O Estado e Os Ilegalismos Nas Margens Do Brasil e Do Uruguai
O Estado e Os Ilegalismos Nas Margens Do Brasil e Do Uruguai
O Estado e Os Ilegalismos Nas Margens Do Brasil e Do Uruguai
SO PAULO
2015
LETCIA NEZ ALMEIDA
SO PAULO
2015
LETCIA NEZ ALMEIDA
BANCA EXAMINADORA:
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Prof. Livre-docente Marcos Csar Alvarez (Orientador)
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SO PAULO
2015
Aos meus pais, que me deram a vida neste espao
democrtico da Amrica.
AGRADECIMENTOS
Esta tese um estudo sobre a relao entre Estado e os ilegalismos nas margens da
Repblica Federativa do Brasil e na Repblica Oriental do Uruguai, tendo como recorte
emprico a fronteira de Santana do Livramento (BR) e Rivera (UY). O objeto de investigao
busca construir uma anlise sociolgica da fronteira, rompendo com a metodologia
nacionalista que envolve conceitos como criminalidade, violncia e faixa de fronteira. Para
tanto, prope-se uma anlise de como os Estados, brasileiro e uruguaio, operam em suas
margens, por meio do tringulo de dispositivos foucaultianos: Soberania, Disciplina e
Governo, no intuito de compreender em que medida as prticas e discursos se aproximam e se
afastam nesse processo, buscando evidenciar outras fronteiras possveis nas margens dos
Estados, desdobramentos do encontro/separao entre as Soberanias e as Dinmicas Sociais
desses pases. Dessa forma, verifica-se que os costumes em comum e a economia de fronteira
diferenciam tolerncias na gesto entre o que legal e ilegal, e o que moral e imoral,
criando um Mercado Fronteirio, onde os limites estatais se expandem e as linhas
demarcatrias se redesenham pela vida em comum.
Esta tesis es un estudio de la relacin entre el Estado y los ilegalimos en los margenes
de la Repblica Federativa del Brasil y la Repblica Oriental del Uruguay, con recorte
emprico en la frontera de Sant'Ana do Livramento (BR) y Rivera (UY). El objeto de la
investigacin busca construir un anlisis sociolgico de la frontera, rompiendo con la
metodologa nacionalista que implica conceptos como criminalidad, violencia y limites
estatales. Se propone un anlisis de cmo los Estados, brasileo y uruguayo operan en sus
margenes, a travs del tringulo de dispositivos foucaultianos: Soberana, Disciplina y
Gobierno con el fin de compreender en que medida las prcticas y los discursos se acercan y/o
se alejan en este proceso, buscando evidenciar otras fronteras posibles en los mrgenes de los
estados, desdoblamientos se puede poner desdoblamiento sin comillas del
encuentro/separacin entre la Soberana y las dinmicas sociales de estos pases. As, se
verifica que las costumbres comunes y la economa fronteriza diferencian tolerancias en la
gestin de lo que es legal y ilegal y de lo que es moral y inmoral, creando un Mercado
Fronterizo, donde los lmites estatales se ampliam y las lneas demarcatorias son rediseadas
por la vida en comn.
This thesis is a study of the relationship between the state and illegal acts on the
margins of the Federative Republic of Brazil and the Eastern Republic of Uruguay, having as
an empirical object the border towns of Santana do Livramento (BR) and Rivera (UY). This
investigation seeks to build a sociological analysis of the border, breaking with the nationalist
methodology that involves concepts such as crime, violence and border areas. In order to do
that, we propose an analysis of how these states Brazil and Uruguay operate on their
borders, through Foucault's devices: Sovereignty, Discipline and Government, in order to
understand to what extent the practices and discourses approach and distance themselves from
this process, in an attempt to evidence other possible borders along country lines, outcomes of
the meeting/separation between Sovereignty and Social Dynamics of these countries. Thus,
we verify that the borders common customs and economy differentiate tolerances in the
management of what is legal and illegal and what is moral and immoral, creating a
Border Market, in which state limits are expanded and boundary lines are redesigned by the
common life.
Keywords: Border. Brazil and Uruguay. Sovereignty, Discipline and Government. Margins.
Illegality. Social Dynamics.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 9 - Identificao da Fronteira da Paz no Mapa do Rio Grande do Sul, Brasil ........................... 72
Figura 11 - Imagem da linha divisria entre os pases e duas ruas principais das duas cidades ............ 78
Figura 15 - Puente Internacional General Artigas entre as cidades de Paysand e Coln ................. 119
Figura 18 - Barracas de cmbio e o marco, delimitando os dois lados da fronteira, o Uruguai est a
esquerda e o Brasil direita do marco ................................................................................................ 140
Figura 19 - Praa Flores da Cunha e Boulevard Treinta e Trs Orientales ......................................... 142
Figura 20 - esquerda do boulevard est a Praa dos Cachorros e direita o Cameldromo, o prdio
cinza ao fundo a sede da Receita Federal ........................................................................................ 144
Figura 21 - esquerda das rvores est a Praa dos Cachorros e direita o Cameldromo uruguaio
antes das reformas .............................................................................................................................. 144
Figura 23 - Mapa de Livramento e Rivera, onde est marcada a linha divisria e as estaes de
transporte rodovirio das duas cidades ............................................................................................... 176
Figura 24 - Mapa com as cidades fronteirias formando o trajeto do nibus ...................................... 182
SUMRIO
6.1.2 No Brasil: diga em qual nibus viajas e te direi quem s.................................................. 178
REFERNCIAS.......................................................................................................................................... 200
O tema inicial deste trabalho foi a anlise das diferentes formas de criminalidade nas
fronteiras geopolticas do Brasil com outros pases da Amrica Latina, especialmente em
municpios do estado do Rio Grande do Sul, que faz fronteira com a Repblica da Argentina e
com a Repblica Oriental do Uruguai. A proposta apresentada quando da seleo1 para
ingresso no Doutorado teve como justificativa o pouco que se sabe sobre o fenmeno de
interiorizao da violncia e da criminalidade nas regies distantes dos grandes centros
urbanos, especialmente nas limtrofes do Brasil com os seus dez pases vizinhos.
Nesse sentido, iniciou-se o dilogo com a questo dos homicdios nas regies de
fronteira, seguindo a tradio contempornea das pesquisas brasileiras em Cincias Sociais
que utilizam as mortes por homicdio como indicador geral da violncia e da criminalidade na
sociedade. Essa escolha justificada, na maioria das vezes, pelo fato de que a morte o
mximo da violncia a que se pode chegar e pela falta de confiabilidade e acesso aos dados
policiais, sabe-se que o registro de queixas polcia sobre diversas formas de violncia tem
uma notificao extremamente limitada em todo o pas (WAISELFISZ, 2010).
No campo dos bitos, conta-se com o Sistema de Informaes sobre Mortalidade
(SIM), que centraliza informaes sobre as mortes em todo o pas. Cabe ressaltar, como
explicam Cano e Ribeiro (2007), que tomar os homicdios como forma de medir a violncia
em geral pode ser problemtico, em razo de que os dados sobre mortalidade no cobrem
todas as mortes, que podem no ser comunicadas ou registradas. Outro problema levantado
pelos autores so as mortes por causas externas de intencionalidade desconhecida, quando os
mdicos constatam a causa mortis mas nem sempre dispem de informaes sobre o fato, no
sabendo se o bito foi resultado de suicdio, homicdio ou acidente.
No havia uma tradio de pesquisas na Sociologia sobre fronteiras, na poca da
formulao original do objeto, o primeiro obstculo encontrado foi a inexistncia de estudos
sobre a temtica da criminalidade e da segurana nas fronteiras no Brasil. Alguns grupos de
pesquisa2 acadmica vm desenvolvendo pesquisas tericas e empricas sobre esta temtica,
ampliando a escassa bibliografia sobre as fronteiras nas Cincias Sociais.
1
Processo seletivo para o ano de 2011.
2
Como o caso do Ncleo de Estudos da Violncia-NEV/USP, do Ncleo de Estudos da Cidadania, Conflito e
Violncia Urbana NECVU-UFRJ, do Observatrio da Fronteira da UFGD/MS e de grupos de pesquisa da
UNIOESTE/PR e da UNIPAMPA/RS.
15
Nesse contexto, por mais que o impulso inicial estivesse focado em descobrir o
universo do local da fronteira, a justificativa do estudo teve como alicerce a relao entre: as
tendncias das taxas mais elevadas de homicdios nos municpios de fronteira em comparao
com os demais municpios brasileiros (SALLA et al, 2011); as polticas pblicas de segurana
direcionadas s fronteiras brasileiras; e as dinmicas locais (ALMEIDA, 2013; ALVAREZ et
al, 2013). A hiptese intuitiva de que as fronteiras so espaos mais violentos que os demais,
baseada inicialmente em reportagens miditicas sobre as fronteiras, e mais tarde em trabalhos
sobre as fronteiras do Equador com a Colmbia (CARRIN, 2011), revestiu-se de carter
cientfico com os dados do Relatrio dos Homicdios na Faixa de Fronteira: 2000-2007,
elaborado pelo NEV/USP.
Nesse momento, buscou-se investigar quais eram os movimentos do Governo Federal
em relao s suas fronteiras, as legislaes fronteirias, os ministrios e rgos pblicos
envolvidos nesta problemtica, etc. Tal escolha determinou a primeira formulao do objeto
de pesquisa, como um estudo que partiu do olhar do Estado em direo s suas fronteiras por
meio de iniciativas governamentais, articulando conceitos e categorias de segurana pblica
para compreender as dinmicas das fronteiras. Em que pese o conceito de segurana pblica
seja pouco desenvolvido pelas Cincias Sociais, como provoca Soares (2015), sabe-se que h
um campo de estudo em formao com uma srie de fronteiras disciplinares entre as
pesquisas acadmicas e as polticas pblicas governamentais. Deste processo, surgiu um novo
tipo de acadmico-tcnico, segundo Vasconcelos (2014): so universitrios, cientistas sociais
que adquirem uma dimenso tecnocrtica, com formao acadmica e viso crtica da
sociedade e trabalham como especialistas (tcnicos ou consultores) de instituies pblicas.
Acredita-se que a ideia inicial deste estudo foi contaminada com esta condio acadmico-
tcnica de partir do olhar do Estado, de uma metodologia nacionalista para se chegar na
regio de fronteira, a qual s foi identificada mais adiante, em razo da formao acadmica
do curso de Doutorado e, especialmente, da Banca de Qualificao.
Nesse sentido, inicialmente, buscando conhecer as polticas pblicas3 de segurana
para as fronteiras, encontrou-se a Estratgia Nacional de Segurana Pblica nas Fronteiras
ENAFRON como a principal articulao governamental nesse sentido: o resultado de um
processo de aes e projetos elaborados na ltima dcada. Os principais foram o Programa
para fortalecimento da segurana pblica nos municpios fronteirios por meio do Plano
3
O termo aqui utilizado se refere ao projetos, s aes e aos programas que pudessem estar relacionados
segurana nas fronteiras.
16
4
BRASIL. Decreto 7.496, de 11.06.2011.
5
Criado no ano de 2007 no Governo do Presidente Lula, teve mais de seis bilhes de reais em investimentos. Foi
extinto pela Presidente Dilma Rousseff no seu primeiro mandato.
6
Com exceo do Ministrio de Defesa e do Exrcito, este que muitas vezes o nico presente nas fronteiras do
Brasil.
7
Dedicado pesquisa de limites e fronteiras internacionais, elaborou diagnsticos da faixa de fronteira brasileira
em parceria com Ministrios do Governo Federal.
17
Fonte: http://www.ppgg.igeo.ufrj.br/
So quinhentos e oitenta e oito (588) municpios distribudos nos Arcos8 Sul, Central e
Norte; a regio mais populosa a do Arco Sul, a maior parte deles est situada no estado do
Rio Grande do Sul, onde tambm h o maior nmero de centros urbanos atravessados pela
linha divisria que separa/une o Brasil com a Repblica Oriental do Uruguai e com a
Repblica da Argentina. Por bvio, esta seria a regio de atuao mais intensa da ENAFRON,
tendo em vista a quantidade de centros urbanos e rodovias. Diferente de municpios do Arco
Norte, por exemplo, que so parte da Floresta Amaznica, muitos sem acesso rodovirio aos
grandes centros, por onde o trnsito cotidiano feito pelos rios amaznicos.
Na primeira pesquisa exploratria observou-se que o Estado buscava resolver um
problema que o Governo entende como o principal nas fronteiras: a entrada e sada de
mercadorias. O foco do Estado est no carter transnacional da criminalidade caracterstica da
fronteira, como o caso dos crimes de contrabando, de trfico de carros roubados, de
entorpecentes e de armas de fogo, nos eventos que, em tese, podem colocar em risco a
segurana nacional e do territrio, no a do indivduo.
Nesse contexto, a regio da fronteira brasileira e sua condio de lugar violento, que se
justificaria pelas taxas de homicdios, citadas anteriormente, objeto de aes direcionadas ao
combate dos crimes transnacionais, que no necessariamente esto ligados violncia e aos
homicdios (ALMEIDA, 2013). Este descompasso aparente entre o que caracteriza a fronteira
como violenta e as formas como o Estado se faz presente para combater a criminalidade,
8
Categorias de anlise criadas pelo Grupo Retis e utilizadas pela ENAFRON.
18
9
Refletir acerca desses possveis cruzamentos das cincias sociais com o crime e com as polticas de
segurana pblica pode ser objeto para uma sociologia da produo acadmica (ALMEIDA, 2001).
Reconhecendo que h um campo de pesquisa sobre a temtica da criminalidade no qual grande parte dos
pesquisadores utiliza de dados estatais para suas anlises e atividades acadmicas, desenvolvidas em espaos de
relaes que envolvem os produtores dessa contabilidade de forma direta e indireta.
10
Ministrada pelo Prof. Srgio Miceli.
19
11
Cabe salientar, que todos essas modificaes foram apresentadas nos quatro relatrios anuais da FAPESP, os
quais foram aprovados pelo pareceiristas.
20
Creio que isso faz parte do trabalho cientfico de colocar questes sobre a prpria
natureza do olhar cientfco. Essas questes impuseram-se, para alm de qualquer
inteno de pura especulao, em uma srie de situaes de pesquisa nas quais
precisei refletir sobre o modo de conhecimento do saber para compreender minhas
estratgias e meu material. (BOURDIEU, 1996, p. 203).
12
Alm dos Seminrios obrigatrios e leituras complementares, a pesquisadora cursou como ouvinte a disciplina
A Dimenso Cultural das Prticas Urbanas, ministrada pelo Prof. Jos Guilherme Cantor Magnani, no
Departamento de Antropologia da FFLCH/USP.
21
Nesse compasso, os tipos penais deixaram de ser axiomas do presente estudo para se
transformar em categorias nativas, frutos de uma construo social (MISSE, 2006), que sero
suspensos para tornarem-se parte do objeto a ser analisado sociologicamente. Tal suspenso
permite libertar a investigao para chegar ao que as fronteiras e suas sociabilidades oferecem
24
sobre as noes do que ou no crime, trfico e contrabando sob um olhar que se pode
chamar da Antropologia do Estado (ROITMAN, 2004). Na construo analtica proposta por
Roitman (2004), em seu estudo sobre as fronteiras da Repblica do Chade, a autora mostra
que as categorias de crime e de trfico podem ser suspensas para sua anlise como parte de
construes que envolvem a fronteira e seu lugar no global.
Nessa mesma linha de raciocnio, a Teoria do Etiquetamento (Labeling Theory)
defende que o delito, por ser constitudo socialmente, no tem consistncia material ou
ontolgica, delegam-se, nesse enfoque, ao direito penal papis importantes na rotulao do
que seja crime (SOARES; GUINDANI, 2014). Assim sendo, tanto os gestores pblicos
quanto o cidado comum esto inscritos em um marco legal, como referncias centrais das
decises dos operadores dos sistemas dos controles penal, fiscal, aduaneiro, etc. Estes, por sua
vez, podem desenvolver uma atividade seletiva, orientada pela definio do que seja a
criminalidade a partir da identificao dos criminosos, de sua condio social e econmica, de
sua nacionalidade, etc. Como explicam Soares e Guindani (2014, p. 13): Entre a seleo
abstrata da lei e a seleo concreta realizada pelos operadores h um complexo e dinmico
processo de articulao. No caso das fronteiras, acredita-se que a articulao citada pelos
autores parte da gesto dos espaos e dos ilegalismos, que se d por meio de uma
complexidade de prticas e discursos, locais (dinmicas sociais) e globais (legislao e
polticas pblicas), que define o que ou no crime e ilegalidade nas relaes cotidianas.
Nesse sentido, tem-se a multiplicidade de leis e normas em um mesmo espao geogrfico que
a fronteira, gerando continuidades e descontinuidades determinadas pela forma como o
Estado se faz presente gestionando limites que permitem ou no fluxos, mobilidades e
proximidades.
Acredita-se que a configurao sociourbana da fronteira se redefine a partir de uma
trama de ilegalismos, da qual a ideia de crime fundamental como objeto de anlise para se
compreender como o Estado opera nestas redes econmicas que transitam entre o que legal
e ilegal. Nesse sentido, os Estados esto presentes em suas margens (divisas) e so criadores e
criados das dinmicas sociais fronteirias, ambos se retroalimentam e so sua razo de existir.
So processos que no podem ser pensados na chave tradicional de pensar o limite geogrfico,
este pode existir independente dos povos, entretanto, se estes esto presentes, eles tambm
criam o Estado. Como j foi dito, suspender a ideia de crime e de criminalidade possibilita
investigar as formas como o Estado se faz presente nesses espaos, para alm de uma relao
polarizada que envolve dois plos: a legislao e as polticas pblicas por um lado; e os que
no cumprem as leis, por outro.
25
populao destas regies, Almeida e Pimentel (2012) esto descrevendo uma paisagem que
no privilgio da regio, mas de muitas outras como o agreste e o serto nordestino, a
Baixada Fluminense ou o interior do Piau. Diferente de quando os mesmos autores
descrevem as peculiaridades entre as relaes internacionais entre o Brasil e a Frana, na
construo de uma integrao diplomtica, que no funciona na prtica e no cotidiano das
pessoas que arriscam suas vidas e liberdades para atravessar a fronteira franco-brasileira.
Nesse sentido, buscam-se as dinmicas sociais que so fruto da situao fronteiria,
promovida pela existncia de dois Estados-nao que permitem a criao de redes
internacionais ligadas a atividades que mesclam atividades legais e ilegais, at porque o que
legal de um lado da fronteira pode no ser do outro. Como explicam Silva e Rendn (2009)
sobre as fronteiras no nvel mundial:
As fronteiras entre pases criam as condies complexas para o que o autor denomina
de translocalidade, ou seja, localidades que pertencem a um Estado-nao, mas so translocais
se observadas sob ponto de vista de sua organizao humana e de suas relaes cotidianas
(APPADURAI, 1997). Nesse contexto, a economia transfronteiria constitui um
embaralhamento das fronteiras do global e do local, fazendo com que as prticas legais e
ilegais, lcitas e ilcitas apresentem um caminho para se analisar as dinmicas e os agentes
estatais e sociais. O comrcio transfronteirio envolvendo mercadorias e bens parte de uma
economia moral (THOMPSON, 2013), cotidiana, de pessoas que vivem da fronteira. Isso
significa muitas vezes administrar suas atividades na corda bamba do legal e do ilegal, das
negociaes com rgos estatais e da prtica de ilegalidades que constituem este local desde
sempre. Entende Appadurai (1997) que, como uma categoria emergente de organizao
humana, as translocalidades em zonas de fronteira esto se transformando cada vez mais em
espaos de complexa circulao legal e ilegal de pessoas e mercadorias, que produzem tais
espaos de acordo as oportunidades financeiras e de trabalho destes locais ps-nacionais.
Nesse sentido, explica Telles:
A tipificao penal destas atividades uma fonte para se pensar como o Estado opera
nestes espaos, como determinadas atividades esto previstas e qual o objeto de sua
regulao. As pessoas no vivem o contrabando, essa uma abstrao estatal que num
territrio fronteirio automaticamente relativizada pelas relaes com o Estado vizinho,
criando um caleidoscpio de tipificaes e concepes do que est em jogo quando pretende-
se analisar a categoria de crime. O cotidiano das pessoas nestes espaos ps-nacionais
13
RUGGIERO; SOUTH, 1997 apud TELLES, 2010, p.176.
28
como j foi dito, a pesquisa da dicotomia da presena ou ausncia do Estado nas fronteiras,
para investigar as formas como ele opera, mesmo quando est ausente fisicamente, ou seja, na
forma tradicional de controle fronteirio que se imagina existir nos limites territoriais com
outros pases; o que no exclui a relevncia das atividades dos postos aduaneiros e policiais, a
verificao de documentos, as vistorias em veculos, nas mercadorias, etc., que so
fundamentais neste processo de pesquisa e para que se possa compreender o que est em jogo
nas translocalidades fronteirias, onde o carter dinmico dos fluxos ligados economia local
pode definir essas regies mais do que as estruturas e organizaes estveis (ALVAREZ,
2011). Entendendo que nas fronteiras, mesmo as intituies do Estado, por meio de suas
prticas, podem estar em movimento, em constante negociao.
Estes fluxos caractersticos das fronteiras podem ser fruto das prticas de poder que,
para Foucault (2008), envolvem tanto as tcnicas de segurana voltadas tanto ao coletivo
quanto ao indivduo, na perspectiva da existncia de um tringulo, englobando os
dispositivos de soberania, das disciplinas e da gesto governamental.
Como explica Alvarez:
(...) esse tringulo permite dissecar as dimenses que se desenvolvem nas fronteiras
nacionais: de delimitao e garantia do poder soberano, de organizao e
institucionalizao dos espaos econmicos e sociais e igualmente de gesto
cotidiana das populaes. (ALVAREZ, 2011, p.05)
freios violentos ao trnsito livre de certo tipo de pessoas e produtos, entendidos como
geradores de prticas ilegais, mas no interrompem fluxos de capital financeiro das grandes
corporaes que sustentam uma globalizao orientada ao mercado (SILVA; RENDN,
2009). Nesse sentido, acredita-se que o Estado agente das variadas formas de controle e
critrios na discriminao do que tolervel ou repreensvel nesse jogo de poder, que
constitui as dinmicas transfronteirias, das margens do Estado, onde ele, se reproduz e
produz outras fronteiras, caracterizadas pela naturalizao de ilegalismos. Entende-se por
margens a abordagem desenvolvida por Das e Poole (2004), que compreende que o Estado
admite a fico onde existe um centro e uma periferia, mas ele est no controle, policiando,
gerindo e determinando a sua presena nas margens do seu territrio no intuito de preservar
sua soberania. uma forma de organizao poltico-administrativa racionalizada nas suas
margens territoriais, mesmo que aparentemente enfraquecida e menos articulada que na
centralidade do Estado-Nao. Nas palavras das autoras:
Dessa forma, busca-se aqui pensar as fronteiras no como espaos limites e perifricos
ao poder central e sim como margens, onde h uma produo do poder local que convive e
talvez se alimente do poder central (DAS; POOLE, 2008). No caso das fronteiras, considera-
se que esses poderes esto ligados uma economia translocal histrica nas margens do
territrio brasileiro, onde o Estado abstrao (leis e mapas) e tambm rotina cotidiana
(tcnicas de governo). A lei e seus dispositivos talvez no apenas reprimam as ilegalidades,
mas as diferenciem, fazendo uma economia geral (FOUCAULT, 2009, p.258). A qual pode
determinar dinmicas sociais e o que Thompson (2013) denominou de economia moral, um
conceito que no conduz a um nico raciocnio, mas a uma confluncia de raciocnios que
buscam evidenciar a cultura poltica ou, como denomina o autor, a mentalit da multido14
nas relaes entre populao e governantes. Se de um lado h uma gesto dos ilegalismos,
vinculada Lei, de outro, pode haver uma economia que estabelece o que ou no moral nas
atividades de mercado de uma determinada localidade, nesse caso, translocalidade. Diferente
da ideia de que as Fronteiras so terras sem lei, entende-se que esses espaos ps-nacionais
so terras de uma multiplicidades de leis que se aproximam e afastam e esto em constante
14
O termo multido utilizado por Thompson (2013) no sentido de coletividade, de populao que faz parte
de uma mesma cultura, com preceitos morais e sociais em comum.
31
certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos preos, por
maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas queixas operavam
dentro de um consenso popular a respeito do que eram prticas legtimas e ilegtimas
na atividade do mercado, dos moleiros, dos que faziam o po, etc. Isso, por sua vez,
tinha como fundamento uma viso consistente tradicional das normas e obrigaes
sociais, das funes econmicas peculiares a vrios grupos na comunidade, as quais,
consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos
pobres. O desrespeito a esses pressupostos morais, tanto quanto a privao real, era
o motivo habitual para a ao direta. (THOMPSON, 2013, p. 152).
pessoas, os homens e as coletividades, que nas suas dinmicas sociais vivem e produzem os
seus costumes e cdigos normativos15 (THOMPSON, 2013).
Na interface da lei do Estado com nas sociabilidades fronteirias e suas prticas
econmicas e de mercado16, pode ser encontrado o costume. Segundo Thompson (2013), ele
(o costume) mesmo a interface pois podemos consider-lo como prxis e igualmente como
lei, pois a primeira a fonte da segunda. Os costumes devem ser interpretados de acordo com
a percepo vulgar porque so produzidos e criados entre as pessoas comuns e uma
localidade, e repousam sobre alguns pilares como: o uso comum, o tempo imemorial, a
antiguidade, a constncia, a certeza e a razo. Assim explica o autor:
15
profculo lembrar que a Inglaterra, pas onde Edward Thompson (2013) realizou sua pesquisa sobre os
Costumes Comuns e a Economia Moral, vigora o Direito Consuetudinrio, ou seja, os costumes so fontes do
Direito tanto quanto a lei.
16
Thompson (2013) desenvolve o seu estudo Costume, Lei e Direito Comum partindo da interface da lei com a
prtica agrria. Utilizou-se dessa anlise para pensar o que so os costumes e as leis nas prticas econmicas e de
mercado das regies de fronteira.
17
No percurso da pesquisa analisar-se- a moralidade nos costumes comuns das fronteiras sob o olhar da
Sociologia das Moralidades.
33
Segundo o autor, as mudanas ocorridas nos ltimos vinte anos, em relao s formas
de desenvolvimento econmico no nvel mundial, fazem com que o mercado informal
especialmente o de vendedores ambulantes no reflitam uma massa marginal dos pases
em desenvolvimento e subdesenvolvidos. A informalidade foi absorvida pelos processos
econmicos em razo dos novos modos de gesto da produo e das estratgias circulao e
de distribuio comercial, fazendo com que o mercado informal seja a expresso das novas
modalidades de capital globalizado. Para o autor, a produo e a circulao de bens e
riquezas e, portanto, a reproduo das desigualdades dependem da interao e das diversas
formas de passagem entre mercados formais, informais; legais e ilegais. (FREIRE, 2012,
p.58).
Obseva-se que diferente desta mudana de cenrios nas grandes cidades, nas fronteiras
brasileiras, onde no h polos industriais significativos, o mercado informal esteve desde
sempre ligado aos circuitos transnacionais de circulao de pessoas de nacionalidades
distintas, moedas, assimetrias cambiais e aos costumes locais. Envolvendo no s a populao
pobre que tem no comrcio informal uma alternativa para fazer face excluso, mas tambm
outras escalas econmicas, sociais e polticas (VEGA et al, 2012). Entretanto, ainda hoje, as
relaes de causalidade entre o mercado informal e o desenvolvimento urbano so utilizadas
como intrumento de anlise em pesquisas sobre as fronteiras, como mostra o estudo de
Amaral (2014), que analisa o crescimento e a permanncia do mercado de trabalho informal
nos municpios da fronteira brasileira. A anlise dos dados quantitativos seguiu duas
perspectivas principais, as quais relacionam o mercado informal com a incipincia do
mercado formal e o crescimento urbano, assim concluiu o autor:
A partir das nossas pesquisas, parece-me relevante ressaltar que esses trnsitos entre
a legalidade e a ilegalidade, que so efetivamente atuados por amplos grupos de
habitantes da fronteira, so retomados por polticos e funcionrios e integrados nas
suas maneiras de compreender a regio e na sua prpria atuao como lderes.
(BLIVEAU, 2011, p.71).
das realidades vividas a serem desvendadas empiricamente, o que se dar por meio do
arcabouo terico operacionalizado nas categorias de anlise apresentadas como
desdobramentos da fronteira territorial entre dois Estados. Nesse caso, a fronteira de SantAna
do Livramento (Brasil) e Rivera (Uruguai).
Minha tese central de que a pesquisa emprica vai muito alm do papel passivo de
verificar e comprovar a teoria: faz mais que confirmar ou refutar hipteses. A
pesquisa desempenha um papel ativo: realiza pelo menos quatro funes
importantes, que ajudam a dar forma ao desenvolvimento da teoria: inicia,
reformula, desvia e clarifica a teoria (MERTON, 1968, p.172).
18
Ver Decreto n 7496 (ANEXO C).
37
Nesse caminho, o primeiro passo foi trabalhar no sentido de buscar um equilbrio entre
a pesquisa realizada no Brasil e no Uruguai, no que diz respeito, inicialmente, produo
acadmica, polticas pblicas e legislaes. A ideia foi investigar qual o olhar do Uruguai
em relao s suas fronteiras, durante o perodo de trabalho como pesquisadora visitante, no
Departamento de Sociologia da Universidade da Repblica em Montevidu. Justificou-se tal
investimento pelo fato de que as regies de fronteiras so regidas por muitas leis e
ordenamentos e investig-las a partir do olhar uruguaio seria um caminho profcuo para
compreender as dinmicas sociais e estatais envolvidas no que pode se chamar de contexto
fronteirio. A ideia que fosse investigada no a ausncia, mas sim a presena dos Estados
brasileiro e uruguaio nestes pontos de encontro e de separao, investigando qual o papel
(lugar) da fronteira para e desde o Uruguai, e no somente de uma perspectiva brasileira.
Nesse sentido, foi elaborado um plano de trabalho para aproveitar ao mximo o perodo de
dois meses na capital uruguaia (outubro e novembro de 2013); nele, as principais atividades
desenvolvidas foram: a) investigao exploratria de quais os atores-chave para o tema da
fronteira uruguaia nos mbitos executivo e legislativo; b) pesquisa bibliogrfica da produo
acadmica relacionada com a temtica das fronteiras uruguaias; c) entrevistas, participao
em eventos e coleta de materiais institucionais.
Nesse desenho foram realizadas entrevistas com gestores da Oficina de Planeamiento
y Presupuesto da Presidncia da Repblica do Uruguai, e da Direccin Nacional de Gestin
Territorial do Ministrio de Desenvolvimento Social MIDES, neste ministrio tambm
foram entrevistados os coordenadores-chefes da Unidad Temtica de Frontera.
No Parlamento Uruguaio foram entrevistados dois Senadores, o Sr. Jorge Saravia, do
Partido Blanco, e o Sr. Roberto Conde, do Frente Amplio, ambos fazem parte da Comisso de
Segurana e Defesa da casa legislativa. Em decorrncia dessas entrevistas e de pesquisas
realizadas na Biblioteca do Palcio Legislativo, conheceu-se o Centro de Altos Estudios
Nacionales CALEN, onde foi possvel acompanhar e participar de seminrios e encontros
ligados ao Curso de Mestrado em Estratgia Nacional, ligado ao Ministrio de Defesa
Uruguaio.
Na Fronteira, foram realizadas entrevistas, nos dois pases, com gestores, moradores,
servidores pblicos, comerciantes, advogados; pesquisa documental no jornal local chamado
A Platia (dirio bilngue que traz notcias brasileiras e uruguaias) e em jornais nacionais do
Uruguai como El Pas e regional do Rio Grande do Sul, Zero Hora. Tambm realizou-se
observao participante na zona comercial da linha divisria fronteiria, com visitas a
estabelecimentos comerciais e vendedores ambulantes, assim como em eventos
38
(...) dito que a observao participante no faz suposies firmes sobre o que
importante. Em contraste, o mtodo encoraja os pesquisadores a mergulharem nas
atividades do dia-a-dia das pessoas as quais eles tentam entender. Diferentemente da
testagem de ideias (deduo), elas podem ser desenvolvidas a partir das observaes
(induo). (MAY, 2004, p.174)
construo terica parte do pressuposto de que a cidade mais que um cenrio onde
transcorre a ao social, , sim, o resultado das prticas, intervenes e modificaes impostas
pelos mais diferentes atores em sua complexa rede de interaes, trocas e conflitos
(MAGNANI, 2009). A prtica etnogrfica urbana possibilita a investigao na fronteira tendo
em vista que d conta da operao analtica proposta nas categorias de anlise, entendidas
como desdobramentos da fronteira geogrfica. Para Magnani (2009), a paisagem onde as
dinmicas sociais se desenvolvem no so mero cenrio, mas parte constitutiva do recorte
emprico, e a etnografia pressue uma estratgia terica que alcance ambos os lados desta
relao, ou seja: de um lado os atores sociais e suas prticas e do outro o territrio ou espao
onde elas se desenvolvem. Esta especificidade da etnografia parte do ponto de que a
etnografia inseparvel das escolhas tericas da pesquisa, nem da particularidade dos
objetos de estudos que impe estratgias de aproximao com a populao estudada e no trato
com os interlocutores (MAGNANI, 2009, p. 133).
A presena continuada em campo e uma atitude de ateno viva (MAGNANI, 2009,
p. 136) foi fundamental para despertar a ateno s pistas que conduziram a pesquisa a novos
entendimentos em relao ao objeto. Nesse processo, adotou-se tanto a prtica quanto a
experincia etnogrfica, conforme Magnani (2009), enquanto a prtica programada e
contnua, a experincia descontnua, imprevista. Explica o autor sobre a etnografia:
(...) el concepto de frontera no debe ser entendido como lmite o muro que separa,
sino como el espacio continuo de alteridad, donde se encuentran los universos
simblicos diferentes y desiguales, los cuales deben ser explorados y estudiados,
para luego ser franqueados e interados. (CARRIN; ESPN, 2011, p.13)
O termo fronteira tem sido muito utilizado para indicar um espao limite entre dois ou
mais lados. Ttulos do nosso cotidiano como Fronteiras do pensamento, Cincia sem
fronteiras, Mdicos sem fronteiras, etc., podem revelar algo importante sobre o que essa
ideia representa a fronteira um limite a ser ultrapassado. Ela em si no existe sem os polos
que a constituem, desbravar fronteiras ir onde no se esperava, reconhecer a alteridade e
relacionar-se com o desconhecido. Se assim, as fronteiras so muitas: filosficas, tnicas,
culturais, religiosas, naturais, psquicas e polticas. Como explica Lucena (2013):
Los casos de separacin son variados: en la antigedad hubo muros como proteccin
de las ciudades en contra de los posibles enemigos, por ejemplo: Jerusaln y Roma;
en la edad media, existieron las ciudades fortificadas; los ciudadanos de Londres y
Pars son otra muestra, pues construyeron y reconstruyeron murallas para
salvaguardar su libertad; de la misma manera fue levantada la Gran Muralla China,
con una extensin de 10 000 Km. (ROQUEFORT, 2002, p.12)
As fronteiras geopolticas so limites terrestres que podem ser naturais quando rios,
oceanos, etc., surgem como evidncias fsicas de seu traado; e artificiais quando
representadas por linhas geodsicas. Tradicionalmente, considerada a delimitao espacial
do exerccio do poder dos Estados. Mais do que linhas divisrias, so pontos de contato com
outros pases e suas realidades sociais, econmicas e polticas. Nesse sentido, os conceitos de
limite e de fronteira so facilmente tomados como sinnimos, porm h uma discusso
acadmica, especialmente em trabalhos na rea da Geografia, que indicam importantes
diferenas entre eles. Segundo Machado (2000), a fronteira se caracteriza por ser um lugar de
comunicao e troca entre dois domnios territoriais distintos. Ela uma construo social
materializada nas relaes entre os povos que vivem o cotidiano do contato e das trocas. Nas
palavras da gegrafa:
Por essa perspectiva, a fronteira surge como uma realidade espacial e social, com
caractersticas prprias de lugares de contato, o limite est ligado a uma abstrao poltica, um
separador, uma criao feita atravs de acordos diplomticos, no intuito de delimitar
soberanias e jurisdies, neste caso, os limites do Estado-Nao. A distino entre limite e
fronteira como conceitos geopolticos mostra-se vlida para pensar como tem sido entendido
o lugar dos Estados nas fronteiras e o que elas representam. O limite, no sentido proposto por
Machado (2000), abstrato no que diz respeito s cartografias e legislaes, entretanto,
acredita-se que tambm material na realidade emprica das fronteiras, onde a populao sabe
exatamente onde est a linha, pois vivem da e na fronteira. Fala-se aqui de forma
generalizada, tendo em vista que grande parte da zona fronteiria brasileira no possui polos
industriais ou outras atividades que no as de comrcio envolvendo brasileiros e moradores
dos Estados vizinhos.
43
Para Golin (2002), limite e fronteira so antinmicos, uma vez que ora acentuam os
aspectos geopolticos e macroeconmicos tpicos da soberania nacional e sua segurana, ora
se insinuam como espao de contato entre comunidades limtrofes, transfronteirias. Segundo
o autor, o conceito tradicional de fronteira circunscrito antiga representao geopoltica de
legitimao do Estado-nao inoperante, pois pensa a fronteira exclusivamente como franjas
do mapa em cuja imagem se traduzem limites espaciais, negando seu carter dinmico e
contraditrio na relao deste com a totalidade de que parte. (GOLIN, 2002, p.17). Esta
materialidade das formas das fronteiras assim descrita por Cataia (2007):
19
Utilizada por gegrafos para explicar as fronteiras internacionais no sculo XX. O limite internacional
geralmente compreendido como um fronteira natural como rios ou montanhas. Na escola estudamos as fronteiras
internacionais como linhas naturais entre pases e que as fronteiras brasileiras no possuem conflito, e sim um
territrio consolidado e pacfico do Oiapoque ao Chu. (ALBUQUERQUE, 2009).
44
levando em conta a circulao e a superao das divisas, assim como a reduo das
descontinuidades por elas produzidas, no que diz respeito circulao econmica, de ideias,
de mercadorias, de servios, etc. Surgindo, nesse contexto, a abordagem no mais do limite,
mas o que se pode chamar de regies de fronteira, que, segundo Machado (2000), desloca o
foco do campo poltico para o campo econmico, envolvendo as representaes das
comunidades fronteirias e suas dinmicas sociais. House (1980) trabalha com a noo de
Zona de Fronteira como territrio que abrange as faixas de cada pas em torno da linha
demarcatria internacional, onde podem ser observados fluxos de bens, capitais e pessoas que
caracterizam esses espaos. Explicam Machado e Steiman (2002):
Cataia (2007), por sua vez, interroga sobre a ideologia que est por trs desta
formulao, que ele chama de o fim das fronteiras polticas, buscando distinguir a fronteira
como zona e como linha. O autor orienta a sua reflexo a partir da categoria de territrio, no
caso, do brasileiro, e sua insero no mundo globalizado. Nesse sentido, defende tambm
Bentacor:
polticas diretas. Explica o autor que a zona d origem linha de fronteira, a fronteira como
linha o produto de um movimento, sempre transitrio, justamente porque histrico. O
argumento defende que as fronteiras no decorrem s do espao, mas tambm do tempo, ou
seja, a extenso e a durao formam o conceito de limite. Explica o autor:
o tempo que d significado forma, ou seja, mais importante que a forma das
fronteiras a sua formao. Sendo histrica, resulta de eleies, por isso afirmamos
a inexistncia de fronteiras naturais. As fronteiras, mesmo quando apoiadas em
marcos naturais, so o resultado de eleies sociais e no de imposies naturais. De
fato, nos albores da histria, os elementos naturais condicionavam os homens e suas
atividades, impondo-lhes barreiras fsicas. Uma montanha, um deserto ou uma
floresta podiam significar limites (zonais) circulao, todavia o desenvolvimento
tcnico superou as barreiras naturais e, medida que estas iam caindo uma a uma,
erigiam-se outras barreiras, agora no mais naturais, mas polticas .(CATAIA, 2007,
p. 7)
20
BRASIL. Constituio Federal de 1988, Art. 20. So bens da Unio: 2 A faixa de at cento e cinquenta
quilmetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, considerada
fundamental para defesa do territrio nacional, e sua ocupao e utilizao sero reguladas em lei. Da mesma
forma, o Decreto n 85064 tambm regula a faixa de fronteira (ANEXO D).
47
Fonte: http://www.ppgg.igeo.ufrj.br/.
A noo de Zona, conforme j exposta nas anlises de House (1980) e Cataia (2007),
os quais demonstram diferenas ideolgicas entre as noes de limite, de linha e zona de
fronteira, diz respeito ao territrio que engloba o Brasil e o pas vizinho de forma
indeterminvel. Ainda no grupo de conceitos elaborados em processos de formulao de
polticas e lesgilaes pelo Estado brasileiro, encontram-se as macrodivises das fronteiras do
Brasil em Arcos (Norte, Central e Sul) 21, e as microdivises em cidades-gmeas.
Embora os conceitos sejam abstraes que permitem uma anlise das fronteiras em
diferentes escalas, como limite, zona, faixa, arcos, etc., tambm so representaes nativas,
possuindo significados atribudos aos contextos em que so operacionalizados, o que
Dorfman (2013) denomina de condio de fronteira, como o caso, por exemplo da noo
de linha de fronteira, utilizado para a delimitao do territrio municipal que compe a divisa
nacional, o limite. Municpios situados na linha de fronteira so aqueles onde o limite
geopoltico atravessa os centros urbanos, so as chamadas fronteiras vivas ou ainda,
cidades-gmeas, aquelas onde oposies e interpenetraes de toda ordem marcam o contato
entre dois ou mais povos (VRZEA, 1939).
21
Especialmente aps o lanamento, em 2005, da Proposta de Reestruturao do Programa para o
Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. http://www.retis.igeo.ufrj.br/wp-content/uploads/2005-livro-PDFF.pdf
48
22
Nos ltimos anos, ser uma cidade-gmea passou a ter outro status nas disputas polticas brasileiras, por causa
da sano e publicao da Lei N 12.723, de 9 de outubro de 2012 (ANEXO E), que autoriza a instalao de
lojas francas em municpios da faixa de fronteira, cujas sedes se caracterizam como cidades-gmeas de cidades
estrangeiras. Tema que ser desenvolvido no Captulo V.
49
Prope o autor, que pensar problemas sociolgicos desde as fronteiras rompe com uma
tradio centralista, pois para ele as histrias e os processos polticos so pensados desde as
grandes cidades, considerando o processo de nation-building de cima para baixo e do
50
centro para a periferia (GRIMSON, 2005, p.2). Assim, recuperar a dimenso de agncia
da regio fronteiria, ao invs de universalizar sua suposta resistncia ao Estado-nao, abre a
possibilidade para a anlise de como se do as relaes entre as sociedades fronteirias e os
estados nacionais das quais so parte.
Esta complexidade de prticas poltico-culturais no espao de fronteira so elucidadas
por Leenhardt (2002) ao explicar os faceries, acordos do sculo XVII entre comunidades de
pastores espanhis e franceses dos Pirineus para regular os locais das pastagens dos rebanhos.
As faceries constituem, pois, um arranjo, resultante ele prprio de antigos conflitos sociais.
Elas so estrangeiras poltica dos Estados porque submetidas prtica local do nomadismo,
o que levou o governo da poca a entrar em conflito com atores locais que, submetidos
violncia, foram obrigados a aceitar o traado dos topgrafos e cartgrafos militares que se
formalizou no Tratado de Pirineus, de 27 de agosto de 1785. A passagem das faceries para o
Tratado entre os reinos espanhol e francs ilustram essa diferena entre duas concepes de
linha de fronteira, como explica Foucher (1988) citado por Leenhardt (2002):
No quadro das faceries, a linha de demarcao no existe seno como smbolo das
relaes complexas, compartilhando e unindo conjuntos territoriais complexos. O
essencial sendo o aproveitamento das pastagens, das florestas, das guas, das
passagens; a linha tem essencialmente por funo assegurar a cada uma das
comunidades uma possibilidade de uso, ou de expanso sobre as terras situadas alm
do estrito domnio do que seu. (FOUCHER apud LEENHARDT, 2002, p.28)
H, sem dvida, uma tendncia para pensar as fronteiras a partir de uma concepo
que se ancora na territorialidade e se desdobra no poltico. Nesse sentido, a fronteira
51
Vou sugerir uma definio de espao: devamos tomar o territrio atravs de uma
noo dinmica, isto , o territrio usado. Isso que cientfico no o territrio, o
territrio usado. E o espao, que uma forma de ver o territrio tambm, formado
de sistemas de objetos e de sistemas de aes numa unio indissolvel e dialtica.
(SANTOS apud GOLIN, 2002, p. 23)
A ideia de regio vista como alguma coisa reconhecvel em sua especificidade, como
parte de um todo que possui limites, neste caso o dos Estados nacionais, utilizada aqui como
um espao particular de possibilidades de articulao e de contradies internas que se
relacionam com uma totalidade maior. As reas de fronteira so subespaos nacionais que
podem estar mais ou menos integrados, ou relativamente isolados, dinmica de seus pases,
no perodo das guerras no sul do pas23, por exemplo, a regio lutou contra o Estado, tanto do
lado brasileiro, quando do lado uruguaio.
Compreendem Gutemberg e Rckert (2009), que para a geopoltica, as relaes que
incorporam os territrios fronteirios so o resultado das tenses e contradies multiescalares
existentes entre a prpria realidade local-regional e o exerccio da soberania dos Estados
23
Guerra Cisplatina, Revoluo Farroupilha e Guerra Grande contra Rosas, ocorridas entre os anos de 1824 e
1864.
52
Guiana e Guiana Francesa, com exceo do Chile e do Equador.24 Desde o sculo XIX, o
Brasil tem mantido sua faixa de fronteira com seus vizinhos regida por normas especiais25, ela
compreende a extenso de 150 (cento e cinquenta) quilmetros de largura, ao longo da
fronteira terrestre e rene aproximadamente dez milhes de habitantes, como pode ser
visualizado no mapa abaixo:
24
A possibilidade de o Brasil fazer fronteira com o Equador por meio da Floresta Amaznica, e de alguns rios
que possuem multinacionalidades, foi levantado como tema para possveis debates sobre o conceito do que
fronteira para alm dos limites cartogrficos. no Encontro de gesto e segurana nas fronteiras da
FLACSO/Quito, no ano de 2011.
25
Os principais instrumentos legais que regulamentam a ocupao e o desenvolvimento da Faixa de Fronteira
brasileira so: a Lei n. 6.634, de 02 de maio de 1979 e o Decreto n. 85.064, de 26 de agosto de 1980, que
consideram a Faixa de Fronteira como rea indispensvel Segurana Nacional.
26
Disponvel em: http://igeo-server.igeo.ufrj.br/fronteiras/modules/wfsection/article.php?articleid=36. Acesso
em: 07 abr. 2013.
54
Prope Machado (2000), que os municpios da faixa de fronteira podem ser divididos
em trs Arcos Norte, Central e Sul. A distribuio dos 588 municpios ao longo da faixa de
fronteira, e consequentemente de sua populao, bastante desigual, evidenciando-se a forte
concentrao deles (418) no Arco Sul. Neste Arco, o Rio Grande do Sul, com 197 municpios,
seguido do Paran e Santa Catarina, respectivamente com 139 e 82 municpios, perfazem
71,1% de todos os 588 municpios da faixa de fronteira. O Arco Norte, integrado pelo Amap,
Amazonas, Acre, Par, Roraima, tem apenas 71 municpios na faixa de fronteira, o que
representa 12,1% de todos os municpios dessa faixa (ALVAREZ; SALLA, 2010). Apenas
trs capitais se encontram nessa faixa (Boa Vista, Rio Branco e Porto Velho) e somente dois
municpios tm uma populao mdia entre 300 e 400 mil habitantes. Ou seja, os municpios
da faixa de fronteira podem ser considerados de pequeno porte, uma vez que a maioria deles
(81%) tm populao de at vinte (20) mil habitantes.
Essas dimenses indicam que a faixa de fronteira brasileira composta por muitas
fronteiras distintas entre si: enquanto em alguns estados todos os municpios se situam na
faixa de fronteira, como o caso de Roraima e do Acre, outros possuem trplices fronteiras
fluviais e terrestres, como Amazonas, Paran e Rio Grande do Sul, etc. Alguns municpios so
considerados pequenos povoados de dois ou trs mil habitantes, outros possuem uma maior
densidade populacional de vinte ou trinta mil habitantes, somando as cidades dos dois lados
da fronteira, outros, ainda, so maiores, com cerca de noventa mil habitantes do lado
brasileiro, como SantAna do Livramento. Algumas cidades no possuem acesso
rodovirio, s fluvial, como o municpio amazonense de Tabatinga, que faz trplice fronteira
com Letcia (Colmbia) e Santa Rosa (Peru), da capital Manaus, so sete dias (rio acima) para
ir e trs dias (rio abaixo) para voltar. Ainda h a construo da ponte binacional entre o Brasil
e a Guiana Francesa, construda como nica via rodoviria sobre o Rio Oiapoque, que
liga/separa os municpios Saint-Georges (Frana) e Oiapoque (Brasil), foi concluda no ano de
2011 e ainda no foi aberta circulao da populao. Esse atraso, alm de impedir a
integrao entre os pases, pe em risco migrantes que atravessam a fronteira pelo rio e pela
selva amaznica atrs de oportunidades de trabalho informal, nos garimpos clandestinos e no
comrcio ilegal.
Os exemplos so infinitos, so distintos processos de formao histrica e geopoltica,
identidades, disputas polticas e desenvolvimento regional, entretanto, isso no impede que
haja algo em comum nessa extenso de dezessete mil quilmetros. Em todo material
acadmico e miditico consultado nesses quatro anos de doutorado, as atividades econmicas
das fronteiras, de norte a sul, esto aliceradas na produo agropecuria, na extrao vegetal
55
Estados Pases
Rio Grande do Sul, RS URUGUAI, ARGENTINA
Santa Catarina, SC ARGENTINA
Paran, PR ARGENTINA, PARAGUAI
Mato Grosso do Sul, MS PARAGUAI, BOLVIA
Mato Grosso, MT BOLVIA
Rondnia, RO BOLVIA
Acre, AC BOLVIA, PERU
Amazonas, AM PERU, COLOMBIA, VENEZUELA
Roraima, RR VENEZUELA, GUIANA
Par, PA SURINAME
Amap, AP GUIANA FRANCESA
Fonte: A autora (2014)
Parece uma constatao bvia, mas a diversidade inevitvel desta regio, formada por
quinhentos e oitenta e oito (588) municpios, no raro negligenciada pelo senso comum e
pela mdia quando o tema fronteiras brasileiras. O foco dos holofotes est direcionado
Trplice Fronteira Cidade do Leste, no Paraguai, Foz do Iguau, no Brasil e Puerto Iguazu,
na Argentina esta , a todo o momento, rotulada pela imprensa brasileira como um lugar de
trfico de drogas e de armas, de lavagem de dinheiro, de venda ilegal de cigarros. Chamada de
paraso dos contrabandistas, santurios da corrupo, impunidade e delinquncia, espao
de trnsito de sacoleiros e refgio de traficantes e terroristas rabes (ALBUQUERQUE,
2010). Nesse sentido, explica Abnzano que:
(...) se atribuye a Ciudad del Este toda clase de calamidades, desde el trfico de
armas al de nios, y el entrenamiento de clulas terroristas dormidas, el
contrabando, la delincuencia, la alta tasa de violencia callejera, etc. Esta visin se
extiende a Foz do Iguau a la que se adjudica un altsimo grado de inseguridad y
criminalidad (uno de los ms altos del Brasil). (...) Los medios de comunicacin
56
27
uma regio riqussima em muitos aspectos, nela convivem brasileiros, argentinos, paraguaios, indgenas,
palestinos e libaneses. O idioma guarani reconhecido como lngua oficial e ensinado nas escolas, assim como
h escolas binacionais que ensinam o portugus, o espanhol e o rabe. De uma perspectiva geogrfica, nessa
regio esto situadas a Usina Hidreltrica Binacional de Itaipu e as Cataratas do Igua.
28
Cerca em espanhol significa estar prximo.
29
Espao que envolve tanto o territrio brasileiro quanto o do pas vizinho.
57
30
Nesse sentido, alguns estudos sociolgicos sobre a violncia e a economia na fronteira tm sido realizados na
fronteira do Equador com a Colmbia (ESPN, 2009; CARRIN, 2009; 2010; 2011), no intuito de compreender
as caractersticas particulares e complexas da realidade cotidiana das populaes desses locais. A partir deles,
foram construdos alguns conceitos de violncia transfronteiria, que foram utilizados como ponto de partida
para a pesquisa emprica deste estudo.
31
So normalmente feitos de concreto ou pedra com formatos de figuras geomtricas, indicam as mudanas de
direo das linhas de fronteira terrestre. Em razo das dificuldades para colocar marcos em determinados pontos
da fronteira, especialmente na Floresta Amaznica, cada fixao de um marco era uma vitria das equipes das
Comisses Brasileiras Demarcadoras de Limites, do Ministrio de Relaes Exteriores.
58
Para ilustrar, apresenta-se abaixo um quadro com o resumo das linhas limites e da
quantidade de marcos por fronteiras:
32
Mercado Comum do Sul, bloco de livre comrcio formado pelo Brasil, Repblica Argentina, Repblica do
Paraguai, Repblica Oriental do Uruguai, Repblica Bolivariana da Venezuela e Estado Plurinacional da
Bolvia.
33
So todas categorias nativas de diferentes fronteiras sulinas, as quais sero desenvolvidas no decorrer da tese,
e serviro de intrumento para compreender e analisar os atores da economia no recorte emprico de SantAna do
Livramento e Rivera.
59
34
So 450km de costa sobre os Rio da Prata, com Balnerios e desenvolvimento turstico.
60
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2002/020313_uruguai.shtml
35
Banhada pelo Rio da Prata como poder obervado no Mapa.
36
Dados do Instituto Nacional de Estatstica Uruguaio. Disponvel em: http://www.ine.gub.uy/. Acesso em: jul.
2014.
37
Os Charruas e os Guaranis foram decisivos nas batalhas polticas pela independncia do Uruguai, depois
foram exterminados.
38
No h feriados religiosos, o Dia de Reis se chama Dia das Crianas, a Semana Santa a Semana do Turismo
e o Natal se conhece como o Dia da Famlia, as datas esto ligadas possibilidade de as pessoas poderem
descansar, viajar e se reunir com seus familiares. No o consumo que pauta essas ocasies.
39
O Ex-presidente Jos Mujica no prestigiou a cerimnia de entronizao do Papa Francisco no Vaticano em
2013, questionado sobre o motivo, afirmou que respresentava um pas laico.
61
Nesse sentido, os ltimos oito anos foram emblemticos para as polticas pblicas no
que tange defesa dos direitos humanos e da sade da populao uruguaia, as principais delas
propostas pelo governo e aprovadas pelo parlamento so:
40
Que teve como resultado o No a la baja!, eslogam da campanha contra a reduo.
41
diferente do crack, que o resto da cocana, a pasta base sua substncia principal; a chegada da pasta base
ao Uruguai se deu em um contexto especfico, quando houve um aumento da regulao dos precursores
qumicos na Colmbia e no Peru, fazendo com que a susbtncia chegasse e ficasse sem otratamento adequado
para ser transformada em cocana e assim ser vendida para outros grupos de consumidores, de maior poder
aquisitivo.
42
Forma como os brasileiros chamavam o outro lado da fronteira, deriva da ideia do nome Oriental del
Uruguay.
43
Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas no Uruguai. Disponvel em: http://www.uy.undp.org/.
Acesso em: jul. 2014.
62
O Uruguai est situado ao sul da Amrica Latina, ao norte e noroeste limita-se com o
estado brasileiro do Rio Grande do Sul e oeste com a Provncia argentina de Entre Ros. No
sul, o pas tem costas sobre o Rio da Prata, o qual o separa da provncia de Buenos Aires e da
capital argentina de mesmo nome. Ao sudeste, banhado pelo Oceano Atlntico. O pas est
divido em dezenove (19) departamentos, nos quais esto distribudos oitenta e nove (89)
municpios, sendo o mais povoado a capital, Montevido, onde se encontra cerca da metade
da populao do pas, conforme se oberva no Mapa abaixo:
44
Instituto Nacional de Estatstica Uruguaio. Disponvel em: http://www.ine.gub.uy/. Acesso em: jul. 2014.
63
Com o Brasil o Uruguai comparte uma franja de fronteira de mil e sessenta e sete
quilmetros (1067 km) de extenso, desde o Arroio Chuy at o Rio Uruguay. Desse trajeto,
trezentos e vinte 320 km esto constitudos por fronteira seca e o resto fronteira mida.
A inexistncia de acidentes geogrficos ou outras caractersticas espaciais permite a
livre circulao entre os habitantes dos dois pases, tendo em vista que mesmo nas fronteiras
midas h pontes binacionais.
45
Como pode ser visualizado no mapa acima.
64
A fronteira com a Argentina marcada pelo Rio Uruguai em uma demarcao fluvial
contnua, com pontes que viabilizam os intercmbios entre vizinhos que falam o mesmo
idioma e tomam mate amargo46. Entretanto, conforme explica Mazzei (2013), no seu estudo
Las fronteras em cifras, so muitas as razes geogrficas, histricas, militares, econmicas,
sociais e culturais que aproximam mais as regies fronteirias uruguaias com o Brasil do que
com a Argentina. Nas palavras do autor; (...) puede afimarse que en la cultura uruguaya el
sentimiento colectivo ms tpico de frontera, es com Brasil. (MAZZEI, 2013, p.12).
As fronteiras uruguaias com o Brasil esto todas situadas nos limites com o estado do
Rio Grande do Sul, como pode ser observado no mapa abaixo:
46
Chimarro para os gachos.
65
A fronteira uruguaia com o Brasil envolve trs departamentos: Cerro Largo, Rocha,
Rivera e Artigas, com uma populao total de cerca de 309.000 habitantes distribuda em
torno da linha fronteiria de 1.068,1km que separa/une as duas soberanias, cuja rea
representa 25,5% do total do territrio uruguaio e 10% da populao uruguaia. Abaixo pode-
se observar o quadro com a populao por departamento fronteirio.
Departamento de fronteira com o Brasil Populao Urbana 2011 Populao Rural 2011
Diferente do Brasil, o Uruguai no possui uma lei definindo a sua faixa de fronteira,
a nica definio encontrada na Legislao que trata desta delimitao o Acordo47 entre os
dois pases que estabelece a permisso para residncia, estudo e trabalho no espao
fronteirio, chamado de Acordo Fronteirio, assinado no ano de 2002. Nele esto descritos
os municpios considerados como localidades fronterizas vinculadas ao acordo, so elas:
1. Chuy, 18 de Julio, La Coronilla e Barra del Chuy (Uruguay) a Chu, Santa Vitria
do Palmar/Balnerio do Hermenegildo e Barra do Chu (Brasil).
2. Ro Branco (Uruguay) a Jaguaro (Brasil).
3. Acegu (Uruguay) a Acegu (Brasil).
4. Rivera (Uruguay) a Santana do Livramento (Brasil).
5. Artigas (Uruguay) a Quara (Brasil).
6. Bella Unin (Uruguay) a Barra do Quara (Brasil).
O Acordo prev uma ampliao desta lista de localidades vinculadas no seu Artculo
VI, 2: La ampliacin de la lista establecida en el Anexo solamente podr contemplar aquellas
localidades situadas en una faja de hasta 20 (veinte) kilmetros de la frontera y de comn
acuerdo entre ambas partes.48
Esse artigo do Acordo bilateral tm sido utilizado como referncia para definio
desse espao pelo Estado uruguaio, como explicam Rtulo e Damiani (2010) ao calcular a
populao da regio fronteiria entre Brasil e Uruguai:
La delimitacin del espacio geogrfico que incluye la frontera en ambos pases fue
realizado por el Acuerdo para el Permiso de Residencia, Estudio y Trabajo en la
frontera Brasil - Uruguay que estableci una faja de 20 km hacia el interior de cada
uno de los Estados medidos desde la lnea divisoria. Tomando en cuenta este
criterio, la poblacin residente en esa faja es de 150 mil habitantes del lado
uruguayo y 180 mil del lado brasileo, lo que totaliza un total de aproximadamente
350 mil habitantes. El establecimiento de dicha faja se extiende, del lado uruguayo,
a los siguientes departamentos limtrofes con el Brasil: Artigas, Rivera, Cerro Largo,
Treinta y Tres y Rocha. Del lado brasileo, incluye a los siguientes municipios
linderos con Uruguay: Barra do Quara, Uruguaiana, Quara, Santana do
Livramento, Dom Pedrito, Bag, Acega, Erval, Jaguaro, Santa Vitria do Palmar
y Chu. (RTULO; DAMIANI, 2010,p.12)
47
Acuerdo Brasil-Uruguay Repartido n 1092 (ANEXO A).
48
Idem.
67
populao transita de um pas para o outro livremente, sem apresentar documento, muitas
vezes difcil saber por onde extamente passa a linha divisria.
O Acordo foi criado para resolver demandas e impasses trabalhistas e com instiuies
de ensino e de sade. comum as pessoas terem a dupla nacionalidade, terem propriedades
rurais e urbanas de um lado e do outro, situao que permite que um mesmo pedao de
campo esteja situado dos dois lados da linha divisria, uma continuidade material onde em
um momento o territrio uruguaio e em outro brasileiro.
O Uruguai nunca teve uma legislao tratando das questes de segurana desta regio
especfica, nos ltimos anos foi elaborado um projeto lei idealizado pelo Ministerio de
Ganaderia, estabelecendo uma zona de segurana na fronteira uruguaia de vinte quilmetros
(20 KM) da linha divisria terrestre e fluvial do Uruguai.
O objetivo do Projeto de Lei dar um tratamento especial a essa regio que regule as
propiedades rurais e urbanas, especialmente as de estrangeiros, pois atualmente no h dados
pblicos sobre qual porcentagem do territrio urunguaio est na mo dos estrangeiros. Outras
frentes de regulamentao da proposta so atividades comerciais nessa faixa e o trnsito de
mercadorias e de possveis enfermidades, como o caso do vrus da febre aftosa.
Ao que parece, o grande motivador deste projeto de criar uma zona de seguridad
fronteriza a preocupao com as questes sanitrias, que se apresentam de forma
vulnervel nesses espaos, por mais que tenha tambm a justificativa de um maior controle
das atividades ilegais de contrabando e narcotrfico. A proposta no foi a aprovada no
parlamento uruguaio, no se obteve acesso s atas de votao, entretanto, pelo histrico das
relaes entre os dois pases, pode-se pensar que tal lei contraria muitos interesses polticos e
financeiros da regio.
O Uruguai por algum tempo foi considerado a Sua da Amrica do Sul, em razo das
suas polticas monetrias que desde sempre possibilitaram a lavagem de dinheiro em vrias
escalas: desde a recepo de quantias estrangeiras para depsito em pases europeus pelas
offshores49; at a circulao de moeda estrangeira nos cmbios, que fazem girar milhes de
dlares, reais e pesos uruguaios, fruto de atividades desconhecidas. A criao de gado, o
descaminho do mesmo, de carne, do couro, a circulao de dinheiro, de pedras preciosas, de
ouro e o trfico de armas50 so parte da formao sociopoltica deste pas e da metade sul do
Rio Grande do Sul. Esta regio est entrelaada com o Uruguai ao longo de toda a sua
49
Bancos que trabalham abrindo contas em parasos fiscais.
50
So as atividades mais conhecidas, evidente que a lista no exaustiva.
68
histria, no apenas pelas disputas por terras e poder dos sculos XVIII e XIX, mas pelos
fluxos de pessoas e mercadorias que formaram as fronteiras uruguaio-brasileiras.
As lideranas polticas uruguaias e riograndenses negociavam campos, escravos, gado,
cavalos, armamento, tinham propriedades dos dois lados da fronteira e articulavam seus
interesses de acordo com o contexto mais favorvel entre os dois pases. Essas relaes
representavam as dinmicas sociais que se davam em outras escalas, como entre pequenos
comerciantes dos povoados que se formavam a partir de postos dos Exrcitos nas fronteiras.
Como explica Clemente (2010):
O trnsito ilegal e sua gesto sempre fizeram parte de esquemas que foram se
aperfeioando ao longo do tempo. Em que pese as tecnologias e os bens de consumo tenham
mudado, mudam as direes de alguns fluxos por causa das oscilaes cambiais e
oportunidades de mercado, mas os caminhos e os trnsitos entre os dois pases so sempre os
mesmos: as drogas, o armamento, as pedras preciosas, os eletrnicos chineses, o cigarro
paraguaio, os agrotxicos, as autopeas, os medicamentos e as bebidas seguem transitando
pelos mesmos trajetos.
Nesse sentido, nas cidades-gmeas, muitos uruguaios trabalham do lado brasileiro em
atividades formais e informais, legais e ilegais. As duas moedas, o peso uruguaio e o real (e
tambm o dlar) so aceitos no comrcio em geral dessas cidades, assim como h
possibilidade de se trocar dinheiro com as dezenas de cambistas (informais) e casas de cmbio
do lado uruguaio51.
Historicamente, as variaes monetrias tm gerado oportunidades que beneficiaram
os comerciantes brasileiros e os compradores uruguaios, o que contribui para o crescimento
de cidades brasileiras em detrimento da situao das cidades uruguaias e do seu entorno
regional. Essa paisagem se modificou em perodos nos quais o dlar se desvalorizou e os
brasileiros invadiam a fronteira para comprar produtos importados, livre de impostos nos free
shops das cidades uruguaias de fronteira.
51
No h casas de cmbio nestes municpios brasileiros.
69
Quando tal fenmeno ocorre, a rapidez com que o comrcio e o turismo uruguaios
crescem impactante, de um dia para o outro so erguidas dezenas de lojas multimarcas em
locais onde antes no havia nada, hotis e restaurantes se multiplicam mudando a cara da
cidade, especialmente do centros das duas cidades. O entorno da Praa Internacional,
chamada pelos moradores locais de Parque, se transforma em um grande estacionamento de
nibus de turismo utilizados por turistas e sacoleiros brasileiros; nesses perodos, a Fronteira
da Paz entra na rota dos que trabalham com a compra e venda de muambas. Os uruguaios
no podem comprar nos free shops, o governo uruguaio no permite; este benefcio da
iseno de impostos s acessvel aos turistas em trnsito. Quando precisam comprar
produtos nos free shops, os uruguaios pedem a algum que o faa apresentando a carteira de
identidade, em algumas lojas h inclusive brasileiro na porta oferecendo esse servio.
Nessas temporadas de baixa do dlar, h uma avalanche de brasileiros comprando
tudo o que encontram, fazendo filas nas portas das lojas e disputando mercadorias. Houve
ocasies em que a Calle Sarandi, rua principal de Rivera, teve de ser fechada porque as
caladas no davam conta do trfego de pessoas,52 como na foto abaixo, na vspera do natal
de 2011:
Fonte: http://jornalaplateia.com/aplateia/wp-content/uploads/2011/12/interna-.jpg
52
Como acontece seguidamente na Rua 25 de maro, na cidade de So Paulo.
70
53
As cidades-gmeas podem ser visualizadas pelas bolinhas vermelhas marcadas nos Mapas 2 e 3.
54
Observou-se essa identidade em muitos dilogos, dentre eles: Duas mulheres fronteirias sobre o suposto
patriotismo sentido nos jogos da Copa do Mundo de 2014: A: Eu fiquei feliz que a Alemanha goleu o Brasil.
B: Eu no. A: Te parece que eu no sou nacionalista? B: De que pas?
72
Fonte: www.maps.google.com
Acredita-se que o melhor caminho para esta pesquisa foi realizar tal delimitao, no
intuito de no correr o risco de o estudo se perder na pretenso de abarcar uma universalidade
que impossibilitaria uma anlise aprofundada. Nesse processo, a pesquisa exploratria e
terica indicou a necessidades de novos recortes, no sentido de ajustar o foco da investigao
para o que se queria extrair dentro deste universo, que so os municpios de SantAna do
Livramento e Rivera. O linha demarcatria que une/separa essas localidades possui uma
extenso de cerca de cem quilmetros (100 KM) por caminhos rurais e urbanos, nos quais
55
Segundo os moradores, o apelido surgiu quando da construo da Praa Internacional, a primeira Binacional
do mundo, o qual foi inaugurada em 1943, em plena II Guerra Mundial.
73
cada trecho poderia ser o objeto da pesquisa de campo56, entretanto, optou-se por delimitar o
recorte emprico na regio urbana central, que une o centro uruguaio e o brasileiro, criando
uma outra centralidade fronteiria, onde la cosa se mueve. 57
Nesse espao livre a circulao de pessoas, animais58 e mercadorias, no existem
muros, cercas, arames farpados, postos de controle aduaneiro ou algo do gnero, nada faz
meno ao fato de se estar atravessando uma linha divisria. Como descreve Bento (2012):
O conceito mais utilizado na literatura para essa unio latente entre dois municpios
conurbados o de cidades-gmeas ou fronteiras-vivas (DORFMAN, 2006; ASSEF, 2009;
BOJUNGA, 1978), mas ainda h a tese de que algumas fronteiras, como a de Livramento e
Rivera, so uma nica cidade, sujeita a duas soberanias (COPSTEIN,1989). Segundo Vrzea:
56
Pretende-se, posteriomente concluso do doutorado, continuar a pesquisa sociolgica sobre esses espaos, as
fronteiras das fronteiras.
57
Expresso dos riverenses referente ao movimento dos negcios de todo tipo e da circulao de dinheiro.
58
comum habitantes de ambas as cidades utilizarem carroas de trao animal como meio de transporte.
59
Homenagem ao Coronel uruguaio Bernab Rivera, que convocou os ndios Charruas para uma reunio onde
pretendia embosc-los e mat-los e acabou morto por eles. (ALBORNOZ, 2000).
74
Apesar das pssimas condies das estradas, no tardou para que Livramento se
transformasse em rota comercial (como at hoje) entre o norte do estado do RS e e
Montevidu, tendo em vista que ficava no meio do caminho. Do Brasil vinham a erva-mate,
madeiras, banha, feijo, farinha, milho e fumo, e do Uruguai, os produtos estrangeiros,
especialmente ingleses, que chegavam ao porto, como tecidos e roupas. Segundo Albornoz
(2000), as mercadorias vindas de cidades rio-grandenses seguiam sobre as coxilhas60 at
Montevidu, de onde retornavam com mercadorias europeias, para distribuir por todo estado.
As guerras muitas vezes beneficiavam os negcios, tendo em vista que do pas vizinho se
podiam conseguir armas, mantimentos e dinheiro com a venda de tropas e dos couros.
A cidade de Rivera, inicialmente Villa de Ceballos, foi criada pelo poder legislativo
uruguaio como forma de fortalecer sua soberania em um territrio que estava sendo
negociado/disputado com o Brasil. Os uruguaios que j ocupavam essas terras lutaram para
que a planta da nova cidade fosse estabelecida em continuidade a Livramento, e no distante,
como desejava o governo uruguaio. Nas palavras de Albornoz:
Como se v na planta atual das cidades, as praas principais cercadas pelas igrejas e
sedes administrativas esto bem separadas da linha divisria. que o interesse de
unir as duas cidades nunca foi dos governos, mas das populaes. A continuidade do
stio urbano, atualmente, apenas o reflexo do sculo XIX, em que os comrcios
mais prsperos eram os sentados sobre a linha divisria, ou estabelecidos nos dois
lados da linha de fronteira. (ALBORNOZ, 2000, p.37)
Unidas por uma rua, que tambm a fronteira que separa o Brasil do Uruguai,
Livramento e Rivera vivem juntas, como duas irms numa mesma casa: dividindo
diverses, tarefas, brincando e brigando ao sabor das guerras, dos parentescos, do
futebol, do cmbio. (...) Por mais amveis e graciosos que possas ser, gmeos so
sempre estranhos. E essas duas cidades em uma (que parece uma terra dividida em
dois) no deixam de ter suas complicaes: Cidade(s) em que voc se distrai e faz
um contrabando. Cidade(s) em que os automveis tm duas placas. (BOJUNGA,
1978, p.105-106)
60
Regio de colinas cobertas de pastagens tpicas da regio dos Pampas sulinos.
75
Essa mescla citada por Ruiz (1996) o portunhol, mesmo sendo considerado por
muitos fronteirios como a lngua da fronteira, apenas uma maneira de falar 61, misturando
dois idiomas semelhantes, o que muito comum entre os brasileiros que acreditam falar o
espanhol, mas falam o portugus com agumas expresses da lngua de Cervantes e vice-versa.
Na foto1 abaixo pode-se observar o Parque Internacional e o local onde passa a linha
divisria entre os dois pases, ao lado esquerdo est o Uruguai e ao lado direito, o Brasil:
Fonte: www.earth.google.com
61
Tendo em vista que o Portunhol no possui um conjunto de regras gramaticais e varia de acordo com a forma
de se expressar de cada falante.
76
Percebemos que, embora o Acordo seja o mesmo, regendo as relaoes entre os dois
pases, a prtica no exatamente a mesma. Inicialmente, as condutas eram
compatveis, mas, atualmente, foram impostas restries para a documentao dos
brasileiros fronteirios na cidade de Rivera. No Brasil, o documento fronteirio
fornecido a qualquer uruguaio residente na fronteira, independente de j possuir
trabalho ou buscar trabalho e/ou estudo do lado brasileiro. No lado uruguaio, a
carteira ser emitida exclusivamente para brasileiros que j possuam vnculo de
emprego ou estudo (com os respectivos documentos comprobatrios) ou possuam
62
Foi firmado um convnio entre Brasil e Uruguai, alm de acordo assinado no mbito do Mercosul, acertando
que sero recolhidas as contribuies para a Previdncia nos dois pases, de maneira a contabilizar tempo de
servio e aposentadoria, mesmo que um brasileiro trabalhe no Uruguai, alm dos direitos de Seguridade Social
(BENETTI; ARAJO, 2012).
77
A vulnerabilidade do cidado que est buscando regularizar sua situao legal para
garantir os seus direitos se evidencia nos acertos que continuam sendo feitos mesmo depois
do Acordo binacional. No que diz respeito ao ensino, por exemplo, os alunos brasileiros e
uruguaios podem se matricular em instituies privadas dos dois pases sem burocracia
alguma, o mesmo ocorre com o atendimento de sade privado, no qual no exigido o
documento fronteirio. As transferncias entre escolas de um pas para o outro seguem este
mesmo processo: nas privadas possvel a emisso de histrico escolar e outros documentos
sem a documentao fronteiria, nas pblicas no. A exigncia para quem no pode pagar
por servios privados de sade e educao e precisa ter seus direitos trabalhistas e
previdencirios garantidos.
A carteira de identidade fronteiria reconhece a existncia de uma etnicidade da
fronteira, reconhecida por brasileiros e uruguaios, mas discrimina outras ali presentes, como
os rabes, os ciganos, os africanos, etc. Ao que parece, so situaes que se repetem nas
fronteiras e possuem a peculiaridade de envolver processos binacionais, mas no deixam de
reproduzir o que ocorre no resto do Brasil no que tange garantia dos direitos civis e polticos
pelo Estado. Nesse sentido, alguns direitos foram deixados de lado, como os direitos polticos
que representariam de fato a cidadania, como o voto e a possibilidade de concorrer a eleies.
O Acordo binacional regula algumas continuidades que a fronteira permite e produz
desde a sua criao, envolvendo o comrcio, a sade, a educao e o trabalho, se
reproduzindo ao longo da histria deste encontro/separao de cidades. Assim como as
desigualdades sociais produzidas nas relaes de trabalho, nos grandes latinfndios de terras
desta regio isolada geograficamente pelas plancies pampeanas, etc. Clemente conclui:
Figura 11 - Imagem da linha divisria entre os pases e duas ruas principais das duas cidades
63
Expresso local que faz referncia aos automveis que usavam duas placas de identificao, uma brasileira e a
outra uruguaia.
64
Gentlico da cidade de SantAna do Livramento.
65
Gentlico da cidade de Rivera.
79
Casa de Cultura e as agncias dos principais bancos brasileiros. Nesse caminho, o idioma que
chama a ateno no o portuol, mas sim o rabe, lngua falada pelos libaneses e palestinos,
proprietrios de grande parte do comrcio santanense. Muitos moradores de Livramento no
tm nenhum tipo de relao comercial com Rivera, no falam ou entendem o espanhol,
desconhecem a cultura, a histria e a poltica uruguaia, se orgulham de dizer que no gostam
dos castilhanos66 e no atravessam a linha nem para fazer compras. S chegam at o
comrcio do centro da linha, considerado nesse contexto como prtico, no perspectiva de ser
um espao que no pertence nem a um pas, nem ao outro (MAGNANI, 2002).
Nesse sentido, o mesmo ocorre no municpio uruguaio, o centro comercial est na Av.
Sarandi, no trecho que vai do Parque Internacional at a sede da Polcia Aduaneira, no final
da avenida. A esto os free shops, as lojas de roupas de l e couro uruguaios, a Plaza Artigas
rodeada pela Iglesia Matriz, a sede da Intendencia67, o Banco de la Republica e a Delegacia
de Polcia. Deste lado tambm no h s empatia e integrao, muitos riverenses no falam
portugus, s conhecem a cultura brasileira atravs das novelas globais e se orgulham de dizer
que no gostam dos macacos68. Quando visitam o Brasil, o fazem como turistas, consomem
produtos, mas seus filhos no estudam em escolas brasileiras.
Esses so apenas exemplos da diversidade de relaes possveis envolvendo
nacionalidades, relaes sociais, jurdicas, patrimoniais, etc., no cotidiano dos fronteirios.
Nos exemplos apresentados acima, o comrcio est presente o tempo todo e, ao que parece, as
relaes de fronteira esto sempre ligadas dinmica dos negcios e do consumo.
Nesse contexto transnacional, no ano de 2013, havia em Rivera, sessenta e sete (67
estabelecimentos comerciais registrados como free shops e um shopping multimarcas, de
dezesseis mil metros quadrados, com cinemas, supermercado, cmbio e praa de alimentao.
Em um final de semana a cidade recebia em torno de vinte mil brasileiros, mais que vinte por
cento da sua populao. Comprar um local fsico no centro riverense poderia custar at um
milho e meio de dlares e a patente para ter um free shop, por sua vez, custa em torno de
meio milho de dlares69. O valor pode variar e ser bem mais elevado dependendo do
negcio, como explica o presidente da Associao de Comrcios dos Free Shops:
66
Termo utilizado pelos brasileiros para chamar os uruguaios.
67
Prefeitura Municipal.
68
Termo utilizado pelos uruguaios para chamar os brasileiros.
69
No h dados oficiais pblicos sobre os free shops uruguaios, foram utilizadas informaes do site do Studio
RBD de economistas uruguaios, especialistas em temas do interior do pas. Disponvel em:
https://rbdaaa.wordpress.com/category/01-somos/. Acesso em: out. 2014.
80
(...) sin embargo afirma que es muy complejo establecer una cifra. Lo que se debe
considerar en realidad es que lo que se vende o se compra es la totalidad de la
empresa autorizada a operar en el sistema de free shop. O sea que se compra todo lo
que implica esa empresa, su contenido, el equipamiento, funcionarios, staff, salones
o locales comerciales en propiedad o alquiler, mobiliario, inventarios de mercadera
y negocio funcionando, adems de un estudio para conocer el nivel de facturacin y
sus utilidades. Dentro de todo esto, est implcita la autorizacin a operar en el
sistema de free shop. Por lo tanto, asignar un valor nicamente a la habilitacin es
70
prcticamente incalculable.
A exploso do consumo nos free shops comeou no ano de 2006, antes houve
alguns perodos significativos de vendas, mas na ltima dcada a intensidade do movimento
nessa fronteira teve como fator agravante o alto poder de consumo dos brasileiros com seus
cartes de crdito em mos. Estima-se que no ano de 2012, os free shops faturaram em torno
71
de cento e setenta milhes de dlares (170.000.000), cifra similar a do ano de 2011.
Algumas das principais lojas foram compradas por grupos estrangeiros, direta e
indiretamente, so: panamenhos, chineses, americanos, europeus, etc.
Os free shops trabalham com os preos internacionais duty free, assegurando que os
produtos tenham os mesmos preos em todas as lojas deste tipo, em qualquer lugar do mundo.
Os produtos so quase todos importados e, nos ltimos anos, o Uruguai assinou um decreto
autorizando tambm a comercializao de algumas mercadorias nacionais como cigarros,
vinhos, dulce de leche e alfajores uruguayos de exportao. Em geral, a lista do que pode ser
vendido deve cumprir critrios seletivos em relao, principalmente, ao valor dos artigos, que
no pode ser menor que um limite determinado. O objetivo selecionar o nvel da oferta e
do pblico.72 A estratgia no efetiva, tendo em vista que os free shops esto rodeados por
lojas mais preocupadas justamente em vender para o pblico do que comprar produtos baratos
em grande quantidade, como caso dos comrcios que no so free shops mas ganham com o
movimento destes, normalmente so palestinos que vendem produtos chineses em grande
escala, como cobertores, roupas, ares condicionados e brinquedos.
Em razo da variedade das mercadorias ofertadas nos free shops e nas lojas adjacentes,
Rivera recebe distintos tipos de consumidores, desde os brasileiros, conhecidos como
sacoleiros e camels, que vo atrs de mercadoria barata da China para revender em outras
cidades, a pessoas com alto poder aquisitivo que buscam produtos importados legtimos
com iseno de impostos, especialmente bebidas e cosmticos. Muitas delas o fazem tambm
70
Idem nota 70.
71
Idem.
72
Ao chegar em Rivera, os produtos de todos os free shops so recebidos em um depsito fiscal nico
controlado pela Aduana, que corresponde Receita Federal no Brasil, onde os comerciantes retiram as
mercadorias e pagam os impostos aduaneiros e de depsito.
81
para revender, mas de forma mais elegante, ao invs de carregar sacolas em nibus de
excurso, carregam em suas mega camionetes/espacionaves; h muitas qualidades de
muambeiros. Como dito anteriormente, s os brasileiros podem comprar nos free shops, nos
quais os funcionrios so uruguaios, o que acaba acontecendo que sempre h um brasileiro
que compra a mercadoria para um oriental.73
O valor mximo para compras com iseno de declarao de impostos o de trezentos
dlares ($300) para compras por pessoa, antes de ir embora de Livramento, se houver
excesso, os brasileiros tm que declarar o que compraram no prdio da Receita Federal
(doravante Receita) e pagar os impostos correspondentes. A apresentao das notas fiscais e
dos comprovantes da eventual declarao feita aos fiscais da Receita, que se encontram na
sada da cidade pela BR 158, em frente ao Posto da Polcia Rodoviria Federal. Entretanto, os
consumidores se aproveitam do fato de que tal fiscalizao nem sempre acontece. No perodo
de um ano, passando pela fiscalizao todas as sextas-feiras, no se presenciou nenhuma
revista na qual toda a bagagem do nibus ou do carro fosse examinada. Mesmo quando estava
montada junto da Receita, as Operaes Sentinela e gata de controle das fronteiras pelo
Exrcito, a revista era pfia.74
Enquanto o real esteve estvel, o mercado em Rivera se manteve enfervescente
como nunca, tendo em vista que o Uruguai est amarrado ao Brasil economicamente,
especialmente nesta regio. Como explicou, em 2012, de forma otimista um comerciante de
Rivera:
73
Forma pela qual os uruguaios so chamados pelos fronteirios.
74
O tema do controle da Receita Federal e do Exrcito sero desenvolvidos nos captulos IV e V deste estudo.
75
Entrevista aberta realizada em janeiro de 2012.
76
Disponvel em: http://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-comercial-estados-unidos/. Acesso em: abr.
2015.
82
com seguro-desemprego em Rivera, grande parte das lojas fecharam ou esto liquidando todo
o estoque, especialmente as que no so free shops. Os free shops dificilmente fecham as suas
portas porque a continuidade do negcio requisito para ter a licena, comum ver lojas
praticamente sem mercadorias e funcionrios. Como explica o vendedor de um dos free shops
mais movimentados da cidade, que empregava em torno de sessenta pessoas:
(...) se puede decir que tenemos das de facturacin cero. Y tuvimos que
mantenernos, porque si alguien cierra un free shop no puede volver a abrirlo. El
requisito es la continuidad. La ciudad est muerta, no hay plata, ni empleo ac, la
gente no tiene ni para el alquiler.77
Sabe-se que esta no a nica razo para que os free shops no fechem as suas portas,
muitos servem de fachada para outros negcios ilegais, como acontece, em outra escala, com
os mercadinhos e botecos sem clientes e mercadorias que servem ao varejo de drogas.
Como conta um veterinrio santanense ao fazer compras em Rivera, em um destes perodos
de quebra do comrcio local:
Entrei na loja, enorme e vazia, para comprar um whishy, no havia funcionrios, fui
atendido pelo dono do estabelecimento, que era meu conhecido. Comentei
ingenuamente: a coisa est complicada pra vocs aqui nos free shops. Ele me
repondeu: No, a coisa est muito boa! Eu perguntei: mas como? Est deserto? Ele
me olhou incrdulo: tu entendes de veterinria, no de negcios. 78
77
Entrevista aberta com um vendedor de free shop em 2015.
78
Entrevista aberta com morador de Livramento, em 2010, sobre os perodos de crise na fronteira.
83
Voc pode observar as minhas duas lojas: esta tem uma estrutura grande e no entra
ningum, est deserta. A minha loja em Rivera no num ponto to bom e cinco
vezes menor, mas est sempre lotada de compradores. Hoje assim, amanh tudo
pode mudar, uma mantm os gastos da outra e no h prejuzo.79
Com o boom da ltima dcada, a regio, por meio de seus parlamentares federais e
estaduais, elaborou uma proposta legislativa que autorizasse legalmente os municpios
brasileiros de fronteira, entre eles o de SantAna do Livramento, a abrir free shops do lado
brasileiro das cidades-gmeas. A proposta j foi aprovada pelo Poder Legislativo brasileiro,
agora depende de acertos tcnicos e polticos entre as autoridades municipais e a Receita
Federal. Superada esta etapa do processo, os municpios fronteirios que podero,
inicialmente, instalar as lojas duty free so: SantAna do Livramento (RS), Tabatinga (AM),
Chu (RS), Foz do Iguau (PR) e Corumb (MS).
A criao dos free shops do lado brasileiro se justifica pelo nvel de integrao
avanada, como acontece na fronteira aqui analisada, mas tambm em municpios na fronteira
norte do Brasil, onde h uma grande complementaridade de servios. Tabatinga, por exemplo,
usufrui quando necessrio dos servios prestados pelo Corpo de Bombeiros de Letcia
(Colmbia), que ela mesma no possui. Da mesma forma, todo o gs consumido em Letcia
comprado em Tabatinga, assim como os demais combustveis. Nas palavras de Steiman
(2002):
79
Entrevista realizada com comerciante palestino em sua loja, em 2014.
84
80
Cabe salientar que em Rivera h colgios particulares bilngues (espanhol-ingls) de turno integral para
crianas e adolescentes, onde grande parte dos alunos so brasileiros e moram em Livramento. Assim como
possvel chegar/sair de Rivera pelo aeroporto internacional da cidade, ou comprar produtos de marcas renomadas
internacionalmente, isso quer dizer que, em uma cidade onde as pessoas ainda utilizam a carroa como meio de
locomoo e h leiteiros entregando garrafas de leite nas casas, possvel comprar um terno Armani, o perfume-
lanamento da Dior, tacos de golfe ou cristais Swarovski.
81
Fora os mantimentos bsicos como o acar, as latas de azeite e o arroz. Os produtos brasileiros queridos
dos uruguaios so: caf solvel, chocolates e mariola de banana, na fronteira chamada de tijolinho.
85
82
Acredita-se que h outras fronteiras na Fronteira da Paz, nas quais as representaes de integrao fronteiria
no faam tanto sentido no cotidiano. Em que pese esse no seja o objeto de anlise da pesquisa, acredita-se que
algumas hipteses sobre as fronteiras entre os fronteirios, ou as fronteiras entre os do centro e os das vilas,
podero ser fios condutores para futuras pesquisas.
86
desenvolve, entendida no como mero cenrio, mas parte constitutiva do objeto de anlise.
Considera-se que esses polos formam uma rede de fluxos onde os prprios limites originam
outros trajetos e arranjos sociais em diferentes escalas, criando um dispositivo que, no sentido
proposto por Foucault (2012), um conjunto heterogneo de elementos discursivos ou no,
no qual existem dinmicas, mudanas de posies e de funes. Explica Foucault o que um
dispositivo:
Las fronteras son espacios geogrficos muy particulares. Gozan de una personalidad
espacial propia. Desempean un papel que slo a ellas les pertenece en la
estructuracin y funcionamiento de un territorio nacional. Son lugares de ruptura, de
lmite, de impermeabilizacin, donde termina una extensin, una jurisdiccin, una
soberana y comienzan otras. (LEN, 2013, p. 245)
Entende o autor que para a compreenso dos mecanismos do poder, estes podem ser
discernidos em dois pontos de referncia, dois limites: de um lado as regras do direito e que
delimitam o poder, e de outro, os efeitos da verdade que este poder produz, transmite e que
por sua vez reproduzem-no, criando um tringulo: direito, verdade e poder (FOUCAULT,
2012, p. 179). Onde cada qual um dispositivo para se compreender outro tringulo, objeto
deste estudo: a fico do Estado sobre as fronteiras, a realidade viva da populao e as
situaes estratgicas e complexas nas quais a soberania opera nas dinmicas sociais. A forma
como se d a dominao nos espaos fronteirios, para alm da ideia unilateral de poder
soberano, de um (Estado) sobre os outros, e sim, das mltiplas formas de dominao que
podem se exercer na sociedade por meio de prticas institucionais e sociais. Como explica
Foucault (2012, p. 181): Portanto, no o rei em sua posio central, mas os sditos em suas
90
relaes recprocas: no a soberania em seu edifcio nico, mas as mltiplas sujeies que
existem e funcionam no interior do corpo social.
A ideia de soberania est vinculada a uma forma de poder exercido sobre a terra seus
produtos, sobre o territrio, bens e riquezas que devem ser preservados e controlados. O olhar
por meio desta lente de poder estigmatiza as regies de fronteira como terras sem leis ou
terras de ningum, sendo que sua existncia se d em razo das legislaes e da presena do
Estado. A questo que a partir dele, do Estado, e sua soberania, os fluxos fronteirios se
articulam e transformam estes territrios em espaos vivos, constitudos por diversas formas
de poder, de sistemas locais e dispositivos estratgicos das quais o controle por meio da
soberania no d conta, demandando outras formas de poder, apresentadas por Foucault
(2012) como disciplinares, as quais esto vinculadas aos corpos dos indivduos e aos seus
atos. Nas palavras do autor:
Este novo tipo de poder, que no pode mais ser transcrito nos termos da soberania,
uma das grandes invenes da sociedade burguesa. Ele foi um intrumento
fundamental para a constituio do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que
lhe correpondente; este poder no soberano, alheio forma da soberania, o poder
disciplinar. (FOUCAULT, 2012, p.188)
Afinal de contas, o Estado talvez no seja mais que uma realidade compsita e uma
abstrao mitificada cuja importncia bem mais reduzida do que se imagina.
Talvez. O que h de importante para a nossa modernidade, isto , para a nossa
atualidade, no portanto a estatilzao da sociedade, mas o que eu chamaria de
governamentalizao do Estado. (FOUCAULT, 2008, p.144-145).
91
When the diplomats, the ambassadors who negotiated the treaty of Westphalia,
received instructions from their government, they were explicitly advised to ensure
that the new frontiers, the distribution of states, the new relationships to be
established between the German states and the Empire, and the zones of influence of
France, Sweden, and Austria be established in terms of a principle: to maintain a
balance between the different European states (FOUCAULT, 2007, p. 297 apud
WALTERS, 2011, p. 140)83
83
Traduo Livre: Quando os diplomatas, os embaixadores que negociaram o Tratado de Westphalia, receberam
instrues do seu governo, foram explicitamente aconselhados a garantir que as novas fronteiras, a distribuio
dos estados, as novas relaes a serem estabelecidas entre os estados alemes e o Imprio, e as zonas de
influncia da Frana, Sucia e ustria a serem estabelecidas em termos de um princpio: manter um equilbrio
entre os diferentes estados europeus.
93
En general, las zonas de frontera se han convertido en los lugares con las ms altas
tasas de homicidios y de ilegalidades de nuestros pases. Tradicionalmente se las a
enfrentado mediante polticas de defensa de la soberana nacional (Fuerzas
Armadas), del cierre de las fronteras para la movilidad de productos (aduanas) y
personas (migracin) y de fortalecimiento de orden pblico (polica), todas ellas de
mbito nacional que no reconocen las demandas de la regin fronteriza.
(CARRIN, 2013, p.13).
Nesse contexto, indaga-se acerca das formas de exerccio do poder nestas regies que
so a faixa de limite da soberania, mas tambm so as margens, com os conflitos especficos
que a surgem, bem como as formas diferenciadas de ao dos mltiplos atores, inclusive
pblicos, que atuam nesses contextos. (ALVAREZ et al, 2013, p. 16).
A temtica da segurana nas fronteiras est na pauta das agendas dos governos latino-
americanos como estratgia de segurana, de integrao e de defesa, no necessariamente
nessa ordem, dependendo do pas e de suas fronteiras. Para compreenso destas novas
questes sobre o Estado nas suas faixas de fronteira, so descritas, analiticamente, no prximo
ponto, as polticas pblicas de segurana para as fronteiras dos Estados do Uruguai e do
Brasil, assim como as legislaes e articulaes polticas no poder executivo e legislativo, no
nvel nacional, acerca desta temtica.
Na ltima dcada novas formas de gesto poltica dos espaos fronteirios tm sido
propostas pelo governo federal, onde suas propostas e mecanismos de atuao so
promovidos pelo Ministrio de Justia (Braslia) e, em tese, no esto vinculados unicamente
ao Exrcito e a defesa do territrios. As propostas apresentadas esto voltadas ao combate dos
crimes transnacionais como o trfico de drogas e de armas, o abigeato, o contrabando, etc.,
articulando, com os governos dos estados que fazem parte da faixa de fronteira, estratgias
poltico-administrativas com preocupaes relativas ao controle dos fluxos da criminalidade.
A faixa de fronteira delimitada constitucionalmente como espao de regulao
especial por parte do Estado brasileiro, est regulada da seguinte forma na Constituio
Federal de 1988:
84
A partir deste decreto lei, que prev um axlio diferenciado para as faixas de fronteira, muitos municpios,
especialmente do sul do Brasil, buscaram politicamente a sua identidade fronteiria, mesmo estando a mais de
100 km da linha demarcatria.
95
Decreto n. 7.496: As aes do Plano Estratgico de Fronteiras sero implementadas por meio
de: I - Gabinetes de Gesto Integrada de Fronteira GGIF; e II - Centro de Operaes
Conjuntas COC.
Assim, a proposta do PEF que o trabalho desenvolvido pelas Foras Armadas e pelos
rgos de segurana pblica possua um comando nico a partir do Centro de Operaes
Conjuntas (COC), sediado no Ministrio da Defesa, em Braslia. O que possibilita uma
coordenao nacional das aes operacionais de controle, de fiscalizao e de inteligncia
policial em toda a extenso da faixa de fronteira.
So investimentos em novas estratgias para integrar esforos e criar uma experincia
de atuao conjunta no enfrentamento da criminalidade na faixa de fronteira. A formulao do
PEFRON apresenta uma gramtica que j havia sido adotada pelo Programa Nacional de
Segurana com Cidadania PRONASCI em 2008, no qual os Gabinetes de Gesto Integrada
Municipais e Estaduais eram centrais na articulao de diferentes instituies, com a
participao de representantes da sociedade, dos movimentos sociais organizados e do
terceiro setor, como ONGs, Oscips, Associaes de Moradores, Fundaes, etc.
Nesse mesmo perodo, observa-se que as iniciativas clssicas de soberania e de defesa
de territrio comeam ter outros movimentos paralelos, nos quais outros instrumentos de
segurana pblica e de gesto passam a fazer parte: a criao do Policiamento Especializado
de Fronteira (PEFRON), em 2009, tambm conhecido como Pronasci Fronteiras, que tinha
como objetivo criar grupos especiais para atuar na preveno e na represso nas regies de
fronteira. Foi a iniciativa anterior ao Plano Estratgico de Fronteiras lanado em 2011, visava
promover igualmente a cooperao entre Unio, estados e municpios e entre as diferentes
instituies de segurana pblica com os objetivos especficos voltados melhoria da gesto
da rea de segurana por meio da integrao, para aes coordenadas, dos diversos atores
envolvidos, como a Polcia Federal, a Polcia Rodoviria Federal, a Polcia Civil do Estado e
a Polcia Militar.
O Ministrio da Defesa, entende Alvarez et al (2013), adotou algumas medidas no
sentido de promover um novo tipo de gesto das reas fronteirias, como se evidencia no s
pela participao no Plano Estratgico de Fronteiras, como pelas alteraes no Projeto Calha
Norte, que foi criado em 1985, voltado basicamente para os aspectos militares e que em 1997
se transformou em Programa Calha Norte (PCN).
O Programa busca formalmente implementar o que o Exrcito j vem desenvolvendo
em grande parte das fronteiras de forma improvisada, a presena do poder pblico na regio
amaznica, tendo em vista que o poder soberano j est presente. A proposta visa
96
O Programa atua em duas vertentes: uma civil e outra militar. Nesta ltima, recursos
oramentrios so alocados para o Exrcito, a Marinha e a Aeronutica implantarem
e ampliarem suas unidades nessa regio. Na civil, o Ministrio faz convnios com
estados e municpios para projetos de infraestrutura bsica, complementar e a
aquisio de equipamentos, que serviro de polos irradiadores do desenvolvimento
social sustentvel. Os recursos so destinados, por exemplo, para construo de
bibliotecas, de creches, de hospitais, de rodovirias nos municpios conveniados.
(ALVAREZ et al, 2013, p.21)
85
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
86
Alguns resultados do primeiro ano dessas operaes j foram divulgados como de sucesso pelo governo
federal, como o fato da apreenso de drogas ter aumentado quatorze vezes em comparao com os primeiros
cinco meses do ano, foram apreendidas 115,3 toneladas de drogas na faixa de fronteira durante o perodo das
operaes: junho ao incio de dezembro de 2011.
87
Em tese, a partir da criao do Mercado Comum do Sul, a populao dos pases signatrios do Tratado no
precisariam de autorizao policial para viajar de um pas a outro.
99
88
Disponvel em: http://www.defesa.gov.br/operacao-agata/. Acesso em: 28 set. 2013.
100
alguns pontos estratgicos junto de postos da Polcia Rodoviria Federal, onde os automveis,
os nibus e os caminhes eram revistados durante um perodo que durou cerca de quinze dias.
A estrutura padro pode ser observada na foto abaixo:
Fonte: http://www.topmidianews.com.br/policia/noticia/
89
Dirio de campo, SantAna do Livramento, maio de 2014.
101
nas demais regies do Brasil. Foram instaladas cmeras de monitoramento nas estradas para
contabilizar o fluxo de veculos nas regies fronteirias. Sabe-se quantos veculos e pessoas
atravessam a fronteira, mas no se sabe quem so esses indivduos e qual a relevncia desta
fronteira para suas atividades. Nessa lgica, os instrumentos estatais de segurana reproduzem
a desigualdade social e econmica, como pode se evidenciar na pesquisa de campo:
Passamos mais duas vezes pelo controle da Operao gata 8 instalado em Rosrio
do Sul e no fomos parados, ao observar os veculos que estavam sendo revistados,
verificamos que todos tinham mais de dez anos, inclusive os caminhes, os carros
importados e luxuosos que passavam vindo ou indo em direo Rivera passavam
sem dificuldades, rapidamente. Pelo posto de Livramento, passamos quatro vezes,
em duas delas estvamos de carro e no fomos parados, em outra passamos em um
nibus intermunicipal de um empresa muito humilde, para dizer o mnimo. O
veculo, lotado de passageiros, no possua cintos de segurana e banheiro, no foi
parado pela operao gata 8, que desconsiderou algo que me parece ser essencial
no controle de crimes transnacionais, o trajeto que o nibus percorre. Nesse caso, ele
inicia a viagem saindo da Rodoviria de Livramento, onde no h controle algum,
passando por mais de cinco municpios fronteirios como Dom Pedrito, Bag,
Pinheiro Machado, Ulha Negra e Pelotas, entre eles as cidades com maior produo
agropecuria do estado do RS, as quais fazem fronteira rural, sem controle algum,
com o Uruguai, espaos onde h muitas possibilidades de negcios em diferentes
escalas. Ainda nesse percurso, o nibus possui seu destino final na cidade porturia
de Rio Grande, ou seja possvel que pessoas e mercadorias venham de
Montevideo, cidade tambm porturia, at Rivera, atravessem a linha divisria at a
rodoviria de Livramento (oito quadras) e de a sigam at o porto de Rio Grande
sem nenhuma fiscalizao. No auge da Operao gata 8.90
90
Idem.
102
banco de trs do carro trazamos mochilas e sacolas. Os militares abriram uma mala
e olharam superficialmente, no a tocaram; pediram para olhar uma mochila, a qual
foi aberta metade de um dos seis compartimentos. Levaram os documentos para para
dentro da barraca verde. Ficamos observando o que acontecia nos outros veculos. O
carro da frente, era um veculo com mais de quinze anos, argentino e estava lotado,
eram cinco passageiros adultos, e nenhuma bagagem, nada, o porta-malas estava
completamente vazio. Os militares olharam com indiferena para o porta-malas
vazio e o fecharam, sem levantar o forro ou algo do tipo, os argentinos se
acomodavam para seguir viagem. Enquanto isso, passava pelo campo, ao lado da
BR onde estvamos, um trator de grande porte, tranquilamente, sem nem olhar para
os olhos da gata 8. Nossa fantasia que o trator que trazia, nos seus pneus
gigantes, armas e munies vindas do porto de Montevideo, e iria se encontrar com
o carro argentino de bagageiro vazio para carreg-lo depois do controle policial,
tranquilamente. 91
91
Dirio de campo, Santana do Livramento, maio de 2014.
103
Entende Carrin (2013) que este descompasso tem criado alguns problemas para as
polticas de segurana nas fronteiras na Amrica Latina, tipifica o autor:
a) as principais polticas para as regies fronteirias so de segurana nacional e
raramente de segurana cidad (de convivncia e no enfrentamento);
b) os meios de comunicao invisibilizam e estigmatizam as fronteiras, produzindo
uma agenda pblica distorcida;
c) as condies de vida da populao so ignoradas em detrimento das razes de
Estado e de Segurana Nacional;
d) as polticas convertem as fronteiras em limites excludentes/barreiras e no em
espaos de integrao, onde pode ser observada e at regulada a economia de fronteira.
(CARRIN, 2013).
Considera-se que os problemas/hipteses acima e suas nuances so evidenciveis na
experincia do Brasil, a partir da ENAFRON e de e seus desdobramentos. Em primeiro lugar,
em relao formulao conceitual e ideolgica de uma governamentalidade de segurana
pblica, no que se refere promoo da cidadania e s polticas de segurana para fronteiras.
Entende-se que a hiptese do autor se confirma na realidade brasileira, tendo em vista que,
atualmente, na faixa de fronteira, mais municpios possuem aes ligadas ENAFRON que as
polticas cidads de segurana pblica e preveno da violncia. Sobre estas no h
informaes disponveis publicamente92, entretanto, sobre a ENAFROM, pode-se encontrar
detalhes das quantidades de apreenses nas aes distribudas em grande parte dos 588
municpios da faixa. Nos municpios que fazem fronteira com o Uruguai, no h nenhum caso
de implementao de poltica pblica cidad municipal ou estadual. Entretanto, em que pese a
dificuldade por causa da inexistncia de dados e bibliografia, descobriu-se, em pesquisa de
campo realizada no estado de Roraima93, um caso onde esta a composio entre polticas
fronteirias e de segurana cidad se evidencia nos discursos e nas prticas utilizadas como
tcnicas de governo: a experincia das polticas pblicas de segurana desenvolvidas no
municpio de Pacaraima, fronteira do estado de Roraima com a cidade de Santa Elena, na
Venezuela.94
92
Foram consultados os sites da Secretaria Nacional de Segurana, do Ministrio da Justia e do Minsitrio da
Defesa, no perodo de julho de 2014 a abril de 2015.
93
Pesquisa realizada na fronteira dos municpios de Pacaraima e Santa Elena, no segundo semestre de 2014, por
ocasio da participao em evento da ENAFRON, onde foi apresentada uma exposio sobre as instituies nas
fronteiras da Amrica Latina.
94
O municpio de Pacaraima est localizado a 214 km da capital do estado de Roraima, Boa Vista. A regio
pouco conhecida pela sua fronteira no sul e sudeste do Brasil, e sim pelas disputas em torno da Reserva Indgena
de So Marcos e Raposa/Serra do Sol e pelo Monte Roraima, atrao turstica local que atrai turistas que seguem
seu rumo pela Gran Sabana at o mar do Caribe. (ALMEIDA, 2014).
104
Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/08/27/ult5772u678.jhtm
95
a nica via de ligao terrestre entre o Brasil e o Caribe, quando adentra a Venezuela passa a chamar-se
Carretera Panamericana. Rodovia estratgica de integrao entre a Regio Norte do Brasil e a poro
setentrional da Amrica do Sul.
105
(...) insistiremos en que la expresin ms visible del Estado nacional en las fronteras
del Carchi est vinculada a la seguridad, es decir, al control y la vigilancia policial y
militar de flujos transfronterizos. No existen polticas de Estado diseadas y
pensadas a partir de la realidad, de las necesidades y de los requerimientos, actuales
y concretos, de las poblaciones de frontera. (ESPINOSA, 2008, p.223).
Nesse sentido, na pesquisa desenvolvida por Silveira (2012), a autora demonstra que
as reportagens jornalsticas imunizam a sociedade diante da alteridade fronteiria, gerando
estigmas e fices que no traduzem a realidade desses espaos. Da mesma forma que as
polticas pblicas o fazem, como ser proposto no decorrer deste captulo.
A terceira e quarta hipteses do autor afirmam que as condies de vida da populao
local das fronteiras so ignoradas em detrimento das razes de Estado e de Segurana
Nacional. Assim como, as polticas convertem as fronteiras em limites excludentes/barreiras e
no em espaos de integrao, onde podem ser observadas e at reguladas as economias de
fronteira. Tais proposies vm ao encontro do que est sendo evidenciado at este ponto de
descrio e anlise das polticas pblicas de segurana brasileiras, ou seja, a ideia de que h
uma fronteira entre: a fico soberana de faixa de fronteira, a qual se revela na anlise da sua
governamentalidade, e as dinmicas sociais das margens, da fronteira vivida. Para tanto, a
compreenso de dispositivos como espaos de integrao, limites excludentes e
economias de fronteira sero fundamentais no percurso do estudo aqui proposto.
Nesse caminho, tendo em vista que a fronteira o espao limite de duas soberanias, no
prximo ponto so descritas e analisadas as polticas pblicas da Repblica Oriental do
Uruguai para suas fronteiras. O objetivo desenhar uma arquitetura poltico-administrativa da
segurana do plano macro dos dois pases, para, em um segundo momento, chegar na
fronteira como unio/separao e criao de margens.
96
Corporao Latinobarmetro. Disponvel em: http://www.latinobarometro.org/lat.jsp. Acesso em: jul. 2014.
107
torno de 40% dos entrevistados qualificou a segurana cidad como o principal desafio a ser
enfrentado pelo pas, e 84% disse que a criminalidade tem piorado nos ltimos meses.
Alguns estudos apresentados pela mdia uruguaia97 encontram possibilidades para
compreender esta percepo aparentemente distorcida. No ano de 2013, por exemplo, uma
pesquisa identificou que os residentes da cidade de Montevidu esto mais propensos a
qualificar o pas como muy peligroso, da mesma forma que os entrevistados das maiores
cidades da Colmbia, como Bogot e Medelin. A diferena que cada uma destas produz
cerca de dez vezes mais assassinatos por ano.
Acredita-se que este fenmeno vais mais alm de uma percepo, tendo em vista que a
populao uruguaia tem testemunhado outros tipos de violncia para alm dos homicdios.
Segundo o monitoramento governamental do Observatrio Fundapro 98, o nmero de roubos
registrados no pas amentou consideravelmente, foram computados ao redor de 8.500 em
2002 e o nmero cresceu para 16.812 em 2012, um aumento de 200 % na ltima dcada. Em
outra pesquisa, titulada Seguridad Ciudadana con rostro humano: diagnstico y propuestas
para Amrica Latina, divulgada no ano de 2013 em Nova Iorque pelo PNUD, o Uruguai se
sobresai tambm em relao percepo da deteriorao da segurana, com 55,2% das
respostas, unicamente superado pela Repblica Dominicana (64,8 %), Venezuela (58 %) e
Mxico (55,9 %). A pesquisa informa que mesmo sendo baixo o nmero de uruguaios que
afirmam ter sido vtimas de roubo com violncia, apenas 19,7 %, o pas lidera a porcentagem
em relao aos roubos sem violncia na regio, com 64,31 %.
Nesse contexto geral, onde o tema da criminalidade est latente no pas, as polticas de
segurana para fronteiras no fazem parte de uma agenda prioritria do governo uruguaio;
diferente do Brasil, esta temtica/demanda tem estado presente em outras esferas do Estado,
como nas comisses de segurana no Poder Legislativo e no Ministrio de Desenvolvimento
Social MIDES, ligado Presidncia da Repblica.
O Uruguai no possui uma legislao que determine a faixa99 de fronteira como um
espao de defesa e de segurana nacional, por consequncia, tampouco tem uma Estratgia
Nacional de Fronteiras ou uma Poltica Nacional de Fronteiras. Para dar conta das dinmicas
criminais que envolvem fronteiras, no s as geogrficas, mas tambm virtuais, envolvendo
Estados alm-mar, o Estado uruguaio, por meio do poder executivo, tem investido em
estratgias heterogneas, por um lado de polticas de segurana tradicional de defesa, e por
97
Jornal EL PAS. Disponvel em: www.elpais.org.uy. Acesso em: jul. 2014.
98
Observatrio. Disponvel em: http://seguridad.observatoriofundapro.com/. Acesso em: jul. 2014.
99
O que h uma delimitao para aplicao do Acordo Binacional relacionado aos direitos dos cidados
fronteirios, j discutido no Captulo III deste estudo.
108
outro de desenvolvimento social, esta ltima marca registrada dos ltimos dois mandatos
frente-amplistas.
Durante a pesquisa de campo na cidade de Montevidu, ficou evidente que a maior
preocupao dos gestores do governo possui uma preocupao real sobre o debate acerca do
que a segurana nas fronteiras, qual o seu objetivo e em que medida ela afetaria a
populao.
Dessa forma, prope-se apresentar as caractersticas principais dessas aes quanto a
sua estrutura operacional e sua concepo poltica, utilizando trs categorias como polticas
ideais100. Construdas por meio dos dados empricos coletados e atravs das quais buscar-
se- analisar em que medida os dispositivos do tringulo foucaultiano soberania, disciplina e
gesto governamental se revelam nessas polticas pblicas101, para, posteriomente,
apresentar alguns pontos onde, acredita-se, as polticas de segurana uruguaia e brasileira se
aproximam e se distanciam. So elas: a) Controle das Fronteiras e MERCOSUL; b)
Segurana Cidad e/ou Defesa nas Fronteiras; e c) Desenvolvimento Social nas Fronteiras.
100
No sentido weberiano, as categorias podem ser totalmente separadas teoricamente para uma melhor
compreenso e anlise, entretanto na realidade emprica isso no possvel, tendo em vista as relaes e as
dinmicas sociais envolvidas. Reafirmando o evidente: que a teoria jamais dar conta da realidade, apenas um
intrumento para produo de conhecimento.
101
A ideia de poltica pblica aqui utilizada se refere s aes de desenvolvidas pelo governo, no indica,
necessariamente, que elas tenham sido formuladas a partir de modelo ideal de gesto, com etapas de
planejamento, diagnstico, execuo e avaliao.
102
Relato de um Pasador de Paso de los Libres, Argentina. (GRIMSON, 1999, p.2).
103
Armada Nacional o nome dado Marinha de Guerra uruguaia.
104
Ministrio de Defesa do Uruguai, Disponvel em: http://www.mdn.gub.uy/ e Ministrio do Interior,
Disponvel em: https://www.minterior.gub.uy/. Acesso em: out. 2014.
109
105
A legislao que criou os pasos de fronteira tem mais de vinte anos.
110
106
Associao do Pensamento Penal do Uruguai. Disponvel em: http://www.pensamientopenal.org.ar/mujica-lo-
que-me-asusta-es-el-narcotrafico-no-la-droga/. Acesso em: out. 2014. Site informativo de Montevidu.
Disponvel em: http://www.montevideo.com.uy/auc.aspx?233836. Acesso em: out. 2014.
111
pode ser um problema para o Estado, mas uma soluo para a populao de baixa renda
do interior do pas.
Abaixo pode-se observar as cidades-gmeas e a localizao dos passos fronteirios
uruguaios, assim como o passo em Montevideo, que faz fronteira com o resto do mundo por
meio do seu porto.
Este Projeto possui um diferencial importante que tambm pode ser considerado de
vanguarda nas relaes de segurana pblica: a criao dos Passos fronteirios teve como
marco jurdico principal as diretrizes do Mercado Comum do Sul MERCOSUL, da qual o
Uruguai faz parte e a sua sede administrativa.
Nesse sentido, at aqui, a criao dos Pasos de Frontera possui como marco
fundamental a seguinte compilao jurdica:
107
Em todas as entrevistas com gestores do governo uruguaio, houve uma indicao deste caminho para novas
agendas.
113
pessoas, por outro, em um mesmo momento, o Estado desenha um diagnstigo geral de cada
um que passa pelo paso de fronteira. Nesse sentido, h um trabalho em cooperao
institucional que se d em tese, mas que na prtica, na realidade emprica de Rivera e
Livramento, funciona com cada instituio olhando pela sua prpria janela. Como
observvel no relato abaixo:
108
Dirio de campo realizado na cidade de Rivera, em maro de 2015.
109
So neles que se movimentam todo o fluxo de mercadorias e pessoas vindos do Brasil, conforme ser
analisado no Captulo V.
114
110
O Cantor de Tango Carlos Gardel nasceu na cidade de Tacuaremb, no Uruguai, cerca de 70 km de Rivera.
111
Dirio de campo em Rivera, maro de 2015.
112
Diferente do lado brasileiro, onde no raro passar por tanques de guerra nas estradas e nas praas da cidade.
113
Interlocutor do posto de fiscalizao da Aduana uruguaia.
115
em nenhum momento que as fronteiras so espaos mais perigosos ou terras sem leis. Cabe
salientar que, no caso uruguaio, a linha divisria no est a mais de seiscentos quilmetros de
distncia da capital Montevidu, no h um distanciamento como ocorre no Brasil, cujo
Governo comeou a olhar para suas fronteiras nas ltimas dcadas. As fronteiras possuem
uma simbologia patritica para os uruguaios que reverenciam seus heris polticos 114 e sua
histria, na qual a zona de fronteira o cenrio principal. Em nenhum econtrou-se alguma
referncia pejorativa a esta regio, ao contrrio, o discurso governamental sempre de
preocupao com as populaes fronteirias.
Nesse sentido, as aes governamentais para todo o pas combinam dois movimentos
negligenciados por grande parte das polticas de segurana dos pases da Amrica Latina: a
busca por novas estratgias de combate e controle da criminalidade para alm da centralidade
na ideia de represso, punio e do aumento do encarceramento, como o caso da legalizao
da maconha e da descriminalizao do aborto; e, por outro lado, de forma complementar, a
busca por implementar acordos de cooperao internacional no cotidiano das aes
administrativas e aduaneiras.
114
O principal deles El Prcer: Jos Gervasio Artigas Arnal, que viveu parte de sua vida na fronteira e faleceu
exilado no Paraguai.
115
Uma discusso sociolgica possvel para um futuro estudo analisar at que ponto os Pasos de frontera se
aproximam do conceito de espera pblica de Habermas, ou so campo de disputas de interesses no sentido
proposto por Bourdieu.
116
poltica de segurana pblica que est sendo desenvolvida. um controle institucional por
parte dos que defendem a ideia de que o Ministrio da Defesa deve ser o rgo central na
elaborao e implementao da polticas de segurana pblica no Uruguai como um todo, e
especialmente nas fronteiras.
De um lado116 gestores do governo e polticos compreendem que o Ministrio de
Defesa deve ser o responsvel pela proteo do territrio nacional contra riscos externos e
internos soberania, nada mais117. Isso concentraria a poltica de segurana no Ministrio do
Interior, com o objetivo de investir apenas em polticas de Segurana Cidad com a promoo
dos Direitos Humanos. Por outro lado, h um movimento poltico, alavancado pela Comisso
de Segurana e de Defesa do Senado, que busca ressignificar o papel do Minisitrio da Defesa
no Uruguai; alguns senadores esto debatendo a necessidade de um maior investimento nas
Foras Armadas, tendo em vista que o Uruguai um pas porta de entrada para a
criminalidade e para a invaso de futuros inimigos. o que a comisso entende por uma
Educacin a la defensa, ou seja, aumentar a militarizao nas reas vulnerveis do pas para
garantir o exerccio da soberania e a segurana para todos.
Cabe salientar que o Ministrio de Defesa e o Ministrio do Interior fazem parte do
mesmo governo nacional, entretanto, possuem concepes polticas contrrias a respeito do
papel do Ministrio de Defesa nesses debates sobre os redesenhos polticos caractersticos da
democracia recente, ainda com cicatrizes do perodo da ditadura. Dessa forma, uns defendem
que as Foras Armadas no devem se meter nos temas de segurana interior de controle e
preveno da criminalidade, especialmente nas fronteiras, mantendo, assim, a competncia do
Ministrio do Interior e da sua Polcia Nacional. Entretanto, sabe-se que isso no pode
acontecer de imediato pela falta de estrutura naval e aeronutica desta corporao. Na
atualidade, em tese, a maior parte do controle terrestre nas fronteiras feito pela Polcia
Nacional, o Exrcito intervm em momento entendidos de crise. No h uma legislao
formal que regule tais situaes, dependendo de cada situao especfica e da respectiva
conjuntura poltica, envolvendo o nvel municipal, departamental e nacional.
Este processo poltico-ideolgico evidencia um caminho que pode ser considerado
inverso ao proposto por Foucault na sua histria da governamentalidade (FOUCAULT,
2008, p. 143), na medida em que h uma gesto governamental nas prticas desenvolvidas
pelos pasos de fronteira e no h a presena ostensiva do Exrcito, ao mesmo tempo em que
116
Este lado no representado por um partido poltico, tendo em vista que ministros do mesmo governo,
partido e tendncia possuem vises distintas sobre o papel da defesa nas Polticas de Segurana Pblica.
117
No o que acontece na prtica, como j foi visto, dependem da Defesa as Polcias Naval e Aeronutica que
fazem o trabalho de controle nas fronteiras.
117
h um movimento poltico para fortalecer as Foras Armadas nessas regies e criar uma faixa
de segurana, este seria um movimento de retorno na concepo foucaultiana de como a
governamentalidade surge a partir da ideia de defesa e soberania do Estado. Revela-se,
empiricamente, um tringulo onde possvel identificar elementos dos dispositivos de
soberania, gesto governamental e disciplina, so eles: uma tecnologia de governo com seus
instrumentos de segurana nos pasos, um movimento poltico pela ressignificao do papel da
defesa e das Foras Armadas na segurana pblica, e as polticas sociais voltadas aos cidados
das fronteiras, que ser abordado no prximo ponto.
118
Ministerio de Desarollo Social. Disponvel em: http://www.mides.gub.uy/. Acesso em: nov. 2014.
119
Est no seu segundo mandato presidencial.
120
Entrevista realizada com servidor pblico do MIDES, em Montevideo, em novembro de 2013.
118
A principal estratgia deste Programa foi a criao dos Grupos de Fronteira, que so
espaos de participao poltica compostos por representantes do governo e da sociedade do
Uruguai e de seus pases vizinhos, no caso o Brasil e a Argentina.
Os grupos tm colaborado na elaborao de diagnsticos locais e no desenho de
propostas para solues das demandas emergenciais das populaes destas localidades.
Realizam oficinas internacionais de polticas de integrao e participam, junto ao Mides, o
Projeto de Economia Social de Fronteira, que tem como principal objetivo a melhora das
condies econmicas de pessoas em situao de pobreza. A proposta dar apoio tcnico e
financeiro a empreendimentos associativos e microrregionais dos departamentos fronteirios.
Por mais que no haja uma cooperao formal entre o Mides e os Ministrios da
Defesa e do Interior, acredita-se que o Estado uruguaio est investindo nessas aes como
forma de gerar outras possibilidades econmicas a estas regies distantes do recursos
tecnolgicos da capital do pas. Se verdade que a pobreza no o nico fator causador das
prticas ilegais de comrcio, tambm pode-se afirmar que natural que a falta de
oportunidades de trabalho leve qualquer indivduo a buscar formas alternativas de gerao de
renda para garantir a sua subsistncia (e de sua famlia). Especialmente quando tais prticas
fazem parte das dinmicas locais e no esto associadas diretamente a crimes violentos, como
o caso do contrabando e do descaminho.121
Nesse sentido, ocorreu um caso emblemtico na fronteira do Uruguai com a Repblica
da Argentina, evidenciando elementos da complexidade de dispositivos que se revelam nas
das polticas uruguaias. Na fronteira fluvial do Ro Uruguay, formada pelas cidades de
Paysand (Uruguai) e Coln (Argentina), conectadas pela Puente Internacional General
Artigas, pela qual circulam diariamente centenas de pessoas de um pas ao outro, e grande
parte delas transportando mercadorias para consumo prprio e revenda, tendo em vista que os
bens e servios so mais baratos do lado argentino, as vezes at a metade do preo.
No ano de 2013, a ADUANA (Minisitrio da Economia) implementou um conjunto de
aes denominado Cero Kilo, fechou a Ponte Internacional e comeou a fiscalizar e apreender
as mercadorias compradas pelos uruguaios na Argentina. A ao se deu em outras cidades
menores do departamento, mas em Paysand o impacto foi maior, levando os negociantes,
sacoleiros e contrabandistas Montevidu reinvindicar contra o Cero Kilo, o qual deixou a
121
Seguindo esta lgica, desde maro de 2010 esto funcionado os institutos binacionais de educao terceria
(de nvel tcnico), disponveis para estudantes do Brasil e do Uruguai. Da mesma forma que a Universidade
Federal do Pampa (Unipampa) abriu vagas para uruguaios com processo seletivo diferenciado para os cursos de
Relaes Internacionais, Adminsitrao, Economia e Gesto Pblica. Como resultado deste trabalho em conjunto
foi firmado um acordo entre o Uruguai e o Brasil para a criao de escolas e intitutos binacionais fronteirios.
119
maior parte da populao sem trabalho, pois este tipo de atividade comercial a principal
fonte de gerao de renda local. Os fronteirios realizaram manifestaes na prpria ponte
internacional, com cartazes dizendo sin trabajo no comemos, bloqueando as avenidas de
acesso da ponte, etc. Nas fotos abaixo a ponte binacional e a populao fronteiria nos seus
arredores:
122
Nos ltimos anos, as relaes polticas entre os dois pases tm sido pautadas pela falta de dilogo e de
acordos bilaterais em temas fundamentais para os dois pases, como a produo de plantas de celulosa e obras
porturias, desencadeando denncias na Corte Internacional de Justia e no Sistema de Soluo de Controvrsias
do MERCOSUL.
121
123
Empresa Brasil de Comunicaes. Disponvel em: http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/12/para-
cardozo-legalizacao-da-maconha-no-uruguai-nao-altera-seguranca-na. Acesso em: out. 2014.
123
124
Palavras do Presidente Jos Mujica.
125
Em uma das apresentaes da implementao na regio amaznica, os coordenadores regionais salientavam a
importncia de civilizar os ndios dessa regio, especialmente os da etnia Yanomamis, para que no cometessem
mais infanticdios, diminuindo, assim, as taxas de homicdios.
124
126
Dados informados por uma empresa de seguros do municpio de Santana do Livramento, em abril de 2015.
127
Tendo em vista a necessidade de operaes especiais surgem, no raro, pela falta de polticas cotidianas e
sistmicas de segurana e preveno da criminalidade.
125
O Exrcito faz as mesmas revistas desde sempre, realiza uma triagem sem sentido,
no conhece a populao local, muito menos a populao em trnsito, no convive
com o dia a dia das ocorrncias. E tampouco querem conhecer, ficam ilhados em
aes sem sentido, com agentes inexperientes nessas funes, as foras armadas no
formam profissionais de segurana cidad. 128
128
Entrevista realizada em junho de 2014.
129
Entrevista realizada em maro de 2015.
126
A operao teve repercuso nacional tanto no Brasil quanto no Uruguai, como mostra
abaixo uma matria da mdia brasileira intitulada Polcia do RS prende traficante de armas
mais procurado o Pas, de 17 de dezembro de 2010:
Aps esse evento, o Senhor das Armas foi solto (ou fugiu, exitem as duas verses),
as investigaes continuaram com a Operao Desideratum, envolvendo a inteligncia
policial federal dos dois pases, e voltou a ser preso em 2014 131. Foram quatro anos de
trabalho em conjunto que produziram mil e duzentas pginas que revelam indcios de
conexes do trfico de armas no s com o Brasil, mas tambm com o Chile e a Argentina.
O trfico de armas nesta fronteira tm estado em evidncia nos ltimos anos, o que
indica que houve alguma mudana nos acertos que mantinham estas atividades de forma
invisvel. Nesse contexto, foram desmantelados outros esquemas, o mais recente deles
envolvendo policiais uruguaios que traficavam armas de alto calibre para o Brasil. Os agentes
foram presos no primeiros meses de 2015, segundo a notcia do jornal uruguaio El Pas,
intulada Policas traficaron 300 armas a mafias de Brasil:
130
Jornal da Band. Disponvel em: http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?id=100000
380203. Acesso em: mar. 2015.
131
Segundo interlocutores de Rivera, na residncia do Senhor das Armas foram encontradas munies de vrios
calibres, uma pistola CZ 75SP-01 com trs carregadores, uma pistola CZ Mod. 75 calibre 9mm, pistola Colt
45mm, pistola Walther 9mm, alm de dois revlveres. Tambm foram recolhidas uma moto BMW 1200cc, uma
moto Brutale 1.090cc, uma caminhoneta Mercedes Benz, um automvel Fiat Uno e um Chevette de competio.
127
Abaixo a figura que circulou nos principais jornais e sites da imprensa local brasileira
e da nacional uruguaia:
132
Jornal El Pas. Disponvel em: http://www.elpais.com.uy/informacion/policias-traficaron-armas-mafias-
brasil.html. Acesso em: abr. 2015.
128
Artigo 13: As autoridades policiais das Partes que, em seu prprio territrio, estejam
perseguindo uma ou mais pessoas que para eludir a ao das autoridades
ultrapassem o limite fronteirio, podero ingressar no territrio da outra Parte
somente para o efeito de requerer autoridade policial mais prxima o procedimento
legal correspondente.
133
No ordenamento jurdico brasileiro, foi promulgado no Decreto 6731/2009, pelo ento presidente Lula.
(ANEXO B)
129
O relato possui pontos em comum com o descrito anteriormente por Flores (2014, p.
200), ao que parece, hoje, como no Imprio, a Soberania alimenta uma fico em relao s
fronteiras e no cria mecanismos de segurana caractersticos de uma governamentalidade.
Tcnicas de gesto para cumprir no s a independncia tringulo constitucional dos
poderes, mas tambm a sua complementariedade, so independentes porque precisam cumprir
funes que se complementam. A lei, nesse caso, o Acordo binacional, precisa ser
operacionalizado de acordo com a realidade. Utilizando do exemplo da perseguio policial:
se evidente que os foragidos fugiram para o outro lado da linha, porque no avisar a polcia
do outro lado? A pergunta foi feita e a resposta foi: Como? 135
No raro se escuta que no Brasil h leis que no pegam, sabe-se que essa ideia se
refere ao fato de h leis brasileiras que no so cumpridas nem pelo Estado e nem pela
populao, como a Lei do Racismo, a Lei de Execuo Penal, o Cdigo de Processo Penal, o
Estatuto da Criana e do Adolescente, etc. Umas pegam mais que outras, mas o que seria esse
pegar? Considera-se que as tcnicas de governo e suas polticas pblicas, desenvolvidas
com base na realidade para qual foi pensada a legislao, podem ser esta pegada;
instrumentos de aplicabilidade da lei na forma afirmativa, no a punio pela sua infrao,
como habitualmente tem sido feito. No Brasil, aplicar a norma tarefa do judicirio, no do
poder executivo, por isso no pega, o judicirio no dispe desta massa corrida, e, ao
mesmo tempo, est no incio e no final da perseguio descrita no relato: diz o direito, faz a
gesto de quem ser punido e prende os que no cumpriram a lei.
Entende, entretanto, que o vazio revelado no Como? evidencia uma escolha, assim
como a ausncia de instrumentos de segurana em um determinado sentido traduz uma forma
de operar do Estado, no considerando-o uma forma de organizao administrativa
racionalizada, enfraquecida, ou menos articulada que em outros espaos, e sim buscando
compreender, na perspectiva proposta por Das e Poole (2004), qual e como so as ordens
estatais impostas nas margens. Analisar as fronteiras como terras de muitas leis descartar
a ideia, evidenciada nas estratgias de segurana brasileiras, de uma homogeneidade das
populaes nas margens. Segundo as autoras, no imaginrio do Estado existe uma ideia de
grupos de indivduos marginais, como entidades homogneas e estveis, administrveis pelo
134
Dirio de campo, Livramento, 19 de maro de 2015.
135
Conversa com policial militar perto da linha divisria, na semana do ocorrido.
130
Estado nas suas prticas de governo. Se as polticas so para dar segurana ao territrio, e no
aos indivduos, desconsidera-se a vida destes espaos, transformando-os em espaos inertes,
ficcionais.
Nessa concepo fictcia, as fronteiras aparecem como caminhos de circulao ilegal
que reafirmam a soberania do Estado brasileiro. A abstrao da defesa e a iluso do controle
sobre o territrio, como revelou o episdio do carro argentino vazio parado no controle do
exrcito e o trator que passa livre pelo campo, negligencia a realidade. Por outro lado, v-se
nas polticas uruguaias um grande receio de abordar o territrio como de defesa, justamente
por entenderem as fronteiras como pura vida humana. Nesse compasso, qual seria a lgica de
proteger as margens com barricadas e tanques de guerra? Explicam Das e Poole (2008):
Como hemos visto, las fronteras y los puestos de control son espacios en los que la
soberana, como derecho sobre la vida y la muerte, se experimenta en potencia,
creando as un estado de pnico y uma sensacin de peligro incluso aunque no
ocurra nada. (DAS; POOLE, 2008, p. 22)
Sendo assim, a despeito de toda a fora poltica a favor da defesa deste territrio, o
parlamento uruguaio no aprovou o projeto de lei que determinaria uma faixa de segurana
territorial, como ocorreu no Brasil. Entretanto, quando o tema foi a garantia dos direitos em
relao ao estudo, residncia e trabalho nas fronteiras, o Estado uruguaio estabeleceu o limite
de vinte quilmetros, considerando esse o espao onde vive a populao fronteiria, criando o
documento especial de fronterizo e priorizando, dessa forma, as dinmicas prprias dessas
localidades, formadas pela integrao real de diferentes populaes.
A aparente ausncia de polticas pblicas de segurana para os moradores das
fronteiras tambm pode revelar questes sobre a forma como se d a presena do Estado
nesses espaos. Entende Theodoulou (1995) que a poltica pblica tem uma abordagem
estatista: a primeira ideia que algum se depara que a poltica pblica deve distinguir entre o
que os governos pretendem fazer e o que, na verdade, eles realmente fazem; que a inatividade
governamental to importante quanto a atividade governamental. Sabe-se que o Estado no
opera apenas por meio de polticas pblicas, elas refletem ideologias ou linhas de pensamento
que norteiam um determinado governo, da mesma forma que o fazem as tcnicas de gesto
que se evidenciam nas escolhas estatais, na produo legislativa, etc. Assim, entende-se que a
concepo de fronteira a chave para compreender o esprito do Estado (BOURDIEU,
1996). Quando alicerada na ideia de homogeneidade e/ou de uma comunidade, cria a fico
de que na fronteira h uma inrcia, e que as discordncias e interesses individuais so amenos,
131
e ainda, que os que nela vivem no desejam a m-sorte uns aos outros. Segundo Bauman
(2003), a palavra comunidade evoca tudo aquilo de que se sente falta e de que se precisa para
viver seguro e confiante no mundo moderno. Nas palavras de Bauman:
(...) numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros. Se
tropearmos e cairmos, os outros nos ajudaro a ficar de p outra vez. Ningum vai
rir de ns, nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se em nossa desgraa. Se
dermos um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar explicao e pedir
desculpas, arrepender-nos se necessrio; as pessoas ouviro com simpatia e nos
perdoaro, de modo que ningum fique ressentido para sempre. (BAUMAN, 2003,
p.8)
Tenho observado h muito tempo que a elite e a grande mdia tentam chamar as
favelas de comunidades e isso me traz uma grande indignao, pois do meu ponto de
vista, isso nada mais que uma tentativa de descaracterizar a favela e amenizar a
situao de pobreza extrema que vive nossa cidade. Lembro sempre, para os que
esto chamando as favelas de comunidades, que os condomnios de luxo, que essas
pessoas moram, so comunidades. Sim! Os condomnios de luxo ou prdios na
Barra, Leblon e Ipanema constituem comunidades, porm no so favelas. Favela
favela e comunidade comunidade! (FERNANDES, 2011, p. 4).
136
Em polo oposto s ideias que levaram formao de Comunidades da Paz fundada por desplazados na
Colmbia, com objetivo de criar zonas de segurana e de acesso proibido ao Estado e s guerrilhas. (DAS;
POOLE, 2008, p. 24)
137
Semelhante com o que ocorre em relao s favelas cariocas.
132
Nesse sentido, as polticas esto voltadas ao controle de eventos que, em tese, podem
colocar em risco a segurana nacional e do territrio, no a do indivduo, deixando de lado a
sociedade em movimento ou o movimento e as sociabilidades das fronteiras. Entretanto, como
explica Foucault (2008), o Estado governa sempre a populao, a defesa e a segurana afeta a
vida dos indivduos, invevitalmente, nas palavras do autor:
Como quer que seja, atravs de todos os sentido, h algo que aparece claramente:
nunca se governa um Estado, nunca se governa um territrio, nunca se governa uma
estrutura poltica. Quem governado so sempre pessoas, so homens, so
indivduos ou coletividades. Quando se fala da cidade que se governa, que se
governa com base nos tecidos, quer dizer que as pessoas tiram a sua subsistncia,
seu alimento, seus recursos, sua riqueza, dos tecidos. No portanto a cidade como
estrutura poltica, mas as pessoas, indivduos ou coletividade. Os homens que so
governados. (FOUCAULT, 2008, p.164).
(...) uma relao social que, por seu sentido normal, comunitria pode ser orientada
inteira ou parcialmente de modo racional referido a fins, por parte de alguns ou de
todos os participantes.(...) O conceito de relao comunitria definido aqui,
deliberadamente, de maneira muito ampla e que abrange situaes bastante
heterogneas. (WEBER, 2009, p.26)
138
Traduo livre: fazer parte um do outro, andar juntos, pertencer a um todo.
133
No h porque cobrar o documento do carro e a carta verde aqui, temos que ser
flexveis, as pessoas circulam por aqui. Se for entrar no Uruguai de verdade, da
cobrada a carta verde no posto de Manuel Das, mais adiante, a sessenta
quilmetros, na fronteira de Rivera com Tacuaremb. 139
139
Transcrio de relato realizado em observao participante em posto aduaneiro em Rivera, maro de 2015.
135
so sujeitados a distintas tecnologias de poder, o que no quer dizer que h uma relao de
total oposio entre as noes de lei e justia da populao e do Estado.
A ideia de margens do Estado, e de como ele est presente de outras formas nas
fronteiras, desloca esta temtica do modelo espacial centro-perifeira para outras
possibilidades de anlise. Prope-se que o reconhecimento da presena de instrumentos, ou
tecnologias (DAS; POOLE, 2008) estatais nas suas margens pode ser um caminho profcuo
para investigar a presena do Estado nesses espaos, buscando compreender as estratgias de
administrar a ocupao destas margens, que se redefinem constantemente, inclusive se
utilizando do instrumento da exceo para a manuteno da soberania.
Acredita-se que essas lgicas podem revelar um universo de tenses e de relaes
entre os agentes estatais e os agentes sociais; ao mesmo tempo em que so locais, so
atravessadas por dinmicas regionais, nacionais e globais. Esta temtica discutida por
Albuquerque (2010) incorpora concepes do fenmeno das fronteiras no mundo
contemporneo, para a compreenso da experincia singular dos brasiguaios, objeto de sua
tese. Nas palavras do autor:
Com base nas assimetrias complementrias dos encontros de dois ou mais Estados,
historicamente, a economia fronteiria responsvel pelo desenvolvimento destas regies;
essas atividades se confundem com as redes ilegais fronteirias, especialmente nas cidades-
gmeas, espaos privilegiados para o fluxo de pessoas e mercadorias. As relaes comerciais
que dialogam com ilegalismos no so geradas s no local, mas tambm a partir de disputas
de interesses polticos com dimenses regionais e globais. Se por um lado h um cuidado por
parte do Estado uruguaio, em no demarcar uma faixa de segurana que seria um espao
caracterizado pela defesa do territrio, por outro lado surge a pergunta: a quem interessa que
esses espaos no sejam protegidos pelo Estado?140
140
A busca por respostas a esta pergunta pode se transformar em um objeto de estudo interessante no futuro, no
intuito de investigar o que e quem est por trs dos debates em torno do projeto de lei que visa demarcao da
fronteira de segurana uruguaia. Assim como, o que est em jogo quando o projeto no aprovado, quais as
disputas polticas e os interesses economicos em jogo, etc.
136
Isso porque essas regies esto situadas em propriedades de terras valiosas, algumas,
inclusive, adquiridas por brasileiros, ou por uruguaios proprietriosde terras dos dois lados da
linha divisria. Em tese, estrangeiros no podem adquirir propriedades da faixa de fronteira,
entretanto este obstculo facilmente ultrapassado pelo fato de grande parte das famlias
serem compostas de forma doble-chapas, nas quais os indivduos possuem ambas
nacionalidades, ou brasileiros so casados com uruguaias e vice-versa. Tambm com a
utilizao de laranjas, o campo est no nome de algum que no o seu dono, e feito o
mesmo do outro lado da fronteira, em compensao. Como evidencia o relato de uma
riverense naturalizada brasileira:
Meu pai era uruguaio, tinha campo em Rivera perto da linha divisria, em muitos
negcios de contrabando de gado, couro ou carne, ele usava do campo como moeda,
a propriedade era demarcada pela cerca, que os empregados traziam mais pra c ou
mais pra l. No se documentava nada, era tudo feito na palavra, todos sabiam de
quem eram aqueles terrenos, ningum iria se atrever a discutir se a cerca no estava
no lugar certo, ou se o nome do verdadeiro dono no estava em algum papel. 141
Fonte: http://www.retis.igeo.ufrj.br/albumttp://www.retis.igeo.ufrj.br.
141
Transcrio de relato dado por interlocutora em observao participante, Rivera, julho de 2012.
137
(...) com frequncia possvel encontrar produtores rurais que possuem campos dos
dois lados da fronteira. Duas cercas de arame, fceis de encostar, e um caminho
internacional de 40 metros de largura, tudo que se ope ao trnsito de animais que,
sem sair de uma mesma propriedade, passam de um pas a outro. (OLYNTHO,
1970, p. 30 apud ALBORNOZ, 2000, p.113).
142
O primeiro foi o Estado e suas polticas pblicas.
138
Nesse caminho, segue-se o percurso at o centro das margens dos dois Estados, at a
linha, buscando escapar de um nacionalismo metodolgico, suspendendo conceitos estatais e
analisando-os a partir dos dados empricos da fronteira. Seguindo a perspectiva proposta por
Roitman (2004), ao demonstrar que as categorias de crime e trfico podem ser suspensas para
uma anlise das noes do que ou no crime e do que ou no legtimo em uma
determinada economia de fronteira, pretende-se investigar outras fronteiras, que surgem a
partir do encontro entre duas soberanias.
Assim, no prximo captulo sero analisadas as fronteiras entre o que legal e ilegal
em uma translocalidade como o caso da Fronteira de SantAna do Livramento e Rivera.
139
Retomando a hiptese inicial de que a presena dos Estados nas fronteiras entre o
Brasil e o Uruguai, por meio dos mecanismos pelas quais eles operam, criam outras fronteiras,
descreveu-se analiticamente as polticas de segurana dos dois pases at chegar na fronteira
entre a governamentalidade e as dinmicas sociais nas margens dos Estados-nao,
evidenciando o distanciamento entre a fico de fronteira, operada pelo Estado, e a
confluncia de situaes assimtricas e heterogneas da realidade. Segundo Carrin (2010):
(...) existen dos dimensiones de la diferenciacin que interesa resaltar: por un lado,
que hay una realidad que viene de la condicin nacional del encuentro de los dos
pases como un todo, al extremo de que la esencia de la propuesta principal ser de
seguridad nacional y el lugar donde se confeccione ser la capital; mas an, por el
carter centralista de la organizacin del Estado. El contenido girar alrededor de
tres componentes: la soberana nacional asumida por las Fuerzas Armadas, las
relaciones diplomticas de correspondencia de la Cancilera y el controle del flujo
econmico como competencia del Ministerio de Economa y el servicio de rentas
internas. (CARRIN, 2010, p.1)
143
Termo regional para designar o Uruguai.
140
ambulates, quinieleros,144etc. Se pode trocar dinheiro, comprar drogas, armas e/ou eletrnicos
sem descer o carro, um atendimento drive thru que funciona dos dois lados dos marcos da
fronteira, o ponto de unio entre os dois municpios, onde est o Parque Internacional. um
espao que no nem brasileiro nem uruguaio, possui um ethos prprio construdo a partir do
encontro entre os Estados, como pode ser observado na foto abaixo:
Figura 18 - Barracas de cmbio e o marco, delimitando os dois lados da fronteira, o Uruguai est
a esquerda e o Brasil direita do marco
144
Que fazem as apostas da Quiniela, jogo do bicho uruguaio.
141
Esses poderes exercidos na forma de disciplina, segundo Foucault (2012), no se limitam lei
soberana, criando mecnicas de poder heterogneas, aparelhos que produzem saber e
conhecimento. Na fronteira de Livramento e Rivera, os mecanismos disciplinares revelam-se
na gesto local de ambos os pases, os quais estabelecem um conjunto de tolerncias das quais
a soberania e seus sistemas de direito so parte.
Como, por exemplo, em um episdio, do lado brasileiro, envolvendo a sociedade
burguesa organizada, a Prefeitura Municipal de Livramento, a Polcia Federal e a sociedade
organizada popular. A histria comeou em 2011 quando um grupo de santanenses da elite
econmica da cidade organizou um abaixo-assinado visando remover os vendedores
ambulantes da Praa Flores da Cunha, conhecida como Praa dos Cachorros, por possuir
esculturas de ces no seu interior. Situada na linha divisria a poucos metros do Parque
Internacional geminada ao Boulevard 33 Orientales do lado uruguaio, ambos, na poca,
tomados por barracas de camels e vendedores ambulantes de todos os tipos de mercadorias e
alguns servios como cmbio de moeda, alimentao, etc., como pode ser visualizado na foto
abaixo:
Fonte: http://ducana.zip.net/arch2009-11-01_2009-11-07.html
145
Disponvel em: http://santana-do-livramento.blogspot.com.br/
146
Expresses utilizadas nas notcias de jornal, vdeos e posts de mobilizadores do Movimento na Internet.
143
147
Lanches tpicos vendidos nas ruas do Uruguai, so respectivamente: cachorro-quente, po com linguia e po
com bife milanesa.
144
Fonte: http://www.panoramio.com/user/614863/tags/rivera.
Figura 21 - esquerda das rvores est a Praa dos Cachorros e direita o Cameldromo
uruguaio antes das reformas
Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/livramento/tag/cidade/page/4/.
Agora mesmo, so oitenta camels ali, mas devem ter cento e quarenta ali. A deram
uma misso pra ns, ns somos cinco fiscais e trs colegas que esto ali que no so
fiscais e esto nos dando um suporte ali dentro. Que condies ns vamos ter, ns,
cinco fiscais, de tomar conta de cento e quarenta camels? Em cima da linha
divisria. A, quando houve, se montou essa operao a, tinha 87 policiais federais,
38 policiais da Brigada Militar, no sei quantos agentes da Receita Federal, no sei
quantos policiais de Rivera para fazer uma operao. Para organizar eles. A
deixaram essa bomba, botaram oitenta contrabandistas ali legalizados, porque esto
legalizados, hoje so microempresrios, pra ns cinco tomar conta deles ali. Agora,
quando foi preciso, eles botarem o poder ali, eles montaram um aparato de guerra.
(DORFMAN, 2012, p.18).
Os privilgios gerados pela Zona Franca sempre foram usufrudos pelas classes
dominantes, entretanto, evidencia-se uma repugnncia maior dos brasileiros a deteterminados
tipos de atividades de populaes que sobrevivem das fronteiras. H uma diferena na forma
146
como a prpria populao articula este conjunto de tolerncias e do significado que as prticas
de trocas fronteirias tm para cada pas. Acredita-se, que por trs da ficco de uma
comunidade de fronteira, romntica (BAUMAN, 2003), onde tudo e todos se integram em
alguma medida, h uma comunitarizao (WEBER, 2009), que est sempre em processo de
(trans)formao. A ideia processual do conceito de comunidade possibilita a anlise das
relaes comunitrias, formadas, segundo Weber (2009), de todas as espcies de fundamentos
afetivos, emocionais e tradicionais. Nas palavras do autor:
Para o autor, toda a relao social, por mais que se caracterize por sua racionalidade,
ou por mais prosaica e afetiva que seja, pode criar outros valores emocionais que ultrapassam
o seu fim primitivamente intencionado. Nesse sentido, a as dinmicas fronteirias da Fronteira
da Paz envolvem uma complexidade de prticas e concepes relacionadas s diferenas entre
as populaes desses Estados-nao e suas assimetrias, por vezes complementrias, em
diferentes escalas.
Estes processos assimtricos, especialmente os econmicos, evidenciam-se, nas
cidades-gmeas, onde as relaes de comrcio translocal sustentam as duas cidades de forma
integrada, em razo das oscilaes cambiais e das legislaes de cada pas. O que ilegal de
um lado da fronteira pode no ser do outro, um produto ou servio pode ter o preo mais alto
no Brasil por causa dos impostos, valendo a pena comprar no Uruguai, sendo que, nas
cidades-gmeas, isso pode significar atravessar a rua. Nesse sentido, descreve Franco (2001,
p. 18): E quando a recente concesso dos free shops de Rivera e Chu vem legitimar uma
prtica mais que centenria de comrcio internacional de varejo, no se faz mais do que
homologar uma interao econmica de quase dois sculos.
As diferenas entre as legislaes criam uma gama de possibilidades econmicas para
a populao dos dois pases, que se revelam nas trocas comuns do cotidiano e ao mesmo
tempo so consideradas ilcitas pelos cdigos penais; so o que Misse (2014) denomina de
Mercadorias Polticas, prticas costumeiras de um determinado contexto, mas que so
consideradas desviantes, ilegais em relao ao ordenamento jurdico e regulao moderna
dos mercados econmicos.
Como explica Misse (2014):
147
A possibilidade de uma conduta ser ilegal, ao mesmo tempo que legtima, comum a
um determinado contexto, como o caso da fronteira, aciona o conjunto de tolerncias
pensado por Foucault (2007), onde uma mesma prtica pode ser um delito e no ser
criminalizada. Na realidade fronteiria de SantAna do Livramento e Rivera, essa gesto
aparece na sua comunitarizao e economia local, os fluxos de mercadorias e servios
possuem caractersticas distintas dependendo da perspectiva de cada pas. Ou seja, as
assimetrias culturais, econmicas e jurdicas fazem com que os interesses e as ofertas dos
brasileiros e dos uruguaios sejam distintos.
Por exemplo, no Brasil os jogos de azar so proibidos pela lei penal, diferente do
Uruguai, onde o jogos de azar, alm de permitidos, so gestionados pelo governo uruguaio. O
Cassino de Rivera uma instituio pblica, na qual os seus funcionrios e croupiers so
servidores concursados. Todo o dinheiro que passa pelos Casinos148 deixa tributos para o pas.
Frequentado por uruguaios e por brasileiros que atravessam a rua (literalmente) para jogar no
pas, o dinheiro ganho na roleta e nas mquinas caa-nqueis riverenses no declarado,
evidentemente. Em frente ao Casino, nos carros estacionados, possvel comprar dlares,
drogas ou outros servios. Da mesma forma que habitual aos brasileiros comprar armas de
fogo e munio nas armeras uruguaias, que vendem desde fuzis e metralhadoras at
armamento para caa de animais, sem necessidade de apresentar documentos, registros, etc149.
No mesmo contexto, os agrotxicos150 e os medicamentos controlados tambm
flutuam neste jogo de assimetrias legislativas, alguns remdios controlados custam dez vezes
menos no Uruguai, sendo que para compr-los no necessrio receita mdica, esta
providenciada no balco das prprias drogarias sob o pagamento de uma taxa simblica.
Muitos deles so levados para ser revendidos no comrcio informal de Porto Alegre e outras
cidades da regio, o lucro de cerca de trezentos por cento.
148
Os cassinos da cidade de Punta del Este so famosos por fretar avies para buscar brasileiros para jogar no
Uruguai.
149
Conforme descrito no Captulo IV.
150
Uma descrio sobre a temtica do contrabando de agrotxicos encontra-se no estudo Marcos legais e redes
de contrabando de agrotxicos (DORFMAN, 2014).
148
O Uruguai por algum tempo foi considerado a Sua da Amrica do Sul, em razo das
suas polticas monetrias que desde sempre possibilitaram a lavagem de dinheiro em vrias
escalas: desde a recepo de quantias estrangeiras para depsito em pases europeus pelas
offshores151; at a circulao de moeda estrangeira nos cmbios, que faz girar dlares, reais
e pesos uruguaios de procedncia desconhecida. Os brasileiros usufruem de diversas formas
das atividades tradicionais da Banda Oriental, como a criao e venda de gado, a circulao
de dinheiro, de pedras preciosas, de ouro, de couro e de armamento. A histria do Uruguai
descrita em um emaranhado de fluxos de pessoas e mercadorias que se relaciona com a hitria
do Brasil, especialmente com a do estado do Rio Grande do Sul, nos seus movimentos
separatistas de guerras entre republicanos e maragatos.152 As lideranas polticas uruguaias e
riograndenses negociavam campos, escravos, gado, cavalos, armamento, tinham propriedades
dos dois lados da fronteira e articulavam seus interesses de acordo com o contexto mais
favorvel entre os dois pases.
Para alm dessas atividades, que permanecem a despeito das oscilaes cambiais,
esto as legais, que giram em torno dos free shops, caracterizadas pelo comrcio de
produtos em trnsito. O interesse dos brasileiros est nos produtos importados com iseno de
impostos, especialmente nos ares condicionados com preos cerca de quatro vezes mais
baratos que os vendidos no Brasil, as antenas para tv cabo, que recebem a programao de
centenas de canais gratutos e as bebidas como whiskys e vinhos. Essas so as mercadorias,
que, somadas aos produtos chineses como dvds e eletrnicos em geral, entram em grande
escala pelo porto de Montevideo e so transportadas para o Brasil, correspondendo ao que o
Estado tipifica no Cdigo Penal Brasileiro como Crime de Descaminho (Art. 334) e Crime de
Contrabando (Art. 334-A). Como descrito abaixo, nos termos da Lei 13.008 de 2014153:
151
Bancos que trabalham abrindo contas abertas em parasos fiscais.
152
A chamada Revoluo Farroupilha, que durou de 1835 a 1845.
153
A redao do Cdigo Penal foi alterada pela Lei n 13.008, de 26.6.2014, a qual criou o Art. 334-A, separou
os dois crimes: descaminho e contrabando, prevendo penas distintas para ambos, antes tipificados no mesmo
artigo.
149
154
Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13008.htm#art1. Acesso
em: mar. 2015.
150
Esta marca montada com o motor mais vendido na Europa e nos Estados Unidos,
aqui no muito conhecida, mas o melhor que tem, vendo mais de cem por dia
para os brasileiros e ningum reclama, se pagar em dlares tem desconto e garantia
da loja de seis meses.156
Dezenas de marcas desconhecidas eram oferecidas nas ruas, em qualquer porta havia
uma loja, muitas oferencendo garantia de um ano em atendimento conveniado no Brasil,
dependendo da cidade, a instalao e a manuteno poderia ser agendada pela Internet. Ligou-
se para os telefones dos isntaladores de ares dos folhetos distribudos nas lojas, ningum
atendeu em nenhum deles.
Assim, as mercadorias, os servios e a gesto que se faz dos ilegalismos determinam o
fluxo nesta economia fronteiria, como descreve Dorfman (2006):
155
A questo moral indicada aqui ser abordada no Captulo VI deste trabalho.
156
Conversa com interlocutor em pesquisa participante em Rivera.
151
mesmo dono, que busca fazer frente s oscilaes cambiais. O centro comercial
localiza-se ao longo da linha de fronteira, explicitando seu direcionamento ao
exterior de cada uma das duas cidades. (DORFMAN, 2006, p. 03)
Por parte dos uruguaios a demanda maior por cigarros, gneros alimentcios em geral
e roupas baratas. Em alguns perodos de oscilao cambial, como hoje em dia (2015), os
eletrodomsticos, mveis e materiais de construo tambm fazem parte dessa lista. Os
uruguaios so menos consumistas que os brasileiros, fato que se mostra evidente nas casas
tanto de Rivera como de Montevideo, nas quais os mveis e eletrodomsticos so os mesmos
a vida toda. Nas lojas de roupas uruguaias (no nos free shops), as vendedoras verbalizam
essa que a principal qualidade de um produto oriental , a durabilidade, para toda la vida, ou
ainda como diz o jargo pra terminar com essa jaqueta, s botanto fogo.
Do Brasil eles levam comida, frutas, verduras, refrigerantes, caf, acar, arroz e
azeite para revender em mercados pequenos em Rivera e nas cidades do interior. Como conta
um interlocutor sobre o contrabando de batatas:
157
Entrevista realizada com advogado uruguaio.
158
Disponvel em http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=13318&Anchor=. Acesso em:
mar. 2015.
152
Por sua vez, a distino entre o formalmente ilcito e o realmente criminal deixa
claro que na sociedade existe uma distino entre o ilcito tolerado e o ilcito
criminalizado, e que a gesto dessa criminalizao depende de autoridades
adminsitrativas de diversas ordens, incluindo governos locais, a classe poltica e a
fora pblica. Este fenmeno vincula o clientelismo poltico e o conceito de
mercadoria poltica com o tema da economia criminal (RAMIREZ et al., 2011
apud MISSE, 2014, p. 202).
Nesse sentido, observa-se que o Uruguai possui uma situao peculiar que envolve
dois processos simultneos em suas relaes fronteirias: o de gesto dos ilegalismos e da
transnacionalidade de mercadorias no seu territrio. Quando se trata do tema do contrabando,
imediatamente se pensa em produtos sendo levados de um pas para o outro. No caso
uruguaio, por causa da zona franca dos free shops nas fronteiras, as mercadorias esto em
trnsito e no podero, segundo a Ley dos free shops, ser consumidas por uruguaios, em
nenhuma circunstncia. Ou seja, se um uruguaio pedir para um brasileiro comprar um ar
condicionado em um free shop e levar o produto para sua casa em Rivera, estar cometendo o
crime de contrabando. Os uruguaios trabalham nos free shops em Rivera, convivem com a
sitao de transnacionalidade de produtos que, legalmente, no esto ao seu alcance. Uma
fico estatal que ao ser observada na realidade parece no ter nenhum sentido, especialmente
quando se sabe que a maioria das casas em Rivera utiliza das antenas de tv cabo compradas
nos free shops, os donos de todas essas residncias, sem exceo, estaria cometendo
contrabando. Da mesma forma, todos os donos de veculos riverenses que abastecem os
tanques de gasolina e diesel do lado brasileiro, inclusive taxistas, camioneiros e policiais.
A translocalidade das mercadorias cria a possibilidade de praticar o crime de
contrabando sem a mercadoria sair do seu pas de origem, como o caso do contrabando de
cigarros uruguaios. Algumas marcas, produzidas no Uruguai, como Nevada, Marlboro e
Coronado159, so vendidas nos free shops com iseno de impostos, saindo, s vezes, pela
159
Existe o contrabando de cigarros em grande escala, onde um capitalista coloca o dinheiro e paga o servio
de motoristas que buscam a mercadoria na fronteira, ou no Brasil e levam para o interior do Uruguai, no so os
donos do negcio, quando presos so punidos pelo crime de transportar mercadoria ilegal.
153
metade do preo que seria vendido no comrcio uruguaio convencional. Os uruguaios quando
so doble chapa podem ir at os free shops em Rivera com o seu documento brasileiro, ou
pedem para que um brasileiro o faa, e compram uma quantidade x de cigarros, sobem em
nibus e levam mercadoria, uruguaia, para ser vendida nas ferias callejeras160 em
Montevideo. o contrabando dentro do prprio pas. Juridicamente, a revenda de cigarros
uruguaios igual a revender uma tonelada de batatas, mas, na prtica, possui a peculiaridade
de todo o processo se dar dentro da mesma soberania, e ser viabilizado pela participao de
indivduos de nacionalidades diferentes.
O Estado opera na fico de que os uruguaios no compraro os produtos nos free
shops, dentro do seu prprio pas e sendo, em muitos momentos, a principal fonte de
empregos para os riverenses, ou seja, as pessoas no compraro os produtos que vendem. Para
complementar o cenrio, permitem que o cigarro uruguaio, uma das mercadorias mais
consumidas no Uruguai, depois da yerba mate, seja vendido pela metade do preo, mas no
permite que os uruguaios consumam legalmente. um paradoxo aduaneiro: dentro de pouco,
ser permitido aos uruguaios comprar maconha nas farmcias uruguaias e no ser legal
comprar um tnis nos free shops.
Em um espao binacional, a economia de fronteira se d no entrecruzamento de fluxos
que se constituem a apartir das soberanias de cada Estado-Nao, tecendo, assim, redes
formadas pelas fronteiras entre o legal e o ilegal, e pelo exerccio das nacionalidades dos
indivduos como mercadorias polticas. Os uruguaios e os brasileiros no possuem os mesmos
direitos e deveres, por exemplo: no Uruguai, a autorizao para votar e dirigir aos dezesseis
anos existe desde os anos oitenta, no Brasil no, um doble-chapa pode dirigir, com dezesseis
anos, em Livramento e alegar que possui a carteira de motorista, etc. Os uruguaios entram na
universidade pblica sem precisar prestar vestibular, os brasileiros no. Os uruguaios estudam
francs, astronomia e cincia poltica no colgio pblico e todas as crianas usam uniformes,
os mesmos modelos de h meio sculo atrs, os brasileiros no. No Brasil so vendidos os
automveis e motos fabricadas e montadas no prprio pas, no Uruguai no. Nos bancos
brasileiros, um uruguaio no pode abrir uma conta corrente ou poupana em reais, nos bancos
uruguaios os brasileiros podem abrir contas correntes e cajas de ahorros161 em pesos, em
160
O Uruguai alimenta a cultura das ferias callejeras que so feiras ao ar livre onde so vendidos produtos dos
mais variados tipos, como roupas, verduras, frutas, massas frescas, peixes, sapatos, livros, artesanato, cigarros,
antiguidades, roupas usadas, objetos de arte, animais, plantas, mveis, discos, etc. Em Montevidu, elas
acontecem semanalmente em todos os bairros da cidade, sendo famosas pelos preos baixos das mercadorias.
161
Equivale s contas-poupana brasileiras.
154
dlares ou em moedas prprias dos bancos, comprar imveis, inclusive na faixa de fronteira,
etc.
So assimetrias que delimitam outras fronteiras, diferenciam pessoas que vivem em
um mesmo territrio, em uma mesma economia, que dependem das diferentes nacionalidades
para realizar negcios em diferentes escalas, desde comprar cigarros uruguaios no Uruguai e
negociar no prprio territrio, at tranportar batatas ou carros do Brasil para o Uruguai; ou,
ainda, negociar armas de forma lcita em Rivera e a duas quadras da armera, onde fica a
linha divisria com Livramento, j estar praticando o crime de trfico de armas. Nessas
dinmicas, a gesto dos ilegalismos feita dependendo da nacionalidade e da condio social
do indivduo e do lado da linha que ele estiver. Assim, um uruguaio e/ou um brasileiro passa
a ser um estrangeiro e a cometer uma atividade ilcita com um passo, como diria Chico
Science: Um passo frente. E voc no est mais no mesmo lugar.162
162
Trecho da msica Passeio no mundo livre, de Chico Science.
163
Dirio de campo em Livramento, abril de 2015.
155
Tenho cinco alunos estrangeiros em uma turma das Relaes Internacionais, duas
mexicanas, duas uruguaias e um uruguaio. Fiquei atenta relao dos uruguaios
com o portugus em sala de aula. Em razo da arrogncia de alguns alunos da turma,
em sua maioria estrangeiros fronteira de Livramento e Rivera, o uruguaio era
intimidado por no falar o portugus fluentemente, era a forma de sufocar as suas
ideias, sumamente sofisticadas do ponto de vista acadmico. Ambas as uruguaias
falavam o portugus com mais fluncia e automaticamente possuiam mais espao.
No momento de escrever um trabalho, na lngua portuguesa, uma delas me contou
que um professor havia permitido que ela o fizesse em espanhol, o que havia sido
timo. Pensamos juntas na importncia deste tema para as relaes internacionais,
em que pese a gentileza do colega, se ela no praticar a escrita em portugus, no
ter lugar em alguns campus do Estado brasileiro, ser sempre uma estrangeira,
afinal, a quem interessa a limitao da lngua? 165
164
O que foi evidenciado em observao participante na fronteira em geral e, especialmente, entre os alunos da
Universidade Federal do Pampa, dos quais, a maioria dos brasileiros no falam fluentemente o espanhol e vice-
versa.
165
Dirio de campo em Livramento, novembro de 2014.
156
O Estado est presente em todas essas dimenses, na regulamentao legal que cria o
limite geogrfico, nas normas alfandegrias e de circulao de bens, na lngua oficial, nas leis
de migrao, de nacionalidade, todas elas criando outras fronteiras e limites sociais. Explica
Hobsbawn (2002) que, quanto mais localizada e no-alfabetizada uma entidade geogrfica
em relao outra e mais fechada na vida rural tradicional, menores as ocasies para conflitos
entre elas e entre um nvel lingustico e outro. Assim, descreve a experincia de alemes e
tchecos no imprio de Habsburgo:
157
Em um Estado multinacional, podemos ter como garantido que, mesmo aqueles que
no tem posio oficial esto sob o estmulo, de fato, sob a obrigao, de aprender
uma segunda lngua por exemplo, comerciantes, artesos, trabalhadores. Os
camponeses esto menos afetados por esta presso real. Pois a auto-segregao
(Abgeschlossenheit) e a auto-suficincia da vida da aldeia, que persiste at hoje,
significa que eles esto raramente conscientes da proximidade de um povoado que
fala a lngua diferente, pelo menos na Bomia e na Morvia, onde o povo do campo
de ambas as naes goza do mesmo status econmico e social. Em tais reas, as
fronteiras lingsticas podem permanecer intocadas por sculos, especialmente se a
endogamia local e o que , na prtica, o direito prioritrio de comprar (terras) dos
membros da comunidade limitam o recrutamento de forasteiros na aldeia. Os poucos
estranhos que nela entram so logo assimilados e incorporados. (HOBSBAWN,
2002, p. 115)
Nesse sentido, acredita-se que com a lngua acontece algo parecido que com as
nacionalidades, so dispositivos para se compreender a heterogeneidade nas margens, tendo
em vista a fico do Estado) e o conjunto de tolerncias dos ilegalismos que formam uma
economia de fronteira. Em um processo de comunitarizao constante entre a legislao de
dois pases, a nacionalidade determinante tanto em relao aos direitos legais do indivduo,
como nas suas relaes cotidianas. Considera-se que o esprito nacional no est,
necessariamente, ligado nao onde o indivduo nasceu, mas determina uma linha de
alteridade relevante para se entender como funcionam algumas dinmicas sociais. Para Flores:
166
Carteira de Identidade do Uruguai.
167
Como so chamados os negcios pelos habitantes fronteirios.
159
objetivam a gesto das burocracias para adequar da melhor forma a realidade s tcnicas de
governo operadas pelo Estado, como o caso das aes da Polcia e da Receita Federal, no
Brasil, ou da Aduana e da Polcia Nacional, no Uruguai.
Por meio do dispositivo da nacionalidade pode-se observar que ter o registro nacional
no significa uma identificao com o Estado, muitos fronteirios nasceram no Brasil e se
consideram uruguaios e vive-versa, a ideia de doble-chapa est ligada ao registro, como as
placas de carros que deram origem ao apelido. Na realidade, o patriotismo e a nacionalidade
aparecem relacionados mais com o sentimento de cada indivduo, do que com o seu
documento ou com a sua residncia. Entende Hobsbawn (2002) que:
As razes para que um grupo acredite representar uma nao variam muito, tal como
a conduta emprica que na realidade resulta da filiao ou falta de filiao a uma
nao. Os sentimentos nacionais do alemo, do ingls, do norte-americano, do
espanhol, do francs, ou do russo, no funcionam do mesmo modo. Assim, tomando
168
Entrevista com interlocutora de Livramento, em janeiro de 2013.
160
Segundo o autor, histrico o fato de que dentro de uma mesma nao a intensidade
de solidariedade experimentada para com o exterior oscilvel. Compreendida na realidade
da fronteira, essa variao est ligada no s a sentimentos de pertencimento, mas tambm a
interesses e vantagens que cada pas oferece a partir de sua soberania. No sentido proposto
pelo autor, observa-se na fronteira que a relao com a nao no se limita apenas s
relaes entre brasileiros e uruguaios, mas tambm envolve os palestinos que vivem em
Livramento e Rivera. Na realidade desta fronteira eles revelam que a relao com o exterior
pode ser tanto individual, como um sentimento coletivo, de um grupo, religioso, por exemplo.
Mesmo concordando com Weber (1982), na sua afirmao categrica:
Trata-se de uma imigrao que pode ser nomeada como particular. Nos diversos
momentos em que chegam, no h intermediao de uma poltica imigratria
brasileira, nem registros confiveis da tramitao de vistos de permanncia no
Brasil. Em segundo lugar, sempre difcil confiar que uma autodenominao,
produzida em diferentes contextos e com uma histria to peculiar quanto aos jogos
identitrios, se traduza fielmente em nmeros. (JARDIM, 2006, p. 3)
Segundo a autora, o apreo por cidades de fronteira se devia a um forte apelo para
busca de oportunidades por parte dos imigrantes rabes, que as consideram como locais de
expanso com certa distncia das rotinas estatais de fiscalizao. Entretanto, atualmente, as
fronteiras internacionais exacerbam a noo de controle e de presena do Estado, mesmo que
cotidianamente o intenso fluxo de pessoas e bens evidenciem sua porosidade (JARDIM,
2000).
Os imigrantes rabes tomam grande parte do comrcio em Livramento e Rivera, os
comerciantes no raro falam rabe, as mulheres usam hijab169 e as lojas possuem uma mesma
esttica, as chamadas lojas de turcos170. Segundo Aisha171, praticante do Islamismo e
comerciante, a maioria dos rabes que vivem na fronteira palestina, houve pocas em que a
predominncia era de libaneses, mas esse quadro mudou com as novas geraes de
imigrantes.
Entendem Carletti e Kotz (2012) que a presena desta comunidade na Fronteira da Paz
se d de maneira muito mais qualitativa do que quantitativa. Atualmente a comunidade
palestina representa a grande maioria dos rabes, sendo quase na sua totalidade muulmanos,
e possuem uma mesquita onde so realizadas as cinco oraes dirias obrigatrias pelos
costumes islmicos, assim como o Ramad172 e demais festas religiosas. As mulheres
islmicas no precisam ir mesquita fazer as oraes, podem realiz-las em suas residncias
por causa dos filhos. Atualmente, pessoas de outras religies vm se convertendo ao
169
Vestimenta usada pelas muulmanas, seu vu esconde os cabelos, as orelhas e o pescoo, s deixando visvel
o rosto.
170
O termo tambm pejorativo e indica lojas em que so vendidos produtos de baixa qualidade, com preos
menores que os demais comerciantes.
171
Nome fictcio da interlocutora.
172
o ms no qual os muulmanos praticam o seu jejum e outros ritos islmicos.
162
Islamismo, no se sabe as razes. Aisha acredita que no esto ligadas somente a situaes
matrimoniais, mas a uma diminuio do desconhecimento sobre a religio e os preceitos, e em
consequncia, do preconceito tambm. Os palestinos, ao menos nesta fronteira, so imigrantes
que vo alm do cultivo das tradies de sua terra de origem, como se criassem um espao
simblico seguro. Ao conversar com interlocutores islmicos, sente-se que eles utilizam da
cultura ocidental como ferramenta de trabalho e de integrao com os pases fronteirios, mas
que como indivduos vivem em outra lgica, regidos pelas regras de uma sociedade que
convive, mas no se mistura. Aisha e o seu marido, Ravi, so militantes no sentido de
fortalecer a cultura islmica neste territrio de distintas construes sociais que, em alguns
momentos, se entrelaam e em outros geram abismos entre distintas concepes de mundo.
No primeiro contato feito com Aisha, ao falar sobre a integrao na Fronteira, a interlocutora
foi categrica: Esta uma fronteira de trs pases: Brasil, Uruguai e Palestina. 173 A
continuao da conversa foi sobre o Islamismo, as diferentes geraes de palestinos que
transitam pelas fronteiras gachas e como as relaes vm se transformando dentro da prpria
comunidade e na sua interlocuo com os brasileiros e uruguaios.
Nessa fronteira, ocorre algo semelhante experincia de Ciudad del Este (Paraguai) e
Foz dos Iguau (Brasil), onde, do ponto de visa oficial, as autoridades e a sociedade em geral
se orgulham da diversidade tnica da regio, celebrando a integrao da comunidade islmica
populao fronteiria como um exemplo de tolerncia e convivncia pacfica entre
diferentes nacionalidades e religies (PINTO, 2011). Isso num contexto onde a mdia
internacional associa as organizaes islmicas a problemas securitrios nas fronteiras,
colocando os muulmanos como elementos estranhos sociedade brasileira e meras extenses
da realidade conflituosa do Oriente Mdio (PINTO, 2011). Conforme o autor:
Observa-se, que tanto nas polticas de segurana nacional, nos discursos miditicos
preocupados com o terrorismo e defesa do Estado-Nao, quanto nas conversas com
uruguaios e brasileiros que vivem na fronteira, est presente a ideia de que os rabes so
173
Conversa informal/exploratria realizada em dezembro de 2012.
163
rotulados como um outro estrangeiro entre naes, mesmo tendo nascido em Livramento ou
Rivera.
Nas palavras de Jardim:
Acredita-se que esta situao de constante estrangeiro apresenta uma estabilidade a ser
desvendada: o que provisoriedade para um uruguaio ou brasileiro pode no passar de uma
situao imobiliria ou comercial para um palestino. Ao que parece, o fato de viajarem muito
e estarem sempre circulando por distintas cidades uma forma de fortalecimento que no
indica transitoriedade, pelo contrrio, faz circular relaes pessoais, possibilidades de
trabalhos, laos matrimoniais, etc. Como explica Jardim (2000), perdem-se de vista as redes
de parentes multilocalizadas, que participam do planejamento da imigrao, que podem
revelar muito sobre as experincias migratrias dos palestinos, muitas vezes observadas pelos
brasileiros e uruguaios, como sujeitos em trnsito, em situao provisria.
Este cenrio fronteirio, onde a noo clara da linha de fronteira, atravs da qual o
Estado se faz sentir, e o consequente sentimento de estrangeiridade, faz com que as pessoas se
relacionem com o seu prprio nacionalismo. Explica Flores (2014) que os fronteirios, sem
negar o seu pertencimento, desenvolvem parte importante de suas vidas no outro lado da linha
e contam com aquele espao delimitado soberanamente nas suas estratgias individuais. 174
Acredita-se que a nacionalidade, por um lado, e o ser estrangeiro, por outro, so instrumentos
de controle disciplinar do Estado, os quais operam no controle da populao na sua existncia
como cidado. Nesse sentido, Foucault explica a ideia disciplina como dispositivo na
administrao do Estado:
174
Defende Appadurai (1997) que, o problema dos imigrantes, de direitos culturais e de proteo estatal a
refugiados est crescendo, j que muito poucos Estados contam efetivamente com formas de definir a relao
entre cidadania, nascimento, afiliao tnica e identidade nacional. Fronteiras que podem ser encontradas em
outras configuraes territoriais brasileiras e uruguaias, fora da faixa de fronteira, como o caso da cidade de
So Paulo e de Montevideo, onde migrantes de outros pases vivem por razes econmicas ou de sobrevivncia.
Discusses sobre esta temtica foram desenvolvidas recentemente nos estudos de Blsamo (2009): Perigoso
no correr perigo: experincias de viajantes clandestinos em navios de carga no Atlntico Sul; de Corts (2013):
Os migrantes da Costura em So Paulo: retalhos de trabalho, cidade e Estado. e de Piza (2012): Um pouco da
mundializao contada a partir da regio da rua 25 de maro: migrantes chineses e comrcio infomal.
164
(...) mas nunca, tampouco, a disciplina foi mais importante e mais valorizada do que
a partir do momento em que se procurava adminsitrar a populao e administrar a
populao no quer dizer simplesmente no plano dos resultados globais; administrar
a populao quer dizer administr-la igualmente em profundidade, administr-la
com sutileza e administr-la em detalhe. (FOUCAULT, 2008, p. 142).
O manejo das relaes que envolvem o Estado e os atores sociais nas margens so o
alicerce vivo dos intercmbios econmicos desta fronteira, formada por naes soberanas e
pelos indivduos com suas moralidades e sentimentos. A ideia de uma economia fronteiria
engloba os polos de reao (MAGNANI, 2002) que vm sendo desenvolvidos no decorrer
deste estudo, sendo eles: os limites fictcios do Estado, os atores sociais e a paisagem, o
territrio entendido no como mero cenrio. A economia de fronteira envolve uma infinidade
de atores que movimentam diferentes escalas financeiras e de articulao poltica, assim como
movimenta relaes interpessoais e lgicas translocais. Como refere Carrin (2013), ao
analisar a fronteira entre o Equador e a Colmbia:
(...) o pouco que sabemos sugere que muitos desses locais criam condies
complexas para a produo da localidade e reproduo da localidade, na qual laos
de casamento, trabalho, negcios e lazer tecem uma rede formada por vrias
populaes circulantes e vrios tipos de nativos, gerando localidades que
pertencem a determinado Estado-nao mas so, sob outro ponto de vista, o que
podemos chamar de translocalidades. (APPADURAI, 1997, p. 35)
norma para garantir a soberania do territrio, neste mesmo espao os indivduos se preocupam
com o movimento, com os fluxos que garantem a sua subsistncia. A fronteira ps-nacional
na medida em que composta por vrias soberanias, que no se limitam s linhas divisrias
materiais, transbordam nas relaes aduaneiras e porosas entre o legal e o ilegal. Nesses
espaos, segundo Appadurai (1997), ao passo que emergem distanciamentos entre a realidade
ps-nacional do local, e o sentimento nacional de controle estatal da sociedade civil, o
territrio e os indivduos ficam cada vez mais divorciados da ideia de soberania. Como
revelam as distintas concepes de nacionalidade que so encontradas nas fronteiras, nas
quais, como j foi dito, no esto, necessairamente, ligadas ideia de nao. Nas palavras
de Appadurai:
A terra a que o costume estava vinculado poderia ser uma herdade, uma parquia, o
trecho de um rio, bancos de ostra num esturio, um parque, pastos nas enconstas de
montanhas, ou uma unidade adminsitrativa maior como uma floresta. (...) Em
condies comuns, o costume era menos exato: dependia da renovao contnua das
tradies orais, como na inspeo anual ou regular para determinar os limites da
parquia. (THOMPSON, 2013, p. 87)
Nesse sentido, entende Appadurai (1997) que apenas os Estados necessitam da ideia
de soberania baseada na territorialidade em uma cena global. Todos os demais atores, como
trabalhadores, migrantes, corporaes multinacionais e as burocracias das Naes Unidas
168
Linha binacional
175
A Linha est colocada em itlico porque o vocbulo utilizado em portugus e em espanhol, no caso seria
lnea, mas os uruguaios utilizam a pronncia do portugus.
176
Descrevemos brevemente duas delas, mas certamente h outras, situadas em bairros mais afastados e rurais,
conhecidas como cercanias, como por exemplo: Palomas, Caver, Cerro Chato, Empalme, Masoller, etc.
170
(...) aqueles dois planos a que se fez aluso anteriormente o da cidade em seu
conjunto e o de cada prtica cultural assignada a este ou quele grupo de atores em
particular devem ser considerados como dois plos de uma relao que
circunscrevem, determinam e possibilitam a dinmica que se est estudando.
(MAGNANI, 2002, p.20)
Saltando continuamente de uma viso da totalidade atravs das vrias partes que a
compem, para uma viso das partes atravs da totalidade que casa de sua
existncia, e vice-versa, com uma forma de moo intelectual perptua, buscamos
fazer com que uma seja explicao para a outra. (GEERTZ, 2001, p.105)
Assim, chega-se linha, o local nas margens, o seu ncleo, para continuar o trajeto
no retilneo Teoria- Estado Estado-Polticas Pblicas-Margens-Ilegalismos-Nacionalidades-
Translocalidade e, agora, a Linha. Nela busca-se compreender uma outra escala do global e do
indivduo, por meio de outras fronteiras que se revelam a partir do territrio e dos costumes de
uma economia moral, no sentido proposto por Thompson (2013). Nesse caminho, a pergunta
que iniciou o objeto de anlise da tese se refaz: em que medida o limite soberano,
representado pela linha cria as fronteiras? E quais outras fronteiras so estabelecidas nesse
sentido?
Assim, retoma-se a anlise da linha real, no encontro das avenidas santanenses e
riverenses, como um centro, que no nem brasileiro nem uruguaio, fazendo parte de um
emaranhado de culturas e legislaes locais, estaduais, departamentales,177 nacionais,
binacionais e internacionais. Essa centralidade, como representada no tringulo, a
177
O Uruguai se divide em departamentos. Rivera o municpio-capital do Departamento de Rivera.
171
localidade, o espao ps-nacional nas margens, que compe a fronteira entre Livramento e
Rivera, entretanto, cada margem, ou seja, cada Municpio fronteirio, possui o seu ncleo
central, independente do outro lado da linha. Como explica Pesavento:
Do lado brasileiro, o centro comercial se d na Rua dos Andradas, no trecho que vai
do Parque Internacional em linha reta at a Praa General Osrio, onde esto situadas a sede
da Prefeitura Municipal, a Igreja Matriz, a Casa de Cultura e as agncias dos principais
bancos brasileiros. Nesse caminho, o idioma que chama a ateno no o portuol, mas sim o
rabe, lngua falada pelos libaneses e palestinos, proprietrios de grande parte do comrcio
santanense. Nesse espao transitam santanenses que utilizam a rede de transporte pblico da
cidade, que liga a regio central aos bairros da cidade, onde no raro encontram-se indivduos
que no tm nenhum tipo de relao comercial com Rivera; no falam ou entendem o
espanhol, desconhecem a cultura, a histria e a poltica uruguaia, se orgulham de dizer que
no gostam dos castilhanos178e no atravessam a linha. Vo at os camlos comprar produtos
baratos, mas comprendem aquele espao como brasileiro, como qualquer cameldromo em
outras cidades do Brasil. Muitos nunca entraram em um free shop, no vivem da fronteira de
forma direta, mesmo sendo funcionrios de lojas prximas linha divisria, frequentadas por
uruguaios, ou nos supermercados que abastecem ambos os municpios, ou em hotis que
hospedam turistas que chegam fronteira para fazer fazer compras. Consomem os produtos
das lojas brasileiras onde possuem credirios moda antiga.
O mesmo ocorre no municpio uruguaio, o centro comercial est situado na Av.
Sarandi, no trecho que vai do Parque Internacional em linha reta at a sede do Paso de
Frontera, no final da avenida. A esto os free shops lotados de turistas comprando whiskys,
perfumes e eletrnicos, onde ainda restam poucas lojas de roupas de l e couro uruguaios, a
Plaza Artigas, rodeada pela Iglesia Matriz, a sede da Intendencia179, o Banco de la Republica
e a Refatura de Policia.180 Os libaneses e palestinos tambm so os donos do comrcio,
entretanto, h menos comerciantes rabes nas ruas como do lado brasileiro. Do lado uruguaio
178
Termo utilizado pelos brasileiros para chamar os uruguaios.
179
Prefeitura Municipal.
180
Delegacia de Polcia, diferente do Brasil, o Uruguai possui apenas uma polcia e o exrcito.
172
Por outro lado, defende Flores (2014), essa noo de fronteiras sem limites rgidos,
onde tudo negocivel pelos seus habitantes, formando uma populao fronteiria de ambos
os lados, estabelecendo mais relaes de identidade entre si que com o restante dos pases a
181
Termo utilizado pelos uruguaios para chamar os brasileiros.
182
O que os brasileiros chamam de mercadinho do bairro.
173
que pertencia, parece tratar-se de um caso em que um largo consenso est combinado com
pouca pesquisa (FLORES, 2014, p. 75). O que no estudo ora apresentado est sendo
trabalhado a partir das concepes de Comunidade (BAUMAN, 2005) e de Comunitarizao
(ALBUQUERQUE, 2009) da fronteira.
Na perspectiva de comunitarizao, os fluxos que se estabelecem em torno de
mercadorias revelam caminhos para compreender essas outras fronteiras que envolvem o
indivduo, seus costumes e moralidades em redes da qual a economia de fronteira parte.
Conforme j exposto, a circulao de brasileiros por Rivera se d em torno da compra de
produtos translocais, em trnsito nos free shops, que no podem ser comprados por uruguaios.
So produtos para pessoas de alto poder aquisitivo, no s pelo valor das mercadorias, mas
pelo acesso a elas, pelo capital cultural envolvido na compra e venda perfumes franceses
cosmticos, bebidas e roupas importadas em dlares. Grande parte dos brasileiros, inclusive
os fronteirios, nunca viu um dlar e compra bebidas nacionais, pagando preos maiores que
os dos free shops, por questes que esto ligadas aos costumes.
Nesse contexto, o comrcio estabelece grande parte das relaes entre as duas populaes,
mas no s ele, o que est por trs, sugerindo que o capital cultural alimentado
historicamente pelas relaes entre proprietrios de terras, comerciantes e as elites de ambas
as cidades. No caso dos santanenses, so pessoas que vivem a fronteira, que querem limpar a
Praa dos Cachorros para poder passear novamente por l com suas famlias, sem a
contaminao dos ilegalismos (de bens). As famlias so binacionais, possuem negcios e
amigos nos dois pases, estudam nas escolas brasileiras e uruguaias, veraneiam em Punta del
Este, valorizam a qualidade dos queijos e roupas uruguaias, etc. Esta no entanto a minoria
dos habitantes, grande parte se relaciona com o Uruguai em funo das assimetrias
complementares da economia de fronteira, quando elas, por alguma razo, no fazem sentido,
a distancia aparece, como conclui Flores (2014, p.82): Embora j tenha ressaltado que a
fronteira no um dado fixo, que ela se altera frequentemente, devo admitir que h um
sentido comum e imutvel em todos os contextos fronteirios: a diferena frente ao outro.
Albuquerque (2010), na sua pesquisa sobre migrantes brasileiros que vivem no
Paraguai, os brasiguaios, investigou a identidade fronteiria na fronteira do Brasil com o
Paraguai e as disputas polticas locais. Dessa forma, o estudo mostra que as culturas que
aparentemente se misturam, a partir de um olhar de fora, guardam uma complexidade de
movimentos que delimitam cada nacionalidade em contraste com a de seus pases vizinhos.
Explica o autor:
174
regies no fronteirias, tanto dos dois pases quanto da Argentina.183 Ao que parece, so
hbitos que tem a ver com a vida no campo, a criao de gado e com a presena indgena
nessa regio.184
Nesse sentido, explica Flores (2014), que h um sentimento de estrangeiridade
presente nesta fronteira, e que o fato de viver em um lado da linha promove, de forma
recproca e incontornvel, o fato de ser estrangeiro diante dos habitantes do outro lado. Nas
palavras da historiadora:
Dessa maneira, ao sabermos que o Estado (autor, referncia, aquele que designa) se
estende de forma especfica para suas franjas e continuamente se institui e reitera
naquele espao, compreendemos que sua linha demarcatria, o limite poltico em si,
embora abstrato, cumpre funo concreta na vida dos fronteirios. Essa percepo s
foi possvel por verificar na documentao que os fronteirios recoheciam a linha
por onde a fronteira passava e demontravam ntida clareza de que circular do seu
lado, ou, do outro lado, acarretava diferentes aes e questes a serem levadas em
conta. (FLORES, 2014, p. 81).
183
Mesmo que aparentemente se paream, possuem significados distintos em cada lugar, para exemplificar, o
chimarro dos gachos tomado em grupo, em uma roda, onde um serve e h uma sequncia, todos sabem
quando a sua vez. algo coletivo, no raro as casas e ambientes de trabalho possuem um chimarro de uso
comum. O mate dos uruguaios pode ser compartido, mas via de regra individual, cada um tem o seu e anda
com ele tira colo, no necessrio a hora de parar e tomar mate. Da mesma forma o churrasco e o asado s
tm em comum a carne, no Uruguai feito na parrilla, uma estrutura de tiras de ferro que colocada acima do
fogo de lenha, diferente do churrasco que feito com espetos e carvo. Outra diferena, no Uruguai, assim como
na Argentina, no h Espetos corridos e buffet de outros tipos de culinria junto das Parrilladas.
184
Uma concepo interessante acerca dos hbitos sulinos a ideia de Esttica do Frio, desenvolvida por
Ramil (2004) e que tambm d nome ao CD Ramilonga, no qual foram musicadas poesias que tratam desta
temtica.
185
Segundo os interlocutores entrevistados, a mercadoria ou chega pelo porto de Montevidu e viaja 500 km at
Rivera, ou trazida do Paraguai pela fronteira de Foz do Igua, PR at SantAna do Livramento, RS.
176
Figura 23 - Mapa de Livramento e Rivera, onde est marcada a linha divisria e as estaes de
transporte rodovirio das duas cidades
186
Antes da utilizao do transporte rodovirio, a linha se estendia at as estaes de trem de ambos os pases.
Foi o primeiro trajeto internacional das linhas frreas brasileiras, ligada cidade de Montevideo, no Uruguai, at
a cidade de So Paulo, no Brasil.
177
entre o Estado e o indivduo dos dois lados da fronteira, buscando investigar, a partir do que
Weber (2009) chama de localidade de mercado, quais as prticas legtimas do Estado, as
fronteiras entre o que moral e imoral e como isso tudo pode formar um Mercado Fronteirio
das Moralidades187.
Ensina Weber (2009), em sua Tipologia das cidades, que o mercado est no centro das
questes sobre as cidades, sendo entendidas como localidades de mercados. Dessa forma,
ao longo do trabalho, tentou-se analisar alguns outros aspectos, que no os econmicos,
envolvidos nas relaes de mercado das fronteiras; questes que envolvem interesses
polticos, gesto dos Ilegalismos, etc. Nas palavras do clssico:
187
Mesmo correndo o risco de realizar uma anlise no sociolgica de mercado, cr-se interessante salientar que
O Mercado, para as religies de matriz africana, um espao de trocas que no envolve somente questes
econmicas, pelo contrrio, nas trocas de energias que as dinmicas comerciais acontecem. Nessa perspectiva,
Ex do Dono do Mercado, ele que fica com a chave que abre ou fecha a fronteira entre o que material e o
que imaterial, permitindo ou no o fluxo de pessoas e mercadorias.
178
188
Frase dita por interlocutor, funcionrio da Receita Federal, Livramento, 2012.
189
No h concorrncia em relao aos trajetos e os preos sobem aleatoriamente. A empresa que no far parte
da anlise trabalha no trecho Livramento-Santa Maria, na regio central do estado gacho.
190
Nessas linhas no esto includos os nibus de excurses de turistas, estes normalmente tm o fim da linha na
linha, perto do Parque Internacional.
179
a) a Ouro e Prata, cuja rota faz o trajeto com a capital do estado de Porto Alegre e
possui uma frota de primeiro, segundo, terceiro e quarto escalo de preos, sendo que o
primeiro custa cerca de duzentos reais e o quarto cerca de oitenta reais, cada trecho. So eles,
respectivamente: Leito, Executivo, Comum e o Genrico. A diferena entre eles enorme,
enquanto os primeiros partem em horrios prticos e vo at o aeroporto da Capital, e ainda
so confortveis, possuem Internet sem fio, servio de bordo, travesseiros, cobertor, ar
condicionado, separao entre as poltronas, motoristas simpticos, etc. Os segundos (comum
e genrico), so em horrios que interrompem a noite ou o dia, no vo at o aeroporto, no
possuem ar refrigerado e nem todas as outras regalias dos primeiros.
191
Em relao ao ar refrigerado, cabe esclarecer que nesta regio as temperaturas chegam aos 40 no vero e -5
no inverno.
192
O tema dos Correios nas fronteiras ser analisado nos prximos pontos, quando sero comparadas as gestes
dos ilegalismos nos fluxos de mercadorias nos nibus, de um lado e do outro da fronteira.
180
Nas atividades da Receita Federal h uma diviso entre as apreenses de grande porte
e as do contrabando formiguinha. Imagina-se que expresso faz referncia ao pequeno porte
das mercadorias, ou forma como as formigas trabalham e carregam coisas. De qualquer
forma, nome que o Estado usa para se referir aos fluxos de pessoas que se utilizam da
economia de fronteira, para passar mercadorias em pequenas quantidades, o que aparece
especialmente na mdia e nas declaraes da Receita Federal acerca de suas operaes,
especialmente nos aeroportos internacionais.
A questo que a expresso pode estigmatizar uma prtica hetergenea: as
formiguinhas da fronteira entre o Brasil e o Uruguai no so as mesmas que desembarcam
nos aeroportos internacionais, vindas dos Estados Unidos, trazendo eletrnicos distribudos
em malas de turistas. Como disse em depoimento imprensa um formiga que teve sua
bagagem apreendida ao desembarcar de vo vindo de Miami, em Guarulhos, SP: Os
passaportes comprovam as idas constantes do grupo a Miami. Joo diz que ganhava R$ 1,6
mil por viagem. E s agora, preso em flagrante, se deu conta do preo que vai pagar. Eu sou
velejador, sou desportista. Fui pelo dinheiro. 193
No caso da fronteira, a mercadoria e os fluxos so determinantes, como no Brasil a
populao busca produtos importados, havendo uma semelhana no conjunto de tolerncias e
na forma disciplinar como cada caso tratado. Diferente do que acontece no fluxo inverso,
dos uruguaios que vm ao Brasil buscar mercadorias, normalmente alimentos para
subsistncia e revenda em pequenos comrcios populares. Como explica Grimson (2000)
sobre el contrabando hormiga:
193
Reportagem do Jornal Nacional sobre o contrabando formiguinha. Disponvel em:
http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL565989-10406,00CONTRABANDO+FORMIGUINHA
.html. Acesso em: ago. 2013.
181
A observao participante nesses nibus evidenciou uma pista sobre outras gestes de
controle, diferentes das de segurana pblica, nas da Receita Federal, h uma diferenciao
escancarada entre os passageiros dos nibus comuns e os dos de primeira classe. No
primeiro caso, at uma mala vazia razo para a fiscalizao e o controle, no segundo, ao
194
Dirio de campo, Livramento, julho de 2012.
195
Bolsa para carregar o mate ou o chimarro.
196
Idem 16.
182
contrrio, qualquer motivo, como a arrogncia de uma passageira que alega o voc sabe com
quem est falando?, o suficiente para o no controle.
Os mecanismos, aparentemente, de carter subjetivo, revelam a forma como o Estado
se refaz nas suas margens, com prticas aliceradas em posturas morais que visam organizar a
transgresso das leis numa ttica geral das sujeies, onde o controle e a fiscalizao so a
primeira penalidade de um processo de soberania disciplinar, como refere Foucault (2007):
Como era previsto, o nibus foi parado no posto da Receita Federal, ramos poucas
pessoas no veculo, umas dez no mximo, dois fiscais entraram e ficaram revistando
embaixo dos bancos, olhando com ar desconfiados para os passageiros. Um deles
parou ao lado de um jovem, negro e de bon e pediu para que ele mostrasse o que
havia dentro da pochete (pequena) amarrada na cintura. Olhou os documentos do
rapaz e parou ao meu lado, enquanto eu atendia o celular vi que ele estava abrindo a
minha mochila e eu pedi para parar, que ele no poderia fazer isso. Ele pediu que
todos descessemos do nibus, abriu todas as bolsas, era evidente que ali havia s
pessoas humildes, as bolsas eram pequenas e simples, nada que combinasse com
importados, bebidas ou coisas do gnero. Fazia um calor infernal, as bolsas ficaram
abertas no sol do asfalto, uma revista geral, com direito a perguntas sobre a profisso
e a naturalidade. Depois que subimos e fomos embora, os motoristas contaram que
habitual esse tipo de ataque e revista exagerada para alguns, sendo que em outros
veculos, mais bem frequentados no h fiscalizao nenhuma. 197
197
Dirio de campo, Livramento, fevereiro de 2014.
184
Para melhor compreenso deste mercado, no sentido proposto por Thompson (2013),
como algo que se revela em um ponto de juno entre as histrias sociais, econmicas e
intelectuais, alm de uma metfora sensvel para muitos tipos de intercmbio, apresentam-se,
no prximo ponto, algumas vozes do lado uruguaio, a partir da descrio de como o
municpio de Rivera e o aparelho estatal da Aduana operam nos fluxos de pessoas e
mercadorias, em nibus de linha intermunicipal, no intuito de mapear as possveis fronteiras e
continuidades. Escreve o autor: A economia moral no nos conduz a um nico argumento,
mas a uma confluncia de raciocnios, e no ser possvel fazer justia a todas as vozes.
(THOMPSON, 2013, p. 203).
En cada ciudad y espacio fronterizo hay personas que trabajan de pasar mercaderas
al otro lado evitando los controles aduaneros. Viven de cruzar la frontera. En
algunas fronteras (como la argentina-paraguaya o la argentino-boliviana) son
mujeres y se las conoce como las paseras. En Uruguayana-Libres son tanto
hombres como mujeres y se los conoce como los pasadores o los chiveros. La
estrategia histrica consiste en pasar pocas mercaderas en cada viaje, distribuyendo
eventualmente la mercadera con otro pasador, haciendo como si se tratara de bienes
de uso personal. (GRIMSON, 1999, p.4).
200
Linguia no Brasil.
201
Universidad de la Repblica del Uruguay.
187
esquema em que o remetente entrega o dinheiro ao funcionrio da empresa, assina uma nota e
passa o nome e a identidade de quem receber a quantia. Quando chega em Montevideo, seis
horas depois, o destinatrio retira o dinheiro em Trs Cruces com a carteira de identidade.
O Uruguai, assim como o Brasil, possui Agncias dos Correios, em ambos os casos os
servios no levam em conta a circulao de bens que ocorre nos nibus intermunicipais.
Dessa forma, as cartas e encomendas comuns demoram de trs a quatro dias para chegar nas
Capitais Montevidu e a do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. No so aceitas postagens de
comidas ou remdios nos dois casos, no caso dos Correios brasileiros, h uma exigncia da
Receita Federal para que tudo o que for postado em agncias da Regio Fronteiria seja
revisado, o objetivo evitar/controlar os crimes de contrabando e de descaminho, conforme
demonstra o relato abaixo:
Tenho uma sobrinha que precisa de um remdio controlado no qual a caixa custa
novescentos reais nas farmcias brasileiras, como nas uruguaias o remdio custa
oitenta reais, compramos em Rivera para enviar para Porto Alegre, onde ela mora. A
questo : como? Os correios no aceitam porque contrabando, mas se j estava no
Brasil com o remdio, ali dentro da agncia, no contrabando? O crime j havia
sido cometido. Enfim, na rodoviria tambm no possvel enviar pelo setor de
encomendas. Fizemos como antigamente, fomos at a rodoviria no horrio de sada
dos nibus e procuramos algum conhecido para fazer o favor Carta a Garcia de
levar o medicamento para Porto Alegre. 202
202
Relato de morador de SantAna do Livramento, janeiro de 2013.
203
Dirio de campo, Livramento, maro de 2015.
188
Nesse perodo de pesquisa de campo viajei algumas vezes nos nibus que fazem o
trecho Rivera-Montevideo, em horrios e empresas de nibus distintas. Nunca tive
minha bagagem fiscalizada, nunca me pediram documentos na sada de Rivera.
Diferente do Brasil, em que os nibus no recolhem pessoas em outros pontos de
Livramento, em Rivera h pontos onde as pessoas podem embarcar, no caminho
entre a Terminal e a Ruta 5, muito usados em pocas onde o posto da ADUANA da
Terminal, por alguma razo, fiscalizando as bagagens. Os veculos param nos postos
policiais e de controle da Ruta 5, os motoristas conversam com os fiscais e o nibus
segue viagem. Nunca um fiscal ou policial entrou no nibus. J em Montevideo,
acontece o mesmo, antes de chegar a Trs Cruces, o nibus para em pontos do
caminho para o desembarque alternativo.204
204
Dirio de campo, Rivera, janeiro de 2014.
205
Uma referncia para aprofundar o tema das atividades especficas dentro dessas prticas o estudo proposto
por Diez (2012), onde a autora descreve as trocas e os intercmbios dos que ela chama de trabalhadores da
fronteira: chiveros, paseras e paquitos, na fronteira de Missiones na Argentina.
189
No caso Uruguaio, no h uma fico da realidade por parte do Estado, pelo contrrio, como
explica o atual Presidente Tabar Vasquez, quando perguntado sobre a poltica do Cero
Kilo206, relacionada ao controle do contrabando de alimentos realizado por uruguaios, afima o
frenteamplista: (...) la poltica aduanera debe ser base para una poltica de integracin
regional, porque realmente tenemos que aprender mucho de cmo los ciudadanos saben
integrarse en la frontera.207
Ainda nesse sentido, explicou o Presidente que, no seu entendimento, h diferenas
entre os grandes contrabandos, de organizaes criminosas, estes so ilegais e imorais,
enquanto o contrabando del kilo tico.208
Entende-se que a tica, nesse caso, corresponde ao que Adorno (2000) ensinou como
um termo que remete ideia de escolha individual e nica, que vai ao encontro da concepo
geral de fronteira adotada nas polticas pblicas uruguaias, nas quais os indivduos e suas
vidas em comum so prioridade (TODOROV, 2014).
As mudanas corporais no podem ser tomadas apenas como signos das mudanas
de identidade social, mas como seus correlatos necessrios, e mesmo mais: elas so
ao mesmo tempo a causa e o instrumento de transformao das relaes sociais. Isso
significa que no possvel fazer uma distino entre processos fisiolgicos e
processos sociolgicos; transformaes do corpo, das relaes sociais e dos estatutos
que condensam so uma coisa s. Assim, a natureza humana literalmente fabricada
ou configurada pela cultura. O corpo imaginado, em todos os sentidos possveis da
palavra pela sociedade. (...) O social no se deposita sobre o corpo como um suporte
inerte, mas o constitui. (CASTRO, 2011, p.72)
evidente que o objeto dos fluxos de mercadorias diferenciam tambm a relao entre
o Estado e o indivduo. No mercado das moralidades, os produtos importados por
brasileiros so considerados fteis, especialmente se comparados s mercadorias consideradas
de subsistncia consumidas pelos uruguaios no Brasil. A moral, segundo Brito (2013), no seu
estudo sobre a Sociologia das Moralidades, apesar do seu ascetismo e violncia implcitos,
remete a discusso para o terreno do conflito social e da disputa acerca do que bom e justo,
criando uma relao de tenso entre o comportamento particular do indivduo e o todo
universal que se lhe impe.
206
Implementada na Fronteira do Uruguai com a Argentina, conforme analisado no Captulo IV.
207
Reportagem do Dirio El pueblo de Salto. Disponvel em: http://www.elentrerios.com/politica/tabare-
quotvamos-a-ver-si-sacamos-el-0-kiloquot.htm. Acesso em: 17 dez. 2014.
208
Idem 31.
190
209
Acredita-se que a anlise da fronteira por meio das discusses acerca da Sociologia das Moralidades pode
ser um tema para outra tese, especialmente a partir das construes tericas de Elias (1990, 1993), acerca das
relaes entre o indivduo e a civilizao.
191
A vida humana constituda de duas partes heterogneas que nunca se unem. Uma
racional, cujo sentido provm das finalidades teis, consequentemente,
subordinadas: esta a parte que se revela conscincia. A outra soberana, se
ocultando, de qualquer maneira, conscincia. (BATAILLE, 1979 apud
TODOROV, 2014, p. 61).
(...) o self, que no ego, a pessoa que eu sou, que somente eu, que possui uma
totalidade baseada na operao do processo maturativo. Ao mesmo tempo, o self
tem partes e , na verdade, constitudo destas partes. Tais partes se aglutinam, num
sentido interior-exterior no curso da operao do processo maturativo, auxiliado,
como deve s-lo (principalmente no incio) pelo ambiente humano que o contm,
que cuida dele e que de certa forma ativa facilita-o (...). (WINNICOTT, 1982, p. 49).
Entende-se que no Self onde todas as fronteiras, decorrentes dos limites estatais,
interagem e operam nas representaes sociais dos sujeitos em relao ao que pode ser
compreendido como fronteira.210 Em cada universo individual, a fronteira possui um
significado, que no necessariamente se expressa nas prticas e sociabilidades, objeto de
observao da Sociologia, podendo estar escondido em outras respresentaes, menos
210
Outros desdobramentos desta anlise podem ser pensados a partir da Teoria das Representaes Sociais,
desenvolvida por Moscovici (2005).
192
acessveis em um estudo sobre a presena do Estado nas suas margens, como ensina
Winnicott:
7 CONSIDERAES FINAIS
O lugar onde se situa o observador neste estudo atravessado por duas fronteiras
principais que foram desenvolvidas ao longo do trabalho, so elas: a) entre a Segurana
Pblica (gesto) e a Sociologia (pesquisa); b) e entre o olhar de dentro da fronteira (nativo) e
de fora (mtodo).
Nesse sentido, no prximo ponto, prope-se, guisa de consideraes finais, uma
anlise, escrita na primeira pessoa do singular, sobre os desafios sociolgicos e existnciais
que motivaram (inconscientemente) e se revelaram no processo de elaborao desta Tese de
Doutorado.
(2001, p.88). Explico: nasci em Rivera, sou doble-chapa212, filha de me uruguaia e pai
brasileiro, meu parto foi feito por um mdico colombiano, sou neta de contrabandistas de
couro uruguaios e de tropeiros de gado brasileiros. Fui alfabetizada em um colgio brasileiro e
na minha casa s o meu pai falava portugus, ningum falava portuol. Tinha aulas de ingls
em uma escola uruguaia, todo meu material escolar era uruguaio, caderno com foto do
Artigas213, o primeiro livro que li foi em espanhol. A casa dos meus pais era do lado
brasileiro, mas nela s se comia comida uruguaia como guizo, fain, milanesas puchero,
pasqualinas, pastafrolas, oquis todo dia 29 e ravilis aos domingos. Nunca comi
porquerias de brasileiros em casa, como leite condensado, biscoito recheado e salgadinhos.
Conforme a fonte da minha mesada, a moeda era em cruzeiros (cruzados) ou pesos
uruguaios, que eu trocava com os cambistas da linha divisria para pegar o nibus do lado
brasileiro que no aceitava pesos. O que sobrava era trocado por dlar, mesmo que fosse um
s, os fronteirios tm em mente que s o dlar se salva das oscilaes cambiais. Todos esses
trmites eram feitos por uma criana de dez anos, no final dos anos oitenta.
A primeira vez que viajei sozinha, aos dez anos, foi em um nibus sado da Terminal
de Rivera para Montevidu. Na Terminal passei os maiores frios214 e alegrias da minha
infncia e adolescncia, esperando a chegada de familiares queridos, amigos, cartas,
presentes, etc. Era a conexo direta com Montevidu, com a vida que para mim era
cosmopolita, adulta.
Fiquei dezessete anos longe da Fronteira, quando retornei, a Terminal continuou
fazendo parte da vida de todos, l eu envio roupas usadas para uma prima vender na feira de
domingo em Montevideo, envio presentes para minhas sobrinhas e primos. Quando estava
fazendo pesquisa de campo em Montevidu era o mesmo esquema, ia quase todos os dias
Terminal de l, para buscar caf, dinheiro, mimos de toda ordem.
Fao este breve relato na tentativa de aclarar do que estou falando quando digo que sou
nativa, para, a partir da, mostrar alguns recursos que utilizei para sintonizar este olhar doble-
chapa, apropriado dos sistemas simblicos (GEERTZ, 2001), com o da pesquisa acadmica e
os seus conceitos de experincias-distantes. O exerccio de estar inevitavelmente envolvida
por experincias afetivas, muitas delas inconscientes, e ter isso presente, tanto para
aproximar-se quanto para distanciar-se do campo, no tarefa simples.
212
Nasci em um hospital no Uruguai e fui registrada primeiro como brasileira, depois como uruguaia.
213
General Jos Gervasio Artigas, poltico, militar e heri uruguaio.
214
Os nibus chegam s 5:30 da manh, no inverno a temperatura negativa.
198
215
Categorias formuladas pelo psicanalista Heinz Kohut. (GEERTZ, 2001, p.87)
199
o que Georg Simmel (2005) descreve como cidade pequena em seu trabalho As
grandes cidades e a vida do esprito (1903); fechada em si mesma, onde os habitantes esto
baseados no nimo entre as pessoas, nas suas individualidades e nas relaes pautadas pelo
sentimento. Assim tem sido analisada a fronteira, como um territrio onde os indivduos agem
de acordo com suas emoes e de forma a limitar a expanso da racionalidade e do
individualismo, ou como categoriza o autor: (...) na qual se conhece quase toda pessoa que se
encontra e se tem uma reao positiva com todos.(SIMMEL, 2005, p. 582).
A ideia deste estudo foi olhar para a fronteira por um olhar inverso, como a cidade
grande de Simmel (2005), onde as relaes e oportunidades dos habitantes costumam ser
variadas, complicadas e mediante a acumulao de homens com interesses diferenciados. Nas
palavras do autor:
Mesmo sendo um aglomerado pequeno, meu objetivo, nesse sentido, foi evidenciar as
diferentes fronteiras e centralidades nesse espao fronteirio, com dinmicas e alteridades que
nelas e delas decorrem, e que o indivduo a possibilidade vital de integrao destas
diferentes esferas, tendo em vista que o cruzam consciente e inconscientemente.
200
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BRASIL - URUGUAY
ARTCULO I
1. A los nacionales de una de las Partes, residentes en las localidades fronterizas enumeradas en el
Anexo de Localidades Vinculadas, podr ser concedido permiso para:
b) ejercicio del trabajo, oficio o profesin, con las consiguientes obligaciones y derechos
correspondientes a la previsin social derivadas de los mismos
3. La calidad de fronterizo podr ser inicialmente otorgada por 5 (cinco) aos, prorrogable por
igual perodo, terminado el cual podr ser concedida por tiempo indeterminado y valdr, bajo
cualquier circunstancia, exclusivamente, en los lmites de la localidad para la que fue concedida.
ARTCULO II
1. A los individuos referidos en el artculo anterior se les podr otorgar el documento especial
de fronterizo, caracterizando dicha calidad.
2. La posesin del documento especial de fronterizo no exime del uso de los documentos de
identidad ya establecidos en otros acuerdos vigentes entre ambas Partes.
ARTCULO III
Concesin
convenio administrativo entre el Ministerio del Interior del Uruguay y el Ministerio de Justicia del
Brasil.
a) pasaporte u otro documento de identidad vlido admitido por las Partes en otros acuerdos
vigentes
b) comprobante de residencia en alguna de las localidades que constan en el Anexo del presente
Acuerdo
5. No se podr beneficiar de este Acuerdo quien hubiera sufrido condena penal o estuviera
sometido a proceso penal en las Partes o en el exterior.
6. Mediante convenio administrativo entre el Ministerio del Interior del Uruguay y el Ministerio
de Justicia del Brasil se podr detallar o modificar la relacin de documentos establecidos en el
prrafo 4.
ARTCULO IV
Cancelacin
1. La calidad de fronterizo ser cancelada, en cualquier oportunidad, en que ocurriera alguna de las
siguientes hiptesis:
e) tentativa de ejercer los derechos previstos en este Acuerdo, fuera de los lmites territoriales
establecidos en el Anexo.
2. La cancelacin aparejar el retiro del documento especial de fronterizo por la autoridad que lo
expidiera.
ARTCULO V
Otros Acuerdos
2. El presente Acuerdo no obsta a la aplicacin, en las localidades que el mismo abarca, de otros
tratados y acuerdos vigentes.
ARTCULO VI
3. Cada Parte podr, segn su criterio, suspender o cancelar unilateralmente la aplicacin del
presente Acuerdo encualesquiera de las localidades que constan en el Anexo, por medio de nota
diplomtica, con treinta 30 (treinta) das de antelacin. La cancelacin o suspensin se podr
tambin referir a cualesquiera de los incisos del artculo I del presente Acuerdo.
ARTCULO VII
Extincin de Penalidades
ARTCULO VIII
Estmulo a la Integracin
Cada una de las Partes podr ser tolerante en cuanto al uso del idioma de la otra Parte por los
beneficiarios de este Acuerdo cuando se dirijan a organismos o reparticiones pblicas para reclamar
o reivindicar los beneficios que surjan del mismo.
ARTCULO IX
Vigencia
Este Acuerdo entrar en vigor en la fecha de intercambio de los instrumentos de ratificacin por
las Partes.
ARTCULO X
Denuncia
El presente Acuerdo podr ser denunciado por cualquiera de las Partes, por medio de comunicacin
escrita, transmitida por va diplomtica, con una antelacin mnima de 90 (noventa) das.
ARTCULO XI
Solucin de Controversias
Cualquier duda relacionada con la aplicacin del presente Acuerdo ser solucionada por medios
diplomticos con el respectivo intercambio de notas.
Hecho en Montevideo el 21 de agosto de 2002, en dos ejemplares originales, en los idiomas espaol
y portugus, siendo ambos textos igualmente autnticos.
1. Chuy, 18 de Julio, La Coronilla y Barra del Chuy (Uruguay) a Chu, Santa Vitria do
Palmar/Balnerio do Hermenegildo y Barra do Chu (Brasil)
Presidncia da Repblica
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurdicos
O PRESIDENTE DA REPBLICA, no uso da atribuio que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituio, e
Considerando que o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica
Oriental do Uruguai celebraram, em Rio Branco, em 14 de abril de 2004, um Acordo sobre
Cooperao Policial em Matria de Investigao, Preveno e Controle de Fatos Delituosos
o
Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Acordo por meio do Decreto Legislativo n
302, de
13 de julho de 2006
Considerando que o Acordo entrou em vigor em 5 de outubro de 2008, nos termos de seu Artigo 19
DECRETA:
o
Art. 1 O Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica Oriental do Uruguai
sobre Cooperao Policial em Matria de Investigao, Preveno e Controle de Fatos Delituosos,
celebrado em Rio Branco, Uruguai, em 14 de abril de 2004, apenso por cpia ao presente Decreto,
ser executado e cumprido to inteiramente como nele se contm.
o
Art. 2 So sujeitos aprovao do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar
em reviso do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do
art. 49, inciso I, da Constituio, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio
nacional.
o
Art. 3 Este Decreto entra em vigor na data de sua publicao.
o o
Braslia, 12 de janeiro de 2009 188 da Independncia e 121 da Repblica.
CAPTULO I
Abrangncia do Acordo
Artigo 1
As Partes, para efeito do presente Acordo, por intermdio das autoridades policiais e no
marco de suas respectivas jurisdies e competncias, prestar-se-o cooperao para prevenir e/ou
investigar fatos delituosos, sempre que tais atividades no estejam reservadas pelas leis do Estado
requerido a outras autoridades e que o solicitado no viole sua legislao processual ou de fundo.
Artigo 2
Artigo 3
2.Considera-se compreendido na cooperao policial prevista neste Acordo, todo fato que
constitua delito tanto no Estado requerente como no Estado requerido.
Artigo 4
CAPTULO II
Intercmbio de Informaes
Artigo 5
1.Cada uma das Partes designar um Coordenador Policial de Fronteira pertencentes s Autoridades
Policiais, os quais:
Artigo 6
1.O intercmbio de informao policial a que se refere o artigo precedente ser feito atravs
do Sistema de Intercmbio de Informaes de Segurana do MERCOSUL (SISME), devendo em tal
caso ser ratificado por documento original, firmado dentro dos 10 (dez) dias seguintes ao pedido
inicial.
2.At que se implemente o intercmbio de informao referido acima, as solicitaes sero enviadas
aos respectivos Coordenadores Policiais de Fronteira por meio de telex, fac-smile, correio eletrnico
ou similar.
Artigo 7
A informao requerida nos termos do presente Acordo ser prestada, de conformidade com
as respectivas legislaes, nas mesmas condies que as Partes proporcionem a suas prprias
autoridades policiais.
Artigo 8
Sem prejuzo do disposto no Artigo 7, a autoridade competente da Parte requerida poder
aprazar o cumprimento da solicitao, ou condicion-la, nos casos em que interfira com uma
investigao em curso no mbito de sua jurisdio.
Artigo 9
As Partes devero:
Artigo 10
A pedido do Coordenador Policial de Fronteira da Parte requerente, o Coordenador da Parte
requerida informar, com a brevidade possvel, sobre o estgio de cumprimento da solicitao em
trmite.
Artigo 11
As autoridades policiais da Parte requerente, salvo consentimento prvio das autoridades da
Parte requerida, somente poder empregar a informao obtida em virtude do presente Acordo na
investigao ou procedimento policial indicado na solicitao.
Artigo 12
A solicitao dever ser redigida no idioma da Parte requerente e ser acompanhada de
traduo no idioma da Parte requerida. Por sua vez, as informaes originadas como conseqncia
da referida solicitao sero redigidas unicamente no idioma da Parte requerida.
CAPTULO III
Perseguio de Delinqentes
Artigo 13
As autoridades policiais das Partes que, em seu prprio territrio, estejam perseguindo uma
ou mais pessoas que para eludir a ao das autoridades ultrapassem o limite fronteirio, podero
ingressar no territrio da outra Parte somente para o efeito de requerer autoridade policial mais
prxima o procedimento legal correspondente. De tal solicitao dever-se- lavrar ata por escrito.
Artigo 14
Efetuada a deteno e/ou apreenso preventiva das pessoas motivo da perseguio, as
autoridades policiais da Parte requerida comunicaro o fato, com urgncia, s autoridades da Parte
requerente. As pessoas detidas e/ou apreendidas preventivamente permanecero nesta situao
conforme as disposies legais estabelecidas no pas de deteno.
Artigo 15
No desenvolvimento da investigao de um delito ou na vigilncia de uma ou mais pessoas
que tenham presumivelmente participado de um fato delituoso e que possam ser objeto de
extradio, as autoridades policiais de uma das Partes podero atuar como observadores no
territrio da outra Parte, mediante prvia solicitao, devidamente autorizada.
CAPTULO IV
Disposies Finais
Artigo 16
O presente Acordo no restringir a aplicao total ou parcial de outros que sobre a mesma
matria tiverem sido firmados ou venham a ser assinados entre as Partes, desde que suas clusulas
sejam mais favorveis para fortalecer a cooperao mtua em assuntos vinculados s tarefas de
polcia em zonas limtrofes.
227
Artigo 17
1. As controvrsias que surjam entre as Partes por motivo da aplicao, interpretao
ou descumprimento das disposies contidas no presente Acordo, sero resolvidas por negociaes
diretas entre o Ministrio da Justia do Brasil e o Ministrio do Interior do Uruguai, em um prazo de
90 (noventa) dias.
2. Se decorrido o prazo de 90 (noventa) dias a controvrsia no tiver sido resolvida
atravs das negociaes diretas mencionadas no pargrafo anterior deste artigo, ela ser
solucionada por via diplomtica.
Artigo 18
As partes, atravs das Autoridades Policiais, se comprometem a estabelecer e manter, nas
zonas de fronteira, os sistemas de comunicaes mais adequados para os fins do presente Acordo.
Artigo 19
O presente Acordo entrar em vigor (60) sessenta dias aps a data em que as Partes trocarem
os respectivos instrumentos de ratificao.
Artigo 20
Quaisquer das Partes poder denunciar o presente Acordo, mediante notificao escrita, por
via diplomtica. A denncia surtir efeito seis meses aps a data de sua formalizao.
Celso Amorim
Ministro de Estado da Relaes Exteriores
ANEXO I
Coordenadores do Fronteira
ANEXO II
Presidncia da Repblica
Subchefia para Assuntos Jurdicos
o
DECRETO N 85.064, DE 26 DE AGOSTO DE 1980.
O PRESIDENTE DA REPBLICA, no uso da atribuio que lhe confere o art. 81, item III, da
Constituio, DECRETA:
CAPTULO I
DISPOSIES PRELIMINARES
Art 1 - Este regulamento estabelece procedimentos a serem seguidos para a prtica de atos que
necessitem de assentimento prvio do Conselho de Segurana Nacional (CSN), na Faixa de Fronteira,
considerada rea indispensvel segurana nacional e definida pela Lei n 6.634, de 2 de maio de
1979, como a faixa interna de cento e cinqenta (150) quilmetros de largura, paralela linha
divisria terrestre do territrio nacional.
Art 3 - Somente sero examinados pela SG/CSN os pedidos de assentimento prvio instrudos
na forma deste regulamento.
Pargrafo nico - Os pedidos sero apresentados aos rgos federais indicados neste
regulamento aos quais incumbir:
2 - O recurso ser apresentado SG/CSN que a submeter, nos sessenta (60) dias seguintes
ao seu recebimento, ao Presidente da Repblica.
CAPTULO II
DA ALIENAO E CONCESSO DE TERRAS PBLICAS
Art 5 - Para a alienao e a concesso de terras pblicas na Faixa de Fronteira, o processo ter
incio no instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA).
Art 6 - As empresas que desejarem adquirir terras pblicas na Faixa de Fronteira devero
instruir seus pedidos com a cpia do estatuto ao contrato social e respectivas alteraes alm de
outros documentos exigidos pela legislao agrria especfica.
CAPTULO III
DOS SERVIOS DE RADIODIFUSO
Art 8 - Para a execuo dos servios de radiodifuso de sons e radiodifuso de sons e imagens,
na Faixa de Fronteira, sero observadas as prescries gerais da legislao especfica de radiodifuso
e o processo ter incio no Departamento Nacional de Telecomunicaes (DENTEL).
Art 10. - Na hiptese do artigo anterior, as empresas devero fazer constar expressamente de
seus estatutos ou contratos sociais que:
V - a empresa no poder efetuar nenhuma alterao do seu instrumento social sem prvia
autorizao dosrgos competentes.
Pargrafo nico - As empresas constitudas sob a forma de sociedade annima devero, ainda,
fazer constar em seu estatuto social, que as aes representativas do capital social sero sempre
nominativas.
232
I - cpia dos atos constitutivos (se ainda em formao) ou cpia do estatuto, contrato social e
respectivasalteraes (se empresa j constituda), em que constem as clusulas mencionadas no
artigo anterior
III - prova de estarem em dia com as suas obrigaes referentes ao Servio Militar de todos os
administradores ou scioscotistas e
IV - prova de estarem em dia com as suas obrigaes relacionadas com a Justia Eleitoral de todos
osadministradores ou scios-cotistas.
Pargrafo nico - As empresas constitudas sob a forma de sociedade annima devero, ainda,
apresentar relao nominal dos acionistas, com os respectivos nmeros de aes.
I - para empresas em formao ou para aqueIas que desejarem, pela primeira vez, executar o
servio naFaixa de Fronteira - requerimento instrudo com os documentos exigidos pela legislao
especfica de radiodifuso e os mencionados no artigo anterior, dirigido ao DENTEL que, aps emitir
parecer, encaminhar o respectivo processo SG/CSN, para apreciao e posterior restituio quele
Departamento e
II - para empresas que j possuem o assentimento prvio para executar o servio na Faixa de
Fronteira eque desejem efetuar alterao em seu instrumento social, para posterior registro,
referente a alterao do objeto social mudana do nome comercial ou endereo da sede eleio de
novo administrador admisso de novo sciocotista transformao, incorporao, fuso e ciso ou
reforma total dos estatutos ou contrato social requerimento instrudo com os documentos exigidos
pela legislao especfica de radiodifuso, a proposta de alterao estatutria ou contratual e as
cpias dos documentos pessoais, mencionados no art. 11, dos novos administradores ou
scios-cotistas, quando for o caso, dirigido ao DENTEL, seguindo-se o processamento descrito no
item I.
CAPTULO IV
DAS ATIVIDADES DE MINERAO
233
Art 15 - Entende-se por empresa de minerao, para os efeitos deste regulamento, a firma ou
sociedade constituda e domiciliada no Pas, qualquer que seja a sua forma jurdica e entre cujos
objetivos esteja o de realizar a pesquisa, lavra, explorao e aproveitamento dos recursos minerais
no territrio nacional.
Art 16 - O assentimento prvio do CSN, para a execuo das atividades de pesquisa, lavra,
explorao e aproveitamento de recursos minerais, ser necessrio:
Art 17 - Nas hipteses do artigo anterior, as empresas devero fazer constar expressamente de
seus estatutos ou contratos sociais que:
I pelo menos 51% (cinqenta e um por cento) do capital pertencer sempre a brasileiros
II - o quadro de pessoal ser sempre constitudo de, pelo menos, 2/3 (dois teros) de
trabalhadoresbrasileiros e
Pargrafo nico - As empresas constitudas sob a forma de sociedade annima devero, ainda,
fazer constar em seu estatuto social que as aes representativas do capital social revestiro sempre
a forma nominativa.
Art 18. - As empresas individuais devero fazer constar em suas declaraes de firmas que:
I - o quadro de pessoal ser sempre consttudo de, pelo menos, 2/3 (dois teros) de
trabalhadoresbrasileiros e
Art 19. - As sociedades enquadradas no art. 16 devero instruir seus pedidos com os seguintes
documentos, alm dos exigidos pela legislao especfica de minerao:
I - cpia dos atos constitutivos (se ainda em formao) ou cpia do estatuto, contrato social e
respectivasalteraes (se empresa j constituda), em que constem as clusulas mencionadas no
art. 17
III - prova de estarem em dia com as suas obrigaes referentes ao Servio Militar de todos os
administradores ou scioscotstas e
IV - prova de estarem em dia com as suas obrigaes relacionadas com a Justia Eleitoral de todos
osadministradores ou scios-cotistas.
Pargrafo nico - As empresas constitudas sob a forma de sociedade annima devero, ainda,
apresentar relao nominal, contendo a nacionalidade e nmero de aes de todos os acionistas.
Art 20 - As pessoas fsicas ou empresas individuais devero instruir seus pedidos com os
seguintes documentos, alm dos exigidos pela legislao especfica de minerao:
I - cpia da declarao de firma, em que constem as clusula mencionadas no art. 18, quando
empresa,individual
III prova de estarem em dia com as suas obrigaes referentes ao Servio Militar e
IV - prova de estarem em dia com as suas obrigaes relacionadas com a Justia Eleitoral.
I - para empresas em formao ou para aqueIas que desejarem, pela primeira vez, executar as
atividadesna Faixa de Fronteira - requerimento instrudo com os documentos exigidos pela legislao
especfica de minerao e os mencionados nos artigos 19 ou 20, conforme o caso, dirigido ao DNPM
que, aps emitir parecer, encaminhar o respectivo processo SG/CSN, para apreciao e posterior
restituio quele Departamento e
II - para empresas que j possuem o assentimento prvio para executar as atividades na Faixa
de Fronteirae que desejem efetuar alterao em seu instrumento social, para posterior registro,
referente a alterao do objeto social mudana do nome comercial ou endereo da sede eleio ou
substituio de diretores na administrao ou gerncia alterao nas atribuies e competncias de
administradores modificao na participao do capital social aumento de capital social nos casos
de emisso e/ou subscrio pblica ou particular de aes mudana na forma das aes entrada ou
retirada de novos acionistas transformao, incorporao, fuso e ciso retirada e/ou admisso de
scioscotistas ou reforma total dos estatutos ou contrato social requerimento instrudo com os
documentos exigidos pela legislao especfica de minerao a proposta de alterao estatutria ou
235
contratual e as cpias dos documentos pessoais mencionados no art. 19 dos novos administradores
ou scios-cotistas, quando for o caso, dirigido ao DNPM, seguindo-se o processamento descrito no
Item I.
CAPTULO V
DA COLONIZAO E LOTEAMENTOS RURAIS
Art 23 - Entende-se por empresa particular de colonizao, para os efeitos deste regulamento, as
pessoas fsicas ou jurdicas, estas constitudas e domiciliadas no Pas, que tiverem por finalidade
executar programa de valorizao de rea ou distribuio, de terras.
I - na alienao de terras pblicas, para a empresa vencedora de licitao publicada no Dirio Oficial
da Unio e
II - na alienao de terras particulares, para as empresas que as desejarem adquirir, quando da
apresentao dos respectivos projetos.
Art 25 - Nas hipteses do artigo anterior, as empresas devero fazer constar de seus estatutos
ou contratos sociais as clusulas mencionadas nos artigos 17 ou 18, conforme o caso.
Art 28 - Aps instrudos pelo INCRA, os processos de colonizao e loteamentos rurais, na Faixa
de Fronteira, sero encaminhados a SG/CSN para apreciao e posterior restituio quela autarquia.
CAPTULO VI
DAS TRANSAES COM IMVEIS RURAIS, ENVOLVENDO ESTRANGEIROS
Art 29. - Os negcios jurdicos que, direta ou indiretamente, implicarem obteno da posse, do
domnio ou de qualquer outro direito real sobre imvel rural situado na Faixa de Fronteira,
dependero do assentimento prvio do CSN e o processo ter incio no Instituto Nacional de
Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), quando adquirente de titularidade daqueles direitos:
III - pessoa jurdica brasileira da qual participe, a qualquer ttulo, detendo a maioria de seu capital
social, pessoa fsica estrangeira aqui no residente ou pessoa jurdica estrangeira sediada no
exterior.
Art 30. - As pessoas jurdicas referidas nos itens II e III do artigo anterior somente podero obter
o assentimento prvio quando o imvel rural pretendido se destinar a implantao de projeto
agrcola, pecurio, industrial ou de colonizao, vinculado aos seus objetivos estatutrios.
Art 31. - As pessoas fsicas estrangeiras que desejarem adquirir imvel rural, na Faixa de
Fronteira, devero instruir seus pedidos com os seguintes documentos, alm dos exigidos pela
legislao agrria especfica:
Pargrafo nico - No texto do requerimento para a aquisio do imvel rura, o interessado dever
declarar sua residncia e o endereo para correspondncia.
Art 32 - As pessoas jurdicas estrangeiras referidas nos itens II e III do art. 29 que desejarem
adquirir imvel rural, na Faixa de Fronteira, devero instruir seus pedidos com os seguintes
documentos, alm dos exigidos pela legislao agrria especfica:
III - cpias dos atos de eleio da diretoria e da alterao do nome comercial da empresa, se for o
caso
Art 33 - Os processos para transao de imveis rurais com estrangeiros, na Faixa de Fronteira,
sero remetidos pelo INCRA SG/CSN, com o respectivo parecer, sendo restitudos quela autarquia
aps apreciados.
CAPTULO VII
DA PARTICIPAO DE ESTRANGEIROS EM PESSOA JURDICA BRASILEIRA
Pargrafo nico - A verificao de que trata este artigo far-se- da seguinte maneira:
Art 36 - O assentimento prvio para os atos previstos neste captulo ser dado mediante
solicitao do interessado SG/CSN.
CAPTULO VIII
DO AUXLIO FINANCEIRO AOS MUNICPIOS DA FAIXA DE FRONTEIRA
Art 37 - Para habilitar-se ao auxlio financeiro destinado execuo de obras pblicas, previsto
no art. 9 da Lei n 6.634, de 2 de maio de 1979, os municpios total ou parcialmente localizados na
Faixa de Fronteira devero, at 31 de julho do ano anterior ao da concesso, encaminhar SG/CSN
dados sucintos sobre a obra que pretendem realizar e seu oramento estimado.
Pargrafo nico - Em casos especiais, devidamente justificados, poder ser concedido auxlio
para aquisio de mquinas e equipamentos.
238
Art 40 - A aplicao dos recursos est sujeita a comprovao perante o Tribunal de Contas da
Unio, por Intermdio da SG/CSN.
CAPTULO IX
DA INSCRIO NOS RGOS DO REGISTRO DO COMRCIO
Art 42 - As Juntas Comerciais dos Estados e dos Territrios Federais exigiro prova do
assentimento prvio de CSN nos seguintes casos:
a) para inscrio dos atos constitutivos, estatutos ou contratos sociais das empresas que desejarem,
pelaprimeira vez, executar o servio na Faixa de Fronteira e
b) para inscrio das alteraes nos instrumentos sociais, listadas no Item II do art. 12 e
a).para inscrio dos atos constitutivos, declaraes de firma, estatutos ou contratos sociais das
empresas que desejarem, pela primeira vez, executar as atividades na Faixa de Fronteira e
b) para inscrio das alteraes nos instrumentos sociais, listadas no item II do art. 21.
Art 44 - Ser dispensado ato formal da SG/CSN, nos casos de dissoluo, liquidao ou extino
das empresas que obtiveram o assentimento prvio para exercerem atividades na Faixa de Fronteira,
na forma deste regulamento, cabendo ao Departamento Nacional de Registro do Comrcio (DNRC)
comunicar tais ocorrncias quela Secretaria-Geral, para fins de controle.
239
CAPTULO X
DISPOSIES GERAIS
Art 49 - Os atos previstos neste regulamento, se praticados sem o assentimento prvio do CSN,
sero nulos de pleno direito e sujeitaro os responsveis multa de at vinte por cento (20%) do
valor declarado do negcio irregularmente realizado.
Art 50 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em
contrrio.
JOO FIGUEIREDO
Danilo Venturini
Presidncia da Repblica
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurdicos
O PRESIDENTE DA REPBLICA, no uso da atribuio que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituio, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Acordo por meio do Decreto Legislativo
o
n 302, de 13 de julho de 2006
Considerando que o Acordo entrou em vigor em 5 de outubro de 2008, nos termos de seu Artigo 19
DECRETA:
o
Art. 1 O Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica Oriental do Uruguai sobre
Cooperao Policial em Matria de Investigao, Preveno e Controle de Fatos Delituosos,
celebrado em Rio Branco, Uruguai, em 14 de abril de 2004, apenso por cpia ao presente Decreto,
ser executado e cumprido to inteiramente como nele se contm.
o
Art. 2 So sujeitos aprovao do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em
reviso do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art.
49, inciso I, da Constituio, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio nacional.
o
Art. 3 Este Decreto entra em vigor na data de sua publicao.
o o
Braslia, 12 de janeiro de 2009 188 da Independncia e 121 da Repblica.
De acordo com o esprito de amizade e cooperao manifestado pelas autoridades dos dois
pases no mbito da Nova Agenda de Cooperao e Desenvolvimento Fronteirio: Acordam:
CAPTULO I
Abrangncia do Acordo
Artigo 1
As Partes, para efeito do presente Acordo, por intermdio das autoridades policiais e no
marco de suas respectivas jurisdies e competncias, prestar-se-o cooperao para prevenir e/ou
investigar fatos delituosos, sempre que tais atividades no estejam reservadas pelas leis do Estado
requerido a outras autoridades e que o solicitado no viole sua legislao processual ou de fundo.
Artigo 2
Artigo 3
2.Considera-se compreendido na cooperao policial prevista neste Acordo, todo fato que
constitua delito tanto no Estado requerente como no Estado requerido.
Artigo 4
CAPTULO II
Intercmbio de Informaes
Artigo 5
1.Cada uma das Partes designar um Coordenador Policial de Fronteira pertencentes s Autoridades
Policiais, os quais:
Artigo 6
1.O intercmbio de informao policial a que se refere o artigo precedente ser feito atravs
do Sistema de Intercmbio de Informaes de Segurana do MERCOSUL (SISME), devendo em tal
caso ser ratificado por documento original, firmado dentro dos 10 (dez) dias seguintes ao pedido
inicial.
2.At que se implemente o intercmbio de informao referido acima, as solicitaes sero enviadas
aos respectivos Coordenadores Policiais de Fronteira por meio de telex, fac-smile, correio eletrnico
ou similar.
Artigo 7
A informao requerida nos termos do presente Acordo ser prestada, de conformidade com
as respectivas legislaes, nas mesmas condies que as Partes proporcionem a suas prprias
autoridades policiais.
Artigo 8
Artigo 9
As Partes devero:
Artigo 10
Artigo 11
Artigo 12
CAPTULO III
Perseguio de Delinqentes
Artigo 13
As autoridades policiais das Partes que, em seu prprio territrio, estejam perseguindo uma
ou mais pessoas que para eludir a ao das autoridades ultrapassem o limite fronteirio, podero
245
ingressar no territrio da outra Parte somente para o efeito de requerer autoridade policial mais
prxima o procedimento legal correspondente. De tal solicitao dever-se- lavrar ata por escrito.
Artigo 14
Artigo 15
CAPTULO IV
Disposies Finais
Artigo 16
O presente Acordo no restringir a aplicao total ou parcial de outros que sobre a mesma
matria tiverem sido firmados ou venham a ser assinados entre as Partes, desde que suas clusulas
sejam mais favorveis para fortalecer a cooperao mtua em assuntos vinculados s tarefas de
polcia em zonas limtrofes.
Artigo 17
Artigo 18
Artigo 19
O presente Acordo entrar em vigor (60) sessenta dias aps a data em que as Partes trocarem
os respectivos instrumentos de ratificao.
246
Artigo 20
Quaisquer das Partes poder denunciar o presente Acordo, mediante notificao escrita, por
via diplomtica. A denncia surtir efeito seis meses aps a data de sua formalizao.
Celso Amorim
Ministro de Estado da Relaes Exteriores
ANEXO I
Coordenadores do Fronteira
ANEXO II
18/05/2015 L12723
Presidncia da Repblica
CASA CIVIL
Subchefia para Assuntos Jurdicos
Art. 1 O Decreto-Lei n 1.455, de 7 de abril de 1976, passa a vigorar acrescido do seguinte art.
15-A:
"Art. 15-A. Poder ser autorizada a instalao de lojas francas para a venda de
mercadoria nacional ou estrangeira contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira.
2 A venda de mercadoria nas lojas francas previstas neste artigo somente ser autorizada
pessoa fsica, obedecidos, no que couberem, as regras previstas no art. 15 e demais requisitos e
condies estabelecidos pela autoridade competente." Art. 2 (VETADO).
DILMA ROUSSEFF
Jos Eduardo Cardozo
Lus Incio Lucena Adams
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12723.htm1/1