Letras Mod2 V Linguisticaii Sociolinguistica
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IMPLICAÇÕES
aula
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Ao final desta aula, você deverá:
Objetivos
1 INTRODUÇÃO
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linguística do Brasil. Entre as suas
mudança linguística; pressupostos estes considerados básicos obras, destacam-se: Preconceito
lingüístico: o que é, como se faz
da disciplina que está estudando.
Aula
(1999); Dramática da língua portu-
guesa: tradição gramatical, mídia
Diante dessa realidade, a questão agora é: como ensinar
& exclusão social (2000); Norma
a língua materna frente à variação e mudança linguísticas? lingüística (Org.) (2001); Lingüísti-
ca da norma (Org.) (2002); Língua
Esta é uma das perguntas que normalmente são feitas quando materna: letramento, variação & en-
sino (Org.) (2002); A norma oculta:
se tem em vista o ensino tradicional de língua. Como você língua & poder na sociedade brasi-
sabe, em se tratando de língua, somos formados a “pensar” leira (2003); A língua de Eulália: no-
vela sociolingüística (2008) (aquele
que tudo aquilo que foge ao modelo idealizado de língua, a livro que foi recomendado na aula
1); Nada na língua é por acaso: por
chamada língua culta, se constitui em “erro”. Logo, aquele uma pedagogia da variação lingüís-
tica (2007); Não é errado falar as-
falante que não faz uso da modalidade prestigiada pela escola
sim? Em defesa do português brasi-
não é visto com “bons olhos”, gerando, assim, uma escala leiro (2009). Para saber mais sobre
o autor e ter acesso a alguns de seus
de julgamentos e valores que vão caracterizar o chamado textos, recomendo acessar o seu
site: www.marcosbagno.com.br
preconceito linguístico. Portanto, nesta aula, vamos
refletir sobre as consequências sociais da variação linguística,
bem como ressaltar a necessidade de uma reeducação
sociolinguística no espaço escolar.
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tempo. Estamos falando aqui do que é “certo” e do que é “errado” na
Aula
língua.
A gramática tradicional, aquela que você conhece bem,
preconiza um modelo de “língua exemplar”, a língua regida pela
norma culta, que não admite todo e qualquer uso que escape
desse modelo idealizado. Portanto, você nota, claramente, que
esse modelo se constitui, ao mesmo tempo, da seleção de algumas
variantes, consideradas de prestígio, e da exclusão de todas as
formas alternativas. Nesse modelo, variação e mudança linguísticas
não têm vez. Consequentemente, abre-se um abismo social, pois
os usos linguísticos reais não correspondem ao que é preconizado
tradicionalmente.
Conforme Bagno (2007), esse abismo existe “porque a nossa
tradição gramatical se inspira em grande parte em determinados usos
(literários, antigos, lisboetas) do português de Portugal e despreza
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não correspondem ao modelo unificador.
Segundo Bagno (2007, p. 67), a gramática tradicional é
Aula
um “produto intelectual de uma sociedade aristocrática, machista,
escravagista, oligárquica, fortemente hierarquizada” que adotou um
modelo de língua característico de um grupo restrito de falantes,
que são: “do sexo masculino; livres (não-escravos); membros da
elite cultural (letrados); cidadãos (eleitores e elegíveis); membros
da aristocracia política; detentores da riqueza econômica” (p.
68). Somente essas pessoas falavam bem a língua; logo, todas
as variedades regionais e sociais foram consideradas defeituosas,
corrompidas, feias etc.
Ainda sobre a variação, o autor completa:
como ele, muitos outros também se exprimem dessa forma. Scherre Conforme Bagno, são
(2005), ao falar de variação e mídia, relata: “como representantes muitas as declarações
apocalípticas sobre a
legítimos da sociedade brasileira, os jornais brasileiros, de forma mais suposta decadência da
ou menos explícita, apresentam situações diversas de preconceito língua portuguesa, uma
visão que se desdobra
lingüístico” (p. 38). ao longo de quase tre-
Na sua investigação, a pesquisadora detecta em jornais, como zentos anos. Veja algu-
mas delas:
o Correio Brasiliense, um dos mais bem conceituados de Brasília,
vários casos de preconceito linguístico explícito. Em seções que ● “Se não existissem livros
compostos por frades, em
têm como foco a língua em uso, frases como estas são destacadas: que o tesouro está conser-
vado, dentro em pouco po-
uma seção de olho nos atentados ao idioma; não dá para aceitar;
díamos dizer: ora morreu
falar em nível aceitável de linguagem é exigência de civilidade; a língua portuguesa, e não
descansa em paz” (José
empobreceu a linguagem; gafes no horário nobre; a concordância foi Agostinho de Almeida (...),
escritor português);
nocauteada; estão assassinando a nossa língua; estão atropelando
● “(...) português – um
a gramática... São frases resultantes de julgamentos extremamente idioma que de tão mal-
tratado no dia-a-dia dos
preconceituosos sobre falas reais de indivíduos de nossa sociedade. brasileiros precisa ser di-
vulgado e explicado para
Para a pesquisadora, um veículo como o jornal poderia prestar, de
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os milhões que o têm como
forma cidadã, um grande serviço à comunidade. No entanto, língua materna” (Mário Sa-
bino (...) 1997);
Aula
● “Não fique nenhuma dú-
[...] ela presta um desserviço, porque reforça um dos vida, o português do Brasil
caminha para a degrada-
aspectos mais sórdidos do ser humano, que é a divisão ção total’ (Marcos de Cas-
entre classes e a exclusão social, também por meio da tro (...) 1998);
língua que se usa [...] praticar preconceito lingüístico, ● “Que língua falamos? A
resposta veio das terras lu-
explícito ou implícito, é, sem dúvida, atentar contra a
sitanas. Falamos o caipirês.
cidadania (p. 89). Sem nenhum compromisso
com a gramática portugue-
sa. Vale tudo (...)” (Dad
Como você vê, a autora fala em exclusão social. Pois bem, Squarisi (...) 1996). (BAG-
NO 2007, p. 72).
esta é uma das consequências do discurso do “certo” e do ”errado”.
Se alguém condena ou exclui uma pessoa, por ter usado uma
modalidade que não a de prestígio, está praticando o preconceito
linguístico, como você pode perceber na ilustração abaixo:
Figura: UAB/UESC
Esse tipo de resposta dada pela professora manifesta,
explicitamente, o preconceito à forma “errada” do aluno. Para a
professora, falar pobrema é realmente um problema, pois revela
ignorância e falta de cultura. E mais ainda: esse aluno não sabe falar!
Quanta ingenuidade!!! Ele sabe falar, sim! E, se sabe falar, significa
que tem conhecimento suficiente para falar efetivamente a língua.
Portanto, se você ouvir alguém dizer “não sei falar a minha
língua” ou “a língua portuguesa é muito difícil”, precisa esclarecer
a essa pessoa que ela está se referindo não à língua propriamente
SAIBA MAIS
dita, mas à gramática normativa. Tal indivíduo pode não saber se
A propósito das noções de
“certo” e ”errado”, Cagliari expressar usando as regras prescritas, mas, com certeza, ele sabe
(1997, p. 82) afirma: muito bem uma língua. Se tal indivíduo também diz “falei errado”,
precisa também conscientizá-lo de que esse “erro” tem sentido apenas
[...] são conceitos pouco ho-
nestos que a sociedade usa num contexto específico. É dessa forma que podemos desmistificar
para marcar os indivíduos e
classes sociais pelos modos as noções do “certo” e do “errado” no que diz respeito aos usos da
de falar e para revelar em
língua. Como você viu, são noções que imperam, há muitos séculos,
que consideração os tem, se
são pessoas que gozam de in- em nossas gramáticas.
fluência ou ocupam posições
de prestígio ou não, se exer- Diante do que foi exposto, você pode questionar: como fica a
cem o poder instituído ou não
etc. Essa atitude revela seus
escola? afinal, é seu papel ensinar sobre língua? Com certeza! Mas
preconceitos, pois marca as não é e não pode ser da forma que tem sido feito. Ela deve ensinar,
diferenças lingüísticas com
marcas de prestígio ou estig- sim, a chamada norma culta do português, mas jamais ignorar as
mas. A escola, incorporando
esse comportamento precon- outras modalidades dessa língua. Sobre isso, Bortoni-Ricardo (2005)
ceituoso da sociedade em ge-
afirma:
ral, também rotula seus alu-
nos pelos modos diferentes A escola não pode ignorar as diferenças sociolingüísticas.
de falar [...]. A escola, como Os professores e, por meio deles, os alunos têm que estar
espelho da sociedade, não bem conscientes de que existem duas ou mais maneiras
admite o diferente e prefere
adotar só as noções de certo
de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas
e errado, numa falsa visão da alternativas servem a propósitos distintos e são recebidas
realidade. de maneira diferenciada pela sociedade. Algumas
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Motivado por critérios políticos e ideológicos, esse modelo
Aula
padrão surgiu da necessidade de instituir uma língua única para
receber o título de língua oficial de uma determinada nação. Ele se
constituiu a partir da seleção de variantes consideradas de prestígio,
bem como da exclusão daquelas formas que não correspondiam a tal
padrão.
Uma vez estabelecido tal modelo, ele “vai ser objeto de um
grande investimento (...) vai precisar atender todas as exigências
de uma língua oficial, de uma língua literária, de uma língua de
ensino, de uma língua que será veículo da ciência, de uma língua
institucionalizada” (BAGNO, 2007, p. 89). Para que isso ocorra, será
preciso então:
seja, revelam que pessoas cultas estão usando, também, formas e O texto de Mário A. Perini
está no seu livro Sofrendo
estruturas que, antes, faziam parte do universo linguístico de pessoas a gramática, no qual o
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polarizada da realidade sociolinguística de uma língua. De um lado,
linguagem clara, com tí-
estão aqueles que defendem um português de padrão-culto; de outro, tulos bastante instigantes,
Aula
o autor promove uma dis-
um português que é usado pela maioria dos brasileiros. Sobre essa
cussão sobre a necessidade
divisão, autores como Perini (2005), Bagno (2007), Mattos e Silva de uma nova postura dos
professores em relação ao
(2004) e Lucchesi (2002) defendem diferentes propostas, porém, ensino de gramática, par-
todas com um foco em comum: a realidade linguística brasileira é ticularmente. Vale a pena
lê-lo!!! Recomendo-o como
constituída por diferentes sistemas. uma leitura complementar.
Perini, em seu texto “As duas línguas do Brasil: qual é mesmo Também instigante é o livro
de Rosa Virgínia Mattos
a língua que falamos” sugere uma divisão entre a língua falada e Silva: “O português
(vernáculo brasileiro) e a língua escrita (português). Segundo o autor, são dois...” Novas fron-
teiras, velhos problemas.
“o português e o vernáculo são, é claro, línguas muito parecidas. Mas Fazendo alusão ao famoso
poema de Carlos Drum-
não são em absoluto idênticas” (p. 36). Mattos e Silva, em seu livro
mond de Andrade, Aula de
“o português são dois: novas fronteiras, velhos problemas...”, discute português, a autora discute
sobre o ensino de portu-
sobre o multilinguismo brasileiro e afirma que “o português no Brasil
guês do Brasil; diversidade
sempre foi (...) mais de um” (p. 131). No caso, a autora se refere linguística; variação e mu-
dança; entre outras ques-
à coexistência de diferentes sistemas que caracterizam o português tões.
reeducação do próprio professor. Para tanto, ele precisa se conscientizar Vale destacar, aqui, as
de várias coisas. Entre elas, destacamos as necessidades de: palavras de Mattos e Sil-
va (2004, p. 27):
• Ter em mente que língua não é ensinada. Na verdade, aprende-se Sobre as gramáticas
uma língua. Para entender melhor isso, é só pensar nas crianças! normativas, Bagno
(2007, p. 199) lembra:
Por volta dos três anos de idade, a criança fala efetivamente a
sua língua. Não se ensina uma criança a falar uma língua a partir Na nossa cultura, existe a
idéia de que as gramáticas
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de descrições do tipo: tal palavra é verbo, adjetivo, substantivo... normativas explicam ‘a’
língua, ‘o’ português, mas
essa é uma sentença interrogativa, negativa... essa é uma isso está muitíssimo longe
Aula
de ser verdade. Basta ver
sentença coordenada, subordinada... Já pensou se fosse assim?!!! os exemplos dado nessas
obras; eles são sempre
retirados de obras literá-
rias, sobretudo de autores
• Reconhecer que o que o aluno já sabe não precisa ser consagrados e já mortos.
Isso revela que as gramá-
ensinado. Estamos nos referindo aqui a muito do que se ensina ticas normativas querem
ser (mas nem isso elas
tradicionalmente. Por exemplo, se o aluno já produz orações conseguem plenamente)
uma descrição-prescrição
diversas, por que perder tanto tempo ensinado sobre os tipos de
dos usos da língua literá-
orações? Se ele faz uso, é porque já as conhece. Se ele aplica ria.
• Trabalhar para a inserção plena do aluno na cultura letrada, por Cabe aqui lembrar o
que diz Bortoni-Ricardo
meio das práticas da escrita e da leitura, bem como promover o
(2004, p. 33-34):
conhecimento ativo das convenções dos muitos gêneros textuais
Em toda comunidade de
que circulam na sociedade, sobretudo dos gêneros escritos mais fala onde convivem falantes
de diversas variedades re-
monitorados. gionais, como é o caso das
grandes metrópoles brasi-
leiras, os falantes que são
detentores de maior poder
• Explicar ao aluno que o falante culto é exatamente aquele que – e por isso gozam de mais
prestígio – transferem esse
dispõe da consciência da prática da variação da linguagem e prestígio para a variedade
lingüística que falam. Assim,
de sua adequação às diversas situações de interação. Que, no as variedades faladas pelos
grupos de maior poder políti-
desempenho dos papéis sociais, ele circula por diferentes espaços,
co e econômico passam a ser
que poderão exigir adequações e certos usos especializados da vistas como variedades mais
bonitas e até mais corretas.
língua. Mas essas variedades, que
ganham prestígio porque são
faladas por grupos de maior
poder, nada têm de intrinse-
• Ressaltar que o aprimoramento da competência comunicativa camente superior às demais.
O prestígio que adquirem é
do aluno se dá espontaneamente no convívio social. Mas, para mero resultado de fatores
políticos e econômicos.
o desempenho de algumas tarefas especializadas, em particular
aquelas que estão relacionadas às práticas sociais de letramento,
ele precisará desenvolver recursos comunicativos através de uma
aprendizagem escolar.
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a língua portuguesa e seu funcionamento, bem como para combater
o preconceito linguístico e a toda forma de discriminação social.
Aula
Você, que está sendo formado para trabalhar com língua
portuguesa, está disposto a encarar o desafio? Então, já é hora de
“arregaçar as mangas” e começar a refletir sobre o que precisa ser
mudado!
ATIVIDADES
1 Você deverá ler o livro de Marcos Bagno, Preconceito lingüístico:
o que é, como se faz, e fazer um resumo esquemático sobre os mitos
infundados que favorecem o preconceito linguístico em nossa sociedade.
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
PARA CONHECER
a. kaza, vazo, kaxorro, xá, pratu, leiti, omeim e ovu (escritas por
um aluno numa dessas atividades chamadas de “ditado”);
b. Nós vai comprá dois doce pra nós comê na hora do lanche (dita
por um aluno num determinado momento de uma aula);
c. Eu fazi o dever de casa (dita também por um aluno, quando o
professor lhe perguntou se havia feito o dever de casa);
LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta nossa aula, recomendo a leitura do artigo Variação linguística e ensino
de gramática, de Görski e Coelho (2009), ambas professoras do Programa de Pós-graduação
em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Para ter acesso, basta ir ao seguinte
endereço: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/workingpapers/article/view/10749
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Aula
RESUMINDO
Nesta aula, você viu que a sociolinguística tem contribuído para reflexões
sobre: