Solos Marinhos Da Baixada Santista
Solos Marinhos Da Baixada Santista
Solos Marinhos Da Baixada Santista
Santos
Novembro de 2017
Quando a região estava no fundo do mar
Milênios atrás, toda a região da Baixada Santista estava coberta por uma
camada de até 50 m de altura de água, só ficando visíveis os montes principais.
É o que os pesquisadores vêm descobrindo, pela análise do solo na região, como
é explicado neste estudo, publicado na Revista USP, São Paulo/SP, nº 41,
março/maio de 1999, páginas 18 a 27:
Quando, num dia desanuviado e claro, voa-se sobre a Baixada Santista, numa
rota não raro utilizada pelos aviões da Ponte Aérea, em sua volta do Rio para
São Paulo, não se pode deixar de admirar o contraste entre a planície da
Baixada e a muralha, quase vertical, da Serra de Cubatão, encimada pelo
Planalto Paulistano.
De fato, até cerca dos anos 50, pouco se sabia sobre a geologia, tanto da
Serra do Mar quanto das várzeas e praias do litoral. Contudo, o pai da
Geologia no Brasil, o americano Charles Frederick Hart, já descreve a Baixada
de Santos e a Serra de Cubatão, em seu livro Geology and Physical
Geography of Brazil [2], publicado em Boston em 1870.
Pelo que sei, uma datação feita num sambaqui encontrado no local onde hoje
se acha a Usina Siderúrgica de Piaçagüera indicou a idade de 10.000 anos,
embora haja indicações de serem mais recentes. Assim, Leonardos afirma
que alguns deles estavam ainda em construção na época do descobrimento.
Alguns deles, por exemplo o da Cosipa (Usiminas), estão presentemente
longe do mar, sugerindo o afastamento da costa, posterior à sua construção.
Resta perguntar por que, sendo esses índios conhecedores do meio natural,
preferiam plantar suas roças de mandioca no planalto. Como resposta lógica
pode-se intuir que as terras do planalto eram mais propícias às atividades
agrícolas.
Com o crescer das comunicações entre Santos e São Paulo, no século XVIII,
o antigo Caminho do Padre José foi sofrendo reparações e modificações
sensíveis, inclusive a subida pelo Vale do Rio das Pedras, ao invés de pelo do
Rio Perequê, dando lugar ao chamado Caminho do Mar até hoje existente.
A viagem de Santos era feita por canoas até o porto de Cubatão. De lá subia-
se a serra penosamente a cavalo, ou em redes carregadas por índios, ou
mesmo a pé, até o alto da serra. Mas somente no governo de Bernardo José
de Lorena (1788-97) é que a subida da serra foi melhorada construindo-se
a Calçada do Lorena, feita com lajes de pedra e com largura suficiente para
que as tropas de burros pudessem cruzar-se sem parar.
Essa calçada, cujo traçado foi aproximadamente seguido pela atual Estrada
Velha de Santos, foi inaugurada, provavelmente, no início do ano de 1792. É
interessante notar que, na construção dessa calçada, cuidou-se
especialmente da drenagem, para evitar os estragos das enxurradas e da
construção de taludes por meio de muros de arrimo. No planalto tratou-se da
melhoria e conservação do caminho e da construção de pontes de madeira
(pingüelas) na travessia dos rios.
Finalmente, de 1824 a 27, abriu-se uma estrada que ligava Santos a Cubatão
- a qual, não obstante, foi de manutenção difícil e custosa até que se
construísse o trecho da Baixada da Estrada Velha, já na década dos anos 20
deste século (N.E.: século XX).
Note-se, entretanto, que, nesse perfil, não aparecem os morros que, ao longo
da Baixada, surgem como ilhas rodeadas de vasas. São afloramentos aqui e
ali, do embasamento gnáissico. Esses morros são recobertos por solos de
alteração da rocha in situ ou por coluviões formados por deslizamentos de
solos e blocos de rocha. Junto ao pé da serra, em geral, ocorrem camadas
superficiais de argila orgânica com consistências das vasas revestidas
de mangues e alagadas pelas marés altas, enquanto as areias mais próximas
do mar são acumuladas pela água ou pelo vento, como mencionam Avelino
de Oliveira e Leonardos.
Note-se que, no caso da Baixada Santista, mais uma vez confirma-se o fato
de que é o desenvolvimento econômico que suscita a investigação científica
e tecnológica de uma determinada questão; porém, uma vez adquiridos tais
conhecimentos, eles rebatem sobre o desenvolvimento econômico, fazendo-
o progredir.
Mas, só em agosto de 1962 é que foi iniciada uma ampla pesquisa, sob a
orientação de professores do Departamento de Geografia da USP, para o
estudo abrangente dos aspectos geográficos da Baixada Santista, incluindo
sua base física, povoamento e população, seguido de uma investigação sobre
Santos e as cidades balneárias vizinhas, além de Cubatão e suas indústrias.
O primeiro volume dessa obra, As Bases Físicas, é o que mais interessa para
o trabalho aqui redigido. Inicia-se com um sumário da geologia da serra e da
Baixada, redigido por José Carlos Rodrigues, enfatizando as questões de
Geologia da Engenharia, relacionadas com as obras realizadas na região. Em
seguida há uma excelente exposição da evolução geomorfológica, assinada
por Aziz Ab'Saber, onde ele afirma: "Na realidade tudo leva a crer que, por
volta do Cretáceo e no decorrer do Paleogeno, processaram-se falhamentos
importantes pari passu com o soerguimento epirogênico relativamente
homogêneo, do núcleo sul-oriental do Escudo Brasileiro".
Nas áreas das praias e terraços arenosos, próximas ou ao longo das praias
litorâneas, desenvolveram-se solos podzólicos, arenosos, com pouca matéria
orgânica, ácidos e de baixa fertilidade. São áreas não utilizáveis sob o ponto
de vista agrícola, porém agora densamente aproveitadas como áreas urbanas
ou terrenos loteados de praias balneares.
Nas primeiras noites de março de 1953 (N.E.: foi em 1956), durante chuvas
intensas e ininterruptas, 60 deslizamentos simultâneos assolaram os morros
de Santos, infligindo perdas de vida e destruição de habitações da população
mais pobre. Esses escorregamentos foram estudados em detalhes pelo
Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo [6].
Além disso, observou-se que a construção de um prédio vizinho mais alto fazia
inclinar o prédio menor. Houve um caso constatado de um prédio que se
inclinou para o vizinho da direita, quando esse foi construído, e, depois, voltou
ao prumo quando foi construído outro prédio à esquerda.
No que se refere à geologia e à mecânica dos solos e das rochas, tais amplos
conhecimentos foram sumarizados nas contribuições apresentadas no
simpósio "Solos do Litoral de São Paulo", realizado em Santos em 1994, Os
anais desse simpósio, publicados pela ABMS, vieram a se constituir como uma
síntese do estado dos conhecimentos geológicos e geotécnicos sobre a
Baixada de Santos e da Serra de Cubatão, além de sobre o restante do litoral
de São Paulo.
Com base nesses estudos, Faiçal Massad [9] veio explicar o fenômeno da
existência na Baixada de Santos de argilas rijas, em discordância com as
argilas moles mais superficiais. As rijas corresponderiam às chamadas
de transicionais pelos geólogos, enquanto as moles são as fluvio-lacunares.
Dessa forma, a ideia do corte geológico, concebido na época dos anos 50,
mencionada anteriormente, teve de ser modificada, no sentido de que,
naquele corte, as camadas inferiores e argila, a cerca de 30 m de
profundidade, a partir do Rio Casqueiro, na direção de Santos, devem ser
entendidas como rijas, em discordância com os sedimentos superficiais mais
recentes, cuja consistência é mais branda.
Ainda que sempre tendendo para feições arredondadas ou convexas nos seus
bordos, os chamados morros de Santos apresentam setores mais rochosos e
setores sujeitos a uma decomposição extensiva, porém irregular em
profundidade. As florestas atlânticas ocupavam, na paisagem primária, todos
os recantos do maciço, poupando ou deixando de ocupar apenas pequenos
setores rochosos da face atlântica dos morros e uma franja basal de rochedos
situados na face interna do importante acidente geográfico.
Nessa época, quando o nível do mar esteve a pouco mais de 3 metros do que
hoje - durante o período do Holoceno designado ótimo climaticum -, existia na
retroterra do Monte Serrat uma espécie de mar de dentro, para usar uma muito
velha e arcaica expressão portuguesa.
Tudo leva a crer que o mar, ao regredir do nível de 3 ou 3,5 metros, tenha
favorecido a expansão das planícies de marés que vieram servir de suporte
ecológico para os manguezais. O corpo principal da planície de marés,
superargilosas, deve ter-se iniciado por uma espécie de delta intralagunar,
gerado no lagamar santista-vicentino, durante o processo regressivo, sob
condições tropicais úmidas.
As faixas e manchas de areias existentes nas ilhas de Santo Amaro e São
Vicente foram geradas antes que os mangues se estendessem e colmatassem
a Baixada. Nelas se implantaram os jundus de composição biótica
diferenciada em relação ao ecossistema altamente biodiverso das matas
tropicais atlânticas da não muito distante Serra do Mar.
Daí sendo necessária uma recomposição por um modelo do tipo que se fez,
com sucesso, na reconstrução simbólica da Capela do Morumbi, onde a base
das ruínas era constituída de taipas com fragmentos de crosta laterítica. No
caso das ruínas da sede do Engenho dos Erasmos, o que restou dela é
constituído por blocos quadráticos de rochas graníticas ou granitizadas
resistentes.
NOTAS:
BIBLIOGRAFIA
[2] F. Hart, Geology and Physical Geography of Brazil, Boston, Fields Osgood,
1870.
[4] Idem, "A Baixada Santista, Aspectos Geográficos", São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, 1965.
[6] M. Vargas e E. Pichler, Residual Soil and Rock Slides in Santos (Brazil),
Londres, Proc. 4º ICSMFE, 1957.
[...]
(N.E.: na continuação do estudo, o autor passa a detalhar os procedimentos e
cuidados necessários para a instalação e exploração do parque regional do
Engenho dos Erasmos).