Solos Marinhos Da Baixada Santista

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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

TRABALHO SOBRE OS SOLOS MARINHOS NA


BAIXADA SANTISTA

(COMPLEMENTOS DE MECÂNICA DOS SOLOS E FUNDAÇÕES)

ANTÔNIO PEREIRA FILHO R.A: 943599-9

ANA CAROLINE GERSON DA SILVA R.A: C211IH-8

DAINAN TORRES DE MELLO R.A: C20394-7

POLIANE PINHEIRO DE FARIA R.A: C05JCE-7

RAPHAEL DA SLVA CRUZ R.A: C1929G-9

THOMAS GABRIELL DOS S. BRUNETTO R.A: T27598-9

Santos
Novembro de 2017
Quando a região estava no fundo do mar

Milênios atrás, toda a região da Baixada Santista estava coberta por uma
camada de até 50 m de altura de água, só ficando visíveis os montes principais.
É o que os pesquisadores vêm descobrindo, pela análise do solo na região, como
é explicado neste estudo, publicado na Revista USP, São Paulo/SP, nº 41,
março/maio de 1999, páginas 18 a 27:

Figura 1 - Região da Baixada Santista (apud F. Massad)

A Baixada Santista. Suas bases físicas

Milton Vargas (*)

Quando, num dia desanuviado e claro, voa-se sobre a Baixada Santista, numa
rota não raro utilizada pelos aviões da Ponte Aérea, em sua volta do Rio para
São Paulo, não se pode deixar de admirar o contraste entre a planície da
Baixada e a muralha, quase vertical, da Serra de Cubatão, encimada pelo
Planalto Paulistano.

Tem-se então a impressão de um soerguimento recente da face da serra, tal


é o contraste entre a topografia jovem da Serra do Mar e a maturidade
topográfica do planalto. Os geólogos que confirmam essa impressão dizem
tratar-se da face dissecada de uma falha geológica, ao longo da qual a borda
oriental do continente teria ascendido antes, durante e pouco depois que
sedimentaram as argilas e areias sobre as quais a cidade de São Paulo
repousa.

Entretanto, os primeiros estudos mais apurados, levados a efeito por


Fernando Marques de Almeida [1] em 1953, levaram-no a interpretar o relevo
da Serra de Cubatão como resultante de um processo de erosão iniciado a
partir de falhamentos anteriores, situados a vários quilômetros a Leste das
escarpas atuais.

De fato, até cerca dos anos 50, pouco se sabia sobre a geologia, tanto da
Serra do Mar quanto das várzeas e praias do litoral. Contudo, o pai da
Geologia no Brasil, o americano Charles Frederick Hart, já descreve a Baixada
de Santos e a Serra de Cubatão, em seu livro Geology and Physical
Geography of Brazil [2], publicado em Boston em 1870.

São descrições que cobrem mais os aspectos geográficos que os geológicos


da região. Entretanto, é o primeiro a opinar que toda a costa Sul do Brasil está
atualmente se elevando. Daí as planícies de formação geológica recentíssima,
com seus depósitos e várzeas e dunas de areia, em contraste com a formação
arqueana da serra.

Somente na Geologia do Brasil [3], de Avelino de Oliveira e Othon Leonardos,


publicado em 1943, foi que se trouxe aos estudiosos de geologia uma
divulgação das informações mais detalhadas sobre as formações geológicas
de nosso país. São poucas, porém, as informações sobre a geologia da Serra
de Cubatão. Há somente menção às formações geológicas do trecho da
estrada de ferro Mayrink-Santos, então recém-construída no espigão
fronteiriço a essa serra. Elas são identificadas como gnaisses arqueanos;
porém, cortadas na descida da serra por uma faixa de micaxistos da série
algonquiana de São Roque.

As formações litorâneas são ali descritas como "planícies holocênicas em


plena fase de crescimento, por entre ilhas granítico-gnáissicas". Assim
mesmo, pouco é dito sobre as restingas, manguezais e baixadas da nossa
costa Sul sobre a Baixada de Santos. Simplesmente lê-se: "As planícies e
Santos e São Vicente, em São Paulo, são construídas de dunas ou de vasas.
As areias acumuladas pelo vento elevam-se pouco acima do mar, enquanto
as planícies lodosas, não obstante serem revestidas de vegetação (mangues),
são integralmente alagadas nas marés altas. Os grandes bananais de Santos
são protegidos por diques artificiais". Leonardos afirma não acreditar que a
"costa Sul do Brasil esteja crescendo por levantamento epirogênico". Somente
muito mais tarde é que essa questão veio a ser devidamente esclarecida,
como ver-se-á adiante.

A Geografia de Avelino de Oliveira e Leonardos dá uma especial atenção à


existência de sambaquis em todo o litoral Sul do Brasil. São acumulações de
conchas, restos humanos, ossos de aves e peixes, usados como agulhas ou
colares. Muitos desses sambaquis alcançam uma dezena de metros de altura
e têm seus taludes íngremes, evidentemente de origem humana. Muitos deles
mostram em sua base conchas fósseis de moluscos de espécies extintas;
porém, ainda assim holocênicos.

Pelo que sei, uma datação feita num sambaqui encontrado no local onde hoje
se acha a Usina Siderúrgica de Piaçagüera indicou a idade de 10.000 anos,
embora haja indicações de serem mais recentes. Assim, Leonardos afirma
que alguns deles estavam ainda em construção na época do descobrimento.
Alguns deles, por exemplo o da Cosipa (Usiminas), estão presentemente
longe do mar, sugerindo o afastamento da costa, posterior à sua construção.

Assim, o povoamento da Baixada Santista seria anterior aos dos índios


tupiniquins, encontrados pelos descobridores portugueses. Porém,
os homens dos sambaquis não mostram diferenças em comparação com os
índios atuais. De qualquer maneira, eles são de nível cultural extremamente
mais baixo que o dos tupiniquins e não há memória, nas lendas indígenas, de
uma raça anterior à deles que tivesse sido dominada ou extinta.

Os tupiniquins, centrados no planalto, como agricultores que eram,


principalmente da mandioca - plantada pelo sistema de coivaras, nas matas
ciliares dos rios -, não eram nômades; mas, segundo os antropologistas, no
inverno desciam a serra para vir pescar nos rios e lagunas do estuário e,
mesmo, no mar. Atestam esse fato as trilhas, cujos vestígios existem, até hoje,
na encosta da serra. Terminado o inverno, voltavam para o planalto. Portanto,
a Baixada Santista não era área de povoamento estável, embora pertencesse
à área de subsistência dos tupiniquins.

Isto explica por que os primeiros descobridores se encontraram com os índios


do planalto e logo subiram a serra pelas próprias trilhas indígenas, que vieram
a chamar-se caminhos do mar, à procura das aldeias dos Campos de
Piratininga, onde já vivia o renegado João Ramalho e onde os jesuítas
estabeleceram sua primeira escola.

Resta perguntar por que, sendo esses índios conhecedores do meio natural,
preferiam plantar suas roças de mandioca no planalto. Como resposta lógica
pode-se intuir que as terras do planalto eram mais propícias às atividades
agrícolas.

A tradição indígena de considerar os campos do planalto como núcleo central


de sua área de subsistência prolongou-se com os povoadores portugueses
que preferiam os Campos de Piratininga, com a fundação de Santo André da
Borda do Campo e São Paulo de Piratininga.

Na planície litorânea, subsistiram as cidades de Santos, São Vicente e


Itanhaém, como portos de desembarque, ligados ao planalto pela trilha dos
tupiniquins e assegurando a ligação marítima com a metrópole. Contudo,
houve a tentativa de estabelecerem-se plantações de cana-de-açúcar na
Baixada, mas essas fracassaram. Esse é o caso do famoso Engenho dos
Erasmos, fundado logo após a chegada dos portugueses e que durou apenas
cerca de 50 anos. Resultando disso que, já em 1681, a sede do governo da
capitania passou a ser em São Paulo.

Na Baixada estabeleceu-se a característica que persiste até hoje, de centros


urbanos, como ilhas em território inaproveitado; ou simplesmente aproveitado
para plantações de bananeiras.

Contudo, a ligação entre as duas áreas complementares persiste


nas sucessivas estradas através da muralha da serra. A Trilha dos Tupiniquins
- que partia de Piaçagüera e subia a serra ao longo do vale do Rio Mogi e, no
planalto, procurava o Vale do Tamanduateí, seguindo até Piratininga - é
substituída pelo Caminho do Padre José - partindo de Cubatão, subindo a
serra pelo Vale do Rio Perequê e, no planalto, cruzando os rios Pequeno e
Grande, até atingir o Vale do Rio Meninos, afluente do Tamanduateí. Não há
melhoria entre os dois caminhos, mas apenas maior segurança, pois o
primeiro se aproximava muito do território dos índios tupinambás, inimigos
acérimos dos tupiniquins.

Com o crescer das comunicações entre Santos e São Paulo, no século XVIII,
o antigo Caminho do Padre José foi sofrendo reparações e modificações
sensíveis, inclusive a subida pelo Vale do Rio das Pedras, ao invés de pelo do
Rio Perequê, dando lugar ao chamado Caminho do Mar até hoje existente.

A viagem de Santos era feita por canoas até o porto de Cubatão. De lá subia-
se a serra penosamente a cavalo, ou em redes carregadas por índios, ou
mesmo a pé, até o alto da serra. Mas somente no governo de Bernardo José
de Lorena (1788-97) é que a subida da serra foi melhorada construindo-se
a Calçada do Lorena, feita com lajes de pedra e com largura suficiente para
que as tropas de burros pudessem cruzar-se sem parar.

Essa calçada, cujo traçado foi aproximadamente seguido pela atual Estrada
Velha de Santos, foi inaugurada, provavelmente, no início do ano de 1792. É
interessante notar que, na construção dessa calçada, cuidou-se
especialmente da drenagem, para evitar os estragos das enxurradas e da
construção de taludes por meio de muros de arrimo. No planalto tratou-se da
melhoria e conservação do caminho e da construção de pontes de madeira
(pingüelas) na travessia dos rios.

Finalmente, de 1824 a 27, abriu-se uma estrada que ligava Santos a Cubatão
- a qual, não obstante, foi de manutenção difícil e custosa até que se
construísse o trecho da Baixada da Estrada Velha, já na década dos anos 20
deste século (N.E.: século XX).

Dessa forma, a histórica correlação entre os Campos de Piratininga e a


Baixada Santista foi assegurada pelo Caminho do Mar. Com o advento da
lavoura cafeeira e o consequente transporte do café em lombo de burro, para
exportação em Santos, esse caminho foi progressivamente melhorado e
finalmente substituído, no final do século XIX, pela Estrada de Ferro Santos-
Jundiaí.
***
Apesar da importância histórico-geológica da Baixada Santista, que se
procurou realçar nos parágrafos anteriores, até recentemente seus aspectos
geográfico-geológicos não tinham sido suficientemente estudados. A Figura
1 mostra um esboço de mapa da região da Baixada Santista aqui estudada.

Somente a partir de cerca de 1940 - quando a Cia. Docas de Santos resolveu


consultar o IPT para o estudo dos solos de fundação de suas novas
instalações portuárias; quando foram feitos os estudos para a construção do
trecho da Baixada da Via Anchieta; quando se iniciaram estudos geotécnicos
para os primeiros edifícios de apartamentos na praia do Gonzaga; e, a partir
de 1950, foram feitos os estudos de solos para as fundações da Cosipa em
Piaçagüera - foi que as bases físicas da Baixada Santista começaram a ser
conhecidas.

Foi possível então traçar um esboço de perfil geológico do pé da serra até a


praia de Santos. Em Cubatão o solo era constituído por cerca de 15 m de
argila orgânica mole preta sobre uma camada de pedregulho repousando
sobre o embasamento gnáissico decomposto. Admitia-se então que a camada
de argila orgânica mole, entremeada com camadas e lentes de areia,
repousasse sobre o embasamento gnáissico, que se aprofundava lentamente
até chegar a cerca de 40 m no Rio Casqueiro. Dali por diante a superfície do
terreno era recoberta por uma camada de areia que, na praia, atingia a
profundidade de cerca de 15 m e o embasamento gnáissico ficaria a mais de
80 m de profundidade. A Figura 2 mostra o primeiro esboço de um corte
geológico da Baixada Santista traçado, aproximadamente, na década dos
anos 50. Ver-se-á adiante que tal perfil encobria um erro.

Note-se, entretanto, que, nesse perfil, não aparecem os morros que, ao longo
da Baixada, surgem como ilhas rodeadas de vasas. São afloramentos aqui e
ali, do embasamento gnáissico. Esses morros são recobertos por solos de
alteração da rocha in situ ou por coluviões formados por deslizamentos de
solos e blocos de rocha. Junto ao pé da serra, em geral, ocorrem camadas
superficiais de argila orgânica com consistências das vasas revestidas
de mangues e alagadas pelas marés altas, enquanto as areias mais próximas
do mar são acumuladas pela água ou pelo vento, como mencionam Avelino
de Oliveira e Leonardos.

Note-se que, no caso da Baixada Santista, mais uma vez confirma-se o fato
de que é o desenvolvimento econômico que suscita a investigação científica
e tecnológica de uma determinada questão; porém, uma vez adquiridos tais
conhecimentos, eles rebatem sobre o desenvolvimento econômico, fazendo-
o progredir.

De fato, a construção da Via Anchieta, da Refinaria de Petróleo de Cubatão e


da Usina Siderúrgica de Piaçagüera forneceu dados sobre os quais a
investigação geográfica e geológica pode ser feita. Porém, não é menos
verdade que, logo após, esses estudos geológico-geográficos muito
contribuíram para o grande desenvolvimento industrial da Baixada.

Mas, só em agosto de 1962 é que foi iniciada uma ampla pesquisa, sob a
orientação de professores do Departamento de Geografia da USP, para o
estudo abrangente dos aspectos geográficos da Baixada Santista, incluindo
sua base física, povoamento e população, seguido de uma investigação sobre
Santos e as cidades balneárias vizinhas, além de Cubatão e suas indústrias.

Em 1965, os resultados dessa pesquisa foram publicados, pela Editora da


USP, em quatro alentados volumes, nos quais pode-se encontrar as primeiras
informações abrangentes sobre os aspectos geográficos da região [4].

O primeiro volume dessa obra, As Bases Físicas, é o que mais interessa para
o trabalho aqui redigido. Inicia-se com um sumário da geologia da serra e da
Baixada, redigido por José Carlos Rodrigues, enfatizando as questões de
Geologia da Engenharia, relacionadas com as obras realizadas na região. Em
seguida há uma excelente exposição da evolução geomorfológica, assinada
por Aziz Ab'Saber, onde ele afirma: "Na realidade tudo leva a crer que, por
volta do Cretáceo e no decorrer do Paleogeno, processaram-se falhamentos
importantes pari passu com o soerguimento epirogênico relativamente
homogêneo, do núcleo sul-oriental do Escudo Brasileiro".

Desse movimento epirogenético resultou, na região de Santos, uma série de


vales entre esporões da serra. Com a elevação do nível do mar que estava
cerca de 50 m abaixo do nível atual, e que se deu já em período Quaternário,
esses vales foram submersos, formando-se uma baía profunda e uma série
de ilhas. Essa ascensão do nível do mar, que é chamada pelos
geomorfologistas de transgressão flandriana, é a responsável pela extrema
irregularidade da costa Sudeste do Brasil.

Com os vales e baías submersos deu-se a sedimentação das argilas ou areias


finas argilosas que hoje formam as várzeas da Baixada Santista. São
sedimentos de águas calmas, eventualmente em contato com água salgada
das marés. Entretanto, já nessa época, percebeu-se que a camada de argila,
supostamente de consistência uniformemente mole, apresentava certa
inexplicável anormalidade em camadas de consistência maior, em
discordância com as mais moles. Tal anomalia só foi esclarecida com base
em estudos geológicos que serão mencionados adiante.
Da erosão dos solos de alteração de rocha, os quais recobriam as encostas
dos espigões e paleo-ilhas, resultaram areias que vieram depositar-se, com
transporte líquido ou aéreo, em cordões e areia, a 10 ou 25 km de distância
do pé da serra, em praias e terraços.

Há ainda um terceiro tipo de solo, constituído por pedregulho e blocos de


rocha, em mistura com solo areno-argiloso. Tais camadas encontram-se
sempre em contato com a rocha gnáissica-xistosa muitas vezes
completamente alterada, sob os sedimentos argilosos ou, então, como
aluviões ou coluviões ao longo dos rios ao pé da serra. Assim formou-se a
configuração atual da Baixada, com suas várzeas e mangues, geralmente
localizados entre as encostas da serra e contornando morros remanescentes
das antigas ilhas da transgressão marítima, e a faixa litorânea, constituída por
praias e terraços de areia pura.

No capítulo terceiro do livro em exame, José Pereira de Queiroz Neto e Alfredo


Kupper estudam Os Solos da Baixada. Note-se, entretanto, que, agora, a
palavra solo não tem mais o significado amplo geotécnico, abrangendo todas
as camadas e depósitos não consolidados da crosta terrestre. Solos, nesse
capítulo, referem-se às camadas superficiais suportes das plantas e que são
estudadas sob o ponto de vista da pedologia.

Nas áreas das praias e terraços arenosos, próximas ou ao longo das praias
litorâneas, desenvolveram-se solos podzólicos, arenosos, com pouca matéria
orgânica, ácidos e de baixa fertilidade. São áreas não utilizáveis sob o ponto
de vista agrícola, porém agora densamente aproveitadas como áreas urbanas
ou terrenos loteados de praias balneares.

Por outro lado, os solos desenvolvidos nas áreas entre as praias e o pé da


serra, sobre os sedimentos argilosos ou argilo-arenosos, são utilizáveis
agricolamente, com exceção das zonas de mangues, as quais, para serem
utilizadas, necessitam de obras de saneamento. De fato, nessas áreas
existiam grandes bananais, como por exemplo o que ocupava toda a área
atualmente ocupada pela Usina Siderúrgica da Cosipa, em Piaçagüera.
São solos orgânicos, constituídos por argilas e siltes orgânicos, às vezes
turfosas e saturadas d'água, com camadas de areia fina semelhante à das
praias; ou camadas de argila plástica, saturadas de consistência rija, alto teor
de carbono e acidez elevada, os quais dificultam o seu aproveitamento
agrícola. Entretanto, essas áreas estão também sendo invalidadas por
indústrias e suas vilas operárias, elevando-se o seu preço e assim impedindo
outros usos, seja agrícola ou de preservação.

Dessa forma, a Baixada Santista, mantendo o seu caráter histórico de porta e


porto exportador e importador das terras paulistas do planalto, perdeu o
caráter que configurava seu aspecto de zona de plantações tropicais. Pois foi
nelas que, logo após a descoberta, instalou-se o primeiro engenho de açúcar
brasileiro, com suas plantações de cana, as quais desapareceram totalmente,
e, ainda recentemente, era sede de grandes bananais, em plena extinção.

Com o desenvolvimento industrial de São Paulo, a partir do início do século,


Santos tornou-se a cidade balneária e de veraneio das famílias ricas ou
remediadas paulistanas, o que evoluiu para o das residências secundárias em
apartamentos ao longo das praias de Santos e Guarujá. Finalmente toda a
orla das praias da Baixada tornou-se acolhedora dos fins de semana do povo
paulista. Enquanto isso, foram-se desenvolvendo as zonas industriais em
torno de Cubatão e Piaçagüera, com sua usina hidrelétrica, sua refinaria de
petróleo e pólo petroquímico, sua usina siderúrgica, sua indústria de
fertilizantes; aglutinando em torno de si uma quantidade de indústrias anexas
e vilas operárias, que tornaram a região uma das mais poluídas do mundo.

Por outro lado, as docas de Santos expandiram-se, com suas instalações


portuárias, às quais vieram agregar-se uma série de indústrias dependentes
de exportação e importação. Dessa forma desenvolveu-se, a partir da zona
portuária, subindo o estuário e expandindo-se para Vicente de Carvalho, do
outro lado do canal, uma outra pujante zona industrial.

Também o clima da Baixada foi extensamente estudado por Elina de Oliveira


Santos, concluindo ser esse um clima litorâneo quente e úmido, porém, sujeito
a alternâncias diárias da brisa marítima com o vento quente vindo do interior.
o regime de ventos, entre os quais predominam o vento Sul frio e o vento Este
vindo do Atlântico, porém, com a incidência esporádica do incômodo vento
Noroeste, determina enormemente as condições climáticas.

Contudo, o verão é quente, com temperaturas máximas próximas de 40ºC,


extremamente chuvoso, enquanto o inverno é mais frio e muito menos
chuvoso, porém não completamente seco, pois a precipitação mínima mensal
é de ordem de 60 mm, enquanto a média anual é da ordem de 2.500 mm.
***
Como já foi dito, contrastando com o caráter orgânico e recente dos
sedimentos da Baixada, os solos que recobrem as rochas gnáissicas e
micaxistos das encostas da Serra do Mar e dos morros litorâneos têm sua
camada superficial constituída por solos residuais ou coluviais lateríticos,
suportes da mata atlântica, sobre espesso manto de solos de alteração in
situ das rochas locais, mantendo ainda a estrutura da rocha-madre.

Essas coberturas são muito instáveis, mostrando, em vários locais, evidência


de que estão em movimento de rastejo serra abaixo. Escorregamentos
catastróficos de terra dão-se nos anos de maior intensidade de chuvas, nos
meses de novembro a março, quando a precipitação chuvosa supera cerca de
100 mm por dia. Foi o que aconteceu em 1928, no Monte Serrat em Santos
(ver fotografia a p. 759 da Geologia do Brasil de Oliveira e Leonardos),
quando, após chuvas violentas de março, cerca de dois milhões de metros
cúbicos de terra deslizaram do alto do morro, justamente sobre um hospital,
matando um grande número de pessoas.

Os detritos de tais escorregamentos vêm acumular-se no sopé da serra,


formando os talus, que apesar de terem taludes suaves instabilizam-se
durante as chuvas ou quando têm seus pés cortados por escavações para fins
de engenharia. Um exemplo bem estudado de um escorregamento de talus foi
o que se deu detrás da Casa de Força de Cubatão, ocorrido na estação
chuvosa de 1947. Tal escorregamento tornou-se conhecido
internacionalmente por ter sido estudado pelo próprio criador da Mecânica dos
Solos, o prof. Karl Terzaghi [5].

Nas primeiras noites de março de 1953 (N.E.: foi em 1956), durante chuvas
intensas e ininterruptas, 60 deslizamentos simultâneos assolaram os morros
de Santos, infligindo perdas de vida e destruição de habitações da população
mais pobre. Esses escorregamentos foram estudados em detalhes pelo
Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo [6].

Um terceiro tipo de escorregamento, na Serra do Mar, são as avalanches que


ocorrem durante chuvas intensivas, as quais literalmente dissolvem as
coberturas superficiais dos taludes, como aconteceu nas catastróficas
ocorrências da Serra de Caraguatatuba em 1967 e na das Araras, no estado
do Rio, quase em seguida.

São escorregamentos múltiplos e simultâneos devidos às chuvas de enorme


intensidade concentradas em áreas restritas, com períodos de recorrência de
700 a 2.000 anos, as quais produzem verdadeiras demolições hidráulicas. Os
detritos liquefeitos desses escorregamentos vêm depositar-se na Baixada, a
vários quilômetros de distância dos taludes, deixando a escarpa descoberta,
como se fosse por cicatrizes, em toda a área da intensa precipitação
atmosférica.

Um outro aspecto relacionado com as propriedades geotécnicas dos solos da


Baixada Santista é o dos recalques e desaprumos dos edifícios altos de
apartamentos, construídos ao longo da praia, a partir de aproximadamente os
anos 40. Antes disso, os edifícios de Santos, geralmente fundados sobre a
camada superficial de areia, não ofereciam problemas de fundações pois,
sendo de poucos andares, suas cargas não atingiam as camadas de argila
mole, existente a cerca de 10 a 15 m de profundidade, abaixo da camada
superficial de areia.

Quando esses prédios passaram a ter mais de 10 andares, suas cargas


começaram a comprimir camada subjacente de argila, fazendo aparecer o
fenômeno de adensamento; isto é, expulsão da água intersticial da argila,
resultando em recalques que se procediam lentamente, ao correr do tempo.

Um dos primeiros efeitos desastrosos disso foi o de um edifício de 14 andares


em que o recalque de um lado atingiu 85 cm, enquanto do outro ficou em 60
cm, com consequente inclinação do prédio. Assim, tais recalques foram
aparecendo em outros prédios, tornando-se visíveis e preocupando os
moradores.

Além disso, observou-se que a construção de um prédio vizinho mais alto fazia
inclinar o prédio menor. Houve um caso constatado de um prédio que se
inclinou para o vizinho da direita, quando esse foi construído, e, depois, voltou
ao prumo quando foi construído outro prédio à esquerda.

Com o abuso da altura dos prédios, apareceram casos em que se começou a


temer o perigo de colapso do edifício. Um desses casos foi o de um edifício
de 18 andares, muito esbelto, desaprumado pela construção de um prédio
vizinho, cuja solução e estabilização foi um feito notável da engenharia de
fundações paulista.
***
A partir dessa época, o conhecimento geológico, geográfico e geotécnico da
Baixada Santista tornou-se intenso, como resultado das investigações
científicas e tecnológicas quase todas relacionadas com obras de engenharia
e de industrialização.

Além das obras de grandes instalações industriais que se realizaram desde


então, na Baixada, o projeto e a construção da Via dos Imigrantes, tanto no
trecho da serra, como no da Baixada, vieram não só beneficiar-se desses
conhecimentos, mas também ampliá-los.

No que se refere à geologia e à mecânica dos solos e das rochas, tais amplos
conhecimentos foram sumarizados nas contribuições apresentadas no
simpósio "Solos do Litoral de São Paulo", realizado em Santos em 1994, Os
anais desse simpósio, publicados pela ABMS, vieram a se constituir como uma
síntese do estado dos conhecimentos geológicos e geotécnicos sobre a
Baixada de Santos e da Serra de Cubatão, além de sobre o restante do litoral
de São Paulo.

Yociterú Hasui, José Augusto Mioto e Norberto Morales [7] apresentaram, a


esse simpósio, uma notável atualização dos conhecimentos sobre a "Geologia
do Pré-Cambriano" no qual as antigas ideias sobre a geologia e a
geomorfologia da Serra de Cubatão são retificadas, além de expostos novos
conhecimentos adquiridos sobre a questão.

É interessante mencionar aqui o relato dos episódios da evolução tectônica da


Serra do Mar. Os dois primeiros deram-se em tempos pré-cambrianos e são
responsáveis pela formação de dobras, juntas e falhas na rocha arqueana e
de intrusões de rochas graníticas. O terceiro episódio é o que corresponde aos
movimentos de blocos, alçamentos e abatimentos.

A Bacia de Santos, como a da Guanabara, corresponde às zonas abatidas,


enquanto a Serra de Cubatão corresponde à face dissecada de um
soerguimento ao longo de uma falha correndo paralela à costa, ao largo de
Santos. São processos ocorridos quando os continentes da África e da
América do Sul separaram-se no final do Mesozoico e início do Cenozoico. Há
ainda um quarto episódio correspondente à reativação de falhas que se deram
durante o Terciário.

Quanto à geologia do Quaternário, no litoral Sul do Brasil, Kenitiro Suguiu e


Louis Martin [8] apresentaram, ao simpósio de Santos, um interessantíssimo
trabalho, mostrando que os sedimentos das planícies litorâneas foram
depositados em dois eventos: no Pleistoceno e no Holoceno, em ambientes
marinhos rasos. Nesses eventos, os níveis do mar estavam em posições
diferentes.

Admitindo que o nível atual seja 0, no início do Pleistoceno seria 20 a 25 m,


enquanto o nível médio, no Holoceno, seria 4 m. No Pleistoceno, há cerca de
120.000 anos, depositaram-se sobre a rocha alterada ou seus detritos uma
camada de argila e sobre ela areias marinhas. Desde então, o nível do mar
veio abaixando, provavelmente como resultado da última idade glacial, e
foram-se formando cordões de areia à medida que o nível abaixava. Em
seguida, vários canais e baías foram sendo erodidos, até que o nível do mar
atingiu cerca de 100 m abaixo do atual. Então, já no Holoceno, há cerca de
15.000 anos, de novo o nível, com o final da glaciação nos polos, voltou a
subir, atingindo, há cerca de 5.000 anos, cerca de 4 m acima do nível atual.

Durante esse período, os canais e baías erodidos anteriormente foram sendo


preenchidos com a atual argila mole da Baixada, que os autores chamam
de sedimentos fluvio-lacunares, em contraposição às argilas anteriores,
parcialmente erodidas, que eles chamam de transicionais. De 5.000 anos para
cá o nível do mar vem baixando.

Com base nesses estudos, Faiçal Massad [9] veio explicar o fenômeno da
existência na Baixada de Santos de argilas rijas, em discordância com as
argilas moles mais superficiais. As rijas corresponderiam às chamadas
de transicionais pelos geólogos, enquanto as moles são as fluvio-lacunares.
Dessa forma, a ideia do corte geológico, concebido na época dos anos 50,
mencionada anteriormente, teve de ser modificada, no sentido de que,
naquele corte, as camadas inferiores e argila, a cerca de 30 m de
profundidade, a partir do Rio Casqueiro, na direção de Santos, devem ser
entendidas como rijas, em discordância com os sedimentos superficiais mais
recentes, cuja consistência é mais branda.

De tudo o que foi dito sobre as bases físicas da Baixada Santista, em


correlação com o seu estudo geológico-geotécnico, visando melhorar seus
meios de comunicação e transformá-la numa região intensamente
industrializada, creio ser possível chamar a atenção sobre como se deu a
evolução do seu desenvolvimento social e econômico.

De início apareceram dois problemas relacionados com a necessidade de


exportação e de transporte do café produzido no planalto até o porto marítimo.
Para tanto, a engenharia ferroviária e portuária foi chamada e veio a recorrer,
cada vez mais intensamente, à pesquisa tecnológica, a qual, por sua vez, à
medida que os problemas se tornaram mais graves, veio a necessitar do apoio
de conhecimentos científicos.

O transporte e a exportação de café paulatinamente foram suscitando o


aparecimento de armazéns de estocagem e de indústrias correlatas, as quais
desenvolvem-se num grande parque industrial e no consequente urbano de
Santos e das cidades vizinhas. Mas para isso foi necessário resolver
problemas técnicos que exigiam estudos tecnológicos e, esses, investigações
científicas.

Realizou-se, dessa forma, na Baixada Santista, uma interação entre a


tecnologia e a ciência, fertilizando-se mutuamente, ambas suscitadas pela
necessidade de resolver problemas industriais e econômicos. Contudo, deve-
se lembrar que todo esse desenvolvimento técnico-científico e industrial,
talvez por falta de uma maior atenção aos problemas ambientais, resultou em
intensa poluição, principalmente na região de Cubatão, atingindo a própria
vegetação da serra e tornando essa região uma das mais criticadas, sob o
ponto de vista ambiental, do estado de São Paulo. É de se convir, porém, que
a solução de tal problema ambiental caberá a maiores estudos científicos e
melhores soluções tecnológicas.

(*) Milton Vargas é professor emérito da Escola Politécnica da Universidade


de São Paulo.

Figura 2 - Esquema de corte geológico (como visualizado nos anos 50)

Imagem publicada com a matéria


Na mesma publicação (páginas 10 a 17), consta igualmente este estudo, a seguir
parcialmente transcrito:

Proposta de um parque no velho território dos Erasmos

Aziz N. Ab’Saber (*)

O maciço insular de Monte Serrat-Santa Terezinha, em função de sua


macissividade e extensão, pôde preservar, no centro da Ilha de São Vicente,
os sinais didáticos de um velho nível de aplainamento em sua cumeada. De
um modo bastante visível e fácil de observar, ocorre uma topografia muito
suave no topo do morro; enquanto os bordos do maciço, por todos os
quadrantes, apresentam vertentes íngremes, descaindo para os sopés,
através de vertentes discretamente arredondadas (convexas). A amplitude
topográfica entre o topo principal do largo morro em relação às praias,
baixadas e estuários circundantes é de duas centenas de metros, em média.

Ainda que sempre tendendo para feições arredondadas ou convexas nos seus
bordos, os chamados morros de Santos apresentam setores mais rochosos e
setores sujeitos a uma decomposição extensiva, porém irregular em
profundidade. As florestas atlânticas ocupavam, na paisagem primária, todos
os recantos do maciço, poupando ou deixando de ocupar apenas pequenos
setores rochosos da face atlântica dos morros e uma franja basal de rochedos
situados na face interna do importante acidente geográfico.

Alguns desses rochedos basais, recém-observados, documentam a ação


direta do mar, quando as águas costeiras salinas ocupavam o espaço total da
Baixada Santista, desde os rebordos interiores do maciço até a base dos
esporões da Serra do Mar, em seu trecho santista.

Nessa época, quando o nível do mar esteve a pouco mais de 3 metros do que
hoje - durante o período do Holoceno designado ótimo climaticum -, existia na
retroterra do Monte Serrat uma espécie de mar de dentro, para usar uma muito
velha e arcaica expressão portuguesa.

As águas salinas desse paleocanal santista-vicentino certamente se


emendavam com o estreito paleocanal da Bertioga. Não dá para comparar a
largura dos diversos setores do mar de dentro, oriundo da invasão marinha de
meados do Quaternário Superior. Isso porque, enquanto o paleocanal da
Bertioga possuía no máximo 1 km de largura, a faixa interna de mar da
retroterra de Santos ocupava uma faixa de aproximadamente 7 km, insulando
todos os morrotes existentes no meio da Baixada.

Ou seja, aqueles pequenos morros isolados na planura,


designados engaguaçus (morrotes com a forma de fundo de pilão), eram parte
integrante de um arquipélago de ilhas continentais, que envolvia os maciços
das atuais Ilha de Guarujá, Ilha de São Vicente e os aludidos morrinhos
florestados.

Enquanto as florestas revestiam todos os morros e maciços, esporões e


escarpas da Serra do Mar, a Baixada Santista era em grande parte dominada
por manguezais e pró-parte por jundus, uma vegetação ou ecossistema
adaptado a conviver com os solos arenosos das antigas restingas: uma
vegetação dos trópicos úmidos costeiros do Brasil Sudeste,
designada psamófila.

Nos sopés da Serra do Mar, em fundo de vales, havia um outro agrupamento


de ecossistemas, dessa vez de planícies aluviais, formando grande contraste
com os manguezais da Baixada e dos bordos do Canal da Bertioga.

Tudo leva a crer que o mar, ao regredir do nível de 3 ou 3,5 metros, tenha
favorecido a expansão das planícies de marés que vieram servir de suporte
ecológico para os manguezais. O corpo principal da planície de marés,
superargilosas, deve ter-se iniciado por uma espécie de delta intralagunar,
gerado no lagamar santista-vicentino, durante o processo regressivo, sob
condições tropicais úmidas.
As faixas e manchas de areias existentes nas ilhas de Santo Amaro e São
Vicente foram geradas antes que os mangues se estendessem e colmatassem
a Baixada. Nelas se implantaram os jundus de composição biótica
diferenciada em relação ao ecossistema altamente biodiverso das matas
tropicais atlânticas da não muito distante Serra do Mar.

Existem trechos de jundus sobre o paleotômbolo do sítio inicial de Vila Natal;


outros, em manchas de areias, ilhadas em pontos restritos da Baixada; e, por
fim, ao longo das restingas geradas na linha de costa (Guarujá, Santos, São
Vicente, Praia Grande). Estuários, canais naturais, largos e gamboas
constituem-se, em grande parte, em remanescentes do lagamar regional,
gerado entre 6.000 e 5.000 anos antes do presente.

O fato de o maciço de Monte Serrat-Santa Terezinha possuir uma extensão


relativamente grande, no meio da Ilha de São Vicente, possibilitou a existência
de uma drenagem própria e singular. Existe uma situação de chateau d'eau na
pequena hidrografia regional do maciço. Dada a homogeneidade topográfica
relativa da larga e contínua cimeira do morro, as águas de chuvas e canaletes
de curto trajeto formam um corpo nitidamente centrífugo. Em outras palavras,
as águas pluviais que tombam no maciço escorrem para as baixadas por todos
os quadrantes do morro, que hoje se comporta como um maciço insular típico.

Nessa condição de discreto castelo d'águas, ocorre, entretanto, um pequeno


curso d'água que, do alto plano-ondulado, dirige-se para o antiquíssimo sítio
do Engenho dos Erasmos, na traseira do maciço voltado para São Vicente.
Trata-se de um setor do morro pertencente administrativamente a Santos,
ainda que muito próximo da divisa com São Vicente.

Para fins de simplificações designaremos a sub-bacia - que desce dos altos


para os patamares em rampas e o pé-de-morro do maciço - pelo nome de
riacho dos Erasmos.

O trecho inferior da sub-bacia do riacho dos Erasmos é um anfiteatro


topográfico - em caráter de exceção - entalhado no rebordo do maciço de
Santa Terezinha, exibindo vertentes íngremes, cujo topo está a mais de 100
metros. O trecho superior da sub-bacia tem o caráter de um vale suspenso
que bruscamente transiciona para o anfiteatro da margem, por meio de uma
soleira rochosa granítica, onde ocorre uma pequena e sugestiva cachoeira.

Desse acidente fisiográfico, para jusante, o riacho percorre algumas centenas


de metros, seccionando patamares de relevo embutidos, e terminando por
uma várzea em forma de leque raso. Foi em um desses terraços-patamares
que os Erasmos, proprietários pioneiros, construíram a sede do engenho,
usando blocos de rochas semi-talhados nas paredes e divisões internas do
edifício. As ruínas só puderam resistir a mais de quatro séculos devido ao
material rochoso utilizado. Infelizmente, tetos e paredes superiores se foram.

Daí sendo necessária uma recomposição por um modelo do tipo que se fez,
com sucesso, na reconstrução simbólica da Capela do Morumbi, onde a base
das ruínas era constituída de taipas com fragmentos de crosta laterítica. No
caso das ruínas da sede do Engenho dos Erasmos, o que restou dela é
constituído por blocos quadráticos de rochas graníticas ou granitizadas
resistentes.

As pedras semi-talhados de granitos certamente foram obtidas em arcaicas


pedreiras quinhentistas dos arredores. Difícil, hoje, saber qual o local exato
das mesmas. Mas possivelmente tratou-se de uma pedreira embrionária, mais
tarde ampliada e descaracterizada, existente nas vertentes rochosas do Morro
de Santa Terezinha.

O interior do anfiteatro gerado no trecho inferior da sub-bacia do ribeirão dos


Erasmos apresentava solos de razoável fertilidade nos patamares-terraços e
sobretudo na várzea terminal. E, certamente, sem qualquer dúvida, foi ali na
planície aluvial restrita - encarcerada no piemonte do maciço - que se fizeram
as velhas plantações de cana para o abastecimento do engenho. Em
utilizando as aluviões ricas para culturas tropicais, exatamente onde ocorre
uma viçosa e compacta plantação de bananeiras. Segundo nos informaram,
trata-se de um espaço pertencente à Associação dos Funcionários da Cosipa,
a qual, compreensivelmente, tem expectativas de lucro com o terreno.
Um pequeno estudo de campo sobre a geomorfologia do anfiteatro é
necessário, com vistas ao planejamento de um parque de funções múltiplas,
que envolva o espaço total integrado dos terrenos principais do Engenho dos
Erasmos. Tendo como suporte territorial todos os setores do anfiteatro local,
desde a pequena cachoeira dos altos até a pequena várzea do pé-do-morro.
Um sítio dotado de memória histórica, reciclado para um parque de lazer e
cultura.

NOTAS:

BIBLIOGRAFIA

[1] F.F. Marques de Almeida, "Considerações sobre a Geomorfogênese da


Serra de Cubatão", in Boletim Paulista de Geografia, nº 15, São Paulo, outubro
de 1953.

[2] F. Hart, Geology and Physical Geography of Brazil, Boston, Fields Osgood,
1870.

[3] A. de Oliveira e O. Leonardos, Geologia do Brasil, Rio de Janeiro, Serviço


de Informação Agrícola, ministério da Agricultura, 1943.

[4] Idem, "A Baixada Santista, Aspectos Geográficos", São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, 1965.

[5] K. Terzaghi, From Theory to Practice in Soil Mechanics, N. York, John


Willey, 1960.

[6] M. Vargas e E. Pichler, Residual Soil and Rock Slides in Santos (Brazil),
Londres, Proc. 4º ICSMFE, 1957.

[7] Y. Hasui, J. A. Mioto e N. Morales, "Geologia do Pré-Cambriano", in Solos


do Litoral de São Paulo, São Paulo, ABMS - Núcleo Regional de São Paulo,
agosto de 1985.
[8] K. Suguiu e L. Martin, "Geologia do Quaternário", in Solos do Litoral de São
Paulo, São Paulo, ABMS - Núcleo Regional de São Paulo, 1994.

[9] F. Massad. Progressos Recentes dos Estudos sobre as Argilas


Quaternárias da Baixada Santista. São Paulo, ABMS e ABEF, agosto de 1985.

[...]
(N.E.: na continuação do estudo, o autor passa a detalhar os procedimentos e
cuidados necessários para a instalação e exploração do parque regional do
Engenho dos Erasmos).

(*) Aziz N. Ab’Saber é professor honorário do Instituto de Estudos Avançados


da USP, e autor de, entre outros, Amazônia - do Discurso à Práxis (Edusp).

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