BEZA, Teodoro - As Duas Partes Da Palavra de Deus LM PDF

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As Duas Partes da Palavra de Deus: Lei & Evangelho

por

Theodore Beza

O QUE CHAMAMOS DE "PALAVRA DE DEUS": SUAS DUAS PARTES - A LEI E O


EVANGELHO.

Chamamos de "Palavra de Deus" os livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, por


terem procedido da boca do próprio Deus.

Dividimos esta Palavra em duas partes principais: uma e chamada "Lei", a outra
"Evangelho"'.

O que chamamos de Lei é a doutrina cuja semente é escrita pela natureza em nossos
corações. Entretanto, para que nosso conhecimento fosse mais preciso, ela foi escrita
por Deus, em duas tábuas e é compreendida, resumidamente, em dez mandamentos.
Neles, Deus estabelece para nós a obediência e a perfeita justiça, as quais devemos a
Sua majestade e aos nossos semelhantes, em termos contrastantes: vida eterna, se
guardarmos a Lei perfeitamente, sem omitir um ponto sequer, ou morte eterna, se não
cumprirmos completamente cada mandamento (Dt. 30: 15-20; Tg. 2:10).

O que chamamos de Evangelho (Boas Novas) é a doutrina que não está totalmente em
nós por natureza, mas é revelada do céu (Mt. 16:17; Jo. 1: 13) e supera totalmente, o
conhecimento natural. Por ele, Deus testifica que é Seu propósito nos salvar
graciosamente através de Seu único Filho (Rm. 3:20-22), providenciando que, pela fé,
nós recebamos a Jesus como nossa única sabedoria, justificação, santificação e redenção
(1 Co. 1:30). Por ele (o evangelho), o Senhor nos testifica todas essas coisas, e o faz de
tal maneira, que ao mesmo tempo Ele nos renova de forma poderosa, nos capacitando a
receber os benefícios que nos são ofertados. (1 Co. 2:4).

AS SIMILARIDADES E DIFERENÇAS ENTRE A LEI E O EVANGELHO

Devemos prestar grande atenção a estas coisas, em virtude de, com razão, podermos
dizer que a ignorância da distinção entre a Lei e o Evangelho é uma das principais
origens dos abusos que corromperam e ainda corrompem o cristianismo.

A maioria dos homens, cegos pelo justo julgamento de Deus, nunca consideraram
seriamente a maldição sob a qual a Lei nos sujeita, ou o porquê ela foi ordenada por
Deus. Quanto ao Evangelho, geralmente o consideram como nada mais sendo do que
uma segunda lei, mais perfeita do que a primeira. Disto decorre a errônea distinção
entre preceito e conselho, resultando, pouco a pouco, a total ruína do favor de Jesus
Cristo.

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Agora, devemos considerar estes assuntos. A Lei e o Evangelho têm em comum que
ambos provêm de um Deus verdadeiro, sempre consistente com Ele mesmo (Hb. 1: 1 -2).
Não devemos pensar, por esta razão, que o Evangelho revoga a essência da Lei. Pelo
contrário, a Lei estabelece a essência do Evangelho (Rm. 10:2-4); explicaremos isto mais
tarde. Ambos nos apresentam o mesmo Deus e a essência. da mesma justiça (Rm. 3:31),
que reside no perfeito amor a Deus e ao nosso próximo. Mas existe uma grande diferença
nestes pontos que devemos tocar, especialmente no que concerne aos meios de obter
esta justificação.

Em primeiro lugar, como aludimos antes, a Lei é natural para o homem. Deus a imprimiu
em seu coração desde a criação (Rm. 1:32; 2:14,15). Quando, muito tempo depois Deus
fez e exibiu as duas Tábuas da Lei, não foi para fazer uma nova lei, mas para restaurar
nosso conhecimento original da lei natural que, por causa da corrupção do pecado, foi
pouco a pouco, sendo removido do coração do homem (Rm. 7:8,9). Mas o Evangelho é
uma doutrina sobrenatural, a qual nossa natureza nunca poderia ser capaz de imaginar,
nem aprovar, sem uma especial graça de Deus (1 Co. 1:23; 2:14). Mas, o Senhor a
revelou primeiramente a Adão, logo depois de seu pecado, como Moisés declara em Gn.
3:15; posteriormente aos patriarcas e aos profetas em degraus crescentes como melhor
Lhe parecia (Rm. 1:2; Lc. 1:55, 70), até o dia em que Ele manifestou Jesus Cristo em
Pessoa. Ele claramente anunciou e realizou tudo o que está contido no Evangelho (Jo.
15: 15; 6:38). Este Evangelho é revelado por Deus ainda hoje e será revelado até o fim
do mundo, através da pregação instituída em sua Igreja (Jo. 17:18; Mt. 28:20; 2 Co.
5:20).

Em segundo lugar, a Lei nos revela a majestade e a justiça de Deus (Hb. 12:18-21). 0
Evangelho nos mostra esta mesma justiça, mas lá ela é apaziguada e satisfeita pela
misericórdia manifestada em Cristo (Hb. 12:22-24).

Em terceiro lugar, a Lei nos envia a nos mesmos, a fim de realizarmos a justiça que nos
ordena, ou seja, a perfeita obediência aos seus mandamentos, o que e necessário a fim
de escapar da culpa. Desta forma, ela nos mostra nossa maldição e nos sujeita a ela,
como o apóstolo declara (Rm. 3:20; Gl. 3:10-12). Mas o Evangelho nos ensina onde achar
aquilo que não temos, e tendo achado, nos ensina como ser capaz de desfrutá-lo. Desta
forma Ele nos resgata da maldição da Lei (Rm. 3:21, 22; Gl. 3: 13,14).

Concluindo, a Lei declara que somos abençoados quando a cumprimos sem omitir nada;
o Evangelho nos promete salvação quando cremos, ou seja, quando, pela fé, nos
agarramos a Jesus Cristo que tem tudo o que carecemos e muito mais do que
necessitamos. Estas duas condições - fazer o que a Lei ordena, ou crer que Deus nos
oferece em Jesus Cristo - são duas coisas que são, não somente muito difíceis, mas
totalmente impossíveis para a nossa natureza corrupta; não podemos nem mesmo
compreender, como o apóstolo Paulo diz em 2 Co. 3;5 e Fp. 1:29. Por isso é necessário
adicionar uma quarta diferença entre a Lei e o Evangelho.

Assim sendo, a quarta diferença entre a Lei e o Evangelho é que a Lei , por ela mesma,
pode somente nos mostrar e nos fazer ver nossa maldade aumentada e agravar nossa
condenação; não por qualquer culpa dela (da Lei), pois ela e boa e santa, mas por causa
da nossa natureza corrupta, corroída pelo pecado, ela nos reprova e ameaça, como o
apóstolo Paulo declara, através de seu próprio exemplo (Rm. 7:7-14). Mas o Evangelho
não somente nos mostra o remédio contra a maldição da lei mas é, ao mesmo tempo,
acompanhado pelo poder do Espírito Santo que nos regenera e nos transforma (como

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dissemos acima); pois Ele cria em nós o instrumento e o único meio de aplicação deste
remédio (At. 26:17-18).

A fim de falar mais claramente, interpretaremos as palavras "letra" e "espírito" as quais


alguns usam de forma errada. Eu digo que o Evangelho não é "letra", o que significa
dizer, que não é somente uma doutrina morta que nos apresenta, em sua pobreza e
simplicidade, aquilo que necessitamos para crer: que a salvação é prometida
gratuitamente em Jesus Cristo para os que crêem; mas é "espírito", ou seja, um meio
poderoso cheio de eficácia do Espirito Santo, que Ele usa para criar em nós o poder de
crer naquilo que Ele nos ensina, ou seja, receber salvação gratuita em Jesus Cristo. É
deste modo que a Lei que nos mata e condena por nós mesmos, nos justifica e salva em
Jesus Cristo, recebido pela fé (Rm. 3:31).

Esta é a razão porque eu disse que a Lei e o Evangelho não são contrários no que
concerne a essência da justificação com a qual devemos nos vestir a fim de sermos
aceitos diante de Deus e participarmos da vida eterna; mas são contrários com
referência ao meio de obtermos esta justificação. A Lei procura em nós esta
justificação; não há consideração para o que nós podemos fazer, mas para o que
devemos fazer (Gl.3:12). 0 homem na verdade, por sua falta somente, se fez incapaz de
pagar; todavia, ele não deixa de ser devedor, mesmo sendo incapaz de pagar. E
consequentemente, a Lei não erra em exigir de nós aquilo que devemos, apesar de não
podermos fazê-lo. Mas o Evangelho, amenizando o justo rigor com a doçura da
misericórdia de Deus, nos ensina a pagar por meio dEle, que se fez nosso Fiador, que se
colocou em nosso lugar e pagou nossa dívida, assim como a do principal devedor, e até o
último centavo (Cl.2:13,14). Tanto que o rigor da Lei que nos faz tremer e nos derruba
completamente, agora nos aprova e aceita em Jesus Cristo.

COM QUE PROPÓSITO O ESPIRITO SANTO USA A PREGAÇÃO DA LEI

Tendo entendido a distinção entre as duas partes da Palavra de Deus, a Lei e o


Evangelho, é fácil entender como e com que propósito o Espírito Santo usa a pregação
de ambas na Igreja, pois não há dúvida que Ele as emprega para o propósito para o qual
elas foram estabelecidas.

Enquanto nossa corrupção reina em nós, somos tão cegos que ignoramos até mesmo
nossa ignorância (Jo. 9:41) e, não cessando de abafar a pequena luz do conhecimento
que foi deixada para nós de forma a nos tomar indesculpáveis (Rm, 1:20, 21; 2:1), nos
deleitamos com o que mais deveria nos desagradar. É necessário, antes de tudo, que
Deus, bondoso e cheio de misericórdia, nos faça enxergar claramente o maldito abismo
no qual nós nos encontramos. Ele não poderia fazê-lo de melhor maneira, do que nos
declarando, através da Sua Lei, o que nós devemos necessariamente ser; pois a
escuridão é melhor entendida quando colocada ao lado da luz (Rm. 3:20. 7:13).

Este é o motivo pelo qual Deus começa com a pregação da Lei. Somente nela podemos
ver o que devemos ser e também. que não podemos cumprir nenhum dos seus
mandamentos. Somente nela podemos ver quão perto estamos de nossa condenação, a
menos que obtenhamos um remédio muito forte e eficaz.

E de fato, a estupidez que reinou no mundo no passado e reina hoje mais do que nunca,
mostra quão necessário é, que Deus comece deste ponto, a fim de nos conduzir a Ele,
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nos fazendo conhecer quão grande e certo perigo correm aqueles que fazem pouco caso
disto. O fato é, que a Lei não foi dada para nos justificar (pois se assim fosse, Jesus
Cristo teria morrido em vão, como Paulo diz (Gl.2:21; 3:18-21), mas, pelo contrário,
para nos condenar e para nos mostrar o inferno que está pronto para nos tragar, para
aniquilar e degradar totalmente nosso orgulho, fazendo que nossa multidão de pecados
passe diante de nossos olhos e nos mostrando a ira de Deus que se revela do céu contra
nós (Rm. 1: 18; 4:15; Gl. 3:10,12). Todavia, por um longo tempo os homens tem sido
cegos e insensatos. Não somente buscam sua salvação no que os condena total ou
parcialmente, ou seja, nas suas obras, ao invés de correrem para Jesus Cristo pela fé, o
único recurso contra tudo o que os pode acusar diante de Deus, mas, o que é pior, não,
cessam de acrescentar lei após lei as suas consciências, ou, melhor dizendo, condenação
após condenação, como se a Lei de Deus não os condenasse o suficiente (GI. 4:9,10; 5: 1
; CI. 2:8, 16-23). E como um prisioneiro cuja porta da prisão foi aberta, mas que,
virando as costas para a liberdade, a qual ele não entende, voluntariamente se tranca
na prisão que é mais segura. Esta é então a primeira utilidade da pregação da Lei; fazer
conhecidas nossas inúmeras faltas, de forma que começamos a ser miserável e
grandemente humilhados. Em resumo, para produzir em nós o primeiro grau de
arrependimento que é chamado "contrição do coração"; isto produz uma completa
confissão diante do Senhor, pois aquele que não sabe que está doente, nunca irá ao
médico. Não há ninguém. mais incapacitado a receber a luz da salvação, do que aqueles
que pensam que podem ver claramente, por causa da falta de entendimento sobre quão
densa são as trevas nas quais nasceram; tão grande que eles precisam sair dela, e ao
contrário, a tornam mais densas e não cessam de avançar, de boa vontade, para dentro
delas (Jo. 9:41).

A OUTRA PARTE DA PALAVRA DE DEUS CHAMADA DE "EVANGELHO": SUA AUTORIDADE,


O PORQUÊ, COMO E COM QUE PROPÓSITO FOI ESCRITA.

Depois da Lei, vem o Evangelho; o uso e a necessidade dele serão melhor entendidos
analisando os pontos abaixo:

Primeiramente, assim como existe somente um Salvador (Mt. 1:21; At. 4;12; 1Tm. 2:5),
há também somente uma doutrina da salvação que é chamada de Evangelho, melhor
dizendo, Boas Novas (Rm. 1:16). Foi anunciada e declarada ao mundo por Jesus Cristo de
forma completa (Jo. 15:15) e pelos apóstolos (Jo. 17:8; 2 Co. 5:19,20), e fielmente
testemunhada pelos evangelistas (Ef. 2:20; 1 Pd. 1:25) para prevenir do engano e astúcia
de Satanás, que sem isto, colocaria diante dos homens mais facilmente seus próprios
sonhos, sob o nome do evangelho; entretanto, ele não falhou inteiramente em fazê-lo,
pela justa vingança de Deus que tem sido provocado a ira contra o homem, que, em sua
maneira habitual, prefere sempre as trevas ao invés da luz. E quando dizemos que os
apóstolos e evangelistas testemunharam fielmente toda a doutrina do evangelho,
entendemos com isso, três pontos:

Eles não adicionaram nada deles mesmos no que diz respeito a substância da doutrina
(Cl.1:28; 2 Tm. 3:16,17), mas obedeceram com precisão e simplicidade o que Deus lhes
disse: "Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado"(Mt. 28:20); e o
apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, professa que assim ele faz (1 Co. 11:23).

Eles não omitiram nada que seja necessário à salvação; pois, de outro modo, teriam sido
desleais com a sua comissão, o que não é possível. Também vemos o apóstolo Paulo (At.

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20:27; Gl. 1:9) e o apóstolo Pedro (1 Pd. 1:25) testificarem quão conscienciosos e
específicos eles foram a este respeito (Jo. 15:15; 16:13). Daí porque, Jerônimo,
escrevendo sobre este assunto, diz, "o discurso pronunciado de forma ininteligível,
através de sons rápidos e inarticulados, não deve ser acreditado sem a autoridade da
Santa Escritura". E Agostinho fala ainda mais claramente "É verdade que o Senhor Jesus
fez muitas coisas que não foram escritas, pois o próprio evangelistas testifica que Ele
disse e fez muito mais do que foi escrito. Mas Deus escolheu registrar aquelas coisas que
são suficientes para a salvação daqueles que crêem" (Jo. 20:30,31).

Aquilo que eles escreveram, foi escrito de tal forma que a pessoa mais inculta e
ignorante do mundo, pode aprender lá o que é necessário para sua salvação, desde que
confrontada (1 Co. 1:26,27), de outra maneira, porque o Evangelho foi escrito numa
linguagem que todos podem entender (1 Co. 14:6-40), e no idioma mais familiar e
popular possível (1 Co. 2:1). Daí porque Paulo diz que se o Evangelho está oculto, está
para aqueles que se perdem e para os que o deus deste mundo cegou, ou melhor
dizendo, para os incrédulos (2 Co. 4:3). E, de fato, a experiência de todas as épocas tem
mostrado que Deus não chamou os mais sábios e cultos, mas, pelo contrário, os mais
ignorantes do mundo (Is.29:14; Lc.10:21; 1 Co.1:26, 27; 3:18). Portanto, dizer que Deus
desejou esconder ou encobrir Sua doutrina de forma que ninguém pudesse entender,
está longe da verdade.

Chegamos então a duas conclusões, a partir deste raciocínio, que são úteis para o que
estamos tratando:

A primeira é que não é necessário reconhecer como Evangelho, qualquer coisa


adicionada pelo homem à Palavra escrita de Deus, ou melhor dizendo, às doutrinas
contidas nos livros do Velho e Novo Testamento; mas que todas as adições são meras
superstições e corrupções do único e verdadeiro Evangelho de nosso Senhor (Mt. 15:9).
Paulo fala sobre isto em Gl. 1:8,9; 2 Tm. 3:16,17 e Jerônimo escreveu sobre este assunto
" O que é dito sem a autoridade da Santa Escritura, é também, do mesmo modo,
facilmente deixado de lado".

A segunda conclusão é que aqueles que dizem que somente algumas pessoas são
autorizadas a ler as Escrituras e, por esta razão, não a querem traduzida para os idiomas
falados por temer que mulheres simples e outras pessoas possam lê-la (Rm. 1:14; Gl.
3:28; Mt. 11:28), são os verdadeiros anticristos e instrumentos de Satanás (Mt. 23:13);
eles tem medo de que seus abusos sejam descobertos pela chegada da luz.

A MANEIRA PELA QUAL O EVANGELHO INCLUI, EM SUBSTÂNCIA, OS LIVROS DO VELHO


TESTAMENTO

Além disso, pela palavra Evangelho não nos referimos ao que comumente é chamado
assim, isto é, algumas passagens extraídas sem razão, e nem de discursos dos livros dos
quatro evangelistas ou das epístolas de Paulo. Pelo contrário, entendemos por
Evangelho, não somente todo o Novo Testamento, mas também tudo o que foi prometido
ou predito no Velho Testamento sobre Jesus Cristo (At. 26:22,23; 28:23; Jo. 5:39; Rm.
1:2), pois como já dissemos, o Evangelho é o único meio pelo qual desde o início do
mundo, Deus tem salvado Seus eleitos (Hb. 13:8; At. 4:12). Daí porque, como Moisés
declara (Gn. 3:15), Deus começou a anunciá-lo ao mundo desde o pecado de Adão,

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embora ele foi manifestado e pregado claramente, muito tempo depois, pelo próprio
Jesus Cristo e por Seus apóstolos (Rm. 1: 1-6; 16:25,26).

Deste modo, para resumir, chamamos de Evangelho as Boas Novas que desde o princípio,
e somente por Sua graça e misericórdia, Deus anunciou a Sua Igreja: aqueles que, pela
fé, abraçam Jesus Cristo participarão da vida eterna com Ele (Rm. 3:21,22; Jo. 6:40).

COMO O QUE DIZEMOS SOBRE A AUTORIDADE DA PALAVRA ESCRITA DEVE SER


ENTENDIDO. PORQUE É NECESSÁRIO QUE SEJA TRADUZIDO A TODAS AS LÍNGUAS.

Quando dizemos que o Evangelho, escrito e testemunhado da maneira que Deus nos deu,
é o único meio ordinário o qual Deus usa para salvar homens (daí porque esta Palavra é
chamada A Palavra de Vida e Reconciliação; Jo. 6:68; At. 5:20; Fp. 2:16), nós não
paramos nas sílabas, nem no papel e tinta, nem num evangelho pendurado pelo pescoço,
ou pronunciado como o mágico pronuncia seus encantamentos, nem num livro de bons
exemplos, ou adorado com incenso ou outros atavios. Nunca ofendamos a Deus pela
aprovação de tais feitiçarias e sacrilégios.

Mas, em primeiro lugar, fechamos as portas a todas estas fantásticas noções que o diabo
tem usado, em todas as épocas, para corromper o homem. E então, ouvimos o Evangelho
exposto e pregado de maneira adequada e própria, de forma a entender melhor sua
substância (Rm. 10:8; 1 Pd. 1:25)e colocá-lo no coração onde, pela fé, ele pode produzir
os frutos do verdadeiro arrependimento (Mt. 13:23; At. 16:14). Os apóstolos mostram
isto claramente. Quando Jesus Cristo os envia, na grande comissão, Ele não lhes diz "Ide,
lede o Evangelho numa língua desconhecida e adore o livro no qual está escrito", mas
lhes diz "Ide e pregai o Evangelho a toda a criatura"(Mt. 28:19). Deixo de lado as
objeções feita pelo apóstolo Paulo aos coríntios quando fala sobre os abusos que
cometeram em se deleitarem em ouvir línguas estranhas na Igreja de Deus, sem nenhum
profeta para explicar o que estava sendo dito (1 Co. 14). Mas como crerão sem que
ouçam, tendo em vista que a fé vem pelo ouvir, como o apóstolo Paulo diz em Rm.
10:17? E como ouvirão quando, longe de ser exposto propriamente, é cantado em língua
estranha? (1 Co. 14:9, 16-28)?

Também, como alguém pode ser fundamentado na santa e verdadeira doutrina,


confortado entre tantas e variadas tentações, advertido a opor-se a falsas doutrinas
(Rm. 15:4; 2 Tm. 3:16), sem meditar dia e noite na Palavra de Deus (Sl. 1:2), e examinar
cuidadosamente as passagens da Santa Escritura (At. 17:11; Jo. 5: 39)? Assim foi feito na
Igreja, até que o diabo, através da justa punição de Deus, removeu esta luz a fim de
produzir suas trevas, sem que ninguém percebesse. O apóstolo Pedro é uma testemunha
disto, quando escrevendo a todos os crentes, recomenda diligência com a qual eles
deveriam tomar cuidado no ouvir a palavra dos profetas (2 Pd. 1:19,20). Pois ele sabia
que o que o Senhor havia lhe falado "Apascenta minhas ovelhas"(Jo. 21:15-17, deveria
ser ouvido de acordo com a pregação da Palavra da Vida. Paulo, também, expôs a
mesma coisa e a praticou (At. 20:27,28).

Contudo, não queremos dizer com isso que é permitido a todos ser um professor na
Igreja, e expor as Sagradas Escrituras; pois este ofício pertence àqueles que foram
chamados e legitimamente ordenados a fazê-lo (Rm. 10:15). Mas todos devem ler as
escrituras e ter conhecimento delas, para confirmar o que está sendo bem exposto na
Igreja e rejeitar a falsa doutrina dos falsos pastores. Afirmamos que a leitura das
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Sagradas Escrituras - adicionando o que é necessário, ou seja, a pura pregação e
exposição delas, pois para isto os pastores e professores são ordenados na Igreja (1 Co.
4:2; 2 Co.5:19,20), e não para re-sacrificar Jesus Cristo (Hb. 10:18) ou para gritar em
línguas estranhas às pessoas (1 Co. 14:28) - está longe de ser uma heresia; pelo
contrário, não há outro meio de extirpar heresias (2 Tm. 3:15-17). E todo aquele que
impedir a leitura das Escrituras, tira do pobre pecador, ao mesmo tempo, o único meio
de consolação (Rm. 15:4) e salvação (Lc. 1:77; At. 13:26; Ef. 1:13).

COMO O ESPÍRITO SANTO USA A PREGAÇÃO DO EVANGELHO PARA CRIAR FÉ NO


CORAÇÃO DO ELEITO E ENDURECER AO RÉPROBO.

Do mesmo modo que a pregação do Evangelho é um aroma de morte para os rebeldes


que endurecem seus corações, é também aroma de vida para os filhos de Deus (2 Co.
2:15,16). Não que a força e poder de salvar resida no som da palavra ou venha da
energia de quem prega (1 Co. 3:7,8). Mas o Espírito Santo, cujo ofício estamos
descrevendo, usa a pregação como um tubo ou canal; Ele penetra na profundeza da
alma, como o apóstolo fala (Hb. 4:12; 1 Pd.1:23), com o propósito de dar, somente por
Sua graça e bondade, entendimento aos filhos de Deus para os capacitar a perceber e
compreender o grande mistério da sua salvação através de Jesus Cristo (At. 16:14; Ef.
1:18,19). Então, Ele também corrige seus julgamentos, para que eles aprovem, com
sabedoria proveniente de Deus, aquilo que o sentido e a razão costumam achar loucura
(1 Co. 2:6-16). Além disso Ele corrige e muda suas vontades de tal maneira, que com
afeição ardente, eles abraçam e recebem o único remédio que é oferecido em Jesus
Cristo (Fp. 1:29; At. 13:48) contra o desespero no qual, sem ele, a pregação da Lei
necessariamente os conduziria (Ef. 2:1,4,5).

Assim é que o Espírito Santo, pela pregação do Evangelho, cura o ferimento que a
pregação da Lei expôs e agravou (Rm. 6:14); como o Espírito Santo, pela pregação do
Evangelho, cria em nós o dom da fé que vem, ao mesmo tempo, para tomar posse
daquilo que é necessário à salvação em Jesus Cristo; isto é o que mostramos abaixo.

O OUTRO FRUTO DA PREGAÇÃO DA LEI, UMA VEZ QUE A PREGAÇÃO DO EVANGELHO


REALIZOU, EFICAZMENTE, SEU TRABALHO.

Entre os efeitos que Jesus Cristo produz, quando habita em nós, mostramos não
completamente, que Ele cria em nós um coração puro (Sl. 51:10) para conhecer (Jr.
24:7), desejar e fazer o que é de Deus (Fp. 2:13); anteriormente éramos escravos do
pecado (Rm. 6:22), inimigos de Deus (Ef. 2:12), incapazes até mesmo de pensar
qualquer coisa boa (2 Co. 3:5).

Assim, quando nossa disposição foi mudada, a pregação da Lei também começa a mudar
seu efeito em nós, de tal forma que ao invés de aterrorizar-nos, nos consola (1 Jo. 2:17;
2 Pd. 1:10,11); ao invés de nos mostrar quão perto nossa condenação está, ela nos serve
como guia para nos ensinar boas obras (Jr. 31:33; Rm.7:22) as quais Deus propôs que
andássemos nelas (Ef. 2:10); finalmente, ao invés de ser um jugo desagradável e
insuportável, torna-se agradável e leve para nós (Mt. 11:30). Nos resta somente uma
tristeza: a de não sermos capazes de obedecer perfeitamente, como gostaríamos, por
causa da nossa corrupção remanescente, que luta contra o Espírito (Rm. 7:22,23). Mas
toda esta tristeza não nos conduz ao desespero, mas antes nos conduz a orar
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ardentemente a nosso Pai que nos fortalece mais e mais (Rm.8:23-26). A fé, que é a
testemunha do Espírito de Deus clamando em nossos corações (Rm.8:15), nos assegura
que a maldição da Lei foi eliminada pelo sangue de Jesus Cristo que nos une (Rm. 8:1);
além disso, a mesma fé também nos assegura que o Espírito dominará, por mais que
demore (Rm. 6:14), e até mesmo a morte será o caminho da nossa vitória (Jo. 5:24; 1
Co. 15:26,54; Hb. 2:14). Desta maneira, é concluído em nós, gradualmente, o verdadeiro
arrependimento, que vem da verdadeira conversão; começa com contrição ou
sentimento de pecado, e progride pela regeneração de tudo o que há no homem, visível
e invisível (1 Ts. 5:23). Daí concluirmos que isto leva todo verdadeiro penitente a
confessar sua falta diante de quem ofendeu, e mesmo diante de toda a assembléia da
Igreja, se for necessário. Esta confissão deve vir acompanhada, a medida do possível,
com restituição e satisfação concernente ao próximo, pois, sem isso, o arrependimento
pode ser só fingido e simulado. Dessa maneira, é fácil perceber que nós não rejeitamos,
mas, pelo contrário, requeremos como necessário à salvação, a verdadeira confissão que
foi ordenada por Deus. Contudo, não temos o desejo de atormentar consciências pela
confissão auricular (como é chamada), que o homem inventou em lugar da verdadeira
confissão e arrependimento, nem de estabelecer diante de Deus qualquer outro deleite
a não ser Jesus Cristo.

O SEGUNDO MEIO QUE O ESPÍRITO SANTO USA PARA NOS CAPACITAR A TER PRAZER
EM CRISTO E O PORQUÊ O SENHOR NUNCA SE SATISFAZ SOMENTE COM A PREGAÇÃO
DA SUA PALAVRA.

Dissemos que os sacramentos são os outros meios, ou instrumentos, pelos quais o


Espírito Santo aplica em nós tudo que é necessário, à salvação. Mas, desde que por esta
palavra (sacramento) se entende, geralmente, todos os sinais pelos quais qualquer coisa
sacra ou espiritual nos é apresentada, é necessário, antes de tudo, limitar o significado
da palavra.

Por esta razão, devemos entender que nosso Deus, que é perfeitamente misericordioso,
em usar nossa natureza pobre e miserável como um melhor meio de manifestar Sua
bondade e longanimidade, não se satisfaz em simplesmente nos fazer conhecer e nos
mostrar, os meios pelos quais Ele se agrada em nos salvar. Contudo, mesmo nisto, Ele
usa incompreensível gentileza e compaixão em nos informar Sua vontade através de
homens semelhantes a nós (Dt. 18:15; Fp. 2:7; 2 Co. 5:19,20). Mas, em adição, para
coroar sua infinita bondade, Ele desejou adicionar à pregação de Sua Palavra, certas
ações destinadas a compelir, o mais inculto e obstinado, a crer mais e mais que Deus
não está zombando deles quando lhes oferece vida eterna do modo mais surpreendente -
a morte de seu próprio Filho. Assim, por tais sinais e ações, todos os seus sentidos são
dirigidos a concordar com a doutrina do Evangelho, como se estivessem já gozando
plenamente a salvação que lhes é prometida. Do mesmo modo, nós vemos (se é
apropriado comparar os negócios que temos no mundo e a incompreensível bondade de
Deus) que, quando a posse de algo nos é concedida judicialmente, certas cerimônias e
ações serão usadas no ato de receber a posse ou de executar a fiança, com o fim de nos
assegurar e testificar a outros que tais e tais bens pertencem a nós. Mesmo em nossos
negócios civis, embora um advogado tenha assinado um contrato e aposto os nomes das
testemunhas, o selo do oficial onde o contrato foi firmado, será fixado, a fim de
conceder ao contrato maior validade e autenticidade (Rm. 4:11).

Deste modo, desde o início, nosso Deus não se contentou apenas em anunciar a Adão a
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graça pela qual Ele propôs salvar Sua Igreja mediante Seu Filho; Ele desejou
acrescentar, além disso, sacrifícios, como figuras vivas do futuro sacrifício de Jesus
Cristo, para fortalecer a fé de Seus filhos na redenção que esperam (Hb. 11:4). Então,
depois disso, renovando esta aliança de graça e misericórdia com Abraão, Ele adicionou
a isso, o sacramento da circuncisão (Gn. 17:10,11 ). Finalmente, nos dias de Moisés,
adicionou o sacramento do cordeiro pascal e muitas outras cerimônias (Ex. 12). Estes
eram sacramentos que representavam, aquilo que Jesus realizaria em Seu tempo,
melhor dizendo, todo o mistério da salvação. O apóstolo declara isto amplamente nas
epístolas aos Hebreus.

Mas quando o tempo determinado por Deus chegou, Jesus Cristo, por Seu advento, pôs
um fim a tudo que prefigurava Sua vinda. Pôs um fim às sombras e aos sacramentos do
Velho Testamento e trouxe ao mundo outra grande claridade de forma que, dali em
diante, os homens devem adorar a Deus mediante um culto mais puro e espiritual, mais
próximo da natureza de Deus que é Espírito (Jo. 4:21-25). Entretanto, tendo ainda
consideração com a nossa natureza frágil e entorpecida, Ele adicionou alguns
sacramentos e sinais externos à pregação de Sua eterna Palavra, para melhor nutrir e
sustentar nossa fé, pois, apesar de Jesus Cristo ter nos inocentado por Sua morte,
enquanto estamos na Terra, possuímos o Reino Celeste somente pela esperança (Rm.
8:24; 1 Co. 13:9); é necessário que sejamos suportados a fim de crescermos e
perseverarmos até o fim (E£ 4:15).

Nota sobre o autor: Theodore Beza (1519-1605) nasceu em 24 de Junho de 1519 em


Vezelay-Borgonha. Seu pai era o governador Real em Vezelay, sua mãe era conhecida
pela sua generosidade e seu tio, Nicholas, estava no parlamento Francês. Nicholas o
convidou para estudar em Paris e, antes de se dirigir para lá, estudou aos pés de
Melchoir Wolmar, na Alemanha e posteriormente em Bourges, tendo concluído seu curso
de Direito em Orleans em 1539.

Após a sua graduação seguiu para Paris, sendo-lhe prometido a sucessão no escritório de
seu tio Nicholas, onde recebia 700 coroas douradas que eram mais do que suficientes
para o seu sustento. Depois de 2 anos em Paris ele adoeceu mortalmente, quando então,
veio a perceber suas necessidades espirituais o que resultou na sua salvação. Antes de se
recuperar totalmente, tomou os seus pertences e dirigiu-se para Genebra, pois havendo
renunciado a fé católico-romana, era o local mais seguro de se estabelecer. Por causa de
sua conversão, foram tomadas todas as suas regalias, inclusive o sustento conseguido
pela sua família, mas mesmo assim, ele estava disposto a abandonar tudo e aprender
mais sobre a fé protestante.

Calvino, que se encontrava em Genebra, e que já o conhecia desde os tempos em que


estudou com Wolmar, o recebeu de braços abertos. Em 1558 ocupou a primeira cadeira
de Grego na Academia de Genebra e posteriormente assumiu a cadeira de Teologia como
sucessor de Calvino, após a sua morte.

Além da tradução da Bíblia, Beza contribuiu de forma grandiosa para o progresso da fé


protestante com a publicação de sua Confissão de Fé, que inicialmente fora produzida
no intuito de conquistar seu pai à fé. Tal confissão foi utilizada em larga escala, na
época, para promover o conhecimento evangélico aos seus compatriotas, sendo editada
e dedicada a Wolmar. Esta confissão foi considerada a maior das contribuições de Beza
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para a fé protestante, sendo respeitada, tanto pelos amigos como pelos inimigos, como
uma obra de grande relevância, principalmente nas questões relacionadas ao
Sacramento da Ceia.

Finalmente, com 85 anos, veio a falecer. Ele não foi enterrado ao lado de Calvino
porque os seus opositores tinham ameaçado roubar o seu corpo. O efeito de seus
trabalhos foram de grande significado. Ele ajudou a simplificar e a clarificar os ensinos
de Calvino. Embora não tenha sido reconhecido por ter desenvolvido algum pensamento
novo, seus trabalhos são tidos como de grande valia ainda hoje, por manifestarem esta
tônica de desenvolvimento e simplificação da fé que Calvino pregou e defendeu como a
doutrina da Graça Irresistível.

No Painel Central do Monumento à Reforma em Genebra, junto a Calvino, Knox e Farel,


encontra-se também a figura do reformador Theodore Beza.

A seguir, você encontrará a primeira parte (A Lei) do seu artigo sobre "A Palavra de Deus
- A Lei e o Evangelho". Em um momento posterior estarei disponibilizando a Segunda
parte (O Evangelho).

Este artigo foi transcrito do capitulo 4 (seções 22-30) de seu livro The Christian Faith (A
fé cristã). Este livro foi um best seller durante a Reforma Protestante e foi publicado em
1558 sob o título Confession De Foi Du Chretien (Confissão de Fé do Cristão).

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