MESONS, ONTOLOGIA - Rodrigo Petronio Ribeiro PDF
MESONS, ONTOLOGIA - Rodrigo Petronio Ribeiro PDF
MESONS, ONTOLOGIA - Rodrigo Petronio Ribeiro PDF
Mesons
Ontologia
Rio de Janeiro
2015
Rodrigo Petronio Ribeiro
Mesons
Ontologia
Rio de Janeiro
2015
CATALOGAO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEHB
CDU 1
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta
tese desde que citada a fonte
_____________________________ __________________
Assinatura Data
Rodrigo Petronio Ribeiro
Mesons
Ontologia
Banca Examinadora
___________________________________________
Prof. Dr. Joo Cezar de Castro Rocha (Orientador)
Instituto de Letras - UERJ
___________________________________________
Prof. Dr. Stelio Marras
Universidade de So Paulo
___________________________________________
Prof. Dra. Regina Lucia de Faria
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
____________________________________________
Prof. Dr. Marcus Alexandre Motta
Instituto de Letras - UERJ
____________________________________________
Prof. Dr. Marcus Vinicius Nogueira Soares
Instituto de Letras - UERJ
Rio de Janeiro
2015
DEDICATRIA
Dedico esta tese a todos aqueles que, durante minha vida, acreditaram em mim e
me fortaleceram no Caminho.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Joo Cezar de Castro Rocha [UERJ], por sempre ter acreditado e
apoiado meu trabalho, com grande generosidade intelectual.
Aos professores Stelio Marras, Regina Lucia de Faria, Marcus Alexandre
Motta e Marcus Vinicius Nogueira Soares, pela participao na Banca Examinadora
deste trabalho, pela leitura, a generosidade e as valiosas observaes, que serviram
de estmulo e aperfeioamento desta pesquisa.
Aos professores Guillermo Giucci e Johannes Kretschmer, que aceitaram
assumir a suplncia da Banca Examinadora e que me estimularam muito nesse
momento final deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Stelio Marras [USP], pelos ensinamentos, a amizade e a
confiana, bem como pelo convite para ministrar uma disciplina a quatro mos na
USP, sempre dando mostras de seu esprito generoso e inclusivo.
Ao Prof. Dr. Hans Ulrich Gumbrecht [Stanford], que me acolheu da melhor
maneira possvel na Universidade de Stanford e me estimulou imensamente em
minhas pesquisas e no meu trabalho.
Ao Prof. Dr. Marcus Alexandre Motta [UERJ] pelo curso sobre Adorno e pelo
apoio nesses interstcios entre literatura e filosofia.
Ao Prof. Dr. Mario Bruno [UERJ], pela participao na Qualificao, pelas
sugestes de caminhos e veredas da filosofia contempornea.
Aos membros da banca que me honraram com sugestes e crticas a este
trabalho.
Ao amigo Prof. Dr. Vincent Barletta [Stanford University], entusiasta da
lusofonia e da brasilidade, pelas longas conversas e tantas ideias sobre literatura.
minha amiga, Profa. Dra. Victoria Saramago [Chicago University], que me
acolheu nos EUA e ajudou em todas as pontes possveis para meu estgio
sanduche e minha estadia.
minha amiga Jamille Pinheiro Dias, pelas trocas de ideias, apoios e ajudas
em diversos sentidos.
minha nova amiga, Profa. Dra. Marilia Librandi Rocha [Stanford University],
da Universidade de Stanford, pelo carinhosa recepo e pelas longas e estimulantes
conversas sobre tantos temas que tambm esto aqui.
s Profs. Dra. Marina Vanzolini [USP] e Maria Borba [CBPF] e ao Prof. Dr.
Renato Sztutman [USP], pelo excelente curso sobre Stengers e Prigogine e pelas
novas alianas intelectuais.
Ao Prof. Dr. Mrio Novello [CBPF], pela interlocuo, os ensinamentos, os
livros e por ter reforado ainda mais meu interesse e amor pela cosmologia.
Ao Prof. Dr. Ricardo Fabbrini [USP] pelas dicas relativas a modernidade, arte
e teoria da arte, e tambm pelo excelente curso que acompanhei.
Ao Prof. Maurcio de Carvalho Ramos [USP], por ter me apresentado alguns
caminhos de compreenso da Filosofia da Cincia, de Leibniz e dos interstcios
entre filosofia, morfologia e vida.
Ao Prof. Dr. Guillermo Giucci [UERJ], pelas aberturas compreensivas da obra
de Sloterdijk.
Profa. Dra. Maria da Conceio Monteiro [UERJ], pelo curso sobre
transumanismo e pelas diversas dicas de bibliografia.
Ao Prof. Dr. Roberto Aczelo Quelha de Souza [UERJ], por todo auxlio dado
na condio de coordenador de ps-graduao.
Ao Prof. Dr. Erick Felinto [UERJ] pelas dicas de obras e contatos de autores
do Realismo Especulativo e teoria das mdias.
Capes pela bolsa de Doutorado regular, que foi extremamente valiosa para
o desenvolvimento desta pesquisa, bem como pela Bolsa de Doutorado Sanduche
no Exterior, por meio da qual pude passar trs meses de pesquisa intensiva na
Universidade de Stanford, viagem que foi extremamente produtiva e cujos resultados
do levantamento bibliogrfico e de reflexo esto todos presentes neste trabalho.
Profa. Dra. Carlinda Nunes [UERJ] pelo enorme auxlio nos procedimentos
do Doutorado Sanduche no Exterior, sem os quais no teria conseguido ultimar tudo
a contento.
Claudia e a toda equipe da Secretaria de Ps-Graduao em Letras da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ], sempre prestativos e solcitos.
Tania Salgado por todo tempo de servio e as inmeras ajudas que me deu
durante a sua estada na Secretaria de Letras.
A todos os meus mais de quinhentos alunos que, ao longo desses quase 15
anos de docncia, passaram pela minha vida e contriburam de alguma maneira
para que eu viesse a ser o que sou.
A todos os professores que tive ao longo da vida e que fortaleceram cada vez
mais o amor que tenho pela palavra conhecimento, a comear pela professora
Quitria, minha me.
A meu amigo Mrio Dirienzo, pelas conversas e trocas no mbito de
paradoxos e dilemas de nossa humana condio, presentes em diversas destas
linhas.
A todos os integrantes do grupo de estudos Cavalo Azul, especialmente a
Dora Ferreira da Silva e a Vicente Ferreira da Silva [in memoriam], que ao longo de
anos proporcionaram um espao de Duplo Domnio e de celebrao, e me
ensinaram a tocar a Terra antes de alar voo.
Ao meu amigo Nelson Schuchmacher Endebo, pela amizade e pelas
excelentes conversas em torno de temas to excntricos quanto vitais, presentes
neste trabalho.
A meus pais Jeovah Petronio Ribeiro e Quitria Santana Ribeiro,
batalhadores que sempre transpuseram todos os limites para me dar tudo o que
tenho e que esto por trs de qualquer coisa boa que eu realize ou venha a realizar.
A meus irmos Leonardo Santana Ribeiro e Thiago Santana Ribeiro, porque o
Caminho infinito e, sendo infinito, inconsciente.
A toda minha famlia, pelo apoio, o amor e a presena sempre e sempre
decisiva para que eu possa realizar o que consigo realizar.
Para Ariane, meu amor, meio-mundo circundante sem o qual teoria alguma
seria possvel ou faria sentido.
A lgica de um pensamento o conjunto das crises que ele atravessa, assemelha-
se mais a uma cadeia vulcnica do que a um sistema tranquilo e prximo do
equilbrio.
Gilles Deleuze
A vida forma.
Peter Sloterdijk
Palavras-Chave: Mesons. Meios. Teoria Global Dos Meios. Ser. Vida. Sapiens.
Ontologia. Cosmologia. Infinito. Finito. Heterarquia. Heterognese.
Antropia. Antropofanias. Antropogemas. Transumano. Holografia.
Holograma. Mereografia. Mereograma. Pluriontologias.
Transferncia. Animismo. Imaginal. Tempestade.
ABSTRACT
The work hereby presented is titled Mesons. It purports to describe and lay
the foundations for a new theory, mesology, a general theory of media [mesons] and
mediations, an ontology of media, one could say, the purpose of which is to furnish
conceptual parameters for the understanding of highly heterogeneous phenomena,
be they of a cultural or natural order, or of a physical or metaphysical one. Such
scope is possible because mesology is buttressed by cosmological and ontological
foundational principles. In this sense, one of the basic principles around which the
theory of mesons is articulated is the binomial finite-infinite, understood from the
standpoint of ontology and cosmology. Thus is this dissertation subtitled Ontology,
for it seeks to outline the elementary meta-theoretical premises of this theory. This
work is therefore eminently meta-empirical, in that both its material and formal
objects coincide in one selfsame conceptual object: the epistemological demarcation
of the concept of mesons, as well as the exploration of diverse phenomena that
mesology could be used to describe and assemble [agencement]. Proceeding from
this primary core that defines the ontology of mesons, another series of concepts
unfolds, concepts central to the understanding of mesology as a whole: mesons,
media, being, life, sapiens, ontology, cosmology, infinite, finite, heterarchy,
heterogenesis, anthropy, anthropophany, anthropogemes, transhuman, holography,
hologram, mereography, mereogram, pluriontologies, transference, animism,
imaginal, tempest, among others. It has obviously not been possible to analyze and
develop all such concepts in this work. If I have failed to do so, it is also because I
imagine this work, dedicated to an outline of the being of mesons, that is, to the
ontology of media, as the first volume of a larger, multi-volume project, titled Mesons,
which will engage other concepts and notions such as cosmos, life and form, in their
properly mesological determinations and specificities.
Keywords: Mesons. Media. Global Theory Of Media. Being. Life. Sapiens. Ontology.
Cosmology. Infinite. Finite. Heterarchy. Heterogenesis. Anthropy.
Anthropophanies. Anthropogemes. Transhuman. Holography. Hologram.
Mereography. Mereogram. Pluriontologies. Transference. Animism.
Imaginal. Tempest.
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................. 24
MESONS
Roteiro de Leitura
I. Mesons
1. A teoria dos mesons ou mesologia uma teoria que se define como uma
ontologia e uma cosmologia dos meios.
2. medida que uma epistemologia relacional, a teoria dos mesons prope-se
como uma ontologia que descreve e promove a emergncia e a gnese de
novos conceitos.
3. Um novo conceito aquele que cria uma nova realidade, produz realidades e
no apenas descreve realidades preexistentes.
4. Esses novos conceitos emergem justamente nos interstcios dos saberes e
das cincias constitudos e emergem medida mesma que se situam nos
interstcios relacionais nesses mesmo saberes e cincias.
5. Nesse sentido, a teoria dos mesons no um saber institudo, mas um saber
instituinte e emergente.
6. Pode-se dizer que os autores contemporneos mais marcantes para a
formulao da mesologia so trs autores fundamentais: Sloterdijk,
Whitehead e Deleuze.
7. Os autores-matrizes que deram ensejo a este trabalho so, entre outros, os
seguintes: Lucrcio, Bruno, Ficino, Schelling, Espinosa, Leibniz, Marx, Malfatti
von Montereggio, Nietzsche, Darwin, Tarde, Uexkll, Heidegger, Gdel,
Simondon, Driesch, Plessner, Girard, Ferreira da Silva, Bateson, Flusser,
Stengers, Prigogine, Koyr, Bachelard, Latour, Luhmann, Maturana, Jonas.
8. Do ponto de vista das imagens do pensamento, esta tese parte da obra A
Tempestade de Shakespeare, como fio condutor de sua argumentao em
torno do que venha a ser uma manifestao sensvel e narrativa dos
princpios aqui defendidos: os mesons e os meios.
9. Do ponto de vista conceitual, esta tese parte da trilogia Esferas de Sloterdijk
como um de suas principais inspiraes.
III. Animismo
12. A realizao dessas passagens e conexes entre orgnico e inorgnico so
apoiadas tambm especialmente em Deleuze e Whitehead.
13. Os mesons so a cadeia que compe a continuidade infinita e a
relacionalidade infinita entre os processos cosmolgicos fisioqumicos e os
processos biolgicos e orgnicos, em uma lei de continuidade que se
desdobra tambm ad infinitum.
14. Os mesons propem uma passagem das esferas didicas interior-exterior
para um horizonte de eventos finito-infinito, bem como uma superao das
descontinuidade ontolgica orgnico-inorgnico. Para tanto, vali-me de um
confronto entre a esferologia de Sloterdijk e a teoria da complexidade de
Stengers e Prigogine, desenvolvida na obra Nova Aliana.
15. Essa passagem da descontinuidade continuidade consiste na passagem de
sistemas dinmicos ou termodinmicos, entendidos como sistemas prximos
ao equilbrio, a sistemas distantes do equilbrio, para os quais a entropia
passa a ser positiva e, portanto, a vida deixa de ser uma exceo aos demais
processos fisioqumicos e passam a ser uma longa continuidade desses
mesmos processos.
16. A continuidade dos processos fisioqumicos para os processos orgnicos
corresponde continuidade de processos galcticos e cosmolgicos ao
mundo do sistema semiaberto do planeta Terra.
17. Isso quer dizer que todo o universo e todos os agentes mesocsmicos ou
metacsmicos tm algum nvel de participao na substncia da vida e vice-
17
V. Ontologia e Cosmologia
25. A tese central da mesologia oriunda da ontologia e da cosmologia.
26. Essa tese central consiste no seguinte axioma: os universos, os cosmos e os
mundos so formas finitas de uma substncia relacional infinita.
27. Finito e infinito no estabelecem entretanto entre si uma relao nem de
univocidade, nem de equivocidade, nem de dualidade.
28. Finito e infinito estabelecem entre si uma estrutura de relacionalidade e de
pluralidade.
29. Como o infinito no pode ser circunscrito, o universo o modo finito de
emergncia do ser.
30. O universo estruturalmente relacional porque sua unidade formal e real
depende de uma substncia infinita que o transcende.
31. Da mesma maneira, a cadeia global do ser depende do infinito para vir a ser,
pois a cadeia global do ser uma unidade formal e realmente finita.
32. Portanto, para vir a ser o universo e todo o horizonte do ser atravessado por
uma substncia infinita em forma infinitesimal.
33. Essa infinitizao do ser no produz apenas uma infinitizao de seres:
produz tambm uma pluralidade de ontologias.
34. A pluralidade de ontologias abre-nos para uma pluralidade de cosmos, de
universos e de mundos.
35. Todos os cosmos, universos e mundos so atravessados pelo infinito.
42. Como meio-medida, os mesons esto a meio caminho entre finito e infinito,
entre medida e desmedida.
43. Um mundo apenas pode se determinar como mundo finito em relao a
outros mundos finitos que lhe sejam transcendentes.
44. Um mediador apenas pode se determinar como mediador em relao a outros
mediadores infinitos que lhe sejam imanentes.
45. Uma medida sempre a dinmica incompleta entre formas imanentes e
transcendentes a um determinado ser na qual a forma se realiza.
46. Todos os seres do universo so mesons, ou seja, simultaneamente meios-
mediadores, meios-mundos e meios-medidas.
47. Seja como mediadores, como mundos ou como medidas, os mesons nascem
de uma dinmica mais ampla entre finito-infinito, compondo uma ontologia
infinitesimal.
48. Essa estrutura aparentemente paradoxal finito-infinito uma constante
cosmolgica, que atravessa todas as ordens dos seres.
49. O finito se atualiza como forma, pois a forma determina a indeterminao
primeira e circunscreve o infinito em finito.
50. A vida, justamente por sua precariedade, sua finitude e sua transitoriedade,
torna-se o lugar por excelncia de realizao da forma e, portanto, da
atualizao do finito na cadeia infinita e indeterminada.
51. Como forma tambm os mesons constituem medidas e padres de harmonia,
ordem, organizao, proporo.
52. Esses padres dos mesons-medidas traduzem a incomensurabilidade infinita
em comensurabilidade finita.
53. A vida uma extenso e uma continuidade do universo.
54. A singularidade da vida consiste em explicitar, por meio da forma, a
complexidade da estrutura desse mesmo universo.
55. A complexidade formal dos mesons-medidas depende da atualizao da
incomensurabilidade, da desmesura e da desmedida infinitas de onde as
medidas finitas se originam.
56. Justamente por ser o ponto central do finito, a vida o principal acesso ao
infinito.
57. Desse modo a vida a dimenso de emergncia da forma a partir da relao
20
X. Mesons e Imagem
83. A partir dessa relao transferencial, embaralham-se os domnios dos seres
reais e dos seres imaginrios
22
84. Esse campo ode real e imaginrio se fundem se chama campo imaginal.
85. Um meio-mundo pode se tornar a imagem mediadora de uma ao real .
86. Uma ao real pode se converter em uma imagem presente nos meios-
mundos.
87. Quanto mais potente a relao da vida com a finitude, ou seja, com a morte,
mais potente torna-se seu desejo transferencial: mais a vida realiza o impulso
cosmognico e ontognico de se infinitizar e, dessa maneira, a vida
transforma sua condio parcial em totalidade.
88. Quanto mais fraca a relao da vida com a finitude, ou seja, com a morte,
mais fraco torna-se seu desejo transferencial: menos a vida realiza o impulso
cosmognico e ontognico de se infinitizar .
89. Neste caso, quando no realiza o salto da parcialidade totalidade, do finito
ao infinito, a vida concebe-se a si mesma como parte de um grande todo, ao
qual pretende regressar.
90. O desejo transferencial que v a vida como parte que deve ser elevada
condio de totalidade produz um ato criador.
91. O desejo transferencial que v a vida como parte de um todo ao qual a vida
precisa ser reassimilada produz um ato mediador.
92. H uma anterioridade lgica, ontolgica e axiolgica do infinito em relao ao
finito: o infinito reduz parcialidade todos os regimes globais da causalidade,
do ser e dos valores.
93. O devir inscrito nos seres vivos como necessidade sobrevivncia e
ultrapassagem de sua condio instvel e precria consiste em promover
fendas, rachaduras, aberturas, fraturas e condies para aumentar o fluxo do
infinito nos transmundos finitos.
97. Devido relao singular e ambgua que Deus estabelece com a totalidade
dos seres finitos, no o logos que a primeira imagem temporal de Deus.
Deus que a primeira imagem temporal do infinito.
98. O infinito existe para alm de Deus.
99. Deus, os universos, os cosmos e os mundos so formas finitas de
autodeterminao do infinito, ou seja, so mesons.
100. medida que toda existncia finita emerge do infinito e o infinito no
racional e tampouco racionalizvel, no h em nenhum lugar dos universos,
dos cosmos e dos mundos e dos seres finitos nenhuma intencionalidade e
nenhuma inteligncia.
101. Para haver uma inteligncia no universo, seria preciso conciliar infinito
e razo.
102. Para conciliar infinito e razo seria preciso conceber uma identidade
entre Deus e infinito.
103. Para concebermos um Deus infinito, teramos que dissolver
infinitamente sua substncia, o que lhe retiraria o atributo da unidade sem o
qual Deus no pode ser Deus.
104. Deus no pode ser infinito, pois medida que Deus Deus, Deus
uma das autolimitaes do infinito.
105. Postular a identidade de substncia entre Deus e os universos torn-
los imanentes um ao outro.
106. Desse modo, tanto Deus quanto os universos seriam autolimitaes e
autodeterminaes, ou seja, mesons, de uma mesma substncia infinita que
os transcende.
24
INTRODUO
Ilhas de Luz
h sete bilhes de anos, esse mesmo universo encontra inelutavelmente o seu fim
quando atinge esse limiar1.
Esse fim do universo no o fim, mas um fim. Um limiar. Umbral. Passagem.
Um ponto de singularidade que conecta este universo com a gnese de outros
universos, como um embrio se conecta a um cordo umbilical. O universo infinito
no espao e no tempo, ou seja, ilimitado e eterno. O universo so as sstoles e as
distoles de um mesmo rgo, eterno e infinito. Os diversos mundos so pontos de
um tecido, uma infinita cadeia de meios e mediaes, e a totalidade da arquitetura
csmica nada mais do que o meio dos meios, ou seja, a totalidade do universo e a
estrutura global de todos os seres existentes apenas o meio animado pelo qual um
continuum mais vasto de formas e conexes relacionais se propaga, eterna e
infinitamente. O Deus absoluto e todos os deuses, todas os sistemas racionais e
todas as filosofias, todas as divindades e todas as ausncias de divindades, todas
as religies e todas as escatologias, todas as narrativas e todas as verdades, todas
as msticas e todos os atesmos, todas as formas de crena e todas as formas de
descrena, todas as imagens das cincias e todas as imagens dos mitos, todas
artes e obras criadas e todas tecnologias e realidades criadas, todas as criaturas e
todos os criadores, todas as conjecturas e todas as convices, todas as formas de
vida e todas as formas de no-vida, todos os desastres e todas as glrias, toda a
criao e toda a destruio, todo acaso e todo destino, todos os acontecimentos e
tudo o que no se realizou, tudo o que existe e tudo o que no existe, tudo o que foi,
tudo o que e tudo o que ser. Tudo isso est contido nas molculas que se agitam
no meu corpo, nos objetos que toco, na face de uma pessoa amada, na face de um
inimigo. Tudo isso j morreu, em outra dimenso. Tudo isso vai morrer,
inexoravelmente. Mas tudo isso vive nos tomos e nas molculas e nos raios de sol
deste dia, que me iluminam, aqui e agora, enquanto escrevo, neste exato instante,
irrepetvel. Saber que morrerei, que Deus morrer, que os deuses morrero, que
tudo morrer, que o universo morrer. E ao mesmo tempo saber que tudo so meios
e formas finita pelas quais o infinito se realiza a si mesmo, no passado, no presente
e no futuro do universo, antes do universo vir a ser e depois da sua absoluta
extino. Tudo morre. Tudo vive. Morte e vida so consubstanciais. Morte e vida so
ilhas de luz, cercadas de escurido e de infinito em todas as direes.
1
ALLGRE, Claude. Introduo a uma histria natural: do big bang ao desaparecimento do homem.
Traduo Telma Costa. Lisboa: Teorema, s/d.
29
2
GLEISER, Marcelo. A Criao Imperfeita. Rio de Janeiro: 2010.
3
GREENE, Brian. O Universo Elegante: Supercordas, Dimenses Ocultas e a Busca da Teoria
Definitiva. So Paulo: Cia. das Letras, 2001.
4
Trata-se da evolutionary developmental biology: KINOUCHI, Osame. In: DE FRANCO, Clarissa e
PETRONIO, Rodrigo [org]. Crenca e evidencia: aproximaes e controvrsias entre religio e teoria
evolucionria no pensamento contemporneo. So Leopoldo: Unisinos, 2014.
5
NOVELLO, Mrio. Do big bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
30
Cauchy nas quais se opera uma transmutao radical das leis que regem tempo,
espao, matria e causalidade, dentro das leis fsicas do universo que habitamos, ou
seja, dentro de uma ontologia geral que oculta em si as ontologias regionais e outras
ontologias paralelas que se desdobram para alm do horizonte observvel6.
Em um primeiro modelo o universo e a pluralidade dos mundos e galxias do
nosso universo estariam em conexo com outras dimenses e, portanto, com outros
universos. Desse modo, o que chamamos de universo seria a coimplicao
simultnea de multiversos, emaranhados e em constante trnsito de energia
realizada por meio de alguns canais dotados de topologias especiais. Em segundo
lugar temos um modelo de inflao, irreversibilidade, vetorizao e morte trmica,
cujo grau zero daria origem a uma nova expanso csmica, ou seja, a uma nova
vigncia do universo. O universo seria as sstoles e as distoles de um mesmo
rgo, eterno e infinito. Em ambos os cenrios cosmolgicos, por mais distintos que
paream, duas questes nucleares se colocam. Em primeiro lugar, em ambos
estamos diante de uma irreversibilidade e de uma vetorizao que nos obriga a
pensar o universo e a tudo o que existe como uma modalidade de vida, para alm
de quaisquer hipteses mecanicistas e de quaisquer separaes entre orgnico e
inorgnico. Em segundo lugar, as origens e os fins, seja em uma dimenso
cosmolgica ou em uma dimenso dos fenmenos empricos, tornam-se aparies
fantasmais. Convertem-se em pontos de transio de uma infinita cadeia de meios
e mediaes, cuja totalidade da arquitetura csmica nada mais do que o meio dos
meios, ou seja, a totalidade do universo e a estrutura global de todos os seres
existentes apenas a parte de um continuum mais vasto de formas e conexes
relacionais que se propaga eterna e infinitamente.
Rumo ao Infinito
6
HAWKING, Stephen. Minha Breve Histria Autor. Rio de Janero: Intrnseca, 2013.
31
Meios
as condies necessrias e lgicas para que o universo exista e para que exista do
modo que existe, ou seja, como meio de realizao e como forma finita do infinito.
Entretanto, esse todo parcial chamado universo, parcial porque a parte
realizada e manifesta de uma cadeia virtual de realizaes infinitas, no existiria
como existe se no fosse tambm um ser vivo. No se trata de mera metfora
metabiolgica e muito menos de transposio antropocntrica. No nossa
concepo do universo que corre o risco de ser biocntrica e biomrfica. nossa
concepo de vida que teriocntrica e teriomrfica. Nossas atribuies de vida
intergalctica continua a servio de uma definio de vida cujo parmetro a Terra.
Para superar esse modelo, precisamos pensar em termos globais todos os
processos cosmolgicos como processos de animao e de movimento. Para isso, a
teoria dos mesons tem como um de seus objetivos precpuos uma redefinio da
alma, ou seja, o projeto de um novo animismo csmico.
Contudo imaginar que a vida est em toda parte pode ser reconfortante
apenas os mais ingnuos. Conceber o universo a partir da dimenso processual dos
organismos conceber o universo como um processo ininterrupto de diferenciaes
e de singularidades que se constelam em determinadas formas, sob a ao de
certas condies contingentes e de certas intensidades, mas cuja estrutura geral de
manifestao dificilmente se repetir em outras condies cosmolgicas, ainda que
essas condies cosmolgicas se assemelhem. Isso quer dizer que mesmo a partir
de um modelo de multiversos coimplicados e espelhados, e mesmo a partir de uma
concepo de universo para o qual o inicio e o fim so umbrais para a travessia em
direo a um metaverso, sempre a diferenciao da vida rege a cadeia das
mediaes em um universo vivo, e, sendo vivo, singular e irredutvel em cada um
dos pontos e tramas de seu tecido. O ponto de singularidade no apenas o canal
de transferncia entre dois ou mais universos. O ponto de singularidade se
manifesta de modo ubquo em todo universo, pois se o infinito produz uma constante
infinitizao dos seres, no h nada no universo que seja passvel de ser reduzido a
leis gerais. A infinita singularizao da substncia universal consiste
necessariamente em uma infinitizao das singularidades.
Eu nunca me repetirei. Nenhum de ns, em nenhum instante do tempo e em
nenhuma regio do espao, nunca se repetiu e nunca se repetir. Nenhum ser
gerado no universo jamais sobrevive a si mesmo e jamais se repete, no tempo ou no
espao. Todas as galxias e todo o cosmo so gigantescos processos de
38
Cosmos e Vus
39
guia a humanidade em um fio sobre um abismo: ele guia de todos, mas todos
esto sob as mesmas condies, em um fio sobre o desfiladeiro.
Nesses termos, as religies e todas as narrativas cosmognicas nunca
estiveram precisamente e completamente erradas ao atribuir o fundamento do
mundo a uma divindade, a um ser supremo, a Deus ou a deuses. Tampouco as
narrativas cosmolgicas se equivocaram ao atribuir densidade, forma, limites,
fundamentos e contornos epistemolgica e ontologicamente finitos ao universo.
Podemos muito bem apelar para as demandas da razo, para a intuio sensvel,
para a deduo transcendental e para os dados irrefutveis da empiria para legitimar
todas essas descries. Entretanto, em todos esses casos, a motivao encontra-se
em um mesmo e exato movimento: a ao do infinito sobre o finito e sua
devastadora fora produtora de continuidade. A hiptese antropolgica deste
trabalho resumidamente a seguinte: tudo o que a vida produziu sobre a superfcie
da Terra, das bactrias e dos unicelulares s viagens intergalcticas, uma
modulao das aes descomunais que a invarivel cosmolgica chamada infinito
exerce sobre os seres finitos. Uma unidade de sentido sempre nasce de uma
demanda racional e, nesses termos, de uma alterao nas modulaes parte-todo:
um objeto parcial transferido a um estatuto de totalidade medida que lhe
atribumos contornos, ou seja, quando o limitamos. E medida que totalizamos os
dados da experincia, transformamos esses dados em unidades racionais, sejam
esses dados definidos como cosmos, mundo natural ou Deus.
produziu uma narrativa sobre a totalidade desse mesmo globo que as rotas
migratrias traaram. Por outro lado, a fixao de um territrio pde instituir a
necessidade de criar uma narrativa sobre a totalidade, mesmo se essa totalidade
diga respeito viso parcial e terica de sbios e legisladores da verdade que nunca
transpuseram os muros de sua cidade natal. Somos uma cadeia infinita de relaes
e de partes que remetem a outras partes, sem nunca comporem uma totalidade. E
apenas como ressonncia desse percurso sem fim a vida pode ser chamada de
vida. Por isso, no podemos separar esses dois processos e essas duas matrizes,
como se fossem autoexcludentes. No por acaso, o sedentarismo tambm est
relacionado a uma revoluo dos mesons. A alterao substancial do sedentarismo
no foi ter exterminado ou inviabilizado a razo nmade. Pelo contrrio, o
sedentarismo possibilitou que as ontologias nmades se desdobrassem e se
fortalecessem, pois forneceu-lhes algo que elas nunca tiveram: um ponto fixo.
A saga nmade definida por uma estrutura relacional parte-parte que se
desdobra rumo ao infinito. Os meios de subsistncia dos nmades os conduziram a
ter sempre em mente um horizonte, cuja transposio atravessava suas vidas em
ciclos infinitos de dias e noites, sem que esse horizonte jamais se realizasse ou se
fechasse, ou seja, o horizonte sempre fora a imagem mesma do infinito. A revoluo
da agricultura, ao fornecer um ponto de referncia, pde dessa maneira constituir
essas relaes estruturais parte-parte em uma nova chave. A partir do momento em
que a percepo do infinito no se mistura percepo cotidiana de um horizonte
ontologicamente infinito a cada diz, abre-se uma nova potencialidade do ser: a
possibilidade de circunscrever o infinito e, desse modo, fornecer um ponto de
ancoragem finito ao infinito. Emerge a condio de possibilidade de transformar o
infinito em um cosmos e, desse modo, de dotar o infinito de sentido, de unidade e de
uma geometria. As relaes parte-parte passam desempenhar um novo sentido: o
sentido da transferncia da parte ao todo, em uma ontologia relacional parte-todo.
Em outras palavras, a experincia e o conceito de infinito passam a ser reduzidos
experincia e ao conceito de totalidade. Infinito e totalidade so as matrizes das
diversas ontologias, cosmologias e antropologias e desse modo determinam toda a
odisseia da vida na Terra. Obviamente o infinito no pode ser circunscrito, e a
substncia infinitesimal do universo fora constantemente a realidade intramundana
do cosmos a se realizar a si mesmo como excentricidade e como ultrapassagem.
Esse imperativo de excentricidade e de ultrapassagem dos limites e da finitude no
46
Esferologia e Mesologia
Animismo e Pluralismo
representam uma alterao global das relaes parte-todo, ou seja, uma alterao
da estrutura mesma do cosmos e das condies fundamentais do universo.
Essa revoluo mereogrfica das relaes parte-todo [meros-holos] define de
maneira essencial a alterao dos paradigmas da cosmologia e, de um ponto de
vista da morfologia, constitui a revoluo das formas a que costumamos chamar
modernidade. Entretanto importante frisar que a partir da teria dos mesons, a
modernidade apresenta uma relao especial com os meios, pois a partir do sculo
XV a relao finito-infinito passa a assumir o centro da cincia e do pensamento em
geral. Contudo, o fenmeno moderno apresenta mais um aprofundamento de uma
constante cosmolgica e antropolgica fornecida pelos mesons, do que uma
descontinuidade em relao a outros perodos da histria. Em outras palavras,
desde a emergncia da vida na Terra e desde a emergncia dos primatas superiores
e do sapiens a relao finito-infinito e parte-todo se encontram em plena atividade.
Toda atividade da vida no planeta e o nascimento da cultura humana esto
intimamente ligadas experincia elementar do atravessamento do finito pelo
infinito. A modernidade, mais especificamente a partir do sculo XII, esses
processos primrios das relaes parte-todo sofreram o impacto da simetria: cada
vez mais as relaes entre as partes e suas sucessivas transferncias a uma
totalidade comeam a ruir, diante da potncia de simetrizao do infinito em relao
ao finito. Nesse sentido e apenas nesse sentido podemos identificar uma
descontinuidade no escopo da modernidade. Essa descontinuidade entretanto nos
obriga a rever algumas das premissas de demarcao da prpria modernidade, pois
em geral essas premissas esto relacionadas a concepes modais: a modernidade
seria produto de um isomorfismo entre substncia e modo.
Em outras palavras, a modernidade teria surgido de um modalismo radical.
Do ponto de vista dos mesons, as teorias modais descrevem apenas um aspecto do
fenmeno moderno. medida que os mesons so postulados e constantes
cosmolgicos, e antropolgicos, a descoberta do meio como meio define a
modernidade para alm dos critrios estabelecidos pela modernidade, a partir de
recursos modais. Isso quer dizer que as teorias modais se baseiam em um
isomorfismo entre sustncia e expresso, ao passo que a teoria dos mesons se
baseia em uma pluralidade de ontologias surgidas de um mesmo horizonte de
eventos e, portanto, constituidoras de mesons temporal e espacialmente distintos.
Nesses termos, seria preciso pensar a modernidade no mais a partir das teorias
49
modais, mas pensar a modernidade a partir da teoria dos mesons. Isso implica rever
os critrios mesmos de definio do moderno, ou seja, propor uma alternativa ao
paradigma hegemnico criado pela modernidade para julgar e definir a
modernidade, em termos teleolgicos e tautolgicos.
Digresso Afetiva
Amo filosofia como amo literatura. Como amo as cincias. Como amo um por
do sol, certos lugares, cheiros, imagens, lembranas, pessoas, paisagens. Ou seja,
os objetos so distintos, e ama-se cada um desses objetos de maneiras e com
intensidades diferentes. Mas o tecido da realidade sempre uno. E o desejo os
unifica em um espao comum de animao. Nesse sentido, creio meu interesse
sempre foi pela intensidade que se passa na linguagem. Sou obcecado por certas
intensidades que atravessam a linguagem verbal. Drummond comentou de maneira
muito tocante que as maiores emoes de sua vida se deram com uma caneta entre
os dedos. Eu diria que entre as maiores emoes de minha vida esto,
independente do valor que tenham, as linhas que escrevi e as linhas que li. Desse
ponto de vista, para a minha formao de escritor e de leitor, Lucrcio, Montaigne,
Hume, Nietzsche, Vico e Sloterdijk so to importantes quanto os mais de mil livros
de poesia que tenho em minha biblioteca. Cervantes e Dante no so mais
importantes para mim do que um tratado medieval que descreve a fisiologia
humana. Os contos de Poe no so mais importantes do que Eureka, o tratado de
cosmologia de Poe. Algumas obras obscuras que me chamam a ateno por algum
motivo obscuro, como a Hypnerotomachia Poliphili, por exemplo. A monadologia de
Leibniz, a cosmologia de Nicolau de Cusa e o tratado do infinito e da pluralidade dos
mundos de Giordano Bruno no so menos ficcionais e fantsticos do que uma obra
de fico cientfica. Os lampejos do pensamento de alguns filsofos e as ideias que
leio em obras cientficas no me tocam menos do que os personagens da fico que
me acompanham pela vida. Nesse sentido, penso que h um certo purismo por trs
de toda especializao, inclusive as especializaes artstica e literria. A literatura
o espao no qual a linguagem se realiza a si mesma em toda sua possibilidade e
intensidade. Essa intensidade da linguagem no depende de contar uma estria ou
ler todos os poetas contemporneos. Essa intensidade depende de cruzamentos, de
multiplicidades e de impurezas, de misturas e de contgios recprocos que a
50
literatura estabelece com outros saberes e cincias, com as artes e a filosofia, com
os dados da experincia e com as religies, com a poltica e a profecia, ou seja, com
tudo aquilo que no considerado literatura.
De um ponto de vista pragmtico, sem teologia, a filosofia, a filologia, da
politologia, da hermenutica sacra e do estudo das religies, a Divina Comdia no
seria possvel. Tampouco seriam possveis as obras de alguns dos maiores ascetas
da escrita, como Borges e Flaubert, cujo romance Bouvard e Pcuchet consiste
muito mais em uma enciclopdia dos saberes s avessas do que em um romance.
Quantos tratados de teoria da literatura e de pintura esto diludos na obra maior de
Proust? Quantas cincias, filosofias, artes e saberes produz um Da Vinci? Quantos
tratados de filosofia e de msica foram precisos para criar, respectivamente, O
homem sem qualidade e o Doutor Fausto? Com quanta alquimia, cincia e filosofia
se faz um Goethe? Quantas teorias poticas e retricas so desfiadas pela boca de
Quixote? Quantos tratados de filosofia, fisiologia e teologia se encontram dispersos
em Gargntua e Pantagruel? Isso tudo a multiplicidade da literatura, uma das
apostas de Calvino para o prximo milnio. A arte que se fecha para a alteridade, a
arte que no se deixa afetar e transformar pelo outro de si, a arte que se protege
daquilo que constitui o seu negativo, essa arte est condenada a duas fatalidades: a
morte ou o sucesso. A incapacidade de fracassar define toda a arte e toda a
literatura ruins de nosso tempo. Somos cada vez mais animais puritanos em busca
de xito. Queremos depurar, simplificar e catalogar cada vez mais, pois isso otimiza
os processos, antecipa a fama e gera dinheiro imediato. Em contrapartida, desafio
qualquer um a encontrar qualquer obra significativa, em qualquer domnio do
conhecimento ou em qualquer arte, que no tenha sido produzida em um espao de
transversalidade, ou seja, que no tenha nascido de toda sorte de tramas oficiosas,
de contaminaes, de misturas, de conexes, de mesclas, de sntese de materiais e
ideias os mais anacrnicos e heterogneos. Por qu? Porque a literatura vive do que
no literatura. A cincia germina quando se alimenta do que na cincia no
cincia. A poesia surge quando o poeta respira cotidianamente o que no poesia.
A filosofia se fortalece quando busca abranger o mundo e a totalidade do
pensamento, para alm do horizonte de tudo o que se convencionou chamar de
filosofia. Hegel e Adorno perceberam muito bem que a constituio de cada um dos
regimes e campos dos saberes est diretamente vinculada s suas respectivas
alteridades e negatividades. Embora ambos estejam pensando em termos finalistas
51
e concebendo uma arte e uma literatura emancipadas e autnomas, creio que esse
ideal possa ser compreendido em outra chave, a partir da qual a definio de
literatura seja colocada em cheque justamente pela imensa porosidade e
promiscuidade que a define em sua essncia. Tornar transparente esse campo de
misturas, impurezas e interseces basicamente uma das possibilidade de
compreender a arte e a literatura por meio da mesologia.
medida que a mesologia uma cosmologia e uma ontologia dos meios,
toda e qualquer obra apenas se realiza medida que se torna o meio de realizao
de outras obras, que passam a ser concebidas como meios e no mais como pontos
de chegada ou partida. Por isso, uma obra se torna um clssico na medida em que
essa obra consegue interiorizar o maior nmero de obras heterogneas,
transformando-as em mediaes de si mesma. A mesologia parte de um
pressuposto radicalmente antiessencialista. Um clssico no nasce da angstia da
influncia. Um clssico nasce da angstia da originalidade. Uma obra clssica no
a obra que melhor superou os modelos anteriores. Uma obra clssica aquela que
melhor incorporou em si o maior nmero de modelos, de modo a conseguir esvaziar
esses modelos de sua idealidade, reduzindo-os a mediaes internas de si mesma.
Quanto mais impura uma obra, mais clssica essa obra tende a ser. O clssico
uma obra que vive para realizar o conjunto de toda a literatura e de toda arte
existente. Por isso, toda teoria da arte e da literatura se resume a uma teoria global
dos meios, a uma ontologia dos meios, a uma mesologia. A teoria aborda a
singularidade de cada obra, mas seu objetivo na verdade deveria ser compreender
em que medida essas mesmas obras incorporaram obras alheias, transformando-as
em meios internos de sua prpria realizao, ou seja, negando o estatuto ideal
dessas diversas obras, que deixam de ser modelos externos e passam a ser meios
internos. De Virgilio a Dante, de Blake a Rimbaud, de George e Trakl a Rilke e
Perse, todos os poetas rficos realizaram a poesia justamente quando pensaram a
poesia como meio e no como fim ou origem, ou seja, como artesanato ou
possesso. As camadas de mediaes externas desses poetas foram colhidas nas
religies, nos mitos, na literatura, na filosofia, na teologia, ou seja, incorporaram o
maior nmero de meios externos ao interior do que se chama poesia, tornando-a
cada vez mais impura, ou seja, conduzindo a poesia para fora da poesia. Esse o
procedimento elementar e incontornvel de todo e qualquer artista, sobretudo
aqueles tristemente definidos como gnios originais. As pinceladas de Van Gogh
52
representam uma nova economia de meios, pois representa uma nova relao com
a um meio especial: a atmosfera. Tudo o que existe entre o olho e o objeto, ou seja,
todas as camadas e mediaes entre sujeito e objeto, assumem o centro da criao.
O pintor no pinta o real. O pintor pinta o meio entre o pintor e o real. Capta
atmosferas, que so intervalos entre o olho e um objeto, seja um sapato, um girassol
ou o horizonte estrelado. Esses meios so simultaneamente meios-mundos
circundantes e meios-mediadores, tais como luz, cor, vibrao, intensidade,
tonalidades, oscilaes, nuances, ou seja, todas as impurezas que se interpem
entre o olho e o objeto. E assim sucessivamente. Poderia me estender em dezenas
ou centenas de exemplos. Em linhas geras, o que podemos reter desse debate?
Quando se enfraquecem a negatividade e a alteridade da criao, e quando as
impurezas constitutivas da arte como arte so filtradas e depuradas, passamos a ter
escritores que escrevem, crticos que criticam e poetas que poetam.
Para compreender o sentido da literatura sob um novo ngulo, precisaramos
retomar o poder da palavra poiesis. No podemos vincular essa palavra ao sentido
meramente positivo e ativo de fazer. A poiesis no se restringe a uma atividade que
passa da potncia ao ato, como bem mostrou Agamben. A poiesis tambm descreve
a potncia de no fazer e a potncia de no ser. A poiesis, entendida como
atividade, em seu sentido geral, no se refere iluso de que todos so ou sero
poetas. Trata-se sim de entender que nenhum poeta poeta sem se manter sempre
tensionado e sempre na iminncia de renunciar a s-lo. A arte e o pensamento so
as atividades humanas por excelncia que vivem e sobrevivem, no da morte, mas
da iminncia da morte. Esse limiar consiste no vasto campo aberto no interior da
criao, a partir do qual a uma obra passa a canibalizar a maior quantidade possvel
de outras obras, a literatura passa a receber em si tudo o que no literatura, a arte
se abre finalmente para tudo o que no considerado arte. Apenas quando se
mantm tencionada no limiar de sua extino a arte pode vir a ser. Por isso Bartleby
e Sherazade so, nesse sentido, as maiores preceptivas da literatura e da narrativa
jamais criadas. Retornando ao ponto inicial de sua pergunta, estou trabalhando em
um novo livro de poemas. Talvez fique pronto ainda este ano. Felizmente o sanatrio
no me curou por completo. Entretanto o que de fato importa para mim que os
poemas que eu escreva sejam sempre um amlgama de todas as atividades que
desempenho e desempenhei, de todas as linhas que li, todos os momentos que vivi,
todos os silncios que silenciei, todos os pensamentos que pensei, todos os estudos
53
circundante desse eu, mas os recorta, tanto o eu quanto o poema, contra o horizonte
de uma grande narrativa annima no interior da qual esse mesmo eu e esse mesmo
poema se dissolvem. Esse foi e continua sendo o mago de minha ambio na
literatura: uma arqueologia da aniquilao do eu. Pensar a poesia nessa chave
conceb-la como o mais lento de todos os objetos existentes. Porque a partir dessa
concepo, a velocidade da poesia a velocidade com que um fssil atinge um
receptor. Esse fssil pode levar minutos, anos, sculos, milhes ou bilhes de anos
para atingir seu receptor. Quando o atinge, altera algo que determinante de sua
sensibilidade e constela o mundo em um novo esquadro espaciotemporal. Essa
reconfigurao de nossa percepo geral do mundo semelhante ao que ocorre
com todos ns quando somos atravessados pela experincia da poesia. Essa
reorganizao no pode ser definida de um ponto de vista quantitativo. O que a
reconfigurao da percepo global de uma pessoa produz sobre a realidade dessa
pessoa? E o que produz, indiretamente, sobre aqueles com os quais essa pessoa
convive? E se essa pessoa se tornar um lder religioso ou poltico? Em que medida a
intensidade que promoveu a reconfigurao global dessa pessoa atingida pelo fssil
da linguagem estar presente na transmisso de sua mensagem para outros
receptores? Como quantificar o impacto do fssil-linguagem sobre uma cadeia de
conexes que se multiplicam de modo no-linear? Essa a base da teoria dos
mesons que tenho desenvolvido, que consiste em uma ontologia e uma cosmologia
dos meios e mediadores. Entender a linguagem como arqueologia do presente pode
ser uma das abordagens possveis da mesologia para a literatura e a arte.
Entretanto temos uma capacidade comum e mesmo cotidiana de olhar o presente do
ponto de vista de sua arqueologia passada e futura. A poesia a capacidade de
iluminar fragmentos imemoriais que permanecem sombra ou obscurecer a
claridade do todo, trazendo tona o impacto de sua inexorvel extino futura. Ao
mesmo tempo, para a poesia os mortos nunca se foram e o que est prestes a se
extinguir pode vir a ressuscitar em um futuro em aberto, vazio de qualquer
expectativa. A unidade indissolvel entre o imemorial e o messinico. Creio que
basicamente nisso consiste a atividade da poesia e at mesmo todo pensamento e
toda arte.
s mutuas implicaes entre texto e sujeito levantadas pela critica gentica e pelos
diversos tericos que atuam na interface literatura-psicanlise. O deslocamento da
centralidade da autor e o foco na mouvance impessoal do significado, bem como a
dimenso constitutiva do receptor na construo desse mesmo significado, como
sugeriram Iser e a teria da recepo. A importncia do leitor-autor na configurao
do valor de cada obra, hiptese defendida por dezenas de escritores-ensastas, de
Calvino a Borges, de Mann a Valry. As contnuas flutuaes da literatura e, acima
de tudo, da definio mesma da literatura como literatura, e suas travessias pelo
campo movedio da antropologia, presente nas intuies brilhantes de Bataille, de
Leiris, de Lvi-Strauss, de Mauss. A interao da literatura com as novas
tecnologias, e a diluio do conceito de literatura nas teorias sistmicas e
combinatrias, que podem assumir tanto a feio dos jogos de linguagem numricos
de Oulipo quanto a relao entre poesia e cincia da computao, em certos
experimentos das vanguardas que se desdobram e prosseguem nos dias de hoje.
Por fim, a dissoluo completa da definio do que venha a ser literatura,
diante de sua inscrio nos domnios da arte conceitual e na chamada crise de
legitimao dos discursos, que desde as obras clssicas de Lyotard tm conduzido a
uma completa e irreversvel morte da literatura em seu sentido substantivo.
Teramos apenas manifestaes verbais, cujos produtos no podem mais ser
alados categoria geral de literatura porque os prprios discursos tericos que
validam a literatura como uma instituio formalmente universal no conseguem
mais produzir as condio de possibilidade de sua autolegitimao. Em outras
palavras, os recursos conceituais que at meados do sculo XX puderam assegurar
a definio formal de literatura, apoiando-se em definies aparentemente estveis e
autoevidentes de conceitos tais como cultura, civilizao, valor e arte, hoje em dia se
encontram bloqueados e esvaziados, pois tornou-se impossvel definir nenhum
desses termos sem recorrer ao horizonte global do capitalismo e do mercado,
horizonte que instaura a razo de ser desses mesmos conceitos que h meio sculo
podiam ser julgados como transparentes, e podiam assim definir de modo
transparente a literatura como literatura. Diante desse cenrio, no apenas noes e
critrios como cnone, tradio, tcnica, objetividade e valor se veem
comprometidas. A prpria definio do que venha a ser literatura e, por conseguinte,
a que obras ditas literrias esses critrios se aplicam, torna-se a cada dia cada vez
mais invivel. Contudo, justamente nessa chave acredito que possamos realizar a
59
linguagem e mundo, entre inspirao e studium, entre palavra e coisa. Contudo essa
diviso no exclusivamente moderna. Derrida formulou muito bem essa condio
fundamental de toda arte no uma inveno da modernidade. A diferena
ontolgica no foi descoberta por Heidegger. Encontra-se como um conjunto de
preocupaes nos antigos, nos medievais e nos modernos, tendo sido tematizada
pelos artistas e pelos pensadores, ainda que de modo latente. O mesmo ocorre com
as intuies acerca dos conceitos de diferena e repetio, utilizadas por Deleuze
para superar as aporias internas representao, de modo a libertar a cpia e o
simulacro do cativeiro dos regimes de identidade. A noo de diferena ontolgica,
entendida como differnce, como distino ontolgica pressuposta nas decises
metafsicas de binmios indecidveis, como presena-ausncia, bem como as
noes de diferena pura, evidenciadas por Deleuze, percorrem todo o horizonte da
arte desde as primeiras formulaes da mimesis.
O que quero dizer com isso? Quero dizer que a arte, mesmo em suas
realizaes mais literais, como um autorretrato a partir do sculo XVI, por exemplo,
no qual o pintor se vale de outro pintor como modelo, mas imprime seu prprio rosto,
a partir de pressupostos literais da maniera grecca, e mesmo quando conseguimos,
mediante fontes documentais, resgatar alguns dos aspectos fisionmicos desse
mesmo pintor que se props se pintar a si mesmo, ainda assim o resultado final ser
um amlgama de impresses, tcnicas, nuances, vestgios, resduos, marcas,
signos e flutuaes de outros rostos e de outras obras, e todo esse amlgama
constitutivo do resultado final dessa obra, singular e acabada. Esse aspecto
estrutural da literatura e da arte de modo geral contradiz os modos e os critrios
pelos quais as artes foram definidas, valoradas e hierarquizadas ao longo do tempo,
independente das diversas vertentes e preceptivas de descrio, sejam elas antigas
ou modernas. Uma das matrizes de aferio do valor de uma obra, dentro dos
diversos regimes mimticos, baseou-se nos termos da imitao e da emulao, de
objetos e de modelos. O poeta e o artista seria aquele que consegue da melhor
maneira conceber uma obra nova a partir da imitao e singularizar um objeto
preexistente e natural a partir da representao e dos artifcios. Isso quer dizer que o
continuum de diferenciao pela matria-objeto e de diferenciao pela forma-
modelo sempre esteve presente. O problema fundamental de toda filosofia da forma
consiste no fato de essa filosofia ter sempre se apoiado em uma ciso entre objeto-
modelo, desde a gnese do pensamento. Desde Plato a Derrida, o binmio
62
Projeto Mesons
outras faces da mesologia, como cosmos, vida, forma, natureza, antropos, tempo e
espao. Elegi-o como primeiro, pois a ontologia e a cosmologia so as pedras
angulares dos mesons, e como no seria possvel abordar ambas em um mesmo
trabalho, concentrei-me na descrio da ontologia dos mesons como fundamentao
terica primeira, de onde se irradiam as demais linhas e horizontes dessa teoria. Da
mesma maneira que este trabalho descreve a ontologia dos mesons, os volumes
seguintes pretendero por sua vez fundamentar e narrar a mesologia do ponto de
vista de suas respectivas cosmologia, biologia, morfologia, fisiologia, antropologia,
cronologia e topologia, em uma distribuio semelhante adotada em projetos como
as sries Hermes de Michel Serres, Homo Sacer de Giorgio Agamben e
Cosmopolticas de Isabelle Stengers. Em alguns dos captulos deste trabalho,
ensaio uma sntese desses elementos que sero posteriormente tratados, como por
exemplo no captulo dedicado conexo entre mesons e antropologia. A ideia
contudo que todas essas instncias se conectem e se cruzem em rede ao longo
dos volumes, sendo a diviso em volumes e em faces mais de ordem de nfase do
que devida a uma subdiviso de natureza. No caso da passagem dos modelos
dinmicos aos termodinmicos e dos sistemas lineares em equilbrio aos sistemas
no-lineares fora do equilbrio, apoiei-me expressivamente na obra clssica de
Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, A nova aliana: metamorfose da cincia. A
esferologia de Sloterdijk atravessa todas estas pginas, como uma constante fonte
de inspirao, mas nunca servilmente referendada. Tomo-a sempre em contraponto
com outras teorias e a servio da constituio terica imanente e autnoma dos
mesons. A recorrncia pea A Tempestade de Shakespeare funciona como um
leitmotiv para a trama dos argumentos, pois nada melhor do que ver emergir em
uma das maiores obras de arte jamais escritas os conceitos, ideias e os agentes que
constituem a espinha dorsal e compem as principais linhas de tenso da
modernidade.
Nesse sentido, a teoria dos mesons uma ontologia dos meios, pensada em
nvel cosmolgico, ou seja, concebe o universo como uma estrutura aberta e
relacional, emergente de um horizonte infinito de eventos. Tive a intuio forte dos
mesons quando, ao ler Leibniz, ocorreu-me a seguinte questo: e se as formas
substanciais simples que se relacionam no fossem as mnadas, mas a substncia
mesma da relao? Essa ideia me transtornou durante algum tempo, e logo em
seguida foi ganhando forma e se expandindo cada vez mais. Assumi ento o termo
70
meson, entendido como forma pura da relao. O resultado este trabalho que ora
apresento. Comeo pela anlise de A Tempestade de Shakespeare, uma obra na
qual se encontram de modo translcido as principais intuies da mesologia.
Poderia inserir centenas de imagens em dilogo com a mesologia. Escolhi
entretanto me fixar em duas sries: imagens cientficas do universo e pinturas de
Victor Turner.
E o fiz porque, mesmo no se referindo direta e ilustrativamente obra de
Shakespeare e mesmo sem ter uma inspirao literalmente cientfica, e poderamos
pensar que talvez justamente por isso, a obra de Turner uma das melhores
captaes mesolgicas da tempestade, entendida como um conjunto cosmolgico
de meios-mundos, atmosferas, ecologias e ambientes circundantes, bem como um
festim explosivo de meios-mediadores, da cor e da luz. E isso porque a tempestade
para Turner no um tema ou motivo, um procedimento pragmtico e explicitativo
que se estende ao conjunto global do olhar, e, dessa maneira, adquire o valor de
ontologia e de cosmologia. Tanto em Turner quanto em Shakespeare esto as
bases para a compreenso de um animismo integral, um dos postulados da
mesologia. Como a obra de Shakespeare, acredito que tambm a obra de Turner
represente uma profunda alterao mesolgica na arte, medida que representa
uma dos melhores atestados da apreenso do meio como meio, ou seja, a captao
do universo, por meio da forma, como uma estrutura relacional, aberta e infinita. E
isso bem antes das imagens do universo e da Via-Lctea terem se tornado mesons
transparentes, a partir da conquista das sondas espaciais e das tecnologias de
observao externa das galxias e do espao sideral.
Parte do Captulo I foi escrito em uma dessas tempestades mentais, e depois
retrabalhado e desenvolvido, para fornecer um panorama geral da teoria geral dos
mesons, bem como as suas bases conceituais, ou seja, sua ontologia. Em seguida,
para desenhar a dimenso mais ampla da teoria dos mesons, concentro-me em
descrever no Captulo II a possibilidade de constituio de uma antropologia a partir
de seus postulados. As aporias, controvrsias e hesitaes conceituais presentes
nesse debate envolvendo uma ontologia relacional so trabalhados no Captulo III,
onde dialogo com uma bibliografia bastante atual em diversas reas do
conhecimento que tm se apoiado nas bases de uma ontologia relacional, tais como
teologia, sociologia, cosmologia, filosofia, fsica, arqueologia, arte. Circunscrevo o
debate em torno da filosofia, e das controvrsias existentes em torno das possveis
71
1 MESONS E MEIOS
1.1 A Tempestade
7
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A Nova Aliana:
Metamorfose da cincia. Braslia: Universidade de Braslia, 1991.
8
WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System. Three Volums. New York: Academic Press,
1974.
78
serem melhor mesclados, sem tabus e sem interdies9. Estamos sem dvida diante
de uma obra que embaralha dois conceitos centrais da histria do pensamento,
inclusive do pensamento anterior filosofia. Contudo preciso lembrar que apenas
modernamente esses dois conceitos passaram ser definidos como natureza e
cultura. Uma compreenso mais abrangente da natureza e da cultura humanas
poderia reposicionar essas duas matrizes, alocando-as a partir de outros dois
conceitos mais amplos: natureza e tcnica. A reversibilidade absoluta entre physis e
tekhn, entre natura naturans e natura naturata, entre microcosmo e macrocosmo
um dos pontos nucleares dessa narrativa. Contudo qualquer apelo a Espinosa, a
Nicolau de Cusa ou a Mulla Sadr pode ser um valioso exerccio de erudio, mas
no nos esclareceria a questo fundamental que subjaz a essa reversibilidade. A
fora dessa obra e a magia que exerce em leitores e espectadores ainda hoje de
fato tm elementos comuns com Cervantes, Caldern e tantas outras obras e
autores do sculo XVI e XVII. Poderamos compreender esse fenmenos
metaficcional como a crise da representao e a passagem a uma epistme a partir
da qual a representao passa a se representar a si mesma, como sugeriu
Foucault10. Mas essa diretiva epistmica tambm se refere a uma viso mais
historiogrfica do que antropolgica, e no pode nesse sentido nos auxiliar na busca
das grandes invariveis que esto em jogo a partir desses elementos fundamentais.
Justamente porque nessa aurora da modernidade um longo processo antropolgico
comea a emergir e correntes adormecidas do ser comeam a surgir luz do dia.
Esse deslocamento antropolgico se baseia em uma descoberta, descoberta essa
especialmente explcita nesta obra de Shakespeare. Essa descoberta no consiste
em conceber a essncia da arte como arte, a representao como representao ou
a fico como fico. Trata-se da descoberta de uma constante antropolgica que
por sua vez derivada de uma constante cosmolgica: a potncia do meio como
meio.
9
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos Irineu
da Costa. So Paulo: 34 Letras, 1994.
10
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma Arqueologia das Cincias Humanas. So Paulo,
Martins Fontes, 1995.
80
11
DARLING, David. Life Everywhere: The Maverick Science of Astrobiology. New York: Basic Books,
2001.
12
KINOUCHI, Osame. Cenrios de seleo natural em cosmologia. In: DE FRANCO, Clarissa e
PETRONIO, Rodrigo [org]. Crenca e evidencia: aproximaes e controvrsias entre religio e teoria
evolucionaria no pensamento contemporneo. So Leopoldo: Unisinos, 2014.
82
13
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.
83
14
Utilizarei a forma meson, sem acento e sem itlico, sempre que me referir a este termo em sua
acepo de meio, ou seja, na acepo adquirida e estabilizada no interior da teoria mesolgica que
estou desenvolvendo, no mais na sua acepo da fsica subatmica nem em seu sentido grego mais
geral.
86
desenvolvida por Heidegger, por sua vez uma das pedras angulares e inescapveis
do pensamento do sculo XX, um conceito criado pela biologia existencial de
Jacob von Uexkll: o Umwelt [meio circundante]. Como se sabe, a configurao dos
meios circundantes descritos por Uexkll nos leva a uma cadeia de mediaes
formal e virtualmente infinita, pois cada espcime dos seres vivos empiricamente
situada estaria imersa na irredutibilidade de seu meio circundante. Portanto, haveria
tantos meios circundantes [Umwelten] quantas situaes biologicamente
determinadas pela posicionalidade real dos seres da natureza. Cada ser natural
estaria mergulhado em seu meio circundante e com ele constituiria um sistema
autopoitico. Nesse sentido, os meios circundantes operam uma dissoluo mesma
da categoria natureza, medida que partem de uma diferena ontolgica radical que
funda a diferena como princpio impassvel de ser reassimilado por um regime de
identidade. A srie e os conjuntos da pluralidade real e virtual dos mundos possveis
seriam infinitos.
Para qualquer leitor de Heidegger esses termos soam extremamente
familiares. E se Heidegger no explicita tanto quanto seria preciso a biologia
existencial como uma das fontes inspiradoras do Dasein, colocando-se como um
herdeiro do modelo compreensivo, hermenutico e fenomenolgico, ele no o faz
apenas para poder autofundar a originalidade de sua analtica existencial, ou seja,
compreende-se sua atitude como sintoma de uma interdio epistemolgica
colocada por suas prprias premissas e por causa de sua conhecida ojeriza s
cincias naturais e antropologia. Esses dados fizeram da ontologia antimetafsica
heideggeriana uma sada parcial e muitas vezes hesitante no que diz respeito aos
problemas oferecidos por uma questo central da modernidade e dos prximos
milnios: a questo da tcnica. A partir de um dilogo com linhas renovadas da
ontologia moderna, enquanto ontologia relacional, a mesologia prope colocar-se no
centro dos debates envolvendo a esfera da tcnica e suas possveis formulaes e
implicaes ontolgicas.
A cincia chamada mesologia hoje em dia tem sido explorada por
pouqussimos pensadores. Entre eles se destaca o gelogo, filsofo e orientalista
francs Augustin Berque, espcie de pensador solitrio da mesologia nos dias de
hoje15. A mesologia de Berque consiste em uma retomada dessa tradio do sculo
15
BERQUE, Augustin. La mesologie: porquoi et pour quoi faire? Paris: Presses Universitaires de
Paris Ouest, 2014. BERQUE, Augustin. Ecoumene: introduction a l`etude des milieux humains. Paris:
87
Berlin, 2000. BERQUE, Augustin. Poetique de la terre: histoire naturelle et histoire humaine, essai de
mesologie. Paris: Berlin, 2014.
16
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
17
Marshak, Robert E. Meson physics. New York : McGraw-Hill, 1952. CHARLES BALTAY &
ROSENFELD, ARTHUR H.. Meson Spectroscopy , a Collection of Articles. First Edition. W.A.
Benjamin, 1968. Torleif E.O. Ericson, Vernon W. Hughes, and Darragh E. Nagle. ... Ericson, T. E. O.
[Torleif Erik Oskar. The meson factories. Berkeley: University of California Press, 1930.
88
o pensamento se ocupou das origens e dos fins muito mais do que dos meios. No
por acaso, as unidades transcendentais de todos os sistemas filosficos
compreendem as causas finais e a causa sui, teleologia e primeiro motor como
categorias causais que se complementam. Poucas vezes se pensou o meio como
portador e motivador de uma ontologia prpria. Por isso temos a estranha e a
justificada sensao de que o consequencialismo e o apriorismo, os
transcendentalistas e os empiristas, os pragmticos e os formalistas compartilhariam
de uma solidariedade secreta entre si. Os jesutas e Maquiavel se encontram em
algum compartimento oculto do paraso ou do inferno da finalidade. Ado e Maom
dividem em paz e sem esperana algum recndito obscuro do purgatrio das
origens. Em uma afirmao mais assertiva, poderamos mesmo reduzir todas as
religies do mundo a uma sabedoria, a uma axiologia e a uma praxiologia fundadas
sobre origens e fins, sobre uma protologia e uma escatologia, enfatizando ora um ou
ora outro desses aspectos18. Essa fixao psicaggica relativa a origens e fins inibiu
a produo de grandes narrativas ligadas aos meios e, desse modo, obliterou a
captura e a compreenso do meio como meio. Os primeiros grandes pensadores
dos meios foram as espiritualidades arcaicas. No plano das religies universalistas,
Buda, Cristo e Lao-Ts podem dividir o protagonismo de compreenso da vida como
meson e como caminho. Contudo as filosofias dos meios tardaram a encontrar sua
expresso: Leibniz, Nietzsche, Darwin, Tarde, Peirce, Whitehead, Uexkll,
Heidegger, Gdel, Simondon, Driesch, Deleuze, Sloterdijk, Girard, Bateson, Flusser.
Mesmo a dialtica, que sempre foi a cincia dos meios, se constituiu historicamente
mais como um mtodo do que como uma ontologia. Apenas a partir de Hegel e
Marx, dialtica e ontologia passaram a ser vistas momentos espelhados de uma
negatividade primeira, em uma aproximao e distanciamento recprocos. Contudo,
a partir de Luckcs e Adorno, uma nova distase afasta e distncia a possibilidade
de conciliao entre teoria dos meios e ontologia. Por isso com exceo de Marx,
esse dilogo poucas vezes chegou a caracterizar uma aliana entre dialtica, teoria
dos meios e ontologia. E justamente por isso, Marx um dos autores-matriz deste
trabalho.
18
GALIMBERTI, Umberto. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralizao do sagrado. So
Paulo, Loyola, 1998.
94
1.3 O Efeito-Ilha
Como essa conscincia dos meios e, mais do que isso, a apreenso do meio
como meio se manifestam na obra de Shakespeare? Justamente ao propor que
Prspero prospera e potencializa sua arte e sua magia mais na periferia do que no
centro, mais na ilha do que no imprio. E se o faz porque o isolamento produz a
condio de possibilidade para a emergncia das potencialidades virtuais do meio,
entendido tanto como ecologia quanto como forma mediadora. Justamente quando
Prspero abandona os meios de produo de poder que amealhara em Milo e se
v limitado pelo meio-ilha estranho, a potencialidade de seus domnio sobre a
ecologia, ou seja, pela totalidade do meio circundante, se acentua. O meio-
instrumento de produo da magia de Prspero j se encontrava em seu domnio
em Milo, mas no centro do imprio esse meio-instrumento era inoperante. Foi
preciso Prspero recuar em direo ao meio-ilha e romper seus laos de
reconhecimento mtuo da civilizao para emancipar a potncia de um poder que
lhe pertencia. Em que sentido essa apreenso do meio enquanto meio pode ser
entendida? A intuio marxiana relativa conquista dos meios de produo valida
aqui. Entretanto, nesse caso, a partir da teoria dos mesons, essa conquista ocorre
justamente com os sinais trocados. Em uma formulao, poderamos dizer que esse
movimento descreve um movimento antropolgico de amplas ressonncias. Esse
movimento consiste em uma capacidade de capturar as formas parciais, conferindo-
lhes uma valncia global. Em outras palavras, quanto maior a apreenso do meio
como meio, ou seja, como um conjunto de relaes parte-parte, maior o domnio e
a amplitude produzida pela domesticao desse mesmo meio.
Essa descoberta o mecanismo antropolgico central que se encontra na
gnese da cultura humana e, mais do que isso, o mecanismo mesolgico global
que regula as mtuas interaes dos sistemas vivos. Esse mecanismos dos mesons
consiste em produzir um movimento aparentemente paradoxal: quando a vida
apreende a sua prpria finitude e as limitaes estruturais dos sistemas vivos que
lhe so conaturais, essa mesma vida apreende o infinito que atravessa e simultnea
e dialeticamente a configura como ser finito. Apenas recortado contra o infinito o
universo pode existir como unidade real e formal. Apenas recortada contra o infinito
a vida pode se definir a si mesma como vida, ou seja, como substncia passageira,
95
19
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. O que filosofia? So Paulo: Editora 34, 1998.
20
BACHELARD, Gaston. Potica do espao. So Paulo: Martins, 200
98
21
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: Histria da arte e tempo dos fantasmas
segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
22
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: Histria da arte e tempo dos fantasmas
segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
23
BELTING, Hans. Antropologia da Imagem. Traduo Moro, ed. J. F. Figueira, V. Silva. Lisboa:
KKYM+EAUM, 2014.
99
24
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. So Paulo, 34
Letras, 1997.
100
vivos e no-vivos, e abrir caminho mesmo para uma redefinio do que venha a ser
a vida.
Em um sentido bem mais concreto e para recorrer mais uma vez a dinmicas
e imagens da criatividade, foi praticamente essa operao conceitual que levou
Fernando Pessoa a ser Fernando Pessoa. A partir da teoria sensacionista, o maior
poeta da lngua portuguesa percebeu que cada nova sensao engendra um novo
eu. Nomear cada sensao e cada estado psquico como se fossem a totalidade da
personalidade criadora conceber a vida como um devir eternamente em aberto e
impossvel de ser totalizado. pensar a criao dos heternimos a partir de um
ponto de vista da heteronomia radical, da alteridade ontolgica que as partes
mantm em reao ao horizonte aberto de suas snteses parciais. A partir dela
poderamos adentrar no apenas outros graus de deslocamento metonmico.
Podemos pensar a gnese mesma da conscincia e da linguagem como um devir
diferencial cuja essncia produzir novas diferenas em relao a si mesmo. Em
outras palavras, abordar a arte, a literatura ou mesmo a emergncia da cultura
humana a partir das cadeias metonmicas de relaes parte-parte que nunca
conseguem compor um todo: essa a proposta de uma ontologia dos meios. Essa
a teoria geral dos mesons que pretendo desenvolver aqui.
A passagem de meios concebidos como partes de um todo-sistema a meios
entendidos como totalidades autgenas um mecanismo que pode ser tomado
como uma matriz antropolgica por excelncia, como paradigma absoluto e
ontognese de toda a atividade criadora. A criao estaria intimamente ligada a essa
percepo de ordem cosmolgica de que todos os seres so finitos justamente
porque so atravessados pelo infinito. Dialeticamente a finitude de todos os seres
o dada pela natureza da apreenso desses mesmos seres, que os define como
seres finitos que so medida mesma que definem suas formas. Essa apreenso
da natureza finita dos seres, medida que atribui um sentido global aos seres
finitos, ao mesmo tempo explicita e oculta a fonte infinita de onde esses mesmos
seres proveem e para onde eles retornam, em sua derradeira agonia. Toda criao
uma transferncia de uma relao parcial a uma relao total. Por meio dela, as
estruturas relacionais parte-parte infinitas so transformadas em formas finitas e
cada formas finitas acabam assumindo a funo de uma totalidade. O estudo do
conjunto infinito dessas passagens do parcial ao global podemos chamas de teoria
geral dos mesons. O universo e Deus so os mais amplos recortes formais e,
101
25
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Conferncias e escritos filosficos. Traduo
Ernildo Stein. Coleo Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973.
104
Para alm dos devaneios imaginativos de sabor duvidoso acerca desse estranho
espelhamento, o paralelo mais importante entre a obra dos dois irmos se d a partir
justamente dessa outra acepo do termo meson: medida. A teoria dos mesons nos
aponta ento para dois vrtices conceituais situados em um mesmo horizonte: os
meios e as medidas. Esses vrtices se recobrem em justa medida devido ao fato de
paradoxalmente no poderem ser recobertos por nenhuma medida comum. A
relao entre meio e medida nos conduz a um importante axioma da mesologia:
uma das articulaes centrais entre epistemologia e ontologia ocorre por meio dos
princpios da incomensurabilidade e da incompletude.
As relaes entre os mesons carecem de termos mdios passveis de seres
estabilizados, pois nos termos da ontologia relacional todos os dados do real so
formas ntica e simultaneamente mediadas e mediadoras. Essa caracterstica
constitui a estrutura ontolgica relacional como uma realizao do princpio
epistemolgico da incomensurabilidade. Os termos finais e iniciais postos em
quaisquer relaes, sejam elas proposicionais ou reais, so equipolentes ao infinito,
pois s podem ser mensurados a partir dos critrios relativos das mediaes nas
quais eles estejam inseridos, no a partir dos critrios absolutos da forma pura da
relao, pois esses, sendo infinitos, so incomensurveis. Desse modo, os seres
reais em sua posicionalidade no podem ser mensurados a partir de princpios reais
ou criteriolgicos externos s suas constituies relacionais fticas, pois para tanto
seria preciso validar um universalismo formal dos mesons e medidas, o que implica
uma contradio lgica da categoria meson entendida como meio circundante, em
sua facticidade. Em outras palavras, a dinmica mesolgica consiste em um
constante devir no qual os mesons, em seu aspecto ftico e em seus respectivos
meios circundantes, realizam uma homeostase mesolgica entre meios e medidas.
Porm, o carter subatmico dos mesons e a insubstancialidade da ontologia
relacional, entendida a partir de cadeias de mesons, nos conduz a uma constante: a
incompletude e incomensurabilidade.
Em que sentido e quais tradies do pensamento exploraram o conceito de
infinito e de incomensurabilidade? Em linhas gerais podemos entender que as
doutrinas que propem uma assimetria ontolgica entre totalidade da physis e a
alteridade de Deus podem ser compreendidas como doutrinas da
incomensurabilidade. Entretanto, precisamos fazer aqui um corte, decisivo para
situarmos a especificidade da estrutura relacional finito-infinito proposta pela
105
26
HEIDEN, Gert-Jan van der. Onthology and Ontotheology: Plarality, Event, and Contingengy in
Contemporary Philosophy. Pittsburgh/Pennsylvania: Duquesne University Press, 2014.
27
HEIDEGGER, Martin. Aportes a la filosofa: acerca del evento. Traducin Dina Picotti. Biblioteca
internacional Martin Heidegger. Buenos Aires: Biblos, 2003.
28
HEIDEN, Gert-Jan van der. Onthology and Ontotheology: Plarality, Event, and Contingengy in
Contemporary Philosophy. Pittsburgh/Pennsylvania: Duquesne University Press, 2014.
29
BADIOU, Alain. O Ser e o Evento. Traduo Maria Luiza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996.
30
IEK, Slavo e MILBANK, John. A monstruosidade de Cristo: paradoxo ou dialtica? So Paulo:
Trs Estrelas, 2014.
106
31
HEIDEN, Gert-Jan van der. Onthology and Ontotheology: Plarality, Event, and Contingengy in
Contemporary Philosophy. Pittsburgh/Pennsylvania: Duquesne University Press, 2014.
32
HEIDEGGER, Martin. Aportes a la filosofa: acerca del evento. Traducin Dina Picotti. Biblioteca
internacional Martin Heidegger. Buenos Aires: Biblos, 2003.
33
LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Traduo Jos Pinto Ribeiro. Lisboa: Edies 70, 1988,
34
ROSENZWEIG, Franz, - .
, 2006.
35
BUBER, Martin. Do dilogo e do dialgico. So Paulo: Perspectiva, 1982.
36
DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferena. Traduo Maria Beatriz da Silva. So. Paulo:
Perspectiva, 1995.
107
37
NOVELLO, Mrio. Limites incertos: Infinito. Anotaes para o ciclo de conferncias do professor
Mrio Novello apresentado no Departamento de Arquitetura da PUC-RJ. Organizao professores
Ana Luisa Nobre e Antonio Sena. Professor Mrio Novello do Instituto de Cosmologia, Relatividade e
Astrofsica do Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas [ICRA/CBPF]. Impresso, s/d, p. 10 e seg.
38
NOVELLO, Mrio. Limites incertos: Infinito. Anotaes para o ciclo de conferncias do professor
Mrio Novello apresentado no Departamento de Arquitetura da PUC-RJ. Organizao professores
Ana Luisa Nobre e Antonio Sena. Professor Mrio Novello do Instituto de Cosmologia, Relatividade e
Astrofsica do Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas [ICRA/CBPF]. Impresso, s/d.
39
A obra-prima de Koyr apresenta tantos e to importantes pontos para o debate desenvolvido
neste trabalho que tive que deixar para os trabalhar em outra oportunidade, seno esta tese se
109
universo que, mesmo descentrado, pudera durante tantos sculos ser concebido
como um holograma da totalidade [holos], e passou a ser concebido sob a forma de
uma pluralidade de centros virtuais e reais, bem como uma substncia eterna e
infinita em constante expanso, substncia que nunca tivera um comeo e, portanto,
nunca ter um fim40. Essa alterao no se reduz a um problema meramente
epistemolgico ou estrito dos fsicos, cosmlogos ou filsofos da cincia. Essa
alterao se desdobra no mbito da cultura e encontra ressonncia em um dos
temas que se encontram na raiz da modernidade: o niilismo. Porque conceber um
universo infinito conceber um universo como um sistema aberto e sem contornos.
Isso gera um impacto decisivo na esfera dos valores, pois esvazia qualquer
possibilidade de estabelecermos parmetros, medidas e mesuras comuns. A
simetria finito-infinito produz uma multiplicidade igualmente infinita de regimes
provisrios de sentido, a partir dos quais as clulas das comunidades se organizam.
Nesse sentido, o niilismo seria o regime moral emergente da incomensurabilidade do
cosmos, pois a infinitizao dos valores corresponde necessariamente a uma
destruio dos sistemas de estabilidade estabelecidos entre fato e valor41.
Tambm no teorema da incompletude de Kurt Gdel, formulado sobre as
bases indecidveis dos Principia Mathematica de Russell e Whitehead, e que
constituiu desde a sua concepo uma contribuio decisiva para a historia da lgica
e da matemtica42. Esse lugar decisivo do teorema da incompletude decorre do fato
de esse teorema ser uma descoberta metamatemtica, ou seja, uma frmula que
inviabiliza em diversos sentidos a prpria natureza dedutiva que afianou durante
tanto tempo a objetividade da matemtica43. A partir do princpio da indecidibilidade,
o teorema da incompletude situa-se simultaneamente dentro e fora da matemtica44.
No por acaso, o modelo definido pelo teorema de Gdel produziu impacto no
tornaria ironicamente infinita: KOYR, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Traduo
Donaldson Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1979.
40
NOVELLO, Mrio. Do big bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
41
KOYR, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Traduo Donaldson Garschagen. Rio
de Janeiro: Forense Universitria, 1979, p. 14.
42
NAGEL, Ernst e NEWMAN, James. A prova de Gdel. Traduo Gita Guinsburg. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 13 e seg.
43
GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradox de Kurt Gdel. Coleo Grandes
Descobertas. So Paulo: Companha das Letras, 2008, p. 22 e seg.
44
GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradox de Kurt Gdel. Coleo Grandes
Descobertas. So Paulo: Companha das Letras, 2008, p. 22 e seg.
110
45
LANNES, Wagner. A incompletude alm da matemtica: impactos culturais do teorema de Gdel
no sculo XX. So Paulo/Belo Horizonte: Annablume/Fapemig, 2012.
46
GILSON, tienne. Filosofia na Idade Mdia. So Paulo, Martins Fontes, 1995.
47
YATES, Frances. Giordano Bruno e a Tradio Hermtica. Traduo de Yolanda Steidel de Toledo.
So Paulo, Cultrix, 1995,
48
WIND, Edgar. Pagan Mysteries in the Renaissance. London: Faber and Faber Limited, 1958.
49
FESTUGIRE, A.-J. Revelation D'Hermes Trismegiste. Paris, Belles Lettres, 1986. 4 Tomos.
HERMES TRIMEGISTO. Corpus Hermeticum. Fixao do Texto A. D. Nock e Traduo, Introduo e
Notas de A.-J. Festugire. Paris: Les Belles Lettres, 2 Ed., 1960.
111
50
NUNES, Benedito. Diretrizes da Filosofia do Renascimento. In: VRIOS. O Renascimento. Ciclo de
Conferncias Promovido pelo Museu Nacional de Belas-Artes. 16 de junho a 18 de agosto de 1977.
Rio de Janeiro: Agir, 1978, pg. 59.
51
YATES, Frances. Giordano Bruno e a Tradio Hermtica. Traduo de Yolanda Steidel de Toledo.
So Paulo, Cultrix, 1995,
52
DUBOIS, Claude-Gilbert. O Imaginrio da Renascena. Traduo de Sergio Bath. Braslia: UNB,
1985.
53
HERMES TRIMEGISTO. Corpus Hermeticum. Fixao do Texto A. D. Nock e Traduo, Introduo
e Notas de A.-J. Festugire. Paris, Les Belles Lettres, 2 Ed., 1960.
54
BRUNO, Giordano. Acerca do infinito, do universo e dos mundos. Lisboa: Fundao Calouste
Gulbenkian,1984.
55
BRUNO, Giordano. Acerca do infinito, do universo e dos mundos. Lisboa: Fundao Calouste
Gulbenkian,1984.
56
BRUNO, Giordano. Tratado da Magia. So Paulo: Martins Fontes, 2008.
112
funcionam como totalidades parciais, pois a totalidade nunca pode vir a ser
totalizada por nenhum esquema, conceito ou experincia capaz de englobar o
horizonte infinito dos eventos em sua dimenso cosmolgica. nesse sentido que se
faz urgente determinarmos o sentido fundamental dessa processo de transferncia:
as relaes estabelecidas entre partes e todos.
61
FICINO, Marsilio. De Amore: Comentrio a El Banquete de Platn. Traduccin y Estudio Preliminar
de Roco de la Villa Ardura. Madrid: Tectos, 1994.
114
62
Marilyn Strathern. O Efeito Etnogrfico e Outros Ensaios. So Paulo: Cosac Naify, 2014.
115
Deleuze e Derrida, pode ser entendida como uma crtica noo de totalidade.
Entretanto essa crtica poucas vezes foi levada a seu limite, justamente devido s
enormes consequncias que essa transvalorao produziria. Uma das premissas
necessrias racionalidade da fsica terica e da cosmologia, por exemplo, a de
que o universo seja fechado ou pelo menos possa ser concebido como uma
totalidade, pois o infinito no passvel de racionalizao. Mas por que a noo de
totalidade desempenha um papel to decisivo para o sapiens? Qual seria a gnese
dessa necessidade e dessa demanda da razo humana por totalidade? Durante
milnios os sapiens criam narrativas e conceitos capazes de totalizaes, pois essa
foi a maneira dos humanos se imunizarem contra a ao do infinito. Todas as
religies se apoiam em deuses, em seres e agentes transumanos e metaempricos
capazes de dotar de sentido o mundo. Sentido e totalidade so termos sinnimos.
Possuem entre si uma secreta solidariedade ontolgica. medida que conseguem
dotar o mundo de sentido e unidade, os mitos e as narrativas, bem como os
conceitos criados pela cincia e pela filosofia, todo pensamento foi, em maior ou
menor grau, uma instncia antropolgica de legitimao da unidade e de produo
de totalidades.
H alguns sculos uma alterao antropolgica, entendida no mais como
comeou a alvorecer. Chamamos essa alterao de modernidade, pela falta de
outro termo melhor. O corao da modernidade consistiria em uma revoluo
antropolgica que tem incio no sculo XVI e cujas implicaes abissais ns, no
sculo XXI, ainda no conseguimos dimensionar. Essas implicaes consistem em
um nico movimento: a vitria do infinito sobre a totalidade. contudo, do ponto de
vista da mesologia, essa definio da modernidade ineficaz e ociosa, pois na
verdade, desde sempre o sapiens e mesmo os diversos estratos e condies
primrias da vida so atravessados pelo infinito, desde seus nveis fisioqumicos
mais elementares s dimenses macroestruturais e cosmolgicas. Por isso, o
conjunto planetrio dos processos humanos e meta-humanos que constituem esse
movimento global a que chamamos de modernidade poderia receber outro nome,
que diga respeito emergncia desses processos primrios de infinitizao que
caracterizam a pluralidade ontolgica e mesolgica de todos os existentes. Essas
duas matrizes antropolgicas, baseadas em um deslocamento das parcialidades
rumo a fechamentos totalizveis e, por outro lado, os desdobramentos ontolgicos
parte-parte, em relaes horizontais infinitas, podem ser definidas, respectivamente,
116
63
FERREIRA DA SILVA, Vicente. Obras Completas: Transcendncia do Mundo. Introduo Geral
Rodrigo Petronio. Posfcios Julin Maras, Per Johns, Agostinho da Silva, Dora Ferreira da Silva.
So Paulo: Editora , 2010. Organizao, introduo geral, bibliografia e notas Rodrigo Petronio.
So Paulo: Editora , 2009-2010.
118
64
BATESON, Gregory. Os homens so como plantas. In: MARGULIS, Lynn e LOVELOCK, James
Gaia: Uma teoria do conhecimento. Sao Paulo: Gaia, 2002.
65
BATESON, Gregory. Steps to an ecology of mind. With a new foreword by Catherine Bateson.
Chicago/London: University of Chicago Press, 2000.
119
66
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
121
uma dimenso ontologicamente distinta do ser que o realiza. Essa alteridade que
realiza o ser ao se realizar no ser no pode ser pensada a partir das bifurcaes,
assimetrias ou convergncias entre ser e no-ser. Tampouco os mesons
estabelecido nessa relao entre ser e alteridade pode ser institudo a partir de
regimes de transcendncia ou imanncia ou de identidade e diferena. Os mesons
apenas podem ser concebidos como a interao entre unidades e pluralidades que
so atualizaes de virtualidades inscritas no devir do cosmos. Essas virtualidades
so objetos de estudo de uma teoria geral dos meios, e podem ser abordadas em
conexo direta com alguns autores, sobretudo autores que se valem de um
paradigma de leitura que podemos definir como paradigma metabiolgico, ou seja,
um paradigma que prope os processos biolgicos como campo expandido capaz
de descrever processos histricos e humanos com base em princpios meta-
histricos e meta-humanos.
Uma das vertentes clssicas desse linha de pensamento se encontra nas
tradies das morfologias culturais, oriundas sobretudo de autores como Goethe e
Wincklemann, nos vitalistas alemes, tais como Ludwig Klages, e na filosofia do
inconsciente de William Wundt e Eduard von Hartmann. Na passagem do sculo XIX
para o XX, os maiores morfologistas culturais sem duvida Arnold Toynbee e Oswald
Spengler, este ultimo citado constantemente por Sloterdijk. Porem, no sculo XX a
morfologia cultural perde certa ingenuidade terica que a caracterizou em seu
nascimento. Passa a explorar relaes mais dilemticas e estruturais entre forma de
vida e vida orgnica das formas. Podemos identificar essa guinada no
estruturalismo, mas sobretudo nas abordagens sistmicas como de Niklas Luhmann
e na ontobiologia da vida cotidiana desenvolvida por Humberto Maturana. A partir da
ontologia das formas biolgicas desenvolvida pelo bilogo e filsofo chileno
Humberto Maturana67, Luhmann define a totalidade das produes humanas como
sistemas autopoiticos, ou seja, como sistemas capazes de se gerar, produzir-se e
reproduzir-se a si mesmos, mediante um intercmbio entre sistema e meio68. As
maiores referncias de Sloterdijk aos sistemas autopoiticos de Maturana ocorrem
67
A obra que resume a articulao geral entre ontologia e biologia proposta por Maturana :
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Organizao e traduo Cristina Magro, Miriam
Graciano e Nelson Vaz. Inclui texto de Jorge Mpodozis. Belo Horizonte: UFMG, 2014. Conferir
tambm: MATURANA, Humberto. Cognio, cincia e vida cotidiana. Organizao, traduo e
reviso tcnica Cristina Magro e Victor Paredes. Belo Horizonte: UFMG, 2014. MATURANA,
Humberto. Emoes e linguagem na educao e na poltica. Traduo Jos Fernando Campos
Fortes. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
68
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
122
por meio da teoria geral dos sistemas de Luhmann, autor que Sloterdijk define como
representante de um pensamento metabiolgico69. Logo na abertura do terceiro
volume de Esferas, lemos que a filosofia precisa ser substituda por uma biosofia70.
As menes constantes a Gabriel Tarde, a Gilbert Simondon, a Bruno Latour e a
Jacob von Uexkll tambm no podem ser minimizadas. So autores que tambm
mobilizam a possibilidade de conceber os processos e mediaes a partir da teoria
das redes, dos princpios das associaes [assemblages] e dos meios circundantes
[Umwelten]. Nesse sentido, podemos entender que as obras de Maturana, Luhmann,
Tarde, Latour e Jacob von Uexkll fornecem a esferologia as matrizes para o
estabelecimento do conceito de vida, de forma e de meio.
69
SLOTERDIJK, Peter. Derrida, um Egpcio: o Problema da Pirmide Judia. Traduo Evandro
Nascimento. So Paulo: Estao Liberdade, 2009.
70
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006
123
Strathern, Donna Haraway, Stephen Pinker, Bruno Latour, Gilles Deleuze e Felix
Guattari, entre outros, so visveis os enormes esforos para superar essa dicotomia
representacional natureza-cultura. Inspirado no organicismo e na monadologia de
Leibniz, a aposta de Tarde foi a substituio do termo sociedade pelo termo
associao.
O que essa substituio sinaliza? Quando falamos em sociedades, referimo-
nos a um termo cuja referncia sempre humana. Por isso, a translao da
categoria sociedade para outras esferas dos seres vivos gera um primeiro e enorme
problema epistemolgico, sob diversos aspectos insolvel. Por outro lado, no
apenas os humanos, mas a natureza em seus nveis moleculares mais elementares
possui associaes. Nesses termos, todas as formas e sistemas de agregao
humanos podem ser entendidos como resultados de processos associativos meta-
humanos. Abre-se aqui uma nova possibilidade de compreenso de categorias
clssicas como natureza, cultura e tcnica. Estamos diante das trs ecologias de
Guattari: natural, social e maqunica71. A cultura humana seria uma guerrilha entre
infinitos mundos-meios que no podem ser unificados em um enunciado-sistema
universal. Os personagens dessas guerrilhas so humanos e meta-humanos que
habitam meios transobjetivos: animais, mquinas, biomas, deuses, territrios,
cidades, fluxos, o capital e os Estados. Como diria Carl Schmitt, todos que falam em
nome da humanidade o fazem com o intuito de enganar. Eu agregaria: todos que
falam em nome de um mundo unificado como sistema o fazem com o intuito de
enganar.
O futuro do ser humano e da natureza no depende de um novo sistema de
sentido universal sobre os humanos nem de um novo sistema de sentido universal
sobre a natureza. Depende de termos conscincia de que essa guerrilha se
desdobra em espaos transumanos. Sejam eles entendidos como esferas, redes,
plats ou associaes, so sempre maqunicos, naturais e sociais, simultaneamente.
Esses espaos situam-se em um intervalo indecidvel entre sistema e meio e entre
forma e vida. So mesons, ou seja, meios nos quais se desdobra a autopoiesis
infinita entre forma, mundo e vida. A nica sada em qualquer um desses cenrios
emergentes uma reverso do vetor produo-consumo. Apenas quando cada vida
humana deixar de ser um meio neutro de realizao de outras vidas, o consumo
71
GUATTARI, Felix. As trs ecologias. Campinas: Papirus, 1998.
129
deixar de ser uma forma de vida e passar a ser um meio de vida. Consumir para
pertencer a uma comunidade consumidora de bens globais reduzir o meio ao
sistema. uma autopoiesis sem diversificao de formas. Este o caminho sem
volta rumo destruio coletiva. O consumo de si e a criao de novos meios-
mundos a transio da vida de uma condio de meio neutro a uma condio de
forma singular. Trata-se de uma nova concepo da cadeia vital e de uma mudana
de esquadro do binmio produo-consumo. Mais do que isso, talvez essa mudana
sinalize inclusive uma nova concepo de vida e uma nova espiritualidade.
A partir dessa alterao, a vida passa a ser entendida como forma irreversvel
e finita. Esse o horizonte de uma emancipao possvel, tanto da vida em geral
quanto de cada vida em particular. Lutar contra o funcionamento do capital uma
atitude pueril. Uma revoluo dos sistemas s ocorre a partir de uma revoluo
radical dos meios. Esses meios no so os meios neutros de produo de Marx nem
os meios instrumentalizados do liberalismo econmico. Trata-se de meios-mundos
totalmente horizontais e de multiplicidades-espaos de emergncia onde a vida
cotidiana transcorre. Mudar a vida no mudar a forma geral da vida de um sistema.
Mudar a vida mudar as formas singulares de cada vida singular, em seus
respectivos meios envolventes. Uma revoluo dos meios implica uma tomada de
conscincia da relao coextensiva entre forma e vida. Apenas nesse momento
comearemos a pensar e agir a partir de uma efetiva nova poltica. Essa nova
poltica no ser uma reduo da importncia das polticas locais. Ela ser a
transformao de polticas locais em uma cosmopoltica, para usar o precioso
conceito de Isabelle Stengers. Se preferirmos, ser a transformao das polticas
locais em mesopoltica, ou seja, em uma poltica que entenda o cosmo no como um
sistema holstico universal, mas como a totalidade dos meios-mundos vivos, finitos
em suas formas e infinitos em seu devir e em seu metabolismo autopoiticos. Nesse
caso, a alterao da autopoiesis estabelecida entre meio e vida e entre vida e forma
pode reconfigurar a totalidade da vida deste sistema semiaberto que nos
acostumamos a chamar de Terra.
72
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopoltica. So Paulo: Martins Fontes, 2008.
73
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999]
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006
74
ESPOSITO, Roberto. Communitas. Origen y destino de la comunidad. Buenos Aires/Madrid:
Amorrortu editores, 2003. ____. Immunitas. Proteccin y negacin de la vida. Buenos Aires/Madrid:
Amorrortu, 2005. _____.Bos. Biopoltica y filosofa. Buenos Aires/Madrid: Amorrortu, 2006.
75
H diversas obras de Debray sobre mediologia. Concentro-me em uma das mais amplas: DEBRAY,
Rgis. Introduo mediologia. Traduo de Antnio Manuel Lopes Rodrigues. Lisboa: Horizonte,
2004. DEBRAY, Rgis. Introduo mediologia. Traduo de Antnio Manuel Lopes Rodrigues.
Lisboa: Horizonte, 2004. _____. O Estado Sedutor: revolues midiolgicas do poder. Petrpolis:
131
1.12 Atmosferas
Vozes, 1984._____. Transmitir: o segredo e a fora das ideias. Petrpolis: Vozes, 2000. _____.
Manifestos midiolgicos. Petrpolis: Vozes, 1995._____. Curso de mediologia geral. Petrpolis:
Vozes, 1993.
76
DEBRAY, Rgis. Introduo mediologia. Traduo de Antnio Manuel Lopes Rodrigues. Lisboa:
Horizonte, 2004. p. 11.
77
DEBRAY, Rgis. Introduo mediologia. Traduo de Antnio Manuel Lopes Rodrigues. Lisboa:
Horizonte, 2004. p. 11.
78
DEBRAY, Rgis. Introduo mediologia. Traduo de Antnio Manuel Lopes Rodrigues. Lisboa:
Horizonte, 2004. p. 63.
79
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
132
80
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006
81
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006
82
GUMBRECHT, Hans Ulrich und PFEIFFER, Ludwig. Materialitt der Kommunikation. Frankfurt am
Main: Shurkamp, 1988.
133
83
ROCHA, Joo Cezar de Castro [org.]. Interseces: a Materialidade da Comunicao. Rio de
Janeiro: Imago/EdUERJ, 1998.
84
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de Presena: o que o sentido no consegue transmitir.
Traduo Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC, 2010.
85
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma Arqueologia das Cincias Humanas. So Paulo,
Martins Fontes, 1995.
86
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Graciosidade e estagnao: ensaios escolhidos. Introduo e
organizao Luciana Villas Bas. Traduo Luciana Villas Bas e Markus Hediger. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2012.
134
87
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945: latncia como origem do presente. Traduo Ana
Isabel Soares. So Paulo: Unesp, 2014.
88
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, Ambiente, Stimmung: sobre um potencial oculto da
literatura. Traduo Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
89
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Em 1926: vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
135
90
LOVELOCK , James. As eras de Gaia: a biografia de nossa terra viva. Rio de Janeiro: Campus;
1991.
138
91
RUFFI, Jacques. O sexo e a morte. Traduo Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986, p. 13 e seg.
139
Por outro lado, quando se fala em meio, em teoria dos meios, em apropriao
dos meios e em tomada de conscincia dos meios, em primeiro lugar nos vm
mente duas das mais poderosas teorias dos meios: a dialtica antiga e sua
reinterpretao moderna feita por Hegel e Marx. Ambas as matrizes da dialtica,
antiga e moderna, pertencem na verdade a uma doutrina global mais ampla,
fundada sobre o conceito de reconhecimento e desenvolvida por diversos
pensadores em diversas diretrizes: a vida comum92. A partir dessa premissa, este
trabalho, medida que se prope como uma ontologia dos meios, tambm prope
delinear indiretamente e de modo propositivo como uma ontologia do comum ou, se
preferirem, um comunismo ou anarquismo ontolgico, e espero que isso possa ser
explicitado no seu decorrer. Voltando dialtica, comecemos pela dialtica
hegeliana e marxiana. O esquema dialtico do senhor e do escravo, baseado em
uma teoria do reconhecimento, fora filtrado por Marx sob um ngulo diferente, s
avessas do idealismo. Onde Hegel v um ainda-no da concordncia do sensvel
em relao sua reintegrao no esprito absoluto, Marx v o sintoma de uma
reintegrao impossvel sem uma alterao global das relaes materiais de
produo. No sentido dialtico relativo ao poder, essa vida comum consiste em um
esgaramento da relao senhor-escravo que por sua vez promove uma alienao
do escravo em relao ao senhor que detm os meios de produo. O senhor
conquistou esses meios custa da mais-valia e da alienao do trabalho escravo,
depositado como trabalho imaterial no valor destes mesmos meios de produo que
o senhor agora detm, graas ao trabalho do escravo, mas ao mesmo tempo contra
o escravo.
Contudo sempre importante lembrar o segundo termo dialtico. Nesse
processo de ruptura do reconhecimento das conscincias e da cadeia de produes,
no apenas o escravo que se aliena, ao ter seu trabalho transformado em mais-
valia convertida em valor para o senhor. O senhor se aliena de si mesmo medida
mesma que o escravo, no reconhecendo mais o senhor como fonte de valor ao
qual ele aspira em sua condio de escravo, passa tambm a romper o ciclo do
reconhecimento recproco. Sem esse reconhecimento o senhor tampouco pode ser
reconhecido como senhor pelo escravo e, dessa maneira, tampouco pode ser
reconhecido como senhor em si mesmo, pois no existe nada fora de uma esfera
92
TODOROV, Tzvetan. A vida comum: ensaio de antropologia geral. So Paulo: Unesp, 2014.
144
relacional. Como se sabe, Marx identifica nesse momento final e nesse limiar do
esgaramento dialtico mtuo que desagua em uma ruptura do reconhecimento por
ambas as conscincias e promove a emergncia do momento revolucionrio. Isso
quer dizer que a negatividade das relaes desarmnicas da dialtica senhor-
escravo no produzi uma fatalidade. Produz sim uma oportunidade e um devir,
inscrito nas malhas e na potncias adormecidas do ser, e que se realiza como
transformao e como pura positividade. A homeostase sistema-meio, justamente
quando encontra uma fratura, encontra nessa fratura no a forma fechada da
tragdia. Encontra a forma aberta e a pura mobilidade da pica: o momento propcio
para a reviso do sistema por uma nova apropriao dos meios, entendidos nesse
caso sempre como meios de produo.
A crtica de Marx s estruturas fundamentais do mundo moderno sempre se
pretendeu definitiva, justamente por ter conseguido explicitar a relao de
codependncia estrutural entre sistema e meio, entendido como produo. Por meio
dela, veio luz o modo pelo qual a diviso de classes e do trabalho, os meios de
produo e os jogos de iluso da superestrutura ideolgica se orquestravam em
uma sinfonia to sinistra quanto pattica. Ele detectou de modo brilhante que quanto
maior era a alienao gerada pelos meios de produo, mais reais eram as
miragens e os sonhos de incluso que entorpeciam os excludos e os distanciavam
de uma tomada de conscincia de sua real condio de classe, fossem eles
proletrios ou burgueses. Em outras palavras, a lgica da mercadoria e da mais-
valia produziria tanto a excluso real dos oprimidos quanto a incluso ilusria dos
opressores, ambos submetidos fora motriz da alienao, corao do capital. A
passagem das economias centradas no MCM [mercadoria-capital-mercadoria] para
uma organizao CMC [capital-mercadoria-capital] caracteriza de maneira decisiva o
princpio de acumulao propriamente capitalista e o regime de alienao sobre o
qual ele se estrutura. A partir de condies materiais dadas e de um acmulo de
meios quantitativos, tratava-se de conduzir a histria a um salto qualitativo-
revolucionrio que iria reverter dialeticamente o princpio de alienao que rege o
modo de produo capitalista. At aqui, nada de novo sob este o sol geral da teoria
marxista.
Nas ltimas dcadas presenciamos algumas mudanas agudas na
organizao social: o fim do bloco socialista, a emergncia de uma sociedade ps-
industrial de consumo, a volatilizao do dinheiro no capitalismo financeiro, a
145
cmicas as imagens dos ludistas do sculo XIX destruindo as mquinas para acabar
com a explorao. No sculo XXI, as mquinas se domesticam e se suavizam cada
vez mais, enquanto o controle apenas aumenta, em doses homeopticas de prazer
distribudas s multides silenciosas. Se antes os meios de produo eram
idealizados para representar as formas relativas de mediao, hoje so as
mediaes que determinam o que deve ou no ser materializado no plano real. Se o
capital foi durante muito tempo a materializao universal por meio do qual se
realizaram trocas de objetos relativos, hoje em dia o conjunto das mediaes a
forma pura, absoluta e universalizada do capital. Qual seria ento a ncora que
unifica todas as dinmicas mediadoras? O desejo. Assistimos ao incio de uma
revoluo dos modos de produo. Desde a era agrria at a universalizao do
capital, a humanidade viveu uma cultura de instrumentos e de mediaes que
possibilitaram a conexo entre dois objetos. Ingressamos agora em uma era na qual
essa mesma humanidade transformou o meio em fim. E o meio o desejo, no a
mensagem, parodiando McLuhan. O desejo movedio, contraditrio. Tende a se
esquivar e a se multiplicar ao infinito. Mas apenas sob a lei do desejo poderemos
fugir dos simulacros. Na mesologia, o desejo pode ser entendido como a forma final
por excelncia da mediao.
93
At onde consegui pesquisar, apenas Jutta Weldes entre a teora marxiana como uma ontologa
relacional: Marxism and methodological individualism. Theory and Society
May 1989, Volume 18, Issue 3, pp 353-386
147
94
MERQUIOR, Jos Guilherme. O Marxismo Ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
148
95
SLOTERDIJK, Peter. Crtica da razo cnica. Traduo e coordenao Marco Casanova. Equipe de
traduo: Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendona Cardozo e Ricardo Hiendlmayer.
Preparao de originais Rodrigo Petronio. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
149
medida que a teoria do capital e uma teoria das formas globais de produo e troca,
ou seja, uma teoria global dos meios, o sentido critico presente nessa economia
politica no seria algo da ordem discursiva ou racional. Pelo contrario, a critica se
manifestaria em crises das mediaes e dos processos globais de produo, troca,
distribuio e consumo, ou seja, nos processos internos ao tecido mesmo da
realidade. Em outras palavras, a teoria de Marx no seria mais uma filosofia critica
nos moldes do pensamento herdeira do Aufklrung, do criticismo kantiano ou do
racionalismo cartesiano, embora os assimile. Ela seria sim uma teoria geral dos
desdobramentos e das mediaes produzidas no cerne da contradies do real:
uma ontologia.
Talvez o nome de maior destaque dessa vertente seja Gyrgy Lukcs. Para
Lukcs, o mundo moderno um desdobramento da questo da dupla verdade. Essa
concepo se desenvolveu a partir do chamado averrosmo latino e teve seu pice
no sculo XIII, com a teoria nominalista, que propunha uma ciso entre linguagem e
ser99. Para Lukcs, o cardeal Belarmino, que atuou no julgamento de Galileu, no
sculo XVI, marca a guinada decisiva desse movimento dissociador. Dessa
distase, diramos. A diviso da verdade em um duplo reino, um da f e outro da
natureza, atendeu a uma dupla necessidade da burguesia ascendente. Por um lado,
liberou a natureza para uma manipulao irrestrita e gerou assim uma sociedade
tecnicista. Por outro, fortaleceu o aspecto transcendente da f, minimizando a
potncia racionalizadora interna s religies, potncia esta descrita magistralmente
por Max Weber, um dos inspiradores do jovem Lukcs.
Nesse sentido, cincia e f seriam as duas armas pelas quais o mundo
burgus criou suas instncias de legitimao, minando a possibilidade de conceber
uma ontologia geral, ou seja, de entender o real como racional, como queria Hegel.
Esse divrcio teria gerado uma compreenso cada vez mais instrumentalizada da
linguagem e cada vez mais imanente da natureza. Belarmino orquestrou a
capitulao da filosofia da natureza s exigncias de uma manipulao
antiontolgica. Ao se afastarem do ser, a cincia se tornou tecnicista e a religio,
irracionalista. Por isso, a obra de Lukcs se abre com uma crtica dupla. Primeiro, ao
neopositivismo lgico do sculo XX, sobretudo a Carnap, e, de modo mais atenuado,
99
Conferir tanto os Prolegmenos quanto o dois volumes de Para uma ontologia do ser social:
LUKCS, Gyrgy. Prolegomenos a uma ontologia do ser social. So Paulo: Boitempo, 2010.
LUKCS, Gyrgy. Para uma ontologa do ser social. Dois volumes. So Paulo: Boitempo, 2012-2013.
151
menos propcios, a partir dos anos 1960 essas mars se desenham em uma
oscilao entre posturas ps, anti e neomarxistas. V-se uma percepo ps-
marxista na midiologia de Debray, em Colletti, em Wallerstein, em Giddens, no
debate da derivao do estado de Mller e Neusss, bem como na teoria da lgica
do capital de Hirsch. Em contrapartida, haveria um antimarxismo nas crticas ao
politismo [maximizao da poltica e minimizao da economia], empreendidas por
Holloway e Picciotto, e nas crticas aos inimigos das sociedades abertas, feitas por
Popper. Contudo, um dos aspectos que tem se tornado cada vez mais presente na
teoria marxiana contempornea e a conciliao possvel entre H, por fim, o
florescimento de uma tradio neomarxista, nos herdeiros da teoria crtica e na nova
esquerda, em um prisma matizado que vai de Deleuze, Agamben, Badiou, iek e
Sloterdijk.
A partir dessa intuio, a teoria marxista se alinha as teorias sistmicas.
Tendo em vista que Sloterdijk e um autor egresso e, poder-se-ia dizer, um dissidente
da teoria critica e da herana da Escola de Frankfurt, pode-se dizer que por outro
lado nunca abandonara totalmente o sentido critico dialtico. Por essa razo, sua
fenomenologia das formas apenas aparentemente pode ser entendida como uma
reatualizao do idealismo ou do transcendentalismo, como ocorre com autores
como Ernst Cassirer ou como Benedetto Croce. Nesse sentido, um dos maiores
expoentes dessa simetria entre a ascenso do capitalismo planetrio e a descrio
sistmica global de processos e Immanuel Wallerstein e sua teoria acerca da
emergncia de um sistema-mundo100. As correlaes possveis tanto com entre a
teoria do sistema-mundo, mesologia e a esferologia e marcante101. Tambm nos
caminhos abertos pela semitica possvel detectar esse reposicionamento da
ontologia para o centro do debate. Lucia Santaella desenvolve esse
reposicionamento como uma espcie de modelo-padro para pensar o mundo
contemporneo102. A partir do estudo das mdias, a ontologia deixa de ser concebida
como metafsica, ou seja, como uma anlise da substncia do mundo. Passa a se
ocupar, ao contrrio, das relaes, associaes, mediadores e agentes desse
100
WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham, North Carolina:
Duke University Press, 2004.
101
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999] SLOTERDIJK, Peter. Esferas
III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona:
Siruela, 2006 [Publicao Alem: 2004]
102
SANTAELLA, Lucia. Comunicao ubqua: Repercusses na cultura e na educao. So Paulo:
Paulus, 2013.
153
mesmo mundo. Nessa linha, Santaella aproxima-se da ontologia das redes criada
por Latour, alm de dialogar com a sua teoria do ator-rede, uma das mais instigantes
do pensamento contemporneo. Em um dos momentos mais finos da obra,
Santaella desfaz as fronteiras entre mente e corpo, entre subjetividade e
objetividade. Repensa as relaes intersubjetivas depois do advento da internet. E, a
partir de Foucault, Deleuze e Guattari, evidencia quais os novos dispositivos de
saber-poder emergentes do ciberespao, bem como as redes e a nova configurao
da sociedade do saber103.
103
LVY, Pierre. A Inteligncia coletiva por uma antropologia do ciberespao. So Paulo: Loyola,
1999.
154
104
Um importante trabalho para compreender esse movimento mundial a filosofia da globalizao
desenvolvida por Sloterdijk: SLOTERDIJK, Peter. Palcio de Cristal: para uma Teoria Filosfica da
Globalizao. Traduo Manuel Resende. Coleo Antropos. Lisboa: Relgio Dgua, 2005.
157
colocar com toda sua urgncia. E nos sentiremos impelidos a escolher entre C e D.
O ciclo infinito e apenas se fecha com a ironia: quando chegarmos a Z,
provavelmente Z nos levar de volta a A. Se existe o inferno, ele no sombrio. Ele
atua em plena luz do dia, nos lugares tranquilos e transparentes. O inferno a soma
de todos os momentos em que agimos, pensamos e vivemos por bifurcaes.
Whitehead e Deleuze perceberam a atividade do demnio das bifurcaes com uma
lucidez inaudita.
Contudo tambm preciso superar o um. Durante muitos sculos o um foi
concebido imagem e semelhana da totalidade, contra as multiplicidades e
pluralidades do ser. A oscilao entre Atenas e Jerusalm apenas reforou as
imagens fascinantes do um, entendido como absoluta transcendncia de Deus ou
absoluta transcendncia do Conceito. Apenas a partir desse transcendentalismo
absoluto foi possvel blindar o devir no-discreto do real entendido como fluxo,
fixando-o no espao celeste das figuraes de Deus e do ser, ambos alocados em
uma esfera extramundana. O um passou assim a ser pensado como sustncia ou
como agente, como conceito ou como alteridade, abandonando sua natureza
transitiva e infinita. Em outras palavras, o um deixou de ser a unidade relativa do
infinito e passou a ser a unidade absoluta de um sujeito ou de uma substncia, de
Deus ou do ser. Por isso, o pensamento precisa superar a acepo do um como
substncia e como alteridade, pois em ambas as acepes o termo final da relao
se coloca como variaes da totalidade e da alteridade. Essas duas matrizes,
medida que postulam uma unidade ou alteridade transcendentes, passam a
inscrever o ser no regime da mesura, a conferir uma medida ao infinito relacional. A
sustncia primeira, o primeiro motor, o uno ou as ideias no podem ser
desmesurados, pois eles so atributos de racionalidade e desse modo, fecham o
infinito em uma esfera. Tampouco Deus o monstro da desmesura, como querem
algumas leituras crists, pois mesmo sendo monstruoso, medida que Deus, dota
de sentido o infinito, ou seja confere medida a absoluta desmesura do infinito, e,
desse modo, produz racionalidade. e so mesons do infinito, e apenas podem ser
assim compreendidas se a inscrevermos novamente em uma horizontalidade
relacional, subordinadas ao infinito.
O problema do infinito e a relao incomensurvel que o infinito estabelece
com a totalidade do real nos conduz a outro axioma da mesologia: e a totalidade de
tudo o que existe apenas pode ser pensada como totalidade medida que realiza
158
de modo a delimitar a totalidade do universo e de tudo que existe como uma unidade
real e formal. Esse limiar fronteira do mundo que instaura o mundo como
totalidade mundana real e estabelece ao mesmo tempo as condies formais e reais
da existncia desse mesmo mundo como mundo, ou seja, a identidade que
determina o mundo e a pluralidade dos seres do mundo como so. Plato define
essa instncia como alm-ser [hiperousa].
Quando Heidegger prope refundar as condies originrias de emergncia
do pensamento a partir do estabelecimento de uma novo modo de compreender a
diferena ontolgica, acaba por determinar a totalidade do modo de pensar como
uma atividade entitativa, em detrimento da clareira mais fundamental a partir da qual
a inteligibilidade do prprio mundo como mundo e do pensamento como
pensamento se tornam possveis. Contudo o que Heidegger oculta ao revelar essa
nova fascinao do ser e ao propor essa nova imagem do ser para uma nova
imagem do mundo, que a necessidade de uma diferena ontolgica fundada em
um meta-ser e necessria ao estabelecimento da totalidade do ser sempre estivera
posta na historia do pensamento. Poderamos ir mais longe: para conceber o munda
como totalidade, o estabelecimento de uma totalidade, ainda que seja uma
totalidade entitativa, precisa inscrever esse mesmo mundo em uma relao de
descontinuidade com o ser que a funda em termos transcendentais. Isso quer dizer
que a determinao da totalidade do ser e da totalidade de tudo que existe necessita
preservar-se sempre no interior de uma estrutura relacional equvoca, pois apenas
assim o ser pode se autodeterminar a si mesmo, e a alteridade surgida dessa
autodeterminao pode ser concebida ontologicamente como totalidade do mundo.
Se seguirmos esses caminhos de floresta, de Plato a Heidegger o
pensamento foi sempre o pensamento da equivocidade. E por maior que seja o
esforo de Heidegger em retomar Herclito, Parmnides e os physikoi anteriores ao
estabelecimento por Scrates de uma razo negativa, as regies de autenticidade e
inautenticidade do ser esto dispostas conforma o corte diferencial de uma estrutura
que demarca uma descontinuidade instauradora da regio originria de emergncia
do ser enquanto ser, e no como ser do ente. Isso no um problema. Pelo
contrrio, mais do que uma destruio fenomenolgica do pensamento, toda obra de
Heidegger pode ser pensada de uma forma menos grandiloquente e mais pontual:
como explicitao definitiva e derradeira da equivocidade como estrutura
fundamental do pensamento. Trabalhar no limiar [khra] entre sensvel e inteligvel,
160
107
DERRIDA, Jacques. Khra. Campinas: Papirus, 1995.
161
iluso, verdade e aparncia, essncia e fenmeno. A histria passa a ser vista como
o movimento de negatividade por meio do qual real e racional se identificam. Nunca
nenhum ser humano adorou o sol. Porque o sol nunca foi um objeto sensvel e
tampouco foi um ser divino. Tanto o sol quanto o deus que se adora por meio do sol
sempre foram a figurao real e negativa da ideia do sol. O sol real medida
mesma que, ao se produzir como ente sensvel, produz simultaneamente a
possibilidade de se pensar em um ente no-sensvel. O sol divino medida que,
ao se tornar passvel de ser divinizado, torna possvel identificar a esfera no divina
e natural que participa de sua essncia divina, agora revelada. A sntese das
diversas figuraes do sol, seja pela filosofia seja pelas religies, so contrafiguras
positivas do processo nadificador sem o qual o real no se realiza a si mesmo como
ideia.
Isso significa que no interior da vida do Esprito, todo evento se realiza e
apenas se realiza quando incorpora em si seu contraevento. A figura do mundo e a
contrafigura do mundo se inscrevem simultaneamente em uma mesma ordem global
da realidade, e no podem existir uma sem a outra. O telos do Esprito equaciona
historicidade e racionalidade, ou seja, produz a sntese passiva do real negado, que
se mantm de modo residual na atividade negadora. Como diria Hegel e depois
Adorno, em termos de dialtica negativa, a superao sempre guarda em si o
superado. Estamos diante da runa do princpio aristotlico de no-contradio. O
furor dialtico de Marx vai apenas depurar esse ingrediente explosivo da filosofia
hegeliana, invertendo-o para torn-lo ainda mais potente. No o Esprito que
unifica a sntese parcial de cada esfera autnoma da realidade. a prpria dinmica
global dos processos que produz a necessidade explicativa de um Esprito para
preencher as lacunas de um real alienado. A dialtica marxista trabalha com a noo
de iluso, como subproduto da superestrutura ideolgica que simula o real onde ele
fora alienado. A psicanlise, com suas antinomias entre vontade e desejo, colocou a
manifestao do desejo como expresso de uma heteronomia radical. Caso o
desejo no se realize, obstrudo pelo imperativo moral ou pela denegao da
conscincia, esse irrealizao do desejo se realiza como patologia. Essas
ambivalncias decisrias estruturam a neurose, e so muito produtivas para a
produzir o estado tensional de alerta em sociedades cada vez mais produtivas.
O que tenho dificuldade com a chave da dicotomia universal-relativo. Para
mim o relativismo no existe. Todas as religies so relativos universalizados para
165
recolhe sob seu seio as demais ontologias regionais. Foi esse movimento das
ontologias imperiais que configurou o predomnio de sculos de metafsica da
substncia. E esta, por sua vez, determinou os rumos do pensamento ocidental at
os dias de hoje. Nesses termos, a mesologia um trabalho epistemolgico e
tambm um modelo de anlise da cultura.
Ao me valer de um vocabulrio oriundo da filosofia, em nenhum momento
pretendo positivar esse vocabulrio sem entender que os conceitos matriciais da
filosofia esto inscritos em processo de mediadores antropolgicos de milhes de
anos. As mediaes, ao fim e ao cabo, remontam origem do homo sapiens e s
primeiras tecnologias de domesticao do Paleoltico. Confundem-se com o prprio
processo de hominizao e com as tecnologias de domesticao que produziram o
horizonte humano e nos inscreveram na clareia meta-humana de onde surgimos e
que ainda atuam na atualizao de nossa humanidade. Esse deslocamento da
centralidade conceitual oportuno medida que insere os elementos formais de
base do trabalho intelectual em uma srie de tcnicas e de desempenhos humanos
muito mais abrangente, contribuindo no para desmerec-lo, mas para recoloc-lo
como apenas um dos infinitos elementos e sistemas mediadores da cadeia de
mediaes humanas.
108
SERRES, Michel. O incandescente. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
109
SHELDRAKE, Rupert. A presena do passado: ressonncia mrfica. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
110
ALLGRE, Claude. Introduo a uma histria natural: do big bang ao desaparecimento do homem.
Traduo Telma Costa. Lisboa: Teorema, s/d.
111
GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. So Paulo: Martins Fontes, 1991.
173
112
SERRES, Michel. O incandescente. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 128 e seg.
113
H apenas uma obra que desenvolve uma teoria a partir do conceito de antropofania, escrita pelo
missionrio indiano Jacob Kavunkal. Porm, como ele entende antropofania como uma
universalizao do antropogema cristo, coloca-se em uma perspectiva rigorosamente oposta
acepo que dou a esse conceito: KAVUNKAL, Jacob. Anthropophany: Mission as Making a New
Humanity
174
117
JAMBET, Christian. A lgica dos orientais: Henri Corbin e a cincia das formas. So Paulo: Globo,
2006.
176
118
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: histria da arte e tempo dos fantasmas
segundo Aby Warburg. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto/Museu de Arte do Rio,
2013.
119
JAMBET, Christian. A lgica dos orientais: Henri Corbin e a cincia das formas. So Paulo: Globo,
2006.
120
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de Presena: o que o sentido no consegue transmitir. Rio
de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2010.
121
VRIOS. Somastophere. Science, Medicine, and Anthropology. Disponvel:
http://somatosphere.net/series/ontology-2
177
122
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A Nova Aliana:
Metamorfose da cincia. Braslia: Universidade de Braslia, 1991.
178
123
FERREIRA DA SILVA, Vicente. Obras Completas. Organizao, introduo geral, bibliografia e
notas Rodrigo Petronio. So Paulo: Editora , 2009-2010. Trs Volumes. __________. Lgica
Simblica. Prefcio de Milton Vargas. Posfcio Newton da Costa. So Paulo: Editora , 2009.
__________. Dialtica das Conscincias. Prefcio de Miguel Reale. Posfcios Vilm Flusser e Luigi
Bagolini. So Paulo: Editora , 2009. __________. Transcendncia do Mundo. Introduo Geral
Rodrigo Petronio. Posfcios Julin Maras, Per Johns, Agostinho da Silva, Dora Ferreira da Silva. So
Paulo: Editora , 2010.
124
FERREIRA DA SILVA, Vicente. Obras Completas. Organizao, introduo geral, bibliografia e
notas Rodrigo Petronio. So Paulo: Editora , 2009-2010. Trs Volumes. __________. Lgica
Simblica. Prefcio de Milton Vargas. Posfcio Newton da Costa. So Paulo: Editora , 2009.
__________. Dialtica das Conscincias. Prefcio de Miguel Reale. Posfcios Vilm Flusser e Luigi
Bagolini. So Paulo: Editora , 2009. __________. Transcendncia do Mundo. Introduo Geral
Rodrigo Petronio. Posfcios Julin Maras, Per Johns, Agostinho da Silva, Dora Ferreira da Silva. So
Paulo: Editora , 2010.
179
125
GILSON, Etinne. Deus e a Filosofia. Traduo Ada Macedo. Lisboa: Edies 70, 2002.
126
SLOTERDIJK, Peter. O Desprezo das Massas: Ensaio sobre Lutas Culturais na Sociedade
Moderna. Traduo Cludia Cavalcanti. So Paulo: Estao Liberdade, 2002.
127
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das cincias humanas. Traduo
Salma Tannus Muchail. So Paulo: Martins Fontes, 2000.
128
AQUINO, Toms de. O ente e a essncia. Verso do latim e introduo de Mrio A. Santiago de
Carvalho. Porto: Contraponto, 1995.
180
129
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o Poder Soberano e a Vida Nua. Volume I. Belo Horizonte:
UFMG, 2002.
181
130
SLOTERDIJK Peter, Tu dois changer ta vie: de l'anthropotechnique. Trad. de l'allemand par Olivier
Mannoni, Paris, Libella Maren Sell, coll. ess-docum, 2011.
131
SLOTERDIJK, Peter. La Domestication de ltre: pour un claircissement de la Clairire. Traduit
de lallemand par Olivier Mannoni. Paris: Mille et Une Nuits, 2000.
132
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Conferncias e escritos filosficos. Traduo
Ernildo Stein. Coleo Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973.
133
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Conferncias e escritos filosficos. Traduo
Ernildo Stein. Coleo Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973.
134
SLOTERDIJK, Peter. La Domestication de ltre: pour un claircissement de la Clairire. Traduit
de lallemand par Olivier Mannoni. Paris: Mille et Une Nuits, 2000.
135
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. So Paulo: Perspectiva, 2006. SLOTERDIJK, Peter. Derrida,
um Egpcio: o Problema da Pirmide Judia. Traduo Evando Nascimento. So Paulo: Estao
Liberdade, 2009.
136
Conferir tambm a anlise fenomenolgica de Derrida da passagem da voz letra e do problema
do signo no pensamento de Husserl: DERRIDA, Jacques. A Voz e o Fenmeno: introduo ao
problema do signo na fenomenologia de Husserl. Traduo Lucy Magalhes. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
137
SLOTERDIJK, Peter. No Mesmo Barco: Ensaio sobre a Hiperpoltica. Traduo de Hlder
Loureno. Reviso Cientfica Jos Bragana de Miranda. Lisboa: Sculo XX, 1996.
182
138
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004.
139
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. Cinco Volumes.
Coordenao da traduo Ana Lcia de Oliveira. So Paulo: 34 Letras, 2007.
140
SLOTERDIJK, Peter. Regras para o Parque Humano: Uma Resposta Carta Sobre o Humanismo
de Heidegger. Traduo Jos Oscar de Almeida Marques. So Paulo: Estao Liberdade, 2000.
141
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Traduo Rosemary Costhek Ablio. 3 volumes. So
Paulo: Martins Fontes, 2000.
183
142
PETRONIO, Rodrigo. O Teatro do Mundo: os Ensaios de Montaigne. _____. Transversal do
Tempo. Recife: Imprensa Oficial do estado de Pernambuco, 2000.
143
SLOTERDIJK, Peter. No Mesmo Barco: Ensaio sobre a Hiperpoltica. Traduo de Hlder
Loureno. Reviso Cientfica Jos Bragana de Miranda. Lisboa: Sculo XX, 1996.
144
SERRES, Michel. A grande narrativa do humanismo: a histria da humanidade um conto
inicitico. Traduo Antnio Viegas. Lisboa: Instituto Piaget, 2008, p. 29 e seg.
145
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa.
Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004
146
Conferir sobretudo a primeira parte de SLOTERDIJK, Peter. Regras para o Parque Humano: Uma
Resposta Carta Sobre o Humanismo de Heidegger. Traduo Jos Oscar de Almeida Marques.
So Paulo: Estao Liberdade, 2000.
147
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003. SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos.
Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004.
SLOTERDIJK, Peter. La Domestication de ltre: pour un claircissement de la Clairire. Traduit de
lallemand par Olivier Mannoni. Paris: Mille et Une Nuits, 2000. SLOTERDIJK, Peter. Regras para o
Parque Humano: Uma Resposta Carta Sobre o Humanismo de Heidegger. Traduo Jos Oscar de
Almeida Marques. So Paulo: Estao Liberdade, 2000.
184
148
ASSMANN, Jan. Religin y memoria cultural. Buenos Aires: Lilmod/Libros de la Araucaria, 2008.
Agradeo ao professor Pedro Lima Vasconcellos a indicao de uma excelente bibliografia relativa a
escrita, memria e oralidade.
149
FLUSSER, Vilm. O universo das imagens tcnicas: Elogio da superficialidade. So Paulo:
Annablume, 2008.
150
FLUSSER, Vilm. A Escrita. So Paulo: Annablume, 2010.
151
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Europeia e Idade Mdia Latina. So Paulo: Fapesp/Edusp,
1995.
152
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Europeia e Idade Mdia Latina. So Paulo: Fapesp/Edusp,
1995.
185
153
AMNCIO, Moacir. Yona e o Andrgino: notas sobre poesia e cabala. So Paulo: Edusp/Nankin
Editorial, 2011.
154
RAB, bn. A alquimia da felicidade perfeita. Traduo Roberto Ahamad Cattani. So Paulo:
Landy, 2002.
155
SLOTERDIJK, Peter. Regras para o Parque Humano: Uma Resposta Carta Sobre o Humanismo
de Heidegger. Traduo Jos Oscar de Almeida Marques. So Paulo: Estao Liberdade, 2000, p.
11.
156
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e tcnica, arte e poltica. Volume I. Traduo Sergio
Paulo Rouanet. So Paulo: Brasiliense, 1985.
157
LATOUR, Bruno. Reflexo sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Trad. Sandra Moreira.
Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Corao, 2002.
186
163
SLOTERDIJK, Peter. Crtica da razo cnica. Traduo e coordenao Marco Casanova. Equipe
de traduo: Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendona Cardozo e Ricardo Hiendlmayer.
Preparao de originais Rodrigo Petronio. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
164
WOLFE, Cary. What is posthumanism? Posthumanities Volume 8. Minneapolis/London: University
of Minnesota Press, 2010, p. xii e seg.
165
WOLFE, Cary. What is posthumanism? Posthumanities Volume 8. Minneapolis/London: University
of Minnesota Press, 2010, p. 3-31.
166
HARAWAY, Donna. When species meet. Posthumanities Volume 8. Minneapolis/London:
University of Minnesota Press, 2008.
189
Uma longa jornada antropolgica nos une aos animais. Recuperar o elo
perdido da grande cadeia do ser que une animais e humanos foi obra da
maravilhosa especulao de Darwin, Wallace e dos zologos e bilogos do sculo
XIX. Contudo esse elo no foi criado por Darwin. Ele est presente nos principais
antropogemas das religies arcaicas, cuja origem pode recuar a milhes de anos.
So os chamados devires-animais, de que fala Deleuze168. A indiscernibilidade entre
devir-humano, devir-planta e devir-animal nas culturas arcaicas to acentuada que
167
GUTHRIE, Stewart Elliot. Faces in the clouds: a new theory of religion. Oxford: Oxford University
Press, 1995.
168
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. Cinco Volumes.
Coordenao da traduo Ana Lcia de Oliveira. So Paulo: 34 Letras, 2007.
190
169
LVQUE, Pierre. Animais, deuses e homens. Coleo Perspectivas do Homem. Lisboa: Edies
70, 1996.
170
LAMBERT, Yves. O nascimento das religies: da pr-histria s religies universalistas. So
Paulo: Loyola, 2011.
171
FRAZER, James George. O ramo de ouro. Organizao Mary Douglas. Rio de Janeiro: Zahar,
1982.
172
HOCK, Klaus. Introduo Cincia da Religio. Traduo Monika Ottermann. So Paulo: Loyola,
2010.
FILORAMO, Giovanni e PRANDI, Carlo. As Cincias das Religies. So Paulo: Paulus, 1990.
173
DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totmico na Austrlia. So
Paulo: Martins Fontes, 1996.
174
GUTHRIE, Stewart Elliot. Faces in the clouds: a new theory of religion. Oxford: Oxford University
Press, 1995.
191
175
MITHEN, Steven. A pr-histria da mente: uma busca das origens da arte, da religio e da cincia.
Traduo de Laura de Oliveira. So Paulo: Unesp, 2003.
176
STEIN, Ernildo. Antropologia filosfica: questes epistemolgicas. Iju: Uniju, 2010.
192
imaginal. O paradoxo dessa situao torna-se cada vez mais claro: quanto mais a
cincia evolui em termos experimentais, mais o seu horizonte acaba incorporando
em si os saberes regionais metaempricos e os grandes sistemas dedutivos que
essa mesma cincia relegou s suas margens para poder se constituir como cincia.
Para uma compreenso mais clara dessa dinmica, basta pensarmos na enorme
quantidade de antropogemas produzida por povos para os quais o logos ocidental
indiferente, e para os quais a ideia mesma de humanidade ou de ser humano
entendido em termos gerais no tem o menor sentido terico ou prtico. E mesmo
assim, todas as populaes do mundo produzem desde sempre narrativas visuais e
verbais para iluminar o humano.
A antropologia no nesse sentido um conjunto de discursos sobre o Outro.
medida mesma que especula sobre o Outro, a antropologia acaba por produzir
uma autoimagem dos sujeitos humanos envolvidos na atividade antropolgica de
descrever o Outro. Poderamos dizer com Latour que se trata de um fenmeno de
simetria da relao ns-eles177. Ao emancipar os modelos cientficos capazes de
empreender a taxonomia da humanidade, o projeto moderno conseguiu depurar e
separar as imagens e narrativas sobre o ser humano de suas impurezas, definindo-
as em sua universalidade e em sua cientificidade. Ao faz-lo, a modernidade criou
as condies adequadas para poder produzir as misturas significativas, ou seja, para
validar as misturas em uma esferas moderna e no mais vinculadas ao pensamento
tradicional, que passa a ser associado ao mbito pr-moderno. Se levarmos em
conta essas simetrias e extrapolarmos essa primeira aproximao, podemos dizer
que no apenas a antropologia, mas todas as cincias que se dedicam a definir o
humano, seja em sua universalidade ou em sua especificidade, produzem
simultaneamente um conjunto de antropogemas que dizem respeito aos sujeitos da
cincia comprometidos com essa taxonomia descritivas, gerando assim uma
simetria de especulao e espelhamento.
Ningum menos do que Lvi-Strauss chamou a ateno para esse fenmeno.
No momento em que a comunidade cientfica precisa comunicar suas descobertas a
um pblico mais amplo, passa a recorrer a imagens mais amplas e gerais. Ao faz-
lo, os conceitos puros que estiveram a servio da heurstica racional comeam a ser
reabsorvidos esfera do mito. Passam a ser assimilados ao horizonte imaginal e s
177
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos
Irineu da Costa. So Paulo: 34 Letras, 1994.
193
178
STRATHERN, Marilyn. O efeito etnogrfico e outros ensaios. Coordenao editorial Florencia
Ferrari. Traduo Iracema Dulley, Jamille Pinheiro Dias e Lusa Valentini. So Paulo: Cosacnaify,
2014.
194
parte de uma cadeia que conduz a outras partes ad infinitum. O estudo das relaes
parte-todo existe desde a origem da filosofia. E a nfase dada s partes nessa
relao dialtica recebeu o nome de mereologia. A mereologia foi extremamente
importante para as teorias dialticas antigas sobre parte-todo e sobretudo para a
ontologia e a cosmologia. Atravessou o pensamento medieval e encontrou algumas
de suas mais vastas realizaes nas investigaes medievais relacionando Deus,
criaturas e criao, nos sistemas de mundo de Llull, na monadologia de Leibniz e
posteriormente em Husserl, onde entendida como um dos axiomas centrais da
fenomenologia. No sculo XX, o estudo da mereologia se especificou muito e
acabou assumindo o campo da fsica terica e da matemtica pura, principalmente
por causa das contribuies do matemtico polons Stanisaw Leniewski, que
unifica o problema da mereologia lgica.
Tanto na matemtica quanto na cosmologia, o desafio consiste cada vez mais
emancipar as partes em relao ao todo e tentar captar a estrutura relacional parte-
parte em sua imanncia. Exatamente como os melansios descritos por Strathern
compreendem essas relaes em termos imaginais, ou seja, por meio de uma
ontologia das relaes parte-parte. O gigantesco processo da hominizao um
gigantesco processo transferencial. Ele consiste em um continuo deslocamento
relaes parte-parte que, por meio da ao do desejo, acabam assumindo o valor de
totalidades. Entendidas a partir da mereologia e da mereografia, defino essa
odisseia antropolgica e ontolgica de deslocamento das constelaes abertas de
relaes partes-partes em direo ao todo, que a totalizao da partes produzida
pelo desejo, a partir de um conceito: mesons [meios]. Os mesons so a rede infinita
de cadeias transferenciais que compem a totalidade aberta de todos os campos
imaginais, e por sua vez sustentam a flutuao de todos os antropogemas no
horizonte maior das cadeias antropofnicas.
cadeia de anis que une o mundo179, a partir de sua fonte latina: a cadeia de ouro de
Homero [aurea catena Homeri]. Essa seria a descrio ocidental mais arcaica de um
princpio sutil do mundo, aquilo que mais tarde seria chamado de alma do mundo,
explorado exausto pela teoria hermtica e uma das matrizes da alquimia,
chegando a dar ensejo a uma obra homnima de Anton Kirchweger, Aurea Catena
Homeri, que saiu do prelo em 1757 e foi lida pelos pietistas, chegando a influenciar o
jovem Goethe180. Por ser uma alegoria produtiva ao desenvolvimento da cincia, e
por induzir a mente na busca da unidade imaterial oculta, alm dessa acepo mito-
hermtica ela tambm apresenta um grande valor epistemolgico-dedutivo de leis
globais que regem a natureza181. No por acaso, essa alegoria despertou o
interesse de Pierre Lvque, um dos estudiosos das relaes entre animais, homens
e deuses nas religies arcaicas, anteriores aos gregos182. Afinal, trata-se de uma
das mais claras imagens descritivas da unidade anmica invisvel que unifica todos
os campos de ao da natureza. Em outras palavras, uma imagem da alma.
O conceito de alma um dos mais fascinantes da histria humana. E sua
relao com o corpo ainda mais delicada. Tanto que depois de milhes de anos de
unio, a separao marcante de ambos como substncias distintas um fenmeno
extremamente recente na histria da cultura183, oriunda do zoroastrismo184 e mais
claramente do orfismo185 e da filosofia186. Ainda no mundo arcaico, Homero podia se
179
PLATO. on. Traduo Cludio Oliveira. Coleo Fil/Esttica. Belo Horizonte: Autntica, 2011.
180
Conferir os excelentes comentrios de Jos Jorge de Carvalho, antroplogo responsvel pela
edio comentada de um dos mais importantes tratados da histria da alquimia: ALTUS. Mutus liber:
o livro mudo da alquimia. Ensaio introdutrio e comentrios e notas de Jos Jorge de Carvalho. So
Paulo: Attar, 1995.
181
CAZENAVE, M. A. Cincia e a alma do mundo. Lisboa: Instituto Piajet. 1982.
182
LVQUE, Pierre. Aurea catena Homeri: une tude sur l'allgorie grecque. Annales Littraires de
l'Universit de Besancon, 27. Paris: Les Belles Lettres, 1959, p. 90. LVQUE, Pierre.
Animais, deuses e homens. Coleo Perspectivas do Homem. Lisboa: Edies 70, 1996.
183
Para conferir a origem grega da noo de alma, conferir o monumental obra de Erwin Rohde:
ROHDE, Erwin. Psique: la idea del alma y la imortalidad entre los griegos. Mxico: Fondo de Cultura
Economica, 1948. Quanto s relaes entre alma e tekhn, o enorme estudo de Umberto Galimberti:
GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da tcnica. So Paulo: Loyola, 2005.
Ver tambm: BREMMER, Jan. El concepto de alma en la antigua Grecia. Traduccin Menchu
Gutirrez. Barcelona: Siruela, 2003.
184
LAMBERT, Yves. O nascimento das religies: da pr-histria s religies universalistas. So
Paulo: Loyola, 2011.
185
GUTHRIE, W.C.K. Orpheus and greek religion. Princeton: Princeton University Press, 1993.
186
H uma enorme bibliografia sobre a histria da alma e a origem das concepes gregas, antes e
depois do advento da filosofia: CORNFORD, F. M. Principium Sapientiae: as origens do pensamento
filosfico grego. Traduo Maria Manuela Rocheta dos Santos. Prefcio W. K. C. Guthrie. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, s/d.CORNFORD, F. M. From religion to philosophy: a study in the origens of
Western speculation. New York: Dover, 2004. DODDS, E. R. Os Gregos e o Irracional. So Paulo:
Escuta, 2002. KERNYI, Karl. Dioniso: imagem arquetpica da vida indestrutvel. So Paulo:
196
Odysseus, 2002. KERNYI, Karl. Eleusis: Imagen Arquetpica de La Madre y de la Hija. Traduccin
Mara Tabuyo y Agustn Lpez. Barcelona: Siruela, 2004.
187
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004.
188
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.
189
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.
190
AGAMBEN, Giorgio. Profanaes. Traduo e apresentao de Selvino Jos Assmann. So
Paulo: Boitempo, 2007.
SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo: Ensaio Psicolgico-Poltico. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
SLOTERDIJK, Peter. Extraamiento del Mundo. Traduccin Eduardo Gil Bera. Valencia: Pre-Textos,
1998
197
como substncia separada ou, para falar com Deleuze, como virtualizao do plano
de imanncia, certamente foi uma das mais poderosas tecnologias da humanidade,
pensando-se tecnologia aqui na acepo mesma de Sloterdijk: princpios de
domesticao dos espaos vitais191, desdobrados por transferncias esferolgicas,
no por meio de uma projeo representacional. Por um mesmo movimento, a
descoberta da transcendncia da ira ou do que se convencionou chamar de ira
divina foi uma das mais poderosas tecnologias blicas e uma das mais eficientes
armas nas lutas de poder192.
A transferncia no psquica ou representacional, mas real e ontolgica.
Quando falamos em transferncia, falamos em um processo de metokosis:
mudana de substncia193. quando falamos em transferncia falamos nos mesons
que produzem o deslocamento que engloba real e ideal e os torna idnticos diante
do desejo. Se de um ponto de vista etimolgico o animal aquele ser dotado de
anima, de movimento, e, portanto, de psych, a demarcao entre humanidade e
animalidade passa necessariamente por uma clivagem sobre o que venha a ser a
especificidade da alma humana, debate complexo que hoje em dia se encontra
totalmente em aberto na teoria cognitiva, na antropologia, na filosofia, na biologia e
na etologia. Contudo qual seria a produtividade de reativar uma teoria animista?
Talvez o dado mais importante de uma reformulao do animismo se encontre em
uma nova cosmologia. Uma cosmologia que representa aos poucos o deslocamento
de um campo imaginal centrado no logos, entendido como substncia racional que
ordena a cadeia dos seres, em direo a um eros cosmognico, capaz de manter os
seres unidos, a despeito das infinitas transferncias e migraes de substncias na
cadeia imaginal.
191
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.
192
SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo: Ensaio Psicolgico-Poltico. So Paulo: Estao Liberdade,
2012.
193
SLOTERDIJK, Peter. Extraamiento del Mundo. Traduccin Eduardo Gil Bera. Valencia: Pre-
Textos, 1998.
198
194
MONOD, Jacques. O acaso e a necessidade: Ensaio sobre a filosofia natural da biologia.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.
195
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
196
FOUCAULT, M. Histria da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
197
HADOT, P. Exercices spirituels et philosophie antique. Prefcio de Arnold I. Davidson. Nova
edio, revista e aumentada. Paris: Albin Michel, 2002.
198
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004.
199
antigos ao descrever o ser humano, agora no mais como um soldado, mas como
um idiota do cosmos199.
O deslocamento da imagem do soldado imagem do idiota acentua ainda
mais esse esplendor de ambivalncia que o humano, um ser que tudo perante o
nada e nada perante o infinito, como sentenciou Pascal. Alm disso, a imagem do
idiota serve para hiperbolizar o movimento por excelncia da modernidade: a
explicitao e a infinitizao200. As consequncias desses movimentos um
esvaziamento da racionalidade imanente da natureza, marcada sob o antropogema
estoico-cristo do logos, e a produo de outras fascinaes imaginais ligadas ao
acaso e absoluta indiferena de um universo no qual Deus morreu, ou seja, o
maior de todos os sistemas de imunizao do sapiens, o sistema-Deus sob a forma
do globo foi infinitizado e ruiu. A imagem descrita por Monod assimila essa guinada,
e nova dentro de uma descrio cientfica da origem da vida. Mas se a pesarmos
como um antropogema, essa imagem foi explorada por diversas tradies arcaicas e
retomada com toda fora a partir da cincia moderna. Hans Jonas compreendeu
com exatido e sensibilidade o itinerrio dessa mesma imagem de isolamento,
finitude e estrangeirismo dos seres vivos em relao ao universo, no apenas a
partir de Monod, mas tambm a partir das escrituras gnsticas antigas.
Jonas intuiu que a imagem do exlio csmico e do estrangeirismo do ser
humano em relao ao universo, e mesmo em relao a Deus, embora adormecida
entre as tintas do tempo e da heresia, possua uma profunda conexo com algumas
das teses centrais da biologia contempornea e do pensamento existencial. Mais do
que isso, notou que a cosmologia gnstica basicamente desempenhou na
antiguidade o papel que a cosmologia cientfica passou a desempenhar a partir do
sculo XVI para o mundo moderno. Por isso, inicialmente dedicado filosofia da
biologia, Jonas decidiu dedicar anos de trabalho na elaborao de uma
fenomenologia da atitude gnstica diante do cosmo, das escrituras antigas ao
pensamento do sculo XX201.
199
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa.
Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004
200
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa.
Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004
201
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
200
202
JONAS, Hans. Matria, Esprito e Criao: Dados Cosmolgicos e Conjecturas Cosmognicas.
Traduo Wendell Evangelista Soares Lopes. Petrpolis: Vozes, 2010.
203
JONAS, Hans. Matria, Esprito e Criao: Dados Cosmolgicos e Conjecturas Cosmognicas.
Traduo Wendell Evangelista Soares Lopes. Petrpolis: Vozes, 2010.
201
Logo nas primeiras linhas da introduo de seu projeto Esferas, Sloterdijk nos
lembra que a filosofia nasceu sob a gide da geometria204. Haja vista a inscrio
famosa na Academia de Plato: afastem-se daqui todos que no forem
gemetras205. O aspecto a ser ressaltado logo nesse ponto de partida se refere
portanto a uma categoria antropolgica implcita ao surgimento do discurso
filosfico. Em que medida os critrios dianoticos necessrios a uma verdadeira
aproximao das realidades eidticas [edos] e das formas inteligveis, ao revelar a
prioridade dos gemetras, teriam nos conduzido a um esquecimento de nossa
ancestralidade de mamferos?206 Em que medida a filosofia, entendida como
contemplao de formas perfeitas e busca da pura circularidade do ser,
absolutamente idntico a si mesmo, no nos distanciou de outra circularidade,
aquela que experimentamos envoltos na placenta e no lquido amnitico maternos?
Para os mamferos, para nos valermos aqui da conhecida acepo de Pascal, nada
mais alheio ao esprit de gomtrie, em tudo oposto ao esprit de finesse.
Em primeiro lugar, os mamferos so animais gregrios. Em sentido etolgico,
para eles os modelos universais e as formas gerais abstratas tm sua gnese
sempre em processos primrios. A gnese desses processos primrios e das formas
de vida compartilhadas dos grupos extrai seu modelo das primeiras relaes me-
filho. Isso quer dizer que o princpio de demonstrao da verdade no pode nunca
se afastar do horizonte espacial imediato, onde a vida se desenrola em sua
facticidade. Nesse sentido, tudo o que se reputou at hoje como pensamento
filosfico no tem incio em uma contemplao das formas puras, acessveis ao puro
204
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera.
Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006. SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos.
Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004
205
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 21.
206
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 22.
202
207
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera.
Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006. SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos.
Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004
208
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 23.
209
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 23.
210
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 2003
203
2.11 Espelho
211
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, 23.
204
pois pensar assim continuar a tomar o humanismo como evento central e base de
organizao das cadeias antropofnicas, sendo que se trata exatamente do oposto:
o antropogema do humanismo a exceo e no a regra dos regimes e
desempenhos antropofnicos, entendidos a partir do arco temporal da hominizao,
ou seja, em um enquadramento de muitos milhes de anos. Isso quer dizer que a
odisseia da hominizao encontra-se nesse exato momento to aberta e produtiva
quanto esteve h cento e cinquenta mil anos e quanto estar daqui a um milho de
anos, posto que a origem das fascinaes e dos antropogemas uma origem
imaginal, e no temporal.
As linhas de fuga dos antropogemas hegemnicos da tradio humanista
podem ser as novas snteses fornecidas pela biotecnologia, pelo sequenciamento
gentico, pelos ciborgues, pela inteligncia artificial, pelas filosofias sintticas e
transgnicas, pela diluio completa entre orgnico e inorgnico e pela
universalizao de todas as formas pelas quais o humano produz uma interveno
significativa no processo seletivo da espcie, a ponto de podermos hoje em dia falar
em uma seleo artificial coexistindo com a seleo natural. Contudo, no apenas
nos saltos que a techn empreende sobre os domnios da natureza, produzindo
descontinuidades e abismos ontolgicos, reside o mistrio e a definio do humano.
Quando o protagonista-narrador do conto de Guimares Rosa se olha no espelho,
consegue ver seu rosto se transformar em uma ona, assim como pode ver tambm
uma criana e uma prola, flutuando nas regies abissais do oceano. A regio meta
e transumana de emergncia dessas fascinaes est e sempre esteve ao alcance
de nossas mos e de nosso pensamento. Por isso foi e continuar sendo possvel
modelarmos o mundo que nos modelar, em uma sucesso de imagens que se
expandem e nunca se esgotam em sua travessia infinita. Por isso o humano um
ser de intervalo. Um enigmtico rosto que emerge entre uma ona, uma criana e
uma prola.
207
Seria preciso inventar uma estrutura (como as inventadas por Riemann) cuja
conexo fizesse ver, ao menos grosseiramente, as dependncias recprocas que
fazem de um contedo um continente e de um continente um contedo, j que eu
estou em um mundo que est em mim, encerrado no que encerro, produto disso que
eu formo entretenho.
Paul Valry
212
Um excelente readers guide em quatro partes organizando os principais livros e artigos relativos a
esse ontological turn na antropologia:
http://somatosphere.net/2014/01/a-readers-guide-to-the-ontology-turn-part-1.html
213
Praticamente todo pensamento de Latour e marcado por essa recorrncia a ontologia: Graham
Harman, 2009, Prince of Networks: Bruno Latour and Metaphysics. Melbourne: Re.Press. [OA]
214
William Connolly, 2005, Pluralism. Durham: Duke University Press. [Ch. 3, Pluralism and the
Universe [on William James], pp. 68-92.]
215
Philippe Descola, 2013, The Ecology of Others, Chicago: Prickly Paradigm Press.
216
Tim Ingold, 2004, A Circumpolar Nights Dream, in John Clammer et al., eds., Figured Worlds:
Ontological Obstacles in Intercultural Relations. Toronto: University of Toronto Press, pp. 25-57.
217
Annemarie Mol, 1999, Ontological Politics: A Word and Some Questions, in John Law, and J.
Hassard, ed., Actor Network Theory and After. Oxford: Blackwell, pp. 74-89.
218
Eduardo Kohn, 2013, How Forests Think: Toward an anthropology beyond the human. Berkeley:
University of California Press.
209
Viveiros de Castro. Embora esse turning point ontolgico seja bastante visvel na
antropologia, esse movimento de reativao das narrativas ontolgicas no se
esgota nesta cincia. Encontra ressonncia na filosofia, na teoria da literatura, na
teoria da arte e nas cincias da natureza219, como fsica, biologia, qumica, nas
cincias da mente220 e mesmo na economia221. Na antropologia filosfica, nos
ltimos anos comeou a crescer um novo campo de conhecimento: a
antropontologia222.
Como compreender essa demanda ontolgica em reas to distintas e
empreendidas por pensadores tambm eles mesmos muito distintos entre si? Essa
situao torna-se compreensvel quando nos damos conta de um problema da
demarcao, fundamental na epistemologia, continua sendo a pedra de discrdia
das circunscrio de mtodo na cincia, a medida que a incomensurabilidade dos
critrios impossibilita uma uniformizao irrestrita de todos os campos de atividade
do pensamento por meio de critrios universalizveis. Embora essa questo da
incomensurabilidade possa ser criticada como uma mera tcnica de reductio ad
absurdum, tpica das vertentes epistemolgicas ligadas ao ceticismo radical ou a
concepes prximas ao anarquismo epistemolgico de Paul Feyrabend, a questo
da definio do mtodo e da demarcao cada vez mais torna clara a dificuldade de
constituio clara dos regimes discursivos de diversas cincias223. Se a apreenso
dos fenmenos qunticos torna difcil a demarcao de fronteiras entre observador e
objeto observado, como conceber uma epistemologia puramente descritiva, fundada
sobre bases analticas, a medida que sujeito e objeto se encontram mutuamente
implicados? Esse conceito de implicao e desenvolvido por Pierre Lvy224 e sinaliza
para aquilo que Isabelle Stengers225 define como uma ecologia das prticas, dentre
as quais estariam includas a prtica cientifica. A cincia no pode mais ser pensada
219
Isabelle Stengers, 2005, The Cosmopolitical Proposal, in Bruno Latour & Peter Weibel, eds.,
Making Things Public: Atmospheres of Democracy. Cambridge MA: MIT Press, pp. 994-1003.
220
Brain, mind, and the structure of reality [2010] Nunez, Paul L.
Oxford ; New York : Oxford University Press, 2010.
221
GOTTLIEB, Dale. Ontological economy: substitutional quantification and mathematics. London:
Oxford University Press, 1980.
222
otuksken, Betl Conferir o artigo do filosofo turco SYNTHESIS PHILOSOPHICA,
Anthropontology as a New 54 [2/2012] pp. [237244] Kind of Ontology . Disponivel em:
http://philpapers.org/rec/OTUAAA
223
FEYERABEND, Paul K. Contra o mtodo. So. Paulo: UNESP, 2007. FEYERABEND, P. Adeus
razo. So Paulo: Ed. UNESP, [Trad. V. Joscelyne]. 2010.
224
LVY, Pierre. A inteligncia coletiva: por uma antropologia do ciberespao. Traduo Luiz Paulo
Rouanet. So Paulo: Loyola, 1998.
225
STENGERS, A inveno das cincias modernas, So Paulo, Ed. 34, 2002.
210
226
ROSSI, Paolo. O Nascimento da Cincia Moderna na Europa. Bauru, EDUSC, 2001.
227
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
228
O termo ontologia relacional em uma pesquisa no Google em 08.09.2014 encontrou 1 mil
ocorrncias em lngua portuguesa. O termos em ingls relational ontology revelou cerca de 28 mil
ocorrncias. Isso demonstra que o debate em lngua portuguesa ainda e praticamente inexistente e
em lngua inglesa esteja mais avanado, mas ainda incipiente.
229
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999]
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006 [Publicao Alem: 2004]
211
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speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
Minnesota Press, 2014, p. 5.
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SHAVIRO, Steven. Introduction: Whitehead and Speculative Realism. The universe off things: on
speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
Minnesota Press, 2014.
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SHAVIRO, Steven. Introduction: Whitehead and Speculative Realism. The universe off things: on
speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
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SHAVIRO, Steven. Introduction: Whitehead and Speculative Realism. The universe off things: on
speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
Minnesota Press, 2014, p. 4.
212
234
SHAVIRO, Steven. Introduction: Whitehead and Speculative Realism. The universe off things: on
speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
Minnesota Press, 2014, p. 6.
235
SHAVIRO, Steven. Introduction: Whitehead and Speculative Realism. The universe off things: on
speculative realism. Posthumanities 30. Cary Wolfe Series Editor. London/Minneapolis: University off
Minnesota Press, 2014, p. 7.
236
HARMAN, Grahan. Series Editor`s Preface. BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off
machines and media. Speculative Realism Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh
University Press, 2014.
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BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off machines and media. Speculative Realism
Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh University Press, 2014, p. 1-12.
238
BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off machines and media. Speculative Realism
Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh University Press, 2014, p. 15 seg.
239
BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off machines and media. Speculative Realism
Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh University Press, 2014, p. 75 e seg.
240
BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off machines and media. Speculative Realism
Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh University Press, 2014, p. 111.
241
BRYANT, Levi. Onto-Cartpgraphy: an ontology off machines and media. Speculative Realism
Series Editor Graham Harman. Edimburgh: Edimburgh University Press, 2014, p. 140 e seg.
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DELANDA, Manuel. Intensive Science & Virtual Philosophy. New York: Continuum, 2002, p. 41.
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York Press, 1995, 177-207.
250
DESMOND, William.Being and the metaxological. Being and the between. New York: State of New
York Press, 1995, 177-207.
251
DESMOND, William.Being and the metaxological. Being and the between. New York: State of New
York Press, 1995, 177-207.
252
DESMOND, William. Ethics and the Between. New York: State University of New York Press,
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relationships between humans and things. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012, p. 1.
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Oxford: Wiley-Blackwell, 2012, p. 3 e seg.
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HODDER, Ian. Entangled: an archaeology off the relationships between humans and things.
Oxford: Wiley-Blackwell, 2012, p. 7 e seg.
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BUB, Jeffrey. The entagled world: how can it be like that. POLKINGHORNE, John. The Trinity
and the entangled world: relationality in physical Science and theology. William Eerdmans Publish
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265
BUB, Jeffrey. The entagled world: how can it be like that. POLKINGHORNE, John. The Trinity
and the entangled world: relationality in physical Science and theology. William Eerdmans Publish
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ZEILINGER, Anton. Quantum physics: ontology or epistemology?. POLKINGHORNE, John. The
Trinity and the entangled world: relationality in physical Science and theology. William Eerdmans
Publish Company: Michigan/Cambridge, 2010, p. 32-40.
267
ZEILINGER, Anton. Quantum physics: ontology or epistemology?. POLKINGHORNE, John. The
Trinity and the entangled world: relationality in physical Science and theology. William Eerdmans
Publish Company: Michigan/Cambridge, 2010, p. 33.
216
Heller aborda a teoria do universo autocontido268. Heller demarca uma disputa entre
uma abordagem cosmolgica relacional e outra absoluta, presente na definio dada
por Einstein da massa inercial local e totalmente determinada pela massa global
distribuda pelo universo269. Nesse ponto teria inicio uma disputa entre uma
concepo de universo autocontido, baseado em uma suspenso das condies
iniciais deste mesmo universo, com base em sua inacessibilidade ou arbitrariedade.
A partir do principio de Ernst Mach, Halle identifica uma crescente abordagem da
fsica de tendncias relacionais, que negariam o universo autoconsistente, absoluto
e fechado, como no modelo einsteiniano, notadamente se pensarmos na relao
entre teorias relacionais e teorias acerca da incompletude do universo, como
presente em Gdel, Church, Turing e Tarski270.
268
HELLER, Michael. A self-contained universe. POLKINGHORNE, John. The Trinity and the
entangled world: relationality in physical science and theology. William Eerdmans Publish Company:
Michigan/Cambridge, 2010, p. 41-54.
269
HELLER, Michael. A self-contained universe. POLKINGHORNE, John. The Trinity and the
entangled world: relationality in physical science and theology. William Eerdmans Publish Company:
Michigan/Cambridge, 2010, p. 41.
270
HELLER, Michael. A self-contained universe. POLKINGHORNE, John. The Trinity and the
entangled world: relationality in physical science and theology. William Eerdmans Publish Company:
Michigan/Cambridge, 2010, p. 42 e seg.
271
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York: Routledge, 2013, p. 1 e seg.
272
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York: Routledge, 2013, p. 1 e seg.
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GROFF, Ruth. Ontology revisited: metaphisics in social and political philosopy. London and New
York: Routledge, 2013, p. 4 e seg.
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York: Routledge, 2013, p. 11.
275
GROFF, Ruth. Ontology revisited: metaphisics in social and political philosopy. London and New
York: Routledge, 2013, p. 33.
276
GROFF, Ruth. Ontology revisited: metaphisics in social and political philosopy. London and New
York: Routledge, 2013, p. 50.
277
GROFF, Ruth. Ontology revisited: metaphisics in social and political philosopy. London and New
York: Routledge, 2013, p. 92.
278
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York: Routledge, 2013, p. 106 e seg.
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York: Routledge, 2013, p. 86 e seg.
280
GROFF, Ruth. Ontology revisited: metaphisics in social and political philosopy. London and New
York: Routledge, 2013, p. 86 e seg.
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218
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and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013.
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paradigma. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor:
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POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 28 e seg.
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FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
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291
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
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292
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Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 35.
220
como humanos293. Marx deixa muito claro: onde existe relacionamento existem
seres humanos. O animal na entra em relao com nada, portanto, para o animal a
relao no existe como relao294. Todas as relaes sociais seriam determinadas
pelo modo de produo humana e seriam tomadas de conscincia do homem de si
mesmo, ou seja, as relaes humanas so sempre relaes autoconscientes295.
Nesse sentido, pode-se dizer que Marx no desenvolveu uma concepo
generalizada de relao social296. A teoria materialista portanto no seria holstica,
pois o holismo pressupem uma unidade dialtica de todos as partes em questo,
bem como pressupe uma teleologia, presente em Hegel.297 No caso de Marx, as
leis sociais so leis relacionais a medida que feitas por relaes sociais constitudas
pelos prprios seres humanos, e essa concepo seria perfeitamente coerente com
o materialismo298.
Craig McFarlane chama as correntes oriundas do anti-humanismo
estruturalista e que podemos definir como ps-humanistas, Althusser, Foucault,
Derrida, Latour e Haraway, de humanismo reacionrio299. Argumenta que os anti e
ps-humanistas dessubstancializam o sentido do humano para poder incorporar os
no-humanos, e com isso esvaziam o sentido politico humano da sociedade. A partir
da sociologia relacional, prope uma critica da definio no-humana em sentido
293
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 36.
294
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 37.
295
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 37.
296
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 38.
297
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 42 e seg.
298
FISH, Keneth. Relational sociology and historical materialism: three conversation starters.
POWELL, Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 42 e seg.
299
McFARLANE, Craig. Relational sociology, theoretical inhumanism. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 45-66.
221
307
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 90.
308
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 91.
309
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 91.
310
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 91.
311
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 92.
312
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 93 seg.
223
configura o que Elias define como homines aperti, abertura humana313. O homines
aperti e a imagem de uma multitude de pessoas, cada uma relativamente aberta em
relao a outra e ao conjunto, em processos interdependentes314. Os sujeitos
humanos no so passivos nem isolados atomisticamente para depois serem
reagregados em uma ordem conjunta. Inspirado em Ludwig Binswanger, Elias
transforma os sujeitos da historia em intersubjetividade e pensa o os processos
civilizatrios sem reduzir questes ontolgica as questes epistemolgicas, como se
tornou comum fazer desde Kant315. Semelhante a Scott Lash e Ulrich Beck conceito
de agencias individuais, e poder-se-ia dizer que diferente da dualidade agencia-
estrutura, pensada em termos de Habermas, Elias concebe a sociedade a partir da
dinmica entre mundo da vida e sistema, prximo a concepo antimentalista e
fenomenolgica de Lash, prximas da acepo de Heidegger e Dilthey316. Nesse
sentido se aproxima da concepo de Luhmann da sociedade como um sistema
comunicativo, complexo e autoorganizado317. Elias contribui para pensar a
sociedade a partir de novas categorias, como interconectividade, emergncia e
318
transformao . Para Christopher Thorpe, os grandes elaboradores de uma
sociologia relacional foram primeiro Georg Simmel e depois Elias e Bourdieu319.
313
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 93 e seg.
314
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 93 e seg.
315
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 94.
316
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 94.
317
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 100 e seg.
318
TSEKERIS, Charalambos.Norbert Elias on relations: insights and perspectives. POWELL,
Chritopher and DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma.
Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan,
2013, p. 102.
319
THORPE, Chriistopher. Crtitical strategies for implement a relational sociological paradigm: Elias,
Bourdieu, and uncivilized sociological theoretical struggels. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational sociology:
ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 105-122.
224
320
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 164-185.
321
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 164.
322
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 167 e seg.
323
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 167 e seg.
324
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 169.
225
das interaes sociais. Esta vertente seria representada por Donati, Giddens,
Bahskar, Berger e Luckmann325.
O terceiro modelo de ontologia relacional descrito por Dpelteau e o que me
interessa mais: a ontologia relacional profunda tambm chamada de transacional326.
Trata-se de um tipo de sociologia proposta por Dewey e Bentley que engloba trs
posturas epistemolgicas: a autoao, a interao e transao327.
Fundamentalmente, a noes de uma ontologia profunda apresentaria maior numero
de indeterminao quanto aos vrios campos da transao. Tampouco essa postura
aborda as relaes em termos hermenuticos ou interpretativos, e as interaes
ocorrem entre agentes empricos de nveis diversos, sejam bactrias ou pessoas328.
Nessa chave estariam pensadores relacionas como H. Blumer, H. Becker, B. Latour,
A. King, Emirbayer, Sipegel. Em linhas gerais, a ontologia profunda rejeita o
determinismo das teorias estruturalistas. Nessa perspectiva, indivduos so
fundamentalmente interdependentes329. A ontologia relacional profunda compreende
as interaes em um sentido biunvoco e o meio social como um processo fluido e
dinmico. A otologia profunda no remete a divises como sujeito e objeto, agencial
e estrutural. Essa ontologia profunda tambm seria distinta das epistmes
codeterministas. A base dessa ontologia pode ser encontrada nos mundos sociais
de Becker, nas figuraes de leias ou nas associaes de Latour330. A ontologia
profunda pode ser identificada nas obras de Dewey, Bentley, Elias, Weber e
contemporaneamente sobretudo na teoria do ator-rede de Latour331.
325
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Relational Sociology: from Project to paradigma. Conceptualizing relational
sociology: ontological and theoretical issues. New Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 167 e seg.
326
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 177 e seg.
327
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 177 e seg.
328
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 178.
329
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 180.
330
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 180.
331
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 184.
226
332
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
York: Palgrave Macmillan, 2013, p. 180.
333
DPELTEAU, Franois. What is the direction of the relational turn?. POWELL, Chritopher and
DPELTEAU, Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New
Yor: Palgrave Macmillan, 2013, p. 184.
334
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 187-207.
335
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 187.
336
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 188.
337
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 190.
338
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 190.
227
339
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 191.
340
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 191.
341
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
342
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192
343
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
344
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
345
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
228
por meio dos discursos, ou seja, produz os sujeitos por meio da assimilao da
assimilao de formas externas de poder346.
As dinmicas ligadas a subjetividade tambm assumem um aspecto peculiar
se observadas desde um ponto de vista das interaes sujeito-objeto347. Em termos
ontolgicos, podemos dizer que a relao existe como um potencial do ser
atualizado atravs da interao348. Quando tratamos qualidade de sujeitos, corremos
o risco de reduzir as qualidades a partir de um reducionismo no-relacionista ou
essencialista349. Todo fenmeno, seja uma pessoa, uma instituio ou um objeto
material, um processo350. A noo de infinito nesse caso e extremamente
importante, inclusive em sua acepo cosmolgica351. Como diz Elias, no existe um
ponto zero da historicidade do desenvolvimento humano352. Por isso quando Marx
fala das qualidades histricas da vida social, precisamos entender essa afirmao
sempre de um ponto de vista de um processo. Da mesma maneira, quando Foucault
se vale do mtodo de investigao genealgico, no se interessa pela noo de
pontos definidos de origem, mas sim por momentos de emergncia353. Compreender
relaes como processos implica uma observao das relaes em movimentos de
transformao d suas transies e interaes. A partir de uma concepo de
sociologia relacional radical os conceitos clssicos de agencia e estrutura podem ser
compreendidos como postos e complementares para a abordagem dos
346
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
347
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
348
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 192.
349
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 193-194.
350
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 194.
351
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 194-195.
352
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 194-195.
353
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 194-195.
229
354
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 198.
355
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 198.
356
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 198.
357
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 199.
358
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 200.
359
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 201.
360
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 202.
361
E-III.
362
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 202.
363
POWELL, Christopher. Radical relationism: a proposal. POWELL, Chritopher and DPELTEAU,
Franois. Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. New York: Palgrave
Macmillan, 2013, p. 202.
230
370
STENGERS, Isabelle; JAMES, William; DRUMM, Thierry. Une autre science est posible! Manifeste
pour une relentissemont des sciences. Series Les Empcheurs de penser en rond. Paris: La
Dcouverte, 2013.
371
HOOD, Pamela Michelle. Aristotle on the Category of Relation. Lanham. : University Press of
America, 2004.
372
Nesse sentido, a recente publicao de uma obra da filosofa portuguesa Paula Oliveira e Silva e
oportuna e esclarecedora sobre a genese do conceito de relacao no pensamento cristao: Oliveira E
232
Silva, Paula. Ordem E Mediao: a Ontologia Relacional de Agostinho de Hipona. Porto Alegre: Letra
& Vida, 2012.
373
ZIZIOULAS, Metropolitan John. Relational ontology: insights from d ethe patristic thought.
POLKINGHORNE, John. The Trinity and the entangled world: relationality in physical science and
theology. William Eerdmans Publish Company: Michigan/Cambridge, 2010, p. 146e seg.
374
GILSON, Etienne. Deus e a filosofia.
375
ZIZIOULAS, Metropolitan John. Relational ontology: insights from d ethe patristic thought.
POLKINGHORNE, John. The Trinity and the entangled world: relationality in physical science and
theology. William Eerdmans Publish Company: Michigan/Cambridge, 2010, p. 149 e seg.
376
YANNARAS, Christos. Relational ontology. Transled by Norman Russell.
Brookline/Massachussetts: Holy Cross Orthodox Press, 2011.
377
YANNARAS, Christos. Relational ontology. Transled by Norman Russell.
Brookline/Massachussetts: Holy Cross Orthodox Press, 2011, p. 1.
378
YANNARAS, Christos. Relational ontology. Transled by Norman Russell.
Brookline/Massachussetts: Holy Cross Orthodox Press, 2011, p. 2 e seg.
233
379
YANNARAS, Christos. Relational ontology. Transled by Norman Russell.
Brookline/Massachussetts: Holy Cross Orthodox Press, 2011, p. 2 e seg.
380
YANNARAS, Christos. Relational ontology. Transled by Norman Russell.
Brookline/Massachussetts: Holy Cross Orthodox Press, 2011, p. 4 e seg.
381
Os paralelos entre Espinosa e o filosofo iraniano da teofania islmica sao comuns. Mas para este
e outros paralelos entre a filosofia greco-latina e a islmica, recomendo a obra de Christian Jambet
234
sobre Henri Corbin: JAMBET, Christian. A lgica dos orientais: Um introduo ao pensamento de
Henry Corbin. So Paulo: Globo, 2005.
382
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
235
[estudo do no-ser], como Plato os define em sua magnnima obra Sofista, uma
das pedras angulares da reflexo ontolgica na historia do pensamento. A dinmica
das relaes mutuas estabelecidas entre o ser, seus fundamentos, suas condies e
seus limites se desenvolveram as narrativas da univocidade, da equivocidade, da
dualidade e da pluralidade ontolgicas em seus respectivos enquadramentos
metafsicos. E paralelamente, a critica da ontologia e de suas pretenses de
universalidade e apoditismo foi o alvo preferido do ceticismo, do cinismo e das
vertentes empireocriticistas de todos os tempos. Em geral essas crticas partem do
pressuposto de que seja possvel a produo do conhecimento sem a necessidade
de uma unificao dos fenmenos conhecidos sob a chancela do ser. A partir do
ponto de vista de uma ontologia relacional, poderemos demonstrar que essa ciso
entre universalismo ontolgico e perspectivismo critico no passa de uma iluso
discursiva, pois os dispositivos reais que facultam a emergncia de discursos
perspectivistas que empreendem a critica da ontologia so tambm eles possveis
graas a emergncia e ao desdobramento de condies reais para que esses
discursos fossem possveis. Isso quer dizer que pensar a partir das categorias de
uma ontologia relacional implica a pressuposio de que pensamento e mundo so
unidades reais indissolveis e no so passiveis de separao do ponto de vista
representacional. Pressupe tambm que no existe nenhuma atividade conceitual
divorciada das condies reais e fticas de sua existncia e de seu lugar de
enunciao. E o que proponho desenvolver nas partes que seguem deste estudo.
Uma ontologia geral engloba e mais do que isso pressupe em sua dinmica
interna o ser e seu avesso, o ser e o no-ser. Alm disso diz respeito a uma
estrutura universal dos fenmenos bem como aquilo que os fundamenta ser e no-
ser, isoladamente e em mutua correspondncia. Nossa percepo dos fenmenos e
a dinmica interna mesma da realidade coincidem, em sua eterna oscilao entre
ser e deixar de ser, permanecer e se transformar, se assemelhar e se distinguir, se
aproximar e se afastar. Justamente por se focar nessa investigao dos princpios, a
ontologia no pensa apenas na fundamentao discursiva ou racional dos seres,
mas pressupe sim a possibilidade de chegar a forma fundamental da realidade e ao
fundo real da elaborao nocional da atividade cognitiva, que existe em termos
substanciais e extensos e independe das eventuais relatividade das formulaes
discursivas ou da relatividade das mltiplas perspectivas que tenhamos sobre os
seres reais. A partir dessas bases, as diversas narrativas da ontologia, por mais
237
385
Uma excelente sintese dos desdobramentos do argumento ontolgico de Anselmo ate os dias de
hoje pode ser encontrada em: Ontological arguments. Stanford Encyclopedia of Philosophy.
Disponivel em: http://plato.stanford.edu/entries/ontological-arguments/
238
386
ANSELMO DE CANTUARIA. Prosologion. So Paulo: Abril Cultural, 1973.
239
387
PLANTINGA, Alvin, The Nature of Necessity [Oxford: Clarendon, 1974]; Robert Maydole, A Modal
Model for Proving the Existence of God, American Philosophical Quarterly 17 [1980]: 13542; Brian
Leftow, The Ontological Argument, in The Oxford Handbook for Philosophy of Religion [ed. William J.
Wainwright; Oxford University Press, 2005], 80115.
240
consigo mesmo. Pode-se dizer que com esse salto brilhante Hegel conseguiu
realizar a assimilao da lgica a ontologia e, mais do que isso, ofereceu uma
soluo ao principio de no-contradio que marca os sistemas lgicos de
Aristteles a Kant. Para Hegel, ser e negao [Aufhebung] encontram-se unidos
dialeticamente como figura e contrafigura do real e da racionalidade que se realiza
no tempo388.
perspectivas em aspectos bem mais nuanados do debate. Esse problema foi posto
pelos positivistas lgicos desde Moritz Schlick e Rudolf Carnap, que realizaram um
trabalho sistemtico de dinamitar a metafsica e todo pensamento baseado em
ordens extensas da realidade, e no por acaso Carnap dedica um estudo seminal ao
problema das relaes entre ontologia e semntica390. O retorno do recalcado e
sempre mais poderoso do que o recalque passado? Como sustenta Sami Pihlstrm,
os dias gloriosos da cruzada antimetafsica do Crculo de Viena chegaram ao fim391.
E no chegaram ao fim apenas no sculo XXI, graas ao retorno da metafsica e da
ontologia ordem do dia em diversas cincias e correntes tericas. Essa
reconverso veio se produzindo ao longo do prprio sculo XX, pela mos de alguns
dos mais importantes representantes da filosofia da linguagem. E basicamente da
concepo de que mesmo a filosofia transcendental, que teria ido o ponto de
esgotamento e o fim da metafsica, possa ser considerada hoje em dia como uma
ontologia392. O grande lgico Willard Van Orman Quine, no por acaso orientando de
Whitehead em Harvard, criou a possibilidade de equacionar ontologia e positivismo
lgico, por meio do princpio da no-oposio entre as abordagens analtica e
sinttica, bem como da concepo de que a filosofia analtica no se esgota em uma
anlise dos conceitos. Um caminho de reviso da metafsica pelas vias da filosofia
analtica tambm foi traado em mbito alemo por Ernst Tugendhat, a partir de uma
releitura semntica do texto de Aristteles. Contudo a contribuio de Quine para
esse debate continua sendo at os dias de hoje um eixo de orientao e um ponto
de partida.
Criou-se ento uma dupla via de apreenso da ontologia do ponto de vista
analtico, representadas, respectivamente, por Carnap e Quine: uma mais rigorosa
quanto a inviabilidade de recuperao da questo do ser e em sua crtica da
metafsica e outra que prope o estudo do ser como algo necessrio a consistncia
390
O ensaio classicod de Carnap foi republicado na coletanea Meaning and Necessity da
Universidade de Chicago: CARNAP, Rudolf. Revue Internationale de Philosophie 4 [1950]: 20-40.
Reprinted in the Supplement to Meaning and Necessity: A Study in Semantics and Modal Logic,
enlarged edition. University of Chicago Press, 1956.
391
PIHLSTRM, Sami. Transcendental philosophy as ontology. HAAPARANTA, Leila e KOSKINEN,
Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics and logic. Oxford: Oxford University Pressa,
2012, p. 453-477.
392
Ver Koistinen e Pihlstrm: KOISTINEN, Olli. The critique of pure reason as metaphysics.
HAAPARANTA, Leila e KOSKINEN, Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics and logic.
Oxford: Oxford University Pressa, 2012, p. 119-144. PIHLSTRM, Sami. Transcendental philosophy
as ontology. HAAPARANTA, Leila e KOSKINEN, Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics
and logic. Oxford: Oxford University Pressa, 2012, p. 453-477.
242
393
SOAMES, Scott. Ontology, Analyticity, and Meaning: the Quine-Carnap Dispute. CHALMERS,
David; MALEY, David; WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of
ontology. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 424-443.
394
QUINE, W. V. O. Ontological Relativity and Other Essays, New York: Columbia University Press,
1969.
395
INWAGEN, Peter Van. Being, Existence, and Ontological Commitment. CHALMERS, David;
MALEY, David; WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of ontology.
Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 472-506. Ver tambm: INWAGEN, Peter Van. Alston on
ontological commitment. Existence: essays in ontology. Cambridge: Cambridge University Press,
2014, p. 137-152.
396
HOFWEBER, Thomas. Ambitious, yet modest, metaphysics. CHALMERS, David; MALEY, David;
WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of ontology. Oxford: Oxford
University Press, 2009, p. 280 e seg.
397
FINE, Kit. The question of ontology. CHALMERS, David; MALEY, David; WASSERMAN, Ryan.
Metametaphysics: new essays on the foundations of ontology. Oxford: Oxford University Press, 2009,
p. 157.
398
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 217. Ver tambem: PRICE, huw. Metaphisics after
243
Putnam, prope uma reflexo sobre a ontologia entendida como discurso produzido
sobre entidades indispensveis a realizao formal dos objetos referidos em termos
semnticos, semelhante a concepo da chamada confirmao holstica,
desenvolvida tambm por ambos os filsofos. Sider considera que o argumento da
indispensabilidade teria um valor realista ligado a esta ontologia399. Esse modo pelo
qual a linguagem produz acordos e compromissos pode ser lido tanto em uma
acepo convencionalista, meramente arbitraria, ou sob uma tica realista400. Por
seu turno, o chamado critrio de compromisso ontolgico desenvolvido por Quine
seria um compromisso entre as asseres e sua base emprica401. Contudo esse
compromisso estaria alm de uma atividade referencial e aqum de uma condio
substancial presente nessa nomeao. Essa posio de intervalo situa Quine como
um dos proponentes de uma corrente decisiva para a discusso colocada aqui: a
metaontologia402. William Alston segue o mesmo percurso por meio do compromisso
ontolgico durante a dcada de 1950403.
As conhecidas divises entre linguagem e referncia podem ser entendidas
como uma relao arbitraria formulada por um compromisso pragmtico e por
acordos, e nessa chave a filosofia pragmtica de Richard Rorty e a filosofia da ao
de Donald Davidson vo incorporar a filosofia analtica. A ontologia dos acordos e
no-extensiva, ou seja, no pressupe a existncia de objetos dados exteriormente
ao espelhamento interno da linguagem404. Essa postura pode conduzir a um
realismo semntico a partir do qual as categorias naturalizadas tem uma vigncia
real sem deixar de ser um acordo provisrio estabelecido em certas condies de
possibilidade de sentido405. Justamente por isso, mesmo partindo de um franco
Carnap: the ghost who walks?. CHALMERS, David; MALEY, David; WASSERMAN, Ryan.
Metametaphysics: new essays on the foundations of ontology. Oxford: Oxford University Press, 2009,
I There an Argument from ndispensability?, p. 336 e seg.
399
SIDER, Theodore. Indispensability. Writing the book off the world. Oxford: Oxford University
Press, 2011, p. 1.
400
SIDER, Theodore. Ontological commitment. Writing the book off the world. Oxford: Oxford
University Press, 2011, p. 1.
401
INWAGEN, Peter Van. Existence: essays in ontology. Cambridge: Cambridge University Press,
2014, p. 101 e seg.
402
INWAGEN, Peter Van. Quine`s 1946 lecture on nominalism. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 121-136.
403
INWAGEN, Peter Van. Alston on ontological commitment. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 137-152.
404
GOTTLIEB, Dale. Ontological economy: substitutional quantification and mathematics. London:
Oxford University Press, 1980, p. 3 e seg.
405
GOTTLIEB, Dale. Ontological economy: substitutional quantification and mathematics. London:
Oxford University Press, 1980, p. 9 e seg.
244
406
Hirsch, Eli. Against revisionary ontology. Quantifier variance and realism: essas in metaontology.
Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 96 e seg.
407
Hirsch, Eli. Against revisionary ontology. Quantifier variance and realism: essas in metaontology.
Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 100 e seg.
408
Hirsch, Eli. Physical-Object ontology, verbal disputes, and commom sense. Quantifier variance
and realism: essas in metaontology. Oxford: Oxford University Press, 2011.
409
Hirsch, Eli. Quantifier variance and realism: essas in metaontology. Oxford: Oxford University
Press, 2011.
410
Hirsch, Eli. Quantifier variance and realism: essas in metaontology. Oxford: Oxford University
Press, 2011, Introduction, p. xi e seg.
411
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cabridge: Cambridge University Press, 2014, p. vii.
412
Hirsch, Eli. Objectivity whitout object. Quantifier variance and realism: essas in metaontology.
Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 36-44.
245
413
Hirsch, Eli. A sense off unity. Quantifier variance and realism: essas in metaontology. Oxford:
Oxford University Press, 2011, p. 3 a 26.
414
MALEY, David;. Introduction: A guide tour off metametaphysics. CHALMERS, David; MALEY,
David; WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of ontology. Oxford:
Oxford University Press, 2009, p. 1-36.
415
SIDER, Theodore. Ontological deflationism. Writing the book off the world. Oxford: Oxford
University Press, 2011, p. 167 e seg.
416
O capitulo Heidegger and the ontological deflacionist: MCDANIEL, Kris. Ways of being.
CHALMERS, David; MALEY, David; WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the
foundations of ontology. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 310 e seg.
417
Ver Carnaps deflationism em PRICE, Huw. metaphysics after Carnap: the ghost who walks?.
CHALMERS, David; MALEY, David; WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the
foundations of ontology. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 323.
418
CHALMERS, David. Ontological Anti-Realism. CHALMERS, David; MALEY, David;
WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of ontology. Oxford: Oxford
University Press, 2009
419
SIDER, Theodore. Metametaphysics. Writing the book off the world. Oxford: Oxford University
Press, 2011,
420
EKLUND, Matti. Carnap and Ontological Pluralism. CHALMERS, David; MALEY, David;
WASSERMAN, Ryan. Metametaphysics: new essas on the foundations of ontology. Oxford: Oxford
University Press, 2009
246
421
GLOCK, Hans-Johann. Strawson`s descriptive metaphysics. HAAPARANTA, Leila e KOSKINEN,
Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics and logic. Oxford: Oxford University Pressa,
2012, p. 391- 418.
422
O artigo de Inwagen e de 2014 e situade modo bem atualizado o estado da arte desse debate:
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 202-221.
423
SIMONS, Peter. To be and/or note to be: the objects of Meinong and Husserl. HAAPARANTA,
Leila e KOSKINEN, Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics and logic. Oxford: Oxford
University Pressa, 2012, p. 241-257.
424
SIMONS, Peter. Intentional inexistence and Meinong and the nonexistent. HAAPARANTA, Leila
e KOSKINEN, Heikki. Categories of being: Essays on metaphysics and logic. Oxford: Oxford
University Pressa, 2012, p. 241, 245.
247
425
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 203.
426
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 204.
427
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 204-205.
428
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 204.
429
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 205.
430
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 205.
431
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 207.
248
432
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 207-208.
433
INWAGEN, Peter Van. Relational vs. Constituent Ontologies. Existence: essays in ontology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 218.
434
SIDER, Theodore. Writing the book off the world. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 1.
435
SIDER, Theodore. Metametaphysics. Writing the book off the world. Oxford: Oxford University
Press, 2011, p. 67 e seg.
436
SIDER, Theodore. Writing the book off the world. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 44.
437
INWAGEN, Peter Van. Introduction: inside and outside the ontology room. Existence: essays in
ontology. Cabridge: Cambridge University Press, 2014, p. 1-15.
438
SIDER, Theodore. The metaphysics room. Writing the book off the world. Oxford: Oxford
University Press, 2011, p. 74 e seg.
439
INWAGEN, Peter Van. Introduction: inside and outside the ontology room. Existence: essays in
ontology. Cabridge: Cambridge University Press, 2014, p. 1-15.
249
440
KRIPKE, S., Wittgenstein on Rules and Private Language, Oxford: Blackwell, 1982.
250
441
SLOTERDIJK, Peter. Crtica da razo cnica. Traduo e coordenao Marco Casanova. Equipe
de traduo: Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendona Cardozo e Ricardo Hiendlmayer.
Preparao de originais Rodrigo Petronio. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
442
SAFATLE, Vladimir. Cinismo e falncia da critica. Sao Paulo: Boitempo, 2010.
251
delira, delira com o mundo inteiro. Essa intuio de Deleuze para perpetrar sua
critica da psicanlise serve muito justamente a um pensamento relacional.
Concebido como ontologia das relaes e dos processos, a esfera do inconsciente
no e nem nunca pode ser considerada a partir de um ponto de vista subjetivo.
Tampouco a esfera da conscincia, porque em ambas h o atravessamento de
estratos relacionais que lhes so anteriores e posteriores, e que criam a condio de
possibilidade mesma do isolamento. A unio no e possvel porque antes se efetuou
a separao. A separao e que e um epifenmeno de uma unio que nunca pode
ser totalmente suprimida e que na verdade nunca pode ser totalmente elidida em
nenhuma esfera dos seres vivos. Nesse sentido que podemos pensar, com
Winnicott e Bowlby, na ontologia relacional como uma teoria global do vinculo. As
formas vinculantes esto sempre pressupostas e subjacentes em todos os
processos, no so apenas atualizaes modais de possibilidade e necessidade
desses mesmos processos.
A filosofia analtica e uma chave de indagao que coloca em suspenso a
ontologia naturalista da herana metafsica, e nesse sentido contribui para
compreendermos que a reflexo sobre a totalidade do ser pode ser um mero quatro
no desse aglomerado de infinitos cmodos que e o pensamento. Contudo, nesta
proposta de ontologia relacional, acredito em uma sada sinttica para as aporias
presentes nas filosofias da linguagem. A sada sinttica consiste em reconverter
esse pluralismo ontolgico que as filosofias da linguagem concebem como entidades
discursivas a uma dimenso da multiplicidade de agentes e unidades reais
presentes nos processos de produo e dotao de sentido do mundo. Nesse
sentido, a ontologia relacional e uma teoria da heteronomia radical e da inviabilidade
ontolgica de conceber espaos insolados e de uma indistino radical entre real e
imaginrio. Estamos aqui muito mais prximos do pluralismo da monadologia das
associaes [assemblages] de Gabriel Tarde, da ontologia das redes de Bruno
Latour e da esferologia de Sloterdijk. Em odos os lados e em todos os lugares, para
quem pensa do ponto de vista relacional, no h espaos ou tempo que
despovoado. Pensar uma ontologia das relaes e partir da convico de que, do
ponto de vista dos seres vivos e dos organismos, a unidade da relao e anterior a
separao e a unidade da relao esta sempre pressuposta em toda separao de
unidades ilusrias, a medida que a essncia do ser e relacional e no substancial,
252
443
HEIDEN, Gert-Jan van der. Onthology and Ontotheology: Plarality, Event, and Contingengy in
Contemporary Philosophy. Pittsburgh/Pennsylvania: Duquesne University Press, 2014.
253
Ento quando falo de mesologia e ontologia relacional estou ciente que relao um
conceito metafsico e mesmo teolgico, fortemente agostiniano. E isso no me
incomoda. Pelo contrrio, me entusiasma. Porque sinto que relao uma unidade
que me livra de cair em todas as armadilhas substancialistas da metafsica clssica:
sujeito, objeto, transcendncia, imanncia, matria, esprito e o que mais houver.
255
A vida forma.
Peter Sloterdijk
Talvez tenha sido Deleuze que com maior radicalidade tenha produzido no
sculo XX a diluio das fronteiras entre diversos regimes de conhecimento. E o fez
mediante a sua brilhante concepo de campo de imanncia444. O campo de
imanncia o fundamento da constituio dos regimes de saber do ponto de vista
dos seus devires e no de suas demarcaes transcendentais e representacionais.
Em termos de imanncia, a imagem-conceito perfeita do pensamento no seria nem
a imagem da arvores nem a radicular, mas sim a forma-rizoma, que pressupem a
multiplicao horizontal e descentrada de suas capilaridades445. Essa imagem-
conceito do rizoma ainda ser ampliada e potencializada por meio da definio das
figuras e dos conceitos, e pela identificao do plano de imanncia ao espao onde
ocorre o cruzamento os trs grandes regimes do ser e do pensamento: os afectos,
os perceptos e os conceptos446. Essa proposta esta ligada a possibilidade de pensar
a partir de uma ontologia diferencial pura, sem uma previa inscrio nos regimes de
444
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. So Paulo, 34
Letras, 1997.
445
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. So Paulo, 34
Letras, 1997.
446
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Flix. O que a Filosofia? Traducao Bento Prado Jr. e Alberto A.
Muoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.
256
454
No caso, quase toda obra de Foucault realiza esse desgnio, embora ele esteja bem claro em sua
obra-prima: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas.
258
455
HEELAN, Patrick. Phenomenology, Ontology, and Quantum Physics. In Foundations of Science,
Jun. 2013.
456
Uma parte dessas analises esta disponvel na edio brasileira: HEISENBERG, Werner. Fisica e
filosofia. Brasilia: UnB, 1995.
457
CAMILLERI, Kristian. Heisenberg and the interpretation off quantum mechanics: the physicist as
philosopher. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 17-35.
458
CAMILLERI, Kristian. Quantum mechanics and the principle of observability. Heisenberg and the
interpretation off quantum mechanics: the physicist as philosopher. Cambridge: Cambridge University
Press, 2009, p. 17.
459
CAMILLERI, Kristian. The problem of interpretation. Heisenberg and the interpretation off
quantum mechanics: the physicist as philosopher. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p.
36-59.
460
Para este ponto e muito importante a distino desenvolvida por Hans Ulrich Gumbrecht entre
cultura de presena e culturas de significado: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de Presena: o
que o sentido no consegue transmitir. Traduo Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro:
Contraponto/PUC, 2010.
259
461
CAMILLERI, Kristian. Heisenberg`s epistemology and ontology of quantum mechanics.
Heisenberg and the interpretation off quantum mechanics: the physicist as philosopher. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009, p. 132-171.
462
NAITOH, Ken. Onto-biology: clarifying the spatiotemporal structure. 15th International Symposium
on Artificial Life and Robotics, Oita, Japan, February 46, 2010.
463
MOL, Annemarie. The Body Multiple: Ontology in Medical Practice. Durham: Duke University
Press, 2002.
260
precede e tampouco a modernidade pode ser dada como uma etapa superada.
Esse equvoco consiste em no compreender que a revoluo moderna nada mais
do que uma nfase lanada sobre a constante cosmolgica e antropolgica mais
arcaicas de que se tem notcia: os mesons e o infinito. A modernidade consiste em
uma odisseia antropolgica de exteriorizao dos princpios mesolgicos que se
encontravam em estado de latncia durante tantos sculos. A modernidade, na
medida mesma em que consiste no giro copernicano da descoberta do meio como
meio, nada mais do que uma exteriorizao e a tomada de conscincia dos meios
como meios e de sua ontologia, ou seja, da exteriorizao do mundo como mesons.
Como se sabe, algumas dessas alternativas recebem nomes distintos,
conforme queiram mapear a situao do tempo presente. Segundo alguns autores,
tendo Frederic Jameson e Jean-Franois Lyotard na linha de frente, o presente pode
ser caracterizado por uma descontinuidade em relao modernidade e, por isso,
como ps-modernidade. Outros o caracterizam a partir de amplificaes conceituais
de elementos contidos no prprio processo moderno, como o caso da
modernidade lquida de Zygmunt Baumann, modernidade reflexiva de Anthony
Giddens ou mesmo da sociedade de risco de Ulrich Beck. Por seu turno, h autores
que entendem o tempo presente como um tempo marcado por um aguamento de
contradies, impasses e recuos diante internos ao prprio processo de
modernizao, entre os quais Alain Touraine, Jacques Rancire, Immanuel
Wallerstein e outros. H outros ainda que definem o presente como a vitria da
sociedade de consumo, e, portanto, em termos opostos anlise das contradies e
do princpio de negatividade que marca a modernidade da Escola de Frankfurt, em
especial de Adorno. Trata-se de Gilles Lipovetsky e de Luc Ferry, que valorizam o
declnio de noes abstratas de emancipao, oriundas do Esclarecimento. Apostam
em outra vertente de transformao social, no mais ligada esfera poltica, mas
sim esfera dos afetos. Some-se a isso as interpretaes do fim ou de ocaso da
modernidade associada ao fim e ao ocaso do conceito de histria e teremos uma
assimilao entre ps-modernidade e ps-histria, cujo signo se desenha no
horizonte desde o debate dos crculos hegelianos de Kojve e Bataille nas primeiras
dcadas do sculo XX e chega sua formulao mais acabada com a publicao da
obra capital de Francis Fukuyama, sobre o fim da histria e o ltimo homem. Se
agregarmos a esse cenrio o conflito entre as inmeras acepes possveis de
modernidade, moderno e modernismo, em suas diversas latitudes e longitudes
261
464
SLOTERDIJK, Peter. No Mesmo Barco: Ensaio sobre a Hiperpoltica. Traduo de Hlder
Loureno. Reviso Cientfica Jos Bragana de Miranda. Lisboa: Sculo XX, 1996.
465
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera.
Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006.
262
pretenda se colocar, o quanto for possvel, fora do esquadro conceitual moderno que
nos determina historicamente. Em outras palavras, se o mundo em que vivemos
moderno, as definies de modernidade sero apenas variantes cronocntricas por
meio das quais o nosso tempo se autodefine a si mesmo. Se no conseguirmos nos
posicionar em uma perspectiva de alteridade em relao s obras e valores tidos
como modernos, a nossa produo conceitual sobre a modernidade ser uma
tautologia. Ao pressupor definir a modernidade, estaramos a todo tempo definindo
apenas a ns mesmos. A incapacidade de metateoria a incapacidade de exercer a
crtica. Nesses termos, paradoxalmente, falaramos da modernidade sem
conseguirmos ser modernos, pois estaramos produzindo um discurso acrtico sobre
a modernidade que julgamos, em nosso discurso, representar466. Um problema
semelhante ocorre ao simples fato de nomearmos uma disciplina chamada histria
da arte ou histria da filosofia. medida que o fenmeno histria rigorosamente
ocidental, em que medida ele pode ser universalizado? E em se tratando de uma
histria linear, algumas determinaes igualmente ocidentais incidem sobre seus
pressupostos: as noes de historicidade, linearidade e progresso467.
Para conseguirmos sair desse crculo vicioso, preciso partir de uma
abordagem antropolgica da modernidade, ou seja, de uma abordagem que no
apenas relativize os diversos agentes histricas em relao sua maior ou menor
adeso aos processos modernizadores, mas que questione o prprio estatuto
discursivo e a validade formal da universalidade pretendida pelos discursos
moderno. Nesses termos, a esferologia de Sloterdijk pensa a modernidade a partir
de uma antropologia simtrica, como a instituda por Bruno Latour468. Isso quer
dizer: conceber o no-moderno como a alteridade da modernidade persistir em um
modelo de pensamento refm das categorias ns-eles. Essas alternativas infernais,
como as define Isabelle Stengers, tambm caracterizam as cincias clssicas e seu
466
A percepo desse problema epistemolgico foi tratado nas brilhantes e abrangentes anlises de
Bruno Latour: LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo
Carlos Irineu da Costa. So Paulo: 34 Letras, 2013, p. 17.
467
Esse um dos argumentos centrais de Belting ao redefinir o que entende pelo fim da histria da
arte. No se trata de uma interdio da disciplina, mas de um alargamento no-linear de seus
horizontes, pois os objetos artsticos no podem mais ser descritos no interior de modelos lineares,
sistmicos e causais: BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois.
Traduo Rodnei Nascimento. So Paulo: Cosacnaify, 2006, p. 191 e seg.
468
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos
Irineu da Costa. So Paulo: 34 Letras, 2013, p. 17.
263
469
STENGERS, Isabelle. A inveno das cincias modernas. Traduo de Max Altman. So
Paulo: Editora 34, 2002.
264
470
Conferir Mike van Treek e Joan-Carles Mlich: VAN TREEK, Mike. Amnn y Tamar [2 Sam 13,1-
22] ensayo de antropologa narrativa sobre la violencia. Estudios bblicos, 65 [2007], 3-32. MLICH,
Joan-Carles. Antropologa narrativa y educacin. Universidad Autnoma de Barcelona. Facultad de
Ciencias de la Educacin. Departamento de Pedagoga Sistemtica y Social. Edificio G-6. 08193
Bellaterra [Barcelona]. Fecha de recepcin: enero de 2008. Fecha de aceptacin definitiva: abril de
2008. BIBLID [[1130-3743] 20, 2008, 101-124].
471
Penso aqui, obviamente, no conceito de meta-histria desenvolvido por Hayden White a partir da
tropologia dos modos e mitos de Northrop Frye: WHITE, Hayden. Meta-histria: a imaginao
histrica no sculo XIX. So Paulo: Edusp, 2001.
265
472
Em seu brilhante estudo sobre as gneses da modernidade, Maurice de Gandillac retroage esses
seus marcos fundadores ao sculo IX e, por vezes, ao sculo VIII: GANDILLAC, Maurice de.
Gneses da Modernidade. Traduo Lcia Cludia Leo e Marilia Pessoa. So Paulo: 34 Letras,
1995.
473
Adorno desenvolve dialeticamente a ideia de modernidade artstica e suas diversas implicaes
estticas em sua obra clssica: ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993. Sigo
em linhas gerais algumas de suas teses desenvolvidas por Adorno nesta obra sem me ater a elas,
pois isso transcenderia o escopo e o espao deste trabalho.
474
Esta concepo conflui para as definies desenvolvidas por Benjamin em sua anlise da crtica
de arte do Romantismo: Benjamin, Walter. O conceito de crtica de arte no romantismo alemo.
Traduo, introduo e notas Mrcio Seligmann-Silva. So Paulo: Iluminuras, 1993.
266
475
ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993.
476
ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993.
477
ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993.
478
ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993.
479
Argan identifica o incio da arte moderna nas primeiras greves das corporaes de artesos no fim
da Idade Mdia, ou seja, como um fenmeno social da definio propriamente moderna do lugar do
artista nas trocas simblicas e mercantis: ARGAN, Giulio Carlo. Clssico Anticlssico:
Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Traduo Lorenzo Mammi. So Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
480
ADORNO, Theodor. Teoria esttica. Lisboa: Edies 70, 1993.
267
481
ARGAN, Giulio Carlo. Clssico Anticlssico: Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Traduo
Lorenzo Mammi. So Paulo: Companhia das Letras, 1999.
482
Todo debate entre arte e antiarte, cujos desdobramentos ulteriores se encontram em diversos
desdobramentos contemporneos [arte conceitual, performance, happening, performatividade e
esttica relacional], surge dessa anlise crtico-dialtica que a arte moderna realiza do mundo e de si
mesmo, suspendendo os limites mesmos de sua legitimidade enquanto arte. Este movimento de
negatividade interna, analisado por Adorno como o modo da dor encarnada, encontra-se tambm
desenvolvido por Octavio Paz, que o desenvolve sob a chave paradoxal da tradio da ruptura: PAZ
Octavio. Os filhos do barro: do romantismo vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Uma
acepo semelhante desenvolvida por Harold Rosenberg em seu influente estudo sobre a tradio
do novo.
483
Essas duas concepes distintas alimentaram tanto a amizade quanto as divergncias entre o
pensador e o dramaturgo.
484
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: COELHO, Teixeira. A modernidade de
Baudelaire. Textos inditos selecionados por Teixeira Coelho. Traduo Suely Cassal. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 174 e seg.
268
485
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: COELHO, Teixeira. A modernidade de
Baudelaire. Textos inditos selecionados por Teixeira Coelho. Traduo Suely Cassal. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 174 e seg.
486
COMPAGNON, Antoine. Os antimodernos: de Joseph de Maistre a Roland Barthes. Traduo
Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: UFMG, 2011.
269
487
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera.
Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006.
488
JAMESON, Frederic. Ps-modernidade e sociedade de consumo, Novos Estudos, Cebrap, So
Paulo, n12, jun./1985.
489
JAMESON, Frederic. Ps-modernidade e sociedade de consumo, Novos Estudos, Cebrap, So
Paulo, n12, jun./1985.
490
BAUDRILLARD, Jean. A arte da desapario. Organizao Katia Maciel. Traduo Annamaria
Skinner. Rio de Janeiro: UFRJ/Ncleo de Tecnologia da Imagem, 1997, 158 e seg. essa anlise
negativa do mundo contemporneo desenhada por Baudrillard desde O sistema dos objetos, obra
alocada entre a semiologia e a sociologia, na qual expe as mudanas de valores e de ideologias
implicadas na transposio da hegemonia de determinados materiais [madeira, metal, vidro] para a
274
493
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 49.
494
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 74.
276
ponto de vista esttico e polticos, h uma distino anterior a ser feita: uma
distino epistemolgica. Apenas ao estabilizarmos o valor de um conceito podemos
estabelecer igualmente o campo de fenmenos empricos que ele recobre. Caso
contrrio, o debate se esgara em milhares de seguimentos, tornando-se infrutfero.
Nesse sentido, Andreas Huyssen e Jean-Franois Lyotard podem ser vistos como
pensadores rigorosamente modernos em sua anlise da ps-modernidade,
justamente porque questionam o estatuto epistemolgico dos valores da
modernidade.
A hiptese de Huyssen contempla esse movimento de ir e vir dos paradigmas.
Acredita que vivamos uma transformao, mas no se situa entre aqueles que
identificam mudanas profundas, pois sob muitos aspectos o que chamamos de ps-
modernismo seria uma reciclagem de tcnicas e estratgias do modernismo495. No
possvel desqualificarmos o potencial crtico do ps-modernismo, pois isso
incorreria em um total abandono de uma arte qualificada como crtica, e no o que
se nota na produo contempornea496. Ao suspender os macroesquemas de
abordagem do ps-modernismo497, Huyssen reivindica que pensemos as eventuais
continuidades entre modernismo e ps-modernismo498. Nesse sentido, chama a
ateno para a natureza relacional do ps-modernismo. A crescente busca de
culturas arcaicas e de narrativas pr-modernas no pode ser encarada apenas como
uma variante do espetculo499. E em uma passagem, Huyssen lana um dos
argumentos mais fortes para a ideia central que est sendo desenvolvida neste
trabalho: no foram os princpios especficos do modernismo que entraram em
colapso, mas uma imagem especfica do modernismo que se transformou em pomo
da discrdia500.
495
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 20.
496
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 21.
497
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 22.
498
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 21.
499
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 26.
500
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 27.
277
501
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 28.
502
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 33.
503
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 43.
504
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 30.
505
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 34.
506
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 37.
507
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 62.
278
508
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o ps-moderno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de [org.]. Ps-
modernismo e poltica. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 75.
509
Esse um dos pontos marcantes da argumentao de Belting: BELTING, Hans. O fim da histria
da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify, 2006.
510
LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Traduo Ricardo Corra Barbosa. Rio de Janeiro:
Jos Olympio, 1986.
511
O tema da legitimidade atravessa toda obra clssica de Lyotard. Para esta apresentao geral do
problema, conferir especialmente os dois primeiros captulos: O campo: o saber nas sociedades
informatizadas e O problema: a legitimao, LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Traduo
Ricardo Corra Barbosa. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1986. p. 3 e seg.
279
mesmo512. Se o mundo tudo o que o caso, o mundo tudo aquilo que pode ser
declinado em forma de linguagem.
Nas sociedades informatizadas, o estatuto de verdade das cincias
responsveis por essa descrio, sejam elas as cincias humanas ou as cincias
duras, encontra-se rigorosamente abalado. Isso se d porque os critrios
valorativos, para serem eficazes, precisam se legitimar pelo desempenho, pois este
o modelo de legitimao pragmtica das sociedades dominadas pelo capital
global513. Nesses termos, para pensar com Adorno, as cincias no seriam o outro
do capital; no mundo capilarizado pela tcnica e pelo capital globalizado, as cincias
no representam uma alteridade em relao totalidade dos meios de produo.
Porque tambm as cincias se apresentam como mecanismos de realizao da
eficcia pelo desempenho, mesmo quando fornecem modelos crticos dessa mesma
situao estrutural por meio do qual o poder se organiza no mundo atual.
Esse modelo descritivo aportico est presente tanto nos estruturalistas
quanto nas anlises dos ps-estruturalistas, tais como na descrio dos dispositivos
de saber-poder de Foucault, a noo de indecidibilidade de Derrida ou a dinmica
biunvoca de domesticao-liberao do desejo promovida pelo capitalismo,
segundo o modelo de Deleuze e Guattari514. Lyotard o concebe como o processo de
deslegitimao instalado no mago das atividades de conhecimento da sociedade
da informao515, espcie de variante atual da sociedade do espetculo dos
situacionistas. Capitalismo e ambivalncia caminham juntos: quanto mais o primeiro
se realiza mais a segunda se aprofunda516.
512
A relao entre produo cientfica e jogos de linguagem descrita por Lyotard como mtodo e
tematizada em: LYOTARD, 1986, p. 15 e seg.
513
LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Traduo Ricardo Corra Barbosa. Rio de Janeiro:
Jos Olympio, 1986. p. 3 e seg.
p. 77 e seg.
514
Esse aspecto ambivalente do desejo no capitalismo desenvolvido por Deleuze e Guattari a partir
da anlise das codificaes, sobrecodificaes e axiomatizaes, das estruturas tribais, passando
pelos imprios, pelo Estado e pela novas configuraes do capitalismo planetrio: DELEUZE, Gilles e
GUATTARI, Flix. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. So Paulo, 34 Letras, 1997.
515
LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Traduo Ricardo Corra Barbosa. Rio de Janeiro:
Jos Olympio, 1986. p. 3 e seg.
A deslegitimao, p. 69 e seg.
516
Penso nestes conceitos nos termos de Baumann: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e
Ambivalncia. Traduo Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
280
4.8 Cinismo
517
Andreas Huyssen menciona a anlise do cinismo empreendida por Sloterdijk e a aloca em um dos
pontos de virada para o que poderamos definir como um pensamento ps-moderno: HUYSSEN,
1991, p. 51.
518
BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify,
2006.271 e seg.
519
Esse o ponto de dissenso de Sloterdijk com a teoria crtica e especialmente com Adorno e
Habermas, embora ele retenha muito mais do esprito de Frankfurt do que se supe ou imagina.
520
A anlise da razo cnica aloca o cinismo como princpio universal difuso da modernidade e como
dominante no mundo atual do capital globalizado. A obra de Sloterdijk muito extensa e haveria
muitos pontos de contato a serem feitos entre sua fenomenologia do cinismo e os desdobramentos
da modernidade at o mundo contemporneo, eventualmente ps-moderno: SLOTERDIJK, Peter.
Crtica da razo cnica. Traduo e coordenao Marco Casanova. Equipe de traduo: Paulo
Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendona Cardozo e Ricardo Hiendlmayer. Preparao de
originais Rodrigo Petronio. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
281
521
Nesse sentido Belting se aproxima da concepo esferologia plural [Esferas III] a partir da qual
Sloterdijk l o contemporneo luz da imagem das espumas, e tambm da anlise penetrante de
Vilm Flusser sobre a ps-histria como uma sociedades das caixas pretas, nas quais as narrativas
histricas assumiram o sentido de programas: FLUSSER, Vilm. A escrita: h futuro para a escrita?
So Paulo: Annablume, 2010. FLUSSER, Vilm. Ps-Histria: vinte instantneos e um modo de usar.
So Paulo: Duas Cidades, 1983.FLUSSER, Vilm. O universo das imagens tcnicas: elogio da
superficialidade. So Paulo: Annablume, 2008.
522
BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify,
2006, 260 e seg.
523
BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify,
2006.260 e seg.
524
BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify,
2006.260 e seg.
525
BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo: Cosac Naify,
2006.2006.
526
Gostaria de ter articulado alguns dos pontos da obra nuclear de Danto. Porm, em razo da
extenso de seu debate, a sua insero acabou se tornando invivel dentro dos limites deste
282
trabalho: DANTO, Arthur. Aps o fim da arte: arte contempornea e os limites da histria da arte. So
Paulo: Edusp/Odysseus, 2006.
527
FOSTER, Hal. Recodificao: arte, espetculo, poltica cultural. Traduo Duda Machado. So
Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996.
528
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos
Irineu da Costa. So Paulo: 34 Letras, 2013, p. 17.
529
LATOUR, 2013, p. 17.
530
A expresso descoberta do ficcional de Belting: BELTING, 2006, 210 e seg. especialmente
pgina 212. Ver tambm pgina 120.
283
desenho, entendido como cosa mentale e parte mais intelectual e mais abstrata da
pintura, assim concebido desde os tratados de pintura renascentistas [Ludovico
Dolce, Cennino Cennini, Paolo Pino537 e Federico Zuccaro538]539, e que encontra um
ponto de viragem em Poussin, teria delineado a tradio analtica do desenho que
passa por Czanne, Modigliani, Picasso, Braque, o cubismo, o futurismo, a arte
construtiva sovitica, a Bauhaus e a fase americana de Mondrian. No limite,
podemos dizer que o salto conceitual de Duchamp com os ready mades se baseia
em uma crtica da arte retiniana ocidental, herdada desde o XV540. Nesse sentido,
estabelecendo uma distino entre artesanato e ideia, entre produo e valor, ou
seja, entre materializao da obra e realizao performativa de seu conceito, a partir
de seus gestos Duchamp teria levado ao paroxismo a crtica da matriz desenho-ideia
s premissas de toda a arte que fosse entendida e valorizada no interior da tradio
da cor-sensvel.
Ora, nesse caso, por meio de uma abordagem narrativa e antropolgica da
arte, possvel captar as linhas transistricas e transespaciais da construo de
padres formais. Nesse caso, a descontinuidade sociolgica da experincia histrica
determinante de cada poca e das respectivas obras dessas pocas no pode mais
ser submetida a uma leitura teleolgica compreendida em termos de etapas-estilos.
H estilos distintos convivendo de modo concomitante, sob os mesmos regimes
estticos e polticos. A permanncia da dialtica desenho-cor no interior do debate
contemporneo, obviamente atualizada a partir dos critrios e problemas especficos
do sculo XXI, inscreve a permanncia de questionamentos artsticos transistricos
nas manifestaes culturais da atualidade. Essa inscrio demonstra a pertinncia
maior ou menor dos critrios modernos na arte contempornea, bem como as
eventuais descontinuidades que as prticas artsticas atuais demarquem em relao
537
PINO, Paolo. Dilogo Sobre a Pintura. Traduo, Apresentao e Notas de Rejane Bernal
Ventura. So Paulo, Cadernos de Traduo, Nmero 8, 2002, Departamento de Filosofia da
Universidade de So Paulo, DF/USP.
538
ZUCCARO, Federigo. LIdea de Pittori, Scultori ed Architetti. Divisa in Due Libri. Roma, Nella
Stamperia di Marco Pagliarini, 1768. Reproduo de Edio Rara.
539
A bibliografia relativa s preceptivas e tratados de pintura que abordam o debate desenho-cor
entre outros aspectos tcnicos da arte bastante extensa. Sinalizo aqui apenas algumas referncias
mais importantes, entre elas a obra em seis volumes organizada por Lichtenstein: LICHTENSTEIN,
Jacqueline. A Pintura: Textos Essenciais. Direo de Jacqueline Lichtenstein. Colaborao de Jean-
Franois Groulier, Nadeije Laneyrie-Dagen e Denis Riout. So Paulo, 34 Letras, 2004. 6 Volumes.
540
A premissa da crtica arte retiniana descrita pelo prprio Duchamp em seus escritos da Caixa
Verde. Paz analisa a presena desse primado do conceito inclusive no Grande Vidro: PAZ, Octavio.
Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. So Paulo: Perspectiva, 1996.
285
541
Prefiro dissenso a desentendimento, como foi traduzido nas duas obras de Rancire que remetem
a este conceito: RANCIRE, Jacques. A partilha do sensvel: esttica e poltica. Traduo ngela
Leite Lopes. So Paulo: 34 Letras, 2006, p. 15 e seg. RANCIRE, Jacques. O desentendimento:
poltica e filosofia. Traduo ngela Leite Lopes. So Paulo: 34 Letras, 1996.
542
BOURRIAUD, Nicholas. Formas de vida: a arte moderna e a inveno de si. Traduo Dorothe
de Bruchard. So Paulo: Martins Fontes, 2011b
543
Esta reconexo entre esttica e poltica marcante em diversas obras de Giorgio Agamben,
especialmente nas obras nas quais ele redefine o sentido de poiesis ou em momentos de seu
pensamento focados na vida comum e em uma reviso do conceito de comunidade. No que concerne
especificamente sua definio de contemporneo: AGAMBEN, Giorgio. O que o contemporneo? e
outros ensaios. Traduo: Vincius Nikastro Honesko. Chapec: Argos, 2009.
286
Seria preciso conceber uma estrutura que nos fizesse ver a conexo
possvel entre as dependncias recprocas que fazem de um contedo um
continente e de um continente um contedo, j que estou em um mundo que
est em mim, encerrado naquilo que encerro, produto de tudo que entre as
mos formo e entretenho.
Paul Valry
Existe uma tendncia para esquecer que o conjunto da cincia est ligado
cultura humana geral, e que as descobertas cientficas, mesmo aquelas que
em um dado momento parecem ser as mais avanadas, esotricas e difceis
de compreender, so despidas de significado fora de seu contexto cultural.
Uma cincia terica que no esteja consciente que os conceitos que julga
pertinentes e importantes so, afinal, destinados a ser expressos em
conceitos e palavras com um sentido para a comunidade culta e a se
inscrever em uma imagem do mundo, uma cincia terica, digo, onde isso
fosse esquecido e onde os iniciados continuassem a resmungar em termos
compreendidos o melhor possvel por um pequeno nmero de parceiros,
ficar necessariamente divorciada do resto da humanidade cultural. E estar
votada atrofia e ossificao.
Erwin Schrdinger
544
ELIOT, T. S. Talento individual e tradio. Ensaios. Traduo, introduo e notas de Ivan
Junqueira. So Paulo: Art Editora, 1989.
289
545
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
290
busca do que Bachelard definiu como simplexo546. Para tanto, em primeiro lugar,
preciso desativar a iluso de complexidade produzida pelas cincias humanas, que
se julgam portadoras de uma amplitude metaterica que no existiria nas cincias
naturais. Metateoria e complexidade so horizontes distintos. Refletir sobre as
condies de possibilidade de constituio conceitual de uma determinada cincia
no o mesmo que conduzir os fundamentos dessa mesma cincia aos seus
limiares e conseguir transpor suas demarcaes epistemolgicas. Nesses termos,
uma atividade urgente seria comear a pensar alguns dos maiores lumiares das
cincias humanas, como Marx, Nietzsche, Freud, Heidegger, Adorno, Foucault, no
mais a partir das distintas linhas de pensamento que os separam entre si, mas do
enquadramento conceitual que os une: o reducionismo. Ningum nega que sejam
mestres. Mas mestres de qu? Talvez possamos agregar: mestres do
reducionismo547. Para usar uma imagem mais expressiva, poderamos abandonar a
hiptese de uma ciso temporal ou ontolgica entre simplicidade e complexidade.
Poderamos pensar em duas sugestivas imagens-matrizes lanadas por Isaiah
Berlim para definir dois modos distintos de pensar e presentes em qualquer tempo: o
pensador raposa e o pensador porco-espinho548. O pensador porco-espinho sabe
muito de uma nica coisa. O pensador raposa sabe um pouco de muitas coisas. O
dilogo proposto pela metamorfose do simples ao complexo envolveria uma
coexistncia e uma mtua fecundao entre raposas e porcos-espinhos, em um
estimulante experimento de especiao, talvez o primeiro na evoluo das espcies.
Para redefinir os limites dessa epistme clssica fundada no reducionismo e
propor novos regimes de sentido para a cincia, preciso enfatizar a natureza dessa
alterao como uma verdadeira metamorfose da cincia. Em outras palavras,
preciso mostrar como, por razes internas s suas prticas e s suas constituies
discursivas, a cincia se viu diante de impasses que a conduziram a um novo
horizonte de problemas, de valores e de solues. Como no mencionado processo
qumico, as possibilidades inscritas na cincia clssica so expandidas e adquirem
novos sentidos e valncias, dando origem desse modo a novas prticas e a novos
valores. Para cunhar outra expresso de Stengers, essa metamorfose da cincia
546
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004.
547
ELIADE, Mircea. Histria das crenas e das idias religiosas. Tres Volumes. Rio de Janeiro:
Zahar, 2013.
548
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a Humanidade. Uma Antologia de Ensaios. Traduo Rosaura
Eichenberg. So Paulo: Cia. das Letras, 2002.
291
tem um compromisso com uma ecologia das prticas, ecologia no interior da qual a
cincia precisa comear a ser pensada. Essa metamorfose diz respeito no apenas
praxiologia, mas inclusive e, sobretudo, axiologia da cincia, pois diz respeito s
prprias condies de possibilidade de se pensar e de se fazer a cincia no mundo
contemporneo. Captar essa metamorfose de natureza que no se esgota no
debate entre internalistas e externalistas, entre imanentismo e contextualismo, bem
como descrever a passagem de uma cincia clssica fundada nos mtodos
redutivos cincia contempornea definida a partir de critrios de complexidade:
isso basicamente o movimento descrito e proposto por Prigogine e Stengers549.
Qual o eixo argumentativo que orienta essa metamorfose? A cincia clssica,
ao produzir uma reduo do universo a leis universais, produziu uma situao
singular: quanto mais geral, mais universal uma lei, e, desse modo, essa lei
consegue explicar um nmero de fenmenos cada vez mais amplo e heterogneo.
Contudo esse movimento produz um paradoxo de grandes propores: quanto mais
universais e eficientes se tornaram essas leis, mais os sistemas vivos e seu
funcionamento especfico passaram a ser excludos dessas mesmas leis. A relao
entre physis e bos paulatinamente se desfaz. Rompe-se a antiga aliana entre a
natureza e os seres vivos e, especialmente, entre a natureza e o ser humano. Essa
ruptura, que fora um dos maiores trunfos da cincia clssica, a partir do sculo XIX
comea a demonstrar suas limitaes. O paradoxal dessa situao que a ruptura
dessa aliana produziu alguns dos mais importantes sistemas explicativos do
universo. O ltimo representante da cincia clssica, aquele que melhor sintetiza
essa ruptura entre vida e natureza, seria bilogo Jacques Monod. Os seus marcos
conceituais esto especialmente presentes na obra que sintetiza seu pensamento:
Acaso e Necessidade550.
Esse elo perdido entre vida e natureza pode ser reatado por meio da
termodinmica, desenvolvida no sculo XIX. Conhecida como cincia do fogo, a
termodinmica o primeiro modelo terico que aborda a assimetria entre energia,
conservao e trabalho, evidenciando um fenmeno at ento tratado pela cincia
clssica como residual e desprezvel dentro dos esquemas quantitativos: a
549
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
550
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.
292
irreversibilidade dos sistemas e a seta de tempo que conduz a energia a uma perda
que no pode ser revertida. Essa constatao leva o nome de entropia. Entretanto,
pensadores como Boltzman, que tiveram o mrito de revelar essas estruturas
dissipativas, continuaram a pensar essa perda entrpica dos sistemas como um
sinal negativo de desagregao desses mesmos sistemas. O que as cincias do
complexo comearam a se indagar no sculo XX se essa noo negativa de
entropia no seria uma maneira de determinar os fenmenos termodinmicos a
partir de sistemas em equilbrio, sendo que na verdade a complexidade produzida
pela entropia nos exige que pensemos em uma ordem nesses sistemas entrpicos,
ou seja, exige que pensemos que justamente por estarem distantes do equilbrio
essa entropia que pode ser considerada negativa desde um ponto de vista da
dinmica pode produzir complexidade, a partir do ponto de vista da termodinmica.
Se isso for confirmado, a antiga aliana que se rompera entre orgnico e inorgnico,
e cuja ruptura Monod, pode ser restabelecida, em outra chave. A complexidade
dos sistemas no dependeria de uma assimetria ontolgica entre vida e no-vida,
entre sistema e meio, como a biologia moderna de inspirao darwiniana postulou.
Ao contrrio, a complexidade seria uma continuidade mesma dos processos internos
de complexidade da natureza, demonstrando um continuum entre natureza inerte e
os seres vivos, bem como das leis que regem esses domnios que antes haviam
sido separados. Criar uma nova aliana entre esses domnios, para alm da cincia
clssica, cujo arco temporal iria de Newton a Monod, a proposta de Stengers e
Prigogine. Por outro lado, Monod um autor nuclear para Sloterdijk conceber a
teoria das esferas.
No que consiste em linhas gerais a teoria das esferas? Um dos pontos de
partida de Sloterdijk Heidegger. O pensamento de Heidegger orbita em torno do
conceito de ser-a [Dasein]. Esse conceito, entendido como modo de existncia da
facticidade, a condio prvia para a emergncia do ser e ocupa a centralidade do
pensamento heideggeriano. A horizonte da facticidade propicia a emergncia do ser
a partir de uma regio mais originria do que aquela pela qual o ser foi declinado
pela histria da metafsica, que consiste em um esquecimento do ser. A diferena
ontolgica que determina essa anterior assimilao do ser ao ente, e que antes
produziu a indeterminao do ser enquanto ser, a nova acepo de ser cunhada
por Heidegger. Entretanto, a despeito da centralidade do Dasein, Sloterdijk ilumina a
noo de ser-com [Mitsein], desenvolvida perifericamente por Heidegger na analtica
293
551
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
552
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998]
553
MATURANA R., Humberto; MAGRO, Cristina; GRACIANO, Miriam; VAZ, Nelson. A Ontologia da
realidade. Belo Horizonte : Ed. UFMG, 1997.
554
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria geral dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
555
WEINER, Jonathan. O bico do tentilho: uma histria da evoluo no nosso tempo. Rio de Janeiro:
Rocco, 1995.
556
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 24 e seg.
294
vida, bem como seus mecanismos projetivos, distintos de todos os demais seres
inorgnicos. A teleonomia a teleologia dos organismos vivos. A natureza objetiva
e no projetiva, e a teleonomia que inscreve os seres vivos como seres projetivos,
distintos da ausncia de projeto presente nas demais organizaes fisioqumicas557.
A morfognese autnoma seria o salto realizado pela vida em relao s demais
substncias qumicas, e produzido pelo acaso, o que transforma a vida em um
fenmeno improvvel e isolado no seio do universo. E, por fim, a invarincia
reprodutiva estaria ligada ao modo de replicao do texto gentico, matriz de
reprodutibilidade tambm distinta do modo pelo qual as molculas se organizam no
reino inorgnico.
Essas trs leis demarcariam o estatuto ontolgico da vida no cosmos558. A
teleonomia demonstra a distino entre os processos morfolgicos dos seres vivos e
de outras organizaes complexas, como os cristais. Esse estatuto expresso por
uma mxima que resume a dialtica entre acaso e necessidade: os seres vivos so
objetos estranhos559. A autonomia da gnese da vida ocorre devido
descontinuidade entre o vivo e o no-vivo, o que implica uma crtica radical aos
projetos vitalistas, baseados em um el vital ou uma fora qualitativamente distinta
presente na matria e que concorreria para a formao da vida560. Essa autonomia
ocorre porque no seria modelada a partir de foras externas561. A complexidade
das formas vivas consiste em mecanismos autopoiticos internos aos seres vivos.
Os nveis de complexidade gerados pelos sucessivos processos adaptativos dos
sistemas vivos, em contato com meios mais ou menos hostis ou isolados, apenas
ativa a ao teleonmica desses mesmos seres vivos, concorrendo para uma
diversificao morfolgica cada vez mais crescente. A ao do acaso produz o
isolamento das espcies em determinados meios e dessa maneira produz a
complexidade das formas autorreplicantes. A necessidade reprodutiva dos sistemas
vivos, em contato com a indiferena de meios heterogneos e indiferentes,
557
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 15 e seg.
558
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 13-32.
559
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 24 e seg.
560
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.Vitalismos e
Animismos, 1971, p. 33-54.
561
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 22.
295
565
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 29 e seg.
566
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 29 e seg.
297
567
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 32.
298
568
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 226.
569
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 226.
570
Conferir Captulo II, Vitalismos e Animismos, MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio
sobre a filosofia natural da biologia moderna. Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena
Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971, p. 33-54.
571
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 37.
572
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 42 e seg.
573
MONOD, Jacques. Acaso e necessidade: ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna.
Traduo Bruno Palma e Pedro Paulo de Sena Madureira. Petrpolis: Vozes, 1971.p. 44 e seg.
299
575
GANDILLAC, Maurice de. Gneses da Modernidade. So Paulo: Editora 34, 1998.
301
576
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
577
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
578
ROSSI, Paolo. A cincia e a filosofia dos modernos: aspectos da revoluo cientfica. Traduo
lvaro Lorencini. So Paulo: Unesp, 1992.
579
ROSSI, Paolo. A cincia e a filosofia dos modernos: aspectos da revoluo cientfica. Traduo
lvaro Lorencini. So Paulo: Unesp, 1992, p. 59 e seg.
302
585
ATTIE FILHO, Miguel. Falsafa: a filosofia entre os rabes. So Paulo: Palas Athena, 2002.
586
ATTIE FILHO, Miguel. Falsafa: a filosofia entre os rabes. So Paulo: Palas Athena, 2002.
587
LIBERA, Alain de. A filosofia Medieval. So Paulo: Loyola, 1998,
304
A distase entre presena e lei pode ser entendida como um dos eixos
estruturantes da modernidade588. Pascal percebeu muito bem essa dissociao e a
materializou na diferena entre o Deus do corao e o Deus dos filsofos. O
protestantismo e as doutrinas da sola fides e da sola scritura seriam manifestaes
dessa transformao no mbito das relaes entre Deus de presena e o Deus da
lei e das instituies. No por acaso Kant um dos agentes de erradicao do
pensamento metafsico e, ao mesmo tempo, o criador de um dos mais assombrosos
e inexequveis formalismos morais. Por isso, mesmo com a crtica moderna ao
pensamento metafsico, a oscilao entre explicaes do mundo de ordem mecnica
e de ordem vitalista prosseguiu ao longo do sculo XIX, e forneceu os substratos
tericos para que a demarcao entre orgnico e inorgnico persistisse. Esse
dualismo de substncia marca o surgimento da cincia clssica desde Newton, e
consiste em uma reduo do universo s formas vazias de leis absolutas, eternas e
perfeitas. Essas mesmas leis produzem apenas um inconveniente. Justamente por
causa de sua natureza absoluta, eterna e perfeita, acabam por se tornar inaplicveis
a um dos reinos do cosmos: a vida. Desenvolve-se uma dupla verdade e uma dupla
doutrina. Uma teoria geral do cosmos, da gravitao, da inrcia, das foras. Contudo
essa mesma teoria geral no consegue explicar a ontognese e a morfognese da
vida aplicando os mesmos princpios vlidos para o universo. Presenciamos uma
ciso entre as leis da physis e as leis do bios. Esse dualismo o marco epistmico
da cincia clssica de Newton a Einstein.
As imagens de um Deus ou de deuses humanos, demasiadamente humanos,
cumprem apenas uma tarefa parcial nessa guinada epistmica rumo a uma
depurao das engrenagens do cosmos, entendidos a partir das analogias
mecnicas. As paixes e os afetos desses agentes metaempricos no podem ser
conciliados com a hiptese de uma completa impassibilidade e indiferena do
cosmos em relao vida e ao homem. Se a cincia moderna efetua essa ruptura
da aliana entre natureza e vida, ela o faz porque realiza uma aliana com outros
modelos descritivos. Nesses termos, a modernidade consistiria em retomar o elo
pedido entre a cincia e cosmologias arcaicas dualistas, que tm como princpio um
dualismo ontolgico vida-natura e homem-cosmos. Nesse sentido, o problema no
e nunca foi sermos estrangeiros no cosmos. O problema como uma constituio
588
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de presena.: o que o sentido no pode transmitir. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2012.
305
589
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos
Irineu da Costa. So Paulo, 1994.
590
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Traduo Carlos
Irineu da Costa. So Paulo, 1994.
306
Algum caminha por uma praia e descobre uma concha. Por mais perfeita
que essa concha seja em sua simetria, parece natural ao andarilho imaginar aquela
concha como um produto da natureza. Instala-se no esprito do andarilho a pergunta
sobre a natureza objetiva ou projetiva da natureza e sobre as distines entre
natureza e artefato591. Contudo se algum encontrasse no uma concha, mas um
relgio na areia, logo seria obrigado a imaginar uma intencionalidade de um sujeito
por trs da criao desse objeto. Essa imagem clssica desenvolvida por William
Paley no sculo XVIII foi eficaz para demonstrar um princpio de inteligncia infuso
na ordem natural e para realar em que medida a ordem natural seria fruto de uma
intencionalidade divina e obra de um divino relojoeiro592. Esse argumento, chamado
argumento teleolgico nas cincias naturais, hoje em dia conhecido como intelligent
design, parte de uma assimilao entre a racionalidade da criao divina e a
racionalidade dos artefatos mecnicos humanos, visando a fins [telos]. Essa imagem
mecanicista descreve em diversos graus a chamada cincia clssica, para a qual a
autossuficincia de Deus funciona como um recurso racional de demonstrar a
autossuficincia das leis naturais, por meio de modelos recursivos. Mesmo no
tendo vivido para presenciar a publicao da principal obra de Paley, David Hume
critica a noo de causalidade presente em sua concepo teleolgica. Como se
sabe, muitos especialistas sustentam um alinhamento direto entre a teoria
darwiniana e neodarwiniana e o pensamento de Hume, situando-o como uma
espcie de precursor de Darwin do ponto de vista filosfico. Ao fazer uma defesa
radical da contingncia, Hume estaria preparado o terreno para a teoria da seleo
natural operada pelo acaso, uma das premissas de Darwin e em diversos sentidos
diferente de uma organizao dos seres vivos produzida por uma inteligncia natural
ou sobrenatural.
Essa leitura de Darwin que enfatiza as condies de exceo sob as quais se
deu a ontognese da vida e a seleo das espcies em relao aos demais
processos fisioqumicos foi amplamente difundida no sculo XX. E encontra uma de
591
MONOD, 1971, p. 16 e seg.
592
PALEY, William. Natural Theology, or, Evidences of the Existence and Attributes of the Deity. 1st
ed. London: J. Faulder, 1802.
307
593
MONOD, 1971, p. 16 e seg.
594
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.p. 2 e seg.
595
FOUCAULT, M. Histria da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
596
HADOT, P. Exercices spirituels et philosophie antique. Prefcio de Arnold I. Davidson. Nova
edio, revista e aumentada. Paris: Albin Michel, 2002.
597
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999]
308
598
YATES, Frances. Giordano Bruno e a Tradio Hermtica. Traduo de Yolanda Steidel de
Toledo. So Paulo, Cultrix, 1995.
599
ROSSI, Paolo. O nascimento da cincia moderna na Europa. Traduo Antonio Angonese. Bauru:
Edusc, 2001.
600
WHITEHEAD, Alfred North. A Cincia e o mundo moderno. Trad. Hermann Herbert Watzlawskied.
Philosophica. So Paulo: Paulus, 2006,
601
SERRES, Michel. O nascimento da fsica no texto de Lucrcio. So Paulo: Unesp, 2003.
602
GREENBLATT, Stephen. A virada: o nascimento do mundo moderno. So Paulo: Companhia das
Letras, 2012
603
A tese est dispersa nos cinco volumes de Ordem e Histria, e especialmente em The New
Science of Politics e em Order and History, mas encontra-se rsumida em: Science, Politics, and
Gnosticism. Translation of Wissenschaft, Politik, und Gnosis by William J. Fitzpatrick, with a Foreword
to the American edition. Chicago: Henry Regnery, 1968.
309
604
JUNG, Carl Gustav. Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Obras Completas de C G
Jung. Vol. lX/2. Petrpolis: Vozes, 1982.
605
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
606
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004, p. 17 e seg.
607
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
607
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
p. 17.
608
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998] SLOTERDIJK, Peter. Esferas
III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona:
Siruela, 2006 [Publicao Alem: 2004]
310
609
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003 [Publicao Alem: 1998] SLOTERDIJK, Peter. Esferas
II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo Rdiger Safranski. Barcelona:
Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999] SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa
Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006 [Publicao
Alem: 2004]
610
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferologa. Traduccin Isidoro Reguera. Prlogo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2004 [Publicao Alem: 1999] SLOTERDIJK, Peter. Esferas
III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona:
Siruela, 2006 [Publicao Alem: 2004]
611
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
611
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
611
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
p. 19 e seg.
311
612
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
612
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
612
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
p. 24.
613
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
613
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004.
p. 26 e seg.
614
HEIDEGGER, Martin.Carta sobre o humanismo. Os Pensadores. So Paulo: Abril, 1987.
312
medida que a apario fantasma do dualismo, no foi feita para ser resolvida615.
Se fosse resolvida, como os modernos poderiam se constituir como modernos em
uma relao de simetria ns-eles cuja finalidade dissolver as simetrias em
assimetrias produtivas?616 Trata-se exatamente do mesmo movimento detectado por
Latour: a purificao dos agentes e a constituio de dois polos absolutos de
natureza e cultura, de modo que esses polos possam se misturar, sem alterar o
regime de dualismo ontolgico nos quais eles operam e que constitui a sua segunda
natureza, para pensar com Norbert Elias. Ela baseada em dois tipos de monismo:
o monismo materialista e o monismo idealista617. Ambas as concepes nascem de
uma mesma ciso primordial no interior do ser e de uma dissoluo do dualismo que
se instituiu como matriz do pensamento a partir do sculo XVII. A passagem de uma
matriz dualista a um novo tipo de pensamento que pretenda superar a mecnica
interna ao dualismo o maior desafio intelectual do mundo contemporneo. Essa
passagem depende da criao de uma nova filosofia integral dos organismos,
empreendimento que foi levado a seu ponto mais alto no sculo XX por Whitehead.
E tambm pode vir a se realizar a partir do desenvolvimento de uma ontologia dos
meios e uma teoria geral dos mesons.
Uma das principais contribuies de Jonas nesse sentido ter proposto uma
fenomenologia das matrizes do dualismo moderno a partir das escrituras gnsticas,
bem como suas implicaes para o pensamento cientfico e para a doutrina do ser
de modo geral618. Mas no que consiste em linhas gerais a doutrina da gnose? Os
documentos e as escrituras apresentam perspectivas e procedncias diversas.
Contudo de modo geral um dos postulados centrais da gnose a defesa de uma
cosmologia dualista, baseada em um dualismo ontolgico de substncia. H uma
variedade desse dualismo presente na religio rfica619. Muitas fontes extragregas
estariam na sua origem, e podem ser rastreadas sobretudo a partir de vestgios de
615
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das cincias humanas. Traduo
Salma Tannus Muchail. So Paulo: Martins Fontes, 2000.
616
LATOUR, 1999.
617
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
617
JONAS, Hans. O Princpio Vida: Fundamentos para uma Biologia Filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes, 2004, p. 26 e seg.
618
JONAS, Hans. O princpio vida: fundamentos para uma biologia filosfica. Traduo Carlos
Almeida Pereira. Petrpolis Vozes, 2004, p. 16-34.
619
GUTHRIE, W. C. K. Orfeo y la religin griega: estudio sobre el movimiento rfico. Madrid: Siruela,
2003.
313
620
GUTHRIE, W. C. K. Orfeo y la religin griega: estudio sobre el movimiento rfico. Madrid: Siruela,
2003.
621
BURKERT, Walter. Antigos cultos de mistrio. So Paulo: Edusp, 1991.
622
Esse exemplo explorado por Guthrie e tambem por JONAS, Hans. O princpio vida: fundamentos
para uma biologia filosfica. Traduo Carlos Almeida Pereira. Petrpolis Vozes, 2004, p. 23.
623
GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Mdia. Traduo Eduardo Brando. So Paulo: Martins
Fontes, 1995.
314
624
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
625
JONAS, Hans. La religin gnstica: El mensaje del Dios extrao y los comienzos del cristianismo.
Siruela: Madrid, 2003.
626
Ver especialmente o captulo: JONAS, Hans. Gnose, existencialismo e niilismo. O princpio vida:
fundamentos para uma biologia filosfica. Traduo Carlos Almeida Pereira. Petrpolis Vozes, 2004,
p. 211-251.
315
cosmos e espelhada nos organismos? Em outro belo livro situado na fronteira entre
a filosofia, a cosmologia, a teoria evolucionria e a cincia da religio, Jonas
desenvolve uma tese que pode ser uma alternativa a esses regimes de causalidade
que configuraram acaso e teleologia como regimes de sentido antagnicos e
inconciliveis630. O universo no seria eterno, como imaginavam Aristteles e toda
tradio fsica e metafsica inspirada nele ou em tradies orientais. O cosmo de fato
teria surgido de um ponto inicial, de altssima concentrao de energia. Esse
momento inicial passou a ser confirmada por dados empricos, baseados na
segunda lei segunda da termodinmica e na captao das chamadas radiaes de
fundo, emisses de energia vindas do momento em que o universo veio luz e se
expandiu631. Contudo o imaginrio comeou a conceb-lo a partir da imagem
equivocada de uma exploso. Poderamos pensar o ponto de singularidade como
esse ponto inicial das dimenses espaciotemporais que constituem o universo, sem
necessariamente precisarmos fundar uma teoria criacionista ou nos apoiarmos no
big bang, hiptese cada vez mais refutada na cosmologia632. Pois bem: mesmo
partindo desse postulado, para Jonas impossvel sustentar a presena de uma
inteligncia no comeo da criao. E sugere dois modelos cosmognicos de
compreenso. O universo no teria surgido de um logos cosmognico. Teria surgido
sim de um eros cosmognico. O modelo descritivo da unidade racional de um logos,
entendido como princpio cosmolgico de inteligibilidade, passa a ser substitudo por
uma unidade ontolgica amorosa e conectiva, fundada em eros e compreendida
como fora capaz de sustentar o universo unido, a despeito das foras dissipativas e
entrpicas que lhe so imanentes633. E essa impossibilidade pode ser explicada do
ponto de vista da teoria evolucionria darwiniana e neodarwiniana, e corrobora a
tese de Monod.
Desde Darwin a evoluo da vida tem sido entendida como resultado de um
processo de seleo natural. Esse processo cego, regido pelo acaso, e seus
desdobramentos englobam a totalidade das espcies e das formas, estruturas e
630
JONAS, Hans. Matria, Esprito e Criao: Dados Cosmolgicos e Conjecturas Cosmognicas.
Traduo Wendell Evangelista Soares Lopes. Petrpolis: Vozes, 2010.
631
HAWKING, Stephen. Minha breve histria. Traduo de Alexandre Raposo, Julia Sobral Campos e
Maria Carmelita Dias. Reviso tcnica de Amncio Friaa, Astrofsico do Instituto de Astronomia,
Geofsica e Cincias Atmosfricas da USP. Rio de Janeiro: Intrnseca, 2013.
632
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016.
633
JONAS, Hans. Matria, Esprito e Criao: Dados Cosmolgicos e Conjecturas Cosmognicas.
Traduo Wendell Evangelista Soares Lopes. Petrpolis: Vozes, 2010.
317
634
Refiro-me imagem usada por William Paley no sculo XVIII e retomada por Richard Dawkins
para exemplificar a teoria evolucionria: DAWKINS, Richard. O relojoeiro cego. So Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
635
Uma brilhante sntese do pensamento de Newton feita em sua poca por Voltaire: VOLTAIRE.
Elementos da Filosofia de Newton. Campinas: Unicamp, 1996.
636
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
637
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, p. 30..SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas.
Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006.
318
638
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
319
infinito passa a ser uma imago mundi precisamente moderna de uma das vertentes
mais influentes do cristianismo, porque precisamente ligada a uma ontologia de
meios e a uma imagem de mesons por meio dos quais a presena passa a se
realizar por meio da ausncia.
O mago dessa fora centrfuga de esvaziamento da natureza pode ser
apreendida por diferentes narrativas. Algumas dessas narrativas retroagem a
origens remotas. Enquanto as teologias das religies abramicas consistem em
linhas gerais em uma enorme tentativa de conciliar a absoluta transcendncia de
Deus e o gradualismo de sua presena no universo, por meio da equivocidade do
ser e do gradualismo das emanaes, atributos e manifestaes da substncia
divina no universo, o dualismo da gnose prope a imagem de um Deus que se exilou
para fora do cosmos, deixando como nica testemunha de seu exlio uma centelha
de sustncia divina na mente de alguns poucos. Acessar o conhecimento divino
sobre o mundo se separar da totalidade do mundo. estabelecer uma estranha
aliana com Sophia, divindade que, sendo exterior ao cosmos, reduz a totalidade do
cosmos a um holograma estpido, animado por um Deus bruto, como um
ventrloquo. A acosmia da gnose se materializa como uma ontologia radical do
Estrangeiro e, a partir do sculo XVII, se materializa por meio de uma aliana
subterrnea entre gnose e cincia. A partir dessa fratura ontolgica instaurada no
mago do universo, torna-se possvel conceber um ponto de vista extraterritorial em
relao a esse mesmo universo. O modelo representacional sujeito-objeto passa a
ser a condio para a instaurao de uma manipulao livre da natureza, em termos
experimentais.
No que concerne complexidade e extraterritorialidade, precisamos ampliar
um pouco mais o teor paradoxal que esse dualismo ontolgico representa. A pior
forma de nos desembaraarmos do dualismo ignorarmos sua potncia explicativa.
O dualismo no pode ser visto apenas como uma aliana que se rompera entre
homem e natureza, entre cincia e experincia, entre ser e devir, entre pensamento
e vida. Por qu? Porque a partir de um ponto de vista da teoria sistmica, se
elevarmos essa concepo de extraterritorialidade mxima potncia, poderemos
produzir uma compreenso complexa das diversas e recprocas interaes entre
agentes e pacientes dos diversos sistemas e das diversas prticas, bem como das
mltiplas interaes dos sistemas e meios, em uma chave decididamente complexa.
Nesse caso, o estrangeirismo torna-se a condio de possibilidade para o
320
639
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
640
LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas. Petrpolis: Vozes, 2009.
641
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma Arqueologia das Cincias Humanas. So
Paulo, Martins Fontes, 1995. Captulo III, Representar, pg. 64.
642
MONOD, Op.cit.
321
643
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003, p. 29. SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas.
Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera. Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006.
644
Esse paradoxo central para uma definio do desenvolvimento da cincia clssica em
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
645
JONAS, Hans. La religin gnstica: el mensaje del Dios Extrao y los comienzos del cristianismo.
Barceloa: Siruela, 2000.
646
FOUCAULT, Michel. O Pensamento do Exterior. So Paulo: Princpio, 1990.
647
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
648
Betty Dobbs uma das historiadoras da cincia que revelam com maior profundidade o impacto
das cincias alqumico-hermticas nos Principia de Newton: DOBBS, Betty Jo Tetter. The Janus
Faces of Genius: The Role of Alchemy in Newton's Thought. Cambridge: Cambridge University Press,
1991. Vale lembrar tambm os trabalhos de Eugenio Garin, Paolo Rossi e Frances Yates abordando
as confluncias-divergncias entre cincia e magia na aurora da modernidade: GARIN, Eugenio.
Astrology in the Renaissance: The Zodiac of Life. ROSSI, Paolo. O nascimento da cincia
moderna na Europa. Traduo Antonio Angonese. Bauru: Edusc, 2001. YATES, Frances. Giordano
Bruno e a Tradio Hermtica. Traduo Yolanda Steidel de Toledo. So Paulo: Cultrix, 1995.
322
649
A frase literalmente citada por Mrio Schenberg, que tambm aborda a importncia dos tratados
alqumicos na obra de Newton: SCHENBERG, Mrio. Pensando a Fsica. So Paulo: Nova Stella,
1990.
650
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
651
PRIGOGINE-STENGERS, 1991.
652
Prigogine e Stengers enfatizam esse paradoxo como um elemento central na conscituio de um
campo de investigao da cincia clssica, que se encontra em seu ocaso: PRIGOGINE-
STENGERS, 1991.
653
SLOTERDIJK, Peter. Esferas III: Espumas. Esferologa Plural. Traduccin Isidoro Reguera.
Prologo Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2006.
654
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.
655
SLOTERDIJK, Peter. Mobilizao Copernicana e Desarmamento Ptolomaico. Ensaio Esttico.
Biblioteca Tempo Universitrio n 92. Dirigida Eduardo Portella. Traduo Heidrun Krieger Olinto. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileira, 1992.
656
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.30.
323
657
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.31.
658
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Burbujas. Microsferologa. Traduccin Isidoro Reguera, Prologo
Rdiger Safranski. Barcelona: Siruela, 2003.33.
324
si. Se so posturas pouco diferentes entre si, por que at hoje se perpetua o
acirrado debate entre religio e cincia? Um ponto importante dessa narrativa se
encontra em dois momentos da histria do pensamento: no organicismo do sculo
XVII e nos debates envolvendo a filosofia da biologia do sculo XIX.
Qual seria o ponto de virada dessas concepes clssicas do mecanicismo?
Esse ponto ocorre com a assimilao de duas reas de investigao da qumica e
da fsica: as novas teorias trmicas [relativas ao calor] aliadas reformulaes
ocorridas no mbito das teorias dinmicas clssicas [relativas s relaes massa-
movimento]. Em um campo unificado, passaram a ser descritas como princpios de
um novo campo de estudo: a termodinmica661. O cerne desse novo campo se
dedica a investigar os fenmenos de dupla articulao: a entropia e a neguentropia.
Por meio dessa intuio, por exemplo, Flusser pde estabelecer o segundo princpio
da termodinmica, baseado na relao sistmica entropia-neguentropia, e o projetar
fenomenologicamente para toda a histria da cultura humana, diluindo esse princpio
ao longo de toda sua obra. O princpio didico da perda-preservao de energia em
um mesmo sistema. A partir do sculo XIX, com o advento de sistemas explicativos
que contemplam no apenas os ganhos, mas tambm as perdas de energia
envolvidas em uma atividade mecnica, a cincia percebe a importncia de
direcionar seus esforos para uma anlise da transformao da matria implicada
em atividades fsicas, qumicas ou biolgicas, e no apenas se reduzir descrio
da ao gravitacional e indiferente de foras exercidas sobre corpos, como na
mecnica clssica662. A partir de ento, o cosmos deixa de ser entendido como a
manifestao de leis estveis simples e reversveis. Iniciam-se as investigaes que
do origem a um novo paradigma cientfico e mesmo a um novo modelo de cincia:
a cincia do complexo e da irreversibilidade663.
661
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
662
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
663
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
326
664
WHITEHEAD, Alfred North. Processo e Realidade. Ensaio de Cosmologia. Lisboa: CFUL, 2010.
327
665
WHITEHEAD, A. N. O Conceito de Natureza. Traduo de Jlio B. Fischer. So Paulo: Martins
Fontes, 1993.
328
5.5 Metamorfose
666
DAWKINS, Richard. O relojoeiro cego. So Paulo: Companhia das Letras, 2001.
329
667
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. p. 3.
668
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. p. 4.
669
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 4.
670
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991.
p. 4.
671
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 4.
672
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 5.
673
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 5.
330
674
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 6.
675
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 7.
676
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 7.
677
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 7.
678
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 7.
679
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 7.
680
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 8.
681
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 8.
331
682
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 8
683
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 8
684
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 8-9
685
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 10
686
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 10
687
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 10
688
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 11.
689
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 11.
332
690
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 13
691
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 13
692
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 13.
693
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 14
694
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 14
695
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 14-15.
696
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 15.
697
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 15.
698
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 15
333
699
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 20
700
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 20
334
torna-se uma matria inerte, que pode muito bem ser manipulada e transformada ad
infinitum, acentuando-se assim o hiato que separa Deus, mundo e homem, hiptese
sustentada tambm por Heidegger, Flusser e Vicente Ferreira da Silva.
Nesses termos, as religies abramicas desencantaram o mundo, pelas vias
do mtodo experimental baseado na absoluta estranheza e estrangeirismo do
homem em relao ao universo, a cincia tambm levar adiante a tarefa do
desencantamento701. A ciso trgica oferecido pela cincia clssica consiste em um
aprofundamento desse divrcio entre homem e mundo, agora acentuado por um
agravante: a morte de Deus. Enquanto as tradies reveladas Deus um
reservatrio de imunidade que assegura o sentido da falta de sentido de um mundo
imanente e dessacralizado, a cincia moderna, por meio de um longo processo de
explicitao, demonstrar que no apenas o universo vazio, mas que o Criador
desse universo vazio provavelmente tampouco exista ou caso exista, no o Deus
vivo da f, mas um Deus mecnico que funciona como um agente autorregulador
das leis que so abstratas e absolutas justamente porque Deus abstrato e
absoluto. O mundo desencantado se reduz a ponto de se tornar um mundo
manejvel702. Entra aqui o problema da tcnica, enfrentado por Heidegger, e para o
qual o grande mestre da Floresta Negra apresentou algumas das mais sibilinas e
equivocadas solues703. Porque em linhas gerais o problema do desencantamento
do mundo produzido pela cincia gera uma resposta problemtica de
desqualificao da cincia como um todo. Essa reduo da cincia chamada
usurpao da cincia no se esgota na critica de Heidegger, mas passa mesmo pela
critica cincia como emancipao irracional, consequncia da doutrina da dupla
verdade, segundo Luckcs704, e pela cincia entendida como razo instrumental
para Adorno e Horkheimer705. Tanto a cincia que reduz o mundo a leis simples
quanto as teorias e cincias humanas que ao criticar a cincia reduzem toda a
cincia cincia reducionista, so ambas representaes dos modelos reducionistas
701
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 22
702
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 22
703
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, 1991, p. 22-23
704
LUKCS, Gyrgy. Prolegmenos para uma ontologia do ser social: questes de princpios para
uma ontologia hoje tornada possvel. So Paulo: Boitempo, 2010.
705
ADORNO, Theodor W. Dialtica Negativa. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
335
706
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 24.
707
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 24
708
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 24-25.
709
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 25
710
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 25 e seg.
711
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 27
336
712
E-II.
713
E-II.
714
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 28.
715
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 29
716
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 29
717
KUHN, Thomas. A Estrutura das Revolues Cientficas. So Paulo: Perspectiva, 2003.
718
FEYERABEND, Paul. Contra o Mtodo. So Paulo: Unesp, 2003.
719
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 30-31.
337
720
BLUMENBERG, Hans. Paradigmas para una metaforologa. Madrid: Trotta, 2003.
338
721
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, 34
722
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 34
723
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 34
724
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 34
725
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 35
726
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 35
727
GOODY, Jack. O roubo da histria: como os ocidentais se apropriaram das ideias e invenes do
Oriente. So Paulo: Contexto, 2008.
339
728
GOODY, Jack. Renascimentos: um ou muitos? Traduo de Magda Lopes. So Paulo: Unesp,
2011.
729
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 36.
730
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 36.
731
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 36.
340
732
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 38.
733
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 38.
734
LUHMANN, Op.cit.
735
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 39.
736
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 39.
341
737
LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Traduo Ricardo Corra Barosa. Rio de Janeiro:
Jos Olympio, 1986.
738
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 41.
739
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 41
740
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 41.
342
741
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 63.
742
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, 1991, p. 63.
743
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, 1991, p. 63.
744
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Protogaea, ou discusso sobre o aspecto primitivo da Terra e sobre os
vestgios da antigussima histria que encerram os prprios monumentos da natureza. Traduo
Nelson Papavero, Dante Martins Teixeira, Maurcio de Carvalho Ramos. So Paulo: Pliade/Fapesp,
1997.
745
LEIBNIZ, G. W. Sistema novo da natureza e da comunicao das. substncias e outros textos.
Belo Horizonte: UFMG, 2002
746
LEIBNIZ, G. W. Monadologia. Pensadores. So Paulo: Abril, 1988.
747
ROSSI, Paolo. Os Sinais do Tempo: Histria da Terra e Histria das Naes de Hocke a Vico.
Traduo Julia Mainardi. So Paulo: Companhia das Letras, 1992.
343
A tese dos graus de complexidade que unem os humanos aos demais seres
vivos foi uma das pedras de toque da demolio teolgica do sculo XVIII,
perpetrada por Voltaire, DAlembert, DHolbach e especialmente Diderot, o pensador
que teve um discurso dos mais articulados em torno do ser vivente, tentando partir
dele como modelo compreensivo para as demais seres. Essa guinada ontolgica,
que desloca a nfase do ser dos mecanismos gerais da natureza e a concentra nas
estruturas dos seres vivos de vastas dimenses e consequncias. No foi iniciada
nem consumada por Diderot. Ele e Buffon de fato representam as vozes mais
sensveis a esse problema em mbito francs, mas como lembra Whitehead essa
tradio vinha se desenvolvendo desde os empiristas britnicos e encontra sua
breve durao no espao de tempo que separa Locke e Berkeley de Hume748.
Independente de definir os primeiros protagonistas dessa viso de mundo, o que de
fato importa nesse caso compreendermos um movimento decisivo: no momento
mesmo em que a mecnica clssica se desenvolve sobre os postulados da imagem-
mquina, comeam a se desenvolver teorias que seguem em um sentido oposto e
que elegem como modelos algo bastante distante desse imaginrio maqunico: os
embries749. A organizao progressiva dos espaos e dos seres biolgicos pode
ser descrita de diversas maneiras, menos por meio do recurso s leis da mecnica,
da reduo e da simplicidade. Como se sabe, o sistema de Newton constitui um
sistema do mundo. Como tal, no confere nenhum importncia s diferenciaes
dos seres. A totalidade dos corpos est subordinada a leis universais e no se
privilegia nenhum movimento regional dos corpos fora dessas leis que enquadram e
explicam a mecnica geral750. A relao entre os corpos a relao entre massas
que se afetam mutuamente mediante a ao das leis gerais da gravidade. O sistema
newtoniano no contempla nenhuma explicao e sequer demonstra interesse pelos
princpios que regem a organizao, a tendncia complexidade, a inscrio
diferencial em espaos aparentemente homogneos e a inclinao a assumir formas
cada vez mais complexas, ou seja, todos os princpios que regem a emergncia, a
evoluo, a estrutura e a funo dos seres vivos751.
748
WHITEHEAD, 2010.
749
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 64.
750
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 64.
751
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 64.
344
752
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 64.
753
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991,, p. 65.
345
gerais que descrevem o universo como um ser sem vida e, portanto, as leis da vida
e da no-vida vo se situar em regies cujas demarcaes e limites sero
necessariamente intransponveis entre si. A querela entre Stahl e seu mestre
Friedrich Hoffmann pode ser vista como uma ilustrao exemplar dos embates entre
mecanicismo e organicismo no momento de consolidao da cincia clssica.
A nfase de Stahl recai sobre a conservao e no sobre a transformao759,
ou seja, sua premissa se baseia em uma concepo esttica, como o universo de
Newton, baseado no princpio da inrcia e edificado sobre a crena de que a
imobilidade seria o estado estacionrio primordial do cosmos e de todos os seres
fsicos. Isso demonstra como as teorias orgnicas e as teorias mecnicas se
encontravam unidas em seus nascimentos, e que apenas durante os sculos
seguintes essas solidariedade se rompe em busca de vises de mundo distintas. A
histria da arte, surgida no sculo XVIII com Winckelmann, tambm advoga em
nome desses mesmos princpios: harmonia, estabilidade, imobilidade,
proporcionalidade, equilbrio760. E por meio dele que toda a arte passada ser
reconstruda e que toda arte presente ser julgada, de Winckelmann a Warburg.
Este coloca um ponto final na histria da arte entendida como telos e na altera o
sentido da semntica sob a qual as obras eram lidas, baseada na proporo.
Semelhante a Freud e Nietzsche, Warburg passa a entender a arte como
sintomatologia da cultura, manifestao imemorial do pthos e como princpio
termodinmico de desproporo e turbulncia761. Isso quer dizer que na passagem
do sculo XVII ao sculo XVIII, a teologia aristotlica fundada sobre a imobilidade de
uma causa primeira e de um deus criador do mundo, identificado por sua vez a um
primo mobile que move o mundo sem se mover a si mesmo, reverbera nesses
enunciados, sejam ou no filtrados por meio de matriz revelada crist ou diretamente
tomados do Estagirita. A alterao desse regime de sentido que norteou os estudos
dos organismos apenas ocorre com o romantismo762.
Mas qual a principal crtica possvel de ser feita ao mecanicismo a partir do
ponto de vista dos organismos? A principal crtica de ordem ontolgica, e diz
759
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 66.
760
WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexes sobre a arte antiga. Porto Alegre:
Movimento/UFRGS, 1975.
761
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: histria da arte e tempo dos fantasmas
segundo Aby Warburg. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
762
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 66.
347
763
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 66.
764
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 67.
348
765
DESCARTES, Ren. Meditaes metafsicas e filosofia primeira. So Paulo: Difel, 1962.
766
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 69.
349
acaba por vencer o Deus do corao, o Deus do esprit de finesse esprit de finessse.
Em nosso caso, o Deus dos mecanismos suplanta pouco a pouco o Deus dos
organismos e dos devires vivos.
A guinada de Kant diz respeito a uma alterao das relaes sujeito-objeto.
Se a relao com o mundo de ordem transcendental e o transcendental o sujeito,
o conhecimento dos objetos no se realiza como apreenso de dados empricos por
parte da experincia, mas sim como uma atividade sinttica das categorias
apriorsticas. A dualismo de substncia que para Descartes constitui dois nveis de
realidade ontologicamente distintos, a res extensa e a res cogitans, no existem
para Kant. O que existe so as condies transcendentais de apreenso e
configurao da experincia e dos objetos no interior da atividade cognitiva. Esses
dois modelos de pensamento produzem duas ontologias que marcam
definitivamente a modernidade, por mais que se queira dizer que Kant ps um ponto
final na metafsica767. O grande problema ocorre quando tentamos pensar a
condio de possibilidade e o que sustenta a natureza apodtica desse sistema. Se
todo sistema de Kant consiste em vedar o acesso aos fenmenos e empiria,
entendidos como coisa em si, e tambm em inviabilizar qualquer possibilidade do
pensamento se unificar como conceito e como razo apoiando-se apenas nos dados
da experincia, a pea-chave da filosofia transcendental tem um nome: deduo
transcendental. O resultado do dilogo experimental nascente entre o homem e a
natureza pode continuar em aberto, como o mtodo experimental o exige. Mas os
seus resultados sempre precisam se adequar aos esquemas a priori universais da
razo para poderem ser validados em termos epistemolgicos. Aquilo que escapa
expectativa do sujeito do conhecimento pode ser concebido como um novo desafio
razo, que passa a rever seus postulados e sua natureza, ciente de sua
precariedade. Esse o espao, sempre em aberto, da eterna dinmica entre
conhecimento e ignorncia, entre experincia e razo, que marca a genialidade do
pensador alemo. Contudo ainda assim os esquemas permanecem como horizonte
apriorstico anterior s metamorfoses oferecidas pela experincia e pelos dados
sensveis imanentes aos fenmenos entendidos como fenmenos, e no como
redues noticas.
767
Para a vigncia da metafsica na modernidade, de Descartes e Deleuze, conferir o excelente
estudo de Moore: MOORE, A. W. The Evolution of Modern Metaphysics: Making Sense of Things.
Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
350
768
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016, p. 172.
769
GRATTON, Peter. Speculative realism: problems and prospects. London & New York: Continuum,
2013.
351
770
MOORE, 2012.
771
JURANVILLE, Alain. Lacan e a Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
352
772
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 69.
773
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 69.
774
KOYR, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Rio de Janeiro/So Paulo, Forense
Universitria/Edusp, 1979.
775
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016, p. 19 e seg.
776
E-II.
353
777
NOVELLO, Mrio. O que cosmologia? A revoluo do pensamento cosmolgico. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016, p. 15 e seg.
778
ANSELMO. Prosologium. Os Pensadores. So Paulo: Abril, 1989.
354
cosmologia mecnica de Descartes, segundo a qual todos os seres vivos podem ser
reduzidos a imagem da mquina e mesmo a fisiologia do corpo humano tem o
dinamismo dos autmatos782.
782
E-I.
783
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 71-72.
784
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 72.
785
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 72.
356
786
E-I.
787
PAZ, Octavio. Sror Juana Ins de la Cruz: As armadilhas da f. So Paulo: Mandarim,1998.
788
E-I, AM.
789
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 72.
790
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 73.
357
791
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 73.
792
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 74 e seg.
793
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 75.
794
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 76.
795
WHITEHEAD, 2010.
796
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 76 e seg.
358
da herana cientfica do sculo XVII, pois esta estaria marcadamente fundada sobre
trs matrizes: o dualismo que isola matria e esprito como duas substancias
heterogneas, o monismo que integra o esprito dentro da matria e o monismo que
integra a matria dentro do esprito797. Essas trs matrizes so incapazes de pensar
os processos fsicos de modo coerente, pois em todos os casos temos uma reduo
dos processos a dimenses que lhes so exteriores. Os processos reais ocorrem
entretanto na interao entre devir e relao, pois no possvel pensar em
entidades constitudas anteriormente estruturas relacionais e tampouco essas
relaes podem ser pensadas fora de uma realidade processual798. Essa
constituio dos seres explicaria como as multiplicidades se unificam e ao mesmo
tempo produzem novas configuraes relacionais799.
A obra de Whitehead teve maior impacto na biologia, pois enquanto a
escrevia a fsica no havia desenvolvido a ideia de partculas elementares
instveis. Tanto no caso de Bergson quanto de Whitehead, estamos diante de um
novo estatuto ontolgico pra o tempo, que deixa de ser reduzido, como o era na
cincia clssica800. O tempo o agente principal da complexidade, e negar ou
suspender sua ao seria invalidar o processo mesmo responsvel pela
conformao da complexidade da vida, incluindo o homem801. Essa metamorfose da
cincia clssica para a cincia complexa tem seu ponto de viragem a partir da
termodinmica802, justamente por meio de uma insero dos princpios temporais da
irreversibilidade na ordem natural dos fenmenos e nas necessidades descritivas
das teorias e das praticas cientificas implicadas nesses fenmenos.
797
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 76 e seg.
798
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 76 e seg.
799
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 76 e seg.
800
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 79.
801
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 79.
802
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 79.
359
803
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 83 e seg.
804
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 86.
805
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 86.
806
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 86.
807
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991,, p. 90.
808
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 92-93.
360
816
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 102-103.
817
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991,, p. 105 e seg.
818
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, 1991, p. 105 e seg.
819
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 107.
820
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 108.
821
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 109-110.
363
822
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 112-113.
823
SERRES, 2003.
824
SOKOLOWSKI, Robert. Introduo fenomenologia. Traduo Alfredo de O. Moraes. So Paulo:
Loyola, 2004.
825
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991, p. 113.
826
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 114.
827
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 114.
364
828
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 116.
829
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 116.
830
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 117.
831
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 116.
832
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 117.
833
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 118.
834
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 122 e seg.
365
835
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 123.
836
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 124 e seg.
837
NOVELLO, 2006.
838
ARISTTELES. Da Gerao e da Corrupo. So Paulo: Landy, 2001.
839
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 124 e seg.
366
840
ARISTTELES. Metafsica. Edio de Giovanni Reale. Trs Tomos. So Paulo: Loyola, 2002.
367
841
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 124 e seg.
842
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 126 e seg.
843
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 126 e seg.
368
844
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 126 e seg.
845
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 129 e seg.
369
uma espcie de alma coletiva para produzir o sentido conjunto das coordenadas846.
O importante desses sistemas ordenados por flutuao notarmos que ocorre a
partir das bifurcaes, e no se d de uma s vez em todo sistema, mas estabelece-
se primeiro em uma regio e, dependendo de se situar em uma regio critica, a
flutuao pode regressar ou se expandir por todo sistema847. A relao estabelecida
entre parte-todo de um sistema a partir da flutuao se conecta a uma concepo
ecolgica e complexa, e as relaes igualmente perigosas de sistemas muito
complexos, como os sistemas humanos, tendem a ter suas flutuaes controladas e
mantidas em estabilidade848. Em um sentido semelhante, e de um ponto de vista
ecolgico, as flutuaes sistema-meio so simtricas e constantes. Em alguns
casos, flutuaes de origem externa podem produzir rudos e perturbaes
aleatrias849. Contudo, pensados a partir dos modelos sistmicos distantes do
equilbrio esses mesmos rudos ao invs de produzirem maior entropia do sistema,
acabam por contribuir para a sua complexidade.
As implicaes das estruturas dissipativas podem portanto promover uma
convergncia entre as no-linearidades mltiplas das cincia bioqumica e ao
mesmo tempo reconsiderar a estabilidade do estado estacionrio inicial de
determinados sistemas, medida que a estabilidade desse estado estacionrio,
pensado a partir dos sistemas distantes do equilbrio, passa a ser concebido como
um dado de equilbrio parcial diante das ressonncias e das mudanas de estado de
outros sistemas dissipativos850. Nesse mesmo sentido, a direo apontada pela
teoria da informao poderia restabelecer o modelo de complexidade que a fsica
clssica reduziu por conta do imperativo da simplicidade de suas leis. Em termos
informacionais, possvel pensar no em evoluo de sistemas ou na evoluo de
sistemas-meios, mas sim a partir de modelos coevoluo de mensagens e
informaes851. Em termos informacionais, Lvi-Strauss havia pensado dois modelos
possveis de se analisar as culturas: o mecnico e o estatstico852. A partir dos
modelos dinmicos poderamos pensar a relao do Ocidente com os demais povos
a partir de rupturas de simetria. Por meio dos modelos estatsticos, seria justamente
846
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 130.
847
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 131.
848
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 132.
849
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 132.
850
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 138.
851
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 139.
852
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 139-140.
370
853
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 139-140.
854
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 141 e seg.
855
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 141.
856
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 141.
371
857
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 142.
858
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 142.
859
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 142.
860
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 142.
372
861
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 142.
862
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 143.
863
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 143.
864
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 143.
865
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 143-144.
373
872
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 159.
873
BACHELARD, Op. Cit.
874
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 161.
875
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 161.
876
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 162.
877
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 166 e seg.
878
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 166.
375
879
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 167.
880
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 167.
881
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 181 e seg.
882
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 189 e seg.
376
883
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 197.
884
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 198 e seg.
885
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 198.
886
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 198.
887
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 198.
888
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 198.
889
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 201.
890
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 201.
377
891
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 203 e seg.
892
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 203.
893
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 204
894
E-II.
895
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 204-205.
378
Como uma tal natureza no poderia ser estranha ao humano que a descreve?
No poderia ser diferente. Obviamente que o conhecimento e manipulao foram
sinnimos, durante muitos sculos. Contudo a manipulao como condio sine qua
non da cincia no precisa necessariamente equivaler e ciso ontolgica dos
domnios do bos e os domnios da physis. medida que a dinmica consiste em um
conjunto de equivalncias entre as diversas possibilidades de manipulao, os seres
vivos passaram a ser as caixas pretas do conhecimento896, pois mantm vedados o
acesso aos processos mesmos por meio dos quais esse conhecimento se constitui a
partir da ciso ontolgica entre bos e physis que o funda como conhecimento
legtimo. Nesse sentido a dinmica conseguiu uma perfeita conciliao entre
interesse e desinteresse, entre os compromissos e acordos de saberes que visam
tanto manipulao quanto compreenso897. Um dos agentes fundamentais para
essa equao e para o seu sucesso, foi a capacidade de produzir oniscincia e
extraterritorialidade em relao aos fenmenos observados. Em outras palavras, a
capacidade de transformar, por meio de instrumentos conceituais neutralizadores
dos meios vivos, tais como o demnio de Laplace ou de Maxwell, capazes de captar
os dados da descrio de trajetrias em um dado instante e transferi-los para a
esfera da eternidade898. Desse modo, determinar os estados iniciais de qualquer
sistema poderia ser o meio de neutralizar as derivadas de quaisquer outros estados
desses mesmo sistema, situando-o to prximos quanto se queira899, o que pe em
destaque a necessidade de uma epistemologia do conhecimento aproximado.
Fala-se muito na revoluo copernicana. E, por extenso, invoca-se Kant a
assumir seu protagonismo na filosofia. Contudo h uma revoluo inaudita, descrita
por Serge Moscovici, muito menos explorada, e que entretanto nos situa no corao
da modernidade e dos sistemas complexos: a revoluo de Kepler900. Como
estamos acostumados, o modelo cosmolgico atual tem sua origem no
Renascimento, quando o universo comeou a ser descrito a partir do modelo
heliocntrico de Bruno e de Coprnico, e o geocentrismo de Ptolomeu comeou a
entrar em eclipse. Contudo h um personagem que muitas vezes escapa a essa
narrativa: Kepler. A teoria de Kepler, que em certo sentido se encontrava intuda nos
896
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 205.
897
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 205.
898
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 208.
899
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 208.
900
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 209.
379
901
E-II, E-III.
902
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 210 e seg.
903
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 210.
380
904
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 211.
905
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 211.
906
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 214.
907
PRIGOGINE-STENGERS, 1991, p. 218 e seg.
381
Peter Sloterdijk
908
AGAMBEN, Giorgio. Aby Warburg e a cincia sem nome. In: Revista Arte e Ensaios. Revista do
Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais EBA, UFRJ, ano XVI, nmero 19, 2009.
Disponvel em: http://www.eba.ufrj.br/ppgav/doku.php?id=revista:arte_e_ensaios_19#dossie
909
E-I.
910
E-I.
383
911
E-I, E-III.
912
E-III.
913
E-I.
914
E-I.
915
E-I.
384
916
ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma potica da emulao. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2013.
917
ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma potica da emulao. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2013.
918
Um bom panorama sobre os debates em torno de ontologia relacional e feito no artigo de Wesley
Wildman: POLKINGHORNE, John. An introduction to relational ontology. The Trinity and the
entangled world: relationality in physical Science and theology. William Eerdmans Publish Company:
Michigan/Cambridge, 2010. Este capitulo encontra-se disponvel em:
http://www.wesleywildman.com/wordpress/wp-content/uploads/docs/2010-Wildman-Introduction-to-
Relational-Ontology-final-author-version-Polkinghorne-ed.pdf
385
919
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A nova aliana: metamorfose da cincia. Traduo
Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de Braslia, 1991. A nova aliana:
metamorfose da cincia. Traduo Miguel Faria e Maria Joaquina Machado. Braslia: Universidade de
Braslia, 1991.
386
920
O conceito de hominizao na obra Esferas foi justamente o objeto de meu segundo mestrado,
defendido na PUC-SP.
387
921
III, 15.
922
III, 15.
923
III, 15.
924
III, 15.
925
III, 15.
926
III, 16.
927
III, 16.
928
I.
929
III, 16.
930
III, 16.
931
III, 16.
932
III, 16-17.
933
III, 17.
388
934
III, 17.
935
III, 17.
936
II, III, 18.
937
III, 18.
938
III, 20.
939
III, 20.
940
III, 20-21.
941
III, 22.
942
III, 23.
943
III, 23.
944
III, 23.
945
III, 23.
389
946
III, 24.
947
III, 25.
948
III, 25.
949
III, 25.
950
III, 27 e seg.
951
III, 29.
952
III, 29.
953
III, 30.
954
III, 30, DM.
955
III, 30-31.
956
III, 31.
957
III, 31.
958
III, 31.
390
959
III, 31.
960
III, 31.
961
II, PC.
962
III, 32.
963
III, 32.
964
III, 32.
965
III, 32.
966
III, 32.
967
III, 32.
968
III, 33.
969
III, 36-37.
391
vida970. Assim como haveria o logos spermatiks, o logos gerador do mundo, pode-
se pensar a afrognese como um aphros spermatiks, entendida como emergncia
de qualidades matriciais ergenas, afrgenas e tegenas971. Tanto para os gregos
quanto no Ramayana indiano e nas cosmogonias egpcias relacionadas a Atum e ao
nascimento do mundo como esperma, estamos diante dessa dimenso de uma
teoria fundamental ligada aos processos primrios e a uma fora originria vinculada
afrognese972. Nesse sentido, as cincias naturais modernas tambm deram sua
contribuio para o que podemos definir como o imprio das espumas: as
afroesferas973. Os estudos da espuma nas cincias naturais no sculo XIX tiveram o
impulso do belga Joseph Antoine Ferdinand Plateau que determinou leis e
geometrias para esses seres aparentemente caticos que so as espumas974. A
existncia de tegumentos esponjosos se nota desde as anotaes de 1508, feitas
por Leonardo da Vinci, e sua observaes sobre a morfologia das gotas975. As
propriedades das espumas mida e seca foram estudadas pelo fsico britnico
Charles Vernon Boys ao passo que o sculo XX de modo generalizado introduziu o
tempo na anlise das espumas976. Mesmo quando a espuma grande, sofre a lei de
Plateau, que consiste em uma geometria da vizinhana e na deformao recproca
das bolhas maiores977. Devido a esses aspectos, podemos definir as espumas
como sistemas cofrgeis978. As espumas seriam a a forma vazia de todas as
histrias que tratam de espaos de incluso imanentemente crescentes979.
Um dos aspectos mais importantes a notar que nas espumas no existe
uma clula como ponto central e a ideia mesma de uma capital seria
contraproducente per se980. As teorias fsicas atuais tm lidado com a ideia de uma
multiplicidade de cmaras, e por isso a espuma pode ser usada como uma metfora
descritiva de conformao de espaos, tanto em dimenses mnimas quanto em
fenmenos mesocsmicos e inclusive em processos de dimenses galcticas e
970
III, 38.
971
III, 38.
972
III, 40 e seg.
973
III, 42 e seg.
974
III, 42.
975
III, 42.
976
III, 43.
977
III, 44.
978
III, 44.
979
III, 44.
980
III, 44.
392
981
III, 45.
982
III, 45.
983
III, 45.
984
III, 45-46.
985
III, 45-46.
986
III, 47.
987
III, 47.
988
III, 47.
989
III, 47.
990
III, 47.
991
III, 47.
393
992
III, 47-48.
993
III, 48.
994
III, 48.
995
III, 49.
996
III, 49. II, Captulos 3e 7.
997
III, 49.
998
III, 49.
394
999
III, 50.
1000
III, 50.
1001
III, 52.
1002
III, 53.
1003
III, 53.
1004
III, 53.
1005
III, 53.
1006
III, 53.
1007
III, 53.
1008
III, 54.
395
6.4 Explicitao
1017
III, 58.
1018
III, 59.
1019
III, 59.
1020
III, 59.
1021
III, 59. II.
1022
III, 59.
1023
III, 61.
1024
III, 61.
1025
III, 61.
1026
TDMV.
1027
III, 63.
1028
III, 63.
397
1029
III, 64.
1030
I, II, III, 64.
1031
III, 64.
1032
III, 65.
1033
III, 65.
1034
III, 65.
398
era a unidade. No princpio era a dade. Essa ontologia relacional na qual se baseia
a teoria das esferas transforma o prprio mundo circundante e todos os seres em
prolongamentos e extenses artificiais da manifestao da vida na Terra. desse
modo que a tcnica se projeta fenmeno nuclear para Sloterdijk, como mencionei.
Em certo sentido, os prprios processos naturais so eles mesmos desdobramentos
tcnicos, pois muitas vezes no h uma cesura identificvel entre physis e techn.
Ser humano transformar o puro exterior em interior. domesticar o grande
Exterior.
Em outras palavras, a humanidade do ser humano uma clareira aberta pela
emergncia antrpica da tcnica. Apenas mediante essa compreenso
conseguiremos superar a falsa dualidade natureza-cultura. Essa dualidade est na
raiz de protologias [narrativas das origens] e escatologias [narrativas do fim]. Ambas
desenham parasos ou infernos mediante a perda ou a redeno da natureza pela
humanidade e a perda ou a redeno da humanidade pela tcnica, sem
compreenderem que no limiar do sculo XXI essa taxonomia perdeu totalmente o
sentido. A tese central de Espumas [Esferas-III] justamente propor um fundamento
metabiolgico para os padres artificiais que metabolizam todas as construes
humanas a que chamamos civilizao ou cultura, e que se encontram tambm nas
miragens a que denominamos natureza. Acredito que Sloterdijk, ao lado de outros
pensadores, seja um autor nuclear para a criao de um novo vocabulrio para esse
horizonte antropolgico ainda sem nome que se desdobra nossa frente.
Contudo a biotecnologia apenas uma face de uma questo mais ampla que
atravessa quase toda a sua obra: a questo da tcnica e, mais especificamente, a
questo da antropotcnica. Todo pensamento de Sloterdijk se organiza a partir de
uma fenomenologia das formas e em torno da gnese das formas em espaos
animados de sentido. A prpria divisa que resume o seu projeto pode ser sintetizada
em uma mxima de sua autoria: a vida forma. A esferologia uma morfologia que
apreende a eterna oscilao entre a vida das formas e as formas de vida. A tcnica
apenas o ponto mais agudo do desdobramento da vida como forma, ou seja, como
organizao material dos meios e modos espaciotemporais pelos quais a vida se
desdobra, se produz e se reproduz a si mesma em sistemas autopoiticos. O que
fora sinalizado na conferncia de 1999, acaba encontrando um enorme
aprofundamento na publicao dos trs volumes da trilogia Esferas, ao longo dos
anos 2000. Esse aprofundamento ocorre sobretudo em Espumas [Esferas-III].
406
importantes para seu pensamento, pois a partir dessas premissas Sloterdijk passa a
conceber esses espaos vitais e animados como multiplicidades de formas cujas
matrizes so orgnicas. Entretanto, nesse ponto entra o que voc mencionou sobre
a biologia sinttica e sobre outras concepes de vida que tm se desenvolvido nas
ltimas dcadas. Como eu disse, essas concepes em linhas gerais tm sinalizado
para uma superao da dicotomia natureza-cultura. Portanto, para uma superao
dos modelos representacionais e conscienciolgicos da filosofia clssica, ainda
bastante presentes em diversos autores do sculo XX. O pensamento de Sloterdijk
pode ser definido em seu sentido global como uma teoria geral dos meios. Como
uma teoria do xodo e da vinda ao mundo. As microesferas de relaes fortes de
intimidade so estabelecidas pelos fetos no ventre materno. Com o nascimento, o
humano se encaminha para a criao de espaos animados pela presena de um
puro interior, e cuja fenomenologia descrita em Bolhas [Esferas-I]. Contudo, as
esferas-bolhas dessas relaes fortes de intimidade no podem esmorecer.
Precisam permanecer vivas ao longo do desenvolvimento humano superfcie fria
da Terra e aos olhos de um cosmos cada vez mais indiferente. Por isso, a translao
dessa experincia genesaca de puro interior produz os sistemas metafsicos, as
polticas imperiais de captura e de incluso das diferenas no seio de regimes de
identidade. O puro interior tambm se manifesta por meio das narrativas das
religies de salvao e das ontologias clssicas. Esse processo de transferncia,
iniciado com a catstrofe esferolgicas das bolhas, descrito em Globos [Esferas-II].
Com a falncia dos sistemas globais de imunidade e com a morte de Deus,
tem incio uma nova jornada: a animal humano adentra as pluriesferas movedia e
descentrada e o infinito processo de explicitao a que convencionamos chamar de
modernidade, cujo corolrio Espumas [Esferas-III]. Em todos esses casos, o
humano est sempre se defrontando com a necessidade de domesticar o grande
Exterior. por isso que a construo de ambientes e sistemas metablicos
atravessa toda a produo do homo sapiens. por isso que essas construes
recebem o nome de esferas. Toda esfera um meio, no sentido forte desse termo,
ou seja, no apenas um meio-instrumento que conecta duas unidades. Um meio
entendido como a prpria estrutura relacional do mundo. Do ponto de vista da
esferologia, o dois anterior ao um. O modo de ser da relao mais originrio do
que a relao de anterioridade ou posterioridade estabelecida entre substncias,
predicados e propriedades, como se postulou durante muito tempo nos termos da
408
segundo lugar, e como fio condutor que os conecta entre si, h o cruzamento de
dois mtodos: a fenomenologia e o ceticismo. Por mais distantes que sejam, eles se
encontram por meio de um conceito comum: a suspenso [epoch]. Em terceiro
lugar, h quatro saberes de destaque que se entrecruzam: a psicanlise, a
antropologia, a ciberntica e a teoria da informao. Em quarto lugar, h a
incorporao e o dilogo extremamente importante que ele realiza com as artes e a
literatura. Por isso, a presena constante de imagens, desde Crtica da razo cnica,
publicada em 1983 e sua primeira grande obra. As artes visuais e a literatura
recebem estatuto epistemolgico no distinto das chamadas cincias ou saberes.
Elas tm uma relevncia igual ou s vezes maior dos autores citados. Em quinto
lugar: a presena de obras, conceitos e autores de diversas cincias, da etologia e
da biologia astronutica e politologia, da ciberntica e da teoria dos sistemas
arqueologia e paleontologia. Em sexto lugar, agregaria a importncia de matrizes
religiosas e vias de espiritualidade, presentes no esprito de Sloterdijk desde quando
ainda jovem morou por dois anos na ndia. Estas ltimas correntes-matrizes
percorrem diversas de suas obras. Manifestam-se nas anlises excelentes
dedicadas ao pensamento gnstico, como Estranhamento do mundo e A revoluo
global da alma, passam por sua fenomenologia das religies abramicas em A
loucura de Deus, surgem como foras estruturantes em sua fenomenologia da ira e
do reconhecimento [thymos] em Ira e tempo e chegam a uma de suas obras mais
recentes, Tu deves mudar tua vida.
6.7 Complexidade
Antes que o leitor leia incrdulo esses seis tpicos e imagine [com certa
razo] que, a despeito de parecer um vasto erudito, Sloterdijk provavelmente no
passe de um charlato, preciso esclarecer um ponto nuclear que diz respeito a
todos esses tpicos e ao modo de organizao geral de seu pensamento: ele no
analtico, mas sinttico. O modo pelo qual Sloterdijk articula essa movncia de
conceitos, autores, imagens, obras e mtodos se apoia em um recurso semelhante
quele que Husserl chama de sntese passiva e quela figura que Deleuze define
como campo de imanncia. O modo pelo qual os conceitos so agenciados no o
410
6.8 Do Um ao Dois
H algumas definies da teoria das esferas dadas por Sloterdijk. Uma delas
diz: esferas so criaes espaciais imunologicamente efetivas para seres extticos
sobre os quais opera o exterior. Sloterdijk tambm enftico ao propor que a teoria
das esferas uma teoria dos meios. Uma teoria dos meios pode ser entendida como
uma cincia geral da visitabilidade de algo por algo em algo. nesses termos que
uma teoria das esferas e uma teoria dos meios convergem para um campo
unificado. As primeiras comunidades humanas nada mais foram do que esferas
inspiradas por agentes metaempricos: deuses, espritos, entidades, almas,
demnios ou Deus. Estas foram as primeiras foras imunizadoras dos bandos e das
hordas, pois conseguiram criar impermeabilidade esfrica contra os brbaros, ou
seja, proteger o conhecido contra o desconhecido, o prprio contra o no-prprio, o
interior contra o puro exterior. A passagem desse conglomerado de bolhas-hordas
aos globos, ou seja, os primrdios mais remotos da acepo que Sloterdijk confere
ao termo globalizao, est intimamente ligada tecnologia da escrita. Ela pde
unificar o que estava disperso e configurar um modelo de universalizao formal da
experincia por meio de uma reduo da indeterminao dos subsistemas a um
sistema global homogneo. O declnio da eficcia desses sistemas-globos constitui
416
1035
Essas definies so dadas ao longo de E-I.
1036
Para conferir a ruptura de Sloterdijk com a conhecida triangulao de Lacan, conferir E-I.
1037
O escritor e crtico cubano Severo Sarduy defende a tese de que toda produo barroca seria a
materializao artstico-formal da elipse de Kepler: SARDUY, Severo. Barroco. Lisboa, Veja, s/d.
Parte I, Captulo II, A Cosmologia antes do Barroco, pg. 33 a 51. Captulo IV, A Cosmologia Barroca:
Kepler, pg. 55 a 75. Sobretudo pg. 42 e 43. O terico da arte Eugenio DOrs segue caminho
semelhante: DORS, Eugenio. El barroco. Madrid, s/d. Gustave Ren Hocke sinaliza algo nesses
termos para definir o maneirismo, porm como uma forma-elipse transistrica: HOCKE, Gustav Ren.
Maneirismo: o Mundo como Labirinto. So Paulo, Perspectiva, 1986.
1038
Isso no quer dizer que esse conflito no exista Sloterdijk dedica uma obra anlise do impacto
formal que o conflito entre esses dois sistemas-mundos desempenharam na formao do
pensamento moderno: SLOTERDIJK, Peter. Mobilizao Copernicana e Desarmamento Ptolomaico.
418
Ensaio Esttico. Biblioteca Tempo Universitrio n 92. Dirigida Eduardo Portella. Traduo Heidrun
Krieger Olinto. Rio de Janeiro: Tempo Brasileira, 1992.
1039
Um dos sistemas que conseguem realizar uma sntese brilhante dessa aporia praticamente
insolvel justamente o sistema organicista da monadologia de Leibniz, medida que as mnadas
so, simultaneamente, pontos matemticos e formas substanciais. Porm, o modelo leibniziano
passa a rivalizar com as teorias mecanicistas cartesianas e newtonianas.
1040
O conceito de ontologia cintica especialmente desenvolvido em: SLOTERDIJK, Peter.
Extraamiento del Mundo. Traduccin Eduardo Gil Bera. Valencia: Pre-Textos, 1998 [Publicao
Alem: 1993]
1041
Essa infinitizao do centro real-virtual e os modelos formais que essa infinitizao passa a
fornecer so desenvolvidos no segundo volume de Esferas e notadamente em Palcio de Cristal,
uma filosofia da globalizao: SLOTERDIJK, Peter. Palcio de Cristal: para uma Teoria Filosfica da
Globalizao. Traduo Manuel Resende. Coleo Antropos. Lisboa: Relgio Dgua, 2005.
1042
SLOTERDIJK, Peter. Crtica da razo cnica. Traduo e coordenao Marco Casanova. Equipe
de traduo: Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendona Cardozo e Ricardo Hiendlmayer.
Preparao de originais Rodrigo Petronio. So Paulo: Estao Liberdade, 2012.
1043
SLOTERDIJK, Peter. No Mesmo Barco: Ensaio sobre a Hiperpoltica. Traduo de Hlder
Loureno. Reviso Cientfica Jos Bragana de Miranda. Lisboa: Sculo XX, 1996.
1044
SLOTERDIJK, Peter. A Mobilizao Infinita: para uma Crtica da Cintica Poltica. Traduo Paulo
Osrio de Castro. Coleo filosofia. Lisboa: Relgio Dgua, 2002.
1045
MI, NMB, EM.
419
1050
Essa passagem vem marcada especialmente no captulos finais de E-II, publicado com
acrscimos e de maneira autnoma com o ttulo de PC, e sua smula se encontra em E-III.
1051
O conceito de sistema autopoitico tomado por Sloterdijk diretamente da teoria dos sistemas de
Niklas Luhmann, um dos seus autores-matrizes: LUHMANN, Niklas. Introduo teoria dos sistemas.
Petrpolis: Vozes, 2009.
421
interior-exterior. Em outras palavras: pode continuar sendo uma esfera. Por isso,
reforando o que disse, pois esse um ponto nodal, a tnica antropolgica que
permeia o projeto Esferas se baseia em uma concepo exttica do ser humano. Ela
est presente em Schelling, mas Sloterdijk a tomou diretamente de Heidegger e
tambm de Nietzsche. Em uma acepo bioantrpica, essa condio exttica [ek-
sistere], fora da permanncia-substncia, encontra uma analogia possvel com o
axioma da posicionalidade de Helmut Plessner: o ser humano um animal
excntrico.
A esferologia se encontra nesse sentido muito alm das axiologias
conservadoras e neoconservadoras, bem como dos discursos devedores de uma
nostalgia romntica. Nada mais alheio esferologia do que discursos que associam
a modernidade a uma perda do centro, de Deus ou dos valores humanos. Isso
porque Sloterdijk pensa o ser humano exatamente como um animal enraizado em
uma experincia predeterminada de excentricidade. A excentricidade, sob esse
ponto de vista, no nada mais do que a chancela com a qual se inscreve a
humanidade do ser humano no momento mesmo de sua vinda ao mundo. Ou seja:
quando ns, em nossa condio de mamferos, abandonamos a pura interioridade
do ser uterino materno e nos posicionamos diante do Exterior. Contudo, e nesse
ponto a abordagem sistmica de Luhmann lhe nuclear, todo sistema possui uma
natureza autopoitica. A essncia de todo sistema consiste em passar da
indeterminao determinao. Por isso, justamente porque o descentramento
constitutivo da humanidade do ser humano, a odisseia do sapiens consiste em um
deslocamento infinito dessa excentricidade estrutural indeterminada em novas
configuraes de esferas e de sistemas de imunizao e de determinao antrpica.
Essa odisseia de deslocamentos, configuraes e reconfiguraes de uma
excentricidade predeterminante a totalidade do que chamamos de cultura humana
ou civilizao.
A partir desses modelos imunolgicos, podemos entender que a esferologia
concebe todas as determinaes humanas como emergncias de um horizonte
meta-humano. Paradoxalmente, a ao excntrica das foras meta-humanas no
atua sobre o ser humano retirando-o de sua humanidade, mas justamente o
contrrio. Desempenha a funo de agentes externos necessrios prpria
conformao imunolgica e ontolgica do sistema-humano. Levam-no a metabolizar
essa ao externa em suas criaes domesticadoras-imunizadoras. Ao faz-lo,
423
partir do sculo XVII, trata-se apenas do ponto mais agudo de uma ciso que se
operou paulatinamente. Em grande medida, o que chamamos de modernidade diz
respeito ao aprofundamento paradoxal dessa ciso entre orgnico e inorgnico,
entendidos no mbito das controvrsias tericas como construes discursivas e
como dispositivos de descrio do mundo, no como categorias apriorsticas1056.
Embora seja possvel dizer que essa demarcao epistemolgica corresponda
diviso interna e estrutura emergente do prprio mundo burgus, suas origens so
medievais e se encontram in nuce na doutrina da dupla verdade1057, supostamente
averrosta, e no debate entre nominalistas e realistas a partir do sculo XIII ou
mesmo antes, em matizes de definies de alguns conceitos seminais, como o de
natureza, nas acepes de autores como Alain de Lille e Marciano Capella1058.
Por seu lado, o tema da perfectibilidade1059, desenvolvido pelos pensadores
artiens a partir do sculo XIII, tem um importante papel na constituio de um
discurso sobre a tcnica apoiado em premissas teolgicas, ou seja, de uma
teotcnica1060. Porm, determinar o gnese desse conceito uma tarefa complexa,
pois esses discursos so muito anteriores ao sculo XII e XIII. Encontram-se
configurados na tradio alqumica desde h muitos sculos. A modernidade foi
apenas o ambiente propcio para seu florescimento mais amplo. Acredito que esse
conflito entre organicismo e mecanicismo, entendidos como dois sistemas-mundos e
1056
Sobe essa dimenso necessariamente conflituosa do trabalho epistemolgico, conferir Barba
Smith: SMITH, Barbara Herrnstein. Crena e Resistncia: a Dinmica da Controvrsia Intelectual
Contempornea. Traduo Maria Elisa Marchini Sayeg. So Paulo: Unesp, 1998.
1057
A anlise da modernidade a partir da doutrina da dupla verdade especialmente importante para
Gyrgy Lukcs. Por meio dela o filsofo hngaro concilia as fontes medievais e a emergncia das
estruturas sociais propriamente burguesas: LUKCS, Gyrgy. Para uma ontologia do ser social:
Volumes I e II. Prefcio: Jos Paulo Netto; Orelha: Maria Orlanda Pinassi. Tradutor[a]: Carlos Nelson
Coutinho, Mario Duayer, Nlio Schneider. Reviso da traduo: Nlio Schneider; Reviso tcnica:
Ronaldo Vielmi Fortes com colaborao de Ester Vaisman e Elcemir Pao Cunha. So Paulo:
Boitempo, 2103.
1058
Em seu brilhante estudo sobre as gneses da modernidade, Maurice de Gandillac retroage esses
seus marcos fundadores ao sculo IX e, por vezes, ao sculo VIII: GANDILLAC, Maurice de.
Gneses da Modernidade. Traduo Lcia Cludia Leo e Marilia Pessoa. So Paulo: 34 Letras,
1995.
1059
Sobre o tema da perfectibilidade na histria do pensamento, conferir o magistral estudo do
filsofo australiano John Passmore: PASSMORE, John. A Perfectibilidade do Homem. Rio de Janeiro:
Topbooks, 2004.
1060
Sobre a teotcnica, conferir a brilhante anlise do Gnesis bblico realizada por Sloterdijk em E-I.
Abordei de modo detida essa anlise no meu mestrado sobre Sloterdijk: PETRONIO, Rodrigo. Uma
Antropologia para alm do Homem: Religio e Hominizao na obra Esferas de Peter Sloterdijk.
Dissertao de Mestrado. Departamento de Cincia da Religio. Pontifcia Universidade Catlica de
So Paulo, 2013.
431
1061
Produzo uma aproximao da esferologia, entendida como uma teoria sistmica, e o conceito de
sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein. A despeito de suas especificidades, acredito que essa
aproximao seja procedente, pois tanto Sloterdijk quanto Wallerstein so leitores da teoria sistmica
de Luhmann, e Sloterdijk tambm dialoga diretamente com Wallerstein, embora seus escopos sejam
bastante diversos.
1062
Basear-me-ei na traduo de Barbara Heliodora: SHAKESPERARE, William. A Tempestade.
Traduo de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.
1063
LOVEJOY, Arthur. A Grande Cadeia do Ser: Um Estudo da Histria de uma Ideia. Conferncias
William James Proferidas na Universidade de Harvard em 1933. Traduo Aldo Fernando Barbieri.
So Paulo: Palndromo, 2007.
1064
Nesse sentido, ao analisar o estudo da forma na arte como forma organizada, e, por conseguinte,
orgnica, este estudo tambm incorpora alguns aportes tericos fornecidos pela Morfologia, mtodo
epistemolgico-histrico criado e desenvolvido pelo professor Maurcio de Carvalho Ramos, a quem
agradeo pelas aulas e pelas conexes extremamente ricas entre arte, filosofia e cincia.
1065
Apoio-me na teoria do sistema-mundo de Wallerstein inspirado no curso do professor Joo Cezar
de Castro Rocha sobre Shakespeare. Sem sua intuio inicial da relao de Shakespeare com o
sistema-mundo, a concepo geral deste trabalho no existiria como veio a existir. A anlise de
Wallerstein se encontra alocada na tradio marxista liberal, mas esse movimento estrutural pode
muito bem ser visto na relao indissocivel entre capitalismo e ambivalncia, proposta por Zygmunt
Baumann e pelos crticos mais agudos do capitalismo: WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems
Analysis: An Introduction. Durham, North Carolina: Duke University Press, 2004.
432
7.2 A Tempestade1069
Prspero, duque de Milo, e sua filha Miranda, com trs anos ainda
incompletos, so lanados em uma ilha deserta no naufrgio produzido como um ato
de traio poltica idealizado por seu irmo Antonio e seu cmplice, Alonso, rei de
Npoles. No pretendem transtornar a populao, que ama Prspero. Tampouco
querem macular a estratgia poltica de isolar o duque e usurpar seu cargo. Desse
modo, sem sanguinolncia, ambos o colocam em uma embarcao comprometida e
designam Gonzalo para realizar esse naufrgio premeditado. Gonzalo realiza o
plano. Entretanto, guarda os livros mais importantes de Prspero e lhos confia. Os
livros no so apenas livros, objetos maiores do amor de Prspero. Eles so a base
para o exerccio de sua Arte, que consiste no domnio das leis da Natureza e na
prtica de operaes mgicas. Realizada a traio de Antonio e Alonso, viles da
pea, o naufrgio certo. Prspero e Miranda sobrevivem. Encontram-se enfim
cativos na ilha, sem que os autores da traio o saibam. Por seu turno, Sebastian,
irmo de Alonso, por sua vez, deixa sugerido ao longo da pea que pretende
usurpar tambm o trono de Npoles de seu irmo, como Antonio e Alonso fizeram
com Prspero. Nesse sentido, h um espelhamento entre os irmos Antonio-
Prspero e Alonso-Sebastian, em seus respectivos intentos de traio e usurpao
do trono.
1066
BLOOM, Harold. Shakespeare: a Inveno do Humano. Traduo Jos Roberto OShea. Reviso
tcnica Marta Miranda OShea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 802-828.
1067
BLOOM, Op. Cit., p. 803. Sobre a relao entre literatura e gnose h uma grande bibliografia.
Conferir especialmente o excelente estudo de Claudio Willer: WILLER, Claudio. Um Obscuro
Encanto: Gnose, Gnosticismo e Poesia Moderna. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010.
1068
BLOOM, Op. Cit., p. 803.
1069
SHAKESPERARE, William. A Tempestade. Traduo de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Lacerda, 1999.
433
1070
BLOOM, Op. cit., p. 813.
434
Prspero. O duque quer com esse naufrgio pagar a sua desgraa na mesma
moeda. O ncleo dramtico representado por Gonzalo, Antonio, Alonso e Sebastian
mobilizado por duas questes. A primeira o desaparecimento de Ferdinand, filho
de Alonso, na ilha. E a segunda o casamento de Claribel, cujo nome, diga-se de
passagem, um anagrama de Calib e Ariel, filha de Antonio, com o rei de Tnis,
na distante frica. Com o encontro recproco dos personagens na ilha, a natureza
maligna de Antonio se revela aos olhos de Prspero. Revela-se tambm o amor.
Miranda s conhecera dois homens na vida: Calib e seu pai. Ao vislumbrar
Ferdinand, filho de Alonso, apaixona-se por ele. O casamento de Ferdinand, prncipe
de Npoles, com Miranda, filha de Prspero, poderia promover a unio dos dois
reinos e preserv-los de ataques.
Mas a vingana adiada de Calib precisa se concluir. Em concluiu com
Trnculo, o bobo da corte de Alonso, e Stephano, irmo de Trnculo e sempre
bbado. A criatura indica os pontos fracos de seu senhor, notadamente o seu livro
propiciador de magia. E os induz a o assassinarem durante uma mascarada de
Ceres. Ariel descobre os planos malignos de Calib, deixando seu senhor ciente
deles. Ariel, disfarado de gavio-real, detecta a chegada dos nufragos inimigos.
Leva-os para um bosque prximo da gruta onde o mago realiza o julgamento
daqueles que o traram e celebra o casamento de Miranda e Ferdinand na
mascarada mgica de Ceres. Prspero detecta e destri o plano de Calib. Ariel, por
sua vez, convoca espritos transformados em ces que correm atrs de Trnculo,
Stefano e Calib, expulsando-os. Por fim, diante do irmo Antonio, no o perdoa,
mas exige que o ducado lhe seja restitudo. Diante dessa vitria, Prspero cumpre
dois desgnios que dera a si mesmo como metas. Primeiro, libertar Ariel de seus
domnios de senhor. Este se torna um ser alado independente, no mais
subordinado a Prspero. Acompanh-lo- em sua viagem de volta a Milo. Embora
o futuro de Ariel permanea desconhecido, pelo que o texto sugere, continuar seu
processo de educao temporariamente interrompido1071. Segundo, quebra o basto
mgico e lana ao mar o seu livro de magia. Renunciar Arte. Ao final, deixa claro
que seus encantos mgicos so abandonados. Fecha sempre o livro da magia. Sua
liberdade consiste em um pedido de perdo a uma entidade suprema. Apenas a sua
indulgncia pode lhe dar a verdadeira liberdade.
1071
BLOOM, Op. cit., p. 812.
435
1072
HOLDEN, Anthony. Shakespeare. Traduo Beatriz Horta. Reviso tcnica Marcia A. P. Martins.
So Paulo: Ediouro, 2003, p. 238.
1073
BLOOM, Op. cit., p. 807.
1074
BLOOM, Op. cit., p. 807.
1075
BLOOM, Op. cit., p. 807.
436
1076
Os conceitos de deslocamento, simetria e assimetria so do mbito da Mesologia, uma teoria que
estou desenvolvendo e cujas acepes pretendo estabilizar mais adiante.
1077
Ato I, Cena II, p. 21.
437
1078
A relao entre arte, cincia, filosofia e magia, entendida em sentido amplo, bastante ressaltada
por Claude-Gilbert Dubois em seu belo estudo sobre o imaginrio da Renascena: DUBOIS, Claude-
Gilbert. O Imaginrio da Renascena. Traduo de Sergio Bath. Braslia, Editora UNB, 1985.
1079
A origem da alquimia e do hermetismo e as convergncias e divergncias entre esses termos
objeto de imensas polmicas. Procurei sintetizar alguns dos pontos nucleares da tradio alqumico-
hermtica em um longo artigo publicado na revista Filosofia: PETRONIO, Rodrigo. O Ouro do
Princpio. In: http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/52/artigo188780-1.asp
1080
DERRIDA, Jacques. A farmcia de Plato. Traduo Rogrio da Costa. So Paulo: Iluminuras,
2005.
1081
Conferir: DIDI-HUBERMANN, Georges. Imagem sobrevivente: histria da arte e tempo dos
fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. Do prprio Warburg acaba de
438
1095
BURKHARDT, Titus. Alchemy. Science of the Cosmos, Science of the Soul. Londres: Stuart and
Watkins, 1967.
1096
Ren Gunon vincula a tradio mito-hermtica unidade perene de todas as tradies
esotricas, em diversas de suas obras.
1097
COOMARASWAMY, Ananda. La transformacin de la naturaleza en arte. Barcelona: Kairos,
2001.
1098
O trabalho de Eliade monumental e possvel encontrar reflexes sobre arte, cincia e religio
em diversas de suas obras. Para a tradio hermtico-alqumica, conferir especialmente duas obras:
ELIADE, Mircea. Herreros y Alquimistas. Madrid: Alianza, 1999. ELIADE, Mircea. O mito da alquimia:
a alquimia asitica. Coleo Limiares. Lisboa: Fim de Sculo, 2000.
1099
JAMBET, Christian. A lgica dos orientais: Um introduo ao pensamento de Henry Corbin. So
Paulo: Globo, 2005.
1100
As mais importantes anlises sobre o isomorfismo entre alquimia e psiquismo esto em
Psicologia e Alquimia e nos trs volumes de Mysterium Conjunctionis.
1101
Para os primrdios da alquimia, consultar: ELIADE, Mircea. O mito da alquimia: a alquimia
asitica. Coleo Limiares. Lisboa: Fim de Sculo, 2000.
1102
ELIADE, Mircea. O mito da alquimia: a alquimia asitica. Coleo Limiares. Lisboa: Fim de
Sculo, 2000.
1103
PETRONIO, Rodrigo. O Ouro do Princpio. In:
http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/52/artigo188780-1.asp
440
em dia e muitos tratados, annimos. Boa parte deles est no corpus alqumico que
colige diversas obras: De Alchemia, Ars Alchemica, Artis Auriferae, Bibliotheca
Chemica Curiosa, Musaeum Hermeticum e Theatrum Chemicum1104. A pletora
simblica dessas coletneas vai das complexas representaes do monge
franciscano Ulmannus ao importante Splendor Solis de Salomo Trismosin, das
impressionantes imagens do Rosarium Philosophorum a obras de menor
envergadura, mas nem por isso menos essenciais compreenso da Obra. Nessa
floresta, vale a pena nos atermos a alguns autores e tratados1105. Em primeiro lugar,
cabe mencionar o Atalanta Fugiens de Michael Maier, entre os sculos XVI e XVII,
organizado em forma de fuga musical, com temas e desdobramentos em imagens e textos.
Atido tradio alqumica, um dos nomes centrais tambm o de Nicolas Flamel, no sculo
XIV e XV, um dos maiores herdeiros do simbolismo da alquimia judaica1106, sobretudo
com O Livro das Figuras Hieroglficas, dentre nomes como Georg von Welling, Arnald
Villanova e George von Ripley. As gravuras de Mathus Merian para a Opus Medico-
Chymicum de Johannes Mylius esto entre os prodgios legados pela alquimia. Alm de
sntese formal de seus preceitos, so obras de um grau de simbolismo poucas vezes
atingido na histria da Arte. Tambm de Mylius deve-se destacar a Filosofia Reformata, e do
beneditino Baslio Valentim, As Doze Chaves da Filosofia, num paralelo evidente entre os
processos alqumicos e a filosofia.
Dentro dessa tradio, tambm saltam aos olhos as gigantescas snteses de
Robert Fludd e Athanasius Kircher. Nesses dois, encontramos um furor
enciclopdico de tal envergadura que suas obras saem dos domnios alqumico e
filosfico e acabam se valendo de todos os recursos cientficos e investigativos
existentes poca para a compreenso do universo, ou seja, para se chegar
chave que decifraria a sua engrenagem. No seio dessa tradio est tambm Jacob
Bhme1107. Podemos afirmar com certa tranquilidade que com Bhme atinge-se o
ponto mais elevado de especulao teosfico-hermtica no Ocidente. Guardadas as
1104
Para estas obras as melhores referncias so De Rola e Jung de Psicologia e Alquimia: ROLA,
Stanislas Klossowski de. The golden game: alchemical engraving of the seventeenth century. London,
Thames, 1988.
1105
Para a alquimia dos sculos XVI e XVI uma excelente referncia a obra de Roob: ROOB,
Alexander. O museu hermtico: alquimia e misticismo. Lisboa: Taschen, 1997.
1106
Conferir a monumental obra de Raphael Patai sobre os alquimistas judeus: PATAI, Raphael. Os
alquimistas judeus: um livro de histria e fontes. So Paulo: Perspectiva, 2013.
1107
H diversas obras de Bhme editadas pela editora Polar, com o esmero e a traduo cuidadosa
de Amrico Sommerman, grande difusor deste pensador no Brasil.
441
7.6 Princpios
Mas em que consiste essa relao entre alquimia, arte e cincia? Como se
sabe, uma premissa central do pensamento alqumico a possiblidade de
estabelecer homologias entre os processos anmicos e as transformaes ocorridas
no reino da natureza. Ao compreender essas homologias, o alquimista consegue
intervir no curso desses mesmos processos e reproduzi-los por meios artificiais,
concorrendo para um aperfeioamento da natureza enquanto tal e, por conseguinte,
da prpria natureza humana, entendida como uma segunda natureza, para utilizar a
feliz expresso empregada por Norbert Elias1112 para designar o processo
civilizatrio advindo das revolues tcnico-cientficas e cujo corolrio seria o
fortalecimento da ideia de perfectibilidade1113. Se a natureza produziu no homem a
possibilidade desse mesmo homem poder alter-la, os artifcios tcnicos no so
alheios essncia da natureza e aos seus processos1114.
1108
ARAB, bn. A alquimia da felicidade perfeita. Traduo Roberto Ahamad Cattani. So Paulo:
Landy, 2002.
1109
PETRONIO, Rodrigo. O Ouro do Princpio. In:
http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/52/artigo188780-1.asp
1110
ALTUS. Mutus Liber. Estudo introdutrio de Jos Jorge de Carvalho. So Paulo: Attar, 1995.
1111
JUNG, C. G., WILHELM, R. O Segredo da Flor de Ouro: Um Livro de Vida Chins. Petrpolis:
Vozes, 2003.
1112
ELIAS, Op. cit.
1113
PASSMORE, Op. cit.
1114
Sobre a construo de uma escatologia secular conferir o monumental trabalho de Delumeau:
DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma histria do paraso. So Paulo: Terramar, 1997.
442
1117
A tese da origem pr-histrica da alquimia sustentada por Eliade: ELIADE, Op. cit.
1118
ELIADE, Op. cit.
1119
H um longo debate sobre a presena dos emblematum libri como padres de codificao
artstica nos sculos XV e XVII. Os livros de emblemas guardam estreitas afinidades com os modelos
de codificao visual de obras alqumicas. Conferir: OLIVEIRA, Ana Lcia de. Do Emblema
Metfora: Breve Abordagem do Visualismo Pattico Seiscentista. Revista Filologia, Crculo de
Estudos Filolgicos e Lingusticos, Atas, UERJ, s/d. A relao entre arte emblemtica e conhecimento
444
proibido estabelecida por Carlo Ginzburg em seu magistral estudo: GINZBURG, Carlo. O Alto e o
Baixo: o Tema do Conhecimento Proibido nos Sculos XVI e XVII. Mitos, Emblemas, Sinais:
Morfologia e Histria. So Paulo : Companhia das Letras, 1990.
1120
ELIADE, Op. cit.
1121
ELIADE, Op. cit.
1122
A relao entre alquimia e astrologia extremamente forte na tradio islmica e encontra um de
seus pices da Alquimia da Felicidade Perfeita de bn Arab. No entrarei neste ponto. Mas vale
conferir o trabalho clssico do historiador italiano Eugenio Garin sobre o valor epistemolgico da
astrologia na Renascena: GARIN, Eugenio. Astrology in the Renaissance: The Zodiac of Life.
Transleted by Carolyn Jackson and June Allen. Translation Revised in Conjunction with the Author by
Clare Robertson. London, Routledge & Kegan Paul, 1983.
445
1123
SHAKESPERARE, William. A Tempestade. Traduo de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Lacerda, 1999, p. 29.
446
1124
HOLDEN, Anthony. Shakespeare. Traduo Beatriz Horta. Reviso tcnica Marcia A. P. Martins.
So Paulo: Ediouro, 2003, p. 237 e seg.
1125
HOLDEN, Ibidem, p. 238.
1126
HOLDEN, Ibidem, p. 238.
1127
HOLDEN, Ibidem, p. 238.
1128
HOLDEN, Ibidem, p. 238.
447
1129
Sigo a edio do Corpus Hermeticum e a conhecida obra de Frances Yates sobre Giordano
Bruno.
1130
Conferir a explicao da cosmologia hermtica feita por Copenhaver na introduo de sua
traduo: COPENHAVER, Brian. Hermetica: The Greek Corpus Hermeticum and the Latin Asclepius
in English Translation, with Notes and Introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
1131
muito difcil estabelecer uma distino entre hermetismo, gnose e orfismo no mundo Antigo.
Para a especificidade do orfismo conferir o clssico estudo de Guthrie: GUTHRIE, W. K. C. Orfeo y la
Religin Griega: Estudio sobre el Movimiento rfico. Traduccin Juan Valmard. Prefacio Larry
Alderink. Barcelona: Siruela, 2003.
1132
GUTHRIE, Ibidem.
1133
Sobre Ficino e a palingenesia conferir o belo estudo de Benedito Nunes: NUNES, Benedito.
Diretrizes da Filosofia do Renascimento in VRIOS. O Renascimento. Ciclo de Conferncias
Promovido pelo Museu Nacional de Belas-Artes. 16 de junho a 18 de agosto de 1977. Rio de Janeiro,
Agir, 1978, pg. 59.
1134
Uma forma de sublevao da analogia entis e da cadeia dos seres chamada de assurreio,
que tem fortes ressonncias hermticas. Em meu primeiro mestrado, abordei as implicaes
448
Trata-se sim de uma metafsica organicista, mediante a qual essa substncia sutil
concorreria para manter intacta a cadeia entitativa. Essa substncia conectiva
universal recebeu o nome de spiritus. Essa cosmologia organicista, sistematizada
por Leibniz, ser um ponto de dilema e um dos instrumentos de ciso na cincia a
partir do sculo XVII entre os modelos de Giordano Bruno, de Tycho Brahe, de
Kepler, o ptolomaico, o copernicano e depois o sistema de Newton1135. Uma de suas
premissas centrais a inexistncia de uma dimenso inorgnica no cosmos. Por
isso, a metfora alqumica-astrolgica do universo como um ser vivo to constante
em diversos tratados. Na obra de Shakespeare, uma passagem que ilustra bem
essa concepo o solilquio de Calib contra Prspero.
Ao invocar os espritos [spiriti] do sol, Calib os convoca a sugar da lama, do
charco e do lixo todas as doenas e a concentrar essas doenas todas em
Prspero1136. Em outra passagem, o mesmo Prspero refere-se ao irmo e futuro
traidor, Antonio, como um imitador que reorganizava a harmonia poltica dos sditos
que ele mesmo, Prspero, criara1137. No limite do mimetismo e da rivalizao
mimtica, em tons poticos, Prspero descreve o irmo como a hera que lhe sugava
a seiva e o ocultava1138. Essas imagens no so propriedades do bardo ingls.
Tampouco se referem a jogos de linguagem com efeito puramente esttico, como se
diria em termos formalistas. Elas so o esteio de uma cultura da imagem que
atravessa todas as artes, as prticas de representao, a filosofia e a cincia
renascentistas e seiscentistas. Tanto que encontramos esta mesma descrio de
spiriti transmissores que conectam o hermeticamente o alto e o baixo em uma bela
descrio das Soledades de Luis de Gngora, que comeou a sair dos prelos de
Madrid em 16111139. Os raios de sol sugam, como um animal, cada minscula
filigrana da roupa do peregrino errante1140. Tambm ele um nufrago, arrojado em
uma praia deserta, exposta s lnguas invisveis e quentes do sol que sorve os
1141
GNGORA, Luis de. Soledades. Edicin de John Beverley. Madrid, Catedra, 1989.
1142
DIGBY, Kenelm. A discourse concerning the vegetation of plants spoken by Sir Kenelme Digby at
Greshan College on the 23 of January, 1660. Edio rara digitalizada.
1143
DIGBY, Ibidem.
450
que parece aparentemente obscuro. A semente rompe sua priso aparente. Comea
a se dilatar em um movimento de combusto. A ao natural do Fogo a partir do
Centro continua fluindo atravs dos extremos cada vez mais fluidos dos tomos1144.
A fermentao se desdobra em termos que podemos chamar tanto materiais quanto
espirituais. Inicia-se o processo que os alquimistas definiam como putrefactio ou
calcinatio, putrefao ou calcinao. Ela ocorre pela ao de espritos etreos na
transformao. Eis que se define a Fermentao como a chave para a compreenso
de tudo o que existe sob o Sol, todo o mundo sublunar. A partir dela podemos
compor um mapa do Empreo. Como no Apocalipse os corpos ressuscitam para
demonstrar a grande vitria da natureza, assim tambm a semente na Terra precisa
morrer para ressuscitar. A semente mantm a parte viscosa da natureza, como se o
centro se deslocasse em direo circunferncia. Pela superfcie e pelos poros da
Terra, a chuva e o ar penetram para o concurso do desenvolvimento da substncia
viscosa1145. Nesse movimento, o ambiente da Terra e seus elementos so
sublimados e se mesclam aos agentes mais sutis, como o ar e o calor do sol. A
sublimao tende a escalar as camadas mais etreas. H tambm influxos da Terra
que se direcionam ao Centro. Continuamente, a sublimao cresce, torna-se cada
vez mais vasta, em seus crculos. Neste ponto, Digby desenvolve uma longa
dissertao sobre os influxos na composio do globo terrestre. Como esses
influxos configuram os polos Norte e Sul. E sobre os princpios magnticos dos
polos, relacionados tenso magntica entre os fluxos energticos vindos dos
corpos celestes e aqueles que emergem da Terra e se desdobram sua superfcie,
dinamizando o fenmeno da vida. Assim os vapores balsmicos e o sal da terra
proporcionam o surgimento de mais espritos que passam a se concentrar em
grandes quantidades1146.
Em seguida, outra grande dissertao sobre as correspondncias
macrocsmicas e microcsmicas entre a vegetao e os demais processos da
natureza. Digby cita o experimento dos vasos hermeticamente fechados, realizado
pelo famoso fsico do rei Henrique. Elabora uma explicao da transmutao a partir
de Alberto Magno, telogo e filsofo natural medieval, mestre de Toms de Aquino.
Cita tambm Ramn LLull, um dos nomes centrais da lgica e das artes da memria,
1144
DIGBY, Ibidem.
1145
DIGBY, Ibidem.
1146
DIGBY, Ibidem.
451
1147
DIGBY, Ibidem.
1148
DIGBY, Ibidem.
452
1149
Essa concepo est especialmente descrita no Timeu e na formulao da alma do mundo.
1150
Para mais informaes sobre o Picatrix, conferir Frances Yates e Eugenio Garin: GARIN,
Eugenio. Astrology and Magic: Picatrix in Astrology in the Renaissance: The Zodiac of Life.
Transleted by Carolyn Jackson and June Allen. Translation Revised in Conjunction with the Author by
Clare Robertson. London, Routledge & Kegan Paul, 1983.
1151
Octavio Paz aborda brilhantemente a presena dos spiriti em sua variante neoplatnica e
hermtica na poesia de Dante: PAZ, Octavio. Sror Juana Ins de la Cruz: As Armadilhas da F. So
Traduo de Wladir Dupont. Paulo, Mandarim, 1982.
453
1152
E-I.
1153
FICINO, Marsilio. De Amore: Comentrio a El Banquete de Platn. Traduccin y Estudio
Preliminar de Roco de la Villa Ardura. Madrid: Tectos, 1994.
1154
E-I.
1155
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo no ocidente. So Paulo: Siciliano, 1998. Denis de
Rougemont tambm desenvolve essa tese em seu clssico sobre o assunto.
1156
O vnculo de Dante aos fideli de amore est dispersa em diversos autores. Ver sobretudo:
GUNON, Ren. Esoterismo de Dante e So Bernardo. So Paulo: Irget, 2011.
1157
YATES, Frances. Giordano Bruno e a Tradio Hermtica. Traduo de Yolanda Steidel de
Toledo. So Paulo, Cultrix, 1995.
454
1158
PAZ, Octavio. Sror Juana Ins de la Cruz: As Armadilhas da F. So Traduo de Wladir
Dupont. Paulo, Mandarim, 1982.
1159
PAZ, Ibidem.
1160
PAZ, Ibidem.
1161
E-II.
1162
Refiro-me aqui aos conceitos de desejo mimtico, que induz rivalizao, e potica da
emulao e ao conceito de autor-matriz, desenvolvido por Joo Cezar de Castro Rocha: ROCHA,
Joo Cezar de Castro. Macha de Assis: Por uma potica da emulao. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2013.
455
1176
Para a distino entre magia simptica e magia natural conferir Frances Yates, Op. cit.
1177
Refiro-me ao estudo clssico e brilhante de Ernst Kantorowicz sobre a teologia poltica medieval e
seus sucedneos at as monarquias absolutas: KANTOROWICZ, Ernst. Os dois corpos do rei. So
Paulo, Cia da Letras, 1998.
1178
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e Histria. So Paulo, Companhia das
Letras, 1990.
1179
Haja vista o notvel e clssico estudo de Marc Bloch sobre o assunto: BLOCH, Marc. Reis
Taumaturgos: o carter sobrenatural do poder rgio: Frana e Inglaterra. Prefcio de Jacques Le
Goff. Traduo: Jlia Mainard. So Paulo: Cia das Letras, 1999.
1180
HOLDEN, Ibidem, p. 205.
458
7.13 Limiar
1181
HOLDEN, Ibidem, p. 205.
1182
BLOOM, Op. cit.
1183
HOLDEN, Ibidem, p. 205.
459
1184
Sloterdijk desenvolve o conceito de agentes desinibidores em E-II.
1185
Trata-se da passagem descrita ao final do segundo volume de Esferas: E-II.
460
1190
BLOOM, Op. cit.
462
1191
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Tcnica, Arte e Poltica. So Paulo, Brasiliense,
1985.
1192
E-II.
1193
Sobre a emergncia do mundo burgus como plena realizao da doutrina da dupla verdade:
LUCKCS, Op. cit.
463
1197
CASTIGLIONE, Baldassare. O Corteso. 1 edio 1528. So Paulo: Martins Fontes, 1997. A
obra de Castiglione um aparato terico muito importante para ser cotejado com o processo
civilizador descrito por Norbert Elias. Sobre a fortuna crtica e a recepo da obra de Castiglione
conferir: BURKE, Peter. As Fortunas dO Corteso: a Recepo Europeia a O Corteso de
Castiglione. So Paulo: Unesp, 1997.
1198
GINZBURG, Carlo. O Alto e o Baixo: o Tema do Conhecimento Proibido nos Sculos XVI e XVII.
Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e Histria. So Paulo : Companhia das Letras, 1990.
466
suas partes. A assimetria entre Prspero e Calib de ordem poltica medida que
da ordem das mediaes. A criatura proto-humana no tem o conjunto dos media
necessrios para sublevar o poder de seu dominador. Padece de uma carncia de
meios, no de uma condio inalienvel criada pelo colonizador, medida que o
colonizador libertou Ariel e forneceu-lhe os meios de executar seu poder celestial. As
assimetrias naturais entre Calib e Ariel e as assimetrias artificiais entre Prspero e
Calib designam a dificuldade de enquadramento ideolgico desta obra, bem como
a fineza da anatomia poltica de Shakespeare.
A assimetria entre natureza elevada e baixa natureza se estabelecem em um
continuum do eixo Prspero-Arte, Ariel-Espritos e Calib-Sycorax-Setebos. A
despeito da relao servil estabelecida por Calib em relao a Prspero, este
argumenta em benefcio prprio, dizendo-se responsvel por libertar Calib dos
domnios terrveis de sua prpria me, a bruxa Sycorax. Com sua Arte, Prspero
domina inclusive Setebos, o deus de Calib. Por seu turno, as assimetrias entre o
eixo Antonio-Alonso e a figura de Prspero so de outra ordem. Apontam para um
embate que se coloca na ascenso planetria do capitalismo e na configurao de
um sistema-mundo, bem como na translao dos regimes polticos dos globos,
configurados pela metafsica imperial, para a pluriesferas das espumas, advindas
com a infinitizao cosmolgica e com a virtualizao da vida sobre as quais a
modernidade se alicera e produz seu enorme desdobramento cultural e
morfolgico. Shakespeare demonstra o carter paradoxal desse conflito. Coloca em
cena o embate entre dois sistemas, um orgnico e outro inorgnico, mas ressalta a
codependncia recproca que ambos apresentam um em relao ao outro:
Sebastian, irmo de Alonso, deixa sugerido ao longo da pea que pretende usurpar
tambm o trono de Npoles de seu irmo, como Antonio e Alonso fizeram com
Prspero. H um espelhamento entre os irmos Antonio-Prspero e Alonso-
Sebastian, em seus respectivos intentos de traio e usurpao do trono.
Alm disso, h o eminente casamento de Claribel, filha de Antonio, com o rei
de Tnis, na distante frica. E h a paixo de Miranda por Ferdinand, filho de
Alonso, e seu sucessivo casamento. Essas alianas reforam a tese da
naturalizao das assimetrias e da desnaturalizao das assimetrias. Isso ocorre
porque esses pactos amorosos no tm nada de romntico. Realizam as conexes
mundiais entre Npoles-Tnis, ou seja, Europa-frica, que, no limite, consumar-se-
o com as cruzadas neocoloniais do sculo XIX com. E realizam tambm a dinmica
467
1199
O conceito de reticulao e de malhas reticulares oriundo das teoria do campo reticulado do
matemtico Henri Poincar. Sloterdijk o cita por meio da assimilao e desdobramento desse
conceito propostos por Philippe Forget e Gilles Polycarpe. FORGET, Philippe e POLYCARPE, Gilles.
A Rede e o Infinito: Ensaio de Antropologia Filosfica e Estratgia. Lisboa: Piaget, s/d.
468
O teatro Globe foi o palco no qual se encenaram algumas das maiores obras-
primas mundiais do teatro e da arte dos sculos XVI e XVII. Tambm foi o signo
hermtico e esferolgico da soberania do absolutismo monrquico britnico. A
intuio do incndio que o reduzira a p, lanada por Shakespeare em alguns
versos soltos de Macbeth, tempos antes de que o acidente de fato consumasse a
sua majestosa destruio, assume diversos nveis de sentido, como as camadas
hermenuticas que Dante pressups para a sua Commedia. Em primeiro lugar, h
um nvel literal, que poderamos chamar de biogrfico. Ele se refere ao fim da poca
urea do bardo nos palcos do Globe. Em segundo lugar, possvel pensar o
desaparecimento do Globe como a prefigurao de um evento histrico real, ou seja,
como uma sinalizao escatolgica do fim dos tempos, entendido como sinnimo do
fim efetivo do teatro Globe. Entretanto, em nveis mais sutis, Shakespeare
demonstra que o prprio conceito de mundo entendido como globo que
desapareceu. E desapareceu no porque o mundo como era concebido tenha
desaparecido, mas porque o mito de sua obra derradeira detecta a runa dos modos
de imunizao poltica centrados na esfera-globo e a passagem infinitizao e
recproca codependncia dos centros emissores-receptores de poder global, agora
diludos na simultaneidade virtual e efmera das esferas-espuma. A legalidade dos
prncipes do continente abalada pelo efeito-ilha produzido pelas mos mgicas e
anacrnicas de Prspero e pelos agentes visveis e invisveis de sua Arte. Somos
agora a espuma da vida lanada deriva de sua prpria autodeterminao. As
espumas das tempestades da hiperpoltica se inauguram com a modernidade. Sob
seu impacto avassalador, vislumbramos o horizonte do sculo XXI. Essa a
Tempestade de Shakespeare. Capitaneada por Prspero, ela demonstra que a
desinibio de concepes organicistas e mgicas capaz de produzir a queda da
imunizao imperial sob a qual os legisladores metafsicos submetem seus sditos
da mesma maneira que submetem a vida e a domesticam, em molduras abstratas e
geomtricas. Mas as espumas comportam ainda um paradoxo mais cruel: o
paradoxo da prpria liberdade. Pois nos remetem fatalidade incontornvel de que
em cada recndito meandro do globo cada um de ns , simultaneamente, Prspero
e Ariel, Calib e Prspero, Antonio e Prspero, Prspero e Alonso, ou seja,
469
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