Crochik - Preconceito, Indivíduo e Sociedade
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ELEMENTOS 00 PRECONCEITO
Umadasquestõescentraissobreopreconceítorc{ere·seacomosedáa
relação entre os aspectos psíquicos e socíais na sua constituição. Conforme as
pesquisas de Allport (1946) e de Adorno et al. (1965) mostram, o preconceito
não é inato; ele se instala no desenvolvimento individual wmo um produto das
relaÇ<ks entre os conflitos psíquiros e a estereotipiadopensamen to-quejá é
umadefesapsíquicacontraaqueles-eoestere6tipo,oqueindicaque elementos
próprios à cultura estão presentes. Por outro lado, essas pesquisas indicam
também que o indivíduo que apresenta o preconceito em relação a um objeto
tende a apresentá-lo em relação a outros objetos, o que revela um relativa inde-
pendência do indivíduo que porta0 preconceito e o objeto ao qual esse se desti-
na. Contudo, como são diversos os estereótipos presentes nos preconceitos que
são dirigidos a diferentes objetos, algo destes últimos deve estar presente para a
constituição daqueles, ainda que não se refira aos próprios objetos, mas à
pc:rcepçãoquesetemdeles.Ouseja,aomesmotempoquepodemosafirmarque
o individuo predisposto ao preconceito indepc:nde dos objetos sobre os quais
''' Il>SlilU(odcPsicoloJiI
Ende ... çop .... torre<pondtntia;
RuaHannonia,69&IO
Ccp.QS.(3S.()()(j-SIoPIllIo_SP
Tel.:(OII)&IU94S
Tt.uut,"Plicdogfo(l996)."OJ
previamente enunciado, de foona que a sensibilidade e a reflexão próprias das
ex.periências com o objeto do suspensas. Mesmo as experiêndas que de
alguma maneira poderiam ser gratificantes são racionalizadas para que o
estereótipo se mantenha. Em outras palavras, não SÓ a experiência não é
necessária para a constituição do preconceito como este a deforma.
Evidememente, toda experiência é medida por conteúdos prt- formu-
lados, mas ela serve para reformular o conceito previamente formado. Quando
isto não OCOrTe ê porque existem conflitos psíquicos que se beneficiam da
manutenção de uma conceituação rígida e fechada à realidade externa.
A não necessidade de contato com o objeto do preconceito para que este
surja mostra que ele pode se dar sem conexão nenhuma com a realidade, mas
assim temos de supor que os estereótipos apresentados no preconceito ou são pro-
duções individuais ou são produções culturais; como a sua expressão em geral ê
coletiva, ou seja, se repete da mesma foma em diversos individuos, podemos
deduzirqueosindivíduosseapropriamdealgumasrcprcscntaçõesculruraispara
que, junto à hostilidade dirigida ao objeto, configurem o preconceito.
Assim. o preconceito se caracteril.8. por um conteúdo específico dirigido
ao seu objeto e por um determinado tipo de reação frente a ele, em geral, de
estranhamento ou de hostilidade. Aoconteúdo podemos chamar de estereótipo,
cujo significado inicial pode ser rem etido à mãquina de reproduzir tipos
utilizada pela imprensa, que deve portanto reproduzir fielmente as letras, mas
qu e passou aganhar o sentido também daquilo que é fixo, imutável. No caso do
preconceito, é neste último scntido que ele deve ser entendido.
O estereótipo compõe-se de uma série de predicados fixos que são
atribuídos ao objeto, mas há um principal, do qual os outros sàoderivados.
Assim. o intelectual é visto como alheio ao que OCOrTe com o mundo material,
tem pouco interesse por atividades esportivas, é pedante, julga-se o dOllo da
verdade etc. O predicado principal é, no exemplo, ser intelectual, qu e, no caso,
deriva da própria divisão social do trabalho. Obviamente, aquele que é
designado por esse lenno tem outras qualidades não derivadas e nào associadas
a ele; é homem ou mulher, religioso ou ateu, esportista ou não, que são
eliminadas quando oTÓtulo aparece.
O estereótipo retira o seu predicado principal e os derivados dc distin-
ções estabelecidas pela cultul'll entre sexos. ocupações, doenças, raças, povos,
religiões. idade etc. e assim, de alguma maneira, as classificações culturais co-
laboram com ele. Mas não é somente com a nomenclatura que a cultura contri-
bui, ela atribui também juizos de valores às suas distinções. Assim,
historicamente o trabalho intelectual tem sido mais valorizado do que o traba-
lho manual; o sexo masculino tem sido considerado mais adequado ao trabalho
T.",a.r~", Psicolagia(J996). n° j
na esfera pública e o sexo feminino ao trabalho doméstico; os deficientes são
desvalorizados por não podcr participar da construção c da manutenção da socie-
dade; as raças e os povos que adentraram posterionnente na civilização ocidental
são discriminados frente à raça branca dos povos europeus, e assim por diante,
Os valores não têm um papel menorna constituição do preconceito. E, na
nossa cultl.lra, eles até o momento têm sido relacionados com a 3utoconserv3-
ção, sc:gundo Adorno e lIorkheimer (1986). Neste sentido, os papéis sociais
têm sido valorizados em funçlo da sua importância para a manutenção da
ordem social, mas isso só de fonna aparente, uma vez que na divisão do
trabalho todos são importantes, c que a diferenciação através da valorização
social só pode ser entendida pela existência de um poder desigual entre os
homens frente à natureza e frente aos outros homens.
Seessepoderdesigual,confonneafirnlamAdomoeHorkhcimer(1986),
éfundadonavidasedentária,naapropriaçãodapropriedadeprivada,aquiloque
deriva desta situação repõe a dominação inicial, contrapondo-se ao impulso
presente,quernoconhecimcntoquernamoral que, por sua possivel un iversali-
zação aponta para a igualdade entre os homens. Assim, no próprio processo
civilizatório está presente uma contradição que, aomesmotempo que pennite o
progresso, indica a manutenção da ordem social. Os preconceitos serviriam
para auxiliar a conservação desta ordem, na medida em que tendem a fixar e a
naturalizara realidade a partir da qual são criados.
Com o progresso, muito do sacrificioexigido de todos os indivíduos pode-
riasereliminado,contudo,comooprópriosacrificiocontidonotrabalhofoiinte-
riorizado como um fim, a liberdade da autoconservação é sacrificada. Assim,
embora as condições sociais objetivas já possam pennitir a independência de
uma vida calcada na sobrevivência diária, esta continua a ser necessária, e todos
os elementos que possam indicar a fragilidade humana frente :i. natureza - que
desde os primórdios devia ser conquistada - suscitam a lembrança da nossa
importância e a de nossos antepassados frente a ela, que de...·e ser ocultada da
consciência para que o proceswde dominação prossiga. Por isso, também é ensi-
nado aos homens que devem ser fortes, não devem ser frágeis como uma criança.
Os estereótipos do homem adulto, fone,emprccndcdor, independcnte,
funciona como padrão de ideal social. Que ele não possa scr independente, uma
vez que lambém depende das circunstàncias sociais; que ele continue frágil,
quer frente à vontade coletiva, quer porque, como Freud (\986) mostrou, o
passado que é vivido como fragilidade frente ao mundo adulto sobrevive no
adulto, são dados que devem ser ocultados de sua consciência, Certamente, os
estereótipos que ele atribui ao outro e a si mesmo contribuem para isso
Seamimese-nosentidode imitação-erautilizada,no inicio da civiliza-
ção, como uma fora de se defender da natureZA, ao longo do desenvol...·imento,
T,..,aJemP,icoJogia(!lI9!5).II" J
quercultura[quer individual. ela continua a existir apesar de sua proscrição.
que pode ser notada na perseguiçll.oque os ciganos e os artistas tiveram durante
longosperíodoseno inccntivo dado à criança paraqueeJa não im iteoso utros,
que seja ela mesma:
O rigor com que os dominadores impediram no
cursa das séclllas a seus próprias descendenteJ', bem como
às massar dominadas, a recaida em modos de vida mimé-
ticos - começando pela proibição de imogens na relil(ião,
passando pela proscrição .social dos a/ores e dos cil(a/JO,s e
chegando, enfim, a uma pedagogia que desacostuma as
crianças de serem infantis - é a própria condiçiia da civili-
zação", Toda diversão, todo abandono tem algo de mime-
tismo. Foi se enrijecendo contra isso que o ego se forjou.
(Adorno e Horkheimer, 1986, p. I 69).
TemasemPsicolugÍ<J{l996j,,,'3
através da imitação corporal da natureza externa, mas
através da automatização dos proce.f.~O.f espirituais. isto é.
através de sua transformação em processos cegos
(AdomoeHorkheimer,1986, p.169).
Te""'H",Psicologja(l996),1I°3
(1986), na análise que fizeram do anti-semitismo, parecem derender a primeira
possib il idade, quer porque o preconceito contnl os judeus roi apresentado pelos
trabalhadores alemães, vítimas eles rncsrnosde preconceitos,querporque,dizem
esses autores. as vítimas eos algozes m intercam biáveis ao longo da história:
A cóleraédescarregadasobreo$ desamparados que
chamam a atenção. E como as virimaI são intercambiáveis
segundo a conjuntura: vagabundos, judeus, protestantes,
católicos, cada uma delas pode lamar o lugar do assassino.
na mesma \'OIUpia cegado homicídio, tão logo se converta
na norma e se sinta poderosa enquanto tal. (p.160).
T~rnare"'PllCoIogta(1996).,,·J
Em OUIra.<; palavras, o oonteúdoda religião serve para ocullara possibili·
dade de se experimentar. realidade do desamparo. que li unive~1 na época
contemporânea. E, ao impossibilitar a percepção do sofrimenlO, pennite que ele
possa tef oominu idade, fazendo com que quanto mais ele aumente mais seja
necessária a presença da iludo.
Ass im, a heteronomia e privação da experiência seriHm provenientes da
tentativa de se iludir o sofrimento. Isso explicaria porque o conteúdo dos
estere6tiposniocindiferenteàsnecessidadcspsiquicas.ouseja,niloéqualquer
conteúdo que se presta àquelas necessidades. Se dessa {omla a cultura e o
psiquismo secomplemen tam nlo éporquea primeira seja adequadaàscantctt--
fÍSticas do úhimo, mas porque ambos impedem o surgimento do indivíduo que
possa ser considerado autônomo.
Se, como dissemos antes apoiados em Freud, na infância se estabelecem
os mecanismos adequados lapropriação do co nteúdo do preconceito, surge a
questão de se esses mecanismos impediriam ou dificultariam o surgime nto de
uma consciência oriunda da experiência, ou se, ao lado desses mecanismos, a
experiéncia se daria em certa medida sendo mediada por elc~ embora
tr1lnscendendCHlS.
Marcusc ( 1982) parece aponlar para a primeira altemaliva, na medida
em que afinna que a cultura se caJllcteriza. pela gratificação " imediata" dos
desejos individuais com a redução de Eros à scxualidade. Além dis.-.o, segu ndo
eS!õCaulor,comoenfraquecim enlodafamiliapatriarcal,oindivíduopassaaser
socializ.ado por diversas instâncias sociais, resultando que o indivíduo
atualmente é d iretamente socializado pela sociedade como um Iodo, havendo O
surgimento de um eu frágil,que tem dificuldades de percebera realidade e
quase não lolera o sofrimento:
a perda da consciencia em raziJo da, liherdades
sorisfatórias concrdida3 por uma sociedade sem liberdade
faWJrece uma canscienciafeliz quefadUla a aceilaçãadas
nwleficias de$l·u sociedade. É o mdícia dI:! autonomia e
compreensão em declíni(l. (p.8S).
r' '''tJ#,,,,Pncalogu.(I'J9f>}.,,·J
58
Para que esta hipótese não soe absurda, basta lembraroql,lantoos indiví·
duos alentam contra a sua própria vida no colidiano eoquanto eles s!o levados
a esse tipo de I!.lenladodcvidoàsne(;cssidadessociaisque lhes slo im postaS. Os
kamikazes da segunda guerra mUlldial e os atuais homens-bombas do apenas o
exagero da situaçAo da nomla!idade. A violência nos estadias de fu tebol; o
prazer com que se assiste uma luta de boxe; a satisfação com a desgraça a Iheia,
da qual as gargalhada., que damos quando alguém sofre um tombo é somente o
seu protótipo; e o acirramento da compeliçlio entre os individuos num mercado
caótico não são meramente exemplos.
Mas. se a primeira hipótese pode ser sustentada. a segunda lambem é
defendida por Marcuse(1982)e Adorno (1986), o que: mostra que as duas são
complementares. Já Freud (1986) indicou a convivência entre os desejos
infantiseaconsciênciaEldultaecriticouanecessidadedeilusõcscder.:striçõcs
sociais que silo il1justa~ com a diversidade humana. É verdade quc csse autor
sofre criticas de Marcusc (1981) e de Adorno(1986) por ter entendido o desen-
volvimento de nossa. cultura em tennos de filogénesc e nlio de história, além de
Adorno alegar que a psicanálise é anacrônica, uma vez que o objeto que
analisou, constituído pela rclaç.io entre as três inslincias pslquicas· id, ego,
supcrcgo -,já se constitui de outra fonna. Contudo, mesmo esses autores nilo
desprezam apossibilidadedequeocu frágil possa sc fortalecer e percebcro
sofrimento e aseo ntradiçOes presentes na sociedade:
Na verdade. há infeliCidade penetrante, e a
cO/lsciênciafeliz ê bastante abalál'el- uma delgada super-
ficie .mbre o temor. a decepção, o dugO$ta. Essa infelici-
dade se prestafacilmente à mobiliraçiio política; sem Jugar
poro (l desem'fJlvimtllloconsciente, ela se lornao reserva-
lúriolflStintivoparaum,lIovotsti/afascislade I'idoemorle.
Mos há meios peJa.f quais a infeliCidade que está sob a
conscienciafdiz pode ser transformada em fonte de vigor e
coesão para a ardem social. (Marense, 1982, p.86).
T~IIt<Ju",Psi&oIogill(l996).,.·j
se forma a panir do principio da realidade, que, se não pode ser reduzido à rea li-
dade existente, tampouco pode se desvincular desta. Se, no século passado, o
idealcultural~ca\cavaemumasociedaderacional,oprincípiodarealidad e
lambémdeveriasuscitararacionalidade individual,masse, neste séeu 10,eomo
desenvolvimento do capitalismo dos monopólios, a racionalidade do individuo
não é mais necessária para a manutenção do sistema produtivo, uma vez qu ea
administração racionali7.adacas máquinas pedem ao indivíduo soment e que
sigaeo rrctamente regras e instruções, n1io ê mais o mundo do trabalho que pode
ser o responsável pela constituição de um indi\'íduo autônomo:
A teoria de alienação demml.1frou o fato de que o
homem m/o~'e realizo em seu trabalho, que .ma vidase fomou
um instrumento de trabalho, que seu trabalho eos respectivos
prodU/os asmmirom lima forma e um poder independente,l'
de/e como indivíduo, Mas a emancipaçJode,fse estado IXlrece
requerer nJo que se impeço a alienaçoo. mas que esta se
cunmma: não a reativação da per.mnalidade reprimida e
produtiva, /lias (j ma abolição. A eliminação das potenciali-
dades humanas do mllndo de /rabalho (a!ienadaj cria as pre-
c:ondiçiJes para a eliminação do trabalho do mundo das
potencialidades humano,s. (Marcu5e, 1981, p. 103).
T~1fIOSt".rticolOfl:l4(1996). ,, ·J
"
carências,que sevoltarpara si, afastando-sedosoutros. Se nAo encontram amparo
nasrelaçõe:s sociais, devem apropriá-Ias para si conrO!Tlle &S suas IICCeSSidadeS.
Devem atuar como um ser social que no fundo despreu essa sua earacteristica. A
sociedade que deveria poder. através do trabalho, mitigar o sofrimento humano,
toma-se adversária do indivíduo. tal como pode ser OOfado na de.-.criçãoque Freud
( 1986) fazda hostiJidadedos homens em relaç10à cu llum.
Em um texto anterior, Freud (1976) já havia apontado que, quando os
ideais colc:tivos desmoronam, surge o pânico que leva os individuos a atuarem
contrariam!;ntc às regras a que antes obedeciam. Como, atualmente, os K1eais
coletivos sAo escassos.. o pânico surge, mas as ações conlrárias à ordem social
sIo mantidas pela ameaça direta. Ou seja, se no passado 05 ideais coletivos
poderiam justificar os sacrificios individuais desde que fossem racionais,
possibilitando a adesão nio só pela supremacia da vontade coletiva, mas
também pela racionalidade desta, com o ruir daqueles ideais, só aarncaçadc um
podereoletivoécapazdt contcr o caos.
Contudo,junto ã ameaça existe a percepçllo do sofrimento que obriga a
consciência a cada vez mais se encolher frente à real idade e a procurar objetivo~
externos sobre os quais possa projetar a sua própria impotência. Os preconcei-
tuosos v~ern no objeto aquilo que eles têm de negar em si mesmos: a fragili -
dade, o desamparo. Não e à toa que os objetos do preconceito sejam, em geral,
considerados frágeis socialmente: os judeus, os negros, as mulheres. os
deficientes, os portadores do vfrus da AIDS, os doentes mentais.
Se,nomundodaconcorrência,osindivfduossãolcvadosadisputarentre
si, as suas habilidades devem transformar-se em instrumentos para derrotar o
mai~ frágil. e os outros homens devem ser percebidos como inimigos à sua
sobrevivência. Os meios de comunicação de massa nlio se flUcm de rogados e
fortaleccm a apologia da força desde que as regras sejam seguidas. Mas,assi m
como no futebol um gol com a mllo é validado e tra:!.: satisfação para a torcida,
poisoque importa é "encer, no trabalho aquele que consegue vencer, ainda que
com métodos pouco lícitos, é admirado e não deixa de servir de modelo. Aliás,
seé \'erdade que a administTllçAo e independente da sislcmasocial ao qual
serve, os traficantes de tóxicos e os mafiosos mostram a essência dessa verdade,
pois são tão organizados quanto os monopólios industriais.
Para o preconceituoso, segundo mostn o estudo de Adorno el 01. (1965),
a dicotomia força· fragilidade eslá sempre presente com o concomitante
respciloàprimeiraeodc:sprezoàsc:gunda.OsHdcrcsfascistasemseusdiscu[-
sos, segundo Adorno e Horkheimer (l971:!), apoiam-se nesta dicotomia, mas
inicialmente colocando-se 00 lugar dos perseguidos por aqueles Que detêm o
pocIersem merecê-Io,ou poraquclesquec7I:erc:em illfluência sobre o podcr, os
quais seriam os responsáveis pela excluslio social de que se se ntem alvos.
Como a audiência é ide ntificada com o IIder, não deixa de haver, segundo os
autores, um gan ho narcí$ico nesta idcntificaçlo que encontra uma expli carrão
para as suas lTustrar;ões,ou seja, pata 8 sua propria fi-agi lidade. Mas scsqueles
que exert:em o poder usurparam-no, cabe reapropriá-Io pela força. Assim , nessa
perccpr;ão distorcida, os inimigos devem ser despossuidos de seu lugar, que se
susten ta por uma ordem que privilegia a fraqueza daqueles que não deveriam
ocupar o poder. Pela impossibilidade de perceber que o lugar que ocupam de
subalternos na estrutura social é devido a esta e nAo a ou lrosgrupos sociais,
voltam-se: contra estes últimos para reproduzira exclusão de que se julgam
vítimas. Ou seja.. pormais que aparentemente a violência fascista seja imediata. ela
se vale de categorias sociais mediadas por necessidades psíquicas ind ividuais.
Até O momento tem os acentuado, predominantemente, os aspectos
cult urais e sociais presentes na constituição do preconceito que não podem se r
dissociados das individuais. Passemos agora a ver quais são asncccssi dades
psíquicas subjacentes ao precon~ito. O estudo de Adorno ti ai. (196S) traz
dados sobre isso.
Te_tt"P,lcol~(l99(j).,,· J
.
de um lado. e a posiçAo politico-econômica. avaliada pela escala de conserva-
dorismo político-«onômico. dcoulro lado. é porque há um mesmo movimenlo
presente em ambos - tanto o objeto do preconceito como o idcário político
responderiam 11 necessidades psíquicas. Os sujeitos com altas pontuaçl'le.c; 005
dois tipos de escala n1l0 estariam respondendo pela sua experiência ou pela
reflexão sobrc o objclo.
A relação entre preconceito e ideologia pôde ser claramente associada
pelos autores, como hipótese, pela clareza da evocação de preconceitos
presentes na ideologia fascista. Como para Adorno c: Horkheimer (1986) o
fascismo não ocorreu por acaso na história, mas foi produto da própria fonna de
evoluçlio de nossa cultura, essa movimento nlo foi percebido separadamente da
sociedadecapitaHsta.
Isso oos levaa pensar arelaçãoentrcaconsciência indi,'idual e 11 consciên-
cia social. Em "A Personalidade Autoritária", Adomoe/al.(1965) afirmam que
umareOleteàoutn1,oquenlosignificaquesejam redutiveis uma à outra, isto é,o
conhecimento dos conflitos nilo leva necessariamente à conscieneia social. caso
contrário, todos aqueles que se submeterem a um bom tratamento analitico esta-
riam necessariamente associados com posições sociais progreSl>istas,oque pare-
ce não ser verdadeiro. De outro lado, a consciência das contradiçOes sociais nia
COllduznecessariamcnte àautopereepç/io. caso contrário, aqueles que defendem
idéias progreSl>istas não utilizariam de métodos de controle da opini1io alheia, que
sAo facilmente visivcis nOS movimentos sociais.
Mas não se trllta de objetos scparados esim de um objeto cOlltido, cujo
isolamento reciproco de suas partes mIo desfaz Oseu entrelaçamenlO. uma vez
quc o indivíduo para se constituir. preçisa incorporar a cultura. Assim, a
distância clllre o individuo e a sociedade é menos fruto da busca de idiossin-
crasias pessoais do que do impedimento de o indivíduo se desenvolvcr pela
apropriação daquilo que a cultura Pode oferecer-lhe. Ec: uma cultura empobre.
cida,quetemdificuldadesdesuperarasimesma,queafastaoindividuodesi
Se o individuo se vê impossibilitado de pensar as suas experiências atra .
vés de instrumentos culturais que não incorporou. ele só pode desenvolver uma
rclação de estranhcz.a frente à cultura. ÉesSCeSlr.lnhamentoqueofazlomarse.
gundo os seus desejos o que a cultura dispõe como objetos, ficando a consciên-
cia impedida de se desenvol\ler, ou ao menos, de SI: firmar. PanII evitar perceber
a irracional idade na cultura. com a qual é obrigado a conviver para sobreviver. o
indivlduodevercnunciaràpossibilidadcdecrítica.Oquesignificaquemesmo
em uma cultura marcantemente irracional a racionalidade individual pode se
desenvolver negativamente, istoé,apanirdcalguma racionalid adequecolIse-
gue perceber no mundo. Segundo Adorno e Ilorkheimcr (1986), esse paradoxo
T,mos~",PricolugiQ(l996).,,·J
julgam que impede a realização de seus desejos, mesmo que esses sejam
contrários a seus próprios interessesraeionais, como a preservação da vida, por
exemplo. A autoridade é amada ou odiada não em função de sua racionalidade,
mas em si mesma. O preconceito fonnulado pelo ódio é tão indifereneiador
quanto o conceito elaborado a partir do desprezo do objeto.
Ncste sentido, como aludimos antes, mesmo a ciência, apesar de toda a sua
potencialidade emancipatória do mundo do sofrimento, não é imune ao precon-
ceito. A separação entre fato e valor (ver Horkheimer, 1976), destinando o pri-
meiroàciênciaeosegundoaumasociedadedesigual,possibiJitaqueapTÓpria
neutrnlidade científica possa prescindir de conccitos quc pennitam pcnsara sua
produção. Al ém disso, na idealização dos fatos esquece-se de buscar as determi-
naçõcs sociais presentes na perccpç.ão do próprio objeto,eliminandO-5e a possi -
bilidade de se pensar a si mesmo como objeto, ou seja, como ser determinado.
Ma.~ se o próprio sujeito edetenninado, ele não deixa de trazer consigo
ideais, valores que sejam anteriores ao objeto percebido, que podemo sdeno-
minar de pré-conceitos para distingui-los dos preconceitos. Ou seja, toda
experiência emediada por aquilo que já se estabeleceu no individuo, que pode
transformar-se em conceito quando pode ser refletido naquilo que o objeto
fornece, ou pode não se alterar. Se o objeto ofcrcce novos atributos aos ujeilo,
mas cstc mantem os seus pré-conceitos, esses se tomam preconceitos; dc outro
lado, se a concepção anterior não é considerada na produção do conhecime nto,
ecsse mcsmo quc é eliminado (verCroch.ik, 1995). Hã, portanto, dois perigos a
serem enfrentados: o impedimento da perccpção do objeto por aquilo que é
preconcebido.quedizrespeitodiretamenteaopreconceito, eaidciada cxpe-
riênciapura, não mediada pela constituição do próprio sujeito, que impediria a
própria construção da teoria. Neste último caso, devemos lembrar que o pensa-
mento deveria ser um dos antídotos ao preconceito e o quanto a nossa cultura o
desprcla. dcsprczando, entrc: outroselcmentos, o passado.
De um lado, a experiência é fortemente impedida pelos riscos que
enunciadeconheceralgoqueédistintodaquiloquc se fonnou, ou daqui! oaque
se reduziu o objeto preconcebido, de outro lado, o pcnsamenloê reduzido a
tarefas também já preconcebidas pelas necessidades industriais. A rea lidade,
não se mostrando em sua diversidade, impede o movimento da consciência em
direção ao combate ao sofrimento existente, pois este é eludido sem por isso
deixar de existir. Do mal-estar resultante provém o preconceito.
Evidentcmente, neste texto, o preconceito foi eoncebidoem diversos
aspectos e poderia ser considerado em vários outros, mas isso não nos deve
levar a rensarqueeles devam ser analisados isoladamente, sem que isso signifi-
que que as suas particularidades sejam abandonadas. Antes, opreconc cito deve
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Adomo.. T.W. (19&6) Acercadc la .. Lari6u mIJe sociolog~ 'J psi~oIo~ Em, 11 . Jcnsrn (~)
Teoria Crilicadtl5MJtw Aucoos Aires: &I. 5i,1o XXI.
Adomo. T.W.: F.. nkcH~rullliwik. E.: !.cy;nson. D.J . eSanFord.R.N.(19M)LDP.mmQ/idad6
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