5 Leitura - O Direito Moderno Sob A Ótica Dos Clássicos Da Sociologia PDF

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Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas,

Elizardo Scarpati Costa

O DIREITO MODERNO SOB A ÓTICA DOS CLÁSSICOS DA

RESENHA TEMÁTICA
SOCIOLOGIA: análises e questionamentos

Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas*


Elizardo Scarpati Costa**

Pretende-se, neste artigo, fazer uma análise acerca do direito moderno a partir das três aborda-
gens clássicas da sociologia – da perspetiva weberiana, durkhemiana e marxiana sobre o
campo do direito. Procurar-se-á especificar as diferentes interpretações sociológicas, discutin-
do-as a partir das relações sociais e políticas estabelecidas entre a sociedade civil, o Estado e as
ideologias políticas que concretizam a atual configuração do direito. Assim, como se trata de
visões fundadoras, interessa-nos tanto o que elas propuseram quanto o que elas não puderam
responder, reclamando continuidades da sociologia jurídica contemporânea, com atenção es-
pecial para o caso brasileiro. Portanto, pretende-se demonstrar a abertura paradigmática que a
sociologia do direito possui desde sua formação e como o direito, como temática sociológica,
está presente desde a fundação da disciplina.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Estado. Sociedade civil. Conflito.

O objetivo deste artigo é fazer uma breve de; e, por fim, a visão do direito como legitimador
explicação do direito moderno socorrendo-se das das desigualdades entre as classes sociais. Desse
diferentes abordagens sobre o campo do direito, modo, veremos como essas visões continuam atu-
com enfoque na teoria dos três grandes clássicos ais e podem ser aplicadas para se entender a reali-
da sociologia. Procurar-se-á especificar essas três dade contemporânea brasileira.
interpretações sociológicas, discutindo-as a partir
das relações sociais e políticas estabelecidas entre
a sociedade civil, o Estado e as ideologias políticas UMA VISÃO EXTERNA DO DIREITO

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que concretizam a atual configuração do direito.
Demonstrar-se-á que as visões dos clássi- Antes de adentrar propriamente na visão
cos, bastante diferenciadas entre si, proporcionam dos clássicos sobre o direito, um breve comentário
também três formas de enxergar a relação entre sobre a sociologia do direito. Operadores do direi-
direito e sociedade, ou melhor, do direito dentro to, em regra, estão preocupados em definir qual a
da sociedade. Uma visão do direito como afirma- forma mais justa de se resolverem as questões à
ção de uma vontade de um grupo sobre uma cole- luz dos princípios e normas positivas vigentes.
tividade; uma segunda tendo o direito como ema- Sem ignorar essa necessidade social, o sociólogo
nação de desejos e necessidades de uma socieda- do direito se propõe um objetivo diverso: analisar
*Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do como os fatores externos ao mundo do direito in-
Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). Mestre em sociologia e
direito pela Universidade Federal Fluminense. fluenciam o processo decisório do direito. Assim,
Largo de São Francisco de Paula, 1, sala 420. Cep: 20051-070.
Rio de Janeiro, RJ – Brasil. [email protected] tal objetivo diferencia-se da dogmática jurídica, que
** Doutorando em Ciência Relações de trabalho, Desi- trabalha com uma concepção jurídica ideal da teo-
gualdades Sociais e Sindicalismo. Mestre em Sociologia
pela Faculdade de Economia Universidade de Coimbra ria pura do direito.1 Ou seja, não leva em conside-
(FEUC) - Portugal e, mestre em Sociologia pela École en
1
Hautes Etudes en Science Sociales (EHESS) Paris. Até que ponto o trabalho dos operadores do direito podem
[email protected] e (ou) devem aproveitar-se também do conhecimento pro-

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ração o julgamento da ação individual, embora atri- O estudo do autor sobre a temática foi vas-
bua um forte peso ao campo objetivo, fático e con- to. Em sua obra prima, Economia e sociedade
creto das normas jurídicas existentes. Abandona, (Weber, 2004), ele estuda alguns tipos de direito
assim, o campo do dever-ser. Segundo Max Weber, em sociedades passadas, como o “[...] direito ro-
mano, germânico, francês ou anglo-saxônico, di-
[...] a ordem jurídica ideal da teoria do direito reito judaico, islâmico, hindu, chinês e mesmo o
não tem diretamente nada a ver com o cosmos
das ações [...] efetivas, o objeto da sociologia jurí- direito consuetudinário polinésio[...]” (Freund,
dica, uma vez que ambos se encontram em pla- 1987, p. 7), que foram fundamentais para sua con-
nos diferentes: a primeira [dogmática jurídica],
solidação teórica do ponto de vista da concepção
no plano ideal de vigência pretendida; o segun-
do, a [Sociologia jurídica] no dos acontecimentos de direito moderno e da institucionalização de um
reais (2004, p. 209). conjunto de leis e regras orientadas pelas consti-
tuições que surgiram na Europa no século XIX.
Dessa forma, o direito torna-se preocupa- Assim, o processo das revoluções liberais
ção da sociologia como uma atividade social que iniciadas na Inglaterra e finalizadas na França e
está em articulação direta com diversos ramos da nos Estados Unidos foi, segundo Weber (2004),
vida social. E essa preocupação se colocou para a fortemente influenciado pelas teorias gerais dos
sociologia desde seus clássicos fundadores, no contratualistas. Dentre eles, destacam-se John
século XIX, que privilegiamos neste artigo. Locke, Voltaire, Montesquieu e principalmente
Rousseau, que pregavam o fim da tirania e a liber-
dade de propriedade como princípio básico da
A SOCIEDADE, O DIREITO E A igualdade da humanidade.
RACIONALIDADE Em sua análise sobre a sociedade moderna,
Weber ressalta que a conquista do comércio inter-
O sociólogo alemão Max Weber contribui continental por parte da burguesia está ligada ao
decisivamente para a formação de uma sociologia surgimento e à formação de uma nova racionalidade
jurídica ou do direito. Segundo Weber, – a mentalidade burguesa, oriunda da ascendên-
cia liberal e protestante, inspirada pelo “espírito”
A lei existe quando há uma probabilidade de
que uma ordem seja mantida por um quadro es- subjetivo de acumulação de riqueza, da qual Weber
pecífico de homens que se utilizarão de irá tratar em A ética protestante e o espírito do capi-
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compulsão física ou psíquica com a intenção de


talismo (1981).
obter conformidade em relação à ordem ou de
aplicar sanções à sua violação (1976, p. 61). A sociologia jurídica, na concepção
weberiana, visa a estudar os comportamentos dos
Para ele, a assertiva vale para todas as or- indivíduos frente ao conjunto de normas jurídi-
dens legais, não se restringindo somente às do cas estabelecidas em uma determinada ordem so-
Estado. Além disso, a estrutura da ordem legal tem cial legítima. Procura verificar qual o grau de res-
influência direta na distribuição de poder dentro peito dos indivíduos por essas normas jurídicas
de uma comunidade. Em seguida, o autor apre- preestabelecidas na sociedade. Segundo Julien
senta sua definição, hoje clássica, de poder: Freund (1987, p. 50), um dos principais especia-
listas nos estudos sociológicos de Weber, a socio-
Em geral, entendemos como ‘poder’ a possibili- logia jurídica weberiana
dade de um homem ou de um grupo de homens
realizarem sua própria vontade numa ação
comunal, mesmo contra a resistência de outros [...] tem por objeto compreender o comportamento
que participem da ação (p. 61). significativo dos membros de um grupamento quan-
to às leis em vigor e determinar o sentido da crença
em sua validade ou na ordem que elas estabelece-
ram. Procura, pois, apreender até que ponto as re-

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gras de direito são observadas, e como os indivídu- da vida pública e privada. Portanto, a racionalidade
os orientam de acordo com elas a sua conduta.
burocrática foi o caminho encontrado pelos juris-
tas e pelos políticos para manterem uma domina-
Sendo assim, a questão da norma jurídica
ção legal do todo social. Estabelecem-se, assim, as
em Weber leva em conta a atuação individual e
possibilidades de uso do poder estatal republica-
coletiva sobre a legalidade de determinada ordem
no nas sociedades ocidentais. Portanto, no ponto
jurídica. Nesse sentido, a aceitação ou não dessa
alto dessas considerações, Weber analisa a buro-
norma não impede sua transgressão. Ou seja, a
cracia como o maior sinônimo de dominação legal
sociologia jurídica de Weber trabalha com as nor-
das sociedades modernas.
mas no plano das ações humanas com base no
Por outro lado, antes de prosseguir, vale
sistema jurídico vigente e leva em conta os aspetos
ressaltar a perspetiva weberiana de dominação. Em
subjetivos das regras sociais estabelecidas levan-
oposição ao poder, a égide da dominação é
do em consideração os agrupamentos sociais.
É justamente nesse ponto que ocorre o afas-
[...] um estado de coisas pelo qual uma vontade
tamento da sociologia jurídica weberiana em rela- manifesta (mandato) do dominador ou dos
ção ao dogmatismo jurídico. O corte epistemológico dominadores influi sobre os atos de outros (do
dominado ou dos dominados), de tal modo que,
do princípio da ação social constitui a base da so- em um grau socialmente relevante, estes atos têm
ciologia compreensiva de Weber – que busca com- lugar como se os dominados tivessem adotado por
si mesmos e como máxima de sua ação o conteú-
preender e interpretar o sentido, o desenvolvimen-
do do mandato (obediência) (Weber, 2004, p. 96).
to, e os efeitos da conduta de um ou de mais indi-
víduos com relação a outros. Assim, para ele: Assim, se o poder se coloca como a imposi-
ção de uma vontade em meio à resistência, a domi-
A sociologia é a ciência que pretende entender,
interpretando-a, a ação social para, dessa manei- nação aparece como aceitação da vontade do domi-
ra, explicá-la causalmente em seu desenvolvi- nante, como se ela espontaneamente brotasse do
mento e efeitos, observando suas regularidades as
dominado também. Em qualquer sociedade histori-
quais se expressam na forma de usos, costumes
ou situações de interesses (Weber, 2004, p. 5). camente localizada, sempre existiram algumas for-
mas de dominação por parte das instituições soci-
Além disso, a sociologia jurídica weberiana ais incumbidas de manter uma determinada ordem
trabalha com uma perspetiva do ponto de vista da estabelecida. Assim, o direito parte do corpo buro-

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probabilidade da efetivação positiva ou negativa crático do Estado e, na teoria, não pode estar
dos indivíduos frente ao direito. Uma dogmática desconectado das mudanças que se passam na vida
jurídica clássica não utilizaria esse método para social. É preciso existir uma razão de “ser”, uma
analisar as probabilidades objetivas e subjetivas aceitação social por parte da sociedade em relação
do sistema jurídico com relação aos agentes soci- às novas leis promulgadas, ou, no mínimo, um re-
ais, que são portadores de vontades próprias, ar- conhecimento por parte dos setores geradores de
raigadas por costumes e tradições que, muitas ve- opinião, como a mídia, por exemplo.
zes, são colocados em xeque pelos sentidos que Na tentativa de criar um modelo explicativo,
os indivíduos atribuem às suas ações sociais. Weber constituiu tipos ideais. A idealidade dos
tipos remete ao fato de que eles são uma criação do
pesquisador, a fim de poder facilitar a explicação,
O Estado moderno e o direito isolando os tipos entre si. Permite, assim, também
testar as hipóteses sobre o funcionamento de cada
Com o aprofundamento das relações soci- tipo através da pesquisa empírica. Idealmente, se-
ais estabelecidas na sociedade civil, há uma cres- para as formas de dominação legítimas em três ti-
cente demanda por organização dos vários setores pos puros, a tradicional, a carismática e a forma

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que se destacaria atualmente, intitulada por Weber entada no sentido da aquisição de ‘poder’ social, o
como racional-legal. Logo, que quer dizer no sentido de influenciar uma ação
comunal a despeito de qual seja o seu conteúdo.
Há o domínio da legalidade, em virtude da fé na [...] as ações de partido sempre se dirigem para
validade do estatuto legal e da competência fun-
um objetivo pelo qual se luta de uma forma plane-
cional, baseada em regras racionalmente cria-
das. Nesse caso, espera-se o cumprimento das jada” (Weber, 1976, p.81).
obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo Por outro lado, a definição weberiana de
moderno servidor do Estado e por todos os porta-
dores do poder que, sob este aspecto, a ele se burocracia aponta para uma racionalidade e uma
assemelham (1979, p. 99). impessoalidade presentes na construção da buro-
cracia legal. Nesse sentido,
É preciso ressaltar que esse tipo de domina-
ção apareceria, na prática, possivelmente conjugado [...] todo direito consiste, essencialmente, num
com traços dos demais tipos, já que Weber não dá sistema integrado de normas abstratas. Ademais,
a administração de lei consiste na aplicação des-
como excluídos da modernidade traços de sas normas a casos particulares. O processo ad-
tradicionalismo ou a influência de carismas pesso- ministrativo é a busca racional dos interesses [...]
dentro dos limites estabelecidos pelos preceitos
ais. Porém é o tipo ideal de dominação legal que ele legais [...] (Weber, 1966, p. 16).
verifica estar se consolidando como principal. Esse
tipo torna previsível a ação dos indivíduos e estável E ainda, “[...] que toda norma legal dada
do ponto de vista da ação de determinado indivíduo pode ser estabelecida por acordo, ou imposição
frente às normatizações jurídicas e administrativas. [...]” (Weber, 1966, p. 16). Assim, o que não fica
Nesse sentido, o sistema de leis aplica-se a todas as claro é como se diferenciam situações em que a
classes sociais, trabalhando-se dentro de uma pers- norma é imposta de situações em que ela é acorda-
pectiva de que o sistema jurídico funcione com igual- da.2 Essa questão pode parecer, num primeiro
dade para todos os membros da sociedade. momento, teórica e abstrata em excesso, mas ela é
central para o entendimento da visão do direito
Na civilização ocidental, os diversos aspectos do pela ótica weberiana. Em termos práticos: o direi-
Estado moderno só aparecem gradualmente, quan-
do a legitimidade passou a ser atribuída ao conjun- to – mais especificamente, as leis e a jurisprudên-
to de normas que governava o exercício da autori- cia – surge, nas sociedades modernas, como pre-
dade. Esse sistema de normas que constitui a or-
dem jurídica e a comunidade política é considera-
ceitos e decisões racionais e legítimas (não obstante,
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do seu único criador normal (Bendix, 1986, p. 324). nesse sentido, sua desobediência eventual), ou
como imposições de poder?
Em que medida esse tipo ideal reflete a prá- Dificilmente a resposta a essa problemática
tica e se sobrepõe aos demais tipos de dominação será plena para qualquer dos extremos. E, prova-
legítima é uma questão a ser verificada velmente, sem abandonar a ótica weberiana, a ques-
empiricamente. Outra questão que permanece em tão só será respondida empiricamente. Ou seja,
aberto, já que o próprio Weber oscila entre as dife- depende de como os indivíduos percebem o direi-
rentes definições, seria se a esfera legal é o exercí- to, o que tende a ser uma construção complexa,
cio de poder (aplicação de uma vontade contra que dificilmente pode ser medida no campo abs-
possíveis resistências), ou a consolidação de uma trato. Se assim for, essa análise escapa dos propó-
dominação (aceitação legítima de um mandato), sitos deste artigo. Contudo, ressaltamos a impor-
conforme é apresentado no tipo puro de domina- tância da questão: a forma como se percebe o direi-
ção racional-legal. to influi diretamente em como os indivíduos agem
Por um lado, em sua definição de partidos, diante dele, o que, para um referencial de sociolo-
por exemplo, Weber os coloca diretamente vincu- 2
Essa problemática já fora levantada por Alvin W.
lados ao poder. Sendo assim, “[...] sua ação é ori- Gouldner (1966).

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gia compreensiva, como é a de Weber, não é nem truções? Para Durkheim, as sociedades primitivas
um pouco desprezível. (de solidariedade mecânica) teriam um espírito
coletivo forte e pouco espaço para a individuali-
dade. Nesse sentido, o direito repressivo repre-
SOCIEDADE, DIREITO, RELAÇÕES HARMONI- senta a expressão da consciência coletiva forte, em
OSAS E A MORAL SOCIAL que os indivíduos são ligados a laços sociais rígi-
dos desde seu nascimento. Desse modo, qualquer
Contemporâneo de Weber, Émile Durkheim quebra de regra pede uma expiação, uma atribui-
definia o objeto da sociologia de maneira mais vol- ção de culpa. Sociedades mais “simples”, nesse
tada para a coletividade do que Weber. Assim, sentido, seriam também mais punitivas.
definiu a sociologia como a ciência “das institui- Já o direito restitutivo acompanha o desen-
ções, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou volvimento da consciência individual dos cidadãos
seja, “de toda crença, todo o comportamento insti- e se desenvolve à medida que retrocede a consci-
tuído pela coletividade” (2001, p.26). Seu objeto ência coletiva. Nesse sentido, as sociedades mo-
próprio, para ele, são os fatos sociais – “[...] toda dernas capitalistas tornaram-se mais complexas na
maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exer- organização social, após a primeira revolução in-
cer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então dustrial, com o aumento da divisão do trabalho
ainda, que é geral no âmbito de uma dada socieda- social, adotando, portanto, uma solidariedade or-
de, tendo, ao mesmo tempo, uma existência pró- gânica, ou seja, que mantém o funcionamento so-
pria, independente das suas manifestações indi- cial contemplando as diferentes funções que cada
viduais” (Durkheim, 2001, p.40). parte do corpo social exerce.
O direito seria, portanto, uma das expres- Assim, o direito, como fato social, passa a
sões desses fatos sociais. Segundo ele, “[...] além cumprir um papel ímpar no acompanhamento do
dos atos individuais que suscitam, os hábitos cole- desenvolvimento social em todas as esferas da vida
tivos exprimem-se sob formas definidas, regras ju- pública e privada, sendo marcado por característi-
rídicas, morais, ditados populares, fatos de estrutu- cas que são sui generis, como fator fundamental
ra social, etc.”. E prossegue afirmando que “[...] uma para o remodelamento das estruturas sociais, que
regra do direito é o que é, e não há duas maneiras são dotadas de “vontades próprias”, e para a ma-
de percebê-la. [...] estas práticas não são senão vida nutenção da ordem vigente.

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social consolidada [...]” (Durkheim, 2001, p.65, grifos Observe-se que, dessa forma, o direito das
nossos). A conexão entre vida social e direito, para sociedades modernas permite o desenvolvimento
Durkheim, é inequívoca, como se o direito germi- individual, e esse fator não é desprezível para a
nasse espontaneamente da vida social. história recente do Ocidente. As progressivas de-
A centralidade do direito, em sua obra, está clarações de Direitos Humanos, ou o predomínio
presente na sua teoria da consciência coletiva e dos princípios constitucionais na dogmática jurí-
das solidariedades sociais (Durkhiem, 1995). As- dica na atualidade, apontam para um novo respei-
sim, para Durkheim, o tipo de direito que rege uma to jurídico aos direitos individuais, e, podemos
sociedade varia conforme o tipo de solidariedade dizer, em conformidade com Durkheim. Esse pro-
(mecânica ou orgânica) que constitui a organização cesso não começou no século XX, mas é o reflexo
social. Em sociedades nas quais a solidariedade é da forma como o direito passa a ser pensando nas
mecânica, o tipo de direito praticado é o repressi- sociedades modernas.
vo. E, naquelas em que a solidariedade é orgânica, Retomaremos esse ponto posteriormente.
característica do direito moderno, o tipo de direito Neste momento, é mister frisar que, para Durkheim,
é o restitutivo. o direito não só permite distinguir os dois tipos
Mas o que significaria cada uma dessas cons- fundamentais de solidariedade social, mas tam-

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bém, garante a perpetuação no que se refere à evo- sável para a sobrevivência da sociedade. A propri-
lução das sociedades – os valores morais, os cos- edade transformou-se no maior sinônimo de har-
tumes e os hábitos da vida cotidiana continuam monia social, por um lado, fortalecendo a solidari-
“vivos” mesmo com a morte dos indivíduos, e se edade orgânica em detrimento da divisão do traba-
perpetuem com o nascimento e a educação dos lho social. Por outro lado, ele acreditava que o maior
próximos cidadãos. agente da anomia social era a ausência de regras
Durkheim, inclusive, aponta posteriormente jurídicas mais claras – a legislação precisava ser
que o crime é um fenômeno normal nas sociedades, mais concisa e incisiva com relação à herança da
desde que não ultrapasse certas taxas. Para o autor propriedade, tendo em vista o contexto de guerras
francês, somente um determinado nível de transgres- que a Europa vivia naquele momento.
são poderia permitir que as regras fossem devida- Assim, os fatos morais e jurídicos3 consis-
mente avaliadas, reforçando a consciência coletiva tem em um conjunto de regras de condutas sanci-
na afirmação dessas regras, ou até mesmo, eventual- onadas, e é nesse sentido que caminha sua expli-
mente, fazendo perceber que a regra jurídica não mais cação para a formação do campo do direito. A san-
condiz com o estágio da consciência coletiva, e preci- ção, para ele, é uma construção coletiva e repre-
sa, portanto, ser reformulada (2001, p.82). senta a exteriorização do bem comum. Por exem-
Retornando à perspectiva evolutiva de plo, se um homem resolve praticar um roubo, ele
Durkheim, para ele, é com a passagem do direito será sancionado pelo seu ato conforme um con-
repressivo para o direito restitutivo que se percebe e junto de regras preestabelecidas. O roubo é puni-
se marca a transformação das sociedades “simples” do, e essa pena é a sanção que varia de acordo com
nas complexas. Revela, assim, o nível de transição o tipo de sociedade. Isso ocorre porque, nessa so-
(progresso social) de um tipo de sociedade arcaica ciedade, o roubo é imoral e detestável socialmen-
para um tipo de sociedade na qual a divisão do tra- te. Se esse fenômeno ocorresse em outra socieda-
balho é mais complexa. Por consequência, a solidari- de, onde a noção de propriedade não fosse vista
edade orgânica substitui a solidariedade mecânica. moralmente como central, a sanção não seria ma-
Com o advento da solidariedade orgânica, nifestada como uma restituição dos valores mo-
surgem novas demandas na sociedade. A rais e jurídicos que regem essa sociedade.
estruturação do direito e as características da buro-
cracia, arquitetadas na figura do Estado, são fatores As regras da moral individual têm por função,
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com efeito, fixar na consciência do indivíduo as


que podem ser verificados na vida moral da socie- bases fundamentais e gerais de toda a moral; é
dade. A coesão, a moralidade e a anomia (ausência nessas bases que descansa todo o resto. As regras,
ao contrário, que determinam os deveres dos
ou pouca força das normas) social serão fatores a
homens uns para com os outros, pelo simples
serem observados no âmbito do direito e da justiça fato de serem homens são a parte culminante da
que caracterizam essa nova forma de organização. ética, o ponto mais elevado, a sublimação do res-
to (Durkheim, 1983, p.109).

Em suma, as regras morais possuem uma


O Estado Moral e o direito
autoridade que implica a noção de dever. Essa
noção leva a sociedade a um equilíbrio e à sua
No ensaio Lições de Sociologia: a moral, O
ostentação como instituição sólida.
direito e o Estado, Durkheim (1983) procura defi-
nir, de forma implícita e explícita, o surgimento
do direito como regulamentador das ações indivi- 3 Para Durkheim (1983, p.60), “Moral [...] é tudo o que
duais e coletivas através da evolução do contrato fonte de solidariedade, tudo o que força o indivíduo a
contar com o seu próximo, a regular seus movimentos
social. Nesse ensaio, ele parte da noção de propri- com base em outra coisa que não os impulsos de seu
egoísmo, e a moralidade é tanto mais sólida quanto mais
edade, pois ela se tornou juridicamente indispen- numerosos e fortes são os laços”.

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Somente uma sociedade constituída goza da su- jeto cedido por vós, torno-me vosso devedor. No
premacia moral e material indispensável para contrato solene, não há prestação efetuada; tudo
fazer a lei para os indivíduos; pois só a personali- se passa em palavras, acompanhadas, geralmen-
dade moral que esteja acima das personalidades te, de alguns gestos rituais.
particulares é que forma a coletividade. Somen-
te assim ela tem a continuidade e mesmo a pere-
nidade necessária para manter a regra acima das O regime do contrato social real e do contra-
relações efêmeras que a encarnam diariamente to solene corresponde a um estágio da evolução
(Durkheim, 1995, p.10).
social em que o direito dos indivíduos ainda não
era senão fracamente respeitado. O contrato
Nesse ensaio, podemos notar que, apesar de
consensual constitui uma revolução jurídica. As-
se tornar mais restitutivo de forma geral, o respeito
sim, esse tipo de contrato, feito pela declaração
aos direitos individuais ganha maior predominância
das vontades individuais, teve como efeito trans-
em certos aspectos da vida moral e social. Os crimes
formar as antigas instituições sociais em um mes-
contra a propriedade são os que, com o avanço da
mo agregado de valores morais e políticos. Portan-
modernidade, mais geram encarcerados (Rusche;
to, o contrato é sancionado, é bilateral, é de boa fé.
Kirchheimer, 2004), uma vez que ele está presente
Porém o princípio no qual repousa a instituição,
de maneira central na moral social moderna.
assim renovada, contém, em si, o germe de todo
Assim, o regime de uma sociedade baseada
um desenvolvimento do qual nos cumpre, agora,
principalmente na restituição e no direito indivi-
narrar as sequências, as causas, e determinar qual
dual deve, no entanto, apresentar novas fórmulas
é a orientação social. Ele avança ainda para outro
de direito e de contrato social. Grande parte da
tipo de contrato, o equitativo.
discussão sobre o direito que Durkheim propõe é
Assim, a adequação dos contratos sociais
bem abrangente e também aponta para uma abor-
em relação à forma de que a sociedade necessita,
dagem sobre o tipo de contrato social. Nesse senti-
em meio ao surgimento de novas demandas da
do, ele irá mostrar a dificuldade de as sociedades
vida social, é notada por Durkheim (1983) como o
modernas estabelecerem uma linha evolutiva do
reordenamento social da capacidade de mudança
contrato, que era, antes do século XIX, puramente
do gerenciamento social. Nesse caso, essa adequa-
estatutário,4 em fusão com o contrato moral.
ção atinge diretamente as novas configurações do
Segundo Durkheim, a concepção de laço
direito na vida moral e social, uma vez que a edi-
social que une os indivíduos na mesma comuni-
ção de novos contratos sociais, ao longo do desen-
dade teria sido, ou deveria ter sido, contratado,

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volvimento da sociedade, é constante e aparente-
como entende Rousseau. Logicamente, a noção de
mente indispensável para o curso linear que segue
contrato parece aqui clara em si mesma, pois é re-
o progresso social.
gra geral que as novas instituições sociais modela-
ram-se pelas antigas para desenvolver livremente Ora, essa união com algo que supera o indivíduo,
a sua própria natureza. Assim, para Durkheim essa subordinação dos interesses particulares ao
interesse geral é a própria fonte de toda ativida-
(1983, p.130-132), os contratos sociais são feitos de moral. Se sentimento se precisa e se determi-
de dois elementos centrais: o núcleo verbal e a na, quando, aplicando-se às circunstâncias mais
ordinárias e mais importantes da vida, se traduz
fórmula; depois, os ritos materiais.
em fórmulas definidas, temos um corpo de re-
gras morais prestes a se constituir (Durkheim,
O contrato consensual é, em última análise, como 1995, p.17).
que o remate, o ponto no qual vieram convergir,
desenvolvendo-se o contrato real de um lado, e o
contrato verbal solene de outro. No contrato real As mudanças da legislação e da doutrina
há tradição de uma coisa, e é essa tradição que jurídica vêm aparentemente confirmando a colo-
engendra a obrigação; por haver recebido tal ob-
cação de Durkheim quanto ao maior respeito aos
4
Aqui a referência é a partir da formação do Estado-Nação direitos individuais, à autodeterminação dos cida-
no século XV. dãos e às novas formas de contrato. Porém, na rela-

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ção com direito penal (ou repressivo, na terminolo- realidade social. Essas transformações estão sem-
gia durkheimiana), verifica-se um problema: a vonta- pre ligadas com a estrutura de classes sociais que
de punitiva, nos países modernos, não diminuiu. A determina as sociedades. Por vezes, em períodos
necessidade por expiação não desaparece; pelo con- de inquietação social, nos quais a luta de classes
trário, nas últimas décadas, observa-se um aumento está colocada em questão, as classes sociais tentam
no desejo por pena (Bauman, 2000; Wacquant, 2007). impor sua vontade dentro desse contexto histórico.
Contraditoriamente ao colocado por Durkheim, mes- Ademais, desse processo conflituoso surge o direi-
mo sem uma consciência coletiva forte, mesmo com to como instituição social responsável por manter,
processos de individualização bastante avançados, a estabelecer e propagar a nova ordem social de uma
onda punitiva não diminui, e a sociedade pede do classe social hegemônica. Esse novo direito, assim
“mundo jurídico” respostas para punir mais gente, como o Estado moderno, será analisado por Marx
de forma mais imediata e por mais tempo. como forma de consciências sociais ou formas ide-
Provavelmente, a resposta, dentro da teoria ológicas – ligadas ao conjunto de ideias dominan-
de Durkheim, aponte para algum tipo de anomia, tes na sociedade –, a chamada ideologia.
de ausência de regramento social que permite essa Nesse sentido, a formação das classes soci-
situação. Obviamente, como apontamos antes, a ais dentro de uma determinada sociedade vai de-
proteção do direito à propriedade trazida por pender diretamente das posições que cada grupo
Durkheim é um fator a ser considerado nessa res- de pessoas ocupa no sistema produtivo. Para Marx,
posta. Mas ele nos parece, se nos é permitida a ao longo da história e dos diferentes modos de
metáfora, “a ponta do iceberg” de qual seria o nú- produção, constituíram-se, em regra, duas gran-
cleo da consciência coletiva (afinal, a consciência des classes principais: uma dominante, explora-
coletiva diminui, mas não desaparece) presente dora, e outra dominada, explorada, como donos
contemporaneamente, que ainda permite ao direi- de escravos e escravos, servos e senhores feudais
to punitivo manter-se com tamanho esplendor. Mas e, finalmente, a burguesia e o proletariado. A ide-
todo esse movimento punitivo mantém-se de modo ologia, em uma sociedade de classes como a capi-
condizente com as condições contratuais da vida talista, vai representar o modelo idealizado de Es-
coletiva que Durkheim aponta, conservando a pro- tado, bem como o estabelecimento das regras de
priedade através da moral contratual. funcionamento desse Estado. Será, portanto, a
expressão máxima das relações sociais do ponto
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013

de vista da classe dominante.


SOCIEDADE, DIREITO E RELAÇÕES Para Marx, são os homens que produzem
CONFLITUOSAS suas representações sociais, suas ideias, etc. Mas
são os homens reais, atuantes, tal como foram con-
Na obra de Karl Marx, em alguns dos seus dicionados por um determinado desenvolvimen-
escritos sobre o Estado, sobre as relações de pro- to das suas forças produtivas e do modo de rela-
dução e de reprodução da vida social, podemos ções que lhes correspondem, incluindo até as for-
encontrar elementos básicos de uma sociologia mas mais amplas que elas possam tomar.
jurídica. Assim como para Weber e Durkheim, ele
vê o direito como uma instituição ímpar do corpo Não tem história, não tem desenvolvimento; se-
rão, antes, os homens que, desenvolvendo a sua
burocrático do Estado. Diferentemente, no entan- produção material e as suas relações materiais,
to, Marx aponta a estruturação produtiva como fator transformam, com esta realidade que lhes é pró-
pria, o seu pensamento e os produtos deste pen-
central da realidade social.
samento. Não é a consciência que determina a
A institucionalização das normas e das re- vida, mas sim a vida que determina a consciên-
gras sociais que emergem numa determinada con- cia (Marx; Engels, 2002, p. 25).
juntura histórica é fruto da intervenção humana na

646
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas,
Elizardo Scarpati Costa

As ideias, assim, não emergem do nada, [...] mantiveram uma luta constante, velada umas
vezes e noutras franca e aberta; luta que termi-
pois emergem da vida cotidiana, baseadas no sis- nou sempre com a transformação revolucionária
tema produtivo. Essa distinção levou Marx a cons- de toda a sociedade ou pelo colapso das classes
em luta” (Marx; Engels, 1997, p.26).
tituir uma divisão clássica entre infraestrutura (for-
ças produtivas e relações sociais de produção) e
Nesse sentido, os primeiros artigos jurídi-
superestrutura (relações ideológicas, políticas, ju-
cos de Marx estão presentes de maneira explícita
rídicas). Dentro do conceito de superestrutura ou
no período da sua vida conhecido como o jovem
supraestrutura, Marx vai trabalhar os tipos de cons-
Marx, pois, ainda nesse período, ele era marcado
ciência coletiva que se polarizam nas sociedades
pela influência da filosofia hegeliana e kantiana.
modernas. Em suma, as formações do direito e do
Por outro lado, a crítica da filosofia alemã do direi-
Estado moderno estão ligadas ao modo de produ-
to e do Estado, que teve a mais lógica, profunda e
ção capitalista, tendo o processo de industrializa-
completa expressão em Hegel, surge, ao mesmo
ção contribuído decisivamente para essa formação
tempo, como análise crítica do Estado moderno e
– a chamada infraestrutura – que é o conjunto das
da realidade a ele associada e como negação defi-
forças produtivas e das relações sociais de produ-
nitiva de todas as anteriores formas de consciên-
ção no qual uma sociedade forma sua arquitetura
cia na jurisprudência e na política alemã, cuja ex-
produtiva e que, por sua vez, segundo Marx, cons-
pressão mais distinta e mais elevada, no âmbito da
titui o fundamento sobre o qual se constituem as
ciência, é precisamente a filosofia especulativa do
instituições políticas, sociais e jurídicas, e que, em
Direito (Marx, 1989b, p. 52).
última instância, vai determinar a forma de organi-
Contudo, ao longo de sua produção, Marx
zação social e a posição das classes sociais.
rompe definitivamente com a filosofia do direito
Portanto, os indivíduos das classes explora-
tanto de Hegel quanto de Kant, construindo uma
das podem assumir a posição ideológica oferecida
análise inovadora da sociedade. Para prosseguir-
pela classe dominante, ou podem compreender sua
mos na análise da teoria marxiana a respeito do
situação de classe e passarem a combater a ideolo-
direito, é fundamental uma discussão mais
gia vigente. Dessa possível conscientização, Marx
aprofundada do conceito de ideologia.
levanta a ideia de classe em si e classe para si:

[...] as classes em si, conjunto de membros de


A ideologia jurídica em Marx

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013


uma sociedade que são identificados por com-
partilhar determinadas condições objetivas, ou
mesma situação no que se refere à propriedade
dos meios de produção, das classes para si, clas- A ideologia tem um papel fundamental na
ses que se organizam politicamente para defesa análise filosófica e científica de Marx e Engels. O
consciente de seus interesses, cuja identidade é
construída também do ponto de vista subjetivo conceito de ideologia como maneira enviesada ou
(Quintaneiro, et al., 2002, p.43-44). enganosa de observar o mundo, é central na cons-
trução do materialismo histórico; “[...] assim como
Assim, o direito não irá ser justo para todos o Estado é o Estado da classe dominante, as ideias
os cidadãos sob a autoridade do mesmo Estado. da classe dominante são ideias dominantes em cada
Mas, justamente devido ao processo ideológico que época” (Marx; Engels, 2002, p.32).
permeia as diversas instituições sociais, a ideia Na nossa sociedade, devido à ordem jurídica,
dominante é de que a sociedade é homogênea e a sensação que temos é de que os cidadãos são iguais
composta por um mesmo corpo social de interes- perante a lei, com a ideia de que o pressuposto jurí-
ses. A luta pela hegemonia social na esfera política dico do contrato social beneficia a todas as partes
e jurídica é constante desde o surgimento das soci- livres. Nesse sentido, o direito cria ilusões de que há
edades capitalistas: uma igualdade jurídica entre todos os cidadãos.

647
O DIREITO MODERNO SOB A ÓTICA DOS CLÁSSICOS ...

Não se trata de má-fé, assinalaram Marx e festem a sua natureza particular (Marx, 1989a, p.12).
Engels, uma vez que a má-fé pressupõe uma Nesse marco, o mero desligamento do Esta-
distorção consciente e voluntária; a ideologia é ce- do da religião não impede que, na vida cotidiana, o
gueira parcial da inteligência entorpecida pela pro- preconceito religioso continue existindo, bem como
paganda dos que a forjaram. O “discurso compe- a proibição da discriminação racial não põe fim ao
tente”, em que a ciência se corrompe a fim de ser- racismo, como o fim do voto censitário não leva a
vir à dominação, mantém ligação inextricável com termo a desigualdade entre as classes sociais. Da
o discurso conveniente, mediante o qual as clas- mesma forma, o reconhecimento da igualdade for-
ses privilegiadas substituem a realidade pela ima- mal pela lei não impede que “[...] todos os pres-
gem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la supostos da vida egoísta [continuem] a existir na
aos demais, com todos os recursos de que dis- sociedade civil, fora da esfera política, como propri-
põem (órgãos de comunicação de massa, ensino, edade da sociedade civil.” (Marx, 1989a, p.12-13).
instrumentos especiais de controle social de que A universalidade e a igualdade apresenta-
participam e, claro, como forma destacada, as pró- das pelo Estado são, para Marx, ilusórias. Ao pas-
prias leis) (Lyra, 2005, p. 17-18). so que como seres reais, os Homens experimen-
Sendo assim, o Estado, para Marx, é uma tam suas desigualdades sociais. Marx chama de
instituição de poder que tem por função assegurar emancipação política o fato de a religião, a propri-
os conflitos entres as classes sociais no âmbito de edade privada, o nascimento, a educação, etc. fica-
uma ordem convencionada. O direito, por sua vez, rem relegados à esfera privada, de forma que, para
é fruto das relações sociais na sociedade capitalis- o Estado, todos possam ser considerados igual-
ta e institucionalizada na esfera político-jurídica, e mente cidadãos antes de serem considerados por
é sempre conduzido, na análise marxiana, como sua religião, propriedade, educação, etc. Mas a
um paralogismo que designa apenas as normas da emancipação política apresenta limites. A supera-
classe dominante: “[...] o Estado se impõe na con- ção das desigualdades (religiosas, de classe, de
dição de comunidade dos homens. Mas é uma nascimento...) só é possível transformando as con-
comunidade ilusória, pois o Estado, por baixo das dições objetivas de vida permanentemente (Marx,
aparências ideológicas de que, necessariamente, se 1989a, p.16).
reveste está sempre vinculado à classe dominante Marx aprofunda sua reflexão analisando
e constitui seu órgão de dominação” (Marx; Engels, artigos das constituições estadunidenses – tanto
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013

2002, p. 30-31). da União, quanto de alguns estados – e da Decla-


Para Marx, mesmo quando o Estado conse- ração Universal dos Direitos do Homem e do Ci-
gue se desvencilhar de certos aspectos da ideologia dadão francesa. Assim, para o autor, os direitos
dominante, essa desvinculação não é senão ilusó- fundamentais burgueses são direitos do isolamen-
ria. Assim, o Estado elimina, à sua maneira, as dis- to e da união:
tinções estabelecidas por nascimento, posição soci-
[...] a liberdade como direito do homem não se fun-
al, educação e profissão, ao decretar que o nasci-
da nas relações entre homem e homem, mas antes
mento, a posição social, a educação e a profissão na separação do homem a respeito do homem. É o
são distinções não políticas; ao proclamar, sem olhar direito de tal separação, o direito do indivíduo cir-
cunscrito, fechado em si mesmo. [...] O direito hu-
tais distinções, que todo o membro do povo é igual mano da propriedade privada é, portanto, o direito
parceiro na soberania popular e ao tratar do ponto de fruir da própria fortuna e de dela dispor como se
quiser, sem atenção aos outros homens, indepen-
de vista do Estado todos os elementos que com-
dentemente da sociedade (1989a, p.24).
põem a vida real da nação. No entanto, o Estado
permite que a propriedade privada, a educação e a E soma a esses direitos já colocados o de
profissão atuem à sua maneira, isto é, como propri- segurança, apresentado por ele como o direito de
edade privada, como educação e profissão, e mani- polícia, da preservação da vida e da propriedade,

648
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas,
Elizardo Scarpati Costa

ou seja, como garantia do egoísmo. O outro não ência dos textos legais, de sua interpretação, das
surge, portanto, para afirmar os direitos, mas para decisões legais na forma como atuam e pensam o
limitá-los. Os direitos burgueses surgem como di- mundo os atores sociais, como se estruturam as
reitos egoístas (liberdade, propriedade, seguran- relações em uma dada sociedade, e como se colo-
ça), e a igualdade formal serviria apenas para re- cam as desigualdades das classes sociais em meio
forçar que cada um pode usufruir de sua liberda- ao discurso jurídico, entre outras preocupações,
de e de sua propriedade (se a tiver) da maneira relacionando o direito na sociedade a partir de uma
que bem entender e em segurança. visão externa, é função da qual os sociólogos não
Assim, a emancipação humana só será ple- podem fugir.
na quando o homem real e individual tiver em si o As abordagens clássicas não pedem
cidadão abstrato; quando, como homem individu- reformulação; pedem continuidades. Tentamos,
al, na sua vida empírica, no trabalho e nas suas aqui, apontar como cada um dos clássicos maiores
relações individuais, se tiver tornado um ser gené- pensou essa temática e levantar questões que não
rico; e quando tiver reconhecido e organizado as ficaram claras, não por inconsistência do trabalho
suas próprias forças (forces propres) como forças dos autores, mas muito mais porque algumas ques-
sociais, de maneira a nunca mais separar de si essa tões somente a pesquisa empírica poderá resolver.
força social como força política (Marx, 1989a, p.30). Antes de retomar as contribuições clássi-
O que não fica claro é como pensar a diver- cas, gostaríamos de pensar como essas teorias po-
sidade, uma vez que a liberdade foi apontada como dem ser utilizadas para elucidar as práticas jurídi-
um direito egoísta. Como a emancipação humana cas brasileiras. A teoria social brasileira (DaMatta,
plena conviverá sem a liberdade, ou seja, como 1997; Holanda, 1997; Neder, 1995) tem repetida-
será possível a discordância, o desacordo com a mente apontado que a construção legislativa naci-
maioria e com a comunidade política, sem haver o onal tem feito poucos esforços para ser reflexo do
individualismo? Em suma, haveria emancipação corpo social, como assinalaria Durkheim. Antes,
plena sem levar em conta e dar aval às trata-se de uma tentativa de controle sobre esse
idiossincrasias individuais e culturais dos diferen- corpo, num esforço modernizante. Assim, tem-se:
tes povos? Em outros termos, se há razão para acre-
[...] um estado legiferante, que busca controlar
ditar, dentro da teoria marxista, que o direito das pela lei a tudo e a todos e um enorme fosso entre
sociedades atuais não é mais do que a expressão leis e práticas, com o descompasso entre leis

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moderníssimas, porém, aplicadas desigualmen-
das relações injustas e desiguais dessa sociedade
te para desiguais (Vargas, 2011, p. 244).
e permite o isolamento do indivíduo real da vida
cidadã, como seria o direito em uma sociedade de Em oposição à common law britânica, o país
emancipação social plena? E mais: não poderia ser adota uma tradição de lei civil, formando um di-
o direito também um instrumento na luta de clas- reito extremamente formal, bem formulado em suas
ses e no desenvolvimento da emancipação huma- leis, que busca abranger o máximo de detalhes
na? Todas essas questões ficam para a pesquisa concernentes à realidade social, mas pouco relaci-
empírica e para a prática política. onado com as práticas cotidianas da população.
Como os clássicos da sociologia ajudariam a expli-
car essa realidade?
À GUISA DE CONCLUSÃO – sociologia jurídica A abordagem weberiana utiliza-se do pro-
clássica e o direito brasileiro contemporâneo cesso de racionalização em todas as esferas da vida
social do Estado moderno. O Estado moderno, o
O direito será sempre uma área de interesse direito e os fenômenos sociais oriundos dessa re-
da sociologia. Por isso, faz parte da análise já dos lação – ordem, processo de mudança social, buro-
fundadores da sociologia. Compreender a influ- cracia, racionalidade e o princípio da ação social –

649
O DIREITO MODERNO SOB A ÓTICA DOS CLÁSSICOS ...

são ligados aos aspectos subjetivos e objetivos da onamento social talvez seja mais bem compreen-
realidade social. Mas como poderia se consolidar dida retomando as obras de Durkheim e Marx.
um estado racional com regras abstratamente per- Para Durkheim, o direito é uma instituição
feitas, porém pouco práticas? social de importância ímpar para o funcionamen-
Retornando a Weber, vale lembrar que ele to e a organização moral da sociedade. A solidari-
atribui ao direito uma importância fundamental edade social definida pela divisão do trabalho so-
para o Estado moderno, pois define as regras que cial, a moral que é passada de geração em geração
serão preestabelecidas no campo judiciário. Tal- e os valores coletivos formam o direito contratual
vez a maior contribuição da sociologia jurídica de entre os cidadãos, bem como o reconhecimento de
Weber seja a questão da profissionalização do di- pertença a um mesmo organismo estrutural basea-
reito. Segundo ele, o direito precisa ser uma insti- do em direitos e deveres individuais e coletivos.
tuição que analise as contradições internas da so- Caso as instituições primárias, como a fa-
ciedade e crie leis que contemplem os cidadãos, e mília, a escola e a igreja, não cumpram com seu
também que seja capaz de reduzir os conflitos so- papel de passagem dos valores morais da socieda-
ciais. Nesse sentido, não é difícil ver como uma de para um determinado cidadão, esses valores
cisão entre profissionais do direito e o senso co- serão restituídos pelas regras coercitivas emana-
mum pode se estabelecer. No entanto, isso com- das do direito. Em que aspecto da vida social ain-
promete diretamente a questão da sensibilidade da se pode reconhecer uma consciência superior
jurídica da população em geral, ou seja, na defini- aos indivíduos e o que ainda os une como solida-
ção dos momentos em que a população percebe riedade social são questões centrais para se enten-
que um direito foi desrespeitado. der o direito a partir da perspectiva de Durkheim.
Assim, é no limiar entre consentimento e Nesse aspecto, como equacionar toda centralidade
imposição que a análise weberiana pede maiores da perspectiva contratual com o avanço que teve,
continuidades, mas que também é mais na segunda metade do século XX, o direito consti-
esclarecedora quanto ao caso brasileiro. Normas tucional e a garantia aos direitos fundamentais?
sociais surgem nos processos de socialização en- Uma nova perspectiva surge dando primazia às
tre os indivíduos, que atribuem, na constituição constituições sobre os códigos civis (Bonavides,
da legislação e na criação de regras de conduta, 2007; Canotilho, 2003).
seus valores culturais, religiosos e políticos. Des- A defesa da sociedade por parte de
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013

sa forma, a formação do contrato social teria como Durkheim é, sem dúvida, uma prévia para estabe-
norteador a justiça como base de equilíbrio societal. lecer a justiça que está intrínseca nas ações que a
Nesse sentido, a dominação legítima é atribuída às sociedade delibera do direito restitutivo frente às
instituições governamentais e administrativas em ações egoístas de alguns indivíduos na transgres-
relação ao conjunto da sociedade civil. Mas há, são das leis. O porquê de o direito repressivo se
em meio a essa dominação racional, um manter tão forte e o porquê de os direitos funda-
questionamento e uma imposição. A pergunta que mentais ganharem importância na dogmática jurí-
fica é se o direito brasileiro sofre – e, se sim, em dica recente, por outro lado, são questões em aber-
que medida – de uma crise de legitimidade, uma to para se entender como os fatos sociais se im-
vez que aparece mais como uma imposição do que põem aos cidadãos sobre os anseios individuais,
como um acordo, ou seja, mais como um ato de em prol da vontade coletiva que é, para ele, a fonte
poder do que de dominação. As condutas, por- da mais legítima justiça social. Podemos especular
tanto, poderão ser pouco respeitosas ao direito em que as sociedades modernas esbarraram em algu-
si, que terá de se impor por mecanismos de poder. ma desarticulação, tendo início algum tipo de
Dessa forma, “manda quem pode, obedece quem anomia, o que pode estar sendo corrigido através
tem juízo”. A forma como isso reverbera no funci- de um direito que defende valores centrais da so-

650
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas,
Elizardo Scarpati Costa

ciedade com maior força. É possível, assim, com- Podemos observar que Marx e Durkheim
preender o avanço do direito constitucional e do chegam, por vias conceituais distintas, a um mes-
direito penal, explicado pela mesma força social mo campo problemático do direito: a liberdade de
que busca reafirmar os valores mais fundamentais contrato individual e os interesses da coletivida-
da sociedade. Essa explicação é especialmente pro- de. Os ângulos de visão são claramente distintos,
fícua para o caso brasileiro, dada a intenção de assim como são as preferências políticas desses
transformação social que sempre se refletiu nas ditas autores, mas percebe-se a tentativa de articular, na
“moderníssimas” leis do país. mesma discussão teórica, a relação entre o funcio-
Mas as contradições do direito contemporâ- namento da sociedade e a participação individual.
neo podem ser entendidas também sob a perspecti- Com Weber, é possível problematizar também a
va do conflito de classes de Marx. Para ele, o direito questão da legitimidade do direito. A tudo isso se
se organiza na sociedade e se institucionaliza no soma, no caso brasileiro, uma vontade legislativa
Estado. O conteúdo de classes sociais (ideologia) de modernização, o que levanta ainda mais ques-
pertence ao campo superestrutural e tem forte in- tões sobre legitimidade das leis e posicionamento
fluência da infraestrutura (sistema produtivo) na político frente aos embates referentes à conciliação
formação do direito moderno. Assim, o conflito de entre liberdades individuais, proteção aos direitos
interesses das classes sociais é o fator fundamental fundamentais e aos projetos e vontades referentes
para o seu estabelecimento. à coletividade.
Marx coloca que o direito tem sua ligação O que se pode verificar é que o direito e a
direta com a forma como se pensa e se pratica na legislação contemporâneos não têm um único prin-
vida social. Desse modo, o direito burguês está muito cípio vigente. E o posicionamento frente aos em-
mais destinado a separar o homem real do homem bates, que surgem mediante tantos ângulos possí-
político, esvaziando a vida política, tornando o in- veis de se olhar o direito moderno, pode se refletir
divíduo egoísta inacessível aos desígnios da coleti- também no trabalho dos operadores do direito. A
vidade. Assim, a liberdade e a segurança mantêm a eles cabe a análise técnica das leis, mas talvez cai-
relação desigual de propriedade presente na socie- ba, também, uma compreensão de como todos es-
dade, que se torna intangível por parte do mundo ses diferentes elementos sociais do mundo jurídi-
político. Separaríamos, conforme essa visão, o avan- co se refletem nas dinâmicas sociais. Uma discus-
ço do direito penal – que apareceria como um avan- são mais profunda desse assunto escaparia ao es-

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013


ço da proteção da propriedade privada e da segu- copo deste trabalho. Neste breve artigo, priorizamos
rança do indivíduo emancipado da política – do a análise dos textos clássicos, deixando de lado,
avanço do direito constitucional, especialmente nas por ora, as continuidades que essas obras recebe-
garantias em termos de direito social que ele pro- ram dentro da sociologia jurídica. Nosso objetivo,
move – nesse caso, como uma resistência das clas- além de demonstrar que a sociologia jurídica tem
ses exploradas, permitindo alguma redistribuição suas raízes na própria formação da sociologia, foi
da produção, embora sem questionar o sistema de mostrar como ela pode ser trabalhada nas diferen-
maneira global. Dentro da estrutura de uma socie- tes matrizes sociológicas que os clássicos maiores
dade de classes na qual o direito tem autonomia, apresentam. Dessa forma, ressaltamos também a
como nas sociedades burguesas, o direito pode ser abertura paradigmática que a disciplina comporta
fonte de resistência, ou meramente um instrumen- desde seu início.
to de reprodução das desigualdades de classe, ou
mesmo, conforme sugerimos, ambas as possibilida-
Recebido para publicação em 28 de outubro de 2011
des podem viáveis simultaneamente. Politicamen-
Aceito em 24 de setembro de 2012
te, a correlação entre liberdade e participação políti-
ca permanece em aberto também.

651
O DIREITO MODERNO SOB A ÓTICA DOS CLÁSSICOS ...

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista.


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CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013

652
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas,
Elizardo Scarpati Costa

MODERN LAW UNDER THE LENS OF THE LE DROIT MODERNE DANS LA


CLASSICS OF SOCIOLOGY: analysis and PERSPECTIVE DES CLASSIQUES DE LA
questions SOCIOLOGIE: analyses et questionnements
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas
Elizardo Scarpati Costa Elizardo Scarpati Costa
In this article, we intend to undertake an Cet article se veut de faire une analyse
analysis of modern law, working from three concernant le droit moderne à partir des trois
classical, sociological approaches (the Weberian, approches classiques de la sociologie – dans la
Durkheimian, and Marxian perspectives) to the perspective wébérienne, durkheimienne et
field of law. We will seek to specify the different marxiste du champ du droit. On essayera de
sociological interpretations, discussing them préciser les différentes interprétations sociologiques
departing from the political and social relations à partir d’une discussion concernant les relations
established between civil society, the State and the sociales et politiques établies entre la société civile,
political ideologies that solidify the current l’Etat et les idéologies politiques qui incarnent la
configuration of the law. In this manner, and given configuration actuelle du droit. Etant donné qu’il
that one deals with foundational visions, they s’agit de visions fondatrices, nous nous intéressons
interest us as much for what they propose as for autant à ce qu’elles ont proposé qu’aux questions
what they cannot respond to, claiming a continuity auxquelles elles n’ont pas su répondre, en exigeant
with contemporary, juridical sociology, with a special de la sociologie juridique contemporaine qu’elle
attention given to the Brazilian case. As such, we continue, avec une attention toute spéciale pour le
intend to demonstrate the paradigmatic place that cas brésilien. Nous avons donc l’intention de
the sociology of law has possessed since its formation démontrer l’ouverture paradigmatique de la
and how the law, as a sociological theme, is present sociologie du droit, attribut qu’elle a depuis sa
at the foundation of the discipline. formation, et combien le droit en tant que thème
sociologique est présent depuis l’implantation de
cette discipline.

KEY-WORDS: Law, State. Civil society. Conflict. MOTS-CLÉS: Droit. État. Société civile. Conflit.

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 639-653, Set./Dez. 2013

Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas – Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGSA/UFRJ). Mestre em sociologia e direito pela Universidade Federal Fluminense. Trabalha com temas
relacionados à criminologia, controle social e violência urbana. Atualmente desenvolvendo uma pesquisa
com adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo. Integra o Núcleo de Estudos da Cidadania Conflito
e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ.
Elizardo Scarpati Costa – Doutorando em Ciência Relações de trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo
(Sociologia). Mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia Universidade de Coimbra (FEUC) – Portugal
e, mestre em Sociologia pela École en Hautes Etudes en Science Sociales (EHESS) Paris. Trabalha com temas
relacionados à situação e à ação dos trabalhadores: classes sociais reestruturação produtiva, neoliberalismo,
precarização do trabalho, ação sindical e crise do sindicalismo, sociologia dos movimentos sociais e sociolo-
gia do direito.

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