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FACULDADE DE AMPÉRE – FAMPER

INDIAMARA BOBINSKI

BELEZA, MULHER E SOCIEDADE


UMA HISTÓRIA QUE A ARTE CONTA

AMPERE
FACULDADE DE AMPÉRE – PR
– FAMPER
NOVEMBRO/2015

FACULDADE DE AMPÉRE – FAMPER


(letra maiúscula, margem superior, fonte 14)
FACULDADE DE AMPÉRE – FAMPER

INDIAMARA BOBINSKI

BELEZA, MULHER E SOCIEDADE


UMA HISTÓRIA QUE A ARTE CONTA

Trabalho de Conclusão de Curso –


Portfólio, apresentado ao Curso de
Licenciatura em Artes como requisito
final para obtenção do grau de
licenciado em Artes da FAMPER –
Faculdade de Ampére, sob
orientação do professor orientador
Gustavo Calovi.

AMPÉRE – PR
NOVEMBRO/2015
700
B663b BOBINSKI, Indiamara
Beleza, Mulher e sociedade: Uma História que a arte conta
Indiamara Bobinski. - 2015.

Orientador: Gustavo Calovi


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –
Faculdade de Ampére, Curso de Artes, 2015.

1. Arte 2. Mulher 3. Beleza


I. Indiamara Bobinski II. Faculdade de Ampére.
III. Titulo.

Bibliotecária: Elisandra Artus Berté CRB- 9/1675


FOLHA DE APROVAÇÃO

ACADÊMICO/A: INDIAMARA BOBINSKI

TÍTULO: BELEZA, MULHER E SOCIEDADE UMA HISTÓRIA QUE A ARTE


CONTA

Trabalho de Conclusão de Curso – Portfólio apresentado ao Curso de Licenciatura


em Artes, como requisito parcial para a obtenção do grau de Professor (a) de Artes,
na Faculdade de Ampére – FAMPER, apresentado e aprovado em 12 de dezembro
de 2015 pela Banca Avaliadora.

______________________________________________________
GUSTAVO CALOVI
Professor(a) Orientador(a) - Presidente

______________________________________________________

Professor(a) Convidado(a)

______________________________________________________

Professor(a) Convidado(a)
Quem luta com monstros deve velar por que,
ao fazê-lo, não se transforme também em monstro.
E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo,
o abismo também olha para dentro de ti.
(Friedrich Nietzsche)
LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 1 - Vênus de Willendorf, 25000-20000 a. C...............................................19

IMAGEM 2 - Cópia romana em mármore da Afrodite de Cnido, de Praxíteles.........20

IMAGEM 3 - A Maestà, Duccio di Buoninsegna........................................................22

IMAGEM 4 - O Nascimento de Vênus, Sandro Botticielli (1485)...............................24

IMAGEM 5 - les Demoiselles d'Avignon, Pablo Picasso (1907)...............................26

IMAGEM 6 - Forro de sonhos pálidos. Instalação realizada em São Paulo..............31

IMAGEM 7 - Beth Moises, performance A Memória do Afeto, em São Paulo..........31

IMAGEM 8 – “Swallows the poisoned apple": Branca de Neve assustadora, como a


vida real, Paula Rego.................................................................................................32

IMAGEM 9 - Propaganda de cosméticos Avon, verão de 2012.................................34

IMAGEM 10 - Comerciais de cerveja brasileiros........................................................35


SUMÁRIO
PROPÓSITO (INTRODUÇÃO)..................................................................................7
2. SOBRE O CONCEITO DE BELO..........................................................................9
3. A BELEZA E O FEMININO: QUE RELAÇÃO É ESSA?....................................17
4. A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NA CONTEMPORANEIDADE................28
5. METODOLOGIA E RESULTADOS......................................................................38
5.1 O que é a beleza e as características da mulher bela....................................39
5.2 O padrão de beleza atual e a influência da mídia...........................................41
5.3 A Mulher e sua auto-imagem............................................................................43
5.4 A beleza feminina e o mercado de trabalho....................................................44
5.5 A beleza, a mulher e a felicidade.....................................................................47
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................49
REFERÊNCIAS..........................................................................................................51
1
ANEXO.......................................................................................................................55
5
7

PROPÓSITO (INTRODUÇÃO)

A concepção de beleza sofreu inúmeras mudanças ao longo da historia


humana, isso fica evidente ao analisar o conceito do belo artístico, todavia a beleza
das obras de arte não foi a única a mudar, o conceito de beleza feminina também
sofreu modificações. Entender a concepção de beleza feminina significa
compreender, de forma intrínseca, o lugar destinado à mulher na sociedade na qual
ela esta inserida, além de possibilitar o entendimento sobre a visão da mesma
enquanto individuo: suas aspirações, medos, sonhos, expectativas e desejos, tanto
por parte daqueles que a cercam quando dela mesma.
Na sociedade contemporânea, a mulher preocupa-se com sua aparência,
desejando estar bela nas diferentes ocasiões de seu dia-a-dia, como no seu local de
trabalho, para sair, ir à uma festa ou ainda arrumar-se para agradar uma pessoa
especial. Muitas vezes, isso não acontece conforme se espera, e a aparência real
acaba se contrapondo a aparência idealizada que a mulher concebe como meta
para si mesma.
Essa busca é incentivada de diversas formas pelos meios midiáticos, revistas,
programas de televisão, filmes, músicas, propagandas publicitárias, e nos últimos
anos a própria internet, vinculam diariamente uma imagem de mulher com padrões
estéticos bem definidos: são magras, com cabelos arrumados e unhas impecáveis,
bem vestidas ou trajando peças minúsculas de roupas, onde tudo o que importa é
que o corpo esbelto e bem definido seja mostrado. Dantas (2011) discorre sobre
essa questão evidenciando o chamado culto ao corpo, fruto em parte dos avanços
obtidos na medicina que possibilitaram que o corpo humano pudesse ser
modificado, reajustado e também do lugar de destaque que passou a ser lhe
atribuído na sociedade a partir do século XX, colocando-o em evidência em
diferentes tipos de publicações midiáticas e sendo alvo de estudos de diferentes
áreas do conhecimento.
Quando esta situação é analisada mais de perto, convém questionar-se qual
a relação desta beleza idealizada, e o papel destinado à mulher pela sociedade,
como afirma Wolf (1992, p.12) “[...] em meio à maioria das mulheres que trabalham,
têm sucesso, são atraentes e controladas no mundo ocidental, existe uma subvida
secreta que envenena nossa liberdade: imersa em conceitos de beleza, ela é um
8

escuro filão de ódio a nós mesmas, obsessões com o físico, pânico de envelhecer e
pavor de perder o controle.”
Diante destas questões, este trabalho se propõe a prestar uma contribuição
quanto ao estudo deste tema, realizando uma pesquisa com as acadêmicas e
também funcionárias e professoras da Faculdade de Ampére, Famper, através da
qual se busca identificar as concepções de beleza das participantes, analisando
também suas visões a respeito de seus corpos, de sua aparência e qual a relação
que pode ser estabelecida entre esses fatores e o local ocupado pela mulher na
sociedade.
No dia-a-dia da mulher, com todos os afazeres que tem a cumprir, muitas
vezes esta relação passa despercebida, ou ainda em outra hipótese, essa exigência
do belo torna-se vista como natural pela mesma. Não se trata, porém, de uma
questão de mera vaidade ou do desejo de sentir-se bem consigo, razões estas muito
compreensíveis para a busca da beleza, o problema reside quando o belo torna-se
uma prisão, uma forma de cercear o comportamento feminino, como argumenta Wolf
(1992, p.12-13), ao afirmar que “À medida que as mulheres se liberaram da mística
feminina da domesticidade, o mito da beleza invadiu esse terreno perdido,
expandindo-se enquanto a mística definhava, para assumir sua tarefa de controle
social”.
Assim, é importante questionar até quais as formas e a intensidade em que
essa imagem idealizada da beleza feminina afeta o comportamento e o imaginário
da mulher comum, que vive um cotidiano no qual precisa trabalhar, estudar e cuidar
da família, muitas vezes exercendo todas estas atividades em paralelo, longe dos
holofotes midiáticos e ganhando muito menos que uma estrela de televisão ou do
cinema.
Por sua vez, do ponto de vista acadêmico, este estudo presta contribuições
ao campo artístico, pois busca analisar a questão da beleza feminina enquanto
conceito, abordando assim os caminhos da estética. Busca ainda contribuir com a
elucidação de como o belo influencia o agir e o ser da mulher contemporânea,
levantando questões que permitem transcender ao campo do senso comum,
visualizando a beleza e sua relação com a mulher de um ponto de vista artístico e
estético, ao mesmo tempo estritamente relacionado ao campo social.
9

2. SOBRE O CONCEITO DE BELO

Falar sobre beleza pode parecer, a priori, um tema relativamente simples. Se


questionadas sobre o que é belo muitas pessoas farão menção aos padrões de
beleza atuais, discorrendo assim sobre o corpo e as feições femininas, sobre a
moda, sobre o homem sarado com músculos definidos ou ainda sobre
atitudes/temas que consideram belos. Assim, pode ser que algumas mencionem o
ato de coragem de um homem ao salvar uma vida, o amor pelas suas famílias, pelos
animais, a amizade ou falem sobre a beleza de uma música, de uma paisagem, de
um filme, de uma pintura etc. Mas, o que de fato caracteriza tais elementos como
belos?
Percebe-se que o belo é uma propriedade que pode ser atribuída a diferentes
objetos, desde algo concreto e artístico, como uma escultura, até aqueles que não
solicitam propriamente uma atitude estética, como ações e atitudes humanas. A
esse respeito, Dufrenne (2004, p.36) explica que “isso poderia induzir-nos a pensar
que a noção de beleza é bastante elástica; mas isso também significa que muitas
coisas podem se prestar, por algum flanco, a atitude estética”.
Além disso, para responder a questão antes proposta é preciso compreender,
primeiramente, que não existe uma única resposta, pois ao estudar a questão sob o
ponto de vista da filosofia da arte, percebe-se que diversos pensadores possuem
visões distintas sobre a beleza. Ferreira (2011) comenta que alguns filósofos, como
Hegel, conceituam o belo enquanto categoria objetivamente determinável e
racionalmente reconhecível, por sua vez, outros o consideram uma categoria de
gosto e portanto, subjetiva, afirmando que diante das inúmeras coisas belas que
existem é impossível uma regulação dos princípios artísticos ou definição do que
seja o belo.
Ao estudo do belo e das artes no campo da filosofia denomina-se estética.
Conforme Greuel (1994, p.147), “Estética a um termo que começou a ser usado
desde Baumgarten (1750) para designar uma disciplina que se ocupa da arte e do
belo. Essa designação tem a sua origem na palavra grega ‘aesthesis’ que significa
percepção”. Assim sendo, nesta discussão será necessário abordar diversas teorias
estéticas, buscando ampliar a percepção a respeito do belo, para assim construí
uma ideia a respeito dos padrões de beleza que perpassam o universo feminino.
10

Inicia-se, assim, com os preceitos de um dos mais renomados filósofos que já


existiu, para Platão (428-348 a.C), os objetos particulares do mundo material, incluso
o homem, possuem apenas um reflexo da ideia de belo, resplandecente no mundo
inteligível das ideias e que, portanto, só pode ser contemplada por aquele que não
se deixa enganar por suas percepções sensoriais, como é possível inferir nesse
trecho do diálogo O Banquete (1972, p.44)

[...] Com efeito, todos os homens concebem, não só no corpo como também
na alma, e quando chegam a certa idade, é dar à luz que deseja a nossa
natureza. Mas ocorrer isso no que é inadequado é impossível. E o feio é
inadequado a tudo o que é divino, enquanto o belo é adequado. Moira então
e Ilitia do nascimento é a Beleza. Por isso, quando do belo se aproxima o
que está em concepção, acalma-se, e de júbilo transborda, e dá à luz e
gera; quando porém é do feio que se aproxima, sombrio e aflito contrai-se,
afasta-se, recolhe-se e não gera, mas, retendo o que concebeu,
penosamente o carrega. Daí é que ao que está prenhe e já intumescido é
grande o alvoroço que lhe vem à vista do belo, que de uma grande dor
liberta o que está prenhe.

Platão valoriza muito mais o mundo das ideias imutáveis e perfeitas em


detrimento do mundo sensível, repleto de objetos que nada mais são do que
reproduções imperfeitas das mesmas. Porém, como argumenta Dufrenne (2004), em
meio a tais ideias desse mundo inteligível a beleza é especial, pois é a única que
resplandece, pois é ela há que esta em mais evidencia no mundo, aquela que
encanta e atrai, já as demais ideias, como a sabedoria e a justiça, não dispõem de
qualquer visibilidade nas imagens do universo sensível.
O belo é assim aquilo que atrai, agrada, acalma e encanta, não uma
propriedade do objeto ou um juízo pessoal atribuído sobre o mesmo. Nestas
condições, pode-se inferir que a beleza é algo objetivamente identificável e que
aquilo que não se encaixa em tais preceitos é por consequente, o feio. No universo
artístico, relata Dufrenne (2004, p.37), essa forma de conceber a beleza, enquanto
algo que possui uma essência ou ideia única, respaldou o classicismo e suas rígidas
regras estéticas, “[...] por um lado confere autoridade ao juízo crítico exercido pelas
academias, por outro estabelece uma concepção didática da arte [...] esse modelo
impõe-se tanto ao critico que julga as obras quanto ao artista que deve criar
conforme eles [...]”.
O conceito de belo em Platão é mais amplo e se estende a percepção da
beleza também nas instituições e na alma humana, não se restringindo nunca ao
que é captado pelos sentidos, é a essência do belo que confere aos objetos do
11

mundo material um reflexo de beleza. Conforme Gruel (1994, p.147), “A teoria do


belo de Platão não se volta para a aparência sensória; baseia-se, ao contrario, em
sua superação. O belo é visto aqui como algo divino e não como algo fisicamente
manifesto”.
É necessário enfatizar ainda que a compreensão sobre as belas artes na
época em que Platão viveu e escreveu suas obras era diferente do entendimento e
da relevância que hoje lhe são atribuídas. Conforme Lacoste (1986), para Platão a
beleza não se encontra nas obras de arte, pois este filósofo via os objetos artísticos
como mimese, ou seja, como uma imitação de um objeto do mundo real, que por
sua vez, é também uma cópia da ideia imutável que o origina. Assim, a pintura, a
escultura e mesmo a música, são para ele como ilusões que produzem simulacros
dos objetos do mundo real.
Aristóteles (366 – 322 a.C.), em sua obra Poética, discorre sobre as artes,
mais especificamente sobre a poesia através dos gêneros da Tragédia, Comédia e
Epopeia, também sobre alguns aspectos da música, e demonstra através de suas
considerações sua visão do belo como algo racional, que caracteriza-se por sua
ordem e simetria. Segundo Aristóteles (2000, p.46) “Ademais, o belo, seja num ser
vivente, seja em qualquer coisa composta de partes, precisa ter ordenadas essas
partes, as quais igualmente devem ter certa magnitude, não uma qualquer. A beleza
reside na magnitude e na ordem [...]”.
Além disso, Aristóteles (2000) também afirma que a arte é uma imitação,
sendo que as diversas manifestações artísticas, como a música, a poesia e o teatro,
diferem pelos modos, meios e objetos que utilizam para imitar os diferentes
elementos da realidade, porém ele atribui à atividade artística um valor mais
significativo que Platão ao afirmar, que por despertar piedade e temor, a arte possui
um efeito catártico de tais emoções.
No período histórico denominado de Idade Média, a Igreja Católica Apostólica
Romana detinha todo o poder politico, religioso e social sobre a vida de seus fiéis
em toda a Europa, definindo assim com base em seus dogmas religiosos o que era
permitido, o que era proibido e consequentemente o que poderia ser o belo. Como
ressalta Souza (1995), o cristianismo surgiu no Império Romano e acabou por
configurar uma nova organização social, onde ao invés de um governo monárquico o
Bispo de Roma reivindicava a autoridade suprema, concebendo assim uma nova
12

forma de governar que rompia com as antigas concepções romanas, colocando a


autoridade divina acima de qualquer autoridade temporal.
Nesse contexto, a beleza era identificada com Deus e tudo aquilo que provém
do divino, segundo Aranha; Martins (2003), no período medieval não havia espaço,
no campo artístico, para elementos vinculados a cultura pagã, pois estes
prejudicavam o fortalecimento da alma e ascensão ao mundo espiritual, além disso,
devido ao grande número de analfabetos da época, a igreja se utilizava das
representações artísticas com finalidade didática de catequização do povo,
ensinando através da arte a religião cristã e incutindo nos fieis o temor do juízo final
e dos tormentos do inferno.
Será Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274), quem retomará o pensamento
de Aristóteles e iniciará um processo de revalorização do mundo sensível, antes
desprezado por ser tido como fonte de pecados. Segundo Aranha; Martins (2003,
p.393 - 394)

Para Santo Tomás, a beleza é um dos aspectos do bem: ‘A beleza e a


bondade de uma coisa são fundamentalmente idênticas’. A beleza é o
aspecto agradável da bondade, pois o belo é agradável à cognição. Santo
Tomás estabelece três condições para a beleza: Integridade ou perfeição,
uma vez que os objetos incompletos ou parcialmente destruídos são feios;
devida proporção ou harmonia entre as partes e entre o objeto e o
espectador; claridade ou luminosidade, ou seja, o resplandecer da forma em
todas as partes da matéria.

Essa identificação do belo com o divino assemelha-se com a ênfase atribuída


por Platão ao mundo das ideias e a perfeição, imutabilidade e eternidade das
mesmas, sendo estas apenas substituídas pelos aspectos divinos e espirituais do
Paraíso e da fé Cristã, não deixando ser, portanto, uma idealização do conceito de
belo, visto que a verdadeira beleza não reside no mundo físico e sim na pureza da
alma e do espírito. No entanto, outros filósofos não compartilham dessa visão, entre
eles está Immanuel Kant (1724 – 1804), um importante pensador moderno, autor de
obras sobre o conhecimento, a moral, a religião e a estética. Kant, ao tratar da
beleza, apresenta uma visão distinta, menos preocupada em definir o belo em si,
uma vez que seus estudos buscam compreender como o belo é reconhecido
enquanto tal. Lacoste (1986), ao discorrer sobre a estética em Kant, afirma que para
ele são belos todos os seres naturais como as flores e os pássaros, porém as artes
não são necessariamente belas, sendo consideradas enquanto técnica, uma
13

atividade tipicamente humana e intencional, que produz um objeto criado segundo


essa intenção e não para ser belo.
Essa afirmação permite inferir que a beleza é uma qualidade presente na
natureza, mas que pode estar ou não nos objetos elaborados pelo homem, como as
obras de arte, contanto que sejam feitos com essa intenção. Como, então, definir o
belo na estética Kantiana? Para Kant o belo é um juízo de gosto, como tal não é
regido por princípios ou regras determinantes como seria um juízo de entendimento,
tão pouco se constitui num conhecimento a priori. Em sua Crítica da Faculdade do
Juízo, Kant (2008, p.48) declara “O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de
conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético, pelo qual se entende
aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão subjetivo”.
Porém, embora possa parecer a principio, isso não significa que todo juízo
emitido a cerca do belo seja subjetivo, é necessário distinguir entre os juízos
emitidos em primeira pessoa e que exprimem, portanto, opiniões pessoais do
individuo, e aqueles juízos que ao serem afirmados buscam a universalidade, sendo
assim objetivos. Quanto a isso, Dufrenne (2004, p.36) afirma

Mas, é sua pretensão a universalidade o que específica, em todos os casos,


o juízo de valor estético. Observou-o Kant e é, de fato, o ponto de partida de
sua reflexão: quando emito determinado juízo, não posso deixar de
reivindicar para a ele a objetividade e deixar de pensar que deve ser por
todos, subscrito. Por certo, também posso pronunciar juízos subjetivos, em
primeira pessoa, ao dizer, por exemplo, “gosto desta obra” ou “prefiro isso a
aquilo”; mas, nessas circunstancias, tenho consciência de exprimir apenas
os meus gostos e, afinal, de julgar a partir de mim mesmo mais do que do
objeto. Portanto, distingo claramente entre juízo objetivo e juízo subjetivo; e
talvez seja necessário estar de má-fé ou ser ingênuo por excesso de sutiliza
para sustentar um relativismo total e afirmar que todo juízo estético e
irredutivelmente subjetivo.

Kant não procura encontrar uma essência do belo ou um principio pelo qual
se possa defini-lo, para ele não há um padrão ou modelo que sirva de orientação, a
beleza é desta forma, uma qualidade atribuída aos objetos pelos sujeitos conforme
esses os percebem e deles deleitam prazer. Segundo Kant (2008), esse julgamento
sobre o belo é desprovido de qualquer interesse ou mesmo utilidade do objeto em
questão, importa apenas o julgamento advindo da simples contemplação do mesmo,
sendo mesmo necessário um distanciamento do objeto em questão para que se
possa ajuizar de forma pura sobre ele.
14

Essa nova percepção quanto à arte alterou o modo como o belo vinha sendo
percebido até o século XVIII. Para Camargo (2009, p.03), a preocupação de Kant
estava de acordo com os acontecimentos históricos, sociais e políticos de sua
época, pois “o espírito iluminista também precisava encontrar universalidade na
atividade estética, livrando-a do emaranhado de opiniões e do capricho dos humores
subjetivos, acumulados até ali pela desordenada profusão de idéias herdadas dos
séculos anteriores”.
O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 - 1831), também
interessa-se pela arte e pelo problema do belo e, ao discorrer sobre a beleza, Hegel
(2001, p.120), compartilhou, em parte, da visão platônica definindo-o como um
conceito objetivo, determinável pela razão: “[...] denominamos o belo de Idéia do
belo, isso deve ser entendido no sentido de que o próprio belo deve ser tomado
como Idéia e, na verdade, como Idéia numa forma
No entanto, essa definição não significa que Hegel concorde com a visão
platônica que considera a arte como uma imitação da realidade, mas segundo
ressalta Dufrenne (2004), para Hegel a arte não imita, mas sim idealiza, exprimindo
o universal no particular, a arte é assim tanto mais bela quando forem verdadeiras
as ideias que ela contenha, sendo essa visão fruto da influencia exercida pela
historia nas concepções hegelianas; o belo é diverso, manifestando-se sobre
diferentes aspectos ao longo da civilização humana conforme a visão de mundo da
cultura que o concebeu.
A beleza artística provém, portanto, da ideia que em si contém a verdade,
verdade esta que se expressa na obra de arte e sendo um produto genuíno do
espirito é superior à beleza encontrada nos objetos e fenômenos da natureza. Em
seu Curso de Estética, Hegel (2001, p.28) afirma

Pois a beleza artística é a beleza nascida e renascida do espirito e, quanto


mais o espirito e suas produções estão colocadas acima da natureza e seus
fenômenos, tanto mais o belo artístico está acima da beleza da natureza.
Sob o aspecto formal, mesmo uma má ideia, que porventura passe pela
cabeça dos homens, é superior a qualquer produto natural, pois em tais
ideias sempre estão presentes a espiritualidade e liberdade. [...] A
superioridade do espirito e da beleza artística perante a natureza, porém,
não é apenas algo relativo, pois somente o espirito é o verdadeiro que tudo
abrange em si mesmo, de modo que tudo o que é belo só é
verdadeiramente belo quando toma parte dessa superioridade e é por ela
gerada.
15

Essa visão da superioridade da beleza artística destoa da visão kantiana que


considera o belo natural como algo de grande relevância estética. Segundo Lacoste
(1986), para Kant a contemplação da natureza dava ao espirito humano a
oportunidade de experenciar uma concordância entre as forças criadoras da
imaginação e o entendimento, já Hegel por considerar o espirito superior a natureza
indica que a arte não pode ser uma imitação da mesma e enquanto produto origem
humana, a arte não pode reduzir-se e conformar-se a apenas imitar o real.
Além disso, percebe-se que esta concepção, embora seja pensada mais
especificamente para o campo artístico, pode ser estendida a outros setores, como a
beleza feminina, por apresentar o belo enquanto algo objetivo e idealizado, ou seja,
uma ideia imutável cuja essência o ser pode buscar alcançar, mas que não pode ser
alterada ou colocada sob o julgamento subjetivo do homem, o que classifica
categoricamente os objetos do mundo sensível em duas categorias: o feio e o belo,
não havendo meio termo entre ambos. Porém essa concepção, assim como as
demais apresentadas, nada mais é que a representação da cultura, valores e
preferencias estéticas de uma época, não devendo ser tomada como absoluta.
Conforme Dufrenne (2004, p.38-39)

Esse dogmatismo é, no fundo, a expressão da prática e dos gostos


estéticos de uma época; mas, não tem disso consciência e, por isso,
absolutiza uma ideia de belo que é relativa. Justifica a promoção da ideia ao
absoluto dizendo que essa ideia é imposta pela natureza (e não proposta
pela cultura). [...] Apenas se olvida que o que parece um fato da natureza é
realmente um fato da cultura, que certas harmonias agradam ao ouvido ou
certas plásticas a vista porque esses órgãos foram condicionados desde
cedo por um ambiente artístico e, portanto, que o artista tem direito a fazer
violência a gostos que, nos mais das vezes, não passam de hábitos
lançando-os em novas aventuras. O fruto desse esquecimento é a
manutenção da tradição: o ensino de certo numero de receitas que devem
garantir a beleza da obra.

Existem, portanto, múltiplas concepções sobre a beleza bem como diferentes


pontos de vista quanto à relevância dos objetos artísticos. É necessário questionar
de onde provém esse anseio pelo belo, por que esta questão preocupou e ainda
preocupa a tantas pessoas? Mesmo as mais elaboradas teorias estéticas, entre as
quais se encontram alguns breves conceitos aqui esboçados, tiveram um principio e
esse princípio se deu através de um indivíduo, um ser humano que se preocupou
com esse tema e a ele dedicou sua atenção. Diante da diversidade de culturas
humanas parece inviável imaginar que exista uma única resposta a questão do belo.
16

Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) apresenta uma visão da beleza intimamente


ligada a natureza humana, sem idealizações ou aspirações metafisicas. Nietzsche
(2006, p.46), em sua obra Crepúsculo dos ídolos afirma

Belo e feio. — Nada é mais condicionado, digamos limitado, do que nosso


sentimento do belo. Quem quiser pensar sobre ele separado do prazer do
ser humano com o ser humano logo verá o chão ceder sob os pés. O “belo
em si” é uma mera expressão, não é sequer um conceito. No belo, o ser
humano se coloca como medida da perfeição; em casos seletos, adora nele
a si mesmo. Uma espécie não pode senão dizer Sim a si mesma desse
modo. Seu instinto mais profundo, o da autopreservação e auto-expansão,
ainda se manifesta em tais sublimidades. O ser humano acredita que o
mundo está repleto de beleza — ele esquece de si mesmo como causa
dela. Somente ele dotou o mundo de beleza, oh, de uma beleza muito
humana, demasiado humana... No fundo, o ser humano se espelha nas
coisas, acha belo tudo o que lhe devolve a sua imagem: o juízo “belo” é sua
vaidade de espécie... Pois o cético pode ouvir uma leve suspeita lhe
sussurrar esta pergunta: o mundo realmente se tornou belo pelo fato de o
ser humano tomá-lo por belo? Ele o humanizou: isso é tudo. Mas nada,
absolutamente nada nos garante que justamente o ser humano constitua o
modelo do belo. Quem sabe como ele se sairia aos olhos de um mais
elevado juiz do gosto? Talvez ousado? Talvez até divertido? Talvez um
pouco arbitrário?

Diferentemente das concepções sobre beleza já citadas neste texto,


Nietzsche possui uma visão extremante crítica e realista quando a condição humana
e a forma de lidar com questões de valores morais, éticos e estéticos. Conforme
discorre Castro (2012), Nietzsche buscou descontruir as ilusões da filosofia
ocidental, refutando por consequente todos os sistemas que se fundamentam em
pressupostos metafísicos por rejeitarem a concretude do mundo real, excluindo
todos os valores que não se enquadrem em seu sistema idealizado e
universalizável, incluso aqui o conceito de belo ideal.
A beleza, assim como outras concepções oriundas da cultura humana, é um
conceito relativo que varia em significado e relevância, mas, além disso, o belo
torna-se uma espécie de medida capaz de criar e atribuir valores em uma sociedade.
Segundo Dufrenne (2002), as obras de arte não são criadas apenas para a pura
contemplação, os motivos que e as levam a surgir vão além de razões estéticas e se
destinam a servir a usos sociais e individuais que incluem o prazer, a glória ou
mesmo a salvação religiosa.
Na atual sociedade outros usos da arte, enquanto formadora de valores,
poderiam ser citados como a luta pelo poder, uso politico e ideológico e claro, o uso
comercial. A beleza se associa assim a valores sociais pré-definidos que servem a
17

diferentes interesses e influenciam o comportamento das pessoas, exercendo na


contemporaneidade uma influencia considerável sobre o imaginário feminino.
Barroso (2007), ao refletir sobre esse assunto, afirma que a relação existente entre
arte e sociedade é reciproca, pois o campo artístico influencia o social e é
igualmente moldado por este, podendo tanto criticar quanto servir aos valores
vigentes.
Neste texto discutiram-se, brevemente, diferentes visões e definições de
beleza, ressaltando seus principais pontos, bem como suas divergências, porém o
que todas estas concepções possuem em comum é o fato de serem tanto um
produto do contexto histórico e social onde surgiram quanto terem exercido
influência sobre o mesmo. Como ressalta Barroso (2007), a discussão do conceito
de belo é própria da estética e por sua vez influência na criação de obras de arte,
estas tanto em sua criação quanto em sua posterior circulação passam por um
processo regido por condições politicas, econômicas, religiosas e culturais que
acabam por incidir sobre o individuo e desencadear comportamentos diversos seja
no artista que cria a obra, no cliente, no colecionador, nos críticos e mecenas, ou
mesmo no público que as contemple.
Diante disso é importante questionar-se: como a mulher foi retratada durante
a história da arte? Qual era o conceito de beleza por trás das obras que as
representavam? E mais importante quem eram os artistas que as retratavam e qual
lugar era destinado a elas na sociedade? Para tentar responder a essas questões é
necessário analisar este tema do ponto de vista da história da arte e da sociologia
da arte, buscando as relações intrínsecas que existem entre o contexto social e
histórico da mulher e sua representação ou não representação nas artes.

3. A BELEZA E O FEMININO: QUE RELAÇÃO É ESSA?

No capitulo anterior à questão da beleza foi tratada a partir da estética e


discorreu-se sobre como o belo pode influenciar a muitos aspectos da vida humana,
não se restringindo somente as artes. Pretende-se agora tratar da questão da beleza
feminina, tema desta pesquisa, através da história da arte e sua relação com os
aspectos sociais e culturais. Para não estender em demasia o assunto até questões
18

que ultrapassariam a finalidade deste estudo, o tema será abordado a partir do


contexto pré-histórico, abordando também período antigo com a arte greco-romana,
passando pelo período medieval europeu, seguindo então pela arte moderna até a
arte contemporânea e a influência da indústria cultural.
O período conhecido como Arte Clássica, que abarca as manifestações
artísticas da antiga Grécia e do Império Romano, este muito influenciado pelo estilo
grego, (datado aproximadamente entre o século VIII a.C. até a queda do Império
Romano do Ocidente no século V. d.C.), é responsável por conceber um dos
padrões de beleza mais conhecidos da humanidade e que até hoje exerce influência
no imaginário popular. Conforme Medeiros (2013), as manifestações artísticas
gregas alcançaram um alto grau de desenvolvimento estilístico, sendo que suas
criações refletiam toda a cultura e as transformações sociais, politicas, econômicas e
religiosas, pelas quais esse povo passou ao longo de sua historia, influenciando e
encantando a outros povos de uma maneira tão marcante que o que hoje se
conhece por arte ocidental se deve em grande parte aos antigos gregos.
Esse crescimento e amplitude que tomou a arte grega se deve a importância
que a mesma tinha para a sociedade, não pelas obras em si, mas pelos conceitos
aos quais se relacionava. Como salienta Medeiros (2013, p.02), pela primeira vez na
história humana surge uma arte que se relacionava diretamente ao belo e ao
intelecto, os gregos além de contemplar harmonia da natureza e seus elementos,
buscavam exprimir em suas criações artísticas o entusiasmo pela vida “[...]
considerando a perfeição e a busca do belo como atributos essenciais que se
refletiam no corpo”.
Como discutido anteriormente, arte não se desvincula dos aspectos culturais
das sociedades que a produz, sendo uma fomentadora de valores sociais. Horn
ilustra e exemplifica essa questão ao relembrar como a mulher era vista e retratada
no período pré-histórico (datado desde o surgimento do homem até o descobrimento
da escrita em aproximadamente 4.000 anos a.C.). Conforme Horn (2006, p. 304)

Podemos fazer algumas pontuações sobre a representação da "mulher" no


decorrer da história e como primeiro passo proponho que revisitemos a
"Pré-história", onde em lugares de difícil acesso, os "artistas" faziam magia
com alta artezania, com noções de proporção, anatomia, geografia. Quando
o corpo humano aparecia tinha sentido mágico. As Vênus são memória de
um período onde a necessidade de preservação da espécie estava
colocada sob responsabilidade da mulher, a mágica é integral (corpo e
alma), o que a magia pretende é a duplicação, exaltando no corpo feminino
19

o poder da gestação. Os touros e as Vênus mostram uma forma de ver o


mundo.

Essa visão da mulher denota os valores presentes nos agrupamentos


humanos primitivos onde a capacidade da mulher de gerar e dar a luz a novos seres
era ainda um mistério atribuído a crenças magicas, como enfatiza Horn (2006) ao
observar que esses grupos eram mais cooperativos e organizavam-se em torno da
figura feminina formando assim sociedades matriarcais muito distintas das
sociedades patriarcais que se desenvolveriam na medida em que os homens
dominassem o fator biológico da reprodução.
Como era então a representação da mulher nesse contexto? A escultura da
Vênus de Willendorf, datada de aproximadamente 25000-20000 a. C., fornece
elementos que permitem intuir os atributos femininos considerados belos entre os
grupos primitivos humanos.

Imagem 01: Vênus de Willendorf, 25000-20000 a. C.


1
Fonte: Museu de História Natural, Viena, Áustria (1908).

Essa pequena estatueta, de 11 cm de altura, retrata formas femininas


avolumadas, com quadris largos, ventre e seios fartos, formas estas que aludem a
simbolismos relacionados à fertilidade e gestação. Moura (2010), afirma que essas

1
Imagem extraída do site Hochparterre. Disponível em: <http://www.nhm-
wien.ac.at/ausstellung/dauerausstellung__schausammlung/hochparterre>. Acesso em 25 de outubro
de 2015.
20

imagens de mulheres nuas com seios e ventre exagerados proliferam no período


Neolítico e constituem as representações das primeiras deusas mães, mito este
provavelmente surgido na Mesopotâmia e ligado há cultos de fertilidade e
procriação.
Conforme a cultura humana vai se desenvolvendo e homem adquire
conhecimentos a respeito de sua função biológica reprodutora, adquirindo com isso
o entendimento de que a gestação não era um fenômeno mágico, modifica-se a
visão do feminino e local atribuído às mulheres nas sociedades então nascentes.
Entre os gregos e romanos antigos, ressalta Moura (2010), a figura feminina será
associada à beleza, exaltando a forma física principalmente a partir da Afrodite de
Praxíteles, que tornou o corpo feminino em um padrão artístico na busca por uma
beleza ideal.

Imagem 02: Cópia romana em mármore da Afrodite de Cnido, de Praxíteles.


2
Fonte: Museu do Louvre, Paris, (2015).

Essa estatua é célebre por ter sido o primeiro nu feminino representado na


Grécia antiga, trata-se da deusa do amor, Afrodite. Conforme Medeiros (2013), a
escultura grega passou por diversas etapas ao longo de desenvolvimento, indo de
uma rigidez semelhante às esculturas egípcias até a perfeita e idealizada
representação das formas humanas com ampla sensação de movimento e medidas
2
Imagem extraída do site chá com História da Arte. Disponível em: <
http://chahistoriarte.blogspot.com.br/2013/05/a-arte-na-grecia.html>. Acesso em: 25 de outubro de
2015.
21

rigorosamente seguidas pelos artistas, que buscavam a máxima perfeição de um


ideal de beleza ligado as mais nobres virtudes humanas. Nesse processo a
retratação artística da mulher, que se dava principalmente através de esculturas de
deusas do panteão grego, sofreu modificações sendo a mais ousada de todas há
representação da figura feminina nua.
Mas, e a mulher comum grega, o que fazia e como era sua aparência? Será
que se assemelhava as deusas, como a Afrodite acima, amplamente representadas
por diversos artistas ao longo da historia da Grécia? Filho; Neves; Filho (2011),
discorrem sobre a condição feminina na antiguidade clássica e tomam como
exemplo as duas principais cidades gregas, Atenas e Esparta: na primeira, a
situação da mulher era muito limitada, toda sua educação restringia-se a que fossem
dóceis e subservientes, vivendo praticamente toda a vida confinadas ao gineceu,
parte da casa reservada as mulheres, separadas até mesmo dos homens da própria
família e sua função era unicamente cuidar dos afazeres domésticos; já em Esparta,
a mulher tinha mais liberdade, recebendo uma educação igual aos homens e
participando de atividades esportivas, porém o proposito disso era fortalecer seus
corpos para que tivessem filhos saudáveis e fortes.
As formas retratadas na arte grega não correspondiam ao homem e a mulher
comum, mas sim a deuses e deusas, eram, portanto, idealizadas com medidas
perfeitas. A representação feminina na Grécia antiga grega se deu através das
deusas como Afrodite, Hera e Palas Atenas, representadas na maior parte das
vezes vestidas, diferentes das figuras masculinas que eram retratadas nuas. A esse
respeito, Horn (2006, p.305) afirma “Pensar sobre o ideal do corpo na Grécia antiga,
nos leva a perceber que o corpo idealizado neste outro fragmento da história é o
corpo masculino, a predominância da beleza é masculina, as figuras femininas são
representadas com corpo de homem, em grande medida vestidas”.
Percebe-se assim um distanciamento entre o status de homens e mulheres
na Antiguidade Clássica. Conforme Azevedo (2014), mesmo tratando-se de deusas
e deuses existe uma clara diferença entre a realidade feminina e a masculina nesse
período, o autor lembra que para muitos atenienses era motivo de piada um deus
nascer mulher e embora as contribuições das divindades femininas sejam várias em
toda a mitologia grega, em muitas ocasiões seus poderes permaneciam subjugados
pelos homens.
22

Essa representação relaciona-se claramente ao lugar ocupado pela mulher na


sociedade grega e a visão que se tinha sobre o feminino. Ferreira (2008) relembra o
pensamento de Aristóteles a respeito da mulher, para esse filósofo, um dos pilares
do pensamento ocidental, o corpo feminino era mais fraco que o masculino e
consequentemente sua alma também era, a mulher era assim um homem
incompleto, uma falha, passiva e incapaz, um ser dominado pelas paixões
mundanas, e mesmo ao dar a luz tinha um papel secundário, sendo unicamente um
recipiente que recebia a forma do novo ser provinda do homem.
Além disso, é necessário lembrar a condição legal da mulher nesse período,
para alcançar uma compreensão mais clara sobre a situação social feminina naquele
contexto. Segundo Filho; Neves; Filho (2011, p.04)

Para o Direito Greco-romano, a mulher devia passar por várias fases de


sujeição. Quando pequena, sujeita-se ao pai, na mocidade ao marido, na
viuvez aos filhos ou parentes dos marido e ainda havia alguns casos em
que o marido poderia inclusive escolher-lhe um segundo marido ao
aproximar-se da morte. Em suma, nunca devia governar-se. Na vida civil,
esta vinculava-se sempre a um tutor para exercer os atos a ela nunca
permitidos.

Já no período Medieval (aproximadamente do século V, ao século XV), ocorre


a ascensão e domínio politico/religioso exercido pelo cristianismo, a arte irá sofrer
grandes mudanças tanto em termos de estética quanto de função. Horn (2006)
argumenta o conceito de pecado presente na Bíblia assume grande importância
social e perpassa o imaginário das pessoas, a imagem da mulher ideal passa a ser a
da virgem tendo como modelo primordial à Maria, mãe de Jesus Cristo.

Imagem 03: A Maestà, Duccio di Buoninsegna.


3
Fonte: Catedral De Siena, (1308 – 1311).

3
Imagem extraída de Maestà del Duomo di Siena. Disponível em:
<https://it.wikipedia.org/wiki/Maest%C3%A0_del_Duomo_di_Siena#/media/File:Duccio_Maest%C3%A
0.jpg>. Acesso em: 26 de outubro de 2015.
23

A imagem acima, localizada atualmente no Museo dell'Opera Metropolitana


del Duomo, Siena, é uma pintura pertencente ao movimento Escola Sienesa,
desenvolvido na cidade Italiana de Siena, (século XIV) e composto em sua maioria
por artistas Italianos cuja inspiração provinha da Arte Bizantina, proeminente no
Império Binzatino desde o século VI até a queda de Constantinopla em 1453. A
Maestà, pintada pelo italiano Duccio di Buoninsegna, ilustra como os padrões greco-
romanos foram abandonados, a beleza não é mais exaltada e as representações
artísticas passam a ilustrar dogmas, conceitos e personagens cristãos. Conforme
ressaltam Aranha; Martins (2003, p.327)

[...] a postura naturalista é abandonada em prol da estilização, isto é, da


simplificação dos traços, da esquematização das figuras e do abandono dos
detalhes individualizadores. A estilização responde melhor a necessidade
de universalização dos princípios da religião cristã. [...] Mantidas suas
características próprias, tanto no Ocidente quanto no Império Bizantino,
prevalece a ideia de que a beleza não é um valor independente dos outros,
mas que é o refulgir da verdade no símbolo. A obra de arte, assim, permite-
nos alcançar a visão direta da perfeição da natureza divina.

Nesse contexto marcadamente religioso, a visão sobre o feminino e local


destinado à mulher na sociedade continuava sendo de inferioridade e submissão,
pois nessas condições a mulher continuava tendo de submeter-se ao jugo do
homem e agora com um agravante maior que sua inferioridade, ou seja, a sua
condição enquanto pecadora. A esse respeito, Moura (2013) comenta que como a
arte medieval concentrou-se nos valores estéticos propagados pelo cristianismo,
nesse contexto todas as formas de representação femininas eram repudiadas, pois a
mulher era considerada a representação do mal, a culpada pela queda do homem
do paraíso, e tal consideração anulava qualquer maneira de contemplação do corpo
feminino.
. Foi somente a partir do Renascimento Artístico (séculos XIV E XV), período
onde se retomou, aos poucos, os valores da Arte Clássica, que essa imagem
feminina começou a alterar-se. Segundo Moura (2010, p.5) “O período da
Renascença trouxe uma nova significação para o feminino, aqui o “dom” da beleza é
associado ao divino, e, nesse caso a mulher bela estaria mais próxima da divindade,
comisso, no século XV algumas representações da Vênus (Afrodite) substituem a
imagem de Maria”.
24

Imagem 04. O Nascimento de Vênus, Sandro Botticielli (1485).


4
Fonte: Galleria degli Ufizzi, Florença, Itália (2015).

A imagem acima é uma das obras mais célebres da história da arte e uma
das imagens mais recordadas ao se mencionar a Renascença. Pintada pelo artista
italiano Alessandro di Mariano Filipepi, conhecido como Sandro Botticelli (1444/45 –
1510), visualmente destoa das características da arte medieval, sendo a nudez
completa da personagem central, a deusa Vênus, um dos aspectos que mais
enfatizam a nova forma de representa o corpo na arte. Segundo Horn (2006), a partir
do Renascimento surge uma busca pela individualidade e pela construção de
identidades pessoais, na arte isso leva ao surgimento do estilo e a representação da
civilidade, onde cada ocasião é retratada com as vestimentas e objetos adequados e
disso surge ainda uma nova linguagem, a saber, o corpo nu que representa a beleza
do mundo e o homem do renascimento, sendo que para as mulheres se lhe são
atribuídas o estatuto da beleza e da sensualidade.
A mulher assim representada, nua ou quase totalmente despedida, em
posições sensuais de graça e leveza, algumas com a atribuição de um ar virginal a
cena, acabará por configurar uma nova tradição pictórica na arte ocidental, como
ressalta Ferreira (2009), ao afirma que o gênero onde a mulher torna-se o tema
principal é por excelência o nu, este por sua vez irá buscar inspiração nas estatuas

4
Imagem extraída de Arte Entre os Séculos XIV e XVI. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/historia-arte/idmod.php?p=botticelli>. Acesso em: 08
de novembro de 2015.
25

gregas que por sua vez representavam não apenas uma estética de formas
femininas pré-concebidas e idealizadas, mas trazia em si, de forma menos aparente,
outros valores ligados ao universo feminino e sua intimidade, desvelada nas obras
de arte e velada em seu cotidiano.
Assim sendo, a nudez da mulher nas representações artísticas estava longe
de significar a liberdade feminina no contexto social vigente naquela época, no
entanto, contribuiu de forma positiva para que a mulher não fosse mais visita como
maldita e pecadora, segundo evidencia Horn (2006, p.4) ao afirmar que:

O belo sexo, invenção da Renascença, não separa a beleza física das


virtudes morais. Podemos citar alguns exemplos da representação da
mulher como "o belo sexo": Nascimento de Vênus, de Botticelli - A Vênus
substitui a virgem; Vênus de Urbino, de Ticiano - A figura feminina tem os
traços da amante do cliente; A escola de Fontainebleau - atmosfera de
sensualidade, véus transparentes, jóias...; Os temas mitológicos e bíblicos
são pretexto para despir as mulheres e De Giorgione e a obra de Manet -
predominância do nu feminino sobre o masculino.
O triunfo estético da mulher não eliminou as relações hierárquicas, podem
até ter contribuído para a reforçar um estereótipo (frágil, passiva,
condenada a dependência), mas por outro lado, as mulheres deixam de
ser a "corja maldita", a metade perigosa da humanidade

Além da transformação na representação da figura feminina, a Renascença


produziu outras mudanças significativas que levariam a arte a patamares antes
inimagináveis, isso porque, como argumentam Aranha; Martins (2003), o
Renascimento dignifica o trabalho do artista e o eleva a categoria de um trabalho
intelectual, dotando assim a arte de fundamentos teóricos dos quais antes carecia, a
atividade artística passa a ser considerada enquanto um ramo do conhecimento e,
portanto, um produto da inteligência humana.
Assim, com a arte adquirindo esse novo status, os artistas passam a ter
grande relevância social e relativa liberdade criativa. Mas como recorda Horn (2006),
a mulher continua dependente do homem e sua representação nas obras é
idealizada, feita a partir de um olhar masculino, esse fato pode ser comprovado pela
inexistência quase completa de artistas mulheres e as poucas que existiram não
serem sequer mencionadas, como é o caso da jovem pintora veneziana do século
XVI, Marietta Robusti. Filha do pintor Tintorreto, desde cedo ajudava o pai em seu
ateliê chegando a ter sido convidada pelos reis de Espanha e Áustria,
respectivamente Maxiliano II e Felipe II, a ser pintora da corte, no entanto teve a
permissão negada por seu pai que lhe arranjou um noivo com a condição de que
26

nunca saísse de sua casa. Marietta morreu quatro anos depois e caiu no quase
completo esquecimento histórico.
E assim, após o Renascimento outros movimentos artísticos se sucedem
cada um com suas particularidades, como o Barroco, o Neoclassicismo e o
Romantismo. Conforme Moura (2010), o estatuto de beleza atribuído à mulher nas
artes acadêmicas iria perdurar até o surgimento das vanguardas artísticas e do
modernismo, apresentando novas visões e leituras do feminino, principalmente
através do artista Pablo Picasso e sua estética cubista.
O espanhol Pablo Picasso (1881 - 1973) foi um dos artistas mais conhecidos
e versáteis do século XX. Segundo Emídio; Valente; Silva (2007, p.3), as mulheres
foram uma temática muito presente na obra de Picasso, “[...] o surgimento de uma
nova mulher frequentemente sinalizava uma mudança de direção artística. Picasso
representou as mulheres e o feminino em todas as fases de sua obra e de diferentes
maneiras”.

Imagem 05: les Demoiselles d'Avignon, Pablo Picasso (1907).


5
Fonte: MoMA, Nova York, (2015).

Após uma breve observação visual da obra acima é possível constatar sem
nenhuma dificuldade a nítida diferença existente entre essa nova forma moderna de

5
Imagem extraída de Universia Brasil. Disponível em:
<http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2013/06/18/1031217/conheca-les-demoiselles-d-
avignon-picasso.html>. Acesso em: 8 de novembro de 2015.
27

representação artística em relação às obras anteriormente apresentadas. Como


salienta Moura (2010), a partir do inicio do século XX inaugura-se uma nova era nas
artes cuja principal característica é o rompimento com as representações idealizadas
do século XIX, e que, no tocante ao feminino, surpreende não apenas pela nova
forma de retratar a mulher, mas também pelo surgimento de artistas femininas.
Nesse novo cenário que se formava nas artes, Picasso não apenas se
firmava como um dos grandes artistas do século XX como dava inicio a um novo
movimento artístico, o Cubismo. Segundo Emídio; Valente; Silva (2007, p.3)

Picasso, junto com o pintor francês Georges Braque, criou o Cubismo, em


que o mundo visível era desconstruído em seus componentes geométricos.
Este momento estabeleceu um dogma fundamental da arte moderna - o de
que o trabalho do artista não é cópia nem ilustração do mundo real, mas um
acréscimo novo e autônomo.
O Cubismo deu aos artistas a liberdade, e uma liberdade também aos
materiais, os meios tradicionais como a pintura e a escultura puderam ser
suplementados ou substituídos por objetos colados nas telas, ou
"montagens" de itens construídos ou "achados".

Na arte moderna, da qual Picasso fez parte, varias são as representações do


feminino, como salientam Emídio; Valente; Silva (2007), nessa nova corrente os
motivos que levavam a criação artística se mesclavam entre espiritualidade e
materialismo, tecnologia e expressão poética/social, o que fez com que a arte
moderna fosse marcada por inovação, ousadia e mudanças bruscas, podendo-se
afirmar que a mulher retratada nesse contexto refletia a visão do artista sobre o
feminino bem como o contexto social e o posicionamento social da mulher naquela
época.
Novas técnicas, novos materiais, liberdade criativa e uma arte que buscava
romper com os elementos dogmáticos do passado, esses ingredientes reunidos
configuram-se em condições que vão apresentar ao público leituras do feminino com
um olhar mais humano, realista e poético. Conforme Aranha; Martins (2003), a
liberação da incumbência da arte reproduzir a realidade, bem como a independência
de valores e propósitos estéticos pré-definidos irá caracterizar esse novo período,
além disso, instala-se um repúdio a estética sistemática e um ceticismo no que
concerne a definição de beleza.
Para além de um olhar exclusivamente masculino surge agora a possibilidade
de a mulher constituir-se como artista e mostrar em suas criações o próprio olhar
sobre si mesma. Segundo Loponte (2008), as imagens criadas por essas novas
28

artistas rompem com os estereótipos do feminino, questionando o papel


subserviente destinado à mulher até então, além disso, essa maior presença da
mulher no universo artístico reflete também os novos lugares e direitos que estavam
sendo conquistados no campo social, político e pessoal.
Do Modernismo a Arte Contemporânea, muitos fatos importantes se
sucederam em um período de tempo relativamente curto, quando comparado ao
ritmo lento em que as mudanças no campo artístico se davam no passado. Além
disso, o lugar destinado à mulher na sociedade modificou-se consideravelmente a
partir do século XX e as influencias sobre o feminino também se diversificaram,
surge à mídia televisiva, surgem as campanhas publicitárias que visavam vender a
todo custo e dispunham de todo tipo de produtos, fomentando assim uma nova
sociedade marcada pelo consumismo, no campo da medicina muitos avanços são
feitos e o descobrimento da pílula anticoncepcional representará para a mulher um
novo marco em sua historia, a liberdade sexual. Todos esses fatores incidem sobre
as artes e as formas de representar o feminino, sendo, portanto, assunto do próximo
capítulo desse estudo, que tratará das poéticas contemporâneas de representação
da feminilidade e o papel ocupado pela mulher nos tempos atuais.

4. A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NA CONTEMPORANEIDADE

No capitulo anterior foi possível construir uma imagem, embora reduzida


devido aos limites deste estudo, da forma como a mulher foi vista e representada
pelas artes na historia da sociedade ocidental. Percebeu-se que, em um panorama
geral, o feminino era considerado inferior ao masculino, a mulher tido como frágil,
menos inteligente e capaz, além de carregar o signo do pecado no período
medieval. Essa visão que começa a alterar-se a partir do Renascimento, passa por
diversas transformações, acompanhando as mudanças sócio-históricas que acabam
por alterar o papel social da mulher. Tendo isso em mente, o presente capítulo irá
tratar da mulher na contemporaneidade e como a mesma é vista e retratada na arte
contemporânea.
Primeiramente, é preciso salientar a maior parte da história ocidental das
mulheres foi escrita por homens e isso inclui as representações artísticas do
feminino. Almeida (2010) enfatiza esse fato ao relatar que eram os homens em sua
29

grande maioria que tinham acesso a leitura e a escrita, assim eram eles a elaborar
os documentos oficiais, livros e outros escritos durante a boa parte da história,
portanto, os homens eram aqueles que detinham o poder da razão e do
conhecimento, ficando a educação feminina restrita aos afazeres domésticos e
quando muito a profissões consideradas apropriadas a mulher, como o magistério
Não é necessário voltar a discorrer sobre esses fatos, pois os mesmos já
foram debatidos com maior profundidade no capítulo anterior. Na atual etapa desta
pesquisa, é importante frisar que esse quadro somente começou a alterar-se a partir
do final do século XIX e inicio do século XX. Conforme Costa; Androsio (2010, p.2)

Devido às mudanças ocorridas ao longo dos anos na vida da mulher tanto


no sentido profissional quanto no pessoal, a mulher hoje em dia tem sido
mais independente, mudando os hábitos que lhes eram impostos pelo
marido, sociedade e pela própria família, onde a sociedade impulsionava os
pais a ensinarem às mulheres, desde pequenas, que elas deveriam casar-
se para cuidar dos filhos, da casa e do marido.

Assim, a mulher passou a estudar e a adentrou o mercado de trabalho,


adquirindo, aos poucos, a autonomia sobre seu corpo, sua sexualidade e a escolha
em constituir ou não família. Almeida (2010, p.59) destaca como as primeiras três
décadas do século XX foram importantes para a emancipação da mulher na
sociedade ocidental, “O desenvolvimento da antropologia e a ênfase dada à família,
a afirmação da história das ‘mentalidades’, mais atenta ao cotidiano, ao privado e ao
individualismo, contribuíram para que fosse possível, para as mulheres, saírem da
sombra, deixando, num processo lento e moroso, a forte opressão vivida por
milhares de anos”.
Além disso, no campo artístico, artistas femininas passaram a surgir com
maior frequência e a terem seus trabalhos reconhecidos, por especialistas como
críticos e curadores, bem como a ter maior aceitação pelo público. Conforme
Almeida (2010) foi com a efervescência das mudanças trazidas pela modernidade
que as mulheres consolidaram a sua integração as artes e ao universo cultural,
Almeida cita algumas artistas que passaram a ter notoriedade entre o final do século
XIX e inicio do século XX, como as russas Sonia Delaunay e Natalia Goncharova, e
no Brasil recorda à Anita Mafaltti e Tarsila do Amaral, como duas grandes artistas
representantes do modernismo Brasileiro.
30

Como é então que as mulheres se mostram, se representam e são


representadas nessa arte dita contemporânea? Para buscar responder essa
questão, primeiramente é preciso compreender que a arte contemporânea possui
expressões próprias que destoam muito da arte acadêmica, segundo Mattos (2014,
p. 73)

O sistema técnico que representa nossa época é o da informação, que


permite a comunicação entre as várias técnicas existentes e a aceleração
do processo histórico através do uso diferenciado do tempo em função da
simultaneidade de ações e convergências de momentos. A produção
artística contemporânea, portanto, enquadra-se perfeitamente nessa ótica.
Ainda que no século XIX tenha tido muitas expressões em arte contrárias à
forma como desenvolvimento industrial e tecnológico interferia nos modelos
da sociedade, o valor econômico e todo arcabouço filosófico do capitalismo
conseguiram ocupar lugar de grande importância na relação da Arte
Contemporânea com o público.

Como visto no capitulo anterior, a desvinculação da obrigatoriedade da arte


imitar a realidade o campo artístico ganhou maior liberdade para expressar-se
através de outros estilos surgindo assim movimentos diversos, como o cubismo de
Pablo Picasso. Kunzler (2005) discorre sobre como as obras de arte são criadas em
um processo de dialogo e da vivencia do artista com o contexto social, econômico,
politico e religioso no qual se insere, portanto, para compreender a arte
contemporânea é preciso buscar situa-la junto a questões mais amplas que
envolvem o mundo contemporâneo.
Nessa nova fase da história, chamado por alguns autores de contemporânea
e por outros de pós-moderno, instiga novos rumos às artes. Conforme Mattos
(2014), as manifestações artísticas surgidas nesse cenário rompem com os modelos
de representação e o próprio conceito de arte, ocorre à abertura de diálogos entre
diversas áreas e o afrouxamento de categorias disciplinares, nesse clima, a pintura e
a escultura deixam de ser as principais linguagens artísticas e cresce em
importância a relação do expectador com a obra para a atribuição de seu sentido.
É nessa indefinição dos tempos contemporâneos, em meio ao burburinho de
tantas mudanças, que surgem artistas como a paulistana Beth Moysés. Nascida no
interior do estado de São Paulo em 1960, segundo Coutinho (2010), desde criança
Beth percebe as dificuldades de relacionamento entre homens e mulheres através
dos problemas vivenciados em casa onde via o conflito constante entre a figura
paterna e materna, suas observações com o passar do tempo tornam-se maduras e
31

providas de um olhar politico e social, relacionando assim suas experiências


pessoais com a violência e a discriminação sofridas pelas mulheres. É a partir
desses temas que ela passa realizar suas criações artísticas.

Imagem 06: Forro de sonhos pálidos. Instalação realizada em São Paulo.


6
Fonte: Fotografia de Romulo Fialdini, (1996).

As obras de Beth se multiplicam em diferentes linguagens, desde os trabalhos


em telas e outros suportes a artes plásticas, até performances, vídeos e instalações.
Conforme Coutinho (2010), a artista se arriscava a prender materiais inusitados em
suas primeiras telas, como meias de seda femininas e tules coloridos, com o passar
do tempo Beth percebe uma relação dos brancos de suas criações com a figura da
noiva, e então começa a retrata-las de diversas formas.

Imagem 07: Beth Moises, performance A Memória do Afeto em São Paulo.


Fonte: Fotografia de Patrícia Gato, (2000).

Nota-se através da análise e observação do trabalho de Beth, as criações de


uma artista que fala sobre suas próprias experiências e angústias, ao mesmo tempo

6
As imagens 6 e 7 foram extraídas do site Performatus. Disponível em: <http://performatus.net/o-
poder-de-beth-moyses/>. Acesso em: 15 de novembro de 2015.
32

em que estende seu olhar sobre a situação de outras mulheres, em uma poética que
de sonhos, amor, dor e afeto. Segundo Coutinho (2010, p. 6)

Moysés intenciona evidenciar as distâncias existentes entre o sonho


estereotipado e a dura realidade da vida a dois, quando enleada à falta de
respeito, coação e maus-tratos. Propõe através da ação coletiva, um “fazer
de novo”, um “fazer de outro jeito”, numa espécie de site specific, que muda
o formato de acordo com o local (país, cidade, ruas) em que é apresentada.
As “noivas” que andam pelas ruas das cidades, expondo as dores de seus
relacionamentos, são voluntárias e a maioria, vítimas de abusos e violências
físicas e psicológicas.

Contrastando com a mulher afetiva, vitima da discriminação e da violência,


cujos sentimentos mais profundos e contraditórios Beth Moysés busca externar, está
o trabalho da portuguesa Paulo Rego. Nascida em Lisboa, em 1935, como discorre
Coutinho (2010), Paula é uma mulher assumidamente crítica, sendo suas obras
marcadas por um convite ousado ao expectador, elas convidam a revisão de
padrões, de valores e pré-conceitos socialmente estabelecidos além de evidenciar
conflitos e tensões que envolvem o feminino.

Imagem 08: "Swallows the poisoned apple": Branca De Neve Assustadora,


Como a Vida Real, Paulo Rego.
7
Fonte: Site Arte e História, (2011).

7
Imagem extraída do blog Arte e História, disponível em:
<http://arteehistoriaepci.blogspot.com.br/2011_07_01_archive.html>. Acesso em: 15 de novembro de
2015.
33

A obra acima é uma das muitas pinturas da artista, e tanto a composição


expressa na tela quanto o título a ela atribuído demonstram o caráter instigador e
reflexivo da poética de Paula. Segundo salienta Coutinho (2010), suas obras
fomentam a reflexão sobre a mulher e os diversos elementos que compõe o universo
feminino, como a família, o lugar destinado à mulher na sociedade, estereótipos e
padrões de comportamento feminino, e a relação entre homens e mulheres. Para
Paula Rego, a mulher se comporta segundo o tempo em que vive e sua forma de
representar os corpos e feições femininas com traços fortes e altivos afasta o tom
vitimário da mulher.
No entanto, a época contemporânea não abre espaço apenas para artistas
com temáticas imbuídas na expressão de sentimentos e marcadas por um cunho
social, como a poética de Beth Moysés, ou da ousadia de Paulo Rego, sequer, as
visões que influenciam o imaginário feminino se manifestam apenas através das
artes. A publicidade é um dos fatores que também exercem influencia sobre a
mulher em seu cotidiano, conforme Schaun; Schwartz (2008, p.1)

A mulher representada na publicidade cumpre a função de ‘superfície visual


e corporal’, na qual se inscrevem modelos: a bela, a erótica, a mãe e as
negras tratadas de forma ainda mais preconceituosa. Apresenta a
relevância da aparência, do corpo e do “eu visual” – a ideia da mulher-visão,
as mensagens visuais (representações visuais), em anúncios publicitários,
na construção do imaginário social na atualidade no Brasil.

Como mencionado no capítulo anterior, a propaganda, que já existia desde a


Revolução Industrial, se desenvolveu grandemente com o término da Segunda
Guerra Mundial, incentivando o consumismo e tendo há mulher como um de seus
públicos alvos e também como objeto de uso publicitário. Quanto isso, Severino;
Gomes; Vicentini (2011) afiram que a expansão econômica durante o século XIX fez
com que se expandisse o uso das propagandas, sendo que no decorrer da Primeira
Guerra Mundial as mesmas foram usadas como uma arma a persuadir a opinião da
população inglesa incitando o ódio contra o inimigo, e na Segunda Guerra, esse uso
da publicidade foi ainda mais explorado e aprimorado.
Com a intenção de vender determinado produto, a publicidade vai mais além,
fomentando sonhos, fantasias e desejos diversos no público, acabando por
estabelecer padrões culturais diversos, entre eles o de beleza, como enfatizam
Schaun; Schwartz (2008, p.2), ao afirmar que a publicidade faz uso de técnicas de
persuasão com diferentes propósitos e “Possibilita a construção de sonhos, de
34

fantasias por meio da aquisição de uma imagem concretizada em um produto ou


serviço. Essa fantasia, proporcionada pela imagem, de algo desejado faz com que o
receptor se vincule a mesma, numa perspectiva de alcançar o que não é possível”.

Imagem 09: Propaganda de cosméticos Avon, verão de 2012.


8
Fonte: H-Sama Blog, (2012).

A imagem acima ilustra como as campanhas relacionadas ao público


feminino são elaboradas, contando com a presença de mulheres de corpos magros,
cabelos sedosos, pele impecável e claro, o visível contentamento em exibir os
produtos da marca, estes por sua vez associados a outros fatores, como a sedução
feminina. Os produtos destinados a essa demanda são diversos, incluem roupas,
sapatos, bolsas, cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal e mesmo
produtos tecnológicos visivelmente desenvolvidos para agradar as mulheres,
relacionando ainda o uso dos mesmos a uma vida feliz, ao sucesso e a realização
profissional e amorosa da mulher. A esse respeito, Knopp (2008, p.2) afirma

A mídia e a indústria da “corpolatria” produzem um discurso que nos diz o


tempo todo que beleza, saúde, potência, sedução e sucesso são
indissociáveis e que não poderemos jamais viver sem esses elementos.
Cuidar do corpo em si, nos afirmam eles, é indispensável ao bem-estar e à
felicidade. Ser jovem, saber dançar os ritmos da moda, vestir-se bem,
freqüentar academias são alguns ditames que estão sendo incutidos no
tecido social.

8
Imagem extraída do blod H-Sama, disponível em: <http://www.h-sama.com/2012/03/comerciais-
com-sereias.html>. Acesso em 18 de novembro de 2015.
35

Além de vender seus produtos às mulheres, as campanhas publicitárias


também se utilizam de modelos e atrizes para fomentar a venda de produtos
destinados ao público masculino, como nas propagandas de cerveja, comuns na
publicidade brasileira e que repassam a imagem feminina como um símbolo sexual.
Sobre isso, Schaun; Schwartz (2008) recordam que a utilização da mulher brasileira
como um objeto erótico iniciou-se ainda no tempo colonial, primeiramente com as
indígenas que eram consideradas culpadas pelos abusos sofridos devido a andarem
nuas, e depois no regime da escravidão com as negras que eram forçadas a
relacionar-se com seus senhores para evitar trabalhos pesados como os da lavoura
e por fim, na sociedade capitalista, onde ocorre a junção de erotismo e comércio
visando estimular o consumo.

Imagem 10: Comerciais de cerveja brasileiros.


9
Fonte: Site Casa do Araújo, (2011).

Nota-se na imagem acima a presença erótica do corpo feminino e percebe-se


ainda as características das modelos, são magras, com a pele bronzeada, exibindo
roupas curtas e em posições sensuais, e com sua associação ao produto vendido, a
cerveja, procura-se despertar os desejos do público masculino para que consumam
a bebida de determinada marca. Conforme Schaun; Schwartz (2008), as imagens
femininas sempre foram associadas, historicamente, ao desejo e ao erotismo, as

9
Imagem extraída do site Casa do Araújo, disponível em:
<http://casadoaraujo.sopalmeiras.com/comerciais-de-cerveja-deixam-as-mulheres-mais-burras/>.
Acesso em: 18 de novembro de 2015.
36

pinturas europeias clássicas de nus femininos expunham as mulheres aos desejos


do observador do mesmo modo que as campanhas publicitárias modernas, de todo
modo, em ambas as situações, o corpo apresentando é o corpo idealizado, um corpo
que desperta desejo e paixão por encaixar-se dentro dos padrões estéticos de
perfeição de cada período histórico.
A erotização do corpo feminino não é a única prerrogativa imposta pela
publicidade, além disso, frequentemente ocorre a junção entre o consumo de
determinado produto e a manutenção da boa saúde, de um corpo não apenas belo,
mas saudável. Schaun; Schwartz (2008) discorrem sobre essa questão,
relacionando esse fenômeno com o culto ao corpo iniciado a partir dos de 1980,
quando surge a denominada geração saúde e ocorre a proliferação de academias
de ginastica e centros estéticos no país. Em paralelo a isso, as revistas,
especialmente as femininas, trazem publicações que associam moda,
comportamento, saúde e bem-estar, por sua vez, o avanço da medicina aliado a este
culto ao corpo faz subir consideravelmente o número de cirurgias plásticas com
finalidades estéticas.
Percebe-se que as artes, e não apenas as visuais, mas também as demais
linguagens, como a música, acabam sendo utilizadas com a finalidade capitalista de
obter lucros, fazendo parte do que denomina-se de indústria cultural. Conforme
Jung; Perius; Casali (2015), esse conceito foi utilizando inicialmente por Adorno e
Horkheimer, pesquisadores da Escola de Frankfurt, para descrever a forma como as
produções culturais humanas têm seus objetivos e valores originais distorcidos em
prol do sistema capitalista e do favorecimento do aumento do consumo, criando nas
pessoas necessidades consumistas que as levam a comprar e gastar cada vez mais,
mesmo com objetos e serviços que na realidade não necessitam.
A mulher é um alvo constante dessa indústria, que lhe oferece inúmeros
produtos, lhe representa em comerciais e programas televisivos através da exibição
de mulheres sempre bem arrumadas e maquiadas, de corpos magros e curvas
definidas e somando-se a isso se encontram as músicas, especialmente do novo
estilo contemporâneo chamado sertanejo universitário, que acabam por estabelecer
a imagem de uma mulher fútil, submissa e efêmera. Campos (2014), após analisar
letras de músicas desse estilo, chega a conclusão de que a identidade da mulher
retratada no sertanejo universitário é aquela da jovem sem preocupações com o
futuro, cujos interesses são roupas da moda, festas, baladas, sexo e bebidas, seus
37

sentimentos são voláteis, constituindo-se em objetos de desejo sexual dos homens


mas, em uma posição de submissão a estes.
Como salienta Campos (2014, p.26), essa exploração do universo feminino
pela música do estilo sertanejo universitário, extremamente popular entre os jovens
contemporâneos, “Reforça-se o papel sexista e mercadológico da mulher. Ao
mesmo tempo em que esta é criticada por assumir um protagonismo sexual, esse
posicionamento não é visto pelo homem como de emancipação, mas de submissão
e subserviência, pois ela o faz para atender a uma suposta necessidade masculina”.
O que se pode inferir do exposto até agora é que na contemporaneidade a
mulher ocidental alçou posições sociais mais livres e conquistou diversas liberdades
individuais, inclusive a possibilidade do reconhecimento de seus talentos no universo
da arte, por outro lado, essa mesma mulher se encontra agora submetida a outro
tipo de opressão exercida pela indústria da beleza e pela mídia de forma geral. Wolf
(1992, p.13) discorre sobre a função social da beleza sobre a mulher, afirmando que:

As qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres


são apenas símbolos do comportamento feminino que aquele período
julga ser desejável. O mito da beleza na realidade sempre determina o
comportamento, não a aparência. A juventude e (até recentemente) a
virgindade foram "bonitas" nas mulheres por representarem a ignorância
sexual e a falta de experiência. O envelhecimento na mulher é "feio"
porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo e porque os
elos entre as gerações de mulheres devem sempre ser rompidos. As
mulheres mais velhas temem as jovens, as jovens temem as velhas, e o
mito da beleza mutila o curso da vida de todas. E o que é mais instigante,
a nossa identidade deve ter como base a nossa "beleza", de tal forma que
permaneçamos vulneráveis à aprovação externa, trazendo nosso amor-
próprio, esse órgão sensível e vital, exposto a todos.

Percebe-se, então, que a necessidade de ser considerada bela acaba por


tornar-se um dos elementos necessários a constituição da identidade dessa mulher
contemporânea. Segundo Knopp (2008, p.2) é por meio do corpo e de seu uso que
as pessoas constroem suas identidades e é também tendo o corpo como veículo
que as relações sociais se constituem e se mantém, o mesmo é, portanto, “[...] uma
mercadoria-signo, sendo assim, um meio através do qual os indivíduos criam
vínculos e estabelecem distinções sociais”.
Vista desta perspectiva, a beleza deixa de ser um conceito individual para ser
uma construção coletiva, a mulher é bela de tal forma e não de outra por que a
sociedade assim a define e exige que seja. Essa definição varia segundo a época e
a cultura na qual a mulher se insere, mas relaciona-se, independente disso, ao lugar
38

ocupado pela mulher naquela época e sociedade. Questiona-se dessa forma a


validade da suposta liberdade conquistada pela mulher ocidental a partir do século
XX, sem dúvida o direito ao voto, direito ao estudo e ao ensino superior, a inserção
feminina no mercado de trabalho, a liberdade sexual, liberdade de escolhas quanto a
vestimentas, cortes de cabelo, roupas, família, relacionamento amorosos, e, claro, a
liberdade de inserção da mulher no universo artístico tem o seu valor, porém
também tem os seus limites e ainda deixam a deseja nos detalhes mais sutis que a
submetem a mulher sem que esta perceba claramente o que se passa, entre esses
detalhes está a beleza.

5. METODOLOGIA E RESULTADOS

Antes de expor os resultados obtidos com este estudo se faz necessário


explicar como o mesmo foi realizado. Inicialmente, após definir a temática a ser
pesquisada e os sujeitos que participariam da pesquisa, foi elaborado um
questionário com 5 questões discursivas, este foi revisado e corrigido antes de sua
aplicação.
Por tratar-se de uma investigação que visa descobrir quais são os conceitos
de beleza da mulher e a relação destas com o belo, optou-se por aplicar o
questionário unicamente em sujeitos do sexo feminino. As participantes constituem-
se em alunos, professoras e funcionárias da Faculdade de Ampére, Famper,
totalizando 89 pessoas.
A pesquisa foi realizada nas dependências da própria instituição, sendo a
participação voluntária. Todas as participantes foram previamente esclarecidas
quanto à finalidade do questionário e quanto a não obrigatoriedade de respondê-lo,
sendo garantido também o anonimato a todas as colaboradoras que aceitaram
participar da pesquisa.
Os dados coletados foram submetidos a uma análise qualitativa, buscando
estabelecer relações com os conceitos discutidos teoricamente durante a revisão
bibliográfica. Com a finalidade de facilitar o processo de análise bem como a
compreensão do leitor sobre os resultados obtidos optou-se por analisar cada
questão com suas respectivas respostas separadamente e ao final verificar quais
relações podem ser estabelecidas entre as mesmas.
39

5.1 O que é a beleza e as características da mulher bela

A primeira pergunta do questionário aplicado interrogava as participantes


desta forma: Para você o que é a beleza? Em sua opinião quais características uma
mulher deve ter para ser bela?. Para esta questão as respostas foram as mais
diversas, sendo que para fins de análise algumas respostas, por serem muito
semelhantes e conterem a mesma ideia, foram agrupadas.
Entre as 15 participantes com mais de 30 anos de idade, a definição de
beleza foi relacionada, pela grande maioria, a questões ligadas a valores morais,
éticos e pessoais, como possuir bom-senso, atitude positiva, simpatia, bom caráter,
inteligência, e a manutenção de uma família feliz, a possuir amizades e a
capacidade de envelhecer livre de imposições como livrar-se de rugas e estar
sempre aparentando ser jovem. A definição de beleza foi relacionada ainda a
capacidade de a mulher amar a si mesma, sentindo-se bem consigo mesma e como
uma qualidade capaz de ser transmitida as demais pessoas. Apenas duas
participantes definiram a beleza como uma característica essencialmente física,
ligada aos benefícios que os cosméticos podem oferecer e a possuir um corpo
magro, saudável, belo sorriso e belos olhos.
Quanto às características da mulher bela, todas as participantes declararam a
importância de aspectos morais, de comportamento e intelectuais, entre os fatores
citados estão: não agir de maneira vulgar, se educada, ter uma boa formação
acadêmica, bom caráter, ser inteligente, ter bom humor, alegria e simpatia,
transmitindo assim a ideia de que a beleza feminina vai além de sua aparência
física. Porém, 6 participantes colocaram como complemento a essa beleza interna a
necessidade da mulher saber vestir-se, ser magra, ter boa aparência, um sorriso
bonito e roupas novas.
Já entre as 75 participantes, com idades de 18 a 30 anos, a variedade de
respostas foi maior. Características comportamentais e os valores morais, pessoais
e éticos foram novamente citados, sobressaindo-se nesta categoria de reposta
fatores relacionados à: saber comportar-se em público, não agir de forma vulgar, ser
inteligente e com formação acadêmica, ter autoestima (amar a si mesma), manter o
bom humor e a alegria, ser educada, honesta, ter bom senso e atitude positiva. Por
outro lado, 16 participantes declaram que a beleza é apenas aparência, para estas a
mulher bela tem um corpo e um rosto lindo, cabelos longos e sedosos, pele macia,
40

olhos claros, seios e nádegas fartas, além de ser magra e saber se maquiar, se
vestir bem, ser cheirosa e estar sempre bem arrumada. Já outras 3 participantes
afirmaram que a beleza é apenas um padrão estipulado pela mídia e 4 declaram que
a beleza é a essência de cada mulher.
A partir do acima exposto é possível perceber que a maioria das participantes
relaciona a beleza ao comportamento da mulher, sua forma de agir e seus valores, e
também a sua aparência física, ressaltando a importância da mulher saber cuidar de
si mesma de maneira adequada. É possível inferir, a partir de tais colocações, dois
fatores: primeiro que as características comportamentais, morais e éticas
ressaltadas como necessárias a beleza feminina vão de acordo com o exposto no
terceiro capítulo deste estudo, ou seja, com a emancipação da mulher que agora
está inserida no mercado de trabalho, nas universidades e tem autonomia para gerir
a própria vida profissional, sexual e familiar. Por isso lhe é importante que seja
inteligente, tenha uma boa formação acadêmica e mantenha valores morais e éticos
definidos como caráter, honestidade, bom humor e saiba portar-se em público.
Quanto a isso, Almeida (2011) lembra que a partir do inicio do século XX as
portas do mercado de trabalho, da vida intelectual e artística começaram a se abrir
para as mulheres, alterando com o passar dos anos o papel social da mulher e sua
relação com os homens; nesse cenário urgia a necessidade da mulher provar seu
valor na luta pela igualdade de direitos, sendo imprescindíveis a coragem e a
ousadia, mas também essenciais características relacionadas ao caráter, ao
dinamismo e a inteligência, pois destas também dependia a mulher para manter a
autonomia que estava sendo conquistada.
Em segundo, quanto à necessidade de manter uma boa aparência, saber
vestir-se, maquiar-se e se arrumar de maneira adequada, não é possível definir com
precisão até onde tal necessidade relaciona-se a uma possível influência midiática,
ao desejo de cuidar-se e sentir-se bem ou ainda a necessidade de estar bela como
exigência da sociedade, que apesar de ter outorgado a mulher diversas liberdades já
citadas, ainda lhe impõe um padrão de beleza a ser seguido, como evidenciado
também no terceiro capítulo deste estudo. Dantas (2011, p. 906) discorre sobre essa
questão, afirmando que:

No entanto, ao mesmo tempo em que há essa busca incessante para


adquirir um corpo individualizado, o individuo acaba por se perder nas
exigências do social. Trata-se de uma busca por um ideal inatingível, já que
41

as imagens veiculadas são tão perfeitas que parecem não humanas; assim
essa procura por esse ideal leva o sujeito a insatisfação devido a
impossibilidade de se atingir tal padrão.

Mesmo quando a beleza relaciona-se a valores éticos e morais e não a


aparência física, também se encontra implícito um ideal social, um modelo de
individuo desejado por determinada sociedade e em uma época específica. Como
afirmam Aranha; Martins (2003), o mundo cultural possui significados pré-
estabelecidos e quando um novo ser humano nasce e se insere nesse ambiente
cultural, passa a ser educado e moldado dentro deste sistema de valores já
existentes, sendo que nada passa sem ser influenciado por este, nem mesmo
emoções e sentimentos ficam alheias a esse mecanismo, e a pessoa assim inserida
e moldada pela cultura fica sujeita a cumprir as regras que lhe são apresentadas
para que seja socialmente aceita.
Portanto, conclui-se com base nas respostas dadas a esta questão e no
exposto pelos autores citados, que os conceitos de beleza explanados pelas
participantes são fortemente influenciados por um coletivo social, oriundos de
diversas instancias que incluem desde sua educação no seio familiar e o
conhecimento academicamente adquirido em suas formações até a influência
midiática que se apresenta por diferentes meios, como a televisão e as redes
sociais. A beleza é assim percebida e definida por aquilo que a mulher aparenta (seu
corpo, suas feições, cabelos, olhar, sorriso, textura da pele etc.) aliados à forma que
ela se expressa, se comporta e pelos valores que, por meio de suas atitudes,
demonstra possuir, juntas, tais características formam o conjunto que define a
mulher bela na visão das participantes deste estudo.

5.2 O padrão de beleza atual e a influência da mídia

A segunda questão interrogava as participantes da seguinte forma: para você,


qual o padrão de beleza feminina atual? Você acha que os meios de comunicação
midiáticos influenciam esse padrão? De que forma? Nesta pergunta, embora as
respostas também tenham tido certa variedade, a grande maioria das participantes
concorda em que a mídia estipula um padrão especifico de beleza feminino, como
será exposto na análise a seguir.
42

Entre as participantes com maior de 30 anos de idade, 12 afirmaram que a


mídia influencia na formação de um padrão de beleza feminina, apenas uma
declarou que os meios midiáticos não exercem nenhuma influencia e as demais (2
participantes), não responderam. Quanto às características desse padrão de beleza
estabelecido pela mídia, os seguintes fatores foram apontados: a mulher com curvas
acentuadas, pois remete a saúde e bem estar; a mulher magra, com seios fartos e
bumbum grande; a associação entre a magreza e a estética feminina ao alcance do
sucesso na vida; a exposição exagerada de corpos nus e a influência do anúncio de
chás, cremes e shakes que prometem emagrecer e deixar a mulher mais bela.

Já entre as participantes com idades de 18 a 30 anos, 74 declararam que a


mídia exerce influencia no padrão de beleza feminina e apenas uma pessoa
respondeu que não. Entre as características do padrão estipulado pela mídia os
seguintes fatores foram apontados: 12 pessoas mencionaram a mulher de olhos
claros, cabelo loiro, liso, de salto alto, vestida com roupas caras, magra e alta; outras
19 pessoas igualmente enfatizaram a altura e a magreza como principais
características desse padrão; 3 participantes, além das características já
mencionadas, afirmaram que a mulher exibida pela mídia possui “a cabeça oca”;
também foram lembradas características como o corpo sarado e malhado, a mulher
sexy que exibe o corpo e anda com roupas curtas, a mulher “gostosa”, o padrão
“mulherão” que o Brasil orgulha-se de exibir e as cirurgias plásticas feitas levando ao
surgimento de mulheres como a Barbie humana.
O padrão de beleza midiático apontado pelas participantes deste estudo,
desde as mais velhas até as mais jovens, vai ao encontro com os conceitos
explanados anteriormente, especialmente no que concerne a mulher representada
na publicidade e outras formas de mídia. Trata-se da mulher sensual, magra, de
corpo curvilíneo, que usualmente se apresenta trajando roupas curtas e provocantes
e seu corpo se sobressai a suas capacidades intelectuais, segundo Schaun;
Schwartz (2008, p.4)

No capitalismo moderno a conjunção entre erotismo e comércio se


intensifica visando estimular o consumo. Utiliza a premissa freudiana, a
renúncia da obtenção de objetos e prazeres, necessária para processo
civilizatório, só foi suportável por que a “civilização capitalista” ofereceu
satisfações substitutivas, transformando objetos em satisfações. Um dos
pontos discutidos é a oferta de imagens femininas erotizadas, como objeto
de consumo.
43

Essa imagem erotizada da mulher, presente nas propagandas publicitárias,


nas letras de inúmeras musicas, em programas televisivos e outros meios de
comunicação, insere-se, conforme demonstram as autoras acima, em um contexto
social capitalista no qual se procura influenciar as massas para que consumam. O
ato de consumir, por sua vez, liga-se a obtenção de prazer e o corpo esbelto e
malhado, definido, curvilíneo e outras características citadas, se encaixa em uma
função social. Segundo Ferreira (2010, P189) “Na vida social, a beleza do corpo
humano começa a ser trabalhada, construída de modo a atender a demanda da
industrialização, o corpo começa a se adequar a essa nova ordem social que preza
a forma e a função, afinal, ele é uma peça importante nessa engrenagem”.
O que se pode concluir mediante as respostas apresentadas e as
considerações acima feitas é que as participantes em sua maioria concordam com
que a mídia formula e repassa as massas um padrão de beleza feminina específico
e as características por elas apontadas, como integrantes deste padrão, estão de
acordo com que foi apresentando no capítulo três desta pesquisa. As respostas
obtidas evidenciam a representação de uma mulher cuja aparência física é bem
definida, e que usualmente, é difícil de ser alcançado pela maioria das mulheres
comuns.

5.3 Participantes e sua auto-imagem

A terceira questão inquiria as participantes da seguinte forma: Você se


considera uma mulher bonita? Mudaria algo em sua aparência? Justifique. Essa
pergunta é nitidamente muito mais pessoal que as anteriores e a intenção de fazê-la
as participantes visava verificar se as mesmas, mediante o que responderam
anteriormente, são influenciáveis ou não pelo padrão de beleza vigente.
As participantes com maior de 30 anos de idade, 13 responderam que se
consideram bonitas e duas não responderam. Quanto a mudar algo na própria
aparência, 7 afirmaram que mudariam, 5 declararam que não e duas não
responderam. Entre as que afirmaram mudar, as principais justificativas citadas
foram: duas afirmaram que diminuiriam o tamanho dos seios, uma participante
44

gostaria de ser mais alta, outra disse que frequentaria salão e academia para ter
maior auto-estima e 4 participantes declaram a intenção de emagrecer.
Por sua vez, entre as participantes com idades de 18 a 30 anos, 68
responderam se considerar bonitas, 7 disseram que não. Sobre mudar a aparência
física, 34 afirmaram que mudariam algo, 33 responderam que não e 11 não
responderam. As justificativas para mudar nesta faixa etária variaram mais,
aparecendo entre as mesmas as seguintes respostas: participantes declararam a
intenção de mudar os cabelos, perder olheiras, ser mais altas, fazer exercícios para
modelas as coxas, aumentar os seios e o bumbum, e 11 afirmaram que gostariam
de ser mais magras.
Primeiramente, aqui há um fato interessante a ser comentado. Entre as
participantes mais velhas do estudo, o desejo de mudança é bem maior
proporcionalmente do que entre as mais jovens, com estas ultimas houve
praticamente um empate de opiniões, sendo a vontade de mudar a própria
aparência maior por uma diferença de apenas um. Wolf (1992) discorre sobre as
mulheres com idade superior aos 30 anos, falando mais especificamente das que
possuem entre 40 a 60 anos, afirmando que esta idade é considerada socialmente
como o inicio do declino da vida feminina, pois principiam a aparecer as marcas do
tempo e o vigor do corpo não é mais o mesmo da juventude.
Porém, apesar dessa distinção, de forma geral o que se percebe é que as
declarações feitas pelas participantes relacionam-se ao anteriormente exposto tanto
na fundamentação teórica deste estudo quanto nas análises das respostas das duas
questões anteriores. Não se pode afirmaram categoricamente, contudo, até onde o
desejo por tais mudanças provém de uma vontade interior sincera ou de uma
influencia externa exercida pelos meios de comunicação e pelo padrão de beleza já
demonstrado anteriormente. Porém, mesmo tratando-se de uma questão pessoal, e,
portanto, subjetiva, é preciso levar em consideração as influencias externas,
especialmente provindas da mídia e do incentivo ao consumismo, que atuam sobre o
imaginário feminino na sociedade contemporânea, conforme Ferreira (2010, p.199)
“Os modos de perceber, sentir, modelar e cuidar do corpo são influenciados por esse
processo de produção de desejos e subjetivação produzidos pelo mercado”.

5.4 A beleza feminina e o mercado de trabalho


45

Essa questão interrogava as participantes da seguinte maneira: em sua


opinião para uma mulher ser bem sucedida profissionalmente é necessário que ela
seja bonita? Justifique. A intenção aqui é claramente verificar a percepção das
participantes quanto à necessidade ou não de atributos físicos considerados belos
para serem bem sucedidas profissionalmente.
Entre as mulheres com idades superiores há 30 anos que colaboraram com
essa pesquisa, 13 afirmaram não haver nenhuma relação entre beleza e sucesso no
trabalho e apenas duas disseram que sim. Como justificativas para suas respostas
afirmaram que: beleza não gera atributos profissionais, beleza e sucesso profissional
são coisas diferentes que não possuem relação, o que importa é a competência no
que se faz, fazer bem feito, a beleza não se relaciona a inteligência, pelo contrario, a
mulher rica é bem sucedida e isso gera a sua beleza, a mulher para ser bem
sucedida profissionalmente precisa ter competência, uma boa formação, ter postura
adequada a atualizar-se conforme o perfil de sua profissão. Já entre duas
participantes que afirmaram haver relação entre a beleza e o sucesso profissional da
mulher, as justificativas foram: a boa aparência e estilo contribuem muito e que a
mulher precisa estar bem com seu visual, cabelo, maquiagem, roupas, unhas etc.
em seu ambiente de trabalho.
Quanto as participantes com idades de 18 a 30 anos, 56 afirmaram que a
mulher não precisa ser bela para ser bem sucedida profissionalmente, 14 disseram
que sim e 4 não responderam. Entre as justificativas apresentadas pelas 56 que
negaram tal relação às principais são: a capacidade profissional da pessoa não
muda pela beleza, embora a mídia mostre outra coisa, a mulher precisa se
inteligente e é bem sucedida pela eficiência de seu trabalho, o que a mulher precisa
é ter estudo superior e um bom emprego, a mulher precisa ser humilde, capacitada e
possuir uma boa formação. Por sua vez, entre as que afirmam que a mulher precisa
ser bela para ser bem sucedida, as principais justificativas são: em muitos cargos,
como vendedora ou atendente, o que se julga é a aparência, uma mulher desleixada
não transmite segurança profissionalmente, é preciso boa aparência e cuidados
pessoais, a beleza não é uma necessidade mas influencia em alguns casos.
A partir das respostas apresentadas, conclui-se que a maioria das
participantes considera que características como formação acadêmica, inteligência,
capacitação e competência, são mais importantes ao sucesso profissional da mulher
46

que sua aparência física. Em paralelo, percebe-se que a associação entre beleza e
sucesso profissional ainda é presente no imaginário de algumas mulheres, que
quando não afiram a corrente necessidade de ser bela, admitem que a beleza ajuda
sim a mulher a ser bem sucedida e em alguns cargos ela é fundamental.
Esse posicionamento da mulher, inferido através da negativa da maioria das
participantes que não acreditam na necessidade de beleza para o sucesso
profissional, reflete uma busca feminina pela igualdade de direitos, condições e
salários, pois conforme Costa; Andrósio (2010), a mulher conquistou um espaço
mais amplo no mercado de trabalho nas ultimas décadas, porém a questão da
desigualdade de gênero ainda não se extinguiu.
A mulher deseja ser reconhecida e tratada com igualdade, para isso investe
em fatores como sua formação acadêmica e prima pelos valores morais e éticos
como o caráter e a honestidade, deixando neste momento a beleza em segundo
plano, pois conforme salienta Almeida (2010, p.55), a mulher deseja agora na
contemporaneidade aquilo que foi lhe negado por séculos, ou seja, “As mulheres
querem ser donas da própria vida, no sentido da necessidade de ter o poder de
escolha [...] ser uma pessoa no amplo sentido, com todos os direitos e deveres, com
todos os prazeres e dores, com todas as certezas e angústias”.
Porém, não se pode ignorar que, embora em menor número, algumas
participantes declararam que percebem a necessidade da mulher ser bela para que
possua sucesso profissional. Isso evidencia o fato de que a beleza não perdeu sua
importância e ainda se constitui em um fator controlador do comportamento e do
imaginário feminino, afinal a constituição da identidade da mulher não depende
apenas dela mesma, mas do olhar do outro. Conforme Mattos (2014, p.75) “As
subjetividades exprimem e expressam os elementos constituintes do discurso, de
identidade e de pertença do sujeito, revelando as disputas em torno do poder. [...]
mas, a identidade depende de um outro”.
A análise mais minuciosa das respostadas dados pelas participantes em
conjunto com os autores citados, permite inferir que, embora a mulher goze hoje de
uma maior liberdade, ela ainda se encontra sob a influência e o controle de forças
sociais que se fazem presente de formas mais sutis, como a publicidade, os meios
midiáticos e a própria opinião do outro sobre ela. Como visto nos capítulos de
fundamentação teórica desse estudo, através dos conceitos expostos por vários
autores, à mulher sempre esteve sob diversos controles sociais que mudaram
47

conforme a época e o local, mas eram explícitos, ora era a Lei, como na Roma e
Grécia antiga, depois o controle religioso cristão na Idade Medieval, e hoje? Hoje
tais controles são mais sutis e menos perceptíveis, dando a mulher uma sensação
de liberdade e ocultando os mecanismos implícitos de controle social, exercidos,
entre outras instâncias, por uma ditadura de beleza.

5.5 A mulher, a beleza e a felicidade

A última pergunta desta pesquisa questionava as participantes da seguinte


forma: Para você é necessário beleza para ser feliz? Justifique. Também de
natureza pessoal e subjetiva, essa questão procurava inferir qual a importância da
beleza na vida das participantes de uma forma mais ampla, abarcando qualquer
fator que as mesmas considerassem necessário para a própria felicidade.
Entre as participantes com idade superior aos 30 anos a resposta foi
unanime, nenhuma delas considera necessária a beleza para ser feliz, entre as
justificativas apresentadas encontram-se: a felicidade é um estado momentâneo, a
felicidade está no interior das pessoas, a felicidade se encontra nas pequenas
coisas, como a inocência de uma criança, a família e sentir-se bem consigo mesmo,
a felicidade é um conceito subjetivo nascido da moral religiosa, a pessoa feliz se
ente bela e para ser feliz a pessoa deve aceitar-se como é.
Já entre as participantes com idade de 18 a 30 anos, 55 afirmaram que não,
17 disseram que sim, é preciso beleza para ser feliz, 9 afirmaram não saber definir
felicidade e duas não responderam. Entre as que responderam negativamente a
essa questão as justificativas apresentadas foram: a mulher deve se amar e aceitar-
se como é para ser feliz, a felicidade está nas pequenas coisas e não na aparência
física, a mulher é feliz quando encontra seus objetivos na vida, a beleza é apenas
um ponto de vista, o que é belo para um pode ser feio para outro, a felicidade é que
trás a beleza e não o contrário, não existe felicidade eterna e sim momentos felizes,
a beleza é algo superficial e mesmo as pessoas feias também podem ser felizes.
Aquelas que responderam de forma afirmativa apresentam as seguintes
justificativas: necessariamente não, mas a beleza é algo importante para ser uma
mulher, a mulher precisa se sentir bela para ter autoestima (15 participantes), beleza
48

e felicidade estão atreladas uma a outra e uma aparência mais social eleva a
autoestima de qualquer pessoa.
Primeiramente, é preciso destacar o fato de que todas as participantes com
idade superior a 30 anos não percebem uma necessidade de beleza para serem
felizes, enfatizando, no lugar do belo, outros fatores como determinantes da
felicidade. Da mesma forma, a maioria das participantes mais jovens também se
enquadram nesse grupo. Analisando de forma mais minuciosa as justificas por elas
apresentadas, pode-se constatar que as mesmas se remetem a valores morais,
éticos e sociais, que construíram e adquiram ao longo de suas vidas. Aranha;
Martins (2003) discorrem sobre os valores na pós-modernidade, segundo eles, a
moral possui um caráter pessoal, pois embora as pessoas se orientem pelos valores
recebidos de seus antepassados e perpetuados pela sociedade, a medida que o ser
humano cresce e se torna responsável por si mesmo na vida adulta, amplia-se a sua
consciência reflexiva e crítica a respeito da vida e dos fatos a ela relacionados,
fazendo com que o individuo coloque em questão os valores herdados, conservando
alguns e aderindo a outros.
Por sua vez, entre as participantes com idades de 18 a 30 anos de idade,
houve várias que afirmaram a existência de uma relação entre a beleza e a
felicidade. A existência desta relação no imaginário feminino não é surpreendente
mediante a todo o conteúdo exposto quanto a representação da mulher na
contemporaneidade e as circunstancias que a envolvem em uma sociedade
capitalista marcada pelo consumismo. Conforme Ferreira (2010, p.197)

A beleza contemporânea traduz um ideal de beleza construída e


manipulada socialmente e a construção da personalidade se dá a partir da
imagem, como se ela fosse a fonte principal de referência desse processo,
e o corpo torna-se o objeto a ser trabalhado, construído segundo as regras
que fazem dele o passaporte para a felicidade. O controle da aparência
torna-se a moeda principal nos mercados profissional e sexual, ela amplia a
possibilidade de ascensão social, a imagem do corpo cada vez mais é a
marca da individualidade, tornando cada vez mais imprecisa a fronteira
entre o individual e o coletivo. A consciência corporal é então atravessada
por esses fatores estéticos, éticos e políticos que reproduzem a dinâmica da
sociedade.

Segundo Jung; Perius; Casali (2015), a sociedade capitalista se estrutura em


torno da obtenção do lucro e progresso econômico, por isso a publicidade e outros
meios midiáticos, atuam como um principio negativo, pois em busca de tais objetivos
influenciam o público estabelecendo padrões que delimitam estilos de vida
49

específicos a serem seguidos, vendo assim verdadeiras ideologias que promovem a


alienação do individuo.
Verifica-se, desta forma, e levando em consideração o exposto nas questões
anteriores, que após percorrer um longo caminho, a mulher contemporânea se
coloca como senhora de si mesma e assume um papel ativo na sociedade nas
diferentes esferas que a compõe, além de mais liberdade a mulher ganhou também
novas preocupações, como conciliar o trabalho com a vida em família, sendo que,
muitas vezes insere-se ainda, nesse contexto, o ambiente acadêmica, pois a mulher
também precisa estudar. Porém, apesar disso, ainda se encontram mecanismos de
controle social que agem sobre a mulher de forma que esta não os perceba, sendo
que as artes, com sua maneira de representação a mulher, fornecem um
testemunho fidedigno da situação social feminina ao longo da história.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Longe de elucidar uma temática tão ampla, essa pesquisa propiciou alçar
uma luz frente ao complexo universo em que emerge a mulher contemporânea e sua
relação com a beleza. A arte, como foi demonstrado no decorrer desta pesquisa,
muito pode contribuir para essa compreensão, propiciando uma leitura única da
mulher e sua posição perante a sociedade na qual se insere.
Ao longo dos milênios da história humana e artística a mulher foi
representada de diferentes maneiras, as quais uma análise mais minuciosa permite
perceber que tais representações não são elaboradas de maneira aleatória, mas sim
denotam conceitos sociais, políticos e religiosos os quais se ligam a mulher e sua (s)
função (s).
A beleza, termo comum em vários contextos contemporâneos, especialmente
no que se refere ao feminino, quando discutida com maior seriedade estendendo-se
além do senso comum, permite inferir muito mais que padrões estéticos e aparência
física. Mas, permite derrubar mitos e identificar mecanismos de controle que agem
sutilmente sobre a maneira de pensar, de agir e especialmente sobre os desejos
femininos.
Além das nuances próprias do universo artístico, a publicidade e as mídias
são um dos fatores mais proeminentes da chamada indústria da beleza,
50

influenciando diretamente a subjetividade feminina, esta influência é perceptível


tanto em gostos, quanto em estilo de vida em padrões de comportamento, adotados
pelas mulheres.
Estas influências precisam ser apontadas, para que as mulheres, e não
apenas elas, mas a sociedade, possam desenvolver uma consciência reflexiva e
crítica quando o papel social dos indivíduos e até onde realmente se estendem os
limites de uma liberdade de ser e viver que, a principio, parece infinita, mas quando
olhada percebido seus detalhes se fazem nítidas suas fronteiras.
51

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de novembro de 2015.
55

ANEXO

1: QUESTIONÁRIO DE PESQUISA

Idade: _______Formação:_____________________________________________

01. Para você o que é a beleza? Em sua opinião quais características uma mulher
deve ter para ser bela?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
02. Para você, qual o padrão de beleza feminina atual? Você acha que os meios de
comunicação midiáticos influenciam esse padrão? De que forma?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
03. Você se considera uma mulher bonita? Mudaria algo em sua aparência?
Justifique.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
04. Em sua opinião para uma mulher ser bem sucedida profissionalmente é
necessário que ela seja bonita? Justifique.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
05. Para você é necessário beleza para ser feliz? Justifique.
56

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

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