Situacao Da Infancia e Da Adolescencia Brasileira 2009 - O Direito de Aprender

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Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009

O Direito de Aprender
Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009

Potencializar avanços e reduzir desigualdades

todos juntos
pelas crianças
Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009

O Direito de Aprender
Potencializar avanços e reduzir desigualdades
Realização

Fundo das Nações Unidas para a Infância (unicef)


Marie-Pierre Poirier
Representante do UNICEF no Brasil

Manuel Rojas Buvinich


Oficial Sênior de Programas

Escritório da Representante do UNICEF no Brasil


SEPN 510 – Bloco A – 2o andar
Brasília, DF – 70750-521
www.unicef.org.br
[email protected]

Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009


EQUIPE UNICEF
Coordenação Geral: Maria de Salete Silva e Pedro Ivo Alcântara
Colaboração: Adriana Alvarenga, Alexandre Magno Amorim, Ana Márcia Lima, Ana Maria Azevedo, Anna Penido Monteiro,
Andréia Neri, Andreia Oliveira, Boris Diechtiareff, Carla Perdiz, Claudia Fernandes, Conceição Cardozo, Cristina Albuquerque,
Daniela Ligiéro, Deborah Ferreira, Eliana Almeida, Estela Caparelli, Fábio Atanásio de Morais, Ida Pietricovsky Oliveira, Jucilene Rocha,
Júlia Ribeiro, Halim Girade, Helena Oliveira, Jacques Schwarzstein, Letícia Sobreira, Luciana Phebo, Lúcio Gonçalves, Mário Volpi,
Márcio Carvalho, Rui Aguiar, Ruy Pavan, Salvador Soler Lostao, Silvio Kaloustian, Sônia Gama, Victoria Rialp e Zélia Teles
Fotos: João Ripper

PRODUÇÃO EDITORIAL
Cross Content Comunicação
www.crosscontent.com.br
[email protected]

Coordenação e edição: Andréia Peres


Texto e reportagem: Carmen Nascimento, Eduardo Lima, Iracy Paulina, Laura Giannecchini,
Lilian Saback, Patrícia Andrade, Camila Lopes e Mariana Franco Ramos
Revisão: Regina Pereira
Checagem: Todotipo Editorial
Arte: Cristiano Rosa e José Dionísio Filho (edição), Carla Florit e Kelven Frank
Colaborou: Patrícia Assis

A reprodução desta publicação, na íntegra ou em parte, é permitida desde que citada a fonte.
Texto adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa.

Fundo das Nações Unidas para a Infância (unicef)

Impresso no Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades/[coordenação geral


Maria de Salete Silva e Pedro Ivo Alcântara]. – Brasília, DF: UNICEF, 2009.

“Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009.”


Vários colaboradores

ISBN: 978-85-87685-12-4

1. Avaliação educacional. 2. Desigualdades – Brasil. 3. Direito à educação.


4. Educação – Brasil. 5. Educação de adolescentes. 6. Educação de crianças.
I. Silva, Maria de Salete. II. Alcântara, Pedro Ivo.

09-04614 CDD-370.981

Índice para catálogo sistemático:


1. Brasil: Educação: Relatório de avaliação 370.981
Fundo das Nações Unidas para a Infância

Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009

O Direito de Aprender
Potencializar avanços e reduzir desigualdades

Brasília, 2009
apresentação

Mensagem da Representante
André Dusek/IstoÉ
do UNICEF no Brasil

O UNICEF, agência das Nações Unidas presente em 191 países, tem a responsabilidade de
conhecer e enfrentar, com governos e sociedade, as múltiplas vulnerabilidades que impe-
dem a garantia dos direitos das crianças em todo o mundo. O atual programa de coope-
ração no Brasil quer assegurar que cada criança e cada adolescente tenham garantidos os
direitos de sobreviver e se desenvolver; de aprender; de proteger(-se) do HIV/aids; de crescer
sem violência; e de ser prioridade absoluta nas políticas públicas. Tudo isso reconhecen-
do e valorizando as diversidades étnico-raciais e regionais, promovendo a equidade de
gênero e a cidadania dos adolescentes.
Este relatório, Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de
Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades, faz parte desse compromisso,
que orienta e dá sentido à atuação do UNICEF no Brasil.
O relatório mostra que o país vem vivenciando, desde o final do século XX, um período
de melhoria significativa em todos os indicadores que medem as oportunidades de acesso,
permanência, aprendizagem e conclusão da Educação Básica. A análise da evolução do Índi-
ce de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revela progressos que devem ser come-
morados: mais de 70% dos municípios brasileiros superaram ou atingiram as metas do Ideb
referentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental para 2007, acordadas com o Ministério da
Educação (MEC), no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
É exatamente essa capacidade demonstrada pelo Brasil em melhorar os indicadores
educacionais que nos permite afirmar que é possível, sim, universalizar o direito de apren-
der para todas as crianças e adolescentes. Para que os avanços alcancem cada um deles,
é preciso que o país trate de maneira especial as parcelas mais vulneráveis da população,
reconhecendo e valorizando a nossa diversidade.
Por isso, o relatório aponta as desigualdades presentes no cenário educacional brasi-
leiro, especialmente as étnico-raciais, regionais e socioeconômicas, além daquelas relacio-
nadas à inclusão de crianças com deficiência. O UNICEF entende que o olhar cuidadoso
sobre esses desafios permite graus cada vez mais detalhados e específicos de concepção
e implementação de políticas públicas e de programas que efetivamente reduzam as desi-
gualdades em todas as suas dimensões.
A agenda da efetiva universalização do direito de aprender exige uma ação em cola-
boração entre os três níveis de governo e uma articulação cada vez maior entre governo e
sociedade. Acreditamos que essa ação colaborativa, aliada à coordenação crescente entre
iniciativas governamentais e as da sociedade, que se complementam na direção da ga-
rantia dos direitos das crianças, seja fundamental para potencializar os avanços em curso,
direcionando-os para a redução efetiva das iniquidades.
Estão presentes no relatório os parceiros do UNICEF no Brasil, que constroem conosco
o nosso programa de cooperação no país e que transformam diversas ações e iniciativas em
mudanças reais na vida das crianças e dos adolescentes. São essas boas práticas e tecnologias
sociais que temos o compromisso de disseminar, tanto no Brasil quanto em nossas ações de
cooperação Sul-Sul. Queremos que os avanços alcançados no país sejam exemplos inspiradores
e referências para ampliar a garantia dos direitos de crianças em outros países, especialmente em
regiões mais vulneráveis da América Latina, do Caribe, da África, da Ásia e do Leste Europeu.
Mais do que um documento que retrata a situação do direito de aprender no Brasil,
o UNICEF deseja que o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009
seja impulsionador da participação social, contribuindo para qualificar e fortalecer o com-
promisso de todos, especialmente das famílias, dos educadores e das comunidades, com
a construção de um país que garanta, plenamente, para todas e cada uma das crianças e
dos adolescentes o direito de aprender.
Marie-Pierre Poirier
Representante do UNICEF no Brasil
Resumo executivo

O relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de


Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades foi estruturado em capítulos
que destacam os avanços e os desafios da educação no Brasil, em particular nas áreas
geográficas consideradas prioritárias pelo UNICEF: o Semiárido, a Amazônia e as co-
munidades populares dos centros urbanos, territórios onde se concentra a parcela mais
significativa de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
As estatísticas apresentadas ao longo desta publicação revelam um quadro muito
melhor que o de alguns anos atrás. Todos os indicadores que medem as oportunidades
de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da Educação Básica melhoraram.
O país está muito próximo da universalização do Ensino Fundamental, tem conseguido
manter mais alunos dentro das salas de aula e melhorado os indicadores que medem
a aprendizagem. Como consequência, o número de analfabetos continua a cair, em es-
pecial entre crianças e adolescentes, principal foco dos programas educacionais oficiais
nos últimos anos. Também vem aumentando progressivamente o número médio de
anos bem-sucedidos de estudo da população nas diferentes faixas etárias e em todas as
regiões do país.
Para potencializar os avanços, o relatório aponta as desigualdades que o país precisa
superar, especialmente as regionais, étnico-raciais, socioeconômicas e também as rela-
cionadas à inclusão de crianças com deficiência. O acesso à educação de parcelas da
população mais vulneráveis, como afrodescendentes, indígenas, quilombolas, crianças
com deficiência e as que vivem nas comunidades populares dos centros urbanos, vem
evoluindo nos últimos anos. Mesmo assim, esses grupos continuam sendo os mais atin-
gidos pelas iniquidades do sistema educacional brasileiro. Além disso, o atendimento
ainda é insuficiente para as crianças de até 5 anos na Educação Infantil e para os ado-
lescentes de 15 a 17 anos no Ensino Médio.
O relatório também destaca a importância estratégica da intersetorialidade das políti-
cas sociais para assegurar a universalização e a indivisibilidade dos direitos da criança.
Nesse contexto, a garantia do Direito de Aprender é construída com uma forte participa-
ção de programas e políticas de outras áreas, além da educação. Dessa forma, vê-se que
a garantia dos direitos sociais é fruto de uma relação de complementaridade, em que a
realização de um direito apoia e permite a garantia dos demais.
Diversas políticas públicas já incorporam medidas e mecanismos voltados para a
melhoria da qualidade da educação pública, como o Plano Nacional de Educação (PNE)
e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ao mesmo tempo, cresce a im-
portância da participação da sociedade, tanto no controle social quanto na concepção
dessas políticas.
A publicação traz ainda um capítulo com dados e indicadores que demonstram os
principais desafios para a universalização dos direitos de cada criança e adolescente no
Brasil, com destaque para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o
Índice de Adequação Idade-Anos de Escolaridade (IAIA).
SumÁrio

APRENDER NO BRASIL
EDUCAÇÃO PARA TODos ............................................10
Milhões de meninas e meninos estão hoje dentro das salas de
aula e o analfabetismo tem caído ano a ano, especialmente
entre os brasileiros mais jovens. Os grandes desafios, agora, são
consolidar esses avanços, garantindo a cada criança e adolescente
uma educação de qualidade, e reduzir as desigualdades

Um trabalho de corpo a corpo.............................................................. 4 5


Programa Palavra de Criança colabora na alfabetização de alunos
do 3o ano em Teresina (PI) e Sobral (CE)

Crianças e adolescentes sob a tutela do Estado ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48


Preconceito dificulta o acesso à educação das meninas e dos meninos
abrigados e dos que cumprem medidas socioeducativas

Aprender no semiárido
Grandes obstáculos a superar................................. 56
A região tem registrado avanços significativos, como o crescimento
no número de crianças atendidas na Pré-escola e no Ensino Fundamental,
e a queda nas taxas de abandono escolar e distorção idade-série.
Mas garantir o direito de aprender a todas as meninas e todos os meninos
que vivem no Semiárido continua sendo um importante desafio

Educação contextualizada . .......................................................................7 5


Metodologia de ensino parte da realidade do aluno e assume
a escola como um agente de transformação social

Aprender na amazônia
Um desafio para além da floresta. .......................... 78
A educação na região avançou nos últimos 15 anos. A Amazônia,
no entanto, ainda enfrenta problemas, como a persistência
de altas taxas de evasão escolar e a elevada distorção idade-série.
Entre as populações rurais, negras e indígenas, as disparidades
são ainda maiores

Na beira do rio.. .......................................................................... . . . 9 6


Os desafios para garantir o direito de aprender em comunidades
ribeirinhas, como as localizadas nos municípios de São Domingos
do Capim e Acará, ambos no Pará

Ampliando horizontes . ................................................................... 100


Centros de Ensino Médio e Profissionalizante incentivam o protagonismo
juvenil na Baixada Maranhense, uma das regiões mais pobres do Brasil
Aprender nas comunidades populares
ENFRENTANDO A INVISIBILIDAde .............................104
O retrato da educação em comunidades populares ainda é muito pouco preciso.
Em geral, vem sendo traçado por estudos e pesquisas sobre a violência.
Ao propor para os centros urbanos uma plataforma de atuação estratégica
centrada nas crianças e nos adolescentes que vivem nessas comunidades,
o UNICEF pretende dar visibilidade a essa população, contribuindo
para diminuir a exclusão, as disparidades, as discriminações e as violações

Educação para a igualdade racial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .111


Experiências como a do projeto Territórios de Educação para Igualdade Racial (Tepir),
em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, mostram como as escolas podem
– e devem – preparar suas crianças e seus adolescentes para valorizar a diversidade

Como nas grandes cidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114


O Projeto Território de Proteção da Criança e do Adolescente promove
ações educativas para enfrentar problemas de violência, abuso e exploração
sexual em Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália (BA)

desafios
Todos juntos pelo direito de aprender ................118
A escola tem papel importante no Sistema de Garantia de Direitos.
Cabe também a ela assegurar o cumprimento dos direitos da criança
e do adolescente promovendo a prática da cidadania e da participação
dos meninos e meninas, além de notificar, por exemplo, casos de
suspeita ou confirmação de maus-tratos ao Conselho Tutelar. Ainda hoje,
no entanto, ela tem dificuldade de se assumir como parte dessa grande
rede. E o próprio Sistema, por sua vez, em geral não a reconhece como tal

Foco no orçamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .128


Sistema de monitoramento criado pelo UNICEF e Associação
Contas Abertas permite à sociedade acompanhar o investimento do governo
federal em programas e ações destinados a crianças e adolescentes

dados e indicadores
Números revelam avanços e desafios . . . . . . . . . . . . . . 130
Mais de 70% dos municípios brasileiros conseguiram alcançar ou superar
as metas estabelecidas pelo Inep/MEC no último biênio. Essa evolução
teve reflexos positivos não apenas na qualidade da educação mas também
em outros indicadores sociais relacionados à infância e à adolescência
em todo o país. Para garantir o pleno exercício dos direitos das crianças
e dos adolescentes, ainda temos, no entanto, muitos desafios pela frente

Mapas do Ideb ..........................134 Índice de Adequação Idade-Anos


Índices de 2005 e 2007 e Situação de Escolaridade (IAIA) . .. . . . ...........178
das metas 2007 – Brasil Raça/cor e Faixa de renda
Índices de 2005 e 2007 e Situação das
metas 2007 – Unidades da federação Parceiros ................................. 181
Indicadores básicos ... . . . . . . ...........162 Referências bibliográficas . ............186
População, Sobrevivência, Educação,
Renda, HIV/aids, Proteção,Fatores de Agradecimentos ........................192
iniquidade, Saúde e desnutrição UNICEF no Brasil e no mundo . . . . . . .196
aprender no brasil

Educação
para todos
Como resultado de significativos
investimentos e da implantação de
políticas públicas mais eficazes, o
Brasil registrou importantes avanços
na educação nos últimos 15 anos.
Milhões de meninas e meninos estão
hoje dentro das salas de aula e o
analfabetismo tem caído ano a ano,
especialmente entre os brasileiros mais
jovens. Os grandes desafios, agora, são
consolidar esses avanços, garantindo
a cada criança e adolescente uma
educação de qualidade, e reduzir as
desigualdades, já que os grupos mais
vulneráveis da população continuam
a enfrentar dificuldades para ter
acesso à escola e concluir seus estudos

Uma vez na escola, as crianças têm o direito de


permanecer estudando, de se desenvolver, de aprender
e de concluir toda a Educação Básica na idade certa
12 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

O UNICEF escolheu o Direito de Apren- tivos de Desenvolvimento do Milênio2 e meta


der como questão orientadora de sua atuação do Plano Nacional de Educação. O UNICEF
na área de educação no Brasil. Isso significa entende que a universalização do direito de
que a aprendizagem é síntese e eixo central acesso à escola é fundamental, mas não é sufi-
do que buscamos como educação de quali- ciente apenas abrir vagas e assegurar matrícula
dade para todas e cada uma das crianças bra- para as crianças e os adolescentes brasileiros.
sileiras. Essa busca da aprendizagem como Uma vez na escola, eles têm o direito de per-
direito está presente em importantes articu- manecer estudando, de se desenvolver, de
lações de organizações sociais e da iniciativa aprender e de concluir toda a Educação Bási-
privada no Brasil e cada vez mais direciona ca na idade certa. Para isso, o UNICEF aponta
as políticas públicas educacionais nos três três características que devem estar presentes
níveis de governo. O tema demonstra a mu- como garantia da qualidade da educação:
dança de foco de análise da educação públi- ela deve ser integral, contextualizada e com
ca brasileira, saindo de aspectos meramente atenção individualizada.
quantitativos e agregando uma perspectiva A educação integral é uma estratégia
qualitativa, que necessariamente envolve a fundamental para quebrar o círculo vicioso
garantia do direito de aprender. da pobreza e reduzir a desigualdade social.
A busca da educação para todos dirige os Ela favorece o desenvolvimento das crianças
esforços das Nações Unidas desde a Confe- ao propiciar mais oportunidades de apren-
rência de Jomtien1, em 1990, é um dos Obje- dizado, de ampliação de seu repertório
cultural e de aquisição de informações di-
1 Realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990, com a presença de representantes
de 155 países, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos estabeleceu versas, principalmente em regiões mais ca-
compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos
necessários a uma vida digna. Esses compromissos estão expressos na Declaração
Mundial sobre Educação para Todos, documento que inclui ainda definições sobre as 2 Trata-se do Objetivo nº- 2 - Alcançar a universalização do Ensino Básico. No Brasil,
necessidades básicas de aprendizagem e as metas a serem atingidas. essa meta está relacionada apenas ao Ensino Fundamental.

Pobreza e educação como cor e sexo, podem reduzir a


chance de uma criança sobreviver
ou completar o Ensino Fundamental
Apesar da queda recente dos níveis De acordo com o estudo na idade correta no Brasil.
de desigualdade de renda e de Desenvolvimento Infanto-Juvenil De cada 100 crianças em
pobreza no país, de cada cinco no Brasil e seus Determinantes, famílias não vulneráveis2, 80 vão
crianças de até 17 anos, pelo menos a desigualdade de oportunidade completar o Ensino Fundamental
uma ainda vive em uma família decorre de diferenças nas chances na idade correta. Para as crianças
sem renda suficiente para garantir de desenvolvimento entre em famílias vulneráveis, no
a satisfação das necessidades crianças com distintas origens entanto, a situação é bem distinta.
nutricionais mais básicas de seus socioeconômicas. De todas as De cada 100 crianças apenas
membros.1 Em comparação aos circunstâncias, as diferenças entre cinco vão completar o Ensino
demais grupos etários, o grau de regiões, renda familiar per capita e Fundamental na idade correta.
extrema pobreza é muito mais escolaridade do chefe contribuem
2 O estudo considerou como vulnerável uma criança
elevado entre as crianças. fortemente para a desigualdade de que, entre outras características, vive numa família cujo chefe
é de cor negra, mora na área rural da Região Nordeste, com
oportunidade. Dimensões como a uma renda familiar per capita de cerca de 25 reais, cuja mãe
tem zero de escolaridade e não está presente. Uma criança foi
1D
 esenvolvimento Infanto-Juvenil no Brasil e seus Determinantes, região em que vivem, bem como considerada não vulnerável se, entre outras características,
Ricardo Barros (Ipea), Mirela de Carvalho (Ipea), Mariana vive numa família cujo chefe é de cor branca, mora na área
Fandinho (Ipea/UFF), Samuel Franco (Ipea), Rosane Mendonça a localização, rural ou urbana do urbana da Região Sul, com uma renda familiar per capita
(UFF/Ipea), Andrezza Rosalém (Ipea), Luciana Santos (Ipea/Uerj) e duas vezes maior que a média da população, cuja mãe tem
Roberta Tomas (Ipea), 2009. Versão preliminar. domicílio, além de características ao menos escolaridade média completa e está presente.
aprender no brasil 13

rentes, por meio de ações complementares sujeito do processo de aprendizagem, refor-


ao ensino regular. As ações complementa- çando e valorizando sua cultura, seus conhe-
res são práticas educativas desenvolvidas de cimentos e suas possibilidades, apoiando-os
maneira continuada em períodos alternados no enfrentamento de seus desafios.
à escola, envolvendo também a família e a
comunidade na educação das crianças.
A educação integral considera, no seu AVANÇOS NA
desenvolvimento, as dimensões dos tempos, GARANTIA DO ACESSO
práticas, conteúdos e territórios das ações Grandes investimentos têm sido realizados des-
educativas, na escola e em outros lugares de a década de 90 com o objetivo de ampliar
de aprendizagem. Leva em conta também o acesso à educação. Como resultado, hoje o
as articulações intersetoriais entre políticas país está muito próximo da universalização do
públicas, a participação contínua e ativa da Ensino Fundamental. Segundo a Pesquisa Na-
comunidade. Envolve principalmente o fo- cional por Amostra de Domicílios (Pnad), do
co no direito de cada criança a ter acesso, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
a permanecer e aprender e a concluir cada (IBGE), de 2007, 97,6% das crianças entre 7 e
etapa da Educação Básica. Contextualizada 14 anos – faixa em que se concentra a obriga-
significa que considera a realidade das pes- toriedade do Ensino Fundamental3 – estão na
soas, do lugar, da cultura e das relações sociais escola (veja tabela abaixo), o que representa
onde se desenvolvem as ações educativas. E cerca de 27 milhões de estudantes.
proporcionar atenção individualizada implica
3 Até 2010, o Ensino Fundamental deverá ter nove anos de duração e será obrigatório
reconhecer cada criança e adolescente como para a faixa etária de 6 a 14 anos.

Taxa de escolarização1 por região, sexo e grupos de idade


O cenário brasileiro em 2007
Pessoas de 4 anos ou mais de idade (%)
Grupos de idade
Grandes regiões
e sexo Brasil
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
4 a 5 anos 70,1 59,7 76,8 75,2 56,9 54,9
Homens 69,6 59,0 76,0 74,9 57,0 54,5
Mulheres 70,7 60,5 77,6 75,6 56,7 55,4
6 a 14 anos 97,0 95,1 96,8 97,7 97,0 96,9
Homens 96,8 94,7 96,5 97,6 96,9 97,0
Mulheres 97,2 95,5 97,1 97,9 97,1 96,7
7 a 14 anos 97,6 96,2 97,1 98,1 98,0 97,7
Homens 97,4 95,8 96,9 97,9 97,9 97,8
Mulheres 97,8 96,6 97,4 98,3 98,1 97,6
15 a 17 anos 82,1 80,1 80,8 84,3 80,7 81,7
Homens 81,3 79,9 80,1 83,5 78,8 81,6
Mulheres 83,0 80,3 81,6 85,1 82,7 81,7
18 a 24 anos 30,9 32,9 32,0 29,8 29,5 32,1
Homens 30,0 31,9 32,0 28,7 27,6 30,9
Mulheres 31,8 33,8 32,1 30,9 31,5 33,3
25 anos ou mais 5,5 7,5 6,2 4,9 4,8 5,9
Homens 4,6 5,9 4,9 4,4 4,3 4,9
Mulheres 6,2 9,1 7,3 5,4 5,3 6,9
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007
1 Proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam a escola em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária, independentemente do nível de ensino.
14 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Taxa de frequência líquida1 por faixa etária


De 1992 a 2007, a evolução foi significativa (em %)2
Nível de ensino 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Educação Infantil
13,8 14,8 25,1 25,1 26,6 27,0 28,2 31,2 32,7 33,8 35,6 36,1 37,9 36,4
(até 6 anos)
Ensino Fundamental
81,3 82,9 85,4 86,5 88,5 90,9 92,3 93,1 93,7 93,8 93,8 94,4 94,8 94,6
(7 a 14 anos)
Ensino Médio
18,2 18,9 22,1 24,1 26,6 29,9 32,7 36,9 40,7 43,1 44,4 45,3 47,4 48,0
(15 a 17 anos)
Ensino Superior
4,6 4,8 5,8 5,8 6,2 6,8 7,4 8,9 9,7 10,6 10,5 11,2 12,4 13,0
(18 a 24 anos)
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
1 Proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam a escola na série adequada, conforme a adequação idade-série do sistema educacional brasileiro, em
relação ao total de pessoas da mesma faixa etária.
2 A partir de 2004, a Pnad passou a contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Quando incluímos as crianças de 6 jam aquém do considerado adequado para


anos, essa taxa cai um pouco, para 97%. um ensino universalizado e de qualidade,
Isso acontece porque uma parte das crian- principalmente em relação às crianças de até
ças desse grupo ainda não está matricu- 6 anos e aos adolescentes de 15 a 17 anos.
lada nem na Educação Infantil nem no Como consequência do aumento da taxa
Ensino Fundamental. No entanto, a taxa de escolarização, verifica-se ainda queda no
de escolarização dessa faixa etária deve número de analfabetos no Brasil, tendência
continuar aumentando até 2010, em fun- que tem se mantido nos últimos anos, espe-
ção da obrigatoriedade de implantação do cialmente entre os grupos mais jovens, princi-
Ensino Fundamental de nove anos. pal foco dos programas educacionais oficiais.
Da mesma forma, as taxas de frequência De acordo com a Pnad, a taxa de analfabetis-
líquida (veja tabela acima) também têm apre- mo entre pessoas com 15 anos ou mais foi de
sentado evolução significativa, embora este- 10% em 2007, ante 10,4% em 2006. Em relação
à faixa etária, a menor taxa de analfabetismo
Crianças de 7 a 14 anos fora da escola ficou com o grupo de 15 a 17 anos, 1,7%; e a
maior, de 12,5%, entre as pessoas com 25 anos
Brasil ou mais4 (veja tabelas ao lado).
2,4%

Norte
3,8% DESAFIOS PARA A
UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO
Nordeste
2,9% Os 2,4% que permanecem fora da escola po-
dem parecer pouco, mas representam cerca
de 680 mil crianças de 7 a 14 anos, segundo
Centro-Oeste
dados da Pnad 2007. As mais atingidas são
2,3%
as oriundas de populações vulneráveis, co-
Sudeste mo as negras, indígenas, quilombolas, po-
1,9% bres, sob risco de violência e exploração, e
com deficiência. Ou seja, as desigualdades
Sul presentes na sociedade ainda têm um im-
2,0% portante reflexo no ensino brasileiro.

Fonte: Pnad 2007/IBGE 4 Pnad 2007.


aprender no brasil 15

Do total de crianças excluídas da esco- escola, no Acre, Pará e Alagoas os números


la, cerca de 450 mil são negras e pardas. A ficam em 91,3%, 96,2% e 96,2%, respectiva-
maioria vive nas regiões Norte e Nordeste mente – os mais baixos do país.
(veja mapa ao lado), as que apresentam os Para garantir a universalização do acesso à
mais altos índices de pobreza do país e as escola, outros grandes desafios para o país en-
menores taxas de escolaridade. Para se ter contram-se no atendimento das crianças de até 5
uma ideia das desigualdades regionais, en- anos na Educação Infantil e dos adolescentes de
quanto em Santa Catarina 99% das crianças 15 a 17 anos no Ensino Médio. Esses represen-
e dos adolescentes de 7 a 14 anos estão na tam, hoje, o maior contingente fora da escola.

Taxa de analfabetismo no Brasil, 15 anos ou mais


De 1992 a 2007, segundo região, localização, raça ou cor e faixa etária (em %)

18
17,2
17
16,4
16 15,6

15 14,7 14,7
14 13,8
13,3
13
12,4
12 11,8
11,6
11,4 11,1
11
10,4
10,0
10

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Região 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Norte 14,2 14,8 13,3 12,4 13,5 12,6 12,3 11,2 10,4 10,6 12,7 11,6 11,3 10,9
Nordeste 32,7 31,8 30,5 28,7 29,4 27,5 26,6 24,3 23,4 23,2 22,4 21,9 20,8 20,0
Sudeste 10,9 9,9 9,3 8,7 8,6 8,1 7,8 7,5 7,2 6,8 6,6 6,6 6,0 5,8
Sul 10,2 9,8 9,1 8,9 8,3 8,1 7,8 7,1 6,7 6,4 6,3 5,9 5,7 5,4
Centro-Oeste 14,5 14,0 13,3 11,6 12,4 11,1 10,8 10,2 9,6 9,5 9,2 8,9 8,3 8,1

Localização
Urbano
8,1 7,4 7,0 6,5 6,5 5,9 5,8 5,6 5,4 5,2 5,2 5,0 4,4 4,4
metropolitano
Rural 35,9 34,5 32,7 31,2 32,0 30,2 29,0 28,7 27,7 27,2 25,8 25,0 24,1 23,3

Raça ou cor
Branca 10,6 10,1 9,5 9,4 8,9 8,4 8,3 7,7 7,5 7,1 7,2 7,0 6,5 6,1
Negra 25,7 24,8 23,5 21,8 22,2 20,8 19,8 18,2 17,2 16,8 16,2 15,4 14,6 14,1

Faixa etária
15 a 17 anos 8,2 8,2 6,6 5,9 5,4 4,6 3,7 3,0 2,6 2,3 2,1 1,9 1,6 1,7
18 a 24 anos 8,6 8,2 7,2 6,5 6,8 5,4 4,9 4,2 3,7 3,4 3,2 2,9 2,4 2,4
25 a 29 anos 10,0 9,3 9,3 8,1 8,6 7,7 7,2 6,8 6,3 5,8 5,8 5,7 4,7 4,4
30 a 39 anos 12,0 11,6 11,0 10,2 10,3 10,1 9,6 9,0 8,4 8,3 7,9 7,7 7,2 6,6
40 anos + 29,2 27,8 26,1 24,9 24,8 23,3 22,8 21,2 20,4 19,9 19,6 19,0 17,9 17,2
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
16 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

O atendimento às crianças de até 5 anos 5 anos, 70,1% estão na Pré-escola. Ou seja,


tem aumentado no Brasil, em razão da ado- quanto mais próximas da faixa etária em que
ção de uma série de medidas para garantir o a escolaridade é obrigatória, maior é a taxa
acesso à creche e à Pré-escola em todo o país. de escolarização das crianças.
De acordo com dados da Pnad 20075, 17,1% Também é grande o número de adolescen-
das crianças de até 3 anos frequentam creches tes e jovens que não estudam. De acordo com
e Pré-escolas. No caso das crianças entre 4 e análise da Pnad 2007 realizada pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 82,1%
5 IBGE/Pnad 2007 e análise dos microdados da Pnad 2007 feita pelo Ipea (veja tabelas
nas páginas 13 e 17). dos adolescentes entre 15 e 17 anos frequentam

Número médio de anos de estudo1


De 1992 a 2007, segundo região, localização, raça ou cor e faixa etária

8
Brasil - 15 anos ou mais 7,2 7,3
6,8 7,0
7
6,5 6,7
6,1 6,4
6 5,7 5,8 5,9
5,2 5,3 5,5
5

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Regiões 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Norte 5,4 5,3 5,5 5,6 5,7 5,8 6,1 6,3 6,5 6,6 6,2 6,4 6,6 6,8
Nordeste 3,8 4,0 4,1 4,3 4,3 4,5 4,6 4,9 5,1 5,3 5,5 5,7 5,9 6,0
Sudeste 5,9 6,0 6,2 6,4 6,5 6,7 6,8 7,1 7,2 7,4 7,5 7,6 7,8 8,0
Sul 5,6 5,7 5,9 6,1 6,2 6,3 6,5 6,7 6,9 7,1 7,2 7,3 7,5 7,6
Centro-Oeste 5,4 5,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,2 6,5 6,8 6,9 7,1 7,2 7,4 7,5

Localização
Urbano
6,6 6,7 6,9 7,1 7,1 7,3 7,4 7,6 7,8 8,0 8,1 8,2 8,5 8,5
metropolitano
Rural 2,6 2,8 2,9 3,1 3,1 3,3 3,4 3,4 3,6 3,8 4,0 4,2 4,3 4,5

Raça ou cor
Branca 6,1 6,2 6,4 6,5 6,7 6,9 7,0 7,3 7,4 7,6 7,7 7,8 8,0 8,2
Negra 4,0 4,1 4,3 4,5 4,5 4,7 4,9 5,2 5,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,4

Faixa etária
10 a 14 anos 2,9 3,0 3,2 3,3 3,3 3,5 3,6 3,9 4,0 4,1 4,1 4,1 4,2 4,1
15 a 17 anos 5,0 5,1 5,4 5,6 5,7 5,9 6,2 6,5 6,7 6,9 7,0 7,1 7,2 7,2
18 a 24 anos 6,2 6,3 6,6 6,7 6,9 7,2 7,4 7,9 8,1 8,4 8,6 8,8 9,0 9,1
25 a 29 anos 6,5 6,6 6,7 6,8 6,9 7,0 7,2 7,5 7,7 8,0 8,1 8,4 8,7 8,9
30 anos + 4,6 4,8 5,0 5,1 5,2 5,4 5,4 5,7 5,9 6,0 6,1 6,2 6,4 6,5
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
1 Número de séries completadas pelo indivíduo, obtido por meio da identificação da última série e grau escolar concluído com aprovação.
aprender no brasil 17

Taxa de escolarização1 no Brasil


De 1992 a 2007, segundo as faixas etárias (em %)
Faixa etária 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Até 3 anos – – 7,6 7,4 8,07 8,7 9,2 10,6 11,7 11,7 13,4 13,0 15,5 17,1
4 a 6 anos 35,8 38,5 53,5 53,8 56,31 57,9 60,2 65,6 67,0 68,4 70,5 72,0 76,0 77,6
7 a 14 anos 86,6 88,6 90,2 91,2 93,02 94,7 95,7 96,5 96,9 97,2 97,1 97,3 97,7 97,6
15 a 17 anos 59,7 61,9 66,6 69,4 73,28 76,5 78,5 81,1 81,5 82,4 81,9 81,7 82,2 82,1
18 a 24 anos 22,6 24,9 27,1 28,4 29,4 32,1 33,9 34,0 33,9 34,0 32,2 31,6 31,7 30,9
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
1 Proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam a escola em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária, independentemente do nível de ensino.

a escola (ver tabela acima). No entanto, desse negros. Enquanto a taxa de frequência líqui-
total, 44% não concluíram o Ensino Fundamen- da permaneceu relativamente constante entre
tal e apenas 48% cursavam o Ensino Médio, o os brancos nos últimos dez anos, entre os
nível que seria adequado a essa faixa etária. Is- negros quase duplicou no mesmo período.
so mostra que ainda há uma grande distorção Há grandes diferenças também quando se
idade-série nesse grupo, embora a frequência compara a educação na cidade e no campo6.
líquida venha crescendo nos últimos anos. Em 2007, o nível de escolaridade dos jovens
Da mesma forma que em outros grupos, entre 15 e 29 anos da zona rural era 30% infe-
também há grandes diferenças regionais na rior ao dos jovens da zona urbana. Além disso,
educação dos adolescentes. As regiões Nor- 9% dos jovens do meio rural são analfabetos,
deste e Norte apresentam taxas de frequên- ante 2% dos jovens urbanos. A média de anos
cia líquida (34,5% e 36,0%, respectivamente) de estudo dos jovens na zona rural, embora
bem menores do que as regiões Sudeste e tenha crescido em relação a 2006, chegando a
Sul (58,8% e 55,0%, respectivamente). 4,5 anos, ainda está abaixo da média nacional,
Em relação ao gênero, as mulheres apre- de 7,3 anos (veja tabela ao lado).
sentam maior escolaridade e adequação aos
estudos do que os homens. Segundo a análise
Ipea/Pnad 2007, a taxa de frequência líquida O DESAFIO DA
no Ensino Médio é de 53,8% para as mulheres, PERMANÊNCIA NA ESCOLA
enquanto entre os homens é de 42,4%. Assegurar o acesso a todas e a cada uma das
Nas questões referentes a raça, embora as crianças e adolescentes à escola não é o único
diferenças venham caindo nos últimos anos, desafio a ser enfrentado. Ainda são altas as
elas ainda são significativas. Os dados da taxas de reprovação e abandono escolar no
Pnad 2007 analisados pelo Ipea revelam que Brasil (veja tabela abaixo).
o analfabetismo entre jovens negros de 15 a Essas altas taxas de reprovação têm um
29 anos é quase duas vezes maior do que en- grande impacto na adequação idade-série.
tre brancos – taxa que era três vezes maior há Apesar de passar em média aproximadamen-
dez anos. Já a frequência líquida no Ensino 6 Ao longo desta publicação, as referências às desigualdades entre o meio urbano
e a zona rural não significam uma visão homogeneizadora das condições de vida das
Médio é 49,2% maior entre os jovens brancos crianças e dos adolescentes dessas localidades. É preciso considerar as desigualdades
socioeconômicas existentes dentro de cada um desses contextos sociais.
do que entre os negros, diferença que tem
diminuído, como mostra a quantidade de ne-
Taxas de aprovação, reprovação e abandono (em %)
gros que hoje frequentam o Ensino Médio,
Aprovação Reprovação Abandono
três vezes maior que em 1997. Nível de ensino
2006 2007 2006 2007 2006 2007
No que diz respeito à frequência líquida,
a Pnad 2007 revela uma significativa melhora Ensino Fundamental 81,3 83,1 12,6 12,1 6,1 4,8
no nível de adequação idade-série dos jovens Ensino Médio 73,7 74,1 12,1 12,7 14,3 13,2
Fonte: MEC/Inep
18 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

te dez anos na escola, os estudantes brasilei- dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
ros completam com sucesso pouco mais de (Inep) Carlos Eduardo Moreno Sampaio, rea-
sete séries, portanto menos do que a escola- lizado com base na análise da Pnad 20057.
ridade obrigatória. Apenas 64% das crianças Também é elevada a quantidade de
conseguem finalizar o Ensino Fundamental crianças e jovens que abandonam a escola
com a idade esperada, 14 anos. As que con- antes de concluir os estudos. De acordo
cluem o Ensino Médio com 17 anos são me- com o Censo Escolar 2007, 4,8% dos alu-
nos ainda, 47%, de acordo com o estudo Si- nos abandonaram a escola antes de com-
tuação Educacional dos Jovens Brasileiros na
7 O estudo foi produzido para apresentação na mesa sobre Educação do II Seminário
Faixa Etária de 15 a 17 anos (veja tabela no de Análise dos Resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005,
realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em parceria com a
capítulo Dados e Indicadores), elaborado pe- Assessoria Especial da Presidência da República e os ministérios do Desenvolvimento
Social, da Educação, do Planejamento e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
lo pesquisador do Instituto Nacional de Estu- (Ipea), em Brasília, em março de 2007.

Frequência escolar em outubro/novembro de 2008 – Programa Bolsa Família


Motivos de baixa Doença do Doença/ Inexistência Fatores Gravidez Mendicância/
frequência por UF aluno1 óbito na de oferta impeditivos da na trajetória de
família1 de serviços liberdade de ir adolescência rua
educacionais1 e vir1
Acre 401 6 5 26 1 3
Alagoas 4.004 103 11 70 11 10
Amapá 413 4 1 9 2 0
Amazonas 1.525 39 17 99 10 3
Bahia 5.233 173 79 292 81 45
Ceará 7.825 137 36 176 72 58
Distrito Federal 0 0 0 0 1 0
Espírito Santo 2.276 82 11 562 31 7
Goiás 2.229 102 33 303 30 19
Maranhão 4.440 178 76 216 75 32
Mato Grosso 459 20 2 26 19 1
Mato Grosso do Sul 945 55 0 86 5 12
Minas Gerais 9.184 296 42 1.011 124 74
Pará 1.851 80 219 73 54 29
Paraíba 1.617 56 40 186 34 21
Paraná 2.986 145 2 369 94 59
Pernambuco 4.837 126 11 175 25 28
Piauí 1.396 40 19 32 25 15
Rio de Janeiro 5.098 378 12 552 84 32
Rio Grande do Norte 1.466 80 24 88 32 1
Rio Grande do Sul 3.234 303 19 231 174 71
Rondônia 541 13 3 71 13 0
Roraima 85 0 0 0 0 0
Santa Catarina 416 25 5 18 23 9
São Paulo 19.608 595 60 595 174 41
Sergipe 858 41 3 38 19 27
Tocantins 1.975 21 44 109 15 16
TOTAL 84.902 3.098 774 5.413 1.228 613
Fonte: Ministério da Educação
1 Motivos que justificam a baixa frequência para efeito do recebimento do benefício do Bolsa Família.
Obs: “Fatores impeditivos da liberdade de ir e vir” correspondem a enchentes, falta de transporte, violência urbana na área escolar e calamidades.
aprender no brasil 19

pletar o Ensino Fundamental e 13,2% an- ninas desse grupo que estudam são mães. Esse
tes de concluir o Ensino Médio. número salta para 28,8% entre as jovens que
Além da baixa qualidade do ensino, uma estão fora da sala de aula, o que mostra que a
série de fatores relacionados à pobreza e à evasão e o abandono podem estar relaciona-
discriminação pode levar crianças e adoles- dos à gravidez na adolescência, em especial
centes a deixar a escola antes da conclusão entre as jovens de famílias de baixa renda.
dos estudos (veja tabela abaixo). Além disso, se analisarmos os dados so-
No caso das meninas, por exemplo, uma bre a taxa de natalidade entre adolescen-
das principais causas de evasão escolar é a gra- tes, é possível constatar que as regiões com
videz na adolescência. De acordo com o estu- maior número de mães jovens são também
do Situação Educacional dos Jovens Brasileiros aquelas com maiores taxas de abandono es-
na Faixa Etária de 15 a 17 anos, 1,6% das me- colar. De acordo com dados do Ministério

Negligência Trabalho Violência Violência Escola não Motivo Total


de pais ou infantil sexual/ doméstica informou inexistente na (por estado)
responsáveis exploração  tabela
sexual
191 1 0 3 404 211 1.252
964 48 0 2 1.659 981 7.863
16 0 0 0 146 132 723
685 3 0 1 514 2.004 4.900
3.770 53 1 8 5.339 9.255 24.329
5.446 68 1 3 3.860 9.592 27.274
0 0 0 0 0 525 526
2.283 20 1 2 850 4.059 10.184
988 11 3 1 1.702 3.051 8.472
1.848 33 1 4 2.183 2.827 11.913
592 5 1 0 619 1.461 3.205
2.096 4 0 1 1.002 1.107 5.313
7.586 47 2 13 5.391 16.731 40.501
993 22 3 10 1.786 3.598 8.718
1.602 23 1 1 1.797 2.645 8.023
4.987 49 6 7 3.692 9.197 21.593
2.069 55 0 4 4.361 6.308 17.999
700 26 0 1 1.083 799 4.136
4.664 30 1 3 1.570 9.815 22.239
1.850 4 1 2 1.770 1.340 6.658
5.780 69 6 8 1.777 7.693 19.365
362 3 0 1 320 834 2.161
16 0 0 0 34 52 187
676 6 2 4 450 977 2.611
18.704 37 8 39 9.372 39.609 88.842
1.107 13 1 2 1.163 1.188 4.460
369 1 1 1 331 581 3.464
70.344 631 40 121 53.175 136.572 356.911
20 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

da Saúde, de 2005, do total de partos reali- envolvido em bullying, seja como agres-
zados nas regiões Norte e Nordeste, 28,5% e sor ou vítima. O bullying é um conjunto de
25,1%, respectivamente, foram de mães en- atitudes agressivas, intencionais e repetidas,
tre 10 e 19 anos de idade. A média nacional adotadas por um ou mais estudantes contra
de mães nessa faixa etária é de 21,8%. outros, em geral mais frágeis ou em situação
desfavorável em relação aos agressores.
Segundo o estudo Sistemas de Notificação
Trabalho Infantil e violência e Detecção da Violência em Escolas Públicas
Outro motivo que leva crianças e adolescen- – Propostas para Integração entre Projetos
tes a abandonar a escola é o trabalho preco- Políticos, Pedagógicos e o Sistema de Ga-
ce. De acordo com a Pnad 2007, do total de rantia de Direitos, a violência afeta três quar-
44,7 milhões de crianças e adolescentes de tos das 4.150 escolas públicas de Educação
5 a 17 anos de idade, 4,8 milhões trabalham. Infantil e Ensino Fundamental pesquisadas,
Quase um terço (30,5%) desse grupo traba- em 20 municípios brasileiros. A pesquisa foi
lha pelo menos 40 horas semanais. iniciada em 2004 e concluída em 2006 pelo
São números significativos, apesar de es- Centro de Referência às Vítimas de Violên-
tar havendo queda do nível de ocupação de cia (CNRVV), do Instituto Sedes Sapientiae,
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de de São Paulo, com o apoio do UNICEF.
idade nos últimos anos. Em 2006, existiam A forma mais frequente de agressão é a que
5,1 milhões de trabalhadores nessa faixa etá- ocorre entre alunos (66%). Já os tipos mais co-
ria, o que corresponde a 11,5% do total de muns de agressão dos adultos em relação às
crianças. Em 2007, essa taxa caiu para 10,8%. crianças e aos adolescentes são verbais: xinga-
A redução tem sido significativa em todas as mentos (28%) e comentários pejorativos (20%).
regiões, em especial Norte e Nordeste. Muitos alunos participantes do Bolsa Fa-
O abandono da escola em razão da ne- mília, que têm sua presença na escola moni-
cessidade de trabalhar para ajudar na renda torada pelo Ministério da Educação (MEC),
familiar fica evidente quando se analisa a ta- também apontam diferentes formas de
xa de escolarização dos adolescentes ocupa- violência, como negligência de pais ou
dos e não ocupados. De acordo com a Pnad responsáveis, exploração sexual, trabalho
2007, dos adolescentes de 15 a 17 anos que infantil e violência doméstica, como causa
trabalham, apenas 21,8% estão na escola. para a baixa frequência à escola (veja ta-
A violência também contribui para afas- bela na página 18).
tar crianças e adolescentes da escola e se
manifesta de diferentes maneiras. De acordo
com o relatório Aprender Sem Medo: a Cam- APRENDIZAGEM E
panha Global para Acabar com a Violência CONCLUSÃO NA IDADE CERTA
nas Escolas, divulgado em 2008 pela Plan Para acompanhar a evolução do nível de
International, organização não governamen- aprendizagem e o fluxo escolar das crian-
tal de origem inglesa voltada para a defesa ças e dos adolescentes brasileiros, há mais
dos direitos da infância e para o combate à de dez anos, o MEC, por meio do Instituto
violência e aos abusos contra crianças em Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-
todo o mundo, 84% dos 12 mil estudantes nais Anísio Teixeira (Inep), realiza avaliações
ouvidos em seis estados do Brasil apontam do sistema educacional do país. Com base
a existência de violência na sua escola. A nos resultados dessas avaliações, é possível
pesquisa revelou ainda que 70% desses es- identificar deficiências, estabelecer políticas e
tudantes afirmaram ter sido vítimas de vio- planos de ação, definir metas de qualidade e
lência na escola e um terço deles disse estar prioridades nos investimentos.
aprender no brasil 21

Boas práticas para o direito de aprender


Para conhecer melhor a realidade Brasil, o estudo mostra que há como o acesso à Educação Infantil,
dos municípios brasileiros e fatores comuns a praticamente a interação com as famílias e a
identificar boas práticas, o UNICEF todas as escolas que exercem comunidade, a prática por projetos,
realizou dois estudos – Aprova Brasil maior impacto positivo sobre a o respeito ao tempo escolar, o
e Redes de Aprendizagem1. aprendizagem das crianças. cuidado com a infraestrutura das
O objetivo do Aprova Brasil, Entre eles estão a centralidade escolas, a atuação e a capacidade
desenvolvido em 2006 em parceria do papel do professor; a valorização da direção das escolas em garantir
com o Inep/MEC, foi identificar, em e o respeito ao aluno e à sua boas condições de trabalho e o foco
33 escolas do Brasil, as boas práticas cultura; a existência de espaços na aprendizagem, e a existência de
relacionadas à gestão, à organização e instrumentos de participação plano de carreira, cargos e salários.
e ao funcionamento desses efetiva desse conjunto de atores e para os educadores. De alguma
estabelecimentos que pudessem de seus parceiros, como parte de forma, esses pontos estão presentes
ter contribuído para melhorar uma gestão democrática da escola; no Plano de Desenvolvimento
a aprendizagem dos seus alunos. o estímulo ao processo cognitivo da Educação (PDE).
As escolas foram selecionadas por meio de atividades lúdicas, Na sua maioria, essas redes são
de acordo com o desempenho de metodologias inovadoras, espaços mais do que um conjunto de escolas
seus alunos na Prova Brasil. Também educativos; e busca de novas sob gestão do município. São redes
foi levado em consideração o perfil abordagens pedagógicas. de fato, em que as trocas e os fluxos
socioeconômico dos alunos e alunas Já o estudo Redes de de informação e recursos alimentam
do município onde as instituições Aprendizagem (MEC, Inep e relações e aprendizagens coletivas,
estão inseridas. Em todas elas – Undime) analisou, em 2007, 37 orientadas por um propósito comum:
situadas em lugares tão distintos redes municipais de escolas do a garantia do direito de aprender. E
como numa comunidade ribeirinha Ensino Fundamental em que o adotam atitudes que contribuem para
do Amazonas, no centro do Rio de direito de aprender está assegurado. mantê-las firmes nesse propósito:
Janeiro ou num bairro pobre de Elas foram selecionadas com atenção a tudo o que pode influir
uma pequena cidade do Rio Grande base no Ideb e no cruzamento de no alcance dos seus objetivos;
do Sul –, os estudantes obtiveram informações socioeconômicas dos busca por fazer sempre o melhor
resultados acima da média das alunos e de suas famílias, extraídas possível; abertura para propor
escolas com alunos e alunas de perfil do questionário que faz parte da práticas e projetos que vão além das
socioeconômico similar. Prova Brasil. medidas formais de capacitação e
A pesquisa analisou cinco Entre as razões apontadas como investimento; solidariedade, como
dimensões da vida da escola: as responsáveis pelo sucesso dessas valorização do compartilhamento
práticas pedagógicas, a importância redes destacam-se dez pontos: das responsabilidades,
do professor, a gestão democrática foco na aprendizagem, gestão com oportunidades e aprendizagens.
e a participação da comunidade práticas de rede, planejamento, Os resultados dessas redes no
escolar, a participação dos alunos avaliação, perfil do professor, Ideb confirmam que elas estão no
e as parcerias externas. Embora formação do corpo docente, caminho certo. Comparando-se os
cada criança e cada escola tenham valorização da leitura, atenção índices de 2005 com os de 2007,
particularidades que contribuíram individual ao aluno, atividades verificou-se uma melhora em
para o bom desempenho na Prova complementares e parcerias. 23 dos 37 municípios participantes
A pesquisa identificou ainda da pesquisa. Em seis deles, os
1 Ambos os estudos estão disponíveis para download na internet
nos seguintes endereços: Aprova Brasil – www.unicef.org/brazil/ outros aspectos importantes, índices se mantiveram constantes, e,
pt/aprova_final.pdf e Redes de Aprendizagem – www.unicef.org/
brazil/pt/Redes_de_aprendizagem.pdf embora menos citados pelas redes, em apenas oito, registrou-se queda.
22 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

O primeiro instrumento utilizado para es- período de 2007 a 2021. Para atingi-las, é
se fim foi o Sistema Nacional de Avaliação da necessária a regularização do fluxo escolar,
Educação Básica (Saeb), criado em 1990. Ele é de forma a reduzir significativamente as re-
realizado a cada dois anos, com uma amostra provações e o abandono e melhorar muito
de alunos de 4a e 8a séries do Ensino Funda- o desempenho das escolas.
mental e do 3o ano do Ensino Médio das redes Para alcançar resultados realmente ex-
pública e privada, nas zonas urbana e rural. pressivos em âmbito nacional, será funda-
Outra avaliação realizada pelo Inep é a mental a aplicação da Prova Brasil também
Prova Brasil, aplicada também a cada dois nas escolas do campo, o que acontecerá pe-
anos desde 2005 a todos os alunos de 4a e 8a la primeia vez em 2009. A falta de avaliação
séries do Ensino Fundamental das escolas das dificultava a identificação e o combate dos
redes públicas da zona urbana que tenham graves problemas existentes nessas escolas
mais de 20 alunos matriculados em cada uma (leia mais sobre o tema no texto Educação
dessas séries. Por fornecer resultados por es- no campo, na página 23).
cola, estado e município, a Prova Brasil per- Os resultados das avaliações realizadas,
mite identificar pontualmente a qualidade do em especial os revelados pelo Ideb, apon-
ensino oferecido na rede pública e, com isso, tam deficiências e desigualdades de apren-
definir ações pedagógicas e administrativas dizagem tanto entre comunidades, municí-
para corrigir as deficiências detectadas e me- pios, estados e regiões brasileiras, quanto
lhorar a aprendizagem. em relação a outros países. Os resultados do
Pisa, programa internacional de avaliação
comparada mantido pela OCDE, que mede
A quantidade de concluintes do Ensino o conhecimento de alunos na faixa dos 15
Fundamental no país corresponde a 53,7% anos para avaliar a efetividade dos sistemas
dos que ingressam no mesmo nível de ensino educacionais, colocam o Brasil entre os paí-
ses com os mais baixos índices de desempe-
nho em Leitura, Matemática e Ciências. De
De acordo com diretrizes estabelecidas no acordo com os resultados da avaliação de
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), 2006, mais de 40% dos estudantes brasilei-
o Inep criou o Índice de Desenvolvimento da ros tiveram desempenho igual ou inferior ao
Educação Básica (Ideb), que integra os resul- nível 1, o mais baixo do Pisa.
tados da Prova Brasil e do Censo Escolar (veja As dificuldades de acesso, permanência
os dados do Ideb 2005 e 2007 por estado no e aprendizagem fazem com que um elevado
capítulo Dados e Indicadores). número de pessoas tenha baixa escolarida-
O Ideb se baseia no princípio de que uma de no país (veja tabela na página ao lado).
educação de qualidade é aquela em que o Nesse caso, também as desigualdades
aluno aprende e é aprovado para a próxima regionais estão presentes. De acordo com
série do ensino. Assim, utiliza como fontes a análise do Ipea dos dados da Pnad 2007,
o desempenho medido pela Prova Brasil e a as maiores taxas de pessoas com poucos
aprovação registrada pelo Censo Escolar. anos de estudo estão nas regiões Nordeste e
Além de criar o indicador, o PDE definiu Norte. Também são bastante significativas as
metas para 2021 – o Brasil deve atingir um diferenças em relação a localização e a raça
Ideb igual a 6,0, índice que corresponde a e cor. Enquanto a população urbana possui
um sistema educacional de qualidade com- em média 8,5 anos de estudo, a população
parável à dos países membros da Organiza- rural tem apenas 4,5 anos, quase a metade.
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Já os negros têm, em média, dois anos de
Econômico (OCDE) – e submetas para o estudo a menos que os brancos.
aprender no brasil 23

De acordo com os dados do Censo Es- no campo, os indígenas, os quilombolas e as


colar 20068, a quantidade de concluintes do crianças e os adolescentes com deficiência.
Ensino Fundamental corresponde a 53,7% Nos últimos anos, esses grupos tornaram-
do número de matrículas na 1a série deste se foco de políticas públicas específicas e de
nível de ensino no mesmo ano. No Ensi- ações desenvolvidas por diferentes organiza-
no Médio, a proporção entre matriculados ções da sociedade civil. Com isso, verificou-se
na 1a série e os concluintes é ainda menor: uma melhora nos indicadores educacionais
50,9%. Aqui também persistem as desigual- relativos a eles. Mas ainda há enormes desa-
dades regionais (veja tabela na página 24). fios a enfrentar para garantir a essas crianças
Esse quadro se deve às altas taxas de e a esses adolescentes o acesso à escola e uma
reprovação, abandono e evasão escolar educação de qualidade, que efetivamente aten-
em todas as etapas da Educação Básica, da às suas necessidades de aprendizagem.
em especial no Ensino Médio, como mos-
tram os dados do Censo Escolar (veja ta-
bela na página 17). EDUCAÇÃO NO CAMPO
As crianças e os adolescentes das zonas ru-
rais do Brasil – que incluem os que vivem em
VULNERABILIDADES NA GARANTIA comunidades indígenas e quilombolas – são
DO DIREITO DE APRENDER as vítimas das desigualdades verificadas na
Embora o panorama da educação no Brasil educação brasileira. A maior taxa de analfa-
tenha melhorado de forma geral, alguns gru- betismo está no campo, assim como o maior
pos da população ainda se encontram em grupo de pessoas fora da escola.
situação mais vulnerável quando se trata do Faltam escolas para atender todas as
pleno exercício do direito de aprender. Entre crianças e adolescentes, e muitas das que
eles estão as meninas e os meninos que vivem existem não oferecem infraestrutura ade-
quada nem professores com a formação ne-
8 Os dados são os últimos disponíveis sobre o tema movimento escolar. cessária para exercer suas funções. Há uma

Nível de escolarização
Número médio de anos de estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade

Homens Mulheres
10 9,7
9,2 9,3
8,9
8,5 8,6
8,3
8
7,6 7,6 7,4
7.0 6,9
6,1 6,1
6

4,3 4,2
4 3,9 3,8

0
10 a 14 15 a 17 18 ou 19 20 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos
anos anos anos anos anos anos anos anos ou mais

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007
24 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Número de matrículas x Número de alunos que concluem o Ensino Fundamental Número de matrículas x Número de alunos que concluem o Ensino Médio
Taxas de conclusão são baixas e há muita Situação é ruim em
diferença entre as regiões todos os estados

Matriculados na Concluintes Matrículas


Unidade Unidade Concluintes do
1a série do Ensino do Ensino % na 1a série do %
da federação da federação Ensino Médio1
Fundamental Fundamental Ensino Médio

Brasil 4.602.744 2.471.690 53,7% Brasil 3.651.903 1.858.615 50,9%

Norte 619.754 177.975 28,7% Norte 313.986 142.103 45,2%


Tocantins 39.093 18.970 48,5% Amazonas 65.082 34.398 52,8%
Rondônia 46.320 20.296 43,8% Tocantins 31.028 15.699 50,6%
Roraima 13.103 5.477 41,8% Pará 154.184 67.703 43,9%
Amazonas 130.492 42.880 32,80% Roraima 7.422 2.970 40,0%
Amapá 25.372 8.064 31,8% Rondônia 25.842 10.270 39,7%
Acre 34.108 8.533 25,0% Acre 14.050 5.252 37,4%
Pará 331.266 73.755 22,3% Amapá 16.378 5.811 35,5%

Nordeste 1.648.112 706.162 42,8% Nordeste 1.130.806 504.332 44,6%


Ceará 202.185 135.326 67,0% Bahia 290.110 139.945 48,2%
R. G. do Norte 64.966 34.678 53,4% Pernambuco 192.005 87.911 45,8%
Pernambuco 241.781 109.460 45,3% Ceará 179.085 79.440 44,3%
Paraíba 118.347 52.704 44,5% R. G. do Norte 69.713 30.590 43,8%
Maranhão 248.044 94.266 38,0% Piauí 84.370 36.105 42,8%
Alagoas 108.659 40.268 37,0% Paraíba 74.461 31.673 42,5%
Bahia 471.746 172.291 36,5% Sergipe 37.923 15.910 41,9%
Piauí 121.727 43.660 35,8% Maranhão 141.850 58.416 41,2%
Sergipe 70.657 23.509 33,3% Alagoas 61.289 24.342 39,7%

Sudeste 1.475.236 1.046.145 70,9% Sudeste 1.420.458 848.995 59,7%


Minas Gerais 351.464 277.666 79,0% São Paulo 699.178 479.432 68,6%
São Paulo 781.011 564.506 72,3% Espírito Santo 59.745 33.635 56,3%
Espírito Santo 70.890 46.771 65,9% Minas Gerais 361.205 202.088 55,9%
Rio de Janeiro 271.871 157.202 57,8% Rio de Janeiro 300.330 133.840 44,5%

Sul 560.066 350.882 62,6% Sul 512.421 240.374 46,9%


Paraná 208.526 136.202 65,3% Santa Catarina 108.958 56.150 51,5%
Santa Catarina 130.522 85.129 65,2% Paraná 201.439 100.418 49,8%
R. G. do Sul 221.018 129.551 58,6% R. G. do Sul 202.024 83.806 41,5%

Centro-Oeste 299.576 190.526 63,6% Centro-Oeste 274.232 122.811 44,8%


Goiás 113.245 82.467 72,8% Distrito Federal 44.386 23.613 53,2%
Mato Grosso 69.279 48.208 69,6% Mato Grosso do Sul 43.459 20.738 47,7%
Distrito Federal 51.354 28.909 56,3% Goiás 118.994 53.093 44,6%
Mato Grosso do Sul 65.698 30.942 46,4% Mato Grosso 67.393 25.367 37,6%
Fontes: MEC/Inep, Censo Escolar 2006
1 Inclui Ensino Médio Integrado à Educação Profissionalizante e concluintes do Curso Normal
aprender no brasil 25

grande dificuldade de acesso de professo- Escolaridade média e analfabetismo


res e alunos às escolas pelas deficiências do Índices têm muita variação regional
sistema de transporte escolar. Além disso, Anos de estudo
Regiões
muitos currículos estão desvinculados da Total Rural Urbana
geográficas
2000 2004 2000 2004 2000 2004
realidade, das necessidades, dos valores e
dos interesses dos estudantes residentes no Brasil 6,4 6,8 3,8 4,0 6,9 7,3

campo, o que impede que o aprendizado, Norte 5,6 6,2 3,3 4,0 6,5 6,9
de fato, se transforme em um instrumento Nordeste 5,2 5,5 3,2 3,1 6,0 6,3
para o desenvolvimento do meio rural. Sudeste 7,1 7,5 4,5 4,7 7,3 7,7
O resultado desse quadro é um baixo nível Sul 6,8 7,2 4,9 5,0 7,3 7,7
de instrução e de acesso à educação. De acor- Centro-Oeste 6,6 7,0 4,2 4,7 6,9 7,4
do com o documento Panorama da Educação
do Campo, publicado pelo Inep em 2007, com Taxa de analfabetismo (%)
Regiões
base em dados da Pnad 2004, a escolaridade Total Rural Urbana
geográficas
2000 2004 2000 2004 2000 2004
média da população de 15 anos ou mais que
Brasil 13,6 11,4 29,8 25,8 10,3 8,7
vive na zona rural corresponde a quase meta-
de do índice da população urbana. Norte 16,3 12,7 29,9 22,2 11,2 9,7

E as diferenças permanecem grandes em Nordeste 26,2 22,4 42,7 37,7 19,5 16,8
todas as regiões do país, até naquelas em que Sudeste 8,1 6,6 19,3 16,7 7,0 5,8
a taxa de escolaridade é mais alta. O Nordeste Sul 7,7 6,3 12,5 10,4 6,5 5,4
apresenta o quadro mais grave: a população Centro-Oeste 10,8 9,2 19,9 16,9 9,4 8,0
rural tem em média 3,1 anos de estudo, me- Fonte: Panorama da Educação do Campo – Inep/2007

nos da metade que a população urbana (veja


tabelas ao lado). Segundo a análise do Inep, Taxa de frequência à escola
se esse ritmo for mantido, a população rural Dados mostram as diferenças regionais
levará mais de 30 anos para atingir a taxa atual Taxa de frequência líquida1 Taxa de frequência à escola2
Regiões no Ensino Fundamental (%) na faixa de 7 a 14 anos (%)
de escolaridade da população urbana.
geográficas Total Urbana Rural Total Urbana Rural
Os índices de analfabetismo são também
2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004
muito mais acentuados no campo que nas
Brasil 89,5 93,8 91,4 94,4 83,0 91,6 90,5 97,1 92,4 97,5 83,5 95,5
áreas urbanas: 25,8% da população com
Norte 83,1 92,1 89,4 92,8 70,9 90,6 86,0 94,9 91,2 95,8 74,3 93,0
15 anos ou mais da zona rural é analfabe-
Nordeste 87,1 91,6 89,5 92,5 82,5 89,7 89,4 96,1 91,1 96,5 86,1 95,2
ta, ante 8,7% da população da mesma faixa
Sudeste 91,8 95,4 92,4 95,5 87,6 94,4 92,3 98,1 93,5 98,2 82,3 96,7
etária que vive na cidade.
Sul 92,7 95,5 93,3 95,4 90,5 95,6 90,8 97,8 92,4 97,9 84,8 97,5
Como acontece com os demais indicado-
Centro-Oeste 90,1 94,2 91,1 94,4 84,2 92,6 91,0 97,2 92,5 97,5 81,0 95,4
res educacionais, há uma significativa desi-
gualdade regional. A Região Nordeste con- Taxa de frequência líquida1 Taxa de frequência à escola2
Regiões no Ensino Médio (%) na faixa de 15 a 17 anos (%)
centra o maior índice de analfabetismo entre
geográficas Total Urbana Rural Total Urbana Rural
as pessoas com 15 anos ou mais que vivem 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004
no campo, 37,7%, ante 10,4% da Região Sul. Brasil 34,4 44,4 39,8 49,4 13,6 22,1 69,8 81,9 73,3 84,2 55,9 71,8
Em termos de taxa de atendimento e fre- Norte 19,2 27,5 25,2 32,6 4,8 13,5 65,5 78,6 73,3 81,8 45,4 69,6
quência líquida no Ensino Fundamental das Nordeste 18,9 27,9 25,2 34,9 5,8 11,6 69,6 78,9 73,8 82,5 60,6 70,6
crianças de 7 a 14 anos, as variações entre Sudeste 46,3 58,0 49,0 60,0 24,0 35,1 72,5 85,4 74,7 86,8 53,0 69,4
campo e cidade são menores. Mas também Sul 45,7 53,4 48,5 54,6 34,6 48,2 65,7 81,7 68,3 82,2 54,5 79,9
aqui Norte e Nordeste apresentam os menores Centro-Oeste 34,4 44,9 37,2 47,2 15,4 29,2 69,0 79,9 71,8 80,7 49,4 74,3
índices – 93,0% e 95,2%, respectivamente. Fonte: Panorama da Educação do Campo – Inep/2007
1 Proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam a escola na série adequada, conforme a adequação
Já no grupo de 15 a 17 anos, que corres-
idade-série do sistema educacional brasileiro, em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária.
ponde à faixa etária que deveria estar cursando 2 Proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam a escola em relação ao total de pessoas da mesma
faixa etária, independentemente do nível de ensino.
26 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Taxa de distorção idade-série Programa Nacional de Educação na Refor-


Por nível de ensino e localização (em %) ma Agrária (Pronera). Executado pelo Ins-
tituto Nacional de Colonização e Reforma
80
Até a 4a série Agrária (Incra), o Pronera tem como objeti-
Da 5a à 8a série
vo ampliar os níveis de escolarização formal
Ensino Médio 59,1
60 56,0 dos trabalhadores rurais assentados e disse-
46,0 minar conhecimento no campo. O foco são
41,4 cursos de Educação Básica (Alfabetização,
40
34,8
Ensino Fundamental e Médio), técnicos pro-
fissionalizantes de nível médio, superiores e
19,2
20 de especialização. As iniciativas são realiza-
das em parceria com movimentos sociais e
sindicais de trabalhadores rurais, instituições
0
Urbana Rural públicas de ensino, organizações comunitá-
Fonte: Panorama da Educação do Campo – Inep/2007
rias e governos estaduais e municipais.
A melhoria da educação oferecida a
o Ensino Médio, as diferenças entre o meio ru- crianças e jovens que vivem na zona ru-
ral e o urbano são bem acentuadas. A taxa de ral do país é o foco de diversas organiza-
frequência à escola nas cidades chega a 84,2%, ções da sociedade civil. Entre elas está o
índice que não passa de 71,8% no campo. Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta),
No que se refere à taxa de frequência à com sede em Pernambuco, que trabalha
escola no Ensino Médio, a situação, que é com a formação de jovens, educadores
muito ruim em todo o país – menos da meta- e produtores familiares e a promoção do
de dos jovens está cursando esse nível de en- desenvolvimento na zona rural. Sua Pro-
sino –, no campo é ainda pior: pouco mais posta Educacional de Apoio ao Desenvol-
de um quinto deles está no Ensino Médio. No vimento Sustentável (Peads) está baseada
Nordeste, o índice não passa de 11,6%. no conceito da educação contextualizada,
A distorção idade-série no campo também que permite a aproximação das famílias
é elevada. Aproximadamente 41,4% dos alu- e das comunidades com a escola, que se
nos matriculados nas séries iniciais do Ensino torna, então, um agente de transformação
Fundamental têm idade superior à adequada social (veja texto Educação contextualiza-
(veja gráfico acima). Nas séries finais e no da no capítulo Aprender no Semiárido).
Ensino Médio, a defasagem se torna ainda Outra atuação de destaque é a do Movi-
maior – 56% e 59,1%, respectivamente. mento de Organização Comunitária (MOC), da
Diante desse quadro, o foco das políticas Bahia, cujo objetivo é contribuir para o desen-
governamentais voltadas para a educação do volvimento integral, participativo e ecologica-
campo é investir na qualificação do corpo do- mente sustentável do Semiárido Baiano. Para
cente e na qualidade dos materiais didáticos, isso, desenvolve ações voltadas para a área de
além de ampliar o atendimento nos anos fi- educação, como o projeto Conhecer, Analisar e
nais do Ensino Fundamental e no Ensino Mé- Transformar a Educação do Campo para o De-
dio, construindo mais escolas na zona rural. O senvolvimento Sustentável (CAT), que busca
objetivo é tornar a escola mais atrativa para as envolver a família, a escola e a comunidade. A
crianças e os adolescentes do campo, de modo ideia é trabalhar a educação como meio para a
que eles consigam completar sua formação. elaboração de conhecimentos específicos que
Além do MEC, o Ministério do Desen- contribuam para tornar a vida da população
volvimento Agrário atua para melhorar a si- no campo melhor (leia mais sobre o assunto
tuação educacional no campo, por meio do no capítulo Aprender no Semiárido).
aprender no brasil 27

EDUCAÇÃO INDÍGENA Número de matrículas indígenas por etapa de ensino


Em relação aos povos indígenas, ainda há Expansão nos anos finais foi significativa
muitos obstáculos que impedem o pleno 150
exercício do direito à educação. Entretanto, 140
Anos iniciais Anos finais
130
houve grandes avanços nos últimos anos, 110 107.172
em razão da adoção de novas políticas vol- 100
90 82.918
tadas para a educação indígena.
80
O número total de estudantes indígenas +96,0%
70
no Brasil chegou a 176.7149, em 2007, o que 60
50
representa crescimento de 50,8% em cinco 40
+29,3%
31.652
anos. Em 2002, havia 117.171 alunos dessa 30
20 16.148
população em todos os níveis de ensino.
10
Em relação ao número de estabeleci- 0
2002 2007 2002 2007
mentos, houve uma expansão de 45% em Relação alunos nos anos Relação alunos nos anos
cinco anos. O total de escolas indígenas foi iniciais/anos finais 2002 iniciais/anos finais 2007
5,13 3,38
de 2.480 em 2007. Essas escolas, onde traba- Fonte: Secad/MEC
lham aproximadamente 10.200 professores,
90% deles indígenas, estão integradas aos sis-
temas estaduais e municipais de ensino. Em e 2007. No entanto, o número de estudan-
relação ao número de matrículas por etapa tes indígenas nesta etapa ainda é muito re-
de ensino, houve uma expansão significativa duzido, fazendo com que muitos tenham
nos anos finais do Ensino Fundamental (da que migrar para a cidade com o objetivo de
5a à 8a série) no período de 2002 a 2007, mui- completar a Educação Básica.
to maior que no primeiro segmento. Embora os indicadores estejam evoluin-
No Ensino Médio, o crescimento foi sig- do ano a ano, ainda há um longo caminho a
nificativamente maior, de 665% entre 2002 percorrer. A maioria das escolas indígenas não
apresenta infraestrutura adequada a seu funcio-
9 Dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad) do MEC. namento e a qualidade ainda deixa a desejar.

Estudantes indígenas por níveis de ensino


O cenário brasileiro em 2007

Total de
alunos: 100% 176.714

Ensino Fundamental
porcentagem sobre total

107.172
anos iniciais: 60,6%
Níveis/modalidades e

Ensino Fundamental
31.652
anos finais: 17,9%

Educação
Infantil 9,6% 16.926

Educação
de Jovens e Adultos 12.546
7,1%

Ensino Médio: 4,8% 8.418

Milhares 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180

Fonte: Secad/MEC
28 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Diversas ações têm sido colocadas em zembro de 2008 foram reconhecidas 1.305
prática para melhorar esse quadro. Entre elas, comunidades remanescentes de quilombos
destacam-se a formação inicial e continuada no país. Elas estão distribuídas por quase
de professores indígenas em nível médio (Ma- todos os estados brasileiros e a educação
gistério Indígena) e em nível superior (Licen- oferecida nessas comunidades, em geral, é
ciaturas Interculturais), a produção de material bastante precária. As escolas frequentemen-
didático específico em línguas indígenas, bi- te estão distantes das casas dos alunos, não
língues ou em português, além da articulação apresentam infraestrutura adequada ao seu
para a adoção de uma educação escolar em funcionamento e poucas conseguem ofere-
conformidade com a territorialidade indígena. cer o Ensino Fundamental completo. Além
de serem poucos para atender a demanda,
os professores, em sua maioria, não têm a
A Conferência Nacional de Educação Escolar formação adequada para dar aulas.
Indígena deve mobilizar cerca de 10 mil No entanto, assim como acontece com a
estudantes, professores e líderes comunitários educação indígena, nos últimos anos o Cen-
so Escolar tem registrado uma evolução da
oferta educacional nessas comunidades. Em
Para que essas ações efetivamente garan- 2006, o número de escolas localizadas em
tam aos indígenas o acesso a uma educação de áreas remanescentes de quilombos cresceu
qualidade, é fundamental, no entanto, a parti- 94,4% em relação a 2005, chegando a 1.283
cipação das próprias comunidades na sua im- unidades e 161.625 matrículas. Porém, em
plantação. Com esse objetivo, será realizada em 2007 houve uma pequena redução nesses
2009 a 1a Conferência Nacional de Educação números – foram registradas 1.253 escolas e
Escolar Indígena. A previsão é de que o evento 151.782 matrículas. A maior parte se localiza
mobilize cerca de 10 mil indígenas, entre estu- na Região Nordeste. O Maranhão é o estado
dantes, professores, integrantes de comunida- com maior número de escolas em áreas qui-
des e líderes de organizações não governamen- lombolas – 423. Já os estados de Roraima e
tais, em quase todos os estados. O processo Acre e o Distrito Federal, que não possuem
da Conferência envolve reuniões locais nas comunidades quilombolas, não registram a
2.480 escolas indígenas e suas comunidades e existência de escolas desse tipo. O Amazo-
conferências regionais nos 16 territórios etno- nas tem uma comunidade quilombola, mas
educacionais. Também tem sido de grande não escola específica para ela.
importância a mobilização de organizações e Entre as ações que estão sendo tomadas
movimentos indígenas para garantir a essas po- para ampliar o acesso dos alunos quilombo-
pulações a educação diferenciada assegurada las à educação estão a formação e a capacita-
pela Constituição Federal. A Organização dos ção de professores, a ampliação e a melhoria
Professores Indígenas Sateré-Mawé dos Rios da estrutura física das escolas e a produção e
Andirá e Waikurapá (Opisma), por exemplo, aquisição de material didático específico para
tem tido uma atuação constante na defesa do essas comunidades. No âmbito da sociedade
direito à educação e à cultura das crianças per- civil, destaca-se a atuação da Coordenação
tencentes a essas comunidades, localizadas no Nacional de Articulação das Comunidades
estado do Amazonas (leia mais sobre a Opisma Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Criada
no capítulo Aprender na Amazônia). em 1996, após o I Encontro Nacional de
Quilombos, a organização, que represen-
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA ta os quilombolas de 22 estados do Brasil,
De acordo com a Fundação Cultural Palma- promove projetos de desenvolvimento sus-
res, órgão do Ministério da Cultura, até de- tentável das comunidades e procura garantir
aprender no brasil 29

o direito de crianças e adolescentes a uma passe do nível Fundamental. Há poucas escolas


educação que contribua para manter a cul- de Ensino Médio que oferecem atendimento
tura e a tradição quilombolas. para jovens com deficiência, o que limita muito
a sua inserção nessa etapa educacional.
Os dados do Censo Escolar 2007 confirmam
CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA ainda a dificuldade de progressão nos estudos
As crianças com deficiência também enfrentam das crianças com deficiência: enquanto 70,8%
graves problemas de exclusão e discriminação. cursam o Ensino Fundamental, apenas 2,5% es-
Embora seja obrigação do Estado promover e tão no Ensino Médio. O número de estudantes
garantir o respeito à igualdade de direitos a to- nesse nível de ensino é muito mais baixo que
dos, há muitos obstáculos físicos e sociais que na educação de jovens e adultos (11,2%).
impedem seu livre acesso à escola e à educa- Com relação à formação dos professores
ção inclusiva. Essa obrigação está expressa nas que atuam na Educação Especial, de acordo
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial com o relatório Evolução da Educação Es-
na Educação Básica, que determinam que os pecial no Brasil, produzido pela Secretaria
sistemas de ensino ofereçam as condições ne- de Educação Especial do MEC com base nos
cessárias para uma educação de qualidade para dados do Censo Escolar 2006, 0,62% cursou
todos, assim como no Plano Nacional de Edu- apenas o Ensino Fundamental, 24%, o En-
cação, em seu capítulo sobre Educação Espe- sino Médio e 75,2%, o Ensino Superior. A
cial, e na Política Nacional da Educação Espe- maioria (77,8%) dos professores declarou ter
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva. curso específico na área.
O acesso à educação fica ainda mais preju- O atendimento às crianças com deficiência
dicado de acordo com o tipo e o grau de defi- tem aumentado no país, em razão da adoção
ciência. Em geral, as escolas recusam crianças de uma política de educação inclusiva, que
com deficiência severa. Além disso, é muito di- prevê a sua inserção nas escolas regulares. De
fícil que a educação de crianças com deficiência acordo com dados do Censo Escolar, houve

Matrículas na Educação Especial


Por etapa/modalidade de ensino, em 2007

500

450 463.856 Total

400
Escolas e classes especiais
Escolas regulares/classes comuns
350

300

250
239.506
224.350
200

150

100 73.262
66.479

50 46.354 47.074
22.656 18.147 20.125 16.112 26.188
4.509 2.806 13.306 7.940 7.545 395 3.974 1.962 2.012
0
Creche Pré-escola Fundamental Ensino Médio Ed. Profissional EJA 1
EJA1
Presencial Semipresencial
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar/2007)
1 Educação de Jovens e Adultos
30 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

uma evolução nas matrículas na Educação Es- cação inclusiva nesse período, houve aumento
pecial, de 337.326 em 1998 para 654.606 em de 128,7% das matrículas nas escolas públicas,
2007 – um crescimento de 94%. No que se re- que atenderam 62,7% dos alunos em 2007.
fere ao ingresso em classes comuns do ensino Os resultados dessas ações também se ex-
regular, o aumento foi de cerca de 597%, pas- pressam no crescimento do número de muni-
sando de 43.923 alunos em 1998 para 304.882 cípios com matrículas. Em 2002, 65% das ci-
em 2007 (veja gráficos abaixo). dades ofereciam atendimento a crianças com
Em relação à distribuição das matrículas, em deficiência; em 2007, a taxa chegou a 94,8%, o
1998, 53,2% dos alunos estavam na rede públi- equivalente a 5.274 municípios.
ca e 46,8% nas escolas privadas, principalmen- Houve também aumento no número de
te em instituições especializadas filantrópicas. escolas com matrícula, de 24.789 em 2002 pa-
Com o desenvolvimento das políticas de edu- ra 59.020 em 2007 – crescimento de 138,1%.

Matrículas na Educação Especial


Evolução nas escolas especializadas e nas escolas regulares

800.000
Total de matrículas
700.624
700.000 Matrículas em escolas especializadas e classes especiais
Em escolas regulares/classes comuns 640.317
566.753 654.606
600.000
504.039
500.000 448.601
404.743
400.000 374.699 382.215 358.898 371.383 378.074 375.488
337.326 337.897 341.781
323.399
300.520
300.000 325.136
293.403 311.354 304.882
195.370 262.243
200.000
145.141
110.704
100.000 81.695 81.344
63.345
43.923

0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Evolução da política de inclusão nas classes comuns do ensino regular

100%
87,0%
90% 83,1%
78,6% 79,9%
80% 75,4%
71,2%
70% 65,6%
59,0%
60% 53,6% 52,8%
50%
40% 46,4% 47,2%
41,0%
30% 34,4%
28,8%
20% 21,4% 24,6%
20,1%
10% 16,9%
13,0%
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Matrículas em escolas especializadas e classes especiais Matrículas em escolas regulares/classes comuns

Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)


aprender no brasil 31

Desse total de escolas, 6.978 são escolas es- do foco da política pública de tornar a escola
peciais e 52.042 são escolas de ensino regular brasileira mais inclusiva.
com matrículas nas turmas comuns. A ten- A acessibilidade em prédios escolares tam-
dência é que este último grupo aumente sua bém melhorou nos últimos anos. Em 2002,
participação na educação especial, em razão 20,2% dos estabelecimentos de ensino com

Matrículas na Educação Especial


Evolução na rede pública e privada (em número de alunos)

800.000

Total de matrículas 700.624


700.000 654.606
Em escolas privadas 640.317
Em escolas públicas
600.000 566.753
504.039
500.000
448.601 441.155
404.743 410.281
400.000 374.699 382.215 383.488
337.326
323.258
300.000 276.261
239.234
208.566 207.040
196.073 256.829 259.469
200.000 179.364 243.495
209.367 227.778
197.703 244.325
100.000 157.962 178.626 173.629

0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Evolução no total de matrículas (em %)

70%
63,0% 62,7%
60,0%
60% 57,0%
53,2% 54,5% 53,3% 54,8%
52,3% 51,1%
50%

46,8% 47,7% 48,9% 46,7%


40% 45,5% 45,2%
43,0% 40,0%
37,0% 37,3%
30%

20%
Públicas Privadas
10%

0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Evolução de municípios brasileiros com matrículas na Educação Especial

100
94,8%
90 89%
82,3%
80 76,8%
71%
70 65%
60
2002 2003 2004 2005 2006 2007
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
32 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

matrícula de alunos com deficiência tinham sa- ra alunos com deficiência mental em Salas de
nitários com acessibilidade. Em 2006, de acor- Recursos Multifuncionais, no contraturno das
do com o relatório Evolução da Educação Es- aulas nas salas regulares. Segundo a Coordena-
pecial no Brasil, produzido pela Secretaria de ção-geral de Política Pedagógica da Secretaria
Educação Especial do MEC, 23,3% possuíam de Educação Especial, em 2008 foram instala-
sanitários com acessibilidade e 16,3% registra- das 4.300 Salas de Recursos e em 2009 o núme-
ram ter dependências e vias adequadas. ro chegará a 10 mil salas. Além disso, está em
A inclusão é um conceito defendido por andamento o Programa para Formação de Pro-
educadores do mundo todo. Para eles, a convi- fessores, que trabalha na capacitação de 31.463
vência de crianças com deficiência com outras professores de escolas públicas em práticas pe-
de sua idade é importante tanto para o desen- dagógicas inclusivas, entre outros projetos.
volvimento social e educacional de ambos os Em relação às iniciativas da sociedade civil,
grupos como para diminuir o preconceito. A a Escola de Gente – Comunicação em Inclusão,
chegada dessas crianças estimula a escola a tra- do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolve
tar melhor a diversidade, considerando o ritmo projetos que utilizam a comunicação e a cul-
de aprendizagem de cada aluno, independen- tura para a inclusão dos grupos mais vulnerá-
temente do grupo social a que ele pertence. veis da sociedade, em especial de pessoas com
Assim, o foco das políticas nacionais de deficiência. Entre eles, estão a qualificação da
Educação Especial tem sido agregar à educação mídia e de formadores de opinião a respeito do
oferecida nas escolas comuns o Atendimento tema, a realização de cursos em instituições pú-
Educacional Especializado – que inclui o ensino blicas e privadas e a capacitação de jovens para
do braile, da língua brasileira de sinais (Libras) que eles se tornem multiplicadores do conceito
e atividades de desenvolvimento cognitivo pa- e da prática da inclusão em todo o país.

Infraestrutura
A situação nas escolas públicas com Educação Básica – 2002 a 2006

14.000
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
12.684
12.000

10.452
10.000

8.888
8.412
8.000
7.560
6.478
6.354
6.000

5.016 4.849

4.000 3.755

2.000

0
2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
Escolas públicas com sanitários adequados aos alunos com necessidades educacionais especiais
Escolas públicas com dependências e vias adequadas aos alunos com necessidades educacionais especiais
aprender no brasil 33

Acessibilidade
Percentual de escolas públicas com adaptação arquitetônica – 2002 a 2006

14
12,8
12 10,5

10 8,4

8 6,4

6
4,8
4
2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)

Atualmente, a organização está trabalhando escolaridade aumenta: quem tem Ensino Médio
em conjunto com a Save the Children Suécia, o completo ganha seis vezes mais que um analfa-
MEC, a Fundação Avina e o UNICEF na elabo- beto; quem tem graduação completa, quase 12
ração dos Indicadores de Diversidade Humana, vezes; e quem tem mestrado, 16 vezes.
com o objetivo de ajudar a nortear a adoção de A escolaridade também tem forte impacto
políticas públicas inclusivas no Brasil. na educação e na aprendizagem dos filhos.
Outro exemplo de atuação nessa área é De acordo com dados do Saeb 2003, dos es-
o da ONG Tempo de Crescer. Com o apoio tudantes cujas mães nunca estudaram, 36,8%
do UNICEF, a organização desenvolve o pro- tiveram desempenho muito crítico. Já aqueles
jeto Saúde na Escola: Tempo de Crescer, que cujas mães iniciaram ou completaram o curso
promove a inclusão social e o atendimento a superior, o índice é de apenas 10%.
crianças e adolescentes com transtornos invasi- Assegurar a conclusão do Ensino Fundamen-
vos do desenvolvimento (TDI) na rede pública tal a todos os brasileiros na idade adequada é
de ensino e nos abrigos. O projeto atua direta- fundamental para ampliar a escolaridade média
mente em municípios da área metropolitana do no país, que hoje está em níveis insatisfatórios.
Recife e iniciou a capacitação de educadores em Com esse objetivo, foi definido o aumento da
municípios inscritos no Selo UNICEF em 2007 escolaridade obrigatória de oito para nove anos.
nos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Até 2010, todos os municípios e estados
deverão ter implantado o Ensino Fundamen-
tal de nove anos em sua rede de escolas. A
UMA DECISÃO INADIÁVEL matrícula obrigatória de todas as crianças a
– A AMPLIAÇÃO DA partir dos 6 anos de idade, ampliando para
ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA nove anos a duração mínima dessa etapa da
Educação é antes de tudo um direito. Além dis- Educação Básica, tem como objetivo melho-
so, existe uma correlação clara entre a quanti- rar significativamente a qualidade do proces-
dade de anos de estudo e o acesso a melhores so de aprendizagem. Com isso, as escolas
oportunidades de renda e, consequentemente, de Educação Infantil estão em processo de
de vida. Um estudo realizado em 2006 pelo Ins- reorganização pedagógica para redimensio-
tituto Futuro Brasil, organização que produz pes- nar o seu atendimento às crianças de até 3
quisas sobre a economia brasileira, indica que anos (creche) e de 4 e 5 anos de idade (Pré-
uma pessoa com Ensino Fundamental comple- escola), dentro desse novo cenário.
to ganha, em média, três vezes mais que um Segundo dados do Censo Escolar 2008,
analfabeto. Essa diferença cresce à medida que a 16.632.029 alunos frequentam escolas que
34 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

oferecem o Ensino Fundamental de nove a essas etapas da educação, fundamentais


anos – a maioria, 10.001.540 alunos, está na para assegurar o pleno desenvolvimento de
rede municipal, 4.237.937, na rede estadu- crianças, adolescentes e jovens.
al, 2.371.359, na rede particular, e 21.193, De acordo com dados do Banco Mun-
na rede federal. Isso corresponde a aproxi- dial, nos países desenvolvidos a escolarida-
madamente metade do total de estudantes de obrigatória varia de dez a 12 anos e deve
matriculados nesse nível de ensino no país. ser completada no Ensino Médio. Em alguns
Embora o ritmo de implantação pareça len- países, chega a 13 anos – como na Alemanha,
to, para a Secretaria de Educação Básica do na Bélgica e na Holanda. Em conjunto com
MEC está dentro das expectativas, e a meta uma educação de qualidade, cujo pilar princi-
deverá ser cumprida até 2010. pal é a valorização do trabalho do professor,
a permanência na escola por mais tempo ga-
rante aos estudantes uma aprendizagem mais
Um grande desafio para a implantação do Ensino ampla e consistente, o que coloca esses países
Fundamental de nove anos é a adoção de uma data nos lugares mais altos nos rankings dos exa-
de corte etária comum para a matrícula inicial mes internacionais.

Escolaridade obrigatória
Entre as dificuldades apontadas pelo MEC Duração da escolaridade Anos de
para a implantação do Ensino Fundamental obrigatória – países selecionados estudo
de nove anos, estão a insuficiência de edifí- Alemanha 13
cios e salas de aula para atender à demanda Bélgica 13
e o desafio da elaboração da matriz curricular Holanda 13
para a faixa etária de 6 anos, que, com a am- Nova Zelândia 12
pliação do ensino obrigatório, passa a com- Reino Unido 12
por o ciclo da infância com as crianças de 7 e
Estados Unidos 12
8 anos. Outro desafio é a adoção de uma da-
Austrália 11
ta de corte etária comum para a matrícula no
1o ano do Ensino Fundamental. Pareceres do Canadá 11

Conselho Nacional de Educação estipulam França 11


que apenas crianças com 6 anos completos Noruega 11
no início do ano letivo podem ser matriculadas Finlândia 10
nesse nível de ensino. Mas algumas escolas e Suécia 10
redes têm adotado critérios diferentes. Japão 10
Outro problema apontado é a falta de
Brasil1 9
autonomia dos municípios que ainda não Fonte: Banco Mundial 2006
organizaram seus sistemas municipais e de- 1 Estados e municípios têm até 2010 para implantar
o Ensino Fundamental de nove anos
pendem das deliberações do Estado para or-
ganizar suas redes.
A progressiva obrigatoriedade do Ensino
Médio está prevista na Lei de Diretrizes e Ba-
Escolaridade obrigatória ses da Educação (LDB). Para fazer com que a
de 14 anos – dos 4 aos 17 totalidade de crianças e jovens tenha acesso
A melhoria da qualidade de ensino no Brasil a esse nível de ensino, é preciso conseguir a
deve passar pela inclusão da Pré-escola e do universalização da conclusão do Ensino Fun-
Ensino Médio na escolarização obrigatória damental, tanto para os estudantes que estão
de forma a universalizar o acesso também na idade correta quanto para os jovens e adul-
aprender no brasil 35

tos que ainda não tiveram oportunidade de quisador do Inep Carlos Eduardo Moreno
fazê-lo. E essa é uma realidade ao alcance ho- Sampaio, a capacidade instalada hoje é in-
je de um número reduzido de estudantes. suficiente para atender todo o contingen-
De acordo com o estudo Situação Edu- te de jovens que deveria estar cursando o
cacional dos Jovens Brasileiros na Faixa Ensino Médio. Em muitos municípios, não
Etária de 15 a 17 anos, realizado pelo pes- há sequer uma escola que ofereça esse ní-

Educação Infantil é fundamental


A Educação Infantil tem um reprovação e abandono ou comunidade coletivamente faça
impacto sobre o desempenho promoção, repetência e evasão). uma avaliação da qualidade
escolar que nenhuma outra Entre os fatores levantados, educacional de sua escola. Como
variável tem. A importância dessa estão as questões individuais essa é uma área em que faltam
etapa da educação, segundo e familiares, do grupo de consensos, uma das inovações
Fabiana de Felicio, consultora em convivência e da escola. A análise do projeto foi a constituição de
pesquisa e avaliação educacional, tem interesse especial nos fatores um grupo técnico formado por
é consenso nas pesquisas escolares, pois estes, segundo especialistas da universidade
nacionais e internacionais. a pesquisa, são possíveis alvos e de algumas organizações
A análise da consultora é de políticas educacionais. não governamentais.
feita com base no estudo Fatores A importância da Educação Entre as questões presentes
Associados ao Sucesso Escolar: Infantil, segundo Fabiana nos indicadores está a gestão,
Levantamento, Classificação e de Felicio, foi unanimidade. que no caso da Educação Infantil
Análise dos Estudos Realizados Todos os trabalhos apontam considera, em especial, a relação
no Brasil, da Fundação Itaú Social. que ingressar na escola antes com as famílias, a interação adulto-
Um dos objetivos do estudo é da 1a série tem um efeito criança, o acesso aos brinquedos,
promover a aproximação entre positivo sobre o desempenho a valorização do brincar e o
as principais questões dos escolar, sendo os resultados projeto educativo.“O que a gente
gestores educacionais referentes estatisticamente significativos. quer é que a comunidade se
à melhora da qualidade no envolva na melhoria da Educação
sistema escolar, com os resultados Indicadores de qualidade Infantil”, afirma Vanda Ribeiro,
da literatura científica sobre A valorização da Educação Infantil coordenadora executiva do projeto.
o tema. Na primeira etapa do no país é recente e, neste ano, No final de 2008, os
projeto, coordenado por Fabiana, deve ganhar um impulso a mais indicadores foram testados em
foram feitos o levantamento e com o lançamento dos Indicadores 22 instituições no Brasil todo.
as classificações das análises da Qualidade na Educação O resultado foi um sucesso.
segundo seus resultados e as Infantil. O projeto foi coordenado Dezesseis das 22 instituições que
metodologias empregadas. por uma série de instituições, aplicaram os indicadores relataram
Foram considerados estudos como o UNICEF, o Ministério que vão dar continuidade ao
que investigaram que fatores da Educação, a Fundação Orsa, trabalho. Segundo Vanda Ribeiro, o
interferem na qualidade da a União Nacional de Dirigentes principal mérito do instrumento,
educação, representada pelo Municipais de Educação de acordo com as pessoas que
desempenho em exame (Undime) e a Ação Educativa. o utilizaram, é possibilitar o
padronizado e rendimento A ideia é oferecer um questionamento e, no caso das
ou fluxo escolar (aprovação, instrumento para que a instituições, uma autoavaliação.
36 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

vel. Naqueles em que existem escolas de estava em análise no Congresso Nacional a


Ensino Médio, predominam os cursos ofe- Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
recidos no período noturno, o que revela no 277/08, que, entre outros temas, prevê
que boa parte desses jovens é obrigada a a obrigatoriedade da educação dos 4 aos
conciliar estudos e trabalho para concluir 17 anos de idade. Caso seja aprovada, a
sua Educação Básica. medida deverá ser implantada de forma
Investir na formação de professores capa- progressiva até 2016 em todo o país.
citados para lecionar nessa etapa e adequar
os currículos à realidade desses jovens são
outros desafios que devem ser enfrentados. GARANTIA DE 800 HORAS
No caso da Educação Infantil, a situação DE AULA – FUNDAMENTAL
é semelhante. Embora o Plano Nacional de NA ANÁLISE DA ESCOLARIDADE
Educação (PNE) determine que, em 2011, As crianças e os jovens brasileiros matricula-
50% das crianças de até 3 anos e 80% das dos no Ensino Fundamental e no Ensino Mé-
de 4 e 5 anos frequentem creches e Pré- dio têm direito a uma carga horária mínima
escolas, apenas 17,1% das crianças de até de 800 horas de aula, distribuídas por pelo
3 anos e 70,1% do grupo entre 4 e 5 anos menos 200 dias letivos, conforme determina
estão matriculadas nesta etapa de ensino10. É a LDB. O objetivo desse período é garantir
preciso investir na construção de novos es- um mínimo de tempo de trabalhos escolares
tabelecimentos, na formação de professores a fim de assegurar um padrão adequado de
e na formulação de diretrizes pedagógicas qualidade à educação.
adequadas para essas faixas etárias de forma No entanto, diversos problemas im-
que se possa absorver toda a demanda que pedem que esse direito seja realmente
será gerada pelo cumprimento das diretri-
zes do plano e oferecer um atendimento de
qualidade a todas as crianças.
É fundamental lembrar a importância da
Educação Infantil. Um bom atendimento
Garantindo os
nessa fase tem reflexos importantes para a direitos da primeira
evolução da criança nas etapas seguintes da
educação escolar. Trata-se de uma forma de infância
garantir o direito à educação mais cedo e de
forma mais eficiente, por meio da ampliação
do tempo de convívio escolar e da oferta de Baseado no conteúdo do kit Família
mais oportunidades de aprendizagem (veja Brasileira Fortalecida1, o Almanaque
o texto Educação Infantil é fundamental). A da Família Brasileira conta a
carência da Educação Infantil, que atinge as história de Roberto, um menino
camadas mais pobres da população, acaba filho de dois jovens de famílias
limitando a evolução no sistema educacio- pobres, residentes em área urbana.
nal como um todo. O Almanaque acompanha a vida do
A institucionalização do aumento da garoto desde a sua gestação até o seu
escolaridade obrigatória requer mudan- sexto ano, quando ele já está na escola,
ças nos marcos legais que vão desde a e explica de maneira simples todos os
Constituição Federal até atos normativos dos
conselhos de educação. No início de 2009, 1 Conjunto de cinco álbuns desenvolvido pelo UNICEF e 29 parceiros
destinado ao trabalho com famílias. O conteúdo aborda todos os cuidados
com gestantes e crianças de até 6 anos.

10 IBGE/Pnad 2007 e análise dos microdados da Pnad 2007 feita pelo Ipea.
aprender no brasil 37

cumprido. Muitas escolas se preocupam o recreio tempo de aula e oferecer uma


apenas com a quantidade de dias letivos, jornada inferior a 4 horas são violações
sem, no entanto, garantir que, em cada do direito dos estudantes.
um deles, se cumpra a jornada mínima de Os estudantes também perdem um tem-
4 horas, necessária para que se efetivem po precioso na troca de aulas. As redes
as 800 horas previstas na lei. Em alguns públicas de modo geral desconsideram a
locais, o turno do período noturno tem necessidade de deslocamento do professor
cerca de 3 horas e 20 minutos11, mas não ou dos alunos entre uma aula e outra. Esses
se estende a quantidade de dias letivos 5 minutos de intervalo entre as aulas, em
para compensar a diminuição na jornada um ano letivo, representam perda de até
diária, por exemplo, com aulas aos sába- 20 aulas de 45 minutos cada, o equivalente
dos ou início do ano escolar antecipado. a quatro semanas. Ou seja, descumpre-se,
De acordo com pareceres do Con- assim, o tempo estipulado por lei.
selho Nacional de Educação, não basta Outro problema que afeta o cumprimen-
cumprir os 200 dias letivos, já que, na to do período letivo é o absenteísmo dos
verdade, o direito do aluno é ter 800 ho- professores. Quando um professor falta e
ras por ano, divididas em período diá- as crianças ficam ociosas, sem a orientação
rio mínimo de 4 horas, descontando-se de um substituto ou a realização de alguma
o tempo destinado aos exames e ao re- atividade pedagógica sob a supervisão de
creio, independentemente do turno em outro profissional da escola, o tempo efeti-
que as aulas são ministradas. Considerar vo de aulas fica prejudicado.
Como o número de faltas de professores
11 Pareceres CEE/PE nos 70/2003 e 122/2003; CNE/CEB nos 05/1997 e 08/2004. no sistema público de ensino é elevado –

direitos das mulheres grávidas e das


crianças e também todos os cuidados de
que elas precisam para crescer saudáveis
e desenvolver todo o seu potencial.
O Almanaque segue rigorosamente
o conteúdo do kit Família Brasileira
Fortalecida e, com o apoio do
Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome, agrega novas
contribuições na área de assistência
social. Por mais de dez meses, o
UNICEF trabalhou com a equipe
reprodução/Editora Globo/unicef/ziraldo

de Ziraldo e da Editora Globo no


processo de criação e de revisão do
material. Cerca de 50 mil exemplares
do Almanaque foram distribuídos, em
dezembro de 2008, em áreas piloto dos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro
e Ceará. A previsão é que ele seja
lançado no segundo semestre de 2009.
38 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

no estado de São Paulo, por exemplo, so- POLÍTICAS E INICIATIVAS


mente entre maio e junho de 2007, antes ESTRATÉGICAS PARA A GARANTIA
da aprovação da lei que estabelece um DO DIREITO À EDUCAÇÃO
limite de seis faltas por ano com atestado A qualidade da educação pública está previs-
médico, houve 90,1 mil ausências justifica- ta no mesmo conjunto de leis que assegura
das por atestados médicos, segundo infor- o direito à educação a todos os brasileiros:
mações da Secretaria Estadual de Educação a Constituição Federal de 1988, o Estatuto
–, o período de 800 horas anuais frequen- da Criança e do Adolescente, a Lei de Dire-
temente está longe de ser cumprido. Da trizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional de
mesma forma, um grande número de faltas Educação (PNE). Por um lado, tem sido im-
dos estudantes também impede que eles portante a atuação da iniciativa privada e de
usufruam da quantidade de aulas a que têm organizações do terceiro setor no sentido de
direito. É preciso garantir a presença dos contribuir para que esse direito saia do pa-
professores, por meio de monitoramento pel. Por outro, políticas públicas, programas
das faltas e da previsão de substituições e projetos são desenvolvidos pelo Estado,
quando elas acontecerem, e controlar a fre- destacando-se as políticas de financiamento
quência dos alunos à escola. da educação, o Plano de Desenvolvimento

Caravana do Esporte
O lazer e a prática de esportes a regras e limites, a aceitação Diante desse cenário, o UNICEF
são fundamentais para o da vitória ou da derrota e a apoia alguns projetos voltados para
desenvolvimento da criança e importância da solidariedade. a prática esportiva como atividade
do adolescente, pois, além de Por isso, o esporte é educativa. Entre eles, destaca-se o
fazer bem à saúde, estimulam uma ferramenta eficiente de Caravana do Esporte, que realiza
a aprendizagem, ampliam seu complemento à educação, ações em todo o país, envolvendo
universo cultural, desenvolvem aumentando o interesse e o crianças de 7 a 14 anos, professores,
suas potencialidades e favorecem desempenho na escola, além de funcionários, pais, educadores,
o relacionamento social, ajudar a combater problemas como lideranças comunitárias, além
proporcionando condições para a violência doméstica, o trabalho das prefeituras e secretarias
uma vida com mais qualidade. infantil e a exploração sexual, e de Educação e de Esporte dos
Por meio das atividades a promover a inclusão social e o municípios. O objetivo é promover
esportivas e de lazer, é possível respeito à diversidade. a prática esportiva por meio de
trabalhar a afetividade, as No entanto, as condições técnicas dos desenvolvimentos
percepções, a expressão, o para a prática esportiva ainda motor, cognitivo e socioafetivo dos
raciocínio e a criatividade das são precárias no país. Segundo o estudantes.
crianças e dos adolescentes. Assim, Censo Escolar 2007, apenas 25% O projeto, realizado em parceria
eles passam a ter mais controle das escolas de Educação Básica com a emissora de televisão ESPN
sobre seu corpo e melhoram a brasileiras mantêm quadras para Brasil e com o Instituto Esporte e
capacidade de brincar em grupo a prática de esportes. E, na maior Educação, utiliza o esporte como
e de fazer amigos. Além disso, parte das instituições que dispõem ferramenta educacional para o
conseguem aprender valores e desses recursos, o acesso é limitado desenvolvimento humano, por
habilidades necessários para a vida às aulas de Educação Física meio de jogos educativos. As
em sociedade, como o respeito previstas no currículo. atividades contam com o apoio e a
aprender no brasil 39

da Educação (PDE), a Conferência Nacional vulgado em 2007 pelo Grupo de Institutos,


de Educação (Conae) – no âmbito das inicia- Fundações e Empresas (Gife) – entidade que
tivas de mobilização e participação da socie- reúne os 101 maiores investidores sociais
dade –, além da articulação entre diferentes privados do país – sobre a atuação das em-
áreas públicas envolvidas no atendimento às presas na área da educação mostra que 81%
crianças e aos adolescentes brasileiros. de seus associados realizam ações voltadas
à melhoria da educação pública. O levan-
tamento aponta ainda que o investimento
AÇÕES DE ORGANIZAÇÕES médio por empresa chegou a cerca de 7 mi-
SOCIAIS E EMPRESAS lhões de reais em 2005. As principais ações
Diversas organizações sociais e empresariais dos associados do Gife na área da educação
têm se dedicado a realizar ações para melho- estão voltadas para a capacitação de profes-
rar a qualidade da educação pública e garantir sores (em 74% das empresas), oficinas de ar-
o direito de aprender de crianças e adolescen- te-educação (54%) e reforço escolar (50%).
tes. Não existem pesquisas amplas a respeito Articulações entre organizações sociais
dos investimentos em educação realizados também têm sido marcantes para tornar efe-
pela iniciativa privada. Mas um estudo di- tiva a educação de qualidade para todos os

participação de grandes nomes do professores da rede pública de cedidos pelo Instituto Cultural
esporte brasileiro, como Ana Moser ensino para que eles sejam capazes Mauricio de Sousa.
e Lars Grael. O UNICEF indica de dar continuidade às ações, com Desde o início do projeto, em
os municípios que devem ser a orientação da equipe da Caravana 2005, já foram atendidos 70 mil
visitados – o critério utilizado é um do Esporte e do Instituto Esporte crianças e adolescentes de 7 a
baixo Índice de Desenvolvimento e Educação. Após a implantação, 14 anos em 34 municípios de 15
Humano (IDH) e pouco ou é feito um monitoramento da estados brasileiros e capacitados
nenhum acesso a boas práticas evolução em cada comunidade por 9.500 professores da rede pública
de educação e esporte. Em 2007, meio da realização de fóruns de de ensino. Nas comunidades
a Caravana ampliou o trabalho avaliação e formação continuada. atendidas, foram constatados
para comunidades populares de Além das oficinas esportivas, a diminuição da evasão escolar e
Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Caravana realiza nas comunidades da distorção idade/série, melhora
Durante uma semana, a atividades complementares, como na autoestima, na coordenação
Caravana monta em cada oficinas de confecção de materiais motora e na capacidade de
comunidade visitada estações de esportivos e brinquedos educativos concentração e raciocínio lógico
esporte em diversas modalidades, com matérias-primas alternativas e das crianças, redução do trabalho
como vôlei, atletismo, judô, apresentações teatrais dos arte- infantil, maior participação dos
ginástica, handebol e canoagem. educadores da caravana, exibição alunos nas atividades da escola
As atividades são realizadas em de vídeos produzidos pela equipe e aumento da socialização e da
espaços abertos, sem a necessidade do projeto e de desenhos animados cooperação entre eles.
de quadras, com o objetivo de
propiciar a sustentabilidade do Resultado em números
conceito esporte-educação como Beneficiados 2005 2006 2007 2008
ferramenta de inclusão. Crianças 9.000 12.000 24.000 25.000
O programa também oferece
Professores 1.500 2.000 2.500 3.500
capacitação de 30 horas aos Fontes: ESPN Brasil/Instituto Esporte e Educação
40 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

cidadãos. Um exemplo é a Campanha Nacio- além de organizações sociais, educadores e


nal pelo Direito à Educação. Lançada em 1999 gestores públicos, com o objetivo de garantir
com o objetivo de fazer com que todos os bra- o cumprimento do direito a uma educação
sileiros tenham acesso a uma educação públi- de qualidade para todos os brasileiros até
ca de qualidade, como determina a legislação, 2022, ano do bicentenário da Independência
o movimento reúne mais de 200 entidades da do Brasil. Para isso, foram estabelecidas cinco
sociedade civil de todo o país. Seus esforços metas, que orientam as ações realizadas pelos
em prol de uma educação melhor para o Bra- participantes do movimento e são monitora-
sil influenciaram a criação do Fundeb e na das por meio dos indicadores oficiais dispo-
elaboração do Custo Aluno Qualidade Inicial, níveis: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na
indicador que deve nortear os investimentos escola; toda criança plenamente alfabetizada
públicos no setor (veja texto abaixo). até os 8 anos; todo aluno com aprendizado
Outro movimento de destaque é o Todos adequado à sua série; todo jovem com Ensi-
pela Educação, formado por representantes no Médio concluído até os 19 anos; e investi-
da sociedade civil e da iniciativa privada, mento em educação ampliado e bem gerido.

Por uma educação de qualidade


Para a Campanha Nacional pelo para garantir a oferta de uma como o financiamento deve ser
Direito à Educação, lançada em educação de qualidade. Embora o distribuído, democratizando a
1999 por diferentes organizações conceito de custo aluno–qualidade informação e facilitando o controle
da sociedade civil, a qualidade da esteja previsto nas leis que tratam social. De acordo com Daniel Cara,
educação oferecida às crianças e da educação no país, inclusive a coordenador-geral da Campanha,
aos jovens brasileiros depende de Constituição Federal, até hoje ele o índice ajuda até as famílias que
três fatores: da gestão democrática não foi implantado. decidem matricular os filhos na
das escolas – que inclui o Por isso, a Campanha se escola particular a saber quanto
estabelecimento de processos dedicou à elaboração de uma custa de fato uma educação de
e avaliação –, da valorização proposta baseada nesse princípio, qualidade.
profissional dos educadores – com que procura determinar qual é o Resultado dos esforços realizados
a oferta de formação continuada investimento que deve ser feito por nos últimos cinco anos pela
e remuneração justa –, e do aluno de cada etapa e modalidade Campanha, com a colaboração
financiamento adequado à educação, da Educação Básica para que haja a de especialistas de universidades,
do qual dependem todas as ações da ampliação do acesso e a melhoria institutos de pesquisa, professores,
área educacional. da qualidade da educação de estudantes, ativistas e gestores das
No Brasil, o financiamento à acordo com as metas do Plano várias áreas da Educação Básica,
educação é realizado no princípio Nacional de Educação. Assim, os estudos que deram origem
de gasto por aluno feito com foi desenvolvido o Custo Aluno ao CAQi estão reunidos no livro
base na divisão entre os recursos Qualidade Inicial (CAQi), índice CAQi – Custo Aluno-Qualidade
previstos no orçamento e o que busca garantir a quantidade Inicial: Rumo à Educação Pública
número de alunos matriculados. de recursos necessários para que de Qualidade no Brasil1, lançado
Mas, como mostram os indicadores os compromissos e as conquistas
apresentados até aqui, esses previstos na legislação sejam de 1 São Paulo, 2007, realização: Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, coedição: Global Editora, apoio: ActionAid, Save the
recursos têm sido insuficientes fato concretizados. O CAQi mostra Children Reino Unido e UNICEF.
aprender no brasil 41

A participação de organizações não go- ra e Ação Comunitária (Cenpec), tendo como


vernamentais nas ações complementares à parceiros a Undime, o Colegiado Nacional
escola tem marcado a caminhada da educa- de Gestores Municipais de Assistência Social
ção no Brasil e contribuído especialmente pa- (Congemas) e o canal Futura.
ra o fortalecimento da educação integral. Um Além do reconhecimento e da premiação
exemplo dessa participação das ONGs pode de caráter regional e nacional, o prêmio pro-
ser observado no Prêmio Itaú-UNICEF, criado move a mobilização e o desenvolvimento de
em 1995 para estimular e reconhecer inicia- capacidades das organizações não governa-
tivas de educação integral desenvolvidas por mentais participantes. Ao longo dos anos, o
ONGs articuladas com escolas públicas, que alcance do prêmio se ampliou significativa-
contribuam para o sucesso da aprendizagem mente. Em 1995, 406 projetos foram inscri-
das crianças e dos adolescentes. O prêmio é tos. Em 2007, houve 1.574 inscrições.
uma iniciativa do UNICEF e da Fundação Itaú
Social, com coordenação técnica do Centro
de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultu- FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Ao relacionar o volume de recursos destinados
à Educação Básica ao número de alunos, o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
em 2007. Segundo esses estudos, para do Ensino Fundamental e de Valorização do
oferecer uma educação de qualidade Magistério (Fundef), substituído em 2007 pelo
os padrões mínimos são: infraestrutura Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
e equipamentos adequados a seus da Educação Básica e de Valorização dos
usuários; professores qualificados, Profissionais da Educação (Fundeb), criou
preferencialmente formados em nível condições para a ampliação da municipalização
superior e atuando na área de formação, do Ensino Fundamental no Brasil. O Plano
com remuneração equivalente à de outros Nacional de Educação (PNE) reforçou esse
profissionais com igual nível de formação mecanismo, estabelecendo que estados e
no mercado de trabalho e com horas municípios elaborem seus próprios planos de
remuneradas destinadas à preparação educação. Esses planos devem complementar
de atividades, reuniões coletivas de e colocar em prática o PNE, contemplando as
planejamento, visitas às famílias e particularidades locais e regionais.
avaliação do trabalho; relação de alunos Como resultado dessa política, a partici-
por professor e por turma que favoreça pação dos municípios no número de matrí-
o processo de aprendizagem; e uma culas das séries iniciais e das séries finais do
jornada de trabalho escolar do aluno que Ensino Fundamental cresceu consideravel-
progressivamente atinja o tempo integral e mente. No período de 1996 a 2008, passou
do professor que permita gradualmente a de 43% e 18%, respectivamente, para 68% e
dedicação exclusiva a uma escola. 38%, de acordo com os dados mais recentes
Agora, a Campanha atua para que o fornecidos pelo MEC.
CAQi seja tomado como referência para Em vigência até 2020, esse fundo tem co-
o financiamento público da Educação mo meta atender, a partir de 2009, 47 milhões
Básica no Brasil. Em 2008, foi assinado um de alunos da Educação Básica, que inclui cre-
termo de cooperação com o Conselho che, Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Nacional de Educação, com o objetivo de Médio, Educação Especial e Educação de Jo-
fazer com que o orçamento da educação vens e Adultos. Para isso, o repasse do gover-
nos próximos anos já incorpore o CAQi. no federal ao Fundo aumentou de 2 bilhões
de reais, em 2007, para 3 bilhões de reais em
42 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

2008. Em 2009, chegará a 4,5 bilhões de reais Plano de Desenvolvimento


e a 10% da contribuição dos estados e muni- da Educação
cípios a partir de 2010, segundo o MEC. Formado por mais de 40 programas, o Pla-
O dinheiro repassado pelo Fundeb aos no de Desenvolvimento da Educação (PDE)
municípios deve ser utilizado na Educação In- foi criado para colocar em prática ações
fantil e no Ensino Fundamental. Já os estados que possibilitem atingir as metas quantita-
precisam dividir os recursos recebidos do fun- tivas estabelecidas no PNE em quatro ei-
do entre os ensinos Fundamental e Médio. xos: Educação Básica, Educação Superior,
A implantação do Fundeb representou Educação Profissional e Alfabetização. Seu
um passo importante no processo de amplia- objetivo é oferecer educação de qualidade
ção do acesso às outras etapas da Educação a todos os brasileiros, com o envolvimen-
Básica, por prever a destinação de recursos to de pais, alunos, professores e gestores
para a Educação Infantil, o Ensino Médio e em iniciativas que promovam o sucesso e a
a Educação de Jovens e Adultos (EJA), não permanência do aluno na escola. Para isso,
contemplados pelo Fundef, programa que baseia-se em seis pilares: visão sistêmica da
substituiu. O desafio, agora, é fazer com que educação, territorialidade, desenvolvimen-
esses recursos sejam aplicados e possibilitem, to, regime de colaboração, responsabiliza-
efetivamente, o acesso a esses níveis de ensi- ção e mobilização social.
no a todas as crianças e jovens do país. Entre as ações previstas no PDE estão
a criação de uma avaliação para crianças
de 6 a 8 anos de idade, chamada Provi-
O PDE estabelece metas de qualidade para nha Brasil, a fim de verificar a qualida-
a Educação Básica que norteiam as ações das de do processo de alfabetização em seu
escolas e secretarias no atendimento aos alunos início, quando é possível corrigir distor-
ções; a ampliação do Programa Brasil
Alfabetizado, voltado para a alfabetiza-
Os obstáculos são grandes. A Desvincu- ção de jovens e adultos; a criação de um
lação das Receitas da União (DRU) – instru- piso salarial nacional dos professores; a
mento que libera até 20% de todos os impos- ampliação do acesso dos educadores à
tos e contribuições federais para aplicação universidade; a instalação de laborató-
em áreas diferentes daquelas previstas na rios de informática em escolas rurais; a
legislação – acabou por reduzir os recursos garantia de acesso à energia elétrica para
destinados à educação no país. De acordo todas as escolas públicas; e as melhorias
com a Campanha Nacional pelo Direito à no transporte escolar para os alunos re-
Educação, cerca de 7,5 bilhões de reais dei- sidentes em áreas rurais.
xam de ser aplicados por ano no setor. O PDE estabelece metas de qualidade
Em 2008, o Senado Federal chegou a apro- para a Educação Básica, que norteiam as
var uma Proposta de Emenda à Constitui- ações de escolas e secretarias de Educação
ção (PEC) que reduz gradualmente, a par- no atendimento aos alunos. Prevê ainda o
tir de 2009, os percentuais de DRU sobre os acompanhamento e a assessoria aos municí-
recursos destinados à educação previstos na pios com baixos indicadores de ensino.
Constituição, até sua extinção completa, em Cerca de 1.250 municípios com os mais
2011 – a mesma PEC que prevê a ampliação baixos Idebs do país receberam ajuda de
do ensino obrigatório para a faixa etária de 4 a técnicos do ministério para elaborar o Pla-
17 anos. No entanto, a PEC da Reforma Tribu- no de Ações Articuladas (PAR) para o perío-
tária manteve o dispositivo – e, como conse- do de 2008-2011, como condição para rece-
quência, os prejuízos à educação brasileira. ber ajuda técnica e financeira da União.
aprender no brasil 43

A BUSCA POR UMA GESTÃO Um exemplo bem-sucedido de interse-


INTEGRADA DA EDUCAÇÃO torialidade é o Programa BPC na Escola,
De forma a garantir um espaço democrático que realiza o acompanhamento e o moni-
para o debate entre os diferentes atores sociais toramento do acesso e da permanência na
empenhados em promover uma educação de escola das crianças e adolescentes com de-
qualidade no Brasil, será realizada em abril ficiência, na faixa etária até 18 anos que re-
de 2010 a Conferência Nacional de Educa- cebem o Benefício da Prestação Continuada
ção (Conae). Coordenada pelo MEC, a Conae da Assistência Social (BPC). Esse programa
tem, entre seus principais objetivos, promover surgiu em 2007, por meio de uma portaria
a criação de um Sistema Nacional Articulado interministerial assinada pelos ministérios
de Educação, que será responsável pela insti- da Educação, do Desenvolvimento Social e
tucionalização de uma orientação política co- Combate à Fome, da Saúde e pela Secretaria
mum na garantia do direito à educação. Especial dos Direitos Humanos, com o ob-
Além disso, a Conferência pretende jetivo de promover a melhoria da qualidade
estabelecer as bases para a consolidação de vida dessas meninas e desses meninos e
de um trabalho integrado, colaborativo e o seu acesso às políticas públicas das áreas
permanente entre o Estado e a socieda- de responsabilidade desses órgãos do go-
de no sentido de democratizar a gestão verno, tendo como foco a inclusão escolar.
da educação, ampliar o acesso à escola e
assegurar a permanência de crianças, ado-
lescentes e adultos no sistema educacio- A articulação entre educação e demais políticas
nal. Todas as deliberações da Conae serão públicas tem importância estratégica na garantia
consolidadas em um documento final, que dos direitos das crianças e dos adolescentes
servirá como referência prioritária para to-
das as políticas e ações voltadas para a
melhoria da educação brasileira. O principal resultado do BPC na Esco-
O processo de preparação para a Conae la até o momento foi dar visibilidade à si-
envolve a realização de conferências muni- tuação de exclusão escolar de crianças e
cipais, intermunicipais e estaduais, para per- adolescentes com deficiência provenientes
mitir a discussão, em nível local e regional, de famílias de baixa renda. Em 2007, dos
das responsabilidades, dos compromissos e 370.313 beneficiários do BPC, 262.187 – o
das diretrizes que vão nortear a definição equivalente a 70,74% – não estudavam.
das políticas educacionais durante o debate Além disso, as ações conjuntas entre mi-
nacional. Com essas conferências prévias, nistérios e entre os estados e os municípios
estimula-se a mobilização das comunidades que aderiram ao programa têm possibilita-
e amplia-se a participação de todos na bus- do um atendimento integrado das suas ne-
ca por uma educação mais inclusiva e que cessidades específicas e a promoção mais
valorize a diversidade do país. ampla de suas potencialidades. No entan-
to, o programa ainda enfrenta o desafio
de romper com a visão tradicional sobre a
INTERSETORIALIDADE deficiência, que acentua as limitações nos
A articulação entre a educação e as demais indivíduos, e sobre a escola, que pressu-
políticas públicas tem importância estratégi- põe a homogeneidade dos alunos. A defi-
ca na garantia dos direitos das crianças e ciência deve ser vista a partir da interação
dos adolescentes. É por meio de esforços dos indivíduos com impedimento sensorial,
conjuntos que se pode atingir maior efetivi- físico ou mental com as barreiras presentes
dade na melhoria da sua qualidade de vida. no ambiente, e a escola deve reconhecer e
44 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

valorizar as diferenças e transformar-se de droviário dos alunos da rede pública. Os


forma a acolher todos os alunos. gestores municipais que transportam estu-
Para chegar a esse cenário, o programa tem dantes por vias fluviais ou marítimas devem
oferecido formação conjunta para os gestores responder a um questionário e as principais
e profissionais de educação, assistência social, demandas serão incluídas no Plano de Ações
saúde e direitos humanos no âmbito dos esta- Articuladas (PAR).
dos e municípios sobre os temas relacionados A ideia é que os prefeitos e secretários de
ao Programa. A ação de visita domiciliar para Educação desses municípios identifiquem nas
a identificação das barreiras também é desen- suas comunidades os principais problemas
volvida de maneira integrada por profissionais que estão impedindo as crianças de frequentar
dessas áreas. Com isso, o Programa BPC na a escola. A partir daí, será desencadeado um
Escola tem constituído redes de apoio à inclu- conjunto de ações interministeriais que, de-
são escolar e social dos seus beneficiários, for- pendendo das demandas, envolverá, entre ou-
madas pelos profissionais que estão na ponta tros, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
dessas políticas públicas. e o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, assim como ações articula-
das localmente entre o governo estadual, as
O esforço conjunto entre diferentes setores do prefeituras municipais e as comunidades.
poder público é fundamental para potencializar A ação começou a ser desenhada no final
os avanços e reduzir as iniquidades no país de 2008, quando foram identificados 55 municí-
pios da Região Norte com mais de mil crianças
fora da escola. Cada um deles foi procurado
Até o início de 2009, aderiram ao pro- pelo MEC para que pudessem ser investigadas
grama 2.623 municípios, os 26 estados e o as causas do problema. Uma das principais difi-
Distrito Federal – o que corresponde a 47% culdades relatadas foi a de transporte, especial-
dos municípios brasileiros e a 68% dos be- mente o hidroviário. Em diversos municípios
neficiários na faixa etária de até 18 anos. A contatados, os ônibus escolares não bastavam.
coordenação do BPC na Escola prevê para o Eram necessários barcos e houve municípios
segundo semestre de 2009 a abertura de um que solicitaram búfalos, charretes e bicicletas.
novo processo de adesões ao programa. A Marinha ficou responsável pela constru-
Outra iniciativa que também investe na in- ção de dois modelos de embarcação. Um terá
tersetorialidade é o Caminho da Escola. Criado capacidade para 15 alunos e o outro, chama-
em 2007, o programa é destinado a renovar do de barco-escola, comportará até 35 estu-
a frota de veículos escolares utilizada para o dantes e terá todos os equipamentos neces-
transporte de alunos da rede pública do país, sários para funcionar como uma sala de aula.
especialmente os do campo. Em 2009, o MEC Até 2010, deverão ser entregues 500 barcos-
vai fornecer mil ônibus para os municípios. Os escola e 3 mil embarcações pequenas.
municípios selecionados serão os que têm me- A universalização do direito de apren-
nor Ideb e estão entre os atendidos pelo Ter- der exige uma articulação cada vez maior
ritórios da Cidadania, programa coordenado entre diferentes setores do poder público
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e e entre governo e sociedade. Esse esforço
pela Casa Civil, que atua nos locais que mais conjunto é fundamental para potencializar
precisam, especialmente no meio rural. os avanços e reduzir as iniquidades, ga-
Como só os ônibus não resolvem o pro- rantindo que o atendimento e a proteção
blema de transporte de boa parte dos muni- a nossos meninos e meninas se tornem de
cípios brasileiros, começou a ser feita uma fato integrais, como estabelece a Conven-
pesquisa sobre a situação do transporte hi- ção sobre os Direitos da Criança.
aprender no brasil 45

Victor Oliveira e
sua mãe: prazer de

Um trabalho ler e de escrever


rendeu ao garoto

de corpo a corpo um prêmio

Programa Palavra de Criança mental na escola sem saber ler nem escrever.
colabora na alfabetização Com base nele, as educadoras sabem exata-
de alunos do 3o ano do Ensino mente quais são as crianças que necessitam
Fundamental em Teresina (PI) de atenção especial para completar essa fase
e Sobral (CE) decisiva no processo de educação.
No fim do ano letivo de 2008, apenas sete
dos 123 estudantes que frequentavam essa
Uma lista escrita à mão em uma cartolina na série na escola ainda não estavam plenamente
parede da sala da diretoria da Escola Municipal alfabetizados.“Eu adoro ler os livros de histó-
Barjas Negri, em Teresina, traz dados cruciais ria”, diz Nerivan Alcântara da Silva, de 8 anos,
para a comunidade escolar. O quadro reúne que em 2008 leu os paradidáticos Ladrão
informações sobre o processo de alfabetização Que Rouba Ladrão, A Bailarina e Santos
de cada um dos 20 alunos que iniciaram o Dumont, entre outros. “Parte do bom resul-
segundo semestre do 3o ano do Ensino Funda- tado é porque nós fazemos um trabalho de
46 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

corpo a corpo”, afirma a diretora, Geovania da o desafio de promover a alfabetização de


Lura. “Devemos insistir na alfabetização até 21% das crianças. Embora preocupante, esse
o último dia letivo.” número é melhor do que o registrado em
Esse espírito perseverante é uma das outras cidades do Piauí e do Ceará, onde há
marcas registradas do programa Palavra de casos de 60% de crianças não alfabetizadas
Criança: Alfabetização para Valer, destinado aos 8 anos de idade.
a alunos do 3o ano do Ensino Fundamental.
Nessa etapa, crianças sem distorção idade- O envolvimento da família faz diferença
série estão com 8 anos, idade em que, de O programa Palavra de Criança é considerado
acordo com as diretrizes do Plano de De- uma extensão às iniciativas das secretarias esta-
senvolvimento da Educação (PDE), devem duais, o Alfabetização na Idade Certa, no Ceará,
estar alfabetizadas. e o Primeiro Aprender, no Piauí, que têm como
A iniciativa do UNICEF foi implantada meta fazer com que os alunos da rede pública
em 2008 como experiência piloto nas redes saibam ler e escrever. Seu principal diferencial
municipais de ensino de Teresina (PI) e de é a dimensão comunitária.
Sobral (CE). As cidades foram escolhidas por Em Teresina, todos os pais de alunos
possuírem uma cultura de avaliação e terem foram convidados para uma reunião de
Um dos diretrizes curriculares definidas. As ações in- sensibilização nas escolas, com o objetivo
desafios do cluíram socialização de práticas pedagógicas a de mobilizar os familiares em torno da im-
Palavra de todos os professores e coordenadores escolares, portância da alfabetização de seus filhos
Criança é realização de oficinas mensais de capacitação, e do valor da educação. Ocorridos entre
conscientizar avaliação entre os alunos participantes e cer- agosto e setembro, os encontros começa-
os familiares tificação dos estudantes aprovados. ram com a exibição do premiado curta-
sobre a Em Teresina, as 132 unidades que ofere- metragem Vida Maria, escrito e dirigido
importância da cem o 3o ano estão envolvidas, num total de por Márcio Ramos. O roteiro mostra uma
alfabetização aproximadamente 8 mil alunos.“O principal mulher nordestina moradora da zona rural
de seus filhos objetivo é fazer com que todos os professo- que não reconhece a importância da edu-
e o valor da res falem a mesma língua”, explica a coor- cação. “Não perca tempo desenhando seu
educação denadora do Palavra de Criança na cidade, nome”, diz a protagonista à sua filha, ainda
Carmen Brito. criança. “Vá lá para fora encontrar o que
Dois testes foram aplicados para traçar um fazer. Tem o pátio para varrer, tem de levar
quadro panorâmico da situação do município água para os bichos.” A intenção era mobi-
nessa questão, um em junho e outro em novem- lizar os pais. Muitas mães se emocionaram
bro. Foram consideradas, entre outros aspectos, ao reconhecer sua história de vida na tela.
desde a capacidade de diferenciar as letras de “Isso era importante porque ainda hoje as
outros símbolos até a elaboração de um texto famílias não têm a cultura de participar
com começo, meio e fim. da vida escolar do filho”, aponta Marlene
Organizado por especialistas da Univer- dos Santos Nascimento, responsável pelo
sidade Federal do Ceará, o resultado da ava- projeto A Família Aprendendo Junto.
liação de final do ano mostrou que 79% das Ao todo, 3.484 familiares foram até as
crianças de Teresina tinham as habilidades escolas ouvir os educadores, quase metade
de leitura, compreensão de texto e de escrita do total. O comparecimento foi prejudicado
necessárias para considerá-las alfabetizadas, porque as reuniões ocorreram durante a semana
de acordo com os parâmetros esperados para pela manhã, horário de trabalho de muitos
o 3o- ano do Ensino Fundamental. Resta ain- deles. Os pais acompanharam a leitura de um
aprender no brasil 47

texto sobre valores humanos, assistiram a um gostou muito de ter participado do encontro
vídeo que mostrava as aptidões de escrita e do projeto A Família Aprendendo Junto. A
leitura de alunos de Teresina e, por fim, pre- conversa ressoou em casa.“Meu marido não
encheram o questionário com duas perguntas participa”, conta. “Ele diz que só aprendeu
abertas: 1) Como estou acompanhando a vida a ler e escrever aos 16 anos e que não faz
escolar do meu filho?; e 2) Como é o nosso sentido forçar o menino a estudar.”
relacionamento no dia a dia? Um estímulo para Elias e seus colegas
As respostas mostraram que os aspectos aprenderem a dominar as letras é a partici-
positivos (como afetividade, amizade diálogo pação em competições de Português, Ciên-
e respeito) são muito maiores do que os ne- cias e Matemática, organizadas pelo terceiro
gativos (brigas e reclamações) e também que setor. “Quem vence uma disputa desse tipo
o acompanhamento da educação é expresso vira exemplo para os outros”, diz Maria de
principalmente na ajuda na realização das Lourdes Dias dos Santos, diretora da Escola
tarefas de casa e na participação em reuniões Municipal Simões Filho.
escolares. Os pais ainda ganharam de presente É o caso de Victor Sabino da Rocha Oliveira,
um ímã de geladeira com dicas para ajudar que está na 6a série. “Ele é conhecido como
na educação escolar de seus filhos – uma o menino da redação”, diverte-se Maria de
ideia simples que pode ser replicada (veja Lourdes. O garoto de 12 anos foi o vencedor As crianças
Lembrete útil, abaixo). da etapa estadual da Olimpíada de Língua estão
O brinde é de grande utilidade para a dona Portuguesa Escrevendo para o Futuro, na aprendendo
de casa Benilda Maria Costa Soares. Embora categoria poesia. que saber ler
só saiba escrever o nome, ela tem como pon- Com inscrições de alunos de 5.445 cidades e escrever é
to de honra acompanhar da melhor forma do Brasil, o concurso é promovido em uma uma maneira
possível a evolução escolar de seu filho, Elias parceria entre o Ministério da Educação, a de expandir
Mateus Soares, de 11 anos, do 3o ano matutino Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos os horizontes
da Escola Municipal Simões Filho. Benilda e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Co- em todos os
munitária (Cenpec).“No mesmo dia em que a sentidos
professora falou da competição, eu fui para a
Lembrete útil
biblioteca fazer a minha poesia”, diz ele, que
Ímã de geladeira traz dicas para que
mora numa casa de quatro cômodos no bairro
os pais ajudem a melhorar o desempenho
de seus filhos na escola
de Macaúba com a mãe, que é manicure e
cabeleireira.“Eu queria participar dessa prova
1. Ame e ensine a amar.
desde a 4a série”, afirma o candidato a escritor,
2. Converse, pois vale mais que qualquer grito.
que mantém um caderno com suas 34 poesias,
3. Não castigue. Resolva após acalmar-se.
cordéis e crônicas. Ali, há desde textos sobre
4. Determine um horário diário para as tarefas
aquecimento global até um poema, cheio de
escolares.
sutilezas, a respeito da tristeza dele por não
5. Participe das reuniões na escola.
ter recebido seu livro de Português logo no
6. Responda aos questionamentos dos filhos.
início do ano.A vitória fez com que ele tivesse
7. Conte histórias; leia para eles. Ou peça que leiam
a oportunidade de viajar para Fortaleza, na
para você.
etapa regional, e de participar da cerimônia
8. Mostre interesse por tudo que eles fazem.
nacional de premiação, em Brasília. Uma mos-
9. Seja sempre otimista! Vale o exemplo.
tra de que aprender a ler e a escrever é uma
10. Dedique parte de seu tempo à educação dos filhos.
maneira de expandir os horizontes em todos
Evite que o mundo faça isso por você.
os sentidos.
48 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Crianças e adolescentes
sob a tutela do Estado
Preconceito dificulta o acesso à educação das meninas e dos meninos
abrigados e dos que cumprem medidas socioeducativas

A trajetória O Estatuto da Criança e do Adolescente deter- no momento do ato infracional. Apesar de a


educacional dos mina que as medidas que retiram ou restrin- maioria deles (76%) ter entre 16 e 18 anos – e,
adolescentes gem a convivência familiar e comunitária das portanto, idade suficiente para cursar o Ensino
em conflito com crianças e adolescentes sejam adotadas em Médio –, quase 90% não haviam concluído o
a lei é em geral caráter breve e de excepcionalidade1. Quan- Ensino Fundamental. Cerca de 6% eram analfa-
marcada por do aplicadas, elas devem assegurar o pleno betos.“A escola, em geral, não tem respondido
repetências e desenvolvimento do menino ou da menina, às demandas da juventude com um ensino
situações de o que inclui a garantia na continuidade de atrativo e estimulante”, afirma a pedagoga
abandono e sua escolarização. especialista no tema Isa Guará.“No caso dos
evasão escolar No caso dos adolescentes em conflito com adolescentes em conflito com a lei, alguns dos
a lei, o Estatuto é taxativo: a educação é a quais têm necessidades específicas, a história
base do atendimento. No geral, a trajetória escolar irregular é o reflexo disso.”
escolar desses alunos é marcada por conflitos, Em São Paulo3, estado que hoje concentra
repetências e situações de abandono e eva- pelo menos 34% da população dos adolescen-
são escolar – o que pode ser observado nos tes que cumprem medidas socioeducativas
dados nacionais sobre a escolaridade dessa em meio fechado no país, os índices de de-
população. fasagem educacional são evidentes. Segundo
Segundo levantamento nacional sobre o informações da Fundação Casa (Centro de
atendimento institucional de adolescentes em Atendimento Socioeducativo ao Adolescente),
conflito com a lei, publicado pelo Instituto de dos 3.050 alunos matriculados em abril de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 20032, 2008 em suas 131 Unidades de Internação,
51% dos adolescentes que cumpriam priva- Internação Provisória ou Internação Sanção,
ção de liberdade (a mais severa das medidas apenas 98 cursavam a série adequada à sua
socioeducativas) não frequentavam a escola idade. Quase 97% dos adolescentes estavam pelo
menos um ano atrasados em seus estudos.
1 De acordo com o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao A fim de superar essa distorção idade/série,
Adolescente em Conflito com a Lei (disponível em www.mj.gov.br/sedh/spdca/
levantamento_2008.pdf), realizado em dezembro de 2008 pela Secretaria a instituição adotou nas unidades de interna-
Especial dos Direitos Humanos (SEDH), 11.734 adolescentes cumprem a medida
socioeducativa de internação no Brasil; 3.715 de internação provisória; e 1.419 de ção o Projeto de Reorganização da Trajetória
semiliberdade. O número total de adolescentes no sistema socioeducativo de meio
fechado aumentou 2,17% em relação a 2007.
3 O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em
2 Atualmente, esse é o estudo de abrangência nacional mais recente sobre o tema,
Conflito com a Lei, de dezembro de 2008, aponta que, em São Paulo, eram 4.328
mas a Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Ipea devem lançar, ainda em
adolescentes nas unidades de internação, 1.011 nas de internação provisória e
2009, um novo mapeamento sobre a situação das unidades de execução das medidas
422 em semiliberdade.
de privação de liberdade.
aprender no brasil 49

Todas as
fotografias que
ilustram este
painel foram
realizadas
com a técnica
pin hole pelos
adolescentes
participantes
do projeto
Arte na Casa,
desenvolvido na
Fundação Casa
de São Paulo
50 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Escolar (PRTE)4. A escolarização dos internos articulação da instituição de internação com


utiliza um material específico, elaborado para o Sistema de Garantia local (leia mais sobre o
o Exame Nacional para Certificação de Com- assunto no capítulo Desafios). No Nordeste,
petências de Jovens e Adultos (Encceja), e está a média era de 35%, ante uma oferta de 90%
organizada em três módulos: nível 1, da 1a à 4a nas unidades do Sudeste.
série; nível 2, da 5a à 8a; e nível 3, que oferece A qualidade dessa educação, no entanto,
o currículo das três séries do Ensino Médio. deixava a desejar. Os professores, na maioria
Cerca de 70% dos alunos estão matriculados das vezes, não estavam preparados para li-
no nível 2, o que indica que os meninos e as dar com esses adolescentes, demonstrando
meninas que cometem atos infracionais, em medo, desconhecimento do Estatuto e falta
geral, interrompem seus estudos a partir da 4a de informação sobre questões de segurança
série. Os currículos incluem conceitos básicos das unidades. “Identificamos que o encami-
de alfabetização e interpretação de textos. nhamento de professores para essas unida-
Em uma perspectiva nacional, o levanta- des seguia, em geral, dois propósitos: eram
mento do Ipea mostrou que, em 2002, o Ensi- medidas de punição para profissionais que
no Fundamental era assegurado em 99% das apresentaram problemas em outras escolas
unidades de internação brasileiras. O índice ou benefício para os que desejavam cumprir
caía para 63% no caso do Ensino Médio, sen- cargas reduzidas”, aponta a responsável pelo
do que as diferenças regionais eram enormes estudo, Enid Rocha. Além disso, mais de 40%
por falta de comprometimento do gestor e de das unidades de internação mantinham salas
inadequadas às atividades escolares (pequenas,
4 O projeto atende à Resolução SE no 9 de 4/2/2009 e ao Comunicado Cenp, de
20/2/2009.
improvisadas, com deficiência de iluminação e
aprender no brasil 51

ventilação).“O problema nacional de qualidade circo, capoeira, artes cênicas e visuais5. Os


da educação fica muito mais grave nas unidades arte-educadores participantes normalmente
pesquisadas”, pontua Enid.“Em algumas delas, são selecionados na periferia da Grande São
o dia letivo não durava mais do que 2 horas. Paulo e recebem formação para que consigam
Os internos passavam mais tempo ociosos do sistematizar suas práticas artísticas em planos
que sendo educados”, esclarece. de aula e projetos pedagógicos.
Em São Paulo, Neuza Flores, gerente es- Essas atividades e os cursos de iniciação
colar da Fundação Casa, garante que as 800 profissional costumam ser os preferidos dos
horas de aula previstas pela Lei de Diretrizes internos. No entanto, segundo o levantamento
e Bases são garantidas aos adolescentes de do Ipea, os cursos mais complexos, em especial
todas as unidades de internação. Cada uni- os realizados fora das unidades, exigem um
dade é vinculada a uma das 68 escolas da mínimo de conhecimento que a maioria dos
Rede Estadual de Ensino, que respondem às 44 alunos não possui. Além disso, Enid Rocha
Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo. destaca que, muitas vezes, as práticas educa-
Assim, é como se as escolas tivessem algumas tivas são tratadas como moeda de troca nas
salas dentro das unidades da Fundação Casa. instituições brasileiras. Mau comportamento
Por isso, apesar de as aulas acontecerem nos ou desentendimentos com a instituição são
espaços da Fundação, o que aparece na do- resolvidos com a interrupção das atividades
cumentação escolar dos internos é que eles educacionais.“A educação funciona ali como
estudaram numa escola da rede. Isso garante um prêmio e não como um direito”, revela. Os meninos e
que os adolescentes não sejam marcados e A matrícula em escolas de ensino regular as meninas que
que saiam das unidades com um certificado na comunidade próxima é uma alternativa cometem atos
reconhecido pelo Ministério da Educação. pouco oferecida aos jovens internos “ainda infracionais,
As atividades educativas da Fundação que, exceto em alguns casos, o estatuto não em geral,
Casa são organizadas para que haja um nú- restrinja a saída de adolescentes para a esco- interrompem
mero reduzido de adolescentes por sala de larização”, argumenta a pesquisadora Isa Gua- seus estudos
aula (entre 15 e 20, no máximo). No con- rá. A principal dificuldade apresentada pelas a partir da 4-a
traturno escolar, os estudantes participam unidades de internação é a falta de pessoal série do Ensino
de projetos de educação profissional, arte e para acompanhá-los fora da instituição. Em São Fundamental
cultura, educação física e esportes, muitas Paulo, apenas uma unidade de internação da
vezes desenvolvidos com organizações da Fundação Casa6, gerenciada em parceria pela
sociedade civil. É o caso do projeto Arte na instituição e uma organização da sociedade
Casa: Oficinas Culturais, implantado em par- civil, tem uma pequena parte de sua população
ceria com a Ação Educativa em 15 unidades matriculada na comunidade.
da Fundação Casa. “O objetivo do projeto é No caso das Unidades de Internação Provi-
promover o exercício pedagógico da experi- sória, a Fundação Casa adotou uma metodologia
mentação das linguagens artísticas, produzindo única no país. Trata-se do projeto Educação e
subjetividades individuais e coletivas, num Cidadania, elaborado pelo Centro de Estudos e
movimento de (re)descoberta de identidade Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comuni-
e  pertencimento social, tendo em vista a tária (Cenpec), que tem organização curricular
reintegração do interno em sua comunidade”,
5 Nas oficinas de artes visuais, os adolescentes produzem, por exemplo, fotografias
afirma Rodrigo Medeiros, coordenador técni- com a técnica pin hole, que consiste na obtenção de imagens por meio de um
pequeno orifício feito numa caixa escura. A luz entra pelo orifício e bate no fundo da
co do Arte na Casa. São ministradas oficinas caixa, onde é colocado um papel fotográfico que registra a imagem.
de literatura, rap, fanzine, danças variadas, 6 Unidade de Franca (SP).
52 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

diferenciada para atender ao caráter transitório estabelecido entre a Fundação Casa, a pre-
do aluno dentro da unidade. Nesses espaços, feitura e a organização da sociedade civil
onde o adolescente pode permanecer até 45 Salesianos São Carlos, é realizado o acompa-
dias, segundo o Estatuto da Criança e do Ado- nhamento dos adolescentes que cumprem
lescente, aguarda-se a sentença do juiz. medidas socioeducativas de Liberdade As-
A proposta pedagógica, então, estimula a sistida (LA) e Prestação de Serviços à Co-
reflexão e a realização de trabalhos com duração munidade (PSC).
diária, ajudando o estudante a construir seu Em outubro de 2008, 106 adolescentes
projeto de vida. No horário da aula, o professor em LA e 39 em PSC eram atendidos. De
desenvolve atividades pertinentes à escolarização acordo com os Salesianos, 60% dos meninos
tradicional, abordando temas como: “Educação e das meninas que cumpriam LA e 41% dos
– ponte para o mundo”,“Justiça e cidadania”, que cumpriam PSC não estavam frequen-
“Família e relações sociais” e “O trabalho em tando a escola, apesar da exigência legal.
nossas vidas”7. No horário inverso, os alunos Glaziela Solfa, do Programa de Medidas So-
realizam oficinas culturais, que complementam cioeducativas da instituição, explica que,
os conteúdos temáticos. Os eixos norteadores no início do ano, todos os adolescentes são
do projeto são: cidadania, ética e identidade. matriculados. Entretanto, no decorrer das
Enquanto a decisão judicial não sai, a vaga do atividades letivas, eles abandonam a escola
aluno é mantida na escola de origem. por diversos motivos, como desinteresse,
A matrícula dificuldade de acompanhar as atividades,
em escolas de Aceitação na rede pública problemas de comportamento, trabalho ou
ensino regular Adolescentes que cumprem as medidas de envolvimento com algumas infrações, como
na comunidade Semiliberdade ou Liberdade Assistida (LA) o tráfico de drogas. Em outubro, portanto,
próxima é uma obrigatoriamente devem frequentar a es- um contingente muito alto de adolescentes
alternativa cola. Entretanto, o relacionamento entre já não está mais na escola.
pouco oferecida o adolescente em conf lito com a lei e a Esse tipo de situação requer um acompa-
aos jovens escola nem sempre é fácil. nhamento por parte da própria instituição de
internos Quando a acolhida é negada várias vezes, ensino, que deveria relatar o abandono de seus
a autoridade competente (geralmente mu- estudantes, como determinado no Estatuto da
nicipal) recorre à matrícula por via judicial. Criança e do Adolescente, e também dos demais
Mas a recepção e a permanência expulsiva8 atores da rede de proteção. O problema é que
dos adolescentes em conflito com a lei aca- os professores da rede pública nem sempre
bam determinando mais um capítulo de uma estão preparados e jogam sobre esses garotos
história pouco positiva desses jovens com a olhares preconceituosos.“A escola, infelizmen-
escola. Como é possível ensinar com medo te, e na maior parte das vezes, responde, lida
e aprender sem ser aceito? e olha para esses meninos da mesma forma
São Carlos, município no interior de São que a sociedade em geral: com medo, com
Paulo, é tido como modelo no atendimento preconceito”, diz Glaziela Solfa.
de meninos e meninas em conflito com a Ela relata que os desafios começam já na
lei. Desde 2000, por meio de um convênio hora da matrícula. Embora não existam dados
precisos sobre a dificuldade de esses adoles-
7 O material pedagógico utilizado no Educação e Cidadania está disponível no site do
Cenpec (www.cenpec.org.br/memoria/uploads/F112_017-05-00001%20%20%20v.1 centes encontrarem uma vaga na escola e de
%20Educa%E7%E3o%20ponte%20para%20o%20mundo%202003.pdf)
permanecerem estudando, com base em sua
8 Conceito elaborado por Maria de Lourdes Trassi no artigo Uma relação delicada:
a escola e o adolescente, de janeiro de 2008. Disponível em: www.promenino. experiência diária, Glaziela admite que algumas
org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/88cc0cd9-2ae1-42a2-bc8f-
31b2f9f1f6d9/Default.aspx escolas oferecem resistência para aceitá-los.
aprender no brasil 53

As instituições de ensino também não e a inserção dos jovens na rede pública. Os


estão preparadas para lidar com seus confli- coordenadores pedagógicos de todas as escolas
tos. Segundo a especialista, muitas vezes os estaduais da cidade também são sensibilizados
adolescentes comportam-se mal, brigam ou para a problemática em formações realizadas
desafiam os docentes e, em vez de os próprios em conjunto com a equipe do Programa e a
educadores interferirem, a polícia é chamada Diretoria de Ensino.
para cuidar de questões internas. Como con- Paralelamente, o estudante é acompanhado
sequência, e por decisão da direção escolar, individualmente pelos orientadores das me-
os casos acabam sendo transferidos para o didas, que são responsáveis por monitorar as
Sistema Judiciário (leia mais sobre isso no notas, a frequência do aluno e, eventualmente
capítulo Desafios). mediar conflitos nas escolas. No espaço da
Para diminuir a distância entre os adolescen- Salesianos São Carlos, os adolescentes parti-
tes e as instituições de ensino, a Salesianos São cipam durante período determinado pelo Juiz
Carlos conversa com o setor de planejamento da Vara da Infância e da Juventude de projetos
da Diretoria Regional de Ensino durante todo e atividades educativas que buscam promover
o ano e, com maior intensidade, nos períodos a vivência de situações positivas.
de matrícula escolar (no início e no meio do Conforme seus interesses e suas habilidades,
ano). O objetivo é garantir vagas para todos os os meninos e as meninas que cumprem LA podem
adolescentes. Desde o ano passado, uma vez participar de oficinas de formação para a inserção
por semana um profissional da Diretoria no no mundo do trabalho; técnicas de pintura e
Programa de Medidas facilita a busca de vagas prevenção e cuidado com doenças sexualmente
54 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

transmissíveis. Os que estão em medida de PSC cias equipamentos e serviços que vão além
podem participar dessas atividades, além das do acolhimento, como ambulatório médico,
de contação de histórias e situações lúdicas consultório odontológico ou quadras polies-
na pediatria de um hospital, e do adestramento portivas. As atividades educacionais também
de cães em espaços comunitários, como asilos. devem ser realizadas nas escolas públicas mais
Nesse caso, os adolescentes são acompanhados próximas do abrigo.
de um educador, que os prepara antes da ação, “No passado, os grandes prédios abrigavam
e depois discute seu caráter educativo. muitas crianças num sistema massificante e
alienador. Felizmente, o reforço da lei obrigou
Baixo desempenho à mudança e permitiu que as crianças e os
Os adolescentes em conflito com a lei que adolescentes fossem inseridos em ambien-
cumprem a medida socioeducativa de res- tes menores e mais acolhedores”, afirma a
trição de liberdade ainda não fazem parte pedagoga Isa Guará.
das estatísticas que compõem o Índice de Segundo o maior levantamento9 nacional
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) sobre a situação dessas instituições brasileiras,
porque não são submetidos à Prova Brasil. Em 60,8% dos abrigados de até 6 anos frequen-
O hábito de São Paulo, a única avaliação externa à escola tavam creches ou pré-escolas10. Cerca de 95%
leitura faz parte sobre o desempenho desses estudantes é o dos que tinham entre 7 e 18 anos também
do cotidiano Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). estudavam.“Embora a regra geral seja de que
de mais Os alunos da Fundação Casa que fre- os meninos estudem fora do abrigo, encontra-
de um terço quentam as três séries do nível 3 e tiverem mos exceções na Pré-escola, devido à falta de
das meninas e interesse podem participar da avaliação. Em pessoal para levar e acompanhar as crianças
dos meninos 2008, 569 internos foram inscritos e 497 até outras instituições”, afirma Enid Rocha,
abrigados fizeram a prova. Dos 68 adolescentes que também responsável por essa pesquisa.
obtiveram média para se candidatar ao Prouni, Publicado pelo Ipea em 2004, esse estu-
apenas quatro conseguiram bolsa, sendo duas do corresponde à análise de 589 unidades
delas integrais. Além deles, um adolescente de abrigo ou a 88% do universo das insti-
foi aprovado no vestibular da Universidade tuições pertencentes à Rede de Serviço e
Estadual Paulista, de Ourinhos, mas preferiu Ação Continuada (Rede SAC), que centraliza
fazer um curso de Tecnólogo em Química, o apoio financeiro encaminhado pelo go-
em Campinas (SP). Conforme pondera Neuza verno federal. O levantamento mostra que
Flores, o ingresso dessa população no Ensino pelo menos 20 mil crianças e adolescentes
Superior ainda é novidade. vivem nessas instituições11.
Embora representativo, o universo analisado
Crianças e adolescentes abrigados é pequeno dentro da totalidade de abrigos
O abrigamento, segundo o Artigo 101, pa- brasileiros. “Ainda não há dados nacionais
rágrafo único, do Estatuto da Criança e do sobre toda a rede de instituições no país,
Adolescente, não pode implicar a privação
9 O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os Abrigos para Crianças e
de liberdade. A medida de proteção tem ca- Adolescentes no Brasil. Enid Rocha Andrade da Silva (coordenadora), Ipea, 2004.
ráter provisório e excepcional e deve ser 10 O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciaram, em 2009, o Levantamento Nacional de Crianças
utilizada de forma transitória, até a colocação e Adolescentes em Serviços de Acolhimento. A primeira etapa da pesquisa vai
identificar a rede de abrigos e os programas de famílias acolhedoras desenvolvidos
em família substituta. em todo o Brasil.
A fim de garantir o convívio da criança e 11 O levantamento do Ipea de 2004 mostra que os conselhos tutelares e o Poder
Judiciário ainda aplicam essa medida de forma indiscriminada. Mais da metade das
do adolescente com a comunidade, os abrigos crianças e dos adolescentes abrigados vivia nas instituições há mais de dois anos;
33% chegaram a elas entre dois e cinco anos antes; e 13% entre seis e dez anos
não devem concentrar em suas dependên- antes, e 6% há mais de dez anos.
aprender no brasil 55

que inclui desde os que recebem algum tipo “Isso acontece porque não há uma articulação
de repasse público até os financiados pela entre escola e instituições de abrigo para tra-
iniciativa privada”, revela Isa. A estimativa balhar, em conjunto, a questão desses meninos
é que essas organizações acolham 80 mil e meninas” afirma Enid Rocha. O abandono e
crianças e adolescentes. a separação da família de origem são seguidos,
No Paraná, em 2005, foi realizado um le- muitas vezes, pela negligência das instituições
vantamento12, que avaliou seis regiões no competentes. Já o levantamento do Paraná evi-
estado. Responderam à pesquisa 382 crianças dencia que quase 64% dos meninos entrevistados
e adolescentes que vivem em 285 abrigos de abandonaram alguma série escolar e 59,42%
154 municípios paranaenses. O estudo revelou foram reprovados pelo menos uma vez. Dos
que 7,9% deles não estavam matriculados em que frequentavam o Ensino Fundamental no
escolas da rede de ensino, apesar de estarem momento da pesquisa, 87% estavam atrasados
em idade escolar. Segundo o documento, isso em seus estudos. O dado positivo é que o hábi-
ocorre porque alguns adolescentes deixam a to da leitura faz parte do cotidiano de muitos
escolarização em troca de trabalho e, quando desses meninos e meninas.A pesquisa mostra
abrigados, criam dificuldades para os dirigentes que 34,6% deles leem diariamente e 32,7%
e técnicos no processo de retorno escolar. semanalmente.
Em outros casos, os meninos e as meninas Além de estimular a escolarização formal Estudo do
vão para os abrigos após o início do ano das crianças e dos adolescentes abrigados, é Ipea revela
letivo e têm dificuldade em conseguir uma preciso fortalecer a construção de um reper- que a taxa de
vaga na escola ou acompanhar o conteúdo tório particular para cada menino e menina. analfabetismo
programático. Um terceiro motivo apontado Segundo as especialistas, atividades culturais, dentro dos
é a demora dos próprios responsáveis pelo esportivas e comunitárias contribuem para abrigos é maior
abrigo em garantir a volta às aulas. Quase uma boa escolarização. “A criança tem que que a média
5% dos alunos disseram que estudavam no ter possibilidade de vivenciar experiências nacional.
próprio abrigo, o que pode ser um resquício diferentes e desafiadoras que melhorem seu Enquanto o
das instituições totais. repertório. É importante que a criança possa índice geral
Ambas as pesquisas mostram que meninos e processar o conhecimento que obtém nes- para o Brasil
meninas vivendo em abrigos têm dificuldades de tas experiências da vida e não apenas o que é em torno de
aprendizagem. A pedagoga Isa Guará esclarece aprende na escola”, afirma Isa Guará. 3%, 16% dos
que muitas vezes isso tem fundo emocional. O apelo também é feito no relatório final do abrigados entre
Por isso, defende que as instituições invistam Projeto Reordenamento de Abrigos de Maceió, 15 e 18 anos
na melhoria da autoestima dessa população, elaborado em 2003 pela Terra dos Homens, não sabem ler
o que potencializaria o rendimento escolar. Fundação Municipal de Apoio à Criança e ao nem escrever
“Para que a criança abrigada tenha uma boa Adolescente e UNICEF, em 12 abrigos maceio-
escolarização, é preciso também que ela esteja enses. O documento aponta que a ociosidade
emocionalmente apoiada”, defende Isa. é uma constante nos abrigos, o que contribui
O estudo do Ipea revela que a taxa de anal- para o aumento do índice de evasão. Lá, ativi-
fabetismo dentro dos abrigos é maior do que a dades lúdicas, artesanais, profissionalizantes
média nacional. Enquanto o índice geral para o ou esportivas no interior das instituições ou
Brasil está em torno de 3%, 16% dos abrigados em espaços extramuros não eram constantes.
entre 15 e 18 anos não sabem ler nem escrever. O estudo sugere a existência de um “culto
ao confinamento” nessas instituições, com o
12A
 colhimento Institucional no Paraná – Quero Uma Família para Mim!, Dorival da objetivo de não se “perder o domínio sobre
Costa, Eliana Arantes Bueno Salcedo, Valtenir Lazzarini; coordenação de Valtenir
Lazzarini, Curitiba: SETP/Cedca, 2007. as regras estabelecidas”.
APRENDER No Semiárido

Grandes
obstáculos
a superar
A região tem registrado avanços
significativos, como o crescimento no
número de crianças atendidas na
Pré-escola e no Ensino Fundamental,
e a queda nas taxas de abandono
escolar e distorção idade-série. Mas
garantir o direito de aprender a
todas as meninas e todos os meninos
que vivem no Semiárido continua
sendo um importante desafio

Organizações da sociedade civil vêm atuando


para dar um apoio adequado de formação
e material didático aos professores de escolas
rurais que trabalham com salas multisseriadas
58 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Para contribuir com o compromisso brasi- A oferta de água por habitante corres-
leiro de garantir a universalidade dos direi- ponde à metade da disponibilidade do res-
tos de suas crianças e de seus adolescentes, tante do Brasil. O pastoreio extensivo mar-
desde 2004 o UNICEF tem como uma de ca a ocupação da região, onde podem ser
suas grandes prioridades atuar efetivamente encontrados desde os sertanejos inseridos
na redução das desigualdades presentes no nas caatingas até os camponeses típicos que
Semiárido. Na região, que concentra alguns ocupam as margens dos pequenos rios e os
dos piores indicadores sociais do país, vi- brejos em suas atividades3.
vem cerca de 13 milhões de meninos e me- Por outro lado, a região concentra
ninas. Desses, mais de 70% são pobres1. uma parte significativa da cultura popular
O Semiárido Brasileiro (SAB)2 se esten- brasileira e teve papel de destaque em
de territorialmente por 11 estados e mais grandes movimentos populares, sociais e
de 1.400 municípios (veja texto abaixo). políticos do país.
Com área equivalente à de países como Cerca de 65% da população do SAB vive
a França e a Alemanha somadas, a região em municípios com menos de 50 mil habi-
é marcada pelas desigualdades e por uma tantes, em que prevalecem características
série de novos e velhos desafios, como o rurais, como a baixa densidade populacio-
processo de desertificação, as questões nal e uma produção econômica e cultural
climáticas globais e a dificuldade histórica predominantemente vinculada ao campo4.
de articulação de políticas de desenvolvi- Com cerca de 33 milhões de habitan-
mento sustentável. tes, o Semiárido Brasileiro legal é a mais
1 Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são consideradas pobres
as pessoas com renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. 3 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, de Peter Spink e Ilka
2 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, de Peter Spink Camarotti; Programa Gestão Pública e Cidadania e UNICEF/2007.
e Ilka Camarotti; Programa Gestão Pública e Cidadania e UNICEF/2007. 4 “Educação do campo: diferenças mudando paradigmas”, Cadernos Secad 2, MEC, 2007.

O Semiárido Brasileiro de 1.133 municípios dos


estados do Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba,
A primeira delimitação do municípios que passam a fazer parte Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Semiárido Brasileiro (SAB) foi do SAB. Para a nova delimitação, Bahia e Minas Gerais.
estabelecida pela Lei nº- 7.827, de foram utilizados critérios técnicos Já o Pacto Um Mundo para
1989, que definia a área de atuação mais amplos: precipitação a Criança e o Adolescente do
da antiga Superintendência de pluviométrica média anual inferior Semiárido considera 1.417
Desenvolvimento do Nordeste a 800 milímetros; índice de aridez municípios como integrantes do
(Sudene). O critério adotado então de até 0,51; e risco de seca maior SAB, com base em características
para que um município fosse que 60%, tomando-se por base climáticas e regionais e na
incluído na área do Semiárido o período entre 1970 e 1990. solicitação de representantes dos
era ter uma precipitação Com essa atualização, próprios estados e municípios.
pluviométrica média anual igual a área classificada oficialmente Nessa soma, estão incluídos
ou inferior a 800 milímetros. como Semiárido Brasileiro municípios do Maranhão e do
Em 2005, o Ministério da aumentou de 892.309,4 km2 para Espírito Santo, que legalmente não
Integração Nacional instituiu uma 969.589,4 km2, sendo composta fazem parte da região e, portanto,
nova delimitação da região, que não têm acesso a recursos públicos
1 O índice de aridez é calculado pelo balanço hídrico que relaciona as
atualizou os critérios de seleção e os precipitações e a evapotranspiração potencial, entre 1961 e 1990. federais destinados a essa área.
APRENDER No Semiárido 59

populosa das regiões semiáridas do pla- terço da renda familiar (leia mais sobre
neta. Também é uma das mais pobres. É trabalho infantil e educação nos capítulos
lá que estão 771 municípios com os me- Aprender no Brasil e Desafios).
nores Índices de Desenvolvimento Hu- Acumulando trabalho e escola, quan-
mano Municipal (IDH-M) do Brasil. do isso acontece, fica difícil progredir nos
Os indicadores educacionais eviden- estudos. Uma criança no Semiárido leva,
ciam um contexto em que muitas crian- em média, 11 anos para concluir o Ensino
ças e adolescentes não têm seu direito de Fundamental de oito anos. Uma parcela
aprender plenamente garantido. significativa das que resistem nos bancos
Mais da metade (53%) dos brasileiros escolares não aprende o esperado: no
acima de 15 anos de idade que não sa- Nordeste, 12,8% das crianças de 10 anos,
bem ler nem escrever está no Nordeste5. idade em que deveriam estar terminando
Na região, eles representam 20% da po- os anos iniciais do Ensino Fundamental,
pulação acima de 15 anos de idade, ou o não sabem ler e escrever – no Brasil 5,5%
dobro da média nacional6. de crianças na mesma faixa etária estão
A população acima de 15 anos do Nor- nessa condição, e nas regiões Sul e Su-
deste é a menos escolarizada do país: tem deste o percentual é de 1,2% e 1,4%, res-
apenas seis anos de estudo, ante os 7,3 anos pectivamente (Pnad 2007).
da média nacional e os oito anos da Região No quadro geral, todos os estados que
Sudeste (Ipea/Pnad 2007). No Nordeste, a integram o Semiárido apresentam o Índi-
frequência de jovens de 15 a 17 anos ao ce de Desenvolvimento da Educação Básica
Ensino Médio fica em 34% (Pnad 2007), bem (Ideb) inferior ao da média nacional (veja ta-
abaixo da média registrada nas regiões Sul e bela na página seguinte). No caso de Minas
Sudeste (55% e 58,8%, respectivamente). Gerais e Espírito Santo, o número de muni-
A Região Nordeste concentra alto ín- cípios que integram o SAB representa cerca
dice de jovens de 15 a 29 anos na faixa de 10% e 37% do total, respectivamente. O
da pobreza (53,4%, de acordo com levan- restante está ligado ao sistema geoeconômi-
tamento do Ipea/Pnad 2007), em famílias co do Sudeste, onde a situação educacional é
que vivem com rendimento mensal per ca- diferenciada. Por isso, os dois estados apre-
pita de até meio salário mínimo. No Semi- sentam Idebs mais elevados que os dos es-
árido, essa proporção ultrapassa 70%, che- tados nordestinos – o de Minas Gerais é até
gando a 80% em alguns estados.7 Com isso superior ao da média nacional.
é grande também o contingente de crian-
ças e adolescentes que deixam os bancos
escolares para ajudar a compor a renda DESIGUALDADES HISTÓRICAS
familiar. Uma boa parcela de crianças de O quadro crítico dos indicadores mostra-
10 a 17 anos de idade ocupadas em 2007 dos acima reflete as violações do direi-
começou a trabalhar antes de completar 9 to de crianças e adolescentes do Semiári-
anos – 27,9% no Nordeste, ante a média do à educação e decorre de um processo
nacional de 19% (Pnad 2007). A maioria histórico. A região sempre foi vista como
são meninos (77,2%, ante 22,8% das me- um pedaço pobre do país e não recebeu
ninas) e 86% contribuem com quase um investimentos concretos num projeto de
desenvolvimento que garantisse sua in-
5 O SAB corresponde a 13,5% do território brasileiro e a 74,3% do Nordeste.
Por isso, ao longo do texto usaremos também os dados disponíveis da região. clusão ao plano de desenvolvimento na-
6Pnad 2007: Educação e Juventude, Jorge Abrahão de Castro, da Diretoria cional. O modelo de ocupação e organi-
de Estudos Sociais.
7 IBGE 2006, no Relatório “Relatos, Retratos e Compromissos”, do seminário zação social também contribuiu. Existem
Educação e Convivência no Campo: Avanço e Desafios do Semi-árido Baiano,
realizado de 23 a 25 de julho de 2008, em Salvador. na região inúmeras comunidades pobres
60 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

que se formaram em terrenos chamados a formação do professor e fornecer a ele


de fundo de pasto, compostos de terras material didático de qualidade.
públicas, em lugares de difícil acesso. Nos últimos anos, o governo e orga-
São, em sua maioria, grupos indígenas nizações da sociedade civil vêm atuando
resistentes8 e comunidades quilombolas, para dar um apoio adequado de formação
descendentes de escravos. e material didático para os professores de
No campo, o acesso à educação é mais escolas rurais que enfrentam o desafio de
difícil. De maneira geral, são pequenas trabalhar com salas multisseriadas (veja
escolas instaladas em construções sem as tabela na página ao lado).
mínimas condições de abrigar as crian- O Movimento de Organização Comu-
ças, com falta de sanitário, água potável nitária (MOC), de Feira de Santana (BA),
e rede elétrica. Atendidas por professores por exemplo, desenvolve, desde 1994, o
sem formação adequada, as crianças mui- projeto Conhecer, Analisar e Transformar
tas vezes são reunidas numa só classe, a Educação do Campo para o Desenvol-
em que uma única professora ou profes- vimento Sustentável (CAT), em parceria
sor tem que dar conta de ensinar alunos com a Universidade Estadual de Feira de
em níveis de aprendizagem diferentes. Santana (Uefs) e prefeituras.
A turma multisseriada é uma forma va- A experiência consiste na capacitação
liosa de organização do ensino no campo, de professores para aplicar a prática da
onde a densidade populacional é mais construção de conhecimentos com os alu-
baixa e não é possível repetir a fórmula nos com base na realidade em que vivem,
das escolas nucleadas do meio urbano, respeitando as especificidades de cada
com a separação das crianças em séries. comunidade do Semiárido Baiano e valo-
Mas, para que seja eficiente e garanta um rizando seu potencial, sua cultura e seu
ensino de qualidade, é preciso aprimorar trabalho. O projeto se organiza de forma
interdisciplinar, usando fichas pedagógi-
8 Grupos que passam por um processo recente de reconhecimento de sua condição étnica. cas como instrumento de consolidação da

Termômetro da qualidade
O Ideb1 dos estados que integram o Semiárido
EF - Anos iniciais EF - Anos finais Ensino Médio
Região Região Região
2005 2007 2005 2007 2005 2007
Brasil 3,8 4,2 Brasil 3,5 3,8 Brasil 3,4 3,5
Alagoas 2,5 3,3 Alagoas 2,4 2,7 Alagoas 3,0 2,9
Bahia 2,7 3,4 Bahia 2,8 3,0 Bahia 2,9 3,0
Ceará 3,2 3,8 Ceará 3,1 3,5 Ceará 3,3 3,4
Espírito Santo 4,2 4,6 Espírito Santo 3,8 4,0 Espírito Santo 3,8 3,6
Maranhão 2,9 3,7 Maranhão 3,0 3,3 Maranhão 2,7 3,0
Minas Gerais 4,7 4,7 Minas Gerais 3,8 4,0 Minas Gerais 3,8 3,8
Paraíba 3,0 3,4 Paraíba 2,7 3,0 Paraíba 3,0 3,2
Pernambuco 3,2 3,6 Pernambuco 2,7 2,9 Pernambuco 3,0 3,0
Piauí 2,8 3,5 Piauí 3,1 3,5 Piauí 2,9 2,9
Rio Grande Rio Grande Rio Grande
2,7 3,4 2,8 3,1 2,9 2,9
do Norte do Norte do Norte
Sergipe 3,0 3,4 Sergipe 3,0 3,1 Sergipe 3,3 2,9
Fonte: Inep/setembro de 2008
1 Ideb total.
APRENDER No Semiárido 61

metodologia. Ação-reflexão-ação é a base mais de 10 mil escolas nas regiões Nor-


para a produção de conhecimento. te, Nordeste e Centro-Oeste. Em 2008 foi
Entre os temas desenvolvidos, a partir realizada, por uma equipe de pesquisa-
da pesquisa sobre censo ambiental, estão dores da Universidade Federal do Pará,
recuperação da vegetação de caatinga por com o apoio da Coordenação Geral de
meio do plantio de árvores frutíferas e na- Educação do Campo, uma atualização
tivas e respeito às tradições culturais da do programa, que envolveu a criação de
comunidade, como hábitos alimentares, materiais que levam em conta as pecu-
utilização das plantas medicinais, valori- liaridades de cada região.
zação de música e dança, entre outras. A Além disso, a Secretaria de Educação
ação busca integrar a família, a escola e a Continuada, Alfabetização e Diversidade do
comunidade e promover a fixação do jo- MEC (Secad/MEC) coordena o Programa de
vem no campo, com incentivo e valoriza- Apoio à Formação Superior em Licencia-
ção da atividade agrícola. Nesse sentido, o tura em Educação do Campo (Procampo),
projeto do CAT trabalha a educação como com o objetivo de formar professores
um meio para a elaboração de conheci- para lecionar nos anos finais do Ensino
mentos específicos que contribuam para Fundamental e no Ensino Médio nas es-
tornar a vida das populações do campo colas rurais. Para isso, o programa apoia
melhor, tomando como base as práticas a implantação de cursos regulares de Li-
cotidianas. Atualmente o projeto abran- cenciatura em Educação do Campo em
ge 20 municípios. Outros 60 recebem o instituições de ensino superior públicas
projeto Baú de Leitura, que, com o apoio em todo o país, voltados para professo-
do UNICEF e das prefeituras, leva livros res e educadores que já atuam em escolas
contextualizados para mais de mil salas de rurais ou em experiências alternativas de
aula, ampliando o acesso à leitura e valo-
rizando a realidade e a cultura locais. De
forma lúdica, o projeto busca incentivar Turmas multisseriadas
o gosto pela leitura, trabalhando, a partir O cenário no Brasil e no Semiárido
das histórias infantis, o contexto e as di- Região/Unidade da Total de Número de turmas Turmas multisseriadas
mensões artística, social e política. federação turmas multisseriadas (em %)
Outra iniciativa importante nessa área Brasil 1.265.433 93.884 7,4
é a Proposta Educacional de Apoio ao Sul 183.007 4.729 2,5
Desenvolvimento Sustentável (Peads), Sudeste 447.371 11.962 2,6
desenvolvida há 17 anos pelo Serviço de Centro-Oeste 92.266 2.346 2,5
Tecnologia Alternativa (Serta), organiza- Norte 128.008 19.229 15,0
ção sem fins lucrativos que trabalha com Nordeste 414.781 55.618 13,4
promoção do desenvolvimento sustentá- Alagoas 22.253 2.029 9,1
vel na zona rural (leia mais sobre o proje- Bahia 106.039 16.549 15,6
to no texto Educação contextualizada). A Ceará 68.977 6.723 9,7
metodologia parte da ideia de que a es- Espírito Santo 22.930 1.892 8,2
cola deve construir conhecimentos úteis Maranhão 58.020 11.023 19,0
às famílias e que o aprendizado pautado Minas Gerais 132.928 8.285 6,2
Paraíba 30.853 5.008 16,2
no contexto de vida da criança é mais
Pernambuco 59.069 6.757 11,4
prazeroso e eficiente.
Piauí 30.448 4.547 14,9
O MEC desenvolve o programa Escola
Rio Grande do Norte 23.927 1.837 7,6
Ativa, que completou dez anos de sua Sergipe 15.195 1.145 7,5
implementação em 2007, atendendo a Fontes: Inep/Censo Escolar 2007
62 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

educação no campo. Quatro universida- Educação (FNDE), mostra que o peso maior do
des federais (UnB, UFMG, UFBA e UFS) investimento recai sobre o poder municipal.
implantaram esses cursos de forma pi- No levantamento, 2.277 municípios de
loto em 2007, beneficiando 240 profes- todas as unidades da federação, com exce-
sores. Atualmente 17 universidades pú- ção do Distrito Federal e de Roraima, res-
blicas recebem recursos do Procampo, ponderam o questionário disponibilizado
atendendo 1.373 professores. Em 2009, o on-line no portal do FNDE. Noventa e oito
Procampo tem como meta formar 2.020 por cento deles ofereciam transporte esco-
novos professores, com a adesão de ou- lar: 90% em área rural, na média nacional;
tras instituições de ensino. percentual que salta para 94% no Nordeste.
Os dados nacionais mostram que os mu-
nicípios entram com 58% dos recursos pa-
TRANSPORTE PRECÁRIO ra manter o serviço, 10% são repasses do
E LONGAS DISTÂNCIAS Programa Nacional de Apoio ao Transporte
As crianças e os adolescentes que vivem em Escolar (Pnate) e o restante vem de outras
áreas rurais mais afastadas têm, muitas vezes, fontes, como o Fundeb e o Salário Educa-
que percorrer longas distâncias para estudar. ção, também programas da União.
De acordo com a lei brasileira, caberia a esta- Mas nem sempre esse transporte é feito
dos e municípios oferecer o serviço de trans- em condições adequadas de segurança ou
porte escolar para suas respectivas redes. Um atende completamente a demanda. Em al-
estudo realizado em 2007 pelo Centro de For- gumas localidades, é possível encontrar ca-
mação de Recursos Humanos em Transportes minhonetes, utilizadas pelas prefeituras para
(Ceftru), da Universidade de Brasília, a pedido transportar crianças em regiões onde as es-
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da tradas são tão precárias que não permitem o

Toda escola com água de qualidade, banheiro e cozinha


Se comparado com outras Como destaca um relatório do Essa carência bate à porta das
regiões semelhantes, o Semiárido Conselho Nacional de Segurança escolas da região. O relatório
Brasileiro é uma das mais chuvosas Alimentar e Nutricional (Consea), do Consea, com base em dados
do mundo. Só que as chuvas no século XX o poder público levantados pelo Programa de
– 450 a 700 mm/ano – se investiu em grandes obras de Fortalecimento Institucional das
concentram em um curto período armazenamento de água na região, Secretarias Municipais de Educação
do ano, entre os meses de janeiro como barragens e açudes. Mas do Semiárido (Proforti), do MEC,
e junho. Além disso, 97% dessas esses são recursos que atendem aponta que, das 37,6 mil escolas
chuvas não permanecem no demandas concentradas de na zona rural da região, 28,3 mil
sistema, uma vez que escoam cidades ou regiões de irrigação. não são abastecidas pela rede
muito rapidamente, sem se Ainda persiste no Semiárido o pública. Dessas, 387 não possuem
infiltrar profundamente no solo, desafio de encontrar uma solução nenhum tipo de abastecimento de
e há uma evaporação intensa.1 que contemple a distribuição água. Uma situação crítica, pois se
e a gestão da água de modo a trata de um recurso essencial não
1 “O Acesso e os Usos da Água no Contexto da Soberania, Segurança suprir as necessidades mais básicas só para matar a sede dos alunos
Alimentar e Nutricional”, relatório elaborado pelo grupo de trabalho
Água da Comissão Permanente 2 (CP2), do Conselho Nacional de de toda a população, como a água como para higienizar e preparar
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), para o seminário SAN
nas Estratégias de Desenvolvimento, realizado em setembro/2008. potável para beber e cozinhar. os alimentos da merenda.
APRENDER No Semiárido 63

acesso de ônibus e vans. Segundo o estudo escola com água de qualidade, banheiro e
do Ceftru, esse meio corresponde a 10% do cozinha). A maioria delas não conta com
transporte. Nos demais casos são utilizados biblioteca ou sala de leitura (80%), com-
ônibus (43%), Kombis (18%) e vans (8%). putador (75,8%) e muito menos acesso à
Circula nos estados do Nordeste a frota mais internet (89,2%).
antiga, com média de 19,9 anos – a média
nacional é de 16,6 anos.
A idade dos veículos, as longas distân- Planejamento escolar
cias percorridas e a precariedade de muitas Presente na região desde 1999 com o Progra-
estradas transformam a ida à escola numa ma Melhoria da Educação no Município, um
jornada penosa que, muitas vezes, ultrapas- projeto com foco na formação de gestores
sa 1 hora. Pior situação vive quem não con- desenvolvido em parceria com o UNICEF
segue se encaixar nos roteiros do transporte e com a Fundação Itaú Social, o Centro de
escolar e tem que encarar a jornada a pé, em Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura
caminhadas que chegam a levar 2 horas. e Ação Comunitária (Cenpec) verificou que,
Quando, finalmente, ingressam em sa- especialmente nos municípios menores, não
la de aula, as crianças se deparam com há uma cultura de planejamento escolar.
outra realidade desanimadora: a precarie- Outra deficiência diz respeito à falta de
dade da infraestrutura. De acordo com o uma política de formação continuada do
Censo Escolar 2007 (Inep), das mais de corpo docente. Os alunos são atendidos por
58 mil escolas do Semiárido, 51% não são professores e professoras que nem sempre
abastecidas pela rede pública de água, têm a formação adequada (veja tabela na pá-
14% não dispõem de energia elétrica e gina seguinte) nem contam com um processo
6,6% não têm sanitário (veja o texto Toda sistemático de capacitação visando melhorar

Para combater esse problema, o participação de UNICEF, ANA, para garantir o abastecimento
UNICEF, reunindo parceiros como MEC, Ministérios da Saúde e do permanente de água. Definida a
a Agência Nacional de Águas (ANA) Desenvolvimento Social, Undime solução, o passo seguinte para
e a União Nacional dos Dirigentes e Conselho Nacional de Secretários implementá-la será mobilizar os
Municipais de Educação (Undime), de Educação (Consed), começou órgãos estaduais, gestores de recursos
lançou, em 2008, Ano Internacional a ser feito o mapeamento das hídricos e de programas já existentes,
de Saneamento, a proposta Toda escolas sem água e sem energia como o Água na Escola, da Fundação
escola pública brasileira com elétrica na região do Semiárido. Nacional da Saúde (Funasa), e o
água de qualidade, banheiro e Com base em dados do Censo 1 Milhão de Cisternas, da Articulação
cozinha. A iniciativa se alinha Escolar 2007, verificou-se no Semiárido Brasileiro (ASA)
com as Metas de Desenvolvimento que 578 municípios do Semiárido em parceria com organizações
do Milênio, que propõem Legal têm 5.005 escolas sem governamentais e
reduzir pela metade, até 2015, a energia elétrica e que em 121 não governamentais e entidades
parcela da população sem acesso desses municípios há 315 escolas da cooperação internacional.
permanente e sustentável a água sem abastecimento de água. Até 2012, a meta proposta
potável e esgotamento sanitário. A iniciativa envolverá a avaliação, pelo UNICEF é que todas
Depois de uma ampla pela ANA, das condições de cada as escolas públicas brasileiras
mobilização de gestores em torno estabelecimento para verificar que tenham água de qualidade,
da questão que contou com a tipo de tecnologia é a mais adequada banheiro e cozinha.
64 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

seu desempenho – no Piauí, por exemplo, de meninos e meninas de 7 a 14 anos


dos 28 municípios onde o Programa Melho- ao Ensino Fundamental de 94,6% (Pnad
ria da Educação no Município chegou, 24% 2007). Três estados (veja tabela na pá-
precisavam da implantação de um programa gina ao lado) chegam a ultrapassar es-
de formação continuada e 40% necessitavam sa média: Ceará (94,8%), Rio Grande do
ampliar o que ofereciam nesse sentido. Norte (95%) e Minas Gerais (94,9%). Nes-
Por exigência do MEC, todos os muni- sa etapa, a dificuldade maior recai ainda
cípios brasileiros precisam elaborar o Plano sobre estudantes que estão na área ru-
de Ações Articuladas (PAR) para a educação, ral. Nos 208 municípios atendidos pelo
para o período de 2008-2011, como condi- Programa Melhoria da Educação no Mu-
ção para receber ajuda técnica e financeira nicípio, no Semiárido, 15,8% das escolas
da União. Cerca de 1.250 municípios com os do campo ofereciam apenas as séries ini-
mais baixos Idebs do país (boa parte deles ciais do Ensino Fundamental. Para pros-
na Região Nordeste) receberam ajuda de téc- seguir os estudos, do 6 o ano ou 5 a série
nicos do ministério para elaborar o PAR. Dos em diante, meninos e meninas precisam
planos já recebidos e analisados pelo MEC, a ir para a sede do município. Ou seja, a
principal necessidade apontada é a formação distância até o banco escolar aumenta
continuada de professores. ainda mais e, com esse obstáculo, muitas
A universalização do acesso à Educa- crianças acabam parando de estudar. Os
ção Básica é uma meta que está próxi- números sobre a utilização de transpor-
ma de ser alcançada no nível do Ensino te escolar do Censo 2007 dão bem uma
Fundamental. Nessa etapa, o índice de ideia dessa questão. Nos anos iniciais do
atendimento nos estados do Semiárido se Ensino Fundamental, 35,82% dos alunos
aproxima da média nacional, que registra da região rural nos estados do Semiárido
uma taxa de frequência escolar líquida9 usam transporte escolar para chegar a es-
colas urbanas. Esse percentual sobe para
9 Segundo o IBGE, trata-se da proporção de pessoas de uma determinada faixa 62,08% nos anos finais do Ensino Funda-
etária que frequentam escola na série adequada em relação ao total de pessoas
da mesma faixa etária. mental e para 92,20% no Ensino Médio.

Formação inadequada
Percentual de professores com nível superior ainda é pequeno
Ensino
Unidade da Pré-escola Unidade da Unidade da Ensino Médio
Fundamental
federação (%) federação federação (%)
(%)
Brasil 51,14 Brasil 71,15 Brasil 93,37
Espírito Santo 62,30 Minas Gerais 81,90 Pernambuco 96,38
Minas Gerais 59,63 Ceará 74,76 Ceará 95,50
Sergipe 48,75 Espírito Santo 71,10 Sergipe 95,32
Ceará 45,38 Sergipe 70,60 Piauí 93,42
Rio Grande do Norte 44,00 Rio Grande do Norte 69,58 Minas Gerais 93,06
Paraíba 41,12 Paraíba 68,64 Alagoas 89,12
Pernambuco 34,60 Pernambuco 64,24 Paraíba 88,84
Piauí 32,38 Piauí 59,55 Espírito Santo 88,57
Alagoas 25,94 Alagoas 46,96 Maranhão 87,19
Maranhão 18,42 Maranhão 39,08 Rio Grande do Norte 85,81
Bahia 13,67 Bahia 32,17 Bahia 72,90
Fontes: MEC/Inep/DTDIE 2007
APRENDER No Semiárido 65

EDUCAÇÃO INFANTIL E mantidas por entidades sem fins lucrativos


ENSINO MÉDIO: DESAFIOS conveniadas com o poder público. A oferta
NAS DUAS PONTAS ainda é maior na zona urbana. Na rural, o
Na primeira etapa de ingresso das crianças atendimento é bastante precário. Nos muni-
na Educação Básica, os estados do Semiárido cípios do Semiárido atendidos pelo Programa
até que estão em ligeira vantagem em relação Melhoria da Educação no Município, 75,72%
aos índices nacionais. A média de atendimen- não contam com atendimento de creche na
to de crianças de 4 e 5 anos nos municípios área rural e 10,19% não oferecem Pré-escola.
da região é de 47,3%, ante 42,8% (Inep 2007) Quando existe o atendimento, ele é feito em
na média nacional (veja tabela abaixo). De uma classe multisseriada, juntamente com
acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da crianças do Ensino Fundamental.
Educação (1996), a responsabilidade princi- No Ensino Médio, o abandono é um dos
pal pela oferta do serviço de Educação In- principais desafios a ser vencidos. Enquanto a
fantil é do poder municipal. Nos estados do média nacional ficava, em 2005, em 15%, em
Semiárido o investimento nessa fase da Edu- seis estados do Semiárido (Alagoas, Bahia,
cação Básica é recente e recebeu o impulso Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e
do Fundeb, que a partir de 2006 ampliou o Sergipe) esse percentual foi de 20% ou mais.
financiamento para creches e, em 2007, es- Apenas o índice de Minas Gerais (14,4%) era
tendeu os repasses também para creches inferior (veja tabela na página seguinte).

Indicadores de acesso
A situação no Brasil e no Semiárido

Taxa de atendimento Taxa de frequência Taxa de frequência


Região/Unidade da a crianças de 4 e 5 Região/Unidade da líquida de Região/Unidade líquida de
federação anos na federação crianças de 7 a 14 da federação adolescentes de
Pré-escola (%) anos no EF (%) 15 a 17 anos no EM (%)
Fonte Inep 2007 Fonte Pnad 2007 Fonte Pnad 2007
Brasil 42,8 Brasil 94,6 Brasil 48,0
Sul 31,7 Sul 95,2 Sul 55,0
Sudeste 47,2 Sudeste 95,4 Sudeste 58,8
Centro-Oeste 32,2 Centro-Oeste 94,7 Centro-Oeste 49,6
Norte 36,3 Norte 93,2 Norte 36,0
Nordeste 46,7 Nordeste 93,6 Nordeste 34,5
Municípios do SAB 47,3 Municípios do SAB – Municípios do SAB –
UFs do SAB 45,1 UFs do SAB 93,8 UFs do SAB 36,1
Alagoas 32,4 Alagoas 93,6 Alagoas 25,6
Bahia 40,4 Bahia 93,5 Bahia 33,1
Ceará 54,5 Ceará 94,8 Ceará 42,2
Espírito Santo 45,3 Espírito Santo 93,9 Espírito Santo 44,8
Maranhão 59,0 Maranhão 91,7 Maranhão 34,5
Minas Gerais 40,2 Minas Gerais 94,9 Minas Gerais 51,1
Paraíba 46,4 Paraíba 93,7 Paraíba 31,3
Pernambuco 42,2 Pernambuco 93,7 Pernambuco 33,5
Piauí 51,2 Piauí 94,2 Piauí 29,8
Rio Grande do Norte 47,5 Rio Grande do Norte 95,0 Rio Grande do Norte 38,4
Sergipe 47,2 Sergipe 92,6 Sergipe 32,8
Fontes: IBGE/Pnad 2007 e MEC/Inep/Censo 2007
66 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

O abandono em números
Taxa de abandono no Ensino Fundamental e no Ensino Médio

Ensino Fundamental

Região/Unidade da Taxa de Região/Unidade da Abandono na Região/Unidade da Abandono na


federação abandono média federação área urbana federação área rural
Sul 3,9 Sul 2,7 Sul 2,4
Sudeste 4,6 Sudeste 3,5 Sudeste 4,7
Norte 9,4 Centro-Oeste 8,3 Centro-Oeste 9,5
Centro-Oeste 10,0 Norte 9,2 Nordeste 12,3
Nordeste 14,4 Nordeste 12,1 Norte 15,3

Minas Gerais 6,3 Minas Gerais 5,3 Espírito Santo 4,4


Espírito Santo 7,9 Espírito Santo 6,0 Minas Gerais 5,8
Maranhão 10,7 Ceará 8,3 Ceará 7,2
Ceará 11,6 Maranhão 9,2 Piauí 11,0
Sergipe 11,9 Piauí 10,3 Rio Grande do Norte 11,0
Rio Grande do Norte 13,5 Rio Grande do Norte 10,4 Pernambuco 11,2
Piauí 14,0 Sergipe 12,1 Sergipe 11,4
Bahia 15,2 Pernambuco 12,4 Maranhão 12,7
Paraíba 17,0 Bahia 14,8 Paraíba 12,7
Alagoas 17,3 Paraíba 15,6 Alagoas 14,2
Pernambuco 17,5 Alagoas 16,1 Bahia 15,0

Ensino Médio

Região/Unidade da Taxa de Região/Unidade da Abandono na Região/Unidade da Abandono na


federação abandono média federação área urbana federação área rural
Sudeste 10,9 Sudeste 10,9 Sudeste 11,0
Sul 13,2 Sul 13,2 Sul 11,3
Centro-Oeste 17,6 Centro-Oeste 17,6 Centro-Oeste 16,0
Nordeste 20,1 Nordeste 20,1 Norte 18,3
Norte 20,8 Norte 20,9 Nordeste 18,6

Minas Gerais 14,4 Minas Gerais 14,4 Minas Gerais 10,4


Espírito Santo 16,5 Espírito Santo 16,6 Espírito Santo 10,8
Ceará 17,3 Ceará 17,6 Ceará 13,1
Maranhão 18,5 Maranhão 18,4 Bahia 16,2
Paraíba 19,3 Paraíba 19,2 Alagoas 16,7
Alagoas 20,3 Pernambuco 20,3 Piauí 18,2
Pernambuco 20,3 Alagoas 20,4 Sergipe 20,4
Sergipe 20,4 Sergipe 20,4 Maranhão 20,8
Bahia 20,9 Bahia 21,1 Pernambuco 20,8
Piauí 21,9 Piauí 22,0 Rio Grande do Norte 22,6
Rio Grande do Norte 23,6 Rio Grande do Norte 23,6 Paraíba 26,1
Fonte: MEC/Inep – dados de 2005
APRENDER No Semiárido 67

Uma série de fatores leva esse contingente pelo programa de ensino profissionalizante em
de jovens a ficar fora da sala de aula. Por causa agricultura do Serviço de Tecnologia Alternati-
de sucessivas repetências e abandonos, quando va (Serta), em Pernambuco. Dos 21 municípios
o adolescente chega ao Ensino Médio, premido do Semiárido incorporados ao programa, ape-
pela necessidade de ajudar a compor a renda nas um mantém escola de Ensino Médio no
familiar, ele acaba trocando os estudos pelo tra- campo. Nos demais, os adolescentes precisam
balho. Isso acontece mais com os garotos do se deslocar das fazendas e dos sítios onde mo-
que com as garotas. Enquanto no Ensino Fun- ram para o núcleo urbano.
damental o percentual de matrículas é maior
entre os meninos (51,63% a 48,37% no Nordes-
te, segundo dados do Censo Escolar 2007), no NEGROS E INDÍGENAS
Ensino Médio essa relação se inverte: na Região SÃO OS MAIS EXCLUÍDOS
Nordeste 57,10% dos estudantes matriculados Também é crítica na região a questão da in-
nessa etapa do ensino são do sexo feminino, clusão de crianças e adolescentes negros e
ante 42,90% do masculino. Fica mais difícil tam- indígenas ao sistema educacional. No Bra-
bém chegar à escola. Pela Constituição Federal, sil, apenas 1,77% das crianças brancas de 7
o Ensino Médio é de responsabilidade do go- a 14 anos estão fora da escola, ante 3,28%
verno estadual. E, na grande maioria, as escolas de negros e 9,84% de indígenas. Em boa
que oferecem esse nível de ensino ficam no parte dos estados do Semiárido, a desigual-
centro urbano do município. Um caso ilustrati- dade é bem mais gritante. A taxa de exclu-
vo é o que acontece com os jovens atendidos são das crianças e dos adolescentes negros

Escolas quilombolas nos estados do Semiárido


A região concentra a maioria dos alunos
Nº- de escolas Nº- de matrículas Nº- de escolas Nº- de matrículas
Região/Unidade da de Ensino no Ensino de Ensino no Ensino
federação Fundamental Fundamental Médio Médio
Brasil 1.157 110.041 15 3.155
Norte 196 13.226 1 51
Sudeste 104 9.275 2 271
Sul 51 5.017 1 60
Centro-Oeste 39 2.369 3 97
Nordeste 767 80.154 8 2.676
Alagoas 15 2.855 – –
Bahia 233 40.552 4 1.713
Ceará 10 2.034 – –
Espírito Santo 13 360 – –
Maranhão 401 23.566 – –
Minas Gerais 66 5.834 1 223
Paraíba 17 1.463 – –
Pernambuco 43 5.971 3 914
Piauí 21 793 – –
Rio Grande do Norte 15 710 – –
Sergipe 12 2.210 1 49
Total SAB 846 86.348 9 2.899
Fonte: Inep/Censo Escolar 2007
68 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Crianças fora da escola por raça/cor1


Os números no Brasil e nos estados do Semiárido
População População de % de crianças de
Unidade da
Raça/cor de 7 a 14 anos 7 a 14 anos fora 7 a 14 anos fora
federação
total da escola da escola
Indígena 62.203 6.119 9,84
Branca 12.359.343 219.060 1,77
Brasil Preta 1.786.647 58.682 3,28
Amarela 120.620 2.545 2,11
Parda 13.985.643 395.509 2,83
Branca 132.370 4.136 3,12
Alagoas Preta 16.548 2.069 12,50
Parda 391.432 14.479 3,70
Branca 414.697 11.343 2,74
Bahia Preta 309.680 8.964 2,89
Parda 1.517.432 44.209 2,91
Branca 449.785 9.672 2,15
Preta 28.995 1.185 4,09
Ceará
Amarela 3.431 449 13,09
Parda 941.346 23.403 2,49
Branca 183.491 3.936 2,15
Espírito Santo Preta 35.914 984 2,74
Parda 300.102 11.316 3,77
Indígena 6.968 4.355 62,50
Branca 267.382 9.580 3,58
Maranhão
Preta 83.609 5.226 6,25
Parda 789.068 16.546 2,10
Branca 1.151.815 13.915 1,21
Minas Gerais Preta 244.710 6.137 2,51
Parda 1.466.181 34.591 2,36
Branca 180.402 4.194 2,32
Paraíba Preta 26.101 1.864 7,14
Parda 358.475 13.054 3,64
Indígena 4.157 225 5,41
Branca 450.141 8.958 1,99
Pernambuco
Preta 67.103 1.865 2,78
Parda 818.018 24.081 2,94
Branca 103.214 521 0,50
Piauí Preta 26.071 1.043 4,00
Parda 363.867 7.296 2,01
Branca 174.076 4.581 2,63
Rio Grande do Norte
Parda 295.475 8.247 2,79
Indígena 2.952 328 11,11
Branca 87.907 2.952 3,36
Sergipe
Preta 23.946 656 2,74
Parda 220.097 7.544 3,43
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2007
1 Segundo o IBGE, em alguns estados, a amostragem da categoria amarela e indígena não foi suficientemente confiável e por isso não consta da tabela.
APRENDER No Semiárido 69

(veja tabela na página ao lado) é maior em torno de 113 mil alunos, dos quais 78% es-
Alagoas (12,50%), Paraíba (7,14%), Mara- tão nos estados que integram o Semiárido
nhão (6,25%) e Ceará (4,09%). Na parce- (veja tabela na página 67).
la da população indígena, as piores taxas Até cinco anos atrás, essa parcela de alu-
de exclusão estão no Maranhão (62,50%) e nos era invisível para as estatísticas. Somente
Sergipe (11,11%). com a inclusão de questões para mapeá-la
De acordo com levantamento feito pela no Censo Escolar feito pelo Inep é que se
Fundação Cultural Palmares10, ligada ao Mi- começou a obter os primeiros dados, como
nistério da Cultura, existem no Brasil 1.305 o número de escolas e alunos matriculados.
comunidades remanescentes de quilombos, É comum nessas comunidades a presença de
a maioria nos estados da Bahia (245), Mara- classes multisseriadas, e nem todas as escolas
nhão (146) e Minas Gerais (105). Comuni- oferecem o Ensino Fundamental completo.
dades formadas com o objetivo de resistir Em geral, as crianças fazem as séries iniciais e,
à dominação imposta pelo sistema de es- depois, precisam se deslocar longas distâncias
cravidão, elas se constituíam em locais de para complementar os estudos. No Ensino
difícil acesso, característica que se refletiu Médio, a oferta é ainda mais crítica: nas co-
também no acesso a serviços e políticas pú- munidades quilombolas situadas nos estados
blicas como a educação. Dados do Censo do Semiárido, existem 846 escolas de Ensino
Escolar de 2007 mostram que existem cerca Fundamental e apenas nove de Ensino Mé-
de 1.172 escolas localizadas em áreas rema- dio, segundo dados do Censo Escolar 2007.
nescentes de quilombos que atendem em No final de 2008, a Secad trabalhava em um
estudo para traçar um painel mais qualitativo
10 O
 número leva em conta a última certificação publicada no Diário Oficial da União
em 31 de dezembro de 2008. sobre o ensino a que têm acesso as crian-

Escolas indígenas
A realidade do Brasil e dos estados do Semiárido

Região/Unidade da Nº- de escolas de Nº- de matrículas no Nº- de escolas de Nº- de matrículas no


federação Ensino Fundamental Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Médio

Brasil 2.470 151.323 123 14.987


Norte 1.570 77.733 64 5.925
Sudeste 45 4.059 3 152
Sul 115 9.970 3 276
Centro-Oeste 235 26.690 37 3.840
Nordeste 505 32.871 16 4.794
Alagoas 12 1.150 – –
Bahia 61 7.657 7 3.153
Ceará 36 2.723 1 56
Espírito Santo 6 545 – –
Maranhão 249 12.074 4 1.223
Minas Gerais 10 2.744 2 142
Paraíba 29 3.308 1 146
Pernambuco 116 5.628 2 179
Piauí ­– – – –
Rio Grande do Norte 1 254 – –
Sergipe 1 77 1 37
Fonte: Inep/Censo Escolar 2007
70 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

ças e os jovens em comunidades quilombo- por outras regiões do país a respeito das
las, analisando dados como as condições de especificidades da educação no campo. Em
infraestrutura (sanitários, água potável etc.), síntese, esses atores defendiam a necessi-
além da capacitação de professores. dade de ofertar aos estudantes da área rural
A dificuldade de avançar nos estudos por uma educação que valorizasse “a cultura
falta de escolas que ofereçam o atendimento local, as experiências de vida, os saberes
também é observada entre as comunidades existentes na construção de novos saberes,
indígenas. Nos estados da região, são 521 reforçando a autoestima dos educandos”.11
escolas de Ensino Fundamental para apenas No Semiárido, as discussões sobre o
18 do Ensino Médio, segundo o Censo Esco- modelo ideal de educação foram incluídas
lar 2007 (veja tabela na página anterior). numa ampla frente de ações que buscavam
articular políticas públicas no sentido de for-
mular e colocar em prática uma nova con-
EDUCAÇÃO EM SINTONIA cepção de desenvolvimento para a região:
COM A REALIDADE a da convivência.12 Um dos marcos dessa
A partir das décadas de 70 e 80, começaram articulação foi a III Conferência das Partes
a surgir e se fortalecer experiências que da Convenção das Nações Unidas de Com-
buscavam melhorar a situação da Educação bate à Desertificação (COP-III), realizada
Básica no Semiárido. Essas iniciativas colo- em 1999, em Recife (PE). No evento, com
caram em andamento pela primeira vez a o apoio do UNICEF, entre outras entidades,
união de vários atores sociais, como igre- foi realizado o Fórum Paralelo da Sociedade
jas, movimentos comunitários, universida- Civil. Nesse fórum, 60 ONGs criaram a Arti-
des e prefeituras, na tentativa de construir culação no Semiárido Brasileiro (ASA), que
um modelo educativo que incorporasse a atualmente reúne cerca de 1.000 entidades
realidade da região na construção do co-
11 Francisca Maria Carneiro Baptista, “Educação Rural: Das Experiências à Política
nhecimento por professores, pais e alunos. Pública”, Série Debates e Ação – Volume 2, Brasília, Núcleo de Estudos e
Desenvolvimento Rural (Nead), Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2003.
Esse movimento entrou em cena na esteira 12 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, Peter Spink e
Ilka Camarotti (organizadores), São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania/
de uma discussão que se estendeu também Brasília: UNICEF, 2007.

Um espaço para aprender e brincar Estado do Ceará, uma das


parceiras do UNICEF nessa
Teatro de bonecos, brincadeiras É brincando que as crianças iniciativa, até março de 2009
de criança, cantigas de roda aprendem, por exemplo, as já haviam sido instaladas sete
e contação de histórias são primeiras regras de convivência brinquedotecas no estado. Cada
algumas das atrações do e a se relacionar com o próximo. uma delas atende, em média,
Programa Brinquedoteca No caso da Brinquedoteca mil crianças, 300 adolescentes
Pública Municipal, do Ceará. As Pública Municipal, as e 300 famílias por mês. Os
brinquedotecas são, ao mesmo brincadeiras são orientadas por espaços também são utilizados
tempo, espaços culturais e de educadores brinquedistas e para formação continuada
lazer destinados a crianças, profissionais especializados em de educadores e capacitação
adolescentes e às suas famílias. Pedagogia, Educação Infantil de famílias. A meta é que eles
A brincadeira é considerada e Artes Cênicas. Segundo a se tornem referência nessa
fundamental para o Associação das Primeiras área, respeitando os aspectos
desenvolvimento infantil. Damas dos Municípios do culturais de cada região.
APRENDER No Semiárido 71

da sociedade civil, nos 11 estados onde fi- Com a reflexão de que, num cenário de
cam os municípios que compõem a região. enorme carência de formação adequada de
Uma das iniciativas mais expressivas da professores, o livro didático ganha força, uma
entidade para promover o desenvolvimento vez que “acaba por determinar o percurso do
humano sustentável é o Programa de Forma- ano letivo”14, a Resab defende que um dos pon-
ção e Mobilização Social para a Convivên- tos de partida para a adoção de uma educação
cia com o Semiárido: 1 Milhão de Cisternas contextualizada deve ser o material didático
Rurais (P1MC), que teve início em 2003. O empregado nas salas de aula do Semiárido. De
programa é resultado de uma parceria com acordo com educadores da Resab, o currícu-
o governo federal, a Federação Brasileira de lo escolar reproduz um discurso e uma prática
Bancos (Febraban), a Fundação Banco do que apresentam o Semiárido como inviável,
Brasil e entidades de cooperação internacio- um lugar pobre, miserável e ruim de viver.
nal. A ideia é construir cisternas de placas Consequentemente, o livro didático reproduz
para armazenar água da chuva para suprir a e reforça essa imagem.15 Há a necessidade de
necessidade de água limpa para beber e co- materiais que valorizem e reflitam a realidade
zinhar. Até setembro de 2008, já haviam sido dos alunos, nos quais eles se reconheçam.
feitas mais de 237 mil cisternas rurais.
Na área da educação, papel tão fundamental
como o da ASA é desempenhado pela Rede de A educação contextualizada não trata apenas
Educação do Semiárido Brasileiro (Resab). Cria- de didática, mas de uma visão de mundo, de uma
da em 2000, em Juazeiro (BA), a Resab reuniu tarefa política específica no meio rural
várias experiências de educação contextualizada,
que buscavam desenvolver o conceito da convi-
vência com o Semiárido. Seu objetivo principal Sistematizando experiências municipais de
é criar uma articulação capaz de influenciar as educação contextualizada e reflexões como es-
políticas educacionais e transformar essas ex- sas, um grupo de educadores da Resab elabo-
periências esparsas em políticas públicas de rou, em 2005, com o apoio do UNICEF e do
educação que se estendessem a toda a região. Cenpec, a primeira iniciativa de um material
Composta de educadores, entidades da socie- específico para a região: o livro Conhecendo
dade civil e representantes do poder público, o Semi-árido (sic), destinado a alunos de 3a
atualmente a Resab possui comitês gestores em e 4a séries do Ensino Fundamental. A versão
todos os estados que integram a região. experimental foi distribuída entre alunos de
A LDB estabelece em seu Artigo 26 que escolas públicas de nove estados do Nordes-
os currículos de Ensino Fundamental e Mé- te, como parte de um estudo para verificar
dio devem apresentar uma base nacional co- o impacto desse novo material em sala de
mum, mas precisam reservar espaço também aula. O levantamento foi realizado em 2006 e
para “uma parte diversificada, exigida pelas envolveu uma amostragem em 17 municípios
características regionais e locais da socieda- de nove estados, com alunos e professores
de, da cultura, da economia e da clientela”.13 divididos em dois grupos: os que trabalha-
A educação contextualizada responde a es- vam com o livro e os que não trabalhavam.
sa determinação e não trata apenas de adapta- Um alto percentual de professores (94,1%)
ções curriculares, de didática, mas de postura, afirmou que o livro oferecia ensinamentos
de filosofia, de visão de mundo, de tarefa po-
lítica específica no meio rural. 14 Josemar da Silva Martins, “Anotações em Torno do Conceito de Educação para a
Convivência com o Semi-árido”, in Educação para a Convivência com o Semi-árido
– Reflexões Teórico-práticas, Juazeiro: Selo Editorial Resab, 2006.
15 Claudia Maisa Antunes Lins, Edneusa Ferreira Souza e Vanderléa Andrade Pereira,
13 F rancisca Maria Carneiro Baptista, “Educação Rural: Das Experiências à Política “Educação para Convivência com o Semi-árido: a Proposta de Elaboração de um
Pública”, Série Debates e Ação – Volume 2, Brasília, Núcleo de Estudos e Livro Didático”, in Educação para a Convivência com o Semi-árido – Reflexões
Desenvolvimento Rural (Nead)/ Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2003. Teórico-práticas, Juazeiro: Selo Editorial Resab, 2006.
72 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

novos. Os alunos também receberam bem o esferas de governo – federal, estadual e


novo material: 35% deles relacionaram a apro- municipal – e a sociedade civil visando
vação ao fato de que o livro falava da realidade mudar esse quadro. Essas articulações re-
do Semiárido. Como sinal de que o livro des- sultaram, em 2004, na assinatura da pri-
pertou o interesse, o estudo destaca que 95,5% meira edição do Pacto Um Mundo para
dos alunos entrevistados relataram ter usado a a Criança e o Adolescente do Semiárido,
publicação em casa. que recebeu a adesão de oito ministérios,
Além de material adequado, para que a dos 11 estados e de 30 organizações não go-
educação contextualizada aconteça, é ne- vernamentais. Um Comitê Nacional do Pac-
cessário que o debate se amplie, atingindo to, com representantes de todos os signa-
todo o sistema de ensino na região, refor- tários, passou a se reunir periodicamente
çando a necessidade de gestão participa- para definir, com base em um plano de
tiva, formação continuada e específica de ação, estratégias de articulação e formas
professores e de um planejamento pedagó- de garantir que políticas nacionais fossem
gico que reflita a realidade. direcionadas para a região.
A primeira edição do Pacto, de 2004 a
2006, serviu para desencadear um proces-
PACTO PELA CRIANÇA E PELO so de mudança de olhar sobre o Semiárido,
ADOLESCENTE DO SEMIÁRIDO que sempre foi visto como uma região seca
Em 2003, a pesquisa “Crianças e Adoles- e sem recursos, terra de um povo que migra
centes no Semi-árido Brasileiro”16 (sic) do para os centros urbanos e outras regiões, em
UNICEF, revelou que essa região tinha os busca de melhores oportunidades. O segun-
indicadores mais desfavoráveis em relação do reflexo mais importante nessa fase foi a
à população da faixa etária em questão. sensibilização de diversas esferas do gover-
Com base nesse diagnóstico, o UNICEF no para a questão, especialmente em deter-
começou a articular parceiros entre as três minados segmentos do governo federal, o
que resultou no direcionamento de alguns
16 José Farias Gomes Filho, Recife, UNICEF, 2003. programas nacionais para a região.

Selo UNICEF Município Aprovado


O que mudou na vida das crianças e dos adolescentes dos municípios participantes em relação à educação

Inscritos no Selo Ganhadores do Selo Edição 2008


Semiárido Indicadores
Brasileiro Ano
Ano final
Evolução Ano
Ano final
Evolução
inicial % inicial %
Todas as crianças de Taxa de atendimento de crianças de 4 e 5 52,1 51,9 -0,5 55,1 53,6 -2,8
4 a 5 anos na Pré-escola anos na escola1 (2004-2007)
Todas as crianças e Taxa de escolarização líquida de 6 a 14 101,3 116,8 15,3 101,2 115,3 13,9
todos os adolescentes anos no Ensino Fundamental (2004-2007)
com acesso ao Ensino % de adolescentes de 14 a 15 anos 13,3 32,7 145,0 15,3 33,7 120,9
Fundamental e com com Ensino Fundamental concluído
sua permanência, (2004-2007)
aprendizagem e Distorção idade-série no Ensino
conclusão garantidas 47,1 17,4 -63,0 43,8 16,4 -62,5
Fundamental  (2004-2007)
Todas as crianças e Taxa de abandono escolar diurno do 11,4 7,4 -35,3 10,2 6,0 -41,3
todos os adolescentes Ensino Fundamental da rede municipal
crescendo sem (2004-2007)
violência e exploração
1 A razão mais provável para a diminuição da taxa de atendimento de crianças de 4 e 5 anos na Pré-escola registrada pelos municípios inscritos e ganhadores do Selo Edição 2008 está relacionada
a uma mudança metodológica do Censo Escolar que resultou em uma melhor coleta dos dados. A alteração pode ter afetado desproporcionalmente aqueles municípios com os melhores indicadores.
APRENDER No Semiárido 73

Com a mudança de governadores e ges- sociedade civil, por meio de organizações


tores públicos, o UNICEF lançou a segunda de âmbito nacional, cabe a mobilização que
edição do Pacto em 2007, com vigência até garanta o controle social e o diálogo com o
2010, para renovar o compromisso com a poder público. E os municípios participam
melhoria das condições de vida das crianças pelo desenvolvimento de ações para cum-
e dos adolescentes do Semiárido. Desta vez, prir as metas do Selo UNICEF Município
além dos 11 estados que integram a região, o Aprovado.
Pacto contou com a adesão de 11 ministérios Na atual versão, o Pacto elegeu quatro
e mais de 60 parceiros da sociedade civil e eixos estratégicos para trabalhar:
da iniciativa privada, e os papéis de todos os 1) Articulação de programas, políticas e proje-
segmentos foram mais bem definidos. Ao go- tos de âmbito federal e estadual para apoiar
verno federal, por meio dos ministérios, cabe os municípios no alcance das metas.
a tarefa de desenvolver políticas nacionais 2) Orçamento público para a infância.
que levem em conta o contexto, a cultura e 3) Promoção de transferência de experiên-
as especificidades do SAB. Os estados são cias bem-sucedidas entre estados.
responsáveis por manter e fortalecer comitês 4) A gendar o Semiárido como questão
estaduais, compostos de representantes go- nacional.
vernamentais e da sociedade, para apoiar os Outra iniciativa do Pacto em implanta-
municípios nas ações em favor dos direitos ção é o Observatório do Semiárido, portal
das crianças e dos adolescentes, além de man- cuja missão é ser um fórum permanente
ter políticas integradas e a articulação com a e virtual, onde se possa disseminar expe-
sociedade civil e outras esferas de governo. riências e conhecimento, além de moni-
O Pacto também conseguiu levar o tema pa- torar os indicadores assumidos pelos go-
ra o Fórum de Governadores do Nordeste e vernadores. Trata-se de um instrumento
fazer com que assumissem um compromis- por meio do qual será possível verificar
so com um conjunto de indicadores ligados onde os compromissos com as crianças e
à infância e à adolescência pautados pelos os adolescentes do Semiárido estão avan-
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. À çando e onde ainda precisam melhorar.

No restante dos municípios


Restante do Brasil Brasil
dos 11 estados do Selo
Ano Evolução Ano Evolução Ano Evolução
Ano final Ano final Ano final
inicial % inicial % inicial %
44,2 46,0 4,1 49,0 50,2 2,3 45,8 47,2 3,0

97,7 105,9 8,5 100,1 113,0 12,9 98,4 108,1 9,9

24,2 35,3 45,9 16,3 32,5 99,2 22,0 34,8 58,1

27,3 17,4 -36,4 41,7 18,8 -54,8 31,3 17,4 -44,5

5,5 3,3 -39,9 9,5 6,2 -34,6 6,7 4,1 -38,3

Fontes: MEC/Inep/Censo Escolar, 2004 e 2007 e IBGE Nota: Os indicadores foram calculados pelas médias das taxas.
74 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

No âmbito dos estados e municípios o participaram das duas últimas edições do


Pacto foi alavancado pelo Selo UNICEF Mu- Selo, é possível notar importantes avan-
nicípio Aprovado. A ideia foi lançada pe- ços. Na área de educação, um dos prin-
lo UNICEF no Ceará, em 1999, como es- cipais se refere à distorção idade-série,
tratégia para estimular a organização e o indicador que mede a qualidade do en-
trabalho comunitário nos 184 municípios sino por meio da adequação da idade do
do estado. Sua primeira edição foi reali- aluno à série na qual está matriculado.
zada em 2000. A partir da quarta edição, Entre 2004 e 2007, essa distorção caiu
em 2006, o UNICEF ampliou o Selo para 63% – passando de 47,1% para 17,4% nos
os 11 estados do SAB, elegendo-o como municípios do Semiárido inscritos no Se-
uma das principais ferramentas de mobi- lo. A taxa de abandono escolar diurno no
lização do Pacto. A quinta edição (2007- Ensino Fundamental da rede municipal
2008) contou com a adesão de 1.130 dos recuou 35% – de 11,4% para 7,4% (veja
quase 1.500 municípios do Semiárido. Do tabela na página 72).
total de participantes, 262 conquistaram o Além disso, o percentual de profes-
Selo – em 2006, foram 1.179 participantes sores da Educação Infantil com nível de
e 192 municípios certificados. escolaridade média ou superior subiu de
Para obter a certificação do Selo, os 82,7 para 95,1%, e 79,7% das escolas têm
municípios trabalham em torno de três um Conselho Escolar, de acordo com le-
eixos: Impacto social, Gestão de políticas vantamento do Selo UNICEF Município
públicas e Participação social17. Aprovado – Edição 2008.
Para os municípios, o Selo funciona Os impactos positivos tanto do Pacto
como um instrumento para monitorar su- quanto do Selo foram detectados pelo es-
as ações de melhoria na oferta e na qua- tudo “Crianças e Adolescentes: Situação no
lidade dos serviços destinados à criança Semi-árido Brasileiro” (sic), coordenado por
e ao adolescente. Comparando os indica- Peter Spink e Ilka Camarotti, do Programa
dores de 2004 e 2007 dos municípios que Gestão Pública e Cidadania, da Fundação
Getulio Vargas. “Os municípios que busca-
17 Para mais informações, ver www.selounicef.org.br.
vam o reconhecimento do Selo fizeram um
importante exercício de descentralização
do poder, de emancipação, de envolvimen-
O atendimento a crianças e to comunitário, de integração dos atores

adolescentes com deficiência municipais”, afirmou uma gestora estadual


de Minas Gerais ouvida no estudo.
Entre os estados do Semiárido, o número de alunos matriculados Para promover mudanças na situação
na Educação Especial é de 218.590 – a parcela maior é atendida de violação dos direitos das crianças e dos
em classes comuns do ensino regular ou de Educação de Jovens adolescentes do Semiárido, não bastam
e Adultos (46,36%). Se considerados apenas os estados do ações exclusivas da área da educação, da
Nordeste, esse percentual sobe para 53,19%. Em seguida vêm saúde e da assistência social. É preciso uma
as escolas exclusivas para alunos especiais (42,71%) e classes forte articulação intersetorial que, segundo
especiais no ensino regular ou de Educação de Jovens o estudo, já começa a fazer parte prioritá-
e Adultos (10,91%). Somente 32,44% dos estabelecimentos ria da atuação pública por meio de com-
de ensino público da rede regular ou de Educação de Jovens promissos como o Pacto e instrumentos de
e Adultos nos estados da região contam, no entanto, com apoio às ações e articulações locais, como
apoio pedagógico especializado para atender esses alunos o Selo UNICEF Município Aprovado18.
(leia mais sobre o assunto no capítulo Aprender no Brasil).
18 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, de Peter Spink e
Ilka Camarotti; Programa Gestão Pública e Cidadania e UNICEF/2007.
APRENDER No semiárido 75

Em 2008, as

Educação contextualizada escolas rurais


de Lagoa de
Itaenga (PE)
Metodologia de ensino parte da realidade do aluno e assume usaram o tema
a escola como um agente de transformação social violência como
inspiração para
abordar conteúdos
curriculares
Na classe multisseriada da professora Iolanda como uma violação de seus direitos e consi-
Maria de Santana, na Escola Municipal Luiz deram que a violência não é a melhor solução
José de Santana, em Lagoa de Itaenga, a 64 para os conflitos.Trazem na ponta da língua a
quilômetros do Recife (PE), os alunos refle- alternativa. “É só dialogar, conversar”, aponta
tem com propriedade sobre um tema difícil: Maria Caroline Pimentel de Paula, de 8 anos
a violência.“Violência é bater na mulher... no Os aprendizados são resultado de um tra-
filho”, define prontamente Sandro Epifânio do balho realizado durante todo o ano de 2008
Nascimento, de 6 anos. Muitos deles, como nas escolas do campo de Lagoa de Itaenga, na
João (nome fictício1), de 9 anos, foram vítimas Zona da Mata pernambucana. Com base na
de agressão física, psicológica ou verbal e já se constatação de que a violência estava presente
comportaram de forma hostil na sala de aula. nas casas de muitos estudantes, os professores
Sem rodeios, o garoto relata seu cotidiano antes decidiram criar o projeto Educação no Campo
de o pai sair de casa.“Meu pai bebia muito. Ele – Educando para a Paz.
ganhava 100 reais e conseguia gastar tudo em A abordagem do tema foi feita com base na
bebida. Aí, ficava nervoso e batia.” Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvi-
As discussões que começaram na sala de mento Sustentável (Peads), desenvolvida há 17
aula já renderam frutos para além da escola. anos pelo Serviço deTecnologiaAlternativa (Serta),
Hoje, as crianças apontam o trabalho infantil organização sem fins lucrativos que trabalha com
educação no campo, formando jovens, educa-
1 O nome da criança foi alterado para preservar sua identidade. Segundo o Artigo 18
do Estatuto da Criança e do Adolescente, “É dever de todos velar pela dignidade da dores e produtores familiares e promovendo o
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. desenvolvimento sustentável na zona rural. A me-
76 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

todologia parte dos pressupostos de que a escola Os temas podem ser estudados durante seis
deve construir conhecimentos úteis às famílias e de meses ou no decorrer do ano letivo, conforme
que o aprendizado pautado no contexto de vida da a necessidade sentida por educadores e alunos.
criança é mais prazeroso e eficiente. “Partimos da Rosilene Carneiro da Silva, uma das coordenado-
realidade do aluno para chegar à compreensão do ras pedagógicas das escolas rurais de Lagoa de
todo, pois só assim a criança vai se tornar um Itaenga, diz que, antes da definição do foco do
cidadão crítico”, explica a professora Wdarika trabalho, os pais são consultados para dizer se
Moreira de Lima, da Escola Municipal Joaquim concordam ou não com a abordagem do tópico
Bezerra, de Lagoa de Itaenga (PE). Hoje, a linha na escola. Já foram tratados temas como aque-
pedagógica está presente nas escolas rurais de cimento global, vegetação local e violência.
três municípios de Alagoas, dois da Bahia, três Em relação à violência, cada pergunta da
da Paraíba e 26 de Pernambuco. ficha pedagógica foi estudada durante 15 dias.
“Foi o tema mais complexo que já trabalhamos,
De casa em casa pois tivemos que entrar na intimidade das fa-
A Peads está dividida em quatro etapas, explica mílias”, avalia Edilane Gomes de Albuquerque,
Gilmara Almeida, uma das responsáveis pela também membro da coordenação pedagógica.
formação de professores do Serta. O primeiro Sua colega, a professora Mônica Gomes Ferrei-
momento é o da pesquisa. Os professores e a ra, afirma que os alunos não se cansaram de
coordenação pedagógica do município definem falar sobre o assunto, pois ele era usado como
A educação o tema a ser estudado e levantam, junto com os recurso inspirador para estudar temas muito
contextualizada alunos, o conhecimento que a comunidade já diversos, como separação silábica, cálculo de
é aplicada em tem do assunto. Para isso, montam uma ficha porcentagens, leitura de gráficos, entre outros.
dez municípios pedagógica, com diversas questões que devem “Como os dados são coletados na comunidade
do Semiárido ser respondidas pela própria comunidade. Os durante o mapeamento, os alunos não perdem
pernambucano alunos saem para aplicar o questionário de o interesse pelas aulas”, diz. Além disso, são
por meio do casa em casa, diagnosticando como o tema é utilizadas linguagens diferentes (música, teatro,
projeto Jovens vivenciado ou compreendido pelas famílias. poesia, pintura) para evitar a monotonia.
pela Educação A segunda fase é a do desdobramento, quan-
e Convivência do os alunos passam a sistematizar os dados Conhecimento transformador
com o colhidos na pesquisa e a relacioná-los com os A educação contextualizada proposta pela
Semiárido conteúdos curriculares obrigatórios para cada Peads permite que as famílias e outras insti-
série. A partir daí, é feita a devolução. Os alu- tuições da comunidade fiquem mais próximas
nos preparam apresentações artísticas, criam da escola, que assume um papel de agente de
cartazes, entre outros, para mostrar aos pais e à transformação social.
comunidade em geral o que aprenderam sobre A apresentação da pesquisa para a comunida-
o tema. Nesse momento, todos são incentivados de, por exemplo, impulsiona a ação em parceria
a buscar soluções para os problemas identifica- com outros atores, como o Conselho Tutelar, as
dos. A etapa final consiste numa avaliação do associações de bairro e o poder público.“Não dá
processo completo. Diretores, coordenadores, para saber que o maior índice de violência na
professores, pais e demais educadores da escola comunidade é contra a mulher e ficar parado. É
fazem uma autocrítica.A avaliação do estudante é preciso fazer os encaminhamentos necessários”,
realizada pelo professor durante todo o período, afirma Gilmara Almeida. Pais e mães, como Lu-
levando em conta não apenas o desempenho ciene Maria do Nascimento, também se tornam
nas provas mas também as mudanças de atitude mais conscientes. Ela conta que batia em seus
e comportamento da criança. filhos, mas afirma que, com o projeto, viu que
APRENDER No semiárido 77

Estudantes vão
de casa em casa
pesquisando
o que as pessoas
sabem sobre o
tema escolhido.
Isso aproxima
a comunidade
da escola

isso era errado.“Eu batia porque era nervosa e de 28 de abril de 2008, bem como com o Artigo
achava que podia bater”, justifica. 28 da Lei de Diretrizes e Bases, que prevê me-
Os professores, por sua vez, sentem-se valo- didas de adequação da escola à vida do campo.
rizados, pois contam com o apoio constante da Também está em consonância com o Artigo 58
coordenação pedagógica para esclarecer suas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
dúvidas. Eles também são chamados a participar garante o respeito aos valores culturais, artísticos
do planejamento do processo educativo. “Antes, e históricos do contexto social da criança e do
eu me via como mera reprodutora de conteúdos. adolescente no processo educativo.
A partir de 2001, comecei a implantar a Peads Com o apoio do UNICEF, ela é aplicada em
em Lagoa de Itaenga, adaptando os materiais dez municípios do Semiárido pernambucano,
pedagógicos à realidade dos alunos, que também por meio do projeto Jovens pela Educação e
era minha realidade”, conta Edilane Albuquerque. Convivência com o Semiárido. A iniciativa, que
“Com isso, minha autoestima aumentou. Eu me teve início em julho de 2008 e tem duração
identifiquei não só como professora mas como prevista até julho de 2010, oferece apoio a dez
pessoa. E isso me ajudou a ver o potencial dos escolas que já se destacavam na utilização da
meninos do campo”, acrescenta. Peads. A ideia é que elas se tornem referência
A metodologia tem reflexos no desem- em educação integral e contextualizada, ser-
penho dos alunos. Em Lagoa de Itaenga, a vindo de inspiração para toda a rede.
educação rural apresentou apenas um caso de O modelo pretende fortalecer a relação das
abandono escolar em 2008 (0,15%). Em 2005, escolas com a comunidade, chamando as famílias
o índice era de 7,4%. Já a taxa de repetência das crianças a participar do processo educativo.
caiu de 31,2% em 2005 para 8,9% em 20082. Também prevê a realização de atividades comple-
mentares às aulas, que promovam o desenvolvi-
Em sintonia com a realidade mento de tecnologias alternativas de produção
A Peads está de acordo com as Diretrizes Operacio- agroecológica adequadas ao agreste e ao sertão.
nais para Educação Básica nas Escolas do Campo, Com isso, pretende-se aumentar a qualidade da
aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação educação no campo, ampliar o conhecimento
em 2002 e complementadas pela Resolução no 2, que os habitantes têm de seu meio, melhorar sua
autoestima, estimular os jovens a permanecer no
2 Não foi possível compor os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica relativos às
escolas rurais do município, pois apenas as escolas urbanas realizam a Prova Brasil. Semiárido e reduzir o êxodo rural.
APRENDER NA AMAZÔNIA

Um desafio
para além
da floresta
A educação na região avançou
nos últimos 15 anos. A Amazônia,
no entanto, ainda enfrenta
problemas, como a persistência
de altas taxas de evasão escolar
e a elevada distorção idade-série.
Entre as populações rurais, negras
e indígenas, as disparidades
são ainda maiores

Muitos estudantes das comunidades


amazônicas precisam percorrer grandes
distâncias a pé, de barco, em pequenas
canoas ou de bicicleta para chegar à escola
80 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Conhecida internacionalmente pela exuberân- É nesse cenário de riquezas naturais, diver-


cia de sua biodiversidade e pela importância sidade cultural e desigualdades sociais que se
estratégica para a vida no planeta, a Amazô- insere a questão educacional. Embora impor-
nia Legal Brasileira1 conta hoje com mais de tantes conquistas tenham sido obtidas nos úl-
23 milhões de habitantes, sendo cerca de 40% timos 15 anos, os estados da Amazônia Legal
de crianças e adolescentes até 17 anos, segun- Brasileira ainda têm mais de 90 mil adolescen-
do dados da Pesquisa Nacional por Amostra tes analfabetos e cerca de 160 mil meninos e
de Domicílios (Pnad), de 2007. É a população meninas entre 7 e 14 anos fora da escola.
mais jovem de todo o país2. É também nessa Conforme aponta a pesquisa A Amazônia
extensa área geográfica – 5.033.072 km2 – que e os Objetivos do Milênio, publicada em 2007
vivem comunidades centenárias: indígenas, pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente
quilombolas, ribeirinhas, além de pessoas de da Amazônia (Imazon)4, o analfabetismo na
várias partes do Brasil e do mundo, numa rica Amazônia caiu de 20%, em 1990, para 13%,
mistura de culturas. Implantar políticas públi- em 2005. Porém, no mesmo período, Ro-
cas de qualidade em uma região de grandes raima apresentou aumento na taxa, de 10%
dimensões territoriais e ainda pouco povoada para 12%, provavelmente devido à inclusão
– são 3,3 habitantes por km2, enquanto no res- das populações indígenas, que têm mais di-
tante do país a média é 22,33 – representa um ficuldade de acesso à educação, nas análises
grande desafio para o Brasil. do IBGE. O estado é o que possui a maior
porcentagem de pessoas que se declararam
amarelas ou indígenas no Censo 2000: 8,8%.
Os estados da Amazônia Legal ainda têm mais de Além de problemas como o analfabetis-
90 mil adolescentes analfabetos e cerca de 160 mil mo, a Amazônia, assim como a região do Se-
crianças entre 7 e 14 anos fora da escola miárido Brasileiro, enfrenta desafios, como a
persistência de altas taxas de evasão escolar
e a elevada distorção idade-série, o que com-
Apesar da grandiosidade ambiental, a Ama- promete a conclusão do Ensino Fundamental
zônia Legal Brasileira – que abrange 750 muni- e o acesso ao Ensino Médio na idade ade-
cípios dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, quada. Entre as populações rurais, negras e
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocan- indígenas, essas disparidades são ainda maio-
tins e de parte do Maranhão – é detentora, ao res. Esses indicadores são, em geral, reflexos
lado do Nordeste, dos mais preocupantes indi- de problemas mais complexos relacionados
cadores sociais do país. Enquanto em 2006 o à gestão educacional, à insuficiência e inade-
nível de pobreza das crianças e dos adolescen- quação do transporte escolar, à baixa qualida-
tes (aqueles com renda familiar per capita de de da formação dos profissionais de educação
menos de meio salário mínimo mensal) era de e à carência de estrutura física e de material
cerca de 50% para o Brasil, o percentual era de didático voltado para a região, entre outros.
61% na Amazônia, chegando, em alguns esta-
dos, a mais de 65%. Isso significa que, dos cerca
de 9 milhões de crianças e adolescentes da re- EM VEZ DE ÔNIBUS
gião, 5,5 milhões eram considerados pobres. E VANS, CAMINHÕES,
CAMINHONETES E BARCOS
1 A Amazônia Legal Brasileira, termo cunhado na década de 50, foi fruto de um
conceito político para o governo planejar e promover o desenvolvimento da região. Um dos maiores entraves na luta para garan-
É importante destacar que, ao longo deste texto, serão feitas referências
à Amazônia Legal que, conforme descrito, é composta de nove estados, sendo tir a todos os meninos e meninas da Ama-
sete da Região Norte – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima
e Tocantins –, mais Mato Grosso e parte do Maranhão, a oeste. zônia Legal o direito de aprender é, sem dú-
2 Segundo estimativa do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2007.

3 IBGE/Síntese de Indicadores Sociais 2008. 4 Celentano, Danielle e Veríssimo, Adalberto. 2007.


APRENDER NA AMAZÔNIA 81

vida, a deficiência no sistema de transporte motor de pequenas embarcações. De janeiro


escolar em uma área caracterizada por gran- a outubro de 2008, a Fundação Santa Casa
des distâncias. Nos 750 municípios da re- de Misericórdia (FSCMP) registrou 11 ocor-
gião, a dificuldade de acesso, resultado de rências. Em cerca de 80% delas, as vítimas
uma baixa cobertura de malhas viárias e da eram mulheres, geralmente crianças, que ti-
necessidade de utilização de transporte flu- veram parte do couro cabeludo e até do ros-
vial, prejudica a frequência e a permanência to arrancados brutalmente em fração de se-
de muitas crianças e adolescentes na escola. gundos. Vale ressaltar que os dados podem
Estudo realizado entre outubro de 2006 apresentar considerável sub-registro, princi-
e janeiro de 2007 pelo Centro de Forma- palmente porque nem sempre há cadastro e
ção de Recursos Humanos em Transpor- controle dessas situações.
tes (Ceftru), da Universidade de Brasília
(UnB), mostrou que 21% dos 434 municí-
pios do Norte que responderam a pesquisa ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL
não mantêm o serviço de transporte esco- Esses entraves, somados à falta de políticas
lar durante todo o período de aulas (veja públicas nas localidades mais distantes dos
tabela abaixo). De acordo com a pesqui- centros urbanos, se refletem diretamente na
sa, o transporte escolar no Norte é, em frequência de meninos e meninas à escola
sua maioria, feito por barcos de madeira desde os primeiros anos de vida. O Norte é
(34%). Além de ônibus, também são usa- onde, segundo a Pnad (IBGE/2007), há me-
dos caminhões (10%), microônibus (5%) e nos crianças de até 3 anos de idade em cre-
caminhonetes (5%). Mais de 90% dos mu- ches: 7,5%, sendo que a média nacional é
nicípios que responderam à pesquisa tam- de 17,1% (veja tabela na página seguinte). A
bém declararam não ter regulamentação Pnad também revela que o acesso às creches
própria para o transporte escolar. na região não é equitativo. Entre as crianças
Nas regiões ribeirinhas, por exemplo, que vivem em famílias empobrecidas, a taxa
onde os rios são ruas e estradas para par- de frequência escolar era de 4,9%. Nas mais
cela significativa da população amazônica, ricas, com mais de três salários mínimos de
a situação é ainda mais preocupante. Os rendimento mensal familiar per capita, a taxa
barcos utilizados para o transporte de crian- de frequência era de 21,1%.
ças são, muitas vezes, feitos em fundo de Vale ressaltar ainda que a frequência
quintal, com eixo de geladeira, o que, além a creches e pré-escolas não é obrigatória
de dificultar a ida à escola, causa aciden- segundo a legislação brasileira. Isso sig-
tes. Segundo a Câmara Setorial de Políticas nifica que os pais ou responsáveis legais
Sociais (CSPS) da Secretaria de Estado de não são obrigados a matricular os filhos e
Governo do Pará (Segov), 24 pessoas foram a zelar por sua frequência. No entanto, os
atendidas no estado em 2007 vítimas de es- municípios têm o dever de atender à de-
calpelamento causado pelo eixo giratório do manda sempre que houver a manifestação

Transporte escolar
A frota é antiga e muitos municípios não oferecem o serviço o ano todo
Indicadores Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
Falta de continuidade* 21% 21% 17% 14% 15%
Falta de regulamentação 94% 95% 87% 85% 80%
Idade da frota 15 anos 19 anos 16 anos 13 anos 16 anos
Fonte: Estudo realizado entre outubro de 2006 e janeiro de 2007 pelo Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB)
*Porcentagem dos municípios que não oferecem o serviço durante todo o ano escolar.
82 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

do interesse em matricular a criança na es- da caracteriza muitas entidades de Educação


cola. A oferta de Educação Infantil de qua- Infantil em todo o Brasil, também persiste em
lidade é fundamental para que meninos e diversas instituições da região. A maioria delas
meninas ingressem nas demais etapas do não conta com profissionais qualificados. De
ensino em condições adequadas de apren- acordo com o Censo Escolar, 29,6% dos docen-
dizagem e desenvolvimento. tes do Norte que atuavam na Educação Infantil
Na Educação Infantil como um todo, tinham nível superior e 68,4% Ensino Médio e/
33,9% das meninas e dos meninos de até 6 ou Magistério, em 2007. A média nacional era
anos da região tinham seu acesso garantido de 47,5% e 51,1%, respectivamente. É impor-
(veja tabelas abaixo), sendo que a média na tante frisar que o mesmo professor pode atuar
zona rural caía para 24,4%, de acordo com a em mais de uma etapa de ensino e em mais de
pesquisa. Já a diferença de acesso por gênero uma dependência administrativa.
foi menor: 52,1% das crianças em creches e
pré-escolas eram meninos e 47% meninas.
A meta do Plano Nacional de Educa- DIREITO A NOME E SOBRENOME
ção (PNE) é ter, até 2011, 50% de todas as Outra situação que impede o ingresso das crian-
crianças brasileiras de até 3 anos e 80% das ças no sistema educacional é o fato de muitas
de 4 a 5 anos matriculadas em instituições não terem o registro de nascimento. Além de
de Educação Infantil. Em razão dos obs- privar a criança do direito a nome e sobreno-
táculos que indígenas e quilombolas ain- me, o sub-registro compromete o planejamen-
da enfrentam para ter acesso à escola e da to de políticas e dos programas de educação,
falta de metas adaptadas à sua realidade, saúde e assistência social. Não ter a certidão
esses percentuais dificilmente serão atingi- de nascimento dificulta o acesso de meninas e
dos em áreas com grande incidência dessas meninos a serviços nessas áreas, aumentando,
populações, como a Amazônia. ainda, sua vulnerabilidade ao trabalho infantil,
A qualidade no atendimento é outro as- à exploração sexual e ao tráfico de pessoas. Na
pecto importante a ser considerado quando se prática, é como se essas crianças não existissem
analisa a questão educacional na Amazônia. A para efeito de elaboração das políticas públicas
dicotomia entre o cuidar e o educar, que ain- e aplicação dos recursos do orçamento.

Educação Infantil
Taxa de frequência escolar1
Região/Unidade Até Região/Unidade da De 4 a 6 Região/Unidade da Até
da federação 3 anos federação anos federação 6 anos
Brasil 17,1% Brasil 77,6% Brasil 44,5%
Norte 7,5% Norte 68,2% Norte 33,9%
Maranhão 12,5% Maranhão 83,1% Maranhão 43,8%
Mato Grosso 12,3% Roraima 82,3% Roraima 38,3%
Roraima 11,9% Pará 71,4% Tocantins 37,9%
Tocantins 10,2% Amazonas 70,6% Pará 35,3%
Amapá 9,4% Tocantins 68,1% Amazonas 33,5%
Pará 8,3% Acre 60,8% Mato Grosso 31,9%
Acre 6,6% Mato Grosso 59,8% Amapá 30,8%
Rondônia 6,0% Amapá 56,9% Acre 30,4%
Amazonas 5,1% Rondônia 53,5% Rondônia 26,8%
Fonte: Pnad 2007 – IBGE
1 Segundo o IBGE, trata-se da proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam escola em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária. O MEC utiliza como indicador a taxa de escolarização,
que mostra o percentual da população matriculada em determinado nível de ensino em relação à população total da faixa etária recomendada para esse nível de ensino.
APRENDER NA AMAZÔNIA 83

Sub-registro de nascimento
Evolução de 1997 a 2006 no Brasil e por região (em %)
100

1997 2002 2006

80

60,0
60
53,8

40 37,9
30,2 29,9
25,3
20,9 21,0 22,0
20 16,2
12,7 14,6 13,0
12,0
7,2 6,9 9,1
8,0
0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estatísticas do Registro Civil 1997/2006

A Região Norte obteve, de 1997 a 2006, conselhos tutelares brasileiros, de modo geral,
a maior redução em pontos percentuais do e, em particular, pelos da Amazônia Legal. O Si-
país no sub-registro, graças à realização de pia, que funciona por meio do registro de casos
campanhas de incentivo. Continua, no en- de violações de direitos previstos no Estatuto
tanto, com uma taxa bastante alta, de 21%. da Criança e do Adolescente pelos conselhos,
Os índices de sub-registro na Amazônia va- pode subsidiar a adoção de decisões governa-
riam de 11,1%, no Acre, a 42,8%, em Rorai- mentais sobre políticas para a população infan-
ma. A média brasileira é de 12,7%, segundo til, como o acesso a creches e pré-escolas.
a Pnad (veja gráfico acima). Criado em 1997, dentro do Plano Nacio-
nal da Política de Direitos Humanos, o sis-
tema permite a produção de conhecimentos
A QUESTÃO DOS DADOS específicos, com base em situações concre-
A carência de informações sobre a situa-
ção de crianças e adolescentes da Amazô- Sub-registro de nascimento
nia também afeta a qualidade das políticas O ranking dos estados
sociais. Mas vale destacar que essa lacuna Região/Unidade Taxa de
não está relacionada apenas à região. A falta da federação sub-registro (%)
de dados precisos sobre a vida de meninos Brasil 12,7
e meninas, capazes de refletir não apenas a Norte 21,0
realidade nacional, mas também as dispari- Roraima 42,8
dades entre as regiões, os estados, os muni- Amazonas 24,5
cípios e até entre os bairros de uma mesma Amapá 24,5
cidade, é um desafio para todo o país na Maranhão 22,4
formulação das políticas públicas.
Rondônia 19,5
Instrumentos como o Sistema de Infor-
Pará 19,2
mação para a Infância e Adolescência (Sipia)5,
Tocantins 13,9
por exemplo, ainda são pouco utilizados pelos
Mato Grosso 11,4
Acre 11,1
5 Módulo I.
Fonte: IBGE/Estatísticas do Registro Civil – 2006
84 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

tas de violação de direitos da criança e do tidade e a qualidade de computadores dis-


adolescente, e identifica medidas de prote- poníveis também são inadequadas.
ção necessárias. Possibilita, ainda, que a so- Segundo a Secretaria Especial dos Direitos
ciedade conheça e apoie o funcionamento Humanos (SEDH) da Presidência da República,
do Sistema de Garantia de Direitos e dos que administra o Sipia, o registro dos dados no
Fundos para a Infância e Adolescência. sistema por parte da rede de conselhos é bas-
No entanto, o envio dos dados, tante insatisfatório. Para enfrentar os problemas
que acontece inteiramente pela internet de subutilização, a SEDH vem tomando uma
(www.mj.gov.br/sipia), tem esbarrado na série de medidas, como o equipamento dos
falta de infraestrutura dos próprios con- conselhos das regiões Norte, Nordeste e Cen-
selhos. De acordo com a pesquisa Conhe- tro-Oeste, a contratação de equipes de apoio
cendo a Realidade, desenvolvida em 2007 técnico em nível estadual e nacional e o treina-
pelo Centro de Empreendedorismo Social e mento de administradores, conselheiros e mul-
Administração em Terceiro Setor da Fundação tiplicadores de todos os estados, entre outras.
Instituto de Administração (Ceats/FIA), ape- Todos os subsistemas de informação do
nas 8% dos conselhos tutelares do Norte Sipia serão consolidados e divulgados no
têm Sipia ativo, sendo que a média na- Portal do Observatório Nacional da Crian-
cional é de 19%. Entre as justificativas pa- ça e do Adolescente6, que também fornece-
ra a não utilização destaca-se a falta de rá informações sobre o monitoramento da
manutenção dos equipamentos (56%) e de
6 O Portal, que deve ser lançado ainda em 2009, vai tornar públicos dados
capacitação dos usuários (44%). Para 71% relativos à garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Terá como objetivo fazer o monitoramento da Agenda Social Criança,
dos conselheiros da Região Norte, a quan- mostrando como está o desenvolvimento de políticas públicas na área.

Tecnologia a favor da educação ensino regular e 200 dias por


ano. A diferença está na mediação
No maior estado do país, com 1,5 milhão de km², transmissão via tecnológica e na preparação das
satélite ajuda a levar conhecimento para mais de 17 mil alunos aulas, resultado de um projeto
educacional inovador.
Unir os princípios da Educação a estavam excluídas pela dificuldade A central de produção
Distância (EAD) ao que há de mais de acesso às zonas urbanas.“A ideia educativa transmite, de segunda
moderno em termos de mediação surgiu a partir dessa necessidade”, a sexta-feira, aulas ao vivo, por
tecnológica. Essa foi a solução explica o secretário de Educação meio de uma plataforma de TV
encontrada pela Secretaria de Estado do estado, Gedeão Timóteo Amorim. interativa e videoconferência que
da Educação do Amazonas (Seduc) “Essa área é fundamentalmente opera em redes IP, conectadas
para resolver o problema dos 17 mil alagada. Sem essa tecnologia, a uma rede por satélite, o que
alunos do estado residentes nas seria necessária a contratação permite a interação, em tempo
comunidades rurais que concluíam o de milhares de professores real, de professores e alunos.
Ensino Fundamental mas não davam para atender a demanda.” Para isso, cada uma das 524
sequência aos estudos por causa do A partir do Centro de Mídias salas de aula integradas ao projeto
difícil acesso às escolas. de Educação, criado em 2007, os recebeu, além da antena, um kit
Como as escolas que oferecem estudantes têm acesso a disciplinas tecnológico, que inclui computador
Ensino Médio são localizadas, do Ensino Médio nos locais mais com acesso à internet, impressora,
em geral, nas sedes municipais, distantes do interior. O curso câmera para computador, microfone,
havia muitas comunidades que tem a mesma carga horária do telefone – que pode ser utilizado
APRENDER NA AMAZÔNIA 85

Agenda Social Criança – passo fundamental Taxa de frequência escolar líquida1


para que o Brasil e a Amazônia possam co- Por grupos de idade e nível de ensino (em %)
nhecer, com profundidade, o cotidiano de Região/Unidade De 7 a 14 anos, no Ensino De 15 a 17 anos,
da federação Fundamental no Ensino Médio
suas crianças e adolescentes e, assim, imple-
Brasil 94,6 48,0
mentar políticas públicas com mais qualidade
Norte 93,2 36,0
em todas as áreas, incluindo a educacional.
Acre 88,6 40,2
Amapá 93,5 49,1
Amazonas 94,1 33,7
ÊNFASE NO ENSINO MÉDIO
Maranhão 91,7 36,0
Para alcançar a universalização da Educa-
Mato Grosso 92,9 47,8
ção Básica, os governos precisarão, além
Pará 92,9 33,1
de superar os obstáculos que têm dificulta-
do o acesso a creches e pré-escolas, voltar Rondônia 92,5 39,4

sua atenção para a outra ponta do sistema: Roraima 94,2 47,2

o Ensino Médio – também ainda não obri- Tocantins 95,5 42,2


Fonte: Pnad 2007 – IBGE
gatório no Brasil. 1 Segundo o IBGE, trata-se da proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam escola na série adequada em
relação ao total de pessoas da mesma faixa etária.
No Norte, 36% dos meninos e das me-
ninas de 15 a 17 anos cursavam essa etapa
em 2007. A média nacional, de acordo com líquida dos adolescentes no Norte são mais
a Pnad, era de 48% (veja tabela acima). As favoráveis para as mulheres: 55% cursavam
diferenças de gênero na taxa de frequência o nível adequado, enquanto 45% dos ho-
mens estavam na mesma situação.
A dificuldade de ingresso é reflexo, so-
bretudo, de fatores majoritariamente so-
cioeconômicos, agravados por problemas
com os serviços de telefonia pela internet internos do próprio sistema escolar. Baixa
–, estabilizador e um televisor LCD. qualificação dos professores, instalações
Segundo a Seduc, a estrutura precárias, transporte inadequado e falta
curricular do projeto Ensino de material pedagógico contextualizado
Médio Presencial com Mediação são alguns dos fatores responsáveis por di-
Tecnológica tem como norteadores minuir o interesse dos estudantes nas au-
os princípios da contextualização e da las e, consequentemente, por retê-los ao
interdisciplinaridade, que tornam possível longo do Ensino Fundamental, impedindo
vincular a educação ao mundo do que avancem para o Ensino Médio. Mas
trabalho e à prática social. experiências interessantes e inovadoras
Como resultado, 17 mil alunos de estão tentando ultrapassar esses obstácu-
todos os 62 municípios amazonenses los, levando educação de qualidade para
cursaram o 1º- e o 2º- ano do Ensino Médio os alunos das mais variadas comunidades
em 2008, em 711 comunidades ribeirinhas. da região (leia mais no texto Tecnologia a
Ao todo, 565 profissionais estão integrados favor da educação).
ao projeto e 2 mil horas de aulas já foram Das 41.394 escolas de Educação Básica si-
registradas nos dois anos de atendimento. tuadas no Norte e nos estados do Maranhão e
A partir de 2009, a iniciativa será de Mato Grosso, apenas 16% contavam com
estendida aos estudantes do 6º- ano biblioteca e 9% com laboratório de informá-
do Ensino Fundamental e do 3º- ano tica, de acordo com o Censo Escolar 2007.
do Ensino Médio. Nos demais estados, a média foi de 33% e
21%, respectivamente. Com relação aos pro-
86 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

A dimensão do problema
Estudantes do Ensino Fundamental de oito anos com idade superior à recomendada
para cada série, em dois anos ou mais, por série de ensino frequentada (em %)
Região/Unidade da Total 1ª- 2ª- 3ª- 4ª- 5ª- 6ª- 7ª- 8ª-
federação série série série série série série série série
Brasil 25,7 18,0 20,2 23,5 27,4 30,8 29,3 26,2 30,4
Norte 35,4 22,2 35,1 31,7 40,0 44,6 37,6 37,2 41,4
Acre 26,7 23,5 27,7 28,7 31,1 24,2 28,9 29,5 20,5
Amapá 20,7 10,2 13,8 20,7 26,9 23,9 28,7 8,9 29,4
Amazonas 36,6 18,7 20,3 26,5 36,6 53,4 38,9 51,3 47,7
Maranhão 37,7 29,6 32,0 42,6 40,3 43,4 42,4 34,2 39,5
Mato Grosso 24,7 9,8 19,5 15,8 24,3 27,9 31,7 23,5 39,1
Pará 40,2 25,3 44,4 38,8 47,6 48,5 41,2 37,1 44,5
Rondônia 24,6 15,0 15,5 17,8 23,5 37,7 30,9 29,8 28,4
Roraima 20,3 8,9 6,9 18,3 19,7 25,5 26,2 27,7 44,2
Tocantins 25,9 10,7 42,9 29,4 13,3 27,2 26,3 29,4 42,9
Fonte: Pnad 2007 – IBGE

fessores do Ensino Médio, 10% não tinham nuando superior à média brasileira, que no
concluído o Ensino Superior, uma das condi- mesmo intervalo passou de 43% para 25,7%
ções estipuladas pela Lei de Diretrizes e Ba- (veja tabela acima).
ses (LDB) para que possam dar aulas. Com uma média de 2,8 anos de estudo,
o Norte não atingiu o nível de quatro anos
completos previstos pelo sistema educacio-
ENSINO FUNDAMENTAL nal para as crianças de 11 anos de idade.
Entre os meninos e as meninas de 7 a 14 anos Segundo a Pnad, a média nacional para essa
que vivem no Norte, 93,2% estavam cursan- faixa etária era de 3,3 anos. Já os adolescen-
do o Ensino Fundamental em 2007, aponta a tes de 14 anos de idade apresentaram 5,2
Pnad. A média nacional era de 94,6%. O per- anos de estudo na região, número próximo
centual de crianças nessa faixa etária que não dos 5,8 do país como um todo.
sabem ler e escrever também vem caindo. Em
1997, era de 17,1%. Atualmente, é de 12,1%,
ante 8,4% da média nacional. É importante MUITAS CONQUISTAS, MAS AS
destacar que a informação referente à capa- DESIGUALDADES PERSISTEM
cidade de ler e escrever de cada pessoa é de- Segundo os dados de 2007 do Índice de De-
clarada ao IBGE e não testada, o que poderia senvolvimento da Educação Básica (Ideb),
aumentar ainda mais esse índice. apresentados pelo Instituto Nacional de Estu-
A falta de condições adequadas para o dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-
aprendizado acaba culminando em sucessi- ra (Inep), do MEC, os estados da Amazônia,
vas repetências e abandono, que provocam em geral, superaram as metas determinadas
distorções entre a idade do aluno e a série pelo governo federal.
cursada. Na Região Norte, em 1997, 55,1% A rede de Mato Grosso, por exemplo, já
dos alunos do Ensino Fundamental com atingiu as metas do Ideb para 2011 nos dois
duração de oito anos não estavam matricu- ciclos do Ensino Fundamental (com índices
lados na série adequada para a sua idade, de 4,4 e 3,8, respectivamente, sendo que
segundo a Pnad. Dez anos depois, esse índi- as metas para 2007 eram 3,7 e 3,1). Em
ce caiu significativamente para 35,4%, conti- dois anos, o estado teve aumento de mais
APRENDER NA AMAZÔNIA 87

de 22% nos índices de 1a a 4a série e de 5a Amapá e Pará também foram os únicos


a 8a. Amazonas, Acre e Tocantins também estados da Amazônia Legal que diminuíram
alcançaram em 2007 o que foi proposto para suas notas do Ideb no Ensino Médio.
2009 nos três níveis analisados, sendo que o
primeiro foi o estado com maior crescimen-
to no Ensino Médio (20,8%) de 2005 a 2007 RECORTES POPULACIONAIS
(veja tabelas na página seguinte). Na análise da educação na Amazônia Legal, é
Outro estado que alcançou bons resul- fundamental levar em consideração as peculia-
tados foi o Maranhão. Sua rede de escolas ridades dos sujeitos de direito mais excluídos.
superou as metas estabelecidas para 2007 e Indígenas e negros, que segundo o IBGE
2009 nos três níveis de ensino. Além disso, (Pnad 2007) representam 75,4% dos habitantes
o estado obteve a maior variação positiva do Norte, detêm, ao lado das pessoas que vi-
entre os índices de 2005 e 2007 nas séries vem no campo, os piores indicadores da região.
iniciais do Ensino Fundamental – seu Ideb Problemas como a existência de crianças e ado-
aumentou de 2,9 para 3,7. lescentes em idade escolar que não sabem ler
Mas na região Amazônica há estados e escrever e a persistência de elevada distorção
que não alcançaram as metas para 2007, idade-série, o que compromete o acesso ao En-
como é o caso do Pará – que, com Idebs sino Médio na idade adequada, são ainda mais
3,3 e 2,7, não atingiu os índices estipulados graves para esses segmentos populacionais.
para as séries finais do Ensino Fundamen- Segundo a Pnad de 2007, 82,7% dos analfabe-
tal (3,4) e do Ensino Médio (2,9), respec- tos de 15 anos ou mais do Norte são pretos ou
tivamente. Já o Amapá não atingiu o que foi pardos, o que evidencia a desigualdade racial
fixado para as séries finais do Ensino Funda- – ainda mais quando se observa que pretos e
mental, 3,6 – ficou com 3,5. pardos são 73,8% da população total da região.

Abandono escolar: um desafio no mercado de trabalho 2.


A razão foi alegada por
17,78% dos entrevistados
Além de problemas como a Foram ouvidas 5.293 pessoas de Santarém, 10,26% dos de
distorção entre faixa etária e série, das comunidades ribeirinhas Belterra e 5,71% dos de Aveiro.
a região enfrenta o abandono dos municípios de Santarém, Em nenhuma outra região o
escolar. Pesquisa realizada em 2008 Belterra e Aveiro. Em campo, os trabalho é tão prejudicial para a
pelo Projeto Saúde & Alegria (PSA), pesquisadores perguntavam aos continuidade dos estudos como
que atua em comunidades entrevistados se algum estudante no Norte. Segundo a Pnad 2007,
ribeirinhas da Amazônia desde da casa com idade entre 6 e 22 entre crianças e adolescentes de
1987, mostra as taxas de abandono anos havia desistido da escola 10 a 15 anos, 10% se dividiam
escolar em municípios como antes do término do ano letivo nos entre o trabalho e os estudos,
Santarém (8,06%), Belterra últimos dois anos. Os dados não são sendo que 1,9% apenas trabalhava
(12,83%) e Aveiro (16,75%), no comparáveis com as taxas oficiais, (a média nacional era de 1,1%).
Pará – foco do estudo. pois não foram calculados levando Na faixa etária de 16 a 17
O levantamento aconteceu em consideração os números de anos, 10,8% dos adolescentes
nas duas margens do rio Tapajós matrículas escolares. trabalhadores do Norte estavam
(área da Floresta Nacional) e Segundo a pesquisa, um fora dos bancos escolares.
na reserva extrativista Tapajós1. dos principais motivos para 2 Entre os motivos alegados também estão mudança de
comunidade, dificuldade/desinteresse, problemas familiares,
1 Área por onde circula o barco Abaré, unidade móvel de saúde. a evasão escolar é o ingresso doença, distância da escola e gravidez.
88 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

O Ideb1 dos estados da região Considerando um recorte de gênero, 53% dos


Índices de 2005 e de 2007 analfabetos são homens e 47% são mulheres.
A taxa de analfabetismo funcional7 das pes-
Ensino Fundamental regular – Séries iniciais (até a 4ª- série)
soas de 15 anos ou mais, por sua vez, é de 25%
Região/Unidade Ideb Ideb Variação Meta projetada
da federação 2005 2007 2005-2007 para 2011 (27,1% entre os homens e 23% entre as mulhe-
Norte 3,0 3,4 13,3% 3,8 res), sendo que a média nacional é de 21,7%,
Acre 3,4 3,8 11,7% 4,3 aponta a Pnad. Vale ressaltar que na população
Amapá 3,2 3,4 6,2% 4,0 rural, que inclui ribeirinhos, quilombolas e ca-
Amazonas 3,1 3,6 16,1% 3,9 boclos, esse índice sobe para 40,9%.
Maranhão 2,9 3,7 27,5% 3,7
Mato Grosso 3,6 4,4 22,2% 4,4
EDUCAÇÃO INDÍGENA
Pará 2,8 3,1 10,7% 3,5
Das 2.480 escolas indígenas do Brasil, 2.007,
Rondônia 3,6 4,0 11,1% 4,5 ou 80%, estão localizadas nos estados da
Roraima 3,7 4,1 10,8% 4,5 Amazônia Legal, segundo o Educacenso
Tocantins 3,5 4,1 17,1% 4,3 2007. No total, 118.223 meninas e meninos
indígenas estão matriculados nos estabele-
cimentos de ensino da região. Eles repre-
Ensino Fundamental regular – Séries finais (5ª- a 8ª- série) sentam 66,8% dos alunos indígenas brasilei-
ros. O Amazonas, com 848 escolas e 54.514
Região/Unidade Ideb Ideb Variação Meta projetada
da federação 2005 2007 2005-2007 para 2011 estudantes, é o estado em que a educação
Norte 3,2 3,4 6,2% 3,6 indígena está mais presente (veja tabela na
Acre 3,5 3,8 8,5% 4,0 página ao lado).
Amapá 3,5 3,5 0,0% 4,0 Nas escolas indígenas brasileiras, traba-
Amazonas 2,7 3,3 22,2% 3,2 lham em torno de 10 mil professores, dos
Maranhão 3,0 3,3 10,0% 3,5 quais se estima que 9,1 mil (91%) sejam
Mato Grosso 3,1 3,8 22,6% 3,5
indígenas, de acordo com a Coordenação
Pará 3,3 3,3 0,0% 3,8
Escolar Indígena, órgão da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Di-
Rondônia 3,4 3,4 0,0% 3,8
versidade (Secad), do MEC.
Roraima 3,4 3,7 8,8% 3,9
A formação inicial de professores indíge-
Tocantins 3,4 3,7 8,8% 3,8
nas no Magistério Intercultural é oferecida
pelas secretarias de estado da Educação. No
período de 1995 a 2005, participaram des-
Ensino Médio regular
ses cursos 3.575 professores indígenas. No
Região/Unidade Ideb Ideb Variação Meta projetada Plano de Ações Articuladas (PAR) Indígena
da federação 2005 2007 2005-2007 para 2011
de 2007, que integra o Plano de Desenvol-
Norte 2,9 2,9 0,0% 3,2
vimento da Educação (PDE), 18 secretarias
Acre 3,2 3,5 9,3% 3,5
estaduais de Educação receberam apoio fi-
Amapá 2,9 2,8 -3,4% 3,2
nanceiro para a formação de 3.998 professo-
Amazonas 2,4 2,9 20,8% 2,7
res indígenas, segundo a Secad/MEC.
Maranhão 2,7 3,0 11,1% 3,0
A criação dos cursos de formação supe-
Mato Grosso 3,1 3,2 3,2% 3,4
rior desses profissionais é resultado da de-
Pará 2,8 2,7 -3,5% 3,1 manda de lideranças representantes das co-
Rondônia 3,2 3,2 0,0% 3,5 munidades junto ao MEC e às universidades
Roraima 3,5 3,5 0,0% 3,8
Tocantins 3,1 3,2 3,2% 3,4 7 A taxa considera a falta de domínio de habilidades em leitura, escrita, cálculos e ciências.
Fonte: Inep/setembro de 2008
1 Ideb total. Percentuais aproximados.
APRENDER NA AMAZÔNIA 89

para garantia de qualidade e ampliação da não só não concluíram o Ensino Funda-


Educação Básica, principalmente nos anos mental como nunca receberam nenhuma
finais do Ensino Fundamental e no Ensino formação para atuar como professores. Na
Médio. Essa articulação possibilitou, por Região Norte, 18,4% dos docentes indíge-
exemplo, que quatro instituições recebes- nas têm apenas o Fundamental incomple-
sem recursos para formar mais de 750 licen- to, o que evidencia a necessidade contínua
ciandos indígenas em 2005. de investimentos específicos na área.
O Prolind – Programa de Apoio à For- A região apresenta também a concen-
mação Superior e às Licenciaturas Intercul- tração da maioria dos alunos indígenas
turais – tem como objetivo geral subsidiar nas primeiras séries da Educação Básica.
a formação superior de professores indí- De acordo com o Educacenso 2007, para
genas. Em 2008, 12 instituições de ensino cada 3,3 estudantes matriculados nos anos
federais e estaduais receberam recursos iniciais do Ensino Fundamental, apenas 1
para manutenção e desenvolvimento das está nos anos finais. Em 2002, essa relação
Licenciaturas Interculturais. No total, 1.470 era de 5,1 para 1 e, em 2006, de 3,67 para
professores indígenas estão recebendo for- 1. Os dados indicam uma ampliação contí-
mação superior. nua da oferta de todo o Ensino Fundamen-
A formação adequada dos docentes tal nas escolas indígenas, mas a proporção
ainda é, no entanto, um grande desafio ainda é hoje muito maior do que a registra-
para garantir educação adequada às crian- da nas escolas não indígenas, de 1,3 aluno
ças e aos adolescentes indígenas, ancora- nos anos iniciais do Ensino Fundamental
da na interculturalidade e associada aos para 1 nos anos finais.
projetos de futuro e de continuidade cul- Em relação ao acesso ao Ensino Médio,
tural de suas comunidades. de cada 16,3 alunos indígenas no Ensino
Segundo a publicação Estatísticas sobre Fundamental e na Educação de Jovens e
Educação Escolar Indígena no Brasil, lan- Adultos (EJA) Fundamental, 1 está no Ensi-
çada pelo Inep em 2007 com base nos da- no Médio (considerando Ensino Médio e EJA
dos do Censo Escolar 2005, é expressivo o Médio). Essa relação era de 86,4 para 1, em
contingente de professores indígenas, 10% 2002, o que mostra uma tendência de expan-
do total, em atuação nessas escolas que são do acesso a esse nível de ensino.

Distribuição dos estudantes indígenas na região


Amazonas concentra a maioria das escolas
Unidade da Escolas Porcentagem Unidade da Número de Porcentagem
federação Brasil federação estudantes Brasil
Amazonas 848 34,0% Amazonas 54.514 30,8%
Maranhão 246 9,9% Mato Grosso 13.911 7,8%
Roraima 237 9,5% Roraima 12.796 7,2%
Mato Grosso 190 7,6% Maranhão 10.689 6,4%
Acre 147 5,9% Pará 10.408 5,8%
Pará 123 4,9% Acre 5.417 3,0%
Tocantins 89 3,5% Tocantins 4.629 2,6%
Rondônia 71 2,8% Amapá 3.115 1,7%
Amapá 56 2,2% Rondônia 2.744 1,5%
Amazônia Legal 2.007 80,0% Amazônia Legal 118.223 66,8%
Brasil 2.480 100% Brasil 176.714 100%
Fonte: Educacenso 2007
90 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

No Brasil, professores indígenas passaram a A falta de materiais e de infraestrutura


ingressar nas faculdades mais sistematicamen- adequados também explica a dificuldade em
te apenas em 2001, com a elaboração do Pla- manter os alunos indígenas na escola. So-
no Nacional de Educação. Sua demanda pela mente 33% das escolas indígenas da Região
oferta de toda a Educação Básica nas próprias Norte utilizam material didático específico. O
aldeias a partir dos princípios da educação in- uso desses recursos é fundamental para ga-
tercultural e do uso das línguas indígenas no rantir uma prática de educação pautada pela
processo educacional foi o que levou à cria- interculturalidade e pela valorização dos co-
ção dos cursos de Licenciatura Intercultural, nhecimentos e saberes próprios às comuni-
com vestibular específico para indígenas. dades indígenas. Alguns projetos que visam
O difícil acesso a determinados municí- essa valorização já vêm rendendo bons frutos
pios, onde é possível chegar apenas de avião (leia mais no texto Projeto busca revitalizar
ou por longas viagens fluviais, também é um cultura e língua Sateré-Mawé).
complicador para que a população indígena Dos 2.323 estabelecimentos de educação
dê continuidade a seus estudos. Muitos meni- escolar indígena existentes no Brasil8 em 2005,
nos e meninas precisam se deslocar até cida- apenas 1.528 funcionavam em prédio escolar
des próximas para concluir os estudos, o que próprio. As demais escolas, 34,2%, funciona-
causa um êxodo significativo das aldeias. Essa vam precariamente em diferentes locais, às ve-
migração resulta em uma série de problemas, zes utilizando mais de um deles: 533 em gal-
como insucesso escolar, exposição a riscos tí-
picos dos centros urbanos e discriminação. 8 Estatísticas sobre Educação Escolar Indígena no Brasil, Inep (2007) .

Projeto busca revitalizar cultura e língua Sateré-Mawé


As histórias, as artes, os valores e da Diocese de Parintins, envolve tradicionais) também realizam
e os conhecimentos que estavam diretamente 335 crianças, 104 encontros para discutir temas
sendo esquecidos pelos povos das adolescentes, 33 professores de como a revitalização da educação
comunidades da área indígena Andirá- Artes, 3 coordenadores e repassada no convívio diário do
Maraú, localizada nos municípios 4 articuladores locais. seio familiar, o resgate da medicina
de Barreirinha, Parintins e Maués, no Nas aulas e oficinas, os jovens tradicional e outras ações em prol do
Amazonas, voltaram a ser repassados aprendem a fazer rede, cerâmica desenvolvimento da comunidade.
para as novas gerações por meio e tecelagem e conhecem histórias Os indígenas participam, ainda, de
do Projeto Revitalização da Língua mitológicas, contadas pelos momentos de discussão, planejamento
e de Práticas Culturais Tradicionais representantes mais antigos das e avaliação das atividades, formação
Sateré-Mawé, contemplado pelo aldeias.“Percebemos que não pedagógica e revisão de material
Prêmio Culturas Indígenas 2007 bastava só revitalizar a língua. didático em língua Sateré-Mawé.
– Edição Xicão Xukuru, iniciativa Era preciso revitalizar também De acordo com a linguista
do Ministério da Cultura. as práticas culturais”, diz José de e assessora-geral do projeto, Dulce
O trabalho, desenvolvido pela Oliveira dos Santos da Silva, professor Franceschini, as atividades têm
Organização dos Professores Sateré-Mawé e coordenador evitado a perda da identidade étnica,
Indígenas Sateré-Mawé dos Rios do projeto e da Opisma. melhorando a autoestima do povo.
Andirá e Waikurapá (Opisma), com Mulheres, agentes de saúde, “Sem os valores culturais, os jovens
apoio do UNICEF, das prefeituras pajés, parteiras e tuxauas (lideranças eram levados a se envolver com álcool,
APRENDER NA AMAZÔNIA 91

pões, 135 nas casas dos professores, 36 em Escolas do Pará


templos ou igrejas, 14 em outras escolas e A maioria é multisseriada
237 em outros locais não especificados.
Não
A situação torna-se ainda mais precária multisseriada
quando cruzamos essas informações com outras 1.813
variáveis, como a ligação dos estabelecimentos
com eletricidade, água e esgoto. Do conjunto Total
das escolas indígenas, somente 741, ou seja, Multisseriada 9.483
31,9% do total, tinham energia elétrica fornecida 7.670
pela rede pública. Das demais, 313 contavam
com gerador próprio, 103 com energia solar, 2
com energia eólica e a maioria não contava com
nenhuma forma de abastecimento de energia.
Fonte: Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Rural na Amazônia
– Análise feita com base no Censo Escolar de 2006, do Inep

A REALIDADE NO CAMPO
Apesar de 27% dos habitantes da Amazônia sos populacionais realizados pelo IBGE, por
viver no campo9, a região sofre com a bai- exemplo, excluem a zona rural de Rondônia,
xa qualidade dos dados existentes. Os cen- Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Ou
seja, não incluem informações sobre parce-
9 Estimativa Datasus, 2007. las significativas da população formadas por
agricultores, criadores, extrativistas, ribeiri-
nhos, caiçaras, assentados, quilombolas, in-
dígenas e seringueiros que vivem nesses es-
drogas e exploração sexual. Essa iniciativa tados. A Pnad passou a ouvi-los somente em
não só faz um grande bem à alma, pois 2004, quando também foi realizado o primei-
mexe com as coisas belas que temos, ro Censo Escolar que incluía as comunidades
como também pode ser a solução para remanescentes de quilombos.
diversos problemas sociais”, afirma Denize A falta de informações dificulta a con-
Carneiro, assessora técnica do projeto. cepção e a execução de políticas públicas
Em 2009 e 2010, pretende-se criar que levem em conta as especificidades da
na área indígena um centro de estudos e educação no campo.
documentação Sateré-Mawé e realizar um Levantamento do Grupo de Estudo e
projeto que indique caminhos para iniciar Pesquisa em Educação Rural na Amazônia
o desenvolvimento de uma educação (Geperuaz), realizado com base no Censo
contextualizada efetiva na região. Escolar 2006, mostra que, no Pará, segundo
“Segundo alguns tuxauas, essa iniciativa maior estado da Amazônia, 75% de todas
‘é a coisa boa que está acontecendo na as escolas de Educação Básica estão locali-
nossa área’. Acreditamos que, se ela não zadas no campo. A maioria das instituições
estivesse ocorrendo, os jovens envolvidos (7.670) é multisseriada, ou seja, concentra
não estariam felizes em conhecer as estudantes de diferentes séries em uma
belezas da nossa cultura, não teriam mesma turma (veja gráfico acima).
a possibilidade de ver que é possível Nessas escolas, a taxa de distorção ida-
o desenvolvimento sem perder de-série é de 81,2%, chegando a 90,51% das
as nossas raízes mais profundas”, conta crianças matriculadas na 4ª- série; e a taxa
José de Oliveira dos Santos da Silva. de reprovação equivale a 25,64%, atingindo
um índice de 36,27% na 1ª- série.
92 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

De forma geral, os docentes e estudan- O primeiro Censo que incluiu as comu-


tes do campo enfrentam muitas dificulda- nidades quilombolas foi realizado em 2004.
des em relação ao transporte e às longas Até 2007, houve um crescimento signifi-
distâncias percorridas para chegar à escola. cativo no número de matrículas em todos
Condições tão desfavoráveis desestimulam os níveis (veja gráfico na página ao lado),
os professores e os estudantes a permane- com destaque para a Pré-escola (282%) e o
cer na escola, o que fortalece ainda mais Ensino Fundamental (166%). O menor au-
o estigma da escolarização empobrecida mento ocorreu no Ensino Médio (18%).
que tem sido ofertada no meio rural. Essa Em 2007, somente 148 alunos cursavam
situação acaba incentivando as populações o Ensino Médio em escolas quilombolas na
do campo a migrar para as cidades, abando- Amazônia, o que mostra a dificuldade dos
nando seus costumes e suas tradições. Uma meninos e das meninas dessas comunidades
pesquisa realizada nas regiões ribeirinhas em concluir os estudos no campo. Apesar
de Santarém, Belterra e Aveiro (PA) pelo de concentrar a maioria dos estabelecimen-
Projeto Saúde & Alegria – organização que tos de ensino quilombolas da região (423), o
promove e apoia processos participativos Maranhão não tinha uma escola sequer que
de desenvolvimento comunitário – mostra oferecesse o Ensino Médio. Outro problema
que o deslocamento de crianças e jovens dizia respeito ao acesso às creches – privilé-
para outras localidades é uma prática bas- gio de somente 732 dos pequenos quilom-
tante comum (veja tabelas ao lado). bolas da Amazônia, aponta o Censo.
Condições socioeconômicas desfavoráveis
e baixa escolaridade dos pais e professores po-
Somente 148 estudantes cursam o Ensino Médio dem dificultar a aprendizagem de meninas e
em escolas quilombolas na Amazônia, o que meninos quilombolas. A Chamada Nutricional
mostra a dificuldade em concluir os estudos Quilombola 2006, realizada pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
mostrou que 57,5% das crianças e dos adoles-
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA centes quilombolas do país pertencem a famí-
Em geral, as terras quilombolas ficam em lias da classe E10, sendo que apenas 9,1% estão
áreas de difícil acesso, onde vive uma po-
10 O critério utilizado para a classificação socioeconômica foi o da Associação
pulação com histórico de resistência à do- Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme), que atribui pesos
a um conjunto de itens de consumo (número de tevês, máquinas de lavar roupa,
minação. O Decreto nº- 4887, de 2003, e a automóveis etc) e ao nível de escolaridade do chefe de família. Na classe E,
a renda familiar média, na época (2006), era inferior a 207 reais, o que correspondia
LDB garantem a essas comunidades, além a menos de um salário mínimo (que era de 350 reais).
da posse de terra, o direito a serviços como
saúde, educação e saneamento básico. O deslocamento para outras localidades é frequente
De acordo com o Censo Escolar (Inep/ Percentual de alunos que vão para
MEC), em 2007, 638 (50,9%) das 1.253 es- outra comunidade para estudar
colas em comunidades remanescentes de Santarém 10,25%
quilombos no Brasil estavam nos estados Belterra 13,23%
da Amazônia Legal (veja tabela na pági- Aveiro 8,66%
na ao lado). Considerando os três níveis Fonte: Projeto Saúde & Alegria (2008)

da Educação Básica (Educação Infantil, Percentual de famílias com


Ensino Fundamental e Ensino Médio), crianças e jovens que moram fora
da comunidade para estudar
46.618 estudantes descendentes de escra-
vos estavam matriculados em escolas no Santarém 24,17%
campo. A maioria (79,2%) frequentava o Belterra 26,76%
Ensino Fundamental. Aveiro 17,68%
Fonte: Projeto Saúde & Alegria (2008)
APRENDER NA AMAZÔNIA 93

em famílias das classes B e C. Analfabetismo CONSTRUINDO


e pouco tempo de estudo (um a quatro anos) POLÍTICAS PÚBLICAS
eram comuns em membros da família dos pe- “Investir na Educação Básica significa inves-
quenos: entre os pais, 15,8% não sabiam ler e tir na educação profissional e na educação
escrever e 47,3% tinham baixa escolaridade. Já superior, porque elas estão ligadas, direta
entre as mães das crianças essas proporções ou indiretamente. Significa também envol-
ficam em 7,3% e 43,8%. ver todos – pais, alunos, professores e ges-
Dos 2.449 docentes que trabalhavam em tores – em iniciativas que busquem o suces-
comunidades remanescentes de quilombos so e a permanência do aluno na escola.”
da Amazônia, 15% tinham Ensino Supe- Essa é a concepção de educação que,
rior em 2007, sendo que 73% concluíram segundo o MEC, inspirou o Plano de De-
o Ensino Médio, segundo o Censo (Inep/ senvolvimento da Educação (PDE) – con-
MEC). Para se ter uma ideia, nas escolas junto de políticas públicas que visam dar
não quilombolas da região o índice foi de sequência às metas quantitativas estabele-
54% e 45%, respectivamente. Esses dados cidas pelo PNE em 2001.
excluem os municípios do Maranhão que
não fazem parte da Amazônia Legal.
A precariedade das escolas também po- Escolas quilombolas
Localização dos estabelecimentos
de interferir no rendimento escolar: 77% das na Amazônia Legal
instituições não tinham rede de esgoto; 74%
Unidades Número de
não contavam com energia elétrica e 12% da federação escolas
não disponibilizavam água filtrada para os Amapá 12
alunos. Em sete escolas, o abastecimento Maranhão 423
de água nem sequer acontecia (mesmo por Mato Grosso 2
meio de poços, rios ou cisternas). Pará 181
Outra dificuldade dos alunos quilombolas Rondônia 2
é relacionar os conteúdos aprendidos na esco- Tocantins 18
la ao dia a dia na comunidade. O Artigo 26 da Total Amazônia Legal 638
LDB obriga que os currículos do Ensino Fun- Total Brasil 1.253
damental e Médio tenham uma base nacio- Fonte: Censo Escolar 2007 (Inep/MEC)

nal comum, “a ser complementada, em cada


sistema de ensino e estabelecimento escolar,
Progressos significativos
por uma parte diversificada, exigida pelas ca- Variação nas matrículas de alunos quilombolas
racterísticas regionais e locais da sociedade, da nos estados da Amazônia Legal
cultura, da economia e da clientela”. 50.000
Censo 2004 47.569
Entretanto, apenas 11% das escolas quilom-
Censo 2007
bolas da Amazônia utilizavam material didático 40.000
37.722
contextualizado em 2007. No município de Al-
cântara (MA), por exemplo, onde 49 das 71 es- 30.000
colas estão localizadas em áreas remanescentes
de quilombos, apenas uma usava material espe- 20.000 17.083
cífico para atendimento à diversidade sociocul- 14.165
tural quilombola, apontou o Inep (Educacenso 10.000 8.967
2008). Com isso, além de os alunos perderem
2.346
o interesse pelas aulas, a cultura tradicional dos 447 732 125 148
0
Creche Pré-escola Ensino Ensino Total
quilombos, transmitida oralmente de geração a Variação Variação 282% Fundamental Médio Variação 178%
64% Variação 166% Variação 18%
geração, corre o risco de desaparecer.
Fonte: Censo Escolar 2007 (Inep/MEC)
94 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

A ideia é promover o enlace necessá- políticas públicas sintonizadas com as ca-


rio entre educação, território e desenvol- racterísticas específicas dos variados gru-
vimento, de um lado, e entre qualidade, pos que compõem a região.
equidade e potencialidade, de outro. A
lógica do PDE é, portanto, composta de
macropolíticas de avaliação, financiamen- EXPERIÊNCIAS DE SUCESSO
to e formação de professores. É importante sublinhar, entretanto, que progra-
Enquanto o Ideb permite enxergar quais mas como o Caminho da Escola, que financia
escolas precisam de maior apoio, o Fun- a compra de ônibus escolares e, mais recente-
do de Manutenção e Desenvolvimento da mente, de embarcações para crianças do meio
Educação Básica e de Valorização dos Pro- rural; o Programa Nacional de Reestruturação e
fissionais da Educação (Fundeb) direciona Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Edu-
os recursos para as regiões em que o in- cação Infantil, voltado para a construção de
vestimento por aluno é inferior à média na- creches e pré-escolas; e Universidade Aberta
cional. A instituição do Fundo ofereceu um do Brasil (UAB), que estabelece acordos de
tratamento diferenciado do poder público às cooperação para a formação de docentes; so-
populações indígenas e quilombolas, com mados às políticas específicas para indígenas
mais recursos proporcionais. e quilombolas, começam a incorporar as par-
ticularidades da Amazônia.
Vários projetos sociais, implementados em
Vários projetos sociais também têm buscado parceria pela sociedade civil e o poder públi-
soluções para aprimorar a qualidade da educação co, também têm buscado soluções para apri-
oferecida às crianças na Amazônia morar a qualidade da educação na Amazô-
nia. Uma experiência que mostra o que pode
ser feito para melhorar o rendimento escolar
Vinculadas aos sistemas estaduais e de meninos e meninas no Ensino Médio é o
municipais de ensino, as escolas indíge- Conjunto Integrado de Projetos (CIP) Jovem
nas e quilombolas também têm acesso aos Cidadão. A iniciativa aposta na formação da
programas do Fundo Nacional de Desen- juventude para romper o ciclo de pobreza
volvimento da Educação (FNDE). A União, existente na Baixada – Campos e Lagos Mara-
em colaboração com os estados, deve ad- nhenses, no Maranhão, dentro da Amazônia
quirir para essas instituições equipamento Legal. De acordo com levantamento divulga-
didático-pedagógico básico, incluindo bi- do em 2007 pelo IBGE, a região concentrava
bliotecas, videotecas e outros materiais de mais de 250 mil habitantes, dos quais cerca
apoio, bem como adaptar os programas já de 30% eram jovens de 15 a 29 anos. Mais da
existentes no ministério em termos de au- metade dessa população era rural e aproxi-
xílio ao desenvolvimento da educação. madamente 70% afrodescendentes.
Apesar de não ter reflexos exclusivamente O programa, concebido pela ONG Forma-
na Amazônia Legal, a Lei nº- 11.494, que regu- ção, envolve diretamente 9.900 crianças, ado-
lamentou o Fundo, contribui para a inclusão lescentes e jovens da região, que atuam como
social e escolar das crianças e dos adolescen- protagonistas na construção de novas perspec-
tes da região, especialmente os do campo. tivas educacionais, junto a 180 professores da
Para combater todos os entraves que Educação Básica, 20 diretores do Ensino Mé-
dificultam a aprendizagem de meninos e dio e dez secretários municipais de Educação
meninas será preciso, no entanto, avan- e de Ação Social. Uma das ações do CIP Jovem
çar ainda muito mais, no financiamento, Cidadão foi a concepção, em conjunto com as
na gestão dos recursos e na adoção de prefeituras, o UNICEF e outros parceiros, dos
APRENDER NA AMAZÔNIA 95

Centros de Ensino Médio e Profissionalizante zonais em Belém, São Luís e Manaus, vem
(CEMPs), experiência inovadora em que a es- intensificando suas ações com a realização
cola se torna centro de desenvolvimento local, da Agenda Criança Amazônia. A iniciativa
apostando na educação integral do adolescen- foi construída com base na experiência do
te e do jovem (leia mais sobre a experiência no Selo UNICEF Município Aprovado – desen-
texto Ampliando horizontes). volvido desde 2000 no Semiárido Brasileiro
Outra experiência interessante é o Proje- –, e parte do princípio que, se cada muni-
to EducAmazônia, que visa garantir às crian- cípio priorizar os direitos infanto-juvenis e
ças e aos adolescentes da região o direito de construir políticas públicas para garanti-los,
aprender. Em seus primeiros quatro anos, todos darão um salto importante na con-
o EducAmazônia trabalhou voltado para a quista de um presente e de um futuro mais
escola do campo, buscando beneficiar tam- dignos e sustentáveis.
bém crianças indígenas, quilombolas, assen-
tadas e ribeirinhas. O projeto vive agora um
novo momento. Percebeu que, para melho- A Agenda Criança Amazônia propõe a construção
rar a educação do campo, teria que romper de políticas públicas que priorizem os direitos de
com a dicotomia campo-cidade e procurar meninos e meninas que vivem na região
alternativas que permitam garantir a todas as
crianças e a todos os adolescentes da região
o direito de frequentar uma escola com uma É esse o movimento que a Agenda Criança
educação de qualidade. Amazônia está propondo para governadores,
Mais do que um projeto, o EducAmazô- prefeitos, secretários municipais, juízes, promo-
nia é uma articulação voltada para a cons- tores, conselheiros tutelares, conselheiros de
trução de uma educação inclusiva, multi- direitos, comunicadores, profissionais da edu-
cultural e cidadã. Apoiado pelo UNICEF e cação e da saúde, organizações sociais e, em
pela Fundação Instituto para o Desenvol- especial, para as crianças e os adolescentes que
vimento da Amazônia (Fidesa), o EducAmazô- nascem e crescem na Amazônia.
nia conta com uma coordenação colegiada, Para a primeira fase, entre novembro de
da qual participam a Universidade Federal 2007 e novembro de 2008, foram seleciona-
do Pará (UFPA), o Museu Paraense Emí- dos e convidados 76 municípios nos estados
lio Goeldi, o Fórum Paraense de Educa- do Pará, Maranhão e Amazonas para se jun-
ção no Campo, a Secretaria de Educação tar às ações da Agenda. A escolha levou em
do Pará, a Universidade da Amazônia e a conta a distribuição entre as microrregiões, as
União Nacional dos Dirigentes Municipais condições de acesso, os indicadores sociais
de Educação (Undime). para a infância e a adolescência e a diver-
O projeto procura fortalecer o respeito sidade das populações quanto aos aspectos
à diversidade amazônica. Para isso, trabalha étnicos, sociais e culturais.
em diversas frentes: levantamento da realida- Até 2011, todos os municípios da Ama-
de, por meio da realização de pesquisas e do zônia Legal Brasileira poderão fazer parte
monitoramento de indicadores; formação de da construção da Agenda Criança Amazô-
professores e gestores; intervenção pedagógi- nia, reforçando a participação do Brasil nos
ca; mobilização e articulação política. As ações esforços para alcançar os Objetivos de De-
que, no início, se restringiam ao Pará devem senvolvimento do Milênio.
se expandir para toda a região, começando Em fevereiro de 2009, os governadores
pelos estados do Amapá e Tocantins. dos estados que integram a Amazônia Legal
Desde o início de 2008, o UNICEF, que es- Brasileira assinaram um termo de compro-
tá presente na região por meio de escritórios misso com a Agenda Criança Amazônia.
96 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Na beira
do rio
Os desafios para garantir
o direito de aprender em
comunidades ribeirinhas,
como as localizadas
nos municípios de São
Domingos do Capim e
Acará, ambos no Pará

Bom Barqueiro, bom barqueiro


Dê licença de passar
Carregada de filhinhos
Para acabar de criar.

Passará, passará
Dê licença de passar
E se não for o da frente
Vai ser o de trás.

Distantes A cantiga de roda diverte as crianças e os adoles-


dos centros centes durante o recreio no gramado em frente à
urbanos, as Escola Municipal de Ensino Fundamental Neusa
escolas às Pinto, na comunidade ribeirinha de Santa Maria,
margens dos em Acará (PA). A alegria dos alunos durante
cursos d’água a brincadeira chama atenção e contrasta com
amazônicos a precária realidade das escolas nas pequenas
sofrem com a povoações situadas às margens dos rios amazô-
falta de livros nicos, onde registros de falta de livros didáticos,
didáticos cadernos e outros materiais escolares são bastante Bases sólidas
e outros comuns e a distância até os centros urbanos é Povoações ribeirinhas, como a comunidade
materiais um obstáculo a mais a ser enfrentado. Muitos de Santa Maria, estão no foco do Projeto
escolares estudantes precisam pegar barcos ou encarar EducAmazônia, apoiado pelo UNICEF (leia
longos trechos a pé ou de bicicleta para chegar mais sobre o EducAmazônia na página
à escola. Esses e outros desafios não diminuem a 95). Desde 2005, o projeto procura fortale-
vontade de aprender e de ensinar. “A educação cer as bases e ações da educação na região,
é redentora, é capaz de mudar a sociedade”, incentivando o respeito à diversidade amazô-
acredita a professora Leila Raposo dos Santos. nica. As ações planejadas para alcançar seus
APRENDER NA AMAZÔNIA 97

A professora
Leila Raposo
objetivos incluem pesquisas para levantar a Neusa Pinto, é uma homenagem à sua avó, que dos Santos
realidade local, a formação de professores e a abriu em 1934 e onde foi sua professora até leciona em turma
gestores, intervenções pedagógicas e a arti- 1983 – quando passou a incumbência de lecionar multisseriada
culação política. para a neta de 19 anos. Nesse intervalo de tempo, na comunidade
Além disso, desde 2008, histórias como a da o estabelecimento teve outros nomes (Santo An- de Santa Maria,
professora Leila Raposo dos Santos (acima) tam- tonio e Patrícia Bildner) e permaneceu fechado em Acará (PA)
bém estão sendo registradas pelo EducAmazônia e por um breve período. Quando Leila assumiu a
são um bom exemplo dos desafios e do potencial classe, tinha cursado apenas até o equivalente à
da região. O nome da escola onde Leila leciona, 5a série do Ensino Fundamental. Só que nunca
98 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

desistiu de estudar. Concluiu o Magistério em das rodas de leitura de livros paradidáticos


2002, em uma turma de Educação para Adultos. promovidas pela professora Leila. A família
O diploma da faculdade de Pedagogia veio em sai de casa antes das 7 horas da manhã para
2008, em um convênio entre a prefeitura local chegar à escola às 8 horas. O caminho é uma
e a Universidade do Estado do Pará (Uepa).“Eu vereda no meio da mata. Os mais novos são
assistia às aulas em Acará, que fica a 2 horas de levados no colo. Além dos estudos, Alcione
carro em estrada de terra, nas férias de julho, também ajuda o marido na roça de mandioca.
janeiro e fevereiro”, explica Leila. As tarefas precisam ser feitas antes do anoitecer
Em 2008, a professora ensinou 24 alu- porque sua casa não tem energia elétrica nem
nos, sete de Educação Infantil e 17 de 1a- a gerador. O clima, no entanto, é de cooperação
4-a série. “É preciso ser artista para trabalhar entre as duas gerações.“Eu sei mais das letras
o multisseriado”, brinca. Entre eles estão a e minha mãe, das contas”, diz Vanessa, de
agricultora Alcione Paiva Ramos, de 31 anos, 9 anos, que passou para a 5a série.
e seus cinco filhos, James, Fabrício, Felipe,
Vanessa e Vanusa, de 4 a 12 anos. Alcione Juntos pela educação
matriculou-se em 2007. Só sabia escrever o A solidariedade é uma característica comum
nome. Hoje, na 2a- série, sabe o suficiente para para enfrentar as dificuldades das escolas
ler a Bíblia de vez em quando e participar ribeirinhas. Iniciativas da comunidade para

A agricultora
Alcione Paiva
Ramos voltou a
estudar em 2007,
na mesma classe
que os cinco filhos,
de 4 a 12 anos.
Juntos, caminham
pela mata durante
1 hora para
chegar à escola
APRENDER NA AMAZÔNIA 99

arrecadar mais recursos para as instituições, A Nossa Senhora da Conceição teve 26


por exemplo, acontecem com frequência alunos em 2008. Dezenove deles de 1ª- a
e, embora esse não seja seu papel, muitas 4ª- série. Os outros sete, de 4 a 6 anos, são
vezes a limpeza da escola e a preparação da chamados de “encostados”. Ou seja, acompa-
merenda são feitas pelas mães dos alunos. nham as aulas, mas estão fora das estatísticas
De estrutura simples, as salas de aula da porque ainda não têm idade para ser matri-
Escola Municipal de Ensino Fundamental Nossa culados – situação corriqueira em localida-
Senhora da Conceição, na comunidade de Ori- des ribeirinhas proporcionada pela falta de
nho, a 30 minutos de barco de São Domingos do pré-escolas. “Eu achei importante que elas
Capim, são organizadas, com carteiras em bom estivessem na escola desde pequenas”, diz
estado de conservação, e há trabalhos escola- Amarildo Ferreira Rosa, pai das estudantes
res distribuídos pelas paredes. Uma árvore de Leidiane, de 7 anos, da 2ª- série, e Tainá, de
Natal feita de fibras de muriti (palmeira amazô- 4 anos, “encostada”. A família vive numa
nica também conhecida como buriti) mostra a casa de madeira de quatro cômodos a menos
preocupação em tornar o ambiente acolhedor. de 200 metros da escola. “Tudo o que eu
“Queria fazer uma surpresa para a professora”, tenho na vida é para investir na educação
diz o autor do trabalho, Antonio Fabrício, de 13 delas”, diz Amarildo, carpinteiro e roceiro
anos, recém-aprovado para a 5a série. de mandioca que estudou até a 4ª- série.
Seu sonho é ter uma escola completa, até
o Ensino Médio, para atender Orinho e as
outras comunidades da margem esquerda Fortalecer as
do rio Capim. bases e ações
Os pais ribeirinhos são práticos ao expli- da educação
car a importância da educação. “É preciso na região
conhecimento para ter um emprego”, diz a Amazônica,
dona de casa Cíntia Jesus Pina de Freitas, de incentivando
27 anos. Seus três filhos em idade escolar o respeito
frequentam a Escola Municipal de Ensino à diversidade
Fundamental Sacramenta, na comunidade local, é a
de Trindade, a 40 minutos de barco de São missão do
Domingos do Capim.“Eu acabo aprendendo Projeto
também e, quando preciso, eles escrevem EducAmazônia
um bilhete para mim”, afirma Julieta Bentes
Souza, mãe de Gilmar e Gilvani, de 9 e 11
anos, respectivamente.“As mães gostam que
os filhos venham para a escola porque sabem
que, se não vierem, eles vão trabalhar na ro-
ça”, diz a professora local, Márcia Trindade,
de 29 anos, referindo-se à roça não como
uma escolha para o futuro, mas sim como
um destino predeterminado pela ausência
de alternativas econômicas para quem não
tem instrução. Talvez essa perspectiva de
vida, que muitos pais perderam, garanta o
sorriso nas brincadeiras no recreio.
100 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Ampliando horizontes
Centros de Ensino Médio e Profissionalizante
incentivam o protagonismo juvenil na Baixada
Maranhense, uma das regiões mais pobres do Brasil

A pergunta “O que eu vou fazer da vida?” pedagógica está em combinar disciplinas tra-
está na cabeça de adolescentes e jovens dicionais com as profissionalizantes. Os alunos
brasileiros, e é à ausência de respostas e optam por especializar-se em Agroecologia,
perspectivas que especialistas creditam parte Informática, Enfermagem, Gestão Ambiental
da responsabilidade pelos altos índices de e Urbana, Turismo Comunitário e Tecnologia
evasão no Ensino Médio no país. da Comunicação e Informação. Com isso, o
Numa das áreas mais pobres do Brasil, tempo para a conclusão dessa etapa de estudos
conhecida por Baixada – Campos e Lagos passou para quatro anos. “As aulas técnicas
Maranhenses, no Maranhão, dentro da Ama- nos ajudam a transformar as nossas vidas por-
zônia Legal, os Centros de Ensino Médio e que nos ensinam uma profissão”, diz Camila
Profissionalizante (CEMPs) buscam reverter Amorim, estudante de Agroecologia no CEMP
esse quadro estimulando o protagonismo de Palmeirândia.
juvenil e oferecendo oportunidades para Os centros estão dentro de um conjunto
que os jovens descubram o que querem integrado de ações específicas para a região,
O projeto para o próprio futuro. o Jovem Cidadão. O programa é desenvol-
pedagógico Jeovane José Campos da Silva, de 25 anos, vido pela Formação, associação sem fins
busca oferecer por exemplo, já sabe que quer ter uma cria- lucrativos criada por educadores populares
oportunidades ção de cabras num modelo igual ao que com sede em São Luís, em parceria com o
para que os aprendeu em uma viagem de vivência para UNICEF e a Fundação W.K. Kellog. Seus
jovens da Santa Catarina.“Eu e meus colegas fizemos professores recebem formação continuada
região possam uma pesquisa de mercado e descobrimos sua e acompanhamento pedagógico constante.
ter opções para viabilidade na região”, diz. Anderson Carlos Os objetivos estratégicos são estimular o
descobrir o que Pereira Barros, de 20 anos, quer aumentar protagonismo juvenil e o desenvolvimento
querem para a lucratividade do condomínio de turismo local. “Os estudantes percebem durante o
seu futuro rural que montou com quatro sócios em curso que não precisam sair do município
2007. “Mantemos uma horta orgânica para para ter oportunidades profissionais”, observa
abastecer nosso restaurante”, conta. Lucivaldo Oliveira, diretor do CEMP de São
Ambos são recém-formados nos CEMPs de Bento, a unidade pioneira, aberta em 2004,
São Bento (MA) e de Palmeirândia (MA), res- onde hoje estudam 490 alunos.
pectivamente. As duas escolas públicas fazem
parte de um projeto educacional focado em Construindo novas oportunidades
levar qualidade para o Ensino Médio de sete Um diferencial do projeto é a incubadora
cidades da Baixada Maranhense – as outras são social para viabilizar empreendimentos dos
Matinha, Arari, Olinda Nova, São João Batista e jovens.“A ideia é mostrar que eles têm outras
São Vicente Ferrer. A linha central da proposta opções além de prestar concurso público
APRENDER NA AMAZÔNIA 101

ou trabalhar nos canaviais de São Paulo”, diz to aprovado. “Fiquei um ano trabalhando
Regina Cabral, responsável pela incubadora sem ganhar nada, mas sempre acreditei no
na Formação. Os pré-requisitos são que os futuro do negócio”, diz Anderson, sobre sua
negócios sejam coletivos, tenham participa- propriedade turística com criação de suínos
ção da família e beneficiem a comunidade. e aves inaugurada em 2006, o Condomínio
Em cinco anos, 95 propostas foram aceitas Cauaçu.
para receber apoio técnico e financeiro. A Embora o Ensino Médio esteja sob respon-
iniciativa estimulou o surgimento de uma sabilidade prioritária do estado, os CEMPs
companhia de teatro de bonecos, uma fá- foram construídos em convênio com as pre-
brica de doces caseiros, hortas orgânicas feituras locais.A necessidade de recursos fez As alunas
e propriedades focadas em piscicultura, com que três deles fossem estadualizados aprendem
por exemplo. Ao todo, desde 2004, foram para ter acesso aos repasses do Fundo de no laboratório
investidos 600 mil reais. “Nosso projeto de Manutenção e Desenvolvimento da Educação de físico-química
caprinocultura pode gerar empregos para Básica e de Valorização dos Profissionais da unidade de
outros colegas”, aponta Jeovane, morador da Educação (Fundeb). A ideia é transferir Palmeirândia (MA),
do povoado Rio do Meio, nos arredores de o recebimento de matrículas e comparti- equipado de
São Bento, na expectativa de ter seu proje- lhar a gestão. “Queremos manter na cidade acordo com as
demandas locais
102 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Crianças de
escola rural de
Palmeirândia
brincam durante
o programa
Noutro Turno, em
que estudantes
do CEMP atuam
como monitores
APRENDER NA AMAZÔNIA 103

um Ensino Médio que faça a diferença”, diz quais pertencem. Um deles é o Noutro Turno,
Bianka Pereira Pinheiro, que foi secretária iniciado em setembro de 2008. Com apoio
municipal de Educação de Palmeirândia até do UNICEF, o programa tem como objetivo
o início de 2009. promover atividades diárias de contraturno
As instalações dos CEMPs de Palmeirândia para crianças da 1ª- à 4ª- série do Ensino
e de São Bento são novas e bem-cuidadas. Fundamental em escolas públicas rurais e
Bibliotecas foram instaladas nesses centros urbanas. Os estudantes dos CEMPs atuam
e em outras três unidades, que receberam como monitores remunerados de leitura,
cerca de 10.000 livros e 5.000 revistas, de arte-cultura, comunicação educativa, edu-
acordo com suas necessidades. Há ainda cação física, saúde e ecologia. “É incrível
telecentros climatizados, onde os estudantes muitos alunos acharem que estudo não tem
de Informática têm aulas de manutenção importância”, observa Amância Rafaela Câ-
de computadores, administração de rede mara Machado, de 17 anos, monitora nos
e programas e os que estão matriculados povoados de Guarapiranga e Belas Águas,
nas outras especialidades podem fazer pes- em São Bento, e recém-formada em Agroe-
quisas na internet. Cartolinas com frases cologia.“Aos poucos, vamos mostrando para
de educadores conhecidos dividem espaço eles por que o ensino é bom.”
com avisos e cartazes de campanhas edu- O sorriso das crianças é a melhor prova Os alunos
cacionais, como a de prevenção do HIV e da efetividade da iniciativa, realizada em das sete
da gravidez na adolescência. “Ainda temos lugares com raríssimas alternativas de lazer unidades são
de melhorar bastante o tratamento desses organizadas. Muitas mães trazem os filhos incentivados
temas, embora sempre que possível eles fa- e ficam para assistir às oficinas. “É muito a ter espírito
çam parte do planejamento das disciplinas”, bonito o jeito que eles aprendem”, diz An- empreendedor
afirma a diretora do CEMP de Palmeirândia, tonia Viegas sobre os meninos Maianderson, e a participar
Taciana Pereira Pinheiro. de 7 anos, e Jadson, de 5 anos, durante um de atividades
Laboratórios especializados foram pensa- exercício de mímica com 30 matriculados para conhecer
dos de acordo com as necessidades locais. da Escola Jerônimo Mendes, no povoado melhor as
Aberto em 2008, em Palmeirândia, o de fí- rural de Triângulo, em Palmeirândia. “Eles comunidades
sico-química é um exemplo prático dessa aprendem muitas coisas que eu não apren- às quais
abordagem. Os equipamentos, adquiridos por di”, observa ela, que estudou até o 2 o ano pertencem
11.500 reais, permitem realizar testes de mé- do Ensino Fundamental. Realizado na Igreja
dia complexidade.“Aqui temos condições de Nossa Senhora do Rosário, o encontro pros-
fazer análises de água e de solo”, diz Luciene segue com contação de histórias, exibição
Correia Pereira, de 15 anos, que recebe uma de fotos em um projetor e dicas de higiene
bolsa de iniciação científica júnior para atuar pessoal, num total de 3 horas. “Eu gosto
como monitora no local. “A ideia é tornar o mais de me divertir aqui do que em casa,
laboratório autossustentável, com a oferta porque tem educação, dança, quadro de
de serviços laboratoriais para auxiliar os pe- olhar...”, resume Kerliane Soares dos Santos,
quenos agricultores do município”, afirma o de 8 anos, aluna da 2 a série. Por trás das
professor responsável, Paulo Artur Costa. brincadeiras, os monitores têm o desafio
de ampliar o repertório cultural dos par-
O protagonismo dos jovens ticipantes mirins. E comprovam, na ação,
Como polo difusor de conhecimento, os mais um aspecto de como os jovens são
CEMPs incentivam seus alunos a participar peças fundamentais para fazer a diferença
de projetos realizados nas comunidades às no lugar em que vivem.
APRENDER nas COMUNIDADES POPULARES

Enfrentando a
invisibilidade
O retrato da educação em
comunidades populares ainda
é muito pouco preciso. Em geral,
vem sendo traçado por estudos
e pesquisas sobre a violência.
Ao propor para os centros urbanos
uma plataforma de atuação
estratégica centrada nas crianças
e nos adolescentes que vivem nessas
comunidades, o UNICEF pretende
dar visibilidade a essa população,
contribuindo para diminuir
a exclusão, as disparidades,
as discriminações e as violações

As crianças das comunidades populares enfrentam


problemas como escolas precárias, violência e falta
de vagas, o que dificulta sua progressão nos estudos
106 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Há menos de um século, as cidades territórios urbanos. As populações vul-


brasileiras abrigavam 10% da população neráveis se concentram, em grande me-
nacional. Atualmente, são 82%. 1 A ace- dida, em comunidades marcadas pela
leração do processo de urbanização nos falta de estruturas básicas, como sanea-
últimos anos dinamizou a vida nas gran- mento, pavimentação, iluminação públi-
des cidades, produzindo novas arquite- ca, áreas de lazer e limpeza urbana, bem
turas, linguagens e manifestações cultu- como pela dificuldade de acesso à edu-
rais e artísticas. cação de qualidade, a serviços de saúde,
A concentração populacional nas gran- segurança e lazer adequados.
des cidades também contribuiu, por outro Em relação à educação, há poucos
lado, para a precarização dos serviços pú- dados sobre como o direito de aprender
blicos, a falta de oportunidades, o aumento vem sendo (ou não) garantido nessas co-
do desemprego e do subemprego, a degra- munidades. Em geral, o retrato do ensino
dação do meio ambiente e a queda signifi- em comunidades populares dos grandes
cativa nos níveis de qualidade de vida. centros urbanos tem sido traçado por es-
O crescimento das desigualdades so- tudos e pesquisas sobre a violência nas
cioeconômicas se manifesta de forma principais capitais brasileiras. Estudiosos
clara na lógica da ocupação espacial dos do assunto começam a se interessar por
seu impacto sobre o processo educacio-
1Fonte: O Direito à Cidade, Ministério das Cidades, disponível em www.cidades.gov.br. nal das crianças.

Pessoas com deficiência: com paralisia cerebral, por


exemplo, traz lápis e escova
excluídas entre os excluídos de dentes engrossados com
fita crepe para desenhar
Boa parte da população de até 498 apresentações do e escovar os dentes com
18 anos que está fora da escola teatro interativo A Turma autonomia. No caso de um
é de crianças e adolescentes do Bairro. O entrosamento garoto com deficiência visual,
com deficiência (leia mais das crianças com os bonecos, é apresentado um relógio com
sobre o assunto no Capítulo que representam personagens os números em braile para que
Aprender no Brasil). com deficiência, acontece no as crianças possam sentir os
Diante desse cenário, chão, em roda, garantindo a pontinhos. Ao final, o quadro
o Projeto Ponto de Partida: proximidade física entre eles. é mostrado novamente para
Sensibilizando para a Diversidade, O roteiro é iniciado com que, após a vivência, as crianças
desenvolvido em 2008 em a apresentação de um quadro reconheçam que as pessoas
escolas da periferia de São Paulo com imagens de ações possíveis com deficiência podem fazer
pela organização Sorri-Brasil, de ser realizadas por pessoas as mesmas coisas que elas.
aponta para uma saída a partir da com deficiência e as crianças Ao todo, o projeto
conscientização da sociedade. são convidadas a participar envolveu 5.905 alunos,
O projeto, que contou com do reconhecimento dessas 1.525 professores, e, ainda,
o apoio do UNICEF1, incluiu possibilidades. A seguir, os dirigentes e familiares que
bonecos são introduzidos na foram incentivados a lidar com
1 O UNICEF apoiou a elaboração da cartilha A Hora e a Vez
da Família em uma Sociedade Inclusiva, material distribuído sala trazendo consigo materiais os mitos e preconceitos sobre
pelo projeto às famílias de crianças com deficiência,
quando necessário. do seu dia a dia. Um menino as pessoas com deficiência.
Aprender nas comunidades populares 107

As estatísticas relacionadas à Educação O risco de uma criança que mora em


Básica nas comunidades populares dos cen- uma comunidade popular ter atraso esco-
tros urbanos são de difícil obtenção em mui- lar na 4-a série do Ensino Fundamental, por
tos municípios por falta de levantamentos exemplo, é 16% maior do que o de uma
sistemáticos da situação nessas áreas. Os in- criança que mora em outros bairros.3
dicadores do Ministério da Educação (MEC), No Ensino Médio, o problema passa
assim como todos os dados obtidos com pela inexistência de escolas localizadas nas
base na Pesquisa Nacional por Amostra de comunidades populares que ofereçam esta
Domicílios (Pnad) feita anualmente pelo etapa da Educação Básica. Grandes comu-
IBGE, referem-se aos municípios e não a nidades do Rio de Janeiro4, como Jacarezi-
bairros e comunidades. nho, Maré e Rocinha, não registram escolas
de Ensino Médio.
A violência é também um problema en-
ESCOLAS REPRODUZEM frentado por boa parte da comunidade es-
AS DESIGUALDADES colar, principalmente nas instituições lo-
Apesar de possuir características territoriais
diferentes entre si, a maioria das comunida- 3 A Cidade contra a Escola: Segregação Urbana e Desigualdades Educacionais em
Grandes Cidades da América Latina, Letra Capital Editora, 2008, Luiz Cesar de Queiroz
des populares dos grandes centros urbanos Ribeiro e Ruben Kaztman (organizadores). A pesquisa verificou a situação da educação
em três grandes metrópoles brasileiras (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo)
enfrenta problemas semelhantes: a segre- e comparou com o quadro encontrado em outras quatro grandes capitais da América
Latina (Buenos Aires, Cidade do México, Montevidéu e Santiago).
gação urbana e a desigualdade de oportu- Esse é o efeito do bairro, controlando por origem socioeconômica da família.

nidades no direito à educação. 4 Relatório Rio Como Vamos: Indicadores da Cidade, 2008.

O fato de as escolas estarem localizadas


em bairros estigmatizados pode impactar
negativamente na qualidade do ensino.
Em geral, quanto pior a condição sociour-
bana, pior o Índice de Desenvolvimento A opinião dos jovens
da Educação Básica (Ideb)2. Quanto me-
nos política de Pré-escola, pior o Ideb. O que é ser criança e adolescente no Rio de Janeiro?
Quanto mais alta a taxa de homicídio, Quarenta e seis adolescentes denominados agentes
menor o Ideb. Para municípios com 130 comunitários de pesquisa e desenvolvimento, com
homicídios por 100 mil habitantes (média idades entre 14 e 17 anos, foram atrás das respostas.
observada em municípios da região metro- Foram realizadas 887 entrevistas nas comunidades do
politana da cidade do Rio de Janeiro), por Complexo do Alemão, Santa Cruz e Copacabana/Leme.
exemplo, o Ideb estimado é de 3,8 (anos Entre os dados da pesquisa, promovida
iniciais). Já nos que apresentam uma taxa pelo UNICEF e coordenada pelo Centro de Promoção
de 85 homicídios por 100 mil habitantes da Saúde (Cedaps), destaca-se a falta de acesso
(média em municípios fora da região me- de jovens a bens culturais, como teatro, cinema
tropolitana do Rio de Janeiro), ele sobe e museu (cerca de 50%). O estudo também apontou
para 4,0 (anos iniciais). que a maioria dos adolescentes das comunidades
pesquisadas considera sua escola boa/muito boa.
2 A Dimensão Metropolitana da Questão Social: Ensaio Exploratório, Entre as recomendações levantadas pelos pesquisadores
Observatório das Metrópoles e Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. estão a inclusão do Estatuto da Criança e do Adolescente
O estudo foi realizado nas 15 principais metrópoles brasileiras: Belém,
Belo Horizonte, Brasília, Campinas (SP), Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, no currículo oficial escolar, a extensão do passe livre
Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo
e Vitória e usou como base as informações do Censo 2000. Entre as variáveis em transportes para além dos horários escolares, facilitando
utilizadas na análise estão a precariedade da moradia, a pobreza, a existência
de uma política de Pré-escola e a taxa de homicídio. As estimativas o acesso a espaços culturais e de lazer da cidade, e também o
foram feitas a partir de estudo de Ribeiro, L.C.Q. & Koslinski, M.C.,
Efeito metrópole e acesso às oportunidades educacionais, apresentado maior acesso a atividades de educação sexual e a preservativos.
no 320 Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ciências Sociais (Anpocs), em outubro de 2008.
108 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Complexo do Alemão: educação em situação de emergência


A Relatoria Nacional para o Direito (cerca de 100 mil habitantes) escolas visitadas que a violência
Humano à Educação preparou vive abaixo da linha da pobreza. faz com que muitos professores se
um documento de referência A missão visitou escolas sintam inseguros e desmotivados
com propostas de ações para municipais e estaduais que para trabalhar na região de
ser aplicadas em comunidades funcionam na comunidade e extrema vulnerabilidade. Os baixos
vulneráveis do país. O documento sofreram com os conflitos entre salários também foram citados
busca garantir o direito à educação bandidos e policiais durante como fator para a alta rotatividade
nas comunidades populares dos o ano de 2007, quando alunos de profissionais nas escolas
grandes centros urbanos e foi chegaram a ficar quase dois meses públicas localizadas dentro e no
elaborado com base em uma sem aulas. Segundo o estudo, oito entorno do Complexo do Alemão.
missão realizada de 8 a 11 de escolas são de responsabilidade A Relatoria identificou também
outubro de 2007 no Complexo do do município e oito são de a inexistência de articulação entre
Alemão, no Rio de Janeiro, para responsabilidade do estado. níveis de governo municipal,
apurar denúncias de violação dos De acordo com o relatório, estadual e federal para o
direitos de crianças, adolescentes, uma pesquisa realizada pela desenvolvimento de estratégias
jovens e adultos que frequentam organização não governamental que diminuam os impactos dos
as escolas públicas das 13 favelas Centro de Promoção da Saúde conflitos e das ações policiais
que integram a região. O relatório (Cedaps) no Complexo do na comunidade com relação ao
classificou a situação da educação Alemão, com apoio do UNICEF, direito à educação. O parecer
na área como “de emergência”. diagnosticou como a comunidade final, no entanto, reconhece
A Relatoria chegou a essa avalia a escola pública. Os que por meio dos recursos do
grave constatação com base no moradores classificam o ensino PAC poderá se estabelecer um
levantamento de informações que oferecido como de baixa novo padrão de relacionamento
permitiram fazer uma radiografia qualidade. Eles reclamam que entre governos e comunidades.
da complexidade da problemática faltam professores, não existem A equipe da Relatoria Nacional
vivida por aquela comunidade com atividades socioeducativas para o Direito Humano à Educação
relação à situação educacional complementares e o direito voltou ao Complexo do Alemão
da região metropolitana do de aprender não é garantido. nove meses após a conclusão da
município do Rio de Janeiro, à De acordo com o estudo, missão para o lançamento oficial
realidade das favelas cariocas, às a questão da violência faz com do documento. A Relatoria ouviu
políticas de segurança pública e ao que os pais, os estudantes e os dos diretores das escolas da
Programa Nacional de Segurança educadores convivam com o risco comunidade, de moradores e de
com Cidadania (Pronasci) e à integridade física e problemas representantes de órgãos públicos
ao Programa de Aceleração do psicológicos, com a perda dos uma avaliação sobre a situação
Crescimento (PAC) das Favelas. dias letivos, a quebra na rotina depois da missão. A conclusão
De acordo com o relatório, educacional, a desconcentração, obtida é que, apesar da redução
o Complexo do Alemão apresenta a dificuldade de acesso às unidades dos confrontos armados entre
o Índice de Desenvolvimento escolares e de moradia. De forma narcotraficantes e policiais nos
Humano (IDH) de 0,711, inferior geral, são problemas que resultam últimos meses no Complexo do
ao do Brasil, que é de 0,8, e o em prejuízos à aprendizagem. Alemão, não foram identificadas
mais baixo dos 126 bairros do A missão também ouviu mudanças estruturais na forma
Rio de Janeiro. Aproximadamente docentes que trabalham na de enfrentamento dos problemas
29% da população da região comunidade e constatou nas educacionais da comunidade.
Aprender nas comunidades populares 109

calizadas nas comunidades populares de de Trabalho (GT) das Capitais e Grandes


grandes cidades. Para cada escola definida Cidades motivado pelo número significa-
como inserida num contexto tranquilo, tivo de estabelecimentos com baixo Ideb
pelo menos outra convive com proble- em municípios maiores.
mas de segurança em seu entorno.5 Coordenado pela Secretaria de Educa-
Uma missão da Relatoria Nacional ção Básica, o GT é um fórum que reúne
para o Direito Humano à Educação 6 no periodicamente os secretários de Educação
Complexo do Alemão, zona norte do Rio das capitais dos estados e de cidades com
de Janeiro, em 2007, mostrou o impacto população próxima a 200 mil habitantes.
que a violência tem na garantia do direi- Hoje, ele conta com as 156 maiores cidades
to de aprender de milhares de crianças e de todo o país, que representam 40% das
adolescentes da região (veja texto Com- matrículas do Ensino Fundamental e cerca
plexo do Alemão: educação em situação de 16 milhões de alunos.
de emergência).
Segundo a Relatoria, não há vagas em
número suficiente para atender a todas as A maioria das comunidades populares dos grandes
crianças e adolescentes, e as existentes, centros urbanos enfrenta problemas semelhantes: a
muitas vezes, estão em escolas em péssi- segregação urbana e a desigualdade de oportunidades
mas condições e o acesso a elas é dificul-
tado pela violência. O relatório classifi-
cou a situação da educação na área como O GT trata também do Programa Mais
“de emergência”. Educação, que prioriza iniciativas de edu-
Essas comunidades sofrem ainda com cação integral dentro das comunidades po-
outros sérios comprometimentos, como pulares com acentuados índices de vulne-
a alta rotatividade do corpo docente. A rabilidade social, pobreza e violência.
ocorrência de agressões físicas e a presen- Além da troca de experiências, o GT
ça de tráfico e/ou consumo de drogas nas das Capitais e Grandes Cidades auxilia
escolas reduzem, por exemplo, em aproxi- os gestores na elaboração e no acompa-
madamente 38% a probabilidade de as tur- nhamento de seus Planos de Ações Arti-
mas terem o mesmo professor de Língua culadas (PAR). Os planos são necessários
Portuguesa durante o ano letivo. A rotati- para que cada município defina metas e
vidade de docentes tem impacto direto na estratégias para melhorar a qualidade da
garantia do direito de aprender.7 Educação Básica (leia mais sobre o assun-
to no capítulo Aprender no Brasil). Tam-
bém contribuem para a formatação e a
ESFORÇO COLETIVO consolidação de vários projetos do MEC.
NA CONSTRUÇÃO DE REDES
NAS GRANDES CIDADES
Todos esses problemas não são recentes, PLATAFORMA DO UNICEF
mas começaram a ser prioridade nos últi- PARA OS CENTROS URBANOS
mos anos. Em 2007, o MEC criou o Grupo Ao propor para os centros urbanos uma Pla-
taforma de atuação estratégica centrada nas
5Pesquisa Aos Mestres com Reconhecimento – Como os Educadores Enfrentam a crianças e nos adolescentes que vivem nas
Violência Carioca de Cada Dia, publicada em abril de 2002, pelo Instituto Municipal
de Urbanismo Pereira Passos, da prefeitura do Rio de Janeiro. comunidades populares, o UNICEF também
6A Relatoria é vinculada à Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, espera contribuir para diminuir as dispari-
Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA Brasil), articulação de 32
organizações e redes de direitos humanos. dades, discriminações e violações presentes
7 Relação entre Violência nas Escolas e Proficiência dos Alunos, de Edson Severnini, 2007. nessas comunidades.
110 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Deseja ainda estimular e fortalecer sen- direitos das crianças e dos adolescentes
timentos de pertencimento, responsabili- que vivem nas comunidades populares.
dade coletiva e coesão social entre atores • Criação de oportunidades para que os
diversos, ajudando a superar a fragmenta- adolescentes participem ativamente da
ção territorial e social. garantia de seus próprios direitos.
Uma das principais ações previstas é • E o monitoramento e a avaliação perma-
a realização de um mapeamento das vio- nentes de metas indutoras e indicadores
lações de direitos humanos e também da que retratem a realidade dessas crianças
rede de apoio da comunidade em relação e adolescentes.
à infância e à adolescência, para compor A ação se une a outras propostas exis-
o diagnóstico da situação inicial em rela- tentes que têm o apoio do UNICEF, como
ção às metas e aos indicadores. A análise projetos de educação integral e comuni-
é complementada pela pesquisa de per- tária (leia mais sobre o assunto no capí-
cepção (veja texto A opinião dos jovens) tulo Aprender no Brasil), que mobiliza a
e pela coleta de dados oficiais. Com base comunidade para abrir espaços públicos
nessa primeira avaliação, os grupos locais e privados para ações educacionais e que
têm que construir um plano de ação para já estão presentes, entre outros, nos mu-
atingir metas estabelecidas. nicípios de Nova Iguaçu (RJ), Belo Hori-
zonte, Quixadá (CE) e Barueri (SP). Eles
são sementes da mobilização pela Educa-
A Plataforma dos Centros Urbanos visa estimular a ção Básica de qualidade que está se espa-
articulação entre comunidade, sociedade e governo lhando pelo país.
para garantir o direito de crianças e adolescentes
Compromisso assumido
Das 20 metas da carta de compromisso
A Plataforma dos Centros Urbanos vai
assinada pelos prefeitos de São Paulo
conceder um certificado para todas as co-
e do Rio de Janeiro, sete estão relacionadas
munidades populares que atingirem suas
à educação. São elas:
metas até 2011. A ideia é que essas comu-
nidades transformem-se mais tarde em po- w A mpliar as vagas em creche para
los irradiadores fomentando a criação de crianças de até 3 anos.
novos grupos em outros lugares.
w A mpliar as vagas em Educação Infantil
A iniciativa visa estimular ainda mais o para crianças de 4 e 5 anos.
trabalho integrado entre comunidade, so-
w A mpliar a taxa de conclusão do Ensino
ciedade civil e poderes municipais para ga-
Fundamental e de ingresso no Ensino Médio.
rantir o direito de milhares de crianças e
w A mpliar a taxa de escolarização líquida para
adolescentes. A intenção é atuar sobre o
o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
desenvolvimento e a gestão das políticas
públicas e sobre o comportamento das fa- w Melhorar o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (Ideb) no Ensino
mílias, do governo e da sociedade.
Fundamental e no Ensino Médio.
Para atingir esses propósitos, a Plata-
forma lança mão de estratégias articuladas w A mpliar o número de escolas implantando
a Lei no 10.639/03, que prevê a inclusão
que incluem, entre outras atividades:
da temática de história e cultura
• Mobilização de diversas instâncias do po- afro-brasileira nos currículos escolares.
der público e da sociedade civil.
w Aumentar o acesso de meninos e
• Desenvolvimento das capacidades dos
meninas negros/indígenas à escola.
responsáveis pela implementação dos
Aprender nas comunidades populares 111

Jovens

Educação para
contadores de
histórias atuam
na comunidade

a igualdade racial e nas escolas


públicas da região,
reforçando a
Experiências como a do projeto Territórios de Educação para importância da
Igualdade Racial (Tepir), em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, cultura africana
mostram como as escolas podem – e devem – preparar suas entre as crianças
crianças e seus adolescentes para valorizar a diversidade

“Eu sou negro e a senhora é de outra cor, mas São João de Meriti, atendida pelo projeto
eu não devo olhar para a senhora pela cor e Territórios de Educação para Igualdade Ra-
sim pelo que a senhora é.” O autor da frase cial (Tepir). O projeto tem como principal
é Diego Araújo, aluno da 6a- série do Ensino objetivo fortalecer a implantação das leis
Fundamental. Diego tem apenas 13 anos, mas nos- 10.639/03 e 11.645/08, que determinam
já sabe dizer o que impede as pessoas de se a inclusão da temática História e Cultura Afro-
verem como iguais: o preconceito. “Queria Brasileira e Indígena no currículo oficial da
que o preconceito parasse”, reforça o jovem rede de ensino.
que vive na Baixada Fluminense, no Rio de Em agosto de 2008, o Tepir, com o apoio
Janeiro, com a mãe e dois irmãos. do UNICEF, ofereceu um curso de africanidade
Diego é um dos 1.860 alunos da Escola para 58 docentes da rede municipal de São
Municipal Unidade Integrada de 1º- grau, em João de Meriti, município onde 57,9% da
112 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

As rodas de leitura
acontecem em
dias fixos no
Espaço Griots e de
forma itinerante
nas escolas
municipais que
participam do
projeto em São
João de Meriti

população se autoclassifica como “pretos ou bre a igualdade de direitos, respeitando as


pardos” (IBGE, 2000). Os professores capa- diferenças de cada um.
citados tornam-se multiplicadores. Ao todo Além de capacitar educadores, o Tepir
5.400 alunos participam do projeto. O prin- formou jovens contadores de histórias para
cipal objetivo é oferecer aos professores que atuar na comunidade e nas escolas públicas
atendem esses adolescentes mais informação da região. As rodas de leitura acontecem tanto
sobre a cultura africana e as alternativas para no Espaço Griots, em dias fixos, quanto de
trabalhar o tema na sala de aula. Para isso forma itinerante nas escolas municipais de
foram realizadas palestras sobre a presença São João de Meriti que participam do proje-
da cultura africana na literatura brasileira e to. Griot é como são chamados na África os
no cotidiano escolar, por exemplo. Segundo contadores de histórias. Eles são considerados
Marcos Paulo da Silva, coordenador institucio- sábios muito importantes e respeitados na
nal do Tepir, a maioria dos professores ainda comunidade onde vivem e passam, de geração
tem dificuldade de falar do assunto. a geração, as tradições de seus povos.
A professora de História Ângela da Con- As oficinas duram cerca de 40 minutos,
ceição Machado da Silva fez o curso e aplicou como a realizada no dia 3 de dezembro de
em sala a metodologia proposta. Ela conta 2008 por Lidiane Gonçalves e Fagner San-
que sempre trabalhou com o tema, mas, de- tos com os estudantes da Escola Municipal
pois do curso, inovou e desenvolveu uma Unidade Integrada de 1o grau. O livro base
atividade com as turmas da 5a série do Ensino é Os Comedores de Palavras. Diante de 30
Fundamental: “Pedi que eles desenhassem crianças das turmas de 5a e 6 a séries, Lidiane
paisagens com pessoas independente da cor interpreta a lenda que começa com o tam-
e da raça, olhando a essência, e o resultado bor emudecendo.“Eu leio bastante a história
foi fantástico. Nos desenhos as pessoas eram antes e me entrego na hora da leitura. Dessa
azuis, verdes, da cor que a criança quisesse”, forma, as coisas acontecem”, revela Lidiane.
contou a professora. A atividade, segundo As crianças acompanham cada palavra com
ela, permitiu que as crianças refletissem so- olhos atentos. Ana Paula da Silva Oliveira, de
Aprender nas comunidades populares 113

12 anos, da 6 a série, sai animada da oficina:“É municipal de conteúdos relativos ao estudo da


legal porque a gente aprende várias coisas história da África e da cultura afro-brasileira
sobre a cultura africana”, conta. na formação sociocultural do país.
Para o coordenador do projeto Tepir, César Desde então, houve uma série de avanços,
Marques, os contadores de histórias reforçam a entre eles a Lei no 10.639/03, que instituiu o
importância da oralidade, mas ainda esbarram ensino obrigatório da história e cultura da
nos problemas de comunicação.“Precisamos África e dos afro-brasileiros, e a Lei no 11.645/
da comunidade para trabalhar a educação, mas 08, que incluiu também a obrigatoriedade da
ainda há muito preconceito por causa da ques- temática indígena, com uma abordagem histó-
tão da religiosidade. Falar de cultura afro, para rica, cultural e de respeito à diversidade.
alguns, é sinônimo de ‘macumba’ ”, lembrou Para Maria Aparecida Silva Bento, diretora
César. “Não vamos reforçar as questões reli- executiva do Centro de Estudos das Relações
giosas, mas queríamos dialogar com pastores, de Trabalho e Desigualdades (Ceert), o maior
padres, com todo mundo, independente do obstáculo para a implementação da lei é ven-
credo de cada um. Queremos falar de igual- cer o paradigma da democracia racial ainda
dade racial”, complementou o coordenador vigente e superar o racismo institucional.
institucional Marco Paulo da Silva. Pesquisa realizada pelo Ceert2 entre 2005 e
O Tepir oferece
Com o objetivo de compartilhar as ex- 2006 nas escolas da rede municipal de São Paulo
informações
periências dos municípios da região na im- mostrou um quadro pouco animador sobre a
aos educadores
plantação das leis nº-s 10.639/03 e 11.645/08 e implementação da Lei no 10.639/03. Apenas um
para que eles
dar visibilidade aos projetos de inclusão social quarto das escolas (491) respondeu à consulta
sejam capazes
e combate ao racismo coordenados por orga- e, destas, apenas 6% afirmaram desenvolver
de trabalhar
nizações da sociedade civil, o Tepir realizou a alguma atividade relacionada à diversidade,
com os temas
1a- Jornada de Educação para a Igualdade Racial apontou a publicação Contextualizando as
das culturas
da Baixada Fluminense, em março de 2009. Relações Raciais na Educação, de 2007.
africana e
O evento, que também apresentou as ações Segundo a pesquisa, os trabalhos referentes
indígena e da
realizadas pelo projeto, contou com a parti- à educação das relações étnico-raciais feitos pe-
igualdade de
cipação de cerca de 1.600 pessoas, entre as las escolas ocorreram em datas comemorativas,
direitos em sala
quais representantes das prefeituras de oito historicamente ligadas à comunidade negra.
de aula
cidades da Baixada. A maioria das atividades aconteceu em apenas
um dia e se baseou nas disciplinas que, tradi-
O início cionalmente, apresentam trabalhos com esse
No Brasil,1 a relação entre educação e diversidade tema: História, Geografia, Língua Portuguesa e
passou a predominar no debate educacional Literatura. Entre os principais motivos que difi-
nos anos 90, com forte impacto nas políticas cultam a implantação da lei, foram citadas a falta
públicas para o século XXI como estratégia de formação (38%) e a falta de material (26,7%).
para a superação das desigualdades. Entre as De 2003 a 2008, a Secretaria de Educação
décadas de 80 e 90 ocorreu em cidades como Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad)
Belém, Aracaju, São Paulo, Goiânia, Florianó- calcula que pelo menos 70% dos municípios
polis e Belo Horizonte e também no Distrito brasileiros tiveram algum contato com a temática
Federal a promulgação de leis que dispunham da lei, por meio de atividades de capacitação
sobre a inclusão no currículo escolar da rede como palestras, oficinas e seminários.

2 A pesquisa sobre os motivos que contribuem e/ou facilitam a implementação das Diretrizes
1 Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Educação – Exercitando Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
a Definição de Conteúdos e Metodologias, do Centro de Estudos das Relações História e Cultura Afro-brasileira e Africana foi feita em parceria com a Secretaria Municipal
de Trabalho e Desigualdades (Ceert). de Educação de São Paulo, por meio do Grupo de Educação Étnico-cultural.
114 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Como nas grandes cidades


Projeto Território de Proteção da Criança e do Adolescente promove
ações educativas para enfrentar problemas de violência, abuso
e exploração sexual em Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália (BA)

O que uma comunidade indígena em Santa em função da crise na lavoura do cacau. Muitos
Cruz Cabrália (BA) tem em comum com o deles procuraram abrigo na periferia da cidade.
bairro mais populoso do município vizinho, O censo demográfico de 1991 informa que o
Porto Seguro (BA)? Tanto a Aldeia Coroa Ver- município tinha cerca de 34 mil habitantes.
melha como o bairro Baianão sofrem com Subiu para quase 96 mil no levantamento de
problemas típicos de grandes cidades.Trabalho 2000. A projeção do IBGE aponta uma popu-
infantil, abuso e exploração sexual, e violên- lação em 2007 de 114.459 habitantes.
cia fazem parte do cotidiano dos moradores A Aldeia Coroa Vermelha, de etnia pataxó,
de ambas as áreas. Os dois locais são alvo da fica no município de Santa Cruz Cabrália, a
atuação do projeto Território de Proteção da apenas 18 quilômetros do centro de Porto
Criança e do Adolescente, desenvolvido desde Seguro. Seu terreno é delimitado, de um
2006 pelo Instituto Tribos Jovens (ITJ), em lado, pela praia, e, de outro, pela principal
parceria com o UNICEF e com o apoio de estrada de ligação da região. A localização
O turismo uma empresa de papel e celulose. provocou um choque cultural entre as tra-
intenso da Para ajudar na garantia do direito de apren- dições indígenas e a vida urbana.
região está por der, o programa atua no fortalecimento das O costume artesão de fazer colares e
trás da alta capacidades das famílias, na educação sexual pulseiras de sementes e miçangas serve de
vulnerabilidade de adolescentes e na capacitação de profissio- justificativa para muitos pais incluírem os
social dos nais de saúde, educação e assistência social. filhos no ganho da renda doméstica desde
indígenas “Nossa estratégia global é promover impactos muito cedo. Cabe a eles a tarefa de vender as
que vivem na positivos na vida de meninos de até 17 anos”, bijuterias nas praias e em locais históricos,
Aldeia Coroa diz Analia David, gestora do projeto.“O foco de o que provoca evasão escolar e os expõe ao
Vermelha, da cada uma das ações depende das necessidades assédio de visitantes. “Os pais acreditam que
etnia pataxó das comunidades em cada momento.” isso ajuda nas vendas e não conseguem ver
Por trás da alta vulnerabilidade social está essa atividade como trabalho”, diz o educa-
o aumento do turismo no sul da Bahia. Cida- dor Katão Pataxó, morador local e autor do
de pacata até o início da década de 80, Porto livro Trioká Hahão Pataxi: Caminhando
Seguro tornou-se a partir de meados dos anos pela História Pataxó.
90 um dos principais destinos turísticos do
país. Em 2008, recebeu mais de 1 milhão de Educação abre espaço para o diálogo
pessoas, muitos estrangeiros, que aproveitaram Uma das ações do Instituto Tribos Jovens em
a estrutura de hospedagem formada por 500 Coroa Vermelha aborda um tabu na aldeia:
estabelecimentos e 45 mil leitos. O crescimento sexo. As famílias indígenas não costumam ter
do número de visitantes atraiu moradores do um diálogo aberto sobre o assunto – apesar
sul da Bahia, agricultores que saíram da região do registro do surgimento de casos de abuso
Aprender nas comunidades populares 115

A participação
nas oficinas de
e exploração sexual entre adolescentes dali Fórum Gestor, formado por lideranças indí- arte-educação
desde o final da década de 90. Para se ter genas e pelos organizadores. A ideia é que permitiu ao
uma ideia, a distribuição de camisinhas só foi no final do curso todos os 40 adolescentes guia indígena
admitida no posto de saúde da comunidade escolhidos tornem-se agentes promotores mirim Felipe
em 2007. O espetáculo teatral Quem Desco- de cidadania e possam multiplicar o conhe- ter um diálogo
briu o Amor? serviu como primeiro ato para cimento com outros jovens da região. mais aberto
promover as inscrições de oficinas de arte- As resistências começaram a ser quebradas sobre sexo com
educação sobre o tema. Foram escolhidos 40 em menos de seis meses. “Eu me sinto mais o pai, o artesão
adolescentes de 12 a 17 anos para participar em condições de expressar minhas opini- Antonio Borges
das sessões, promovidas desde junho de 2008 ões, inclusive falar sobre namoro com meus
pela ONG Centro de Referência Integral de pais”, diz Camila Florência Espírito Santo,
Adolescentes (Cria). de 15 anos, estudante do 1o ano do Ensino
Além de atividades de expressão corporal, Médio. “Aprendemos informações úteis para
a proposta é ter um espaço adequado para nos proteger de conversas com pessoas estra-
falar de sexualidade, mudanças no corpo, nhas à comunidade”, afirma. “Antes eu não
doenças sexualmente transmissíveis, gravi- tinha chance de falar sobre isso. É melhor
dez, drogas, violência e preconceito contra conversar sobre o tema em grupo”, conta
os indígenas. No início, a ideia não foi bem Felipe Soares Silva, de 16 anos. “As oficinas
recebida. “Teve um pai furioso que veio bus- são boas porque ali ele aprende as coisas do
car as duas filhas”, conta Irene Piñero, do mundo”, explica em suas palavras o pai de
Cria. “Tivemos de fazer uma reunião para Felipe, o artesão Antonio Borges dos Santos,
explicar os objetivos.” As resistências foram que estudou apenas até a 3a série do Ensino
aos pouco sendo superadas com a ajuda do Fundamental e trouxe sua família para a aldeia
116 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

em 2002, atraído pela possibilidade de lucros encontros. Contam que surgiram desabafos
na venda de artesanato em Porto Seguro e sobre violência familiar, saúde e um caso de
nos distritos vizinhos de Arraial d’Ajuda e abuso sexual até então desconhecido na tribo.
Trancoso.“Outro dia peguei umas camisinhas “Eu me emocionei com muitas das histórias,
no posto de saúde e coloquei no armário pois eles são nossos vizinhos e não sabemos
dele”, conta, revelando como a questão é o que ocorre lá dentro”, diz Luciene.
tratada dentro de casa. Os efeitos já se fizeram sentir dentro da
Cinco monitores de até 22 anos e o edu- única escola de Coroa Vermelha, que atende
cador Katão Pataxó organizam a programação 846 crianças indígenas da Educação Infantil até
durante os intervalos das oficinas, realizadas o 9o ano do Ensino Fundamental. “Os jovens
em sessões a cada dois meses. A experiência passaram a falar mais de sexualidade a par-
tem sido surpreendente também para eles. tir do início das oficinas”, observa Raimunda
“Nós aprendemos tanto quanto eles, pois nun- de Jesus Matos, coordenadora pedagógica do
ca tivemos essas informações na escola”, diz estabelecimento de ensino, criado em 1996.
Ubiraí Silva Matos, de 21 anos, integrante do Raimunda tem a colaboração de uma equipe
grupo jovem de tradições pataxós Niokytoynã de 22 professores e 61 funcionários, todos
Xohã Hahão (Grandes Guerreiros da Terra, no indígenas, para fazer funcionar as 12 salas de
idioma patxohã). “Sem contar que a oficina aula. Seu plano para 2009 é fazer o máximo
é um espaço democrático para falar sobre possível para que o assunto seja tratado em sala
o que está acontecendo na aldeia”, aponta de aula. Pensa em organizar palestras sobre
Luciene Chaves de Jesus, da mesma idade. abuso e exploração sexual e doenças sexual-
Eles revelam que a liberdade para cada par- mente transmissíveis, entre outros temas. Outro
ticipante expor suas posições a respeito de problema, porém, a incomoda mais: a evasão
pontos sensíveis é outro aspecto positivo dos escolar nos períodos de temporada. “Mais da

Gilmara
Vasconcelos, de
21 anos, ainda
não completou
o Ensino Médio,
mas faz questão
de manter na
Educação Infantil
sua única filha,
Sâmara, de 4 anos
Aprender nas comunidades populares 117

metade das meninas e meninos falta à aula para mais do que dois dias, todos os coleguinhas
vender artesanato na praia”, lamenta. vão juntos visitá-lo, o que torna o abandono
Essa exposição é a maior preocupação do quase zero.“O melhor é que posso estar perto
comissariado indígena de crianças e adoles- dela sempre”, diz Gilmara Vasconcelos, de
centes, comandado por Ruth Nascimento dos 21 anos, cursando o 1o ano do Ensino Médio,
Santos. “Tentamos colocar na cabeça dos pais mãe de Sâmara, de 4 anos. “Eu já sei dese-
a importância de o aluno não faltar à escola e nhar e pintar”, aponta a garota, mostrando
o quanto pode ser perigoso deixar os filhos o caderno em que reúne seus trabalhos es-
sozinhos na praia”, afirma. Como precaução, colares. Há dois anos, a AME foi incluída na
a comissária fica de plantão na areia durante rede municipal de ensino, ganhando o nome
o verão para coibir abordagens ilícitas. “Com de Centro Educacional Sementinha.
experiência, você reconhece na hora se a A própria história da associação tem mui-
conversa é sobre o produto ou se o cliente to a ver com o modo de viver do Baianão.
tem outros interesses”, observa. A artimanha “Quando tentaram implantar o projeto Se-
geralmente vem camuflada de convites para mentinha aqui, pensaram em desistir porque
passeios e festas. No caso de ocorrências, os professores não queriam vir até nós por
Ruth aciona sua rede de proteção, formada por causa da violência”, diz Sileide Pereira Bor-
delegados, promotores e conselhos tutelares ges Bonfim, diretora da AME e integrante do A Associação
de Porto Seguro e de Cabrália. Conselho Tutelar de Porto Seguro. Das dez das Mães
mães escolhidas para participar da capacita- Educadoras
Mães educadoras ção para se tornarem educadoras populares, é responsável
No bairro Baianão, na periferia de Porto Seguro, três eram analfabetas. O desafio serviu de pela educação
a vulnerabilidade de crianças e adolescentes incentivo para que elas passassem a estudar. de 228 crianças
transparece de outra maneira. Distante das Atualmente, as 12 educadoras, que têm entre de 4 a 6 anos do
áreas turísticas, o lugar é frequentemente citado 18 e 55 anos, completaram ou estão prestes populoso bairro
nas crônicas policiais. A maior parte de suas a completar o Ensino Médio. Também parti- Baianão
ruas não possui calçamento nem sinalização cipam de outros cursos, como a capacitação
adequada. O saneamento básico é precário. com o kit Família Brasileira Fortalecida, do
O projeto Território de Proteção da Criança e UNICEF, promovida pelo ITJ. O material é
do Adolescente preparou um questionário para composto de cinco álbuns com informações
conhecer melhor esses e outros problemas locais. e orientações sobre os cuidados necessários
Nele, havia perguntas sobre saúde, alimentação com a criança, desde antes do nascimento
e educação. A parceira dessa empreitada foi até os 6 anos de idade.
justamente uma das organizações mais represen- O mais novo movimento dessas mulheres
tativas da comunidade, a Associação das Mães é o Musicarte. Trata-se de atividades de música
Educadoras (AME). A entidade é responsável no contraturno escolar para meninos e meninas
pela educação de 228 crianças de 4 a 6 anos de 7 a 16 anos egressos do Sementinha. É uma
nos 12 setores do bairro, dentro da proposta forma de ocupar o tempo em uma região prati-
pedagógica do projeto Sementinha, formatado camente sem opções de lazer. As instruções de
pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvi- flauta doce, violão e bateria dos 84 participantes
mento em meados da década de 80. acontecem na sede da AME, que funciona em
As aulas não acontecem em escolas e, sim, um espaço cedido por uma voluntária. “No fim
na casa das famílias, cada dia em uma diferente. de 2008, participamos de um espetáculo para
Os alunos reúnem-se em um ponto de encon- mostrar o que sabemos”, diz a garota Luamir
tro e vão todos juntos. Quando um deles falta Bonfim de Souza, de 12 anos.
desafios

Todos juntos
pelo direito
de aprender
A escola tem papel importante no
Sistema de Garantia de Direitos.
Cabe também a ela assegurar
o cumprimento dos direitos
da criança e do adolescente
promovendo a prática da
cidadania e da participação
dos meninos e meninas, além
de notificar, por exemplo, casos
de suspeita ou confirmação de
maus-tratos ao Conselho Tutelar.
Ainda hoje, no entanto, ela tem
dificuldade de se assumir como
parte dessa grande rede. E o
próprio Sistema, por sua vez, em
geral não a reconhece como tal

Há ainda muitos obstáculos e desafios a superar


para garantir de fato às crianças e aos
adolescentes o pleno exercício da cidadania
120 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Muitas vezes, a abordagem da educação lescentes, mas sozinha ela tem um alcance
restringe-se aos temas do professor, do currí- limitado. Para que assuma o seu papel no
culo, da avaliação e da sala de aula. O direito enfrentamento dos graves problemas que
de aprender, no entanto, é mais amplo do que afetam meninas e meninos brasileiros e in-
isso, e há muitos outros aspectos que devem terferem no seu direito de aprender, é pre-
ser levados em conta. O estudante tem cor, tem ciso não apenas que ela se fortaleça, mas
gênero e um lugar social em que está inseri- todo o Sistema de Garantia de Direitos, do
do.1 Por isso, a Convenção sobre os Direitos da qual a escola faz parte.
Criança, aprovada pela Assembléia Geral das O problema é que ainda hoje as ins-
Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e tituições de ensino têm dificuldade de se
ratificada por 191 países, expressa claramente o assumir como parte dessa grande rede. E
direito da criança a uma educação que leve em o próprio Sistema de Garantia de Direitos,
conta sua identidade cultural, suas particulari- por sua vez, em geral também não a reco-
dades étnicas e religiosas e seus valores. nhece como tal.
O Sistema se divide em três eixos: promo-
ção, controle e defesa. No eixo da promoção
Pesquisa feita com profissionais das escolas estão as políticas sociais básicas e os órgãos
mostra que 17,5% admitem não ter interesse pelo de atendimento direto, como as escolas e os
Estatuto da Criança e do Adolescente serviços públicos de saúde. O eixo do con-
trole engloba as entidades que exercem a vi-
gilância sobre a política e o uso de recursos
A educação é base na formação do ser públicos para a área da infância e da adoles-
humano, bem como na defesa e na consti- cência, como os conselhos de direitos e os
tuição dos outros direitos econômicos, so- fóruns. A terceira linha de ação é a defesa,
ciais e culturais. Pensar a educação como que reúne órgãos como defensorias públicas,
direito humano implica levar em considera- conselhos tutelares, Ministério Público e Po-
ção essas e outras questões, como o envol- der Judiciário, que têm a função de intervir
vimento da comunidade e também as pres- nos casos em que os direitos de crianças ou
sões sociais e de natureza cultural presentes adolescentes são negados ou violados.
na escola, além da necessidade de defesa,
de valorização e de respeito às diferenças.
Hoje, há cada vez mais expectativas da Falhas no sistema
sociedade em relação à educação, não ape- A ideia é que todos atuem de forma con-
nas no que se refere ao acesso e à qualida- vergente. Caso contrário, o atendimento à
de das escolas, mas também ao seu papel criança e ao adolescente torna-se segmenta-
na promoção da cidadania, no respeito à do, e a proteção – que deveria ser integral
diversidade, assim como no enfrentamento – acaba sendo parcial e inconsistente.
de problemas como o trabalho infantil (leia Quase dezenove anos depois da promul-
mais sobre o assunto no texto Trabalho infan- gação do Estatuto da Criança e do Adoles-
til viola direito fundamental à educação), a cente, ainda há uma série de problemas e
violência doméstica e a exploração sexual2. desafios a ser vencidos para consolidar a im-
A escola é uma instituição importante na plementação desse sistema e garantir de fato
garantia dos direitos das crianças e dos ado- às crianças e aos adolescentes o pleno exer-
cício da cidadania.
1 Artigo A Educação como Direito Humano, Sérgio Haddad, 2003, disponível em A começar pelo desconhecimento da pró-
www.acaoeducativa.org.br.
2 No III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e pria lei e da sua importância. Pesquisa realiza-
Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2008, os participantes
apontaram a escola como principal instituição de combate ao problema. da entre 2004 e 2006 pelo Centro de Referência
desafios 121

às Vítimas de Violência (CNRVV), do Instituto dos Direitos Humanos (SEDH) da Presi-


Sedes Sapientiae de São Paulo, aponta que dência da República, com base no relatório
17,5% dos profissionais das escolas chegam a da pesquisa Conhecendo a Realidade, de
admitir que não têm interesse pelo assunto. O julho de 2007, o Brasil contava com 5.004
estudo, que contou com o apoio do UNICEF, conselhos tutelares, sendo 103 inativos.3
foi realizado em 4.150 instituições de ensi-
no de 20 municípios brasileiros.
Segundo análise divulgada em julho de Entraves à
2008 pela Associação Brasileira de Magistra- garantia de direitos
dos, Promotores de Justiça e Defensores Pú- Chama atenção também o desconhecimento
blicos da Infância e da Juventude (ABMP), das escolas em relação ao trabalho desse ór-
em comemoração aos 18 anos do Estatuto, gão. Diante de casos de abandono e evasão
as varas, promotorias e defensorias públicas escolar, trabalho infantil, violência doméstica,
também não estão muitas vezes preparadas exploração e abuso sexual, entre outros, as
para atuar com base no paradigma de aten- instituições de ensino deveriam informar os
dimento integral à criança e ao adolescente. conselhos tutelares para que eles fizessem os
Faltam conhecimento da lei por parte dos encaminhamentos necessários. Mas, segundo
operadores de direito, critérios na propor- a pesquisa realizada pelo CNRVV, as escolas,
cionalidade de magistrados, promotores de em geral, não notificam essas situações.
Justiça e defensores públicos e de varas da
infância e da juventude por número de ha-
bitantes, além de reconhecimento da priori- Segundo a Secretaria Especial dos Direitos
dade do direito da criança e do adolescente Humanos, o Brasil contava em 2007 com 5.004
nas instituições do Sistema de Justiça (leia o conselhos tutelares, dos quais 103 eram inativos
texto Ação civil pública: um mecanismo em
favor do direito à educação).
A análise reitera que os operadores do De acordo com o estudo, isso aconte-
direito não recebem formação específica so- ce porque as instituições carecem de re-
bre as políticas públicas voltadas a crianças, taguarda de uma rede de parceiros que se
adolescentes e suas famílias. Nas faculdades, a responsabilizem pelos encaminhamentos
disciplina Direito da Criança e do Adolescente e também porque elas desconhecem não
não é obrigatória. Também não há tradição apenas os sinais de violência, que nem
de os cursos apresentarem uma dimensão in- sempre são evidentes, mas o próprio pa-
terdisciplinar, o que dificulta ao operador de pel da escola.
direito formado considerar-se parte integrante “Os casos de suspeita ou confirmação
de uma grande rede responsável pela garantia de maus-tratos contra criança ou adolescen-
dos direitos da criança e do adolescente. te serão obrigatoriamente comunicados ao
Outra situação preocupante é a dos con- Conselho Tutelar da respectiva localidade,
selhos tutelares. Responsáveis por receber sem prejuízo de outras providências legais”,
denúncias de violação de direito das crian- diz o Artigo 13 do Estatuto da Criança e do
ças e dos adolescentes, encaminhá-las pa- Adolescente. Caso a notificação não seja
ra os órgãos competentes e promover as feita, os responsáveis estão sujeitos a pro-
medidas de proteção, eles são, em geral, o cedimentos de apuração de infração admi-
primeiro órgão a ser acionado. O Estatuto nistrativa. Se condenados, a pena é de 3 a
determina a existência de pelo menos um 20 salários de referência, aplicada em dobro
Conselho Tutelar por município. No entan-
3 Como o país tem 5.564 municípios, alguns deles com mais de um Conselho Tutelar,
to, segundo dados da Secretaria Especial pode-se inferir que mais de 12% dos municípios carecem da instituição.
122 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

em caso de reincidência (Artigo 245 do Esta- encaminhá-los ao Conselho Tutelar ou a ou-


tuto da Criança e do Adolescente). tro órgão de proteção.
Apesar de quatro em cada cinco escolas O estudo aponta que os diversos tipos
(ou 78%) informarem ter conhecimento de de violência afetam o ambiente de 74% das
que, em caso de violência, deveriam comu- escolas da amostra. Metade delas afirmou
nicar o Conselho Tutelar, a distância entre o que ocorreu algum tipo de violência contra
discurso e a prática ainda é grande. Quando os alunos nos 12 meses anteriores à pes-
a criança chega de casa machucada, 80% afir- quisa. A violência mais disseminada era a
mam chamar os pais – que, muitas vezes, são doméstica (75% das escolas se disseram
os agressores – para conversar; apenas 9% re- afetadas por essa situação).
latam procurar o Conselho Tutelar. Os profissionais de 77% das escolas afir-
maram que o fato de a criança passar boa
parte do tempo na unidade de ensino faz
Boa parte das escolas acha importante deste um lugar privilegiado para identificar a
esclarecer os casos de violência doméstica vítima de violência. No entanto, a escola não
em vez de encaminhá-los ao Conselho Tutelar se vê como um agente interruptor do ciclo.
Nem mesmo nos casos em que a escola
é obrigada a notificar e justificar a violação
Os dados indicam também que não há do direito à educação isso ocorre. O progra-
consenso a respeito dos critérios utilizados ma Bolsa Família, por exemplo, exige que
para decidir quando um evento deve ou não os filhos dos beneficiários em idade escolar
ser encaminhado ao Conselho Tutelar, o que frequentem, pelo menos, 85% (no caso de
demonstra a necessidade de capacitação da crianças e adolescentes de 6 a 15 anos) e 75%
escola com referência ao que é determinado (no caso de jovens de 16 e 17 anos) das au-
pelo próprio Estatuto. É alto, por exemplo, o las. Quando o estudante tem índices de com-
índice das que acham importante esclarecer parecimento inferior a essas taxas, a escola é
os casos de violência doméstica em vez de obrigada a notificar o motivo da ausência.

Ação civil pública: um mecanismo na Constituição, é a ação civil


pública. O próprio poder público,
em favor do direito à educação as associações de defesa de direitos
e o Ministério Público (MP) têm
Antes da Constituição Federal em 1990, e a implementação da legitimidade para promover esse
de 1988, o Judiciário era doutrina da proteção integral, tipo de ação. Na área da infância
acionado exclusivamente para passou-se a recorrer à Justiça e juventude, esse papel está
resolver conflitos individuais para resolver, por exemplo, casos sendo exercido pelo MP. Quando
privados. No caso da criança e de falta de vagas nas escolas ou a criança ou o adolescente tem
do adolescente, o que costumava de atendimento nos hospitais. O algum de seus direitos violados
chegar ao sistema eram casos de problema da escassez de oferta de pelo poder público, o MP pode
adoção, guarda, tutela, carência educação deixou de ser específico mover ações contra qualquer esfera
ou de adolescentes que haviam do Executivo e passou a dizer de governo numa perspectiva
cometido atos infracionais. respeito também ao Judiciário. individual (exigindo a garantia
Com a aprovação do Estatuto Um dos principais mecanismos do direito para uma determinada
da Criança e do Adolescente, de exigibilidade de direitos, criado criança ou adolescente), de forma
desafios 123

Segundo dados do sistema de monitora- Pública e Cidadania, da Fundação Getulio


mento do Bolsa Família, de julho de 2008, as Vargas, e pelo UNICEF aponta para sinais cla-
duas principais razões apontadas pelas ins- ros do início de uma articulação maior entre
tituições de ensino para as faltas excessivas as instituições com responsabilidade em re-
eram “doença do aluno” (18% dos casos) e lação aos direitos de crianças e adolescentes.
“negligência dos pais” (11% dos casos). Um “Não há dúvida do papel emergente dos con-
número significativo de ausências (66%), selhos tutelares”, avalia a pesquisa.
no entanto, era relatado como “sem motivo Segundo o estudo, a relativa clareza (pe-
identificado”, o que mostra como as escolas lo menos teórica) do papel dos conselhos
nem sempre se preocupavam em descobrir tutelares e municipais e dos seus conselhei-
a causa do absenteísmo estudantil. ros e conselheiras em relação à criança e ao
Para diminuir esse desconhecimento, o adolescente, e a disposição de seus mem-
MEC alterou a lista de razões entre as quais a bros em assumir um papel ativo na defesa
escola deve escolher para justificar a baixa fre- dos direitos, pode ajudar na formação de
quência. A rubrica “sem motivo identificado” um novo panorama em relação ao tema.
foi substituída por “a escola não informou” e Quanto à educação, o estudo identificou
por “motivo inexistente na tabela”. No bimes- um fruto importante dessa articulação: a Fi-
tre outubro/novembro de 2008, “doença do cha de Acompanhamento dos Alunos Infre-
aluno” foi justificativa para 24% dos casos, “ne- quentes (Ficai). A Ficai é resultado de uma
gligência de pais ou responsáveis” para 20%, e parceria entre a escola, o Conselho Tutelar
“motivo inexistente na tabela” para 38%. e o Ministério Público. Ao detectar três faltas
consecutivas de um aluno, a diretora chama
os pais para conversar. Se eles não compare-
Os principais avanços cerem, a situação é encaminhada para o Con-
A despeito desses problemas, alguns avanços selho Tutelar, que faz uma visita domiciliar
começam a ocorrer. No Semiárido, por exem- para verificar o que está ocorrendo e orientar
plo, estudo realizado pelo Programa Gestão a família. Se ainda assim o aluno continuar

coletiva (uma ação civil em nome à educação e ao atendimento da criança e do adolescente estão
de moradores de um bairro que médico. Em relação ao direito disponíveis em seu banco de
demandam a construção de à educação, em geral, a criança, dados. Não se tem, portanto, o
uma escola, por exemplo) ou seu responsável ou algum adulto número preciso de quantas crianças
difusa (quando vai a juízo pedir próximo comunica a violação estão nas escolas por força desse
vagas em nome da população ao Conselho Tutelar. O conselho, instrumento ou de quantas ações
de todo um município). então, solicita à escola da região foram movidas contra o Estado
Embora não existam estatísticas a abertura de uma vaga. Caso requerendo melhoria na qualidade
sobre o número de ações civis isso não ocorra, ele encaminha da educação. A experiência dos
públicas voltadas para a garantia uma representação ao Ministério promotores, no entanto, mostra
dos direitos da criança e do Público, que entra com a ação civil. que as ações se referem, sobretudo,
adolescente, é possível dizer, com Segundo o Grupo de Trabalho à oferta insuficiente de vagas nas
base na prática dos promotores sobre Educação da Procuradoria creches e pré-escolas. Em menor
e juízes das Varas da Infância Federal dos Direitos do Cidadão, número, há ações que solicitam o
e Juventude, que as demandas nem todas as ações civis públicas acesso ao Ensino Médio. Em geral,
mais comuns são pelo acesso voltadas para o direito à educação elas são julgadas procedentes.
124 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Trabalho infantil viola direito fundamental à educação


Ao ratificar a Convenção 182 da prejuízos para a aprendizagem da em tornar a Educação Básica
Organização Internacional do criança, devem ser cuidadas pela obrigatória dos 4 aos 17 anos.
Trabalho (OIT), em 17 de junho escola. É importante que a escola “A escola deve se inserir
de 1999, o governo brasileiro identifique as violações de direitos efetivamente na rede de proteção à
se comprometeu a tomar da criança e os obstáculos ao seu criança e ao adolescente”, defende.
medidas imediatas e eficazes sucesso escolar”, afirma. Com o objetivo de contribuir
para assegurar a eliminação das A principal estratégia adotada para a inclusão escolar de meninos
piores formas de exploração de pelo Brasil no enfrentamento e meninas egressos do trabalho
mão de obra infantil. Dez anos ao problema foi combinar a infantil, o FNPETI e o UNICEF
depois, no entanto, 4,8 milhões transferência de renda às famílias assinaram, no dia 1º- de outubro
de pessoas entre 5 e 17 anos com o compromisso de retirar as de 2008, um termo de cooperação.
continuam trocando a infância e a crianças do trabalho, garantir sua O projeto, desenvolvido com a Ação
adolescência pelas diversas formas frequência na escola e inseri-las Educativa, e em parceria com
de trabalho infantil, incluindo o em atividades socioeducativas. Essa o Ministério da Educação (MEC)
doméstico, conforme aponta a política, desde a implementação e a Fundação Itaú Social, pretende
Pesquisa Nacional por Amostra do Programa de Erradicação do estimular um engajamento mais
de Domicílios (Pnad 2007). Trabalho Infantil (Peti), em 1996, efetivo das escolas no Sistema de
Uma das consequências mais até 2001, impactou numa redução Garantia de Direitos. A principal
notórias do trabalho infantil significativa do trabalho infantil – estratégia da iniciativa é fazer
é a queda no desempenho de 18,7% dos ocupados, em com que professores, diretores e
escolar. Segundo o relatório 1995, para 12,7%. gestores estejam mais sensibilizados
Emprego, Desenvolvimento para a importância de garantir não
Humano e Trabalho Decente Mudanças lentas apenas o acesso das crianças à
(Cepal/Pnud/OIT), lançado em A redução nos últimos anos, escola mas também a permanência,
2008, 19% das crianças e dos porém, tem sido lenta. Segundo a aprendizagem e a conclusão
adolescentes que trabalham não Isa de Oliveira, programas como o em tempo adequado. O projeto
estudam. E os que permanecem Bolsa Família ampliaram a cobertura envolve a realização de oficinas
nas salas de aula, devido ao às famílias, mas não fizeram crescer de escuta de crianças, famílias
cansaço e ao tempo reduzido o contingente de crianças retiradas e conselheiros tutelares sobre
para se dedicar aos estudos, do trabalho infantil: cerca de as dificuldades encontradas no
muitas vezes são reprovados. 870 mil em 2007, ante 810 mil enfrentamento do problema.
De acordo com a socióloga em 2001.“Restaram agora as formas “Vamos ouvir esses diferentes atores
Isa de Oliveira, secretária executiva mais complexas do ponto de vista sociais para levantar a realidade
do Fórum Nacional de Prevenção do enfrentamento, como o trabalho e, a partir daí, fazer a intervenção”,
e Erradicação do Trabalho Infantil rural, a coleta de material reciclável conta Isa de Oliveira.
(FNPETI), os dados reforçam a e a exploração sexual.” Para a Outra iniciativa que busca
importância da escola para o pleno socióloga, a solução do problema contribuir para o enfrentamento
funcionamento do Sistema de passa pela garantia do direito de das violações dos direitos infanto-
Garantia de Direitos (SGD). aprender, que deve ser assegurado juvenis é o projeto Definindo
“A escola tem o papel de garantir pela oferta de uma educação de Fluxos Operacionais para a
o direito constitucional à educação. qualidade, de preferência em Garantia de Direitos de Crianças
Por isso, as violações, que trazem tempo integral, e ainda pelo esforço e Adolescentes, desenvolvido
desafios 125

faltando, o caso é encaminhado ao Ministé-


rio Público. No Semiárido, o mecanismo foi
identificado em vários municípios de Alagoas
e Sergipe e, segundo os pesquisadores, está
pela Associação Brasileira de servindo de pretexto para um diálogo maior
Magistrados, Promotores de Justiça entre os diferentes profissionais envolvidos no
e Defensores Públicos da Infância e trabalho com as crianças e os adolescentes.
da Juventude (ABMP), em conjunto De dezembro de 2008 a março de 2009, o
com o UNICEF, o Instituto WCF e Conselho Nacional de Secretários de Educa-
a Secretaria Especial dos Direitos ção (Consed) realizou, a pedido do UNICEF,
Humanos da Presidência da um levantamento nos estados para avaliar a
República (SEDH). utilização da Ficai e de outros instrumentos
Tal como um mapa, o semelhantes. Segundo o levantamento, Bahia,
instrumento evidencia o caminho Maranhão, Paraná, Rio de Janeiro e Tocantins
que deve ser percorrido para também adotam o modelo. O Amapá estuda
o atendimento de meninos e utilizar o mesmo mecanismo de Sergipe.4
meninas em situação de violação,
por meio de diversas etapas, desde
a porta de entrada (identificação A Justiça Restaurativa é um exemplo
do direito violado) até a fase final, positivo de articulação da escola com outros
quando a criança e/ou adolescente atores do Sistema de Garantia de Direitos
está protegido e o agressor
responsabilizado.
“A intenção foi criar um programa Além da Ficai, a chamada Justiça Restau-
que possa ser utilizado pelas rativa também é um exemplo positivo da
diferentes instâncias do Sistema de articulação da escola com outros atores do
Garantia, de forma a contribuir para Sistema de Garantia de Direitos. Implanta-
a operacionalização do Estatuto”, da inicialmente na Nova Zelândia, há cerca
explica a consultora da ABMP Maria de 20 anos, seu principal objetivo é trocar a
America Ungaretti. cultura punitiva e excludente presente em
Segundo ela, apesar de muitas escolas por uma lógica pautada por
construídos separadamente, os diálogo, respeito e autonomia, por meio de
instrumentos podem se relacionar um processo participativo com foco na re-
uns com os outros. No fluxo do paração dos danos causados às pessoas e
trabalho infantil, por exemplo, aos relacionamentos
a maior preocupação é retirar No Brasil, o projeto começou em Porto
a criança do trabalho para, Alegre, em 2002. No estado de São Paulo, tor-
em seguida, inseri-la na escola nou-se programa da Secretaria da Educação e
– quando passa a integrar o fluxo do Tribunal de Justiça e, além de São Caeta-
da educação.“Essa metodologia no do Sul, onde se iniciou, já foi aplicado em
possibilita, de fato, uma construção Guarulhos, Campinas, São José dos Campos,
coletiva, pois a garantia dos Presidente Prudente, Atibaia e Bragança Pau-
direitos não pode ser viabilizada lista. De 2005 a 2007, mais de 1.000 pessoas
sem o envolvimento de todos os já foram atendidas apenas em São Caetano do
atores dos três eixos do Sistema Sul, com índices de acordo de 88%.
atuando em rede”, afirma. 4 De acordo com o levantamento, Santa Catarina adota estratégias voltadas para
o combate à evasão escolar por meio de programas como Aviso por Maus-Tratos
Contra Criança ou Adolescente.
126 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Saúde e Prevenção nas Escolas – intersetorialidade na prática


De acordo com o Instituto Integração de políticas Em 2008, foram distribuídos
Nacional de Estudos e Pesquisas O programa Saúde e Prevenção 800 mil exemplares das principais
Educacionais Anísio Teixeira nas Escolas é um exemplo publicações do projeto e 100 mil
(Inep), 96% das 122.491 escolas bem-sucedido de integração de kits “Eu preciso fazer o teste
que responderam o Censo Escolar políticas. Seu gerenciamento e sua do HIV/aids?”, cuja finalidade
em 2007 deixaram os tabus de execução incluem os três níveis é estimular a reflexão sobre os
lado e incluíram a educação de governo – federal, estadual riscos da não proteção e sobre a
sexual em seu currículo. e municipal –, sendo que para necessidade de realizar o teste.
O resultado é fruto de ações cada um deles foi criado um Já na edição 2008 do Selo
como o Programa Saúde grupo gestor, com atribuições Município Aprovado, o UNICEF
e Prevenção nas Escolas (SPE), e responsabilidades definidas. investiu na capacitação
que desde 2003 busca reduzir Atualmente, o programa tem de profissionais e gestores
a vulnerabilidade de adolescentes investido no fortalecimento dos do Semiárido para a adoção
e jovens às DST, à infecção pelo grupos gestores estaduais, para da metodologia do SPE. Dos
HIV/aids e à gravidez não planejada. que eles ofereçam mais apoio aos 1.130 municípios inscritos
Desenvolvido pelos municípios. Esse investimento no selo, 442 possuem
ministérios da Saúde e Educação, acontece por meio de visitas grupos gestores locais.
com o apoio do UNICEF, da técnicas aos estados e capacitações As Mostras Nacionais de
Organização das Nações Unidas dos profissionais de saúde e Saúde e Prevenção nas Escolas,
para a Educação, a Ciência e a educação nas diversas temáticas que ocorrem anualmente,
Cultura (Unesco) e do Fundo de relacionadas ao projeto. Além também têm contribuído
População das Nações Unidas disso, a participação qualificada para mobilizar a sociedade
(Unfpa), o projeto está presente dos adolescentes é central para a em torno da questão.
em todos os estados brasileiros. implementação do SPE. A edição de junho de 2008,
A integração entre escolas realizada em Florianópolis,
e serviços de saúde tem contou com a participação de
sido fundamental para levar aproximadamente mil pessoas,
aos adolescentes brasileiros entre profissionais da saúde,
conhecimentos sobre o exercício da educação, gestores e jovens.
responsável da sexualidade e os Para 2009, os desafios
insumos necessários para fazê-lo. são ampliar a cobertura das
Afinal, é no espaço escolar que atividades. A meta é qualificar
eles vivem um intenso processo os profissionais de educação para
de socialização e de formação, abordar as temáticas na escola,
estabelecendo contato com a aumentando a aceitabilidade
diversidade cultural, social e das ações nas comunidades.
econômica do nosso país. Outro desafio importante
Todo esse contexto faz da é a efetiva participação
fase escolar um momento dos adolescentes, inclusive
privilegiado para o contato aqueles que vivem com HIV,
com informações corretas e para a nos processos de planejamento
valorização do autocuidado. e implementação do SPE.
desafios 127

A criação desses espaços é um meio de ga- Os encontros são realizados, em geral,


rantir acesso das crianças e dos adolescentes nas próprias escolas, com a participação do
à Justiça e o empoderamento da comunidade, Conselho Tutelar, que contribui para a ela-
que é envolvida no processo do início ao fim. boração dos chamados planos restaurativos
Os casos atendidos vão de ofensas entre es- envolvendo os serviços eventualmente ne-
tudantes e desentendimento com professor a cessitados, e da assistente social do fórum.5
furtos e roubos. Durante os encontros, chama- Aos poucos, começa a se observar um
dos de círculos restaurativos, cada parte relata diálogo das instituições de ensino com ou-
o que aconteceu e, em seguida, os participan- tros atores do Sistema de Garantia de Direi-
tes procuram esclarecer os motivos e chegar a tos. O resultado dessa articulação deve ser
um acordo. Agressor, vítima, familiares, amigos, sentido para além das paredes da escola.
testemunhas e a própria comunidade discutem,
com a ajuda de um facilitador (professores, 5 Artigo A Experiência em Justiça Restaurativa no Brasil: Um Novo Paradigma
Avançando na Infância e Juventude, de Eduardo Rezende Melo, presidente da
pais, alunos, jovens etc.), a melhor forma de Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos
da Infância e da Juventude (ABMP), em Justicia para Crecer, Lima (Peru), Tierra
reparar o dano, material ou não. de Hombres y Encuentros Casa de la Juventud, no 12, octubre-diciembre 2008.

Acompanhar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio


Lançado no Fórum Social Mundial, com o instrumento para a definição municípios com maior proporção de
que aconteceu em Belém (PA), de suas ações de responsabilidade pessoas abaixo da linha da pobreza,
em janeiro deste ano, o Portal social corporativa nos municípios. a distorção idade-série chega a
ODM (www.portalodm.com.br) Em relação ao ODM 2 – Educação quase 50% dos alunos do Ensino
apresenta dados de cada um dos Básica de qualidade para todos1 –, os Fundamental e a 70,4% dos alunos
municípios brasileiros em relação indicadores disponíveis para consulta do Ensino Médio. Já nos municípios
ao cumprimento dos Objetivos são distorção idade-série no Ensino com menor proporção de pessoas
de Desenvolvimento do Milênio Fundamental e no Ensino Médio, abaixo da linha da pobreza, a
(ODM).Trata-se de uma série de Ideb (Índice de Desenvolvimento da distorção é de apenas 15,1% no
metas pactuadas pelo Brasil e por Educação Básica) das redes estaduais Ensino Fundamental e 25,6% no
outros 190 países membros das e municipais, taxa de alfabetização Ensino Médio.
Nações Unidas para melhorar de jovens de 15 a 24 anos, taxa de O Portal foi desenvolvido pelo
indicadores sociais, ambientais e conclusão do Ensino Fundamental de Observatório Regional Base de
econômicos. adolescentes de 15 a 17 anos e taxa Indicadores de Sustentabilidade
A intenção é contribuir para de frequência líquida das crianças de (Orbis), programa Sesi do Paraná,
que os ODM sejam alcançados em 7 a 14 anos no Ensino Fundamental. Sistema Fiep e Instituto de
cada um dos municípios brasileiros Com base nesses dados, é Promoção do Desenvolvimento
e não apenas como média entre os possível monitorar os principais (IPD), sob a coordenação do
municípios de uma região. desafios dos municípios na área de Programa das Nações Unidas para
O Portal permite que cada educação em todo o Brasil, além de o Desenvolvimento (Pnud)
cidadão acompanhe a realidade fazer comparações regionais. Um e apoio do UNICEF, Movimento
de seu município.A ideia é que levantamento realizado pelo UNICEF Nós Podemos Paraná, Núcleo de
a ferramenta seja usada como com base nas informações do Portal, Apoio a Políticas Públicas (Napp),
instrumento pelos novos prefeitos por exemplo, constatou que nos de São Paulo, Ministério do
e secretários municipais e que as Planejamento e Secretaria-Geral
1 No Brasil, essa meta está relacionada apenas ao Ensino
empresas também possam contar Fundamental. da Presidência da República.
128 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009

Foco no orçamento
Sistema de monitoramento criado pelo UNICEF e Associação Contas
Abertas permite à sociedade acompanhar o investimento do governo
federal em programas e ações destinados a crianças e adolescentes

No Brasil, o monitoramento do volume de cente deveria ser encarado não como despesa,mas
recursos destinados à criança e ao adoles- como investimento, daí a alteração do conceito
cente teve início em 1995, quando o Grupo de Orçamento Criança para o de Investimento
Executivo do Pacto pela Infância1 passou a Criança. Essa mudança é importante porque está
trabalhar no desenvolvimento de metodolo- alinhada ao conceito de que o valor destinado a
gias adequadas a essa tarefa. essas políticas tem alto retorno na garantia de
A primeira proposta de acompanhamen- direitos e em termos econômicos e de governabi-
to – o Orçamento Criança – foi construída lidade democrática,contribuindo para acabar com
pelo UNICEF, em parceria com o Instituto de a transmissão da pobreza entre as gerações.
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com a Para facilitar o controle social do orçamento
O recurso Fundação de Assistência ao Estudante (FAE). público federal voltado a crianças e adolescen-
aplicado na Essa metodologia identificava as ações e os tes, o UNICEF lançou, em outubro de 2008, em
infância e na recursos orçamentários do governo federal parceria com a Associação Contas Abertas, o
adolescência voltados para garantir a sobrevivência e a in- Sistema de Monitoramento do Investimento
deve ser tegridade das crianças e dos adolescentes. Criança (SimIC).Trata-se de um sistema infor-
encarado como Em 2000, o Orçamento Criança incorporou matizado, disponível a qualquer cidadão no
investimento. o acompanhamento das Metas do Milênio e, endereço www.investimentocrianca.org.br.
Ele contribui posteriormente, a metodologia foi revista para “A transparência é fundamental para entender
para diminuir estender o monitoramento às esferas estaduais o quanto e como o governo investe em cada
a transmissão e municipais. O novo projeto, realizado pela programa, o que também permite à sociedade
intergeracional Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do questionar”, afirma Gil Castello Branco, con-
da pobreza Adolescente, Instituto de Estudos Socioeconômi- sultor de economia do Contas Abertas.
cos (Inesc) e UNICEF, foi chamado De Olho no O SimIC apresenta dados do Sistema Integrado
Orçamento Criança. Além do acompanhamento de Administração Financeira (Siafi) relativos aos
da execução orçamentária, a iniciativa previa a investimentos nos programas e ações do governo
criação de uma rede de monitoramento das ações federal2 que beneficiam diretamente pessoas com
públicas voltadas para a criança e o adolescente menos de 18 anos e a outras iniciativas dirigidas
e a disseminação dessas informações para a à família que, indiretamente, repercutem na vida
sociedade em geral.Também foram analisados das crianças e dos adolescentes (como o Brasil
os programas e as políticas indiretas, como as Alfabetizado e o Bolsa Família). Mas elimina a
direcionadas para a família das crianças, que prática anteriormente adotada de pró-ratear as
também as beneficiavam. despesas dos programas e das ações pelo peso
A partir de 2007, o UNICEF passou a avaliar que as crianças e os adolescentes representa-
que o recurso aplicado na criança e no adoles- vam em cada um deles. Para o UNICEF, a nova
metodologia facilita o entendimento sobre o
1 Movimento criado em 1991, que chegou a congregar mais de 100 organizações
governamentais e não governamentais em torno da melhoria da situação da infância e da
adolescência. O Pacto pela Infância colocava metas de redução da mortalidade infantil, 2 Passíveis de acompanhamento no Siafi, o que não inclui eventuais ações
ampliação do acesso ao saneamento básico e à água, do aleitamento materno, entre outras. das empresas estatais.
desafios 129

orçamento público e permite a realização de Dos 15 programas analisados, nove são volta-
um advocacy mais contundente. dos diretamente à educação (Brasil Alfabetizado
A diferença entre o SimIC e o Siafi é que as e Educação de Jovens e Adultos, Brasil Escolari-
informações do SimIC foram sistematizadas de zado, Educação na Primeira Infância,Valorização
maneira simplificada para que sua compreensão e Formação de Professores e Trabalhadores da
seja mais rápida.Além disso, este sistema conta Educação, Desenvolvimento da Educação Espe-
com ferramentas que permitem fazer desagrega- cial, Desenvolvimento do Ensino Fundamental,
ções dos dados por região, estados, natureza das Desenvolvimento do Ensino Médio, Qualidade na
despesas, entre outros, e é atualizado frequen- Escola, Segundo Tempo). Somando-os ao Fundeb
temente.Assim, a sociedade pode acompanhar e à cota-parte do Salário Educação, tem-se que
como o poder público federal está utilizando 67,1% do Investimento Criança 2008 foram des-
os impostos; entender que programas e ações tinados à área, num total de R$ 32,8 bilhões.
estão sendo priorizados; e fazer um mapeamento Deles, o programa que mais obteve recursos
geográfico para identificar se os recursos estão do governo federal foi o Brasil Escolarizado, cujo
sendo destinados de forma a garantir a equidade objetivo é garantir o acesso e a permanência de
de direitos a meninos e meninas brasileiros. Junto todas as crianças e adolescentes na Educação
como o SimIC, o UNICEF lançou o Boletim In- Básica. Em 2008, essa rubrica recebeu R$ 7,6
vestimento Criança (BIC), publicação semestral bilhões, 2,8 vezes mais recursos do que no ano
que analisa a destinação desses recursos. anterior. Em seguida vêm o Qualidade na Escola,
com R$ 463,2 milhões, e o Desenvolvimento do
Como o dinheiro está sendo investido Ensino Fundamental, com R$ 308,3 milhões.
Segundo dados do SimIC, entre 2006 e 2008 o Muitas vezes a execução orçamentária, isto
governo federal aumentou em quase R$ 20 bi- é, o processo que define como e quando serão
lhões os recursos do Orçamento Geral da União realizadas as despesas, não ocorre de forma li-
para ações voltadas diretamente à criança e ao near – seja por questões de sazonalidade da O Boletim
adolescente. Em 2006, o Investimento Criança despesa, falta de planejamento ou inadimplência Investimento
foi de R$ 28,9 bilhões. No ano seguinte, saltou de alguns municípios. Por isso, é interessante Criança traz
para R$ 38,2 bilhões. Em 2008, o total pago até verificar qual o órgão executor do programa e análises semestrais
31 de dezembro e atualizado até 12 de março acompanhar essa destinação. da execução
de 2009 foi de R$ 48,9 bilhões – o que repre- Em sua primeira edição, o BIC não analisou a orçamentária
senta 95,3% da dotação inicial prevista para eficiência do Investimento Criança.Nos próximos na esfera federal
este ano (que era de R$ 49,7 bilhões). números, a intenção é fazer esse tipo de aprofun-
O Brasil conta com um contingente de damento, avaliando o quanto a repetência dos
quase 60 milhões de crianças e adolescentes. estudantes e as faltas dos professores impactam
Dividindo-se a execução orçamentária pelo total nos cofres públicos.Além disso, pretende-se fazer
da população, pode-se dizer que o Investimento análise dos dados por região para identificar as
Criança per capita em 2008 foi de R$ 814,34. Em iniquidades mais preocupantes.
2007, foram destinados R$ 635,93 por criança Ainda que o acompanhamento da execução
e, no ano anterior, R$ 482,02. orçamentária federal seja um avanço,é fundamental
Em 2008, o SimIC apurou informações de 15 ampliar esse tipo de controle social para as esferas
programas (cinco sem dotação orçamentária na estadual e municipal, por meio da avaliação de
proposta para 2009), 38 ações do governo federal dados disponíveis em sistemas semelhantes ao
voltadas para a criança e para o adolescente, Siafi. Só assim será possível identificar o quanto
além do Fundeb e da cota-parte dos estados e e como a administração pública está investindo
do Distrito Federal do Salário-Educação. na criança e no adolescente brasileiros.

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