Contos de Fadas Na Contemporaneidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL 


FACULDADE DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: 


Os “novos contos de fadas” ensinando sobre 
infâncias e relações de gênero e sexualidade 
na contemporaneidade 

FERNANDA FORNARI VIDAL 

Por to Alegr e 
2008

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PU­ 
BLICAÇÃO (CIP) 
__________________________________________________________ 

V648p  Vidal, Fernanda Fornari 
Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos 
contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gê­ 
nero e sexualidade na contempo­raneidade  [manuscrito] / 
Fernanda Fornari Vidal; orientadora : Iole Maria Faviero 
Trindade.  – Porto Alegre, 2008. 
188 f. + Anexos 

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós­ 
Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BR­RS. 

1. Infância – Relações de gênero – Sexualidade. 2. Conto 
de fada – Representação. 3. Estudos culturais. I. Iole Maria Fa­ 
viero Trindade. II. Título. 

CDU – 373.2:396 
__________________________________________________________ 
_____________ 
Bibliotecária  Neliana Schirmer Antunes Menezes – CRB 10/939
FERNANDA FORNARI VIDAL 

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: 


Os “novos contos de fadas” ensinando sobre 
infâncias e relações de gênero e sexualidade 
na contemporaneidade 

Dissertação  de  Mestrado  apresentada  ao  Programa  de 


Pós­Graduação em Educação da Faculdade de Educação 
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como re­ 
quisito  parcial  para  obtenção do  título de  Mestre  em E­ 
ducação. 

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade 

Porto Alegre 
2008

FERNANDA FORNARI VIDAL 

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: 


Os “novos contos de fadas” ensinando sobre 
infâncias e relações de gênero e sexualidade 
na contemporaneidade 

Dissertação  de  Mestrado  apresentada  ao  Programa  de 


Pós­Graduação em Educação da Faculdade de Educação 
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como re­ 
quisito  parcial  para  obtenção do  título de  Mestre  em E­ 
ducação. 

Aprovada em 20 de março de 2008. 

____________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade – Orientadora 

____________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira – PPGEDU/UFRGS 

____________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen – FACED/UFRGS 

____________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann – Professora convidada

D edico  este  trabalho  a  todas  as  pessoas,  sejam  elas 


“pequenas ou grandes”, que como eu se interessam 
por  ler  contos  de  fadas,  especialmente  “os  novos 
contos de fadas”, que são as histórias recontadas, as 
paródias, enfim, as revestidas de uma roupagem contemporânea, 
contextualizadas no mundo em que vivemos, no cotidiano popu­ 
lar.  Convido­as  a  olhar  para  estas  histórias  sem  ingenuidade, 
pois, se Perrault, os irmãos Grimm, Andersen e Walt Disney nos 
ensinaram muitas coisas sobre as crianças de seus tempos e so­ 
bre ser homem e ser mulher através de suas histórias, os “novos 
contos de fadas” também nos ensinam sobre isso! 

Agradecimentos 

omo aprendi com O Pequeno príncipe 1 , “cativar” é “criar laços”... “[...] 

C se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim 
único  no  mundo.  Eu  serei  para  ti  única  no  mundo...”  (SAINT­ 
EXUPÉRY, 2005, p.68). E existem muitas pessoas que são únicas e es­ 
peciais para mim, às quais devo, no mínimo, nesse momento de conclusão desta etapa signifi­ 
cativa de minha qualificação profissional, agradecer por suas presenças em minha vida. Isto, 
porque, com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem com o coração. O essen­ 
cial é invisível aos olhos” (SAINT­EXUPÉRY, 2005, p.72). 
Devo lembrar as pessoas que encheram a minha existência de amor, carinho, atenção, 
cuidado, compreensão, companheirismo e generosidade. “Foi o tempo que perdeste com tua 
rosa que a fez tão importante” (SAINT­EXUPÉRY, 2005, p.72). Elas empreenderam horas de 
seu tempo, momentos de suas vidas comigo, porque julgaram fundamental apoiar­me e auxi­ 
liar­me no que fosse preciso. Cativaram­me! 
“Tu  te  tornas  eternamente  responsável  por  aquilo  que  cativas”  (SAINT­EXUPÉRY, 
2005, p.74). 
Agradeço à minha família (pai, mãe, irmãs) que sempre me incentivou aos estudos e 
ofereceu seu incondicional apoio, sua força e compreensão nos momentos que precisei. 
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, que, desde sempre, foi 
minha inspiradora de professora­educadora­pesquisadora, desde a época em que fui sua aluna 
e depois sua bolsista de extensão. Ela foi a responsável por eu seguir a minha qualificação, já 
que foi ela quem me motivou a prosseguir nos estudos, primeiro cursando disciplinas  como 
aluna  PEC,  depois  guiou  minhas  escolhas  e  orientou  meus  estudos  para  fazer  a  Seleção  ao 
Mestrado. Solidarizou­se com meus objetivos de pesquisa e assumiu comigo a responsabili­ 
dade de olhar e pesquisar sobre temáticas um pouco diferentes daquelas que costuma analisar; 
aceitou a minha causa porque apostou em mim! Mais que orientadora, foi amiga, incentivado­ 
ra, mostrando­se confiante, paciente, crítica, exigente, solidária. 


Personagem da obra homônima de SAINT­EXUPÉRY (ver referência bibliográfica). 

Às colegas e ao colega de orientação: Rodrigo  Saballa de Carvalho, Cláudia Gewehr 
Pinheiro, Mirtes  Lia  Pereira  Barbosa,  Patricia  Moura Pinho,  Thaise  da  Silva,  Zoraia  Aguiar 
Bittencourt,  Daniela  Medeiros  de  Azevedo,  Rochele  da  Silva  Santaiana,  Sandra  Monteiro 
Lemos, Ivone Regina Porto Martins, Darlize Teixeira de Mello e Suzana Schineider pela par­ 
ceria, diálogos, trocas, sugestões, ajudas. 
Ao  pessoal  do  NECCSO 2  e  da  NECCSOLIST 3  que  sempre  nos  mantém  atualizados 
dos eventos e defesas relacionados à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Edu­ 
cação. 
Às professoras das Bancas da Defesa da Proposta e da Defesa da Dissertação, Prof.ª 
Dr.ª Jane Felipe de Souza, Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel 
Silveira,  por  terem  aceitado  o  convite  de  compor  a  Banca  Examinadora  e  Avaliadora,  mas 
também por suas excelentes contribuições, sugestões de leituras e empréstimos de livros, não 
só  na  ocasião  da  Defesa  da  Proposta,  mas  ao  longo  de  minha  caminhada  de  pesquisadora. 
Meus agradecimentos à Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen por ter aceitado o convite 
de compor a Banca de Defesa da Dissertação. 
Às  professoras  das disciplinas  que cursei como aluna  PEC e  como mestranda,  Prof.ª 
Dr.ª  Iole  Maria  Faviero  Trindade,  Prof.ª  Dr.ª  Jane  Felipe  de  Souza,  Prof.ª  Dr.ª Maria Lúcia 
Castagna  Wortmann,  Prof.ª  Dr.ª Marisa  Vorraber  Costa,  Prof.ª  Dr.ª  Nádia  Geisa  Silveira de 
Souza, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira, por seus ensinamentos e por tornarem os Estu­ 
dos Culturais objeto de encantamento para mim. 
Aos/Às colegas do Programa de Pós­Graduação em Educação, com os quais dialoguei, 
trocamos  conhecimentos/experiências/dúvidas/estranhamentos,  enfim,  a  todas  e  todos  que 
estiveram presentes nesta minha caminhada de estudos e qualificação e com ela contribuíram 
de algum modo. Especialmente, meus agradecimentos aos colegas que, pela proximidade dos 
temas de pesquisa, estiveram mais presentes e/ou emprestaram suas Dissertações e/ou Teses 
para que  eu  as  pudesse  ler:  Suyan Ferreira  Pires,  Mariangela  Momo,  Janaína  Souza  Neuls, 
Bianca Salazar Guizzo, Ana Paula Sefton, Alexandre Toaldo Bello. Outros colegas que foram 
parceiros  que  quero  destacar  aqui  são:  Sandra  dos  Santos  Andrade,  Lisiane  Gazola  Santos, 
Angélica  Silvana Pereira,  Anderson Rodrigues Correa, Viviane  Castro Camozatto. Quero  a­ 
gradecer  também  à  Prof.ª  Dr.ª  Elisabete  Maria  Garbin,  professora/orientadora  da  Linha  de 


Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade, ao qual me inscrevo. 

Nossa lista virtual de endereços eletrônicos de pesquisadores vinculados  ao núcleo. Através desta lista somos 
informados de tudo que é relacionado à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Educação do PPGE­ 
DU/FACED/UFRGS.

Pesquisa Estudos Culturais em Educação, pelas trocas que fizemos nas várias  vezes em que 
nos cruzamos, na faculdade e em outros eventos, como os de apresentação de trabalhos; nes­ 
ses encontros, sempre saía contagiada com sua alegria e carisma. Aos colegas e às colegas que 
conheci e com quem convivi durante as aulas das disciplinas que cursei, ou em eventos afins, 
ou em outras situações acadêmicas, obrigada pelas aprendizagens efetivadas. 
Aos professores  e  às professoras da  Faculdade de  Educação da  UFRGS, onde  cursei 
minha graduação em Pedagogia – Séries Iniciais e que, desde aquela época, incentivaram­me 
a  seguir  adiante  na  qualificação  profissional  e  que  torceram  para  que  eu  fizesse  parte  deste 
grupo  de  pesquisadores  do  PPGEDU/UFRGS.  Meus  agradecimentos  especiais:  à  Tânia  Ra­ 
mos  Fortuna,  com  quem  trabalhei  por  dois  anos  como  bolsista  de  extensão  e  com  quem  a­ 
prendi  muito  sobre  a  arte de  educar,  sobretudo  educar  com  competência,  exigência,  alegria, 
amor e brincadeira; à Maria Isabel Habckost Dalla Zen, minha professora, orientadora de es­ 
tágio, colega no pós, minha inspiradora e exemplo de professora­educadora­artista, cujas au­ 
las  encantam;  à  Maria  Bernadette  Castro Rodrigues;  à  Maria  Luísa  Merino  Xavier;  à  Maria 
Stephanou; ao Nestor André Kaercher; à Roseli Inês Hickmann; à Heloísa Junqueira e ao Jor­ 
ge Alberto Rosa Ribeiro. A vocês, meus/minhas mestres/as, que foram meus modelos de pro­ 
fissionais qualificados e dignos de inspiração, muito obrigada por tudo que são para mim! 
Ao  Gerson  Luiz  Millan,  Secretário  da  COMGRAD  desta  faculdade  (meu  anjo­da­ 
guarda oficial e em presença real), por sua eterna presteza e amizade. 
Ao pessoal do PPGEDU: Mary Pires, Eduardo Assunção da Rocha, pelos atendimen­ 
tos sempre cordiais junto à Secretaria do nosso Programa. 
Às Direções e Coordenações das escolas onde trabalho que facilitaram a minha entra­ 
da (deixando­me ter um pouco de tempo para estudar!), presença e freqüência nas disciplinas 
do PPGEDU. Meu especial reconhecimento ao esforço em garantir meus estudos acadêmicos 
e investimento em mim como profissional da educação à Vera Cristina  Rodrigues Bragança 
(Polaca),  ao  Ir.  Lodovino  Jorge  Marin,  à  Arlete  Dagort,  à  Maria  Alice  Rebollo  De  Santi,  à 
Valéria Cruxen Bisso, à Simone Terezinha Baroni Madeira, à Cenira Terezinha Baroni Barbi­ 
zam, à Sheila Guidi Milioli Funari, à Débora Gurski Herbert. 
Às minhas colegas professoras e aos colegas professores das escolas em que atuo, pela 
amizade e incentivo, enfim, a todos e todas que me acompanharam neste período de estudos e 
que se interessaram em perguntar, em dialogar comigo sobre meu trabalho investigativo.

Às minhas amigas e, também, colegas de trabalho, Janaína Souza Neuls (responsável 
pela digitalização e edição de imagens) e Darcléa Borba, que fizeram a revisão desta Disserta­ 
ção com competência e carinho. 
Às amigas que estão sempre na torcida para que os meus sonhos se realizem e aos que 
estão comigo nos momentos bons e nos difíceis, àqueles e àquelas que estão sempre prontos a 
me escutar/apoiar/auxiliar. Obrigada pela riqueza de nossa amizade: Andresa Pereira da Silva 
Azevedo, Marlene Akselrud de Souza, Soraia Quadrado Cauduro e Magna Ester Birriel. 
Aos  meus  familiares/parentes  que  compreenderam  as  minhas  ausências  (alguns  nem 
sempre!) nas festas e encontros de família, mas que, também, sempre torceram por mim e me 
apoiaram.
Finalizando, obrigada a todos e todas que de alguma forma contribuíram para a cons­ 
trução desta Dissertação, seja através do compartilhamento de conhecimentos, ou de palavras, 
ou de sugestões, ou de gestos, ou de atitudes, ou de atos de amor e amizade. 
Ao PPGEDU/FACED/UFRGS pela qualidade do ensino e formação.

u li em algum lugar que uma atriz ou cantora de­ 

E clarou o seguinte: “Se Walt Disney fosse vivo, eu 
o processava”. 
E  eu  seria  a  advogada  dela,  e  juntas  faríamos  o 
homem  pagar  pelo que  fez. Eu,  essa  atriz  e  mais  um bilhão  de 
mulheres  fomos  vítimas  desse  senhor que  nos encheu  a  cabeça 
com idéias absurdas tipo príncipe encantado, felizes para sempre 
e  outras  demências.  Aqueles  filmes  eram  na  verdade  lavagem 
cerebral. As personagens dormiam cem anos e acordavam com 
um beijo, um marido e um castelo. Todas nós caímos nessa. 
Lembrei­me  disso  ao  ver  uma  reportagem  do  Fantástico  que 
discutia o amor bandido: é possível uma mulher  ficha  limpa se 
apaixonar  por  um  criminoso  e  por  ele  cometer  insanidades?  A 
pergunta deve ter sido formulada por uma repórter jovem, bem 
jovem, de não mais de 12 anos, que só assistiu a Pokémon e não 
entende nada de contos de fadas. 
Ora,  uma  mulher  não  só  se  apaixona  por bandidos,  como  tam­ 
bém  por  sem­vergonhas,  crápulas,  mentirosos,  dom­juans  e  vi­ 
garistas.  O  amor  não  pede  atestado  de  bons  antecedentes,  nin­ 
guém quer saber de checar se o príncipe tem passagem pela po­ 
lícia. Tal qual Branca de Neve, que nem Cinderela: apareceu do 
nada, valeu. 
[...]  Dormirão  todas  por  cem  anos  e,  quando  acordarem,  nem 
beijo, nem castelo. 
O  assunto  é  barra  pesada,  mas,  guardadas  as  proporções,  vale 
para todas. Se não quisermos que nossas filhas percam a cabeça 
por  qualquer  príncipe,  tratemos  de  protegê­las  desse  tal  Walt 
Disney, que esse sim é perigoso. 
(MEDEIROS, 2001, p.26) 

VIDAL, Fernanda Fornari. Pr íncipes, pr incesas, sapos, br uxas e fadas: os  “novos contos de fadas” 


ensinando sobre infâncias  e relações  de gênero e sexualidade na contemporaneidade.  – Porto Alegre, 
2008. 188 f. + Anexos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Facul­ 
dade de Educação, Programa de Pós­Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BR­RS. 

Resumo 
Esta  Dissertação de  Mestrado propõe­se  a  analisar os  “novos  contos de fadas”  com  vistas  a 
examinar as representações de infâncias e de relações de gênero e sexualidade, presentes nes­ 
tes artefatos da nossa cultura. Neste trabalho, se reconhecem os contos de fadas contemporâ­ 
neos como “novos contos de fadas”, colocando­os em suspeição, a partir do estudo realizado 
acerca de sua produtividade como texto cultural. A seleção dos livros é diversificada e nela se 
procurou escolher livros indicados à faixa etária das séries iniciais ou anos iniciais (6­10 anos) 
do Ensino Fundamental, publicados a partir da década de 90, os quais apresentam histórias de 
diferentes  autores,  publicadas  por  editoras  distintas;  de  uma  mesma  coleção;  de  autores/as 
estrangeiros/as  (obras  traduzidas)  e  nacionais.  A  metodologia  utilizada  é  a  da  interpretação 
textual,  tanto  em  relação  às  narrativas  quanto  às  ilustrações.  Para  isso,  esta  pesquisa  conta 
com o referencial teórico dos Estudos Culturais em Educação, dos Estudos sobre Narrativas e 
dos  relativos  ao  Gênero  e  à  Sexualidade,  em  uma  perspectiva  pós­moderna  e  pós­ 
estruturalista. Questões relevantes deste estudo são: como os sujeitos infantis são representa­ 
dos por diferentes discursos, entre eles, os que “povoam” os livros infantis? Quais modelos de 
ser menino e menina, ou ser homem e mulher nos são ensinados através dos “novos contos de 
fadas”? A dissertação está organizada em seis capítulos. Neles são apresentados: a trajetória 
da pesquisadora, bem como a escolha e justificativa do tema de pesquisa; a história da litera­ 
tura  infantil,  destacando  conceitos  importantes  para  o  estudo,  como  os  de  conto,  contos  de 
fadas e “novos contos de fadas”; a história das infâncias; a história dos estudos de gênero e 
sexualidade; as conclusões do estudo. Articuladas  às  histórias  de  infâncias  e  à  história  dos 
estudos de gênero e sexualidade, estão as análises dos “novos contos de fadas” e suas repre­ 
sentações de modos de ser criança e modos de viver a feminilidade e a masculinidade. Con­ 
clui­se com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes modos de 
ser criança. Com base nos autores estudados, percebem­se representadas  nas  histórias as  in­ 
fâncias:  des­realizadas  e  hiper­realizadas,  protegida,  parcialmente  protegida,  desprotegida, 
marginalizada, pública; chegando a representar as múltiplas infâncias da contemporaneidade, 
ou seja, aquelas constituídas por múltiplos discursos. Este corpus de textos analisados mostra 
uma  criança  saudável,  feliz,  sapeca,  criativa,  esperta,  inteligente,  dinâmica,  corajosa,  mas 
também, às vezes, uma criança ingênua e frágil, precisando da proteção adulta. As múltiplas 
infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que brincam, ficam tris­ 
tes,  mostram­se  sonhadoras,  ciumentas,  lidam  com  a  morte,  freqüentam  a  escola,  enfim,  re­ 
presentam os modos de ser e viver na contemporaneidade. Conclui­se, também, que os “novos 
contos de fadas” ensinam que não há um jeito único, nem mais verdadeiro, de ser homem e de 
ser  mulher  e  que  se podem  experimentar  vários  modos de  viver  a  sexualidade  no dia­a­dia. 
Algumas histórias não operam muitas transgressões de gênero e outras rompem com os dis­ 
cursos hegemônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”. 

Palavras­chave:  Infância.  Relações  de  Gênero.  Sexualidade.  Conto  de  Fada.  Representação. 
Estudos Culturais.
10 

VIDAL, Fernanda Fornari. Príncipes, pr incesas, sapos, br uxas e fadas: os “novos contos de 


fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade na contemporaneidade. – 
Porto Alegre, 2008. 188 f. + Anexos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio 
Grande  do  Sul,  Faculdade  de  Educação,  Programa  de  Pós­Graduação  em  Educação,  2008, 
Porto Alegre, BR­RS. 

Abstract 
This master’s dissertation has proposed to analyse ‘new fairytales’ to examine representations 
of children and gender and sexuality relations, found at these artefacts of our culture. In this 
work,  one  has  acknowledged  the  contemporary  fairytales  as  ‘new  fairytales’,  suspecting  of 
them,  from  the  study  conducted  about  its  productivity  as  cultural  text.  Book  selection  is 
varied, and one has sought to choose books proper for the age range of early school years (six 
to 10 years old) in the primary school, published from the 1990s on, which feature different 
authors’  tales  in  different  publishing  companies;  in  a  same  collection;  by  foreign  male  and 
female  authors  (domestic  and  translated  works).  The  methodology  used  has  been  that  of 
textual  interpretation,  whether  regarding  narratives  and  illustrations.  In  support  of  this,  the 
research has relied on the theoretical referential of the Cultural Studies in Education, Studies 
on  Narratives  and  Gender  and  Sexuality,  in  a  postmodern  and  poststructuralist  perspective. 
The  following  are  relevant  questions  of  this  study:  how  infant­subjects  are  depicted  in 
different discourses among them, those who ‘inhabit’ the children’ books? What patterns of 
being a boy and being a girl, or being a man or a woman are taught through ‘our fairytales’? 
The dissertation is organized in  five chapters. In them are: the research path and choice and 
justification  for  the  subject  matter;  the  story  for  the  children’s  literature,  highlighting 
important concepts  for the  study, such as the tale, fairytales and ‘new fairytales’; children’s 
history;  history  of  the  study of  gender  and  sexuality;  final  conclusions.  Articulated  to  the 
children’s stories and to the history of the study of gender and sexuality, are analyses for the 
‘new fairytales’ and their representations of styles of being a child and male and female ways 
of living. One has concluded that the ‘new fairytales’ teach us about different ways of being a 
child. Based on the studied authors, one has perceived childhoods represented in the stories: 
unaccomplished  and  hyper­accomplished,  protected,  partially  protected,  unprotected, 
marginalised, public; which come to represent multiple contemporary children’s ages, that is, 
those shaped by multiple discourses. This analysed set of texts has showed a healthy, happy, 
forward,  creative,  wise,  intelligent,  dynamic,  courageous,  but  sometimes  also  artless,  frail 
child who needs adult protection. Multiple childhoods in the ‘new fairytales’ are represented 
by  playing,  sad,  daydreaming,  jealous  children  dealing  with  death,  attending  school,  that  is, 
representing being and living styles  in contemporary times. One  has also concluded that the 
‘new fairytales’ teach us that there is no one single ways, not even truest, of being a man and 
a woman, and that one can try several ways of enjoying sexuality in daily life. Some stories 
do  not  work  with  breaking  of  the  gender,  and  some  break  with  hegemonic  discourses  on 
sexuality, by rethinking ‘new patterns’. 

Keywords:  Childhood.  Gender  relations.  Sexuality.  Fairytales.  Representation.  Cultural 


Studies.
11 

Lista de Figuras 

Fig. 1: Cena da história A Bela Adormecida , em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta desperta de 
seu sono de cem anos. Em seguida, casam­se e vivem felizes para sempre ............................................................27 
Fig. 2: Imagem da Barbie.....................................................................................................................................27 
Fig. 3: Imagem da mulher/Barbie da atualidade....................................................................................................27 
Fig. 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha ........................................................................................29 
Fig. 5: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 30 e 31) ................................................74 
Fig. 6: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................75 
Fig. 7: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................76 
Fig. 8: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................77 
Fig. 9: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................77 
Fig. 10: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................77 
Fig. 11: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................78 
Fig. 12: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................78 
Fig. 13: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p. 12 e 13) ........................................................................81 
Fig. 14: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.)  ........................................................................................................................83 
Fig. 15: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................85 
Figura16: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................86 
Fig. 17: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 12 e 13) ...............................................88 
Fig. 18: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 14 e 15) ...............................................88 
Fig. 19: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.4 e 5).......................................90 
Fig. 20: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.6 e 7).......................................90 
Fig. 21: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.4 e 5)....................................................91 
Fig. 22: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.6 e 7)....................................................92 
Fig. 23: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela  ­ história 3 (p.2 e 3)  .......................................................................93 
Fig. 24: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela  ­ história 3 (p.4 e 5) ........................................................................93 
Fig. 25: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria  ­ história 4 (p.2 e 3) ...................................................................94 
Fig. 26: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.4 e 5) ...................................................................95 
Fig. 27: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.8 e 9).......................................96 
Fig. 28: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.10 e 11)...................................97 
Fig. 29: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.12 e 13)...................................97 
Fig. 30: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.14) ..........................................98 
Fig. 31: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.16 e 17)...................................99 
Fig. 32: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.18 e 19)...................................99 
Fig. 33: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.26 e 27)...................................99 
Fig. 34: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p. 28) .........................................99
12 

Fig. 35: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p. 29) .........................................99 


Fig. 36: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.8 e 9)....................................................100 
Fig. 37: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.10 e 11) ................................................101 
Fig. 38: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.26 e 27) ................................................102 
Fig. 39: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.28 e 29) ................................................102 
Fig. 40: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.6 e 7) ........................................................................103 
Fig. 41: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.8 e 9) ........................................................................104 
Fig. 42: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.10 e 11) ....................................................................104 
Fig. 43: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.14)............................................................................105 
Fig. 44: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela  história 3 (p.15) ..............................................................................105 
Fig. 45: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.20 e 21) ....................................................................106 
Fig. 46: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.22)............................................................................106 
Fig. 47: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.6 e 7) ...................................................................107 
Fig. 48: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.8 e 9) ...................................................................108 
Fig. 49: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.10 e 11) ...............................................................109 
Fig. 50: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.12 e 13) ...............................................................109 
Fig. 51: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.14 e 15) ...............................................................109 
Fig. 52: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria  história 4 (p.16 e 17) .................................................................109 
Fig. 53: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.18 e 19) ...............................................................109 
Fig. 54: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.20 e 21) ...............................................................109 
Fig. 55: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.23).......................................................................110 
Fig. 56: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.24 e 25) ...............................................................110 
Fig. 57: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.30 e 31)...................................110 
Fig. 58: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.30 e 31) ....................................................................111 
Fig. 59: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.30 e 31) ...............................................................112 
Fig. 60: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................113 
Fig. 61: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................114 
Fig. 62: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p. 6 e 7).............................................................................115 
Fig. 63: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.16 e 17)..........................................................................116 
Fig. 64: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.18 e 19)..........................................................................117 
Fig. 65: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................118 
Fig. 66: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................119 
Fig. 67: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................120 
Fig. 68: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.20 e 21)...................................121 
Fig. 69: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.22 e 23)...................................121 
Fig.70: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.24 e 25) ....................................121 
Fig. 71: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.20) .................................................................................122
13 

Fig. 72: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.23) .................................................................................123 


Fig. 73: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................124 
Fig. 74: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de 
fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................125 
Fig. 75: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.2 e 3).......................................126 
Fig. 76: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.2 e 3)....................................................127 
Fig. 77: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p 12 e 13) ....................................................................128 
Fig. 78: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.16 e 17) ....................................................................128 
Fig. 79: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.18 e 19) ....................................................................129 
Fig. 80: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p. p.28 e 29).................................................................130 
Fig. 81: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140 
Fig. 82: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140 
Fig. 83: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140 
Fig. 84: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................141 
Fig. 85: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................142 
Fig. 86: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143 
Fig. 87: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143 
Fig. 88: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143 
Fig. 89: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143 
Fig. 90: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143 
Fig. 91: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144 
Fig. 92: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144 
Fig. 93: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144 
Fig. 94: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144 
Fig. 95: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................145 
Fig. 96: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146 
Fig. 97: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146 
Fig. 98: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146 
Fig. 99: Ilustração A princesa sabichona  ­ história 1 (s.p.)....................................................................................147 
Fig. 100: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................147 
Fig. 101: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148 
Fig. 102: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148 
Fig. 103: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148 
Fig. 104: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148 
Fig. 105: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................149 
Fig. 106: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................149 
Fig. 107: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150 
Fig. 108: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150 
Fig. 109: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150 
Fig. 110: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150
14 

Fig. 111: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................151 
Fig. 112: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................151 
Fig. 113: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152 
Fig. 114: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152 
Fig. 115: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152 
Fig. 116: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................153 
Fig. 117: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154 
Fig. 118: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154 
Fig. 119: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154 
Fig. 120: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................155 
Fig. 121: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................155 
Fig. 122: Ilustração A Bela Desadormecida ­ história 9 (s.p)..................................................................................157 
Fig. 123: Ilustração A Bela Desadormecida ­ história 9 (s.p)..................................................................................159 
Fig. 124: Ilustração A Bela Desadormecida ­ história 9 (s.p)..................................................................................160 
Fig. 125: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.8) .............................................163 
Fig. 126: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.11) ...........................................163 
Fig. 127: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.15) ...........................................163 
Fig. 128: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.16) ...........................................163 
Fig. 129: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.31) ...........................................164 
Fig. 130: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.32) ...........................................164 
Fig. 131: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.35) ...........................................164 
Fig. 132: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.4) ..............................165 
Fig. 133: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.7) ..............................165 
Fig. 134: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.8) ..............................165 
Fig. 135: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.11).............................165 
Fig. 136: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.12).............................165 
Fig. 137: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.14).............................165 
Fig. 138: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.16).............................165 
Fig. 139: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.19).............................166 
Fig. 140: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.23).............................166 
Fig. 141: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.33).............................166 
Fig. 142: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.34).............................166 
Fig. 143: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.36).............................167 
Fig. 144: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.37).............................167 
Fig. 145: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.7) .......................................169 
Fig. 146: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.15)......................................169 
Fig. 147: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.16)......................................169 
Fig. 148: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.21)......................................169 
Fig. 149: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.24)......................................170 
Fig. 150: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.28)......................................170
15 

Fig. 151: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.37)......................................170 


Fig. 152: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.38)......................................170 
Fig. 153: Ilustração Minha versão da história: Malévola ­ história 4 (p.2) ............................................................173 
Fig. 154: Ilustração Minha versão da história: Malévola ­ história 4 (p.29) ..........................................................173 
Fig. 155: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.2) ..........................................174 
Fig. 156: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.8) ..........................................174 
Fig. 157: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.10).........................................176 
Fig. 158: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.21).........................................176 
Fig. 159: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.26).........................................176 
Fig. 160: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.6).......................................177 
Fig. 161: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.8).......................................177 
Fig. 162: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.12).....................................177 
Fig. 163: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.22).....................................177 
Fig. 164: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.24).....................................178
16 

Sumário 

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................18 

2 HISTÓRIAS: DA MINHA TRAJ ETÓRIA AOS CAMINHOS DA 
PESQUISA ................................................................................................................20 
2.1 ERA UMA VEZ... DA PRINCESA À LOIRA: A HISTÓRIA DO MEU INÍCIO 
NESTES CAMINHOS INVESTIGATIVOS ...............................................................20 
2.2 PROCURANDO FIRME: A INSPIRAÇÃO PARA ESTE TRABALHO ...............28 
2.3 OUTRAS HISTÓRIAS JÁ CONTADAS, PESQUISAS JÁ REALIZADAS .........31 
2.4 A DEFINIÇÃO DA PESQUISA E SOBRE A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA 
QUE QUERO CONTAR ............................................................................................35 
2.5 ESTUDOS CULTURAIS: O QUE SÃO?..............................................................37 

3 LITERATURA INFANTIL: INVENÇÕES E DESLOCAMENTOS ..................42 
3.1 A INVENÇÃO DA LITERATURA INFANTIL ...................................................43 
3.2 HISTÓRIAS QUE ENSINAM. .............................................................................46 
3.3 DOS CONTOS POPULARES AOS CONTOS DE FADAS CONTEMPOR­ 
NEOS .........................................................................................................................48 
3.4 NARRATIVAS: QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO..........54 
3.5 NARRATIVAS E ILUSTRAÇÕES: O QUE TEXTOS E IMAGENS NOS 
CONTAM...................................................................................................................57 

4 A “INVENÇÃO” DA INFÂNCIA E AS MÚLTIPLAS INFÂNCIAS DA 
CONTEMPORANEIDADE .....................................................................................59 
4.1 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS ..............................................................................59 
4.2 INFÂNCIAS, ESCOLA E PÓS­MODERNIDADE ...............................................64 
4.3 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS CONTADAS NOS “NOVOS CONTOS DE 
FADAS” .....................................................................................................................71 
a) Entr e a infância des­r ealizada e a hiper ­realizadada: a infância mais 
r epr esentada nos “novos contos de fadas ............................................................72 
b) Uma infância protegida: a mais repr esentada nos “novos contos de 
fadas” ....................................................................................................................73 
c) De uma infância par cialmente protegida a uma infância desprotegida: 
uma única r epresentação ou uma pr imeira r epresentação? ...............................78 
d) A infância despr otegida: ou “a vida como ela é”? ..........................................79 
e) A infância marginalizada: uma histór ia exemplar em uma única histór ia? ..81 
f) Uma infância pública: uma transgressão ao modelo moder no de infância? ..87 
g) As múltiplas infâncias: medievais... moder nas... contemporâneas...  .............89 

5 RELAÇÕES DE GÊNERO – QUE HISTÓRIA É ESSA? ...................................131 
5.1 ESTUDOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE: O QUE SÃO? (A HISTÓRIA 
DE SUA TRAJETÓRIA) ............................................................................................131 
5.2 ESTUDOS DE GÊNERO, ESCOLA E PÓS­MODERNIDADE ...........................135 
5.3 HISTÓRIAS DE MASCULINIDADE E FEMINILIDADE CONTADAS NOS 
“NOVOS CONTOS DE FADAS”...............................................................................137
17 

a) “Novos contos de fadas” não­sexistas: r ompendo as fronteir as dos 


gêneros ..................................................................................................................138 
b) “Novos contos de fadas”: parodiando os clássicos e ensinando outr os 
caminhos de exer cer  a feminilidade e a masculinidade.......................................156 
c) Histór ias romantizadas x Histór ias humor ísticas: ensinando sobr e 
os gêneros..............................................................................................................161 

6  E A HISTÓRIA ACABOU? – REGISTROS FINAIS ..........................................179 

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................183 

ANEXOS 

Anexo 1: Relação dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. 
Anexo 2: Resumos dos  livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. 
Anexo 3: Resumos de alguns contos de fadas clássicos. 
Anexo 4: Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas. 
Anexo 5: Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”. 
Anexo 6: Reportagem da Revista Veja .
18 

1 Introdução 

E
xistem múltiplas infâncias na contemporaneidade (e sempre existiram); 
marcas de  deslocamentos  nas  suas representações  podem  ser  localiza­ 
das nos livros de literatura infantil destinados às crianças. Sendo assim, 
esta  Dissertação  de  Mestrado  tem  como  objeto  de  estudo  os  “novos 
contos de fadas” 4  e se propõe a examinar as representações de infâncias e de relações de gêne­ 
ro e sexualidade, presentes  nestes artefatos da nossa cultura. Antecipo, entretanto, que reco­ 
nheço os contos de fadas contemporâneos como “novos contos de fadas”, passando a nomeá­ 
los assim e a colocá­los em suspeição, com análise cultural, a partir do estudo que faço de sua 
produtividade enquanto texto cultural. 
A  proposta  está  organizada  em  seis  capítulos,  com  este capítulo de  introdução, além 
das referências e dos anexos. 
A seguir, no Capítulo 2, intitulado Histór ias: da minha trajetór ia aos caminhos da 
pesquisa, inicio apresentando a minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica, contando 
fragmentos da “minha história de vida”, a partir de algumas escolhas e mudanças como mu­ 
lher,  como estudante,  como  educadora,  como pesquisadora.  Conto  sobre o  meu  início pelos 
caminhos investigativos dos Estudos Culturais em Educação, sobre como surgiu a inspiração 
e a definição pela temática da pesquisa. Além disso, destaco alguns trabalhos relacionados ao 
meu que oferecem uma contribuição significativa aos estudos sobre infância, literatura e rela­ 
ções de gênero e sexualidade. Em seguida, justifico e ressalto a importância/relevância desta 
minha pesquisa, mostrando os acréscimos que ela traz no panorama dos estudos acadêmicos 
da Educação. 
No  Capítulo  3,  intitulado  Liter atura  infantil:  invenções  e  deslocamentos  descrevo 
como foi se constituindo a literatura infantil; disserto sobre seu caráter pedagógico, uma vez 
que reconheço os livros infantis como artefatos da cultura que ensinam; conceituo “contos”, 
“contos de fadas”, “contos de fadas modernos” e “novos contos de fadas” para, então, realizar 
uma discussão sobre as narrativas desses contos e a pós­modernidade. 
No Capítulo 4, intitulado A “invenção” da infância e as múltiplas infâncias da con­ 
temporaneidade,  retomo, de  forma  sucinta,  o  surgimento,  na Modernidade, da  idéia  de  in­ 

No Capítulo 3 desta Dissertação, discutirei a história dos conceitos de conto e contos de fadas desde o século 
XII, além do conceito de “contos de fadas modernos”, retomando a interpretação que dou aos “novos contos de 
fadas”, assim descrevendo como são concebidos nesta produção acadêmica. 
19 

fância como uma época especial, relacionando­a às múltiplas infâncias na contemporaneidade 
e à escola na atualidade. São analisadas sete histórias, procurando perceber as representações 
de infâncias ali existentes. 
No Capítulo 5, intitulado Relações de gênero – que histór ia é essa?, escrevo breve­ 
mente  sobre  a  história  dos  Estudos  de  Gênero  e  Sexualidade,  relacionando­a  às  discussões 
sobre o repensar a escola na atualidade. Analiso, então, nove histórias, quanto às representa­ 
ções de masculinidade e feminilidade nelas contidas. 
No Capítulo 6, intitulado E a história acabou? – r egistr os finais, procuro ressaltar os 
ensinamentos  trazidos  pelas  histórias  de  príncipes,  princesas,  sapos,  bruxas  e  fadas  relacio­ 
nando­os às infâncias e às relações de gênero e sexualidade na vida contemporânea.
20 

2 Histórias: da minha trajetória aos


caminhos da pesquisa 

ntes de tudo, considero importante contar um pouco da “minha história”, sobre 

A as  minhas  vivências  e  formação.  Julgo  necessário  falar  de  como  fui  educada, 
especialmente  pela  família  e  pelas  instituições  de  ensino  (escola  e  universida­ 
de), e de como fui constituindo minhas  identidades (de menina, de mulher, de 
filha, de estudante, de pesquisadora), as quais seguem sendo múltiplas e em constante trans­ 
formação. Considero fundamental situar o/a leitor/a de que “lugares” estou escrevendo, isto é, 
situá­los/las pelas trilhas em que me conduzi até chegar nestes estudos e teorizações. 

2.1 Era uma vez... da princesa à loira : a história do meu início nestes 

caminhos investigativos 

N
asci  no  final  da  década  de 70,  ano  de  1978.  Fui  educada  por  meu  pai  e 
minha  mãe  para  ser  uma  menina­criança  e  tornar­me  uma  mulher­adulta 
“correta”, perante os valores de minha família, tendo por referência o ideal 
de feminino incentivado pela sociedade. Buscaram ensinar­me a ser edu­ 
cada, gentil, sincera, honesta, tranqüila, boa, compreensiva. Eram tempos em que a escola e os 
estudos eram tidos como possibilidades de “crescer ou ser alguém melhor na vida”; a escola 
era vista como elemento de mudança social, como propulsora de sucesso, de ultrapassar bar­ 
reiras sociais. Sendo assim, minha família sempre me estimulou na minha escolha profissional 
– ser professora – e sempre me admirou muito como tal. 
Dessa forma, minhas múltiplas identidades foram se constituindo... 
O meu interesse pela educação iniciou na infância. Sou a primogênita de um casal que 
teve três filhas e, também, a neta mais velha por parte de pai. Minhas irmãs e primas paternas 
foram  as  minhas  primeiras  “alunas”  nas  várias  vezes  em  que  brincávamos  de  “escolinha”, 
época em que ensaiei os primeiros passos da profissão que escolhi mais tarde. O desejo de ser 


Parte  do  título  deste  capítulo  foi  inspirada  no  título  do  livro Da  Fera  à  Loira:  sobre  contos de  fadas e  seus 
narradores (WARNER, 1990). Sua escolha quer sugerir uma transformação na minha trajetória como estudante, 
como educadora, como pesquisadora, à medida que ia sendo “educada” por diferentes discursos e suas represen­ 
tações. 
21 

professora  surgiu  aos  sete  anos,  quando  estava  na  2.ª  série  do  1.º  Grau  e,  desde  então,  não 
mudei mais de idéia. A partir desse momento, fui aguçando meu olhar para os professores e 
professoras que fizeram parte da minha trajetória escolar. Eles e elas foram os meus exemplos 
profissionais, os/as quais contribuíram, sem dúvida, cada um a seu modo e com diferente re­ 
levância, para a minha constituição como professora. 
No 2º Grau, fiz o curso de Magistério na Escola  Estadual Normal 1º de Maio, onde, 
então, foi dado um passo significativo  na caminhada que estava trilhando, cuja  intenção era 
tornar­me professora. Foi neste período que a sensibilização para as Artes e o investimento na 
expressão artística – corporal, plástica e musical – ocorreu de forma mais acentuada em minha 
vida, adquirindo grande importância para o exercício de minha profissão, pois acredito que se 
torna necessário ao/à professor/a ser um pouco “artista” também – saber improvisar, descon­ 
trair, criar, encenar, brincar... em suas aulas, durante a prática docente. Contudo, o que lembro 
com orgulho e satisfação é que foi nesta fase de minha trajetória escolar que o gosto pela Lín­ 
gua Portuguesa e pela Literatura Brasileira foi ainda mais acentuado. Tive excelentes profes­ 
soras e professor que me ajudaram a melhorar e aperfeiçoar a produção escrita, qualificando­ 
a, e estimularam a leitura, tornando­a um ato de prazer. 6  O curso foi de quatro anos, acrescido 
de um semestre de estágio orientado e supervisionado, o qual realizei com uma 2.ª série, na 
escola onde cursei o 1.º Grau. 
Estes anos de educação escolar agiram de forma hábil e eficiente na formação da mi­ 
nha identidade de gênero, subjetivando­me e produzindo­me como futura educadora! 
O interesse pela educação prosseguiu e, no semestre seguinte ao estágio, fiz cursinho 
pré­vestibular e prestei provas no Concurso Vestibular de 1997, na UFRGS, para Pedagogia e 
na PUC­RS, para Letras, já que começara meu maior envolvimento com a Língua Materna e a 
Literatura.  Passei  em  ambas  as  universidades,  mas  só  efetivei  minha  matrícula  na  UFRGS. 
Entrei  para  o  curso  de  Pedagogia  da  Faculdade  de  Educação  da  UFRGS.  Durante  o  curso, 
participei de várias atividades de extensão universitária. Fui bolsista de extensão de um proje­ 
to  intitulado  “O  brinquedo  também  ensina”  (1998),  coordenado  pela  professora  Iole  Maria 
Faviero Trindade. Fui bolsista de monitoria (1999 e 2000) da professora Tânia Ramos Fortu­ 
na, atuando em disciplinas (EDU01136: Psicologia da Educação A – oferecida para os cursos 
de licenciatura; EDU 01172: Psicologia da Educação – Adolescência; EDU01002: O Jogo e a 


Silveira (1998) examina  o que denomina  de “o discurso renovador da leitura na  escola”,  mostrando  o quanto 
este revela uma ênfase nos aspectos lúdicos e mágicos da leitura. A autora reconhece que tal discurso “emanou 
primordialmente  das  esferas  acadêmicas,  espraiando­se  por  documentos  oficiais,  recomendações  curriculares, 
revistas de divulgação pedagógica e mídia, e passou a constituir uma arquitetura de representações de professor, 
aluno, leitura e escola diretamente implicadas entre si” (p. 106).
22 

Educação). Também participei, efetivamente, do Programa de Extensão Universitária “Quem 
quer brincar?”, coordenado pela professora Tânia, por meio das oficinas  lúdicas mensais, a­ 
lém do “I Curso de Brinquedista” (2001). 
Concluí o curso de Pedagogia – habilitação em Séries Iniciais – no segundo semestre 
de 2000, quando já estava trabalhando como professora da rede estadual de ensino. Em março 
de 2001, fui contratada por uma escola da rede particular. Desde 2000, venho atuando como 
professora em turmas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Por vezes, trabalho, no período 
vespertino, com o Curso de Ensino Normal – Aproveitamento de Estudos, ministrando a dis­ 
ciplina Didática da Linguagem. Venho atuando, também, no curso de Ensino Médio Modali­ 
dade Normal (com Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental 
e com Ênfase em Educação de Jovens e Adultos), já tendo trabalhado com os seguintes com­ 
ponentes  curriculares:  Didática  da  Linguagem  (2ª  e  3ª  séries)  e  Prática  Pedagógica  (3ª  e  4ª 
séries);  além  disso,  trabalho  no  estágio  (último  semestre  do  curso),  como orientadora.  Pelas 
ementas das disciplinas fornecidas nesta instituição de ensino, é possível perceber o quanto o 
referido curso está embasado nas teorias críticas, perpassado pelo discurso de contribuir para 
a formação de pessoas críticas, politizadas, conscientes e transformadoras da realidade, cida­ 
dãs e cidadãos que devem lutar por uma vida melhor, por uma sociedade e um mundo mais 
justos e igualitários. 
Atualmente, trabalho com uma turma de 2ª série  em uma escola da rede particular e 
com as disciplinas de Prática Pedagógica IV, Didática da Linguagem e como orientadora de 
estágio no curso Normal em uma escola da rede estadual de ensino. 
Assim, a minha formação no Ensino Médio e início do Ensino Superior foi atravessada 
pelas  idéias  de  que  para  ser  professor/a  era  preciso,  primordialmente,  gostar  de  lidar  com 
os/as  alunos/as,  além  de  ser  fundamental  estar  constantemente  estudando,  qualificando­me, 
reforçada pela consciência do meu papel como educadora: ajudar os/as estudantes a tornarem­ 
se “agentes transformadores da sociedade”. Contudo, se antes tinha isso como “verdade”, a­ 
gora,  vejo  essa  idéia como  a  representação  de um  dos discursos  que  me  constituíram  como 
professora. Ademais, se antes estava mais envolvida com as questões psicológicas e metodo­ 
lógicas  da  prática  docente,  hoje  venho  priorizando  um  olhar  atento  e  curioso,  sob  as  lentes 
teóricas  dos  Estudos  Culturais  em  Educação,  observando  como  diferentes  e  diversificadas 
instâncias culturais assumem um caráter pedagógico, ensinando e subjetivando os sujeitos. 
Comecei a olhar de forma diferenciada para a educação, quando estava cursando Pe­ 
dagogia e, através de algumas disciplinas, principiei a fazer a leitura de alguns textos, além de
23 

participar de discussões e me inteirar de parte das pesquisas no âmbito das perspectivas pós­ 
moderna e pós­estruturalista, bem como ao cursar seminários nesta Linha de Pesquisa, Estu­ 
dos Culturais em Educação, como aluna PEC, antes de entrar efetivamente como mestranda. 
Assim como meu olhar para a docência foi mudando, outras mudanças de olhar tam­ 
bém foram ocorrendo em relação às diferentes dimensões culturais... Passei a ver de um outro 
jeito as formas de relacionamento pessoal e os modos de pensar sobre os gêneros feminino e 
masculino... 
Como disse antes, tive minha infância na década de 1980 e sou parte de um grupo de 
jovens e mulheres que, embora soubessem que os príncipes povoassem com profusão os con­ 
tos de fadas e, de forma mais esparsa, os tablóides, por meio de notícias, geralmente fantasio­ 
sas ou escandalosas, preferiam acreditar que estes iriam aparecer; então não precisávamos ter 
pressa, mas era só esperar... Aliás, a tarefa das “moças direitas” ou das “moças para casar” era 
esperar.  Tomar  a  iniciativa  em  paqueras,  começar  uma  conversa,  convidar  para  sair,  enfim, 
demonstrar  interesse,  eram  comportamentos  que  deveriam  partir  dos  rapazes.  Sendo  assim, 
não era de se estranhar o gosto e a identificação que moças como eu tinham com as princesas 
dos contos de fadas (afinal, no fundo, nos considerávamos princesas... à espera do príncipe... 
encantado,  maravilhoso,  perfeito  e  salvador).  Eu,  por  exemplo,  identificava­me  com  a  Bela 
Adormecida (figura 1). E, durante muito tempo, eu achei que podia esperar em um sono pro­ 
fundo, pois o príncipe iria aparecer e me despertar com o tão esperado beijo. Mas eu acordei... 

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha 
Esperando o ônibus da escola sozinha 
Cansada com minhas meias três quartos 
Rezando baixo pelos cantos 
Por ser uma menina má 
Quem sabe o príncipe vir ou um chato [grifo meu] 
Que vive dando no meu saco 
Quem sabe a vida é não sonhar 

Eu só peço a Deus 
Um pouco de malandr agem 
Pois sou cr iança e não conheço a verdade  [grifos meus] 
Eu sou poeta e não aprendi a amar 

Bobeira é não viver a realidade 
E eu ainda tenho uma tarde inteira 
E eu ando nas ruas
24 

Eu troco cheque 
Mudo uma planta de lugar 
Dirijo meu carro 
Tomo o meu pileque 
E ainda tenho tempo pra cantar. 

(Música Malandr agem, interpretada por Cássia Eller – autoria: Cazuza e Frejat) 

A minha  visão ingênua da vida, a idéia de que as mulheres, assim como as crianças, 
precisam ser protegidas modificou­se. Hoje vejo que mudei significativamente meu compor­ 
tamento, minha forma de ver a constituição dos gêneros masculino e feminino, pois acredito 
que  não  há  uma  única  forma,  e  nem  a  mais  verdadeira,  de  ser  menina/mulher  ou  meni­ 
no/homem. Penso que podemos exercer e expressar nossa feminilidade (e masculinidade) com 
menos tabus e fronteiras. Sendo assim, a “princesa” não está mais esperando o seu “príncipe”, 
porque sabe que ele não existe (ou melhor, a idealização que foi feita dos “homens para ca­ 
sar”, ou a forma como fomos subjetivadas, é que nos fez acreditar que eles existiam). Porém, 
por outro lado, se eu e outras mulheres da minha geração não nos identificamos mais com as 
princesas dos contos de fadas clássicos – queridinhas, quietinhas, submissas e “comportadas” 
–, continuamos sendo subjetivadas por outras princesas e mulheres “mais modernas” que nos 
são  apresentadas  em  diferentes  artefatos  culturais  da  contemporaneidade  como:  nos  filmes, 
nas  revistas,  nas  novelas  da  televisão,  na  literatura  infantil,  infanto­juvenil  e  nos  romances, 
para citar alguns exemplos. Ou seja, representações de uma época de encantamento, sonho e 
magia, próprios dos contos de fadas, convivem com outras representações na sociedade con­ 
temporânea (figura 2). 

Sou a Bar bie Gir l 
Se você quer  ser  meu namor ado 
Fica ligado, pr esta atenção 
Na minha condição 
É difer ente, sou muito exigente  [grifos meus] 

Anda Barbie, vamos Barbie (2x) 
Sou assim uma flor delicada demais 
Minha cor  pr efer ida é o r osa 
Uma lour a legal e que sabe o que quer  
Decidida, fatal, mas dengosa 
Você pode me ganhar
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É só fazer o que eu mandar   [grifos meus] 

Sou a Barbie Girl 
Se você quer ser meu namorado 
Fica ligado, presta atenção 
Na minha condição 
É diferente, sou muito exigente 
Anda Barbie, vamos Barbie 
Deixa eu me ar r umar , Ken  [grifo meu] 
Anda Barbie, vamos Barbie 
Já vou, já vou 

Se eu pedir uma estr ela 
Você vai buscar , 
O meu jeito é assim 
Não reclama [grifos meus] 

Quando quer  bate o pé 
E eu vou ter  que aceitar  
Só assim vou saber  que me ama [grifos meus] 

Você pode me ganhar 
É só fazer o que eu mandar 

Anda Barbie, vamos Barbie 
Deixa eu me arrumar, Ken 
Anda Barbie, vamos Barbie 
Já vou, já vou 

(Música Bar bie Gir l, interpretada por Kelly Key – autoria da versão em português: Gustavo 


Lins  e  Umberto  Tavares.  Música  original  de:  Claus  Norren,  Soren  Rasted,  Lene  Crawford, 
Rene Diff, Johnny Pedersen, Karsten Delgado.) 

Steinberg (2001, p.328) explica por que a Barbie é um modelo identitário tão forte a­ 
inda nos dias atuais: 

A Barbie nos prova que se tentarmos com afinco podemos ter qualquer coisa e todas 
as coisas. A Barbie sempre prospera. Ela pode ser o que quiser – ela influencia gera­ 
ções de crianças e adultos e é uma eterna lembrança de tudo o que é bom, saudável e 
cor­de­rosa nas nossas vidas. [...] Ela sustenta os valores da família que o nosso país 
mais preza. Ela é estritamente heterossexual, auto­suficiente, filantrópica e moralis­ 
ta. Ela também está pronta para conduzir “outra” pessoa na sua vida, não importa de 
que cor ou etnia.
26 

Deste modo, na contemporaneidade outros modelos identitários são oferecidos às me­ 
ninas e às mulheres (figura 3). E se por um lado elas se mostram mais independentes e autô­ 
nomas, por outro ainda são educadas e subjetivadas a ter no casamento o ideal de felicidade, a 
preservarem as características “naturalmente” femininas, que são as relacionadas ao charme, à 
beleza,  à  futilidade,  ao  encantamento,  ao  romantismo,  ao  cuidado  e  à dedicação.  Agora,  as 
meninas, mesmo que não sonhem mais com o príncipe encantado, crescem (e também as mu­ 
lheres) e se cercam do uso de roupas e acessórios cor­de­rosa, consumindo cadernos, agendas, 
lápis, lapiseiras, entre outros materiais escolares e de escritório, que têm por temática outras 
representações de um mundo encantado e “glamouroso”. Tais representações convivem com 
as de “novos/as príncipes e as princesas” contemporâneos, através da literatura, por exemplo, 
revestidos/as com novas roupagens, atitudes, posições de sujeito, mais distantes daquelas dos 
contos clássicos. 
São as histórias de príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas, as quais sempre gostei 
de ler, ouvir e ver no cinema, que resolvi analisar neste estudo que o Mestrado em Educação 
oportuniza e elegi os “novos contos de fadas” para produzir as minhas análises. 
Narrei um pouco da minha trajetória de vida até o momento e esta tem o total apoio e 
incentivo de minha família, sendo repleta de construções e desconstruções, certezas e dúvidas, 
medo e coragem, paixões, indignações, sonhos e esperanças.
27 

Figura 1: Cena da história A Bela Ador mecida, em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta des­ 
perta de seu sono de cem anos. Em seguida, casam­se e vivem felizes para sempre. 

Figura 2: Barbie  Figura 3: A mulher/Barbie da atualidade
28 

2.2 Procurando Firme: a inspiração para este trabalho 

oda história tem um começo; um trabalho acadêmico como este também o tem. 

T Ao  ingressar  neste  Programa de  Pós­Graduação  em  Educação, escolher  a  Li­ 


nha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educação e dar início a esta pesqui­ 
sa, venho fazendo diversas escolhas. 
A escolha pela literatura destinada, e sugerida pelos catálogos das editoras, à faixa etá­ 
ria dos 6 (seis) aos 10 (dez) anos, isto é, de alunos que estariam, possivelmente, cursando en­ 
tre a 1ª e a 4 séries/ 1.º ao 5.º anos escolares, ocorreu em função de minha aproximação com 
este público de crianças e pré­adolescentes, já que sou formada em Pedagogia – Habilitação 
em Séries Iniciais –, e atuo nesta área como professora de Séries Iniciais e professora do En­ 
sino Médio – Curso Normal. 
Contudo, o  recorte  e  análise  em  torno dos “novos  contos  de  fadas”,  eleito  por  mim, 
ocorreu em função do meu olhar de estranhamento para os contos de fadas e sua produtivida­ 
de, e, especialmente, para as suas novas versões, isto é, para a forma como as histórias clássi­ 
cas  são  recontadas  com  inspiração  na  vida  contemporânea,  através  de  suas  novas  versões, 
temperadas com os sabores e fragrâncias do tempo atual. Considero importante tecer um olhar 
de  estranhamento  a  essas  histórias,  ao  mesmo  tempo  em  que  o  faço  para  as  fantasias  que 
constituíram meus sonhos de menina e de adolescente. Eu não seria mais uma das tantas me­ 
ninas e adolescentes que se identificavam com a Bela Adormecida, Cinderela e/ou a Branca 
de Neve? Esses príncipes não seriam mais tão iguais  na ousadia, beleza e sensibilidade? Eu 
não estaria mais a espera de um príncipe desses? 
Meu interesse por um gênero literário em especial, os contos e de fadas, e, sobretudo 
os “novos contos de fadas”, parece estar marcado pela transgressão que operaram nos “mode­ 
los” que me constituíram, produzindo outras representações de feminilidade e masculinidade, 
de ser e viver  na contemporaneidade, e teve início ao ler o livro  Procurando firme, de Ruth 
Rocha (2001) (figura 4). Ao ler essa história, chamaram­me a atenção as atitudes da princesa 
Linda Flor que se mostrava decidida e determinada, ao invés de submissa e comportada, como 
as princesas “tradicionais”. A partir deste conto, comecei a pensar sobre a minha investigação 
acadêmica  no  Mestrado.  De  certo  modo, identifiquei­me  com  a  história, porque  se antes  eu 
era  uma  “Bela  Adormecida”,  agora já  me  sinto  também  como  a  Linda  Flor.  A autora desse 
conto  (ROCHA,  2001)  “brinca” com  os  comportamentos  tradicionalmente  esperados  para o 
29 

homem – os de um príncipe – e os transfere para a mulher – uma princesa –, também, tornan­ 
do­a, dessa forma, uma princesa moderna, uma mulher contemporânea. 

Figura 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha 

Vale a pena ilustrar que, nessa história, o príncipe, desde pequeno, estava sendo trei­ 
nado para um dia sair do castelo e correr o mundo – como todo príncipe que se preza! Para 
isso ele tinha: professor de esgrima, que o ensinava a usar a espada; professor de berro, que o 
preparava para assustar o adversário; aula de corrida, para atravessar bem depressa o pátio e 
chegar logo no muro; aula de alpinismo, praticada nas paredes do castelo; aula de tudo quanto 
é língua, para que quando ele saísse do castelo e fosse correr o mundo pudesse falar com as 
pessoas  e  entender  o que  elas  diziam;  aula  de  equitação;  aula  de pontapés;  aula  de  natação, 
para atravessar o fosso quando chegasse a hora; aula do uso do cotovelo, na qual o ensinavam 
a  esticar  o  braço  dobrado,  com  o  cotovelo  bem  espetado  e  cutucar  quem  ficasse  na  frente; 
além de aula de cuspir no olho; enfim, eram muitas as aulas necessárias ao seu objetivo (e ao 
da família real: a formação “masculina” do jovem príncipe). Além disso, o príncipe aprendia 
que não podia chorar a toda hora. Ou seja, uma porção de outros ensinamentos era ofertada. 
Enquanto isso, a princesinha, irmã do príncipe, durante o dia inteiro, se ocupava de “ocupa­
30 

ções principescas” e “femininas”: tomava aulas de canto, de bordado, de tricô, de pintura em 
cerâmica;  fazia  cursinho  de  iniciação  à  poesia  de  Castro  Alves;  estudava  um  pouquinho  de 
piano; fazia flores de marzipã; aprendia a enfeitar bolos e a fazer crochê com fios de cabelo. 
Ou  seja,  ela  se dedicava  a  fazer  coisas  que  serviam  para  se  distrair (e  que  também  eram  a­ 
prendizagens  consideradas  importantes,  naquele  contexto,  para  uma  moça  “educada”),  dei­ 
xando o tempo passar. Afinal, tinha que ocupar seus dias, enquanto esperava um príncipe en­ 
cantado que viria derrotar o dragão do seu castelo e casar com ela. Acontece que Linda Flor 
não  aceitou  se  casar  com  nenhum dos  príncipes  que  apareceram  no  seu  castelo.  Mostrou­se 
decidida, determinada, confiante, autônoma, prática, “moderninha” – para o desespero do rei e 
da rainha. Ela mudou o penteado do cabelo, passou a usar calças compridas como o príncipe e 
a apresentar­se bronzeada. Por iniciativa própria, a menina parou de freqüentar as aulas que 
lhe eram destinadas e passou a ter aulas com os instrutores do seu irmão. Ela ainda disse ao 
pai e à mãe que estava se preparando para correr o mundo também: 

­ É isso mesmo, correr o mundo! Eu estou muito cansada de ficar neste castelo espe­ 
rando que um príncipe qualquer venha me salvar. Eu acho muito mais divertido sair 
correndo  mundo como  os  príncipes  fazem. E se eu  tiver que casar com  alguém, eu 
encontro  por  aí, que o  mundo é  bem  grande  e deve  estar  cheio de  príncipes  pra  eu 
escolher (ROCHA, 2001, s.p.). 

E assim, no final da história, a princesa sai do castelo para correr o mundo, “procuran­ 
do não sei o quê, mas procurando firme” (ROCHA, 2001, s.p.). 
Penso que a princesa deste conto retrata, de uma forma divertida, a trajetória de mu­ 
lheres que foram buscar seus direitos, “procurando firme” um caminho de mais conquistas. É 
por isso que essa história e seus personagens me impressionam, pois, de certa forma, mostram 
a “transformação” por que passaram e continuam a passar homens e mulheres na contempora­ 
neidade, ao mesmo tempo em que ilustram parte de minha “própria transformação” quanto a 
modos de ser e de viver na contemporaneidade. 
Outro aspecto interessante de destacar é que o príncipe e a princesa estavam tendo au­ 
las diferentes, de acordo com o que era esperado e desejado para cada um. Nesta história, fica 
evidente que, se as relações de gênero foram determinantes nas ocupações que as pessoas da­ 
quele  reino podiam  ter,  sua  transgressão passa a  ser  ilustrativa das  representações  que  estas 
recebem  pelo  discurso  feminista,  evidenciando  superação  de  desigualdades  entre  meninas  e 
meninos  e  entre  homens  e  mulheres,  marcadas  por  “determinações  biológicas”.  Para  tanto, 
certas  habilidades,  consideradas  “naturalmente  masculinas”,  enquanto  outras,  consideradas 
“naturalmente femininas”, tornam­se acessíveis a todas as pessoas, independente da marca de 
gênero. Ou seja, na história Procurando firme podemos localizar o deslocamento do discurso
31 

do “acesso” às habilidades reconhecidas como masculinas ou femininas: de um acesso marca­ 
do por “diferenças sexuais” a um discurso marcado por “relações de gênero”. Silva (1999, p. 
93)  pondera  que:  “O  simples  acesso  pode  tornar  as  mulheres  iguais  aos  homens,  mas  num 
mundo ainda definido pelos homens”. Segue dizendo que: “A sociedade está feita de acordo 
com as características do gênero dominante, isto é, o masculino” (p.93), para defender, mais 
adiante: “Dependendo de onde estou socialmente situado, conheço certas coisas e não outras. 
Não se trata simplesmente de uma questão de acesso, mas de perspectiva” (p. 94). [...] “Seria 
desejável que todas as pessoas cultivassem características que normalmente são consideradas 
como pertencendo a apenas um dos gêneros!” (p. 94). O autor conclui que: “Algumas quali­ 
dades consideradas masculinas seriam, entretanto, claramente, menos desejáveis que as femi­ 
ninas, como é o caso, por exemplo, da necessidade de controle e domínio” (p. 94­95). 
Procurando firme ilustra como se faz do homem um homem e da mulher uma mulher, 
conforme as posições que ocupam em épocas e contextos diversos. Ou seja, tal história, “ao 
mesmo tempo corporifica e produz relações de gênero” (SILVA, 1999, p. 97), e mostra que as 
mesmas podem não ter nada de fixo, de essencial ou de natural. 
Julgo importante pensarmos sobre isso, na perspectiva dos Estudos Culturais em Edu­ 
cação, a qual me permite considerar tais contos de fadas, entre tantos de outros gêneros literá­ 
rios, e outros produtos de nossa cultura, como artefatos pedagógicos que também ensinam. 

2.3 Outras histórias já contadas, pesquisas já realizadas... 

uando participei do processo seletivo para a vaga no Mestrado em Educação 

Q desta Universidade para a linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa­ 
ção,  já  sabia  que queria  estudar os  “novos  contos  de  fadas”,  mas  ainda  não 
tinha bem definido o que analisar nestas histórias. Já havia definido as temáti­ 
cas  que me  interessavam:  literatura  infantil,  contos de  fadas  contemporâneos  (no  sentido de 
serem atuais; publicados mais no final do séc. XX) e infância. 
Como já expliquei antes, queria unir neste meu estudo o meu gosto pela literatura in­ 
fantil e pelos contos de fadas da atualidade a um olhar de “estranhamento” para um artefato 
cultural  que  é  destinado  às  crianças  e,  também,  usado  pedagogicamente  nas  escolas  com  o 
público das séries/anos iniciais, com o qual atuo como professora e como formadora de pro­ 
fessores/as. Também tinha resolvido que não faria estudo de recepção, vendo, por exemplo, 
32 

como tais livros eram usados para ensinar algo às crianças nas escolas. Sabia que um estudo 
como  este demandaria mais  tempo  e para uma pesquisa  de  Mestrado tornava­se  inviável,  já 
que segui e sigo trabalhando em duas escolas durante a realização desta pós­graduação. 
Então, quando ingressei no Mestrado, uma das primeiras sugestões de minha orienta­ 
dora foi a de pesquisar sobre o que já se tinha escrito e publicado sobre essas temáticas (litera­ 
tura infantil, contos de fadas, infância) na linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa­ 
ção, em outras linhas de pesquisa do nosso Programa de Pós­Graduação e em outros. 
Fiz a pesquisa na biblioteca da Faculdade de Educação da UFRGS para ver a produção 
de  Dissertações  e  Teses  desta  Universidade 7  e  pesquisei,  também,  na  Internet 8 ,  procurando 
trabalhos acadêmicos de pós­graduação realizados em diferentes universidades brasileiras. Na 
ocasião, vi que havia muitos trabalhos escritos sobre contos de fadas, sobre literatura infantil, 
sobre  infância,  analisando­os  sob  diferentes  perspectivas  teóricas,  tendo  estes  por  objeto  de 
estudo ou produtos culturais relacionados a eles. Mas nenhuma das produções fazia análise do 
que chamei de “novos contos de fadas”. Sendo assim, o diferencial do meu trabalho consiste 
em analisar o gênero literário infantil conto, priorizando as histórias de príncipes, princesas, 
sapos, bruxas e fadas que fazem uma releitura, reescrita ou paródia dos contos de fadas clássi­ 
cos. Isto é, não se trata de olhar para os primeiros contos, mas sim para os mais atuais. 
Localizei  e  destaco  aqui  um  conjunto  de  pesquisas  de  colegas  do  Programa  de  Pós­ 
Graduação desta Universidade,  aqui da  Faculdade  de Educação da  UFRGS, principalmente, 
aquelas relacionados às Linhas de Pesquisa dos Estudos Culturais e Estudos de Gênero e Se­ 
xualidade  e  de  seus  respectivos  Núcleos  de  Pesquisa:  NECCSO  (Núcleo  de  Estudos  sobre 
Currículo,  Cultura  e  Sociedade)  e  GEERGE  (Grupo de Estudos de Educação e  Relações  de 
Gênero), além da contribuição da Linha de Pesquisa Ética, Alteridade e Linguagem na Educa­ 
ção. 
Desses, um dos trabalhos que contribuiu para minha pesquisa foi o de Gomes (2000) 
que, em sua Dissertação de Mestrado, focaliza “as princesas clássicas” produzidas pelos estú­ 
dios Disney (Branca de Neve, Cinderela e Bela Adormecida). A autora observa que as repre­ 


Site das Bibliotecas da UFRGS: http://www.sabi.ufrgs.br. 

Outros sites consultados: 
­ http://www.ct.ibict.br:81/site/owa/si_consulta (Teses e Dissertações produzidas no Brasil) 
­ http://www.prossiga.br/estudosculturais/pacc/ (Biblioteca Virtual de Estudos Culturais do Programa Avançado 
de Cultura Contemporânea – PACC/UFRJ) 
­ http://www.bu.ufsc.br (Biblioteca Virtual da Universidade Federal de Santa Catarina – Teses e Dissertações) 
­ http://www.capes.gov.br  (Banco  de  Teses  da  Capes  –  Coordenação  de  Aperfeiçoamento de  Pessoal  de  Nível 
Superior) 
­ http://www.anped.org.br (Banco de  Teses da Anped – Associação Nacional de Pós  Graduação e Pesquisa  em 
Educação)
33 

sentações femininas na mídia obedecem a determinados padrões, como, por exemplo, a juven­ 
tude e a esbelteza. Seu trabalho descreve imagens e práticas que permeiam o universo femini­ 
no. Dentre os elementos discutidos são destacadas as figuras femininas elaboradas pelas gran­ 
des corporações, personagens que, consumidos nas formas mais diversas, povoam o imaginá­ 
rio infantil. Utiliza alguns fundamentos da obra de Foucault para tratar da constituição de um 
modo  de  ser  feminino  sujeito  aos  parâmetros  ditos  “corretos”,  reforçada  por  discursos  de 
“bom comportamento”, beleza jovial e realização amorosa. Seu objetivo é propor estratégias 
para que  esses  clichês  não  se  enrijeçam  e  possamos  “engendrar  novos  modos  de  subjetiva­ 
ção”. 
Outras pesquisas enfocam a infância, a literatura e as relações de gênero e sexualidade, 
como as que apresento a seguir: 
Argüello  (2005),  em  sua  Dissertação  de  Mestrado,  analisa  as  falas  de  crianças  de  4 
(quatro) a 6 (seis) anos, de uma turma de Jardim B – Educação Infantil, procurando observar 
as representações de  gênero que esse  grupo possuía. Para isso, foram selecionadas 11(onze) 
histórias  infantis  não­sexistas, isto é, histórias que não reproduzem em seus textos discursos 
misóginos e veiculam uma perspectiva feminista. Estas histórias eram contadas e depois havia 
uma discussão  sobre determinados  aspectos  das  mesmas.  Amparada  no  campo  dos  Estudos 
Culturais e dos Estudos Feministas, a autora utiliza algumas ferramentas da perspectiva fou­ 
caultiana, inserindo­se nos estudos pós­estruturalistas. 
Kaercher (2005), em sua Tese de Doutorado, analisa as representações de gênero e ra­ 
ça presentes  no acervo de 110 (cento e dez) obras de literatura infantil que integram o Pro­ 
grama Nacional Biblioteca da Escola do ano de 1999. Contando com os aportes dos Estudos 
de Gênero e dos Estudos Culturais, examina como tais representações se  articulam para en­ 
gendrar branquidade, negritude, masculinidade e feminilidade nas obras disponíveis no acer­ 
vo. Delineia, também, algumas das estratégias discursivas que operacionalizam esses proces­ 
sos de racialização e generificação nas obras e, a partir dessa análise, defende que eles sinali­ 
zam  para  a  manutenção  dos  discursos  que  colocam  a  identidade  masculina,  branca,  adulta 
como padrão de referência para a hierarquização e subordinação das demais identidades raci­ 
ais e de gênero. 
Sefton (2006), em sua Dissertação de Mestrado, problematiza as representações e prá­ 
ticas discursivas que envolvem as identidades masculinas e paternas advindas de materiais da 
Literatura  Infanto­Juvenil.  Sob  os  enfoques  dos  Estudos  de  Gênero,  dos  Estudos  Culturais, 
além  de  aportes  pós­estruturalistas,  seu  corpus de pesquisa  é  formado por 30  (trinta)  livros,
34 

datados de 1988 a 2004, a partir dos quais suas problematizações buscaram enfatizar não só as 
recorrências sobre as representações paternas e masculinas, mas também os deslocamentos e 
rupturas presentes nos materiais analisados. 
Li, também, no campo da infância e das relações de gênero, outra dissertação que se 
diferencia das apresentadas antes, porque examina outro artefato cultural que são as revistas 
destinadas às futuras mamães ou a casais que estão à espera de um bebê: 
Santos (2004), em sua Dissertação de Mestrado, analisa revistas brasileiras que tratam 
da temática infância (Crescer em Família, Pais & Filhos e Meu Nenê e Família ), com vistas a 
examinar  como  elas  operam  discursivamente  na  constituição  das  identidades  de  gênero  na 
primeira  infância. O referencial teórico de suas análises  são os Estudos Culturais e algumas 
contribuições dos Estudos de Gênero. Foram analisadas 53 (cinqüenta e três) edições dos anos 
de 2000 a 2002, das quais foram selecionadas as matérias que envolvessem questões de gêne­ 
ro dentro da faixa etária dos 0 aos 6 anos (zero aos seis). 
Entre as pesquisas sobre masculinidades e feminilidades, encontrei as seguintes disser­ 
tações: 
Neuls  (2004),  em  sua  Dissertação  de  Mestrado,  escolheu  o  programa  televisivo  A 
Turma do Didi, da Rede Globo, como objeto de análise para mostrar como este opera na cons­ 
tituição  de  uma  representação  de  masculinidade  para  crianças  e  jovens.  Optou  por  olhar  as 
articulações  entre  gênero  e  sexualidade  no  programa  e  descreve  os  modos  e  estratégias  do 
programa de instituir sentidos acerca de uma masculinidade considerada desejável para meni­ 
nos. O corpus de análise compreende 25 (vinte e cinco) programas do período de setembro de 
2002 a julho de 2003. O referencial teórico­metodológico da pesquisa são os Estudos Cultu­ 
rais e os Estudos de Gênero, em suas vertentes pós­estruturalistas. 
Guizzo (2005), em sua Dissertação de Mestrado, investiga de que forma as crianças de 
uma escola pública de Educação Infantil, na  faixa etária de 5 aos 6 anos (cinco aos seis) da 
grande Porto Alegre, entendem as questões de gênero presentes no seu cotidiano. Para tanto, 
explora situações e falas emergidas neste âmbito escolar, especialmente a partir de propagan­ 
das televisivas  voltadas para este público. Busca  problematizar os modos como professoras, 
equipe diretiva, pais e mães lidam com tais questões, contribuindo para a constituição de mas­ 
culinidades  e  feminilidades  ainda  na  infância.  Para  as  análises  usou  o  referencial  teórico­ 
metodológico  dos  Estudos  Culturais  e  dos  Estudos  Feministas,  em  suas  abordagens  pós­ 
estruturalistas.
35 

Bello (2006), em sua Dissertação de Mestrado, busca entender como vão se constitu­ 
indo as masculinidades na escola infantil, procurando observar alguns dos investimentos fei­ 
tos para que os meninos e as meninas se constituam como homens e mulheres heteronormati­ 
zados.  As  análises  foram  realizadas  a partir  do  referencial  teórico  dos  Estudos  de  Gênero  e 
algumas contribuições dos Estudos Culturais em uma perspectiva pós­estruturalista. Para tan­ 
to,  foi observado um  grupo de 25  (vinte  e  cinco)  crianças  com 5  (cinco)  anos de  idade,  em 
uma escola infantil da Rede Municipal de Porto Alegre, no período de dois meses, totalizando 
cem horas de observação. 

2.4. A definição da pesquisa e sobre a importância da história que quero 
contar 

E xaminando as últimas pesquisas acadêmicas realizadas, percebo que já existem 
estudos  sobre  contos  de  fadas,  analisando­os  sob  as  perspectivas  psicológicas, 
psicanalíticas e das relações de gênero e sexualidade. Entretanto, o diferencial 
do meu trabalho está em proceder à análise dos “novos contos de fadas” na perspectiva dos 
Estudos Culturais em Educação e dos Estudos de Gênero e Sexualidade. Aliás, têm crescido 
consideravelmente as produções culturais relacionadas a este gênero literário, com uma vasta 
publicação de livros e filmes. 
Defini a minha pesquisa, propondo­me a analisar as representações de infâncias e de 
relações de gênero, presentes  nestes  artefatos culturais da contemporaneidade. Junto­me, as­ 
sim, àqueles/as pesquisadores/as, cujo objetivo é “mostrar como operam alguns dispositivos e 
práticas culturais para constituir nossas concepções sobre o mundo e sobre as coisas e coorde­ 
nar as formas como agimos” (COSTA, 2000a, p.9). 
Entre os critérios para a seleção dos livros estão: serem livros de literatura infantil in­ 
dicados  à  faixa  etária  dos  6  (seis)  aos  10  (dez)  anos;  serem  escritos  por  diferentes  autores 
(COMPANY, COSTA, MARTINS, VASSALO, COLE, DISNEY, MINTERS), pertencerem 
a diferentes editoras (Scipione, FTD, DCL, Brinque­Book, Martins Fontes, Caramelo, Com­ 
panhia das Letrinhas), histórias de uma mesma coleção (Coleção As Trigêmeas; Coleção Mi­ 
nha  versão  da  história),  histórias  de  autores/as  estrangeiros/as  (obras  traduzidas)  (COLE, 
COMPANY,DISNEY, MINTERS) e  nacionais  (COSTA, MARTINS,  VASSALO);  histórias 
36 

escritas e publicadas a partir da década de 90  (anos de publicação: 1998, 1999, 2000, 2003, 
2004, 2005, 2006) 9 . 
A metodologia a ser usada é a da interpretação textual, tanto das narrativas quanto das 
ilustrações, pois estas  são entendidas como textos e, como tais,  produtoras de sentidos tam­ 
bém.  São  questões  relevantes  deste  estudo:  como  os  sujeitos  infantis  são  representados por 
diferentes  discursos,  entre  eles,  os  que  “povoam”  os  livros  infantis?  Quais  modelos  de  ser 
menino e menina, ou de ser homem e mulher, nos são ensinados através dos “novos contos de 
fadas”? 
Entendo  que,  além  das  Dissertações  e  Teses  aqui  apresentadas  de  forma  sumária,  a 
minha pesquisa alia­se a outras que tem em seu foco a discussão sobre as infâncias, em espe­ 
cial,  sobre  as  infâncias  brasileiras,  como  as  realizadas  especialmente  no  Programa  de  Pós­ 
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande 
do Sul, que vem se constituindo em um importante pólo de produção de pesquisas em Educa­ 
ção. Entre elas, destaco as pesquisas de Jane Felipe de Souza (2000), Maria Carmem Silveira 
Barbosa (2000), Maria Isabel Bujes (2002), Maria Alice Goulart (2000), Leni Vieira Dorneles 
(2002),  Sandra  Mara  Corazza  (2000  e 2002).  Destaco  também os  estudos  sobre  infância  de 
Moysés Kuhlmann Júnior (2001). 
Ademais,  ao  falar  em  “novos  contos  de  fadas”  na  literatura,  debruço­me  sobre  uma 
temática bastante presente no cotidiano atual, haja vista a grande produção de livros e filmes 
deste gênero. Para apenas citar alguns filmes, já que estes não são objetos de minha análise, 
temos: Shrek1 (2001), Branca de Neve – O Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela 
(2004),  Deu  a  louca  na  Chapeuzinho  (2005),  Shrek  3  (2007),  Deu  a  Louca  na  Cinderela  
(2007),  Encantada   (2007) 10 .  Quanto  à  literatura  há  uma  vasta  oferta;  uma  parte  deles  será 
analisada nesta Dissertação. 
Em reportagem da Revista Veja, “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos 
a  publicação  de  livros  infantis  com  personagens  homossexuais”,  matéria  de  31 de  maio  de 
2006 11 , fala de livros literários infantis que tratam de novos arranjos familiares, de casais ho­ 
mossexuais, das relações de gênero e sexualidade problematizadas nas histórias e suas reper­ 
cussões nas escolas e famílias do referido país. 


Ver, em Anexo 1, as referências completas dos livros a serem analisados e, em Anexo 3, os resumos dos clássi­ 
cos de que estas histórias atuais fazem suas releituras. 
10 
Ver, em Anexo 5, as sinopses de tais filmes. 
11 
Conferir em Anexo 6.
37 

Com o que foi exposto até aqui, justifico por que tais temáticas (“novos contos de fa­ 
das”,  infância  e  gênero), as  quais  foram  escolhidas  por  mim  para  análise nesta  Dissertação, 
têm importância. 

2.5 Estudos Culturais: o que são? 

s  Estudos  Culturais  constituem  um  campo  de  pesquisa  bastante  atual,  que 

O surgiu  na  Inglaterra.  Hoje,  na  sua  forma  contemporânea,  transformaram­se 


num fenômeno internacional; da Inglaterra e dos Estados Unidos espraiaram­ 
se para a Austrália, Canadá, África, América Latina, entre outros territórios. 
Na  sua  trajetória  histórica,  acentua­se  o  fato  de  que  os  Estudos  Culturais  devem  ser  vistos 
tanto sob ponto de vista político, na tentativa de constituição de um projeto político, quanto 
sob ponto de vista teórico, com a intenção de construir um novo campo de estudos. 

Sob o ponto de vista político, os Estudos Culturais podem ser vistos como sinônimo 
de “correção política”, podendo ser identificados como a política cultural dos vários 
movimentos sociais da época de seu surgimento. Sob a perspectiva teórica, refletem 
a  insatisfação  com  os  limites  de  algumas  disciplinas,  propondo  então,  a  interdisci­ 
plinaridade (ESCOSTEGUY, 2004, p.137.). 

Para Nelson, Treichler e Grossberg (1995, p. 13), os Estudos Culturais não se restrin­ 
gem a ser um campo interdisciplinar, podendo se constituir como um campo transdisciplinar e 
algumas vezes contradisciplinar, “que atua na tensão entre suas tendências para abranger tanto 
uma concepção ampla, antropológica da cultura, quanto uma concepção estreitamente huma­ 
nística de cultura”. Assim, os Estudos Culturais podem ser entendidos como um campo onde 
diferentes disciplinas interagem, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade. 
Os Estudos Culturais tomam a cultura como tema central, como espaço/local de pro­ 
dução  de  sentidos/significados,  subjetivando  os  sujeitos.  Nessa  perspectiva  de  análise  não 
existe a distinção entre baixa e alta cultura, mas toda prática social tem uma dimensão cultural 
(HALL,  1997b);  esta  é  vista  não  só  no  modo  de  viver  das  pessoas,  mas  também  como  um 
campo  de  lutas  por  imposição  de  significados.  A  cultura  é  construída  no  cotidiano.  Sendo 
assim,  os  Estudos  Culturais,  ao  assumirem  uma  noção  ampliada  de  cultura, direcionam  seu 
olhar para as diversas práticas culturais, que passam a ser vistas como instâncias educativas 
que produzem idéias, representações e identidades culturais, sendo, dessa maneira, constituti­ 
vas dos sujeitos. Ou seja, o campo de pesquisa dos Estudos Culturais preocupa­se com ques­ 
38 

tões que se situam na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. Além de cultura, 
outro termo­chave é subjetividade. De acordo com Johnson (2004, p.25): 

[...]  os  Estudos  Culturais  dizem  respeito  às  formas  históricas  da  consciência  ou  da 
subjetividade,  ou  às  formas  subjetivas  pelas  quais  nós  vivemos  ou,  ainda,  em  uma 
síntese  bastante  perigosa,  talvez  uma  redução,  os  Estudos  Culturais  dizem  respeito 
ao lado subjetivo das relações sociais. Estas definições adotam  algumas das abstra­ 
ções simples de Marx, mas também as utilizam de acordo com sua ressonância con­ 
temporânea. 

Os Estudos Culturais não possuem uma doutrina ou metodologia específica. São auto­ 
conscientemente concebidos como sendo altamente contextuais –  como um modo de análise 
variável,  flexível,  crítico  (SCHULMAN,  2004).  Entretanto,  o  trabalho  qualitativo  tem  sido 
tomado como premissa de qualquer estudo neste campo. Utilizam o trabalho de campo etno­ 
gráfico, a entrevista, a análise de texto e de discurso e os métodos históricos tradicionais de 
pesquisa para investigar uma ampla variedade de questões relacionadas à comunicação... Os 
Estudos Culturais começaram como um método de análise histórica e descritiva da consciên­ 
cia e da cultura de classe, tornando­se, sob a liderança de Stuart Hall, mais teoricamente sofis­ 
ticados,  abstratos  e  metodologicamente  diversos  no  decorrer  dos  anos  70.  (SCHULMAN, 
2004, p.180) 
Como um projeto intelectual, os Estudos Culturais são, geralmente, definidos em ter­ 
mos daquilo que negam ou daquilo com o qual rompem (SCHULMAN, 2004). Entre as ruptu­ 
ras efetuadas por este campo de pesquisa, ao longo de sua história, estão: 1.º) a ruptura com 
“as  ênfases  behavioristas  das  abordagens  anteriores  de  pesquisa”,  que  viam  a  influência  da 
mídia em termos de um mecanismo direto de estímulo­resposta. Os Estudos Culturais vêem a 
mídia como uma força social e política ampla, generalizada, cuja influência era indireta, sutil 
e até mesmo imperceptível; 2º) o questionamento de concepções que viam os textos da mídia 
como  suportes  “transparentes”  do  significado.  Os  Estudos  Culturais  observam  o  potencial 
estruturador  que  cada  meio  –  incluindo  sua  linguagem  –  possui.  Examinam  os  sistemas  de 
signos  através  dos  quais  os  significados,  mediados  pelos  meios  de  comunicação  de  massa, 
chegaram  ao  público;  3.º)  o  rompimento  com  as  concepções  passivas  e  indiferenciadas  de 
público e a análise dos vários modos pelos quais as mensagens são decodificadas por diferen­ 
tes membros dos diferentes públicos, dependendo de quais são suas orientações sociais e polí­ 
ticas.; 4º) o rompimento, também, com uma concepção que via a cultura de massa como um 
fenômeno indiferenciado, ao conceber que os meios de comunicação de massa estão envolvi­ 
dos na circulação e consolidação das “definições e representações ideológicas dominantes”.
39 

Existem três modos principais de pesquisas em Estudos Culturais: estudos baseados na 
produção,  estudos  baseados  no  texto  e  estudos  baseados  nas  culturas  vividas  (JOHNSON, 
2004). 
A produção acadêmica deste campo de pesquisa é realizada a partir da análise da pro­ 
dução cultural dos sujeitos, em qualquer instância cultural, como a mídia, o folclore, a arqui­ 
tetura,  a  arte,  etc.  A  cultura  articula­se  ao  econômico,  ao político,  ao  artístico,  ao  social,  ao 
pedagógico,  etc.  Através da  extensão do  significado de  cultura –  de  textos  e  representações 
para práticas vividas –, considera­se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a 
atenção  sobre  as estruturas  sociais  (de poder)  e o  contexto  histórico  vistos  como  fatores  es­ 
senciais para a compreensão da ação dos meios massivos, do mesmo modo que o deslocamen­ 
to do sentido de cultura da sua tradição elitista para as diversas práticas cotidianas (ESCOS­ 
TEGUY, 2004). 
Os Estudos Culturais discordam do entendimento de que os meios de comunicação de 
massa são simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, pois os com­ 
preendem como produtos culturais e, como tais, são agentes da reprodução social, acentuando 
sua  natureza  complexa,  dinâmica  e  ativa  na  construção  da  hegemonia.  (ESCOSTEGUY, 
2004). Nesta perspectiva, são estudadas as estruturas e os processos através dos quais os mei­ 
os de comunicação de massa sustentam e reproduzem a estabilidade social e cultural. Entre­ 
tanto,  isto  não  se  produz de  forma  mecânica,  uma  vez  que  se  faz  necessária  uma adaptação 
contínua às pressões e às contradições que emergem da sociedade, englobando­as e integran­ 
do­as no próprio sistema cultural. (ESCOSTEGUY, 2004). 
Dessa  forma, os Estudos Culturais  interessam­se  pelos efeitos de sentidos que a pro­ 
dução tem para os sujeitos, mais que a intenção do autor. As narrativas são histórias que nos 
contam e que nós contamos. Para esta perspectiva de análise, o “texto” deixa de ser estudado 
por ele próprio ou pelos efeitos sociais que se pensa que ele produz, para ser examinado pelas 
formas subjetivas ou culturais que ele efetiva e torna disponíveis. O texto torna­se um meio; 
torna­se um material bruto a partir do qual certas formas – da narrativa, da problemática ideo­ 
lógica,  do  modo  de  endereçamento,  da  posição  de  sujeito  etc.  –  podem  ser  abstraídas.  Ele 
também passa a fazer parte de um campo discursivo mais amplo ou a fazer parte de uma com­ 
binação de formas que ocorrem em outros espaços sociais com certa regularidade. Contudo, o 
objeto último dos Estudos Culturais não é o texto, mas a vida subjetiva das formas sociais em 
cada momento de sua circulação, incluindo suas corporificações textuais (JOHNSON, 2004).
40 

O meu objeto de pesquisa – os “novos contos de fadas” – e seus portadores – os livros 
de literatura infantil – exige que se pense nos modos de endereçamento, o que implica pensar 
em  questões  como:  quem  diz?  (sujeito  enunciador);  para  quem  diz?  (a  quem  o  discurso  se 
dirige); o que diz? (enunciados); quais os possíveis efeitos? Para Silva (2000, p.80­81), “mo­ 
do de endereçamento”, 

[...] tradução do inglês  mode of  address, é utilizado na  literatura anglo­saxônica de 


semiótica no cinema para se referir à relação entre o “sujeito” que supostamente é  a 
fonte de um texto – “o endereçador” – e o “sujeito” que supostamente é o seu desti­ 
natário – o endereçado. [...] Em geral, a análise concentra­se em descrever quem é o 
“endereçado”  no  modo  de  endereçamento  de  um  determinado  texto,  isto  é,  qual  o 
sujeito imaginado ao qual o texto se dirige, buscando determinar que tipo de “sujei­ 
to” é construído pelo texto, ou seja, “quem o texto pensa eu você é” ou “quem o tex­ 
to pensa que  você deve ser”. A  noção de “modo de endereçamento” está  vinculada 
às noções de “posição de sujeito” e de “interpelação”. 

Neste trabalho, não pretendo fazer um estudo de recepção, isto é, não irei fazer um es­ 
tudo de campo para analisar os efeitos e sentidos produzidos por histórias com um grupo de 
crianças por exemplo. Sendo assim, procurarei examinar (nos textos e ilustrações): quem diz, 
para quem diz, o que quer dizer, quais os possíveis efeitos disso tudo. 
Entende­se, portanto, que o sujeito se constitui/se fabrica a partir das relações vividas 
nas  práticas  culturais,  uma  vez  que  o  mesmo  se  configura  na  relação  com  práticas  que  são 
comuns à família, à escola, à igreja, ao clube, aos shopping centers, entre outros contextos. O 
sujeito, ao nascer, participa desta rede de práticas discursivas de significação que marcam e 
demarcam um certo grupo de pertencimento, uma vez que, como sujeitos, estamos inseridos 
em redes de práticas culturais, as quais são, também, práticas discursivas. 
Tais  práticas  culturais  fazem  uso  de  determinados  artefatos,  importando,  portanto,  a 
esta pesquisa, sua conceitualização. Chama­se artefato a toda construção que se dá dentro de 
uma instância de produção. Artefato cultural e pedagógico é o que é produzido pela cultura e 
tem a dimensão pedagógica de ensinar. Assim, filmes, livros, revistas, programas de televisão, 
entre  outros,  são  considerados  artefatos  pedagógicos,  tendo  em  vista  as  aprendizagens  que 
desencadeiam e o caráter formador que apresentam. 
Associados aos conceitos de práticas e artefatos culturais, estão os de pedagogia e re­ 
presentação culturais. O termo Pedagogia Cultural tem sido usado para articular: educação e 
mídia, educação e saúde, educação e história, etc.; por sua vez, o termo representação cultu­ 
ral  diz  respeito  aos  significados  de  efeitos  circulantes  no  embate  entre  poder  circulatório  e 
poder produtivo.
41 

Meu objeto de pesquisa,  os  “novos contos  de  fadas”,  funciona  como uma pedagogia 


cultural (são também um artefato cultural e pedagógico). Eles representam determinadas prá­ 
ticas, vivências,  modos de  ser,  etc., produzindo, assim,  determinadas  identidades,  marcando 
diferenças e/ou operando transgressões. Daí a  importância da leitura e análise da  linguagem 
escrita (narrativas) e da linguagem imagética (ilustrações). 
Ao considerar que a linguagem constitui os fatos e não apenas os relata, Hall (1997a) 
observa que o sentido é produzido dentro da linguagem e por meio de vários sistemas repre­ 
sentacionais que, por conveniência, chamamos de “linguagens”. Tal posição não implica ne­ 
gar a existência do mundo material, mas entender que é a linguagem que lhe confere signifi­ 
cado. O autor (1997b, p. 41) pondera que: “Toda a nossa conduta e todas as nossas ações são 
moldadas,  influenciadas  e,  desta  forma,  reguladas  normativamente  pelos  significados  cultu­ 
rais” (HALL,  1997b, p. 41).  As  representações  são  entendidas  aqui  como  as  formas  através 
das quais nomeamos e apresentamos os outros, a nós mesmos, as instituições e outros espaços 
sociais. Woodward (2000) observa que o conceito de representação pode ser útil para analisar 
a forma como as identidades são construídas. Nesse sentido, a autora pontua que a identidade 
é marcada pela diferença e que algumas diferenças são vistas como mais importantes que ou­ 
tras, especialmente em lugares particulares e em momentos particulares. 
Entendo que as pesquisas, no âmbito dos Estudos Culturais, mais que apontar fórmu­ 
las,  soluções, respostas,  interessam­se  por questionar  o que  é  tomado  como dado,  tranqüilo, 
naturalizado,  admitindo  que  não  há  um  lugar  privilegiado  que  ilumine,  inspire  ou  sirva  de 
parâmetro para o conhecimento (COSTA, 2000b). Assim é que este novo campo de estudos, 
surgido no final da década de 50, início da década de 60, se apresenta de modo muito atraente, 
uma vez que pode estar conectado às variadas concepções e práticas que vêm marcando con­ 
textos diversos na contemporaneidade.
42 

3 Literatura Infantil: invenções e deslocamentos 

o  produzir  um  rico  resgate  da  evolução  dos  estudos  sobre  literatura  infantil  e 

A juvenil, Colomer (2003) mostra­nos que, desde seu surgimento como fenômeno 
cultural no século XVIII, os livros infantis e juvenis têm sido objeto de atenção 
e polêmica. Na mudança de século (séc. XVIII para o séc. XIX) havia acabado 
de  estabelecer­se  a  escolaridade  obrigatória  em  diferentes  países  ocidentais  e,  progressiva­ 
mente,  iniciava  a  alfabetização  das  camadas  populares.  Nesse  contexto,  e  com  os  avanços 
realizados no campo educativo durante esse período, passou­se a ter uma preocupação social 
crescente com a literatura infantil. 
Ainda assim, a escola permaneceu ancorada na leitura “formativa” de cartilhas, anto­ 
logias e livros didáticos. Então, “foi nos meios bibliotecários que se iniciou o discurso moder­ 
no sobre a leitura como um ato livre dos cidadãos, uma leitura ‘funcional’ que incluía leitura 
de  ficção  por  simples  prazer”  (COLOMER,  2003,  p.  23).  Denominou­se  “primeira  onda”  a 
necessidade  de profissionais  bibliotecários  em  definir  critérios  para  selecionar os  livros  que 
deveriam ser ofertados às crianças, o que, também, provocou os primeiros estudos sobre lite­ 
ratura infantil e juvenil. As bibliotecárias britânicas e as norte­americanas foram as primeiras, 
seguidas pelas francesas e as do norte europeu, que exerceram influência decisiva para o de­ 
senvolvimento  das  primeiras  experiências  de  difusão  da  leitura.  É deste  período  a  fundação 
das primeiras bibliotecas infantis e a criação de instrumentos de animação de leitura (de inter­ 
venção – como as famosas “hora do conto” ou os guias/fichas de leitura) (COLOMER, 2003). 
A seguir, as escolas e os demais meios educativos passaram a adotar o discurso mo­ 
derno de defesa de uma leitura livre e funcional, nos objetivos do ensino. Apoiados nos dis­ 
cursos da Pedagogia e da Psicologia Infantil, os livros infantis  e  infanto­juvenis tinham que 
entreter e ensinar às crianças. 
Os estudos e as iniciativas de difusão dos livros infantis ultrapassaram os limites dos 
interesses dos bibliotecários para atingir interesses mais amplos. Deste modo, eles receberam 
um grande impulso com a criação do International Board on Books for Young People – IBBY 
(Organização  Internacional  para  o  Livro  Infantil  e  Juvenil),  fundado  em  1953,  em  Zurique. 
Graças  a  iniciativas  em  anos  anteriores,  constituiu­se  um  comitê  que  organizou  a  primeira 
Assembléia Geral do IBBY. E, em 1956, criou­se o Prêmio Hans Christian Andersen, outor­ 
gado por esta instituição, considerado, ainda hoje, o mais importante para os livros destinados 
43 

a crianças e jovens. No ano de 1957, o IBBY adquiriu dimensão internacional ao associar­se à 
UNESCO e, mais tarde, à UNICEF. O crescimento do IBBY, com sua presença em mais de 
sessenta  países,  bem  como  a  fundação  e  o  desenvolvimento  de  outras  instituições  com  as 
quais mantém vínculo colaborativo, constituem uma sólida rede internacional de promoção e 
estudo do livro infantil na atualidade (COLOMER, 2003). 
Vejamos,  na  próxima  seção,  como  a  “invenção  da  literatura  infantil”  se  relaciona  à 
“invenção da infância”. 

3.1 A invenção da literatura infantil 

literatura infantil surgiu a partir da “invenção da infância”. Antes disso, como 

A poderia haver uma literatura específica para as crianças, se elas não eram reco­ 
nhecidas como tais, mas sim como “adultos em miniatura”? Deste modo, a lite­ 
ratura infantil teve suas origens nas histórias de adultos, sendo que estas passa­ 
ram por adaptações para serem contadas às crianças, até chegarem ao status de histórias espe­ 
cíficas à infância, isto é, até serem nomeadas/classificadas de “literatura infantil”, apresentan­ 
do  assim  características  diferentes  daquelas  consideradas  “literatura  de  adultos”.  Sobre  isso, 
Shavit (2003, p.21­22) pondera que: 

Nos dias de hoje  é difícil imaginar indústria livreira sem a sua gigantesca oferta de 
livros  para  crianças.  A  produção  maciça  de  livros  para  crianças  é  considerada  um 
dado de facto, uma parte proeminente e indispensável da actividade editorial. A ob­ 
sessão cultural (e conceptual) do século XX com os problemas físicos, mentais e se­ 
xuais da infância é também aceite com prontidão. A sociedade considera a infância 
como o período mais importante da vida e tem tendência para justificar a maior parte 
do comportamento adulto com base na experiência da infância. A sociedade está tão 
habituada  à  sua  interpretação  daquilo  que  é  infância,  bem  como  a  existência  de  li­ 
vros para crianças, que se esquece de que ambos os conceitos, infância e livros para 
crianças, são fenômenos relativamente novos; isto é, a visão actual da sociedade re­ 
lativamente  à  infância  está  muito  afastada  daquilo  que  era  há  apenas  dois  séculos. 
Além disso, a literatura para crianças começou a desenvolver­se somente depois de a 
literatura  adulta  se  ter  tornado  uma  instituição  bem  estabelecida.  Até  ao  século 
XVIII, raramente se escreviam livros especificamente para crianças, e toda a indús­ 
tria  de  livros  para  crianças  só  começou  a  florescer  na  segunda  metade  do  século 
XIX. 

Ainda de acordo com Shavit (2003, p.23), foi a partir de uma interpretação nova para a 
infância, que se “criou de modo constante duas novas instituições culturais: um novo sistema 
de educação, o sistema escolar, e uma nova prática de leitura que produziu um mercado sem 
precedentes para os livros infantis”. 
44 

Com a “invenção da infância”, ao mesmo tempo em que os brinquedos e o vestuário 
foram transformados para o mundo infantil com o surgimento de uma nova visão de criança, 
os contos de fadas, em especial, também foram gradualmente sendo aceitos como pertencendo 
ao reino das crianças e tornaram­se monopólio delas. Isto não quer dizer que, antes do século 
XVII, as crianças não tivessem contato com os contos de fadas, mas sim que, antes de os con­ 
tos de fadas terem se tornado monopólio das crianças, foram lidos e contados, ao longo dos 
séculos, tanto por adultos (mesmo das classes sociais mais altas) como pelas crianças que par­ 
tilhavam  a  sua  companhia.  Entretanto,  mesmo  as  crianças  estando  familiarizadas  com  esses 
contos  de  fadas,  inicialmente,  estes  não  eram  considerados  especialmente  destinados  a  elas 
(SHAVIT, 2006). 
Após a segunda metade do século XVII, houve uma interessante e complexa mudança 
envolvendo os contos de fadas. A sociedade intelectual da época, que anteriormente não hesi­ 
tara em admitir o prazer proveniente dos contos de fadas, começou a encará­los como indica­ 
dos apenas para crianças e pessoas das classes mais baixas, justificando que eles eram dema­ 
siado simples e ingênuos para as outras pessoas. Ao mesmo tempo, desenvolveu­se um novo 
interesse  pelos  contos  de  fadas,  que  os  tornou  um  gênero  artístico  (e  que  estava  na  moda). 
Este novo interesse foi a motivação que levou à criação de contos de fadas com base no mo­ 
delo dos textos ingênuos tradicionais. No entanto, havia uma condição prévia de escrita indis­ 
pensável aos contos de fadas: escritores e leitores tinham de partir do princípio de que os con­ 
tos de fadas eram escritos para as classes mais baixas e para as crianças – deste modo, os a­ 
dultos das  classes  mais  elevadas  só  desfrutavam  dos  contos  de  fadas,  fingindo que  estavam 
dirigindo­se às crianças (SHAVIT, 2006). 
Sobre essa dupla destinação dos contos de fadas, Shavit (2006, p.29) mostra­nos que: 

Os adultos exploraram a oportunidade de desfrutarem dos contos de fadas, durante o 
século XVII, através  do reconhecimento da cultura infantil como sendo distinta da 
sua própria cultura e do uso das crianças como fonte de divertimento. Deste modo, a 
leitura de contos de fadas pelos intelectuais era baseada num acordo tácito (entre e­ 
les e o escritor) quanto a dois tipos de leitores implícitos – a criança e o adulto inte­ 
lectual – e num acordo tácito quanto às intenções do escritor, deixando muito espaço 
para este jogar entre eles. 

No tempo de Perrault, a natureza ambígua dos seus contos de fadas, servia para satis­ 
fazer tanto os leitores oficiais quanto os não oficiais. 

Ela permitiu a Perrault usar o estatuto  dos  contos de  fadas  como textos  para crian­ 


ças, dirigindo­os oficialmente às crianças como sendo elas os principais consumido­ 
res,  usando  ao  mesmo  tempo  a  noção  de  criança  como  uma  fonte  de  divertimento 
para  permitir  aos  adultos  (sobretudo  aos  intelectuais)  apreciarem  também  o  texto. 
Deste modo, a ironia e a sátira piscavam o olho ao adulto intelectual, enquanto as es­ 
truturas formulares piscavam o olho ao leitor infantil (SHAVIT, 2003, p.36).
45 

As  mudanças  nesse  gênero  literário  foram  acompanhando  também  as  diferentes  no­ 
ções de família de cada época e seus sistemas educativos. “O tema do final feliz das histórias, 
por  exemplo,  não  era  tão  estável  nos  primeiros  tempos  de  literatura  para  crianças  e  jovens 
como o foi posteriormente” (COLOMER, 2003, p. 67). 
Nos cem anos que decorreram entre Perrault e os irmãos Grimm, desenvolveu­se um 
novo conceito de infância – o conceito de instrução, que conferia significativa importância ao 
sistema educativo e aos livros, estes sendo considerados como as ferramentas principais de tal 
sistema  educativo.  Então,  num  período  de  tempo  bastante  curto,  esse  conceito  tornou­se  a 
razão de ser dos livros infantis; este novo conceito determinava o que devia ser adequado ou 
inapropriado aos pequenos (SHAVIT, 2003). 
Essa idéia governou o modo de escrever dos irmãos Grimm e perseverou até os nossos 
dias. Ainda  hoje, os  livros infantis são escritos por ou sob a supervisão de adultos e devem 
contribuir para o bem­estar espiritual da criança. Isso não mudou desde os meados do século 
XVIII. 

O que mudou foram as idéias específicas vigentes em cada período acerca de educa­ 
ção e infância. Todavia, a idéia de que os livros para crianças têm de ser adequados 
do ponto de vista pedagógico e devem contribuir para o desenvolvimento da criança, 
tem  sido,  e  ainda  é,  uma  força  dominante  na  produção  de  livros  para  crianças. 
(SHAVIT, 2003, p.50). 

Kehl (2006), no prefácio do livro Fadas no Divã , de Diana Lichtenstein Corso e Mário 
Corso,  lembra da história de Chapeuzinho  Vermelho,  recolhida  na  França,  por  Charles Per­ 
rault, da  tradição oral  camponesa  do  século  XVII.  Nesta  história,  não  existia  um  final  feliz, 
nem uma moral da história. Seu objetivo original não era o de prevenir as crianças a respeito 
dos perigos da desobediência aos pais como as versões modernas (e, portanto, moralizadoras, 
suavizadas e romantizadas). 

As narrativas populares européias, matrizes dos modernos contos infantis que, a par­ 
tir das adaptações feitas no século XIX, passaram a integrar a rica mitologia univer­ 
sal, não apresentavam a riqueza simbólica que faz dos contos de fadas um depositá­ 
rio de significações inconscientes aberto à interpretação psicanalítica 12 . Na verdade, 
eles nem eram destinados especificamente às crianças, nem aparecem aliados a uma 
pedagogia iluminista. (KEHL, 2006, p.16) 

Tais contos retratavam um mundo de brutalidade nua e crua, sem suavizá­lo aos meno­ 
res. Kehl segue mostrando­nos que a função das narrativas maravilhosas da tradição oral pode 
ter sido a de apenas ajudar os habitantes de aldeias camponesas a atravessar as longas noites 
de inverno. Suas temáticas eram os perigos do mundo, a crueldade, a morte, a fome, a violên­ 

12 
Esta pesquisa não tem cunho de análise psicanalítica de tais contos; portanto, o que aqui nos interessa é o res­ 
gate histórico de tal gênero literário.
46 

cia dos homens e da natureza. Tais contos, talvez, fizessem um pouco mais do que nomear os 
medos presentes entre crianças e adultos daquela época. 
Nas últimas décadas, de maneira mais específica, a produção, venda e comercialização 
de livros literários infantis parece ter aumentado substancialmente, bem como a produção dos 
“novos contos de fadas”. Na atualidade, existe uma intensa, variada e diversificada oferta de 
livros  infantis  (contos,  poemas,  histórias  clássicas,  fábulas,  crônicas,  aventuras  fantásticas, 
histórias de terror e mistério, etc.). O crescimento da quantidade de títulos e o notável inves­ 
timento neste público, conforme empreendimento das editoras, parecem estar relacionados ao 
também investimento que está sendo dedicado à infância, ou seja, ao papel destacado que as 
crianças vêm assumindo na sociedade contemporânea. As meninas e os meninos são grandes 
“consumidores”, tanto quanto seus pais, mães e demais adultos. Então, se as crianças são con­ 
sumidores potenciais, as editoras e, por extensão, as livrarias, não podem perder estes clientes 
também. Todavia, o comércio destes livros tem uma peculiaridade: deve atrair não só às cri­ 
anças, mas também às pessoas adultas que são as compradoras, isto é, as que, verdadeiramen­ 
te, têm poder aquisitivo (VIDAL; NEULS. 2006a). 
Livros  infantis  podem  ser  encontrados,  entre  tantos  outros  lugares,  nas  livrarias,  su­ 
permercados, residências, bibliotecas e escolas, incluindo aí as salas de aula. No espaço esco­ 
lar,  histórias  são  lidas  pelas  crianças  ou  contadas  pelas/os  professoras/es  para  incentivar  o 
gosto pela  leitura, para desenvolver  a  imaginação, pelo  simples prazer que a  leitura  propor­ 
ciona,  mas  também  para  trabalhar  conceitos,  discutir  temas  polêmicos,  enfim,  para  ensinar 
modos de ser e viver (VIDAL; NEULS. 2006a). 
Mesmo  que  o  mercado  editorial  tenha  se  voltado  para  esse  público,  cabe  examinar 
como a literatura infantil e, especialmente, o gênero literário – contos de fadas –, seguem re­ 
comendações comuns na produção nacional dirigida às crianças. Tal discussão será ampliada 
nas duas próximas seções. 

3.2 Histórias que ensinam 

ntender  os  livros  literários  infantis  como  artefatos  que  ensinam  é  percebê­los 

E como artefatos culturais e, como tais, produzindo idéias e significados, transmi­ 
tindo valores e crenças, subjetivando assim o imaginário infantil. Desse modo, 
tais livros, juntamente com outros artefatos de nossa cultura, também estão pro­ 
47 

duzindo verdades sobre as relações culturais de gênero, de trabalho, de raça e etnia, bem co­ 
mo as relações familiares, as amorosas e as sentimentais, entre tantas outras que poderiam ser 
citadas. 
Sabemos que a literatura infantil é um produto bastante novo na história da cultura e 
que só se desenvolveu na época moderna, como já foi abordado anteriormente. Antes disso, já 
existiam os contos populares e as lições de moral, mas tais textos não eram considerados lite­ 
ratura para crianças, pois não tinham o fim específico de se dirigir a um leitor infantil. Entre­ 
tanto, a partir do surgimento da literatura infantil, o prazer que a criança conseguia extrair da 
leitura  tinha  que  ser  acompanhado,  inevitavelmente,  de  alguma  forma  de  aprendizado.  Isso 
acontecia porque a própria idéia de infância não podia, de modo algum, se separar da idéia de 
educação.  Idéia  bastante  forte  nos  dias  de  hoje,  com  a  produção  de  livros  para  “trabalhar” 
valores morais, por exemplo. 
Machado  (1999) pensa  que,  se  essa  tendência  educativa  das  histórias  infantis  agisse 
sozinha, provavelmente, ainda em nossos dias, os livros infantis seriam uma espécie de fábu­ 
las  disfarçadas  e  os  adultos  estariam  moldando  as  gerações  de  acordo  com  os  padrões  que 
julgassem mais convenientes. Contudo, a autora acredita que, apesar das forças e poderes es­ 
tabelecidos, a literatura infantil conseguiu trilhar diferentes caminhos e atribui este desvio ao 
amor à criança. “Cada vez mais, os contos populares e as histórias de fadas foram sendo con­ 
tadas às crianças como entretenimento e prazer 13 , deixando de lado qualquer moral mais ou 
menos  explícita...”  (MACHADO,  1999,  p.33).  Houve,  assim,  uma  romantização/suavização 
das histórias para serem contadas aos/às pequenos/as. Machado (1999, p.34) pondera que “o 
amor pelas  crianças  e  pelas  histórias  também  assumiu outras  formas  que  ajudaram  a desen­ 
volver os vínculos entre as crianças e os livros”. A escritora julga também que foi somente: 

[...] depois das campanhas pelos direitos civis, depois do feminismo, depois da luta 
dos negros contra o preconceito e a discriminação, depois da consciência antiimperi­ 
alista, depois do movimento verde e de tantas outras conquistas ideológicas recentes 
que se tornou evidente que, durante muito tempo, os livros infantis vinham moldan­ 
do os jovens para agirem segundo padrões de comportamento que, freqüentemente, 
eram  inadequados,  injustos,  imorais  e  agressivos  à  dignidade  humana.  (MACHA­ 
DO, 1999, p.35). 

Portanto, precisamos examinar o conteúdo de que tradicionalmente se revestem os tex­ 
tos literários destinados a leitores/as infantis, bem como o papel da ilustração nesse processo. 
Silveira (1998, p. 118), ao discutir a dicotomia estabelecida entre a  literatura infantil 
“tradicional”  –  nomeada  como  moralizante,  pedagogizante,  explicitamente  formadora,  e/ou 

13 
Cf. nota 6.
48 

informada –  e  a  “moderna”  –  reconhecida  como aberta, libertadora, descompromissada,  ob­ 


serva que: 

A concepção de que todos os discursos – mesmo os que se pretendem “libertadores” 
ou “sem censura” – trabalham com representações de indivíduos, de gênero, de etni­ 
a, de idade, de corpo, de sociedade, de ação, de ética, (a lista poderia ser intermina­ 
velmente alongada) de uma ou de outra maneira produzidas num amálgama simbóli­ 
co em que a própria autoria também é produzida, é freqüentemente engolida pela di­ 
cotomia maniqueísta de “maus” e “bons livros”. 

A autora refere como uma expressiva exceção a tal binarismo a obra de Perroti, 14  um 
estudioso  da  literatura  infanto­juvenil,  que  se  posiciona  em  relação  à  dicotonomia  discurso 
utilitário versus discurso estético, da seguinte forma: 

Ultrapassar  o utilitarismo não  significa deixar de  reconhecer que a  obra literária e­ 


duca, ensina, transmite valores, desanuvia tensões etc. Significa dizer que, se a obra 
realiza todas essas funções, ela o faz de um modo específico, que determina sua pró­ 
pria natureza. (PERROTI apud SILVEIRA, 1998, p. 118). 

Ou seja, quaisquer livros, incluindo os de literatura infantil forjam subjetividades. En­ 
fim, há dúvidas de que os contos de fadas ensinam modos de ser e viver? 

3.3 Dos contos populares aos contos de fadas contemporâneos 

egundo a definição do dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819), conto 

S é  definido  como  “narrativa  breve  e  concisa,  contendo  um  só  conflito,  uma 
única  ação  (com  espaço  ger.  limitado  a um ambiente),  unidade de  tempo,  e 
número  restrito  de  personagens”.  Os  dicionaristas  ainda  definem  contos  de 
fadas como “conto infantil que narra encantamentos e fatos maravilhosos com a intervenção 
de fadas (boas e más)” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819). 
Canton (1994, p.11) esclarece que “os contos de fadas são versões escritas – relativa­ 
mente recentes, ao contrário do que se costuma pensar – de contos folclóricos de magia deri­ 
vados  de  antigas  tradições  orais”.  Ela  diz  ainda  que  tal  gênero  literário  começou  a  ganhar 
forma  literária  na  Europa, principalmente  durante  o  final do  século  XVII, e  foi  tornando­se 
muito popular. Entre os primeiros escritores a escrevê­los, isto é, a moldar esse tipo de conto 
especificamente  para  crianças,  está  Charles  Perrault,  que,  em  1697,  publicou  Histoires  ou 
Contes du temps passé – Contes de ma mère l’Oye (Histórias da Mamãe Gansa). Já no século 
XIX, no contexto de um movimento nacionalista na Alemanha, os contos de fadas foram ele­ 

14 
Cf. PERROTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone: 1986. 
49 

vados à categoria de objeto de pesquisa acadêmica – num estudo realizado pelos irmãos Jacob 
e Wilhelm Grimm, os quais vieram a tornar­se famosos por isso. Os Kinder­und hausmärchen 
gesammelt  durch  die  Brüder  Grimm  (Contos  infantis  e  familiares  coletados  pelos  irmãos 
Grimm),  publicados  entre  1812  e  1857,  em  sete  edições  diferentes,  por  Jacob  e  Wilhelm 
Grimm,  buscavam  dar  um  novo  status  às  histórias  originárias  do  povo  alemão  (CANTON, 
1994, p.11). 
Canton (1994, p.12) alerta­nos, ainda: 

Embora os contos de fadas sejam, em sua maioria, baseados em antigo material fol­ 
clórico oral, não podem  ser encarados como relíquias da tradição. Não são atempo­ 
rais, universais  ou neutros  como  nos  fazem  crer. Através da adaptação de histórias 
orais  para  textos  literários,  esses  contos  foram  revisados,  reescritos  e  modificados 
segundo o espírito da época de seus autores. São trabalhos criados por autores espe­ 
cíficos, projetados em contextos sócio­históricos e culturais particulares. 15 

Canton  (1994)  lembra  que  Perrault  escreveu  seus  contos  de  fadas  na  perspectiva  da 
corte do rei Luís XIV, enquanto que os Grimm trouxeram novos valores da burguesia alemã 
às  suas  histórias.  A  autora  sugere  que  eles  devem  ser  analisados  como  documentos  sócio­ 
históricos e estéticos da mesma forma que vistos como resultado de criação pessoal. Na época 
da corte de Luís XIX, a maioria das pessoas vivia com dificuldades, trabalhava muito, plan­ 
tando  e  colhendo  nos  campos.  Essas  pessoas,  à  noite,  reuniam­se  em  rodas  e  contavam­se 
histórias.  O  rei  Luís  XIV  e  seus  seguidores  sofriam  de  insônia  e  pediam para  seus  servos  e 
empregados  que  lhe  contassem  histórias,  e  estes  contavam  àqueles  as  mesmas  histórias  que 
eles  tinham  inventado  em  volta  da  fogueira.  Dessa  forma, os  contos  de  fadas  começaram  a 
fazer  parte  dos  salões  franceses,  contados  para  os  senhores  e  as  madames  da  corte.  (CAN­ 
TON, 1997b). 
Já os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm viveram na Alemanha no início do século XIX. 
Órfãos de pai, ainda quando eram crianças, desde pequenos aprenderam a trabalhar no campo, 
a plantar e a  colher, a apreciar e respeitar o poder na  natureza. Por esse motivo, elegeram  a 
floresta como pano de fundo para seus contos de fadas (CANTON, 1997a). 
Por sua vez, Hans Christian Andersen, de infância pobre, ambicionava ser alguém im­ 
portante e lutou muito para atingir o sucesso que almejou. Nascido no interior da Dinamarca, 
com apadrinhamento mudou­se para a capital, Copenhague, e, recebendo ajuda de outras pes­ 
soas,  foi  se  tornando  um  escritor  famoso.  À  medida  que  se  destacava,  foi  conhecendo  reis, 
rainhas, príncipes e princesas. Muitas de suas histórias foram inspiradas em sua vida e no con­ 

15 
Informações sobre os escritores de contos de fadas, ver em Anexo 4.
50 

tato com a nobreza, o conhecimento/vivência da pobreza e contato com a riqueza (CANTON, 
1996) 16 . 
Ainda sobre este gênero literário, é importante ressaltar: 

Nem todos os contos têm fadas no  meio das histórias. Tirando a fada madrinha que 
ajuda Cinderela a ir ao baile e as fadas que vão ao nascimento da  pequena Bela A­ 
dormecida, de resto não tem muita fada nos contos de fadas. 
Essa tal personagem era apenas uma maneira de marcar um tipo de conto. Fadas fo­ 
ram criadas para diferenciar os contos da gente rica, que vivia perto do rei, dos con­ 
tos dos pobres, que moravam no campo. 
Personagens mágicas, com suas roupas de tule branco, chapéus pontiagudos e suas 
varinhas de condão, as fadas faziam um modelito na França do século XVII, do 
mesmo modo como o estilo punk na moda nos anos 80. (CANTON, 1997b, p.15) 

Ainda sobre este gênero literário – contos de fadas –, cabe observar que existem mui­ 
tas  definições,  em  diferentes  perspectivas  de  estudo:  a  freudiana, a  junguiana,  a  marxista,  a 
feminista  e  a  estruturalista.  Os  freudianos,  por  exemplo,  lidam  com  os  motivos  individuais 
dos  contos  relacionados  a  questões  de  maturidade  sexual  ou  social.  Os  junguianos,  por  sua 
vez, exploram o significado dos motivos nas diferentes culturas, em busca de representações 
arquetípicas. Os  marxistas  estudam os  usos  socializantes  dos textos, enquanto  as  feministas 
concentram­se nas questões de gênero associadas às narrativas. Já um famoso folclorista en­ 
tende que os contos populares e os de fada devem ser estudados, definidos e classificados de 
acordo com os tipos. Ou seja, os mesmos tipos e motivos básicos são encontrados em histó­ 
rias de diferentes países e em diferentes épocas, sendo incluídos na mesma categoria (animais 
aliados, floresta encantada, pai libidinoso, árvore mágica, etc.). O sistema de classificação de 
contos mais amplamente utilizado é o AT (Aarne­Thompson), que recebeu este nome por ter 
sido criado pelo pesquisador finlandês Antti Aarne e depois traduzido e ampliado pelo folclo­ 
rista americano Stith Thompson (CANTON, 1994). 
Ademais, outra abordagem relevante é a estruturalista, fundada na década de 1920 pe­ 
lo  pesquisador russo  Vladimir  Propp.  Em  sua destacada  obra,  Morfologia do  conto  maravi­ 
lhoso, Propp analisou os contos de fadas a partir de suas funções, isto é, a partir dos temas ou 
seqüências particulares de fatos que organizam a narrativa. A obra de Propp é tida como um 
modelo para a análise estrutural de contos (CANTON, 1994). 
Vladmir Propp (apud RODARI, 1982), etnólogo soviético, defende uma teoria segun­ 
do a qual o núcleo mais antigo das fábulas mágicas deriva de rituais de iniciação usados nas 
sociedades primitivas. Para o autor, aquilo que é narrado nas fábulas/contos tem seus parale­ 
los nestas sociedades. Ele conta que, atingida uma certa idade, os/as meninos/as eram separa­ 

16 
Para maiores informações sobre estes escritores de contos de fadas, ver Anexo 4.
51 

dos da família e levados ao bosque (como Pequeno Polegar, João e Maria, Branca de Neve) 
onde o chefe da tribo, assustadoramente vestido, com o rosto coberto por horríveis máscaras 
(que nos remetem logo aos mágicos e às bruxas), submetia­os/as a provas difíceis, senão mor­ 
tais, sendo que elas estão presentes no caminho de todos os heróis fabulares. Os meninos es­ 
cutavam a  narrativa dos mitos da tribo e recebiam armas em  consignação (os dons mágicos 
distribuídos  por  doadores  sobrenaturais  aos  heróis  em  perigo)  e,  finalmente,  retornavam  às 
suas casas, freqüentemente com um outro nome (também o herói das fábulas reaparece incóg­ 
nito) e, então, estavam maduros para o casamento (nove, entre dez fábulas, acabam com uma 
festa de núpcias). 
Na estrutura da fábula/conto se repete a estrutura do rito. Conforme esta observação, 
de Vladmir Propp, mas não só dele, se produziria uma teoria: a de que a fábula/o conto passou 
a existir como tal quando o rito antigo desapareceu, deixando de si apenas sua narrativa. Os 
narradores, no curso dos milênios, traíram a lembrança do rito e, cada vez mais, passaram a 
servir às exigências autônomas da fábula/do conto, que se transformou passando de boca em 
boca, que acumulou variantes, seguiu os povos (indo­europeus) e, nas suas migrações, absor­ 
veu os efeitos das mudanças históricas e sociais (RODARI, 1982). 
Analisando a estrutura da fábula popular/contos populares, Propp formulou três prin­ 
cípios (RODARI, 1982): os elementos constantes e estáveis da fábula são as funções dos per­ 
sonagens,  independentemente  do  executor  e  do  modo  de  execução;  o  número  das  funções 
presentes  nas  fábulas mágicas/contos é limitado e a sucessão das funções é sempre idêntica. 
Naturalmente, nem todas as fábulas/os contos apresentam todas as funções: na sucessão obri­ 
gatória ocorrem saltos, agregações e sínteses que, no entanto, não contradizem a linha geral. 
Neste resgate histórico, é interessante a análise de Kehl (2006, p.16): 

As modernas versões dos contos de fadas, que encantaram tanto nossos antepassados 
quanto as crianças de hoje, datam do século XIX. São tributárias da criação da famí­ 
lia nuclear e da invenção da infância tal como a conhecemos hoje. Isto implicou: 
1. a progressiva exclusão dos pequenos do mundo do trabalho, na medida em que  a 
Revolução Industrial criou espaços de produção separados do espaço familiar (o se­ 
gundo era característico das organizações do trabalho artesanal e campesino); 
2. os ideais iluministas e os novos códigos civis trazidos pelas revoluções burguesas 
passaram  a reconhecer  as  crianças  como sujeitos, com direito tanto  a  proteções le­ 
gais  específicas  quanto  ao  reconhecimento  de  uma  subjetividade  diferenciada  dos 
adultos. 

Foi assim que a infantilização das narrativas tradicionais, transformadas nos contos de 
fadas (ou “modernos contos de fadas”), está relacionada à  criação de um mundo próprio da 
criança e também de uma “psicologia infantil”...
52 

Não podemos deixar de reconhecer que o mundo globalizado acelerou um trabalho de 
transmissão de histórias que levou séculos de tradição oral no Ocidente. E nesse mundo do­ 
minado de imagens, repleto de tecnologias e outros atrativos, ainda assim, a literatura infantil 
mexe com o imaginário infantil e é fonte de interesse das crianças. 
A trajetória dos contos, sumariamente apresentada nesta Dissertação, permite reconhe­ 
cer tais histórias como um dos gêneros literários mais antigos, provenientes de narrativas da 
tradição  oral.  Suas  histórias  podem  ser  contadas  e  lidas  de  diferentes  formas  em  diferentes 
contextos. Por todos os lugares, há o consumo de histórias, histórias para se ouvir e histórias 
para se contar, e significados para se criar – dando sentido a nós mesmos e ao mundo que nos 
cerca. 
Reconheço nesta Dissertação os contos de fadas contemporâneos como artefatos cultu­ 
rais que produzem sentidos e representações, passando a fazer uma análise cultural dos mes­ 
mos e a nomeá­los como “novos contos de fadas”.  Faço isso sob um olhar de estranhamento, 
ao  colocá­los  em  suspeição,  procurando  analisar  seus  ensinamentos  sobre  os  modos  de  ser 
criança, de ser homem e de ser mulher. 
Canton (1994) acredita que os contos de fadas têm sido “mitificados” no decorrer dos 
anos. Ela esclarece que este conceito, o de mitificação, provém do autor francês Roland Bar­ 
thes. Em Mitologias, escrito entre 1954 e 1956, Barthes (apud CANTON, 1994) define o mito 
como uma representação coletiva que é socialmente determinada e, então, invertida, para que 
não apareça como artefato cultural. Sendo assim, a mitificação ocorre quando um certo objeto 
ou  evento  é  esvaziado  de  seus  aspectos  morais,  culturais,  sociais  e  estéticos,  sendo,  assim, 
apresentado como algo “neutro” ou natural”. Barthes chama de inversão mítica o congelamen­ 
to de um evento sócio­histórico que, desse modo, perde as suas implicações contextuais. Ilus­ 
trando tal conceito, Canton (1994, p.25), destaca que: 

O conto  de fadas  pertence à  categoria dos  mitos contemporâneos que  foram  mitifi­ 


cados  ideologicamente,  desistoricizados  e  despolitizados  para  representar  e  manter 
os interesses das classes dominantes.  Isso  pode se aplicar tanto à  corte francesa do 
século XVII, da época de Perrault, quanto ao seu uso contemporâneo na indústria do 
entretenimento. Ao longo dos anos, esses contos foram reescritos em coleções fami­ 
liares  publicadas  no  mundo  todo  e  transformados  “clássicos”  [e  renova­ 
dos/modernizados  nas  versões  mais  atuais]  de  Walt  Disney.  Assumiram  diferentes 
formas  na  publicidade  e  nos  comerciais  de  tevê.  Em  todas  essas  produções,  foram 
apresentados como textos anônimos, universais e atemporais. (acréscimos meus) 

Arrisco­me a dizer que, se Andersen pode ser considerado o pai dos contos de fadas 
modernos, Rodari (1982) pode ser considerado um dos precursores dos “novos contos de fa­ 
das”, pois já propunha em 1920, em seu livro Gramática da Fantasia , a invenção ou recriação
53 

de  novos  contos,  a partir da  estrutura dos  já  conhecidos.  Colomer  (2003)  também destaca  a 
importância de Rodari na produção de narrativas fantásticas de novo tipo, que tentavam evitar 
os  conteúdos  conformistas  atribuídos  aos  contos  de  fadas.  Além  disso,  Rodari  manteve­se 
ligado  ao  aspecto  educativo da literatura  infantil,  relacionando­o  ao  jogo,  à criatividade  e  à 
imaginação. A obra de Rodari inaugurou uma corrente que não parou de crescer na produção 
de  livros  infantis  nas  últimas  décadas.  Se tal autor  alterou os  contos populares a  serviço  de 
novas  propostas,  este  caminho  foi  seguido por  esta  nova  produção  literária,  surgida  a  partir 
dos anos 70, de reivindicação feminista e pacifista, de discussão das relações de gênero, entre 
outras. 
Coloco  em  suspeição  os  “novos  contos de  fadas”,  isto  é,  aqueles  contos  que  fazem 
uma releitura dos contos de fadas (clássicos ou modernos), uma vez que essas  histórias têm 
por característica incluir novos personagens no enredo, subverter estereótipos de personagens 
tradicionais (princesas ativas e decididas, príncipes sensíveis, por exemplo) ou apresentar um 
final  diferente  (que  não  termina  no  matrimônio, por  exemplo).  Faço  isso,  ao  considerar que 
tais  contos,  como  todos os  outros, posicionam  os  sujeitos,  produzem  subjetividades  a  partir 
das histórias que nos contam. As aspas marcam esse olhar de estranhamento, enquanto as aná­ 
lises que  empreendo  visibilizam  os  significados  e  representações  que  fazem  da  infância,  da 
masculinidade e da feminilidade na contemporaneidade, uma vez que estes contos começaram 
a ser escritos no final do século XX (os que chamo de “novos contos de fadas”), especialmen­ 
te, nas últimas décadas, adaptando enredos conhecidos às condições, situações e fatos da vida 
contemporânea. 
Uma das características marcantes dos “novos contos de fadas” é a presença do humor 
e da paródia 17 , próximo da sátira. Tais recursos são fortemente utilizados, talvez, para distan­ 
ciarem­se da didatização que dirigiu muitas décadas a criação da literatura infantil. O humor é 
considerado “inovador” em relação à “tradição”, traz consigo um jogo literário e mostra uma 
maior “permissividade” social. 
Serve como exemplo da produção renovada o conto Procurando firme, em que a voz 
da mulher, passa a ser ouvida por meio da voz de uma criança­menina. A obra contrapõe ho­ 
mem versus mulher, masculino versus feminino, heroína tradicional versus heroína moderna, 
por meio de um narrador do século XX. Ao examinar tais contos, pretendo fazer um olhar de 
estranhamento para as “novas” identidades que estão sendo constituídas pelo discurso “reno­ 

17 
Paródia é aqui entendida como a “imitação consciente e voluntária de um texto, de um personagem ou de um 
motivo  literário,  feita  de  forma  irônica  para  manifestar  o  distanciamento  do  modelo  original  e  seu  tratamento 
crítico” (BAJTIN, 1986, p.311 apud COLOMER, 2003, p.210).
54 

vador”. Silveira (1998) nos dá pistas de como fazer tal análise, a partir do estudo de publica­ 
ções brasileiras que instituem o “discurso renovador de leitura na escola”. 
No processo de alfabetização, que inicia na 1.ª série/1.º ano do Ensino Fundamental e 
se estende até a 4.ª série/5.º ano, as cartilhas e livros didáticos foram sendo substituídos, cada 
vez mais, pelos livros literários (TRINDADE, 2005). Para a autora, tais obras estão presentes 
no âmbito escolar nas séries iniciais, especialmente a partir da década de oitenta, quando pas­ 
samos a considerá­las importantes para a formação leitora e literária, isto é, encarnando uma 
preocupação com o letramento literário. Na Educação Infantil, por exemplo, a “hora do con­ 
to” está presente em grande parte das rotinas (VIDAL; NEULS, 2006a). Ou seja, desde a edu­ 
cação infantil, os/as alunos/as estão expostos/as ao “discurso renovador da leitura na escola” 
(SILVEIRA,  1998), por  meio  da  valorização  do  uso  da  literatura  infantil  em  lugar  do  livro 
didático e pela função que estes passam a cumprir e que cabia ao velho livro de leitura. Inte­ 
ressa, portanto, examinar as novas identidades que estão sendo representadas nos “novos con­ 
tos de fadas” por influência de discursos diversos. 

3.4 Narrativas: quem conta um conto, aumenta um ponto 

a perspectiva dos Estudos Culturais, a reflexão sobre as diferentes formas 

N de  narrativas  é  vista  como um  elemento­chave  na  análise do  discurso de 


uma sociedade. Sob um enfoque interdisciplinar, usando especialmente os 
conhecimentos da antropologia,  da  teoria  literária  e  da  filosofia,  em  uma 
perspectiva pós­moderna e pós­estruturalista, percebem­se os livros infantis como portadores 
de narrativas discursivas. Ao analisar tais livros, por exemplo, o trabalho reflexivo diz respei­ 
to à geração e circulação de significados, oportunizados pelas narrativas, nas sociedades pós­ 
industriais. 

As narrativas dirigidas às crianças podem ajudá­las a construir sua identidade, mas o 
significado de um texto depende da história de sua recepção e da maneira particular 
de mobilizar o significado por parte dos grupos concretos de leitores, e, em definiti­ 
vo,  da  relação  entre  os  significados  estabelecidos  pela  comunidade  interpretativa  e 
os significados de cada um. (COLOMER, 2003, p.123) 

O que é uma narrativa? Uma mera seqüência de acontecimentos não faz uma história. 
A teoria da narrativa diz que uma história para ser de fato uma história precisa ter “enredo”. 
Entretanto, Culler (1999, p.86) esclarece que há duas formas de pensar o enredo: 
55 

De um ângulo, o enredo é um modo de dar forma aos acontecimentos para transfor­ 
má­los numa história genuína: os escritores e leitores configuram os acontecimentos 
num enredo, em suas tentativas de buscar o sentido das coisas. De um outro ângulo, 
o enredo é o que é configurado pelas narrativas, já que apresentam a mesma “histó­ 
ria” de maneiras diferentes. 

Para Culler  (1999),  acontecimentos,  enredo (ou  história)  e  discurso  funcionam  como 


duas oposições: entre acontecimentos e enredo e entre  história e discurso.  Para este autor, a 
distinção  básica  da  teoria  da  narrativa  é  entre  enredo  e  apresentação,  história  e  discurso.  O 
autor destaca questões chave de análise das narrativas, como: “Quem fala?”, “Quem fala para 
quem?”, “Quem fala quando?”, “Quem fala que linguagem?”, “Quem fala com que autorida­ 
de?”, “Quem vê?” (destacando algumas dificuldades associadas a elas: 1. Temporal, 2. Dis­ 
tância e velocidade, 3. Limitações de conhecimento). Tais questões mostram­se relevantes ao 
ler as histórias. 
Sobre a função das histórias, Culler (1999) pondera que, em primeiro lugar, elas dão 
prazer e o prazer da narrativa se vincula ao desejo. Diz, ainda, que os teóricos perguntam­se 
sobre os vínculos entre desejo, histórias e conhecimento. 
As histórias também têm a função, como enfatizam os teóricos, de nos ensinar sobre o 
mundo, nos mostrando como ele  funciona,  nos possibilitando –  através dos estratagemas da 
focalização – ver as coisas de outros pontos de vista e entender as motivações dos outros que, 
em geral, são opacas para nós. É assim que argumenta Culler (1999, p.93), ao mesmo tempo 
em que se/nos questiona (p.94): 

[...] a narrativa é uma forma fundamental de conhecimento (dando conhecimento do 
mundo através de sua busca de sentido) ou é uma estrutura retórica que distorce tan­ 
to quanto revela? A narrativa é uma fonte de conhecimento ou de ilusão? O conhe­ 
cimento que ela parece apresentar é um conhecimento que é o efeito do desejo? 

Nesta Dissertação, segue­se o que Plummer (1993) sugere: que nos concentremos me­ 
nos na  análise das estruturas formais das histórias ou narrativas, para nos interessar mais  na 
inspeção do papel social das histórias, isto é, como são produzidas, como são lidas, a influên­ 
cia que têm no ordenamento social mais amplo, como mudam, e seu papel no processo políti­ 
co. O autor sugere, ainda, que se vá além do texto, ao ver as histórias sob dois ângulos críticos 
e vinculados: como interações simbólicas e como processos políticos. Por todos os lugares em 
que andamos, somos carregados de histórias para se contar e significados para se criar – dan­ 
do sentido a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. O autor (p.336) pensa que: 

As  histórias  são  contadas  e  lidas  de  diferentes  formas  em  diferentes  contextos.  O 
consumo de uma história concentra­se nos diferentes mundos sociais e nas comuni­ 
dades interpretativas que podem  ouvir as histórias de determinadas  maneiras e, por 
isso,  não  de  outras  e  podem  vir  a  produzir  suas  próprias  “lembranças”  partilhadas. 
[...] estas comunidades são mais do que simples unidades cognitivas ou simbólicas,
56 

mas  também  mundos  emocionais.  E  mais,  tais  comunidades  não  são  permanentes 
nem fixas. 

Plummer (1993, p.338) destaca ainda que: 

a produção  e consumo de histórias é um  processo social empírico que envolve uma 


corrente de ações conjuntas em contextos locais em si vinculadas a mundos sociais 
negociados mais amplos. Os textos estão ligados à vida, às ações, aos contextos e  à 
sociedade. 

Assim sendo, o contar não pode estar isolado do ouvir, ler e consumir. 
Nesse momento, é importante lembrar Larrosa (1996, p.471­472) que, ao discutir a e­ 
xistência de histórias exemplares, permite que as relacionemos aos contos de fadas clássicos: 

Cada  um  de nós  está imediatamente  na linguagem. E está imediatamente na  narra­ 


ção.  Temos  lido  e  ouvido  histórias  e  temos  aprendido  como  a  identidade  de  uma 
pessoa se constrói narrativamente. Cada um de nós já se encontra imerso em estrutu­ 
ras narrativas que lhe preexistem e que organizam de um modo particular a  experi­ 
ência, que impõem significado à experiência. Por isso, a história de nossas vidas de­ 
pende do conjunto de histórias que já temos ouvido e, em relação às quais, temos a­ 
prendido a construir a nossa. A narrativa não é o lugar de irrupção da subjetividade, 
mas a modalidade discursiva que estabelece a posição do sujeito e as regras de sua 
construção em uma trama. Nesse mesmo sentido, o desenvolvimento de nossa auto­ 
compreensão dependerá de nossa participação em redes de comunicação de onde se 
produzem, se interpretam e se mediam histórias. A construção do sentido da história 
de nossas  vidas e de nós  mesmos nessa história é, fundamentalmente, um processo 
interminável de ouvir e ler histórias, de mesclar histórias, de  contrapor umas histó­ 
rias a outras, de viver como seres que interpretam e se interpretam desde que já estão 
constituídos  nesse  gigantesco  ajuntamento  de  histórias  que  é  a  cultura.  [tradução 
minha] 

Dessa forma, os contos de fadas são feitos para alguém, visam e imaginam determina­ 
dos públicos, produzem e circulam conhecimentos onde jogos de poder estabelecem determi­ 
nados  saberes,  determinadas  verdades.  Atrelados às  relações  de  poder,  os  discursos  (e  suas 
representações) veiculados em tais contos regulam, de algum modo, a conduta dos indivíduos, 
colaborando na construção de identidades, definindo formas de atuar, de ser e estar considera­ 
dos aceitáveis em um determinado tempo e local. Constituem­se em uma pedagogia cultural e 
ensinam,  entre  outras  coisas,  modos  de  ser  e  viver  na  sociedade  contemporânea.  É  preciso 
atentar para o fato do quanto estas outras pedagogias estão marcando as subjetividades, muito 
mais que a pedagogia escolar.
57 

3.5. Narrativas e ilustrações: o que textos e imagens nos contam 

ão podemos deixar de lembrar que a ilustração é tão importante quanto o 

N texto escrito. Bons livros infantis ilustrados articulam texto e imagem, de 
modo  que  ambos  concorrem  para  a boa  compreensão  da  narrativa.  Faria 
(2005, p.39)  considera que: “A  articulação  equilibrada  entre  texto  e  ima­ 
gem, portanto, provém do uso ideal das funções de cada linguagem: a escrita e a  visual”. A 
lógica do texto leva a uma forma diferente de leitura em relação à lógica iconográfica de leitu­ 
ra das imagens. Para a autora (FARIA, 2005, p.40): 

Na leitura da escrita, o olho percorre a linha impressa da esquerda para a direita e de 
cima para baixo, linha a linha, e a leitura se efetua pela trajetória do olhar. Mas, nu­ 
ma imagem, a trajetória do olhar não é linear: o olhar percorre a ilustração em diver­ 
sas direções, orientadas pelas características da imagem. Nessa leitura, componentes 
da  imagem  são  hierarquizados  segundo  a  intenção  do  ilustrador  e  o  olho  é  guiado 
por essa hierarquia. É comum, em livros para crianças, o ilustrador dirigir claramen­ 
te o olhar do leitor, levando­o a percorrer a imagem num sentido dado. 

Na literatura infantil, a relação entre a imagem e o texto pode ser de repetição ou de 
complementaridade, de acordo com os princípios do livro, seguindo orientação da editora e a 
concepção  do  artista  sobre  a  ilustração  (FARIA,  2005).  Nesse  sentido,  texto  e  imagem  são 
textos paralelos, ambos ensinam... há uma dupla narração : o que nos conta o texto e o que 
nos conta a ilustração. 
Faria (2005, p.42) destaca que: 

A imagem precisa concentrar elementos de hipersignificação da narrativa: 
a) os elementos estáticos, ligados à descrição, por meio de sugestões espaciais, como 
o  ambiente  em  que  se  passa  a  ação,  as  personagens  e  suas  características  como  a 
roupa que vestem, o lugar em que vivem, seus objetos pessoais etc. 
b)  os  elementos  dinâmicos,  ligados  ao  encadeamento  da  narrativa,  como  exprimir 
com clareza a ação, os gestos e as expressões motivadoras das personagens, além de 
marcar o ritmo da ação e a progressão da narrativa. 

Em todos os casos, é necessário que o ilustrador saiba dosar os elementos descritivos 
para que não sobrecarregue as imagens. Nos livros infantis, as imagens são enquadradas, isto 
é, delimitadas por linhas, molduras, bordas ou fundo colorido. “O enquadramento se completa 
pelos planos em que a imagem é apresentada” (FARIA, 2005, p. 43). Os principais tipos de 
planos são: a) plano geral: mostra pessoa/s e/ou objeto/s junto ao cenário, paisagem ou local 
da ação; b) plano médio: geralmente frontal, destaca a pessoa/s de corpo inteiro ou o objeto/s 
por inteiro; c) plano americano: as pessoas são desenhadas a meio­corpo; d) close: destaca­se 
uma parte do assunto (FARIA, 2005). 
58 

Ao olhar para os livros literários infantis, para os “novos contos de fadas” da contem­ 
poraneidade  e  para  suas  histórias  sobre  infâncias  e  sobre  relações  de  gênero  e  sexualidade, 
temos de estar atentos para o que nos ensinam as histórias e as ilustrações.
59 

4 A “invenção” da infância e as múltiplas infâncias


da contemporaneidade 

4.1 Histórias de infâncias  18 

egundo Ariès (1981), em seu livro História social da criança e da família , na 

S sociedade  medieval européia, o  sentimento de infância  não  existia,  uma vez 


que tal sentimento, entendido como a consciência da particularidade infantil, 
particularidade  essa  que  distingue  a  criança  do  adulto,  não  existia.  Por  ser 
uma época de altos índices de mortalidade infantil, assim que a criança tivesse condições de 
viver sem os cuidados constantes de sua mãe ou de sua ama, esta logo ingressava na socieda­ 
de dos adultos e não se distinguia mais destes. Com efeito, essa indeterminação da idade se 
estendia a toda a atividade social: aos jogos e brincadeiras, às profissões, às armas. 
Em síntese, a criança muito pequenina “não contava”, pois tinha  grandes chances de 
morrer. Assim, tão logo a criança superasse esse período de mortalidade, em que sua sobrevi­ 
vência era improvável, misturava­se aos adultos e confundia­se com eles. Aprendia­se a viver 
vivendo. A socialização da criança  não era feita  estritamente  na  família, nem os saberes e a 
transmissão de valores, isso ocorria, então, pela co­existência mais geral com os adultos. 
Como as crianças misturavam­se aos adultos, e vestiam­se como eles também, parecia 
“normal”,  portanto, que  no início  do  século  XVII,  não  existisse  uma  separação  tão rigorosa 
como hoje entre as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e os jogos 
destinados aos adultos. Os mesmos jogos e brincadeiras eram comuns a ambos. Nesta mesma 
época, também não existia uma separação entre jogos, brinquedos e brincadeiras para meni­ 
nos e meninas. A boneca, por exemplo, não se destinava apenas às meninas, uma vez que os 
meninos podiam brincar com elas. Dentro dos limiares da primeira infância, a discriminação 
moderna ainda era menos nítida: meninos e meninas usavam o mesmo traje, tinham os mes­ 
mos brinquedos, em um contexto específico: a sociedade medieval européia. Segundo Ariès 
(1981), no século XVII, o brincar era diferenciado durante a primeira  infância, período esse 

18 
Versão modificada da seção “História da infância e suas relações com o brincar e a escola”, publicada no arti­ 
go Uma sala de aula em que se pode brincar  (VIDAL, 2001). 
60 

que abrange até os três ou quatro anos de idade. Após esse período, a criança jogava os mes­ 
mos jogos e participava das mesmas brincadeiras, quer entre crianças, quer misturada aos a­ 
dultos. 
Ariès  (1981) denominou  “paparicação”  o primeiro  sentimento  de infância,  em  que  a 
criança, por sua ingenuidade, gentileza e  graça, se tornava uma fonte de distração e de rela­ 
xamento para o adulto. Por outro lado, para algumas pessoas, surgiu um sentimento de irrita­ 
ção para com esta “paparicação” em relação às crianças. 
Foi entre os moralistas 19  e os educadores do século XVII que se constituiu um outro 
sentimento de infância que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como 
no campo, tanto na burguesia, quanto no povo. Neste contexto, o apego à infância e à sua par­ 
ticularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira (como na fase de “pa­ 
paricação”), mas através do interesse psicológico e da preocupação moral. Então, era preciso 
antes conhecer a criança para melhor poder corrigi­la. Ariès (1981) notou que os textos pro­ 
duzidos entre o fim do século XVI e o século XVII estão cheios de observações sobre a psico­ 
logia infantil. Tentava­se penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar a seu nível 
e desenvolvimento os métodos da educação. 
Cabe observar que, enquanto o sentimento de “paparicação” surgiu  no meio familiar 
com a companhia das criancinhas pequenas, o segundo sentimento, ao contrário, proveio de 
uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e, 
em maior número, dos moralistas, no século XVII, preocupados com a disciplina e a raciona­ 
lidade dos costumes. Eles viam as crianças como frágeis criaturas de Deus, as quais era ne­ 
cessário preservar e disciplinar. Esse sentimento se estendeu para a vida familiar. 
Conforme Ariès (1981), ao longo dos séculos XVII e XVIII, estabeleceu­se um com­ 
promisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmente diferen­ 
te da atitude “antiga”. Este compromisso está relacionado a este novo sentimento da infância: 
uma  preocupação,  antes  desconhecida,  de  preservar  sua  moralidade  e  também  de  educá­la, 
proibindo­lhe  os  jogos  classificados,  então,  como  maus,  e  recomendando­lhes  jogos  então 
reconhecidos como bons. 
Essa atitude de reprovação absoluta modificou­se contudo ao longo do século XVII, e 
principalmente sob a influência dos jesuítas. Os humanistas do Renascimento já haviam per­ 
cebido as possibilidades educativas dos jogos. Mas foram os colégios jesuítas que impuseram 

19 
Ariès  (1981)  chama  de  moralistas  os  reformadores  católicos  ou  protestantes  ligados  à  Igreja,  às  leis  ou  ao 
Estado.
61 

pouco a pouco uma opinião menos radical com relação aos jogos. Nestes colégios, os jogos 
“disciplinados”  e  considerados  como  meios  de  educação  tão  estimáveis  quanto  os  estudos 
foram incluídos no currículo escolar. 
De acordo com Ariès (1981), ao final do século XVII, ocorreu uma mudança conside­ 
rável. A escola substituiu a educação pela vida, pelo contato direto, isto é, a criança deixou de 
se misturar com os adultos e de aprender a vida pelo contato com eles. A criança passa a ficar 
de “quarentena” na escola, até ser lançada na vida. Esse passa a ser o papel da escola, do co­ 
légio:  enclausurar  crianças  e  jovens,  função  essa  que  sobrevive  até  hoje  (ARIÈS  apud  RO­ 
SAMILHA, 1979). A família também passa a apoiar tal mudança e se torna um lugar de afei­ 
ção e de preocupação com a educação dos filhos. 
Sendo assim, em síntese, as pesquisas inauguradas por Ariès (1981) demonstraram que 
a infância é um produto histórico moderno e não um dado geral e a­histórico que impregna 
toda a  história  da  humanidade.  Para  este  autor,  na modernidade,  a criança  passa  a  ser  vista 
como um ser inacabado e que precisa de “investimentos”. 
No entanto, não se pode ignorar o quanto Ariès tem sofrido críticas nas suas afirma­ 
ções, apesar de continuar sendo uma grande referência  nos estudos sobre a infância. Outros 
pesquisadores  mostram  em  seus  estudos  que  já  havia  um  sentimento  de  infância  anterior  à 
época  apontada  por  Ariès.  Além  disso,  questiona­se  esta  interpretação  que  supõe  um  senti­ 
mento unidirecional para o desenvolvimento do sentimento de infância, das classes mais altas, 
da nobreza ou da burguesia, para as classes populares. Sabe­se que as infâncias burguesas e 
aristocráticas são muito mais conhecidas do que outras, pois eram mostradas ou se tem refe­ 
rência através dos tratados de medicina e de educação, da correspondência privada, dos retra­ 
tos de família, deixando inúmeros traços indicadores das atitudes, dos cuidados, da educação 
e dos sentimentos. 
Por  outro  lado,  Postman  (1999)  aponta  para  o  “desaparecimento  da  infância”,  pois, 
desde as últimas décadas do século XX, não vem ocorrendo separação entre o que é próprio 
da criança e o que é próprio do adulto. Segundo ele, a imprensa e o acesso aos livros marca­ 
ram a diferenciação entre os mundos adulto e infantil. Por outro lado, o autor credita à mídia 
televisiva  a  responsabilidade pelo  fim  da  infância,  visto que  o  acesso  ilimitado  às  informa­ 
ções, e ao consumo, corroeu a linha divisória entre ser criança  e ser adulto. “Uma época na 
qual  crianças  podem trabalhar  como  adultos,  consumir  como  adultos, partilhar  das  informa­ 
ções como adultos, não reconhece o mundo infantil como diferente ou especial.  Um mundo 
onde adultos e crianças compartilham da mesma realidade física e virtual é um mundo de i­
62 

guais” 20 . O referido autor reconhece o  surgimento e crescente desenvolvimento de “adultos­ 
crianças”, isto é, seres cujas características abrangem o que era considerado da natureza infan­ 
til e adulta. 
Autores da contemporaneidade, como Steinberg e Kincheloe (2001), defendem que es­ 
tá ocorrendo uma nova era na infância. Segundo eles, esta mudança de rumo histórica, rela­ 
cionada à explosão de informações, tão característica da era contemporânea, foi a protagonista 
em minar as  noções tradicionais da infância. Tais autores argumentam que (p.11): “Aqueles 
que adaptaram, coordenaram e usaram a tecnologia de informação no final do século XX as­ 
sumiram uma posição exagerada quanto à reformulação deste processo. A infância é um arte­ 
fato social e histórico, e não uma simples entidade biológica”. Pensam que a idéia de infância 
como  uma  fase  natural  do  crescimento,  do  tornar­se  adulto,  é  equivocada,  uma  vez  que  o 
conceito fundamental envolve o formato desta fase humana (isto é, a forma como ela é vivi­ 
da), a qual é moldada por forças sociais, culturais, políticas e econômicas que atuam sobre ela. 
Sendo assim, o conceito/ a idéia de infância é uma criação da sociedade sujeita a mudar sem­ 
pre que surgem transformações sociais mais amplas, como as que temos vivido desde o final 
do século XX, com a explosão midiática e tecnológica. 

O apogeu da infância tradicional durou  aproximadamente de 1850 a 1950. Durante 
este  período,  protegidas  dos  perigos  do  mundo  adulto,  as  crianças  foram  retiradas 
das fábricas  e colocadas em escolas. À medida que o protótipo da família moderna 
se  desenvolveu no final  do século XIX, o comportamento  apropriado dos  pais  para 
com  os  filhos  se  consolidou  em  torno  de  noções  de  carinho  e  responsabilidade  do 
adulto para com o bem­estar das crianças. Por volta de 1900, muitos acreditavam ser 
a infância uma herança do nascimento – uma perspectiva que resultava numa defini­ 
ção biológica, e não cultural da infância (STEINBERG; KINCHELOE, 2001, p. 12). 

Steinberg e Kincheloe (2001) destacam ainda que é neste período que surgem especia­ 
listas, como os psicólogos infantis, que acreditariam que o desenvolvimento da criança seria 
moldado por forças biológicas. Piaget foi um dos mais destacados pesquisadores desse perío­ 
do, cuja abordagem científica, não histórica e socialmente fora do contexto da conduta infantil 
foi generalizada para todas as culturas e eras históricas – como uma verdade científica univer­ 
sal da genética e psicologia infantil. “Considerando os estágios de desenvolvimento biológico 
da criança como fixos e imutáveis, professores, psicólogos, pais, assistentes sociais e a comu­ 
nidade em geral viam e julgavam a criança através de uma classificação de desenvolvimento 
fictícia” (p.12) 
Steinberg e Kincheloe (2001) defendem que estamos vivendo um período histórico de 
grande revolução social e que é necessário examinar a produção de uma mudança nas condi­ 

20 
Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000).
63 

ções social e cultural em relação à concepção de infância. O desenvolvimento da educação e 
da  criança  contemporânea  pode  estar  influenciado  de  forma  significativa  por  categorias  da 
cultura infantil próprias da cultura pós­moderna – daí a importância de enxergá­las, compre­ 
endê­las. Todavia, como mostra­nos Polakow: 

as instituições sociais têm se mostrado lentas para reconhecer configurações familia­ 
res diferentes e suas específicas dificuldades. Sem apoio, a família ‘pós­moderna’ do 
fim  dos  anos  90,  com  seu  exército  de  mães  solteiras  ou  que  trabalham  fora,  vê­se 
cercada por problemas oriundos da feminilização da pobreza e da posição vulnerável 
da  mulher  tanto  no  espaço  público  quanto  no  privado  (1992  apud  STEINBERG; 
KINCHELOE, 2001, P.13). 

Narodowski (2001) alerta que convivemos hoje com infâncias diversas, polarizadas na 
infância des­realizada  e na infância hiper­realizada . A primeira  vive a realidade das ruas, é 
independente, trabalha desde muito cedo, enquanto a segunda é a da realidade virtual, domina 
o aparato tecnológico existente de modo mais eficaz do que muitos adultos. Para o autor Na­ 
radowski (2001, p. 175): “Entre a infância hiper­realizada e a infância des­realizada, encontra­ 
se a maioria das crianças que conhecemos”. 
Santos (2004, p.32), por sua vez, acredita que na contemporaneidade: 

a infância não esteja desaparecendo, mas sim esteja em processo de reconfiguração, 
ou  seja,  estão  em  andamento  novas  formas  de  constituição  de  ser  criança.  Muitos 
são os processos que atualmente constituem essa nova infância: as novas configura­ 
ções  familiares,  as  pedagogias  culturais,  as  novas  tecnologias  da  informação,  etc. 
Assim,  se  ser  criança  se  aprende  na  escola  e  na  família,  através  da  pedagogia  mo­ 
derna, na pós­modernidade o aprender a ser criança foi ampliado para além das insti­ 
tuições  como  família e escola, embora essa ainda  se  constitua como  um  espaço  de 
investimento num futuro melhor. 

É com esta perspectiva de infância que trabalho nesta pesquisa. A infância entendida 
como constituída por uma história que não é natural, que não pode ser percebida como uma 
evolução de práticas e sentimentos humanos para com os as crianças. “A infância é uma cons­ 
trução histórica, social e cultural e, portanto, um processo de constituição permanente, o que 
admite  transformações,  retrocessos,  rupturas  e  descontinuidades”  (SANTOS,  2004,  p.21). 
Essa compreensão nos permite falar em múltiplas infâncias.
64 

4.2 Infâncias, Escola e Pós­Modernidade 

modernidade fez da escola o locus privilegiado para a consecução dos ideais 

A iluministas. Como explica Silva (1995, p.245), 

[...] a educação escolarizada e pública sintetiza, de certa forma, as idéias e os ideais 
da  Modernidade  e  do  Iluminismo.  Ela  corporifica  as  idéias  de  progresso  constante 
através da razão e da ciência, de crença nas potencialidades de desenvolvimento de 
um sujeito autônomo e livre, de universalismo, de emancipação e libertação política 
e social, de autonomia e liberdade, de ampliação do espaço público através da cida­ 
dania, de nivelamento de privilégios hereditários, de mobilidade social. A escola es­ 
tá no centro dos ideais de justiça, igualdade e distributividade do projeto moderno de 
sociedade e política. Ela não apenas resume esses princípios, propósitos e impulsos; 
ela é a instituição encarregada de transmiti­los, de torná­los generalizados, de fazer 
com que se tornem parte do senso comum e da sensibilidade popular. 

Por outro lado, com o advento da pós­modernidade, o sujeito da modernidade – críti­ 
co,  politizado,  consciente,  agente  de  mudanças,  transformador  –  sofre  um  descentramento, 
deixa de ser centro dos processos sociais. “Ao invés de derivar as práticas sociais, econômi­ 
cas, culturais e políticas, etc. a partir do sujeito, a questão passa a ser derivar o sujeito a partir 
dessas práticas” (VEIGA­NETO, 2000, p. 51). O sujeito passa a ser visto como um constructo 
social e cultural, uma vez que: “O pensamento pós­moderno vê a Pedagogia como um conjun­ 
to de práticas discursivas que se encarrega, antes de mais nada, de instituir o próprio sujeito 
de que fala.” (idem). 
Assim, quando pensamos em educação, pensamos na escola como o lugar que a mo­ 
dernidade consagrou como sendo por excelência o local onde se ensina. Contudo, como Kin­ 
del (2003, p. 10) observa,

cada vez mais, na contemporaneidade,  outros espaços vêm se constituindo como e­ 
ducativos; ou seja, outros espaços têm sido configurados como estando exercendo a 
função de ensinar  alguma coisa  sobre algo  ou alguém, embora essas instâncias não 
se pareçam nem um pouco com a escola. 

Steinberg  e  Kincheloe  (2001) abordam  a questão da produção  corporativa  da  cultura 


infantil popular e seu impacto nas crianças. Isto está relacionado de forma ampla à “expressão 
pedagogia cultural, que enquadra a educação numa variedade de áreas sociais, incluindo, mas 
não se limitando à escolar” (p.14). Assim, as áreas pedagógicas são os lugares onde o poder é 
organizado e difundido, incluindo­se: bibliotecas, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, pro­ 
pagandas, videogames, livros, esportes, programas de rádio, programas de TV, etc. 
65 

Narodowski (2001) observa que, nesse período, a infância passa a ser de grande inte­ 
resse  da  psicologia e  da  pedagogia,  passando  a  representar  o ponto de  partida  e  o ponto de 
chegada da pedagogia; a criança torna­se a base para a construção pedagógica do aluno, cons­ 
truída discursivamente. Contudo, o conceito de infância criado na modernidade – visto como 
“a  época  especial  da  vida  dos  seres  humanos,  fase  em  que  a  vida  será  perfeita,  protegida  e 
tranqüila, antes de ser tomada pelas exigências do trabalho”, ou seja, “época ideal de nossas 
vidas, em que ser criança é não ter qualquer outro compromisso que vá além do gozo puro e 
simples de sua inocência”– 21  está em crise. Assim como o conceito de infância está em crise, 
também está em crise o conceito de escola. Há um descompasso marcante entre o que se espe­ 
ra da escola e o que lá se encontra. 

Dessa forma, muitos outros espaços têm se mostrado como importantes instâncias de 
produção  e  circulação  de  conhecimentos.  E  estar  atento/a  para  estes  múltiplos  locais  onde 
também se ensina é uma das peculiaridades para a qual os Estudos Culturais nos convidam a 
olhar e refletir. 
Do  mesmo  modo, devemos  estar  atentos  para  as  múltiplas  infâncias  da  contempora­ 
neidade. Vivemos num mundo virtual e midiático. O computador, a Internet e a televisão mu­ 
daram as vidas das pessoas e também das crianças que fazem parte do foco de nossa discussão 
neste  trabalho.  No  final  de  2007,  foi  inaugurada a  TV  digital  no  Brasil.  Em menos  de  uma 
década, ela chegará em todos os Estados brasileiros. Televisão, literatura... tudo ensina nossas 
crianças, portanto devemos estar atentos pra verificar o que estão ensinando. Devemos, tam­ 
bém, ter conhecimento das variadas realidades infantis que encontramos no país. 
Sobre este repensar pedagógico relacionado à hiper­realidade a qual estamos vivendo, 
Steinberg e Kincheloe (2001, p.49) defendem: 

A hiper­realidade, semelhante a um princípio  pedagógico,  pretende que educadores 


sejam obrigados a estudar a cultura infantil, seus efeitos em seus consumidores e seu 
relacionamento com o desejo. Se estivermos interessados em conhecer nossas crian­ 
ças,  semelhante  pedagogia  nos  fornece  uma  linha  direta  com  as  suas  consciências, 
tão boa quanto suas percepções próprias e do mundo. O que acontece quando crian­ 
ças educadas pela cultura infantil vêem­se diante do conhecimento certificado na es­ 
cola? A resposta a semelhante pergunta guia­nos para novas formas de aprendizado, 
novos insights sobre a construção da infância  contemporânea, em torno da qual po­ 
demos reestruturar as escolas e repensar o papel dos pais na hiper­realidade. 

Sampaio (2000) 22 , com base na experiência brasileira, analisou a mídia televisiva e sua 
acessibilidade a públicos diferenciados, focalizando a questão de como a mídia televisiva tem 

21 
Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000). 
22 
Apesar do foco deste trabalho não ser a mídia televisiva e nem discutir a adolescência brasileira, a pesquisa de 
Sampaio traz uma importante contribuição para a discussão das infâncias brasileiras.
66 

possibilitado o ingresso da criança e do adolescente  numa esfera pública comum ao público 
adulto. Crianças e adolescentes são considerados tanto na sua condição de público, quanto de 
interlocutores deste dispositivo pedagógico que é a televisão, nesse caso ainda mais específi­ 
co, as propagandas televisivas. O ponto de partida de sua pesquisa foi a constatação de que a 
criança e o adolescente ocupam um lugar de destaque na mídia televisiva. A autora justifica 
que,  em  meados da década de 80,  verificou­se  a  explosão  de programas  infantis  e  o  cresci­ 
mento de sua importância na mídia. Segundo ela afirma, a criança e o adolescente deixam de 
ser uma questão de interesse particular de pais e educadores, tornando­se alvo do interesse da 
propaganda, da publicidade, do  marketing.  Nas  últimas  décadas,  temos  assistido  a  inúmeras 
matérias focalizando a relação das crianças com o consumo. A literatura infantil foi mais uma 
dessas ofertas às crianças. Os “novos contos de fadas” também foram se multiplicando  com 
oferta  de  novos  títulos  nesses  últimos  tempos.  Alguns  desses  contos  passam  a  aparecer  em 
desenhos  e  filmes,  enquanto  seus  personagens  passam  a  ser  reproduzidos  em  vários  apetre­ 
chos. 
Nesse  ínterim,  ocorre  a  valorização  da  criança  enquanto  consumidor  e,  ao  mesmo 
tempo, a “preocupação” com a relação da criança com a mídia, isto é, com a educação da cri­ 
ança através da mídia. A publicidade televisiva descobriu o enorme potencial de consumo da 
criança e do adolescente. Reconheceu­se a participação destacada da criança  no mercado de 
consumo brasileiro, sendo que a maior notoriedade ainda é para o público consumidor infantil 
(SAMPAIO, 2000). 
Sampaio (2000) pondera que: “Na verdade, o que pretendemos afirmar é que a experi­ 
ência da infância e da adolescência hoje não pode ser pensada sem essa sua relação com um 
ambiente midiático” (p.155). Ela observa ainda que: “No Brasil, o consumo de mídia por par­ 
te da criança e do adolescente apresenta, sem dúvida, maiores variações relacionadas sobretu­ 
do à renda familiar e, em certa medida, à localização de tais famílias nas zonas rurais ou urba­ 
nas” (p.155). 
Em  sua  pesquisa  sobre  televisão,  publicidade  e  infância,  Sampaio  (2000)  pensa  ser 
impossível se ter como referência um cotidiano infantil e adolescente contemporâneo no Bra­ 
sil pensado genericamente. Sugere, então, que existem cotidianos marcadamente diversos de 
crianças e adolescentes. Entre os fatores que produzem essa diversidade de cotidianos infantis 
e de adolescentes estão: a renda familiar, a inserção no sistema educacional e o amparo fami­ 
liar ou institucional, assim  como a inserção dos pais  no mercado de trabalho, o contexto de 
moradia rural ou urbano e a questão étnica e de gênero.
67 

Considerando esses fatores, a autora identificou seis modalidades diversas de vivência 
da infância e da adolescência no Brasil, às quais estão associados cotidianos também diferen­ 
ciados. São elas 23 : 1) infância pública; 2) infância protegida; 3) infância parcialmente protegi­ 
da; 4) infância  institucionalmente protegida; 5) infância desprotegida; 6) infância marginali­ 
zada (SAMPAIO, 2000, p. 162). Analisando peças publicitárias televisivas, a autora identifi­ 
cou ainda as  seguintes representações de criança  na publicidade brasileira: a criança  feliz,  a 
criança sapeca, a criança fantasiosa, a criança precoce e a criança ingênua. Enfim, são múlti­ 
plos os olhares que também podemos lançar sobre as representações de crianças e de infâncias 
ao  examinarmos  um outro  artefato  cultural:  os  livros  de  literatura  infantil  destinados  a  esse 
público, por meio de um de seus gêneros literários, o dos “novos contos de fadas”. 

A seguir, uma síntese de como a referida autora descreve cada modalidade de infância: 

1) infância pública: aquela vivenciada pela criança que inicia uma vida pública precocemente, 
assumindo  relações  de  trabalho  no  âmbito  da  mídia  (como  apresentadores,  cantores,  atores, 
garotos­propagandas, etc.). A maioria dessas crianças tem o amparo dos pais, e seu ingresso 
no mundo midiático e das relações de trabalho não está associado a dificuldades financeiras 
da  família –  regra  geral.  Em função  dos  compromissos  profissionais  assumidos,  as  crianças 
têm as condições de sua inserção escolar redefinidas. Esta é uma infância glamourosa, de a­ 
plausos,  prestígio,  fama  e  dinheiro,  mas  também  de  muita  competição,  disputa,  trabalho, 
compromissos desgaste físico e emocional. Vivenciam, assim, precocemente, relações de in­ 
tensa concorrência e têm alterado, significativamente, seu ritmo de vida. Além da exposição 
pública  constante,  do  assédio  dos  fãs,  assumem  outros  compromissos  (entrevistas,  desfiles, 
shows, etc.).  Em  razão do  acúmulo  de obrigações,  têm  o  consumo  midiático  menor.  Mas  a 
mídia não deixa de participar decisivamente da organização dos seus cotidianos. São os mo­ 
delos de um sucesso precoce a ser perseguido. 

2) infância protegida: caso em que a criança é amparada no seu desenvolvimento físico, inte­ 
lectual e afetivo por seus pais e/ou adultos responsáveis. Eles são sustentados pelos pais e sua 
única responsabilidade é dedicarem­se aos estudos. Eles possuem uma condição privilegiada. 
São os mais conhecidos, compõem o perfil básico – falando­se de criança genericamente no 
Brasil.  É  com referência  nas  pesquisas  de  consumo  e  comportamento deste  segmento  que  a 
mídia  oferece  seus  produtos.  Neste  caso,  vive­se  um  cotidiano  infantil.  A  criança  vivencia 

23 
Apesar de Sampaio (2000) referir­se às infâncias e adolescências em sua pesquisa, nesta Dissertação, interes­ 
sa­me seus estudos sobre infância. Então, ao examinar as categorias da autora para tipos de infância e adolescên­ 
cia, vou me deter em descrever, apenas considerando os tipos de infância apresentados pela autora.
68 

essas fases de suas vidas como um período de desenvolvimento e formação para a vida adulta, 
participando de atividades adequadas a sua faixa etária. No dia­a­dia, vai à escola, diverte­se 
com amigos, tem momentos de lazer, faz cursos complementares. É ela que, geralmente, ga­ 
nha mesada, tem o quarto bem equipado e dispõe de tempo, condições e recursos para manter 
um  consumo  midiático  diversificado  (TV,  revistas,  jornais,  cinema,  etc.)  e  um  consumo  de 
TV elevado. Um aspecto característico mais abrangente é o fato de ainda estarem sob o con­ 
trole dos pais, familiares e educadores. 

3)  infância  parcialmente  protegida:  é  aquela que conta com o  amparo dos pais  e/ou  adultos 


responsáveis,  mas  é parcialmente  sustentada  por  eles,  necessitando, portanto,  trabalhar  para 
ajudar  a  família  no  seu  sustento.  Neste  caso,  além  dos  estudos,  essas  crianças  já  assumem 
responsabilidades de trabalho – regra geral. Sendo assim, assumem, precocemente, responsa­ 
bilidades  próprias  do  adulto,  afastando­se,  progressivamente,  das  atividades  lúdicas  e  des­ 
compromissadas da infância. O cotidiano dessas  crianças articula experiências marcantes de 
separação e envolvimento com a vida adulta. É um período organizado em torno do cumpri­ 
mento das atividades da escola e do trabalho, no qual há muito pouco, ou quase nada, de tem­ 
po livre para o lazer. Em decorrência dos compromissos assumidos e dos custos para a aquisi­ 
ção das mídias, o seu consumo é diminuído, bem como a exposição à TV também é menos 
intensa. 

4) infância institucionalmente protegida: caso da criança que é amparada, parcial ou inteira­ 
mente,  por  instituições  sociais.  Vive  sob  os  cuidados  do  Estado,  em  instituições  religiosas, 
associações  da  sociedade  civil,  etc.  Costumeiramente,  tem  assegurado  o  direito  à  escola  e, 
embora possa exercer algum tipo de atividade trabalhista, esta assume a conotação de apren­ 
dizado, ou seja, de estimular a profissionalização. Crianças órfãs, abandonadas pelos pais ou 
assistidas à distância por eles experimentam um cotidiano afastado da família, marcado pelo 
convívio com adultos. Estes mantêm com aquelas relações profissionais de amparo, formação 
e  proteção,  além  dos  poderes  institucionalizados  de  controle  e  punição.  Essas  crianças  são 
protegidas,  mas  também  abandonadas,  já  que  a  proteção  institucional  sinaliza  o  abandono 
familiar. Nas instituições, estão sujeitas aos seus ordenamentos hierárquicos, às suas regras e 
não desfrutam de muita autonomia geralmente. Elas gozam de pouca ou nenhuma autonomia 
de consumo também; têm acesso coletivo às mesmas mídias. 

5) infância desprotegida: caso em que a criança é obrigada a garantir o próprio sustento ou até 
mesmo  o  sustento  familiar,  pela  ausência  de  condições  financeiras  de  pais  e/ou  familiares. 
Para isso, abandona os estudos. A impossibilidade de ingresso ou permanência na escola, em
69 

função do trabalho, é o indicativo evidente do direito à vivência da infância, como época par­ 
ticular e especial de sua vida. No caso daquelas crianças que moram com os pais e com eles 
trabalham, as relações de trabalho estão envolvidas num sentido de ajuda à família e, pode ser 
também, de aprendizado de um ofício. Esse é o caso de muitas crianças que vivem no campo 
e cuja atividade básica diária é o trabalho na agricultura em companhia de seus pais. Há ainda 
aqueles que acompanham os pais  no trabalho em terras de terceiros; nesses casos, a criança 
perde  a  característica  de  ser  aprendiz  para  ser  caracterizada  como  trabalhador/a infantil.  Na 
maioria das vezes, o ingresso no mundo de trabalho, por tais crianças, traz a vivência em uma 
longa jornada de trabalho, em condições inadequadas e até mesmo danosas ao seu desenvol­ 
vimento  físico,  mental  e  afetivo.  Nas  grandes  cidades,  elas  estão  nas  mais  diversas  áreas 
(prestação de serviços, construção civil,  indústria, comércio informal e formal, etc.), desem­ 
penhando  variadas  funções.  Nesses  casos,  crianças  e  adultos  estão  submetidos  às  mesmas 
regras e obrigações. Pouco ou nada têm tempo para o consumo da mídia e do lazer. 

6) infância marginalizada: aquela vivenciada por crianças que, absolutamente, desamparadas, 
encontram nas ruas um lugar privilegiado para a prática da mendicância, de pequenos bisca­ 
tes,  entre  outras  atividades,  para  muitos  gerando  a  delinqüência  e/ou  a  marginalidade.  Para 
elas a escola e o trabalho têm pouca importância em suas vidas. Esta realidade é ainda mais 
cruel no caso das crianças prostituídas. Há também aquelas que são responsáveis pela execu­ 
ção de crimes graves ou que estão ligadas ao crime organizado. Do ponto de vista do consu­ 
mo da mídia,  há diferenças  entre  aquelas  que estão  em  instituições  fechadas  de reabilitação 
(nesse caso sob suas regras e normas) e aquelas que não estão nestes estabelecimentos. Neste 
último caso, é bem provável que mantenham uma postura de maior autonomia do consumo. 
Sampaio  (2000)  destaca  que  alguns  pesquisadores  brasileiros,  sensibilizados  diante 
desse processo de marginalização da criança, chamam a atenção para a séria questão da “su­ 
pressão da infância” na nossa sociedade. Buscam, através deste conceito, destacar este preo­ 
cupante fenômeno social do Brasil que é a perda da infância. Ela ocorre mediante um proces­ 
so de exclusão social profunda que cria o adulto precocemente no corpo da criança. A referida 
autora (SAMPAIO, 2000, p. 171) ressalta: 

O indicativo de um processo de dissolução das fronteiras entre a criança e o adulto 
não  decorre,  pois,  na  sociedade  brasileira,  como  proposto  nas  análises  de  Postman 
ou Meyrowitz, das particularidades das mídias eletrônicas, mas como um problema 
associado à desigualdade social. Não é, em primeiro lugar, a partir da mídia televisi­ 
va que  a criança e  o  adolescente têm um  maior  acesso à  vida  adulta  e aos  seus se­ 
gredos, senão pela vivência de uma situação de miséria e exclusão social que os em­ 
purra para o mercado de trabalho, para a delinqüência, a prostituição e o crime orga­ 
nizado, retirando­lhes  a  chance de  viver  essas  fases de  suas  vidas chamadas  de in­ 
fância e adolescência.
70 

A visibilidade dessa geração de “crianças sem infância”, dos meninos e meninas de 
rua, da prostituição infantil e da violência está presente também na televisão, de mo­ 
do  particular,  nos  noticiários,  reportagens  e  propagandas  de  entidades  associadas  à 
defesa e proteção da criança. Essas crianças não são, contudo, uma referência impor­ 
tante para a elaboração de programações para o segmento e podem ser consideradas 
inexpressivas para a publicidade. Na televisão predominam, imagens de um outro ti­ 
po de criança que, para as emissoras e publicidade, são vistas sobretudo na condição 
de  consumidores  mirins”.  É,  também,  em  função  delas  que  é  concebida  a  sua  pro­ 
gramação e publicidade mais elaboradas. 

Assim como certas crianças interessam à mídia, uma vez que a publicidade que produ­ 
zem destina­se ao seu consumo, a literatura infantil também destina­se a certas crianças: àque­ 
las que podem comprar tais livros, àquelas que podem pegá­los emprestados em bibliotecas, 
àquelas que estudam, àquelas cujos pais ou professores/educadores vão se sentir atraídos pe­ 
las temáticas das histórias e contarão/lerão aos pequenos. 
Nesse sentido, interessa a este estudo o “modo de endereçamento” 24 , termo dos estu­ 
dos de cinema, de caráter teórico e político. Este termo está relacionado à necessidade de a­ 
presentar qualquer que seja a comunicação, texto ou ação para alguém, sobre o qual se pres­ 
supõe algumas coisas, imaginando­se como ele/a é e como quer que ele/a seja. Este conceito 
resume­se à seguinte indagação: “quem este filme [esta história] pensa que você é?” (ELLS­ 
WORTH, 2001, p.11) [destaque meu]. Tal conceito pode ser também utilizado para pensar a 
respeito dos modos como diversos artefatos culturais, e entre eles os livros literários infantis, 
são direcionados a determinados públicos. 
Sendo assim, os livros literários infantis e seus “novos contos de fadas” são feitos para 
alguém. Contudo, ELLSWORTH (2001, p.20) afirma que: 

O espectador ou espectadora [leia­se leitor ou leitora] nunca  é, apenas ou totalmente, 


quem o  filme pensa que ele ou ela é.  (O espectador  ou a espectadora nunca é tam­ 
pouco exatamente o que ele ou ela pensa que é...). A maneira como vivemos a expe­ 
riência do  modo de  endereçamento de  um  filme depende da distância entre, de um 
lado, quem o filme [leia­se o livro, o conto] pensa que somos, e, de outro, quem nós 
pensamos que somos, isto é, depende do quando o filme “erra” seu alvo. [acréscimos 
meus] 

Todavia seja qual for esta distância, é necessário que haja uma “negociação” por parte 
do espectador/leitor. Porém 

essa  negociação  tampouco  é,  jamais,  uma  coisa  simples  ou  única.  Pois,  da  mesma 
forma que o espectador ou a espectadora nunca é exatamente quem o filme [o livro/o 
conto] pensa que ele ou ela é, assim também o filme [o livro/o conto] não é, nunca, 
exatamente o que ele pensa que é. Não existe, nunca, um único e unificado modo de 
endereçamento  em um  filme  [em um livro/  em um “novo  conto de  fadas”] (ELLS­ 
WORTH, p.21) [acréscimos meus] 

24 
Reitero que apesar de não pretender fazer um estudo de recepção sobre os contos de fadas modernos e as cri­ 
anças, não podemos ficar indiferentes a este conceito.
71 

Há, também, o duplo endereçamento, isto é, como no caso dos livros infantis que pre­ 
cisam agradar ao leitor infantil e ao adulto que tem o poder aquisitivo para comprá­lo. 
O que podemos aprender sobre as infâncias  nos “novos contos de fadas” é o que me 
dedicarei a analisar a seguir. 

4.3 Histórias de infâncias contadas nos “novos contos de fadas” 

a modernidade, a noção de infância, criou tanto a necessidade de quan­ 

N to a procura de livros para crianças. As noções de criança a ser educada 
(1.ª noção construída: da criança a ser protegida e paparicada; 2.ª noção 
construída: da criança a  ser educada, moralizada) acabaram por forne­ 
cer o enquadramento para a literatura infantil canonizada. Ou seja, desde seu início, os livros 
para crianças  foram  escritos  com  uma  certa  idéia  de  criança  em  mente  e,  quando  esta  idéia 
mudou, os textos para crianças mudaram (SHAVIT, 2003). 
Se  a escola  e  a  família,  entre  outros  espaços de nossa  cultura,  vêm  educando  nossas 
crianças, os livros de literatura infantil podem ser reconhecidos como artefatos que também 
educam. Tal intersecção entre espaços e artefatos permite que nos questionemos sobre as rela­ 
ções possíveis entre múltiplas infâncias e a literatura infantil disponível na contemporaneida­ 
de. 
A fim de o/a leitor/a familiarizar­se com os nomes dos 7 (sete) livros analisados, nesta 
seção, elenco­os a seguir (títulos, autores, ilustradores e ano das referidas publicações), lem­ 
brando que as referências completas de tais livros e seus resumos encontram­se ao final deste 
trabalho em anexo 25 : 

1. As Trigêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões, de M. Company, Ilust. Roser Capdevi­ 
la, 2003. 
2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003. 
3. As Trigêmeas e Cinderela, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003 
4. As Trigêmeas e J oão e Mar ia, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003. 

25 
Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência 
podem ser encontrados em Anexo 3. 
72 

5. A bailar ina encantada, de Bruna Dias do Carmo Costa, Ilust. Roberto, 2006. 
6. O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava Mar ia: um conto 
de fadas brasileiro, de Georgina da Costa Martins, Ilust. Victor Tavares, 1999. 
7. O pr íncipe sem sonhos, de Márcio Vassalo, Ilust. Mariana Massarani, 1999. 

A  questão  norteadora  é:  “Como  os  sujeitos  infantis  são  representados  por  diferentes 
discursos, entre eles, os que ‘povoam’ os ‘novos contos de fadas’?” 
Quero  lembrar que,  como  já  foi  dito  antes,  para  estas  histórias  vou  deter meu olhar, 
somente, nas representações de infância contidas nos textos e nas ilustrações. 
Cabe esclarecer que o conceito de representação, na análise cultural a que me propo­ 
nho fazer, refere­se às formas textuais e visuais através das quais se descrevem os diferentes 
grupos culturais e  suas características. Para os Estudos Culturais, a análise da representação 
concentra­se em sua expressão material como “significante”: um texto, uma pintura, um fil­ 
me, uma revista, uma fotografia – neste caso, os “novos contos de fadas!”. A representação é 
o significado que é atribuído como marca ou inscrição àquilo que está sendo representado. A 
produção de significados dá­se através da linguagem pela cultura (ARGÜELLO, 2004). 
Destaco  as  seguintes  categorias  de  infância  ou,  também,  de  aspectos  da  pós­ 
modernidade relacionados a ela, ao mesmo tempo em que vou tecendo minhas análises: 

a) Entre a infância des­r ealizada e a hiper ­r ealizadada: a infância mais r epr esentada nos 


“novos contos de fadas” 
Pretinha, personagem principal de A bailar ina encantada (história 5) e João, Maria e 
Nininha, os quais são os personagens principais de O menino que não se chamava J oão e a 
menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 6) representam 
ou aproximam­se do conceito de infância des­realizada  de Naradowski (2001). Pretinha  era 
uma menina negra e pobre que morava com os pais numa humilde casinha branca próximo de 
um laguinho. João e Maria pegaram a irmãzinha no berço e, expulsos de casa pelo “monstro” 
(como chamam o padrasto), fugiram de casa e saíram às ruas, em busca da casinha de doces... 
Estas são histórias exemplares na representação de crianças pobres, muito pobres, que passam 
por necessidades para garantir suas sobrevivências. 
Por  outro  lado,  Thiago,  nome  do  príncipe  protagonista  de  O  príncipe  sem  sonhos 
(história 7), representa ou aproxima­se do conceito de infância que Naradowski (2001) chama 
de hiper­realizada . Tal personagem representa a criança que tem tudo, não lhe falta nada. As 
crianças como ele preocupam­se com coisas pequenas, comparadas às grandes dificuldades de
73 

garantir a sua própria alimentação e vida como as dos outros personagens­crianças referidas 
anteriormente.  Thiago  (história  7),  como  ele  próprio  reclamava,  tinha  tudo  que  queria.  Às 
vezes, o principezinho até tentava sonhar com algo, mas em seguida seus desejos já se reali­ 
zavam. 
Como referi antes, para Naradowski (2001), entre estes dois tipos de viver a infância, a 
infância hiper­realizada  e a infância des­realizada , está o maior grupo de crianças que conhe­ 
cemos. E esse tipo de vida infantil está representado pelas trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – 
que aparecem nas histórias As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões (história 1), As 
Trigêmeas  e  Chapeuzinho  Ver melho (história  2),  As  Tr igêmeas  e  Cinderela  (história  3), 
As Trigêmeas e J oão e Mar ia (história 4). Tais personagens representam as crianças que têm 
família, que vão à escola, que brincam, enfim, desfrutam o gozo e o prazer de serem crianças 
e não terem compromissos, como o modelo ideal criado pela modernidade de ser criança. 

b) Uma infância protegida: a mais r epr esentada nos “novos contos de fadas” 


Como vimos em Sampaio (2000), a infância protegida (a criança que é amparada por 
seus pais e/ou adultos responsáveis no seu desenvolvimento físico, intelectual e afetivo; neste 
caso, sua única responsabilidade é a dedicação aos estudos; vai à escola, diverte­se com ami­ 
gos, tem momentos de lazer, faz cursos, assiste televisão...) é representada pelos personagens 
infantis  da  maioria  das  histórias  escolhidas  para  análise.  Sampaio  (2000) destacou  que  esse 
tipo de infância, segundo suas pesquisas, é a que contempla a realidade da maioria das crian­ 
ças brasileiras. E, é também sobre este tipo de infância que mais se fala nas histórias, ou seja, 
são  estas  as  crianças  mais  representadas  na  literatura  infantil  de  modo  geral  de  acordo  com 
minhas buscas, durante a seleção das histórias. 
Classifico como representantes deste tipo de infância: as personagens trigêmeas (histó­ 
rias 1, 2, 3 e 4), o príncipe Thiago (história 7) e, de certo modo, Pretinha (história 5), mas a­ 
penas  no  início  de  sua  história.  Isto  é,  das 7  (sete)  histórias  escolhidas  para  análise,  apenas 
uma delas (história 6) não tem seus personagens principais­crianças vivendo esta modalidade 
de infância. 
As  trigêmeas  –  Ana, Helena  e  Teresa –  que aparecem  nas  histórias  As  Tr igêmeas  e 
Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho (his­ 
tória 2), As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), As Tr igêmeas e J oão e Mar ia (história 4), 
aparecem nas histórias sob os cuidados da tia, Bruxa Onilda, que é a responsável por encami­ 
nhá­las ao mundo de fantasias, envolvê­las em aventuras e situações de perigo também, mas,
74 

quando isto acontece, é ela quem resgata, socorre, protege as meninas. Ana, Helena e Teresa 
brincam muito, fazem teatrinho, desenham, vão à escola, dançam, divertem­se. Elas têm essa 
fase da sua vida tida como especial e adequada ao desenvolvimento e preparação para a vida 
adulta. 
Como exemplo deste “descompromisso” infantil para com as exigências e regras (até 
de  etiqueta!)  da  sociedade,  em  As  Trigêmeas  e  Chapeuzinho  Ver melho  (história  2),  Ana, 
Helena e Teresa aparecem, no final da história, tomando um gostoso lanche com Chapeuzinho 
e a vovozinha; todas as meninas aparecem de rostos lambuzados, fazendo a refeição num cli­ 
ma de tranqüilidade, diversão e amizade (figura 5). A ilustração, em plano geral, mostra­nos 
os personagens praticando suas ações no cenário que é um dos ambientes da casa da vovozi­ 
nha. 

Figura 5: Ilustração da história 2 (p. 30 e 31) 

Do mesmo modo se apresenta a vida do príncipe Thiago, personagem de O pr íncipe 
sem sonhos (história 7). Nas primeiras páginas do livro, mesmo antes do início da história, 
Thiago aparece junto ao cachorro, ao pai e à mãe (o pai com máquina fotográfica em punhos) 
observando  seus  retratos  na  parede  em  diferentes  situações  (em  casa,  jogando  futebol,  ga­ 
nhando  presentes,  brincando,  em  festa  de  aniversário,  no  colo  do  Papai  Noel,  entre  outras)
75 

(figura 6). A ilustração mostra o menino pequeno em relação ao tamanho dos pais, o que pode 
ser entendido como denotando a proteção que eles oferecem ao menino. A quantidade de re­ 
tratos  na parede,  todas do principezinho  em  diferentes  situações,  evidenciam  o quanto  ele  é 
cuidado e amado por sua família. Esta é uma das leituras que podemos fazer, entre tantas ou­ 
tras possíveis, que a ilustração em plano geral nos permite. 

Figura 6: Ilustração da história 7 (s.p.) 

Depois,  mais  no  final  do  enredo,  Thiago  procura  o  avô,  um  bruxo  aposentado,  para 
pedir­lhe conselho. O texto e as imagens deste encontro, também, remetem à idéia de grande 
afeto entre avô e neto: “Foi um abraço tão longo e tão grande que dava para cobrir todo o rei­ 
no”  (s.p).  A  ilustração  deste  encontro  mostra  os  brinquedos  da  criança  largados  pelo  chão, 
dando idéia de movimento na cena, fazendo­nos inferir que o menino correu para os braços do 
seu avô (figura 7). Isto é, a ilustração marca o ritmo da ação do menino.
76 

Figura 7: Ilustração da história 7 (s.p.) 

Na ilustração seguinte, ele aparece comendo biscoitos e tomando um refresco com o 
avô (figura 8). Esta cena, também nos transmite a idéia de cuidado e amor, já que a alimenta­ 
ção (dar de comer a alguém), em alguns contextos sociais e épocas, pode ser considerada um 
ato  de  generosidade  para  com  os  semelhantes.  Além  disso,  cabe  destacar  que a  imagem  da 
cozinha em primeiro plano mostra, em perspectiva, um outro ambiente onde estão o computa­ 
dor, uma cadeira e uma espécie de mural. Eis aí, mais uma vez, os elementos da vida atual em 
uma história cujos personagens se inspiram em um tempo ficcional (pelo menos para nós, no 
Brasil);  trata­se  de  uma  história com  elementos  híbridos.  Segundo  Faria  (2005, p.50):  “Cô­ 
modos em perspectiva é uma variante técnica para ampliar o espaço central em que se passa a 
história”.
77 

Figura 8: Ilustração da história 7 (s.p.) 

Depois, Thiago sempre aparece no colo do avô até adormecer ali e em seus braços. As 
ilustrações das figuras 9 e 10 são exemplos de ilustrações em close, e as ilustrações das figu­ 
ras 11 e 12 são exemplos de ilustrações em plano médio. 

Figura 9: Ilustração da história 7 (s.p.)  Figura 10: Ilustração da história 7 (s.p.)
78 

Figura 11: Ilustração da história 7 (s.p.)  Figura 12: Ilustração da história 7 (s.p.) 

Portanto,  não  restam dúvidas  de que  estes  personagens  (o menino Thiago  e as  trigê­ 


meas) fazem parte de um dos tipos de infância: o da infância protegida. 

c) De uma infância par cialmente pr otegida a uma infância despr otegida: uma única r e­ 


pr esentação ou uma primeir a r epr esentação? 
Sampaio  (2000)  caracteriza  como  infância  parcialmente  protegida  aquela  em  que  a 
criança conta parcialmente com o sustento e amparo de pais e/ou adultos responsáveis, neces­ 
sitando, portanto, trabalhar para ajudar a família na manutenção à vida. Neste caso, a criança 
assume,  com  precocidade,  responsabilidades  próprias  do  adulto,  afastando­se,  progressiva­ 
mente, das atividades lúdicas e descompromissadas da infância. 
Representantes  desta  modalidade  de  infância  são  os  personagens  de  O  menino  que 
não se chamava J oão e a menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro 
(história 6) antes de terem fugido de casa, por haver a necessidade de ajuda à família no sus­ 
tento. Na história, não fica claro se, de fato, João e Maria trabalhavam, estudavam, antes de 
terem fugido ou terem sido expulsos de casa. Mas a conversa dos irmãos, no primeiro dia de 
vida  nas  ruas,  mostra  o  quanto  a  mãe  e  seus  companheiros  (que  as  crianças  chamam  de 
“monstros”) não tinham condições de sozinhos dar­lhes a devida e básica assistência infantil: 

­ Mas, João, a Nininha não vai agüentar, desde ontem que ela não toma leite. 
­ Ué, e aquela caixa de leite que a dona Salvina deu pra mãe? 
­ O monstro bebeu tudo. Eu bem que falei pra mãe que aquele leite era da Nininha, mas ela disse que era melhor 
deixar ele beber, que depois ela comprava outro. Você sabe que ela morre de medo dele... 
­ Todo mundo tem medo dele, não sei porque a mãe deixou ele ficar lá em casa. 
­ Ela disse que ele ia ajudar a criar a gente, porque os monstros são muito fortes. Tudo mentira! (s.p.)
79 

Depois, segue o diálogo entre os irmãos: 

­ Maria, bota a Nininha aqui nesse pedaço de jornal. A gente deita ao lado dela pra ela não sentir frio. 
­ João, eu nunca dormi na rua, tô com medo! 
­ Que bobagem, Maria, não seja medrosa, eu te protejo. 
­ João, quantas vezes você já dormiu na rua? 
­ Um monte de vezes. Quando você morava com a  vó, sempre que a mãe trazia um monstro pra casa eu tinha 
que dormir na rua. 
­ Por que você não ia morar com a vó também? 
­ A mãe não deixava, ela queria que eu ajudasse nas despesas. Agora deita, Maria, já tá muito tarde. (s.p.) 

O trecho da história acima mostra o quanto esta família necessitava do auxílio de ou­ 
tros para garantir sua sobrevivência: de vizinhos, de companheiros, da avó, como cotidiana­ 
mente a mídia nos mostra nos noticiários. 

d) A infância despr otegida: ou “a vida como ela é”? 


O único personagem que representa o que Sampaio (2000) chamou de infância despro­ 
tegida é Pretinha, protagonista de A bailarina encantada (história 5). Nesta categoria, a cri­ 
ança é obrigada a garantir o próprio sustento ou até mesmo o sustento familiar, pela ausência 
de condições financeiras de pais e/ou familiares. Para isso, precisa abandonar os estudos; situ­ 
ação mais característica de muitas crianças que vivem no campo e cuja atividade básica diária 
é o trabalho na agricultura em companhia de seus pais em suas propriedades ou em proprie­ 
dades de terceiros. Neste último caso, as crianças não são aprendizes, são, isto sim, conside­ 
rados trabalhadores infantis, sendo que, na maioria das vezes, o ingresso no mundo de traba­ 
lho traz a vivência em uma longa jornada de trabalho, em condições inadequadas e até mesmo 
danosas ao seu desenvolvimento fisco, mental e afetivo. 
Cabe destacar que esta é a única história escrita por uma menina. Sua autora, na ocasi­ 
ão da escrita do conto, em 2005, participou de um concurso da Universidade de Passo Fundo 
(UPF/RS) em homenagem aos 200 anos do nascimento do escritor dinamarquês Hans Christi­ 
an Andersen. A publicação data de 2006, quando a menina tinha 12 anos e era estudante de 
uma escola municipal de Belo Horizonte. Este “novo conto de fadas” faz uma releitura con­ 
temporânea da história “A pequena vendedora de fósforos” do referido e consagrado escritor 
de contos de fadas 26 . 

26 
Sobre esta produção fica a questão: será que foi produzida espontaneamente por uma criança? Ou é produto de 
uma  proposta  de  escola  e,  então,  preparada  para  concorrer  no  referido  concurso?  Porém,  cabe  ressaltar,  ainda,
80 

Esta situação de vida de Pretinha, a qual parece viver numa região campestre, está ex­ 
plícita no texto e revela­se nas ilustrações, após a morte de seu pai: 

Para tristeza de Pretinha, seu pai ficou doente  e  veio a  falecer quando  ela  completou 8 anos. A  partir daí, ela 


teve que deixar a escola e passou a ajudar sua mãe no trabalho de cortar cana numa fazenda da região (p.10). 

Nas próximas páginas, aparecem mãe e filha trabalhando, cumprindo ambas, criança e 
adulto, a dura rotina diária (p.12 e 13): 

Mãe e filha levantavam antes do dia clarear, caminhavam até a estrada, levando debaixo do braço a única refei­ 
ção do dia. Elas esperavam o caminhão que passava para pegar os bóias­frias, subiam na carroceria e seguiam 
para o canavial, rumo a uma jornada de dez a doze horas por dia. Só voltavam ao anoitecer. 

A cena que ilustra este texto (figura 13) mostra a plantação de cana na parte superior 
da página indo até os limites da folha, ou seja, não se vê o que está acima da cana (o céu, por 
exemplo),  sugerindo­nos que existe um grande, comprido e infinito trabalho, pois  não se  vê 
onde a cana termina! Além disso, são usadas cores quentes como amarelo, laranja e vermelho, 
bem características do clima dessas regiões, e passando ao/à leitor/a a sensação de calor, tra­ 
balho árduo, cansativo. 

que, para esta Dissertação, interessam os efeitos de sentido sobre infância que o conto produz, através do texto 
escrito e das imagens.
81 

Figura13: Ilustração da história 5 (p. 12 e 13) 

Sobre esta questão do trabalho infantil, relacionado ao que é próprio do mundo da cri­ 
ança  e  do  mundo  adulto,  Steinberg  e  Kincheloe  (2001)  ressaltam  que  nos  últimos  anos  do 
século XX foi rotulado como “uma infância tradicionalmente ocidental” o que existe há ape­ 
nas cerca de 150 anos. Como exemplo, na Idade Média, a criança participava diariamente do 
mundo adulto e o resultado era o ganho de conhecimento profissional e experiência de vida. 
Ou seja, este conceito moderno de criança como uma classificação específica de seres huma­ 
nos que requerem um tratamento especial, diferente daquele aplicado ao adulto, era inexisten­ 
te na Idade Média. 

e) A infância marginalizada: uma história exemplar em uma única história? 
Encontramos as crianças representantes desta modalidade de infância, à qual Sampaio 
(2000) chamou de infância marginalizada (aquela vivenciada por crianças que, absolutamente, 
desamparadas,  encontram  nas  ruas  um  lugar  privilegiado  para  a  prática  da  mendicância,  de 
pequenos biscates, entre outras atividades, para muitos gerando a delinqüência e/ou a margi­ 
nalidade) em uma única história, O menino que não se chamava J oão e a menina que não 
se  chamava  Mar ia: um  conto  de  fadas brasileiro  (história  6).  O  livro  faz  uma  releitura do 
conto de fadas clássico “João e Maria”, trazendo­o para os dias de hoje e para a realidade bra­
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sileira. É uma história triste de crianças que, apesar de marginalizadas pela sociedade, conser­ 
vam a fantasia, “própria de um determinado conceito de infância”. 

Era uma vez um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria, mas que, mesmo 
assim, tiveram de sair de casa como aqueles dois daquela outra história (lembra?). O menino que não se chama­ 
va João queria encontrar a tal casa (aquela, feita de doces!), mas a menina que não se chamava Maria não acre­ 
ditava muito que ela existisse. Apesar disso, resolveu acompanhar seu irmão. 
­ Não chora, Maria, a gente vai achar. 
­ Pára com isso, João, você sabe muito bem que eu não me chamo Maria e além do mais você nem lembrou de 
trazer os pedaços de pão. 
­  Por  isso  não,  eu  também  não  me  chamo  João!  E  depois,  você  sabe  muito  bem  que  na  hora  em  que  aquele 
monstro expulsou a gente de casa só deu tempo de pegar a Nininha no berço e sair correndo. 
­ João, acho que a Nininha ta com fome, ela não pára de chupar a minha blusa. 
­ Não se preocupe, Maria, assim que a gente achar aquela casa ela vai comer, e nós também... vamos combinar 
logo uma coisa: quando a gente achar a casa, eu fico com a parte de chocolate, pra Nininha a gente dá o doce de 
leite; e você escolhe o resto. 
­ Nada disso, você sempre quer ficar com a melhor parte. Eu também gosto de chocolate! 
­ Mas naquele dia em que você foi com a mãe no Posto levar a Nininha pra vacinar e a moça te deu bombom, 
você nem trouxe pra mim. Comeu tudinho, sozinha. 
­ Claro, ela só me deu um! Como é que eu ia dar pra você? 
­ Dava muito bem pra dividir, a mãe sempre fala que tem que dividir tudo que ganha na rua. (s.p.) 

Para estas crianças, as ruas são suas moradias, seus dormitórios, seu espaço pra brin­ 
cadeira. A ilustração a seguir (figura 14), enquadrada em plano geral, permite­nos ver que o 
caminhão é grande, a calçada é grande para crianças tão pequenas, talvez, do tamanho do seu 
valor para a sociedade, ou de como elas se sentem em relação às outras crianças que não pre­ 
cisam morar nas ruas:
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Figura 14: Ilustração da história 6 (s.p.) 

E, a falta de proteção adulta faz com que criança proteja criança: 

­ Maria, você parece maluca! Se não fosse eu, o lixeiro ia levar a Nininha: ele pensou que fosse um embrulho de 
lixo. O que você está fazendo que não viu? Anda, vamos embora. (s.p.) 

A prática da mendicância por estes personagens aparece várias vezes na história, e nos 
seus diálogos revelam ser experientes: 

­ Moça! Moça! Será que a senhora podia dar um pouco de leite pra Nininha! Ela tá morrendo de fome! Não, a 
gente não mora por aqui, não; a nossa casa é muito longe. Nem dá pra voltar pra lá. E depois aquele monstro vai 
ficar lá com a mãe. Ele não gosta da gente, ele é muito mau. Ele sempre bate na mãe, só que ela não liga e deixa 
ele  ficar.  Meu pai? Sei lá, a mãe diz que ele  mora  muito longe. Se a  mãe trabalha? Às  vezes, quando  aparece 
alguma coisa. Ela disse que quando arrumar um trabalho vai fazer um bolo pra gente. Só falta comprar a fari­ 
nha, os ovos e o leite que tinha lá era da Nininha, mas mesmo assim o monstro bebeu. Minha mãe nem ligou, 
acho que ela ficou com medo de brigar com ele. Quando ela arrumar um trabalho, a gente vai poder ir pra esco­ 
la, agora não dá. – Mas, moça, a senhora vai arrumar um pouquinho de leite? É só pra Nininha; pra mim e pro
84 

meu irmão não precisa, a gente vai achar a casa feita de doces. 
­ Ei, Maria, anda logo, vamos embora! 
­ Espera, João, a moça vai arrumar um pouco de leite pra Nininha... ah, a senhora não tem leite? 
O menino que não se chamava João saiu puxando a menina que não se chamava Maria, porque, se deixasse, ela 
ficaria a vida toda conversando com a moça. (s.p.) 

O diálogo acima mostra a fala de Maria e, por meio dela, subentende­se a fala da mo­ 
ça,  sua  interlocutora.  Nesta  conversa,  mais  uma  vez,  destaca­se  a  realidade  das  crianças:  a 
falta  de  comida,  a  convivência  com  os  maus­tratos  e  a  violência,  a  ausência  dos  estudos,  a 
prática da mendicância (que, como disse, aparece diversas vezes ao longo da história). 

­ Moço, será que o senhor podia  me ajudar? A minha irmãzinha, a Nininha, está sem comer há três dias; o se­ 
nhor não tem uns trocados pra eu comprar leite pra ela? Onde eu moro? É muito longe daqui. Não, eu não tenho 
mãe, ela morreu; nem pai. Também não to na escola. Tenho 11 anos. Tenho 7 irmãos, mas  agora só tem eu, a 
Maria  e  a Nininha. Os outros? Dois tão  presos. O resto?  Não sei não. O senhor não tem dinheiro?  Que  pena! 
(s.p.) 

Este  tipo  de  modalidade  de  viver  infância  leva  à  prática  de  mentiras  (disse  que  sua 
mãe tinha morrido...). A ilustração na página ao lado deste trecho (figura 15) mostra o menino 
João com a cara e as mãos no vidro de um carro (imagem enquadrada em plano americano), 
que é uma cena típica das metrópoles: as crianças de rua pedirem dinheiro nas sinaleiras.  A 
imagem mostra em primeiro plano o interior do carro com elementos que dão­nos a idéia de 
riqueza e poder: computador mostrando o índice da Bovespa, cofre, champagne no gelo com 
taças, telefone com as siglas B. C. (referência, talvez, ao acesso direto ao Banco Central), no­ 
tas de dólar voando pelo carro e um senhor grisalho de terno bem acomodado em um dos as­ 
sentos do carro que mais parecem sofás (plano geral). João é pequeno e parece fraco perto da 
grandeza do carro e o poder que é conferido ao seu dono.
85 

Figura 15: Ilustração da história 6 (s.p.) 

João já ia desistir, quando viu um monte de gente catando comida em uns sacos que 
estavam na calçada próximos a um restaurante. Foi entre os catadores de lixo, que o menino 
conseguiu um pouco de leite para dar a sua irmãzinha (figura 16). A cena é de miséria e aban­ 
dono, os irmãos, ajoelhados no chão, próximo ao lixo, dando o pouco leite que conseguiram 
para o bebê, enquanto muito próximo dali uma criança americanizada (com roupas que fazem 
referência  à  bandeira  dos  Estados  Unidos,  chapéu  do  Mickey)  está  comendo  cheesburguer  
com batatas fritas e tomando refrigerante. O plano geral da cena, mostrando ações diferentes 
praticadas por crianças diferentes (várias ações em perspectiva), de distintas realidades soci­ 
ais, parece contrapor a realidade da criança no Brasil a das crianças americanas, ambas mar­ 
cadas por influências econômicas, sociais e culturais, salientando­se em dois planos as marcas 
de tais diferenças.
86 

Figura 16: Ilustração da história 6 (s.p.) 

Estas crianças são o retrato da tão falada “crise da infância”, a qual é apresentada por 
Steinberg  e  Kincheloe  (2001,  p.14)  da  seguinte  forma:  “A  crise  da  infância  contemporânea 
pode significar, de várias formas, tudo o que envolva, de algum modo, o horror de enfrentar 
sozinho o perigo”. Estes autores consideram que as transformações econômicas, sociais e cul­ 
turais ocorridas, principalmente a partir da segunda metade do século XX, tiveram um forte 
impacto na vida da população adulta e também na construção social da infância. Alguns estu­ 
diosos apontam para a chamada “crise da infância”, baseando seus argumentos em questões 
como a fragmentação da família moderna ou ao amplo e ilimitado acesso às informações do 
mundo adulto (STEINBERG; KINCHELOE, 2001). Essa realidade é vivenciada pelos perso­ 
nagens João, Maria e Nininha (história 6).
87 

f) Uma infância pública: uma transgr essão ao modelo moderno de infância? 
Representante da infância pública é a personagem Chapeuzinho Vermelho de As Tri­ 
gêmeas e Chapeuzinho Ver melho (história 2). Esta personagem representa a criança exibida 
e “convencida”, porque e é  famosa. Aproximo este conceito de Sampaio (2000) de infância 
pública  (aquela  vivenciada  pela  criança  que  começa  uma  vida  pública  precocemente,  assu­ 
mindo relações de trabalho no âmbito da mídia: como apresentadores, cantores, atores, garo­ 
tos­propagandas, etc.) a esta personagem, porque é essa vida glamourosa, de aplausos, prestí­ 
gio, de fama, de muitos compromissos (como as entrevistas) de assédio dos fãs, que aparece 
no diálogo entre as trigêmeas e Chapeuzinho (p.12­15): 

­ Que emoção! – exclamou Ana. – finalmente, conhecemos você! 
­Viemos de muito longe para vê­la, Chapeuzinho – disse Helena. 
­ Pois é, eu sei que sou famosa – respondeu Chapeuzinho, que parecia uma criança bastante convencida. 
­ Na próxima semana, vou dar uma entrevista pela televisão. 
­ E se o Lobo te comer antes? – perguntou Teresa, desejando intimamente que ele a engolisse inteirinha. 
­  Lobo?  Ha!  Ha!  Ha!  Como  vocês são  bobinhas!  Por aqui  não existe nenhum lobo.  Isso  é  só  um  truque  para 
atrair turistas como vocês. E agora, até logo, pois vovozinha está me esperando para darmos alguns autógrafos. 
Adeus. 
E afastou­se, toda orgulhosa, deixando as trigêmeas de boca aberta. 
­ Que menina chata! Ela pensa que é muito importante! – cochicharam. 

Autógrafos e turistas bobos, que caem nos modismos, trazem os elementos da contem­ 
poraneidade para este conto. O humor do texto está na desmistificação da personagem tradi­ 
cional,  aliando  à  sua  imagem  estes  elementos  dos  tempos  atuais.  Esse  recurso  da  literatura 
infantil, Colomer (2003) chamou de estranhamento em relação ao contexto. 
Além disso, as ilustrações (figuras 17 e 18) mostram a Chapeuzinho falando e gesticu­ 
lando de nariz empinado, olhando para cima e não no olho das interlocutoras, que são as me­ 
ninas, dando­lhes a idéia de que Chapeuzinho se sente superior. Esta idéia também é passada 
ao/à leitor/a ao ver estas cenas e ao observar, também, que as trigêmeas vêm todas alegres ao 
encontro  de  Chapeuzinho e  ela parece  desfilar  pela  floresta.  Depois,  enquanto  Chapeuzinho 
conversa  (e  se  exibe  às  meninas),  o  lobo  aparece  num  plano  inferior  da  página,  pequeno  e 
escondido. Esta ilustração remete­nos a idéia de que o lobo tem medo da menina e que Cha­ 
peuzinho é, como ela mesmo se acha, superior.
88 

Figura 17: Ilustração da história 2 (p.12 e 13) 

Figura 18: Ilustração da história 2 (p.14 e 15)
89 

g) As múltiplas infâncias: medievais... modernas... contemporâneas... 
Outras categorias de análise que emergem a partir das primeiras, apresentadas e anali­ 
sadas  anteriormente,  são  as  que passo  a  apresentar  a  seguir  e  que aglutinarei  em  “múltiplas 
infâncias”,  aquelas  que  reconheço  como  contemporâneas,  por  serem  constituídas  por  múlti­ 
plos discursos. 
Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa, esperta, in­ 
teligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, mostra­se ingênua e frágil – precisa da 
proteção adulta. Trazem também uma criança que brinca, que vai à escola, que não tem outros 
compromissos e responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria de ser crian­ 
ça, de viver a infância “em sua plenitude”. 
Esse tipo de ser criança e viver a infância está representado pelas trigêmeas – Ana, He­ 
lena e Teresa, nas 4 (quatro) histórias analisadas: As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete 
Anões  (história  1),  As  Tr igêmeas  e  Chapeuzinho  Ver melho  (história  2),  As  Tr igêmeas  e 
Cinder ela (história 3), As Trigêmeas e J oão e Mar ia (história 4). 
Nas  4  (quatro)  histórias  analisadas,  as  meninas  mostram­se  alegres,  muito  criativas, 
dinâmicas, ousadas, espertas, por vezes precisando de algum adulto para ajudar­lhes. No iní­ 
cio de todas as histórias, as meninas estão fazendo algo ou brincando de alguma coisa, quando 
surge a  Bruxa  Onilda  para  transportá­las  para alguma  história,  com o objetivo  de  contribuir 
com o desenvolvimento de suas imaginações e fantasias. 
Em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), as meninas esta­ 
vam brincando de teatrinho da história da Branca  de Neve e os  sete anões, quando a Bruxa 
Onilda convidou­as para conhecer a história de perto. Disse a bruxa para as meninas: “Que­ 
rem mesmo visitar Branca de Neve e os anões? Iremos para a história voar na minha nuvem 
de ilusões” (p.7). E imediatamente  as meninas foram transportadas para esta história (figura 
20).  O  quarto das  meninas  (figura  19)  mostra  a  criatividade  e  o dinamismo  das  mesmas  na 
concepção  contemporânea:  desenhos  nas  paredes,  desenhos  no quadro­giz,  cadeiras  e  livros 
pelo chão (um deles, inclusive, sobre um ratinho), 7 (sete) bonecos e bonecas enfileirados (de 
todos os tipos: sem perna, com roupas, nus...), que representam os 7 anões.
90 

Figura 19: Ilustração da história 1 (p.4 e5) 

Figura 20: Ilustração da história 1 (p.6 e 7)
91 

Em As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), as meninas estavam fazen­ 
do desenhos na parede (figura 21). Quando questionadas pela Bruxa Onilda se sua mãe sabia 
o que elas estavam aprontando, as meninas disseram que queriam fazer uma surpresa, já que, 
no outro dia, a mãe tinha dito ao pai das meninas que a sala precisava de uma pintura. A Bru­ 
xa Onilda riu e disse­lhes que elas estavam cheias das boas intenções, mas sugeriu­lhes uma 
pausa e as menininhas ficaram entusiasmadíssimas, perguntando: “­ Para onde é que nós va­ 
mos?” (p.5). E as meninas foram transportadas para a história da Chapeuzinho Vermelho. No 
início, pareciam com medo de ficarem ali sozinhas  no meio da floresta (figura 22), mas de­ 
pois, as meninas se viraram bem sozinhas. Ambas as ilustrações mostram dois planos: de um 
lado  as meninas, suas ações e cenário em plano geral, de outro a Bruxa Onilda em close (o 
que importa é a sua presença, interferindo na trajetória das meninas). 

Figura 21: Ilustração da história 2 (p.4 e 5)
92 

Figura 22: Ilustração da história 2 (p.6 e 7) 

Em As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), as meninas estavam brincando de constru­ 
ir um magnífico castelo na  casa da avó (figura 23), quando ela aparece e resolve mandar as 
meninas, num passe de mágica, para uma nova aventura em uma história conhecida. No iní­ 
cio,  estas  ficaram  assustadas  (figura  24),  mas,  depois,  divertiram­se  muito.  Novamente,  as 
ilustrações mostram dois planos: de um lado as meninas, suas ações e cenário em plano geral, 
de outro a Bruxa Onilda em close (outra vez, interferindo na trajetória das meninas).
93 

Figura 23: Ilustração da história 3 (p.2 e 3) 

Figura 24: Ilustração da história 3 (p.4 e 5)
94 

Em  As  Tr igêmeas  e  J oão  e  Mar ia  (história  4), as  meninas  estavam  preparando um 
bolo de chocolate. A bagunça na cozinha revela a esperteza e dinamismo das trigêmeas (figu­ 
ra 25). Pode­se entender, também, que as trigêmeas possuem bastante “liberdade” ou poucos 
limites em termos educativos, já que representam crianças a que tudo é permitido. Esta ilus­ 
tração  mostra  várias  ações  sendo  executadas  pelas  meninas.  Faria  (2005,  p.45)  diz  que  “há 
vários exemplos dessa técnica básica  na economia e expressividade das imagens em  ilustra­ 
ções de página dupla”. A ilustração dá uma visão geral da cozinha e do movimento das irmãs: 
louça suja na pia; mantimentos espalhados pelo chão;  fogão sujo e sendo utilizado por uma 
das  meninas;  pote de  mantimentos  sem  tampa  e  alimento  nele  contido  sendo  esparramado, 
caixa de leite aberta, xícara usada e outros utensílios sobre o balcão; concha sobre um pano no 
balcão ao lado do fogão; geladeira sendo aberta por uma das meninas – dando idéia de busca 
por algo. Nesta cena, não aparece a Bruxa Onilda; vê­se um único plano. De repente, aparece 
a Bruxa Onilda e diz­lhes: “­ Meninas, pelo que vejo vocês estão bem animadas. Já que gos­ 
tam tanto de chocolate, vou mandá­las para um lugar... E vocês vão enjoar de tanto comer... 
Rá! Rá Rá!” (p.5) (figura 26). Nesta cena, volta a estrutura anterior de dois planos, usada no 
início das aventuras, para marcar a interferência da bruxa na vida das sobrinhas. 

Figura 25: Ilustração da história 4 (p. 2 e 3)
95 

Figura 26: Ilustração da história 4 (p. 4 e 5) 

Ao entrarem nas histórias, as crianças não ficam paradas, indo em busca de seus famo­ 
sos personagens. 
Na história 1, As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões, quando abriram os 
olhos, as meninas, muito espertas e inteligentes, reconheceram aquele ambiente – viram que 
estavam na casinha dos sete anões (figura 27). A ilustração é feita em plano geral, ao mesmo 
tempo  em  que destaca  a  presença  das  trigêmeas  naquele  ambiente;  na  verdade, parece  uma 
sobreposição de imagens: as meninas em plano médio (frontal) sobre o plano geral, que repre­ 
senta a casinha dos sete anões. E aparece aí um elemento da nossa contemporaneidade que é a 
fama e o desejo de pedir autógrafos, como aparece no diálogo: 

­ Deve ser a casa dos  anões! –  observou Ana.  – Talvez  ainda estejam trabalhando na  mina.  Vamos  esperar  e 


pedir um autógrafo! (p.9)
96 

Figura 27: Ilustração da história 1 (p.8 e 9) 

Porém, aconteceu que a Bruxa Onilda disfarçou­se de Branca de Neve e transformou 
alguns animaizinhos da floresta em anõezinhos (figura 28). Em seguida, foi ao encontro das 
trigêmeas (figura 29) que não a reconheceram (num misto de inteligência e ingenuidade, su­ 
postamente próprio da infância). As irmãs correram e disseram: 

­ Branca de Neve, viemos avisá­la para não comer a maçã que uma velha feia vai lhe oferecer, porque está en­ 
venenada! (p.13) 

E a falsa Branca de Neve, respondeu­lhes: 

­ Ah, isso foi há muitos e muitos anos. Agora estou aqui de férias com meus amigos, os anões. Mas, para agra­ 
decer a preocupação de vocês, peguem esta maçã, tão linda. Vejam como está docinha! (p. 14).
97 

Figura 28: Ilustração da história 1 (p.10 e 11) 

Figura 29: Ilustração da história 1 (p.12 e 13)
98 

Figura 30: Ilustração da história 1 (p.14) 

Helena,  a  mais  gulosa,  pegou  a  fruta  (figura  30),  deu  uma  mordida  e  desmaiou.  A 
Bruxa Onilda desapareceu (figura 31). As irmãs ficaram tristes e chorosas, preocupadas com a 
irmã  desfalecida  (figura  32). Pensaram  em  procurar  ajuda, pois  não  se  sentiram  capazes  de 
sozinhas  ajudarem a  irmã.  Foi  aí  que apareceu  a  verdadeira  Branca  de  Neve  que  as  ajudou 
(figura 33). Teresa, ainda por cima, insistiu para que um dos príncipes, filhos da Branca de 
Neve, beijasse Helena para desfazer o encanto, pensando a menina que assim, como na histó­ 
ria tradicional, a irmã acordaria. Um dos príncipes acabou cedendo aos pedidos e beijou He­ 
lena (figura 34). Ela acordou e ficou encantada com o que lhe aconteceu – o beijo do príncipe 
(figura 35) –, mostrando um deslumbramento típico da personagem da história original!
99 

Figura 31: Ilustração da história 1 (p.16 e 17)  Figura 32: Ilustração da história 1 (p.18 e 19) 

Figura 33: ilustração da história 1 (p.26 e 27)  Figura 34: ilustração da história 1 (p.28) 

Figura 35: Ilustração da história 1 (p.29)
100 

Na história 2, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho, no instante em que as meni­ 
nas perceberam que já estavam dentro da história, foram correndo até a casa que viram, per­ 
cebendo a semelhança entre esta e as casas das ilustrações do famoso conto (figura 36). Entra­ 
ram na casa, onde havia três capinhas  vermelhas, e cada uma das meninas  já  foi pegando e 
vestindo o seu capuz vermelho (figura 37). Em seguida, resolveram sair pelo bosque para ver 
se encontravam o tal Lobo e confirmar se era tão mau como contavam. Muitas vezes, as me­ 
ninas se mostram decididas e corajosas. 

Figura 36: Ilustração da história 2 (p.8 e 9)
101 

Figura 37: Ilustração da história 2 (p.10 e 11) 

Na casa da vovozinha, tinha televisão, que se constitui um importante e destacado ar­ 
tefato da modernidade! 
Depois,  enquanto  Bruxa  Onilda  disfarçava­se  de  vovozinha  em  cima  da  cama,  Ana 
conversava  com  a  vovó,  e  Tereza  e  Helena  colocavam  explosivos  embaixo da  cama onde  a 
velha  senhora  estava (figura  38).  Quando  Bruxa  Onilda  avançou para devorar  Ana,  deu um 
estrondo: no quarto inteiro estouraram as bombinhas. As trigêmeas riram e se divertiram mui­ 
to com esta traquinagem – coisa de criança (figura 39)!
102 

Figura 38: Ilustração da história 2 (p.26 e 27) 

Figura 39: Ilustração da história 2 (p.28 e 29)
103 

Na história 3, As Tr igêmeas e Cinder ela, ao entrarem na casa de Cinderela pela cha­ 


miné, as meninas já foram cumprimentando Cinderela com cortesia (figura 40). 

Figura 40: Ilustração da história 3 (p.6 e 7) 

Nas cenas seguintes, enquanto Cinderela mostrava­se sempre triste e chorosa, já que 
fora impedida de ir ao baile e sofria as caçoadas das irmãs, também se mostrava submissa a 
elas; as trigêmeas observavam tudo e não ficaram indiferentes ao fato (figuras 41 e 42).
104 

Figura 41: Ilustração da história 3 (p.8 e 9) 

Figura 42: Ilustração da história 3 (p.10 e 11)
105 

As meninas espertas sabiam que a Fada Madrinha iria aparecer dali a pouco e resolve­ 
ram interferir na história, fazendo umas pequenas alterações... deram sugestões a Fada Madri­ 
nha de como ajudar Cinderela. Depois, foram elas que acharam um vestido para a Cinderela ir 
ao baile e ajudaram­na a se vestir. As meninas também se arrumaram, porque queriam ir ao 
baile (figuras 43 e 44). 

Figura 43: Ilustração da história 3 (p.14)  Figura 44: Ilustração da história 3 (p.15) 

Elas aparecem em várias cenas atuando junto à Cinderela (figura 45) ou fazendo coi­ 
sas para ajudá­la, como é o caso da cena em que resolveram impedir que tocasse meia­noite e 
o encanto terminasse. Para isso, subiram até a torre do relógio e atrasaram os ponteiros (figura 
46). Mais uma evidência do dinamismo, autonomia e esperteza das garotas.
106 

Figura 45: Ilustração da história 3 (p.20 e 21) 

Figura 46: Ilustração da história 3 (p.22)
107 

Na história 4, As Tr igêmeas e J oão e Maria, assim que chegaram no bosque, as tri­ 


gêmeas encontraram duas crianças que olharam pra elas com ar de surpresa (figura 47). Mas 
as trigêmeas espertas e, cada vez mais, experientes com as aventuras, isto é, com as viagens 
pelas histórias, perceberam logo que aquela era história de João e Maria. Assim, quando vi­ 
ram as crianças indo para a casinha de doces, correram para avisá­las dos perigos (figura 48). 

Figura 47: Ilustração da história 4 (p.6 e 7)
108 

Figura 48: Ilustração da história 4 (p.8 e 9) 

João e Maria não deram importância para as trigêmeas, desconfiando que elas queriam 
era comer os doces também. Decidida, Ana propôs que entrassem na casa pelas janelas, já que 
as portas estavam trancadas (figura 49). Acabaram caindo numa armadilha (figuras 50 e 51) e 
sendo presas em uma gaiola (figura 52). João e Maria ficam indiferentes a elas e não fizeram 
nada  para  ajudá­las.  Em  seguida,  as  três  irmãs  comeram  as  barras  de  caramelo  da  prisão  e 
chamaram João e Maria, que haviam dormido profundamente depois de terem comido bastan­ 
te, para fugirem das bruxas (figura 53). Enquanto estas planejam lá fora a construção de uma 
garagem para as vassouras voadoras (figura 54), as crianças, ao começarem a fugir pela jane­ 
la, ouvem um barulho  (figura 55). João e Maria presumem ser seu pai procurando por eles. 
Então, Helena deu a idéia de desmontarem a casa e pôr a estrutura da casa, que era toda feita 
de doces, na carroça do pai dos irmãos (figura 56).
109 

Figura 49: Ilustração da história 4 (p.10 e 11)  Figura 50: Ilustração da história 4 (p.12 e 13) 

Figura 51: Ilustração da história 4 (p.14 e 15)  Figura 52: Ilustração da história 4 (p.16 e 17) 

Figura 53: Ilustração da história 4 (p.18 e 19)  Figura 54: Ilustração da história 4 (p.20 e 21)


110 

Figura 55: Ilustração da história 4 (p.23)  Figura 56: Ilustração da história 4 (p.24 e 25) 

Nesta história, também, as crianças estão sempre presentes mostrando­se ativas, dinâ­ 
micas, corajosas, criativas. 
Nos finais das histórias analisadas, as trigêmeas estão sempre alegres e felizes, com as 
aventuras realizadas e as amizades feitas. Ficam até saudosas dos personagens e experiências 
vividas através dos contos conhecidos de perto: 
Lembram com carinho da Branca de Neve, dos príncipes trigêmeos e dos sete anões 
(figura 57), em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1): 

Figura 57: Ilustração da história 1 (p.30 e 31)
111 

Sabem que vão sentir falta das aventuras vividas com a Cinderela (figura 58), em As 
Trigêmeas e Cinderela (história 3): 

Figura 58: Ilustração da história 3 (p.30 e 31) 

Lembram com saudade das aventuras vividas (figura59), em As Trigêmeas e J oão e 
Mar ia (história 4):
112 

Figura 59: Ilustração da história 4 (p.30 e 31) 

As múltiplas infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que 
brincam,  ficam  tristes,  mostram­se  sonhadoras,  são  ciumentas,  lidam  com  a morte,  freqüen­ 
tam a escola, enfim, representam os modos de ser e viver na contemporaneidade. 
Na história O príncipe sem sonhos (história 9), o protagonista, o príncipe Thiago, a­ 
dorava jogar futebol com a galera (figura 60) e jogar bolas de gude. Ele tinha muitos brinque­ 
dos e brincava bastante, ainda não estava no tempo de pensar em trocar os amigos para “ficar” 
com uma princesa, para namorar.
113 

Figura 60: Ilustração da história 6 (s.p.) 

Postman (1999), falando sobre a “criança em extinção”, sobre aquela idéia que se fez 
da  infância  e  sua  realidade  atual,  afirma  que  as brincadeiras  têm  sido  pouco estimuladas  na 
infância. Segundo ele expõe (p. 145): 

O que temos aqui é o surgimento da idéia de que não se deve brincar só por brincar, 
mas brincar com algum propósito externo, como renome, dinheiro, condicionamento 
físico, ascensão social, orgulho nacional. Para adultos, brincar é coisa séria. À medi­ 
da que a infância desaparece, desaparece também a concepção infantil de brincar. 

A criança triste é representada pelo personagem  Thiago, em O pr íncipe sem sonhos 


(história 9). Ele era triste porque já tinha tudo. E, se já tinha tudo, não podia sonhar. Seus so­ 
nhos eram rapidamente realizados. Thiago tinha tudo que uma criança podia/queria ter... (fi­ 
gura 61). Aqui se percebe um elemento crítico à infância super­mimada da contemporaneida­ 
de.
114 

Figura 61: Ilustração da história 6 (s.p.) 

Seus pais, o rei e a rainha, ficavam preocupados com a tristeza do filho e queriam vê­ 
lo feliz. Thiago ficava triste e preocupado pelo fato de não ter sonhos, pois todos os seus ami­ 
gos tinham. 
Foi o sábio avô do menino quem lhe disse: 

­ Esse é um  antigo  provérbio árabe: “Não diga que  o céu está sem estrelas só porque às vezes você não as en­ 


xerga”. (s.p.) 

Depois, o avô concluiu: 

­ Seus sonhos são como as estrelas, menino.  Eles estão  aí, mesmo que  você não consiga  ver nenhum. Mesmo 


que as nuvens os escondam. Eles estão aí. Preste atenção: você já tem tudo o que quer. Mas ainda não é tudo o 
que pode ser. Um dia você vai saber a diferença entre ter e ser. Não se preocupe com isso agora... (s.p.) 

Sobre  essa  hiper­realidade  da  vida  do  personagem  Thiago,  Steinberg  e  Kincheloe 
(2001, p.48) argumentam: “O advento da hiper­realidade eletrônica revolucionou os meios em 
que o conhecimento é produzido nessa  cultura e os caminhos pelos quais as  crianças  vêm  a
115 

aprender sobre o mundo. Pais e educadores precisam apreciar a natureza desta revolução e seu 
papel na formação da identidade”. 
Na história A bailar ina encantada (história 5), Pretinha tinha um sonho de ser baila­ 
rina, e isso começou desde o dia em que a mãe lhe deu de presente uma caixinha de música 
com uma bela bailarina que dançava suavemente ao som de uma singela melodia, que ela ga­ 
nhara do pai da menina quando ficaram noivos. A cena desse dia mostra de um lado a caixi­ 
nha de música e, de outro, Pretinha, sua mãe e seu pai com os olhos voltados para a caixinha, 
todos encantados e admirando a bailarina (figura 62): 

Figura 62: Ilustração da história 5 (p. 6 e 7) 

Mas, lá no fundo do seu coração, Pretinha sabia que, por ser pobre, dificilmente seu sonho se tornaria realidade. 
(p.9) 

Certa vez, quando Pretinha estava admirando as estrelas, com saudade do pai que fale­ 
cera e pensando na tristeza da vida que ela e a mãe estavam  levando, uma delas começou a 
cair do céu e foi descendo até cair no lago, dizendo­lhe que não se preocupasse que seu pai 
estava bem. Em seguida, a menina viu um clarão, uma estrela apontou­lhe na direção de uma 
porta que se abriu e convidou­a a entrar em um mundo mágico, onde seu sonho se realizaria 
(figura 63):
116 

Figura 63: Ilustração da história 5 (p.16 e 17) 

Pretinha entrou em um palco iluminado, vestida de bailarina e começou a bailar, junto 
a  outros  personagens  do  escritor  dinamarquês  Hans  Christian  Andersen  (A  Sereiazinha,  O 
Soldadinho  de  Chumbo, o  Patinho  Feio,  entre outros).  Na parte  lateral  inferior das  páginas, 
pessoas que formam a platéia, a aplaudem. Entre os rostos anônimos (só se vê sombras), um 
se destaca – o de seu pai (figura 64):
117 

Figura 64: Ilustração da história 5 (p.18 e 19) 

Teria a menina pobre conseguido realizar o seu sonho? As imagens colaboram, através 
de seus efeitos, para o/a leitor/a perceber que a ficção entra no cenário do sonho. 
Na história O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava 
Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), a fantasia das crianças está sempre presente; 
elas acreditam que vão encontrar a famosa casinha de doces, como mostram as falas a seguir: 

­ João, se a gente não achar a tal casa? O que é que vamos comer? 
­ Claro que vamos achar, Maria, não seja boba. 
­ João, acho melhor a gente perguntar pra alguém onde fica essa casa, já tô cansada de procurar. 
­ Que é isso, Maria? Vão achar que a gente é maluco. 
­ Por quê? 
­ Maria, as pessoas não acreditam que essa casa existe, elas pensam que só existe na história. 
­ E será que existe mesmo, João? 
­ Claro que existe, poxa! Você não acredita em mim? 
­ Acredito, mas você nunca viu essa casa. Como é que sabe que ela existe? 
­ Porque não é só o que a gente vê que existe, não. Tem um monte de coisas que ninguém vê e que podem exis­ 
tir. 
­ Por exemplo? 
­ Onde o mundo acaba, por exemplo. Nunca ninguém foi lá, mas todo mundo sabe que existe. (s.p.)
118 

A  esperteza e,  ao mesmo tempo  ingenuidade, de João, próprios da infância,  conven­ 


cem a irmã, Maria, da existência da tal casa. 
Outra vez, foi Maria quem contou seu sonho: 

­ João, sabe com que que eu sonhei? Sonhei que a gente achava a casa feita de doces e dentro dela morava um 
príncipe encantado. Ele era tão lindo! Acho que ele ia até querer casar comigo... 
­ Maria, príncipes só se casam com princesas. 
­ Mas no sonho da gente tudo pode acontecer. Outro dia eu sonhei que a mãe me dava um monte de beijos e me 
botava pra dormir... sonhei também que lá em casa tinha um  monte de comida – só coisa gostosa: tinha bolo, 
Nescau, maçã e um monte de bife.  (s.p.) 

Figura 65: Ilustração da história 6 (s.p.) 

O sonho de Maria remete­nos à era dos cavaleiros medievais (figura 65). 
João cria, em sua imaginação, o mundo que quer. Em outra parte da história, em que 
Maria diz ter medo de lobo e bruxa, ele diz que ela é boba em acreditar em bruxas, pois elas 
não existem. E adverte a irmã de que a casa na floresta não oferece perigo; a casa mágica não
119 

tem dono, mas é de todas as crianças que lá conseguem chegar. Esta é a realidade, construída 
por João, da casa de doces na floresta! Ele imagina: 

­ Maria, a casa  mágica,  não acaba  nunca. Dizem que ela  é  bonita, toda colorida: o chão é  feito de confete, as 


paredes são de doce de  leite e nas janelas tem  cortinas  feitas de  balas. O telhado é todinho de chocolate e as 
portas  são  de  biscoito  de  morango.  Tem  até  uma  chaminé  feita  de  jujuba,  toda  colorida!  Dentro  da  casa  tem 
sempre alguma coisa assando no forno: bolo, pão, biscoitos... (s.p.) 

No fim da história, João e Maria são recompensados com a descoberta da casinha má­ 
gica de doces, onde resolvem  ficar (figuras 66 e 67). As duas ilustrações são extremamente 
coloridas,  sendo que na  primeira são usadas  cores  mais  fortes  e,  na  segunda,  cores  em tons 
mais fracos, como o amarelo e o rosa. 

Figura 66: Ilustração da história 6 (s.p.)
120 

Figura 67: Ilustração da história 6 (s.p.) 

O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria fecharam os olhos ao mesmo tempo 
e começaram a desejar... desejaram com tanta força que, de repente, foram diminuindo, diminuindo, diminuin­ 
do...  até  que  ficaram  invisíveis.  Desapareceram!  Junto  com  eles,  desapareceu  também  a  casa  feita  de  doces. 
Dizem por aí que eles foram morar no livro e viveram felizes para sempre. (s.p) 

Como representantes  de  crianças  ciumentas  e  egocêntricas,  temos  os príncipes  trigê­ 


meos,  filhos  de  Branca  de  Neve,  da  história1,  As  Tr igêmeas  e  Br anca  de  Neve  e  os  Sete 
Anões.  Desde  o  início,  em  que  aparecem  na  história,  eles  sempre  aparentam  estar  sérios  e 
“emburrados” (figuras 68, 69 e 70). Mas, em seguida, o texto revela: 

Teresa e Ana estavam tão preocupadas com Helena que nem ligaram para a cara amarrada dos três príncipes: é 
que  eles  tinham  ficado  com  ciúmes,  vendo  que  não  eram  os  únicos  trigêmeos  do  país.  Depois,  os  anões  não 
ficavam atrás: eles não gostavam nada de ver sua casa invadida por estranhos. Além do mais, o sucesso subira à 
cabeça  deles  desde  que  o  rei,  agradecido  pelos  cuidados  que  tiveram  com  Branca  de  Neve,  afastara  todos  da 
mina e os fizera ministros do reino para sempre. (p.24) 

Outra  vez,  vemos  aí  elementos  da  vida  atual,  que  dão  a  este  “novo  conto  de  fadas” 
uma referência à sociedade contemporânea: individualista, ansiosa por poder e fama.
121 

Figura 68: Ilustração da história 1 (p.20 e 21)  Figura 69: Ilustração da história 1 (p.22 e 23) 

Figura 70: Ilustração da história 1 (p.24 e 25) 

A morte infantil aparece nas histórias cujas crianças têm uma vida sofrida. 
Na história A bailar ina encantada (história 5), em suas páginas finais, é explicado o 
que acontecera com o sonho de Pretinha: aquele era um mundo de imaginação, onde a fanta­ 
sia misturou­se com a realidade. Na verdade, Pretinha correu em direção ao lago e afogou­se. 
Quando a mãe chegou e viu a filha  naquelas condições, gritou por socorro e um fazendeiro 
apareceu e tentou socorrer a menina, mas já era tarde demais, Pretinha – a bailarina encantada 
– já tinha morrido! Por outro lado, foi a morte da menina que trouxe uma vida melhor para a 
mãe da menina, pois, a partir daquele dia, o fazendeiro passou a visitá­la, já que havia se a­ 
paixonado por ela e os dois passaram a viver juntos.
122 

Figura 71: Ilustração da história 5 (p.20) 

Nesta ilustração (figura 71), é usado o recurso de enquadramento de planos da janela e 
a perspectiva da rua. Faria (2005, p.47) comenta: “Alguns  ilustradores utilizam  janelas para 
enriquecer a cena com dois ambientes (um deles enquadrado por janelas), pelos quais infor­ 
mações diversas são transmitidas ao leitor”. 
É interessante a ilustração em perspectiva, que mostra em primeiro plano a caixinha de 
música sobre a mesa e, pela janela, vê­se a mãe e o fazendeiro olhando para o lago. O braço 
do fazendeiro sobre o ombro da mãe de Pretinha dá a idéia de conforto. 
A história termina com o encantamento próprio das histórias de Andersen. A ilustra­ 
ção  final (figura  72) mostra  a  imagem  da  bailarina  negra  dançando sobre  as  águas do  lago. 
São usadas as cores azul, branco e tons próximos do preto para o desenho das águas, da noite 
e da luz; abaixo o texto: 

Contam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de bailarina, dançando sobre 
as água do lago. (p.23)
123 

Figura 72: Ilustração da história 5 (p.23) 

Na história O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava 
Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), João e Maria, após terem saído do posto de 
saúde com a irmãzinha doente, em estado grave, e sem a medicação gratuita que a menininha 
precisava tomar com urgência, foram aconselhados pela médica a procurarem os remédios em 
outro posto, já que naquele eles estavam em falta. João pensou em correrem em direção à casa 
de doces, pois por ela ser mágica,  iria curar Nininha. Mas foi tarde demais, no caminho, no 
meio da floresta, Nininha morreu. Sem perceberem a dimensão da morte, os irmãos pediram 
muito para a irmã viver, correram em direção à casa de doces e, cansados, deitaram­se para 
dormir, porque já era muito tarde, e tinham esperança de que, no outro dia, ao chegarem na tal 
casa  encantada,  a  irmãzinha  vivesse outra  vez  (figura  73).  Pela  manhã,  Maria  acordou João 
dizendo que tinha tido um sonho: uma fada tinha aparecido e pegado Nininha  no colo e ela 
teria vivido de novo. Então a fada disse que eles tinham que deixar Nininha na beira do riacho 
em cima da pedra mais bonita, porque assim ela  viraria uma estrela (figura 74). E assim foi 
feito, pois a fada havia explicado que não adiantaria mais levarem Nininha para casa, pois ela
124 

não iria voltar a viver, mas fazendo o que ela dissera, Nininha viraria uma estrela. Maria cho­ 
rou muito, mas fez o que a fada do sonho pediu; João ficou triste e percebeu que sentiria falta 
da irmã, diferente de outro irmão que já havia falecido, porque ele não foi tão presente na sua 
vida como ela. O consolo dos irmãos foi pensar que, quando batesse a saudade, eles olhariam 
para o céu. 

Figura 73: Ilustração da história 6 (s.p.)
125 

Figura 74: Ilustração da história 6 (s.p.) 

Elias (apud POSTMAN, 1999, p.63) diz que: 

Quando  o  conceito  de  infância  se  desenvolveu,  a  sociedade  começou  a  colecionar 


um  rico  acervo  de  segredos  a  serem  ocultados  dos  jovens:  segredos  sobre  relações 
sexuais, mas também sobre dinheiro, sobre violência, sobre doença, sobre morte, so­ 
bre relações sociais. [...] 
Finalmente, o conhecimento desses segredos culturais passou a ser uma das caracte­ 
rísticas distintivas da idade adulta, de forma que, até recentemente, uma das diferen­ 
ças  importantes  entre  a  criança  e  o  adulto  residia  no  fato  de  os  adultos  estarem  de 
posse de informação que não era adequada às crianças. 

Entre as 7 (sete) histórias analisadas, em apenas uma delas aparece uma cena de uma 
aula.  Trata­se  da  história  1,  As  Tr igêmeas  e  Br anca  de  Neve e  os  Sete  Anões,  em  que  as 
trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – estão estudando. A história começa relatando que um dia 
a professora das meninas contou uma história maravilhosa – a história da Branca de Neve e os 
sete anões. E, ao voltarem para casa, as meninas resolveram encenar tal história. 
A  cena  mostra  uma  sala  de  aula  (figura  75),  cujas  classes  aparentemente  são usadas 
por dois alunos em cada uma e estão enfileiradas (3 fileiras com 3 classes em cada). Nelas há 
objetos próprios para a escrita (como lápis, caneta, caderno, etc.). Algumas mochilas encon­ 
tram­se no chão. Aparecem alguns cartazes na parede lateral e uma lixeira. Como a professora 
está de frente para a turma, a perspectiva da cena é como se este ambiente  fosse retratado a 
partir do lugar, onde fica, supostamente, o quadro­giz.
126 

As 18 (dezoito) crianças estão todas quietas, nenhuma está conversando. São 9 (nove) 
meninas e 9 (nove) meninos, sentados em par. Alguns parecem atentos, outros cansados, ou­ 
tros entediados, uns maravilhados, interessados, alguns pensativos e um comendo lanche. 
A professora lê a história com o livro na mão e gesticula. 
Esta cena representa um momento de escuta, de contação de história, por isso não há 
movimento  dos  alunos, participação mais  ativa.  O  arranjo da  sala  de  aula  também  nos dá  a 
idéia de um ensino mais tradicional. Mas as expressões das crianças dão a idéia de que estas 
vêem a escola e as aulas de formas diferentes. 

Figura 75: Ilustração da história 1 (p.2 e 3) 

As  trigêmeas  –  Ana,  Helena  e  Teresa  –  das  histórias  1,  2,  3  e  4:  As  Tr igêmeas  e 
Branca de Neve e os Sete Anões, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Ver melho, As Tr igêmeas 
e Cinder ela e As Trigêmeas e J oão e Mar ia, aparecem nas histórias sob a responsabilidade 
da tia – a Bruxa Onilda. E a presença de elementos da contemporaneidade aparece nestas his­ 
tórias. 
Na história As  Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), aparece uma ima­ 
gem de um ambiente de uma casa onde está Bruxa Onilda. Nesta cena (figura 76), Bruxa O­ 
nilda está sentada em um sofá, assistindo a um programa de televisão, com o controle remoto
127 

da  TV  e  há  uma  antena  em  cima  do  aparelho  televisor.  Ao  lado  deste  aparelho,  tem outro, 
provavelmente  para  reprodução  de  vídeos.  Próximo  destes  equipamentos  eletrônicos,  existe 
um  móvel  com uma  vitrola,  suas  duas  caixas  de  som  e vários  exemplares  de LPs.  A  Bruxa 
Onilda está acompanhada da coruja, sendo que esta está ouvindo walkmann . Neste ambiente, 
ainda  existe  uma  lâmpada  e  várias  tomadas  de  energia  elétrica,  onde  os  aparelhos  elétricos 
estão  ligados.  A  própria  existência  da  energia  elétrica  e  destes  aparelhos  eletrônicos  é  uma 
característica  da  renovação  destes  contos,  já  que  estes  não  existiam  no  período  medieval, 
quando estas histórias surgiram. Tais elementos não apareciam no texto e/ou ilustrações dos 
contos de fadas clássicos. 

Figura 76: Ilustração da história 2 (p.2 e 3) 

Na casa da Chapeuzinho Vermelho, também aparece a televisão (ver figura 37). 
Na história As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), quando a fada Madrinha aparece 
para ajudar Cinderela ir ao baile, as trigêmeas pediram­lhe que desse a Cinderela alguns ele­ 
trodomésticos  e  uma  motocicleta,  no  lugar  dos  vestidos  e  da  carruagem  (figura  77).  Foram 
elas que, depois, arrumaram um vestido para a Cinderela e ensinaram­lhe a manejar e a con­ 
duzir a motocicleta. As trigêmeas acompanham Cinderela ao baile e vão de carona no veículo 
– para espanto dos moradores do lugar (figura 78)!
128 

Figura 77: Ilustração da história 3 (p 12 e 13) 

Figura 78: Ilustração da história 3 (p.16 e 17) 

Quando chegam ao palácio, lá havia uma bilheteria (figura 79): “Todos os convidados 
deviam passar pela bilheteria, porque o rei daquele país andava mal das  finanças e resolveu
129 

cobrar a entrada do baile” (p.19). Qualquer semelhança com situações cotidianas com as quais 
nos deparamos ou que circulam pela mídia não é mera coincidência! Pessoas vestindo roupas 
de uma época antiga vivem uma situação contemporânea – e é isso que dá humor ao texto: o 
inusitado! É a mistura de tons: do nobre ao trivial. 

Figura 79: Ilustração da história 3 (p.18 e 19) 

Quando as trigêmeas são seqüestradas pelas irmãs de criação de Cinderela, esta e seu 
príncipe vão resgatá­las, correndo em sua motocicleta (figura 80). No texto aparece: “Ainda 
bem que Cinderela adorava corridas automobilísticas e assim alcançou­as sem nenhum esfor­ 
ço numa curva do caminho” (p.29). Eis aí mais um elemento moderno – as corridas de auto­ 
móveis.
130 

Fig. 80: Ilustração da história 3 (p.28 e 29) 

Nas  histórias  1  e 2,  As  Tr igêmeas  e  Br anca  de Neve  e  os Sete  Anões  e  As  Tr igê­ 
meas e Chapeuzinho Vermelho, por diversas vezes, se faz alusão à idéia de autógrafos, fa­ 
ma, sucesso, como já foi referido anteriormente. 
Todas estas crianças representadas nas 7 (sete) histórias analisadas compõem algumas 
das  múltiplas  infâncias  com  as  quais  convivemos  nos  nossos  dias.  Steinberg  e  Kincheloe 
(2001, p.13) afirmam: “A mudança na realidade econômica, associada ao acesso das crianças 
a informações sobre o mundo adulto, transformou drasticamente a infância. Estes autores des­ 
crevem como são as crianças pós­modernas, aquelas que “não estão acostumadas a pensar e 
agir como criancinhas que precisam da permissão do adulto para tal” (p.34). É claro que dife­ 
rentes grupos de crianças vão reagir de formas distintas à cultura infantil e seu acesso à cultu­ 
ra popular. Entretanto, a realidade que fica é de que os adultos perderam de certa forma a au­ 
toridade  sobre  as  crianças,  porque  estas  já  têm  acesso  às  informações  e  segredos do  mundo 
adulto.
131 

5 Relações de Gênero – Que história é essa? 

5.1 Estudos de Gênero e Sexualidade: o que são? (a história de sua 
trajetória) 

O s Estudos de Gênero e Sexualidade são um campo de pesquisa bastan­ 
te  atual.  Eles  compuseram­se  como  campo  de  estudos  feministas  no 
século  XX.  O  movimento  destas  lutas e  da  constituição  deste  campo 
de pesquisa pode ser narrado, fazendo­se referência a uma primeira e segunda ondas do mo­ 
vimento feminista. A primeira onda une­se em torno do movimento sufragista, através do qual 
se  buscou  estender o  direito  de  votar  às  mulheres.  Este  movimento,  aqui  no  Brasil,  iniciou 
com a Proclamação da República, em 1890, e acabou quando o direito ao voto foi estendido 
às mulheres, na Constituição Brasileira de 1934 (MEYER, 2003). 
Junto à luta pelo direito ao voto se agregaram outras reivindicações das mulheres: o di­ 
reito  à  educação,  a  condições  dignas  de  trabalho,  ao  exercício  da  docência.  Meyer  (2003, 
p.12) ressalta que “a história, em geral, se refere a um movimento feminista no singular, mas 
que já é possível visualizar, desde ali, uma multiplicidade de vertentes políticas que fazem do 
feminismo um movimento heterogêneo e plural”. Naquele momento histórico, podemos refe­ 
rir que surgiu um feminismo liberal ou burguês, preocupado e na luta pelo direito ao voto e 
pelo acesso ao ensino superior; referir que surgiu um feminismo que se aliou aos movimentos 
socialistas que lutavam pela formação de sindicatos e por melhores condições de trabalho e 
salário; e fazer referência, também, a um feminismo anarquista que articulou o direito à edu­ 
cação a questões como o direito de decidir sobre o próprio corpo e sua sexualidade. “O mo­ 
vimento é, pois, desde essas origens, multifacetado: de muitos e diferentes grupos de mulhe­ 
res e de muitas e diferentes necessidades...” (MEYER, 2003, p.12). 
A segunda onda do movimento feminista aconteceu nos anos 60 e 70 do século XX, 
nos países ocidentais, em um contexto de intensos debates e questionamentos, os quais foram 
desencadeados pelos movimentos de contestação europeus, que tiveram seu ápice na França, 
com as manifestações de maio de 1968. Aqui no Brasil, esta segunda onda está associada aos 
movimentos  de oposição  aos  governos  da ditadura militar e,  depois,  aos movimentos  de  re­ 
132 

democratização da sociedade brasileira, no início da década de 80. Fundamentalmente, a se­ 
gunda onda deste movimento das mulheres, como explica Meyer (2003, p.12): 

remete  ao reconhecimento da necessidade de um investimento mais consistente  em 


produção de conhecimento, com o desenvolvimento sistemático de estudos e de pes­ 
quisas que tivessem como objetivo não só denunciar, mas sobretudo, compreender e 
explicar  a  subordinação  social  e  a  invisibilidade  política  a  que  as  mulheres  tinham 
sido historicamente submetidas. 

O objetivo dessa luta era qualificar as possíveis formas de intervenção com as quais se 
pretendia  modificar  tais  condições.  É  claro  que  esta  situação  vinha  sendo  confrontada  pelas 
mulheres  há centenas de anos. A trajetória feminina (das mulheres camponesas  e de classes 
trabalhadoras,  das  que  desempenhavam  tarefas  domésticas,  daquelas  que  trabalhavam  nas 
fábricas e daquelas que começaram ocupar certos espaços permitidos, como escolas e hospi­ 
tais), suas ocupações, os modos como foi se organizando o “trabalho de mulher”, nas diferen­ 
tes sociedades e países, foram objetos de investigação dos primeiros estudos deste campo de 
pesquisa, cujo mérito foi destacar e discutir temas sobre as mulheres. 

Tais  estudos levantaram informações  antes inexistentes,  produziram estatísticas es­ 


pecíficas  sobre  as  condições  de  vida  de  diferentes  grupos  de  mulheres,  apontaram 
falhas ou silêncios nos registros oficiais, denunciaram o sexismo e a opressão vigen­ 
tes nas relações de trabalho e nas práticas educativas, estudaram como esse sexismo 
se  reproduzia nos  materiais e nos  livros didáticos e,  ainda, levaram  pra a  academia 
temas então concebidos como temas menores, quais sejam, o cotidiano, a família, a 
sexualidade, o trabalho doméstico, etc. (MEYER, 2003, p.13) 

Essa trajetória do feminismo foi, e ainda é, permeada por confronto e resistências com 
aqueles e aquelas que ainda se utilizam de justificativas biológicas ou teológicas para marcar 
as  diferenças  e  desigualdades  entre  homens  e  mulheres;  e  com  aqueles  que  se  utilizam  de 
perspectivas marxistas para defender a centralidade da classe  social para a compreensão das 
diferenças e desigualdades sociais. 
Basicamente, seja no senso comum, ou legitimada pelo discurso científico ou por dife­ 
rentes matrizes religiosas, nos contextos mais conservadores, a biologia e a idéia do sexo ana­ 
tômico  foram,  e  ainda  perduram  sendo,  constantemente, acionadas  para  explicar  e  justificar 
essas posições. Estes e outros focos de observação e análise não permitem ver a subordinação 
feminina implicada nas relações de poder que permeavam (e ainda lá perseveram) a vida pri­ 
vada e as relações afetivas e, ademais, a configuração da maternidade e do cuidado de crian­ 
ças como sendo o “destino natural da mulher” (MEYER, 2003). 
Foi nesse contexto que as feministas tiveram o desafio de mostrar uma nova visão às 
diferenças e desigualdades de gênero, desprezando a justificativa das características anatômi­
133 

cas  e  fisiológicas,  em  sentido  estrito, ou  as desvantagens sócio­econômicas  por  si  só.  De  a­ 
cordo com Meyer (2003, p.14): 

O que algumas delas passariam a argumentar, a partir daqui, é que são os modos pe­ 
los  quais  características  femininas  e  masculinas  são  representadas  como  mais  ou 
menos  valorizadas, as  formas  pelas  quais  se  re­conhece  e se distingue  feminino de 
masculino, aquilo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que 
vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade, 
em uma dada cultura, em um determinado momento histórico. 

A partir de então, um grupo de estudiosas anglo­saxãs começou a utilizar o termo gen­ 
der , traduzido para o português como gênero, no início da década de 70. Tal conceito preten­ 
dia romper a equação na qual a colagem de um determinado gênero a um sexo anatômico re­ 
sultava  em  diferenças  inatas  e  essenciais,  mas,  ao  contrário, defendia que diferenças  e  desi­ 
gualdades entre mulheres e homens eram social e culturalmente construídas – e não biologi­ 
camente determinadas. Em suma, gênero é entendido como a construção social e cultural do 
sexo;  refere­se  a  comportamentos, atitudes  e  traços  de personalidade  que  a  cultura  inscreve 
sobre o corpo sexuado. 
Na  perspectiva  dos  estudos  de  gênero,  uma  referência  importante  é  o  texto  de  Scott 
(1990), já traduzido para o português: Gênero: uma categoria útil de análise histórica . Neste 
texto,  Scott  (1995,  p.86)  apresenta  duas  proposições  sobre  gênero:  “(1)  o  gênero  é  um  ele­ 
mento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) 
o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. 
Em seguida, o conceito de gênero foi ressignificado e complexificado, especialmente 
por  feministas  pós­estruturalistas,  que, desde  essa perspectiva  teórica,  vêm  problematizando 
as  noções  de  corpo,  de  sexo  e  de  sexualidade,  introduzindo,  assim,  importantes  mudanças 
epistemológicas no campo dos estudos feministas. 
As  abordagens  feministas  pós­estruturalistas  (que  enfocam  a  centralidade  da  lingua­ 
gem, e que tem suas bases teóricas em Michel Foucault e Jaques Derrida) se afastam das ver­ 
tentes  teóricas  que  tratam  o  corpo  como  uma  entidade  biológica  universal  (mostrada  como 
origem  das  diferenças  entre  homens  e  mulheres,  ou  como  superfície  sobre  a  qual  a  cultura 
produz desigualdades) para teorizá­lo como um constructo sociocultural e lingüístico, produto 
e feito das relações de poder. Por isso o conceito de gênero aproxima­se de abordagens muito 
mais amplas, que consideram as próprias instituições, os símbolos, as normas, os conhecimen­ 
tos, as leis e políticas de uma sociedade como constituídas e atravessadas por representações e 
pressupostos de feminino e de masculino, sendo que elas produzem e/ou ressignificam essas 
representações (MEYER, 2003).
134 

Algumas idéias relevantes que estão relacionadas a este conceito, significando modos 
de compreensão de gênero são (MEYER, 2003): 1) ao longo de nossas vidas, através das mais 
diversas instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres, num pro­ 
cesso que não é linear, progressivo, único ou harmônico e que também nunca está acabado ou 
completo, mas em constante construção; 2) como nascemos e vivemos em tempos, lugares e 
circunstâncias específicos, isso  nos remete à idéia de que não existe uma única, exclusiva  e 
mais  verdadeira,  mas  sim  muitas  e  conflitantes  formas de definir e  viver  a feminilidade  e  a 
masculinidade.  Desta  forma,  são produzidos  sentidos  múltiplos  e  nem  sempre  convergentes 
de masculinidade e feminilidade; 3) a mudança de conceito sinaliza não apenas para as mu­ 
lheres  e  nem  toma  exclusivamente  suas  condições  de  vida  como  objeto de  análise.  Em  vez 
disso, traz implícita a idéia de que as análises e as intervenções devem levar em consideração 
as relações de poder e as muitas formas sociais e culturais que constituem homens e mulheres 
como “sujeitos de gênero”; 4) afasta­se este conceito de uma idéia reduzida de papéis/funções 
de mulher e de homem, aproximando­o de um abordagem ampla e ressignificada, como já foi 
dito antes. Desse modo, “considera­se a  necessidade de examinar os diferentes modos pelos 
quais o gênero opera estruturando o próprio social que torna estes papéis, funções e processos 
possíveis e necessários” (MEYER, 2003, p.18). 
Inspirada em Louro, compreendo que: 

[...] as identidades de gênero seriam as formas pelas quais os sujeitos se identificari­ 
am  histórica  e  socialmente  como  masculinos  e  femininos.  As  identidades  sexuais, 
por sua vez, seriam os muitos arranjos que os sujeitos fazem para viver seus desejos 
e  prazeres,  também  entendidos  como  social  e  historicamente  construídos.  Pensar  o 
gênero implica entendê­lo enquanto um processo que não diferencia apenas homens 
de mulheres, mas também homens de homens e mulheres de mulheres. 
Dessa  forma, estamos entendendo  gênero como  constituinte das identidades do  su­ 
jeito, da mesma forma que etnia, classe, raça entre outros marcadores sociais. Dife­ 
rentes instituições e práticas sociais são constituídas por e constituintes dos gêneros. 
Do mesmo modo, entendemos que as identidades são instáveis, móveis, plurais e até 
contraditórias (VIDAL; NEULS; 2006a, 2006b). 

Neste  trabalho,  junto­me  às  pesquisadoras  feministas  pós­estruturalistas  e  a  este  en­ 


tendimento de gênero e sexualidade, descrito acima, e que se mantém na luta pela defesa dos 
seguintes argumentos: primeiro, percebe o gênero como ainda sendo “uma ferramenta concei­ 
tual,  política  e  pedagógica  central  quando  se  pretende  elaborar  e  implementar  projetos  que 
coloquem em xeque tanto algumas das formas de organização social vigentes quanto as hie­ 
rarquias e desigualdades delas decorrentes” (MEYER, 2003, p.10­11); segundo, entende que 
“nada é ‘natural’, nada está dado de antemão, toda a verdade – mesmo aquela rotulada de ci­
135 

entífica – é parcial e provisória e resulta de disputas travadas em diversos âmbitos do social e 
da cultura e pode, por isso, ser questionada” (MEYER, 2003, p.11). 
A partir desta perspectiva de pesquisa, análise e discussão, cabe a nós, educadoras e 
educadores, olhar para os diferentes artefatos e instâncias culturais, que são pedagógicos tam­ 
bém,  problematizando  as  questões  de  gênero  e  sexualidade,  desnaturalizando  aspectos  que 
aprendemos a tomar como prontos e definidos. Olhar para os “novos contos de fadas” e ver o 
que nos ensinam sobre ser mulher e ser homem é uma dessas possibilidades. 

5.2 Estudos de gênero, escola e pós­modernidade 

escola, desde seu surgimento como instituição de ensino, nos diferentes 

A momentos  históricos  e  nas  diferentes  sociedades  e  culturas  ocidentais 


modernas, sempre esteve envolvida com projetos de formação de deter­ 
minados tipos de pessoas ou, como chamamos, de determinadas identi­ 
dades sociais: bons cristãos, bons trabalhadores, bons cidadãos; e esses termos tinham signifi­ 
cados diferentes,  conforme  a quem  a  escolarização  se dirigia,  isto  é,  se  era para  homens ou 
para mulheres. Esta função “formativa” da escola parece ter sido bem mais importante do que 
a mera transmissão de determinados conhecimentos, sendo que sua consolidação como campo 
de  produção  de  identidades  sociais  a  constituiu  como  um  campo  de  disputas  de  diferentes 
vertentes políticas e movimentos sociais por imposição de significados, subjetivando as pes­ 
soas que ali se encontravam/se encontram (MEYER, 2001). 
Louro  (2001b)  escreve  sobre  a  educação  dos  corpos  e  a  produção  da  sexualidade 
“normal”. Neste sentido, ela destaca (p.31): 

Na escola pela afirmação ou  pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públi­ 
cos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, 
legitimando  determinadas  identidades  e  práticas  sexuais,  reprimindo  e  marginali­ 
zando outras. Muitas  outras instâncias sociais como  a  mídia, a  igreja,  a justiça etc. 
também praticam  tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de su­ 
jeitos, seja produzindo discursos dissonantes e contraditórios. 

Não nascemos homens e mulheres, mas nos tornamos homens e mulheres. Desde mui­ 
to cedo, vamos ocupando e/ou reconhecendo nossos lugares na sociedade e aprendemos isso 
em diferentes  instâncias do social, através de estratégias  sutis, refinadas e  naturalizadas que 
são, muitas vezes, difíceis de reconhecermos. A estas diferentes estratégias e instâncias peda­ 
gógicas, chamamos de pedagogias culturais. Estas se referem a forças e processos que inclu­ 
136 

em a família e a escola, mas que não se restringem a elas. Entre estas pedagogias culturais e 
artefatos culturais, podemos citar: os meios de comunicação de massa, os brinquedos, os jo­ 
gos eletrônicos, o cinema, o teatro, a música, a literatura infantil. Elas ensinam, entre muitas 
outras coisas, diferentes e conflitantes formas de conceber e de viver o gênero e a sexualidade. 
Como ensina­nos Sabat (2001), precisamos estar atentos para o seguinte foco: 

[...] que  tipos de  mulheres  e homens queremos  formar (e queremos  ser)  em nossas 


práticas  cotidianas.  A  partir  daí  é  possível  fazer  uso  desse  currículo  cultural  para 
discutir os significados que têm sido produzidos historicamente em torno do ser ho­ 
mem, do ser mulher; do feminino e do masculino; do hetero, do homossexualismo e 
de outras formas de viver a sexualidade (p.67­68) 

Sobre esta aprendizagem que inicia desde o momento em que nascemos, até o dia em 
que morremos, processando­se, como vimos, em diversas instituições sociais e artefatos cultu­ 
rais,  Meyer  (2001, p.32)  argumenta  o  seguinte:  “Gênero  reforça  a  necessidade de  se  pensar 
que há muitas formas de sermos mulheres e homens, ao longo do tempo, ou no mesmo mo­ 
mento histórico, nos diferentes grupos ou segmentos sociais”. 
Sobre a forma como se dá a construção das identidades sexuais e de gênero, é relevan­ 
te a questão proposta por Louro (2001b): 

Não  estamos  preocupados  com  a  questão  do  que  causa  a  heterossexualidade  ou  a 
homossexualidade nos indivíduos, mas, ao invés disso, com o problema de por que e 
como nossa cultura privilegia uma e marginaliza – quando não discrimina – a outra. 

Em relação ao campo de estudos das Relações de Gênero e Sexualidade e sua contri­ 
buição para a promoção de um repensar na escola, a começar por nossas vivências pessoais, 
bem  como  nossas  práticas  de  pesquisa  e  pedagógicas,  enquanto  educadores  e  educadoras, 
Andrade (2003, p.109) propõe: 

Tal  teorização  permite  perceber  como  os  sujeitos  são  continuamente  inseridos  em 
um reforçamento binário do que parece ser negativo ou positivo para meninos e me­ 
ninas,  para  homens  e  mulheres  nos  espaços  sociais  em  que  se  movimentam,  isso 
porque  tais  atributos  estariam  inscritos  na  “natureza”  de  cada  gênero,  inscritos  no 
corpo de cada um/a. Olhar a escola  e os corpos de professoras  e  alunos/as, a partir 
desta  perspectiva, é a um só tempo desestabilizador de antigas crenças e motivador 
de novos estudos na busca de outros caminhos para pensar, não só na minha prática 
enquanto educadora, como também minhas vivências pessoais e acadêmicas. 

Examinar como tal pedagogia cultural e escolar funciona, inclui o estudo dos artefatos 
culturais que operam na fabricação de identidades de gênero, e a literatura infantil tem sido 
um deles. Neste caso, escolhi os “novos contos de fadas” e proponho­me a partir de agora a 
analisar que modos de exercer a feminilidade e a masculinidade são apresentados na literatura 
infantil.
137 

5.3 Histórias de masculinidade e feminilidade contadas nos “novos contos 
de fadas” 

literatura infantil assumiu, desde seu início, um caráter educativo e mo­ 

A ralizador.  As  escolas,  também  uma  invenção  moderna,  criadas  como 


locais  para  o  desenvolvimento  do  ensino­aprendizagem,  tidas  como 
“centros do saber”, fizeram e ainda fazem uso da literatura como artefato 
pedagógico para ensinar, para incutir normas e valores sócio­culturais dominantes. Desse mo­ 
do, ocorre uma psicologização e pedagogização da literatura infantil e, acima de tudo, não se 
pode  deixar  de  perceber  que,  nesse  uso  escolar­pedagógico,  produzem­se  verdades,  subjeti­ 
vam­se as crianças, ensina­se o que é certo e o que é errado, o que é bom e é ruim, o que é 
justo e desonesto, reforçando estes entre outros valores e binarismos sociais. Os “novos con­ 
tos de fadas” ensinam, entre outras coisas, como ser homem e mulher. 
Com o objetivo de o/a leitor/a familiarizar­se com os nomes das 9 (nove) histórias aqui 
analisadas (por vezes, duas histórias em cada livro!), elenco­as a seguir (títulos, autores, ilus­ 
tradores  e  ano  das  referidas  publicações),  recordando  que  as  referências  completas  de  tais 
histórias e seus resumos encontram­se ao final deste trabalho em anexo 27  : 

1. A pr incesa sabichona, de Babette Cole, 1998. 
2. Pr íncipe Cinder elo, de Babette Cole, 2000. 
3. Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida, de Walt Disney, Ilust. Disney Storybook 
Artists, 2005. 
4.  Minha  ver são  da  história:  Malévola,  de  Walt  Disney,  Ilust.  Disney  Storybook  Artists, 
2005. 
5. Minha versão da histór ia / contada por  Br anca de Neve a Daphane Skinner; Ilust. Ateli­ 
er Philippe Harchy, de Walt Disney, 2004. 
6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz, de 
Walt Disney, 2004. 
7. Minha versão da histór ia / contada por Cinder ela a Daphane Skinner; Ilust. Atelier Phi­ 
lippe Harchy, de Walt Disney, 2005. 
8. Minha versão da histór ia / contada pela Madr asta a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz, 
de Walt Disney, 2005. 
9. A Bela Desador mecida, de Frances Minters, Ilust. G. Brian Karas, 1999. 

27 
Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência 
podem ser encontrados em Anexo 3. 
138 

A  questão  norteadora é:  “Quais  modelos de  ser menino  e  menina,  ou melhor, de  ser 


homem e mulher, nos são ensinados através dos “novos contos de fadas”? 
Quero recordar que, como já foi esclarecido antes, para estas histórias vou deter meu 
olhar, somente, nas representações de gênero e sexualidade, contidas nos textos e nas ilustra­ 
ções. 
Cabe lembrar que, na perspectiva dos Estudos Culturais, o conceito de representação 
tem sido muito discutido e problematizado, opondo­se à idéia mais corrente de representação 
mental ou espelho do “real”. Peters (2000) observa que entender este conceito como proces­ 
sos de significação e não como um reflexo de uma suposta realidade “é uma posição episte­ 
mológica que se recusa a ver o conhecimento como uma representação precisa da realidade e 
se nega a conceber a verdade em termos de uma correspondência exata com a realidade” (p. 
37). A produção de significados produz modos de ser e estar considerados aceitáveis, instaura 
verdades, construindo identidades, ou seja, designa lugares que os sujeitos podem ou não o­ 
cupar. 
Essas histórias apresentam deslocamentos nas representações tradicionais de feminili­ 
dade e masculinidade. Trazem, por um lado, princesas espertas, decididas, determinadas, ou­ 
sadas; por outro lado, trazem príncipes tímidos, com medo, que fogem e que desistem de ca­ 
sar,  etc.  Apresentam  também  a  permanência  de  determinadas  representações,  uma  vez  que 
mostram também personagens femininas que, de acordo com o formato tradicional, esperam 
pelo casamento, pelo príncipe encantado, pela mágica que irá transformar suas vidas em um 
“viveram felizes para sempre” e príncipes cujo papel principal é ser o provedor da família. 
Nesse  sentido,  é  importante  relembrar que  a construção do  gênero  não  é  linear,  nem 
apresenta uma regularidade, assim como não é finalizada ou completada em um dado momen­ 
to (MEYER, 2003). 

a) “Novos contos de fadas” não­sexistas: rompendo as fronteiras dos gêner os 

Argüello (2005), em sua dissertação de Mestrado, discute, com um grupo de crianças 
(para verificar as representações de gênero que as mesmas traziam), um conjunto de histórias 
que  ela  classifica  de  não­sexistas,  isto  é,  histórias  “escritas  com  a  intenção  de  não  produzir 
mensagens sexistas ou binárias” (p.12). Entre estas histórias, Argüello (2005) escolheu contar
139 

para  as  crianças  A  princesa  sabichona  (história  1)  e  Pr íncipe  Cinder elo  (história  2) 28 .  A 
autora concluiu que “as histórias infantis não­sexistas nos seus textos (e ilustrações) também 
carregam representações, que poderão produzir seus efeitos sobre os sujeitos” (ARGÜELLO, 
2005, p.46) (destaque meu). 
Ambas as histórias (história 1 e história 2) são curtas, a diagramação do texto nas pá­ 
ginas é feita de modo que em cada página haja poucas frases junto à ilustração. As imagens 
são  muito  coloridas  e  atraentes.  Sobre  esse  tipo  de  livro, quanto  ao uso da  ilustração,  Faria 
(2005, p.84) explica: 

Como  o  texto  é  pequeno,  a  ilustração,  por  sua  vez,  cumpre  a  função  sobretudo  de 
criar  os  espaços  em  que  se  passa  a  história,  acrescentando  muitos  detalhes,  outros 
planos  em  simultaneidade,  o gestual  dos  personagens, a expressão de suas  fisiono­ 
mias, ou seja, tudo aquilo que o texto não diz. 

Em A pr incesa sabichona (história 1), o enredo da história relaciona­se ao fato de que 
a princesa não queria casar, pois gostava de ser solteira. Argüello (2005) diz que esta história 
“problematiza  um  dos  elementos  mais  significativos em  torno da  feminilidade:  ‘o  casamen­ 
to’” (p.153). Segue o texto (s.p.): 

A Princesa Sabichona não queria se casar. 
Gostava de ser solteira. 
A Princesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela. 
A Princesa Sabichona queria viver sossegada no castelo, com seus bichos de estimação, fazendo o que bem 
entendesse. 

Nas páginas iniciais, a Princesa Sabichona já é apresentada ao/à leitor/a como uma re­ 
presentação  da  feminilidade diferente...  A  Princesa  é  loira,  tem  cabelos  longos  e  aparece  u­ 
sando  uma  camiseta  colorida  e  um  macacão  comprido  de  jeans.  Sua  roupa  e  suas  atitudes 
mostram um jeito despojado de ser, como mostram as seguintes figuras: na primeira imagem 
do livro (figura 81) a Princesa está olhando TV, deitada de bruços no chão, comendo biscoitos 
e  com  outros alimentos  largados e  espalhados  pelo chão,  e  aparece  cercada  dos  animais  de 
estimação;  em  seguida,  aparece  sentada  no  trono,  com  sapatilhas  comuns  (estilo  para  andar 
em casa), pintando as unhas (figura 82). Esta ilustração junta em uma cena personagens em 
planos diferentes. Os príncipes que queriam se casar com a Princesa aparecem de um lado da 
ilustração  juntos  em plano  americano  e, do outro  lado da  ilustração,  em destaque,  inclusive 

28 
Cabe destacar que ARGÜELLO  (2005) realizou um  estudo de campo  e de recepção, analisando  os sentidos 
que tais histórias traziam para crianças da Educação infantil. No caso da minha pesquisa, analiso os contos e suas 
representações de masculinidade e feminilidade, ao examinar textos e ilustrações dos mesmos.
140 

degraus acima de onde se encontram os príncipes, a Princesa Sabichona em close. Sua expres­ 
são facial revela seu desinteresse por aquela bajulação/paparicação dos príncipes­candidatos a 
marido.  A  ilustração  remete­nos  a  inferir,  ainda,  que  a  Princesa  até  prefere  pintar  as  unhas 
(característica marcadamente feminina) a ter que namorar e casar­se; em seguida, ela aparece 
de botas, dando banho nos seus animais de estimação (figura 83). Nesta ilustração, em plano 
geral, a Princesa é pequena perto dos seus grandões animais de estimação, o que nos permite 
inferir que a Princesa representa uma mulher comum como todas as outras do reino, ou como 
todas as outras mulheres de outros lugares que, independente da família em que nascem, do 
status social que ocupam, trabalham, cumprem suas obrigações, lutam por seus sonhos e dese­ 
jos. 

Figura 81: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 82: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 83: Ilustração da história 1 (s.p.)
141 

Tudo estava aparentemente tranqüilo, até a princesa ser pressionada pelo seu pai e por 
sua mãe a casar­se: 

­ Está na hora de criar juízo – disse sua mãe, a Rainha. – Chega de só ficar às voltas com esses bichos! Trate de 
arranjar um marido! (s.p.) 

Embora a fala seja da mãe, a imagem mostra seus pais juntos, comungando, possivel­ 
mente da mesma opinião, quanto ao destino da Princesa Sabichona (figura 84). 
A história nos ensina que ter juízo é desejar unir­se em matrimônio. Casar é o destino 
“natural” das mulheres. Sendo assim, o texto permite­nos interpretar que a família real achava 
um absurdo sua filha única não querer se casar. A ilustração contrapõe de um lado a princesa 
toda suja, já que fora interrompida de seu trabalho de limpeza/banho dos animais e, de outro 
lado, o rei e a rainha num plano maior e mais alto, já que estão em um outro nível, em uma 
espécie de tablado, também, dando a idéia de superioridade que têm como governantes, mas, 
sobretudo, aqui no caso, como pai e mãe (figura 84). 

Figura 84: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Coagida pela família a arrumar um pretendente, a Princesa Sabichona declarou:
142 

­ Tudo bem! [...] – Quem passar pela prova que eu determinar, terá minha mão em casamento, como se costuma 
dizer. (s.p). 

A ilustração junto a este texto (figura 85) mostra a Princesa Sabichona em plano ame­ 
ricano e em destaque, ocupando a metade da página. Do alto da sacada do castelo, ela observa 
seus pretendentes a marido chegando. Na outra metade da ilustração aparecem vários homens 
de  diferentes  estilos,  raças,  etnias...  apresentando­se.  A  ilustração  nos  permite  inferir,  pelo 
tamanho destacado da princesa em relação aos pretendentes, que a decisão final, o poder de 
escolha,  é  dela.  Isto  é,  as  escolhas  e  decisões  quanto  às  uniões  amorosas  estão  muito  mais 
relacionadas às suas necessidades e desejos de mulher. 

Figura 85: Ilustração da história 1 (s.p.) 

A partir daí, a Princesa Sabichona propõe a cada candidato a marido passar por provas 
como: fazer as lesmas pararem de estragar seu jardim (figura 86); alimentar seus animais de 
estimação  (figura  87); participar  de  uma  maratona  de  patinação  (figura  88);  andar  de  moto 
pelo campo (figura 89); resgatá­la do alto da torre (figura 90); buscar lenha na floresta (figura 
91); tentar domar seu potro (figura 92); levar sua mãe, a Rainha, para fazer compras (figura 
93); tirar seu anel mágico do tanque de peixinhos (figura 94).
143 

Figura 86: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 87: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 88: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 89: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 90: Ilustração da história 1 (s.p.)
144 

Figura 91: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 92: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 93: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 94: Ilustração da história 1 (s.p.)
145 

Através  das  ilustrações,  podemos  verificar  que  os  candidatos  a  marido  mostram­se: 
com medo e fugindo (figuras 86, 87, 91), exausto (figura 88), com medo e assustado (figuras 
89, 94), sem forças para cumprir o desafio (figuras 90, 92, 93). A falta de destreza de um dos 
candidatos  é  exagerada,  quando  na  ilustração  ele  aparece  caindo  fora  do  plano  (figura  92). 
Nas ilustrações em que a Princesa aparece (figuras 88, 89, 90, 92, 94), esta mostra­se ou ale­ 
gre,  ou  sorridente,  ou  feliz,  ou  rindo,  mas  sempre  satisfeita  pelo  fato  de  os  candidatos  não 
estarem conseguindo cumprir o desafio. Tais homens não são corajosos, nem fortes, nem re­ 
sistentes, nem competentes, e, ainda, mostram­se medrosos, atributos que não são considera­ 
dos desejáveis aos homens. Dessa forma, a história desloca tais atributos para a Princesa Sa­ 
bichona. 
Quando a Princesa Sabichona pensara ter ficado livre dos candidatos, já que ninguém 
conseguiu cumprir a tarefa que lhe coube, aparece o Príncipe Fanfarrão que cumpre todos os 
desafios que os outros não haviam conseguido. As ilustrações mostram sua coragem, ousadia, 
mas,  sobretudo,  criatividade  para  encarar  e  cumprir  os  desafios.  Entre  suas  estratégias  para 
executar  as  tarefas  propostas  pela  princesa  estavam:  alimentar  os  seus  grandões  animais  de 
estimação, usando um helicóptero para distribuir os alimentos (figura 95); andar de moto com 
a princesa de  vendas  nos olhos (figura 96); subir a torre para resgatar a princesa, utilizando 
desentupidores (figura 97); hipnotizar o potro para domá­lo (figura 98). Até andar de patins 
ele conseguiu, mostrando­se competente para isso (figura 99). 

Figura 95: Ilustração da história 1 (s.p.)
146 

Figura 96: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 97: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Figura 98: Ilustração da história 1 (s.p.)
147 

Figura 99: Ilustração da história 1 (s.p.) 

A  Princesa  Sabichona  não  gostou  que  o  Príncipe  Fanfarrão  estivesse  conseguindo 


cumprir todas as suas exigências, como mostra a ilustração (figura 100): 

Figura 100: Ilustração da história 1 (s.p.) 

O Príncipe Fanfarrão apresenta o ideal de masculinidade, isto é, apresenta os papéis, e 
corresponde  aos  padrões ou  regras  arbitrárias  que  nossa  sociedade  estabelece  para  seus  ho­ 
mens. Coragem, força e esperteza parecem ser considerados atributos primordialmente mas­ 
culinos. Walkerdine (1995) diz que “o que é lido como natural na masculinidade pode ser lido 
como não­natural e ameaçador na feminilidade” (p. 217), ou seja, a Princesa Sabichona pode 
até causar estranheza e parecer chata, por suas atitudes e exigências, ao transgredir atributos 
reconhecidos como femininos e representar um outro jeito de ser filha, princesa e mulher. 
A Princesa Sabichona, então, parecendo convencida de que teria mesmo que se casar 
com este príncipe, dá­lhe um beijo (figura 101) – a cena mostra os dois em plano americano. 
Ele se transforma em um sapo enorme (figura 102) – ilustração em plano médio; e foge (figu­
148 

ra 103) – pode­se notar a alegria e  satisfação da princesa e o susto e a brabeza do príncipe­ 
sapo. 

Figura 101: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 102: Ilustração da história 1 (s.p.)  Figura 103: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Diferente de outras princesas, o casamento não é o sonho da Princesa Sabichona. E es­ 
te é mais um deslocamento sobre as relações de gênero e sexualidade que a história apresenta­ 
nos. 
No final da história, a Princesa aparece, novamente, cercada de seus animais de esti­ 
mação (figura 104), assim como aparece no início da história. Sabendo o que tinha acontecido 
com o  Príncipe  Fanfarrão, ninguém  mais  quis  se  casar  com  ela...  O  texto  termina:  “...  e  ela 
viveu feliz para sempre”. 

Figura 104: Ilustração da história 1 (s.p.) 

Dentre as histórias analisadas, a única que parece não terminar em matrimônio é esta.
149 

Ou seja, a princesa não precisou manter o príncipe a tiracolo, por um lado; por outro, 
com tal personalidade, não lhe é dada a opção de casar, pois, ao se mostrar “mais esperta”, 
“perde” o marido. Esta é uma possibilidade de leitura que se faz... 
Em Pr íncipe Cinderelo (história 2), a história começa assim: 

O Príncipe Cinderelo nem parecia príncipe. Era baixinho, sardento, magricela e andava molambento. 
O Príncipe tinha três irmãos enormes, muito peludos, que viviam caçoando do jeito dele. (s.p.) 

As ilustrações mostram em uma página, o Príncipe Cinderelo, pequeno, de calças re­ 
mendadas, em close (figura 105) e, na página ao lado, os três irmãos em plano americano (fi­ 
gura 106). 

Figura 105: Ilustração da história 2 (s.p)  Figura 106: Ilustração da história 2 (s.p) 

Os irmãos do príncipe Cinderelo sempre iam à Discoteca do Palácio com suas namo­ 
radas princesas, enquanto o príncipe Cinderelo ficava em casa limpando a sujeira deles (figura 
107). Seu sonho era ser forte e peludo como os irmãos (figura 108). Por isso, quando a apare­ 
ceu uma fada bem sujinha pela chaminé (figura 109), Cinderelo fez seu pedido (figura 110). 
Tais  ilustrações aparecem em plano geral, mostrando­nos o local onde acontecem os fatos a 
cada imagem.
150 

Figura 107: Ilustração da história 2 (s.p)  Figura 108: Ilustração da história 2 (s.p) 

Figura 109: Ilustração da história 2 (s.p)  Figura 110: Ilustração da história 2 (s.p) 

Cabe perguntar:  força e robustez são características masculinas “naturalmente” dese­ 
jáveis? 
Acontece que a magia da fadinha não deu muito certo (figura 111) e ele transformou­ 
se num macaco (figura 112). A seqüência das magias executadas por ela é apresentada, mos­ 
trando tal transformação (figura 111). Depois de transformado, o príncipe­macaco é mostrado 
em plano médio (figura 112).
151 

Figura 111: Ilustração da história 2 (s.p) 

Figura 112: Ilustração da história 2 (s.p) 

Por causa do encantamento, ele não sabia que tinha virado macaco e vê­se, então, co­ 
mo um lindo príncipe (figura 113) – ilustração em close – e sai para a discoteca, achando­se 
um  homem  forte  e peludo.  Quando  chegou  no  baile  real,  nem  conseguiu  passar pela  porta. 
Então, resolveu pegar um ônibus para voltar para casa, quando  viu uma bela princesa espe­ 
rando no ponto de ônibus. Ela se assustou ao vê­lo (figura 114) – ilustração em plano geral. 
Em seguida, o relógio bateu meia­noite e ele voltou a ser como era antes (figura 115) – ilus­ 
tração em plano geral. A princesa, achando que ele a tinha salvo do enorme macaco peludo, 
abraçou­o.
152 

Figura 113: Ilustração da história 2 (s.p) 

Figura 114: Ilustração da história 2 (s.p) 

Figura 115: Ilustração da história 2 (s.p)
153 

Mas o Príncipe Cinderelo fugiu (figura 116), porque era muito tímido, como diz o tex­ 
to: 

“Espere!”, ela gritou, mas o Príncipe Cinderelo era muito tímido. Saiu correndo e até perdeu a calça! (s.p.) 

Figura 116: Ilustração da história 2 (s.p) 

Mais  uma  vez  as  princesas  fortes  não  “ficam” 29  com  os príncipes  fracos  nos  “novos 
contos de fadas”. Até onde vai a transgressão para elas? E para eles? 
Na pesquisa de Neuls (2004) sobre as representações de masculinidade no programa A 
Turma do Didi, 30  a autora mostra que o personagem Didi reiteradamente cobra de outro per­ 
sonagem — Tatá — que ele não demonstre medo das coisas, já que “macho que é macho não 
pode ter medo de nada”. Neuls (2004) afirma ainda que o medo e a covardia parecem estar 
ligados à feminilidade, conforme observou em personagens femininas que aparecem no pro­ 
grama. Dessa forma um homem de “verdade” não pode ter medo: ele precisa enfrentar as si­ 
tuações com ousadia e valentia, pois, como lembra a definição de príncipe encantado do di­ 
cionário, deve ser jovem, belo e valente. 31 

29 
“Ficar” é uma expressão moderna, surgida no final do século XX, que significa manter convívio com alguém 
por tempo indeterminado sem compromisso de estabilidade ou fidelidade amorosa (HOUAISS, 2004). 
30 
Programa dominical comandado por Renato Aragão, exibido pela Rede Globo de Televisão. Ver pesquisa em 
Neuls (2004), cf. ref. bibliográfica. 
31 
Segundo  o  dicionário  (HOUAISS;  VILLAR,  2001),  príncipe  encantado  é  aquele  que  é  “jovem,  belo,  nobre, 
rico e valente, que se casa com a jovem pobre e sofredora [...] [ou então] o homem ideal ou idealizado;  aquele 
que corresponde a todos os sonhos ou desejos de uma pessoa”.
154 

Neuls (2004) analisa um programa televisivo, que é um tipo de pedagogia cultural, en­ 
quanto eu analiso os “novos contos de fadas”, que também estão ensinando sobre comporta­ 
mentos esperados e desejáveis a homens e a mulheres. 
Voltando à história, a Princesa Belarrica, como o nome diz, mandou anunciar que es­ 
tava à procura do dono da calça (figura 117). Todos os príncipes da redondeza tentaram vestir 
a calça à força e não conseguiram, até os irmãos do Príncipe Cinderelo  (figura 118), mas, é 
claro, que a calça só serviu nele (figura 119). Cinderelo e Belarrica casaram­se e viveram feli­ 
zes para sempre (figura 120). A pedido da Princesa Belarrica, a fada transformou os três ir­ 
mãos peludos de Cinderelo em fadas domésticas (figura 121). É evidente a dimensão parodís­ 
tica do livro ao conhecido conto de fadas “Cinderela” ou “A Gata Borralheira”. 

Figura 117: Ilustração da história 2 (s.p) 

Figura 118: Ilustração da história 2 (s.p)  Figura 119: Ilustração da história 2 (s.p)
155 

Figura 120: Ilustração da história 2 (s.p)  Figura 121: Ilustração da história 2 (s.p) 

Nestes dois “novos contos de fadas” (história 1 e história 2), destacam­se as iniciativas 
da  mulher  (através  das  atitudes  das  princesas),  revelando  que  os  homens  (como  os  prínci­ 
pes/candidatos a maridos) ficam confusos, sem saber o que fazer frente a este comportamento 
das  mulheres  (Princesa Sabichona  e Princesa  Belarrica).  Os  príncipes  confusos  viram  sapos 
ou passam a assumir características que eram antes de personagens femininas. 
Em  tais  histórias  aparecem  personagens  príncipes  e  princesas  apresentando  diversos 
modos de exercerem suas feminilidades e masculinidades. Vimos princesas como a Princesa 
Sabichona e Belarrica: determinadas, decididas, trabalhadoras (dão banho em animais, pegam 
ônibus), isto é, passando a representar padrões reconhecidos como masculinos. Vimos prínci­ 
pes  sem  coragem,  submissos,  fazendo  tarefas  domésticas,  assim  como  também  apareceu  o 
Príncipe Fanfarrão, que foi ousado, determinado, criativo, como disse antes, mas que, ao ser 
beijado pela princesa, invertendo o padrão da história de masculinidade, vira sapo. 
Em tais contos, não se trata de somente inverter padrões: os fracos passam a ser fortes 
e  vice­versa.  Mas  eles  operam  algumas  transgressões  importantes  como  a  da  princesa  que 
prefere  ficar  sozinha,  ou que prefere  até pintar  as  unhas  a  ouvir  a  falação  dos pretendentes. 
Mostram homens fracos, outros destemidos ou fanfarrões. Estes “novos contos de fadas” nos 
ensinam que não há um jeito único ser homem e de ser mulher e que podemos experimentar 
vários modos de vivermos a sexualidade no dia­a­dia. Eles rompem com os discursos hege­ 
mônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”.
156 

b)  “Novos  contos  de  fadas”:  parodiando  os  clássicos  e  ensinando  outros  caminhos  de 
exercer a feminilidade e a masculinidade 

A história A Bela Desador mecida (história 9) faz uma paródia à história clássica, tra­ 
zendo­a para o contexto urbano dos dias atuais, incorporando elementos da contemporaneida­ 
de. O texto é em versos, com uso de rimas. Trata­se de uma narrativa poética, contando a his­ 
tória de uma menina. A personagem principal da história é representada por diferentes modos 
de exercer sua feminilidade: de uma garotinha quietinha e submissa, passa a mostrar­se uma 
garota esperta e decidida. 
Todas as ilustrações do livro são feitas em cores pastéis, em que predominam o mar­ 
rom e o bege. 
A narração é em primeira pessoa. A história inicia assim: 

Um dia eu nasci 
E era uma gracinha. meus pais exclamaram: 
“É a nossa Belinha!” (s.p) 

A  ilustração  apresenta  o bebê  no berço;  sua  imagem  é refletida  no  espelho.  Aparece 
um quarto de bebê de uma moradia moderna (figura 122).
157 

Figura 122: Ilustração da história 9 (s.p) 

Segue o texto: 

Meus pais, de tão felizes 
Com o bebê (que era eu), 
Armaram uma festa: 
“Nossa filha nasceu!” 

Na maior animação, 
Espalharam a notícia: 
“De trem, ou de bicicleta, 
Ou de carro de polícia, 

”Venham todos festejar 
A chegada de Belinha!” 
Só não chamaram a bruxa 
(Por azar, nossa vizinha). (s.p.) 

O texto tem duplo sentido e atualiza a representação de bruxa, ao reconhecer a vizinha 
que ninguém gosta dessa forma.
158 

Porém, mesmo sem ser convidada, a bruxa entrou na casa, que estava cheia, não cum­ 
primentou ninguém, foi dando cotoveladas em todo mundo, olhou o bebê no berço, deu­lhe 
um beijo estalado e profetizou que, quando Bela completasse catorze anos, iria picar seu dedo 
e todos iriam dormir cem anos, bem dormidos. Todos os convidados ficaram espantados. En­ 
tão,  a bruxa  disse  que para  não  parecer  tão  má...  na  hora  exata  iria  aparecer  um  roqueiro  e 
acordaria a garota. 
O texto continua: 

Eu era muito pequena 
E não entendia nada, 
Mas meus pais ficaram loucos 
Com o presente da malvada. 

Depois de muito pensar, 
Vieram com a decisão: 
Nada de afiado ou pontudo 
Ia tocar na minha mão. 

Jogaram fora garfos, facas, 
E até o anel da titia 
(O que fosse perigoso 
Pra minha pele macia). (s.p.) 

Em seguida, aparece a princesa crescida e o seu pai barbudo (figura 123) com o texto 
dizendo que, quando ficou maior, ela notou que não podia pregar botão, cortar bolo, patinar 
no gelo, aparar o cabelo, entre outras coisas, para as quais seus pais não lhe explicavam a ra­ 
zão. Seu pai todo barbudo não se queixava, estava preocupado e de olhos bem abertos. A ilus­ 
tração mostra a menina sentada, tranqüila, ouvindo seu walkman e o pai, ali por perto, com o 
jornal na mão. Seria essa uma referência à típica  representação de pai (homem maduro com 
jornal na mão)?
159 

Figura 123: Ilustração da história 9 (s.p) 

Então, chegou o famoso dia dos catorze anos...: 

Foi quase a minha morte, 
O fim dos meus belos planos, 

Porque quando entrei no quarto, 
Meu coração gelou: 
Aquela mulher pálida, 
Que nem sequer se virou, 

Só podia ser a bruxa! 
“Quem é você?”, perguntei. 
“Entrou aqui por engano? 
Está procurando alguém?” 

“Vim trazer o seu presente, 
Bela querida!”, e me deu 
Aquela roda preta. 
“É um antigo long­play! 

“Você quer ouvir disco, 
Ou será que está com medo? 
Encoste aquela agulha 
No disco: não tem segredo!”
160 

Bela tocou a agulha, caiu no sofá e ficou com sono. Na casa todos dormiam profun­ 
damente.  Bela  vestiu  o  pijama  e  foi  dormir  também. Cedinho  da  manhã, ela  acordou  como 
sempre e ao ver os pais dormindo, foi acordando­os. A mãe quis saber se já haviam dormido 
cem anos. E Belinha respondeu: 

“Que nada!”, respondi. 
“O feitiço falhou 
Porque na hora H 
Pus o despertador.” (s.p) 

Na verdade, ela programou para o seu roqueiro preferido a acordar cantando rock. Fi­ 
nalizando o conto, Bela explica o que tinha acontecido aos pais, antes de ir à escola, e escreve 
um bilhete ao seu roqueiro. Depois, aparece Bela indo para escola, sendo questionada pelas 
pessoas: “o que aconteceu com o roqueiro?”, “Vocês dois viveram felizes para sempre?” (s.p.) 
A última cena mostra o desfecho da história (figura 124), com a resposta de Belinha: 
“Adivinhou!” (s.p.) 

Figura 124: Ilustração da história 9 (s.p)
161 

Foi  graças  à  esperteza  da  princesa,  que  sua  história  mudou.  Esta  não  adormece  e  a­ 
guarda que a profecia se cumpra, mas, antes, escolhe como será acordada pelas manhãs, com 
a voz melodiosa do seu roqueiro predileto. 
É interessante percebermos que, apesar de os livros fazerem um certo esforço no sen­ 
tido de posicionar as princesas como mulheres/garotas menos passivas, ainda assim tais histó­ 
rias reforçam a idéia de que é preciso ter um marido para exibir... (seja ele um roqueiro, “ou 
mesmo que ele seja um lagarto, ou um sapo sem graça, enfim, um zero à esquerda”). 
Belinha,  que parecia  tão  quietinha,  pouco­falante,  acaba  sua  história  unida  ao  seu  a­ 
mor. Será que estas características foram as que garantiram seu “final feliz”? Ou melhor: será 
que tais características não possibilitam a repetição do padrão dos contos clássicos modernos? 
Mais: os contos clássicos e os modernos foram inventados para representar um determinado 
contexto, enquanto que os “novos contos de fadas” estariam sendo inventados para represen­ 
tar um outro contexto? 
Esta  história  não pareceu tão transgressora ou tão inovadora em relação a comporta­ 
mentos tradicionalmente esperados para as mulheres e homens. Mais uma vez, nesta história, 
mostrou­se a mulher romântica e o homem salvador, pois que fim teria tido Belinha sem seu 
roqueiro preferido? 

c) Histórias romantizadas x Histór ias humor ísticas: ensinando sobr e os gêneros 


As histórias Minha versão da histór ia: A Bela Ador mecida (história 3), Minha ver­ 
são  da  histór ia  /  contada  por  Branca  de  Neve  (história  5)  e Minha  ver são  da  histór ia  / 
contada por  Cinderela (história 7) são semelhantes aos contos de fadas modernos, apresen­ 
tando algumas características da contemporaneidade, o que faz com que possamos reconhecê­ 
las no grupo dos “novos contos de fadas”. Estas histórias são as que operam menos transgres­ 
sões  de  gênero.  Muda­se o  foco  narrativo  de tais  histórias,  contemplando o uso da primeira 
pessoa. 
Nestas  três  histórias  (histórias  3,  5  e  7),  as  personagens  principais  contam­nos  suas 
histórias,  a  partir  de  suas  versões,  aquelas  mais  popularizadas,  as  versões  romantizadas.  As 
princesas Aurora (Bela Adormecida), Branca de Neve e Cinderela apresentam características, 
evidenciadas nos textos e ilustrações, muito parecidas em suas histórias: são bondosas e mei­ 
gas (figura 137); mostram inocência  e  ingenuidade (figuras 129, 136, 141, 142); conversam 
com os  animais  (figuras  125, 126, 140, 147); são  submissas  a  alguém,  prestando  serviços  a 
essa pessoa (figuras 132, 133, 145, 146, 148); sonham com o príncipe encantado (figuras 127,
162 

128, 134, 135, 142, 150); mostram­se frágeis e/ou com medo (figuras 138, 139, 149); termi­ 
nam suas histórias casando­se com o príncipe que as salva do perigo (figuras 130, 131, 143, 
144, 151, 152). 
Os elementos da contemporaneidade que aparecem em tais histórias são: 
Em Minha versão da histór ia: A Bela Ador mecida (história 3), sendo que esta pare­ 
ce ser a que traz mais elementos próximos dos contos clássicos antigos, Rosa Silvestre (como 
era chamada pelas tias/fadas madrinhas, antes de saber que era uma princesa) mostra­se ingê­ 
nua ao falar sobre seu nascimento, mas, ao mesmo tempo, traz para a história uma reflexão 
que, com certeza, nos clássicos e modernos contos de fadas não existiam: 

Desde bebê eu morei com minhas tias na velha casa do lenhador. Tia Flora dizia que tinham me encontrado no 
jardim embaixo  de uma  folha de repolho. Claro que ela  estava  me  fazendo de  boba. Eu sei que  foi a cegonha 
que me trouxe, como  faz com todo  mundo. Elas são  mulheres adoráveis, queridas, são  como  mães  para  mim, 
mas poderiam ser um pouco mais diretas. (p.6) 

Por outro lado, essa história não fala da produção independente, do bebê de proveta, 
da inseminação artificial, etc., ou até mesmo da gestação e do nascimento como ele de fato 
ocorre, quando é do modo convencional, sem que seja necessário nenhum outro tipo de trata­ 
mento. 
Depois, ao chegar em casa, no dia de seu aniversário de dezesseis anos, e ver a surpre­ 
sa que as tias tinham lhe preparado, Rosa Silvestre narra: 

Minhas tias  eram as  mulheres  mais doces do  mundo,  mas iriam  à falência  se  tivessem de cozinhar, limpar  ou 
costurar para viver. Elas não tinham feito aquele lindo bolo. E eu sabia que nenhum confeiteiro faria entregas na 
floresta. (p.23) 

Vemos  aí  um  outro  elemento  da  contemporaneidade,  que  são  os  serviços  de  tele­ 
entrega. Nas versões clássicas e modernas estas considerações não apareciam na história.
163 

Figura 125: Ilustração da história 3 (p.8)  Figura 126: Ilustração da história 3 (p.11) 

Figura 127: Ilustração da história 3 (p.15)  Figura 128: Ilustração da história 3 (p.16)
164 

Figura 129: Ilustração da história 3  Figura 130: Ilustração da história 3  Figura 131: Ilustração da história 3 


(p.31)  (p.32)  (p.35) 

Em Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve (história 5), Branca de 
Neve reclama que a madrasta a fez esfregar a escada do calabouço três vezes, argumentando­ 
lhe que era um bom exercício (figura 132). Tal narrativa remete­nos à idéia da preocupação 
com a saúde, mas, sobretudo, com o corpo e a estética tão recorrentes na atualidade. Do mes­ 
mo  modo,  a  princesa  reclama  que  a  madrasta  não  lhe  deixa  comer  coisas  gostosas  (figura 
133). Mais adiante, na história, quando Branca de Neve prepara a refeição para os anõezinhos 
que estão trabalhando na mina, aparece na ilustração (figura 141) ela cozinhando, utilizando 
um  livro  de  receitas  com  o  seguinte  título  “101  receitas para  fazer  os  homens  ficarem  com 
água na boca”. Seria esta uma referência aos famosos livros de auto­ajuda com suas “mirabo­ 
lantes receitas” para tudo que se quer nesta vida? Como diz Silva (2001, p. 41): “Eles abran­ 
gem toda a gama da conduta humana, toda nossa vida psíquica e social, das relações amorosas 
e sexuais até as melhores formas de se tornar rico e fazer sucesso”. 
E, ainda, no final da história, a última  ilustração, ao pé da página, mostra Branca de 
Neve e  seu príncipe indo embora. Ela montada no cavalo e ele conduzindo­a. O príncipe, o 
homem conduz o caminho de Branca de Neve. Mas ela se vira para o/a leitor/a e dá uma pis­ 
cadela  maliciosa...  (figura  144).  Aqui  aparece  uma  representação  típica  da  mulher,  pois  se 
costuma dizer que elas conseguem o que querem dos homens fazendo­os sentirem­se “donos” 
da situação. Porém, poderíamos entender também que ocorre um “jogo” entre ambos: homem 
e mulher “fazem de conta” que cedem, que mandam, que conduzem.
165 

Figura 132: Ilustração da história 5 (p.4)  Figura 133: Ilustração da história 5 (p.7) 

Figura 134: Ilustração da história 5 (p.8)  Figura 135: Ilustração da história 5 (p.11) 

Figura 136: Ilustração da história 5  Figura 137: Ilustração da história 5  Figura 138: Ilustração da história 5 


(p.12)  (p.14)  (p.16)
166 

Figura 139: Ilustração da história 5 (p.19)  Figura 140: Ilustração da história 5 (p.23) 

Figura 141: Ilustração da história 5 (p.33)  Figura 142: Ilustração da história 5 (p.34)
167 

Figura 143: Ilustração da história 5 (p.36) 32  Figura 144: Ilustração da história 5 (p.37) 

Em Minha ver são da histór ia / contada por Cinderela  (história 7), quando a Fada 


Madrinha aparece para ajudar Cinderela a ir ao baile (figura 149), apresenta­se: 

Sou Dorabella, vice­presidente das Transformações Regionais, e vim aqui para ajudá­la. (p.25) 

Com certeza, os clássicos e modernos contos não traziam referências a cargos de pre­ 
sidência e vice­presidência, nem mesmo a corporações de trabalho como esta. Hoje em dia, há 
uma vasta oferta, inclusive em jornais, de prestação de serviços para tudo: arranjar namorado, 
ser acompanhante em festas, reformar o guarda­roupas, preparar comidas mais saudáveis, etc. 

Depois, durante o baile, no castelo real (figura 150), temos a seguinte narração (p.29): 

­ Com licença, posso ter a honra desta dança? 
Girei em torno de mim mesma, pega de surpresa. Um rapaz muito bonito, usando um button SALVEM AS 
BALEIAS na lapela, estava ali sorrindo para mim. 
­ Claro – respondi. Eu estava admirando os diversos quadros de cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as 
paredes. 
Enquanto me conduzia para a pista de dança, ele perguntou: 
­ Você gosta de animais? 
­ Adoro! – eu disse. – Nunca tinha visto retratos tão lindos de galinhas. 
O rosto dele se iluminou. 
­ Algum dia vou estudar as galinhas – ele contou –, se eu entrar na faculdade de veterinária. 
­ Você quer ser veterinário? – perguntei. – Eu também! 

32 
Interessante esta imagem que nos dá a perspectiva da cena, a partir do local onde está Branca de Neve!
168 

Ele olhou fundo nos meus olhos. 
­ Tenho um pressentimento de que somos as únicas duas pessoas aqui que têm este sonho. Tenho sorte de tê­la 
encontrado. 

Cabe questionar: príncipes e princesas representariam aqui os anseios de ambientalis­ 
tas? Qual o sentido de estarem se ocupando com certos animais que não estão na lista dos que 
correm risco de extinção? 
Esta história termina de um jeito diferente... 
Depois de experimentar o sapatinho e perceber que iria casar­se com o príncipe (figura 
151), Cinderela profere à madrasta e irmãs (p.36): 

­ Você terá de lavar e passar sua própria roupa de agora em diante – eu disse à madrasta e às filhas dela. – Vou 
estar ocupada com outras coisas 

Depois (figura 152), narra Cinderela (p.39): 

O príncipe e eu abrimos nosso consultório assim que terminamos a faculdade de veterinária. Estamos muito 
ocupados, mas adoramos isso. Os camundongos, o cavalo Bruno e as galinhas moram com a gente, junto com 
um bando de outros animais, todos muito saudáveis. As cobaias até concordaram em servir de cobaia para mi­ 
nha mais nova especialização: modificação do comportamento animal. 
Minha esperança é fazer Lúcifer submeter­se a esse tratamento. 

Este “novo conto de fada” encerra contando que príncipe e princesa, além de casarem­ 
se,  estudaram,  formaram­se  e  trabalham  juntos.  A  princesa  está  fazendo  até  especialização! 
Haveria, assim, uma alusão aos direitos iguais, próprios da revolução feminina, nesta história? 
Ou estaria ela, dessa forma, representando o mundo contemporâneo, ao transformar em ques­ 
tões cotidianas problemas mundiais?
169 

Figura 145: Ilustração da história 7 (p.7)  Figura 146: Ilustração da história 7 (p.15) 

Figura 147: Ilustração da história 7 (p.16)  Figura 148: Ilustração da história 7 (p.21)
170 

Figura 149: Ilustração da história 7 (p.24)  Figura 150: Ilustração da história 7 (p.28) 

Figura 151: Ilustração da história 7 (p.37)  Figura 152: Ilustração da história 7 (p.38) 

Nestes “novos contos de fadas (histórias 3, 5 e 7), temos as características desejáveis 
de uma moça casadoira. As histórias  apresentam  fatos novos, acrescentando outros ao final, 
mas  mantêm  os famosos  matrimônios.  Segundo Rael  (2003), podemos observar  que,  nesses 
casos, “[...] o comportamento feminino é definido e regulado a partir do masculino, isto é, são 
os exemplos ditados pelo masculino que delimitam o modo de agir da mulher. É o masculino 
quem tem o poder de instituir a representação, de falar sobre o outro, nesse caso específico, de 
falar sobre a mulher.” (p. 165). 
Dessa forma, aos poucos vai se construindo uma outra representação de feminilidade 
regulada a partir do masculino: a mulher para casar não pode ser fútil, mas também não pode
171 

ser  esperta  demais,  nem  inteligente  demais.  Mostram­se  princesas  que  se  apaixonam  perdi­ 
damente à primeira vista (uma idéia de amor romântico), reforçando a idéia de que as mulhe­ 
res são vulneráveis, fúteis e interesseiras. Há um deslocamento, na história de Cinderela (his­ 
tória 7), uma vez que ela atinge o mesmo status cultural e social que o marido, já que ambos 
formaram­se e trabalham em Veterinária. 
Percebe­se, também, que a tagarelice não é característica aconselhável para uma moça 
que pretenda se casar: ela precisa ser como a princesa gentil que se faz de desamparada e des­ 
protegida  a  fim  de  conseguir  seu  tão  sonhado  casamento.  Estudo  de  Silveira  (2002)  ilustra 
como a literatura infantil representa as professoras fazendo uso dos gritos, palavras difíceis, 
verborragia, mostrando, portanto, que esta é uma representação bastante presente das mulhe­ 
res. Nas pesquisas de Rael (2003) e Sabat (2004), sobre alguns filmes da Disney, as autoras 
argumentam que a tagarelice e a fofoca sempre foram relacionadas ao feminino, embora como 
características não desejáveis. Assim, nos desenhos animados, quer seja pelas músicas ou pe­ 
los diálogos, apenas a moça retraída, a quietinha é quem casa, ou seja, “se a garota possui os 
atributos que o homem privilegia, ele casa. Caso contrário, o homem se zanga e vai embora.” 
(RAEL, 2003, p. 165). 
Sabat (2003), ao analisar os filmes da Disney ressaltou que nestes a heterossexualida­ 
de é invariante. “Independente do argumento central do roteiro, há início, meio e fim de um 
relacionamento amoroso, de um romance, com o clássico final feliz!” (p.101). Podemos dizer 
o  mesmo  para  tais  “novos  contos  de  fadas”  da  Disney.  As  princesas  e  os  príncipes  trilham 
caminhos diversos, mas terminam no altar. 
Todas as histórias analisadas mostram a heterossexualidade como a única possibilida­ 
de  de  união  amorosa,  enfatizando  que  os  sujeitos  devem  constituir  uma  família  através  de 
uma união legal e cristã (SABAT, 2003), isto é, a heterossexualidade se constitui como a se­ 
xualidade válida e desejável tanto para homens quanto para mulheres. Sabat (2004) argumenta 
que  “a  normalização  de  algumas  identidades,  como  a  heterossexual,  tem  como  efeito  a  sua 
‘naturalização’, jogando para o campo da anormalidade outras identidades que se constituem 
de formas diferentes das hegemônicas.” (p. 103). 
Como disse no início das análises desta seção, estas histórias se pretendem contempo­ 
râneas. Mas será que podemos posicioná­las deste modo por trazerem algumas questões que 
reconhecemos como contemporâneas, como o uso de determinadas tecnologias ou a discussão 
de determinados problemas, sem nos questionarmos sobre a permanência de outras já existen­ 
tes nos contos clássicos ou nos modernos ou sobre sua reapresentação mais sutil ainda, como
172 

veremos  nas  próximas  histórias  que  examino?  Ou  seja,  há  uma continuidade de discursos  e 
suas representações em tais  histórias, como nos “novos contos de fadas”, uma vez que estes 
lhes dão identidade como contos de fadas. 
Já  as  histórias  Minha  ver são  da  história:  Malévola  (história  4),  Minha  ver são  da 
história / contada pela Rainha (história 6) e Minha versão da histór ia / contada pela Ma­ 
dr asta (história 8) são “novos contos de fadas”, fazendo uma paródia às versões romantizadas 
e  clássicas  que  destacam  as  princesas.  Nestas  histórias,  as  personagens,  consagradas  como 
más, contam as suas versões, repletas de justificativas e argumentações para cada fato conhe­ 
cido, tentando convencer o/a leitor/a de que personificam “o bem”. O foco narrativo está na 
primeira pessoa. Malévola (história 4), a Rainha, que é a madrasta de Branca de Neve (histó­ 
ria 6) e a Madrasta de Cinderela (história 8) mostram­se, pela narração e pela ilustração, como 
pessoas maternais, bondosas e cuidadosas com as princesas, querendo sempre ajudá­las e sen­ 
do, por isso, mal­interpretadas (figuras 155, 156, 160, 161, 162, 164), podendo ser vistas co­ 
mo mais sutis em suas maldades por um/a leitor/a menos arguto/a. 
Malévola (história 4) diz ser uma bem sucedida mulher de negócios (figura 153). So­ 
bre sua empresa “Melhorias Aparentes Ltda” (M.A.L.) ela diz (p.3): 

Somos especializados  em magia n... quero dizer, mercado empresarial. E posso assegurar que temos filiais em 
todos os cantos do mundo. 

Ela reclama que, para ter esse sucesso, não foi barato. E que foi vítima de diversas fo­ 
focas maldosas. 
Ela diz (p.4): 

Na verdade, é impressionante o que as pessoas são capazes de dizer para arrastar o nome de uma mulher boa e 
batalhadora para a lama. 

Diz  ainda  que  sempre  fez  sacrifícios  para  poder  ajudar  a  princesa.  Aquele  mal­ 
entendido, no dia do batizado da princesa, prejudicou seus negócios. Na verdade, ela foi ofe­ 
recer emprego à princesa, porque possuía várias indústrias têxteis no reino, especializadas em 
transformar palha  em ouro. E  foi  mal  interpretada.  Quando o  Rei  Estevão  mandou queimar 
todas as rocas do reino, isso prejudicou seus negócios, além de gerar uma tremenda crise da 
moda! Mais tarde, na ocasião, do aniversário da princesa, ela tinha dado um calmante para a
173 

princesa adormecer e se acalmar, pois estava preocupada em encontrar o seu camponês, por 
quem tinha se apaixonado e estava prometida ao Príncipe Felipe, sem saber que ambos era a 
mesma  pessoa.  Enfim,  a  Rainha  Malévola  argumenta  que todas  as suas  ações foram  com o 
objetivo de ajudar, dar assistência à princesa. No fim, termina aliando­se a alguns amigos para 
os  próximos  empreendimentos  comerciais  (figura  154).  Mais  uma  vez,  a  semelhança  se  dá 
pela atualização do problema, através de situações que reconhecemos no noticiário, tornando­ 
se, assim, um conto com elementos contemporâneos. 

Figura 153: Ilustração da história 4 (p.2)  Figura 154: Ilustração da história 4 (p.29) 

A Rainha (história 6), madrasta de Branca de Neve, diz sempre ter gostado de Branca 
de Neve. Tudo o que tinha feito fora para o seu bem. Começa, então, justificando­se ao/à lei­ 
tor/a (p.3): 

Em  primeiro lugar, a não ser que  você  mesmo já tenho  criado uma adolescente,  você não  tem idéia de como 


isso  é desgastante. As  adolescentes são  preguiçosas. São  mal­educadas.  Elas só  comem  porcaria. Usam umas 
roupas  ripongas.  E  precisam  de  vigilância  constante,  porque  não  podem  ver  um  menino  na  frente.  Branca  de 
Neve era uma adolescente típica. Talvez você tenha ouvido diferente. Mas se tem uma coisa que eu faço bem é 
pegar as coisas no ar. 
Em  segundo  lugar,  eu  era  a  madrasta   dela.  Madrastas  têm  uma  má  reputação.  Elas  são  sempre  chamadas  de 
“cruel” ou “bruxa”. Por alguma estranha razão, o mundo inteiro as odeia. Por quê? Não tenho a menor idéia. 
O que eu sei é que uma mãe “verdadeira” pode ser implicante o tempo inteiro, mas ninguém olha torto para ela. 
No entanto, se a madrasta perde a paciência uma única vez, sai na primeira página da Folha da Floresta . 
Para completar, eu sou uma viúva. Não estou tentando fazer você ficar com pena de mim, pode estar certo dis­ 
so. Mas, quando meu marido morreu, eu tive que cuidar da Branca de Neve – e sozinha! Eu era uma mãe traba­ 
lhadora e solitária que não recebia nem um tiquinho de ajuda de ninguém. E, quando as coisas saíam errado, eu 
sempre levava a culpa. Continue lendo e tire suas próprias conclusões.
174 

A  Rainha  problematiza  a  recorrente  representação  às  madrastas,  vitimizando­as,  ao 


mesmo tempo em que coloca a enteada na posição menos desejável. Estaria, assim, desnatura­ 
lizando­as? 
A Rainha segue sua versão da história, contando, para tanto, com palavras e imagens, 
sendo  que  sua  expressão,  nas  imagens  em  que  aparece  com  Branca  de  Neve,  remete­nos  à 
idéia  de  amor,  carinho  e  cuidado,  apresentando,  portanto,  nas  imagens,  uma  outra  história, 
para o par madrasta e enteada (figuras 155 e 156). Felipe (1999) diz que um dos modelos de 
feminilidades apresentados com maior freqüência é este que “circula a concepção de que elas 
[as mulheres] são detentoras de determinadas características tidas como naturais”’, em especi­ 
al aquelas voltadas para o cuidado, desvelo e dedicação (p.174). Ou seja, a madrasta é repre­ 
sentada  dessa  forma  nas  imagens,  ao  mesmo  tempo  em  que  é  representada  como  uma  vilã 
disfarçada por meio do texto escrito. 

Figura 155: Ilustração da história 6 (p.2)  Figura 156: Ilustração da história 6 (p.8) 

A Rainha não se diz vaidosa, mas ter o dom da beleza natural (figura 157). Disse que 
se  preocupava  com  Branca  de  Neve  que usava  sempre o  mesmo  vestido  esfarrapado,  nunca 
fazia exercícios e não tinha uma alimentação saudável. Por isso achou que sua enteadazinha 
precisava de disciplina. Quando viu Branca de Neve com um rapaz, ficou preocupada: e se o 
estranho fosse um criminoso? Um seqüestrador? Adolescentes de paixonite não são fáceis de 
lidar. Na verdade, ela diz que queria promover um revigorante passeio pela floresta a Branca 
de Neve, quando esta sumiu. Depois, teve que fazer a “Operação Resgate de Branca de Ne­ 
ve”.  Mas  não  disfarçou­se  para  isso,  como dizem.  Apenas  não  usou  a  coroa, nem  o  manto,
175 

nem as jóias, nem maquiagem. Mas sim colocou uma roupa e tênis confortáveis (figura 158). 
Não estava indo para um encontro! Ofereceu maçãs, porque a menina só estava comendo por­ 
carias  e  se  preocupava  com  sua dieta.  Quando  Branca  de  Neve  caiu  em  sono  profundo,  ela 
correu à procura de um gastroenterologista, mas foi difícil encontrar um na floresta que aten­ 
desse a domicílio. Agora, destronada, sente falta do poder, mas não do estresse e da pressão 
que vêm junto com ele. Agora gosta muito de trabalhar em uma loja que vende produtos natu­ 
rais (figura 159). Cabe perguntar: o quanto tal madrasta é representada cheia de boas inten­ 
ções ou participa de uma trama na qual é representada tentando encobrir sua versão clássica 
de “bruxa” com “pele de cordeiro”? Nossas múltiplas identidades estariam, assim, representa­ 
das,  mostrando quanto  as personagens  se  aproximam  de  versões  mais  humanas,  e,  por  isso, 
mais contraditórias e frágeis? 
A Rainha ensina­nos como cuidar, controlar e  vigiar o corpo feminino. Seu discurso 
soma­se àqueles que defendem um modelo de corpo ideal: magro, alto, belo, branco, jovem, 
heterossexual,  saudável.  Ou  seja,  faz  circular  na  literatura  infantil  um  discurso  que  circula 
amplamente na mídia, atualizando sua personagem e vaidades. 
Além disso, a beleza e a vaidade sempre foram características atribuídas ao feminino. 
Esse culto à sensualidade feminina e à sua beleza tem feito “circular um discurso hegemônico 
de beleza, procurando assim estabelecer um controle cada vez maior sobre os corpos femini­ 
nos, apesar de todo um discurso de suposta liberdade das mulheres (FELIPE, 1999, p. 172). A 
autora ainda chama a atenção para o seguinte fato: “este constante apelo à beleza tem levado a 
conseqüências preocupantes, como o grande índice de meninas que cada vez mais cedo vêm 
sofrendo  de  anorexia  e/ou  bulimia,  ou  ainda  se  submetendo  às  cirurgias  plásticas”  (1999, 
p.172). Dornelles (1999 apud FELIPE, 1999, p. 172) também destaca que diferentes publica­ 
ções voltadas para o público infanto­juvenil têm a preocupação de fornecer às suas pequenas 
leitoras “dicas” de beleza, moda, além de sugestões para manter o corpo em forma... Esta his­ 
tória analisada, fala em dieta, exercícios para tonificar os músculos, ter uma alimentação sau­ 
dável, escolher melhor as roupas... Nossos pais, a mídia, os amigos não nos falam cotidiana­ 
mente desses assuntos?
176 

Figura 157: Ilustração da história 6 (p.10)  Figura 158: Ilustração da história 6 (p.21) 

Figura 159: Ilustração da história 6 (p.26) 

A  Madrasta (história  8)  também  conta  sua  versão, dizendo que  sempre  foi uma  mãe 


cuidadosa e amorosa com Cinderela. Nas ilustrações, sempre aparece com jeito dócil e cuida­ 
doso com as filhas e com a enteada (figuras 160, 161, 162). Diz que sempre teve um instinto 
maternal muito forte, e que Cindy, como carinhosamente chama a enteada, é que sempre foi 
maldosa e mal­intencionada com elas. Vê Cinderela como exibida e maliciosa. Quando o sa­ 
patinho de cristal quebra sem querer, Cinderela tira o outro de seu bolso (figura 163), como se 
fosse magia negra. A Madrasta considera­se feliz, agora, que cuida apenas de suas filhas (fi­ 
gura 164). Outra vez, nessa  narrativa e  ilustrações  há o  reforço de um discurso hegemônico
177 

que  crê  ser  a  maternidade,  a  dedicação  aos  filhos  e  o  cuidado,  características  “naturais”  da 
mulher. 
Vale lembrar que, nos clássicos, nem a Branca de Neve, nem a Cinderela “ousam” jul­ 
gar suas madrastas, externando o que pensavam nessas histórias, como fazem a Malévola e a 
Madrasta.  Estariam  as  madrastas  sendo  transgressoras  ao  se  posicionarem  tão  claramente, 
desqualificando suas enteadas, externando o que pensam? 

Figura 160: Ilustração da história 8 (p.6)  Figura 161: Ilustração da história 8 (p.8) 

Figura 162: Ilustração da história 8 (p.12)  Figura 163: Ilustração da história 8 (p.22)
178 

Figura 164: Ilustração da história 8 (p.24) 

Finalizando, sem imaginar que as histórias foram analisadas em todas as suas nuanças 
quanto às representações de gênero e sexualidade, reconheço que há em tais histórias diversas 
formas de reinventar e pluralizar as vivências de gênero e os “novos contos de fadas” escolhi­ 
dos para análise nos mostram algumas delas, ao discutirem formas de ser e viver na contem­ 
poraneidade.
179 

6 E a história acabou? – registros finais 

A  gente  foge da escrita,  porque não quer  encarar  a  solidão  da 


escrita. 

A coragem não é a ausência de medo, 
mas a decisão de que algo é mais importante que o medo. 
O corajoso pode não viver para sempre, 
mas o cauteloso não vive plenamente. 
De agora em diante, você viajará pela estrada entre o que você 
pensa que é e o que você pode ser. 
O segredo é a sua decisão de fazer a viagem. 
(Filme: Diário de uma Princesa) 

ão li em nenhum livro, mas, certa vez, em uma aula, em uma certa univer­ 

N sidade, a professora nos disse a primeira frase escrita acima, que serve de 
epígrafe a este capítulo. Com certeza, escrever um texto com a profundi­ 
dade  teórica  e  analítica  que  o  Mestrado  exige  não  é  uma  tarefa  fácil.  E 
para mim também não foi. Principalmente, pelo fato de eu seguir trabalhando, atuando como 
professora, durante todo o período de realização desta formação em nível de pós­graduação. E 
ainda ministrando aulas para crianças das séries iniciais e para jovens do Curso Normal, em 
escolas de contextos bem diferentes – o da escola pública estadual e o da escola particular. A 
maior dificuldade foi conciliar as tarefas e calendários escolares às exigências acadêmicas; foi 
difícil preparar as aulas, fazer as correções de avaliações, organizar e corrigir trabalhos, exe­ 
cutar o preenchimento  dos  cadernos de chamada  (tarefas  das  escolas),  ao  mesmo  tempo  em 
que  cursava  as  disciplinas  do  curso  de  pós­graduação,  lia  os  textos  e  escrevia  a  proposta  e 
trabalho que se transformaram nesta Dissertação (tarefas da Academia). Somado a isso tudo, 
tinha  as  minhas  necessidades  e  compromissos  relacionados  às  minhas múltiplas  identidades 
em construção: as tarefas de filha, as tarefas de mulher, as tarefas de amiga, as tarefas de dan­ 
çarina... enfim, não sou a única nem a última mulher­pesquisadora a cumprir estas múltiplas 
posições, pois de frágil e incapazes não temos nada! 
Então, ao mesmo tempo em que o ato de escrever um trabalho como este me remetia à 
solidão e à tristeza (porque gosto de trabalhar e produzir no coletivo), lembrava­me da men­ 
sagem do referido filme, que serve de segunda epígrafe. Tal mensagem me serviu, e sempre 
180 

me serve, de motivação, pois acredito que é necessário termos coragem e ousadia para irmos 
além de nossos medos e limitações. 
Lembro­me  da  entrevista,  na  ocasião  da  Seleção  ao  Mestrado,  em  que  a  Prof.ª  Dra. 
Maria Luísa Merino Xavier questionou­me, após ter ouvido eu falar que pretendia analisar os 
“novos contos de fadas” na perspectiva dos Estudos Culturais em Educação: no que este estu­ 
do que eu me propunha a fazer iria contribuir para a minha profissão, para que eu fosse uma 
professora melhor ou para que minhas aulas se qualificassem? Feita a indagação, eu respondi­ 
lhe que havia escolhido este gênero literário, que chamei de “novos contos de fadas”, por se­ 
rem publicações bastante recentes, pela minha predileção por eles, e que este estudo iria con­ 
tribuir para  eu  não  restringir  a  literatura infantil  de um  modo  geral,  e  estes  contos de  modo 
especial, a histórias bonitas, interessantes e engraçadas para contar aos meus alunos ou para 
sugerir­lhes, no caso dos/das estudantes de professores/as com quais atuo, para trabalhar cer­ 
tos temas (didatização da literatura infantil). Mas que buscava, sim, lançar um “outro olhar” 
para estas histórias, um olhar não ingênuo e de estranhamento, e isso iria se reverter na minha 
atuação de professora. 
Agora, finalizando esta minha formação e qualificação profissional do curso de Mes­ 
trado, sucintamente, destaco o que aprendi... 
Conclui­se com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes 
modos de ser criança, sendo estes produtivos na representação das múltiplas infâncias da con­ 
temporaneidade, mostrando diferentes  e  diversificados  jeitos  de  ser  e viver  nesta  sociedade. 
Vimos representadas nos contos de fadas contemporâneos as infâncias des­realizada  e hiper­ 
realizada ,  segundo  Naradowski  (2001).  Os  seguintes  modos  de  viver  a  infância,  de  acordo 
com Sampaio (2000), também estão representados nas histórias analisadas: a infância protegi­ 
da,  a  infância  parcialmente  protegida,  a  infância  desprotegida,  a  infância  marginalizada,  a 
infância  pública. Enfim,  os  contos destacam  as  múltiplas  infâncias:  medievais...  modernas... 
contemporâneas... Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa, 
esperta, inteligente, dinâmica, corajosa, mas também, às  vezes, mostra­se ingênua e  frágil – 
precisando  da  proteção  adulta.  Mostram  crianças  que  ficam  tristes,  mostram­se  sonhadoras, 
são  ciumentas,  lidam  com  a  morte;  brincam,  vão  à  escola,  não  têm  outros  compromissos  e 
responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria se ser criança, de viver a in­ 
fância em sua plenitude.
181 

Ao ter como foco as infâncias, o olhar sobre alguns dos “novos contos de fadas” evi­ 
denciou a representação de sua multiplicidade. Seus personagens personificam a idéia de que 
nossas identidades não são únicas nem imutáveis. Em uma mesma história, vimos como per­ 
sonagens vivem ou passam a viver suas infâncias de modos diferentes e diversificados ao lon­ 
go de suas trajetórias de  vida. E entender isso é,  também, procurar reavaliar nossas práticas 
pedagógicas, enquanto educadores e educadoras. É necessário repensarmos uma reconceitua­ 
ção da educação infantil. 
Sobre as relações de gênero e sexualidade, conclui­se com esta pesquisa que os “novos 
contos de fadas” vêm revelando outros modos de viver a masculinidade e feminilidade, con­ 
tribuindo para a problematização de que não há um único jeito, nem mais verdadeiro, de ser 
homem e de ser mulher, rompendo com os discursos hegemônicos em torno da sexualidade, 
ao repensar “novos padrões”. Analisando os contos de fadas da contemporaneidade, conside­ 
rados por alguns autores como não sexistas, e outros que não são classificados desta forma, 
pode­se perceber algumas transgressões importantes e algumas permanências e/ou reforço de 
idéias preconceituosas (com base no discurso científico) sobre a sexualidade. Algumas histó­ 
rias não pareceram muito inovadoras em relação a comportamentos tradicionalmente espera­ 
dos para as mulheres e homens. Entretanto, outras trouxeram contribuições importantes para o 
panorama atual em torno das discussões a respeito do rompimento das fronteiras de gênero. 
Neste artefato cultural, amplamente utilizado pelas crianças, na família e na escola ou em ou­ 
tros  espaços  que  se  constituem  como  pedagógicos,  ainda  aparecem  as  seguintes  idéias:  de 
matrimônio, maternidade e o cuidado da prole como o destino “natural” das mulheres; da he­ 
terossexualidade como sendo a “normalidade”. Além disso, são apresentadas as características 
desejáveis a uma mulher que queira se casar: não pode ser fútil, nem vulnerável, nem interes­ 
seira, nem tagarela, nem muito esperta e inteligente; mas, ao contrário, deve se mostrar inde­ 
fesa, desprotegida; as mulheres devem ser, também, doces, gentis e meigas. 
Como já foi historicizado e discutido anteriormente, vivemos uma nova era, marcada 
pelo amplo desenvolvimento das tecnologias, especialmente da larga difusão da mídia. A te­ 
levisão digital é a mais nova promessa de grandes descobertas, sonhos e realizações à popula­ 
ção.  Nesse  contexto,  cabe  a  nós,  educadores  e  educadoras,  estarmos  atentos  para  as  formas 
como as relações de gênero e sexualidade têm sido representadas por diferentes artefatos cul­ 
turais. Levar “os novos contos de fadas” para ler, discutir e problematizar com os/as estudan­ 
tes parece ser uma estratégia pedagógica, no mínimo interessante, para refletir sobre como se 
produzem padrões de feminilidade e masculinidade, examinando como estes mudam e o que 
contribui para a produção de “novos” deslocamentos, “novas” identidades.
182 

Finalizo, assim, esta Dissertação com a expectativa de não trazer certezas ou respostas 
para nossas vivências pessoais, práticas acadêmicas e pedagógicas, mas, sim, de problemati­ 
zar  a  literatura ofertada  às  crianças  para  poder  melhor dimensionar  os  efeitos  possíveis  nos 
modos de ser e viver na contemporaneidade.
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modos  de  ser  homem  e  mulher.  Seminário  Internacional  Fazendo  Gênero  7  –  Gênero  e 
Pr econceitos. Anais – CD­ROM. Florianópolis: UFSC e UESC, 2006b. 

WALKERDINE,  Valerie.  O  raciocínio  em  tempos  pós­modernos.  Educação  &  Realidade. 


Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 207­226, jul./dez. 1995. 

WOODWARD,  Kathryn.  Identidade  e  diferença:  uma  introdução  teórica  e  conceitual.  In: 


SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e Difer ença: a per spectiva dos Estudos Cul­ 
tur ais. Petrópolis: Vozes, 2000. p.7­72.
189 

Anexos
190 

Anexo 1: 
Relação dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. 

INFÂNCIA (7) 

1. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Branca de Neve 
e os Sete Anões. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: 
Scipione 2003. (Coleção As Trigêmeas) 

2.  COMPANY,  M. (tradução de  Rita  E.  Garcia  Gonçalves).  As  Tr igêmeas  e  Chapeuzinho 
Ver melho. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipio­ 
ne 2003. (Coleção As Trigêmeas) 

3. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Cinder ela. Ilust. 


Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipione 2003. (Coleção 
As Trigêmeas) 

4. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e J oão e Maria. 


Ilust.  Roser  Capdevila.  Tradução  de  Rita  E.  Garcia  Gonçalves.  São  Paulo:  Scipione  2003. 
(Coleção As Trigêmeas) 

5. COSTA, Bruna Dias do Carmo. A bailar ina encantada. Ilust. Roberto Weigand. São Pau­ 
lo: FTD, 2006. (Coleção Jovens Escritores) 

6. MARTINS, Georgina da Costa. O menino que não se chamava J oão e a menina que não 
se  chamava  Mar ia:  um  conto  de  fadas  brasileiro.  Ilust.  Victor  Tavares.  São  Paulo:  DCL, 
1999. 

7. VASSALO, Márcio. O pr íncipe sem sonhos. Ilust. Mariana Massarani. São Paulo: Brin­ 
que­Book, 1999. 

GÊNERO (9) 

1. COLE,  Babette.  A princesa  sabichona. Tradução de  Monica  Stahel.  São  Paulo:  Martins 


Fontes, 1998. 

2. COLE, Babette. Pr íncipe Cinder elo. Tradução de Monica Stahel. São Paulo: Martins Fon­ 


tes, 2000. 

3. 4. DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia: A Bela Ador mecida / Malévola. Ilust. Dis­ 


ney Storybook Artists. Tradução de Paula B. P. Mendes. São Paulo: Caramelo, 2005. (Cole­ 
ção Minha versão da história) 

5. 6. DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia / contada por  Branca de Neve a Daphane 


Skinner; Ilust.  Atelier Philippe Harchy. São Paulo: Caramelo, 2004. (Coleção Minha  versão 
da história) [e] DISNEY, Walt. Minha ver são da história / contada pela Rainha a Daphane
191 

Skinner; Ilust. John Kurtz. Tradução de Luciana Garcia. São Paulo: Caramelo, 2004. (Coleção 
Minha versão da história) 

7. 8. DISNEY, Walt. Minha versão da história / contada por Cinder ela a Daphane Skin­ 
ner;  Ilust.  Atelier  Philippe  Harchy.  São  Paulo:  Caramelo,  2005.  (Coleção  Minha  versão  da 
história) [e] DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia / contada pela Madrasta a Daphane 
Skinner;  Ilust.  John  Kurtz  (tradução  de Maria  Cláudia  Lopes).  São  Paulo:  Caramelo,  2005. 
(Coleção Minha versão da história) 

9.  MINTERS,  Frances.  A  Bela  Desador mecida.  Ilust.  G.  Brian  Karas.  Tradução  de  Laura 
Lee. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999.
192 

Anexo 2: 
Resumos dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. 

INFÂNCIA (7) 

1. As Trigêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões 
Vocês conseguem imaginar Branca de Neve transformada em rainha e mãe de príncipes tri­ 
gêmeos? Pois é assim que ela vai aparecer nesta história. 
Com AS TRIGÊMEAS, que entram no túnel do tempo e continuam a história a partir daquele 
fim que já conhecemos, a história de Branca de Neve e os sete anões adquire um sopro de 
ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje. 

As trigêmeas estavam na escola, quando a professora contou­lhes a história de Branca 
de Neve e os Sete Anões. Ao voltarem para casa, quiseram brincar de teatrinho e encenar a 
história. Ana seria a Branca de Neve, Helena, o príncipe, e Teresa, o mais esperto dos anõe­ 
zinhos. Faltava uma personagem: a bruxa que dá a maçã envenenada a Branca de Neve. Para 
este papel, convidaram Bruxa Onilda. Ela saltou de dentro do armário, de onde espiava o que 
as meninas faziam. 
Nesta história, a Bruxa Onilda (tia das meninas gêmeas – Ana, Helena e Teresa) deci­ 
de  enviar  as  meninas  para  a  história  da  Branca  de  Neve,  antes  mesmo  que  elas  dissessem 
alguma coisa a respeito do teatrinho que estavam fazendo. Imediatamente, uma nuvem mági­ 
ca as envolveu e as transportou para a história. Quando abriram os olhos, estavam em uma 
casinha onde tudo era pequeno: sete cadeirinhas, sete copinhos, sete caminhas... estavam na 
casa dos sete anões e imaginavam que eles estavam trabalhando na mina. Resolveram esperá­ 
los para pedir autógrafos. Enquanto as meninas bisbilhotavam a casa, Bruxa Onilda, lá fora, 
transformava coelhos, corujas, pássaros... em anõezinhos. Ela queria brincar com as meninas, 
fazendo­se passar por Branca de Neve. Então, ela disfarçou­se de Branca de Neve, segurando 
uma máscara, e chegou a casa com os sete anões (os animais que ela transformou em anões). 
As meninas disseram que vieram avisá­la para não comer a maçã que uma velha feia ia lhe 
oferecer, porque estaria envenenada. A falsa Branca de Neve riu, mudando de voz para não 
ser reconhecida e disse que isso foi há muitos anos atrás. Agora, ela estava de férias com os 
amigos  anões  e  ofereceu uma  maçã docinha  às  trigêmeas.  Helena,  a  mais  gulosa,  deu uma 
mordida na fruta e caiu desmaiada no chão. O encanto se desfaz e aparecem a Bruxa Onilda e 
os animais, que ela havia transformado em anões, mas todos logo desaparecem. Ana e Teresa
193 

colocaram Helena nas camas dos anões e choravam o seu desmaio, quando ouviram vozes se 
aproximando. Pela estrada, vinha Branca de Neve seguida de três meninos iguaizinhos com 
uma coroa na cabeça. As meninas pediram socorro a ela. 
A  gentil  senhora  explicou­lhes  que  aconteceu  com  Helena  o  que  havia  acontecido 
com ela há muitos anos. Disse, ainda, que era a verdadeira Branca de Neve, que tinha casado 
com o Príncipe, que agora era rei, e que tiveram três filhos gêmeos como elas. 
Branca de Neve ofereceu­se para ajudá­las. A eles juntaram­se os sete anões que vol­ 
tavam do trabalho. Os príncipes ficaram com ciúmes ao verem que não eram os únicos tri­ 
gêmeos do país. Os anões, também, não estavam gostando de ver sua casa invadida por es­ 
tranhos. O sucesso tinha subido à cabeça deles, já que o rei, agradecido pelos cuidados com a 
Branca de Neve, tinha afastado todos da mina e os feito ministros do reino para sempre. Os 
anões estavam cansados, pois era cansativo ser ministro, queriam poder voltar para casa, tirar 
a gravata, calçar os chinelos e assistir televisão com conforto. Uma das irmãs queria que um 
dos príncipes beijasse a irmã desmaiada para ver se acontecia o mesmo, como na conhecida 
história. O príncipe Paulo acabou dando um beijo na testa de Helena e ela abriu os olhos e 
levantou. Ficou corada e emocionada – as amigas teriam inveja ao saber disso! 
Depois, Bruxa Onilda trouxe as meninas de volta para casa. Elas gostaram muito des­ 
ta aventura, pois fizeram amizade com os três príncipes, brincaram, pularam, dançaram. 

2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho 
Coitado do Lobo Mau! Quem diria? Foi derrotado por Chapeuzinho Vermelho e a aventura 
terminou com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas e Chapeuzinho 
Vermelho. 
Com  AS  TRIGÊMEAS, a  história de  Chapeuzinho  Ver melho  ganha algumas novidades  e 
fica mais descontraída, alegre e divertida, bem ao gosto das crianças. 

Nesta  história,  Bruxa  Onilda  (tia  das trigêmeas),  que  encontra  as  trigêmeas  fazendo 
desenhos enormes com giz­de­cera nas paredes, resolve inventar uma nova aventura que di­ 
vertisse bastante as trigêmeas (Ana, Helena e Teresa), transportando­as para bem longe, para 
que vivessem com os personagens mais conhecidos das histórias infantis. As meninas teriam 
que usar toda a esperteza e criatividade que tinham para, junto com os famosos personagens, 
enfrentar e  vencer os desafios que surgissem; a  vencedora seria premiada com a volta para 
casa. 
Assim, as meninas foram transportadas, pela magia da Bruxa Onilda, para a história 
de “Chapeuzinho  Vermelho e o Lobo Mau” e, no mesmo instante, perceberam que já esta­ 
vam dentro da história. As meninas vestiram capas vermelhas, como a da personagem princi­
194 

pal desta história, e saíram pelo bosque, onde encontram Chapeuzinho que atualizou as tri­ 
gêmeas sobre a realidade do bosque: o lobo mau não existia mais, pois não causava medo em 
mais  ninguém,  mas  era  um  truque  para  atrair  turistas  como  elas;  Chapeuzinho  e  sua  vovó 
estavam  acostumadas  a  dar  autógrafos.  O  lobo  ficava  treinando  tentar  pegar  Chapeuzinho 
para devorá­la, mas não conseguia e acabava sendo surrado por Chapeuzinho. A Bruxa Onil­ 
da entra na história, fazendo­se de vovozinha, e ocorre o famoso diálogo (lobo disfarçado de 
vovó com netinha), porém entre bruxa disfarçada de vovó e sobrinhas. Neste instante, estou­ 
raram bombinhas (fogos de artifício) e a Bruxa Onilda sai correndo desesperada, desfaz­se o 
encantamento  da  vovozinha  e  ela  recupera  sua  aparência  normal.  Chapeuzinho  aparece  na 
casa da vovó, trazendo o lobo mau amarrado em uma corda, sendo puxado pela menina. 
A aventura termina com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas 
e Chapeuzinho Vermelho, com o lobo deitado no chão, embaixo da mesa, amarrado a um pé 
da mesa, como um tapete, sobre o qual a vovó pisava. 

3. As Trigêmeas e Cinderela  
Cinderela, cercada de eletrodomésticos que facilitam seu trabalho, vai ao baile real de mo­ 
tocicleta! Só a fantástica imaginação das trigêmeas poderia modernizar assim a história da 
pobre menina. 
Com AS TRIGÊMEAS, que se transformam em modernas fadas boas de Cinder ela , a histó­ 
ria adquire um sopro de ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das 
crianças de hoje. 

As trigêmeas estavam brincando de construir um castelo magnífico na casa da avó. 
Nesta história, Bruxa Onilda (tia das trigêmeas Ana, Helena e Teresa) resolve mandar 
as meninas, num passe de mágica, para uma aventura em uma história conhecida, mandando­ 
as para a história da “Cinderela”. O tapete mágico largou as trigêmeas no buraco da chaminé, 
e elas caíram na lareira, que estava apagada, da cozinha onde estava Cinderela. Em seguida, 
as irmãs de Cinderela a chamaram para mostrar seus vestidos e aproveitar para caçoarem de 
Cinderela, pois estavam muito animadas, já que iriam ao baile do príncipe e  Cinderela  não 
poderia ir, porque deveria terminar a faxina na casa. As trigêmeas viram o choro e a tristeza 
de Cinderela por não poder ir ao baile. As trigêmeas lembravam muito bem da história clás­ 
sica  e  sabiam  que  a  Fada  Madrinha  estava  prestes  a  chegar  com  a  carruagem  e  vestidos  e 
resolveram fazer umas alterações... Assim que as irmãs de Cinderela foram embora, a Fada 
Boa apareceu e as três meninas pediram que ela desse alguns eletrodomésticos e uma moto­ 
cicleta a Cinderela. As irmãs gêmeas arrumaram Cinderela e, depois, se enfeitaram também 
como  princesinhas.  Após  se  vestirem,  ensinaram  Cinderela  a  dirigir  a  motocicleta  e  foram
195 

todas juntas ao baile (o povo nas ruas estava apavorado com aquela máquina estranha entre 
as outras carruagens). Chegando ao castelo, os convidados tinham que passar pela bilheteria, 
porque o rei estava com dificuldades financeiras e resolveu cobrar a entrada do baile. O prín­ 
cipe, que estava atrás de uma coluna, viu Cinderela passar e caiu de paixão por ela no mesmo 
instante. Ele tirou Cinderela para dançar e não se separaram a noite toda, causando inveja nas 
duas irmãs de criação de Cinderela. Mas o tempo foi passando e a Fada Madrinha avisara que 
à  meia  noite o  encanto  acabaria:  a  motocicleta  sumiria  e  Cinderela  voltaria  ao  seu  fogão  e 
panelas. As trigêmeas tentaram impedir que isso acontecesse e subiram até a torre do relógio 
do castelo e atrasaram os ponteiros. Porém, Bruxa Onilda apareceu e avisou depressa as  ir­ 
mãs de criação sobre a alteração no relógio, já que ela tinha outros planos para as trigêmeas e 
queria mudar o final da história. As duas que já suspeitavam que estivesse acontecendo algo 
estranho, correram até a torre e agarraram as trigêmeas e disseram­lhes que levariam um cas­ 
tigo – ficar trancadas no poço mais profundo do reino – por terem ajudado Cinderela. Porém 
as trigêmeas armaram um escândalo; então, a Cinderela e o príncipe, ouvindo­as, saíram cor­ 
rendo para socorrê­las. As trigêmeas foram seqüestradas pelas irmãs adotivas de Cinderela e 
levadas de carruagem. Cinderela pegou sua motocicleta, colocou o príncipe na carona e se­ 
guiu a carruagem, alcançando­as. 
Assim, como as trigêmeas tinham quebrado os ponteiros do relógio antes de ele dar as 
doze badaladas, a Fada Madrinha não pôde desfazer o encantamento. Deste modo, depois de 
salvar as trigêmeas, Cinderela decidiu sair com o príncipe pelo mundo afora. 

4. As Trigêmeas e J oão e Mar ia  
As trigêmeas jamais tinham imaginado, nem mesmo nos seus melhores sonhos, uma casa de 
chocolate e balas como aquela, para onde a Bruxa Onilda as levou. 
Com AS TRIGÊMEAS, a história de J oão e Mar ia  adquire um sopro de ar renovador, des­ 
contraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje. 

As trigêmeas estavam  na cozinha preparando uma sobremesa –  fazendo um enorme 


bolo de chocolate. 
Nesta história, a Bruxa Onilda (tia das meninas gêmeas – Ana, Helena e Teresa) re­ 
solve  mandar  as  trigêmeas  para  um  lugar...,  justificando  que,  já  que  elas  gostam  tanto  de 
chocolate,  vão  enjoar  de  tanto  comer...  E,  num  piscar  de  olhos,  as  trigêmeas  sentiram­se 
transportadas por um vento mágico para muito longe, até caírem no meio de um bosque, on­ 
de  encontraram  duas  crianças –  João  e Maria  – que olharam  para  elas  com  ar de  surpresa. 
Como as trigêmeas conheciam esta história, apressaram­se em avisar João e Maria sobre os 
perigos  da  casinha  de  chocolate.  As  crianças  João  e  Maria  não  acreditaram  no  que  as  três
196 

irmãs disseram, achavam que elas estavam mentindo, porque queriam comer todos os doces 
e, apesar dos gritos das trigêmeas, entraram na casa. 
As trigêmeas entraram pela janela da casa e, distraídas pelo aroma que vinha do cal­ 
deirão, nem perceberam a presença da Bruxa Onilda. As trigêmeas caíram numa armadilha, 
foram amarradas em uma corda pela Bruxa Onilda e tudo indicava que serviriam de refeição 
para  algumas  bruxas  gulosas  que  ali  estavam  (João  e  Maria  na  porta,  sem  serem  notados, 
assistiram  à  cena).  Depois,  João  e  Maria  ficaram  indiferentes  à situação,  não  fizeram  nada 
para ajudar Ana, Helena e Teresa que ficaram presas em uma gaiola no chão, enquanto eles 
eram servidos de doces pelas bruxas. 
João e Maria dormiram profundamente, depois de se alimentarem. Mas, na verdade, 
todos estavam sendo enganados... As bruxas pretendiam comer todos eles. Enquanto as bru­ 
xas foram buscar temperos especiais, as trigêmeas criaram um plano. 
Depois de pegarem as ervas, a bruxa dona­da­casa mostrou as suas amigas bruxas um 
projeto de uma garagem para guardar as vassouras voadoras. Enquanto isso, as trigêmeas já 
tinham  comido  as  gostosíssimas  barras  de  caramelo  da  prisão  e  acordaram  João  e  Maria, 
chamando­os para fugirem. De repente, uma das trigêmeas viu um homem vindo numa car­ 
roça.  João  achava  que  era  seu pai  à procura deles.  E,  sem  fazer  barulho,  as  trigêmeas  des­ 
montaram  toda  a  casa  e  colocaram  na  carroça.  João  e  Maria  despediram­se  com  um  forte 
abraço de Ana, Teresa e Helena que ficaram no local para ver a cara das bruxas. A primeira a 
gritar, quando viu que a casa não existia mais (elas estavam na rua, de costas pra casa) foi a 
Bruxa Onilda. 
Após, as trigêmeas saíram correndo fugindo das bruxas que as perseguiam. Quando 
estavam quase sendo alcançadas, surgiram três patos na beira de um rio que fizeram o favor 
de transportar as irmãs. Mais uma vez, as meninas driblaram a Bruxa Onilda e voltaram para 
casa para comer bolo de chocolate. 

5. A bailar ina encantada 
Esta história consiste em uma releitura da história “A vendedora de fósforos” de Andersen. A 
autora  leu  vários  contos  de  Andersen  e,  em  seguida,  escolheu  um  e  reescreveu  a  história, 
trazendo a problemática para o presente. A jovem autora, de 12 anos, participou de um con­ 
curso comemorativo aos duzentos anos do nascimento do referido escritor dinamarquês, rea­ 
lizado pela Universidade de Passo Fundo no ano de 2005. 
A história é sobre uma menina humilde, chamada Lia, que morava numa casinha sim­ 
ples e branca que ficava ao lado de um laguinho. Ao nascer, ela era encantadora, seus olhos 
brilhavam como as estrelas e, como era negra, seus pais a apelidaram carinhosamente de Pre­ 
tinha. 
Todas as noites sua mãe lhe contava histórias e, certa vez, ao fazer a contação de uma,
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deu  a  menina  uma  caixinha  de  música,  que  ganhara  de  seu pai  quando  ficaram  noivos.  Ao 
abrir a caixinha, Pretinha ficou encantada com a bailarina que dançava suavemente ao som 
de uma singela melodia. A partir daquele instante, Pretinha começou a sonhar em ser bailari­ 
na. 
O tempo foi passando, Pretinha foi crescendo e, quase todas as noites, sozinha à beira 
do  lago,  olhando  para  as  estrelas  refletidas  na  água,  ela  pedia  à  estrela  mais  brilhante  que 
realizasse o seu desejo. Mas a menina  sabia que, por ser pobre, seu sonho dificilmente  iria 
tornar­se realidade. 
Quando ela completou oito anos, seu pai ficou doente e faleceu. A partir de então, ela 
teve de deixar a escola e passou a ajudar sua mãe no trabalho de cortar cana numa fazenda da 
região. Mãe e filha acordavam todos os dias muito cedo, antes do dia clarear, e voltavam para 
casa ao anoitecer. Sua jornada de trabalho durava de dez a doze horas por dia. 
Pretinha  costumava  admirar  as  estrelas,  enquanto  pensava na  saudade que  sentia  do 
pai e sofrendo com a tristeza de sua mãe. Uma noite, ela via uma estrelinha caindo do céu. 
Esta parou no ar e uma voz lhe disse para não ficar triste, porque seu pai estava feliz e olhan­ 
do por elas – mãe e filha. No mesmo instante, apareceu um clarão no céu e a estrela brilhante 
apontou na direção de uma porta que se abriu e disse para a menina entrar  naquele mundo 
mágico, onde seu sonho se realizaria. 
Pretinha saiu correndo em direção à luz. À sua frente apareceu um palco iluminado e 
ela, vestida de bailarina, começou a dançar para uma platéia admirada com seu jeito de dan­ 
çar e, entre as pessoas, estava seu pai todo orgulhoso. Ela ficou muito famosa, tudo parecia 
um sonho... Aquele era o mundo da imaginação. 
Na verdade, Pretinha havia corrido em direção ao lago, e sua mãe só chegou a tempo 
de  ver  a  filha  se  afogando  com um  sorriso  nos  lábios.  Desesperada por  não  saber  nadar,  a 
mãe  gritou  por  socorro  e  um  fazendeiro  que  passava  pela  estrada  correu  e  tentou  salvar  a 
menina, mas já era tarde demais. A bailarina havia morrido. O fazendeiro acabou casando­se 
com a mãe de Pretinha, pois ambos eram viúvos e formaram uma nova família. 
“Cotam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de 
bailarina, dançando sobre as águas do lago.” 

6. O Menino que não se chamava J oão e a Menina que não se chamava Mar ia: um con­ 


to de fadas brasileiro 
O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria correm as ruas 
de uma grande cidade em busca da famosa casa feita de chocolates. Um sonho. A expectati­
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va de uma vida melhor longe de monstros disfarçados ou promessas não cumpridas. Acom­ 
panhar as aventuras das duas crianças é percorrer o caminho de muitos meninos que não se 
chamam João e meninas que não se chamam Maria, livres e abandonadas por nossas ruas. 
Meninos e meninas sem nome, que também não se chamam Antônio, José, Glória, Carolina, 
Cláudia. 

Um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria tive­ 
ram que sair de casa como aqueles dois da outra história (João e Maria). O menino que não 
se  chamava  João queria  encontrar  aquela  tal  casa  feita de doces,  mas  a  menina  que  não  se 
chamava  Maria  não  acreditava  muito que  ela  existisse.  Apesar disso, ela  resolveu  acompa­ 
nhar o irmão. Os dois irmãos saíram de casa expulsos pelo monstro (companheiro da mãe) e 
só deu tempo de pegarem a Nininha (irmã caçula) no berço e sair correndo. Saíram em busca 
da casa de doces, onde não passariam mais fome. Eles não estudavam, pois tinham que aju­ 
dar  a mãe  a  comprar  comida.  A  mãe  trabalhava  quando  aparecia  alguma  coisa.  O padrasto 
batia na mãe e neles. No total eram oito filhos; um já tinha morrido; e dois estavam presos. 
No  caminho,  precisavam  arrumar  leite  para  Nininha  beber,  pois  o  bebê  estava  com 
fome, já que no dia anterior o monstro tinha tomado todo o leite que uma senhora tinha dado 
para a mãe alimentar a filha Nininha. 
O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, mais sua 
irmãzinha Nininha, tiveram que dormir na rua. Pela manhã, foram acordados pelo barulho do 
caminhão de lixo. 
Estavam preocupados com a Nininha, que há três dias não bebia leite. Pediram para 
algumas pessoas que encontraram  nas ruas, mas elas  fizeram  várias perguntas e  não deram 
leite às crianças. 
O menino que não se chamava João viu um monte de gente catando comida em uns 
sacos que estavam na calçada de um restaurante. Foi lá, conversou com uma moça, contou de 
sua irmãzinha, e a moça que tinha encontrado no lixo duas caixas com um resto de leite, deu­ 
lhe a que tinha menos, já que com a outra ela iria alimentar seus dois filhos. 
Deram o leite para Nininha beber e, em seguida, ela vomitou. Depois começou a ficar 
quente e mole. O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria já 
estavam  bem  afastados  da  cidade,  talvez  próximos  da  casinha  de  doces,  mas  tiveram  que 
retornar para levar a Nininha num posto de saúde. Lá a médica disse­lhes que o estado dela 
era grave e que precisava tomar uns remédios com urgência. O problema era que ali, naquele 
posto, eles não tinham os medicamentos para dar. Então, os irmãos, resolveram sair em busca 
da casa de doces, pois a casa, por ser mágica, realizava desejos e poderia curar a irmãzinha. 
No caminho Nininha morreu. A menina que não se chamava Maria e o menino que 
não se chamava João dormiram no meio do bosque, e a irmã sonhou que tinha que colocar 
Nininha em uma pedra bem bonita perto do riacho, então uma fada iria buscá­la e Nininha se 
tornaria uma estrela. Assim eles fizeram, apesar de chorarem muito. 
Depois, seguiram rumo à casa mágica e encantada de doces. Encontraram e resolve­ 
ram lá ficar. Eles fecharam os olhos e desejaram muito ficar lá para sempre. Desejaram com 
tanta força que, de repente, foram diminuindo até ficarem invisíveis e desapareceram junta­ 
mente com a casa feita de doces. Dizem que eles foram morar no livro e viveram felizes para 
sempre.
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7. O Pr íncipe sem Sonhos 
Thiago era um príncipe sem sonhos; passava o dia triste, porque já tinha tudo. Sendo 
assim, como poderia sonhar? Ele até tentava sonhar, mas mal começava e seus desejos já se 
realizavam. O rei e a rainha faziam de tudo para ver o filho feliz. Eles eram muito amorosos 
e não entendiam o porquê daquele sofrimento, pois Thiago realmente tinha tudo que se podia 
imaginar. 
Sendo assim, com o que Thiago poderia sonhar? Com uma princesa de contos de fa­ 
das? Não, Thiago ainda não tinha tempo para princesas. Gostava de jogar futebol, jogar boli­ 
nha de gude com a galera. Ele não sabia qual era seu sonho, nem mesmo se tinha algum. E 
isso o deixava muito triste. 
Certo dia,  cansado, de  tanto  tentar  sonhar,  o príncipe  resolveu  visitar  seu  sábio  avô 
que vivia longe das badalações do castelo e pedir­lhe um conselho. Fazia tempo que eles não 
se viam, abraçaram­se longa e grandiosamente. O menino estava aflito porque não conseguia 
ter nenhum sonho só seu, então, achava que seus sonhos não existiam. Vô e neto conversa­ 
ram e o vô ensinou­lhe um provérbio árabe: “Não diga que o céu está sem estrelas só porque 
às vezes você não as enxerga”. Sentado no colo do avô, Thiago escutava seus conselhos. O 
avô dizia para ele que seus sonhos são como as estrelas, isto é, estão aí, mesmo que ele não 
as consiga ver em lugar algum. Disse para prestar atenção, pois o menino já tinha tudo o que 
queria, mas ainda não era tudo o que podia ser. Um dia ele saberia a diferença entre ter e ser. 
Mas não era necessário saber naquele instante. Thiago adormeceu no colo do avô, com um 
sorriso diferente e sereno. Estaria ele sonhando? Só se saberia quando acordasse. O avô dis­ 
se­lhe ao ouvido que os melhores sonhos são aqueles que continuam de outro jeito quando 
despertamos.
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GÊNERO (9) 

1. A pr incesa sabichona 
A Princesa  sabichona não queria se casar. Ela  gostava de ser solteira  e queria viver 
sossegada no castelo com seus bichos de estimação, fazendo o que bem entendesse. A prin­ 
cesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela. 
Um dia a rainha disse­lhe que já estava na hora de ela arrumar um marido e parar de 
ficar às voltas com seus bichos. Um monte de pretendentes chatos ficou rodeando o castelo. 
Então,  a  Princesa  sabichona  declarou  que  quem  passasse  pela  prova  que  ela  determinasse, 
teria sua mão em casamento. 
A cada um dos príncipes pretendentes ela deu uma tarefa bastante difícil que eles não 
conseguiram  cumprir.  Então,  a  Princesa  Sabichona  considerou­se  livre  de  todos  os  preten­ 
dentes. 
Foi então que apareceu o Príncipe Fanfarrão que conseguiu fazer todas as tarefas que 
todos os outros não haviam conseguido realizar. Ele achou que a Princesa Sabichona não era 
tão sabida assim. Então ela lhe deu um beijo mágico e ele virou um sapo enorme. O Príncipe 
Fanfarrão­sapo foi­se embora depressa. E quando os outros príncipes ficaram sabendo o que 
tinha  acontecido  com o Príncipe  Fanfarrão,  ninguém  mais  quis  casar  com  a  Princesa  Sabi­ 
chona, que viveu feliz para sempre. 

2. Pr íncipe Cinder elo 


O Príncipe Cinderelo não tinha aparência de príncipe: era baixinho, sardento, magri­ 
cela e andava molambento. Ele tinha três irmãos enormes, muito peludos, que viviam caço­
201 

ando do jeito dele. 
Seus três irmãos iam sempre à Discoteca do Palácio com as namoradas princesas, en­ 
quanto o pobre  Cinderelo  ficava  em  casa,  limpando  a  sujeira  deles.  Quando terminava  seu 
trabalho, Cinderelo sentava perto do fogo e sonhava ser enorme e peludo como os irmãos. 
Em um  sábado,  à  noite, quando o  Príncipe  Cinderelo  estava  lavando  as  meias,  uma 
fada muito sujinha caiu pela chaminé. Ela disse­lhe que todos os seus desejos seriam realiza­ 
dos. A fada foi mexendo sua varinha... disse­lhe que ele iria à discoteca... e foi transforman­ 
do o príncipe e suas roupas. Mas suas magias não deram muito certo. O Príncipe Cinderelo 
acabou  se  transformando  em  um  enorme  macaco  peludo,  em  roupas  de  banho.  O  encanta­ 
mento não permitiu que o príncipe se visse como ele estava, mas ele achava que estava muito 
bonito. E assim ele foi à discoteca. 
Chegando ao Embalo Real, percebeu que era grande demais e não passava pela porta. 
Resolveu pegar um ônibus e voltar para casa. Lá estava uma bela princesa esperando o ôni­ 
bus no ponto/na parada. Ele foi falar com ela e grunhiu. Ela assustou­se com o macaco. Ba­ 
teu meia­noite e o príncipe voltou a transformar­se nele mesmo. A princesa encantou­se por 
ele, achando que ele tinha afugentado o macaco enorme e peludo para salvá­la. O príncipe 
Cinderelo, que era muito tímido, saiu correndo e perdeu a calça. 
A  princesa  era  a  bela  e  rica  Princesa  Belarrica,  que  mandou  anunciar  que  estava  à 
procura  do  dono  daquela  calça.  Todos  os  príncipes  da  redondeza  tentaram  vestir  a  calça  à 
força, mas ela não serviu em nenhum deles. Os irmãos do Príncipe Cinderelo, também, tenta­ 
ram vestir a calça. A calça  serviu no Príncipe Cinderelo e a Princesa  Belarrica o pediu em 
casamento. 
Eles  viveram  luxuosamente  e  felizes  para  sempre...  Belarrica  teve  uma  conversinha 
com a fada sobre os três irmãos enormes e peludos, que os transformou em fadas domésticas. 
Assim, eles se esvoaçavam pelo palácio fazendo o serviço doméstico para sempre. 

3. Minha versão da histór ia: A Bela Ador mecida 


Rosa Silvestre tinha sido criada desde bebê pelas tias Flora, Fauna e Primavera na ve­ 
lha casa do lenhador, na floresta. Ao completar dezesseis anos, as tias lhe preparam uma sur­ 
presa: pediram­lhe para dar uma volta no bosque e colher amoras e, quando Rosa voltou, as 
tias  lhe  ofereceram  um  bolo  de  aniversário  e  um  lindo  vestido  azul.  Rosa  contou­lhes  que 
tinha conhecido um rapaz que iria visitá­la naquela noite. Foi então que as tias revelaram­lhe 
que, na verdade, ela era a Princesa Aurora, que já estava prometida ao Príncipe Filipe. Rosa 
conhecia a história da Princesa Aurora, assim como todos do reino, a pobre princesa que ti­ 
nha sido amaldiçoada por uma fada má. As fadas levaram Aurora para o castelo. Deixaram­ 
na em seu quarto, onde apareceu uma escada dentro da lareira. A princesa achou estranho e
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ficou curiosa, então, subiu a escada que ia até um quarto pequeno e redondo, no alto de uma 
torre. Neste quarto tinha uma máquina antiga que ela  nunca tinha  visto antes. Ali  apareceu 
uma mulher alta e magra que lhe disse para tocar a roca. Ela fez isso e desmaiou. 
Aurora acordou com um beijo daquele rapaz que ela encontrara na floresta e se apai­ 
xonara.  Ela  agradeceu e  lamentou­se por  já  estar prometida  a um príncipe.  O  rapaz  apenas 
sorriu e beijou­a novamente. Depois, levou­a de volta por aquela longa escada. 
Assim que chegaram ao final da escada, muitas pessoas esperavam o casal e batiam 
palmas.  Depois,  Princesa  Aurora  entendeu  que  aquele  era  o  Príncipe  Felipe  –  o  rapaz  que 
conhecera  na  floresta  era  um  príncipe.  Os  dois  casaram­se  e  mudaram­se  para  um  castelo 
enorme, construído pelo pai do noivo. 

4. Minha versão da histór ia: Malévola 


Malévola dá a sua versão da história para o caso da história da Princesa Aurora – A 
Bela Adormecida. Começa dizendo que respeita três regras básicas: 1) Sempre devolva um 
insulto  com  generosidade;  2)  Nunca  guarde  rancor;  3)  Faça  aos  outros  o  que  gostaria  que 
fizessem a você. 
Explica que até os problemas mais recentes, ela era uma bem sucedida mulher de ne­ 
gócios,  dona da  empresa  Melhorias  Aparentes  Ltda –  M.A.L.  Especialista  no  mercado  em­ 
presarial, com filiais em todos os cantos do mundo. 
Fala que sempre teve problemas de fofocas maldosas em relação a sua pessoa e admi­ 
te que nunca foi chegada à família real. Porém, sempre se identificou com a princesa, na ver­ 
dade, sente pena dela... Desde o dia em que ela nasceu, vem fazendo sacrifícios para ajudá­la. 
Mesmo não tendo sido convidada pelo casal real para o batizado da princesa, ela ge­ 
nerosamente foi cumprimentar o casal e presentear a princesa. Disse que foi muito mal rece­ 
bida,  especialmente,  pelas  fadas  Flora,  Fauna  e  Primavera.  Disse,  também,  que  achou  um 
absurdo os presentes oferecidos por elas: o dom da beleza e o dom de cantar, pois não adian­ 
ta  ter  um  rostinho  bonito  e  saber  cantar.  Hoje  em  dia,  uma  garota precisa  de  bom  senso  e 
ética  no trabalho. Então, ela ofereceu um emprego à princesa, em uma indústria têxtil, pois 
pensava  que um  estágio  na  fábrica  daria  uma  habilidade  à princesa,  assim  como ofereceria 
boas  lições  sobre  o  trabalho  pesado.  O  Rei  Estevão  foi  quem  interpretou  mal,  quando  ela 
disse­lhe que, por um acaso, ele tinha medo de quê?... de ela espetar o dedo em uma roca e 
morrer? 
Mas os problemas de Malévola não acabaram por aí, pois naquele mesmo dia o Rei 
Estevão  decretou  que  todas  as  rocas  do  reino  fossem  destruídas,  o  que  dificultou  bastante 
seus negócios e levou o reino inteiro a uma terrível crise da moda! 
Seguindo o seu segundo princípio, Malévola achou que o aniversário de dezesseis a­ 
nos seria a oportunidade de esclarecer tudo com a família real, já que fora anunciado que o
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rei e a rainha dariam uma festa naquela noite. Ela decidiu, então, fazer uma visita à princesa, 
quando percebeu que  a  princesa  estava  triste  porque  estava  prometida  ao Príncipe  Felipe  e 
gostava do rapaz que encontrara na floresta. Foi então que ela lembrou de sua terceira regra e 
ajudou a princesa. Combinou com Aurora para ela fingir que estava morta, assim o príncipe 
chato ia desistir e ela se casaria com quem desejasse. Deu­lhe exatos dois comprimidos pra 
dormir,  conforme  recomendados  para  adultos.  Antes,  a  princesa  pediu­lhe  que  avisasse  o 
rapaz na casinha da floresta. Malévola fez mais esta boa ação; foi encontrar o rapaz na casi­ 
nha, quando descobriu que ele e o Príncipe Felipe eram a mesma pessoa. Depois convidou­o 
para tomar chá  no  seu  escritório  e  conversarem  melhor  (na masmorra do  castelo). Mas  ela 
teve  que  sair  e pediu que o  príncipe  esperasse  por  seu  retorno.  Distraidamente, ela  acabou 
trancando­o na masmorra. As fadas Flora, Fauna e Primavera acabaram tirando o príncipe de 
lá e enfeitiçaram­no. Ela teve que se disfarçar de dragão para acabar com aquela tolice. Ela 
sobreviveu aos ataques do príncipe, descendo um desfiladeiro. 
Depois disso tudo, a M.A.L. teve de ser fechada. Mas, agora, que ela não está tão o­ 
cupada,  tem  mais  tempo  de  fazer  caridade.  Apesar  de  todos  os  problemas,  aprendeu  algo 
muito  importante  –  a quarta  regra  básica:  “O  que  uma pessoa pode  fazer  bem, duas  fazem 
melhor”.  Para  os  próximos  empreendimentos  comerciais,  Malévola  se  uniu  aos  melhores 
amigos e já tiveram algumas idéias: “Demolições Lobo Mau”, “Cruzeiros Marítimos do Ca­ 
pitão  gancho”,...  Ela  percebeu  que  as  possibilidades  são  infinitas  quando  se  trabalha  junto 
com outras pessoas. Mas ela mantém­se no comando. 

5. Minha versão da histór ia / contada por  Branca de Neve 


Branca de Neve não se acha parecida com uma princesa, já que passa todo o tempo 
esfregando  e  varrendo o  palácio  –  mas ela  não se  importa de fazer  este  serviço,  até gosta. 
Acha também que sua madrasta não gosta dela, porque desde que seu pai morrera, ela  não 
ganhou  nenhum  vestido  novo.  A  madrasta lhe  faz  cara  feia e  lhe  dá  sempre  mais  trabalho, 
dizendo­lhe que é bom fazer exercício. A madrasta também não a deixa comer doces; man­ 
tém a dieta da menina à base de pão e mingau. Branca de Neve se pergunta se algum dia a 
madrasta vai gostar dela, comprar­lhe um vestido e deixá­la comer o que gosta. 
Certo dia, em frente a um poço dos desejos, Branca de Neve, de olhos fechados, pediu 
o amor de um príncipe bonito e gentil. Quando ela abriu os olhos, o lindo moço que sempre 
sonhou estava em pé ao seu lado bem perto do poço, e ele parecia um príncipe. Ele a cum­ 
primentou e ela, tímida, saiu correndo até o palácio. Na janela da torre, estava a Rainha, que 
viu o rapaz dizendo que nunca esqueceria Branca de Neve. 
A Rainha mandou Branca de Neve passar o dia colhendo flores silvestres com Brad, o 
caçador. Branca de Neve ficou aliviada de não ter que ficar lavando o castelo e ainda ganhou 
da madrasta um vestido novo. Os dois saíram pela floresta, e Branca de Neve passou a colher
204 

flores. Quando ela virou­se, o caçador estava com um punhal em mãos apontando para ela. E 
chorando, dizendo não poder fazer o que a Rainha havia pedido, disse para Branca de Neve 
fugir e se esconder, porque a sua madrasta tinha mandado que ele a matasse. Branca de Neve 
não  podia  acreditar,  achou  que o  caçador  estava  mentindo,  mas,  depois,  acabou  fazendo  o 
que ele pediu e fugiu. Depois, a noite chegou na floresta e a princesa acabou adormecendo ali 
mesmo. Sonhou com o príncipe encantado e foi acordada pelos animaizinhos da floresta. 
Seguiu seu caminho e encontrou uma casinha, aninhada entre as árvores, pouco adi­ 
ante, além do riacho. Chamou por alguém e ninguém respondeu. Observou seu interior e a­ 
chou que ali moravam crianças. Acabou entrando na casinha e encontrando tudo sujo, então, 
resolveu fazer uma faxina. Depois da limpeza, deitou um pouco nas caminhas para descan­ 
sar. Sonhou, mais uma vez, com o príncipe e acordou com os sete anões a olhando. Eles se 
apresentaram e ela contou a sua história. Os anões disseram que sua madrasta, a rainha, era 
uma pessoa má, uma bruxa. Ela pediu para ficar morando com eles e fazer todo o serviço da 
casa. 
Na manhã seguinte, quando os anões saíram para trabalhar, avisaram para Branca de 
Neve  tomar  cuidado  com  estranhos.  Ela  ficou  ajeitando  a  casa  e  preparando  uma  torta  de 
pêssegos para os anões. Uma senhora apareceu e ofereceu­lhe maçãs; disse­lhe que provasse 
uma. Branca de Neve deu uma mordida na maçã e desmaiou. Acordou beijada pelo príncipe. 
Os dois disseram se amar e partiram juntos, despedindo­se dos doces anõezinhos e dos ado­ 
ráveis bichinhos. 
Eles casaram­se e viveram felizes para sempre. 

6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha 
A Madrasta começa dizendo que adorava e ainda adora Branca de Neve, que tudo o 
que fez foi para o bem da garota. Diz que vai contar a sua versão da história e que, certamen­ 
te, vão acreditar nela. 
Primeiro, diz que não é fácil, mas desgastante, criar uma adolescente, já que elas são 
preguiçosas, mal­educadas, só comem porcaria, usam roupas ripongas. Elas precisam de vigi­ 
lância  constante,  porque  não podem  ver  um  menino  na  frente.  E  Branca  de  Neve  era  uma 
adolescente típica. Segundo, ser madrasta não é bom, já que as madrastas têm uma má repu­ 
tação, são sempre chamadas de cruéis e bruxas. A Madrasta lamenta que mãe verdadeira pos­ 
sa ser implicante o tempo inteiro, mas se uma madrasta perde a paciência uma única vez, sai 
na primeira página do jornal. Completando, a Madrasta era viúva e teve que cuidar de Branca 
de Neve sozinha. Ela era uma mãe trabalhadora e solitária que não recebia ajuda de ninguém. 
Quando as coisas saíam erradas, ela era quem levava a culpa. 
A Madrasta diz que não era uma pessoa vaidosa, mas que tinha o dom da beleza natu­
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ral  e  que o Espelho Mágico  passava  o  dia  lhe  elogiando,  como se  ela  não  soubesse  de  sua 
formosura.  Como  ela  sempre  teve  uma preocupação  saudável  com  sua  aparência,  esperava 
que Branca de Neve também tivesse, porém, ao contrário, a menina usava o mesmo vestido 
esfarrapado  todo  dia  e  nunca  fazia  exercícios.  Então,  a  Madrasta  tinha  que  pôr  ordem  nas 
coisas, pois sua enteada precisava de disciplina: regime e  exercícios. Resumindo, precisava 
da ajuda da Madrasta e foi o que ela fez. 
Para ajudar no seu crescimento, precisava se exercitar. A Madrasta pediu a Branca de 
Neve que ela começasse carregando cem baldes de água até o calabouço – era uma oportuni­ 
dade de ela tonificar os músculos e queimar calorias. Mas Branca de Neve reclamava, res­ 
mungava, não gostava, dizia que o trabalho era pesado, e até fingiu desmaiar depois de car­ 
regar trinta baldes cheios de água. Como a Madrasta era uma pessoa muito tolerante, deixou 
Branca de Neve descansar alguns minutos e, depois, deu a ela o trabalho mais fácil do palá­ 
cio: lavar os degraus da entrada principal. Este era um ótimo exercício aeróbico; mas Branca 
de Neve  não agradeceu de novo. A Madrasta saiu um minuto para consultar seu espelho e, 
quando voltou, Branca de Neve tinha parado de trabalhar, estava encostada no corrimão, can­ 
tarolando com os passarinhos. Isso irritou a Madrasta e a deixou preocupada com a princesa. 
As coisas pioraram quando no dia seguinte, ao invés de estar esfregando o assoalho 
da cozinha, Branca de Neve foi encontrada pela Madrasta engolindo um pedaço de bolo. A 
Madrasta exigiu que Branca de Neve parasse de  comer aquilo, pois bolo não é adequado a 
meninas em crescimento, é cheio de gordura e açúcar, estraga os dentes. A Madrasta disse a 
Branca de Neve que ela tinha sorte por estar em sua nova dieta de pão e mingau – iria ficar 
forte como um touro e poderia fazer todo o serviço sem cansar­se. Branca de Neve entriste­ 
ceu­se e não ficou nada agradecida. 
A Madrasta ficou magoada, mas orientou que a Branca de Neve esfregasse o chão, no 
seu  ritmo,  antes  de  tirar  o resto do dia  de  folga.  Depois,  concluiu  que  a  garota podia  ficar 
conversando  com  os pássaros  quando  quisesse  que  ela  não  mais  se  incomodaria  com  isso. 
Voltou ao palácio e consultou seu Espelho Mágico, o qual lhe disse que estava horrível e que 
até Branca de Neve estava mais bonita que ela. A Madrasta concluiu que o terrível stress de 
lidar com a ingrata enteada estava cobrando seu preço e tinha que fazer alguma coisa. Resol­ 
veu tirar um dia de folga, desmarcou seus compromissos, e foi fazer uma massagem e uma 
máscara de algas marinhas. Fez meditação e aromaterapia e caiu num profundo e merecido 
sono. 
Na manhã seguinte, acordou completamente renovada. Já ia consultar o Espelho Má­ 
gico, pois tinha certeza que era novamente a mais linda de todas, quando viu pela janela um 
garoto, que parecia muito interessado em Branca de Neve, muito próximo da garota, e ficou 
preocupadíssima, afinal, ele poderia ser um criminoso, um seqüestrador. Tinha que proteger 
sua enteada. Desceu a escada, mas quando alcançou Branca de Neve, ela já estava sozinha. 
Sua enteada estava diferente, encontrava­se com um caso grave de paixonite aguda e andava 
desanimada  pelos  cantos.  Tudo  ficou  ainda  pior,  quando  o  Espelho  Mágico  disse­lhe  que 
Branca de Neve ainda era a mais linda de todas. Então pensou que uma mudança de ares tal­ 
vez pudesse fazer bem a sua doce enteadazinha, pois ela precisava superar a paixão doentia e 
voltar a fazer parte da geração saúde. 
A Madrasta lembrou de Brad, o caçador, e o chamou para levar Branca de Neve para 
o  meio da  floresta  em  um revigorante  passeio  pela  natureza,  já  que  ele  conhecia  a  floresta 
como mais ninguém. Pediu para saírem logo, porque precisava de um tempo para ela. Para 
sua péssima surpresa, duas horas depois, Brad voltou sozinho, porque Branca de Neve tinha 
fugido. A Madrasta reclamou que Brad deixou que ela escapasse e resolveu ela mesma trazer 
a menina de volta. 
Sobre a “Operação Resgate da Branca de Neve”, ela esclarece algumas calúnias: pri­ 
meiro,  ela  não  usou  magia  negra  para  se  disfarçar  e  não  ser  reconhecida,  mas  apenas  não
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usou  seu  manto,  nem  suas  jóias,  mas  sim  tênis  e  roupas  confortáveis,  próprios  para  andar 
bastante; também não se maquiou, porque estava indo em uma missão resgate, e  não a um 
encontro. Segundo, não usou magia negra para encontrar Branca de Neve, mas apenas seguiu 
sua trilha de laços de cabelo e papéis de chiclete, próprios de uma adolescente, até a cabana 
da floresta. Terceiro, sobre a “maçã envenenada”, pura fofoca – no caminho, encontrou um 
camelô que lhe  vendeu uma cesta de maçãs bem brilhantes e ela  não lembrou de checar se 
elas eram livres de agrotóxico. 
Branca de Neve ficou feliz por ver a Madrasta e ofereceu­lhe uma torta de pêssego. A 
Madrasta ficou espantada de ter para comer no almoço aquilo e ofereceu­lhe  as frutas fres­ 
quinhas que comprou no caminho. Ofereceu­lhe a maçã mais brilhante do cesto, porque sabia 
que  ela  continha  muitas  vitaminas  e  minerais  essenciais  para  uma  garota  em  crescimento. 
Quando Branca de Neve caiu em sono de morte, a Madrasta correu para procurar um gastro­ 
enterologista. A busca foi inútil e ela muito triste voltou para o palácio, pensando nunca mais 
rever  Branca  de  Neve.  Os  anõezinhos  disseram  coisas  horríveis  para  ela,  a  insultaram  e  a 
jogaram em um penhasco, mas ela aterrissou em uns arbustos macios e só ficou com alguns 
hematomas. 
A  Madrasta finaliza  sua  versão  da  história,  dizendo  esperar  ter  melhorado  sua  ima­ 
gem.  Vive exilada, já que os anões provocaram uma rebelião e foi destronada. A Madrasta 
sente falta do poder, mas não do stress e da pressão que vêm junto com ele. Hoje em dia, ela 
está  bem  mais  calma  e  trabalha  em  uma  loja  de  produtos  naturais,  onde  adora dar atenção 
especial aos fregueses, aconselhando­os sobre o que devem comer ou não. 

7. Minha versão da histór ia / contada por  Cinderela 


Quando Cinderela era pequena, e seu pai ainda estava vivo, ele costumava contar­lhe 
fábulas. A fábula que ela mais gostava era a da tartaruga e da lebre. Esta história serviu­lhe 
de inspiração para seu lema pessoal: devagar e sempre. Ela gostaria muito de ser uma prince­ 
sa ou veterinária. 
Porém, seu lema não é popular na sua casa. Desde que seu pai faleceu, a madrasta pôs 
Cinderela para trabalhar, sob seus gritos e de suas filhas, as  irmãs de criação de Cinderela. 
Todas elas nunca ficavam contentes com os serviços de Cinderela. 
Cinderela  era  amiga  e  conversava  com  os  animaizinhos  da  casa  (ratos,  cachorro  e 
pássaros). Eles sabiam seus segredos e da família toda. 
O sonho de sua madrasta era se tornar uma grande dama, brilhando na corte junto a 
suas filhas. Cinderela também sonhava, desde pequena, em ser uma princesa, mas achava seu 
sonho tão distante quanto a lua. 
Certo dia, um mensageiro entregou na porta da casa de Cinderela um telegrama Real.
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Era uma mensagem do rei urgente – um convite. O rei daria um baile em honra do príncipe e, 
por Ordem Real, convocava todas as moças em idade de casar a comparecerem. 
A madrasta e as irmãs de criação, Drizela e Anastácia, ficaram eufóricas com a notí­ 
cia. Cinderela frisou que todas as moças em idade de casar deveriam comparecer e disse que 
tinha de ir. Porém sua madrasta disse que ela só poderia ir se terminasse todo o seu trabalho e 
se achasse alguma coisa adequada para vestir. As irmãs riram, como se isso nunca fosse a­ 
contecer. Mas Cinderela acreditava que iria conseguir. 
Ajudada pelos camundongos ela recuperou um vestido cor­de­rosa que tinha sido de 
sua mãe. Depois, recebeu uma lista de tarefas de cada uma das irmãs. A madrasta disse ainda 
que, quando terminasse de ajudar Anastácia e Drizela, poderia fazer uns servicinhos de últi­ 
ma hora para ela. 
Cinderela decidiu se apressar para fazer tudo que precisava. A carruagem chegou para 
levá­las ao baile e Cinderela não estava pronta. Ela disse que não iria ao baile e subiu corren­ 
do  as  escadas  aos  prantos.  Ao  chegar  ao  quarto,  teve  uma  surpresa,  pois  os  camundongos 
haviam preparado­lhe o  vestido. Ela  vestiu­se rapidamente e  foi até a carruagem para  ir ao 
baile com sua família postiça. As irmãs gritando foram arrancando as partes do seu vestido, 
rasgando­o e deixando­o aos trapos, e não a deixaram ir junto, foram embora com a madrasta 
que não fez nada para impedir a atitude das filhas. 
Cinderela  estava  no  jardim  chorando, quando  apareceu  a  Fada  Madrinha.  Disse­lhe 
que  era  Dorabella,  vice­presidente  das  Transformações  Regionais,  e  que  tinha  vindo  para 
ajudá­la a ir ao baile. Com sua varinha mágica, transformou uma abóbora em uma carruagem 
enorme e brilhante. Cantarolando e agitando sua varinha, a Fada Madrinha transformou qua­ 
tro  dos  ratinhos  em  cavalos,  o  cavalo  da  fazenda  em  cocheiro;  Bruno,  o  cachorro,  virou  o 
lacaio. E ainda gesticulando com sua varinha mágica, o cabelo de Cinderela penteou­se sozi­ 
nho, formando um coque francês, seus farrapos viraram um lindo vestido de baile cintilante e 
sapatinhos de cristal lhe calçavam. 
A transformação estava perfeita  e Cinderela agradeceu muito a Fada Madrinha. To­ 
davia ela disse­lhe que não perdesse a noção da hora, pois o encanto terminaria à meia­noite. 
Quando chegou ao baile, um rapaz muito bonito, usando um button “Salvem as balei­ 
as” na lapela, sorriu­lhe e tirou­a para dançar. Ela estava admirando os diversos quadros de 
cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as paredes do palácio. O rapaz perguntou­lhe se 
gostava de animais e disse que ele também adorava e que pretendia entrar  na faculdade de 
veterinária. Ela confessou­lhe que também era o seu desejo. Os dois foram descobrindo afi­ 
nidades,  valsando  pelo  jardim;  confidenciaram  segredos  e  achavam­se  que  eram  os  únicos 
dois que queriam tornar o mundo um lugar melhor para os animais. O rapaz a beijou e então 
o relógio do palácio começou a bater. Era quase meia­noite e o encanto ia acabar! 
Cinderela saiu correndo em disparada e o jovem bonito a chamava. Na fuga, ao des­ 
cer as escadas apressadamente, acabou deixando cair um de seus sapatinhos. O encanto aca­ 
bou pontualmente à meia­noite. Cinderela ainda ficou com um dos sapatinhos e guardou­o de 
lembrança. 
Na manhã seguinte, a madrasta avisou que o grão­duque passaria por ali a qualquer 
momento, já que estava percorrendo todo o reino atrás da menina que tinha deixado cair um 
sapatinho de cristal quando foi embora do palácio. Disse que o príncipe estava  loucamente 
apaixonado por ela. Foi então, que Cinderela percebeu que aquele rapaz era o príncipe e que 
queria casar com ela. Cinderela derrubou as bandejas de café. A madrasta mandou­lhe arru­ 
mar a bagunça, mas feliz e distraída, saiu do quarto rodopiando e murmurando uma valsa... 
Foi aí que a madrasta desconfiou. Xingou­a, dizendo que ela esteve no dia anterior no baile e 
monopolizou  o  príncipe,  afastando­o  de  suas  filhas.  Cinderela  admitiu,  mas  disse  que  não 
sabia que ele era o príncipe. A madrasta trancou­a no quarto. 
Os camundongos ajudaram­lhe a sair do quarto, roubando a chave. Cinderela disparou
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pelas escadarias. Quando pediu para experimentar o sapatinho, a madrasta destruiu o sapato 
com sua bengala.  Porém  Cinderela  tirou o outro sapatinho de cristal  do bolso do  avental  e 
calçou­o, servindo­lhe perfeitamente. 
Cinderela disse à madrasta e as filhas dela que elas deveriam lavar e passar suas pró­ 
prias roupas, daquele momento em diante, pois ela iria estar muito ocupada com outras coi­ 
sas. 
O príncipe e Cinderela abriram um consultório juntos, assim que terminaram a facul­ 
dade de veterinária. Todos os animaizinhos seus amigos moram saudáveis com eles. As co­ 
baias concordaram em participar de sua nova especialização: modificação de comportamento 
animal. Pois a esperança de Cinderela é fazer Lúcifer, o gato mau da madrasta, submeter­se a 
esse tratamento. 

8. Minha versão da histór ia / contada pela Madr asta 


A Madrasta diz que sempre tentou agir corretamente com suas filhas Anastácia e Dri­ 
zela, que são as meninas mais doces e adoráveis do reino, as quais jamais fariam mal a uma 
mosca.  Entretanto,  ela  acha  importante  contar  sobre o  relacionamento  delas  com  Cindy,  já 
que gente demais acredita que são cruéis  com ela e que a tratam como criada. A Madrasta 
garante que essas pessoas estão enganadas. 
Primeiro, suas filhas sempre foram criaturas delicadas e sensíveis. Quando ela se ca­ 
sou com o pai de Cindy, elas eram tímidas. Mas, por outro lado, Cindy era uma menina bem 
esquisita, teimosa e que falava com os animais. 
A  Madrasta  começou  a  desconfiar  que  Cindy  não  fosse  tão  doce  como  fingia  ser, 
quando, há algum tempo, o Signor Capezio veio para sua visita anual. Ele mediu os pés das 
meninas para fazer­lhes sapatos novos. Ele mediu Anastácia e Drizela e ficou apavorado com 
o tamanho de seus pés – tamanho 40! Depois mediu o pé de Cinderela e elogiou­a – pés ta­ 
manho  34!  Cinderela  ficou encabulada  com o  elogio.  Mas para  a  Madrasta  ela  estava  com 
uma  alegria  maliciosa  por  dentro  e  suas  filhinhas  também  perceberam.  Neste  momento,  a 
Madrasta percebeu que se não agisse rápido, Cindy  iria  lançar outros ataques sutis contra a 
auto­estima de suas filhas. Então, daquele dia em diante, ela resolveu que suas filhas  iriam 
passar menos tempo com sua irmã de criação. Disse­lhes que ficariam ocupadas com novas e 
importantes responsabilidades. Para Anastácia e Drizela deu­lhes tarefas tipo: ir para aula de 
música no horário, colher flores, colocar as roupas sujas  no cesto, usar roupas limpas. Para 
Cinderela, determinou as tarefas de lavar e passar as roupas, varrer e esfregar chão, tirar o pó 
dos móveis, servir o café da manhã, etc. As meninas acharam  justo e encheram de orgulho 
sua mãe por terem sido corajosas e aceitarem o desafio. 
Os  anos  se  passaram  e  embora  Cindy  tivesse  bem  mais  trabalho,  ainda  assim,  ela 
nunca  estava  tão  ocupada  que  ainda  não  sobrasse  tempo  para  conspirar  contra  as  irmãs  de
209 

criação. Por exemplo, ela sabia que Anastácia e Drizela tinham pavor de ratos e escondia os 
ratos sob suas xícaras. A Madrasta teve que chamar especialistas, médicos renomados, para 
recuperar suas filhas do choque traumático. 
Um belo dia,  quando  a  Madrasta  estava  dando uma  aula  de música  para  suas  filhas 
(Anastácia tocando lindamente sem derrubar a flauta nenhuma vez e Drizela cantando como 
um anjo, acertando pelo menos uma nota sim e outra não), Cinderela entra pela sala trazendo 
o Telegrama Real. Foi ela dizer que também deveria ir ao baile que as meninas começaram a 
ficar nervosas. Então, seu instinto maternal lhe avisou de um ataque iminente, porém ela não 
podia fazer  nada, tinha de ser  justa. Então disse às meninas que, contanto que terminassem 
suas tarefas e se vestissem adequadamente, todas poderiam ir ao baile – até Cinderela. 
Suas  filhas  logo  terminaram  suas  tarefas  “altamente  exigentes”  e  puderam passar  o 
resto do dia preparando­se para o baile. Já Cinderela demorou uma eternidade para cumprir 
aqueles  servicinhos  simples.  Quando  a  carruagem  chegou,  Cindy  não  estava  pronta e  seria 
uma grosseirice deixar a carruagem esperando. Então, despediram­se de Cinderela. Mas ela 
devia  ter  adivinhado  que  Cindy  faria  de  tudo  para  atrasá­las.  Exatamente  quando  estavam 
saindo, ela desceu as escadas correndo, com um vestido horrendo, fora de moda, que não lhe 
caía  bem.  Gentilmente,  disseram­lhe  que  aquele  vestido  estava  péssimo  e  que  ela  deveria 
ficar em casa. Foi uma tentativa de poupá­la de morrer de vergonha e ela não ficou nem um 
pouco agradecida. 
Suas filhas conheceram o príncipe e ele ficou impressionado com o encanto delas, ele 
foi  muito  cortês, mas  quando  tentaram  esticar  a  conversa  com  ele,  ele  mal  respondeu, pois 
estava prestando atenção em outra pessoa. As meninas ficaram arrasadas porque ele nem lhes 
deu  atenção,  não  falou  com  elas  e  não  as  tirou para  dançar.  Ele  saiu  apressado  e  ninguém 
mais o viu em algum lugar. Quando estava no toalete, outra mãe trouxe a  notícia de que o 
príncipe valsava no jardim com uma jovem. Todas as mães foram ver quem era a moça, que 
achavam ser uma estrangeira, talvez americana. A Madrasta foi empurrada e esmagada e não 
conseguiu ver direito quem era a moça, mas achou algo estranhamente familiar. 
A Madrasta ficou preocupada, pois o baile tinha sido um grande desapontamento para 
suas lindinhas. Será que conseguiriam superar este trauma? 
Na manhã seguinte, quando o Signor Capezio veio entregar os sapatos, trouxe as notí­ 
cias  do baile.  E disse que o príncipe  iria  se  casar  com  a  moça que  calçasse  o  sapatinho  de 
cristal. Disse ainda que o sapatinho era muito pequeno. Na pressa desesperada para tirar suas 
filhas da cama, nem  notou Cindy. Foi  notada porque derrubou as bandejas de café, quando 
estava contando sobre o príncipe às filhas. Quando pediu para limpar a bagunça, ela ignorou 
e saiu dando piruetas e cantando uma valsa. Era a mesma valsa que tocava no palácio, duran­ 
te o baile. Foi naquele instante que suas suspeitas sobre a enteada mudaram para pior. Como 
ela foi ao baile, a Madrasta suspeitava de que Cindy tinha usado “magia negra”, tinha usado 
terríveis poderes mágicos para transformar­se em uma dama e enfeitiçar o príncipe. 
A Madrasta arrependeu­se de tê­la trancado no quarto, devia tê­la mandado para o sa­ 
natório. Cindy usou de seus poderes mágicos para se soltar. Ela precipitou­se enfurecida es­ 
cada abaixo antes que o duque fosse embora. O sapatinho de cristal  não tinha servido nem 
em Anastácia e  nem em Drizela, embora elas tenham tentado com toda força de seus cora­ 
çõezinhos. Depois, tudo foi muito confuso... Acabou batendo com sua bengala, sem querer, 
no sapatinho que voou pelos ares e espatifou­se no chão em mil pedacinhos. O grão­duque 
chorou. Cinderela sorriu e, como se fosse mágica mostrou outro sapatinho de cristal e calçou­ 
o. Só podia ser magia negra! 
As filhas reclamam que não foi justo o que aconteceu. Mas a Madrasta mostra­lhes o 
lado positivo da história: todas têm saúde, estão juntas e não existem mais ratos na casa.
210 

9. A Bela Desador mecida 
Quando Belinha nasceu, seus pais, de tão felizes, armaram uma festa para comemorar 
a  chegada  da  filha.  Espalharam  a  notícia  para  todos,  convidaram  muitas  pessoas,  mas  não 
convidaram a bruxa (por azar, vizinha deles). 
Mesmo sem ser convidada, a bruxa apareceu na casa cheia de convidados. Ela foi até 
o berço, olhou para o bebê, deu um beijo estalado e seu presente: disse­lhe que quando Bela 
festejasse seus catorze anos, iria picar seu dedo. Então, seus pais e quem mais estivesse por 
perto iriam todos dormir por cem anos. Os convidados reclamaram da profecia má da bruxa. 
Então,  a  bruxa  resolveu  arrumar um  pouco o  que  tinha  dito.  Disse  que,  na  hora  exata,  um 
roqueiro chegaria e acordaria a formosa menina. 
Desde  então,  os  pais  tiraram  do alcance da menina  tudo  que  era  afiado  ou pontudo 
que pudesse tocar e furar sua mão. Jogaram fora garfos, facas, até o anel da tia. Quando Bela 
ficou maior, notou que não podia pregar botão, nem cortar bolo, mas seus pais não explica­ 
vam a razão. Ela não podia recortar, nem patinar no gelo, nem cortar as unhas, nem aparar o 
cabelo. Não podia, também, escrever com lápis bem apontado. Seu pai estava todo barbudo e 
não se queixava. 
Chegou o famoso dia dos catorze anos. Quando Bela entrou no quarto, havia uma mu­ 
lher pálida, que só podia ser a tal bruxa. A mulher disse que tinha vindo trazer seu presente 
de  aniversário  –  um  antigo  long­play.  Disse  para  a  menina  colocar  o  disco  para  tocar.  Ao 
fazer isso, Bela tocou o dedo na agulha e sentou no sofá. A bruxa foi embora, certa da profe­ 
cia concretizada. E começou a dar um sono na garota. Seus pais, o cachorro e o gato já dor­ 
miam profundamente. Bela desejou boa noite a todos, vestiu seu pijama e foi dormir também. 
Cedo da manhã, Bela acordou e viu seus pais dormindo. Chamou e acordou­os. Sua 
mãe perguntou­lhe se já haviam dormido cem anos. Bela respondeu­lhe que o feitiço falhou, 
porque na hora H ela pôs o despertador. Seu roqueiro preferido acordou­a cantando rock bem 
junto de seu ouvido. 
Bela foi para a escola. Ela e seu roqueiro viveram felizes para sempre.
211 

Anexo 3: 
Resumos de alguns contos de fadas clássicos, os quais os “novos contos de fadas” analisados 
se referem, reescrevendo­os ou parodiando­os. 

1. A Bela Ador mecida 
Era uma vez, há muito tempo atrás, um rei e uma rainha que desejavam muito ter um 
bebê. Então, quando finalmente foram abençoados com o nascimento de sua filha – a princesa 
Aurora, fizeram uma grande celebração em honra de sua chegada. Para batizar Aurora, vieram 
três fadas bondosas: Flora, Fauna e Primavera. 
Cada uma das fadas presenteou a princesinha com um dom. Flora deu à Aurora o dom 
da beleza. Fauna deu à Aurora o dom do canto. Nesse momento, o palácio todo começou a 
escurecer,  apareceram  relâmpagos  de  chamas  verdes  e  surgiu  Malévola  no  meio  de  todos. 
Furiosa por não ter sido convidada a festa, ela anunciou que também gostaria de dar um pre­ 
sente à princesa. Mas, para o horror de todos, Malévola lançou um feitiço no bebê. Ela disse 
que antes do sol se pôr, no dia de seu décimo sexto aniversário, Aurora espetaria seu dedo no 
fuso de uma roca e morreria! 
Todos  ficaram  apavorados  com  a  maldição de  Malévola.  Por  sorte,  Primavera  ainda 
não havia dado o seu presente. Então, ela disse que não podia tirar o feitiço, porém podia aju­ 
dar. A fada disse que se Aurora espetasse seu dedo num fuso, não morreria... mas que, sim­ 
plesmente, cairia num sono profundo, até ser despertada por um beijo de um amor verdadeiro. 
Logo após, as fadas levaram Aurora embora para uma casinha no meio da floresta, on­ 
de ela cresceu. E o rei mandou queimar todas as rocas do reino. As três fadas bondosas man­ 
tiveram Aurora a salvo, escondida durante quase dezesseis anos, para que escapasse do feitiço 
de Malévola. Aurora não sabia que era uma princesa e nem que suas queridas tias eram, em 
realidade, fadas. Aurora nem sequer sabia seu nome verdadeiro, pois as fadas a chamavam de 
Rosa Silvestre. 
No dia do seu décimo sexto aniversário, Rosa saiu para passear pelo bosque, cantando 
uma canção de um verdadeiro amor. Ela não percebeu que havia um jovem cavalgando pela 
floresta  naquele  dia  e  que, ouvindo  sua  canção,  aproximou­se.  Ela era  muito  tímida.  Nunca 
havia  falado  com  um  estranho,  mas,  por  algum  motivo,  sentiu  que  já  o  conhecia.  Rosa e  o 
jovem rapaz conversaram e dançaram  juntos. Combinaram de se encontrarem mais tarde na 
casa de Rosa. 
Quando Rosa chegou em casa, suas tias tinha feito um vestido e um bolo de aniversá­ 
rio para ela. Rosa ficou muito feliz e contou às tias que tinha acabado de conhecer um jovem
212 

com quem desejava casar­se. As fadas ficaram alarmadas com as novidades de Rosa e come­ 
çaram a contar­lhe a verdade: que ela era uma princesa, que estava na hora de voltar ao palá­ 
cio, conhecer seu pai e sua mãe – o rei e a rainha, e que, além disso, já estava comprometida 
para casar­se com um príncipe, escolhido pela família, desde seu nascimento. Rosa, que pas­ 
sou a ser Aurora de novo, começou a chorar. 
Quando Aurora e as fadas chegaram ao palácio, deixaram­lhe só para que tivesse um 
tempo para si mesma. E, assim que as fadas saíram, uma incandescência a atraiu para uma das 
escadas misteriosas. Era Malévola, a bruxa que induziu Aurora para a roca e ordenou que ela 
tocasse no fuso. Aurora tocou, espetou seu dedo e instantaneamente caiu num sono profundo. 
Depois de ter cumprido sua maldição, Malévola voltou ao seu castelo no topo da montanha. 
As fadas correram para ajudar Aurora, mas infelizmente era tarde demais. Elas sabiam 
que a única coisa capaz de despertar essa bela adormecida era um beijo de um amor verdadei­ 
ro, então decidiram buscar o jovem rapaz que Aurora conhecera no bosque. Enquanto isso, as 
fadas  fizeram  com  que  todas  as pessoas  do  castelo  e  do reino  adormecessem  também,  para 
fazer  companhia  à  princesa.  As  fadas  acabaram  descobrindo  que  o  amor de  Aurora  era,  na 
verdade, o príncipe Felipe, aquele para o qual estava prometida em casamento. 
Malévola também descobriu isso e capturou Felipe com planos de mantê­lo aprisiona­ 
do para sempre. Porém as três fadas bondosas o salvaram. Elas o armaram com o Escudo Má­ 
gico da Virtude e com a Espada da Verdade, dando­lhe o poder de dominar o mal. 
Para evitar que Felipe chegasse até Aurora, Malévola fez crescer uma floresta de espi­ 
nhos  ao  redor do palácio  da bela  adormecida.  Depois,  decidida a derrotar o príncipe,  trans­ 
formou­se num enorme dragão que cuspia fogo. Felipe derrotou a bruxa, entrou no palácio e 
com um doce beijo despertou a bela adormecida. Todos no reino também despertaram e cele­ 
braram a volta sã e salva de Aurora, e o dom precioso do verdadeiro amor. E viveram felizes 
para sempre. 

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação 
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura.  Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ 
national Ltd., 2004. 
Imagem:  DISNEY,  Walt.  Tesouro  Musical  Mágico:  princesas,  felizes  para  sempre.  Adaptação  Brenda  Ritter  e 
revisão  Bianca  Moura.  Ilustr.  The  Disney  Storybook  Artists.  Illinois/Londres:  Publications  International  Ltd., 
2004. 

2. Branca de Neve e os Sete Anões 
Era uma vez uma princesa doce e gentil que se chamava Branca de Neve. Branca de
213 

Neve era uma jovem amável e encantadora que tinha os lábios vermelhos como uma rosa, os 
cabelos pretos como o ébano e a pele branca como a neve. Branca de Neve vivia com a sua 
madrasta, que era uma rainha malvada. 
A rainha era muito vaidosa e tinha ciúmes da beleza da enteada, por isso a obrigava a 
vestir  trapos  e  trabalhar,  limpando  o  castelo  como  se  fosse  uma  servente.  Mesmo  assim, 
Branca de Neve vivia alegre, sorrindo e cantando canções para se distrair. 
Um dia, um príncipe passou pelo castelo e viu Branca de Neve cantando. Os dois se 
apaixonaram. 
A rainha tinha o costume de consultar seu espelho mágico, perguntando: “­ Espelho, 
espelho meu, há alguém mais bela do que eu?”. Seu espelho sempre dizia que ela era a mais 
bonita. Porém,  certa  vez,  o  espelho  lhe  respondeu que  Branca  de  Neve  era  a  mais  linda do 
reino. A rainha se enfureceu e resolveu acabar com a vida da enteada. Chamou o caçador e 
ordenou­o que levasse Branca de Neve ao bosque e a matasse, trazendo o seu coração como 
prova de sua morte. 
No bosque, o  caçador  não conseguiu  obedecer  às  ordens  da  rainha  malvada.  Contou 
tudo a Branca de Neve e disse­lhe que fugisse. O caçador matou um animal e arrancou seu 
coração e levou­o a rainha como prova de seu serviço. Branca de Neve acabou refugiando­se 
numa  casinha  na  floresta,  onde  moravam  sete  anões.  Eles  estavam  trabalhando  na  mina  de 
diamantes,  e  quando  voltaram,  encontraram  Branca de  Neve  deitada, dormindo  em  suas  ca­ 
mas, pois estava exausta, depois de ter feio uma faxina na casa deles. Eles se apresentaram e 
ficaram amigos. Os sete anões chamavam­se: Mestre, Feliz, Zangado, Dengoso, Soneca, At­ 
chim e Dunga. Branca de Neve contou sua história e eles concordaram que ela ficasse moran­ 
do com eles. 
Depois,  outra  vez,  a  rainha  consultou  seu  espelho  mágico,  e  ele  respondeu­lhe  que 
Branca de Neve ainda era a mais bela, que não estava morta, mas que vivia no bosque com os 
sete anões. 
A rainha, traída pelo caçador, disfarçou­se de velha vendedora de maçãs e foi até a ca­ 
sa  dos  anões,  ofereceu  uma  maçã  envenenada  a  Branca  de  Neve,  que  estava  sozinha,  e  ela 
caiu adormecida no chão. Quando os anões retornaram da mina, encontraram Branca de Neve 
caída no chão, já sem tempo de salvá­la. Então, colocaram­na em um caixão de cristal aberto 
para poderem admirar a sua beleza e sempre iam visitá­la. 
Certo dia, um príncipe passou por ali, aquele que tinha se apaixonado pela jovem; ele 
a achou tão linda dormindo, que não pôde evitar, e a beijou. Como por magia, Branca de Ne­ 
ve acordou. O primeiro beijo de amor verdadeiro rompeu o feitiço da malvada rainha. Os a­ 
nões ficaram muito felizes. 
Branca de Neve  e o príncipe despediram­se  dos anões  com  carinho  e  saíram  em seu 
cavalo branco. E viveram felizes para sempre. 

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação 
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura.  Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ 
national Ltd., 2004. 
Imagem:  DISNEY,  Walt.  Tesouro  Musical  Mágico:  princesas,  felizes  para  sempre.  Adaptação  Brenda  Ritter  e 
revisão  Bianca  Moura.  Ilustr.  The  Disney  Storybook  Artists.  Illinois/Londres:  Publications  International  Ltd., 
2004.
214 

3. Chapeuzinho Ver melho 
Era uma vez uma linda e adorável menina que morava com seus pais em uma aldeia 
perto do bosque. Certa vez, ela ganhou uma capinha vermelha de veludo com capuz e passou 
a usá­la o tempo todo. Assim, passou a ser chamada por todos de Chapeuzinho Vermelho. 
Um dia a mãe de Chapeuzinho Vermelho pediu à filha que fosse até a casa de sua avó, 
para visitá­la e  levar­lhe alguns alimentos, já que a avó estava doente e deveria ficar alguns 
dias de cama. A mãe estava preocupada porque havia muito trabalho para fazer e não poderia 
sair de casa, mas queria notícias da saúde de sua mãe. Então, pediu para a filha fazer compa­ 
nhia a sua avó. 
Então, a mãe de Chapeuzinho preparou uma cesta de alimentos para a filha levar a avó 
e  orientou­a para  seguir  o  caminho  direitinho  até  a  casa  da  avó,  não  conversando com  nin­ 
guém, não fazendo paradas, cuidando o lobo (que aterrorizava a aldeia) e voltando logo para 
casa, antes de anoitecer. A avó morava do outro lado do bosque. O único problema do bosque 
era um lobo mau que andava assustando a vizinhança com seu apetite enorme. Chapeuzinho 
Vermelho despediu­se de sua mãe, dando­lhe um beijo e saiu levando a sua cesta. 
O dia estava lindo, o céu estava claro e o sol brilhava. No caminho, Chapeuzinho viu 
umas  flores  e  parou  para  apanhar  algumas  para  levar  a  vovó.  Depois,  distraiu­se  vendo  os 
animais que estavam por ali e, quando percebeu, o sol já tinha andado bastante no céu. Cha­ 
peuzinho Vermelho pensou na mãe e ficou preocupada. Ela não ia gostar de saber que a filha 
tinha desobedecido suas instruções. A menina ficou aflita. Além disso, ela tinha as mãos e o 
rosto sujos e parou no riacho para lavá­los. Ela pensou que era melhor se apressar e recuperar 
o tempo perdido. 
Chapeuzinho Vermelho retomou seu caminho apressadamente, foi quando o lobo apa­ 
receu e perguntou­lhe aonde ia tão depressa. A menina respondeu­lhe que ia à casa de sua avó 
que estava doente, levar­lhe aquela cesta de alimentos. O lobo ainda perguntou­lhe o que ha­ 
via na cesta e onde sua vovozinha morava. A menina respondeu tudo ao lobo, sem perceber 
quem  ele era.  O  lobo sugeriu­lhe  um  caminho  para que  chegasse  mais  rápido  à casa  de  sua 
avó. A menina agradeceu­lhe a ajuda e seguiu o caminho sugerido por ele. 
Na verdade, o lobo enganou­a, dizendo para ela ir pelo caminho mais longo, para que 
ele pudesse ir pelo mais curto (ele sabia um atalho) e chegar antes da menina na casa da vo­ 
vozinha. Seu plano estava definido: primeiro comia a vovozinha, depois a netinha. 
Quando o lobo chegou à casa da vovozinha, bateu à porta e disfarçou­se de netinha. A 
vovó mandou entrar, dizendo que a porta estava aberta. Ele entrou rapidamente e foi ao quar­ 
to. Antes que a vovó percebesse o que estava acontecendo, ele comeu a velhinha em uma só 
bocada. Depois, deitou­se em seu lugar, vestiu as roupas da vovó e ficou aguardando a chega­
215 

da de Chapeuzinho – fez seu jantar e estava esperando a sobremesa! 
Quando Chapeuzinho Vermelho chegou à casa da vovó, bateu à porta e o lobo, disfar­ 
çado de vovó, disse­lhe o mesmo que a vovó tinha dito para ele: que ela podia entrar, pois a 
porta  estava  aberta.  Chapeuzinho  entrou  e  foi  direto  para  o  quarto  da  avó.  O  quarto  estava 
escuro, com as janelas  fechadas. Chapeuzinho olhou para a vovó, estranhou sua aparência e 
disse: 
­ Vovó, como seus olhos estão grandes! 
­ É para te ver melhor, minha querida – respondeu o lobo. 
­ Vovó, que orelhas enormes a senhora tem! 
­ É para te escutar melhor, Chapeuzinho. 
­ Vovó, como seus braços cresceram – disse a menina. 
­ É para te abraçar melhor, minha netinha. 
­ Vovó, por que a sua boca está tão grande? – perguntou Chapeuzinho assustada. 
­ É para te comer – respondeu o lobo engolindo­a de uma vez. 
Dentro da barriga do lobo, a avó e a netinha se encontraram. As duas se abraçaram e 
choraram. Um caçador que passava por ali achou que tinha algo estranho naquela casa. Então 
entrou e viu o lobo dormindo na cama da vovozinha, roncando bem alto. Abriu sua barriga e 
tirou a vovó e a menina de lá, ainda vivas. Depois encheu a barriga de pedras e costurou­a. 
Quando acordou, o lobo tentou fugir, mas com as pedras na barriga, acabou morrendo. Os três 
festejaram o fim do lobo. 
Chapeuzinho Vermelho abraçou sua avó, voltou para casa e prometeu nunca mais de­ 
sobedecer a sua mãe. 

Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilus­ 
trações de Carlos Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos) 
Imagem: GRISOLIA. Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Carlos 
Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000. 

4. Cinder ela 
Era uma vez uma menina chamada Cinderela que vivia com seu pai, pois sua mãe era 
falecida. Certo dia, seu pai resolveu casar­se novamente, pois pensava que Cinderela precisa­ 
va de uma mãe. Então, casou­se com uma viúva que tinha duas filhas. No início a madrasta 
era bem querida com Cinderela, mas depois que se casou com seu pai, passou a destratá­la. 
Depois que ele morreu então as coisas pioraram ainda mais! 
Cinderela amava sonhar, pois tinha uma vida muito difícil. Desde que seu pai morrera,
216 

a sua madrasta cruel e suas filhas malvadas, Anastácia e Drizela, tratavam­na como uma ser­ 
vente. Cinderela trabalhava o dia inteiro até anoitecer. Por isso, seus sonhos davam­lhe forças 
para seguir adiante. 
Um dia, enquanto Cinderela varria o chão da casa, um mensageiro real bateu na porta. 
Ele trouxe um convite para o baile no castelo. O rei queria casar seu filho, então decidiu con­ 
vidar todas as donzelas do reino para o baile, com a esperança de encontrar uma esposa para o 
príncipe. 
Cinderela queria muito ir ao baile, mas sua madrasta lhe deu uma lista imensa de tare­ 
fas a serem realizadas. A madrasta sabia que Cinderela jamais poderia terminar seu trabalho a 
tempo. 
Os amiguinhos de Cinderela, os ratinhos e passarinhos, ajudaram­na no serviço e ainda 
arrumaram­lhe um de seus vestidos velhos com fitas e laços, deixando­o novo. Porém, quando 
chegou a hora de irem ao baile, e quando a madrasta e suas filhas viram Cinderela tão elegan­ 
te, foram puxando seu vestido, até rasgá­lo aos farrapos. Cinderela saiu correndo para o jar­ 
dim aos prantos. 
De repente a fada madrinha de Cinderela apareceu. Com sua varinha de condão, a fada 
madrinha ia transformando: uma abóbora em uma bela carruagem, os ratinhos em cavalos, o 
cavalo em chofer e o cachorro em servente. Transformou, ainda, os trapos de Cinderela em 
um deslumbrante vestido de baile e deu­lhe delicados sapatinhos de vidro. Antes de Cinderela 
partir para o baile, a fada madrinha avisou­lhe que quando batesse o último badalo da meia­ 
noite, o encanto terminaria, e tudo voltaria a ser como antes. 
Quando Cinderela chegou ao baile, o príncipe a notou imediatamente. Foi até ela e a 
convidou para dançar. Ela não sabia que ele era o príncipe, mas apaixonou­se por ele. Os dois 
dançaram juntos a noite toda. E quando o relógio começou a bater, Cinderela lembrou do avi­ 
so da fada madrinha, e saiu correndo em disparada. Enquanto fugia, Cinderela perdeu um de 
seus pequeninos sapatos de vidro na escada e o príncipe o pegou. 
No dia seguinte, o rei declarou que a jovem dama que fosse dona do sapato se casaria 
com o príncipe. O grande duque levou o sapato a todas as casas do reino para que até a última 
donzela pudesse calçá­lo. 
Quando o duque chegou à casa de Cinderela, suas irmãs fizeram de tudo para calçarem 
o sapato, mas seus pés eram grandes demais. A madrasta não queria que Cinderela tivesse a 
chance de provar o sapato e fez com que ele tropeçasse, quebrando o sapatinho em mil peda­ 
ços. Nesse exato momento, Cinderela tirou do bolso do seu avental o outro sapatinho de vi­ 
dro,  calçou­o  e,  deste  modo,  revelou  que  ela  era  a  misteriosa  jovem  com  quem  o  príncipe 
dançou a noite toda no baile. 
Cinderela  e  o príncipe  casaram­se  e  viveram  felizes  para  sempre.  Para  Cinderela  era 
um sonho que virou realidade! 

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação 
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura.  Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ 
national Ltd., 2004. 
Imagem:  DISNEY,  Walt.  Tesouro  Musical  Mágico:  princesas,  felizes  para  sempre.  Adaptação  Brenda  Ritter  e 
revisão  Bianca  Moura.  Ilustr.  The  Disney  Storybook  Artists.  Illinois/Londres:  Publications  International  Ltd., 
2004.
217 

5. J oão e Maria 
Era  uma  vez  um  lenhador,  pobre,  que  gostava  muito  dos  seus  filhos,  João  e  Maria. 
Depois que a mãe das crianças morreu, ele se casou novamente, mas sua segunda mulher não 
era nem um pouco apegada às crianças. Os quatro moravam numa casinha perto da floresta e 
passavam muitas dificuldades e, muitas vezes, não tinham o que comer. 
Uma noite, o lenhador conversava com a mulher sobre seus problemas, quando ela fa­ 
lou para, no dia seguinte, eles levarem as crianças na floresta, num lugar bem distante, e dei­ 
xá­los lá, com um pedaço de pão para cada um. O homem horrorizou­se com a idéia de aban­ 
donar os filhos, mas acabou sendo convencido pela insistência da mulher, que disse que assim 
eles poderiam ser encontrados por alguém com melhores condições de criá­los. Porém, João e 
Maria ouviram a conversa. Maria começou a chorar e João disse­lhe que não se preocupasse, 
pois ele iria dar um jeito. Então, quando todos foram dormir, João saiu e começou a andar ao 
redor da casa, catando várias pedrinhas brilhantes. Ele encheu seu bolso delas, voltou para seu 
quarto e disse a Maria que não se preocupasse, pois eles não iriam se perder. 
No outro dia, o pai estava triste. A madrasta chamou os dois irmãos e deu um pedaço 
de pão a cada um, dizendo­lhe que todos iriam sair para catar lenha na floresta. Maria guardou 
os dois pães em seu avental, porque os bolsos de João estavam cheios de pedrinhas. Enquanto 
andavam,  seu  irmão  parava  e deixava  algumas  pedrinhas  pelo  caminho.  O pai  estranhou  as 
paradas do menino e questionou­o. João respondeu­lhe que estava acenando ao seu gatinho. A 
madrasta achou aquilo uma tolice do menino. 
Quando chegaram ao local escolhido pela madrasta, os quatro juntaram lenha para fa­ 
zer uma fogueira. Depois o casal se despediu, dizendo que iriam cortar árvores mais longe e 
que  era para os  irmãos ficarem  ali  quietos;  caso sentissem  fome, que  comessem  o pão.  E o 
casal foi embora. 
Durante um tempo, João e Maria ouviram o ruído do machado, mas depois que come­ 
ram, o cansaço e o calor do fogo fizeram com que adormecessem. Ao acordar, Maria come­ 
çou a chorar, pois já estava escuro. João acalmou a irmã, dizendo que assim que a luz da lua 
começasse a brilhar, eles iriam  voltar. E assim foi feito; guiados pelas pedras brilhantes que 
refletiam a luz da lua, os irmãos acharam o caminho de casa. 
Ao vê­los, o pai abraçou­lhes aliviado porque estavam juntos novamente. A madrasta 
não  gostou  e  fingiu  preocupação  com os  garotos,  perguntando por  onde estiveram,  dizendo 
que  estavam  preocupados  com  o  sumiço  dos  dois  trapalhões.  Depois,  disse­lhes  para  irem 
dormir. 
Algum tempo depois, como a família continuava passando necessidades, a situação se 
repetiu. O pai tentou convencer a madrasta a não abandonar as crianças, mas acabou cedendo 
à sua vontade. João ouviu tudo com Maria e pediu para ela se acalmar. À  noite, quando foi
218 

sair para catar as pedrinhas, João foi surpreendido pela porta trancada. Voltou para o quarto e 
pensou que até o dia seguinte ele encontraria uma solução. 
Pela  manhã,  a  madrasta  deu um pedaço de pão  a  cada  um.  Os  quatro seguiram pela 
floresta  e  João  ia deixando algumas migalhas  de pão pelo  caminho.  Seu pai  questionou­o o 
motivo de tantas paradas, e o menino respondeu­o que era para acenar para o seu pombinho. 
A madrasta considerou uma bobagem do menino. 
Depois de muito andar, eles pararam num lugar totalmente desconhecido. Recolheram 
galhos secos para fazer uma fogueira. Antes de o casal partir, a madrasta falou para os meni­ 
nos ficarem ali, pois eles iriam cortar algumas árvores mais adiante. Disse ainda que o fogo 
estava aceso para aquecê­los. Portanto, se sentissem fome, que comessem o pão; se sentissem 
sono, que dormissem. Disse­lhes que, assim que terminassem o trabalho, voltariam para bus­ 
cá­los. 
Como João tinha feito seu pão em migalhas, os dois dividiram o de Maria. Logo de­ 
pois, eles dormiram e quando acordaram estava escuro. Maria sentiu medo, mas João disse­ 
lhe que o luar iluminaria tudo e eles poderiam seguir a trilha de migalhas. Todavia João não 
contou com a fome dos passarinhos, que comeram todas as migalhas. 
No dia seguinte,  os  dois  tentaram  encontrar  o  caminho  de  casa.  Andaram  muito por 
mais de um dia. Até que um dia, de repente, viram um pássaro branco no topo de uma árvore 
e resolveram segui­lo, quando encontraram uma casa feita de todos os tipos de doces. Como 
estavam famintos, correram em direção a casa e começaram a comer aquelas delícias. Nisso 
apareceu  uma  velha,  perguntando  sobre  quem  estava  comendo  a  sua  casa.  Depois,  notando 
que  as  crianças  estavam  famintas,  convidou­as  a  entrar  e  ofereceu­lhes  um  lanche.  Os  dois 
nem acreditavam no que estava acontecendo­lhes. Eles puderam comer à vontade. 
Depois do lanche, a senhora trancou João em uma gaiola e fez de Maria sua emprega­ 
da.  As  crianças  ficaram  sabendo  que  aquela  velhinha  era  na  verdade uma  bruxa  que  comia 
criancinhas,  principalmente,  meninos.  Ela  não  enxergava  bem,  mas  tinha  um  faro  ótimo  e 
sabia  quando  havia  um  menino  por  perto.  O  pássaro  branco  tinha  sido  treinado pela  bruxa 
para atrair criancinhas para sua casa. Lá, ela oferecia um lanche para as crianças e depois as 
devorava. A bruxa disse a Maria que ela deveria cozinhar e fazer todo o serviço de casa todos 
os dias, enquanto João ficaria preso na gaiola, até que engordasse, quando então poderia ser 
devorado por ela. Avisou­lhes que primeiro iria comer o menino e depois a sua irmã. 
Os  dias  foram  se  passando  e,  enquanto  João  recebia  bastante  comida  para  engordar, 
Maria comia apenas pão e restos de comida. Todos os dias a bruxa ia ver se João já tinha en­ 
gordado. Como ela  não enxergava bem, pedia para apalpar o dedo do menino para sentir se 
ele estava no ponto. Como João era muito esperto, em vez de colocar o dedo fora da gaiola, 
ele  colocava  um ossinho  de  galinha.  A  bruxa  sempre reclamava  que  ele  ainda  estava muito 
magrinho. Não entendia como ele comia tanto e não engordava. 
Depois de um tempo, a velha bruxa ficou irritada e resolveu comer o menino de qual­ 
quer jeito. E mandou Maria buscar água para pôr no caldeirão para ferver. Mandou, também, 
Maria  acender o  forno para pôr o pão para  assar.  Disse  para Maria  abrir  a porta do  forno  e 
colocar a sua cabeça lá dentro para ver se estava bem quente. Então Maria, percebendo as más 
intenções da bruxa, que iria comer a menina, antes do menino, respondeu­lhe que não sabia 
fazer isso. A bruxa, muito irritada, foi mostrar à menina como fazer. Maria aproveitou a chan­ 
ce e empurrou a velha para dentro do forno e trancou a porta. Depois abriu a porta da gaiola, 
onde estava preso João. Antes de irem embora, as crianças revistaram os quartos e encontra­ 
ram um baú cheio de jóias e pedras preciosas. 
Livres, os dois começaram a procurar o caminho de casa. Depois de andarem bastante, 
avistaram um rio e pediram a ajuda do pato para atravessarem. O pato atravessou uma criança 
de cada vez; quando os dois se encontraram novamente, na outra margem do rio, agradeceram 
a ajuda do pato e continuaram a caminhar. Depois de muito andar, chegaram a uma parte da
219 

floresta que eles conheciam bem e logo encontraram o caminho de volta. 
Assim que avistaram sua casa, gritaram por seu pai, que saiu correndo para abraçar os 
filhos. Os três riram e choraram de emoção. O pai disse­lhes que tentou encontrá­los  várias 
vezes, porque sofria muito sem eles. Contou­lhes que a madrasta tinha morrido e que, agora, 
podiam viver juntos e sem problemas. Nesse momento, as crianças mostraram o baú que ti­ 
nham  trazido da  casa da bruxa.  Foi  assim  que a  família  pôde  viver  unida  e  feliz,  sem  mais 
dificuldades. 

Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. João e Maria . Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de 
Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos) 
Imagem: GRISOLIA. Dulcy. João e Maria . Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Avelino Guedes. 
São Paulo: FTD, 2000. 

6. A pequena vendedora de fósfor os 
Era uma vez uma menina muito pobre, que andava pelas ruas, vendendo caixinhas de 
fósforos. Era o último dia do ano, véspera de Ano Novo, e estava terrivelmente frio! Estava 
nevando e logo iria escurecer. 
A pequena vendedora de fósforos andava pelas ruas, com os pés descalços, com pou­ 
cas roupas e sem cachecol para proteger­lhe do frio. Ela tinha um par de chinelos que havia 
ganhado,  mas  como  eram  maiores  que  seus  pés, ela  acabou perdendo­os,  ao  correr  entre  os 
carros e carroças da rua. Sendo assim, a menininha andava com os pés descalços que estavam 
azuis de frio. Ela levava uma caixa de fósforos no seu velho avental e estava segurando uma 
caixa deles  na sua mão. Seu dia tinha sido péssimo, pois  ninguém havia comprado caixa de 
fósforos e, portanto, ela estava sem dinheiro, com muita fome e com muito frio. 
As luzes brilhavam nas  janelas, tudo ainda estava enfeitado com as luzes do Natal, e 
havia um aroma delicioso de comida por toda a rua. A menina sentou­se no chão e tentou se 
aquecer num canto entre duas casas. Ela estava frágil e não tinha coragem de voltar para casa. 
Iria apanhar, quando chegasse em casa, sem dinheiro. A família era muito pobre, morava nu­ 
ma casa muito humilde e passava necessidade. 
Suas mãozinhas estavam quase inertes de tanto frio. Resolveu acender um fósforo para 
aquecer­se. E foi riscando­os um por um... Enquanto os acendia, via imagens de casas bonitas, 
mesas fartas, muita comida, viu­se até junto a uma mesa farta em frente a um pinheiro de Na­ 
tal. Depois, olhou para o céu e viu uma estrela caindo, formando um longo risco de fogo no 
céu. A menina pensou que alguém estava morrendo, pois lembrou de sua falecida avó, a única
220 

que fora bondosa com ela, que tinha lhe ensinado que quando se vê uma estrela cadente, isto 
significa que uma alma está indo para o céu. 
A menina acendeu outro fósforo que fez um clarão enorme e ela viu sua avó. A meni­ 
na pediu para a avó levar­lhe junto. Sua avó levou a menininha nos braços e ambas voaram 
para longe com enorme alegria, cada  vez mais alto, até que não havia mais  frio, nem  fome, 
nem sofrimento. Elas estavam no Paraíso. 
No outro dia, cedinho da manhã, a menininha ainda estava sentada no canto entre as 
duas casas da rua. Suas bochechas estavam vermelhas e ela tinha um sorriso nos lábios... Ela 
estava morta, tinha congelado até morrer na véspera de Ano Novo. Os fósforos da caixinha 
estavam quase todos queimados ao seu lado. 
Alguém que passou por ali pensou e comentou que a menina só quis se manter aqueci­ 
da... Mas o que ninguém soube foram as coisas lindas que ela tinha visto e imaginado, ou de 
que forma ela tinha entrado no Ano Novo com sua avó idosa. 

Resumo baseado no livro: Um tesouro de contos de fadas. Ilustrações de Annie­Claude Martin. DS­MAX, 1994. 
Imagem: BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de 
Cris Eich. São Paulo: Ática, 2005.
221 

Anexo 4: 
Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas: 
1. Charles Perrault, 2. Irmãos Grimm e 3. Hans Christian Andersen.
222 

1. Char les Per rault (1628 – 1703) 

Era uma vez Char les Per rault: vida e obra 

Charles Perrault nasceu em Paris no dia 12 de janeiro de 1628. Era o quinto filho de 
um casal da alta burguesia. Ele abandonou o colégio na adolescência, depois de ter se desen­ 
tendido com um professor, e acabou completando seus estudos sozinho. 
Aos 23 anos, começou a trabalhar como assessor do seu irmão mais velho, sendo cole­ 
tor de  finanças  da corte.  Esse  emprego  lhe  dava  tempo  livre  para participar  ativamente  dos 
badalados  salões  literários  parisienses,  onde  escritores  e  aristocratas  se  encontravam.  Neste 
local, ele cercou­se de relações sociais importantes e conquistou notoriedade. Na luxuosa cor­ 
te de Luís XIV – o Rei Sol –, Perrault foi promovido a assessor do ministro Colbert, com ge­ 
nerosas  gratificações  e  direito  a  aposentos  no  Palácio  de  Versailles,  onde  permaneceu  por 
vinte anos. 
O prestígio do cargo real favoreceu também o seu ingresso, aos 43 anos, na Academia 
Francesa, onde, ao lado de outros literatos, foi protagonista de uma longa disputa intelectual, 
batizada de Querela dos Antigos e Modernos. Os Antigos eram aqueles escritores que acredi­ 
tavam na superioridade da Antigüidade greco­romana sobre toda e qualquer produção france­ 
sa. Já os escritores Modernos defendiam que a obra dos autores da França não deixavam nada 
a dever aos clássicos de outros tempos. 
Perrault liderava o grupo dos Modernos. Ele resolveu buscar nas raízes francesas his­ 
tórias que comprovassem o alto valor da cultura nacional. Foi assim que acabou encontrando 
os contos de fadas, chamados naquele tempo de “contos de velha” ou “contos da cegonha”, e 
que eram conhecidos apenas na boca do povo e em alguns livretos de cordel. Neste período, 
começavam também a ser descobertos pelas damas da corte, que os recitavam com pompa nos 
salões de Paris. 
Naquela época, faltava, porém, alguém que transformasse essas histórias em boa lite­ 
ratura.  Charles  Perrault  banhou os “contos de  velha”  no  ouro de  sua  poesia  e  recriou­os  ao 
escrever Contos da mamãe gansa . Com esta obra, acabou misturando a tradição popular com 
a cultura erudita de forma primorosa. 

O autor  e seu tempo...
223 

Na época de Perrault, o absolutismo francês estava  no auge. O extravagante rei  Luís 


XIV tinha tanto poder, que não era surpresa para ninguém ouvi­lo dizer: “O Estado sou eu”. 
(O Movimento Iluminista, que acreditava  na razão e na  liberdade, demoraria ainda algumas 
décadas para nascer e trazer luz ao pensamento europeu. A Revolução Francesa, só iria acon­ 
tecer quase um século depois.) 
Ainda assim, algumas mudanças já mostravam transformações na sociedade francesa. 
A burguesia, que progressivamente acumulava riquezas e ascendia socialmente, acabava pro­ 
movendo, entre outras alterações, um novo modelo de educação infantil. Visto que, antes, as 
crianças não recebiam um tratamento especial da sociedade, que as via e as fazia se comportar 
como pequenos adultos, desde a maneira de se vestir até a de pensar. Os próprios Contos da 
mamãe gansa  não eram especialmente destinados aos jovens leitores. Porém, graças aos enre­ 
dos fantasiosos e à aparente simplicidade do texto, acabaram fascinando as crianças, conside­ 
rados perfeitos na preparação dos filhos da burguesia (sobretudo das meninas) para o mundo 
adulto. Muitas das histórias serviram de modelos para o papel da mulher, da infância à matu­ 
ridade, e  destacavam  a  importância  do  casamento  e  da  constituição de uma  família  como o 
segredo para uma vida feliz. Perrault casou­se aos 44 anos e teve quatro filhos (três meninos e 
uma menina).  Ele  próprio  admitia  o  caráter utilitário do  livro  na  pregação  da  moral  cristã  e 
dos bons costumes. 

Sobr e a importância de sua obra: o que nos contam os contos de Per rault? 


Poeta da Academia Francesa, ele colocou no papel algumas narrativas tradicionais que 
antes circulavam apenas oralmente entre o povo, ou seja, histórias que faziam parte da tradi­ 
ção oral popular.  O trabalho  de resgate  destas  histórias  resultou  em um  livro, publicado  em 
1697, chamado Histórias ou contos do tempo passado com moralidades, mas ficou conhecido 
mesmo por seu subtítulo: Contos da mamãe gansa . Neste livro, as morais vinham em forma 
de poesias, que encerravam cada história. 
Esta obra é considerada o ponto de partida da Literatura Infantil e  vem  sendo, desde 
então, recontada e adaptada de acordo com os valores de cada época. Nos séculos XIX e XX, 
os contos já tinham feições bem diferentes, pois tradutores, autores e editores, inspirados por 
ideais humanitários, suavizaram seus traços cruéis e fizeram tudo para tornar o final sempre 
feliz. Nos contos de Perrault, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho morre nas garras do lo­ 
bo; não há nenhum beijo na cena em que o príncipe encontra a Bela Adormecida e a história 
não termina aí... 
Hoje, seus contos continuam motivando a discussão de valores (como a honestidade, a 
perseverança, a prudência, etc.) e são admirados pelo seu proveito pedagógico. Mas, sobretu­ 
do, os contos de Charles Perrault formam uma obra de incomparável riqueza imaginativa, um 
documento histórico que atesta o talento desse homem, que não apenas abriu as portas para a 
Literatura Infantil, como também permaneceu como um de seus maiores representantes. 

Fonte: ALMEIDA, Fernanda Lopes de. Contos de Perrault . Ilustrações de Elisabeth Teixeira. São Paulo: Ática, 
2005. p. 4­7
224 

2. Irmãos Gr imm: J acob Gr imm (1785 – 1863) e Wilhelm Gr imm (1786 – 1859) 

Era uma vez os Ir mãos Gr imm: vida e obra 

Jacob nasceu em 1875 e seu irmão Wilhelm nasceu um ano depois. Nasceram em Ha­ 
nau, no estado de Hesse (Alemanha). Estudaram em Marburgo e, de 1808 a 1829, trabalharam 
em Kassel. 
O pai deles era advogado e faleceu quando ainda eram crianças. A mãe decidiu que os 
dois seguiriam os passos do pai – o que fizeram  com o auxílio financeiro de uma tia, e fre­ 
qüentaram  a  universidade  em Kassel,  onde  ambos  formaram­se com  sucesso  em  Direito.  Já 
que  não  tinham  recursos  para  se  estabelecerem  como  advogados  e  precisavam  sustentar  a 
mãe, aceitaram o que lhes foi oferecido. Jacob tornou­se assistente de um famoso especialista 
em lei romana, com quem aprendeu a pesquisar e desenvolveu o amor por esta. Jacob tornou­ 
se um dos grandes homens de seu tempo – não em matérias de lei, mas em filologia (o estudo 
da  linguagem). Os  dois  irmãos  eram  fascinados  por  este  estudo  e  seus  interesses  eram  bem 
abrangentes e profundos; para eles a filologia não era só o estudo das palavras, mas também 
da História, da Alemanha, da Idade Média, das Letras Clássicas e da Raça Humana. 
Logo  Jacob  e  Wilhelm  conseguiram  ocupações  que  lhes  permitiram  dedicarem­se  a 
seus interesses pessoais, dando início a um tratado sobre a língua germânica. Desenvolveram 
uma teoria  que  ficou  universalmente conhecida  como  a  Lei  dos  Grimm.  Sob  certo  aspecto, 
Jacob foi melhor estudioso, Wilhelm, melhor escritor, mas trabalhavam juntos em tal colabo­ 
ração  que  é  quase  impossível  distinguir  suas  contribuições.  Por  dez  anos  dedicaram­se  à 
Gramática Germânica ; depois se enfronharam na mitologia de sua gente com o mesmo afin­ 
co,  determinados  em  estabelecer  algo  comparável  aos  mitos  nórdicos  e  eslavos,  já  bastante 
divulgados. Foi esta tarefa que concedeu ao mundo os contos de fadas, os quais foram coleta­ 
dos como parte da evidência necessária desse trabalho mais amplo. 
Estes contos passavam oralmente das mães aos filhos, ninguém sabia há quantas gera­ 
ções,  sem  jamais  haverem  tido  as  formas  de  suas  histórias  fixadas  pela  escrita.  Assim,  por 
exemplo, uma família de lenhadores ou carvoeiros que vivesse há séculos nas densas florestas 
poderia relatá­las de modo bem diferente de uma outra família que houvesse sempre  vivido 
em regiões de céu aberto ou nas fazendas dos vales. 
Jacob e Wilhelm ouviram esses contos na infância, porém, agora, os examinavam com 
outros olhos, olhos críticos, e com esperança de que iluminassem a  história, as crenças e os 
costumes da longa sucessão de camponeses alemães que haviam concedido a essas histórias 
suas formas finais. Os irmãos valorizavam as histórias por seu material folclórico, sendo, por­ 
tanto,  essencial  que  fossem  obtidas  tantas  versões  de  cada  história  quantas  possíveis,  e  que
225 

cada uma fosse registrada com absoluta fidelidade ao relato feito pelos camponeses em suas 
choupanas. 
Os  irmãos  trabalhavam  nos  relatos  com  a precisão  e o  método  característicos de seu 
povo, tomando uma frase aqui, uma palavra ali, como testemunhos de lendas e mitos esqueci­ 
dos. Para eles, os gnomos, as fadas, os gigantes, os duendes das minas e os duendes amigos 
dos homens eram parte de um passado esquecido. 
Os Grimm demonstraram através de suas personalidades a meticulosidade e a soleni­ 
dade típicas dos germânicos: pouco senso de humor e uma certa tendência para o romântico. 
O primeiro volume de Kindermärchen foi publicado em 1812, o segundo em 1815 (a­ 
no da batalha de Waterloo) – os famosos livros de contos de fadas dos irmãos Grimm. É es­ 
tranho  imaginar  esses  dois  irmãos  obstinadamente  prosseguindo  as  suas  pesquisas  sobre  o 
folclore germânico durante os conturbados anos das guerras napoleônicas, que tão diretamen­ 
te afetaram seu solo nativo. 
Nesse período, na Inglaterra, os contos de fadas haviam tido suas existências pratica­ 
mente  eliminadas  pela  sisudez  inglesa.  Eram  classificados  de  injuriosas  tolices,  capazes  de 
perturbar as crianças; e teve início uma época de contos moralizantes e fatos de interesse em 
formatos digeríveis. Provavelmente, a seriedade com a qual os irmãos Grimm haviam coleta­ 
do os contos tenha ajudado a torná­los mais aceitáveis na Inglaterra, abrindo assim, mais uma 
vez, os portões das terras das fadas às crianças inglesas. 
Logo que completaram a Teoria da Mitologia Germânica (levaram treze anos), os ir­ 
mãos tiveram a tarefa de produzirem um Dicionário da Língua Alemã, mas ambos faleceram 
antes de terminá­lo. 

Sobr e a importância de sua obra: o que nos contam os contos dos ir mãos Gr imm? 


Jacob e Wilhelm Grimm foram eruditos alemães, estudiosos de literatura, de filologia, 
e autores das mais célebres e clássicas histórias para crianças em todos os tempos. 
Os dois  irmãos foram professores na  Universidade de Göttingen e  se destacaram em 
seu tempo como grandes estudiosos da língua alemã. Duas das grandes realizações dos irmãos 
foram  a  Deutsches  Grammatik  (Gramática  Alemã)  e  o  fato  de  terem  iniciado  o  importante 
Deutsches Wörterbuch (Dicionário da Língua Alemã), cujos vários volumes foram finalmente 
completados por um estudioso em 1961. 
Jacob  é  considerado um dos  maiores  estudiosos da  Alemanha e  o  legítimo  fundador 
dos estudos científicos da língua alemã e de sua literatura medieval, mas foram efetivamente 
os  dois  volumes  de  Kinder  und  Hausmärchen  (Contos  das  Crianças  e  do  Lar)  e  o  paciente 
trabalho de pesquisa dos dois irmãos que os imortalizaram. 
Os  dois  tinham  um  desejo em  comum:  reunir  toda a  tradição oral  alemã.  Para  tanto, 
não se basearam em informações retiradas de documentos escritos, e sim em relatos colhidos 
entre os camponeses. Apesar de eruditos, respeitáveis pesquisadores do idioma alemão, a ce­ 
lebridade mundial dos irmãos Grimm se deve ao conjunto de histórias que eles criaram, reco­ 
lheram na tradição popular e fixaram em texto. O mérito destas histórias é que elas funcionam 
e fascinam em todas as línguas e culturas, como têm feito há quase duzentos anos. “A Bela 
Adormecida”, “O Príncipe Sapo”, “A Gata Borralheira” e “Branca de Neve” são algumas das 
histórias  recolhidas  pelos  irmãos  Grimm  e  publicadas  no  livro  Kinder­und  Hausmärchen 
(Contos Infantis e do Lar), que, ainda hoje, é a mais conhecida coletânea de contos populares 
do mundo. 

Fontes: 
BRAZ,  Júlio  Emílio.  João  e  Maria .  Recontado  por  Júlio  Emílio  Brz.  Ilustrações  de  Salma  Dansa.  São  Paulo: 
FTD, 2003. (Coleção as bruxas de Grimm) 
GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Tradução de Zaida Maldonado. A bela adormecida e outras histórias. v.1. 
Porto Alegre: L&PM, 2001. (Coleção L&PM Poccket)
226 

GRIMM,  JACOB; GRIMM, Wilhelm.  Tradução  de  Zaida  Maldonado.  O príncipe sapo  e  outras histórias. v.2. 


Porto Alegre: L&PM, 2002. (Coleção L&PM Poccket) 

3. Hans Chr istian Andersen (1805 – 1875) 

Era uma vez Hans Christian Andersen: vida e obr a 

Hans Christian Andersen nasceu no dia 2 de abril de 1805, em Odense, uma pequena 
cidade da Dinamarca. O pai dele era sapateiro e  a mãe  era  lavadeira. Sua família  era muito 
pobre. Eles eram tão pobres que todos viviam num único cômodo. A mãe, às vezes, precisava 
mendigar para conseguir alguma coisa para a família comer. Talvez por essa razão, para es­ 
quecer a pobreza, é que Andersen se deixava levar pelos sonhos; tudo para ele tinha uma ma­ 
gia escondida. 
Andersen  teve  uma  infância  solitária.  Ele  não  brincava  com outros  meninos,  porque 
sempre zombavam de suas pernas compridas e de suas histórias esquisitas. Então, ele preferia 
ficar sozinho, lendo livros ou brincando com seu teatro de bonecos. Quando era menino, ado­ 
rava inventar histórias. Ficava horas a fio no minúsculo quintal da casa dele, com o avental da 
mãe sobre a cabeça para se abrigar do sol. Inventava peças de teatro para seus bonecos e até 
construiu um teatro de brinquedo para eles. 
Um dos momentos mais importantes da vida de Andersen foi quando ele assistiu sua 
primeira peça teatral de verdade, aos 7 anos, no teatro de Odense. Ele não tinha dinheiro para 
pagar o ingresso e, então, fez amizade com o porteiro do teatro para deixá­lo entrar sem que 
ninguém percebesse. Eles fizeram um trato: o porteiro deixava Andersen entrar e lhe dava os 
programas  das  peças  em troca da ajuda do  menino  na  limpeza  do  teatro.  Com aqueles pro­ 
gramas, Andersen inventava diálogos e peças inteiras para os personagens. Assim, a idéia de
227 

se tornar um grande artista de palco ficou tão forte no espírito do menino que ele não conse­ 
guia pensar em outra coisa. Sendo assim, aos 14 anos, ele decidiu partir sozinho para a capital 
do país, Copenhague, para tentar realizar seu grande sonho. 
Então, com 14 anos, a bordo de um navio, Andersen foi tentar a vida na capital da Di­ 
namarca. Ele usava roupas velhas que pertenceram ao seu pai. Levava pouco dinheiro e toda a 
sua bagagem era uma trouxa de roupas surradas. O pai de Hans Christian tinha morrido três 
anos antes, com apenas 33 anos de idade. Em razão disso, a vida da família, que já era difícil, 
ficou ainda pior. A mãe tinha que trabalhar muito para garantir sozinha a sobrevivência deles. 
Naquela época, um garoto de 14 anos, principalmente nas famílias muito pobres, já era consi­ 
derado adulto e já tinha que começar a pensar em trabalho. 
Quando chegou à capital, o jovem passou por uma série de frustrações e dificuldades. 
Ninguém queria dar­lhe emprego. No Teatro Real de Copenhague, o gerente disse que ele era 
magro demais e muito desajeitado para ser ator. As pessoas achavam­no estranho, que ele não 
era bom da cabeça e até zombavam do garoto esquisito, que usava um chapéu largo, camisa 
frouxa  e  botas  enormes.  Andersen  alugou  um  quartinho  minúsculo  numa  pensão  do  bairro 
mais pobre da cidade. Como não conseguia emprego, o pouco dinheiro que tinha levado aca­ 
bou­se logo. Ele não tinha como se manter na capital nem como voltar para sua cidade natal. 
Apesar de todas as dificuldades, Andersen não queria abandonar o sonho de se tornar 
um artista famoso. Sendo assim, durante os três primeiros anos em que passou em Copenha­ 
gue,  sua  vida  foi  extremamente  dura.  Não  tinha  como  comprar  roupas  novas  que pudessem 
acompanhar seu crescimento. Durante todo esse período, ele viveu miseravelmente, passando 
frio e fome. Sobreviveu porque as pessoas, de algum modo, se comoviam com sua história e 
pressentiam que ele tinha um talento especial e, por isso, ajudavam­lhe com dinheiro. 
Aos 17 anos, Andersen tinha tentado chegar aos palcos por três caminhos: como can­ 
tor, como dançarino e como autor. Mas todas as pessoas que se interessaram por ele insistiam 
em  lhe  dizer  que  só  conseguiria  desenvolver  seus  talentos  se  procurasse  recuperar  o  tempo 
perdido fora da escola. 
Teimoso, escreveu uma nova peça e apresentou o texto a algumas pessoas, entre elas 
Jonas  Collin, que era Diretor do Teatro Real de Copenhague – um homem muito poderoso, 
que tinha ótimas relações com a família real e era conhecido como um homem rico, austero e 
modesto, mas que costumava ajudar as pessoas com dificuldades. Jonas Collin achou a peça 
de Andersen “inútil para o palco”, no entanto, decidiu conceder a Andersen uma bolsa de es­ 
tudos para freqüentar uma escola primária, pois também acreditava que Andersen jamais seria 
alguém na vida se não recebesse uma boa educação. A escola ficava no interior da Dinamarca, 
num lugar chamado Slagelse. Este foi um dos períodos mais difíceis e sofridos de toda a vida 
de Andersen. 
Com 17 anos, o rapaz sensível  e delicado, teve que freqüentar a mesma sala de aula 
com garotos bem menores do que ele. Andersen ainda teve que suportar por cinco anos o pro­ 
fessor Meisling (muito talentoso, mas temido e odiado pelos alunos, era seu professor na es­ 
cola), pois precisou viver na mesma casa com o professor, sua mulher e seus filhos pequenos, 
de quem tinha de cuidar como se fosse um serviçal da família. 
Por fim, o próprio Collin, que o colocou naquela situação com as melhores intenções, 
teve pena dele e permitiu que ele saísse da casa do terrível mestre e retornasse a Copenhague, 
onde começou a ter aulas particulares, sempre com a ajuda de Collin, sendo que mais tarde foi 
estudar na universidade. 
Collin praticamente adotou Andersen, trazendo­o para o convívio de sua própria casa, 
e ele se tornou grande amigo dos filhos de seu protetor. A partir daí, a vida se tornou muito 
mais agradável, porque pela primeira vez Andersen tinha uma família de verdade. Ele morava 
num pequeno apartamento, sozinho, mas freqüentemente aparecia na casa dos Collin.
228 

Foi nessa época que Andersen começou a ficar conhecido como escritor. Nesse perío­ 
do, Andersen usava todo momento livre para escrever. Teve seu primeiro livro publicado aos 
24 anos e vendeu bem. Em seguida, uma de suas peças foi encenada no maior teatro da cida­ 
de. Ele começou a ganhar seu próprio dinheiro. 
No verão de 1829, quando já tinha ganhado dinheiro suficiente par fazer uma viagem, 
Andersen  fez  uma  longa  viagem  pela  Dinamarca.  Certo dia, quando passava  na casa  de um 
amigo, conheceu uma linda moça chamada Riborg Voigt. Hans Christian se apaixonou pedi­ 
damente por ela. Os dois passearam juntos algumas  vezes e ele  até escreveu alguns poemas 
para ela. Mas o romance foi breve, pois ela casou­se com outro, deixando Hans Christian mui­ 
to magoado. 
Depois disso, Hans Christian Andersen teve outros amores, mas nunca se casou, nunca 
teve filhos, apesar de gostar muito de crianças e de escrever histórias para elas. 
Até aqui, Andersen só tinha escrito livros para adultos. Depois foi viajar para conhecer 
outros países da Europa (conheceu entre outras cidades, Paris e Roma). Quando retornou das 
viagens, ele voltou para a Dinamarca e alugou um pequeno apartamento aconchegante, onde 
morava sozinho. Ele já estava próximo dos 30 anos de idade e sua vida de miséria e pobreza 
tinha ficado para trás. Ele já era famoso em toda a Europa. Mas ele tinha vontade de ser real­ 
mente original no que fazia, de criar um tipo novo de literatura, alguma coisa diferente. Surgi­ 
ram os contos de fadas... 
Antes dele, Charles Perrault e os irmãos Grimm publicaram contos que as pessoas já 
conheciam  de ouvir contar,  mas  Hans  Christian  Andersen foi  o primeiro  escritor  a produzir 
contos de fadas originais, nascidos de sua própria imaginação. Para escrever alguns deles, é 
verdade que ele se inspirou em lendas tradicionais do folclore dinamarquês, coisa que ele ou­ 
viu da boca de mulheres velhas, ainda quando era menino. Mesmo assim, os personagens, as 
tramas, a linguagem, tudo foi criação dele. 
O  primeiro  livro  de  contos,  publicado  em  1835,  tinha  quatro  histórias:  “O  isqueiro 
mágico”, “Nicolau Grande e Nicolau Pequeno”, “As flores da pequena Ida” e “A Princesa e o 
grão de ervilha”. As crianças logo se apaixonaram pelas histórias de Andersen. Suas histórias 
eram  cheias  de  coisas  mágicas  e  de  personagens  fantásticos.  Por outro  lado,  teve  gente  que 
achou  as  histórias  muito  cruéis  e  violentas  para  as  crianças.  E  outras  que  as  consideravam 
mal­escritas. Mas ele não se importou com este tipo de comentário e seguiu escrevendo. E foi 
assim que ele conseguiu realizar o seu sonho de menino pobre: tornar­se famoso, respeitado e 
conhecido no mundo todo. Ele sempre guardou as lembranças e os sentimentos de sua vida de 
criança infeliz e soube usá­los na hora de escrever seus contos. A literatura tornou sua grande 
razão de viver. Outra paixão era viajar. As viagens alimentavam a sua imaginação e repercutia 
no que escrevia. 
Em 1840, aos 35 anos, Andersen partiu novamente para uma grande e longa aventura. 
Viajou pela Itália, Grécia, Istambul, Turquia... 
No verão de 1844, Andersen passou alguns dias com o  rei e a rainha da Dinamarca. 
Sua literatura tinha conquistado não só o público em geral, mas também a nobreza de diversos 
países. Logo depois dessa temporada com os reis da Dinamarca, ele viajou pela Alemanha. 
Em 1847, Andersen fez sua primeira visita à Inglaterra e à Escócia, países onde seus 
livros estavam se tornando populares. Em Londres, Andersen foi convidado a festas, jantares 
e bailes quase todo dia, pois todos queriam conhecê­lo. Mas ele mesmo queria conhecer uma 
pessoa especial: o grande romancista inglês Charles Dickens, de quem era grande admirador. 
Os dois conheceram­se num jantar e tornaram­se bons amigos. 
Em  dezembro  de  1867,  o  povo  de  Odense  fez  uma  cerimônia  especial  em  honra  de 
Hans  Christian  Andersen.  Ele  tinha  se  tornado  o  filho  mais  ilustre  da  cidade.  Foi  realizada 
uma grande  festa.  Naquele  dia  ele  estava  com uma  terrível  dor de dente  e teve  de  cancelar 
vários discursos.
229 

No dia 4 de agosto de 1875, Hans Christian Andersen morreu, enquanto dormia. 
Na  Dinamarca,  há  uma  estátua  de  Andersen  que  o  povo  ergueu  para  homenagear  o 
maior contador de histórias de todos os tempos. No porto de Copenhague, tem uma estátua da 
Sereiazinha, um dos personagens mais famosos de Andersen. 

Sobr e a importância de sua obra: o que nos contam os contos de Hans Christian Ander­ 
sen? 
Hans Christian Andersen deixou uma valiosa obra, que inclui poesias, peças de teatro, 
autobiografias, diários de viagem e, é claro, contos de fadas. Neste gênero escreveu 168 histó­ 
rias. Muitas delas são referências a passagens de sua vida, especialmente os anos de pobreza. 
Nenhum outro autor teve um papel tão marcante na memória das crianças como esse 
escritor dinamarquês. Sua importância é tamanha que, na data de seu aniversário, é comemo­ 
rado também o Dia Mundial do Livro Infantil. 
Andersen  foi  um  menino  pobre  cercado  de  terríveis  dificuldades.  Com  o  passar  do 
tempo, ele mostrou como pôde combatê­las usando a determinação e o talento. Assim, seguiu 
para um final triunfante, tornando­se um dos escritores mais lidos no mundo inteiro. 
Algumas  histórias: “O Rouxinol”, “O Patinho Feio”, “Nicolau Grande e Nicolau Pe­ 
queno”, “A Sereiazinha”, “As roupas novas do Imperador”, “O soldadinho de chumbo”, “A 
pastora e o limpador de chaminé”, “Tommelise” (“Polegarzinha”), entre outras. 

Fontes: 
BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas:  a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de Cris Eich. 
São Paulo: Ática, 2005. (Série Clara Luz) 
FRANÇA, Mary; FRANÇA, Eliardo. Contos de Andersen (Coleção). São Paulo: Ática.
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Anexo 5: 
Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”: Shrek1  (2001), Branca de Neve –  O 
Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela (2004), Deu a louca na Chapeuzinho (2005), 
Shrek 3 (2007), Deu a Louca na Cinderela  (2007), Encantada (2007).
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Anexo 6: 
Reportagem da Revista Veja: “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos a publica­ 
ção de livros infantis com personagens homossexuais”.

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