RUDIO Orientacao Nao Diretiva 2 Tirada
RUDIO Orientacao Nao Diretiva 2 Tirada
RUDIO Orientacao Nao Diretiva 2 Tirada
NAO-DIRETIVA
na educação,
no aconselhamento
e na psicoterapia
í
ORIENTAÇÃO
NÃO-DIRETIVA
na educação, no aconselhamento
e na psicoterapia
4* edição
A EDITORA
V VOZES
Petrópolis, 1979
Ò
<§) 1975, EDITORA V O Z E S LTDA.
Rua Frei Luís, 100 / 25.600 Petrópolis,
Brasil
Rosemnry de Cnrwdho Goulart
sfcoJoga
C R P . 0^.56535-4
INTRODUÇÃO
O AUTOR
Introdução, 5
C A P Í T U L O I V / A LIBERDADE E X P E R I E N C I A L :
1. O conceito de "percepção", 35
2. Percepção e comportamento, 36
3. O "quadro de referência" na mudança de percepção, 39
CAPITULO VI/"IMAGEM DE S I " E AJUSTAMENTO:
CAPÍTULO I X / O C L I M A A F E T I V O DA T E R A P I A N Ã O - D I R E T I V A :
1. Apresentação de um caso, 86
2. A resposta compreensiva como "técnica", 90
3. Comparação entre respostas possíveis na terapia, 94
4. Um exercício sobre as categorias de respostas, 95
CONCLUSÃO 105
Relação de Ajuda
e Orientação não-diretiva
9
do âmbito profissional, é também usada como instrumento eficaz,
como por exemplo n a missão do pai para educar o filho. Pode,
ainda, ser estabelecida, de modo muito informal, por motivos de
parentesco, amizade ou mero conhecimento.
Desta maneira, portanto, a expressão relação de ajuda serve
para indicar formas de interação muito diversificadas: desde
uma entrevista técnico-profissional até uma conversa simples e
espontânea entre amigos. E , não obstante, todas aparecem com
algumas características comuns, assumidas, conforme o caso, com
maior ou menor apuro, fazendo-as merecer o mesmo nome de
relação de ajuda.
E s t e trabalho, que estamos apresentando ao leitor, é uma tenta-
tiva de mostrar a originalidade da relação de ajuda e as condições
para a sua eficácia, de acordo com o enfoque da orientação não-
diretiva. Desta forma, as características, de que acima falamos,
irão aparecendo progressivamente até o final do nosso estudo.
D e fato, o nosso interesse estará limitado à f a i x a própria da
relação de ajuda, como parte integrante do exercício profissional
Assim, em nosso trabalho estaremos preocupados com as situações
que devem ser criadas pelo psicoterapeuta, pelo psicólogo, pelo
orientador educacional, pelo assistente social, pelo sacerdote, etc.
F i c a , portanto, claro que, mesmo podendo ser útil eventualmente
para outros casos, como por exemplo para a relação pai e filho
ou entre amigos, não se dirige diretamente para eles o enfoque
presente do nosso estudo.
O nosso trabalho deve naturalmente ser limitado. Por isso, como
é evidente, não podemos fazer aplicação concreta e específica dos
assuntos a cada setor particular de atividade profissional. Assim,
tentaremos apresentar, de maneira simples e introdutória, os p r i n -
cípios fundamentais da orientação não-diretiva. O leitor fará, de
acordo com o seu interesse profissional, as aplicações que julgar
conveniente.
Dimensionada pela atividade profissional, a relação de ajuda
pode assumir, conforme o caso, a forma de aconselhamento ou
psicoterapia.
Rogers diz que há uma tendência para se utilizar o primeiro
termo — aconselhamento — para entrevistas acidentais e super-
ficiais. Reserva-se o segundo — psicoterapia — para contatos
mais intensivos e com duração mais prolongada, visando a reorga-
nização mais profunda da personalidade.
Rogers utiliza os dois termos, um pelo outro. E isto porcjue
ambos fazem referência ao mesmo método de base: uma série
10
de entr vistas diretas com um individuo procurando ajudá-lo a
mudar ;uas atitudes e seu comportamento. Além disso, porque
é impossível distinguir, na prática, uma psicoterapia bem feita e
proveitosa de um aconselhamento igualmente bem feito e pro-
veitoso
E m nosso trabalho não faremos distinção também entre os termos
aconselhamento e psicoterapia, a não ser que, em lugar oportuno,
se diga laramente o contrário. Embora preferindo o termo psicote-
rapia, o conceitos que a seu respeito emitirmos servirão também
para o iconselhamento, mantida a ressalva j á feita.
Na i ca, os profissionais que estão legalmente impedidos de
fazer psicoterapia — como por exemplo os orientadores educa-
cionais ^ assistentes sociais — poderiam aproveitar as variáveis
que for m mencionadas: tratamento periférico dos casos e duração
curta d série de entrevistas, para se manterem no âmbito de sua
competêhc ia.
De U to, entrar no campo de profundidade da reorganização da
persona idade sem que para isso se tenha preparo suficiente
(geralm mte se exige menor preparo para quem faz aconselhamento
do que se exige para quem faz psicoterapia), é colocar em risco
o cliente e levar o aconselhador a situações difíceis e embaraçosas,
que o mparo legal procura evitar.
11
vidos pelo esforço de apenas compreender e resolver o problema,
devemos criar condições favoráveis para que o indivíduo alcance
o significado que tem o problema para si mesmo, como ser-no-
mundo.
A apresentação da dificuldade se torna, deste modo, uma opor-
tunidade para o indivíduo revelar-se um pouco mais a s i mesmo,
entrando num processo de conhecer-se melhor.
Assim, o indivíduo pode descobrir o que ele é realmente, des-
vendar para si suas potencialidades e saber como empregá-las
para vencer os seus bloqueios. Pode dar orientação construtiva
à sua vida e adquirir habilidade para resolver problemas — e não
apenas "aquele" problema. Pode fazer alguma coisa por si mesmo
e aprender a ajustar-se mais adequadamente ao meio.
N a orientação não-diretiva, acredita-se que existe em todo ser
humano um processo natural e permanente de desenvolvimento,
onde o indivíduo está em busca de sua auto-realização, autonomia
e ajustamento. Quando estes resultados não são alcançados é
porque alguma barreira está impedindo o processo. Desta maneira,
a melhor forma de ajudar alguém é contar com a força natural e
permanente que ele j á tem dentro de s i . É criar condições favoráveis
para que ele liberte o seu desenvolvimento, identificando e retirando
os obstáculos que o estão impedindo.
Rogers considera a vida como " u m processo que flui, que se
altera e onde nada está fixado". *
A vida é força positiva que constrói o indivíduo. Todos os
recursos, de que alguém precisa para o seu desenvolvimento,
encontram-se nas experiências que ela oferece. Saber reconhecer
estas experiências e aproveitá-las convenientemente é o mais funda-
mental que cada um dispõe para alcançar sua própria realização.
Não ajuda a ninguém tentar viver uma vida que não é sua ou
rejeitar ser o que ele realmente é. São desvios que trazem insatisfa-
ções e desajustamentos, impedindo a eficácia pessoal e criando
obstáculos para o progresso.
N a orientação não-diretiva, considera-se que a base necessária
para mudanças desejáveis é a aceitação de s i , aqui e agora: a
partir do que o indivíduo realmente é, os recursos atualmente
existentes podem ser descobertos, reconhecidos e utilizados para
as mudanças necessárias numa direção mais construtiva.
Assim, poderíamos dizer que a relação de ajuda, no enfoque
não-diretivo, pretende dár ao indivíduo oportunidade para se
» Rogers, On Becoming a Person, p. 27
conhecei como realmente é, aceitando o seu próprio processo de
vida e r ele se inserindo, a fim de utilizar os recursos pessoais,
que as e tperiências lhe oferecem, para transformações construtivas
de atituqes e comportamento.
13
Quando o indivíduo procura a psicoterapia, as experiências que
geralmente possui de relacionamento são constrangedoras, no sen-
tido de que deve renunciar ao que ele realmente é, vestir " m á s c a r a s "
e " f a c h a d a s " para agradar, pelo menos, as pessoas que lhe são
significativas.
O relacionamento que o terapeuta não-diretivo estabelece não
é frio, distante, "profissional". Mas é um contato de pessoa para
pessoa, num clima afetivo, feito de bondade e responsabilidade.
O terapeuta tem p a r a com o cliente consideração positiva incon-
dicional e o indivíduo sente-se respeitado tal como é. O terapeuta
lhe tem compreensão empática e o cliente sente que ele é para
s i um "outro e u " , tendo as "mesmas" percepções e os "mesmos"
sentimentos, fontes de compreensão verdadeira.
Desta forma, o cliente pode ser congruente, ser-realmente-o-
que-é, sem necessidade de esconder-se atrás de " m á s c a r a s " ou
"fachadas".
A permissividade consiste em criar uma situação em que o
cliente não é julgado, nem avaliado, nem tratado como uma
" c o i s a " ou um " c a s o " .
Com as qualidades de relacionamento, referidas acima, o cliente
pode ter liberdade experiencial. Pode dizer — expressando com
palavras, gestos e mímicas — tudo o que pensa e sente. E , desta
forma, pode representar adequadamente suas experiências na
consciência, analisando-as, avaliando-as p a r a modificar a imagem
de si, quando isso se fizer necessário.
Podendo representar corretamente suas experiências n a cons-
ciência, o indivíduo possui percepções adequadas de s i e do
mundo. Sem precisar recorrer a defesas, está aberto às experiências.
E , desta forma, pode ajustar-se satisfatoriamente, adaptando-se às
situações à medida que estas se modificam.
Tendo aprendido, pela consideração que lhe tem o terapeuta,
a ter consideração positiva p a r a consigo, o indivíduo se torna,
p a r a s i mesmo, pessoa significativa. O centro de avaliação está
em s i e não no outro. Deste modo, ele confia no seu organismo,
tornando-se critério para s i mesmo. E , assim, a tendência ao
desenvolvimento pode efetivar-se, de fato, no sentido da auto-
realização, autonomia e maturidade. E l e tem um funcionamento
adequado, satisfatório para s i e para os outros.
Acabamos de apresentar, grifados, os termos fundamentais que
compõem o conceito de relação de ajuda, no enfoque não-diretivo.
Passaremos agora a explicitar o que eles indicam.
14
CAPÍTULO II
Equívocos no Uso
da não-diretividade
15
conselho, modificá-lo ou recusá-lo. Mas geralmente a expectativa
é apenas que ele colabore no sentido de. executá-lo.
Curran faz notar que o hábito de dar conselhos se baseia
no falso suposto de que serve para o aconselhando o que também
serve para o conselheiro. De fato, o conselho é comumente iniciado
por formas iguais ou semelhantes às seguintes: "se eu fosse
v o c ê . . . " , "se eu estivesse no seu l u g a r . . . " , etc.
O r a , o autor diz que a dificuldade de dar conselhos nasce
justamente daí: eu nunca serei o outro e jamais estarei no seu
lugar. Assim, o que serve para mim não serve para e l e . 5
Depois desta citação, acrescentemos agora o que é evidente:
ninguém v a i chamar de não-diretivo a um procedimento que, além
de dar conselhos, impõe autoritariamente o que pensa e quer. É
o caso, por exemplo, de alguém que obriga o outro a fazer (ou
não fazer) isso ou aquilo.
Assim, pelo menos nas coisas que ordenamos ou proibimos não
podemos ser considerados não-diretivos.
Algumas vezes, podemos, talvez, sem agir autoritariamente, tentar
o controle d a escolha do indivíduo através de sugestões e per-
suasões. Procedemos como se ele tivesse a liberdade de optar.
Mas, de fato, baseados frequentemente na suposição, explícita
ou implícita, de sabermos o que é melhor p a r a ele, utilizamos uma
série de meios, capazes de fazê-lo chegar "por s i mesmo" às
conclusões que previamente determinamos.
Estes comportamentos são incompatíveis com a não-diretividade.
Por melhores que sejam as nossas intenções e o desejo de ajudar
o outro, não devemos tirar-lhe a possibilidade de optar (quando
lhe obrigamos a fazer a l g o ) , nem manipular suas opções (quando
persuadimos ou sugerimos), nem elaborá-las, no lugar dele (quando
lhe damos conselhos).
Estes diversos procedimentos são considerados pela não-direti-
vidade como falta de respeito ao ser humano.
16
diretividac Qualquer que fosse seu método ou escola, ele se
declarava m oposição à idéia de dirigir o cliente ou paciente". 6
Gostar í * n o s , aqui, de fazer uma distinção. Pode ser que alguns
terapeutas diretivos não aceitem que o sejam, mas nem por isso
se dizem rogerianos". Parece, no entanto, que o equívoco se
estabelece se, adotando um método próprio, pessoal, por não
serem dir^ivos afirmam logo que são "rogerianos". E dizem:
"de certo odo, eu também sou n ã o - d i r e t i v o . . . " ou "em parte a
minha oriejtação é não-diretiva..." ou "eu também sigo Rogers...",
etc.
Evidentdnente qualquer um pode escolher a orientação que lhe
pareça me hor. Entretanto, a expressão não-diretividade indica,
de modo : estrito, embora inadequado, um quadro de referência
que tem p|r base o pensamento de C a r l Rogers. Assim, não se
pode idenf ficar qualquer ^ausência de diretividade como sendo
não-diretividade
A orienti ção não-diretiva, consagrada universalmente pela Psico-
logia, desi na um pensamento sistematizado, composto de uma
teoria de ersonalidade e, outra, de Psicoterapia, mutuamente
complemen ares.
Trata-se de_ um pensamento que possui um método peculiar, em
torno do q ia! são feitos estudos, experiências e pesquisas. É uma
elaboração séria e restritiva, que não pode estar sujeita a "inven-
ções" aleaf>rias . O método, originariamente aplicado ao processo
psicoterápi > foi conhecendo, progressivamente, sua extensão a
outros sete res do relacionamento humano como o educacional,
familiar, h^lustrial, etc.
A ausénc i da diretividade — usando a expressão para diferenciá-
la de não iiretividade — pode se apresentar de maneiras muito
diversificac|as Mas é, no sentido que a tomamos, uma opinião
pessoal, popendo surgir de muitas formas: desde um estudo mais
rigoroso até como resultado de um conhecimento não amadurecido,
Pode apar cer como fruto da reflexão ou ser mera intuição,
sem rigor ientífico, para solucionar empiricamente situações que
precisam s( r resolvidas.
Às veze$ afirma-se que o terapeuta não-diretivo deve ser
espontâneo
É certo \ ue a espontaneidade é um dos elementos mais funda-
mentais d pensamento rogeriano, oposta a um procedimento
rígido, f o r i f a l técnico e académico. Mas não se deve confundi-la
17
com uma impulsividade primitiva, bruta, "selvagem", que dispensa
qualquer trabalho ou esforço em nome da própria espontaneidade.
U m a vez, um aluno nos d i z i a : " n a orientação não-diretiva,
a espontaneidade tudo r e s o l v e . . . " . Outro colega perguntou-lhe
com r a z ã o : "se é assim, por que os não-diretivos fazem pesquisas
e escrevem l i v r o s ? . . . Por que colocaram n a Faculdade uma
disciplina para aprendermos e praticarmos a Psicoterapia Centrada
no Cliente? Bastaria que nos dissessem: sejam e s p o n t â n e o s . . .
e não precisava tanta coisa".
Observando uma sessão praticada por um terapeuta experi-
mentado, talvez fiquemos impressionados com o modo natural e
livre com que ele age.
E s s a s qualidades, no entanto, certamente manifestam o grau
de congruência que ele possui e que, para ser alcançado, exigiu
a reorganização de sua personalidade. A segurança que ele demons-
tra é possivelmente resultado de estudo, reflexão e tirocínio. Assim,
a naturalidade lhe é permitida pelas experiências que j á passou e
pelo grau de crescimento que atingiu.
A espontaneidade permite que, mantendo fidelidade à orientação
que segue, ele encontre as formas adequadas de adaptar a teoria
e a prática ao seu modo pessoal de ser. E s s a adaptação é necessária
e importante. É fundamental que o terapeuta rogeriano seja, antes
de tudo, ele mesmo. O u , dizendo melhor, o terapeuta é de fato
rogeriano, n a medida que ele puder ser ele mesmo.
Não estamos falando de ecletismo, mas de adaptação, em que o
indivíduo, mantendo-se n a orientação que segue, procura ajustá-la
ao seu modo pessoal de ser e agir para sua maior validade e
eficácia.
Consideramos o ecletismo como sendo um desvio d a orientação.
O indivíduo nega ou modifica uma parte dela, substituindo-a e
compondo-a com parte que não lhe pertence.
É certo que o terapeuta pode ser eclético e frequentemente
segue esta direção. Evidentemente, isso exige bastante discerni-
mento tanto para se saber o que negar ou modificar e por que
negar ou modificar como também p a r a se saber com exatidão a
maneira de substituir ou modificar. Assim, não se pode levar a
sério uma pessoa que se diz eclética apenas para justificar um
procedimento confuso, originado do desconhecimento ou de uma
teoria e prática mal assimiladas.
18
3. Equívocos no modo de agir
19
utiliza com frequência. Entretanto, proceder como se ela consistisse
simplesmente numa repetição maquinal do que foi expressado
transforma a entrevista em situação ridícula ou irritante ou frus-
tradora tanto para o cliente como para o terapeuta.
A "reiteração" do silêncio, ou seja, "repetir" o silêncio do cliente
até que ele o rompa, pode se tornar um refúgio para as frustrações
do cliente e criar sentimentos de incompreensão entre ele e o
terapeuta, aumentando a ansiedade de ambos.
Poderíamos talvez distinguir os silêncios "estéreis" dos "fecun-
dos". A experiência do terapeuta levará a discriminá-los. O s
últimos, os "fecundos", aparecem como um dos meios mais pre-
ciosos para a rapidez e eficácia do processo psicoterápico. Enquanto
que os primeiros, os "estéreis", não devem ser mantidos nem
alimentados pelo próprio silêncio do terapeuta.
20
procura-se informá-lo, dando-lhes as razões psicológicas, porque
age de^sta >u daquela maneira,
Esse prdcedimento é adequado para a orientação diretiva. Mas
o enfoque ogeriano não costuma utilizar os conhecimentos, obtidos
na Teoria, para ensinar, explicar, interpretar e dirigir o cliente,
Não se lh diz o que deve pensar, sentir e agir para melhorar,
De fato, o trapeuta não-diretivo está interessado em deixar o
cliente faze^ a experiência, a fim de aprender por s i : o cliente é
quem deve azer as suas próprias descobertas, seguir o seu próprio
caminho e ncontrar as soluções que lhe pareçam mais adequadas,
É um professo maiêutico, em que o indivíduo, por si, busca e
alcança os resultados.
Entretan ), isso não significa que o terapeuta não possa respon-
der nenhun|a pergunta, que o cliente lhe faça. Se ele pergunta, por
exemplo: Você é psiquiatra?", não tem sentido encaminhar a
entrevista ara que ele encontre a resposta por si mesmo. Assim,
se o tratanlento for feito por um psicólogo, este responderá com
simplicidad "Não sou psiquiatra, sou psicólogo clínico". São
perguntas respostas que só indiretamente afetam o processo
psicoterápi<|o (se é que o afetam).
Mas con o agir quando a pergunta parece interferir diretamente
no process maiêutico? Deve-se dar ou não a informação (ou
explicação) que é pedida?
Aqui, se rundo parece, ajuda muito uma distinção feita por
Pagès enti * atividades informantes e atividades estruturantes.
O autor ala em atividades estruturantes para indicar o procedi-
mento do rapeuta de substituir o cliente na elaboração de seu
campo de periência. Isso acontece quando o terapeuta determina
para o cliei te quais os acontecimentos que este deve julgar como
significativc s que valores deve dar as coisas, que objetivos devem
ser alcança os, que métodos devem ser utilizados, etc.
As atividtides informantes são intervenções do terapeuta, orien-
tadas para ) mero esclarecimento do cliente, a fim de que este
possa utiliiar o informe para efetuar, ele mesmo, a atividade
estruturanté
O terapeita não-diretivo não usa atividades estruturantes, que
devem ser feitas pelo cliente. Mas, para ajudar a uma boa
comunicaçã ) do cliente consigo mesmo, pode intervir, quando for
necessário, :om atividades informantes.
21
E i s o trecho de uma entrevista, feita com um aluno, para nos
contar s u a experiência de terapeuta ao praticar uma sessão didática:
22
Kinget mbra que o termo direção sugere a idéia de orientação
ou de sign f icação. Enquanto diretivo implica conselhos, instruções,
sugestões, etc.
A autor lembra que o método é não-diretivo, mas não é sem
direção e jue não dar diretivas não é a mesma coisa que não ter
direção: lt oda a situação psicoterápica está impregnada de direção
23
CAPITULO III
A Experiência da Comunicação
Consigo Mesmo
24
Dizemc s que, neste fcaso, a experiência estava disponível à
consciência
Assim, quando uma experiência não está consciente, mas pode
ser lem )rada' e representada adequadamente na consciência
com a siropl es utilização de meios comuns, diz-se que é disponível
à consciãnci E diz-se não estar disponível, quando, para ser
"lembrad t e representada adequadamente, exigem meios extra-
ordinárioi como a psicoterapia.
O aconselhamento lida preferivelmente com experiências dispo-
níveis à t onsciência, enquanto a psicoterapia está mais preocupada
com as periências que não estão disponíveis.
25
fobias até conversões psicossomáticas. Desta maneira, uma úlcera
do estômago, por exemplo, pode ser indicadora de experiências
recalcadas, impedidas de representação correta, na consciência.
A experiência da rejeição ao pai, no caso apresentado, não está
disponível à consciência. Mas diz-se que é potencialmente sim-
bolizável, pois, embora os meios comuns não sejam suficientes
para uma representação correta, poder-se-á consegui-la através
da terapia.
Costuma-se dizer que a representação é correta quando existe
acordo, harmonia, entre a experiência real, o que de fato acontece,
e a construção mental que dela se faz. Assim, eu representei
corretamente o livro que v i na livraria. Entretanto, a rejeição que
o filho tinha do pai foi representada distorcidamente na forma
de uma intolerável dor de cabeça: foi uma representação incorreta.
N a orientação não-diretiva, os termos consciência, simbolização
e representação são tomados como sinónimos. Como explica Rogers,
indicam que, a partir de uma experiência, podemos fazer dela
uma construção mental. E s t a construção pode ser elaborada como
imagem, idéia, pode aparecer na forma de palavras ou sem elas.
Pode surgir apenas como um sentir vago, indefinível ou, através
de gradação, ser uma construção mais perfeita, "acabada".
Assim como acima falamos em representação correta ou incor-
reta poderíamos ter significado o mesmo, usando as expressões
simbolização correta ou incorreta ou, ainda, tomada de consciência
correta ou incorreta. E m todos os casos, poderíamos também ter
substituído os termos correto e incorreto, utilizando respectivamente,
como sinónimos, os termos adequado e inadequado.
Pode-se imaginar o processo psicoterápico não-diretivo como
situação na qual o cliente se coloca para comprovar a adequação
dos conteúdos representados na consciência. Assim, tem oportuni-
dade para transformar em corretas as simbolizações que v a i per-
cebendo como incorretas. Neste caso, o processo tem por finalidade
estabelecer o acordo entre as experiências organísmicas e a repre-
sentação adequada delas.
À medida que as representações vão se tornando mais adequadas,
há uma reorganização na imagem que o cliente faz de si para nela
serem incluídas as experiências que, anteriormente, não podiam
26
ser simbolizadas de modo correto por serem incompatíveis com
a referica imagem.
Comp eende-se: a experiência estava impedida de ser simbolizada
corretarr ente a fim de proteger a imagem de si. Mas, na terapia,
a situaç; o favorável permite que a experiência impedida seja sim-
bolizada corretamente. E o indivíduo percebe a diferença entre
o que e s imaginava ser e o que a sua experiência lhe diz que é.
Aceitando agora a experiência, ele modifica a imagem de si.
27
desejo (como o s e x u a l ) , de um sentimento (como, no exemplo
anterior, a rejeição ao p a i ) . Encontrando-se em nível inconsciente,
o indivíduo "não sabe" o que está impedido. A finalidade da
terapia é ajudar a descobri-lo.
Embora excluída da consciência, a parte impedida continua a
existir e com tendência dinâmica a se manifestar. Isso causa no
cliente um estado de tensão. E , quando esta é, de certo modo,
percebida, surge a angústia.
A comunicação consigo mesmo é o caminho adequado que o
indivíduo possui para se reajustar.
O homem é o único ser vivo capaz de tomar consciência de
si. E este fato assume uma importância capital na economia
psicológica do ser humano. Simbolizando corretamente suas expe-
riências, o homem pode conhecer exatamente a situação em que
se encontra e o seu próprio significado dentro da situação. E ,
assim, pode ter controle construtivo sobre si mesmo e sobre a
situação.
Simbolizando corretamente suas experiências, o homem pode
conhecer os recursos que possui e perceber com acerto as diversas
necessidades para o seu desenvolvimento, tanto em plano fisioló-
gico, como no psicológico e cultural.
Isto significa que, na medida da boa comunicação consigo mesmo,
o homem busca o seu equilíbrio biopsicossocial: ele pode confiar
em si mesmo e os outros podem confiar nele.
Mas, quanto menos ele se comunica consigo mesmo, mais há
motivos para se desconfiar dele e de seu comportamento. De fato,
ele já não é mais o-que-pensa-que-é. Suas necessidades, senti-
mentos e visão da realidade chegam deformados à consciência.
Suas reações são feitas em função das percepções distorcidas que
ele tem de si e das situações. Não se pode esperar deste indivíduo
nem equilíbrio nem controle adequado.
Rogers compara o organismo com um gigantesco computador.
Podemos confiar nele quando funciona bem como critério certo
para os nossos procedimentos e ações.
No momento da decisão, colocamos nele todas as experiências
que tivemos sobre o assunto: as impressões dos sentidos, as
recordações da memória, os sentimentos interiores, etc. Neste
caso, o organismo registrará todas as forças que estão sendo
apresentadas. Fará a elaboração necessária e dirá qual a decisão
mais satisfatória, para nós e para os outros, pedida pelo momento.
28
Mas ajuste da resposta pede a fidelidade da informação. Se
as nossa simbolizações forem incorretas, as informações são
erradas o organismo faz um cálculo falho. E , então, como
resposta, fornece uma decisão falsa e um comportamento desa-
certado. 1
A terabia não-diretiva está preocupada com o bom funciona-
mento dc "computador", isto é, do organismo. Criando um clima
favorável dá oportunidade para o cliente entrar em boa comunica-
ção cons o e rever, testar e acertar as "informações" que estão
sendo triismitidas, Assim, de maneira " s u i generis", por meio das
informalões" acertadas, pode-se modificar o próprio "computador"
para o s|u funcionamento adequado.
29
CAPÍTUO IV
A Liberdade Experiencial *
30
Todo s ir humano precisa de consideração positiva. Este termo
serve par; i indicar, na orientação não-diretiva, a necessidade, sen-
tida por t )dos os seres humanos, de os outros nos quererem bem,
de serem icolhedores para conosco, de nos aceitarem e respeitarem
como son os.
Entre Í S pessoas que conhecemos existem algumas, das quais
desejamo! de modo muito especial, a consideração positiva. E l a s
são chamidas de pessoas-significativas ou pessoas-critérios.
D u r a n i toda a nossa vida, necessitamos destas pessoas-critérios
e procura no-las. B a s t a lembrar, por exemplo, como os pais são
important is para a criança. Depois, virá provavelmente uma pro-
fessora. J Lais tarde, será um amigo, talvez a namorada, a noiva,
a esposa, algum profissional de grande sucesso etc.
Geralm mte temos mais de uma pessoa-critério. E , muitas vezes,
continuan os a tê-la como significativa, mesmo quando nos frustra
na consic iração esperada.
A pess >a-critério tem uma influência muito grande sobre nós.
Pagès a c lama de "outro eu s i g n i f i c a t i v o " . "
Aqui, i oloca-se a base p a r a compreendermos o processo de
ajustameito e reajustamento, no ponto de vista da orientação
não-direti /a: podemos negar a nossa própria capacidade de auto-
avaliação, substituindo-a por normas, dadas pelas pessoas-signi-
ficativas, :omo no exemplo, acima, da criança.
Temos a inclinação de julgar importante para nós o que elas
para si r tesmas consideram como importante.
31
O indivíduo, porém, não percebe que está utilizando critérios
do outro. Pensa ter sido ele mesmo quem sentiu, isto é, que os
elementos para avaliação vieram de s i . No exemplo anterior,
a criança supõe que ela mesma sentiu não gostar de fazer carinho
na mãe. Não percebeu que transformou em seus os critérios da
sua mãe. Houve introjeção daquilo que a mãe gostava.
Assim, o desajustamento aparece pela falta vivencial da discri-
minação entre os valores próprios do indivíduo e aqueles que são
do outro. E l e acaba por rejeitar uma experiência que valoriza,
"sentido", como se fosse o outro, que para si ela não tem valor
ou, mesmo, é um antivalor.
Quando o indivíduo é capaz de fazer a discriminação, aceitá-la
c vivenciá-la, não existe desajustamento. Mantendo em si mesmo
o seu centro de avaliação, o indivíduo saberá reconhecer, por
critérios seus, se a experiência tem ou não valor para si. Verificará
que certas manifestações suas, vividas como agradáveis, são para
a pessoa-significativa desagráveis e vice-versa. Saberá então que
ele não é a pessoa-significativa: são dois seres diferentes. E l e se
julgará a si mesmo, modificando ou não seu comportamento, sem
necessidade de confundir-se com o outro para agradá-lo. E então,
mesmo conformando o seu comportamento com o que agrada o
outro, ele o faz, não pelo motivo fundamental de agradar o outro,
mas porque sabe que é melhor para s i .
32
interior, d Is sentimentos e experiências, reconhecendo-os e ava-
liando-os,
A situaç i
ó favorável é aquela onde o indivíduo sinta tranquilidade
e confianç para expressar com transparência a elaboração mental,
à medida ue a v a i realizando e do modo como a realiza.
Ou, dize ido em linguagem simples, o indivíduo precisa encontrar
ima situai ão favorável em que tenha calma e segurança para
pensar e pensar em voz alta", dizendo o que está pensando e
como está pensando.
Assim, i condição imprescindível para que haja liberdade expe-
riencial é existência d a liberdade de expressão. Mas não basta
apenas qu o cliente "pense" idéias e conceitos. Mais importante
é que ele rianifeste sentimentos e emoções que envolvem os conteú-
dos do pe isamento.
Como t imbém não basta que o terapeuta dê liberdade de
expressão portando-se apenas como observador. Deve, ao contrá-
rio, ser p irticipante e ajudar o cliente a pensar e sentir com
adequação
Assim, i eferimo-nos a uma liberdade de expressão, em que o
indivíduo ode manifestar tudo o que pensa e sente com palavras,
gestos e n ímicas. E o terapeuta, como diz Anastasi, deve "abster-
se de ex lorar, interpretar, recomendar, persuadir ou sugerir.
Preenche função de um ouvinte atento, procurando compreender
plenamenti o que o indivíduo diz e sente, fazendo todo o esforço
para percí Der toda a situação do ponto de vista do cliente. Parte
importante da tarefa do terapeuta consiste em refletir e clarificar
os sentime itos do cliente por meio de reexposição das observações
do própric c l i e n t e " . 1 3
Tendo 1 al procedimento, o terapeuta não-diretivo faz com que
o centro < !e avaliação do cliente não esteja no outro. E exerce,
para a ela >oração mental das experiências e sentimentos do cliente,
a função ie um catalisador, isto é, de um agente que facilita o
processo i a s não o determina.
Como d talisador, além de respeitar o cliente, dando-lhe liberdade
experienci 1, o terapeuta participa sobretudo pela compreensão
empática.
Assim, i cliente pode utilizar o processo psicoterápico em busca
da c u r a : cliente é quem se cura a si mesmo. E esta afirmação
tem um s ntido mais rigoroso na orientação não-diretiva do que
33
em outras teorias psicoterápicas que também a usam, mas onde
o terapeuta controla e faz desenvolver o processo.
O clima permissivo, na orientação não-diretiva, se refere direta-
mente à liberdade de expressão, tal como acabamos de explicá-la.
O cliente deve ser livre para dizer tudo o que pensa e sente.
Mas não se lhe dá o direito de fazer, isto é, de transformar
em atos o que pensa e sente, sobretudo quando isso se torna
prejudicial para si e para os outros.
D i z M u r y : "se alguém me diz que tem desejo de matar seu
vizinho, posso escutá-lo tranquilamente. Agir com ele é outra
coisa. Apoiá-lo na vida concreta seria ir matar seu vizinho com
ele. E isso não seria mais uma atitude não-diretiva, mas sim
solidariedade no crime, totalmente a b s u r d a " . 1 4
N a orientação não-diretiva, considera-se que o melhor modo
de ajudar alguém não é fazer alguma coisa por ele. Mas é
criar um clima favorável à liberdade experiencial para que ele
possa ajudar-se a si mesmo, fazendo por si o que só ele pode
fazer.
34
CAPÍTULO V
Percepção e Quadro
de Referência Interior
1. O conceito de «percepção»
35
pensar que o seu medo é uma " a s n e i r a " porque imaginamos que
ela deveria dar aos ambientes fechados o mesmo sentido que
nós lhe damos.
Quando falamos em percepção estamos nos referindo a esse
significado próprio, pessoal, que cada indivíduo dá às coisas,
pessoas e acontecimentos.
St. Arnaud explica que o conceito indica " a significação subjetiva
que o indivíduo dá ao que se passa em si e em torno de s i " .
E o campo perceptivo é, diz St. Arnaud, "o universo subjetivo
do indivíduo, sua visão do mundo, o conjunto da realidade tal
como é percebida por ele, tudo o que constitui na consciência
psicológica"."
C a d a percepção é uma espécie de "tradução" subjetiva que o
indivíduo faz de elementos da realidade, dando-lhe significados
pessoais.
E s t a "tradução" nem sempre coincide com a realidade objetiva.
É, porém, com frequência, uma aproximação que serve, de modo
mais ou menos adequado, para que o indivíduo tenha uma visão
compreensiva, própria e organizada, do mundo em que vive.
Cada um possui, portanto, o seu mundo subjetivo, diferente de
todas as outras pessoas. D i z Rogers: "acabei por reconhecer que
estas diferenças que fazem os indivíduos desiguais, este direito
que cada pessoa tem de utilizar sua experiência de maneira que
lhe é própria e de descobrir seu significado, tudo isto representa
as potencialidades mais preciosas da v i d a " . 1 1
O terapeuta não-diretivo respeita essa "potencialidade" e esforça-
se para que ela se efetive em plenitude. Sabe que o cliente não
pode pensar, julgar e avaliar como ele o faz. Portanto, aceita-o
como indivíduo diferente de si, promovedor e organizador do seu
campo perceptivo.
N a terapia não-diretiva, no entanto, deseja-se ajudar o cliente
para que verifique se suas percepções são realistas e adequadas
e para que as organize no sentido de alcançar melhor ajustamento
e desenvolvimento.
2. Percepção e comportamento
36
ele age e eage em consonância com os significados que dá às
coisas, ou seja, de acordo com a realidade que foi "traduzida"
para o seu mundo subjetivo.
Imaginen os um exemplo muito simples. Num Livro de Orações
de uma jo\ em havia uma pétala de rosa j á murcha. Ao vê-la, o
significado que lhe dei foi este: uma coisa inútil que devia ser
jogada for i. A moça também viu a mesma coisa: uma pétala
de rosa m ircha. Entretanto, o significado que lhe deu foi outro:
uma lembr inça muito querida de um fato sentimental que ela
viveu.
A partir da minha percepção, o meu procedimento seria jogar
ao lixo a :oisa inútil que v i . A partir da percepção da moça,
o seu comp >rtamento foi de guardar carinhosamente uma lembrança
querida.
Assim, se eu quisesse compreender o comportamento da moça
pela minh percepção, parecer-me-ia profundamente incoerente,
ridículo. Efci outras palavras, o comportamento da jovem só se
tornaria co npreensível para mim se ela me revelasse a percepção
a rosa.
Desta fornia, podemos compreender também o comportamento
hostil de u na pessoa para outra que nos parece muito simpática,
o esta lo deprimente de alguém ante um acontecimento que
altamente gratificador. O u , ainda, medos "irrazoáveis"
diante de (oisas que nos parecem simples e inofensivas.
Tendo p )r base a nossa própria percepção e não a do outro,
jamais poc e remos compreender por que ele age ou reage desta
ou daquela maneira. E , no entanto, somos sempre tentados a supor
que os out os percebem como nós percebemos. E queremos com-
preender o outro através da nossa própria percepção.
Certa v ± , uma jovem nos procurou porque desejava deixar
a casa pat< rna para morar sozinha num apartamento. Esse proce-
dimento nl o apenas era incompreensível para a família, mas
surgia mes no como "escandaloso' 1
Tivemos também oportunidade de conversar com a mãe, que
nos d i z i a : " . . . mas ela tem tudo em c a s a . . . nada lhe f a l t a .
dedico-lhe todo o meu c a r i n h o . . . faço tudo por e l a . . . o que
ela quer n a i s ? "
Foi pro lindamente chocante para a mãe quaúdo soube que
a filha des» j a v a justamente livrar-se do "carinho". A filha percebia
a atenção naterna como se fosse um policiamento, uma fiscaliza-
ção insupo tável. A moça estava " c a n s a d a " de que a mãe fizesse
37
"tudo por e l a " . Queria, agora, fazer também alguma coisa por s i
mesma. N a sua percepção, o ambiente do lar era simplesmente
aniquilador de sua personalidade.
T a l v e z o problema tivesse sido solucionado, se houvesse diálogo
entre as duas, antes de ter chegado ao ponto agudo que alcançou.
D e fato, as duas tiveram "umas conversas". Mas, nestas, a mãe
nunca se preocupou em saber qual a percepção que a filha tinha
do ambiente familiar. Partia sempre do princípio de que ela — a
mãe — estava agindo certo. E as conversas tinham por finalidade
prevenir a moça contra < f as maldades do mundo" e dar-lhe conselho
para que "fosse boa f i l h a " . Vê-se, então, que não era diálogo.
E r a monólogo, enrijecido pela posição cada vez mais agressiva
que a filha tomava.
Alguém poderá dizer: "mas a mãe tinha razão". É bom deixar
claro o seguinte: quando se tenta compreender a percepção de
alguém, o importante é compreender, e não julgar. Não se trata
de saber quem tinha razão. Tratava-se apenas de constatar o que
a moça pensava e sentia, procurando apreendê-lo do seu ponto
de vista. Como o caso foi solucionado é outro assunto, que não
interessa ao nosso estudo no momento.
P o r agora, insistimos na idéia de que o comportamento é
compreendido pela percepção que o indivíduo tem da realidade
objetiva.
Voltemos ao exemplo anterior da pétala de rosa. Viu-se que
o comportamento d a moça, guardando-a, não foi motivado de
acordo com a realidade objetiva (uma pétala de rosa murcha)
mas em harmonia com o significado que ela deu à realidade ( p a r a
a moça, uma lembrança carinhosa).
Viu-se também que, mudando o significado (pensei que a pétala,
murcha, devia ser jogada ao l i x o ) , muda-se o comportamento
(penso agora, a respeito da mesma pétala, murcha, que uma lem-
brança querida deve ser guardada).
Note-se que o meu comportamento mudou, não por causa de
alguma transformação na coisa, na realidade objetiva ( a pétaía
continua a ser a mesma: uma pétala murcha). Mas mudou,
porque houve mudança no significado que eu dava à coisa ( a
pétala murcha j á não é mais uma coisa inútil, mas é uma
lembrança querida).
Assim, compreende-se que, na terapia não-diretiva, a preocupa-
ção não está focalizada diretamente sobre a mudança de com-
portamento do cliente, mas sobre a sua mudança de percepção.
Quando esta muda, o comportamento também se transforma.
38
3. O (quadro de referência» na mudança da percepção
40
P a r a c mupreender, assim, precisamos ter por base o quadro
de referêi interior do cliente.
A n< — quadro de referência — é explicada por Rogers
como sen|io "o conjunto de experiência (sensações, percepções,
significaç es, lembranças, etc.) disponíveis à consciência do indi-
víduo nur determinado momento". 1 0
O quac ro de referência interior do cliente é, para o terapeuta
não-direti 'o, o contexto onde existem os significados e que torna
inteligível tudo aquilo que ele expressa.
Compreender é acompanhar as experiências que o cliente expressa
sem deixí o seu quadro de referência interior e procurar entender
tudo que é manifestado, não no sentido que isso pode ter para
o terapeu a, mas nos significados que assume no próprio quadro
de referêi ci do cliente.
Se con iderarmos como mensagem o que é transmitido pelo
cliente, c mpreender, então, significa "decodificar" os sinais que
ele me trflnsmite, tendo como " c h a v e " o seu quadro de referência
interior, nde se encontram os sentidos dos; sinais, constitutivos
da mensa jem que ele emite,
O clieife precisa sentir-se compreendido pelo terapeuta. Mas
para isso não é necessário que sejam utilizadas formas explícitas
como as iguintes: "eu o compreendo", "estou entendendo o que
você d i z " "pode falar tudo que você deseja, que eu o compreen-
derei", et
Se o te apeuta, sem se preocupar com verbalizações explícitas,
procura e itender não só o que o cliente expressa mas também
o seu sig tiificado e, além disso, se procura ajudar o cliente a
entender nelhor o que expressou, mantendo-se sempre no seu
quadro di referência, o cliente sentirá, não pelas palavras do
terapeuta, mas por seu procedimento, que está sendo cc^npre-
endido
41
CAPITULO VI
42
rente: ai percepções que temos a nosso respeito buscam dar-nos
um "per i l " — uma "imagem" — do que pensamos que somos.
Todos nós possuímos uma tendência para mantermos esta ima-
gem, gar latindo a configuração que ela representa. É como se disso
dependes ;e a consistência da nossa identidade, de sermos o que
somos. A ;sim, as novas percepções que temos de nós são "aceitas"
apenas (uando podem se integrar na configuração j á existente.
Daí o mi itivo de algumas percepções serem rejeitadas porque não
se ajuste m à imagem. E , outras, de serem distorcidas de modo
que poss im se integrar nela.
Estas iuas situações^— de percepções negadas e distorcidas
— correi pondem a processos de simbolização incorreta.
Rogen explica que o termo percepção é sinónimo de consciência.
Entretan o, "percepção se emprega geralmente referindo-se a exci-
tantes d( fonte externa, enquanto que o termo consciência pode
englobar o efeito de excitantes provenientes de fontes puramente
internas :omo a memória ou os processos fisiológicos, produzindo
efeitos s melhantes aos excitantes de fonte externa". "
Poden DS dizer, mantida a distinção feita, que perceber é o
mesmo q le representar na consciência ou simbolizar, cujos assuntos
foram tn fados no capítulo I I I deste trabalho.
Imagir emos um homem que tem de si a imagem de ser corajoso
e nada U mer. N a rua é desafiado por outro indivíduo de tamanho
e força i íedianos, sentindo-se atemorizado. Se ele apreendesse o
significai o da situação, tal como devia representá-la, seria incom-
patível o m a imagem que tem de s i : um homem corajoso não se
atemoriz;.
Então, pode ter uma percepção incorreta da situação. O u , sim-
plesmenti , nega a percepção (pode estar tão "distraído" que não
repara q le o indivíduo está falando com e l e ) . O u , se a negação
não for ossível, distorce o significado da percepção (repara que
o indivíAo está " b r a v o " com ele, mas " é um embriagado que
está dize ido asneira" ou " u m louco que não sabe o que d i z " ) .
Desta orma, ou negando ou distorcendo a percepção, pode man-
ter a imi gem de si.
Vejam >s, agora, o caso real de uma cliente que tinha de si a
imagem le ser uma mãe carinhosa e exemplar. A filha sentia
o ambier te do lar intolerável e desejava abandoná-lo para morar
sozinha i um apartamento. Se a mãe representasse adequadamente
43
o significado d a situação deveria pensar que ao invés de carinhosa
ela era dominadora. M a s isso era incompatível com a imagem
que tinha de s i . D i z i a , então, devido a uma percepção incorreta,
que a filha "estava contaminada pelos erros da juventude de hoje
e que desejava uma liberdade desenfreada".
A imagem que o indivíduo tem de si influencia decisivamente
no modo dele perceber fatos e situações.
O homem "corajoso" e a mãe "carinhosa" estavam impedidos
— embora disso não tivessem consciência — de perceberem ade-
quadamente as experiências em desacordo com a imagem de si.
Entretanto, o impedimento não existiria se a s experiências fossem
conformes ou reforçassem a imagem que o indivíduo tem de s i .
Se um aluno tem de s i o conceito de que é um estudante bom e
dedicado e se um professor o elogia, ele não tem motivo para
negar ou distorcer a situação. Neste caso, percebe-a corretamente
tal como acontece.
44
F a l a - s em rigidez da imagem de si para indicar a maior ou
menor in :apacidade que tem o indivíduo em aproveitar as opor-
tunidades que suas experiências lhe dão, a fim de desenvolver
o conceil) de si numa direção mais realista — de ser o que
realmente é — e, assim, alcançar melhor funcionamento e adaptação
ao meio.
O indv íduo rígido não tem abertura à experiência e, por isso,
não pode discriminar certas nuanças que só esta lhe dá. Assume,
desta ma íeira, uma posição de tudo ou n a d a : ou a situação
é assim ( u não é. O u sou assim ou não sou.
Como i ão apreende as coisas através de suas próprias experiên-
cias, o ri fido tende a utilizar rótulos, fórmulas ou normas para
conduzir \ ua vida. T e m horror de ser "incoerente". E , no entanto,
a experiêi cia nos ensina que todo o ser humano é contraditório.
U m a fórn ula pode estabelecer que "o corajoso não tem medo".
Entretanto i a experiência nos diz que todo valente tem momentos
de covarc a. O rótulo pode afirmar que " a mãe carinhosa deve
servir à f ha e não ter desejo de domínio". A experiência, porém,
nos mosto i que instantes de devotamento desinteressado podem
coexistir a > lado de momentos de dedicação possessiva.
A vida ião é absolutização. Mas a realidade se nos apresenta
sob aspec os limitados, exigindo de nós crescimento gradual e,
até mesnu , composição de opostos.
Alguém Dode supor que, se não absolutizar, talvez possa escolher
a parte pi »r e daí provir uma degringolada. O ponto de vista da
orientação não-diretiva é diferente. A condição fundamental para
crescermos! é aceitarmos a realidade do que somos aqui e agora.
Não é fu indo de nós p a r a a abstração que podemos ajudar
a nós mei mos. É necessário que cada um se encontre consigo
mesmo — como de fato cada um é — p a r a saber quais as
dificuldade» que existem para o seu desenvolvimento e quais os
recursos qi te possui para ser melhor.
Vejam, orno exemplo, o trecho abaixo de uma entrevista, que
fizemos c o p uma senhora que tinha uma filha de 13 anos:
45
C 2 — Ê... (pensando)... Talvez ea não seja tão boa mãe assim.
Acho que ea devia ser mais compreensiva... ( s i l ê n c i o ) . . . (mudando de
tom) mas também ela faz coisas que irritam a todo mundo... Ê insu-
portável. Ninguém aguenta... (mudando novamente de tom) Mas, você
sabe, eu sou mãe... devia ser diferente.
T 2 — Estou entendendo que pelo fato de você ser mãe devia ser
diferente de todo mundo.
C 3 — ( r i n d o ) . . . Eu não quis dizer isso... Como ser diferente?...
Eu também sou humana, não é?... Há coisas que eu não posso suportar.
T 3 — Estou compreendendo que certas coisas que sua filha faz são
irritantes mesmo. Estão além de sua capacidade de compreensão. Você
se irrita porque é humana, será isso?
C 4 — Talvez seja isso... É... pode ser... Talvez ea devesse com-
preender que não depende de mim... que a menina é irritante, mesmo...
pelo menos em certas coisas que jaz... etc
47
CAPÍTULO VII
O Homem em Busca
da Autenticidade
48
tante é a gaite ser autêntica... a gente já conversou muito sobre isso,
não é?... sei autêntica, para mim, é ser inteira... é não ser em pedaços...
já que estou começando a me ligar, então eu acho que isso é muito
importante., etc.
49
U m a coisa é a harmonia que se estabelece entre as partes.
Outra coisa é a unidade que daí resulta. Neste Capítulo a nossa
atenção está voltada para a segunda.
Inteira significa que não existe falhas de partes: todas estão
presentes, sem faltar nenhuma, na unidade que constituem. Significa
também que não existem elementos estranhos compondo a unidade:
esta é formada apenas das partes que lhe pertencem. A s duas
características referidas devem estar presentes na autenticidade.
Se a imagem de si rejeita uma necessidade ou sentimento do
organismo, então existe falta de uma parte na unidade. A imagem
de s i não é "inteira", pois falta-lhe a parte rejeitada. O indivíduo
é inautêntico, pois não-é o que é-em-profundidade.
Se, p a r a se defender ou agradar os outros, o indivíduo coloca
" m á s c a r a s " ou "fachadas", então assumiu em si "corpo estranho",
j á não é mais "inteiro" o que é-em-profundidade. Não é, portanto,
autêntico.
Não existem modelos, exemplos dados de fora, para alguém ser
autêntico. Não se pode estruturar um molde para dizer como
cada indivíduo "deve ser" ou o que "se espera que ele s e j a "
no plano d a autenticidade.
A autenticidade consiste nisso: a aceitação e vivência da própria
verdade ontológica. É um processo que a cada instante se constrói
e jamais acaba. Não é uma "aposentadoria" que alguém adquire e
pode viver dos dividendos.
O homem é um ser inacabado que está sempre se construindo
sem alcançar jamais a plena construção. É um ser em mudança,
um devir. A autenticidade consiste em aceitar-se inteiro, aqui e
agora, com suas qualidades e limitações, tendo em vista este
movimento em busca da auto-realização.
A autenticidade não se planeja, vive-se. N a terapia, quando
o cliente descobre que deve ser autêntico, é tentado, com frequên-
cia, a elaborar um modelo para ao mesmo se adaptar. O r a , a
autenticidade é a busca de coerência consigo mesmo e não adapta-
ção a um modelo. A vida é fluxo e a autenticidade é coerência
consigo mesmo no momento que passa. Isso desafia qualquer
previsão ou planejamento. E x i g e , no entanto, que o indivíduo
queira e possa ser ele-mesmo, aqui e agora.
A psicoterapia pode ajudar o indivíduo a fazer a experiência
de si mesmo e, através da auto-exploração, descobrir as camadas
mais profundas do ser. Desta maneira ele tem oportunidade de
confrontar a imagem de si com as características originárias do seu
50
próprio organismo mo — digamos, com a sua verdade ontológica —
situadas a Im das percepções incorretas que possa ter de si
mesmo.
E n t r e t a n o , mesmo fora da psicoterapia, o indivíduo j á pode
fazer algur ia coisa em favor da sua própria autenticidade. P a r a
isso, é neo ssário que ele construa uma imagem de si de acordo
com o que ele sente que realmente-é, e não de acordo com o que
os outros izem que-ele-é ou esperam-que-seja ou afirmam-que-
deveria-ser
Neste ca 50, o que o indivíduo sente-que-é pode não estar em
harmonia c m o que ele-realmente-é em profundidade; ele "sente"
através de sua consciência, que pode ter conteúdos negados ou
distorcidos Entretanto, mesmo assim, ele assumiu a atitude funda-
mental de er congruente, possível aqui e agora, criando um clima
de fidelidalde para consigo mesmo que prepara e incentiva o
ciescimenU no processo da sua "verdade".
51
as suas deliberações sejam feitas de acordo com o que " o u v e "
em s i .
Rogers, fazendo referência à sua experiência pessoal, diz em
que consiste "ouvir-se a s i mesmo": "tenho a impressão de que,
com os anos, aprendi a tornar-me mais capaz de me ouvir a mim
mesmo, de modo que sei melhor do que antigamente o que estou
a sentir num dado momento — que sou capaz de compreender que
estou irritado, ou que sinto em relação a um indivíduo uma
impressão de rejeição ou, pelo contrário, de afeição ou então,
ainda, que me sinto aborrecido e sem interesse pelo que se passa
ou que estou ansioso por compreender um indivíduo ou que tenho
um sentimento de ansiedade ou de temor nas minhas relações
com ele".
E continua: " T o d a s estas diferentes atitudes são sentimentos
que eu julgo poder ouvir em mim mesmo. Poder-se-ia dizer, com
outras palavras, que tenho a impressão de me ter tornado mais
capaz de me deixar ser o que sou".99
No tópico anterior fizemos uma distinção didática entre auten-
ticidade e congruência. Pois bem. "Ouvir-se a s i mesmo" pertence
ao plano d a congruência. É a harmonia que deve existir entre
o que se passa no organismo ( a s experiências) e a consciência.
Havendo esta harmonia, a autenticidade aparecerá como resultado:
o indivíduo torna-se veraz para consigo mesmo e p a r a com os
outros.
É "ouvindo-se a s i mesmo" que o indivíduo deve encontrar os
elementos necessários às suas deliberações.
Curran utiliza o termo eubulia p a r a indicar o procedimento de
"tomar conselho consigo próprio", "deliberar", " d e c i d i r - s e " . 2 4
Evidentemente, o indivíduo não pode ignorar a opinião de outras
pessoas, os padrões culturais existentes, as normas estabelecidas,
etc. Ignorar seria o mesmo que se alienar. Mas, por outro lado,
conhecê-los não significa transformá-los automaticamente em crité-
rio de auto-avaliação.
A eubulia não consiste em agir no vácuo, procedendo como se
o mundo das realidades não existisse. Mas é, ao contrário, integrar
em si todos os fatores considerados como aproveitáveis, a fim de
transformá-los em recursos para o próprio desenvolvimento.
Mas, neste caso, o núcleo da personalidade permanece como base
fundamental para que o indivíduo avalie e decida quais os com-
52
ponentes <iie lhe são indispensáveis e como aproveitá-los para
realizar su; s necessidades, funções e tarefas.
O indiv duo, com sua responsabilidade pessoal, passa pelo
filtro de s ias experiências os recursos que o meio lhe oferece.
Assim, sab s que significação tem para si o que vê, ouve e sente.
A autentic: dade pede que o indivíduo decida de acordo com o
significado que as coisas têm para ele e não com o intuito
de agradai os outros, de cumprir normas sociais, etc.
Há outr) aspecto a ser considerado. A s experiências que o
indivíduo em podem fazê-lo conhecer o que realmente é : ele
tem medo, angustia-se, alegra-se, dedica-se, ama, etc. Ao invés
de rejeitar estes elementos, pode aproveitar-se deles para saber
"eu sou a ;sim". E , desta maneira, pela aceitação, conformar a
imagem dt si com a experiência.
Parece i stranho que a pessoa deva aceitar comportamentos e
sentimento que "logicamente" deveria rejeitar por serem vergo-
nhosos, im touros, etc.
E , no eitanto, diz Rogers que, paradoxalmente, "quando me
aceito a n i m mesmo como sou, estou modificando-me... não
podemos n udar, não nos podemos afastar do que somos enquanto
não aceita 'mos profundamente o que somos. Então a mudança
parece op< rar-se, mesmo sem termos consciência disso". " Volta-
remos ain< a a esse assunto.
53
O r a , falamos de autenticidade como de um equilíbrio: consiste
em reconhecer e aceitar todos os sentimentos e necessidades que
se possui e não apenas um ou alguns deles.
O homem sente ódio, mas também é capaz de amar. E l e
rejeita, mas existe nele também atração pelo outro. Quer destruir
mas também é impelido para a construção, etc. A autenticidade
consiste em equacionar todos estes elementos, de modo vivencial.
É dar a cada um o lugar que lhe compete. É fazer as qualidades
e defeitos se contrabalançarem mutuamente na busca da harmonia
do ser e do agir.
N a linguagem moral, existe uma palavra para indicar esse equi-
líbrio no agir. Chama-no de virtude. É uma qualidade que o
indivíduo adquire, criando nele uma disposição constante para
tornar perfectível as atividades que realiza.
A virtude é, portanto, uma firme garantia de que, no indivíduo
que a possui, seus procedimentos serão controlados, de modo
natural e espontâneo, para alcançar o fim a que ele se destina.
O oposto da virtude é o vicio, direito operativo, que torna os
procedimentos inadequados para alcançarem o fim ao qual a
pessoa se dirige.
Podemos desvincular as conotações morais que a palavra
virtude assume. Assim, por exemplo, fala-se na virtude de uma
planta ou de um medicamento para indicar a eficácia de produzir
os resultados esperados.
Sendo autêntico, o indivíduo entra no processo de conhecer e
aceitar o que-ele-é, de fato. Assim, torna-se sensível a todas as
exigências reais do seu organismo. E , desta forma, o seu proce-
dimento se torna virtuoso, no sentido de procurar, de modo espon-
tâneo, através das atividades que realiza, um funcionamento satis-
fatório e o seu desenvolvimento natural.
Neste sentido, aparece o depoimento da cliente, feito no tópico
anterior, deste capítulo: "depois de começar o tratamento, a vida
para mim se tornou mais positiva". . . "este tratamento é uma
espécie de ligação entre aquilo que a gente queria fazer e não
conseguia, e então a gente começa a conseguir fazer".
O inautêntico tem o agir vicioso. Sente-se ameaçado pelas
outras pessoas e pelas circunstâncias. E l e "não consegue f a z e r "
porque suas energias são investidas, não em função do seu próprio
desenvolvimento natural, mas em soluções defensivas para pro-
blemas que julga incontroláveis.
54
O autêntico tem o agir virtuoso. Não buscará sua segurança
em situaç es fora de si, mas terá autoconfiança para viver e
enfrentar s flutuações das circunstâncias. O seu comportamento
adaptativo será criador, surgindo conforme as conveniências do
instante ccjncreto de vida, no qual está inserido,
O indiviluo autêntico, compreendendo-se e aceitando-se, como-
realmente- descobre e vivência ao mesmo tempo as dimensões
da sua pi 6prria individualidade e a dos outros: sabe que não
pode r e d u i r ele mesmo a ninguém e que não pode reduzir ninguém
a si mesm . Desta maneira, encontra a base para um bom ajusta-
mento e relacionamento no meio em que vive.
O indiví iuo autêntico não está interessado em provar aos outros
que ele é o m : ele-é-o-que-realmente-é, quer agrade ou desagrade
aos outros E seu agrado está em ele encontrar-se satisfeito consigo
mesmo.
Entretatlto, numa ocorrência quase paradoxal, o indivíduo mais
agrada a( outro, quando não está excessivamente preocupado
em agradá -lo
De fato o inautêntico para atrair a estima dos outros costuma
utilizar ce os dispositivos que lhe criam "máscaras" e "fachadas",
Mas, ao ontrário, gostamos da "transparência", do indivíduo
que se m stra tal como realmente é, sem esconder nada atrás
do que diz ou do que faz, que não simula nem mesmo para
nos agrad ar : neste caso, sabemos com quem estamos lidando
e nele tenjos confiança.
Ao invé de ser "perigosa", a autenticidade é a direção que o
indivíduo Drocura, quando pode escolher ao encontrar um clima
permissivo Por ela o indivíduo busca o objetivo de equilibrar
suas neceí sidades e sentimentos, dando-lhe melhor funcionamento
e um rela ionamento mais construtivo com os outros.
55
CAPITULO VIII
Visão Otimista
do Ser Humano
56
E s t a áfirmação de que " a s camadas mais profundas do ser
humano ião positivas" não deve ser aceita como um princípio
que se in põe por si mesmo. Rogers a apresenta como experiência
obtida nc campo da psicoterapia. Cada um pode também verificar
se, no c< mpo observável do seu trabalho, isso acontece ou não.
A condiçi o para se observar é que se crie para o cliente a situação,
denomina da pela orientação não-diretiva de "clima permissivo".
Gostar amos de apresentar uma das experiências que tivemos
sobre o ; ssunto, na forma de uma carta que recebemos. E i s um
trecho d f l a :
57
impulsos destrutivos, pertencem também os impulsos superiores
de verdade, amor e beleza.
Os procedimentos anti-sociais que o homem manifesta, o egoísmo,
a inveja, a hostilidade, a destrutividade, e t c , resultam de frustra-
ções de impulsos mais profundos de amor, segurança, e t c , que,
em s i mesmos, são desejáveis.
58
D . No processo psicoterápico, a capacidade de dirigir-se a si
mesmo lanifesta-se pela possibilidade que o indivíduo tem
de compi^ender-se a s i mesmo e de resolver problemas — que lhe
chegam dequadamente à consciência, de modo suficiente para o
seu funci lamento satisfatório.
Não eí Íamos falando de uma compreensão de si, que o cliente
manifestará através de enunciados técnicos e metodológicos, nos
moldes i o que acontece em plano profissional. Mas é uma
compreendo vivencial, não-teórica, visando o ajustamento e a
integraçã) do indivíduo em situações concretas da existência.
A compreensão e o ajustamento não são feitos de uma só vez.
Mas sur como aprendizagem — que é processo fluido, dinâ-
mico aprendizagem de vida.
59
De acordo com o procedimento científico, o terapeuta pode
transformá-la numa hipótese a ser verificada. Neste caso, a hipótese
pode assumir, segundo Rogers, o seguinte enunciado: " O indivíduo
tem capacidade suficiente para manejar, de forma construtiva, todos
os aspectos de sua vida que potencialmente podem ser representados
na consciência". M
A " f o r m a construtiva" é uma compreensão mais adequada de
si e a resolução satisfatória dos seus problemas para um melhor
funcionamento.
P a r a verificar a hipótese, o terapeuta deve criar as condições
favoráveis, enunciadas pela T e o r i a , a fim de que o cliente possa
representar os aspectos de sua vida na consciência. O u seja,
dar para ele um clima de liberdade experiencial.
Deste modo, através de sua própria observação, o terapeuta
pode verificar. E , assim, rejeitará ou não a hipótese de que o
cliente é capaz de dirigir-se a si mesmo.
60
N a sit lação concreta da terapia, o terapeuta deve ajudar ao
cliente. IV as, por outro lado, deve reconhecer que o cliente c, ele
mesmo, o melhor perito que existe para saber e decidir sobre o que
mais lhe convém no plano de sua existência. Assim, ajudar não
significa lem eliminar nem diminuir essa qualidade que o cliente
possui, m is criar condições favoráveis para que ele a possa efetivar.
Poderí; mos dizer, de outro modo, que o cliente possui a capa-
cidade dí autodeterminação. Quando vem procurar a psicoterapia
não é pai a que essa qualidade lhe seja negada ou reprimida. Mas,
para enc( ntrar um agente catalisador que a liberte, ajudando-o a
tirar os tloqueios que estão impedindo o seu exercício: o cliente
aprende a autodeterminar-se, autodeterminando-se. Não é lhe
tirando a :apacidade de decidir-se que ele vai aprender a decidir-se.
A oriei tação não-diretiva considera como falta de respeito ao
outro j u *ar, avaliar e qualquer procedimento cujo objetivo seja
determin; r o que o cliente deve fazer (ou não fazer) para dirigir
sua própi ia vida.
P a r a u n encontro entre psicólogos e alunos de Psicologia, que
estávamoi orientando em São Paulo, tivemos oportunidade de
entrevista uma cliente, fora da sessão psicoterápica, a fim de
obter impressões sobre o tratamento a que estava sendo submetida.
A entu vista teve bastante aceitação entre os participantes do
encontro, Tanto que levaram a fita gravada para ser repetida em
diversas < ulas de matérias referentes do curso (onde, naturalmente,
j á não es ávamos presentes).
No e n o n t r o , a entrevista foi refletida e analisada, o que infeliz-
mente o c spaço não nos permite fazer aqui, agora. Vamos apenas
dar um p squeno trecho da entrevista.
A moça, escolhida ao acasQ entre as clientes, aceitou a entrevista
de boa v mtade. Durante três anos, ela esteve submetida a uma
terapia, d ) orientação diferente da que seguimos, e encontrava-se há
seis mesei frequentando sessões nossas, da Psicoterapia Centrada
no C l i e n t i . Falando a respeito do seu tratamento anterior, d i z :
61
E 2 — Olhai... vamos dizer que com este tratamento eu acho... que...
que eu não preciso tanto de me segurar em alguma coisa, entende? Ê como
se eu estivesse achando um jeito de andar sem me segurar em alguma coisa.
e 2 — Seria como se você estivesse achando um jeito de andar por si
mesma?
E 3 — É. É como se eu estivesse aprendendo a andar.
62
No eni mto, há uma opinião corrente de que o cliente não é
capaz, m o pode, não sabe. O terapeuta tem que fazer por ele.
Evidenten ente esta posição é incompatível com a não-diretividade.
Acredit ir no cliente, no sentido que lhe dá a orientação não-
diretiva, i ião é apenas uma posição tática. É uma crença, uma
convicção uma certeza que emerge de atitudes anteriores pro-
fundas. I ntretanto, essas atitudes não se elaboram meramente
na base c e uma especulação intelectual. Mas é um conhecimento
vivencial jue se obtém, como aprendizagem, na verificação das
experiênci is psicoterápicas.
63
CAPÍTULO IX
61
qualquer < utra forma mais específica de relacionamento, que se
manifesta :omo tendência primitiva que atrai o homem para o seu
semelhante
Sentinde essa atração fundamental, o que o ser humano procura
no outro, )elo amor, é a união e partilha,
Quando eu — como qualquer outro — tenho amor por uma
pessoa, a reconheço, dou-lhe acolhimento em mim pelo reco-
nheciment feito e, acolhendo-a, tenho com ela o mesmo sentir,
rompendo a minha solidão e a dela.
Expliqu imos o que essas afirmações indicam:
Reconhi cer é "conhecer de novo". Mas pode ter outros signifi-
cados M ;im, quando se d i z : "reconheci você pela v o z " serve
para difêifnciar um indivíduo por características que lhe são pró-
prias. O u quando se f a l a : "reconheço que essa assinatura é dele
mesmo erve para confirmar o que se julga verdadeiro, legítimo,
Ou, ainda quando se declara: "antes de construir é preciso reco-
nhecer o t irreno", serve para indicar um procedimento de investiga-
ção, de ploração.
Assim, econhecer pode significar também diferenciar, confirmar
e investigkr.
Ao afii narmos que reconhecemos a pessoa a quem amamos,
queremos dizer, em primeiro lugar, que nós a diferenciamos de
todas as mtras, pelas características que, nela, percebemos, tor-
nando-a i nica para nós, distinta de todas as outras: nós a "encon-
tramos". i r a aquela que nós "desejávamos" e "procurávamos",
Todas qu i amamos são única no amor que lhe temos.
E nós acolhemos dentro de nós, com as suas características
próprias, om a sua individualidade. E l a representa, em grau maior
ou menorj resposta" que pretendíamos para a nossa necessidade
de amar e em cuja busca nós nos sentíamos atraídos para os
seres huiianos. E l a se torna presente em nós, como satisfação
para essa necessidade.
O amo no sentido em que estamos falando, cresce e realiza-se
particulaijnente no momento da partilha: a pessoa amada, tor-
nando-se solidária — e não mais solitária — manifesta-me que
precisa c e mim, como eu preciso dela. E l a rompe a solidão
interior ei i que se encontra e expressa-me os seus anseios, medos,
esperança 5, sucessos, etc. como ela mesma os percebe.
Aqui, e etiva-se, em mim, o reconhecimento nos três sentidos que
foram f a l idos acima. Quanto mais a pessoa amada se revela, mais
eu a recopheço (descobrir, investigar). Quanto mais eu a descubro,
65
mais a reconheço (diferenciar). Quanto mais se mostra diferente
e eu percebo como ela percebe, mais eu tenho o mesmo sentir
com ela, reconhecendo (confirmar) o que ela percebe e sente.
Desta maneira, confirmada no que ela percebe e sente, ela não
se encontra mais sozinha: somos ela e eu.
Partilhar não significa concordar, mas aceitar com respeito e
responsabilidade o que me é oferecido, participando com "interesse
desinteressado" da interioridade do outro, tal como ele a percebe
e sente. Isso cria uma emoção simpática, que torna o relaciona-
mento possível, ajudando o seu desenvolvimento na forma de
união efetiva, cada vez mais profunda.
A união se faz pela comunhão entre eu e tu, a pessoa a m a d a :
eu, que te reconheço, sou tu, que és acolhida em mim. Tu, que
estás presente em mim, és eu, que sinto como tu.
E s t a idéia de amor, que acabamos de descrever, serve para
caracterizar o clima afetivo da psicoterapia não-diretiva. Quando
se f a l a neste, portanto, não se deve imaginar que consiste apenas
em manifestações exteriores de cordialidade, delicadeza ou amabi-
lidade. Não é também um mero sentimentalismo, uma simples
exarcebação emocional que, se existe, é justamente o oposto de
uma atitude verdadeiramente psicoterápica. E s t a se explica funda-
mentalmente como união que se faz pela partilha.
66
Mas pe contrário. O cliente sente que é ao mesmo tempo
amado e que o amor não lhe quer tirar o seu modo exclusiva-
mente pess< al de ser. E l e é amado com suas idéias, experiências,
necessidade 5 e sentimentos próprios. É amado como pessoa distinta
do terapeul a que, para amá-lo, não deseja reduzi-lo a si mesmo,
obrigando-i a pensar e sentir como ele mesmo pensa e sente,
É amad portanto, com um amor incondicional. O que o
terapeuta sabe sobre o pensar, sentir e agir do cliente não é
transformado em elemento seletivo para o terapeuta decidir se pode
ou nao an á-lo ou se pode amá-lo em grau maior ou menor,
O clienti faz a experiência de ser amado realmente como é,
como se erlcontra no momento de ser amado. Não se sente, por-
tanto, "forçíd to" a realizar mudanças artificiais ou a " f i n g i r " modos
de ser e omportar-se para conquistar ou manter o amor do
terapeuta.
Trata-se portanto, de um amor desinteressado. Se eu amasse
uma pessoí com a intenção de que o meu amor produzisse mudan-
ças nela, ehtão isso poderia soar com o tom de uma chantagem
afetiva cd n o preço do meu amor eu estaria tentando comprar
uma muda iça que ela, a pessoa amada, não estaria ainda em
condição di: realizar.
Quando se sente preparada, a pessoa muda. Mas, neste caso,
as mudanç is poderão surgir — e certamente surgirão — como
conseqíiênc a da eficácia do relacionamento desinteressado e não
como imposição do amor. Assim, talvez fosse melhor que eu nem
as previsse e nem mesmo as desejasse intencionalmente, deixando
que aparec essem como surpresa, tanto para mim como para o
cliente.
O amor desinteressado, portanto, não se baseia em mudanças
que podem vir ou em outro motivo compensador qualquer, mas
" a m a porc ne a m a " : é gratuito. A pessoa é amada apenas por
isso e por Éudo isso: responde a necessidade que tenho de amar.
E encontra se inserido no princípio da realidade presente: a pessoa
a quem an o, aqui e agora, é " a s s i m " . Pensa, sente e age desse
modo, que lhe é próprio. Mas, quando se expressa, oferece-me
o dom sinj ular de sua interioridade, tal como ela a percebe.
E , no en anto, o amor desinteressado provoca transformações no
cliente. Sei tindo-se aceito como é na realidade pelo terapeuta, ele
aprende a aceitar, no amor, a realidade que ele é de fato.
E s s a au o-aceitação é libertadora. A condição para alguém se
transforma j é aceitar-se a si mesmo na orientação presente em
que se en ontra. Geralmente, o cliente pensa de modo diverso.
67
Acredita que, aceitando-se como se encontra no momento atual,
entrará em acomodação, em conformismo e que seus defeitos
aumentarão. Supõe, desta maneira, que, para transformar-se, ele
precisa de rejeitar a si mesmo, de condenar em s i os " e r r o s " que
são percebidos.
Entretanto, enquanto não se aceita como realmente é, o indivíduo
sente-se ameaçado por si mesmo e vive defendendo-se de s i . E ,
para se defender, distorce ou nega experiências, formando um
conceito inadequado de s i .
Aceitando-se como realmente é, o indivíduo não precisa mais
defender-se das coisas que em si mesmo condena. E n t r a em paz
consigo mesmo. E , sem defesas, pode cuidar do seu desenvolvi-
mento. Pode reconhecer e avaliar corretamente suas experiências
organísmicas, utilizando-as, como julgar melhor, para efetivar m u -
danças no sentido do seu maior crescimento.
Podemos dizer, então, que sendo realmente o-que-é, a tendência
ao desenvolvimento não "permitirá" que o indivíduo permaneça
numa posição estática, mas, pelo contrário, ele criou a condição
necessária para crescer no seu próprio dinamismo.
Assim, embora o amor desinteressado não imponha mudanças,
cria uma distensão necessária para que as mudanças venham "de
dentro". E , deste modo, reconhece e assume o fato de que cada
pessoa é responsável pelo seu destino, pela sua vida e pelo seu
próprio crescimento.
Kinget refere-sé a um comentário feito por Rogers num de
seus filmes: " O que o indivíduo parece sentir na terapia é a
experiência de ser amado. Amado, não de modo possessivo, mas
de uma maneira que lhe permite ser uma pessoa distinta, com
suas idéias e sentimentos e um modo de ser que lhe é exclusiva-
mente pessoal".
D i z Kinget que essa experiência reforça o sentimento de segu-
rança no cliente e parece agir como fator vitalizante, que os
terapeutas ainda não elucidaram de modo teórico, mas constataram
de maneira clínica e que já começa a aparecer em resultados de
pesquisa.81
E r i c h Fromm diz que no amor está a única resposta para a
natureza humana e que nele reside a saúde. E diz que o amor
consiste " n a união com alguém ou algo fora da criatura, sob a
condição de manter a separação e a integridade própria. É uma
68
sensação de partilha, de comunhão, que permite a plena manifesta-
ção da atividade i n t e r i o r " . "
Quando cliente vem para a psicoterapia, o terapeuta sabe
que ele vem para a partilha. Sabe que ele tem uma necessidade
fundamenta de ser amado e que "no amor reside a saúde",
Amando-o, terapeuta lhe dá " a única resposta para a natureza
humana", vivendo, neste instante, de modo profundo, o espírito
de fraternidade
Não se t ata de uma fraternidade, como se fosse um apelo
vago e genfrico à união dos homens, universal e abstraía, mas
que de fato não os ama na realidade.
Trata-se, porém, de uma vivência fraterna que se experimenta
aqui e agori na união com o cliente, como pessoa única, mas que
é também representante" da humanidade. Unindo-se a ela, o
terapeuta se une a todos os homens,
O terapeiâa deve ter para com o cliente procedimentos de calor
humano, ac )lhimento, simpatia, respeito, aceitação, etc. Mas o
terapeuta n |o tem necessidade de manifestar o seu amor através
de formas e plícitas. Quando estas são usadas podem até produzir
efeito contr rio. Ao invés de facilitar, podem criar obstáculo para
o processo isicoterápico.
Se, duran e a partilha, o terapeuta se coloca numa atitude autên-
tica de disp Dnibilidade afetiva e mental e se procura "sintonizar"
com o clien e reconhecendo de fato o que ele expressa, então seu
amor será íanifestado e compreendido através de fatos e proce-
dimentos e lão através de palavras e declarações.
Jr
69
CAPITULO X
A Congruência na Comunicação
do Terapeuta
70
seja incapa de reconhecer conscientemente o estímulo ante o qual
aginc o " . 8 4 É, digamos, subliminar.
está rea;
No exen plco dado, podemos considerar três níveis diferentes
no piloto: ) da experiência organísmica. (o medo que sentiu e o
desejo de fugiir do perigo), o da representação na1 consciência (o
distúrbio C 3 aparelho digestivo) e a comunicação feita ("não
posso viaja porque estou adoentado").
No caso apresentado, há congruência (porque existe acordo)
entre a coiliunicação e a representação na consciência. Mas não
existe congi uência entre experiência e representação na consciência.
Fala-se í m comportamento congruente para indicar a harmonia,
a integraçã entre os três níveis: experiência-consciência-comunica-
ção. Isso u íifica a pessoa: o que ela experimenta, representa. O
que r<eprese ita, comunica. A pessoa torna-se "transparente": pelo
que ela comunica pode-se " v e r " sua consciência e pode-se " v e r "
sua experiê icia.
O compi rtamento congruente deve ser " e x integra causa",
isto é, sem falha de acordo entre níveis. Caso contrário, torna-se
incongruent ?
A falha ie acordo, gerando incongruência, pode se encontrar
entre a exf eriência e a consciência. F o i o que aconteceu com o
piloto: sent medo (experiência) e simboliza distúrbio do aparelho
digestivo (fonsciência).
Mas poc > se encontrar também na falha de acordo entre cons-
ciência e cctnunicação. Imaginemos, para exemplificar, que o piloto
tivesse con ;ciência do medo e dissesse que estava adoentado,
Agora, h a u r i a discordância entre consciência e comunicação:
afirmava-se coisa diferente do que se tinha consciência,
E m um tiabalho nosso, imaginamos o comportamento congruente
como proce ;so contínuo que devesse passar pelas seguintes fases:
71
No mesmo trabalho, tentamos especificar os diversos tipos de
incongruência, correspondentes a cada uma das fases acima apre-
sentadas :
2. A congruência do terapeuta
72
UF81BIIM6
^AUTENTICIDADE:
COMO QUALIDADE DE PESSOA:
DESACORDO ENTRE
Incongruência:
COMO QUALIDADE DE COMPORTAMENTO: ORGANISMO
1 — Negar a experiência
2 — Distorcer a experiência
CONSCIÊNCIA
•
4 — Recusa de comunicar a
experiência representada
MEIO AMBIENTE
A base para que isso aconteça é a própria congruência do
terapeuta, segundo o enfoque não-diretivo. Quando o cliente
percebe que o terapeuta não age enganosamente, que o seu
procedimento não é feito de ambiguidade nem equívocos, então
"sabe com quem está tratando". Adquire confiança. E tem condi-
ções de entrar num processo de comunicação aberto, franco e leal,
sabendo que em nada lucra, querendo enganar.
P a r a usar um modo simples de expressão, é como se o cliente
aprendesse na própria maneira do terapeuta se comportar, que as
"regras do jogo" são outras, diferentes das que comumente
existem no relacionamento social.
A congruência não é algo que se possa fingir, quando de fato
ela não existe. Não é apenas um papel profissional que se
desempenha. Ser congruente é ser-o-que-se-é, condição que, na
terapia, vitaliza todas as atitudes do terapeuta e sem a qual os
seus procedimentos — quaisquer que sejam —- perdem valor e
sentido.
Mas, aqui, coloca-se um problema. Como j á foi dito, a congruên-
cia consiste na harmonia d a . experiência com a consciência e na
harmonia desta com a comunicação.
O r a , o indivíduo não sabe se a simbolização que está fazendo
corresponde realmente à experiência que tem. Quando fazemos uma
representação distorcida de uma experiência, não temos conheci-
mento que é distorção. "Pensamos" que estamos simbolizando
corretamente e que a representação corresponde à experiência, de
modo adequado. Mas, por ser distorção, o que "pensamos" não
acontece.
Assim, de um lado, exige-se a congruência do terapeuta. De
outro, afirma-se o fato dele não poder avaliá-la pessoalmente, de
não poder ser juiz do seu grau de congruência. Parece que, desta
forma, coloca-se como fator central da terapia não-diretiva um
elemento impossível de ser controlado pelo próprio terapeuta.
T a l v e z alguém sugerisse que, neste caso, a solução poderia
ser o cuidado do terapeuta submeter-se ao processo psicoterápico,
antes de iniciar o seu trabalho profissional.
A recomendação é realmente de grande validade. Embora na
orientação não-diretiva não seja obrigatória, é, no entanto, muito
importante, ajudando o terapeuta a reorganizar sua personalidade
e passar por um tipo de aprendizagem do processo que só é
dado conhecer aos submetidos ao referido processo.
74
Embor i válida e importante, a recomendação feita não aparece
como soli ição do problema enunciado. De fato, a vida é processo
que flui. I a congruência eventualmente adquirida numa situação
psicoterá ica não é garantia infalível de sua permanência posterior
nas inteiações com os clientes. A congruência é, ela mesma,
também >rocesso que se realiza e vivência a cada momento que
existimos
A solu ;ão talvez pudesse surgir se fizéssemos uma diferença
entre cot vruência e sinceridade. Neste caso, a primeira indica a
harmonia entre experiência e consciência e, a segunda, a harmonia
entre cor sciência e comunicação.
Kinget d i z : "com efeito, a sinceridade consiste em se falar e agir
de acorde com a representação consciente, isto é, tal como aparece
na consci meia — não necessariamente tal como é sentida". M
N a sin feridade entra um elemento pressuposto. O indivíduo não
sabe se < que está representando na consciência coincide de fato
com o q te ele está experimentando, porque isso na verdade não
se pode Í aber. Mas o indivíduo age como se existisse acordo entre
os níveis, cuja harmonia ele desconhece. E l e está "convencido" de
que o ser imento representado e comunicado (comunicação = cons-
ciência) i realmente o que ele experimenta (consciência = expe-
riência).
Seria c mesmo dizer, utilizando outras palavras, que o terapeuta
deve faz ir o controle de sua congruência dentro dos limites
possíveis ao seu alcance. E isso será realizado se ele proceder
através c e um agir feito de sinceridade.
O tera Deuta, então, manifestará o seu pensamento e sentimento
de modo coerente com a representação feita pela sua consciência.
E proce< e como se os conteúdos da sua consciência fossem a
simboliza ção corneta da sua experiência.
Rogerj d i z : " . . . não posso decidir quando é que a minha cons-
ciência a írá congruente com a minha experiência. A resposta a
esta que: tão será dada pela minha necessidade de defesa e disto
eu não t mho consciência. Há, porém, uma opção existencial per-
manente, segundo a qual a minha comunicação será congruente
com a c Dnsciência que tenho do que estou experimentando". E
diz o au or que esta disposição (de realizar o que chamamos de
sincerida i e ) é necessária e suficiente para estabelecer um rela-
cionamei to congruente.
75
O autor ainda previne: expressar adequadamente o que está
sendo representado na consciência nem sempre é fácil. Isso pode
ser uma ameaça para o terapeuta ou, então, ele pode ter medo
de ser rejeitado pelo cliente. Assim, fazê-lo representa um r i s c o . "
Mas é justamente esse risco voluntariamente assumido, é essa
opção existencial, é esse esforço do terapeuta de evidenciar a sua
congruência, como aqui e agora está no seu alcance fazer através
de s u a sinceridade, que ajuda o cliente a entrar no seu próprio
processo de congruência.
76
CAPITULO XI
Aceitar e Compreender
o Cliente
77
procura reagir à pressão que se exerce. Desta fornia, tende
assumir uma atitude oposta a que se desejava: o indivíduo que
esperava mudá-la v a i , com o seu procedimento, fixá-la onde ela
se encontra. E o próprio indivíduo fica também fixado, no esforço
de "convencê-la". "Sabemos, por experiência, que quando pre-
tendemos mudar uma pessoa, arrancá-la do erro, nós a imobili-
zamos obrigando-a a consagrar suas forças para se defender de
nossa pressão e nós também nos imobilizamos na posição
assumida".
O autor diz também que não se pode fazer uma pessoa mudar,
afastando-se dela, abandonando-a: "rejeitando-a em sua solidão,
aí eu a imobilizaria, levando-a a não utilizar suas reservas de
forças para modificar-se".
Se a pessoa não sente que é pressionada por mim, mas,
pelo contrário, se sente acolhida, ela pode se deslocar de uma
posição em que não foi fixada. E l a pode dispor de suas forças
na direção em que as mesmas a inclinam. E l a não precisa gastar
suas energias para se opor a mim e a ela m e s m a . 4 0
O meio de que dispõe o terapeuta não-diretivo para produzir,
no cliente, a inversão do movimento é a consideração positiva
incondicional.
J á foi dito que o termo — consideração positiva incondicional
— consiste no amor que se manifesta para alguém. Isso j á foi
referido no capítulo I X .
T e r consideração positiva incondicional por alguém é o mesmo
que expressar a minha aceitação, a minha estima, meu amor por
ele. E l e é acolhido enquanto pessoa, independente de outros
critérios que se possa ter para avaliar seu comportamento. ( A s s i m ,
a mãe pode manifestar amor para com um filho, cujo comporta-
mento grosseiro, perverso não julgue digno de apreciação e
estima).
Aceitá-lo desta maneira é respeitar a qualidade de pessoa que
ele possui aqui e agora, na sua situação presente. É respeitar os
seus traços próprios, pessoais do que ele é atualmente, com suas
"qualidades" e "defeitos". É não "esperar" que ele seja uma
pessoa diferente do que realmente é.
Mas a consideração positiva não é apenas uma "boa intenção"
que se fabrica antes do relacionamento. Isto é, o terapeuta não a
prepara antes para gastá-la depois quando estiver com o cliente.
78
É um pr cedimento concreto que se vai construindo enquanto
se dá a iteração e que pode ser observado pelo modo como
o terapeut i se comunica com o cliente.
Não é i ma espécie vaga de boa vontade, de complacência, mas
é algo que emerge a cada instante do relacionamento pela maneira
com que terapeuta recebe e participa das expressões que o
cliente coitunica
Quando se fala, portanto, em aceitação incondicional, na orienta-
ção não d íretiva, não se deve pensar que o termo indique um
sentido indefinido,, cujo conceito cada um inventa como lhe parece
melhor. E , também, não é apenas um ideal, jamais atingível, que
se enuncu com termos abstratos. Mas indica operacionalmente
um modo Dróprio de agir, que o terapeuta efetiva no seu contato
com o clidnte
Rogers xplica a aceitação incondicional do seguinte modo: " S e
tudo o qu( a pessoa exprime — verbalmente ou não-verbalmente,
direta ou idiretamente — a respeito dela mesma parece-me igual-
mente digi de respeito ou de aceitação, em outras palavras, se
eu não desap rovo e nem manifesto oposição a nenhum elemento
que a pess Da me expressou, então eu tenho para com esta pessoa
uma atitude de consideração positiva incondicional". 4 1
Não se deve supor que ter consideração positiva é o mesmo
queiconcorlar De fato, é aceitar "que seja a s s i m " . Comunicando-se,
o cliente ifanifesta suas experiências de vida, diz o que pensa e
sente sobr: o mundo e sobre s i mesmo. O terapeuta constata:
ele é assir Dessa forma, ter consideração positiva incondicional
é aceitar que o próprio cliente oferece de si mesmo, tal como ele
percebe e manifesta. Aceitar é receber o que se oferece, sem
necessidad: de concordâncias nem discordâncias. Concordar é
assentir, a >rovar.
Entretan p , não se trata apenas de uma aceitação neutra, pas-
siva. O tei ipeuta aceita, participando.
E s s a pa ticipação se faz, não quando o terapeuta fica apenas
como obs( rvador ou, então, indiferente ou mesmo fugindo do
que é mai lifestado. Mas ele participa reconhecendo e fazendo
o cliente r< conhecer o significado das expressões que são comuni-
cadas. Issc veremos nos tópicos seguintes deste capítulo, quando
estudarmos a compreensão empática e no capítulo seguinte, quando
refletirmos sobre a resposta compreensiva.
79
A aceitação do terapeuta é imprescindível para que o cliente goze
de liberdade experiencial, dando para si mudanças mais constru-
tivas na orientação de vida. E , assim, é importante para a mudança
da imagem de si, elemento básico para as transformações que se
espera n a psicoterapia.
Geralmente, nas primeiras sessões, o cliente tem de si uma
visão negativa, rejeitando-se em grau maior ou menor. E l e não
tem consideração positiva para consigo-mesmo. Rejeitando-se, vive
fixado em atitudes que lhe desagradam e em luta permanente
contra s i .
À medida que o terapeuta o aceita incondicionalmente, o cliente
v a i aprendendo também, na aceitação congruente do terapeuta, a
aceitar-se a s i mesmo. E essa auto-aceitação produz nele uma
inversão de movimento.
Sem se opor a si mesmo, mas, pelo contrário, tendo agora para
consigo consideração positiva, ele começa a acreditar mais em
si, ter confiança em mudanças que pode realizar e libertar forças
que o encaminham para um processo mais construtivo de per-
sonalidade.
Desta maneira, torna-se para si mesmo pessoa-significativa. E,
quando isso acontece, j á não precisa mais viver em função de
outras pessoas-critério. Ao invés de alienar-se, buscando, nos
outros, normas para ser e agir, ele se torna critério para si mesmo.
E , desta forma, acreditando nas suas próprias avaliações, confiando
nelas e utilizando-as, ele caminha para o processo da autenticidade
e nele cresce.
80
Agora, vejamos que sentido tem essa outra afirmação: "o
caminho l a compreensão vem de dentro". E , para explicá-la,
devemos azer apelo a uma expressão muito usada na orientação
não-diretiya, que é compreensão empática.
A empa ia é uma espécie de comunhão afetiva, onde o terapeuta,
sentindo ( D m o cliente as experiências que este manifesta, coloca-se
no seu ar para perceber o seu mundo subjetivo como este o
percebe.
É, portinto,, um modo de vivência em que o terapeuta se introduz
nas situações próprias do cliente, a fim de experienciá-las, como
o cliente íesmo as experiência.
N a one ntação não-diretiva, pede-se que a compreensão do
terapeuta seja empática. Isto é, sendo terapeuta, eu não devo ter
o entendjnento das situações, apresentadas nas entrevistas, a
partir do que eu penso ou sinto delas. Mas procurar apreender
o sentido que o cliente lhes dá, a partir do seu próprio ângulo
de vista slibjetivo.
Assim, D meu procedimento, diante daquilo que o cliente mani-
festa, não é de interpretar, avaliar, julgar, etc. Mas é apenas de
tentar coApreender o que ele está procurando me comunicar por
palavras, gestos e mímicas, buscando o significado pessoal que
ele dá ao que expressa.
Para a ir dessa maneira, durante a entrevista, o terapeuta deve
situar-se ia própria vida psíquica do cliente para experimentar,
como se Dsse ele, as elaborações interiores que ele realiza, o que
ele pensa e o que ele sente.
P a r a is ;o o terapeuta deve, n a medida do possível, abstrair-se
das suas próprias elaborações interiores — como se perdesse,
nfenos na compreensão, a sua "euidade" ( a qualidade de ser
eu) — fim de ser um "espelho" para as elaborações do
cliente, m tentativa de ser um eu substituto para os seus pensa-
mentos e sentimentos.
Podíamos talvez, fazer uma distinção entre simpatia e empatia.
E , assim, diríamos que, na primeira, basta o estímulo para des-
pertar em mim a "sintonia", o sentir com o outro. Se, por exemplo,
vejo um obre pedindo esmola, posso ter pena dele (sentir com
ele a sua pobreza). O estímulo foi ele quem me deu. Mas a
"sintonia" é originada pelos meus próprios conhecimentos e expe-
riências orque julgo que penúria é uma lástima e j á tive privação
do necessftrio por isso tenho pena do pobre.
82
e sentir c<\n se eu fosse ele. Entretanto, por mais que eu queira
participar dos seus pensamentos e sentimentos, jamais posso me
esquecer foi o pai dele quem morreu e não o meu.
Pode afcontecer, no entanto, que também o meu pai tenha
morrido, I ssim, a medida que ele narra a sua experiência estimula
a minha i scordação para que eu viva a experiência que eu tive.
Neste cas pode ser que eu sinta com ele um sofrimento insu-
portável : ele vivendo a sua experiência e eu, a minha. Aqui
existe um identificação por simpatia e não por empatia.
Imaginetnos agora, para facilitar o exemplo, que meu pai não
tenha moi rido, só o dele. Aqui, pode existir um deslocamento do
termo con parativo "como se fosse" caracterizando a identificação
empática. Enquanto na compreensão empática eu penso e sinto
como se osse ele, mas sabendo que a experiência da morte do
pai é inédta para mim, na identificação empática eu tenho o mesmo
sentimentc desesperador que ele tem (com ausência de "como se
f o s s e " ) , c )mo se a experiência dele fosse a minha: o "como se
fosse" refíre-se à experiência e não aos sentimentos que são os
mesmos p >r contágio.
83
{/las, agora, você me diga, não é obrigação da mãe pelo menos cuidar
dos filhos?
T j (terapeuta) — Você sente uma espécie de abandono de sua mãe
por você e seus irmãos, é isso?
C 2 — Justamente... é isso... É abandono, mesmo. Ela nos abandona.
Agora, você me diga, que culpa temos nós dela ter casado. Eu não pedi
para nascer... É horrível... Imagine que chego em casa e não tenho
nem com quem conversar. Conversar com quem?... Meus irmãos são ainda
muito pequenos... Não tenho com quem falar... Só se for com as
paredes...
T 2 — O que lhe pesa mais é a solidão, não é?
C 3 — É horrível... Uma solidão medonha. Sabe, eu tenho meus pro-
blemas... preciso discutir com alguém... etc.
84
podem se descritos como o caminho que conduz a níveis mais
profundos das idéias e das experiências que constituem o sistema
central do indivíduo".
As pesí oas possuem geralmente a tendência de considerar os
seus sentii nentos como algo subjetivo e indigno de confiança. Mas
o cliente Drecisa aprender a confiar neles como indicadores de
alguma cc sa importante que se passa consigo. Assim, expressando
os sentimentos, a pessoa pode descobrir a idéia que forma a base
do que el está sentindo.
Desta orma, "podemos, por exemplo, ajudar a uma pessoa
que se en< ontra em estado de pânico, se lhe permitirmos expressar
o que se ite. Quando isso acontece, a situação se torna mais
clara e, c )mo resultado desta clarificação, surge a possibilidade
dela x a i f i n a r a base fundamental de sua insegurança e de
enfrentá-1
85
CAPÍTULO XII
A Resposta Compreensiva
como Técnica
1 . Apresentação de um caso
O CASO DA SRTA. R. L.
86
c 2 - i s s o . . . Inclusive a situação se torna muito difícil para mim,
porque arr Das as coisas eu desejo muito. Todas as duas são muito
importante! Então, me parece... a s s i m . . . como todos os dois têm um
valor para mim muito grande, então, se torna difícil escolher,
uer dizer, a situação seria muito mais simples, se você tivesse
mais apego a um lado do que ao outro.
c 3 - . . . b e m . . . se eu, por exemplo... porque eu, no fundo, se
começo a pensar dentro de mim mesma... eu sempre valorizei muito
meu curso, Tenho muitos ideais. E u sou uma pessoa sonhadora. Eu
tenho muilfes planos para fazer. E . . . se, por exemplo, eu me casar
imediatame ite , vou ter que protelar estes planos. E eu sinto, ao mesmo
tempo, que eu tenho... a s s i m . . . tanto trabalho para fazer aqui, agora,
que eu tenh * uma capacidade de produzir muita coisa. Então eu me coloco
em dúvida . . E u me casando, eu continuo a trabalhar; mas eu ia
protelar. E eu acho que preciso de aprender muitas coisas para ajudar
melhor.
T3 - u vejo a s s i m . . . que você tem um grande ideal com relação
à profissão Você é uma pessoa que levou a sua profissão muito a
sério e se ite uma necessidade muito grande de crescer na profissão
para benel ciar os outros.
c4 Mas, ao mesmo tempo, eu sinto... aí que eu entro em
que eu não sou só um profissional, sabe, eu também sou uma
conflito...
também tenho muita necessidade de me satisfazer e, assim,
pessoa...
ter c a s a . . . meus filhos... eu também penso n i s s o . . .
me casandc
ocê tem ideal de mulher...
cj- énhol...
. . u m ideal de mulher e que você sente a necessidade de ser
r - Quer dizer, você não é uma pessoa que pode... a s s i m . . .
respeitado, u ideal de mulher, renunciar esse ideal, porque você é pessoa
diante de i começa por si mesma,
e o respeit e r t o . . . Eu valorizo muito a mim mesma, o que sou e o que
fiz até ag( ra, entende... É por isso que fico, assim, nesta dúvida...
(a cliente xpressa a possibilidade de fazer o pós-graduação depois do
casamento) . . .e não casar como decisão superficial. Dizer para ele:
"está bom, eu vou casar". E , amanhã, depois de 2 ou 3 anos de casada,
eu não coi seguir fazer pós-graduação ou acontecer alguma coisa e eu
dizer para le: "está vendo?... Você que foi culpado. Eu ia fazer e você
começou a me falar em casamento e mudou minha idéia". Eu não quero
resolver o aso de maneira superficial. Quero resolver em profundidade,
porque o ajior é uma coisa muito profunda e . . . a gente... não se pode
dar a algu m de maneira superficial.
uer d i z e r . . . com relação à pós-graduação, se não fizer agora
e se pudeçe protelar para daqui a alguns anos, você teria receio de
apresentar lepois um processo de frustração e isso prejudicar o relaciona-
mento seu :om o rapaz com quem você casasse...
c7 - isso mesmo.
isso causa, então, preocupação a você.
^8 (silêncio prolongado).
87
T 8 — (silêncio prolongado. Depois, diz:) Mas parece que você estaria
disposta, para se casar, a transferir o momento da pós-graduação...
C 9 — Certo!
T 9 — . . . s e você tivesse garantia de que não iria atrapalhar sua vida.
C 1 0 — S i m . . . É muito difícil saber até que ponto eu a t e r i a . . . É
isso mesmo que você d i s s e . . .
C 1 1 — (silêncio).
T n — (silêncio).
C 1 2 — ...parece que estou com um pouco de desconfiança de mim
mesma, entende?... Porque se a gente se casar, eu vou para uma cidade
q u e . . . estritamente coesa. É uma cidade grande, com bastante médicos.
E a minha especialidade... que eu quero f a z e r . . . há poucas pessoas
que fazem Psiquiatria Infantil... E n t ã o . . . eu sinto assim uma respon-
sabilidade muito grande... de chegar numa cidade, assim, que, inclusive
tem curso universitário, Faculdade... pessoal "fabuloso", entende, eu
recebendo... compromissos na área profissional e não ser capaz de cum-
p r i r . . . E u digo isso pelo seguinte, porque aqui em X (nome da cidade),
o meu estudo tem sido feito sozinha... quer d i z e r . . . eu não tive
orientação, então eu tenho obtido relativo sucesso na minha á r e a . . .
eu tenho sido até agora autodidata, então isso me dá insegurança...
T 1 2 — Estou entendendo que o principal da pós-graduação, para você,
seria a possibilidade para você complementar conhecimentos que não
adquiriu, aqui, no curso de graduação.
C , 3 — I s s o . . . não t i v e . . . Mas, ao mesmo tempo, eu acho, q u e . . .
até certo ponto... a gente com a Psiquiatria, se a gente estudar bastante,
mesmo... muito... a gente pode, até certo ponto, ser autodidata e
conseguir bastante coisa. E u tenho conseguido, mesmo sem ter tido
supervisão... E , ao mesmo tempo, eu acho que se eu realizar bem pouco,
mas se eu me dedicar, mesmo neste período que eu não faça pós-graduação,
se eu estudar... se eu me dedicar... continuar com o mesmo interesse
que eu tenho tido até agora e não conseguir mais do que isso, eu tenho
possibilidade de ter sucesso, embora eu faça pós-graduação mais tarde,
depois...
T 1 3 — E u entendo o seguinte: que você é uma pessoa capaz de, através
de seu estudo, adquirir os conhecimentos suficientes para o seu trabalho
profissional.
C 1 4 — Ê . . . eu sei que tenho capacidade para isso. E u sei que posso.
T 1 4 — Você sabe que pode.
C 1 5 — Mas até certo ponto — é o tal negócio — (rindo) a gente
sabe que pode... mas, até certo ponto, a gente fica meio insegura da
validade disso. E a gente talvez fique insegura... talvez... a s s i m . . .
sabe por que é ? . . . a sociedade... os indivíduos valorizam muito quando
você diz: "eu me formei em tal Faculdade e fiz tantos anos de pós-graduação
em tal atividade" (e expressa a exigência que a sociedade faz de títulos).
C 4 6 , C 1 7 , C 1 8 e C 1 9 — (a cliente faz um confronto entre profissionais
que tem titulos com os que não têm titulos, concluindo que alguns que não
têm títulos são mais eficientes de que alguns que têm titulos).
^ 1 5 » 1\e> 1*17» 1*18 e 1*19 — ( ° t e r a P e i | t a procura dar respostas
compreensivas ao que a cliente expressa).
C 2 0 — (A cliente comenta que o aproveitamento de qualquer curso
depende, em última análise, do próprio esforço do aluno. E diz:) . . . s e
88
o aluno nãc se dedicar, o professor não vai pegar o aluno pela mão e
ensinar-lhe.
T Juer dizer: o que faz o profissional é o próprio indivíduo que
/20
p i fissão, é i s s o ? . . . É o esforço do profissional, a dedicação
está na
do profissicjnal , é o desejo do profissional crescer que faz com que ele
possa ser almente eficaz na sua profissão.
^21 Sabe (ri), agora você falou uma coisa interessante e que me
faz voltar ao assunto anterior, o do meu casamento. Estou chegando
à conclusãí (ri) que se eu me dedicar realmente, mesmo que eu me
case e se eu f i z e r . . . vamos s u p o r . . . de seis em seis meses estágio
numa clínic , participar de congressos, etcétera e tal e me mantiver atua-
lizada em t irmos de minha especialidade... eu, é . . . com as capacidades
que tenho entro de mim e outras que posso desenvolver, eu serei capaz
de obter stEesso.
i . . . então eu imagino o seguinte: o problema da pós-graduação
parece ter lesaparecido no sentido de poder impedir o casamento. Estou
imaginando que o importante será você se dedicar profissionalmente e ter
uma série vinculações capazes de manter você atualizada...
CQ2 sso!
Tl 2 2 . .então a complementação profissional, você não vai encontrar
agora na ós- graduação, mas pode encontrá-la dentro de um processo
de desenvol imento de contatos permanentes no âmbito profissional. É isso?
*erto. Inclusive, eu a c h o . . . a s s i m . . . que esse rapaz, que
estou" falan|o a gente tem muitos pontos em comum (e fala sobre
o que tem com o r a p a z ) . . . a gente t e m . . . a s s i m . . .
uma comuifcação espiritual fora do comum, entende?... E u acho que
a pós-grad ação não vai me dar isso, c e r t o ? . . . Então, eu estando com
ele, ao lad dele, com capacidade de progredir dentro de mim mesmo
(e continuí falando sobre a ajuda mútua que ambos podem se dar,
concluindo: , a gente tem ocasião de viver um pouco feliz (ri),
1*23 mtão, muito mais importante do que o curso de pós-graduação
ê o casamento com esse rapaz, uma pessoa que pode lhe dar
parece que
dar felicidade, a pode compreender... isso que o curso de
amparo, lh<
pós-gradua< ã não lhe pode dar, não é isso?
o
^24 É. O pós-graduação me daria muita coisa material. Sabe,
conhecimen^Sj, contato com pessoas importantes, e t c . . . Mas o importante
é o relacioi amento humano. E a gente como médico, especialmente como
psiquiatra i ue v i v e . . . a s s i m . . . em contato com a problemática familiar,
de adolesa ntes, e t c . . . além da parte cultural, precisa ter o apoio
espiritual c irto? E eu encontro isso no rapaz.
Então estou entendendo o seguinte: você não está precisando
agora de cprso de pós-graduação. Está precisando desse rapaz,
^25 rindo) C e r t o ! . . . C e r t o ! . . . É isso mesmo! A c a b o u . . .
89
2. A resposta compreensiva como «técnica»
90
pessoais experiências que pode adquirir sem mesmo fazer o
curso.
O desei volvimento da elaboração segue um ritmo próprio, pes-
soal, dela. Constatações anteriores preparam e a dispõem para cons-
tatações j osteriores: ela faz o seu caminho. E , à medida que
segue por ele, idéias e sentimentos vão sendo equacionados conve-
nientemen e, discriminações oportunas aparecem, as situações con-
flitivas qu i pareciam ter peso igual começam a surgir com valências
diferentes O deslocamento de valências produz a solução do
conflito.
O acon ;elhador não julga, não avalia e nem interpreta. Procura
seguir o i tmo de desenvolvimento da própria cliente, sem procurar
retardá-lc nem acelerá-lo. É um companheiro de viagem, atento
e amigo, |ue vai colocando setas no caminho, mas setas que foram
oferecida? pela própria cliente: a srta. R. L . sente-se acompanhada
e "confin l a d a " (reconhecida) no próprio caminho que segue, por
um agent j catalisador que não a quer desviar no processo, mas
deseja qu i o crescimento se realize com o material que a cliente
possui e na orientação que ela julga mais conveniente para si.
O acoí selhador procura apenas manifestar que está compre-
endendo < que foi expressado pela cliente.
Podem< s dizer que, durante a entrevista, o terapeuta utilizou
técnicas c )mpreensivas. E s s a s consistem fundamentalmente no fato
do terape ita poder exprimir com os seus próprios termos o que
percebeu daquilo que a cliente manifestou.
Assim, estamos usando a palavra técnica num sentido diferente
do conve icional.
Não in lica, portanto, um conjunto de procedimentos precisos,
elaborado; como normas, de forma rigorosa, e cuja aplicação fiel
garante a eficácia da psicoterapia.
Mas, d n nosso caso, técnica serve para designar os diversos
modos d< agir que, a cada instante da entrevista, devem ser
criados p ílo terapeuta e que não podem ser predeterminados e
nem prev stos. Constituem manifestações exteriores e congruentes
de atitudi s interiores que fluem, enquanto o terapeuta acompanha
as expres >ões que o cliente manifesta.
Feitas i stas ressalvas, podemos dizer que a técnica compreensiva
consiste r o terapeuta dar respostas compreensivas ao que entendeu
do que fc manifestado pelo cliente.
Diz Rc *ers: "Sinto-me terrivelmente frustrado e me fecho sobre
mim mes no, quando tento exprimir algo que é profundamente
91
meu, que é parte do meu mundo interior, particular, e a outra
pessoa não compreende... sei bem como é decepcionante ser tido
por aquilo que não se é, ser ouvido como se estivesse dizendo
o que não se disse ou não se pretendeu s i g n i f i c a r . . . passo por
uma experiência de vazio e solidão, ao assumir o risco, a incerteza,
de partilhar com o outro o que me é extremamente pessoal e não
encontro receptividade nem compreensão". 4 8
O melhor modo que o terapeuta não-diretivo encontra para não
afligir o cliente, mas, pelo contrário, ajudá-lo com a sua compre-
ensão, é de proceder, quando está na entrevista, como se estivesse
decodificando aquilo que o cliente expressa.
Assim, o terapeuta não-diretivo procura "decifrar" os sentimentos
e idéias que foram expressos nas palavras, no tom da voz, na
mímica, nos gestos, no contexto da frase, nas hesitações, no estilo
do cliente.
O terapeuta procura expressar com suas próprias palavras tudo
que pode decodificar das manifestações do cliente. Repetimos que
não é uma atitude de vigiar, de fiscalizar, de controlar, mas apenas
compreender; ele não dá respostas impositivas mas compreensivas.
As respostas compreensivas podem assumir, como traz Kinget,
três formas diferentes: reiteração ou reflexo simples, reflexos dos
sentimentos e elucidação. 4 4
E s s a s formas de respostas compreensivas devem ser consideradas
a posteriori e não a priori. Queremos dizer o seguinte: o terapeuta
não v a i para a entrevista preparado para dar tais formas de
respostas compreensivas. Pelo contrário, ele deve dar as respostas
que espontaneamente surgem da sua compreensão.
Mas, se depois da entrevista, analisarmos uma gravação feita
sobre a mesma, então talvez possamos reduzir todas as respostas,
.dadas pelo terapeuta, a uma ou outra das que foram referidas
a c i m a : num instante da entrevista, ele faz reiteração. Noutro
momento faz reflexo de sentimentos ou elucidação.
Se tivermos, como ponto de referência, o caso da srta. R . L .
podemos notar o seguinte: *
E m Tt e T 1 4 o terapeuta fez reiteração. E m T 1 4 o reflexo
simples é feito, tendo o terapeuta repetido as mesmas, palavras
do cliente. Neste caso, pode funcionar apenas como se fosse
pontuação de uma frase, tendo aqui o aspecto de um ponto de
4 5 Rogers, Freedom to learn, p. 227.
4 4 Rogers et Kinget, Psychothérapie et Retations, p. 57 a 100.
* Não vamos analisar todas as respostas do terapeuta, mas apenas uma ou outra
para servir de exemplo.
92
interrogaç LO. O terapeuta ,deve evitar perguntas diretas. Ao invés
de pergun ar " M a s será que você pode mesmo?" D i z somente de
modo afir nativo: "Você sabe que pode". E o cliente responde,
como se interrogação tivesse sido feita.
E m T x D terapeuta repete também o que o cliente falou, mas,
agora, res umindo e dizendo com suas próprias palavras o que
foi e:xpre? sado pelo cliente. A entrevista está na fase inicial,
descritiva, O terapeuta nada tem ainda p a r a dizer ao cliente, a
não ser que ele está entendendo o que o cliente manifesta,
Mas, ao irlvés de utilizar frases tais como: "pode continuar a falar
que eu es ou compreendendo perfeitamente o que você está d i -
zendo", a ienas repete o que o cliente disse. Este, por sua vez,
tem oport inidad<e de confirmar (como em C 2 : " é i s s o " ) , ou,
então, de xplicar melhor o que desejou comunicar, falando, por
exemplo: 'Não foi bem isso que eu quis dizer". E manifestar
mais adeq ia,damente seu pensamento,
A reiter ição é apenas uma repetição do que b cliente disse,
Nada acr iscenta ao pensamento do cliente. N a d a possui de
original. F ada contém que possa ajudar o cliente a mudar o seu
campo pei :ept ivo. Utiliza-se, geralmente, quando se quer destacar
algo, a fim de chamar a atenção do cliente sobre isso, ou quando
se quer m nifestar apenas compreensão ou ausência ,de julgamento
ou quandc o cliente está numa atividade meramente descritiva. O
desejável que o terapeuta repita, com suas próprias palavras,
o que o :liente manifestou e que não seja apenas um "eco"
maquinal o que j á foi enunciado.
eflex o do sentimento é mais dinâmico do que a reiteração,
O re\
Serve par extrair a atitude, o sentimento que estão presentes
no que o liente manifestou, propondo-lhe sem impor-lhe.
No case da srta. R . L . , a maioria das intervenções do terapeuta
foi do refl *xo de sentimento. Assim, por exemplo, em C 1 2 , embora
o cliente tivesse dito explicitamente, tudo que manifestou foi
para expli car que, com os seus próprios esforços, ela poderia
adquirir oi conhecimentos suficientes para o seu desempenho pro-
fissional. totem que não é interpretação, não é julgamento ou
avaliação, |0 que o terapeuta disse em T 1 3 , encontra-se de fato
em C 1 3 . O i o que ele disse em T 2 4 realmente se encontra em C 2 4 .
O refle, do sentimento serve para que o cliente tome consciência
de elemenl DS que compõe o campo do que ele pensa e sente e que
de certo modo j á foram manifestados pela sua expressão, embora
não de m 1o explícito, dando-lhe oportunidade para ampliar e,
93
mesmo, modificar o seu campo de percepção. Trata-se de colocar
em primeiro plano elementos que pareciam escondidos, encobertos,
ou em segundo plano.
A elucidação não aparece com frequência na terapia não-diretiva
porque possui um componente inferencial que faz aproximá-la
(não igualar) da interpretação.
Assim, o que o terapeuta diz em T 2 0 , embora pudesse ser
concluído muito "logicamente" do que está em C 2 0 , é, de fato, uma
inferência. A cliente está fa!an.do em aluno, não em profissional.
Foi um " p u l o " que o terapeuta deu no campo perceptivo do
cliente. D e fato, o que diz T 2 0 j á estava no campo perceptivo
do cliente. Mas ainda não estava sob o seu foco perceptivo. Por
isso, com muita frequência, o cliente tende a rejeitá-la e em não
a reconhecer como algo que ele pensa ou sente. A elucidação,
assim, precisa ser feita — quando se julga necessário fazê-Ia
— com muito cuidado, iniciando-a, como se fosse uma proposta
ao cliente, com expressões como as seguintes: "Quer d i z e r ? " ,
" D i g a - m e se estou enganado?", " S e r á que é isso que você quis
d i z e r ? " etc.
Acabamos de ver, assim, a resposta compreensiva. O tópico
seguinte trata de outras respostas, possíveis na terapia.
94
que o sedimento do cliente não é justificado, que o problema
não existe ou que não é tão sério como o cliente o representa.
95
de encontrar a obra original do autor — fizemos, nós também,
um exercício semelhante, utilizando para isso dois grupos diferentes
de alunos nossos.
O nosso interesse era de saber, de modo muito simples, até
que ponto um grupo diferente pode aceitar a mesma resposta dada
por outro grupo. Não estávamos, portanto, interessados em esta-
belecer maiores comparações entre os grupos. O nosso desejo era
de estarmos atentos aos tipos de respostas apresentadas, com-
parando os resultados que se obtivessem.
Somos, numa Faculdade, professor de Aconselhamento Psico-
pedagógico para alunos que estão concluindo o curso de Orientação
Educacional (vamos chamá-los de Grupo I ) . E , noutra Facul.dade,
somos professor de Técnica Psicoterápica, na orientação não-
diretiva, de alunos que estão concluindo o curso de Formação
de Psicólogos (vamos chamá-los de Grupo I I ) .
O Grupo I é constituído por 45 indivíduos e o Grupo I I por 26.
A partir da experiência que temos no consultório com os nossos
clientes, procuramos selecionar alguns casos, dando-lhes forma
resumida e didática.
Dividimos os alunos do Grupo I em círculos de 7 ou 8 indivíduos.
Entregamos a cada círculo um caso diferente. E pedimos que, de
acordo com as definições dadas por Porter a cada categoria, os
alunos procurassem enunciar cinco respostas, como se tivessem
diante .de s i o caso apresentado, numa situação de aconselhamento.
Os casos apresentados com as respectivas respostas, dadas
pelos alunos do Grupo I , foram os seguintes:
CASO l
(PROFESSOR, 3 0 ANOS)
Não sei como explicar minha situação... Sinto-me tão confuso... Sou
professor e gosto muito de dar aulas. Faço tudo para agradar os alunos,
mas é tão difícil agradá-los... Vivem reclamando de tudo: se "aperto"
é porque sou carrasco, se facilito é porque sou "mole". Às vezes sinto
desânimo imenso de dar a u l a s . . . Além disso, ganha-se muito pouco.
Vivo com muita dificuldade para sustentar a família. Mas não é por
causa do dinheiro... Não sei o que está acontecendo... Parece que ao
mesmo tempo gosto e não gosto, quero e não quero... Não s e i . . .
RESPOSTAS:
96
2. Interpr tativa: Vovê já experimentou motivar suas aulas, utilizando
técnicas novi s?
3. Apoio — Acho que você não deve ficar preocupado. Talvez seu
desânimo sej mais por causa do cansaço.
CASO 11
(GAROTA D E 1 5 ANOS)
RESPOSTAS:
3. Apoio ú Mas você não ter problemas em casa, já isso não é motivo
de muito copforto?
4. Exploratória: Será que essa apatia não está no fato de você neces-
sitar dar un pouco mais de si, corresponder um pouco mais ao amor de
seus familiares que, segundo você diz, são os melhores do mundo?
CASO III
97
E olhe que eu faço tudo para agradá-lo. Mas ele nunca está satisfeito.
Reclama de tudo. Para ele, nada serve. Na hora da refeição sempre tem
um defeito para mostrar. Para ele, nunca a comida está boa. Com as
crianças, diz que eu não cuido bem delas, que não sei educá-las. Mas,
também, nunca está disposto a conversar comigo. Sempre está cansado...
ocupado com alguma c o i s a . . . nunca está disponível. Só dá valor ao
que ele mesmo faz: só ele é responsável e faz as coisas bem f e i t a s . . .
Não reconhece meus esforços, o meu trabalho. Desse jeito, não agiiento
mais. O que devo fazer?
RESPOSTAS:
CASO IV
RESPOSTAS:
98
3. Apoio É duro, na verdade, você encontrar essas dificuldades no seu
trabalho Ma ;,, por outro lado, você já tem estabilidade, que é grande coisa.
CASO V
( M E N I N A DE 13 ANOS)
RESPOSTAS:
2. Interáretativa Talvez você não tenha ódio à sua avó, mas sim
do procedimento de controle dela: talvez esteja confundindo as duas
coisas.
3. Apolo Na verdade, sua avó faz você sofrer muito, É difícil não
ter raiva uma pessoa assim.
5. Comp eensiva: É muito difícil para você sentir que odeia sua avó,
quando sab: que ela gosta tanto de você, não é isso?
CASO VI
99
p l a n o . . . você entende?... começo a ficar com medo. Não sei bem
o que s i n t o . . . acho que é timidez. Marco encontro e vou procurá-la. Mas
aí vem o problema. Minha conversa fica b o b a . . . sem sentido. Acho que
ela pensa que eu sou um idiota. Minha vontade é de sair correndo e ir
embora. Você acha isso normal?
RESPOSTAS:
3. Apoio: Acredito que isso não seja motivo para tanta inquietação.
Afinal você já pressentiu que não se trata de anormalidade, que é apenas
timidez.
100
I
pela defin ção para a referida categoria. A avaliação devia ser
feita na í rma de conceito, numa escala que previa as seguintes
posições: WC (muito correto), C (correto), D (duvidoso), I ( i n -
correto), f\l (muito incorreto).
101
TABELA I
MC C D I MI Total
Estimativa 49 69 21 13 4 156
Interpretativa 51 62 15 18 10 156
Apoio 48 55 16 28 9 156
Exploratória 61 61 14 17 3 156
Compreensiva 88 53 7 6 2 156
Total 297 300 73 82 28 780
TABELA n
Estimativa 36 64 23 17 16 156
Interpretativa 36 76 14 24 6 156
Apoio 26 55 21 38 16 156
Exploratória 32 62 24 28 10 156
Compreensiva 74 63 7 8 4 156
Total 204 320 89 115 52 780
102
TABELA ffl
C A S O S « U J A S CATEGORIAS D E R E S P O S T A S O B T I V E R A M MAIOR
Q U A N "IDADE D E P O N T O S E M C O R R E Ç Ã O E ADEQUAÇÃO
Estimativa V 7 17 24 1 1 3 4 V 11 11 22 IV 5 3 8
Interpret. V 12 13 25 I 8 4 12 III 18 7 25 16 1 7
Apoio VI 5 20 25 V 16 6 22 VI 13 5 18 V 11 6 17
Explorai I 10 15 25 IV 8 3 11 III 9 11 20 VI 5 4 9
Compreensivi I 5 20 25 V 2 1 3 I 11 14 25 V 4 1 5
Total 39 85 124 35 17 52 62 48 110 31 15 46
103
sentido e as implicações que j á foram explicados) o enunciado
das respostas feito pelo Grupo I . Assim, houve 7 6 , 5 3 % , no total
de pontos da Tabela I , para respostas consideradas corretas e
muito corretas contra 2 3 , 4 5 % para as respostas consideradas
duvidosas, incorretas e muito incorretas. E houve 67,19%, no
total de pontos da T a b e l a I I , para as respostas consideradas
adequadas e muito adequadas contra 3 2 , 8 2 % para as respostas
consideradas inadequadas, muito inadequadas e duvidosas.
104
CONCLUSÃO
Aceitação de si mesmo
Ft se de Percepção do progresso
intei ração Avaliação positiva de si mesmo
Esboço de projetos
105
Indicamos o exemplo para mostrar que um roteiro é possível.
Entretanto, queremos lembrar ao terapeuta que a sua utilização
— como a de qualquer outra técnica — não é o que a orientação
não-diretiva considera mais importante.
O mais importante seria quase o inverso: o terapeuta despojar-se
de todos os esquemas para que possa, desarmado de todo papel
"profissional", estabelecer com o cliente um relacionamento sem
" m á s c a r a s " nem "fachadas", sendo realmente ele-mesmo, numa
interação de pessoa para pessoa.
O mais importante, mesmo, é viver com o cliente a aventura de
suas experiências, que ele nos manifesta nas entrevistas. E , para
isso, é necessário respeitá-lo, perceber como ele percebe e sentir
como ele sente. Desta maneira, a preocupação central da não-
diretividade é a de um relacionamento bom e construtivo.
Poderíamos dizer, exagerando para acentuar a afirmação, que
o terapeuta não-diretivo não se preocupa em curar mas em rela-
cionar-se. Pelo que já foi dito no livro, sabemos como essas idéias
devem ser entendidas.
Alguém poderá dizer que o tipo de relacionamento preconizado
pela não-diretividade é utópico. Neste caso convém indagar o que
se entende por utopia.
Se a palavra indica um estado a ser atingido, onde o indivíduo
se instala num equilíbrio perfeito — uma espécie de bem-aventu-
rança — que nega o sofrimento, o conflito e o esforço de progredir,
então esse conceito não cabe na T e o r i a não-diretiva.
Mas se pelo termo utopia deseja-se indicar um ideal bem
elaborado, que se sabe de antemão ser inatingível, e que por isso
existe, não para ser alcançado, mas para dar sentido e orientar
o processo, então parece não haver incompatibilidade entre essa
idéia e a orientação não-diretiva.
N a orientação não-diretiva não se pretende que o indivíduo se
instale. Sabe-se que a vida é fluxo permanente. E a tendência
ao desenvolvimento impulsiona a pessoa para um movimento i n -
cessante de crescimento: o que se vive é o processo continuo.
P a r a se descrever o processo, procura-se utilizar uma elaboração
intelectual, na busca de abranger todos os seus aspectos, podendo
dar às vezes a impressão dé uma espécie de "tudo ou n a d a " .
Assim, por exemplo, alguém pode pensar que só é autêntico se
tiver todas as conotações que foram definidas ou, se faltar alguma,
já não pode falar mais em autenticidade.
106
Mas idemos também imaginar a situação de modo diferente,
Assim, p< de e-se considerar que as explicações não foram dadas
para ser de modelos ou como critério de "certo" e "errado",
São apeias indicações, refletidas sobre o que a experiência da
vida pode oferecer e que podem ser úteis apenas como ponto de
referência para uma construção pessoal, insubstituível e inalienável,
que só ca da um por si mesmo pode fazer.
O centiD de avaliação para cada um de nós deve estar em nós
mesmos. Issim, julga-se na orientação não-diretiva.
Além c sso, diz Rogers: " a espontaneidade é o elemento mais
precioso fugidio que conheço. Quando faço qualquer coisa
espontâiane ela é altamente eficaz". "
Assim apesar de tudo que se possa escrever sobre o assunto,
o mais in portante não são modelos vindos de fora, mas continua
sendo a utenticidade, pela qual o terapeuta pode confiar na sua
auto avalfição e pode dedicar-se com espontaneidade ao processo
psicoteráj co.
107
OBRAS CITADAS
108
14. ROGERS Carl. Counseling and Psychoterapy: Newer concepts in practice.
Houghton "ifflin Company, Boston, 1942.
109
ORIENTAÇÃO NÃO-DIRETIVA
NA EDUCAÇÃO, NO ACONSELHAMENTO
E NA PSICOTERAPIA
F. VICTOR RUDIO
DA MESMA EDITORA: