua história. Por último, a quinta narrativa é a do
povo ou folk puro original, contando a história ancestral de um povo homogêneo que dera
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
origem ao povo da Nação, mas dificilmente é esse povo que exerce o poder, eles servem de
estória de localização de origem, mas não de autoridade, muitas vezes tendo sido já extinto.
Dessa forma, percebemos que o discurso nacional constitui a soma de estórias de glórias
passadas anacronicamente, inventadas ou não, com o impulso da modernidade. Isso dá a
uma Nação a autoridade de existência, por ter uma origem, e a autoridade de permanência,
por ainda se localizar nos tempos modernos. Contudo, Hall nos mostra que esses discursos
podem levar uma Nação à xenofobia, com a tese de que se deve expulsar os “outros” para se
preservar e, com isso, fortalecer a identidade, que podemos perceber ser forjada na maioria
das vezes
Aqui, Hall (2006) nos chama atenção para um interessante paradoxo do mundo moderno:
que vive imerso pela assimilação do universal - por conta da Globalização -, mas não deixa de
estabelecer seus nacionalismos, o que representa uma adesão ao particular. Assim, vemos um
universalismo através do particularismo e um particularismo através do universalismo, ou
seja, um impulso de intercâmbio (de pessoas, de informações, de culturas e serviços, etc),
fortemente constituído com os anos, dentro de fronteiras nacionais e com o selo nacional
muito bem firmado através de marcas, tributos, burocracias e posturas ideológicas.
Encaminhando-nos para o fim dessa contenda com Hall, desenvolvemos agora o pensamento
de que a identidade nacional, no entanto, não é nem um pouco homogênea quanto se pensa.
Vimos que a cultura nacional é um sistema de representação, ou seja, uma fonte de
significados que dão sentido à Nação e ao “ser” de uma Nação, isto é, identidade. Essa cultura
constitui-se de memórias coletivas comuns, do desejo de comunidade (que percebemos mais
como uma necessidade íntima de pertencimento, que não iremos discutir a partir desta obra),
e a vontade (ou necessidade também) de perpetuar a herança da comunidade, a tradição de
um povo. Essas três coisas somadas ao estado-nação político é o que se entende por
identidade nacional, a qual busca unificar a identidade de vários povos dentro de uma mesma
Nação, colocando a noção de família nacional.
Entretanto, essa aparente harmonia é produzida, como vimos, por um emaranhado de jogos
de poderes e pelo próprio povo numa necessidade íntima de pertencimento, mas não se
apresenta assim homogênea. Uma cultura nacional nunca foi simples e unificada como se
pretende, pois ela não tem um único ponto de identificação. Percebe-se que ela é uma
estrutura de poder convincente, não uma realidade ancestral bem organizada. Essa
maquinaria discursiva de poder age – e agiu ao longo do tempo – suprimindo forçosamente a
diferença, para exercer a hegemonia cultural e política, principalmente, de um povo/cultura
dominante dentro daquela Nação; há também o apagamento e destituição da divisão social
natural de toda Nação: os grupos étnicos, os gêneros e as classes; e mais localizadamente há o
eurocentrismo, numa força de dominação sobre os outros povos, que se propaga
imaculadamente.
Por essas tentativas de expulsão da diferença, constatamos que uma cultura nacional não é
unificada, ela é um dispositivo discursivo, que insiste em colocar a diferença como unidade,
numa identidade una, o que é aparente e forjado. Uma identidade nacional tem em uma só
etnia, que são as características culturais (língua, religião, tradições, costumes) partilhadas
por um povo, sua suposta origem e fundação. Mas isso é um mito no mundo moderno, pois
as nações modernas são híbridas, o resultado de várias etnias e, com isso, de várias culturas
diferentes. Portanto, é assim que a identidade se constitui, na verdade, da diferença. Na
identidade estão os discursos de diferença, os jogos de poder, as divisões e contradições
internas das várias culturas possíveis dentro dela.
3. O Sertão nordestino na contemporaneidade

Na parte anterior, entendemos o processo de dissolução do sujeito cartesiano e sociológico e


o estabelecimento do sujeito pós-moderno, que é, por sua vez, altamente plural e
contraditório, fragmentado e permanentemente em construção. A estabilização do ser em
torno de características definíveis e delineáveis torna-se, pois, complexa nos ânimos pós-
modernos, visto que a definição está por se fazer, ocorre no momento de agora, em constante
construção e desconstrução de paradigmas. Por esse ponto de vista justifica-se, em
proporções regionais, a movimentação em torno das figuras do Sertão.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A identidade regional é uma versão menor da nacional. Esta, como discutimos na parte
anterior, é um sistema de representação, ou seja, uma fonte de significados que dão sentido à
Nação e àquele que a ela pertence. Essa cultura constitui-se de memórias coletivas comuns,
do desejo de comunidade e da vontade de perpetuar a herança da comunidade, a tradição de
um povo. Essas três instâncias somadas ao estado-nação político é o que se entende por
identidade nacional, sendo a regional o mesmo reduzidamente. A partir de Albuquerque
Junior (2001) pudemos perceber a formação dessa identidade regional no Nordeste: as
memórias coletivas que foram instituídas a partir da cultura popular, a noção de comunidade
criada também a partir dessa cultura, e as tradições criadas no ato de autoafirmação em
relação ao emaranhando de outras vozes e manifestações que se insurgem na cultura
nacional como um todo.
Atualmente, como aponta Hall (2006), encontrando-se o globo em estado permanente de
mudança, as sociedades estão sendo avaliadas e reavaliadas por si mesmas e por outras, num
processo mais ou menos inconsciente que se manifesta nos pequenos como nos grandes
fenômenos. Albuquerque Junior, decerto compreendendo bem esse novo ímpeto social de
questionamento e fragmentação, em Feira dos Mitos (2013) – obra que dialoga com sua
Invenção do Nordeste (2001) – nos instiga a descontruir os discursos cristalizados no senso
comum – dos quais acompanhamos a construção na primeira parte deste trabalho – e
duvidar deles. Reforçando esta ideia, Hall (op cit) nos mostra que a aparente harmonia sobre
uma identidade é produzida, “inventada”, nos termos de nosso Albuquerque Junior, por um
emaranhado de jogos de poder e pelo próprio povo, numa necessidade íntima de
pertencimento e autoafirmação; ela nunca será homogênea, pois uma cultura nacional nunca
foi e nunca será simples e unificada como se pretende, uma vez que ela não tem um único
ponto de identificação. As diferenças e pontos imprecisos são mais naturais e comuns do que
parecem ser. O historiador do Nordeste nos mostra que diversos níveis de poder com um
objetivo comum de não perderem seu espaço foi o que ajudou por demais na construção de
mitos de origem; mostra que a homogeneidade da identidade nordestina pautada no berço da
cultura popular e sertaneja não foi homogênea nem natural, assim:
Apartados por ambientes naturais e sociais diversos, os homens do campo e os da cidade,
os homens do povo e das novas elites sociais vinham desenvolvendo formas de vida
completamente à parte e quase incompreensíveis entre si, o que talvez estivesse gerando
esta curiosidade crescente por conhecer um povo que se tornava cada vez mais
desconhecido e distinto” (ALBUQUERUQE JUNIOR, 2013:44)
Isso desencadeou, como nos coloca Albuquerque Junior (2013), uma formação ideológica do
Nordeste etnográfica, de cima para baixo, pois o ponto de vista não foi do povo para consigo
mesmo, mas de outros, apartados a ele, para eles. Além disso, foi não natural, pois não foram
os rurais ou sertanejos que criaram uma versão identitária para si, mas outros, antigos
patriarcas, que se espelharam na não contaminação dessa parte do Nordeste pelo litoral
capitalista para levantar a identidade regional e se afirmarem politicamente à custa dessa
forjada aliança cultural com o povo. Assim, observa-se que a construção imagético-discursiva
que temos do Sertão é frágil e suscetível de questionamentos, ainda mais num momento
histórico-social em que as construções dos sistemas de representação, segundo Hall (2006),
estão sendo desconstruídos, haja vista a fragmentação identitária que neles se flagra.
Cabe ressaltar ainda que tal construção se deu na época do Modernismo, quando a velha
ordem social da aristocracia rural nordestina temia a perca total de privilégios e espaço para
a nova ordem social burguesa que se instaurava, pois “[...] com o surgimento de uma
sociedade de classes, em que o próprio âmbito do que se define como cultura se segmenta em
diferentes universos simbólicos [...]” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2013:45) cresce o medo de
se perder nesse todo tão segmentado e diversificado, já não mais dominado pela simplória
hierarquia de outros tempos. Dessa forma, percebe-se que já na modernidade a fragmentação
mostrava suas ameaças às hegemonias e supostas harmonias, o que culmina, na
contemporaneidade, na extrema fragmentação dos sistemas de representação cultural,
deixando em crise as identidades pós-modernas, a exemplo – no caso do nosso enfoque – das
identificações em torno do Sertão nordestino.
Após termos traçado como se deu a construção imagético-discursiva da região nordestina e
suas identidades culturais, buscamos entender como se encontra a identidade cultural, de
forma geral, na contemporaneidade, para, a partir daí, tentar desvendar se essa “crise de
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
identidade” abala também os discursos identitários em torno do Nordeste e seu Sertão,
percebendo que não só abala como também já era esperado que um discurso não natural
como este fosse semelhantemente questionado.
Até aqui estudamos historicistas, sociólogos e também literatos. É relevante a esta altura do
nosso trabalho observar a literatura nordestina produzida na contemporaneidade para tentar
flagrar como se encontra, nela, a figura do Sertão; entendendo que a literatura é uma das
manifestações culturais que mais fala – com sua linguagem particular – do contexto social e
do homem neste. Nossa escolha por também nos pautar pela literatura é para observar as
atuais visões sobre o Sertão nordestino de forma também tocante ao ser humano e não só à
sociedade em que ele se insere e com que ele se identifica. Tomamos como breve exemplo
nesse percurso final Galileia (2006), do escritor nordestino Ronaldo Correa de Brito. Mesmo
sendo uma obra apenas, se o Sertão tiver colocado em estado de degradação podemos flagrar
como um valioso indício da crise pós-moderna geral apontada por Hall (2006).
Nessa obra percebemos um Sertão vazio, oco! Vazio das figuras folclóricas, dos ritos alegres e
imemoriais, da tradição vibrante e ativa que vimos, a partir dos estudos de Albuquerque
Junior (2001; 2013), levantada com o produzido orgulho na construção dos discursos em
torno do Nordeste. Na obra de Ronaldo o passado não tem o mesmo valor de autoridade na
formação do ser; o passado não se recupera pela memória coletiva incontaminada do povo,
pois, nas tramas da narrativa, as histórias antigas nunca conseguem vir à luz do presente com
a clareza e a certeza de outrora, elas se perdem no “fio da meada”, se fragmentam e, com isso,
quando chegam à contemporaneidade dos personagens mais perturba e confunde do que
acalma os ânimos; e as poucas que chegam não significam mais quase nada, como um dia
significaram.
Percebe-se também que não há lições passadas de geração em geração, não há reais honras a
serem defendidas; há, ao contrário, decepções e desonras, as quais são propagadas como as
únicas heranças e marcas que se levam da família Rego Castro. A realidade das tradições e
mitos de origem já perderam o sentido, sequer aparecem na obra. O que cresce, em
contrapartida, é a sensação de loucura e perturbação interior dos personagens. Chamamos a
atenção para o fato de esta ser uma tendência da literatura dos “00”, segundo Sch∅llhammer
(2011:153) “a leitura é capturada na mecânica da perda de realidade e numa loucura in
crescendo.”.
Dessa forma, o Sertão não é delineado externamente, não se encontra lá fora, nas cercas e no
horizonte, não está no sol que raia ou nas pessoas que passam. Ele desaparecera há muito! O
Sertão na obra é interior aos personagens, esta no ser, não é delimitado espaço-
geograficamente; não é um lugar com um universo mítico tradicional, “inventado”, como
diria nosso Albuquerque Junior; é inabarcável, está no mínimo de cada parte que compõe o
todo sertanejo – sendo esta concepção aqui deslocada do seu lugar comum e distendida ao
máximo universal do ser.
Nas palavras de Prioste (2013:291), ao falar do sertão de Grande Sertão Veredas – que neste
comentário vemos como similar ao de Galileia –, o Sertão “em sua particularidade específica
representa um aspecto da totalidade que conforma o modo de ser humano, daí sua
universalidade além do regional”. Dessa forma, ele se instaura na condição humana e, por
isso, é mutável, é universal e não condicionado a contornos particularistas instituídos por
discursos (também) políticos, como vimos em Albuquerque Junior (2001; 2013).
Além dessa característica de que o Sertão não há, o que há é o sertanejar da vida, percebemos
também uma adaptação do que antes era Sertão à nova realidade da época moderna. Vemos
um Sertão conectado à internet, cheio de mulheres mais independentes graças ao trabalho na
confecção de redes, e a substituição de cavalos por motocicletas. O velho Sertão mudara, se
metamorfoseara na sua versão contemporânea e atualizada aos novos ditames da sociedade
globalizada.

Por fim, sem poder e nem querer afirmar que o Sertão como foi construído em fins do século
XIX até meados do século XX permanece, optamos, neste trabalho, por refletir sobre a
formação imagético-discursiva do Nordeste e seu Sertão, a identidade e as identificações que
giram em torno dessas noções, e fazer um percurso teórico de forma a observar se tais noções
ainda se encontram intactas ou não.
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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Constatamos que a sociedade se encontra muito mudado no tocante às identidades, de forma
geral, na contemporaneidade, e o sistema de representação em torno do Sertão nordestino
não se encontra excluído, pois, desse processo. Além disso, o discurso de “invenção” dessa
identificação nordestina purista sobre o Sertão foi construído no contexto socio-historico da
Modernidade, quando a segmentação da sociedade já ameaçava destruir paradigmas há
muito estabelecidos. Hoje, portanto, o clima de instabilidade é maior e o questionamento no
sentido da desconstrução é naturalmente maior.
O Sertão, sob um ponto de vista mais intrínseco ao ser, encontra-se também problematizado
e possivelmente oco da significação estável que costumada ter nas literaturas ditas regionais.
Se no romance de 30 o cenário sertanejo já se apontava de “fogo morto” ou “vidas secas”, e a
questão econômica e social ao redor dele era problematizada, hoje, na contemporaneidade, o
cenário é ainda mais oco, mas de um novo prisma, pois não vemos esse tipo de discussão
material. Não parece ser esse o interesse em trabalhar com o Sertão na literatura atual, pois
ele não aparece muito bem delimitado espaço-geograficamente, seu espaço físico é mero
pano de fundo para discussões mais profundas e pertinentes ao ser: a busca de sentido por si
ou pela vida; sendo o Sertão o “em si”, o mundo a partir do personagem e, assim, muito mais
universal do que nunca foi, visto se identificar diretamente com o ser humano e suas
problemáticas.
Por esse trajeto feito neste trabalho, podemos (talvez), com esses pontos de vista, dizer que o
Sertão não há. Aquele como costumava haver em fins do século XIX até meados do século
XX, no imaginário coletivo, nos discursos sociológicos e políticos e nas literaturas
produzidas, que era aparentemente imutável e de contornos bem definíveis se encontra,
agora, mais fragmentado e problematizado pelas novas circunstâncias do ser humano na
atual sociedade pós-moderna.

REFERÊNCIAS

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DACANAL, J. H. O Romance de 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
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LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 19 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 2006.
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SCH∅LLHAMMER, K. E. Ficção brasileira contemporânea. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
SUASSUNA, A. O Movimento armorial. Recife: CONDEPE, 1977. Separata da Revista Pernambucana de
Desenvolvimento, Recife, 4(1):39-64, jan/jun, 1977.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
“ARMARIA NÃM”: O DISCURSO, A MEMÓRIA E A FORMAÇÃO DISCURSIVA
NAS TIRAS DO BODE GAIATO

Rosângela Gonçalves Cunha


Juazeiro - Bahia
Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestranda em Língua e Cultura
[email protected]

RESUMO: A Análise do Discurso de Linha Francesa, oriunda das relações existentes entre a
linguagem e as ciências sociais, é o aporte teórico utilizado para se analisar o discurso, a
memória e as formações discursivas que representam a linguagem e a cultura do sertanejo a
partir das tiras do Bode Gaiato155, publicadas em uma página no Facebook. Nesse contexto,
os sentidos não existem isolados das posições ideológicas que constituem o processo sócio
histórico em que os discursos são enunciados. A formação discursiva é exatamente o que
permite o que se pode ou não ser dito, por isso constitui o pensamento do autor. A memória
discursiva é o que possibilita acessar os sentidos construídos historicamente, tanto no âmbito
da textualidade, quanto na história, e assim, ao dizer algo podemos recuperar um enunciado
já dito e consequentemente melhor compreender o que se enuncia em novos espaços-tempos.
Toda palavra dialoga com outras palavras, que fazem parte de um discurso, assim como o
discurso se constitui a partir de outros e é na memória que estes se acomodam até serem
acionados em novos contextos. Assim, a partir desses fundamentos busca-se analisar a que
formação discursiva pertencem o autor da tira Bode Gaiato e seus seguidores e ainda que
sentidos são recuperados pela memória dos discursos enunciados que nem sempre são
contemporâneos e que exigem do leitor a memória de termos e situações - às vezes em desuso
na atualidade - para que finalmente se alcance o humor, característico deste gênero. Para
tanto utilizaremos o referencial teórico postulado por Pêcheux (1997); Maldidier (2003);
Charaudeau & Maingueneau (2004); Orlandi (2006); entre outros.

ABSTRACT: The discourse analysis of the French Line, arising out of the relationship
between language and social science, theoretical contribution is used to parse the speech,
memory and the discursive formations that represent the language and the culture of the
northeast from the Meme Goat Kid, posted on a Facebook page. In this context, the
directions do not exist isolated from ideological positions that comprise the process historical
partner in the speeches are listed. The discursive formation is exactly what allows or not
being told, so is the thought of the author. The discursive memory is what makes it possible
to access the directions built historically, both within the framework of textuality, as in
history, and so, in saying something we can retrieve a statement already said and
consequently better understand what sets out in new spacetimes. It is considered that every
word converses with other words, which are part of a speech, and the speech is from others
and is in memory that they accommodate until being fired in new contexts. Thus, from these
fundamentals, the aim is to analyse the discursive formation belong to the author of the Strip
Goat Kid and his followers and senses are recovered by memory of speeches set out we don't
always are contemporary and that require the reader to memory of terms and situations-
sometimes in disuse today-to finally reach the humor characteristic of this genus. For this
purpose we use basically the theoretical framework postulated by Michel Pêcheux and Eni
Orlandi.

PALAVRAS-CHAVE: Memória discursiva. Formação discursiva. Bode Gaiato.

Para os dicionários língua é um instrumento de comunicação, um sistema de signos vocais


específicos aos membros de uma mesma comunidade. Mas para quem deseja compreender e

155Tira criada por Breno Melo – estudante universitário, nordestino - em Janeiro de 2013 nas redes
sociais que atinge cento e cinquenta mil acessos diários. É composta por personagens metade
humano e metade bode e por meio da linguagem popular e humor apresenta cenas da vida no sertão.
415
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
verdadeiramente dialogar com os registros desse conceito, é necessário ampliar a discussão
para que se alcance o (re) significado do termo.
Para Ferdinand Saussure, escola de Praga e o estruturalismo americano a língua é um
sistema concreto de relações ou um conjunto de sistemas ligados uns aos outros, cujos
elementos não têm nenhum valor independente das relações de equivalência e de oposição
que os unem. Cada língua representa um sistema implícito, característico aos falantes dessa
língua; o que depende das variações individuais constitui para estes a fala.
A língua não é função de quem fala, mas sim produto que o individuo externaliza
passivamente; não há premeditação, e a reflexão existe somente para classificação. Enquanto
a fala é um “componente individual da linguagem”, “um ato de vontade e inteligência” é a
forma de materialidade da língua, já que segundo Saussure (2006): “Existe, pois,
interdependência da língua e da fala; aquela é ao mesmo tempo instrumento e o produto
desta. Tudo isso, porém, não impede que sejam duas coisas absolutamente distintas”.
Nessa teoria a língua é um produto social enquanto a fala individual, é um contrato coletivo,
ao qual todos os membros devem submeter-se em blocos para se comunicar, é a partir das
marcas depositadas em cada cérebro que - concretizados em atos de fala - o código permite a
comunicação entre emissor e receptor da mensagem.
Não há dúvidas quanto ao avanço que os estudos saussurianos simbolizaram, ressonância em
diversos outros estudos e novas teorias originaram-se a partir desses paradigmas, mas para
Pêcheux (1997), a língua: “Deixa de ser compreendida como tendo a função de exprimir
sentido; ela se torna um objeto cujo funcionamento uma ciência pode descrever”.
De fato não é possível considerar a língua como um depósito de signos com suas
propriedades exclusivamente gramaticais, um repositório de regras não garante o sucesso do
jogo, o uso cotidiano da língua transcende a forma, o estático e somente se consolida no
discurso, materialização da linguagem e ideologia.
No cenário da intelectualidade francesa, na década de 60, segundo Robin (1977) “houve uma
passagem no final da década de 60 de uma “linguística da frase” para uma “linguística do
discurso”, já que antes era explorada a língua saussuriana”. Isso foi possível a partir da
ruptura ideológica no campo das Ciências Sociais provocada pelo postulado de Pêcheux que
inaugurava a Análise do Discurso Francesa entendida como a intersecção entre o
materialismo histórico, a teoria das ideologias, a linguística e a teoria do discurso que visa
compreender a determinação histórica dos processos semânticos.
A complexidade do discurso tornou a A.D. Francesa necessariamente interdisciplinar, por
relacionar a linguística, o materialismo histórico e a psicanalise, através da releitura marxista
de Althusser, dos estudos sobre a formação discursiva de Foucault, dos pressupostos sobre o
inconsciente difundidos por Lacan e ainda o dialogismo em Bakhtin que se traduz em
heterogeneidade do discurso, justificam o porquê da A.D. sustentar-se no entremeio
interdisciplinar para realizar investigações sobre a linguagem.
É na segunda fase da Análise do Discurso Francesa que se difunde o conceito de formação
discursiva, postula-se que não existe discurso desprovido de ideologia, é a formação
discursiva que autoriza o que se deve e também o que não se deve dizer, para Orlandi (1998):
É na formação discursiva que se constitui o domínio do saber, o que funciona como
um princípio de aceitabilidade para um conjunto de formulações e, ao mesmo tempo,
como um conjunto de exclusão do “não-formulável”. (ORLANDI, 1998)

E assim, percebe-se que para cada formação discursiva, há uma dada formação ideológica,
desse modo os discursos mudam de sentido, segundo a posição de quem os enuncia.
Outro conceito intimamente ligado à formação discursiva é a formação ideológica, para
Pêcheux (1999) trata-se de “um conjunto complexo de atitudes e de representações que não
são nem individuais, nem universais e que se referem, mais ou menos diretamente a posições
de classes em conflito, umas com as outras”. Para a A.D. a ideologia é condição para a
constituição dos sujeitos e dos sentidos. Como afirma Orlandi (2010):

416
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O sentido é assim uma relação determinada pelo sujeito - afetado pela língua - com a
história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua,
com a história, com os sentidos. Esta é a marca de subjetivação e, ao mesmo tempo, o
traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há
sujeito sem ideologia. (ORLANDI, 2010)

Sendo assim, a ideologia é o resultado da interação do sujeito com a língua, em determinado


tempo e espaço, sócio historicamente situado.
A ideologia será refletida como reprodutora das relações de produção, ou seja, o sujeito será
assujeitado como sujeito ideológico, de modo que interpelado pela ideologia, busca ocupar o
seu lugar em um grupo de uma determinada formação social, mas tudo isso acreditando que
está utilizando a sua livre vontade. Para A.D. o sujeito não é o ser real, a pessoa, o individuo,
mas o sujeito do discurso atravessado por marcas sócio-histórico-ideológicas que se intitula
como portador de sentido próprio. Pêcheux (1997) afirma que o lugar do sujeito existe, mas é
constituído por aquilo que ele domina como forma-sujeito, isto é, sujeito enunciador de
determinada formação discursiva.
Para esse autor, os discursos se constituem a partir da memória ou do esquecimento. Os
sentidos se constroem na relação com outros é composto a partir do plano da textualidade e
da história. É também o que se conhece como interdiscurso, é uma arqueologia que permite
que as palavras façam sentido. Algo falado em outro lugar, que equivale a um “já dito” é
acionado e se reconstrói em outro contexto. Sobre isso Pêcheux (1999) alerta:
A memória discursiva deve ser entendida não no sentido psicologista da “memória
individual”, mas nos sentidos entrecruzados da memória mítica, social inscrita em
práticas (...). A memória discursiva seria aquilo que, face a um texto, surge como
acontecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos”, quer dizer, os pré-construídos,
elementos citados e relatados, discursos-transversos) de que sua leitura necessita: a
condição do legível em relação ao próprio legível. (PECHEUX, 1999)

A memória discursiva nada mais é que um conjunto de saberes já construídos e esquecidos,


que determinam as nossas escolhas inconscientes e também a nossa (re) significação de
novos ou mesmos sentidos quando esses já tem significado para o enunciador. Como ratifica
Orlandi (2010):
Para que minhas palavras façam sentido é preciso que elas já façam sentido. E isto é
efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi dito por um sujeito especifico, em um
momento particular se apague na memória para que, passando para o “anonimato”,
possa fazer sentido em “minhas palavras”. (ORLANDI, 2010)

Retomar, resumidamente, esses conceitos da Analise do Discurso Francesa nos permite


constatar a importância desses pressupostos para a uma leitura mais profunda dos discursos
que são produzidos contemporaneamente.
Pêcheux inaugura uma nova concepção de discurso, e isso não equivale à descrição dos
elementos que compõem um enunciado, mas a compreensão dos sentidos enunciados pelos
interlocutores. Isso é possível a partir da relação entre língua e ideologia, já que o discurso é
exatamente a materialidade desta fusão quando apreendida em alguma situação real de
comunicação.
Assim, ao analista do discurso interessa os efeitos dos múltiplos sentidos, determinados pelas
mais variadas condições de produção, a metáfora, a ambiguidade, são elementos possíveis na
constituição dos discursos. Não há preocupação com a linearidade, as marcas linguísticas são
apenas pistas que norteiam a construção dos sentidos, mas não o determinam. Conforme
Orlandi (1998) “as marcas dizem respeito à organização do discurso e as propriedades têm a
ver com a totalidade do discurso e sua relação com a exterioridade”. Em outro texto a autora
acrescenta:
As marcas formais, em si, não interessam diretamente ao analista. O que lhe interessa
é o modo como estão no texto, como elas se encarnam no discurso. Daí o interesse do
analista pela forma material que lhe permite chegar as propriedades discursivas.
(Orlandi, 1998).

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Essas considerações metodológicas formam o arcabouço teórico que norteou a análise do
corpus a seguir:
O termo grego Meme156significa imitação. E Meme de Internet é uma expressão utilizada
para identificar uma ideia ou conceito que se difundi por meio da web rapidamente. Frase,
imagem, vídeo, música, entre outros, podem ser Memes da Internet, por espalhar-se
rapidamente em diversas fontes de informação. Resumidamente Meme é tudo aquilo que é
imitado e que se espalha com rapidez entre as pessoas, como a Internet tem a capacidade de
atingir um número muito significativo de usuários em poucos segundos, diz-se que os Memes
de Internet são virais.

Neste texto iremos explorar o Meme “Bode Gaiato” criado em janeiro de 2013 por Breno de
Melo, estudante de engenharia de 19 anos, pernambucano, que numa brincadeira de férias
resolve criar uma página no Facebook com imagens de situações tipicamente nordestinas,
figuradas por personagens humanas com cabeças de bode. O que não se previa era a absurda
adesão dos internautas a uma imagem simples, tosca, frases reduzidas, que rapidamente
provocou o resgate do discurso e da cultura nordestina viva, arquivada na memória, não só
dos nordestinos, mas de todos que já viveram algumas das situações ali apresentadas. Hoje
são 3.582.053 pessoas que já visitaram a página e 935.781 pessoas que comentaram sobre o
assunto.

O humor sem apelo e preconceito é representado por Junin, o bode que vive situações
recorrentes a vida de uma criança como: a repreensão da mãe (dona Zefinha) uma
brincadeira de rua, uma situação na escola, a preguiça do filho, a relação de Junin com o
irmão mais velho Ciço, o pai Biu e outras que contam a história do povo do nordeste, com
humor, respeito e criatividade. O autor recebe diariamente inúmeras sugestões do público em
geral para compor novos textos, inclusive contemporâneos a situações diversas do cotidiano,
como notícias e datas comemorativas por exemplo.

Importante destacar que, como elemento também da cultura do Nordeste apresentada no


Meme, a linguagem utilizada é a variedade não padrão que transcreve a fala e contribui com a
caracterização saudável das situações cotidianas, quanto a linguagem adotada pelo autor do
“Bode Gaiato”, o Prof. Antônio Carlos Xavier da Universidade Federal de Pernambuco, em
entrevista ao Jornal Diário de Pernambuco afirma: “Não condeno o modo como se escreve.
Quanto mais diversidade linguística, mais possibilidade de conhecerem as gerações de sua
língua”.

Figura - 01
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

O conceito de "Meme" foi criado pelo zoólogo e escritor Richard Dawkins, em 1976, quando
156

escreveu no livro "The Selfish Gene" (O Gene Egoísta) que tal como o gene, o Meme é uma unidade
de informação com capacidade de se multiplicar, através das ideias e informações que se propagam
de indivíduo para indivíduo. Os Memes constituem um vasto campo de estudo da Memética.

418
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Conforme se vê, o Meme do “Bode Gaiato” destaca-se no que se refere à alusão a cultura
nordestina. Não é comum o humor e o riso serem provocados por situações em que o
rompimento da coerência valoriza o contexto, a linguagem e a história dos sujeitos, o mais
comum em textos humorísticos é provocar riso sem preocupar-se com o respeito aos valores
humanos e a diversidade cultural. O discurso aqui reproduzido é representado por animais
“humanizados”, variedade não padrão, cultura equivocadamente identificada como de menor
prestígio e ainda assim, tem aceitação absoluta dos leitores, porque estes se identificam com
os discursos que são enunciados.
Expressões como “... e foi assim que eu fui dormir de couro quente” e “armaria mainha ñan”
se repetem, a primeira caracteriza o apanhar, como recurso para a educação do filho e Ave
Maria mainha não, como reação de negação que também vitima o sujeito que a utiliza, numa
relação de subordinação. Como bem diz Henry (1997) “o sujeito é sempre e ao mesmo tempo,
sujeito da ideologia e sujeito do desejo do inconsciente e isso tem a ver com o fato de nossos
corpos serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitação”

Figura - 02

Segundo Fernanda Guerra, no Jornal Diário de Pernambuco (2013), esta tira foi campeã em
acessos. Foram 1.000.000 de compartilhamento da imagem na página do Facebook. Nela, se
vê no discurso de Zefinha, ao afirmar “Que dirmantelo é esse Junio? Essas caça réa lá em
baixo mostrando a cueca feito malandro” que este representa uma posição ideológica
ocupada pelo discurso de uma mãe que, deste lugar, orienta que o filho não mostre a cueca
como malandro, mas que componha-se “pareceno um rapaizin”. Toda formação discursiva
está vinculada a certa formação ideológica, assim é fácil compreender que a ideologia
materializada no discurso da mãe de Junin se inscreve, inconscientemente, num lugar em
que o modo como se veste é determinante no conceito de malandro ou rapazinho.
Na A.D. o contexto não está fora do discurso, este é elemento essencialmente constitutivo,
por isso relaciona-se às condições de produção, lugar de significação historicamente
construído. Nas tiras abaixo, pode-se verificar que os enunciados descrevem o contexto, a
linguagem, o comportamento, enfim a cultura do povo nordestino, isso também porque é o
discurso de um nordestino que vive o nordeste, por isso descreve de modo que outros se
identifiquem como disse Breno, autor do Meme: "Eu não saberia fazer muitas piadas

419
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
comgírias de outros estados, porque sou daqui, nasci no Recife, mas moro há oito anos em
Caruaru, no Agreste do estado”.

Figura - 03 Figura – 04

Figura - 05 Figura – 06
O Meme “Bode Gaiato” aborda diversos temas, respeitando o universo da formação
discursiva e ideológica em que se inscreve. Especialmente por ativar a memória discursiva, o
interdiscurso enfatizado por Pêcheux, possibilita que as tiras criadas façam sentido e ainda
provoquem humor. A memória está relacionada à formação discursiva (F.D.) do enunciador.
Há uma relação de paráfrase entre os “já ditos” e assim se constrói o ressignificado dos
sentidos. Sobre a relação entre a formação discursiva e a memória, Indursky (2009) diz:
FD é regulada por uma memória discursiva que faz aí ressoar os ecos de uma
memória coletiva, social. Por outro lado, nem tudo pode ser dito no interior de uma
FD, de modo que a memória discursiva não é plena, não é saturada, pois nem todos
os sentidos estão autorizados ideologicamente a ressoar em uma FD. Dessa forma,
percebe-se que, assim como a FD é de natureza lacunar, a memória discursiva
também o é. (INDURSKY, 2009)
Os elementos abaixo apresentados são a representação da memória discursiva no Meme
“Bode Gaiato”, podemos compreender que o discurso produzido por um sujeito (o autor) é
representado em outro discurso (das personagens) e este ecoa na construção de novos
discursos a partir do “já dito” e também constituirá a memória discursiva dos interlocutores,
que será importante no momento de uma nova produção do discurso, como ocorre em:
• Dona Zefinha como mãe brava que prima pela educação dos filhos:

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Figura - 07 Figura – 08
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

Disponível em:

Figura - 09 Figura – 10
• Junin, criança sapeca que é punido, mas sempre que pode responde:

Figura - 11 Figura – 12
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiatoDisponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato
• Discurso característico ao sujeito que o enuncia:
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Figura - 13 Figura – 14
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiatoDisponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

• O interdiscurso, a crença, a cultura:

Figura - 15 Figura – 16
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Produção sócio histórica do discurso

Figura - 17 Figura – 18
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiatoDisponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

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Figura - 19
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

• A identificação ou desidentificação do discurso em relação à escola:

Figura - 20 Figura – 21
Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiatoDisponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
• O discurso do Meme “Bode Gaiato” reproduzido em outros discursos:

Conforme postula a A. D. Francesa, não há discurso que não se relacione com outros. O
discurso é o efeito de sentido, conforme Orlandi (1998) “a palavra discurso,
etimologicamente, tem em si uma ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento”.
Os discursos são vivos, concretos e o tempo todo se movem em direção a outros, está sempre
atravessado por vozes que o constituíram e conforme demonstrado a partir da análise do
corpus explorado, o discurso, a memória e a formação discursiva no Meme “Bode Gaiato”,
ilustrou concretamente esses fundamentos da A. D. em textos que circulam
contemporaneamente.

REFERÊNCIAS
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Acessado em 12/03/2013
BODE, Gaiato. Disponível em: https://www.facebook.com/ObodeGaiato. Acesso em 01/03/2014
HENRY, P. 1997. Os fundamentos teóricos da “análise automática do discurso” de Michel Pêcheux. In:
GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
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INDURSKY, Freda. 2009. A escrita à luz da Análise do Discurso. In: CORTINA, A.; NASSER, S.M.G.C.
Sujeito e linguagem. São Paulo: Cultura Acadêmica.
MAIA, Laís Farias. 2013. Bode gaiato o fenômeno do facebook. Disponível em:
http://www.opiniaocritica.com.br. Acesso em 06/2013.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MARKMAN, Luna. 2013, Bode Gaiato faz sucesso na web. Disponível em:
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viverinternas_viver, 437697/ Acesso em 15/05/2013.
O bode gaiato ganhou o mundo. Disponível em: http://papjerimum.blogspot.com.br/2013/07/o-bode-
gaiato-crou-asas-e-ganhou-o.html. Acessado em 01/03/2014
ORLANDI, E. 1998. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.
______, E. P. 2010. Análise de Discurso. In: Orlandi & Lagazzi-Rodrigues (orgs.). Introdução às ciências das
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O significado do termo Meme. Disponível em: http://www.significados.com.br/meme/.Acessado em
13/03/2014
PÊCHEUX, M. 1983. O Discurso - estrutura ou acontecimento. Trad. de Eni P. Orlandi. Campinas: Pontes.
______, M.; FUCHS, C. 1997. A Propósito da Análise Automática do Discurso: atualização
eperspectivas (1975). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução
à obra de Michel Pêcheux. Trad. de Péricles Cunha. Campinas: Unicamp.
______, M. 1999. Papel da Memória. In: ACHARD, Pierre [et al.]. Papel da Memória. Campinas, São Paulo:
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ROBIN, R. 1977. História e linguística. São Paulo: Cultrix.
SAUSSURE, Ferdinand de, 2006. Curso de Linguística Geral, 27ª ed., São Paulo, Editora Cultrix,
SMOSINSKI, Smosinski.2013 As pessoas se identificam com as histórias de escolas dizbode gaiato.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias Acesso em 12/12/2013.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Resumos

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LEITURA NA ESCOLA: LETRAMENTOS MÚLTIPLOS NO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO

Profa Dra Rossana Ramos Henz - UPE – [email protected]


Prof. Dr Benedito Gomes Bezzerra – UPE – [email protected]
Profa Dra Jaciara Gomes – Upe - [email protected]

A leitura é uma prática social que se amplia desenfreadamente desde seu aparecimento com a
invenção da escrita. Com o intuito de dominar seus mecanismos e efeitos é que vem se
buscando compreendê-la, não apenas como um meio de comunicação humana, mas também
como uma prática que caracteriza uma sociedade como letrada. Nessa perspectiva que
envolve questões de natureza cognitiva e social, é que se desenvolvem estudos sobre o
fenômeno leitura. O ato de ler implica mudanças individuais e coletivas à medida que ao se
alfabetizar o indivíduo passa a fazer parte de um mundo ligado por ideias, formas e saberes
constituídos pela sociedade em que vive. Para que ocorra a leitura, são necessários textos,
leitores e agentes que produzam e difundam os textos. Nessa perspectiva, é que se encontra a
escola. Como veículo de ensino e divulgação da leitura, a escola tem papel importante e
definitivo nas mudanças sociais. Para que isso de fato ocorra, cabe a esse agente determinar e
aplicar planos e estratégias de ensino/aprendizagem adequados. Ainda na fase inicial da
escolarização – no Ensino Fundamental I –, a leitura deve ser realizada com vistas para uma
prática social e não apenas como um saber mecanizado que contemple somente o
funcionamento do código linguístico. Na etapa posterior – no Ensino Fundamental II –, a
prática de leitura implica o desenvolvimento da capacidade metalinguística e metatextual,
quando o leitor torna-se capaz de observar, refletir e inferenciar sobre o texto lido. Na etapa
final da escolarização básica – no Ensino Médio –, a tarefa da escola é complementar as
etapas anteriores desenvolvendo a capacidade leitora com vistas para uma visão histórico-
social dos textos produzidos ao longo do tempo, na perspectiva dos múltiplos letramentos.
Palavras-chaves: leitura, escola, múltiplos letramentos.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O GÊNERO TEXTUAL CONTO COMO FERRAMENTA FACILITADORA
PARA PRÁTICA DO LETRAMENTO EM SALA DE AULA

Gabriela Fernandes Ulisses(UNEAL)


Maria Claudicélia C. da Silva (UNEAL)
Iraci Nobre da Silva (UNEAL)

RESUMO: O presente estudo faz uma abordagem sobre a importância do trabalho com os
gêneros textuais, especificamente o conto, apresentando-o como ferramenta didática e
facilitadora para prática de letramento em sala de aula. O estudo faz parte do subprojeto
Retextualização e Reescrita a partir dos Gêneros Textuais para a Prática Pedagógica no
Ensino de Língua Portuguesa. O subprojeto referido está sendo desenvolvido em escolas da
esfera pública estadual da cidade de Palmeira dos Índios Alagoas. Vincula-se esse subprojeto
ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID\CAPES- O estudo tem
como aporte teórico os pressupostos dos autores: Freire(1987; 1997) ;Marcuschi (2008);
Bakhtim(2010); (2002); PCN,(2000); Soares (2009); dentre outros. Ultimamente nas aulas
de língua portuguesa, ainda não se privilegia a produção de leitura e escrita, o que tem
apresentado resultados não satisfatórios aos alunos. Assim, o aluno conclui o ensino médio,
com dificuldades de ler e produzir textos, os mais simples que sejam. A escola tem deixado a
desejar no seu papel de formar leitores e desenvolver a competência discursiva para o uso da
língua. À escola, enquanto instituição de ensino, é responsável para desenvolver no aluno, as
competências devidas para o exercício da cidadania, independente do grau de ensino. Para
tanto, precisa reconhecer na produção de leitura e escrita sua finalidade precípua.

Palavras Chave: Gêneros textuais. Letramento. Conto.

428
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O "PORTUGUÊS POPULAR": INTERFACE ENTRE A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E
A LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA

Juliana Lopes da Silva


Fernando Augusto de Lima Oliveira
Maria Margarete de Paiva Silva

Universidade Estadual de Alagoas - Bolsista - PIBIC/FAPEAL


Universidade Estadual de Alagoas - PIBIC/CAPES/FAPEAL/UFAL
Universidade Estadual de Alagoas - PIBIC/FAPEAL

Resumo:
O presente trabalho é o desenvolvimento de uma pesquisa em andamento, financiada pelo
PIBIC/FAPEAL/UNEAL, que objetiva criar um espaço aberto para reflexões sobre as
variedades linguísticas em sala de aula, a partir da interface com a Literatura de Cordel, com
alunos do ensino fundamental da rede pública de Palmeira dos Índios - Alagoas. A inserção
da variação linguística em sala de aula será feita a partir da Literatura de Cordel, pois os
alunos poderão conhecer um pouco mais da rica cultura nordestina na qual estão inseridos,
enfatizando sempre que mesmo aqueles que fazem uso da língua não-padrão são também
produtores de cultura, de saber e de literatura. Ao lidar com este tipo de tradição cultural
peculiar, a partir de oficinas lúdicas que vão desde a origem do cordel perpassando pelo
processo de produção até chegar à interface com a linguística, mais precisamente com a
Variação Linguística (estudos de variantes linguísticas), espera-se que os alunos utilizem a
linguagem empregada nesse tipo de criação cultural para aperfeiçoar o conhecimento acerca
das variantes linguísticas e, com isso, perceber que a norma padrão é também uma forma de
expressão além da que eles já conhecem. Além do mais, o trabalho com o cordel busca
reavivar uma tradição cultural que, com o decorrer dos séculos, principalmente com o
advento da tecnologia e da implantação de novas formas de cultura foi praticamente perdida.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura de Cordel. Variação Linguística. Ensino. Cultura Popular.

429
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICAS DE LETRAMENTO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM DIÁLOGO
POSSÍVEL NAS AULAS DE LÍNGUA MATERNA

Isabel Silva Silveira


UESB-Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Professora Auxiliar
UFBA-Universidade Federal da Bahia
Mestranda em Língua e Cultura

Este artigo visa analisar as práticas de letramento em sala de aula na perspectiva dos gêneros
textuais. Segundo Soares (2003), para que o aluno se aproprie da leitura e da escrita
efetivamente, faz-se necessário a sua inserção no mundo letrado, envolvendo-se nas mais
diversas atividades que se constituem em práticas de letramento. Para Marcuschi (2001), os
gêneros textuais estão vinculados à realidade sócio histórica dos indivíduos, é fruto de
trabalho coletivo e contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-
a-dia, logo, o professor de língua materna deve explorar os diversos gêneros textuais
inseridos na realidade dos educandos, para que, a partir do trabalho pedagógico possa
contribuir significativamente para que estes, por sua vez, desenvolvam suas competências
comunicativas tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral.Desta forma, à
proporção que os educandos dialogam, interpretam e “reconstroem realidades” a partir dos
gêneros textuais, o professor contribuirá para a inserção dos alunos nas práticas de
letramento, conforme Kleiman (2001) na sua obra Formação do professor-perspectiva da
linguística aplicada, com uma diversidade de gêneros textuais, contribuindo para a formação
de indivíduos leitores e escritores capazes de agir em sociedade e de refletirem sobre a língua
em uso.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas de letramento. Gêneros textuais. Língua materna. Ensino

430
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O CORDEL COMO ARTEFATO (INTER)CULTURAL PARA A AQUISIÇÃO DO
LETRAMENTO - A ESCRITA DE ORALIDADES.

Gabriela dos Santos Barbosa


Mestranda na Universidade do Estado da Bahia

Ao tomar o cordel como objeto deste trabalho, por ser uma espécie de produto proveniente
de saberes ancestral/oral e que dialoga com outras culturas ao longo do tempo, interessa
conhecera dimensão do cordel como elemento potencializador do letramento, por preservar
na palavra escrita a sonoridade e a gestualidade, facilitando, assim, o entendimento da
narrativa, bem como a leitura que ele faz sobre cada cultura ao evocar em suas rimas a
memória e a tradição de um povo. Assim, o trabalho objetiva compreender como o Cordel,
sendo artefato formado por diversos elementos interculturais, carrega em si potencial
suficiente para oportunizar ao sujeito aprendiz pleno espaço para o letramento. Para tanto, o
cordel será pensado/discutido como conteúdo didático pedagógico a ser utilizado em sala de
aula por permitir que o indivíduo em vias de letramento faça uso desse tipo de leitura para
apreensão dos fatos ocorridos em seu contexto, já que ele é um elemento da
interculturalidade, a qual forma um sabe que vai servir como uma espécie de arsenal
pedagógico. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que vem se utilizar de um aporte teórico
direcionado a entender o conceito de alfabetização, letramento e literatura de cordel, como
AngelaKleimam (2005) Os significados do letramento; Magda Soares (2009) Letramento:
um tema em três gêneros; Luiz Marcushi (2000) Da fala para a escrita; Paul Zumthor
(1993) A letra e a voz: a “literatura” medieval e Performance; Vilma Quintela (2006), O
cordel no fogo morto da cultura; Galvão (2001), O cordel: leitores e ouvintes, entre outros.

PALAVRAS CHAVE: Cordel. Letramento. Alfabetização. Interculturalidade.

431
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ROSA E KIERKEGAARD: DO CÁLIDO SERTÃO À GÉLIDA DINAMARCA

Gabriel Kafure da Rocha


Mestrando no PPGEE – UFPI
Professor do IF-Sertão PE
Resumo:
O que faz Guimarães Rosa dizer que em Kierkegaard há uma metafísica do sertão? Da mesma
maneira que Kierkegaard, Rosa fala metafisicamente de um salto rumo à fé e ao absurdo.
Esse conceito consiste em uma categoria rica para o existencialismo assim como para a
literatura do Grande Sertão Veredas. Assim como no Elogio de Abraão em Temor e Tremor,
Riobaldo sente o dilema de suspender a moral. Pretende-se então entender em que medida
Riobaldo é um cético ou um cavaleiro da fé nas categorias kierkegaardianas da filosofia da
existência.

PALAVRAS-CHAVE: Guimarães Rosa, Kierkegaard, Sertão e Riobaldo

432
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LEITURA E CONHECIMENTO DE MUNDO: INTERDISCIPLINARIDADE NA
AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA.
Fellype Lima Alves da Costa
Universidade Estadual de Alagoas
Bolsista PIBIC/FAPEAL
Resumo:
Este artigo tem como objetivo discutir a interdisciplinaridade na aula de língua portuguesa
(LP), partindo do pressuposto de que a leitura está ligada ao conhecimento de mundo do
leitor. Para tal, parte de teóricos como Antunes (2010), com sua visão sobre a aula de língua
portuguesa, Cagliari (2009), que ressalta o compromisso da escola em formar bons leitores,
Koch (2003, 2012), com seus estudos sobre contextos e os gêneros discursivos, e Marcuschi
(2008), no que diz respeito às concepções de texto, língua e sujeito adotados pela escola,
dentre outros. A partir desses autores, entende-se que a aula de LP só é interativa à medida
em que adota a perspectiva sociointeracional da linguagem. No entanto, adotar essa
perspectiva implica que o professor instigue o aluno a considerar, no ato da leitura, a relação
do texto com outros textos (intertextualidade), o qual é o princípio fundamental do próprio
texto. Assim, não se pode desvincular a aula de LP das outras disciplinas presentes na escola,
pois no processo de leitura o aluno faz uso de diversos conhecimentos arquivados em sua
memória, o que envolve também o conhecimento intuitivo dos gêneros do discurso, e não
apenas do conhecimento gramatical da língua.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Língua portuguesa. Texto.

433
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A IMPORTÂNCIA DAS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS NO ESTUDO DE GÊNEROS

John Hélio Porangaba de Oliveira


Curso de Letras/Inglês, UNEAL - Campus III ([email protected]);
Maria Verônica Tavares Neves Cardos, orientadora Prof.ª Mestra em
Educação e Linguagem do Curso, UNEAL Letras do Campus III
([email protected]).

RESUMO:
No cenário educacional a formação docente tem sido objeto de pesquisas há anos, no entanto,
ainda carece de estudos contínuos para o melhoramento da prática docente no contexto
escolar. Assim, este trabalho tem como objeto de estudo as sequências didáticas como forma
de letramento tanto para os professores quanto para os alunos, o qual questiona-se: por que
as sequencias didáticas são importante no desenvolvimento e trabalho do professor em sua
pratica docente? Assim, tem-se como hipótese que é pressuposto de base dos conhecimentos
do professor, uma vez que o trabalho docente se sustenta de saberes distintos desde a
elaboração dos planos de ensino até a sua aplicação, tendo, pois o planejamento de
sequências didáticas no ensino de gênero como um caminho de base teórica/pratica de
motivação e controle de aspectos necessários ao ensino aprendizagem de língua inglesa. A
partir deste exposto objetiva-se discutir a importância do planejamento de ensino através das
sequências didáticas; identificar os aspectos positivos da pratica docente como instrumento
de motivação; descrever as sequências didáticas em suas etapas de desenvolvimento; e
apontar as sequências didáticas como fatores importantes para o letramento de língua
inglesa. Desse modo, para a elaboração deste trabalho tomou-se como princípio os estudos de
Bakhtin (2011); Dolz; Noverraz; Schneuwly (2011); Ferreira (2007); Silveira (2003); Pimenta
(1997), dentre outros. Nessa perspectiva, conclui-se que o dispositivo sequências didáticas é
um suporte de grande relevâncias para a prática docente e de importância considerável no
ensino aprendizagem de gêneros em língua inglesa, uma vez que as etapas de ensino faz do
aluno não apenas um conhecedor do assunto, mas capaz de dominá-lo com mais
desenvoltura.

PALAVRAS-CHAVE: Sequências didáticas. Planejamento de ensino. Competência


profissional.

434
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ANÁLISE LINGUÍSTICA E LETRAMENTO CRÍTICO NO ENSINO
APRENDIZAGEM DE LINGUA INGLESA

John Hélio Porangaba de Oliveira


Letras/Inglês, Campus III - UNEAL ([email protected]);
Jean Marcelo Barbosa de Oliveira, Orientador. Professor Mestre
da UNEAL – CAMPUS III ([email protected]).

RESUMO: No contesto do ensino de língua estrangeira, crenças e desafios diversos


provocam o desinteresse pelo aprendizado de língua estrangeira. Assim, questiona-se: Como
é possível levar melhorias para o ensino aprendizagem de língua inglesa em função de
despertar e desenvolver competências linguísticas necessárias para o domínio do inglês?
Desse modo, tem-se como hipótese desenvolver o letramento crítico como uma série de
princípios educacionais voltados para as práticas discursivas, construção de sentidos e a
análise linguística no trato do sistema linguístico e usos da língua no âmbito escolar como
melhorias para o ensino aprendizagem de língua inglesa. Nesse sentido objetiva-se despertar
o interesse para o trabalho de análise linguística de textos como aspecto de letramento crítico
em função do ensino aprendizagem de língua inglesa; discutir os termos letramento crítico e
análise linguística; apresentar pontos importantes no trato da língua inglesa; e argumentar
aspectos de motivação para o ensino aprendizagem de inglês a partir de um trabalho análise
linguística de textos em sala de aula. Para o desenvolvimento deste estudo tomou-se como
pressupostos teóricos os estudos de: Bakhtin (2011); Mendonça (2006); Bezerra e Reinaldo
(2013); OCEM (2006); Kleiman (1995); Alford (2001); Bhatia (1993); Ellis (2005); Freire
(1970); Lankshear e Knobel (2003); Lima (2009); Lima (2012), dentre outros. Assim, este
estudo tem mostrado uma significativa importância e instrumento para o desenvolvimento
de uma metodologia de ensino contextualizado e real na vida dos profissionais da docência e
dos aprendizes de língua inglesa.

PALAVRAS-CHAVES: Letramento crítico. Análise linguística. Ensino de inglês.

435
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
OS PAPÉIS E FUNÇOES DA POESIA ORAL E SUA VOZ POÉTICA

Mariana Barbosa Batista


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural-PPgLDC (Bolsista
CAPES), pela Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS. E-mail:
[email protected]

Resumo:

Se a voz é um fenômeno global, vinculado à história do homem, não implicando apenas na


articulação oral de uma língua, mas a presença de um corpo vivo em ação num determinando
contexto (a performance); a voz poética se distingue por não ter a função primordial de
informar: basta senti-la, deixar que o corpo exprima as sensações que se impõem com o peso
das palavras e dos silêncios. Ainda assim, a mesma, exige atenção, concentração e duração no
instante em que é pronunciada, resgatando a mensagem e o intérprete — seja ele o que emite
ou o que recebe e re-atualiza a voz do outro— da fugacidade do tempo que tudo devora. Para
compreendermos esses aspectos, faremos nesse estudo, um recorte acerca da Literatura de
Cordel, a partir da perspectiva do pesquisador suíço Paul Zumthor (1997), articulada nas
rimas de Patativa do Assaré e Franklin Maxado, para então corroborar a diversidade cultural
brasileira. A oralidade retratada por Zumthor, genericamente, como poesia oral, é
reverberada a partir da função do intérprete/narrador e do ouvinte, estes como sendo fonte
primordial de toda e qualquer forma de comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: Poesia Oral. A voz poética. Literatura de Cordel.

436
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PROVÉRBIOS E FRASES DO COTIDIANO: UM ESTUDO SINTÁTICO E
SEMÂNTICO DESTAS CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS

Emanuel dos Santos Sá


Professor de Língua Portuguesa
Francisco de Assis Silva Panta
UPE e FACAPE

Este trabalho pretende apresentar os ditos que eram e são frequentemente usados no
cotidiano das pessoas, os provérbios, para então decodificá-las semântica e sintaticamente,
fazendo, portanto, um estudo tanto do significado das palavras quanto da função destas em
uma oração. Como pretendemos pensar a língua em uma situação de uso, o estudo dos
provérbios contribui para que, na análise das orações, levemos em conta não só os aspectos
formais, mas também os semânticos, já que os provérbios estão intimamente relacionados à
cultura popular. A fundamentação que assegurou a pesquisa partiu das observações de
Bechara (2005), Cereja e Magalhães (2003), Cunha e Cintra (1985) e Borgatto, Bertin e
Marchezi (2011). A metodologia adotada caracterizou-se como sendo qualitativa e do tipo
bibliográfico. A coleta de dados se deu a partir de redes sociais, (Facebook e Twitter), livros e
pára-choques de caminhões. A partir destes suportes, foram escolhidos 20 provérbios para
então decodificá-los conforme o objetivo geral apresentado neste trabalho. Estudar os termos
constituintes de uma frase e o efeito de sentido que elas remetem trouxe-nos várias
possibilidades de interpretação de um mesmo provérbio, levando em consideração a situação
em que o sujeito a qual está fazendo o uso destes se encontra.

PALAVRAS-CHAVE: Provérbios, sintaxe, semântica, estudo, cultura.

437
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
AS LEIS DO DISCURSO NAS ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS EM ARTIGOS
DE OPINIÃO DE ALUNOS DE 9º ANO

Maria Rivaldízia do Nascimento


Mestranda do PROFLETRAS UPE – Campus Garanhuns

Resumo

Considerando que um dos maiores desafios do ensino de Língua Portuguesa é ensinar a


escrever, este trabalho se propõe a pesquisar quais estratégias argumentativas o aluno utiliza
para produzir um artigo de opinião observando as leis do discurso. Esperamos contribuir
para que professores reflitam sobre a importância de trabalhar o gênero artigo de opinião no
Ensino Fundamental ensinando o estudante a argumentar, por escrito. Para tanto,
realizamos pesquisa de campo, cujo corpus consistiu na análise de textos produzidos por dois
alunos, durante aulas de Língua Portuguesa conforme a seguinte metodologia didático-
pedagógica: a) os alunos leram uma notícia e um artigo de opinião, b) realizaram um debate
sobre o tema abordado nos dois textos, c) produziram um artigo de opinião. A análise dos
textos foi ancorada nos pressupostos teóricos da Escola Francesa de Análise de Discurso
(MAINGUENEAU, 1991, 2001, 2005), na Teoria da Enunciação (BENVENISTE, 2005) e nos
estudos de AMOSSY (2011) sobre argumentação e análise do discurso. O resultado evidencia
que os textos dos alunos têm problemas graves quanto ao uso de argumentos de relevância.
Indica, também, que as estratégias usadas para persuadir configuram-se como paráfrases dos
textos lidos e não levam em consideração, geralmente, as principais leis do discurso, nem os
interlocutores a partir de uma situação concreta de interação entre sujeitos imersos em um
contexto social e linguístico.
.
Palavras-chave: Discurso. Argumentação. Estratégias argumentativas. Ensino
Fundamental

438
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
RETEXTUALIZAÇÃO E REESCRITA, A PARTIR DOS GÊNEROS TEXTUAIS,
COMO FERRAMENTA FACILITADORA NO PROCESSO DE LETRAMENTO EM
SALA DE AULA

Iraci Nobre da Silva


[email protected]
Universidade Estadual de Alagoas

RESUMO: Este estudo faz parte do projeto: Retextualização e Reescrita, a partir dos
gêneros textuais, como ferramenta facilitadora no processo de letramento em sala de aula. Ao
propor a reescrita e a retextualização como estratégias para o desenvolvimento das
habilidades nas práticas discursivas, tem-se como objetivo despertar no aluno a consciência
de que para se produzir um texto é preciso ter o que dizer. Um texto não é algo acabado, e
que o aluno deverá empenhar-se na atividade como próprio produtor de sentidos. Este
projeto está sendo desenvolvido com alunos ingressantes no primeiro período do curso de
Letras da Universidade Estadual de Alagoas, Campus III Palmeira dos Índios Alagoas. A
pesquisa tem como aporte teórico os pressupostos dos autores: KOCH, (1990; 1997; 2004;
2012); MARCUSCHI, (2008); MATÊNCIO, (2002); BAKHTIN, (1981 e 2010), dentre outros.
Promover a aprendizagem, construir um conhecimento pautado em sua amplitude, quer no
âmbito educacional, pessoal
ou social do aluno, constitui papel da educação. As IES (Instituições de Ensino
Superior) precisam investir na formação de professores-leitores, não apenas no sentido de
atualização do conhecimento, mas essencialmente pela construção/elaboração de saberes que
contribuam para a preparação dos profissionais docentes.

Palavras-chave: Retextualização. Gêneros Textuais. Letramento.

439
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
JOVENS E ADULTOS LENDO, ESCREVENDO E APRENDENDO INGLÊS POR
MEIO DE GÊNEROS TEXTUAIS
Kelliane Coêlho de Carvalho1
Maria Aparecida Amador Cavalcante2
Relma Lúcia Passos de Castro Mudo3
1 Graduanda do curso de Licenciatura em Letras - Língua
Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco –
UPE / Campus Petrolina.
2 Graduada do curso de Licenciatura em Letras - Língua

Inglesa e suas Literaturas da Universidade de Pernambuco –


UPE / Campus Petrolina.
3 Professora Assistente do curso de Licenciatura em Letras –

Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de


Pernambuco – UPE / Campus Petrolina.

RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem se constituindo no Brasil uma


modalidade de ensino de grande importância pelo seu valor de inclusão de grupos menos
favorecidos, pela oportunidade de crescimento na profissão ou pelo desejo de adquirir uma.
Porém, para que ela cumpra de fato o seu papel de oferecer ensino de qualidade e
preparatório para o mercado de trabalho, um dos seus desafios é redefinir a visão que muitos
ainda possuem dela, de uma mera escolarização compensatória para um ensino que
desenvolva a autonomia e sentido de responsabilidade das pessoas. Partindo desse ponto de
vista, podemos afirmar que a aprendizagem de uma Língua Estrangeira é uma possibilidade
de aumentar a autopercepção do aluno da EJA como ser humano e como cidadão. Nesse
sentido, o presente projeto teve como objetivo oportunizar, para o aluno da EJA, o
desenvolvimento de competências de leitura, habilidades de compreensão textual em Língua
Inglesa a partir do uso de métodos e abordagens de ensino bem como dos gêneros textuais.
Para tanto, para o planejamento das aulas e atividades foram utilizadas sequências didáticas
e ciclos de atividades. Com isso, buscou-se desenvolver conhecimentos, competências e
habilidades por meio de atividades práticas, debates, leitura e compreensão de textos. Os
resultados apontaram que o uso de um ensino contextualizado se mostrou eficaz, visto que
houve motivação, interação e satisfação por parte dos alunos da EJA, o que os conduziram à
familiarização de diferentes gêneros, à realização de previsões e inferências contextuais e à
elaboração de um posicionamento crítico e reflexivo. Confirmando, assim, que trabalhar
leitura, escrita, oralidade e aspectos gramaticais em conjunto e voltado para a realidade
destes garantem uma aprendizagem mais significativa.

PALAVRAS-CHAVE: Língua Inglesa. EJA. Leitura e compreensão de textos. Gêneros


Textuais.

440
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
OS JOVENS EM CÍRCULOS DE LEITURA LITERÁRIA: UMA PROPOSTA PARA
ESPAÇOS ALTERNATIVOS
Luciana Sacramento Moreno Gonçalves
Universidade do estado da Bahia, UNEB
Professora Assistente

Neste trabalho, tratamos da experiência literária, através de Círculos de Leitura (YUNES,


1999; COSSON, 2006), para jovens em espaços socioeducativos não formais. Situamos a
pesquisa no Centro de Referência e Assistência Social, de dois bairros de um município da
Região Metropolitana de Salvador e temos como objetivo identificar quais efeitos tal prática
provoca nesses leitores. Compõem a fundamentação teórica, um estudo sobre as relações
entre Literatura e Sociedade, (CANDIDO, 2000); uma reflexão sobre as especificidades do
texto literário (AGUIAR, 2006) e uma discussão em torno da experiência literária como via
de ingresso para formação de leitores (LARROSA, 1996). O percurso metodológico em que
nos pautamos é de caráter qualitativo, descritivo e intervencionista, alicerçado na Pesquisa-
ação. Como resultados, temos: a mudança da concepção sobre leitura e Literatura, entre os
jovens, que passam a trazer experiências de suas vidas para dar sentido ao texto, a pensar
coletivamente, a falar com segurança e a avaliar criticamente, questões como família,
identidade, gênero, etnia e sexualidade. Assim, afirmamos que os jovens - quando
instrumentalizados para ler Literatura e aproximados dela de maneira paulatina e livre-
tornam-se leitores da palavra e do mundo.

PALAVRAS-CHAVE: LEITURA. LITERATURA. JUVENTUDES. EXPERIÊNCIA


LITERÁRIA. CÍRCULOS DE LEITURA.

441
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REDENÇÃO PELA ARTE: UMA ANÁLISE DA ILUMINOGRAVURA “DOM”, DE
ARIANO SUASSUNA

Karina de Almeida Calado


Mestranda do Programa de Pós-graduaçao em Letras da PUC-Minas
Área de Literaturas de Língua Portuguesa
Bolsista da Capes
Resumo:
O presente estudo busca realizar uma leitura intersemiótica da iluminogravura “Dom”, obra
de Ariano Suassuna constante do álbum Sonetos de Albano Cervonegro, publicado em
1985, e reproduzido, ao lado do álbum Sonetos com mote alheio, como parte integrante
do Caderno de Iluminogravuras, que compõe o livro Ariano Suassuna 80, memória:
catálogo e guia de fontes, publicado em comemoração aos oitenta anos do autor, em 2008.
Parte-se do pressuposto de que essa iluminogravura está fundada na temática da morte e da
redenção por meio da arte e oferece uma visão síntese do imaginário poético suassuniano.
Suassuna cria o termo “iluminogravura” para batizar o gênero original, com o qual realiza o
amálgama entre arte medieval e arte popular nordestina. Adianta-se que o autor usa temas,
imagens e expressões do imaginário popular como fonte de sua arte, trabalhando-os, com
domínio técnico, em estilo rebuscado e estruturas consagradas da poesia erudita, o que
denota uma extrema facilidade de deslocamento da tradição poética nordestina à tradição
poética ocidental. Sua poesia apresenta características que evidenciam uma “visão trágica do
mundo”, proposta por Newton Junior (1999) e que aproximam o autor da noção de “homem
trágico”, considerada por Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia (1999). Este trabalho
está ancorado, ainda, em estudos desenvolvidos por Ângela Vaz Leão (2003) e Idelette
Muzart dos Santos (1999).

PALAVRAS-CHAVE: Ariano Suassuna. Iluminogravura. Morte. Arte. Redenção.

442
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A LINGUAGEM REGIONAL/POPULAR: “UMA CANOA FURADA” EM
ALEXANDRE E OUTROS HERÓIS,DE GRACILIANO RAMOS

Maria de Lourdes Dionizio Santos – UFCG - Docente

RESUMO
Trata-se de um estudo sobre a linguagem regional/popular circunscrita ao texto literário
“Uma canoa furada”, da obra Alexandre e outros heróis, de Graciliano Ramos. Partimos do
pressuposto de que a linguagem humana manifesta-se de diversas formas, no âmbito de uma
língua, levando em consideração as possibilidades de expressão pelo indivíduo, usuário dessa
língua. Neste sentido, tendo em vista a contribuição que a produção literária tem propiciado
à linguística, quer no seu objeto propriamente dito, a fala, quer na escrita, percebemos que os
aspectos da oralidade e/ou da escrita aparecerão, de alguma forma, imbricados, recusando-se
à dicotomia que frequentemente observamos nas análises que acompanhamos, sejam estas
linguísticas ou literárias, sem desejarmos, aqui, estabelecer relações estanques. Desse modo,
abordamos a questão da linguagem no estudo do texto literário, pautados em teorias tanto da
Literatura quanto da Linguística, haja vista as questões de ordem social, política, econômica e
cultural que confluem para a identidade de um povo e de sua língua. Nessa perspectiva,
tomamos o exemplo do léxico rural do interior de Alagoas, por entender que o estudo deste
recorte da língua portuguesa contribui para a disseminação da cultura nordestina, uma vez
que, o estudo sobre o falar regional/popular registrado na obra e autor supramencionados
merece ser reputado, enquanto valor sociocultural da gente dessa região.

PALAVRAS-CHAVE: Linguagem regional/popular. “Uma canoa furada”. Linguística e


Literatura.

443
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
“ARMARIA NÃM”: O DISCURSO, A MEMÓRIA E A FORMAÇÃO DISCURSIVA
NAS TIRAS DO BODE GAIATO

Rosângela Gonçalves Cunha


Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestranda em Língua e Cultura
[email protected]

RESUMO: A Análise do Discurso de Linha Francesa, oriunda das relações existentes entre a
linguagem e as ciências sociais, é o aporte teórico utilizado para se analisar o discurso, a
memória e as formações discursivas que representam a linguagem e a cultura do sertanejo a
partir das tiras do Bode Gaiato157, publicadas em uma página no Facebook. Nesse contexto,
os sentidos não existem isolados das posições ideológicas que constituem o processo sócio
histórico em que os discursos são enunciados. A formação discursiva é exatamente o que
permite o que se pode ou não ser dito, por isso constitui o pensamento do autor. A memória
discursiva é o que possibilita acessar os sentidos construídos historicamente, tanto no âmbito
da textualidade, quanto na história, e assim, ao dizer algo podemos recuperar um enunciado
já dito e consequentemente melhor compreender o que se enuncia em novos espaços-tempos.
Toda palavra dialoga com outras palavras, que fazem parte de um discurso, assim como o
discurso se constitui a partir de outros e é na memória que estes se acomodam até serem
acionados em novos contextos. Assim, a partir desses fundamentos busca-se analisar a que
formação discursiva pertencem o autor da tira Bode Gaiato e seus seguidores e ainda que
sentidos são recuperados pela memória dos discursos enunciados que nem sempre são
contemporâneos e que exigem do leitor a memória de termos e situações - às vezes em desuso
na atualidade - para que finalmente se alcance o humor, característico deste gênero. Para
tanto utilizaremos o referencial teórico postulado por Pêcheux (1997); Maldidier (2003);
Charaudeau & Maingueneau (2004); Orlandi (2006); entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Memória discursiva. Formação discursiva. Bode Gaiato.

157Tira criada por Breno Melo – estudante universitário, nordestino - em Janeiro de 2013 nas redes
sociais que atinge cento e cinquenta mil acessos diários. É composta por personagens metade
humano e metade bode e por meio da linguagem popular e humor apresenta cenas da vida no sertão.
444
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICO DISCURSIVA DO SERTÃO E A SUA
PERMANÊNCIA, OU NÃO, NA CONTEMPORANEIDADE

Manuella Mirna Enéas de Nazaré 158

RESUMO: Neste trabalho, abordamos a construção imagético-discursiva do Nordeste e seu


Sertão, para, nesse contexto, buscarmos visualizar a permanência, ou não, de tal Sertão na
contemporaneidade. Para tanto, utilizamos estudos de Laraia (2006), sobre cultura, e,
sobretudo, de Albuquerque Junior (2001), acerca dos discursos criados para identificar o que
seria o Nordeste e seu Sertão. Este autor nos faz percorrer o famigerado discurso da Seca do
século XIX, discursos naturalistas de fins deste mesmo século, as tentativas de compreensão
e rotulação feitas pelos modernistas paulistas, bem como as feitas por Gilberto Freyre e
Ariano Suassuna, entendendo estes dois últimos como os maiores expoentes da estabilização
da identidade nordestina e sertaneja. Por fim, com base em estudos de identidade pós-
moderna feitos por Hall (2006) e no trabalho desenvolvido por Albuquerque Junior (2013)
acerca do mito da pureza sobre a cultura popular nordestina sertaneja, buscamos perceber
em que medida o Sertão que fora construído em fins do século XIX e XX ainda está vivo.

PALAVRAS-CHAVE: Discursos. Sertão. Contemporaneidade. Identidade. Cultura.

Graduanda do 7º período do bacharelado em Letras com ênfase em estudos literários, pela Universidade
158

Federal de Pernambuco. Bolsista de Iniciação Científica pela FACEPE. Residente na cidade de Recife-PE. E-mail:
[email protected].

445
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A RECONFIGURAÇÃO IDEOLÓGICA DO SERTÃO A PARTIR DA CONSTRUÇÃO
DE IDENTIDADE MEDIANTE ASPECTOS PÓS-MODERNOS

Adeline Ruthiely de Melo Guedes*


Rafaela de Lira Nascimento**

RESUMO: Este artigo propõe a discussão acerca do romance Galileia (2008), de Ronaldo
Correia de Brito, partindo de princípios que regem questões culturais, bem como estudos
voltados à identidade do indivíduo e a forma como esses temas perpassam o que diz respeito
aos efeitos do processo de globalização. O modo utilizado pelo autor na construção e na
constituição do romance apresenta um novo olhar sobre o Sertão brasileiro, opondo-se aos
discursos imagético-discursivos idealizados pelos regionalistas e tradicionalistas referentes à
região. O romance apresenta-se como palco para rememorações de um passado arcaico em
contraste com as novas mudanças ocorridas devido à sociabilidade moderna, ele ultrapassa
os limites das estagnações culturais do local e transcende o tradicional e o antimoderno. As
formas cristalizadas pela perpetuação de costumes, hábitos e concepções construídos são
rompidas, não mais refletindo estereótipos imagéticos de caráter moral para a preservação
histórico-cultural da região. A nova configuração introduz produtos dos trânsitos culturais
provenientes do processo de globalização, substituindo as temáticas clássicas, que se
encontram presentes em diversas obras do passado que construíam o Nordeste, como a seca,
o cangaço, os retirantes, beatos, profetas, santos, coronéis, escravos etc. A partir disso, o
presente trabalho concentra-se na análise do processo pelo qual Ronaldo Correia de Brito
reinventa o Sertão dentro da obra, inovando ao inserir aspectos característicos da pós-
modernidade.

Palavras-chave: Pós-modernidade. Globalização. Identidade. Sertão. Galileia.

_____________________
* Graduanda em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]
** Graduanda em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

446
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
AS MÚLTIPLAS VOZES NOS CARTAZES DE PROTESTO

Josefa Maria dos Santos 159


Orientador:Prof. Dr. Benedito Gomes Bezerra2

RESUMO: Esta pesquisa tem como objeto de estudo o gênero textual “cartaz de protesto” no
site de redes sociais Facebook, cuja utilização em nível mundial intensificou novas formas de
comunicação, representando hoje, além de um artefato tecnológico, um fenômeno social,
cultural e comunicacional. Analisar as principais estratégias de persuasão utilizadas no
discurso dos cartazes, e suscitar reflexões acerca do papel do professor de língua portuguesa
frente às novas exigências educacionais e sociais constitui o objetivo desse trabalho. A
pesquisa se deu a partir de uma abordagem qualitativa através da qual foi coletado um
corpus de oito textos, retirados do facebbok e analisados à luz da perspectiva da análise
crítica do discurso, (FAIRCLOUGH 2001) e da sociorretórica de gênero, (SWALES 1990). Ao
analisarmos os textos pudemos constatar que seus autores se utilizaram de intertextualidade,
multimodalidade, interdiscursividade e figuras retóricas como metáforas, metonímias,
antíteses, hipérboles e ironias como formas de persuasão. Ao iniciarmos nossa pesquisa
percebemos que existem muitas lacunas no meio acadêmico no tocante ao gênero em análise,
que com as recentes manifestações, mostrou o quanto necessário se faz tirá-lo apenas do
papel de suporte pelas escolas, para conferir-lhe um lugar de destaque nas aulas de língua
portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Discurso. Intertextualidade.

Mestranda do Profletras da UPE – Garanhuns. E-mail: [email protected]


159

Professor e Coordenador do mestrado profissional – Profletras. E-mail: [email protected]


2

447
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O CONFRONTO DE IDENTIDADES NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO

Maria Valdelange Virginio da Silva 160


Jaciara Josefa Gomes 161

RESUMO:A construção de identidade é resultado de práticas discursivas e todas as ações do


ser humano contribuem para tal construção. Com isso, entendemos, a partir de Resende e
Ramalho (2006), que o discurso está relacionado a outros elementos da vida social e é um
modo de as pessoas agirem no mundo. Diante disso, a presente pesquisa de iniciação
científica investiga não só as produções do funk-brega, como também o consumodesse estilo
musical, pois este é bastante ouvido, além de ser ritmo exclusivo em bailes e festas por todo
país. Esperamos com esse estudo refletir sobre a construção de identidades, uma vez que é de
fundamental importância que se compreenda a funcionalidade da linguagem em práticas
discursivas com vistas a mudanças em práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Objetivamos
verificar as relações interdiscursivas em letras do funk-brega pernambucano; observar a
inserção de diferentes vozes no discurso funkeiro, bem como comparar as identidades
construídas em letras do funk-brega com o que pensam estudantes universitárias sobre tais
representações. Para tanto, após uma prévia seleção, escuta e transcrição de letras com maior
aceitação popular, gravadas por MC Leozinho do Recife, MC Sheldon e MCs Metal e Cego,
comparamos trechos mais “significativos” com respostas dadas por estudantes universitárias.
De início, verificamos que as mulheres não questionam as letras e as consomem sem uma
avaliação crítica do produto cultural. Assim, os resultados apontam para construções fluidas
de identidades, na medida em que as entrevistadas revelam surpresa ao refletirem
conscientemente sobre os sentidos produzidos nas canções.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso. Identidades. Funk-Brega.

160
Graduanda em Letras e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco-Campos-Garanhuns
(Bolsista PIBIC). [email protected]
161
Doutora em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2013) e docente na
UPE/Campus Garanhuns. [email protected]

448
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ANALISADA EM
SALA DE AULA

Larissa Cordeiro Araújo 162


Mayara Carvalho Peixoto 163
Márcia Candeia Rodrigues 164

Resumo:
A análise Linguística (AL) é apresentada como um eixo do ensino de Língua Portuguesa e é
abordada com uma perspectiva conservadora, inovadora e conciliadora, neste sentido, no
presente relato de experiência objetivamos discutir a prática de AL em sala de aula. Sendo
assim, relatamos aulas de língua portuguesa lecionadas em uma escola pública da cidade de
Campina Grande-PB, por meio do componente curricular Estágio de Língua Portuguesa no
Ensino Fundamental (segunda etapa) e detalhamos como a Análise Linguística é abordada e
tratada através do planejamento e execução de sequência didática. Fundamentam nosso
relato as contribuições teóricas de Bezerra e Reinaldo (2011), Franchi (2006), Marscuschi
(2008), Mendonça (2002), os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua portuguesa do
3º e 4º ciclo do Ensino Fundamental (1998), Pereira (S/A), Pimenta e Lima (2004) e
Schneuwly e Dolz (2004). Os resultados das análises desenvolvidas demonstram que a
abordagem de AL se apresenta como alternativa ou complementação ao ensino de gramática
tradicional e como reflexão relacionada aos demais eixos da língua portuguesa: leitura e
escrita.

PALAVRAS- CHAVE: Análise Linguística. Prática. Leitura e escrita.

162
Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa – Universidade Federal de Capina Grande –
[email protected]
163
Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa – Universidade Federal de Capina Grande –
[email protected]
164
Professora Doutora da Universidade Federal de Campina Grande – Campina Grande –
[email protected]
449
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PROCESSOS DE NOMEAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DE IDENTIDADES
FEMININAS NO FUNK-BREGA PERNAMBUCANO

Poliana Mireli Barbosa Leite ∗ (UPE/CNPq)


Jaciara Josefa Gomes ∗∗ (UPE)

RESUMO: O discurso é uma prática social pela qual o ser humano constrói seu
conhecimento e exerce sua cidadania (FAIRCLOUGH, 2001). Diante da ideia de que o
indivíduo possui múltiplas identidades que se moldam ao longo de uma vida através de
influências de diversas formas socioculturais. Considerando que é através do discurso que as
pessoas constroem suas identidades sociais e se posicionam no mundo (HAL, 2006), este
artigo discute os resultados parciais do projeto de iniciação científica que tem como objeto de
estudo o discurso veiculado em letras de músicas (Funk-brega 165, Sertanejo universitário e
Arrocha) que circulam na sociedade pernambucana, entre outras, e exploram como foco a
mulher, seja nomeando-a ou categorizando-a. Para tanto, identificamos e classificamos
formas de nomeação e categorização (VAN LEEUWEN, 1997) mais recorrentes nas letras
selecionadas e investigamos os aspectos intertextuais de (des)valorização no funk-brega. Se a
construção de significados depende não só do que está explícito em um texto, mas também
do que está implícito – o que está presumido (RESENDE e RAMALHO, 2006, p. 80) e as
identidades resultam de construtos social, político, cultural que são diversos. Contudo,
destacamos que há uma construção identitária múltipla e em fluxo, corroborando com a
literatura estudada.

Palavras-chave: Funk. Nomeação. Categorização. Feminismo.


Universidade de Pernambuco-Campos-Garanhuns/Graduanda (Bolsista PIBIC), [email protected].
∗∗
Universidade Pernambuco/UPE-Campus-Garanhuns. Doutora em Letras/Linguística pela (UFPE, 2013)
, [email protected].
165
Neste artigo, traremos uma análise focalizada nas letras de músicas do gênero funk-brega e Arrocha.
450
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UM NOVO OLHAR SOBRE AS “COISAS DO SERTÃO”: DESMISTIFICANDO
ESTEREÓTIPOS EXISTENTES SOBRE O SEMIÁRIDO

Sheila Feitosa SANTOS 166


Fabiola Moura Reis SANTOS 167

RESUMO:

Este trabalho tem como propósito apresentar o conteúdo produzido pelo “Coisas do
Sertão”, programa do site WebTv Uneb -Núcleo Juazeiro-BA. O projeto é desenvolvido por
alunos do curso de Jornalismo em Multimeios sob a coordenação da professora Fabíola
Moura. As reportagens produzidas pelo “Coisas do Sertão” buscam mostrar as
potencialidades do Semiárido Brasileiro, seguindo uma ótica que muitas vezes não é
retratada pelos veículos de comunicação comercial e pela grande mídia. O programa faz uma
abordagem regional sobre diversos aspectos e características locais como a cultura, sociedade
e ciência, com o intuito de desmistificar os estereótipos construídos em torno da imagem do
sertanejo e do semiárido. O “Coisas do Sertão” apresenta pautas sobre assuntos de interesse
social, mas que muitas vezes, não são abordadas pela mídia local. O programa também
permite aos estudantes que integram o projeto, refletirem e debaterem os discursos
produzidos pela mídia, que descaracterizam a imagem do sertão, levando-os a repensar
matérias que valorizem as riquezas encontradas no semiárido brasileiro.

PALAVRAS CHAVES: Sertão. WebTV. Estereótipo. Telejornalismo. Semiárido.

166
Universidade do Estada da Bahia (UNEB), Campus III, Juazeiro - BA.
Graduada em Comunicação Social- Jornalismo em Multimeios e-mail:. [email protected].
167
Orientador do trabalho. Professor do Curso Comunicação Social- Jornalismo em Multimeios. e-mail:
[email protected].
451
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO PROMOVIDA PELAS BIBLIOTECAS

Kellison Lima Cavalcante 168


Maria José dos Santos Oliveira 169
Rafael Santana Alves 170

RESUMO:

As bibliotecas desempenham papel de acumulação de registros escritos ao longo da


consolidação das civilizações, a partir do conhecimento adquirido por seus povos e do seu
legado para o futuro. Nesse sentido, a evolução social e intelectual da humanidade é mantida
e perpetuada pela função primordial das bibliotecas, organizando e disseminando a
informação ao longo dos tempos. No entanto, com o progresso da humanidade e o
consequente surgimento de novas tecnologias, deixaram de ser simples repositórios de saber
e cultura e possibilitaram a circulação das ideias e do conhecimento da humanidade,
evidenciando o acesso aos mais variados materiais de leitura, não apenas ao acervo estático.
Dessa forma, atualmente, consistem em espaços de encontro da comunidade em geral com a
informação e o conhecimento, atuando na disponibilidade de leitura a uma parte da
população que está distante do conhecimento e com o imprescindível acesso, cada vez mais
disseminado, àqueles leitores ávidos por tê-lo. As bibliotecas acompanharam e se adequaram
às mudanças que a humanidade experimentou, mantendo a sua função de circulação do
conhecimento e estimulando a evolução permanente do ser humano. Com o seu papel
definido desde o seu surgimento, as bibliotecas preservam o saber registrado e promovem a
sua circulação e disseminação na sociedade através do apoio à educação, ciência e tecnologia,
ao desenvolvimento cultural e ao estímulo intelectual. Com as modernas tecnologias de
informação e comunicação e a larga produção de obras escritas, a circulação do
conhecimento, promovida pelas bibliotecas, ganhou mais destaque e prioridade de acordo
com as necessidades de leitura, cada vez mais crescente da humanidade. Assim, as bibliotecas
cumprem seu papel que se materializa na disseminação do conhecimento registrado.

Palavras-chave: Disseminação. Repositório. Humanidade. Conhecimento.

168
Mestrando em Tecnologia Ambiental – ITEP; Auxiliar de Biblioteca do Instituto Federal do Sertão
Pernambucano, Campus Salgueiro; E-mail: [email protected]
169
Graduanda em Gestão Ambiental – UNOPAR; Auxiliar de Biblioteca do Instituto Federal do Sertão
Pernambucano, Campus Salgueiro; [email protected]
170
Especialista em Metodologia do Ensino da Matemática – Faculdades Montenegro; Graduando do Curso de
Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro – UNEB; Professor da
Rede Pública Municipal de Ensino – Juazeiro-BA. [email protected]
452
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Isadora Cristiana Alves da Silva *


Jaciara Josefa Gomes*

RESUMO:
Considerando o processo de desenvolvimento do ensino de Língua Portuguesa desde os anos
60 que se pautava numa visão estruturalista e formalista acerca da língua, bem como as
transformações que ocorreram a partir da década de 80 em que a noção de língua fechada em
si mesma passa a não ser mais suficiente para dar respaldo às discussões e conflitos que
envolvem a aprendizagem dos alunos, discutimos a produção textual no Ensino Fundamental
II, mais especificamente, no sexto ano, sobre a escrita enquanto processo de inserção social
de estudantes (BRONCKART, 1999), como parte de nossas atividades de monitoria em
Linguística Textual. Nesse sentido, a ideia de que língua e sociedade estão intimamente
relacionadas e que não se definem separadamente, revalidando a concepção de linguagem
como forma de ação e evento social, cultural e histórico, além de cognitivo e interacional
(MARCUSCHI, 2008) ganha força e orienta o estudo da língua/linguagem pautado no estudo
do texto, elemento básico para o ensino de Língua Portuguesa. A relevância de nosso estudo
está em mudanças necessárias à prática que tem apresentado algumas carências em relação à
aplicação dessas teorias no contexto de ensino de LP, uma vez que muitos docentes não estão
trabalhando o texto como fenômeno comunicativo e estão enfocando apenas os aspectos
linguísticos. Além disso, os livros didáticos podem não favorecer essa aplicação, pois
costumam influenciar a utilização dos mesmos gêneros textuais, deixando de explorar outras
possibilidades de textos que estejam presentes em contextos mais gerais, deixando de
possibilitar uma produção textual de forma significativa e a identificação com situações
concretas de uso. São essas situações concretas que favorecemos nesse estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem. Gênero. Escrita.

*Isadora Cristiana Alves da Silva – Graduanda em Letras e suas Literaturas – UPE/ Campus Garanhuns. E-mail:
[email protected]
* Profª.Drª. Jaciara Josefa Gomes – Orientadora – UPE/ Campus Garanhuns.
453
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REPRESENTAÇÃO DOS BICHOS NA POESIA POPULAR DESTINADA ÀS
CRIANÇAS

Morgana de Medeiros Farias 171

RESUMO: A literatura popular explicita genuinamente o espírito de um povo e o seu modo


de viver. Muitos podem ser os temas abordados por essa vertente literária, dentre eles,
aqueles que são voltados ao público infantil. A partir dessas assertivas, adentraremos à
poesia popular, que representa a infância através de bichos, seres encantados, entre outros.
Examinaremos de que forma o tema dos bichos é abordado na antologia de poesias infantis
“Pássaros e bichos na voz de poetas populares”, observando aspectos que compõem o
mundo desses escritos.

Palavras-chave: Literatura popular. Literatura infantil. Bichos. Fantasia.

171
Estudante concluinte da graduação de Letras, vinculada à Universidade Federal de Campina Grande, campus
I - situado nesta mesma cidade - com habilitação em Língua Portuguesa. Monitora da disciplina Introdução à
Linguística pelo segundo semestre consecutivo – 2013.1/2013.2. Desenvolve pesquisas relacionadas à área de
Literatura Infanto-juvenil. E-mail: [email protected]
454
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA PARA AUXÍLIO DO ESTUDO DA
LITERATURA BRASILEIRA

Andréia da Conceição Santos*

RESUMO:
O presente trabalho traz informações sobre a execução de um projeto elaborado a partir das
necessidades de uma escola da rede pública de ensino de Petrolina-PE pela bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID – do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus industrial, executado em
parceira com a professora de língua portuguesa e literatura do ensino médio do turno
matutino. Durante dois meses, os alunos foram orientados a pesquisar sobre as escolas
literárias para a confecção de um livreto que auxiliasse no estudo da literatura brasileira,
assunto geralmente encarado como “chato” pelos mesmos. Para que tal projeto pudesse ser
concretizado, disponibilizaram-se oficinas de fotografia e edição de textos e imagens (todas
acompanhadas de materiais obtidos com ajuda da própria escola e da coordenação do PIBID)
para que o conteúdo do trabalho fosse inteiramente creditado aos estudantes que estavam
envolvidos. Após análise do questionário de avaliação das atividades propostas pelo projeto,
constatou-se que os alunos classificaram a metodologia utilizada como muito satisfatório,
principalmente por ser algo diferente do que eles estavam acostumados a vivenciar em sala
de aula. As críticas foram tanto positivas, quanto negativas; o que só enriqueceu mais o
aprendizado.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. PIBID. Tecnologia. Projeto. IF Sertão.

455
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CARTA DO LEITOR: UMA ESCRITA PARA ALÉM DA SALA DE AULA

Maria Alcione Gonçalves da Costa 172


Orientadora: Professora Doutora Jaciara Josefa Gomes 173

RESUMO: Ao reconhecer a necessidade e urgência de estratégias que tornem as práticas de


produção textual efetivas, a presente pesquisa apresenta possibilidades do ensino da
produção do gênero – Carta do leitor – para uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental II.
Adotamos como aporte teórico o Interacionismo Sociodiscursivo interconectado com os
estudos de gêneros desenvolvidos pelas tradições sociológicas e retóricas, além dos estudos
sobre letramento. Para tanto, fizemos o acompanhamento de seis alunos da rede pública do
Município de Caruaru a partir da realização de atividades de ensino da produção escrita
(sequência didática), analisando as dificuldades e os resultados alcançados durante o
processo. Com base nos dados coletados, percebemos que é possível se ensinar os gêneros
textuais, inserindo nossos alunos em contextos sociais de uso da língua nos quais eles possam
aprender de forma significativa novos modelos de enunciação, ou seja, novos gêneros
textuais. Além disso, é importante ressaltar que, ao ensinar um gênero, podemos também
ensinar habilidades comunicativas, argumentativas e linguísticas, contribuindo, assim, para a
ampliação do grau de letramento de nossos alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Gêneros textuais. Sequência didática. Letramento

172
Mestranda do Profletras da UPE (Campus Garanhuns). Especialista no ensino de Língua Portuguesa. É
professora na Faculdade Maurício de Nassau e na Secretaria de Educação de Caruaru. Email:
[email protected]

Doutora em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também cursou o
173

mestrado em Linguística. É professora na UPE (Campus Garanhuns) atuando na graduação e no PROFLETRAS


(Mestrado Profissional em Letras/Capes). Também é professora no Programa de Pós-graduação em Direitos
Humanos na Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected]

456
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
[ENTRE] LAÇOS DE MEMÓRIAS: COMPARTILHANDO AS LEMBRANÇAS DA
INFÂNCIA
NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO

Luciana Maria Carvalho Medeiros dos Santos 174

RESUMO: A leitura é uma atividade naturalmente interativa, pois o leitor interage com o
autor e todas as vozes que dali emergem por meio do texto. Quando se trata da leitura
literária, são muitos os desencontros na sala de aula. Por essa razão, a escola precisa
conscientizar-se do seu papel fundamental na formação do leitor literário. A pesquisa aqui
apresentada configura-se como um relato de experiência na perspectiva do letramento
literário, vivenciada no segundo semestre do ano de dois mil e treze, junto a uma turma do 9º
Ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Tristão de Barros (Currais Novos-RN).
Apresenta uma abordagem qualitativa e segue a orientação das quatro categorias defendidas
por Hamilton. A atividade que foi intermediada por textos/ ilustrações produzidos por uma
senhora de 92 anos, foi avaliada como bastante significativa, considerando a dinâmica de
interação dos alunos e demais participantes e também porque promoveu a reflexão e a
[re]significação da leitura, sobretudo a leitura literária, e das concepções de memória e
velhice.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento Literário. Sala de Aula. Memórias. Família.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Mestranda do PROFLETRAS – Campus de Currais
174

Novos – RN. Professora de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Estadual Tristão de Barros – Currais Novos
–RN (Ensino Fundamental e Ensino Médio Inovador) E-mail: [email protected].
457
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
TOPA – TODOS PELA ALFABETIZAÇÃO: DESAFIOS À CONTEXTUALIZAÇÃO E
AO LETRAMENTO - RELATOS DE ALFABETIZANDOS DO PROGRAMA NO
SEMIÁRIDO JUAZEIRENSE

Patrícia Lopes Jacinto Mendes


Mestranda do Programa de Pós-graduação
Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos
Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Resumo
A ideia da construção deste trabalho é fruto de algumas reflexões concebidas a partir de
observações nas turmas de alfabetização do TOPA – Todos pela Alfabetização, no qual sou
coordenadora de turma no município de Juazeiro-BA, região do Semiárido Brasileiro. O
estudo objetiva fazer um recorte retratando homens e mulheres sertanejos e sua trajetória
educacional, num contexto histórico de políticas públicas assistencialistas de combate às
secas. A partir dos relatos desses senhores e senhoras é possível compreender como se deu o
processo histórico de constituição dessa região estigmatizada, invisível aos olhos do Poder
Público que não promovia políticas educacionais que de fato promovessem a permanência
desse povo em seus territórios e o desenvolvimento da região. Analisar e problematizar as
práticas educativas na perspectiva da contextualização e do letramento nas salas de aula do
Programa também faz parte da pesquisa, uma vez que vivemos um período de mudanças
paradigmáticas focadas no rompimento com o colonialismo científico, que durante muitos
anos traçou os contornos desse Semiárido retratado de forma distorcida nos livros didáticos e
que de certa forma subjugou a capacidade desse povo de viver e conviver nesse território.
Com a pretensão de provocar uma discussão acerca das práticas educativas, tendo em vista
que a contextualização e o letramento são pressupostos fundamentais na desconstrução dessa
imagem de Semiárido “seco”, “feio”, “pobre” e a ressignificação de um território habitado por
gentes, que pensam que sentem e que desejam ser ouvidas. Dessa forma, é possível
compreender a necessidade de uma política educacional fundamentada em práticas
educativas na perspectiva da construção identitária desses sujeitos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Letramento. Contextualização.


Semiárido.

458
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A VARIAÇÃO ESTILÍSTICA NOS JORNAIS POPULARES: HÁ DIFERENÇAS DE
REGISTRO ENTRE JORNAIS DE PERNAMBUCO E DA PARAÍBA?

Igor Soares Araújo (Universidade Federal De Campina Grande - Graduando)


Júlia Neves Gonçalves (Universidade Federal De Campina Grande - Graduanda)
Luciene Maria Patriota (Universidade Federal De Campina Grande – Professora doutora)

RESUMO
Todo veículo de comunicação tem seu lugar de atuação e um modo de empregar a linguagem,
seja na fala, seja na escrita. Os jornais impressos, como veículos de comunicação de massa,
fazem uso de diversos tipos de uso da língua, dependendo do assunto que eles veiculam, para
quem eles veiculam e onde estão veiculando a informação. É o que se chama de variação
estilística, ou de registro, é a variação dentro de um contexto específico. Os usuários
“adéquam” o uso da língua dependendo das circunstâncias de utilização dela. Diante disso, o
objeto de estudo deste artigo são os jornais populares que circulam no estado de Pernambuco
e na Paraíba e seus correspondentes mais tradicionais. São considerados populares por
atenderem a um público específico, situado em classes sociais menos privilegiadas, por
custarem mais barato que os jornais mais tradicionais e por usarem a língua num registro
mais informal como forma de alcançarem esse público, fazendo com que tenham acesso à
informação. Para subsidiar a pesquisa, seguimos como fundamentação teórica os trabalhos
em Sociolinguística de autores como Alkmin (2005), Camacho (2005), Scherre (2008),
dentre outros, que trabalham com a questão da variação linguística, especificamente os
registros linguísticos, em vários contextos. O corpus da pesquisa é constituído de exemplares
de jornais populares e tradicionais de Pernambuco (o chamado Aqui PE) e da Paraíba (que
tem o nome de Já). A análise será realizada comparando o registro de um e de outro jornal
para detectar se a linguagem difere ou não nestes jornais, chegando assim a saber se, de fato,
há discrepâncias entre o uso da língua nos veículos de Pernambuco e da Paraíba.

PALAVRAS-CHAVE: Variação estilística. Jornais populares. Uso da língua.

459
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NO IF SERTÃO PE: O DESAFIO DE ARTICULAR
MÚLTIPLAS LINGUAGENS MEDIADAS PELA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Maria do Socorro Tavares Cavalcante Vieira1


Geraldo Vieira de Lima Junior2
Hommel Almeida de Barros Lima3
175

RESUMO:
A linguagem, como poderosa instituição social na sociedade da informação e do
conhecimento, requer constantemente melhorias em seus instrumentos, posto que necessita
viabilizar a comunicação eficiente e consequentemente a transmissão de informações que
atendam ás demandas geradas pelos sujeitos dessa sociedade. A educação é distância não é
uma inovação dessa sociedade, mas suas ações foram potencializadas nela a partir do uso de
ferramentas que possibilitam o acesso mais rápido as diversas formas de interagir com o
conhecimento acumulado pela humanidade. Garantir, através das dinâmicas de educação à
distância, o acesso à diversidade textual seja acadêmica ou não, utilizando-se da
multiplicidade de e tecnologias da informação e da comunicação promovendo articulações
nessas linguagens é o primeiro grande desafio dos cursos na modalidade à distância
vivenciados no IF SERTÃO – Campus Petrolina. Para a elaboração desse estudo foram
traçados objetivos que possibilitassem descrever as experiências com formas de linguagem,
de leitura e interpretação de textos nos ambientes virtuais de aprendizagens nas disciplinas
dos cursos estudados.

PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Tecnologia. Aprendizagem.

175
IF SERTÃO PE, Campus Petrolina, Professora do Curso de Licenciatura em Química, Coordenadora de Tutoria
nos Cursos de Educação à Distância, Mestranda em Ciências da Educação. Email: socorro.tavares@ifsertao-
pe.edu.br
2
IF SERTÃO PE, Campus Salgueiro, Técnico de Laboratório de Química, Tutor nos Cursos de Educação à
Distância, Mestrando em Ciências dos Materiais. Email: geraldo.vieira@ ifsertao-pe.edu.br
3
IF SERTÃO PE, Campus Petrolina, Professor do Curso de Eletrotécnica, Coordenador Geral dos Cursos de
Educação à Distância, Mestrando em Engenharia de Software. Email: hommel.almeida@ ifsertao-pe.edu.br

460
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GÊNERO CORDEL: UM RECURSO NO PROCESSO DE LETRAMENTO
INTERDISCIPLINAR

*Marília Roberta da Silva Leite 176

RESUMO

Os gêneros textuais estão em todos os lugares mediando à comunicação entre as pessoas,


tanto os gêneros orais quanto os escritos, pois eles são a materialidade da língua nas
diferentes situações comunicativas e práticas sociais. Podemos destacar entre os gêneros o
cordel, este que materializa na sua composição a cultura, a história, a geografia e ou o social
de uma comunidade. Dessa forma, este artigo está inserido na esfera de discussões acercados
gêneros discursivos como um recurso no processo deensino, em especial o da leitura e
interpretação interdisciplinar, pois a partir de um cordel pode-se discutir sobre política,
condições climáticas, aspectos históricos, diferenças sociais, preconceitos etc, temas
importantes para a formação leitora e cidadã. Ter os gêneros como recurso no ensino de
língua é ensinar também aos alunos a competência comunicativa, saber usar a linguagem nos
diversos ambientes, uma habilidade tão importante nesta sociedade dinâmica e interativa,
marcada pela velocidade da comunicação. O presente artigo, então, segue realizando
algumas reflexões sobre os gêneros (definições e características) e suas contribuições no
processo de letramento dos alunos, já que, a partir deles podem ser entendidos os aspectos
funcionais da língua, vendo-a também como uma prática social. O uso dos gêneros perpassa
também por uma escolha de uma concepção de língua. Para tanto, o presente trabalho
discorre sobres os gêneros e tipos, fundamentando-se nos seguintes autores: Bakhtin (2003),
Schneuwly e Dolz (2004), Marcuschi (2004 e 2008), Batista (1997) e Bazerman (2011).

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Cordel. Leitura. Interdisciplinaridade

176
Aluna do mestrado de Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador.
([email protected])
461
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GÊNERO E MOVIMENTO SOCIAL: LEITURAS E VIVÊNCIAS NO SERTÃO
DA BAHIA

Pedro Paulo Souza Rios 177


Adson dos Santos Bastos 178

RESUMO: O mundo contemporâneo será profundamente marcado pela velocidade com que
os fatos ocorrem. No atual modelo de sociedade nada está posto como pronto, somos seres
em processo, sendo assim, poderíamos dizer que as relações com o meio social são
construídas e estabelecidas de acordo as necessidades/interesses políticos, sociais, culturais,
econômicos e geográficos, concepções que podem ser ampliada ou reduzidas a partir das
leituras que tecemos no mundo e com o mundo. Intensifica-se o debate e a reflexão em torno
de questões tidas e consideradas tabus pela sociedade, como: sexualidade, orientação sexual,
preconceito racial e étnico, além da garantia de direitos de categorias como mulheres,
crianças e adolescentes, e idosos/as. Gênero é outra categoria, que nas últimas décadas saiu
do anonimato, e passou a ser pensada e discutida. Vale salientar a importante contribuição
dos movimentos sociais, inicialmente o movimento feminista e posterior outros movimentos
em defesa dos direitos humanos, das organizações não governamentais, das Pastorais Sociais,
dentre outros setores que se debruçaram sobre essa temática. A metodologia utilizada nessa
pesquisa foi a etnográfica com método qualitativo. A pesquisa foi desenvolvida no Projeto de
Assentamento Nova Canaã – Pindobaçu – Bahia. A partir das analises dos dados constata-se
que há por parte dos assentados e assentadas uma legitimação sobre a importância da
discussão da temática, relações sociais de gênero, contudo, no cotidiano a vivência dessas
relações acontecem na sua maioria de acordo o modelo patriarcal.

Palavras-Chaves: Relações Gênero. Movimentos Sociais. Formação. Semiárido

177
Mestrando em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, Universidade do Estado da Bahia,
Juazeiro – Campus III. Email: [email protected]
178
Mestrando em Ensino, Filosofia e História das Ciências – PPEnFHC – UFBA/UEFS. E-mail:
[email protected]

462
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
GRUPO DE ESTUDO EM POLÍTICAS DE LETRAMENTO – GPOL E AS PRÁTICAS
DE INVENÇÃO DOCENTE.

*Nazarete Andrade Mariano 179

RESUMO: Este trabalho trata um grupo de estudo que inclui discussões sobre leitura de
professoras de Língua Portuguesa que trabalham na Educação Básica de Escolas Públicas do
Vale do São Francisco e, que participam de uma pesquisa de mestrado em andamento. O
GPOL discute questões voltadas para as politicas de letramento, com contornos particulares
na reflexão da formação e as práticas de leitura de professores e professoras que desenvolvem
seus trabalhos nas Escolas Públicas Estaduais e Municipais. Docentes que se preocupam com
a própria formação. A fundamentação teórica partiu da concepção de invenção e apropriação
cunhada por (CERTEAU, 2012); também de (FREIRE, 1996) na perspectiva da autonomia
docente; (STREET, 2010) com os novos estudos do letramento E (KLEIMAN, 1995/2001)
com as práticas sociais de leitura e o letramento docente e (SANTOS, 2013) que contribui
para dar uma noção de pesquisa em formação. O objetivo desse trabalho é socializar uma
experiência de um grupo de estudo (GPOL) pelo prisma da pesquisa-formação. O enfoque
ancora-se em discussões voltadas para as práticas de invenção docente que possibilitam a
fomentação nas práticas de leitura desenvolvida nas salas de aulas. Nesse sentido, o grupo
possibilita uma aproximação dos espaços acadêmicos com as práticas desenvolvidas na
Educação Básica, em especial sobre as práticas de leitura.

PALAVRAS-CHAVE: grupo de estudo; professoras inventoras; práticas de leitura;


pesquisa-formação.

179
O artigo foi produzido a partir de parte de dados da fase final da dissertação Mestrado em Crítica Cultural
pela UNEB Campus II – Alagoinhas- BA. [email protected]
463
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LETRAMENTO EM LÍNGUA INGLESA COMO PROPOSTA DE FORMAÇÃO
CONTINUADA PARA PROFESSORES DA REDE PÚBLICA
180Ló Ruama Patrícia da Silva Lima
181Zaira Dantas de Miranda Cavalcanti

RESUMO:O Letramento em Língua Inglesa constitui uma ferramenta relevante para a


constituição de sujeitos críticos, aptos a comunicar-se e a interagir com o outro nos diversos
contextos sociais, possibilitando a inclusão dos mesmos no mundo e na pluralidade cultural
por meio da língua. Diante dessa realidade, o professor precisa estar atento às demandas do
ensino-aprendizagem, para que, diante do seu progresso profissional, possa atendê-las de
forma eficiente. Partindo dessa perspectiva, a proposta pedagógica na qual a formação
continuada baseia-se visa, por meio do letramento em Língua Inglesa, a ampliação das
competências: linguístico-comunicativa, aplicada (teórica) e prática. Dessa forma, nosso
trabalho teve como objetivo, proporcionar aos professores de Inglês da Rede Pública, o
aperfeiçoamento de suas práticas, por meio do estudo intensivo das habilidades de oralidade,
escrita, leitura e audição. Assim, participaram do projeto, quarenta e cinco professores da
rede pública estadual e municipal, com faixa etária de vinte e cinco a sessenta e cinco anos.
Assim, alcançamos como resultados, o desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos dos
sujeitos envolvidos, o qual reflete no processo de ensino-aprendizagem de Inglês nas escolas
públicas, assim como uma reflexão quanto às práticas dos professores em sala de aula. Nesse
sentido, o projeto pôde contribuir para um novo olhar acerca da formação continuada dos
professores como recurso importante para a educação.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento em Língua Inglesa. Formação Continuada. Ensino-


aprendizagem.

180
Graduada do curso de Licenciatura em Letras - Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de
Pernambuco – UPE/ Campus Petrolina.
181
Professora auxiliar do curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa e suas Literaturas da Universidade de
Pernambuco - UPE/ Campus Petrolina.
464
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LETRAMENTO, VISUALIDADES E PRÁTICAS SOCIAIS:
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO¹

Núbia Oliveira da Silva 182

RESUMO: Este trabalho discute sobre as visualidades e a confluência das culturas do sertão
na Festa do Licuri na perspectiva de análise das formas de letramentos e formação para a
convivência com o semiárido. Embasado pelos ideais de Santos (2011) e Kleiman (2008),
compreende o letramento como múltiplas habilidades em práticas sociais; e as visualidades,
tomadas pelos estudos de Gomes (2012) como uma proposta de produção de sentidos e
aprendizagens a partir das redes transversais; de maneira que os elementos visuais
emprestam condições aos fenômenos de letramento e referentes suficientes aos processos
comunicativos contextualizados, visto que essas ocupam, nesses processos-fenômenos, um
lugar central. Assim, se configura nossos interesses para pesquisar e defender a questão dos
letramentos plurais a partir do visual e todas as questões habitadas no contexto e nos
conceitos estudados.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Visualidade. Educação Contextualizada.

182
Mestranda em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – Linha Letramento e Comunicação Intercultural,
Universidade do Estado da Bahia – DCH III. E-mail: [email protected]

465
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O USO DE IMAGENS EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

*Gracielia Novaes da Penha

RESUMO: O presente trabalho pretende fazer um relato sobre a vivência do subprojeto do


Pibid: Educação pela Imagem: formação cultural, leitura e escrita, realizado no Colégio
Modelo Luís Eduardo Magalhães no município de Jacobina e no Colégio Normal Estadual
Arnaldo de Oliveira no município de Caém. A proposta da Educação pela Imagem procura
oferecer aos estudantes do Ensino Médio uma formação cultural relacionada à formação
geral dos sujeitos e ao conteúdo das disciplinas, através de intervenções em sala de aula e
oficinas tematizadas. O trabalho é desenvolvido em torno da leitura, reflexão e produção de
linguagem imagética associada à prática da leitura e escrita de textos de linguagem verbal,
sob a ótica da interdisciplinaridade. Neste sentido, a proposta se apresenta como
possibilidade de inovação das práticas pedagógicas através das ações e atividades
desenvolvidas pelos bolsistas de Iniciação, bem como, na apropriação pelos alunos do Ensino
Médio de linguagens contemporâneas em torno das questões subjacentes a leitura e produção
de textos da cultura visual. Para tanto, se fundamenta em autores tais como MANGUEL,
2002; OLIVEIRA, 2006; HERNANDEZ, 2000; SARDELICH,2006; VOLPATO, 2003, entre
outros, que discutem a utilização do texto imagético, como objeto imprescindível para a
formação de leitores proficientes, de diversos contextos, coerente com as demandas da atual
sociedade que se ver cercada pelas produções advindas da cultura visual.

Palavras Chaves: Texto Imagético. Leitura e Escrita. Cultura Visual. Formação de leitor.

466
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICAS DE ESCRITA NO POVO INDÍGENA TRUKÁ –PE

Katia Maria Rodrigues Gomes 183

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de socializar as práticas de escrita das


professoras indígenas Truká, da Ilha da Assunção em Cabrobó-PE,na região do submédio São
Francisco a 535 km de Recife. Este trabalho está orientado pela perspectiva social e
etnográfica do letramento (STREET, 2010); pela perspectiva de autonomia presenteem
(FREIRE, 2011); como também pelo viés do conceito de autonomia/autoria a partir do estudo
realizado por (CESAR, 2011), uma vez que para a autora essa construção na verdade é uma
tentativa de compreender como os sujeitos subalternizados historicamente conseguem se
potencializar e se autorizar como produtores de seus discursos. Dessa forma, focaliza como
objeto de estudo, a escrita do livro “Índios na visão dos índios Truká”, de autoria coletiva
dessas professoras indígenas. A análise considera as práticas de escrita que, por oportunizar
um material didático contextualizado e favorecer ao fortalecimento da identidade Truká,
permitem a inserção dessas professoras/pesquisadoras em práticas de autoria na produção
escrita - uma prática social e cultural ainda exclusiva dos escritores de grandes centros –
discutindo, a partir dos seus saberes, temas poucos explorados nos currículos escolares
tradicionais, tanto na própria escola indígena, quanto na escola do não-índio.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas de escrita. Afirmação identitária. Professoras Truká.

183
Mestre em Crítica Cultural, Linha 2 – UNEB- Campus II; professora de Língua Portuguesa; email:
[email protected]

467
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
REFLETINDO SOBRE A ABORDAGEM DO POEMA DE CORDEL EM UM
MANUAL DO 6º ANO

Márcia Cassiana Rodrigues da Silva¹


Monaliza Mikaela carneiro²
Drª Márcia Tavares³

RESUMO: A poesia popular, enquanto literatura oral já existe há mais de 3.500 anos. No
Brasil o cordel chegou, trazido de Portugal, onde era vendido como "folhas soltas", mas foi
com o poeta Leandro Gomes de Barros que ele ganhou celebridade e passou a ser
comercializado em folheto na forma como conhecemos hoje. A literatura de cordel é um
Patrimônio do Povo paraibano, nordestino e brasileiro que só se transformará em uma
cultura conhecida e divulgada a partir do momento em que as escolas passarem a estimular o
seu uso, adotando o hábito da leitura e conscientizando a todos da real necessidade de se
preservar o cordel enquanto saber cultural. Acreditamos que estas devem incentivar e
promover o trabalho com cordéis em sala de aula, mas sabemos que isto não é uma tarefa
fácil tendo em vista que os livros didáticos têm assumido certa importância dentro da prática
de ensino, sendo este instrumento de ensino-aprendizagem quem determina conteúdos e
condiciona estratégias. Partindo deste pressuposto nossa pesquisa consistirá em analisar um
livro didático do 6° ano do ensino fundamental, a fim de investigar qual o lugar dedicado à
poesia popular neste manual, verificando as propostas de atividades e como estão sendo
desenvolvidos os conteúdos referentes à abordagem do cordel no contexto escolar.
Verificaremos ainda se o manual está em consonância com as propostas dos PCNs de Língua
portuguesa (1997). Fundamentaremos nossas discursões acerca da tipologia de perguntas
em Marcuschi (1998) e o ensino de poemas em sala de aula em Pinheiro (2003,2007).

PALAVRAS-CHAVES: Poesia popular; Livro didático; ensino.

468
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
SÍNTESE BRASILEIRA DE GÊNEROS TEXTUAIS: O QUE REVELAM OS
ESTUDOS PIONEIROS EM LIVROS E NOS ANAIS DO SIGET

Ivanadyja Dafyni de Lima 184 (UPE)


Jeanine Barbosa da Silva 185 (UPE)

RESUMO: Atualmente, o estudo sobre gêneros tem se tornado comum e cada vez mais
conhecido e reconhecido por meio dos inúmeros estudos e pesquisas, não só desenvolvidas,
mas também publicadas na área. As questões que orientam este projeto apresentam
interesse não apenas teórico para o campo de estudo de gêneros, pois consideram a
centralidade do conceito de gêneros e sua repercussão no ensino de língua no país
contribuindo para que se perceba a complexidade do tema e a variedade de abordagens que
podem ser utilizadas para tratá-lo. Além de compreender o rumo dos estudos e da pesquisa
de gêneros no Brasil também pode contribuir para se colocar ao alcance dos docentes de
língua portuguesa diversas outras concepções teóricas e metodológicas para o ensino,
evitando que se tomem os PCN como uma espécie de caminho único para o tratamento do
assunto. Além disso, tivemos como objetivo, fazer um mapeamento dos estudos de gêneros
textuais no Brasil conforme apresentados em livros que foram publicados entre os anos de
2000 e 2010 e em artigos de pesquisadores vinculados à Universidade Federal de Santa
Maria-RS (UFSM), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).

Palavras-chave: Gêneros. Síntese Brasileira. Livros. Anais SIGET.

184
Graduanda em Letras, bolsista do PIBIC/CNPq
Universidade de Pernambuco (UPE).
Campus Garanhuns.
[email protected]

² Graduanda em Letras, bolsista do PIBIC/CNPq


Universidade de Pernambuco (UPE).
Campus Garanhuns.
[email protected]

469
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UMA BREVE ANÁLISE DO LETRAMENTO NAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE
BASE

Liliane Alves da Silva

RESUMO:
Os estudos acerca das práticas e eventos de letramento nos contextos sociais formais como a
escola e a universidade têm sido alvo de muitas pesquisas, porém quando se trata das
práticas que se desenvolvem em ambientes alternativos ou considerados informais, poucos
estudos são encontrados. Por esta razão, o presente trabalho buscou analisar os eventos de
letramento desenvolvidos pelas Comunidades Eclesiais de Base, já que elas primam pela
formação de seus membros tanto no âmbito religioso, quanto no social. Nosso referencial
teórico baseou-se nos estudos sobre práticas e eventos de letramento desenvolvidos por
Street (1984), Kleiman (2007), Lêdo (2013), entre outros. Ainda fazem parte da nossa base
teórica os estudos sobre gêneros desenvolvidos pelos pesquisadores Marcuschi (2008), Miller
(2012), Bazerman (2005), Bawarshi e Reiff (2013), visto que tomamos gêneros como
mediadores dos eventos de letramento. Para o cumprimento dos nossos objetivos
observamos os encontros de formação promovidos pelas Comunidades Eclesiais de Base
durante o segundo semestre de 2013 e o primeiro semestre de 2014 com a finalidade de
observar que práticas de letramento orientam os eventos de letramento desenvolvidos com o
letramento escolar.

Palavras-chave: Letramentos.Gêneros textuais. Comunidades Eclesiais de Base.

470
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CONTRIBUIÇÃO DA LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PARA A FORMAÇÃO
DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Maria de Lourdes Dionizio Santos *

RESUMO: Partimos do pressuposto de que os avanços tecnológicos e científicos têm se


destacado com sua contribuição para o desenvolvimento do nosso mundo. Contudo, são
visíveis as necessidades da leitura e da literatura entre o público juvenil. Compreendemos,
assim, que o acesso à literatura e à cultura tem assegurado uma contribuição relevante à
formação do cidadão, de modo que a evolução dessa formação se reflete nos domínios da
produção intelectual do indivíduo que a ostenta, seja em mínima ou em larga proporção. No
entanto, percebemos que a falta ou presença de leitura na vida do indivíduo altera sua
condição de ser-cidadão. Com vistas nisso, propomo-nos realizar um projeto, no intuito de
viabilizar e/ou ampliar o acesso à leitura de textos literários ao aluno do Ensino Médio, a fim
de expandir sua capacidade de compreensão e seu senso crítico em relação a esse e a outros
tipos de texto do seu cotidiano. Na execução desse trabalho, abordamos leituras de textos de
literatura de língua portuguesa compatíveis com o nível de formação do estudante. Nosso
aporte-teórico metodológico seguiu à luz de textos que fundamentam e dialogam com nossa
discussão. Desse modo, os objetivos foram alcançados, visto que, a aluna bolsista aprimorou
seus conhecimentos, desenvolvendo seu senso crítico e sua formação integral, através da
leitura do texto literário.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura e Literatura. Formação Básica. Cidadania.

*
Docente Mestre da Escola Técnica de Saúde de Cajazeiras do Centro de Formação de Professores da
Universidade Federal de Campina Grande – ETSC/CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras, Paraíba.
E-mail: [email protected]

Este Projeto foi aprovado pelo PIBIC/CNPq/UFCG, e desenvolvido por Islânea Blenda Rolim de Sousa, aluna do
2º ano do Ensino Médio da Escola Técnica de Saúde de Cajazeiras do Centro de Formação dos Professores da
Universidade Federal de Campina Grande – ETSC/ CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras – Paraíba, com Bolsa do
CNPQ – PIBIC-EM (2012), sob minha coordenação e orientação.

471
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A INSUFICIÊNCIA DA SUBJETIVIDADE: INSPIRAÇÃO, DISTORÇÃO E
OPORTUNISMO NA POÉTICA DE GREGÓRIO DUVIVIER

Johnatan Diêgo de Souza Gomes


Graduando em Letras Português
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina

RESUMO
Analisamos como um discurso artístico pode fundamentar-se em argumentos distorcidos e
oportunistas; buscamos instrumentos reflexivos sobre tais argumentos para contribuir a
professores e estudantes uma reflexão sobre a insuficiência da subjetividade. Estudamos os
conceitos de “virtual”, de Pierre Levy, e “discurso”, de Dominique Maingueneau. Realizamos
uma pesquisa qualitativa por meio do método dialético, escolha necessária para análise
textual com referências históricas. Iniciamos a pesquisa observando a existência de uma arte
que se fundamenta distorcendo a obra impactante de Duchamp (“Mictório”) na sociedade e
contexto da época em que foi produzida. Hoje muitas artes fomentam a sociedade do
espetáculo ou lucram com editais. Problematizamos a questão ao escolhermos o poema:
“Receita para um dálmata (ou Soneto branco com bolinhas pretas)” de Gregório Duvivier. No
texto, há uma manipulação do discurso dadaísta que gera uma fusão entre argumento
distorcido (por ridicularizar, primazias do meio/modo) e o oportunista (a arte
contemporânea, primazias da finalidade). Revela-se na análise que entendemos por virtual: a
potência de um texto está sempre se transformando, seja pela atualização da forma e
conteúdo que são preenchidos pela leitura, seja pelo meio social em que o texto é construído.
Diferentemente seria a análise se não tivéssemos a primazia do interdiscurso, o poema só
poderia ser aceito na instância subjetiva. Compreendemos que a subjetividade está para além
do emocionar, está no persuadir também. Instrumentalizar-se das primazias do discurso e ter
em mente o conceito do virtual é recepcionar a arte feita e assumida por uma pessoa, mas
também a serviço de algo e justificada por algo. Quando os fins justificam os meios, é preciso
cautela para que o meio vazio não venha a encher os olhos a uma finalidade de embuste.
Subjetividade não é condescendência e permissividade, somos nós mesmos.

PALAVRAS-CHAVE: Arte. Literatura. Crítica. Discurso. Subjetividade.

472
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A REINVENÇÃO DO SERTÃO SERIDOENSE NAS MEMÓRIAS LITERÁRIAS
DE DONA COTA

Luciana Maria Carvalho Medeiros dos Santos 186

RESUMO: No gênero Memórias literárias o autor escreve suas lembranças pela via da
criação estética, ou seja, o autor de memórias fala de suas experiências ofertando a cada uma
nuances de criatividade, emoção e devaneio, o que confere a estas o caráter universal. O livro
Minha infância minha vida: livro de memórias, foi escrito por Maria Raquel de Medeiros
dos Santos (in memoriam), mais conhecida como Dona Cota, uma seridoense nascida em
1921, no interior do RN, onde viveu até os seus 92 anos de idade. O livro reúne trinta Textos/
Ilustrações (T/I) que guardam e contam suas histórias da meninice e juventude. Ler e
observar os T/I de Dona Cota é aventurar-se em uma viagem feita de cores, palavras e
lembranças. Suas memórias são contadas e desenhadas pelo caminho da realidade e da
imaginação. Diversas são as imagens em que o belo e o apelo às cores sinalizam para um
sertão colorido, florido, também vivido pelo sonho, pela fantasia. Trazer à análise essas
memórias é possibilitar a indivíduos seridoenses ou não, desse ou de outros tempos, a
experiência da leitura estética, a [re]significação do sertão seridoense, da identidade
sertaneja.

PALAVRAS-CHAVE: Memórias Literárias. Velhice. Sertão Potiguar. Seridó.

186
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Mestranda do PROFLETRAS – Campus de Currais
Novos-RN. Professora de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Estadual Tristão de Barros – Currais Novos-
RN (Ensino Fundamental e Ensino Médio). E-mail: [email protected].
473
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A RELAÇÃO ENTRE O LOCAL E GLOBAL NA RECONSTITUIÇÃO DE MANGUE
SECO COMO REPRESENTAÇÃO INDENTITÁRIA NORDESTINA NO ROMANCE
“TIETA DO AGRETE” DE JORGE AMANDO

Thais Lan Paulino do Nascimento


Graduanda Letras Português
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina
Orientadora: Prof.ª Dr. Clarissa Loureiro Marinho
*

RESUMO: Este trabalho é uma pesquisa bibliográfica que pretende estudar a representação
do cenário no romance “Tieta de Agreste” de Jorge Amado. Analisando a relação entre o local
e global na reconstituição de Mangue Seco como representação indenitária nordestina,
constatou-se que esse é um traço folhetinesco de idealização na constituição do local como
um paraíso perdido que se mantem como representação indenitária de um local por manter-
se afastado da zona urbana e do progresso. Observa-se que os fatores que possam
transformar o local e urbaniza-lo são tidos como vilões. No enredo, a fábrica Brastânio traz a
promessa de progresso e sob o ponto de vista estético e folhetinesco. Representa o vilão, o
mal associado ao progresso. Este trabalho também analisa o uso da xilogravura como artificio
estético de uma literatura popular que vem reforçar a busca de Jorge Amado de constituição
de uma literatura moderna comprometida com uma reinvenção do ethos nordestino. Como
resultado da pesquisa, percebe-se como a análise das xilogravuras demostra a forte ligação do
progresso com o mal. A xilogravura analisada simboliza o medo dos habitantes com relação à
urbanização de um local paradisíaco e intacto, revelando assim, a forte ligação entre local e
identidade expressa no romance.

Palavras-chave: Romance. Dialogismo. Xilogravura. Identidade.

474
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CARTOGRAFIA DO NOVO: O REGIONALISMO NA FICÇÃO DE BARTOLOMEU
CORREIA DE MELO

Maria Betânia Peixoto Monteiro da Rocha 187

RESUMO: A ficção do potiguar Bartolomeu Correia de Melo foi lançada ao público na


segunda metade da década de 1990, consistindo em livros de contos. Sob o título Lugar de
estórias, foi publicado em 1998 o seu primeiro livro. Depois dele vieram, também de contos,
os livros Estórias quase cruas (2002) e Tempo de estórias (2009). As narrativas das três
obras são ambientadas no sertão do Rio Grande do Norte, onde os elementos da tradição
disputam lugar com os da modernidade. Para além da trama – que absorve a tensão desta
disputa – a linguagem incorpora as relações sociais do homem campesino, seja por
aproximar-se da oralidade ou por beneficiar-se dos regionalismos léxicos e sintáticos. Por tal
composição, podemos dizer que a ficção de Melo é resultado de um aproveitamento literário
das matrizes regionais, embora não resulte na quebra de vínculo com o momento histórico ao
qual pertence. Dito isto, o presente artigo tem como objetivo identificar os elementos
representativos da tradição literária cuja máxima é a valorização do local – no caso específico
da obra de Melo, o sertão do Rio Grande do Norte – destacando aqueles elementos que
sofreram transformações significativas e que contribuem para a composição de uma nova
imagem do sertão nordestino e de uma literatura regional.

Palavras-chave: Literatura. Regionalismo. Ficção. Tradição. Modernidade.

Universidade Federal do Rio Grande do norte, Natal-RN. Especialista em Literatura Brasileira e mestranda
187

em Literatura Comparada. E-mail: [email protected].


475
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ENCONTRO COM EUCLIDES DA CUNHA, EM OS SERTÕES, SOB A LUZ
DA HERMENÊUTICA DE GADAMER: UMA TENTATIVA DE DIÁLOGO

Marcos José de Souza*

Resumo:
A hermenêutica, redimensionada por Hans-Georg Gadamer, é nossa orientação para a
análise de alguns pontos do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Valendo-nos de um dos
elementos fundamentais, o preconceito, divididos em verdadeiros e falsos, fizemos uma
escansão de diversos pontos do livro em análise. Vimos que os preconceitos verdadeiros
incidiram sobre o conhecimento do lugar, a terra, enquanto que os falsos, sobre o homem, o
povo e sobre o a guerra, o fenômeno. Faremos uso de alguns momentos do texto, destacando
trechos das três partes que constituem a obra a fim de possibilitar-nos um quadro amplo
dela. Dividido conforme o cunho naturalista que subjaz a obra, Euclides da Cunha dividiu seu
trabalho na sequência seguinte: I - A TERRA, II - O HOMEM, III - A LUTA. Há que se
observar também, outro aspecto do pensamento euclidiano, na obra aqui analisada, é aquela
em que nos defrontamos, dentro das terras colonizadas, com os considerados Moderno e
não-Moderno. Pertencendo ao primeiro grupo, os moradores do litoral e, ao segundo, os
sertanejos, interioranos. O feito de Euclides fez surgir no país, daquele que detinha o saber
letrado, o logos, o sentimento de que o Brasil era muito mais que o litoral. E o fez com o
monumento literário nunca visto antes, o qual permanece até os dias atuais como fonte de
debates sobre uma possível classificação para o texto, se uma tese, um ensaio, um romance,
etc.

Palavras-chave: Hermenêutica. Os sertões. Euclides da Cunha. Preconceitos.


Compreensão.

476
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
JOÃO GRILO E A PROBLEMÁTICA SOCIAL BRASILEIRA

João Evangelista do Nascimento Neto 188

RESUMO:
De origem incerta e de nacionalidade múltipla, João Grilo, personagem da cultura popular,
encerra em suas ações todos os anseios das classes subalternizadas. No Brasil, Grilo encontra
terreno fértil para as suas picardias e o texto de cordel é o ambiente ideal para proliferar seus
pensamentos e atitudes em prol de uma melhor condição de vida. Desse modo, ao verificar a
construção da personagem e seus atos como forma de protesto a uma política que promove a
exclusão e as diferenças sociais, neste trabalho, discute-se a composição da personagem João
Grilo a partir do folheto Proezas de João Grilo, atribuído a João Ferreira de Lima e sua
relação com o ambiente agreste em que vive. A personagem, pois, sai do imaginário popular,
da boca dos cantadores para habitar os textos de cordel, sendo o porta-voz do povo sofrido do
sertão. Como pícaro que é, dribla as dificuldades da vida, rompe com um status quo
estabelecido e questiona o descaso político-social existente no Nordeste. Suas aventuras,
pois, remetem a uma subversão das normas sociais vigentes, quando, o povo, representado
por Grilo, ousa denunciar as mazelas que reinam no mundo esquecido do sertão. Para tal
estudo, utilizam-se os pressupostos de Haurélio (2010), Zumthor (2007), Abreu (1999),
Araújo (1992), dentre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura de Cordel. João Grilo. Problemática social.

Professor Assistente da área de Literatura da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus Universitário
188

Professor Gedival Sousa Andrade, DCHT XXIV, Xique-Xique-Ba, doutorando em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected].

477
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LITERATURA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM ALAGOINHAS: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS NA CONTEMPORANEIDADE

Vanise Albuquerque Santos

RESUMO: Trata-se de uma abordagem reflexiva sobre a possível relação entre o ofício
literário e as atuais políticas públicas culturais. Nesse sentido, serão discutidos os resultados
obtidos no projeto de Mestrado intitulado Literatura e políticas públicas emAlagoinhas/BA
que investigou os modos de produção/circulação da literatura no município, assim como o
posicionamento político-cultural dos escritores frente ao Estado baiano, considerando o atual
momento de efervescência das políticas públicas de cultura e institucionalização da malha
cultural no Brasil. Sob a perspectiva da crítica cultural, fundamentada em estudos pós-
estruturalistas, abordaremos a noção de cultura literária que vem norteando a prática
cultural no país, seus reflexos e desdobramentos, traduzidos pelas políticas voltadas para o
livro, a leitura e a literatura. Para tanto, evidenciamos o método de pesquisa qualitativa
desdobrando-se em um conjunto de diferentes técnicas. Esta abordagem está pautada na
análise de resultados obtidos junto ao grupo focal e seus modos de produção. Como
resultados, além da constatação da existência de um rico acervo de escritores que não cessam
em produzir tornou-se visível a construção de um possível roteiro rizomático e suas
interconexões literárias, que se acionados, abrem possibilidades de a literatura ativar uma
máquina de guerra contra certa concepção excludente de fazer cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Políticas públicas. Cultura literária.

478
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O ESPAÇO DO PAI EM UMA ILUMINOGRAVURA DE ARIANO SUASSUNA

Marcélia Guimarães Paiva ∗

RESUMO: Ariano Suassuna promove uma criativa integração entre poesia e pintura em
suas obras chamadas iluminogravuras. Essas iluminogravuras são pranchas, na dimensão
de 70 cm x 50 cm, constituídas de um soneto e ilustrações, organizados em dois conjuntos
denominados “Sonetos com mote alheio”, de 1980, e “Sonetos de Albano Cervonegro”, de
1985. Neste artigo interpreta-se o texto de um poema com as gravuras criadas pelo autor:
“A Acahuan - A Malhada da Onça”. Esse tipo de obra feito de escritura e imagem reúne
elementos da cultura medieval e da cultura nordestina. O poema trata da figura do pai
registrada na memória do filho e recriada pelo texto e pela gravura. Essa figura transita por
um espaço especial na obra de Ariano Suassuna: o sertão onde o autor morou nas
fazendas Acahuan e Malhada da Onça citadas no título do poema. As transformações
espaçotemporais dizem respeito tanto à imagem paterna quanto à filial no poema. A partir
de uma tragédia e, também, levado por um sentimento trágico da vida além da percepção
de ser um exilado, o poeta reflete a respeito de sua posição em dois papéis: o de filho e o de
herdeiro que recebe a herança do pai e a leva para diante. As imagens pictóricas reforçam as
imagens verbais em um conjunto que oferece ao leitor uma experiência dupla. Cada elemento
desenhado remete ao poeta ou à natureza e à cultura do sertão, como em outras
iluminogravuras do autor. Especialmente, nesta iluminogravura, é dado um destaque muito
grande à figura do pai – nomeado como rei, guia ou sol. O poema está entre as várias obras
de Ariano Suassuna que criam esse pai ideal.

Palavras-chave: Ariano Suassuna. Poesia armorial. “A Acahuan - A Malhada da Onça”.


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG. Doutoranda no Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, [email protected].
479
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O PROCESSO DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E O DE RETERRIORIZAÇÃO NO
LIVRO OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA

Gercleide Gomes da Silva*

RESUMO:Este estudo visa discutir a problematização encontrada no livro, Oiteiro:


memórias de uma sinhá-moça, de Magdalena Antunes. O livro, publicado em 1958, trata da
variedade de discursos encontrada na obra. Compreendemos que, mesmo a literatura da
autora estando marcada por reminiscências, ainda assim, a mesma encontra-se entrelaçada a
aspectos históricos, sociais e culturais contidos na sociedade que a gerou. Dessa forma,
observamos a presença da teoria da desterritorialização que, de acordo com Deleuze e
Guatarri, defende a não mais existência de um território sem um vetor de saída para o
mesmo. Ou seja, não há desterritorialização sem, ao mesmo tempo, haver um esforço para a
reterritorialização em outra parte. Por conter aspectos de uma narrativa memorialística e
autobiográfica, a obra apresenta traços marcantes da sociedade do período. A autora expõe a
época de ouro dos engenhos potiguares, nos apresentando aspectos relacionados a escravidão
e a libertação dos escravos, como também as contações de histórias narradas pelas negras
Tonha e Patica. Por fim, a obra caracteriza-se por ser um misto de realidade social e
vivencias pessoais, o que contribui para a formação memorial da sociedade na qual a obra
está inserida, ao mesmo tempo que resignifica e reinventa um lugar que já não era mais o
mesmo.

PALAVRAS-CHAVE:Memória. Autobiografia. Reminiscências. Desterritorialização.

480
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UMA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE O SERTANEJO: ASA BRANCA E
CIDADÃO COMUM

Clislane Ramos de Brito*


Thayse Kelly Barbosa da Silva*

RESUMO: No presente trabalho objetivamos analisar comparativamente as músicas “Asa


Branca”, de Luiz Gonzaga e “Cidadão Comum”, de Flavio José. Tal análise tem como
finalidade, identificar as características que descrevem as diferentes maneiras do pensar e do
agir do Sertanejo brasileiro, tradicional e contemporâneo, na situação da seca nordestina,
tema principal para a composição destas canções. Procuramos estabelecer pontos de
encontros e desencontros, na tentativa de explicar os motivos de migração do eu lírico, seja
por obrigação ou por mera opção. Fundamenta nosso trabalho as contribuições teóricas de
Alfredo Bosi (1994), Joaquim Aguiar (1996), Massaud Moisés (2001), Antonio Carlos Robert
Moraes (2005), Sérgio Buarque de Holanda (1936), Hollanda, Freitas e Gonçalves (1979).O
resultado da análise cometida demonstra que são vários os motivos da saída do Cidadão
Nordestino para as grandes cidades comerciais, entretanto, expõe a evolução e o otimismo
agora encontrado no sertanejo, colocando em pauta o seu livre arbítrio, como sendo o único
motivo para a sua saída, já que agora a vida no Nordeste não é mais um problema enfrentado
pelo nordestino.

PALAVRAS-CHAVE: Sertanejo. Nordeste. Seca. Tradicional e Contemporâneo.

481
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
EDUCAÇÃO INCLUSIVA – UM OLHAR DENTRO DO SERTÃO PERNAMBUCANO

Breno Silva Almeida


Licenciando em Computação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Sertão Pernambucano – Campus Petrolina

Resumo:
Esse trabalho apresenta os resultados da pesquisa intitulada “A analise da inclusão dos
alunos com necessidades especiais dentro do IF Sertão-PE e em algumas escolas públicas do
município de Petrolina dentro do espaço geográfico conhecido como Sertão Pernambucano”
que traz as condições dos discentes com necessidades especifica que chegam ao Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano - IF Sertão PE - Campus
Petrolina; relatando as falas dos responsáveis pelo atendimento de alunos com necessidades
educacionais especificas em suas experiências de inclusão escolar dentre a visão do cotidiano
de escolas públicas do município de Petrolina – desde o pensamento formado dos cidadãos
em relação à educação inclusiva – e a visão de fato das particularidades das pessoas com
necessidades educativas especificas no município. Foi feito acompanhamento dos envolvidos
podendo-se perceber varias peculiaridades, principalmente do trajeto percorrido necessário
para formar visões distintas de uma mesma cena. Depois de identificadas, procurou-se fazer
comparações das informações dentro da região, vendo que, após obtenção dos resultados,
foram encontradas grandes diferenças de discursos e realidades. Apesar de este estudo ter
um caráter preliminar investigativo, essa coleta de informações demonstra mudanças sobre
como são contados os discursos, tendo assim abordagens precisas sobre o sertão dentro do
mesmo, julgando outras abordagens comparativas, principalmente em relação à de discursos
globais.

PALAVRAS-CHAVE: Inclusão. Comunicação Humana. Sertão Pernambucano. IF Sertão


PE. Analise.

482
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
AS CONTRIBUIÇÕES DE ALBERTO PASSOS GUIMARÃES PARA A
HISTORIOGRAFIA AGRÁRIA BRASILEIRA: UMA LEITURA DA
SEMIFEUDALIDADE NO BRASIL

Franciel Coelho Luz de Amorim


Graduando em História – UPE Campus Petrolina
Orientador: Prof. Ms. Moisés Diniz de Almeida

Resumo: Um intelectual autodidata, como sendo bem a marca de sua época, produziu um
legado de obras guiado pelo materialismo histórico dialético, interpretando as diversas
relações e transformações em decurso a partir de análises em aspectos econômicos, sociais e
humanos, dando grande contribuição para a nossa historiografia agrária. Guimarães
percebeu a questão agrária brasileira de maneira histórica e contextual, partindo a princípio
da estrutura colonial instaurada no nosso território. Apontou o Brasil, característico aos
demais países Latino-americanos no seu desenvolvimento capitalista, com uma
predominante concentração territorial, herança das estruturas coloniais, sendo o latifúndio
uma marca de poderio e dominação perpetuada pelos séculos posteriores ao período da
colônia. Contudo, a não solução do problema agrário e camponês em decorrência da desigual
distribuição da propriedade da terra, em consequência à contradição latifúndio-minifúndio e
as diversas relações pré-capitalistas com permanências de estruturas semiservis no campo.
No contexto da questão agrária, na década de 1960, Guimarães desenvolveu uma tese em
defesa das características permanentes na estrutura agrária de um “feudalismo colonial”. Sua
análise reflete, de maneira histórica, a um cenário territorial marcado por uma forte essência
feudal em diversas relações de produção e de propriedade da terra, mas longe de se
caracterizar o sistema feudal europeu propriamente dito, mas também longe de se considerar
o capitalismo totalmente desenvolvido, isso porque tais relações apresentam-se como pré-
capitalistas, e com isso, características mais à renda feudal do que à renda capitalista. E, por
fim, Guimarães aponta que a penetração capitalista no território brasileiro, percorreu uma
via atrasada de desenvolvimento, sobretudo, nas relações de produção, sobrevivendo à
subjacência semifeudal, e, no histórico regime latifundiário de propriedade da terra, que
perduram séculos.

PALAVRAS-CHAVE: Historiografia agrária; Questão agrária; Relações pré-capitalistas;


Regime latifundiário; Semifeudalidade.

483
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
DO ROMANCE À CRÔNICA NARRATIVA: LEITURAS DA OBRA AMADIANA

Bárbara Moraes Pinto Hurst


EMITEC-BA/ Colégio Antônio Vieira
Professora

RESUMO

Este trabalho se constitui em dois vieses, a saber: um relato de uma prática pedagógica, a
partir do livro Capitães da Areia, de Jorge Amado e uma proposta para o ensino de produção
textual, para o oitavo ano do Ensino Fundamental. Seu objetivo é fomentar uma prática de
leitura que suscite um pensamento crítico e criativo entre os leitores, visando o
desenvolvimento de produções textuais coerentes. Para isso, fomentamos o conhecimento
sobre um autor da cidade de origem dos alunos e identificamos nela aspectos humanos e
geográficos da obra. O percurso metodológico compreendeu ações como: a leitura do livro,
seguida de sua interpretação; a visitação de espaços da cidade como o Museu de Arte
Moderna e o Pelourinho, a fim de ampliar a compreensão textual; a realização de um
seminário, para trabalharmos com a oralidade e aprofundarmos a análise do texto, através da
perspectiva dos alunos em torno de subtemas abordados no referido livro. Por fim,
estudamos o conceito de crônica narrativa, lemos diversas crônicas e as produzimos em
grupo, dupla, e individualmente, com assuntos encontrados na obra literária. As crônicas
foram publicadas no jornal da escola durante a culminância do projeto, tendo como público
leitor pais, professores e outros alunos. Para isso, utilizamos como referencial teórico Ana
Maria Machado (2002), Costa Val (1991), Cereja (2006). Desta forma, buscamos inserir no
ensino de produção textual, uma ação pedagógica cuja abordagem dialoga com a diversidade
tanto da linguagem quanto dos gêneros textuais.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Produção de Texto. Formação de Leitores. Crônica


Narrativa.

484
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ANÁLISE DAS PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO EM UM CURSO DE
LETRAS À DISTÂNCIA

Amanda Cavalcante de Oliveira Lêdo


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Doutoranda em Linguística
[email protected]

RESUMO: Considerando a necessidade de investigar a questão do letramento em cursos de


nível superior, o presente trabalho tem por objetivo analisar as práticas e os eventos de
letramento ocorridos no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) de um curso de Letras a
Distância. Teoricamente, estamos baseados em uma perspectiva social do letramento,
conforme proposta dos Novos Estudos sobre Letramento (STREET, 2007; 2010; BARTON;
HAMILTON, 2005), a partir dos quais discutiremos os conceitos de práticas e eventos de
letramento. Metodologicamente, analisaremos, pautados nas categorias propostas por
Hamilton (2000), os elementos visíveis e não visíveis que compõem as práticas e os eventos
de letramento dos quais os estudantes participam no AVA, partindo dos dados obtidos pela
descrição do AVA realizada pela pesquisadora e pela descrição das atividades diárias
realizadas por um dos estudantes no ambiente. Os resultados sugerem a ocorrência de uma
diversidade de eventos de letramento relacionados entre si, que apresentam os elementos
previstos por Hamilton e estão permeados por práticas específicas do ambiente acadêmico.

PALAVRAS-CHAVE: EAD. Letramento. Práticas e eventos de letramento.

485
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA EM INFÂNCIA

Liliam Fernades
Universidade Federal dos Vales dos Jequitinhonha e Mucuri- Aluna de Graduação –Bolsista PIBIC-
CNPq.

Resumo:
O objetivo deste resumo é apresentar uma análise do livro Infância, de Graciliano Ramos,
texto autobiográfico, publicado em 1945. Nessa obra, Ramos relembra fatos de sua infância e
adolescência e os analisa de acordo com as experiências do presente. Sua escrita é pautada
em sua infância passada no Nordeste. Cada capítulo de Infância apresenta um episódio,
podendo ser lido separadamente. Graciliano escreve o livro após os seus cinquenta anos, seu
processo de aprendizagem influencia na redação do texto. O autor fala de si, mas também das
pessoas que passaram por sua vida, ele não escreve sobre o momento em que ele vive e, sim,
sobre sua experiência passada. No texto há interferências do momento da escrita que são
marcadas por suas reflexões no decorrer da narrativa. A escrita autobiografia, assim, é
complexa; ela não pode ser tratada simplesmente como a escrita das experiências passadas,
pois engloba o outro com os quais autor conviveu e a influência do presente nas lembranças
do passado.

PALAVRAS-CHAVE: Graciliano Ramos- Escrita Autobiográfica – Infância.

486
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MARCAS DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA LITERATURA DE CORDEL:
ANÁLISE DOS TEXTOS “AI SE SÊSSE”, DE ZÉ DA LUZ E “AOS POETAS
CLÁSSICOS”, DE PATATIVA DO ASSARÉ

Anne Rose dos Prazeres Costa Tenório¹


Carlos de Oliveira Nunes Magalhães²
Diogo Rodrigo do Nascimento³
Josiano Saulo Diniz4

¹Graduanda em Letras – IFAL, Campus Maceió


²Professor efetivo – IFAL, Campus Maceió
³ Graduando em Letras – IFAL, Campus Maceió
4 Graduando em Letras – IFAL, Campus Maceió

RESUMO

O presente trabalho avaliará, de forma dinâmica, a variação linguística dentro dos textos “Ai
se sêsse” do cordelista Zé da Luz e “Aos poetas clássicos”, de Patativa do Assaré, na literatura
de cordel. A literatura de cordel é o gênero textual que representa a cultura do povo
nordestino, do caipira, da linguagem coloquial do brasileiro. Nela percebemos a grandeza da
linguagem regional em função da arte literária. O cordel é tido como uma das formas de
educação linguística mais eficientes, pois contempla os aspectos mais relevantes da nossa
língua. Muitos educadores utilizam esse gênero para o ensino da língua portuguesa, pois a
presença de variações da língua, nesse tipo de texto, é mais comum e também carrega um
caráter cômico, por conta das histórias populares levantadas por esse gênero. A nossa
pesquisa avalia as marcas de variação linguística nos dois textos: o primeiro, trata do cordel
“Ai se sêsse”, de Zé da Luz; o segundo caso, do cordel “Aos poetas clássicos”, do poeta
Patativa do Assaré. Em ambos, foi avaliada a variação verbal, isto é, como a marca do uso do
verbo na linguagem coloquial é representada na escrita pelos poetas citados acima. Ao
percebermos essas diferenças, passamos a avaliar outros tipos de cordéis e observamos que
se trata de uma marca muito peculiar ao gênero ‘literatura de cordel’. Ao mesmo tempo,
podemos constatar que nesse universo de variação linguística e no cordel, existem
significados que são de grande serventia para o aprendizadoda língua, na abordagem da
diferença da modalidade oral para a modalidade escrita. Assim, percebemos que o uso dessas
duas modalidades vai depender diretamente da formalidade da situação. Com isso,
conscientizamos os usuários da língua portuguesa, das propriedades da língua e de suas
diferenças quanto ao uso de ambas as modalidades, através do estudos das suas marcas e
peculiaridades.

Palavras-chave: Literatura de cordel. Variação linguística. Língua portuguesa.

487
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
I MOSTRA DE LITERATURA - VANGUARDAS EUROPEIAS

Lêuda Fernandes Ferreira


Rede Pública de Pernambuco – Escola Núcleo de Moradores 06.

Resumo:
“Trabalhar a literatura em sala de aula é mergulhar num mundo de subjetividade e
encantamento, um lugar mágico onde o aluno encontra a possibilidade de se descobrir, se
reconhecer, se encontrar. Neste sentido, a literatura passa a ser um convite à liberdade de
expressão, onde os alunos podem exteriorizar seus sentimentos, descobrir e compreender as
próprias emoções”. (CASSIANE SCHMIDT). Pensando sobre esse ponto de vista, é que está
proposta de trabalho foi elaborada. Procuramos através da I Mostra de Literatura –
Vanguardas Europeias despertar nos discentes o gosto pelo DESCOBRIR, RECONHECER e
SE ENCONTRAR. Para isso, partimos de uma prática que evidenciou a contribuição das
manifestações artísticas – literárias das vanguardas europeias para a literatura brasileira.
Objetivamos estabelecer relações entre o texto literário e o contexto social e político de sua
produção, bem com, utilizar os conhecimentos sobre as estéticas literárias para refinar a
compreensão dos textos e reconhecer elementos de continuidade e ruptura na formação da
literatura brasileira. Visto que essas manifestações influenciaram decisivamente o
pensamento dos escritores brasileiros na Semana de Arte Moderna e a literatura brasileira
produzida naquele período. A mostra foi realizada na Escola Estadual Núcleo de Moradores
06, Petrolina – PE com as terceiras séries do Ensino Médio focalizando os movimentos
culturais: expressionismo, cubismo, futurismo, dadaísmo e o surrealismo. Sendo
desenvolvida numa perspectiva abrangente, que envolveu a realidade do aluno, procurando
fazer a articulação entre o conhecimento formal e informal.

Palavras-chave: Literatura. Vanguardas Europeias. Movimentos culturais.

488
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MARGINAL E INSÓLITA: RECORTE E REPRESENTAÇÃO DA LITERATURA DE
CORDEL EM FEIRA DE SANTANA/BA

Calila das Mercês Oliveira* 189; Raquel Machado Galvão** 190

RESUMO:O artigo "Marginal e Insólita: Recorte e Representação da Literatura de Cordel


em Feira de Santana/BA", como um dos fragmentos da pesquisa "Publicações na Bahia:
Mapeamento e Diagnóstico das Editoras Baianas" (UEFS/CNPq/Minc/Secretaria de
Economia Criativa), propõe uma análise acerca dos escritores que trabalham com a secular
Literatura de Cordel na cidade de Feira de Santana e realizam a publicação, edição e
distribuição dos folhetins, e de como o quadro dos elementos do insólito, aqui entendidos por
fatos extraordinários, não habituais à realidade, se fazem presentes nas narrativas que são
representadas no enredo das histórias de cordel. Valorizada por alguns escritores como a raiz
da cultura luso-brasileira, ou da cultura popular, a Literatura de Cordel herda características
da literatura oral dos trovadores e se configura como uma expressão que se manteve
economicamente à margem de um Sistema Editorial alicerçado em editoras de grande porte.
Os livretos editados, em sua maioria de forma artesanal, foram distribuídos, inicialmente, em
feiras livres, e tiveram em Feira de Santana um importante ponto de culminância de
distribuição. Pela estratégica localização geográfica da cidade e pela força cultural do ser
sertanejo, ela concentrou um número considerável de escritores dessa manifestação literária
e artística, na qual o texto é, geralmente, acompanhado de xilogravuras. É recorrente na
Literatura de Cordel a utilização de narrações carregadas de humor que, por vezes, abarcam o
insólito, algo que foge do imaginável, e torna a narração ritmada, incrível e original. O que
pode ser verificado nas obras aqui analisadas, do autor feirense Franklin Maxado,
interpretado como exemplo de representação das manifestações do insólito. As ideias das
teorias presentes no artigo se baseiam em pesquisas de Tzvetan Torodov, Italo Calvino, Remo
Ceserani e Irlemar Chiampi, entre outros estudiosos.

PALAVRAS-CHAVE: Insólito. Sertão. Literatura de Cordel. Editoras Baianas. Feira de


Santana.

* Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-


189

Graduação em Estudos Literários, Bolsista do CNPq, [email protected].


** Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-
190

Graduação em Estudos Literários, Bolsista da Capes, [email protected].


489
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PUBLICAÇÕES NA BAHIA: MAPEAMENTO E DIAGNÓSTICO DAS EDITORAS
BAIANAS
Calila das Mercês Oliveira 191*; Raquel Machado Galvão 192**; Roberto Henrique Seidel 193***

RESUMO: A pesquisa “Publicações na Bahia: mapeamento e diagnóstico das editoras


baianas” (CNPq/MinC/Secretaria de Economia Criativa), ligada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), tem
como objetivo principal realizar um mapeamento detalhado das editoras atualmente
existentes na Bahia em suas diversas regiões, englobando tanto as que funcionam na
formalidade com um apelo comercial, quanto as que operam de forma alternativa e não-
tradicional. Este artigo visa apresentar e compartilhar de que forma esta pesquisa está sendo
implementada no estado da Bahia, debatendo questões sobre a cadeia produtiva do livro.
Devido à extensão territorial e a quantidade de municípios da Bahia (417 municípios), o
mapeamento terá como referência sete mesorregiões do estado, a fim de não concentrar o
trabalho em apenas uma área. Diante do desafio de realizar um levantamento sobre
informações e dados da Economia Criativa, uma lacuna ainda em aberto, o projeto visa
investigar experiências do setor criativo do livro, envolvendo uma articulação dos setores de
livro e publicações de mídias impressas. Já tendo conhecimento da existência de algumas
editoras, o projeto busca assimilar as que ainda não estão listadas e as que já trabalham de
forma alternativa, como as editoras de cordéis, quadrinhos e gráficas que funcionam como
editoras. Busca-se, com o projeto, aprofundar o conhecimento sobre o perfil dessa cadeia
produtiva e as nuances de criação e empreendedorismo, considerando as especificidades de
cada um dos agentes que a compõe.

PALAVRAS-CHAVE: Economia Criativa. Cadeia Produtiva do Livro. Editoras Baianas.


Livro. Mapeamento

* Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-


191

Graduação em Estudos Literários, Bolsista do CNPq, [email protected].


** Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Mestranda do Programa de Pós-
192

Graduação em Estudos Literários, Bolsista da Capes, [email protected].


*** Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA, Professor do Programa de Pós-
193

Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual de Feira de Santana e Coordenador da pesquisa


“Publicações na Bahia: mapeamento e diagnóstico das Editoras Baianas”, [email protected].
490
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A LUSOFONIA PRESENTE NA POESIA DE DRUMMOND COMO DESTAQUE NA
LITERATURA PORTUGUESA.

Ana Luciene Alves Garcêz


UPE-Estudante de Letras Português.

Resumo:
A terra natal, o lugar de origem é um dos temas de destaque nas obras do autor
transformando cultura, saudosismo, personagens, valor afetivo em matéria poética. Sua obra
divide-se em três momentos. No primeiro, o poeta observa o mundo à sua volta e passa a
registrá-lo de um modo não convencional, assemelhando-se a um ser que se vê diferente
nomeado como gauche. Os objetivos do presente trabalho são investigar a lusofonia na obra
do poeta. Descrevendo Itabira (Minas Gerais) lugar de origem do poeta, em uma cidade cuja
memória viria a permear parte de sua obra. A identidade cultural está presente na poesia de
Drummond e tem uma relevância social e política para a sociedade; A partir de alguns
poemas de Carlos Drummond de Andrade dedicados aos desdobramentos da extração
mineral ele critica a destruição da natureza pela ambição. A terra natal é empregada de um
forte valor afetivo nas poesias do autor através memória social. A região de Minas Gerais é
um cenário de destaque na vida e obra do poeta que eternizou através das palavras o
sentimento e as denúncias através dos seus textos, os personagens de Itabira que se tornaram
fonte de inspiração para o autor, destacando a literatura brasileira.

PALAVRAS– CHAVE: Identidade Cultural. Terra Natal. Poesia. Memória. Região.

491
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
HERBERTO HELDER, LUIS SERGUILHA E ROBERTO PIVA: NO LIMIAR DOS
DEVANEIOS LÍQUIDOS E AÉREOS

José Barbosa de Oliveira Filho


Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina
Estudante de Letras/Português

RESUMO: As infinitas aberturas que se promoveram no campo da estética e da teoria da


literatura nos últimos anos possibilitou a visibilidade de autores com alto nível de
experimentação em suas composições, tirando da marginalidade crítica obras que assumem
para a sua natureza outros estados físicos da estrutura literária e a entrega às condições de
devaneio. É com base nessa evidencia que o presente trabalho tem como objetivo analisar as
principais produções de Herberto Helder, Luís Serguilha e Roberto Piva sob a perspectiva
fenomenológica de Gaston Bachelard, da filosofia da Linguagem de Heidegger e dos
conceitos esquizoanalíticos de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Os autores escolhidos
representam pontos de erupção de uma estética que, segundo os conceitos Deleuzeanos, se
evade das naturezas sólidas para se ambientar no devir de outras elementaridades, sejam
estas de teor líquido ou aéreo. O que corrobora para as afirmações de Bachelard que
apresenta suas noções de devaneio como limiar dos estados líquidos da afetividade poética.
Esse trabalho demonstra como os autores selecionados funcionam dentro das concepções de
uma atmosfera criativa da fluidez, prezando por uma imagética de sonhos/devaneios,
alucinações, desconstruções da percepção sociocultural e valorização das experiências
mágicas humanas. Deixando evidente que, alguns poetas da literatura contemporânea de
língua portuguesa, estão desbravando caminhos que dialogam com os preceitos tanto do
Romantismo, quanto das mobilizações surrealistas, traçando uma linha de intensidade
comum que tenta se evadir dos estados sólidos de devaneio poético.

PALAVRAS-CHAVE: Poesia. Fenomenologia. Devaneio.

492
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A SAGA CAROLÍNGEA E O CORDEL NORDESTINO: OS MESMOS FIOS EM
MUITAS AMARRAS

Naelza de Araújo Wanderley


Universidade Federal de Campina Grande - Professora

Resumo:
O propósito desse estudo é desenvolver uma leitura comparativa a partir de algumas
traduções brasileiras de A canção de Rolando e de poemas pertencentes à literatura de cordel
nordestina (A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, A prisão de Oliveiros, de Leandro Gomes
de Barros; Traições de Galalão e a morte dos Doze Pares de França, de Marcos Sampaio,
entre outros). Através deste, conta-se destacar, à luz das relações transtextuais, que a
modernidade também reservou, principalmente no Nordeste brasileiro através da Literatura
de Cordel, o seu lugar de destaque para o fascínio que a gesta carolíngea exerceu e exerce
sobre o público através dos séculos. Muitos são os aspectos que aproximam e que distanciam
as traduções de A canção de Rolando e os folhetos de cordel que desenvolvem seus versos
acerca da heroicidade de Rolando, da lendária dor do rei Carlos Magno e de batalhas
apocalípticas em nome da honra. Esses cordéis são produtos de uma nova leitura que apenas
revela algumas permanências pontuais. A vitalidade desse tema francês do século XII reflete
uma permanência da épica européia trazida pelo elemento colonizador que foi assimilada e
recontextualizada pelos poetas da literatura de cordel no Nordeste brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Cordel. Intertextualidade. Carlos Magno e os Doze Pares de França.

493
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CULTURA POPULAR: CONCEITOS E CARÊNCIAS EDUCACIONAIS

Mariano Carvalho Cabral


Sergio Nere Santana
Graduandos de História
Universidade de Pernambuco/Campus Petrolina

Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo inserir na sala de aula a discussão sobre o conceito de
cultura e mais especificamente o conceito de cultura popular. Sabendo que para a
compreensão da nossa sociedade e do meio social no qual vivemos é indispensável entender
como foram criados os modelos culturais no Brasil. Ciente de que o povo brasileiro recebeu
ao longo dos tempos influências de diversos países sendo eles: Espanha, França, Portugal,
como também dos povos africanos entre outros. Busca ainda expor a necessidade vigente de
um arcabouço cultural por parte dos que são responsáveis pela mediação e a transmissão do
conhecimento na educação formal. Salientando que sem essa gama de conhecimento o
educador negligencia os saberes próprios dos educandos, como também dos seus. A definição
de cultura popular desde seus primeiros usos até o momento atual passou por diversas
transformações e modificações. Muitos estudiosos e estudiosas do tema criaram conceitos
adequados ao seu tempo, sendo posteriormente remodelados a partir de novas necessidades
sociais. A exemplo do samba que primeiramente foi marginalizado para em seguida se
transformar em gênero musical representativo de cultura popular.

PALAVRAS-CHAVE: Conceito.Cultura.Cultura Popular.

494
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LITERATURA INFANTIL AFROBRASILEIRA PARA UMA FORMAÇÃO LEITORA
E IDENTITÁRIA

Izabel Gabriel de Oliveira


Aluna do Mestrado Profissional
em Letras-PROFLETRAS da
Universidade de Pernambuco-
UPE/ Campus Garanhuns

RESUMO: A literatura apresenta uma função essencial, atuar sobre as mentes e os espíritos.
O encontro com essa arte permite que os leitores tenham oportunidade de ampliar,
transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida (COELHO, 1991). Neste sentido,
esta pesquisa tem por objetivo refletir sobre a formação leitora e identitária advinda da
Literatura Infantil. Para isso o estudo pautar-se-á na obra literária “Pretinho, meu boneco
querido” de autoria de Maria Cristina Furtado, 2008. Entendendo que a criança negra
precisa de representações positivas no espaço escolar e, a literatura pode contribuir para a
sua formação leitora e identitária, além de fomentar discussões sobre temas étnicorraciais, os
quais parecem “adormecidos” nessa instituição.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Identidade. Literatura Infantil Afrobrasileira.

495
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
VARIANTES LEXICAIS NAS CARTAS 87 E 92 DOS ATLAS LINGUÍSTICOS DA
BAHIA E SERGIPE
Lidiane Ferreira Silva
Mestranda em Língua e Cultura (UFBA)
Thamires Santana Coelho
Mestranda em Língua e Cultura (UFBA/FAPESB)

Resumo:
A literatura popular, o falar de um povo e seus costumes estão intrinsicamente ligados à sua
cultura. Dentro dos aspectos que envolvem a cultura de um povo está a língua, um dos
instrumentos de interação social, através da qual a cultura é difundida; logo não se pode
dissociar língua, linguagem e cultura. A escola possui um papel de suma importância quando
se fala em promover e defender as manifestações populares, porém parece haver um
equívoco por parte da mesma quanto ao ensino de língua, por vezes, ser dissociado da cultura
do povo que a fala. Nesse sentido, propõe-se que o ensino de língua se aproxime mais da
cultura popular a fim de mostrar o verdadeiro espelho da sociedade. Diante do exposto, este
trabalho analisa como as várias denominações da palavra menstruação podem ser
trabalhadas pela educação formal, ou seja, fazer uma relação entre ensino e cultura popular.
Para tanto, utilizou-se as cartas 87 e 92 do Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB) e o Atlas
Lingüístico de Sergipe (ALS), respectivamente, que registram as denominações para o
sangue que as mulheres perdem todos os meses. Foram encontradas diversas formas para
designar o ciclo menstrual da mulher no interior de Sergipe e no interior da Bahia. Foram
utilizados os pressupostos teórico-metodológicos da Dialetologia e da Geolinguística,
explorando-se a perspectiva diatópica – variação espacial – e os veios sociolinguísticos para
que, segundo Cardoso (2010), se verifique a adequação de dicionários, livros didáticos etc.
aos diversos falares, dando suporte aos professores para o melhor conhecimento da realidade
linguística do Português do Brasil, levando os estudantes a dominarem a variante culta da
língua sem desprestigiar a variante popular nem seus dialetos de origem.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura. Ensino. Língua.

496
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LIVRARIAS E LUGARES LIVRES: UMA LEITURA DO SER HUMANO.

Ingrid Rodrigues
( UFPE- PPGL- Mestranda em Teoria da Literatura.)
Vinicius Pascoal
(UFPE-PPGL - Mestrando em Teoria da Literatura. UPE- PROLINFO-Coordenador de Interiorização)
Thiago Pininga (UFPE-PPGL - Mestrando em Teoria da Literatura.)

Resumo:
As livrarias, durante muitos anos, foram espaço de encontros intelectuais, onde grandes
ideias eram debatidas e grandes pensadores encontravam-se num entrelugar de boemia, para
discutir não só literatura, mas política e todo o tipo de questão social. Esses espaços físicos
abriam suas portas para o saber e para a fomentação de novos ideias políticos. Segundo
Morin (2007), Adorno e Horkheimer (2002) e Van Loon (2010), a livraria era mais do que
um local da indústria cultural: era um espaço cultural. Contudo, nos últimos anos com o
aumento da tecnologia e dos meios de comunicação em massa, o acesso aos livros vem sendo
facilitado por mecanismos inovadores: desde as fontes institucionais de consulta online
(Internet Archive, JSTOR, OpenLibrary, etc) até os caminhos livres (P2P, 4Shared, Scribd,
Megaupload, entre outros).
As campanhas publicitárias direcionadas pelo greencommerce também posicionam um duelo
do papel impresso versus E-Ink, tudo pelo bem da natureza ou do habitat mercadológico? As
livrarias estão mudando seu espaço, diminuindo fisicamente enquanto ampliam a logística
dos longínquos destinos através da internet, redes sociais e correios. Em tempos atuais,
restaria ao livro, e às suas catedrais chamadas livrarias, o destino apocalíptico que fora
denunciado por Ray Bradbury em Fahrenheit 451 (1951), George Orwell, em 1984 (1949)
ou Huxley, em Brave New World (1932)? Esta comunicação visa discutir que espaço sobra
às livrarias, e também debater as atuais formas de acesso aos livros.

PALAVRAS- CHAVE: Indústria cultural. Literatura de massa. Literatura online.

497
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O TEXTO E A LEITURA EM SALA DE AULA: UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA

Illa Pires de Azevedo


Mestranda em Língua e Cultura
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Resumo:
A leitura e a escrita são objetos de constante discussão entre os diversos teóricos da Educação
e áreas afins. Sabe-se que a escrita não foi o primeiro dos mecanismos utilizados pela
humanidade, embora seja dos mais antigos. Mas, desde que foi criada, assumiu um caráter
distintivo, conferindo aos que a dominavam um lugar de destaque na sociedade. Essa
distinção remonta à sua origem e prevalece nos dias atuais. A leitura, enquanto prática, desde
seu aparecimento, está associada à difusão da escrita, à fixação do texto na matéria livro, à
alfabetização do indivíduo, conforme discutem Ezequiel Teodoro e Regina Zilberman
(1995).De acordo com Soares (1995, p. 19), “em nossa cultura grafocêntrica, o acesso à leitura
é considerado como intrinsecamente bom”. Entretanto, existem diferenças no que diz
respeito às condições sociais de acesso à leitura. Logo, sendo a leitura um “processo político”,
a autora chama a atenção daqueles que formam leitores para que haja um cuidado na hora de
executá-lo, uma vez que estes desempenham um papel político que poderá estar ou não
comprometido com a transformação social, mesmo estando ou não de acordo com a
“reprodução” e a “contradição” que estão presentes nas condições sociais da leitura.Este
trabalho, por sua vez, pretende fazer algumas considerações sobre as atividades de leitura e o
trabalho com o texto em aulas de Língua Portuguesa, bem como apresentar algumas
reflexões sobre a leitura, com enfoque na perspectiva da Análise de Discurso pecheutiana, e
de como seria o trabalho realizado a partir desse viés. Para tanto, utilizar-se-á como aporte
teórico, mais precisamente, os estudos de Eni Orlandi.

PALAVRAS-CHAVE:Texto. Leitura. Escola.

498
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CRENÇAS DE ESCRITA NO PNLD – LÍNGUA PORTUGUESA

Márcia Candeia Rodrigues


Professora Adjunta da UFCG-CG
[email protected]

Resumo: As crenças correspondem a ideias, discursos, concepções, representações ou a um


determinado conhecimento sobre algo (BARCELOS, 2006). Em termos de escrita, diversas
são as crenças que professores, alunos, materiais didáticos e documentos parametrizadores
revelam ter/comungar nas práticas diárias de sala de aula, divulgação científica e organização
do trabalho docente. Essas crenças demonstram que a escrita é reconhecida como uma
habilidade; como uma atitude criativa; como fruto de um processo interativo; como gênero;
como uma ação social e política (IVANIC, 2004). Nesse sentido, este trabalho objetiva
explorar as crenças de escrita subjacentes no PNLD - 2014, especificamente no que diz
respeito às orientações das situações de ensino desse objeto em livros didáticos de língua
portuguesa. Esta pesquisa encontra-se em fase inicial e está teórica e metodologicamente
ancorada nas contribuições advindas do ISD – sociointeracionismo discursivo da escola de
Genebra e na discussão sobre os discursos de escrita realizada por Ivanic (2004), além dos
documentos que fundamentam a análise proposta: os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (1997) e o próprio PNLD (2014). Os questionamentos levantados
compõem as investigações realizadas pelo Grupo de Estudos da Escrita (GEE) da
Universidade Federal de Campina Grande-PB.

Palavras-chave: Crenças. Escrita. Discursos. PNLD.

499
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ECOCANÇÕES GERALDIANAS E AS RELAÇÕES ENTRE HUMANOS E MEIO
AMBIENTE – UM ESTUDO ECOCRÍTICO

Edilane Ferreira da Silva


Mestranda em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (UNEB)
Juracy Marques dos Santos
Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais
de Petrolina (FACAPE)

RESUMO
A Ecologia Humana, fortemente trabalhada pelos sociólogos da Escola de Chicago, entre 1910
e 1940 - com um viés sociobiológico –, possui, ainda hoje, diversas formulações conceituais,
por vezes, discordantes e complementares. Porém, sobretudo nos últimos tempos, em virtude
das discussões sobre o novo paradigma científico, reconhecem-se o seu holismo, caráter
sistêmico e transdisciplinar, envolvendo as imbricações entre os seres humanos e a Terra, nos
seus aspectos natural e social. O objetivo deste trabalho, pois, é analisar as relações entre
humanos e meio ambiente, expressas em composições musicais do artista pernambucano
Geraldo Azevedo. A análise das letras das composições pautou-se na ecocrítica, que permite a
transdisciplinaridade, o que permitiu envolver conhecimentos da área literária,
fenomenológica, ecológica – nas suas diferentes ramificações - e da geografia humanista. No
total, foram 25 canções, distribuídas em 11 álbuns, selecionadas a partir dos critérios: serem
de autoria de Geraldo Azevedo – individual ou em parceria - e apresentarem relações
ecológicas, entre humanos, demais seres vivos, elementos e recursos naturais. Os resultados
mostram que as composições de Geraldo Azevedo são ecocanções, as quais apresentam uma
aproximação com a ecologia profunda de Arne Naess, do mesmo modo que com a ecosofia de
Félix Guattari e a ecologia integral de Leonardo Boff, que inclui as ecologias ambiental,
política e social e mental. As músicas também apresentam uma relação de topofilia com o
lugar onde o “eu poético” habita, embora revelem uma noção de “cidadão do mundo”. Isso
mostrou, igualmente, a pertinência das composições para a ecopedagogia e contribuiu,
significativamente, para a discussão em torno das aproximações epistemológicas envolvendo
ecocrítica e ecologia humana.

Palavras-chave: Ecologia Humana. Música. Percepção. Ecocrítica. Educação ambiental.

500
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
“QUASE DE VERDADE”: LITERATURA INFANTIL E DITADURA MILITAR NO
CONTEXTO BRASILEIRO

Edilane Ferreira da Silva


Professora da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro, Bahia.

RESUMO
O presente trabalho objetiva identificar o engajamento presente na literatura infantil
produzida durante a Ditadura Militar brasileira, mais especificamente, na década de 70,
quando o Ato Institucional nº 5 (AI-5) cerceava as produções culturais que veiculavam
ideologias e protestos contra o regime instaurado, assim como discutir as razões que levaram
duas escritoras a escreverem para o gênero nesse período ditatorial. Os corpus de análise
foram O Reizinho Mandão (1978), da escritora Ruth Rocha (1931 - ), e Quase de Verdade
(1978), da modernista Clarice Lispector (1920-1977). Uma sempre escreveu para o gênero
literatura infantil, e a outra possui apenas produções esporádicas, iniciadas durante o regime.
Visando fundamentar, teoricamente, este estudo, ancoramo-nos em postulados da teoria
literária, no que diz respeito ao engajamento na obra de arte, da literatura infantil, bem como
da história política e social. A metodologia analítica, por sua vez, foi a Análise do Discurso
(AD), a qual nos possibilitou constatar que a literatura infantil, durante o regime, possuía
elevado teor crítico e de protesto, diante da realidade social em que o país se encontrava.
Além disso, comprovamos que as escritoras a utilizaram como “rota de fuga” para
continuarem escrevendo sem, contudo, serem vítimas da censura, já que os militares
consideravam o gênero de pouca relevância.

Palavras-Chaves: Literatura Infantil. Engajamento. Ditadura Militar.

501
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CULTURA POPULAR: A TRADIÇÃO NOS TRILHOS DA “PÓS MODERNIDADE”

Erick Naldimar dos Santos


Mestrando em Estudos Literários- UEFS

RESUMO: Embora seja um termo bastante comum, o termo cultura popular, apresenta
contradições quanto sua definição. Se por um lado a cultura popular equivale ao folclore,
compreendido como o conjunto das tradições culturais de um país ou região; por outro,
inversamente, o popular sucumbiu na pressão da cultura de massa. Diante de tantas
definições e contextualizações epistemológicas, pretende-se levar em consideração o lugar da
cultura popular diante desta sociedade pós-moderna em face de suas heterogeneidades e
fragmentações culturais. Neste caminho poderemos destacar um mundo pautado pelas
diferenças e seus espaços construídos por identidades mutáveis, descartáveis e provisórias
neste ambiente pós-moderno. (...) Tanto não marxistas quanto marxistas chegaram ao
sentimento geral de que, em algum ponto, após a segunda guerra mundial, uma nova
sociedade começou a emergir (Jameson, 1983, 113 e 117). Conseguimos compreender, então,
que as culturas não estão isoladas, dissociadas de seu contexto, mas compartilham pontos de
contato que as enriquecem e que permitem aos seres humanos construírem a formação de
diversas identidades. A cultura popular deve ser vista como algo diversificado, plural e
heterogêneo. Acreditamos desta forma, que o universo em que a cultura popular sobrevive,
revigora-se, amplia-se e se torna um produto histórico-social.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular. Pós-modernidade. Construção Identitária.


Heterogeneidade.

502
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
E AS VOZES DO SERTÃO,O QUE ELAS TÊM A DIZER?

Erick Naldimar dos Santos


Mestrando em Estudos Literários- UEFS

RESUMO: Benzeduras, cangaceiros, boiadeiros, caatinga, coronéis. Rio, sóis, mandacarus, e


chão batido. Este espaço geográfico, paisagístico e humano estereotipado, precisa de um novo
olhar, de uma percepção poética que lhe ofereça o protagonismo histórico que lhe é inerente.
O sertão fica assim como sendo um lugar simplista, em que o quadro social e natural são
indissociáveis. No entanto, esse imaginário não pode ser traçado de forma perpétua. Ciampa
afirma que a identidade é um desenvolvimento concreto, uma metamorfose. Os sertanejos
não nascem predestinados como a seca, não devem ser submissos e estarem a ordem do
“Deus dará”. É no bojo desta ligação social e biológica que existe este processo de
Desconstrução e Reconstrução identitária. Com isso, o sertanejo apresenta esta capacidade
de legitimar seus ideais, interesses, saberes e suas relações produzidas. Esta singularidade do
sertão destaca o meio social (sertão) e o sujeito (sertanejo) numa relação de plena
transformação e ressignificação. Existem mais cores, flores e sonhos no Semiárido do que se
costuma vislumbrar, para tanto, faz-se importante a carência dele se perceber no seu
cotidiano, ferver suas subjetividades por uma nova relação ética-estética-política. A partir de
um pensamento eurocêntrico é que este povo foi colocado à margem sendo alvo de rótulos
que se intensificaram historicamente. Que o sangue e o suor do nordestino sejam de lutas
pelo ser e estar no mundo, mas que esta visão não resuma ao pensamento de que o
nordestino está destinado ao sofrimento e a labuta pela sobrevivência. A paisagem, o
ambiente e o elemento humano nos oferecem recursos imagéticos suficientes para nos
proporcionar um olhar mais poético, de cores e possibilidades.

PALAVRAS-CHAVE: Sertão. Ressignificação. Subjetividades. Reconstrução Identitária.

503
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
COLETIVO POÉTICO OGUM’S TOQUES NEGROS: FORMAÇÃO DE LEITOR DE
LITERATURA NEGRA NA REDE SOCIAL FACEBOOK

Hildalia Fernandes
Magnaldo Oliveira dos Santos
Faculdade Dom Pedro II (Docentes)

Resumo:
A escola na função de seduzir os (as) educandos (as) para a leitura literária tem falhado. As
novas formas de leitura e escrita pouco são incorporadas pelas práticas escolares. Estas
últimas continuam tendo o livro como suporte e os títulos que fazem parte do canon literário
brasileiro não são bem aceitos por boa parte dos estudantes. Na contramão dessa corrente de
rejeição ao que secularmente vem sendo imposto a tal segmento, nota-se que cada vez mais a
juventude brasileira, de diferentes classes sociais, tem acesso a uma grande quantidade de
informações e a internet tem sido o alvo preferencial escolhido por essa mesma juventude.
Diante de tal contexto, deseja-se com essa comunicação i) apresentar um projeto poético
intitulado de Coletivo Literário Ogum’s Toques Negros existente na rede social Facebook
desde 2012; ii) explicitar o trabalho de formação de leitor em literatura negra realizado por
essa página; iii) apresentar seções que compõem a fanpage e iv) partilhar algumas postagens
pautadas, quase sempre, na noção de escrevivência defendida por Evaristo (2006) e que
Pereira (s/d) denominará, mais especificamente, de afrovivência. Inicialmente a página
serviu para que o administrador da fanpage, Guellwaar Adún, poeta, contista, educador e
compositor, publicizasse, predominantemente, mas sem exclusividade, as suas poesias
eletrônicas (e-poetry) fazendo uso da multimodalidade (KRESS; LEEUWEM, 1996). Hoje o
projeto poético torna-se Editora Negra de Livros da Bahia e lança a sua Primeira Antologia
Poética em março de 2014, promove lançamentos de livros de autores negros e realiza alguns
eventos de cunho educativo sobre tais temáticas, além de divulgar, também, textos de autores
africanos, africano-americanos e negro-latino-americanos.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura negra. Formação de público leitor. Facebook. Ogum’s


Toques. Guellwaar Adún.

504
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LOCALIZAÇÃO E NARRATIVA: COMO CONTAR HISTÓRIAS ATRAVÉS DAS
MÍDIAS LOCATIVAS

Luiz Adolfo de Andrade


Professor Titular
Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Petrolina
Doutor em Comunicação e Cultura

Tchiang Fong
Graduando em Ciências da Computação
Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Petrolina

Resumo:
A fase da computação pessoal, iniciada no em meados dos anos 80, somada à evolução dos
sistemas operacionais e das interfaces gráficas de ambientes web, habilitou alternativas para
apropriação criativa do meio digital. O computador, antes considerado uma gigantesca
máquina cuja função principal era realizar cálculos numéricos de amaneira automatizada,
passou a ser utilizado desde então como uma poderosa ferramenta para contar histórias. Este
potencial narrativo do meio digital foi ampliado na fase da computação ubíqua, iniciada por
volta de 2005. As mídias locativas, consideradas expoentes da computação ubíqua, são
configuradas a partir de formas criativas de uso de tecnologias e serviços baseados em
localização, agregando informação digital à um local específico. O presente trabalho discute
formas de leituras proporcionadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação,
especialmente as mídias locativas. O objetivo consiste em analisar o potencial narrativo
oferecido por tecnologias e serviços baseados em localização, como mapas, etiquetas geo-
referenciadas, GPS, redes sem fio, smartphones, dentre outras. A hipótese sustenta que as
mídias locativas articulam tecnologia, localização e mobilidade para produzir sentido,
criando um lugar. Para desenvolver nosso argumento, realizamos um estudo de caso de um
jogo de realidade alternativa chamado CodeRunner (2012), um dos indicados ao prêmio de
melhor jogo no festival Golden Joystick Awards. Jogos de realidade alternativa (ARG)
utilizam as novas tecnologias de informação para criar uma forte impressão de realidade
paralela ao mundo real, borrando fronteiras entre mundo real e ficção. Buscamos evidenciar,
através deste estudo de caso, como o jogo desenvolve sua narrativas utilizando o potencial
das mídias locativas.

Palavras-chave: Tecnologias de serviço. Mídias. Jogos.

505
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O TEOR SATÍRICO NA OBRA DE LEANDRO GOMES DE BARROS: UM ESTUDO
SÓCIO-HISTÓRICA DO FOLHETO “O SOLDADO JOGADOR”

Leidiane Faustino Lima (UFCG- Graduanda)


Júlia Neves Gonçalves (UFCG- Graduanda)
Saionara Ferreira Alves (UFCG- Graduanda)
Orientador José Hélder Pinheiro Alves (Professor da UFCG)

Resumo:
A representação dos acontecimentos históricos e condição social de determinados grupos é
uma das temáticas mais importantes da Literatura de Cordel. O poeta popular possui a
capacidade de representar o povo e as classes mais humildes. O poeta Leandro Gomes de
Barros se apresenta como um dos nomes mais conhecidos no tocante à Literatura Popular e é
também pioneiro em representar em sua poesia os problemas e queixas do povo, bem como a
esperteza que o pobre tem para conseguir se sobressair a essa condição. Dessa forma, nesta
pesquisa, fizemos uma apresentação sucinta da vida e obra do poeta, buscando destacar os
temas que se fazem mais presente em seu acervo e, a seguir, nos voltamos para uma análise
mais detida do seu folheto “O soldado jogador”. Nosso trabalho está embasado nas
concepções de Abreu (1999) sobre narrativas de folheto, de Severo (2013), quanto ao poeta e
seu contexto, e Curran (1986), quanto a sátira e crítica social, presente na Literatura de
Cordel, também Norma (1994) sobre os níveis de análise técnica do poema. Serão analisados
a condição social retratada no folheto e o contexto histórico em que se passa a narrativa. Os
procedimentos metodológicos de análise seguiram o seguinte percurso: seleção de recortes
textuais que referenciam o personagem central do folheto na sociedade. Concluímos que
Leandro Gomes de Barros utiliza-se de uma linguagem simples, e num tom crítico, satiriza o
vínculo da Igreja com o Estado. Outro aspecto a ser destacado é a astúcia do pobre em criar
saídas para se livrar de situações sociais adversas.

Palavras-chaves: Leandro Gomes de Barros. Literatura de Cordel. Sátira.

506
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A LUDICIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS

Antônia Aparecida Barros Alencar


Correia (IFSertão PE – Salgueiro –
[email protected] )
Roberta Guimaraes de
Godoy e Vasconcelos (IFSertão PE ––
Salgueiro
roberta.vasconcelos@ifsertao-pe-
edu.br )

RESUMO: Há muitas maneiras de se trabalhar os conteúdos programáticos em sala de


aula, uma delas é unir a pesquisa ao interesse, a criatividade do próprio aluno para
promover, de fato, o envolvimento desse e, consequentemente, a compreensão do
aprendizado. Assim, este trabalho surgiu no IFSertão- Campus Salgueiro, envolvendo os
alunos do Médio Integrado para verificar a necessidade de integração dos conhecimentos
linguísticos nas disciplinas de língua portuguesa e de língua inglesa de maneira lúdica, em
parceria com a disciplina empreendedorismo; possibilitando assim, uma atividade
interdisciplinar.Conforme Fin, 2006, a palavra jogo vem do latim jocu, que significa
“gracejo”, pois além do divertimento, o jogo envolve competição entre os participantes, bem
como regras que devem ser observadas por eles. Na Educação, a palavra jogo é sinônima de
estímulo ao crescimento cognitivo do aluno. Assim sendo,o trabalho foi desenvolvido e
testado nas aulas, tendo os professores como colaboradores no planejamento didático dos
jogos. Hoje, os jogos são percebidos como, além de dinamizadores, subsídios de grande
relevância, para as aulas práticas e momentos de ócio produtivo na Instituição, buscando a
construção/atualização do capital humano. Na visão do psicólogo suíço Jean Piaget, apud
JUY, os jogos são concebidos não apenas como uma forma de dinamismo ou
entretenimento para gastar energias das pessoas, mas instrumentos que contribuem e
enriquecem o desenvolvimento intelectual.Por conseguinte, na vida escolar, os jogos
promoverão um caminho em que a teoria e a prática estejam unidas a fim de que o
professor crie novas condutas educacionais das atividades que deseja desenvolver para o
processo do ensino-aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem dos alunos. Jogos Linguísticos.


Interdisciplinaridade. Ludicidade.

507
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
DOS GRIMM A MANOEL MONTEIRO: NARRATIVAS INFANTIS EM CORDEL

Ananília Meire Estevão


Aluna do POSLE - Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino
Márcia Tavares
Professora do POSLE – Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino
Universidade Federal de Campina Grande/ PB

Resumo:
A literatura e a cultura popular dialogam em vários aspectos de suas estruturas sejam essas
orais, escritas ou visuais. A heterogeneidade característica desta última migra para o texto
literário em prosa ou poético. Assim, a literatura oral cuja vitalidade está no seio popular
perpetua-se até nossos dias por meio da memória e do registro da palavra oral pela escrita.
Entre os textos que percorrem esta trajetória estão os contos de fadas e as fábulas, populares
entre os povos dos pequenos vilarejos medievais, servindo tanto como instrumento
pedagógico infantil quanto distração e entretenimento dos adultos. Os irmãos Grimm foram
pioneiros na coleta destas estórias tradicionais no contato direto com os campônios,
destacando-se ainda Perrault, Andersen, Silvio Romero, Câmara Cascudo, Monteiro Lobato,
entre outros. Tais narrativas foram (re)contadas com o tempo e receberam versões que se
adequavam ao público infantil, em especial, as versões veiculadas pelo estúdio
cinematográfico Disney. Tomando por base tais afirmações nosso trabalho se propõe a
estudar os contos infantis “Chapeuzinho Vermelho versão versejada” e “A dança das 12
princesas” pertencentes a obra Contos e outras narrativas em cordel (2012) de Manoel
Monteiro na qual estão reunidas versões cordelisadas de contos e fábulas infantis. Nosso
intuito é perceber como o poeta dialoga com os textos originais dos irmãos Grimm
“Chapeuzinho Vermelho” e “Os sapatos gastos de tanto dançar ou A dança das doze
princesas”, encontrados na obra Contos maravilhosos infantis e domésticos (2012), bem
como o poeta percorre o caminho inverso, trazendo os textos de volta ao universo da
oralidade que é o cordel, (re)contando-os e (re)adaptando-os ao público infantil do seu
tempo, dialogando, assim, com o leitor. Nossas análises estarão embasadas nos estudos de
Pinheiro (2000), Ayala (2011), Pinheiro e Lúcio (2001), Catenacci (2001), Cascudo (1978),
Pondé (1990), Bamberger (2008), Bordini (1991), Todorov (2009), Jauss (1994) e Colomer
(2007).

PALAVRAS-CHAVE: Literatura de Cordel. Manoel Monteiro. Contos Infantis. Leitor.

508
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O GRANDE PASSEIO: FRED E SEUS AMIGOS CONHECENDO OS
MONUMENTOS DE JUAZEIRO – BA
Marília Nunes (UNEB)

Resumo:
Este estudo apresenta resultados de uma pesquisa com a finalidade de elaboração do
trabalho de conclusão do curso de graduação em Pedagogia, tendo como objeto central da
investigação a construção de conhecimento a respeito dos monumentos histórico-culturais
existentes na cidade de Juazeiro/BA. A questão sensibilizadora da pesquisa centra-se em
aprender sobre a história da cidade revelada no significado de seus monumentos. O objetivo
é produzir recursos didáticos pedagógicos que possibilitem às crianças de quatro a seis anos
aprender de forma lúdica os elementos constituintes da memória cultural do contexto onde
vivem. O patrimônio cultural de uma cidade expresso em seus monumentos revela a história
de uma determinada época e constituem-se verdadeiros museus a céu aberto, entretanto, são
muitas vezes ignorados pelo grande público que passa todos os dias por esses sem
compreender o sentido e significados de sua presença ali. O intinerário metodológico baseou-
se em uma abordagem qualitativa cuja dinâmica da pesquisa consistiu em entrevistar uma
memorialista, analisar documentos, passeio com crianças na faixa etária estabelecida nos
objetivos para recriar na linguagem destas as histórias das obras de arte espalhadas pela
cidade. Os resultados do estudo estão sistematizados no formato de literatura infantil no livro
O grande passeio: Fred e seus amigos conhecendo os monumentos de Juazeiro/BA o qual
apresenta uma linguagem apropriada ao público ao qual se destina a história. O livro se
constitui um material didático que poderá ser utilizado nas escolas para que desde os
primeiros anos escolares as crianças estudem e conheçam a história da cidade, despertando a
criticidade e a valorização do patrimônio cultural.

Pavras-chave: Memória. Patrimônio cultural. Fred. Juazeiro

509
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL, DISCURSOS E FORMAÇÕES
IMAGINÁRIAS SOBRE A PRÓPRIA FORMAÇÃO INICIAL – A LEITURA DE UM
PERCURSO ACADÊMICO

Gláucia Rejane da Costa


Professora - AEVSF-FACAPE

Resumo:
Este trabalho investiga as formações imaginárias dos professores do ensino fundamental do
Vale do São Francisco sobre a própria formação inicial. Tem, portanto, como objetivo uma
análise dos discursos dos referidos educadores, atentando para as condições de produção em
que ocorrem e as formações discursivas das quais os sujeitos enunciam. Fundamenta-se na
Análise do Discurso Francesa, apoiado nas postulações de Pêcheux(1997) e Orlandi(2009).
Quanto à metodologia, optou-se pela qualitativa, considerando a natureza do objeto
estudado. O corpus analisado constitui-se de um recorte de memorial no qual os sujeitos da
pesquisa relatam o seu percurso acadêmico e profissional. Utiliza-se do dispositivo analítico
da AD francesa, tomando como categorias o sujeito, o discurso e as suas condições de
produção, as formações discursivas (FDs) e as formações imaginárias. Verificou-se que os
sujeitos classificam deficitária a sua formação inicial pela frágil relação estabelecida entre a
teoria e a prática, carga horária insuficiente de Língua Portuguesa e Psicologia, preparação
precária para a educação inclusiva, ausência de projetos de pesquisa e extensão e por
negligenciar o estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais, enquanto documento
norteador das práticas educativas no Brasil. Concluiu-se que os discursos se apresentam
marcados pela FDs da academia ao se revelarem identificados com o discurso dos teóricos
defensores da formação continuada, enquanto recurso indispensável aos avanços na
qualidade do ensino no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Formação inicial. Formações imaginárias. Ensino. Discurso.

510
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
TV CAATINGA, A VERDADEIRA IMAGEM DO SERTÃO

Patrícia Lais de Souza Gonçalves


Fabíola Moura Reis Santos
Jornalistas.

Estagiárias na Universidade Federal do Vale do São Francisco.

Resumo:
Uma plataforma virtual educativa que visa desconstruir os estereótipos atribuídos ao
nordeste e principalmente a região semiárida, através de programas e reportagens. O
presente trabalho destaca o papel da TV Caatinga, implantada via internet em 2012 pela
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). A programação atual da WebTv,
que presta serviços nas áreas de comunicação, educação e cultura, compreende 7 programas
educativos com temáticas diversificadas, como ciência, saúde e meio ambiente. Através de
parcerias e convênios, o site também realiza um intercâmbio de conteúdos com instituições
de ensino e pesquisa. O trabalho aborda ainda o papel social da TV Caatinga como uma
difusora de conteúdos que contribuem para o desenvolvimento do país, em especial do
Semiárido, e como um meio de aproximação entre o sertanejo e sua realidade local. Para
isso, a equipe desenvolve trabalhos como produção de entrevistas com personalidades
sertanejas, reportagens sobre a fauna e a flora nativa da Caatinga, programas que resgatam a
memória e a cultura do povo sertanejo, coberturas jornalísticas, entre outros produtos
audiovisuais.

PALAVRAS-CHAVE: Sertão. Semiárido. Caatinga. Nordeste. Estereótipo.

511
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
VIVA CAATINGA!, INTERPROGRAMAS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA

Yonara Thaíse Santos Silva


Patrícia Lais de Souza Gonçalves
Fabíola Moura Reis Santos
Estagiárias na Universidade Federal do Vale do São Francisco

Jaldo Pereira Lopes


Coordenador Técnico.

Resumo:
O Viva Caatinga é um programa educativo, informativo e científico da Tv Caatinga,
plataforma virtual da Universidade Federal do Vale do São Francisco, que apresenta a fauna e
a flora do único bioma exclusivamente brasileiro, divulgando as espécies a partir de seu nome
popular e científico, localização, hábitos alimentares e de vida, além de curiosidades. O
programa também apresenta os costumes e atividades do homem sertanejo. São 63 edições já
realizadas, que seguem uma linguagem coloquial, próxima da comunidade, das suas falas e
cotidiano. Além da divulgação via internet, os programas Viva Caatinga vão ser distribuídos
nas escolas públicas do estado de Pernambuco, graças a uma parceria entre a TV Caatinga e o
governo estadual. Essa divulgação contribui para fomentar a difusão cultural e científica do
Semiárido, uma vez que apesar da Caatinga possuir uma grande diversidade de espécies na
sua fauna e flora, a riqueza natural proveniente desse bioma ainda é desconhecida. Além
disso, muitos animais e plantas estão ameaçados pela falta de consciência ambiental e o
programa contribui para a preservação, que começa em cada escola e nos lares dos sertanejo,
se expandindo para todo o país.

PALAVRAS-CHAVE: Sertão. Semiárido. Caatinga. Nordeste. Programa.

512
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MARIEN E POMMOT: O SERTÃO MATO-GROSSENSE NA VISÃO DE DOIS
FRANCESES

Suze S. Oliveira
Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT
Professora de Literatura Francesa

Resumo:
Este trabalho se inscreve no contexto da pesquisa intitulada “O romance adentra o sertão:
produção e critica em Mato Grosso na 1ª metade do século XX”, do grupo de pesquisa em
Literatura sob a coordenação da professora Dra. Franceli Aparecida Silva Mello. De caráter
documental, a partir de um diálogo e contribuições de Lucien Goldman, Walnice Nogueira
Galvão, Georg Lukács, busca-se investigar as obras produzidas em e sobre Mato Grosso no
século XX e, neste caso especificamente, a caracterização do sertão e do ‘homem’ mato-
grossense a partir da ótica de dois escritos franceses: Alfredo Marien, em “Era um poaieiro”,
divulgado a partir da publicação da coleção “Obras Raras da Literatura Mato-Grossense” e
George Pommot, em “Tout l’or de l’Eldorado”, cuja cópia do romance foi disponibilizada por
uma pessoa da família Pommot. Poucas são as informações disponíveis sobre os dois autores,
contudo, elas nos levam a crer que seus romances trazem elementos de vivências e passagens
em Mato Grosso, sendo, portanto, em parte, autobiográficos. Por se tratar de um projeto
iniciado em março de 2012, está, portanto, em fase inicial de estudos e levantamento de
registros documentais sobre a produção romanesca em Mato Grosso, os resultados ainda são
preliminares.

PALAVRAS-CHAVE: Romance. Sertão. Mato Grosso.

513
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO

Magna Kelly da Silva Sales Calado


Mestranda em Letras – PROFLETRAS
UPE – Campus Garanhuns

RESUMO
Sabe-se que, tradicionalmente, o ensino de língua portuguesa é muito voltado para o estudo
da nomenclatura gramatical, já a relação entre leitura, compreensão e produção escrita, nas
escolas, de modo geral, está muito aquém do que se espera, visto que há uma necessidade
imensa de se obter bons resultados nas três. Então, o que poderia contribuir efetivamente
para a melhoria desses resultados, seria relacionar diretamente as atividades de leitura,
compreensão e produção escrita, e não considerá-las como etapas distintas do processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Assim, o objetivo da pesquisa foi analisar os
efeitos da leitura e compreensão para a produção escrita, com enfoque no aperfeiçoamento
da escrita argumentativa. Entende-se, então, que o envolvimento amplo com a leitura
aprimora a compreensão e, dessa forma, o processo de reconstrução através da produção
escrita apresentar-se-á de modo mais fácil. E, esta pesquisa, justificadamente, busca indicar a
importância de inter-relacionar as propostas de leitura, compreensão e produção escrita. A
pesquisa converge com a linha de estudos semelhantes aos de Smith (1999), Marcuschi
(2008), e Geraldi (2002), em que se prevalece a ideia de que na produção textual é necessário
colocar em prática e aperfeiçoar a leitura e a compreensão.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Compreensão. Produção Escrita.

ANÁLISE DO DESEMPENHO COGNITIVO DE ALUNOS DO 8º ANO DO ENSINO


514
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO

Clislane Ramos de Brito (UFCG – Graduanda do curso de Letras)


Igor Soares Araújo (UFCG - Graduando do curso de Letras)
Manassés Morais Xavier (Orientador - UFCG – Professor Mestre)

Resumo: Os descritores advindos do Guia de Elaboração de Itens de Língua Portuguesa têm


a finalidade de orientar o professor no momento de avaliar seu aluno, parte de suma
importância no processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, no presente trabalho
objetivamos analisar o desempenho cognitivo de alunos do 8º ano de uma escola pública da
cidade de Campina Grande-PB, através de um simulado aplicado nas intervenções feitas por
alunos do Curso de Letras-Português. Tal simulado tinha como finalidade diagnosticar o
desempenho dos alunos com base nos descritores do Guia de Elaboração de Itens de Língua
Portuguesa. Para que fosse possível nossa análise, escolhemos o descritor 18; já que apenas
um acertou de 32 alunos; ou seja, um único aluno soube ”Reconhecer o efeito de sentido
decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão”. Fundamentam nosso
trabalho as contribuições teóricas de Kleiman (2000). Marscuschi (2008), Mendonça (2002)
e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua portuguesa do 3º e 4º ciclo do Ensino
Fundamental (1998). Os resultados da análise desenvolvida demonstram que os alunos do
8º ano tiveram um péssimo desempenho referente ao reconhecimento de Figuras de
Linguagem e Interpretação Textual, nos mostrando que é necessário ter por parte do
professor um trabalho mais aprofundado nas séries finais do ensino fundamental, utilizando
os descritores como auxilio no ensino-aprendizagem dos eixos da língua portuguesa: leitura e
escrita.

PALAVRAS-CHAVE: Desempenho. Análise cognitiva. Ensino Fundamental. Descritores de


Língua Portuguesa. Ensino.

515
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LEXICOGRAFIA E INTERCULTURALIDADE NA PALAVRA CABOCLO
Alexandre Borges Cavalcante
Anna Charlotte Coelho Reis de Souza
Lauana Sento Sé
Alunos de Graduação
Universidade do Estado da Bahia

Resumo:
O universo lexical do semiárido baiano é bastante diversificado, incluindo o acervo linguístico
de diferentes comunidades, entre elas: indígena, quilombola e sertaneja. Essa pesquisa
pretende desconstruir as definições estereotipadas que muitas vezes são trazidas nos
dicionários de língua portuguesa. Em especifico, o presente trabalho traz como recorte a
palavra caboclo, que transita entre os três universos lexicais apresentados, mas com sentidos
diferentes. Para isso, foi adotado o pressuposto teórico da abordagem intercultural do Lexiss
(grupo de lexicografia da UNEB e UEFS). Além dos referenciais teóricos de lexicultura
(GALISSON, 2000), etnografia ( PEREZ, 2002) e comunidades linguísticas (CALVET, 2002).
A pesquisa é qualitativa e realiza análises intertextuais do verbete caboclo inserido em cada
um dos contextos em que faz parte e por fim faz uma comparação com o verbete no
dicionário Aurélio, que refletiu em inúmeras observações no que diz respeito a ausência de
sentidos aliados a aspectos culturais de cada comunidade onde a palavra é utilizada. Para o
corpus de estudo indígena, caboclo é uma referência particular, feitas dos próprios para com
os próprios. Para as comunidades quilombolas, caboclo diz respeito a um espírito que
possuía corpos de humanos e animais. Já para o sertanejo, os dois significados estão
presentes: Caboclo é usado para se referir tanto ao índio e ao próprio sertanejo, quanto para
o espírito referendado nas comunidades de quilombo. Os resultados esperados da pesquisa
estão voltados para a produção de um dicionário intercultural, onde o verbete em questão,
assim como outros, possam ser apresentados de forma diferente, contextualizada e que
valorize o meio e as pessoas que os falam.

PALAVRAS CHAVES: Lexicografia. Sertão. Quilombos. Indígenas Sertanejos.

516
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CORDEL: LITERATURA, MÍDIA E ENSINO

Arinélio Lacerda dos Santos Júnior


Mestrando
Universidade Federal de Campina Grande

Resumo:
O desenvolvimento de novos suportes e a sua utilização para o cordel em ambientes
diferentes parece ser uma discussão interessante, uma vez que permite refletir sobre as
adaptações do cordel na sociedade. Nessa perspectiva, observa que surgem novos modos de
produção, bem como de circulação dessa manifestação popular e, como consequência, novos
leitores. Se observar os dias atuais, constata-se que os leitores de folheto encontram-se nas
mais diversas esferas sociais, com presença em espaços que vão desde a feira e bancas de
revistas, até a escola e os meios midiáticos. Logo, o presente artigo tem necessidade de
contemplar dois dos assuntos que mais ganham destaque entre pesquisadores, poetas e
apreciadores do folheto de cordel: o uso do espaço virtual por poetas e a utilização do cordel
na sala de aula. Assim, este estudo tem como objetivo investigar, através de folhetos e
suportes midiáticos de dois poetas, a presença de novos leitores no suporte da internet. Além
disso, faz parte do nosso objetivo, discutir como o cordel apresenta-se atualmente inserido no
âmbito da sala de aula. Desta forma, as contribuições do trabalho apresentam-se quando se
discute sobre a importância da inserção da literatura de cordel no espaço escolar, sugerindo
novas abordagens desse texto literário e a observação do papel que suportes midiáticos têm
dados aos cordelistas para uma possível contribuição dessa produção cultural. Com relação
aos fundamentos basilares que sustentam o trabalho, têm-se, entre outros: Abreu (1999), que
discute a historiografia e as particularidades existentes entre a literatura de cordel
portuguesa com o cordel brasileiro; Galvão (2001), que faz um traçado sobre o perfil do leitor
de cordel brasileiros das primeiras décadas do século passado; Marinho; Pinheiro (2012), que
intensificam as discussões sobre o cordel no espaço escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular. Internet. Ensino.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A PERSONALIDADE AUTORITÁRIA EM SARGENTO GETÚLIO, DE JOÃO
UBALDO RIBEIRO

José Helber Tavares de Araújo


Doutorando do PPGL/UFPB
Universidade Federal da Paraíba

Resumo:
Neste trabalho pretendemos identificar, na leitura de mundo do protagonista do romance
Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, as tendências de uma personalidade de conduta
autoritária que tende a aceitar uma ordem abstrata opaca, advinda do exterior, como certeza
moral de harmonia consigo mesmo. As ideias do personagem sertanejo Getúlio revelam a
ausência de mediação entre o mundo administrado e a entronização do sujeito, um dos
principais fundamentos da crítica negativa de Adorno. No transporte de um preso político, do
interior da Bahia até a capital de Alagoas, várias são as nuanças da prontidão de Getúlio para
a violência brutal, arbitrária e racionalizada. Encontramos no protagonista uma satisfação
individual em suas atitudes totalitárias, de modo que, na exposição dos seus aspectos
psicológicos, é possível perceber uma seleção de necessidades, muitas vezes ilógicas, que
alimentam o orgulho de uma pretensa individualidade e independência de valores
excludentes de qualquer aproximação com o que lhe é diferente. Assim, sob as proposições
adornianas, nossa interpretação é a de que Getúlio apresenta o falso apartheid integral do
sujeito com o objeto, pois este personagem, por um lado, hipostasia o meio de forma
irrevogável, ou seja, nada pode ser mais além do que já é dado, um mundo inteiramente
positivado. Por outro, ele representa a desagregação do indivíduo, de consciência reificada no
embaralhado de seus valores idiossincráticos.

PALAVRAS-CHAVE: João Ubaldo Ribeiro. Sargento Getúlio. Theodor Adorno.


Autoritarismo. Epopeia Negativa.

518
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
JÁQUITUVAILÁPRÁFÊRA, MEU AMIGO TRAIS UMA COISINHA PARA MIM

Darcilia M. P. Simões
Procientista UERJ

Rossane Nascimento
Fundação Casa dos Carneiros

Resumo:

A língua e a arte se combinam na produção de retratos dos brasis que, espantosamente,


muito poucos brasileiros conhecem. Embora muito se discuta em relação às variedades
linguísticas e sobre inclusão, a questão da variação cultural ainda carece de muita reflexão e
da produção de estratégias didáticas e pedagógicas que de fato aproximem povo brasileiro e
multiplicidade cultural. Nesse sentido, vimos desenvolvendo pesquisa no Cancioneiro
Elomariano (Elomar Figueira é compositor baiano de Vitória da Conquista), cujas páginas
nos oferecem cenários brasileiros interioranos retratados na variedade “sertanesa” (cf.
Elomar), em que são apuráveis arcaísmos, neologismos literários e muitas formas típicas dos
camponeses, vaqueiros, tropeiros e demais tipos brasileiros que ainda povoam o interior do
país. Os mundos sertânicos reinventados por Elomar nos convidam a conhecer o Brasil.
Nesta comunicação, pretendemos explorar a letra de “OPidido”(do“AutodaCatingueira”), por
meio de uma abordagem lexicogramatical (Halliday, 1985; 2004) apoiada na teoria da
iconicidade (Simões, 2009), com vista a demonstrar uma proposta de trabalho com
vocabulário que venha a subsidiar não apenas as aulas de língua portuguesa, mas também as
de geografia, história, arte, cultura entre outras. Nessa perspectiva, identificaremos no texto-
objeto (letra de música) itinerários de leitura a partir de: (a) marcas textuais nas escolhas
vocabulares, na posição das formas nos enunciados, na organização das rimas etc. e (b)
marcas discursivas na expressão de emoções e intenções argumentativas de base religiosa,
política, sociocultural etc. Com base na pesquisa e na aplicação iniciada em 2002, cremos
poder deixar significativa contribuição tanto para o conhecimento sociocultural do Brasil a
partir de suas linguagens, como para as áreas específicas de leitura e produção textual em
língua portuguesa, considerada a variação linguística e sua relação com a cultura nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Língua Portuguesa. Cultura Brasileira. Cancioneiro Elomariano.


Iconicidade Lexical. Pesquisa e Ensino.

519
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A CANTIGAS AFRO DESCENDENTES COMO FERRAMENTA DE (RE)LEITURA
DA HISTÓRIA NA POESIA DE BRUNO DE MENEZES

Josiclei de Souza Santos (professor da UNIFESSPA)


Alessandra Nunes Bezerra (aluna de pós-graduação em Artes da UFPA)

Resumo:

O presente trabalho estuda o cancioneiro afrodescendente na poesia de Bruno de Menezes,


como a voz da memória de um grupo social sobre a história e a sociedade hegemônica. O
modernismo latino-americano possui um entrecruzamento da modernidade com a tradição,
daí é possível perceber em muitas obras modernistas o que Canclini diz constituir o
modernismo latino-americano: o trabalho com as inovações técnicas nas linguagens artísticas
modernas, aliado à investigação da realidade dos países, a partir da cultura popular. Bruno
de Menezes é um dos modernistas que valorizaram a poética popular, aproximando a cultura
letrada hegemônica da cultura oral subalterna. A poesia bruniana aproximou o individual do
coletivo, ao aproximar a sua voz poética da voz anônima das composições populares que
circulavam entre os negros. Essa poesia popular, que o poeta intercalou à sua, fala do
sagrado, do trabalho, das lutas, enfim, do cotidiano dessa comunidade. Esta voz anônima que
circula oralmente e à margem da escrita, para Bruno é uma voz silenciada que precisa ganhar
o centro da história. Esta voz anônima remete a uma imagem do passado, presentificada e
viva na memória, fundindo a memória individual com a memória coletiva de luta.

PALAVRAS-CHAVE: Afrodescendência. Cantiga popular. Identidade. Poesia.

520
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
III PROJETO DE LEITURA: A ARTE DE PROTAGONIZAR AS LINGUAGENS

Benilda Soares Torres dos Santos


Catarina Pires Quirino de Sá
Luzia Maria Benta Bringel
Maria Ribeiro da Silva
Wilkislaine Silva Carvalho de Lima.
Professoras da Escola Estadual Senador Paulo Guerra

Resumo:
O III Projeto de Leitura: A Arte de Protagonizar as Linguagens, realizado pelas professoras de
Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio da Escola Estadual Senador Paulo
Guerra, teve como objetivo incentivar a leitura de clássicos universais e da literatura
brasileira. Sua metodologia consistiu na distribuição de um título previamente selecionado
pelas professoras para ser lido pela turma. Em seguida, foram lançadas as seguintes provas
nas diversas linguagens: Representando, na qual os estudantes protagonizaram um trecho
do livro, caracterizando o ambiente e os personagens; na prova Musicando, os alunos foram
instruídos a procurar uma música atual que representasse a temática da obra; Recriando foi
a prova que requereu dos estudantes a transposição dos romances para o gênero história em
quadrinhos; a prova Escrevendo consistiu na produção de carta pessoal fictícia para um
personagem de destaque do livro questionando suas atitudes e outra carta na qual o
personagem exerceu o seu direito de resposta; na prova Divulgando, os estudantes
produziram uma campanha publicitária que foi postada em página criada pela equipe de
professoras com o objetivo de incentivar a leitura dos livros e convencer os internautas a
curtirem-nas; em Noticiando, foram elaboradas capas de jornal contendo manchetes
relacionadas aos fatos relatados na obras; Foram construídas maquetes representando
cenários e personagens principais, utilizando material reciclado, na prova Reciclando; em
Desfilando, os estudantes caracterizaram-se dos personagens principais dos livros e
realizaram um desfile, durante o qual foram narradas as suas características.

PALAVRAS-CHAVE: Projeto. Leitura. Protagonizar. Linguagens. Literatura.

521
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
CONTADORES DE HISTÓRIAS: SEUS CAUSOS E ENREDOS COMO FONTES DE
LETRAMENTOS NA COMUNIDADE DE MANIÇOBA-JUAZEIRO/BA.

Sayonara Cordeiro de Marins Nogueira


Mestranda em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos - UNEB- Campus III

Resumo:
Este trabalho trata de um Antiprojeto de Pesquisa aprovado na seleção de Mestradodo
Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da Universidade
do Estado da Bahia – UNEB, Campus III. Que visa investigar as práticas de contação de
história da comunidade de Maniçoba - BA considerando os pressupostos culturais e de
letramentos presentes nos relatos dos contadores de histórias. Percebe-se que há
possibilidades de se pensar em um recorte entre a cultura popular com seus diferentes
saberes e a leitura da escola com outros saberes, e nesse sentido permitir uma educação
contextualizada, reconhecendo que as contações de histórias podem implicar em toda a
ambiência cultural, escolar e comunitária, fortalecimento o empoderamento de pertença
singular dos contadores de histórias. A fundamentação teórica está sendo embasada nos
Novos Estudos de Letramentos (STREET, 2010); com as práticas sociais de
leitura(KLEIMAN, 2007) bem como (VANCINA,1982) interagindo com a tradição oral; e a
metodologia de uma postura qualitativa de natureza da pesquisa-ação (THIOLLENT, 2009).
A discussão vai permear pelo mapeamento das práticas de contação de história dos
contadores da Comunidade de Maniçoba em Juazeiro – BA;observação dos pressupostos
apresentados nas contações de histórias se são inventadas ou se são criadas a partir de
situações reais; identificação de práticas pedagógicas no espaço escolar que fomentam a
cultura local;ecompreensão como as narrativas orais se mantêm vivas através do tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Contação de história. Letramentos. Práticas de leitura. Tradição


Oral.

522
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
UM PONTO DE CULTURA PARA LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA– BLOG:
“NOSSA ESCREVIVÊNCIA”
Magnaldo Oliveira dos Santos
Hildalia Fernandes Cunha Cordeiro
Faculdade Dom Pedro II

RESUMO
Elevados índices de desigualdades sociais, principalmente, os indicadores étnico e racial, a
falta de políticas de amplos investimentos, por parte do Estado, no campo da educação, as
dificuldades de se transcender práticas pedagógicas que não atendem aos anseios e
necessidade dos discentes, entre outros aspectos, fazem também do Brasil um país sem
tradição de leitura. Esta situação se agrava para a população negra que, não por coincidência,
ocupa os mais baixos patamares econômicos do país e, quase sempre, tem que subtrair o
tempo que deveria ser para estudar, com o trabalho precoce, no que diz respeito às crianças, e
trabalho informal, na maioria das vezes, quando que se refere aos jovens e adultos.
Acrescenta-se a isso, o processo histórico de coisificação, discriminação e exclusão que o povo
negro tem sofrido ao longo dos séculos, além das representações deformadas e negativas nas
áreas das ciências e das artes e, na literatura, em especial, o corpo da mulher negra, foi alvo
preferencial. Apesar das enormes barreiras históricas, o povo negro vem transcendendo,
demonstrando tenaz capacidade de produzir conhecimentos, saberes e artes em geral. Na
literatura, a mulher negra tem se insurgido e vem “assenhorando-se da pena” (EVARISTO,
2005) para (re) escrever e dignificar a si e ao seu corpo, fazendo-se sujeito protagonista de
suas e outras histórias, revelando outras representações possíveis. O blog “Nossa
escrevivência”, de Conceição Evaristo (2012), foco desta comunicação, entre tantos outros
canais virtuais da internet, se inscreve como um ponto de cultura que produz, fomenta,
divulga e projeta a literatura negro-brasileira (CUTI, 2010) para o Brasil e para o mundo,
alcançando um significativo número de pessoas de diferentes raças, classes, gêneros e idades.
Desse modo, mulheres e homens negros vêm revolucionando e transformando o modo de se
conceber e produzir literatura na contemporaneidade, fazendo nossas escrevivências
(EVARISTO, 2006).

PALAVRAS-CHAVE: Literatura negro-brasileira. Educação. Blog. Escrevivência.Conceição


Evaristo.

523
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
HISTÓRIA DE UM BODE, CONVERSA FIADA: PROSAS DE GRACILIANO
RAMOS

Shayelli Laiany Mareco Abrantes – UFCG – bolsista cnpq


Maria de Lourdes Dionizio Santos – UFCG - orientadora

RESUMO
Trata-se de um estudo sobre as narrativas “História de um bode” e “Conversa fiada”, de Graciliano
Ramos, tendo em vista que, as duas narrativas desse autor apresentam diferentes perspectivas em sua
estrutura, o que é sugestivo para provocar reações diversas na recepção do público juvenil, conforme
nossa proposta de investigação desses gêneros literários. No sentido de contribuir com a formação
integral desse público, instigando a manifestação do seu ponto de vista sobre as temáticas suscitadas
pelos referidos textos, inserimos os alunos da 2ª série do Ensino Médio da Escola Técnica de Saúde de
Cajazeiras do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal de Campina Grande – Alto
Sertão Paraibano –na dinâmica da execução das atividades de leitura e debate em sala de aula,
considerando sua condição de atores sociais que compõem, efetivamente, a história de nossa
sociedade. Partindo desses princípios, através da leitura de textos literários, propiciamos o
desenvolvimento do senso crítico desse público, preparando-o para o acesso ao mercado de trabalho,
mas, acima de tudo, formando sujeitos críticos – indivíduos habilitados para compreenderem
problemas da realidade social, e exercerem uma postura ética adequada na vida.

PALAVRAS-CHAVE: História de um bode. Conversa fiada. Narrativas de Graciliano


Ramos.

524
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
FACEBOOK: INTERAÇAO PARTICIPATIVA COMO CONTRIBUTO PARA
MATERIALIZAÇAO DA LEITURA

Laene Alves Pacheco Vaz


Mestranda, PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns
Benedito Gomes Bezerra
Professor Orientador, PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns

RESUMO

O Facebook, site que potencializa a formação de redes sociais, é constituído por indivíduos e
pelas conexões estabelecidas entre eles, permitindo-lhes a interação, marcado por diferentes
práticas de linguagem que atendem a variados propósitos comunicativos, comportando,
inclusive, diversas formas de materialização da leitura. Nessa perspectiva, este trabalho
discute as páginas desse ambiente virtual, enquanto alternativa para promoção de
campanhas políticas partidárias, administradas e mantidas para fins eleitorais, nas quais
coexistem múltiplas semioses: audiovisuais, verbais e icônicas (inclusive fotos de eventos),
revestidas de um discurso persuasivo e ideológico, que podem ser lidos e interatuados por
qualquer pessoa que disponha uma conta no ambiente, de modo rápido e ilimitado
geograficamente. A ênfase do trabalho consiste em discutir que características são mais
recorrentes nas páginas oficiais dos candidatos partidários no ambiente Facebook e que
papel é atribuído ao leitor-autor dos hipertextos que circulam nas mesmas, os quais
interagem de forma participativa. Serão analisadas quatro páginas oficiais partidárias,
recolhidos no mural da pesquisadora no Facebook, sendo que, para a orientação da coleta,
seleção e análise do corpus a pesquisa ancora-se na proposta teórico-metodológica de Bathia
(2009) concernente à investigação profunda de um gênero. Para discussão dos resultados
encontramos respaldo nas prescrições de Maingueneau (2013) e Miller (2012). Pode-se
concluir que as páginas analisadas trazem a literatura da campanha, ações realizadas,
capacidade interativa, entre outros aspectos, de modo que os leitores, em virtude da
participação interativa, estabelecem relações textuais e discursivas entre os textos
disponibilizados em rede, mantendo um diálogo por meio da interatividade e dos recursos
disponibilizados pelo próprio aparato tecnológico, materializando, portanto, a leitura.

PALAVRAS-CHAVE: Materialização da Leitura. Facebook. Leitor-autor. Anúncios


publicitários.

525
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
PRODUÇÃO TEXTUAL: ORGANIZAÇÃO E SENTIDO A PARTIR DO GÊNERO
“CONTO DE ENIGMA”

Diana Pereira Costa


Ecia Mônica Leite de Lima Freitas
Mestrandas do Mestrado Profissional em Letras - PROFLETRAS
Universidade de Pernambuco- Campus Garanhuns

Resumo:
Um dos principais problemas enfrentados na escola é a falta de domínio que os estudantes
apresentam em relação à produção de textos. Neste sentido, esta pesquisa teve por objetivo
investigar a capacidade dos estudantes de produzirem um “conto de enigma”, baseada na
perspectiva do ensino através de gêneros textuais por Marchuschi (2008) e Bazerman (2011),
do letramento literário por Cosson (2009) e do letramento como uma prática social, em que
os indivíduos usam a escrita como forma de inserção na sociedade grafocêntrica por Soares
(2008). Para tanto, foi proposto a produção de um conto de enigma em uma turma do 8° ano
do Ensino Fundamental da Escola Professora Elisa Coelho, da rede estadual de Garanhuns.
Em seguida, procedeu-se a análise de dez textos para a construção do corpus. Nos resultados,
evidenciou-se práticas de letramento literário e social nas produções, mas também
dificuldades quanto aos aspectos estruturais do gênero e sistêmicos da língua. Ressalta-se a
importância dessa pesquisa, tendo em vista sua contribuição para a compreensão do nível de
produção textual dos estudantes, bem como de levar a escola a repensar práticas que
viabilizem a produção de textos eficientes.

PALAVRAS-CHAVES: Gênero. Letramento. Produção de texto.

526
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
RESSIGNIFICAÇÃO DO PAPEL DA LEITURA EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA NA SALA DE INFORMÁTICA

Vera Lúcia de Siqueira Lira


Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns
Mestranda Profletras

RESUMO
A inserção das novas tecnologias da informação e da comunicação nas escolas, sobretudo do
computador, através de espaços denominados Sala de Informática, resultantes da adesão das
escolas ao (ProInfo), Programa Nacional de Tecnologia Educacional criado pela Portaria nº
522/MEC, de 9 de abril de 1997, evoca a necessidade de discussão acerca da funcionalidade
de tais ambientes e ferramentas tecnológicas no desenvolvimento de atividades didático-
pedagógicas que favoreçam a ressignificação do processo de leitura, principalmente em aulas
de Língua Portuguesa. Neste cenário, compreende-se que o ato de ensinar torna-se
indissociável da necessidade do reaprender, do reaprender, inclusive, a ensinar, da constante
busca do envolvimento do humano com o tecnológico e da reflexão acerca das possibilidades
do uso da Sala de Informática em práticas significativas de leitura. Assim, o presente trabalho
parte de uma pesquisa que objetiva analisar usos da Sala de informática em atividades que
contribuem para a ressignificação da leitura em meios digitais. Ancora-se na análise de
práticas pedagógicas em sala de informática e de resultados de questionários aplicados com
nove professores do ensino fundamental I em duas escolas municipais de Garanhuns (PE)
que dispõe de SI. O referido questionário compreende questões relativas à identificação da
realização de atividades através de ferramentas digitais, em aulas de Língua Portuguesa, com
enfoque em práticas de leitura de variados gêneros. Foram tomadas as contribuições teóricas
de Chartier (1999) acerca da trajetória da leitura e da escrita, de Freitas (2005) sobre
educação e informática e os computadores na escola, Braga (2013) sobre ambientes digitais e
Zilbermam (2009) sobre leitura e escrita em meios digitais.

PALAVRAS-CHAVE: Sala de informática. Leitura. Meios digitais.

527
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
OS RECURSOS SONOROS DOS TEXTOS COMO ESTRATÉGIA PARA A
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES METAFONOLÓGICAS

Maria Rivaldízia do Nascimento


Daniella Cavalcante Silva
Mestrandas do PROFLETRAS
UPE – Campus Garanhuns

RESUMO

A consciência metafonológica é requisito importante para a aquisição da leitura e da escrita,


por isso, diversos estudos procuram atinar as melhores e mais eficientes formas de trabalhar
tal habilidade na alfabetização. Isto, comumente, envolve atividades lúdicas vivenciadas em
sala de aula por grande parte dos alfabetizadores. Entre estas atividades aparecem, com
muita frequência, propostas teórico metodológicas baseadas na exploração de recursos
sonoros existentes em textos poéticos e textos da tradição oral. Entretanto, surge como objeto
de investigação uma relevante questão: os professores possuem domínio conceitual sobre
consciência metafonológica ao lançarem mão de tais propostas? Diante disso, objetivamos
averiguar como os educadores, em sua prática pedagógica, estabelecem relação entre os
recursos sonoros de parlendas, poemas, trava-línguas e quadrinhas com atividades de
consciência fonológica no processo de aquisição da escrita na alfabetização. Para isso,
realizaremos pesquisa qualitativa, composta de entrevista semiestruturada com questões
mistas, a partir do que propõe Minayo (1996), com cinco professores de 1º ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública municipal. Os princípios teóricos de Ferreiro e
Teberosky (1999), Cardoso-Martins (1991) e Bortoni-Ricardo (2006) nortearão as discussões
realizadas cuja principal expectativa é contribuir com aqueles que se propõem a alfabetizar
letrando. Os resultados evidenciam que, apesar de trabalhar na alfabetização e precisar saber
direcionar para a prática pedagógica conceitos de fonética e fonologia, o educador ainda
demonstra pouca habilidade em mobilizar os saberes dessa área do conhecimento para o
ensino-aprendizagem dos diferentes domínios da língua portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Habilidades Metafonológicas. Letramento. Recursos Sonoros.


Leitura.

528
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
MULTILETRAMENTO INTERSEMIÓTICO:
ANÁLISE DOS GÊNEROS MULTIMODAIS LITERÁRIOS NOS LIVROS
DIDÁTICOS E NA PROVA BRASIL

Edilaine Pereira de Sousa1


Orientadora: Amara Cristina Botelho 2

1. Estudante do Mestrado Profletras-Campus Garanhuns-PE


2. Professora Doutora da UPE/ Campus Nazaré da Mata

RESUMO

Esta pesquisa tem como foco a multissemiose estudada por Kress e Van Leeuwen (1996) bem
como estudos no Brasil feito por Dionísio (2013) que enfatiza ser os recursos
multissemióticos cruciais para apreensão de sentidos. O intuito é analisar se as práticas de
leitura e escrita dos gêneros multimodais consideram as categorias analíticas preceituadas
na “gramática do design visual” (Kress, 1996) e se nas sequenciais didáticas há reflexão
acerca dos fatores de textualidade estudados por Beagrande e Dressler (1983). A análise dos
dados está sendo feita com base em teóricos sociointeracionistas, a exemplo de Bakhtin
(1979), Marcuschi (2003), Schneuwly e Dozl (1997), sendo a noção de texto a partir desta
visão definido como a manifestação concreta do discurso, numa perspectiva sociosemiótica,
na qual os significados são entendidos a partir de escolhas de unidades significativas,
estruturalmente organizadas, disponíveis no sistema linguístico e motivadas socialmente. O
corpus da pesquisa está sendo composta por gêneros multimodais, extraídos dos livros
didáticos de 6° ao 9° ano de Magda Soares visando identificar se a autora parte de uma
perspectiva dialógico-discursiva na abordagem dos gêneros, bem como a análise destes na
“Prova Brasil” destinada a alunos do 9° ano, ou seja, se as questões propostas no exame
levam em conta a informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade, o
hipertexto e se os alunos interpretam de forma adequada tais gêneros com recursos
multissemióticos considerando dados nacionais e locais. Esta pesquisa encontra-se em
andamento e constitui parte do trabalho de conclusão de curso do programa nacional de
mestrado PROFLETRAS, na UPE em Garanhuns-Pe.

PALAVRAS-CHAVES: Multiletramento. Intersemiose. Práticas de Leitura e Escrita.

529
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO: (DES)CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE
SERTÃO A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO
CETEP
Laiane Fraga da Silva
Graduanda em História
UNEB –Campus VI

RESUMO: O presente trabalho visa discutir a construção do imaginário de sertão, tendo em


vista o papel da mídia e das relações de poder imbricadas neste conceito. Para tanto, busca as
experiências do Estagio Supervisionado IV e da oficina ministrada em parceria com o
Programa Institucional de Iniciação a Docência (PIBID) realizada com alunos do 9º ano do
ensino fundamental na escola municipal da escola Ovídio Teixeira e do 3º ano do ensino
médio do curso técnico em mineração, da instituição Centro de Educação Profissional do
Sertão Produtivo (CETEP), ambos localizados na zona urbana do município de Caetité, para
discutir a (des)construção do imaginário de sertão, bem como o papel do ensino de história e
do estágio supervisionado, enquanto significativos neste processo.

Palavra-chave: Sertão. Ensino de História. Estágio Supervisionado.

530
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O ENSINO DA ORTOGRAFIA: O QUE DIZEM OS CONHECIMENTOS TEÓRICOS
E O QUE MOSTRA A PRÁTICA DOCENTE

Maria Aparecida Ferreira da Silva


Silvia Maria Carneiro de Moura
Mestrandas PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras pela UPE-Garanhuns

RESUMO: O objetivo desta pesquisa é investigar quais os conhecimentos dos professores


sobre a ortografia e como fundamentam as atividades aplicadas aos alunos. Especificamente,
propomos analisar como os docentes que lecionam nas séries/anos iniciais avaliam os
desvios fono-ortográficos cometidos pelos aprendizes dessa mesma fase de escolaridade e
quais os recursos usados em sala, a fim de sanar tais dificuldades. Esta pesquisa foi realizada
com base nos estudos de Morais (2009), Cagliari (2001), Tessari (2002), Carraher (1985),
Nunes (1992), Lemle (1995). Para tal procedimento, foi feita uma investigação com cinco
professores de um município da região da Mata Norte de Pernambuco, que trabalham com as
séries/anos citados, partindo da aplicação de um questionário, e de textos, contendo desvios
ortográficos, produzidos pelos estudantes. Os resultados apontaram para a necessidade de
um maior embasamento teórico por parte do professor, para que possam lidar com mais
eficiência com os desvios ortográficos cometidos pelos estudantes.

PALAVRAS-CHAVE: Ortografia. Prática docente. Erros Fono-ortográficos.

PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


531
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Nélio Lima de Oliveira
Professor de Língua Portuguesa
Professor da Faculdade do
Sertão Baiano

Resumo:
Partindo do pressuposto de que a escrita exerce uma função significativa nas práticas sociais,
faz-se necessário que a escola, enquanto instituição de ensino, que sistematiza o
conhecimento, busque estratégias didático-pedagógicas que contribuam para que os
educandos desenvolvam sua competência comunicativa, tanto na leitura quanto na escrita,
tornando-se assim aptos para agirem de forma critica e reflexiva na sociedade
contemporânea. Nessa perspectiva, os educadores, devem proporcionar aos alunos
oportunidades de leitura através da diversidade de gêneros textuais, visando ao
desenvolvimento da capacidade de interpretar e escrever textos de forma proficiente. Logo,
os gêneros textuais são relevantes na formação do leitor-escritor, pois, estes, estão
intimamente ligados a realidade sócio-histórica e cultural dos indivíduos, conforme
Marcuschi(2001). Infelizmente, o sistema educacional brasileiro ainda esta distante da
principal função social da escola, que é tornar os indivíduos capazes de atuarem na sociedade
de forma consciente e dialógica, tomando decisões nos contextos em que estão inseridos,
buscando assim a melhoria na qualidade de suas vidas. Conforme Kleiman(2001) as
deficiências do sistema educacional na formação de sujeitos plenamente letrados não
decorrem apenas do fato de o professor não ser um representante pleno da cultura letrada
tampouco das falhas na grade curricular das escolas. Na realidade, essas falhas são
decorrentes do próprios pressupostos que subjazem ao modelo de letramento escolar.
Portanto, urge que o professor explore uma diversidade de textos orais e escritos em sala de
aula para que os educandos ampliem suas habilidades de escrever e falar com proficiência,
tanto em textos formais quanto informais, conforme sugerem Lemos(1988), Kato(1993) e
Antunes(2007).

Palavras-chave: Letramento. Ensino. Leitura. Gêneros.

532
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ANÁLISE DISCURSIVA DO TEXTO “HERMENGARDA , MINHA FRÔ” , UMA
REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DOS FALARES DIALETAIS DO SERTÃO

Nélio Lima de Oliveira


Professor da Faculdade do Sertão Baiano

Resumo:
Este artigo visa analisar o gênero textual carta, intitulada “Hermengarda, minha frô”, visando
perceber as ideologias por trás do discurso do caipira apaixonado, com sua linguagem
vernáculo própria do sertão, tentando desmistificar a ideia “da língua perfeita e correta”
determinada pelas gramáticas normativas do português brasileiro. Nesse sentido, será
discutida a ideia de norma linguística, que segundo Lucchesi(1993, 2001, 2003), existe uma
polarização linguística que separa a elite letrada dos menos favorecidos sócio-
economicamente, tornando a realidade brasileira dividida entre os que possuem prestigio no
falar e, a grande maioria, utilizando uma linguagem estigmatizada, o que os tornam à
margem da sociedade. Partindo desses pressupostos, este estudo analisará os argumentos do
escritor da carta na perspectiva da visão tridimensional do discurso, segundo
Fairclough(2001), tentando identificar os aspectos da ideologia e da hegemonia presentes no
texto. Portanto, serão analisadas as questões que envolvem norma linguística, ideal
linguístico e o fato de que a língua portuguesa é heterogênea, multifacetada, polarizada, se se
considerar o todo do português brasileiro, e não apenas a idealizada norma padrão, conforme
Mattos e Silva(1993). Desse modo, este trabalho tem por objetivo combater o preconceito
linguístico, uma vez que, para a Linguistica, não há o “certo e o errado” no que concerne à
linguagem falada, pois o importante na comunicação é a adequação da fala aos contextos
específicos e a compreensão do que esta sendo dito entre os interlocutores do discurso.

Palavras chave: Discurso Caipira. Ideologia. Hegemonia. Poder.

533
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ESTUDO DE CASO: A ESCOLA NILTON OLIVEIRA SANTOS DE SANTA LUZ
BAHIA E SUA RELAÇÃO COM O LEITOR ATRAVÉS DA BIBLIOTECA.

Nélio Lima de Oliveira


Professor da Faculdade do Sertão Baiano
Professor de Lingua Portuguesa

Este artigo objetiva analisar a frequência com a qual os educandos da Escola Nilton Oliveira
Santos visitam a biblioteca e leem livros didáticos e paradidáticos. Foi distribuído um
questionário para os alunos responderem acerca dos seus hábitos de leitura, sua frequência
na biblioteca e a quantidade de livros que eles leem por semestre. Foram entrevistados
também os professores da mesma instituição de ensino para verificar se esses educadores
estimulam, leem e frequentam a biblioteca com seus educandos. Essas fichas de entrevistas,
juntamente com as fotografias retiradas da biblioteca escolar deste município, subsidiarão as
análises acerca da representação e da importância do ato de ler desta comunidade. Tomou-se
por base os teóricos que tratam da relevância da leitura na formação do cidadão critico, tais
como Kleiman (1991), Antunes (1997), Bagno (1998), além de autores que tratam da
biblioteca, tais como Silva (2009) e Bortolin (2010). Portanto, este trabalho visa conhecer a
realidade da prática leitora desta comunidade localizada no sertão baiano, visando
redimensionar as práticas de leituras nas bibliotecas publicas do município.

534
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
LITERATURA CONTEMPORÂNEA DE AUTORIA FEMININA BRASILEIRA: POR
ENTRE MUSAS, FIOS E TEIAS – LYA LUFT, MARTHA MEDEIROS, ELISA
LUCINDA, CIDA SEPULVEDA E LÊDA SELMA

Iêdo de Oliveira Paes


Prof. Dr. -UFRPE

RESUMO: Análise e interpretação dos textos voltados à literatura contemporânea brasileira


em especial as tessituras de Lya Luft, Martha Medeiros, Elisa Lucinda, Cida Sepulvedae Lêda
Selma evidenciando a interrelação temática das autoras no que diz respeito ao processo de
construção do sujeito na contemporaneidade perpassando pelas relações de gênero através
do discurso no qual o sujeito se enuncia nas teias do texto. A literatura contemporânea de
autoria feminina cada vez mais se reconfigura no cenário nacional e nos coloca diante de
grandes escritoras que se projetam incessantemente por entre as veredas literárias, trazendo
à tona as dores e os lamentos do esteio contemporâneo, verdadeiras porta-vozes do nosso
inquietamento. O cotejamento que se entrecruza nas malhas textuais das escritoras só ratifica
a necessidade do desejo potencializador de nos colocar diante de imagens pródigas de seres
em busca de um caminho que muitas vezes se perdem no emaranhado labirinto atroz em que
as tessituras literárias estão submersas. O aporte teórico será cotejado pelos conceitos de
Homi Bhabha que desvelará os textos diante de conluios, pactos e o entre-lugar na escritura
das autoras; algumas categorias psicanalíticas, como o Complexo de Édipo masculino e
feminino, serão convocadas sob a luz dos estudos de Freud. Antonio Candido nos iluminará
com o seu valioso estudo crítico sobre o social na literatura e Zygmunt Bauman evidenciará a
imagem líquida na modernidade.
Palvras-chave: Literatura. Autoria Feminina. Contemporaneidade. Imaginário.

535
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
IMAGENS DO SERTÃO E AS PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
Antenor Rita Gomes – UNEB
Doutor em Educação

Resumo:
O minicurso tomou como ponto de partida a necessidade de desenvolver estratégias e
atividades didáticas que favoreçam as práticas de educação contextualizada no sertão
semiárido do Nordeste brasileiro, como forma de combate às visões estereotipadas da
realidade local. Inspirado nos princípios da transversalidade e da educação contextualizada o
curso apresentou estratégias de construção de aprendizagens a partir de fotografias do sertão
semiárido do nordeste brasileiro. Tomando como matéria de análise um conjunto de 39
fotografias do Projeto “Cores do Sertão” do Núcleo de Cultura Visual, Educação e Linguagem
da (UNEB – Campus IV) que fotografa o cotidiano sertanejo, o minicurso possibilitou a
abordagem pedagógica das fotografias com vistas ao exercício integrado de ensinar e
aprender para a cidadania. O minicurso que se desenvolveu a partir de exposições dialogadas
e atividades de grupo possibilitou o desenvolvimento de debates em torno da temática e,
sobretudo, na proposição de práticas educativas, colocando a comunidade como espaço
educativo, o alunado como agente produtor de conhecimento, e o professorado como
mediador ou gerenciador de alternativas metodológicas.
Palavras-chave: fotografia, sertão e educação contextualizada.

536
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
INTERSEMIOSE E LITERATURA

Abreu Paxe
Doutorando de Comunicação e Semiótica da PUC-SP

RESUMO
O curso a que nos oferecemos a dar aborda a relação da intersemiose e da literatura, visa
oferecer reflexões teóricas sobre os processos criativos que se dão nesses territórios
interligados pelo signo como meio de comunicação nas criaçãos mediáticas, para que esses
percursos possam ser compreendidos em sua complexidade e diversidade de manifestação.
Aqui, dá-se enfoque aos processos criativos, como redes complexas em criação, serão
discutidos entre os pensadores de comunicação, da filosofia e da arte e os própios produtores
(Cordelistas, xelografos, poetas visuais, poetas concretos, prosadores ...), serão desenvolvidos
debates sobre a relevância e as implicações de abordar os diferentes modos de comunicação
sob o ponto de vista processual. Esse enfoque mostra-se necessário para a abordagem de
importantes questões das mideas contemporanea que envolvem relações entre presente e
processos culturais que abrigam um número maior e crescente de culturas, muitas delas
ainda não descritas (ou mal descritas) têm de ser examinadas a partir de categorias da
tradução, que expõe os processos de imbricação, bricolagens e mestiçagem entre códigos,
textos, séries e géneros, põe à mostra as sintaxes combinatórias e a complexidade dos
sistemas. O mutuo pertencimento entre o externo e o interno implica um conceito de
estrutura como conjunto não autonómo, em que se priviligie a continuidade relacional e não
as molduras unitárias. Não se podem pensar os objectos mediáticos, como a literatura, fora
das interações cotidianas e históricas entre natureza e cultura.
Palavras-chave: Semiose. Literatura. Tradução. Poesia de Cordel. Vanguardas Artísticas.

537
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
FICÇÃO EM PERNAMBUCO – BREVE HISTÓRIA

Pedro Américo de Farias


Licenciado em Letras (Fafire/PE)
Especializado em Educação de Adultos UFPB)
Pesquisador da Secretaria de Cultura do Recife

Resumo:
O curso Ficção em Pernambuco – breve história, oferecido por mim durante o CLISERTÃO
2014, e em outros momentos e espaços do Estado, tem como objetivo apresentar uma
realidade bastante desconhecida, não apenas do leitor médio, mas – de forma especial – do
leitor vinculado à vida acadêmica ou, genericamente, escolar. Trata-se da produção literária
do gênero prosa de ficção, aqui compreendida como romance, novela e conto. O fato de
Pernambuco ser, no conjunto da literatura brasileira, bastante festejado como terra da
poesia, lato sensu, gerou o que podemos chamar de uma má consciência ou um desinteresse
pelo estudo e registro da nossa prosa de ficção. Pouco se escreveu, enquanto ensaio histórico,
ao longo de 160 anos, sobre essa produção. Refletindo sobre este fato, resolvi fazer leituras e
reunir dados para publicação de um texto, que resultou na edição de um encarte inserido
numa edição do Jornal do Commercio, do Recife, em 2001. Revisto este material, em 2010,
convidei Cristhiano Aguiar, contista, crítico literário e doutorando na Universidade
Mackenzie/SP, para fazer uma atualização do meu texto, de forma a abranger a última
geração de escritores do gênero ficção, no Estado. Da conjunção resultou o livro homônimo
deste minicurso, que veio e vem ampliar a discussão sobre o tema do livro, ao mesmo tempo
em que o divulga junto a mais leitores, contribuindo para o preenchimento dessa lacuna no
universo da nossa história literária.

Palavras-chave: Pernambuco. História. Ficção. Escritores. Obras.

538
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
TECNOLOGÍAS DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIAS
COM PROJETOS NA ESPANHA

Victor Amar
Professor da Univesidade de Cádiz-Espanha

Si tuviese que colocarle un subenunciado descriptivo a esta aportación sería el de


“Información, conocimiento y sabiduría”. A priori puede resultar una precipitación pero
intentaré argumentarlo. El libro o la lectura de un tiempo hacia acá ha experimentado una
profunda evolución que algunos podrían interpretar como una irreversible revolución. El
libro no es que solo haya cambiado de formato, es que el lector también ha renunciado a los
convencionalismos clásicos de la lectura. Ahora el libro, también, se puede leer en pantallas;
de la misma manera que la lectura se hace más concéntrica a partir de los hipervínculos. La
obra extensa coexiste entre la capacidad que el nuevo lector ha de desarrollar para buscar,
seleccionar y evaluar la información; del mismo modo que ha de significar el hecho de
contrastarla y actualizarla, comprendiéndola, para convertirla en conocimiento y si la
generosidad se apodera del proceso, y se invade del hecho compartido, se torna en sabiduría.
Tres cualificaciones sobre el hecho de leer y escribir, ahora entre las pantallas.
En otro ámbito de contenidos, también cabría hacer referencia a los nativos digitales. No es
que el neolector solo reconozca la letra en pantalla; sería un exabrupto impensable pero,
igualmente, la letra en pantalla le pertenece igual que la que aparece en el libro impreso en
papel. Entre ellos, cohabitan ambos formatos y por ello lo multimodal se erige como referente
de este modelo de lectura y escritura contemporánea. No vale con mirar a la pantalla como
un sustituto del papel, ahora se hace imprescindible una obra abierta, tal como la intuyera
Umberto Eco o Ronald Barthes, donde el verbo contribuir se conjuga a partir de la primera
persona del plural: el nosotros.
Pero carecemos de algo, se convierte en un hapdicap, pues no debemos simplemente
conformarnos con una lectura convencional; hace falta reconocer la lectura compartida, sin
límites y global. Por ejemplo, escribimos en red y nuestras palabras se leen en las antípodas,
se traducen automáticamente con el simple hecho de darle a una tecla de nuestro ordenador
y, también, nuestro escrito se puede nutrir con la opinión de otro lector. No ha de contar en
exclusividad con la consideración o sentir del más sabio o el más consciente o sensible. La
heterarquía se apodera del proceso y lo que antes era jerarquía del que escribía, ahora se
torna participación de los que leen y escriben. La obra se comparte y nutre siempre con el
nosotros como actuante y hace que el tiempo en presente se apodere de las intenciones.
La escritura sale de sus cauces convencionales y transciende la territorialidad; ahora mira al
futuro de nuevos lectores. No se dejará de leer; el papel no desaparecerá… Todo se
transformará en pro de unos nuevos tiempos. Leer en papel será tan normal como leer en
pantalla. Tal vez, el símil no sea el más idóneo pero si al menos provocador. Veamos: en un
museo una realidad puede ser pictórica o fotográfica. No es realidad o ficción; es lo que cada
espectador quiere que sea. Pues el libro estará en las manos de cada lector pero en un
formato será libro convencional y en el otro se erigirá como un libro líquido, en pantalla;
donde se puede anotar, poner voz, transferir, modificar, contar en tiempo presente con la
opinión de otros lectores, contar con información del autor o de su obra, del conocimiento de
su análisis o contexto, etc.

539
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
Esta experiencia a modo de taller (minicurso) ha sido un pretexto para compartir ideas,
pensar en voz alta y escuchar lo que otros pensaban, además de hacer pensar y admitir que
los tiempos han cambiado… Pero ¿y nosotros? Con todo, hemos intentado contribuir a leer la
vida (en la línea de Paulo Ferire). Hemos querido mostrar unas nuevas gafas para leer y
escribir en el siglo XXI y quitarles las únicas y obsoletas por las cuales leían… para mostrarles
una nuevas con las cuales puedan comprender y entender la vida.
No es un ejercicio para una mirada esnobista; se trata de un quehacer contemporáneo. No es
decir lo que viene, es hablar de lo que ya existe y no debemos quedarnos en el pretérito. Son
nuevos tiempos, nuevas herramientas y nuevos lecto-escritores. La era Gutemberg,
posiblemente, se esté diluyendo en pro de la digital. La exclusividad está dejando paso a otros
formatos y maneras de escribir y leer y, además, de difundir los contenidos narrativos.
Desde la educación no podemos quedar ajenos a estos envites. Hemos de ser sabedores.
Hemos de aprender de ello para poder enseñar; pues de lo contrario qué puede enseñar una
persona que dejó de aprender (siguiendo el pensamiento de Armand Mattelart). Si lo están
haciendo, o lo han hecho, desde la publicidad o la misma cirugía… por qué no hemos de
hacerlo también desde la educación para el siglo XXI.

Palavra resumo: Educação. Texto Aberto. Inovação. Século XXI.

540
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O SERTÃO É DO TAMANHO DO MUNDO: O SERTÃO É O SOZINHO

Rejane de Souza
Doutoranda em Literatura Comparada-UFRN
Professora da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande
do Norte

Resumo:
O minicurso buscou evidenciar pontos de convergências da natureza barroca do sertão
presente no repertório das canções de Luiz Gonzaga e o sertãoque representa o fio das
veredas e travessias do romance: Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. Nesse
caminho, sabe-se que a palavra sertão está presente na música, na poesia e no romance
brasileiro, sendo revestida pelos mais diversos sentidos. A natureza aberta dessa expressão
serviu de inspiração para o sertão de travessias e nonadas de Guimarães Rosa. Na música,
para expressar a saudade da partida, os sofrimentos do sertanejo, a infertilidade da terra e
tantos sentimentos telúricos interpretado pelo o rei do Baião, Luiz Gonzaga. Ele recriou um
novo mapa do Brasil através de imagens do sertão. Imagens brotadas da vida, da infância, da
memória, das plantas, dos pássaros, dos sentimentos de sua gente. Para Rosa, a palavra que
se chama sertão conduz Riobaldo a encruzilhadas que o leva às forças do bem e do mal; ao
amor carnal e espiritual. E, também, para a luta mais insólita: a de Riobaldo com ele mesmo.
Não é uma travessia fácil, pois o sertão se revela pela duplicidade, pelo antagonismo, pelo sim
e pelo não. Enquanto a visão do artista barroco clássico era alimentada pelo conflito entre o
profano e o sagrado. No caso de Guimarães Rosa e Gonzaga, o mundo se verte em dúvida
sobre a compreensão do ser e não ser, da partida e da chegada.

Palavras-chave: Sertão. Literatura. Regionalismo.

541
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
ICONICIDADE DO LÉXICO

Darcilia Simões (UERJ)

Professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro


Pós-doutora em Comunicação,
Semiótica e Linguística

RESUMO: Minicurso sobre estratégias de análise do potencial icônico das palavras e


expressões (itens lexicais) no interior dos textos, com vista a identificar-lhes como ícones ou
índices que possam orientar a interpretação a partir do levantamento de isotopias
subjacentes. Esse potencial se configura em formas icônicas (imagens de ideias) e formas
indiciais (indutoras de raciocínio). O léxico ativado nos textos materializa recortes temáticos
subjacentes ao tema principal. O signo é algo que significa algo para alguém, antes disso, é
mero sinal. Os signos desempenham as seguintes funções: simbólica, ou convencional;
indicial pela relação de causa e efeito, ou consecutiva; icônica numa referência qualitativa. As
palavras são signos originalmente simbólicos; mas podem ser indiciais quando promovem a
indução, a inferência etc., ou icônicas quando simulam imagens de coisas, conceitos, ideias.
As palavras gramaticais em geral são índices, enquanto as palavras lexicais podem funcionar
como índices ou ícones. A leitura implica a percepção da(s) isotopia(s) ou eixo(s) temático(s)
do texto. Para tal, na superfície textual podem ser identificados signos orientadores, que
conduzem à(s) isotopia(s) possíveis para o texto; e signos desorientadores, que encaminham
a leitura para isotopias que camuflam ou distorcem a mensagem do texto. O léxico observado
com rigor é uma excelente bússola para conduzir-nos pelos textos. A não compreensão ou o
entendimento equivocado é uma resultante que pode ser evitada, em especial a partir de um
trabalho centrado no estudo do léxico. Os textos mais abundantes do ponto de vista lexical
são fonte segura de aquisição de itens léxicos (além dos ganhos enciclopédicos decorrentes).
É indispensável o domínio da língua (e demais códigos e linguagens usados na comunicação
hodierna) para que não sejamos capturados pela trama sígnica dos textos e enveredemos por
interpretações, em alguns casos, perigosas.
Palavras-chave: Semiótica. Signo. Léxico.

542
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
O PROBLEMA DA LIBERDADE NA OBRA O ESPÍRITO DAS LEIS, NA
CONCEPÇÃO DE CHARLES DE MONTESQUIEU, NO PERÍODO DA IDADE
MODERNA

Francisco de Assis Silva Panta


Professor MS. da UPE e da FACAPE
Midiã Maria Bezerra Silva
Bacharela em Direito- UNINASSAU- João Pessoa- PB

RESUMO
Trata-se de pesquisa acerca do problema da liberdade dentro da obra de Charles de
Montesquieu de titulo O Espírito das Leis como também a mesma sendo abordada pela
perspectiva da Filosofia do Direito. A temática da liberdade é analisada pela visão dos
principais filósofos da época e principalmente dos filósofos do período do iluminismo. Para a
pesquisa ser desenvolvida foi necessário um estudo aprofundado de obras relativas aos
estudos filosóficos dentro da perspectiva do direito. A abordagem se dá de forma simples
porem embasada unicamente em teorias já estudadas anteriormente por filósofos renomados
sobre como o homem enxerga sua liberdade e como ela é manifestada, desse modo é possível
notar que o mesmo durante muito tempo apenas considerara esse fenômeno como um
aspecto físico, só após os estudos dos filósofos é que foi possível dar uma conotação
psicologia e conceitual ao tema. Assim a pesquisa se foca na questão de como a obra de
Charles de Montesquieu O Espírito das Leis vê a questão da liberdade do homem e como a
mesma se manifesta dentro das formações de governos abordados na obra, por fim observa-
se que a liberdade é regulada e administrada pelas leis que regem as diversas formas de
governo evitando assim o caos e conflitos gerados por excessos.

Palavras-Chave: Liberdade. Filosofia. Filosofia do Direito. Espírito das Leis. Homem. Leis.
Governo.

543
2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
A LUDICIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LÍNGUA INGLESA
Antônia Aparecida Barros Alencar Correia (IFSertão PE – Salgueiro
Roberta Guimaraes de Godoy e Vasconcelos (IFSertão PE –Petrolina

RESUMO: Há muitas maneiras de se trabalhar os conteúdos programáticos em sala de aula,


uma delas é unir a pesquisa ao interesse, a criatividade do próprio aluno para promover, de
fato, o envolvimento desse e, consequentemente, a compreensão do aprendizado. O vocábulo
lúdico origina-se da palavra latina “ludus” que significa “jogo”. O jogo é conhecido como um
dispositivo fundamental no comportamento do ser humano. E nós, professores, se quisermos
participar do processo de transformação social, precisamos nos reciclar e atualizar nossa
prática pedagógica para o processo de ensino. Pensando nisso, idealizou-se o minicurso: A
Ludicidade no Ensino da Língua Portuguesa e Língua Inglesa, visto que o lúdico serve como
uma maneira para apresentar os conteúdos através de propostas metodológicas,
fundamentada nos interesses daquilo que pode levar o aluno a sentir satisfação em descobrir
um caminho interessante no aprendizado. Assim, este minicurso objetiva mostrar a
relevância do lúdico, representado pelos jogos, brincadeira e música e suas possibilidades
pedagógicas nas aulas de línguas (materna e estrangeira), considerando que, através dele, o
aluno deixa de ser um simples aprendiz para tornar-se um construtor do saber, privilegiando
a criatividade e imaginação, por sua própria ligação com os fundamentos do prazer.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem dos alunos. Jogos Linguísticos. Interdisciplinaridade.


Ludicidade.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão
AS MUDANÇAS DO CORDEL: UMA COMPARAÇÃO ENTRE A PRODUÇÃO DE
PORTUGAL E A DO BRASIL
Maria Alice Amorim
Doutora em Comunicação e Semiótica / PUC-SP

RESUMO
Quando se compara a literatura de cordel portuguesa com a literatura de cordel brasileira,
percebe-se claramente não apenas um repertório nordestino e nacional, produzido por
autores do Brasil, como também a presença de temas tradicionais, que já circulavam entre as
recorrências da narrativa popular portuguesa medieval, a exemplo do que registra Luís da
Câmara Cascudo, em Cinco Livros do Povo, ou seja, as narrativas referentes à Donzela
Teodora, Princesa Magalona e Imperatriz Porcina, a Roberto do Diabo e João de Calais. De
modo evidente relacionada a poéticas tradicionais procedentes da cultura portuguesa, o
cordel nordestino se assemelha à poesia do cordel português, não apenas em temática,
também na estrutura formal. Claro permanece o parentesco. No entanto, a partir dos
primórdios desta poesia de tradição em terras brasileiras, a dinâmica da cultura se encarrega
da afirmação identitária do bem cultural enquanto forma de expressão regional. São
aglutinados gêneros poéticos inventados por autores nossos, os temas da cultura local se
consolidam e adquirem status de tradição. As características gráficas, sobretudo ilustrações
de capa, igualmente conjugam, exprimem aspectos do universo cultural nordestino. Assim, o
heróico, o satírico, o religioso, as histórias de trancoso, as novelas de cavalaria, os contos
pastoris, o fantástico, o maravilhoso revelam persistências ao mesmo tempo em que
permitem vislumbrar a consolidação do espírito criador de artistas que vêm esculpindo há
mais de um século este importante pilar do patrimônio cultural brasileiro
Palavras-Chave: Poesia. Literatura de Cordel Portuguesa. Literatura de Cordel Brasileira.

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2º CLISERTÃO - Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão

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