Situacao Da Infancia e Da Adolescencia Brasileira 2009 - O Direito de Aprender
Situacao Da Infancia e Da Adolescencia Brasileira 2009 - O Direito de Aprender
Situacao Da Infancia e Da Adolescencia Brasileira 2009 - O Direito de Aprender
O Direito de Aprender
Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009
todos juntos
pelas crianças
Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009
O Direito de Aprender
Potencializar avanços e reduzir desigualdades
Realização
PRODUÇÃO EDITORIAL
Cross Content Comunicação
www.crosscontent.com.br
[email protected]
A reprodução desta publicação, na íntegra ou em parte, é permitida desde que citada a fonte.
Texto adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa.
Impresso no Brasil
ISBN: 978-85-87685-12-4
09-04614 CDD-370.981
O Direito de Aprender
Potencializar avanços e reduzir desigualdades
Brasília, 2009
apresentação
Mensagem da Representante
André Dusek/IstoÉ
do UNICEF no Brasil
O UNICEF, agência das Nações Unidas presente em 191 países, tem a responsabilidade de
conhecer e enfrentar, com governos e sociedade, as múltiplas vulnerabilidades que impe-
dem a garantia dos direitos das crianças em todo o mundo. O atual programa de coope-
ração no Brasil quer assegurar que cada criança e cada adolescente tenham garantidos os
direitos de sobreviver e se desenvolver; de aprender; de proteger(-se) do HIV/aids; de crescer
sem violência; e de ser prioridade absoluta nas políticas públicas. Tudo isso reconhecen-
do e valorizando as diversidades étnico-raciais e regionais, promovendo a equidade de
gênero e a cidadania dos adolescentes.
Este relatório, Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de
Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades, faz parte desse compromisso,
que orienta e dá sentido à atuação do UNICEF no Brasil.
O relatório mostra que o país vem vivenciando, desde o final do século XX, um período
de melhoria significativa em todos os indicadores que medem as oportunidades de acesso,
permanência, aprendizagem e conclusão da Educação Básica. A análise da evolução do Índi-
ce de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revela progressos que devem ser come-
morados: mais de 70% dos municípios brasileiros superaram ou atingiram as metas do Ideb
referentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental para 2007, acordadas com o Ministério da
Educação (MEC), no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
É exatamente essa capacidade demonstrada pelo Brasil em melhorar os indicadores
educacionais que nos permite afirmar que é possível, sim, universalizar o direito de apren-
der para todas as crianças e adolescentes. Para que os avanços alcancem cada um deles,
é preciso que o país trate de maneira especial as parcelas mais vulneráveis da população,
reconhecendo e valorizando a nossa diversidade.
Por isso, o relatório aponta as desigualdades presentes no cenário educacional brasi-
leiro, especialmente as étnico-raciais, regionais e socioeconômicas, além daquelas relacio-
nadas à inclusão de crianças com deficiência. O UNICEF entende que o olhar cuidadoso
sobre esses desafios permite graus cada vez mais detalhados e específicos de concepção
e implementação de políticas públicas e de programas que efetivamente reduzam as desi-
gualdades em todas as suas dimensões.
A agenda da efetiva universalização do direito de aprender exige uma ação em cola-
boração entre os três níveis de governo e uma articulação cada vez maior entre governo e
sociedade. Acreditamos que essa ação colaborativa, aliada à coordenação crescente entre
iniciativas governamentais e as da sociedade, que se complementam na direção da ga-
rantia dos direitos das crianças, seja fundamental para potencializar os avanços em curso,
direcionando-os para a redução efetiva das iniquidades.
Estão presentes no relatório os parceiros do UNICEF no Brasil, que constroem conosco
o nosso programa de cooperação no país e que transformam diversas ações e iniciativas em
mudanças reais na vida das crianças e dos adolescentes. São essas boas práticas e tecnologias
sociais que temos o compromisso de disseminar, tanto no Brasil quanto em nossas ações de
cooperação Sul-Sul. Queremos que os avanços alcançados no país sejam exemplos inspiradores
e referências para ampliar a garantia dos direitos de crianças em outros países, especialmente em
regiões mais vulneráveis da América Latina, do Caribe, da África, da Ásia e do Leste Europeu.
Mais do que um documento que retrata a situação do direito de aprender no Brasil,
o UNICEF deseja que o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009
seja impulsionador da participação social, contribuindo para qualificar e fortalecer o com-
promisso de todos, especialmente das famílias, dos educadores e das comunidades, com
a construção de um país que garanta, plenamente, para todas e cada uma das crianças e
dos adolescentes o direito de aprender.
Marie-Pierre Poirier
Representante do UNICEF no Brasil
Resumo executivo
APRENDER NO BRASIL
EDUCAÇÃO PARA TODos ............................................10
Milhões de meninas e meninos estão hoje dentro das salas de
aula e o analfabetismo tem caído ano a ano, especialmente
entre os brasileiros mais jovens. Os grandes desafios, agora, são
consolidar esses avanços, garantindo a cada criança e adolescente
uma educação de qualidade, e reduzir as desigualdades
Aprender no semiárido
Grandes obstáculos a superar................................. 56
A região tem registrado avanços significativos, como o crescimento
no número de crianças atendidas na Pré-escola e no Ensino Fundamental,
e a queda nas taxas de abandono escolar e distorção idade-série.
Mas garantir o direito de aprender a todas as meninas e todos os meninos
que vivem no Semiárido continua sendo um importante desafio
Aprender na amazônia
Um desafio para além da floresta. .......................... 78
A educação na região avançou nos últimos 15 anos. A Amazônia,
no entanto, ainda enfrenta problemas, como a persistência
de altas taxas de evasão escolar e a elevada distorção idade-série.
Entre as populações rurais, negras e indígenas, as disparidades
são ainda maiores
desafios
Todos juntos pelo direito de aprender ................118
A escola tem papel importante no Sistema de Garantia de Direitos.
Cabe também a ela assegurar o cumprimento dos direitos da criança
e do adolescente promovendo a prática da cidadania e da participação
dos meninos e meninas, além de notificar, por exemplo, casos de
suspeita ou confirmação de maus-tratos ao Conselho Tutelar. Ainda hoje,
no entanto, ela tem dificuldade de se assumir como parte dessa grande
rede. E o próprio Sistema, por sua vez, em geral não a reconhece como tal
dados e indicadores
Números revelam avanços e desafios . . . . . . . . . . . . . . 130
Mais de 70% dos municípios brasileiros conseguiram alcançar ou superar
as metas estabelecidas pelo Inep/MEC no último biênio. Essa evolução
teve reflexos positivos não apenas na qualidade da educação mas também
em outros indicadores sociais relacionados à infância e à adolescência
em todo o país. Para garantir o pleno exercício dos direitos das crianças
e dos adolescentes, ainda temos, no entanto, muitos desafios pela frente
Educação
para todos
Como resultado de significativos
investimentos e da implantação de
políticas públicas mais eficazes, o
Brasil registrou importantes avanços
na educação nos últimos 15 anos.
Milhões de meninas e meninos estão
hoje dentro das salas de aula e o
analfabetismo tem caído ano a ano,
especialmente entre os brasileiros mais
jovens. Os grandes desafios, agora, são
consolidar esses avanços, garantindo
a cada criança e adolescente uma
educação de qualidade, e reduzir as
desigualdades, já que os grupos mais
vulneráveis da população continuam
a enfrentar dificuldades para ter
acesso à escola e concluir seus estudos
Norte
3,8% DESAFIOS PARA A
UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO
Nordeste
2,9% Os 2,4% que permanecem fora da escola po-
dem parecer pouco, mas representam cerca
de 680 mil crianças de 7 a 14 anos, segundo
Centro-Oeste
dados da Pnad 2007. As mais atingidas são
2,3%
as oriundas de populações vulneráveis, co-
Sudeste mo as negras, indígenas, quilombolas, po-
1,9% bres, sob risco de violência e exploração, e
com deficiência. Ou seja, as desigualdades
Sul presentes na sociedade ainda têm um im-
2,0% portante reflexo no ensino brasileiro.
18
17,2
17
16,4
16 15,6
15 14,7 14,7
14 13,8
13,3
13
12,4
12 11,8
11,6
11,4 11,1
11
10,4
10,0
10
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Região 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Norte 14,2 14,8 13,3 12,4 13,5 12,6 12,3 11,2 10,4 10,6 12,7 11,6 11,3 10,9
Nordeste 32,7 31,8 30,5 28,7 29,4 27,5 26,6 24,3 23,4 23,2 22,4 21,9 20,8 20,0
Sudeste 10,9 9,9 9,3 8,7 8,6 8,1 7,8 7,5 7,2 6,8 6,6 6,6 6,0 5,8
Sul 10,2 9,8 9,1 8,9 8,3 8,1 7,8 7,1 6,7 6,4 6,3 5,9 5,7 5,4
Centro-Oeste 14,5 14,0 13,3 11,6 12,4 11,1 10,8 10,2 9,6 9,5 9,2 8,9 8,3 8,1
Localização
Urbano
8,1 7,4 7,0 6,5 6,5 5,9 5,8 5,6 5,4 5,2 5,2 5,0 4,4 4,4
metropolitano
Rural 35,9 34,5 32,7 31,2 32,0 30,2 29,0 28,7 27,7 27,2 25,8 25,0 24,1 23,3
Raça ou cor
Branca 10,6 10,1 9,5 9,4 8,9 8,4 8,3 7,7 7,5 7,1 7,2 7,0 6,5 6,1
Negra 25,7 24,8 23,5 21,8 22,2 20,8 19,8 18,2 17,2 16,8 16,2 15,4 14,6 14,1
Faixa etária
15 a 17 anos 8,2 8,2 6,6 5,9 5,4 4,6 3,7 3,0 2,6 2,3 2,1 1,9 1,6 1,7
18 a 24 anos 8,6 8,2 7,2 6,5 6,8 5,4 4,9 4,2 3,7 3,4 3,2 2,9 2,4 2,4
25 a 29 anos 10,0 9,3 9,3 8,1 8,6 7,7 7,2 6,8 6,3 5,8 5,8 5,7 4,7 4,4
30 a 39 anos 12,0 11,6 11,0 10,2 10,3 10,1 9,6 9,0 8,4 8,3 7,9 7,7 7,2 6,6
40 anos + 29,2 27,8 26,1 24,9 24,8 23,3 22,8 21,2 20,4 19,9 19,6 19,0 17,9 17,2
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
16 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
8
Brasil - 15 anos ou mais 7,2 7,3
6,8 7,0
7
6,5 6,7
6,1 6,4
6 5,7 5,8 5,9
5,2 5,3 5,5
5
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Regiões 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Norte 5,4 5,3 5,5 5,6 5,7 5,8 6,1 6,3 6,5 6,6 6,2 6,4 6,6 6,8
Nordeste 3,8 4,0 4,1 4,3 4,3 4,5 4,6 4,9 5,1 5,3 5,5 5,7 5,9 6,0
Sudeste 5,9 6,0 6,2 6,4 6,5 6,7 6,8 7,1 7,2 7,4 7,5 7,6 7,8 8,0
Sul 5,6 5,7 5,9 6,1 6,2 6,3 6,5 6,7 6,9 7,1 7,2 7,3 7,5 7,6
Centro-Oeste 5,4 5,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,2 6,5 6,8 6,9 7,1 7,2 7,4 7,5
Localização
Urbano
6,6 6,7 6,9 7,1 7,1 7,3 7,4 7,6 7,8 8,0 8,1 8,2 8,5 8,5
metropolitano
Rural 2,6 2,8 2,9 3,1 3,1 3,3 3,4 3,4 3,6 3,8 4,0 4,2 4,3 4,5
Raça ou cor
Branca 6,1 6,2 6,4 6,5 6,7 6,9 7,0 7,3 7,4 7,6 7,7 7,8 8,0 8,2
Negra 4,0 4,1 4,3 4,5 4,5 4,7 4,9 5,2 5,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,4
Faixa etária
10 a 14 anos 2,9 3,0 3,2 3,3 3,3 3,5 3,6 3,9 4,0 4,1 4,1 4,1 4,2 4,1
15 a 17 anos 5,0 5,1 5,4 5,6 5,7 5,9 6,2 6,5 6,7 6,9 7,0 7,1 7,2 7,2
18 a 24 anos 6,2 6,3 6,6 6,7 6,9 7,2 7,4 7,9 8,1 8,4 8,6 8,8 9,0 9,1
25 a 29 anos 6,5 6,6 6,7 6,8 6,9 7,0 7,2 7,5 7,7 8,0 8,1 8,4 8,7 8,9
30 anos + 4,6 4,8 5,0 5,1 5,2 5,4 5,4 5,7 5,9 6,0 6,1 6,2 6,4 6,5
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE)
1 Número de séries completadas pelo indivíduo, obtido por meio da identificação da última série e grau escolar concluído com aprovação.
aprender no brasil 17
a escola (ver tabela acima). No entanto, desse negros. Enquanto a taxa de frequência líqui-
total, 44% não concluíram o Ensino Fundamen- da permaneceu relativamente constante entre
tal e apenas 48% cursavam o Ensino Médio, o os brancos nos últimos dez anos, entre os
nível que seria adequado a essa faixa etária. Is- negros quase duplicou no mesmo período.
so mostra que ainda há uma grande distorção Há grandes diferenças também quando se
idade-série nesse grupo, embora a frequência compara a educação na cidade e no campo6.
líquida venha crescendo nos últimos anos. Em 2007, o nível de escolaridade dos jovens
Da mesma forma que em outros grupos, entre 15 e 29 anos da zona rural era 30% infe-
também há grandes diferenças regionais na rior ao dos jovens da zona urbana. Além disso,
educação dos adolescentes. As regiões Nor- 9% dos jovens do meio rural são analfabetos,
deste e Norte apresentam taxas de frequên- ante 2% dos jovens urbanos. A média de anos
cia líquida (34,5% e 36,0%, respectivamente) de estudo dos jovens na zona rural, embora
bem menores do que as regiões Sudeste e tenha crescido em relação a 2006, chegando a
Sul (58,8% e 55,0%, respectivamente). 4,5 anos, ainda está abaixo da média nacional,
Em relação ao gênero, as mulheres apre- de 7,3 anos (veja tabela ao lado).
sentam maior escolaridade e adequação aos
estudos do que os homens. Segundo a análise
Ipea/Pnad 2007, a taxa de frequência líquida O DESAFIO DA
no Ensino Médio é de 53,8% para as mulheres, PERMANÊNCIA NA ESCOLA
enquanto entre os homens é de 42,4%. Assegurar o acesso a todas e a cada uma das
Nas questões referentes a raça, embora as crianças e adolescentes à escola não é o único
diferenças venham caindo nos últimos anos, desafio a ser enfrentado. Ainda são altas as
elas ainda são significativas. Os dados da taxas de reprovação e abandono escolar no
Pnad 2007 analisados pelo Ipea revelam que Brasil (veja tabela abaixo).
o analfabetismo entre jovens negros de 15 a Essas altas taxas de reprovação têm um
29 anos é quase duas vezes maior do que en- grande impacto na adequação idade-série.
tre brancos – taxa que era três vezes maior há Apesar de passar em média aproximadamen-
dez anos. Já a frequência líquida no Ensino 6 Ao longo desta publicação, as referências às desigualdades entre o meio urbano
e a zona rural não significam uma visão homogeneizadora das condições de vida das
Médio é 49,2% maior entre os jovens brancos crianças e dos adolescentes dessas localidades. É preciso considerar as desigualdades
socioeconômicas existentes dentro de cada um desses contextos sociais.
do que entre os negros, diferença que tem
diminuído, como mostra a quantidade de ne-
Taxas de aprovação, reprovação e abandono (em %)
gros que hoje frequentam o Ensino Médio,
Aprovação Reprovação Abandono
três vezes maior que em 1997. Nível de ensino
2006 2007 2006 2007 2006 2007
No que diz respeito à frequência líquida,
a Pnad 2007 revela uma significativa melhora Ensino Fundamental 81,3 83,1 12,6 12,1 6,1 4,8
no nível de adequação idade-série dos jovens Ensino Médio 73,7 74,1 12,1 12,7 14,3 13,2
Fonte: MEC/Inep
18 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
te dez anos na escola, os estudantes brasilei- dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
ros completam com sucesso pouco mais de (Inep) Carlos Eduardo Moreno Sampaio, rea-
sete séries, portanto menos do que a escola- lizado com base na análise da Pnad 20057.
ridade obrigatória. Apenas 64% das crianças Também é elevada a quantidade de
conseguem finalizar o Ensino Fundamental crianças e jovens que abandonam a escola
com a idade esperada, 14 anos. As que con- antes de concluir os estudos. De acordo
cluem o Ensino Médio com 17 anos são me- com o Censo Escolar 2007, 4,8% dos alu-
nos ainda, 47%, de acordo com o estudo Si- nos abandonaram a escola antes de com-
tuação Educacional dos Jovens Brasileiros na
7 O estudo foi produzido para apresentação na mesa sobre Educação do II Seminário
Faixa Etária de 15 a 17 anos (veja tabela no de Análise dos Resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005,
realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em parceria com a
capítulo Dados e Indicadores), elaborado pe- Assessoria Especial da Presidência da República e os ministérios do Desenvolvimento
Social, da Educação, do Planejamento e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
lo pesquisador do Instituto Nacional de Estu- (Ipea), em Brasília, em março de 2007.
pletar o Ensino Fundamental e 13,2% an- ninas desse grupo que estudam são mães. Esse
tes de concluir o Ensino Médio. número salta para 28,8% entre as jovens que
Além da baixa qualidade do ensino, uma estão fora da sala de aula, o que mostra que a
série de fatores relacionados à pobreza e à evasão e o abandono podem estar relaciona-
discriminação pode levar crianças e adoles- dos à gravidez na adolescência, em especial
centes a deixar a escola antes da conclusão entre as jovens de famílias de baixa renda.
dos estudos (veja tabela abaixo). Além disso, se analisarmos os dados so-
No caso das meninas, por exemplo, uma bre a taxa de natalidade entre adolescen-
das principais causas de evasão escolar é a gra- tes, é possível constatar que as regiões com
videz na adolescência. De acordo com o estu- maior número de mães jovens são também
do Situação Educacional dos Jovens Brasileiros aquelas com maiores taxas de abandono es-
na Faixa Etária de 15 a 17 anos, 1,6% das me- colar. De acordo com dados do Ministério
da Saúde, de 2005, do total de partos reali- envolvido em bullying, seja como agres-
zados nas regiões Norte e Nordeste, 28,5% e sor ou vítima. O bullying é um conjunto de
25,1%, respectivamente, foram de mães en- atitudes agressivas, intencionais e repetidas,
tre 10 e 19 anos de idade. A média nacional adotadas por um ou mais estudantes contra
de mães nessa faixa etária é de 21,8%. outros, em geral mais frágeis ou em situação
desfavorável em relação aos agressores.
Segundo o estudo Sistemas de Notificação
Trabalho Infantil e violência e Detecção da Violência em Escolas Públicas
Outro motivo que leva crianças e adolescen- – Propostas para Integração entre Projetos
tes a abandonar a escola é o trabalho preco- Políticos, Pedagógicos e o Sistema de Ga-
ce. De acordo com a Pnad 2007, do total de rantia de Direitos, a violência afeta três quar-
44,7 milhões de crianças e adolescentes de tos das 4.150 escolas públicas de Educação
5 a 17 anos de idade, 4,8 milhões trabalham. Infantil e Ensino Fundamental pesquisadas,
Quase um terço (30,5%) desse grupo traba- em 20 municípios brasileiros. A pesquisa foi
lha pelo menos 40 horas semanais. iniciada em 2004 e concluída em 2006 pelo
São números significativos, apesar de es- Centro de Referência às Vítimas de Violên-
tar havendo queda do nível de ocupação de cia (CNRVV), do Instituto Sedes Sapientiae,
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de de São Paulo, com o apoio do UNICEF.
idade nos últimos anos. Em 2006, existiam A forma mais frequente de agressão é a que
5,1 milhões de trabalhadores nessa faixa etá- ocorre entre alunos (66%). Já os tipos mais co-
ria, o que corresponde a 11,5% do total de muns de agressão dos adultos em relação às
crianças. Em 2007, essa taxa caiu para 10,8%. crianças e aos adolescentes são verbais: xinga-
A redução tem sido significativa em todas as mentos (28%) e comentários pejorativos (20%).
regiões, em especial Norte e Nordeste. Muitos alunos participantes do Bolsa Fa-
O abandono da escola em razão da ne- mília, que têm sua presença na escola moni-
cessidade de trabalhar para ajudar na renda torada pelo Ministério da Educação (MEC),
familiar fica evidente quando se analisa a ta- também apontam diferentes formas de
xa de escolarização dos adolescentes ocupa- violência, como negligência de pais ou
dos e não ocupados. De acordo com a Pnad responsáveis, exploração sexual, trabalho
2007, dos adolescentes de 15 a 17 anos que infantil e violência doméstica, como causa
trabalham, apenas 21,8% estão na escola. para a baixa frequência à escola (veja ta-
A violência também contribui para afas- bela na página 18).
tar crianças e adolescentes da escola e se
manifesta de diferentes maneiras. De acordo
com o relatório Aprender Sem Medo: a Cam- APRENDIZAGEM E
panha Global para Acabar com a Violência CONCLUSÃO NA IDADE CERTA
nas Escolas, divulgado em 2008 pela Plan Para acompanhar a evolução do nível de
International, organização não governamen- aprendizagem e o fluxo escolar das crian-
tal de origem inglesa voltada para a defesa ças e dos adolescentes brasileiros, há mais
dos direitos da infância e para o combate à de dez anos, o MEC, por meio do Instituto
violência e aos abusos contra crianças em Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-
todo o mundo, 84% dos 12 mil estudantes nais Anísio Teixeira (Inep), realiza avaliações
ouvidos em seis estados do Brasil apontam do sistema educacional do país. Com base
a existência de violência na sua escola. A nos resultados dessas avaliações, é possível
pesquisa revelou ainda que 70% desses es- identificar deficiências, estabelecer políticas e
tudantes afirmaram ter sido vítimas de vio- planos de ação, definir metas de qualidade e
lência na escola e um terço deles disse estar prioridades nos investimentos.
aprender no brasil 21
O primeiro instrumento utilizado para es- período de 2007 a 2021. Para atingi-las, é
se fim foi o Sistema Nacional de Avaliação da necessária a regularização do fluxo escolar,
Educação Básica (Saeb), criado em 1990. Ele é de forma a reduzir significativamente as re-
realizado a cada dois anos, com uma amostra provações e o abandono e melhorar muito
de alunos de 4a e 8a séries do Ensino Funda- o desempenho das escolas.
mental e do 3o ano do Ensino Médio das redes Para alcançar resultados realmente ex-
pública e privada, nas zonas urbana e rural. pressivos em âmbito nacional, será funda-
Outra avaliação realizada pelo Inep é a mental a aplicação da Prova Brasil também
Prova Brasil, aplicada também a cada dois nas escolas do campo, o que acontecerá pe-
anos desde 2005 a todos os alunos de 4a e 8a la primeia vez em 2009. A falta de avaliação
séries do Ensino Fundamental das escolas das dificultava a identificação e o combate dos
redes públicas da zona urbana que tenham graves problemas existentes nessas escolas
mais de 20 alunos matriculados em cada uma (leia mais sobre o tema no texto Educação
dessas séries. Por fornecer resultados por es- no campo, na página 23).
cola, estado e município, a Prova Brasil per- Os resultados das avaliações realizadas,
mite identificar pontualmente a qualidade do em especial os revelados pelo Ideb, apon-
ensino oferecido na rede pública e, com isso, tam deficiências e desigualdades de apren-
definir ações pedagógicas e administrativas dizagem tanto entre comunidades, municí-
para corrigir as deficiências detectadas e me- pios, estados e regiões brasileiras, quanto
lhorar a aprendizagem. em relação a outros países. Os resultados do
Pisa, programa internacional de avaliação
comparada mantido pela OCDE, que mede
A quantidade de concluintes do Ensino o conhecimento de alunos na faixa dos 15
Fundamental no país corresponde a 53,7% anos para avaliar a efetividade dos sistemas
dos que ingressam no mesmo nível de ensino educacionais, colocam o Brasil entre os paí-
ses com os mais baixos índices de desempe-
nho em Leitura, Matemática e Ciências. De
De acordo com diretrizes estabelecidas no acordo com os resultados da avaliação de
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), 2006, mais de 40% dos estudantes brasilei-
o Inep criou o Índice de Desenvolvimento da ros tiveram desempenho igual ou inferior ao
Educação Básica (Ideb), que integra os resul- nível 1, o mais baixo do Pisa.
tados da Prova Brasil e do Censo Escolar (veja As dificuldades de acesso, permanência
os dados do Ideb 2005 e 2007 por estado no e aprendizagem fazem com que um elevado
capítulo Dados e Indicadores). número de pessoas tenha baixa escolarida-
O Ideb se baseia no princípio de que uma de no país (veja tabela na página ao lado).
educação de qualidade é aquela em que o Nesse caso, também as desigualdades
aluno aprende e é aprovado para a próxima regionais estão presentes. De acordo com
série do ensino. Assim, utiliza como fontes a análise do Ipea dos dados da Pnad 2007,
o desempenho medido pela Prova Brasil e a as maiores taxas de pessoas com poucos
aprovação registrada pelo Censo Escolar. anos de estudo estão nas regiões Nordeste e
Além de criar o indicador, o PDE definiu Norte. Também são bastante significativas as
metas para 2021 – o Brasil deve atingir um diferenças em relação a localização e a raça
Ideb igual a 6,0, índice que corresponde a e cor. Enquanto a população urbana possui
um sistema educacional de qualidade com- em média 8,5 anos de estudo, a população
parável à dos países membros da Organiza- rural tem apenas 4,5 anos, quase a metade.
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Já os negros têm, em média, dois anos de
Econômico (OCDE) – e submetas para o estudo a menos que os brancos.
aprender no brasil 23
Nível de escolarização
Número médio de anos de estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade
Homens Mulheres
10 9,7
9,2 9,3
8,9
8,5 8,6
8,3
8
7,6 7,6 7,4
7.0 6,9
6,1 6,1
6
4,3 4,2
4 3,9 3,8
0
10 a 14 15 a 17 18 ou 19 20 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos
anos anos anos anos anos anos anos anos ou mais
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007
24 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Número de matrículas x Número de alunos que concluem o Ensino Fundamental Número de matrículas x Número de alunos que concluem o Ensino Médio
Taxas de conclusão são baixas e há muita Situação é ruim em
diferença entre as regiões todos os estados
campo, o que impede que o aprendizado, Norte 5,6 6,2 3,3 4,0 6,5 6,9
de fato, se transforme em um instrumento Nordeste 5,2 5,5 3,2 3,1 6,0 6,3
para o desenvolvimento do meio rural. Sudeste 7,1 7,5 4,5 4,7 7,3 7,7
O resultado desse quadro é um baixo nível Sul 6,8 7,2 4,9 5,0 7,3 7,7
de instrução e de acesso à educação. De acor- Centro-Oeste 6,6 7,0 4,2 4,7 6,9 7,4
do com o documento Panorama da Educação
do Campo, publicado pelo Inep em 2007, com Taxa de analfabetismo (%)
Regiões
base em dados da Pnad 2004, a escolaridade Total Rural Urbana
geográficas
2000 2004 2000 2004 2000 2004
média da população de 15 anos ou mais que
Brasil 13,6 11,4 29,8 25,8 10,3 8,7
vive na zona rural corresponde a quase meta-
de do índice da população urbana. Norte 16,3 12,7 29,9 22,2 11,2 9,7
E as diferenças permanecem grandes em Nordeste 26,2 22,4 42,7 37,7 19,5 16,8
todas as regiões do país, até naquelas em que Sudeste 8,1 6,6 19,3 16,7 7,0 5,8
a taxa de escolaridade é mais alta. O Nordeste Sul 7,7 6,3 12,5 10,4 6,5 5,4
apresenta o quadro mais grave: a população Centro-Oeste 10,8 9,2 19,9 16,9 9,4 8,0
rural tem em média 3,1 anos de estudo, me- Fonte: Panorama da Educação do Campo – Inep/2007
Total de
alunos: 100% 176.714
Ensino Fundamental
porcentagem sobre total
107.172
anos iniciais: 60,6%
Níveis/modalidades e
Ensino Fundamental
31.652
anos finais: 17,9%
Educação
Infantil 9,6% 16.926
Educação
de Jovens e Adultos 12.546
7,1%
Milhares 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180
Fonte: Secad/MEC
28 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Diversas ações têm sido colocadas em zembro de 2008 foram reconhecidas 1.305
prática para melhorar esse quadro. Entre elas, comunidades remanescentes de quilombos
destacam-se a formação inicial e continuada no país. Elas estão distribuídas por quase
de professores indígenas em nível médio (Ma- todos os estados brasileiros e a educação
gistério Indígena) e em nível superior (Licen- oferecida nessas comunidades, em geral, é
ciaturas Interculturais), a produção de material bastante precária. As escolas frequentemen-
didático específico em línguas indígenas, bi- te estão distantes das casas dos alunos, não
língues ou em português, além da articulação apresentam infraestrutura adequada ao seu
para a adoção de uma educação escolar em funcionamento e poucas conseguem ofere-
conformidade com a territorialidade indígena. cer o Ensino Fundamental completo. Além
de serem poucos para atender a demanda,
os professores, em sua maioria, não têm a
A Conferência Nacional de Educação Escolar formação adequada para dar aulas.
Indígena deve mobilizar cerca de 10 mil No entanto, assim como acontece com a
estudantes, professores e líderes comunitários educação indígena, nos últimos anos o Cen-
so Escolar tem registrado uma evolução da
oferta educacional nessas comunidades. Em
Para que essas ações efetivamente garan- 2006, o número de escolas localizadas em
tam aos indígenas o acesso a uma educação de áreas remanescentes de quilombos cresceu
qualidade, é fundamental, no entanto, a parti- 94,4% em relação a 2005, chegando a 1.283
cipação das próprias comunidades na sua im- unidades e 161.625 matrículas. Porém, em
plantação. Com esse objetivo, será realizada em 2007 houve uma pequena redução nesses
2009 a 1a Conferência Nacional de Educação números – foram registradas 1.253 escolas e
Escolar Indígena. A previsão é de que o evento 151.782 matrículas. A maior parte se localiza
mobilize cerca de 10 mil indígenas, entre estu- na Região Nordeste. O Maranhão é o estado
dantes, professores, integrantes de comunida- com maior número de escolas em áreas qui-
des e líderes de organizações não governamen- lombolas – 423. Já os estados de Roraima e
tais, em quase todos os estados. O processo Acre e o Distrito Federal, que não possuem
da Conferência envolve reuniões locais nas comunidades quilombolas, não registram a
2.480 escolas indígenas e suas comunidades e existência de escolas desse tipo. O Amazo-
conferências regionais nos 16 territórios etno- nas tem uma comunidade quilombola, mas
educacionais. Também tem sido de grande não escola específica para ela.
importância a mobilização de organizações e Entre as ações que estão sendo tomadas
movimentos indígenas para garantir a essas po- para ampliar o acesso dos alunos quilombo-
pulações a educação diferenciada assegurada las à educação estão a formação e a capacita-
pela Constituição Federal. A Organização dos ção de professores, a ampliação e a melhoria
Professores Indígenas Sateré-Mawé dos Rios da estrutura física das escolas e a produção e
Andirá e Waikurapá (Opisma), por exemplo, aquisição de material didático específico para
tem tido uma atuação constante na defesa do essas comunidades. No âmbito da sociedade
direito à educação e à cultura das crianças per- civil, destaca-se a atuação da Coordenação
tencentes a essas comunidades, localizadas no Nacional de Articulação das Comunidades
estado do Amazonas (leia mais sobre a Opisma Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Criada
no capítulo Aprender na Amazônia). em 1996, após o I Encontro Nacional de
Quilombos, a organização, que represen-
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA ta os quilombolas de 22 estados do Brasil,
De acordo com a Fundação Cultural Palma- promove projetos de desenvolvimento sus-
res, órgão do Ministério da Cultura, até de- tentável das comunidades e procura garantir
aprender no brasil 29
500
400
Escolas e classes especiais
Escolas regulares/classes comuns
350
300
250
239.506
224.350
200
150
100 73.262
66.479
50 46.354 47.074
22.656 18.147 20.125 16.112 26.188
4.509 2.806 13.306 7.940 7.545 395 3.974 1.962 2.012
0
Creche Pré-escola Fundamental Ensino Médio Ed. Profissional EJA 1
EJA1
Presencial Semipresencial
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar/2007)
1 Educação de Jovens e Adultos
30 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
uma evolução nas matrículas na Educação Es- cação inclusiva nesse período, houve aumento
pecial, de 337.326 em 1998 para 654.606 em de 128,7% das matrículas nas escolas públicas,
2007 – um crescimento de 94%. No que se re- que atenderam 62,7% dos alunos em 2007.
fere ao ingresso em classes comuns do ensino Os resultados dessas ações também se ex-
regular, o aumento foi de cerca de 597%, pas- pressam no crescimento do número de muni-
sando de 43.923 alunos em 1998 para 304.882 cípios com matrículas. Em 2002, 65% das ci-
em 2007 (veja gráficos abaixo). dades ofereciam atendimento a crianças com
Em relação à distribuição das matrículas, em deficiência; em 2007, a taxa chegou a 94,8%, o
1998, 53,2% dos alunos estavam na rede públi- equivalente a 5.274 municípios.
ca e 46,8% nas escolas privadas, principalmen- Houve também aumento no número de
te em instituições especializadas filantrópicas. escolas com matrícula, de 24.789 em 2002 pa-
Com o desenvolvimento das políticas de edu- ra 59.020 em 2007 – crescimento de 138,1%.
800.000
Total de matrículas
700.624
700.000 Matrículas em escolas especializadas e classes especiais
Em escolas regulares/classes comuns 640.317
566.753 654.606
600.000
504.039
500.000 448.601
404.743
400.000 374.699 382.215 358.898 371.383 378.074 375.488
337.326 337.897 341.781
323.399
300.520
300.000 325.136
293.403 311.354 304.882
195.370 262.243
200.000
145.141
110.704
100.000 81.695 81.344
63.345
43.923
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
100%
87,0%
90% 83,1%
78,6% 79,9%
80% 75,4%
71,2%
70% 65,6%
59,0%
60% 53,6% 52,8%
50%
40% 46,4% 47,2%
41,0%
30% 34,4%
28,8%
20% 21,4% 24,6%
20,1%
10% 16,9%
13,0%
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Matrículas em escolas especializadas e classes especiais Matrículas em escolas regulares/classes comuns
Desse total de escolas, 6.978 são escolas es- do foco da política pública de tornar a escola
peciais e 52.042 são escolas de ensino regular brasileira mais inclusiva.
com matrículas nas turmas comuns. A ten- A acessibilidade em prédios escolares tam-
dência é que este último grupo aumente sua bém melhorou nos últimos anos. Em 2002,
participação na educação especial, em razão 20,2% dos estabelecimentos de ensino com
800.000
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
70%
63,0% 62,7%
60,0%
60% 57,0%
53,2% 54,5% 53,3% 54,8%
52,3% 51,1%
50%
20%
Públicas Privadas
10%
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
100
94,8%
90 89%
82,3%
80 76,8%
71%
70 65%
60
2002 2003 2004 2005 2006 2007
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
32 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
matrícula de alunos com deficiência tinham sa- ra alunos com deficiência mental em Salas de
nitários com acessibilidade. Em 2006, de acor- Recursos Multifuncionais, no contraturno das
do com o relatório Evolução da Educação Es- aulas nas salas regulares. Segundo a Coordena-
pecial no Brasil, produzido pela Secretaria de ção-geral de Política Pedagógica da Secretaria
Educação Especial do MEC, 23,3% possuíam de Educação Especial, em 2008 foram instala-
sanitários com acessibilidade e 16,3% registra- das 4.300 Salas de Recursos e em 2009 o núme-
ram ter dependências e vias adequadas. ro chegará a 10 mil salas. Além disso, está em
A inclusão é um conceito defendido por andamento o Programa para Formação de Pro-
educadores do mundo todo. Para eles, a convi- fessores, que trabalha na capacitação de 31.463
vência de crianças com deficiência com outras professores de escolas públicas em práticas pe-
de sua idade é importante tanto para o desen- dagógicas inclusivas, entre outros projetos.
volvimento social e educacional de ambos os Em relação às iniciativas da sociedade civil,
grupos como para diminuir o preconceito. A a Escola de Gente – Comunicação em Inclusão,
chegada dessas crianças estimula a escola a tra- do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolve
tar melhor a diversidade, considerando o ritmo projetos que utilizam a comunicação e a cul-
de aprendizagem de cada aluno, independen- tura para a inclusão dos grupos mais vulnerá-
temente do grupo social a que ele pertence. veis da sociedade, em especial de pessoas com
Assim, o foco das políticas nacionais de deficiência. Entre eles, estão a qualificação da
Educação Especial tem sido agregar à educação mídia e de formadores de opinião a respeito do
oferecida nas escolas comuns o Atendimento tema, a realização de cursos em instituições pú-
Educacional Especializado – que inclui o ensino blicas e privadas e a capacitação de jovens para
do braile, da língua brasileira de sinais (Libras) que eles se tornem multiplicadores do conceito
e atividades de desenvolvimento cognitivo pa- e da prática da inclusão em todo o país.
Infraestrutura
A situação nas escolas públicas com Educação Básica – 2002 a 2006
14.000
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
12.684
12.000
10.452
10.000
8.888
8.412
8.000
7.560
6.478
6.354
6.000
5.016 4.849
4.000 3.755
2.000
0
2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
Escolas públicas com sanitários adequados aos alunos com necessidades educacionais especiais
Escolas públicas com dependências e vias adequadas aos alunos com necessidades educacionais especiais
aprender no brasil 33
Acessibilidade
Percentual de escolas públicas com adaptação arquitetônica – 2002 a 2006
14
12,8
12 10,5
10 8,4
8 6,4
6
4,8
4
2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: MEC/Inep (Censo Escolar)
Atualmente, a organização está trabalhando escolaridade aumenta: quem tem Ensino Médio
em conjunto com a Save the Children Suécia, o completo ganha seis vezes mais que um analfa-
MEC, a Fundação Avina e o UNICEF na elabo- beto; quem tem graduação completa, quase 12
ração dos Indicadores de Diversidade Humana, vezes; e quem tem mestrado, 16 vezes.
com o objetivo de ajudar a nortear a adoção de A escolaridade também tem forte impacto
políticas públicas inclusivas no Brasil. na educação e na aprendizagem dos filhos.
Outro exemplo de atuação nessa área é De acordo com dados do Saeb 2003, dos es-
o da ONG Tempo de Crescer. Com o apoio tudantes cujas mães nunca estudaram, 36,8%
do UNICEF, a organização desenvolve o pro- tiveram desempenho muito crítico. Já aqueles
jeto Saúde na Escola: Tempo de Crescer, que cujas mães iniciaram ou completaram o curso
promove a inclusão social e o atendimento a superior, o índice é de apenas 10%.
crianças e adolescentes com transtornos invasi- Assegurar a conclusão do Ensino Fundamen-
vos do desenvolvimento (TDI) na rede pública tal a todos os brasileiros na idade adequada é
de ensino e nos abrigos. O projeto atua direta- fundamental para ampliar a escolaridade média
mente em municípios da área metropolitana do no país, que hoje está em níveis insatisfatórios.
Recife e iniciou a capacitação de educadores em Com esse objetivo, foi definido o aumento da
municípios inscritos no Selo UNICEF em 2007 escolaridade obrigatória de oito para nove anos.
nos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Até 2010, todos os municípios e estados
deverão ter implantado o Ensino Fundamen-
tal de nove anos em sua rede de escolas. A
UMA DECISÃO INADIÁVEL matrícula obrigatória de todas as crianças a
– A AMPLIAÇÃO DA partir dos 6 anos de idade, ampliando para
ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA nove anos a duração mínima dessa etapa da
Educação é antes de tudo um direito. Além dis- Educação Básica, tem como objetivo melho-
so, existe uma correlação clara entre a quanti- rar significativamente a qualidade do proces-
dade de anos de estudo e o acesso a melhores so de aprendizagem. Com isso, as escolas
oportunidades de renda e, consequentemente, de Educação Infantil estão em processo de
de vida. Um estudo realizado em 2006 pelo Ins- reorganização pedagógica para redimensio-
tituto Futuro Brasil, organização que produz pes- nar o seu atendimento às crianças de até 3
quisas sobre a economia brasileira, indica que anos (creche) e de 4 e 5 anos de idade (Pré-
uma pessoa com Ensino Fundamental comple- escola), dentro desse novo cenário.
to ganha, em média, três vezes mais que um Segundo dados do Censo Escolar 2008,
analfabeto. Essa diferença cresce à medida que a 16.632.029 alunos frequentam escolas que
34 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Escolaridade obrigatória
Entre as dificuldades apontadas pelo MEC Duração da escolaridade Anos de
para a implantação do Ensino Fundamental obrigatória – países selecionados estudo
de nove anos, estão a insuficiência de edifí- Alemanha 13
cios e salas de aula para atender à demanda Bélgica 13
e o desafio da elaboração da matriz curricular Holanda 13
para a faixa etária de 6 anos, que, com a am- Nova Zelândia 12
pliação do ensino obrigatório, passa a com- Reino Unido 12
por o ciclo da infância com as crianças de 7 e
Estados Unidos 12
8 anos. Outro desafio é a adoção de uma da-
Austrália 11
ta de corte etária comum para a matrícula no
1o ano do Ensino Fundamental. Pareceres do Canadá 11
tos que ainda não tiveram oportunidade de quisador do Inep Carlos Eduardo Moreno
fazê-lo. E essa é uma realidade ao alcance ho- Sampaio, a capacidade instalada hoje é in-
je de um número reduzido de estudantes. suficiente para atender todo o contingen-
De acordo com o estudo Situação Edu- te de jovens que deveria estar cursando o
cacional dos Jovens Brasileiros na Faixa Ensino Médio. Em muitos municípios, não
Etária de 15 a 17 anos, realizado pelo pes- há sequer uma escola que ofereça esse ní-
10 IBGE/Pnad 2007 e análise dos microdados da Pnad 2007 feita pelo Ipea.
aprender no brasil 37
Caravana do Esporte
O lazer e a prática de esportes a regras e limites, a aceitação Diante desse cenário, o UNICEF
são fundamentais para o da vitória ou da derrota e a apoia alguns projetos voltados para
desenvolvimento da criança e importância da solidariedade. a prática esportiva como atividade
do adolescente, pois, além de Por isso, o esporte é educativa. Entre eles, destaca-se o
fazer bem à saúde, estimulam uma ferramenta eficiente de Caravana do Esporte, que realiza
a aprendizagem, ampliam seu complemento à educação, ações em todo o país, envolvendo
universo cultural, desenvolvem aumentando o interesse e o crianças de 7 a 14 anos, professores,
suas potencialidades e favorecem desempenho na escola, além de funcionários, pais, educadores,
o relacionamento social, ajudar a combater problemas como lideranças comunitárias, além
proporcionando condições para a violência doméstica, o trabalho das prefeituras e secretarias
uma vida com mais qualidade. infantil e a exploração sexual, e de Educação e de Esporte dos
Por meio das atividades a promover a inclusão social e o municípios. O objetivo é promover
esportivas e de lazer, é possível respeito à diversidade. a prática esportiva por meio de
trabalhar a afetividade, as No entanto, as condições técnicas dos desenvolvimentos
percepções, a expressão, o para a prática esportiva ainda motor, cognitivo e socioafetivo dos
raciocínio e a criatividade das são precárias no país. Segundo o estudantes.
crianças e dos adolescentes. Assim, Censo Escolar 2007, apenas 25% O projeto, realizado em parceria
eles passam a ter mais controle das escolas de Educação Básica com a emissora de televisão ESPN
sobre seu corpo e melhoram a brasileiras mantêm quadras para Brasil e com o Instituto Esporte e
capacidade de brincar em grupo a prática de esportes. E, na maior Educação, utiliza o esporte como
e de fazer amigos. Além disso, parte das instituições que dispõem ferramenta educacional para o
conseguem aprender valores e desses recursos, o acesso é limitado desenvolvimento humano, por
habilidades necessários para a vida às aulas de Educação Física meio de jogos educativos. As
em sociedade, como o respeito previstas no currículo. atividades contam com o apoio e a
aprender no brasil 39
participação de grandes nomes do professores da rede pública de cedidos pelo Instituto Cultural
esporte brasileiro, como Ana Moser ensino para que eles sejam capazes Mauricio de Sousa.
e Lars Grael. O UNICEF indica de dar continuidade às ações, com Desde o início do projeto, em
os municípios que devem ser a orientação da equipe da Caravana 2005, já foram atendidos 70 mil
visitados – o critério utilizado é um do Esporte e do Instituto Esporte crianças e adolescentes de 7 a
baixo Índice de Desenvolvimento e Educação. Após a implantação, 14 anos em 34 municípios de 15
Humano (IDH) e pouco ou é feito um monitoramento da estados brasileiros e capacitados
nenhum acesso a boas práticas evolução em cada comunidade por 9.500 professores da rede pública
de educação e esporte. Em 2007, meio da realização de fóruns de de ensino. Nas comunidades
a Caravana ampliou o trabalho avaliação e formação continuada. atendidas, foram constatados
para comunidades populares de Além das oficinas esportivas, a diminuição da evasão escolar e
Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Caravana realiza nas comunidades da distorção idade/série, melhora
Durante uma semana, a atividades complementares, como na autoestima, na coordenação
Caravana monta em cada oficinas de confecção de materiais motora e na capacidade de
comunidade visitada estações de esportivos e brinquedos educativos concentração e raciocínio lógico
esporte em diversas modalidades, com matérias-primas alternativas e das crianças, redução do trabalho
como vôlei, atletismo, judô, apresentações teatrais dos arte- infantil, maior participação dos
ginástica, handebol e canoagem. educadores da caravana, exibição alunos nas atividades da escola
As atividades são realizadas em de vídeos produzidos pela equipe e aumento da socialização e da
espaços abertos, sem a necessidade do projeto e de desenhos animados cooperação entre eles.
de quadras, com o objetivo de
propiciar a sustentabilidade do Resultado em números
conceito esporte-educação como Beneficiados 2005 2006 2007 2008
ferramenta de inclusão. Crianças 9.000 12.000 24.000 25.000
O programa também oferece
Professores 1.500 2.000 2.500 3.500
capacitação de 30 horas aos Fontes: ESPN Brasil/Instituto Esporte e Educação
40 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Victor Oliveira e
sua mãe: prazer de
Programa Palavra de Criança mental na escola sem saber ler nem escrever.
colabora na alfabetização Com base nele, as educadoras sabem exata-
de alunos do 3o ano do Ensino mente quais são as crianças que necessitam
Fundamental em Teresina (PI) de atenção especial para completar essa fase
e Sobral (CE) decisiva no processo de educação.
No fim do ano letivo de 2008, apenas sete
dos 123 estudantes que frequentavam essa
Uma lista escrita à mão em uma cartolina na série na escola ainda não estavam plenamente
parede da sala da diretoria da Escola Municipal alfabetizados.“Eu adoro ler os livros de histó-
Barjas Negri, em Teresina, traz dados cruciais ria”, diz Nerivan Alcântara da Silva, de 8 anos,
para a comunidade escolar. O quadro reúne que em 2008 leu os paradidáticos Ladrão
informações sobre o processo de alfabetização Que Rouba Ladrão, A Bailarina e Santos
de cada um dos 20 alunos que iniciaram o Dumont, entre outros. “Parte do bom resul-
segundo semestre do 3o ano do Ensino Funda- tado é porque nós fazemos um trabalho de
46 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
texto sobre valores humanos, assistiram a um gostou muito de ter participado do encontro
vídeo que mostrava as aptidões de escrita e do projeto A Família Aprendendo Junto. A
leitura de alunos de Teresina e, por fim, pre- conversa ressoou em casa.“Meu marido não
encheram o questionário com duas perguntas participa”, conta. “Ele diz que só aprendeu
abertas: 1) Como estou acompanhando a vida a ler e escrever aos 16 anos e que não faz
escolar do meu filho?; e 2) Como é o nosso sentido forçar o menino a estudar.”
relacionamento no dia a dia? Um estímulo para Elias e seus colegas
As respostas mostraram que os aspectos aprenderem a dominar as letras é a partici-
positivos (como afetividade, amizade diálogo pação em competições de Português, Ciên-
e respeito) são muito maiores do que os ne- cias e Matemática, organizadas pelo terceiro
gativos (brigas e reclamações) e também que setor. “Quem vence uma disputa desse tipo
o acompanhamento da educação é expresso vira exemplo para os outros”, diz Maria de
principalmente na ajuda na realização das Lourdes Dias dos Santos, diretora da Escola
tarefas de casa e na participação em reuniões Municipal Simões Filho.
escolares. Os pais ainda ganharam de presente É o caso de Victor Sabino da Rocha Oliveira,
um ímã de geladeira com dicas para ajudar que está na 6a série. “Ele é conhecido como
na educação escolar de seus filhos – uma o menino da redação”, diverte-se Maria de
ideia simples que pode ser replicada (veja Lourdes. O garoto de 12 anos foi o vencedor As crianças
Lembrete útil, abaixo). da etapa estadual da Olimpíada de Língua estão
O brinde é de grande utilidade para a dona Portuguesa Escrevendo para o Futuro, na aprendendo
de casa Benilda Maria Costa Soares. Embora categoria poesia. que saber ler
só saiba escrever o nome, ela tem como pon- Com inscrições de alunos de 5.445 cidades e escrever é
to de honra acompanhar da melhor forma do Brasil, o concurso é promovido em uma uma maneira
possível a evolução escolar de seu filho, Elias parceria entre o Ministério da Educação, a de expandir
Mateus Soares, de 11 anos, do 3o ano matutino Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos os horizontes
da Escola Municipal Simões Filho. Benilda e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Co- em todos os
munitária (Cenpec).“No mesmo dia em que a sentidos
professora falou da competição, eu fui para a
Lembrete útil
biblioteca fazer a minha poesia”, diz ele, que
Ímã de geladeira traz dicas para que
mora numa casa de quatro cômodos no bairro
os pais ajudem a melhorar o desempenho
de seus filhos na escola
de Macaúba com a mãe, que é manicure e
cabeleireira.“Eu queria participar dessa prova
1. Ame e ensine a amar.
desde a 4a série”, afirma o candidato a escritor,
2. Converse, pois vale mais que qualquer grito.
que mantém um caderno com suas 34 poesias,
3. Não castigue. Resolva após acalmar-se.
cordéis e crônicas. Ali, há desde textos sobre
4. Determine um horário diário para as tarefas
aquecimento global até um poema, cheio de
escolares.
sutilezas, a respeito da tristeza dele por não
5. Participe das reuniões na escola.
ter recebido seu livro de Português logo no
6. Responda aos questionamentos dos filhos.
início do ano.A vitória fez com que ele tivesse
7. Conte histórias; leia para eles. Ou peça que leiam
a oportunidade de viajar para Fortaleza, na
para você.
etapa regional, e de participar da cerimônia
8. Mostre interesse por tudo que eles fazem.
nacional de premiação, em Brasília. Uma mos-
9. Seja sempre otimista! Vale o exemplo.
tra de que aprender a ler e a escrever é uma
10. Dedique parte de seu tempo à educação dos filhos.
maneira de expandir os horizontes em todos
Evite que o mundo faça isso por você.
os sentidos.
48 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Crianças e adolescentes
sob a tutela do Estado
Preconceito dificulta o acesso à educação das meninas e dos meninos
abrigados e dos que cumprem medidas socioeducativas
Todas as
fotografias que
ilustram este
painel foram
realizadas
com a técnica
pin hole pelos
adolescentes
participantes
do projeto
Arte na Casa,
desenvolvido na
Fundação Casa
de São Paulo
50 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
diferenciada para atender ao caráter transitório estabelecido entre a Fundação Casa, a pre-
do aluno dentro da unidade. Nesses espaços, feitura e a organização da sociedade civil
onde o adolescente pode permanecer até 45 Salesianos São Carlos, é realizado o acompa-
dias, segundo o Estatuto da Criança e do Ado- nhamento dos adolescentes que cumprem
lescente, aguarda-se a sentença do juiz. medidas socioeducativas de Liberdade As-
A proposta pedagógica, então, estimula a sistida (LA) e Prestação de Serviços à Co-
reflexão e a realização de trabalhos com duração munidade (PSC).
diária, ajudando o estudante a construir seu Em outubro de 2008, 106 adolescentes
projeto de vida. No horário da aula, o professor em LA e 39 em PSC eram atendidos. De
desenvolve atividades pertinentes à escolarização acordo com os Salesianos, 60% dos meninos
tradicional, abordando temas como: “Educação e das meninas que cumpriam LA e 41% dos
– ponte para o mundo”,“Justiça e cidadania”, que cumpriam PSC não estavam frequen-
“Família e relações sociais” e “O trabalho em tando a escola, apesar da exigência legal.
nossas vidas”7. No horário inverso, os alunos Glaziela Solfa, do Programa de Medidas So-
realizam oficinas culturais, que complementam cioeducativas da instituição, explica que,
os conteúdos temáticos. Os eixos norteadores no início do ano, todos os adolescentes são
do projeto são: cidadania, ética e identidade. matriculados. Entretanto, no decorrer das
Enquanto a decisão judicial não sai, a vaga do atividades letivas, eles abandonam a escola
aluno é mantida na escola de origem. por diversos motivos, como desinteresse,
A matrícula dificuldade de acompanhar as atividades,
em escolas de Aceitação na rede pública problemas de comportamento, trabalho ou
ensino regular Adolescentes que cumprem as medidas de envolvimento com algumas infrações, como
na comunidade Semiliberdade ou Liberdade Assistida (LA) o tráfico de drogas. Em outubro, portanto,
próxima é uma obrigatoriamente devem frequentar a es- um contingente muito alto de adolescentes
alternativa cola. Entretanto, o relacionamento entre já não está mais na escola.
pouco oferecida o adolescente em conf lito com a lei e a Esse tipo de situação requer um acompa-
aos jovens escola nem sempre é fácil. nhamento por parte da própria instituição de
internos Quando a acolhida é negada várias vezes, ensino, que deveria relatar o abandono de seus
a autoridade competente (geralmente mu- estudantes, como determinado no Estatuto da
nicipal) recorre à matrícula por via judicial. Criança e do Adolescente, e também dos demais
Mas a recepção e a permanência expulsiva8 atores da rede de proteção. O problema é que
dos adolescentes em conflito com a lei aca- os professores da rede pública nem sempre
bam determinando mais um capítulo de uma estão preparados e jogam sobre esses garotos
história pouco positiva desses jovens com a olhares preconceituosos.“A escola, infelizmen-
escola. Como é possível ensinar com medo te, e na maior parte das vezes, responde, lida
e aprender sem ser aceito? e olha para esses meninos da mesma forma
São Carlos, município no interior de São que a sociedade em geral: com medo, com
Paulo, é tido como modelo no atendimento preconceito”, diz Glaziela Solfa.
de meninos e meninas em conflito com a Ela relata que os desafios começam já na
lei. Desde 2000, por meio de um convênio hora da matrícula. Embora não existam dados
precisos sobre a dificuldade de esses adoles-
7 O material pedagógico utilizado no Educação e Cidadania está disponível no site do
Cenpec (www.cenpec.org.br/memoria/uploads/F112_017-05-00001%20%20%20v.1 centes encontrarem uma vaga na escola e de
%20Educa%E7%E3o%20ponte%20para%20o%20mundo%202003.pdf)
permanecerem estudando, com base em sua
8 Conceito elaborado por Maria de Lourdes Trassi no artigo Uma relação delicada:
a escola e o adolescente, de janeiro de 2008. Disponível em: www.promenino. experiência diária, Glaziela admite que algumas
org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/88cc0cd9-2ae1-42a2-bc8f-
31b2f9f1f6d9/Default.aspx escolas oferecem resistência para aceitá-los.
aprender no brasil 53
transmissíveis. Os que estão em medida de PSC cias equipamentos e serviços que vão além
podem participar dessas atividades, além das do acolhimento, como ambulatório médico,
de contação de histórias e situações lúdicas consultório odontológico ou quadras polies-
na pediatria de um hospital, e do adestramento portivas. As atividades educacionais também
de cães em espaços comunitários, como asilos. devem ser realizadas nas escolas públicas mais
Nesse caso, os adolescentes são acompanhados próximas do abrigo.
de um educador, que os prepara antes da ação, “No passado, os grandes prédios abrigavam
e depois discute seu caráter educativo. muitas crianças num sistema massificante e
alienador. Felizmente, o reforço da lei obrigou
Baixo desempenho à mudança e permitiu que as crianças e os
Os adolescentes em conflito com a lei que adolescentes fossem inseridos em ambien-
cumprem a medida socioeducativa de res- tes menores e mais acolhedores”, afirma a
trição de liberdade ainda não fazem parte pedagoga Isa Guará.
das estatísticas que compõem o Índice de Segundo o maior levantamento9 nacional
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) sobre a situação dessas instituições brasileiras,
porque não são submetidos à Prova Brasil. Em 60,8% dos abrigados de até 6 anos frequen-
O hábito de São Paulo, a única avaliação externa à escola tavam creches ou pré-escolas10. Cerca de 95%
leitura faz parte sobre o desempenho desses estudantes é o dos que tinham entre 7 e 18 anos também
do cotidiano Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). estudavam.“Embora a regra geral seja de que
de mais Os alunos da Fundação Casa que fre- os meninos estudem fora do abrigo, encontra-
de um terço quentam as três séries do nível 3 e tiverem mos exceções na Pré-escola, devido à falta de
das meninas e interesse podem participar da avaliação. Em pessoal para levar e acompanhar as crianças
dos meninos 2008, 569 internos foram inscritos e 497 até outras instituições”, afirma Enid Rocha,
abrigados fizeram a prova. Dos 68 adolescentes que também responsável por essa pesquisa.
obtiveram média para se candidatar ao Prouni, Publicado pelo Ipea em 2004, esse estu-
apenas quatro conseguiram bolsa, sendo duas do corresponde à análise de 589 unidades
delas integrais. Além deles, um adolescente de abrigo ou a 88% do universo das insti-
foi aprovado no vestibular da Universidade tuições pertencentes à Rede de Serviço e
Estadual Paulista, de Ourinhos, mas preferiu Ação Continuada (Rede SAC), que centraliza
fazer um curso de Tecnólogo em Química, o apoio financeiro encaminhado pelo go-
em Campinas (SP). Conforme pondera Neuza verno federal. O levantamento mostra que
Flores, o ingresso dessa população no Ensino pelo menos 20 mil crianças e adolescentes
Superior ainda é novidade. vivem nessas instituições11.
Embora representativo, o universo analisado
Crianças e adolescentes abrigados é pequeno dentro da totalidade de abrigos
O abrigamento, segundo o Artigo 101, pa- brasileiros. “Ainda não há dados nacionais
rágrafo único, do Estatuto da Criança e do sobre toda a rede de instituições no país,
Adolescente, não pode implicar a privação
9 O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os Abrigos para Crianças e
de liberdade. A medida de proteção tem ca- Adolescentes no Brasil. Enid Rocha Andrade da Silva (coordenadora), Ipea, 2004.
ráter provisório e excepcional e deve ser 10 O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciaram, em 2009, o Levantamento Nacional de Crianças
utilizada de forma transitória, até a colocação e Adolescentes em Serviços de Acolhimento. A primeira etapa da pesquisa vai
identificar a rede de abrigos e os programas de famílias acolhedoras desenvolvidos
em família substituta. em todo o Brasil.
A fim de garantir o convívio da criança e 11 O levantamento do Ipea de 2004 mostra que os conselhos tutelares e o Poder
Judiciário ainda aplicam essa medida de forma indiscriminada. Mais da metade das
do adolescente com a comunidade, os abrigos crianças e dos adolescentes abrigados vivia nas instituições há mais de dois anos;
33% chegaram a elas entre dois e cinco anos antes; e 13% entre seis e dez anos
não devem concentrar em suas dependên- antes, e 6% há mais de dez anos.
aprender no brasil 55
que inclui desde os que recebem algum tipo “Isso acontece porque não há uma articulação
de repasse público até os financiados pela entre escola e instituições de abrigo para tra-
iniciativa privada”, revela Isa. A estimativa balhar, em conjunto, a questão desses meninos
é que essas organizações acolham 80 mil e meninas” afirma Enid Rocha. O abandono e
crianças e adolescentes. a separação da família de origem são seguidos,
No Paraná, em 2005, foi realizado um le- muitas vezes, pela negligência das instituições
vantamento12, que avaliou seis regiões no competentes. Já o levantamento do Paraná evi-
estado. Responderam à pesquisa 382 crianças dencia que quase 64% dos meninos entrevistados
e adolescentes que vivem em 285 abrigos de abandonaram alguma série escolar e 59,42%
154 municípios paranaenses. O estudo revelou foram reprovados pelo menos uma vez. Dos
que 7,9% deles não estavam matriculados em que frequentavam o Ensino Fundamental no
escolas da rede de ensino, apesar de estarem momento da pesquisa, 87% estavam atrasados
em idade escolar. Segundo o documento, isso em seus estudos. O dado positivo é que o hábi-
ocorre porque alguns adolescentes deixam a to da leitura faz parte do cotidiano de muitos
escolarização em troca de trabalho e, quando desses meninos e meninas.A pesquisa mostra
abrigados, criam dificuldades para os dirigentes que 34,6% deles leem diariamente e 32,7%
e técnicos no processo de retorno escolar. semanalmente.
Em outros casos, os meninos e as meninas Além de estimular a escolarização formal Estudo do
vão para os abrigos após o início do ano das crianças e dos adolescentes abrigados, é Ipea revela
letivo e têm dificuldade em conseguir uma preciso fortalecer a construção de um reper- que a taxa de
vaga na escola ou acompanhar o conteúdo tório particular para cada menino e menina. analfabetismo
programático. Um terceiro motivo apontado Segundo as especialistas, atividades culturais, dentro dos
é a demora dos próprios responsáveis pelo esportivas e comunitárias contribuem para abrigos é maior
abrigo em garantir a volta às aulas. Quase uma boa escolarização. “A criança tem que que a média
5% dos alunos disseram que estudavam no ter possibilidade de vivenciar experiências nacional.
próprio abrigo, o que pode ser um resquício diferentes e desafiadoras que melhorem seu Enquanto o
das instituições totais. repertório. É importante que a criança possa índice geral
Ambas as pesquisas mostram que meninos e processar o conhecimento que obtém nes- para o Brasil
meninas vivendo em abrigos têm dificuldades de tas experiências da vida e não apenas o que é em torno de
aprendizagem. A pedagoga Isa Guará esclarece aprende na escola”, afirma Isa Guará. 3%, 16% dos
que muitas vezes isso tem fundo emocional. O apelo também é feito no relatório final do abrigados entre
Por isso, defende que as instituições invistam Projeto Reordenamento de Abrigos de Maceió, 15 e 18 anos
na melhoria da autoestima dessa população, elaborado em 2003 pela Terra dos Homens, não sabem ler
o que potencializaria o rendimento escolar. Fundação Municipal de Apoio à Criança e ao nem escrever
“Para que a criança abrigada tenha uma boa Adolescente e UNICEF, em 12 abrigos maceio-
escolarização, é preciso também que ela esteja enses. O documento aponta que a ociosidade
emocionalmente apoiada”, defende Isa. é uma constante nos abrigos, o que contribui
O estudo do Ipea revela que a taxa de anal- para o aumento do índice de evasão. Lá, ativi-
fabetismo dentro dos abrigos é maior do que a dades lúdicas, artesanais, profissionalizantes
média nacional. Enquanto o índice geral para o ou esportivas no interior das instituições ou
Brasil está em torno de 3%, 16% dos abrigados em espaços extramuros não eram constantes.
entre 15 e 18 anos não sabem ler nem escrever. O estudo sugere a existência de um “culto
ao confinamento” nessas instituições, com o
12A
colhimento Institucional no Paraná – Quero Uma Família para Mim!, Dorival da objetivo de não se “perder o domínio sobre
Costa, Eliana Arantes Bueno Salcedo, Valtenir Lazzarini; coordenação de Valtenir
Lazzarini, Curitiba: SETP/Cedca, 2007. as regras estabelecidas”.
APRENDER No Semiárido
Grandes
obstáculos
a superar
A região tem registrado avanços
significativos, como o crescimento no
número de crianças atendidas na
Pré-escola e no Ensino Fundamental,
e a queda nas taxas de abandono
escolar e distorção idade-série. Mas
garantir o direito de aprender a
todas as meninas e todos os meninos
que vivem no Semiárido continua
sendo um importante desafio
Para contribuir com o compromisso brasi- A oferta de água por habitante corres-
leiro de garantir a universalidade dos direi- ponde à metade da disponibilidade do res-
tos de suas crianças e de seus adolescentes, tante do Brasil. O pastoreio extensivo mar-
desde 2004 o UNICEF tem como uma de ca a ocupação da região, onde podem ser
suas grandes prioridades atuar efetivamente encontrados desde os sertanejos inseridos
na redução das desigualdades presentes no nas caatingas até os camponeses típicos que
Semiárido. Na região, que concentra alguns ocupam as margens dos pequenos rios e os
dos piores indicadores sociais do país, vi- brejos em suas atividades3.
vem cerca de 13 milhões de meninos e me- Por outro lado, a região concentra
ninas. Desses, mais de 70% são pobres1. uma parte significativa da cultura popular
O Semiárido Brasileiro (SAB)2 se esten- brasileira e teve papel de destaque em
de territorialmente por 11 estados e mais grandes movimentos populares, sociais e
de 1.400 municípios (veja texto abaixo). políticos do país.
Com área equivalente à de países como Cerca de 65% da população do SAB vive
a França e a Alemanha somadas, a região em municípios com menos de 50 mil habi-
é marcada pelas desigualdades e por uma tantes, em que prevalecem características
série de novos e velhos desafios, como o rurais, como a baixa densidade populacio-
processo de desertificação, as questões nal e uma produção econômica e cultural
climáticas globais e a dificuldade histórica predominantemente vinculada ao campo4.
de articulação de políticas de desenvolvi- Com cerca de 33 milhões de habitan-
mento sustentável. tes, o Semiárido Brasileiro legal é a mais
1 Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são consideradas pobres
as pessoas com renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. 3 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, de Peter Spink e Ilka
2 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, de Peter Spink Camarotti; Programa Gestão Pública e Cidadania e UNICEF/2007.
e Ilka Camarotti; Programa Gestão Pública e Cidadania e UNICEF/2007. 4 “Educação do campo: diferenças mudando paradigmas”, Cadernos Secad 2, MEC, 2007.
populosa das regiões semiáridas do pla- terço da renda familiar (leia mais sobre
neta. Também é uma das mais pobres. É trabalho infantil e educação nos capítulos
lá que estão 771 municípios com os me- Aprender no Brasil e Desafios).
nores Índices de Desenvolvimento Hu- Acumulando trabalho e escola, quan-
mano Municipal (IDH-M) do Brasil. do isso acontece, fica difícil progredir nos
Os indicadores educacionais eviden- estudos. Uma criança no Semiárido leva,
ciam um contexto em que muitas crian- em média, 11 anos para concluir o Ensino
ças e adolescentes não têm seu direito de Fundamental de oito anos. Uma parcela
aprender plenamente garantido. significativa das que resistem nos bancos
Mais da metade (53%) dos brasileiros escolares não aprende o esperado: no
acima de 15 anos de idade que não sa- Nordeste, 12,8% das crianças de 10 anos,
bem ler nem escrever está no Nordeste5. idade em que deveriam estar terminando
Na região, eles representam 20% da po- os anos iniciais do Ensino Fundamental,
pulação acima de 15 anos de idade, ou o não sabem ler e escrever – no Brasil 5,5%
dobro da média nacional6. de crianças na mesma faixa etária estão
A população acima de 15 anos do Nor- nessa condição, e nas regiões Sul e Su-
deste é a menos escolarizada do país: tem deste o percentual é de 1,2% e 1,4%, res-
apenas seis anos de estudo, ante os 7,3 anos pectivamente (Pnad 2007).
da média nacional e os oito anos da Região No quadro geral, todos os estados que
Sudeste (Ipea/Pnad 2007). No Nordeste, a integram o Semiárido apresentam o Índi-
frequência de jovens de 15 a 17 anos ao ce de Desenvolvimento da Educação Básica
Ensino Médio fica em 34% (Pnad 2007), bem (Ideb) inferior ao da média nacional (veja ta-
abaixo da média registrada nas regiões Sul e bela na página seguinte). No caso de Minas
Sudeste (55% e 58,8%, respectivamente). Gerais e Espírito Santo, o número de muni-
A Região Nordeste concentra alto ín- cípios que integram o SAB representa cerca
dice de jovens de 15 a 29 anos na faixa de 10% e 37% do total, respectivamente. O
da pobreza (53,4%, de acordo com levan- restante está ligado ao sistema geoeconômi-
tamento do Ipea/Pnad 2007), em famílias co do Sudeste, onde a situação educacional é
que vivem com rendimento mensal per ca- diferenciada. Por isso, os dois estados apre-
pita de até meio salário mínimo. No Semi- sentam Idebs mais elevados que os dos es-
árido, essa proporção ultrapassa 70%, che- tados nordestinos – o de Minas Gerais é até
gando a 80% em alguns estados.7 Com isso superior ao da média nacional.
é grande também o contingente de crian-
ças e adolescentes que deixam os bancos
escolares para ajudar a compor a renda DESIGUALDADES HISTÓRICAS
familiar. Uma boa parcela de crianças de O quadro crítico dos indicadores mostra-
10 a 17 anos de idade ocupadas em 2007 dos acima reflete as violações do direi-
começou a trabalhar antes de completar 9 to de crianças e adolescentes do Semiári-
anos – 27,9% no Nordeste, ante a média do à educação e decorre de um processo
nacional de 19% (Pnad 2007). A maioria histórico. A região sempre foi vista como
são meninos (77,2%, ante 22,8% das me- um pedaço pobre do país e não recebeu
ninas) e 86% contribuem com quase um investimentos concretos num projeto de
desenvolvimento que garantisse sua in-
5 O SAB corresponde a 13,5% do território brasileiro e a 74,3% do Nordeste.
Por isso, ao longo do texto usaremos também os dados disponíveis da região. clusão ao plano de desenvolvimento na-
6Pnad 2007: Educação e Juventude, Jorge Abrahão de Castro, da Diretoria cional. O modelo de ocupação e organi-
de Estudos Sociais.
7 IBGE 2006, no Relatório “Relatos, Retratos e Compromissos”, do seminário zação social também contribuiu. Existem
Educação e Convivência no Campo: Avanço e Desafios do Semi-árido Baiano,
realizado de 23 a 25 de julho de 2008, em Salvador. na região inúmeras comunidades pobres
60 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Termômetro da qualidade
O Ideb1 dos estados que integram o Semiárido
EF - Anos iniciais EF - Anos finais Ensino Médio
Região Região Região
2005 2007 2005 2007 2005 2007
Brasil 3,8 4,2 Brasil 3,5 3,8 Brasil 3,4 3,5
Alagoas 2,5 3,3 Alagoas 2,4 2,7 Alagoas 3,0 2,9
Bahia 2,7 3,4 Bahia 2,8 3,0 Bahia 2,9 3,0
Ceará 3,2 3,8 Ceará 3,1 3,5 Ceará 3,3 3,4
Espírito Santo 4,2 4,6 Espírito Santo 3,8 4,0 Espírito Santo 3,8 3,6
Maranhão 2,9 3,7 Maranhão 3,0 3,3 Maranhão 2,7 3,0
Minas Gerais 4,7 4,7 Minas Gerais 3,8 4,0 Minas Gerais 3,8 3,8
Paraíba 3,0 3,4 Paraíba 2,7 3,0 Paraíba 3,0 3,2
Pernambuco 3,2 3,6 Pernambuco 2,7 2,9 Pernambuco 3,0 3,0
Piauí 2,8 3,5 Piauí 3,1 3,5 Piauí 2,9 2,9
Rio Grande Rio Grande Rio Grande
2,7 3,4 2,8 3,1 2,9 2,9
do Norte do Norte do Norte
Sergipe 3,0 3,4 Sergipe 3,0 3,1 Sergipe 3,3 2,9
Fonte: Inep/setembro de 2008
1 Ideb total.
APRENDER No Semiárido 61
educação no campo. Quatro universida- Educação (FNDE), mostra que o peso maior do
des federais (UnB, UFMG, UFBA e UFS) investimento recai sobre o poder municipal.
implantaram esses cursos de forma pi- No levantamento, 2.277 municípios de
loto em 2007, beneficiando 240 profes- todas as unidades da federação, com exce-
sores. Atualmente 17 universidades pú- ção do Distrito Federal e de Roraima, res-
blicas recebem recursos do Procampo, ponderam o questionário disponibilizado
atendendo 1.373 professores. Em 2009, o on-line no portal do FNDE. Noventa e oito
Procampo tem como meta formar 2.020 por cento deles ofereciam transporte esco-
novos professores, com a adesão de ou- lar: 90% em área rural, na média nacional;
tras instituições de ensino. percentual que salta para 94% no Nordeste.
Os dados nacionais mostram que os mu-
nicípios entram com 58% dos recursos pa-
TRANSPORTE PRECÁRIO ra manter o serviço, 10% são repasses do
E LONGAS DISTÂNCIAS Programa Nacional de Apoio ao Transporte
As crianças e os adolescentes que vivem em Escolar (Pnate) e o restante vem de outras
áreas rurais mais afastadas têm, muitas vezes, fontes, como o Fundeb e o Salário Educa-
que percorrer longas distâncias para estudar. ção, também programas da União.
De acordo com a lei brasileira, caberia a esta- Mas nem sempre esse transporte é feito
dos e municípios oferecer o serviço de trans- em condições adequadas de segurança ou
porte escolar para suas respectivas redes. Um atende completamente a demanda. Em al-
estudo realizado em 2007 pelo Centro de For- gumas localidades, é possível encontrar ca-
mação de Recursos Humanos em Transportes minhonetes, utilizadas pelas prefeituras para
(Ceftru), da Universidade de Brasília, a pedido transportar crianças em regiões onde as es-
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da tradas são tão precárias que não permitem o
acesso de ônibus e vans. Segundo o estudo escola com água de qualidade, banheiro e
do Ceftru, esse meio corresponde a 10% do cozinha). A maioria delas não conta com
transporte. Nos demais casos são utilizados biblioteca ou sala de leitura (80%), com-
ônibus (43%), Kombis (18%) e vans (8%). putador (75,8%) e muito menos acesso à
Circula nos estados do Nordeste a frota mais internet (89,2%).
antiga, com média de 19,9 anos – a média
nacional é de 16,6 anos.
A idade dos veículos, as longas distân- Planejamento escolar
cias percorridas e a precariedade de muitas Presente na região desde 1999 com o Progra-
estradas transformam a ida à escola numa ma Melhoria da Educação no Município, um
jornada penosa que, muitas vezes, ultrapas- projeto com foco na formação de gestores
sa 1 hora. Pior situação vive quem não con- desenvolvido em parceria com o UNICEF
segue se encaixar nos roteiros do transporte e com a Fundação Itaú Social, o Centro de
escolar e tem que encarar a jornada a pé, em Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura
caminhadas que chegam a levar 2 horas. e Ação Comunitária (Cenpec) verificou que,
Quando, finalmente, ingressam em sa- especialmente nos municípios menores, não
la de aula, as crianças se deparam com há uma cultura de planejamento escolar.
outra realidade desanimadora: a precarie- Outra deficiência diz respeito à falta de
dade da infraestrutura. De acordo com o uma política de formação continuada do
Censo Escolar 2007 (Inep), das mais de corpo docente. Os alunos são atendidos por
58 mil escolas do Semiárido, 51% não são professores e professoras que nem sempre
abastecidas pela rede pública de água, têm a formação adequada (veja tabela na pá-
14% não dispõem de energia elétrica e gina seguinte) nem contam com um processo
6,6% não têm sanitário (veja o texto Toda sistemático de capacitação visando melhorar
Para combater esse problema, o participação de UNICEF, ANA, para garantir o abastecimento
UNICEF, reunindo parceiros como MEC, Ministérios da Saúde e do permanente de água. Definida a
a Agência Nacional de Águas (ANA) Desenvolvimento Social, Undime solução, o passo seguinte para
e a União Nacional dos Dirigentes e Conselho Nacional de Secretários implementá-la será mobilizar os
Municipais de Educação (Undime), de Educação (Consed), começou órgãos estaduais, gestores de recursos
lançou, em 2008, Ano Internacional a ser feito o mapeamento das hídricos e de programas já existentes,
de Saneamento, a proposta Toda escolas sem água e sem energia como o Água na Escola, da Fundação
escola pública brasileira com elétrica na região do Semiárido. Nacional da Saúde (Funasa), e o
água de qualidade, banheiro e Com base em dados do Censo 1 Milhão de Cisternas, da Articulação
cozinha. A iniciativa se alinha Escolar 2007, verificou-se no Semiárido Brasileiro (ASA)
com as Metas de Desenvolvimento que 578 municípios do Semiárido em parceria com organizações
do Milênio, que propõem Legal têm 5.005 escolas sem governamentais e
reduzir pela metade, até 2015, a energia elétrica e que em 121 não governamentais e entidades
parcela da população sem acesso desses municípios há 315 escolas da cooperação internacional.
permanente e sustentável a água sem abastecimento de água. Até 2012, a meta proposta
potável e esgotamento sanitário. A iniciativa envolverá a avaliação, pelo UNICEF é que todas
Depois de uma ampla pela ANA, das condições de cada as escolas públicas brasileiras
mobilização de gestores em torno estabelecimento para verificar que tenham água de qualidade,
da questão que contou com a tipo de tecnologia é a mais adequada banheiro e cozinha.
64 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Formação inadequada
Percentual de professores com nível superior ainda é pequeno
Ensino
Unidade da Pré-escola Unidade da Unidade da Ensino Médio
Fundamental
federação (%) federação federação (%)
(%)
Brasil 51,14 Brasil 71,15 Brasil 93,37
Espírito Santo 62,30 Minas Gerais 81,90 Pernambuco 96,38
Minas Gerais 59,63 Ceará 74,76 Ceará 95,50
Sergipe 48,75 Espírito Santo 71,10 Sergipe 95,32
Ceará 45,38 Sergipe 70,60 Piauí 93,42
Rio Grande do Norte 44,00 Rio Grande do Norte 69,58 Minas Gerais 93,06
Paraíba 41,12 Paraíba 68,64 Alagoas 89,12
Pernambuco 34,60 Pernambuco 64,24 Paraíba 88,84
Piauí 32,38 Piauí 59,55 Espírito Santo 88,57
Alagoas 25,94 Alagoas 46,96 Maranhão 87,19
Maranhão 18,42 Maranhão 39,08 Rio Grande do Norte 85,81
Bahia 13,67 Bahia 32,17 Bahia 72,90
Fontes: MEC/Inep/DTDIE 2007
APRENDER No Semiárido 65
Indicadores de acesso
A situação no Brasil e no Semiárido
O abandono em números
Taxa de abandono no Ensino Fundamental e no Ensino Médio
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Uma série de fatores leva esse contingente pelo programa de ensino profissionalizante em
de jovens a ficar fora da sala de aula. Por causa agricultura do Serviço de Tecnologia Alternati-
de sucessivas repetências e abandonos, quando va (Serta), em Pernambuco. Dos 21 municípios
o adolescente chega ao Ensino Médio, premido do Semiárido incorporados ao programa, ape-
pela necessidade de ajudar a compor a renda nas um mantém escola de Ensino Médio no
familiar, ele acaba trocando os estudos pelo tra- campo. Nos demais, os adolescentes precisam
balho. Isso acontece mais com os garotos do se deslocar das fazendas e dos sítios onde mo-
que com as garotas. Enquanto no Ensino Fun- ram para o núcleo urbano.
damental o percentual de matrículas é maior
entre os meninos (51,63% a 48,37% no Nordes-
te, segundo dados do Censo Escolar 2007), no NEGROS E INDÍGENAS
Ensino Médio essa relação se inverte: na Região SÃO OS MAIS EXCLUÍDOS
Nordeste 57,10% dos estudantes matriculados Também é crítica na região a questão da in-
nessa etapa do ensino são do sexo feminino, clusão de crianças e adolescentes negros e
ante 42,90% do masculino. Fica mais difícil tam- indígenas ao sistema educacional. No Bra-
bém chegar à escola. Pela Constituição Federal, sil, apenas 1,77% das crianças brancas de 7
o Ensino Médio é de responsabilidade do go- a 14 anos estão fora da escola, ante 3,28%
verno estadual. E, na grande maioria, as escolas de negros e 9,84% de indígenas. Em boa
que oferecem esse nível de ensino ficam no parte dos estados do Semiárido, a desigual-
centro urbano do município. Um caso ilustrati- dade é bem mais gritante. A taxa de exclu-
vo é o que acontece com os jovens atendidos são das crianças e dos adolescentes negros
(veja tabela na página ao lado) é maior em torno de 113 mil alunos, dos quais 78% es-
Alagoas (12,50%), Paraíba (7,14%), Mara- tão nos estados que integram o Semiárido
nhão (6,25%) e Ceará (4,09%). Na parce- (veja tabela na página 67).
la da população indígena, as piores taxas Até cinco anos atrás, essa parcela de alu-
de exclusão estão no Maranhão (62,50%) e nos era invisível para as estatísticas. Somente
Sergipe (11,11%). com a inclusão de questões para mapeá-la
De acordo com levantamento feito pela no Censo Escolar feito pelo Inep é que se
Fundação Cultural Palmares10, ligada ao Mi- começou a obter os primeiros dados, como
nistério da Cultura, existem no Brasil 1.305 o número de escolas e alunos matriculados.
comunidades remanescentes de quilombos, É comum nessas comunidades a presença de
a maioria nos estados da Bahia (245), Mara- classes multisseriadas, e nem todas as escolas
nhão (146) e Minas Gerais (105). Comuni- oferecem o Ensino Fundamental completo.
dades formadas com o objetivo de resistir Em geral, as crianças fazem as séries iniciais e,
à dominação imposta pelo sistema de es- depois, precisam se deslocar longas distâncias
cravidão, elas se constituíam em locais de para complementar os estudos. No Ensino
difícil acesso, característica que se refletiu Médio, a oferta é ainda mais crítica: nas co-
também no acesso a serviços e políticas pú- munidades quilombolas situadas nos estados
blicas como a educação. Dados do Censo do Semiárido, existem 846 escolas de Ensino
Escolar de 2007 mostram que existem cerca Fundamental e apenas nove de Ensino Mé-
de 1.172 escolas localizadas em áreas rema- dio, segundo dados do Censo Escolar 2007.
nescentes de quilombos que atendem em No final de 2008, a Secad trabalhava em um
estudo para traçar um painel mais qualitativo
10 O
número leva em conta a última certificação publicada no Diário Oficial da União
em 31 de dezembro de 2008. sobre o ensino a que têm acesso as crian-
Escolas indígenas
A realidade do Brasil e dos estados do Semiárido
ças e os jovens em comunidades quilombo- por outras regiões do país a respeito das
las, analisando dados como as condições de especificidades da educação no campo. Em
infraestrutura (sanitários, água potável etc.), síntese, esses atores defendiam a necessi-
além da capacitação de professores. dade de ofertar aos estudantes da área rural
A dificuldade de avançar nos estudos por uma educação que valorizasse “a cultura
falta de escolas que ofereçam o atendimento local, as experiências de vida, os saberes
também é observada entre as comunidades existentes na construção de novos saberes,
indígenas. Nos estados da região, são 521 reforçando a autoestima dos educandos”.11
escolas de Ensino Fundamental para apenas No Semiárido, as discussões sobre o
18 do Ensino Médio, segundo o Censo Esco- modelo ideal de educação foram incluídas
lar 2007 (veja tabela na página anterior). numa ampla frente de ações que buscavam
articular políticas públicas no sentido de for-
mular e colocar em prática uma nova con-
EDUCAÇÃO EM SINTONIA cepção de desenvolvimento para a região:
COM A REALIDADE a da convivência.12 Um dos marcos dessa
A partir das décadas de 70 e 80, começaram articulação foi a III Conferência das Partes
a surgir e se fortalecer experiências que da Convenção das Nações Unidas de Com-
buscavam melhorar a situação da Educação bate à Desertificação (COP-III), realizada
Básica no Semiárido. Essas iniciativas colo- em 1999, em Recife (PE). No evento, com
caram em andamento pela primeira vez a o apoio do UNICEF, entre outras entidades,
união de vários atores sociais, como igre- foi realizado o Fórum Paralelo da Sociedade
jas, movimentos comunitários, universida- Civil. Nesse fórum, 60 ONGs criaram a Arti-
des e prefeituras, na tentativa de construir culação no Semiárido Brasileiro (ASA), que
um modelo educativo que incorporasse a atualmente reúne cerca de 1.000 entidades
realidade da região na construção do co-
11 Francisca Maria Carneiro Baptista, “Educação Rural: Das Experiências à Política
nhecimento por professores, pais e alunos. Pública”, Série Debates e Ação – Volume 2, Brasília, Núcleo de Estudos e
Desenvolvimento Rural (Nead), Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2003.
Esse movimento entrou em cena na esteira 12 “Crianças e Adolescentes: Situação no Semi-árido Brasileiro”, Peter Spink e
Ilka Camarotti (organizadores), São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania/
de uma discussão que se estendeu também Brasília: UNICEF, 2007.
da sociedade civil, nos 11 estados onde fi- Com a reflexão de que, num cenário de
cam os municípios que compõem a região. enorme carência de formação adequada de
Uma das iniciativas mais expressivas da professores, o livro didático ganha força, uma
entidade para promover o desenvolvimento vez que “acaba por determinar o percurso do
humano sustentável é o Programa de Forma- ano letivo”14, a Resab defende que um dos pon-
ção e Mobilização Social para a Convivên- tos de partida para a adoção de uma educação
cia com o Semiárido: 1 Milhão de Cisternas contextualizada deve ser o material didático
Rurais (P1MC), que teve início em 2003. O empregado nas salas de aula do Semiárido. De
programa é resultado de uma parceria com acordo com educadores da Resab, o currícu-
o governo federal, a Federação Brasileira de lo escolar reproduz um discurso e uma prática
Bancos (Febraban), a Fundação Banco do que apresentam o Semiárido como inviável,
Brasil e entidades de cooperação internacio- um lugar pobre, miserável e ruim de viver.
nal. A ideia é construir cisternas de placas Consequentemente, o livro didático reproduz
para armazenar água da chuva para suprir a e reforça essa imagem.15 Há a necessidade de
necessidade de água limpa para beber e co- materiais que valorizem e reflitam a realidade
zinhar. Até setembro de 2008, já haviam sido dos alunos, nos quais eles se reconheçam.
feitas mais de 237 mil cisternas rurais.
Na área da educação, papel tão fundamental
como o da ASA é desempenhado pela Rede de A educação contextualizada não trata apenas
Educação do Semiárido Brasileiro (Resab). Cria- de didática, mas de uma visão de mundo, de uma
da em 2000, em Juazeiro (BA), a Resab reuniu tarefa política específica no meio rural
várias experiências de educação contextualizada,
que buscavam desenvolver o conceito da convi-
vência com o Semiárido. Seu objetivo principal Sistematizando experiências municipais de
é criar uma articulação capaz de influenciar as educação contextualizada e reflexões como es-
políticas educacionais e transformar essas ex- sas, um grupo de educadores da Resab elabo-
periências esparsas em políticas públicas de rou, em 2005, com o apoio do UNICEF e do
educação que se estendessem a toda a região. Cenpec, a primeira iniciativa de um material
Composta de educadores, entidades da socie- específico para a região: o livro Conhecendo
dade civil e representantes do poder público, o Semi-árido (sic), destinado a alunos de 3a
atualmente a Resab possui comitês gestores em e 4a séries do Ensino Fundamental. A versão
todos os estados que integram a região. experimental foi distribuída entre alunos de
A LDB estabelece em seu Artigo 26 que escolas públicas de nove estados do Nordes-
os currículos de Ensino Fundamental e Mé- te, como parte de um estudo para verificar
dio devem apresentar uma base nacional co- o impacto desse novo material em sala de
mum, mas precisam reservar espaço também aula. O levantamento foi realizado em 2006 e
para “uma parte diversificada, exigida pelas envolveu uma amostragem em 17 municípios
características regionais e locais da socieda- de nove estados, com alunos e professores
de, da cultura, da economia e da clientela”.13 divididos em dois grupos: os que trabalha-
A educação contextualizada responde a es- vam com o livro e os que não trabalhavam.
sa determinação e não trata apenas de adapta- Um alto percentual de professores (94,1%)
ções curriculares, de didática, mas de postura, afirmou que o livro oferecia ensinamentos
de filosofia, de visão de mundo, de tarefa po-
lítica específica no meio rural. 14 Josemar da Silva Martins, “Anotações em Torno do Conceito de Educação para a
Convivência com o Semi-árido”, in Educação para a Convivência com o Semi-árido
– Reflexões Teórico-práticas, Juazeiro: Selo Editorial Resab, 2006.
15 Claudia Maisa Antunes Lins, Edneusa Ferreira Souza e Vanderléa Andrade Pereira,
13 F rancisca Maria Carneiro Baptista, “Educação Rural: Das Experiências à Política “Educação para Convivência com o Semi-árido: a Proposta de Elaboração de um
Pública”, Série Debates e Ação – Volume 2, Brasília, Núcleo de Estudos e Livro Didático”, in Educação para a Convivência com o Semi-árido – Reflexões
Desenvolvimento Rural (Nead)/ Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2003. Teórico-práticas, Juazeiro: Selo Editorial Resab, 2006.
72 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Fontes: MEC/Inep/Censo Escolar, 2004 e 2007 e IBGE Nota: Os indicadores foram calculados pelas médias das taxas.
74 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Em 2008, as
todologia parte dos pressupostos de que a escola Os temas podem ser estudados durante seis
deve construir conhecimentos úteis às famílias e de meses ou no decorrer do ano letivo, conforme
que o aprendizado pautado no contexto de vida da a necessidade sentida por educadores e alunos.
criança é mais prazeroso e eficiente. “Partimos da Rosilene Carneiro da Silva, uma das coordenado-
realidade do aluno para chegar à compreensão do ras pedagógicas das escolas rurais de Lagoa de
todo, pois só assim a criança vai se tornar um Itaenga, diz que, antes da definição do foco do
cidadão crítico”, explica a professora Wdarika trabalho, os pais são consultados para dizer se
Moreira de Lima, da Escola Municipal Joaquim concordam ou não com a abordagem do tópico
Bezerra, de Lagoa de Itaenga (PE). Hoje, a linha na escola. Já foram tratados temas como aque-
pedagógica está presente nas escolas rurais de cimento global, vegetação local e violência.
três municípios de Alagoas, dois da Bahia, três Em relação à violência, cada pergunta da
da Paraíba e 26 de Pernambuco. ficha pedagógica foi estudada durante 15 dias.
“Foi o tema mais complexo que já trabalhamos,
De casa em casa pois tivemos que entrar na intimidade das fa-
A Peads está dividida em quatro etapas, explica mílias”, avalia Edilane Gomes de Albuquerque,
Gilmara Almeida, uma das responsáveis pela também membro da coordenação pedagógica.
formação de professores do Serta. O primeiro Sua colega, a professora Mônica Gomes Ferrei-
momento é o da pesquisa. Os professores e a ra, afirma que os alunos não se cansaram de
coordenação pedagógica do município definem falar sobre o assunto, pois ele era usado como
A educação o tema a ser estudado e levantam, junto com os recurso inspirador para estudar temas muito
contextualizada alunos, o conhecimento que a comunidade já diversos, como separação silábica, cálculo de
é aplicada em tem do assunto. Para isso, montam uma ficha porcentagens, leitura de gráficos, entre outros.
dez municípios pedagógica, com diversas questões que devem “Como os dados são coletados na comunidade
do Semiárido ser respondidas pela própria comunidade. Os durante o mapeamento, os alunos não perdem
pernambucano alunos saem para aplicar o questionário de o interesse pelas aulas”, diz. Além disso, são
por meio do casa em casa, diagnosticando como o tema é utilizadas linguagens diferentes (música, teatro,
projeto Jovens vivenciado ou compreendido pelas famílias. poesia, pintura) para evitar a monotonia.
pela Educação A segunda fase é a do desdobramento, quan-
e Convivência do os alunos passam a sistematizar os dados Conhecimento transformador
com o colhidos na pesquisa e a relacioná-los com os A educação contextualizada proposta pela
Semiárido conteúdos curriculares obrigatórios para cada Peads permite que as famílias e outras insti-
série. A partir daí, é feita a devolução. Os alu- tuições da comunidade fiquem mais próximas
nos preparam apresentações artísticas, criam da escola, que assume um papel de agente de
cartazes, entre outros, para mostrar aos pais e à transformação social.
comunidade em geral o que aprenderam sobre A apresentação da pesquisa para a comunida-
o tema. Nesse momento, todos são incentivados de, por exemplo, impulsiona a ação em parceria
a buscar soluções para os problemas identifica- com outros atores, como o Conselho Tutelar, as
dos. A etapa final consiste numa avaliação do associações de bairro e o poder público.“Não dá
processo completo. Diretores, coordenadores, para saber que o maior índice de violência na
professores, pais e demais educadores da escola comunidade é contra a mulher e ficar parado. É
fazem uma autocrítica.A avaliação do estudante é preciso fazer os encaminhamentos necessários”,
realizada pelo professor durante todo o período, afirma Gilmara Almeida. Pais e mães, como Lu-
levando em conta não apenas o desempenho ciene Maria do Nascimento, também se tornam
nas provas mas também as mudanças de atitude mais conscientes. Ela conta que batia em seus
e comportamento da criança. filhos, mas afirma que, com o projeto, viu que
APRENDER No semiárido 77
Estudantes vão
de casa em casa
pesquisando
o que as pessoas
sabem sobre o
tema escolhido.
Isso aproxima
a comunidade
da escola
isso era errado.“Eu batia porque era nervosa e de 28 de abril de 2008, bem como com o Artigo
achava que podia bater”, justifica. 28 da Lei de Diretrizes e Bases, que prevê me-
Os professores, por sua vez, sentem-se valo- didas de adequação da escola à vida do campo.
rizados, pois contam com o apoio constante da Também está em consonância com o Artigo 58
coordenação pedagógica para esclarecer suas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
dúvidas. Eles também são chamados a participar garante o respeito aos valores culturais, artísticos
do planejamento do processo educativo. “Antes, e históricos do contexto social da criança e do
eu me via como mera reprodutora de conteúdos. adolescente no processo educativo.
A partir de 2001, comecei a implantar a Peads Com o apoio do UNICEF, ela é aplicada em
em Lagoa de Itaenga, adaptando os materiais dez municípios do Semiárido pernambucano,
pedagógicos à realidade dos alunos, que também por meio do projeto Jovens pela Educação e
era minha realidade”, conta Edilane Albuquerque. Convivência com o Semiárido. A iniciativa, que
“Com isso, minha autoestima aumentou. Eu me teve início em julho de 2008 e tem duração
identifiquei não só como professora mas como prevista até julho de 2010, oferece apoio a dez
pessoa. E isso me ajudou a ver o potencial dos escolas que já se destacavam na utilização da
meninos do campo”, acrescenta. Peads. A ideia é que elas se tornem referência
A metodologia tem reflexos no desem- em educação integral e contextualizada, ser-
penho dos alunos. Em Lagoa de Itaenga, a vindo de inspiração para toda a rede.
educação rural apresentou apenas um caso de O modelo pretende fortalecer a relação das
abandono escolar em 2008 (0,15%). Em 2005, escolas com a comunidade, chamando as famílias
o índice era de 7,4%. Já a taxa de repetência das crianças a participar do processo educativo.
caiu de 31,2% em 2005 para 8,9% em 20082. Também prevê a realização de atividades comple-
mentares às aulas, que promovam o desenvolvi-
Em sintonia com a realidade mento de tecnologias alternativas de produção
A Peads está de acordo com as Diretrizes Operacio- agroecológica adequadas ao agreste e ao sertão.
nais para Educação Básica nas Escolas do Campo, Com isso, pretende-se aumentar a qualidade da
aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação educação no campo, ampliar o conhecimento
em 2002 e complementadas pela Resolução no 2, que os habitantes têm de seu meio, melhorar sua
autoestima, estimular os jovens a permanecer no
2 Não foi possível compor os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica relativos às
escolas rurais do município, pois apenas as escolas urbanas realizam a Prova Brasil. Semiárido e reduzir o êxodo rural.
APRENDER NA AMAZÔNIA
Um desafio
para além
da floresta
A educação na região avançou
nos últimos 15 anos. A Amazônia,
no entanto, ainda enfrenta
problemas, como a persistência
de altas taxas de evasão escolar
e a elevada distorção idade-série.
Entre as populações rurais, negras
e indígenas, as disparidades
são ainda maiores
Transporte escolar
A frota é antiga e muitos municípios não oferecem o serviço o ano todo
Indicadores Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
Falta de continuidade* 21% 21% 17% 14% 15%
Falta de regulamentação 94% 95% 87% 85% 80%
Idade da frota 15 anos 19 anos 16 anos 13 anos 16 anos
Fonte: Estudo realizado entre outubro de 2006 e janeiro de 2007 pelo Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB)
*Porcentagem dos municípios que não oferecem o serviço durante todo o ano escolar.
82 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Educação Infantil
Taxa de frequência escolar1
Região/Unidade Até Região/Unidade da De 4 a 6 Região/Unidade da Até
da federação 3 anos federação anos federação 6 anos
Brasil 17,1% Brasil 77,6% Brasil 44,5%
Norte 7,5% Norte 68,2% Norte 33,9%
Maranhão 12,5% Maranhão 83,1% Maranhão 43,8%
Mato Grosso 12,3% Roraima 82,3% Roraima 38,3%
Roraima 11,9% Pará 71,4% Tocantins 37,9%
Tocantins 10,2% Amazonas 70,6% Pará 35,3%
Amapá 9,4% Tocantins 68,1% Amazonas 33,5%
Pará 8,3% Acre 60,8% Mato Grosso 31,9%
Acre 6,6% Mato Grosso 59,8% Amapá 30,8%
Rondônia 6,0% Amapá 56,9% Acre 30,4%
Amazonas 5,1% Rondônia 53,5% Rondônia 26,8%
Fonte: Pnad 2007 – IBGE
1 Segundo o IBGE, trata-se da proporção de pessoas de uma determinada faixa etária que frequentam escola em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária. O MEC utiliza como indicador a taxa de escolarização,
que mostra o percentual da população matriculada em determinado nível de ensino em relação à população total da faixa etária recomendada para esse nível de ensino.
APRENDER NA AMAZÔNIA 83
Sub-registro de nascimento
Evolução de 1997 a 2006 no Brasil e por região (em %)
100
80
60,0
60
53,8
40 37,9
30,2 29,9
25,3
20,9 21,0 22,0
20 16,2
12,7 14,6 13,0
12,0
7,2 6,9 9,1
8,0
0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estatísticas do Registro Civil 1997/2006
A Região Norte obteve, de 1997 a 2006, conselhos tutelares brasileiros, de modo geral,
a maior redução em pontos percentuais do e, em particular, pelos da Amazônia Legal. O Si-
país no sub-registro, graças à realização de pia, que funciona por meio do registro de casos
campanhas de incentivo. Continua, no en- de violações de direitos previstos no Estatuto
tanto, com uma taxa bastante alta, de 21%. da Criança e do Adolescente pelos conselhos,
Os índices de sub-registro na Amazônia va- pode subsidiar a adoção de decisões governa-
riam de 11,1%, no Acre, a 42,8%, em Rorai- mentais sobre políticas para a população infan-
ma. A média brasileira é de 12,7%, segundo til, como o acesso a creches e pré-escolas.
a Pnad (veja gráfico acima). Criado em 1997, dentro do Plano Nacio-
nal da Política de Direitos Humanos, o sis-
tema permite a produção de conhecimentos
A QUESTÃO DOS DADOS específicos, com base em situações concre-
A carência de informações sobre a situa-
ção de crianças e adolescentes da Amazô- Sub-registro de nascimento
nia também afeta a qualidade das políticas O ranking dos estados
sociais. Mas vale destacar que essa lacuna Região/Unidade Taxa de
não está relacionada apenas à região. A falta da federação sub-registro (%)
de dados precisos sobre a vida de meninos Brasil 12,7
e meninas, capazes de refletir não apenas a Norte 21,0
realidade nacional, mas também as dispari- Roraima 42,8
dades entre as regiões, os estados, os muni- Amazonas 24,5
cípios e até entre os bairros de uma mesma Amapá 24,5
cidade, é um desafio para todo o país na Maranhão 22,4
formulação das políticas públicas.
Rondônia 19,5
Instrumentos como o Sistema de Infor-
Pará 19,2
mação para a Infância e Adolescência (Sipia)5,
Tocantins 13,9
por exemplo, ainda são pouco utilizados pelos
Mato Grosso 11,4
Acre 11,1
5 Módulo I.
Fonte: IBGE/Estatísticas do Registro Civil – 2006
84 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
A dimensão do problema
Estudantes do Ensino Fundamental de oito anos com idade superior à recomendada
para cada série, em dois anos ou mais, por série de ensino frequentada (em %)
Região/Unidade da Total 1ª- 2ª- 3ª- 4ª- 5ª- 6ª- 7ª- 8ª-
federação série série série série série série série série
Brasil 25,7 18,0 20,2 23,5 27,4 30,8 29,3 26,2 30,4
Norte 35,4 22,2 35,1 31,7 40,0 44,6 37,6 37,2 41,4
Acre 26,7 23,5 27,7 28,7 31,1 24,2 28,9 29,5 20,5
Amapá 20,7 10,2 13,8 20,7 26,9 23,9 28,7 8,9 29,4
Amazonas 36,6 18,7 20,3 26,5 36,6 53,4 38,9 51,3 47,7
Maranhão 37,7 29,6 32,0 42,6 40,3 43,4 42,4 34,2 39,5
Mato Grosso 24,7 9,8 19,5 15,8 24,3 27,9 31,7 23,5 39,1
Pará 40,2 25,3 44,4 38,8 47,6 48,5 41,2 37,1 44,5
Rondônia 24,6 15,0 15,5 17,8 23,5 37,7 30,9 29,8 28,4
Roraima 20,3 8,9 6,9 18,3 19,7 25,5 26,2 27,7 44,2
Tocantins 25,9 10,7 42,9 29,4 13,3 27,2 26,3 29,4 42,9
Fonte: Pnad 2007 – IBGE
fessores do Ensino Médio, 10% não tinham nuando superior à média brasileira, que no
concluído o Ensino Superior, uma das condi- mesmo intervalo passou de 43% para 25,7%
ções estipuladas pela Lei de Diretrizes e Ba- (veja tabela acima).
ses (LDB) para que possam dar aulas. Com uma média de 2,8 anos de estudo,
o Norte não atingiu o nível de quatro anos
completos previstos pelo sistema educacio-
ENSINO FUNDAMENTAL nal para as crianças de 11 anos de idade.
Entre os meninos e as meninas de 7 a 14 anos Segundo a Pnad, a média nacional para essa
que vivem no Norte, 93,2% estavam cursan- faixa etária era de 3,3 anos. Já os adolescen-
do o Ensino Fundamental em 2007, aponta a tes de 14 anos de idade apresentaram 5,2
Pnad. A média nacional era de 94,6%. O per- anos de estudo na região, número próximo
centual de crianças nessa faixa etária que não dos 5,8 do país como um todo.
sabem ler e escrever também vem caindo. Em
1997, era de 17,1%. Atualmente, é de 12,1%,
ante 8,4% da média nacional. É importante MUITAS CONQUISTAS, MAS AS
destacar que a informação referente à capa- DESIGUALDADES PERSISTEM
cidade de ler e escrever de cada pessoa é de- Segundo os dados de 2007 do Índice de De-
clarada ao IBGE e não testada, o que poderia senvolvimento da Educação Básica (Ideb),
aumentar ainda mais esse índice. apresentados pelo Instituto Nacional de Estu-
A falta de condições adequadas para o dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-
aprendizado acaba culminando em sucessi- ra (Inep), do MEC, os estados da Amazônia,
vas repetências e abandono, que provocam em geral, superaram as metas determinadas
distorções entre a idade do aluno e a série pelo governo federal.
cursada. Na Região Norte, em 1997, 55,1% A rede de Mato Grosso, por exemplo, já
dos alunos do Ensino Fundamental com atingiu as metas do Ideb para 2011 nos dois
duração de oito anos não estavam matricu- ciclos do Ensino Fundamental (com índices
lados na série adequada para a sua idade, de 4,4 e 3,8, respectivamente, sendo que
segundo a Pnad. Dez anos depois, esse índi- as metas para 2007 eram 3,7 e 3,1). Em
ce caiu significativamente para 35,4%, conti- dois anos, o estado teve aumento de mais
APRENDER NA AMAZÔNIA 87
A REALIDADE NO CAMPO
Apesar de 27% dos habitantes da Amazônia sos populacionais realizados pelo IBGE, por
viver no campo9, a região sofre com a bai- exemplo, excluem a zona rural de Rondônia,
xa qualidade dos dados existentes. Os cen- Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Ou
seja, não incluem informações sobre parce-
9 Estimativa Datasus, 2007. las significativas da população formadas por
agricultores, criadores, extrativistas, ribeiri-
nhos, caiçaras, assentados, quilombolas, in-
dígenas e seringueiros que vivem nesses es-
drogas e exploração sexual. Essa iniciativa tados. A Pnad passou a ouvi-los somente em
não só faz um grande bem à alma, pois 2004, quando também foi realizado o primei-
mexe com as coisas belas que temos, ro Censo Escolar que incluía as comunidades
como também pode ser a solução para remanescentes de quilombos.
diversos problemas sociais”, afirma Denize A falta de informações dificulta a con-
Carneiro, assessora técnica do projeto. cepção e a execução de políticas públicas
Em 2009 e 2010, pretende-se criar que levem em conta as especificidades da
na área indígena um centro de estudos e educação no campo.
documentação Sateré-Mawé e realizar um Levantamento do Grupo de Estudo e
projeto que indique caminhos para iniciar Pesquisa em Educação Rural na Amazônia
o desenvolvimento de uma educação (Geperuaz), realizado com base no Censo
contextualizada efetiva na região. Escolar 2006, mostra que, no Pará, segundo
“Segundo alguns tuxauas, essa iniciativa maior estado da Amazônia, 75% de todas
‘é a coisa boa que está acontecendo na as escolas de Educação Básica estão locali-
nossa área’. Acreditamos que, se ela não zadas no campo. A maioria das instituições
estivesse ocorrendo, os jovens envolvidos (7.670) é multisseriada, ou seja, concentra
não estariam felizes em conhecer as estudantes de diferentes séries em uma
belezas da nossa cultura, não teriam mesma turma (veja gráfico acima).
a possibilidade de ver que é possível Nessas escolas, a taxa de distorção ida-
o desenvolvimento sem perder de-série é de 81,2%, chegando a 90,51% das
as nossas raízes mais profundas”, conta crianças matriculadas na 4ª- série; e a taxa
José de Oliveira dos Santos da Silva. de reprovação equivale a 25,64%, atingindo
um índice de 36,27% na 1ª- série.
92 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Centros de Ensino Médio e Profissionalizante zonais em Belém, São Luís e Manaus, vem
(CEMPs), experiência inovadora em que a es- intensificando suas ações com a realização
cola se torna centro de desenvolvimento local, da Agenda Criança Amazônia. A iniciativa
apostando na educação integral do adolescen- foi construída com base na experiência do
te e do jovem (leia mais sobre a experiência no Selo UNICEF Município Aprovado – desen-
texto Ampliando horizontes). volvido desde 2000 no Semiárido Brasileiro
Outra experiência interessante é o Proje- –, e parte do princípio que, se cada muni-
to EducAmazônia, que visa garantir às crian- cípio priorizar os direitos infanto-juvenis e
ças e aos adolescentes da região o direito de construir políticas públicas para garanti-los,
aprender. Em seus primeiros quatro anos, todos darão um salto importante na con-
o EducAmazônia trabalhou voltado para a quista de um presente e de um futuro mais
escola do campo, buscando beneficiar tam- dignos e sustentáveis.
bém crianças indígenas, quilombolas, assen-
tadas e ribeirinhas. O projeto vive agora um
novo momento. Percebeu que, para melho- A Agenda Criança Amazônia propõe a construção
rar a educação do campo, teria que romper de políticas públicas que priorizem os direitos de
com a dicotomia campo-cidade e procurar meninos e meninas que vivem na região
alternativas que permitam garantir a todas as
crianças e a todos os adolescentes da região
o direito de frequentar uma escola com uma É esse o movimento que a Agenda Criança
educação de qualidade. Amazônia está propondo para governadores,
Mais do que um projeto, o EducAmazô- prefeitos, secretários municipais, juízes, promo-
nia é uma articulação voltada para a cons- tores, conselheiros tutelares, conselheiros de
trução de uma educação inclusiva, multi- direitos, comunicadores, profissionais da edu-
cultural e cidadã. Apoiado pelo UNICEF e cação e da saúde, organizações sociais e, em
pela Fundação Instituto para o Desenvol- especial, para as crianças e os adolescentes que
vimento da Amazônia (Fidesa), o EducAmazô- nascem e crescem na Amazônia.
nia conta com uma coordenação colegiada, Para a primeira fase, entre novembro de
da qual participam a Universidade Federal 2007 e novembro de 2008, foram seleciona-
do Pará (UFPA), o Museu Paraense Emí- dos e convidados 76 municípios nos estados
lio Goeldi, o Fórum Paraense de Educa- do Pará, Maranhão e Amazonas para se jun-
ção no Campo, a Secretaria de Educação tar às ações da Agenda. A escolha levou em
do Pará, a Universidade da Amazônia e a conta a distribuição entre as microrregiões, as
União Nacional dos Dirigentes Municipais condições de acesso, os indicadores sociais
de Educação (Undime). para a infância e a adolescência e a diver-
O projeto procura fortalecer o respeito sidade das populações quanto aos aspectos
à diversidade amazônica. Para isso, trabalha étnicos, sociais e culturais.
em diversas frentes: levantamento da realida- Até 2011, todos os municípios da Ama-
de, por meio da realização de pesquisas e do zônia Legal Brasileira poderão fazer parte
monitoramento de indicadores; formação de da construção da Agenda Criança Amazô-
professores e gestores; intervenção pedagógi- nia, reforçando a participação do Brasil nos
ca; mobilização e articulação política. As ações esforços para alcançar os Objetivos de De-
que, no início, se restringiam ao Pará devem senvolvimento do Milênio.
se expandir para toda a região, começando Em fevereiro de 2009, os governadores
pelos estados do Amapá e Tocantins. dos estados que integram a Amazônia Legal
Desde o início de 2008, o UNICEF, que es- Brasileira assinaram um termo de compro-
tá presente na região por meio de escritórios misso com a Agenda Criança Amazônia.
96 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Na beira
do rio
Os desafios para garantir
o direito de aprender em
comunidades ribeirinhas,
como as localizadas
nos municípios de São
Domingos do Capim e
Acará, ambos no Pará
Passará, passará
Dê licença de passar
E se não for o da frente
Vai ser o de trás.
A professora
Leila Raposo
objetivos incluem pesquisas para levantar a Neusa Pinto, é uma homenagem à sua avó, que dos Santos
realidade local, a formação de professores e a abriu em 1934 e onde foi sua professora até leciona em turma
gestores, intervenções pedagógicas e a arti- 1983 – quando passou a incumbência de lecionar multisseriada
culação política. para a neta de 19 anos. Nesse intervalo de tempo, na comunidade
Além disso, desde 2008, histórias como a da o estabelecimento teve outros nomes (Santo An- de Santa Maria,
professora Leila Raposo dos Santos (acima) tam- tonio e Patrícia Bildner) e permaneceu fechado em Acará (PA)
bém estão sendo registradas pelo EducAmazônia e por um breve período. Quando Leila assumiu a
são um bom exemplo dos desafios e do potencial classe, tinha cursado apenas até o equivalente à
da região. O nome da escola onde Leila leciona, 5a série do Ensino Fundamental. Só que nunca
98 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
A agricultora
Alcione Paiva
Ramos voltou a
estudar em 2007,
na mesma classe
que os cinco filhos,
de 4 a 12 anos.
Juntos, caminham
pela mata durante
1 hora para
chegar à escola
APRENDER NA AMAZÔNIA 99
Ampliando horizontes
Centros de Ensino Médio e Profissionalizante
incentivam o protagonismo juvenil na Baixada
Maranhense, uma das regiões mais pobres do Brasil
A pergunta “O que eu vou fazer da vida?” pedagógica está em combinar disciplinas tra-
está na cabeça de adolescentes e jovens dicionais com as profissionalizantes. Os alunos
brasileiros, e é à ausência de respostas e optam por especializar-se em Agroecologia,
perspectivas que especialistas creditam parte Informática, Enfermagem, Gestão Ambiental
da responsabilidade pelos altos índices de e Urbana, Turismo Comunitário e Tecnologia
evasão no Ensino Médio no país. da Comunicação e Informação. Com isso, o
Numa das áreas mais pobres do Brasil, tempo para a conclusão dessa etapa de estudos
conhecida por Baixada – Campos e Lagos passou para quatro anos. “As aulas técnicas
Maranhenses, no Maranhão, dentro da Ama- nos ajudam a transformar as nossas vidas por-
zônia Legal, os Centros de Ensino Médio e que nos ensinam uma profissão”, diz Camila
Profissionalizante (CEMPs) buscam reverter Amorim, estudante de Agroecologia no CEMP
esse quadro estimulando o protagonismo de Palmeirândia.
juvenil e oferecendo oportunidades para Os centros estão dentro de um conjunto
que os jovens descubram o que querem integrado de ações específicas para a região,
O projeto para o próprio futuro. o Jovem Cidadão. O programa é desenvol-
pedagógico Jeovane José Campos da Silva, de 25 anos, vido pela Formação, associação sem fins
busca oferecer por exemplo, já sabe que quer ter uma cria- lucrativos criada por educadores populares
oportunidades ção de cabras num modelo igual ao que com sede em São Luís, em parceria com o
para que os aprendeu em uma viagem de vivência para UNICEF e a Fundação W.K. Kellog. Seus
jovens da Santa Catarina.“Eu e meus colegas fizemos professores recebem formação continuada
região possam uma pesquisa de mercado e descobrimos sua e acompanhamento pedagógico constante.
ter opções para viabilidade na região”, diz. Anderson Carlos Os objetivos estratégicos são estimular o
descobrir o que Pereira Barros, de 20 anos, quer aumentar protagonismo juvenil e o desenvolvimento
querem para a lucratividade do condomínio de turismo local. “Os estudantes percebem durante o
seu futuro rural que montou com quatro sócios em curso que não precisam sair do município
2007. “Mantemos uma horta orgânica para para ter oportunidades profissionais”, observa
abastecer nosso restaurante”, conta. Lucivaldo Oliveira, diretor do CEMP de São
Ambos são recém-formados nos CEMPs de Bento, a unidade pioneira, aberta em 2004,
São Bento (MA) e de Palmeirândia (MA), res- onde hoje estudam 490 alunos.
pectivamente. As duas escolas públicas fazem
parte de um projeto educacional focado em Construindo novas oportunidades
levar qualidade para o Ensino Médio de sete Um diferencial do projeto é a incubadora
cidades da Baixada Maranhense – as outras são social para viabilizar empreendimentos dos
Matinha, Arari, Olinda Nova, São João Batista e jovens.“A ideia é mostrar que eles têm outras
São Vicente Ferrer. A linha central da proposta opções além de prestar concurso público
APRENDER NA AMAZÔNIA 101
ou trabalhar nos canaviais de São Paulo”, diz to aprovado. “Fiquei um ano trabalhando
Regina Cabral, responsável pela incubadora sem ganhar nada, mas sempre acreditei no
na Formação. Os pré-requisitos são que os futuro do negócio”, diz Anderson, sobre sua
negócios sejam coletivos, tenham participa- propriedade turística com criação de suínos
ção da família e beneficiem a comunidade. e aves inaugurada em 2006, o Condomínio
Em cinco anos, 95 propostas foram aceitas Cauaçu.
para receber apoio técnico e financeiro. A Embora o Ensino Médio esteja sob respon-
iniciativa estimulou o surgimento de uma sabilidade prioritária do estado, os CEMPs
companhia de teatro de bonecos, uma fá- foram construídos em convênio com as pre-
brica de doces caseiros, hortas orgânicas feituras locais.A necessidade de recursos fez As alunas
e propriedades focadas em piscicultura, com que três deles fossem estadualizados aprendem
por exemplo. Ao todo, desde 2004, foram para ter acesso aos repasses do Fundo de no laboratório
investidos 600 mil reais. “Nosso projeto de Manutenção e Desenvolvimento da Educação de físico-química
caprinocultura pode gerar empregos para Básica e de Valorização dos Profissionais da unidade de
outros colegas”, aponta Jeovane, morador da Educação (Fundeb). A ideia é transferir Palmeirândia (MA),
do povoado Rio do Meio, nos arredores de o recebimento de matrículas e comparti- equipado de
São Bento, na expectativa de ter seu proje- lhar a gestão. “Queremos manter na cidade acordo com as
demandas locais
102 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Crianças de
escola rural de
Palmeirândia
brincam durante
o programa
Noutro Turno, em
que estudantes
do CEMP atuam
como monitores
APRENDER NA AMAZÔNIA 103
um Ensino Médio que faça a diferença”, diz quais pertencem. Um deles é o Noutro Turno,
Bianka Pereira Pinheiro, que foi secretária iniciado em setembro de 2008. Com apoio
municipal de Educação de Palmeirândia até do UNICEF, o programa tem como objetivo
o início de 2009. promover atividades diárias de contraturno
As instalações dos CEMPs de Palmeirândia para crianças da 1ª- à 4ª- série do Ensino
e de São Bento são novas e bem-cuidadas. Fundamental em escolas públicas rurais e
Bibliotecas foram instaladas nesses centros urbanas. Os estudantes dos CEMPs atuam
e em outras três unidades, que receberam como monitores remunerados de leitura,
cerca de 10.000 livros e 5.000 revistas, de arte-cultura, comunicação educativa, edu-
acordo com suas necessidades. Há ainda cação física, saúde e ecologia. “É incrível
telecentros climatizados, onde os estudantes muitos alunos acharem que estudo não tem
de Informática têm aulas de manutenção importância”, observa Amância Rafaela Câ-
de computadores, administração de rede mara Machado, de 17 anos, monitora nos
e programas e os que estão matriculados povoados de Guarapiranga e Belas Águas,
nas outras especialidades podem fazer pes- em São Bento, e recém-formada em Agroe-
quisas na internet. Cartolinas com frases cologia.“Aos poucos, vamos mostrando para
de educadores conhecidos dividem espaço eles por que o ensino é bom.”
com avisos e cartazes de campanhas edu- O sorriso das crianças é a melhor prova Os alunos
cacionais, como a de prevenção do HIV e da efetividade da iniciativa, realizada em das sete
da gravidez na adolescência. “Ainda temos lugares com raríssimas alternativas de lazer unidades são
de melhorar bastante o tratamento desses organizadas. Muitas mães trazem os filhos incentivados
temas, embora sempre que possível eles fa- e ficam para assistir às oficinas. “É muito a ter espírito
çam parte do planejamento das disciplinas”, bonito o jeito que eles aprendem”, diz An- empreendedor
afirma a diretora do CEMP de Palmeirândia, tonia Viegas sobre os meninos Maianderson, e a participar
Taciana Pereira Pinheiro. de 7 anos, e Jadson, de 5 anos, durante um de atividades
Laboratórios especializados foram pensa- exercício de mímica com 30 matriculados para conhecer
dos de acordo com as necessidades locais. da Escola Jerônimo Mendes, no povoado melhor as
Aberto em 2008, em Palmeirândia, o de fí- rural de Triângulo, em Palmeirândia. “Eles comunidades
sico-química é um exemplo prático dessa aprendem muitas coisas que eu não apren- às quais
abordagem. Os equipamentos, adquiridos por di”, observa ela, que estudou até o 2 o ano pertencem
11.500 reais, permitem realizar testes de mé- do Ensino Fundamental. Realizado na Igreja
dia complexidade.“Aqui temos condições de Nossa Senhora do Rosário, o encontro pros-
fazer análises de água e de solo”, diz Luciene segue com contação de histórias, exibição
Correia Pereira, de 15 anos, que recebe uma de fotos em um projetor e dicas de higiene
bolsa de iniciação científica júnior para atuar pessoal, num total de 3 horas. “Eu gosto
como monitora no local. “A ideia é tornar o mais de me divertir aqui do que em casa,
laboratório autossustentável, com a oferta porque tem educação, dança, quadro de
de serviços laboratoriais para auxiliar os pe- olhar...”, resume Kerliane Soares dos Santos,
quenos agricultores do município”, afirma o de 8 anos, aluna da 2 a série. Por trás das
professor responsável, Paulo Artur Costa. brincadeiras, os monitores têm o desafio
de ampliar o repertório cultural dos par-
O protagonismo dos jovens ticipantes mirins. E comprovam, na ação,
Como polo difusor de conhecimento, os mais um aspecto de como os jovens são
CEMPs incentivam seus alunos a participar peças fundamentais para fazer a diferença
de projetos realizados nas comunidades às no lugar em que vivem.
APRENDER nas COMUNIDADES POPULARES
Enfrentando a
invisibilidade
O retrato da educação em
comunidades populares ainda
é muito pouco preciso. Em geral,
vem sendo traçado por estudos
e pesquisas sobre a violência.
Ao propor para os centros urbanos
uma plataforma de atuação
estratégica centrada nas crianças
e nos adolescentes que vivem nessas
comunidades, o UNICEF pretende
dar visibilidade a essa população,
contribuindo para diminuir
a exclusão, as disparidades,
as discriminações e as violações
nidades no direito à educação. 4 Relatório Rio Como Vamos: Indicadores da Cidade, 2008.
Deseja ainda estimular e fortalecer sen- direitos das crianças e dos adolescentes
timentos de pertencimento, responsabili- que vivem nas comunidades populares.
dade coletiva e coesão social entre atores • Criação de oportunidades para que os
diversos, ajudando a superar a fragmenta- adolescentes participem ativamente da
ção territorial e social. garantia de seus próprios direitos.
Uma das principais ações previstas é • E o monitoramento e a avaliação perma-
a realização de um mapeamento das vio- nentes de metas indutoras e indicadores
lações de direitos humanos e também da que retratem a realidade dessas crianças
rede de apoio da comunidade em relação e adolescentes.
à infância e à adolescência, para compor A ação se une a outras propostas exis-
o diagnóstico da situação inicial em rela- tentes que têm o apoio do UNICEF, como
ção às metas e aos indicadores. A análise projetos de educação integral e comuni-
é complementada pela pesquisa de per- tária (leia mais sobre o assunto no capí-
cepção (veja texto A opinião dos jovens) tulo Aprender no Brasil), que mobiliza a
e pela coleta de dados oficiais. Com base comunidade para abrir espaços públicos
nessa primeira avaliação, os grupos locais e privados para ações educacionais e que
têm que construir um plano de ação para já estão presentes, entre outros, nos mu-
atingir metas estabelecidas. nicípios de Nova Iguaçu (RJ), Belo Hori-
zonte, Quixadá (CE) e Barueri (SP). Eles
são sementes da mobilização pela Educa-
A Plataforma dos Centros Urbanos visa estimular a ção Básica de qualidade que está se espa-
articulação entre comunidade, sociedade e governo lhando pelo país.
para garantir o direito de crianças e adolescentes
Compromisso assumido
Das 20 metas da carta de compromisso
A Plataforma dos Centros Urbanos vai
assinada pelos prefeitos de São Paulo
conceder um certificado para todas as co-
e do Rio de Janeiro, sete estão relacionadas
munidades populares que atingirem suas
à educação. São elas:
metas até 2011. A ideia é que essas comu-
nidades transformem-se mais tarde em po- w A mpliar as vagas em creche para
los irradiadores fomentando a criação de crianças de até 3 anos.
novos grupos em outros lugares.
w A mpliar as vagas em Educação Infantil
A iniciativa visa estimular ainda mais o para crianças de 4 e 5 anos.
trabalho integrado entre comunidade, so-
w A mpliar a taxa de conclusão do Ensino
ciedade civil e poderes municipais para ga-
Fundamental e de ingresso no Ensino Médio.
rantir o direito de milhares de crianças e
w A mpliar a taxa de escolarização líquida para
adolescentes. A intenção é atuar sobre o
o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
desenvolvimento e a gestão das políticas
públicas e sobre o comportamento das fa- w Melhorar o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (Ideb) no Ensino
mílias, do governo e da sociedade.
Fundamental e no Ensino Médio.
Para atingir esses propósitos, a Plata-
forma lança mão de estratégias articuladas w A mpliar o número de escolas implantando
a Lei no 10.639/03, que prevê a inclusão
que incluem, entre outras atividades:
da temática de história e cultura
• Mobilização de diversas instâncias do po- afro-brasileira nos currículos escolares.
der público e da sociedade civil.
w Aumentar o acesso de meninos e
• Desenvolvimento das capacidades dos
meninas negros/indígenas à escola.
responsáveis pela implementação dos
Aprender nas comunidades populares 111
Jovens
Educação para
contadores de
histórias atuam
na comunidade
“Eu sou negro e a senhora é de outra cor, mas São João de Meriti, atendida pelo projeto
eu não devo olhar para a senhora pela cor e Territórios de Educação para Igualdade Ra-
sim pelo que a senhora é.” O autor da frase cial (Tepir). O projeto tem como principal
é Diego Araújo, aluno da 6a- série do Ensino objetivo fortalecer a implantação das leis
Fundamental. Diego tem apenas 13 anos, mas nos- 10.639/03 e 11.645/08, que determinam
já sabe dizer o que impede as pessoas de se a inclusão da temática História e Cultura Afro-
verem como iguais: o preconceito. “Queria Brasileira e Indígena no currículo oficial da
que o preconceito parasse”, reforça o jovem rede de ensino.
que vive na Baixada Fluminense, no Rio de Em agosto de 2008, o Tepir, com o apoio
Janeiro, com a mãe e dois irmãos. do UNICEF, ofereceu um curso de africanidade
Diego é um dos 1.860 alunos da Escola para 58 docentes da rede municipal de São
Municipal Unidade Integrada de 1º- grau, em João de Meriti, município onde 57,9% da
112 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
As rodas de leitura
acontecem em
dias fixos no
Espaço Griots e de
forma itinerante
nas escolas
municipais que
participam do
projeto em São
João de Meriti
2 A pesquisa sobre os motivos que contribuem e/ou facilitam a implementação das Diretrizes
1 Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Educação – Exercitando Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
a Definição de Conteúdos e Metodologias, do Centro de Estudos das Relações História e Cultura Afro-brasileira e Africana foi feita em parceria com a Secretaria Municipal
de Trabalho e Desigualdades (Ceert). de Educação de São Paulo, por meio do Grupo de Educação Étnico-cultural.
114 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
O que uma comunidade indígena em Santa em função da crise na lavoura do cacau. Muitos
Cruz Cabrália (BA) tem em comum com o deles procuraram abrigo na periferia da cidade.
bairro mais populoso do município vizinho, O censo demográfico de 1991 informa que o
Porto Seguro (BA)? Tanto a Aldeia Coroa Ver- município tinha cerca de 34 mil habitantes.
melha como o bairro Baianão sofrem com Subiu para quase 96 mil no levantamento de
problemas típicos de grandes cidades.Trabalho 2000. A projeção do IBGE aponta uma popu-
infantil, abuso e exploração sexual, e violên- lação em 2007 de 114.459 habitantes.
cia fazem parte do cotidiano dos moradores A Aldeia Coroa Vermelha, de etnia pataxó,
de ambas as áreas. Os dois locais são alvo da fica no município de Santa Cruz Cabrália, a
atuação do projeto Território de Proteção da apenas 18 quilômetros do centro de Porto
Criança e do Adolescente, desenvolvido desde Seguro. Seu terreno é delimitado, de um
2006 pelo Instituto Tribos Jovens (ITJ), em lado, pela praia, e, de outro, pela principal
parceria com o UNICEF e com o apoio de estrada de ligação da região. A localização
O turismo uma empresa de papel e celulose. provocou um choque cultural entre as tra-
intenso da Para ajudar na garantia do direito de apren- dições indígenas e a vida urbana.
região está por der, o programa atua no fortalecimento das O costume artesão de fazer colares e
trás da alta capacidades das famílias, na educação sexual pulseiras de sementes e miçangas serve de
vulnerabilidade de adolescentes e na capacitação de profissio- justificativa para muitos pais incluírem os
social dos nais de saúde, educação e assistência social. filhos no ganho da renda doméstica desde
indígenas “Nossa estratégia global é promover impactos muito cedo. Cabe a eles a tarefa de vender as
que vivem na positivos na vida de meninos de até 17 anos”, bijuterias nas praias e em locais históricos,
Aldeia Coroa diz Analia David, gestora do projeto.“O foco de o que provoca evasão escolar e os expõe ao
Vermelha, da cada uma das ações depende das necessidades assédio de visitantes. “Os pais acreditam que
etnia pataxó das comunidades em cada momento.” isso ajuda nas vendas e não conseguem ver
Por trás da alta vulnerabilidade social está essa atividade como trabalho”, diz o educa-
o aumento do turismo no sul da Bahia. Cida- dor Katão Pataxó, morador local e autor do
de pacata até o início da década de 80, Porto livro Trioká Hahão Pataxi: Caminhando
Seguro tornou-se a partir de meados dos anos pela História Pataxó.
90 um dos principais destinos turísticos do
país. Em 2008, recebeu mais de 1 milhão de Educação abre espaço para o diálogo
pessoas, muitos estrangeiros, que aproveitaram Uma das ações do Instituto Tribos Jovens em
a estrutura de hospedagem formada por 500 Coroa Vermelha aborda um tabu na aldeia:
estabelecimentos e 45 mil leitos. O crescimento sexo. As famílias indígenas não costumam ter
do número de visitantes atraiu moradores do um diálogo aberto sobre o assunto – apesar
sul da Bahia, agricultores que saíram da região do registro do surgimento de casos de abuso
Aprender nas comunidades populares 115
A participação
nas oficinas de
e exploração sexual entre adolescentes dali Fórum Gestor, formado por lideranças indí- arte-educação
desde o final da década de 90. Para se ter genas e pelos organizadores. A ideia é que permitiu ao
uma ideia, a distribuição de camisinhas só foi no final do curso todos os 40 adolescentes guia indígena
admitida no posto de saúde da comunidade escolhidos tornem-se agentes promotores mirim Felipe
em 2007. O espetáculo teatral Quem Desco- de cidadania e possam multiplicar o conhe- ter um diálogo
briu o Amor? serviu como primeiro ato para cimento com outros jovens da região. mais aberto
promover as inscrições de oficinas de arte- As resistências começaram a ser quebradas sobre sexo com
educação sobre o tema. Foram escolhidos 40 em menos de seis meses. “Eu me sinto mais o pai, o artesão
adolescentes de 12 a 17 anos para participar em condições de expressar minhas opini- Antonio Borges
das sessões, promovidas desde junho de 2008 ões, inclusive falar sobre namoro com meus
pela ONG Centro de Referência Integral de pais”, diz Camila Florência Espírito Santo,
Adolescentes (Cria). de 15 anos, estudante do 1o ano do Ensino
Além de atividades de expressão corporal, Médio. “Aprendemos informações úteis para
a proposta é ter um espaço adequado para nos proteger de conversas com pessoas estra-
falar de sexualidade, mudanças no corpo, nhas à comunidade”, afirma. “Antes eu não
doenças sexualmente transmissíveis, gravi- tinha chance de falar sobre isso. É melhor
dez, drogas, violência e preconceito contra conversar sobre o tema em grupo”, conta
os indígenas. No início, a ideia não foi bem Felipe Soares Silva, de 16 anos. “As oficinas
recebida. “Teve um pai furioso que veio bus- são boas porque ali ele aprende as coisas do
car as duas filhas”, conta Irene Piñero, do mundo”, explica em suas palavras o pai de
Cria. “Tivemos de fazer uma reunião para Felipe, o artesão Antonio Borges dos Santos,
explicar os objetivos.” As resistências foram que estudou apenas até a 3a série do Ensino
aos pouco sendo superadas com a ajuda do Fundamental e trouxe sua família para a aldeia
116 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
em 2002, atraído pela possibilidade de lucros encontros. Contam que surgiram desabafos
na venda de artesanato em Porto Seguro e sobre violência familiar, saúde e um caso de
nos distritos vizinhos de Arraial d’Ajuda e abuso sexual até então desconhecido na tribo.
Trancoso.“Outro dia peguei umas camisinhas “Eu me emocionei com muitas das histórias,
no posto de saúde e coloquei no armário pois eles são nossos vizinhos e não sabemos
dele”, conta, revelando como a questão é o que ocorre lá dentro”, diz Luciene.
tratada dentro de casa. Os efeitos já se fizeram sentir dentro da
Cinco monitores de até 22 anos e o edu- única escola de Coroa Vermelha, que atende
cador Katão Pataxó organizam a programação 846 crianças indígenas da Educação Infantil até
durante os intervalos das oficinas, realizadas o 9o ano do Ensino Fundamental. “Os jovens
em sessões a cada dois meses. A experiência passaram a falar mais de sexualidade a par-
tem sido surpreendente também para eles. tir do início das oficinas”, observa Raimunda
“Nós aprendemos tanto quanto eles, pois nun- de Jesus Matos, coordenadora pedagógica do
ca tivemos essas informações na escola”, diz estabelecimento de ensino, criado em 1996.
Ubiraí Silva Matos, de 21 anos, integrante do Raimunda tem a colaboração de uma equipe
grupo jovem de tradições pataxós Niokytoynã de 22 professores e 61 funcionários, todos
Xohã Hahão (Grandes Guerreiros da Terra, no indígenas, para fazer funcionar as 12 salas de
idioma patxohã). “Sem contar que a oficina aula. Seu plano para 2009 é fazer o máximo
é um espaço democrático para falar sobre possível para que o assunto seja tratado em sala
o que está acontecendo na aldeia”, aponta de aula. Pensa em organizar palestras sobre
Luciene Chaves de Jesus, da mesma idade. abuso e exploração sexual e doenças sexual-
Eles revelam que a liberdade para cada par- mente transmissíveis, entre outros temas. Outro
ticipante expor suas posições a respeito de problema, porém, a incomoda mais: a evasão
pontos sensíveis é outro aspecto positivo dos escolar nos períodos de temporada. “Mais da
Gilmara
Vasconcelos, de
21 anos, ainda
não completou
o Ensino Médio,
mas faz questão
de manter na
Educação Infantil
sua única filha,
Sâmara, de 4 anos
Aprender nas comunidades populares 117
metade das meninas e meninos falta à aula para mais do que dois dias, todos os coleguinhas
vender artesanato na praia”, lamenta. vão juntos visitá-lo, o que torna o abandono
Essa exposição é a maior preocupação do quase zero.“O melhor é que posso estar perto
comissariado indígena de crianças e adoles- dela sempre”, diz Gilmara Vasconcelos, de
centes, comandado por Ruth Nascimento dos 21 anos, cursando o 1o ano do Ensino Médio,
Santos. “Tentamos colocar na cabeça dos pais mãe de Sâmara, de 4 anos. “Eu já sei dese-
a importância de o aluno não faltar à escola e nhar e pintar”, aponta a garota, mostrando
o quanto pode ser perigoso deixar os filhos o caderno em que reúne seus trabalhos es-
sozinhos na praia”, afirma. Como precaução, colares. Há dois anos, a AME foi incluída na
a comissária fica de plantão na areia durante rede municipal de ensino, ganhando o nome
o verão para coibir abordagens ilícitas. “Com de Centro Educacional Sementinha.
experiência, você reconhece na hora se a A própria história da associação tem mui-
conversa é sobre o produto ou se o cliente to a ver com o modo de viver do Baianão.
tem outros interesses”, observa. A artimanha “Quando tentaram implantar o projeto Se-
geralmente vem camuflada de convites para mentinha aqui, pensaram em desistir porque
passeios e festas. No caso de ocorrências, os professores não queriam vir até nós por
Ruth aciona sua rede de proteção, formada por causa da violência”, diz Sileide Pereira Bor-
delegados, promotores e conselhos tutelares ges Bonfim, diretora da AME e integrante do A Associação
de Porto Seguro e de Cabrália. Conselho Tutelar de Porto Seguro. Das dez das Mães
mães escolhidas para participar da capacita- Educadoras
Mães educadoras ção para se tornarem educadoras populares, é responsável
No bairro Baianão, na periferia de Porto Seguro, três eram analfabetas. O desafio serviu de pela educação
a vulnerabilidade de crianças e adolescentes incentivo para que elas passassem a estudar. de 228 crianças
transparece de outra maneira. Distante das Atualmente, as 12 educadoras, que têm entre de 4 a 6 anos do
áreas turísticas, o lugar é frequentemente citado 18 e 55 anos, completaram ou estão prestes populoso bairro
nas crônicas policiais. A maior parte de suas a completar o Ensino Médio. Também parti- Baianão
ruas não possui calçamento nem sinalização cipam de outros cursos, como a capacitação
adequada. O saneamento básico é precário. com o kit Família Brasileira Fortalecida, do
O projeto Território de Proteção da Criança e UNICEF, promovida pelo ITJ. O material é
do Adolescente preparou um questionário para composto de cinco álbuns com informações
conhecer melhor esses e outros problemas locais. e orientações sobre os cuidados necessários
Nele, havia perguntas sobre saúde, alimentação com a criança, desde antes do nascimento
e educação. A parceira dessa empreitada foi até os 6 anos de idade.
justamente uma das organizações mais represen- O mais novo movimento dessas mulheres
tativas da comunidade, a Associação das Mães é o Musicarte. Trata-se de atividades de música
Educadoras (AME). A entidade é responsável no contraturno escolar para meninos e meninas
pela educação de 228 crianças de 4 a 6 anos de 7 a 16 anos egressos do Sementinha. É uma
nos 12 setores do bairro, dentro da proposta forma de ocupar o tempo em uma região prati-
pedagógica do projeto Sementinha, formatado camente sem opções de lazer. As instruções de
pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvi- flauta doce, violão e bateria dos 84 participantes
mento em meados da década de 80. acontecem na sede da AME, que funciona em
As aulas não acontecem em escolas e, sim, um espaço cedido por uma voluntária. “No fim
na casa das famílias, cada dia em uma diferente. de 2008, participamos de um espetáculo para
Os alunos reúnem-se em um ponto de encon- mostrar o que sabemos”, diz a garota Luamir
tro e vão todos juntos. Quando um deles falta Bonfim de Souza, de 12 anos.
desafios
Todos juntos
pelo direito
de aprender
A escola tem papel importante no
Sistema de Garantia de Direitos.
Cabe também a ela assegurar
o cumprimento dos direitos
da criança e do adolescente
promovendo a prática da
cidadania e da participação
dos meninos e meninas, além
de notificar, por exemplo, casos
de suspeita ou confirmação de
maus-tratos ao Conselho Tutelar.
Ainda hoje, no entanto, ela tem
dificuldade de se assumir como
parte dessa grande rede. E o
próprio Sistema, por sua vez, em
geral não a reconhece como tal
Muitas vezes, a abordagem da educação lescentes, mas sozinha ela tem um alcance
restringe-se aos temas do professor, do currí- limitado. Para que assuma o seu papel no
culo, da avaliação e da sala de aula. O direito enfrentamento dos graves problemas que
de aprender, no entanto, é mais amplo do que afetam meninas e meninos brasileiros e in-
isso, e há muitos outros aspectos que devem terferem no seu direito de aprender, é pre-
ser levados em conta. O estudante tem cor, tem ciso não apenas que ela se fortaleça, mas
gênero e um lugar social em que está inseri- todo o Sistema de Garantia de Direitos, do
do.1 Por isso, a Convenção sobre os Direitos da qual a escola faz parte.
Criança, aprovada pela Assembléia Geral das O problema é que ainda hoje as ins-
Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e tituições de ensino têm dificuldade de se
ratificada por 191 países, expressa claramente o assumir como parte dessa grande rede. E
direito da criança a uma educação que leve em o próprio Sistema de Garantia de Direitos,
conta sua identidade cultural, suas particulari- por sua vez, em geral também não a reco-
dades étnicas e religiosas e seus valores. nhece como tal.
O Sistema se divide em três eixos: promo-
ção, controle e defesa. No eixo da promoção
Pesquisa feita com profissionais das escolas estão as políticas sociais básicas e os órgãos
mostra que 17,5% admitem não ter interesse pelo de atendimento direto, como as escolas e os
Estatuto da Criança e do Adolescente serviços públicos de saúde. O eixo do con-
trole engloba as entidades que exercem a vi-
gilância sobre a política e o uso de recursos
A educação é base na formação do ser públicos para a área da infância e da adoles-
humano, bem como na defesa e na consti- cência, como os conselhos de direitos e os
tuição dos outros direitos econômicos, so- fóruns. A terceira linha de ação é a defesa,
ciais e culturais. Pensar a educação como que reúne órgãos como defensorias públicas,
direito humano implica levar em considera- conselhos tutelares, Ministério Público e Po-
ção essas e outras questões, como o envol- der Judiciário, que têm a função de intervir
vimento da comunidade e também as pres- nos casos em que os direitos de crianças ou
sões sociais e de natureza cultural presentes adolescentes são negados ou violados.
na escola, além da necessidade de defesa,
de valorização e de respeito às diferenças.
Hoje, há cada vez mais expectativas da Falhas no sistema
sociedade em relação à educação, não ape- A ideia é que todos atuem de forma con-
nas no que se refere ao acesso e à qualida- vergente. Caso contrário, o atendimento à
de das escolas, mas também ao seu papel criança e ao adolescente torna-se segmenta-
na promoção da cidadania, no respeito à do, e a proteção – que deveria ser integral
diversidade, assim como no enfrentamento – acaba sendo parcial e inconsistente.
de problemas como o trabalho infantil (leia Quase dezenove anos depois da promul-
mais sobre o assunto no texto Trabalho infan- gação do Estatuto da Criança e do Adoles-
til viola direito fundamental à educação), a cente, ainda há uma série de problemas e
violência doméstica e a exploração sexual2. desafios a ser vencidos para consolidar a im-
A escola é uma instituição importante na plementação desse sistema e garantir de fato
garantia dos direitos das crianças e dos ado- às crianças e aos adolescentes o pleno exer-
cício da cidadania.
1 Artigo A Educação como Direito Humano, Sérgio Haddad, 2003, disponível em A começar pelo desconhecimento da pró-
www.acaoeducativa.org.br.
2 No III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e pria lei e da sua importância. Pesquisa realiza-
Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2008, os participantes
apontaram a escola como principal instituição de combate ao problema. da entre 2004 e 2006 pelo Centro de Referência
desafios 121
coletiva (uma ação civil em nome à educação e ao atendimento da criança e do adolescente estão
de moradores de um bairro que médico. Em relação ao direito disponíveis em seu banco de
demandam a construção de à educação, em geral, a criança, dados. Não se tem, portanto, o
uma escola, por exemplo) ou seu responsável ou algum adulto número preciso de quantas crianças
difusa (quando vai a juízo pedir próximo comunica a violação estão nas escolas por força desse
vagas em nome da população ao Conselho Tutelar. O conselho, instrumento ou de quantas ações
de todo um município). então, solicita à escola da região foram movidas contra o Estado
Embora não existam estatísticas a abertura de uma vaga. Caso requerendo melhoria na qualidade
sobre o número de ações civis isso não ocorra, ele encaminha da educação. A experiência dos
públicas voltadas para a garantia uma representação ao Ministério promotores, no entanto, mostra
dos direitos da criança e do Público, que entra com a ação civil. que as ações se referem, sobretudo,
adolescente, é possível dizer, com Segundo o Grupo de Trabalho à oferta insuficiente de vagas nas
base na prática dos promotores sobre Educação da Procuradoria creches e pré-escolas. Em menor
e juízes das Varas da Infância Federal dos Direitos do Cidadão, número, há ações que solicitam o
e Juventude, que as demandas nem todas as ações civis públicas acesso ao Ensino Médio. Em geral,
mais comuns são pelo acesso voltadas para o direito à educação elas são julgadas procedentes.
124 Situação da Infância e da adolescência Brasileira 2009
Foco no orçamento
Sistema de monitoramento criado pelo UNICEF e Associação Contas
Abertas permite à sociedade acompanhar o investimento do governo
federal em programas e ações destinados a crianças e adolescentes
No Brasil, o monitoramento do volume de cente deveria ser encarado não como despesa,mas
recursos destinados à criança e ao adoles- como investimento, daí a alteração do conceito
cente teve início em 1995, quando o Grupo de Orçamento Criança para o de Investimento
Executivo do Pacto pela Infância1 passou a Criança. Essa mudança é importante porque está
trabalhar no desenvolvimento de metodolo- alinhada ao conceito de que o valor destinado a
gias adequadas a essa tarefa. essas políticas tem alto retorno na garantia de
A primeira proposta de acompanhamen- direitos e em termos econômicos e de governabi-
to – o Orçamento Criança – foi construída lidade democrática,contribuindo para acabar com
pelo UNICEF, em parceria com o Instituto de a transmissão da pobreza entre as gerações.
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com a Para facilitar o controle social do orçamento
O recurso Fundação de Assistência ao Estudante (FAE). público federal voltado a crianças e adolescen-
aplicado na Essa metodologia identificava as ações e os tes, o UNICEF lançou, em outubro de 2008, em
infância e na recursos orçamentários do governo federal parceria com a Associação Contas Abertas, o
adolescência voltados para garantir a sobrevivência e a in- Sistema de Monitoramento do Investimento
deve ser tegridade das crianças e dos adolescentes. Criança (SimIC).Trata-se de um sistema infor-
encarado como Em 2000, o Orçamento Criança incorporou matizado, disponível a qualquer cidadão no
investimento. o acompanhamento das Metas do Milênio e, endereço www.investimentocrianca.org.br.
Ele contribui posteriormente, a metodologia foi revista para “A transparência é fundamental para entender
para diminuir estender o monitoramento às esferas estaduais o quanto e como o governo investe em cada
a transmissão e municipais. O novo projeto, realizado pela programa, o que também permite à sociedade
intergeracional Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do questionar”, afirma Gil Castello Branco, con-
da pobreza Adolescente, Instituto de Estudos Socioeconômi- sultor de economia do Contas Abertas.
cos (Inesc) e UNICEF, foi chamado De Olho no O SimIC apresenta dados do Sistema Integrado
Orçamento Criança. Além do acompanhamento de Administração Financeira (Siafi) relativos aos
da execução orçamentária, a iniciativa previa a investimentos nos programas e ações do governo
criação de uma rede de monitoramento das ações federal2 que beneficiam diretamente pessoas com
públicas voltadas para a criança e o adolescente menos de 18 anos e a outras iniciativas dirigidas
e a disseminação dessas informações para a à família que, indiretamente, repercutem na vida
sociedade em geral.Também foram analisados das crianças e dos adolescentes (como o Brasil
os programas e as políticas indiretas, como as Alfabetizado e o Bolsa Família). Mas elimina a
direcionadas para a família das crianças, que prática anteriormente adotada de pró-ratear as
também as beneficiavam. despesas dos programas e das ações pelo peso
A partir de 2007, o UNICEF passou a avaliar que as crianças e os adolescentes representa-
que o recurso aplicado na criança e no adoles- vam em cada um deles. Para o UNICEF, a nova
metodologia facilita o entendimento sobre o
1 Movimento criado em 1991, que chegou a congregar mais de 100 organizações
governamentais e não governamentais em torno da melhoria da situação da infância e da
adolescência. O Pacto pela Infância colocava metas de redução da mortalidade infantil, 2 Passíveis de acompanhamento no Siafi, o que não inclui eventuais ações
ampliação do acesso ao saneamento básico e à água, do aleitamento materno, entre outras. das empresas estatais.
desafios 129
orçamento público e permite a realização de Dos 15 programas analisados, nove são volta-
um advocacy mais contundente. dos diretamente à educação (Brasil Alfabetizado
A diferença entre o SimIC e o Siafi é que as e Educação de Jovens e Adultos, Brasil Escolari-
informações do SimIC foram sistematizadas de zado, Educação na Primeira Infância,Valorização
maneira simplificada para que sua compreensão e Formação de Professores e Trabalhadores da
seja mais rápida.Além disso, este sistema conta Educação, Desenvolvimento da Educação Espe-
com ferramentas que permitem fazer desagrega- cial, Desenvolvimento do Ensino Fundamental,
ções dos dados por região, estados, natureza das Desenvolvimento do Ensino Médio, Qualidade na
despesas, entre outros, e é atualizado frequen- Escola, Segundo Tempo). Somando-os ao Fundeb
temente.Assim, a sociedade pode acompanhar e à cota-parte do Salário Educação, tem-se que
como o poder público federal está utilizando 67,1% do Investimento Criança 2008 foram des-
os impostos; entender que programas e ações tinados à área, num total de R$ 32,8 bilhões.
estão sendo priorizados; e fazer um mapeamento Deles, o programa que mais obteve recursos
geográfico para identificar se os recursos estão do governo federal foi o Brasil Escolarizado, cujo
sendo destinados de forma a garantir a equidade objetivo é garantir o acesso e a permanência de
de direitos a meninos e meninas brasileiros. Junto todas as crianças e adolescentes na Educação
como o SimIC, o UNICEF lançou o Boletim In- Básica. Em 2008, essa rubrica recebeu R$ 7,6
vestimento Criança (BIC), publicação semestral bilhões, 2,8 vezes mais recursos do que no ano
que analisa a destinação desses recursos. anterior. Em seguida vêm o Qualidade na Escola,
com R$ 463,2 milhões, e o Desenvolvimento do
Como o dinheiro está sendo investido Ensino Fundamental, com R$ 308,3 milhões.
Segundo dados do SimIC, entre 2006 e 2008 o Muitas vezes a execução orçamentária, isto
governo federal aumentou em quase R$ 20 bi- é, o processo que define como e quando serão
lhões os recursos do Orçamento Geral da União realizadas as despesas, não ocorre de forma li-
para ações voltadas diretamente à criança e ao near – seja por questões de sazonalidade da O Boletim
adolescente. Em 2006, o Investimento Criança despesa, falta de planejamento ou inadimplência Investimento
foi de R$ 28,9 bilhões. No ano seguinte, saltou de alguns municípios. Por isso, é interessante Criança traz
para R$ 38,2 bilhões. Em 2008, o total pago até verificar qual o órgão executor do programa e análises semestrais
31 de dezembro e atualizado até 12 de março acompanhar essa destinação. da execução
de 2009 foi de R$ 48,9 bilhões – o que repre- Em sua primeira edição, o BIC não analisou a orçamentária
senta 95,3% da dotação inicial prevista para eficiência do Investimento Criança.Nos próximos na esfera federal
este ano (que era de R$ 49,7 bilhões). números, a intenção é fazer esse tipo de aprofun-
O Brasil conta com um contingente de damento, avaliando o quanto a repetência dos
quase 60 milhões de crianças e adolescentes. estudantes e as faltas dos professores impactam
Dividindo-se a execução orçamentária pelo total nos cofres públicos.Além disso, pretende-se fazer
da população, pode-se dizer que o Investimento análise dos dados por região para identificar as
Criança per capita em 2008 foi de R$ 814,34. Em iniquidades mais preocupantes.
2007, foram destinados R$ 635,93 por criança Ainda que o acompanhamento da execução
e, no ano anterior, R$ 482,02. orçamentária federal seja um avanço,é fundamental
Em 2008, o SimIC apurou informações de 15 ampliar esse tipo de controle social para as esferas
programas (cinco sem dotação orçamentária na estadual e municipal, por meio da avaliação de
proposta para 2009), 38 ações do governo federal dados disponíveis em sistemas semelhantes ao
voltadas para a criança e para o adolescente, Siafi. Só assim será possível identificar o quanto
além do Fundeb e da cota-parte dos estados e e como a administração pública está investindo
do Distrito Federal do Salário-Educação. na criança e no adolescente brasileiros.