Camille Flammarion - Estela PDF
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Estela
Traduzido do Francês
Camille Flammarion - Stella
Paris – (1897)
Conteúdo resumido
A
James Gordon Bennet
Diretor do “New York Herald”
“16 de setembro.
Como te enganas, minha querida! Meu Solitário nunca residiu
em Luchon e nunca recitou versos. Tu o confundes com um
jovem poeta que, com efeito, teve muito êxito, mas não se lhe
assemelha de forma alguma. Meu autor favorito não é nada
mundano e nunca se exibiu em um salão. Para mim representa o
verdadeiro tipo do “homem intelectual”. Zomba quanto quiseres,
mas para mim está ali verdadeiramente “o homem”. Que repre-
senta um título de nobreza? Antepassados, e nada mais, sem
trazer mérito algum para o seu portador. Dir-te-ei mais: se se
quisesse remontar à origem de certas nobrezas, encontrar-se-iam
com freqüência coisas bem vis. Portanto, sobre esse ponto nada
de ilusões, não é? Deixemos esses fantoches para a vaidade das
americanas. Ei-las para a nobreza.
Passemos agora à fortuna. Que representa também? Parentes
que ganharam muito dinheiro, ou o roubaram, pois a esse respei-
to as origens nem sempre são de angélica pureza. Um jovem rico
não tem, por isso, valor pessoal; ao contrário, não tendo compre-
endido jamais a necessidade do trabalho, também nunca adqui-
riu, durante seus estudos, o método, sem o qual o espírito perma-
nece oco e superficial. Um moço rico não trabalha, não pode
trabalhar, flana em amadorismos, não leva nada a sério, não
produzirá coisa nenhuma, salvo mui raras exceções. Portanto, a
fortuna, e assim a nobreza, nada provam em favor dos que as
possuem. O ignorante, embora milionário, é o verdadeiro pobre:
espírito oco. Queres passar a outras qualidades? A beleza, por
exemplo. Que representa a beleza para um homem? Prefiro a
força à graça, e a saúde à elegância. Um belo rapaz? Não, isso
me diz menos que coisa alguma. Vou mais longe: a força e a
saúde não me parecem bastante, mais do que a nobreza e a
fortuna, para constituir uma personalidade, porque uma doença
pode destruí-las. O que eu quero é que um homem seja inteligen-
te, instruído e bom. eis tudo.
O valor de um homem é o seu “valor pessoal”, e não o dos
seus antepassados, dos seus pais ou dos seus amigos... Portanto,
confesso-te que o seu nariz me agrada e que os seus olhos não
me desgostam. Estás satisfeita? Não, seriamente, eu nasci para
compreender um homem intelectual. É necessário à minha alma.
Encontrei-o. “Eureca”! Por que me dizes serem os filósofos uns
doentes? Crês porventura que só entre imbecis se encontra gente
sã?
Não me dirás mais que não raciocino, que estou louca. Vês,
ao contrário, que sou de uma lógica tão fria quanto a tua. Assim,
deves aprovar-me. E a conclusão é que não estou apaixonada,
porque o amor não raciocina, todos o sabem. Ainda mais, eu te
demonstrarei que vou fazer um casamento sensato.
Um casamento... Certamente. E por que não? Creio unica-
mente que ele ainda não pensou em tal. É sempre tão frio, tão
correto. Nem a menor declaração”
Às vezes tenho vontade de fugir. Mas, como é freqüente en-
contrarmos o nosso destino nos meios buscados para evitá-lo,
creio que o mais simples é ser oriental, fatalista, e deixar agir a
Providência de Marco Aurélio e dos filósofos.
Filho natural, dizes? E depois isso? E todos os filhos não são
naturais? D’Alembert foi encontrado nos degraus de uma igreja
pobre: acreditas que eu recusaria desposar d’Alembert?
Tu me recriminas o desnivelar-me. A verdadeira desigualdade
de nível não é a dos corpos; é a das almas.
Abraça-te tanto quanto te ama, tua
Estela”
XVIII
A fagulha
Paris, sexta-feira.
Minha querida: tenho andado muito aborrecida. Há três meses
que não te escrevo por não ter nada interessante a contar. E tu,
perversa, por que não me escrever? Tuas cartas são tão encanta-
doras! Vives realmente em um mundo à parte. A nossa é a vida
“fim de século” que conheces. Meu marido mantém sempre o
recorde do graúdo. Demos dois grandes banquetes no inverno
passado e quatro grandes recepções, mas não coincidindo no
mesmo dia, porque é muito fatigante. Todavia, seria mais lógico
dar uma brilhante recepção em seguida a um jantar elegante,
para divertir as altas personagens que se é obrigada a receber.
Entretanto, renunciei a isso. Estaria condenada a ficar a pé firme,
ou quase, das cinco horas da tarde às cinco horas da manhã, e
com uma espantosa enxaqueca para muitos dias.
Não se pode mais ter confiança nos domésticos. Não pensam
em nada, senão neles mesmos; são verdadeiras máquinas, ou
ainda menos do que isso. Fui obrigada a mudar duas vezes de
camareira e três vezes de cozinheira. Meu marido pensa agora
comigo, que não se deve mais admitir servidores casados, por-
que, se se está contente com um e descontente com outro, fica-se
bem embaraçado. E de mais a mais, eles se entendem quais
ladrões em feira.
Minha pequenina Georgete sofreu muito com a dentição. É
uma péssima invenção do bom Deus. Sofre-se para ter os dentes,
sofre-se para conservá-los, sofre-se ao perdê-los. Está-se desen-
volvendo muito bem e creio que será muito linda. Saiu ao pai
que, como sabes, tem os mais lindos olhos do mundo. Será
menos corpulenta do que ele. Amo-o sempre muito. É tão bom!
Realmente é o melhor dos homens. Mas a direção da nossa
fortuna, com os tempos que correm, ocupa-o muito, embora nada
tenha a fazer. Todas as quintas-feiras recebe. Só homens. Fuma-
se, conversa-se, passa-se por todos os assuntos. É uma feira.
Recebo com ele. Não é de todo divertido, mas é obrigatório.
Algumas vezes Willy e seus amigos vêm. Então rimos à vontade.
É sempre desopilante com os seus jogos de palavras insensatas.
Esqueci-me de dizer-lhe que Téo caça uma vez por semana,
com o Presidente; recebemos muita caça, que enviamos a todos
os nossos amigos. Vamos freqüentemente ao teatro. Não achas
que no fundo todas as peças se parecem? Sempre o adultério, tal
qual nos romances.
Por mim, nunca seria uma personagem de romance; jamais
enganei meu marido e jamais o enganarei. Aliás, não teria grande
mérito disso, porque, como lhe diria? não encontro nada de
maravilhoso nesse prazer. Enquanto a nossa lua de mel durou,
envidei os meus maiores esforços para descobrir em que pode
consistir essa sensação tão extraordinária da qual tanto se fala, e
com a melhor boa vontade do mundo esperava com toda confi-
ança a inspiração. Não veio. Continuei tão fria quanto antes do
meu casamento. Depois do nascimento de Georgete não pensei
mais nisso, ou pouco mais do que nada. Não compreendo que se
possa enganar o marido. Os homens são tolos e vaidosos. E
impertinentes! O melhor amigo de meu marido não me disse em
um baile, no inverno passado, que era um desperdício, para a
mulher do meu feitio, dar o seio a seu filho! Não demonstrei
compreender. E depois, no fundo, não fiquei sabendo ao certo o
que ele queria dizer, a menos que imaginasse um homem de
quarenta anos, com aquela barba... É burlesco. Dizem que há
mulheres mundanas que se divertem muito. Menos eu. Essas
conversações são de um vácuo!... Mexericos, modas, criadagem,
eis a sua base. Só freqüentamos, é verdade, os colegas do círculo
de meu marido.
As ciências, a História Natural principalmente, que me preo-
cupavam tanto, em outros tempos, agora não me interessam
mais. Quanto o casamento modifica as moças!
Tens notícias de Adriana? Parece-me que leva uma vida bas-
tante divertida. Deve escrever-lhe, segundo me dizia na sua
última carta, que data de um mês.
Sei que prossegues perfeitamente feliz, contrariamente a to-
das as minhas previsões. Aprovo-te, agora, e te abraço com todo
o meu coração.
Cecília
P.S. – Dizem que o Duque de Jumièges foi morto, em uma
caçada, pelo amante de sua própria mulher, e que é, parece, o
Coronel Lomond.
XXXI
Adriana a Estela
FIM
Notas:
1
Os que conheceram Ferd. Hoefer, o eremita da floresta de
Senart, poderão talvez reconstituir em parte a personagem de
quem se trata aqui.
2
Eis a brejeirice, em francês:
Bien que je sois austère,
J’apporte un soin jaloux,
Je le dis sans mystère
Aux choix de mes dessous.
Si l’on fait une chute
Et qu’on ait à rougir,
Avoir des d’essous três pschutte
Ça fait toujours plaisir!
3
Dois versos futuristas, intraduzíveis, pois dizem, num es-
forço de tradução:
Um ignorado vale de virgens situado
entristece, predestinado! a estação sem mudanças.
(Nota do tradutor.)
4
Esse disparate, rimado em francês, é praticamente intradu-
zível e dá, no ingrato metro de oito sílabas, mais ou menos o
seguinte:
Introduzir-me em tua história
É para herói algo assustado
Que o calcanhar tenha tocado
Alguma letra de terreno.
Contra geleiras atentar
Não sei, se bem que tal pecado
Não deves ter embaraçado
De rir bem alto na vitória.
Diz se não sou um divertido,
Trovões, rubis em gema d’ovo
A ver no ar que o fogo fura
Com seus impérios esparsos
Qual morre em púrpura na roda
A vesperal dos meus transportes.
(Nota do tradutor.)