Carrascoza - Associação de Ideias
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Carrascoza - Associação de Ideias
Invalidando a célebre sentença do poeta francês Mallarmé de que poesia não se faz com ideias
mas com palavras, a publicidade é construída por meio de um mesmo procedimento que envolve tanto as
ideias quanto as palavras: a associação.
Vamos analisar dois casos que revelam nitidamente o processo de associação de ideias e de palavras
utilizado na elaboração de anúncios publicitários, definindo antes o que é pensamento associativo e como
se dão as associações semânticas no campo textual.
A associação de ideias consiste numa forma de raciocínio em que uma ideia é ligada, mesclada, ou
amalgamada, à outra. Para Aristóteles, as ideias podiam ser associadas por semelhança, contraste e
contiguidade. No século XVIII, o filósofo David Hume acrescentou a essa classificação a associação por causa
e efeito e suprimiu a de contraste por julgá-la uma mescla entre semelhança e contiguidade'. Recorremos
aos próprios exemplos usados por Hume para melhor definirmos cada um desses tipos de associação: uma
paisagem reproduzida num quadro conduz naturalmente nossos pensamentos para o seu original, o que
consiste numa associação por semelhança. Quando se fala sobre um apartamento de um edifício, abre-se o
caminho para uma conversa sobre os outros apartamentos; a associação se dá então por contiguidade. E, se
pensamos num ferimento, é quase impossível não refletirmos acerca da dor que o acompanha, sendo que a
conexão de ideias nesse caso é de causa e efeito2.
Não é por acaso que a associação de ideias — e, sobretudo, a livre associação —, juntamente com a
interpretação dos sonhos, constitui uma das pedras fundamentais do método freudiano. Tampouco que a
publicidade seja resultante de uma bricolagem, da edição de partes de vários discursos; e, editar, sabemos, é
uma forma de unir, atar, associar.
Quanto à associação de palavras, vale recorrermos a Ferdinand de Saussure. Em seu Curso de linguistica
geral, Saussure define o signo linguístico como a união de uma imagem acústica (significante) a um
conceito (significado) por meio de um laço arbitrário3. A palavra "árvore", por exemplo, é constituída pelo
seu aspecto concreto, seu conjunto sonoro (significante), e seu aspecto conceituai, abstrato, a imagem
mental (significado). Para Saussure, "as relações e diferenças entre termos linguísticos se desenvolvem em
duas esferas distintas, cada uma das quais é geradora de certa ordem de valores; a oposição entre essas duas
ordens faz compreender melhor a natureza de cada uma. Correspondem a duas formas de nossa atividade
mental, indispensáveis para a vida da língua"4.
No discurso, as relações baseadas no caráter linear da língua, que excluem a possibilidade de
pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, são chamadas de sintagmáticas. Apóiam-se na extensão. Por
exemplo: "A publicidade não é um discurso-no", "A publicidade é um rio feito de vários discursos". Um termo só
tem valor porque está num encadeamento, ou seja, alinhado antes ou após outro na cadeia da fala. Fora do
discurso, encontramos relações que não têm por base a extensão, mas nas quais as palavras que têm algo
em comum se associam na memória. São chamadas de relações paradigmáticas e sua sede está no cérebro.
Tomando o próprio exemplo de Saussure5, a palavra ensinamento fará surgir outras palavras. Ou seja, será
como o centro de uma constelação, o ponto para onde convergem outros termos. O elemento comum entre
eles pode ser o radical (ensinamento, ensinar, ensinemos etc), o sufixo (ensinamento, armamento,
desfiguramento etc), a imagem acústica (ensinamento, elemento, lento etc), ou a analogia dos significados
(ensinamento, educação, aprendizagem, instrução). Em resumo: uma relação sintag-mática se estabelece em
dois ou mais termos presentes numa série real; já uma relação associativa une termos numa série mnemónica
virtual. A transposição dessas palavras do plano mental para o plano do discurso resulta num método
construtivo a que se costuma chamar em literatura de "palavra-puxa-palavra", muito utilizado por
escritores e poetas, como Carlos Drummond de Andrade6. E esse procedimento vem sendo frequentemente
utilizado pela publicidade impressa brasileira, sobretudo ao longo dos anos 90, destacando-se a associação
semântica — por analogia de significados7.
Vejamos pois dois casos de associação de ideias e de palavras em anúncios, extraídos do mesmo número da
Veja, a revista semanal de maior tiragem no Brasil.
O primeiro deles é um anúncio de sabão em pó (Figura 1), produto de baixo preço, indispensável no
dia-a-dia das donas-de-casa, que traz o seguinte texto:
Chegou o sabão em pó que vale por um feriado prolongado. Agora lavar roupa no Brasil não é
mais sinónimo de trabalho pesado. Ariel é o sabão em pó que remove sozinho até aquelas manchas
mais difíceis sem esfregar e sem a ajuda que os outros sabões em pó precisam. Ariel tem dentro dele
o poder de todos os produtos que você usa, como pré-lavagem, sabão em pedra e alvejante seguro.
Enquanto Ariel trabalha na sua máquina, você tem todo o tempo livre para dedicar à sua família, à
sua casa e a você mesma. Pense nisso e mude para melhor: mude para Ariel.
Figura 1
No plano das ideias, temos um anúncio elaborado a partir de um tema, Dia do Trabalho — a revista
circulou na semana que antecedeu essa data —, ao qual se associa o trabalho diário de limpeza da dona-de-casa.
A imagem de uma mulher descansando numa cadeira, certamente em decorrência de trabalhar menos, está
articulada à proposição do anúncio — a chegada do novo produto que vale para ela como um feriado
prolongado — por contiguidade. As cores azul e branca da roupa da mulher e o verde predominante ao fundo
combinam com as cores das embalagens, o que consiste numa associação por semelhança. A tipologia do
subtítulo "Chegou o sabão em pó que vale por um feriado prolongado" em tom azul e a do slogan convocativo
"Pense limpo. Pense Ariel" em vermelho estão igualmente associadas por semelhança ao vermelho em
destaque no centro das embalagens com o nome do produto. As cores da ilustração ao lado do texto, que
equipara um conjunto de objetos de limpeza a uma medida de Ariel, são também associadas contigúamente
às do produto.
Em termos de associação de palavras, temos o paradigma "Dia do Trabalho", e, distribuídas pelo
título, subtítulo e texto, as seguintes palavras/frases que se associam a ele por analogia de significado:
"trabalhando menos", "feriado prolongado", "trabalho pesado", "trabalhando na sua máquina", "tempo livre".
Figura 2
A economia brasileira passou por uma tempestade. Agora que o tempo está melhorando, o céu
está mais claro e está tudo voltando ao normal, sabe o que a Volkswagen fez? Continuou mantendo o
dólar a R$ 1,36. É esta cotação que estamos usando para você ter o Novo Golf, o carro mais completo
e com mais itens de série da sua categoria. O motor você escolhe: 100 ou 150 cavalos. Os freios a
disco nas 4 rodas com ABS e EBD, o duplo airbag full size e a direção hidráulica são de série. E é com esse
mesmo dólar, a R$ 1,36, que você continua comprando o Passat, o melhor Volkswagen de todos os tempos,
e a Variant, a versão station wagon do Passat. Como você sabe, eles são os melhores e mais completos carros
de suas categorias. E, com o dólar a R$ 1,36, eles ficam imbatíveis no preço. Pode ter certeza de que é a
melhor relação custo x benefício que você pode encontrar no mercado. Novo Golf, Passat e Variant. Se eles
são ótimos em tempo ruim, imagine com tempo bom.
No âmbito das ideias, temos uma associação por semelhança entre a relação custo x benefício e a
paráfrase do título "câmbio x benefício", bem como associação por contiguidade entre câmbio (no sentido
financeiro) e o "dólar a R$ 1,36". Também está presente o pensamento associativo por causalidade no
argumento enunciado no início do texto de que, em virtude da tempestade pela qual passou a economia
brasileira e o fato de as coisas estarem melhorando (causa), a Volkswagen está facilitando a compra do Colf,
Passat e Variant mantendo para isso a cotação do dólar a R$ 1,36 (efeito).
No código cromático do anúncio, temos associação por semelhança entre as cores azul e branca da
marca Volkswagen, da ilustração dos cifrões do Plano Reduzido do Banco Volkswagen e dos três
automóveis alinhados na foto.
Em termos de associação de palavras, temos a palavra geradora "tempestade", pela qual teria passado
simbolicamente a economia brasileira, e a partir dela surgem outras palavras/frases análogas ao seu
significado: "o tempo está melhorando", "o céu está mais claro", "o melhor Volkswagen de todos os tempos",
"tempo ruim", "tempo bom".
Tanto no primeiro anúncio (sabão em pó Ariel) quanto no segundo (linha de automóveis importados
Volkswagen), pudemos detectar os mesmos procedimentos: associação de ideias quanto à elaboração da
mensagem geral (texto e imagens) e associação de palavras quanto à construção da mensagem restrita (apenas
texto).
Ensinar aos alunos dos cursos de Publicidade e Propaganda práticas nas quais exercitem a capacidade
de conectar pensamentos, simulando associações de ideias e de palavras, tornando-os melhores bricoleurs, é,
inegavelmente, fundamental para potencializar o talento daqueles que desejam atuar em agências de
propaganda na área de Criação.
Por isso, em inúmeros brainstorms, realizados com aspirantes à carreira publicitária, aplicamos o
método de criação por meio de associação de ideias e tivemos oportunidade inclusive de desmistificar o
processo criativo na publicidade que, como afirmamos, envolve uma bricolagem — associação de diversos
discursos —, mas é sempre alardeado como fruto da genialida-de dos profissionais de Criação.
Um exemplo comprobatório dessa tese é o exercício de associação de ideias que propusemos diversas
vezes para turmas de estudantes de Publicidade e Propaganda na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo e em oficinas de redação publicitária ministradas para profissionais de marketing
e comunicação em empresas públicas e privadas. O exercício consistia em elaborar, com a participação de
todo o grupo, uma série de três anúncios, associando uma calça jeans, da marca Levi's, a atividades que
exigiam resistência. Cada um deles deveria ser protagonizado por um animal, um tipo de esportista e um
habitante de uma região inóspita, respectivamente, de forma a que esses elementos (animal, esportista e
povo) estivessem em interação, não apenas justapostos com o produto. O objetivo era, dessa forma, realçar
a durabilidade do jeans sujeito a condições de exaustão, mas sendo usado de maneira inusitada pelos
protagonistas. O resultado em todos os exercícios realizados, tanto com jovens universitários quanto com
executivos de marketing pouco afeitos a esse tipo de desafio, foi, com pequenas variações, e sem nenhum
tipo de indução de nossa parte, invariavelmente o mesmo.
No anúncio de associação da calça jeans com o animal, tivemos as seguintes sugestões, entre outras:
No segundo anúncio, no qual foi pedido para que se associasse a calça jeans a um tipo de esportista,
levando-se em conta a resistência e a durabilidade do produto, eis algumas das ideias sugeridas:
No terceiro anúncio, em que se buscou associar habitantes de regiões inóspitas e o jeans, tivemos
também soluções pertinentes, como as seguintes: