10 Poemas Mia Couto
10 Poemas Mia Couto
10 Poemas Mia Couto
E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.
E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.
Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lbios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha prpria espera.
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
agora
que mais
me poderei vencer?
No oculto do ventre,
o feto se explica como o Homem:
em si mesmo enrolado
para caber no que ainda vai ser.
Que saudade
tenho de nascer.
Nostalgia
de esperar por um nome
como quem volta
casa que nunca ningum habitou.
No precisas da vida, poeta.
Assim falava a av.
Deus vive por ns, sentenciava.
E regressava s oraes.
A casa voltava
ao ventre do silncio
e dava vontade de nascer.
Que saudade
tenho de Deus.
Para explicar
os excessos do meu irmo
a minha me dizia:
est na mudana de idade.
Na altura,
eu no tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmo,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estao
o tempo lhe vinha comer mo?
Na espera de recompensa,
eu lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde j no chega o luar.
Antes de dormirmos
a me vinha esticar os lenis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, no durmas triste, pedia.
E eu no sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
uma doena envergonhada.
No aprendas a gostar dessa doena.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a me, no a idade.
a vida
para alm do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu j nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lenis
antes de adormecer.
Mente o tempo:
a idade que tenho
s se mede por infinitos.
Quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso.
Mia Couto
quero
escrever-me de homens
quero
calar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do ltimo caminho
deixo
a pacincia dos rios
a idade dos livros
mas no lego
mapa nem bssola
porque andei sempre
sobre meus ps
e doeu-me
s vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faa justia
por ora
basta-me o arco-ris
companheiros
9 Promessa de uma noite
cruzo as mos
sobre as montanhas
um rio esvai-se
ao fogo do gesto
que inflamo
a lua eleva-se
na tua fronte
enquanto tacteias a pedra
at ser flor
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a ss, perplexo,
com meu sbito reflexo.