Em Nome de Kardec (Adriano Calsone)
Em Nome de Kardec (Adriano Calsone)
Em Nome de Kardec (Adriano Calsone)
EM NOME DE KARDEC
Adriano Calsone
Lançado em 2015
Vivaluz Editora
Em nome de
Kardec
4 – Adriano Calsone
Índice
Prefácio — pag. 6
Introdução - Esclarecimentos necessários — pag. 9
Madame Blavatsky e a sua Sociedade Espírita Egípcia — pag. 15
Artista Blavatsky na França — pag. 20
Nasce a Sociedade Teosófica — pag. 22
Spiritheosophistes — pag. 29
Financiamento espiritista de Ísis sem véu — pag. 37
Surgimento da Sociedade Científica de Estudos Psicológicos— pag. 41
Polêmica à vista: Sociedade Teosófica dos Espíritas Franceses — pag. 47
Suplemento teosófico na Revista Espírita — pag. 53
A Condessa mística e seu macaco de pelúcia — pag. 62
França, Coração do Mundo, Pátria do Esotérico? — pag. 68
Errare humanum est... — pag. 72
Regras da Sociedade Teosófica — pag. 79
A cada um segundo suas obras... — pag. 86
Diferenças entre Espiritismo e Teosofismo — pag. 92
1883 - o ano que não acabou — pag. 97
Inquietações kardecistas — pag. 100
Comitê de leitura da Revue barra artigos teosóficos — pag. 105
5 – EM NOME DE KARDEC
Prefácio
Introdução
Esclarecimentos necessários
Madame Blavatsky
e a sua
Sociedade Espírita Egípcia
secretário era orientado por ela a dizer que os Espíritos não gostavam
de aparecer em ambientes simples, como os daquele quarto, já que as
instalações do lugar, além de serem inadequadas no ponto de vista de
Helena Blavatsky, não haviam sido purificadas corretamente para
cada fim proposto. E se mesmo assim algum cliente insistisse em pedir
o seu dinheiro de volta, que o ser reclamante voltasse alguns dias
depois para novas tentativas, numa situação diferente...
De fato, muitos clientes insatisfeitos retornavam, e o que
constatavam dessa situação diferente era uma estranha sessão
mediúnica pública, totalmente reconfigurada e apinhada de gente...
E para o intento dessas sessões públicas de efeitos físicos,
Helena Blavatsky e seus assistentes prepararam, nesse mesmo quarto,
um longo pano vermelho que escorria do teto até tapar a abertura das
portas de um grande armário. Alguns curiosos presentes indagavam:
"Isso aí é uma sessão de espetáculo barato, em vez de uma reunião
séria de evocação particular! Ora, quero meu dinheiro de volta,
imediatamente!"
Muitos clientes irritados, diante do não combinado já na
primeira consulta, passavam a acusar Blavatsky, a fundadora daquela
sociedade espírita para lá de duvidosa...
Para muitos egípcios céticos do Cairo, Madame Blavatsky
mostrava ser uma verdadeira charlatã, daquelas que penduravam
linhas no teto de closets para simular a sobrevivência dos Espíritos por
meio de uma luva postiça cheia de algodão... Era o que supostamente
ocorria nas sessões públicas da médium Blavatsky...
Diante da confusão que se formara no apartamento, Helena
Blavatsky passaria a acusar, de fraude, uma senhora que morava junto
com ela, conhecida por Madame Sébire. A confusão estava armada!
Em verdade, por trás desses vários cambalaches mediúnicos,
Helena estava enfrentando uma grande crise financeira. Infelizmente,
decepcionada consigo mesma, ela passou a pedir emprestado a seus
17 – EM NOME DE KARDEC
Artista Blavatsky
na França
Nasce a
Sociedade Teosófica
Hahn...
Meses depois, a família enviaria, pelos correios, a sua herança de
direito por meio de uma ordem de pagamento de 1000 rublos, o que
fez com que ela mudasse imediatamente para um bairro melhor na
cidade de Nova York. Passou por Union Square, foi para East Sixteenth,
depois St. Irving Place, entre outras mudanças e novas andanças, como
acontecera na abertura de pequenos negócios imobiliários, além da
tentativa de fazer fortuna num ramo de granja à criação de frangos.
Logo que passou a conhecer a realidade dos espiritualistas
americanos, ditos modernos, todas as suas cartas à família, sob o
pseudônimo de Radda-Bai — a assinatura de seus escritos russos —
partiam dos Estados Unidos carregadas de manifestações raivosas
contra os abusos daquele espiritualismo moderno, que ela chamaria
de materialismo espiritualista.
Foram muitas as indignações que publicaria pelos jornais
americanos sobre aquelas ciências mediúnicas praticadas pelos norte-
americanos na década de 1870. Ela chegaria ao ponto de comparar as
pessoas que desencarnavam na América do Norte como sombras, ou
seja, espíritos disfarçados e altamente prejudiciais à saúde dos
médiuns, suas vítimas passivas...
Mas a sua visita os irmãos Eddy, médiuns rurais famosos à
época, foi a última gota que fez transbordar a sua curta paciência.
Depois disso, Blavatsky se tornaria uma inimiga velada do
espiritualismo americano e moderno.
Em julho de 1874, ela conheceria um homem da lei que mudaria
a vida dela para sempre... Era um profissional regulador de seguros,
conhecido por Henry Steel Olcott — que fora nomeado coronel
durante a Guerra Civil — um curioso pesquisador de fenômenos do
espiritualismo moderno.
Tão logo, Jack (ela); Maloney (ele) estabeleceram mais que uma
forte relação de amizade, e de apelidos, união essa que duraria a vida
24 – Adriano Calsone
toda de ambos...
A dupla colocaria na prática a nova escola Ocidental apregoada
pelos mestres invisíveis da Madame Radda-Bai. E em 16 de fevereiro
de 1875, ela escreverá uma correspondência a um professor chamado
H. Corson, tentando explicar ainda os motivos que a levaram aos
Estados Unidos., anos atrás:
"Eu estou aqui, neste país, enviado pelo meu Lodge, para revelar a
verdade que está por trás deste espiritualismo moderno. Esse é o meu dever
mais sagrado: lançar luzes sobre o que é, e denunciar o que não é... Talvez eu
tenha chegado aqui cem anos demasiado cedo (...)."
para consigo mesmos. Eles nunca poderiam fazer qualquer coisa comigo para
me provocar algum desgosto; nós ainda somos amigos. Monsieur e Madame
Leymarie são pessoas muito cultas, verdadeiros e sinceros como o ouro (...).
Spiritheosophistes
teria esbarrado por acaso numa mesa, e em cima dela estaria aberto O
Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, onde constava uma
passagem recomendando perdão ao próximo...
O mesmo artigo de 1914 relatará que, imediatamente, o militar
Courmes e seus marinheiros fizeram meia volta e retornaram à sede
da Revue, na rue de Lille, para redobrarem a vigilância do prédio
contra a certeira invasão de saqueadores de plantão. Assim, aquela
explicação de Courmes — a de ter sido designado para proteger o
patrimônio dos Kardec — pode ter relação direta com esse
chamamento por meio d'O Evangelho e sua mensagem específica de
perdão...
Em verdade, essa Guerra Civil Parisiense, que se convencionou
chamá-la de Comuna de Paris, trouxe dias muito difíceis aos
kardecistas da Capital... A Revue, por exemplo, perderá centenas de
assinantes nessa época de sangue e lágrimas, e suas matérias pouco
seriam publicadas (por exemplo, em 1871), não passando de dez
minguados artigos ao mês. Em verdade, quem compraria um jornal
espírita com boa parte da população no caos e na miséria sem-fim?
Curioso observar ainda que vários espíritos deixariam suas
mensagens de fé e de luta diante da massacrante Comuna. Uma
entidade que se apresentaria como Luís, possivelmente São Luís — o
espírito protetor da antiga Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
— deixaria um comunicado espiritual sobre aquela guerra — com
certa ênfase republicana — registrado na Revue de maio de 1871. Eis o
seu devir:
O momento da luta está perto, a França dará o sinal. A transformação
não se estenderá somente em Paris, mas em todo o mundo (...). o início da
verdade espalhará o seu germe pelo nosso país; e o fogo latente via se
espalhar por todo o Globo; a chama divina brilhará para todos os povos; e as
mentes que ainda obscurecem nossa opinião, cairão como mágica. Este será o
reino do amor e da fraternidade universal.
um jornal dogmático".
Por fim, arrematará suas conclusões à defesa do teosofismo,
dizendo que, nos idos de 1868, "o próprio Kardec havia publicado, em
seu periódico, um estudo sobre o filosofo chinês Lao-Tsé, e que sua
filosofia também não é coerente com todos os aspectos do
Espiritismo", como dirá D.A.C.
Outro fato explicável pode estar novamente no futuro, em 1900,
quando o velho Courmes dirá num livro que acreditou que a sua
Teosofia poderia mesmo colaborar com o Espiritismo às mudanças
necessárias quanto aos dogmas espiritistas: que a Doutrina Espírita
deveria ser melhorada e complementada por novos desenvolvimentos
— como supostamente havia dito Kardec tempos atrás. Portanto, para
Courmes, a Teosofia merecia ser conhecida, lida, estudada e
aprofundada pelos espíritas franceses, assim como permitirem a sua
passagem a estudo nos demais círculos kardecistas do mundo.
Inquestionavelmente, a transmissão das ideias teosóficas — da
América à França — se deveu muito a Dominique Albert Courmes, que
reforçaria as intenções do teósofo Leymarie na Revue, principalmente
incentivando-o a publicar, dentre outras matérias, um longo artigo de
16 páginas, todas dedicadas às ideias teosóficas, isso apenas em abril
de 1878.
Já Leymarie, durante cinco anos, transitou conhecimentos
teosóficos pela Revista Espírita, sempre comunicando os leitores
kardecistas sobre os novos e velhos autores do teosofismo, como
também sofre as ações teosóficas nos Estados Unidos, e depois na
Índia, sem descuidar um minuto das reações dos leitores da Revista
que, comumente, encaminhavam suas correspondências ao escritório
da mesma Revue, ora reclamando, ora protestando contra a crescente
influência teosófica no periódico fundado por Kardec e também por
sua esposa Amélie.
Muitas vezes, Leymarie prefaciará os artigos teosóficos com a
seguinte palavra amiga: "Nós recebemos cartas de amizade muito
36 – Adriano Calsone
Financiamento espiritista de
Devemos ser gratos ao Sr. Fortis pela realização desta tradução tão desejada.
Surgimento da
Sociedade Científica de
Estudos Psicológicos
Polêmica à vista:
Sociedade Teosófica
dos Espíritas Franceses
Suplemento teosófico na
Revista Espírita
Allan Kardec decidiu que escreveria — sozinho — todas as
matérias do seu primeiro periódico espírita a surgir no mundo... E a
sugestão de sua criação partira do plano espiritual, por meio de uma
médium adolescente chamada Ermance Dufaux.
O ousado projeto editoria do casal Kardec se chamaria Revue
Spirite (Revista Espírita), e começou a circular em 1 de janeiro de
1858, impresso pela tipografia de Beau, a mesma de O Livro dos
Espíritos. E o dinheiro para bancar a primeira edição da Revue partira
tão somente de Amélie-Gabrielle Boudet, a esposa do Codificador.
A Revista Espírita surgiria em Paris (para o mundo) com o
subtítulo de Jornal de Estudos Psicológicos, trazendo ainda uma
epígrafe de peso logo abaixo: "Todo efeito tem uma causa. Toda efeito
inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente
está na razão da grandeza do efeito".
O que seria, a princípio, um periódico espírita que não inspirou
muita confiança em Kardec, no sentido de grandes vendagens, tão logo
passaria a dobrar o interesse de leitores por assinaturas, isso sem
esforço algum no sentido das publicidades espontâneas, obrigando o
mestre lionês a fazer novas reimpressões de anos anteriores, duas
54 – Adriano Calsone
vezes esgotadas...
Um bom exemplo disso estaria na renda da Revue que, só no ano
de 1868, já havia alcançado 660 assinantes, que pagavam 10 francos
por ano, o que gerava à Sociedade um lucro bruto de 6.600 francos
anuais...
E nos anos seguintes, passaria de 1.100 o número de seus
assinantes, tudo ainda com vantagem de não se pagar pelo papel de
impressão e, muito menos, remunerar qualquer artigo de seus
colaboradores, como vinha acontecendo há alguns anos, a pedido de
Kardec...
O número de páginas da Revue também não pararia de crescer,
chegando a atingir em determinado ano, 1.878 artigos, isso sem contar
os vários suplementos que eram anexados eventualmente.
E por falar nisso, um "suplemento teosófico" seria anexado à
Revue, na edição de abril de 1878, especialmente para reforçar o
lançamento da Teosofia em terras francesas.
Sobre os custos e gastos, um recado seria deixado na 16ª linha
do texto desse suplemento:
(...) Este sacrifício é feito pela Sociedade, sem aumento de preço da
Revista; em consequência disso, esse nosso suplemento, que contém 40
páginas, custará meio franco adicional. Quantidades maiores deverão ser
reservadas pelos assinantes (...).
A Condessa mística
e seu macaco de pelúcia
macaqueador E.F.
Dirá ainda o repórter que "o empetecado apartamento de
Helena e Olcott possuía um vasto salão com duas grandes bibliotecas,
três escritórios e um piano com uma imagem de Buda; uma divindade
chinesa e um santuário de ouro (...)".
Seguirá o desconhecido americano E.F. com o seu relato
ambiental na provável descrição imaginativa que fará de Blavatsky e
de seu lar para lá de exótico:
Perto de uma das janelas fora colocado um enorme macaco de pelúcia,
estranhamente vestido... E a outra janela estava tapada por uma gaiola repleta
de canários (vivos).
Em frente, ao final do quarto, havia outra gaiola, dessa vez contendo
uma meia dúzia de pardais de Java, todos eles vibrados elétricos contra as
grades, sem descansarem um só minuto.
Um enorme ramo de palmeira preenche um canto da sala de estar, e
uma cabeça de tigre, com expressão feroz, mostra suas presas formidáveis
com a boca entreaberta num outro canto da mesma sala.
Madame Blavatsky oferece, aos seus visitantes, um rico cachimbo
oriental forrado com veludo e filigrana de ouro, que termina a sua extremidade
num esplendido âmbar bocal — porque em todos os seus gestos há a
indulgência graciosa de uma grande dama da aristocracia russa para com seus
fumantes fracos.
E quando convenientemente instalada em uma grande cadeira, ela me
disse, complacente, em uma linguagem colorida e rápida, por meio de seu
sotaque estrangeiro muito pronunciado, mas picante, todas as questões que
lhe foram colocadas. A condessa passou quase 30 anos na Índia; de uma
natureza mística, ela abraçou a convicção da fé budista...
Fanática de verdade, ela combate o erro onde quer que esteja, e se
apresentou a mim com uma energia incrível. A nossa conversa girou em torno
da magia: "A magia! Exclamou Madame Blavatsky, a magia é um estudo ainda
desconhecido das ciências (...)".
França,
Coração do Mundo,
Pátria do Esotérico?
198) — Não tendo podido praticar o mal, o Espírito de uma criança que
morreu em tenra idade pertence a alguma das categorias superiores?
"Se não fez o mal, igualmente não fez o bem e Deus não o isenta das
provas que tenha de padecer. Se for um Espírito puro, não é pelo fato de ter
animado apenas uma criança, mas porque já progredira até a pureza."
199) — Por que tão frequentemente a vida se interrompe na infância?
"A curta duração da vida da criança pode representar, para o Espírito
que a animava, o complemento de existência precedentemente interrompida
antes do momento em que deveria terminar, e sua morte, também não raro,
constitui provação ou expiação para os pais."
a) — Que sucede ao Espírito de uma criança que morreu pequenina?
"Recomeça outra existência."
Regras da
Sociedade Teosófica
Todas essas ações desesperam Madame Kardec, mas o que ela poderia
fazer sozinha, uma vez que os membros da comissão não se reuniam às
assembleias gerais, e nem sequer respondiam a suas cartas?
ou irmã teósofo, seja por escrito, ou por proferir palavras insultuosas contra
qualquer membro será expulso (Só por este artigo, Sr. Leymarie não poderia
ser teósofo).
— Eu gostaria de poder transmitir aos meus F.E.C. — Fréres Em
Croyance (Irmãos Em Crença), as leis gerais da Teosofia. Mas isso será difícil, eu
que não sou uma escritora, e as explicações dos iniciados mais altos são tão
confusas, contraditórias, que se torna quase impossível de obtermos uma
definição mais clara.
Vejamos o que escreve Madame Blavatsky:
Do homem.
Ele está dividido em sete elementos ou princípios...
Primeiro princípio. A física do corpo apodrece e desaparece.
Princípio 2°. A vida (fluido vital) que nos é fornecida (*) do reservatório
inesgotável da vida universal.
(*) Por quem?
Princípio 3°. O corpo astral (duplo) emanado do corpo físico, que
desaparece com o corpo quando ele deixa de existir, e que chamamos ilusório,
porque ele não tem substância e não pode durar.
Princípio 4°. A vontade que dirige os 1° e 2° princípios.
Princípio 5°. Inteligência humana ou animal, ou instinto bruto.
Princípio 7°. O Espírito, o último é o que os cristãos chamam de Logos
— e nós — nosso Deus pessoal, não sabemos de qualquer outro (grifo de
Fropo).
— Estes são os sete elementos que compõem o homem.
A morte corporal dissocia três. O corpo, o princípio vital e o corpo astral
que está constituído do duplo perfeito ou sombra ilusória do corpo físico.
São quatro os elementos que compõem o desencarnado humano.
Que parece ser a quarta forma astral do elemento.
A quinta, a inteligência, animal ou psíquica, consciência pessoal ou
sentido íntimo, a memória, o afeto, as lembranças, as aquisições, pertencentes
85 – EM NOME DE KARDEC
A cada um
segundo
suas obras...
Diferenças entre
Espiritismo e Teosofismo
1883
O ano que não acabou
barbas longas que ajudava a segurar uma das alças do caixão que
guardava os despojos mortais da mulher mais antiga e querida do
Espiritismo: a nossa vovó Kardec...
As falas seguintes, em riste, são da corajosa Fropo:
"Senhor Leymarie quis fazer o enterro pela Sociedade do Livre-
pensamento religioso. Eu me opus com força, dizendo que ela jamais
havia pertencido a essa sociedade, e que ela seria enterrada como fora
o seu marido. Eles aceitaram a minha decisão. E somente nas cartas de
participação do funeral fizeram-na membro do Comitê, ela que era a
fundadora da Sociedade Anônima!"
Ao certo, a ficha de Leymarie podia ser facilmente "levantada",
seja por Fropo ou mesmo por Delanne, até para que a dupla pudesse
encontrar alguma explicação despretensiosa sobre os motivos que
influenciaram a morte repentina de Amélie que, dias antes, vendia
saúde por onde passava...
Durante a triste cerimônia de despedida no cimetière du Père-
Lachaise, os dois amigos e editores do jornal Le Spiritisme, talvez,
como seres humanos imperfeitos, podem ter olhado para a
inconfundível figura de Leymarie a fim de escarafunchar nela as
possíveis causas que levavam a octogenária viúva Kardec de retorno à
Pátria Espiritual.
E uma sequência precisa de fatos históricos deixava algumas
evidências no ar: em 1869, após o desencarne de Kardec, Sr. Leymarie
surgira anunciando ser o herdeiro direto do mestre, frente aos
destinos do Espiritismo; em 1873, Leymarie se consorciava com
Blavatsky, escancarando a Revue à propagação das ideias teosóficas na
França e fazendo do periódico de Kardec "uma abominável rapsódia,
sob o pretexto do ecletismo", como dirá Fropo; em 1876, Leymarie
seria condenado pela justiça francesa como falsário, diante daquele
episodio da fotografia dos Espíritos, que desaguou no histórico Le
Procès dês spirites (O processo dos Espíritos); em 1878, novo escândalo
o envolvia na fundação da Sociedade Teosófica dos Espíritas Franceses
100 – Adriano Calsone
— grupo esse não espírita, e que fora apoiado e defendido pela então
Sociedade Científica de Estudos Psicológicos com seu Boletim do Órgão
do Movimento dos Livres-Pensadores Religiosos e do Espiritualismo
Moderno.
Por fim, em meados de 1880, Sr. Leymarie (multiplural)
concluiria a sua filiação à enigmática Sociedade do Livre Pensamento
Religioso e à indecifrável sociedade da Pneumatologia Universal. Algo
mais?
Além de roustainguiano convicto, mantendo durante anos
parcerias duvidosas com o milionário J. Guérin — o mandatário de J.-
B. Roustaing —, esse mesmo P.-G. Leymarie maçom, livre-pensador,
apresentava-se ao mundo também como um "teósofo kardecista" no
molho do que se convencionou chamar de Espiritualismo Moderno de
uma França mística...
Esse "tudo ao mesmo tempo agora", vindo de um Leymarie
ocultista, místico e esotérico, que escancarou a Revista Espírita para as
filosofias (não espíritas) que desembarcavam na França a partir da
década de 1870, como dirá novamente Fropo, agora em destaque:
"desesperaram Madame Kardec (...)"
Portanto, o carregado ano de 1883 trazia ainda, com a chegada
inesperada da morte de Amélie, a saudosa simbologia kardecista do
mestre ao lado de sua amada esposa empunhando O Livro dos
Espíritos... Memórias e recordações simples de um tempo onde a
filosofia espírita, nos moldes originais defendidos por Allan Kardec —
o bom-senso encarnado — parecia nunca mais retornar...
Certamente, a morte da viúva Kardec deixou um imenso hiato
no Movimento Espiritista global, empurrando ainda mais as
influências mistiocultistas daquele fin du siècle para dentro da
Filosofia Espírita.
E se o Espiritismo francês encontrava-se confuso, miscigenado,
o que viria depois do desencarne da Sra. Amélie-Gabrielle Boudet?
101 – EM NOME DE KARDEC
Inquietações kardecistas
alto de Villeneuve-de-Rions.
O filósofo e livre-pensador Charles Fauvety por sua vez,
esbravejará também de Asnières contra a Teosofia. E até a feminista
Sophie Rosen-Dufaure, que convivia pacificamente com Leymarie e
Courmes, em Paris, tentará intervier pessoalmente contra a circulação
desmedida do teosofismo no Espiritismo, por meio das reuniões da
Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, que participava ao lado
de seu marido.
Por fim, um signatário francês chamado Francis Vallès, inspetor
geral de Ponts-et-chaussées (Escola Nacional de Pontes e Estradas),
assinou um polêmico artigo na Revue, opondo-se veementemente
contra a presença de matérias teosóficas no periódico kardecista mais
famoso do mundo.
As incoerências de conceitos e ideias entre as duas filosofias
começavam a surgir aos poucos de forma ainda mais contundente...
A começar que, para compreender corretamente as minúcias da
Sociedade Teosófica e de seu teosofismo, muito distantes da França, os
kardecistas franceses deveriam (necessariamente) aprender o inglês,
já que os textos de Ísis sem véu, por exemplo, ainda não haviam sido
traduzidos para o francês, por conta daquele "capricho de Blavatsky" à
tradução norte-americana.
Portanto, sem saber ao certo o teor das ideias contidas no livro
primeiro da teosofia, ficava muito difícil estabelecer opiniões
favoráveis (ou contra) às verdades teosóficas. Ser um kardecista
adepto (às cegas) da Teosofia, nem pensar!
A própria revista mensal dos teosofistas, a Théosophist, que
narrava todos os passos do teosofismo pelo mundo, era publicada
(somente) em inglês, assim como os conhecimentos contidos em O
mundo Oculto (de 1881), e o Budismo esotérico (de 1883), livros esses
escritos em inglês britânico por Sinett, além de vários artigos
teosóficos que circulavam, em sua grande maioria, em inglês
103 – EM NOME DE KARDEC
Comitê de leitura da
Revue
barra artigos teosóficos
Kardecistas
contra teosofistas
Helena da Índia
retorna a Paris
fortes evidências de que essa filosofia mística podia não ser tão
confiável assim para propagá-la em larga escala no País tricolor.
Por essas e por outras, foi que Madame Blavatsky decidiu, em 20
de fevereiro de 1884, viajar para a França, desembarcando
inicialmente em Marselha.
Curioso observar que na cabine do navio em que viajava, ao
atravessar o Canal de Suez, inaugurado em 1869, ela trabalhava
freneticamente na tradução francesa de Ísis sem Véu.
Porém, antes de partir do Oriente "para rever Leymarie, meu
velho amigo, e também o seu inimigo velho, Dr. Fortin" (como
comunicará à Courmes numa carta de 17 de julho de 1883), ela deixou
Madras com destino à Ootacamund, ou Ooty, no sul da Índia, "para me
salvar do calor que me cozinhava pela metade (...)"
Mas essa partida programada de Helena da Índia podia ser
especialmente justificada para tentar acabar com as disputas entre
dois grupos parisienses que seguiam polarizados: os kardecistas
franceses — que desejam ficar somente com Kardec; e os
spirithéosophistes — que queriam atualizar Kardec com as ideias
teosóficas modernas...
Chegando a Marselha somente no dia 13 de março de 1884, a
alquebrada Blavatsky surgirá acompanhada de dois hindus: Mohini
Chatterji e Padshah.
Novamente, Charles Blech dirá que "o comandante Courmes, em
grande uniforme, acompanhado por seu amigo, Barão Spedalieri,
recepcionará Blavatsky por meio de uma pomposa comitiva pela
cidade. E, para o espanto de Courmes, ela surgirá ostentado seu
vestuário um pouco excêntrico, que consistia em uma camisa
vermelha e chapéu com penas (...)"
Com as magnéticas figuras hindus ao seu lado, depois de
Marselha, a fundadora da S.T. era esperada em Nice (ainda há quase
mil quilômetros de Paris), no palácio da teósofa, espírita e médium,
120 – Adriano Calsone
H.P.B. e P.G.L.
- a amizade que azedou
Camille Flammarion
e sua S.T.O.O
psicografia.
Flammarion suspeitava que as comunicações psicográficas não
traduzissem condignamente as influências extrafísicas. Tratavam-se,
puramente, de reflexos cerebrais excitados, produzidos pelos próprios
medianeiros. Em uma palavra: para o astrônomo — cria fiel do
método experimental cientifico — a psicografia dava margem à
autossugestão, o que não acontecia, por exemplo, com os médiuns
mecânicos, esses sim, ma exceção no ponto de vista de Camille
Flammarion...
Outra questão que ainda mantinha o futuro autor de A
pluralidade dos mundos habitados cético e distante dos espíritas
parisienses era um experiência decepcionante que teve em certa
ocasião que acompanhou uma das sessões de estudo na S.P.E.E., tendo
o respeitável mestre Kardec à frente.
A presença do astrônomo Flammarion teria motivado a vinda de
outro astrônomo — o Espírito Galileu Galilei. O pai da revolução
científica do século 17 deixaria uma inusitada mensagem, sob o título
Uranografia Geral. Kardec, empolgadíssimo com a presença de ilustre
personalidade astral, a publicaria em seu livro A Gênese, fazendo
questão de enviar, posteriormente à Flammarion, uma cópia
autografada dessa obra, para que ele nunca mais se esquecesse
daquela experiência de ter testemunhado o nascimento de tão
preciosa mensagem de teor astronômico, a do insigne Espírito Galileu
Galilei.
Todavia, em seu livro de 1907, As forças naturais incomuns,
Flammarion deixará um depoimento (azedo) sobre este texto do
suposto Espírito Galileu:
Estas páginas astronômicas nada me ensinaram...
Eu estava prestes a concluir que elas repetiam o que eu já sabia, e que
o Espírito Galileu não tinha nada mais interessante para se fazer... Esta
mensagem, certamente, foi uma espécie de sonho acordado (...)
131 – EM NOME DE KARDEC
A mulher dos
cabelos de prata
Para isso, ela deveria viajar por Londres, Estados Unidos, Itália e
também por Paris, sempre divulgando a palavra teosófica por meio de
concorridas conferências, algumas realizadas três vezes num único
dia.
Ao que se sabe, A.W.B. fora uma oradora eloquente, às vezes
dramática, sustentando sua audiência sob o poderoso magnetismo de
seus olhos, e sob o feitiço de suas palavras.
Ao lado de Olcott, Besant viveu um regime de muita
criatividade, de meditação, de pesquisas ocultas e de trabalho interior.
Sob sua alcunha, ela publicaria muitas obras teosóficas, e já havia
escrito várias delas na época de sua provação londrina, ao lado da
exigente chefe Helena Blavatsky.
Antes da virada do século, a comunidade teosofista seria
convidada a participar do Premier Congrès Spirite et Spiritualiste
International de 1889 (Primeiro Congresso Espírita e Espiritualista de
1889), cuja organização ficou a cargo de P.-G. Leymarie, que se
ofereceu para fazer parte da comissão organizadora, a fim de tentar
espargir as ideias contraditórias que persistiam entre teosofistas e
espiritistas, isso, desde o histórico encontro de 1884.
A abertura desse mega evento se daria no salão de festas da
principal Loja Maçônica de Paris: o Grande Oriente da França. E a
Revista Espírita, edição de 15 de maio de 1889, traria estampada em
sua capa o anúncio de que esse congresso seria realizado em Paris, de
9 a 15 de setembro daquele mesmo ano.
Ainda segundo a Revista, só na França, deveriam comparecer
mais de 50 representantes de cidades como Lyon, Bordeaux, Tours,
Marselha e Toulouse, além da presença de mais de uma dezena de
países.
Para termos uma noção precisa das pretensões desse
Congresso, sua ideia central era promover a união universal de todas
as escolas filosóficas religiosas à época, por meio de uma aliança
135 – EM NOME DE KARDEC
Afinal, o que é a
Teosofia?
12. Teosofia é aquele ramo das artes de cura, que nos ensina como a
natureza é purificada por meio das causas e efeitos;
13. Teosofia é aquele ramo da arte da engenharia que preenche o
abismo que separa a vida da morte;
14. Teosofia é a arte militar nos ensinando a domar o tempo e a morte —
os dois inimigos mais poderosos do homem;
15. Teosofia é um poder capaz de colocar-nos a saborear a doçura
requintada, contida em nosso próprio eu.
Propagação do
Teosofismo na França
Artigos na Revue
sobre a Teosofia
(de 1876-1889)
1876
Agosto
1877
Maio
1878
Janeiro
Coup d'oeil rétrospectif sur l'année 1877 - La Rédaction Isis unveiled. H.P.B. (Helena Pretovna
Blavatsky), p. 4.
Fevereiro
Abril
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outrubro
1879
Janeiro
Coup d'oeil rétrospectif sur l'année 1878 - La Rédaction. H.P.B. et H.S.O. estimes, p. 1
Idées incorrectes sur les doctrines théosophiques. H.P.B., p. 32-39
Réponse à E. Rossi de Giustiniani
Junho
Dernières réflexions d'un Oriental à Mme. H.P. Blavatsky. E. Rossi de Giustiniani, p. 223-225
Setembro
Dezembro
1880
Março
Junho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
1881
Janeiro
Fevereiro
Março
Idées hindoues sur les morts - traduit du Theosophist par D.A.C. p. 132-134
Sur les Rosicruciens - ibid. p. 134
Prescience magnétique - tiré du Theosophist par D.A.C. p. 139
L'Ane de Victor Hugo - A Mme Blavatsky, secrétaire correspondant de la Société Théosphique de
Bombay (Indoustan) A.B. p. 156
Abril
Julho
Agosto
1882
Janeiro
Outrubro
Novembro
Nirvana, fusion en Dieu et non avec Dieu - Note à prop Medium Mme. X. Mme Blavatsky
1883
Janeiro
Julho
Agosto
1884
1885
Dezembro
Note de la Rédaction - P.G. Leymarie sur l'entrevue de 1884 avec les responsables de la Société
théosophique, p. 743-748
1886
Janeiro
Março
1887
Janeiro
Fevereiro
A propos de Théosophie
Protestations contre l'article précedent, p. 64
1889
1876
Agosto
1878
Agosto
Setembro
Outubro
1879
Junho
Dezembro
1880
Novembro
1882
Outubro
1883
Janeiro
Agosto
Bibliografia
AMORIM, Deolindo. Allan Kardec. Minas Gerais: Instituto Maria e Instituto de Cultura Espírita
de Juiz de Fora, 1981.
BLECH, Aimé. Annie Besant, presidente de la Société théosophique: un abrégé de sa vie. Paris:
publications théosophiques, 1918.
CALSONE, Adriano. Pintura mediúnica - a visão espírita em ampla pesquisa. São Paulo: Mythos
Books, 2012.
............... Kardec - o escritor dos Espíritos. São Paulo: Mythos Books, 2005.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Trad. Júlio Abreu Filho. São Paulo: Editora Cultura Espírita
(Edicel), 1973 [coleção completa 1858-1869].
160 – Adriano Calsone
............... Le livre des Esprits. Paris: A la Libraire des sciences psychologiques, 1889.
............... La genèse selon le spriitisme. Paris: Libraire des sciences psychologiques, 1911.
MARTINS, Jorge Damas; BARROS, Stenio Monteiro de. Allan Kardec, análise de documentos
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Alcione Soares Ferreira. São Paulo: IBRASA, 1983.
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SAUSSE, Henri. Biografia de Allan Kardec. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1983.
XAVIER, Francisco Cândido. Brasil coração do mundo pátria do Evangelho, pelo Espírito
Humberto de Campos, 18. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1939.
............... Evolução em dois mundos, pelo Espírito André Luiz, 11. ed. Rio de Janeiro: Federação
Espírita Brasileira, 1989.
WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec. v. I, II e III. Rio de Janeiro: Federação
Espírita Brasileira, 1973.
Sobre o autor