A Epopéia Da Rodovia Transamazônica
A Epopéia Da Rodovia Transamazônica
A Epopéia Da Rodovia Transamazônica
Pouco antes de 1972, a cidade de Altamira, no Xingu, estado do Pará, foi palco de uma das ações mais
ousadas que o homem resolveu deflagrar na terra. Dizia-se, na época que emparelhava em impacto, com
a ida do homem à lua, em 69. Nem tanto...
Roberto Gueudeville
Pouco antes de 1972, a cidade de Altamira, no Xingu, estado do Pará, foi palco de uma das ações mais
ousadas que o homem resolveu deflagrar na terra. Dizia-se, na época que emparelhava em impacto, com
a ida do homem à lua, em 69. Nem tanto...
Os generais que governavam o Brasil, baseados nos estudos e pesquisas da Escola Superior de Guerra,
(a nossa Sorbone) onde pontificava o mais arguto e erudito deles, o general Golbery do Couto e Silva,
notório criador da arapongagem no País, entendiam que era urgente conquistar 60% do Brasil, a
Amazônia, assunto que sobrevivia na cabeça dos brasileiros como apenas uma grande fábrica de lendas
e mitos, o que permanece até hoje.
Bolaram grandes rodovias como a Transamazônica, Santarém – Cuiabá e Perimetral Norte. Os militares
pensavam que o Governo assim fazendo, assumindo 100 km sobre as 2 margens das estradas, com um
processo intensivo de colonização pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária,
estaria resolvido o grave problema e o Brasil não sofreria mais a cobiça internacional. Acertaram em
parte!
Em dado momento, Altamira recebia uma centena de jornalistas de todo o mundo. Um jornalista alemão,
incrédulo, inquiriu o ministro Andreazza, o líder de todo o processo, como o Brasil iria realizar um
trabalho dessa magnitude se não havia sequer estudos pedológicos onde assentar a rodovia e o fato do
banco Mundial não aceitar financiar a obra? Andreazza irritou-se e por pouco não expulsou o alemão do
recinto, a sede do então DNER, nas proximidades de Altamira. Hoje sabemos que o projeto realmente é
meritório, mas incompleto. Faltou-lhe a presença de bons estrategistas para incluir a presença da ferrovia
(que o governo, ignorantemente, acabou com algumas linhas) e, com igual ou maior importância, a
aquavia. Poderíamos sair de Belém e chegar a Buenos Aires, por água. O Brasil permanece alimentando
um de seus males mais tradicionais – o governo de plantão assume sem projeto sério para o país e destrói
ou abandona tudo o que o antecessor fez. O povo paga a conta.
No caso das rodovias, a Santarém – Cuiabá tem uma importância grandiosa nas exportações de grãos do
Centro Oeste, com Santarém funcionado estrategicamente como porto fluvial exportador. A
Transamazônica permanece inacabada, com expressivo trânsito notadamente no trecho Altamira –
Marabá. Quanto à Perimetral Norte que basicamente atravessa os municípios paraenses de Almeirim,
Alenquer, Óbidos (extremo norte) e Oriximiná, com vicinal pronta à Serra do Tumucumaque (índios
Tiriós), como obra integrada aos projetos da Calha Norte, vem sofrendo desprezo porque os militares,
com os governos do PT, não estão sendo bem tratados em termos de liberação de verbas, ao contrário,
sempre caem no chavão do contingenciamento. Revanche?
Mas o grande malogro dos militares está no quesito colonização – INCRA. Lembro-me do seu inicio,
na mancha de terra roxa, próximo a Altamira. As agrovilas funcionavam bem, não faltava dinheiro. A
auto-estima de todos estava altíssima.
Com o tempo, o INCRA, de órgão poderoso, rico e eficiente, estiolou-se. Sempre alvo de política
partidarista, de forte corrupção e evasão de seus quadros mais competentes, Transformou o assunto
reforma agrária na Amazônia numa briga intestina de fazendeiros, madeireiros, grileiros, posseiros e
bandidos. Todos esquecemos que não se pode fazer reforma numa região que ainda não tem forma
agrária. Na série X, Terra Sem Dono, trataremos do assunto em detalhe.
Agora, o governo quer resolver o pepino da situação jurídica da terra e, por medida provisória dá poder
ao prefeito e ao presidente do sindicato rural para atestarem a validade da posse. No Pará, tem prefeito
já cobrando R$5.000,00 por cada documento.
AS GARRAS DA DITADURA
Empolgado com o projeto que poderia ser a redenção da Amazônia e sua efetiva conquista, decidi criar
e editar o JORNAL DA TRANSAMAZÔNICA que teve vida efêmera. Circulou apenas três vezes. A
estória demonstra o poder de um simples coronel, numa ditadura militar.
Eu havia feito uma longa entrevista com o então bispo de Santarém, Dom Tiago Ryan, americano, com
idéias avançadas para o homem pobre da floresta, com respeitável folha corrida na área social da igreja.
Para os militares, um comunista. Tal qual o jornalista, preso em Goiânia, em 64, também considerado
comunista, apenas por defender o povo. O Cel. Otávio Costa, araponga-chefe da Assessoria de Imprensa
do palácio do Planalto deu ordens expressas para me convocar a seu gabinete. Falou 50 minutos sobre
os perigos do comunismo no Brasil, criticando-me por ter dado espaço a um bispo presente no índex dos
militares. Contrapus-me ao coronel e fui embora. Mandou cortar toda a publicidade do governo, no
jornal da Transamazônica, que veio a falecer na sua terceira edição. O bispo morreu, o coronel virou
general de pijama e eu continuo repórter da Amazônia, com muita estória para contar!