O Organum

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ORGANUM - Antes que abordemos uma das primeiras tcnicas

composicionais polifnicas, o Organum, gostaramos de citar a importncia da evoluo


da escrita musical para os processos de composio daquele perodo. Desde a escrita
adiastemtica das monodias litrgicas, passando pela Solmizao de Guido dArezzo e
o tretragrama, at a notao Franconiana (idealizada por Franco de Colona em seu
tratado Ars Cantus Mensurabilis, no sculo XIII) na qual a noo de valores era
determinada pela grafia das notas. Por fora das necessidades de expresso e
organizao, as inovaes na escrita musical trouxeram cada vez mais possibilidades na
codificao das alturas e da mtrica. Com a organizao da escrita musical estabeleceu-
se a idia de composio em lugar de improvisao e em virtude do princpio
ordenador da escrita foi possvel a estruturao consciente da msica. Sem essa
evoluo na codificao da msica como escrita, no seria possvel a manipulao
sistemtica da polifonia, nem a sucesso de progressos que se seguiram.

Descreveremos o Organum na sua forma primitiva e em sua evoluo, que conduziu a


subsequentes gneros polifnicos, como o Moteto, a Chanson polifnica francesa e o
Madrigal italiano na futura renascena. A polifonia surgiu de fontes tericas para se
desenvolver nos manuscritos como notao registrada lembremos que esse processo
se deu nos domnios da msica sacra. Embora a idia de consonncia harmnica fosse
conhecida desde Bizncio (e possivelmente de l chegou para Roma), a polifonia s
veio a se desenvolver efetivamente na chamada msica erudita ocidental aps a
assimilao do Canto Gregoriano imposto por Carlos Magno, no sculo IX, e a
disseminao de escolas voltadas para a prtica do canto Scholae Cantorum. Os
primeiros registros de utilizao da polifonia referente ao Organum que chegaram at
ns, datam do sculo IX, em tratados como o de Hucbald de Saint Amand De
institutione musica, do qual vemos abaixo uma pgina; no manuscrito de Reginon de
Prm; no De divisione naturae, de Johannes Scotus Erigena; e, especialmente, no
tratado Musica Enchiriadis, de Ogier de Leon, onde se descreve o processo de
composio do Organum em sua forma mais elementar - o Organum Paralelo ou
chamado Primitivo.
No Organum, o Cantocho, ou Cantus Firmus (melodia extrada do repertrio
gregoriano), permanece a cargo da chamada Vox Principalis Voz encarregada do
registro mais grave; acompanhado por uma segunda voz paralela na razo de
intervalos de quinta justa, denominada Vox Organalis ou Organum. Um acrscimo
possvel era a aplicao de mais duas vozes duplicando cada uma das linhas meldicas
do Organum a duas vozes, implicando na sucesso de Quintas, Quartas e Oitavas
paralelas note-se a presena das ideias pitagricas acerca dos intervalos ideais
(sinfonos), cujo pensamento se dissemina na cincia musical da Idade Mdia atravs dos
trabalhos de tericos como Bocio; com seus ideais filosficos de proporo
matemtica e metafsica.
O Organum Paralelo pode tornar-se livre no incio e no final das frases e, uma vez que
certas melodias cantadas em quarta provocavam o aparecimento do Diabolus, ou seja,
o Tritonus; estabeleceu-se uma regra pela qual se limitava o movimento da Vox
Organalis a fim de evitar aquela ciso indesejvel na simetria sonora: A voz permanecia
esttica numa mesma nota at poder prosseguir com o paralelismo de quartas. Este
expediente levou a uma maior diferenciao entre as vozes e a uma variedade de
intervalos simultneos, alguns dissonantes para os padres vigentes.

Mais tarde, o Micrologus de Guido dArezzo (992 - 1050), fixaria com preciso os
intervalos admissveis no Organum, assim como cogitaria o possvel cruzamento da
Voz Principal com a Voz Organal. No sculo XI, o tratado do ingls John Cotton de
Afflighen generalizaria o uso do Organum Livre, no qual se utilizariam o movimento
contrrio entre as vozes. Temos abaixo exemplos de Organa (plural de Organum) Livre
e Oblquo.
Possivelmente esta maneira aparentemente limitada de fazer msica, ou seja, a
duplicao de uma voz original a intervalo fixo, consistisse com frequncia em
exemplificaes tericas do mtodo composicional da poca, no qual as consonncias
desejveis eram as pitagricas Quintas, Quartas e Oitavas Justas. Exemplos manuscritos
do sculo XI demonstraram que outros passos foram dados no sentido de maior
independncia meldica e igual relevncia entre as vozes, como o movimento contrrio
e oblquo, com a Vox Principalis acima da Vox Organalis, com possveis cruzamentos e
unssonos. A mtrica, ainda obedecendo prosdia do Cantocho. Estes procedimentos
e seus resultados sonoros so o que mais tarde, no sculo XIV foi chamado de Ars
Antiqua. Como testemunho de excees ao uso dogmtico daqueles intervalos
pitagricos, nos manuscritos dos Aleluias de Chartres, do sculo XI, encontram-se o
emprego de intervalos de tera - na poca considerados dissonantes. Embora tenhamos
o registro escrito desse tipo de polifonia dentro dessa faixa de tempo e
predominantemente em territrio francs, sabe-se que o canto polifnico,
excepcionalmente, se encontrava em uso em outros pontos, a exemplo da conhecida
cano cannica Sumer is Icumen in a cano do cuco (sculo XIII, porm talvez mais
antiga); e tambm a Antfona a So Bonifcio, do sculo X, ambas as peas encontradas
em territrio ingls.

O ORGANUM AQUITANO
No sculo XII vamos encontrar uma real evoluo do Organum, especialmente na
escola de Saint-Martial de Limoges, no centro-sul da Frana. Esta escola desenvolveu
dois tipos novos de Organa: O Melismtico e o Discante.
O Organum Melismtico tambm chamado Florido ou Aquitano, ou ainda de So
Marcial. Nesta modalidade, a Vox Organalis apresenta tal mobilidade (at mesmo de 20
notas contra uma) que a Vox Principalis assume o papel de um bordo de apoio s
inflexes melismticas (inflexes sobre uma mesma slaba). Ficando de certa forma em
segundo plano e ganhando a denominao de Tenor, do latim Tenire, ou seja,
sustentar, permanecendo no registro grave. importante observar como o status do
Cantocho decai diante da nova escrita do Organum, implicando uma transformao
filosfica pela qual se permitiria um relaxamento do aspecto litrgico em favor de uma
funo tcnica de composio musical. Tambm significando passos relevantes na
transformao esttica da Ars Antiqua para o que veio a ser a chamada Ars Nova.

Vemos abaixo o cantocho que ser a Vox Principalis e em seguida a sua utilizao em
durao ampliada, enquanto a Vox Organalis evolui por sobre ele.

Na modalidade Discante, acrescentava-se nota contra nota e progressivamente 4x1, 3x2,


ou 4x3, ocorrendo tambm a troca de motivos entre as vozes e conferindo mobilidade
ao Tenor, caracterizando-se tambm pelo uso de modos rtmicos e momentos de mtrica
semelhante.
Estas inovaes da escola de So Marcial influenciaram a msica na Inglaterra e na
Espanha e abriram caminho para o amplo movimento da Escola de Notre-Dame, no
chamado perodo Gtico-Clssico, entre 1140 e 1280, com os mestres de Organa
Leonin e Perotin. O desenvolvimento polifnico desse perodo culminou com o
Moteto Polifnico, oriundo das inovaes de Perotin ao aplicar mais vozes aos Organa
Melismticos de Leonin, dando s formas que herdou uma arquitetura vertical.

Especialmente na Espanha, a liberdade de inveno prevaleceu sobre os quadros


tericos, na cidade de Santiago de Compostela, onde o Codex Calixtino - atribudo ao
Papa Calixto (+1124) e recentemente roubado e felizmente reencontrado - contm, alm
de conselhos aos peregrinos, conductus monofnicos e vinte organa, nos quais figuram,
pela primeira vez, a utilizao de trs vozes.

O termo Organum, no seu sentido prprio, significaria qualquer instrumento musical,


mais particularmente o rgo, todavia, seu emprego nas novas tcnicas composicionais
ampliou o seu sentido, de forma que devemos no ceder s generalizaes; por
exemplo, um compositor considerado na poca como um Optimus Organista, como o
mestre Lonin de Notre Dame, no significava ele fosse um exmio executante do
rgo, mas um grande compositor de organa.
Concluso:
O sculo XI trouxe mudanas que viriam a conferir msica ocidental muitas das suas
caractersticas fundamentais, que a distinguem de outras manifestaes musicais no
mundo. Podemos resumi-las da seguinte forma:

1- A composio foi paulatinamente substituindo a improvisao enquanto


forma de criao de peas musicais; gradualmente foi se consolidando a idia de
compor melodias definitivas, em lugar de se improvisar a cada interpretao
com base em estruturaes meldicas tradicionais. S a partir de ento podemos
dizer que as obras musicais passaram a existir na forma como hoje as
concebemos, independentemente de cada execuo.
2- Uma obra composta podia ser ensinada e transmitida oralmente com a
possibilidade de sofrer alteraes, mas com as inovaes da escrita musical foi
possvel escrever msica de forma definitiva, criando a independncia da
presena do compositor para a assimilao das idias musicais, de maneira que
composio e execuo passaram a ser atos independentes, em vez de se
conjugarem na mesma pessoa, passando o intrprete a um status de mediao
entre o compositor e o pblico.
3- A msica comeou a ser mais conscientemente estruturada e sujeita a certos
princpios ordenadores, como a estruturao dos modos, as regras relativas ao
ritmo e consonncia. Estes princpios geraram sistemas e tratados.
4- A polifonia comeou a substituir a monofonia. Embora a polifonia jamais tenha
sido uma exclusividade do ocidente, foi este, mais que qualquer outro
continente, que se especializou nessa tcnica; desenvolvendo-a a um ponto
nunca igualado.

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