Contos de Fadas Na Contemporaneidade
Contos de Fadas Na Contemporaneidade
Contos de Fadas Na Contemporaneidade
Por to Alegr e
2008
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PU
BLICAÇÃO (CIP)
__________________________________________________________
V648p Vidal, Fernanda Fornari
Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos
contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gê
nero e sexualidade na contemporaneidade [manuscrito] /
Fernanda Fornari Vidal; orientadora : Iole Maria Faviero
Trindade. – Porto Alegre, 2008.
188 f. + Anexos
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós
Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BRRS.
1. Infância – Relações de gênero – Sexualidade. 2. Conto
de fada – Representação. 3. Estudos culturais. I. Iole Maria Fa
viero Trindade. II. Título.
CDU – 373.2:396
__________________________________________________________
_____________
Bibliotecária Neliana Schirmer Antunes Menezes – CRB 10/939
FERNANDA FORNARI VIDAL
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade
Porto Alegre
2008
2
FERNANDA FORNARI VIDAL
Aprovada em 20 de março de 2008.
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade – Orientadora
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira – PPGEDU/UFRGS
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen – FACED/UFRGS
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann – Professora convidada
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Agradecimentos
omo aprendi com O Pequeno príncipe 1 , “cativar” é “criar laços”... “[...]
C se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim
único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...” (SAINT
EXUPÉRY, 2005, p.68). E existem muitas pessoas que são únicas e es
peciais para mim, às quais devo, no mínimo, nesse momento de conclusão desta etapa signifi
cativa de minha qualificação profissional, agradecer por suas presenças em minha vida. Isto,
porque, com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem com o coração. O essen
cial é invisível aos olhos” (SAINTEXUPÉRY, 2005, p.72).
Devo lembrar as pessoas que encheram a minha existência de amor, carinho, atenção,
cuidado, compreensão, companheirismo e generosidade. “Foi o tempo que perdeste com tua
rosa que a fez tão importante” (SAINTEXUPÉRY, 2005, p.72). Elas empreenderam horas de
seu tempo, momentos de suas vidas comigo, porque julgaram fundamental apoiarme e auxi
liarme no que fosse preciso. Cativaramme!
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” (SAINTEXUPÉRY,
2005, p.74).
Agradeço à minha família (pai, mãe, irmãs) que sempre me incentivou aos estudos e
ofereceu seu incondicional apoio, sua força e compreensão nos momentos que precisei.
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, que, desde sempre, foi
minha inspiradora de professoraeducadorapesquisadora, desde a época em que fui sua aluna
e depois sua bolsista de extensão. Ela foi a responsável por eu seguir a minha qualificação, já
que foi ela quem me motivou a prosseguir nos estudos, primeiro cursando disciplinas como
aluna PEC, depois guiou minhas escolhas e orientou meus estudos para fazer a Seleção ao
Mestrado. Solidarizouse com meus objetivos de pesquisa e assumiu comigo a responsabili
dade de olhar e pesquisar sobre temáticas um pouco diferentes daquelas que costuma analisar;
aceitou a minha causa porque apostou em mim! Mais que orientadora, foi amiga, incentivado
ra, mostrandose confiante, paciente, crítica, exigente, solidária.
1
Personagem da obra homônima de SAINTEXUPÉRY (ver referência bibliográfica).
5
Às colegas e ao colega de orientação: Rodrigo Saballa de Carvalho, Cláudia Gewehr
Pinheiro, Mirtes Lia Pereira Barbosa, Patricia Moura Pinho, Thaise da Silva, Zoraia Aguiar
Bittencourt, Daniela Medeiros de Azevedo, Rochele da Silva Santaiana, Sandra Monteiro
Lemos, Ivone Regina Porto Martins, Darlize Teixeira de Mello e Suzana Schineider pela par
ceria, diálogos, trocas, sugestões, ajudas.
Ao pessoal do NECCSO 2 e da NECCSOLIST 3 que sempre nos mantém atualizados
dos eventos e defesas relacionados à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Edu
cação.
Às professoras das Bancas da Defesa da Proposta e da Defesa da Dissertação, Prof.ª
Dr.ª Jane Felipe de Souza, Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel
Silveira, por terem aceitado o convite de compor a Banca Examinadora e Avaliadora, mas
também por suas excelentes contribuições, sugestões de leituras e empréstimos de livros, não
só na ocasião da Defesa da Proposta, mas ao longo de minha caminhada de pesquisadora.
Meus agradecimentos à Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen por ter aceitado o convite
de compor a Banca de Defesa da Dissertação.
Às professoras das disciplinas que cursei como aluna PEC e como mestranda, Prof.ª
Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, Prof.ª Dr.ª Jane Felipe de Souza, Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia
Castagna Wortmann, Prof.ª Dr.ª Marisa Vorraber Costa, Prof.ª Dr.ª Nádia Geisa Silveira de
Souza, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira, por seus ensinamentos e por tornarem os Estu
dos Culturais objeto de encantamento para mim.
Aos/Às colegas do Programa de PósGraduação em Educação, com os quais dialoguei,
trocamos conhecimentos/experiências/dúvidas/estranhamentos, enfim, a todas e todos que
estiveram presentes nesta minha caminhada de estudos e qualificação e com ela contribuíram
de algum modo. Especialmente, meus agradecimentos aos colegas que, pela proximidade dos
temas de pesquisa, estiveram mais presentes e/ou emprestaram suas Dissertações e/ou Teses
para que eu as pudesse ler: Suyan Ferreira Pires, Mariangela Momo, Janaína Souza Neuls,
Bianca Salazar Guizzo, Ana Paula Sefton, Alexandre Toaldo Bello. Outros colegas que foram
parceiros que quero destacar aqui são: Sandra dos Santos Andrade, Lisiane Gazola Santos,
Angélica Silvana Pereira, Anderson Rodrigues Correa, Viviane Castro Camozatto. Quero a
gradecer também à Prof.ª Dr.ª Elisabete Maria Garbin, professora/orientadora da Linha de
2
Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade, ao qual me inscrevo.
3
Nossa lista virtual de endereços eletrônicos de pesquisadores vinculados ao núcleo. Através desta lista somos
informados de tudo que é relacionado à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Educação do PPGE
DU/FACED/UFRGS.
6
Pesquisa Estudos Culturais em Educação, pelas trocas que fizemos nas várias vezes em que
nos cruzamos, na faculdade e em outros eventos, como os de apresentação de trabalhos; nes
ses encontros, sempre saía contagiada com sua alegria e carisma. Aos colegas e às colegas que
conheci e com quem convivi durante as aulas das disciplinas que cursei, ou em eventos afins,
ou em outras situações acadêmicas, obrigada pelas aprendizagens efetivadas.
Aos professores e às professoras da Faculdade de Educação da UFRGS, onde cursei
minha graduação em Pedagogia – Séries Iniciais e que, desde aquela época, incentivaramme
a seguir adiante na qualificação profissional e que torceram para que eu fizesse parte deste
grupo de pesquisadores do PPGEDU/UFRGS. Meus agradecimentos especiais: à Tânia Ra
mos Fortuna, com quem trabalhei por dois anos como bolsista de extensão e com quem a
prendi muito sobre a arte de educar, sobretudo educar com competência, exigência, alegria,
amor e brincadeira; à Maria Isabel Habckost Dalla Zen, minha professora, orientadora de es
tágio, colega no pós, minha inspiradora e exemplo de professoraeducadoraartista, cujas au
las encantam; à Maria Bernadette Castro Rodrigues; à Maria Luísa Merino Xavier; à Maria
Stephanou; ao Nestor André Kaercher; à Roseli Inês Hickmann; à Heloísa Junqueira e ao Jor
ge Alberto Rosa Ribeiro. A vocês, meus/minhas mestres/as, que foram meus modelos de pro
fissionais qualificados e dignos de inspiração, muito obrigada por tudo que são para mim!
Ao Gerson Luiz Millan, Secretário da COMGRAD desta faculdade (meu anjoda
guarda oficial e em presença real), por sua eterna presteza e amizade.
Ao pessoal do PPGEDU: Mary Pires, Eduardo Assunção da Rocha, pelos atendimen
tos sempre cordiais junto à Secretaria do nosso Programa.
Às Direções e Coordenações das escolas onde trabalho que facilitaram a minha entra
da (deixandome ter um pouco de tempo para estudar!), presença e freqüência nas disciplinas
do PPGEDU. Meu especial reconhecimento ao esforço em garantir meus estudos acadêmicos
e investimento em mim como profissional da educação à Vera Cristina Rodrigues Bragança
(Polaca), ao Ir. Lodovino Jorge Marin, à Arlete Dagort, à Maria Alice Rebollo De Santi, à
Valéria Cruxen Bisso, à Simone Terezinha Baroni Madeira, à Cenira Terezinha Baroni Barbi
zam, à Sheila Guidi Milioli Funari, à Débora Gurski Herbert.
Às minhas colegas professoras e aos colegas professores das escolas em que atuo, pela
amizade e incentivo, enfim, a todos e todas que me acompanharam neste período de estudos e
que se interessaram em perguntar, em dialogar comigo sobre meu trabalho investigativo.
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Às minhas amigas e, também, colegas de trabalho, Janaína Souza Neuls (responsável
pela digitalização e edição de imagens) e Darcléa Borba, que fizeram a revisão desta Disserta
ção com competência e carinho.
Às amigas que estão sempre na torcida para que os meus sonhos se realizem e aos que
estão comigo nos momentos bons e nos difíceis, àqueles e àquelas que estão sempre prontos a
me escutar/apoiar/auxiliar. Obrigada pela riqueza de nossa amizade: Andresa Pereira da Silva
Azevedo, Marlene Akselrud de Souza, Soraia Quadrado Cauduro e Magna Ester Birriel.
Aos meus familiares/parentes que compreenderam as minhas ausências (alguns nem
sempre!) nas festas e encontros de família, mas que, também, sempre torceram por mim e me
apoiaram.
Finalizando, obrigada a todos e todas que de alguma forma contribuíram para a cons
trução desta Dissertação, seja através do compartilhamento de conhecimentos, ou de palavras,
ou de sugestões, ou de gestos, ou de atitudes, ou de atos de amor e amizade.
Ao PPGEDU/FACED/UFRGS pela qualidade do ensino e formação.
8
u li em algum lugar que uma atriz ou cantora de
E clarou o seguinte: “Se Walt Disney fosse vivo, eu
o processava”.
E eu seria a advogada dela, e juntas faríamos o
homem pagar pelo que fez. Eu, essa atriz e mais um bilhão de
mulheres fomos vítimas desse senhor que nos encheu a cabeça
com idéias absurdas tipo príncipe encantado, felizes para sempre
e outras demências. Aqueles filmes eram na verdade lavagem
cerebral. As personagens dormiam cem anos e acordavam com
um beijo, um marido e um castelo. Todas nós caímos nessa.
Lembreime disso ao ver uma reportagem do Fantástico que
discutia o amor bandido: é possível uma mulher ficha limpa se
apaixonar por um criminoso e por ele cometer insanidades? A
pergunta deve ter sido formulada por uma repórter jovem, bem
jovem, de não mais de 12 anos, que só assistiu a Pokémon e não
entende nada de contos de fadas.
Ora, uma mulher não só se apaixona por bandidos, como tam
bém por semvergonhas, crápulas, mentirosos, domjuans e vi
garistas. O amor não pede atestado de bons antecedentes, nin
guém quer saber de checar se o príncipe tem passagem pela po
lícia. Tal qual Branca de Neve, que nem Cinderela: apareceu do
nada, valeu.
[...] Dormirão todas por cem anos e, quando acordarem, nem
beijo, nem castelo.
O assunto é barra pesada, mas, guardadas as proporções, vale
para todas. Se não quisermos que nossas filhas percam a cabeça
por qualquer príncipe, tratemos de protegêlas desse tal Walt
Disney, que esse sim é perigoso.
(MEDEIROS, 2001, p.26)
9
Resumo
Esta Dissertação de Mestrado propõese a analisar os “novos contos de fadas” com vistas a
examinar as representações de infâncias e de relações de gênero e sexualidade, presentes nes
tes artefatos da nossa cultura. Neste trabalho, se reconhecem os contos de fadas contemporâ
neos como “novos contos de fadas”, colocandoos em suspeição, a partir do estudo realizado
acerca de sua produtividade como texto cultural. A seleção dos livros é diversificada e nela se
procurou escolher livros indicados à faixa etária das séries iniciais ou anos iniciais (610 anos)
do Ensino Fundamental, publicados a partir da década de 90, os quais apresentam histórias de
diferentes autores, publicadas por editoras distintas; de uma mesma coleção; de autores/as
estrangeiros/as (obras traduzidas) e nacionais. A metodologia utilizada é a da interpretação
textual, tanto em relação às narrativas quanto às ilustrações. Para isso, esta pesquisa conta
com o referencial teórico dos Estudos Culturais em Educação, dos Estudos sobre Narrativas e
dos relativos ao Gênero e à Sexualidade, em uma perspectiva pósmoderna e pós
estruturalista. Questões relevantes deste estudo são: como os sujeitos infantis são representa
dos por diferentes discursos, entre eles, os que “povoam” os livros infantis? Quais modelos de
ser menino e menina, ou ser homem e mulher nos são ensinados através dos “novos contos de
fadas”? A dissertação está organizada em seis capítulos. Neles são apresentados: a trajetória
da pesquisadora, bem como a escolha e justificativa do tema de pesquisa; a história da litera
tura infantil, destacando conceitos importantes para o estudo, como os de conto, contos de
fadas e “novos contos de fadas”; a história das infâncias; a história dos estudos de gênero e
sexualidade; as conclusões do estudo. Articuladas às histórias de infâncias e à história dos
estudos de gênero e sexualidade, estão as análises dos “novos contos de fadas” e suas repre
sentações de modos de ser criança e modos de viver a feminilidade e a masculinidade. Con
cluise com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes modos de
ser criança. Com base nos autores estudados, percebemse representadas nas histórias as in
fâncias: desrealizadas e hiperrealizadas, protegida, parcialmente protegida, desprotegida,
marginalizada, pública; chegando a representar as múltiplas infâncias da contemporaneidade,
ou seja, aquelas constituídas por múltiplos discursos. Este corpus de textos analisados mostra
uma criança saudável, feliz, sapeca, criativa, esperta, inteligente, dinâmica, corajosa, mas
também, às vezes, uma criança ingênua e frágil, precisando da proteção adulta. As múltiplas
infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que brincam, ficam tris
tes, mostramse sonhadoras, ciumentas, lidam com a morte, freqüentam a escola, enfim, re
presentam os modos de ser e viver na contemporaneidade. Concluise, também, que os “novos
contos de fadas” ensinam que não há um jeito único, nem mais verdadeiro, de ser homem e de
ser mulher e que se podem experimentar vários modos de viver a sexualidade no diaadia.
Algumas histórias não operam muitas transgressões de gênero e outras rompem com os dis
cursos hegemônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”.
Palavraschave: Infância. Relações de Gênero. Sexualidade. Conto de Fada. Representação.
Estudos Culturais.
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Abstract
This master’s dissertation has proposed to analyse ‘new fairytales’ to examine representations
of children and gender and sexuality relations, found at these artefacts of our culture. In this
work, one has acknowledged the contemporary fairytales as ‘new fairytales’, suspecting of
them, from the study conducted about its productivity as cultural text. Book selection is
varied, and one has sought to choose books proper for the age range of early school years (six
to 10 years old) in the primary school, published from the 1990s on, which feature different
authors’ tales in different publishing companies; in a same collection; by foreign male and
female authors (domestic and translated works). The methodology used has been that of
textual interpretation, whether regarding narratives and illustrations. In support of this, the
research has relied on the theoretical referential of the Cultural Studies in Education, Studies
on Narratives and Gender and Sexuality, in a postmodern and poststructuralist perspective.
The following are relevant questions of this study: how infantsubjects are depicted in
different discourses among them, those who ‘inhabit’ the children’ books? What patterns of
being a boy and being a girl, or being a man or a woman are taught through ‘our fairytales’?
The dissertation is organized in five chapters. In them are: the research path and choice and
justification for the subject matter; the story for the children’s literature, highlighting
important concepts for the study, such as the tale, fairytales and ‘new fairytales’; children’s
history; history of the study of gender and sexuality; final conclusions. Articulated to the
children’s stories and to the history of the study of gender and sexuality, are analyses for the
‘new fairytales’ and their representations of styles of being a child and male and female ways
of living. One has concluded that the ‘new fairytales’ teach us about different ways of being a
child. Based on the studied authors, one has perceived childhoods represented in the stories:
unaccomplished and hyperaccomplished, protected, partially protected, unprotected,
marginalised, public; which come to represent multiple contemporary children’s ages, that is,
those shaped by multiple discourses. This analysed set of texts has showed a healthy, happy,
forward, creative, wise, intelligent, dynamic, courageous, but sometimes also artless, frail
child who needs adult protection. Multiple childhoods in the ‘new fairytales’ are represented
by playing, sad, daydreaming, jealous children dealing with death, attending school, that is,
representing being and living styles in contemporary times. One has also concluded that the
‘new fairytales’ teach us that there is no one single ways, not even truest, of being a man and
a woman, and that one can try several ways of enjoying sexuality in daily life. Some stories
do not work with breaking of the gender, and some break with hegemonic discourses on
sexuality, by rethinking ‘new patterns’.
Lista de Figuras
Fig. 1: Cena da história A Bela Adormecida , em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta desperta de
seu sono de cem anos. Em seguida, casamse e vivem felizes para sempre ............................................................27
Fig. 2: Imagem da Barbie.....................................................................................................................................27
Fig. 3: Imagem da mulher/Barbie da atualidade....................................................................................................27
Fig. 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha ........................................................................................29
Fig. 5: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho história 2 (p. 30 e 31) ................................................74
Fig. 6: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ....................................................................................75
Fig. 7: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ....................................................................................76
Fig. 8: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ....................................................................................77
Fig. 9: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ....................................................................................77
Fig. 10: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ..................................................................................77
Fig. 11: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ..................................................................................78
Fig. 12: Ilustração O príncipe sem sonhos história 7 (s.p.) ..................................................................................78
Fig. 13: Ilustração A bailarina encantada história 5 (p. 12 e 13) ........................................................................81
Fig. 14: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de
fadas brasileiro história 6 (s.p.) ........................................................................................................................83
Fig. 15: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de
fadas brasileiro história 6 (s.p.) .........................................................................................................................85
Figura16: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de
fadas brasileiro história 6 (s.p.) .........................................................................................................................86
Fig. 17: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho história 2 (p. 12 e 13) ...............................................88
Fig. 18: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho história 2 (p. 14 e 15) ...............................................88
Fig. 19: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.4 e 5).......................................90
Fig. 20: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.6 e 7).......................................90
Fig. 21: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho história 2 (p.4 e 5)....................................................91
Fig. 22: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho história 2 (p.6 e 7)....................................................92
Fig. 23: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela história 3 (p.2 e 3) .......................................................................93
Fig. 24: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela história 3 (p.4 e 5) ........................................................................93
Fig. 25: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria história 4 (p.2 e 3) ...................................................................94
Fig. 26: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria história 4 (p.4 e 5) ...................................................................95
Fig. 27: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.8 e 9).......................................96
Fig. 28: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.10 e 11)...................................97
Fig. 29: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.12 e 13)...................................97
Fig. 30: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.14) ..........................................98
Fig. 31: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.16 e 17)...................................99
Fig. 32: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.18 e 19)...................................99
Fig. 33: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p.26 e 27)...................................99
Fig. 34: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões história 1 (p. 28) .........................................99
12
Fig. 111: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................151
Fig. 112: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................151
Fig. 113: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................152
Fig. 114: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................152
Fig. 115: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................152
Fig. 116: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................153
Fig. 117: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................154
Fig. 118: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................154
Fig. 119: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................154
Fig. 120: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................155
Fig. 121: Ilustração Príncipe Cinderelo história 2 (s.p.)......................................................................................155
Fig. 122: Ilustração A Bela Desadormecida história 9 (s.p)..................................................................................157
Fig. 123: Ilustração A Bela Desadormecida história 9 (s.p)..................................................................................159
Fig. 124: Ilustração A Bela Desadormecida história 9 (s.p)..................................................................................160
Fig. 125: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.8) .............................................163
Fig. 126: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.11) ...........................................163
Fig. 127: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.15) ...........................................163
Fig. 128: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.16) ...........................................163
Fig. 129: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.31) ...........................................164
Fig. 130: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.32) ...........................................164
Fig. 131: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida história 3 (p.35) ...........................................164
Fig. 132: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.4) ..............................165
Fig. 133: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.7) ..............................165
Fig. 134: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.8) ..............................165
Fig. 135: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.11).............................165
Fig. 136: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.12).............................165
Fig. 137: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.14).............................165
Fig. 138: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.16).............................165
Fig. 139: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.19).............................166
Fig. 140: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.23).............................166
Fig. 141: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.33).............................166
Fig. 142: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.34).............................166
Fig. 143: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.36).............................167
Fig. 144: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve história 5 (p.37).............................167
Fig. 145: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.7) .......................................169
Fig. 146: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.15)......................................169
Fig. 147: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.16)......................................169
Fig. 148: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.21)......................................169
Fig. 149: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.24)......................................170
Fig. 150: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela história 7 (p.28)......................................170
15
Sumário
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................18
2 HISTÓRIAS: DA MINHA TRAJ ETÓRIA AOS CAMINHOS DA
PESQUISA ................................................................................................................20
2.1 ERA UMA VEZ... DA PRINCESA À LOIRA: A HISTÓRIA DO MEU INÍCIO
NESTES CAMINHOS INVESTIGATIVOS ...............................................................20
2.2 PROCURANDO FIRME: A INSPIRAÇÃO PARA ESTE TRABALHO ...............28
2.3 OUTRAS HISTÓRIAS JÁ CONTADAS, PESQUISAS JÁ REALIZADAS .........31
2.4 A DEFINIÇÃO DA PESQUISA E SOBRE A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA
QUE QUERO CONTAR ............................................................................................35
2.5 ESTUDOS CULTURAIS: O QUE SÃO?..............................................................37
3 LITERATURA INFANTIL: INVENÇÕES E DESLOCAMENTOS ..................42
3.1 A INVENÇÃO DA LITERATURA INFANTIL ...................................................43
3.2 HISTÓRIAS QUE ENSINAM. .............................................................................46
3.3 DOS CONTOS POPULARES AOS CONTOS DE FADAS CONTEMPORÂ
NEOS .........................................................................................................................48
3.4 NARRATIVAS: QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO..........54
3.5 NARRATIVAS E ILUSTRAÇÕES: O QUE TEXTOS E IMAGENS NOS
CONTAM...................................................................................................................57
4 A “INVENÇÃO” DA INFÂNCIA E AS MÚLTIPLAS INFÂNCIAS DA
CONTEMPORANEIDADE .....................................................................................59
4.1 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS ..............................................................................59
4.2 INFÂNCIAS, ESCOLA E PÓSMODERNIDADE ...............................................64
4.3 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS CONTADAS NOS “NOVOS CONTOS DE
FADAS” .....................................................................................................................71
a) Entr e a infância desr ealizada e a hiper realizadada: a infância mais
r epr esentada nos “novos contos de fadas ............................................................72
b) Uma infância protegida: a mais repr esentada nos “novos contos de
fadas” ....................................................................................................................73
c) De uma infância par cialmente protegida a uma infância desprotegida:
uma única r epresentação ou uma pr imeira r epresentação? ...............................78
d) A infância despr otegida: ou “a vida como ela é”? ..........................................79
e) A infância marginalizada: uma histór ia exemplar em uma única histór ia? ..81
f) Uma infância pública: uma transgressão ao modelo moder no de infância? ..87
g) As múltiplas infâncias: medievais... moder nas... contemporâneas... .............89
5 RELAÇÕES DE GÊNERO – QUE HISTÓRIA É ESSA? ...................................131
5.1 ESTUDOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE: O QUE SÃO? (A HISTÓRIA
DE SUA TRAJETÓRIA) ............................................................................................131
5.2 ESTUDOS DE GÊNERO, ESCOLA E PÓSMODERNIDADE ...........................135
5.3 HISTÓRIAS DE MASCULINIDADE E FEMINILIDADE CONTADAS NOS
“NOVOS CONTOS DE FADAS”...............................................................................137
17
6 E A HISTÓRIA ACABOU? – REGISTROS FINAIS ..........................................179
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................183
ANEXOS
Anexo 1: Relação dos livros de literatura infantil e infantojuvenil analisados.
Anexo 2: Resumos dos livros de literatura infantil e infantojuvenil analisados.
Anexo 3: Resumos de alguns contos de fadas clássicos.
Anexo 4: Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas.
Anexo 5: Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”.
Anexo 6: Reportagem da Revista Veja .
18
1 Introdução
E
xistem múltiplas infâncias na contemporaneidade (e sempre existiram);
marcas de deslocamentos nas suas representações podem ser localiza
das nos livros de literatura infantil destinados às crianças. Sendo assim,
esta Dissertação de Mestrado tem como objeto de estudo os “novos
contos de fadas” 4 e se propõe a examinar as representações de infâncias e de relações de gêne
ro e sexualidade, presentes nestes artefatos da nossa cultura. Antecipo, entretanto, que reco
nheço os contos de fadas contemporâneos como “novos contos de fadas”, passando a nomeá
los assim e a colocálos em suspeição, com análise cultural, a partir do estudo que faço de sua
produtividade enquanto texto cultural.
A proposta está organizada em seis capítulos, com este capítulo de introdução, além
das referências e dos anexos.
A seguir, no Capítulo 2, intitulado Histór ias: da minha trajetór ia aos caminhos da
pesquisa, inicio apresentando a minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica, contando
fragmentos da “minha história de vida”, a partir de algumas escolhas e mudanças como mu
lher, como estudante, como educadora, como pesquisadora. Conto sobre o meu início pelos
caminhos investigativos dos Estudos Culturais em Educação, sobre como surgiu a inspiração
e a definição pela temática da pesquisa. Além disso, destaco alguns trabalhos relacionados ao
meu que oferecem uma contribuição significativa aos estudos sobre infância, literatura e rela
ções de gênero e sexualidade. Em seguida, justifico e ressalto a importância/relevância desta
minha pesquisa, mostrando os acréscimos que ela traz no panorama dos estudos acadêmicos
da Educação.
No Capítulo 3, intitulado Liter atura infantil: invenções e deslocamentos descrevo
como foi se constituindo a literatura infantil; disserto sobre seu caráter pedagógico, uma vez
que reconheço os livros infantis como artefatos da cultura que ensinam; conceituo “contos”,
“contos de fadas”, “contos de fadas modernos” e “novos contos de fadas” para, então, realizar
uma discussão sobre as narrativas desses contos e a pósmodernidade.
No Capítulo 4, intitulado A “invenção” da infância e as múltiplas infâncias da con
temporaneidade, retomo, de forma sucinta, o surgimento, na Modernidade, da idéia de in
4
No Capítulo 3 desta Dissertação, discutirei a história dos conceitos de conto e contos de fadas desde o século
XII, além do conceito de “contos de fadas modernos”, retomando a interpretação que dou aos “novos contos de
fadas”, assim descrevendo como são concebidos nesta produção acadêmica.
19
fância como uma época especial, relacionandoa às múltiplas infâncias na contemporaneidade
e à escola na atualidade. São analisadas sete histórias, procurando perceber as representações
de infâncias ali existentes.
No Capítulo 5, intitulado Relações de gênero – que histór ia é essa?, escrevo breve
mente sobre a história dos Estudos de Gênero e Sexualidade, relacionandoa às discussões
sobre o repensar a escola na atualidade. Analiso, então, nove histórias, quanto às representa
ções de masculinidade e feminilidade nelas contidas.
No Capítulo 6, intitulado E a história acabou? – r egistr os finais, procuro ressaltar os
ensinamentos trazidos pelas histórias de príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas relacio
nandoos às infâncias e às relações de gênero e sexualidade na vida contemporânea.
20
ntes de tudo, considero importante contar um pouco da “minha história”, sobre
A as minhas vivências e formação. Julgo necessário falar de como fui educada,
especialmente pela família e pelas instituições de ensino (escola e universida
de), e de como fui constituindo minhas identidades (de menina, de mulher, de
filha, de estudante, de pesquisadora), as quais seguem sendo múltiplas e em constante trans
formação. Considero fundamental situar o/a leitor/a de que “lugares” estou escrevendo, isto é,
situálos/las pelas trilhas em que me conduzi até chegar nestes estudos e teorizações.
2.1 Era uma vez... da princesa à loira : a história do meu início nestes
5
caminhos investigativos
N
asci no final da década de 70, ano de 1978. Fui educada por meu pai e
minha mãe para ser uma meninacriança e tornarme uma mulheradulta
“correta”, perante os valores de minha família, tendo por referência o ideal
de feminino incentivado pela sociedade. Buscaram ensinarme a ser edu
cada, gentil, sincera, honesta, tranqüila, boa, compreensiva. Eram tempos em que a escola e os
estudos eram tidos como possibilidades de “crescer ou ser alguém melhor na vida”; a escola
era vista como elemento de mudança social, como propulsora de sucesso, de ultrapassar bar
reiras sociais. Sendo assim, minha família sempre me estimulou na minha escolha profissional
– ser professora – e sempre me admirou muito como tal.
Dessa forma, minhas múltiplas identidades foram se constituindo...
O meu interesse pela educação iniciou na infância. Sou a primogênita de um casal que
teve três filhas e, também, a neta mais velha por parte de pai. Minhas irmãs e primas paternas
foram as minhas primeiras “alunas” nas várias vezes em que brincávamos de “escolinha”,
época em que ensaiei os primeiros passos da profissão que escolhi mais tarde. O desejo de ser
5
Parte do título deste capítulo foi inspirada no título do livro Da Fera à Loira: sobre contos de fadas e seus
narradores (WARNER, 1990). Sua escolha quer sugerir uma transformação na minha trajetória como estudante,
como educadora, como pesquisadora, à medida que ia sendo “educada” por diferentes discursos e suas represen
tações.
21
professora surgiu aos sete anos, quando estava na 2.ª série do 1.º Grau e, desde então, não
mudei mais de idéia. A partir desse momento, fui aguçando meu olhar para os professores e
professoras que fizeram parte da minha trajetória escolar. Eles e elas foram os meus exemplos
profissionais, os/as quais contribuíram, sem dúvida, cada um a seu modo e com diferente re
levância, para a minha constituição como professora.
No 2º Grau, fiz o curso de Magistério na Escola Estadual Normal 1º de Maio, onde,
então, foi dado um passo significativo na caminhada que estava trilhando, cuja intenção era
tornarme professora. Foi neste período que a sensibilização para as Artes e o investimento na
expressão artística – corporal, plástica e musical – ocorreu de forma mais acentuada em minha
vida, adquirindo grande importância para o exercício de minha profissão, pois acredito que se
torna necessário ao/à professor/a ser um pouco “artista” também – saber improvisar, descon
trair, criar, encenar, brincar... em suas aulas, durante a prática docente. Contudo, o que lembro
com orgulho e satisfação é que foi nesta fase de minha trajetória escolar que o gosto pela Lín
gua Portuguesa e pela Literatura Brasileira foi ainda mais acentuado. Tive excelentes profes
soras e professor que me ajudaram a melhorar e aperfeiçoar a produção escrita, qualificando
a, e estimularam a leitura, tornandoa um ato de prazer. 6 O curso foi de quatro anos, acrescido
de um semestre de estágio orientado e supervisionado, o qual realizei com uma 2.ª série, na
escola onde cursei o 1.º Grau.
Estes anos de educação escolar agiram de forma hábil e eficiente na formação da mi
nha identidade de gênero, subjetivandome e produzindome como futura educadora!
O interesse pela educação prosseguiu e, no semestre seguinte ao estágio, fiz cursinho
prévestibular e prestei provas no Concurso Vestibular de 1997, na UFRGS, para Pedagogia e
na PUCRS, para Letras, já que começara meu maior envolvimento com a Língua Materna e a
Literatura. Passei em ambas as universidades, mas só efetivei minha matrícula na UFRGS.
Entrei para o curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFRGS. Durante o curso,
participei de várias atividades de extensão universitária. Fui bolsista de extensão de um proje
to intitulado “O brinquedo também ensina” (1998), coordenado pela professora Iole Maria
Faviero Trindade. Fui bolsista de monitoria (1999 e 2000) da professora Tânia Ramos Fortu
na, atuando em disciplinas (EDU01136: Psicologia da Educação A – oferecida para os cursos
de licenciatura; EDU 01172: Psicologia da Educação – Adolescência; EDU01002: O Jogo e a
6
Silveira (1998) examina o que denomina de “o discurso renovador da leitura na escola”, mostrando o quanto
este revela uma ênfase nos aspectos lúdicos e mágicos da leitura. A autora reconhece que tal discurso “emanou
primordialmente das esferas acadêmicas, espraiandose por documentos oficiais, recomendações curriculares,
revistas de divulgação pedagógica e mídia, e passou a constituir uma arquitetura de representações de professor,
aluno, leitura e escola diretamente implicadas entre si” (p. 106).
22
Educação). Também participei, efetivamente, do Programa de Extensão Universitária “Quem
quer brincar?”, coordenado pela professora Tânia, por meio das oficinas lúdicas mensais, a
lém do “I Curso de Brinquedista” (2001).
Concluí o curso de Pedagogia – habilitação em Séries Iniciais – no segundo semestre
de 2000, quando já estava trabalhando como professora da rede estadual de ensino. Em março
de 2001, fui contratada por uma escola da rede particular. Desde 2000, venho atuando como
professora em turmas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Por vezes, trabalho, no período
vespertino, com o Curso de Ensino Normal – Aproveitamento de Estudos, ministrando a dis
ciplina Didática da Linguagem. Venho atuando, também, no curso de Ensino Médio Modali
dade Normal (com Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental
e com Ênfase em Educação de Jovens e Adultos), já tendo trabalhado com os seguintes com
ponentes curriculares: Didática da Linguagem (2ª e 3ª séries) e Prática Pedagógica (3ª e 4ª
séries); além disso, trabalho no estágio (último semestre do curso), como orientadora. Pelas
ementas das disciplinas fornecidas nesta instituição de ensino, é possível perceber o quanto o
referido curso está embasado nas teorias críticas, perpassado pelo discurso de contribuir para
a formação de pessoas críticas, politizadas, conscientes e transformadoras da realidade, cida
dãs e cidadãos que devem lutar por uma vida melhor, por uma sociedade e um mundo mais
justos e igualitários.
Atualmente, trabalho com uma turma de 2ª série em uma escola da rede particular e
com as disciplinas de Prática Pedagógica IV, Didática da Linguagem e como orientadora de
estágio no curso Normal em uma escola da rede estadual de ensino.
Assim, a minha formação no Ensino Médio e início do Ensino Superior foi atravessada
pelas idéias de que para ser professor/a era preciso, primordialmente, gostar de lidar com
os/as alunos/as, além de ser fundamental estar constantemente estudando, qualificandome,
reforçada pela consciência do meu papel como educadora: ajudar os/as estudantes a tornarem
se “agentes transformadores da sociedade”. Contudo, se antes tinha isso como “verdade”, a
gora, vejo essa idéia como a representação de um dos discursos que me constituíram como
professora. Ademais, se antes estava mais envolvida com as questões psicológicas e metodo
lógicas da prática docente, hoje venho priorizando um olhar atento e curioso, sob as lentes
teóricas dos Estudos Culturais em Educação, observando como diferentes e diversificadas
instâncias culturais assumem um caráter pedagógico, ensinando e subjetivando os sujeitos.
Comecei a olhar de forma diferenciada para a educação, quando estava cursando Pe
dagogia e, através de algumas disciplinas, principiei a fazer a leitura de alguns textos, além de
23
participar de discussões e me inteirar de parte das pesquisas no âmbito das perspectivas pós
moderna e pósestruturalista, bem como ao cursar seminários nesta Linha de Pesquisa, Estu
dos Culturais em Educação, como aluna PEC, antes de entrar efetivamente como mestranda.
Assim como meu olhar para a docência foi mudando, outras mudanças de olhar tam
bém foram ocorrendo em relação às diferentes dimensões culturais... Passei a ver de um outro
jeito as formas de relacionamento pessoal e os modos de pensar sobre os gêneros feminino e
masculino...
Como disse antes, tive minha infância na década de 1980 e sou parte de um grupo de
jovens e mulheres que, embora soubessem que os príncipes povoassem com profusão os con
tos de fadas e, de forma mais esparsa, os tablóides, por meio de notícias, geralmente fantasio
sas ou escandalosas, preferiam acreditar que estes iriam aparecer; então não precisávamos ter
pressa, mas era só esperar... Aliás, a tarefa das “moças direitas” ou das “moças para casar” era
esperar. Tomar a iniciativa em paqueras, começar uma conversa, convidar para sair, enfim,
demonstrar interesse, eram comportamentos que deveriam partir dos rapazes. Sendo assim,
não era de se estranhar o gosto e a identificação que moças como eu tinham com as princesas
dos contos de fadas (afinal, no fundo, nos considerávamos princesas... à espera do príncipe...
encantado, maravilhoso, perfeito e salvador). Eu, por exemplo, identificavame com a Bela
Adormecida (figura 1). E, durante muito tempo, eu achei que podia esperar em um sono pro
fundo, pois o príncipe iria aparecer e me despertar com o tão esperado beijo. Mas eu acordei...
Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando o ônibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má
Quem sabe o príncipe vir ou um chato [grifo meu]
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandr agem
Pois sou cr iança e não conheço a verdade [grifos meus]
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Bobeira é não viver a realidade
E eu ainda tenho uma tarde inteira
E eu ando nas ruas
24
Eu troco cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar.
A minha visão ingênua da vida, a idéia de que as mulheres, assim como as crianças,
precisam ser protegidas modificouse. Hoje vejo que mudei significativamente meu compor
tamento, minha forma de ver a constituição dos gêneros masculino e feminino, pois acredito
que não há uma única forma, e nem a mais verdadeira, de ser menina/mulher ou meni
no/homem. Penso que podemos exercer e expressar nossa feminilidade (e masculinidade) com
menos tabus e fronteiras. Sendo assim, a “princesa” não está mais esperando o seu “príncipe”,
porque sabe que ele não existe (ou melhor, a idealização que foi feita dos “homens para ca
sar”, ou a forma como fomos subjetivadas, é que nos fez acreditar que eles existiam). Porém,
por outro lado, se eu e outras mulheres da minha geração não nos identificamos mais com as
princesas dos contos de fadas clássicos – queridinhas, quietinhas, submissas e “comportadas”
–, continuamos sendo subjetivadas por outras princesas e mulheres “mais modernas” que nos
são apresentadas em diferentes artefatos culturais da contemporaneidade como: nos filmes,
nas revistas, nas novelas da televisão, na literatura infantil, infantojuvenil e nos romances,
para citar alguns exemplos. Ou seja, representações de uma época de encantamento, sonho e
magia, próprios dos contos de fadas, convivem com outras representações na sociedade con
temporânea (figura 2).
Sou a Bar bie Gir l
Se você quer ser meu namor ado
Fica ligado, pr esta atenção
Na minha condição
É difer ente, sou muito exigente [grifos meus]
Anda Barbie, vamos Barbie (2x)
Sou assim uma flor delicada demais
Minha cor pr efer ida é o r osa
Uma lour a legal e que sabe o que quer
Decidida, fatal, mas dengosa
Você pode me ganhar
25
É só fazer o que eu mandar [grifos meus]
Sou a Barbie Girl
Se você quer ser meu namorado
Fica ligado, presta atenção
Na minha condição
É diferente, sou muito exigente
Anda Barbie, vamos Barbie
Deixa eu me ar r umar , Ken [grifo meu]
Anda Barbie, vamos Barbie
Já vou, já vou
Se eu pedir uma estr ela
Você vai buscar ,
O meu jeito é assim
Não reclama [grifos meus]
Quando quer bate o pé
E eu vou ter que aceitar
Só assim vou saber que me ama [grifos meus]
Você pode me ganhar
É só fazer o que eu mandar
Anda Barbie, vamos Barbie
Deixa eu me arrumar, Ken
Anda Barbie, vamos Barbie
Já vou, já vou
Steinberg (2001, p.328) explica por que a Barbie é um modelo identitário tão forte a
inda nos dias atuais:
A Barbie nos prova que se tentarmos com afinco podemos ter qualquer coisa e todas
as coisas. A Barbie sempre prospera. Ela pode ser o que quiser – ela influencia gera
ções de crianças e adultos e é uma eterna lembrança de tudo o que é bom, saudável e
corderosa nas nossas vidas. [...] Ela sustenta os valores da família que o nosso país
mais preza. Ela é estritamente heterossexual, autosuficiente, filantrópica e moralis
ta. Ela também está pronta para conduzir “outra” pessoa na sua vida, não importa de
que cor ou etnia.
26
Deste modo, na contemporaneidade outros modelos identitários são oferecidos às me
ninas e às mulheres (figura 3). E se por um lado elas se mostram mais independentes e autô
nomas, por outro ainda são educadas e subjetivadas a ter no casamento o ideal de felicidade, a
preservarem as características “naturalmente” femininas, que são as relacionadas ao charme, à
beleza, à futilidade, ao encantamento, ao romantismo, ao cuidado e à dedicação. Agora, as
meninas, mesmo que não sonhem mais com o príncipe encantado, crescem (e também as mu
lheres) e se cercam do uso de roupas e acessórios corderosa, consumindo cadernos, agendas,
lápis, lapiseiras, entre outros materiais escolares e de escritório, que têm por temática outras
representações de um mundo encantado e “glamouroso”. Tais representações convivem com
as de “novos/as príncipes e as princesas” contemporâneos, através da literatura, por exemplo,
revestidos/as com novas roupagens, atitudes, posições de sujeito, mais distantes daquelas dos
contos clássicos.
São as histórias de príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas, as quais sempre gostei
de ler, ouvir e ver no cinema, que resolvi analisar neste estudo que o Mestrado em Educação
oportuniza e elegi os “novos contos de fadas” para produzir as minhas análises.
Narrei um pouco da minha trajetória de vida até o momento e esta tem o total apoio e
incentivo de minha família, sendo repleta de construções e desconstruções, certezas e dúvidas,
medo e coragem, paixões, indignações, sonhos e esperanças.
27
Figura 1: Cena da história A Bela Ador mecida, em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta des
perta de seu sono de cem anos. Em seguida, casamse e vivem felizes para sempre.
Figura 2: Barbie Figura 3: A mulher/Barbie da atualidade
28
2.2 Procurando Firme: a inspiração para este trabalho
oda história tem um começo; um trabalho acadêmico como este também o tem.
homem – os de um príncipe – e os transfere para a mulher – uma princesa –, também, tornan
doa, dessa forma, uma princesa moderna, uma mulher contemporânea.
Figura 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha
Vale a pena ilustrar que, nessa história, o príncipe, desde pequeno, estava sendo trei
nado para um dia sair do castelo e correr o mundo – como todo príncipe que se preza! Para
isso ele tinha: professor de esgrima, que o ensinava a usar a espada; professor de berro, que o
preparava para assustar o adversário; aula de corrida, para atravessar bem depressa o pátio e
chegar logo no muro; aula de alpinismo, praticada nas paredes do castelo; aula de tudo quanto
é língua, para que quando ele saísse do castelo e fosse correr o mundo pudesse falar com as
pessoas e entender o que elas diziam; aula de equitação; aula de pontapés; aula de natação,
para atravessar o fosso quando chegasse a hora; aula do uso do cotovelo, na qual o ensinavam
a esticar o braço dobrado, com o cotovelo bem espetado e cutucar quem ficasse na frente;
além de aula de cuspir no olho; enfim, eram muitas as aulas necessárias ao seu objetivo (e ao
da família real: a formação “masculina” do jovem príncipe). Além disso, o príncipe aprendia
que não podia chorar a toda hora. Ou seja, uma porção de outros ensinamentos era ofertada.
Enquanto isso, a princesinha, irmã do príncipe, durante o dia inteiro, se ocupava de “ocupa
30
ções principescas” e “femininas”: tomava aulas de canto, de bordado, de tricô, de pintura em
cerâmica; fazia cursinho de iniciação à poesia de Castro Alves; estudava um pouquinho de
piano; fazia flores de marzipã; aprendia a enfeitar bolos e a fazer crochê com fios de cabelo.
Ou seja, ela se dedicava a fazer coisas que serviam para se distrair (e que também eram a
prendizagens consideradas importantes, naquele contexto, para uma moça “educada”), dei
xando o tempo passar. Afinal, tinha que ocupar seus dias, enquanto esperava um príncipe en
cantado que viria derrotar o dragão do seu castelo e casar com ela. Acontece que Linda Flor
não aceitou se casar com nenhum dos príncipes que apareceram no seu castelo. Mostrouse
decidida, determinada, confiante, autônoma, prática, “moderninha” – para o desespero do rei e
da rainha. Ela mudou o penteado do cabelo, passou a usar calças compridas como o príncipe e
a apresentarse bronzeada. Por iniciativa própria, a menina parou de freqüentar as aulas que
lhe eram destinadas e passou a ter aulas com os instrutores do seu irmão. Ela ainda disse ao
pai e à mãe que estava se preparando para correr o mundo também:
É isso mesmo, correr o mundo! Eu estou muito cansada de ficar neste castelo espe
rando que um príncipe qualquer venha me salvar. Eu acho muito mais divertido sair
correndo mundo como os príncipes fazem. E se eu tiver que casar com alguém, eu
encontro por aí, que o mundo é bem grande e deve estar cheio de príncipes pra eu
escolher (ROCHA, 2001, s.p.).
E assim, no final da história, a princesa sai do castelo para correr o mundo, “procuran
do não sei o quê, mas procurando firme” (ROCHA, 2001, s.p.).
Penso que a princesa deste conto retrata, de uma forma divertida, a trajetória de mu
lheres que foram buscar seus direitos, “procurando firme” um caminho de mais conquistas. É
por isso que essa história e seus personagens me impressionam, pois, de certa forma, mostram
a “transformação” por que passaram e continuam a passar homens e mulheres na contempora
neidade, ao mesmo tempo em que ilustram parte de minha “própria transformação” quanto a
modos de ser e de viver na contemporaneidade.
Outro aspecto interessante de destacar é que o príncipe e a princesa estavam tendo au
las diferentes, de acordo com o que era esperado e desejado para cada um. Nesta história, fica
evidente que, se as relações de gênero foram determinantes nas ocupações que as pessoas da
quele reino podiam ter, sua transgressão passa a ser ilustrativa das representações que estas
recebem pelo discurso feminista, evidenciando superação de desigualdades entre meninas e
meninos e entre homens e mulheres, marcadas por “determinações biológicas”. Para tanto,
certas habilidades, consideradas “naturalmente masculinas”, enquanto outras, consideradas
“naturalmente femininas”, tornamse acessíveis a todas as pessoas, independente da marca de
gênero. Ou seja, na história Procurando firme podemos localizar o deslocamento do discurso
31
do “acesso” às habilidades reconhecidas como masculinas ou femininas: de um acesso marca
do por “diferenças sexuais” a um discurso marcado por “relações de gênero”. Silva (1999, p.
93) pondera que: “O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens, mas num
mundo ainda definido pelos homens”. Segue dizendo que: “A sociedade está feita de acordo
com as características do gênero dominante, isto é, o masculino” (p.93), para defender, mais
adiante: “Dependendo de onde estou socialmente situado, conheço certas coisas e não outras.
Não se trata simplesmente de uma questão de acesso, mas de perspectiva” (p. 94). [...] “Seria
desejável que todas as pessoas cultivassem características que normalmente são consideradas
como pertencendo a apenas um dos gêneros!” (p. 94). O autor conclui que: “Algumas quali
dades consideradas masculinas seriam, entretanto, claramente, menos desejáveis que as femi
ninas, como é o caso, por exemplo, da necessidade de controle e domínio” (p. 9495).
Procurando firme ilustra como se faz do homem um homem e da mulher uma mulher,
conforme as posições que ocupam em épocas e contextos diversos. Ou seja, tal história, “ao
mesmo tempo corporifica e produz relações de gênero” (SILVA, 1999, p. 97), e mostra que as
mesmas podem não ter nada de fixo, de essencial ou de natural.
Julgo importante pensarmos sobre isso, na perspectiva dos Estudos Culturais em Edu
cação, a qual me permite considerar tais contos de fadas, entre tantos de outros gêneros literá
rios, e outros produtos de nossa cultura, como artefatos pedagógicos que também ensinam.
2.3 Outras histórias já contadas, pesquisas já realizadas...
uando participei do processo seletivo para a vaga no Mestrado em Educação
Q desta Universidade para a linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa
ção, já sabia que queria estudar os “novos contos de fadas”, mas ainda não
tinha bem definido o que analisar nestas histórias. Já havia definido as temáti
cas que me interessavam: literatura infantil, contos de fadas contemporâneos (no sentido de
serem atuais; publicados mais no final do séc. XX) e infância.
Como já expliquei antes, queria unir neste meu estudo o meu gosto pela literatura in
fantil e pelos contos de fadas da atualidade a um olhar de “estranhamento” para um artefato
cultural que é destinado às crianças e, também, usado pedagogicamente nas escolas com o
público das séries/anos iniciais, com o qual atuo como professora e como formadora de pro
fessores/as. Também tinha resolvido que não faria estudo de recepção, vendo, por exemplo,
32
como tais livros eram usados para ensinar algo às crianças nas escolas. Sabia que um estudo
como este demandaria mais tempo e para uma pesquisa de Mestrado tornavase inviável, já
que segui e sigo trabalhando em duas escolas durante a realização desta pósgraduação.
Então, quando ingressei no Mestrado, uma das primeiras sugestões de minha orienta
dora foi a de pesquisar sobre o que já se tinha escrito e publicado sobre essas temáticas (litera
tura infantil, contos de fadas, infância) na linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa
ção, em outras linhas de pesquisa do nosso Programa de PósGraduação e em outros.
Fiz a pesquisa na biblioteca da Faculdade de Educação da UFRGS para ver a produção
de Dissertações e Teses desta Universidade 7 e pesquisei, também, na Internet 8 , procurando
trabalhos acadêmicos de pósgraduação realizados em diferentes universidades brasileiras. Na
ocasião, vi que havia muitos trabalhos escritos sobre contos de fadas, sobre literatura infantil,
sobre infância, analisandoos sob diferentes perspectivas teóricas, tendo estes por objeto de
estudo ou produtos culturais relacionados a eles. Mas nenhuma das produções fazia análise do
que chamei de “novos contos de fadas”. Sendo assim, o diferencial do meu trabalho consiste
em analisar o gênero literário infantil conto, priorizando as histórias de príncipes, princesas,
sapos, bruxas e fadas que fazem uma releitura, reescrita ou paródia dos contos de fadas clássi
cos. Isto é, não se trata de olhar para os primeiros contos, mas sim para os mais atuais.
Localizei e destaco aqui um conjunto de pesquisas de colegas do Programa de Pós
Graduação desta Universidade, aqui da Faculdade de Educação da UFRGS, principalmente,
aquelas relacionados às Linhas de Pesquisa dos Estudos Culturais e Estudos de Gênero e Se
xualidade e de seus respectivos Núcleos de Pesquisa: NECCSO (Núcleo de Estudos sobre
Currículo, Cultura e Sociedade) e GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de
Gênero), além da contribuição da Linha de Pesquisa Ética, Alteridade e Linguagem na Educa
ção.
Desses, um dos trabalhos que contribuiu para minha pesquisa foi o de Gomes (2000)
que, em sua Dissertação de Mestrado, focaliza “as princesas clássicas” produzidas pelos estú
dios Disney (Branca de Neve, Cinderela e Bela Adormecida). A autora observa que as repre
7
Site das Bibliotecas da UFRGS: http://www.sabi.ufrgs.br.
8
Outros sites consultados:
http://www.ct.ibict.br:81/site/owa/si_consulta (Teses e Dissertações produzidas no Brasil)
http://www.prossiga.br/estudosculturais/pacc/ (Biblioteca Virtual de Estudos Culturais do Programa Avançado
de Cultura Contemporânea – PACC/UFRJ)
http://www.bu.ufsc.br (Biblioteca Virtual da Universidade Federal de Santa Catarina – Teses e Dissertações)
http://www.capes.gov.br (Banco de Teses da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior)
http://www.anped.org.br (Banco de Teses da Anped – Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em
Educação)
33
sentações femininas na mídia obedecem a determinados padrões, como, por exemplo, a juven
tude e a esbelteza. Seu trabalho descreve imagens e práticas que permeiam o universo femini
no. Dentre os elementos discutidos são destacadas as figuras femininas elaboradas pelas gran
des corporações, personagens que, consumidos nas formas mais diversas, povoam o imaginá
rio infantil. Utiliza alguns fundamentos da obra de Foucault para tratar da constituição de um
modo de ser feminino sujeito aos parâmetros ditos “corretos”, reforçada por discursos de
“bom comportamento”, beleza jovial e realização amorosa. Seu objetivo é propor estratégias
para que esses clichês não se enrijeçam e possamos “engendrar novos modos de subjetiva
ção”.
Outras pesquisas enfocam a infância, a literatura e as relações de gênero e sexualidade,
como as que apresento a seguir:
Argüello (2005), em sua Dissertação de Mestrado, analisa as falas de crianças de 4
(quatro) a 6 (seis) anos, de uma turma de Jardim B – Educação Infantil, procurando observar
as representações de gênero que esse grupo possuía. Para isso, foram selecionadas 11(onze)
histórias infantis nãosexistas, isto é, histórias que não reproduzem em seus textos discursos
misóginos e veiculam uma perspectiva feminista. Estas histórias eram contadas e depois havia
uma discussão sobre determinados aspectos das mesmas. Amparada no campo dos Estudos
Culturais e dos Estudos Feministas, a autora utiliza algumas ferramentas da perspectiva fou
caultiana, inserindose nos estudos pósestruturalistas.
Kaercher (2005), em sua Tese de Doutorado, analisa as representações de gênero e ra
ça presentes no acervo de 110 (cento e dez) obras de literatura infantil que integram o Pro
grama Nacional Biblioteca da Escola do ano de 1999. Contando com os aportes dos Estudos
de Gênero e dos Estudos Culturais, examina como tais representações se articulam para en
gendrar branquidade, negritude, masculinidade e feminilidade nas obras disponíveis no acer
vo. Delineia, também, algumas das estratégias discursivas que operacionalizam esses proces
sos de racialização e generificação nas obras e, a partir dessa análise, defende que eles sinali
zam para a manutenção dos discursos que colocam a identidade masculina, branca, adulta
como padrão de referência para a hierarquização e subordinação das demais identidades raci
ais e de gênero.
Sefton (2006), em sua Dissertação de Mestrado, problematiza as representações e prá
ticas discursivas que envolvem as identidades masculinas e paternas advindas de materiais da
Literatura InfantoJuvenil. Sob os enfoques dos Estudos de Gênero, dos Estudos Culturais,
além de aportes pósestruturalistas, seu corpus de pesquisa é formado por 30 (trinta) livros,
34
datados de 1988 a 2004, a partir dos quais suas problematizações buscaram enfatizar não só as
recorrências sobre as representações paternas e masculinas, mas também os deslocamentos e
rupturas presentes nos materiais analisados.
Li, também, no campo da infância e das relações de gênero, outra dissertação que se
diferencia das apresentadas antes, porque examina outro artefato cultural que são as revistas
destinadas às futuras mamães ou a casais que estão à espera de um bebê:
Santos (2004), em sua Dissertação de Mestrado, analisa revistas brasileiras que tratam
da temática infância (Crescer em Família, Pais & Filhos e Meu Nenê e Família ), com vistas a
examinar como elas operam discursivamente na constituição das identidades de gênero na
primeira infância. O referencial teórico de suas análises são os Estudos Culturais e algumas
contribuições dos Estudos de Gênero. Foram analisadas 53 (cinqüenta e três) edições dos anos
de 2000 a 2002, das quais foram selecionadas as matérias que envolvessem questões de gêne
ro dentro da faixa etária dos 0 aos 6 anos (zero aos seis).
Entre as pesquisas sobre masculinidades e feminilidades, encontrei as seguintes disser
tações:
Neuls (2004), em sua Dissertação de Mestrado, escolheu o programa televisivo A
Turma do Didi, da Rede Globo, como objeto de análise para mostrar como este opera na cons
tituição de uma representação de masculinidade para crianças e jovens. Optou por olhar as
articulações entre gênero e sexualidade no programa e descreve os modos e estratégias do
programa de instituir sentidos acerca de uma masculinidade considerada desejável para meni
nos. O corpus de análise compreende 25 (vinte e cinco) programas do período de setembro de
2002 a julho de 2003. O referencial teóricometodológico da pesquisa são os Estudos Cultu
rais e os Estudos de Gênero, em suas vertentes pósestruturalistas.
Guizzo (2005), em sua Dissertação de Mestrado, investiga de que forma as crianças de
uma escola pública de Educação Infantil, na faixa etária de 5 aos 6 anos (cinco aos seis) da
grande Porto Alegre, entendem as questões de gênero presentes no seu cotidiano. Para tanto,
explora situações e falas emergidas neste âmbito escolar, especialmente a partir de propagan
das televisivas voltadas para este público. Busca problematizar os modos como professoras,
equipe diretiva, pais e mães lidam com tais questões, contribuindo para a constituição de mas
culinidades e feminilidades ainda na infância. Para as análises usou o referencial teórico
metodológico dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas, em suas abordagens pós
estruturalistas.
35
Bello (2006), em sua Dissertação de Mestrado, busca entender como vão se constitu
indo as masculinidades na escola infantil, procurando observar alguns dos investimentos fei
tos para que os meninos e as meninas se constituam como homens e mulheres heteronormati
zados. As análises foram realizadas a partir do referencial teórico dos Estudos de Gênero e
algumas contribuições dos Estudos Culturais em uma perspectiva pósestruturalista. Para tan
to, foi observado um grupo de 25 (vinte e cinco) crianças com 5 (cinco) anos de idade, em
uma escola infantil da Rede Municipal de Porto Alegre, no período de dois meses, totalizando
cem horas de observação.
2.4. A definição da pesquisa e sobre a importância da história que quero
contar
E xaminando as últimas pesquisas acadêmicas realizadas, percebo que já existem
estudos sobre contos de fadas, analisandoos sob as perspectivas psicológicas,
psicanalíticas e das relações de gênero e sexualidade. Entretanto, o diferencial
do meu trabalho está em proceder à análise dos “novos contos de fadas” na perspectiva dos
Estudos Culturais em Educação e dos Estudos de Gênero e Sexualidade. Aliás, têm crescido
consideravelmente as produções culturais relacionadas a este gênero literário, com uma vasta
publicação de livros e filmes.
Defini a minha pesquisa, propondome a analisar as representações de infâncias e de
relações de gênero, presentes nestes artefatos culturais da contemporaneidade. Juntome, as
sim, àqueles/as pesquisadores/as, cujo objetivo é “mostrar como operam alguns dispositivos e
práticas culturais para constituir nossas concepções sobre o mundo e sobre as coisas e coorde
nar as formas como agimos” (COSTA, 2000a, p.9).
Entre os critérios para a seleção dos livros estão: serem livros de literatura infantil in
dicados à faixa etária dos 6 (seis) aos 10 (dez) anos; serem escritos por diferentes autores
(COMPANY, COSTA, MARTINS, VASSALO, COLE, DISNEY, MINTERS), pertencerem
a diferentes editoras (Scipione, FTD, DCL, BrinqueBook, Martins Fontes, Caramelo, Com
panhia das Letrinhas), histórias de uma mesma coleção (Coleção As Trigêmeas; Coleção Mi
nha versão da história), histórias de autores/as estrangeiros/as (obras traduzidas) (COLE,
COMPANY,DISNEY, MINTERS) e nacionais (COSTA, MARTINS, VASSALO); histórias
36
escritas e publicadas a partir da década de 90 (anos de publicação: 1998, 1999, 2000, 2003,
2004, 2005, 2006) 9 .
A metodologia a ser usada é a da interpretação textual, tanto das narrativas quanto das
ilustrações, pois estas são entendidas como textos e, como tais, produtoras de sentidos tam
bém. São questões relevantes deste estudo: como os sujeitos infantis são representados por
diferentes discursos, entre eles, os que “povoam” os livros infantis? Quais modelos de ser
menino e menina, ou de ser homem e mulher, nos são ensinados através dos “novos contos de
fadas”?
Entendo que, além das Dissertações e Teses aqui apresentadas de forma sumária, a
minha pesquisa aliase a outras que tem em seu foco a discussão sobre as infâncias, em espe
cial, sobre as infâncias brasileiras, como as realizadas especialmente no Programa de Pós
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, que vem se constituindo em um importante pólo de produção de pesquisas em Educa
ção. Entre elas, destaco as pesquisas de Jane Felipe de Souza (2000), Maria Carmem Silveira
Barbosa (2000), Maria Isabel Bujes (2002), Maria Alice Goulart (2000), Leni Vieira Dorneles
(2002), Sandra Mara Corazza (2000 e 2002). Destaco também os estudos sobre infância de
Moysés Kuhlmann Júnior (2001).
Ademais, ao falar em “novos contos de fadas” na literatura, debruçome sobre uma
temática bastante presente no cotidiano atual, haja vista a grande produção de livros e filmes
deste gênero. Para apenas citar alguns filmes, já que estes não são objetos de minha análise,
temos: Shrek1 (2001), Branca de Neve – O Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela
(2004), Deu a louca na Chapeuzinho (2005), Shrek 3 (2007), Deu a Louca na Cinderela
(2007), Encantada (2007) 10 . Quanto à literatura há uma vasta oferta; uma parte deles será
analisada nesta Dissertação.
Em reportagem da Revista Veja, “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos
a publicação de livros infantis com personagens homossexuais”, matéria de 31 de maio de
2006 11 , fala de livros literários infantis que tratam de novos arranjos familiares, de casais ho
mossexuais, das relações de gênero e sexualidade problematizadas nas histórias e suas reper
cussões nas escolas e famílias do referido país.
9
Ver, em Anexo 1, as referências completas dos livros a serem analisados e, em Anexo 3, os resumos dos clássi
cos de que estas histórias atuais fazem suas releituras.
10
Ver, em Anexo 5, as sinopses de tais filmes.
11
Conferir em Anexo 6.
37
Com o que foi exposto até aqui, justifico por que tais temáticas (“novos contos de fa
das”, infância e gênero), as quais foram escolhidas por mim para análise nesta Dissertação,
têm importância.
2.5 Estudos Culturais: o que são?
s Estudos Culturais constituem um campo de pesquisa bastante atual, que
Sob o ponto de vista político, os Estudos Culturais podem ser vistos como sinônimo
de “correção política”, podendo ser identificados como a política cultural dos vários
movimentos sociais da época de seu surgimento. Sob a perspectiva teórica, refletem
a insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo então, a interdisci
plinaridade (ESCOSTEGUY, 2004, p.137.).
Para Nelson, Treichler e Grossberg (1995, p. 13), os Estudos Culturais não se restrin
gem a ser um campo interdisciplinar, podendo se constituir como um campo transdisciplinar e
algumas vezes contradisciplinar, “que atua na tensão entre suas tendências para abranger tanto
uma concepção ampla, antropológica da cultura, quanto uma concepção estreitamente huma
nística de cultura”. Assim, os Estudos Culturais podem ser entendidos como um campo onde
diferentes disciplinas interagem, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade.
Os Estudos Culturais tomam a cultura como tema central, como espaço/local de pro
dução de sentidos/significados, subjetivando os sujeitos. Nessa perspectiva de análise não
existe a distinção entre baixa e alta cultura, mas toda prática social tem uma dimensão cultural
(HALL, 1997b); esta é vista não só no modo de viver das pessoas, mas também como um
campo de lutas por imposição de significados. A cultura é construída no cotidiano. Sendo
assim, os Estudos Culturais, ao assumirem uma noção ampliada de cultura, direcionam seu
olhar para as diversas práticas culturais, que passam a ser vistas como instâncias educativas
que produzem idéias, representações e identidades culturais, sendo, dessa maneira, constituti
vas dos sujeitos. Ou seja, o campo de pesquisa dos Estudos Culturais preocupase com ques
38
tões que se situam na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. Além de cultura,
outro termochave é subjetividade. De acordo com Johnson (2004, p.25):
[...] os Estudos Culturais dizem respeito às formas históricas da consciência ou da
subjetividade, ou às formas subjetivas pelas quais nós vivemos ou, ainda, em uma
síntese bastante perigosa, talvez uma redução, os Estudos Culturais dizem respeito
ao lado subjetivo das relações sociais. Estas definições adotam algumas das abstra
ções simples de Marx, mas também as utilizam de acordo com sua ressonância con
temporânea.
Os Estudos Culturais não possuem uma doutrina ou metodologia específica. São auto
conscientemente concebidos como sendo altamente contextuais – como um modo de análise
variável, flexível, crítico (SCHULMAN, 2004). Entretanto, o trabalho qualitativo tem sido
tomado como premissa de qualquer estudo neste campo. Utilizam o trabalho de campo etno
gráfico, a entrevista, a análise de texto e de discurso e os métodos históricos tradicionais de
pesquisa para investigar uma ampla variedade de questões relacionadas à comunicação... Os
Estudos Culturais começaram como um método de análise histórica e descritiva da consciên
cia e da cultura de classe, tornandose, sob a liderança de Stuart Hall, mais teoricamente sofis
ticados, abstratos e metodologicamente diversos no decorrer dos anos 70. (SCHULMAN,
2004, p.180)
Como um projeto intelectual, os Estudos Culturais são, geralmente, definidos em ter
mos daquilo que negam ou daquilo com o qual rompem (SCHULMAN, 2004). Entre as ruptu
ras efetuadas por este campo de pesquisa, ao longo de sua história, estão: 1.º) a ruptura com
“as ênfases behavioristas das abordagens anteriores de pesquisa”, que viam a influência da
mídia em termos de um mecanismo direto de estímuloresposta. Os Estudos Culturais vêem a
mídia como uma força social e política ampla, generalizada, cuja influência era indireta, sutil
e até mesmo imperceptível; 2º) o questionamento de concepções que viam os textos da mídia
como suportes “transparentes” do significado. Os Estudos Culturais observam o potencial
estruturador que cada meio – incluindo sua linguagem – possui. Examinam os sistemas de
signos através dos quais os significados, mediados pelos meios de comunicação de massa,
chegaram ao público; 3.º) o rompimento com as concepções passivas e indiferenciadas de
público e a análise dos vários modos pelos quais as mensagens são decodificadas por diferen
tes membros dos diferentes públicos, dependendo de quais são suas orientações sociais e polí
ticas.; 4º) o rompimento, também, com uma concepção que via a cultura de massa como um
fenômeno indiferenciado, ao conceber que os meios de comunicação de massa estão envolvi
dos na circulação e consolidação das “definições e representações ideológicas dominantes”.
39
Existem três modos principais de pesquisas em Estudos Culturais: estudos baseados na
produção, estudos baseados no texto e estudos baseados nas culturas vividas (JOHNSON,
2004).
A produção acadêmica deste campo de pesquisa é realizada a partir da análise da pro
dução cultural dos sujeitos, em qualquer instância cultural, como a mídia, o folclore, a arqui
tetura, a arte, etc. A cultura articulase ao econômico, ao político, ao artístico, ao social, ao
pedagógico, etc. Através da extensão do significado de cultura – de textos e representações
para práticas vividas –, considerase em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a
atenção sobre as estruturas sociais (de poder) e o contexto histórico vistos como fatores es
senciais para a compreensão da ação dos meios massivos, do mesmo modo que o deslocamen
to do sentido de cultura da sua tradição elitista para as diversas práticas cotidianas (ESCOS
TEGUY, 2004).
Os Estudos Culturais discordam do entendimento de que os meios de comunicação de
massa são simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, pois os com
preendem como produtos culturais e, como tais, são agentes da reprodução social, acentuando
sua natureza complexa, dinâmica e ativa na construção da hegemonia. (ESCOSTEGUY,
2004). Nesta perspectiva, são estudadas as estruturas e os processos através dos quais os mei
os de comunicação de massa sustentam e reproduzem a estabilidade social e cultural. Entre
tanto, isto não se produz de forma mecânica, uma vez que se faz necessária uma adaptação
contínua às pressões e às contradições que emergem da sociedade, englobandoas e integran
doas no próprio sistema cultural. (ESCOSTEGUY, 2004).
Dessa forma, os Estudos Culturais interessamse pelos efeitos de sentidos que a pro
dução tem para os sujeitos, mais que a intenção do autor. As narrativas são histórias que nos
contam e que nós contamos. Para esta perspectiva de análise, o “texto” deixa de ser estudado
por ele próprio ou pelos efeitos sociais que se pensa que ele produz, para ser examinado pelas
formas subjetivas ou culturais que ele efetiva e torna disponíveis. O texto tornase um meio;
tornase um material bruto a partir do qual certas formas – da narrativa, da problemática ideo
lógica, do modo de endereçamento, da posição de sujeito etc. – podem ser abstraídas. Ele
também passa a fazer parte de um campo discursivo mais amplo ou a fazer parte de uma com
binação de formas que ocorrem em outros espaços sociais com certa regularidade. Contudo, o
objeto último dos Estudos Culturais não é o texto, mas a vida subjetiva das formas sociais em
cada momento de sua circulação, incluindo suas corporificações textuais (JOHNSON, 2004).
40
O meu objeto de pesquisa – os “novos contos de fadas” – e seus portadores – os livros
de literatura infantil – exige que se pense nos modos de endereçamento, o que implica pensar
em questões como: quem diz? (sujeito enunciador); para quem diz? (a quem o discurso se
dirige); o que diz? (enunciados); quais os possíveis efeitos? Para Silva (2000, p.8081), “mo
do de endereçamento”,
Neste trabalho, não pretendo fazer um estudo de recepção, isto é, não irei fazer um es
tudo de campo para analisar os efeitos e sentidos produzidos por histórias com um grupo de
crianças por exemplo. Sendo assim, procurarei examinar (nos textos e ilustrações): quem diz,
para quem diz, o que quer dizer, quais os possíveis efeitos disso tudo.
Entendese, portanto, que o sujeito se constitui/se fabrica a partir das relações vividas
nas práticas culturais, uma vez que o mesmo se configura na relação com práticas que são
comuns à família, à escola, à igreja, ao clube, aos shopping centers, entre outros contextos. O
sujeito, ao nascer, participa desta rede de práticas discursivas de significação que marcam e
demarcam um certo grupo de pertencimento, uma vez que, como sujeitos, estamos inseridos
em redes de práticas culturais, as quais são, também, práticas discursivas.
Tais práticas culturais fazem uso de determinados artefatos, importando, portanto, a
esta pesquisa, sua conceitualização. Chamase artefato a toda construção que se dá dentro de
uma instância de produção. Artefato cultural e pedagógico é o que é produzido pela cultura e
tem a dimensão pedagógica de ensinar. Assim, filmes, livros, revistas, programas de televisão,
entre outros, são considerados artefatos pedagógicos, tendo em vista as aprendizagens que
desencadeiam e o caráter formador que apresentam.
Associados aos conceitos de práticas e artefatos culturais, estão os de pedagogia e re
presentação culturais. O termo Pedagogia Cultural tem sido usado para articular: educação e
mídia, educação e saúde, educação e história, etc.; por sua vez, o termo representação cultu
ral diz respeito aos significados de efeitos circulantes no embate entre poder circulatório e
poder produtivo.
41
o produzir um rico resgate da evolução dos estudos sobre literatura infantil e
A juvenil, Colomer (2003) mostranos que, desde seu surgimento como fenômeno
cultural no século XVIII, os livros infantis e juvenis têm sido objeto de atenção
e polêmica. Na mudança de século (séc. XVIII para o séc. XIX) havia acabado
de estabelecerse a escolaridade obrigatória em diferentes países ocidentais e, progressiva
mente, iniciava a alfabetização das camadas populares. Nesse contexto, e com os avanços
realizados no campo educativo durante esse período, passouse a ter uma preocupação social
crescente com a literatura infantil.
Ainda assim, a escola permaneceu ancorada na leitura “formativa” de cartilhas, anto
logias e livros didáticos. Então, “foi nos meios bibliotecários que se iniciou o discurso moder
no sobre a leitura como um ato livre dos cidadãos, uma leitura ‘funcional’ que incluía leitura
de ficção por simples prazer” (COLOMER, 2003, p. 23). Denominouse “primeira onda” a
necessidade de profissionais bibliotecários em definir critérios para selecionar os livros que
deveriam ser ofertados às crianças, o que, também, provocou os primeiros estudos sobre lite
ratura infantil e juvenil. As bibliotecárias britânicas e as norteamericanas foram as primeiras,
seguidas pelas francesas e as do norte europeu, que exerceram influência decisiva para o de
senvolvimento das primeiras experiências de difusão da leitura. É deste período a fundação
das primeiras bibliotecas infantis e a criação de instrumentos de animação de leitura (de inter
venção – como as famosas “hora do conto” ou os guias/fichas de leitura) (COLOMER, 2003).
A seguir, as escolas e os demais meios educativos passaram a adotar o discurso mo
derno de defesa de uma leitura livre e funcional, nos objetivos do ensino. Apoiados nos dis
cursos da Pedagogia e da Psicologia Infantil, os livros infantis e infantojuvenis tinham que
entreter e ensinar às crianças.
Os estudos e as iniciativas de difusão dos livros infantis ultrapassaram os limites dos
interesses dos bibliotecários para atingir interesses mais amplos. Deste modo, eles receberam
um grande impulso com a criação do International Board on Books for Young People – IBBY
(Organização Internacional para o Livro Infantil e Juvenil), fundado em 1953, em Zurique.
Graças a iniciativas em anos anteriores, constituiuse um comitê que organizou a primeira
Assembléia Geral do IBBY. E, em 1956, criouse o Prêmio Hans Christian Andersen, outor
gado por esta instituição, considerado, ainda hoje, o mais importante para os livros destinados
43
a crianças e jovens. No ano de 1957, o IBBY adquiriu dimensão internacional ao associarse à
UNESCO e, mais tarde, à UNICEF. O crescimento do IBBY, com sua presença em mais de
sessenta países, bem como a fundação e o desenvolvimento de outras instituições com as
quais mantém vínculo colaborativo, constituem uma sólida rede internacional de promoção e
estudo do livro infantil na atualidade (COLOMER, 2003).
Vejamos, na próxima seção, como a “invenção da literatura infantil” se relaciona à
“invenção da infância”.
3.1 A invenção da literatura infantil
literatura infantil surgiu a partir da “invenção da infância”. Antes disso, como
A poderia haver uma literatura específica para as crianças, se elas não eram reco
nhecidas como tais, mas sim como “adultos em miniatura”? Deste modo, a lite
ratura infantil teve suas origens nas histórias de adultos, sendo que estas passa
ram por adaptações para serem contadas às crianças, até chegarem ao status de histórias espe
cíficas à infância, isto é, até serem nomeadas/classificadas de “literatura infantil”, apresentan
do assim características diferentes daquelas consideradas “literatura de adultos”. Sobre isso,
Shavit (2003, p.2122) pondera que:
Nos dias de hoje é difícil imaginar indústria livreira sem a sua gigantesca oferta de
livros para crianças. A produção maciça de livros para crianças é considerada um
dado de facto, uma parte proeminente e indispensável da actividade editorial. A ob
sessão cultural (e conceptual) do século XX com os problemas físicos, mentais e se
xuais da infância é também aceite com prontidão. A sociedade considera a infância
como o período mais importante da vida e tem tendência para justificar a maior parte
do comportamento adulto com base na experiência da infância. A sociedade está tão
habituada à sua interpretação daquilo que é infância, bem como a existência de li
vros para crianças, que se esquece de que ambos os conceitos, infância e livros para
crianças, são fenômenos relativamente novos; isto é, a visão actual da sociedade re
lativamente à infância está muito afastada daquilo que era há apenas dois séculos.
Além disso, a literatura para crianças começou a desenvolverse somente depois de a
literatura adulta se ter tornado uma instituição bem estabelecida. Até ao século
XVIII, raramente se escreviam livros especificamente para crianças, e toda a indús
tria de livros para crianças só começou a florescer na segunda metade do século
XIX.
Ainda de acordo com Shavit (2003, p.23), foi a partir de uma interpretação nova para a
infância, que se “criou de modo constante duas novas instituições culturais: um novo sistema
de educação, o sistema escolar, e uma nova prática de leitura que produziu um mercado sem
precedentes para os livros infantis”.
44
Com a “invenção da infância”, ao mesmo tempo em que os brinquedos e o vestuário
foram transformados para o mundo infantil com o surgimento de uma nova visão de criança,
os contos de fadas, em especial, também foram gradualmente sendo aceitos como pertencendo
ao reino das crianças e tornaramse monopólio delas. Isto não quer dizer que, antes do século
XVII, as crianças não tivessem contato com os contos de fadas, mas sim que, antes de os con
tos de fadas terem se tornado monopólio das crianças, foram lidos e contados, ao longo dos
séculos, tanto por adultos (mesmo das classes sociais mais altas) como pelas crianças que par
tilhavam a sua companhia. Entretanto, mesmo as crianças estando familiarizadas com esses
contos de fadas, inicialmente, estes não eram considerados especialmente destinados a elas
(SHAVIT, 2006).
Após a segunda metade do século XVII, houve uma interessante e complexa mudança
envolvendo os contos de fadas. A sociedade intelectual da época, que anteriormente não hesi
tara em admitir o prazer proveniente dos contos de fadas, começou a encarálos como indica
dos apenas para crianças e pessoas das classes mais baixas, justificando que eles eram dema
siado simples e ingênuos para as outras pessoas. Ao mesmo tempo, desenvolveuse um novo
interesse pelos contos de fadas, que os tornou um gênero artístico (e que estava na moda).
Este novo interesse foi a motivação que levou à criação de contos de fadas com base no mo
delo dos textos ingênuos tradicionais. No entanto, havia uma condição prévia de escrita indis
pensável aos contos de fadas: escritores e leitores tinham de partir do princípio de que os con
tos de fadas eram escritos para as classes mais baixas e para as crianças – deste modo, os a
dultos das classes mais elevadas só desfrutavam dos contos de fadas, fingindo que estavam
dirigindose às crianças (SHAVIT, 2006).
Sobre essa dupla destinação dos contos de fadas, Shavit (2006, p.29) mostranos que:
Os adultos exploraram a oportunidade de desfrutarem dos contos de fadas, durante o
século XVII, através do reconhecimento da cultura infantil como sendo distinta da
sua própria cultura e do uso das crianças como fonte de divertimento. Deste modo, a
leitura de contos de fadas pelos intelectuais era baseada num acordo tácito (entre e
les e o escritor) quanto a dois tipos de leitores implícitos – a criança e o adulto inte
lectual – e num acordo tácito quanto às intenções do escritor, deixando muito espaço
para este jogar entre eles.
No tempo de Perrault, a natureza ambígua dos seus contos de fadas, servia para satis
fazer tanto os leitores oficiais quanto os não oficiais.
As mudanças nesse gênero literário foram acompanhando também as diferentes no
ções de família de cada época e seus sistemas educativos. “O tema do final feliz das histórias,
por exemplo, não era tão estável nos primeiros tempos de literatura para crianças e jovens
como o foi posteriormente” (COLOMER, 2003, p. 67).
Nos cem anos que decorreram entre Perrault e os irmãos Grimm, desenvolveuse um
novo conceito de infância – o conceito de instrução, que conferia significativa importância ao
sistema educativo e aos livros, estes sendo considerados como as ferramentas principais de tal
sistema educativo. Então, num período de tempo bastante curto, esse conceito tornouse a
razão de ser dos livros infantis; este novo conceito determinava o que devia ser adequado ou
inapropriado aos pequenos (SHAVIT, 2003).
Essa idéia governou o modo de escrever dos irmãos Grimm e perseverou até os nossos
dias. Ainda hoje, os livros infantis são escritos por ou sob a supervisão de adultos e devem
contribuir para o bemestar espiritual da criança. Isso não mudou desde os meados do século
XVIII.
O que mudou foram as idéias específicas vigentes em cada período acerca de educa
ção e infância. Todavia, a idéia de que os livros para crianças têm de ser adequados
do ponto de vista pedagógico e devem contribuir para o desenvolvimento da criança,
tem sido, e ainda é, uma força dominante na produção de livros para crianças.
(SHAVIT, 2003, p.50).
Kehl (2006), no prefácio do livro Fadas no Divã , de Diana Lichtenstein Corso e Mário
Corso, lembra da história de Chapeuzinho Vermelho, recolhida na França, por Charles Per
rault, da tradição oral camponesa do século XVII. Nesta história, não existia um final feliz,
nem uma moral da história. Seu objetivo original não era o de prevenir as crianças a respeito
dos perigos da desobediência aos pais como as versões modernas (e, portanto, moralizadoras,
suavizadas e romantizadas).
As narrativas populares européias, matrizes dos modernos contos infantis que, a par
tir das adaptações feitas no século XIX, passaram a integrar a rica mitologia univer
sal, não apresentavam a riqueza simbólica que faz dos contos de fadas um depositá
rio de significações inconscientes aberto à interpretação psicanalítica 12 . Na verdade,
eles nem eram destinados especificamente às crianças, nem aparecem aliados a uma
pedagogia iluminista. (KEHL, 2006, p.16)
Tais contos retratavam um mundo de brutalidade nua e crua, sem suavizálo aos meno
res. Kehl segue mostrandonos que a função das narrativas maravilhosas da tradição oral pode
ter sido a de apenas ajudar os habitantes de aldeias camponesas a atravessar as longas noites
de inverno. Suas temáticas eram os perigos do mundo, a crueldade, a morte, a fome, a violên
12
Esta pesquisa não tem cunho de análise psicanalítica de tais contos; portanto, o que aqui nos interessa é o res
gate histórico de tal gênero literário.
46
cia dos homens e da natureza. Tais contos, talvez, fizessem um pouco mais do que nomear os
medos presentes entre crianças e adultos daquela época.
Nas últimas décadas, de maneira mais específica, a produção, venda e comercialização
de livros literários infantis parece ter aumentado substancialmente, bem como a produção dos
“novos contos de fadas”. Na atualidade, existe uma intensa, variada e diversificada oferta de
livros infantis (contos, poemas, histórias clássicas, fábulas, crônicas, aventuras fantásticas,
histórias de terror e mistério, etc.). O crescimento da quantidade de títulos e o notável inves
timento neste público, conforme empreendimento das editoras, parecem estar relacionados ao
também investimento que está sendo dedicado à infância, ou seja, ao papel destacado que as
crianças vêm assumindo na sociedade contemporânea. As meninas e os meninos são grandes
“consumidores”, tanto quanto seus pais, mães e demais adultos. Então, se as crianças são con
sumidores potenciais, as editoras e, por extensão, as livrarias, não podem perder estes clientes
também. Todavia, o comércio destes livros tem uma peculiaridade: deve atrair não só às cri
anças, mas também às pessoas adultas que são as compradoras, isto é, as que, verdadeiramen
te, têm poder aquisitivo (VIDAL; NEULS. 2006a).
Livros infantis podem ser encontrados, entre tantos outros lugares, nas livrarias, su
permercados, residências, bibliotecas e escolas, incluindo aí as salas de aula. No espaço esco
lar, histórias são lidas pelas crianças ou contadas pelas/os professoras/es para incentivar o
gosto pela leitura, para desenvolver a imaginação, pelo simples prazer que a leitura propor
ciona, mas também para trabalhar conceitos, discutir temas polêmicos, enfim, para ensinar
modos de ser e viver (VIDAL; NEULS. 2006a).
Mesmo que o mercado editorial tenha se voltado para esse público, cabe examinar
como a literatura infantil e, especialmente, o gênero literário – contos de fadas –, seguem re
comendações comuns na produção nacional dirigida às crianças. Tal discussão será ampliada
nas duas próximas seções.
3.2 Histórias que ensinam
ntender os livros literários infantis como artefatos que ensinam é percebêlos
E como artefatos culturais e, como tais, produzindo idéias e significados, transmi
tindo valores e crenças, subjetivando assim o imaginário infantil. Desse modo,
tais livros, juntamente com outros artefatos de nossa cultura, também estão pro
47
duzindo verdades sobre as relações culturais de gênero, de trabalho, de raça e etnia, bem co
mo as relações familiares, as amorosas e as sentimentais, entre tantas outras que poderiam ser
citadas.
Sabemos que a literatura infantil é um produto bastante novo na história da cultura e
que só se desenvolveu na época moderna, como já foi abordado anteriormente. Antes disso, já
existiam os contos populares e as lições de moral, mas tais textos não eram considerados lite
ratura para crianças, pois não tinham o fim específico de se dirigir a um leitor infantil. Entre
tanto, a partir do surgimento da literatura infantil, o prazer que a criança conseguia extrair da
leitura tinha que ser acompanhado, inevitavelmente, de alguma forma de aprendizado. Isso
acontecia porque a própria idéia de infância não podia, de modo algum, se separar da idéia de
educação. Idéia bastante forte nos dias de hoje, com a produção de livros para “trabalhar”
valores morais, por exemplo.
Machado (1999) pensa que, se essa tendência educativa das histórias infantis agisse
sozinha, provavelmente, ainda em nossos dias, os livros infantis seriam uma espécie de fábu
las disfarçadas e os adultos estariam moldando as gerações de acordo com os padrões que
julgassem mais convenientes. Contudo, a autora acredita que, apesar das forças e poderes es
tabelecidos, a literatura infantil conseguiu trilhar diferentes caminhos e atribui este desvio ao
amor à criança. “Cada vez mais, os contos populares e as histórias de fadas foram sendo con
tadas às crianças como entretenimento e prazer 13 , deixando de lado qualquer moral mais ou
menos explícita...” (MACHADO, 1999, p.33). Houve, assim, uma romantização/suavização
das histórias para serem contadas aos/às pequenos/as. Machado (1999, p.34) pondera que “o
amor pelas crianças e pelas histórias também assumiu outras formas que ajudaram a desen
volver os vínculos entre as crianças e os livros”. A escritora julga também que foi somente:
[...] depois das campanhas pelos direitos civis, depois do feminismo, depois da luta
dos negros contra o preconceito e a discriminação, depois da consciência antiimperi
alista, depois do movimento verde e de tantas outras conquistas ideológicas recentes
que se tornou evidente que, durante muito tempo, os livros infantis vinham moldan
do os jovens para agirem segundo padrões de comportamento que, freqüentemente,
eram inadequados, injustos, imorais e agressivos à dignidade humana. (MACHA
DO, 1999, p.35).
Portanto, precisamos examinar o conteúdo de que tradicionalmente se revestem os tex
tos literários destinados a leitores/as infantis, bem como o papel da ilustração nesse processo.
Silveira (1998, p. 118), ao discutir a dicotomia estabelecida entre a literatura infantil
“tradicional” – nomeada como moralizante, pedagogizante, explicitamente formadora, e/ou
13
Cf. nota 6.
48
A concepção de que todos os discursos – mesmo os que se pretendem “libertadores”
ou “sem censura” – trabalham com representações de indivíduos, de gênero, de etni
a, de idade, de corpo, de sociedade, de ação, de ética, (a lista poderia ser intermina
velmente alongada) de uma ou de outra maneira produzidas num amálgama simbóli
co em que a própria autoria também é produzida, é freqüentemente engolida pela di
cotomia maniqueísta de “maus” e “bons livros”.
A autora refere como uma expressiva exceção a tal binarismo a obra de Perroti, 14 um
estudioso da literatura infantojuvenil, que se posiciona em relação à dicotonomia discurso
utilitário versus discurso estético, da seguinte forma:
Ou seja, quaisquer livros, incluindo os de literatura infantil forjam subjetividades. En
fim, há dúvidas de que os contos de fadas ensinam modos de ser e viver?
3.3 Dos contos populares aos contos de fadas contemporâneos
egundo a definição do dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819), conto
S é definido como “narrativa breve e concisa, contendo um só conflito, uma
única ação (com espaço ger. limitado a um ambiente), unidade de tempo, e
número restrito de personagens”. Os dicionaristas ainda definem contos de
fadas como “conto infantil que narra encantamentos e fatos maravilhosos com a intervenção
de fadas (boas e más)” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819).
Canton (1994, p.11) esclarece que “os contos de fadas são versões escritas – relativa
mente recentes, ao contrário do que se costuma pensar – de contos folclóricos de magia deri
vados de antigas tradições orais”. Ela diz ainda que tal gênero literário começou a ganhar
forma literária na Europa, principalmente durante o final do século XVII, e foi tornandose
muito popular. Entre os primeiros escritores a escrevêlos, isto é, a moldar esse tipo de conto
especificamente para crianças, está Charles Perrault, que, em 1697, publicou Histoires ou
Contes du temps passé – Contes de ma mère l’Oye (Histórias da Mamãe Gansa). Já no século
XIX, no contexto de um movimento nacionalista na Alemanha, os contos de fadas foram ele
14
Cf. PERROTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone: 1986.
49
vados à categoria de objeto de pesquisa acadêmica – num estudo realizado pelos irmãos Jacob
e Wilhelm Grimm, os quais vieram a tornarse famosos por isso. Os Kinderund hausmärchen
gesammelt durch die Brüder Grimm (Contos infantis e familiares coletados pelos irmãos
Grimm), publicados entre 1812 e 1857, em sete edições diferentes, por Jacob e Wilhelm
Grimm, buscavam dar um novo status às histórias originárias do povo alemão (CANTON,
1994, p.11).
Canton (1994, p.12) alertanos, ainda:
Embora os contos de fadas sejam, em sua maioria, baseados em antigo material fol
clórico oral, não podem ser encarados como relíquias da tradição. Não são atempo
rais, universais ou neutros como nos fazem crer. Através da adaptação de histórias
orais para textos literários, esses contos foram revisados, reescritos e modificados
segundo o espírito da época de seus autores. São trabalhos criados por autores espe
cíficos, projetados em contextos sóciohistóricos e culturais particulares. 15
Canton (1994) lembra que Perrault escreveu seus contos de fadas na perspectiva da
corte do rei Luís XIV, enquanto que os Grimm trouxeram novos valores da burguesia alemã
às suas histórias. A autora sugere que eles devem ser analisados como documentos sócio
históricos e estéticos da mesma forma que vistos como resultado de criação pessoal. Na época
da corte de Luís XIX, a maioria das pessoas vivia com dificuldades, trabalhava muito, plan
tando e colhendo nos campos. Essas pessoas, à noite, reuniamse em rodas e contavamse
histórias. O rei Luís XIV e seus seguidores sofriam de insônia e pediam para seus servos e
empregados que lhe contassem histórias, e estes contavam àqueles as mesmas histórias que
eles tinham inventado em volta da fogueira. Dessa forma, os contos de fadas começaram a
fazer parte dos salões franceses, contados para os senhores e as madames da corte. (CAN
TON, 1997b).
Já os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm viveram na Alemanha no início do século XIX.
Órfãos de pai, ainda quando eram crianças, desde pequenos aprenderam a trabalhar no campo,
a plantar e a colher, a apreciar e respeitar o poder na natureza. Por esse motivo, elegeram a
floresta como pano de fundo para seus contos de fadas (CANTON, 1997a).
Por sua vez, Hans Christian Andersen, de infância pobre, ambicionava ser alguém im
portante e lutou muito para atingir o sucesso que almejou. Nascido no interior da Dinamarca,
com apadrinhamento mudouse para a capital, Copenhague, e, recebendo ajuda de outras pes
soas, foi se tornando um escritor famoso. À medida que se destacava, foi conhecendo reis,
rainhas, príncipes e princesas. Muitas de suas histórias foram inspiradas em sua vida e no con
15
Informações sobre os escritores de contos de fadas, ver em Anexo 4.
50
tato com a nobreza, o conhecimento/vivência da pobreza e contato com a riqueza (CANTON,
1996) 16 .
Ainda sobre este gênero literário, é importante ressaltar:
Nem todos os contos têm fadas no meio das histórias. Tirando a fada madrinha que
ajuda Cinderela a ir ao baile e as fadas que vão ao nascimento da pequena Bela A
dormecida, de resto não tem muita fada nos contos de fadas.
Essa tal personagem era apenas uma maneira de marcar um tipo de conto. Fadas fo
ram criadas para diferenciar os contos da gente rica, que vivia perto do rei, dos con
tos dos pobres, que moravam no campo.
Personagens mágicas, com suas roupas de tule branco, chapéus pontiagudos e suas
varinhas de condão, as fadas faziam um modelito na França do século XVII, do
mesmo modo como o estilo punk na moda nos anos 80. (CANTON, 1997b, p.15)
Ainda sobre este gênero literário – contos de fadas –, cabe observar que existem mui
tas definições, em diferentes perspectivas de estudo: a freudiana, a junguiana, a marxista, a
feminista e a estruturalista. Os freudianos, por exemplo, lidam com os motivos individuais
dos contos relacionados a questões de maturidade sexual ou social. Os junguianos, por sua
vez, exploram o significado dos motivos nas diferentes culturas, em busca de representações
arquetípicas. Os marxistas estudam os usos socializantes dos textos, enquanto as feministas
concentramse nas questões de gênero associadas às narrativas. Já um famoso folclorista en
tende que os contos populares e os de fada devem ser estudados, definidos e classificados de
acordo com os tipos. Ou seja, os mesmos tipos e motivos básicos são encontrados em histó
rias de diferentes países e em diferentes épocas, sendo incluídos na mesma categoria (animais
aliados, floresta encantada, pai libidinoso, árvore mágica, etc.). O sistema de classificação de
contos mais amplamente utilizado é o AT (AarneThompson), que recebeu este nome por ter
sido criado pelo pesquisador finlandês Antti Aarne e depois traduzido e ampliado pelo folclo
rista americano Stith Thompson (CANTON, 1994).
Ademais, outra abordagem relevante é a estruturalista, fundada na década de 1920 pe
lo pesquisador russo Vladimir Propp. Em sua destacada obra, Morfologia do conto maravi
lhoso, Propp analisou os contos de fadas a partir de suas funções, isto é, a partir dos temas ou
seqüências particulares de fatos que organizam a narrativa. A obra de Propp é tida como um
modelo para a análise estrutural de contos (CANTON, 1994).
Vladmir Propp (apud RODARI, 1982), etnólogo soviético, defende uma teoria segun
do a qual o núcleo mais antigo das fábulas mágicas deriva de rituais de iniciação usados nas
sociedades primitivas. Para o autor, aquilo que é narrado nas fábulas/contos tem seus parale
los nestas sociedades. Ele conta que, atingida uma certa idade, os/as meninos/as eram separa
16
Para maiores informações sobre estes escritores de contos de fadas, ver Anexo 4.
51
dos da família e levados ao bosque (como Pequeno Polegar, João e Maria, Branca de Neve)
onde o chefe da tribo, assustadoramente vestido, com o rosto coberto por horríveis máscaras
(que nos remetem logo aos mágicos e às bruxas), submetiaos/as a provas difíceis, senão mor
tais, sendo que elas estão presentes no caminho de todos os heróis fabulares. Os meninos es
cutavam a narrativa dos mitos da tribo e recebiam armas em consignação (os dons mágicos
distribuídos por doadores sobrenaturais aos heróis em perigo) e, finalmente, retornavam às
suas casas, freqüentemente com um outro nome (também o herói das fábulas reaparece incóg
nito) e, então, estavam maduros para o casamento (nove, entre dez fábulas, acabam com uma
festa de núpcias).
Na estrutura da fábula/conto se repete a estrutura do rito. Conforme esta observação,
de Vladmir Propp, mas não só dele, se produziria uma teoria: a de que a fábula/o conto passou
a existir como tal quando o rito antigo desapareceu, deixando de si apenas sua narrativa. Os
narradores, no curso dos milênios, traíram a lembrança do rito e, cada vez mais, passaram a
servir às exigências autônomas da fábula/do conto, que se transformou passando de boca em
boca, que acumulou variantes, seguiu os povos (indoeuropeus) e, nas suas migrações, absor
veu os efeitos das mudanças históricas e sociais (RODARI, 1982).
Analisando a estrutura da fábula popular/contos populares, Propp formulou três prin
cípios (RODARI, 1982): os elementos constantes e estáveis da fábula são as funções dos per
sonagens, independentemente do executor e do modo de execução; o número das funções
presentes nas fábulas mágicas/contos é limitado e a sucessão das funções é sempre idêntica.
Naturalmente, nem todas as fábulas/os contos apresentam todas as funções: na sucessão obri
gatória ocorrem saltos, agregações e sínteses que, no entanto, não contradizem a linha geral.
Neste resgate histórico, é interessante a análise de Kehl (2006, p.16):
As modernas versões dos contos de fadas, que encantaram tanto nossos antepassados
quanto as crianças de hoje, datam do século XIX. São tributárias da criação da famí
lia nuclear e da invenção da infância tal como a conhecemos hoje. Isto implicou:
1. a progressiva exclusão dos pequenos do mundo do trabalho, na medida em que a
Revolução Industrial criou espaços de produção separados do espaço familiar (o se
gundo era característico das organizações do trabalho artesanal e campesino);
2. os ideais iluministas e os novos códigos civis trazidos pelas revoluções burguesas
passaram a reconhecer as crianças como sujeitos, com direito tanto a proteções le
gais específicas quanto ao reconhecimento de uma subjetividade diferenciada dos
adultos.
Foi assim que a infantilização das narrativas tradicionais, transformadas nos contos de
fadas (ou “modernos contos de fadas”), está relacionada à criação de um mundo próprio da
criança e também de uma “psicologia infantil”...
52
Não podemos deixar de reconhecer que o mundo globalizado acelerou um trabalho de
transmissão de histórias que levou séculos de tradição oral no Ocidente. E nesse mundo do
minado de imagens, repleto de tecnologias e outros atrativos, ainda assim, a literatura infantil
mexe com o imaginário infantil e é fonte de interesse das crianças.
A trajetória dos contos, sumariamente apresentada nesta Dissertação, permite reconhe
cer tais histórias como um dos gêneros literários mais antigos, provenientes de narrativas da
tradição oral. Suas histórias podem ser contadas e lidas de diferentes formas em diferentes
contextos. Por todos os lugares, há o consumo de histórias, histórias para se ouvir e histórias
para se contar, e significados para se criar – dando sentido a nós mesmos e ao mundo que nos
cerca.
Reconheço nesta Dissertação os contos de fadas contemporâneos como artefatos cultu
rais que produzem sentidos e representações, passando a fazer uma análise cultural dos mes
mos e a nomeálos como “novos contos de fadas”. Faço isso sob um olhar de estranhamento,
ao colocálos em suspeição, procurando analisar seus ensinamentos sobre os modos de ser
criança, de ser homem e de ser mulher.
Canton (1994) acredita que os contos de fadas têm sido “mitificados” no decorrer dos
anos. Ela esclarece que este conceito, o de mitificação, provém do autor francês Roland Bar
thes. Em Mitologias, escrito entre 1954 e 1956, Barthes (apud CANTON, 1994) define o mito
como uma representação coletiva que é socialmente determinada e, então, invertida, para que
não apareça como artefato cultural. Sendo assim, a mitificação ocorre quando um certo objeto
ou evento é esvaziado de seus aspectos morais, culturais, sociais e estéticos, sendo, assim,
apresentado como algo “neutro” ou natural”. Barthes chama de inversão mítica o congelamen
to de um evento sóciohistórico que, desse modo, perde as suas implicações contextuais. Ilus
trando tal conceito, Canton (1994, p.25), destaca que:
Arriscome a dizer que, se Andersen pode ser considerado o pai dos contos de fadas
modernos, Rodari (1982) pode ser considerado um dos precursores dos “novos contos de fa
das”, pois já propunha em 1920, em seu livro Gramática da Fantasia , a invenção ou recriação
53
de novos contos, a partir da estrutura dos já conhecidos. Colomer (2003) também destaca a
importância de Rodari na produção de narrativas fantásticas de novo tipo, que tentavam evitar
os conteúdos conformistas atribuídos aos contos de fadas. Além disso, Rodari mantevese
ligado ao aspecto educativo da literatura infantil, relacionandoo ao jogo, à criatividade e à
imaginação. A obra de Rodari inaugurou uma corrente que não parou de crescer na produção
de livros infantis nas últimas décadas. Se tal autor alterou os contos populares a serviço de
novas propostas, este caminho foi seguido por esta nova produção literária, surgida a partir
dos anos 70, de reivindicação feminista e pacifista, de discussão das relações de gênero, entre
outras.
Coloco em suspeição os “novos contos de fadas”, isto é, aqueles contos que fazem
uma releitura dos contos de fadas (clássicos ou modernos), uma vez que essas histórias têm
por característica incluir novos personagens no enredo, subverter estereótipos de personagens
tradicionais (princesas ativas e decididas, príncipes sensíveis, por exemplo) ou apresentar um
final diferente (que não termina no matrimônio, por exemplo). Faço isso, ao considerar que
tais contos, como todos os outros, posicionam os sujeitos, produzem subjetividades a partir
das histórias que nos contam. As aspas marcam esse olhar de estranhamento, enquanto as aná
lises que empreendo visibilizam os significados e representações que fazem da infância, da
masculinidade e da feminilidade na contemporaneidade, uma vez que estes contos começaram
a ser escritos no final do século XX (os que chamo de “novos contos de fadas”), especialmen
te, nas últimas décadas, adaptando enredos conhecidos às condições, situações e fatos da vida
contemporânea.
Uma das características marcantes dos “novos contos de fadas” é a presença do humor
e da paródia 17 , próximo da sátira. Tais recursos são fortemente utilizados, talvez, para distan
ciaremse da didatização que dirigiu muitas décadas a criação da literatura infantil. O humor é
considerado “inovador” em relação à “tradição”, traz consigo um jogo literário e mostra uma
maior “permissividade” social.
Serve como exemplo da produção renovada o conto Procurando firme, em que a voz
da mulher, passa a ser ouvida por meio da voz de uma criançamenina. A obra contrapõe ho
mem versus mulher, masculino versus feminino, heroína tradicional versus heroína moderna,
por meio de um narrador do século XX. Ao examinar tais contos, pretendo fazer um olhar de
estranhamento para as “novas” identidades que estão sendo constituídas pelo discurso “reno
17
Paródia é aqui entendida como a “imitação consciente e voluntária de um texto, de um personagem ou de um
motivo literário, feita de forma irônica para manifestar o distanciamento do modelo original e seu tratamento
crítico” (BAJTIN, 1986, p.311 apud COLOMER, 2003, p.210).
54
vador”. Silveira (1998) nos dá pistas de como fazer tal análise, a partir do estudo de publica
ções brasileiras que instituem o “discurso renovador de leitura na escola”.
No processo de alfabetização, que inicia na 1.ª série/1.º ano do Ensino Fundamental e
se estende até a 4.ª série/5.º ano, as cartilhas e livros didáticos foram sendo substituídos, cada
vez mais, pelos livros literários (TRINDADE, 2005). Para a autora, tais obras estão presentes
no âmbito escolar nas séries iniciais, especialmente a partir da década de oitenta, quando pas
samos a considerálas importantes para a formação leitora e literária, isto é, encarnando uma
preocupação com o letramento literário. Na Educação Infantil, por exemplo, a “hora do con
to” está presente em grande parte das rotinas (VIDAL; NEULS, 2006a). Ou seja, desde a edu
cação infantil, os/as alunos/as estão expostos/as ao “discurso renovador da leitura na escola”
(SILVEIRA, 1998), por meio da valorização do uso da literatura infantil em lugar do livro
didático e pela função que estes passam a cumprir e que cabia ao velho livro de leitura. Inte
ressa, portanto, examinar as novas identidades que estão sendo representadas nos “novos con
tos de fadas” por influência de discursos diversos.
3.4 Narrativas: quem conta um conto, aumenta um ponto
a perspectiva dos Estudos Culturais, a reflexão sobre as diferentes formas
As narrativas dirigidas às crianças podem ajudálas a construir sua identidade, mas o
significado de um texto depende da história de sua recepção e da maneira particular
de mobilizar o significado por parte dos grupos concretos de leitores, e, em definiti
vo, da relação entre os significados estabelecidos pela comunidade interpretativa e
os significados de cada um. (COLOMER, 2003, p.123)
O que é uma narrativa? Uma mera seqüência de acontecimentos não faz uma história.
A teoria da narrativa diz que uma história para ser de fato uma história precisa ter “enredo”.
Entretanto, Culler (1999, p.86) esclarece que há duas formas de pensar o enredo:
55
De um ângulo, o enredo é um modo de dar forma aos acontecimentos para transfor
málos numa história genuína: os escritores e leitores configuram os acontecimentos
num enredo, em suas tentativas de buscar o sentido das coisas. De um outro ângulo,
o enredo é o que é configurado pelas narrativas, já que apresentam a mesma “histó
ria” de maneiras diferentes.
[...] a narrativa é uma forma fundamental de conhecimento (dando conhecimento do
mundo através de sua busca de sentido) ou é uma estrutura retórica que distorce tan
to quanto revela? A narrativa é uma fonte de conhecimento ou de ilusão? O conhe
cimento que ela parece apresentar é um conhecimento que é o efeito do desejo?
Nesta Dissertação, seguese o que Plummer (1993) sugere: que nos concentremos me
nos na análise das estruturas formais das histórias ou narrativas, para nos interessar mais na
inspeção do papel social das histórias, isto é, como são produzidas, como são lidas, a influên
cia que têm no ordenamento social mais amplo, como mudam, e seu papel no processo políti
co. O autor sugere, ainda, que se vá além do texto, ao ver as histórias sob dois ângulos críticos
e vinculados: como interações simbólicas e como processos políticos. Por todos os lugares em
que andamos, somos carregados de histórias para se contar e significados para se criar – dan
do sentido a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. O autor (p.336) pensa que:
As histórias são contadas e lidas de diferentes formas em diferentes contextos. O
consumo de uma história concentrase nos diferentes mundos sociais e nas comuni
dades interpretativas que podem ouvir as histórias de determinadas maneiras e, por
isso, não de outras e podem vir a produzir suas próprias “lembranças” partilhadas.
[...] estas comunidades são mais do que simples unidades cognitivas ou simbólicas,
56
mas também mundos emocionais. E mais, tais comunidades não são permanentes
nem fixas.
Plummer (1993, p.338) destaca ainda que:
Assim sendo, o contar não pode estar isolado do ouvir, ler e consumir.
Nesse momento, é importante lembrar Larrosa (1996, p.471472) que, ao discutir a e
xistência de histórias exemplares, permite que as relacionemos aos contos de fadas clássicos:
Dessa forma, os contos de fadas são feitos para alguém, visam e imaginam determina
dos públicos, produzem e circulam conhecimentos onde jogos de poder estabelecem determi
nados saberes, determinadas verdades. Atrelados às relações de poder, os discursos (e suas
representações) veiculados em tais contos regulam, de algum modo, a conduta dos indivíduos,
colaborando na construção de identidades, definindo formas de atuar, de ser e estar considera
dos aceitáveis em um determinado tempo e local. Constituemse em uma pedagogia cultural e
ensinam, entre outras coisas, modos de ser e viver na sociedade contemporânea. É preciso
atentar para o fato do quanto estas outras pedagogias estão marcando as subjetividades, muito
mais que a pedagogia escolar.
57
3.5. Narrativas e ilustrações: o que textos e imagens nos contam
ão podemos deixar de lembrar que a ilustração é tão importante quanto o
N texto escrito. Bons livros infantis ilustrados articulam texto e imagem, de
modo que ambos concorrem para a boa compreensão da narrativa. Faria
(2005, p.39) considera que: “A articulação equilibrada entre texto e ima
gem, portanto, provém do uso ideal das funções de cada linguagem: a escrita e a visual”. A
lógica do texto leva a uma forma diferente de leitura em relação à lógica iconográfica de leitu
ra das imagens. Para a autora (FARIA, 2005, p.40):
Na leitura da escrita, o olho percorre a linha impressa da esquerda para a direita e de
cima para baixo, linha a linha, e a leitura se efetua pela trajetória do olhar. Mas, nu
ma imagem, a trajetória do olhar não é linear: o olhar percorre a ilustração em diver
sas direções, orientadas pelas características da imagem. Nessa leitura, componentes
da imagem são hierarquizados segundo a intenção do ilustrador e o olho é guiado
por essa hierarquia. É comum, em livros para crianças, o ilustrador dirigir claramen
te o olhar do leitor, levandoo a percorrer a imagem num sentido dado.
Na literatura infantil, a relação entre a imagem e o texto pode ser de repetição ou de
complementaridade, de acordo com os princípios do livro, seguindo orientação da editora e a
concepção do artista sobre a ilustração (FARIA, 2005). Nesse sentido, texto e imagem são
textos paralelos, ambos ensinam... há uma dupla narração : o que nos conta o texto e o que
nos conta a ilustração.
Faria (2005, p.42) destaca que:
A imagem precisa concentrar elementos de hipersignificação da narrativa:
a) os elementos estáticos, ligados à descrição, por meio de sugestões espaciais, como
o ambiente em que se passa a ação, as personagens e suas características como a
roupa que vestem, o lugar em que vivem, seus objetos pessoais etc.
b) os elementos dinâmicos, ligados ao encadeamento da narrativa, como exprimir
com clareza a ação, os gestos e as expressões motivadoras das personagens, além de
marcar o ritmo da ação e a progressão da narrativa.
Em todos os casos, é necessário que o ilustrador saiba dosar os elementos descritivos
para que não sobrecarregue as imagens. Nos livros infantis, as imagens são enquadradas, isto
é, delimitadas por linhas, molduras, bordas ou fundo colorido. “O enquadramento se completa
pelos planos em que a imagem é apresentada” (FARIA, 2005, p. 43). Os principais tipos de
planos são: a) plano geral: mostra pessoa/s e/ou objeto/s junto ao cenário, paisagem ou local
da ação; b) plano médio: geralmente frontal, destaca a pessoa/s de corpo inteiro ou o objeto/s
por inteiro; c) plano americano: as pessoas são desenhadas a meiocorpo; d) close: destacase
uma parte do assunto (FARIA, 2005).
58
Ao olhar para os livros literários infantis, para os “novos contos de fadas” da contem
poraneidade e para suas histórias sobre infâncias e sobre relações de gênero e sexualidade,
temos de estar atentos para o que nos ensinam as histórias e as ilustrações.
59
4.1 Histórias de infâncias 18
egundo Ariès (1981), em seu livro História social da criança e da família , na
18
Versão modificada da seção “História da infância e suas relações com o brincar e a escola”, publicada no arti
go Uma sala de aula em que se pode brincar (VIDAL, 2001).
60
que abrange até os três ou quatro anos de idade. Após esse período, a criança jogava os mes
mos jogos e participava das mesmas brincadeiras, quer entre crianças, quer misturada aos a
dultos.
Ariès (1981) denominou “paparicação” o primeiro sentimento de infância, em que a
criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de rela
xamento para o adulto. Por outro lado, para algumas pessoas, surgiu um sentimento de irrita
ção para com esta “paparicação” em relação às crianças.
Foi entre os moralistas 19 e os educadores do século XVII que se constituiu um outro
sentimento de infância que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como
no campo, tanto na burguesia, quanto no povo. Neste contexto, o apego à infância e à sua par
ticularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira (como na fase de “pa
paricação”), mas através do interesse psicológico e da preocupação moral. Então, era preciso
antes conhecer a criança para melhor poder corrigila. Ariès (1981) notou que os textos pro
duzidos entre o fim do século XVI e o século XVII estão cheios de observações sobre a psico
logia infantil. Tentavase penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar a seu nível
e desenvolvimento os métodos da educação.
Cabe observar que, enquanto o sentimento de “paparicação” surgiu no meio familiar
com a companhia das criancinhas pequenas, o segundo sentimento, ao contrário, proveio de
uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e,
em maior número, dos moralistas, no século XVII, preocupados com a disciplina e a raciona
lidade dos costumes. Eles viam as crianças como frágeis criaturas de Deus, as quais era ne
cessário preservar e disciplinar. Esse sentimento se estendeu para a vida familiar.
Conforme Ariès (1981), ao longo dos séculos XVII e XVIII, estabeleceuse um com
promisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmente diferen
te da atitude “antiga”. Este compromisso está relacionado a este novo sentimento da infância:
uma preocupação, antes desconhecida, de preservar sua moralidade e também de educála,
proibindolhe os jogos classificados, então, como maus, e recomendandolhes jogos então
reconhecidos como bons.
Essa atitude de reprovação absoluta modificouse contudo ao longo do século XVII, e
principalmente sob a influência dos jesuítas. Os humanistas do Renascimento já haviam per
cebido as possibilidades educativas dos jogos. Mas foram os colégios jesuítas que impuseram
19
Ariès (1981) chama de moralistas os reformadores católicos ou protestantes ligados à Igreja, às leis ou ao
Estado.
61
pouco a pouco uma opinião menos radical com relação aos jogos. Nestes colégios, os jogos
“disciplinados” e considerados como meios de educação tão estimáveis quanto os estudos
foram incluídos no currículo escolar.
De acordo com Ariès (1981), ao final do século XVII, ocorreu uma mudança conside
rável. A escola substituiu a educação pela vida, pelo contato direto, isto é, a criança deixou de
se misturar com os adultos e de aprender a vida pelo contato com eles. A criança passa a ficar
de “quarentena” na escola, até ser lançada na vida. Esse passa a ser o papel da escola, do co
légio: enclausurar crianças e jovens, função essa que sobrevive até hoje (ARIÈS apud RO
SAMILHA, 1979). A família também passa a apoiar tal mudança e se torna um lugar de afei
ção e de preocupação com a educação dos filhos.
Sendo assim, em síntese, as pesquisas inauguradas por Ariès (1981) demonstraram que
a infância é um produto histórico moderno e não um dado geral e ahistórico que impregna
toda a história da humanidade. Para este autor, na modernidade, a criança passa a ser vista
como um ser inacabado e que precisa de “investimentos”.
No entanto, não se pode ignorar o quanto Ariès tem sofrido críticas nas suas afirma
ções, apesar de continuar sendo uma grande referência nos estudos sobre a infância. Outros
pesquisadores mostram em seus estudos que já havia um sentimento de infância anterior à
época apontada por Ariès. Além disso, questionase esta interpretação que supõe um senti
mento unidirecional para o desenvolvimento do sentimento de infância, das classes mais altas,
da nobreza ou da burguesia, para as classes populares. Sabese que as infâncias burguesas e
aristocráticas são muito mais conhecidas do que outras, pois eram mostradas ou se tem refe
rência através dos tratados de medicina e de educação, da correspondência privada, dos retra
tos de família, deixando inúmeros traços indicadores das atitudes, dos cuidados, da educação
e dos sentimentos.
Por outro lado, Postman (1999) aponta para o “desaparecimento da infância”, pois,
desde as últimas décadas do século XX, não vem ocorrendo separação entre o que é próprio
da criança e o que é próprio do adulto. Segundo ele, a imprensa e o acesso aos livros marca
ram a diferenciação entre os mundos adulto e infantil. Por outro lado, o autor credita à mídia
televisiva a responsabilidade pelo fim da infância, visto que o acesso ilimitado às informa
ções, e ao consumo, corroeu a linha divisória entre ser criança e ser adulto. “Uma época na
qual crianças podem trabalhar como adultos, consumir como adultos, partilhar das informa
ções como adultos, não reconhece o mundo infantil como diferente ou especial. Um mundo
onde adultos e crianças compartilham da mesma realidade física e virtual é um mundo de i
62
guais” 20 . O referido autor reconhece o surgimento e crescente desenvolvimento de “adultos
crianças”, isto é, seres cujas características abrangem o que era considerado da natureza infan
til e adulta.
Autores da contemporaneidade, como Steinberg e Kincheloe (2001), defendem que es
tá ocorrendo uma nova era na infância. Segundo eles, esta mudança de rumo histórica, rela
cionada à explosão de informações, tão característica da era contemporânea, foi a protagonista
em minar as noções tradicionais da infância. Tais autores argumentam que (p.11): “Aqueles
que adaptaram, coordenaram e usaram a tecnologia de informação no final do século XX as
sumiram uma posição exagerada quanto à reformulação deste processo. A infância é um arte
fato social e histórico, e não uma simples entidade biológica”. Pensam que a idéia de infância
como uma fase natural do crescimento, do tornarse adulto, é equivocada, uma vez que o
conceito fundamental envolve o formato desta fase humana (isto é, a forma como ela é vivi
da), a qual é moldada por forças sociais, culturais, políticas e econômicas que atuam sobre ela.
Sendo assim, o conceito/ a idéia de infância é uma criação da sociedade sujeita a mudar sem
pre que surgem transformações sociais mais amplas, como as que temos vivido desde o final
do século XX, com a explosão midiática e tecnológica.
O apogeu da infância tradicional durou aproximadamente de 1850 a 1950. Durante
este período, protegidas dos perigos do mundo adulto, as crianças foram retiradas
das fábricas e colocadas em escolas. À medida que o protótipo da família moderna
se desenvolveu no final do século XIX, o comportamento apropriado dos pais para
com os filhos se consolidou em torno de noções de carinho e responsabilidade do
adulto para com o bemestar das crianças. Por volta de 1900, muitos acreditavam ser
a infância uma herança do nascimento – uma perspectiva que resultava numa defini
ção biológica, e não cultural da infância (STEINBERG; KINCHELOE, 2001, p. 12).
Steinberg e Kincheloe (2001) destacam ainda que é neste período que surgem especia
listas, como os psicólogos infantis, que acreditariam que o desenvolvimento da criança seria
moldado por forças biológicas. Piaget foi um dos mais destacados pesquisadores desse perío
do, cuja abordagem científica, não histórica e socialmente fora do contexto da conduta infantil
foi generalizada para todas as culturas e eras históricas – como uma verdade científica univer
sal da genética e psicologia infantil. “Considerando os estágios de desenvolvimento biológico
da criança como fixos e imutáveis, professores, psicólogos, pais, assistentes sociais e a comu
nidade em geral viam e julgavam a criança através de uma classificação de desenvolvimento
fictícia” (p.12)
Steinberg e Kincheloe (2001) defendem que estamos vivendo um período histórico de
grande revolução social e que é necessário examinar a produção de uma mudança nas condi
20
Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000).
63
ções social e cultural em relação à concepção de infância. O desenvolvimento da educação e
da criança contemporânea pode estar influenciado de forma significativa por categorias da
cultura infantil próprias da cultura pósmoderna – daí a importância de enxergálas, compre
endêlas. Todavia, como mostranos Polakow:
as instituições sociais têm se mostrado lentas para reconhecer configurações familia
res diferentes e suas específicas dificuldades. Sem apoio, a família ‘pósmoderna’ do
fim dos anos 90, com seu exército de mães solteiras ou que trabalham fora, vêse
cercada por problemas oriundos da feminilização da pobreza e da posição vulnerável
da mulher tanto no espaço público quanto no privado (1992 apud STEINBERG;
KINCHELOE, 2001, P.13).
Narodowski (2001) alerta que convivemos hoje com infâncias diversas, polarizadas na
infância desrealizada e na infância hiperrealizada . A primeira vive a realidade das ruas, é
independente, trabalha desde muito cedo, enquanto a segunda é a da realidade virtual, domina
o aparato tecnológico existente de modo mais eficaz do que muitos adultos. Para o autor Na
radowski (2001, p. 175): “Entre a infância hiperrealizada e a infância desrealizada, encontra
se a maioria das crianças que conhecemos”.
Santos (2004, p.32), por sua vez, acredita que na contemporaneidade:
a infância não esteja desaparecendo, mas sim esteja em processo de reconfiguração,
ou seja, estão em andamento novas formas de constituição de ser criança. Muitos
são os processos que atualmente constituem essa nova infância: as novas configura
ções familiares, as pedagogias culturais, as novas tecnologias da informação, etc.
Assim, se ser criança se aprende na escola e na família, através da pedagogia mo
derna, na pósmodernidade o aprender a ser criança foi ampliado para além das insti
tuições como família e escola, embora essa ainda se constitua como um espaço de
investimento num futuro melhor.
É com esta perspectiva de infância que trabalho nesta pesquisa. A infância entendida
como constituída por uma história que não é natural, que não pode ser percebida como uma
evolução de práticas e sentimentos humanos para com os as crianças. “A infância é uma cons
trução histórica, social e cultural e, portanto, um processo de constituição permanente, o que
admite transformações, retrocessos, rupturas e descontinuidades” (SANTOS, 2004, p.21).
Essa compreensão nos permite falar em múltiplas infâncias.
64
4.2 Infâncias, Escola e PósModernidade
modernidade fez da escola o locus privilegiado para a consecução dos ideais
A iluministas. Como explica Silva (1995, p.245),
[...] a educação escolarizada e pública sintetiza, de certa forma, as idéias e os ideais
da Modernidade e do Iluminismo. Ela corporifica as idéias de progresso constante
através da razão e da ciência, de crença nas potencialidades de desenvolvimento de
um sujeito autônomo e livre, de universalismo, de emancipação e libertação política
e social, de autonomia e liberdade, de ampliação do espaço público através da cida
dania, de nivelamento de privilégios hereditários, de mobilidade social. A escola es
tá no centro dos ideais de justiça, igualdade e distributividade do projeto moderno de
sociedade e política. Ela não apenas resume esses princípios, propósitos e impulsos;
ela é a instituição encarregada de transmitilos, de tornálos generalizados, de fazer
com que se tornem parte do senso comum e da sensibilidade popular.
Por outro lado, com o advento da pósmodernidade, o sujeito da modernidade – críti
co, politizado, consciente, agente de mudanças, transformador – sofre um descentramento,
deixa de ser centro dos processos sociais. “Ao invés de derivar as práticas sociais, econômi
cas, culturais e políticas, etc. a partir do sujeito, a questão passa a ser derivar o sujeito a partir
dessas práticas” (VEIGANETO, 2000, p. 51). O sujeito passa a ser visto como um constructo
social e cultural, uma vez que: “O pensamento pósmoderno vê a Pedagogia como um conjun
to de práticas discursivas que se encarrega, antes de mais nada, de instituir o próprio sujeito
de que fala.” (idem).
Assim, quando pensamos em educação, pensamos na escola como o lugar que a mo
dernidade consagrou como sendo por excelência o local onde se ensina. Contudo, como Kin
del (2003, p. 10) observa,
cada vez mais, na contemporaneidade, outros espaços vêm se constituindo como e
ducativos; ou seja, outros espaços têm sido configurados como estando exercendo a
função de ensinar alguma coisa sobre algo ou alguém, embora essas instâncias não
se pareçam nem um pouco com a escola.
Narodowski (2001) observa que, nesse período, a infância passa a ser de grande inte
resse da psicologia e da pedagogia, passando a representar o ponto de partida e o ponto de
chegada da pedagogia; a criança tornase a base para a construção pedagógica do aluno, cons
truída discursivamente. Contudo, o conceito de infância criado na modernidade – visto como
“a época especial da vida dos seres humanos, fase em que a vida será perfeita, protegida e
tranqüila, antes de ser tomada pelas exigências do trabalho”, ou seja, “época ideal de nossas
vidas, em que ser criança é não ter qualquer outro compromisso que vá além do gozo puro e
simples de sua inocência”– 21 está em crise. Assim como o conceito de infância está em crise,
também está em crise o conceito de escola. Há um descompasso marcante entre o que se espe
ra da escola e o que lá se encontra.
Dessa forma, muitos outros espaços têm se mostrado como importantes instâncias de
produção e circulação de conhecimentos. E estar atento/a para estes múltiplos locais onde
também se ensina é uma das peculiaridades para a qual os Estudos Culturais nos convidam a
olhar e refletir.
Do mesmo modo, devemos estar atentos para as múltiplas infâncias da contempora
neidade. Vivemos num mundo virtual e midiático. O computador, a Internet e a televisão mu
daram as vidas das pessoas e também das crianças que fazem parte do foco de nossa discussão
neste trabalho. No final de 2007, foi inaugurada a TV digital no Brasil. Em menos de uma
década, ela chegará em todos os Estados brasileiros. Televisão, literatura... tudo ensina nossas
crianças, portanto devemos estar atentos pra verificar o que estão ensinando. Devemos, tam
bém, ter conhecimento das variadas realidades infantis que encontramos no país.
Sobre este repensar pedagógico relacionado à hiperrealidade a qual estamos vivendo,
Steinberg e Kincheloe (2001, p.49) defendem:
Sampaio (2000) 22 , com base na experiência brasileira, analisou a mídia televisiva e sua
acessibilidade a públicos diferenciados, focalizando a questão de como a mídia televisiva tem
21
Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000).
22
Apesar do foco deste trabalho não ser a mídia televisiva e nem discutir a adolescência brasileira, a pesquisa de
Sampaio traz uma importante contribuição para a discussão das infâncias brasileiras.
66
possibilitado o ingresso da criança e do adolescente numa esfera pública comum ao público
adulto. Crianças e adolescentes são considerados tanto na sua condição de público, quanto de
interlocutores deste dispositivo pedagógico que é a televisão, nesse caso ainda mais específi
co, as propagandas televisivas. O ponto de partida de sua pesquisa foi a constatação de que a
criança e o adolescente ocupam um lugar de destaque na mídia televisiva. A autora justifica
que, em meados da década de 80, verificouse a explosão de programas infantis e o cresci
mento de sua importância na mídia. Segundo ela afirma, a criança e o adolescente deixam de
ser uma questão de interesse particular de pais e educadores, tornandose alvo do interesse da
propaganda, da publicidade, do marketing. Nas últimas décadas, temos assistido a inúmeras
matérias focalizando a relação das crianças com o consumo. A literatura infantil foi mais uma
dessas ofertas às crianças. Os “novos contos de fadas” também foram se multiplicando com
oferta de novos títulos nesses últimos tempos. Alguns desses contos passam a aparecer em
desenhos e filmes, enquanto seus personagens passam a ser reproduzidos em vários apetre
chos.
Nesse ínterim, ocorre a valorização da criança enquanto consumidor e, ao mesmo
tempo, a “preocupação” com a relação da criança com a mídia, isto é, com a educação da cri
ança através da mídia. A publicidade televisiva descobriu o enorme potencial de consumo da
criança e do adolescente. Reconheceuse a participação destacada da criança no mercado de
consumo brasileiro, sendo que a maior notoriedade ainda é para o público consumidor infantil
(SAMPAIO, 2000).
Sampaio (2000) pondera que: “Na verdade, o que pretendemos afirmar é que a experi
ência da infância e da adolescência hoje não pode ser pensada sem essa sua relação com um
ambiente midiático” (p.155). Ela observa ainda que: “No Brasil, o consumo de mídia por par
te da criança e do adolescente apresenta, sem dúvida, maiores variações relacionadas sobretu
do à renda familiar e, em certa medida, à localização de tais famílias nas zonas rurais ou urba
nas” (p.155).
Em sua pesquisa sobre televisão, publicidade e infância, Sampaio (2000) pensa ser
impossível se ter como referência um cotidiano infantil e adolescente contemporâneo no Bra
sil pensado genericamente. Sugere, então, que existem cotidianos marcadamente diversos de
crianças e adolescentes. Entre os fatores que produzem essa diversidade de cotidianos infantis
e de adolescentes estão: a renda familiar, a inserção no sistema educacional e o amparo fami
liar ou institucional, assim como a inserção dos pais no mercado de trabalho, o contexto de
moradia rural ou urbano e a questão étnica e de gênero.
67
Considerando esses fatores, a autora identificou seis modalidades diversas de vivência
da infância e da adolescência no Brasil, às quais estão associados cotidianos também diferen
ciados. São elas 23 : 1) infância pública; 2) infância protegida; 3) infância parcialmente protegi
da; 4) infância institucionalmente protegida; 5) infância desprotegida; 6) infância marginali
zada (SAMPAIO, 2000, p. 162). Analisando peças publicitárias televisivas, a autora identifi
cou ainda as seguintes representações de criança na publicidade brasileira: a criança feliz, a
criança sapeca, a criança fantasiosa, a criança precoce e a criança ingênua. Enfim, são múlti
plos os olhares que também podemos lançar sobre as representações de crianças e de infâncias
ao examinarmos um outro artefato cultural: os livros de literatura infantil destinados a esse
público, por meio de um de seus gêneros literários, o dos “novos contos de fadas”.
A seguir, uma síntese de como a referida autora descreve cada modalidade de infância:
1) infância pública: aquela vivenciada pela criança que inicia uma vida pública precocemente,
assumindo relações de trabalho no âmbito da mídia (como apresentadores, cantores, atores,
garotospropagandas, etc.). A maioria dessas crianças tem o amparo dos pais, e seu ingresso
no mundo midiático e das relações de trabalho não está associado a dificuldades financeiras
da família – regra geral. Em função dos compromissos profissionais assumidos, as crianças
têm as condições de sua inserção escolar redefinidas. Esta é uma infância glamourosa, de a
plausos, prestígio, fama e dinheiro, mas também de muita competição, disputa, trabalho,
compromissos desgaste físico e emocional. Vivenciam, assim, precocemente, relações de in
tensa concorrência e têm alterado, significativamente, seu ritmo de vida. Além da exposição
pública constante, do assédio dos fãs, assumem outros compromissos (entrevistas, desfiles,
shows, etc.). Em razão do acúmulo de obrigações, têm o consumo midiático menor. Mas a
mídia não deixa de participar decisivamente da organização dos seus cotidianos. São os mo
delos de um sucesso precoce a ser perseguido.
2) infância protegida: caso em que a criança é amparada no seu desenvolvimento físico, inte
lectual e afetivo por seus pais e/ou adultos responsáveis. Eles são sustentados pelos pais e sua
única responsabilidade é dedicaremse aos estudos. Eles possuem uma condição privilegiada.
São os mais conhecidos, compõem o perfil básico – falandose de criança genericamente no
Brasil. É com referência nas pesquisas de consumo e comportamento deste segmento que a
mídia oferece seus produtos. Neste caso, vivese um cotidiano infantil. A criança vivencia
23
Apesar de Sampaio (2000) referirse às infâncias e adolescências em sua pesquisa, nesta Dissertação, interes
same seus estudos sobre infância. Então, ao examinar as categorias da autora para tipos de infância e adolescên
cia, vou me deter em descrever, apenas considerando os tipos de infância apresentados pela autora.
68
essas fases de suas vidas como um período de desenvolvimento e formação para a vida adulta,
participando de atividades adequadas a sua faixa etária. No diaadia, vai à escola, divertese
com amigos, tem momentos de lazer, faz cursos complementares. É ela que, geralmente, ga
nha mesada, tem o quarto bem equipado e dispõe de tempo, condições e recursos para manter
um consumo midiático diversificado (TV, revistas, jornais, cinema, etc.) e um consumo de
TV elevado. Um aspecto característico mais abrangente é o fato de ainda estarem sob o con
trole dos pais, familiares e educadores.
4) infância institucionalmente protegida: caso da criança que é amparada, parcial ou inteira
mente, por instituições sociais. Vive sob os cuidados do Estado, em instituições religiosas,
associações da sociedade civil, etc. Costumeiramente, tem assegurado o direito à escola e,
embora possa exercer algum tipo de atividade trabalhista, esta assume a conotação de apren
dizado, ou seja, de estimular a profissionalização. Crianças órfãs, abandonadas pelos pais ou
assistidas à distância por eles experimentam um cotidiano afastado da família, marcado pelo
convívio com adultos. Estes mantêm com aquelas relações profissionais de amparo, formação
e proteção, além dos poderes institucionalizados de controle e punição. Essas crianças são
protegidas, mas também abandonadas, já que a proteção institucional sinaliza o abandono
familiar. Nas instituições, estão sujeitas aos seus ordenamentos hierárquicos, às suas regras e
não desfrutam de muita autonomia geralmente. Elas gozam de pouca ou nenhuma autonomia
de consumo também; têm acesso coletivo às mesmas mídias.
5) infância desprotegida: caso em que a criança é obrigada a garantir o próprio sustento ou até
mesmo o sustento familiar, pela ausência de condições financeiras de pais e/ou familiares.
Para isso, abandona os estudos. A impossibilidade de ingresso ou permanência na escola, em
69
função do trabalho, é o indicativo evidente do direito à vivência da infância, como época par
ticular e especial de sua vida. No caso daquelas crianças que moram com os pais e com eles
trabalham, as relações de trabalho estão envolvidas num sentido de ajuda à família e, pode ser
também, de aprendizado de um ofício. Esse é o caso de muitas crianças que vivem no campo
e cuja atividade básica diária é o trabalho na agricultura em companhia de seus pais. Há ainda
aqueles que acompanham os pais no trabalho em terras de terceiros; nesses casos, a criança
perde a característica de ser aprendiz para ser caracterizada como trabalhador/a infantil. Na
maioria das vezes, o ingresso no mundo de trabalho, por tais crianças, traz a vivência em uma
longa jornada de trabalho, em condições inadequadas e até mesmo danosas ao seu desenvol
vimento físico, mental e afetivo. Nas grandes cidades, elas estão nas mais diversas áreas
(prestação de serviços, construção civil, indústria, comércio informal e formal, etc.), desem
penhando variadas funções. Nesses casos, crianças e adultos estão submetidos às mesmas
regras e obrigações. Pouco ou nada têm tempo para o consumo da mídia e do lazer.
6) infância marginalizada: aquela vivenciada por crianças que, absolutamente, desamparadas,
encontram nas ruas um lugar privilegiado para a prática da mendicância, de pequenos bisca
tes, entre outras atividades, para muitos gerando a delinqüência e/ou a marginalidade. Para
elas a escola e o trabalho têm pouca importância em suas vidas. Esta realidade é ainda mais
cruel no caso das crianças prostituídas. Há também aquelas que são responsáveis pela execu
ção de crimes graves ou que estão ligadas ao crime organizado. Do ponto de vista do consu
mo da mídia, há diferenças entre aquelas que estão em instituições fechadas de reabilitação
(nesse caso sob suas regras e normas) e aquelas que não estão nestes estabelecimentos. Neste
último caso, é bem provável que mantenham uma postura de maior autonomia do consumo.
Sampaio (2000) destaca que alguns pesquisadores brasileiros, sensibilizados diante
desse processo de marginalização da criança, chamam a atenção para a séria questão da “su
pressão da infância” na nossa sociedade. Buscam, através deste conceito, destacar este preo
cupante fenômeno social do Brasil que é a perda da infância. Ela ocorre mediante um proces
so de exclusão social profunda que cria o adulto precocemente no corpo da criança. A referida
autora (SAMPAIO, 2000, p. 171) ressalta:
O indicativo de um processo de dissolução das fronteiras entre a criança e o adulto
não decorre, pois, na sociedade brasileira, como proposto nas análises de Postman
ou Meyrowitz, das particularidades das mídias eletrônicas, mas como um problema
associado à desigualdade social. Não é, em primeiro lugar, a partir da mídia televisi
va que a criança e o adolescente têm um maior acesso à vida adulta e aos seus se
gredos, senão pela vivência de uma situação de miséria e exclusão social que os em
purra para o mercado de trabalho, para a delinqüência, a prostituição e o crime orga
nizado, retirandolhes a chance de viver essas fases de suas vidas chamadas de in
fância e adolescência.
70
A visibilidade dessa geração de “crianças sem infância”, dos meninos e meninas de
rua, da prostituição infantil e da violência está presente também na televisão, de mo
do particular, nos noticiários, reportagens e propagandas de entidades associadas à
defesa e proteção da criança. Essas crianças não são, contudo, uma referência impor
tante para a elaboração de programações para o segmento e podem ser consideradas
inexpressivas para a publicidade. Na televisão predominam, imagens de um outro ti
po de criança que, para as emissoras e publicidade, são vistas sobretudo na condição
de consumidores mirins”. É, também, em função delas que é concebida a sua pro
gramação e publicidade mais elaboradas.
Assim como certas crianças interessam à mídia, uma vez que a publicidade que produ
zem destinase ao seu consumo, a literatura infantil também destinase a certas crianças: àque
las que podem comprar tais livros, àquelas que podem pegálos emprestados em bibliotecas,
àquelas que estudam, àquelas cujos pais ou professores/educadores vão se sentir atraídos pe
las temáticas das histórias e contarão/lerão aos pequenos.
Nesse sentido, interessa a este estudo o “modo de endereçamento” 24 , termo dos estu
dos de cinema, de caráter teórico e político. Este termo está relacionado à necessidade de a
presentar qualquer que seja a comunicação, texto ou ação para alguém, sobre o qual se pres
supõe algumas coisas, imaginandose como ele/a é e como quer que ele/a seja. Este conceito
resumese à seguinte indagação: “quem este filme [esta história] pensa que você é?” (ELLS
WORTH, 2001, p.11) [destaque meu]. Tal conceito pode ser também utilizado para pensar a
respeito dos modos como diversos artefatos culturais, e entre eles os livros literários infantis,
são direcionados a determinados públicos.
Sendo assim, os livros literários infantis e seus “novos contos de fadas” são feitos para
alguém. Contudo, ELLSWORTH (2001, p.20) afirma que:
Todavia seja qual for esta distância, é necessário que haja uma “negociação” por parte
do espectador/leitor. Porém
essa negociação tampouco é, jamais, uma coisa simples ou única. Pois, da mesma
forma que o espectador ou a espectadora nunca é exatamente quem o filme [o livro/o
conto] pensa que ele ou ela é, assim também o filme [o livro/o conto] não é, nunca,
exatamente o que ele pensa que é. Não existe, nunca, um único e unificado modo de
endereçamento em um filme [em um livro/ em um “novo conto de fadas”] (ELLS
WORTH, p.21) [acréscimos meus]
24
Reitero que apesar de não pretender fazer um estudo de recepção sobre os contos de fadas modernos e as cri
anças, não podemos ficar indiferentes a este conceito.
71
Há, também, o duplo endereçamento, isto é, como no caso dos livros infantis que pre
cisam agradar ao leitor infantil e ao adulto que tem o poder aquisitivo para comprálo.
O que podemos aprender sobre as infâncias nos “novos contos de fadas” é o que me
dedicarei a analisar a seguir.
4.3 Histórias de infâncias contadas nos “novos contos de fadas”
a modernidade, a noção de infância, criou tanto a necessidade de quan
N to a procura de livros para crianças. As noções de criança a ser educada
(1.ª noção construída: da criança a ser protegida e paparicada; 2.ª noção
construída: da criança a ser educada, moralizada) acabaram por forne
cer o enquadramento para a literatura infantil canonizada. Ou seja, desde seu início, os livros
para crianças foram escritos com uma certa idéia de criança em mente e, quando esta idéia
mudou, os textos para crianças mudaram (SHAVIT, 2003).
Se a escola e a família, entre outros espaços de nossa cultura, vêm educando nossas
crianças, os livros de literatura infantil podem ser reconhecidos como artefatos que também
educam. Tal intersecção entre espaços e artefatos permite que nos questionemos sobre as rela
ções possíveis entre múltiplas infâncias e a literatura infantil disponível na contemporaneida
de.
A fim de o/a leitor/a familiarizarse com os nomes dos 7 (sete) livros analisados, nesta
seção, elencoos a seguir (títulos, autores, ilustradores e ano das referidas publicações), lem
brando que as referências completas de tais livros e seus resumos encontramse ao final deste
trabalho em anexo 25 :
1. As Trigêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões, de M. Company, Ilust. Roser Capdevi
la, 2003.
2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003.
3. As Trigêmeas e Cinderela, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003
4. As Trigêmeas e J oão e Mar ia, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003.
25
Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência
podem ser encontrados em Anexo 3.
72
5. A bailar ina encantada, de Bruna Dias do Carmo Costa, Ilust. Roberto, 2006.
6. O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava Mar ia: um conto
de fadas brasileiro, de Georgina da Costa Martins, Ilust. Victor Tavares, 1999.
7. O pr íncipe sem sonhos, de Márcio Vassalo, Ilust. Mariana Massarani, 1999.
A questão norteadora é: “Como os sujeitos infantis são representados por diferentes
discursos, entre eles, os que ‘povoam’ os ‘novos contos de fadas’?”
Quero lembrar que, como já foi dito antes, para estas histórias vou deter meu olhar,
somente, nas representações de infância contidas nos textos e nas ilustrações.
Cabe esclarecer que o conceito de representação, na análise cultural a que me propo
nho fazer, referese às formas textuais e visuais através das quais se descrevem os diferentes
grupos culturais e suas características. Para os Estudos Culturais, a análise da representação
concentrase em sua expressão material como “significante”: um texto, uma pintura, um fil
me, uma revista, uma fotografia – neste caso, os “novos contos de fadas!”. A representação é
o significado que é atribuído como marca ou inscrição àquilo que está sendo representado. A
produção de significados dáse através da linguagem pela cultura (ARGÜELLO, 2004).
Destaco as seguintes categorias de infância ou, também, de aspectos da pós
modernidade relacionados a ela, ao mesmo tempo em que vou tecendo minhas análises:
garantir a sua própria alimentação e vida como as dos outros personagenscrianças referidas
anteriormente. Thiago (história 7), como ele próprio reclamava, tinha tudo que queria. Às
vezes, o principezinho até tentava sonhar com algo, mas em seguida seus desejos já se reali
zavam.
Como referi antes, para Naradowski (2001), entre estes dois tipos de viver a infância, a
infância hiperrealizada e a infância desrealizada , está o maior grupo de crianças que conhe
cemos. E esse tipo de vida infantil está representado pelas trigêmeas – Ana, Helena e Teresa –
que aparecem nas histórias As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões (história 1), As
Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho (história 2), As Tr igêmeas e Cinderela (história 3),
As Trigêmeas e J oão e Mar ia (história 4). Tais personagens representam as crianças que têm
família, que vão à escola, que brincam, enfim, desfrutam o gozo e o prazer de serem crianças
e não terem compromissos, como o modelo ideal criado pela modernidade de ser criança.
quando isto acontece, é ela quem resgata, socorre, protege as meninas. Ana, Helena e Teresa
brincam muito, fazem teatrinho, desenham, vão à escola, dançam, divertemse. Elas têm essa
fase da sua vida tida como especial e adequada ao desenvolvimento e preparação para a vida
adulta.
Como exemplo deste “descompromisso” infantil para com as exigências e regras (até
de etiqueta!) da sociedade, em As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho (história 2), Ana,
Helena e Teresa aparecem, no final da história, tomando um gostoso lanche com Chapeuzinho
e a vovozinha; todas as meninas aparecem de rostos lambuzados, fazendo a refeição num cli
ma de tranqüilidade, diversão e amizade (figura 5). A ilustração, em plano geral, mostranos
os personagens praticando suas ações no cenário que é um dos ambientes da casa da vovozi
nha.
Figura 5: Ilustração da história 2 (p. 30 e 31)
Do mesmo modo se apresenta a vida do príncipe Thiago, personagem de O pr íncipe
sem sonhos (história 7). Nas primeiras páginas do livro, mesmo antes do início da história,
Thiago aparece junto ao cachorro, ao pai e à mãe (o pai com máquina fotográfica em punhos)
observando seus retratos na parede em diferentes situações (em casa, jogando futebol, ga
nhando presentes, brincando, em festa de aniversário, no colo do Papai Noel, entre outras)
75
(figura 6). A ilustração mostra o menino pequeno em relação ao tamanho dos pais, o que pode
ser entendido como denotando a proteção que eles oferecem ao menino. A quantidade de re
tratos na parede, todas do principezinho em diferentes situações, evidenciam o quanto ele é
cuidado e amado por sua família. Esta é uma das leituras que podemos fazer, entre tantas ou
tras possíveis, que a ilustração em plano geral nos permite.
Figura 6: Ilustração da história 7 (s.p.)
Depois, mais no final do enredo, Thiago procura o avô, um bruxo aposentado, para
pedirlhe conselho. O texto e as imagens deste encontro, também, remetem à idéia de grande
afeto entre avô e neto: “Foi um abraço tão longo e tão grande que dava para cobrir todo o rei
no” (s.p). A ilustração deste encontro mostra os brinquedos da criança largados pelo chão,
dando idéia de movimento na cena, fazendonos inferir que o menino correu para os braços do
seu avô (figura 7). Isto é, a ilustração marca o ritmo da ação do menino.
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Figura 7: Ilustração da história 7 (s.p.)
Na ilustração seguinte, ele aparece comendo biscoitos e tomando um refresco com o
avô (figura 8). Esta cena, também nos transmite a idéia de cuidado e amor, já que a alimenta
ção (dar de comer a alguém), em alguns contextos sociais e épocas, pode ser considerada um
ato de generosidade para com os semelhantes. Além disso, cabe destacar que a imagem da
cozinha em primeiro plano mostra, em perspectiva, um outro ambiente onde estão o computa
dor, uma cadeira e uma espécie de mural. Eis aí, mais uma vez, os elementos da vida atual em
uma história cujos personagens se inspiram em um tempo ficcional (pelo menos para nós, no
Brasil); tratase de uma história com elementos híbridos. Segundo Faria (2005, p.50): “Cô
modos em perspectiva é uma variante técnica para ampliar o espaço central em que se passa a
história”.
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Figura 8: Ilustração da história 7 (s.p.)
Depois, Thiago sempre aparece no colo do avô até adormecer ali e em seus braços. As
ilustrações das figuras 9 e 10 são exemplos de ilustrações em close, e as ilustrações das figu
ras 11 e 12 são exemplos de ilustrações em plano médio.
Figura 9: Ilustração da história 7 (s.p.) Figura 10: Ilustração da história 7 (s.p.)
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Figura 11: Ilustração da história 7 (s.p.) Figura 12: Ilustração da história 7 (s.p.)
Mas, João, a Nininha não vai agüentar, desde ontem que ela não toma leite.
Ué, e aquela caixa de leite que a dona Salvina deu pra mãe?
O monstro bebeu tudo. Eu bem que falei pra mãe que aquele leite era da Nininha, mas ela disse que era melhor
deixar ele beber, que depois ela comprava outro. Você sabe que ela morre de medo dele...
Todo mundo tem medo dele, não sei porque a mãe deixou ele ficar lá em casa.
Ela disse que ele ia ajudar a criar a gente, porque os monstros são muito fortes. Tudo mentira! (s.p.)
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Depois, segue o diálogo entre os irmãos:
Maria, bota a Nininha aqui nesse pedaço de jornal. A gente deita ao lado dela pra ela não sentir frio.
João, eu nunca dormi na rua, tô com medo!
Que bobagem, Maria, não seja medrosa, eu te protejo.
João, quantas vezes você já dormiu na rua?
Um monte de vezes. Quando você morava com a vó, sempre que a mãe trazia um monstro pra casa eu tinha
que dormir na rua.
Por que você não ia morar com a vó também?
A mãe não deixava, ela queria que eu ajudasse nas despesas. Agora deita, Maria, já tá muito tarde. (s.p.)
O trecho da história acima mostra o quanto esta família necessitava do auxílio de ou
tros para garantir sua sobrevivência: de vizinhos, de companheiros, da avó, como cotidiana
mente a mídia nos mostra nos noticiários.
26
Sobre esta produção fica a questão: será que foi produzida espontaneamente por uma criança? Ou é produto de
uma proposta de escola e, então, preparada para concorrer no referido concurso? Porém, cabe ressaltar, ainda,
80
Esta situação de vida de Pretinha, a qual parece viver numa região campestre, está ex
plícita no texto e revelase nas ilustrações, após a morte de seu pai:
Nas próximas páginas, aparecem mãe e filha trabalhando, cumprindo ambas, criança e
adulto, a dura rotina diária (p.12 e 13):
Mãe e filha levantavam antes do dia clarear, caminhavam até a estrada, levando debaixo do braço a única refei
ção do dia. Elas esperavam o caminhão que passava para pegar os bóiasfrias, subiam na carroceria e seguiam
para o canavial, rumo a uma jornada de dez a doze horas por dia. Só voltavam ao anoitecer.
A cena que ilustra este texto (figura 13) mostra a plantação de cana na parte superior
da página indo até os limites da folha, ou seja, não se vê o que está acima da cana (o céu, por
exemplo), sugerindonos que existe um grande, comprido e infinito trabalho, pois não se vê
onde a cana termina! Além disso, são usadas cores quentes como amarelo, laranja e vermelho,
bem características do clima dessas regiões, e passando ao/à leitor/a a sensação de calor, tra
balho árduo, cansativo.
que, para esta Dissertação, interessam os efeitos de sentido sobre infância que o conto produz, através do texto
escrito e das imagens.
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Figura13: Ilustração da história 5 (p. 12 e 13)
Sobre esta questão do trabalho infantil, relacionado ao que é próprio do mundo da cri
ança e do mundo adulto, Steinberg e Kincheloe (2001) ressaltam que nos últimos anos do
século XX foi rotulado como “uma infância tradicionalmente ocidental” o que existe há ape
nas cerca de 150 anos. Como exemplo, na Idade Média, a criança participava diariamente do
mundo adulto e o resultado era o ganho de conhecimento profissional e experiência de vida.
Ou seja, este conceito moderno de criança como uma classificação específica de seres huma
nos que requerem um tratamento especial, diferente daquele aplicado ao adulto, era inexisten
te na Idade Média.
e) A infância marginalizada: uma história exemplar em uma única história?
Encontramos as crianças representantes desta modalidade de infância, à qual Sampaio
(2000) chamou de infância marginalizada (aquela vivenciada por crianças que, absolutamente,
desamparadas, encontram nas ruas um lugar privilegiado para a prática da mendicância, de
pequenos biscates, entre outras atividades, para muitos gerando a delinqüência e/ou a margi
nalidade) em uma única história, O menino que não se chamava J oão e a menina que não
se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 6). O livro faz uma releitura do
conto de fadas clássico “João e Maria”, trazendoo para os dias de hoje e para a realidade bra
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sileira. É uma história triste de crianças que, apesar de marginalizadas pela sociedade, conser
vam a fantasia, “própria de um determinado conceito de infância”.
Era uma vez um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria, mas que, mesmo
assim, tiveram de sair de casa como aqueles dois daquela outra história (lembra?). O menino que não se chama
va João queria encontrar a tal casa (aquela, feita de doces!), mas a menina que não se chamava Maria não acre
ditava muito que ela existisse. Apesar disso, resolveu acompanhar seu irmão.
Não chora, Maria, a gente vai achar.
Pára com isso, João, você sabe muito bem que eu não me chamo Maria e além do mais você nem lembrou de
trazer os pedaços de pão.
Por isso não, eu também não me chamo João! E depois, você sabe muito bem que na hora em que aquele
monstro expulsou a gente de casa só deu tempo de pegar a Nininha no berço e sair correndo.
João, acho que a Nininha ta com fome, ela não pára de chupar a minha blusa.
Não se preocupe, Maria, assim que a gente achar aquela casa ela vai comer, e nós também... vamos combinar
logo uma coisa: quando a gente achar a casa, eu fico com a parte de chocolate, pra Nininha a gente dá o doce de
leite; e você escolhe o resto.
Nada disso, você sempre quer ficar com a melhor parte. Eu também gosto de chocolate!
Mas naquele dia em que você foi com a mãe no Posto levar a Nininha pra vacinar e a moça te deu bombom,
você nem trouxe pra mim. Comeu tudinho, sozinha.
Claro, ela só me deu um! Como é que eu ia dar pra você?
Dava muito bem pra dividir, a mãe sempre fala que tem que dividir tudo que ganha na rua. (s.p.)
Para estas crianças, as ruas são suas moradias, seus dormitórios, seu espaço pra brin
cadeira. A ilustração a seguir (figura 14), enquadrada em plano geral, permitenos ver que o
caminhão é grande, a calçada é grande para crianças tão pequenas, talvez, do tamanho do seu
valor para a sociedade, ou de como elas se sentem em relação às outras crianças que não pre
cisam morar nas ruas:
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Figura 14: Ilustração da história 6 (s.p.)
E, a falta de proteção adulta faz com que criança proteja criança:
Maria, você parece maluca! Se não fosse eu, o lixeiro ia levar a Nininha: ele pensou que fosse um embrulho de
lixo. O que você está fazendo que não viu? Anda, vamos embora. (s.p.)
A prática da mendicância por estes personagens aparece várias vezes na história, e nos
seus diálogos revelam ser experientes:
Moça! Moça! Será que a senhora podia dar um pouco de leite pra Nininha! Ela tá morrendo de fome! Não, a
gente não mora por aqui, não; a nossa casa é muito longe. Nem dá pra voltar pra lá. E depois aquele monstro vai
ficar lá com a mãe. Ele não gosta da gente, ele é muito mau. Ele sempre bate na mãe, só que ela não liga e deixa
ele ficar. Meu pai? Sei lá, a mãe diz que ele mora muito longe. Se a mãe trabalha? Às vezes, quando aparece
alguma coisa. Ela disse que quando arrumar um trabalho vai fazer um bolo pra gente. Só falta comprar a fari
nha, os ovos e o leite que tinha lá era da Nininha, mas mesmo assim o monstro bebeu. Minha mãe nem ligou,
acho que ela ficou com medo de brigar com ele. Quando ela arrumar um trabalho, a gente vai poder ir pra esco
la, agora não dá. – Mas, moça, a senhora vai arrumar um pouquinho de leite? É só pra Nininha; pra mim e pro
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meu irmão não precisa, a gente vai achar a casa feita de doces.
Ei, Maria, anda logo, vamos embora!
Espera, João, a moça vai arrumar um pouco de leite pra Nininha... ah, a senhora não tem leite?
O menino que não se chamava João saiu puxando a menina que não se chamava Maria, porque, se deixasse, ela
ficaria a vida toda conversando com a moça. (s.p.)
O diálogo acima mostra a fala de Maria e, por meio dela, subentendese a fala da mo
ça, sua interlocutora. Nesta conversa, mais uma vez, destacase a realidade das crianças: a
falta de comida, a convivência com os maustratos e a violência, a ausência dos estudos, a
prática da mendicância (que, como disse, aparece diversas vezes ao longo da história).
Moço, será que o senhor podia me ajudar? A minha irmãzinha, a Nininha, está sem comer há três dias; o se
nhor não tem uns trocados pra eu comprar leite pra ela? Onde eu moro? É muito longe daqui. Não, eu não tenho
mãe, ela morreu; nem pai. Também não to na escola. Tenho 11 anos. Tenho 7 irmãos, mas agora só tem eu, a
Maria e a Nininha. Os outros? Dois tão presos. O resto? Não sei não. O senhor não tem dinheiro? Que pena!
(s.p.)
Este tipo de modalidade de viver infância leva à prática de mentiras (disse que sua
mãe tinha morrido...). A ilustração na página ao lado deste trecho (figura 15) mostra o menino
João com a cara e as mãos no vidro de um carro (imagem enquadrada em plano americano),
que é uma cena típica das metrópoles: as crianças de rua pedirem dinheiro nas sinaleiras. A
imagem mostra em primeiro plano o interior do carro com elementos que dãonos a idéia de
riqueza e poder: computador mostrando o índice da Bovespa, cofre, champagne no gelo com
taças, telefone com as siglas B. C. (referência, talvez, ao acesso direto ao Banco Central), no
tas de dólar voando pelo carro e um senhor grisalho de terno bem acomodado em um dos as
sentos do carro que mais parecem sofás (plano geral). João é pequeno e parece fraco perto da
grandeza do carro e o poder que é conferido ao seu dono.
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Figura 15: Ilustração da história 6 (s.p.)
João já ia desistir, quando viu um monte de gente catando comida em uns sacos que
estavam na calçada próximos a um restaurante. Foi entre os catadores de lixo, que o menino
conseguiu um pouco de leite para dar a sua irmãzinha (figura 16). A cena é de miséria e aban
dono, os irmãos, ajoelhados no chão, próximo ao lixo, dando o pouco leite que conseguiram
para o bebê, enquanto muito próximo dali uma criança americanizada (com roupas que fazem
referência à bandeira dos Estados Unidos, chapéu do Mickey) está comendo cheesburguer
com batatas fritas e tomando refrigerante. O plano geral da cena, mostrando ações diferentes
praticadas por crianças diferentes (várias ações em perspectiva), de distintas realidades soci
ais, parece contrapor a realidade da criança no Brasil a das crianças americanas, ambas mar
cadas por influências econômicas, sociais e culturais, salientandose em dois planos as marcas
de tais diferenças.
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Figura 16: Ilustração da história 6 (s.p.)
Estas crianças são o retrato da tão falada “crise da infância”, a qual é apresentada por
Steinberg e Kincheloe (2001, p.14) da seguinte forma: “A crise da infância contemporânea
pode significar, de várias formas, tudo o que envolva, de algum modo, o horror de enfrentar
sozinho o perigo”. Estes autores consideram que as transformações econômicas, sociais e cul
turais ocorridas, principalmente a partir da segunda metade do século XX, tiveram um forte
impacto na vida da população adulta e também na construção social da infância. Alguns estu
diosos apontam para a chamada “crise da infância”, baseando seus argumentos em questões
como a fragmentação da família moderna ou ao amplo e ilimitado acesso às informações do
mundo adulto (STEINBERG; KINCHELOE, 2001). Essa realidade é vivenciada pelos perso
nagens João, Maria e Nininha (história 6).
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f) Uma infância pública: uma transgr essão ao modelo moderno de infância?
Representante da infância pública é a personagem Chapeuzinho Vermelho de As Tri
gêmeas e Chapeuzinho Ver melho (história 2). Esta personagem representa a criança exibida
e “convencida”, porque e é famosa. Aproximo este conceito de Sampaio (2000) de infância
pública (aquela vivenciada pela criança que começa uma vida pública precocemente, assu
mindo relações de trabalho no âmbito da mídia: como apresentadores, cantores, atores, garo
tospropagandas, etc.) a esta personagem, porque é essa vida glamourosa, de aplausos, prestí
gio, de fama, de muitos compromissos (como as entrevistas) de assédio dos fãs, que aparece
no diálogo entre as trigêmeas e Chapeuzinho (p.1215):
Que emoção! – exclamou Ana. – finalmente, conhecemos você!
Viemos de muito longe para vêla, Chapeuzinho – disse Helena.
Pois é, eu sei que sou famosa – respondeu Chapeuzinho, que parecia uma criança bastante convencida.
Na próxima semana, vou dar uma entrevista pela televisão.
E se o Lobo te comer antes? – perguntou Teresa, desejando intimamente que ele a engolisse inteirinha.
Lobo? Ha! Ha! Ha! Como vocês são bobinhas! Por aqui não existe nenhum lobo. Isso é só um truque para
atrair turistas como vocês. E agora, até logo, pois vovozinha está me esperando para darmos alguns autógrafos.
Adeus.
E afastouse, toda orgulhosa, deixando as trigêmeas de boca aberta.
Que menina chata! Ela pensa que é muito importante! – cochicharam.
Autógrafos e turistas bobos, que caem nos modismos, trazem os elementos da contem
poraneidade para este conto. O humor do texto está na desmistificação da personagem tradi
cional, aliando à sua imagem estes elementos dos tempos atuais. Esse recurso da literatura
infantil, Colomer (2003) chamou de estranhamento em relação ao contexto.
Além disso, as ilustrações (figuras 17 e 18) mostram a Chapeuzinho falando e gesticu
lando de nariz empinado, olhando para cima e não no olho das interlocutoras, que são as me
ninas, dandolhes a idéia de que Chapeuzinho se sente superior. Esta idéia também é passada
ao/à leitor/a ao ver estas cenas e ao observar, também, que as trigêmeas vêm todas alegres ao
encontro de Chapeuzinho e ela parece desfilar pela floresta. Depois, enquanto Chapeuzinho
conversa (e se exibe às meninas), o lobo aparece num plano inferior da página, pequeno e
escondido. Esta ilustração remetenos a idéia de que o lobo tem medo da menina e que Cha
peuzinho é, como ela mesmo se acha, superior.
88
Figura 17: Ilustração da história 2 (p.12 e 13)
Figura 18: Ilustração da história 2 (p.14 e 15)
89
g) As múltiplas infâncias: medievais... modernas... contemporâneas...
Outras categorias de análise que emergem a partir das primeiras, apresentadas e anali
sadas anteriormente, são as que passo a apresentar a seguir e que aglutinarei em “múltiplas
infâncias”, aquelas que reconheço como contemporâneas, por serem constituídas por múlti
plos discursos.
Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa, esperta, in
teligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, mostrase ingênua e frágil – precisa da
proteção adulta. Trazem também uma criança que brinca, que vai à escola, que não tem outros
compromissos e responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria de ser crian
ça, de viver a infância “em sua plenitude”.
Esse tipo de ser criança e viver a infância está representado pelas trigêmeas – Ana, He
lena e Teresa, nas 4 (quatro) histórias analisadas: As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete
Anões (história 1), As Tr igêmeas e Chapeuzinho Ver melho (história 2), As Tr igêmeas e
Cinder ela (história 3), As Trigêmeas e J oão e Mar ia (história 4).
Nas 4 (quatro) histórias analisadas, as meninas mostramse alegres, muito criativas,
dinâmicas, ousadas, espertas, por vezes precisando de algum adulto para ajudarlhes. No iní
cio de todas as histórias, as meninas estão fazendo algo ou brincando de alguma coisa, quando
surge a Bruxa Onilda para transportálas para alguma história, com o objetivo de contribuir
com o desenvolvimento de suas imaginações e fantasias.
Em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), as meninas esta
vam brincando de teatrinho da história da Branca de Neve e os sete anões, quando a Bruxa
Onilda convidouas para conhecer a história de perto. Disse a bruxa para as meninas: “Que
rem mesmo visitar Branca de Neve e os anões? Iremos para a história voar na minha nuvem
de ilusões” (p.7). E imediatamente as meninas foram transportadas para esta história (figura
20). O quarto das meninas (figura 19) mostra a criatividade e o dinamismo das mesmas na
concepção contemporânea: desenhos nas paredes, desenhos no quadrogiz, cadeiras e livros
pelo chão (um deles, inclusive, sobre um ratinho), 7 (sete) bonecos e bonecas enfileirados (de
todos os tipos: sem perna, com roupas, nus...), que representam os 7 anões.
90
Figura 19: Ilustração da história 1 (p.4 e5)
Figura 20: Ilustração da história 1 (p.6 e 7)
91
Em As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), as meninas estavam fazen
do desenhos na parede (figura 21). Quando questionadas pela Bruxa Onilda se sua mãe sabia
o que elas estavam aprontando, as meninas disseram que queriam fazer uma surpresa, já que,
no outro dia, a mãe tinha dito ao pai das meninas que a sala precisava de uma pintura. A Bru
xa Onilda riu e disselhes que elas estavam cheias das boas intenções, mas sugeriulhes uma
pausa e as menininhas ficaram entusiasmadíssimas, perguntando: “ Para onde é que nós va
mos?” (p.5). E as meninas foram transportadas para a história da Chapeuzinho Vermelho. No
início, pareciam com medo de ficarem ali sozinhas no meio da floresta (figura 22), mas de
pois, as meninas se viraram bem sozinhas. Ambas as ilustrações mostram dois planos: de um
lado as meninas, suas ações e cenário em plano geral, de outro a Bruxa Onilda em close (o
que importa é a sua presença, interferindo na trajetória das meninas).
Figura 21: Ilustração da história 2 (p.4 e 5)
92
Figura 22: Ilustração da história 2 (p.6 e 7)
Em As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), as meninas estavam brincando de constru
ir um magnífico castelo na casa da avó (figura 23), quando ela aparece e resolve mandar as
meninas, num passe de mágica, para uma nova aventura em uma história conhecida. No iní
cio, estas ficaram assustadas (figura 24), mas, depois, divertiramse muito. Novamente, as
ilustrações mostram dois planos: de um lado as meninas, suas ações e cenário em plano geral,
de outro a Bruxa Onilda em close (outra vez, interferindo na trajetória das meninas).
93
Figura 23: Ilustração da história 3 (p.2 e 3)
Figura 24: Ilustração da história 3 (p.4 e 5)
94
Em As Tr igêmeas e J oão e Mar ia (história 4), as meninas estavam preparando um
bolo de chocolate. A bagunça na cozinha revela a esperteza e dinamismo das trigêmeas (figu
ra 25). Podese entender, também, que as trigêmeas possuem bastante “liberdade” ou poucos
limites em termos educativos, já que representam crianças a que tudo é permitido. Esta ilus
tração mostra várias ações sendo executadas pelas meninas. Faria (2005, p.45) diz que “há
vários exemplos dessa técnica básica na economia e expressividade das imagens em ilustra
ções de página dupla”. A ilustração dá uma visão geral da cozinha e do movimento das irmãs:
louça suja na pia; mantimentos espalhados pelo chão; fogão sujo e sendo utilizado por uma
das meninas; pote de mantimentos sem tampa e alimento nele contido sendo esparramado,
caixa de leite aberta, xícara usada e outros utensílios sobre o balcão; concha sobre um pano no
balcão ao lado do fogão; geladeira sendo aberta por uma das meninas – dando idéia de busca
por algo. Nesta cena, não aparece a Bruxa Onilda; vêse um único plano. De repente, aparece
a Bruxa Onilda e dizlhes: “ Meninas, pelo que vejo vocês estão bem animadas. Já que gos
tam tanto de chocolate, vou mandálas para um lugar... E vocês vão enjoar de tanto comer...
Rá! Rá Rá!” (p.5) (figura 26). Nesta cena, volta a estrutura anterior de dois planos, usada no
início das aventuras, para marcar a interferência da bruxa na vida das sobrinhas.
Figura 25: Ilustração da história 4 (p. 2 e 3)
95
Figura 26: Ilustração da história 4 (p. 4 e 5)
Ao entrarem nas histórias, as crianças não ficam paradas, indo em busca de seus famo
sos personagens.
Na história 1, As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões, quando abriram os
olhos, as meninas, muito espertas e inteligentes, reconheceram aquele ambiente – viram que
estavam na casinha dos sete anões (figura 27). A ilustração é feita em plano geral, ao mesmo
tempo em que destaca a presença das trigêmeas naquele ambiente; na verdade, parece uma
sobreposição de imagens: as meninas em plano médio (frontal) sobre o plano geral, que repre
senta a casinha dos sete anões. E aparece aí um elemento da nossa contemporaneidade que é a
fama e o desejo de pedir autógrafos, como aparece no diálogo:
Figura 27: Ilustração da história 1 (p.8 e 9)
Porém, aconteceu que a Bruxa Onilda disfarçouse de Branca de Neve e transformou
alguns animaizinhos da floresta em anõezinhos (figura 28). Em seguida, foi ao encontro das
trigêmeas (figura 29) que não a reconheceram (num misto de inteligência e ingenuidade, su
postamente próprio da infância). As irmãs correram e disseram:
Branca de Neve, viemos avisála para não comer a maçã que uma velha feia vai lhe oferecer, porque está en
venenada! (p.13)
E a falsa Branca de Neve, respondeulhes:
Ah, isso foi há muitos e muitos anos. Agora estou aqui de férias com meus amigos, os anões. Mas, para agra
decer a preocupação de vocês, peguem esta maçã, tão linda. Vejam como está docinha! (p. 14).
97
Figura 28: Ilustração da história 1 (p.10 e 11)
Figura 29: Ilustração da história 1 (p.12 e 13)
98
Figura 30: Ilustração da história 1 (p.14)
Helena, a mais gulosa, pegou a fruta (figura 30), deu uma mordida e desmaiou. A
Bruxa Onilda desapareceu (figura 31). As irmãs ficaram tristes e chorosas, preocupadas com a
irmã desfalecida (figura 32). Pensaram em procurar ajuda, pois não se sentiram capazes de
sozinhas ajudarem a irmã. Foi aí que apareceu a verdadeira Branca de Neve que as ajudou
(figura 33). Teresa, ainda por cima, insistiu para que um dos príncipes, filhos da Branca de
Neve, beijasse Helena para desfazer o encanto, pensando a menina que assim, como na histó
ria tradicional, a irmã acordaria. Um dos príncipes acabou cedendo aos pedidos e beijou He
lena (figura 34). Ela acordou e ficou encantada com o que lhe aconteceu – o beijo do príncipe
(figura 35) –, mostrando um deslumbramento típico da personagem da história original!
99
Figura 33: ilustração da história 1 (p.26 e 27) Figura 34: ilustração da história 1 (p.28)
Figura 35: Ilustração da história 1 (p.29)
100
Na história 2, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho, no instante em que as meni
nas perceberam que já estavam dentro da história, foram correndo até a casa que viram, per
cebendo a semelhança entre esta e as casas das ilustrações do famoso conto (figura 36). Entra
ram na casa, onde havia três capinhas vermelhas, e cada uma das meninas já foi pegando e
vestindo o seu capuz vermelho (figura 37). Em seguida, resolveram sair pelo bosque para ver
se encontravam o tal Lobo e confirmar se era tão mau como contavam. Muitas vezes, as me
ninas se mostram decididas e corajosas.
Figura 36: Ilustração da história 2 (p.8 e 9)
101
Figura 37: Ilustração da história 2 (p.10 e 11)
Na casa da vovozinha, tinha televisão, que se constitui um importante e destacado ar
tefato da modernidade!
Depois, enquanto Bruxa Onilda disfarçavase de vovozinha em cima da cama, Ana
conversava com a vovó, e Tereza e Helena colocavam explosivos embaixo da cama onde a
velha senhora estava (figura 38). Quando Bruxa Onilda avançou para devorar Ana, deu um
estrondo: no quarto inteiro estouraram as bombinhas. As trigêmeas riram e se divertiram mui
to com esta traquinagem – coisa de criança (figura 39)!
102
Figura 38: Ilustração da história 2 (p.26 e 27)
Figura 39: Ilustração da história 2 (p.28 e 29)
103
Figura 40: Ilustração da história 3 (p.6 e 7)
Nas cenas seguintes, enquanto Cinderela mostravase sempre triste e chorosa, já que
fora impedida de ir ao baile e sofria as caçoadas das irmãs, também se mostrava submissa a
elas; as trigêmeas observavam tudo e não ficaram indiferentes ao fato (figuras 41 e 42).
104
Figura 41: Ilustração da história 3 (p.8 e 9)
Figura 42: Ilustração da história 3 (p.10 e 11)
105
As meninas espertas sabiam que a Fada Madrinha iria aparecer dali a pouco e resolve
ram interferir na história, fazendo umas pequenas alterações... deram sugestões a Fada Madri
nha de como ajudar Cinderela. Depois, foram elas que acharam um vestido para a Cinderela ir
ao baile e ajudaramna a se vestir. As meninas também se arrumaram, porque queriam ir ao
baile (figuras 43 e 44).
Figura 43: Ilustração da história 3 (p.14) Figura 44: Ilustração da história 3 (p.15)
Elas aparecem em várias cenas atuando junto à Cinderela (figura 45) ou fazendo coi
sas para ajudála, como é o caso da cena em que resolveram impedir que tocasse meianoite e
o encanto terminasse. Para isso, subiram até a torre do relógio e atrasaram os ponteiros (figura
46). Mais uma evidência do dinamismo, autonomia e esperteza das garotas.
106
Figura 45: Ilustração da história 3 (p.20 e 21)
Figura 46: Ilustração da história 3 (p.22)
107
Figura 47: Ilustração da história 4 (p.6 e 7)
108
Figura 48: Ilustração da história 4 (p.8 e 9)
João e Maria não deram importância para as trigêmeas, desconfiando que elas queriam
era comer os doces também. Decidida, Ana propôs que entrassem na casa pelas janelas, já que
as portas estavam trancadas (figura 49). Acabaram caindo numa armadilha (figuras 50 e 51) e
sendo presas em uma gaiola (figura 52). João e Maria ficam indiferentes a elas e não fizeram
nada para ajudálas. Em seguida, as três irmãs comeram as barras de caramelo da prisão e
chamaram João e Maria, que haviam dormido profundamente depois de terem comido bastan
te, para fugirem das bruxas (figura 53). Enquanto estas planejam lá fora a construção de uma
garagem para as vassouras voadoras (figura 54), as crianças, ao começarem a fugir pela jane
la, ouvem um barulho (figura 55). João e Maria presumem ser seu pai procurando por eles.
Então, Helena deu a idéia de desmontarem a casa e pôr a estrutura da casa, que era toda feita
de doces, na carroça do pai dos irmãos (figura 56).
109
Figura 49: Ilustração da história 4 (p.10 e 11) Figura 50: Ilustração da história 4 (p.12 e 13)
Figura 51: Ilustração da história 4 (p.14 e 15) Figura 52: Ilustração da história 4 (p.16 e 17)
Figura 55: Ilustração da história 4 (p.23) Figura 56: Ilustração da história 4 (p.24 e 25)
Nesta história, também, as crianças estão sempre presentes mostrandose ativas, dinâ
micas, corajosas, criativas.
Nos finais das histórias analisadas, as trigêmeas estão sempre alegres e felizes, com as
aventuras realizadas e as amizades feitas. Ficam até saudosas dos personagens e experiências
vividas através dos contos conhecidos de perto:
Lembram com carinho da Branca de Neve, dos príncipes trigêmeos e dos sete anões
(figura 57), em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1):
Figura 57: Ilustração da história 1 (p.30 e 31)
111
Sabem que vão sentir falta das aventuras vividas com a Cinderela (figura 58), em As
Trigêmeas e Cinderela (história 3):
Figura 58: Ilustração da história 3 (p.30 e 31)
Lembram com saudade das aventuras vividas (figura59), em As Trigêmeas e J oão e
Mar ia (história 4):
112
Figura 59: Ilustração da história 4 (p.30 e 31)
As múltiplas infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que
brincam, ficam tristes, mostramse sonhadoras, são ciumentas, lidam com a morte, freqüen
tam a escola, enfim, representam os modos de ser e viver na contemporaneidade.
Na história O príncipe sem sonhos (história 9), o protagonista, o príncipe Thiago, a
dorava jogar futebol com a galera (figura 60) e jogar bolas de gude. Ele tinha muitos brinque
dos e brincava bastante, ainda não estava no tempo de pensar em trocar os amigos para “ficar”
com uma princesa, para namorar.
113
Figura 60: Ilustração da história 6 (s.p.)
Postman (1999), falando sobre a “criança em extinção”, sobre aquela idéia que se fez
da infância e sua realidade atual, afirma que as brincadeiras têm sido pouco estimuladas na
infância. Segundo ele expõe (p. 145):
O que temos aqui é o surgimento da idéia de que não se deve brincar só por brincar,
mas brincar com algum propósito externo, como renome, dinheiro, condicionamento
físico, ascensão social, orgulho nacional. Para adultos, brincar é coisa séria. À medi
da que a infância desaparece, desaparece também a concepção infantil de brincar.
Figura 61: Ilustração da história 6 (s.p.)
Seus pais, o rei e a rainha, ficavam preocupados com a tristeza do filho e queriam vê
lo feliz. Thiago ficava triste e preocupado pelo fato de não ter sonhos, pois todos os seus ami
gos tinham.
Foi o sábio avô do menino quem lhe disse:
Depois, o avô concluiu:
Sobre essa hiperrealidade da vida do personagem Thiago, Steinberg e Kincheloe
(2001, p.48) argumentam: “O advento da hiperrealidade eletrônica revolucionou os meios em
que o conhecimento é produzido nessa cultura e os caminhos pelos quais as crianças vêm a
115
aprender sobre o mundo. Pais e educadores precisam apreciar a natureza desta revolução e seu
papel na formação da identidade”.
Na história A bailar ina encantada (história 5), Pretinha tinha um sonho de ser baila
rina, e isso começou desde o dia em que a mãe lhe deu de presente uma caixinha de música
com uma bela bailarina que dançava suavemente ao som de uma singela melodia, que ela ga
nhara do pai da menina quando ficaram noivos. A cena desse dia mostra de um lado a caixi
nha de música e, de outro, Pretinha, sua mãe e seu pai com os olhos voltados para a caixinha,
todos encantados e admirando a bailarina (figura 62):
Figura 62: Ilustração da história 5 (p. 6 e 7)
Mas, lá no fundo do seu coração, Pretinha sabia que, por ser pobre, dificilmente seu sonho se tornaria realidade.
(p.9)
Certa vez, quando Pretinha estava admirando as estrelas, com saudade do pai que fale
cera e pensando na tristeza da vida que ela e a mãe estavam levando, uma delas começou a
cair do céu e foi descendo até cair no lago, dizendolhe que não se preocupasse que seu pai
estava bem. Em seguida, a menina viu um clarão, uma estrela apontoulhe na direção de uma
porta que se abriu e convidoua a entrar em um mundo mágico, onde seu sonho se realizaria
(figura 63):
116
Figura 63: Ilustração da história 5 (p.16 e 17)
Pretinha entrou em um palco iluminado, vestida de bailarina e começou a bailar, junto
a outros personagens do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (A Sereiazinha, O
Soldadinho de Chumbo, o Patinho Feio, entre outros). Na parte lateral inferior das páginas,
pessoas que formam a platéia, a aplaudem. Entre os rostos anônimos (só se vê sombras), um
se destaca – o de seu pai (figura 64):
117
Figura 64: Ilustração da história 5 (p.18 e 19)
Teria a menina pobre conseguido realizar o seu sonho? As imagens colaboram, através
de seus efeitos, para o/a leitor/a perceber que a ficção entra no cenário do sonho.
Na história O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava
Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), a fantasia das crianças está sempre presente;
elas acreditam que vão encontrar a famosa casinha de doces, como mostram as falas a seguir:
João, se a gente não achar a tal casa? O que é que vamos comer?
Claro que vamos achar, Maria, não seja boba.
João, acho melhor a gente perguntar pra alguém onde fica essa casa, já tô cansada de procurar.
Que é isso, Maria? Vão achar que a gente é maluco.
Por quê?
Maria, as pessoas não acreditam que essa casa existe, elas pensam que só existe na história.
E será que existe mesmo, João?
Claro que existe, poxa! Você não acredita em mim?
Acredito, mas você nunca viu essa casa. Como é que sabe que ela existe?
Porque não é só o que a gente vê que existe, não. Tem um monte de coisas que ninguém vê e que podem exis
tir.
Por exemplo?
Onde o mundo acaba, por exemplo. Nunca ninguém foi lá, mas todo mundo sabe que existe. (s.p.)
118
João, sabe com que que eu sonhei? Sonhei que a gente achava a casa feita de doces e dentro dela morava um
príncipe encantado. Ele era tão lindo! Acho que ele ia até querer casar comigo...
Maria, príncipes só se casam com princesas.
Mas no sonho da gente tudo pode acontecer. Outro dia eu sonhei que a mãe me dava um monte de beijos e me
botava pra dormir... sonhei também que lá em casa tinha um monte de comida – só coisa gostosa: tinha bolo,
Nescau, maçã e um monte de bife. (s.p.)
Figura 65: Ilustração da história 6 (s.p.)
O sonho de Maria remetenos à era dos cavaleiros medievais (figura 65).
João cria, em sua imaginação, o mundo que quer. Em outra parte da história, em que
Maria diz ter medo de lobo e bruxa, ele diz que ela é boba em acreditar em bruxas, pois elas
não existem. E adverte a irmã de que a casa na floresta não oferece perigo; a casa mágica não
119
tem dono, mas é de todas as crianças que lá conseguem chegar. Esta é a realidade, construída
por João, da casa de doces na floresta! Ele imagina:
No fim da história, João e Maria são recompensados com a descoberta da casinha má
gica de doces, onde resolvem ficar (figuras 66 e 67). As duas ilustrações são extremamente
coloridas, sendo que na primeira são usadas cores mais fortes e, na segunda, cores em tons
mais fracos, como o amarelo e o rosa.
Figura 66: Ilustração da história 6 (s.p.)
120
Figura 67: Ilustração da história 6 (s.p.)
O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria fecharam os olhos ao mesmo tempo
e começaram a desejar... desejaram com tanta força que, de repente, foram diminuindo, diminuindo, diminuin
do... até que ficaram invisíveis. Desapareceram! Junto com eles, desapareceu também a casa feita de doces.
Dizem por aí que eles foram morar no livro e viveram felizes para sempre. (s.p)
Teresa e Ana estavam tão preocupadas com Helena que nem ligaram para a cara amarrada dos três príncipes: é
que eles tinham ficado com ciúmes, vendo que não eram os únicos trigêmeos do país. Depois, os anões não
ficavam atrás: eles não gostavam nada de ver sua casa invadida por estranhos. Além do mais, o sucesso subira à
cabeça deles desde que o rei, agradecido pelos cuidados que tiveram com Branca de Neve, afastara todos da
mina e os fizera ministros do reino para sempre. (p.24)
Outra vez, vemos aí elementos da vida atual, que dão a este “novo conto de fadas”
uma referência à sociedade contemporânea: individualista, ansiosa por poder e fama.
121
Figura 68: Ilustração da história 1 (p.20 e 21) Figura 69: Ilustração da história 1 (p.22 e 23)
Figura 70: Ilustração da história 1 (p.24 e 25)
A morte infantil aparece nas histórias cujas crianças têm uma vida sofrida.
Na história A bailar ina encantada (história 5), em suas páginas finais, é explicado o
que acontecera com o sonho de Pretinha: aquele era um mundo de imaginação, onde a fanta
sia misturouse com a realidade. Na verdade, Pretinha correu em direção ao lago e afogouse.
Quando a mãe chegou e viu a filha naquelas condições, gritou por socorro e um fazendeiro
apareceu e tentou socorrer a menina, mas já era tarde demais, Pretinha – a bailarina encantada
– já tinha morrido! Por outro lado, foi a morte da menina que trouxe uma vida melhor para a
mãe da menina, pois, a partir daquele dia, o fazendeiro passou a visitála, já que havia se a
paixonado por ela e os dois passaram a viver juntos.
122
Figura 71: Ilustração da história 5 (p.20)
Nesta ilustração (figura 71), é usado o recurso de enquadramento de planos da janela e
a perspectiva da rua. Faria (2005, p.47) comenta: “Alguns ilustradores utilizam janelas para
enriquecer a cena com dois ambientes (um deles enquadrado por janelas), pelos quais infor
mações diversas são transmitidas ao leitor”.
É interessante a ilustração em perspectiva, que mostra em primeiro plano a caixinha de
música sobre a mesa e, pela janela, vêse a mãe e o fazendeiro olhando para o lago. O braço
do fazendeiro sobre o ombro da mãe de Pretinha dá a idéia de conforto.
A história termina com o encantamento próprio das histórias de Andersen. A ilustra
ção final (figura 72) mostra a imagem da bailarina negra dançando sobre as águas do lago.
São usadas as cores azul, branco e tons próximos do preto para o desenho das águas, da noite
e da luz; abaixo o texto:
Contam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de bailarina, dançando sobre
as água do lago. (p.23)
123
Figura 72: Ilustração da história 5 (p.23)
Na história O menino que não se chamava J oão e a menina que não se chamava
Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), João e Maria, após terem saído do posto de
saúde com a irmãzinha doente, em estado grave, e sem a medicação gratuita que a menininha
precisava tomar com urgência, foram aconselhados pela médica a procurarem os remédios em
outro posto, já que naquele eles estavam em falta. João pensou em correrem em direção à casa
de doces, pois por ela ser mágica, iria curar Nininha. Mas foi tarde demais, no caminho, no
meio da floresta, Nininha morreu. Sem perceberem a dimensão da morte, os irmãos pediram
muito para a irmã viver, correram em direção à casa de doces e, cansados, deitaramse para
dormir, porque já era muito tarde, e tinham esperança de que, no outro dia, ao chegarem na tal
casa encantada, a irmãzinha vivesse outra vez (figura 73). Pela manhã, Maria acordou João
dizendo que tinha tido um sonho: uma fada tinha aparecido e pegado Nininha no colo e ela
teria vivido de novo. Então a fada disse que eles tinham que deixar Nininha na beira do riacho
em cima da pedra mais bonita, porque assim ela viraria uma estrela (figura 74). E assim foi
feito, pois a fada havia explicado que não adiantaria mais levarem Nininha para casa, pois ela
124
não iria voltar a viver, mas fazendo o que ela dissera, Nininha viraria uma estrela. Maria cho
rou muito, mas fez o que a fada do sonho pediu; João ficou triste e percebeu que sentiria falta
da irmã, diferente de outro irmão que já havia falecido, porque ele não foi tão presente na sua
vida como ela. O consolo dos irmãos foi pensar que, quando batesse a saudade, eles olhariam
para o céu.
Figura 73: Ilustração da história 6 (s.p.)
125
Figura 74: Ilustração da história 6 (s.p.)
Elias (apud POSTMAN, 1999, p.63) diz que:
Entre as 7 (sete) histórias analisadas, em apenas uma delas aparece uma cena de uma
aula. Tratase da história 1, As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões, em que as
trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – estão estudando. A história começa relatando que um dia
a professora das meninas contou uma história maravilhosa – a história da Branca de Neve e os
sete anões. E, ao voltarem para casa, as meninas resolveram encenar tal história.
A cena mostra uma sala de aula (figura 75), cujas classes aparentemente são usadas
por dois alunos em cada uma e estão enfileiradas (3 fileiras com 3 classes em cada). Nelas há
objetos próprios para a escrita (como lápis, caneta, caderno, etc.). Algumas mochilas encon
tramse no chão. Aparecem alguns cartazes na parede lateral e uma lixeira. Como a professora
está de frente para a turma, a perspectiva da cena é como se este ambiente fosse retratado a
partir do lugar, onde fica, supostamente, o quadrogiz.
126
As 18 (dezoito) crianças estão todas quietas, nenhuma está conversando. São 9 (nove)
meninas e 9 (nove) meninos, sentados em par. Alguns parecem atentos, outros cansados, ou
tros entediados, uns maravilhados, interessados, alguns pensativos e um comendo lanche.
A professora lê a história com o livro na mão e gesticula.
Esta cena representa um momento de escuta, de contação de história, por isso não há
movimento dos alunos, participação mais ativa. O arranjo da sala de aula também nos dá a
idéia de um ensino mais tradicional. Mas as expressões das crianças dão a idéia de que estas
vêem a escola e as aulas de formas diferentes.
Figura 75: Ilustração da história 1 (p.2 e 3)
As trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – das histórias 1, 2, 3 e 4: As Tr igêmeas e
Branca de Neve e os Sete Anões, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Ver melho, As Tr igêmeas
e Cinder ela e As Trigêmeas e J oão e Mar ia, aparecem nas histórias sob a responsabilidade
da tia – a Bruxa Onilda. E a presença de elementos da contemporaneidade aparece nestas his
tórias.
Na história As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), aparece uma ima
gem de um ambiente de uma casa onde está Bruxa Onilda. Nesta cena (figura 76), Bruxa O
nilda está sentada em um sofá, assistindo a um programa de televisão, com o controle remoto
127
da TV e há uma antena em cima do aparelho televisor. Ao lado deste aparelho, tem outro,
provavelmente para reprodução de vídeos. Próximo destes equipamentos eletrônicos, existe
um móvel com uma vitrola, suas duas caixas de som e vários exemplares de LPs. A Bruxa
Onilda está acompanhada da coruja, sendo que esta está ouvindo walkmann . Neste ambiente,
ainda existe uma lâmpada e várias tomadas de energia elétrica, onde os aparelhos elétricos
estão ligados. A própria existência da energia elétrica e destes aparelhos eletrônicos é uma
característica da renovação destes contos, já que estes não existiam no período medieval,
quando estas histórias surgiram. Tais elementos não apareciam no texto e/ou ilustrações dos
contos de fadas clássicos.
Figura 76: Ilustração da história 2 (p.2 e 3)
Na casa da Chapeuzinho Vermelho, também aparece a televisão (ver figura 37).
Na história As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), quando a fada Madrinha aparece
para ajudar Cinderela ir ao baile, as trigêmeas pediramlhe que desse a Cinderela alguns ele
trodomésticos e uma motocicleta, no lugar dos vestidos e da carruagem (figura 77). Foram
elas que, depois, arrumaram um vestido para a Cinderela e ensinaramlhe a manejar e a con
duzir a motocicleta. As trigêmeas acompanham Cinderela ao baile e vão de carona no veículo
– para espanto dos moradores do lugar (figura 78)!
128
Figura 77: Ilustração da história 3 (p 12 e 13)
Figura 78: Ilustração da história 3 (p.16 e 17)
Quando chegam ao palácio, lá havia uma bilheteria (figura 79): “Todos os convidados
deviam passar pela bilheteria, porque o rei daquele país andava mal das finanças e resolveu
129
cobrar a entrada do baile” (p.19). Qualquer semelhança com situações cotidianas com as quais
nos deparamos ou que circulam pela mídia não é mera coincidência! Pessoas vestindo roupas
de uma época antiga vivem uma situação contemporânea – e é isso que dá humor ao texto: o
inusitado! É a mistura de tons: do nobre ao trivial.
Figura 79: Ilustração da história 3 (p.18 e 19)
Quando as trigêmeas são seqüestradas pelas irmãs de criação de Cinderela, esta e seu
príncipe vão resgatálas, correndo em sua motocicleta (figura 80). No texto aparece: “Ainda
bem que Cinderela adorava corridas automobilísticas e assim alcançouas sem nenhum esfor
ço numa curva do caminho” (p.29). Eis aí mais um elemento moderno – as corridas de auto
móveis.
130
Fig. 80: Ilustração da história 3 (p.28 e 29)
Nas histórias 1 e 2, As Tr igêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões e As Tr igê
meas e Chapeuzinho Vermelho, por diversas vezes, se faz alusão à idéia de autógrafos, fa
ma, sucesso, como já foi referido anteriormente.
Todas estas crianças representadas nas 7 (sete) histórias analisadas compõem algumas
das múltiplas infâncias com as quais convivemos nos nossos dias. Steinberg e Kincheloe
(2001, p.13) afirmam: “A mudança na realidade econômica, associada ao acesso das crianças
a informações sobre o mundo adulto, transformou drasticamente a infância. Estes autores des
crevem como são as crianças pósmodernas, aquelas que “não estão acostumadas a pensar e
agir como criancinhas que precisam da permissão do adulto para tal” (p.34). É claro que dife
rentes grupos de crianças vão reagir de formas distintas à cultura infantil e seu acesso à cultu
ra popular. Entretanto, a realidade que fica é de que os adultos perderam de certa forma a au
toridade sobre as crianças, porque estas já têm acesso às informações e segredos do mundo
adulto.
131
5.1 Estudos de Gênero e Sexualidade: o que são? (a história de sua
trajetória)
O s Estudos de Gênero e Sexualidade são um campo de pesquisa bastan
te atual. Eles compuseramse como campo de estudos feministas no
século XX. O movimento destas lutas e da constituição deste campo
de pesquisa pode ser narrado, fazendose referência a uma primeira e segunda ondas do mo
vimento feminista. A primeira onda unese em torno do movimento sufragista, através do qual
se buscou estender o direito de votar às mulheres. Este movimento, aqui no Brasil, iniciou
com a Proclamação da República, em 1890, e acabou quando o direito ao voto foi estendido
às mulheres, na Constituição Brasileira de 1934 (MEYER, 2003).
Junto à luta pelo direito ao voto se agregaram outras reivindicações das mulheres: o di
reito à educação, a condições dignas de trabalho, ao exercício da docência. Meyer (2003,
p.12) ressalta que “a história, em geral, se refere a um movimento feminista no singular, mas
que já é possível visualizar, desde ali, uma multiplicidade de vertentes políticas que fazem do
feminismo um movimento heterogêneo e plural”. Naquele momento histórico, podemos refe
rir que surgiu um feminismo liberal ou burguês, preocupado e na luta pelo direito ao voto e
pelo acesso ao ensino superior; referir que surgiu um feminismo que se aliou aos movimentos
socialistas que lutavam pela formação de sindicatos e por melhores condições de trabalho e
salário; e fazer referência, também, a um feminismo anarquista que articulou o direito à edu
cação a questões como o direito de decidir sobre o próprio corpo e sua sexualidade. “O mo
vimento é, pois, desde essas origens, multifacetado: de muitos e diferentes grupos de mulhe
res e de muitas e diferentes necessidades...” (MEYER, 2003, p.12).
A segunda onda do movimento feminista aconteceu nos anos 60 e 70 do século XX,
nos países ocidentais, em um contexto de intensos debates e questionamentos, os quais foram
desencadeados pelos movimentos de contestação europeus, que tiveram seu ápice na França,
com as manifestações de maio de 1968. Aqui no Brasil, esta segunda onda está associada aos
movimentos de oposição aos governos da ditadura militar e, depois, aos movimentos de re
132
democratização da sociedade brasileira, no início da década de 80. Fundamentalmente, a se
gunda onda deste movimento das mulheres, como explica Meyer (2003, p.12):
O objetivo dessa luta era qualificar as possíveis formas de intervenção com as quais se
pretendia modificar tais condições. É claro que esta situação vinha sendo confrontada pelas
mulheres há centenas de anos. A trajetória feminina (das mulheres camponesas e de classes
trabalhadoras, das que desempenhavam tarefas domésticas, daquelas que trabalhavam nas
fábricas e daquelas que começaram ocupar certos espaços permitidos, como escolas e hospi
tais), suas ocupações, os modos como foi se organizando o “trabalho de mulher”, nas diferen
tes sociedades e países, foram objetos de investigação dos primeiros estudos deste campo de
pesquisa, cujo mérito foi destacar e discutir temas sobre as mulheres.
Essa trajetória do feminismo foi, e ainda é, permeada por confronto e resistências com
aqueles e aquelas que ainda se utilizam de justificativas biológicas ou teológicas para marcar
as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres; e com aqueles que se utilizam de
perspectivas marxistas para defender a centralidade da classe social para a compreensão das
diferenças e desigualdades sociais.
Basicamente, seja no senso comum, ou legitimada pelo discurso científico ou por dife
rentes matrizes religiosas, nos contextos mais conservadores, a biologia e a idéia do sexo ana
tômico foram, e ainda perduram sendo, constantemente, acionadas para explicar e justificar
essas posições. Estes e outros focos de observação e análise não permitem ver a subordinação
feminina implicada nas relações de poder que permeavam (e ainda lá perseveram) a vida pri
vada e as relações afetivas e, ademais, a configuração da maternidade e do cuidado de crian
ças como sendo o “destino natural da mulher” (MEYER, 2003).
Foi nesse contexto que as feministas tiveram o desafio de mostrar uma nova visão às
diferenças e desigualdades de gênero, desprezando a justificativa das características anatômi
133
cas e fisiológicas, em sentido estrito, ou as desvantagens sócioeconômicas por si só. De a
cordo com Meyer (2003, p.14):
O que algumas delas passariam a argumentar, a partir daqui, é que são os modos pe
los quais características femininas e masculinas são representadas como mais ou
menos valorizadas, as formas pelas quais se reconhece e se distingue feminino de
masculino, aquilo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que
vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade,
em uma dada cultura, em um determinado momento histórico.
A partir de então, um grupo de estudiosas anglosaxãs começou a utilizar o termo gen
der , traduzido para o português como gênero, no início da década de 70. Tal conceito preten
dia romper a equação na qual a colagem de um determinado gênero a um sexo anatômico re
sultava em diferenças inatas e essenciais, mas, ao contrário, defendia que diferenças e desi
gualdades entre mulheres e homens eram social e culturalmente construídas – e não biologi
camente determinadas. Em suma, gênero é entendido como a construção social e cultural do
sexo; referese a comportamentos, atitudes e traços de personalidade que a cultura inscreve
sobre o corpo sexuado.
Na perspectiva dos estudos de gênero, uma referência importante é o texto de Scott
(1990), já traduzido para o português: Gênero: uma categoria útil de análise histórica . Neste
texto, Scott (1995, p.86) apresenta duas proposições sobre gênero: “(1) o gênero é um ele
mento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2)
o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”.
Em seguida, o conceito de gênero foi ressignificado e complexificado, especialmente
por feministas pósestruturalistas, que, desde essa perspectiva teórica, vêm problematizando
as noções de corpo, de sexo e de sexualidade, introduzindo, assim, importantes mudanças
epistemológicas no campo dos estudos feministas.
As abordagens feministas pósestruturalistas (que enfocam a centralidade da lingua
gem, e que tem suas bases teóricas em Michel Foucault e Jaques Derrida) se afastam das ver
tentes teóricas que tratam o corpo como uma entidade biológica universal (mostrada como
origem das diferenças entre homens e mulheres, ou como superfície sobre a qual a cultura
produz desigualdades) para teorizálo como um constructo sociocultural e lingüístico, produto
e feito das relações de poder. Por isso o conceito de gênero aproximase de abordagens muito
mais amplas, que consideram as próprias instituições, os símbolos, as normas, os conhecimen
tos, as leis e políticas de uma sociedade como constituídas e atravessadas por representações e
pressupostos de feminino e de masculino, sendo que elas produzem e/ou ressignificam essas
representações (MEYER, 2003).
134
Algumas idéias relevantes que estão relacionadas a este conceito, significando modos
de compreensão de gênero são (MEYER, 2003): 1) ao longo de nossas vidas, através das mais
diversas instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres, num pro
cesso que não é linear, progressivo, único ou harmônico e que também nunca está acabado ou
completo, mas em constante construção; 2) como nascemos e vivemos em tempos, lugares e
circunstâncias específicos, isso nos remete à idéia de que não existe uma única, exclusiva e
mais verdadeira, mas sim muitas e conflitantes formas de definir e viver a feminilidade e a
masculinidade. Desta forma, são produzidos sentidos múltiplos e nem sempre convergentes
de masculinidade e feminilidade; 3) a mudança de conceito sinaliza não apenas para as mu
lheres e nem toma exclusivamente suas condições de vida como objeto de análise. Em vez
disso, traz implícita a idéia de que as análises e as intervenções devem levar em consideração
as relações de poder e as muitas formas sociais e culturais que constituem homens e mulheres
como “sujeitos de gênero”; 4) afastase este conceito de uma idéia reduzida de papéis/funções
de mulher e de homem, aproximandoo de um abordagem ampla e ressignificada, como já foi
dito antes. Desse modo, “considerase a necessidade de examinar os diferentes modos pelos
quais o gênero opera estruturando o próprio social que torna estes papéis, funções e processos
possíveis e necessários” (MEYER, 2003, p.18).
Inspirada em Louro, compreendo que:
[...] as identidades de gênero seriam as formas pelas quais os sujeitos se identificari
am histórica e socialmente como masculinos e femininos. As identidades sexuais,
por sua vez, seriam os muitos arranjos que os sujeitos fazem para viver seus desejos
e prazeres, também entendidos como social e historicamente construídos. Pensar o
gênero implica entendêlo enquanto um processo que não diferencia apenas homens
de mulheres, mas também homens de homens e mulheres de mulheres.
Dessa forma, estamos entendendo gênero como constituinte das identidades do su
jeito, da mesma forma que etnia, classe, raça entre outros marcadores sociais. Dife
rentes instituições e práticas sociais são constituídas por e constituintes dos gêneros.
Do mesmo modo, entendemos que as identidades são instáveis, móveis, plurais e até
contraditórias (VIDAL; NEULS; 2006a, 2006b).
entífica – é parcial e provisória e resulta de disputas travadas em diversos âmbitos do social e
da cultura e pode, por isso, ser questionada” (MEYER, 2003, p.11).
A partir desta perspectiva de pesquisa, análise e discussão, cabe a nós, educadoras e
educadores, olhar para os diferentes artefatos e instâncias culturais, que são pedagógicos tam
bém, problematizando as questões de gênero e sexualidade, desnaturalizando aspectos que
aprendemos a tomar como prontos e definidos. Olhar para os “novos contos de fadas” e ver o
que nos ensinam sobre ser mulher e ser homem é uma dessas possibilidades.
5.2 Estudos de gênero, escola e pósmodernidade
escola, desde seu surgimento como instituição de ensino, nos diferentes
Na escola pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públi
cos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade,
legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginali
zando outras. Muitas outras instâncias sociais como a mídia, a igreja, a justiça etc.
também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de su
jeitos, seja produzindo discursos dissonantes e contraditórios.
Não nascemos homens e mulheres, mas nos tornamos homens e mulheres. Desde mui
to cedo, vamos ocupando e/ou reconhecendo nossos lugares na sociedade e aprendemos isso
em diferentes instâncias do social, através de estratégias sutis, refinadas e naturalizadas que
são, muitas vezes, difíceis de reconhecermos. A estas diferentes estratégias e instâncias peda
gógicas, chamamos de pedagogias culturais. Estas se referem a forças e processos que inclu
136
em a família e a escola, mas que não se restringem a elas. Entre estas pedagogias culturais e
artefatos culturais, podemos citar: os meios de comunicação de massa, os brinquedos, os jo
gos eletrônicos, o cinema, o teatro, a música, a literatura infantil. Elas ensinam, entre muitas
outras coisas, diferentes e conflitantes formas de conceber e de viver o gênero e a sexualidade.
Como ensinanos Sabat (2001), precisamos estar atentos para o seguinte foco:
Sobre esta aprendizagem que inicia desde o momento em que nascemos, até o dia em
que morremos, processandose, como vimos, em diversas instituições sociais e artefatos cultu
rais, Meyer (2001, p.32) argumenta o seguinte: “Gênero reforça a necessidade de se pensar
que há muitas formas de sermos mulheres e homens, ao longo do tempo, ou no mesmo mo
mento histórico, nos diferentes grupos ou segmentos sociais”.
Sobre a forma como se dá a construção das identidades sexuais e de gênero, é relevan
te a questão proposta por Louro (2001b):
Não estamos preocupados com a questão do que causa a heterossexualidade ou a
homossexualidade nos indivíduos, mas, ao invés disso, com o problema de por que e
como nossa cultura privilegia uma e marginaliza – quando não discrimina – a outra.
Em relação ao campo de estudos das Relações de Gênero e Sexualidade e sua contri
buição para a promoção de um repensar na escola, a começar por nossas vivências pessoais,
bem como nossas práticas de pesquisa e pedagógicas, enquanto educadores e educadoras,
Andrade (2003, p.109) propõe:
Tal teorização permite perceber como os sujeitos são continuamente inseridos em
um reforçamento binário do que parece ser negativo ou positivo para meninos e me
ninas, para homens e mulheres nos espaços sociais em que se movimentam, isso
porque tais atributos estariam inscritos na “natureza” de cada gênero, inscritos no
corpo de cada um/a. Olhar a escola e os corpos de professoras e alunos/as, a partir
desta perspectiva, é a um só tempo desestabilizador de antigas crenças e motivador
de novos estudos na busca de outros caminhos para pensar, não só na minha prática
enquanto educadora, como também minhas vivências pessoais e acadêmicas.
Examinar como tal pedagogia cultural e escolar funciona, inclui o estudo dos artefatos
culturais que operam na fabricação de identidades de gênero, e a literatura infantil tem sido
um deles. Neste caso, escolhi os “novos contos de fadas” e proponhome a partir de agora a
analisar que modos de exercer a feminilidade e a masculinidade são apresentados na literatura
infantil.
137
5.3 Histórias de masculinidade e feminilidade contadas nos “novos contos
de fadas”
literatura infantil assumiu, desde seu início, um caráter educativo e mo
1. A pr incesa sabichona, de Babette Cole, 1998.
2. Pr íncipe Cinder elo, de Babette Cole, 2000.
3. Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida, de Walt Disney, Ilust. Disney Storybook
Artists, 2005.
4. Minha ver são da história: Malévola, de Walt Disney, Ilust. Disney Storybook Artists,
2005.
5. Minha versão da histór ia / contada por Br anca de Neve a Daphane Skinner; Ilust. Ateli
er Philippe Harchy, de Walt Disney, 2004.
6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz, de
Walt Disney, 2004.
7. Minha versão da histór ia / contada por Cinder ela a Daphane Skinner; Ilust. Atelier Phi
lippe Harchy, de Walt Disney, 2005.
8. Minha versão da histór ia / contada pela Madr asta a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz,
de Walt Disney, 2005.
9. A Bela Desador mecida, de Frances Minters, Ilust. G. Brian Karas, 1999.
27
Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência
podem ser encontrados em Anexo 3.
138
Argüello (2005), em sua dissertação de Mestrado, discute, com um grupo de crianças
(para verificar as representações de gênero que as mesmas traziam), um conjunto de histórias
que ela classifica de nãosexistas, isto é, histórias “escritas com a intenção de não produzir
mensagens sexistas ou binárias” (p.12). Entre estas histórias, Argüello (2005) escolheu contar
139
para as crianças A princesa sabichona (história 1) e Pr íncipe Cinder elo (história 2) 28 . A
autora concluiu que “as histórias infantis nãosexistas nos seus textos (e ilustrações) também
carregam representações, que poderão produzir seus efeitos sobre os sujeitos” (ARGÜELLO,
2005, p.46) (destaque meu).
Ambas as histórias (história 1 e história 2) são curtas, a diagramação do texto nas pá
ginas é feita de modo que em cada página haja poucas frases junto à ilustração. As imagens
são muito coloridas e atraentes. Sobre esse tipo de livro, quanto ao uso da ilustração, Faria
(2005, p.84) explica:
Como o texto é pequeno, a ilustração, por sua vez, cumpre a função sobretudo de
criar os espaços em que se passa a história, acrescentando muitos detalhes, outros
planos em simultaneidade, o gestual dos personagens, a expressão de suas fisiono
mias, ou seja, tudo aquilo que o texto não diz.
Em A pr incesa sabichona (história 1), o enredo da história relacionase ao fato de que
a princesa não queria casar, pois gostava de ser solteira. Argüello (2005) diz que esta história
“problematiza um dos elementos mais significativos em torno da feminilidade: ‘o casamen
to’” (p.153). Segue o texto (s.p.):
A Princesa Sabichona não queria se casar.
Gostava de ser solteira.
A Princesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela.
A Princesa Sabichona queria viver sossegada no castelo, com seus bichos de estimação, fazendo o que bem
entendesse.
Nas páginas iniciais, a Princesa Sabichona já é apresentada ao/à leitor/a como uma re
presentação da feminilidade diferente... A Princesa é loira, tem cabelos longos e aparece u
sando uma camiseta colorida e um macacão comprido de jeans. Sua roupa e suas atitudes
mostram um jeito despojado de ser, como mostram as seguintes figuras: na primeira imagem
do livro (figura 81) a Princesa está olhando TV, deitada de bruços no chão, comendo biscoitos
e com outros alimentos largados e espalhados pelo chão, e aparece cercada dos animais de
estimação; em seguida, aparece sentada no trono, com sapatilhas comuns (estilo para andar
em casa), pintando as unhas (figura 82). Esta ilustração junta em uma cena personagens em
planos diferentes. Os príncipes que queriam se casar com a Princesa aparecem de um lado da
ilustração juntos em plano americano e, do outro lado da ilustração, em destaque, inclusive
28
Cabe destacar que ARGÜELLO (2005) realizou um estudo de campo e de recepção, analisando os sentidos
que tais histórias traziam para crianças da Educação infantil. No caso da minha pesquisa, analiso os contos e suas
representações de masculinidade e feminilidade, ao examinar textos e ilustrações dos mesmos.
140
degraus acima de onde se encontram os príncipes, a Princesa Sabichona em close. Sua expres
são facial revela seu desinteresse por aquela bajulação/paparicação dos príncipescandidatos a
marido. A ilustração remetenos a inferir, ainda, que a Princesa até prefere pintar as unhas
(característica marcadamente feminina) a ter que namorar e casarse; em seguida, ela aparece
de botas, dando banho nos seus animais de estimação (figura 83). Nesta ilustração, em plano
geral, a Princesa é pequena perto dos seus grandões animais de estimação, o que nos permite
inferir que a Princesa representa uma mulher comum como todas as outras do reino, ou como
todas as outras mulheres de outros lugares que, independente da família em que nascem, do
status social que ocupam, trabalham, cumprem suas obrigações, lutam por seus sonhos e dese
jos.
Figura 81: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 82: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 83: Ilustração da história 1 (s.p.)
141
Tudo estava aparentemente tranqüilo, até a princesa ser pressionada pelo seu pai e por
sua mãe a casarse:
Está na hora de criar juízo – disse sua mãe, a Rainha. – Chega de só ficar às voltas com esses bichos! Trate de
arranjar um marido! (s.p.)
Embora a fala seja da mãe, a imagem mostra seus pais juntos, comungando, possivel
mente da mesma opinião, quanto ao destino da Princesa Sabichona (figura 84).
A história nos ensina que ter juízo é desejar unirse em matrimônio. Casar é o destino
“natural” das mulheres. Sendo assim, o texto permitenos interpretar que a família real achava
um absurdo sua filha única não querer se casar. A ilustração contrapõe de um lado a princesa
toda suja, já que fora interrompida de seu trabalho de limpeza/banho dos animais e, de outro
lado, o rei e a rainha num plano maior e mais alto, já que estão em um outro nível, em uma
espécie de tablado, também, dando a idéia de superioridade que têm como governantes, mas,
sobretudo, aqui no caso, como pai e mãe (figura 84).
Figura 84: Ilustração da história 1 (s.p.)
Coagida pela família a arrumar um pretendente, a Princesa Sabichona declarou:
142
Tudo bem! [...] – Quem passar pela prova que eu determinar, terá minha mão em casamento, como se costuma
dizer. (s.p).
A ilustração junto a este texto (figura 85) mostra a Princesa Sabichona em plano ame
ricano e em destaque, ocupando a metade da página. Do alto da sacada do castelo, ela observa
seus pretendentes a marido chegando. Na outra metade da ilustração aparecem vários homens
de diferentes estilos, raças, etnias... apresentandose. A ilustração nos permite inferir, pelo
tamanho destacado da princesa em relação aos pretendentes, que a decisão final, o poder de
escolha, é dela. Isto é, as escolhas e decisões quanto às uniões amorosas estão muito mais
relacionadas às suas necessidades e desejos de mulher.
Figura 85: Ilustração da história 1 (s.p.)
A partir daí, a Princesa Sabichona propõe a cada candidato a marido passar por provas
como: fazer as lesmas pararem de estragar seu jardim (figura 86); alimentar seus animais de
estimação (figura 87); participar de uma maratona de patinação (figura 88); andar de moto
pelo campo (figura 89); resgatála do alto da torre (figura 90); buscar lenha na floresta (figura
91); tentar domar seu potro (figura 92); levar sua mãe, a Rainha, para fazer compras (figura
93); tirar seu anel mágico do tanque de peixinhos (figura 94).
143
Figura 86: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 87: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 88: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 89: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 90: Ilustração da história 1 (s.p.)
144
Figura 91: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 92: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 93: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 94: Ilustração da história 1 (s.p.)
145
Através das ilustrações, podemos verificar que os candidatos a marido mostramse:
com medo e fugindo (figuras 86, 87, 91), exausto (figura 88), com medo e assustado (figuras
89, 94), sem forças para cumprir o desafio (figuras 90, 92, 93). A falta de destreza de um dos
candidatos é exagerada, quando na ilustração ele aparece caindo fora do plano (figura 92).
Nas ilustrações em que a Princesa aparece (figuras 88, 89, 90, 92, 94), esta mostrase ou ale
gre, ou sorridente, ou feliz, ou rindo, mas sempre satisfeita pelo fato de os candidatos não
estarem conseguindo cumprir o desafio. Tais homens não são corajosos, nem fortes, nem re
sistentes, nem competentes, e, ainda, mostramse medrosos, atributos que não são considera
dos desejáveis aos homens. Dessa forma, a história desloca tais atributos para a Princesa Sa
bichona.
Quando a Princesa Sabichona pensara ter ficado livre dos candidatos, já que ninguém
conseguiu cumprir a tarefa que lhe coube, aparece o Príncipe Fanfarrão que cumpre todos os
desafios que os outros não haviam conseguido. As ilustrações mostram sua coragem, ousadia,
mas, sobretudo, criatividade para encarar e cumprir os desafios. Entre suas estratégias para
executar as tarefas propostas pela princesa estavam: alimentar os seus grandões animais de
estimação, usando um helicóptero para distribuir os alimentos (figura 95); andar de moto com
a princesa de vendas nos olhos (figura 96); subir a torre para resgatar a princesa, utilizando
desentupidores (figura 97); hipnotizar o potro para domálo (figura 98). Até andar de patins
ele conseguiu, mostrandose competente para isso (figura 99).
Figura 95: Ilustração da história 1 (s.p.)
146
Figura 96: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 97: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 98: Ilustração da história 1 (s.p.)
147
Figura 99: Ilustração da história 1 (s.p.)
Figura 100: Ilustração da história 1 (s.p.)
O Príncipe Fanfarrão apresenta o ideal de masculinidade, isto é, apresenta os papéis, e
corresponde aos padrões ou regras arbitrárias que nossa sociedade estabelece para seus ho
mens. Coragem, força e esperteza parecem ser considerados atributos primordialmente mas
culinos. Walkerdine (1995) diz que “o que é lido como natural na masculinidade pode ser lido
como nãonatural e ameaçador na feminilidade” (p. 217), ou seja, a Princesa Sabichona pode
até causar estranheza e parecer chata, por suas atitudes e exigências, ao transgredir atributos
reconhecidos como femininos e representar um outro jeito de ser filha, princesa e mulher.
A Princesa Sabichona, então, parecendo convencida de que teria mesmo que se casar
com este príncipe, dálhe um beijo (figura 101) – a cena mostra os dois em plano americano.
Ele se transforma em um sapo enorme (figura 102) – ilustração em plano médio; e foge (figu
148
ra 103) – podese notar a alegria e satisfação da princesa e o susto e a brabeza do príncipe
sapo.
Diferente de outras princesas, o casamento não é o sonho da Princesa Sabichona. E es
te é mais um deslocamento sobre as relações de gênero e sexualidade que a história apresenta
nos.
No final da história, a Princesa aparece, novamente, cercada de seus animais de esti
mação (figura 104), assim como aparece no início da história. Sabendo o que tinha acontecido
com o Príncipe Fanfarrão, ninguém mais quis se casar com ela... O texto termina: “... e ela
viveu feliz para sempre”.
Figura 104: Ilustração da história 1 (s.p.)
Dentre as histórias analisadas, a única que parece não terminar em matrimônio é esta.
149
Ou seja, a princesa não precisou manter o príncipe a tiracolo, por um lado; por outro,
com tal personalidade, não lhe é dada a opção de casar, pois, ao se mostrar “mais esperta”,
“perde” o marido. Esta é uma possibilidade de leitura que se faz...
Em Pr íncipe Cinderelo (história 2), a história começa assim:
O Príncipe Cinderelo nem parecia príncipe. Era baixinho, sardento, magricela e andava molambento.
O Príncipe tinha três irmãos enormes, muito peludos, que viviam caçoando do jeito dele. (s.p.)
As ilustrações mostram em uma página, o Príncipe Cinderelo, pequeno, de calças re
mendadas, em close (figura 105) e, na página ao lado, os três irmãos em plano americano (fi
gura 106).
Figura 105: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 106: Ilustração da história 2 (s.p)
Os irmãos do príncipe Cinderelo sempre iam à Discoteca do Palácio com suas namo
radas princesas, enquanto o príncipe Cinderelo ficava em casa limpando a sujeira deles (figura
107). Seu sonho era ser forte e peludo como os irmãos (figura 108). Por isso, quando a apare
ceu uma fada bem sujinha pela chaminé (figura 109), Cinderelo fez seu pedido (figura 110).
Tais ilustrações aparecem em plano geral, mostrandonos o local onde acontecem os fatos a
cada imagem.
150
Figura 107: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 108: Ilustração da história 2 (s.p)
Cabe perguntar: força e robustez são características masculinas “naturalmente” dese
jáveis?
Acontece que a magia da fadinha não deu muito certo (figura 111) e ele transformou
se num macaco (figura 112). A seqüência das magias executadas por ela é apresentada, mos
trando tal transformação (figura 111). Depois de transformado, o príncipemacaco é mostrado
em plano médio (figura 112).
151
Figura 111: Ilustração da história 2 (s.p)
Figura 112: Ilustração da história 2 (s.p)
Por causa do encantamento, ele não sabia que tinha virado macaco e vêse, então, co
mo um lindo príncipe (figura 113) – ilustração em close – e sai para a discoteca, achandose
um homem forte e peludo. Quando chegou no baile real, nem conseguiu passar pela porta.
Então, resolveu pegar um ônibus para voltar para casa, quando viu uma bela princesa espe
rando no ponto de ônibus. Ela se assustou ao vêlo (figura 114) – ilustração em plano geral.
Em seguida, o relógio bateu meianoite e ele voltou a ser como era antes (figura 115) – ilus
tração em plano geral. A princesa, achando que ele a tinha salvo do enorme macaco peludo,
abraçouo.
152
Figura 113: Ilustração da história 2 (s.p)
Figura 114: Ilustração da história 2 (s.p)
Figura 115: Ilustração da história 2 (s.p)
153
Mas o Príncipe Cinderelo fugiu (figura 116), porque era muito tímido, como diz o tex
to:
“Espere!”, ela gritou, mas o Príncipe Cinderelo era muito tímido. Saiu correndo e até perdeu a calça! (s.p.)
Figura 116: Ilustração da história 2 (s.p)
Mais uma vez as princesas fortes não “ficam” 29 com os príncipes fracos nos “novos
contos de fadas”. Até onde vai a transgressão para elas? E para eles?
Na pesquisa de Neuls (2004) sobre as representações de masculinidade no programa A
Turma do Didi, 30 a autora mostra que o personagem Didi reiteradamente cobra de outro per
sonagem — Tatá — que ele não demonstre medo das coisas, já que “macho que é macho não
pode ter medo de nada”. Neuls (2004) afirma ainda que o medo e a covardia parecem estar
ligados à feminilidade, conforme observou em personagens femininas que aparecem no pro
grama. Dessa forma um homem de “verdade” não pode ter medo: ele precisa enfrentar as si
tuações com ousadia e valentia, pois, como lembra a definição de príncipe encantado do di
cionário, deve ser jovem, belo e valente. 31
29
“Ficar” é uma expressão moderna, surgida no final do século XX, que significa manter convívio com alguém
por tempo indeterminado sem compromisso de estabilidade ou fidelidade amorosa (HOUAISS, 2004).
30
Programa dominical comandado por Renato Aragão, exibido pela Rede Globo de Televisão. Ver pesquisa em
Neuls (2004), cf. ref. bibliográfica.
31
Segundo o dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2001), príncipe encantado é aquele que é “jovem, belo, nobre,
rico e valente, que se casa com a jovem pobre e sofredora [...] [ou então] o homem ideal ou idealizado; aquele
que corresponde a todos os sonhos ou desejos de uma pessoa”.
154
Neuls (2004) analisa um programa televisivo, que é um tipo de pedagogia cultural, en
quanto eu analiso os “novos contos de fadas”, que também estão ensinando sobre comporta
mentos esperados e desejáveis a homens e a mulheres.
Voltando à história, a Princesa Belarrica, como o nome diz, mandou anunciar que es
tava à procura do dono da calça (figura 117). Todos os príncipes da redondeza tentaram vestir
a calça à força e não conseguiram, até os irmãos do Príncipe Cinderelo (figura 118), mas, é
claro, que a calça só serviu nele (figura 119). Cinderelo e Belarrica casaramse e viveram feli
zes para sempre (figura 120). A pedido da Princesa Belarrica, a fada transformou os três ir
mãos peludos de Cinderelo em fadas domésticas (figura 121). É evidente a dimensão parodís
tica do livro ao conhecido conto de fadas “Cinderela” ou “A Gata Borralheira”.
Figura 117: Ilustração da história 2 (s.p)
Figura 118: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 119: Ilustração da história 2 (s.p)
155
Figura 120: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 121: Ilustração da história 2 (s.p)
Nestes dois “novos contos de fadas” (história 1 e história 2), destacamse as iniciativas
da mulher (através das atitudes das princesas), revelando que os homens (como os prínci
pes/candidatos a maridos) ficam confusos, sem saber o que fazer frente a este comportamento
das mulheres (Princesa Sabichona e Princesa Belarrica). Os príncipes confusos viram sapos
ou passam a assumir características que eram antes de personagens femininas.
Em tais histórias aparecem personagens príncipes e princesas apresentando diversos
modos de exercerem suas feminilidades e masculinidades. Vimos princesas como a Princesa
Sabichona e Belarrica: determinadas, decididas, trabalhadoras (dão banho em animais, pegam
ônibus), isto é, passando a representar padrões reconhecidos como masculinos. Vimos prínci
pes sem coragem, submissos, fazendo tarefas domésticas, assim como também apareceu o
Príncipe Fanfarrão, que foi ousado, determinado, criativo, como disse antes, mas que, ao ser
beijado pela princesa, invertendo o padrão da história de masculinidade, vira sapo.
Em tais contos, não se trata de somente inverter padrões: os fracos passam a ser fortes
e viceversa. Mas eles operam algumas transgressões importantes como a da princesa que
prefere ficar sozinha, ou que prefere até pintar as unhas a ouvir a falação dos pretendentes.
Mostram homens fracos, outros destemidos ou fanfarrões. Estes “novos contos de fadas” nos
ensinam que não há um jeito único ser homem e de ser mulher e que podemos experimentar
vários modos de vivermos a sexualidade no diaadia. Eles rompem com os discursos hege
mônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”.
156
b) “Novos contos de fadas”: parodiando os clássicos e ensinando outros caminhos de
exercer a feminilidade e a masculinidade
A história A Bela Desador mecida (história 9) faz uma paródia à história clássica, tra
zendoa para o contexto urbano dos dias atuais, incorporando elementos da contemporaneida
de. O texto é em versos, com uso de rimas. Tratase de uma narrativa poética, contando a his
tória de uma menina. A personagem principal da história é representada por diferentes modos
de exercer sua feminilidade: de uma garotinha quietinha e submissa, passa a mostrarse uma
garota esperta e decidida.
Todas as ilustrações do livro são feitas em cores pastéis, em que predominam o mar
rom e o bege.
A narração é em primeira pessoa. A história inicia assim:
Um dia eu nasci
E era uma gracinha. meus pais exclamaram:
“É a nossa Belinha!” (s.p)
A ilustração apresenta o bebê no berço; sua imagem é refletida no espelho. Aparece
um quarto de bebê de uma moradia moderna (figura 122).
157
Figura 122: Ilustração da história 9 (s.p)
Segue o texto:
Meus pais, de tão felizes
Com o bebê (que era eu),
Armaram uma festa:
“Nossa filha nasceu!”
Na maior animação,
Espalharam a notícia:
“De trem, ou de bicicleta,
Ou de carro de polícia,
”Venham todos festejar
A chegada de Belinha!”
Só não chamaram a bruxa
(Por azar, nossa vizinha). (s.p.)
O texto tem duplo sentido e atualiza a representação de bruxa, ao reconhecer a vizinha
que ninguém gosta dessa forma.
158
Porém, mesmo sem ser convidada, a bruxa entrou na casa, que estava cheia, não cum
primentou ninguém, foi dando cotoveladas em todo mundo, olhou o bebê no berço, deulhe
um beijo estalado e profetizou que, quando Bela completasse catorze anos, iria picar seu dedo
e todos iriam dormir cem anos, bem dormidos. Todos os convidados ficaram espantados. En
tão, a bruxa disse que para não parecer tão má... na hora exata iria aparecer um roqueiro e
acordaria a garota.
O texto continua:
Eu era muito pequena
E não entendia nada,
Mas meus pais ficaram loucos
Com o presente da malvada.
Depois de muito pensar,
Vieram com a decisão:
Nada de afiado ou pontudo
Ia tocar na minha mão.
Jogaram fora garfos, facas,
E até o anel da titia
(O que fosse perigoso
Pra minha pele macia). (s.p.)
Em seguida, aparece a princesa crescida e o seu pai barbudo (figura 123) com o texto
dizendo que, quando ficou maior, ela notou que não podia pregar botão, cortar bolo, patinar
no gelo, aparar o cabelo, entre outras coisas, para as quais seus pais não lhe explicavam a ra
zão. Seu pai todo barbudo não se queixava, estava preocupado e de olhos bem abertos. A ilus
tração mostra a menina sentada, tranqüila, ouvindo seu walkman e o pai, ali por perto, com o
jornal na mão. Seria essa uma referência à típica representação de pai (homem maduro com
jornal na mão)?
159
Figura 123: Ilustração da história 9 (s.p)
Então, chegou o famoso dia dos catorze anos...:
Foi quase a minha morte,
O fim dos meus belos planos,
Porque quando entrei no quarto,
Meu coração gelou:
Aquela mulher pálida,
Que nem sequer se virou,
Só podia ser a bruxa!
“Quem é você?”, perguntei.
“Entrou aqui por engano?
Está procurando alguém?”
“Vim trazer o seu presente,
Bela querida!”, e me deu
Aquela roda preta.
“É um antigo longplay!
“Você quer ouvir disco,
Ou será que está com medo?
Encoste aquela agulha
No disco: não tem segredo!”
160
Bela tocou a agulha, caiu no sofá e ficou com sono. Na casa todos dormiam profun
damente. Bela vestiu o pijama e foi dormir também. Cedinho da manhã, ela acordou como
sempre e ao ver os pais dormindo, foi acordandoos. A mãe quis saber se já haviam dormido
cem anos. E Belinha respondeu:
“Que nada!”, respondi.
“O feitiço falhou
Porque na hora H
Pus o despertador.” (s.p)
Na verdade, ela programou para o seu roqueiro preferido a acordar cantando rock. Fi
nalizando o conto, Bela explica o que tinha acontecido aos pais, antes de ir à escola, e escreve
um bilhete ao seu roqueiro. Depois, aparece Bela indo para escola, sendo questionada pelas
pessoas: “o que aconteceu com o roqueiro?”, “Vocês dois viveram felizes para sempre?” (s.p.)
A última cena mostra o desfecho da história (figura 124), com a resposta de Belinha:
“Adivinhou!” (s.p.)
Figura 124: Ilustração da história 9 (s.p)
161
Foi graças à esperteza da princesa, que sua história mudou. Esta não adormece e a
guarda que a profecia se cumpra, mas, antes, escolhe como será acordada pelas manhãs, com
a voz melodiosa do seu roqueiro predileto.
É interessante percebermos que, apesar de os livros fazerem um certo esforço no sen
tido de posicionar as princesas como mulheres/garotas menos passivas, ainda assim tais histó
rias reforçam a idéia de que é preciso ter um marido para exibir... (seja ele um roqueiro, “ou
mesmo que ele seja um lagarto, ou um sapo sem graça, enfim, um zero à esquerda”).
Belinha, que parecia tão quietinha, poucofalante, acaba sua história unida ao seu a
mor. Será que estas características foram as que garantiram seu “final feliz”? Ou melhor: será
que tais características não possibilitam a repetição do padrão dos contos clássicos modernos?
Mais: os contos clássicos e os modernos foram inventados para representar um determinado
contexto, enquanto que os “novos contos de fadas” estariam sendo inventados para represen
tar um outro contexto?
Esta história não pareceu tão transgressora ou tão inovadora em relação a comporta
mentos tradicionalmente esperados para as mulheres e homens. Mais uma vez, nesta história,
mostrouse a mulher romântica e o homem salvador, pois que fim teria tido Belinha sem seu
roqueiro preferido?
128, 134, 135, 142, 150); mostramse frágeis e/ou com medo (figuras 138, 139, 149); termi
nam suas histórias casandose com o príncipe que as salva do perigo (figuras 130, 131, 143,
144, 151, 152).
Os elementos da contemporaneidade que aparecem em tais histórias são:
Em Minha versão da histór ia: A Bela Ador mecida (história 3), sendo que esta pare
ce ser a que traz mais elementos próximos dos contos clássicos antigos, Rosa Silvestre (como
era chamada pelas tias/fadas madrinhas, antes de saber que era uma princesa) mostrase ingê
nua ao falar sobre seu nascimento, mas, ao mesmo tempo, traz para a história uma reflexão
que, com certeza, nos clássicos e modernos contos de fadas não existiam:
Desde bebê eu morei com minhas tias na velha casa do lenhador. Tia Flora dizia que tinham me encontrado no
jardim embaixo de uma folha de repolho. Claro que ela estava me fazendo de boba. Eu sei que foi a cegonha
que me trouxe, como faz com todo mundo. Elas são mulheres adoráveis, queridas, são como mães para mim,
mas poderiam ser um pouco mais diretas. (p.6)
Por outro lado, essa história não fala da produção independente, do bebê de proveta,
da inseminação artificial, etc., ou até mesmo da gestação e do nascimento como ele de fato
ocorre, quando é do modo convencional, sem que seja necessário nenhum outro tipo de trata
mento.
Depois, ao chegar em casa, no dia de seu aniversário de dezesseis anos, e ver a surpre
sa que as tias tinham lhe preparado, Rosa Silvestre narra:
Minhas tias eram as mulheres mais doces do mundo, mas iriam à falência se tivessem de cozinhar, limpar ou
costurar para viver. Elas não tinham feito aquele lindo bolo. E eu sabia que nenhum confeiteiro faria entregas na
floresta. (p.23)
Vemos aí um outro elemento da contemporaneidade, que são os serviços de tele
entrega. Nas versões clássicas e modernas estas considerações não apareciam na história.
163
Figura 125: Ilustração da história 3 (p.8) Figura 126: Ilustração da história 3 (p.11)
Figura 127: Ilustração da história 3 (p.15) Figura 128: Ilustração da história 3 (p.16)
164
Em Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve (história 5), Branca de
Neve reclama que a madrasta a fez esfregar a escada do calabouço três vezes, argumentando
lhe que era um bom exercício (figura 132). Tal narrativa remetenos à idéia da preocupação
com a saúde, mas, sobretudo, com o corpo e a estética tão recorrentes na atualidade. Do mes
mo modo, a princesa reclama que a madrasta não lhe deixa comer coisas gostosas (figura
133). Mais adiante, na história, quando Branca de Neve prepara a refeição para os anõezinhos
que estão trabalhando na mina, aparece na ilustração (figura 141) ela cozinhando, utilizando
um livro de receitas com o seguinte título “101 receitas para fazer os homens ficarem com
água na boca”. Seria esta uma referência aos famosos livros de autoajuda com suas “mirabo
lantes receitas” para tudo que se quer nesta vida? Como diz Silva (2001, p. 41): “Eles abran
gem toda a gama da conduta humana, toda nossa vida psíquica e social, das relações amorosas
e sexuais até as melhores formas de se tornar rico e fazer sucesso”.
E, ainda, no final da história, a última ilustração, ao pé da página, mostra Branca de
Neve e seu príncipe indo embora. Ela montada no cavalo e ele conduzindoa. O príncipe, o
homem conduz o caminho de Branca de Neve. Mas ela se vira para o/a leitor/a e dá uma pis
cadela maliciosa... (figura 144). Aqui aparece uma representação típica da mulher, pois se
costuma dizer que elas conseguem o que querem dos homens fazendoos sentiremse “donos”
da situação. Porém, poderíamos entender também que ocorre um “jogo” entre ambos: homem
e mulher “fazem de conta” que cedem, que mandam, que conduzem.
165
Figura 132: Ilustração da história 5 (p.4) Figura 133: Ilustração da história 5 (p.7)
Figura 134: Ilustração da história 5 (p.8) Figura 135: Ilustração da história 5 (p.11)
Figura 139: Ilustração da história 5 (p.19) Figura 140: Ilustração da história 5 (p.23)
Figura 141: Ilustração da história 5 (p.33) Figura 142: Ilustração da história 5 (p.34)
167
Figura 143: Ilustração da história 5 (p.36) 32 Figura 144: Ilustração da história 5 (p.37)
Sou Dorabella, vicepresidente das Transformações Regionais, e vim aqui para ajudála. (p.25)
Com certeza, os clássicos e modernos contos não traziam referências a cargos de pre
sidência e vicepresidência, nem mesmo a corporações de trabalho como esta. Hoje em dia, há
uma vasta oferta, inclusive em jornais, de prestação de serviços para tudo: arranjar namorado,
ser acompanhante em festas, reformar o guardaroupas, preparar comidas mais saudáveis, etc.
Depois, durante o baile, no castelo real (figura 150), temos a seguinte narração (p.29):
Com licença, posso ter a honra desta dança?
Girei em torno de mim mesma, pega de surpresa. Um rapaz muito bonito, usando um button SALVEM AS
BALEIAS na lapela, estava ali sorrindo para mim.
Claro – respondi. Eu estava admirando os diversos quadros de cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as
paredes.
Enquanto me conduzia para a pista de dança, ele perguntou:
Você gosta de animais?
Adoro! – eu disse. – Nunca tinha visto retratos tão lindos de galinhas.
O rosto dele se iluminou.
Algum dia vou estudar as galinhas – ele contou –, se eu entrar na faculdade de veterinária.
Você quer ser veterinário? – perguntei. – Eu também!
32
Interessante esta imagem que nos dá a perspectiva da cena, a partir do local onde está Branca de Neve!
168
Ele olhou fundo nos meus olhos.
Tenho um pressentimento de que somos as únicas duas pessoas aqui que têm este sonho. Tenho sorte de têla
encontrado.
Cabe questionar: príncipes e princesas representariam aqui os anseios de ambientalis
tas? Qual o sentido de estarem se ocupando com certos animais que não estão na lista dos que
correm risco de extinção?
Esta história termina de um jeito diferente...
Depois de experimentar o sapatinho e perceber que iria casarse com o príncipe (figura
151), Cinderela profere à madrasta e irmãs (p.36):
Você terá de lavar e passar sua própria roupa de agora em diante – eu disse à madrasta e às filhas dela. – Vou
estar ocupada com outras coisas
Depois (figura 152), narra Cinderela (p.39):
O príncipe e eu abrimos nosso consultório assim que terminamos a faculdade de veterinária. Estamos muito
ocupados, mas adoramos isso. Os camundongos, o cavalo Bruno e as galinhas moram com a gente, junto com
um bando de outros animais, todos muito saudáveis. As cobaias até concordaram em servir de cobaia para mi
nha mais nova especialização: modificação do comportamento animal.
Minha esperança é fazer Lúcifer submeterse a esse tratamento.
Este “novo conto de fada” encerra contando que príncipe e princesa, além de casarem
se, estudaram, formaramse e trabalham juntos. A princesa está fazendo até especialização!
Haveria, assim, uma alusão aos direitos iguais, próprios da revolução feminina, nesta história?
Ou estaria ela, dessa forma, representando o mundo contemporâneo, ao transformar em ques
tões cotidianas problemas mundiais?
169
Figura 145: Ilustração da história 7 (p.7) Figura 146: Ilustração da história 7 (p.15)
Figura 147: Ilustração da história 7 (p.16) Figura 148: Ilustração da história 7 (p.21)
170
Figura 149: Ilustração da história 7 (p.24) Figura 150: Ilustração da história 7 (p.28)
Figura 151: Ilustração da história 7 (p.37) Figura 152: Ilustração da história 7 (p.38)
Nestes “novos contos de fadas (histórias 3, 5 e 7), temos as características desejáveis
de uma moça casadoira. As histórias apresentam fatos novos, acrescentando outros ao final,
mas mantêm os famosos matrimônios. Segundo Rael (2003), podemos observar que, nesses
casos, “[...] o comportamento feminino é definido e regulado a partir do masculino, isto é, são
os exemplos ditados pelo masculino que delimitam o modo de agir da mulher. É o masculino
quem tem o poder de instituir a representação, de falar sobre o outro, nesse caso específico, de
falar sobre a mulher.” (p. 165).
Dessa forma, aos poucos vai se construindo uma outra representação de feminilidade
regulada a partir do masculino: a mulher para casar não pode ser fútil, mas também não pode
171
ser esperta demais, nem inteligente demais. Mostramse princesas que se apaixonam perdi
damente à primeira vista (uma idéia de amor romântico), reforçando a idéia de que as mulhe
res são vulneráveis, fúteis e interesseiras. Há um deslocamento, na história de Cinderela (his
tória 7), uma vez que ela atinge o mesmo status cultural e social que o marido, já que ambos
formaramse e trabalham em Veterinária.
Percebese, também, que a tagarelice não é característica aconselhável para uma moça
que pretenda se casar: ela precisa ser como a princesa gentil que se faz de desamparada e des
protegida a fim de conseguir seu tão sonhado casamento. Estudo de Silveira (2002) ilustra
como a literatura infantil representa as professoras fazendo uso dos gritos, palavras difíceis,
verborragia, mostrando, portanto, que esta é uma representação bastante presente das mulhe
res. Nas pesquisas de Rael (2003) e Sabat (2004), sobre alguns filmes da Disney, as autoras
argumentam que a tagarelice e a fofoca sempre foram relacionadas ao feminino, embora como
características não desejáveis. Assim, nos desenhos animados, quer seja pelas músicas ou pe
los diálogos, apenas a moça retraída, a quietinha é quem casa, ou seja, “se a garota possui os
atributos que o homem privilegia, ele casa. Caso contrário, o homem se zanga e vai embora.”
(RAEL, 2003, p. 165).
Sabat (2003), ao analisar os filmes da Disney ressaltou que nestes a heterossexualida
de é invariante. “Independente do argumento central do roteiro, há início, meio e fim de um
relacionamento amoroso, de um romance, com o clássico final feliz!” (p.101). Podemos dizer
o mesmo para tais “novos contos de fadas” da Disney. As princesas e os príncipes trilham
caminhos diversos, mas terminam no altar.
Todas as histórias analisadas mostram a heterossexualidade como a única possibilida
de de união amorosa, enfatizando que os sujeitos devem constituir uma família através de
uma união legal e cristã (SABAT, 2003), isto é, a heterossexualidade se constitui como a se
xualidade válida e desejável tanto para homens quanto para mulheres. Sabat (2004) argumenta
que “a normalização de algumas identidades, como a heterossexual, tem como efeito a sua
‘naturalização’, jogando para o campo da anormalidade outras identidades que se constituem
de formas diferentes das hegemônicas.” (p. 103).
Como disse no início das análises desta seção, estas histórias se pretendem contempo
râneas. Mas será que podemos posicionálas deste modo por trazerem algumas questões que
reconhecemos como contemporâneas, como o uso de determinadas tecnologias ou a discussão
de determinados problemas, sem nos questionarmos sobre a permanência de outras já existen
tes nos contos clássicos ou nos modernos ou sobre sua reapresentação mais sutil ainda, como
172
veremos nas próximas histórias que examino? Ou seja, há uma continuidade de discursos e
suas representações em tais histórias, como nos “novos contos de fadas”, uma vez que estes
lhes dão identidade como contos de fadas.
Já as histórias Minha ver são da história: Malévola (história 4), Minha ver são da
história / contada pela Rainha (história 6) e Minha versão da histór ia / contada pela Ma
dr asta (história 8) são “novos contos de fadas”, fazendo uma paródia às versões romantizadas
e clássicas que destacam as princesas. Nestas histórias, as personagens, consagradas como
más, contam as suas versões, repletas de justificativas e argumentações para cada fato conhe
cido, tentando convencer o/a leitor/a de que personificam “o bem”. O foco narrativo está na
primeira pessoa. Malévola (história 4), a Rainha, que é a madrasta de Branca de Neve (histó
ria 6) e a Madrasta de Cinderela (história 8) mostramse, pela narração e pela ilustração, como
pessoas maternais, bondosas e cuidadosas com as princesas, querendo sempre ajudálas e sen
do, por isso, malinterpretadas (figuras 155, 156, 160, 161, 162, 164), podendo ser vistas co
mo mais sutis em suas maldades por um/a leitor/a menos arguto/a.
Malévola (história 4) diz ser uma bem sucedida mulher de negócios (figura 153). So
bre sua empresa “Melhorias Aparentes Ltda” (M.A.L.) ela diz (p.3):
Somos especializados em magia n... quero dizer, mercado empresarial. E posso assegurar que temos filiais em
todos os cantos do mundo.
Ela reclama que, para ter esse sucesso, não foi barato. E que foi vítima de diversas fo
focas maldosas.
Ela diz (p.4):
Na verdade, é impressionante o que as pessoas são capazes de dizer para arrastar o nome de uma mulher boa e
batalhadora para a lama.
Diz ainda que sempre fez sacrifícios para poder ajudar a princesa. Aquele mal
entendido, no dia do batizado da princesa, prejudicou seus negócios. Na verdade, ela foi ofe
recer emprego à princesa, porque possuía várias indústrias têxteis no reino, especializadas em
transformar palha em ouro. E foi mal interpretada. Quando o Rei Estevão mandou queimar
todas as rocas do reino, isso prejudicou seus negócios, além de gerar uma tremenda crise da
moda! Mais tarde, na ocasião, do aniversário da princesa, ela tinha dado um calmante para a
173
princesa adormecer e se acalmar, pois estava preocupada em encontrar o seu camponês, por
quem tinha se apaixonado e estava prometida ao Príncipe Felipe, sem saber que ambos era a
mesma pessoa. Enfim, a Rainha Malévola argumenta que todas as suas ações foram com o
objetivo de ajudar, dar assistência à princesa. No fim, termina aliandose a alguns amigos para
os próximos empreendimentos comerciais (figura 154). Mais uma vez, a semelhança se dá
pela atualização do problema, através de situações que reconhecemos no noticiário, tornando
se, assim, um conto com elementos contemporâneos.
A Rainha (história 6), madrasta de Branca de Neve, diz sempre ter gostado de Branca
de Neve. Tudo o que tinha feito fora para o seu bem. Começa, então, justificandose ao/à lei
tor/a (p.3):
Figura 155: Ilustração da história 6 (p.2) Figura 156: Ilustração da história 6 (p.8)
A Rainha não se diz vaidosa, mas ter o dom da beleza natural (figura 157). Disse que
se preocupava com Branca de Neve que usava sempre o mesmo vestido esfarrapado, nunca
fazia exercícios e não tinha uma alimentação saudável. Por isso achou que sua enteadazinha
precisava de disciplina. Quando viu Branca de Neve com um rapaz, ficou preocupada: e se o
estranho fosse um criminoso? Um seqüestrador? Adolescentes de paixonite não são fáceis de
lidar. Na verdade, ela diz que queria promover um revigorante passeio pela floresta a Branca
de Neve, quando esta sumiu. Depois, teve que fazer a “Operação Resgate de Branca de Ne
ve”. Mas não disfarçouse para isso, como dizem. Apenas não usou a coroa, nem o manto,
175
nem as jóias, nem maquiagem. Mas sim colocou uma roupa e tênis confortáveis (figura 158).
Não estava indo para um encontro! Ofereceu maçãs, porque a menina só estava comendo por
carias e se preocupava com sua dieta. Quando Branca de Neve caiu em sono profundo, ela
correu à procura de um gastroenterologista, mas foi difícil encontrar um na floresta que aten
desse a domicílio. Agora, destronada, sente falta do poder, mas não do estresse e da pressão
que vêm junto com ele. Agora gosta muito de trabalhar em uma loja que vende produtos natu
rais (figura 159). Cabe perguntar: o quanto tal madrasta é representada cheia de boas inten
ções ou participa de uma trama na qual é representada tentando encobrir sua versão clássica
de “bruxa” com “pele de cordeiro”? Nossas múltiplas identidades estariam, assim, representa
das, mostrando quanto as personagens se aproximam de versões mais humanas, e, por isso,
mais contraditórias e frágeis?
A Rainha ensinanos como cuidar, controlar e vigiar o corpo feminino. Seu discurso
somase àqueles que defendem um modelo de corpo ideal: magro, alto, belo, branco, jovem,
heterossexual, saudável. Ou seja, faz circular na literatura infantil um discurso que circula
amplamente na mídia, atualizando sua personagem e vaidades.
Além disso, a beleza e a vaidade sempre foram características atribuídas ao feminino.
Esse culto à sensualidade feminina e à sua beleza tem feito “circular um discurso hegemônico
de beleza, procurando assim estabelecer um controle cada vez maior sobre os corpos femini
nos, apesar de todo um discurso de suposta liberdade das mulheres (FELIPE, 1999, p. 172). A
autora ainda chama a atenção para o seguinte fato: “este constante apelo à beleza tem levado a
conseqüências preocupantes, como o grande índice de meninas que cada vez mais cedo vêm
sofrendo de anorexia e/ou bulimia, ou ainda se submetendo às cirurgias plásticas” (1999,
p.172). Dornelles (1999 apud FELIPE, 1999, p. 172) também destaca que diferentes publica
ções voltadas para o público infantojuvenil têm a preocupação de fornecer às suas pequenas
leitoras “dicas” de beleza, moda, além de sugestões para manter o corpo em forma... Esta his
tória analisada, fala em dieta, exercícios para tonificar os músculos, ter uma alimentação sau
dável, escolher melhor as roupas... Nossos pais, a mídia, os amigos não nos falam cotidiana
mente desses assuntos?
176
Figura 157: Ilustração da história 6 (p.10) Figura 158: Ilustração da história 6 (p.21)
Figura 159: Ilustração da história 6 (p.26)
que crê ser a maternidade, a dedicação aos filhos e o cuidado, características “naturais” da
mulher.
Vale lembrar que, nos clássicos, nem a Branca de Neve, nem a Cinderela “ousam” jul
gar suas madrastas, externando o que pensavam nessas histórias, como fazem a Malévola e a
Madrasta. Estariam as madrastas sendo transgressoras ao se posicionarem tão claramente,
desqualificando suas enteadas, externando o que pensam?
Figura 160: Ilustração da história 8 (p.6) Figura 161: Ilustração da história 8 (p.8)
Figura 162: Ilustração da história 8 (p.12) Figura 163: Ilustração da história 8 (p.22)
178
Figura 164: Ilustração da história 8 (p.24)
Finalizando, sem imaginar que as histórias foram analisadas em todas as suas nuanças
quanto às representações de gênero e sexualidade, reconheço que há em tais histórias diversas
formas de reinventar e pluralizar as vivências de gênero e os “novos contos de fadas” escolhi
dos para análise nos mostram algumas delas, ao discutirem formas de ser e viver na contem
poraneidade.
179
A coragem não é a ausência de medo,
mas a decisão de que algo é mais importante que o medo.
O corajoso pode não viver para sempre,
mas o cauteloso não vive plenamente.
De agora em diante, você viajará pela estrada entre o que você
pensa que é e o que você pode ser.
O segredo é a sua decisão de fazer a viagem.
(Filme: Diário de uma Princesa)
ão li em nenhum livro, mas, certa vez, em uma aula, em uma certa univer
N sidade, a professora nos disse a primeira frase escrita acima, que serve de
epígrafe a este capítulo. Com certeza, escrever um texto com a profundi
dade teórica e analítica que o Mestrado exige não é uma tarefa fácil. E
para mim também não foi. Principalmente, pelo fato de eu seguir trabalhando, atuando como
professora, durante todo o período de realização desta formação em nível de pósgraduação. E
ainda ministrando aulas para crianças das séries iniciais e para jovens do Curso Normal, em
escolas de contextos bem diferentes – o da escola pública estadual e o da escola particular. A
maior dificuldade foi conciliar as tarefas e calendários escolares às exigências acadêmicas; foi
difícil preparar as aulas, fazer as correções de avaliações, organizar e corrigir trabalhos, exe
cutar o preenchimento dos cadernos de chamada (tarefas das escolas), ao mesmo tempo em
que cursava as disciplinas do curso de pósgraduação, lia os textos e escrevia a proposta e
trabalho que se transformaram nesta Dissertação (tarefas da Academia). Somado a isso tudo,
tinha as minhas necessidades e compromissos relacionados às minhas múltiplas identidades
em construção: as tarefas de filha, as tarefas de mulher, as tarefas de amiga, as tarefas de dan
çarina... enfim, não sou a única nem a última mulherpesquisadora a cumprir estas múltiplas
posições, pois de frágil e incapazes não temos nada!
Então, ao mesmo tempo em que o ato de escrever um trabalho como este me remetia à
solidão e à tristeza (porque gosto de trabalhar e produzir no coletivo), lembravame da men
sagem do referido filme, que serve de segunda epígrafe. Tal mensagem me serviu, e sempre
180
me serve, de motivação, pois acredito que é necessário termos coragem e ousadia para irmos
além de nossos medos e limitações.
Lembrome da entrevista, na ocasião da Seleção ao Mestrado, em que a Prof.ª Dra.
Maria Luísa Merino Xavier questionoume, após ter ouvido eu falar que pretendia analisar os
“novos contos de fadas” na perspectiva dos Estudos Culturais em Educação: no que este estu
do que eu me propunha a fazer iria contribuir para a minha profissão, para que eu fosse uma
professora melhor ou para que minhas aulas se qualificassem? Feita a indagação, eu respondi
lhe que havia escolhido este gênero literário, que chamei de “novos contos de fadas”, por se
rem publicações bastante recentes, pela minha predileção por eles, e que este estudo iria con
tribuir para eu não restringir a literatura infantil de um modo geral, e estes contos de modo
especial, a histórias bonitas, interessantes e engraçadas para contar aos meus alunos ou para
sugerirlhes, no caso dos/das estudantes de professores/as com quais atuo, para trabalhar cer
tos temas (didatização da literatura infantil). Mas que buscava, sim, lançar um “outro olhar”
para estas histórias, um olhar não ingênuo e de estranhamento, e isso iria se reverter na minha
atuação de professora.
Agora, finalizando esta minha formação e qualificação profissional do curso de Mes
trado, sucintamente, destaco o que aprendi...
Concluise com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes
modos de ser criança, sendo estes produtivos na representação das múltiplas infâncias da con
temporaneidade, mostrando diferentes e diversificados jeitos de ser e viver nesta sociedade.
Vimos representadas nos contos de fadas contemporâneos as infâncias desrealizada e hiper
realizada , segundo Naradowski (2001). Os seguintes modos de viver a infância, de acordo
com Sampaio (2000), também estão representados nas histórias analisadas: a infância protegi
da, a infância parcialmente protegida, a infância desprotegida, a infância marginalizada, a
infância pública. Enfim, os contos destacam as múltiplas infâncias: medievais... modernas...
contemporâneas... Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa,
esperta, inteligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, mostrase ingênua e frágil –
precisando da proteção adulta. Mostram crianças que ficam tristes, mostramse sonhadoras,
são ciumentas, lidam com a morte; brincam, vão à escola, não têm outros compromissos e
responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria se ser criança, de viver a in
fância em sua plenitude.
181
Ao ter como foco as infâncias, o olhar sobre alguns dos “novos contos de fadas” evi
denciou a representação de sua multiplicidade. Seus personagens personificam a idéia de que
nossas identidades não são únicas nem imutáveis. Em uma mesma história, vimos como per
sonagens vivem ou passam a viver suas infâncias de modos diferentes e diversificados ao lon
go de suas trajetórias de vida. E entender isso é, também, procurar reavaliar nossas práticas
pedagógicas, enquanto educadores e educadoras. É necessário repensarmos uma reconceitua
ção da educação infantil.
Sobre as relações de gênero e sexualidade, concluise com esta pesquisa que os “novos
contos de fadas” vêm revelando outros modos de viver a masculinidade e feminilidade, con
tribuindo para a problematização de que não há um único jeito, nem mais verdadeiro, de ser
homem e de ser mulher, rompendo com os discursos hegemônicos em torno da sexualidade,
ao repensar “novos padrões”. Analisando os contos de fadas da contemporaneidade, conside
rados por alguns autores como não sexistas, e outros que não são classificados desta forma,
podese perceber algumas transgressões importantes e algumas permanências e/ou reforço de
idéias preconceituosas (com base no discurso científico) sobre a sexualidade. Algumas histó
rias não pareceram muito inovadoras em relação a comportamentos tradicionalmente espera
dos para as mulheres e homens. Entretanto, outras trouxeram contribuições importantes para o
panorama atual em torno das discussões a respeito do rompimento das fronteiras de gênero.
Neste artefato cultural, amplamente utilizado pelas crianças, na família e na escola ou em ou
tros espaços que se constituem como pedagógicos, ainda aparecem as seguintes idéias: de
matrimônio, maternidade e o cuidado da prole como o destino “natural” das mulheres; da he
terossexualidade como sendo a “normalidade”. Além disso, são apresentadas as características
desejáveis a uma mulher que queira se casar: não pode ser fútil, nem vulnerável, nem interes
seira, nem tagarela, nem muito esperta e inteligente; mas, ao contrário, deve se mostrar inde
fesa, desprotegida; as mulheres devem ser, também, doces, gentis e meigas.
Como já foi historicizado e discutido anteriormente, vivemos uma nova era, marcada
pelo amplo desenvolvimento das tecnologias, especialmente da larga difusão da mídia. A te
levisão digital é a mais nova promessa de grandes descobertas, sonhos e realizações à popula
ção. Nesse contexto, cabe a nós, educadores e educadoras, estarmos atentos para as formas
como as relações de gênero e sexualidade têm sido representadas por diferentes artefatos cul
turais. Levar “os novos contos de fadas” para ler, discutir e problematizar com os/as estudan
tes parece ser uma estratégia pedagógica, no mínimo interessante, para refletir sobre como se
produzem padrões de feminilidade e masculinidade, examinando como estes mudam e o que
contribui para a produção de “novos” deslocamentos, “novas” identidades.
182
Finalizo, assim, esta Dissertação com a expectativa de não trazer certezas ou respostas
para nossas vivências pessoais, práticas acadêmicas e pedagógicas, mas, sim, de problemati
zar a literatura ofertada às crianças para poder melhor dimensionar os efeitos possíveis nos
modos de ser e viver na contemporaneidade.
183
Referências
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RO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo,
gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.
p.108123.
ARGÜELLO, Zandra Elisa. Literatura infantil não sexista: um diálogo sobre gênero com
cr ianças na Educação Infantil. 2004. Proposta de Dissertação (Mestrado em Educação) –
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Anexos
190
Anexo 1:
Relação dos livros de literatura infantil e infantojuvenil analisados.
INFÂNCIA (7)
1. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Branca de Neve
e os Sete Anões. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo:
Scipione 2003. (Coleção As Trigêmeas)
2. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Chapeuzinho
Ver melho. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipio
ne 2003. (Coleção As Trigêmeas)
5. COSTA, Bruna Dias do Carmo. A bailar ina encantada. Ilust. Roberto Weigand. São Pau
lo: FTD, 2006. (Coleção Jovens Escritores)
6. MARTINS, Georgina da Costa. O menino que não se chamava J oão e a menina que não
se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro. Ilust. Victor Tavares. São Paulo: DCL,
1999.
7. VASSALO, Márcio. O pr íncipe sem sonhos. Ilust. Mariana Massarani. São Paulo: Brin
queBook, 1999.
GÊNERO (9)
Skinner; Ilust. John Kurtz. Tradução de Luciana Garcia. São Paulo: Caramelo, 2004. (Coleção
Minha versão da história)
7. 8. DISNEY, Walt. Minha versão da história / contada por Cinder ela a Daphane Skin
ner; Ilust. Atelier Philippe Harchy. São Paulo: Caramelo, 2005. (Coleção Minha versão da
história) [e] DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia / contada pela Madrasta a Daphane
Skinner; Ilust. John Kurtz (tradução de Maria Cláudia Lopes). São Paulo: Caramelo, 2005.
(Coleção Minha versão da história)
9. MINTERS, Frances. A Bela Desador mecida. Ilust. G. Brian Karas. Tradução de Laura
Lee. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999.
192
Anexo 2:
Resumos dos livros de literatura infantil e infantojuvenil analisados.
INFÂNCIA (7)
1. As Trigêmeas e Br anca de Neve e os Sete Anões
Vocês conseguem imaginar Branca de Neve transformada em rainha e mãe de príncipes tri
gêmeos? Pois é assim que ela vai aparecer nesta história.
Com AS TRIGÊMEAS, que entram no túnel do tempo e continuam a história a partir daquele
fim que já conhecemos, a história de Branca de Neve e os sete anões adquire um sopro de
ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje.
As trigêmeas estavam na escola, quando a professora contoulhes a história de Branca
de Neve e os Sete Anões. Ao voltarem para casa, quiseram brincar de teatrinho e encenar a
história. Ana seria a Branca de Neve, Helena, o príncipe, e Teresa, o mais esperto dos anõe
zinhos. Faltava uma personagem: a bruxa que dá a maçã envenenada a Branca de Neve. Para
este papel, convidaram Bruxa Onilda. Ela saltou de dentro do armário, de onde espiava o que
as meninas faziam.
Nesta história, a Bruxa Onilda (tia das meninas gêmeas – Ana, Helena e Teresa) deci
de enviar as meninas para a história da Branca de Neve, antes mesmo que elas dissessem
alguma coisa a respeito do teatrinho que estavam fazendo. Imediatamente, uma nuvem mági
ca as envolveu e as transportou para a história. Quando abriram os olhos, estavam em uma
casinha onde tudo era pequeno: sete cadeirinhas, sete copinhos, sete caminhas... estavam na
casa dos sete anões e imaginavam que eles estavam trabalhando na mina. Resolveram esperá
los para pedir autógrafos. Enquanto as meninas bisbilhotavam a casa, Bruxa Onilda, lá fora,
transformava coelhos, corujas, pássaros... em anõezinhos. Ela queria brincar com as meninas,
fazendose passar por Branca de Neve. Então, ela disfarçouse de Branca de Neve, segurando
uma máscara, e chegou a casa com os sete anões (os animais que ela transformou em anões).
As meninas disseram que vieram avisála para não comer a maçã que uma velha feia ia lhe
oferecer, porque estaria envenenada. A falsa Branca de Neve riu, mudando de voz para não
ser reconhecida e disse que isso foi há muitos anos atrás. Agora, ela estava de férias com os
amigos anões e ofereceu uma maçã docinha às trigêmeas. Helena, a mais gulosa, deu uma
mordida na fruta e caiu desmaiada no chão. O encanto se desfaz e aparecem a Bruxa Onilda e
os animais, que ela havia transformado em anões, mas todos logo desaparecem. Ana e Teresa
193
colocaram Helena nas camas dos anões e choravam o seu desmaio, quando ouviram vozes se
aproximando. Pela estrada, vinha Branca de Neve seguida de três meninos iguaizinhos com
uma coroa na cabeça. As meninas pediram socorro a ela.
A gentil senhora explicoulhes que aconteceu com Helena o que havia acontecido
com ela há muitos anos. Disse, ainda, que era a verdadeira Branca de Neve, que tinha casado
com o Príncipe, que agora era rei, e que tiveram três filhos gêmeos como elas.
Branca de Neve ofereceuse para ajudálas. A eles juntaramse os sete anões que vol
tavam do trabalho. Os príncipes ficaram com ciúmes ao verem que não eram os únicos tri
gêmeos do país. Os anões, também, não estavam gostando de ver sua casa invadida por es
tranhos. O sucesso tinha subido à cabeça deles, já que o rei, agradecido pelos cuidados com a
Branca de Neve, tinha afastado todos da mina e os feito ministros do reino para sempre. Os
anões estavam cansados, pois era cansativo ser ministro, queriam poder voltar para casa, tirar
a gravata, calçar os chinelos e assistir televisão com conforto. Uma das irmãs queria que um
dos príncipes beijasse a irmã desmaiada para ver se acontecia o mesmo, como na conhecida
história. O príncipe Paulo acabou dando um beijo na testa de Helena e ela abriu os olhos e
levantou. Ficou corada e emocionada – as amigas teriam inveja ao saber disso!
Depois, Bruxa Onilda trouxe as meninas de volta para casa. Elas gostaram muito des
ta aventura, pois fizeram amizade com os três príncipes, brincaram, pularam, dançaram.
2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Ver melho
Coitado do Lobo Mau! Quem diria? Foi derrotado por Chapeuzinho Vermelho e a aventura
terminou com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas e Chapeuzinho
Vermelho.
Com AS TRIGÊMEAS, a história de Chapeuzinho Ver melho ganha algumas novidades e
fica mais descontraída, alegre e divertida, bem ao gosto das crianças.
Nesta história, Bruxa Onilda (tia das trigêmeas), que encontra as trigêmeas fazendo
desenhos enormes com gizdecera nas paredes, resolve inventar uma nova aventura que di
vertisse bastante as trigêmeas (Ana, Helena e Teresa), transportandoas para bem longe, para
que vivessem com os personagens mais conhecidos das histórias infantis. As meninas teriam
que usar toda a esperteza e criatividade que tinham para, junto com os famosos personagens,
enfrentar e vencer os desafios que surgissem; a vencedora seria premiada com a volta para
casa.
Assim, as meninas foram transportadas, pela magia da Bruxa Onilda, para a história
de “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau” e, no mesmo instante, perceberam que já esta
vam dentro da história. As meninas vestiram capas vermelhas, como a da personagem princi
194
pal desta história, e saíram pelo bosque, onde encontram Chapeuzinho que atualizou as tri
gêmeas sobre a realidade do bosque: o lobo mau não existia mais, pois não causava medo em
mais ninguém, mas era um truque para atrair turistas como elas; Chapeuzinho e sua vovó
estavam acostumadas a dar autógrafos. O lobo ficava treinando tentar pegar Chapeuzinho
para devorála, mas não conseguia e acabava sendo surrado por Chapeuzinho. A Bruxa Onil
da entra na história, fazendose de vovozinha, e ocorre o famoso diálogo (lobo disfarçado de
vovó com netinha), porém entre bruxa disfarçada de vovó e sobrinhas. Neste instante, estou
raram bombinhas (fogos de artifício) e a Bruxa Onilda sai correndo desesperada, desfazse o
encantamento da vovozinha e ela recupera sua aparência normal. Chapeuzinho aparece na
casa da vovó, trazendo o lobo mau amarrado em uma corda, sendo puxado pela menina.
A aventura termina com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas
e Chapeuzinho Vermelho, com o lobo deitado no chão, embaixo da mesa, amarrado a um pé
da mesa, como um tapete, sobre o qual a vovó pisava.
3. As Trigêmeas e Cinderela
Cinderela, cercada de eletrodomésticos que facilitam seu trabalho, vai ao baile real de mo
tocicleta! Só a fantástica imaginação das trigêmeas poderia modernizar assim a história da
pobre menina.
Com AS TRIGÊMEAS, que se transformam em modernas fadas boas de Cinder ela , a histó
ria adquire um sopro de ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das
crianças de hoje.
As trigêmeas estavam brincando de construir um castelo magnífico na casa da avó.
Nesta história, Bruxa Onilda (tia das trigêmeas Ana, Helena e Teresa) resolve mandar
as meninas, num passe de mágica, para uma aventura em uma história conhecida, mandando
as para a história da “Cinderela”. O tapete mágico largou as trigêmeas no buraco da chaminé,
e elas caíram na lareira, que estava apagada, da cozinha onde estava Cinderela. Em seguida,
as irmãs de Cinderela a chamaram para mostrar seus vestidos e aproveitar para caçoarem de
Cinderela, pois estavam muito animadas, já que iriam ao baile do príncipe e Cinderela não
poderia ir, porque deveria terminar a faxina na casa. As trigêmeas viram o choro e a tristeza
de Cinderela por não poder ir ao baile. As trigêmeas lembravam muito bem da história clás
sica e sabiam que a Fada Madrinha estava prestes a chegar com a carruagem e vestidos e
resolveram fazer umas alterações... Assim que as irmãs de Cinderela foram embora, a Fada
Boa apareceu e as três meninas pediram que ela desse alguns eletrodomésticos e uma moto
cicleta a Cinderela. As irmãs gêmeas arrumaram Cinderela e, depois, se enfeitaram também
como princesinhas. Após se vestirem, ensinaram Cinderela a dirigir a motocicleta e foram
195
todas juntas ao baile (o povo nas ruas estava apavorado com aquela máquina estranha entre
as outras carruagens). Chegando ao castelo, os convidados tinham que passar pela bilheteria,
porque o rei estava com dificuldades financeiras e resolveu cobrar a entrada do baile. O prín
cipe, que estava atrás de uma coluna, viu Cinderela passar e caiu de paixão por ela no mesmo
instante. Ele tirou Cinderela para dançar e não se separaram a noite toda, causando inveja nas
duas irmãs de criação de Cinderela. Mas o tempo foi passando e a Fada Madrinha avisara que
à meia noite o encanto acabaria: a motocicleta sumiria e Cinderela voltaria ao seu fogão e
panelas. As trigêmeas tentaram impedir que isso acontecesse e subiram até a torre do relógio
do castelo e atrasaram os ponteiros. Porém, Bruxa Onilda apareceu e avisou depressa as ir
mãs de criação sobre a alteração no relógio, já que ela tinha outros planos para as trigêmeas e
queria mudar o final da história. As duas que já suspeitavam que estivesse acontecendo algo
estranho, correram até a torre e agarraram as trigêmeas e disseramlhes que levariam um cas
tigo – ficar trancadas no poço mais profundo do reino – por terem ajudado Cinderela. Porém
as trigêmeas armaram um escândalo; então, a Cinderela e o príncipe, ouvindoas, saíram cor
rendo para socorrêlas. As trigêmeas foram seqüestradas pelas irmãs adotivas de Cinderela e
levadas de carruagem. Cinderela pegou sua motocicleta, colocou o príncipe na carona e se
guiu a carruagem, alcançandoas.
Assim, como as trigêmeas tinham quebrado os ponteiros do relógio antes de ele dar as
doze badaladas, a Fada Madrinha não pôde desfazer o encantamento. Deste modo, depois de
salvar as trigêmeas, Cinderela decidiu sair com o príncipe pelo mundo afora.
4. As Trigêmeas e J oão e Mar ia
As trigêmeas jamais tinham imaginado, nem mesmo nos seus melhores sonhos, uma casa de
chocolate e balas como aquela, para onde a Bruxa Onilda as levou.
Com AS TRIGÊMEAS, a história de J oão e Mar ia adquire um sopro de ar renovador, des
contraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje.
irmãs disseram, achavam que elas estavam mentindo, porque queriam comer todos os doces
e, apesar dos gritos das trigêmeas, entraram na casa.
As trigêmeas entraram pela janela da casa e, distraídas pelo aroma que vinha do cal
deirão, nem perceberam a presença da Bruxa Onilda. As trigêmeas caíram numa armadilha,
foram amarradas em uma corda pela Bruxa Onilda e tudo indicava que serviriam de refeição
para algumas bruxas gulosas que ali estavam (João e Maria na porta, sem serem notados,
assistiram à cena). Depois, João e Maria ficaram indiferentes à situação, não fizeram nada
para ajudar Ana, Helena e Teresa que ficaram presas em uma gaiola no chão, enquanto eles
eram servidos de doces pelas bruxas.
João e Maria dormiram profundamente, depois de se alimentarem. Mas, na verdade,
todos estavam sendo enganados... As bruxas pretendiam comer todos eles. Enquanto as bru
xas foram buscar temperos especiais, as trigêmeas criaram um plano.
Depois de pegarem as ervas, a bruxa donadacasa mostrou as suas amigas bruxas um
projeto de uma garagem para guardar as vassouras voadoras. Enquanto isso, as trigêmeas já
tinham comido as gostosíssimas barras de caramelo da prisão e acordaram João e Maria,
chamandoos para fugirem. De repente, uma das trigêmeas viu um homem vindo numa car
roça. João achava que era seu pai à procura deles. E, sem fazer barulho, as trigêmeas des
montaram toda a casa e colocaram na carroça. João e Maria despediramse com um forte
abraço de Ana, Teresa e Helena que ficaram no local para ver a cara das bruxas. A primeira a
gritar, quando viu que a casa não existia mais (elas estavam na rua, de costas pra casa) foi a
Bruxa Onilda.
Após, as trigêmeas saíram correndo fugindo das bruxas que as perseguiam. Quando
estavam quase sendo alcançadas, surgiram três patos na beira de um rio que fizeram o favor
de transportar as irmãs. Mais uma vez, as meninas driblaram a Bruxa Onilda e voltaram para
casa para comer bolo de chocolate.
5. A bailar ina encantada
Esta história consiste em uma releitura da história “A vendedora de fósforos” de Andersen. A
autora leu vários contos de Andersen e, em seguida, escolheu um e reescreveu a história,
trazendo a problemática para o presente. A jovem autora, de 12 anos, participou de um con
curso comemorativo aos duzentos anos do nascimento do referido escritor dinamarquês, rea
lizado pela Universidade de Passo Fundo no ano de 2005.
A história é sobre uma menina humilde, chamada Lia, que morava numa casinha sim
ples e branca que ficava ao lado de um laguinho. Ao nascer, ela era encantadora, seus olhos
brilhavam como as estrelas e, como era negra, seus pais a apelidaram carinhosamente de Pre
tinha.
Todas as noites sua mãe lhe contava histórias e, certa vez, ao fazer a contação de uma,
197
deu a menina uma caixinha de música, que ganhara de seu pai quando ficaram noivos. Ao
abrir a caixinha, Pretinha ficou encantada com a bailarina que dançava suavemente ao som
de uma singela melodia. A partir daquele instante, Pretinha começou a sonhar em ser bailari
na.
O tempo foi passando, Pretinha foi crescendo e, quase todas as noites, sozinha à beira
do lago, olhando para as estrelas refletidas na água, ela pedia à estrela mais brilhante que
realizasse o seu desejo. Mas a menina sabia que, por ser pobre, seu sonho dificilmente iria
tornarse realidade.
Quando ela completou oito anos, seu pai ficou doente e faleceu. A partir de então, ela
teve de deixar a escola e passou a ajudar sua mãe no trabalho de cortar cana numa fazenda da
região. Mãe e filha acordavam todos os dias muito cedo, antes do dia clarear, e voltavam para
casa ao anoitecer. Sua jornada de trabalho durava de dez a doze horas por dia.
Pretinha costumava admirar as estrelas, enquanto pensava na saudade que sentia do
pai e sofrendo com a tristeza de sua mãe. Uma noite, ela via uma estrelinha caindo do céu.
Esta parou no ar e uma voz lhe disse para não ficar triste, porque seu pai estava feliz e olhan
do por elas – mãe e filha. No mesmo instante, apareceu um clarão no céu e a estrela brilhante
apontou na direção de uma porta que se abriu e disse para a menina entrar naquele mundo
mágico, onde seu sonho se realizaria.
Pretinha saiu correndo em direção à luz. À sua frente apareceu um palco iluminado e
ela, vestida de bailarina, começou a dançar para uma platéia admirada com seu jeito de dan
çar e, entre as pessoas, estava seu pai todo orgulhoso. Ela ficou muito famosa, tudo parecia
um sonho... Aquele era o mundo da imaginação.
Na verdade, Pretinha havia corrido em direção ao lago, e sua mãe só chegou a tempo
de ver a filha se afogando com um sorriso nos lábios. Desesperada por não saber nadar, a
mãe gritou por socorro e um fazendeiro que passava pela estrada correu e tentou salvar a
menina, mas já era tarde demais. A bailarina havia morrido. O fazendeiro acabou casandose
com a mãe de Pretinha, pois ambos eram viúvos e formaram uma nova família.
“Cotam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de
bailarina, dançando sobre as águas do lago.”
va de uma vida melhor longe de monstros disfarçados ou promessas não cumpridas. Acom
panhar as aventuras das duas crianças é percorrer o caminho de muitos meninos que não se
chamam João e meninas que não se chamam Maria, livres e abandonadas por nossas ruas.
Meninos e meninas sem nome, que também não se chamam Antônio, José, Glória, Carolina,
Cláudia.
Um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria tive
ram que sair de casa como aqueles dois da outra história (João e Maria). O menino que não
se chamava João queria encontrar aquela tal casa feita de doces, mas a menina que não se
chamava Maria não acreditava muito que ela existisse. Apesar disso, ela resolveu acompa
nhar o irmão. Os dois irmãos saíram de casa expulsos pelo monstro (companheiro da mãe) e
só deu tempo de pegarem a Nininha (irmã caçula) no berço e sair correndo. Saíram em busca
da casa de doces, onde não passariam mais fome. Eles não estudavam, pois tinham que aju
dar a mãe a comprar comida. A mãe trabalhava quando aparecia alguma coisa. O padrasto
batia na mãe e neles. No total eram oito filhos; um já tinha morrido; e dois estavam presos.
No caminho, precisavam arrumar leite para Nininha beber, pois o bebê estava com
fome, já que no dia anterior o monstro tinha tomado todo o leite que uma senhora tinha dado
para a mãe alimentar a filha Nininha.
O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, mais sua
irmãzinha Nininha, tiveram que dormir na rua. Pela manhã, foram acordados pelo barulho do
caminhão de lixo.
Estavam preocupados com a Nininha, que há três dias não bebia leite. Pediram para
algumas pessoas que encontraram nas ruas, mas elas fizeram várias perguntas e não deram
leite às crianças.
O menino que não se chamava João viu um monte de gente catando comida em uns
sacos que estavam na calçada de um restaurante. Foi lá, conversou com uma moça, contou de
sua irmãzinha, e a moça que tinha encontrado no lixo duas caixas com um resto de leite, deu
lhe a que tinha menos, já que com a outra ela iria alimentar seus dois filhos.
Deram o leite para Nininha beber e, em seguida, ela vomitou. Depois começou a ficar
quente e mole. O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria já
estavam bem afastados da cidade, talvez próximos da casinha de doces, mas tiveram que
retornar para levar a Nininha num posto de saúde. Lá a médica disselhes que o estado dela
era grave e que precisava tomar uns remédios com urgência. O problema era que ali, naquele
posto, eles não tinham os medicamentos para dar. Então, os irmãos, resolveram sair em busca
da casa de doces, pois a casa, por ser mágica, realizava desejos e poderia curar a irmãzinha.
No caminho Nininha morreu. A menina que não se chamava Maria e o menino que
não se chamava João dormiram no meio do bosque, e a irmã sonhou que tinha que colocar
Nininha em uma pedra bem bonita perto do riacho, então uma fada iria buscála e Nininha se
tornaria uma estrela. Assim eles fizeram, apesar de chorarem muito.
Depois, seguiram rumo à casa mágica e encantada de doces. Encontraram e resolve
ram lá ficar. Eles fecharam os olhos e desejaram muito ficar lá para sempre. Desejaram com
tanta força que, de repente, foram diminuindo até ficarem invisíveis e desapareceram junta
mente com a casa feita de doces. Dizem que eles foram morar no livro e viveram felizes para
sempre.
199
7. O Pr íncipe sem Sonhos
Thiago era um príncipe sem sonhos; passava o dia triste, porque já tinha tudo. Sendo
assim, como poderia sonhar? Ele até tentava sonhar, mas mal começava e seus desejos já se
realizavam. O rei e a rainha faziam de tudo para ver o filho feliz. Eles eram muito amorosos
e não entendiam o porquê daquele sofrimento, pois Thiago realmente tinha tudo que se podia
imaginar.
Sendo assim, com o que Thiago poderia sonhar? Com uma princesa de contos de fa
das? Não, Thiago ainda não tinha tempo para princesas. Gostava de jogar futebol, jogar boli
nha de gude com a galera. Ele não sabia qual era seu sonho, nem mesmo se tinha algum. E
isso o deixava muito triste.
Certo dia, cansado, de tanto tentar sonhar, o príncipe resolveu visitar seu sábio avô
que vivia longe das badalações do castelo e pedirlhe um conselho. Fazia tempo que eles não
se viam, abraçaramse longa e grandiosamente. O menino estava aflito porque não conseguia
ter nenhum sonho só seu, então, achava que seus sonhos não existiam. Vô e neto conversa
ram e o vô ensinoulhe um provérbio árabe: “Não diga que o céu está sem estrelas só porque
às vezes você não as enxerga”. Sentado no colo do avô, Thiago escutava seus conselhos. O
avô dizia para ele que seus sonhos são como as estrelas, isto é, estão aí, mesmo que ele não
as consiga ver em lugar algum. Disse para prestar atenção, pois o menino já tinha tudo o que
queria, mas ainda não era tudo o que podia ser. Um dia ele saberia a diferença entre ter e ser.
Mas não era necessário saber naquele instante. Thiago adormeceu no colo do avô, com um
sorriso diferente e sereno. Estaria ele sonhando? Só se saberia quando acordasse. O avô dis
selhe ao ouvido que os melhores sonhos são aqueles que continuam de outro jeito quando
despertamos.
200
GÊNERO (9)
1. A pr incesa sabichona
A Princesa sabichona não queria se casar. Ela gostava de ser solteira e queria viver
sossegada no castelo com seus bichos de estimação, fazendo o que bem entendesse. A prin
cesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela.
Um dia a rainha disselhe que já estava na hora de ela arrumar um marido e parar de
ficar às voltas com seus bichos. Um monte de pretendentes chatos ficou rodeando o castelo.
Então, a Princesa sabichona declarou que quem passasse pela prova que ela determinasse,
teria sua mão em casamento.
A cada um dos príncipes pretendentes ela deu uma tarefa bastante difícil que eles não
conseguiram cumprir. Então, a Princesa Sabichona considerouse livre de todos os preten
dentes.
Foi então que apareceu o Príncipe Fanfarrão que conseguiu fazer todas as tarefas que
todos os outros não haviam conseguido realizar. Ele achou que a Princesa Sabichona não era
tão sabida assim. Então ela lhe deu um beijo mágico e ele virou um sapo enorme. O Príncipe
Fanfarrãosapo foise embora depressa. E quando os outros príncipes ficaram sabendo o que
tinha acontecido com o Príncipe Fanfarrão, ninguém mais quis casar com a Princesa Sabi
chona, que viveu feliz para sempre.
ando do jeito dele.
Seus três irmãos iam sempre à Discoteca do Palácio com as namoradas princesas, en
quanto o pobre Cinderelo ficava em casa, limpando a sujeira deles. Quando terminava seu
trabalho, Cinderelo sentava perto do fogo e sonhava ser enorme e peludo como os irmãos.
Em um sábado, à noite, quando o Príncipe Cinderelo estava lavando as meias, uma
fada muito sujinha caiu pela chaminé. Ela disselhe que todos os seus desejos seriam realiza
dos. A fada foi mexendo sua varinha... disselhe que ele iria à discoteca... e foi transforman
do o príncipe e suas roupas. Mas suas magias não deram muito certo. O Príncipe Cinderelo
acabou se transformando em um enorme macaco peludo, em roupas de banho. O encanta
mento não permitiu que o príncipe se visse como ele estava, mas ele achava que estava muito
bonito. E assim ele foi à discoteca.
Chegando ao Embalo Real, percebeu que era grande demais e não passava pela porta.
Resolveu pegar um ônibus e voltar para casa. Lá estava uma bela princesa esperando o ôni
bus no ponto/na parada. Ele foi falar com ela e grunhiu. Ela assustouse com o macaco. Ba
teu meianoite e o príncipe voltou a transformarse nele mesmo. A princesa encantouse por
ele, achando que ele tinha afugentado o macaco enorme e peludo para salvála. O príncipe
Cinderelo, que era muito tímido, saiu correndo e perdeu a calça.
A princesa era a bela e rica Princesa Belarrica, que mandou anunciar que estava à
procura do dono daquela calça. Todos os príncipes da redondeza tentaram vestir a calça à
força, mas ela não serviu em nenhum deles. Os irmãos do Príncipe Cinderelo, também, tenta
ram vestir a calça. A calça serviu no Príncipe Cinderelo e a Princesa Belarrica o pediu em
casamento.
Eles viveram luxuosamente e felizes para sempre... Belarrica teve uma conversinha
com a fada sobre os três irmãos enormes e peludos, que os transformou em fadas domésticas.
Assim, eles se esvoaçavam pelo palácio fazendo o serviço doméstico para sempre.
ficou curiosa, então, subiu a escada que ia até um quarto pequeno e redondo, no alto de uma
torre. Neste quarto tinha uma máquina antiga que ela nunca tinha visto antes. Ali apareceu
uma mulher alta e magra que lhe disse para tocar a roca. Ela fez isso e desmaiou.
Aurora acordou com um beijo daquele rapaz que ela encontrara na floresta e se apai
xonara. Ela agradeceu e lamentouse por já estar prometida a um príncipe. O rapaz apenas
sorriu e beijoua novamente. Depois, levoua de volta por aquela longa escada.
Assim que chegaram ao final da escada, muitas pessoas esperavam o casal e batiam
palmas. Depois, Princesa Aurora entendeu que aquele era o Príncipe Felipe – o rapaz que
conhecera na floresta era um príncipe. Os dois casaramse e mudaramse para um castelo
enorme, construído pelo pai do noivo.
rei e a rainha dariam uma festa naquela noite. Ela decidiu, então, fazer uma visita à princesa,
quando percebeu que a princesa estava triste porque estava prometida ao Príncipe Felipe e
gostava do rapaz que encontrara na floresta. Foi então que ela lembrou de sua terceira regra e
ajudou a princesa. Combinou com Aurora para ela fingir que estava morta, assim o príncipe
chato ia desistir e ela se casaria com quem desejasse. Deulhe exatos dois comprimidos pra
dormir, conforme recomendados para adultos. Antes, a princesa pediulhe que avisasse o
rapaz na casinha da floresta. Malévola fez mais esta boa ação; foi encontrar o rapaz na casi
nha, quando descobriu que ele e o Príncipe Felipe eram a mesma pessoa. Depois convidouo
para tomar chá no seu escritório e conversarem melhor (na masmorra do castelo). Mas ela
teve que sair e pediu que o príncipe esperasse por seu retorno. Distraidamente, ela acabou
trancandoo na masmorra. As fadas Flora, Fauna e Primavera acabaram tirando o príncipe de
lá e enfeitiçaramno. Ela teve que se disfarçar de dragão para acabar com aquela tolice. Ela
sobreviveu aos ataques do príncipe, descendo um desfiladeiro.
Depois disso tudo, a M.A.L. teve de ser fechada. Mas, agora, que ela não está tão o
cupada, tem mais tempo de fazer caridade. Apesar de todos os problemas, aprendeu algo
muito importante – a quarta regra básica: “O que uma pessoa pode fazer bem, duas fazem
melhor”. Para os próximos empreendimentos comerciais, Malévola se uniu aos melhores
amigos e já tiveram algumas idéias: “Demolições Lobo Mau”, “Cruzeiros Marítimos do Ca
pitão gancho”,... Ela percebeu que as possibilidades são infinitas quando se trabalha junto
com outras pessoas. Mas ela mantémse no comando.
flores. Quando ela virouse, o caçador estava com um punhal em mãos apontando para ela. E
chorando, dizendo não poder fazer o que a Rainha havia pedido, disse para Branca de Neve
fugir e se esconder, porque a sua madrasta tinha mandado que ele a matasse. Branca de Neve
não podia acreditar, achou que o caçador estava mentindo, mas, depois, acabou fazendo o
que ele pediu e fugiu. Depois, a noite chegou na floresta e a princesa acabou adormecendo ali
mesmo. Sonhou com o príncipe encantado e foi acordada pelos animaizinhos da floresta.
Seguiu seu caminho e encontrou uma casinha, aninhada entre as árvores, pouco adi
ante, além do riacho. Chamou por alguém e ninguém respondeu. Observou seu interior e a
chou que ali moravam crianças. Acabou entrando na casinha e encontrando tudo sujo, então,
resolveu fazer uma faxina. Depois da limpeza, deitou um pouco nas caminhas para descan
sar. Sonhou, mais uma vez, com o príncipe e acordou com os sete anões a olhando. Eles se
apresentaram e ela contou a sua história. Os anões disseram que sua madrasta, a rainha, era
uma pessoa má, uma bruxa. Ela pediu para ficar morando com eles e fazer todo o serviço da
casa.
Na manhã seguinte, quando os anões saíram para trabalhar, avisaram para Branca de
Neve tomar cuidado com estranhos. Ela ficou ajeitando a casa e preparando uma torta de
pêssegos para os anões. Uma senhora apareceu e ofereceulhe maçãs; disselhe que provasse
uma. Branca de Neve deu uma mordida na maçã e desmaiou. Acordou beijada pelo príncipe.
Os dois disseram se amar e partiram juntos, despedindose dos doces anõezinhos e dos ado
ráveis bichinhos.
Eles casaramse e viveram felizes para sempre.
6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha
A Madrasta começa dizendo que adorava e ainda adora Branca de Neve, que tudo o
que fez foi para o bem da garota. Diz que vai contar a sua versão da história e que, certamen
te, vão acreditar nela.
Primeiro, diz que não é fácil, mas desgastante, criar uma adolescente, já que elas são
preguiçosas, maleducadas, só comem porcaria, usam roupas ripongas. Elas precisam de vigi
lância constante, porque não podem ver um menino na frente. E Branca de Neve era uma
adolescente típica. Segundo, ser madrasta não é bom, já que as madrastas têm uma má repu
tação, são sempre chamadas de cruéis e bruxas. A Madrasta lamenta que mãe verdadeira pos
sa ser implicante o tempo inteiro, mas se uma madrasta perde a paciência uma única vez, sai
na primeira página do jornal. Completando, a Madrasta era viúva e teve que cuidar de Branca
de Neve sozinha. Ela era uma mãe trabalhadora e solitária que não recebia ajuda de ninguém.
Quando as coisas saíam erradas, ela era quem levava a culpa.
A Madrasta diz que não era uma pessoa vaidosa, mas que tinha o dom da beleza natu
205
ral e que o Espelho Mágico passava o dia lhe elogiando, como se ela não soubesse de sua
formosura. Como ela sempre teve uma preocupação saudável com sua aparência, esperava
que Branca de Neve também tivesse, porém, ao contrário, a menina usava o mesmo vestido
esfarrapado todo dia e nunca fazia exercícios. Então, a Madrasta tinha que pôr ordem nas
coisas, pois sua enteada precisava de disciplina: regime e exercícios. Resumindo, precisava
da ajuda da Madrasta e foi o que ela fez.
Para ajudar no seu crescimento, precisava se exercitar. A Madrasta pediu a Branca de
Neve que ela começasse carregando cem baldes de água até o calabouço – era uma oportuni
dade de ela tonificar os músculos e queimar calorias. Mas Branca de Neve reclamava, res
mungava, não gostava, dizia que o trabalho era pesado, e até fingiu desmaiar depois de car
regar trinta baldes cheios de água. Como a Madrasta era uma pessoa muito tolerante, deixou
Branca de Neve descansar alguns minutos e, depois, deu a ela o trabalho mais fácil do palá
cio: lavar os degraus da entrada principal. Este era um ótimo exercício aeróbico; mas Branca
de Neve não agradeceu de novo. A Madrasta saiu um minuto para consultar seu espelho e,
quando voltou, Branca de Neve tinha parado de trabalhar, estava encostada no corrimão, can
tarolando com os passarinhos. Isso irritou a Madrasta e a deixou preocupada com a princesa.
As coisas pioraram quando no dia seguinte, ao invés de estar esfregando o assoalho
da cozinha, Branca de Neve foi encontrada pela Madrasta engolindo um pedaço de bolo. A
Madrasta exigiu que Branca de Neve parasse de comer aquilo, pois bolo não é adequado a
meninas em crescimento, é cheio de gordura e açúcar, estraga os dentes. A Madrasta disse a
Branca de Neve que ela tinha sorte por estar em sua nova dieta de pão e mingau – iria ficar
forte como um touro e poderia fazer todo o serviço sem cansarse. Branca de Neve entriste
ceuse e não ficou nada agradecida.
A Madrasta ficou magoada, mas orientou que a Branca de Neve esfregasse o chão, no
seu ritmo, antes de tirar o resto do dia de folga. Depois, concluiu que a garota podia ficar
conversando com os pássaros quando quisesse que ela não mais se incomodaria com isso.
Voltou ao palácio e consultou seu Espelho Mágico, o qual lhe disse que estava horrível e que
até Branca de Neve estava mais bonita que ela. A Madrasta concluiu que o terrível stress de
lidar com a ingrata enteada estava cobrando seu preço e tinha que fazer alguma coisa. Resol
veu tirar um dia de folga, desmarcou seus compromissos, e foi fazer uma massagem e uma
máscara de algas marinhas. Fez meditação e aromaterapia e caiu num profundo e merecido
sono.
Na manhã seguinte, acordou completamente renovada. Já ia consultar o Espelho Má
gico, pois tinha certeza que era novamente a mais linda de todas, quando viu pela janela um
garoto, que parecia muito interessado em Branca de Neve, muito próximo da garota, e ficou
preocupadíssima, afinal, ele poderia ser um criminoso, um seqüestrador. Tinha que proteger
sua enteada. Desceu a escada, mas quando alcançou Branca de Neve, ela já estava sozinha.
Sua enteada estava diferente, encontravase com um caso grave de paixonite aguda e andava
desanimada pelos cantos. Tudo ficou ainda pior, quando o Espelho Mágico disselhe que
Branca de Neve ainda era a mais linda de todas. Então pensou que uma mudança de ares tal
vez pudesse fazer bem a sua doce enteadazinha, pois ela precisava superar a paixão doentia e
voltar a fazer parte da geração saúde.
A Madrasta lembrou de Brad, o caçador, e o chamou para levar Branca de Neve para
o meio da floresta em um revigorante passeio pela natureza, já que ele conhecia a floresta
como mais ninguém. Pediu para saírem logo, porque precisava de um tempo para ela. Para
sua péssima surpresa, duas horas depois, Brad voltou sozinho, porque Branca de Neve tinha
fugido. A Madrasta reclamou que Brad deixou que ela escapasse e resolveu ela mesma trazer
a menina de volta.
Sobre a “Operação Resgate da Branca de Neve”, ela esclarece algumas calúnias: pri
meiro, ela não usou magia negra para se disfarçar e não ser reconhecida, mas apenas não
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usou seu manto, nem suas jóias, mas sim tênis e roupas confortáveis, próprios para andar
bastante; também não se maquiou, porque estava indo em uma missão resgate, e não a um
encontro. Segundo, não usou magia negra para encontrar Branca de Neve, mas apenas seguiu
sua trilha de laços de cabelo e papéis de chiclete, próprios de uma adolescente, até a cabana
da floresta. Terceiro, sobre a “maçã envenenada”, pura fofoca – no caminho, encontrou um
camelô que lhe vendeu uma cesta de maçãs bem brilhantes e ela não lembrou de checar se
elas eram livres de agrotóxico.
Branca de Neve ficou feliz por ver a Madrasta e ofereceulhe uma torta de pêssego. A
Madrasta ficou espantada de ter para comer no almoço aquilo e ofereceulhe as frutas fres
quinhas que comprou no caminho. Ofereceulhe a maçã mais brilhante do cesto, porque sabia
que ela continha muitas vitaminas e minerais essenciais para uma garota em crescimento.
Quando Branca de Neve caiu em sono de morte, a Madrasta correu para procurar um gastro
enterologista. A busca foi inútil e ela muito triste voltou para o palácio, pensando nunca mais
rever Branca de Neve. Os anõezinhos disseram coisas horríveis para ela, a insultaram e a
jogaram em um penhasco, mas ela aterrissou em uns arbustos macios e só ficou com alguns
hematomas.
A Madrasta finaliza sua versão da história, dizendo esperar ter melhorado sua ima
gem. Vive exilada, já que os anões provocaram uma rebelião e foi destronada. A Madrasta
sente falta do poder, mas não do stress e da pressão que vêm junto com ele. Hoje em dia, ela
está bem mais calma e trabalha em uma loja de produtos naturais, onde adora dar atenção
especial aos fregueses, aconselhandoos sobre o que devem comer ou não.
Era uma mensagem do rei urgente – um convite. O rei daria um baile em honra do príncipe e,
por Ordem Real, convocava todas as moças em idade de casar a comparecerem.
A madrasta e as irmãs de criação, Drizela e Anastácia, ficaram eufóricas com a notí
cia. Cinderela frisou que todas as moças em idade de casar deveriam comparecer e disse que
tinha de ir. Porém sua madrasta disse que ela só poderia ir se terminasse todo o seu trabalho e
se achasse alguma coisa adequada para vestir. As irmãs riram, como se isso nunca fosse a
contecer. Mas Cinderela acreditava que iria conseguir.
Ajudada pelos camundongos ela recuperou um vestido corderosa que tinha sido de
sua mãe. Depois, recebeu uma lista de tarefas de cada uma das irmãs. A madrasta disse ainda
que, quando terminasse de ajudar Anastácia e Drizela, poderia fazer uns servicinhos de últi
ma hora para ela.
Cinderela decidiu se apressar para fazer tudo que precisava. A carruagem chegou para
leválas ao baile e Cinderela não estava pronta. Ela disse que não iria ao baile e subiu corren
do as escadas aos prantos. Ao chegar ao quarto, teve uma surpresa, pois os camundongos
haviam preparadolhe o vestido. Ela vestiuse rapidamente e foi até a carruagem para ir ao
baile com sua família postiça. As irmãs gritando foram arrancando as partes do seu vestido,
rasgandoo e deixandoo aos trapos, e não a deixaram ir junto, foram embora com a madrasta
que não fez nada para impedir a atitude das filhas.
Cinderela estava no jardim chorando, quando apareceu a Fada Madrinha. Disselhe
que era Dorabella, vicepresidente das Transformações Regionais, e que tinha vindo para
ajudála a ir ao baile. Com sua varinha mágica, transformou uma abóbora em uma carruagem
enorme e brilhante. Cantarolando e agitando sua varinha, a Fada Madrinha transformou qua
tro dos ratinhos em cavalos, o cavalo da fazenda em cocheiro; Bruno, o cachorro, virou o
lacaio. E ainda gesticulando com sua varinha mágica, o cabelo de Cinderela penteouse sozi
nho, formando um coque francês, seus farrapos viraram um lindo vestido de baile cintilante e
sapatinhos de cristal lhe calçavam.
A transformação estava perfeita e Cinderela agradeceu muito a Fada Madrinha. To
davia ela disselhe que não perdesse a noção da hora, pois o encanto terminaria à meianoite.
Quando chegou ao baile, um rapaz muito bonito, usando um button “Salvem as balei
as” na lapela, sorriulhe e tiroua para dançar. Ela estava admirando os diversos quadros de
cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as paredes do palácio. O rapaz perguntoulhe se
gostava de animais e disse que ele também adorava e que pretendia entrar na faculdade de
veterinária. Ela confessoulhe que também era o seu desejo. Os dois foram descobrindo afi
nidades, valsando pelo jardim; confidenciaram segredos e achavamse que eram os únicos
dois que queriam tornar o mundo um lugar melhor para os animais. O rapaz a beijou e então
o relógio do palácio começou a bater. Era quase meianoite e o encanto ia acabar!
Cinderela saiu correndo em disparada e o jovem bonito a chamava. Na fuga, ao des
cer as escadas apressadamente, acabou deixando cair um de seus sapatinhos. O encanto aca
bou pontualmente à meianoite. Cinderela ainda ficou com um dos sapatinhos e guardouo de
lembrança.
Na manhã seguinte, a madrasta avisou que o grãoduque passaria por ali a qualquer
momento, já que estava percorrendo todo o reino atrás da menina que tinha deixado cair um
sapatinho de cristal quando foi embora do palácio. Disse que o príncipe estava loucamente
apaixonado por ela. Foi então, que Cinderela percebeu que aquele rapaz era o príncipe e que
queria casar com ela. Cinderela derrubou as bandejas de café. A madrasta mandoulhe arru
mar a bagunça, mas feliz e distraída, saiu do quarto rodopiando e murmurando uma valsa...
Foi aí que a madrasta desconfiou. Xingoua, dizendo que ela esteve no dia anterior no baile e
monopolizou o príncipe, afastandoo de suas filhas. Cinderela admitiu, mas disse que não
sabia que ele era o príncipe. A madrasta trancoua no quarto.
Os camundongos ajudaramlhe a sair do quarto, roubando a chave. Cinderela disparou
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pelas escadarias. Quando pediu para experimentar o sapatinho, a madrasta destruiu o sapato
com sua bengala. Porém Cinderela tirou o outro sapatinho de cristal do bolso do avental e
calçouo, servindolhe perfeitamente.
Cinderela disse à madrasta e as filhas dela que elas deveriam lavar e passar suas pró
prias roupas, daquele momento em diante, pois ela iria estar muito ocupada com outras coi
sas.
O príncipe e Cinderela abriram um consultório juntos, assim que terminaram a facul
dade de veterinária. Todos os animaizinhos seus amigos moram saudáveis com eles. As co
baias concordaram em participar de sua nova especialização: modificação de comportamento
animal. Pois a esperança de Cinderela é fazer Lúcifer, o gato mau da madrasta, submeterse a
esse tratamento.
criação. Por exemplo, ela sabia que Anastácia e Drizela tinham pavor de ratos e escondia os
ratos sob suas xícaras. A Madrasta teve que chamar especialistas, médicos renomados, para
recuperar suas filhas do choque traumático.
Um belo dia, quando a Madrasta estava dando uma aula de música para suas filhas
(Anastácia tocando lindamente sem derrubar a flauta nenhuma vez e Drizela cantando como
um anjo, acertando pelo menos uma nota sim e outra não), Cinderela entra pela sala trazendo
o Telegrama Real. Foi ela dizer que também deveria ir ao baile que as meninas começaram a
ficar nervosas. Então, seu instinto maternal lhe avisou de um ataque iminente, porém ela não
podia fazer nada, tinha de ser justa. Então disse às meninas que, contanto que terminassem
suas tarefas e se vestissem adequadamente, todas poderiam ir ao baile – até Cinderela.
Suas filhas logo terminaram suas tarefas “altamente exigentes” e puderam passar o
resto do dia preparandose para o baile. Já Cinderela demorou uma eternidade para cumprir
aqueles servicinhos simples. Quando a carruagem chegou, Cindy não estava pronta e seria
uma grosseirice deixar a carruagem esperando. Então, despediramse de Cinderela. Mas ela
devia ter adivinhado que Cindy faria de tudo para atrasálas. Exatamente quando estavam
saindo, ela desceu as escadas correndo, com um vestido horrendo, fora de moda, que não lhe
caía bem. Gentilmente, disseramlhe que aquele vestido estava péssimo e que ela deveria
ficar em casa. Foi uma tentativa de poupála de morrer de vergonha e ela não ficou nem um
pouco agradecida.
Suas filhas conheceram o príncipe e ele ficou impressionado com o encanto delas, ele
foi muito cortês, mas quando tentaram esticar a conversa com ele, ele mal respondeu, pois
estava prestando atenção em outra pessoa. As meninas ficaram arrasadas porque ele nem lhes
deu atenção, não falou com elas e não as tirou para dançar. Ele saiu apressado e ninguém
mais o viu em algum lugar. Quando estava no toalete, outra mãe trouxe a notícia de que o
príncipe valsava no jardim com uma jovem. Todas as mães foram ver quem era a moça, que
achavam ser uma estrangeira, talvez americana. A Madrasta foi empurrada e esmagada e não
conseguiu ver direito quem era a moça, mas achou algo estranhamente familiar.
A Madrasta ficou preocupada, pois o baile tinha sido um grande desapontamento para
suas lindinhas. Será que conseguiriam superar este trauma?
Na manhã seguinte, quando o Signor Capezio veio entregar os sapatos, trouxe as notí
cias do baile. E disse que o príncipe iria se casar com a moça que calçasse o sapatinho de
cristal. Disse ainda que o sapatinho era muito pequeno. Na pressa desesperada para tirar suas
filhas da cama, nem notou Cindy. Foi notada porque derrubou as bandejas de café, quando
estava contando sobre o príncipe às filhas. Quando pediu para limpar a bagunça, ela ignorou
e saiu dando piruetas e cantando uma valsa. Era a mesma valsa que tocava no palácio, duran
te o baile. Foi naquele instante que suas suspeitas sobre a enteada mudaram para pior. Como
ela foi ao baile, a Madrasta suspeitava de que Cindy tinha usado “magia negra”, tinha usado
terríveis poderes mágicos para transformarse em uma dama e enfeitiçar o príncipe.
A Madrasta arrependeuse de têla trancado no quarto, devia têla mandado para o sa
natório. Cindy usou de seus poderes mágicos para se soltar. Ela precipitouse enfurecida es
cada abaixo antes que o duque fosse embora. O sapatinho de cristal não tinha servido nem
em Anastácia e nem em Drizela, embora elas tenham tentado com toda força de seus cora
çõezinhos. Depois, tudo foi muito confuso... Acabou batendo com sua bengala, sem querer,
no sapatinho que voou pelos ares e espatifouse no chão em mil pedacinhos. O grãoduque
chorou. Cinderela sorriu e, como se fosse mágica mostrou outro sapatinho de cristal e calçou
o. Só podia ser magia negra!
As filhas reclamam que não foi justo o que aconteceu. Mas a Madrasta mostralhes o
lado positivo da história: todas têm saúde, estão juntas e não existem mais ratos na casa.
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9. A Bela Desador mecida
Quando Belinha nasceu, seus pais, de tão felizes, armaram uma festa para comemorar
a chegada da filha. Espalharam a notícia para todos, convidaram muitas pessoas, mas não
convidaram a bruxa (por azar, vizinha deles).
Mesmo sem ser convidada, a bruxa apareceu na casa cheia de convidados. Ela foi até
o berço, olhou para o bebê, deu um beijo estalado e seu presente: disselhe que quando Bela
festejasse seus catorze anos, iria picar seu dedo. Então, seus pais e quem mais estivesse por
perto iriam todos dormir por cem anos. Os convidados reclamaram da profecia má da bruxa.
Então, a bruxa resolveu arrumar um pouco o que tinha dito. Disse que, na hora exata, um
roqueiro chegaria e acordaria a formosa menina.
Desde então, os pais tiraram do alcance da menina tudo que era afiado ou pontudo
que pudesse tocar e furar sua mão. Jogaram fora garfos, facas, até o anel da tia. Quando Bela
ficou maior, notou que não podia pregar botão, nem cortar bolo, mas seus pais não explica
vam a razão. Ela não podia recortar, nem patinar no gelo, nem cortar as unhas, nem aparar o
cabelo. Não podia, também, escrever com lápis bem apontado. Seu pai estava todo barbudo e
não se queixava.
Chegou o famoso dia dos catorze anos. Quando Bela entrou no quarto, havia uma mu
lher pálida, que só podia ser a tal bruxa. A mulher disse que tinha vindo trazer seu presente
de aniversário – um antigo longplay. Disse para a menina colocar o disco para tocar. Ao
fazer isso, Bela tocou o dedo na agulha e sentou no sofá. A bruxa foi embora, certa da profe
cia concretizada. E começou a dar um sono na garota. Seus pais, o cachorro e o gato já dor
miam profundamente. Bela desejou boa noite a todos, vestiu seu pijama e foi dormir também.
Cedo da manhã, Bela acordou e viu seus pais dormindo. Chamou e acordouos. Sua
mãe perguntoulhe se já haviam dormido cem anos. Bela respondeulhe que o feitiço falhou,
porque na hora H ela pôs o despertador. Seu roqueiro preferido acordoua cantando rock bem
junto de seu ouvido.
Bela foi para a escola. Ela e seu roqueiro viveram felizes para sempre.
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Anexo 3:
Resumos de alguns contos de fadas clássicos, os quais os “novos contos de fadas” analisados
se referem, reescrevendoos ou parodiandoos.
1. A Bela Ador mecida
Era uma vez, há muito tempo atrás, um rei e uma rainha que desejavam muito ter um
bebê. Então, quando finalmente foram abençoados com o nascimento de sua filha – a princesa
Aurora, fizeram uma grande celebração em honra de sua chegada. Para batizar Aurora, vieram
três fadas bondosas: Flora, Fauna e Primavera.
Cada uma das fadas presenteou a princesinha com um dom. Flora deu à Aurora o dom
da beleza. Fauna deu à Aurora o dom do canto. Nesse momento, o palácio todo começou a
escurecer, apareceram relâmpagos de chamas verdes e surgiu Malévola no meio de todos.
Furiosa por não ter sido convidada a festa, ela anunciou que também gostaria de dar um pre
sente à princesa. Mas, para o horror de todos, Malévola lançou um feitiço no bebê. Ela disse
que antes do sol se pôr, no dia de seu décimo sexto aniversário, Aurora espetaria seu dedo no
fuso de uma roca e morreria!
Todos ficaram apavorados com a maldição de Malévola. Por sorte, Primavera ainda
não havia dado o seu presente. Então, ela disse que não podia tirar o feitiço, porém podia aju
dar. A fada disse que se Aurora espetasse seu dedo num fuso, não morreria... mas que, sim
plesmente, cairia num sono profundo, até ser despertada por um beijo de um amor verdadeiro.
Logo após, as fadas levaram Aurora embora para uma casinha no meio da floresta, on
de ela cresceu. E o rei mandou queimar todas as rocas do reino. As três fadas bondosas man
tiveram Aurora a salvo, escondida durante quase dezesseis anos, para que escapasse do feitiço
de Malévola. Aurora não sabia que era uma princesa e nem que suas queridas tias eram, em
realidade, fadas. Aurora nem sequer sabia seu nome verdadeiro, pois as fadas a chamavam de
Rosa Silvestre.
No dia do seu décimo sexto aniversário, Rosa saiu para passear pelo bosque, cantando
uma canção de um verdadeiro amor. Ela não percebeu que havia um jovem cavalgando pela
floresta naquele dia e que, ouvindo sua canção, aproximouse. Ela era muito tímida. Nunca
havia falado com um estranho, mas, por algum motivo, sentiu que já o conhecia. Rosa e o
jovem rapaz conversaram e dançaram juntos. Combinaram de se encontrarem mais tarde na
casa de Rosa.
Quando Rosa chegou em casa, suas tias tinha feito um vestido e um bolo de aniversá
rio para ela. Rosa ficou muito feliz e contou às tias que tinha acabado de conhecer um jovem
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com quem desejava casarse. As fadas ficaram alarmadas com as novidades de Rosa e come
çaram a contarlhe a verdade: que ela era uma princesa, que estava na hora de voltar ao palá
cio, conhecer seu pai e sua mãe – o rei e a rainha, e que, além disso, já estava comprometida
para casarse com um príncipe, escolhido pela família, desde seu nascimento. Rosa, que pas
sou a ser Aurora de novo, começou a chorar.
Quando Aurora e as fadas chegaram ao palácio, deixaramlhe só para que tivesse um
tempo para si mesma. E, assim que as fadas saíram, uma incandescência a atraiu para uma das
escadas misteriosas. Era Malévola, a bruxa que induziu Aurora para a roca e ordenou que ela
tocasse no fuso. Aurora tocou, espetou seu dedo e instantaneamente caiu num sono profundo.
Depois de ter cumprido sua maldição, Malévola voltou ao seu castelo no topo da montanha.
As fadas correram para ajudar Aurora, mas infelizmente era tarde demais. Elas sabiam
que a única coisa capaz de despertar essa bela adormecida era um beijo de um amor verdadei
ro, então decidiram buscar o jovem rapaz que Aurora conhecera no bosque. Enquanto isso, as
fadas fizeram com que todas as pessoas do castelo e do reino adormecessem também, para
fazer companhia à princesa. As fadas acabaram descobrindo que o amor de Aurora era, na
verdade, o príncipe Felipe, aquele para o qual estava prometida em casamento.
Malévola também descobriu isso e capturou Felipe com planos de mantêlo aprisiona
do para sempre. Porém as três fadas bondosas o salvaram. Elas o armaram com o Escudo Má
gico da Virtude e com a Espada da Verdade, dandolhe o poder de dominar o mal.
Para evitar que Felipe chegasse até Aurora, Malévola fez crescer uma floresta de espi
nhos ao redor do palácio da bela adormecida. Depois, decidida a derrotar o príncipe, trans
formouse num enorme dragão que cuspia fogo. Felipe derrotou a bruxa, entrou no palácio e
com um doce beijo despertou a bela adormecida. Todos no reino também despertaram e cele
braram a volta sã e salva de Aurora, e o dom precioso do verdadeiro amor. E viveram felizes
para sempre.
Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter
national Ltd., 2004.
Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e
revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd.,
2004.
2. Branca de Neve e os Sete Anões
Era uma vez uma princesa doce e gentil que se chamava Branca de Neve. Branca de
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Neve era uma jovem amável e encantadora que tinha os lábios vermelhos como uma rosa, os
cabelos pretos como o ébano e a pele branca como a neve. Branca de Neve vivia com a sua
madrasta, que era uma rainha malvada.
A rainha era muito vaidosa e tinha ciúmes da beleza da enteada, por isso a obrigava a
vestir trapos e trabalhar, limpando o castelo como se fosse uma servente. Mesmo assim,
Branca de Neve vivia alegre, sorrindo e cantando canções para se distrair.
Um dia, um príncipe passou pelo castelo e viu Branca de Neve cantando. Os dois se
apaixonaram.
A rainha tinha o costume de consultar seu espelho mágico, perguntando: “ Espelho,
espelho meu, há alguém mais bela do que eu?”. Seu espelho sempre dizia que ela era a mais
bonita. Porém, certa vez, o espelho lhe respondeu que Branca de Neve era a mais linda do
reino. A rainha se enfureceu e resolveu acabar com a vida da enteada. Chamou o caçador e
ordenouo que levasse Branca de Neve ao bosque e a matasse, trazendo o seu coração como
prova de sua morte.
No bosque, o caçador não conseguiu obedecer às ordens da rainha malvada. Contou
tudo a Branca de Neve e disselhe que fugisse. O caçador matou um animal e arrancou seu
coração e levouo a rainha como prova de seu serviço. Branca de Neve acabou refugiandose
numa casinha na floresta, onde moravam sete anões. Eles estavam trabalhando na mina de
diamantes, e quando voltaram, encontraram Branca de Neve deitada, dormindo em suas ca
mas, pois estava exausta, depois de ter feio uma faxina na casa deles. Eles se apresentaram e
ficaram amigos. Os sete anões chamavamse: Mestre, Feliz, Zangado, Dengoso, Soneca, At
chim e Dunga. Branca de Neve contou sua história e eles concordaram que ela ficasse moran
do com eles.
Depois, outra vez, a rainha consultou seu espelho mágico, e ele respondeulhe que
Branca de Neve ainda era a mais bela, que não estava morta, mas que vivia no bosque com os
sete anões.
A rainha, traída pelo caçador, disfarçouse de velha vendedora de maçãs e foi até a ca
sa dos anões, ofereceu uma maçã envenenada a Branca de Neve, que estava sozinha, e ela
caiu adormecida no chão. Quando os anões retornaram da mina, encontraram Branca de Neve
caída no chão, já sem tempo de salvála. Então, colocaramna em um caixão de cristal aberto
para poderem admirar a sua beleza e sempre iam visitála.
Certo dia, um príncipe passou por ali, aquele que tinha se apaixonado pela jovem; ele
a achou tão linda dormindo, que não pôde evitar, e a beijou. Como por magia, Branca de Ne
ve acordou. O primeiro beijo de amor verdadeiro rompeu o feitiço da malvada rainha. Os a
nões ficaram muito felizes.
Branca de Neve e o príncipe despediramse dos anões com carinho e saíram em seu
cavalo branco. E viveram felizes para sempre.
Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter
national Ltd., 2004.
Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e
revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd.,
2004.
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3. Chapeuzinho Ver melho
Era uma vez uma linda e adorável menina que morava com seus pais em uma aldeia
perto do bosque. Certa vez, ela ganhou uma capinha vermelha de veludo com capuz e passou
a usála o tempo todo. Assim, passou a ser chamada por todos de Chapeuzinho Vermelho.
Um dia a mãe de Chapeuzinho Vermelho pediu à filha que fosse até a casa de sua avó,
para visitála e levarlhe alguns alimentos, já que a avó estava doente e deveria ficar alguns
dias de cama. A mãe estava preocupada porque havia muito trabalho para fazer e não poderia
sair de casa, mas queria notícias da saúde de sua mãe. Então, pediu para a filha fazer compa
nhia a sua avó.
Então, a mãe de Chapeuzinho preparou uma cesta de alimentos para a filha levar a avó
e orientoua para seguir o caminho direitinho até a casa da avó, não conversando com nin
guém, não fazendo paradas, cuidando o lobo (que aterrorizava a aldeia) e voltando logo para
casa, antes de anoitecer. A avó morava do outro lado do bosque. O único problema do bosque
era um lobo mau que andava assustando a vizinhança com seu apetite enorme. Chapeuzinho
Vermelho despediuse de sua mãe, dandolhe um beijo e saiu levando a sua cesta.
O dia estava lindo, o céu estava claro e o sol brilhava. No caminho, Chapeuzinho viu
umas flores e parou para apanhar algumas para levar a vovó. Depois, distraiuse vendo os
animais que estavam por ali e, quando percebeu, o sol já tinha andado bastante no céu. Cha
peuzinho Vermelho pensou na mãe e ficou preocupada. Ela não ia gostar de saber que a filha
tinha desobedecido suas instruções. A menina ficou aflita. Além disso, ela tinha as mãos e o
rosto sujos e parou no riacho para laválos. Ela pensou que era melhor se apressar e recuperar
o tempo perdido.
Chapeuzinho Vermelho retomou seu caminho apressadamente, foi quando o lobo apa
receu e perguntoulhe aonde ia tão depressa. A menina respondeulhe que ia à casa de sua avó
que estava doente, levarlhe aquela cesta de alimentos. O lobo ainda perguntoulhe o que ha
via na cesta e onde sua vovozinha morava. A menina respondeu tudo ao lobo, sem perceber
quem ele era. O lobo sugeriulhe um caminho para que chegasse mais rápido à casa de sua
avó. A menina agradeceulhe a ajuda e seguiu o caminho sugerido por ele.
Na verdade, o lobo enganoua, dizendo para ela ir pelo caminho mais longo, para que
ele pudesse ir pelo mais curto (ele sabia um atalho) e chegar antes da menina na casa da vo
vozinha. Seu plano estava definido: primeiro comia a vovozinha, depois a netinha.
Quando o lobo chegou à casa da vovozinha, bateu à porta e disfarçouse de netinha. A
vovó mandou entrar, dizendo que a porta estava aberta. Ele entrou rapidamente e foi ao quar
to. Antes que a vovó percebesse o que estava acontecendo, ele comeu a velhinha em uma só
bocada. Depois, deitouse em seu lugar, vestiu as roupas da vovó e ficou aguardando a chega
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da de Chapeuzinho – fez seu jantar e estava esperando a sobremesa!
Quando Chapeuzinho Vermelho chegou à casa da vovó, bateu à porta e o lobo, disfar
çado de vovó, disselhe o mesmo que a vovó tinha dito para ele: que ela podia entrar, pois a
porta estava aberta. Chapeuzinho entrou e foi direto para o quarto da avó. O quarto estava
escuro, com as janelas fechadas. Chapeuzinho olhou para a vovó, estranhou sua aparência e
disse:
Vovó, como seus olhos estão grandes!
É para te ver melhor, minha querida – respondeu o lobo.
Vovó, que orelhas enormes a senhora tem!
É para te escutar melhor, Chapeuzinho.
Vovó, como seus braços cresceram – disse a menina.
É para te abraçar melhor, minha netinha.
Vovó, por que a sua boca está tão grande? – perguntou Chapeuzinho assustada.
É para te comer – respondeu o lobo engolindoa de uma vez.
Dentro da barriga do lobo, a avó e a netinha se encontraram. As duas se abraçaram e
choraram. Um caçador que passava por ali achou que tinha algo estranho naquela casa. Então
entrou e viu o lobo dormindo na cama da vovozinha, roncando bem alto. Abriu sua barriga e
tirou a vovó e a menina de lá, ainda vivas. Depois encheu a barriga de pedras e costuroua.
Quando acordou, o lobo tentou fugir, mas com as pedras na barriga, acabou morrendo. Os três
festejaram o fim do lobo.
Chapeuzinho Vermelho abraçou sua avó, voltou para casa e prometeu nunca mais de
sobedecer a sua mãe.
Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilus
trações de Carlos Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos)
Imagem: GRISOLIA. Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Carlos
Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000.
4. Cinder ela
Era uma vez uma menina chamada Cinderela que vivia com seu pai, pois sua mãe era
falecida. Certo dia, seu pai resolveu casarse novamente, pois pensava que Cinderela precisa
va de uma mãe. Então, casouse com uma viúva que tinha duas filhas. No início a madrasta
era bem querida com Cinderela, mas depois que se casou com seu pai, passou a destratála.
Depois que ele morreu então as coisas pioraram ainda mais!
Cinderela amava sonhar, pois tinha uma vida muito difícil. Desde que seu pai morrera,
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a sua madrasta cruel e suas filhas malvadas, Anastácia e Drizela, tratavamna como uma ser
vente. Cinderela trabalhava o dia inteiro até anoitecer. Por isso, seus sonhos davamlhe forças
para seguir adiante.
Um dia, enquanto Cinderela varria o chão da casa, um mensageiro real bateu na porta.
Ele trouxe um convite para o baile no castelo. O rei queria casar seu filho, então decidiu con
vidar todas as donzelas do reino para o baile, com a esperança de encontrar uma esposa para o
príncipe.
Cinderela queria muito ir ao baile, mas sua madrasta lhe deu uma lista imensa de tare
fas a serem realizadas. A madrasta sabia que Cinderela jamais poderia terminar seu trabalho a
tempo.
Os amiguinhos de Cinderela, os ratinhos e passarinhos, ajudaramna no serviço e ainda
arrumaramlhe um de seus vestidos velhos com fitas e laços, deixandoo novo. Porém, quando
chegou a hora de irem ao baile, e quando a madrasta e suas filhas viram Cinderela tão elegan
te, foram puxando seu vestido, até rasgálo aos farrapos. Cinderela saiu correndo para o jar
dim aos prantos.
De repente a fada madrinha de Cinderela apareceu. Com sua varinha de condão, a fada
madrinha ia transformando: uma abóbora em uma bela carruagem, os ratinhos em cavalos, o
cavalo em chofer e o cachorro em servente. Transformou, ainda, os trapos de Cinderela em
um deslumbrante vestido de baile e deulhe delicados sapatinhos de vidro. Antes de Cinderela
partir para o baile, a fada madrinha avisoulhe que quando batesse o último badalo da meia
noite, o encanto terminaria, e tudo voltaria a ser como antes.
Quando Cinderela chegou ao baile, o príncipe a notou imediatamente. Foi até ela e a
convidou para dançar. Ela não sabia que ele era o príncipe, mas apaixonouse por ele. Os dois
dançaram juntos a noite toda. E quando o relógio começou a bater, Cinderela lembrou do avi
so da fada madrinha, e saiu correndo em disparada. Enquanto fugia, Cinderela perdeu um de
seus pequeninos sapatos de vidro na escada e o príncipe o pegou.
No dia seguinte, o rei declarou que a jovem dama que fosse dona do sapato se casaria
com o príncipe. O grande duque levou o sapato a todas as casas do reino para que até a última
donzela pudesse calçálo.
Quando o duque chegou à casa de Cinderela, suas irmãs fizeram de tudo para calçarem
o sapato, mas seus pés eram grandes demais. A madrasta não queria que Cinderela tivesse a
chance de provar o sapato e fez com que ele tropeçasse, quebrando o sapatinho em mil peda
ços. Nesse exato momento, Cinderela tirou do bolso do seu avental o outro sapatinho de vi
dro, calçouo e, deste modo, revelou que ela era a misteriosa jovem com quem o príncipe
dançou a noite toda no baile.
Cinderela e o príncipe casaramse e viveram felizes para sempre. Para Cinderela era
um sonho que virou realidade!
Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação
Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter
national Ltd., 2004.
Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e
revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd.,
2004.
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5. J oão e Maria
Era uma vez um lenhador, pobre, que gostava muito dos seus filhos, João e Maria.
Depois que a mãe das crianças morreu, ele se casou novamente, mas sua segunda mulher não
era nem um pouco apegada às crianças. Os quatro moravam numa casinha perto da floresta e
passavam muitas dificuldades e, muitas vezes, não tinham o que comer.
Uma noite, o lenhador conversava com a mulher sobre seus problemas, quando ela fa
lou para, no dia seguinte, eles levarem as crianças na floresta, num lugar bem distante, e dei
xálos lá, com um pedaço de pão para cada um. O homem horrorizouse com a idéia de aban
donar os filhos, mas acabou sendo convencido pela insistência da mulher, que disse que assim
eles poderiam ser encontrados por alguém com melhores condições de criálos. Porém, João e
Maria ouviram a conversa. Maria começou a chorar e João disselhe que não se preocupasse,
pois ele iria dar um jeito. Então, quando todos foram dormir, João saiu e começou a andar ao
redor da casa, catando várias pedrinhas brilhantes. Ele encheu seu bolso delas, voltou para seu
quarto e disse a Maria que não se preocupasse, pois eles não iriam se perder.
No outro dia, o pai estava triste. A madrasta chamou os dois irmãos e deu um pedaço
de pão a cada um, dizendolhe que todos iriam sair para catar lenha na floresta. Maria guardou
os dois pães em seu avental, porque os bolsos de João estavam cheios de pedrinhas. Enquanto
andavam, seu irmão parava e deixava algumas pedrinhas pelo caminho. O pai estranhou as
paradas do menino e questionouo. João respondeulhe que estava acenando ao seu gatinho. A
madrasta achou aquilo uma tolice do menino.
Quando chegaram ao local escolhido pela madrasta, os quatro juntaram lenha para fa
zer uma fogueira. Depois o casal se despediu, dizendo que iriam cortar árvores mais longe e
que era para os irmãos ficarem ali quietos; caso sentissem fome, que comessem o pão. E o
casal foi embora.
Durante um tempo, João e Maria ouviram o ruído do machado, mas depois que come
ram, o cansaço e o calor do fogo fizeram com que adormecessem. Ao acordar, Maria come
çou a chorar, pois já estava escuro. João acalmou a irmã, dizendo que assim que a luz da lua
começasse a brilhar, eles iriam voltar. E assim foi feito; guiados pelas pedras brilhantes que
refletiam a luz da lua, os irmãos acharam o caminho de casa.
Ao vêlos, o pai abraçoulhes aliviado porque estavam juntos novamente. A madrasta
não gostou e fingiu preocupação com os garotos, perguntando por onde estiveram, dizendo
que estavam preocupados com o sumiço dos dois trapalhões. Depois, disselhes para irem
dormir.
Algum tempo depois, como a família continuava passando necessidades, a situação se
repetiu. O pai tentou convencer a madrasta a não abandonar as crianças, mas acabou cedendo
à sua vontade. João ouviu tudo com Maria e pediu para ela se acalmar. À noite, quando foi
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sair para catar as pedrinhas, João foi surpreendido pela porta trancada. Voltou para o quarto e
pensou que até o dia seguinte ele encontraria uma solução.
Pela manhã, a madrasta deu um pedaço de pão a cada um. Os quatro seguiram pela
floresta e João ia deixando algumas migalhas de pão pelo caminho. Seu pai questionouo o
motivo de tantas paradas, e o menino respondeuo que era para acenar para o seu pombinho.
A madrasta considerou uma bobagem do menino.
Depois de muito andar, eles pararam num lugar totalmente desconhecido. Recolheram
galhos secos para fazer uma fogueira. Antes de o casal partir, a madrasta falou para os meni
nos ficarem ali, pois eles iriam cortar algumas árvores mais adiante. Disse ainda que o fogo
estava aceso para aquecêlos. Portanto, se sentissem fome, que comessem o pão; se sentissem
sono, que dormissem. Disselhes que, assim que terminassem o trabalho, voltariam para bus
cálos.
Como João tinha feito seu pão em migalhas, os dois dividiram o de Maria. Logo de
pois, eles dormiram e quando acordaram estava escuro. Maria sentiu medo, mas João disse
lhe que o luar iluminaria tudo e eles poderiam seguir a trilha de migalhas. Todavia João não
contou com a fome dos passarinhos, que comeram todas as migalhas.
No dia seguinte, os dois tentaram encontrar o caminho de casa. Andaram muito por
mais de um dia. Até que um dia, de repente, viram um pássaro branco no topo de uma árvore
e resolveram seguilo, quando encontraram uma casa feita de todos os tipos de doces. Como
estavam famintos, correram em direção a casa e começaram a comer aquelas delícias. Nisso
apareceu uma velha, perguntando sobre quem estava comendo a sua casa. Depois, notando
que as crianças estavam famintas, convidouas a entrar e ofereceulhes um lanche. Os dois
nem acreditavam no que estava acontecendolhes. Eles puderam comer à vontade.
Depois do lanche, a senhora trancou João em uma gaiola e fez de Maria sua emprega
da. As crianças ficaram sabendo que aquela velhinha era na verdade uma bruxa que comia
criancinhas, principalmente, meninos. Ela não enxergava bem, mas tinha um faro ótimo e
sabia quando havia um menino por perto. O pássaro branco tinha sido treinado pela bruxa
para atrair criancinhas para sua casa. Lá, ela oferecia um lanche para as crianças e depois as
devorava. A bruxa disse a Maria que ela deveria cozinhar e fazer todo o serviço de casa todos
os dias, enquanto João ficaria preso na gaiola, até que engordasse, quando então poderia ser
devorado por ela. Avisoulhes que primeiro iria comer o menino e depois a sua irmã.
Os dias foram se passando e, enquanto João recebia bastante comida para engordar,
Maria comia apenas pão e restos de comida. Todos os dias a bruxa ia ver se João já tinha en
gordado. Como ela não enxergava bem, pedia para apalpar o dedo do menino para sentir se
ele estava no ponto. Como João era muito esperto, em vez de colocar o dedo fora da gaiola,
ele colocava um ossinho de galinha. A bruxa sempre reclamava que ele ainda estava muito
magrinho. Não entendia como ele comia tanto e não engordava.
Depois de um tempo, a velha bruxa ficou irritada e resolveu comer o menino de qual
quer jeito. E mandou Maria buscar água para pôr no caldeirão para ferver. Mandou, também,
Maria acender o forno para pôr o pão para assar. Disse para Maria abrir a porta do forno e
colocar a sua cabeça lá dentro para ver se estava bem quente. Então Maria, percebendo as más
intenções da bruxa, que iria comer a menina, antes do menino, respondeulhe que não sabia
fazer isso. A bruxa, muito irritada, foi mostrar à menina como fazer. Maria aproveitou a chan
ce e empurrou a velha para dentro do forno e trancou a porta. Depois abriu a porta da gaiola,
onde estava preso João. Antes de irem embora, as crianças revistaram os quartos e encontra
ram um baú cheio de jóias e pedras preciosas.
Livres, os dois começaram a procurar o caminho de casa. Depois de andarem bastante,
avistaram um rio e pediram a ajuda do pato para atravessarem. O pato atravessou uma criança
de cada vez; quando os dois se encontraram novamente, na outra margem do rio, agradeceram
a ajuda do pato e continuaram a caminhar. Depois de muito andar, chegaram a uma parte da
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floresta que eles conheciam bem e logo encontraram o caminho de volta.
Assim que avistaram sua casa, gritaram por seu pai, que saiu correndo para abraçar os
filhos. Os três riram e choraram de emoção. O pai disselhes que tentou encontrálos várias
vezes, porque sofria muito sem eles. Contoulhes que a madrasta tinha morrido e que, agora,
podiam viver juntos e sem problemas. Nesse momento, as crianças mostraram o baú que ti
nham trazido da casa da bruxa. Foi assim que a família pôde viver unida e feliz, sem mais
dificuldades.
Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. João e Maria . Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de
Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos)
Imagem: GRISOLIA. Dulcy. João e Maria . Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Avelino Guedes.
São Paulo: FTD, 2000.
6. A pequena vendedora de fósfor os
Era uma vez uma menina muito pobre, que andava pelas ruas, vendendo caixinhas de
fósforos. Era o último dia do ano, véspera de Ano Novo, e estava terrivelmente frio! Estava
nevando e logo iria escurecer.
A pequena vendedora de fósforos andava pelas ruas, com os pés descalços, com pou
cas roupas e sem cachecol para protegerlhe do frio. Ela tinha um par de chinelos que havia
ganhado, mas como eram maiores que seus pés, ela acabou perdendoos, ao correr entre os
carros e carroças da rua. Sendo assim, a menininha andava com os pés descalços que estavam
azuis de frio. Ela levava uma caixa de fósforos no seu velho avental e estava segurando uma
caixa deles na sua mão. Seu dia tinha sido péssimo, pois ninguém havia comprado caixa de
fósforos e, portanto, ela estava sem dinheiro, com muita fome e com muito frio.
As luzes brilhavam nas janelas, tudo ainda estava enfeitado com as luzes do Natal, e
havia um aroma delicioso de comida por toda a rua. A menina sentouse no chão e tentou se
aquecer num canto entre duas casas. Ela estava frágil e não tinha coragem de voltar para casa.
Iria apanhar, quando chegasse em casa, sem dinheiro. A família era muito pobre, morava nu
ma casa muito humilde e passava necessidade.
Suas mãozinhas estavam quase inertes de tanto frio. Resolveu acender um fósforo para
aquecerse. E foi riscandoos um por um... Enquanto os acendia, via imagens de casas bonitas,
mesas fartas, muita comida, viuse até junto a uma mesa farta em frente a um pinheiro de Na
tal. Depois, olhou para o céu e viu uma estrela caindo, formando um longo risco de fogo no
céu. A menina pensou que alguém estava morrendo, pois lembrou de sua falecida avó, a única
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que fora bondosa com ela, que tinha lhe ensinado que quando se vê uma estrela cadente, isto
significa que uma alma está indo para o céu.
A menina acendeu outro fósforo que fez um clarão enorme e ela viu sua avó. A meni
na pediu para a avó levarlhe junto. Sua avó levou a menininha nos braços e ambas voaram
para longe com enorme alegria, cada vez mais alto, até que não havia mais frio, nem fome,
nem sofrimento. Elas estavam no Paraíso.
No outro dia, cedinho da manhã, a menininha ainda estava sentada no canto entre as
duas casas da rua. Suas bochechas estavam vermelhas e ela tinha um sorriso nos lábios... Ela
estava morta, tinha congelado até morrer na véspera de Ano Novo. Os fósforos da caixinha
estavam quase todos queimados ao seu lado.
Alguém que passou por ali pensou e comentou que a menina só quis se manter aqueci
da... Mas o que ninguém soube foram as coisas lindas que ela tinha visto e imaginado, ou de
que forma ela tinha entrado no Ano Novo com sua avó idosa.
Resumo baseado no livro: Um tesouro de contos de fadas. Ilustrações de AnnieClaude Martin. DSMAX, 1994.
Imagem: BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de
Cris Eich. São Paulo: Ática, 2005.
221
Anexo 4:
Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas:
1. Charles Perrault, 2. Irmãos Grimm e 3. Hans Christian Andersen.
222
Charles Perrault nasceu em Paris no dia 12 de janeiro de 1628. Era o quinto filho de
um casal da alta burguesia. Ele abandonou o colégio na adolescência, depois de ter se desen
tendido com um professor, e acabou completando seus estudos sozinho.
Aos 23 anos, começou a trabalhar como assessor do seu irmão mais velho, sendo cole
tor de finanças da corte. Esse emprego lhe dava tempo livre para participar ativamente dos
badalados salões literários parisienses, onde escritores e aristocratas se encontravam. Neste
local, ele cercouse de relações sociais importantes e conquistou notoriedade. Na luxuosa cor
te de Luís XIV – o Rei Sol –, Perrault foi promovido a assessor do ministro Colbert, com ge
nerosas gratificações e direito a aposentos no Palácio de Versailles, onde permaneceu por
vinte anos.
O prestígio do cargo real favoreceu também o seu ingresso, aos 43 anos, na Academia
Francesa, onde, ao lado de outros literatos, foi protagonista de uma longa disputa intelectual,
batizada de Querela dos Antigos e Modernos. Os Antigos eram aqueles escritores que acredi
tavam na superioridade da Antigüidade grecoromana sobre toda e qualquer produção france
sa. Já os escritores Modernos defendiam que a obra dos autores da França não deixavam nada
a dever aos clássicos de outros tempos.
Perrault liderava o grupo dos Modernos. Ele resolveu buscar nas raízes francesas his
tórias que comprovassem o alto valor da cultura nacional. Foi assim que acabou encontrando
os contos de fadas, chamados naquele tempo de “contos de velha” ou “contos da cegonha”, e
que eram conhecidos apenas na boca do povo e em alguns livretos de cordel. Neste período,
começavam também a ser descobertos pelas damas da corte, que os recitavam com pompa nos
salões de Paris.
Naquela época, faltava, porém, alguém que transformasse essas histórias em boa lite
ratura. Charles Perrault banhou os “contos de velha” no ouro de sua poesia e recriouos ao
escrever Contos da mamãe gansa . Com esta obra, acabou misturando a tradição popular com
a cultura erudita de forma primorosa.
O autor e seu tempo...
223
Fonte: ALMEIDA, Fernanda Lopes de. Contos de Perrault . Ilustrações de Elisabeth Teixeira. São Paulo: Ática,
2005. p. 47
224
Jacob nasceu em 1875 e seu irmão Wilhelm nasceu um ano depois. Nasceram em Ha
nau, no estado de Hesse (Alemanha). Estudaram em Marburgo e, de 1808 a 1829, trabalharam
em Kassel.
O pai deles era advogado e faleceu quando ainda eram crianças. A mãe decidiu que os
dois seguiriam os passos do pai – o que fizeram com o auxílio financeiro de uma tia, e fre
qüentaram a universidade em Kassel, onde ambos formaramse com sucesso em Direito. Já
que não tinham recursos para se estabelecerem como advogados e precisavam sustentar a
mãe, aceitaram o que lhes foi oferecido. Jacob tornouse assistente de um famoso especialista
em lei romana, com quem aprendeu a pesquisar e desenvolveu o amor por esta. Jacob tornou
se um dos grandes homens de seu tempo – não em matérias de lei, mas em filologia (o estudo
da linguagem). Os dois irmãos eram fascinados por este estudo e seus interesses eram bem
abrangentes e profundos; para eles a filologia não era só o estudo das palavras, mas também
da História, da Alemanha, da Idade Média, das Letras Clássicas e da Raça Humana.
Logo Jacob e Wilhelm conseguiram ocupações que lhes permitiram dedicaremse a
seus interesses pessoais, dando início a um tratado sobre a língua germânica. Desenvolveram
uma teoria que ficou universalmente conhecida como a Lei dos Grimm. Sob certo aspecto,
Jacob foi melhor estudioso, Wilhelm, melhor escritor, mas trabalhavam juntos em tal colabo
ração que é quase impossível distinguir suas contribuições. Por dez anos dedicaramse à
Gramática Germânica ; depois se enfronharam na mitologia de sua gente com o mesmo afin
co, determinados em estabelecer algo comparável aos mitos nórdicos e eslavos, já bastante
divulgados. Foi esta tarefa que concedeu ao mundo os contos de fadas, os quais foram coleta
dos como parte da evidência necessária desse trabalho mais amplo.
Estes contos passavam oralmente das mães aos filhos, ninguém sabia há quantas gera
ções, sem jamais haverem tido as formas de suas histórias fixadas pela escrita. Assim, por
exemplo, uma família de lenhadores ou carvoeiros que vivesse há séculos nas densas florestas
poderia relatálas de modo bem diferente de uma outra família que houvesse sempre vivido
em regiões de céu aberto ou nas fazendas dos vales.
Jacob e Wilhelm ouviram esses contos na infância, porém, agora, os examinavam com
outros olhos, olhos críticos, e com esperança de que iluminassem a história, as crenças e os
costumes da longa sucessão de camponeses alemães que haviam concedido a essas histórias
suas formas finais. Os irmãos valorizavam as histórias por seu material folclórico, sendo, por
tanto, essencial que fossem obtidas tantas versões de cada história quantas possíveis, e que
225
cada uma fosse registrada com absoluta fidelidade ao relato feito pelos camponeses em suas
choupanas.
Os irmãos trabalhavam nos relatos com a precisão e o método característicos de seu
povo, tomando uma frase aqui, uma palavra ali, como testemunhos de lendas e mitos esqueci
dos. Para eles, os gnomos, as fadas, os gigantes, os duendes das minas e os duendes amigos
dos homens eram parte de um passado esquecido.
Os Grimm demonstraram através de suas personalidades a meticulosidade e a soleni
dade típicas dos germânicos: pouco senso de humor e uma certa tendência para o romântico.
O primeiro volume de Kindermärchen foi publicado em 1812, o segundo em 1815 (a
no da batalha de Waterloo) – os famosos livros de contos de fadas dos irmãos Grimm. É es
tranho imaginar esses dois irmãos obstinadamente prosseguindo as suas pesquisas sobre o
folclore germânico durante os conturbados anos das guerras napoleônicas, que tão diretamen
te afetaram seu solo nativo.
Nesse período, na Inglaterra, os contos de fadas haviam tido suas existências pratica
mente eliminadas pela sisudez inglesa. Eram classificados de injuriosas tolices, capazes de
perturbar as crianças; e teve início uma época de contos moralizantes e fatos de interesse em
formatos digeríveis. Provavelmente, a seriedade com a qual os irmãos Grimm haviam coleta
do os contos tenha ajudado a tornálos mais aceitáveis na Inglaterra, abrindo assim, mais uma
vez, os portões das terras das fadas às crianças inglesas.
Logo que completaram a Teoria da Mitologia Germânica (levaram treze anos), os ir
mãos tiveram a tarefa de produzirem um Dicionário da Língua Alemã, mas ambos faleceram
antes de terminálo.
Fontes:
BRAZ, Júlio Emílio. João e Maria . Recontado por Júlio Emílio Brz. Ilustrações de Salma Dansa. São Paulo:
FTD, 2003. (Coleção as bruxas de Grimm)
GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Tradução de Zaida Maldonado. A bela adormecida e outras histórias. v.1.
Porto Alegre: L&PM, 2001. (Coleção L&PM Poccket)
226
Era uma vez Hans Christian Andersen: vida e obr a
Hans Christian Andersen nasceu no dia 2 de abril de 1805, em Odense, uma pequena
cidade da Dinamarca. O pai dele era sapateiro e a mãe era lavadeira. Sua família era muito
pobre. Eles eram tão pobres que todos viviam num único cômodo. A mãe, às vezes, precisava
mendigar para conseguir alguma coisa para a família comer. Talvez por essa razão, para es
quecer a pobreza, é que Andersen se deixava levar pelos sonhos; tudo para ele tinha uma ma
gia escondida.
Andersen teve uma infância solitária. Ele não brincava com outros meninos, porque
sempre zombavam de suas pernas compridas e de suas histórias esquisitas. Então, ele preferia
ficar sozinho, lendo livros ou brincando com seu teatro de bonecos. Quando era menino, ado
rava inventar histórias. Ficava horas a fio no minúsculo quintal da casa dele, com o avental da
mãe sobre a cabeça para se abrigar do sol. Inventava peças de teatro para seus bonecos e até
construiu um teatro de brinquedo para eles.
Um dos momentos mais importantes da vida de Andersen foi quando ele assistiu sua
primeira peça teatral de verdade, aos 7 anos, no teatro de Odense. Ele não tinha dinheiro para
pagar o ingresso e, então, fez amizade com o porteiro do teatro para deixálo entrar sem que
ninguém percebesse. Eles fizeram um trato: o porteiro deixava Andersen entrar e lhe dava os
programas das peças em troca da ajuda do menino na limpeza do teatro. Com aqueles pro
gramas, Andersen inventava diálogos e peças inteiras para os personagens. Assim, a idéia de
227
se tornar um grande artista de palco ficou tão forte no espírito do menino que ele não conse
guia pensar em outra coisa. Sendo assim, aos 14 anos, ele decidiu partir sozinho para a capital
do país, Copenhague, para tentar realizar seu grande sonho.
Então, com 14 anos, a bordo de um navio, Andersen foi tentar a vida na capital da Di
namarca. Ele usava roupas velhas que pertenceram ao seu pai. Levava pouco dinheiro e toda a
sua bagagem era uma trouxa de roupas surradas. O pai de Hans Christian tinha morrido três
anos antes, com apenas 33 anos de idade. Em razão disso, a vida da família, que já era difícil,
ficou ainda pior. A mãe tinha que trabalhar muito para garantir sozinha a sobrevivência deles.
Naquela época, um garoto de 14 anos, principalmente nas famílias muito pobres, já era consi
derado adulto e já tinha que começar a pensar em trabalho.
Quando chegou à capital, o jovem passou por uma série de frustrações e dificuldades.
Ninguém queria darlhe emprego. No Teatro Real de Copenhague, o gerente disse que ele era
magro demais e muito desajeitado para ser ator. As pessoas achavamno estranho, que ele não
era bom da cabeça e até zombavam do garoto esquisito, que usava um chapéu largo, camisa
frouxa e botas enormes. Andersen alugou um quartinho minúsculo numa pensão do bairro
mais pobre da cidade. Como não conseguia emprego, o pouco dinheiro que tinha levado aca
bouse logo. Ele não tinha como se manter na capital nem como voltar para sua cidade natal.
Apesar de todas as dificuldades, Andersen não queria abandonar o sonho de se tornar
um artista famoso. Sendo assim, durante os três primeiros anos em que passou em Copenha
gue, sua vida foi extremamente dura. Não tinha como comprar roupas novas que pudessem
acompanhar seu crescimento. Durante todo esse período, ele viveu miseravelmente, passando
frio e fome. Sobreviveu porque as pessoas, de algum modo, se comoviam com sua história e
pressentiam que ele tinha um talento especial e, por isso, ajudavamlhe com dinheiro.
Aos 17 anos, Andersen tinha tentado chegar aos palcos por três caminhos: como can
tor, como dançarino e como autor. Mas todas as pessoas que se interessaram por ele insistiam
em lhe dizer que só conseguiria desenvolver seus talentos se procurasse recuperar o tempo
perdido fora da escola.
Teimoso, escreveu uma nova peça e apresentou o texto a algumas pessoas, entre elas
Jonas Collin, que era Diretor do Teatro Real de Copenhague – um homem muito poderoso,
que tinha ótimas relações com a família real e era conhecido como um homem rico, austero e
modesto, mas que costumava ajudar as pessoas com dificuldades. Jonas Collin achou a peça
de Andersen “inútil para o palco”, no entanto, decidiu conceder a Andersen uma bolsa de es
tudos para freqüentar uma escola primária, pois também acreditava que Andersen jamais seria
alguém na vida se não recebesse uma boa educação. A escola ficava no interior da Dinamarca,
num lugar chamado Slagelse. Este foi um dos períodos mais difíceis e sofridos de toda a vida
de Andersen.
Com 17 anos, o rapaz sensível e delicado, teve que freqüentar a mesma sala de aula
com garotos bem menores do que ele. Andersen ainda teve que suportar por cinco anos o pro
fessor Meisling (muito talentoso, mas temido e odiado pelos alunos, era seu professor na es
cola), pois precisou viver na mesma casa com o professor, sua mulher e seus filhos pequenos,
de quem tinha de cuidar como se fosse um serviçal da família.
Por fim, o próprio Collin, que o colocou naquela situação com as melhores intenções,
teve pena dele e permitiu que ele saísse da casa do terrível mestre e retornasse a Copenhague,
onde começou a ter aulas particulares, sempre com a ajuda de Collin, sendo que mais tarde foi
estudar na universidade.
Collin praticamente adotou Andersen, trazendoo para o convívio de sua própria casa,
e ele se tornou grande amigo dos filhos de seu protetor. A partir daí, a vida se tornou muito
mais agradável, porque pela primeira vez Andersen tinha uma família de verdade. Ele morava
num pequeno apartamento, sozinho, mas freqüentemente aparecia na casa dos Collin.
228
Foi nessa época que Andersen começou a ficar conhecido como escritor. Nesse perío
do, Andersen usava todo momento livre para escrever. Teve seu primeiro livro publicado aos
24 anos e vendeu bem. Em seguida, uma de suas peças foi encenada no maior teatro da cida
de. Ele começou a ganhar seu próprio dinheiro.
No verão de 1829, quando já tinha ganhado dinheiro suficiente par fazer uma viagem,
Andersen fez uma longa viagem pela Dinamarca. Certo dia, quando passava na casa de um
amigo, conheceu uma linda moça chamada Riborg Voigt. Hans Christian se apaixonou pedi
damente por ela. Os dois passearam juntos algumas vezes e ele até escreveu alguns poemas
para ela. Mas o romance foi breve, pois ela casouse com outro, deixando Hans Christian mui
to magoado.
Depois disso, Hans Christian Andersen teve outros amores, mas nunca se casou, nunca
teve filhos, apesar de gostar muito de crianças e de escrever histórias para elas.
Até aqui, Andersen só tinha escrito livros para adultos. Depois foi viajar para conhecer
outros países da Europa (conheceu entre outras cidades, Paris e Roma). Quando retornou das
viagens, ele voltou para a Dinamarca e alugou um pequeno apartamento aconchegante, onde
morava sozinho. Ele já estava próximo dos 30 anos de idade e sua vida de miséria e pobreza
tinha ficado para trás. Ele já era famoso em toda a Europa. Mas ele tinha vontade de ser real
mente original no que fazia, de criar um tipo novo de literatura, alguma coisa diferente. Surgi
ram os contos de fadas...
Antes dele, Charles Perrault e os irmãos Grimm publicaram contos que as pessoas já
conheciam de ouvir contar, mas Hans Christian Andersen foi o primeiro escritor a produzir
contos de fadas originais, nascidos de sua própria imaginação. Para escrever alguns deles, é
verdade que ele se inspirou em lendas tradicionais do folclore dinamarquês, coisa que ele ou
viu da boca de mulheres velhas, ainda quando era menino. Mesmo assim, os personagens, as
tramas, a linguagem, tudo foi criação dele.
O primeiro livro de contos, publicado em 1835, tinha quatro histórias: “O isqueiro
mágico”, “Nicolau Grande e Nicolau Pequeno”, “As flores da pequena Ida” e “A Princesa e o
grão de ervilha”. As crianças logo se apaixonaram pelas histórias de Andersen. Suas histórias
eram cheias de coisas mágicas e de personagens fantásticos. Por outro lado, teve gente que
achou as histórias muito cruéis e violentas para as crianças. E outras que as consideravam
malescritas. Mas ele não se importou com este tipo de comentário e seguiu escrevendo. E foi
assim que ele conseguiu realizar o seu sonho de menino pobre: tornarse famoso, respeitado e
conhecido no mundo todo. Ele sempre guardou as lembranças e os sentimentos de sua vida de
criança infeliz e soube usálos na hora de escrever seus contos. A literatura tornou sua grande
razão de viver. Outra paixão era viajar. As viagens alimentavam a sua imaginação e repercutia
no que escrevia.
Em 1840, aos 35 anos, Andersen partiu novamente para uma grande e longa aventura.
Viajou pela Itália, Grécia, Istambul, Turquia...
No verão de 1844, Andersen passou alguns dias com o rei e a rainha da Dinamarca.
Sua literatura tinha conquistado não só o público em geral, mas também a nobreza de diversos
países. Logo depois dessa temporada com os reis da Dinamarca, ele viajou pela Alemanha.
Em 1847, Andersen fez sua primeira visita à Inglaterra e à Escócia, países onde seus
livros estavam se tornando populares. Em Londres, Andersen foi convidado a festas, jantares
e bailes quase todo dia, pois todos queriam conhecêlo. Mas ele mesmo queria conhecer uma
pessoa especial: o grande romancista inglês Charles Dickens, de quem era grande admirador.
Os dois conheceramse num jantar e tornaramse bons amigos.
Em dezembro de 1867, o povo de Odense fez uma cerimônia especial em honra de
Hans Christian Andersen. Ele tinha se tornado o filho mais ilustre da cidade. Foi realizada
uma grande festa. Naquele dia ele estava com uma terrível dor de dente e teve de cancelar
vários discursos.
229
No dia 4 de agosto de 1875, Hans Christian Andersen morreu, enquanto dormia.
Na Dinamarca, há uma estátua de Andersen que o povo ergueu para homenagear o
maior contador de histórias de todos os tempos. No porto de Copenhague, tem uma estátua da
Sereiazinha, um dos personagens mais famosos de Andersen.
Sobr e a importância de sua obra: o que nos contam os contos de Hans Christian Ander
sen?
Hans Christian Andersen deixou uma valiosa obra, que inclui poesias, peças de teatro,
autobiografias, diários de viagem e, é claro, contos de fadas. Neste gênero escreveu 168 histó
rias. Muitas delas são referências a passagens de sua vida, especialmente os anos de pobreza.
Nenhum outro autor teve um papel tão marcante na memória das crianças como esse
escritor dinamarquês. Sua importância é tamanha que, na data de seu aniversário, é comemo
rado também o Dia Mundial do Livro Infantil.
Andersen foi um menino pobre cercado de terríveis dificuldades. Com o passar do
tempo, ele mostrou como pôde combatêlas usando a determinação e o talento. Assim, seguiu
para um final triunfante, tornandose um dos escritores mais lidos no mundo inteiro.
Algumas histórias: “O Rouxinol”, “O Patinho Feio”, “Nicolau Grande e Nicolau Pe
queno”, “A Sereiazinha”, “As roupas novas do Imperador”, “O soldadinho de chumbo”, “A
pastora e o limpador de chaminé”, “Tommelise” (“Polegarzinha”), entre outras.
Fontes:
BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de Cris Eich.
São Paulo: Ática, 2005. (Série Clara Luz)
FRANÇA, Mary; FRANÇA, Eliardo. Contos de Andersen (Coleção). São Paulo: Ática.
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Anexo 5:
Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”: Shrek1 (2001), Branca de Neve – O
Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela (2004), Deu a louca na Chapeuzinho (2005),
Shrek 3 (2007), Deu a Louca na Cinderela (2007), Encantada (2007).
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Anexo 6:
Reportagem da Revista Veja: “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos a publica
ção de livros infantis com personagens homossexuais”.