RUDIO Orientacao Nao Diretiva 2 Tirada

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O K

A Franz Victor Rudio

NAO-DIRETIVA
na educação,
no aconselhamento
e na psicoterapia
í

ORIENTAÇÃO
NÃO-DIRETIVA
na educação, no aconselhamento
e na psicoterapia

FRANZ VICTOR RUDIO

4* edição

A EDITORA
V VOZES

Petrópolis, 1979

Ò
<§) 1975, EDITORA V O Z E S LTDA.
Rua Frei Luís, 100 / 25.600 Petrópolis,
Brasil
Rosemnry de Cnrwdho Goulart
sfcoJoga
C R P . 0^.56535-4

INTRODUÇÃO

E S T E livro, %ue agora apresentamos, surgiu inicialmente como aponta-


mentos de a ila, elaborados por nós, a fim de servir de roteiro para as
disciplinas T écnicas Psicoterápicas e Aconselhamento Psicopedagógico, que
ministramos respectivamente nos cursos de Formação de Psicólogo e de
Orientação I ducacional.
Como se vê, é um estudo despretensioso, com finalidades didáticas.
Entretanto, t boa aceitação dos alunos, de outros professores, de amigos
dedicados ao mesmo ramo profissional e de outras pessoas que chegaram
a conhecer c 5 referidos apontamentos, incentivou-me a revê-los, ampliá-los
e transformá -los em livro.
Supomos que este livro possa conter os conceitos e princípios básicos
da orientaçS o não-diretiva, necessários a quem deseja uma introdução
simples para o exercício da ajuda psicológica, nas formas de aconselha-
mento ou de psicoterapia centrada no cliente.
É sempre um risco a tentativa de se escrever algo sobre a orientação
não-diretiva. Embora ela possua os seus traços teóricos, característicos
e diferenciad )res, e tenha princípios básicos conceituais, onde ela se inspira
e apóia, este; devem ser apreendidos, vivenciados e assimilados na situação
concreta de experiência e não através da simples análise intelectual dos
termos e nem de mero treino em procedimentos técnicos. A autenticidade,
por exemple, não se ensina, vive-se. Não se pode treinar alguém na
compreensão empática, cada um aprende por si mesmo.
O que sc pode fazer é dar algumas idéias para precisar significações,
servindo, eventualmente, de ajuda para quem deseja discriminar e aguçar
o sentido da Teoria.
Rogers re conhece que o seu pensamento tem passado por um processo
de evolução, Para explicá-la, De la Puente sugere as seguintes etapas:
na primeira, Rogers afirma a importância que tem o "insight" para a
reorganizaç^ > da personalidade e para o comportamento ( 1 9 4 0 - 1 9 4 5 ) . Na
segunda, conceitua o processo psicoterápico como uma readaptação da
congruência ixistente entre a imagem de si — nova formulação do "insight"
— e as exj eriências ( 1 9 4 6 - 1 9 5 7 ) . E , na última, acentua o processo da
experiência | elo qual o cliente passa na psicoterapia. Isto é, o experienciar
de suas pró] rias experiências. *

De la Pu« ite, Carl Rogers: de la psychothèraple... p. 180.


Não é objetivo deste livro, no entanto, fazer análise histórica do
pensamento de Rogers. Assim, visando apenas o que pode servir pratica-
mente para o exercício da ajuda psicológica não-diretiva, tentaremos
apresentar as idéias que pareçam mais úteis, sem interesse de focalizar
a época em que surgiram ou de mostrar como as mesmas se desenvolveram.
Sem dúvida, Rogers, além de criador, é a mola mestra da orientação
não-diretiva. Entretanto, convém lembrar que o seu pensamento já foi, de
certo modo, revisto, aprofundado e ampliado por estudos e pesquisa de
outros autores.
Pagès, na introdução de sua obra sobre a Orientação não-diretiva,
diz que não pretende fazer apenas uma exegese do pensamento de Rogers.
Mas que, tendo-o como ponto de partida, intenta precisar algumas opções
teóricas e metodológicas, baseado em suas reflexões e pesquisas pessoais.
E , para isso, deverá, "em certos casos, afastar-se do pensamento do próprio
Rogers". * *
O quadro referencial básico deste nosso trabalho é o pensamento de
Rogers. Entretanto, inspirados no exemplo de Pagès, tentamos indagar
também o que a nossa reflexão e* a nossa experiência prática podiam
oferecer. E , nas dimensões limitadas que um estudo de divulgação simples
como o nosso permite, tentamos apresentar algumas contribuições pessoais.
Ninguém desconhece a preferência de Rogers pela denominação Psico-
terapia Centrada no Cliente. Entre esta e outras possíveis, preferimos
chamá-la, em nosso trabalho, de orientação não-diretiva. Não porque seja
vista por nós como melhor para indicar o que a coisa é. A expressão
sugere entre outros defeitos, um abstencionismo que pode levar a uma
série de equívocos. Entretanto, apesar de sua inadequação é, segundo nos
parece, a que mais se divulgou e tornou conhecida no Brasil.
Por último, o nosso estudo se refere propriamente à ajuda psicológica
individual, ou seja, a que se estabelece entre o terapeuta e um cliente.
Não foi intenção nossa refletir sobre a situação de grupo, embora sabendo
a grande importância que esse enfoque assume atualmente. Mas o nosso
trabalho é limitado. Uma opção devia ser feita. Temos dito para os
nossos alunos — e estamos profundamente convencidos disso — que
o melhor meio de preparar a eficácia de agir no grupo é aprender a
tratar bem as pessoas, individualmente. Não foi esse o caminho de Rogers?
Queremos manifestar a nossa gratidão aos alunos e aos clientes pela
riqueza que nos têm comunicado através do seu ensino de vida. Queremos
agradecer também a todos aqueles, amigos e colegas, que pelos seus
comentários, sugestões e diversas outras formas de colaboração tornaram
possível a realização deste livro.

O AUTOR

Pagès, Vortentatlon non-direetíve... p. V I I I .


SUMARIO

Introdução, 5

CApfuLO I/RELAÇÂO DE AJUDA E ORIENTAÇÃO NAO-DIRETIVA:

1. O que se entende por relação de ajuda, 9


2. A idéia de relação de ajuda na orientação não-diretiva, 11
Conceif)s básicos da relação de ajuda, no enfoque não-diretivo, 13

APÍTULO Il/EQUtVOCOS NO U S O DA NAO-DlRETIVIDADE:

1. 0 "aconselhamento" não consiste em "dar conselhos", 75


2. Ausfncia de diretividade é o mesmo que não-diretividade?, 16
3. Equívocos no modo de agir, 19
4. O terapeuta não-diretivo deve dar informações ao cliente? 20

CAPÍTUI o m/A EXPERIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO CONSIOO MESMO:

Os conceitos de "organismo" e "experiência", 24


2. Representação correta e incorreta, 25
3. Em que consiste a "boa comunicação consigo mesmo"?, 27

C A P Í T U L O I V / A LIBERDADE E X P E R I E N C I A L :

1. O que faz a experiência ficar "obstruída"? 30


2. Centro de avaliação e desajustamento, 37
3. O conceito de "liberdade experiencial", 32

CAPÍTULO V/PERCEPÇAO E QUADRO DE REFERÊNCIA INTERIOR:

1. O conceito de "percepção", 35
2. Percepção e comportamento, 36
3. O "quadro de referência" na mudança de percepção, 39
CAPITULO VI/"IMAGEM DE S I " E AJUSTAMENTO:

1. O que é a "imagem de si"?, 42


2. Mudança na "imagem de s i " e reajustamento psicológico, 44

CAPÍTULO VII/O HOMEM E M BUSCA DA A U T E N T I C I D A D E :

1. O que é ser autêntico?, 48


2. "Ouvir-se a s i " — condição para ser autêntico, 51
3. É "perigoso" ser autêntico?, 53

CAPÍTULO VIU/VISÃO OTIMISTA DO S E R HUMANO:

1. É necessário acreditar no outro, 56


2. A capacidade do ser humano de dirigir-se a si, 58
3. O respeito à pessoa humana, 60

CAPÍTULO I X / O C L I M A A F E T I V O DA T E R A P I A N Ã O - D I R E T I V A :

1. O amor é união e partilha, 64


2. A eficácia do amor desinteressado, 66

CAPÍTULO X/A CONGRUÊNCIA NA COMUNICAÇÃO DO TERAPEUTA:

1. O que é uma "comunicação congruente"?, 70


2. A congruênçia do terapeuta, 72

CAPÍTULO XI/ACEITAR E COMPREENDER O CLIENTE:

1. Aceitar para modificar, 77


2. O caminho da compreensão é de "dentro", 80
3. A função da compreensão empática, 83

CAPÍTULO XII/A RESPOSTA COMPREENSIVA COMO TÉCNICA:

1. Apresentação de um caso, 86
2. A resposta compreensiva como "técnica", 90
3. Comparação entre respostas possíveis na terapia, 94
4. Um exercício sobre as categorias de respostas, 95

CONCLUSÃO 105

Obras Citadas 108


CAPÍTULO I

Relação de Ajuda
e Orientação não-diretiva

1 . O que se entende por relação de ajuda?

I M A G I N E M DS que alguém nos procure, interessado em pedir uma


ajuda no: sa a fim de encontrar solução para uma dificuldade
ou proble na que não sabe como resolver adequadamente,
Chamegos a essa situação, descrita assim em termos gerais,
com o e de relação de ajuda.
Nela, duas pessoas interagem, comunicando-se mutuamente atra-
vés de u n a " conversa", cujo assunto é um problema e a solução
que se ceseja para o mesmo. Trata-se, no entanto, de uma
"conversa ' diferente das comuns, onde existe um objetivo a ser
atingido a compreensão e a solução do problema), em que o
assunto determinado (o conteúdo do problema e a busca de
uma solu ão) e os indivíduos desempenham papéis específicos:
um procurando ajuda e o outro, prestando o auxílio que julga
conveníer |e.
"Digaimes , então, que a relação de ajuda é uma "conversa" estru-
turada. E la se estabelece com o fim de se resolver um problema
ou uma ditficuldade. Alguém busca ajuda. Outra pessoa é consi-
derada c a 3 a z de prestar o auxílio que é pedido. E , para que isso
aconteça, os dois indivíduos interagem,
Quandc a "conversa" possui uma estrutura mais delineada,
estabelece ido-se,, para a mesma, local e hora, aplicação de métodos
específico etc, costuma-se denominá-la com o nome de entrevista,
A relaçi o de ajuda surge, às vezes, como forma própria de t r a -
balho, caifecterística de certas atividades profissionais. É o caso do
terapeuta do orientador educacional, do assistente social, do sacer-
dote, etc, ^loutras ocasiões, aparece como recurso útil de que lança
mão o pr< fissional, a fim de realizar um trabalho mais específico.
Assim, per exemplo, o médico, que "conversa" com o cliente no
intuito de fazer o diagnóstico e dar orientações necessárias. F o r a

9
do âmbito profissional, é também usada como instrumento eficaz,
como por exemplo n a missão do pai para educar o filho. Pode,
ainda, ser estabelecida, de modo muito informal, por motivos de
parentesco, amizade ou mero conhecimento.
Desta maneira, portanto, a expressão relação de ajuda serve
para indicar formas de interação muito diversificadas: desde
uma entrevista técnico-profissional até uma conversa simples e
espontânea entre amigos. E , não obstante, todas aparecem com
algumas características comuns, assumidas, conforme o caso, com
maior ou menor apuro, fazendo-as merecer o mesmo nome de
relação de ajuda.
E s t e trabalho, que estamos apresentando ao leitor, é uma tenta-
tiva de mostrar a originalidade da relação de ajuda e as condições
para a sua eficácia, de acordo com o enfoque da orientação não-
diretiva. Desta forma, as características, de que acima falamos,
irão aparecendo progressivamente até o final do nosso estudo.
D e fato, o nosso interesse estará limitado à f a i x a própria da
relação de ajuda, como parte integrante do exercício profissional
Assim, em nosso trabalho estaremos preocupados com as situações
que devem ser criadas pelo psicoterapeuta, pelo psicólogo, pelo
orientador educacional, pelo assistente social, pelo sacerdote, etc.
F i c a , portanto, claro que, mesmo podendo ser útil eventualmente
para outros casos, como por exemplo para a relação pai e filho
ou entre amigos, não se dirige diretamente para eles o enfoque
presente do nosso estudo.
O nosso trabalho deve naturalmente ser limitado. Por isso, como
é evidente, não podemos fazer aplicação concreta e específica dos
assuntos a cada setor particular de atividade profissional. Assim,
tentaremos apresentar, de maneira simples e introdutória, os p r i n -
cípios fundamentais da orientação não-diretiva. O leitor fará, de
acordo com o seu interesse profissional, as aplicações que julgar
conveniente.
Dimensionada pela atividade profissional, a relação de ajuda
pode assumir, conforme o caso, a forma de aconselhamento ou
psicoterapia.
Rogers diz que há uma tendência para se utilizar o primeiro
termo — aconselhamento — para entrevistas acidentais e super-
ficiais. Reserva-se o segundo — psicoterapia — para contatos
mais intensivos e com duração mais prolongada, visando a reorga-
nização mais profunda da personalidade.
Rogers utiliza os dois termos, um pelo outro. E isto porcjue
ambos fazem referência ao mesmo método de base: uma série

10
de entr vistas diretas com um individuo procurando ajudá-lo a
mudar ;uas atitudes e seu comportamento. Além disso, porque
é impossível distinguir, na prática, uma psicoterapia bem feita e
proveitosa de um aconselhamento igualmente bem feito e pro-
veitoso
E m nosso trabalho não faremos distinção também entre os termos
aconselhamento e psicoterapia, a não ser que, em lugar oportuno,
se diga laramente o contrário. Embora preferindo o termo psicote-
rapia, o conceitos que a seu respeito emitirmos servirão também
para o iconselhamento, mantida a ressalva j á feita.
Na i ca, os profissionais que estão legalmente impedidos de
fazer psicoterapia — como por exemplo os orientadores educa-
cionais ^ assistentes sociais — poderiam aproveitar as variáveis
que for m mencionadas: tratamento periférico dos casos e duração
curta d série de entrevistas, para se manterem no âmbito de sua
competêhc ia.
De U to, entrar no campo de profundidade da reorganização da
persona idade sem que para isso se tenha preparo suficiente
(geralm mte se exige menor preparo para quem faz aconselhamento
do que se exige para quem faz psicoterapia), é colocar em risco
o cliente e levar o aconselhador a situações difíceis e embaraçosas,
que o mparo legal procura evitar.

2. A idéia da relação de ajuda


na orientação não-diretiva

Quando acima explicamos, de maneira simples e genérica, a relação


de ajud incluímos, como idéia importante, o intento de resolver
problemas Convém dizer, agora, que essa idéia não ocupa o p r i -
meiro ano no enfoque da orientação não-diretiva.
N a re lação de ajuda que se estabelece com o indivíduo, a
orientaç o não-diretiva deseja que a atenção se focalize, não sobre
o probl ma da pessoa, mas sobre a própria pessoa. O u , para ser
mais ex|to , sobre o seu "crescimento, desenvolvimento, maturidade,
melhor uncionamento e maior capacidade para enfrentar a v i d a " . *
Imagi íemos que alguém venha nos pedir ajuda. Naturalmente
ele com iça apresentando uma dificuldade, que o preocupa. Não
devemos esquecer, porém, que o problema apresentado é expressão
de um t aço existencial do indivíduo. Ao invés de ficarmos absor-
Roger Counseling and Psychoterapy, p. 3,
Roger On Becomtng a Person, p. 28.

11
vidos pelo esforço de apenas compreender e resolver o problema,
devemos criar condições favoráveis para que o indivíduo alcance
o significado que tem o problema para si mesmo, como ser-no-
mundo.
A apresentação da dificuldade se torna, deste modo, uma opor-
tunidade para o indivíduo revelar-se um pouco mais a s i mesmo,
entrando num processo de conhecer-se melhor.
Assim, o indivíduo pode descobrir o que ele é realmente, des-
vendar para si suas potencialidades e saber como empregá-las
para vencer os seus bloqueios. Pode dar orientação construtiva
à sua vida e adquirir habilidade para resolver problemas — e não
apenas "aquele" problema. Pode fazer alguma coisa por si mesmo
e aprender a ajustar-se mais adequadamente ao meio.
N a orientação não-diretiva, acredita-se que existe em todo ser
humano um processo natural e permanente de desenvolvimento,
onde o indivíduo está em busca de sua auto-realização, autonomia
e ajustamento. Quando estes resultados não são alcançados é
porque alguma barreira está impedindo o processo. Desta maneira,
a melhor forma de ajudar alguém é contar com a força natural e
permanente que ele j á tem dentro de s i . É criar condições favoráveis
para que ele liberte o seu desenvolvimento, identificando e retirando
os obstáculos que o estão impedindo.
Rogers considera a vida como " u m processo que flui, que se
altera e onde nada está fixado". *
A vida é força positiva que constrói o indivíduo. Todos os
recursos, de que alguém precisa para o seu desenvolvimento,
encontram-se nas experiências que ela oferece. Saber reconhecer
estas experiências e aproveitá-las convenientemente é o mais funda-
mental que cada um dispõe para alcançar sua própria realização.
Não ajuda a ninguém tentar viver uma vida que não é sua ou
rejeitar ser o que ele realmente é. São desvios que trazem insatisfa-
ções e desajustamentos, impedindo a eficácia pessoal e criando
obstáculos para o progresso.
N a orientação não-diretiva, considera-se que a base necessária
para mudanças desejáveis é a aceitação de s i , aqui e agora: a
partir do que o indivíduo realmente é, os recursos atualmente
existentes podem ser descobertos, reconhecidos e utilizados para
as mudanças necessárias numa direção mais construtiva.
Assim, poderíamos dizer que a relação de ajuda, no enfoque
não-diretivo, pretende dár ao indivíduo oportunidade para se
» Rogers, On Becoming a Person, p. 27
conhecei como realmente é, aceitando o seu próprio processo de
vida e r ele se inserindo, a fim de utilizar os recursos pessoais,
que as e tperiências lhe oferecem, para transformações construtivas
de atituqes e comportamento.

3. Conceitos básicos da relação de ajuda,


no enfoque não-diretivo

Compreelider-se e aceitar-se, na orientação não-diretiva, é conse-


quência i e um processo em que o indivíduo entra em comunicação
consigo tnesmo. Enfatizando esta idéia, poderíamos tentar uma
definiçãol para a relação de ajuda, dizendo que, na orientação
não-direi iva, ela consiste numa situação relacional permissiva,
criada e mantida pelo psicoterapeuta, na qual o cliente tem opor-
tunidade de fazer a experiência de uma boa comunicação consigo
mesmo \ara compreender-se melhor, entrar no processo de con-
gruência ou melhorá-lo, adquirindo atitudes' e comportamentos mais
construtivos, adequados e satisfatórios para si e para os outros.
E s t a cefinição será explicitada à medida que o nosso trabalho
se for dí senvolvendo e servirá para orientá-lo até o fim.
Podemos, no entanto, dar agora um sentido bem sumário do
que ela mocura indicar.
A con unicação consigo mesmo é vista como processo, no qual
o indivíc no v a i representando adequadamente na consciência tudo
que ele 5 ente e percebe em s i .
P a r a Pogers, todo o processo de desajustamento se deve a uma
falha de comunicação: o indivíduo deixou de comunicar-se bem
consigo em consequência, a sua comunicação com os outros
ficou pre udicada. A psicoterapia serve para reconstruir o processo
comunicativo. Seu objetivo é realizar " u m a boa comunicação no
interior la pessoa e entre p e s s o a s " . . . " A função da terapia
é ajudar a pessoa a realizar, através de uma relação especial
com o terapeuta, uma comunicação perfeita consigo mesma. U m a
vez que isso é efetuado, ela é capaz de comunicar-se mais livre
e eficazn ente com os o u t r o s " . 4
O relacionamento permissivo é o elemento básico da situação
psicoterá )ica sob o ponto de vista do que o terapeuta necessita
fazer.
Acentua-se, hoje, o valor decisivo do fator relacionamento para
qualquer tipo de psicoterapia.
* Rogers, On Becomtng a Person, p. 330.

13
Quando o indivíduo procura a psicoterapia, as experiências que
geralmente possui de relacionamento são constrangedoras, no sen-
tido de que deve renunciar ao que ele realmente é, vestir " m á s c a r a s "
e " f a c h a d a s " para agradar, pelo menos, as pessoas que lhe são
significativas.
O relacionamento que o terapeuta não-diretivo estabelece não
é frio, distante, "profissional". Mas é um contato de pessoa para
pessoa, num clima afetivo, feito de bondade e responsabilidade.
O terapeuta tem p a r a com o cliente consideração positiva incon-
dicional e o indivíduo sente-se respeitado tal como é. O terapeuta
lhe tem compreensão empática e o cliente sente que ele é para
s i um "outro e u " , tendo as "mesmas" percepções e os "mesmos"
sentimentos, fontes de compreensão verdadeira.
Desta forma, o cliente pode ser congruente, ser-realmente-o-
que-é, sem necessidade de esconder-se atrás de " m á s c a r a s " ou
"fachadas".
A permissividade consiste em criar uma situação em que o
cliente não é julgado, nem avaliado, nem tratado como uma
" c o i s a " ou um " c a s o " .
Com as qualidades de relacionamento, referidas acima, o cliente
pode ter liberdade experiencial. Pode dizer — expressando com
palavras, gestos e mímicas — tudo o que pensa e sente. E , desta
forma, pode representar adequadamente suas experiências na
consciência, analisando-as, avaliando-as p a r a modificar a imagem
de si, quando isso se fizer necessário.
Podendo representar corretamente suas experiências n a cons-
ciência, o indivíduo possui percepções adequadas de s i e do
mundo. Sem precisar recorrer a defesas, está aberto às experiências.
E , desta forma, pode ajustar-se satisfatoriamente, adaptando-se às
situações à medida que estas se modificam.
Tendo aprendido, pela consideração que lhe tem o terapeuta,
a ter consideração positiva p a r a consigo, o indivíduo se torna,
p a r a s i mesmo, pessoa significativa. O centro de avaliação está
em s i e não no outro. Deste modo, ele confia no seu organismo,
tornando-se critério para s i mesmo. E , assim, a tendência ao
desenvolvimento pode efetivar-se, de fato, no sentido da auto-
realização, autonomia e maturidade. E l e tem um funcionamento
adequado, satisfatório para s i e para os outros.
Acabamos de apresentar, grifados, os termos fundamentais que
compõem o conceito de relação de ajuda, no enfoque não-diretivo.
Passaremos agora a explicitar o que eles indicam.

14
CAPÍTULO II

Equívocos no Uso
da não-diretividade

1. O «aconselhamento» não consiste em «dar conselhos»

O P R I M E I F O equívoco pode surgir com o simples uso do termo


aconselhamento. Alguém pode supor, baseado no aparente signi-
ficado vul] ar d a palavra, que aconselhamento consiste simplesmente
no "ato o i efeito de dar conselhos".
N a ven ade, os dicionários d a língua portuguesa comumente
registram: conselho ("parecer ou opinião que se emite, juízo, aviso,
e t c " ) , conselheiro ( " o que dá conselho"), aconselhar ( " d a r con-
selhos, pe suadir, e t c " ) , aconselhável ("que se pode ou deve
aconselhará), aconselhador ("aquele que aconselha, conselheiro"),
aconselhac o ("que recebeu conselho"), etc.
Entretarto, não se encontra com a mesma facilidade a palavra
aconselhamento. E s t a , no sentido que é por nós usada, aparece,
na verdade, como neologismo, tendo conotações bem específicas no
campo d a psicologia.
No enfcque não-diretivo, o aconselhamento pode ser definido
nos mesmos termos usados, mais acima, para explicar o que é
relação de ajuda. O aconselhamento é realmente forma de relação
de ajuda, onde a "conversa" é estruturada como entrevista, s e -
guindo o método próprio d a orientação não-diretiva, em nosso
caso.
O hábitò tão costumeiro de 'dar conselhos" não se coaduna
com o mé odo não-diretivo.
Aquele < ue dá conselhos elabora, de uma só vez ou de modo
progressiva, com maior ou menor participação do aconselhando,
o que este deve pensar, sentir oú fazer diante de acontecimentos,
coisas e p< ssoas. E m última análise, o conselho é preparado pelo
próprio COÍ iselheiro, que j á o entrega pronto, "acabado", ao acon-
selhando, ^a verdade, a participação deste consiste em aceitar o

15
conselho, modificá-lo ou recusá-lo. Mas geralmente a expectativa
é apenas que ele colabore no sentido de. executá-lo.
Curran faz notar que o hábito de dar conselhos se baseia
no falso suposto de que serve para o aconselhando o que também
serve para o conselheiro. De fato, o conselho é comumente iniciado
por formas iguais ou semelhantes às seguintes: "se eu fosse
v o c ê . . . " , "se eu estivesse no seu l u g a r . . . " , etc.
O r a , o autor diz que a dificuldade de dar conselhos nasce
justamente daí: eu nunca serei o outro e jamais estarei no seu
lugar. Assim, o que serve para mim não serve para e l e . 5
Depois desta citação, acrescentemos agora o que é evidente:
ninguém v a i chamar de não-diretivo a um procedimento que, além
de dar conselhos, impõe autoritariamente o que pensa e quer. É
o caso, por exemplo, de alguém que obriga o outro a fazer (ou
não fazer) isso ou aquilo.
Assim, pelo menos nas coisas que ordenamos ou proibimos não
podemos ser considerados não-diretivos.
Algumas vezes, podemos, talvez, sem agir autoritariamente, tentar
o controle d a escolha do indivíduo através de sugestões e per-
suasões. Procedemos como se ele tivesse a liberdade de optar.
Mas, de fato, baseados frequentemente na suposição, explícita
ou implícita, de sabermos o que é melhor p a r a ele, utilizamos uma
série de meios, capazes de fazê-lo chegar "por s i mesmo" às
conclusões que previamente determinamos.
Estes comportamentos são incompatíveis com a não-diretividade.
Por melhores que sejam as nossas intenções e o desejo de ajudar
o outro, não devemos tirar-lhe a possibilidade de optar (quando
lhe obrigamos a fazer a l g o ) , nem manipular suas opções (quando
persuadimos ou sugerimos), nem elaborá-las, no lugar dele (quando
lhe damos conselhos).
Estes diversos procedimentos são considerados pela não-direti-
vidade como falta de respeito ao ser humano.

2. Ausência de diretividade é o mesmo


que não-diretividade?

Kinget d i z : "de todos os terapeutas, com os quais tive ocasião


de conversar, nenhum jamais se declarou partidário da idéia da

* Curran, La Psicoterapia autagôgica, p. 32.

16
diretividac Qualquer que fosse seu método ou escola, ele se
declarava m oposição à idéia de dirigir o cliente ou paciente". 6
Gostar í * n o s , aqui, de fazer uma distinção. Pode ser que alguns
terapeutas diretivos não aceitem que o sejam, mas nem por isso
se dizem rogerianos". Parece, no entanto, que o equívoco se
estabelece se, adotando um método próprio, pessoal, por não
serem dir^ivos afirmam logo que são "rogerianos". E dizem:
"de certo odo, eu também sou n ã o - d i r e t i v o . . . " ou "em parte a
minha oriejtação é não-diretiva..." ou "eu também sigo Rogers...",
etc.
Evidentdnente qualquer um pode escolher a orientação que lhe
pareça me hor. Entretanto, a expressão não-diretividade indica,
de modo : estrito, embora inadequado, um quadro de referência
que tem p|r base o pensamento de C a r l Rogers. Assim, não se
pode idenf ficar qualquer ^ausência de diretividade como sendo
não-diretividade
A orienti ção não-diretiva, consagrada universalmente pela Psico-
logia, desi na um pensamento sistematizado, composto de uma
teoria de ersonalidade e, outra, de Psicoterapia, mutuamente
complemen ares.
Trata-se de_ um pensamento que possui um método peculiar, em
torno do q ia! são feitos estudos, experiências e pesquisas. É uma
elaboração séria e restritiva, que não pode estar sujeita a "inven-
ções" aleaf>rias . O método, originariamente aplicado ao processo
psicoterápi > foi conhecendo, progressivamente, sua extensão a
outros sete res do relacionamento humano como o educacional,
familiar, h^lustrial, etc.
A ausénc i da diretividade — usando a expressão para diferenciá-
la de não iiretividade — pode se apresentar de maneiras muito
diversificac|as Mas é, no sentido que a tomamos, uma opinião
pessoal, popendo surgir de muitas formas: desde um estudo mais
rigoroso até como resultado de um conhecimento não amadurecido,
Pode apar cer como fruto da reflexão ou ser mera intuição,
sem rigor ientífico, para solucionar empiricamente situações que
precisam s( r resolvidas.
Às veze$ afirma-se que o terapeuta não-diretivo deve ser
espontâneo
É certo \ ue a espontaneidade é um dos elementos mais funda-
mentais d pensamento rogeriano, oposta a um procedimento
rígido, f o r i f a l técnico e académico. Mas não se deve confundi-la

• Rogers et (inget, Psychothérapie et Relations, p. 25.

17
com uma impulsividade primitiva, bruta, "selvagem", que dispensa
qualquer trabalho ou esforço em nome da própria espontaneidade.
U m a vez, um aluno nos d i z i a : " n a orientação não-diretiva,
a espontaneidade tudo r e s o l v e . . . " . Outro colega perguntou-lhe
com r a z ã o : "se é assim, por que os não-diretivos fazem pesquisas
e escrevem l i v r o s ? . . . Por que colocaram n a Faculdade uma
disciplina para aprendermos e praticarmos a Psicoterapia Centrada
no Cliente? Bastaria que nos dissessem: sejam e s p o n t â n e o s . . .
e não precisava tanta coisa".
Observando uma sessão praticada por um terapeuta experi-
mentado, talvez fiquemos impressionados com o modo natural e
livre com que ele age.
E s s a s qualidades, no entanto, certamente manifestam o grau
de congruência que ele possui e que, para ser alcançado, exigiu
a reorganização de sua personalidade. A segurança que ele demons-
tra é possivelmente resultado de estudo, reflexão e tirocínio. Assim,
a naturalidade lhe é permitida pelas experiências que j á passou e
pelo grau de crescimento que atingiu.
A espontaneidade permite que, mantendo fidelidade à orientação
que segue, ele encontre as formas adequadas de adaptar a teoria
e a prática ao seu modo pessoal de ser. E s s a adaptação é necessária
e importante. É fundamental que o terapeuta rogeriano seja, antes
de tudo, ele mesmo. O u , dizendo melhor, o terapeuta é de fato
rogeriano, n a medida que ele puder ser ele mesmo.
Não estamos falando de ecletismo, mas de adaptação, em que o
indivíduo, mantendo-se n a orientação que segue, procura ajustá-la
ao seu modo pessoal de ser e agir para sua maior validade e
eficácia.
Consideramos o ecletismo como sendo um desvio d a orientação.
O indivíduo nega ou modifica uma parte dela, substituindo-a e
compondo-a com parte que não lhe pertence.
É certo que o terapeuta pode ser eclético e frequentemente
segue esta direção. Evidentemente, isso exige bastante discerni-
mento tanto para se saber o que negar ou modificar e por que
negar ou modificar como também p a r a se saber com exatidão a
maneira de substituir ou modificar. Assim, não se pode levar a
sério uma pessoa que se diz eclética apenas para justificar um
procedimento confuso, originado do desconhecimento ou de uma
teoria e prática mal assimiladas.

18
3. Equívocos no modo de agir

Vejamos, < gora, alguns exemplos práticos de equívocos que podem


aparecer n ) modo de agir do terapeuta:
A. É po sível que j á tenhamos escutado alguém dizer: "Prefiro
a orientaçí o não-diretiva. Assim, deixo o cliente falar. E u somente
vou ouvm( o o que ele diz. Acompanho-o com o meu silêncio,
sem o inte|romper e sem me intrometer no que ele d i z " .
O r a , essf modo de agir, claramente indiferente ou, pelo menos,
muito pró imo da indiferença, não pertence à orientação não-
diretiva E á a impressão que o terapeuta é apenas conivente ou
tolerante. )e certa maneira, parece mais um observador que " a s -
siste". Possivelmente,, esse modo de agir faz surgir no cliente
um sentinfento de frustração, dando-lhe a idéia de que está
fazendo U ! monólogo.
Mas a terapia é diálogo. E o não-diretivo não é apenas um
observador Pelo contrário, é participante. Como participa, diremos
depois. P o agora, basta dizer que ele é parte integrante, vivendo
com o clien te toda a experiência d a aventura psicoterápica. É um
companhei o que participa plenamente, embora tenha um modo
muito espdcial de participar.
B . Pode ser que alguém se julgue não-diretivo, apenas porque
repete mai uinalmente as frases que o cliente enuncia. Vejamos
um exemplo imaginário deste procedimento:
C (clienf) — Vim procurar o senhor porque tenho um problema para
resolver.
T (terajI suta) — Você veio me procurar para resolver um problema,
C — É sso... Sabe, tenho muita dificuldade com o meu pai.
T — Vi cê tem muita dificuldade com o seu pai.
C — 7 mesmo... E isso me preocupa,
T — Vícê se preocupa porque tem dificuldade com o seu pai.
C — É. O pior é que não sei como resolver esta dificuldade,
T — O pior é que você não sabe como resolver essa dificuldade,
C — Ni o sei mesmo... (silêncio).
T — (slêncio)

E , as im, poderíamos continuar interminavelmente esse diálogo


fictício, onde o cliente e o terapeuta permanecem num ping-pong
que a nac a conduz.
A reiteração (ou reflexão simples) — repetir o que é dito pelo
cliente — uma forma de resposta que o terapeuta não-diretivo

19
utiliza com frequência. Entretanto, proceder como se ela consistisse
simplesmente numa repetição maquinal do que foi expressado
transforma a entrevista em situação ridícula ou irritante ou frus-
tradora tanto para o cliente como para o terapeuta.
A "reiteração" do silêncio, ou seja, "repetir" o silêncio do cliente
até que ele o rompa, pode se tornar um refúgio para as frustrações
do cliente e criar sentimentos de incompreensão entre ele e o
terapeuta, aumentando a ansiedade de ambos.
Poderíamos talvez distinguir os silêncios "estéreis" dos "fecun-
dos". A experiência do terapeuta levará a discriminá-los. O s
últimos, os "fecundos", aparecem como um dos meios mais pre-
ciosos para a rapidez e eficácia do processo psicoterápico. Enquanto
que os primeiros, os "estéreis", não devem ser mantidos nem
alimentados pelo próprio silêncio do terapeuta.

C . Vamos retornar a um assunto que j á falamos/ Não se deve


supor que a orientação não-diretiva seja apenas um caminho
artificioso de se levar o cliente, através da sugestão ou persuasão,
sem que ele perceba que "está sendo levado", para alcançar
objetivos, preestabelecidos pelo terapeuta.
O terapeuta não-diretivo não adota apenas a aparência de não
saber o fim e as soluções a serem atingidas. E l e realmente não
sabe. S u a atitude não é de mera estratégia. Não se trata somente
de se manifestar exteriormente um desconhecimento que não existe,
visando fazer o cliente encontrar por si mesmo o que o terapeuta
j á sabe e espera. Nada mais contra a não-diretividade — cujo
fundamento é a congruência — do que enganar o cliente, por
melhores que sejam as intenções com que se engana.
O terapeuta não-diretivo é de fato um acompanhante, um com-
panheiro de jornada. Deve criar condições favoráveis para o
cliente descobrir o caminho e percorrê-lo por s i . Mas, realmente,
o terapeuta só descobre e caminha à medida que o cliente o faz,
pois, durante a entrevista, a sua única referência é o processo
que se desenvolve no quadro interior do cliente.

4. O terapeuta não-diretivo deve dar


informações ao cliente?

Supõe-se, com frequência, que um meio eficaz de se prestar ajuda,


na terapia, é de explicar ao cliente a sua própria conduta. Assim,

20
procura-se informá-lo, dando-lhes as razões psicológicas, porque
age de^sta >u daquela maneira,
Esse prdcedimento é adequado para a orientação diretiva. Mas
o enfoque ogeriano não costuma utilizar os conhecimentos, obtidos
na Teoria, para ensinar, explicar, interpretar e dirigir o cliente,
Não se lh diz o que deve pensar, sentir e agir para melhorar,
De fato, o trapeuta não-diretivo está interessado em deixar o
cliente faze^ a experiência, a fim de aprender por s i : o cliente é
quem deve azer as suas próprias descobertas, seguir o seu próprio
caminho e ncontrar as soluções que lhe pareçam mais adequadas,
É um professo maiêutico, em que o indivíduo, por si, busca e
alcança os resultados.
Entretan ), isso não significa que o terapeuta não possa respon-
der nenhun|a pergunta, que o cliente lhe faça. Se ele pergunta, por
exemplo: Você é psiquiatra?", não tem sentido encaminhar a
entrevista ara que ele encontre a resposta por si mesmo. Assim,
se o tratanlento for feito por um psicólogo, este responderá com
simplicidad "Não sou psiquiatra, sou psicólogo clínico". São
perguntas respostas que só indiretamente afetam o processo
psicoterápi<|o (se é que o afetam).
Mas con o agir quando a pergunta parece interferir diretamente
no process maiêutico? Deve-se dar ou não a informação (ou
explicação) que é pedida?
Aqui, se rundo parece, ajuda muito uma distinção feita por
Pagès enti * atividades informantes e atividades estruturantes.
O autor ala em atividades estruturantes para indicar o procedi-
mento do rapeuta de substituir o cliente na elaboração de seu
campo de periência. Isso acontece quando o terapeuta determina
para o cliei te quais os acontecimentos que este deve julgar como
significativc s que valores deve dar as coisas, que objetivos devem
ser alcança os, que métodos devem ser utilizados, etc.
As atividtides informantes são intervenções do terapeuta, orien-
tadas para ) mero esclarecimento do cliente, a fim de que este
possa utiliiar o informe para efetuar, ele mesmo, a atividade
estruturanté
O terapeita não-diretivo não usa atividades estruturantes, que
devem ser feitas pelo cliente. Mas, para ajudar a uma boa
comunicaçã ) do cliente consigo mesmo, pode intervir, quando for
necessário, :om atividades informantes.

T Pagès, Vo\ lentation non-dlrecttve, p. 41.

21
E i s o trecho de uma entrevista, feita com um aluno, para nos
contar s u a experiência de terapeuta ao praticar uma sessão didática:

At (aluno) — (referindo-se à sessão que f i z e r a ) . . . é... acho que,


nesta sessão, dei excessivas respostas de reiteração...
P 1 (professor) — Parece que isso o deixa preocupado: ter dado mais
respostas de reiteração do que você desejava...
— Deixa, sim... sei que não devia ser assim. Mas fiquei só
repetindo o que o cliente dizia... Não foi reiteração?... O que é rei-
teração?
P 2 — É repetir com as mesmas palavras aquilo que o cliente expressou.
A 3 — Você acha que eu reiterei muito?
P 3 — Está ai uma boa pergunta: será que você reiterou muito?
A 4 — Reiterei, sim... Foi sô o que fiz... etc.

Neste exemplo muito simples, o aluno pede diretamente uma


explicação em A 2 (não interessa saber com que intenção ele a
pede). O professor dá com clareza, em P 2 , a informação pedida.
E m A 3 , o aluno pede outra informação. Mas o professor apenas
reitera a pergunta ( P 3 ) porque se a tivesse respondido estaria
avaliando uma experiência, dando-lhe um significado, que só o
aluno deve fazer.
N o primeiro caso ( P 2 ) o professor interfere com uma atividade
informante. No segundo, se tivesse respondido, estaria realizando
uma atividade estruturante.
O terapeuta não deve transformar suas atividades informantes
em respostas demoradas e sobretudo didáticas. A situação de
terapia não é situação de aula nem de ensino. O importante não
é a informação que se dá, mas a possibilidade do cliente apro-
veitá-la convenientemente para realizar sua atividade estruturante.
Assim, nem de longe pode-se imaginar o momento da entrevista
como se fosse uma ocasião de "pergunte e responderemos".
Aliás, o melhor modo de exercer a atividade informante não
é explicando alguma coisa ao cliente. Isso, na medida do possível,
deve ser evitado. O mais adequado é informar o cliente a respeito
de s i mesmo, refletindo, através de respostas compreensivas, o que
ele de fato j á expressou.
P a r a concluir este capitulo, vale a pena fazer uma rápida dis-
tinção entre direção e diretividade.

22
Kinget mbra que o termo direção sugere a idéia de orientação
ou de sign f icação. Enquanto diretivo implica conselhos, instruções,
sugestões, etc.
A autor lembra que o método é não-diretivo, mas não é sem
direção e jue não dar diretivas não é a mesma coisa que não ter
direção: lt oda a situação psicoterápica está impregnada de direção

— isto é, de significação orientada — por mais não-diretiva que


seja a atitude do terapeuta". *
A próp ia resposta compreensiva, dada pelo terapeuta não-
diretivo, a uda o cliente a descobrir uma orientação para a entre-
vista e a manter-se nos significados, que lhe são apresentados,
a fim de x piorá-los.

• Rogers t Kinget, Psychothèrapie et Relations, p. 25 e 27.

23
CAPITULO III

A Experiência da Comunicação
Consigo Mesmo

1. O s conceitos de «organismo» e de «experiência»

P A R A se compreender melhor a idéia da comunicação do indivíduo*


consigo mesmo convém lembrar o significado que assumem alguns
termos no contexto da orientação não-diretiva.
Organismo indica o próprio indivíduo, enquanto é totalidade
psicossomática em interação com o meio. "Organísmico" é o que
pertence ao organismo. Assim, por exemplo, o comportamento é
expressão do indivíduo total, é uma propriedade "organísmica".
J á a circulação do sangue é algo que pertence apenas ao corpo:
é uma propriedade "orgânica".
O termo experiência serve para indicar o que se passa no
organismo num determinado momento, isto é, o que o indivíduo
vê, ouve, sente, recorda, etc. e que pode: ser representado adequa-
damente na consciência. Diante da experiência, o organismo reage
como totalidade organizada: não são os meus olhos que vêm, sou
eu que vejo.
Pertence essencialmente ao conceito de experiência a idéia de
poder ser representada adequadamente na consciência. Desta forma,
as transformações bioquímicas por que passam os alimentos, depois
de serem ingeridos, não podem ser representadas na consciência.
Assim, não são chamadas com o nome de experiência.
Imaginemos, agora, minha visita a uma livraria. N a estante,
sobre assuntos psicológicos, havia um livro que no momento não
me interessava. V i , mas não "reparei". T i v e a experiência, mas
não a representei adequadamente na consciência.
Voltando para casa, começo a escrever um trabalho. Consultando
meus apontamentos, vejo a indicação de uma obra, muito impor-
tante para o tema que estou tratando. Então, de repente eu me
"lembro" que o livro é "aquele" da estante da livraria.

24
Dizemc s que, neste fcaso, a experiência estava disponível à
consciência
Assim, quando uma experiência não está consciente, mas pode
ser lem )rada' e representada adequadamente na consciência
com a siropl es utilização de meios comuns, diz-se que é disponível
à consciãnci E diz-se não estar disponível, quando, para ser
"lembrad t e representada adequadamente, exigem meios extra-
ordinárioi como a psicoterapia.
O aconselhamento lida preferivelmente com experiências dispo-
níveis à t onsciência, enquanto a psicoterapia está mais preocupada
com as periências que não estão disponíveis.

2. Representação correta e representação incorreta

As exper ências nem sempre estão disponíveis à consciência.


Imagin imos alguém que tenha rejeição pelo pai, mas cujo senti-
mento se ncontra recalcado. A rejeição existe mas, por encontrar-se
em zona inconsciente, o indivíduo não "sabe" que a possui.
Supom >s, neste exemplo, que o indivíduo tenha de si a imagem
de ser b< m filho e esteja convencido que um bom filho jamais
rejeita se x pai. Assim, o sentimento existente é incompatível com
a imagen que ele tem de si.
Diante da figura paterna, o sentimento reprimido pode querer
manifesta se. O indivíduo sente certos movimentos de rejeição.
Entretant >, estas experiências estão impedidas de chegarem cor-
retamente à consciência.
Notem que o indivíduo sente os movimentos de rejeição. A
experiênc a organísmica existe. Mas, ao mesmo tempo, não podem
chegar cc rretamente à consciência, por se oporem ao conceito que
o indivídjo tem de si.
Não podendo chegar corretamente, a experiência talvez se
mânifeste de modo distorcido na consciência. Se os movimentos
de rejeiçâ o são tão fortes que o indivíduo não possa simplesmente
negá-los, aparecerão, por exemplo, na forma de uma dor de
cabeça iiftolerável. E s t a surge, possivelmente, todas as vezes que
o filho vi sita o pai.
Os me anismos de defesa podem desencadear diversas formas
de reprei entações distorcidas, dando origem a sintomas, desde

25
fobias até conversões psicossomáticas. Desta maneira, uma úlcera
do estômago, por exemplo, pode ser indicadora de experiências
recalcadas, impedidas de representação correta, na consciência.
A experiência da rejeição ao pai, no caso apresentado, não está
disponível à consciência. Mas diz-se que é potencialmente sim-
bolizável, pois, embora os meios comuns não sejam suficientes
para uma representação correta, poder-se-á consegui-la através
da terapia.
Costuma-se dizer que a representação é correta quando existe
acordo, harmonia, entre a experiência real, o que de fato acontece,
e a construção mental que dela se faz. Assim, eu representei
corretamente o livro que v i na livraria. Entretanto, a rejeição que
o filho tinha do pai foi representada distorcidamente na forma
de uma intolerável dor de cabeça: foi uma representação incorreta.
N a orientação não-diretiva, os termos consciência, simbolização
e representação são tomados como sinónimos. Como explica Rogers,
indicam que, a partir de uma experiência, podemos fazer dela
uma construção mental. E s t a construção pode ser elaborada como
imagem, idéia, pode aparecer na forma de palavras ou sem elas.
Pode surgir apenas como um sentir vago, indefinível ou, através
de gradação, ser uma construção mais perfeita, "acabada".
Assim como acima falamos em representação correta ou incor-
reta poderíamos ter significado o mesmo, usando as expressões
simbolização correta ou incorreta ou, ainda, tomada de consciência
correta ou incorreta. E m todos os casos, poderíamos também ter
substituído os termos correto e incorreto, utilizando respectivamente,
como sinónimos, os termos adequado e inadequado.
Pode-se imaginar o processo psicoterápico não-diretivo como
situação na qual o cliente se coloca para comprovar a adequação
dos conteúdos representados na consciência. Assim, tem oportuni-
dade para transformar em corretas as simbolizações que v a i per-
cebendo como incorretas. Neste caso, o processo tem por finalidade
estabelecer o acordo entre as experiências organísmicas e a repre-
sentação adequada delas.
À medida que as representações vão se tornando mais adequadas,
há uma reorganização na imagem que o cliente faz de si para nela
serem incluídas as experiências que, anteriormente, não podiam

• Rogers et Kinget, Psychothérapie et Retations, p. 176.

26
ser simbolizadas de modo correto por serem incompatíveis com
a referica imagem.
Comp eende-se: a experiência estava impedida de ser simbolizada
corretarr ente a fim de proteger a imagem de si. Mas, na terapia,
a situaç; o favorável permite que a experiência impedida seja sim-
bolizada corretamente. E o indivíduo percebe a diferença entre
o que e s imaginava ser e o que a sua experiência lhe diz que é.
Aceitando agora a experiência, ele modifica a imagem de si.

3. E m que consiste a «boa comunicação


consigo mesmo»?

E m fundão dos termos — "organismo", "experiência", "represen-


tação C( rreta" — podemos dizer que a boa comunicação consigo
mesmo onsiste num processo, onde as experiências organísmicas
são sim >olizadas corretamente.
Atrav s deste processo, surge o acordo entre as experiências
do orgai ismo e a imagem que o indivíduo tem de s i . A este acordo
dá-se o nome de congruência. Assim, o indivíduo congruente é
aquele < ué tem comunicação consigo.
A fal a de comunicação consigo existe quando as experiências
organísi|ii cas estão impedidas de serem representadas adequada-
mente consciência. Neste caso, ou a simbolização é negada
ou é distorcida Ao desacordo entre a experiência e a simbolização
chama-i de incongruência.
Assin o termo congruência pode significar, até aqui, duas
coisas I ) o acordo entre a experiência e a imagem de si, isto é,
que a nagem de si corresponde às experiências organísmicas;
2 ) o a<|ordo entre a experiência e a consciência, isto é, que as
experiêijci as são simbolizadas adequadamente. E , nos dois casos,
incongn ência significa o desacordo. Mais adiante voltaremos ao
assunto
O de|ajustado psicológico é um incongruente. Não tem comu-
nicação consigo mesmo. Rogers explica que " a parte dele próprio,
a que c íamamos inconsciente, sofre uma obstrução, que impede a
comunk ação com a parte consciente ou dirigente do i n d i v í d u o " . "
Assin é a neurose. A "parte impedida" de vir à consciência,
de modp adequado, é a experiência de uma necessidade, de um

Roge , On Becomtng a Person, p. 330.

27
desejo (como o s e x u a l ) , de um sentimento (como, no exemplo
anterior, a rejeição ao p a i ) . Encontrando-se em nível inconsciente,
o indivíduo "não sabe" o que está impedido. A finalidade da
terapia é ajudar a descobri-lo.
Embora excluída da consciência, a parte impedida continua a
existir e com tendência dinâmica a se manifestar. Isso causa no
cliente um estado de tensão. E , quando esta é, de certo modo,
percebida, surge a angústia.
A comunicação consigo mesmo é o caminho adequado que o
indivíduo possui para se reajustar.
O homem é o único ser vivo capaz de tomar consciência de
si. E este fato assume uma importância capital na economia
psicológica do ser humano. Simbolizando corretamente suas expe-
riências, o homem pode conhecer exatamente a situação em que
se encontra e o seu próprio significado dentro da situação. E ,
assim, pode ter controle construtivo sobre si mesmo e sobre a
situação.
Simbolizando corretamente suas experiências, o homem pode
conhecer os recursos que possui e perceber com acerto as diversas
necessidades para o seu desenvolvimento, tanto em plano fisioló-
gico, como no psicológico e cultural.
Isto significa que, na medida da boa comunicação consigo mesmo,
o homem busca o seu equilíbrio biopsicossocial: ele pode confiar
em si mesmo e os outros podem confiar nele.
Mas, quanto menos ele se comunica consigo mesmo, mais há
motivos para se desconfiar dele e de seu comportamento. De fato,
ele já não é mais o-que-pensa-que-é. Suas necessidades, senti-
mentos e visão da realidade chegam deformados à consciência.
Suas reações são feitas em função das percepções distorcidas que
ele tem de si e das situações. Não se pode esperar deste indivíduo
nem equilíbrio nem controle adequado.
Rogers compara o organismo com um gigantesco computador.
Podemos confiar nele quando funciona bem como critério certo
para os nossos procedimentos e ações.
No momento da decisão, colocamos nele todas as experiências
que tivemos sobre o assunto: as impressões dos sentidos, as
recordações da memória, os sentimentos interiores, etc. Neste
caso, o organismo registrará todas as forças que estão sendo
apresentadas. Fará a elaboração necessária e dirá qual a decisão
mais satisfatória, para nós e para os outros, pedida pelo momento.

28
Mas ajuste da resposta pede a fidelidade da informação. Se
as nossa simbolizações forem incorretas, as informações são
erradas o organismo faz um cálculo falho. E , então, como
resposta, fornece uma decisão falsa e um comportamento desa-
certado. 1
A terabia não-diretiva está preocupada com o bom funciona-
mento dc "computador", isto é, do organismo. Criando um clima
favorável dá oportunidade para o cliente entrar em boa comunica-
ção cons o e rever, testar e acertar as "informações" que estão
sendo triismitidas, Assim, de maneira " s u i generis", por meio das
informalões" acertadas, pode-se modificar o próprio "computador"
para o s|u funcionamento adequado.

11 Rogers, On Becoming a Person, p. 190.

29
CAPÍTUO IV

A Liberdade Experiencial *

1. O que faz a experiência ficar «obstruída»?

A T E R A P I A não-diretiva pretende criar uma situação favorável


onde o cliente possa simbolizar corretamente as experiências que
estavam impedidas de serem representadas adequadamente.
O processo de "obstrução" foi iniciado a partir de uma violência
ao direito do indivíduo expressar algo que lhe era significativo.
Assim, no princípio, a pessoa se v i u ameaçada repressoramente
apenas em manifestar a sua experiência. Depois, por um procedi-
mento natural de interiorização, o que era somente proibido de
expressar transforma-se numa autoproibição de representar na
consciência.
Imaginemos uma criancinha com grande necessidade de mostrar
carinho por sua mãe. Suponhamos que o carinho seja sistematica-
mente rejeitado. O que a mãe está rejeitando é a expressão do
carinho. Mas, progressivamente, a criança v a i introjetando os valo-
res da mãe. E vai progressivamente "sentindo" que não " g o s t a "
de fazer carinho na mãe.
A necessidade de fazer carinho existe. O que a criança não
" g o s t a " é de fazer uma coisa que a mãe não "gosta". Mas,
pela introjeção, a criança acaba pensando que ela mesma não
"gosta". Não faz, portanto, a diferença de que ela "gosta" mas
que a mãe é quem não "gosta".
P a r a ser coerente com a imagem de si — que não " g o s t a "
de fazer carinho — a criança começa a rejeitar da consciência
as experiências que manifestem a necessidade daquele sentimento.
A falha de comunicação consigo está firmada: o organismo tem
um sentimento, cuja simbolização correta está impedida.

* Acreditamos que a compreensão do presente capitulo se tornará melhor depois


que o leitor fizer a leitura do cap. V I : "Imagem de s i " e ajustamento.

30
Todo s ir humano precisa de consideração positiva. Este termo
serve par; i indicar, na orientação não-diretiva, a necessidade, sen-
tida por t )dos os seres humanos, de os outros nos quererem bem,
de serem icolhedores para conosco, de nos aceitarem e respeitarem
como son os.
Entre Í S pessoas que conhecemos existem algumas, das quais
desejamo! de modo muito especial, a consideração positiva. E l a s
são chamidas de pessoas-significativas ou pessoas-critérios.
D u r a n i toda a nossa vida, necessitamos destas pessoas-critérios
e procura no-las. B a s t a lembrar, por exemplo, como os pais são
important is para a criança. Depois, virá provavelmente uma pro-
fessora. J Lais tarde, será um amigo, talvez a namorada, a noiva,
a esposa, algum profissional de grande sucesso etc.
Geralm mte temos mais de uma pessoa-critério. E , muitas vezes,
continuan os a tê-la como significativa, mesmo quando nos frustra
na consic iração esperada.
A pess >a-critério tem uma influência muito grande sobre nós.
Pagès a c lama de "outro eu s i g n i f i c a t i v o " . "
Aqui, i oloca-se a base p a r a compreendermos o processo de
ajustameito e reajustamento, no ponto de vista da orientação
não-direti /a: podemos negar a nossa própria capacidade de auto-
avaliação, substituindo-a por normas, dadas pelas pessoas-signi-
ficativas, :omo no exemplo, acima, da criança.
Temos a inclinação de julgar importante para nós o que elas
para si r tesmas consideram como importante.

2. Centro de avaliação e desajustamento

O indivíc no tem em si mesmo o seu centro de avaliação, quando


procura dentro de s i " — naquilo que o seu próprio organismo
sente — os critérios p a r a avaliar as suas experiências pessoais,
Se par avaliar suas experiências o individuo tem, como critério,
valores c ue lhe são dados por outros, costuma-se dizer, neste
caso, que o seu centro de avaliação está no outro.
O desi justamento psicológico começa, como j á foi dito, num
processo de introjeção. O indivíduo avalia sua experiência, não
através c e seus próprios critérios, mas por valores dados pelo
outro. Oi| seja, coloca no outro o seu centro de avaliação.

12 Pagès, forientation non-dtrective, p. 18.

31
O indivíduo, porém, não percebe que está utilizando critérios
do outro. Pensa ter sido ele mesmo quem sentiu, isto é, que os
elementos para avaliação vieram de s i . No exemplo anterior,
a criança supõe que ela mesma sentiu não gostar de fazer carinho
na mãe. Não percebeu que transformou em seus os critérios da
sua mãe. Houve introjeção daquilo que a mãe gostava.
Assim, o desajustamento aparece pela falta vivencial da discri-
minação entre os valores próprios do indivíduo e aqueles que são
do outro. E l e acaba por rejeitar uma experiência que valoriza,
"sentido", como se fosse o outro, que para si ela não tem valor
ou, mesmo, é um antivalor.
Quando o indivíduo é capaz de fazer a discriminação, aceitá-la
c vivenciá-la, não existe desajustamento. Mantendo em si mesmo
o seu centro de avaliação, o indivíduo saberá reconhecer, por
critérios seus, se a experiência tem ou não valor para si. Verificará
que certas manifestações suas, vividas como agradáveis, são para
a pessoa-significativa desagráveis e vice-versa. Saberá então que
ele não é a pessoa-significativa: são dois seres diferentes. E l e se
julgará a si mesmo, modificando ou não seu comportamento, sem
necessidade de confundir-se com o outro para agradá-lo. E então,
mesmo conformando o seu comportamento com o que agrada o
outro, ele o faz, não pelo motivo fundamental de agradar o outro,
mas porque sabe que é melhor para s i .

3. O conceito de «liberdade experiencial»

A terapia não-diretiva se baseia na certeza de que, possuindo


liberdade experiencial, o cliente é capaz de entrar num processo
de exploração de sua personalidade, a fim de descobrir e reco-
nhecer por s i mesmo as incoerências que nele existem.
Simbolizando corretamente suas experiências, o indivíduo entra
no processo de reorganização da imagem de si, modificando-a
para integrar nela os novos elementos que foram percebidos ade-
quadamente.
A noção de liberdade experiencial se refere diretamente a um
fenómeno interno: a liberdade que o indivíduo precisa para cons-
tatar, de maneira correta, as suas experiências organísmicas e
representá-las adequadamente na consciência.
P a r a esse fenómeno interno se realizar, o indivíduo precisa de
uma situação favorável onde possa fazer a elaboração mental,

32
interior, d Is sentimentos e experiências, reconhecendo-os e ava-
liando-os,
A situaç i
ó favorável é aquela onde o indivíduo sinta tranquilidade
e confianç para expressar com transparência a elaboração mental,
à medida ue a v a i realizando e do modo como a realiza.
Ou, dize ido em linguagem simples, o indivíduo precisa encontrar
ima situai ão favorável em que tenha calma e segurança para
pensar e pensar em voz alta", dizendo o que está pensando e
como está pensando.
Assim, i condição imprescindível para que haja liberdade expe-
riencial é existência d a liberdade de expressão. Mas não basta
apenas qu o cliente "pense" idéias e conceitos. Mais importante
é que ele rianifeste sentimentos e emoções que envolvem os conteú-
dos do pe isamento.
Como t imbém não basta que o terapeuta dê liberdade de
expressão portando-se apenas como observador. Deve, ao contrá-
rio, ser p irticipante e ajudar o cliente a pensar e sentir com
adequação
Assim, i eferimo-nos a uma liberdade de expressão, em que o
indivíduo ode manifestar tudo o que pensa e sente com palavras,
gestos e n ímicas. E o terapeuta, como diz Anastasi, deve "abster-
se de ex lorar, interpretar, recomendar, persuadir ou sugerir.
Preenche função de um ouvinte atento, procurando compreender
plenamenti o que o indivíduo diz e sente, fazendo todo o esforço
para percí Der toda a situação do ponto de vista do cliente. Parte
importante da tarefa do terapeuta consiste em refletir e clarificar
os sentime itos do cliente por meio de reexposição das observações
do própric c l i e n t e " . 1 3
Tendo 1 al procedimento, o terapeuta não-diretivo faz com que
o centro < !e avaliação do cliente não esteja no outro. E exerce,
para a ela >oração mental das experiências e sentimentos do cliente,
a função ie um catalisador, isto é, de um agente que facilita o
processo i a s não o determina.
Como d talisador, além de respeitar o cliente, dando-lhe liberdade
experienci 1, o terapeuta participa sobretudo pela compreensão
empática.
Assim, i cliente pode utilizar o processo psicoterápico em busca
da c u r a : cliente é quem se cura a si mesmo. E esta afirmação
tem um s ntido mais rigoroso na orientação não-diretiva do que

,a Anastasi Campos da Psicologia Aplicada, p. 611.

33
em outras teorias psicoterápicas que também a usam, mas onde
o terapeuta controla e faz desenvolver o processo.
O clima permissivo, na orientação não-diretiva, se refere direta-
mente à liberdade de expressão, tal como acabamos de explicá-la.
O cliente deve ser livre para dizer tudo o que pensa e sente.
Mas não se lhe dá o direito de fazer, isto é, de transformar
em atos o que pensa e sente, sobretudo quando isso se torna
prejudicial para si e para os outros.
D i z M u r y : "se alguém me diz que tem desejo de matar seu
vizinho, posso escutá-lo tranquilamente. Agir com ele é outra
coisa. Apoiá-lo na vida concreta seria ir matar seu vizinho com
ele. E isso não seria mais uma atitude não-diretiva, mas sim
solidariedade no crime, totalmente a b s u r d a " . 1 4
N a orientação não-diretiva, considera-se que o melhor modo
de ajudar alguém não é fazer alguma coisa por ele. Mas é
criar um clima favorável à liberdade experiencial para que ele
possa ajudar-se a si mesmo, fazendo por si o que só ele pode
fazer.

14 Mury, Iniroduction à la non-dlrectivlté, p. 120.

34
CAPÍTULO V

Percepção e Quadro
de Referência Interior

1. O conceito de «percepção»

Quando se faz terapia não-diretiva, a intenção é de mudar a


percepção o cliente a respeito de si, das pessoas, das coisas
e acontecimentos
Dizendo com outras palavras, o ajustamento do cliente, na
terapia nãd-diretiva não se faz pela mudança do ambiente em
que ele viví mas pela mudança que se opera no próprio indivíduo,
ou seja, n percepção que ele tem de si e do ambiente. Mudada
a percepçãc ou o indivíduo se adapta ao ambiente, tal como ele
o encontra, ou, então, descobre o modo e os meios de mudar o
ambiente n; quilo que é importante para o seu ajustamento, o que,
antes da te a pia,
l considerava impossível.
O ambieàte , às vezes, é de tal maneira rígido, duro, aniquilador
para o clie nte que o ajustamento exige o tratamento direto do
ambiente o x a mudança deste. Caberá ao terapeuta discriminar
o caso. Erftretanto, em nosso trabalho, estamos interessados na
adaptação jue se faz pela mudança de percepção do cliente e não
pelo tratanlento do ambiente.
O concei o de percepção é muito complexo na Psicologia. Vamos
fazer uma bordagem muito simples que interessa ao nosso estudo.
A outra >essoa é diferente de nós por diversas razões. Inclusive,
pelo signi/ cado diverso que dá as mesmas coisas que, juntos,
experiência nos,
Só o próf riio indivíduo sabe o que suas experiências — as coisas,
as pessoas e os acontecimentos — significam para ele. E ninguém
saberá este significado, a não ser que ele o manifeste,
E m noss relacionamento, uma das fontes de mal-entendidos está
justamente em supor significados: imaginar que, para os outros,
as coisas Dossuem os mesmos significados que têm para nós.
Quando, pi )V exemplo, uma pessoa sofre de claustrofobia, podemos

35
pensar que o seu medo é uma " a s n e i r a " porque imaginamos que
ela deveria dar aos ambientes fechados o mesmo sentido que
nós lhe damos.
Quando falamos em percepção estamos nos referindo a esse
significado próprio, pessoal, que cada indivíduo dá às coisas,
pessoas e acontecimentos.
St. Arnaud explica que o conceito indica " a significação subjetiva
que o indivíduo dá ao que se passa em si e em torno de s i " .
E o campo perceptivo é, diz St. Arnaud, "o universo subjetivo
do indivíduo, sua visão do mundo, o conjunto da realidade tal
como é percebida por ele, tudo o que constitui na consciência
psicológica"."
C a d a percepção é uma espécie de "tradução" subjetiva que o
indivíduo faz de elementos da realidade, dando-lhe significados
pessoais.
E s t a "tradução" nem sempre coincide com a realidade objetiva.
É, porém, com frequência, uma aproximação que serve, de modo
mais ou menos adequado, para que o indivíduo tenha uma visão
compreensiva, própria e organizada, do mundo em que vive.
Cada um possui, portanto, o seu mundo subjetivo, diferente de
todas as outras pessoas. D i z Rogers: "acabei por reconhecer que
estas diferenças que fazem os indivíduos desiguais, este direito
que cada pessoa tem de utilizar sua experiência de maneira que
lhe é própria e de descobrir seu significado, tudo isto representa
as potencialidades mais preciosas da v i d a " . 1 1
O terapeuta não-diretivo respeita essa "potencialidade" e esforça-
se para que ela se efetive em plenitude. Sabe que o cliente não
pode pensar, julgar e avaliar como ele o faz. Portanto, aceita-o
como indivíduo diferente de si, promovedor e organizador do seu
campo perceptivo.
N a terapia não-diretiva, no entanto, deseja-se ajudar o cliente
para que verifique se suas percepções são realistas e adequadas
e para que as organize no sentido de alcançar melhor ajustamento
e desenvolvimento.

2. Percepção e comportamento

Compreende-se o comportamento de um indivíduo através da


percepção que ele tem das coisas. Suas reações rfão são feitas
à realidade como tal — à chamada realidade objetiva — mas

*• St. Arnaud, La consultatlon pastorais, p. 27.


*• Rogers, On Becomtng a Person, p. 20.

36
ele age e eage em consonância com os significados que dá às
coisas, ou seja, de acordo com a realidade que foi "traduzida"
para o seu mundo subjetivo.
Imaginen os um exemplo muito simples. Num Livro de Orações
de uma jo\ em havia uma pétala de rosa j á murcha. Ao vê-la, o
significado que lhe dei foi este: uma coisa inútil que devia ser
jogada for i. A moça também viu a mesma coisa: uma pétala
de rosa m ircha. Entretanto, o significado que lhe deu foi outro:
uma lembr inça muito querida de um fato sentimental que ela
viveu.
A partir da minha percepção, o meu procedimento seria jogar
ao lixo a :oisa inútil que v i . A partir da percepção da moça,
o seu comp >rtamento foi de guardar carinhosamente uma lembrança
querida.
Assim, se eu quisesse compreender o comportamento da moça
pela minh percepção, parecer-me-ia profundamente incoerente,
ridículo. Efci outras palavras, o comportamento da jovem só se
tornaria co npreensível para mim se ela me revelasse a percepção
a rosa.
Desta fornia, podemos compreender também o comportamento
hostil de u na pessoa para outra que nos parece muito simpática,
o esta lo deprimente de alguém ante um acontecimento que
altamente gratificador. O u , ainda, medos "irrazoáveis"
diante de (oisas que nos parecem simples e inofensivas.
Tendo p )r base a nossa própria percepção e não a do outro,
jamais poc e remos compreender por que ele age ou reage desta
ou daquela maneira. E , no entanto, somos sempre tentados a supor
que os out os percebem como nós percebemos. E queremos com-
preender o outro através da nossa própria percepção.
Certa v ± , uma jovem nos procurou porque desejava deixar
a casa pat< rna para morar sozinha num apartamento. Esse proce-
dimento nl o apenas era incompreensível para a família, mas
surgia mes no como "escandaloso' 1
Tivemos também oportunidade de conversar com a mãe, que
nos d i z i a : " . . . mas ela tem tudo em c a s a . . . nada lhe f a l t a .
dedico-lhe todo o meu c a r i n h o . . . faço tudo por e l a . . . o que
ela quer n a i s ? "
Foi pro lindamente chocante para a mãe quaúdo soube que
a filha des» j a v a justamente livrar-se do "carinho". A filha percebia
a atenção naterna como se fosse um policiamento, uma fiscaliza-
ção insupo tável. A moça estava " c a n s a d a " de que a mãe fizesse

37
"tudo por e l a " . Queria, agora, fazer também alguma coisa por s i
mesma. N a sua percepção, o ambiente do lar era simplesmente
aniquilador de sua personalidade.
T a l v e z o problema tivesse sido solucionado, se houvesse diálogo
entre as duas, antes de ter chegado ao ponto agudo que alcançou.
D e fato, as duas tiveram "umas conversas". Mas, nestas, a mãe
nunca se preocupou em saber qual a percepção que a filha tinha
do ambiente familiar. Partia sempre do princípio de que ela — a
mãe — estava agindo certo. E as conversas tinham por finalidade
prevenir a moça contra < f as maldades do mundo" e dar-lhe conselho
para que "fosse boa f i l h a " . Vê-se, então, que não era diálogo.
E r a monólogo, enrijecido pela posição cada vez mais agressiva
que a filha tomava.
Alguém poderá dizer: "mas a mãe tinha razão". É bom deixar
claro o seguinte: quando se tenta compreender a percepção de
alguém, o importante é compreender, e não julgar. Não se trata
de saber quem tinha razão. Tratava-se apenas de constatar o que
a moça pensava e sentia, procurando apreendê-lo do seu ponto
de vista. Como o caso foi solucionado é outro assunto, que não
interessa ao nosso estudo no momento.
P o r agora, insistimos na idéia de que o comportamento é
compreendido pela percepção que o indivíduo tem da realidade
objetiva.
Voltemos ao exemplo anterior da pétala de rosa. Viu-se que
o comportamento d a moça, guardando-a, não foi motivado de
acordo com a realidade objetiva (uma pétala de rosa murcha)
mas em harmonia com o significado que ela deu à realidade ( p a r a
a moça, uma lembrança carinhosa).
Viu-se também que, mudando o significado (pensei que a pétala,
murcha, devia ser jogada ao l i x o ) , muda-se o comportamento
(penso agora, a respeito da mesma pétala, murcha, que uma lem-
brança querida deve ser guardada).
Note-se que o meu comportamento mudou, não por causa de
alguma transformação na coisa, na realidade objetiva ( a pétaía
continua a ser a mesma: uma pétala murcha). Mas mudou,
porque houve mudança no significado que eu dava à coisa ( a
pétala murcha j á não é mais uma coisa inútil, mas é uma
lembrança querida).
Assim, compreende-se que, na terapia não-diretiva, a preocupa-
ção não está focalizada diretamente sobre a mudança de com-
portamento do cliente, mas sobre a sua mudança de percepção.
Quando esta muda, o comportamento também se transforma.

38
3. O (quadro de referência» na mudança da percepção

Foi dito qi le, mudada a percepção, muda o comportamento. E n t r e -


tanto, não se pode conseguir a mudança de percepção de alguém,
obrigando- o simplesmente a mudá-la.
Nem pa a mudá-la, o meio mais eficaz é dizer ao indivíduo que
isso precii a ser feito. Nem, ainda, para alcançar a mudança,
serve expl car ao indivíduo o que se passa nele, utilizar a força
dos argun entos, dar-lhe informações do que ele devia pensar e
sentir, usa; recursos de sugestão, de persuasão, etc.
A orien ação não-diretiva não emprega nenhum desses meios.
Parte-se d ) princípio que a mudança d a percepção não se realiza
tendo ape; ias por base o simples fato de querer mudá-la. Mas
que é necessário um insight.
É muito difícil dizer exatamente o que o termo indica. E l e assume
diversos s ntidos na Psicologia.
Nós o i tilizamos para significar uma descoberta, que não se
realiza ap mas na ordem do raciocínio, do pensamento. Não é
apenas urr i descoberta intelectual, no plano de idéias e conceitos.
Mas é a jo que, ao se dar, o indivíduo sente atingir a sua
própria vic a, na dimensão concreta da existência.
Rogers i iz que o termo — insight — serve para indicar certos
tipos de í prendizagem, como a de perceber novas relações de
causa e ef ito, apreender novo sentido nas manifestações do com-
portamento , etc. D i z que é um processo difícil de ser explicado:
apresenta-i e mais por atos do que por palavras e toca profunda-
mente a p issoa, dando novo sentido às suas experiências. 1 T
O insigl t é resultado de um processo. É consequência de uma
elaboração interior, como se, através desta, o indivíduo preparasse
o moment > de gerar a descoberta. Mas não se pode marcar
tempo pari i surgir o resultado e nem estruturar a elaboração para
que se to ne mais rápida e eficaz. A descoberta surge, quase
de surpres L quando menos se espera. É o instante do eureka, do
"achei", " lescobri", "compreendi", como diz R o g e r s . "
O client , expressando-nos elementos j á conhecidos de sua vida,
do seu co nportamento ou relacionamento, faz, de repente, uma
"descobert i " . E diz-nos: "agora estou começando a ver uma coisa
que não ti| ha visto a i n d a " ou "estou compreendendo uma coisa que
não comp eendia" ou, ainda, "estou descobrindo que a coisa

1T Rogers, "ounseling and Psychotherapy, p. 174.


18 Rogers, )n Becoming a Person, p. 356.
deve (ou não deve) ser assim", etc. São, certamente, manifestações
de insight.
Num treinamento que dávamos, um industrial desejava saber
qual a técnica para se ter insight. Respondemos que a melhor
técnica é, paradoxalmente, não ter nenhuma técnica. Dissemos
que não se pode forçá-lo a surgir. Até, mesmo, poderíamos
afirmar ao contrário: quanto mais se força, mais criamos d i f i -
culdades para que apareça.
A s vezes, na psicoterapia, o terapeuta j á " v i u " o que o cliente
precisa descobrir. E pode acontecer que procure, de modo claro
ou velado, dar pistas para precipitar o instante de surgir o resul-
tado esperado. Dá-se, então, uma inversão do movimento. O
cliente torna-se confuso e defensivo e o processo é bloqueado,
quando não regride.
Assim como o terapeuta não pode ter insight no lugar do cliente,
não pode também acelerar a elaboração necessária para que
apareça. T r a t a - s e de uma descoberta por um processo próprio,
inalienável.
Além disso, deve ser respeitado o ritmo de cada u m : "se quiser-
mos ver o sol nascer é necessário esperarmos a noite acabar".
Não podemos acelerar o instante natural da madrugada, por
mais apressados que estejamos.
A comparação é adequada porque não posso precipitar o nasci-
mento do sol. Mas, por outro lado, é claudicante porque eu não
posso ajudar o processo da noite que passa.
A orientação não-diretiva procura criar uma situação catalisa-
dora, de clima compreensivo, que pode ajudar o cliente no pro-
cesso do aparecimento do insight. Neste caso, a situação é aquela,
onde o cliente possa sentir-se realmente compreendido.
Desta maneira, uma compreensão, sincera e profunda, é o clima
propício e estimulante que o cliente necessita para sua elaboração
interior a fim de ter insight.
Compreender alguém, no sentido que tomamos, não é apenas
um vago ocupar-se com o outro, nem só o esforço de captar
bem o que ele procura dizer. Não é somente interesse, atenção,
cordialidade, etc. É mais do que isso.
Compreender é tentativa constante de ver o mundo com os olhos
do outro, de sentir o que se passa nele como ele o sente, de
entender a realidade como ele a entende, procurando alcançar os
significados próprios que ele lhe dá.

40
P a r a c mupreender, assim, precisamos ter por base o quadro
de referêi interior do cliente.
A n< — quadro de referência — é explicada por Rogers
como sen|io "o conjunto de experiência (sensações, percepções,
significaç es, lembranças, etc.) disponíveis à consciência do indi-
víduo nur determinado momento". 1 0
O quac ro de referência interior do cliente é, para o terapeuta
não-direti 'o, o contexto onde existem os significados e que torna
inteligível tudo aquilo que ele expressa.
Compreender é acompanhar as experiências que o cliente expressa
sem deixí o seu quadro de referência interior e procurar entender
tudo que é manifestado, não no sentido que isso pode ter para
o terapeu a, mas nos significados que assume no próprio quadro
de referêi ci do cliente.
Se con iderarmos como mensagem o que é transmitido pelo
cliente, c mpreender, então, significa "decodificar" os sinais que
ele me trflnsmite, tendo como " c h a v e " o seu quadro de referência
interior, nde se encontram os sentidos dos; sinais, constitutivos
da mensa jem que ele emite,
O clieife precisa sentir-se compreendido pelo terapeuta. Mas
para isso não é necessário que sejam utilizadas formas explícitas
como as iguintes: "eu o compreendo", "estou entendendo o que
você d i z " "pode falar tudo que você deseja, que eu o compreen-
derei", et
Se o te apeuta, sem se preocupar com verbalizações explícitas,
procura e itender não só o que o cliente expressa mas também
o seu sig tiificado e, além disso, se procura ajudar o cliente a
entender nelhor o que expressou, mantendo-se sempre no seu
quadro di referência, o cliente sentirá, não pelas palavras do
terapeuta, mas por seu procedimento, que está sendo cc^npre-
endido

*• Rogers t Kinget, Psychothèraple et Relations, p. 197.

41
CAPITULO VI

"Imagem de si" e Ajustamento

1. O que é a «imagem de si»?

ALÉM de dar significados próprios às coisas, pessoas e aconteci-


mentos, o indivíduo dá a si mesmo um sentido, tem de si uma
percepção como ser-no-mundo.
Chamamos de self a essa percepção de s i .
O termo — self — não encontra uma tradução adequada em
português para designar o conceito que assume na orientação
não-diretiva. Mas podemos indicá-lo, por aproximações, como
sendo auto-imagem, conceito de si, eu. Embora podendo usar
estas e outras expressões como sinónimos, preferimos denominá-lo
imagem de si.
A imagem de si é um dos principais elementos constitutivos da
T e o r i a de Personalidade de Rogers, juntamente com a tendência
ao desenvolvimento, que é a noção principal.
A imagem de si é parte integrante do campo perceptual. Mais
precisamente, é aquela parte referente ao significado que o indivíduo
dá a si mesmo, emergindo das experiências que ele faz com os
outros e com o seu meio ambiente.
À medida que essas experiências se processam, vai surgindo
um conjunto de significados, dando-lhe a "realidade" subjetiva
do que ele pensa que é : "eu sou assim".
Convém distinguir a imagem real de si — que o indivíduo
percebe como sendo atualmente — da imagem ideal de si — que,
embora não sendo atualmente, ele julga que deveria ser ou dese-
j a r i a ser.
A imagem de si não é um conjunto desordenado de percepções.
Nem estas se encontram meramente justapostas, umas às outras.
Mas, à medida que o indivíduo v a i tendo as percepções de s i ,
estas procuram organizar-se, na busca de uma configuração coe-

42
rente: ai percepções que temos a nosso respeito buscam dar-nos
um "per i l " — uma "imagem" — do que pensamos que somos.
Todos nós possuímos uma tendência para mantermos esta ima-
gem, gar latindo a configuração que ela representa. É como se disso
dependes ;e a consistência da nossa identidade, de sermos o que
somos. A ;sim, as novas percepções que temos de nós são "aceitas"
apenas (uando podem se integrar na configuração j á existente.
Daí o mi itivo de algumas percepções serem rejeitadas porque não
se ajuste m à imagem. E , outras, de serem distorcidas de modo
que poss im se integrar nela.
Estas iuas situações^— de percepções negadas e distorcidas
— correi pondem a processos de simbolização incorreta.
Rogen explica que o termo percepção é sinónimo de consciência.
Entretan o, "percepção se emprega geralmente referindo-se a exci-
tantes d( fonte externa, enquanto que o termo consciência pode
englobar o efeito de excitantes provenientes de fontes puramente
internas :omo a memória ou os processos fisiológicos, produzindo
efeitos s melhantes aos excitantes de fonte externa". "
Poden DS dizer, mantida a distinção feita, que perceber é o
mesmo q le representar na consciência ou simbolizar, cujos assuntos
foram tn fados no capítulo I I I deste trabalho.
Imagir emos um homem que tem de si a imagem de ser corajoso
e nada U mer. N a rua é desafiado por outro indivíduo de tamanho
e força i íedianos, sentindo-se atemorizado. Se ele apreendesse o
significai o da situação, tal como devia representá-la, seria incom-
patível o m a imagem que tem de s i : um homem corajoso não se
atemoriz;.
Então, pode ter uma percepção incorreta da situação. O u , sim-
plesmenti , nega a percepção (pode estar tão "distraído" que não
repara q le o indivíduo está falando com e l e ) . O u , se a negação
não for ossível, distorce o significado da percepção (repara que
o indivíAo está " b r a v o " com ele, mas " é um embriagado que
está dize ido asneira" ou " u m louco que não sabe o que d i z " ) .
Desta orma, ou negando ou distorcendo a percepção, pode man-
ter a imi gem de si.
Vejam >s, agora, o caso real de uma cliente que tinha de si a
imagem le ser uma mãe carinhosa e exemplar. A filha sentia
o ambier te do lar intolerável e desejava abandoná-lo para morar
sozinha i um apartamento. Se a mãe representasse adequadamente

*• Rogers et Kinget, Psychothéraple et Relations, p. 178.

43
o significado d a situação deveria pensar que ao invés de carinhosa
ela era dominadora. M a s isso era incompatível com a imagem
que tinha de s i . D i z i a , então, devido a uma percepção incorreta,
que a filha "estava contaminada pelos erros da juventude de hoje
e que desejava uma liberdade desenfreada".
A imagem que o indivíduo tem de si influencia decisivamente
no modo dele perceber fatos e situações.
O homem "corajoso" e a mãe "carinhosa" estavam impedidos
— embora disso não tivessem consciência — de perceberem ade-
quadamente as experiências em desacordo com a imagem de si.
Entretanto, o impedimento não existiria se a s experiências fossem
conformes ou reforçassem a imagem que o indivíduo tem de s i .
Se um aluno tem de s i o conceito de que é um estudante bom e
dedicado e se um professor o elogia, ele não tem motivo para
negar ou distorcer a situação. Neste caso, percebe-a corretamente
tal como acontece.

2. Mudança na imagem de si e reajustamento psicológico

Dissemos, no capítulo I V , que o desajustamento psicológico provém


de uma falha de comunicação do indivíduo consigo mesmo. Através
da introjeção, o indivíduo utiliza critérios próprios do outro, para
avaliar suas experiências, firmando-se um desacordo entre estas
e as suas representações na consciência.
Enquanto permanece o desacordo continua o desajustamento.
No indivíduo ajustadc, a imagem de si é expressão adequada das
necessidades e sentimentos do organismo: existe harmonia entre a
imagem de si e o organismo.
N a pessoa desajustada, as "informações" das experiências orga-
nísmicas estão impedidas de chegar corretamente à consciência.
O r a , o conceito que o indivíduo tem de si é justamente aquele
que s u a consciência lhe d á : eu penso que sou (imagem de s i )
aquilo que eu sei que sou (consciência).
Se o organismo, através das experiências que tem, não pode se
comunicar corretamente com a consciência, então a imagem que
o indivíduo faz de s i é inapropriada. Assim, por exemplo, a mãe
pensa que é carinhosa e, no entanto, é dominadora.
Quando as experiências organísmicas estão impedidas de che-
gar adequadamente n a consciência, a imagem de si pode se
tornar "estática", porque se defende das "informações" organís-
micas, que lhe estão pedindo mudanças necessárias.

44
F a l a - s em rigidez da imagem de si para indicar a maior ou
menor in :apacidade que tem o indivíduo em aproveitar as opor-
tunidades que suas experiências lhe dão, a fim de desenvolver
o conceil) de si numa direção mais realista — de ser o que
realmente é — e, assim, alcançar melhor funcionamento e adaptação
ao meio.
O indv íduo rígido não tem abertura à experiência e, por isso,
não pode discriminar certas nuanças que só esta lhe dá. Assume,
desta ma íeira, uma posição de tudo ou n a d a : ou a situação
é assim ( u não é. O u sou assim ou não sou.
Como i ão apreende as coisas através de suas próprias experiên-
cias, o ri fido tende a utilizar rótulos, fórmulas ou normas para
conduzir \ ua vida. T e m horror de ser "incoerente". E , no entanto,
a experiêi cia nos ensina que todo o ser humano é contraditório.
U m a fórn ula pode estabelecer que "o corajoso não tem medo".
Entretanto i a experiência nos diz que todo valente tem momentos
de covarc a. O rótulo pode afirmar que " a mãe carinhosa deve
servir à f ha e não ter desejo de domínio". A experiência, porém,
nos mosto i que instantes de devotamento desinteressado podem
coexistir a > lado de momentos de dedicação possessiva.
A vida ião é absolutização. Mas a realidade se nos apresenta
sob aspec os limitados, exigindo de nós crescimento gradual e,
até mesnu , composição de opostos.
Alguém Dode supor que, se não absolutizar, talvez possa escolher
a parte pi »r e daí provir uma degringolada. O ponto de vista da
orientação não-diretiva é diferente. A condição fundamental para
crescermos! é aceitarmos a realidade do que somos aqui e agora.
Não é fu indo de nós p a r a a abstração que podemos ajudar
a nós mei mos. É necessário que cada um se encontre consigo
mesmo — como de fato cada um é — p a r a saber quais as
dificuldade» que existem para o seu desenvolvimento e quais os
recursos qi te possui para ser melhor.
Vejam, orno exemplo, o trecho abaixo de uma entrevista, que
fizemos c o p uma senhora que tinha uma filha de 13 anos:

C± (clieièe) — "...às vezes, eu me irrito com ela (com a filha).


eu me irrito, menos... Mas não aguento... e grito com ela... berro!.
Veja o que aço: berro com a menina!... (mudando de t o m ) . . . Sei que
estou errada e isso me aborrece muito. Sei que uma mãe jamais devia se
irritar com < filha, não é?
T j (terá) euta) — É muito difícil para você imaginar que, sendo boa
mãe, possa , e irritar tanto com sua filha.

45
C 2 — Ê... (pensando)... Talvez ea não seja tão boa mãe assim.
Acho que ea devia ser mais compreensiva... ( s i l ê n c i o ) . . . (mudando de
tom) mas também ela faz coisas que irritam a todo mundo... Ê insu-
portável. Ninguém aguenta... (mudando novamente de tom) Mas, você
sabe, eu sou mãe... devia ser diferente.
T 2 — Estou entendendo que pelo fato de você ser mãe devia ser
diferente de todo mundo.
C 3 — ( r i n d o ) . . . Eu não quis dizer isso... Como ser diferente?...
Eu também sou humana, não é?... Há coisas que eu não posso suportar.
T 3 — Estou compreendendo que certas coisas que sua filha faz são
irritantes mesmo. Estão além de sua capacidade de compreensão. Você
se irrita porque é humana, será isso?
C 4 — Talvez seja isso... É... pode ser... Talvez ea devesse com-
preender que não depende de mim... que a menina é irritante, mesmo...
pelo menos em certas coisas que jaz... etc

E m Cl9 a senhora manifesta a irritação que sente por alguns


atos da filha. Suas experiências de irritação são avaliadas pelo
rótulo de que " a mãe jamais deve se irritar com a f i l h a " . E l a
sente-a irritação: é um fato que não pode ser negado. M a s , por
outro lado, a "coerência" do princípio deve ser salvo. Assim,
errado não é o princípio, é a irritação que ela sente.
O princípio foi absolutizado: a boa mãe jamais deve se irritar
com a filha. Como, então, explicar a irritação, a não ser que alguma
coisa esteja errada nela ( n a m ã e ) ?
Desta forma, a experiência da irritação não apareceu como
fonte, n a qual a mãe pudesse se compreender melhor, ter um
entendimento mais claro da situação e estabelecer, num plano con-
creto, a sua vivência de ser boa mãe. Mas era aprioristicamente
rejeitada, um empecilho da qual a senhora devia se libertar.
A imagem de si estava rígida num modelo de "ser boa m ã e " ,
imposto de fora, e não como resultado de necessidades e senti-
mentos organísmicos. A senhora tinha se alienado da realidade de
ser "aqui e a g o r a " o que realmente era, pelo esforço improdutivo
de ser o que devia ser.
Continuando o processo da terapia, a senhora chegou à conclusão
de que irritar-se com a filha, quando esta dava ocasião, não com-
prometia a idéia de "ser boa mãe". A s duas coisas, que pareciam
opostas, podiam ser compostas e realmente o foram.
Mas a senhora também concluiu que os "berros", manifestativos
de sua irritação, apareciam apenas como "explosões*9 do senti-
mento reprimido, isto é, de sua rejeição em aceitar as experiências
de irritação da filha.
N a medida que aceitava e assumia sua irritação, duas coisas,
pelo meno aconteceram. A primeira, diminuiu as vezes que " v i a " ,
na filha, tos que a irritavam: era como se tivesse havido uma
adequação de só " v e r " o que realmente era irritante. Segundo,
os meios itilizados para não "explodir" começaram a aparecer
de modo c >pontâneo: era como se tivesse adquirido uma compre-
ensão natdral de um modo de agir mais adequado, que ela não
tinha cons guido realizar quando procurava o controle através de
propósitos planos preestabelecidos.
Tudo isi que estamos apresentando é uma reflexão posterior
a entrevist . Se j á fôssemos para a sessão com esquema elaborado
ou, se dun nte a entrevista, ficássemos fixados num resultado a ser
alcançado, possivelmente teríamos induzido o cliente a seguir
uma direçi determinada e, assim, j á não seríamos mais não-
diretivos.
Quando na terapia, cria-se para o cliente um clima permissivo,
ele pode estabelecer uma boa comunicação consigo. Desta maneira,
pode simb< lizar corretamente as "informações" que a experiência
organísmic lhe transmite,
Afirmam que a imagem de si é uma configuração coerente,
que o indhtduo procura manter inalterável, quanto à organização,
Mas não irmamos que seja estática. Pelo contrário, ela é dinâ-
mica: de nodo insensível ou não, estamos sempre mudando o
conceito qi * temos de nós. Entretanto, o seu desenvolvimento se
faz norma íente na direção daquilo que o indivíduo j á "pensa que
é". E existe uma tendência de serem rejeitadas as novas percepções
que se opõtm a esta direção.
Mas o iidivíduo precisa ajustar-se permanentemente às trans-
formações 1!Kcessantes que a vida traz. E isso pode exigir a mudança
da organiz, ção da imagem de si numa direção diferente da que
vinha seguindo. O r a , a rigidez do indivíduo no conceito de s i
impede a nudança e, consequentemente, cria desajustamentos,
Quando i em para psicoterapia, o cliente geralmente traz, de s i ,
percepções ígidas, que o impedem de ver a realidade com adequa-
ção e senti -se a s i mesmo tal como é. No entanto, o processo
dá oportuni lade para que o indivíduo experiencie, de modo novo,
as suas pró >rias experiências. Assim, torna-se capaz de descobrir,
reconhecer, modificar, tornando corretas, as percepções que tem
de s i . Desta maneira, produz-se uma transformação na imagem de
si, ensejandi um melhor funcionamento do indivíduo e um relaciona-
mento mais :onstrutivo com os outros, ajustando-o melhor ao meio.

47
CAPÍTULO VII

O Homem em Busca
da Autenticidade

1. O que é ser autêntico?

E M R O G E R S , O termo autenticidade é sinonimo de congruência.


O autor tem preferência pelo uso do segundo. D i z que serve para
indicar uma harmonia, um acordo, tanto existente em plano de
comportamento como em plano de personalidade. 8 1
Neste capítulo, estamos interessados em estudar a congruência
da personalidade.
T a l v e z , por razões didáticas, pudéssemos estabelecer uma dis-
tinção entre congruência e autenticidade. E realmente é o que
vamos fazer para melhor compreensão.
D e fato, se procurarmos num Dicionário da Língua Portuguesa,
havemos de ver que congruência significa harmonia de uma coisa
ou fato com o fim a que se propõe, coerência, propriedade, conve-
niência. Autenticidade é qualidade do que é autêntico. E autêntico
é o mesmo que veraz, verdadeiro, certo, genuíno, legalizado.
Assim, congruência indica uma relação entre partes, enquanto
que autenticidadei mostra um resultado: que a coisa merece fé, que
nela se deve ter confiança por ser original ou por ser conforme
o original.
U m a cliente nossa, comentando o processo psicoterápico a que
se submetera, dizia o seguinte:

"...depois de começar o tratamento, a vida para mim se tornou mais


positiva... é mais positiva. Olha, é um "negócio" "gozado"... Não é que
eu não acreditasse na vida, entende? Mas tudo que eu achava de bom
e de positivo era teórico... é como se ficasse separado de mim... Este
tratamento é uma espécie de ligação entre aquilo que a gente quer fazer,
que queria fazer, e não conseguia, e então a gente começa a conseguir
fazer... começa a ligar os dois pedaços... Ê... o que acho mais impor-

91 Rogers et Kinget, Psychothérapie et Relations, p. 189.

48
tante é a gaite ser autêntica... a gente já conversou muito sobre isso,
não é?... sei autêntica, para mim, é ser inteira... é não ser em pedaços...
já que estou começando a me ligar, então eu acho que isso é muito
importante., etc.

Podemos dizer que a autenticidade consiste no indivíduo ser


realmente Í quilo que é-em-profundidade. Consiste nele ser tudo
o que é e ; penas o que é : nem mais e nem menos.
A cliente explica que ser autêntica é "não ser em pedaços",
é "ser inteii a " . P a r a evitar ambiguidades, talvez pudéssemos acres-
centar que í ser inteira o que se é em profundidade.
O homei i nasce com um equipamento natural de necessidades,
sentimentos, etc. igual aos outros homens. À medida que cresce,
impulsionai o pela tendência ao desenvolvimento, esses elementos
vão adquiri ido " f o r m a " própria e dão ao organismo, que os possui,
suas carac erísticas individuais. C a d a organismo entra, de modo
peculiar, np seu processo de desenvolvimento, buscando a auto-
realização, I autodeterminação e autonomia que lhe pertencem de
maneira es Decffica.
Condiçãi para a autenticidade é simbolizar-se adequadamente o
que se pas >a no organismo. Quando isso não acontece, o indiví-
duo está 'em pedaços": o organismo é uma realidade e tem
exigências de desenvolvimento que a consciência não representa
ou represe i t a diversamente do que na verdade existe.
A imagt m de si deve ser a expressão, a consciência do orga-
nismo. P o le-se dizer que autenticidade é vida consciente. Isso
significa c ie o conceito que o indivíduo tem de s i deve figurar
apropriadí mente aquilo que o organismo é de fato: aquilo que
o indivídui > "pensa" que é coincide com aquilo que o indivíduo é.
Se o que se passa no organismo for simbolizado corretamente,
a imagem que o indivíduo tem de s i v a i se organizando e modifi-
cando de icordo com o que o organismo é : a consciência que o
indivíduo em de si coincide realmente com o que ele é.
A client \ diz, no comentário apresentado acima, que ser autên-
tica é ser " i n t e i r a " .
Inteira i a unidade constituída pela harmonia das partes. A
harmonia se refere à congruência ( n o sentido da distinção que
fizemos, c ela, com a autenticidade). Podemos falar de congruên-
cia tanto ara indicar a harmonia entre experiência e consciência
como tam ém para designar a harmonia entre organismo e imagem
de s i .

49
U m a coisa é a harmonia que se estabelece entre as partes.
Outra coisa é a unidade que daí resulta. Neste Capítulo a nossa
atenção está voltada para a segunda.
Inteira significa que não existe falhas de partes: todas estão
presentes, sem faltar nenhuma, na unidade que constituem. Significa
também que não existem elementos estranhos compondo a unidade:
esta é formada apenas das partes que lhe pertencem. A s duas
características referidas devem estar presentes na autenticidade.
Se a imagem de si rejeita uma necessidade ou sentimento do
organismo, então existe falta de uma parte na unidade. A imagem
de s i não é "inteira", pois falta-lhe a parte rejeitada. O indivíduo
é inautêntico, pois não-é o que é-em-profundidade.
Se, p a r a se defender ou agradar os outros, o indivíduo coloca
" m á s c a r a s " ou "fachadas", então assumiu em si "corpo estranho",
j á não é mais "inteiro" o que é-em-profundidade. Não é, portanto,
autêntico.
Não existem modelos, exemplos dados de fora, para alguém ser
autêntico. Não se pode estruturar um molde para dizer como
cada indivíduo "deve ser" ou o que "se espera que ele s e j a "
no plano d a autenticidade.
A autenticidade consiste nisso: a aceitação e vivência da própria
verdade ontológica. É um processo que a cada instante se constrói
e jamais acaba. Não é uma "aposentadoria" que alguém adquire e
pode viver dos dividendos.
O homem é um ser inacabado que está sempre se construindo
sem alcançar jamais a plena construção. É um ser em mudança,
um devir. A autenticidade consiste em aceitar-se inteiro, aqui e
agora, com suas qualidades e limitações, tendo em vista este
movimento em busca da auto-realização.
A autenticidade não se planeja, vive-se. N a terapia, quando
o cliente descobre que deve ser autêntico, é tentado, com frequên-
cia, a elaborar um modelo para ao mesmo se adaptar. O r a , a
autenticidade é a busca de coerência consigo mesmo e não adapta-
ção a um modelo. A vida é fluxo e a autenticidade é coerência
consigo mesmo no momento que passa. Isso desafia qualquer
previsão ou planejamento. E x i g e , no entanto, que o indivíduo
queira e possa ser ele-mesmo, aqui e agora.
A psicoterapia pode ajudar o indivíduo a fazer a experiência
de si mesmo e, através da auto-exploração, descobrir as camadas
mais profundas do ser. Desta maneira ele tem oportunidade de
confrontar a imagem de si com as características originárias do seu

50
próprio organismo mo — digamos, com a sua verdade ontológica —
situadas a Im das percepções incorretas que possa ter de si
mesmo.
E n t r e t a n o , mesmo fora da psicoterapia, o indivíduo j á pode
fazer algur ia coisa em favor da sua própria autenticidade. P a r a
isso, é neo ssário que ele construa uma imagem de si de acordo
com o que ele sente que realmente-é, e não de acordo com o que
os outros izem que-ele-é ou esperam-que-seja ou afirmam-que-
deveria-ser
Neste ca 50, o que o indivíduo sente-que-é pode não estar em
harmonia c m o que ele-realmente-é em profundidade; ele "sente"
através de sua consciência, que pode ter conteúdos negados ou
distorcidos Entretanto, mesmo assim, ele assumiu a atitude funda-
mental de er congruente, possível aqui e agora, criando um clima
de fidelidalde para consigo mesmo que prepara e incentiva o
ciescimenU no processo da sua "verdade".

2. «Ouvir-se a si» — condição para


ser autêntico

Rogers co sidera que a busca de ser-realmente-o-que-se-è-em-


profundida ie não é uma direção que ocorre apenas em indivíduos
à psicoterapia. É uma tendência generaMzada, não
odas as pessoas, mas também de grupos, organizações
nações.21
focalizando, neste trabalho, a situação aplicada a pes-
i grupos ou organizações.
a tendência seja comum a todos os seres humanos,

Mas surge como "descoberta" que o indivíduo deve fazer. O seu


reconhecim mto e a entrada no processo para efetivá-la exigem
um clima permissivo, onde a pessoa não se encontre ameaçada
e tenha liperdade de escolher (como acontece na terapia não-
diretiva) .
P a r a qufe o indivíduo descubra e entre no processo da autenti-
cidade, é i ecessário que ele tenha fidelidade para consigo mesmo
Com esta ixpressão, queremos indicar duas coisas: primeiro, que
o indivídu > seja capaz de " o u v i r - s e " a si mesmo. Segundo, que

»• Rogers, )n Becoming a Person, p. 181.

51
as suas deliberações sejam feitas de acordo com o que " o u v e "
em s i .
Rogers, fazendo referência à sua experiência pessoal, diz em
que consiste "ouvir-se a s i mesmo": "tenho a impressão de que,
com os anos, aprendi a tornar-me mais capaz de me ouvir a mim
mesmo, de modo que sei melhor do que antigamente o que estou
a sentir num dado momento — que sou capaz de compreender que
estou irritado, ou que sinto em relação a um indivíduo uma
impressão de rejeição ou, pelo contrário, de afeição ou então,
ainda, que me sinto aborrecido e sem interesse pelo que se passa
ou que estou ansioso por compreender um indivíduo ou que tenho
um sentimento de ansiedade ou de temor nas minhas relações
com ele".
E continua: " T o d a s estas diferentes atitudes são sentimentos
que eu julgo poder ouvir em mim mesmo. Poder-se-ia dizer, com
outras palavras, que tenho a impressão de me ter tornado mais
capaz de me deixar ser o que sou".99
No tópico anterior fizemos uma distinção didática entre auten-
ticidade e congruência. Pois bem. "Ouvir-se a s i mesmo" pertence
ao plano d a congruência. É a harmonia que deve existir entre
o que se passa no organismo ( a s experiências) e a consciência.
Havendo esta harmonia, a autenticidade aparecerá como resultado:
o indivíduo torna-se veraz para consigo mesmo e p a r a com os
outros.
É "ouvindo-se a s i mesmo" que o indivíduo deve encontrar os
elementos necessários às suas deliberações.
Curran utiliza o termo eubulia p a r a indicar o procedimento de
"tomar conselho consigo próprio", "deliberar", " d e c i d i r - s e " . 2 4
Evidentemente, o indivíduo não pode ignorar a opinião de outras
pessoas, os padrões culturais existentes, as normas estabelecidas,
etc. Ignorar seria o mesmo que se alienar. Mas, por outro lado,
conhecê-los não significa transformá-los automaticamente em crité-
rio de auto-avaliação.
A eubulia não consiste em agir no vácuo, procedendo como se
o mundo das realidades não existisse. Mas é, ao contrário, integrar
em si todos os fatores considerados como aproveitáveis, a fim de
transformá-los em recursos para o próprio desenvolvimento.
Mas, neste caso, o núcleo da personalidade permanece como base
fundamental para que o indivíduo avalie e decida quais os com-

19 Rogers, On Becoming a Person, p. 17.


94 Curran, La Psicoterapia autagógica, p. 25 e 26.

52
ponentes <iie lhe são indispensáveis e como aproveitá-los para
realizar su; s necessidades, funções e tarefas.
O indiv duo, com sua responsabilidade pessoal, passa pelo
filtro de s ias experiências os recursos que o meio lhe oferece.
Assim, sab s que significação tem para si o que vê, ouve e sente.
A autentic: dade pede que o indivíduo decida de acordo com o
significado que as coisas têm para ele e não com o intuito
de agradai os outros, de cumprir normas sociais, etc.
Há outr) aspecto a ser considerado. A s experiências que o
indivíduo em podem fazê-lo conhecer o que realmente é : ele
tem medo, angustia-se, alegra-se, dedica-se, ama, etc. Ao invés
de rejeitar estes elementos, pode aproveitar-se deles para saber
"eu sou a ;sim". E , desta maneira, pela aceitação, conformar a
imagem dt si com a experiência.
Parece i stranho que a pessoa deva aceitar comportamentos e
sentimento que "logicamente" deveria rejeitar por serem vergo-
nhosos, im touros, etc.
E , no eitanto, diz Rogers que, paradoxalmente, "quando me
aceito a n i m mesmo como sou, estou modificando-me... não
podemos n udar, não nos podemos afastar do que somos enquanto
não aceita 'mos profundamente o que somos. Então a mudança
parece op< rar-se, mesmo sem termos consciência disso". " Volta-
remos ain< a a esse assunto.

3. É «perigoso» ser autêntico?

Com certo frequência costuma-se pensar que a autenticidade é


impulso violento: "ele ofende todo mundo porque é autêntico",
Ou, entãc supõe-se que é um comportamento descontrolado:
"sou autêntico o que eu penso eu digo" (o autêntico tudo que
diz "pens; \ mas nem tudo que pensa d i z ) . O u , ainda, chega-se
à conclusã) de que a autenticidade leva à ruptura social: "ninguém
gosta dele porque é autêntico".
As veze 5 , confunde-se a autenticidade com algum sentimento
reprimido que, se fosse libertado, destruiria o indivíduo.
U m cliefite nos d i z i a : "Como posso ser eu-mesmo? Você nem
pode ima; inar como sou agressivo. Vivo me controlando para
não brig; com todo mundo. Imagine, agora, se eu não me
controlassi . Ninguém mais me s u p o r t a r i a . . . "

88 Rogers, )n Becoming a Person, p. 17.

53
O r a , falamos de autenticidade como de um equilíbrio: consiste
em reconhecer e aceitar todos os sentimentos e necessidades que
se possui e não apenas um ou alguns deles.
O homem sente ódio, mas também é capaz de amar. E l e
rejeita, mas existe nele também atração pelo outro. Quer destruir
mas também é impelido para a construção, etc. A autenticidade
consiste em equacionar todos estes elementos, de modo vivencial.
É dar a cada um o lugar que lhe compete. É fazer as qualidades
e defeitos se contrabalançarem mutuamente na busca da harmonia
do ser e do agir.
N a linguagem moral, existe uma palavra para indicar esse equi-
líbrio no agir. Chama-no de virtude. É uma qualidade que o
indivíduo adquire, criando nele uma disposição constante para
tornar perfectível as atividades que realiza.
A virtude é, portanto, uma firme garantia de que, no indivíduo
que a possui, seus procedimentos serão controlados, de modo
natural e espontâneo, para alcançar o fim a que ele se destina.
O oposto da virtude é o vicio, direito operativo, que torna os
procedimentos inadequados para alcançarem o fim ao qual a
pessoa se dirige.
Podemos desvincular as conotações morais que a palavra
virtude assume. Assim, por exemplo, fala-se na virtude de uma
planta ou de um medicamento para indicar a eficácia de produzir
os resultados esperados.
Sendo autêntico, o indivíduo entra no processo de conhecer e
aceitar o que-ele-é, de fato. Assim, torna-se sensível a todas as
exigências reais do seu organismo. E , desta forma, o seu proce-
dimento se torna virtuoso, no sentido de procurar, de modo espon-
tâneo, através das atividades que realiza, um funcionamento satis-
fatório e o seu desenvolvimento natural.
Neste sentido, aparece o depoimento da cliente, feito no tópico
anterior, deste capítulo: "depois de começar o tratamento, a vida
para mim se tornou mais positiva". . . "este tratamento é uma
espécie de ligação entre aquilo que a gente queria fazer e não
conseguia, e então a gente começa a conseguir fazer".
O inautêntico tem o agir vicioso. Sente-se ameaçado pelas
outras pessoas e pelas circunstâncias. E l e "não consegue f a z e r "
porque suas energias são investidas, não em função do seu próprio
desenvolvimento natural, mas em soluções defensivas para pro-
blemas que julga incontroláveis.

54
O autêntico tem o agir virtuoso. Não buscará sua segurança
em situaç es fora de si, mas terá autoconfiança para viver e
enfrentar s flutuações das circunstâncias. O seu comportamento
adaptativo será criador, surgindo conforme as conveniências do
instante ccjncreto de vida, no qual está inserido,
O indiviluo autêntico, compreendendo-se e aceitando-se, como-
realmente- descobre e vivência ao mesmo tempo as dimensões
da sua pi 6prria individualidade e a dos outros: sabe que não
pode r e d u i r ele mesmo a ninguém e que não pode reduzir ninguém
a si mesm . Desta maneira, encontra a base para um bom ajusta-
mento e relacionamento no meio em que vive.
O indiví iuo autêntico não está interessado em provar aos outros
que ele é o m : ele-é-o-que-realmente-é, quer agrade ou desagrade
aos outros E seu agrado está em ele encontrar-se satisfeito consigo
mesmo.
Entretatlto, numa ocorrência quase paradoxal, o indivíduo mais
agrada a( outro, quando não está excessivamente preocupado
em agradá -lo
De fato o inautêntico para atrair a estima dos outros costuma
utilizar ce os dispositivos que lhe criam "máscaras" e "fachadas",
Mas, ao ontrário, gostamos da "transparência", do indivíduo
que se m stra tal como realmente é, sem esconder nada atrás
do que diz ou do que faz, que não simula nem mesmo para
nos agrad ar : neste caso, sabemos com quem estamos lidando
e nele tenjos confiança.
Ao invé de ser "perigosa", a autenticidade é a direção que o
indivíduo Drocura, quando pode escolher ao encontrar um clima
permissivo Por ela o indivíduo busca o objetivo de equilibrar
suas neceí sidades e sentimentos, dando-lhe melhor funcionamento
e um rela ionamento mais construtivo com os outros.

55
CAPITULO VIII

Visão Otimista
do Ser Humano

1. É necessário acreditar no outro

AQUILO que alguém pensa do ser humano — as certezas que tem


a respeito dele — influem muito no seu modo de tratá-lo.
Se, por exemplo, eu penso que o homem é visceralmente mau
e que as chaves da solução dos seus problemas se encontram
em mim, estabeleço um modo de relacionamento totalmente diferente
do que se eu tiver uma visão otimista dele e julgá-lo capaz de
dirigir-se a si mesmo.
Mas, quando se fala acreditar no ser humano, a expressão
pode assumir diversos significados.
A orientação não-diretiva considera que as camadas mais pro-
fundas do ser humano são naturalmente construtivas.
Tratando o caso de Miss Oak, Rogers notou que pode existir
no cliente uma camada periférica de amargura, ódio, agressividade,
desejo de vingança, etc. Entretanto, estes sentimentos não são
nem os mais profundos nem os mais fortes.
A medida que Miss Oak vai se aprofundando em s i , não só
não tem o desejo de pôr em prática esses sentimentos, mas, de
fato, rejeita-os e gostaria de se desembaraçar deles.
Continuando o processo de auto-exploração, Miss O a k sente
que tinha, cada vez menos, de se. recear a si mesma. Ao invés
de descobrir algo de terrivelmente errado, como parecia indicar as
camadas periféricas, para ela se vai revelando progressivamente
um eu construtivo e socializado.
Referindo-se ao caso, diz Rogers: "sob a camada de um com-
portamento superficial controlado, sob a amargura e sob o sofri-
mento, reside um eu que é positivo e que não sente ó d i o " . 2 4

88 Rogers, On Becomtng a Person, p. 101.

56
E s t a áfirmação de que " a s camadas mais profundas do ser
humano ião positivas" não deve ser aceita como um princípio
que se in põe por si mesmo. Rogers a apresenta como experiência
obtida nc campo da psicoterapia. Cada um pode também verificar
se, no c< mpo observável do seu trabalho, isso acontece ou não.
A condiçi o para se observar é que se crie para o cliente a situação,
denomina da pela orientação não-diretiva de "clima permissivo".
Gostar amos de apresentar uma das experiências que tivemos
sobre o ; ssunto, na forma de uma carta que recebemos. E i s um
trecho d f l a :

Engradado!... se não me falha a memória, o nosso primeiro encontro


foi de lar entações, medos, irritações, descrenças, vazios, falsas defesas,
aborrecinu itos, pobreza, etc. E você provocou uma mudança. Não sei
explicar. J las criou dentro de mim uma situação nova, um desejo de
nascer. Sii to a vida em processo. A cada dia eu a descubro nova, cheia
de esperanças, com sentido mesmo na d o r . . . E u me aproximo da verdade,
verdade q le se descobre na medida que se acolhe para que o espaço
interior se| faça maior para acolher o outro, etc".

( A cliinte agradece como se fosse o terapeuta quem tivesse


criado ngla a mudança operada. Evidentemente foi ela mesma
quem a c ou, servindo o terapeuta apenas de agente de catalisação).
A clieAe descobre que de fato não-era o que parecia-ser-na-
aparência Mais dentro de si estava a sua " v i d a nova", esperando
ser encontrada para despontar. E s t a v a sua "verdade" para a qual
ela estav agora caminhando. E isso era diferente de tudo aquilo
que apar i a em camadas periféricas, substituindo lamentações,
medos, e c por esperanças, dando-lhe sentido mesmo na dor,
através c i vida nova que despontava,
Maslov adota posição semelhante de crença no ser humano,
quando : que para justificar sua maldade costumamos chamá-lo
de anime E considera um "erro da maior transcendência" o
faio de se pensar que " o animal existente em nós é ruim e que
os nosso impulsos mais primitivos são perversos, insaciáveis,
egoístas hostis". "
O auto diz que a crueldade não pode ser tida como a caracte-
rística dc animal. Este, se bem observado, só ataca quando tem
fome ou >ara se defender. Além disso, é preciso não esquecermos
que o si r humano é animal, mas de modo muito próprio e
específicc Assim, cpmo pertencem à nossa natureza primitiva

21 Maslow Motivaciôn y personalidade p. 156.

57
impulsos destrutivos, pertencem também os impulsos superiores
de verdade, amor e beleza.
Os procedimentos anti-sociais que o homem manifesta, o egoísmo,
a inveja, a hostilidade, a destrutividade, e t c , resultam de frustra-
ções de impulsos mais profundos de amor, segurança, e t c , que,
em s i mesmos, são desejáveis.

2. A capacidade do ser humano


de dirigir-se a si mesmo

N a situação concreta da psicoterapia, acreditar no ser humano


significa aceitar a sua capacidade de dirigir-se a si mesmo.
Entretanto, como a afirmação pode dar ensejo a equívocos,
convém fazer algumas observações para determinar em que consiste
essa capacidade:

A . A capacidade é universal, existe em todos os seres humanos.


Não se trata de alguma forma de aperfeiçoamento ou especialização
que só alguns conseguiram por esforço próprio. Não é fruto do
treino, da aprendizagem ou da educação. Mas é um modo de
funcionamento, comum ao ser humano e que cada um traz consigo
na forma de parte integrante do seu equipamento natural.

B . A capacidade de dirigir-se a si mesmo é um dos aspectos


da tendência ao desenvolvimento, existente em todo ser humano,
a que Rogers chama de " g r o w t h " e explica do seguinte modo:
"todo organismo está animado por uma tendência inerente para
desenvolver todas as suas potencialidades e desenvolvê-las toe modo
que possa favorecer a sua conservação e o seu enriquecimento". "

C . O enunciado de Rogers, que acabamos de apresentar, constitui


o postulado básico da teoria rogeriana. Nele se fundamentam duas
hipóteses: a primeira, que, através de tudo que faz, o homem
está procurando, impulsionado pela tendência ao desenvolvimento,
a sua própria realização, isto é, os fins próprios do seu organismo.
A segunda, que, para alcançar os seus objetivos, o organismo
está se regulando a si mesmo através da imagem de si, modifi-
cando-a, quando se faz necessário.

18 Rogers et Kinget, Psychothiraple et Relations... p. 172.

58
D . No processo psicoterápico, a capacidade de dirigir-se a si
mesmo lanifesta-se pela possibilidade que o indivíduo tem
de compi^ender-se a s i mesmo e de resolver problemas — que lhe
chegam dequadamente à consciência, de modo suficiente para o
seu funci lamento satisfatório.
Não eí Íamos falando de uma compreensão de si, que o cliente
manifestará através de enunciados técnicos e metodológicos, nos
moldes i o que acontece em plano profissional. Mas é uma
compreendo vivencial, não-teórica, visando o ajustamento e a
integraçã) do indivíduo em situações concretas da existência.
A compreensão e o ajustamento não são feitos de uma só vez.
Mas sur como aprendizagem — que é processo fluido, dinâ-
mico aprendizagem de vida.

E . Afirr lando-se que o homem é capaz de dirigir-se a si mesmo,


não se a irma com isso que ele seja auto-suficiente, bastando-se
a si mes; no sem precisar dos outros,
De fat uma coisa é a capacidade que ele realmente possui e,
outra, é c exercício da capacidade. P a r a que se efetive a capacidade
de compi eender e resolver problemas, o homem necessita, como
condição imprescindível, de um clima permissivo, onde possa fazer
simboliza ões corretas e tenha liberdade experiencial para as
elaboraçio ÍS interiores convenientes. Assim, o exercício pede um
relacionamento humano, destituído de ameaça (como se procura
fazer na psicoterapia não-diretiva).

F. A rça curativa mais poderosa e na qual o terapeuta não-


diretivo i lais confia não é o emprego da técnica ou a habilidade
de utiliz; r seus conhecimentos científicos. E s s a força não está
fora do (fiente, mas dentro dele: é a sua tendência ao desenvolvi-
mento, o melhor auxílio que se lhe pode dar, dentro ou fora
da terap i, é ajudá-lo a libertar essa força, quando se encontra
impedida para efetivar a capacidade do indivíduo realizar-se.
N a siti ação psicoterápica o melhor recurso que possui o tcra-
peuta nã -diretivo é também essa capacidade do cliente compre-
ender-se a si mesmo e de resolver seus problemas. Neste caso,
a função do terapeuta é criar as condições favoráveis para que
ela sç eh tive.

G . E n retanto, essa capacidade do cliente de dirigir-se a s i


mesmo ni o é uma espécie de culto e nem uma conclusão dogmática,
que deve ser aceita sem verificação.

59
De acordo com o procedimento científico, o terapeuta pode
transformá-la numa hipótese a ser verificada. Neste caso, a hipótese
pode assumir, segundo Rogers, o seguinte enunciado: " O indivíduo
tem capacidade suficiente para manejar, de forma construtiva, todos
os aspectos de sua vida que potencialmente podem ser representados
na consciência". M
A " f o r m a construtiva" é uma compreensão mais adequada de
si e a resolução satisfatória dos seus problemas para um melhor
funcionamento.
P a r a verificar a hipótese, o terapeuta deve criar as condições
favoráveis, enunciadas pela T e o r i a , a fim de que o cliente possa
representar os aspectos de sua vida na consciência. O u seja,
dar para ele um clima de liberdade experiencial.
Deste modo, através de sua própria observação, o terapeuta
pode verificar. E , assim, rejeitará ou não a hipótese de que o
cliente é capaz de dirigir-se a si mesmo.

3. O respeito à pessoa humana

N a orientação não-diretiva, o respeito à pessoa humana se baseia


no direito que esta possui de governar-se a si mesma, utilizando
sua capacidade de autodeterminação para alcançá-lo.
Com muita frequência fala-se em respeito à pessoa humana
como categoria que, através de especulação intelectual, procura-se
enunciar, definir, explicar, etc.
Entretanto, os conceitos e idéias favoráveis que possuímos não
garantem que, possuindo-os, vamos respeitar de fato o outro.
Alguém pode afirmar e defender idéias muito bonitas sobre o
respeito à pessoa humana e, no entanto, ao lidar com ela, negar,
através de procedimentos desrespeitosos, o que afirmou e defendeu
com tanto empenho.
Por isso, o respeito à pessoa humana que se pede ao terapeuta
não-diretivo não é o que ele defende apenas com palavras. Mas
é o que ele demonstra, no momento que trata com o cliente.
Falando de outra maneira, para saber se o terapeuta respeita
ou não o cliente, não basta ouvir o que ele pensa e diz sobre
o assunto. É necessário também observar como ele procede na
situação psicoterápica. Existindo o respeito, manifestar-se-á con-
cretamente no modo como ele age com o cliente.

*» Rogers, CUent-centered therapy, p. 24.

60
N a sit lação concreta da terapia, o terapeuta deve ajudar ao
cliente. IV as, por outro lado, deve reconhecer que o cliente c, ele
mesmo, o melhor perito que existe para saber e decidir sobre o que
mais lhe convém no plano de sua existência. Assim, ajudar não
significa lem eliminar nem diminuir essa qualidade que o cliente
possui, m is criar condições favoráveis para que ele a possa efetivar.
Poderí; mos dizer, de outro modo, que o cliente possui a capa-
cidade dí autodeterminação. Quando vem procurar a psicoterapia
não é pai a que essa qualidade lhe seja negada ou reprimida. Mas,
para enc( ntrar um agente catalisador que a liberte, ajudando-o a
tirar os tloqueios que estão impedindo o seu exercício: o cliente
aprende a autodeterminar-se, autodeterminando-se. Não é lhe
tirando a :apacidade de decidir-se que ele vai aprender a decidir-se.
A oriei tação não-diretiva considera como falta de respeito ao
outro j u *ar, avaliar e qualquer procedimento cujo objetivo seja
determin; r o que o cliente deve fazer (ou não fazer) para dirigir
sua própi ia vida.
P a r a u n encontro entre psicólogos e alunos de Psicologia, que
estávamoi orientando em São Paulo, tivemos oportunidade de
entrevista uma cliente, fora da sessão psicoterápica, a fim de
obter impressões sobre o tratamento a que estava sendo submetida.
A entu vista teve bastante aceitação entre os participantes do
encontro, Tanto que levaram a fita gravada para ser repetida em
diversas < ulas de matérias referentes do curso (onde, naturalmente,
j á não es ávamos presentes).
No e n o n t r o , a entrevista foi refletida e analisada, o que infeliz-
mente o c spaço não nos permite fazer aqui, agora. Vamos apenas
dar um p squeno trecho da entrevista.
A moça, escolhida ao acasQ entre as clientes, aceitou a entrevista
de boa v mtade. Durante três anos, ela esteve submetida a uma
terapia, d ) orientação diferente da que seguimos, e encontrava-se há
seis mesei frequentando sessões nossas, da Psicoterapia Centrada
no C l i e n t i . Falando a respeito do seu tratamento anterior, d i z :

Et (en evistada) — ...os elementos que ele me dava (refere-se ao


antigo tera euta) era uma espécie de tábua de salvação, na qual eu devia
me agarrai para não me afundar, entende?... Ea precisava me agarrar
em algumc coisa para justificar tudo o que eu sentia... Então, eu não
tinha outrc salda, era só aquela.
e± (entrevistador) — No tratamento que eu faço falta-lhe, então, aquele
elemento p ira você se segurar, não é?

61
E 2 — Olhai... vamos dizer que com este tratamento eu acho... que...
que eu não preciso tanto de me segurar em alguma coisa, entende? Ê como
se eu estivesse achando um jeito de andar sem me segurar em alguma coisa.
e 2 — Seria como se você estivesse achando um jeito de andar por si
mesma?
E 3 — É. É como se eu estivesse aprendendo a andar.

Depois, foi-lhe feita esta pergunta direta (lembramos mais uma


vez que é uma entrevista que se realiza fora da sessão psico-
terápica):

e 4 — Meu modo de proceder (do terapeuta), como é? Se você tivesse


de explicar a alguém que não conhece o método rogeriano, como é que
você explicaria, para essa pessoa, o meu procedimento?
E 4 — Eu acho que o seu método faz a gente encontrar a resposta
que estava na gente, mas que a gente não sabia encontrar — e é justa-
mente aquela resposta que a gente queria achar.

A cliente faz comentários sobre resultados obtidos no tratamento


e que a deixara muito satisfeita. Então, é feita a seguinte pergunta:

e 5 — E qual é o elemento fundamental, nas sessões, que está produzindo


seu crescimento, sua evolução?
E 5 — Fundamental? Eu acho que é, assim, a liberdade. Parece que eu
sou respeitada em tudo que eu penso e todas as decisões que eu vou ter
ou que eu tomo são somente minhas.

É interessante notar que a moça era uma cliente, digamos,


comum. Atendo outros que são psicólogos ou alunos de Psicologia.
A moça não pertence a essa categoria. Nada tinha lido a respeito
da orientação não-diretiva. Suas conclusões foram obtidas nas
experiências concretas das sessões psicoterápicas.
A cliente coloca, como ponto fundamental, a liberdade que
encontra, o respeito pelos seus pensamentos e decisões. E l a sente
que é capaz de autodeterminar-se: as decisões que toma não
são do terapeuta. São somente dela mesma.
E l a se encontra como uma pessoa que "aprende a andar". Mas
quer caminhar por si mesma. Sabe que as respostas que desejava
achar se encontram dentro dela.
Não é necessário que venham de fora, do terapeuta. A função
deste não é elaborar soluções. Mas ajudá-la a uma descoberta
que ela fará por s i .

62
No eni mto, há uma opinião corrente de que o cliente não é
capaz, m o pode, não sabe. O terapeuta tem que fazer por ele.
Evidenten ente esta posição é incompatível com a não-diretividade.
Acredit ir no cliente, no sentido que lhe dá a orientação não-
diretiva, i ião é apenas uma posição tática. É uma crença, uma
convicção uma certeza que emerge de atitudes anteriores pro-
fundas. I ntretanto, essas atitudes não se elaboram meramente
na base c e uma especulação intelectual. Mas é um conhecimento
vivencial jue se obtém, como aprendizagem, na verificação das
experiênci is psicoterápicas.

63
CAPÍTULO IX

O Clima Afetivo da Terapia


não-diretiva

1. O amor é união e partilha

E M B O R A fazendo referência a outros autores, desejamos apresentar


neste capítulo algumas reflexões pessoais sobre o amor e o clima
afetivo da terapia não-diretiva.
T o d o ser humano se encontra num processo natural de desen-
volvimento: está sempre se construindo. Este processo parte dc
"dentro", efetiva-se pela satisfação adequada de necessidades b á -
sicas e engloba o indivíduo em s u a totalidade.
Entre as necessidades básicas, existe a de ser amado. É uma
exigência humana muito importante, que o indivíduo não pode
negar sem prejudicar-se e cuja satisfação apropriada concorre
para a realização organísmica.
A nossa necessidade de sermos amados pede, para ser satisfeita,
que o outro nos ame — sobretudo o outro significativo, a pessoa-
critério, de quem procuramos o amor, de modo especial.
Assim, somos atraídos para o outro, no início, por uma tendência
primitiva e informe. Posteriormente, as experiências, os padrões
sociais e a educação poderão canalizar a necessidade para a busca
de formas preferenciais de amar e ser amados.
O termo amor é muito equívoco. P a r a evitar a ambiguidade,
a orientação não-direiiva prefere utilizar consideração positiva
indicando calor humano, acolhimento, simpatia, respeito, aceitação,
etc. que surgem como expressões para satisfazer a nossa neces-
sidade de sermos amados.
Atualmente é muito comum vincular-se o amor com a idéia de
sexualidade. Digamos logo que não é a este sentido que estamos
nos referindo.
Estamos falando em amor para indicar, como j á foi dito, um
sentimento profundo da natureza humana, anterior ao sexo ou a

61
qualquer < utra forma mais específica de relacionamento, que se
manifesta :omo tendência primitiva que atrai o homem para o seu
semelhante
Sentinde essa atração fundamental, o que o ser humano procura
no outro, )elo amor, é a união e partilha,
Quando eu — como qualquer outro — tenho amor por uma
pessoa, a reconheço, dou-lhe acolhimento em mim pelo reco-
nheciment feito e, acolhendo-a, tenho com ela o mesmo sentir,
rompendo a minha solidão e a dela.
Expliqu imos o que essas afirmações indicam:
Reconhi cer é "conhecer de novo". Mas pode ter outros signifi-
cados M ;im, quando se d i z : "reconheci você pela v o z " serve
para difêifnciar um indivíduo por características que lhe são pró-
prias. O u quando se f a l a : "reconheço que essa assinatura é dele
mesmo erve para confirmar o que se julga verdadeiro, legítimo,
Ou, ainda quando se declara: "antes de construir é preciso reco-
nhecer o t irreno", serve para indicar um procedimento de investiga-
ção, de ploração.
Assim, econhecer pode significar também diferenciar, confirmar
e investigkr.
Ao afii narmos que reconhecemos a pessoa a quem amamos,
queremos dizer, em primeiro lugar, que nós a diferenciamos de
todas as mtras, pelas características que, nela, percebemos, tor-
nando-a i nica para nós, distinta de todas as outras: nós a "encon-
tramos". i r a aquela que nós "desejávamos" e "procurávamos",
Todas qu i amamos são única no amor que lhe temos.
E nós acolhemos dentro de nós, com as suas características
próprias, om a sua individualidade. E l a representa, em grau maior
ou menorj resposta" que pretendíamos para a nossa necessidade
de amar e em cuja busca nós nos sentíamos atraídos para os
seres huiianos. E l a se torna presente em nós, como satisfação
para essa necessidade.
O amo no sentido em que estamos falando, cresce e realiza-se
particulaijnente no momento da partilha: a pessoa amada, tor-
nando-se solidária — e não mais solitária — manifesta-me que
precisa c e mim, como eu preciso dela. E l a rompe a solidão
interior ei i que se encontra e expressa-me os seus anseios, medos,
esperança 5, sucessos, etc. como ela mesma os percebe.
Aqui, e etiva-se, em mim, o reconhecimento nos três sentidos que
foram f a l idos acima. Quanto mais a pessoa amada se revela, mais
eu a recopheço (descobrir, investigar). Quanto mais eu a descubro,

65
mais a reconheço (diferenciar). Quanto mais se mostra diferente
e eu percebo como ela percebe, mais eu tenho o mesmo sentir
com ela, reconhecendo (confirmar) o que ela percebe e sente.
Desta maneira, confirmada no que ela percebe e sente, ela não
se encontra mais sozinha: somos ela e eu.
Partilhar não significa concordar, mas aceitar com respeito e
responsabilidade o que me é oferecido, participando com "interesse
desinteressado" da interioridade do outro, tal como ele a percebe
e sente. Isso cria uma emoção simpática, que torna o relaciona-
mento possível, ajudando o seu desenvolvimento na forma de
união efetiva, cada vez mais profunda.
A união se faz pela comunhão entre eu e tu, a pessoa a m a d a :
eu, que te reconheço, sou tu, que és acolhida em mim. Tu, que
estás presente em mim, és eu, que sinto como tu.
E s t a idéia de amor, que acabamos de descrever, serve para
caracterizar o clima afetivo da psicoterapia não-diretiva. Quando
se f a l a neste, portanto, não se deve imaginar que consiste apenas
em manifestações exteriores de cordialidade, delicadeza ou amabi-
lidade. Não é também um mero sentimentalismo, uma simples
exarcebação emocional que, se existe, é justamente o oposto de
uma atitude verdadeiramente psicoterápica. E s t a se explica funda-
mentalmente como união que se faz pela partilha.

2 . Eficácia do amor desinteressado

D i z F r o m m : " N o ato de amar sou uno com tudo e, no entanto,


eu sou eu mesmo, um ser humano singular, independente, limitado
e mortal. N a realidade, o amor nasce e renasce da própria pola-
ridade entre separação e u n i ã o " . , 0
O terapeuta sentir, no amor que tem ao cliente, a sua própria
individualidade, reconhecendo-se como outra pessoa, separada do
cliente, é condição para respeitar a individualidade do outro, garan-
tindo a independência que lhe convém: o outro deve ser amado
com o seu aspecto fundamental de ser irredutível à individualidade
do terapeuta.
Assim, o cliente faz a experiência de ser amado, não de forma
possessiva, não com um amor que escraviza, que prende, que tolhe
a liberdade, numa palavra, não com um amor que ama tratando o
amado como objeto que se controla e manipula.

*° Fromm, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 44, 45.

66
Mas pe contrário. O cliente sente que é ao mesmo tempo
amado e que o amor não lhe quer tirar o seu modo exclusiva-
mente pess< al de ser. E l e é amado com suas idéias, experiências,
necessidade 5 e sentimentos próprios. É amado como pessoa distinta
do terapeul a que, para amá-lo, não deseja reduzi-lo a si mesmo,
obrigando-i a pensar e sentir como ele mesmo pensa e sente,
É amad portanto, com um amor incondicional. O que o
terapeuta sabe sobre o pensar, sentir e agir do cliente não é
transformado em elemento seletivo para o terapeuta decidir se pode
ou nao an á-lo ou se pode amá-lo em grau maior ou menor,
O clienti faz a experiência de ser amado realmente como é,
como se erlcontra no momento de ser amado. Não se sente, por-
tanto, "forçíd to" a realizar mudanças artificiais ou a " f i n g i r " modos
de ser e omportar-se para conquistar ou manter o amor do
terapeuta.
Trata-se portanto, de um amor desinteressado. Se eu amasse
uma pessoí com a intenção de que o meu amor produzisse mudan-
ças nela, ehtão isso poderia soar com o tom de uma chantagem
afetiva cd n o preço do meu amor eu estaria tentando comprar
uma muda iça que ela, a pessoa amada, não estaria ainda em
condição di: realizar.
Quando se sente preparada, a pessoa muda. Mas, neste caso,
as mudanç is poderão surgir — e certamente surgirão — como
conseqíiênc a da eficácia do relacionamento desinteressado e não
como imposição do amor. Assim, talvez fosse melhor que eu nem
as previsse e nem mesmo as desejasse intencionalmente, deixando
que aparec essem como surpresa, tanto para mim como para o
cliente.
O amor desinteressado, portanto, não se baseia em mudanças
que podem vir ou em outro motivo compensador qualquer, mas
" a m a porc ne a m a " : é gratuito. A pessoa é amada apenas por
isso e por Éudo isso: responde a necessidade que tenho de amar.
E encontra se inserido no princípio da realidade presente: a pessoa
a quem an o, aqui e agora, é " a s s i m " . Pensa, sente e age desse
modo, que lhe é próprio. Mas, quando se expressa, oferece-me
o dom sinj ular de sua interioridade, tal como ela a percebe.
E , no en anto, o amor desinteressado provoca transformações no
cliente. Sei tindo-se aceito como é na realidade pelo terapeuta, ele
aprende a aceitar, no amor, a realidade que ele é de fato.
E s s a au o-aceitação é libertadora. A condição para alguém se
transforma j é aceitar-se a si mesmo na orientação presente em
que se en ontra. Geralmente, o cliente pensa de modo diverso.

67
Acredita que, aceitando-se como se encontra no momento atual,
entrará em acomodação, em conformismo e que seus defeitos
aumentarão. Supõe, desta maneira, que, para transformar-se, ele
precisa de rejeitar a si mesmo, de condenar em s i os " e r r o s " que
são percebidos.
Entretanto, enquanto não se aceita como realmente é, o indivíduo
sente-se ameaçado por si mesmo e vive defendendo-se de s i . E ,
para se defender, distorce ou nega experiências, formando um
conceito inadequado de s i .
Aceitando-se como realmente é, o indivíduo não precisa mais
defender-se das coisas que em si mesmo condena. E n t r a em paz
consigo mesmo. E , sem defesas, pode cuidar do seu desenvolvi-
mento. Pode reconhecer e avaliar corretamente suas experiências
organísmicas, utilizando-as, como julgar melhor, para efetivar m u -
danças no sentido do seu maior crescimento.
Podemos dizer, então, que sendo realmente o-que-é, a tendência
ao desenvolvimento não "permitirá" que o indivíduo permaneça
numa posição estática, mas, pelo contrário, ele criou a condição
necessária para crescer no seu próprio dinamismo.
Assim, embora o amor desinteressado não imponha mudanças,
cria uma distensão necessária para que as mudanças venham "de
dentro". E , deste modo, reconhece e assume o fato de que cada
pessoa é responsável pelo seu destino, pela sua vida e pelo seu
próprio crescimento.
Kinget refere-sé a um comentário feito por Rogers num de
seus filmes: " O que o indivíduo parece sentir na terapia é a
experiência de ser amado. Amado, não de modo possessivo, mas
de uma maneira que lhe permite ser uma pessoa distinta, com
suas idéias e sentimentos e um modo de ser que lhe é exclusiva-
mente pessoal".
D i z Kinget que essa experiência reforça o sentimento de segu-
rança no cliente e parece agir como fator vitalizante, que os
terapeutas ainda não elucidaram de modo teórico, mas constataram
de maneira clínica e que já começa a aparecer em resultados de
pesquisa.81
E r i c h Fromm diz que no amor está a única resposta para a
natureza humana e que nele reside a saúde. E diz que o amor
consiste " n a união com alguém ou algo fora da criatura, sob a
condição de manter a separação e a integridade própria. É uma

81 Rogers et Kinget, Psychothéraple et Relatlons, p. 101.

68
sensação de partilha, de comunhão, que permite a plena manifesta-
ção da atividade i n t e r i o r " . "
Quando cliente vem para a psicoterapia, o terapeuta sabe
que ele vem para a partilha. Sabe que ele tem uma necessidade
fundamenta de ser amado e que "no amor reside a saúde",
Amando-o, terapeuta lhe dá " a única resposta para a natureza
humana", vivendo, neste instante, de modo profundo, o espírito
de fraternidade
Não se t ata de uma fraternidade, como se fosse um apelo
vago e genfrico à união dos homens, universal e abstraía, mas
que de fato não os ama na realidade.
Trata-se, porém, de uma vivência fraterna que se experimenta
aqui e agori na união com o cliente, como pessoa única, mas que
é também representante" da humanidade. Unindo-se a ela, o
terapeuta se une a todos os homens,
O terapeiâa deve ter para com o cliente procedimentos de calor
humano, ac )lhimento, simpatia, respeito, aceitação, etc. Mas o
terapeuta n |o tem necessidade de manifestar o seu amor através
de formas e plícitas. Quando estas são usadas podem até produzir
efeito contr rio. Ao invés de facilitar, podem criar obstáculo para
o processo isicoterápico.
Se, duran e a partilha, o terapeuta se coloca numa atitude autên-
tica de disp Dnibilidade afetiva e mental e se procura "sintonizar"
com o clien e reconhecendo de fato o que ele expressa, então seu
amor será íanifestado e compreendido através de fatos e proce-
dimentos e lão através de palavras e declarações.

Jr

89 Fromm, P análise da Sociedade Contemporânea, p. 44, 45.

69
CAPITULO X

A Congruência na Comunicação
do Terapeuta

1. O que é uma «comunicação congruente»?

N o C A P Í T U L O v i l deste trabalho, fizemos uma distinção, com fina-


lidades didáticas, entre autenticidade e congruência. Naquele capí-
tulo, focalizamos a autenticidade. Agora, iremos tratar da con-
gruência.
Imaginemos o exemplo simples dado por Rogers:
H a v i a um piloto, que era conhecido como pessoa valente e sem
medo. Numa ocasião, mandaram-lhe fazer uma viagem que i m -
plicava grandes riscos. O seu organismo sente a experiência
do medo e a necessidade de livrar-se do perigo. Entretanto, essa
experiência não pode ser representada corretamente na consciência
porque se opõe ao conceito que o piloto faz de si, de um homem
valente e sem medo.
Então, a experiência impedida de representação se " t r a n s f o r m a "
e assume uma feição psicossomática. Chega à consciência numa
simbolização incorreta, distorcida, como "distúrbio do aparelho
digestivo". O piloto diz o que representou: "não posso fazer a
viagem porque estou adoentado". E , assim, foge do perigo que
temia, mantendo a imagem de ser um indivíduo valente e sem
medo. M
Podemos supor, no caso que acabamos de apresentar, que o
sentimento ameaçador do medo foi reconhecido e impedido de
entrar na consciência, sem que em nenhum instante o piloto tivesse
consciência do referido sentimento. A essa situação Rogers chama
de subcepção e diz que parece indicar o seguinte: " O indivíduo
parece ser capaz de discriminar os estímulos ameaçadores dos
não-ameaçadores e de reagir de acordo com eles, mesmo que

M Rogers, Client-centered tfierapy, p. 508.

70
seja incapa de reconhecer conscientemente o estímulo ante o qual
aginc o " . 8 4 É, digamos, subliminar.
está rea;
No exen plco dado, podemos considerar três níveis diferentes
no piloto: ) da experiência organísmica. (o medo que sentiu e o
desejo de fugiir do perigo), o da representação na1 consciência (o
distúrbio C 3 aparelho digestivo) e a comunicação feita ("não
posso viaja porque estou adoentado").
No caso apresentado, há congruência (porque existe acordo)
entre a coiliunicação e a representação na consciência. Mas não
existe congi uência entre experiência e representação na consciência.
Fala-se í m comportamento congruente para indicar a harmonia,
a integraçã entre os três níveis: experiência-consciência-comunica-
ção. Isso u íifica a pessoa: o que ela experimenta, representa. O
que r<eprese ita, comunica. A pessoa torna-se "transparente": pelo
que ela comunica pode-se " v e r " sua consciência e pode-se " v e r "
sua experiê icia.
O compi rtamento congruente deve ser " e x integra causa",
isto é, sem falha de acordo entre níveis. Caso contrário, torna-se
incongruent ?
A falha ie acordo, gerando incongruência, pode se encontrar
entre a exf eriência e a consciência. F o i o que aconteceu com o
piloto: sent medo (experiência) e simboliza distúrbio do aparelho
digestivo (fonsciência).
Mas poc > se encontrar também na falha de acordo entre cons-
ciência e cctnunicação. Imaginemos, para exemplificar, que o piloto
tivesse con ;ciência do medo e dissesse que estava adoentado,
Agora, h a u r i a discordância entre consciência e comunicação:
afirmava-se coisa diferente do que se tinha consciência,
E m um tiabalho nosso, imaginamos o comportamento congruente
como proce ;so contínuo que devesse passar pelas seguintes fases:

A . o indiAduo sentir o que está acontecendo no seu organismo, isto é,


experimentá-13 como algo real que existe e que se está passando em s i ;

B. perceb r ta! como está sentindo, isto é, representar adequadamente


na consciência a experiência que está tendo;

C . aceitaA o que está percebendo — e tal como está percebendo — isto


é, "assumir" como sua a experiência que está sendo representada, como
algo que lhe pertence, como parte "natural" de s i ;

D manifêjptar a experiência tal como é aceita, isto é, expressar-se tal


sente.
como pensa
84 lã.t p. 5C

71
No mesmo trabalho, tentamos especificar os diversos tipos de
incongruência, correspondentes a cada uma das fases acima apre-
sentadas :

A 1 — com relação ao item A : a incongruência consiste na recusa da


consciência em aceitar a experiência organísmica. Neste caso, nega-se a
existência da própria experiência (mecanismo de negação);

B t — com relação ao item B : a incongruência consiste na recusa


da consciência em aceitar a experiência tal como se passa: Neste caso,
a experiência é representada na consciência, mas de modo distorcido (sim-
bolização incorreta);

C t — com relação ao item C : a incongruência consiste em rejeitar


a representação que foi feita na consciência. Neste caso, a representação
é feita adequadamente na consciência, mas o indivíduo a vê como algo
de mau ou feio e por isso tem temor ou vergonha da representação,
procurando afastá-la ou reprimi-la;

D 1 — com relação ao item D (conseqiiência do item C 1 ) : a incon-


gruência consiste na recusa de comunicar a representação consciente com
receio de se fazer "má figura" ou para não desagradar os outros. Neste
caso,. a defesa assume a forma de "máscaras", "fachadas" e outras falsi-
dades e duplicidades. "

Ainda no mesmo trabalho, para melhor compreensão das falhas


de acordo no processo contínuo da incongruência, elaboramos a
figura que vai na página seguinte. 1 6

2. A congruência do terapeuta

Durante a terapia, toda a eficácia de processo, enquanto se


refere ao terapeuta, depende de sua congruência.
No relacionamento social, comum, geralmente se usa um jogo
de enganos mútuos. Neste caso, parece que o mais importante
é "sair-se bem", respondendo às expectativas que os outros colocam
em nós. Assim, parece também "lícito" usar-se uma série de
falsidades e enganos.
N a terapia, ao invés, desejamos criar um clima favorável, onde
o indivíduo possa reconhecer as suas próprias incongruências,
avaliando-as adequadamente e entrando no processo de auten-
ticidade.

88 Rudio, Ensaio Experimental, p. 16 e 19.


88 id., p. 18.

72
UF81BIIM6
^AUTENTICIDADE:
COMO QUALIDADE DE PESSOA:
DESACORDO ENTRE
Incongruência:
COMO QUALIDADE DE COMPORTAMENTO: ORGANISMO

1 — Negar a experiência

2 — Distorcer a experiência
CONSCIÊNCIA

3 — Não aceitar a experiência


que foi representada

4 — Recusa de comunicar a
experiência representada

MEIO AMBIENTE
A base para que isso aconteça é a própria congruência do
terapeuta, segundo o enfoque não-diretivo. Quando o cliente
percebe que o terapeuta não age enganosamente, que o seu
procedimento não é feito de ambiguidade nem equívocos, então
"sabe com quem está tratando". Adquire confiança. E tem condi-
ções de entrar num processo de comunicação aberto, franco e leal,
sabendo que em nada lucra, querendo enganar.
P a r a usar um modo simples de expressão, é como se o cliente
aprendesse na própria maneira do terapeuta se comportar, que as
"regras do jogo" são outras, diferentes das que comumente
existem no relacionamento social.
A congruência não é algo que se possa fingir, quando de fato
ela não existe. Não é apenas um papel profissional que se
desempenha. Ser congruente é ser-o-que-se-é, condição que, na
terapia, vitaliza todas as atitudes do terapeuta e sem a qual os
seus procedimentos — quaisquer que sejam —- perdem valor e
sentido.
Mas, aqui, coloca-se um problema. Como j á foi dito, a congruên-
cia consiste na harmonia d a . experiência com a consciência e na
harmonia desta com a comunicação.
O r a , o indivíduo não sabe se a simbolização que está fazendo
corresponde realmente à experiência que tem. Quando fazemos uma
representação distorcida de uma experiência, não temos conheci-
mento que é distorção. "Pensamos" que estamos simbolizando
corretamente e que a representação corresponde à experiência, de
modo adequado. Mas, por ser distorção, o que "pensamos" não
acontece.
Assim, de um lado, exige-se a congruência do terapeuta. De
outro, afirma-se o fato dele não poder avaliá-la pessoalmente, de
não poder ser juiz do seu grau de congruência. Parece que, desta
forma, coloca-se como fator central da terapia não-diretiva um
elemento impossível de ser controlado pelo próprio terapeuta.
T a l v e z alguém sugerisse que, neste caso, a solução poderia
ser o cuidado do terapeuta submeter-se ao processo psicoterápico,
antes de iniciar o seu trabalho profissional.
A recomendação é realmente de grande validade. Embora na
orientação não-diretiva não seja obrigatória, é, no entanto, muito
importante, ajudando o terapeuta a reorganizar sua personalidade
e passar por um tipo de aprendizagem do processo que só é
dado conhecer aos submetidos ao referido processo.

74
Embor i válida e importante, a recomendação feita não aparece
como soli ição do problema enunciado. De fato, a vida é processo
que flui. I a congruência eventualmente adquirida numa situação
psicoterá ica não é garantia infalível de sua permanência posterior
nas inteiações com os clientes. A congruência é, ela mesma,
também >rocesso que se realiza e vivência a cada momento que
existimos
A solu ;ão talvez pudesse surgir se fizéssemos uma diferença
entre cot vruência e sinceridade. Neste caso, a primeira indica a
harmonia entre experiência e consciência e, a segunda, a harmonia
entre cor sciência e comunicação.
Kinget d i z : "com efeito, a sinceridade consiste em se falar e agir
de acorde com a representação consciente, isto é, tal como aparece
na consci meia — não necessariamente tal como é sentida". M
N a sin feridade entra um elemento pressuposto. O indivíduo não
sabe se < que está representando na consciência coincide de fato
com o q te ele está experimentando, porque isso na verdade não
se pode Í aber. Mas o indivíduo age como se existisse acordo entre
os níveis, cuja harmonia ele desconhece. E l e está "convencido" de
que o ser imento representado e comunicado (comunicação = cons-
ciência) i realmente o que ele experimenta (consciência = expe-
riência).
Seria c mesmo dizer, utilizando outras palavras, que o terapeuta
deve faz ir o controle de sua congruência dentro dos limites
possíveis ao seu alcance. E isso será realizado se ele proceder
através c e um agir feito de sinceridade.
O tera Deuta, então, manifestará o seu pensamento e sentimento
de modo coerente com a representação feita pela sua consciência.
E proce< e como se os conteúdos da sua consciência fossem a
simboliza ção corneta da sua experiência.
Rogerj d i z : " . . . não posso decidir quando é que a minha cons-
ciência a írá congruente com a minha experiência. A resposta a
esta que: tão será dada pela minha necessidade de defesa e disto
eu não t mho consciência. Há, porém, uma opção existencial per-
manente, segundo a qual a minha comunicação será congruente
com a c Dnsciência que tenho do que estou experimentando". E
diz o au or que esta disposição (de realizar o que chamamos de
sincerida i e ) é necessária e suficiente para estabelecer um rela-
cionamei to congruente.

Rogeri et Kinget, Psychothérapie et Relations, p. 109.

75
O autor ainda previne: expressar adequadamente o que está
sendo representado na consciência nem sempre é fácil. Isso pode
ser uma ameaça para o terapeuta ou, então, ele pode ter medo
de ser rejeitado pelo cliente. Assim, fazê-lo representa um r i s c o . "
Mas é justamente esse risco voluntariamente assumido, é essa
opção existencial, é esse esforço do terapeuta de evidenciar a sua
congruência, como aqui e agora está no seu alcance fazer através
de s u a sinceridade, que ajuda o cliente a entrar no seu próprio
processo de congruência.

M Rogers, On Becomtng a Person, p. 345.

76
CAPITULO XI

Aceitar e Compreender
o Cliente

1 . Aceitar para modificar

D i z P a g :s: " . . . p a r a ajudar a transformação de alguém, o


melhor n ío é pressioná-lo na direção da mudança, nem mesmo
ensinar-11 e o caminho a seguir ou guiá-lo pela inteligência, mas,
sim, o mfclhor é aceitar, dando valor aos seus receios, às suas
angústias às suas resistências, a tudo que o impede de mudar",
Assim, o mesmo movimento reconhece e valoriza o que a pessoa
sente e juda a transformação,
O auto chama a esse modo de proceder de inversão do movi-
mento e diz que do começo ao fim da terapia ele constitui
seu movidiento próprio, dentro do enfoque não-diretivo. Aliás, é o
próprio r lovimento da vida, que a terapia não faz mais do que
acelerar.
Imagin mos uma situação muito simples d a vida quotidiana,
Vamos sfpor que eu esteja muito interessado em recordar um
nome, data, um fato. Quanto mais eu tento, mais eu sinto
a dificuldade da recordação. Então, eu me "conformo" com o
meu esc lecimento": aceito que não posso me lembrar. Acontece,
com freq ência, que é depois disso que eu me recordo,
Imagiinernos outra situação em que eu esteja discutindo veemente-
mente aiguém, e nós dois — eu e ele — queremos mostrar
que o o|so ponto de vista é certo e que o do outro está errado.
Nenhum le nós quer ceder. De repente, por qualquer circunstância,
eu me acfelmo e aceito que "talvez esteja equivocado sob algum
aspecto", Se eu estou sendo sincero, o outro pode adotar também
uma atiti|de semelhante a minha.
Peretti observa que se alguém tenfa agir diretivamente sobre
uma pesi oa, fazendo julgamento ou dando-ihe conselhos, ela
»• Pagès, ! orlentatlon non-dtrectíve, p. 69.

77
procura reagir à pressão que se exerce. Desta fornia, tende
assumir uma atitude oposta a que se desejava: o indivíduo que
esperava mudá-la v a i , com o seu procedimento, fixá-la onde ela
se encontra. E o próprio indivíduo fica também fixado, no esforço
de "convencê-la". "Sabemos, por experiência, que quando pre-
tendemos mudar uma pessoa, arrancá-la do erro, nós a imobili-
zamos obrigando-a a consagrar suas forças para se defender de
nossa pressão e nós também nos imobilizamos na posição
assumida".
O autor diz também que não se pode fazer uma pessoa mudar,
afastando-se dela, abandonando-a: "rejeitando-a em sua solidão,
aí eu a imobilizaria, levando-a a não utilizar suas reservas de
forças para modificar-se".
Se a pessoa não sente que é pressionada por mim, mas,
pelo contrário, se sente acolhida, ela pode se deslocar de uma
posição em que não foi fixada. E l a pode dispor de suas forças
na direção em que as mesmas a inclinam. E l a não precisa gastar
suas energias para se opor a mim e a ela m e s m a . 4 0
O meio de que dispõe o terapeuta não-diretivo para produzir,
no cliente, a inversão do movimento é a consideração positiva
incondicional.
J á foi dito que o termo — consideração positiva incondicional
— consiste no amor que se manifesta para alguém. Isso j á foi
referido no capítulo I X .
T e r consideração positiva incondicional por alguém é o mesmo
que expressar a minha aceitação, a minha estima, meu amor por
ele. E l e é acolhido enquanto pessoa, independente de outros
critérios que se possa ter para avaliar seu comportamento. ( A s s i m ,
a mãe pode manifestar amor para com um filho, cujo comporta-
mento grosseiro, perverso não julgue digno de apreciação e
estima).
Aceitá-lo desta maneira é respeitar a qualidade de pessoa que
ele possui aqui e agora, na sua situação presente. É respeitar os
seus traços próprios, pessoais do que ele é atualmente, com suas
"qualidades" e "defeitos". É não "esperar" que ele seja uma
pessoa diferente do que realmente é.
Mas a consideração positiva não é apenas uma "boa intenção"
que se fabrica antes do relacionamento. Isto é, o terapeuta não a
prepara antes para gastá-la depois quando estiver com o cliente.

40 PerettI, Les contradictlons de la culture, p. 72.

78
É um pr cedimento concreto que se vai construindo enquanto
se dá a iteração e que pode ser observado pelo modo como
o terapeut i se comunica com o cliente.
Não é i ma espécie vaga de boa vontade, de complacência, mas
é algo que emerge a cada instante do relacionamento pela maneira
com que terapeuta recebe e participa das expressões que o
cliente coitunica
Quando se fala, portanto, em aceitação incondicional, na orienta-
ção não d íretiva, não se deve pensar que o termo indique um
sentido indefinido,, cujo conceito cada um inventa como lhe parece
melhor. E , também, não é apenas um ideal, jamais atingível, que
se enuncu com termos abstratos. Mas indica operacionalmente
um modo Dróprio de agir, que o terapeuta efetiva no seu contato
com o clidnte
Rogers xplica a aceitação incondicional do seguinte modo: " S e
tudo o qu( a pessoa exprime — verbalmente ou não-verbalmente,
direta ou idiretamente — a respeito dela mesma parece-me igual-
mente digi de respeito ou de aceitação, em outras palavras, se
eu não desap rovo e nem manifesto oposição a nenhum elemento
que a pess Da me expressou, então eu tenho para com esta pessoa
uma atitude de consideração positiva incondicional". 4 1
Não se deve supor que ter consideração positiva é o mesmo
queiconcorlar De fato, é aceitar "que seja a s s i m " . Comunicando-se,
o cliente ifanifesta suas experiências de vida, diz o que pensa e
sente sobr: o mundo e sobre s i mesmo. O terapeuta constata:
ele é assir Dessa forma, ter consideração positiva incondicional
é aceitar que o próprio cliente oferece de si mesmo, tal como ele
percebe e manifesta. Aceitar é receber o que se oferece, sem
necessidad: de concordâncias nem discordâncias. Concordar é
assentir, a >rovar.
Entretan p , não se trata apenas de uma aceitação neutra, pas-
siva. O tei ipeuta aceita, participando.
E s s a pa ticipação se faz, não quando o terapeuta fica apenas
como obs( rvador ou, então, indiferente ou mesmo fugindo do
que é mai lifestado. Mas ele participa reconhecendo e fazendo
o cliente r< conhecer o significado das expressões que são comuni-
cadas. Issc veremos nos tópicos seguintes deste capítulo, quando
estudarmos a compreensão empática e no capítulo seguinte, quando
refletirmos sobre a resposta compreensiva.

41 Rogers et Kinget, Psychothérapie et Relations, p. 193.

79
A aceitação do terapeuta é imprescindível para que o cliente goze
de liberdade experiencial, dando para si mudanças mais constru-
tivas na orientação de vida. E , assim, é importante para a mudança
da imagem de si, elemento básico para as transformações que se
espera n a psicoterapia.
Geralmente, nas primeiras sessões, o cliente tem de si uma
visão negativa, rejeitando-se em grau maior ou menor. E l e não
tem consideração positiva para consigo-mesmo. Rejeitando-se, vive
fixado em atitudes que lhe desagradam e em luta permanente
contra s i .
À medida que o terapeuta o aceita incondicionalmente, o cliente
v a i aprendendo também, na aceitação congruente do terapeuta, a
aceitar-se a s i mesmo. E essa auto-aceitação produz nele uma
inversão de movimento.
Sem se opor a si mesmo, mas, pelo contrário, tendo agora para
consigo consideração positiva, ele começa a acreditar mais em
si, ter confiança em mudanças que pode realizar e libertar forças
que o encaminham para um processo mais construtivo de per-
sonalidade.
Desta maneira, torna-se para si mesmo pessoa-significativa. E,
quando isso acontece, j á não precisa mais viver em função de
outras pessoas-critério. Ao invés de alienar-se, buscando, nos
outros, normas para ser e agir, ele se torna critério para si mesmo.
E , desta forma, acreditando nas suas próprias avaliações, confiando
nelas e utilizando-as, ele caminha para o processo da autenticidade
e nele cresce.

2. O caminho d a compreensão é de «dentro»

Numa ocasião, Rogers escreveu: " A essência da terapia, tal como


eu a vejo posta em prática por mim e pelos outros, consiste no
encontro entre duas pessoas, onde o terapeuta é aberta e livre-
mente ele mesmo e talvez revele isso de um modo mais perfeito
quando é capaz de entrar e ser livremente aceito no mundo do
outro. De modo que, recordando frases antigas, atrevo-me a dizer:
a forma de fazer è ser e o caminho da compreensão è de dentro".43
Nos capítulos V I I e X deste trabalho, as nossas reflexões giraram
em torno respectivamente da autenticidade e da congruência,
daquilo que Rogers explicita como " a forma de fazer é ser".
43 Rollo May e outros, Psicologia Existencial, p. 103.

80
Agora, vejamos que sentido tem essa outra afirmação: "o
caminho l a compreensão vem de dentro". E , para explicá-la,
devemos azer apelo a uma expressão muito usada na orientação
não-diretiya, que é compreensão empática.
A empa ia é uma espécie de comunhão afetiva, onde o terapeuta,
sentindo ( D m o cliente as experiências que este manifesta, coloca-se
no seu ar para perceber o seu mundo subjetivo como este o
percebe.
É, portinto,, um modo de vivência em que o terapeuta se introduz
nas situações próprias do cliente, a fim de experienciá-las, como
o cliente íesmo as experiência.
N a one ntação não-diretiva, pede-se que a compreensão do
terapeuta seja empática. Isto é, sendo terapeuta, eu não devo ter
o entendjnento das situações, apresentadas nas entrevistas, a
partir do que eu penso ou sinto delas. Mas procurar apreender
o sentido que o cliente lhes dá, a partir do seu próprio ângulo
de vista slibjetivo.
Assim, D meu procedimento, diante daquilo que o cliente mani-
festa, não é de interpretar, avaliar, julgar, etc. Mas é apenas de
tentar coApreender o que ele está procurando me comunicar por
palavras, gestos e mímicas, buscando o significado pessoal que
ele dá ao que expressa.
Para a ir dessa maneira, durante a entrevista, o terapeuta deve
situar-se ia própria vida psíquica do cliente para experimentar,
como se Dsse ele, as elaborações interiores que ele realiza, o que
ele pensa e o que ele sente.
P a r a is ;o o terapeuta deve, n a medida do possível, abstrair-se
das suas próprias elaborações interiores — como se perdesse,
nfenos na compreensão, a sua "euidade" ( a qualidade de ser
eu) — fim de ser um "espelho" para as elaborações do
cliente, m tentativa de ser um eu substituto para os seus pensa-
mentos e sentimentos.
Podíamos talvez, fazer uma distinção entre simpatia e empatia.
E , assim, diríamos que, na primeira, basta o estímulo para des-
pertar em mim a "sintonia", o sentir com o outro. Se, por exemplo,
vejo um obre pedindo esmola, posso ter pena dele (sentir com
ele a sua pobreza). O estímulo foi ele quem me deu. Mas a
"sintonia" é originada pelos meus próprios conhecimentos e expe-
riências orque julgo que penúria é uma lástima e j á tive privação
do necessftrio por isso tenho pena do pobre.

81 finm Êml%<* finttunes èe filmei}*


N a empatia, eu me centro no outro para receber o elemento
cognitivo que vai gradualmente moldando a minha sintonia com
ele.48
Assim, posso ter pena de um indivíduo porque sinto com ele
a dor que ele sente ao me contar uma situação de vida. O meu
sentimento compassivo foi surgindo à medida que ele me revelava
a sua percepção sobre o fato. Neste caso, talvez eu não tivesse
pena dele se tivesse visto a situação apenas de " f o r a " , desconhe-
cendo como o indivíduo a sentiu.
Desta maneira, entende-se que a compreensão empática não
consiste apenas em apreender o sentido das palavras, com os quais
o indivíduo narra a sua experiência. Não é também uma simples
compreensão intelectual do fato apresentado, de modo que pos-
samos dizer: "agora, não tenho mais dúvida e sei exatamente
o que aconteceu com você".
T e r compreensão empática é ir além da simples apreensão verbal
e do mero entendimento fatual. É, na terapia não-diretiva, o meio
utilizado pelo terapeuta para ir mais além e atingir os significados,
sobretudo emocionais, como se encontram no mundo subjetivo do
cliente.
Não se deve confundir, entretanto, compreensão empática com a
identificação empática. A primeira identifica-se na compreensão, isto
é, faz que se compreenda como o outro compreende. A segunda é
um contágio emocional, onde o indivíduo j á não distingue mais
qual é o seu sentimento e qual é o do outro.
A compreensão empática só tem lugar de fato quando existe
uma consciência aguda de separação: eu não sou outro. Apenas
ajo como se fosse. Mas, na verdade, somos duas individualidades,
dois seres diferentes que se comunicam. A identificação empática
é a confusão entre o tu e eu, gerando ambivalências e produzindo
angústias,
Compreensão empática não é igualdade de mundos subjetivos.
É uma comparação: uma aproximação entre eles. Os pensamentos
e sentimentos que o outro me revela pertencem a ele e não a
mim, e são originados em experiências e percepções próprias,
inalienáveis, que, em hipótese alguma, eu atribuo a mim. O termo
comparativo — "como se fosse e u " — refere-se aos pensamentos
e sentimentos e não às percepções e às experiências.
Se o cliente me diz que "seu pai morreu", eu procuro entender
as percepções e experiências que ele teve sobre o fato para pensar
43 C t . Dicionário dc Psicologia de Warreh, verbetes "simpatia" e "empatia"

82
e sentir c<\n se eu fosse ele. Entretanto, por mais que eu queira
participar dos seus pensamentos e sentimentos, jamais posso me
esquecer foi o pai dele quem morreu e não o meu.
Pode afcontecer, no entanto, que também o meu pai tenha
morrido, I ssim, a medida que ele narra a sua experiência estimula
a minha i scordação para que eu viva a experiência que eu tive.
Neste cas pode ser que eu sinta com ele um sofrimento insu-
portável : ele vivendo a sua experiência e eu, a minha. Aqui
existe um identificação por simpatia e não por empatia.
Imaginetnos agora, para facilitar o exemplo, que meu pai não
tenha moi rido, só o dele. Aqui, pode existir um deslocamento do
termo con parativo "como se fosse" caracterizando a identificação
empática. Enquanto na compreensão empática eu penso e sinto
como se osse ele, mas sabendo que a experiência da morte do
pai é inédta para mim, na identificação empática eu tenho o mesmo
sentimentc desesperador que ele tem (com ausência de "como se
f o s s e " ) , c )mo se a experiência dele fosse a minha: o "como se
fosse" refíre-se à experiência e não aos sentimentos que são os
mesmos p >r contágio.

3. A função da compreensão empática

Quando c uneça a terapia, o cliente se encontra mais interessado


em descri ver fatos ou casos que lhe aconteceram do que em
procurar DS significados que eles assumem na sua condição
vivencial.
Assim, )or exemplo, um jovem é capaz de nos dizer "briguei
com minh mãe" e colocar todo o seu empenho em nos explicar
detalhadai lente como foi a " b r i g a " .
Entreta ito , os sentimentos que teve — de carência afetiva, de
frustração de abandono, etc. — ele pode omiti-los ou manifestá-los
com 1 ; acidentais e "indiferentes" ("acho que ela devia
cuidar ma de m i m " ) , ou, mesmo, apresentá-las de forma enco-
berta ou listorcida (ao invés de declarar: "sinto muita falta do
afeto de r linha mãe" pode talvez dizer: "tive uma raiva tremenda
dela e por isso b r i g u e i " ) .
E i s , poi exemplo, o trecho de uma entrevista que tivemos com
uma jovei i de 14 anos:
(clilnte) — (falando a respeito de sua mãe) . . . e / a está sempre
fora de ca, a, sempre fugindo. Ela não é feliz no casamento, isso eu sei.
Não cuida le nada... nem dos filhos. Ela não devia ter casado. E "daí"?...

83
{/las, agora, você me diga, não é obrigação da mãe pelo menos cuidar
dos filhos?
T j (terapeuta) — Você sente uma espécie de abandono de sua mãe
por você e seus irmãos, é isso?
C 2 — Justamente... é isso... É abandono, mesmo. Ela nos abandona.
Agora, você me diga, que culpa temos nós dela ter casado. Eu não pedi
para nascer... É horrível... Imagine que chego em casa e não tenho
nem com quem conversar. Conversar com quem?... Meus irmãos são ainda
muito pequenos... Não tenho com quem falar... Só se for com as
paredes...
T 2 — O que lhe pesa mais é a solidão, não é?
C 3 — É horrível... Uma solidão medonha. Sabe, eu tenho meus pro-
blemas... preciso discutir com alguém... etc.

A revelação dos sentimentos constitui um fator de muita impor-


tância, no processo da terapia não-diretiva. E eles podem estar
"encobertos" de certa forma como em Ct e C 2 . Mas, por outro
lado, estão sempre implícitos (quando não estiverem explícitos)
nas expressões que o cliente comunica.
O terapeuta precisa ter observação constante, e às vezes perspi-
caz, para "descobri-los", reconhecê-los e manifestá-los para o c l i -
ente. Mas não se trata de inventar nem supor. Não é adivinhar nem
interpretar. É apenas constatar o que de fato existe.
A função da compreensão empática (evidentemente impossível
de ser apresentada com todas as suas implicações em qualquer
exemplo que se queira d a r ) é fazer o terapeuta conhecer o cliente
"por dentro", ajudando-o a clarificar os sentimentos que j á foram
percebidos e comunicados pelo menos de maneira informe e confusa
(foi o que tentamos sugerir no exemplo da jovem acima, em Tt
e T2).
Mesmo que o terapeuta pelos seus conhecimentos de Psicologia
e por sua experiência profissional tenha "certeza" que tais senti-
mentos existem em tais situações, jamais pode antecipar-se ao
cliente, dizendo-lhe, antes que ele o tenha percebido, o que deveria
sentir na referida situação. Não se deve, portanto, induzi-lo a
descobrir o que, pelo menos de maneira vaga e confusa, ele ainda
não tenha percebido.
Dizem Brammer e Shostrom que é "conceito erróneo" imaginar-se
que o simples fato de identificar um sentimento e expressá-lo tem
valor por si mesmo. Não se deve pensar que o objetivo dá terapia
seja meramente fazer despontar sentimentos como se as intelectua-
lizações — idéias, conceitos e elaborações na forma de pensa-
mentos — não tivessem também sua importância: "os sentimentos

84
podem se descritos como o caminho que conduz a níveis mais
profundos das idéias e das experiências que constituem o sistema
central do indivíduo".
As pesí oas possuem geralmente a tendência de considerar os
seus sentii nentos como algo subjetivo e indigno de confiança. Mas
o cliente Drecisa aprender a confiar neles como indicadores de
alguma cc sa importante que se passa consigo. Assim, expressando
os sentimentos, a pessoa pode descobrir a idéia que forma a base
do que el está sentindo.
Desta orma, "podemos, por exemplo, ajudar a uma pessoa
que se en< ontra em estado de pânico, se lhe permitirmos expressar
o que se ite. Quando isso acontece, a situação se torna mais
clara e, c )mo resultado desta clarificação, surge a possibilidade
dela x a i f i n a r a base fundamental de sua insegurança e de
enfrentá-1

4 4 Brammer e Shostrom, Psicologia Terapêutica, p. 207.

85
CAPÍTULO XII

A Resposta Compreensiva
como Técnica

1 . Apresentação de um caso

COMO ponto de referência para todo o estudo que iremos fazer


neste capítulo, apresentaremos um caso, a que chamaremos de
caso da srta. R. L.
Não se trata de uma sessão de psicoterapia. F o i um Aconse-
lhamento, na orientação não-diretiva, onde, portanto, a entrevista
se manteve em camadas periféricas d a personalidade.
A srta. R. L . tinha acabado de concluir o curso de medicina
e j á se dedicava à Psiquiatria Infantil, obtendo, nesse trabalho,
resultados significativos.
Permitida a gravação pela srta. R . L . , tivemos com a mesma
a entrevista que segue:

O CASO DA SRTA. R. L.

C , (cliente) — E u vim lhe procurar aqui, hoje, porque estou enfren-


tando um problema, sabe, que e s t á . . . a s s i m . . . me perturbando um pouco.
É o seguinte: É . . . neste ano terminei o curso de Medicina, sabe? Então,
eu tenho... a s s i m . . . o ideal de fazer pós-graduação, de ir para o Rio,
a fim de fazer uma especialidade em Psiquiatria Infantil. Mas acontece
que, na semana passada, eu recebi proposta de casamento. E , com essa
proposta de casamento, eu sinto que, para mim, se eu me c a s a r . . .
eu vou fazer pós-graduação, não imediatamente após minha formatura
mas daí a um ano ou dois. E isso está me causando uma série de
problemas, porque eu gosto desse rapaz. Já namoramos, há três anos,
e, então eu fico em dúvida, sabe, se valeria a pena, realmente... é . . .
eu deixar... a pós-graduação para daqui a dois anos.
T 1 (terapeuta) — Estou compreendendo que você está em dificuldade
com relação á duas situações que são conflitivas: a primeira, é que você
desejaria fazer imediatamente a pós-graduação. E , a outra, é a de um
rapaz que lhe pede em casamento e do qual você gosta.

86
c 2 - i s s o . . . Inclusive a situação se torna muito difícil para mim,
porque arr Das as coisas eu desejo muito. Todas as duas são muito
importante! Então, me parece... a s s i m . . . como todos os dois têm um
valor para mim muito grande, então, se torna difícil escolher,
uer dizer, a situação seria muito mais simples, se você tivesse
mais apego a um lado do que ao outro.
c 3 - . . . b e m . . . se eu, por exemplo... porque eu, no fundo, se
começo a pensar dentro de mim mesma... eu sempre valorizei muito
meu curso, Tenho muitos ideais. E u sou uma pessoa sonhadora. Eu
tenho muilfes planos para fazer. E . . . se, por exemplo, eu me casar
imediatame ite , vou ter que protelar estes planos. E eu sinto, ao mesmo
tempo, que eu tenho... a s s i m . . . tanto trabalho para fazer aqui, agora,
que eu tenh * uma capacidade de produzir muita coisa. Então eu me coloco
em dúvida . . E u me casando, eu continuo a trabalhar; mas eu ia
protelar. E eu acho que preciso de aprender muitas coisas para ajudar
melhor.
T3 - u vejo a s s i m . . . que você tem um grande ideal com relação
à profissão Você é uma pessoa que levou a sua profissão muito a
sério e se ite uma necessidade muito grande de crescer na profissão
para benel ciar os outros.
c4 Mas, ao mesmo tempo, eu sinto... aí que eu entro em
que eu não sou só um profissional, sabe, eu também sou uma
conflito...
também tenho muita necessidade de me satisfazer e, assim,
pessoa...
ter c a s a . . . meus filhos... eu também penso n i s s o . . .
me casandc
ocê tem ideal de mulher...
cj- énhol...
. . u m ideal de mulher e que você sente a necessidade de ser
r - Quer dizer, você não é uma pessoa que pode... a s s i m . . .
respeitado, u ideal de mulher, renunciar esse ideal, porque você é pessoa
diante de i começa por si mesma,
e o respeit e r t o . . . Eu valorizo muito a mim mesma, o que sou e o que
fiz até ag( ra, entende... É por isso que fico, assim, nesta dúvida...
(a cliente xpressa a possibilidade de fazer o pós-graduação depois do
casamento) . . .e não casar como decisão superficial. Dizer para ele:
"está bom, eu vou casar". E , amanhã, depois de 2 ou 3 anos de casada,
eu não coi seguir fazer pós-graduação ou acontecer alguma coisa e eu
dizer para le: "está vendo?... Você que foi culpado. Eu ia fazer e você
começou a me falar em casamento e mudou minha idéia". Eu não quero
resolver o aso de maneira superficial. Quero resolver em profundidade,
porque o ajior é uma coisa muito profunda e . . . a gente... não se pode
dar a algu m de maneira superficial.
uer d i z e r . . . com relação à pós-graduação, se não fizer agora
e se pudeçe protelar para daqui a alguns anos, você teria receio de
apresentar lepois um processo de frustração e isso prejudicar o relaciona-
mento seu :om o rapaz com quem você casasse...
c7 - isso mesmo.
isso causa, então, preocupação a você.
^8 (silêncio prolongado).

* Dada a xigtiidade de espaço, em alguns momentos, desta entrevista, indicaremos


apenas o as unto apresentado pela cliente ou pelo terapeuta, sem repetir textual-
mente o que os mesmos disseram.

87
T 8 — (silêncio prolongado. Depois, diz:) Mas parece que você estaria
disposta, para se casar, a transferir o momento da pós-graduação...
C 9 — Certo!
T 9 — . . . s e você tivesse garantia de que não iria atrapalhar sua vida.
C 1 0 — S i m . . . É muito difícil saber até que ponto eu a t e r i a . . . É
isso mesmo que você d i s s e . . .
C 1 1 — (silêncio).
T n — (silêncio).
C 1 2 — ...parece que estou com um pouco de desconfiança de mim
mesma, entende?... Porque se a gente se casar, eu vou para uma cidade
q u e . . . estritamente coesa. É uma cidade grande, com bastante médicos.
E a minha especialidade... que eu quero f a z e r . . . há poucas pessoas
que fazem Psiquiatria Infantil... E n t ã o . . . eu sinto assim uma respon-
sabilidade muito grande... de chegar numa cidade, assim, que, inclusive
tem curso universitário, Faculdade... pessoal "fabuloso", entende, eu
recebendo... compromissos na área profissional e não ser capaz de cum-
p r i r . . . E u digo isso pelo seguinte, porque aqui em X (nome da cidade),
o meu estudo tem sido feito sozinha... quer d i z e r . . . eu não tive
orientação, então eu tenho obtido relativo sucesso na minha á r e a . . .
eu tenho sido até agora autodidata, então isso me dá insegurança...
T 1 2 — Estou entendendo que o principal da pós-graduação, para você,
seria a possibilidade para você complementar conhecimentos que não
adquiriu, aqui, no curso de graduação.
C , 3 — I s s o . . . não t i v e . . . Mas, ao mesmo tempo, eu acho, q u e . . .
até certo ponto... a gente com a Psiquiatria, se a gente estudar bastante,
mesmo... muito... a gente pode, até certo ponto, ser autodidata e
conseguir bastante coisa. E u tenho conseguido, mesmo sem ter tido
supervisão... E , ao mesmo tempo, eu acho que se eu realizar bem pouco,
mas se eu me dedicar, mesmo neste período que eu não faça pós-graduação,
se eu estudar... se eu me dedicar... continuar com o mesmo interesse
que eu tenho tido até agora e não conseguir mais do que isso, eu tenho
possibilidade de ter sucesso, embora eu faça pós-graduação mais tarde,
depois...
T 1 3 — E u entendo o seguinte: que você é uma pessoa capaz de, através
de seu estudo, adquirir os conhecimentos suficientes para o seu trabalho
profissional.
C 1 4 — Ê . . . eu sei que tenho capacidade para isso. E u sei que posso.
T 1 4 — Você sabe que pode.
C 1 5 — Mas até certo ponto — é o tal negócio — (rindo) a gente
sabe que pode... mas, até certo ponto, a gente fica meio insegura da
validade disso. E a gente talvez fique insegura... talvez... a s s i m . . .
sabe por que é ? . . . a sociedade... os indivíduos valorizam muito quando
você diz: "eu me formei em tal Faculdade e fiz tantos anos de pós-graduação
em tal atividade" (e expressa a exigência que a sociedade faz de títulos).
C 4 6 , C 1 7 , C 1 8 e C 1 9 — (a cliente faz um confronto entre profissionais
que tem titulos com os que não têm titulos, concluindo que alguns que não
têm títulos são mais eficientes de que alguns que têm titulos).
^ 1 5 » 1\e> 1*17» 1*18 e 1*19 — ( ° t e r a P e i | t a procura dar respostas
compreensivas ao que a cliente expressa).
C 2 0 — (A cliente comenta que o aproveitamento de qualquer curso
depende, em última análise, do próprio esforço do aluno. E diz:) . . . s e

88
o aluno nãc se dedicar, o professor não vai pegar o aluno pela mão e
ensinar-lhe.
T Juer dizer: o que faz o profissional é o próprio indivíduo que
/20
p i fissão, é i s s o ? . . . É o esforço do profissional, a dedicação
está na
do profissicjnal , é o desejo do profissional crescer que faz com que ele
possa ser almente eficaz na sua profissão.
^21 Sabe (ri), agora você falou uma coisa interessante e que me
faz voltar ao assunto anterior, o do meu casamento. Estou chegando
à conclusãí (ri) que se eu me dedicar realmente, mesmo que eu me
case e se eu f i z e r . . . vamos s u p o r . . . de seis em seis meses estágio
numa clínic , participar de congressos, etcétera e tal e me mantiver atua-
lizada em t irmos de minha especialidade... eu, é . . . com as capacidades
que tenho entro de mim e outras que posso desenvolver, eu serei capaz
de obter stEesso.
i . . . então eu imagino o seguinte: o problema da pós-graduação
parece ter lesaparecido no sentido de poder impedir o casamento. Estou
imaginando que o importante será você se dedicar profissionalmente e ter
uma série vinculações capazes de manter você atualizada...
CQ2 sso!
Tl 2 2 . .então a complementação profissional, você não vai encontrar
agora na ós- graduação, mas pode encontrá-la dentro de um processo
de desenvol imento de contatos permanentes no âmbito profissional. É isso?
*erto. Inclusive, eu a c h o . . . a s s i m . . . que esse rapaz, que
estou" falan|o a gente tem muitos pontos em comum (e fala sobre
o que tem com o r a p a z ) . . . a gente t e m . . . a s s i m . . .
uma comuifcação espiritual fora do comum, entende?... E u acho que
a pós-grad ação não vai me dar isso, c e r t o ? . . . Então, eu estando com
ele, ao lad dele, com capacidade de progredir dentro de mim mesmo
(e continuí falando sobre a ajuda mútua que ambos podem se dar,
concluindo: , a gente tem ocasião de viver um pouco feliz (ri),
1*23 mtão, muito mais importante do que o curso de pós-graduação
ê o casamento com esse rapaz, uma pessoa que pode lhe dar
parece que
dar felicidade, a pode compreender... isso que o curso de
amparo, lh<
pós-gradua< ã não lhe pode dar, não é isso?
o
^24 É. O pós-graduação me daria muita coisa material. Sabe,
conhecimen^Sj, contato com pessoas importantes, e t c . . . Mas o importante
é o relacioi amento humano. E a gente como médico, especialmente como
psiquiatra i ue v i v e . . . a s s i m . . . em contato com a problemática familiar,
de adolesa ntes, e t c . . . além da parte cultural, precisa ter o apoio
espiritual c irto? E eu encontro isso no rapaz.
Então estou entendendo o seguinte: você não está precisando
agora de cprso de pós-graduação. Está precisando desse rapaz,
^25 rindo) C e r t o ! . . . C e r t o ! . . . É isso mesmo! A c a b o u . . .

A entre ista durou 30 minutos. E , agora, que a apresentamos,


passaremo 5 a explicar a " t é c n i c a " da resposta compreensiva.
Durante € s s e capítulo, faremos alusão à entrevista, indicando-a
como o cc$o da srta. R. L.

89
2. A resposta compreensiva como «técnica»

No caso da srta. R . L . , a cliente chega a uma conclusão, a um


resultado: resolve o problema. Algumas vezes se diz que, quando
se tem pressa, " é melhor usar o aconselhamento diretivo porque
o não-diretivo é mais demorado". O r a , o exemplo prova o con-
trário.
D e fato, o aconselhamento não-diretivo pode ser considerado
como um " a t a l h o " : os recursos j á se encontram no próprio
cliente. B a s t a que ele tome consciência do que significam para
a situação e como utilizá-los. No aconselhamento diretivo os
recursos vêm do aconselhador: aparecem como estranhos. O
cliente deve conhecê-los, discuti-los, assimilá-los, conformar-se com
eles para utilizá-los.
Convém notar, no entanto, é que o aconselhador não-diretivo,
no caso da srta. R. L . — como em qualquer outro caso, — não
considera que o mais importante é resolver o problema. Isso
pode acontecer — e de fato acontece — por consequência.
Realmente o aconselhador está interessado em ajudar o cliente
na elaboração mental, interior, que se estabelece no momento da
entrevista.
Através dessa elaboração interior, o cliente faz a experiência
de si mesmo e a entrevista não-diretiva existe para que a referida
experiência se efetive.
E experienciar-se a si mesmo é o cliente sentir adequadamente
o-que-é. P a r a isso é necessário uma boa comunicação consigo
mesmo: o cliente trazer à consciência, de modo correto, as suas
experiências e o que essas significam para ele.
Assim, no caso da srta. R. L . , o aconselhador não está interes-
sado, em primeiro lugar, em saber se a cliente deve casar ou deve
fazer pós-graduação. O importante, mesmo, no exemplo dado, foi
ela entrar no processo de reconhecer os significados pessoais que
dava ao curso de pós-graduação, ao rapaz de quem gostava e ao
casamento. E , isso, só ela poderia saber e não o aconselhador.
Observando-se bem a entrevista, pode-se constatar que houve
um desenvolvimento na orientação dos significados. Assim, por
exemplo, o curso aparece no início, de modo absolutizado, como
oportunidade única para o seu aperfeiçoamento profissional. Depois,
assume o aspecto de "título" muito importante para a sociedade
e os clientes. Finalmente a cliente "descobre" a oportunidade de
complementar a sua formação profissional através de seus esforços

90
pessoais experiências que pode adquirir sem mesmo fazer o
curso.
O desei volvimento da elaboração segue um ritmo próprio, pes-
soal, dela. Constatações anteriores preparam e a dispõem para cons-
tatações j osteriores: ela faz o seu caminho. E , à medida que
segue por ele, idéias e sentimentos vão sendo equacionados conve-
nientemen e, discriminações oportunas aparecem, as situações con-
flitivas qu i pareciam ter peso igual começam a surgir com valências
diferentes O deslocamento de valências produz a solução do
conflito.
O acon ;elhador não julga, não avalia e nem interpreta. Procura
seguir o i tmo de desenvolvimento da própria cliente, sem procurar
retardá-lc nem acelerá-lo. É um companheiro de viagem, atento
e amigo, |ue vai colocando setas no caminho, mas setas que foram
oferecida? pela própria cliente: a srta. R. L . sente-se acompanhada
e "confin l a d a " (reconhecida) no próprio caminho que segue, por
um agent j catalisador que não a quer desviar no processo, mas
deseja qu i o crescimento se realize com o material que a cliente
possui e na orientação que ela julga mais conveniente para si.
O acoí selhador procura apenas manifestar que está compre-
endendo < que foi expressado pela cliente.
Podem< s dizer que, durante a entrevista, o terapeuta utilizou
técnicas c )mpreensivas. E s s a s consistem fundamentalmente no fato
do terape ita poder exprimir com os seus próprios termos o que
percebeu daquilo que a cliente manifestou.
Assim, estamos usando a palavra técnica num sentido diferente
do conve icional.
Não in lica, portanto, um conjunto de procedimentos precisos,
elaborado; como normas, de forma rigorosa, e cuja aplicação fiel
garante a eficácia da psicoterapia.
Mas, d n nosso caso, técnica serve para designar os diversos
modos d< agir que, a cada instante da entrevista, devem ser
criados p ílo terapeuta e que não podem ser predeterminados e
nem prev stos. Constituem manifestações exteriores e congruentes
de atitudi s interiores que fluem, enquanto o terapeuta acompanha
as expres >ões que o cliente manifesta.
Feitas i stas ressalvas, podemos dizer que a técnica compreensiva
consiste r o terapeuta dar respostas compreensivas ao que entendeu
do que fc manifestado pelo cliente.
Diz Rc *ers: "Sinto-me terrivelmente frustrado e me fecho sobre
mim mes no, quando tento exprimir algo que é profundamente

91
meu, que é parte do meu mundo interior, particular, e a outra
pessoa não compreende... sei bem como é decepcionante ser tido
por aquilo que não se é, ser ouvido como se estivesse dizendo
o que não se disse ou não se pretendeu s i g n i f i c a r . . . passo por
uma experiência de vazio e solidão, ao assumir o risco, a incerteza,
de partilhar com o outro o que me é extremamente pessoal e não
encontro receptividade nem compreensão". 4 8
O melhor modo que o terapeuta não-diretivo encontra para não
afligir o cliente, mas, pelo contrário, ajudá-lo com a sua compre-
ensão, é de proceder, quando está na entrevista, como se estivesse
decodificando aquilo que o cliente expressa.
Assim, o terapeuta não-diretivo procura "decifrar" os sentimentos
e idéias que foram expressos nas palavras, no tom da voz, na
mímica, nos gestos, no contexto da frase, nas hesitações, no estilo
do cliente.
O terapeuta procura expressar com suas próprias palavras tudo
que pode decodificar das manifestações do cliente. Repetimos que
não é uma atitude de vigiar, de fiscalizar, de controlar, mas apenas
compreender; ele não dá respostas impositivas mas compreensivas.
As respostas compreensivas podem assumir, como traz Kinget,
três formas diferentes: reiteração ou reflexo simples, reflexos dos
sentimentos e elucidação. 4 4
E s s a s formas de respostas compreensivas devem ser consideradas
a posteriori e não a priori. Queremos dizer o seguinte: o terapeuta
não v a i para a entrevista preparado para dar tais formas de
respostas compreensivas. Pelo contrário, ele deve dar as respostas
que espontaneamente surgem da sua compreensão.
Mas, se depois da entrevista, analisarmos uma gravação feita
sobre a mesma, então talvez possamos reduzir todas as respostas,
.dadas pelo terapeuta, a uma ou outra das que foram referidas
a c i m a : num instante da entrevista, ele faz reiteração. Noutro
momento faz reflexo de sentimentos ou elucidação.
Se tivermos, como ponto de referência, o caso da srta. R . L .
podemos notar o seguinte: *
E m Tt e T 1 4 o terapeuta fez reiteração. E m T 1 4 o reflexo
simples é feito, tendo o terapeuta repetido as mesmas, palavras
do cliente. Neste caso, pode funcionar apenas como se fosse
pontuação de uma frase, tendo aqui o aspecto de um ponto de
4 5 Rogers, Freedom to learn, p. 227.
4 4 Rogers et Kinget, Psychothérapie et Retations, p. 57 a 100.
* Não vamos analisar todas as respostas do terapeuta, mas apenas uma ou outra
para servir de exemplo.

92
interrogaç LO. O terapeuta ,deve evitar perguntas diretas. Ao invés
de pergun ar " M a s será que você pode mesmo?" D i z somente de
modo afir nativo: "Você sabe que pode". E o cliente responde,
como se interrogação tivesse sido feita.
E m T x D terapeuta repete também o que o cliente falou, mas,
agora, res umindo e dizendo com suas próprias palavras o que
foi e:xpre? sado pelo cliente. A entrevista está na fase inicial,
descritiva, O terapeuta nada tem ainda p a r a dizer ao cliente, a
não ser que ele está entendendo o que o cliente manifesta,
Mas, ao irlvés de utilizar frases tais como: "pode continuar a falar
que eu es ou compreendendo perfeitamente o que você está d i -
zendo", a ienas repete o que o cliente disse. Este, por sua vez,
tem oport inidad<e de confirmar (como em C 2 : " é i s s o " ) , ou,
então, de xplicar melhor o que desejou comunicar, falando, por
exemplo: 'Não foi bem isso que eu quis dizer". E manifestar
mais adeq ia,damente seu pensamento,
A reiter ição é apenas uma repetição do que b cliente disse,
Nada acr iscenta ao pensamento do cliente. N a d a possui de
original. F ada contém que possa ajudar o cliente a mudar o seu
campo pei :ept ivo. Utiliza-se, geralmente, quando se quer destacar
algo, a fim de chamar a atenção do cliente sobre isso, ou quando
se quer m nifestar apenas compreensão ou ausência ,de julgamento
ou quandc o cliente está numa atividade meramente descritiva. O
desejável que o terapeuta repita, com suas próprias palavras,
o que o :liente manifestou e que não seja apenas um "eco"
maquinal o que j á foi enunciado.
eflex o do sentimento é mais dinâmico do que a reiteração,
O re\
Serve par extrair a atitude, o sentimento que estão presentes
no que o liente manifestou, propondo-lhe sem impor-lhe.
No case da srta. R . L . , a maioria das intervenções do terapeuta
foi do refl *xo de sentimento. Assim, por exemplo, em C 1 2 , embora
o cliente tivesse dito explicitamente, tudo que manifestou foi
para expli car que, com os seus próprios esforços, ela poderia
adquirir oi conhecimentos suficientes para o seu desempenho pro-
fissional. totem que não é interpretação, não é julgamento ou
avaliação, |0 que o terapeuta disse em T 1 3 , encontra-se de fato
em C 1 3 . O i o que ele disse em T 2 4 realmente se encontra em C 2 4 .
O refle, do sentimento serve para que o cliente tome consciência
de elemenl DS que compõe o campo do que ele pensa e sente e que
de certo modo j á foram manifestados pela sua expressão, embora
não de m 1o explícito, dando-lhe oportunidade para ampliar e,

93
mesmo, modificar o seu campo de percepção. Trata-se de colocar
em primeiro plano elementos que pareciam escondidos, encobertos,
ou em segundo plano.
A elucidação não aparece com frequência na terapia não-diretiva
porque possui um componente inferencial que faz aproximá-la
(não igualar) da interpretação.
Assim, o que o terapeuta diz em T 2 0 , embora pudesse ser
concluído muito "logicamente" do que está em C 2 0 , é, de fato, uma
inferência. A cliente está fa!an.do em aluno, não em profissional.
Foi um " p u l o " que o terapeuta deu no campo perceptivo do
cliente. D e fato, o que diz T 2 0 j á estava no campo perceptivo
do cliente. Mas ainda não estava sob o seu foco perceptivo. Por
isso, com muita frequência, o cliente tende a rejeitá-la e em não
a reconhecer como algo que ele pensa ou sente. A elucidação,
assim, precisa ser feita — quando se julga necessário fazê-Ia
— com muito cuidado, iniciando-a, como se fosse uma proposta
ao cliente, com expressões como as seguintes: "Quer d i z e r ? " ,
" D i g a - m e se estou enganado?", " S e r á que é isso que você quis
d i z e r ? " etc.
Acabamos de ver, assim, a resposta compreensiva. O tópico
seguinte trata de outras respostas, possíveis na terapia.

3. Comparação entre respostas possíveis


na psicoterapia

Kinget, citando Porter, diz que na situação psicoterápica são


possíveis cinco categorias de respostas:

E S T I M A T I V A — exprime uma certa opinião relativa ao mérito,


à utilidade, à exatidão, ao bom fundamento do que disse o cliente.
De alguma maneira, indica como o cliente poderia ou deveria agir.

I N T E R P R E T A T I V A — resposta que procura de algum modo instruir


o cliente a respeito de si mesmo, fazê-lo tomar consciência de
alguma coisa, de demonstrar-lhe algo. D e alguma maneira, procura
indicar como o cliente poderia ou deveria representar para si a
situação.

A P O I O — (tranquilizadora) — resposta que ten.de a tranquilizar


o cliente, aliviar sua angústia, dar-lhe paz. De alguma forma, indica

94
que o sedimento do cliente não é justificado, que o problema
não existe ou que não é tão sério como o cliente o representa.

E X P L O R I T Ó R I A — resposta que tende a obter dados suplemen-


tares, com Drovar ou aprofundar a discussão. Implica que o cliente
poderia 01 deveria examinar melhor algum dos aspectos do pro-
blema (en outras palavras, indica que o problema é mais com-
plexo do c ue o cliente supõe).

C O M P R E i N S I V A — resposta que tende a compreender o cliente


a partir seu interior, a captar o tom afetivo, pessoal, da
comunicaçlo Revela a preocupação do terapeuta de compreender
corretameilte a significação vivida, o que foi dito pelo cliente e a
natureza d sentimento que ele experimenta verdadeiramente. ( E s t a
categoria orresponde, então, à e m p a t i a ) . 4 7

O teraf suta não-diretivo procura utilizar somente a resposta


compreens va. Assim, por exemplo, só esta aparece no caso da
srta. R. 1 O terapeuta acredita que, permanecendo na forma
própria d resposta compreensiva, pode, através dela, de um ou
outro rnoct), efetivar os resultados que se deseja para as outras
respostas
No mestr lugar da obra de Kinget, citada acima, a autora,
além das categorias de respostas, apresenta um exercício de
Porter Eí te consiste em enunciados de casos, possuindo cada
um as cin fo categorias de respostas. O indivíduo deve assinalar
uma das ategorias, para mostrar sua afinidade, sua preferência
subjetiva O exercício visa dar uma certa indicação da prefe-
rência qu< o indivíduo tende a adotar no seu relacionamento
interpesso I. E , desta forma, aguçar sua sensibilidade para o
caráter pn prio dos diversos tipos de respostas — tanto para os
tipos comj|at íveis com a orientação não-diretiva como para aqueles
que não afirmam ou se opõem à referida orientação.

4. U m exercício sobre as categorias


de respostas na terapia

Inspirados nas categorias de respostas e no exercício de Porter,


que são i presentados por Kinget — não tivemos oportunidade

47 Rogers $ Kinget, Psychothérapie et Relations, p. 25, 26.

95
de encontrar a obra original do autor — fizemos, nós também,
um exercício semelhante, utilizando para isso dois grupos diferentes
de alunos nossos.
O nosso interesse era de saber, de modo muito simples, até
que ponto um grupo diferente pode aceitar a mesma resposta dada
por outro grupo. Não estávamos, portanto, interessados em esta-
belecer maiores comparações entre os grupos. O nosso desejo era
de estarmos atentos aos tipos de respostas apresentadas, com-
parando os resultados que se obtivessem.
Somos, numa Faculdade, professor de Aconselhamento Psico-
pedagógico para alunos que estão concluindo o curso de Orientação
Educacional (vamos chamá-los de Grupo I ) . E , noutra Facul.dade,
somos professor de Técnica Psicoterápica, na orientação não-
diretiva, de alunos que estão concluindo o curso de Formação
de Psicólogos (vamos chamá-los de Grupo I I ) .
O Grupo I é constituído por 45 indivíduos e o Grupo I I por 26.
A partir da experiência que temos no consultório com os nossos
clientes, procuramos selecionar alguns casos, dando-lhes forma
resumida e didática.
Dividimos os alunos do Grupo I em círculos de 7 ou 8 indivíduos.
Entregamos a cada círculo um caso diferente. E pedimos que, de
acordo com as definições dadas por Porter a cada categoria, os
alunos procurassem enunciar cinco respostas, como se tivessem
diante .de s i o caso apresentado, numa situação de aconselhamento.
Os casos apresentados com as respectivas respostas, dadas
pelos alunos do Grupo I , foram os seguintes:

CASO l

(PROFESSOR, 3 0 ANOS)

Não sei como explicar minha situação... Sinto-me tão confuso... Sou
professor e gosto muito de dar aulas. Faço tudo para agradar os alunos,
mas é tão difícil agradá-los... Vivem reclamando de tudo: se "aperto"
é porque sou carrasco, se facilito é porque sou "mole". Às vezes sinto
desânimo imenso de dar a u l a s . . . Além disso, ganha-se muito pouco.
Vivo com muita dificuldade para sustentar a família. Mas não é por
causa do dinheiro... Não sei o que está acontecendo... Parece que ao
mesmo tempo gosto e não gosto, quero e não quero... Não s e i . . .

RESPOSTAS:

1. Estimativa: Esse problema que você está enfrentando é realmente


desagradável. Mas quem sabe se a gente pode resolvê-lo, procurando
mudar o seu relacionamento com os alunos.

96
2. Interpr tativa: Vovê já experimentou motivar suas aulas, utilizando
técnicas novi s?

3. Apoio — Acho que você não deve ficar preocupado. Talvez seu
desânimo sej mais por causa do cansaço.

4. Explor itória — Será que o problema financeiro, a que parece dar


pouco valor, não está influenciando no seu desânimo?

5. Compn ensiva — Você sente-se muito confuso: ao mesmo tempo


você gosta lecionar e encontra problemas financeiros e com os alunos.

CASO 11

(GAROTA D E 1 5 ANOS)

Não sei o q le fazer da vida. Sinto-me triste, apática, desanimada. E não


tenho razão para me encontrar assim. Meus pais são os melhores do
mundo. T e n l o tudo o que preciso: minha família não é muito rica mas
também não é pobre. Temos o suficiente para viver sem aperto. Tenho
namorado q le gosta de mim. As pessoas também parece que gostam
de mim, Nã sei o que quero m a i s . . . No entanto, sou triste, triste...

RESPOSTAS:

1. Estima iva: Talvez fosse interessante você descobrir alguma atividade


para se ded|car, a qual realmente você pudesse dedicar o seu ideal.

2. Interpretativa: Compreendo sua apatia e o desânimo. Mas a vida


não é feita assim mesmo de altos e baixos? Talvez isso represente um
momento pa sageiro da vida, pela qual você está passando.

3. Apoio ú Mas você não ter problemas em casa, já isso não é motivo
de muito copforto?

4. Exploratória: Será que essa apatia não está no fato de você neces-
sitar dar un pouco mais de si, corresponder um pouco mais ao amor de
seus familiares que, segundo você diz, são os melhores do mundo?

5. Comprkensiva: Apesar de tudo de bom que você possui, você se


considera ur ia pessoa triste, muito triste. Tudo de bom que você possui
não a faz f liz, não é isso?

CASO III

(SENHORA CASADA DE 2 5 ANOS)

Já não ei mais o que fazer com o meu marido. Ele me enerva.


De fato, eh me e n e r v a ! . . . Jamais está satisfeito com o que eu faço.

97
E olhe que eu faço tudo para agradá-lo. Mas ele nunca está satisfeito.
Reclama de tudo. Para ele, nada serve. Na hora da refeição sempre tem
um defeito para mostrar. Para ele, nunca a comida está boa. Com as
crianças, diz que eu não cuido bem delas, que não sei educá-las. Mas,
também, nunca está disposto a conversar comigo. Sempre está cansado...
ocupado com alguma c o i s a . . . nunca está disponível. Só dá valor ao
que ele mesmo faz: só ele é responsável e faz as coisas bem f e i t a s . . .
Não reconhece meus esforços, o meu trabalho. Desse jeito, não agiiento
mais. O que devo fazer?

RESPOSTAS:

1. Estimativa: Será que, quando chega do trabalho, você o recebe


bem? Propicie um ambiente acolhedor e compreensivo. Isso ajudará muito.

2. Interpretativa: Você já refletiu alguma vez, de maneira séria, o que


realmente é do agrado do seu marido? Isso me parece fundamental como
ponto de partida.

3. Apoio: Apesar do procedimento estranho que ele tem, ainda continua


morando com você. Não será isso sinal de que ele gosta de você, apesar
de tudo?

4 . Exploratória: Você já procurou descobrir quais os motivos que


deixam seu marido irritado com os problemas do lar? Quem sabe se ai
está o nó da questão.

5 . Compreensiva: Você não se sente valorizada pelo marido e isso


a deixa profundamente magoada e confusa.

CASO IV

(UM HOMEM DE 4 5 ANOS)

Não quero mais continuar no trabalho em que estou atualmente. Lá


eles não me consideram. Pelo contrário, vivem me humilhando. Estudei
tanto e . . . fui acabar nessa arapuca. Sou até um homem calmo. Mas
não suporto que abusem de mim. Já pensei que o melhor mesmo seria
eu mudar de emprego. Mas, ai é que está, eu devia ter pensado nisso
antes. Agora já é muito difícil. Tenho 20 anos de c a s a . . . como vou
deixá-la? E , na minha idade, não é tão fácil encontrar emprego.

RESPOSTAS:

1. Estimativa: Se você parte do princípio que com 4 5 anos não vai


encontrar emprego, então não vai encontrá-lo mesmo. Não é melhor
você fazer uma tentativa?

2. Interpretativa: Você está de fato numa situação embaraçosa, cuja


culpa você acha que é do ambiente de trabalho. Não seria interessante
você refletir se o problema não se encontra na sua própria insegurança?

98
3. Apoio É duro, na verdade, você encontrar essas dificuldades no seu
trabalho Ma ;,, por outro lado, você já tem estabilidade, que é grande coisa.

4. Expio atória: Diga-me exatamente o que faz você sentir-se humilhado


no seu trat alho?

5. Comp eensiva: Você não gostaria de continuar mais no seu trabalho


mas, por o tro lado, não gostaria também de sair, não é?

CASO V

( M E N I N A DE 13 ANOS)

Não suporto minha avó! E l a é "chata", "chata". Vive me controlando


em tudo qu eu faço. Quer sempre saber para onde eu vou, com quem
ando, o qu f a ç o . . . se mete em tudo. Até minhas amigas ela quer
escolher, Di que é para o meu bem, que que sou muito criança, inexpe-
riente. E u 5ei que ela gosta de mim, gosta muito. Mas por que se
mete tanto Minha mãe me diz que eu devo compreender, que ela é
velha e ten suas manias. Mas, francamente, eu não a suporto. É duro
dizer, mas ks vezes tenho desejo que ela m o r r a . . . Como posso odiar
tanto uma pessoa que gosta tanto de m i m ? . . .

RESPOSTAS:

1. Estim itiva: Talvez você esteja excessivamente preocupada com o


controle qu< sua avó tem sobre você. Quem sabe se você ficasse menos
atenta a isjo, sofreria menos?

2. Interáretativa Talvez você não tenha ódio à sua avó, mas sim
do procedimento de controle dela: talvez esteja confundindo as duas
coisas.
3. Apolo Na verdade, sua avó faz você sofrer muito, É difícil não
ter raiva uma pessoa assim.

4. Expiratória Esse controle que sua avó procura exercer sobre


você é de a jora ou já começou há mais tempo?

5. Comp eensiva: É muito difícil para você sentir que odeia sua avó,
quando sab: que ela gosta tanto de você, não é isso?

CASO VI

(JOVEM UNIVERSITÁRIO DE 1 9 ANOS)

Sou um pessoa altamente bloqueada. Tenho 1 9 anos e não consigo


namorar. À ; vezes fico pensando q u e . . . q u e . . . não sou normal. Todos
os meus cc legas já têm namorada e eu não tenho. Mas não é que eu
não goste \ e garotas. Gosto, s i m . . . Mas eu só me relaciono bem com
elas no plflno da amizade. Quando a coisa está mudando para outro

99
p l a n o . . . você entende?... começo a ficar com medo. Não sei bem
o que s i n t o . . . acho que é timidez. Marco encontro e vou procurá-la. Mas
aí vem o problema. Minha conversa fica b o b a . . . sem sentido. Acho que
ela pensa que eu sou um idiota. Minha vontade é de sair correndo e ir
embora. Você acha isso normal?

RESPOSTAS:

1. Estimativa: O que você deve- fazer é tentar mesmo vencer esta


timidez continuando a enfrentar situações difíceis. Suponho que depois de
uns treinos neste sentido a coisa melhore.

2. Interpretativa: Você já pensou que talvez isso nao seja apenas


problema seu? Será que as próprias moças com as quais você se encontra
não estão passando por situações semelhantes?

3. Apoio: Acredito que isso não seja motivo para tanta inquietação.
Afinal você já pressentiu que não se trata de anormalidade, que é apenas
timidez.

4. Exploratória: Isso que você está me contando — essa timidez — só


acontece em plano de namoro ou em outras situações também?

5. Compreensiva: Você tem dúvida se o fato de não se relacionar bem


com as garotas é uma simples timidez ou se é sintoma de anormalidade
mais grave, não é isso?

Os casos enunciados, com as respectivas respostas, foram depois


levados para os alunos de Técnica Psicoterápica (que chamamos
de Grupo I I ) da outra Faculdade.
F o i entregue a cada aluno do Grupo I I uma cópia mimiografada
dos seis casos com suas respectivas respostas. E pediu-se que,
como tarefa individual, eles fizessem a avaliação ,das respostas
dadas, tendo como critério as categorias e definições como se
encontravam em Porter.
Os alunos do Grupo I I j á estavam fazendo prática supervisionada
de psicoterapia não-diretiva, analisando e discutindo os casos que
atendiam. E r a de supor-se, portanto, que pudessem acrescentar
às definições teóricas das categorias uma maior compreensão,
discriminação e precisão, obtidas nas experiências práticas.
Pediu-se aos alunos do Grupo I I que a avaliação das respostas
fosse feita, através de conceitos, sob dois aspectos: correção e
adequação.
A correção consistia em se dizer até que ponto as respostas
dadas pelos alunos do Grupo I para cada categoria possuíam,
de fato, as características que teoricamente Porter tinha assinalado

100
I
pela defin ção para a referida categoria. A avaliação devia ser
feita na í rma de conceito, numa escala que previa as seguintes
posições: WC (muito correto), C (correto), D (duvidoso), I ( i n -
correto), f\l (muito incorreto).

A adeqi ação consistia em se dizer se a resposta d a H a , inde-


pendente
apresentado. Isto é, até que ponto a resposta dada convinha ao
caso aprei entado. A avaliação devia ser feita também através de
uma esca \ com as seguintes posições: M A (muito adequado),
A (adequ ido), D v (duvidoso), In (inadequado) e M i n (muito
inadequad >).
O leitoi talvez possa utilizar os casos com as respectivas res-
postas a m de fazer um exercício pessoal de avaliação. Convém
salientar, no entanto, que, no exercício, não se esperava uma
avaliação tm termos rigorosos de certo e errado para as respostas
que fossei 1 dadas aos casos.
De fato as respostas significam apenas a atitude do Grupo I
para recoí hecer determinadas categorias e enunciar respostas que
servissem ao caso que foi apresentado. E o modo específico de
fazer isso depende do próprio julgamento subjetivo do terapeuta,
na situaçã > concreta da entrevista em que estiver colocado. Trata-se,
portanto, < e um exercício teórico que só teria significado e validade
se efetivai o num contexto prático.
O exer ício, feito pelo leitor, teria por finalidade aguçar-lhe
a sensibili lade para enunciados que definem ou não o procedimento
não-direti o. Assim, foi para a utilidade pessoal de quem faz o
exercício que colocamos como referência os termos correção e
adequaçãt, Eles visam, portanto, favorecer o julgamento manifes-
fativo de atitudes próprias e não definir de modo "objetivo" o
acerto d a respostas dadas. Pelo menos, foi essa a intenção que
tivemos a > dar o exercício.
A título de ilustração damos agora os resultados, em quantidade
de pontos alcançados para cada categoria de respostas nas posi-
ções da i scala, segundo a avaliação do Grupo I I :

101
TABELA I

QUANTIDADE D E PONTOS ALCANÇADOS, QUANTO À "CORREÇÃO",


NAS POSIÇÕES DA E S C A L A P A R A CADA U M A DAS R E S P O S T A S :

Quantidade de pontos obtidos

MC C D I MI Total

Estimativa 49 69 21 13 4 156
Interpretativa 51 62 15 18 10 156
Apoio 48 55 16 28 9 156
Exploratória 61 61 14 17 3 156
Compreensiva 88 53 7 6 2 156
Total 297 300 73 82 28 780

TABELA n

QUANTIDADE D E PONTOS ALCANÇADOS, QUANTO À "ADEQUAÇÃO",


NAS POSIÇÕES D A E S C A L A P A R A CADA U M A D A S C A T E G O R I A S
DAS RESPOSTAS:

Quantidade de pontos obtidos


Respostas: .
MA A Dv In Min Total

Estimativa 36 64 23 17 16 156
Interpretativa 36 76 14 24 6 156
Apoio 26 55 21 38 16 156
Exploratória 32 62 24 28 10 156
Compreensiva 74 63 7 8 4 156
Total 204 320 89 115 52 780

P a r a considerarmos as diversas categorias de respostas que, no


conjunto dos casos, obtiveram maior número de pontos, elaboramos
a T a b e l a I I I que segue. (Convém notar que nessa Tabela, Cs
significa caso e os números em algarismo romano, contidos na
coluna, correspondem à indicação do caso. C , M C , /, Af/, A, MA,
In e Min são as diversas posições da escala de correção e de
adequação. Os números em algarismo arábico contidos nestas
colunas indicam a quantidade de pontos alcançados em cada
posiçãô da escala para cada categoria de resposta. E T é o total
de pontos obtidos nas diversas posições da escala).

102
TABELA ffl

C A S O S « U J A S CATEGORIAS D E R E S P O S T A S O B T I V E R A M MAIOR
Q U A N "IDADE D E P O N T O S E M C O R R E Ç Ã O E ADEQUAÇÃO

corretas incorretas adequadas inadequadas


Respostas
Cs C MC T Cs I MI T Cs A MA T Cs I n M I n T

Estimativa V 7 17 24 1 1 3 4 V 11 11 22 IV 5 3 8
Interpret. V 12 13 25 I 8 4 12 III 18 7 25 16 1 7
Apoio VI 5 20 25 V 16 6 22 VI 13 5 18 V 11 6 17
Explorai I 10 15 25 IV 8 3 11 III 9 11 20 VI 5 4 9
Compreensivi I 5 20 25 V 2 1 3 I 11 14 25 V 4 1 5
Total 39 85 124 35 17 52 62 48 110 31 15 46

Consider indo as Tabelas apresentadas, podemos chegar a algu-


mas conclu ;oes:

1 ) Nas abelas I e I I , a percentagem de pontos nas colunas


de Duvidai é muito pequeno (respectivamente 9 , 3 5 % para I e
1 1 , 4 1 % pa ra a I I ) . Isso leva-nos a concluir que os alunos do
Quadro I I sentiam-se capazes ou pelo menos tinham vontade de
tomar pos ão definida, favorável ou desfavorável à correção
(MC + C = 76,53% e I + M I = 14,10%) e à adequação
(MA + A = 67,19% e In + Min = 21,41%).

2) O x |>btido dos resultados da primeira T a b e l a (x* = 53,67)


e da segun l a (x* + 85,16) é significativo (maior do que 26,296
ao nível de 0,05 para 16 g . l . ) . Concluímos, portanto, que os pontos
marcados p ara as categorias de respostas não os foram por acaso,
mas que i apresentam uma tomada de posição dos alunos do
Grupo I I : \ xiste de fato uma relação entre categorias de respostas
e posições na escala.

3 ) Comp arando-se as Tabelas I e I I para verificar a correlação


entre posiç< es, constata-se que o resultado da comparação é signi-
ficativo ( r = 0 , 9 6 ) . Os alunos do grupo I I tiveram a tendência
de considei ar como mais e menos adequadas as respostas que
também t i i h a m avaliado como mais e menos corretas.

4 ) Os a unos do Grupo I I tiveram ainda a tendência de consi-


derar "cor etas" e "adequadas" (estamos dando aos termos o

103
sentido e as implicações que j á foram explicados) o enunciado
das respostas feito pelo Grupo I . Assim, houve 7 6 , 5 3 % , no total
de pontos da Tabela I , para respostas consideradas corretas e
muito corretas contra 2 3 , 4 5 % para as respostas consideradas
duvidosas, incorretas e muito incorretas. E houve 67,19%, no
total de pontos da T a b e l a I I , para as respostas consideradas
adequadas e muito adequadas contra 3 2 , 8 2 % para as respostas
consideradas inadequadas, muito inadequadas e duvidosas.

5 ) Seguindo a mesma linha de pensamento, selecionadas as


melhores e as piores respostas, tais como o Grupo I I as considerava
e como aparecem na Tabela I I I , houve uma percentagem de
3 7 , 3 5 % para as que foram consideradas melhores na correção
contra 15,65% para as que foram consideradas piores. E houve
3 3 , 1 3 % para as que foram consideradas melhores, na adequação,
contra 13,85% das que foram consideradas piores.

6 ) Parece que houve mais acordo, decisão e homogeneidade


com relação à resposta compreensiva, que, de fato, j á fora
bastante conhecida e treinada, tanto pelos alunos do Grupo I
como pelos do Grupo I I . Do total dos pontos da Tabela I , 18,7%
refere-se a M C e C da resposta compreensiva, enquanto 1,93%
refere-se a I , M I e D da mesma resposta. Assim, também na
T a b e l a I I , 17,57% refere-se a M A e A , enquanto que 2 , 4 4 %
refere-se a I n , M i n e D v da mesma resposta.

7 ) Mas, se levarmos em consideração apenas as melhores


e piores respostas, da Tabela I I I , apresentam acordo e homo-
geneidade com relação às mesmas, indicando possivelmente a sua
capacidade de discriminação em todas as categorias. De fato, fora
a resposta estimativa que recebeu 7,23% de pontos, as outras
(inclusive a compreensiva) receberam, cada uma, 7 , 5 3 % do total
de pontos das respostas consideradas mais corretas e adequadas.
O mesmo já não aconteceu, entretanto, com relação a adequação.
Talvez os enunciados das definições das respostas tivessem dado
para os alunos do Grupo I I uma base de referência para a dis-
criminação, enquanto que a adequação permaneceu apenas numa
opção meramente subjetiva.

104
CONCLUSÃO

HA D I V E I f modos de se estabelecer critérios como pontos refe-


renciais ara se acompanhar a evolução do processo da terapia
não-diret|va
Assim, >or exemplo, esse que Kinget apresenta: " E t a p a s caracte-
rísticas o processo terapêutico estabelecidas sobre a base das
atividade predominantes do cliente em diferentes momentos:

o Fase Apresentação dos problemas e sintomas


N
deétritiva { Expressão de estados emocionais
l Atitudes críticas com respeito ao "eu"

Fase Exploração e avaliação do comportamento


analítica Surgimento de uma imagem consciente do "eu'
Descobertas de contradições experienciais

Percepção de si mesmo a um nível mais


Fi se de profundo
avi Viação Mudança do centro de avaliação
Começo da reorganização

Aceitação de si mesmo
Ft se de Percepção do progresso
intei ração Avaliação positiva de si mesmo
Esboço de projetos

Como vê, as chaves entram uma nas outras, indicando que


não exist separação nítida entre as fases. Aliás, Kinget previne
que todas as características se encontram, em grau mais ou menos
pronuncia las no conjuto do processo. Assim, as fases não
representa m fenómenos nitidamente diferenciados uns dos outros:
na primei a etapa já se pode encontrar características da segunda
ou terceir e assim por d i a n t e . 4 8

4» Rogers í Kinget, Psychothérapie et Relations, p. 148

105
Indicamos o exemplo para mostrar que um roteiro é possível.
Entretanto, queremos lembrar ao terapeuta que a sua utilização
— como a de qualquer outra técnica — não é o que a orientação
não-diretiva considera mais importante.
O mais importante seria quase o inverso: o terapeuta despojar-se
de todos os esquemas para que possa, desarmado de todo papel
"profissional", estabelecer com o cliente um relacionamento sem
" m á s c a r a s " nem "fachadas", sendo realmente ele-mesmo, numa
interação de pessoa para pessoa.
O mais importante, mesmo, é viver com o cliente a aventura de
suas experiências, que ele nos manifesta nas entrevistas. E , para
isso, é necessário respeitá-lo, perceber como ele percebe e sentir
como ele sente. Desta maneira, a preocupação central da não-
diretividade é a de um relacionamento bom e construtivo.
Poderíamos dizer, exagerando para acentuar a afirmação, que
o terapeuta não-diretivo não se preocupa em curar mas em rela-
cionar-se. Pelo que já foi dito no livro, sabemos como essas idéias
devem ser entendidas.
Alguém poderá dizer que o tipo de relacionamento preconizado
pela não-diretividade é utópico. Neste caso convém indagar o que
se entende por utopia.
Se a palavra indica um estado a ser atingido, onde o indivíduo
se instala num equilíbrio perfeito — uma espécie de bem-aventu-
rança — que nega o sofrimento, o conflito e o esforço de progredir,
então esse conceito não cabe na T e o r i a não-diretiva.
Mas se pelo termo utopia deseja-se indicar um ideal bem
elaborado, que se sabe de antemão ser inatingível, e que por isso
existe, não para ser alcançado, mas para dar sentido e orientar
o processo, então parece não haver incompatibilidade entre essa
idéia e a orientação não-diretiva.
N a orientação não-diretiva não se pretende que o indivíduo se
instale. Sabe-se que a vida é fluxo permanente. E a tendência
ao desenvolvimento impulsiona a pessoa para um movimento i n -
cessante de crescimento: o que se vive é o processo continuo.
P a r a se descrever o processo, procura-se utilizar uma elaboração
intelectual, na busca de abranger todos os seus aspectos, podendo
dar às vezes a impressão dé uma espécie de "tudo ou n a d a " .
Assim, por exemplo, alguém pode pensar que só é autêntico se
tiver todas as conotações que foram definidas ou, se faltar alguma,
já não pode falar mais em autenticidade.

106
Mas idemos também imaginar a situação de modo diferente,
Assim, p< de e-se considerar que as explicações não foram dadas
para ser de modelos ou como critério de "certo" e "errado",
São apeias indicações, refletidas sobre o que a experiência da
vida pode oferecer e que podem ser úteis apenas como ponto de
referência para uma construção pessoal, insubstituível e inalienável,
que só ca da um por si mesmo pode fazer.
O centiD de avaliação para cada um de nós deve estar em nós
mesmos. Issim, julga-se na orientação não-diretiva.
Além c sso, diz Rogers: " a espontaneidade é o elemento mais
precioso fugidio que conheço. Quando faço qualquer coisa
espontâiane ela é altamente eficaz". "
Assim apesar de tudo que se possa escrever sobre o assunto,
o mais in portante não são modelos vindos de fora, mas continua
sendo a utenticidade, pela qual o terapeuta pode confiar na sua
auto avalfição e pode dedicar-se com espontaneidade ao processo
psicoteráj co.

Carl Ro ers, On Encounter groups, p. 56.

107
OBRAS CITADAS

1. ANASTASI, ANNE. Campos da Psicologia Aplicada. Editora Herder, São


Paulo, 1972.

2 . B R A M M E R , Lawrence e S H O S T R O M , Everett L. Psicologia Terapêutica.


Herrero Hermanos, Sucessores, SA, México, 1970.

3. C U R R A N , Charles A . La psicoterapia Autagógica. Editorial Razón y Fe,


S A , Madri, 1963.

4. F R O M M , Erich. Psicanálise da sociedade contemporânea. Zahar Edito-


res, Rio de Janeiro, 1967.

5. M A S L O W , A. H. Motivación y personalidad. Sagitário, SA, Barcelona,


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6. M A Y , Rollo; R O G E R S , Carl e outros. Psicologia Existencial. Editorial


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7. M U R Y , Gilbert. Introduction à la non-directivité. Privai éditeur, Tou-


louse, 1973.

8. P A G È S , Max. UOrientation non-directive en psychothérapie et en psy-


chologie sociale. Dunod, Paris 1965.

9. P E R E T T I , André. Les contradictions de la culture et de la pêdagogie.


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10. P U E N T E , Miguel de la. Carl Rogers: de la psychothérapie à tenseigne-


ment. Editions Epi, Paris, 1970.

11. R U D I O , Franz Victor. Ensaio Experimental: Mudança de autenticidade


em dois Grupos de Encontro. Monografia de Conclusão de Mestrado, P U C
do Rio de Janeiro, 1972.

12. S T . A R N A U D , Yves. La consultation Pastorale Uorientation rogérienne.


Bibliothèque d'études psycho-religieuses, Desclée de Brouwer, 1969.

13. R O G E R S , Carl et K I N G E T , G . Marian. Psychothérapie et Relations Hu-


maines: Théorie et pratique de la thèrapie non-directive. Publications
Universitaires de Louvain, Editions Béatrice-Nauwelaerts, Paris, 1966.

108
14. ROGERS Carl. Counseling and Psychoterapy: Newer concepts in practice.
Houghton "ifflin Company, Boston, 1942.

15. ROGERS Carl. On Becoming a person. Houghton Mifflin Company,


Boston, 19 1

16. ROGERS, Carl. Client-centered Therapy. Houghton Mifflin Company,


Boston, 1 9

17. RoGERsICarl. Freedom to learn. Charles E . Merrill Publishing Company,


Columbus, t)hio, 1969.

18. ROGERSJ Carl. Carl Rogers on Encounter Groups. Harper 6c Row,


Publishers, píew York, 1970.

19. Diccionirio de Psicologia. Howard C . Warren, Editor, Fondo de Cultura


Económica, México—Buenos Aires, 1948.

109
ORIENTAÇÃO NÃO-DIRETIVA
NA EDUCAÇÃO, NO ACONSELHAMENTO
E NA PSICOTERAPIA

F. VICTOR RUDIO

R U T O de p e s q u i s a s clínicas e de grande experiência no magistério,


e s t e livro quer s e r , a n t e s de tudo, um roteiro para a s d i s c i p l i n a s
Técnicas Psicoterápicas e A c o n s e l h a m e n t o Psicopedagógico.
O próprio autor lhe dá uma finalidade didática: a obra contém os
c o n c e i t o s e princípios básicos da orientação não-diretiva,
necessários a quem d e s e j a uma introdução s i m p l e s para o
exercício da ajuda psicológica, nas f o r m a s de aconselhamento ou
de p s i c o t e r a p i a centrada no c l i e n t e .

U m livro que c e r t a m e n t e será de máxima utilidade a o s e s t u d a n t e s


e m e s t r e s e que s e r á t a m b é m de grande ajuda para o s
p r o f i s s i o n a i s da área.
O autor é natural do Estado do Espírito Santo e possui Mestrado
e m Educação na área de A c o n s e l h a m e n t o Psicopedagógico, p e l a
P U C - R i o . Foi professor de A c o n s e l h a m e n t o Psicopedagógico e de
Psicologia da Aprendizagem n e s s a m e s m a Universidade.
A t u a l m e n t e , além de Psicólogo Clínico, na cidade de S . Paulo, é
t a m b é m p r o f e s s o r titular de A c o n s e l h a m e n t o Psicológico na
F . A . I . ( S . Paulo) e p r o f e s s o r titular de T e o r i a s da Personalidade e
de Técnicas Psicoterápicas na Faculdade S a l e s i a n a de Lorena
( S . Paulo).

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A v a l i a ç ã o Educacional — Planejamento, A n á l i s e de Dados,
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Avaliação Educacional — P e r s p e c t i v a s , Procedimentos
e A l t e r n a t i v a s ( V o l . II) — Org. Lília da Rocha B a s t o s e Outros
Estratégias de Ensino-Aprendizagem — J u a n D. Bordenave
e A d i r M. P e r e i r a
Introdução ao Projeto de P e s q u i s a Científica — F. Victor Rudio
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Capa: Paulo de Oliveira

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